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AS REGRAS DA SEDUÇÃO
AS REGRAS DA SEDUÇÃO

                                                                                                                                                  

 

 

 

 

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CAPÍTULO 6

Hayden se aproximou do pórtico de entrada do banco Darfield e Longworth. Quase não se lembrava do trajeto de Mayfair até ali. Sua cabeça estava tão tomada de preocupações pelo que ocorrera na biblioteca da casa de Henrietta que ele mal percebera a chuva fina que havia umedecido suas roupas.

Ele não tinha se comportado de forma honrosa. Mulheres na situação da Srta. Welbourne ficavam vulneráveis e muitas vezes sofriam abusos. Os homens que tiravam vantagem delas eram canalhas. Ele não era do tipo que importunava as damas. Os acordos que assumia com suas amantes e meretrizes eram claramente estabelecidos e mutuamente benéficos.

Talvez, com o tempo, ele se sentisse devidamente arrependido em relação à Srta. Welbourne. Naquele momento, nada poderia competir com as lembranças daqueles beijos e do modo apaixonado como fora correspondido. Ele não era um homem impulsivo, então o fato de aqueles beijos terem acontecido o fascinava tanto quanto a reação sensual de Alexia Welbourne.

Era o tipo de coisa que ele teria feito logo após o falecimento do pai. Ao luto se seguira uma euforia de liberdade, como se ele fosse um prisioneiro libertado do uma cela subterrânea. Durante dois anos vagara pela vida como um bêbado, chafurdando em emoções extremas e atos impetuosos, deleitando-se com os prazeres imprudentes que tinham sido negados a ele por tanto tempo.

Fora um ator experimentando trajes no palco de Londres, na esperança de que um deles lhe caísse melhor do que a própria pele. Estava aflito para negar a verdade que o cercava – que era de fato filho de seu pai e que se assemelhava muito a ele.

Até que finalmente aceitou o legado e controlou seu lado ruim, ao mesmo tempo que explorava seus pontos fortes. Ao passar pelo pórtico, no entanto, seu equilíbrio vacilou de novo. As especulações em torno da lembrança daqueles beijos eram mais desonrosas do que os beijos em si. Seu lado inescrupuloso cogitava seduzir a Srta. Welbourne por completo e imaginava as tentações necessárias para convencê-la de que seria do interesse dela chegarem a um daqueles acordos mutuamente benéficos.

A cena dentro do banco varreu essas considerações de sua mente. Uma aglomeração de cerca de trinta homens tinha se formado, compondo uma linha desorganizada na frente dos escritórios.

Vários outros homens chegavam, todos com muita pressa. Ele notou a preocupação em seus rostos e em seus passos rápidos. Percebeu sinais do início de uma corrida ao banco.

Ninguém o tinha vista ainda. Ele ouviu uma menção ao nome Longworth. A porta do escritório se abriu. Darfield deixou que um homem entrasse e depois voltou a fechá-la.

Hayden se aproximou da multidão. Um murmúrio de pânico se espalhava.

Um homem bloqueou sua passagem.

– Você não vai passar na frente, Rothwell. Não vamos ficar com as migalhas depois que sua família for alimentada.

– Minha família não tem intenção de jantar aqui hoje.

– Você disse isso há um mês, mas há boatos de falcatruas por aqui, o que Longworth...

– O Sr. Longworth vendeu sua participação para Darfield por motivos pessoais. Suas finanças particulares não se refletem no banco.

– Então por que está aqui? – perguntou outro homem.

– Não é para retirar meu dinheiro, isso eu lhe asseguro.

Ele foi alvo de alguns olhares incrédulos. Havia um número muito grande de bancos falindo para que as pessoas confiassem umas nas outras.

– Não tenho razão para desconfiar da força financeira deste banco – disse ele, alto o bastante para ser ouvido por todos. – E não tenho intenção de resgatar títulos ou encerrar contas agora, nem motivos para considerar essa hipótese no futuro. Se os cavalheiros quiserem sacar seu dinheiro, o Sr. Darfield vai honrar os saques. As reservas são mais do que suficientes para cobrir todas as suas demandas.

Sua franqueza aplacou o pânico da multidão. Ele podia ter se mostrado um canalha ao se render a seus desejos físicos naquele mesmo dia, mas seu sucesso nos investimentos não tinha sido alcançado usando artimanhas enganosas.

A agitação da turba se desfez. Alguns homens partiram. Outros se reagruparam para discutir o que fariam. O caminho para o escritório foi liberado.

Ele pediu ao funcionário do banco que o anunciasse, mesmo sabendo que Darfield já estava recebendo alguém. Darfield apareceu na porta de imediato, sério e resoluto em sua casaca escura e colarinho alto, amigável com seu rosto de expressão suave e cabelo prateado. Ele saiu e fechou a porta atrás de si.

Darfield pediu que o funcionário se retirasse. Enquanto sorria confiantemente para os homens que os observavam, disse em voz baixa:

– Lamento dizer que a avaliação que fizemos das contas não foi detalhada o bastante para detectar as falcatruas de nosso amigo.

– O que quer dizer?

O banqueiro empurrou a porta e mostrou o visitante que o esperava do lado de dentro. Hayden o reconheceu: Sir Matthew Rolland, um baronete da Cúmbria, um condado no norte do país.

Darfield fechou a porta de novo.

– Ele quer sacar os títulos que mantém conosco. Quando verifiquei e expliquei que haviam sido vendidos, ele insistiu que nunca os vendera e que estava recebendo os rendimentos normalmente.

– Verificamos todos os títulos vendidos nos últimos anos. Imagino que alguns tenham passado despercebidos. Mas ele realmente vem recebendo os rendimentos?

– Estava indo verificar exatamente isso.

– Ficarei esperando com ele enquanto você verifica. Não seria um bom momento para ele deixar este escritório com raiva e cheio de acusações.

Darfield olhou para a aglomeração de homens.

– Tem razão, não seria mesmo.

Ele se dirigiu para outra sala, onde eram mantidos os registros das contas.

Hayden abriu a porta. Sir Matthew não tinha qualquer ar de preocupação. Louro e de rosto redondo, afeito a caçadas no campo, ele parecia aguardar calmamente enquanto um mero erro de registro era corrigido.

– Rothwell – saudou ele, com um sorriso amável. – Veio salvar o legado de Easterbrook, não é mesmo?

– Não estou aqui com esse objetivo. Sou amigo do Sr. Darfield.

– Então pode ajudá-lo a consertar esse mal-entendido. Ele está dizendo que vendi meus títulos. Nunca fiz isso.

– Tenho certeza de que ele encontrará rapidamente o erro nos registros. Qual é o valor em questão?

– Cinco mil.

Hayden entreteve Sir Matthew com uma conversa sobre caçadas e esporte. Darfield demorou cerca de meia hora para se juntar a eles. Quando voltou, seu rosto tinha uma expressão de sobriedade.

– Sir Matthew, estou sem jeito de lhe dizer que será complicado resolver a situação dos registros de seus títulos. Em vez de mantê-lo esperando mais ainda, vamos lhe entregar o dinheiro e resolver os outros detalhes depois.

Sir Matthew não percebeu quanto essa oferta era estranha. Darfield se sentou à mesa e assinou uma permissão de saque. Hayden notou que era da conta pessoal do banqueiro.

Com sorrisos e despedidas amáveis, eles viram um Sir Matthew muito satisfeito ir embora. Assim que a porta se fechou, Darfield se permitiu extravasar seu desalento:

– Não há registro de pagamento ao cliente – disse ele. – Tudo o que temos registrado é que os títulos foram vendidos, ponto final. Igual aos outros. Long­worth deve ter vendido os títulos dele e agora estou cinco mil libras mais pobre. Minha pergunta é: qual é o tamanho do rombo daquilo que nos escapou?

– Não acho que tenha nos escapado nada.

A lembrança de uma boca sensual distraiu Hayden, mas ele não se deixaria levar de novo por aqueles pensamentos por enquanto.

– Parece que teremos que verificar tudo mais uma vez.

– Será que alguém revelou o jogo de Longworth e Sir Matthew está... Não é possível... Isso seria chocante demais até para se imaginar – falou Darfield.

– Vamos ver se Timothy Longworth pagou rendimentos a ele sacando de suas contas pessoais, como fez com os outros. É bom nos certificarmos de que isso seja o final dessa história. Quando os registros mostram que ele vendeu os títulos?

Darfield sentou-se e abriu um grosso livro-razão.

– Foi em1822. Não, espere – disse e olhou com mais atenção para o papel. – A tinta está um pouco apagada. Pode ser... Mas essa data é impossível!

– Que data?

Darfield olhou espantado.

– Aqui consta 1820.

Hayden ficou tão surpreso quanto Darfield. Timothy Longworth ainda não era sócio do banco naquele ano. O sócio era Benjamin.

Uma tristeza profunda tomou conta de Hayden. E não foi provocada apenas pela expectativa do que poderia vir a descobrir a respeito do amigo: de repente se tornava mais plausível uma suspeita que ele vinha reprimindo em relação à morte de Benjamin.

– Vamos ter que examinar todos os registros dos títulos mantidos no banco, desde a época em que Benjamin Longworth adquiriu sua participação no negócio. Se ainda tiver informações sobre as contas pessoais de Benjamin, traga-as também.

Darfield assentiu, sua tristeza era evidente.

– Agradeço muito por sua ajuda e discrição. Precisará de mais alguma coisa?

– Uma bebida forte. Uísque serve.


Os três irmãos jantaram em casa naquela noite. Hayden teria apreciado esse encontro em qualquer outro dia. Naquela noite, no entanto, nem o espírito sagaz de Elliot conseguiu tirá-lo de seus pensamentos. Sua distração criou longos períodos de silêncio à mesa. Também atraiu o olhar de Christian em sua direção com muita frequência.

– Estamos muito sérios hoje – disse o mais velho. – Se eu soubesse que você estaria tão tedioso, Hayden, teria aceitado o convite para ir à festa de Lady Falrith. Pelo menos lá o tédio teria várias fontes.

– Estou pensando em uma equação que ando testando.

Normalmente ele não contava mentiras tão deslavadas, mas não poderia revelar o que estava pensando de verdade.

Ele deixara o banco naquele dia com perguntas de mais na cabeça. Também guardava um segredo terrível. Timothy Longworth não tinha sido o criador do esquema de falsificar assinaturas para vender títulos. Aprendera o truque com Benjamin, que vinha fazendo isso praticamente desde que adquirira participação no banco de Darfield. Após a morte de Ben, Timothy continuara pagando rendimentos às vítimas de Ben, enquanto fazia ele mesmo novas vítimas do golpe.

Sua cabeça ficou repleta de lembranças nas horas que seguiram àquela revelação. Benjamin garoto, tão imprudente e espirituoso quando comparado aos irmãos Rothwells. O pai deles tinha sido um homem rígido, severo em sua honra e dominador em sua personalidade.

O que nos torna humanos é a capacidade de sermos racionais. Os gregos já sabiam disso, mas esta é uma lição que os homens esquecem, colocando-se em risco. A paixão tem seu lugar, mas é a mente que deve comandar seus atos. As emoções levam a impulsos que destroem a honra, a fortuna e a felicidade.

Ele aprendera essa lição de uma forma ou de outra todos os dias de sua juventude. O pior é que vivera com a prova de sua verdade, vendo o sofrimento que a emoção e a paixão trouxeram a seus pais. No campo, no entanto, conseguia escapar tanto do homem quanto da lição, que durava horas sem fim. Benjamin Longworth, um garoto que morava no final da estrada, havia se transformado em um tônico contra a forma como aquela lição tornava suspeitas e vergonhosas a alegria e a animação.

– Achei que você tivesse posto limites a essas investigações matemáticas – disse Christian. – Você precisa aprender com Elliot. Quando está no mundo real, tem que viver de forma real. Ele não está sendo tedioso hoje.

Tendo acabado de pensar no pai, Hayden não gostou de ouvir Christian usar um tom tão parecido com o dele.

– Não estou aqui para distraí-lo, maldição!

Christian achou a resposta ríspida muito interessante. Elliot também.

– Não acho que sejam os números o que está distraindo você, Hayden – comentou Elliot.

– Pense o que quiser.

Não queria falar no assunto. Seus irmãos não sabiam de nada e não podiam lhe acrescentar qualquer explicação. Somente uma pessoa em Londres poderia ter informações a respeito de Ben e do banco. Uma mulher que o odiava, mas que reagira com paixão a seus beijos. Uma mulher que tinha sido apaixonada por Ben e ainda era.

– Talvez esteja pensando em alguma mulher – disse Christian a Elliot.

Era muito enervante ver Christian adivinhar a razão verdadeira.

– Embora ele nunca se distraia muito por causa delas – continuou o mais velho. – Teria que ser uma moça muito especial, só que nenhuma delas nunca é tão especial assim para ele. Não há lógica no amor, nenhuma equação matemática que o comprove, então Hayden conclui que o amor não existe.

Elliot lhe deu uma olhadela. Tinham sido aliados no passado, quando Christian era o perfeito. Elliot percebia seu humor de uma forma que mais ninguém conseguia.

– Não acho que seja mulher – disse ele.

Ele estava certo e errado. Uma mulher perpassava todos os seus pensamentos sobre Ben. O que ela sabia? Como reagiria ao descobrir os crimes de Ben? Ela culparia Hayden Rothwell se tudo viesse a público e a reputação de Ben fosse manchada?

Darfield tinha prometido silêncio de novo, para proteger a própria fortuna e a reputação. Hayden usara recursos próprios para cobrir qualquer perda dos clientes do banco. Sua dívida para com um velho amigo acabara ficando cara demais.

Com uma clareza implacável, ele viu os fatos se desdobrarem à sua frente. Ben se encaixava perfeitamente em seu papel naquele drama. Mesmo a bebedeira no navio de volta, sua resistência em retornar à vida estável de um banqueiro – disso ele tinha certeza a respeito de Ben. O que mais, além do tédio, estaria esperando por ele em Londres? E como isso afetara seu estado de espírito?

Será que estava desesperado, prevendo a descoberta de seus crimes? Havia construído um castelo de cartas com aqueles roubos. Devia saber que no fim o castelo ruiria. Será que tinha pulado do navio? Esta sempre fora uma possibilidade, considerando o humor de Ben nos dias anteriores. Uma possibilidade que Hayden evitara contemplar, porque, se Ben tinha pulado, Hayden havia permitido que isso acontecesse.

Um buraco tinha se aberto em seu estômago e se recusava a fechar. Carregava imensa culpa por aquela noite. Agora se indagava se seu próprio orgulho não o cegara para a profundidade do desespero do amigo.

– Bem, mas seria adequado que uma mulher o estivesse distraindo – insistiu Christian. – Um de vocês precisa se casar logo. Quero ter um sobrinho.

Elliot riu.

– Nunca seremos obrigados a nos casar, Christian, não teremos que abrir mão de nossas excentricidades para agradar uma esposa. Você é quem tem esse dever – Elliot disse isso e esticou as pernas, examinando o irmão mais velho. – Deve começar cortando o cabelo. Ouvi dizer que as moças usam a palavra “selvagem” quando o descrevem.

Christian ignorou o comentário. Não gostava que os outros se metessem na sua vida. Ser intrometido e incisivo era um direito que reservava apenas a si mesmo.

– Em último caso, vocês dois podem ter amantes – murmurou Christian. – Hayden tem andado irritadiço ultimamente e eis a razão. E você está sempre enfurnado em alguma biblioteca, Elliot.

– E você está sempre enfurnado nesta casa – rebateu Hayden.

Mesmo em seus melhores dias, a presunção de seu irmão o perturbava. Hoje ele não estava de muito bom humor para tolerá-la.

– Você se esquiva de seus deveres para com seu título e tem a petulância de dizer que temos que lhe dar um herdeiro. Cuide de suas próprias obrigações, de sua própria mulher e de seus próprios hábitos, Easterbrook – continuou Hayden. – Quando tudo isso estiver em ordem, pode prestar atenção em mim.

Elliot bebericou seu vinho com um leve sorriso. Os olhos de Christian ficaram frios.

– Sei exatamente quais são meus deveres em relação a meu título e minha família – declarou o marquês. – Sei porque fiz escolhas claras em relação a isso. É possível fazer as coisas dessa forma, Hayden. Não é preciso aceitar os ditames da sociedade, da religião ou do pai. Podemos escolher o que devemos a uma ideia ou a uma pessoa.

O fantasma de Benjamin pairava sobre eles, sorridente e feliz, como se Christian o tivesse chamado. Contudo, a imagem mudou rapidamente. Hayden viu Benjamin no convés do navio, carregando uma garrafa e se recusando a descer.

Por que Ben tinha saído da Grã-Bretanha e por que a volta o deixara tão desnorteado? E se tinha roubado mais de quarenta mil libras, onde diabos estaria todo esse dinheiro?


Alexia espiou o chapéu empoleirado na cabeça de Lady Wallingford. Não se poderia achar uma falha grave em sua modelagem. Ficaria mais elegante se as fitas fossem um pouquinho mais estreitas e as flores de cetim, um pouco menores, mas a Sra. Bramble, a chapeleira, conhecia bem seu ofício.

– As cores são um pouco fortes demais para a senhora – disse Alexia.

– Mas adoro vermelho e fica sofisticado com azul – retrucou Henrietta.

– O conselho da Srta. Welbourne não é sem razão, madame. A senhora tem a pele muito clara e essas nuances em particular tiram a atenção de sua própria beleza – reforçou a Sra. Bramble, olhando para Alexia em busca de aprovação.

Alexia assentiu sutilmente. Ela e a chapeleira estavam dando uma trégua.

Desde que tinham chegado à loja, Alexia conseguira desencorajar Lady Wallingford de comprar três chapéus muito caros. Sem dizer uma só palavra sobre o assunto, tinha dado a entender à Sra. Bramble que, a menos que quisesse assinar algum recibo de venda, teria de cooperar.

A Sra. Bramble trouxe uma cesta de fitas. Alexia pegou uma de um tom amarelo forte. Desenrolou-a diante do rosto de Henrietta e o verde dos olhos dela imediatamente se intensificou. Cobriu todo o vermelho flamejante com a fita e prendeu a ponta, de forma que a patroa pudesse julgar o efeito por si mesma ao olhar no espelho.

Enquanto Henrietta avaliava o próprio reflexo, a Sra. Bramble espiava Alexia.

– Você tem jeito para a coisa, não posso negar – disse ela baixinho. – Seu chapéu é muito bonito e finamente elaborado. Posso perguntar onde o comprou?

– Em uma lojinha no centro da cidade. A maioria das lojas por lá é bem simples, mas há uma mulher cuja habilidade supera a de todas as outras.

– Se ficar sabendo que essa mulher está à procura de emprego, por favor, peça que me procure.

Henrietta decretou que o amarelo, apesar de não tão marcante quanto o vermelho, seria uma escolha melhor. Ela encomendou um chapéu e vários casquetes para si e para Caroline. Alexia a acompanhou até a carruagem. Esperava que lorde Rothwell reconhecesse que ela havia conseguido reduzir um pouco a conta que sua tia pretendia fazer nessa visita.

O lacaio deu a mão a Henrietta para que ela subisse na carruagem, mas Alexia declinou sua ajuda.

– Eu deveria ter aproveitado para encomendar algo para mim – disse ela. – Posso voltar, senhora? Não vou me demorar.

– Pode. Como Hayden vai trazer Caroline para nos encontrar, madame Tissot pode começar a tomar as providências se eles chegarem antes.

A presença iminente de lorde Rothwell era um dos motivos de Alexia querer voltar para a loja. Não havia uma forma generosa de encarar aqueles beijos na biblioteca. Ele tinha sido um canalha e ela, uma libertina. Era simples assim.

Se pudesse acreditar que um deslize desses nunca mais se repetiria, poderia tentar fazer de conta que nunca acontecera. Infelizmente, as coisas não estavam tão claras assim. Ele fizera duas visitas nos últimos dias e o clima ficara pesado com a consciência dele do que ela permitira. No entanto, Alexia não tocou no assunto. E lorde Hayden não se desculpou, como já era de esperar.

As expressões e olhares dele poderiam não revelar a verdade chocante, mas sua mera presença tornava o clima tão denso que até respirar ficava difícil. O pior é que uma excitação tola pulsava silenciosamente na cabeça de Alexia e no seu sangue, por mais que tentasse controlar.

– Lady Wallingford esqueceu algo? – perguntou a Sra. Bramble quando Alexia entrou na loja de novo.

A chapeleira deu uma olhada em torno, procurando um xale ou uma bolsa.

– Queria falar com a senhora sobre a mulher que fez meu chapéu. Ela também confecciona por conta própria, fora do horário em que trabalha para o patrão. Suas melhores criações estão disponíveis por encomenda direta porque a dona da loja não tem bom gosto suficiente para apreciá-las.

– Isso é bem comum – disse a Sra. Bramble. – Não gostaria que minhas funcionárias fizessem isso, é claro, mas se a dona da loja não quer os chapéus... bem, é diferente.

– Creio que sua loja fará mais jus aos talentos dela do que qualquer loja no centro, e de forma muito melhor do que ela conseguiria por conta própria.

Os olhos da Sra. Bramble se estreitaram enquanto ela considerava a proposta.

– Essa mulher traria os chapéus para mim pessoalmente?

– Eu ficaria feliz de fazer isso por ela.

– Se eu usasse como modelo o chapéu que você trouxer, ela faria os pedidos em tempo hábil? Executaria as alterações solicitadas?

– Tenho certeza de que sim.

A Sra. Bramble olhou para ela de maneira astuciosa.

– Você parece conhecê-la muito bem.

– Já conversamos algumas vezes e sei que ela é honesta e diligente.

– Nesse caso, gostaria muito que a senhorita lhe dissesse para me mandar um ou dois chapéus, se forem da qualidade do que está usando.

Alexia correu para se reunir à patroa. A Sra. Bramble suspeitou que não houvesse mulher nenhuma no centro. Tinha sido gentil ao permitir a mentira para não ferir o orgulho da moça.

Alexia voltara à loja em um impulso, mas fora também uma decisão nascida de anos de especulações sobre o próprio futuro. Seu primeiro plano para o emprego não vinha se desenrolando da forma como pretendera. Se continuasse a ser preceptora de Caroline, ficaria vulnerável aos galanteios inexplicáveis e desonrosos de Hayden Rothwell.

Ela também não poderia mentir para si mesma sobre a corte de Hayden. Os beijos não tinham sido nem um pouco como os de Ben. Não poderia fingir que tinha sido amor o que os inspirara. Eles tinham compartilhado uma paixão selvagem que não necessitava da mínima afeição. A excitação que ele causava era dominadora demais, perigosa demais e sem nenhum romantismo.

Agora, no entanto, encontrara uma forma de ser chapeleira sem ter de trabalhar em uma loja. Isso era muito melhor do que ser uma criada, independentemente do nome dado ao cargo. Era também muito melhor do que virar cortesã, por mais agradável que fosse a sedução que levava a isso.

Ela poderia fazer os chapéus e ver quanto receberia da Sra. Bramble. Talvez fosse o suficiente para permitir que começasse a planejar uma vida em que não ficaria vulnerável aos perigosos galanteios de Rothwell.


Hayden xingou a si mesmo. Ele xingaria Alexia Welbourne também, mas não seria justo.

Não era culpa dela o fato de ele estar naquele antro feminino, avaliando vestidos coloridos e ouvindo as críticas incessantes de Henrietta. Pelo amor de Deus, ele tinha se oferecido para trazer Caroline até ali de modo que ela pudesse se encontrar com sua mãe e a preceptora.

Ele esperara até as damas chegarem, mesmo podendo ter deixado a prima nas mãos competentes de madame Tissot. Agora estava sendo punido por seu desejo oculto de ver a Srta. Welbourne, que fazia com que atendesse aos pedidos de Henrietta com muita frequência.

A mulher que ele assediava agia como se ele não estivesse presente. Contudo, o lado sedutor nele notava qualquer pequeno rubor e gaguejo de Alexia. E seu lado cavalheiro... bem, ele continuava a pôr honra e desejo na balança e concordava com tardes tediosas como esta para poder gozar do desejo enquanto fingia exercitar a honra.

Mas ele saudava o estímulo traiçoeiro das batalhas silenciosas que agora travava tanto dentro de sua cabeça quanto fora, naquele cômodo. Um dos motivos era que isso obscurecia as perguntas incessantes em relação a Benjamin Longworth.

Elas ocupavam sua mente, tomavam sua atenção. Ele queria saber por que Ben tinha roubado todo aquele dinheiro e se esses crimes estavam ligados à sua morte.

Alexia Welbourne talvez soubesse a resposta para algumas dessas perguntas. Mas, quando Hayden estava com ela, esquecia tudo sobre isso. Ele tentava se convencer de que buscava a companhia dela apenas para poder sondar fatos sobre Benjamin, mas nem mesmo procurava tocar no assunto. Nada disso era boa notícia para o lado honroso de sua batalha interior.

– O que você acha, Hayden? – perguntou tia Henrietta, segurando dois cabides com vestidos de debutante. – Qual deles devemos escolher?

– Sou ignorante demais nesse assunto para dar conselhos. Qual a opinião da Srta. Welbourne?

Alexia tinha se retirado para sentar em uma cadeira o mais afastado dele possível. Henrietta pediu que ela se aproximasse. Com uma expressão passiva e postura digna, Alexia se juntou aos dois. Seu olhar não pousou nele nem por um instante. Ela possuía uma capacidade excepcional de ignorá-lo sem parecer deliberadamente rude.

O lado sedutor não se importava com isso. Ela podia evitar o olhar, mas não tinha como esconder que mudava de atitude por causa dele. A corda aveludada da sensualidade os unia agora. Ele não conseguia resistir a provocá-la, pela mera força do desejo.

Ela examinou as peças nos dois cabides, depois fez uma avaliação crítica da jovem Caroline. Então voltou o olhar para a modista que aguardava, na expectativa.

– Senhora, precisamos de alguns minutos de privacidade para fazer nossa escolha.

Madame Tissot não gostou nada de ser excluída, mas se retirou.

Alexia segurava um cabide meio de lado para que pudesse vê-lo também.

– Este seria o vestido mais apropriado. Contudo, é o mais caro. Não devemos nos deixar enganar por sua discrição. Os enfeites carregam centenas de pérolas e muitos metros de guipura. Custará bem mais do que este outro, deixando pouco para ser gasto com o restante do guarda-roupa.

Foi um discurso admiravelmente prático, sensato e convincente. Antes que as últimas palavras fossem ditas, pôde ver a expressão decepcionada de Caroline aceitando que o outro vestido teria que servir.

Alexia não olhou na direção de Hayden, mas manteve o cabide à vista dele.

– Tia Henrietta, talvez Caroline possa ver outros vestidos de baile antes de tomar uma decisão final sobre este – disse Hayden.

Tia Henrietta achou que era uma ideia esplêndida. Ela e a filha se lançaram mais uma vez no longo processo de avaliação dos vestidos pendurados nos cabides.

Ele aproveitou a oportunidade para se dirigir à Srta. Welbourne em particular, algo que lhe fora impossibilitado desde que a beijara.

– Você prefere esse aí, não é? – perguntou ele, indicando com um gesto o cabide que Alexia ainda segurava entre os dedos.

Dedos longos e elegantes, perfeitamente desenhados. Ele imaginou aquele vestido com espessa barra de rosetas bordadas em pérolas sendo usado por uma mulher. Não pela jovem e pálida Caroline, mas outra mulher, madura e confiante, com cabelo castanho e olhos violeta.

– Chama muito mais a atenção. É uma modelagem que todos notariam. Mas é caro demais para sua tia.

– Quer que Caroline fique com este vestido, não?

– Ela se sentiria muito mais especial, mais bonita. Como uma princesa. Isso se refletiria em seu comportamento, no jeito de se portar, sorrir – disse ela, mas, em vez de olhar para ele, olhou para Caroline, que examinava fotos com sua mãe e depois voltava a examinar o cabide.

Nunca olhava para Hayden agora.

– Ela fica muito intimidada por sua tia – continuou Alexia. – Também tem muita consciência da renda limitada da família. Ao contrário da mãe, ela se tornou muito sensata. Às vezes, no entanto...

– Às vezes a pessoa pode ser sensata demais?

– Ela é muito jovem. A sensatez é uma virtude que combina melhor com a maturidade.

Lorde Hayden olhou para o cabide em que estava pendurado o vestido que faria uma garota se sentir uma princesa. A mulher que o segurava nunca tivera essa experiência, mas evidentemente entendia muito bem os sonhos e inseguranças da adolescência. Ela se orgulhava de seu bom senso, mas não queria que a jovem Caroline ficasse presa cedo demais às mesmas considerações práticas.

Ela queria que Caroline estivesse com o vestido. Queria isso tanto que permitira essa conversa, mesmo quando tentava fingir que ele não existia.

– Minha prima vai usar o vestido que a senhorita prefere, Srta. Welbourne. Vou dizer à tia Henrietta que é um presente de Easterbrook, assim ela não vai imaginar segundas intenções de minha parte.

Ele se encaminhou a Henrietta e explicou a generosidade de Easterbrook. O rosto de Caroline se iluminou. Ela deu um pulinho e correu para pegar o cabide das mãos de Alexia. Rindo e dançando ao redor da cadeira de sua preceptora, ia lhe pedindo conselhos sobre cores. Alexia riu e se juntou à celebração.

Enquanto ele observava a excitação das moças, explicou outras coisas para a tia.

Henrietta chamou a atenção da filha.

– Precisamos escolher pelo menos um dos vestidos de baile hoje, antes que outras moças comprem as melhores criações. Você ainda tem que vir até aqui e fazer isso. O mesmo vale para a Srta. Welbourne.

– Ouso dizer que não precisam do meu conselho a esse respeito – disse Alexia.

– Não preciso que me aconselhe, mas que escolha seu vestido. Como minha dama de acompanhia, você irá a algumas festas e passeios e vai precisar de um guarda-roupa apropriado.

A expressão de Alexia deixou claro que estava pasma.

– Não posso comprar essas roupas, nem a minha presença será necessária.

– Creio que esta é uma decisão que compete a mim. O irmão de Hayden concorda que sua presença é necessária e que deve estar bem-apresentada. Easterbrook se ofereceu para fornecer o guarda-roupa.

Henrietta então se virou para Hayden exibindo sua expressão mais adorável.

– Por favor, diga-lhe que somos todas muito gratas. Vou expressar meus agradecimentos quando o vir novamente, mas ele é tão esquivo...

– Transmitirei seus agradecimentos.

– Por favor, não transmita os meus – disse Alexia. – Anseio por fazê-lo eu mesma. Expressarei meus agradecimentos do meu jeito ao homem responsável por essa generosidade inesperada.

Ela o encarou, dando-lhe o primeiro olhar direto dos últimos dias. Seus olhos comunicaram as palavras furiosas que não ousava dizer na frente de Henrietta e Caroline.

Ela suspeitava que o guarda-roupa viria dele e não de Easterbrook. Não gostava que ele tivesse encontrado um jeito de lhe dar presentes caros sem que ela estivesse de acordo.

O lado cavalheiro estava perdendo a luta sobre o que fazer com Alexia Welbourne.


CAPÍTULO 7

Hayden passou adiante os documentos. Suttonly assinou seu nome.

– Você deveria lê-los – avisou Hayden.

– Seu irmão os lê?

Suttonly falou com seu típico tom entediado. Ele passou as folhas de volta para Hayden e se recostou na cadeira.

– Easterbrook lê tudo.

– Meu advogado vai verificar tudo quando os documentos finais forem preparados. Até hoje, você nunca me orientou de forma errada. Minha riqueza duplicou desde que comecei a seguir seus conselhos.

– Um homem menos honrado do que eu teria ficado com uma parte maior do que você ganhou nos últimos anos – disse Hayden.

– Se estivéssemos nos enfrentando em uma mesa de jogo, eu já teria me levantado e ido embora há muito tempo, Rothwell. Nesse assunto, no entanto, você provou ter menos sede de sangue.

Suttonly aludia a um passado que, sendo velho amigo de Hayden, ele conhecia bem demais. Rothwell se tornara notório nas mesas de jogo assim que chegara à idade adulta. A excitação da vitória o levava à loucura. Tudo tinha sido parte de suas tentativas de se tornar um homem diferente do que sua criação mandava.

Ele arriscara se arruinar nas mesas, mas, em vez disso, ficara rico. Levara um bom tempo para perceber que jogava com uma vantagem injusta. Os outros homens viam cartas aleatórias, mas ele enxergava os padrões. Mesmo jogos de azar eram regidos pelo que as cartas anteriores ditavam.

Foi então que descobriu a obra de Bayes e Lagrange e de outros. Leu o livro de LaPlace sobre probabilidades. O estudo delas estava se tornando uma ciência, uma ciência que o fascinava.

Contudo, perceber a verdade tirou o divertimento dos jogos. Agora ele se restringia a um tipo de aposta mais justa. Ainda via padrões, ainda calculava as chances com um talento que a maioria não possuía, mas as variáveis desconhecidas de alguma forma nivelavam o terreno. E o que era ainda melhor: às vezes havia vitórias em que ninguém perdia.

Suttonly se levantou e saiu andando pela sala do centro financeiro de Londres onde Hayden realizava seus negócios. Ela era parte de uma suíte que continha ao mesmo tempo um escritório e um quarto de dormir. Rothwell raramente usava este último, mas, nas ocasiões em que tinha ficado trabalhando até mais tarde, ele havia se mostrado conveniente.

– Ainda nisso, pelo que vejo.

Suttonly avistara os dados em uma mesinha e observava o caderno com colunas ao lado deles.

– Está com sorte?

– Estou caminhando – disse Hayden.

A mesa continha os progressos de um experimento em curso. Por trás do que o senso comum considerava sorte ou oportunidade havia leis que regiam as probabilidades. Os cientistas acreditavam que o mundo funcionava como um relógio bem projetado, mas ele achava que, na verdade, o mundo poderia ser definido por equações matemáticas bastante simples.

Suttonly prosseguiu, metendo o bedelho em coisas particulares, como velhos amigos tendem a fazer. Focou sua atenção em uma pilha grossa de folhas em cima de uma escrivaninha.

– O que é isso?

– Uma nova prova matemática recentemente apresentada na Sociedade Real de Londres. Estou verificando se tem fundamento.

– Vá com cuidado, Rothwell. Esses seus interesses ainda não o tornaram tedioso, mas, em dez anos, se não ficar atento, ninguém vai querer conhecê-lo, exceto os idiotas dos acadêmicos da Somerset House.

– Restrinjo minha brincadeira com números abstratos a algumas horas por dia – disse Hayden. – Na verdade, são as horas que estão transcorrendo agora.

– Vou deixá-lo, então. A propósito, esse negócio com Longworth, acredito que não tenha sido seu gosto por sangue a causa da ruína dele. Mas os boatos de que você estava por trás disso continuam a correr.

– Não frequento as mesas de jogo há anos.

– Que resposta interessante. Seria ambígua o suficiente para eu erguer minhas sobrancelhas, se eu fosse do tipo que se importa. Longworth já vai tarde. Ben podia ser divertido se a gente deixasse de lado seu entusiasmo exaustivo, mas Timothy se mostrou tediosamente ganancioso.

Quando Suttonly foi embora, Hayden colocou os documentos dentro de uma gaveta. Então se aproximou da escrivaninha.

Em minutos, sua mente passou por várias fórmulas, transcorrendo a poesia incrível e indescritível simbolizada por suas anotações. Quando estava na escola, havia considerado a matemática uma tarefa vagamente interessante, na qual se superava continuamente. Por fim, um professor o apresentara à profunda beleza oculta nos cálculos mais sofisticados.

Era uma beleza abstrata, presente na natureza, mas não fisicamente visível. Não tinha nada a ver com o mundo no qual a maioria das pessoas vivia. Não havia emoções, fome ou fraquezas nesses números. Nenhum sofrimento nem culpa, nenhuma paixão nem impulsos. Essa beleza era pura racionalidade, do tipo mais fundamental, e as visitas dele a seus domínios poderiam ser escapes, ele sabia. Nas ocasiões em que sua alma estava atormentada por questões mais humanas, ele sempre encontrava paz ali.

– Sir.

A voz o puxou de volta para o mundo real. O funcionário estava em pé ao seu lado. O homem tinha instruções para interrompê-lo em uma hora específica, de forma que ele não desperdiçasse o dia inteiro nessas abstrações. Hayden não conseguiria dizer quanto tempo ficara ali, mas sabia que a interrupção tinha ocorrido cedo demais.

– Chegou um mensageiro – explicou o funcionário. – Ele trouxe isto e a instrução de que o senhor gostaria de receber imediatamente. Se eu deveria ter esperado...

– Não, você agiu corretamente.

Ele rompeu o selo enquanto o funcionário voltava para a antessala. Leu a única frase escrita por um lacaio subserviente da casa de Henrietta.

A Srta. Welbourne havia tirado folga e fora visitar as lojas da Albemarle Street.


Se Phaedra Blair não possuísse nem estilo nem beleza, as pessoas a considerariam meramente estranha. Como a natureza a tinha abençoado com ambas as qualidades, a sociedade a achava quase interessante.

Phaedra era uma das poucas pessoas que Alexia podia contar como amiga, além de sua prima Roselyn. Mas não mantinham uma amizade expressamente pública, apesar de às vezes passarem um tempo juntas na cidade, como faziam hoje. Phaedra era a amiga que Alexia normalmente procurava quando queria falar em particular sobre livros e ideias.

Filha ilegítima de um membro do Parlamento reformista e de uma intelectual, Phaedra morava sozinha em uma pequena casa em uma rua pobre perto de Aldgate. Herdara dos pais a capacidade de dispensar regras e crenças que lhe parecessem estúpidas. Por causa disso, ela e Alexia tinham tido algumas discussões fortes em certas ocasiões. Tinha sido uma delas – ocorrida dois anos antes, no dia em que se conheceram ao examinar a mesma pintura em uma exposição da Royal Academy – que iniciara sua amizade.

– Acho que seu plano de fazer chapéus é admirável. Como afinal você entendeu, uma mulher dependente é uma mulher escravizada – disse Phaedra.

Uma vez que um tio lhe havia deixado uma renda de cem libras por ano, Phaedra não era escravizada por nada nem ninguém.

Elas estavam passeando pela Pope’s Warehouse, na Albemarle Street, Alexia comprava aviamentos. Ela decidira fazer um chapéu e um gorro. Escolheu um fio de ferro que poderia usar para fazer a aba.

– Não permita que essa chapeleira a roube. Seus chapéus valem muito – disse Phaedra. – O design é tudo na arte.

– Ela vai querer lucrar também. Posso me sustentar com poucas libras por mês.

Com dificuldade, mas era possível. Se ela fosse frugal, poderia poupar algum dinheiro também. Em poucos anos, teria condições de abrir uma escola para meninas. Esta era uma forma comum e respeitável de damas trabalharem.

– Sou a última mulher a censurar esse modo de vida. Mas você leva a opinião das pessoas mais em consideração do que eu, Alexia. Não deixe de pensar nisso ao fazer suas escolhas. Se descobrirem que você está fazendo peças para uma loja, tentar manter seu emprego será em vão.

Alexia queria muito não se importar tanto com a opinião dos outros nem com seu emprego. Phaedra não ligava a mínima e tinha uma vida provavelmente muito mais interessante do que a sua jamais seria. Phaedra não se preocupava com bens materiais. Viajava sozinha se quisesse. Recebia escritores e artistas na sua pequena casa. Alexia tinha motivos para suspeitar que Phaedra tinha amantes também. Não aprovava esse comportamento, mas não podia negar que a indiferença da amiga a regras sociais era muito sedutora.

Phaedra nem mesmo usava boinas ou chapéus. Seu longo cabelo ruivo ficava solto.

Em consequência, elas receberam muitos olhares dos donos dos armazéns. Depois que as pessoas olhavam para aquele cabelo, percebiam as roupas e olhavam ainda mais. Phaedra quase sempre estava vestida de preto. Ela poderia estar de luto, não fosse por seu cabelo e pelo corte incomum, solto, de seus vestidos. O forro em forte tom dourado de sua capa negra anunciava ainda que o preto era sua cor preferida.

– Confesso ainda que estou surpresa com sua decisão de sair da casa – disse Phaedra enquanto Alexia escolhia uma palhinha para o chapéu. – Você tem um dia só para você e pode usar a carruagem. Não é uma prisioneira. Está muito mais confortável lá do que estará por conta própria.

– Não desejo continuar dependente, por mais conforto que isso traga. Nem é uma situação estável. Posso ser demitida a qualquer momento, por qualquer motivo. Então, o que eu faria?

– E em que isso difere de sua situação anterior?

– Antes era minha família. Família não põe um parente no olho da rua.

– A sua pôs.

– Por favor, não os critique, Phaedra. Recebi uma carta de Rose hoje e as coisas não estão indo nada bem. Tim está doente e eles precisam racionar combustível como se fossem camponeses.

– Seu primo deveria cuidar da saúde logo e procurar um emprego.

Alexia evitou a discussão. Hoje não queria falar dos Longworths. Não eram eles o motivo de ela estar comprando aviamentos às escondidas para fazer suas peças.

Gostaria de poder contar a Phaedra sobre lorde Rothwell e os beijos. Se o fizesse, no entanto, a amiga chamaria isso de luxúria, exatamente o que tinha sido. Phaedra provavelmente a lembraria das três longas cartas que Alexia lhe escrevera falando mal daquele homem.

Seu rosto enrubesceu ao pensar no conjunto de passeio e nos vestidos que estavam sendo confeccionados por madame Tissot. Tinha certeza de que era Rothwell, e não Easterbrook, que estava pagando por eles. Phaedra a repreen-deria por isso. Phaedra podia ter amantes, mas era contrária a que homens pagassem com presentes pelos favores de mulheres.

Alexia verificou o material disposto sobre o balcão para se certificar de que tudo estava ali. Somou todos os itens e pagou. O funcionário da loja embrulhou suas compras em vários pacotes. Equilibrando todos eles de forma desajeitada em uma pilha que lhe chegava à altura do nariz, ela saiu para a rua, na direção da carruagem.

– Você deve querer começar os chapéus hoje mesmo – disse Phaedra. – Ou então terá que esperar até a semana que vem. Não me diga que vai confeccionar esses chapéus à luz de uma lamparina depois que acabar suas tarefas. Prejudicaria sua saúde, não posso aprovar isso.

– Suponho que, já que vou fazê-los, é melhor que seja logo.

– Vou para casa em um cabriolé, assim não desperdiçará uma hora para cruzar a cidade. Foi muita gentileza sua ir me buscar, mas não me importo de voltar sozinha.

Alexia se virou para agradecer a Phaedra por sua consideração. Do canto do olho, viu alguém vindo em sua direção. Percebeu-o bem a tempo de evitar que trombasse com ele.

De repente os dois pacotes do alto da pilha desapareceram.

Voltou-se para o ladrão e estava prestes a gritar para evitar que ele fugisse. Só que não era um ladrão.

– Estavam quase caindo – disse lorde Rothwell. – Vejo que está usando sua folga de forma mais ativa do que na semana passada, Srta. Welbourne.

– Lorde Rothwell. Que surpresa inesperada.

Ele era a última pessoa que gostaria de encontrar. Não teve outra opção a não ser apresentá-lo a Phaedra. Hayden Rothwell nem piscou diante da aparência de sua amiga. Ele transpirava uma elegância afável.

Hayden olhou para os pacotes.

– A carruagem está por perto? Posso carregar os embrulhos e acompanhar as senhoras até lá.

– Vou chamar um cabriolé, obrigada – disse Phaedra.

– Não posso permitir – disse Alexia em tom firme para dar a entender a Phaedra que ela deveria ficar. – Vou levá-la de volta na carruagem.

– Você pode aproveitar melhor a tarde.

– Permita-me conseguir o cabriolé para a senhorita – ofereceu lorde Rothwell.

Ele fez um sinal para o homem que fazia a segurança do depósito. Tirou umas moedas do bolso do colete e deu instruções para que encontrasse um cabriolé de aluguel para a Srta. Blair.

Depois guiou Alexia para longe da porta e até a fila de carruagens que esperavam ao longo da rua.

– Sua amiga, a Srta. Blair, não passa despercebida.

– Ela é honesta, autêntica e incapaz de dissimulações.

– Não quis faltar com o respeito. Ela é original. Deveria apresentá-la para Easterbrook. Eles podem trançar o cabelo um do outro.

– Suspeito que Phaedra acharia Easterbrook bem entediante. É isso que não a faz passar despercebida e mostra sua originalidade.

A atitude levemente mal-humorada que o cocheiro tinha assumido no começo do passeio desapareceu ao ver Rothwell se aproximar ao lado dela. Adiantou-se para pegar os embrulhos, depois os arrumou cuidadosamente na carruagem.

– No futuro, quando a Srta. Welbourne usar a carruagem para fazer compras, um lacaio deve acompanhá-la – disse ele ao cocheiro. – Minhas desculpas, Srta. Welbourne, por não ter deixado isso claro para os serviçais desde o início.

Lorde Rothwell abriu a porta para Alexia. Ela subiu na carruagem. Ele fez o mesmo.

– Não preciso que me acompanhe. O cocheiro pode me proteger no curto trajeto até a Hill Street.

Ele ignorou sua falta de gentileza e se sentou defronte a ela.

– A Srta. Blair estava certa? A senhorita tem outros planos para esta tarde?

Tenho, sim. Pretendo levar estes embrulhos para meu quarto e começar a fazer chapéus, para ganhar dinheiro suficiente para nunca mais vê-lo nem ter que sofrer o desprazer de sua presença.

– Alguns assuntos pessoais – disse ela.

Aparentemente ele pensou que ela queria dizer que não tinha nada importante para fazer. Deu instruções ao cocheiro para se dirigir ao Hyde Park.

– Está meio frio para uma volta no parque – disse ela.

– Nosso passeio será breve. Gostaria de lhe falar sobre um assunto.

O coração dela se encheu com a gravidade que prenunciava más notícias.

– Duvido que essa conversa inclua as desculpas que me deve. Nem prevejo receber suas garantias de ser poupada desse comportamento no futuro, já que sua invasão dessa carruagem por si só levantaria suspeitas.

Uma leve doçura suavizou a expressão dele. Um olhar franco e senhor de si acrescentou um toque sarcástico que enfraqueceu aquele efeito.

– Desculpe-me tê-la ofendido com meu silêncio. Admito que lhe devo as desculpas e as garantias necessárias. Mas não conseguirei dizer as palavras certas no momento.

– Por quê?

– Porque seriam mentira.

A carruagem pareceu ficar muito pequena. Ele ainda agia de forma amigável. Nada em seu rosto ou postura a ameaçava. Entretanto, tudo nela ficou muito ciente da presença de Hayden. Seu corpo reagiu como se ele a estivesse acariciando com gestos longos e demorados.

Fora um erro ficar sozinha com ele. Ela odiava como esse demônio podia provocar reações tão escandalosas nela.

– Lorde Hayden, considerarei quaisquer assédios dessa natureza como insultos do tipo mais cruel.

– Não consigo decidir se isso é verdade ou se a senhorita quer se convencer disso.

– Que generoso de sua parte pensar em minhas preferências.

– São de fato as suas preferências que contemplo. No entanto, fique contente de eu não pretender descobrir hoje quais são elas. Quero falar de um assunto bem diferente.

– E o que seria?

– Algo que lhe dará muito mais prazer. Benjamin Longworth.


A menção ao nome de Benjamin silenciou suas objeções. Ele suspeitou que ela suportaria todo tipo de galanteios se a conversa incluísse recordações sobre seu amado primo.

Se aceitar se tornar minha amante, concordo em conversar sobre Benjamin Longworth duas vezes por semana. Só que não na cama. Se isso for aceitável para a senhorita.

Ela o ignorou enquanto a carruagem os levava para o parque. Ele passou o tempo imaginando o que estaria nos embrulhos e observando o cuidadoso conserto que fora feito ao longo da bainha de seu casaco marrom. O conjunto de passeio que estava sendo feito por madame Tissot cairia muito bem nela e seu tom azul-celeste combinaria perfeitamente com seus olhos.

Ainda não era a hora costumeira de passeios pelo parque, mas já havia um número suficiente de chapéus largos e cinturas apertadas por ali para afastar a sensação de estarem sozinhos. Para Alexia, passear lado a lado com ele era um verdadeiro suplício. Sua postura deixava claro como ela permanecia na defensiva.

– Estamos em local público, Srta. Welbourne. Dificilmente a importunaria aqui.

– Sua maneira de falar é muito ousada. Um beijo roubado não lhe dá o direito de tamanha intimidade.

– Conversas ousadas sempre marcaram nossos encontros, e não por iniciativa minha. Além disso, não foi um beijo, e eu roubei muito pouco. Mas não vamos brigar hoje. Falemos de assuntos amigáveis.

O olhar dela mostrou que não o considerava um amigo, mas a alusão ao assunto que havia sido anunciado a acalmou. Seu passo desacelerou e o gelo derreteu.

– Pode me dizer por que ele decidiu ir para a Grécia? – perguntou ela. – Foi um choque para nós, algo muito inesperado.

A referência a Ben provocou um lindo rubor nas maçãs de seu rosto e um brilho vivaz em seu olhar. Sua aparência o lembrava de quando a beijara e essa lembrança fez com que seu lado cavalheiro desaparecesse do mapa. Em sua mente, via um campo de violetas, a brisa transportando os gemidos ritmados de uma mulher acolhendo o prazer enquanto ele a penetrava...

Vigilância. Vigilância.

– Ele soube que eu estava indo e decidiu se juntar à nossa brigada – disse ele. – Creio que foi um dos impulsos pelos quais era famoso.

– Um impulso generoso. Ele arriscou a vida por uma causa nobre.

– Certamente.

Balela. Ninguém imaginava que pudesse ser ferido, que dirá morrer. E Ben não tinha ido por uma questão de princípios. Ele fora para a guerra motivado pelo desejo de se aventurar e a esperança de impressionar uma dama inatingível.

Não era seu papel desiludir a Srta. Welbourne. Nem ela o agradeceria se o fizesse.

– Tenho certeza de que ele era muito corajoso – disse Alexia. – Imagino-o como um herói em um quadro.

Ele combateu a vontade de contar-lhe a verdade. Ben fora muito corajoso uma vez, isso era certo. Louca e impulsivamente corajoso. O desejo de lhe fazer confidências o confundiu.

– Ele lutou o melhor que pôde, como todos nós. Mas os gregos não são bem comandados. Eles não dispõem de uma estratégia sólida e suas facções não cooperam. Temo que o cerco de Missolonghi acabe muito mal.

– Ben disse que os gregos têm que ser libertados. Como um marco e para compensá-los por tudo o que o mundo civilizado deve à sua história.

Ben não estava nem aí para isso. Usara a defesa dos gregos como desculpa para ir embora. Sabia muito pouco sobre política ou história.

Contudo, essa vontade de ajudar sem querer nada em troca havia motivado outros. Tinha sido sua própria justificativa para fazer algo que, olhando em retrospectiva, era irracional, impetuoso e uma louca versão do heroísmo romântico encontrado em poemas.

Seus princípios haviam sido nobres, mas a realidade dessa guerra não o fora. Tinha visto atrocidades cometidas por ambos os lados. Tinha voltado exausto e desencantado, a tempo de observar outros irem depois dele, todos imbuídos dos mesmos ideais simplistas.

– Acha que eles vão vencer? – perguntou ela. – Gostaria de acreditar que o último ano de vida dele não foi dedicado em vão a essa causa.

– O Império Otomano é antigo e corrupto. Só se sustenta com a ajuda de países como o nosso. Os turcos deixarão a Grécia um dia e a guerra atual e nosso apoio terão ajudado isso a acontecer.

Falavam sobre isso enquanto caminhavam juntos, suas botas esmagando folhas secas que voavam pelo caminho. Ela lhe fez muitas perguntas, esquecendo que deveria estar zangada com ele e até mesmo que deveriam estar falando de Benjamin. Por vinte minutos, a situação mundial ocupou sua mente inquieta e questionadora.

Foi lorde Hayden que dirigiu a conversa de volta para Benjamin. Ele o fez de má vontade, mas seu encontro “acidental” com a Srta. Welbourne tinha um objetivo.

– A família passou por dificuldades quando Ben se ausentou? – perguntou Rothwell.

A alusão aos Longworths causou uma tensão perceptível.

– Timothy já havia começado a trabalhar no banco àquela altura, então não me lembro de ter havido grandes dificuldades. E de início continuamos morando em Cheapside. Foi logo depois que Ben partiu que a situação começou a melhorar significativamente.

As últimas palavras saíram com um toque de ressentimento. Para depois tudo ser destruído por você, é claro. Alexia não disse isso, mas a acusação era perceptível em seu tom. E provavelmente sempre seria.

– A senhorita não percebeu melhorias nos primeiros anos em que morou com eles em Cheapside? Foi só depois?

– Tim explicou que o banco precisava se consolidar nos primeiros anos, mas que depois estava bem estabelecido. Pudemos gozar dos frutos da administração cuidadosa que Ben e ele mantinham. Admito que considerava Tim exagerado no que dizia respeito a gozar desses frutos, mas talvez fosse normal se permitir tanto assim.

Ele olhou para o casaco dela de novo. Era antigo, de alguns anos atrás, pelo menos. Pensava em seus vestidos deselegantes, de cintura alta. Tim tinha permitido muitos mimos a si próprio e às suas irmãs, mas não à prima.

O canalha vinha roubando as pessoas e não tinha se dado o trabalho de usar alguns desses ganhos escusos com a prima pobre em sua própria casa.

– Na verdade, o banco gozou de um crescimento sólido desde o início – disse ele. – A mudança repentina de uma vida confortável para uma de extravagâncias não se deve ao modo como o banco se solidificou. Ben poderia ter gozado de alguns desses frutos antes. Eu teria esperado ver evidências lentas mas constantes do crescimento de seus negócios. Está dizendo que não houve?

– Não que eu tenha notado. Tínhamos uma vida bastante estável em Cheapside. Ele ia ao clube e tinha uma carruagem ao seu dispor o tempo todo. Não havia indícios de que a situação estivesse mudando nem para melhor nem para pior – respondeu Alexia e então, observando a nítida curiosidade de Lorde Rothwell, questionou: – Por que está fazendo essas perguntas?

– Ando pensando muito nele, Srta. Welbourne. Fico imaginando-o em seus últimos dias naquele navio. Benjamin estava em profunda melancolia. Imaginei se ele não teria de enfrentar problemas financeiros quando voltasse, mas, pelo que está me dizendo, parece que não.

Ele fez uma pausa, imaginando como deveria prosseguir.

– Agora me pergunto em que foi aplicada a renda a mais que recebeu naqueles últimos anos, se não foi em sua casa ou para manter hábitos caros.

– Reinvestida no banco, imagino. Então Tim herdou tudo.

Era uma boa resposta, só que errada. Ele tinha examinado os registros da conta pessoal de Benjamin. Pouco tinha sido depositado lá para Tim herdar.

Algum dinheiro teria sido usado para pagar os falsos rendimentos dos títulos que ele roubara, é claro. Esse valor aumentara a cada roubo. No entanto, muito mais do que isso tinha desaparecido.

Teria que pensar melhor sobre o assunto, agora que sabia que Benjamin não tinha gastado uma boa parte em luxos. E também teria que verificar se Ben não possuía contas em outros bancos e se elas poderiam conter os frutos de seus crimes.

A caminhada tinha traçado um percurso circular. A carruagem esperava adiante. Hayden afastou Benjamin de sua mente e apenas aproveitou a presença da Srta. Welbourne ao seu lado nos últimos metros do caminho.


Ela estava se esquecendo de odiá-lo. A caminhada tinha sido muito amigável, contudo ele não era amigo dela nem de seus entes queridos.

Agora estavam na carruagem de novo e aquela outra fascinação, a excitação infame, interferia ainda mais. Ela achava isso muito desconcertante, sentar-se diante de um homem que sua mente desprezava, mas que seu corpo, não – as várias inquietações se misturavam todas.

Ele a olhou de uma forma que era muito frequente agora, com uma contemplação despreocupada que criava um clima predatório sutil. Seu olhar pousou e se demorou nas mãos dela.

– Devo-lhe desculpas. Fui relapso com seu bem-estar e sua saúde. Deveria ter percebido que usava luvas sem as pontas dos dedos e não luvas mais quentes.

Ela baixou o olhar para os próprios dedos rosados, descobertos pela luva que terminava no dorso da mão. Alexia as escolhera para que pudesse tocar e avaliar os aviamentos que compraria.

Ele abriu o cobertor que ficava na carruagem e envolveu as mãos dela, esfregando-as para que a lã as aquecesse rapidamente. Ela recebeu o carinho sofregamente e seus dedos pinicaram na conchinha aquecida. A proximidade dele fez seu coração bater forte demais. A sensação das mãos dele pressionando as dela por cima da lã a fez perder o fôlego.

Ela não conseguia controlar essa reação. Nenhuma delas. Isso a assustava. A parte dela que se esquecera de odiá-lo era independente do bom senso. As reações vinham de uma fonte tão profunda que Alexia não conseguia definir qual. Emergiam de uma essência primitiva que sua mente racional não conseguia controlar.

Só a ausência dele a libertava por completo. Felizmente, ela daria um jeito nisso em breve. Por ora, buscou refúgio no único lugar em que poderia encontrá-lo.

– Apreciei nossa conversa sobre Benjamin. Sua descrição da melancolia dele me surpreendeu, nunca soube que ele era assim.

Isso era verdade. Um pequeno desconforto surgiu, como se um ponto de interrogação tivesse se juntado aos pontos de exclamação sobre Benjamin.

– Talvez ele tivesse sentido a perda das fortes emoções ao voltar para casa após toda a tensão na Grécia.

Ela não se importava com essa explicação. Afinal, ele voltara para ela.

– Desculpe-me por ser direto, Srta. Welbourne, mas... Benjamin a pediu em casamento antes de partir ou foi por carta?

Ela nunca o perdoaria por ser tão direto. Essa pergunta fazia ressurgir um questionamento dela. Um questionamento traiçoeiro que surgia no meio da noite, quando se entregava às lembranças. Será que tinha entendido mal?

– Ele falou de ficarmos juntos para sempre.

– Então vocês tinham um acordo claro. Entretanto, talvez ele estivesse preocupado com a possibilidade de a senhorita o rejeitar quando ele a pedisse formalmente em casamento. Isso deve explicar seu ar melancólico.

Não, não era isso. Ele ditava o ritmo da relação. Era ela que tinha motivos para se inquietar com a rejeição.

Esse pensamento lhe tomou a mente. Ela se ressentiu de sua honestidade e da forma como aquele homem impunha sua presença.

– Talvez seja bom ele não estar entre nós agora – disse ela. – Se era amigo dele, o que fez aos Longworths... seu dever, como diz... teria sido mais difícil.

Ela buscou algum sinal de culpa nele. Não encontrou.

– Imagino que escreva para eles.

– É claro. E minha prima Roselyn me escreve também. Timothy está arrasado. Tudo o que aconteceu afetou sua saúde.

– O brandy tem um custo para a saúde.

– Como ousa...

A severidade de Hayden surgiu no exato momento em que Alexia começou a repreendê-lo. Os instintos dela gritaram uma advertência silenciosa para que segurasse sua língua. A última discussão acalorada deles produzira resultados drásticos. Engoliu o ódio.

– Roselyn me diz que eles mal têm o que comer, então duvido que haja dinheiro para comprar brandy.

– Gim barato tem o mesmo efeito. Sinto muito pelo sofrimento das damas. Vou enviar algum dinheiro para a Srta. Longworth. Se o dinheiro for entregue a ela, podemos ter certeza de que ficará nas mãos dela e não será usado para alimentar a doença do irmão?

– Ela nunca aceitaria dinheiro do senhor. Seu orgulho nunca permitiria isso, nem sua raiva. Ela morreria de fome primeiro.

– Então darei o dinheiro para a senhorita, que enviará para ela. Não é preciso que ela fique sabendo da verdadeira fonte. Digamos cinquenta libras no momento?

A oferta a surpreendeu. Deveria aceitar, sabia que sim. No entanto... Ela o encarou com desconfiança. Seria como o novo guarda-roupa? Ela ficaria em dívida com ele?

O sorriso lento de lorde Rothwell mostrou que lera os pensamentos dela.

– Srta. Welbourne, se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto. A senhorita ficaria sabendo logo e eu nunca a insultaria com uma quantia tão pequena.

A carruagem chegou a Hill Street naquele exato minuto. Um lacaio se apressou para ajudá-la a descer. Ela se afastou rapidamente enquanto Rothwell arrumava a pilha de embrulhos nos braços do criado. Estava a meio caminho da porta quando se decidiu quanto ao dinheiro. Ela se virou e se dirigiu a Hayden, que descia da carruagem.

– Meu orgulho não deve impedir que minhas primas tenham algum consolo. Mandarei o dinheiro. Somente dez libras, não mais, pois eu não poderia explicar a origem. Ela nunca saberá que veio do senhor.


CAPÍTULO 8

Alexia arrastou Caroline para uma conversa formal em francês. Sua pupila ainda deixava bastante a desejar quanto ao domínio desse gracioso idioma. A falta de atenção da própria Alexia aos pontos mais sutis da gramática não estava ajudando seu progresso.

Metade de sua mente permanecia ocupada com o encontro com lorde Rothwell que acontecera havia três dias. Distanciada da sua presença perturbadora, a conversa deles ganhara a posição central em suas lembranças. Sua reação confusa diante dele formava o pano de fundo para algumas especula­ções sérias em relação ao que tinha dito a propósito de Benjamin. O novo ponto de interrogação não parava de crescer.

Um lacaio as encontrou na sala de aula e depositou um embrulho em cima da mesa, anunciando que tinha acabado de chegar para a Srta. Welbourne.

– Você comprou um travesseiro quando foi às compras? – perguntou Caroline.

Não, mas esse embrulho parecia mesmo conter um travesseiro. Ela rasgou o elegante papel de embrulho. O papel caiu no chão revelando um regalo de arminho.

– Nossa! – exclamou Caroline. – Que lindo!

O regalo era feito de uma pele branca extremamente macia. Um cetim marfim forrava o túnel onde se colocavam as mãos para aquecê-las. Pérolas minúsculas enfeitavam as costuras de ambos os lados.

Alexia leu o bilhete que o acompanhava.


Soube que vai ao teatro hoje à noite com minha tia. As noites ainda estão muito frias para que uma dama saia sem a devida proteção. Queira aceitar isto em sinal de gratidão pela ajuda que está prestando à família.

Easterbrook


A ponta do dedo de Caroline traçou um pequeno desenho nos pelos.

– Mamãe acha que Easterbrook devia ter nos convidado para morar na casa dele. Ela também está magoada porque ele nunca nos visitou aqui, mas acho que ele tem um coração generoso.

Alexia não fazia a menor ideia se o coração de Easterbrook era generoso ou não. Contudo, tinha quase certeza de que ele não sabia dos presentes que não paravam de chegar em seu nome.

O luxo do regalo a deixou encantada. Suas mãos ansiavam por se aquecer em seu calor. Ela se lembrou de Rothwell pondo a coberta em volta de suas mãos, numa versão simplificada daquele presente.

– O que é o outro bilhete? – disse Caroline apontando para o colo de Alexia.

Um segundo envelope lacrado tinha caído quando ela abrira o embrulho.

Tocou-o e percebeu que este não poderia ser mostrado a Caroline. Seus dedos sentiram o tamanho e o formato do papel contido dentro do envelope. Era evidente que “Easterbrook” estava doando as dez libras que seriam enviadas para os Longworths.

Ela sabia a verdade. No entanto, ainda não estava em dívida com ninguém. A artimanha da generosidade de Easterbrook protegia seu orgulho. O mesmo era verdade em relação à estranha garantia dada na carruagem. Se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto.

Ela pôs o regalo e os bilhetes de lado. Durante toda a lição da tarde, os dois presentes ficaram lá, esperando para envolvê-la em ilusões de segurança, seduzindo-a a pensar com doçura no homem que os enviara.


O vestido dela era velho, mas apresentável, e sua longa capa era elegante apesar da simplicidade. Nenhuma das peças, porém, estava na moda e Hayden pressupôs que já tinham visto muitas primaveras. Alexia provavelmente as tinha comprado quando Ben era o chefe da família. Era só pela falta de uso que permaneciam livres de sinais de desgaste.

Ela chegou ao camarote com Henrietta, satisfeita no seu papel da quieta dama de companhia à sombra da exuberância da tia dele. Um discreto turbante ornado de uma pluma anunciava sua condição de dama, independentemente de sua situação. O regalo de pele dava um tom de luxo à melodia silenciosa e fora de moda do recato de suas vestes.

Ela manteve o regalo no colo durante toda a peça. O teatro estava um pouco frio e suas mãos permaneceram escondidas em seu túnel acetinado. Sentado do outro lado de Henrietta, Hayden conseguia ver facilmente o braço enluvado de Alexia descrever uma curva suave para a caverna oculta onde suas mãos pousavam. Ele imaginou os dedos delgados, aquecidos pelo ninho de pele e cetim, escorregarem em seu peito nu, cinco caminhos aveludados acompanhando a linha de seu quadril e em torno de suas ancas...

Ele se levantou e recuou para a parede do fundo do camarote. De lá, só conseguia ver o chapéu de Alexia. E a pele de seu pescoço. E o suave declive de seus ombros. Seu vestido ocultava o bastante para fazer sua imaginação voar de novo, especulando sobre o gosto que sentiria ao beijar aquela pele.

Riu de si mesmo, apesar dos dentes cerrados. Não era homem de ficar espionando mulheres que não poderia ter. Sua vida pessoal progredia com a mesma eficiência de sua vida pública. Esse desejo pela Srta. Welbourne não fazia sentido e estava se mostrando altamente inconveniente. E era desejo, puro e simples, o tipo de anseio que raramente se concentrava em uma mulher específica, que dirá em uma mulher a ser desejada em vão.

O problema era que não acreditava de verdade que era em vão. Ele não deveria tê-la, mas a parte de sua cabeça que instintivamente calculava probabilidades dizia que poderia, se quisesse. Ela não gostava dele e o culpava por grandes pecados, mas o desejo existia à parte do que deveria ser.

O objeto de sua atenção se mexeu. Seus ombros se curvaram para o palco e o chapéu lentamente se ergueu. Virando-se, ela pousou o regalo na cadeira e andou com graça silenciosa na direção dele.

Ele esperava que ela fosse sair do camarote. Mas, ao contrário, se aproximou de Hayden, seus olhos buscando os dele na sombra ao longo da parede do fundo.

Foi preciso conter o desejo de agarrá-la.

– Está gostando da peça, Srta. Welbourne?

– Sim, foi muito gentileza a sua tia me incluir.

Ele tinha arranjado isso sendo vago sobre seus próprios planos. Sugerira a Henrietta que trouxesse a Srta. Welbourne para que não houvesse chance de ela ficar sozinha no camarote de Easterbrook. Ele desprezava seu impulso de agir por subterfúgios, mas se rendia a eles.

– Seria possível ter uma conversa com o senhor, lorde Hayden? Refere-se a um assunto que não me saiu da cabeça nos últimos dias e exige privacidade.

Agora não, pombinha. Fique perto da mamãe se for ajuizada.

– Certamente, Srta. Welbourne.

Ele a guiou para a porta.

O corredor estava às escuras, com apenas pequeninas luzes amarelas salpicando a escuridão. A pele de Alexia parecia etérea e seus olhos, muito escuros e expressivos. Eles se reuniram à porta do camarote.

– Andei pensando sobre o que disse no parque, em relação a Benjamin.

O cenho de Alexia se franziu de preocupação. Ele quis beijar aquela ruga até desfazê-la.

– O senhor falou da melancolia dele nos últimos dias de vida e fiquei pensando em como isso seria um comportamento incomum para ele.

– Todos nós temos nossos momentos. Tenho certeza de que ele também os tinha quando não estava sendo observado pelas outras pessoas.

– Possivelmente. Mas... deixe-me fazer uma pergunta: ele estava bebendo naquela noite, quando aconteceu?

– Uma quantidade razoável.

Naquele instante ele desejou que não tivessem deixado o camarote. Ela estava entrando em detalhes que ele preferia não dar. Normalmente evitava pensar nisso.

– Isso também não era um comportamento comum nele – disse ela. – Ao contrário de seu irmão, Ben não gostava de beber. Pelo que me contou, acho que ele não estava apenas melancólico, mas consternado.

– Talvez essa palavra seja forte demais.

– O senhor o viu lá, no convés, antes de cair?

Agora estavam rumando para águas profundas. O desejo de beijá-la tinha menos a ver com atração e mais com impulso de silenciar essas perguntas.

– Eu o vi rapidamente.

“Olhe para as estrelas, Hayden. Elas enchem todo o céu até chegarem ao mar. Sinto como se pudesse andar por sobre as águas e tocá-las.”

“Lá na frente não são estrelas, mas o farol da Córsega. A bebida alterou seus sentidos. Desça para ficar com os outros. Está frio.”

“Não serei uma boa companhia. Ficarei melhor sozinho esta noite.”

“Pode ficar sozinho lá embaixo.”

“Deixe-me em paz, está bem? Você nunca fica triste, Hayden? Essa sua alma distanciada e calculista nunca sente tristeza ou desespero? O céu noturno pode servir para aliviar esses sentimentos.”

“Ficaria menos triste se estivesse menos bêbado.”

“Agora falou igual ao seu pai. Fazendo julgamentos, com sua superioridade lógica. Vai me passar um sermão? Falar de retidão moral e comportamento honroso? Por Deus, em vinte anos você estará igualzinho a ele. Que bom que você não tem vontade de casar, porque iria acabar tão hipócrita quanto ele e...”

“Mais uma palavra e acabo com você, mesmo estando bêbado, seu canalha.”

“Deixe-me em paz e não vai mais ouvir nenhuma palavra deste canalha.”

“Vou deixá-lo em paz. Vá para o diabo, se é o que deseja.”

– Tivemos uma conversa rápida, mas ele não quis descer comigo – disse Hayden dando de ombros.

Ela pareceu ver o peso que o gesto demonstrava. Ele ficou sem jeito com o olhar perscrutador dela.

– O senhor se culpa, não é? Sente-se culpado por não tê-lo convencido a deixar o convés.

Ele expirou lentamente, deixando sair a fúria que surgira com as palavras dela. Aquela acusação criava uma intimidade peculiar. Alexia tinha tocado no lado selvagem de sua alma.

– Peço desculpas pelo que disse. Agora está zangado. Mesmo nesta luz, posso ver. Não pretendia...

– A senhorita só citou mais um pecado em uma longa lista. Homens como eu têm muitos, como já assinalou tantas vezes.

– Tenho certeza de que não sabia que ele estava tão embriagado a ponto de cair no mar – disse ela, espiando-o e tentando enxergar suas feições apesar da luz baixa.

Ela estava adoravelmente preocupada. Tanto que de repente ele não mais se importava com o que ela vira ou com o que poderia saber sobre Ben. Ele não dava a mínima para esses detalhes naquele exato momento, porque os lábios carnudos de Alexia estavam tão sensuais que ele já não dava conta do que havia ao seu redor.

– Lorde Hayden, tenho que fazer uma pergunta. É muito difícil cair no mar? Venho tentando imaginar a cena, mas, com os corrimões, sem chuva, me parece que...

Ele tocou a ponta dos dedos em seus lábios, silenciando-a.

– Não é tão difícil, se a pessoa for descuidada. Acontece com frequência. Um movimento mais brusco, uma volta mais despreocupada... Os corrimões são para ajudar os sóbrios e sensatos, mas não são paredes de uma prisão.

A expressão dela se transformou com o toque masculino. O espanto eclipsou a preocupação. O medo apareceu por baixo desse toque suave e uma excitação latente se mostrou em seus olhos ávidos.

O silêncio e as sombras do corredor os envolviam. Não havia qualquer ruído. Estavam sozinhos.

Hayden baixou a cabeça para provar o cetim frio do ombro nu de Alexia.

Ela suspirou. Um suspiro profundo não de choque, mas de prazer. Só isso já seria capaz de derrotar a força de vontade dele, mas ela já havia caído por terra.

Ele pressionou os lábios ao longo daquela pele sedutora, sentindo o calor provocado pela aproximação sutil. Ela não fugiu nem apresentou objeção. Nem mesmo deu um passo atrás. Ele deslizou a mão em volta da cintura dela e a puxou para perto, sua boca seguindo o caminho em direção ao pescoço. Ele acompanhava a pulsação dela com beijos e pousava a língua ao ritmo acelerado da excitação dela.

O desejo não obscurecera seus sentidos. Ele ainda ouvia o silêncio e os suspiros leves e amedrontados que saudavam cada novo beijo.

Não era o momento nem o lugar, mas não dava a mínima. Puxou-a para mais perto ainda, pressionando-a contra ele enquanto segurava seu rosto e tomava posse de sua boca provocante.

A surpresa dela o seduziu ainda mais. Sua rendição incendiou sua mente. Pequenos murmúrios de confusão se faziam sentir em seus suspiros sôfregos, como se ela não soubesse o que fazer com essa paixão.

Ele parou o beijo e olhou para o rosto dela. Olhos fechados e lábios entreabertos, ela era a imagem viva do êxtase. O corpo dela parecia leve e frágil nos braços dele.

– Toque-me – disse ele. – Você sabe que deseja isso.

Seus cílios se ergueram. Devagar, suas mãos enluvadas se elevaram e tocaram o rosto de Hayden, como se buscasse uma prova de que estava mesmo ali.

As mãos dela vieram pousar em seus ombros com o mesmo toque curioso. Apesar das camadas de roupas entre eles, os dedos dela queimavam sua pele, transmitindo um calor que ardia dentro dele.

Ele a beijou mais forte, quase sem conseguir controlar o desejo feroz que o consumia. Seu corpo ardia. A consciência persistente de onde estavam o encorajava, mas também alardeava sua frustração. Não tudo, mas... Ele sofreria com isso, mas...

Suavemente ele tomou seu lábio inferior entre os dentes. Ela entreabriu a boca ainda mais. Ele a beijou de novo, introduzindo a língua com doçura. Seu abraço provocou nela novos arrepios de excitação.

O prazer dominou os últimos resquícios de seu bom senso. Ele a apoiou contra a porta e encheu-a de beijos e carícias, pressionando-a em busca do corpo que o vestido escondia, usando o tato para imaginá-la nua, ouvindo os suspiros e gemidos melódicos que expressavam sua surpresa e seu desamparo.

Acariciando seu braço, ele abaixou a luva, expondo sua pele, então foi percorrendo com beijos o mesmo trajeto, enquanto as mãos envolviam suas nádegas, circundavam a cintura, subiam para a maciez provocante de seus seios. Ele deslizou a palma da mão, segurando seu seio inteiro, encobrindo o mamilo duro, incitando-a a se entregar a ele.

Os dedos dela se afundaram em seus ombros másculos. Seus gemidos ficaram mais altos. Ele teve juízo bastante para silenciá-la com outro beijo, mas não o suficiente para deter a própria mão. Logo. Mais tarde. Um dia...

Ouviram um baque surdo na porta por trás dela. Ela se empertigou e piscou, como se o som abafado a tivesse despertado do sono.

– Meu Deus, está emperrada? – uma voz feminina murmurou do outro lado da madeira.

Cerrando os dentes, maldizendo a tia e furioso de desejo, ele rapidamente puxou a luva de volta e se afastou de Alexia. Na luz baixa, pôde vê-la enrubescer ao se recompor. Ficou parada como se contasse até cinco e conferiu suas roupas com um olhar rápido.

Seus olhos encontraram os dele com pensamentos insondáveis, depois ela se virou e abriu a porta. Henrietta quase caiu nos braços de ambos.

– Desculpe, tia Henrietta – disse Hayden. – Eu deveria saber que não se deve ficar apoiado na porta de um camarote quando há pessoas dentro dele.

– De fato, deveria. Estava perdido em pensamentos? Tentando resolver um daqueles teoremas, imagino.

– Sim, mas também estava montando guarda para que a Srta. Welbourne encontrasse o camarote certo ao voltar.

– Pode continuar a fazer o mesmo para mim. Se eu soubesse que Alexia pretendia ir ao... bem, fique aí, Hayden, para que eu também não me perca.

Henrietta saiu andando pelo corredor. Alexia observou em silêncio. O desejo ainda pairava no ar que eles respiravam.

Ele ardia por dentro e sua mente estava inquieta. Vou encontrá-la esta noite, depois que os empregados forem dormir. Deixe sua porta aberta.

Lorde Hayden Rothwell não disse isso, mas Alexia ouviu de qualquer forma. Ela percebeu as intenções dele – e talvez as suas próprias.

Ela se virou e entrou no camarote, fechando a porta entre eles.


Ele não foi ao encontro dela naquela noite.

Quando seu corpo esfriou, ele admitiu que seria ao mesmo tempo imprudente e ridículo fazer isso. A Srta. Welbourne nunca poria em risco sua reputação, sua situação e sua virtude, se tivesse chance de pensar no que estava fazendo.

Precisava mais que se desculpar. Seu comportamento tinha se tornado absolutamente reprovável. Apesar de isso ainda o espantar, não se detinha pensando em quão improvável tinha sido o que acontecera no teatro. Continuar a flertar com Alexia era inaceitável.

No entanto, seria preciso usar toda a vigilância que Christian pregara – de madrugada, ele ainda se debatia na luxúria, que lacerava sua carne como faca afiada. Ficou deitado até depois de meio-dia, pensando no que fazer. Sua honra ditava que se contivesse, mas seu corpo apresentava argumentos primitivos com uma voz mais alta. Finalmente encontrou a disciplina necessária para se levantar e ir até seu escritório no centro financeiro da cidade, mas praticamente não conseguiu fazer nada de útil por lá. Nem mesmo seus cálculos puderam distraí-lo.

Nos dois dias seguintes, nem se preocupou em ser disciplinado. Dormiu tarde, pensou na vida, chegou a conclusão nenhuma e vagueou pela casa. Por fim, no quarto dia, se forçou a desempenhar a tarefa indesejável que esperava por ele e sentou-se para escrever uma carta. A meio caminho, decidiu que era muita covardia não se desculpar pessoalmente.

Enquanto imaginava como poderia falar com Alexia a sós, Elliot entrou no quarto, trazendo uma carta.

– Vejo que finalmente acordou. Isso chegou para você hoje de manhã, Hayden. Um dos lacaios de tia Henrietta trouxe.

Hayden pegou a carta. Nela, apesar dos elogios e das palavras lisonjeiras, Henrietta mostrava que estava aborrecida. Ela entendia que não podia passar todo o tempo com elas, é claro, e não queria ser intrometida nem insistente. Contudo, realmente precisava que ele fosse visitá-la e tivesse uma boa conversa com a Srta. Welbourne, que não estava fazendo progressos suficientes com Caroline no francês. Ela esperava que o sobrinho encontrasse tempo naquela mesma tarde para resolver o assunto.

– O que quer que ela esteja querendo, posso ir até lá – disse Elliot.

– Você é um bom irmão, Elliot. Percebe que estou preocupado e se oferece em sacrifício no meu lugar.

– A recente mudança em seus hábitos diz que minha percepção está correta – disse isso apontando para a carta. – Você pode escrever e protelar a visita se achar que não sou esperto o bastante para não cair em suas armadilhas.

Hayden leu a carta de novo contendo o pedido de sua tia para que chamasse a atenção da Srta. Welbourne. Teria que falar com Alexia a sós para fazer isso. Havia entre eles contas a ajustar que não tinham nada a ver com aulas de francês.

– Vou eu mesmo atender à convocação dela. A conversa que ela me pede para ter já passou da hora de acontecer.


Alexia remexia no franzido da fita verde de seu primeiro chapéu. Parecia pouco surpreendente, planejado demais. Ela queria um efeito mais descuidado e romântico, como se a faixa tivesse sido atada com capricho, e não cálculo.

Levou o chapéu até a janela para examiná-lo melhor. Sua elaboração tinha sido mais difícil do que previra. Sem uma fôrma, ela fora forçada a usar a própria cabeça como molde e um espelho. Para não manchar o chapéu, aplicara os enfeites usando luvas.

Apesar das repreensões de Phaedra, ela teve que trabalhar arduamente no chapéu à luz da lamparina. Tinha voltado ao trabalho depois de chegar do teatro, havia quatro noites. Quase em desespero, ficara acordada até perto do amanhecer, mexendo em fitas e costurando o tecido, na esperança de fazer um chapéu de qualidade superior que lhe possibilitasse um meio de vida para fugir do caminho da tentação.

Ela estava com o chapéu na mão quando se sentiu tomada pela lembrança, pela presença dele. Sabia que o comportamento escandaloso de ambos poderia causar tal reação nela em um piscar de olhos. Ficava horrorizada com o fato de que aquela sensação não lhe parecesse estranha ou imposta, mas cálida e excitante.

Os sons vindos da rua chamaram sua atenção. Olhou para baixo e viu Henrietta e Caroline entrando na carruagem. Estavam indo provar as roupas no ateliê de madame Tissot.

Ela deveria ter ido também, mas alegou estar doente. Não era de todo mentira. Pensar na humilhação de encarar Hayden de novo a deixava levemente nauseada. Ele não tinha aparecido desde aquela noite no teatro, mas um dia iria voltar.

Deixou o chapéu de lado e se sentou para terminar uma carta que estava escrevendo para Roselyn. Tinha coisas mais importantes para fazer hoje do que ir até o ateliê de madame Tissot. De qualquer jeito, o guarda-roupa que estava sendo feito para ela nunca seria usado.

Depois de selar e postar a carta, Alexia subiu apressadamente a escada até o andar da criadagem. Henrietta e Caroline já haviam saído fazia uma hora. Tinha esperanças de ter tempo para realizar sua pequena investigação. Se não conseguisse fazê-la agora, precisaria esperar muitos dias para tentar novamente. Não poderia se ausentar de todas as saídas com as patroas.

A tempestade de sentimentos dentro dela não fora causada somente pelo assédio de Rothwell no teatro. A conversa que tiveram a perturbara também. Ela queria ouvir que a morte de Ben fora um acidente e que suas desconfianças não possuíam fundamento.

Agora percebia que lorde Rothwell havia se esquivado da pergunta. Depois a arrastara para fora de seu caminho, para um rio de paixão.

Partia seu coração a ideia de que Ben pudesse tê-la deixado para sempre por escolha própria. Se o amor não podia impedir um homem de se matar, então o que poderia?

Mas se ele houvesse tirado a própria vida, certamente haveria alguma indicação do motivo entre seus pertences. Se não houvesse essa prova, ela aceitaria melhor as peculiaridades do acidente. Entrou no sótão no fim do corredor, na esperança de não ter que enfrentar nada além de nostalgia.

Precisou abrir caminho por móveis e caixas recém-colocados. Henrietta tinha acrescentado itens trazidos de sua casa ou retirados dos cômodos abaixo. As colunas de mármore da apresentação de Caroline estavam dos dois lados da porta, com o verniz refletindo suavemente a luz que escoava de uma pequena janela. Várias tapeçarias tinham sido enroladas e levadas para lá, dando lugar nas paredes para os quadros de Easterbrook.

Ela descobriu os baús de Ben junto a uma parede. Uma sobrecasaca estava jogada em cima de um deles, como se alguém tivesse achado a peça e a atirado lá, em vez de arrumá-la adequadamente. Ela sacudiu a poeira e a dobrou com cuidado. Arrastou os baús para mais perto da janela. Sem encontrar uma cadeira livre, desenrolou uma das tapeçarias e se aninhou no piso de madeira.

O primeiro baú que abriu continha roupas. Ajoelhou-se e levantou as peças pelos cantos para ver o que estava por baixo. Reconheceu a maioria dos itens e imaginou Ben a usá-los. Viu um colete de seda no fundo da pilha, com listras azuis e vermelhas. Puxou-o para fora e o desdobrou.

Ele estava usando esse colete no dia em que a beijara pela última vez. Sentiu de novo a seda com a ponta dos dedos e o pulsar do coração de Ben ao seu toque. O abraço tinha sido secreto e breve, como todos os outros. Ele estava animado com a aventura na Grécia, mas ela sentira um medo enorme. E tivera a terrível sensação de que ele a estava abandonando.

Ele percebera seu rancor e entendera. Voltarei em breve, você vai ver. Vamos ficar juntos para sempre.

Ela guardou o colete e fechou o baú. Ele teria dito isso se pretendesse morrer? Ou, pior, se pretendesse se matar?

Sua pequena investigação de repente pareceu quase desleal. As perguntas de Rothwell tinham criado desconfianças. Ele plantara sementes de uma suspeita indesejada sobre a morte de Ben.

Não, ele não as plantara. Suas perguntas só tinham proporcionado uma chuva de preocupações que permitiram que sementes dormentes germinassem e crescessem.

As lembranças se extirparam agora. A imagem de Ben naquele colete, tão vívido e animado, cheio do alegre otimismo que trazia a brisa da primavera de volta para a vida dela – ela não precisava temer achar a prova de que ele quisera ir embora para sempre.

Sua busca se tornara sem sentido. Ela abriu o outro baú com um objetivo diferente. Fazia semanas que se sentia estranha e sozinha naquela casa. Acolher a lembrança de Ben, tocando seus pertences, a aqueceu. A felicidade fulgurante valia a dor do sofrimento que fluía com ela.

O segundo baú continha objetos pessoais. Ela reconheceu o relógio e sua coleção de berloques. Pilhas de cartas, escovas de cabelo, alguns livros – as posses comuns de um cavalheiro estavam arrumadas dentro do baú.

Ela tirou algumas cartas para espiar o que havia debaixo delas. Ao fazer isso, a fita que as amarrava se soltou. A pilha se desmanchou e os papéis caíram, cobrindo o conteúdo do baú. Sorriu ao reconhecer sua própria caligrafia em alguns deles. Eram as cartas que enviara para ele na Grécia.

Um odor perfumado chegou até ela, um cheiro mais doce do que o das roupas dele. Começou a recolher as cartas formando uma nova pilha e percebeu que o perfume vinha de algumas delas. Entremeados nos outros, havia alguns envelopes de tamanho semelhante, com a mesma caligrafia. Uma letra feminina, mas não a dela ou de suas irmãs.

Pegou uma delas e levou até o nariz. Inalou os resquícios de água de rosas. Uma paralisia horrível tomou conta dela.

Olhou para a carta por longo tempo, tomada de horror. Não conseguia decidir o que fazer. Ainda se debatia em um limbo doentio de indecisão quando seus dedos desdobraram o papel.

Benjamin, meu amor...


CAPÍTULO 9

– Lady Wallingford não está em casa, senhor – avisou o lacaio.

Era bem o estilo de Henrietta mandar a carta e depois sair de casa.

– Prova de roupas – confidenciou o empregado.

– Então elas estão todas na modista.

– Nem todas. A Srta. Welbourne ficou doente e permaneceu em casa.

Hayden reconsiderou a ausência da tia sob uma nova perspectiva. Ela queria que ele conversasse com a preceptora sobre seu desempenho e tinha saído para que pudessem fazer isso em particular. Hayden pretendia ter outra conversa, mas a delicadeza da tia seria muito conveniente.

– Peça que a Srta. Welbourne me encontre na biblioteca, por gentileza. A menos que ela esteja doente a ponto de não poder descer, é claro.

O lacaio saiu para cumprir a tarefa. Hayden subiu para a biblioteca pensando em como iria se desculpar.

Imaginava que ela iria aceitar seu pedido de desculpas rapidamente e tudo acabaria logo. Se ela percebesse que ele não parecia sincero, o que em grande parte era verdade, talvez nem mencionasse esse fato. Mas, com a tendência que Alexia tinha de falar sem meias palavras, havia a possibilidade de que ele saísse da casa naquele dia tendo sido devidamente repreendido.

O lacaio demorou muito para voltar. Em vez de causar um incômodo, a espera produziu uma ansiedade ainda maior. Fazia dias que Rothwell não via Alexia, um longo período necessário para que ele conseguisse ocultar suas piores inclinações. Agora essa conversa iminente melhorava seu humor, apesar de seu objetivo lamentável.

O lacaio voltou sozinho.

– Sinto muito, senhor. Ela não está no quarto, nem na sala de aula.

– Ela saiu de casa?

– Não creio.

– Então tem que estar em algum lugar.

O lacaio hesitou.

– Acho que está no sótão. Uma empregada a viu subindo as escadas e a porta está aberta. Alguém está lá. Uma mulher, tenho certeza. É possível que seja ela.

– Você não poderia ter ido lá verificar?

– Não achei conveniente, senhor. Acredito que a mulher que está lá precisa de privacidade.

Ele fez uma careta.

– Ela está chorando – explicou o lacaio. – Quem quer que seja ela.

Alexia chorando? A imaginação dele tentou rejeitar a imagem, mas ela se formou mesmo assim. A mesma força e intensidade que tornavam improvável que a Srta. Welbourne desabasse também deixavam a situação dramática.

– Voltarei outra hora – disse ele.

O lacaio saiu para cumprir suas outras obrigações. Hayden esperou até ficar sozinho, então subiu os degraus e alcançou o último andar. Passou pelos quartos dos empregados, rumo ao sótão no fim do corredor estreito. A porta estava mesmo escancarada. Ele chegou mais perto. Sons abafados de soluços femininos se fizeram ouvir.

Ele entrou e fechou a porta atrás de si. Espiou-a por entre a mobília e as caixas, sentada no chão perto da única janela do lugar.

Mesmo a distância, viu o pranto. Seu corpo se sacudia. Ela pressionava a boca com as mãos, a fim de abafar os soluços.

Ele foi até ela, espantado com sua emoção, imaginando o que poderia ter causado tal reação. Olhou para baixo, na direção de um baú, e reconheceu o relógio sobre alguns livros. A raiva surgiu, mais forte do que a empatia. Alexia tinha vindo até ali para chorar por Ben. Talvez ela fizesse isso toda semana ou até mesmo todo dia.

Alexia percebeu sua chegada e virou o rosto. Seu corpo inteiro convulsionava na corajosa tentativa de controlar a emoção.

Ele se ajoelhou ao lado dela em uma tentativa de confortá-la. Afastou alguns papéis espalhados sobre a tapeçaria. A letra no papel de cima chamou sua atenção. Benjamin, meu amor...

Ele pegou a carta e a leu. Olhou para Alexia. Os olhos dela estampavam uma tristeza tal que ele procurou na mente uma mentira que explicasse essas cartas.

Ela cobriu o rosto com as mãos e perdeu a batalha contra o autocontrole. Seus soluços encheram o sótão. Mais comovido do que tinha estado em anos, ele se sentou ao lado dela e a envolveu em seus braços.


O abraço dele teve o efeito de confortá-la, mas, ao mesmo tempo, de enfraquecê-la, pois foi como se dissesse “Não tente ser corajosa”.

Ela desabou nos braços de Hayden e desistiu de lutar. Desapontamento e humilhação brotavam dentro dela e transbordavam para fora. O lado prático de sua alma assentia como se fosse uma preceptora maldosa, do tipo que se satisfaz em estar certa, mesmo que isso signifique o sofrimento de seu aluno.

Alguns pensamentos lúcidos irromperam em meio à loucura. Você sempre se perguntou o motivo. Se ele tivesse intenções sérias, a teria pedido em casamento antes de partir. Você acreditou nele porque do contrário seu futuro seria um vazio. Ela cerrou os dentes e se agarrou no casaco por baixo de seus dedos.

O abraço se estreitou. Um beijo reconfortante aqueceu seu couro cabeludo.

– Tente se acalmar.

O comando gentil convocava a mulher que ela apresentava ao mundo, e não a tola que se agarrava a sonhos românticos. O coração dela foi se acalmando até atingir um batimento compassado. O pranto foi secando até se resumir a lentas lágrimas.

Um lenço surgiu, oferecido por uma mão forte. Ela o pegou e enxugou os olhos e o rosto. Ao redor deles, os papéis espalhados se reavivaram. Ela afastou alguns de sua saia.

– Ela escreveu para ele na Grécia, mas houve outras cartas também, antes disso – informou ela. – Ele nunca pretendeu... Ele se comportou de forma desonrosa comigo.

– Talvez ele tenha se comportado de forma desonrosa com ela, não com você.

Uma pequena chama de esperança se acendeu. Não cresceu, mas bruxuleou, desesperada à cata de combustível. Talvez tivesse sido assim. Ben devia ter mentido para essa mulher, não para ela, em relação a suas afeições e intenções.

Ela estava esgotada demais para pesar todas as possibilidades. Mesmo que Ben não tivesse mentido para ela, também não tinha sido verdadeiro.

– É muita gentileza sua dizer isso – disse ela. – Mas tudo indica que fui uma tola.

– Não acho.

Ela deveria se afastar, mas não encontrou forças. Depois de sair desse abraço, ela ficaria com frio e se sentiria sozinha, enfrentando um passado vazio, bem como um futuro difícil.

– Você sabia?

– Sabia que havia mulheres na vida dele, assim como na vida da maioria dos homens.

– Esta escreveu cartas de amor durante anos. Ela escrevia como se também recebesse cartas de amor. O nome dela é Lucy.

– Não sabia dessa mulher específica.

Outra verdade se apresentava. Uma verdade que ela não queria encarar.

– Quando ele falava de mim na Grécia, não era amor ou intenções que revelava, não é mesmo? Eu era apenas mais uma mulher não específica.

Lorde Rothwell permaneceu em silêncio. Isso já era a resposta.

Ela não conseguia acreditar na amplidão do vazio que sentia. O choque a havia distanciado de si mesma. Ela temia a solidão que sentiria por já não ter lembranças tolas em que se agarrar. Esse grande vazio estava à espreita, pressionando-a. Deitou a cabeça no ombro dele para descansar antes de achar coragem para seguir adiante mais uma vez.

O abraço dele a estreitava e preenchia. Seu perfume, candura e proximidade transbordavam no vazio. Uma perturbação sensual vibrava nessa conexão. Faltava-lhe a força de vontade necessária para rejeitar a vitalidade perigosa que ele incitava.

Foi tomada por essa vibração, que dava vida a partes do seu corpo que tinham acabado de morrer em agonia. Ela não se mexeu, ficou só absorvendo o calor, não se importando com o perigo que isso representava. Ele também não se mexeu. O silêncio do abraço foi ficando cada vez mais pesado. De uma forma não natural, ela ficou ciente de cada parte de seu corpo tocada por ele. Podia sentir o mesmo estado de alerta nele.

Pendeu a cabeça e olhou para cima. Hayden não olhava para ela, mas para o sótão. A expressão dele guardava a mesma austeridade contemplativa que já vira antes e seus olhos azuis tinham as luzes quentes que lhe davam a aparência tão rígida.

Ela interpretara erroneamente esse rosto no passado, porém não agora. Sua dureza continha uma fúria, mas não era raiva. Ele virou a cabeça e olhou para baixo, na direção dela, e a fonte desses sentimentos não poderia ser entendida de forma equivocada.

Ele acariciou o rosto dela, seus dedos tocando suavemente as lágrimas secas. A tentativa de acalmá-la fez com que o coração dela batesse mais forte. O mesmo se dava com o desejo expresso no abraço e nos olhos dele. Ela já não conseguia entender os motivos por que deveria rejeitar esse desejo. Tudo aquilo tinha se passado em outro mundo e em outra vida. Ela não podia suportar a ideia de perder esse calor que ele lhe dava e não queria enfrentar o frio duradouro que esperava a sensata Srta. Welbourne depois que passasse por aquela porta escura do sótão.

Não pensou. Seu espírito açoitado pela tristeza agarrou a oportunidade de afogar a verdade e preencher o vazio da decepção. Levou as mãos ao rosto dele.

Exceto pela forma como seu olhar se intensificou e uma dureza sensual que surgiu nos cantos de sua boca, de início ele mal reagiu.

Depois sua mão cobriu as dela e as espalmou contra sua pele, permitindo que seu calor fluísse para ela. Seus dedos fortes circundaram os dela e depois retiraram a mão feminina. Ele baixou a cabeça e beijou a palma e o pulso de Alexia.

Ela sentiu como se borboletas voassem do seu pulso até o coração, depois batessem asas por seu corpo todo. Fechou os olhos para saborear essa sensação tão agradável. Seu contraste com a solidão dormente a surpreendeu.

Ela abriu os olhos para encará-lo. Não deu atenção à advertência que seu coração sussurrava e não fez nada para ajudar Hayden a vencer a batalha interior que o via travar. Ela torcia para que ele perdesse. Queria que lorde Rothwell a beijasse e a enchesse de vida até que tremesse.

E ele beijou. Com cuidado de início e depois um pouco menos. Um fervor a tomou em forma de beijos desejosos de liberdade. A cada instante em que Alexia correspondia às carícias de Hayden, mais um grilhão era rompido.

O poder daquele beijo a deixou atônita. O frenesi penetrou seu sangue, impondo um ritmo acelerado a sua respiração. Uma excitação agradável a movia por dentro e por fora e ela se sentiu palpitar na pele e em sua essência, com cada arrepio mais forte que o anterior.

O abraço dele se afrouxou enquanto ele a deitava na tapeçaria. Com um só movimento, ele varreu as cartas para o lado, jogando-as atrás dos baús, ocultando-as e tirando a terrível descoberta da vista e do pensamento.

Tirou o casaco pesado e a beijou novamente. Envolveu-a e se deitou ao lado dela, tomando-a nos braços como era possível. Os beijos rapidamente mudaram ao se deitarem juntos à luz que penetrava pela pequena janela do lado norte. Ela se submeteu aos mesmos beijos íntimos e acalorados que experimentara no teatro, só que agora nenhum espanto inibia sua reação. Ele não precisava seduzi-la a uma paixão cada vez mais crescente. Um prazer incontrolável a dominara e ela jogara fora todo resquício de precaução e preocupação.

Ela amou cada momento. Amou a forma como as mãos dele começaram a se mover, tocando-a por baixo da roupa, com uma pegada firme, possessiva e dominadora. Uma deliciosa sensibilidade se acendeu na parte baixa do seu corpo, com uma comichão persistente criando uma necessidade física. Seus seios também o desejavam com ardor, tanto que as carícias dele, quando chegaram, não foram suficientes. Ela cravou os dedos em suas costas, segurando-o com força, vagamente ciente de que estava respondendo a seus beijos, completamente alerta para a forma como essa loucura deliciosa a fazia se mover e gemer.

De repente estavam sozinhos em uma febre caótica que obliterava o tempo e o espaço. O prazer governava seus atos e uma necessidade dolorosa e desesperada a empurrava para além da decência. Ela queria mais e nada além. Apenas mais. A palavra soou dentro dela, enquanto pedia, recebia e gemia.

Ele desabotoou o vestido dela, mas o espartilho permaneceu entre eles. Hayden murmurou um xingamento por causa da roupa íntima e acariciou o seio dela por cima do tecido. Seus dedos encontraram o mamilo e o pressionaram com mais força. Um arrepio lancinante a atingiu no centro do corpo e centelhas de excitação queimaram seu peito, fazendo-a perder o fôlego.

Ele retirou o braço dela do corpo dele e puxou a alça do espartilho para baixo até expor um seio.

Estar nua a excitou ainda mais. A forma como ele a olhou também. O toque masculino no cume escuro e protuberante a desarmou. O anseio doloroso e impaciente, profundo e baixo, ficou ainda mais intenso. Ele acariciou o seio e o mamilo com a palma da mão, excitando-a a ponto de fazê-la querer chorar.

Não havia descanso, só mais excitação. Um som repetitivo em sua cabeça e o desejo do homem que a guiava até a beira do abismo da paixão. A cabeça dele desceu, levando a língua ao mamilo de Alexia. As sensações se intensificaram de novo. Uma nova carícia, nas pernas dela, suspendia a saia em longos afagos, até que suas peles se tocaram.

Ela sabia para onde as carícias a estavam levando. Sim, mais. Até mesmo a excitação luxuriante em seu seio reverberava mais embaixo agora. A expectativa dela virou um frenesi.

Alexia estava certa de que não poderia ficar mais excitada do que já estava, mas cada novo toque provava quanto estava errada. Ele incitava uma vibração tão concentrada, tão insistente, que a fazia perder o controle. Estava diante da chance de sentir-se completa; rejeitá-la a enlouqueceria.

Mais. Ele se mexeu, afastando as pernas dela, ficando entre elas. Mais. Ele a beijou mais forte, silenciando os sons que ela não sabia estar fazendo até que os ouvia. Mais. Ela se agarrou nos ombros dele, mas ele se apoiou nos braços de forma que ela não pudesse conter seus movimentos. Mais. Levou a mão ao ponto entre as pernas dela e a afagou até que gemesse.

De repente, outro toque. Um que fez todo o seu corpo tremer. Uma rigidez que a completava e aliviava o desespero. Então ele empurrou, rompendo-a, fazendo-a perder o ar. A dor cortante afastou a sensação de euforia.

Toda a sua consciência voltou em um só instante. Consciência do teto do sótão e da luz da janela. Do homem em cima dela, do peso dele e da força dominando-a. Da plenitude, tão completa e espantosa. A queimação parou, mas ela pulsava lá, viva e sensível. Novos prazeres tremeram levemente, mas ela estava chocada demais para que eles aumentassem.

Ele se inclinou para beijá-la. Ela olhou seu rosto. Junto com uma expressão que era máscula, quente e dura, ela viu algo mais em seus olhos. Surpresa.

Ele se mexeu. O membro rígido deu uma última estocada, enchendo-a de um bálsamo que ao mesmo tempo a curava e prolongava sua dor. O atordoamento não voltou. Em vez de ficar perdida no clima de sensualidade, ela estava atenta demais, alerta demais, de forma incomum. Dele e da sensação dele dentro dela. Da vulnerabilidade dela. De uma intimidade tão invasiva que jamais poderia fugir dela.


O ofuscamento aos poucos diminuiu. A transcendência do gozo gradualmente o deixou.

Ele olhou para baixo, para a mulher sob ele. Alexia o abraçava meio sem jeito, enlaçando-o com um dos braços. O outro estava pousado no chão ao lado de seu corpo, em completo relaxamento, aprisionado pela alça do espartilho e por sua blusa. Ele se apoiou nos braços e mergulhou para beijar o seio exposto. Um belo seio, redondo e farto, feminino e macio. Um tremor a percorreu, lembrando a Hayden que ela não tinha ido até o fim no prazer.

A expressão dela continuava cheia da vulnerabilidade que ele vira ao entrar no sótão.

– Machuquei muito você?

– Não muito. Mas um pouco, sim. Estava pensando que a natureza não foi muito boa com as mulheres.

Ele quase riu, mas, em vez disso, saiu de dentro dela. Ela avaliou o gesto tendo uma ruga na testa, como se tentasse decidir se ele tinha feito bem ou mal.

Ele se afastou e arrumou suas roupas. Com um último beijo no belo seio, colocou a alça do espartilho de novo no lugar.

– Não é sempre tão injusto. Só na primeira vez.

Ela rolou para o lado a fim de que ele pudesse abotoar o vestido.

– Você pareceu surpreso quando... Você não achava que seria minha primeira vez, não é? Apesar do que lhe disse, você pensou que Ben e eu éramos amantes.

Ele desejava ardentemente poder dizer que tinha acreditado nisso. Seria uma desculpa. Ele queria ter uma. A única coisa que sentia agora era contentamento, mas a culpa estava à espreita. Uma estranheza já se insinuava entre eles.

– A surpresa que você viu foi espanto. Uma coisa é desejar uma mulher, outra é realizar a fantasia.

Alexia se ajoelhou logo que o vestido foi fechado, e ficou imóvel. Hayden acompanhou o olhar dela para ver o que a distraíra. Eram as cartas que cobriam o chão por trás dos baús.

– Vou guardá-las – disse ele.

– Obrigada, é muita gentileza de sua parte. Sua tia vai voltar em breve e eu não devo ficar mais aqui. Preciso me trocar e... Do jeito que estou, não vai ser segredo para a criadagem.

Enrubescendo, ela começou a se levantar. Ele a segurou pelo braço, detendo-a.

– Alexia...

Ela o olhou nos olhos.

– Não, por favor, não diga isso. Não diga nada. Por favor.

– Há muito a ser dito.

– Na verdade, não. Com certeza não agora e, talvez, se formos sensatos, nunca.

Ela retirou o braço e parou.

– Por favor, permita que eu mantenha a lembrança deste momento como quero que seja – pediu e olhou rapidamente para as cartas enquanto se virava para ir embora. – Como pode ver, sou muito boa nisso.


Ela estava deitada na cama, ouvindo o silêncio da noite, tentando se familiarizar consigo mesma.

Saíra daquele sótão uma mulher diferente. Via o mundo de outra maneira agora. Era uma visão mais verdadeira, suspeitava ela. A desilusão com Ben fora responsável em parte por isso, mas o restante – o abandono, a intimidade e o prazer estonteante –, essas experiências davam uma sabedoria especial à mulher.

Não se culpava nem lamentava pela inocência perdida. Não se arrependia de ter feito o que fizera. Era difícil de admitir, mas assim evitava a necessidade de recriminações dramáticas. Também permitia que enfrentasse honestamente as implicações do que acontecera. Agora era o orgulho, e não medo, que exigia que ela deixasse aquela casa.

A sombra do chapéu pairava em sua escrivaninha. A noite e a musselina obscureciam os detalhes, mas ela visualizou a peça em sua mente. Não deixaria de tentar vendê-la, nem alteraria qualquer outro plano. O que acontecera com Hayden não a tiraria do caminho que escolhera. Suas decisões eram as mais acertadas e Alexia deveria pô-las em prática rapidamente se quisesse controlar essa lembrança.

Ela fechou os olhos, na esperança de dormir. Porém sua mente se acendeu e se voltou para o seu corpo. Ela o sentiu. O machucado doía levemente, como se ele ainda a estivesse preenchendo. A presença dele continuava a invadir sua mente.

Uma saudade insistia em fluir para o seu coração. Ela permitiria que essa nostalgia encontrasse um lugar para ficar. Seria desonesto construir uma lembrança cheia de pecado e culpa, no fim das contas. Ela tinha aproveitado o momento demais para isso.


CONTINUA

CAPÍTULO 6

Hayden se aproximou do pórtico de entrada do banco Darfield e Longworth. Quase não se lembrava do trajeto de Mayfair até ali. Sua cabeça estava tão tomada de preocupações pelo que ocorrera na biblioteca da casa de Henrietta que ele mal percebera a chuva fina que havia umedecido suas roupas.

Ele não tinha se comportado de forma honrosa. Mulheres na situação da Srta. Welbourne ficavam vulneráveis e muitas vezes sofriam abusos. Os homens que tiravam vantagem delas eram canalhas. Ele não era do tipo que importunava as damas. Os acordos que assumia com suas amantes e meretrizes eram claramente estabelecidos e mutuamente benéficos.

Talvez, com o tempo, ele se sentisse devidamente arrependido em relação à Srta. Welbourne. Naquele momento, nada poderia competir com as lembranças daqueles beijos e do modo apaixonado como fora correspondido. Ele não era um homem impulsivo, então o fato de aqueles beijos terem acontecido o fascinava tanto quanto a reação sensual de Alexia Welbourne.

Era o tipo de coisa que ele teria feito logo após o falecimento do pai. Ao luto se seguira uma euforia de liberdade, como se ele fosse um prisioneiro libertado do uma cela subterrânea. Durante dois anos vagara pela vida como um bêbado, chafurdando em emoções extremas e atos impetuosos, deleitando-se com os prazeres imprudentes que tinham sido negados a ele por tanto tempo.

Fora um ator experimentando trajes no palco de Londres, na esperança de que um deles lhe caísse melhor do que a própria pele. Estava aflito para negar a verdade que o cercava – que era de fato filho de seu pai e que se assemelhava muito a ele.

Até que finalmente aceitou o legado e controlou seu lado ruim, ao mesmo tempo que explorava seus pontos fortes. Ao passar pelo pórtico, no entanto, seu equilíbrio vacilou de novo. As especulações em torno da lembrança daqueles beijos eram mais desonrosas do que os beijos em si. Seu lado inescrupuloso cogitava seduzir a Srta. Welbourne por completo e imaginava as tentações necessárias para convencê-la de que seria do interesse dela chegarem a um daqueles acordos mutuamente benéficos.

A cena dentro do banco varreu essas considerações de sua mente. Uma aglomeração de cerca de trinta homens tinha se formado, compondo uma linha desorganizada na frente dos escritórios.

Vários outros homens chegavam, todos com muita pressa. Ele notou a preocupação em seus rostos e em seus passos rápidos. Percebeu sinais do início de uma corrida ao banco.

Ninguém o tinha vista ainda. Ele ouviu uma menção ao nome Longworth. A porta do escritório se abriu. Darfield deixou que um homem entrasse e depois voltou a fechá-la.

Hayden se aproximou da multidão. Um murmúrio de pânico se espalhava.

Um homem bloqueou sua passagem.

– Você não vai passar na frente, Rothwell. Não vamos ficar com as migalhas depois que sua família for alimentada.

– Minha família não tem intenção de jantar aqui hoje.

– Você disse isso há um mês, mas há boatos de falcatruas por aqui, o que Longworth...

– O Sr. Longworth vendeu sua participação para Darfield por motivos pessoais. Suas finanças particulares não se refletem no banco.

– Então por que está aqui? – perguntou outro homem.

– Não é para retirar meu dinheiro, isso eu lhe asseguro.

Ele foi alvo de alguns olhares incrédulos. Havia um número muito grande de bancos falindo para que as pessoas confiassem umas nas outras.

– Não tenho razão para desconfiar da força financeira deste banco – disse ele, alto o bastante para ser ouvido por todos. – E não tenho intenção de resgatar títulos ou encerrar contas agora, nem motivos para considerar essa hipótese no futuro. Se os cavalheiros quiserem sacar seu dinheiro, o Sr. Darfield vai honrar os saques. As reservas são mais do que suficientes para cobrir todas as suas demandas.

Sua franqueza aplacou o pânico da multidão. Ele podia ter se mostrado um canalha ao se render a seus desejos físicos naquele mesmo dia, mas seu sucesso nos investimentos não tinha sido alcançado usando artimanhas enganosas.

A agitação da turba se desfez. Alguns homens partiram. Outros se reagruparam para discutir o que fariam. O caminho para o escritório foi liberado.

Ele pediu ao funcionário do banco que o anunciasse, mesmo sabendo que Darfield já estava recebendo alguém. Darfield apareceu na porta de imediato, sério e resoluto em sua casaca escura e colarinho alto, amigável com seu rosto de expressão suave e cabelo prateado. Ele saiu e fechou a porta atrás de si.

Darfield pediu que o funcionário se retirasse. Enquanto sorria confiantemente para os homens que os observavam, disse em voz baixa:

– Lamento dizer que a avaliação que fizemos das contas não foi detalhada o bastante para detectar as falcatruas de nosso amigo.

– O que quer dizer?

O banqueiro empurrou a porta e mostrou o visitante que o esperava do lado de dentro. Hayden o reconheceu: Sir Matthew Rolland, um baronete da Cúmbria, um condado no norte do país.

Darfield fechou a porta de novo.

– Ele quer sacar os títulos que mantém conosco. Quando verifiquei e expliquei que haviam sido vendidos, ele insistiu que nunca os vendera e que estava recebendo os rendimentos normalmente.

– Verificamos todos os títulos vendidos nos últimos anos. Imagino que alguns tenham passado despercebidos. Mas ele realmente vem recebendo os rendimentos?

– Estava indo verificar exatamente isso.

– Ficarei esperando com ele enquanto você verifica. Não seria um bom momento para ele deixar este escritório com raiva e cheio de acusações.

Darfield olhou para a aglomeração de homens.

– Tem razão, não seria mesmo.

Ele se dirigiu para outra sala, onde eram mantidos os registros das contas.

Hayden abriu a porta. Sir Matthew não tinha qualquer ar de preocupação. Louro e de rosto redondo, afeito a caçadas no campo, ele parecia aguardar calmamente enquanto um mero erro de registro era corrigido.

– Rothwell – saudou ele, com um sorriso amável. – Veio salvar o legado de Easterbrook, não é mesmo?

– Não estou aqui com esse objetivo. Sou amigo do Sr. Darfield.

– Então pode ajudá-lo a consertar esse mal-entendido. Ele está dizendo que vendi meus títulos. Nunca fiz isso.

– Tenho certeza de que ele encontrará rapidamente o erro nos registros. Qual é o valor em questão?

– Cinco mil.

Hayden entreteve Sir Matthew com uma conversa sobre caçadas e esporte. Darfield demorou cerca de meia hora para se juntar a eles. Quando voltou, seu rosto tinha uma expressão de sobriedade.

– Sir Matthew, estou sem jeito de lhe dizer que será complicado resolver a situação dos registros de seus títulos. Em vez de mantê-lo esperando mais ainda, vamos lhe entregar o dinheiro e resolver os outros detalhes depois.

Sir Matthew não percebeu quanto essa oferta era estranha. Darfield se sentou à mesa e assinou uma permissão de saque. Hayden notou que era da conta pessoal do banqueiro.

Com sorrisos e despedidas amáveis, eles viram um Sir Matthew muito satisfeito ir embora. Assim que a porta se fechou, Darfield se permitiu extravasar seu desalento:

– Não há registro de pagamento ao cliente – disse ele. – Tudo o que temos registrado é que os títulos foram vendidos, ponto final. Igual aos outros. Long­worth deve ter vendido os títulos dele e agora estou cinco mil libras mais pobre. Minha pergunta é: qual é o tamanho do rombo daquilo que nos escapou?

– Não acho que tenha nos escapado nada.

A lembrança de uma boca sensual distraiu Hayden, mas ele não se deixaria levar de novo por aqueles pensamentos por enquanto.

– Parece que teremos que verificar tudo mais uma vez.

– Será que alguém revelou o jogo de Longworth e Sir Matthew está... Não é possível... Isso seria chocante demais até para se imaginar – falou Darfield.

– Vamos ver se Timothy Longworth pagou rendimentos a ele sacando de suas contas pessoais, como fez com os outros. É bom nos certificarmos de que isso seja o final dessa história. Quando os registros mostram que ele vendeu os títulos?

Darfield sentou-se e abriu um grosso livro-razão.

– Foi em1822. Não, espere – disse e olhou com mais atenção para o papel. – A tinta está um pouco apagada. Pode ser... Mas essa data é impossível!

– Que data?

Darfield olhou espantado.

– Aqui consta 1820.

Hayden ficou tão surpreso quanto Darfield. Timothy Longworth ainda não era sócio do banco naquele ano. O sócio era Benjamin.

Uma tristeza profunda tomou conta de Hayden. E não foi provocada apenas pela expectativa do que poderia vir a descobrir a respeito do amigo: de repente se tornava mais plausível uma suspeita que ele vinha reprimindo em relação à morte de Benjamin.

– Vamos ter que examinar todos os registros dos títulos mantidos no banco, desde a época em que Benjamin Longworth adquiriu sua participação no negócio. Se ainda tiver informações sobre as contas pessoais de Benjamin, traga-as também.

Darfield assentiu, sua tristeza era evidente.

– Agradeço muito por sua ajuda e discrição. Precisará de mais alguma coisa?

– Uma bebida forte. Uísque serve.


Os três irmãos jantaram em casa naquela noite. Hayden teria apreciado esse encontro em qualquer outro dia. Naquela noite, no entanto, nem o espírito sagaz de Elliot conseguiu tirá-lo de seus pensamentos. Sua distração criou longos períodos de silêncio à mesa. Também atraiu o olhar de Christian em sua direção com muita frequência.

– Estamos muito sérios hoje – disse o mais velho. – Se eu soubesse que você estaria tão tedioso, Hayden, teria aceitado o convite para ir à festa de Lady Falrith. Pelo menos lá o tédio teria várias fontes.

– Estou pensando em uma equação que ando testando.

Normalmente ele não contava mentiras tão deslavadas, mas não poderia revelar o que estava pensando de verdade.

Ele deixara o banco naquele dia com perguntas de mais na cabeça. Também guardava um segredo terrível. Timothy Longworth não tinha sido o criador do esquema de falsificar assinaturas para vender títulos. Aprendera o truque com Benjamin, que vinha fazendo isso praticamente desde que adquirira participação no banco de Darfield. Após a morte de Ben, Timothy continuara pagando rendimentos às vítimas de Ben, enquanto fazia ele mesmo novas vítimas do golpe.

Sua cabeça ficou repleta de lembranças nas horas que seguiram àquela revelação. Benjamin garoto, tão imprudente e espirituoso quando comparado aos irmãos Rothwells. O pai deles tinha sido um homem rígido, severo em sua honra e dominador em sua personalidade.

O que nos torna humanos é a capacidade de sermos racionais. Os gregos já sabiam disso, mas esta é uma lição que os homens esquecem, colocando-se em risco. A paixão tem seu lugar, mas é a mente que deve comandar seus atos. As emoções levam a impulsos que destroem a honra, a fortuna e a felicidade.

Ele aprendera essa lição de uma forma ou de outra todos os dias de sua juventude. O pior é que vivera com a prova de sua verdade, vendo o sofrimento que a emoção e a paixão trouxeram a seus pais. No campo, no entanto, conseguia escapar tanto do homem quanto da lição, que durava horas sem fim. Benjamin Longworth, um garoto que morava no final da estrada, havia se transformado em um tônico contra a forma como aquela lição tornava suspeitas e vergonhosas a alegria e a animação.

– Achei que você tivesse posto limites a essas investigações matemáticas – disse Christian. – Você precisa aprender com Elliot. Quando está no mundo real, tem que viver de forma real. Ele não está sendo tedioso hoje.

Tendo acabado de pensar no pai, Hayden não gostou de ouvir Christian usar um tom tão parecido com o dele.

– Não estou aqui para distraí-lo, maldição!

Christian achou a resposta ríspida muito interessante. Elliot também.

– Não acho que sejam os números o que está distraindo você, Hayden – comentou Elliot.

– Pense o que quiser.

Não queria falar no assunto. Seus irmãos não sabiam de nada e não podiam lhe acrescentar qualquer explicação. Somente uma pessoa em Londres poderia ter informações a respeito de Ben e do banco. Uma mulher que o odiava, mas que reagira com paixão a seus beijos. Uma mulher que tinha sido apaixonada por Ben e ainda era.

– Talvez esteja pensando em alguma mulher – disse Christian a Elliot.

Era muito enervante ver Christian adivinhar a razão verdadeira.

– Embora ele nunca se distraia muito por causa delas – continuou o mais velho. – Teria que ser uma moça muito especial, só que nenhuma delas nunca é tão especial assim para ele. Não há lógica no amor, nenhuma equação matemática que o comprove, então Hayden conclui que o amor não existe.

Elliot lhe deu uma olhadela. Tinham sido aliados no passado, quando Christian era o perfeito. Elliot percebia seu humor de uma forma que mais ninguém conseguia.

– Não acho que seja mulher – disse ele.

Ele estava certo e errado. Uma mulher perpassava todos os seus pensamentos sobre Ben. O que ela sabia? Como reagiria ao descobrir os crimes de Ben? Ela culparia Hayden Rothwell se tudo viesse a público e a reputação de Ben fosse manchada?

Darfield tinha prometido silêncio de novo, para proteger a própria fortuna e a reputação. Hayden usara recursos próprios para cobrir qualquer perda dos clientes do banco. Sua dívida para com um velho amigo acabara ficando cara demais.

Com uma clareza implacável, ele viu os fatos se desdobrarem à sua frente. Ben se encaixava perfeitamente em seu papel naquele drama. Mesmo a bebedeira no navio de volta, sua resistência em retornar à vida estável de um banqueiro – disso ele tinha certeza a respeito de Ben. O que mais, além do tédio, estaria esperando por ele em Londres? E como isso afetara seu estado de espírito?

Será que estava desesperado, prevendo a descoberta de seus crimes? Havia construído um castelo de cartas com aqueles roubos. Devia saber que no fim o castelo ruiria. Será que tinha pulado do navio? Esta sempre fora uma possibilidade, considerando o humor de Ben nos dias anteriores. Uma possibilidade que Hayden evitara contemplar, porque, se Ben tinha pulado, Hayden havia permitido que isso acontecesse.

Um buraco tinha se aberto em seu estômago e se recusava a fechar. Carregava imensa culpa por aquela noite. Agora se indagava se seu próprio orgulho não o cegara para a profundidade do desespero do amigo.

– Bem, mas seria adequado que uma mulher o estivesse distraindo – insistiu Christian. – Um de vocês precisa se casar logo. Quero ter um sobrinho.

Elliot riu.

– Nunca seremos obrigados a nos casar, Christian, não teremos que abrir mão de nossas excentricidades para agradar uma esposa. Você é quem tem esse dever – Elliot disse isso e esticou as pernas, examinando o irmão mais velho. – Deve começar cortando o cabelo. Ouvi dizer que as moças usam a palavra “selvagem” quando o descrevem.

Christian ignorou o comentário. Não gostava que os outros se metessem na sua vida. Ser intrometido e incisivo era um direito que reservava apenas a si mesmo.

– Em último caso, vocês dois podem ter amantes – murmurou Christian. – Hayden tem andado irritadiço ultimamente e eis a razão. E você está sempre enfurnado em alguma biblioteca, Elliot.

– E você está sempre enfurnado nesta casa – rebateu Hayden.

Mesmo em seus melhores dias, a presunção de seu irmão o perturbava. Hoje ele não estava de muito bom humor para tolerá-la.

– Você se esquiva de seus deveres para com seu título e tem a petulância de dizer que temos que lhe dar um herdeiro. Cuide de suas próprias obrigações, de sua própria mulher e de seus próprios hábitos, Easterbrook – continuou Hayden. – Quando tudo isso estiver em ordem, pode prestar atenção em mim.

Elliot bebericou seu vinho com um leve sorriso. Os olhos de Christian ficaram frios.

– Sei exatamente quais são meus deveres em relação a meu título e minha família – declarou o marquês. – Sei porque fiz escolhas claras em relação a isso. É possível fazer as coisas dessa forma, Hayden. Não é preciso aceitar os ditames da sociedade, da religião ou do pai. Podemos escolher o que devemos a uma ideia ou a uma pessoa.

O fantasma de Benjamin pairava sobre eles, sorridente e feliz, como se Christian o tivesse chamado. Contudo, a imagem mudou rapidamente. Hayden viu Benjamin no convés do navio, carregando uma garrafa e se recusando a descer.

Por que Ben tinha saído da Grã-Bretanha e por que a volta o deixara tão desnorteado? E se tinha roubado mais de quarenta mil libras, onde diabos estaria todo esse dinheiro?


Alexia espiou o chapéu empoleirado na cabeça de Lady Wallingford. Não se poderia achar uma falha grave em sua modelagem. Ficaria mais elegante se as fitas fossem um pouquinho mais estreitas e as flores de cetim, um pouco menores, mas a Sra. Bramble, a chapeleira, conhecia bem seu ofício.

– As cores são um pouco fortes demais para a senhora – disse Alexia.

– Mas adoro vermelho e fica sofisticado com azul – retrucou Henrietta.

– O conselho da Srta. Welbourne não é sem razão, madame. A senhora tem a pele muito clara e essas nuances em particular tiram a atenção de sua própria beleza – reforçou a Sra. Bramble, olhando para Alexia em busca de aprovação.

Alexia assentiu sutilmente. Ela e a chapeleira estavam dando uma trégua.

Desde que tinham chegado à loja, Alexia conseguira desencorajar Lady Wallingford de comprar três chapéus muito caros. Sem dizer uma só palavra sobre o assunto, tinha dado a entender à Sra. Bramble que, a menos que quisesse assinar algum recibo de venda, teria de cooperar.

A Sra. Bramble trouxe uma cesta de fitas. Alexia pegou uma de um tom amarelo forte. Desenrolou-a diante do rosto de Henrietta e o verde dos olhos dela imediatamente se intensificou. Cobriu todo o vermelho flamejante com a fita e prendeu a ponta, de forma que a patroa pudesse julgar o efeito por si mesma ao olhar no espelho.

Enquanto Henrietta avaliava o próprio reflexo, a Sra. Bramble espiava Alexia.

– Você tem jeito para a coisa, não posso negar – disse ela baixinho. – Seu chapéu é muito bonito e finamente elaborado. Posso perguntar onde o comprou?

– Em uma lojinha no centro da cidade. A maioria das lojas por lá é bem simples, mas há uma mulher cuja habilidade supera a de todas as outras.

– Se ficar sabendo que essa mulher está à procura de emprego, por favor, peça que me procure.

Henrietta decretou que o amarelo, apesar de não tão marcante quanto o vermelho, seria uma escolha melhor. Ela encomendou um chapéu e vários casquetes para si e para Caroline. Alexia a acompanhou até a carruagem. Esperava que lorde Rothwell reconhecesse que ela havia conseguido reduzir um pouco a conta que sua tia pretendia fazer nessa visita.

O lacaio deu a mão a Henrietta para que ela subisse na carruagem, mas Alexia declinou sua ajuda.

– Eu deveria ter aproveitado para encomendar algo para mim – disse ela. – Posso voltar, senhora? Não vou me demorar.

– Pode. Como Hayden vai trazer Caroline para nos encontrar, madame Tissot pode começar a tomar as providências se eles chegarem antes.

A presença iminente de lorde Rothwell era um dos motivos de Alexia querer voltar para a loja. Não havia uma forma generosa de encarar aqueles beijos na biblioteca. Ele tinha sido um canalha e ela, uma libertina. Era simples assim.

Se pudesse acreditar que um deslize desses nunca mais se repetiria, poderia tentar fazer de conta que nunca acontecera. Infelizmente, as coisas não estavam tão claras assim. Ele fizera duas visitas nos últimos dias e o clima ficara pesado com a consciência dele do que ela permitira. No entanto, Alexia não tocou no assunto. E lorde Hayden não se desculpou, como já era de esperar.

As expressões e olhares dele poderiam não revelar a verdade chocante, mas sua mera presença tornava o clima tão denso que até respirar ficava difícil. O pior é que uma excitação tola pulsava silenciosamente na cabeça de Alexia e no seu sangue, por mais que tentasse controlar.

– Lady Wallingford esqueceu algo? – perguntou a Sra. Bramble quando Alexia entrou na loja de novo.

A chapeleira deu uma olhada em torno, procurando um xale ou uma bolsa.

– Queria falar com a senhora sobre a mulher que fez meu chapéu. Ela também confecciona por conta própria, fora do horário em que trabalha para o patrão. Suas melhores criações estão disponíveis por encomenda direta porque a dona da loja não tem bom gosto suficiente para apreciá-las.

– Isso é bem comum – disse a Sra. Bramble. – Não gostaria que minhas funcionárias fizessem isso, é claro, mas se a dona da loja não quer os chapéus... bem, é diferente.

– Creio que sua loja fará mais jus aos talentos dela do que qualquer loja no centro, e de forma muito melhor do que ela conseguiria por conta própria.

Os olhos da Sra. Bramble se estreitaram enquanto ela considerava a proposta.

– Essa mulher traria os chapéus para mim pessoalmente?

– Eu ficaria feliz de fazer isso por ela.

– Se eu usasse como modelo o chapéu que você trouxer, ela faria os pedidos em tempo hábil? Executaria as alterações solicitadas?

– Tenho certeza de que sim.

A Sra. Bramble olhou para ela de maneira astuciosa.

– Você parece conhecê-la muito bem.

– Já conversamos algumas vezes e sei que ela é honesta e diligente.

– Nesse caso, gostaria muito que a senhorita lhe dissesse para me mandar um ou dois chapéus, se forem da qualidade do que está usando.

Alexia correu para se reunir à patroa. A Sra. Bramble suspeitou que não houvesse mulher nenhuma no centro. Tinha sido gentil ao permitir a mentira para não ferir o orgulho da moça.

Alexia voltara à loja em um impulso, mas fora também uma decisão nascida de anos de especulações sobre o próprio futuro. Seu primeiro plano para o emprego não vinha se desenrolando da forma como pretendera. Se continuasse a ser preceptora de Caroline, ficaria vulnerável aos galanteios inexplicáveis e desonrosos de Hayden Rothwell.

Ela também não poderia mentir para si mesma sobre a corte de Hayden. Os beijos não tinham sido nem um pouco como os de Ben. Não poderia fingir que tinha sido amor o que os inspirara. Eles tinham compartilhado uma paixão selvagem que não necessitava da mínima afeição. A excitação que ele causava era dominadora demais, perigosa demais e sem nenhum romantismo.

Agora, no entanto, encontrara uma forma de ser chapeleira sem ter de trabalhar em uma loja. Isso era muito melhor do que ser uma criada, independentemente do nome dado ao cargo. Era também muito melhor do que virar cortesã, por mais agradável que fosse a sedução que levava a isso.

Ela poderia fazer os chapéus e ver quanto receberia da Sra. Bramble. Talvez fosse o suficiente para permitir que começasse a planejar uma vida em que não ficaria vulnerável aos perigosos galanteios de Rothwell.


Hayden xingou a si mesmo. Ele xingaria Alexia Welbourne também, mas não seria justo.

Não era culpa dela o fato de ele estar naquele antro feminino, avaliando vestidos coloridos e ouvindo as críticas incessantes de Henrietta. Pelo amor de Deus, ele tinha se oferecido para trazer Caroline até ali de modo que ela pudesse se encontrar com sua mãe e a preceptora.

Ele esperara até as damas chegarem, mesmo podendo ter deixado a prima nas mãos competentes de madame Tissot. Agora estava sendo punido por seu desejo oculto de ver a Srta. Welbourne, que fazia com que atendesse aos pedidos de Henrietta com muita frequência.

A mulher que ele assediava agia como se ele não estivesse presente. Contudo, o lado sedutor nele notava qualquer pequeno rubor e gaguejo de Alexia. E seu lado cavalheiro... bem, ele continuava a pôr honra e desejo na balança e concordava com tardes tediosas como esta para poder gozar do desejo enquanto fingia exercitar a honra.

Mas ele saudava o estímulo traiçoeiro das batalhas silenciosas que agora travava tanto dentro de sua cabeça quanto fora, naquele cômodo. Um dos motivos era que isso obscurecia as perguntas incessantes em relação a Benjamin Longworth.

Elas ocupavam sua mente, tomavam sua atenção. Ele queria saber por que Ben tinha roubado todo aquele dinheiro e se esses crimes estavam ligados à sua morte.

Alexia Welbourne talvez soubesse a resposta para algumas dessas perguntas. Mas, quando Hayden estava com ela, esquecia tudo sobre isso. Ele tentava se convencer de que buscava a companhia dela apenas para poder sondar fatos sobre Benjamin, mas nem mesmo procurava tocar no assunto. Nada disso era boa notícia para o lado honroso de sua batalha interior.

– O que você acha, Hayden? – perguntou tia Henrietta, segurando dois cabides com vestidos de debutante. – Qual deles devemos escolher?

– Sou ignorante demais nesse assunto para dar conselhos. Qual a opinião da Srta. Welbourne?

Alexia tinha se retirado para sentar em uma cadeira o mais afastado dele possível. Henrietta pediu que ela se aproximasse. Com uma expressão passiva e postura digna, Alexia se juntou aos dois. Seu olhar não pousou nele nem por um instante. Ela possuía uma capacidade excepcional de ignorá-lo sem parecer deliberadamente rude.

O lado sedutor não se importava com isso. Ela podia evitar o olhar, mas não tinha como esconder que mudava de atitude por causa dele. A corda aveludada da sensualidade os unia agora. Ele não conseguia resistir a provocá-la, pela mera força do desejo.

Ela examinou as peças nos dois cabides, depois fez uma avaliação crítica da jovem Caroline. Então voltou o olhar para a modista que aguardava, na expectativa.

– Senhora, precisamos de alguns minutos de privacidade para fazer nossa escolha.

Madame Tissot não gostou nada de ser excluída, mas se retirou.

Alexia segurava um cabide meio de lado para que pudesse vê-lo também.

– Este seria o vestido mais apropriado. Contudo, é o mais caro. Não devemos nos deixar enganar por sua discrição. Os enfeites carregam centenas de pérolas e muitos metros de guipura. Custará bem mais do que este outro, deixando pouco para ser gasto com o restante do guarda-roupa.

Foi um discurso admiravelmente prático, sensato e convincente. Antes que as últimas palavras fossem ditas, pôde ver a expressão decepcionada de Caroline aceitando que o outro vestido teria que servir.

Alexia não olhou na direção de Hayden, mas manteve o cabide à vista dele.

– Tia Henrietta, talvez Caroline possa ver outros vestidos de baile antes de tomar uma decisão final sobre este – disse Hayden.

Tia Henrietta achou que era uma ideia esplêndida. Ela e a filha se lançaram mais uma vez no longo processo de avaliação dos vestidos pendurados nos cabides.

Ele aproveitou a oportunidade para se dirigir à Srta. Welbourne em particular, algo que lhe fora impossibilitado desde que a beijara.

– Você prefere esse aí, não é? – perguntou ele, indicando com um gesto o cabide que Alexia ainda segurava entre os dedos.

Dedos longos e elegantes, perfeitamente desenhados. Ele imaginou aquele vestido com espessa barra de rosetas bordadas em pérolas sendo usado por uma mulher. Não pela jovem e pálida Caroline, mas outra mulher, madura e confiante, com cabelo castanho e olhos violeta.

– Chama muito mais a atenção. É uma modelagem que todos notariam. Mas é caro demais para sua tia.

– Quer que Caroline fique com este vestido, não?

– Ela se sentiria muito mais especial, mais bonita. Como uma princesa. Isso se refletiria em seu comportamento, no jeito de se portar, sorrir – disse ela, mas, em vez de olhar para ele, olhou para Caroline, que examinava fotos com sua mãe e depois voltava a examinar o cabide.

Nunca olhava para Hayden agora.

– Ela fica muito intimidada por sua tia – continuou Alexia. – Também tem muita consciência da renda limitada da família. Ao contrário da mãe, ela se tornou muito sensata. Às vezes, no entanto...

– Às vezes a pessoa pode ser sensata demais?

– Ela é muito jovem. A sensatez é uma virtude que combina melhor com a maturidade.

Lorde Hayden olhou para o cabide em que estava pendurado o vestido que faria uma garota se sentir uma princesa. A mulher que o segurava nunca tivera essa experiência, mas evidentemente entendia muito bem os sonhos e inseguranças da adolescência. Ela se orgulhava de seu bom senso, mas não queria que a jovem Caroline ficasse presa cedo demais às mesmas considerações práticas.

Ela queria que Caroline estivesse com o vestido. Queria isso tanto que permitira essa conversa, mesmo quando tentava fingir que ele não existia.

– Minha prima vai usar o vestido que a senhorita prefere, Srta. Welbourne. Vou dizer à tia Henrietta que é um presente de Easterbrook, assim ela não vai imaginar segundas intenções de minha parte.

Ele se encaminhou a Henrietta e explicou a generosidade de Easterbrook. O rosto de Caroline se iluminou. Ela deu um pulinho e correu para pegar o cabide das mãos de Alexia. Rindo e dançando ao redor da cadeira de sua preceptora, ia lhe pedindo conselhos sobre cores. Alexia riu e se juntou à celebração.

Enquanto ele observava a excitação das moças, explicou outras coisas para a tia.

Henrietta chamou a atenção da filha.

– Precisamos escolher pelo menos um dos vestidos de baile hoje, antes que outras moças comprem as melhores criações. Você ainda tem que vir até aqui e fazer isso. O mesmo vale para a Srta. Welbourne.

– Ouso dizer que não precisam do meu conselho a esse respeito – disse Alexia.

– Não preciso que me aconselhe, mas que escolha seu vestido. Como minha dama de acompanhia, você irá a algumas festas e passeios e vai precisar de um guarda-roupa apropriado.

A expressão de Alexia deixou claro que estava pasma.

– Não posso comprar essas roupas, nem a minha presença será necessária.

– Creio que esta é uma decisão que compete a mim. O irmão de Hayden concorda que sua presença é necessária e que deve estar bem-apresentada. Easterbrook se ofereceu para fornecer o guarda-roupa.

Henrietta então se virou para Hayden exibindo sua expressão mais adorável.

– Por favor, diga-lhe que somos todas muito gratas. Vou expressar meus agradecimentos quando o vir novamente, mas ele é tão esquivo...

– Transmitirei seus agradecimentos.

– Por favor, não transmita os meus – disse Alexia. – Anseio por fazê-lo eu mesma. Expressarei meus agradecimentos do meu jeito ao homem responsável por essa generosidade inesperada.

Ela o encarou, dando-lhe o primeiro olhar direto dos últimos dias. Seus olhos comunicaram as palavras furiosas que não ousava dizer na frente de Henrietta e Caroline.

Ela suspeitava que o guarda-roupa viria dele e não de Easterbrook. Não gostava que ele tivesse encontrado um jeito de lhe dar presentes caros sem que ela estivesse de acordo.

O lado cavalheiro estava perdendo a luta sobre o que fazer com Alexia Welbourne.


CAPÍTULO 7

Hayden passou adiante os documentos. Suttonly assinou seu nome.

– Você deveria lê-los – avisou Hayden.

– Seu irmão os lê?

Suttonly falou com seu típico tom entediado. Ele passou as folhas de volta para Hayden e se recostou na cadeira.

– Easterbrook lê tudo.

– Meu advogado vai verificar tudo quando os documentos finais forem preparados. Até hoje, você nunca me orientou de forma errada. Minha riqueza duplicou desde que comecei a seguir seus conselhos.

– Um homem menos honrado do que eu teria ficado com uma parte maior do que você ganhou nos últimos anos – disse Hayden.

– Se estivéssemos nos enfrentando em uma mesa de jogo, eu já teria me levantado e ido embora há muito tempo, Rothwell. Nesse assunto, no entanto, você provou ter menos sede de sangue.

Suttonly aludia a um passado que, sendo velho amigo de Hayden, ele conhecia bem demais. Rothwell se tornara notório nas mesas de jogo assim que chegara à idade adulta. A excitação da vitória o levava à loucura. Tudo tinha sido parte de suas tentativas de se tornar um homem diferente do que sua criação mandava.

Ele arriscara se arruinar nas mesas, mas, em vez disso, ficara rico. Levara um bom tempo para perceber que jogava com uma vantagem injusta. Os outros homens viam cartas aleatórias, mas ele enxergava os padrões. Mesmo jogos de azar eram regidos pelo que as cartas anteriores ditavam.

Foi então que descobriu a obra de Bayes e Lagrange e de outros. Leu o livro de LaPlace sobre probabilidades. O estudo delas estava se tornando uma ciência, uma ciência que o fascinava.

Contudo, perceber a verdade tirou o divertimento dos jogos. Agora ele se restringia a um tipo de aposta mais justa. Ainda via padrões, ainda calculava as chances com um talento que a maioria não possuía, mas as variáveis desconhecidas de alguma forma nivelavam o terreno. E o que era ainda melhor: às vezes havia vitórias em que ninguém perdia.

Suttonly se levantou e saiu andando pela sala do centro financeiro de Londres onde Hayden realizava seus negócios. Ela era parte de uma suíte que continha ao mesmo tempo um escritório e um quarto de dormir. Rothwell raramente usava este último, mas, nas ocasiões em que tinha ficado trabalhando até mais tarde, ele havia se mostrado conveniente.

– Ainda nisso, pelo que vejo.

Suttonly avistara os dados em uma mesinha e observava o caderno com colunas ao lado deles.

– Está com sorte?

– Estou caminhando – disse Hayden.

A mesa continha os progressos de um experimento em curso. Por trás do que o senso comum considerava sorte ou oportunidade havia leis que regiam as probabilidades. Os cientistas acreditavam que o mundo funcionava como um relógio bem projetado, mas ele achava que, na verdade, o mundo poderia ser definido por equações matemáticas bastante simples.

Suttonly prosseguiu, metendo o bedelho em coisas particulares, como velhos amigos tendem a fazer. Focou sua atenção em uma pilha grossa de folhas em cima de uma escrivaninha.

– O que é isso?

– Uma nova prova matemática recentemente apresentada na Sociedade Real de Londres. Estou verificando se tem fundamento.

– Vá com cuidado, Rothwell. Esses seus interesses ainda não o tornaram tedioso, mas, em dez anos, se não ficar atento, ninguém vai querer conhecê-lo, exceto os idiotas dos acadêmicos da Somerset House.

– Restrinjo minha brincadeira com números abstratos a algumas horas por dia – disse Hayden. – Na verdade, são as horas que estão transcorrendo agora.

– Vou deixá-lo, então. A propósito, esse negócio com Longworth, acredito que não tenha sido seu gosto por sangue a causa da ruína dele. Mas os boatos de que você estava por trás disso continuam a correr.

– Não frequento as mesas de jogo há anos.

– Que resposta interessante. Seria ambígua o suficiente para eu erguer minhas sobrancelhas, se eu fosse do tipo que se importa. Longworth já vai tarde. Ben podia ser divertido se a gente deixasse de lado seu entusiasmo exaustivo, mas Timothy se mostrou tediosamente ganancioso.

Quando Suttonly foi embora, Hayden colocou os documentos dentro de uma gaveta. Então se aproximou da escrivaninha.

Em minutos, sua mente passou por várias fórmulas, transcorrendo a poesia incrível e indescritível simbolizada por suas anotações. Quando estava na escola, havia considerado a matemática uma tarefa vagamente interessante, na qual se superava continuamente. Por fim, um professor o apresentara à profunda beleza oculta nos cálculos mais sofisticados.

Era uma beleza abstrata, presente na natureza, mas não fisicamente visível. Não tinha nada a ver com o mundo no qual a maioria das pessoas vivia. Não havia emoções, fome ou fraquezas nesses números. Nenhum sofrimento nem culpa, nenhuma paixão nem impulsos. Essa beleza era pura racionalidade, do tipo mais fundamental, e as visitas dele a seus domínios poderiam ser escapes, ele sabia. Nas ocasiões em que sua alma estava atormentada por questões mais humanas, ele sempre encontrava paz ali.

– Sir.

A voz o puxou de volta para o mundo real. O funcionário estava em pé ao seu lado. O homem tinha instruções para interrompê-lo em uma hora específica, de forma que ele não desperdiçasse o dia inteiro nessas abstrações. Hayden não conseguiria dizer quanto tempo ficara ali, mas sabia que a interrupção tinha ocorrido cedo demais.

– Chegou um mensageiro – explicou o funcionário. – Ele trouxe isto e a instrução de que o senhor gostaria de receber imediatamente. Se eu deveria ter esperado...

– Não, você agiu corretamente.

Ele rompeu o selo enquanto o funcionário voltava para a antessala. Leu a única frase escrita por um lacaio subserviente da casa de Henrietta.

A Srta. Welbourne havia tirado folga e fora visitar as lojas da Albemarle Street.


Se Phaedra Blair não possuísse nem estilo nem beleza, as pessoas a considerariam meramente estranha. Como a natureza a tinha abençoado com ambas as qualidades, a sociedade a achava quase interessante.

Phaedra era uma das poucas pessoas que Alexia podia contar como amiga, além de sua prima Roselyn. Mas não mantinham uma amizade expressamente pública, apesar de às vezes passarem um tempo juntas na cidade, como faziam hoje. Phaedra era a amiga que Alexia normalmente procurava quando queria falar em particular sobre livros e ideias.

Filha ilegítima de um membro do Parlamento reformista e de uma intelectual, Phaedra morava sozinha em uma pequena casa em uma rua pobre perto de Aldgate. Herdara dos pais a capacidade de dispensar regras e crenças que lhe parecessem estúpidas. Por causa disso, ela e Alexia tinham tido algumas discussões fortes em certas ocasiões. Tinha sido uma delas – ocorrida dois anos antes, no dia em que se conheceram ao examinar a mesma pintura em uma exposição da Royal Academy – que iniciara sua amizade.

– Acho que seu plano de fazer chapéus é admirável. Como afinal você entendeu, uma mulher dependente é uma mulher escravizada – disse Phaedra.

Uma vez que um tio lhe havia deixado uma renda de cem libras por ano, Phaedra não era escravizada por nada nem ninguém.

Elas estavam passeando pela Pope’s Warehouse, na Albemarle Street, Alexia comprava aviamentos. Ela decidira fazer um chapéu e um gorro. Escolheu um fio de ferro que poderia usar para fazer a aba.

– Não permita que essa chapeleira a roube. Seus chapéus valem muito – disse Phaedra. – O design é tudo na arte.

– Ela vai querer lucrar também. Posso me sustentar com poucas libras por mês.

Com dificuldade, mas era possível. Se ela fosse frugal, poderia poupar algum dinheiro também. Em poucos anos, teria condições de abrir uma escola para meninas. Esta era uma forma comum e respeitável de damas trabalharem.

– Sou a última mulher a censurar esse modo de vida. Mas você leva a opinião das pessoas mais em consideração do que eu, Alexia. Não deixe de pensar nisso ao fazer suas escolhas. Se descobrirem que você está fazendo peças para uma loja, tentar manter seu emprego será em vão.

Alexia queria muito não se importar tanto com a opinião dos outros nem com seu emprego. Phaedra não ligava a mínima e tinha uma vida provavelmente muito mais interessante do que a sua jamais seria. Phaedra não se preocupava com bens materiais. Viajava sozinha se quisesse. Recebia escritores e artistas na sua pequena casa. Alexia tinha motivos para suspeitar que Phaedra tinha amantes também. Não aprovava esse comportamento, mas não podia negar que a indiferença da amiga a regras sociais era muito sedutora.

Phaedra nem mesmo usava boinas ou chapéus. Seu longo cabelo ruivo ficava solto.

Em consequência, elas receberam muitos olhares dos donos dos armazéns. Depois que as pessoas olhavam para aquele cabelo, percebiam as roupas e olhavam ainda mais. Phaedra quase sempre estava vestida de preto. Ela poderia estar de luto, não fosse por seu cabelo e pelo corte incomum, solto, de seus vestidos. O forro em forte tom dourado de sua capa negra anunciava ainda que o preto era sua cor preferida.

– Confesso ainda que estou surpresa com sua decisão de sair da casa – disse Phaedra enquanto Alexia escolhia uma palhinha para o chapéu. – Você tem um dia só para você e pode usar a carruagem. Não é uma prisioneira. Está muito mais confortável lá do que estará por conta própria.

– Não desejo continuar dependente, por mais conforto que isso traga. Nem é uma situação estável. Posso ser demitida a qualquer momento, por qualquer motivo. Então, o que eu faria?

– E em que isso difere de sua situação anterior?

– Antes era minha família. Família não põe um parente no olho da rua.

– A sua pôs.

– Por favor, não os critique, Phaedra. Recebi uma carta de Rose hoje e as coisas não estão indo nada bem. Tim está doente e eles precisam racionar combustível como se fossem camponeses.

– Seu primo deveria cuidar da saúde logo e procurar um emprego.

Alexia evitou a discussão. Hoje não queria falar dos Longworths. Não eram eles o motivo de ela estar comprando aviamentos às escondidas para fazer suas peças.

Gostaria de poder contar a Phaedra sobre lorde Rothwell e os beijos. Se o fizesse, no entanto, a amiga chamaria isso de luxúria, exatamente o que tinha sido. Phaedra provavelmente a lembraria das três longas cartas que Alexia lhe escrevera falando mal daquele homem.

Seu rosto enrubesceu ao pensar no conjunto de passeio e nos vestidos que estavam sendo confeccionados por madame Tissot. Tinha certeza de que era Rothwell, e não Easterbrook, que estava pagando por eles. Phaedra a repreen-deria por isso. Phaedra podia ter amantes, mas era contrária a que homens pagassem com presentes pelos favores de mulheres.

Alexia verificou o material disposto sobre o balcão para se certificar de que tudo estava ali. Somou todos os itens e pagou. O funcionário da loja embrulhou suas compras em vários pacotes. Equilibrando todos eles de forma desajeitada em uma pilha que lhe chegava à altura do nariz, ela saiu para a rua, na direção da carruagem.

– Você deve querer começar os chapéus hoje mesmo – disse Phaedra. – Ou então terá que esperar até a semana que vem. Não me diga que vai confeccionar esses chapéus à luz de uma lamparina depois que acabar suas tarefas. Prejudicaria sua saúde, não posso aprovar isso.

– Suponho que, já que vou fazê-los, é melhor que seja logo.

– Vou para casa em um cabriolé, assim não desperdiçará uma hora para cruzar a cidade. Foi muita gentileza sua ir me buscar, mas não me importo de voltar sozinha.

Alexia se virou para agradecer a Phaedra por sua consideração. Do canto do olho, viu alguém vindo em sua direção. Percebeu-o bem a tempo de evitar que trombasse com ele.

De repente os dois pacotes do alto da pilha desapareceram.

Voltou-se para o ladrão e estava prestes a gritar para evitar que ele fugisse. Só que não era um ladrão.

– Estavam quase caindo – disse lorde Rothwell. – Vejo que está usando sua folga de forma mais ativa do que na semana passada, Srta. Welbourne.

– Lorde Rothwell. Que surpresa inesperada.

Ele era a última pessoa que gostaria de encontrar. Não teve outra opção a não ser apresentá-lo a Phaedra. Hayden Rothwell nem piscou diante da aparência de sua amiga. Ele transpirava uma elegância afável.

Hayden olhou para os pacotes.

– A carruagem está por perto? Posso carregar os embrulhos e acompanhar as senhoras até lá.

– Vou chamar um cabriolé, obrigada – disse Phaedra.

– Não posso permitir – disse Alexia em tom firme para dar a entender a Phaedra que ela deveria ficar. – Vou levá-la de volta na carruagem.

– Você pode aproveitar melhor a tarde.

– Permita-me conseguir o cabriolé para a senhorita – ofereceu lorde Rothwell.

Ele fez um sinal para o homem que fazia a segurança do depósito. Tirou umas moedas do bolso do colete e deu instruções para que encontrasse um cabriolé de aluguel para a Srta. Blair.

Depois guiou Alexia para longe da porta e até a fila de carruagens que esperavam ao longo da rua.

– Sua amiga, a Srta. Blair, não passa despercebida.

– Ela é honesta, autêntica e incapaz de dissimulações.

– Não quis faltar com o respeito. Ela é original. Deveria apresentá-la para Easterbrook. Eles podem trançar o cabelo um do outro.

– Suspeito que Phaedra acharia Easterbrook bem entediante. É isso que não a faz passar despercebida e mostra sua originalidade.

A atitude levemente mal-humorada que o cocheiro tinha assumido no começo do passeio desapareceu ao ver Rothwell se aproximar ao lado dela. Adiantou-se para pegar os embrulhos, depois os arrumou cuidadosamente na carruagem.

– No futuro, quando a Srta. Welbourne usar a carruagem para fazer compras, um lacaio deve acompanhá-la – disse ele ao cocheiro. – Minhas desculpas, Srta. Welbourne, por não ter deixado isso claro para os serviçais desde o início.

Lorde Rothwell abriu a porta para Alexia. Ela subiu na carruagem. Ele fez o mesmo.

– Não preciso que me acompanhe. O cocheiro pode me proteger no curto trajeto até a Hill Street.

Ele ignorou sua falta de gentileza e se sentou defronte a ela.

– A Srta. Blair estava certa? A senhorita tem outros planos para esta tarde?

Tenho, sim. Pretendo levar estes embrulhos para meu quarto e começar a fazer chapéus, para ganhar dinheiro suficiente para nunca mais vê-lo nem ter que sofrer o desprazer de sua presença.

– Alguns assuntos pessoais – disse ela.

Aparentemente ele pensou que ela queria dizer que não tinha nada importante para fazer. Deu instruções ao cocheiro para se dirigir ao Hyde Park.

– Está meio frio para uma volta no parque – disse ela.

– Nosso passeio será breve. Gostaria de lhe falar sobre um assunto.

O coração dela se encheu com a gravidade que prenunciava más notícias.

– Duvido que essa conversa inclua as desculpas que me deve. Nem prevejo receber suas garantias de ser poupada desse comportamento no futuro, já que sua invasão dessa carruagem por si só levantaria suspeitas.

Uma leve doçura suavizou a expressão dele. Um olhar franco e senhor de si acrescentou um toque sarcástico que enfraqueceu aquele efeito.

– Desculpe-me tê-la ofendido com meu silêncio. Admito que lhe devo as desculpas e as garantias necessárias. Mas não conseguirei dizer as palavras certas no momento.

– Por quê?

– Porque seriam mentira.

A carruagem pareceu ficar muito pequena. Ele ainda agia de forma amigável. Nada em seu rosto ou postura a ameaçava. Entretanto, tudo nela ficou muito ciente da presença de Hayden. Seu corpo reagiu como se ele a estivesse acariciando com gestos longos e demorados.

Fora um erro ficar sozinha com ele. Ela odiava como esse demônio podia provocar reações tão escandalosas nela.

– Lorde Hayden, considerarei quaisquer assédios dessa natureza como insultos do tipo mais cruel.

– Não consigo decidir se isso é verdade ou se a senhorita quer se convencer disso.

– Que generoso de sua parte pensar em minhas preferências.

– São de fato as suas preferências que contemplo. No entanto, fique contente de eu não pretender descobrir hoje quais são elas. Quero falar de um assunto bem diferente.

– E o que seria?

– Algo que lhe dará muito mais prazer. Benjamin Longworth.


A menção ao nome de Benjamin silenciou suas objeções. Ele suspeitou que ela suportaria todo tipo de galanteios se a conversa incluísse recordações sobre seu amado primo.

Se aceitar se tornar minha amante, concordo em conversar sobre Benjamin Longworth duas vezes por semana. Só que não na cama. Se isso for aceitável para a senhorita.

Ela o ignorou enquanto a carruagem os levava para o parque. Ele passou o tempo imaginando o que estaria nos embrulhos e observando o cuidadoso conserto que fora feito ao longo da bainha de seu casaco marrom. O conjunto de passeio que estava sendo feito por madame Tissot cairia muito bem nela e seu tom azul-celeste combinaria perfeitamente com seus olhos.

Ainda não era a hora costumeira de passeios pelo parque, mas já havia um número suficiente de chapéus largos e cinturas apertadas por ali para afastar a sensação de estarem sozinhos. Para Alexia, passear lado a lado com ele era um verdadeiro suplício. Sua postura deixava claro como ela permanecia na defensiva.

– Estamos em local público, Srta. Welbourne. Dificilmente a importunaria aqui.

– Sua maneira de falar é muito ousada. Um beijo roubado não lhe dá o direito de tamanha intimidade.

– Conversas ousadas sempre marcaram nossos encontros, e não por iniciativa minha. Além disso, não foi um beijo, e eu roubei muito pouco. Mas não vamos brigar hoje. Falemos de assuntos amigáveis.

O olhar dela mostrou que não o considerava um amigo, mas a alusão ao assunto que havia sido anunciado a acalmou. Seu passo desacelerou e o gelo derreteu.

– Pode me dizer por que ele decidiu ir para a Grécia? – perguntou ela. – Foi um choque para nós, algo muito inesperado.

A referência a Ben provocou um lindo rubor nas maçãs de seu rosto e um brilho vivaz em seu olhar. Sua aparência o lembrava de quando a beijara e essa lembrança fez com que seu lado cavalheiro desaparecesse do mapa. Em sua mente, via um campo de violetas, a brisa transportando os gemidos ritmados de uma mulher acolhendo o prazer enquanto ele a penetrava...

Vigilância. Vigilância.

– Ele soube que eu estava indo e decidiu se juntar à nossa brigada – disse ele. – Creio que foi um dos impulsos pelos quais era famoso.

– Um impulso generoso. Ele arriscou a vida por uma causa nobre.

– Certamente.

Balela. Ninguém imaginava que pudesse ser ferido, que dirá morrer. E Ben não tinha ido por uma questão de princípios. Ele fora para a guerra motivado pelo desejo de se aventurar e a esperança de impressionar uma dama inatingível.

Não era seu papel desiludir a Srta. Welbourne. Nem ela o agradeceria se o fizesse.

– Tenho certeza de que ele era muito corajoso – disse Alexia. – Imagino-o como um herói em um quadro.

Ele combateu a vontade de contar-lhe a verdade. Ben fora muito corajoso uma vez, isso era certo. Louca e impulsivamente corajoso. O desejo de lhe fazer confidências o confundiu.

– Ele lutou o melhor que pôde, como todos nós. Mas os gregos não são bem comandados. Eles não dispõem de uma estratégia sólida e suas facções não cooperam. Temo que o cerco de Missolonghi acabe muito mal.

– Ben disse que os gregos têm que ser libertados. Como um marco e para compensá-los por tudo o que o mundo civilizado deve à sua história.

Ben não estava nem aí para isso. Usara a defesa dos gregos como desculpa para ir embora. Sabia muito pouco sobre política ou história.

Contudo, essa vontade de ajudar sem querer nada em troca havia motivado outros. Tinha sido sua própria justificativa para fazer algo que, olhando em retrospectiva, era irracional, impetuoso e uma louca versão do heroísmo romântico encontrado em poemas.

Seus princípios haviam sido nobres, mas a realidade dessa guerra não o fora. Tinha visto atrocidades cometidas por ambos os lados. Tinha voltado exausto e desencantado, a tempo de observar outros irem depois dele, todos imbuídos dos mesmos ideais simplistas.

– Acha que eles vão vencer? – perguntou ela. – Gostaria de acreditar que o último ano de vida dele não foi dedicado em vão a essa causa.

– O Império Otomano é antigo e corrupto. Só se sustenta com a ajuda de países como o nosso. Os turcos deixarão a Grécia um dia e a guerra atual e nosso apoio terão ajudado isso a acontecer.

Falavam sobre isso enquanto caminhavam juntos, suas botas esmagando folhas secas que voavam pelo caminho. Ela lhe fez muitas perguntas, esquecendo que deveria estar zangada com ele e até mesmo que deveriam estar falando de Benjamin. Por vinte minutos, a situação mundial ocupou sua mente inquieta e questionadora.

Foi lorde Hayden que dirigiu a conversa de volta para Benjamin. Ele o fez de má vontade, mas seu encontro “acidental” com a Srta. Welbourne tinha um objetivo.

– A família passou por dificuldades quando Ben se ausentou? – perguntou Rothwell.

A alusão aos Longworths causou uma tensão perceptível.

– Timothy já havia começado a trabalhar no banco àquela altura, então não me lembro de ter havido grandes dificuldades. E de início continuamos morando em Cheapside. Foi logo depois que Ben partiu que a situação começou a melhorar significativamente.

As últimas palavras saíram com um toque de ressentimento. Para depois tudo ser destruído por você, é claro. Alexia não disse isso, mas a acusação era perceptível em seu tom. E provavelmente sempre seria.

– A senhorita não percebeu melhorias nos primeiros anos em que morou com eles em Cheapside? Foi só depois?

– Tim explicou que o banco precisava se consolidar nos primeiros anos, mas que depois estava bem estabelecido. Pudemos gozar dos frutos da administração cuidadosa que Ben e ele mantinham. Admito que considerava Tim exagerado no que dizia respeito a gozar desses frutos, mas talvez fosse normal se permitir tanto assim.

Ele olhou para o casaco dela de novo. Era antigo, de alguns anos atrás, pelo menos. Pensava em seus vestidos deselegantes, de cintura alta. Tim tinha permitido muitos mimos a si próprio e às suas irmãs, mas não à prima.

O canalha vinha roubando as pessoas e não tinha se dado o trabalho de usar alguns desses ganhos escusos com a prima pobre em sua própria casa.

– Na verdade, o banco gozou de um crescimento sólido desde o início – disse ele. – A mudança repentina de uma vida confortável para uma de extravagâncias não se deve ao modo como o banco se solidificou. Ben poderia ter gozado de alguns desses frutos antes. Eu teria esperado ver evidências lentas mas constantes do crescimento de seus negócios. Está dizendo que não houve?

– Não que eu tenha notado. Tínhamos uma vida bastante estável em Cheapside. Ele ia ao clube e tinha uma carruagem ao seu dispor o tempo todo. Não havia indícios de que a situação estivesse mudando nem para melhor nem para pior – respondeu Alexia e então, observando a nítida curiosidade de Lorde Rothwell, questionou: – Por que está fazendo essas perguntas?

– Ando pensando muito nele, Srta. Welbourne. Fico imaginando-o em seus últimos dias naquele navio. Benjamin estava em profunda melancolia. Imaginei se ele não teria de enfrentar problemas financeiros quando voltasse, mas, pelo que está me dizendo, parece que não.

Ele fez uma pausa, imaginando como deveria prosseguir.

– Agora me pergunto em que foi aplicada a renda a mais que recebeu naqueles últimos anos, se não foi em sua casa ou para manter hábitos caros.

– Reinvestida no banco, imagino. Então Tim herdou tudo.

Era uma boa resposta, só que errada. Ele tinha examinado os registros da conta pessoal de Benjamin. Pouco tinha sido depositado lá para Tim herdar.

Algum dinheiro teria sido usado para pagar os falsos rendimentos dos títulos que ele roubara, é claro. Esse valor aumentara a cada roubo. No entanto, muito mais do que isso tinha desaparecido.

Teria que pensar melhor sobre o assunto, agora que sabia que Benjamin não tinha gastado uma boa parte em luxos. E também teria que verificar se Ben não possuía contas em outros bancos e se elas poderiam conter os frutos de seus crimes.

A caminhada tinha traçado um percurso circular. A carruagem esperava adiante. Hayden afastou Benjamin de sua mente e apenas aproveitou a presença da Srta. Welbourne ao seu lado nos últimos metros do caminho.


Ela estava se esquecendo de odiá-lo. A caminhada tinha sido muito amigável, contudo ele não era amigo dela nem de seus entes queridos.

Agora estavam na carruagem de novo e aquela outra fascinação, a excitação infame, interferia ainda mais. Ela achava isso muito desconcertante, sentar-se diante de um homem que sua mente desprezava, mas que seu corpo, não – as várias inquietações se misturavam todas.

Ele a olhou de uma forma que era muito frequente agora, com uma contemplação despreocupada que criava um clima predatório sutil. Seu olhar pousou e se demorou nas mãos dela.

– Devo-lhe desculpas. Fui relapso com seu bem-estar e sua saúde. Deveria ter percebido que usava luvas sem as pontas dos dedos e não luvas mais quentes.

Ela baixou o olhar para os próprios dedos rosados, descobertos pela luva que terminava no dorso da mão. Alexia as escolhera para que pudesse tocar e avaliar os aviamentos que compraria.

Ele abriu o cobertor que ficava na carruagem e envolveu as mãos dela, esfregando-as para que a lã as aquecesse rapidamente. Ela recebeu o carinho sofregamente e seus dedos pinicaram na conchinha aquecida. A proximidade dele fez seu coração bater forte demais. A sensação das mãos dele pressionando as dela por cima da lã a fez perder o fôlego.

Ela não conseguia controlar essa reação. Nenhuma delas. Isso a assustava. A parte dela que se esquecera de odiá-lo era independente do bom senso. As reações vinham de uma fonte tão profunda que Alexia não conseguia definir qual. Emergiam de uma essência primitiva que sua mente racional não conseguia controlar.

Só a ausência dele a libertava por completo. Felizmente, ela daria um jeito nisso em breve. Por ora, buscou refúgio no único lugar em que poderia encontrá-lo.

– Apreciei nossa conversa sobre Benjamin. Sua descrição da melancolia dele me surpreendeu, nunca soube que ele era assim.

Isso era verdade. Um pequeno desconforto surgiu, como se um ponto de interrogação tivesse se juntado aos pontos de exclamação sobre Benjamin.

– Talvez ele tivesse sentido a perda das fortes emoções ao voltar para casa após toda a tensão na Grécia.

Ela não se importava com essa explicação. Afinal, ele voltara para ela.

– Desculpe-me por ser direto, Srta. Welbourne, mas... Benjamin a pediu em casamento antes de partir ou foi por carta?

Ela nunca o perdoaria por ser tão direto. Essa pergunta fazia ressurgir um questionamento dela. Um questionamento traiçoeiro que surgia no meio da noite, quando se entregava às lembranças. Será que tinha entendido mal?

– Ele falou de ficarmos juntos para sempre.

– Então vocês tinham um acordo claro. Entretanto, talvez ele estivesse preocupado com a possibilidade de a senhorita o rejeitar quando ele a pedisse formalmente em casamento. Isso deve explicar seu ar melancólico.

Não, não era isso. Ele ditava o ritmo da relação. Era ela que tinha motivos para se inquietar com a rejeição.

Esse pensamento lhe tomou a mente. Ela se ressentiu de sua honestidade e da forma como aquele homem impunha sua presença.

– Talvez seja bom ele não estar entre nós agora – disse ela. – Se era amigo dele, o que fez aos Longworths... seu dever, como diz... teria sido mais difícil.

Ela buscou algum sinal de culpa nele. Não encontrou.

– Imagino que escreva para eles.

– É claro. E minha prima Roselyn me escreve também. Timothy está arrasado. Tudo o que aconteceu afetou sua saúde.

– O brandy tem um custo para a saúde.

– Como ousa...

A severidade de Hayden surgiu no exato momento em que Alexia começou a repreendê-lo. Os instintos dela gritaram uma advertência silenciosa para que segurasse sua língua. A última discussão acalorada deles produzira resultados drásticos. Engoliu o ódio.

– Roselyn me diz que eles mal têm o que comer, então duvido que haja dinheiro para comprar brandy.

– Gim barato tem o mesmo efeito. Sinto muito pelo sofrimento das damas. Vou enviar algum dinheiro para a Srta. Longworth. Se o dinheiro for entregue a ela, podemos ter certeza de que ficará nas mãos dela e não será usado para alimentar a doença do irmão?

– Ela nunca aceitaria dinheiro do senhor. Seu orgulho nunca permitiria isso, nem sua raiva. Ela morreria de fome primeiro.

– Então darei o dinheiro para a senhorita, que enviará para ela. Não é preciso que ela fique sabendo da verdadeira fonte. Digamos cinquenta libras no momento?

A oferta a surpreendeu. Deveria aceitar, sabia que sim. No entanto... Ela o encarou com desconfiança. Seria como o novo guarda-roupa? Ela ficaria em dívida com ele?

O sorriso lento de lorde Rothwell mostrou que lera os pensamentos dela.

– Srta. Welbourne, se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto. A senhorita ficaria sabendo logo e eu nunca a insultaria com uma quantia tão pequena.

A carruagem chegou a Hill Street naquele exato minuto. Um lacaio se apressou para ajudá-la a descer. Ela se afastou rapidamente enquanto Rothwell arrumava a pilha de embrulhos nos braços do criado. Estava a meio caminho da porta quando se decidiu quanto ao dinheiro. Ela se virou e se dirigiu a Hayden, que descia da carruagem.

– Meu orgulho não deve impedir que minhas primas tenham algum consolo. Mandarei o dinheiro. Somente dez libras, não mais, pois eu não poderia explicar a origem. Ela nunca saberá que veio do senhor.


CAPÍTULO 8

Alexia arrastou Caroline para uma conversa formal em francês. Sua pupila ainda deixava bastante a desejar quanto ao domínio desse gracioso idioma. A falta de atenção da própria Alexia aos pontos mais sutis da gramática não estava ajudando seu progresso.

Metade de sua mente permanecia ocupada com o encontro com lorde Rothwell que acontecera havia três dias. Distanciada da sua presença perturbadora, a conversa deles ganhara a posição central em suas lembranças. Sua reação confusa diante dele formava o pano de fundo para algumas especula­ções sérias em relação ao que tinha dito a propósito de Benjamin. O novo ponto de interrogação não parava de crescer.

Um lacaio as encontrou na sala de aula e depositou um embrulho em cima da mesa, anunciando que tinha acabado de chegar para a Srta. Welbourne.

– Você comprou um travesseiro quando foi às compras? – perguntou Caroline.

Não, mas esse embrulho parecia mesmo conter um travesseiro. Ela rasgou o elegante papel de embrulho. O papel caiu no chão revelando um regalo de arminho.

– Nossa! – exclamou Caroline. – Que lindo!

O regalo era feito de uma pele branca extremamente macia. Um cetim marfim forrava o túnel onde se colocavam as mãos para aquecê-las. Pérolas minúsculas enfeitavam as costuras de ambos os lados.

Alexia leu o bilhete que o acompanhava.


Soube que vai ao teatro hoje à noite com minha tia. As noites ainda estão muito frias para que uma dama saia sem a devida proteção. Queira aceitar isto em sinal de gratidão pela ajuda que está prestando à família.

Easterbrook


A ponta do dedo de Caroline traçou um pequeno desenho nos pelos.

– Mamãe acha que Easterbrook devia ter nos convidado para morar na casa dele. Ela também está magoada porque ele nunca nos visitou aqui, mas acho que ele tem um coração generoso.

Alexia não fazia a menor ideia se o coração de Easterbrook era generoso ou não. Contudo, tinha quase certeza de que ele não sabia dos presentes que não paravam de chegar em seu nome.

O luxo do regalo a deixou encantada. Suas mãos ansiavam por se aquecer em seu calor. Ela se lembrou de Rothwell pondo a coberta em volta de suas mãos, numa versão simplificada daquele presente.

– O que é o outro bilhete? – disse Caroline apontando para o colo de Alexia.

Um segundo envelope lacrado tinha caído quando ela abrira o embrulho.

Tocou-o e percebeu que este não poderia ser mostrado a Caroline. Seus dedos sentiram o tamanho e o formato do papel contido dentro do envelope. Era evidente que “Easterbrook” estava doando as dez libras que seriam enviadas para os Longworths.

Ela sabia a verdade. No entanto, ainda não estava em dívida com ninguém. A artimanha da generosidade de Easterbrook protegia seu orgulho. O mesmo era verdade em relação à estranha garantia dada na carruagem. Se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto.

Ela pôs o regalo e os bilhetes de lado. Durante toda a lição da tarde, os dois presentes ficaram lá, esperando para envolvê-la em ilusões de segurança, seduzindo-a a pensar com doçura no homem que os enviara.


O vestido dela era velho, mas apresentável, e sua longa capa era elegante apesar da simplicidade. Nenhuma das peças, porém, estava na moda e Hayden pressupôs que já tinham visto muitas primaveras. Alexia provavelmente as tinha comprado quando Ben era o chefe da família. Era só pela falta de uso que permaneciam livres de sinais de desgaste.

Ela chegou ao camarote com Henrietta, satisfeita no seu papel da quieta dama de companhia à sombra da exuberância da tia dele. Um discreto turbante ornado de uma pluma anunciava sua condição de dama, independentemente de sua situação. O regalo de pele dava um tom de luxo à melodia silenciosa e fora de moda do recato de suas vestes.

Ela manteve o regalo no colo durante toda a peça. O teatro estava um pouco frio e suas mãos permaneceram escondidas em seu túnel acetinado. Sentado do outro lado de Henrietta, Hayden conseguia ver facilmente o braço enluvado de Alexia descrever uma curva suave para a caverna oculta onde suas mãos pousavam. Ele imaginou os dedos delgados, aquecidos pelo ninho de pele e cetim, escorregarem em seu peito nu, cinco caminhos aveludados acompanhando a linha de seu quadril e em torno de suas ancas...

Ele se levantou e recuou para a parede do fundo do camarote. De lá, só conseguia ver o chapéu de Alexia. E a pele de seu pescoço. E o suave declive de seus ombros. Seu vestido ocultava o bastante para fazer sua imaginação voar de novo, especulando sobre o gosto que sentiria ao beijar aquela pele.

Riu de si mesmo, apesar dos dentes cerrados. Não era homem de ficar espionando mulheres que não poderia ter. Sua vida pessoal progredia com a mesma eficiência de sua vida pública. Esse desejo pela Srta. Welbourne não fazia sentido e estava se mostrando altamente inconveniente. E era desejo, puro e simples, o tipo de anseio que raramente se concentrava em uma mulher específica, que dirá em uma mulher a ser desejada em vão.

O problema era que não acreditava de verdade que era em vão. Ele não deveria tê-la, mas a parte de sua cabeça que instintivamente calculava probabilidades dizia que poderia, se quisesse. Ela não gostava dele e o culpava por grandes pecados, mas o desejo existia à parte do que deveria ser.

O objeto de sua atenção se mexeu. Seus ombros se curvaram para o palco e o chapéu lentamente se ergueu. Virando-se, ela pousou o regalo na cadeira e andou com graça silenciosa na direção dele.

Ele esperava que ela fosse sair do camarote. Mas, ao contrário, se aproximou de Hayden, seus olhos buscando os dele na sombra ao longo da parede do fundo.

Foi preciso conter o desejo de agarrá-la.

– Está gostando da peça, Srta. Welbourne?

– Sim, foi muito gentileza a sua tia me incluir.

Ele tinha arranjado isso sendo vago sobre seus próprios planos. Sugerira a Henrietta que trouxesse a Srta. Welbourne para que não houvesse chance de ela ficar sozinha no camarote de Easterbrook. Ele desprezava seu impulso de agir por subterfúgios, mas se rendia a eles.

– Seria possível ter uma conversa com o senhor, lorde Hayden? Refere-se a um assunto que não me saiu da cabeça nos últimos dias e exige privacidade.

Agora não, pombinha. Fique perto da mamãe se for ajuizada.

– Certamente, Srta. Welbourne.

Ele a guiou para a porta.

O corredor estava às escuras, com apenas pequeninas luzes amarelas salpicando a escuridão. A pele de Alexia parecia etérea e seus olhos, muito escuros e expressivos. Eles se reuniram à porta do camarote.

– Andei pensando sobre o que disse no parque, em relação a Benjamin.

O cenho de Alexia se franziu de preocupação. Ele quis beijar aquela ruga até desfazê-la.

– O senhor falou da melancolia dele nos últimos dias de vida e fiquei pensando em como isso seria um comportamento incomum para ele.

– Todos nós temos nossos momentos. Tenho certeza de que ele também os tinha quando não estava sendo observado pelas outras pessoas.

– Possivelmente. Mas... deixe-me fazer uma pergunta: ele estava bebendo naquela noite, quando aconteceu?

– Uma quantidade razoável.

Naquele instante ele desejou que não tivessem deixado o camarote. Ela estava entrando em detalhes que ele preferia não dar. Normalmente evitava pensar nisso.

– Isso também não era um comportamento comum nele – disse ela. – Ao contrário de seu irmão, Ben não gostava de beber. Pelo que me contou, acho que ele não estava apenas melancólico, mas consternado.

– Talvez essa palavra seja forte demais.

– O senhor o viu lá, no convés, antes de cair?

Agora estavam rumando para águas profundas. O desejo de beijá-la tinha menos a ver com atração e mais com impulso de silenciar essas perguntas.

– Eu o vi rapidamente.

“Olhe para as estrelas, Hayden. Elas enchem todo o céu até chegarem ao mar. Sinto como se pudesse andar por sobre as águas e tocá-las.”

“Lá na frente não são estrelas, mas o farol da Córsega. A bebida alterou seus sentidos. Desça para ficar com os outros. Está frio.”

“Não serei uma boa companhia. Ficarei melhor sozinho esta noite.”

“Pode ficar sozinho lá embaixo.”

“Deixe-me em paz, está bem? Você nunca fica triste, Hayden? Essa sua alma distanciada e calculista nunca sente tristeza ou desespero? O céu noturno pode servir para aliviar esses sentimentos.”

“Ficaria menos triste se estivesse menos bêbado.”

“Agora falou igual ao seu pai. Fazendo julgamentos, com sua superioridade lógica. Vai me passar um sermão? Falar de retidão moral e comportamento honroso? Por Deus, em vinte anos você estará igualzinho a ele. Que bom que você não tem vontade de casar, porque iria acabar tão hipócrita quanto ele e...”

“Mais uma palavra e acabo com você, mesmo estando bêbado, seu canalha.”

“Deixe-me em paz e não vai mais ouvir nenhuma palavra deste canalha.”

“Vou deixá-lo em paz. Vá para o diabo, se é o que deseja.”

– Tivemos uma conversa rápida, mas ele não quis descer comigo – disse Hayden dando de ombros.

Ela pareceu ver o peso que o gesto demonstrava. Ele ficou sem jeito com o olhar perscrutador dela.

– O senhor se culpa, não é? Sente-se culpado por não tê-lo convencido a deixar o convés.

Ele expirou lentamente, deixando sair a fúria que surgira com as palavras dela. Aquela acusação criava uma intimidade peculiar. Alexia tinha tocado no lado selvagem de sua alma.

– Peço desculpas pelo que disse. Agora está zangado. Mesmo nesta luz, posso ver. Não pretendia...

– A senhorita só citou mais um pecado em uma longa lista. Homens como eu têm muitos, como já assinalou tantas vezes.

– Tenho certeza de que não sabia que ele estava tão embriagado a ponto de cair no mar – disse ela, espiando-o e tentando enxergar suas feições apesar da luz baixa.

Ela estava adoravelmente preocupada. Tanto que de repente ele não mais se importava com o que ela vira ou com o que poderia saber sobre Ben. Ele não dava a mínima para esses detalhes naquele exato momento, porque os lábios carnudos de Alexia estavam tão sensuais que ele já não dava conta do que havia ao seu redor.

– Lorde Hayden, tenho que fazer uma pergunta. É muito difícil cair no mar? Venho tentando imaginar a cena, mas, com os corrimões, sem chuva, me parece que...

Ele tocou a ponta dos dedos em seus lábios, silenciando-a.

– Não é tão difícil, se a pessoa for descuidada. Acontece com frequência. Um movimento mais brusco, uma volta mais despreocupada... Os corrimões são para ajudar os sóbrios e sensatos, mas não são paredes de uma prisão.

A expressão dela se transformou com o toque masculino. O espanto eclipsou a preocupação. O medo apareceu por baixo desse toque suave e uma excitação latente se mostrou em seus olhos ávidos.

O silêncio e as sombras do corredor os envolviam. Não havia qualquer ruído. Estavam sozinhos.

Hayden baixou a cabeça para provar o cetim frio do ombro nu de Alexia.

Ela suspirou. Um suspiro profundo não de choque, mas de prazer. Só isso já seria capaz de derrotar a força de vontade dele, mas ela já havia caído por terra.

Ele pressionou os lábios ao longo daquela pele sedutora, sentindo o calor provocado pela aproximação sutil. Ela não fugiu nem apresentou objeção. Nem mesmo deu um passo atrás. Ele deslizou a mão em volta da cintura dela e a puxou para perto, sua boca seguindo o caminho em direção ao pescoço. Ele acompanhava a pulsação dela com beijos e pousava a língua ao ritmo acelerado da excitação dela.

O desejo não obscurecera seus sentidos. Ele ainda ouvia o silêncio e os suspiros leves e amedrontados que saudavam cada novo beijo.

Não era o momento nem o lugar, mas não dava a mínima. Puxou-a para mais perto ainda, pressionando-a contra ele enquanto segurava seu rosto e tomava posse de sua boca provocante.

A surpresa dela o seduziu ainda mais. Sua rendição incendiou sua mente. Pequenos murmúrios de confusão se faziam sentir em seus suspiros sôfregos, como se ela não soubesse o que fazer com essa paixão.

Ele parou o beijo e olhou para o rosto dela. Olhos fechados e lábios entreabertos, ela era a imagem viva do êxtase. O corpo dela parecia leve e frágil nos braços dele.

– Toque-me – disse ele. – Você sabe que deseja isso.

Seus cílios se ergueram. Devagar, suas mãos enluvadas se elevaram e tocaram o rosto de Hayden, como se buscasse uma prova de que estava mesmo ali.

As mãos dela vieram pousar em seus ombros com o mesmo toque curioso. Apesar das camadas de roupas entre eles, os dedos dela queimavam sua pele, transmitindo um calor que ardia dentro dele.

Ele a beijou mais forte, quase sem conseguir controlar o desejo feroz que o consumia. Seu corpo ardia. A consciência persistente de onde estavam o encorajava, mas também alardeava sua frustração. Não tudo, mas... Ele sofreria com isso, mas...

Suavemente ele tomou seu lábio inferior entre os dentes. Ela entreabriu a boca ainda mais. Ele a beijou de novo, introduzindo a língua com doçura. Seu abraço provocou nela novos arrepios de excitação.

O prazer dominou os últimos resquícios de seu bom senso. Ele a apoiou contra a porta e encheu-a de beijos e carícias, pressionando-a em busca do corpo que o vestido escondia, usando o tato para imaginá-la nua, ouvindo os suspiros e gemidos melódicos que expressavam sua surpresa e seu desamparo.

Acariciando seu braço, ele abaixou a luva, expondo sua pele, então foi percorrendo com beijos o mesmo trajeto, enquanto as mãos envolviam suas nádegas, circundavam a cintura, subiam para a maciez provocante de seus seios. Ele deslizou a palma da mão, segurando seu seio inteiro, encobrindo o mamilo duro, incitando-a a se entregar a ele.

Os dedos dela se afundaram em seus ombros másculos. Seus gemidos ficaram mais altos. Ele teve juízo bastante para silenciá-la com outro beijo, mas não o suficiente para deter a própria mão. Logo. Mais tarde. Um dia...

Ouviram um baque surdo na porta por trás dela. Ela se empertigou e piscou, como se o som abafado a tivesse despertado do sono.

– Meu Deus, está emperrada? – uma voz feminina murmurou do outro lado da madeira.

Cerrando os dentes, maldizendo a tia e furioso de desejo, ele rapidamente puxou a luva de volta e se afastou de Alexia. Na luz baixa, pôde vê-la enrubescer ao se recompor. Ficou parada como se contasse até cinco e conferiu suas roupas com um olhar rápido.

Seus olhos encontraram os dele com pensamentos insondáveis, depois ela se virou e abriu a porta. Henrietta quase caiu nos braços de ambos.

– Desculpe, tia Henrietta – disse Hayden. – Eu deveria saber que não se deve ficar apoiado na porta de um camarote quando há pessoas dentro dele.

– De fato, deveria. Estava perdido em pensamentos? Tentando resolver um daqueles teoremas, imagino.

– Sim, mas também estava montando guarda para que a Srta. Welbourne encontrasse o camarote certo ao voltar.

– Pode continuar a fazer o mesmo para mim. Se eu soubesse que Alexia pretendia ir ao... bem, fique aí, Hayden, para que eu também não me perca.

Henrietta saiu andando pelo corredor. Alexia observou em silêncio. O desejo ainda pairava no ar que eles respiravam.

Ele ardia por dentro e sua mente estava inquieta. Vou encontrá-la esta noite, depois que os empregados forem dormir. Deixe sua porta aberta.

Lorde Hayden Rothwell não disse isso, mas Alexia ouviu de qualquer forma. Ela percebeu as intenções dele – e talvez as suas próprias.

Ela se virou e entrou no camarote, fechando a porta entre eles.


Ele não foi ao encontro dela naquela noite.

Quando seu corpo esfriou, ele admitiu que seria ao mesmo tempo imprudente e ridículo fazer isso. A Srta. Welbourne nunca poria em risco sua reputação, sua situação e sua virtude, se tivesse chance de pensar no que estava fazendo.

Precisava mais que se desculpar. Seu comportamento tinha se tornado absolutamente reprovável. Apesar de isso ainda o espantar, não se detinha pensando em quão improvável tinha sido o que acontecera no teatro. Continuar a flertar com Alexia era inaceitável.

No entanto, seria preciso usar toda a vigilância que Christian pregara – de madrugada, ele ainda se debatia na luxúria, que lacerava sua carne como faca afiada. Ficou deitado até depois de meio-dia, pensando no que fazer. Sua honra ditava que se contivesse, mas seu corpo apresentava argumentos primitivos com uma voz mais alta. Finalmente encontrou a disciplina necessária para se levantar e ir até seu escritório no centro financeiro da cidade, mas praticamente não conseguiu fazer nada de útil por lá. Nem mesmo seus cálculos puderam distraí-lo.

Nos dois dias seguintes, nem se preocupou em ser disciplinado. Dormiu tarde, pensou na vida, chegou a conclusão nenhuma e vagueou pela casa. Por fim, no quarto dia, se forçou a desempenhar a tarefa indesejável que esperava por ele e sentou-se para escrever uma carta. A meio caminho, decidiu que era muita covardia não se desculpar pessoalmente.

Enquanto imaginava como poderia falar com Alexia a sós, Elliot entrou no quarto, trazendo uma carta.

– Vejo que finalmente acordou. Isso chegou para você hoje de manhã, Hayden. Um dos lacaios de tia Henrietta trouxe.

Hayden pegou a carta. Nela, apesar dos elogios e das palavras lisonjeiras, Henrietta mostrava que estava aborrecida. Ela entendia que não podia passar todo o tempo com elas, é claro, e não queria ser intrometida nem insistente. Contudo, realmente precisava que ele fosse visitá-la e tivesse uma boa conversa com a Srta. Welbourne, que não estava fazendo progressos suficientes com Caroline no francês. Ela esperava que o sobrinho encontrasse tempo naquela mesma tarde para resolver o assunto.

– O que quer que ela esteja querendo, posso ir até lá – disse Elliot.

– Você é um bom irmão, Elliot. Percebe que estou preocupado e se oferece em sacrifício no meu lugar.

– A recente mudança em seus hábitos diz que minha percepção está correta – disse isso apontando para a carta. – Você pode escrever e protelar a visita se achar que não sou esperto o bastante para não cair em suas armadilhas.

Hayden leu a carta de novo contendo o pedido de sua tia para que chamasse a atenção da Srta. Welbourne. Teria que falar com Alexia a sós para fazer isso. Havia entre eles contas a ajustar que não tinham nada a ver com aulas de francês.

– Vou eu mesmo atender à convocação dela. A conversa que ela me pede para ter já passou da hora de acontecer.


Alexia remexia no franzido da fita verde de seu primeiro chapéu. Parecia pouco surpreendente, planejado demais. Ela queria um efeito mais descuidado e romântico, como se a faixa tivesse sido atada com capricho, e não cálculo.

Levou o chapéu até a janela para examiná-lo melhor. Sua elaboração tinha sido mais difícil do que previra. Sem uma fôrma, ela fora forçada a usar a própria cabeça como molde e um espelho. Para não manchar o chapéu, aplicara os enfeites usando luvas.

Apesar das repreensões de Phaedra, ela teve que trabalhar arduamente no chapéu à luz da lamparina. Tinha voltado ao trabalho depois de chegar do teatro, havia quatro noites. Quase em desespero, ficara acordada até perto do amanhecer, mexendo em fitas e costurando o tecido, na esperança de fazer um chapéu de qualidade superior que lhe possibilitasse um meio de vida para fugir do caminho da tentação.

Ela estava com o chapéu na mão quando se sentiu tomada pela lembrança, pela presença dele. Sabia que o comportamento escandaloso de ambos poderia causar tal reação nela em um piscar de olhos. Ficava horrorizada com o fato de que aquela sensação não lhe parecesse estranha ou imposta, mas cálida e excitante.

Os sons vindos da rua chamaram sua atenção. Olhou para baixo e viu Henrietta e Caroline entrando na carruagem. Estavam indo provar as roupas no ateliê de madame Tissot.

Ela deveria ter ido também, mas alegou estar doente. Não era de todo mentira. Pensar na humilhação de encarar Hayden de novo a deixava levemente nauseada. Ele não tinha aparecido desde aquela noite no teatro, mas um dia iria voltar.

Deixou o chapéu de lado e se sentou para terminar uma carta que estava escrevendo para Roselyn. Tinha coisas mais importantes para fazer hoje do que ir até o ateliê de madame Tissot. De qualquer jeito, o guarda-roupa que estava sendo feito para ela nunca seria usado.

Depois de selar e postar a carta, Alexia subiu apressadamente a escada até o andar da criadagem. Henrietta e Caroline já haviam saído fazia uma hora. Tinha esperanças de ter tempo para realizar sua pequena investigação. Se não conseguisse fazê-la agora, precisaria esperar muitos dias para tentar novamente. Não poderia se ausentar de todas as saídas com as patroas.

A tempestade de sentimentos dentro dela não fora causada somente pelo assédio de Rothwell no teatro. A conversa que tiveram a perturbara também. Ela queria ouvir que a morte de Ben fora um acidente e que suas desconfianças não possuíam fundamento.

Agora percebia que lorde Rothwell havia se esquivado da pergunta. Depois a arrastara para fora de seu caminho, para um rio de paixão.

Partia seu coração a ideia de que Ben pudesse tê-la deixado para sempre por escolha própria. Se o amor não podia impedir um homem de se matar, então o que poderia?

Mas se ele houvesse tirado a própria vida, certamente haveria alguma indicação do motivo entre seus pertences. Se não houvesse essa prova, ela aceitaria melhor as peculiaridades do acidente. Entrou no sótão no fim do corredor, na esperança de não ter que enfrentar nada além de nostalgia.

Precisou abrir caminho por móveis e caixas recém-colocados. Henrietta tinha acrescentado itens trazidos de sua casa ou retirados dos cômodos abaixo. As colunas de mármore da apresentação de Caroline estavam dos dois lados da porta, com o verniz refletindo suavemente a luz que escoava de uma pequena janela. Várias tapeçarias tinham sido enroladas e levadas para lá, dando lugar nas paredes para os quadros de Easterbrook.

Ela descobriu os baús de Ben junto a uma parede. Uma sobrecasaca estava jogada em cima de um deles, como se alguém tivesse achado a peça e a atirado lá, em vez de arrumá-la adequadamente. Ela sacudiu a poeira e a dobrou com cuidado. Arrastou os baús para mais perto da janela. Sem encontrar uma cadeira livre, desenrolou uma das tapeçarias e se aninhou no piso de madeira.

O primeiro baú que abriu continha roupas. Ajoelhou-se e levantou as peças pelos cantos para ver o que estava por baixo. Reconheceu a maioria dos itens e imaginou Ben a usá-los. Viu um colete de seda no fundo da pilha, com listras azuis e vermelhas. Puxou-o para fora e o desdobrou.

Ele estava usando esse colete no dia em que a beijara pela última vez. Sentiu de novo a seda com a ponta dos dedos e o pulsar do coração de Ben ao seu toque. O abraço tinha sido secreto e breve, como todos os outros. Ele estava animado com a aventura na Grécia, mas ela sentira um medo enorme. E tivera a terrível sensação de que ele a estava abandonando.

Ele percebera seu rancor e entendera. Voltarei em breve, você vai ver. Vamos ficar juntos para sempre.

Ela guardou o colete e fechou o baú. Ele teria dito isso se pretendesse morrer? Ou, pior, se pretendesse se matar?

Sua pequena investigação de repente pareceu quase desleal. As perguntas de Rothwell tinham criado desconfianças. Ele plantara sementes de uma suspeita indesejada sobre a morte de Ben.

Não, ele não as plantara. Suas perguntas só tinham proporcionado uma chuva de preocupações que permitiram que sementes dormentes germinassem e crescessem.

As lembranças se extirparam agora. A imagem de Ben naquele colete, tão vívido e animado, cheio do alegre otimismo que trazia a brisa da primavera de volta para a vida dela – ela não precisava temer achar a prova de que ele quisera ir embora para sempre.

Sua busca se tornara sem sentido. Ela abriu o outro baú com um objetivo diferente. Fazia semanas que se sentia estranha e sozinha naquela casa. Acolher a lembrança de Ben, tocando seus pertences, a aqueceu. A felicidade fulgurante valia a dor do sofrimento que fluía com ela.

O segundo baú continha objetos pessoais. Ela reconheceu o relógio e sua coleção de berloques. Pilhas de cartas, escovas de cabelo, alguns livros – as posses comuns de um cavalheiro estavam arrumadas dentro do baú.

Ela tirou algumas cartas para espiar o que havia debaixo delas. Ao fazer isso, a fita que as amarrava se soltou. A pilha se desmanchou e os papéis caíram, cobrindo o conteúdo do baú. Sorriu ao reconhecer sua própria caligrafia em alguns deles. Eram as cartas que enviara para ele na Grécia.

Um odor perfumado chegou até ela, um cheiro mais doce do que o das roupas dele. Começou a recolher as cartas formando uma nova pilha e percebeu que o perfume vinha de algumas delas. Entremeados nos outros, havia alguns envelopes de tamanho semelhante, com a mesma caligrafia. Uma letra feminina, mas não a dela ou de suas irmãs.

Pegou uma delas e levou até o nariz. Inalou os resquícios de água de rosas. Uma paralisia horrível tomou conta dela.

Olhou para a carta por longo tempo, tomada de horror. Não conseguia decidir o que fazer. Ainda se debatia em um limbo doentio de indecisão quando seus dedos desdobraram o papel.

Benjamin, meu amor...


CAPÍTULO 9

– Lady Wallingford não está em casa, senhor – avisou o lacaio.

Era bem o estilo de Henrietta mandar a carta e depois sair de casa.

– Prova de roupas – confidenciou o empregado.

– Então elas estão todas na modista.

– Nem todas. A Srta. Welbourne ficou doente e permaneceu em casa.

Hayden reconsiderou a ausência da tia sob uma nova perspectiva. Ela queria que ele conversasse com a preceptora sobre seu desempenho e tinha saído para que pudessem fazer isso em particular. Hayden pretendia ter outra conversa, mas a delicadeza da tia seria muito conveniente.

– Peça que a Srta. Welbourne me encontre na biblioteca, por gentileza. A menos que ela esteja doente a ponto de não poder descer, é claro.

O lacaio saiu para cumprir a tarefa. Hayden subiu para a biblioteca pensando em como iria se desculpar.

Imaginava que ela iria aceitar seu pedido de desculpas rapidamente e tudo acabaria logo. Se ela percebesse que ele não parecia sincero, o que em grande parte era verdade, talvez nem mencionasse esse fato. Mas, com a tendência que Alexia tinha de falar sem meias palavras, havia a possibilidade de que ele saísse da casa naquele dia tendo sido devidamente repreendido.

O lacaio demorou muito para voltar. Em vez de causar um incômodo, a espera produziu uma ansiedade ainda maior. Fazia dias que Rothwell não via Alexia, um longo período necessário para que ele conseguisse ocultar suas piores inclinações. Agora essa conversa iminente melhorava seu humor, apesar de seu objetivo lamentável.

O lacaio voltou sozinho.

– Sinto muito, senhor. Ela não está no quarto, nem na sala de aula.

– Ela saiu de casa?

– Não creio.

– Então tem que estar em algum lugar.

O lacaio hesitou.

– Acho que está no sótão. Uma empregada a viu subindo as escadas e a porta está aberta. Alguém está lá. Uma mulher, tenho certeza. É possível que seja ela.

– Você não poderia ter ido lá verificar?

– Não achei conveniente, senhor. Acredito que a mulher que está lá precisa de privacidade.

Ele fez uma careta.

– Ela está chorando – explicou o lacaio. – Quem quer que seja ela.

Alexia chorando? A imaginação dele tentou rejeitar a imagem, mas ela se formou mesmo assim. A mesma força e intensidade que tornavam improvável que a Srta. Welbourne desabasse também deixavam a situação dramática.

– Voltarei outra hora – disse ele.

O lacaio saiu para cumprir suas outras obrigações. Hayden esperou até ficar sozinho, então subiu os degraus e alcançou o último andar. Passou pelos quartos dos empregados, rumo ao sótão no fim do corredor estreito. A porta estava mesmo escancarada. Ele chegou mais perto. Sons abafados de soluços femininos se fizeram ouvir.

Ele entrou e fechou a porta atrás de si. Espiou-a por entre a mobília e as caixas, sentada no chão perto da única janela do lugar.

Mesmo a distância, viu o pranto. Seu corpo se sacudia. Ela pressionava a boca com as mãos, a fim de abafar os soluços.

Ele foi até ela, espantado com sua emoção, imaginando o que poderia ter causado tal reação. Olhou para baixo, na direção de um baú, e reconheceu o relógio sobre alguns livros. A raiva surgiu, mais forte do que a empatia. Alexia tinha vindo até ali para chorar por Ben. Talvez ela fizesse isso toda semana ou até mesmo todo dia.

Alexia percebeu sua chegada e virou o rosto. Seu corpo inteiro convulsionava na corajosa tentativa de controlar a emoção.

Ele se ajoelhou ao lado dela em uma tentativa de confortá-la. Afastou alguns papéis espalhados sobre a tapeçaria. A letra no papel de cima chamou sua atenção. Benjamin, meu amor...

Ele pegou a carta e a leu. Olhou para Alexia. Os olhos dela estampavam uma tristeza tal que ele procurou na mente uma mentira que explicasse essas cartas.

Ela cobriu o rosto com as mãos e perdeu a batalha contra o autocontrole. Seus soluços encheram o sótão. Mais comovido do que tinha estado em anos, ele se sentou ao lado dela e a envolveu em seus braços.


O abraço dele teve o efeito de confortá-la, mas, ao mesmo tempo, de enfraquecê-la, pois foi como se dissesse “Não tente ser corajosa”.

Ela desabou nos braços de Hayden e desistiu de lutar. Desapontamento e humilhação brotavam dentro dela e transbordavam para fora. O lado prático de sua alma assentia como se fosse uma preceptora maldosa, do tipo que se satisfaz em estar certa, mesmo que isso signifique o sofrimento de seu aluno.

Alguns pensamentos lúcidos irromperam em meio à loucura. Você sempre se perguntou o motivo. Se ele tivesse intenções sérias, a teria pedido em casamento antes de partir. Você acreditou nele porque do contrário seu futuro seria um vazio. Ela cerrou os dentes e se agarrou no casaco por baixo de seus dedos.

O abraço se estreitou. Um beijo reconfortante aqueceu seu couro cabeludo.

– Tente se acalmar.

O comando gentil convocava a mulher que ela apresentava ao mundo, e não a tola que se agarrava a sonhos românticos. O coração dela foi se acalmando até atingir um batimento compassado. O pranto foi secando até se resumir a lentas lágrimas.

Um lenço surgiu, oferecido por uma mão forte. Ela o pegou e enxugou os olhos e o rosto. Ao redor deles, os papéis espalhados se reavivaram. Ela afastou alguns de sua saia.

– Ela escreveu para ele na Grécia, mas houve outras cartas também, antes disso – informou ela. – Ele nunca pretendeu... Ele se comportou de forma desonrosa comigo.

– Talvez ele tenha se comportado de forma desonrosa com ela, não com você.

Uma pequena chama de esperança se acendeu. Não cresceu, mas bruxuleou, desesperada à cata de combustível. Talvez tivesse sido assim. Ben devia ter mentido para essa mulher, não para ela, em relação a suas afeições e intenções.

Ela estava esgotada demais para pesar todas as possibilidades. Mesmo que Ben não tivesse mentido para ela, também não tinha sido verdadeiro.

– É muita gentileza sua dizer isso – disse ela. – Mas tudo indica que fui uma tola.

– Não acho.

Ela deveria se afastar, mas não encontrou forças. Depois de sair desse abraço, ela ficaria com frio e se sentiria sozinha, enfrentando um passado vazio, bem como um futuro difícil.

– Você sabia?

– Sabia que havia mulheres na vida dele, assim como na vida da maioria dos homens.

– Esta escreveu cartas de amor durante anos. Ela escrevia como se também recebesse cartas de amor. O nome dela é Lucy.

– Não sabia dessa mulher específica.

Outra verdade se apresentava. Uma verdade que ela não queria encarar.

– Quando ele falava de mim na Grécia, não era amor ou intenções que revelava, não é mesmo? Eu era apenas mais uma mulher não específica.

Lorde Rothwell permaneceu em silêncio. Isso já era a resposta.

Ela não conseguia acreditar na amplidão do vazio que sentia. O choque a havia distanciado de si mesma. Ela temia a solidão que sentiria por já não ter lembranças tolas em que se agarrar. Esse grande vazio estava à espreita, pressionando-a. Deitou a cabeça no ombro dele para descansar antes de achar coragem para seguir adiante mais uma vez.

O abraço dele a estreitava e preenchia. Seu perfume, candura e proximidade transbordavam no vazio. Uma perturbação sensual vibrava nessa conexão. Faltava-lhe a força de vontade necessária para rejeitar a vitalidade perigosa que ele incitava.

Foi tomada por essa vibração, que dava vida a partes do seu corpo que tinham acabado de morrer em agonia. Ela não se mexeu, ficou só absorvendo o calor, não se importando com o perigo que isso representava. Ele também não se mexeu. O silêncio do abraço foi ficando cada vez mais pesado. De uma forma não natural, ela ficou ciente de cada parte de seu corpo tocada por ele. Podia sentir o mesmo estado de alerta nele.

Pendeu a cabeça e olhou para cima. Hayden não olhava para ela, mas para o sótão. A expressão dele guardava a mesma austeridade contemplativa que já vira antes e seus olhos azuis tinham as luzes quentes que lhe davam a aparência tão rígida.

Ela interpretara erroneamente esse rosto no passado, porém não agora. Sua dureza continha uma fúria, mas não era raiva. Ele virou a cabeça e olhou para baixo, na direção dela, e a fonte desses sentimentos não poderia ser entendida de forma equivocada.

Ele acariciou o rosto dela, seus dedos tocando suavemente as lágrimas secas. A tentativa de acalmá-la fez com que o coração dela batesse mais forte. O mesmo se dava com o desejo expresso no abraço e nos olhos dele. Ela já não conseguia entender os motivos por que deveria rejeitar esse desejo. Tudo aquilo tinha se passado em outro mundo e em outra vida. Ela não podia suportar a ideia de perder esse calor que ele lhe dava e não queria enfrentar o frio duradouro que esperava a sensata Srta. Welbourne depois que passasse por aquela porta escura do sótão.

Não pensou. Seu espírito açoitado pela tristeza agarrou a oportunidade de afogar a verdade e preencher o vazio da decepção. Levou as mãos ao rosto dele.

Exceto pela forma como seu olhar se intensificou e uma dureza sensual que surgiu nos cantos de sua boca, de início ele mal reagiu.

Depois sua mão cobriu as dela e as espalmou contra sua pele, permitindo que seu calor fluísse para ela. Seus dedos fortes circundaram os dela e depois retiraram a mão feminina. Ele baixou a cabeça e beijou a palma e o pulso de Alexia.

Ela sentiu como se borboletas voassem do seu pulso até o coração, depois batessem asas por seu corpo todo. Fechou os olhos para saborear essa sensação tão agradável. Seu contraste com a solidão dormente a surpreendeu.

Ela abriu os olhos para encará-lo. Não deu atenção à advertência que seu coração sussurrava e não fez nada para ajudar Hayden a vencer a batalha interior que o via travar. Ela torcia para que ele perdesse. Queria que lorde Rothwell a beijasse e a enchesse de vida até que tremesse.

E ele beijou. Com cuidado de início e depois um pouco menos. Um fervor a tomou em forma de beijos desejosos de liberdade. A cada instante em que Alexia correspondia às carícias de Hayden, mais um grilhão era rompido.

O poder daquele beijo a deixou atônita. O frenesi penetrou seu sangue, impondo um ritmo acelerado a sua respiração. Uma excitação agradável a movia por dentro e por fora e ela se sentiu palpitar na pele e em sua essência, com cada arrepio mais forte que o anterior.

O abraço dele se afrouxou enquanto ele a deitava na tapeçaria. Com um só movimento, ele varreu as cartas para o lado, jogando-as atrás dos baús, ocultando-as e tirando a terrível descoberta da vista e do pensamento.

Tirou o casaco pesado e a beijou novamente. Envolveu-a e se deitou ao lado dela, tomando-a nos braços como era possível. Os beijos rapidamente mudaram ao se deitarem juntos à luz que penetrava pela pequena janela do lado norte. Ela se submeteu aos mesmos beijos íntimos e acalorados que experimentara no teatro, só que agora nenhum espanto inibia sua reação. Ele não precisava seduzi-la a uma paixão cada vez mais crescente. Um prazer incontrolável a dominara e ela jogara fora todo resquício de precaução e preocupação.

Ela amou cada momento. Amou a forma como as mãos dele começaram a se mover, tocando-a por baixo da roupa, com uma pegada firme, possessiva e dominadora. Uma deliciosa sensibilidade se acendeu na parte baixa do seu corpo, com uma comichão persistente criando uma necessidade física. Seus seios também o desejavam com ardor, tanto que as carícias dele, quando chegaram, não foram suficientes. Ela cravou os dedos em suas costas, segurando-o com força, vagamente ciente de que estava respondendo a seus beijos, completamente alerta para a forma como essa loucura deliciosa a fazia se mover e gemer.

De repente estavam sozinhos em uma febre caótica que obliterava o tempo e o espaço. O prazer governava seus atos e uma necessidade dolorosa e desesperada a empurrava para além da decência. Ela queria mais e nada além. Apenas mais. A palavra soou dentro dela, enquanto pedia, recebia e gemia.

Ele desabotoou o vestido dela, mas o espartilho permaneceu entre eles. Hayden murmurou um xingamento por causa da roupa íntima e acariciou o seio dela por cima do tecido. Seus dedos encontraram o mamilo e o pressionaram com mais força. Um arrepio lancinante a atingiu no centro do corpo e centelhas de excitação queimaram seu peito, fazendo-a perder o fôlego.

Ele retirou o braço dela do corpo dele e puxou a alça do espartilho para baixo até expor um seio.

Estar nua a excitou ainda mais. A forma como ele a olhou também. O toque masculino no cume escuro e protuberante a desarmou. O anseio doloroso e impaciente, profundo e baixo, ficou ainda mais intenso. Ele acariciou o seio e o mamilo com a palma da mão, excitando-a a ponto de fazê-la querer chorar.

Não havia descanso, só mais excitação. Um som repetitivo em sua cabeça e o desejo do homem que a guiava até a beira do abismo da paixão. A cabeça dele desceu, levando a língua ao mamilo de Alexia. As sensações se intensificaram de novo. Uma nova carícia, nas pernas dela, suspendia a saia em longos afagos, até que suas peles se tocaram.

Ela sabia para onde as carícias a estavam levando. Sim, mais. Até mesmo a excitação luxuriante em seu seio reverberava mais embaixo agora. A expectativa dela virou um frenesi.

Alexia estava certa de que não poderia ficar mais excitada do que já estava, mas cada novo toque provava quanto estava errada. Ele incitava uma vibração tão concentrada, tão insistente, que a fazia perder o controle. Estava diante da chance de sentir-se completa; rejeitá-la a enlouqueceria.

Mais. Ele se mexeu, afastando as pernas dela, ficando entre elas. Mais. Ele a beijou mais forte, silenciando os sons que ela não sabia estar fazendo até que os ouvia. Mais. Ela se agarrou nos ombros dele, mas ele se apoiou nos braços de forma que ela não pudesse conter seus movimentos. Mais. Levou a mão ao ponto entre as pernas dela e a afagou até que gemesse.

De repente, outro toque. Um que fez todo o seu corpo tremer. Uma rigidez que a completava e aliviava o desespero. Então ele empurrou, rompendo-a, fazendo-a perder o ar. A dor cortante afastou a sensação de euforia.

Toda a sua consciência voltou em um só instante. Consciência do teto do sótão e da luz da janela. Do homem em cima dela, do peso dele e da força dominando-a. Da plenitude, tão completa e espantosa. A queimação parou, mas ela pulsava lá, viva e sensível. Novos prazeres tremeram levemente, mas ela estava chocada demais para que eles aumentassem.

Ele se inclinou para beijá-la. Ela olhou seu rosto. Junto com uma expressão que era máscula, quente e dura, ela viu algo mais em seus olhos. Surpresa.

Ele se mexeu. O membro rígido deu uma última estocada, enchendo-a de um bálsamo que ao mesmo tempo a curava e prolongava sua dor. O atordoamento não voltou. Em vez de ficar perdida no clima de sensualidade, ela estava atenta demais, alerta demais, de forma incomum. Dele e da sensação dele dentro dela. Da vulnerabilidade dela. De uma intimidade tão invasiva que jamais poderia fugir dela.


O ofuscamento aos poucos diminuiu. A transcendência do gozo gradualmente o deixou.

Ele olhou para baixo, para a mulher sob ele. Alexia o abraçava meio sem jeito, enlaçando-o com um dos braços. O outro estava pousado no chão ao lado de seu corpo, em completo relaxamento, aprisionado pela alça do espartilho e por sua blusa. Ele se apoiou nos braços e mergulhou para beijar o seio exposto. Um belo seio, redondo e farto, feminino e macio. Um tremor a percorreu, lembrando a Hayden que ela não tinha ido até o fim no prazer.

A expressão dela continuava cheia da vulnerabilidade que ele vira ao entrar no sótão.

– Machuquei muito você?

– Não muito. Mas um pouco, sim. Estava pensando que a natureza não foi muito boa com as mulheres.

Ele quase riu, mas, em vez disso, saiu de dentro dela. Ela avaliou o gesto tendo uma ruga na testa, como se tentasse decidir se ele tinha feito bem ou mal.

Ele se afastou e arrumou suas roupas. Com um último beijo no belo seio, colocou a alça do espartilho de novo no lugar.

– Não é sempre tão injusto. Só na primeira vez.

Ela rolou para o lado a fim de que ele pudesse abotoar o vestido.

– Você pareceu surpreso quando... Você não achava que seria minha primeira vez, não é? Apesar do que lhe disse, você pensou que Ben e eu éramos amantes.

Ele desejava ardentemente poder dizer que tinha acreditado nisso. Seria uma desculpa. Ele queria ter uma. A única coisa que sentia agora era contentamento, mas a culpa estava à espreita. Uma estranheza já se insinuava entre eles.

– A surpresa que você viu foi espanto. Uma coisa é desejar uma mulher, outra é realizar a fantasia.

Alexia se ajoelhou logo que o vestido foi fechado, e ficou imóvel. Hayden acompanhou o olhar dela para ver o que a distraíra. Eram as cartas que cobriam o chão por trás dos baús.

– Vou guardá-las – disse ele.

– Obrigada, é muita gentileza de sua parte. Sua tia vai voltar em breve e eu não devo ficar mais aqui. Preciso me trocar e... Do jeito que estou, não vai ser segredo para a criadagem.

Enrubescendo, ela começou a se levantar. Ele a segurou pelo braço, detendo-a.

– Alexia...

Ela o olhou nos olhos.

– Não, por favor, não diga isso. Não diga nada. Por favor.

– Há muito a ser dito.

– Na verdade, não. Com certeza não agora e, talvez, se formos sensatos, nunca.

Ela retirou o braço e parou.

– Por favor, permita que eu mantenha a lembrança deste momento como quero que seja – pediu e olhou rapidamente para as cartas enquanto se virava para ir embora. – Como pode ver, sou muito boa nisso.


Ela estava deitada na cama, ouvindo o silêncio da noite, tentando se familiarizar consigo mesma.

Saíra daquele sótão uma mulher diferente. Via o mundo de outra maneira agora. Era uma visão mais verdadeira, suspeitava ela. A desilusão com Ben fora responsável em parte por isso, mas o restante – o abandono, a intimidade e o prazer estonteante –, essas experiências davam uma sabedoria especial à mulher.

Não se culpava nem lamentava pela inocência perdida. Não se arrependia de ter feito o que fizera. Era difícil de admitir, mas assim evitava a necessidade de recriminações dramáticas. Também permitia que enfrentasse honestamente as implicações do que acontecera. Agora era o orgulho, e não medo, que exigia que ela deixasse aquela casa.

A sombra do chapéu pairava em sua escrivaninha. A noite e a musselina obscureciam os detalhes, mas ela visualizou a peça em sua mente. Não deixaria de tentar vendê-la, nem alteraria qualquer outro plano. O que acontecera com Hayden não a tiraria do caminho que escolhera. Suas decisões eram as mais acertadas e Alexia deveria pô-las em prática rapidamente se quisesse controlar essa lembrança.

Ela fechou os olhos, na esperança de dormir. Porém sua mente se acendeu e se voltou para o seu corpo. Ela o sentiu. O machucado doía levemente, como se ele ainda a estivesse preenchendo. A presença dele continuava a invadir sua mente.

Uma saudade insistia em fluir para o seu coração. Ela permitiria que essa nostalgia encontrasse um lugar para ficar. Seria desonesto construir uma lembrança cheia de pecado e culpa, no fim das contas. Ela tinha aproveitado o momento demais para isso.


CONTINUA

CAPÍTULO 6

Hayden se aproximou do pórtico de entrada do banco Darfield e Longworth. Quase não se lembrava do trajeto de Mayfair até ali. Sua cabeça estava tão tomada de preocupações pelo que ocorrera na biblioteca da casa de Henrietta que ele mal percebera a chuva fina que havia umedecido suas roupas.

Ele não tinha se comportado de forma honrosa. Mulheres na situação da Srta. Welbourne ficavam vulneráveis e muitas vezes sofriam abusos. Os homens que tiravam vantagem delas eram canalhas. Ele não era do tipo que importunava as damas. Os acordos que assumia com suas amantes e meretrizes eram claramente estabelecidos e mutuamente benéficos.

Talvez, com o tempo, ele se sentisse devidamente arrependido em relação à Srta. Welbourne. Naquele momento, nada poderia competir com as lembranças daqueles beijos e do modo apaixonado como fora correspondido. Ele não era um homem impulsivo, então o fato de aqueles beijos terem acontecido o fascinava tanto quanto a reação sensual de Alexia Welbourne.

Era o tipo de coisa que ele teria feito logo após o falecimento do pai. Ao luto se seguira uma euforia de liberdade, como se ele fosse um prisioneiro libertado do uma cela subterrânea. Durante dois anos vagara pela vida como um bêbado, chafurdando em emoções extremas e atos impetuosos, deleitando-se com os prazeres imprudentes que tinham sido negados a ele por tanto tempo.

Fora um ator experimentando trajes no palco de Londres, na esperança de que um deles lhe caísse melhor do que a própria pele. Estava aflito para negar a verdade que o cercava – que era de fato filho de seu pai e que se assemelhava muito a ele.

Até que finalmente aceitou o legado e controlou seu lado ruim, ao mesmo tempo que explorava seus pontos fortes. Ao passar pelo pórtico, no entanto, seu equilíbrio vacilou de novo. As especulações em torno da lembrança daqueles beijos eram mais desonrosas do que os beijos em si. Seu lado inescrupuloso cogitava seduzir a Srta. Welbourne por completo e imaginava as tentações necessárias para convencê-la de que seria do interesse dela chegarem a um daqueles acordos mutuamente benéficos.

A cena dentro do banco varreu essas considerações de sua mente. Uma aglomeração de cerca de trinta homens tinha se formado, compondo uma linha desorganizada na frente dos escritórios.

Vários outros homens chegavam, todos com muita pressa. Ele notou a preocupação em seus rostos e em seus passos rápidos. Percebeu sinais do início de uma corrida ao banco.

Ninguém o tinha vista ainda. Ele ouviu uma menção ao nome Longworth. A porta do escritório se abriu. Darfield deixou que um homem entrasse e depois voltou a fechá-la.

Hayden se aproximou da multidão. Um murmúrio de pânico se espalhava.

Um homem bloqueou sua passagem.

– Você não vai passar na frente, Rothwell. Não vamos ficar com as migalhas depois que sua família for alimentada.

– Minha família não tem intenção de jantar aqui hoje.

– Você disse isso há um mês, mas há boatos de falcatruas por aqui, o que Longworth...

– O Sr. Longworth vendeu sua participação para Darfield por motivos pessoais. Suas finanças particulares não se refletem no banco.

– Então por que está aqui? – perguntou outro homem.

– Não é para retirar meu dinheiro, isso eu lhe asseguro.

Ele foi alvo de alguns olhares incrédulos. Havia um número muito grande de bancos falindo para que as pessoas confiassem umas nas outras.

– Não tenho razão para desconfiar da força financeira deste banco – disse ele, alto o bastante para ser ouvido por todos. – E não tenho intenção de resgatar títulos ou encerrar contas agora, nem motivos para considerar essa hipótese no futuro. Se os cavalheiros quiserem sacar seu dinheiro, o Sr. Darfield vai honrar os saques. As reservas são mais do que suficientes para cobrir todas as suas demandas.

Sua franqueza aplacou o pânico da multidão. Ele podia ter se mostrado um canalha ao se render a seus desejos físicos naquele mesmo dia, mas seu sucesso nos investimentos não tinha sido alcançado usando artimanhas enganosas.

A agitação da turba se desfez. Alguns homens partiram. Outros se reagruparam para discutir o que fariam. O caminho para o escritório foi liberado.

Ele pediu ao funcionário do banco que o anunciasse, mesmo sabendo que Darfield já estava recebendo alguém. Darfield apareceu na porta de imediato, sério e resoluto em sua casaca escura e colarinho alto, amigável com seu rosto de expressão suave e cabelo prateado. Ele saiu e fechou a porta atrás de si.

Darfield pediu que o funcionário se retirasse. Enquanto sorria confiantemente para os homens que os observavam, disse em voz baixa:

– Lamento dizer que a avaliação que fizemos das contas não foi detalhada o bastante para detectar as falcatruas de nosso amigo.

– O que quer dizer?

O banqueiro empurrou a porta e mostrou o visitante que o esperava do lado de dentro. Hayden o reconheceu: Sir Matthew Rolland, um baronete da Cúmbria, um condado no norte do país.

Darfield fechou a porta de novo.

– Ele quer sacar os títulos que mantém conosco. Quando verifiquei e expliquei que haviam sido vendidos, ele insistiu que nunca os vendera e que estava recebendo os rendimentos normalmente.

– Verificamos todos os títulos vendidos nos últimos anos. Imagino que alguns tenham passado despercebidos. Mas ele realmente vem recebendo os rendimentos?

– Estava indo verificar exatamente isso.

– Ficarei esperando com ele enquanto você verifica. Não seria um bom momento para ele deixar este escritório com raiva e cheio de acusações.

Darfield olhou para a aglomeração de homens.

– Tem razão, não seria mesmo.

Ele se dirigiu para outra sala, onde eram mantidos os registros das contas.

Hayden abriu a porta. Sir Matthew não tinha qualquer ar de preocupação. Louro e de rosto redondo, afeito a caçadas no campo, ele parecia aguardar calmamente enquanto um mero erro de registro era corrigido.

– Rothwell – saudou ele, com um sorriso amável. – Veio salvar o legado de Easterbrook, não é mesmo?

– Não estou aqui com esse objetivo. Sou amigo do Sr. Darfield.

– Então pode ajudá-lo a consertar esse mal-entendido. Ele está dizendo que vendi meus títulos. Nunca fiz isso.

– Tenho certeza de que ele encontrará rapidamente o erro nos registros. Qual é o valor em questão?

– Cinco mil.

Hayden entreteve Sir Matthew com uma conversa sobre caçadas e esporte. Darfield demorou cerca de meia hora para se juntar a eles. Quando voltou, seu rosto tinha uma expressão de sobriedade.

– Sir Matthew, estou sem jeito de lhe dizer que será complicado resolver a situação dos registros de seus títulos. Em vez de mantê-lo esperando mais ainda, vamos lhe entregar o dinheiro e resolver os outros detalhes depois.

Sir Matthew não percebeu quanto essa oferta era estranha. Darfield se sentou à mesa e assinou uma permissão de saque. Hayden notou que era da conta pessoal do banqueiro.

Com sorrisos e despedidas amáveis, eles viram um Sir Matthew muito satisfeito ir embora. Assim que a porta se fechou, Darfield se permitiu extravasar seu desalento:

– Não há registro de pagamento ao cliente – disse ele. – Tudo o que temos registrado é que os títulos foram vendidos, ponto final. Igual aos outros. Long­worth deve ter vendido os títulos dele e agora estou cinco mil libras mais pobre. Minha pergunta é: qual é o tamanho do rombo daquilo que nos escapou?

– Não acho que tenha nos escapado nada.

A lembrança de uma boca sensual distraiu Hayden, mas ele não se deixaria levar de novo por aqueles pensamentos por enquanto.

– Parece que teremos que verificar tudo mais uma vez.

– Será que alguém revelou o jogo de Longworth e Sir Matthew está... Não é possível... Isso seria chocante demais até para se imaginar – falou Darfield.

– Vamos ver se Timothy Longworth pagou rendimentos a ele sacando de suas contas pessoais, como fez com os outros. É bom nos certificarmos de que isso seja o final dessa história. Quando os registros mostram que ele vendeu os títulos?

Darfield sentou-se e abriu um grosso livro-razão.

– Foi em1822. Não, espere – disse e olhou com mais atenção para o papel. – A tinta está um pouco apagada. Pode ser... Mas essa data é impossível!

– Que data?

Darfield olhou espantado.

– Aqui consta 1820.

Hayden ficou tão surpreso quanto Darfield. Timothy Longworth ainda não era sócio do banco naquele ano. O sócio era Benjamin.

Uma tristeza profunda tomou conta de Hayden. E não foi provocada apenas pela expectativa do que poderia vir a descobrir a respeito do amigo: de repente se tornava mais plausível uma suspeita que ele vinha reprimindo em relação à morte de Benjamin.

– Vamos ter que examinar todos os registros dos títulos mantidos no banco, desde a época em que Benjamin Longworth adquiriu sua participação no negócio. Se ainda tiver informações sobre as contas pessoais de Benjamin, traga-as também.

Darfield assentiu, sua tristeza era evidente.

– Agradeço muito por sua ajuda e discrição. Precisará de mais alguma coisa?

– Uma bebida forte. Uísque serve.


Os três irmãos jantaram em casa naquela noite. Hayden teria apreciado esse encontro em qualquer outro dia. Naquela noite, no entanto, nem o espírito sagaz de Elliot conseguiu tirá-lo de seus pensamentos. Sua distração criou longos períodos de silêncio à mesa. Também atraiu o olhar de Christian em sua direção com muita frequência.

– Estamos muito sérios hoje – disse o mais velho. – Se eu soubesse que você estaria tão tedioso, Hayden, teria aceitado o convite para ir à festa de Lady Falrith. Pelo menos lá o tédio teria várias fontes.

– Estou pensando em uma equação que ando testando.

Normalmente ele não contava mentiras tão deslavadas, mas não poderia revelar o que estava pensando de verdade.

Ele deixara o banco naquele dia com perguntas de mais na cabeça. Também guardava um segredo terrível. Timothy Longworth não tinha sido o criador do esquema de falsificar assinaturas para vender títulos. Aprendera o truque com Benjamin, que vinha fazendo isso praticamente desde que adquirira participação no banco de Darfield. Após a morte de Ben, Timothy continuara pagando rendimentos às vítimas de Ben, enquanto fazia ele mesmo novas vítimas do golpe.

Sua cabeça ficou repleta de lembranças nas horas que seguiram àquela revelação. Benjamin garoto, tão imprudente e espirituoso quando comparado aos irmãos Rothwells. O pai deles tinha sido um homem rígido, severo em sua honra e dominador em sua personalidade.

O que nos torna humanos é a capacidade de sermos racionais. Os gregos já sabiam disso, mas esta é uma lição que os homens esquecem, colocando-se em risco. A paixão tem seu lugar, mas é a mente que deve comandar seus atos. As emoções levam a impulsos que destroem a honra, a fortuna e a felicidade.

Ele aprendera essa lição de uma forma ou de outra todos os dias de sua juventude. O pior é que vivera com a prova de sua verdade, vendo o sofrimento que a emoção e a paixão trouxeram a seus pais. No campo, no entanto, conseguia escapar tanto do homem quanto da lição, que durava horas sem fim. Benjamin Longworth, um garoto que morava no final da estrada, havia se transformado em um tônico contra a forma como aquela lição tornava suspeitas e vergonhosas a alegria e a animação.

– Achei que você tivesse posto limites a essas investigações matemáticas – disse Christian. – Você precisa aprender com Elliot. Quando está no mundo real, tem que viver de forma real. Ele não está sendo tedioso hoje.

Tendo acabado de pensar no pai, Hayden não gostou de ouvir Christian usar um tom tão parecido com o dele.

– Não estou aqui para distraí-lo, maldição!

Christian achou a resposta ríspida muito interessante. Elliot também.

– Não acho que sejam os números o que está distraindo você, Hayden – comentou Elliot.

– Pense o que quiser.

Não queria falar no assunto. Seus irmãos não sabiam de nada e não podiam lhe acrescentar qualquer explicação. Somente uma pessoa em Londres poderia ter informações a respeito de Ben e do banco. Uma mulher que o odiava, mas que reagira com paixão a seus beijos. Uma mulher que tinha sido apaixonada por Ben e ainda era.

– Talvez esteja pensando em alguma mulher – disse Christian a Elliot.

Era muito enervante ver Christian adivinhar a razão verdadeira.

– Embora ele nunca se distraia muito por causa delas – continuou o mais velho. – Teria que ser uma moça muito especial, só que nenhuma delas nunca é tão especial assim para ele. Não há lógica no amor, nenhuma equação matemática que o comprove, então Hayden conclui que o amor não existe.

Elliot lhe deu uma olhadela. Tinham sido aliados no passado, quando Christian era o perfeito. Elliot percebia seu humor de uma forma que mais ninguém conseguia.

– Não acho que seja mulher – disse ele.

Ele estava certo e errado. Uma mulher perpassava todos os seus pensamentos sobre Ben. O que ela sabia? Como reagiria ao descobrir os crimes de Ben? Ela culparia Hayden Rothwell se tudo viesse a público e a reputação de Ben fosse manchada?

Darfield tinha prometido silêncio de novo, para proteger a própria fortuna e a reputação. Hayden usara recursos próprios para cobrir qualquer perda dos clientes do banco. Sua dívida para com um velho amigo acabara ficando cara demais.

Com uma clareza implacável, ele viu os fatos se desdobrarem à sua frente. Ben se encaixava perfeitamente em seu papel naquele drama. Mesmo a bebedeira no navio de volta, sua resistência em retornar à vida estável de um banqueiro – disso ele tinha certeza a respeito de Ben. O que mais, além do tédio, estaria esperando por ele em Londres? E como isso afetara seu estado de espírito?

Será que estava desesperado, prevendo a descoberta de seus crimes? Havia construído um castelo de cartas com aqueles roubos. Devia saber que no fim o castelo ruiria. Será que tinha pulado do navio? Esta sempre fora uma possibilidade, considerando o humor de Ben nos dias anteriores. Uma possibilidade que Hayden evitara contemplar, porque, se Ben tinha pulado, Hayden havia permitido que isso acontecesse.

Um buraco tinha se aberto em seu estômago e se recusava a fechar. Carregava imensa culpa por aquela noite. Agora se indagava se seu próprio orgulho não o cegara para a profundidade do desespero do amigo.

– Bem, mas seria adequado que uma mulher o estivesse distraindo – insistiu Christian. – Um de vocês precisa se casar logo. Quero ter um sobrinho.

Elliot riu.

– Nunca seremos obrigados a nos casar, Christian, não teremos que abrir mão de nossas excentricidades para agradar uma esposa. Você é quem tem esse dever – Elliot disse isso e esticou as pernas, examinando o irmão mais velho. – Deve começar cortando o cabelo. Ouvi dizer que as moças usam a palavra “selvagem” quando o descrevem.

Christian ignorou o comentário. Não gostava que os outros se metessem na sua vida. Ser intrometido e incisivo era um direito que reservava apenas a si mesmo.

– Em último caso, vocês dois podem ter amantes – murmurou Christian. – Hayden tem andado irritadiço ultimamente e eis a razão. E você está sempre enfurnado em alguma biblioteca, Elliot.

– E você está sempre enfurnado nesta casa – rebateu Hayden.

Mesmo em seus melhores dias, a presunção de seu irmão o perturbava. Hoje ele não estava de muito bom humor para tolerá-la.

– Você se esquiva de seus deveres para com seu título e tem a petulância de dizer que temos que lhe dar um herdeiro. Cuide de suas próprias obrigações, de sua própria mulher e de seus próprios hábitos, Easterbrook – continuou Hayden. – Quando tudo isso estiver em ordem, pode prestar atenção em mim.

Elliot bebericou seu vinho com um leve sorriso. Os olhos de Christian ficaram frios.

– Sei exatamente quais são meus deveres em relação a meu título e minha família – declarou o marquês. – Sei porque fiz escolhas claras em relação a isso. É possível fazer as coisas dessa forma, Hayden. Não é preciso aceitar os ditames da sociedade, da religião ou do pai. Podemos escolher o que devemos a uma ideia ou a uma pessoa.

O fantasma de Benjamin pairava sobre eles, sorridente e feliz, como se Christian o tivesse chamado. Contudo, a imagem mudou rapidamente. Hayden viu Benjamin no convés do navio, carregando uma garrafa e se recusando a descer.

Por que Ben tinha saído da Grã-Bretanha e por que a volta o deixara tão desnorteado? E se tinha roubado mais de quarenta mil libras, onde diabos estaria todo esse dinheiro?


Alexia espiou o chapéu empoleirado na cabeça de Lady Wallingford. Não se poderia achar uma falha grave em sua modelagem. Ficaria mais elegante se as fitas fossem um pouquinho mais estreitas e as flores de cetim, um pouco menores, mas a Sra. Bramble, a chapeleira, conhecia bem seu ofício.

– As cores são um pouco fortes demais para a senhora – disse Alexia.

– Mas adoro vermelho e fica sofisticado com azul – retrucou Henrietta.

– O conselho da Srta. Welbourne não é sem razão, madame. A senhora tem a pele muito clara e essas nuances em particular tiram a atenção de sua própria beleza – reforçou a Sra. Bramble, olhando para Alexia em busca de aprovação.

Alexia assentiu sutilmente. Ela e a chapeleira estavam dando uma trégua.

Desde que tinham chegado à loja, Alexia conseguira desencorajar Lady Wallingford de comprar três chapéus muito caros. Sem dizer uma só palavra sobre o assunto, tinha dado a entender à Sra. Bramble que, a menos que quisesse assinar algum recibo de venda, teria de cooperar.

A Sra. Bramble trouxe uma cesta de fitas. Alexia pegou uma de um tom amarelo forte. Desenrolou-a diante do rosto de Henrietta e o verde dos olhos dela imediatamente se intensificou. Cobriu todo o vermelho flamejante com a fita e prendeu a ponta, de forma que a patroa pudesse julgar o efeito por si mesma ao olhar no espelho.

Enquanto Henrietta avaliava o próprio reflexo, a Sra. Bramble espiava Alexia.

– Você tem jeito para a coisa, não posso negar – disse ela baixinho. – Seu chapéu é muito bonito e finamente elaborado. Posso perguntar onde o comprou?

– Em uma lojinha no centro da cidade. A maioria das lojas por lá é bem simples, mas há uma mulher cuja habilidade supera a de todas as outras.

– Se ficar sabendo que essa mulher está à procura de emprego, por favor, peça que me procure.

Henrietta decretou que o amarelo, apesar de não tão marcante quanto o vermelho, seria uma escolha melhor. Ela encomendou um chapéu e vários casquetes para si e para Caroline. Alexia a acompanhou até a carruagem. Esperava que lorde Rothwell reconhecesse que ela havia conseguido reduzir um pouco a conta que sua tia pretendia fazer nessa visita.

O lacaio deu a mão a Henrietta para que ela subisse na carruagem, mas Alexia declinou sua ajuda.

– Eu deveria ter aproveitado para encomendar algo para mim – disse ela. – Posso voltar, senhora? Não vou me demorar.

– Pode. Como Hayden vai trazer Caroline para nos encontrar, madame Tissot pode começar a tomar as providências se eles chegarem antes.

A presença iminente de lorde Rothwell era um dos motivos de Alexia querer voltar para a loja. Não havia uma forma generosa de encarar aqueles beijos na biblioteca. Ele tinha sido um canalha e ela, uma libertina. Era simples assim.

Se pudesse acreditar que um deslize desses nunca mais se repetiria, poderia tentar fazer de conta que nunca acontecera. Infelizmente, as coisas não estavam tão claras assim. Ele fizera duas visitas nos últimos dias e o clima ficara pesado com a consciência dele do que ela permitira. No entanto, Alexia não tocou no assunto. E lorde Hayden não se desculpou, como já era de esperar.

As expressões e olhares dele poderiam não revelar a verdade chocante, mas sua mera presença tornava o clima tão denso que até respirar ficava difícil. O pior é que uma excitação tola pulsava silenciosamente na cabeça de Alexia e no seu sangue, por mais que tentasse controlar.

– Lady Wallingford esqueceu algo? – perguntou a Sra. Bramble quando Alexia entrou na loja de novo.

A chapeleira deu uma olhada em torno, procurando um xale ou uma bolsa.

– Queria falar com a senhora sobre a mulher que fez meu chapéu. Ela também confecciona por conta própria, fora do horário em que trabalha para o patrão. Suas melhores criações estão disponíveis por encomenda direta porque a dona da loja não tem bom gosto suficiente para apreciá-las.

– Isso é bem comum – disse a Sra. Bramble. – Não gostaria que minhas funcionárias fizessem isso, é claro, mas se a dona da loja não quer os chapéus... bem, é diferente.

– Creio que sua loja fará mais jus aos talentos dela do que qualquer loja no centro, e de forma muito melhor do que ela conseguiria por conta própria.

Os olhos da Sra. Bramble se estreitaram enquanto ela considerava a proposta.

– Essa mulher traria os chapéus para mim pessoalmente?

– Eu ficaria feliz de fazer isso por ela.

– Se eu usasse como modelo o chapéu que você trouxer, ela faria os pedidos em tempo hábil? Executaria as alterações solicitadas?

– Tenho certeza de que sim.

A Sra. Bramble olhou para ela de maneira astuciosa.

– Você parece conhecê-la muito bem.

– Já conversamos algumas vezes e sei que ela é honesta e diligente.

– Nesse caso, gostaria muito que a senhorita lhe dissesse para me mandar um ou dois chapéus, se forem da qualidade do que está usando.

Alexia correu para se reunir à patroa. A Sra. Bramble suspeitou que não houvesse mulher nenhuma no centro. Tinha sido gentil ao permitir a mentira para não ferir o orgulho da moça.

Alexia voltara à loja em um impulso, mas fora também uma decisão nascida de anos de especulações sobre o próprio futuro. Seu primeiro plano para o emprego não vinha se desenrolando da forma como pretendera. Se continuasse a ser preceptora de Caroline, ficaria vulnerável aos galanteios inexplicáveis e desonrosos de Hayden Rothwell.

Ela também não poderia mentir para si mesma sobre a corte de Hayden. Os beijos não tinham sido nem um pouco como os de Ben. Não poderia fingir que tinha sido amor o que os inspirara. Eles tinham compartilhado uma paixão selvagem que não necessitava da mínima afeição. A excitação que ele causava era dominadora demais, perigosa demais e sem nenhum romantismo.

Agora, no entanto, encontrara uma forma de ser chapeleira sem ter de trabalhar em uma loja. Isso era muito melhor do que ser uma criada, independentemente do nome dado ao cargo. Era também muito melhor do que virar cortesã, por mais agradável que fosse a sedução que levava a isso.

Ela poderia fazer os chapéus e ver quanto receberia da Sra. Bramble. Talvez fosse o suficiente para permitir que começasse a planejar uma vida em que não ficaria vulnerável aos perigosos galanteios de Rothwell.


Hayden xingou a si mesmo. Ele xingaria Alexia Welbourne também, mas não seria justo.

Não era culpa dela o fato de ele estar naquele antro feminino, avaliando vestidos coloridos e ouvindo as críticas incessantes de Henrietta. Pelo amor de Deus, ele tinha se oferecido para trazer Caroline até ali de modo que ela pudesse se encontrar com sua mãe e a preceptora.

Ele esperara até as damas chegarem, mesmo podendo ter deixado a prima nas mãos competentes de madame Tissot. Agora estava sendo punido por seu desejo oculto de ver a Srta. Welbourne, que fazia com que atendesse aos pedidos de Henrietta com muita frequência.

A mulher que ele assediava agia como se ele não estivesse presente. Contudo, o lado sedutor nele notava qualquer pequeno rubor e gaguejo de Alexia. E seu lado cavalheiro... bem, ele continuava a pôr honra e desejo na balança e concordava com tardes tediosas como esta para poder gozar do desejo enquanto fingia exercitar a honra.

Mas ele saudava o estímulo traiçoeiro das batalhas silenciosas que agora travava tanto dentro de sua cabeça quanto fora, naquele cômodo. Um dos motivos era que isso obscurecia as perguntas incessantes em relação a Benjamin Longworth.

Elas ocupavam sua mente, tomavam sua atenção. Ele queria saber por que Ben tinha roubado todo aquele dinheiro e se esses crimes estavam ligados à sua morte.

Alexia Welbourne talvez soubesse a resposta para algumas dessas perguntas. Mas, quando Hayden estava com ela, esquecia tudo sobre isso. Ele tentava se convencer de que buscava a companhia dela apenas para poder sondar fatos sobre Benjamin, mas nem mesmo procurava tocar no assunto. Nada disso era boa notícia para o lado honroso de sua batalha interior.

– O que você acha, Hayden? – perguntou tia Henrietta, segurando dois cabides com vestidos de debutante. – Qual deles devemos escolher?

– Sou ignorante demais nesse assunto para dar conselhos. Qual a opinião da Srta. Welbourne?

Alexia tinha se retirado para sentar em uma cadeira o mais afastado dele possível. Henrietta pediu que ela se aproximasse. Com uma expressão passiva e postura digna, Alexia se juntou aos dois. Seu olhar não pousou nele nem por um instante. Ela possuía uma capacidade excepcional de ignorá-lo sem parecer deliberadamente rude.

O lado sedutor não se importava com isso. Ela podia evitar o olhar, mas não tinha como esconder que mudava de atitude por causa dele. A corda aveludada da sensualidade os unia agora. Ele não conseguia resistir a provocá-la, pela mera força do desejo.

Ela examinou as peças nos dois cabides, depois fez uma avaliação crítica da jovem Caroline. Então voltou o olhar para a modista que aguardava, na expectativa.

– Senhora, precisamos de alguns minutos de privacidade para fazer nossa escolha.

Madame Tissot não gostou nada de ser excluída, mas se retirou.

Alexia segurava um cabide meio de lado para que pudesse vê-lo também.

– Este seria o vestido mais apropriado. Contudo, é o mais caro. Não devemos nos deixar enganar por sua discrição. Os enfeites carregam centenas de pérolas e muitos metros de guipura. Custará bem mais do que este outro, deixando pouco para ser gasto com o restante do guarda-roupa.

Foi um discurso admiravelmente prático, sensato e convincente. Antes que as últimas palavras fossem ditas, pôde ver a expressão decepcionada de Caroline aceitando que o outro vestido teria que servir.

Alexia não olhou na direção de Hayden, mas manteve o cabide à vista dele.

– Tia Henrietta, talvez Caroline possa ver outros vestidos de baile antes de tomar uma decisão final sobre este – disse Hayden.

Tia Henrietta achou que era uma ideia esplêndida. Ela e a filha se lançaram mais uma vez no longo processo de avaliação dos vestidos pendurados nos cabides.

Ele aproveitou a oportunidade para se dirigir à Srta. Welbourne em particular, algo que lhe fora impossibilitado desde que a beijara.

– Você prefere esse aí, não é? – perguntou ele, indicando com um gesto o cabide que Alexia ainda segurava entre os dedos.

Dedos longos e elegantes, perfeitamente desenhados. Ele imaginou aquele vestido com espessa barra de rosetas bordadas em pérolas sendo usado por uma mulher. Não pela jovem e pálida Caroline, mas outra mulher, madura e confiante, com cabelo castanho e olhos violeta.

– Chama muito mais a atenção. É uma modelagem que todos notariam. Mas é caro demais para sua tia.

– Quer que Caroline fique com este vestido, não?

– Ela se sentiria muito mais especial, mais bonita. Como uma princesa. Isso se refletiria em seu comportamento, no jeito de se portar, sorrir – disse ela, mas, em vez de olhar para ele, olhou para Caroline, que examinava fotos com sua mãe e depois voltava a examinar o cabide.

Nunca olhava para Hayden agora.

– Ela fica muito intimidada por sua tia – continuou Alexia. – Também tem muita consciência da renda limitada da família. Ao contrário da mãe, ela se tornou muito sensata. Às vezes, no entanto...

– Às vezes a pessoa pode ser sensata demais?

– Ela é muito jovem. A sensatez é uma virtude que combina melhor com a maturidade.

Lorde Hayden olhou para o cabide em que estava pendurado o vestido que faria uma garota se sentir uma princesa. A mulher que o segurava nunca tivera essa experiência, mas evidentemente entendia muito bem os sonhos e inseguranças da adolescência. Ela se orgulhava de seu bom senso, mas não queria que a jovem Caroline ficasse presa cedo demais às mesmas considerações práticas.

Ela queria que Caroline estivesse com o vestido. Queria isso tanto que permitira essa conversa, mesmo quando tentava fingir que ele não existia.

– Minha prima vai usar o vestido que a senhorita prefere, Srta. Welbourne. Vou dizer à tia Henrietta que é um presente de Easterbrook, assim ela não vai imaginar segundas intenções de minha parte.

Ele se encaminhou a Henrietta e explicou a generosidade de Easterbrook. O rosto de Caroline se iluminou. Ela deu um pulinho e correu para pegar o cabide das mãos de Alexia. Rindo e dançando ao redor da cadeira de sua preceptora, ia lhe pedindo conselhos sobre cores. Alexia riu e se juntou à celebração.

Enquanto ele observava a excitação das moças, explicou outras coisas para a tia.

Henrietta chamou a atenção da filha.

– Precisamos escolher pelo menos um dos vestidos de baile hoje, antes que outras moças comprem as melhores criações. Você ainda tem que vir até aqui e fazer isso. O mesmo vale para a Srta. Welbourne.

– Ouso dizer que não precisam do meu conselho a esse respeito – disse Alexia.

– Não preciso que me aconselhe, mas que escolha seu vestido. Como minha dama de acompanhia, você irá a algumas festas e passeios e vai precisar de um guarda-roupa apropriado.

A expressão de Alexia deixou claro que estava pasma.

– Não posso comprar essas roupas, nem a minha presença será necessária.

– Creio que esta é uma decisão que compete a mim. O irmão de Hayden concorda que sua presença é necessária e que deve estar bem-apresentada. Easterbrook se ofereceu para fornecer o guarda-roupa.

Henrietta então se virou para Hayden exibindo sua expressão mais adorável.

– Por favor, diga-lhe que somos todas muito gratas. Vou expressar meus agradecimentos quando o vir novamente, mas ele é tão esquivo...

– Transmitirei seus agradecimentos.

– Por favor, não transmita os meus – disse Alexia. – Anseio por fazê-lo eu mesma. Expressarei meus agradecimentos do meu jeito ao homem responsável por essa generosidade inesperada.

Ela o encarou, dando-lhe o primeiro olhar direto dos últimos dias. Seus olhos comunicaram as palavras furiosas que não ousava dizer na frente de Henrietta e Caroline.

Ela suspeitava que o guarda-roupa viria dele e não de Easterbrook. Não gostava que ele tivesse encontrado um jeito de lhe dar presentes caros sem que ela estivesse de acordo.

O lado cavalheiro estava perdendo a luta sobre o que fazer com Alexia Welbourne.


CAPÍTULO 7

Hayden passou adiante os documentos. Suttonly assinou seu nome.

– Você deveria lê-los – avisou Hayden.

– Seu irmão os lê?

Suttonly falou com seu típico tom entediado. Ele passou as folhas de volta para Hayden e se recostou na cadeira.

– Easterbrook lê tudo.

– Meu advogado vai verificar tudo quando os documentos finais forem preparados. Até hoje, você nunca me orientou de forma errada. Minha riqueza duplicou desde que comecei a seguir seus conselhos.

– Um homem menos honrado do que eu teria ficado com uma parte maior do que você ganhou nos últimos anos – disse Hayden.

– Se estivéssemos nos enfrentando em uma mesa de jogo, eu já teria me levantado e ido embora há muito tempo, Rothwell. Nesse assunto, no entanto, você provou ter menos sede de sangue.

Suttonly aludia a um passado que, sendo velho amigo de Hayden, ele conhecia bem demais. Rothwell se tornara notório nas mesas de jogo assim que chegara à idade adulta. A excitação da vitória o levava à loucura. Tudo tinha sido parte de suas tentativas de se tornar um homem diferente do que sua criação mandava.

Ele arriscara se arruinar nas mesas, mas, em vez disso, ficara rico. Levara um bom tempo para perceber que jogava com uma vantagem injusta. Os outros homens viam cartas aleatórias, mas ele enxergava os padrões. Mesmo jogos de azar eram regidos pelo que as cartas anteriores ditavam.

Foi então que descobriu a obra de Bayes e Lagrange e de outros. Leu o livro de LaPlace sobre probabilidades. O estudo delas estava se tornando uma ciência, uma ciência que o fascinava.

Contudo, perceber a verdade tirou o divertimento dos jogos. Agora ele se restringia a um tipo de aposta mais justa. Ainda via padrões, ainda calculava as chances com um talento que a maioria não possuía, mas as variáveis desconhecidas de alguma forma nivelavam o terreno. E o que era ainda melhor: às vezes havia vitórias em que ninguém perdia.

Suttonly se levantou e saiu andando pela sala do centro financeiro de Londres onde Hayden realizava seus negócios. Ela era parte de uma suíte que continha ao mesmo tempo um escritório e um quarto de dormir. Rothwell raramente usava este último, mas, nas ocasiões em que tinha ficado trabalhando até mais tarde, ele havia se mostrado conveniente.

– Ainda nisso, pelo que vejo.

Suttonly avistara os dados em uma mesinha e observava o caderno com colunas ao lado deles.

– Está com sorte?

– Estou caminhando – disse Hayden.

A mesa continha os progressos de um experimento em curso. Por trás do que o senso comum considerava sorte ou oportunidade havia leis que regiam as probabilidades. Os cientistas acreditavam que o mundo funcionava como um relógio bem projetado, mas ele achava que, na verdade, o mundo poderia ser definido por equações matemáticas bastante simples.

Suttonly prosseguiu, metendo o bedelho em coisas particulares, como velhos amigos tendem a fazer. Focou sua atenção em uma pilha grossa de folhas em cima de uma escrivaninha.

– O que é isso?

– Uma nova prova matemática recentemente apresentada na Sociedade Real de Londres. Estou verificando se tem fundamento.

– Vá com cuidado, Rothwell. Esses seus interesses ainda não o tornaram tedioso, mas, em dez anos, se não ficar atento, ninguém vai querer conhecê-lo, exceto os idiotas dos acadêmicos da Somerset House.

– Restrinjo minha brincadeira com números abstratos a algumas horas por dia – disse Hayden. – Na verdade, são as horas que estão transcorrendo agora.

– Vou deixá-lo, então. A propósito, esse negócio com Longworth, acredito que não tenha sido seu gosto por sangue a causa da ruína dele. Mas os boatos de que você estava por trás disso continuam a correr.

– Não frequento as mesas de jogo há anos.

– Que resposta interessante. Seria ambígua o suficiente para eu erguer minhas sobrancelhas, se eu fosse do tipo que se importa. Longworth já vai tarde. Ben podia ser divertido se a gente deixasse de lado seu entusiasmo exaustivo, mas Timothy se mostrou tediosamente ganancioso.

Quando Suttonly foi embora, Hayden colocou os documentos dentro de uma gaveta. Então se aproximou da escrivaninha.

Em minutos, sua mente passou por várias fórmulas, transcorrendo a poesia incrível e indescritível simbolizada por suas anotações. Quando estava na escola, havia considerado a matemática uma tarefa vagamente interessante, na qual se superava continuamente. Por fim, um professor o apresentara à profunda beleza oculta nos cálculos mais sofisticados.

Era uma beleza abstrata, presente na natureza, mas não fisicamente visível. Não tinha nada a ver com o mundo no qual a maioria das pessoas vivia. Não havia emoções, fome ou fraquezas nesses números. Nenhum sofrimento nem culpa, nenhuma paixão nem impulsos. Essa beleza era pura racionalidade, do tipo mais fundamental, e as visitas dele a seus domínios poderiam ser escapes, ele sabia. Nas ocasiões em que sua alma estava atormentada por questões mais humanas, ele sempre encontrava paz ali.

– Sir.

A voz o puxou de volta para o mundo real. O funcionário estava em pé ao seu lado. O homem tinha instruções para interrompê-lo em uma hora específica, de forma que ele não desperdiçasse o dia inteiro nessas abstrações. Hayden não conseguiria dizer quanto tempo ficara ali, mas sabia que a interrupção tinha ocorrido cedo demais.

– Chegou um mensageiro – explicou o funcionário. – Ele trouxe isto e a instrução de que o senhor gostaria de receber imediatamente. Se eu deveria ter esperado...

– Não, você agiu corretamente.

Ele rompeu o selo enquanto o funcionário voltava para a antessala. Leu a única frase escrita por um lacaio subserviente da casa de Henrietta.

A Srta. Welbourne havia tirado folga e fora visitar as lojas da Albemarle Street.


Se Phaedra Blair não possuísse nem estilo nem beleza, as pessoas a considerariam meramente estranha. Como a natureza a tinha abençoado com ambas as qualidades, a sociedade a achava quase interessante.

Phaedra era uma das poucas pessoas que Alexia podia contar como amiga, além de sua prima Roselyn. Mas não mantinham uma amizade expressamente pública, apesar de às vezes passarem um tempo juntas na cidade, como faziam hoje. Phaedra era a amiga que Alexia normalmente procurava quando queria falar em particular sobre livros e ideias.

Filha ilegítima de um membro do Parlamento reformista e de uma intelectual, Phaedra morava sozinha em uma pequena casa em uma rua pobre perto de Aldgate. Herdara dos pais a capacidade de dispensar regras e crenças que lhe parecessem estúpidas. Por causa disso, ela e Alexia tinham tido algumas discussões fortes em certas ocasiões. Tinha sido uma delas – ocorrida dois anos antes, no dia em que se conheceram ao examinar a mesma pintura em uma exposição da Royal Academy – que iniciara sua amizade.

– Acho que seu plano de fazer chapéus é admirável. Como afinal você entendeu, uma mulher dependente é uma mulher escravizada – disse Phaedra.

Uma vez que um tio lhe havia deixado uma renda de cem libras por ano, Phaedra não era escravizada por nada nem ninguém.

Elas estavam passeando pela Pope’s Warehouse, na Albemarle Street, Alexia comprava aviamentos. Ela decidira fazer um chapéu e um gorro. Escolheu um fio de ferro que poderia usar para fazer a aba.

– Não permita que essa chapeleira a roube. Seus chapéus valem muito – disse Phaedra. – O design é tudo na arte.

– Ela vai querer lucrar também. Posso me sustentar com poucas libras por mês.

Com dificuldade, mas era possível. Se ela fosse frugal, poderia poupar algum dinheiro também. Em poucos anos, teria condições de abrir uma escola para meninas. Esta era uma forma comum e respeitável de damas trabalharem.

– Sou a última mulher a censurar esse modo de vida. Mas você leva a opinião das pessoas mais em consideração do que eu, Alexia. Não deixe de pensar nisso ao fazer suas escolhas. Se descobrirem que você está fazendo peças para uma loja, tentar manter seu emprego será em vão.

Alexia queria muito não se importar tanto com a opinião dos outros nem com seu emprego. Phaedra não ligava a mínima e tinha uma vida provavelmente muito mais interessante do que a sua jamais seria. Phaedra não se preocupava com bens materiais. Viajava sozinha se quisesse. Recebia escritores e artistas na sua pequena casa. Alexia tinha motivos para suspeitar que Phaedra tinha amantes também. Não aprovava esse comportamento, mas não podia negar que a indiferença da amiga a regras sociais era muito sedutora.

Phaedra nem mesmo usava boinas ou chapéus. Seu longo cabelo ruivo ficava solto.

Em consequência, elas receberam muitos olhares dos donos dos armazéns. Depois que as pessoas olhavam para aquele cabelo, percebiam as roupas e olhavam ainda mais. Phaedra quase sempre estava vestida de preto. Ela poderia estar de luto, não fosse por seu cabelo e pelo corte incomum, solto, de seus vestidos. O forro em forte tom dourado de sua capa negra anunciava ainda que o preto era sua cor preferida.

– Confesso ainda que estou surpresa com sua decisão de sair da casa – disse Phaedra enquanto Alexia escolhia uma palhinha para o chapéu. – Você tem um dia só para você e pode usar a carruagem. Não é uma prisioneira. Está muito mais confortável lá do que estará por conta própria.

– Não desejo continuar dependente, por mais conforto que isso traga. Nem é uma situação estável. Posso ser demitida a qualquer momento, por qualquer motivo. Então, o que eu faria?

– E em que isso difere de sua situação anterior?

– Antes era minha família. Família não põe um parente no olho da rua.

– A sua pôs.

– Por favor, não os critique, Phaedra. Recebi uma carta de Rose hoje e as coisas não estão indo nada bem. Tim está doente e eles precisam racionar combustível como se fossem camponeses.

– Seu primo deveria cuidar da saúde logo e procurar um emprego.

Alexia evitou a discussão. Hoje não queria falar dos Longworths. Não eram eles o motivo de ela estar comprando aviamentos às escondidas para fazer suas peças.

Gostaria de poder contar a Phaedra sobre lorde Rothwell e os beijos. Se o fizesse, no entanto, a amiga chamaria isso de luxúria, exatamente o que tinha sido. Phaedra provavelmente a lembraria das três longas cartas que Alexia lhe escrevera falando mal daquele homem.

Seu rosto enrubesceu ao pensar no conjunto de passeio e nos vestidos que estavam sendo confeccionados por madame Tissot. Tinha certeza de que era Rothwell, e não Easterbrook, que estava pagando por eles. Phaedra a repreen-deria por isso. Phaedra podia ter amantes, mas era contrária a que homens pagassem com presentes pelos favores de mulheres.

Alexia verificou o material disposto sobre o balcão para se certificar de que tudo estava ali. Somou todos os itens e pagou. O funcionário da loja embrulhou suas compras em vários pacotes. Equilibrando todos eles de forma desajeitada em uma pilha que lhe chegava à altura do nariz, ela saiu para a rua, na direção da carruagem.

– Você deve querer começar os chapéus hoje mesmo – disse Phaedra. – Ou então terá que esperar até a semana que vem. Não me diga que vai confeccionar esses chapéus à luz de uma lamparina depois que acabar suas tarefas. Prejudicaria sua saúde, não posso aprovar isso.

– Suponho que, já que vou fazê-los, é melhor que seja logo.

– Vou para casa em um cabriolé, assim não desperdiçará uma hora para cruzar a cidade. Foi muita gentileza sua ir me buscar, mas não me importo de voltar sozinha.

Alexia se virou para agradecer a Phaedra por sua consideração. Do canto do olho, viu alguém vindo em sua direção. Percebeu-o bem a tempo de evitar que trombasse com ele.

De repente os dois pacotes do alto da pilha desapareceram.

Voltou-se para o ladrão e estava prestes a gritar para evitar que ele fugisse. Só que não era um ladrão.

– Estavam quase caindo – disse lorde Rothwell. – Vejo que está usando sua folga de forma mais ativa do que na semana passada, Srta. Welbourne.

– Lorde Rothwell. Que surpresa inesperada.

Ele era a última pessoa que gostaria de encontrar. Não teve outra opção a não ser apresentá-lo a Phaedra. Hayden Rothwell nem piscou diante da aparência de sua amiga. Ele transpirava uma elegância afável.

Hayden olhou para os pacotes.

– A carruagem está por perto? Posso carregar os embrulhos e acompanhar as senhoras até lá.

– Vou chamar um cabriolé, obrigada – disse Phaedra.

– Não posso permitir – disse Alexia em tom firme para dar a entender a Phaedra que ela deveria ficar. – Vou levá-la de volta na carruagem.

– Você pode aproveitar melhor a tarde.

– Permita-me conseguir o cabriolé para a senhorita – ofereceu lorde Rothwell.

Ele fez um sinal para o homem que fazia a segurança do depósito. Tirou umas moedas do bolso do colete e deu instruções para que encontrasse um cabriolé de aluguel para a Srta. Blair.

Depois guiou Alexia para longe da porta e até a fila de carruagens que esperavam ao longo da rua.

– Sua amiga, a Srta. Blair, não passa despercebida.

– Ela é honesta, autêntica e incapaz de dissimulações.

– Não quis faltar com o respeito. Ela é original. Deveria apresentá-la para Easterbrook. Eles podem trançar o cabelo um do outro.

– Suspeito que Phaedra acharia Easterbrook bem entediante. É isso que não a faz passar despercebida e mostra sua originalidade.

A atitude levemente mal-humorada que o cocheiro tinha assumido no começo do passeio desapareceu ao ver Rothwell se aproximar ao lado dela. Adiantou-se para pegar os embrulhos, depois os arrumou cuidadosamente na carruagem.

– No futuro, quando a Srta. Welbourne usar a carruagem para fazer compras, um lacaio deve acompanhá-la – disse ele ao cocheiro. – Minhas desculpas, Srta. Welbourne, por não ter deixado isso claro para os serviçais desde o início.

Lorde Rothwell abriu a porta para Alexia. Ela subiu na carruagem. Ele fez o mesmo.

– Não preciso que me acompanhe. O cocheiro pode me proteger no curto trajeto até a Hill Street.

Ele ignorou sua falta de gentileza e se sentou defronte a ela.

– A Srta. Blair estava certa? A senhorita tem outros planos para esta tarde?

Tenho, sim. Pretendo levar estes embrulhos para meu quarto e começar a fazer chapéus, para ganhar dinheiro suficiente para nunca mais vê-lo nem ter que sofrer o desprazer de sua presença.

– Alguns assuntos pessoais – disse ela.

Aparentemente ele pensou que ela queria dizer que não tinha nada importante para fazer. Deu instruções ao cocheiro para se dirigir ao Hyde Park.

– Está meio frio para uma volta no parque – disse ela.

– Nosso passeio será breve. Gostaria de lhe falar sobre um assunto.

O coração dela se encheu com a gravidade que prenunciava más notícias.

– Duvido que essa conversa inclua as desculpas que me deve. Nem prevejo receber suas garantias de ser poupada desse comportamento no futuro, já que sua invasão dessa carruagem por si só levantaria suspeitas.

Uma leve doçura suavizou a expressão dele. Um olhar franco e senhor de si acrescentou um toque sarcástico que enfraqueceu aquele efeito.

– Desculpe-me tê-la ofendido com meu silêncio. Admito que lhe devo as desculpas e as garantias necessárias. Mas não conseguirei dizer as palavras certas no momento.

– Por quê?

– Porque seriam mentira.

A carruagem pareceu ficar muito pequena. Ele ainda agia de forma amigável. Nada em seu rosto ou postura a ameaçava. Entretanto, tudo nela ficou muito ciente da presença de Hayden. Seu corpo reagiu como se ele a estivesse acariciando com gestos longos e demorados.

Fora um erro ficar sozinha com ele. Ela odiava como esse demônio podia provocar reações tão escandalosas nela.

– Lorde Hayden, considerarei quaisquer assédios dessa natureza como insultos do tipo mais cruel.

– Não consigo decidir se isso é verdade ou se a senhorita quer se convencer disso.

– Que generoso de sua parte pensar em minhas preferências.

– São de fato as suas preferências que contemplo. No entanto, fique contente de eu não pretender descobrir hoje quais são elas. Quero falar de um assunto bem diferente.

– E o que seria?

– Algo que lhe dará muito mais prazer. Benjamin Longworth.


A menção ao nome de Benjamin silenciou suas objeções. Ele suspeitou que ela suportaria todo tipo de galanteios se a conversa incluísse recordações sobre seu amado primo.

Se aceitar se tornar minha amante, concordo em conversar sobre Benjamin Longworth duas vezes por semana. Só que não na cama. Se isso for aceitável para a senhorita.

Ela o ignorou enquanto a carruagem os levava para o parque. Ele passou o tempo imaginando o que estaria nos embrulhos e observando o cuidadoso conserto que fora feito ao longo da bainha de seu casaco marrom. O conjunto de passeio que estava sendo feito por madame Tissot cairia muito bem nela e seu tom azul-celeste combinaria perfeitamente com seus olhos.

Ainda não era a hora costumeira de passeios pelo parque, mas já havia um número suficiente de chapéus largos e cinturas apertadas por ali para afastar a sensação de estarem sozinhos. Para Alexia, passear lado a lado com ele era um verdadeiro suplício. Sua postura deixava claro como ela permanecia na defensiva.

– Estamos em local público, Srta. Welbourne. Dificilmente a importunaria aqui.

– Sua maneira de falar é muito ousada. Um beijo roubado não lhe dá o direito de tamanha intimidade.

– Conversas ousadas sempre marcaram nossos encontros, e não por iniciativa minha. Além disso, não foi um beijo, e eu roubei muito pouco. Mas não vamos brigar hoje. Falemos de assuntos amigáveis.

O olhar dela mostrou que não o considerava um amigo, mas a alusão ao assunto que havia sido anunciado a acalmou. Seu passo desacelerou e o gelo derreteu.

– Pode me dizer por que ele decidiu ir para a Grécia? – perguntou ela. – Foi um choque para nós, algo muito inesperado.

A referência a Ben provocou um lindo rubor nas maçãs de seu rosto e um brilho vivaz em seu olhar. Sua aparência o lembrava de quando a beijara e essa lembrança fez com que seu lado cavalheiro desaparecesse do mapa. Em sua mente, via um campo de violetas, a brisa transportando os gemidos ritmados de uma mulher acolhendo o prazer enquanto ele a penetrava...

Vigilância. Vigilância.

– Ele soube que eu estava indo e decidiu se juntar à nossa brigada – disse ele. – Creio que foi um dos impulsos pelos quais era famoso.

– Um impulso generoso. Ele arriscou a vida por uma causa nobre.

– Certamente.

Balela. Ninguém imaginava que pudesse ser ferido, que dirá morrer. E Ben não tinha ido por uma questão de princípios. Ele fora para a guerra motivado pelo desejo de se aventurar e a esperança de impressionar uma dama inatingível.

Não era seu papel desiludir a Srta. Welbourne. Nem ela o agradeceria se o fizesse.

– Tenho certeza de que ele era muito corajoso – disse Alexia. – Imagino-o como um herói em um quadro.

Ele combateu a vontade de contar-lhe a verdade. Ben fora muito corajoso uma vez, isso era certo. Louca e impulsivamente corajoso. O desejo de lhe fazer confidências o confundiu.

– Ele lutou o melhor que pôde, como todos nós. Mas os gregos não são bem comandados. Eles não dispõem de uma estratégia sólida e suas facções não cooperam. Temo que o cerco de Missolonghi acabe muito mal.

– Ben disse que os gregos têm que ser libertados. Como um marco e para compensá-los por tudo o que o mundo civilizado deve à sua história.

Ben não estava nem aí para isso. Usara a defesa dos gregos como desculpa para ir embora. Sabia muito pouco sobre política ou história.

Contudo, essa vontade de ajudar sem querer nada em troca havia motivado outros. Tinha sido sua própria justificativa para fazer algo que, olhando em retrospectiva, era irracional, impetuoso e uma louca versão do heroísmo romântico encontrado em poemas.

Seus princípios haviam sido nobres, mas a realidade dessa guerra não o fora. Tinha visto atrocidades cometidas por ambos os lados. Tinha voltado exausto e desencantado, a tempo de observar outros irem depois dele, todos imbuídos dos mesmos ideais simplistas.

– Acha que eles vão vencer? – perguntou ela. – Gostaria de acreditar que o último ano de vida dele não foi dedicado em vão a essa causa.

– O Império Otomano é antigo e corrupto. Só se sustenta com a ajuda de países como o nosso. Os turcos deixarão a Grécia um dia e a guerra atual e nosso apoio terão ajudado isso a acontecer.

Falavam sobre isso enquanto caminhavam juntos, suas botas esmagando folhas secas que voavam pelo caminho. Ela lhe fez muitas perguntas, esquecendo que deveria estar zangada com ele e até mesmo que deveriam estar falando de Benjamin. Por vinte minutos, a situação mundial ocupou sua mente inquieta e questionadora.

Foi lorde Hayden que dirigiu a conversa de volta para Benjamin. Ele o fez de má vontade, mas seu encontro “acidental” com a Srta. Welbourne tinha um objetivo.

– A família passou por dificuldades quando Ben se ausentou? – perguntou Rothwell.

A alusão aos Longworths causou uma tensão perceptível.

– Timothy já havia começado a trabalhar no banco àquela altura, então não me lembro de ter havido grandes dificuldades. E de início continuamos morando em Cheapside. Foi logo depois que Ben partiu que a situação começou a melhorar significativamente.

As últimas palavras saíram com um toque de ressentimento. Para depois tudo ser destruído por você, é claro. Alexia não disse isso, mas a acusação era perceptível em seu tom. E provavelmente sempre seria.

– A senhorita não percebeu melhorias nos primeiros anos em que morou com eles em Cheapside? Foi só depois?

– Tim explicou que o banco precisava se consolidar nos primeiros anos, mas que depois estava bem estabelecido. Pudemos gozar dos frutos da administração cuidadosa que Ben e ele mantinham. Admito que considerava Tim exagerado no que dizia respeito a gozar desses frutos, mas talvez fosse normal se permitir tanto assim.

Ele olhou para o casaco dela de novo. Era antigo, de alguns anos atrás, pelo menos. Pensava em seus vestidos deselegantes, de cintura alta. Tim tinha permitido muitos mimos a si próprio e às suas irmãs, mas não à prima.

O canalha vinha roubando as pessoas e não tinha se dado o trabalho de usar alguns desses ganhos escusos com a prima pobre em sua própria casa.

– Na verdade, o banco gozou de um crescimento sólido desde o início – disse ele. – A mudança repentina de uma vida confortável para uma de extravagâncias não se deve ao modo como o banco se solidificou. Ben poderia ter gozado de alguns desses frutos antes. Eu teria esperado ver evidências lentas mas constantes do crescimento de seus negócios. Está dizendo que não houve?

– Não que eu tenha notado. Tínhamos uma vida bastante estável em Cheapside. Ele ia ao clube e tinha uma carruagem ao seu dispor o tempo todo. Não havia indícios de que a situação estivesse mudando nem para melhor nem para pior – respondeu Alexia e então, observando a nítida curiosidade de Lorde Rothwell, questionou: – Por que está fazendo essas perguntas?

– Ando pensando muito nele, Srta. Welbourne. Fico imaginando-o em seus últimos dias naquele navio. Benjamin estava em profunda melancolia. Imaginei se ele não teria de enfrentar problemas financeiros quando voltasse, mas, pelo que está me dizendo, parece que não.

Ele fez uma pausa, imaginando como deveria prosseguir.

– Agora me pergunto em que foi aplicada a renda a mais que recebeu naqueles últimos anos, se não foi em sua casa ou para manter hábitos caros.

– Reinvestida no banco, imagino. Então Tim herdou tudo.

Era uma boa resposta, só que errada. Ele tinha examinado os registros da conta pessoal de Benjamin. Pouco tinha sido depositado lá para Tim herdar.

Algum dinheiro teria sido usado para pagar os falsos rendimentos dos títulos que ele roubara, é claro. Esse valor aumentara a cada roubo. No entanto, muito mais do que isso tinha desaparecido.

Teria que pensar melhor sobre o assunto, agora que sabia que Benjamin não tinha gastado uma boa parte em luxos. E também teria que verificar se Ben não possuía contas em outros bancos e se elas poderiam conter os frutos de seus crimes.

A caminhada tinha traçado um percurso circular. A carruagem esperava adiante. Hayden afastou Benjamin de sua mente e apenas aproveitou a presença da Srta. Welbourne ao seu lado nos últimos metros do caminho.


Ela estava se esquecendo de odiá-lo. A caminhada tinha sido muito amigável, contudo ele não era amigo dela nem de seus entes queridos.

Agora estavam na carruagem de novo e aquela outra fascinação, a excitação infame, interferia ainda mais. Ela achava isso muito desconcertante, sentar-se diante de um homem que sua mente desprezava, mas que seu corpo, não – as várias inquietações se misturavam todas.

Ele a olhou de uma forma que era muito frequente agora, com uma contemplação despreocupada que criava um clima predatório sutil. Seu olhar pousou e se demorou nas mãos dela.

– Devo-lhe desculpas. Fui relapso com seu bem-estar e sua saúde. Deveria ter percebido que usava luvas sem as pontas dos dedos e não luvas mais quentes.

Ela baixou o olhar para os próprios dedos rosados, descobertos pela luva que terminava no dorso da mão. Alexia as escolhera para que pudesse tocar e avaliar os aviamentos que compraria.

Ele abriu o cobertor que ficava na carruagem e envolveu as mãos dela, esfregando-as para que a lã as aquecesse rapidamente. Ela recebeu o carinho sofregamente e seus dedos pinicaram na conchinha aquecida. A proximidade dele fez seu coração bater forte demais. A sensação das mãos dele pressionando as dela por cima da lã a fez perder o fôlego.

Ela não conseguia controlar essa reação. Nenhuma delas. Isso a assustava. A parte dela que se esquecera de odiá-lo era independente do bom senso. As reações vinham de uma fonte tão profunda que Alexia não conseguia definir qual. Emergiam de uma essência primitiva que sua mente racional não conseguia controlar.

Só a ausência dele a libertava por completo. Felizmente, ela daria um jeito nisso em breve. Por ora, buscou refúgio no único lugar em que poderia encontrá-lo.

– Apreciei nossa conversa sobre Benjamin. Sua descrição da melancolia dele me surpreendeu, nunca soube que ele era assim.

Isso era verdade. Um pequeno desconforto surgiu, como se um ponto de interrogação tivesse se juntado aos pontos de exclamação sobre Benjamin.

– Talvez ele tivesse sentido a perda das fortes emoções ao voltar para casa após toda a tensão na Grécia.

Ela não se importava com essa explicação. Afinal, ele voltara para ela.

– Desculpe-me por ser direto, Srta. Welbourne, mas... Benjamin a pediu em casamento antes de partir ou foi por carta?

Ela nunca o perdoaria por ser tão direto. Essa pergunta fazia ressurgir um questionamento dela. Um questionamento traiçoeiro que surgia no meio da noite, quando se entregava às lembranças. Será que tinha entendido mal?

– Ele falou de ficarmos juntos para sempre.

– Então vocês tinham um acordo claro. Entretanto, talvez ele estivesse preocupado com a possibilidade de a senhorita o rejeitar quando ele a pedisse formalmente em casamento. Isso deve explicar seu ar melancólico.

Não, não era isso. Ele ditava o ritmo da relação. Era ela que tinha motivos para se inquietar com a rejeição.

Esse pensamento lhe tomou a mente. Ela se ressentiu de sua honestidade e da forma como aquele homem impunha sua presença.

– Talvez seja bom ele não estar entre nós agora – disse ela. – Se era amigo dele, o que fez aos Longworths... seu dever, como diz... teria sido mais difícil.

Ela buscou algum sinal de culpa nele. Não encontrou.

– Imagino que escreva para eles.

– É claro. E minha prima Roselyn me escreve também. Timothy está arrasado. Tudo o que aconteceu afetou sua saúde.

– O brandy tem um custo para a saúde.

– Como ousa...

A severidade de Hayden surgiu no exato momento em que Alexia começou a repreendê-lo. Os instintos dela gritaram uma advertência silenciosa para que segurasse sua língua. A última discussão acalorada deles produzira resultados drásticos. Engoliu o ódio.

– Roselyn me diz que eles mal têm o que comer, então duvido que haja dinheiro para comprar brandy.

– Gim barato tem o mesmo efeito. Sinto muito pelo sofrimento das damas. Vou enviar algum dinheiro para a Srta. Longworth. Se o dinheiro for entregue a ela, podemos ter certeza de que ficará nas mãos dela e não será usado para alimentar a doença do irmão?

– Ela nunca aceitaria dinheiro do senhor. Seu orgulho nunca permitiria isso, nem sua raiva. Ela morreria de fome primeiro.

– Então darei o dinheiro para a senhorita, que enviará para ela. Não é preciso que ela fique sabendo da verdadeira fonte. Digamos cinquenta libras no momento?

A oferta a surpreendeu. Deveria aceitar, sabia que sim. No entanto... Ela o encarou com desconfiança. Seria como o novo guarda-roupa? Ela ficaria em dívida com ele?

O sorriso lento de lorde Rothwell mostrou que lera os pensamentos dela.

– Srta. Welbourne, se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto. A senhorita ficaria sabendo logo e eu nunca a insultaria com uma quantia tão pequena.

A carruagem chegou a Hill Street naquele exato minuto. Um lacaio se apressou para ajudá-la a descer. Ela se afastou rapidamente enquanto Rothwell arrumava a pilha de embrulhos nos braços do criado. Estava a meio caminho da porta quando se decidiu quanto ao dinheiro. Ela se virou e se dirigiu a Hayden, que descia da carruagem.

– Meu orgulho não deve impedir que minhas primas tenham algum consolo. Mandarei o dinheiro. Somente dez libras, não mais, pois eu não poderia explicar a origem. Ela nunca saberá que veio do senhor.


CAPÍTULO 8

Alexia arrastou Caroline para uma conversa formal em francês. Sua pupila ainda deixava bastante a desejar quanto ao domínio desse gracioso idioma. A falta de atenção da própria Alexia aos pontos mais sutis da gramática não estava ajudando seu progresso.

Metade de sua mente permanecia ocupada com o encontro com lorde Rothwell que acontecera havia três dias. Distanciada da sua presença perturbadora, a conversa deles ganhara a posição central em suas lembranças. Sua reação confusa diante dele formava o pano de fundo para algumas especula­ções sérias em relação ao que tinha dito a propósito de Benjamin. O novo ponto de interrogação não parava de crescer.

Um lacaio as encontrou na sala de aula e depositou um embrulho em cima da mesa, anunciando que tinha acabado de chegar para a Srta. Welbourne.

– Você comprou um travesseiro quando foi às compras? – perguntou Caroline.

Não, mas esse embrulho parecia mesmo conter um travesseiro. Ela rasgou o elegante papel de embrulho. O papel caiu no chão revelando um regalo de arminho.

– Nossa! – exclamou Caroline. – Que lindo!

O regalo era feito de uma pele branca extremamente macia. Um cetim marfim forrava o túnel onde se colocavam as mãos para aquecê-las. Pérolas minúsculas enfeitavam as costuras de ambos os lados.

Alexia leu o bilhete que o acompanhava.


Soube que vai ao teatro hoje à noite com minha tia. As noites ainda estão muito frias para que uma dama saia sem a devida proteção. Queira aceitar isto em sinal de gratidão pela ajuda que está prestando à família.

Easterbrook


A ponta do dedo de Caroline traçou um pequeno desenho nos pelos.

– Mamãe acha que Easterbrook devia ter nos convidado para morar na casa dele. Ela também está magoada porque ele nunca nos visitou aqui, mas acho que ele tem um coração generoso.

Alexia não fazia a menor ideia se o coração de Easterbrook era generoso ou não. Contudo, tinha quase certeza de que ele não sabia dos presentes que não paravam de chegar em seu nome.

O luxo do regalo a deixou encantada. Suas mãos ansiavam por se aquecer em seu calor. Ela se lembrou de Rothwell pondo a coberta em volta de suas mãos, numa versão simplificada daquele presente.

– O que é o outro bilhete? – disse Caroline apontando para o colo de Alexia.

Um segundo envelope lacrado tinha caído quando ela abrira o embrulho.

Tocou-o e percebeu que este não poderia ser mostrado a Caroline. Seus dedos sentiram o tamanho e o formato do papel contido dentro do envelope. Era evidente que “Easterbrook” estava doando as dez libras que seriam enviadas para os Longworths.

Ela sabia a verdade. No entanto, ainda não estava em dívida com ninguém. A artimanha da generosidade de Easterbrook protegia seu orgulho. O mesmo era verdade em relação à estranha garantia dada na carruagem. Se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto.

Ela pôs o regalo e os bilhetes de lado. Durante toda a lição da tarde, os dois presentes ficaram lá, esperando para envolvê-la em ilusões de segurança, seduzindo-a a pensar com doçura no homem que os enviara.


O vestido dela era velho, mas apresentável, e sua longa capa era elegante apesar da simplicidade. Nenhuma das peças, porém, estava na moda e Hayden pressupôs que já tinham visto muitas primaveras. Alexia provavelmente as tinha comprado quando Ben era o chefe da família. Era só pela falta de uso que permaneciam livres de sinais de desgaste.

Ela chegou ao camarote com Henrietta, satisfeita no seu papel da quieta dama de companhia à sombra da exuberância da tia dele. Um discreto turbante ornado de uma pluma anunciava sua condição de dama, independentemente de sua situação. O regalo de pele dava um tom de luxo à melodia silenciosa e fora de moda do recato de suas vestes.

Ela manteve o regalo no colo durante toda a peça. O teatro estava um pouco frio e suas mãos permaneceram escondidas em seu túnel acetinado. Sentado do outro lado de Henrietta, Hayden conseguia ver facilmente o braço enluvado de Alexia descrever uma curva suave para a caverna oculta onde suas mãos pousavam. Ele imaginou os dedos delgados, aquecidos pelo ninho de pele e cetim, escorregarem em seu peito nu, cinco caminhos aveludados acompanhando a linha de seu quadril e em torno de suas ancas...

Ele se levantou e recuou para a parede do fundo do camarote. De lá, só conseguia ver o chapéu de Alexia. E a pele de seu pescoço. E o suave declive de seus ombros. Seu vestido ocultava o bastante para fazer sua imaginação voar de novo, especulando sobre o gosto que sentiria ao beijar aquela pele.

Riu de si mesmo, apesar dos dentes cerrados. Não era homem de ficar espionando mulheres que não poderia ter. Sua vida pessoal progredia com a mesma eficiência de sua vida pública. Esse desejo pela Srta. Welbourne não fazia sentido e estava se mostrando altamente inconveniente. E era desejo, puro e simples, o tipo de anseio que raramente se concentrava em uma mulher específica, que dirá em uma mulher a ser desejada em vão.

O problema era que não acreditava de verdade que era em vão. Ele não deveria tê-la, mas a parte de sua cabeça que instintivamente calculava probabilidades dizia que poderia, se quisesse. Ela não gostava dele e o culpava por grandes pecados, mas o desejo existia à parte do que deveria ser.

O objeto de sua atenção se mexeu. Seus ombros se curvaram para o palco e o chapéu lentamente se ergueu. Virando-se, ela pousou o regalo na cadeira e andou com graça silenciosa na direção dele.

Ele esperava que ela fosse sair do camarote. Mas, ao contrário, se aproximou de Hayden, seus olhos buscando os dele na sombra ao longo da parede do fundo.

Foi preciso conter o desejo de agarrá-la.

– Está gostando da peça, Srta. Welbourne?

– Sim, foi muito gentileza a sua tia me incluir.

Ele tinha arranjado isso sendo vago sobre seus próprios planos. Sugerira a Henrietta que trouxesse a Srta. Welbourne para que não houvesse chance de ela ficar sozinha no camarote de Easterbrook. Ele desprezava seu impulso de agir por subterfúgios, mas se rendia a eles.

– Seria possível ter uma conversa com o senhor, lorde Hayden? Refere-se a um assunto que não me saiu da cabeça nos últimos dias e exige privacidade.

Agora não, pombinha. Fique perto da mamãe se for ajuizada.

– Certamente, Srta. Welbourne.

Ele a guiou para a porta.

O corredor estava às escuras, com apenas pequeninas luzes amarelas salpicando a escuridão. A pele de Alexia parecia etérea e seus olhos, muito escuros e expressivos. Eles se reuniram à porta do camarote.

– Andei pensando sobre o que disse no parque, em relação a Benjamin.

O cenho de Alexia se franziu de preocupação. Ele quis beijar aquela ruga até desfazê-la.

– O senhor falou da melancolia dele nos últimos dias de vida e fiquei pensando em como isso seria um comportamento incomum para ele.

– Todos nós temos nossos momentos. Tenho certeza de que ele também os tinha quando não estava sendo observado pelas outras pessoas.

– Possivelmente. Mas... deixe-me fazer uma pergunta: ele estava bebendo naquela noite, quando aconteceu?

– Uma quantidade razoável.

Naquele instante ele desejou que não tivessem deixado o camarote. Ela estava entrando em detalhes que ele preferia não dar. Normalmente evitava pensar nisso.

– Isso também não era um comportamento comum nele – disse ela. – Ao contrário de seu irmão, Ben não gostava de beber. Pelo que me contou, acho que ele não estava apenas melancólico, mas consternado.

– Talvez essa palavra seja forte demais.

– O senhor o viu lá, no convés, antes de cair?

Agora estavam rumando para águas profundas. O desejo de beijá-la tinha menos a ver com atração e mais com impulso de silenciar essas perguntas.

– Eu o vi rapidamente.

“Olhe para as estrelas, Hayden. Elas enchem todo o céu até chegarem ao mar. Sinto como se pudesse andar por sobre as águas e tocá-las.”

“Lá na frente não são estrelas, mas o farol da Córsega. A bebida alterou seus sentidos. Desça para ficar com os outros. Está frio.”

“Não serei uma boa companhia. Ficarei melhor sozinho esta noite.”

“Pode ficar sozinho lá embaixo.”

“Deixe-me em paz, está bem? Você nunca fica triste, Hayden? Essa sua alma distanciada e calculista nunca sente tristeza ou desespero? O céu noturno pode servir para aliviar esses sentimentos.”

“Ficaria menos triste se estivesse menos bêbado.”

“Agora falou igual ao seu pai. Fazendo julgamentos, com sua superioridade lógica. Vai me passar um sermão? Falar de retidão moral e comportamento honroso? Por Deus, em vinte anos você estará igualzinho a ele. Que bom que você não tem vontade de casar, porque iria acabar tão hipócrita quanto ele e...”

“Mais uma palavra e acabo com você, mesmo estando bêbado, seu canalha.”

“Deixe-me em paz e não vai mais ouvir nenhuma palavra deste canalha.”

“Vou deixá-lo em paz. Vá para o diabo, se é o que deseja.”

– Tivemos uma conversa rápida, mas ele não quis descer comigo – disse Hayden dando de ombros.

Ela pareceu ver o peso que o gesto demonstrava. Ele ficou sem jeito com o olhar perscrutador dela.

– O senhor se culpa, não é? Sente-se culpado por não tê-lo convencido a deixar o convés.

Ele expirou lentamente, deixando sair a fúria que surgira com as palavras dela. Aquela acusação criava uma intimidade peculiar. Alexia tinha tocado no lado selvagem de sua alma.

– Peço desculpas pelo que disse. Agora está zangado. Mesmo nesta luz, posso ver. Não pretendia...

– A senhorita só citou mais um pecado em uma longa lista. Homens como eu têm muitos, como já assinalou tantas vezes.

– Tenho certeza de que não sabia que ele estava tão embriagado a ponto de cair no mar – disse ela, espiando-o e tentando enxergar suas feições apesar da luz baixa.

Ela estava adoravelmente preocupada. Tanto que de repente ele não mais se importava com o que ela vira ou com o que poderia saber sobre Ben. Ele não dava a mínima para esses detalhes naquele exato momento, porque os lábios carnudos de Alexia estavam tão sensuais que ele já não dava conta do que havia ao seu redor.

– Lorde Hayden, tenho que fazer uma pergunta. É muito difícil cair no mar? Venho tentando imaginar a cena, mas, com os corrimões, sem chuva, me parece que...

Ele tocou a ponta dos dedos em seus lábios, silenciando-a.

– Não é tão difícil, se a pessoa for descuidada. Acontece com frequência. Um movimento mais brusco, uma volta mais despreocupada... Os corrimões são para ajudar os sóbrios e sensatos, mas não são paredes de uma prisão.

A expressão dela se transformou com o toque masculino. O espanto eclipsou a preocupação. O medo apareceu por baixo desse toque suave e uma excitação latente se mostrou em seus olhos ávidos.

O silêncio e as sombras do corredor os envolviam. Não havia qualquer ruído. Estavam sozinhos.

Hayden baixou a cabeça para provar o cetim frio do ombro nu de Alexia.

Ela suspirou. Um suspiro profundo não de choque, mas de prazer. Só isso já seria capaz de derrotar a força de vontade dele, mas ela já havia caído por terra.

Ele pressionou os lábios ao longo daquela pele sedutora, sentindo o calor provocado pela aproximação sutil. Ela não fugiu nem apresentou objeção. Nem mesmo deu um passo atrás. Ele deslizou a mão em volta da cintura dela e a puxou para perto, sua boca seguindo o caminho em direção ao pescoço. Ele acompanhava a pulsação dela com beijos e pousava a língua ao ritmo acelerado da excitação dela.

O desejo não obscurecera seus sentidos. Ele ainda ouvia o silêncio e os suspiros leves e amedrontados que saudavam cada novo beijo.

Não era o momento nem o lugar, mas não dava a mínima. Puxou-a para mais perto ainda, pressionando-a contra ele enquanto segurava seu rosto e tomava posse de sua boca provocante.

A surpresa dela o seduziu ainda mais. Sua rendição incendiou sua mente. Pequenos murmúrios de confusão se faziam sentir em seus suspiros sôfregos, como se ela não soubesse o que fazer com essa paixão.

Ele parou o beijo e olhou para o rosto dela. Olhos fechados e lábios entreabertos, ela era a imagem viva do êxtase. O corpo dela parecia leve e frágil nos braços dele.

– Toque-me – disse ele. – Você sabe que deseja isso.

Seus cílios se ergueram. Devagar, suas mãos enluvadas se elevaram e tocaram o rosto de Hayden, como se buscasse uma prova de que estava mesmo ali.

As mãos dela vieram pousar em seus ombros com o mesmo toque curioso. Apesar das camadas de roupas entre eles, os dedos dela queimavam sua pele, transmitindo um calor que ardia dentro dele.

Ele a beijou mais forte, quase sem conseguir controlar o desejo feroz que o consumia. Seu corpo ardia. A consciência persistente de onde estavam o encorajava, mas também alardeava sua frustração. Não tudo, mas... Ele sofreria com isso, mas...

Suavemente ele tomou seu lábio inferior entre os dentes. Ela entreabriu a boca ainda mais. Ele a beijou de novo, introduzindo a língua com doçura. Seu abraço provocou nela novos arrepios de excitação.

O prazer dominou os últimos resquícios de seu bom senso. Ele a apoiou contra a porta e encheu-a de beijos e carícias, pressionando-a em busca do corpo que o vestido escondia, usando o tato para imaginá-la nua, ouvindo os suspiros e gemidos melódicos que expressavam sua surpresa e seu desamparo.

Acariciando seu braço, ele abaixou a luva, expondo sua pele, então foi percorrendo com beijos o mesmo trajeto, enquanto as mãos envolviam suas nádegas, circundavam a cintura, subiam para a maciez provocante de seus seios. Ele deslizou a palma da mão, segurando seu seio inteiro, encobrindo o mamilo duro, incitando-a a se entregar a ele.

Os dedos dela se afundaram em seus ombros másculos. Seus gemidos ficaram mais altos. Ele teve juízo bastante para silenciá-la com outro beijo, mas não o suficiente para deter a própria mão. Logo. Mais tarde. Um dia...

Ouviram um baque surdo na porta por trás dela. Ela se empertigou e piscou, como se o som abafado a tivesse despertado do sono.

– Meu Deus, está emperrada? – uma voz feminina murmurou do outro lado da madeira.

Cerrando os dentes, maldizendo a tia e furioso de desejo, ele rapidamente puxou a luva de volta e se afastou de Alexia. Na luz baixa, pôde vê-la enrubescer ao se recompor. Ficou parada como se contasse até cinco e conferiu suas roupas com um olhar rápido.

Seus olhos encontraram os dele com pensamentos insondáveis, depois ela se virou e abriu a porta. Henrietta quase caiu nos braços de ambos.

– Desculpe, tia Henrietta – disse Hayden. – Eu deveria saber que não se deve ficar apoiado na porta de um camarote quando há pessoas dentro dele.

– De fato, deveria. Estava perdido em pensamentos? Tentando resolver um daqueles teoremas, imagino.

– Sim, mas também estava montando guarda para que a Srta. Welbourne encontrasse o camarote certo ao voltar.

– Pode continuar a fazer o mesmo para mim. Se eu soubesse que Alexia pretendia ir ao... bem, fique aí, Hayden, para que eu também não me perca.

Henrietta saiu andando pelo corredor. Alexia observou em silêncio. O desejo ainda pairava no ar que eles respiravam.

Ele ardia por dentro e sua mente estava inquieta. Vou encontrá-la esta noite, depois que os empregados forem dormir. Deixe sua porta aberta.

Lorde Hayden Rothwell não disse isso, mas Alexia ouviu de qualquer forma. Ela percebeu as intenções dele – e talvez as suas próprias.

Ela se virou e entrou no camarote, fechando a porta entre eles.


Ele não foi ao encontro dela naquela noite.

Quando seu corpo esfriou, ele admitiu que seria ao mesmo tempo imprudente e ridículo fazer isso. A Srta. Welbourne nunca poria em risco sua reputação, sua situação e sua virtude, se tivesse chance de pensar no que estava fazendo.

Precisava mais que se desculpar. Seu comportamento tinha se tornado absolutamente reprovável. Apesar de isso ainda o espantar, não se detinha pensando em quão improvável tinha sido o que acontecera no teatro. Continuar a flertar com Alexia era inaceitável.

No entanto, seria preciso usar toda a vigilância que Christian pregara – de madrugada, ele ainda se debatia na luxúria, que lacerava sua carne como faca afiada. Ficou deitado até depois de meio-dia, pensando no que fazer. Sua honra ditava que se contivesse, mas seu corpo apresentava argumentos primitivos com uma voz mais alta. Finalmente encontrou a disciplina necessária para se levantar e ir até seu escritório no centro financeiro da cidade, mas praticamente não conseguiu fazer nada de útil por lá. Nem mesmo seus cálculos puderam distraí-lo.

Nos dois dias seguintes, nem se preocupou em ser disciplinado. Dormiu tarde, pensou na vida, chegou a conclusão nenhuma e vagueou pela casa. Por fim, no quarto dia, se forçou a desempenhar a tarefa indesejável que esperava por ele e sentou-se para escrever uma carta. A meio caminho, decidiu que era muita covardia não se desculpar pessoalmente.

Enquanto imaginava como poderia falar com Alexia a sós, Elliot entrou no quarto, trazendo uma carta.

– Vejo que finalmente acordou. Isso chegou para você hoje de manhã, Hayden. Um dos lacaios de tia Henrietta trouxe.

Hayden pegou a carta. Nela, apesar dos elogios e das palavras lisonjeiras, Henrietta mostrava que estava aborrecida. Ela entendia que não podia passar todo o tempo com elas, é claro, e não queria ser intrometida nem insistente. Contudo, realmente precisava que ele fosse visitá-la e tivesse uma boa conversa com a Srta. Welbourne, que não estava fazendo progressos suficientes com Caroline no francês. Ela esperava que o sobrinho encontrasse tempo naquela mesma tarde para resolver o assunto.

– O que quer que ela esteja querendo, posso ir até lá – disse Elliot.

– Você é um bom irmão, Elliot. Percebe que estou preocupado e se oferece em sacrifício no meu lugar.

– A recente mudança em seus hábitos diz que minha percepção está correta – disse isso apontando para a carta. – Você pode escrever e protelar a visita se achar que não sou esperto o bastante para não cair em suas armadilhas.

Hayden leu a carta de novo contendo o pedido de sua tia para que chamasse a atenção da Srta. Welbourne. Teria que falar com Alexia a sós para fazer isso. Havia entre eles contas a ajustar que não tinham nada a ver com aulas de francês.

– Vou eu mesmo atender à convocação dela. A conversa que ela me pede para ter já passou da hora de acontecer.


Alexia remexia no franzido da fita verde de seu primeiro chapéu. Parecia pouco surpreendente, planejado demais. Ela queria um efeito mais descuidado e romântico, como se a faixa tivesse sido atada com capricho, e não cálculo.

Levou o chapéu até a janela para examiná-lo melhor. Sua elaboração tinha sido mais difícil do que previra. Sem uma fôrma, ela fora forçada a usar a própria cabeça como molde e um espelho. Para não manchar o chapéu, aplicara os enfeites usando luvas.

Apesar das repreensões de Phaedra, ela teve que trabalhar arduamente no chapéu à luz da lamparina. Tinha voltado ao trabalho depois de chegar do teatro, havia quatro noites. Quase em desespero, ficara acordada até perto do amanhecer, mexendo em fitas e costurando o tecido, na esperança de fazer um chapéu de qualidade superior que lhe possibilitasse um meio de vida para fugir do caminho da tentação.

Ela estava com o chapéu na mão quando se sentiu tomada pela lembrança, pela presença dele. Sabia que o comportamento escandaloso de ambos poderia causar tal reação nela em um piscar de olhos. Ficava horrorizada com o fato de que aquela sensação não lhe parecesse estranha ou imposta, mas cálida e excitante.

Os sons vindos da rua chamaram sua atenção. Olhou para baixo e viu Henrietta e Caroline entrando na carruagem. Estavam indo provar as roupas no ateliê de madame Tissot.

Ela deveria ter ido também, mas alegou estar doente. Não era de todo mentira. Pensar na humilhação de encarar Hayden de novo a deixava levemente nauseada. Ele não tinha aparecido desde aquela noite no teatro, mas um dia iria voltar.

Deixou o chapéu de lado e se sentou para terminar uma carta que estava escrevendo para Roselyn. Tinha coisas mais importantes para fazer hoje do que ir até o ateliê de madame Tissot. De qualquer jeito, o guarda-roupa que estava sendo feito para ela nunca seria usado.

Depois de selar e postar a carta, Alexia subiu apressadamente a escada até o andar da criadagem. Henrietta e Caroline já haviam saído fazia uma hora. Tinha esperanças de ter tempo para realizar sua pequena investigação. Se não conseguisse fazê-la agora, precisaria esperar muitos dias para tentar novamente. Não poderia se ausentar de todas as saídas com as patroas.

A tempestade de sentimentos dentro dela não fora causada somente pelo assédio de Rothwell no teatro. A conversa que tiveram a perturbara também. Ela queria ouvir que a morte de Ben fora um acidente e que suas desconfianças não possuíam fundamento.

Agora percebia que lorde Rothwell havia se esquivado da pergunta. Depois a arrastara para fora de seu caminho, para um rio de paixão.

Partia seu coração a ideia de que Ben pudesse tê-la deixado para sempre por escolha própria. Se o amor não podia impedir um homem de se matar, então o que poderia?

Mas se ele houvesse tirado a própria vida, certamente haveria alguma indicação do motivo entre seus pertences. Se não houvesse essa prova, ela aceitaria melhor as peculiaridades do acidente. Entrou no sótão no fim do corredor, na esperança de não ter que enfrentar nada além de nostalgia.

Precisou abrir caminho por móveis e caixas recém-colocados. Henrietta tinha acrescentado itens trazidos de sua casa ou retirados dos cômodos abaixo. As colunas de mármore da apresentação de Caroline estavam dos dois lados da porta, com o verniz refletindo suavemente a luz que escoava de uma pequena janela. Várias tapeçarias tinham sido enroladas e levadas para lá, dando lugar nas paredes para os quadros de Easterbrook.

Ela descobriu os baús de Ben junto a uma parede. Uma sobrecasaca estava jogada em cima de um deles, como se alguém tivesse achado a peça e a atirado lá, em vez de arrumá-la adequadamente. Ela sacudiu a poeira e a dobrou com cuidado. Arrastou os baús para mais perto da janela. Sem encontrar uma cadeira livre, desenrolou uma das tapeçarias e se aninhou no piso de madeira.

O primeiro baú que abriu continha roupas. Ajoelhou-se e levantou as peças pelos cantos para ver o que estava por baixo. Reconheceu a maioria dos itens e imaginou Ben a usá-los. Viu um colete de seda no fundo da pilha, com listras azuis e vermelhas. Puxou-o para fora e o desdobrou.

Ele estava usando esse colete no dia em que a beijara pela última vez. Sentiu de novo a seda com a ponta dos dedos e o pulsar do coração de Ben ao seu toque. O abraço tinha sido secreto e breve, como todos os outros. Ele estava animado com a aventura na Grécia, mas ela sentira um medo enorme. E tivera a terrível sensação de que ele a estava abandonando.

Ele percebera seu rancor e entendera. Voltarei em breve, você vai ver. Vamos ficar juntos para sempre.

Ela guardou o colete e fechou o baú. Ele teria dito isso se pretendesse morrer? Ou, pior, se pretendesse se matar?

Sua pequena investigação de repente pareceu quase desleal. As perguntas de Rothwell tinham criado desconfianças. Ele plantara sementes de uma suspeita indesejada sobre a morte de Ben.

Não, ele não as plantara. Suas perguntas só tinham proporcionado uma chuva de preocupações que permitiram que sementes dormentes germinassem e crescessem.

As lembranças se extirparam agora. A imagem de Ben naquele colete, tão vívido e animado, cheio do alegre otimismo que trazia a brisa da primavera de volta para a vida dela – ela não precisava temer achar a prova de que ele quisera ir embora para sempre.

Sua busca se tornara sem sentido. Ela abriu o outro baú com um objetivo diferente. Fazia semanas que se sentia estranha e sozinha naquela casa. Acolher a lembrança de Ben, tocando seus pertences, a aqueceu. A felicidade fulgurante valia a dor do sofrimento que fluía com ela.

O segundo baú continha objetos pessoais. Ela reconheceu o relógio e sua coleção de berloques. Pilhas de cartas, escovas de cabelo, alguns livros – as posses comuns de um cavalheiro estavam arrumadas dentro do baú.

Ela tirou algumas cartas para espiar o que havia debaixo delas. Ao fazer isso, a fita que as amarrava se soltou. A pilha se desmanchou e os papéis caíram, cobrindo o conteúdo do baú. Sorriu ao reconhecer sua própria caligrafia em alguns deles. Eram as cartas que enviara para ele na Grécia.

Um odor perfumado chegou até ela, um cheiro mais doce do que o das roupas dele. Começou a recolher as cartas formando uma nova pilha e percebeu que o perfume vinha de algumas delas. Entremeados nos outros, havia alguns envelopes de tamanho semelhante, com a mesma caligrafia. Uma letra feminina, mas não a dela ou de suas irmãs.

Pegou uma delas e levou até o nariz. Inalou os resquícios de água de rosas. Uma paralisia horrível tomou conta dela.

Olhou para a carta por longo tempo, tomada de horror. Não conseguia decidir o que fazer. Ainda se debatia em um limbo doentio de indecisão quando seus dedos desdobraram o papel.

Benjamin, meu amor...


CAPÍTULO 9

– Lady Wallingford não está em casa, senhor – avisou o lacaio.

Era bem o estilo de Henrietta mandar a carta e depois sair de casa.

– Prova de roupas – confidenciou o empregado.

– Então elas estão todas na modista.

– Nem todas. A Srta. Welbourne ficou doente e permaneceu em casa.

Hayden reconsiderou a ausência da tia sob uma nova perspectiva. Ela queria que ele conversasse com a preceptora sobre seu desempenho e tinha saído para que pudessem fazer isso em particular. Hayden pretendia ter outra conversa, mas a delicadeza da tia seria muito conveniente.

– Peça que a Srta. Welbourne me encontre na biblioteca, por gentileza. A menos que ela esteja doente a ponto de não poder descer, é claro.

O lacaio saiu para cumprir a tarefa. Hayden subiu para a biblioteca pensando em como iria se desculpar.

Imaginava que ela iria aceitar seu pedido de desculpas rapidamente e tudo acabaria logo. Se ela percebesse que ele não parecia sincero, o que em grande parte era verdade, talvez nem mencionasse esse fato. Mas, com a tendência que Alexia tinha de falar sem meias palavras, havia a possibilidade de que ele saísse da casa naquele dia tendo sido devidamente repreendido.

O lacaio demorou muito para voltar. Em vez de causar um incômodo, a espera produziu uma ansiedade ainda maior. Fazia dias que Rothwell não via Alexia, um longo período necessário para que ele conseguisse ocultar suas piores inclinações. Agora essa conversa iminente melhorava seu humor, apesar de seu objetivo lamentável.

O lacaio voltou sozinho.

– Sinto muito, senhor. Ela não está no quarto, nem na sala de aula.

– Ela saiu de casa?

– Não creio.

– Então tem que estar em algum lugar.

O lacaio hesitou.

– Acho que está no sótão. Uma empregada a viu subindo as escadas e a porta está aberta. Alguém está lá. Uma mulher, tenho certeza. É possível que seja ela.

– Você não poderia ter ido lá verificar?

– Não achei conveniente, senhor. Acredito que a mulher que está lá precisa de privacidade.

Ele fez uma careta.

– Ela está chorando – explicou o lacaio. – Quem quer que seja ela.

Alexia chorando? A imaginação dele tentou rejeitar a imagem, mas ela se formou mesmo assim. A mesma força e intensidade que tornavam improvável que a Srta. Welbourne desabasse também deixavam a situação dramática.

– Voltarei outra hora – disse ele.

O lacaio saiu para cumprir suas outras obrigações. Hayden esperou até ficar sozinho, então subiu os degraus e alcançou o último andar. Passou pelos quartos dos empregados, rumo ao sótão no fim do corredor estreito. A porta estava mesmo escancarada. Ele chegou mais perto. Sons abafados de soluços femininos se fizeram ouvir.

Ele entrou e fechou a porta atrás de si. Espiou-a por entre a mobília e as caixas, sentada no chão perto da única janela do lugar.

Mesmo a distância, viu o pranto. Seu corpo se sacudia. Ela pressionava a boca com as mãos, a fim de abafar os soluços.

Ele foi até ela, espantado com sua emoção, imaginando o que poderia ter causado tal reação. Olhou para baixo, na direção de um baú, e reconheceu o relógio sobre alguns livros. A raiva surgiu, mais forte do que a empatia. Alexia tinha vindo até ali para chorar por Ben. Talvez ela fizesse isso toda semana ou até mesmo todo dia.

Alexia percebeu sua chegada e virou o rosto. Seu corpo inteiro convulsionava na corajosa tentativa de controlar a emoção.

Ele se ajoelhou ao lado dela em uma tentativa de confortá-la. Afastou alguns papéis espalhados sobre a tapeçaria. A letra no papel de cima chamou sua atenção. Benjamin, meu amor...

Ele pegou a carta e a leu. Olhou para Alexia. Os olhos dela estampavam uma tristeza tal que ele procurou na mente uma mentira que explicasse essas cartas.

Ela cobriu o rosto com as mãos e perdeu a batalha contra o autocontrole. Seus soluços encheram o sótão. Mais comovido do que tinha estado em anos, ele se sentou ao lado dela e a envolveu em seus braços.


O abraço dele teve o efeito de confortá-la, mas, ao mesmo tempo, de enfraquecê-la, pois foi como se dissesse “Não tente ser corajosa”.

Ela desabou nos braços de Hayden e desistiu de lutar. Desapontamento e humilhação brotavam dentro dela e transbordavam para fora. O lado prático de sua alma assentia como se fosse uma preceptora maldosa, do tipo que se satisfaz em estar certa, mesmo que isso signifique o sofrimento de seu aluno.

Alguns pensamentos lúcidos irromperam em meio à loucura. Você sempre se perguntou o motivo. Se ele tivesse intenções sérias, a teria pedido em casamento antes de partir. Você acreditou nele porque do contrário seu futuro seria um vazio. Ela cerrou os dentes e se agarrou no casaco por baixo de seus dedos.

O abraço se estreitou. Um beijo reconfortante aqueceu seu couro cabeludo.

– Tente se acalmar.

O comando gentil convocava a mulher que ela apresentava ao mundo, e não a tola que se agarrava a sonhos românticos. O coração dela foi se acalmando até atingir um batimento compassado. O pranto foi secando até se resumir a lentas lágrimas.

Um lenço surgiu, oferecido por uma mão forte. Ela o pegou e enxugou os olhos e o rosto. Ao redor deles, os papéis espalhados se reavivaram. Ela afastou alguns de sua saia.

– Ela escreveu para ele na Grécia, mas houve outras cartas também, antes disso – informou ela. – Ele nunca pretendeu... Ele se comportou de forma desonrosa comigo.

– Talvez ele tenha se comportado de forma desonrosa com ela, não com você.

Uma pequena chama de esperança se acendeu. Não cresceu, mas bruxuleou, desesperada à cata de combustível. Talvez tivesse sido assim. Ben devia ter mentido para essa mulher, não para ela, em relação a suas afeições e intenções.

Ela estava esgotada demais para pesar todas as possibilidades. Mesmo que Ben não tivesse mentido para ela, também não tinha sido verdadeiro.

– É muita gentileza sua dizer isso – disse ela. – Mas tudo indica que fui uma tola.

– Não acho.

Ela deveria se afastar, mas não encontrou forças. Depois de sair desse abraço, ela ficaria com frio e se sentiria sozinha, enfrentando um passado vazio, bem como um futuro difícil.

– Você sabia?

– Sabia que havia mulheres na vida dele, assim como na vida da maioria dos homens.

– Esta escreveu cartas de amor durante anos. Ela escrevia como se também recebesse cartas de amor. O nome dela é Lucy.

– Não sabia dessa mulher específica.

Outra verdade se apresentava. Uma verdade que ela não queria encarar.

– Quando ele falava de mim na Grécia, não era amor ou intenções que revelava, não é mesmo? Eu era apenas mais uma mulher não específica.

Lorde Rothwell permaneceu em silêncio. Isso já era a resposta.

Ela não conseguia acreditar na amplidão do vazio que sentia. O choque a havia distanciado de si mesma. Ela temia a solidão que sentiria por já não ter lembranças tolas em que se agarrar. Esse grande vazio estava à espreita, pressionando-a. Deitou a cabeça no ombro dele para descansar antes de achar coragem para seguir adiante mais uma vez.

O abraço dele a estreitava e preenchia. Seu perfume, candura e proximidade transbordavam no vazio. Uma perturbação sensual vibrava nessa conexão. Faltava-lhe a força de vontade necessária para rejeitar a vitalidade perigosa que ele incitava.

Foi tomada por essa vibração, que dava vida a partes do seu corpo que tinham acabado de morrer em agonia. Ela não se mexeu, ficou só absorvendo o calor, não se importando com o perigo que isso representava. Ele também não se mexeu. O silêncio do abraço foi ficando cada vez mais pesado. De uma forma não natural, ela ficou ciente de cada parte de seu corpo tocada por ele. Podia sentir o mesmo estado de alerta nele.

Pendeu a cabeça e olhou para cima. Hayden não olhava para ela, mas para o sótão. A expressão dele guardava a mesma austeridade contemplativa que já vira antes e seus olhos azuis tinham as luzes quentes que lhe davam a aparência tão rígida.

Ela interpretara erroneamente esse rosto no passado, porém não agora. Sua dureza continha uma fúria, mas não era raiva. Ele virou a cabeça e olhou para baixo, na direção dela, e a fonte desses sentimentos não poderia ser entendida de forma equivocada.

Ele acariciou o rosto dela, seus dedos tocando suavemente as lágrimas secas. A tentativa de acalmá-la fez com que o coração dela batesse mais forte. O mesmo se dava com o desejo expresso no abraço e nos olhos dele. Ela já não conseguia entender os motivos por que deveria rejeitar esse desejo. Tudo aquilo tinha se passado em outro mundo e em outra vida. Ela não podia suportar a ideia de perder esse calor que ele lhe dava e não queria enfrentar o frio duradouro que esperava a sensata Srta. Welbourne depois que passasse por aquela porta escura do sótão.

Não pensou. Seu espírito açoitado pela tristeza agarrou a oportunidade de afogar a verdade e preencher o vazio da decepção. Levou as mãos ao rosto dele.

Exceto pela forma como seu olhar se intensificou e uma dureza sensual que surgiu nos cantos de sua boca, de início ele mal reagiu.

Depois sua mão cobriu as dela e as espalmou contra sua pele, permitindo que seu calor fluísse para ela. Seus dedos fortes circundaram os dela e depois retiraram a mão feminina. Ele baixou a cabeça e beijou a palma e o pulso de Alexia.

Ela sentiu como se borboletas voassem do seu pulso até o coração, depois batessem asas por seu corpo todo. Fechou os olhos para saborear essa sensação tão agradável. Seu contraste com a solidão dormente a surpreendeu.

Ela abriu os olhos para encará-lo. Não deu atenção à advertência que seu coração sussurrava e não fez nada para ajudar Hayden a vencer a batalha interior que o via travar. Ela torcia para que ele perdesse. Queria que lorde Rothwell a beijasse e a enchesse de vida até que tremesse.

E ele beijou. Com cuidado de início e depois um pouco menos. Um fervor a tomou em forma de beijos desejosos de liberdade. A cada instante em que Alexia correspondia às carícias de Hayden, mais um grilhão era rompido.

O poder daquele beijo a deixou atônita. O frenesi penetrou seu sangue, impondo um ritmo acelerado a sua respiração. Uma excitação agradável a movia por dentro e por fora e ela se sentiu palpitar na pele e em sua essência, com cada arrepio mais forte que o anterior.

O abraço dele se afrouxou enquanto ele a deitava na tapeçaria. Com um só movimento, ele varreu as cartas para o lado, jogando-as atrás dos baús, ocultando-as e tirando a terrível descoberta da vista e do pensamento.

Tirou o casaco pesado e a beijou novamente. Envolveu-a e se deitou ao lado dela, tomando-a nos braços como era possível. Os beijos rapidamente mudaram ao se deitarem juntos à luz que penetrava pela pequena janela do lado norte. Ela se submeteu aos mesmos beijos íntimos e acalorados que experimentara no teatro, só que agora nenhum espanto inibia sua reação. Ele não precisava seduzi-la a uma paixão cada vez mais crescente. Um prazer incontrolável a dominara e ela jogara fora todo resquício de precaução e preocupação.

Ela amou cada momento. Amou a forma como as mãos dele começaram a se mover, tocando-a por baixo da roupa, com uma pegada firme, possessiva e dominadora. Uma deliciosa sensibilidade se acendeu na parte baixa do seu corpo, com uma comichão persistente criando uma necessidade física. Seus seios também o desejavam com ardor, tanto que as carícias dele, quando chegaram, não foram suficientes. Ela cravou os dedos em suas costas, segurando-o com força, vagamente ciente de que estava respondendo a seus beijos, completamente alerta para a forma como essa loucura deliciosa a fazia se mover e gemer.

De repente estavam sozinhos em uma febre caótica que obliterava o tempo e o espaço. O prazer governava seus atos e uma necessidade dolorosa e desesperada a empurrava para além da decência. Ela queria mais e nada além. Apenas mais. A palavra soou dentro dela, enquanto pedia, recebia e gemia.

Ele desabotoou o vestido dela, mas o espartilho permaneceu entre eles. Hayden murmurou um xingamento por causa da roupa íntima e acariciou o seio dela por cima do tecido. Seus dedos encontraram o mamilo e o pressionaram com mais força. Um arrepio lancinante a atingiu no centro do corpo e centelhas de excitação queimaram seu peito, fazendo-a perder o fôlego.

Ele retirou o braço dela do corpo dele e puxou a alça do espartilho para baixo até expor um seio.

Estar nua a excitou ainda mais. A forma como ele a olhou também. O toque masculino no cume escuro e protuberante a desarmou. O anseio doloroso e impaciente, profundo e baixo, ficou ainda mais intenso. Ele acariciou o seio e o mamilo com a palma da mão, excitando-a a ponto de fazê-la querer chorar.

Não havia descanso, só mais excitação. Um som repetitivo em sua cabeça e o desejo do homem que a guiava até a beira do abismo da paixão. A cabeça dele desceu, levando a língua ao mamilo de Alexia. As sensações se intensificaram de novo. Uma nova carícia, nas pernas dela, suspendia a saia em longos afagos, até que suas peles se tocaram.

Ela sabia para onde as carícias a estavam levando. Sim, mais. Até mesmo a excitação luxuriante em seu seio reverberava mais embaixo agora. A expectativa dela virou um frenesi.

Alexia estava certa de que não poderia ficar mais excitada do que já estava, mas cada novo toque provava quanto estava errada. Ele incitava uma vibração tão concentrada, tão insistente, que a fazia perder o controle. Estava diante da chance de sentir-se completa; rejeitá-la a enlouqueceria.

Mais. Ele se mexeu, afastando as pernas dela, ficando entre elas. Mais. Ele a beijou mais forte, silenciando os sons que ela não sabia estar fazendo até que os ouvia. Mais. Ela se agarrou nos ombros dele, mas ele se apoiou nos braços de forma que ela não pudesse conter seus movimentos. Mais. Levou a mão ao ponto entre as pernas dela e a afagou até que gemesse.

De repente, outro toque. Um que fez todo o seu corpo tremer. Uma rigidez que a completava e aliviava o desespero. Então ele empurrou, rompendo-a, fazendo-a perder o ar. A dor cortante afastou a sensação de euforia.

Toda a sua consciência voltou em um só instante. Consciência do teto do sótão e da luz da janela. Do homem em cima dela, do peso dele e da força dominando-a. Da plenitude, tão completa e espantosa. A queimação parou, mas ela pulsava lá, viva e sensível. Novos prazeres tremeram levemente, mas ela estava chocada demais para que eles aumentassem.

Ele se inclinou para beijá-la. Ela olhou seu rosto. Junto com uma expressão que era máscula, quente e dura, ela viu algo mais em seus olhos. Surpresa.

Ele se mexeu. O membro rígido deu uma última estocada, enchendo-a de um bálsamo que ao mesmo tempo a curava e prolongava sua dor. O atordoamento não voltou. Em vez de ficar perdida no clima de sensualidade, ela estava atenta demais, alerta demais, de forma incomum. Dele e da sensação dele dentro dela. Da vulnerabilidade dela. De uma intimidade tão invasiva que jamais poderia fugir dela.


O ofuscamento aos poucos diminuiu. A transcendência do gozo gradualmente o deixou.

Ele olhou para baixo, para a mulher sob ele. Alexia o abraçava meio sem jeito, enlaçando-o com um dos braços. O outro estava pousado no chão ao lado de seu corpo, em completo relaxamento, aprisionado pela alça do espartilho e por sua blusa. Ele se apoiou nos braços e mergulhou para beijar o seio exposto. Um belo seio, redondo e farto, feminino e macio. Um tremor a percorreu, lembrando a Hayden que ela não tinha ido até o fim no prazer.

A expressão dela continuava cheia da vulnerabilidade que ele vira ao entrar no sótão.

– Machuquei muito você?

– Não muito. Mas um pouco, sim. Estava pensando que a natureza não foi muito boa com as mulheres.

Ele quase riu, mas, em vez disso, saiu de dentro dela. Ela avaliou o gesto tendo uma ruga na testa, como se tentasse decidir se ele tinha feito bem ou mal.

Ele se afastou e arrumou suas roupas. Com um último beijo no belo seio, colocou a alça do espartilho de novo no lugar.

– Não é sempre tão injusto. Só na primeira vez.

Ela rolou para o lado a fim de que ele pudesse abotoar o vestido.

– Você pareceu surpreso quando... Você não achava que seria minha primeira vez, não é? Apesar do que lhe disse, você pensou que Ben e eu éramos amantes.

Ele desejava ardentemente poder dizer que tinha acreditado nisso. Seria uma desculpa. Ele queria ter uma. A única coisa que sentia agora era contentamento, mas a culpa estava à espreita. Uma estranheza já se insinuava entre eles.

– A surpresa que você viu foi espanto. Uma coisa é desejar uma mulher, outra é realizar a fantasia.

Alexia se ajoelhou logo que o vestido foi fechado, e ficou imóvel. Hayden acompanhou o olhar dela para ver o que a distraíra. Eram as cartas que cobriam o chão por trás dos baús.

– Vou guardá-las – disse ele.

– Obrigada, é muita gentileza de sua parte. Sua tia vai voltar em breve e eu não devo ficar mais aqui. Preciso me trocar e... Do jeito que estou, não vai ser segredo para a criadagem.

Enrubescendo, ela começou a se levantar. Ele a segurou pelo braço, detendo-a.

– Alexia...

Ela o olhou nos olhos.

– Não, por favor, não diga isso. Não diga nada. Por favor.

– Há muito a ser dito.

– Na verdade, não. Com certeza não agora e, talvez, se formos sensatos, nunca.

Ela retirou o braço e parou.

– Por favor, permita que eu mantenha a lembrança deste momento como quero que seja – pediu e olhou rapidamente para as cartas enquanto se virava para ir embora. – Como pode ver, sou muito boa nisso.


Ela estava deitada na cama, ouvindo o silêncio da noite, tentando se familiarizar consigo mesma.

Saíra daquele sótão uma mulher diferente. Via o mundo de outra maneira agora. Era uma visão mais verdadeira, suspeitava ela. A desilusão com Ben fora responsável em parte por isso, mas o restante – o abandono, a intimidade e o prazer estonteante –, essas experiências davam uma sabedoria especial à mulher.

Não se culpava nem lamentava pela inocência perdida. Não se arrependia de ter feito o que fizera. Era difícil de admitir, mas assim evitava a necessidade de recriminações dramáticas. Também permitia que enfrentasse honestamente as implicações do que acontecera. Agora era o orgulho, e não medo, que exigia que ela deixasse aquela casa.

A sombra do chapéu pairava em sua escrivaninha. A noite e a musselina obscureciam os detalhes, mas ela visualizou a peça em sua mente. Não deixaria de tentar vendê-la, nem alteraria qualquer outro plano. O que acontecera com Hayden não a tiraria do caminho que escolhera. Suas decisões eram as mais acertadas e Alexia deveria pô-las em prática rapidamente se quisesse controlar essa lembrança.

Ela fechou os olhos, na esperança de dormir. Porém sua mente se acendeu e se voltou para o seu corpo. Ela o sentiu. O machucado doía levemente, como se ele ainda a estivesse preenchendo. A presença dele continuava a invadir sua mente.

Uma saudade insistia em fluir para o seu coração. Ela permitiria que essa nostalgia encontrasse um lugar para ficar. Seria desonesto construir uma lembrança cheia de pecado e culpa, no fim das contas. Ela tinha aproveitado o momento demais para isso.


CONTINUA

CAPÍTULO 6

Hayden se aproximou do pórtico de entrada do banco Darfield e Longworth. Quase não se lembrava do trajeto de Mayfair até ali. Sua cabeça estava tão tomada de preocupações pelo que ocorrera na biblioteca da casa de Henrietta que ele mal percebera a chuva fina que havia umedecido suas roupas.

Ele não tinha se comportado de forma honrosa. Mulheres na situação da Srta. Welbourne ficavam vulneráveis e muitas vezes sofriam abusos. Os homens que tiravam vantagem delas eram canalhas. Ele não era do tipo que importunava as damas. Os acordos que assumia com suas amantes e meretrizes eram claramente estabelecidos e mutuamente benéficos.

Talvez, com o tempo, ele se sentisse devidamente arrependido em relação à Srta. Welbourne. Naquele momento, nada poderia competir com as lembranças daqueles beijos e do modo apaixonado como fora correspondido. Ele não era um homem impulsivo, então o fato de aqueles beijos terem acontecido o fascinava tanto quanto a reação sensual de Alexia Welbourne.

Era o tipo de coisa que ele teria feito logo após o falecimento do pai. Ao luto se seguira uma euforia de liberdade, como se ele fosse um prisioneiro libertado do uma cela subterrânea. Durante dois anos vagara pela vida como um bêbado, chafurdando em emoções extremas e atos impetuosos, deleitando-se com os prazeres imprudentes que tinham sido negados a ele por tanto tempo.

Fora um ator experimentando trajes no palco de Londres, na esperança de que um deles lhe caísse melhor do que a própria pele. Estava aflito para negar a verdade que o cercava – que era de fato filho de seu pai e que se assemelhava muito a ele.

Até que finalmente aceitou o legado e controlou seu lado ruim, ao mesmo tempo que explorava seus pontos fortes. Ao passar pelo pórtico, no entanto, seu equilíbrio vacilou de novo. As especulações em torno da lembrança daqueles beijos eram mais desonrosas do que os beijos em si. Seu lado inescrupuloso cogitava seduzir a Srta. Welbourne por completo e imaginava as tentações necessárias para convencê-la de que seria do interesse dela chegarem a um daqueles acordos mutuamente benéficos.

A cena dentro do banco varreu essas considerações de sua mente. Uma aglomeração de cerca de trinta homens tinha se formado, compondo uma linha desorganizada na frente dos escritórios.

Vários outros homens chegavam, todos com muita pressa. Ele notou a preocupação em seus rostos e em seus passos rápidos. Percebeu sinais do início de uma corrida ao banco.

Ninguém o tinha vista ainda. Ele ouviu uma menção ao nome Longworth. A porta do escritório se abriu. Darfield deixou que um homem entrasse e depois voltou a fechá-la.

Hayden se aproximou da multidão. Um murmúrio de pânico se espalhava.

Um homem bloqueou sua passagem.

– Você não vai passar na frente, Rothwell. Não vamos ficar com as migalhas depois que sua família for alimentada.

– Minha família não tem intenção de jantar aqui hoje.

– Você disse isso há um mês, mas há boatos de falcatruas por aqui, o que Longworth...

– O Sr. Longworth vendeu sua participação para Darfield por motivos pessoais. Suas finanças particulares não se refletem no banco.

– Então por que está aqui? – perguntou outro homem.

– Não é para retirar meu dinheiro, isso eu lhe asseguro.

Ele foi alvo de alguns olhares incrédulos. Havia um número muito grande de bancos falindo para que as pessoas confiassem umas nas outras.

– Não tenho razão para desconfiar da força financeira deste banco – disse ele, alto o bastante para ser ouvido por todos. – E não tenho intenção de resgatar títulos ou encerrar contas agora, nem motivos para considerar essa hipótese no futuro. Se os cavalheiros quiserem sacar seu dinheiro, o Sr. Darfield vai honrar os saques. As reservas são mais do que suficientes para cobrir todas as suas demandas.

Sua franqueza aplacou o pânico da multidão. Ele podia ter se mostrado um canalha ao se render a seus desejos físicos naquele mesmo dia, mas seu sucesso nos investimentos não tinha sido alcançado usando artimanhas enganosas.

A agitação da turba se desfez. Alguns homens partiram. Outros se reagruparam para discutir o que fariam. O caminho para o escritório foi liberado.

Ele pediu ao funcionário do banco que o anunciasse, mesmo sabendo que Darfield já estava recebendo alguém. Darfield apareceu na porta de imediato, sério e resoluto em sua casaca escura e colarinho alto, amigável com seu rosto de expressão suave e cabelo prateado. Ele saiu e fechou a porta atrás de si.

Darfield pediu que o funcionário se retirasse. Enquanto sorria confiantemente para os homens que os observavam, disse em voz baixa:

– Lamento dizer que a avaliação que fizemos das contas não foi detalhada o bastante para detectar as falcatruas de nosso amigo.

– O que quer dizer?

O banqueiro empurrou a porta e mostrou o visitante que o esperava do lado de dentro. Hayden o reconheceu: Sir Matthew Rolland, um baronete da Cúmbria, um condado no norte do país.

Darfield fechou a porta de novo.

– Ele quer sacar os títulos que mantém conosco. Quando verifiquei e expliquei que haviam sido vendidos, ele insistiu que nunca os vendera e que estava recebendo os rendimentos normalmente.

– Verificamos todos os títulos vendidos nos últimos anos. Imagino que alguns tenham passado despercebidos. Mas ele realmente vem recebendo os rendimentos?

– Estava indo verificar exatamente isso.

– Ficarei esperando com ele enquanto você verifica. Não seria um bom momento para ele deixar este escritório com raiva e cheio de acusações.

Darfield olhou para a aglomeração de homens.

– Tem razão, não seria mesmo.

Ele se dirigiu para outra sala, onde eram mantidos os registros das contas.

Hayden abriu a porta. Sir Matthew não tinha qualquer ar de preocupação. Louro e de rosto redondo, afeito a caçadas no campo, ele parecia aguardar calmamente enquanto um mero erro de registro era corrigido.

– Rothwell – saudou ele, com um sorriso amável. – Veio salvar o legado de Easterbrook, não é mesmo?

– Não estou aqui com esse objetivo. Sou amigo do Sr. Darfield.

– Então pode ajudá-lo a consertar esse mal-entendido. Ele está dizendo que vendi meus títulos. Nunca fiz isso.

– Tenho certeza de que ele encontrará rapidamente o erro nos registros. Qual é o valor em questão?

– Cinco mil.

Hayden entreteve Sir Matthew com uma conversa sobre caçadas e esporte. Darfield demorou cerca de meia hora para se juntar a eles. Quando voltou, seu rosto tinha uma expressão de sobriedade.

– Sir Matthew, estou sem jeito de lhe dizer que será complicado resolver a situação dos registros de seus títulos. Em vez de mantê-lo esperando mais ainda, vamos lhe entregar o dinheiro e resolver os outros detalhes depois.

Sir Matthew não percebeu quanto essa oferta era estranha. Darfield se sentou à mesa e assinou uma permissão de saque. Hayden notou que era da conta pessoal do banqueiro.

Com sorrisos e despedidas amáveis, eles viram um Sir Matthew muito satisfeito ir embora. Assim que a porta se fechou, Darfield se permitiu extravasar seu desalento:

– Não há registro de pagamento ao cliente – disse ele. – Tudo o que temos registrado é que os títulos foram vendidos, ponto final. Igual aos outros. Long­worth deve ter vendido os títulos dele e agora estou cinco mil libras mais pobre. Minha pergunta é: qual é o tamanho do rombo daquilo que nos escapou?

– Não acho que tenha nos escapado nada.

A lembrança de uma boca sensual distraiu Hayden, mas ele não se deixaria levar de novo por aqueles pensamentos por enquanto.

– Parece que teremos que verificar tudo mais uma vez.

– Será que alguém revelou o jogo de Longworth e Sir Matthew está... Não é possível... Isso seria chocante demais até para se imaginar – falou Darfield.

– Vamos ver se Timothy Longworth pagou rendimentos a ele sacando de suas contas pessoais, como fez com os outros. É bom nos certificarmos de que isso seja o final dessa história. Quando os registros mostram que ele vendeu os títulos?

Darfield sentou-se e abriu um grosso livro-razão.

– Foi em1822. Não, espere – disse e olhou com mais atenção para o papel. – A tinta está um pouco apagada. Pode ser... Mas essa data é impossível!

– Que data?

Darfield olhou espantado.

– Aqui consta 1820.

Hayden ficou tão surpreso quanto Darfield. Timothy Longworth ainda não era sócio do banco naquele ano. O sócio era Benjamin.

Uma tristeza profunda tomou conta de Hayden. E não foi provocada apenas pela expectativa do que poderia vir a descobrir a respeito do amigo: de repente se tornava mais plausível uma suspeita que ele vinha reprimindo em relação à morte de Benjamin.

– Vamos ter que examinar todos os registros dos títulos mantidos no banco, desde a época em que Benjamin Longworth adquiriu sua participação no negócio. Se ainda tiver informações sobre as contas pessoais de Benjamin, traga-as também.

Darfield assentiu, sua tristeza era evidente.

– Agradeço muito por sua ajuda e discrição. Precisará de mais alguma coisa?

– Uma bebida forte. Uísque serve.


Os três irmãos jantaram em casa naquela noite. Hayden teria apreciado esse encontro em qualquer outro dia. Naquela noite, no entanto, nem o espírito sagaz de Elliot conseguiu tirá-lo de seus pensamentos. Sua distração criou longos períodos de silêncio à mesa. Também atraiu o olhar de Christian em sua direção com muita frequência.

– Estamos muito sérios hoje – disse o mais velho. – Se eu soubesse que você estaria tão tedioso, Hayden, teria aceitado o convite para ir à festa de Lady Falrith. Pelo menos lá o tédio teria várias fontes.

– Estou pensando em uma equação que ando testando.

Normalmente ele não contava mentiras tão deslavadas, mas não poderia revelar o que estava pensando de verdade.

Ele deixara o banco naquele dia com perguntas de mais na cabeça. Também guardava um segredo terrível. Timothy Longworth não tinha sido o criador do esquema de falsificar assinaturas para vender títulos. Aprendera o truque com Benjamin, que vinha fazendo isso praticamente desde que adquirira participação no banco de Darfield. Após a morte de Ben, Timothy continuara pagando rendimentos às vítimas de Ben, enquanto fazia ele mesmo novas vítimas do golpe.

Sua cabeça ficou repleta de lembranças nas horas que seguiram àquela revelação. Benjamin garoto, tão imprudente e espirituoso quando comparado aos irmãos Rothwells. O pai deles tinha sido um homem rígido, severo em sua honra e dominador em sua personalidade.

O que nos torna humanos é a capacidade de sermos racionais. Os gregos já sabiam disso, mas esta é uma lição que os homens esquecem, colocando-se em risco. A paixão tem seu lugar, mas é a mente que deve comandar seus atos. As emoções levam a impulsos que destroem a honra, a fortuna e a felicidade.

Ele aprendera essa lição de uma forma ou de outra todos os dias de sua juventude. O pior é que vivera com a prova de sua verdade, vendo o sofrimento que a emoção e a paixão trouxeram a seus pais. No campo, no entanto, conseguia escapar tanto do homem quanto da lição, que durava horas sem fim. Benjamin Longworth, um garoto que morava no final da estrada, havia se transformado em um tônico contra a forma como aquela lição tornava suspeitas e vergonhosas a alegria e a animação.

– Achei que você tivesse posto limites a essas investigações matemáticas – disse Christian. – Você precisa aprender com Elliot. Quando está no mundo real, tem que viver de forma real. Ele não está sendo tedioso hoje.

Tendo acabado de pensar no pai, Hayden não gostou de ouvir Christian usar um tom tão parecido com o dele.

– Não estou aqui para distraí-lo, maldição!

Christian achou a resposta ríspida muito interessante. Elliot também.

– Não acho que sejam os números o que está distraindo você, Hayden – comentou Elliot.

– Pense o que quiser.

Não queria falar no assunto. Seus irmãos não sabiam de nada e não podiam lhe acrescentar qualquer explicação. Somente uma pessoa em Londres poderia ter informações a respeito de Ben e do banco. Uma mulher que o odiava, mas que reagira com paixão a seus beijos. Uma mulher que tinha sido apaixonada por Ben e ainda era.

– Talvez esteja pensando em alguma mulher – disse Christian a Elliot.

Era muito enervante ver Christian adivinhar a razão verdadeira.

– Embora ele nunca se distraia muito por causa delas – continuou o mais velho. – Teria que ser uma moça muito especial, só que nenhuma delas nunca é tão especial assim para ele. Não há lógica no amor, nenhuma equação matemática que o comprove, então Hayden conclui que o amor não existe.

Elliot lhe deu uma olhadela. Tinham sido aliados no passado, quando Christian era o perfeito. Elliot percebia seu humor de uma forma que mais ninguém conseguia.

– Não acho que seja mulher – disse ele.

Ele estava certo e errado. Uma mulher perpassava todos os seus pensamentos sobre Ben. O que ela sabia? Como reagiria ao descobrir os crimes de Ben? Ela culparia Hayden Rothwell se tudo viesse a público e a reputação de Ben fosse manchada?

Darfield tinha prometido silêncio de novo, para proteger a própria fortuna e a reputação. Hayden usara recursos próprios para cobrir qualquer perda dos clientes do banco. Sua dívida para com um velho amigo acabara ficando cara demais.

Com uma clareza implacável, ele viu os fatos se desdobrarem à sua frente. Ben se encaixava perfeitamente em seu papel naquele drama. Mesmo a bebedeira no navio de volta, sua resistência em retornar à vida estável de um banqueiro – disso ele tinha certeza a respeito de Ben. O que mais, além do tédio, estaria esperando por ele em Londres? E como isso afetara seu estado de espírito?

Será que estava desesperado, prevendo a descoberta de seus crimes? Havia construído um castelo de cartas com aqueles roubos. Devia saber que no fim o castelo ruiria. Será que tinha pulado do navio? Esta sempre fora uma possibilidade, considerando o humor de Ben nos dias anteriores. Uma possibilidade que Hayden evitara contemplar, porque, se Ben tinha pulado, Hayden havia permitido que isso acontecesse.

Um buraco tinha se aberto em seu estômago e se recusava a fechar. Carregava imensa culpa por aquela noite. Agora se indagava se seu próprio orgulho não o cegara para a profundidade do desespero do amigo.

– Bem, mas seria adequado que uma mulher o estivesse distraindo – insistiu Christian. – Um de vocês precisa se casar logo. Quero ter um sobrinho.

Elliot riu.

– Nunca seremos obrigados a nos casar, Christian, não teremos que abrir mão de nossas excentricidades para agradar uma esposa. Você é quem tem esse dever – Elliot disse isso e esticou as pernas, examinando o irmão mais velho. – Deve começar cortando o cabelo. Ouvi dizer que as moças usam a palavra “selvagem” quando o descrevem.

Christian ignorou o comentário. Não gostava que os outros se metessem na sua vida. Ser intrometido e incisivo era um direito que reservava apenas a si mesmo.

– Em último caso, vocês dois podem ter amantes – murmurou Christian. – Hayden tem andado irritadiço ultimamente e eis a razão. E você está sempre enfurnado em alguma biblioteca, Elliot.

– E você está sempre enfurnado nesta casa – rebateu Hayden.

Mesmo em seus melhores dias, a presunção de seu irmão o perturbava. Hoje ele não estava de muito bom humor para tolerá-la.

– Você se esquiva de seus deveres para com seu título e tem a petulância de dizer que temos que lhe dar um herdeiro. Cuide de suas próprias obrigações, de sua própria mulher e de seus próprios hábitos, Easterbrook – continuou Hayden. – Quando tudo isso estiver em ordem, pode prestar atenção em mim.

Elliot bebericou seu vinho com um leve sorriso. Os olhos de Christian ficaram frios.

– Sei exatamente quais são meus deveres em relação a meu título e minha família – declarou o marquês. – Sei porque fiz escolhas claras em relação a isso. É possível fazer as coisas dessa forma, Hayden. Não é preciso aceitar os ditames da sociedade, da religião ou do pai. Podemos escolher o que devemos a uma ideia ou a uma pessoa.

O fantasma de Benjamin pairava sobre eles, sorridente e feliz, como se Christian o tivesse chamado. Contudo, a imagem mudou rapidamente. Hayden viu Benjamin no convés do navio, carregando uma garrafa e se recusando a descer.

Por que Ben tinha saído da Grã-Bretanha e por que a volta o deixara tão desnorteado? E se tinha roubado mais de quarenta mil libras, onde diabos estaria todo esse dinheiro?


Alexia espiou o chapéu empoleirado na cabeça de Lady Wallingford. Não se poderia achar uma falha grave em sua modelagem. Ficaria mais elegante se as fitas fossem um pouquinho mais estreitas e as flores de cetim, um pouco menores, mas a Sra. Bramble, a chapeleira, conhecia bem seu ofício.

– As cores são um pouco fortes demais para a senhora – disse Alexia.

– Mas adoro vermelho e fica sofisticado com azul – retrucou Henrietta.

– O conselho da Srta. Welbourne não é sem razão, madame. A senhora tem a pele muito clara e essas nuances em particular tiram a atenção de sua própria beleza – reforçou a Sra. Bramble, olhando para Alexia em busca de aprovação.

Alexia assentiu sutilmente. Ela e a chapeleira estavam dando uma trégua.

Desde que tinham chegado à loja, Alexia conseguira desencorajar Lady Wallingford de comprar três chapéus muito caros. Sem dizer uma só palavra sobre o assunto, tinha dado a entender à Sra. Bramble que, a menos que quisesse assinar algum recibo de venda, teria de cooperar.

A Sra. Bramble trouxe uma cesta de fitas. Alexia pegou uma de um tom amarelo forte. Desenrolou-a diante do rosto de Henrietta e o verde dos olhos dela imediatamente se intensificou. Cobriu todo o vermelho flamejante com a fita e prendeu a ponta, de forma que a patroa pudesse julgar o efeito por si mesma ao olhar no espelho.

Enquanto Henrietta avaliava o próprio reflexo, a Sra. Bramble espiava Alexia.

– Você tem jeito para a coisa, não posso negar – disse ela baixinho. – Seu chapéu é muito bonito e finamente elaborado. Posso perguntar onde o comprou?

– Em uma lojinha no centro da cidade. A maioria das lojas por lá é bem simples, mas há uma mulher cuja habilidade supera a de todas as outras.

– Se ficar sabendo que essa mulher está à procura de emprego, por favor, peça que me procure.

Henrietta decretou que o amarelo, apesar de não tão marcante quanto o vermelho, seria uma escolha melhor. Ela encomendou um chapéu e vários casquetes para si e para Caroline. Alexia a acompanhou até a carruagem. Esperava que lorde Rothwell reconhecesse que ela havia conseguido reduzir um pouco a conta que sua tia pretendia fazer nessa visita.

O lacaio deu a mão a Henrietta para que ela subisse na carruagem, mas Alexia declinou sua ajuda.

– Eu deveria ter aproveitado para encomendar algo para mim – disse ela. – Posso voltar, senhora? Não vou me demorar.

– Pode. Como Hayden vai trazer Caroline para nos encontrar, madame Tissot pode começar a tomar as providências se eles chegarem antes.

A presença iminente de lorde Rothwell era um dos motivos de Alexia querer voltar para a loja. Não havia uma forma generosa de encarar aqueles beijos na biblioteca. Ele tinha sido um canalha e ela, uma libertina. Era simples assim.

Se pudesse acreditar que um deslize desses nunca mais se repetiria, poderia tentar fazer de conta que nunca acontecera. Infelizmente, as coisas não estavam tão claras assim. Ele fizera duas visitas nos últimos dias e o clima ficara pesado com a consciência dele do que ela permitira. No entanto, Alexia não tocou no assunto. E lorde Hayden não se desculpou, como já era de esperar.

As expressões e olhares dele poderiam não revelar a verdade chocante, mas sua mera presença tornava o clima tão denso que até respirar ficava difícil. O pior é que uma excitação tola pulsava silenciosamente na cabeça de Alexia e no seu sangue, por mais que tentasse controlar.

– Lady Wallingford esqueceu algo? – perguntou a Sra. Bramble quando Alexia entrou na loja de novo.

A chapeleira deu uma olhada em torno, procurando um xale ou uma bolsa.

– Queria falar com a senhora sobre a mulher que fez meu chapéu. Ela também confecciona por conta própria, fora do horário em que trabalha para o patrão. Suas melhores criações estão disponíveis por encomenda direta porque a dona da loja não tem bom gosto suficiente para apreciá-las.

– Isso é bem comum – disse a Sra. Bramble. – Não gostaria que minhas funcionárias fizessem isso, é claro, mas se a dona da loja não quer os chapéus... bem, é diferente.

– Creio que sua loja fará mais jus aos talentos dela do que qualquer loja no centro, e de forma muito melhor do que ela conseguiria por conta própria.

Os olhos da Sra. Bramble se estreitaram enquanto ela considerava a proposta.

– Essa mulher traria os chapéus para mim pessoalmente?

– Eu ficaria feliz de fazer isso por ela.

– Se eu usasse como modelo o chapéu que você trouxer, ela faria os pedidos em tempo hábil? Executaria as alterações solicitadas?

– Tenho certeza de que sim.

A Sra. Bramble olhou para ela de maneira astuciosa.

– Você parece conhecê-la muito bem.

– Já conversamos algumas vezes e sei que ela é honesta e diligente.

– Nesse caso, gostaria muito que a senhorita lhe dissesse para me mandar um ou dois chapéus, se forem da qualidade do que está usando.

Alexia correu para se reunir à patroa. A Sra. Bramble suspeitou que não houvesse mulher nenhuma no centro. Tinha sido gentil ao permitir a mentira para não ferir o orgulho da moça.

Alexia voltara à loja em um impulso, mas fora também uma decisão nascida de anos de especulações sobre o próprio futuro. Seu primeiro plano para o emprego não vinha se desenrolando da forma como pretendera. Se continuasse a ser preceptora de Caroline, ficaria vulnerável aos galanteios inexplicáveis e desonrosos de Hayden Rothwell.

Ela também não poderia mentir para si mesma sobre a corte de Hayden. Os beijos não tinham sido nem um pouco como os de Ben. Não poderia fingir que tinha sido amor o que os inspirara. Eles tinham compartilhado uma paixão selvagem que não necessitava da mínima afeição. A excitação que ele causava era dominadora demais, perigosa demais e sem nenhum romantismo.

Agora, no entanto, encontrara uma forma de ser chapeleira sem ter de trabalhar em uma loja. Isso era muito melhor do que ser uma criada, independentemente do nome dado ao cargo. Era também muito melhor do que virar cortesã, por mais agradável que fosse a sedução que levava a isso.

Ela poderia fazer os chapéus e ver quanto receberia da Sra. Bramble. Talvez fosse o suficiente para permitir que começasse a planejar uma vida em que não ficaria vulnerável aos perigosos galanteios de Rothwell.


Hayden xingou a si mesmo. Ele xingaria Alexia Welbourne também, mas não seria justo.

Não era culpa dela o fato de ele estar naquele antro feminino, avaliando vestidos coloridos e ouvindo as críticas incessantes de Henrietta. Pelo amor de Deus, ele tinha se oferecido para trazer Caroline até ali de modo que ela pudesse se encontrar com sua mãe e a preceptora.

Ele esperara até as damas chegarem, mesmo podendo ter deixado a prima nas mãos competentes de madame Tissot. Agora estava sendo punido por seu desejo oculto de ver a Srta. Welbourne, que fazia com que atendesse aos pedidos de Henrietta com muita frequência.

A mulher que ele assediava agia como se ele não estivesse presente. Contudo, o lado sedutor nele notava qualquer pequeno rubor e gaguejo de Alexia. E seu lado cavalheiro... bem, ele continuava a pôr honra e desejo na balança e concordava com tardes tediosas como esta para poder gozar do desejo enquanto fingia exercitar a honra.

Mas ele saudava o estímulo traiçoeiro das batalhas silenciosas que agora travava tanto dentro de sua cabeça quanto fora, naquele cômodo. Um dos motivos era que isso obscurecia as perguntas incessantes em relação a Benjamin Longworth.

Elas ocupavam sua mente, tomavam sua atenção. Ele queria saber por que Ben tinha roubado todo aquele dinheiro e se esses crimes estavam ligados à sua morte.

Alexia Welbourne talvez soubesse a resposta para algumas dessas perguntas. Mas, quando Hayden estava com ela, esquecia tudo sobre isso. Ele tentava se convencer de que buscava a companhia dela apenas para poder sondar fatos sobre Benjamin, mas nem mesmo procurava tocar no assunto. Nada disso era boa notícia para o lado honroso de sua batalha interior.

– O que você acha, Hayden? – perguntou tia Henrietta, segurando dois cabides com vestidos de debutante. – Qual deles devemos escolher?

– Sou ignorante demais nesse assunto para dar conselhos. Qual a opinião da Srta. Welbourne?

Alexia tinha se retirado para sentar em uma cadeira o mais afastado dele possível. Henrietta pediu que ela se aproximasse. Com uma expressão passiva e postura digna, Alexia se juntou aos dois. Seu olhar não pousou nele nem por um instante. Ela possuía uma capacidade excepcional de ignorá-lo sem parecer deliberadamente rude.

O lado sedutor não se importava com isso. Ela podia evitar o olhar, mas não tinha como esconder que mudava de atitude por causa dele. A corda aveludada da sensualidade os unia agora. Ele não conseguia resistir a provocá-la, pela mera força do desejo.

Ela examinou as peças nos dois cabides, depois fez uma avaliação crítica da jovem Caroline. Então voltou o olhar para a modista que aguardava, na expectativa.

– Senhora, precisamos de alguns minutos de privacidade para fazer nossa escolha.

Madame Tissot não gostou nada de ser excluída, mas se retirou.

Alexia segurava um cabide meio de lado para que pudesse vê-lo também.

– Este seria o vestido mais apropriado. Contudo, é o mais caro. Não devemos nos deixar enganar por sua discrição. Os enfeites carregam centenas de pérolas e muitos metros de guipura. Custará bem mais do que este outro, deixando pouco para ser gasto com o restante do guarda-roupa.

Foi um discurso admiravelmente prático, sensato e convincente. Antes que as últimas palavras fossem ditas, pôde ver a expressão decepcionada de Caroline aceitando que o outro vestido teria que servir.

Alexia não olhou na direção de Hayden, mas manteve o cabide à vista dele.

– Tia Henrietta, talvez Caroline possa ver outros vestidos de baile antes de tomar uma decisão final sobre este – disse Hayden.

Tia Henrietta achou que era uma ideia esplêndida. Ela e a filha se lançaram mais uma vez no longo processo de avaliação dos vestidos pendurados nos cabides.

Ele aproveitou a oportunidade para se dirigir à Srta. Welbourne em particular, algo que lhe fora impossibilitado desde que a beijara.

– Você prefere esse aí, não é? – perguntou ele, indicando com um gesto o cabide que Alexia ainda segurava entre os dedos.

Dedos longos e elegantes, perfeitamente desenhados. Ele imaginou aquele vestido com espessa barra de rosetas bordadas em pérolas sendo usado por uma mulher. Não pela jovem e pálida Caroline, mas outra mulher, madura e confiante, com cabelo castanho e olhos violeta.

– Chama muito mais a atenção. É uma modelagem que todos notariam. Mas é caro demais para sua tia.

– Quer que Caroline fique com este vestido, não?

– Ela se sentiria muito mais especial, mais bonita. Como uma princesa. Isso se refletiria em seu comportamento, no jeito de se portar, sorrir – disse ela, mas, em vez de olhar para ele, olhou para Caroline, que examinava fotos com sua mãe e depois voltava a examinar o cabide.

Nunca olhava para Hayden agora.

– Ela fica muito intimidada por sua tia – continuou Alexia. – Também tem muita consciência da renda limitada da família. Ao contrário da mãe, ela se tornou muito sensata. Às vezes, no entanto...

– Às vezes a pessoa pode ser sensata demais?

– Ela é muito jovem. A sensatez é uma virtude que combina melhor com a maturidade.

Lorde Hayden olhou para o cabide em que estava pendurado o vestido que faria uma garota se sentir uma princesa. A mulher que o segurava nunca tivera essa experiência, mas evidentemente entendia muito bem os sonhos e inseguranças da adolescência. Ela se orgulhava de seu bom senso, mas não queria que a jovem Caroline ficasse presa cedo demais às mesmas considerações práticas.

Ela queria que Caroline estivesse com o vestido. Queria isso tanto que permitira essa conversa, mesmo quando tentava fingir que ele não existia.

– Minha prima vai usar o vestido que a senhorita prefere, Srta. Welbourne. Vou dizer à tia Henrietta que é um presente de Easterbrook, assim ela não vai imaginar segundas intenções de minha parte.

Ele se encaminhou a Henrietta e explicou a generosidade de Easterbrook. O rosto de Caroline se iluminou. Ela deu um pulinho e correu para pegar o cabide das mãos de Alexia. Rindo e dançando ao redor da cadeira de sua preceptora, ia lhe pedindo conselhos sobre cores. Alexia riu e se juntou à celebração.

Enquanto ele observava a excitação das moças, explicou outras coisas para a tia.

Henrietta chamou a atenção da filha.

– Precisamos escolher pelo menos um dos vestidos de baile hoje, antes que outras moças comprem as melhores criações. Você ainda tem que vir até aqui e fazer isso. O mesmo vale para a Srta. Welbourne.

– Ouso dizer que não precisam do meu conselho a esse respeito – disse Alexia.

– Não preciso que me aconselhe, mas que escolha seu vestido. Como minha dama de acompanhia, você irá a algumas festas e passeios e vai precisar de um guarda-roupa apropriado.

A expressão de Alexia deixou claro que estava pasma.

– Não posso comprar essas roupas, nem a minha presença será necessária.

– Creio que esta é uma decisão que compete a mim. O irmão de Hayden concorda que sua presença é necessária e que deve estar bem-apresentada. Easterbrook se ofereceu para fornecer o guarda-roupa.

Henrietta então se virou para Hayden exibindo sua expressão mais adorável.

– Por favor, diga-lhe que somos todas muito gratas. Vou expressar meus agradecimentos quando o vir novamente, mas ele é tão esquivo...

– Transmitirei seus agradecimentos.

– Por favor, não transmita os meus – disse Alexia. – Anseio por fazê-lo eu mesma. Expressarei meus agradecimentos do meu jeito ao homem responsável por essa generosidade inesperada.

Ela o encarou, dando-lhe o primeiro olhar direto dos últimos dias. Seus olhos comunicaram as palavras furiosas que não ousava dizer na frente de Henrietta e Caroline.

Ela suspeitava que o guarda-roupa viria dele e não de Easterbrook. Não gostava que ele tivesse encontrado um jeito de lhe dar presentes caros sem que ela estivesse de acordo.

O lado cavalheiro estava perdendo a luta sobre o que fazer com Alexia Welbourne.


CAPÍTULO 7

Hayden passou adiante os documentos. Suttonly assinou seu nome.

– Você deveria lê-los – avisou Hayden.

– Seu irmão os lê?

Suttonly falou com seu típico tom entediado. Ele passou as folhas de volta para Hayden e se recostou na cadeira.

– Easterbrook lê tudo.

– Meu advogado vai verificar tudo quando os documentos finais forem preparados. Até hoje, você nunca me orientou de forma errada. Minha riqueza duplicou desde que comecei a seguir seus conselhos.

– Um homem menos honrado do que eu teria ficado com uma parte maior do que você ganhou nos últimos anos – disse Hayden.

– Se estivéssemos nos enfrentando em uma mesa de jogo, eu já teria me levantado e ido embora há muito tempo, Rothwell. Nesse assunto, no entanto, você provou ter menos sede de sangue.

Suttonly aludia a um passado que, sendo velho amigo de Hayden, ele conhecia bem demais. Rothwell se tornara notório nas mesas de jogo assim que chegara à idade adulta. A excitação da vitória o levava à loucura. Tudo tinha sido parte de suas tentativas de se tornar um homem diferente do que sua criação mandava.

Ele arriscara se arruinar nas mesas, mas, em vez disso, ficara rico. Levara um bom tempo para perceber que jogava com uma vantagem injusta. Os outros homens viam cartas aleatórias, mas ele enxergava os padrões. Mesmo jogos de azar eram regidos pelo que as cartas anteriores ditavam.

Foi então que descobriu a obra de Bayes e Lagrange e de outros. Leu o livro de LaPlace sobre probabilidades. O estudo delas estava se tornando uma ciência, uma ciência que o fascinava.

Contudo, perceber a verdade tirou o divertimento dos jogos. Agora ele se restringia a um tipo de aposta mais justa. Ainda via padrões, ainda calculava as chances com um talento que a maioria não possuía, mas as variáveis desconhecidas de alguma forma nivelavam o terreno. E o que era ainda melhor: às vezes havia vitórias em que ninguém perdia.

Suttonly se levantou e saiu andando pela sala do centro financeiro de Londres onde Hayden realizava seus negócios. Ela era parte de uma suíte que continha ao mesmo tempo um escritório e um quarto de dormir. Rothwell raramente usava este último, mas, nas ocasiões em que tinha ficado trabalhando até mais tarde, ele havia se mostrado conveniente.

– Ainda nisso, pelo que vejo.

Suttonly avistara os dados em uma mesinha e observava o caderno com colunas ao lado deles.

– Está com sorte?

– Estou caminhando – disse Hayden.

A mesa continha os progressos de um experimento em curso. Por trás do que o senso comum considerava sorte ou oportunidade havia leis que regiam as probabilidades. Os cientistas acreditavam que o mundo funcionava como um relógio bem projetado, mas ele achava que, na verdade, o mundo poderia ser definido por equações matemáticas bastante simples.

Suttonly prosseguiu, metendo o bedelho em coisas particulares, como velhos amigos tendem a fazer. Focou sua atenção em uma pilha grossa de folhas em cima de uma escrivaninha.

– O que é isso?

– Uma nova prova matemática recentemente apresentada na Sociedade Real de Londres. Estou verificando se tem fundamento.

– Vá com cuidado, Rothwell. Esses seus interesses ainda não o tornaram tedioso, mas, em dez anos, se não ficar atento, ninguém vai querer conhecê-lo, exceto os idiotas dos acadêmicos da Somerset House.

– Restrinjo minha brincadeira com números abstratos a algumas horas por dia – disse Hayden. – Na verdade, são as horas que estão transcorrendo agora.

– Vou deixá-lo, então. A propósito, esse negócio com Longworth, acredito que não tenha sido seu gosto por sangue a causa da ruína dele. Mas os boatos de que você estava por trás disso continuam a correr.

– Não frequento as mesas de jogo há anos.

– Que resposta interessante. Seria ambígua o suficiente para eu erguer minhas sobrancelhas, se eu fosse do tipo que se importa. Longworth já vai tarde. Ben podia ser divertido se a gente deixasse de lado seu entusiasmo exaustivo, mas Timothy se mostrou tediosamente ganancioso.

Quando Suttonly foi embora, Hayden colocou os documentos dentro de uma gaveta. Então se aproximou da escrivaninha.

Em minutos, sua mente passou por várias fórmulas, transcorrendo a poesia incrível e indescritível simbolizada por suas anotações. Quando estava na escola, havia considerado a matemática uma tarefa vagamente interessante, na qual se superava continuamente. Por fim, um professor o apresentara à profunda beleza oculta nos cálculos mais sofisticados.

Era uma beleza abstrata, presente na natureza, mas não fisicamente visível. Não tinha nada a ver com o mundo no qual a maioria das pessoas vivia. Não havia emoções, fome ou fraquezas nesses números. Nenhum sofrimento nem culpa, nenhuma paixão nem impulsos. Essa beleza era pura racionalidade, do tipo mais fundamental, e as visitas dele a seus domínios poderiam ser escapes, ele sabia. Nas ocasiões em que sua alma estava atormentada por questões mais humanas, ele sempre encontrava paz ali.

– Sir.

A voz o puxou de volta para o mundo real. O funcionário estava em pé ao seu lado. O homem tinha instruções para interrompê-lo em uma hora específica, de forma que ele não desperdiçasse o dia inteiro nessas abstrações. Hayden não conseguiria dizer quanto tempo ficara ali, mas sabia que a interrupção tinha ocorrido cedo demais.

– Chegou um mensageiro – explicou o funcionário. – Ele trouxe isto e a instrução de que o senhor gostaria de receber imediatamente. Se eu deveria ter esperado...

– Não, você agiu corretamente.

Ele rompeu o selo enquanto o funcionário voltava para a antessala. Leu a única frase escrita por um lacaio subserviente da casa de Henrietta.

A Srta. Welbourne havia tirado folga e fora visitar as lojas da Albemarle Street.


Se Phaedra Blair não possuísse nem estilo nem beleza, as pessoas a considerariam meramente estranha. Como a natureza a tinha abençoado com ambas as qualidades, a sociedade a achava quase interessante.

Phaedra era uma das poucas pessoas que Alexia podia contar como amiga, além de sua prima Roselyn. Mas não mantinham uma amizade expressamente pública, apesar de às vezes passarem um tempo juntas na cidade, como faziam hoje. Phaedra era a amiga que Alexia normalmente procurava quando queria falar em particular sobre livros e ideias.

Filha ilegítima de um membro do Parlamento reformista e de uma intelectual, Phaedra morava sozinha em uma pequena casa em uma rua pobre perto de Aldgate. Herdara dos pais a capacidade de dispensar regras e crenças que lhe parecessem estúpidas. Por causa disso, ela e Alexia tinham tido algumas discussões fortes em certas ocasiões. Tinha sido uma delas – ocorrida dois anos antes, no dia em que se conheceram ao examinar a mesma pintura em uma exposição da Royal Academy – que iniciara sua amizade.

– Acho que seu plano de fazer chapéus é admirável. Como afinal você entendeu, uma mulher dependente é uma mulher escravizada – disse Phaedra.

Uma vez que um tio lhe havia deixado uma renda de cem libras por ano, Phaedra não era escravizada por nada nem ninguém.

Elas estavam passeando pela Pope’s Warehouse, na Albemarle Street, Alexia comprava aviamentos. Ela decidira fazer um chapéu e um gorro. Escolheu um fio de ferro que poderia usar para fazer a aba.

– Não permita que essa chapeleira a roube. Seus chapéus valem muito – disse Phaedra. – O design é tudo na arte.

– Ela vai querer lucrar também. Posso me sustentar com poucas libras por mês.

Com dificuldade, mas era possível. Se ela fosse frugal, poderia poupar algum dinheiro também. Em poucos anos, teria condições de abrir uma escola para meninas. Esta era uma forma comum e respeitável de damas trabalharem.

– Sou a última mulher a censurar esse modo de vida. Mas você leva a opinião das pessoas mais em consideração do que eu, Alexia. Não deixe de pensar nisso ao fazer suas escolhas. Se descobrirem que você está fazendo peças para uma loja, tentar manter seu emprego será em vão.

Alexia queria muito não se importar tanto com a opinião dos outros nem com seu emprego. Phaedra não ligava a mínima e tinha uma vida provavelmente muito mais interessante do que a sua jamais seria. Phaedra não se preocupava com bens materiais. Viajava sozinha se quisesse. Recebia escritores e artistas na sua pequena casa. Alexia tinha motivos para suspeitar que Phaedra tinha amantes também. Não aprovava esse comportamento, mas não podia negar que a indiferença da amiga a regras sociais era muito sedutora.

Phaedra nem mesmo usava boinas ou chapéus. Seu longo cabelo ruivo ficava solto.

Em consequência, elas receberam muitos olhares dos donos dos armazéns. Depois que as pessoas olhavam para aquele cabelo, percebiam as roupas e olhavam ainda mais. Phaedra quase sempre estava vestida de preto. Ela poderia estar de luto, não fosse por seu cabelo e pelo corte incomum, solto, de seus vestidos. O forro em forte tom dourado de sua capa negra anunciava ainda que o preto era sua cor preferida.

– Confesso ainda que estou surpresa com sua decisão de sair da casa – disse Phaedra enquanto Alexia escolhia uma palhinha para o chapéu. – Você tem um dia só para você e pode usar a carruagem. Não é uma prisioneira. Está muito mais confortável lá do que estará por conta própria.

– Não desejo continuar dependente, por mais conforto que isso traga. Nem é uma situação estável. Posso ser demitida a qualquer momento, por qualquer motivo. Então, o que eu faria?

– E em que isso difere de sua situação anterior?

– Antes era minha família. Família não põe um parente no olho da rua.

– A sua pôs.

– Por favor, não os critique, Phaedra. Recebi uma carta de Rose hoje e as coisas não estão indo nada bem. Tim está doente e eles precisam racionar combustível como se fossem camponeses.

– Seu primo deveria cuidar da saúde logo e procurar um emprego.

Alexia evitou a discussão. Hoje não queria falar dos Longworths. Não eram eles o motivo de ela estar comprando aviamentos às escondidas para fazer suas peças.

Gostaria de poder contar a Phaedra sobre lorde Rothwell e os beijos. Se o fizesse, no entanto, a amiga chamaria isso de luxúria, exatamente o que tinha sido. Phaedra provavelmente a lembraria das três longas cartas que Alexia lhe escrevera falando mal daquele homem.

Seu rosto enrubesceu ao pensar no conjunto de passeio e nos vestidos que estavam sendo confeccionados por madame Tissot. Tinha certeza de que era Rothwell, e não Easterbrook, que estava pagando por eles. Phaedra a repreen-deria por isso. Phaedra podia ter amantes, mas era contrária a que homens pagassem com presentes pelos favores de mulheres.

Alexia verificou o material disposto sobre o balcão para se certificar de que tudo estava ali. Somou todos os itens e pagou. O funcionário da loja embrulhou suas compras em vários pacotes. Equilibrando todos eles de forma desajeitada em uma pilha que lhe chegava à altura do nariz, ela saiu para a rua, na direção da carruagem.

– Você deve querer começar os chapéus hoje mesmo – disse Phaedra. – Ou então terá que esperar até a semana que vem. Não me diga que vai confeccionar esses chapéus à luz de uma lamparina depois que acabar suas tarefas. Prejudicaria sua saúde, não posso aprovar isso.

– Suponho que, já que vou fazê-los, é melhor que seja logo.

– Vou para casa em um cabriolé, assim não desperdiçará uma hora para cruzar a cidade. Foi muita gentileza sua ir me buscar, mas não me importo de voltar sozinha.

Alexia se virou para agradecer a Phaedra por sua consideração. Do canto do olho, viu alguém vindo em sua direção. Percebeu-o bem a tempo de evitar que trombasse com ele.

De repente os dois pacotes do alto da pilha desapareceram.

Voltou-se para o ladrão e estava prestes a gritar para evitar que ele fugisse. Só que não era um ladrão.

– Estavam quase caindo – disse lorde Rothwell. – Vejo que está usando sua folga de forma mais ativa do que na semana passada, Srta. Welbourne.

– Lorde Rothwell. Que surpresa inesperada.

Ele era a última pessoa que gostaria de encontrar. Não teve outra opção a não ser apresentá-lo a Phaedra. Hayden Rothwell nem piscou diante da aparência de sua amiga. Ele transpirava uma elegância afável.

Hayden olhou para os pacotes.

– A carruagem está por perto? Posso carregar os embrulhos e acompanhar as senhoras até lá.

– Vou chamar um cabriolé, obrigada – disse Phaedra.

– Não posso permitir – disse Alexia em tom firme para dar a entender a Phaedra que ela deveria ficar. – Vou levá-la de volta na carruagem.

– Você pode aproveitar melhor a tarde.

– Permita-me conseguir o cabriolé para a senhorita – ofereceu lorde Rothwell.

Ele fez um sinal para o homem que fazia a segurança do depósito. Tirou umas moedas do bolso do colete e deu instruções para que encontrasse um cabriolé de aluguel para a Srta. Blair.

Depois guiou Alexia para longe da porta e até a fila de carruagens que esperavam ao longo da rua.

– Sua amiga, a Srta. Blair, não passa despercebida.

– Ela é honesta, autêntica e incapaz de dissimulações.

– Não quis faltar com o respeito. Ela é original. Deveria apresentá-la para Easterbrook. Eles podem trançar o cabelo um do outro.

– Suspeito que Phaedra acharia Easterbrook bem entediante. É isso que não a faz passar despercebida e mostra sua originalidade.

A atitude levemente mal-humorada que o cocheiro tinha assumido no começo do passeio desapareceu ao ver Rothwell se aproximar ao lado dela. Adiantou-se para pegar os embrulhos, depois os arrumou cuidadosamente na carruagem.

– No futuro, quando a Srta. Welbourne usar a carruagem para fazer compras, um lacaio deve acompanhá-la – disse ele ao cocheiro. – Minhas desculpas, Srta. Welbourne, por não ter deixado isso claro para os serviçais desde o início.

Lorde Rothwell abriu a porta para Alexia. Ela subiu na carruagem. Ele fez o mesmo.

– Não preciso que me acompanhe. O cocheiro pode me proteger no curto trajeto até a Hill Street.

Ele ignorou sua falta de gentileza e se sentou defronte a ela.

– A Srta. Blair estava certa? A senhorita tem outros planos para esta tarde?

Tenho, sim. Pretendo levar estes embrulhos para meu quarto e começar a fazer chapéus, para ganhar dinheiro suficiente para nunca mais vê-lo nem ter que sofrer o desprazer de sua presença.

– Alguns assuntos pessoais – disse ela.

Aparentemente ele pensou que ela queria dizer que não tinha nada importante para fazer. Deu instruções ao cocheiro para se dirigir ao Hyde Park.

– Está meio frio para uma volta no parque – disse ela.

– Nosso passeio será breve. Gostaria de lhe falar sobre um assunto.

O coração dela se encheu com a gravidade que prenunciava más notícias.

– Duvido que essa conversa inclua as desculpas que me deve. Nem prevejo receber suas garantias de ser poupada desse comportamento no futuro, já que sua invasão dessa carruagem por si só levantaria suspeitas.

Uma leve doçura suavizou a expressão dele. Um olhar franco e senhor de si acrescentou um toque sarcástico que enfraqueceu aquele efeito.

– Desculpe-me tê-la ofendido com meu silêncio. Admito que lhe devo as desculpas e as garantias necessárias. Mas não conseguirei dizer as palavras certas no momento.

– Por quê?

– Porque seriam mentira.

A carruagem pareceu ficar muito pequena. Ele ainda agia de forma amigável. Nada em seu rosto ou postura a ameaçava. Entretanto, tudo nela ficou muito ciente da presença de Hayden. Seu corpo reagiu como se ele a estivesse acariciando com gestos longos e demorados.

Fora um erro ficar sozinha com ele. Ela odiava como esse demônio podia provocar reações tão escandalosas nela.

– Lorde Hayden, considerarei quaisquer assédios dessa natureza como insultos do tipo mais cruel.

– Não consigo decidir se isso é verdade ou se a senhorita quer se convencer disso.

– Que generoso de sua parte pensar em minhas preferências.

– São de fato as suas preferências que contemplo. No entanto, fique contente de eu não pretender descobrir hoje quais são elas. Quero falar de um assunto bem diferente.

– E o que seria?

– Algo que lhe dará muito mais prazer. Benjamin Longworth.


A menção ao nome de Benjamin silenciou suas objeções. Ele suspeitou que ela suportaria todo tipo de galanteios se a conversa incluísse recordações sobre seu amado primo.

Se aceitar se tornar minha amante, concordo em conversar sobre Benjamin Longworth duas vezes por semana. Só que não na cama. Se isso for aceitável para a senhorita.

Ela o ignorou enquanto a carruagem os levava para o parque. Ele passou o tempo imaginando o que estaria nos embrulhos e observando o cuidadoso conserto que fora feito ao longo da bainha de seu casaco marrom. O conjunto de passeio que estava sendo feito por madame Tissot cairia muito bem nela e seu tom azul-celeste combinaria perfeitamente com seus olhos.

Ainda não era a hora costumeira de passeios pelo parque, mas já havia um número suficiente de chapéus largos e cinturas apertadas por ali para afastar a sensação de estarem sozinhos. Para Alexia, passear lado a lado com ele era um verdadeiro suplício. Sua postura deixava claro como ela permanecia na defensiva.

– Estamos em local público, Srta. Welbourne. Dificilmente a importunaria aqui.

– Sua maneira de falar é muito ousada. Um beijo roubado não lhe dá o direito de tamanha intimidade.

– Conversas ousadas sempre marcaram nossos encontros, e não por iniciativa minha. Além disso, não foi um beijo, e eu roubei muito pouco. Mas não vamos brigar hoje. Falemos de assuntos amigáveis.

O olhar dela mostrou que não o considerava um amigo, mas a alusão ao assunto que havia sido anunciado a acalmou. Seu passo desacelerou e o gelo derreteu.

– Pode me dizer por que ele decidiu ir para a Grécia? – perguntou ela. – Foi um choque para nós, algo muito inesperado.

A referência a Ben provocou um lindo rubor nas maçãs de seu rosto e um brilho vivaz em seu olhar. Sua aparência o lembrava de quando a beijara e essa lembrança fez com que seu lado cavalheiro desaparecesse do mapa. Em sua mente, via um campo de violetas, a brisa transportando os gemidos ritmados de uma mulher acolhendo o prazer enquanto ele a penetrava...

Vigilância. Vigilância.

– Ele soube que eu estava indo e decidiu se juntar à nossa brigada – disse ele. – Creio que foi um dos impulsos pelos quais era famoso.

– Um impulso generoso. Ele arriscou a vida por uma causa nobre.

– Certamente.

Balela. Ninguém imaginava que pudesse ser ferido, que dirá morrer. E Ben não tinha ido por uma questão de princípios. Ele fora para a guerra motivado pelo desejo de se aventurar e a esperança de impressionar uma dama inatingível.

Não era seu papel desiludir a Srta. Welbourne. Nem ela o agradeceria se o fizesse.

– Tenho certeza de que ele era muito corajoso – disse Alexia. – Imagino-o como um herói em um quadro.

Ele combateu a vontade de contar-lhe a verdade. Ben fora muito corajoso uma vez, isso era certo. Louca e impulsivamente corajoso. O desejo de lhe fazer confidências o confundiu.

– Ele lutou o melhor que pôde, como todos nós. Mas os gregos não são bem comandados. Eles não dispõem de uma estratégia sólida e suas facções não cooperam. Temo que o cerco de Missolonghi acabe muito mal.

– Ben disse que os gregos têm que ser libertados. Como um marco e para compensá-los por tudo o que o mundo civilizado deve à sua história.

Ben não estava nem aí para isso. Usara a defesa dos gregos como desculpa para ir embora. Sabia muito pouco sobre política ou história.

Contudo, essa vontade de ajudar sem querer nada em troca havia motivado outros. Tinha sido sua própria justificativa para fazer algo que, olhando em retrospectiva, era irracional, impetuoso e uma louca versão do heroísmo romântico encontrado em poemas.

Seus princípios haviam sido nobres, mas a realidade dessa guerra não o fora. Tinha visto atrocidades cometidas por ambos os lados. Tinha voltado exausto e desencantado, a tempo de observar outros irem depois dele, todos imbuídos dos mesmos ideais simplistas.

– Acha que eles vão vencer? – perguntou ela. – Gostaria de acreditar que o último ano de vida dele não foi dedicado em vão a essa causa.

– O Império Otomano é antigo e corrupto. Só se sustenta com a ajuda de países como o nosso. Os turcos deixarão a Grécia um dia e a guerra atual e nosso apoio terão ajudado isso a acontecer.

Falavam sobre isso enquanto caminhavam juntos, suas botas esmagando folhas secas que voavam pelo caminho. Ela lhe fez muitas perguntas, esquecendo que deveria estar zangada com ele e até mesmo que deveriam estar falando de Benjamin. Por vinte minutos, a situação mundial ocupou sua mente inquieta e questionadora.

Foi lorde Hayden que dirigiu a conversa de volta para Benjamin. Ele o fez de má vontade, mas seu encontro “acidental” com a Srta. Welbourne tinha um objetivo.

– A família passou por dificuldades quando Ben se ausentou? – perguntou Rothwell.

A alusão aos Longworths causou uma tensão perceptível.

– Timothy já havia começado a trabalhar no banco àquela altura, então não me lembro de ter havido grandes dificuldades. E de início continuamos morando em Cheapside. Foi logo depois que Ben partiu que a situação começou a melhorar significativamente.

As últimas palavras saíram com um toque de ressentimento. Para depois tudo ser destruído por você, é claro. Alexia não disse isso, mas a acusação era perceptível em seu tom. E provavelmente sempre seria.

– A senhorita não percebeu melhorias nos primeiros anos em que morou com eles em Cheapside? Foi só depois?

– Tim explicou que o banco precisava se consolidar nos primeiros anos, mas que depois estava bem estabelecido. Pudemos gozar dos frutos da administração cuidadosa que Ben e ele mantinham. Admito que considerava Tim exagerado no que dizia respeito a gozar desses frutos, mas talvez fosse normal se permitir tanto assim.

Ele olhou para o casaco dela de novo. Era antigo, de alguns anos atrás, pelo menos. Pensava em seus vestidos deselegantes, de cintura alta. Tim tinha permitido muitos mimos a si próprio e às suas irmãs, mas não à prima.

O canalha vinha roubando as pessoas e não tinha se dado o trabalho de usar alguns desses ganhos escusos com a prima pobre em sua própria casa.

– Na verdade, o banco gozou de um crescimento sólido desde o início – disse ele. – A mudança repentina de uma vida confortável para uma de extravagâncias não se deve ao modo como o banco se solidificou. Ben poderia ter gozado de alguns desses frutos antes. Eu teria esperado ver evidências lentas mas constantes do crescimento de seus negócios. Está dizendo que não houve?

– Não que eu tenha notado. Tínhamos uma vida bastante estável em Cheapside. Ele ia ao clube e tinha uma carruagem ao seu dispor o tempo todo. Não havia indícios de que a situação estivesse mudando nem para melhor nem para pior – respondeu Alexia e então, observando a nítida curiosidade de Lorde Rothwell, questionou: – Por que está fazendo essas perguntas?

– Ando pensando muito nele, Srta. Welbourne. Fico imaginando-o em seus últimos dias naquele navio. Benjamin estava em profunda melancolia. Imaginei se ele não teria de enfrentar problemas financeiros quando voltasse, mas, pelo que está me dizendo, parece que não.

Ele fez uma pausa, imaginando como deveria prosseguir.

– Agora me pergunto em que foi aplicada a renda a mais que recebeu naqueles últimos anos, se não foi em sua casa ou para manter hábitos caros.

– Reinvestida no banco, imagino. Então Tim herdou tudo.

Era uma boa resposta, só que errada. Ele tinha examinado os registros da conta pessoal de Benjamin. Pouco tinha sido depositado lá para Tim herdar.

Algum dinheiro teria sido usado para pagar os falsos rendimentos dos títulos que ele roubara, é claro. Esse valor aumentara a cada roubo. No entanto, muito mais do que isso tinha desaparecido.

Teria que pensar melhor sobre o assunto, agora que sabia que Benjamin não tinha gastado uma boa parte em luxos. E também teria que verificar se Ben não possuía contas em outros bancos e se elas poderiam conter os frutos de seus crimes.

A caminhada tinha traçado um percurso circular. A carruagem esperava adiante. Hayden afastou Benjamin de sua mente e apenas aproveitou a presença da Srta. Welbourne ao seu lado nos últimos metros do caminho.


Ela estava se esquecendo de odiá-lo. A caminhada tinha sido muito amigável, contudo ele não era amigo dela nem de seus entes queridos.

Agora estavam na carruagem de novo e aquela outra fascinação, a excitação infame, interferia ainda mais. Ela achava isso muito desconcertante, sentar-se diante de um homem que sua mente desprezava, mas que seu corpo, não – as várias inquietações se misturavam todas.

Ele a olhou de uma forma que era muito frequente agora, com uma contemplação despreocupada que criava um clima predatório sutil. Seu olhar pousou e se demorou nas mãos dela.

– Devo-lhe desculpas. Fui relapso com seu bem-estar e sua saúde. Deveria ter percebido que usava luvas sem as pontas dos dedos e não luvas mais quentes.

Ela baixou o olhar para os próprios dedos rosados, descobertos pela luva que terminava no dorso da mão. Alexia as escolhera para que pudesse tocar e avaliar os aviamentos que compraria.

Ele abriu o cobertor que ficava na carruagem e envolveu as mãos dela, esfregando-as para que a lã as aquecesse rapidamente. Ela recebeu o carinho sofregamente e seus dedos pinicaram na conchinha aquecida. A proximidade dele fez seu coração bater forte demais. A sensação das mãos dele pressionando as dela por cima da lã a fez perder o fôlego.

Ela não conseguia controlar essa reação. Nenhuma delas. Isso a assustava. A parte dela que se esquecera de odiá-lo era independente do bom senso. As reações vinham de uma fonte tão profunda que Alexia não conseguia definir qual. Emergiam de uma essência primitiva que sua mente racional não conseguia controlar.

Só a ausência dele a libertava por completo. Felizmente, ela daria um jeito nisso em breve. Por ora, buscou refúgio no único lugar em que poderia encontrá-lo.

– Apreciei nossa conversa sobre Benjamin. Sua descrição da melancolia dele me surpreendeu, nunca soube que ele era assim.

Isso era verdade. Um pequeno desconforto surgiu, como se um ponto de interrogação tivesse se juntado aos pontos de exclamação sobre Benjamin.

– Talvez ele tivesse sentido a perda das fortes emoções ao voltar para casa após toda a tensão na Grécia.

Ela não se importava com essa explicação. Afinal, ele voltara para ela.

– Desculpe-me por ser direto, Srta. Welbourne, mas... Benjamin a pediu em casamento antes de partir ou foi por carta?

Ela nunca o perdoaria por ser tão direto. Essa pergunta fazia ressurgir um questionamento dela. Um questionamento traiçoeiro que surgia no meio da noite, quando se entregava às lembranças. Será que tinha entendido mal?

– Ele falou de ficarmos juntos para sempre.

– Então vocês tinham um acordo claro. Entretanto, talvez ele estivesse preocupado com a possibilidade de a senhorita o rejeitar quando ele a pedisse formalmente em casamento. Isso deve explicar seu ar melancólico.

Não, não era isso. Ele ditava o ritmo da relação. Era ela que tinha motivos para se inquietar com a rejeição.

Esse pensamento lhe tomou a mente. Ela se ressentiu de sua honestidade e da forma como aquele homem impunha sua presença.

– Talvez seja bom ele não estar entre nós agora – disse ela. – Se era amigo dele, o que fez aos Longworths... seu dever, como diz... teria sido mais difícil.

Ela buscou algum sinal de culpa nele. Não encontrou.

– Imagino que escreva para eles.

– É claro. E minha prima Roselyn me escreve também. Timothy está arrasado. Tudo o que aconteceu afetou sua saúde.

– O brandy tem um custo para a saúde.

– Como ousa...

A severidade de Hayden surgiu no exato momento em que Alexia começou a repreendê-lo. Os instintos dela gritaram uma advertência silenciosa para que segurasse sua língua. A última discussão acalorada deles produzira resultados drásticos. Engoliu o ódio.

– Roselyn me diz que eles mal têm o que comer, então duvido que haja dinheiro para comprar brandy.

– Gim barato tem o mesmo efeito. Sinto muito pelo sofrimento das damas. Vou enviar algum dinheiro para a Srta. Longworth. Se o dinheiro for entregue a ela, podemos ter certeza de que ficará nas mãos dela e não será usado para alimentar a doença do irmão?

– Ela nunca aceitaria dinheiro do senhor. Seu orgulho nunca permitiria isso, nem sua raiva. Ela morreria de fome primeiro.

– Então darei o dinheiro para a senhorita, que enviará para ela. Não é preciso que ela fique sabendo da verdadeira fonte. Digamos cinquenta libras no momento?

A oferta a surpreendeu. Deveria aceitar, sabia que sim. No entanto... Ela o encarou com desconfiança. Seria como o novo guarda-roupa? Ela ficaria em dívida com ele?

O sorriso lento de lorde Rothwell mostrou que lera os pensamentos dela.

– Srta. Welbourne, se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto. A senhorita ficaria sabendo logo e eu nunca a insultaria com uma quantia tão pequena.

A carruagem chegou a Hill Street naquele exato minuto. Um lacaio se apressou para ajudá-la a descer. Ela se afastou rapidamente enquanto Rothwell arrumava a pilha de embrulhos nos braços do criado. Estava a meio caminho da porta quando se decidiu quanto ao dinheiro. Ela se virou e se dirigiu a Hayden, que descia da carruagem.

– Meu orgulho não deve impedir que minhas primas tenham algum consolo. Mandarei o dinheiro. Somente dez libras, não mais, pois eu não poderia explicar a origem. Ela nunca saberá que veio do senhor.


CAPÍTULO 8

Alexia arrastou Caroline para uma conversa formal em francês. Sua pupila ainda deixava bastante a desejar quanto ao domínio desse gracioso idioma. A falta de atenção da própria Alexia aos pontos mais sutis da gramática não estava ajudando seu progresso.

Metade de sua mente permanecia ocupada com o encontro com lorde Rothwell que acontecera havia três dias. Distanciada da sua presença perturbadora, a conversa deles ganhara a posição central em suas lembranças. Sua reação confusa diante dele formava o pano de fundo para algumas especula­ções sérias em relação ao que tinha dito a propósito de Benjamin. O novo ponto de interrogação não parava de crescer.

Um lacaio as encontrou na sala de aula e depositou um embrulho em cima da mesa, anunciando que tinha acabado de chegar para a Srta. Welbourne.

– Você comprou um travesseiro quando foi às compras? – perguntou Caroline.

Não, mas esse embrulho parecia mesmo conter um travesseiro. Ela rasgou o elegante papel de embrulho. O papel caiu no chão revelando um regalo de arminho.

– Nossa! – exclamou Caroline. – Que lindo!

O regalo era feito de uma pele branca extremamente macia. Um cetim marfim forrava o túnel onde se colocavam as mãos para aquecê-las. Pérolas minúsculas enfeitavam as costuras de ambos os lados.

Alexia leu o bilhete que o acompanhava.


Soube que vai ao teatro hoje à noite com minha tia. As noites ainda estão muito frias para que uma dama saia sem a devida proteção. Queira aceitar isto em sinal de gratidão pela ajuda que está prestando à família.

Easterbrook


A ponta do dedo de Caroline traçou um pequeno desenho nos pelos.

– Mamãe acha que Easterbrook devia ter nos convidado para morar na casa dele. Ela também está magoada porque ele nunca nos visitou aqui, mas acho que ele tem um coração generoso.

Alexia não fazia a menor ideia se o coração de Easterbrook era generoso ou não. Contudo, tinha quase certeza de que ele não sabia dos presentes que não paravam de chegar em seu nome.

O luxo do regalo a deixou encantada. Suas mãos ansiavam por se aquecer em seu calor. Ela se lembrou de Rothwell pondo a coberta em volta de suas mãos, numa versão simplificada daquele presente.

– O que é o outro bilhete? – disse Caroline apontando para o colo de Alexia.

Um segundo envelope lacrado tinha caído quando ela abrira o embrulho.

Tocou-o e percebeu que este não poderia ser mostrado a Caroline. Seus dedos sentiram o tamanho e o formato do papel contido dentro do envelope. Era evidente que “Easterbrook” estava doando as dez libras que seriam enviadas para os Longworths.

Ela sabia a verdade. No entanto, ainda não estava em dívida com ninguém. A artimanha da generosidade de Easterbrook protegia seu orgulho. O mesmo era verdade em relação à estranha garantia dada na carruagem. Se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto.

Ela pôs o regalo e os bilhetes de lado. Durante toda a lição da tarde, os dois presentes ficaram lá, esperando para envolvê-la em ilusões de segurança, seduzindo-a a pensar com doçura no homem que os enviara.


O vestido dela era velho, mas apresentável, e sua longa capa era elegante apesar da simplicidade. Nenhuma das peças, porém, estava na moda e Hayden pressupôs que já tinham visto muitas primaveras. Alexia provavelmente as tinha comprado quando Ben era o chefe da família. Era só pela falta de uso que permaneciam livres de sinais de desgaste.

Ela chegou ao camarote com Henrietta, satisfeita no seu papel da quieta dama de companhia à sombra da exuberância da tia dele. Um discreto turbante ornado de uma pluma anunciava sua condição de dama, independentemente de sua situação. O regalo de pele dava um tom de luxo à melodia silenciosa e fora de moda do recato de suas vestes.

Ela manteve o regalo no colo durante toda a peça. O teatro estava um pouco frio e suas mãos permaneceram escondidas em seu túnel acetinado. Sentado do outro lado de Henrietta, Hayden conseguia ver facilmente o braço enluvado de Alexia descrever uma curva suave para a caverna oculta onde suas mãos pousavam. Ele imaginou os dedos delgados, aquecidos pelo ninho de pele e cetim, escorregarem em seu peito nu, cinco caminhos aveludados acompanhando a linha de seu quadril e em torno de suas ancas...

Ele se levantou e recuou para a parede do fundo do camarote. De lá, só conseguia ver o chapéu de Alexia. E a pele de seu pescoço. E o suave declive de seus ombros. Seu vestido ocultava o bastante para fazer sua imaginação voar de novo, especulando sobre o gosto que sentiria ao beijar aquela pele.

Riu de si mesmo, apesar dos dentes cerrados. Não era homem de ficar espionando mulheres que não poderia ter. Sua vida pessoal progredia com a mesma eficiência de sua vida pública. Esse desejo pela Srta. Welbourne não fazia sentido e estava se mostrando altamente inconveniente. E era desejo, puro e simples, o tipo de anseio que raramente se concentrava em uma mulher específica, que dirá em uma mulher a ser desejada em vão.

O problema era que não acreditava de verdade que era em vão. Ele não deveria tê-la, mas a parte de sua cabeça que instintivamente calculava probabilidades dizia que poderia, se quisesse. Ela não gostava dele e o culpava por grandes pecados, mas o desejo existia à parte do que deveria ser.

O objeto de sua atenção se mexeu. Seus ombros se curvaram para o palco e o chapéu lentamente se ergueu. Virando-se, ela pousou o regalo na cadeira e andou com graça silenciosa na direção dele.

Ele esperava que ela fosse sair do camarote. Mas, ao contrário, se aproximou de Hayden, seus olhos buscando os dele na sombra ao longo da parede do fundo.

Foi preciso conter o desejo de agarrá-la.

– Está gostando da peça, Srta. Welbourne?

– Sim, foi muito gentileza a sua tia me incluir.

Ele tinha arranjado isso sendo vago sobre seus próprios planos. Sugerira a Henrietta que trouxesse a Srta. Welbourne para que não houvesse chance de ela ficar sozinha no camarote de Easterbrook. Ele desprezava seu impulso de agir por subterfúgios, mas se rendia a eles.

– Seria possível ter uma conversa com o senhor, lorde Hayden? Refere-se a um assunto que não me saiu da cabeça nos últimos dias e exige privacidade.

Agora não, pombinha. Fique perto da mamãe se for ajuizada.

– Certamente, Srta. Welbourne.

Ele a guiou para a porta.

O corredor estava às escuras, com apenas pequeninas luzes amarelas salpicando a escuridão. A pele de Alexia parecia etérea e seus olhos, muito escuros e expressivos. Eles se reuniram à porta do camarote.

– Andei pensando sobre o que disse no parque, em relação a Benjamin.

O cenho de Alexia se franziu de preocupação. Ele quis beijar aquela ruga até desfazê-la.

– O senhor falou da melancolia dele nos últimos dias de vida e fiquei pensando em como isso seria um comportamento incomum para ele.

– Todos nós temos nossos momentos. Tenho certeza de que ele também os tinha quando não estava sendo observado pelas outras pessoas.

– Possivelmente. Mas... deixe-me fazer uma pergunta: ele estava bebendo naquela noite, quando aconteceu?

– Uma quantidade razoável.

Naquele instante ele desejou que não tivessem deixado o camarote. Ela estava entrando em detalhes que ele preferia não dar. Normalmente evitava pensar nisso.

– Isso também não era um comportamento comum nele – disse ela. – Ao contrário de seu irmão, Ben não gostava de beber. Pelo que me contou, acho que ele não estava apenas melancólico, mas consternado.

– Talvez essa palavra seja forte demais.

– O senhor o viu lá, no convés, antes de cair?

Agora estavam rumando para águas profundas. O desejo de beijá-la tinha menos a ver com atração e mais com impulso de silenciar essas perguntas.

– Eu o vi rapidamente.

“Olhe para as estrelas, Hayden. Elas enchem todo o céu até chegarem ao mar. Sinto como se pudesse andar por sobre as águas e tocá-las.”

“Lá na frente não são estrelas, mas o farol da Córsega. A bebida alterou seus sentidos. Desça para ficar com os outros. Está frio.”

“Não serei uma boa companhia. Ficarei melhor sozinho esta noite.”

“Pode ficar sozinho lá embaixo.”

“Deixe-me em paz, está bem? Você nunca fica triste, Hayden? Essa sua alma distanciada e calculista nunca sente tristeza ou desespero? O céu noturno pode servir para aliviar esses sentimentos.”

“Ficaria menos triste se estivesse menos bêbado.”

“Agora falou igual ao seu pai. Fazendo julgamentos, com sua superioridade lógica. Vai me passar um sermão? Falar de retidão moral e comportamento honroso? Por Deus, em vinte anos você estará igualzinho a ele. Que bom que você não tem vontade de casar, porque iria acabar tão hipócrita quanto ele e...”

“Mais uma palavra e acabo com você, mesmo estando bêbado, seu canalha.”

“Deixe-me em paz e não vai mais ouvir nenhuma palavra deste canalha.”

“Vou deixá-lo em paz. Vá para o diabo, se é o que deseja.”

– Tivemos uma conversa rápida, mas ele não quis descer comigo – disse Hayden dando de ombros.

Ela pareceu ver o peso que o gesto demonstrava. Ele ficou sem jeito com o olhar perscrutador dela.

– O senhor se culpa, não é? Sente-se culpado por não tê-lo convencido a deixar o convés.

Ele expirou lentamente, deixando sair a fúria que surgira com as palavras dela. Aquela acusação criava uma intimidade peculiar. Alexia tinha tocado no lado selvagem de sua alma.

– Peço desculpas pelo que disse. Agora está zangado. Mesmo nesta luz, posso ver. Não pretendia...

– A senhorita só citou mais um pecado em uma longa lista. Homens como eu têm muitos, como já assinalou tantas vezes.

– Tenho certeza de que não sabia que ele estava tão embriagado a ponto de cair no mar – disse ela, espiando-o e tentando enxergar suas feições apesar da luz baixa.

Ela estava adoravelmente preocupada. Tanto que de repente ele não mais se importava com o que ela vira ou com o que poderia saber sobre Ben. Ele não dava a mínima para esses detalhes naquele exato momento, porque os lábios carnudos de Alexia estavam tão sensuais que ele já não dava conta do que havia ao seu redor.

– Lorde Hayden, tenho que fazer uma pergunta. É muito difícil cair no mar? Venho tentando imaginar a cena, mas, com os corrimões, sem chuva, me parece que...

Ele tocou a ponta dos dedos em seus lábios, silenciando-a.

– Não é tão difícil, se a pessoa for descuidada. Acontece com frequência. Um movimento mais brusco, uma volta mais despreocupada... Os corrimões são para ajudar os sóbrios e sensatos, mas não são paredes de uma prisão.

A expressão dela se transformou com o toque masculino. O espanto eclipsou a preocupação. O medo apareceu por baixo desse toque suave e uma excitação latente se mostrou em seus olhos ávidos.

O silêncio e as sombras do corredor os envolviam. Não havia qualquer ruído. Estavam sozinhos.

Hayden baixou a cabeça para provar o cetim frio do ombro nu de Alexia.

Ela suspirou. Um suspiro profundo não de choque, mas de prazer. Só isso já seria capaz de derrotar a força de vontade dele, mas ela já havia caído por terra.

Ele pressionou os lábios ao longo daquela pele sedutora, sentindo o calor provocado pela aproximação sutil. Ela não fugiu nem apresentou objeção. Nem mesmo deu um passo atrás. Ele deslizou a mão em volta da cintura dela e a puxou para perto, sua boca seguindo o caminho em direção ao pescoço. Ele acompanhava a pulsação dela com beijos e pousava a língua ao ritmo acelerado da excitação dela.

O desejo não obscurecera seus sentidos. Ele ainda ouvia o silêncio e os suspiros leves e amedrontados que saudavam cada novo beijo.

Não era o momento nem o lugar, mas não dava a mínima. Puxou-a para mais perto ainda, pressionando-a contra ele enquanto segurava seu rosto e tomava posse de sua boca provocante.

A surpresa dela o seduziu ainda mais. Sua rendição incendiou sua mente. Pequenos murmúrios de confusão se faziam sentir em seus suspiros sôfregos, como se ela não soubesse o que fazer com essa paixão.

Ele parou o beijo e olhou para o rosto dela. Olhos fechados e lábios entreabertos, ela era a imagem viva do êxtase. O corpo dela parecia leve e frágil nos braços dele.

– Toque-me – disse ele. – Você sabe que deseja isso.

Seus cílios se ergueram. Devagar, suas mãos enluvadas se elevaram e tocaram o rosto de Hayden, como se buscasse uma prova de que estava mesmo ali.

As mãos dela vieram pousar em seus ombros com o mesmo toque curioso. Apesar das camadas de roupas entre eles, os dedos dela queimavam sua pele, transmitindo um calor que ardia dentro dele.

Ele a beijou mais forte, quase sem conseguir controlar o desejo feroz que o consumia. Seu corpo ardia. A consciência persistente de onde estavam o encorajava, mas também alardeava sua frustração. Não tudo, mas... Ele sofreria com isso, mas...

Suavemente ele tomou seu lábio inferior entre os dentes. Ela entreabriu a boca ainda mais. Ele a beijou de novo, introduzindo a língua com doçura. Seu abraço provocou nela novos arrepios de excitação.

O prazer dominou os últimos resquícios de seu bom senso. Ele a apoiou contra a porta e encheu-a de beijos e carícias, pressionando-a em busca do corpo que o vestido escondia, usando o tato para imaginá-la nua, ouvindo os suspiros e gemidos melódicos que expressavam sua surpresa e seu desamparo.

Acariciando seu braço, ele abaixou a luva, expondo sua pele, então foi percorrendo com beijos o mesmo trajeto, enquanto as mãos envolviam suas nádegas, circundavam a cintura, subiam para a maciez provocante de seus seios. Ele deslizou a palma da mão, segurando seu seio inteiro, encobrindo o mamilo duro, incitando-a a se entregar a ele.

Os dedos dela se afundaram em seus ombros másculos. Seus gemidos ficaram mais altos. Ele teve juízo bastante para silenciá-la com outro beijo, mas não o suficiente para deter a própria mão. Logo. Mais tarde. Um dia...

Ouviram um baque surdo na porta por trás dela. Ela se empertigou e piscou, como se o som abafado a tivesse despertado do sono.

– Meu Deus, está emperrada? – uma voz feminina murmurou do outro lado da madeira.

Cerrando os dentes, maldizendo a tia e furioso de desejo, ele rapidamente puxou a luva de volta e se afastou de Alexia. Na luz baixa, pôde vê-la enrubescer ao se recompor. Ficou parada como se contasse até cinco e conferiu suas roupas com um olhar rápido.

Seus olhos encontraram os dele com pensamentos insondáveis, depois ela se virou e abriu a porta. Henrietta quase caiu nos braços de ambos.

– Desculpe, tia Henrietta – disse Hayden. – Eu deveria saber que não se deve ficar apoiado na porta de um camarote quando há pessoas dentro dele.

– De fato, deveria. Estava perdido em pensamentos? Tentando resolver um daqueles teoremas, imagino.

– Sim, mas também estava montando guarda para que a Srta. Welbourne encontrasse o camarote certo ao voltar.

– Pode continuar a fazer o mesmo para mim. Se eu soubesse que Alexia pretendia ir ao... bem, fique aí, Hayden, para que eu também não me perca.

Henrietta saiu andando pelo corredor. Alexia observou em silêncio. O desejo ainda pairava no ar que eles respiravam.

Ele ardia por dentro e sua mente estava inquieta. Vou encontrá-la esta noite, depois que os empregados forem dormir. Deixe sua porta aberta.

Lorde Hayden Rothwell não disse isso, mas Alexia ouviu de qualquer forma. Ela percebeu as intenções dele – e talvez as suas próprias.

Ela se virou e entrou no camarote, fechando a porta entre eles.


Ele não foi ao encontro dela naquela noite.

Quando seu corpo esfriou, ele admitiu que seria ao mesmo tempo imprudente e ridículo fazer isso. A Srta. Welbourne nunca poria em risco sua reputação, sua situação e sua virtude, se tivesse chance de pensar no que estava fazendo.

Precisava mais que se desculpar. Seu comportamento tinha se tornado absolutamente reprovável. Apesar de isso ainda o espantar, não se detinha pensando em quão improvável tinha sido o que acontecera no teatro. Continuar a flertar com Alexia era inaceitável.

No entanto, seria preciso usar toda a vigilância que Christian pregara – de madrugada, ele ainda se debatia na luxúria, que lacerava sua carne como faca afiada. Ficou deitado até depois de meio-dia, pensando no que fazer. Sua honra ditava que se contivesse, mas seu corpo apresentava argumentos primitivos com uma voz mais alta. Finalmente encontrou a disciplina necessária para se levantar e ir até seu escritório no centro financeiro da cidade, mas praticamente não conseguiu fazer nada de útil por lá. Nem mesmo seus cálculos puderam distraí-lo.

Nos dois dias seguintes, nem se preocupou em ser disciplinado. Dormiu tarde, pensou na vida, chegou a conclusão nenhuma e vagueou pela casa. Por fim, no quarto dia, se forçou a desempenhar a tarefa indesejável que esperava por ele e sentou-se para escrever uma carta. A meio caminho, decidiu que era muita covardia não se desculpar pessoalmente.

Enquanto imaginava como poderia falar com Alexia a sós, Elliot entrou no quarto, trazendo uma carta.

– Vejo que finalmente acordou. Isso chegou para você hoje de manhã, Hayden. Um dos lacaios de tia Henrietta trouxe.

Hayden pegou a carta. Nela, apesar dos elogios e das palavras lisonjeiras, Henrietta mostrava que estava aborrecida. Ela entendia que não podia passar todo o tempo com elas, é claro, e não queria ser intrometida nem insistente. Contudo, realmente precisava que ele fosse visitá-la e tivesse uma boa conversa com a Srta. Welbourne, que não estava fazendo progressos suficientes com Caroline no francês. Ela esperava que o sobrinho encontrasse tempo naquela mesma tarde para resolver o assunto.

– O que quer que ela esteja querendo, posso ir até lá – disse Elliot.

– Você é um bom irmão, Elliot. Percebe que estou preocupado e se oferece em sacrifício no meu lugar.

– A recente mudança em seus hábitos diz que minha percepção está correta – disse isso apontando para a carta. – Você pode escrever e protelar a visita se achar que não sou esperto o bastante para não cair em suas armadilhas.

Hayden leu a carta de novo contendo o pedido de sua tia para que chamasse a atenção da Srta. Welbourne. Teria que falar com Alexia a sós para fazer isso. Havia entre eles contas a ajustar que não tinham nada a ver com aulas de francês.

– Vou eu mesmo atender à convocação dela. A conversa que ela me pede para ter já passou da hora de acontecer.


Alexia remexia no franzido da fita verde de seu primeiro chapéu. Parecia pouco surpreendente, planejado demais. Ela queria um efeito mais descuidado e romântico, como se a faixa tivesse sido atada com capricho, e não cálculo.

Levou o chapéu até a janela para examiná-lo melhor. Sua elaboração tinha sido mais difícil do que previra. Sem uma fôrma, ela fora forçada a usar a própria cabeça como molde e um espelho. Para não manchar o chapéu, aplicara os enfeites usando luvas.

Apesar das repreensões de Phaedra, ela teve que trabalhar arduamente no chapéu à luz da lamparina. Tinha voltado ao trabalho depois de chegar do teatro, havia quatro noites. Quase em desespero, ficara acordada até perto do amanhecer, mexendo em fitas e costurando o tecido, na esperança de fazer um chapéu de qualidade superior que lhe possibilitasse um meio de vida para fugir do caminho da tentação.

Ela estava com o chapéu na mão quando se sentiu tomada pela lembrança, pela presença dele. Sabia que o comportamento escandaloso de ambos poderia causar tal reação nela em um piscar de olhos. Ficava horrorizada com o fato de que aquela sensação não lhe parecesse estranha ou imposta, mas cálida e excitante.

Os sons vindos da rua chamaram sua atenção. Olhou para baixo e viu Henrietta e Caroline entrando na carruagem. Estavam indo provar as roupas no ateliê de madame Tissot.

Ela deveria ter ido também, mas alegou estar doente. Não era de todo mentira. Pensar na humilhação de encarar Hayden de novo a deixava levemente nauseada. Ele não tinha aparecido desde aquela noite no teatro, mas um dia iria voltar.

Deixou o chapéu de lado e se sentou para terminar uma carta que estava escrevendo para Roselyn. Tinha coisas mais importantes para fazer hoje do que ir até o ateliê de madame Tissot. De qualquer jeito, o guarda-roupa que estava sendo feito para ela nunca seria usado.

Depois de selar e postar a carta, Alexia subiu apressadamente a escada até o andar da criadagem. Henrietta e Caroline já haviam saído fazia uma hora. Tinha esperanças de ter tempo para realizar sua pequena investigação. Se não conseguisse fazê-la agora, precisaria esperar muitos dias para tentar novamente. Não poderia se ausentar de todas as saídas com as patroas.

A tempestade de sentimentos dentro dela não fora causada somente pelo assédio de Rothwell no teatro. A conversa que tiveram a perturbara também. Ela queria ouvir que a morte de Ben fora um acidente e que suas desconfianças não possuíam fundamento.

Agora percebia que lorde Rothwell havia se esquivado da pergunta. Depois a arrastara para fora de seu caminho, para um rio de paixão.

Partia seu coração a ideia de que Ben pudesse tê-la deixado para sempre por escolha própria. Se o amor não podia impedir um homem de se matar, então o que poderia?

Mas se ele houvesse tirado a própria vida, certamente haveria alguma indicação do motivo entre seus pertences. Se não houvesse essa prova, ela aceitaria melhor as peculiaridades do acidente. Entrou no sótão no fim do corredor, na esperança de não ter que enfrentar nada além de nostalgia.

Precisou abrir caminho por móveis e caixas recém-colocados. Henrietta tinha acrescentado itens trazidos de sua casa ou retirados dos cômodos abaixo. As colunas de mármore da apresentação de Caroline estavam dos dois lados da porta, com o verniz refletindo suavemente a luz que escoava de uma pequena janela. Várias tapeçarias tinham sido enroladas e levadas para lá, dando lugar nas paredes para os quadros de Easterbrook.

Ela descobriu os baús de Ben junto a uma parede. Uma sobrecasaca estava jogada em cima de um deles, como se alguém tivesse achado a peça e a atirado lá, em vez de arrumá-la adequadamente. Ela sacudiu a poeira e a dobrou com cuidado. Arrastou os baús para mais perto da janela. Sem encontrar uma cadeira livre, desenrolou uma das tapeçarias e se aninhou no piso de madeira.

O primeiro baú que abriu continha roupas. Ajoelhou-se e levantou as peças pelos cantos para ver o que estava por baixo. Reconheceu a maioria dos itens e imaginou Ben a usá-los. Viu um colete de seda no fundo da pilha, com listras azuis e vermelhas. Puxou-o para fora e o desdobrou.

Ele estava usando esse colete no dia em que a beijara pela última vez. Sentiu de novo a seda com a ponta dos dedos e o pulsar do coração de Ben ao seu toque. O abraço tinha sido secreto e breve, como todos os outros. Ele estava animado com a aventura na Grécia, mas ela sentira um medo enorme. E tivera a terrível sensação de que ele a estava abandonando.

Ele percebera seu rancor e entendera. Voltarei em breve, você vai ver. Vamos ficar juntos para sempre.

Ela guardou o colete e fechou o baú. Ele teria dito isso se pretendesse morrer? Ou, pior, se pretendesse se matar?

Sua pequena investigação de repente pareceu quase desleal. As perguntas de Rothwell tinham criado desconfianças. Ele plantara sementes de uma suspeita indesejada sobre a morte de Ben.

Não, ele não as plantara. Suas perguntas só tinham proporcionado uma chuva de preocupações que permitiram que sementes dormentes germinassem e crescessem.

As lembranças se extirparam agora. A imagem de Ben naquele colete, tão vívido e animado, cheio do alegre otimismo que trazia a brisa da primavera de volta para a vida dela – ela não precisava temer achar a prova de que ele quisera ir embora para sempre.

Sua busca se tornara sem sentido. Ela abriu o outro baú com um objetivo diferente. Fazia semanas que se sentia estranha e sozinha naquela casa. Acolher a lembrança de Ben, tocando seus pertences, a aqueceu. A felicidade fulgurante valia a dor do sofrimento que fluía com ela.

O segundo baú continha objetos pessoais. Ela reconheceu o relógio e sua coleção de berloques. Pilhas de cartas, escovas de cabelo, alguns livros – as posses comuns de um cavalheiro estavam arrumadas dentro do baú.

Ela tirou algumas cartas para espiar o que havia debaixo delas. Ao fazer isso, a fita que as amarrava se soltou. A pilha se desmanchou e os papéis caíram, cobrindo o conteúdo do baú. Sorriu ao reconhecer sua própria caligrafia em alguns deles. Eram as cartas que enviara para ele na Grécia.

Um odor perfumado chegou até ela, um cheiro mais doce do que o das roupas dele. Começou a recolher as cartas formando uma nova pilha e percebeu que o perfume vinha de algumas delas. Entremeados nos outros, havia alguns envelopes de tamanho semelhante, com a mesma caligrafia. Uma letra feminina, mas não a dela ou de suas irmãs.

Pegou uma delas e levou até o nariz. Inalou os resquícios de água de rosas. Uma paralisia horrível tomou conta dela.

Olhou para a carta por longo tempo, tomada de horror. Não conseguia decidir o que fazer. Ainda se debatia em um limbo doentio de indecisão quando seus dedos desdobraram o papel.

Benjamin, meu amor...


CAPÍTULO 9

– Lady Wallingford não está em casa, senhor – avisou o lacaio.

Era bem o estilo de Henrietta mandar a carta e depois sair de casa.

– Prova de roupas – confidenciou o empregado.

– Então elas estão todas na modista.

– Nem todas. A Srta. Welbourne ficou doente e permaneceu em casa.

Hayden reconsiderou a ausência da tia sob uma nova perspectiva. Ela queria que ele conversasse com a preceptora sobre seu desempenho e tinha saído para que pudessem fazer isso em particular. Hayden pretendia ter outra conversa, mas a delicadeza da tia seria muito conveniente.

– Peça que a Srta. Welbourne me encontre na biblioteca, por gentileza. A menos que ela esteja doente a ponto de não poder descer, é claro.

O lacaio saiu para cumprir a tarefa. Hayden subiu para a biblioteca pensando em como iria se desculpar.

Imaginava que ela iria aceitar seu pedido de desculpas rapidamente e tudo acabaria logo. Se ela percebesse que ele não parecia sincero, o que em grande parte era verdade, talvez nem mencionasse esse fato. Mas, com a tendência que Alexia tinha de falar sem meias palavras, havia a possibilidade de que ele saísse da casa naquele dia tendo sido devidamente repreendido.

O lacaio demorou muito para voltar. Em vez de causar um incômodo, a espera produziu uma ansiedade ainda maior. Fazia dias que Rothwell não via Alexia, um longo período necessário para que ele conseguisse ocultar suas piores inclinações. Agora essa conversa iminente melhorava seu humor, apesar de seu objetivo lamentável.

O lacaio voltou sozinho.

– Sinto muito, senhor. Ela não está no quarto, nem na sala de aula.

– Ela saiu de casa?

– Não creio.

– Então tem que estar em algum lugar.

O lacaio hesitou.

– Acho que está no sótão. Uma empregada a viu subindo as escadas e a porta está aberta. Alguém está lá. Uma mulher, tenho certeza. É possível que seja ela.

– Você não poderia ter ido lá verificar?

– Não achei conveniente, senhor. Acredito que a mulher que está lá precisa de privacidade.

Ele fez uma careta.

– Ela está chorando – explicou o lacaio. – Quem quer que seja ela.

Alexia chorando? A imaginação dele tentou rejeitar a imagem, mas ela se formou mesmo assim. A mesma força e intensidade que tornavam improvável que a Srta. Welbourne desabasse também deixavam a situação dramática.

– Voltarei outra hora – disse ele.

O lacaio saiu para cumprir suas outras obrigações. Hayden esperou até ficar sozinho, então subiu os degraus e alcançou o último andar. Passou pelos quartos dos empregados, rumo ao sótão no fim do corredor estreito. A porta estava mesmo escancarada. Ele chegou mais perto. Sons abafados de soluços femininos se fizeram ouvir.

Ele entrou e fechou a porta atrás de si. Espiou-a por entre a mobília e as caixas, sentada no chão perto da única janela do lugar.

Mesmo a distância, viu o pranto. Seu corpo se sacudia. Ela pressionava a boca com as mãos, a fim de abafar os soluços.

Ele foi até ela, espantado com sua emoção, imaginando o que poderia ter causado tal reação. Olhou para baixo, na direção de um baú, e reconheceu o relógio sobre alguns livros. A raiva surgiu, mais forte do que a empatia. Alexia tinha vindo até ali para chorar por Ben. Talvez ela fizesse isso toda semana ou até mesmo todo dia.

Alexia percebeu sua chegada e virou o rosto. Seu corpo inteiro convulsionava na corajosa tentativa de controlar a emoção.

Ele se ajoelhou ao lado dela em uma tentativa de confortá-la. Afastou alguns papéis espalhados sobre a tapeçaria. A letra no papel de cima chamou sua atenção. Benjamin, meu amor...

Ele pegou a carta e a leu. Olhou para Alexia. Os olhos dela estampavam uma tristeza tal que ele procurou na mente uma mentira que explicasse essas cartas.

Ela cobriu o rosto com as mãos e perdeu a batalha contra o autocontrole. Seus soluços encheram o sótão. Mais comovido do que tinha estado em anos, ele se sentou ao lado dela e a envolveu em seus braços.


O abraço dele teve o efeito de confortá-la, mas, ao mesmo tempo, de enfraquecê-la, pois foi como se dissesse “Não tente ser corajosa”.

Ela desabou nos braços de Hayden e desistiu de lutar. Desapontamento e humilhação brotavam dentro dela e transbordavam para fora. O lado prático de sua alma assentia como se fosse uma preceptora maldosa, do tipo que se satisfaz em estar certa, mesmo que isso signifique o sofrimento de seu aluno.

Alguns pensamentos lúcidos irromperam em meio à loucura. Você sempre se perguntou o motivo. Se ele tivesse intenções sérias, a teria pedido em casamento antes de partir. Você acreditou nele porque do contrário seu futuro seria um vazio. Ela cerrou os dentes e se agarrou no casaco por baixo de seus dedos.

O abraço se estreitou. Um beijo reconfortante aqueceu seu couro cabeludo.

– Tente se acalmar.

O comando gentil convocava a mulher que ela apresentava ao mundo, e não a tola que se agarrava a sonhos românticos. O coração dela foi se acalmando até atingir um batimento compassado. O pranto foi secando até se resumir a lentas lágrimas.

Um lenço surgiu, oferecido por uma mão forte. Ela o pegou e enxugou os olhos e o rosto. Ao redor deles, os papéis espalhados se reavivaram. Ela afastou alguns de sua saia.

– Ela escreveu para ele na Grécia, mas houve outras cartas também, antes disso – informou ela. – Ele nunca pretendeu... Ele se comportou de forma desonrosa comigo.

– Talvez ele tenha se comportado de forma desonrosa com ela, não com você.

Uma pequena chama de esperança se acendeu. Não cresceu, mas bruxuleou, desesperada à cata de combustível. Talvez tivesse sido assim. Ben devia ter mentido para essa mulher, não para ela, em relação a suas afeições e intenções.

Ela estava esgotada demais para pesar todas as possibilidades. Mesmo que Ben não tivesse mentido para ela, também não tinha sido verdadeiro.

– É muita gentileza sua dizer isso – disse ela. – Mas tudo indica que fui uma tola.

– Não acho.

Ela deveria se afastar, mas não encontrou forças. Depois de sair desse abraço, ela ficaria com frio e se sentiria sozinha, enfrentando um passado vazio, bem como um futuro difícil.

– Você sabia?

– Sabia que havia mulheres na vida dele, assim como na vida da maioria dos homens.

– Esta escreveu cartas de amor durante anos. Ela escrevia como se também recebesse cartas de amor. O nome dela é Lucy.

– Não sabia dessa mulher específica.

Outra verdade se apresentava. Uma verdade que ela não queria encarar.

– Quando ele falava de mim na Grécia, não era amor ou intenções que revelava, não é mesmo? Eu era apenas mais uma mulher não específica.

Lorde Rothwell permaneceu em silêncio. Isso já era a resposta.

Ela não conseguia acreditar na amplidão do vazio que sentia. O choque a havia distanciado de si mesma. Ela temia a solidão que sentiria por já não ter lembranças tolas em que se agarrar. Esse grande vazio estava à espreita, pressionando-a. Deitou a cabeça no ombro dele para descansar antes de achar coragem para seguir adiante mais uma vez.

O abraço dele a estreitava e preenchia. Seu perfume, candura e proximidade transbordavam no vazio. Uma perturbação sensual vibrava nessa conexão. Faltava-lhe a força de vontade necessária para rejeitar a vitalidade perigosa que ele incitava.

Foi tomada por essa vibração, que dava vida a partes do seu corpo que tinham acabado de morrer em agonia. Ela não se mexeu, ficou só absorvendo o calor, não se importando com o perigo que isso representava. Ele também não se mexeu. O silêncio do abraço foi ficando cada vez mais pesado. De uma forma não natural, ela ficou ciente de cada parte de seu corpo tocada por ele. Podia sentir o mesmo estado de alerta nele.

Pendeu a cabeça e olhou para cima. Hayden não olhava para ela, mas para o sótão. A expressão dele guardava a mesma austeridade contemplativa que já vira antes e seus olhos azuis tinham as luzes quentes que lhe davam a aparência tão rígida.

Ela interpretara erroneamente esse rosto no passado, porém não agora. Sua dureza continha uma fúria, mas não era raiva. Ele virou a cabeça e olhou para baixo, na direção dela, e a fonte desses sentimentos não poderia ser entendida de forma equivocada.

Ele acariciou o rosto dela, seus dedos tocando suavemente as lágrimas secas. A tentativa de acalmá-la fez com que o coração dela batesse mais forte. O mesmo se dava com o desejo expresso no abraço e nos olhos dele. Ela já não conseguia entender os motivos por que deveria rejeitar esse desejo. Tudo aquilo tinha se passado em outro mundo e em outra vida. Ela não podia suportar a ideia de perder esse calor que ele lhe dava e não queria enfrentar o frio duradouro que esperava a sensata Srta. Welbourne depois que passasse por aquela porta escura do sótão.

Não pensou. Seu espírito açoitado pela tristeza agarrou a oportunidade de afogar a verdade e preencher o vazio da decepção. Levou as mãos ao rosto dele.

Exceto pela forma como seu olhar se intensificou e uma dureza sensual que surgiu nos cantos de sua boca, de início ele mal reagiu.

Depois sua mão cobriu as dela e as espalmou contra sua pele, permitindo que seu calor fluísse para ela. Seus dedos fortes circundaram os dela e depois retiraram a mão feminina. Ele baixou a cabeça e beijou a palma e o pulso de Alexia.

Ela sentiu como se borboletas voassem do seu pulso até o coração, depois batessem asas por seu corpo todo. Fechou os olhos para saborear essa sensação tão agradável. Seu contraste com a solidão dormente a surpreendeu.

Ela abriu os olhos para encará-lo. Não deu atenção à advertência que seu coração sussurrava e não fez nada para ajudar Hayden a vencer a batalha interior que o via travar. Ela torcia para que ele perdesse. Queria que lorde Rothwell a beijasse e a enchesse de vida até que tremesse.

E ele beijou. Com cuidado de início e depois um pouco menos. Um fervor a tomou em forma de beijos desejosos de liberdade. A cada instante em que Alexia correspondia às carícias de Hayden, mais um grilhão era rompido.

O poder daquele beijo a deixou atônita. O frenesi penetrou seu sangue, impondo um ritmo acelerado a sua respiração. Uma excitação agradável a movia por dentro e por fora e ela se sentiu palpitar na pele e em sua essência, com cada arrepio mais forte que o anterior.

O abraço dele se afrouxou enquanto ele a deitava na tapeçaria. Com um só movimento, ele varreu as cartas para o lado, jogando-as atrás dos baús, ocultando-as e tirando a terrível descoberta da vista e do pensamento.

Tirou o casaco pesado e a beijou novamente. Envolveu-a e se deitou ao lado dela, tomando-a nos braços como era possível. Os beijos rapidamente mudaram ao se deitarem juntos à luz que penetrava pela pequena janela do lado norte. Ela se submeteu aos mesmos beijos íntimos e acalorados que experimentara no teatro, só que agora nenhum espanto inibia sua reação. Ele não precisava seduzi-la a uma paixão cada vez mais crescente. Um prazer incontrolável a dominara e ela jogara fora todo resquício de precaução e preocupação.

Ela amou cada momento. Amou a forma como as mãos dele começaram a se mover, tocando-a por baixo da roupa, com uma pegada firme, possessiva e dominadora. Uma deliciosa sensibilidade se acendeu na parte baixa do seu corpo, com uma comichão persistente criando uma necessidade física. Seus seios também o desejavam com ardor, tanto que as carícias dele, quando chegaram, não foram suficientes. Ela cravou os dedos em suas costas, segurando-o com força, vagamente ciente de que estava respondendo a seus beijos, completamente alerta para a forma como essa loucura deliciosa a fazia se mover e gemer.

De repente estavam sozinhos em uma febre caótica que obliterava o tempo e o espaço. O prazer governava seus atos e uma necessidade dolorosa e desesperada a empurrava para além da decência. Ela queria mais e nada além. Apenas mais. A palavra soou dentro dela, enquanto pedia, recebia e gemia.

Ele desabotoou o vestido dela, mas o espartilho permaneceu entre eles. Hayden murmurou um xingamento por causa da roupa íntima e acariciou o seio dela por cima do tecido. Seus dedos encontraram o mamilo e o pressionaram com mais força. Um arrepio lancinante a atingiu no centro do corpo e centelhas de excitação queimaram seu peito, fazendo-a perder o fôlego.

Ele retirou o braço dela do corpo dele e puxou a alça do espartilho para baixo até expor um seio.

Estar nua a excitou ainda mais. A forma como ele a olhou também. O toque masculino no cume escuro e protuberante a desarmou. O anseio doloroso e impaciente, profundo e baixo, ficou ainda mais intenso. Ele acariciou o seio e o mamilo com a palma da mão, excitando-a a ponto de fazê-la querer chorar.

Não havia descanso, só mais excitação. Um som repetitivo em sua cabeça e o desejo do homem que a guiava até a beira do abismo da paixão. A cabeça dele desceu, levando a língua ao mamilo de Alexia. As sensações se intensificaram de novo. Uma nova carícia, nas pernas dela, suspendia a saia em longos afagos, até que suas peles se tocaram.

Ela sabia para onde as carícias a estavam levando. Sim, mais. Até mesmo a excitação luxuriante em seu seio reverberava mais embaixo agora. A expectativa dela virou um frenesi.

Alexia estava certa de que não poderia ficar mais excitada do que já estava, mas cada novo toque provava quanto estava errada. Ele incitava uma vibração tão concentrada, tão insistente, que a fazia perder o controle. Estava diante da chance de sentir-se completa; rejeitá-la a enlouqueceria.

Mais. Ele se mexeu, afastando as pernas dela, ficando entre elas. Mais. Ele a beijou mais forte, silenciando os sons que ela não sabia estar fazendo até que os ouvia. Mais. Ela se agarrou nos ombros dele, mas ele se apoiou nos braços de forma que ela não pudesse conter seus movimentos. Mais. Levou a mão ao ponto entre as pernas dela e a afagou até que gemesse.

De repente, outro toque. Um que fez todo o seu corpo tremer. Uma rigidez que a completava e aliviava o desespero. Então ele empurrou, rompendo-a, fazendo-a perder o ar. A dor cortante afastou a sensação de euforia.

Toda a sua consciência voltou em um só instante. Consciência do teto do sótão e da luz da janela. Do homem em cima dela, do peso dele e da força dominando-a. Da plenitude, tão completa e espantosa. A queimação parou, mas ela pulsava lá, viva e sensível. Novos prazeres tremeram levemente, mas ela estava chocada demais para que eles aumentassem.

Ele se inclinou para beijá-la. Ela olhou seu rosto. Junto com uma expressão que era máscula, quente e dura, ela viu algo mais em seus olhos. Surpresa.

Ele se mexeu. O membro rígido deu uma última estocada, enchendo-a de um bálsamo que ao mesmo tempo a curava e prolongava sua dor. O atordoamento não voltou. Em vez de ficar perdida no clima de sensualidade, ela estava atenta demais, alerta demais, de forma incomum. Dele e da sensação dele dentro dela. Da vulnerabilidade dela. De uma intimidade tão invasiva que jamais poderia fugir dela.


O ofuscamento aos poucos diminuiu. A transcendência do gozo gradualmente o deixou.

Ele olhou para baixo, para a mulher sob ele. Alexia o abraçava meio sem jeito, enlaçando-o com um dos braços. O outro estava pousado no chão ao lado de seu corpo, em completo relaxamento, aprisionado pela alça do espartilho e por sua blusa. Ele se apoiou nos braços e mergulhou para beijar o seio exposto. Um belo seio, redondo e farto, feminino e macio. Um tremor a percorreu, lembrando a Hayden que ela não tinha ido até o fim no prazer.

A expressão dela continuava cheia da vulnerabilidade que ele vira ao entrar no sótão.

– Machuquei muito você?

– Não muito. Mas um pouco, sim. Estava pensando que a natureza não foi muito boa com as mulheres.

Ele quase riu, mas, em vez disso, saiu de dentro dela. Ela avaliou o gesto tendo uma ruga na testa, como se tentasse decidir se ele tinha feito bem ou mal.

Ele se afastou e arrumou suas roupas. Com um último beijo no belo seio, colocou a alça do espartilho de novo no lugar.

– Não é sempre tão injusto. Só na primeira vez.

Ela rolou para o lado a fim de que ele pudesse abotoar o vestido.

– Você pareceu surpreso quando... Você não achava que seria minha primeira vez, não é? Apesar do que lhe disse, você pensou que Ben e eu éramos amantes.

Ele desejava ardentemente poder dizer que tinha acreditado nisso. Seria uma desculpa. Ele queria ter uma. A única coisa que sentia agora era contentamento, mas a culpa estava à espreita. Uma estranheza já se insinuava entre eles.

– A surpresa que você viu foi espanto. Uma coisa é desejar uma mulher, outra é realizar a fantasia.

Alexia se ajoelhou logo que o vestido foi fechado, e ficou imóvel. Hayden acompanhou o olhar dela para ver o que a distraíra. Eram as cartas que cobriam o chão por trás dos baús.

– Vou guardá-las – disse ele.

– Obrigada, é muita gentileza de sua parte. Sua tia vai voltar em breve e eu não devo ficar mais aqui. Preciso me trocar e... Do jeito que estou, não vai ser segredo para a criadagem.

Enrubescendo, ela começou a se levantar. Ele a segurou pelo braço, detendo-a.

– Alexia...

Ela o olhou nos olhos.

– Não, por favor, não diga isso. Não diga nada. Por favor.

– Há muito a ser dito.

– Na verdade, não. Com certeza não agora e, talvez, se formos sensatos, nunca.

Ela retirou o braço e parou.

– Por favor, permita que eu mantenha a lembrança deste momento como quero que seja – pediu e olhou rapidamente para as cartas enquanto se virava para ir embora. – Como pode ver, sou muito boa nisso.


Ela estava deitada na cama, ouvindo o silêncio da noite, tentando se familiarizar consigo mesma.

Saíra daquele sótão uma mulher diferente. Via o mundo de outra maneira agora. Era uma visão mais verdadeira, suspeitava ela. A desilusão com Ben fora responsável em parte por isso, mas o restante – o abandono, a intimidade e o prazer estonteante –, essas experiências davam uma sabedoria especial à mulher.

Não se culpava nem lamentava pela inocência perdida. Não se arrependia de ter feito o que fizera. Era difícil de admitir, mas assim evitava a necessidade de recriminações dramáticas. Também permitia que enfrentasse honestamente as implicações do que acontecera. Agora era o orgulho, e não medo, que exigia que ela deixasse aquela casa.

A sombra do chapéu pairava em sua escrivaninha. A noite e a musselina obscureciam os detalhes, mas ela visualizou a peça em sua mente. Não deixaria de tentar vendê-la, nem alteraria qualquer outro plano. O que acontecera com Hayden não a tiraria do caminho que escolhera. Suas decisões eram as mais acertadas e Alexia deveria pô-las em prática rapidamente se quisesse controlar essa lembrança.

Ela fechou os olhos, na esperança de dormir. Porém sua mente se acendeu e se voltou para o seu corpo. Ela o sentiu. O machucado doía levemente, como se ele ainda a estivesse preenchendo. A presença dele continuava a invadir sua mente.

Uma saudade insistia em fluir para o seu coração. Ela permitiria que essa nostalgia encontrasse um lugar para ficar. Seria desonesto construir uma lembrança cheia de pecado e culpa, no fim das contas. Ela tinha aproveitado o momento demais para isso.


CONTINUA

CAPÍTULO 6

Hayden se aproximou do pórtico de entrada do banco Darfield e Longworth. Quase não se lembrava do trajeto de Mayfair até ali. Sua cabeça estava tão tomada de preocupações pelo que ocorrera na biblioteca da casa de Henrietta que ele mal percebera a chuva fina que havia umedecido suas roupas.

Ele não tinha se comportado de forma honrosa. Mulheres na situação da Srta. Welbourne ficavam vulneráveis e muitas vezes sofriam abusos. Os homens que tiravam vantagem delas eram canalhas. Ele não era do tipo que importunava as damas. Os acordos que assumia com suas amantes e meretrizes eram claramente estabelecidos e mutuamente benéficos.

Talvez, com o tempo, ele se sentisse devidamente arrependido em relação à Srta. Welbourne. Naquele momento, nada poderia competir com as lembranças daqueles beijos e do modo apaixonado como fora correspondido. Ele não era um homem impulsivo, então o fato de aqueles beijos terem acontecido o fascinava tanto quanto a reação sensual de Alexia Welbourne.

Era o tipo de coisa que ele teria feito logo após o falecimento do pai. Ao luto se seguira uma euforia de liberdade, como se ele fosse um prisioneiro libertado do uma cela subterrânea. Durante dois anos vagara pela vida como um bêbado, chafurdando em emoções extremas e atos impetuosos, deleitando-se com os prazeres imprudentes que tinham sido negados a ele por tanto tempo.

Fora um ator experimentando trajes no palco de Londres, na esperança de que um deles lhe caísse melhor do que a própria pele. Estava aflito para negar a verdade que o cercava – que era de fato filho de seu pai e que se assemelhava muito a ele.

Até que finalmente aceitou o legado e controlou seu lado ruim, ao mesmo tempo que explorava seus pontos fortes. Ao passar pelo pórtico, no entanto, seu equilíbrio vacilou de novo. As especulações em torno da lembrança daqueles beijos eram mais desonrosas do que os beijos em si. Seu lado inescrupuloso cogitava seduzir a Srta. Welbourne por completo e imaginava as tentações necessárias para convencê-la de que seria do interesse dela chegarem a um daqueles acordos mutuamente benéficos.

A cena dentro do banco varreu essas considerações de sua mente. Uma aglomeração de cerca de trinta homens tinha se formado, compondo uma linha desorganizada na frente dos escritórios.

Vários outros homens chegavam, todos com muita pressa. Ele notou a preocupação em seus rostos e em seus passos rápidos. Percebeu sinais do início de uma corrida ao banco.

Ninguém o tinha vista ainda. Ele ouviu uma menção ao nome Longworth. A porta do escritório se abriu. Darfield deixou que um homem entrasse e depois voltou a fechá-la.

Hayden se aproximou da multidão. Um murmúrio de pânico se espalhava.

Um homem bloqueou sua passagem.

– Você não vai passar na frente, Rothwell. Não vamos ficar com as migalhas depois que sua família for alimentada.

– Minha família não tem intenção de jantar aqui hoje.

– Você disse isso há um mês, mas há boatos de falcatruas por aqui, o que Longworth...

– O Sr. Longworth vendeu sua participação para Darfield por motivos pessoais. Suas finanças particulares não se refletem no banco.

– Então por que está aqui? – perguntou outro homem.

– Não é para retirar meu dinheiro, isso eu lhe asseguro.

Ele foi alvo de alguns olhares incrédulos. Havia um número muito grande de bancos falindo para que as pessoas confiassem umas nas outras.

– Não tenho razão para desconfiar da força financeira deste banco – disse ele, alto o bastante para ser ouvido por todos. – E não tenho intenção de resgatar títulos ou encerrar contas agora, nem motivos para considerar essa hipótese no futuro. Se os cavalheiros quiserem sacar seu dinheiro, o Sr. Darfield vai honrar os saques. As reservas são mais do que suficientes para cobrir todas as suas demandas.

Sua franqueza aplacou o pânico da multidão. Ele podia ter se mostrado um canalha ao se render a seus desejos físicos naquele mesmo dia, mas seu sucesso nos investimentos não tinha sido alcançado usando artimanhas enganosas.

A agitação da turba se desfez. Alguns homens partiram. Outros se reagruparam para discutir o que fariam. O caminho para o escritório foi liberado.

Ele pediu ao funcionário do banco que o anunciasse, mesmo sabendo que Darfield já estava recebendo alguém. Darfield apareceu na porta de imediato, sério e resoluto em sua casaca escura e colarinho alto, amigável com seu rosto de expressão suave e cabelo prateado. Ele saiu e fechou a porta atrás de si.

Darfield pediu que o funcionário se retirasse. Enquanto sorria confiantemente para os homens que os observavam, disse em voz baixa:

– Lamento dizer que a avaliação que fizemos das contas não foi detalhada o bastante para detectar as falcatruas de nosso amigo.

– O que quer dizer?

O banqueiro empurrou a porta e mostrou o visitante que o esperava do lado de dentro. Hayden o reconheceu: Sir Matthew Rolland, um baronete da Cúmbria, um condado no norte do país.

Darfield fechou a porta de novo.

– Ele quer sacar os títulos que mantém conosco. Quando verifiquei e expliquei que haviam sido vendidos, ele insistiu que nunca os vendera e que estava recebendo os rendimentos normalmente.

– Verificamos todos os títulos vendidos nos últimos anos. Imagino que alguns tenham passado despercebidos. Mas ele realmente vem recebendo os rendimentos?

– Estava indo verificar exatamente isso.

– Ficarei esperando com ele enquanto você verifica. Não seria um bom momento para ele deixar este escritório com raiva e cheio de acusações.

Darfield olhou para a aglomeração de homens.

– Tem razão, não seria mesmo.

Ele se dirigiu para outra sala, onde eram mantidos os registros das contas.

Hayden abriu a porta. Sir Matthew não tinha qualquer ar de preocupação. Louro e de rosto redondo, afeito a caçadas no campo, ele parecia aguardar calmamente enquanto um mero erro de registro era corrigido.

– Rothwell – saudou ele, com um sorriso amável. – Veio salvar o legado de Easterbrook, não é mesmo?

– Não estou aqui com esse objetivo. Sou amigo do Sr. Darfield.

– Então pode ajudá-lo a consertar esse mal-entendido. Ele está dizendo que vendi meus títulos. Nunca fiz isso.

– Tenho certeza de que ele encontrará rapidamente o erro nos registros. Qual é o valor em questão?

– Cinco mil.

Hayden entreteve Sir Matthew com uma conversa sobre caçadas e esporte. Darfield demorou cerca de meia hora para se juntar a eles. Quando voltou, seu rosto tinha uma expressão de sobriedade.

– Sir Matthew, estou sem jeito de lhe dizer que será complicado resolver a situação dos registros de seus títulos. Em vez de mantê-lo esperando mais ainda, vamos lhe entregar o dinheiro e resolver os outros detalhes depois.

Sir Matthew não percebeu quanto essa oferta era estranha. Darfield se sentou à mesa e assinou uma permissão de saque. Hayden notou que era da conta pessoal do banqueiro.

Com sorrisos e despedidas amáveis, eles viram um Sir Matthew muito satisfeito ir embora. Assim que a porta se fechou, Darfield se permitiu extravasar seu desalento:

– Não há registro de pagamento ao cliente – disse ele. – Tudo o que temos registrado é que os títulos foram vendidos, ponto final. Igual aos outros. Long­worth deve ter vendido os títulos dele e agora estou cinco mil libras mais pobre. Minha pergunta é: qual é o tamanho do rombo daquilo que nos escapou?

– Não acho que tenha nos escapado nada.

A lembrança de uma boca sensual distraiu Hayden, mas ele não se deixaria levar de novo por aqueles pensamentos por enquanto.

– Parece que teremos que verificar tudo mais uma vez.

– Será que alguém revelou o jogo de Longworth e Sir Matthew está... Não é possível... Isso seria chocante demais até para se imaginar – falou Darfield.

– Vamos ver se Timothy Longworth pagou rendimentos a ele sacando de suas contas pessoais, como fez com os outros. É bom nos certificarmos de que isso seja o final dessa história. Quando os registros mostram que ele vendeu os títulos?

Darfield sentou-se e abriu um grosso livro-razão.

– Foi em1822. Não, espere – disse e olhou com mais atenção para o papel. – A tinta está um pouco apagada. Pode ser... Mas essa data é impossível!

– Que data?

Darfield olhou espantado.

– Aqui consta 1820.

Hayden ficou tão surpreso quanto Darfield. Timothy Longworth ainda não era sócio do banco naquele ano. O sócio era Benjamin.

Uma tristeza profunda tomou conta de Hayden. E não foi provocada apenas pela expectativa do que poderia vir a descobrir a respeito do amigo: de repente se tornava mais plausível uma suspeita que ele vinha reprimindo em relação à morte de Benjamin.

– Vamos ter que examinar todos os registros dos títulos mantidos no banco, desde a época em que Benjamin Longworth adquiriu sua participação no negócio. Se ainda tiver informações sobre as contas pessoais de Benjamin, traga-as também.

Darfield assentiu, sua tristeza era evidente.

– Agradeço muito por sua ajuda e discrição. Precisará de mais alguma coisa?

– Uma bebida forte. Uísque serve.


Os três irmãos jantaram em casa naquela noite. Hayden teria apreciado esse encontro em qualquer outro dia. Naquela noite, no entanto, nem o espírito sagaz de Elliot conseguiu tirá-lo de seus pensamentos. Sua distração criou longos períodos de silêncio à mesa. Também atraiu o olhar de Christian em sua direção com muita frequência.

– Estamos muito sérios hoje – disse o mais velho. – Se eu soubesse que você estaria tão tedioso, Hayden, teria aceitado o convite para ir à festa de Lady Falrith. Pelo menos lá o tédio teria várias fontes.

– Estou pensando em uma equação que ando testando.

Normalmente ele não contava mentiras tão deslavadas, mas não poderia revelar o que estava pensando de verdade.

Ele deixara o banco naquele dia com perguntas de mais na cabeça. Também guardava um segredo terrível. Timothy Longworth não tinha sido o criador do esquema de falsificar assinaturas para vender títulos. Aprendera o truque com Benjamin, que vinha fazendo isso praticamente desde que adquirira participação no banco de Darfield. Após a morte de Ben, Timothy continuara pagando rendimentos às vítimas de Ben, enquanto fazia ele mesmo novas vítimas do golpe.

Sua cabeça ficou repleta de lembranças nas horas que seguiram àquela revelação. Benjamin garoto, tão imprudente e espirituoso quando comparado aos irmãos Rothwells. O pai deles tinha sido um homem rígido, severo em sua honra e dominador em sua personalidade.

O que nos torna humanos é a capacidade de sermos racionais. Os gregos já sabiam disso, mas esta é uma lição que os homens esquecem, colocando-se em risco. A paixão tem seu lugar, mas é a mente que deve comandar seus atos. As emoções levam a impulsos que destroem a honra, a fortuna e a felicidade.

Ele aprendera essa lição de uma forma ou de outra todos os dias de sua juventude. O pior é que vivera com a prova de sua verdade, vendo o sofrimento que a emoção e a paixão trouxeram a seus pais. No campo, no entanto, conseguia escapar tanto do homem quanto da lição, que durava horas sem fim. Benjamin Longworth, um garoto que morava no final da estrada, havia se transformado em um tônico contra a forma como aquela lição tornava suspeitas e vergonhosas a alegria e a animação.

– Achei que você tivesse posto limites a essas investigações matemáticas – disse Christian. – Você precisa aprender com Elliot. Quando está no mundo real, tem que viver de forma real. Ele não está sendo tedioso hoje.

Tendo acabado de pensar no pai, Hayden não gostou de ouvir Christian usar um tom tão parecido com o dele.

– Não estou aqui para distraí-lo, maldição!

Christian achou a resposta ríspida muito interessante. Elliot também.

– Não acho que sejam os números o que está distraindo você, Hayden – comentou Elliot.

– Pense o que quiser.

Não queria falar no assunto. Seus irmãos não sabiam de nada e não podiam lhe acrescentar qualquer explicação. Somente uma pessoa em Londres poderia ter informações a respeito de Ben e do banco. Uma mulher que o odiava, mas que reagira com paixão a seus beijos. Uma mulher que tinha sido apaixonada por Ben e ainda era.

– Talvez esteja pensando em alguma mulher – disse Christian a Elliot.

Era muito enervante ver Christian adivinhar a razão verdadeira.

– Embora ele nunca se distraia muito por causa delas – continuou o mais velho. – Teria que ser uma moça muito especial, só que nenhuma delas nunca é tão especial assim para ele. Não há lógica no amor, nenhuma equação matemática que o comprove, então Hayden conclui que o amor não existe.

Elliot lhe deu uma olhadela. Tinham sido aliados no passado, quando Christian era o perfeito. Elliot percebia seu humor de uma forma que mais ninguém conseguia.

– Não acho que seja mulher – disse ele.

Ele estava certo e errado. Uma mulher perpassava todos os seus pensamentos sobre Ben. O que ela sabia? Como reagiria ao descobrir os crimes de Ben? Ela culparia Hayden Rothwell se tudo viesse a público e a reputação de Ben fosse manchada?

Darfield tinha prometido silêncio de novo, para proteger a própria fortuna e a reputação. Hayden usara recursos próprios para cobrir qualquer perda dos clientes do banco. Sua dívida para com um velho amigo acabara ficando cara demais.

Com uma clareza implacável, ele viu os fatos se desdobrarem à sua frente. Ben se encaixava perfeitamente em seu papel naquele drama. Mesmo a bebedeira no navio de volta, sua resistência em retornar à vida estável de um banqueiro – disso ele tinha certeza a respeito de Ben. O que mais, além do tédio, estaria esperando por ele em Londres? E como isso afetara seu estado de espírito?

Será que estava desesperado, prevendo a descoberta de seus crimes? Havia construído um castelo de cartas com aqueles roubos. Devia saber que no fim o castelo ruiria. Será que tinha pulado do navio? Esta sempre fora uma possibilidade, considerando o humor de Ben nos dias anteriores. Uma possibilidade que Hayden evitara contemplar, porque, se Ben tinha pulado, Hayden havia permitido que isso acontecesse.

Um buraco tinha se aberto em seu estômago e se recusava a fechar. Carregava imensa culpa por aquela noite. Agora se indagava se seu próprio orgulho não o cegara para a profundidade do desespero do amigo.

– Bem, mas seria adequado que uma mulher o estivesse distraindo – insistiu Christian. – Um de vocês precisa se casar logo. Quero ter um sobrinho.

Elliot riu.

– Nunca seremos obrigados a nos casar, Christian, não teremos que abrir mão de nossas excentricidades para agradar uma esposa. Você é quem tem esse dever – Elliot disse isso e esticou as pernas, examinando o irmão mais velho. – Deve começar cortando o cabelo. Ouvi dizer que as moças usam a palavra “selvagem” quando o descrevem.

Christian ignorou o comentário. Não gostava que os outros se metessem na sua vida. Ser intrometido e incisivo era um direito que reservava apenas a si mesmo.

– Em último caso, vocês dois podem ter amantes – murmurou Christian. – Hayden tem andado irritadiço ultimamente e eis a razão. E você está sempre enfurnado em alguma biblioteca, Elliot.

– E você está sempre enfurnado nesta casa – rebateu Hayden.

Mesmo em seus melhores dias, a presunção de seu irmão o perturbava. Hoje ele não estava de muito bom humor para tolerá-la.

– Você se esquiva de seus deveres para com seu título e tem a petulância de dizer que temos que lhe dar um herdeiro. Cuide de suas próprias obrigações, de sua própria mulher e de seus próprios hábitos, Easterbrook – continuou Hayden. – Quando tudo isso estiver em ordem, pode prestar atenção em mim.

Elliot bebericou seu vinho com um leve sorriso. Os olhos de Christian ficaram frios.

– Sei exatamente quais são meus deveres em relação a meu título e minha família – declarou o marquês. – Sei porque fiz escolhas claras em relação a isso. É possível fazer as coisas dessa forma, Hayden. Não é preciso aceitar os ditames da sociedade, da religião ou do pai. Podemos escolher o que devemos a uma ideia ou a uma pessoa.

O fantasma de Benjamin pairava sobre eles, sorridente e feliz, como se Christian o tivesse chamado. Contudo, a imagem mudou rapidamente. Hayden viu Benjamin no convés do navio, carregando uma garrafa e se recusando a descer.

Por que Ben tinha saído da Grã-Bretanha e por que a volta o deixara tão desnorteado? E se tinha roubado mais de quarenta mil libras, onde diabos estaria todo esse dinheiro?


Alexia espiou o chapéu empoleirado na cabeça de Lady Wallingford. Não se poderia achar uma falha grave em sua modelagem. Ficaria mais elegante se as fitas fossem um pouquinho mais estreitas e as flores de cetim, um pouco menores, mas a Sra. Bramble, a chapeleira, conhecia bem seu ofício.

– As cores são um pouco fortes demais para a senhora – disse Alexia.

– Mas adoro vermelho e fica sofisticado com azul – retrucou Henrietta.

– O conselho da Srta. Welbourne não é sem razão, madame. A senhora tem a pele muito clara e essas nuances em particular tiram a atenção de sua própria beleza – reforçou a Sra. Bramble, olhando para Alexia em busca de aprovação.

Alexia assentiu sutilmente. Ela e a chapeleira estavam dando uma trégua.

Desde que tinham chegado à loja, Alexia conseguira desencorajar Lady Wallingford de comprar três chapéus muito caros. Sem dizer uma só palavra sobre o assunto, tinha dado a entender à Sra. Bramble que, a menos que quisesse assinar algum recibo de venda, teria de cooperar.

A Sra. Bramble trouxe uma cesta de fitas. Alexia pegou uma de um tom amarelo forte. Desenrolou-a diante do rosto de Henrietta e o verde dos olhos dela imediatamente se intensificou. Cobriu todo o vermelho flamejante com a fita e prendeu a ponta, de forma que a patroa pudesse julgar o efeito por si mesma ao olhar no espelho.

Enquanto Henrietta avaliava o próprio reflexo, a Sra. Bramble espiava Alexia.

– Você tem jeito para a coisa, não posso negar – disse ela baixinho. – Seu chapéu é muito bonito e finamente elaborado. Posso perguntar onde o comprou?

– Em uma lojinha no centro da cidade. A maioria das lojas por lá é bem simples, mas há uma mulher cuja habilidade supera a de todas as outras.

– Se ficar sabendo que essa mulher está à procura de emprego, por favor, peça que me procure.

Henrietta decretou que o amarelo, apesar de não tão marcante quanto o vermelho, seria uma escolha melhor. Ela encomendou um chapéu e vários casquetes para si e para Caroline. Alexia a acompanhou até a carruagem. Esperava que lorde Rothwell reconhecesse que ela havia conseguido reduzir um pouco a conta que sua tia pretendia fazer nessa visita.

O lacaio deu a mão a Henrietta para que ela subisse na carruagem, mas Alexia declinou sua ajuda.

– Eu deveria ter aproveitado para encomendar algo para mim – disse ela. – Posso voltar, senhora? Não vou me demorar.

– Pode. Como Hayden vai trazer Caroline para nos encontrar, madame Tissot pode começar a tomar as providências se eles chegarem antes.

A presença iminente de lorde Rothwell era um dos motivos de Alexia querer voltar para a loja. Não havia uma forma generosa de encarar aqueles beijos na biblioteca. Ele tinha sido um canalha e ela, uma libertina. Era simples assim.

Se pudesse acreditar que um deslize desses nunca mais se repetiria, poderia tentar fazer de conta que nunca acontecera. Infelizmente, as coisas não estavam tão claras assim. Ele fizera duas visitas nos últimos dias e o clima ficara pesado com a consciência dele do que ela permitira. No entanto, Alexia não tocou no assunto. E lorde Hayden não se desculpou, como já era de esperar.

As expressões e olhares dele poderiam não revelar a verdade chocante, mas sua mera presença tornava o clima tão denso que até respirar ficava difícil. O pior é que uma excitação tola pulsava silenciosamente na cabeça de Alexia e no seu sangue, por mais que tentasse controlar.

– Lady Wallingford esqueceu algo? – perguntou a Sra. Bramble quando Alexia entrou na loja de novo.

A chapeleira deu uma olhada em torno, procurando um xale ou uma bolsa.

– Queria falar com a senhora sobre a mulher que fez meu chapéu. Ela também confecciona por conta própria, fora do horário em que trabalha para o patrão. Suas melhores criações estão disponíveis por encomenda direta porque a dona da loja não tem bom gosto suficiente para apreciá-las.

– Isso é bem comum – disse a Sra. Bramble. – Não gostaria que minhas funcionárias fizessem isso, é claro, mas se a dona da loja não quer os chapéus... bem, é diferente.

– Creio que sua loja fará mais jus aos talentos dela do que qualquer loja no centro, e de forma muito melhor do que ela conseguiria por conta própria.

Os olhos da Sra. Bramble se estreitaram enquanto ela considerava a proposta.

– Essa mulher traria os chapéus para mim pessoalmente?

– Eu ficaria feliz de fazer isso por ela.

– Se eu usasse como modelo o chapéu que você trouxer, ela faria os pedidos em tempo hábil? Executaria as alterações solicitadas?

– Tenho certeza de que sim.

A Sra. Bramble olhou para ela de maneira astuciosa.

– Você parece conhecê-la muito bem.

– Já conversamos algumas vezes e sei que ela é honesta e diligente.

– Nesse caso, gostaria muito que a senhorita lhe dissesse para me mandar um ou dois chapéus, se forem da qualidade do que está usando.

Alexia correu para se reunir à patroa. A Sra. Bramble suspeitou que não houvesse mulher nenhuma no centro. Tinha sido gentil ao permitir a mentira para não ferir o orgulho da moça.

Alexia voltara à loja em um impulso, mas fora também uma decisão nascida de anos de especulações sobre o próprio futuro. Seu primeiro plano para o emprego não vinha se desenrolando da forma como pretendera. Se continuasse a ser preceptora de Caroline, ficaria vulnerável aos galanteios inexplicáveis e desonrosos de Hayden Rothwell.

Ela também não poderia mentir para si mesma sobre a corte de Hayden. Os beijos não tinham sido nem um pouco como os de Ben. Não poderia fingir que tinha sido amor o que os inspirara. Eles tinham compartilhado uma paixão selvagem que não necessitava da mínima afeição. A excitação que ele causava era dominadora demais, perigosa demais e sem nenhum romantismo.

Agora, no entanto, encontrara uma forma de ser chapeleira sem ter de trabalhar em uma loja. Isso era muito melhor do que ser uma criada, independentemente do nome dado ao cargo. Era também muito melhor do que virar cortesã, por mais agradável que fosse a sedução que levava a isso.

Ela poderia fazer os chapéus e ver quanto receberia da Sra. Bramble. Talvez fosse o suficiente para permitir que começasse a planejar uma vida em que não ficaria vulnerável aos perigosos galanteios de Rothwell.


Hayden xingou a si mesmo. Ele xingaria Alexia Welbourne também, mas não seria justo.

Não era culpa dela o fato de ele estar naquele antro feminino, avaliando vestidos coloridos e ouvindo as críticas incessantes de Henrietta. Pelo amor de Deus, ele tinha se oferecido para trazer Caroline até ali de modo que ela pudesse se encontrar com sua mãe e a preceptora.

Ele esperara até as damas chegarem, mesmo podendo ter deixado a prima nas mãos competentes de madame Tissot. Agora estava sendo punido por seu desejo oculto de ver a Srta. Welbourne, que fazia com que atendesse aos pedidos de Henrietta com muita frequência.

A mulher que ele assediava agia como se ele não estivesse presente. Contudo, o lado sedutor nele notava qualquer pequeno rubor e gaguejo de Alexia. E seu lado cavalheiro... bem, ele continuava a pôr honra e desejo na balança e concordava com tardes tediosas como esta para poder gozar do desejo enquanto fingia exercitar a honra.

Mas ele saudava o estímulo traiçoeiro das batalhas silenciosas que agora travava tanto dentro de sua cabeça quanto fora, naquele cômodo. Um dos motivos era que isso obscurecia as perguntas incessantes em relação a Benjamin Longworth.

Elas ocupavam sua mente, tomavam sua atenção. Ele queria saber por que Ben tinha roubado todo aquele dinheiro e se esses crimes estavam ligados à sua morte.

Alexia Welbourne talvez soubesse a resposta para algumas dessas perguntas. Mas, quando Hayden estava com ela, esquecia tudo sobre isso. Ele tentava se convencer de que buscava a companhia dela apenas para poder sondar fatos sobre Benjamin, mas nem mesmo procurava tocar no assunto. Nada disso era boa notícia para o lado honroso de sua batalha interior.

– O que você acha, Hayden? – perguntou tia Henrietta, segurando dois cabides com vestidos de debutante. – Qual deles devemos escolher?

– Sou ignorante demais nesse assunto para dar conselhos. Qual a opinião da Srta. Welbourne?

Alexia tinha se retirado para sentar em uma cadeira o mais afastado dele possível. Henrietta pediu que ela se aproximasse. Com uma expressão passiva e postura digna, Alexia se juntou aos dois. Seu olhar não pousou nele nem por um instante. Ela possuía uma capacidade excepcional de ignorá-lo sem parecer deliberadamente rude.

O lado sedutor não se importava com isso. Ela podia evitar o olhar, mas não tinha como esconder que mudava de atitude por causa dele. A corda aveludada da sensualidade os unia agora. Ele não conseguia resistir a provocá-la, pela mera força do desejo.

Ela examinou as peças nos dois cabides, depois fez uma avaliação crítica da jovem Caroline. Então voltou o olhar para a modista que aguardava, na expectativa.

– Senhora, precisamos de alguns minutos de privacidade para fazer nossa escolha.

Madame Tissot não gostou nada de ser excluída, mas se retirou.

Alexia segurava um cabide meio de lado para que pudesse vê-lo também.

– Este seria o vestido mais apropriado. Contudo, é o mais caro. Não devemos nos deixar enganar por sua discrição. Os enfeites carregam centenas de pérolas e muitos metros de guipura. Custará bem mais do que este outro, deixando pouco para ser gasto com o restante do guarda-roupa.

Foi um discurso admiravelmente prático, sensato e convincente. Antes que as últimas palavras fossem ditas, pôde ver a expressão decepcionada de Caroline aceitando que o outro vestido teria que servir.

Alexia não olhou na direção de Hayden, mas manteve o cabide à vista dele.

– Tia Henrietta, talvez Caroline possa ver outros vestidos de baile antes de tomar uma decisão final sobre este – disse Hayden.

Tia Henrietta achou que era uma ideia esplêndida. Ela e a filha se lançaram mais uma vez no longo processo de avaliação dos vestidos pendurados nos cabides.

Ele aproveitou a oportunidade para se dirigir à Srta. Welbourne em particular, algo que lhe fora impossibilitado desde que a beijara.

– Você prefere esse aí, não é? – perguntou ele, indicando com um gesto o cabide que Alexia ainda segurava entre os dedos.

Dedos longos e elegantes, perfeitamente desenhados. Ele imaginou aquele vestido com espessa barra de rosetas bordadas em pérolas sendo usado por uma mulher. Não pela jovem e pálida Caroline, mas outra mulher, madura e confiante, com cabelo castanho e olhos violeta.

– Chama muito mais a atenção. É uma modelagem que todos notariam. Mas é caro demais para sua tia.

– Quer que Caroline fique com este vestido, não?

– Ela se sentiria muito mais especial, mais bonita. Como uma princesa. Isso se refletiria em seu comportamento, no jeito de se portar, sorrir – disse ela, mas, em vez de olhar para ele, olhou para Caroline, que examinava fotos com sua mãe e depois voltava a examinar o cabide.

Nunca olhava para Hayden agora.

– Ela fica muito intimidada por sua tia – continuou Alexia. – Também tem muita consciência da renda limitada da família. Ao contrário da mãe, ela se tornou muito sensata. Às vezes, no entanto...

– Às vezes a pessoa pode ser sensata demais?

– Ela é muito jovem. A sensatez é uma virtude que combina melhor com a maturidade.

Lorde Hayden olhou para o cabide em que estava pendurado o vestido que faria uma garota se sentir uma princesa. A mulher que o segurava nunca tivera essa experiência, mas evidentemente entendia muito bem os sonhos e inseguranças da adolescência. Ela se orgulhava de seu bom senso, mas não queria que a jovem Caroline ficasse presa cedo demais às mesmas considerações práticas.

Ela queria que Caroline estivesse com o vestido. Queria isso tanto que permitira essa conversa, mesmo quando tentava fingir que ele não existia.

– Minha prima vai usar o vestido que a senhorita prefere, Srta. Welbourne. Vou dizer à tia Henrietta que é um presente de Easterbrook, assim ela não vai imaginar segundas intenções de minha parte.

Ele se encaminhou a Henrietta e explicou a generosidade de Easterbrook. O rosto de Caroline se iluminou. Ela deu um pulinho e correu para pegar o cabide das mãos de Alexia. Rindo e dançando ao redor da cadeira de sua preceptora, ia lhe pedindo conselhos sobre cores. Alexia riu e se juntou à celebração.

Enquanto ele observava a excitação das moças, explicou outras coisas para a tia.

Henrietta chamou a atenção da filha.

– Precisamos escolher pelo menos um dos vestidos de baile hoje, antes que outras moças comprem as melhores criações. Você ainda tem que vir até aqui e fazer isso. O mesmo vale para a Srta. Welbourne.

– Ouso dizer que não precisam do meu conselho a esse respeito – disse Alexia.

– Não preciso que me aconselhe, mas que escolha seu vestido. Como minha dama de acompanhia, você irá a algumas festas e passeios e vai precisar de um guarda-roupa apropriado.

A expressão de Alexia deixou claro que estava pasma.

– Não posso comprar essas roupas, nem a minha presença será necessária.

– Creio que esta é uma decisão que compete a mim. O irmão de Hayden concorda que sua presença é necessária e que deve estar bem-apresentada. Easterbrook se ofereceu para fornecer o guarda-roupa.

Henrietta então se virou para Hayden exibindo sua expressão mais adorável.

– Por favor, diga-lhe que somos todas muito gratas. Vou expressar meus agradecimentos quando o vir novamente, mas ele é tão esquivo...

– Transmitirei seus agradecimentos.

– Por favor, não transmita os meus – disse Alexia. – Anseio por fazê-lo eu mesma. Expressarei meus agradecimentos do meu jeito ao homem responsável por essa generosidade inesperada.

Ela o encarou, dando-lhe o primeiro olhar direto dos últimos dias. Seus olhos comunicaram as palavras furiosas que não ousava dizer na frente de Henrietta e Caroline.

Ela suspeitava que o guarda-roupa viria dele e não de Easterbrook. Não gostava que ele tivesse encontrado um jeito de lhe dar presentes caros sem que ela estivesse de acordo.

O lado cavalheiro estava perdendo a luta sobre o que fazer com Alexia Welbourne.


CAPÍTULO 7

Hayden passou adiante os documentos. Suttonly assinou seu nome.

– Você deveria lê-los – avisou Hayden.

– Seu irmão os lê?

Suttonly falou com seu típico tom entediado. Ele passou as folhas de volta para Hayden e se recostou na cadeira.

– Easterbrook lê tudo.

– Meu advogado vai verificar tudo quando os documentos finais forem preparados. Até hoje, você nunca me orientou de forma errada. Minha riqueza duplicou desde que comecei a seguir seus conselhos.

– Um homem menos honrado do que eu teria ficado com uma parte maior do que você ganhou nos últimos anos – disse Hayden.

– Se estivéssemos nos enfrentando em uma mesa de jogo, eu já teria me levantado e ido embora há muito tempo, Rothwell. Nesse assunto, no entanto, você provou ter menos sede de sangue.

Suttonly aludia a um passado que, sendo velho amigo de Hayden, ele conhecia bem demais. Rothwell se tornara notório nas mesas de jogo assim que chegara à idade adulta. A excitação da vitória o levava à loucura. Tudo tinha sido parte de suas tentativas de se tornar um homem diferente do que sua criação mandava.

Ele arriscara se arruinar nas mesas, mas, em vez disso, ficara rico. Levara um bom tempo para perceber que jogava com uma vantagem injusta. Os outros homens viam cartas aleatórias, mas ele enxergava os padrões. Mesmo jogos de azar eram regidos pelo que as cartas anteriores ditavam.

Foi então que descobriu a obra de Bayes e Lagrange e de outros. Leu o livro de LaPlace sobre probabilidades. O estudo delas estava se tornando uma ciência, uma ciência que o fascinava.

Contudo, perceber a verdade tirou o divertimento dos jogos. Agora ele se restringia a um tipo de aposta mais justa. Ainda via padrões, ainda calculava as chances com um talento que a maioria não possuía, mas as variáveis desconhecidas de alguma forma nivelavam o terreno. E o que era ainda melhor: às vezes havia vitórias em que ninguém perdia.

Suttonly se levantou e saiu andando pela sala do centro financeiro de Londres onde Hayden realizava seus negócios. Ela era parte de uma suíte que continha ao mesmo tempo um escritório e um quarto de dormir. Rothwell raramente usava este último, mas, nas ocasiões em que tinha ficado trabalhando até mais tarde, ele havia se mostrado conveniente.

– Ainda nisso, pelo que vejo.

Suttonly avistara os dados em uma mesinha e observava o caderno com colunas ao lado deles.

– Está com sorte?

– Estou caminhando – disse Hayden.

A mesa continha os progressos de um experimento em curso. Por trás do que o senso comum considerava sorte ou oportunidade havia leis que regiam as probabilidades. Os cientistas acreditavam que o mundo funcionava como um relógio bem projetado, mas ele achava que, na verdade, o mundo poderia ser definido por equações matemáticas bastante simples.

Suttonly prosseguiu, metendo o bedelho em coisas particulares, como velhos amigos tendem a fazer. Focou sua atenção em uma pilha grossa de folhas em cima de uma escrivaninha.

– O que é isso?

– Uma nova prova matemática recentemente apresentada na Sociedade Real de Londres. Estou verificando se tem fundamento.

– Vá com cuidado, Rothwell. Esses seus interesses ainda não o tornaram tedioso, mas, em dez anos, se não ficar atento, ninguém vai querer conhecê-lo, exceto os idiotas dos acadêmicos da Somerset House.

– Restrinjo minha brincadeira com números abstratos a algumas horas por dia – disse Hayden. – Na verdade, são as horas que estão transcorrendo agora.

– Vou deixá-lo, então. A propósito, esse negócio com Longworth, acredito que não tenha sido seu gosto por sangue a causa da ruína dele. Mas os boatos de que você estava por trás disso continuam a correr.

– Não frequento as mesas de jogo há anos.

– Que resposta interessante. Seria ambígua o suficiente para eu erguer minhas sobrancelhas, se eu fosse do tipo que se importa. Longworth já vai tarde. Ben podia ser divertido se a gente deixasse de lado seu entusiasmo exaustivo, mas Timothy se mostrou tediosamente ganancioso.

Quando Suttonly foi embora, Hayden colocou os documentos dentro de uma gaveta. Então se aproximou da escrivaninha.

Em minutos, sua mente passou por várias fórmulas, transcorrendo a poesia incrível e indescritível simbolizada por suas anotações. Quando estava na escola, havia considerado a matemática uma tarefa vagamente interessante, na qual se superava continuamente. Por fim, um professor o apresentara à profunda beleza oculta nos cálculos mais sofisticados.

Era uma beleza abstrata, presente na natureza, mas não fisicamente visível. Não tinha nada a ver com o mundo no qual a maioria das pessoas vivia. Não havia emoções, fome ou fraquezas nesses números. Nenhum sofrimento nem culpa, nenhuma paixão nem impulsos. Essa beleza era pura racionalidade, do tipo mais fundamental, e as visitas dele a seus domínios poderiam ser escapes, ele sabia. Nas ocasiões em que sua alma estava atormentada por questões mais humanas, ele sempre encontrava paz ali.

– Sir.

A voz o puxou de volta para o mundo real. O funcionário estava em pé ao seu lado. O homem tinha instruções para interrompê-lo em uma hora específica, de forma que ele não desperdiçasse o dia inteiro nessas abstrações. Hayden não conseguiria dizer quanto tempo ficara ali, mas sabia que a interrupção tinha ocorrido cedo demais.

– Chegou um mensageiro – explicou o funcionário. – Ele trouxe isto e a instrução de que o senhor gostaria de receber imediatamente. Se eu deveria ter esperado...

– Não, você agiu corretamente.

Ele rompeu o selo enquanto o funcionário voltava para a antessala. Leu a única frase escrita por um lacaio subserviente da casa de Henrietta.

A Srta. Welbourne havia tirado folga e fora visitar as lojas da Albemarle Street.


Se Phaedra Blair não possuísse nem estilo nem beleza, as pessoas a considerariam meramente estranha. Como a natureza a tinha abençoado com ambas as qualidades, a sociedade a achava quase interessante.

Phaedra era uma das poucas pessoas que Alexia podia contar como amiga, além de sua prima Roselyn. Mas não mantinham uma amizade expressamente pública, apesar de às vezes passarem um tempo juntas na cidade, como faziam hoje. Phaedra era a amiga que Alexia normalmente procurava quando queria falar em particular sobre livros e ideias.

Filha ilegítima de um membro do Parlamento reformista e de uma intelectual, Phaedra morava sozinha em uma pequena casa em uma rua pobre perto de Aldgate. Herdara dos pais a capacidade de dispensar regras e crenças que lhe parecessem estúpidas. Por causa disso, ela e Alexia tinham tido algumas discussões fortes em certas ocasiões. Tinha sido uma delas – ocorrida dois anos antes, no dia em que se conheceram ao examinar a mesma pintura em uma exposição da Royal Academy – que iniciara sua amizade.

– Acho que seu plano de fazer chapéus é admirável. Como afinal você entendeu, uma mulher dependente é uma mulher escravizada – disse Phaedra.

Uma vez que um tio lhe havia deixado uma renda de cem libras por ano, Phaedra não era escravizada por nada nem ninguém.

Elas estavam passeando pela Pope’s Warehouse, na Albemarle Street, Alexia comprava aviamentos. Ela decidira fazer um chapéu e um gorro. Escolheu um fio de ferro que poderia usar para fazer a aba.

– Não permita que essa chapeleira a roube. Seus chapéus valem muito – disse Phaedra. – O design é tudo na arte.

– Ela vai querer lucrar também. Posso me sustentar com poucas libras por mês.

Com dificuldade, mas era possível. Se ela fosse frugal, poderia poupar algum dinheiro também. Em poucos anos, teria condições de abrir uma escola para meninas. Esta era uma forma comum e respeitável de damas trabalharem.

– Sou a última mulher a censurar esse modo de vida. Mas você leva a opinião das pessoas mais em consideração do que eu, Alexia. Não deixe de pensar nisso ao fazer suas escolhas. Se descobrirem que você está fazendo peças para uma loja, tentar manter seu emprego será em vão.

Alexia queria muito não se importar tanto com a opinião dos outros nem com seu emprego. Phaedra não ligava a mínima e tinha uma vida provavelmente muito mais interessante do que a sua jamais seria. Phaedra não se preocupava com bens materiais. Viajava sozinha se quisesse. Recebia escritores e artistas na sua pequena casa. Alexia tinha motivos para suspeitar que Phaedra tinha amantes também. Não aprovava esse comportamento, mas não podia negar que a indiferença da amiga a regras sociais era muito sedutora.

Phaedra nem mesmo usava boinas ou chapéus. Seu longo cabelo ruivo ficava solto.

Em consequência, elas receberam muitos olhares dos donos dos armazéns. Depois que as pessoas olhavam para aquele cabelo, percebiam as roupas e olhavam ainda mais. Phaedra quase sempre estava vestida de preto. Ela poderia estar de luto, não fosse por seu cabelo e pelo corte incomum, solto, de seus vestidos. O forro em forte tom dourado de sua capa negra anunciava ainda que o preto era sua cor preferida.

– Confesso ainda que estou surpresa com sua decisão de sair da casa – disse Phaedra enquanto Alexia escolhia uma palhinha para o chapéu. – Você tem um dia só para você e pode usar a carruagem. Não é uma prisioneira. Está muito mais confortável lá do que estará por conta própria.

– Não desejo continuar dependente, por mais conforto que isso traga. Nem é uma situação estável. Posso ser demitida a qualquer momento, por qualquer motivo. Então, o que eu faria?

– E em que isso difere de sua situação anterior?

– Antes era minha família. Família não põe um parente no olho da rua.

– A sua pôs.

– Por favor, não os critique, Phaedra. Recebi uma carta de Rose hoje e as coisas não estão indo nada bem. Tim está doente e eles precisam racionar combustível como se fossem camponeses.

– Seu primo deveria cuidar da saúde logo e procurar um emprego.

Alexia evitou a discussão. Hoje não queria falar dos Longworths. Não eram eles o motivo de ela estar comprando aviamentos às escondidas para fazer suas peças.

Gostaria de poder contar a Phaedra sobre lorde Rothwell e os beijos. Se o fizesse, no entanto, a amiga chamaria isso de luxúria, exatamente o que tinha sido. Phaedra provavelmente a lembraria das três longas cartas que Alexia lhe escrevera falando mal daquele homem.

Seu rosto enrubesceu ao pensar no conjunto de passeio e nos vestidos que estavam sendo confeccionados por madame Tissot. Tinha certeza de que era Rothwell, e não Easterbrook, que estava pagando por eles. Phaedra a repreen-deria por isso. Phaedra podia ter amantes, mas era contrária a que homens pagassem com presentes pelos favores de mulheres.

Alexia verificou o material disposto sobre o balcão para se certificar de que tudo estava ali. Somou todos os itens e pagou. O funcionário da loja embrulhou suas compras em vários pacotes. Equilibrando todos eles de forma desajeitada em uma pilha que lhe chegava à altura do nariz, ela saiu para a rua, na direção da carruagem.

– Você deve querer começar os chapéus hoje mesmo – disse Phaedra. – Ou então terá que esperar até a semana que vem. Não me diga que vai confeccionar esses chapéus à luz de uma lamparina depois que acabar suas tarefas. Prejudicaria sua saúde, não posso aprovar isso.

– Suponho que, já que vou fazê-los, é melhor que seja logo.

– Vou para casa em um cabriolé, assim não desperdiçará uma hora para cruzar a cidade. Foi muita gentileza sua ir me buscar, mas não me importo de voltar sozinha.

Alexia se virou para agradecer a Phaedra por sua consideração. Do canto do olho, viu alguém vindo em sua direção. Percebeu-o bem a tempo de evitar que trombasse com ele.

De repente os dois pacotes do alto da pilha desapareceram.

Voltou-se para o ladrão e estava prestes a gritar para evitar que ele fugisse. Só que não era um ladrão.

– Estavam quase caindo – disse lorde Rothwell. – Vejo que está usando sua folga de forma mais ativa do que na semana passada, Srta. Welbourne.

– Lorde Rothwell. Que surpresa inesperada.

Ele era a última pessoa que gostaria de encontrar. Não teve outra opção a não ser apresentá-lo a Phaedra. Hayden Rothwell nem piscou diante da aparência de sua amiga. Ele transpirava uma elegância afável.

Hayden olhou para os pacotes.

– A carruagem está por perto? Posso carregar os embrulhos e acompanhar as senhoras até lá.

– Vou chamar um cabriolé, obrigada – disse Phaedra.

– Não posso permitir – disse Alexia em tom firme para dar a entender a Phaedra que ela deveria ficar. – Vou levá-la de volta na carruagem.

– Você pode aproveitar melhor a tarde.

– Permita-me conseguir o cabriolé para a senhorita – ofereceu lorde Rothwell.

Ele fez um sinal para o homem que fazia a segurança do depósito. Tirou umas moedas do bolso do colete e deu instruções para que encontrasse um cabriolé de aluguel para a Srta. Blair.

Depois guiou Alexia para longe da porta e até a fila de carruagens que esperavam ao longo da rua.

– Sua amiga, a Srta. Blair, não passa despercebida.

– Ela é honesta, autêntica e incapaz de dissimulações.

– Não quis faltar com o respeito. Ela é original. Deveria apresentá-la para Easterbrook. Eles podem trançar o cabelo um do outro.

– Suspeito que Phaedra acharia Easterbrook bem entediante. É isso que não a faz passar despercebida e mostra sua originalidade.

A atitude levemente mal-humorada que o cocheiro tinha assumido no começo do passeio desapareceu ao ver Rothwell se aproximar ao lado dela. Adiantou-se para pegar os embrulhos, depois os arrumou cuidadosamente na carruagem.

– No futuro, quando a Srta. Welbourne usar a carruagem para fazer compras, um lacaio deve acompanhá-la – disse ele ao cocheiro. – Minhas desculpas, Srta. Welbourne, por não ter deixado isso claro para os serviçais desde o início.

Lorde Rothwell abriu a porta para Alexia. Ela subiu na carruagem. Ele fez o mesmo.

– Não preciso que me acompanhe. O cocheiro pode me proteger no curto trajeto até a Hill Street.

Ele ignorou sua falta de gentileza e se sentou defronte a ela.

– A Srta. Blair estava certa? A senhorita tem outros planos para esta tarde?

Tenho, sim. Pretendo levar estes embrulhos para meu quarto e começar a fazer chapéus, para ganhar dinheiro suficiente para nunca mais vê-lo nem ter que sofrer o desprazer de sua presença.

– Alguns assuntos pessoais – disse ela.

Aparentemente ele pensou que ela queria dizer que não tinha nada importante para fazer. Deu instruções ao cocheiro para se dirigir ao Hyde Park.

– Está meio frio para uma volta no parque – disse ela.

– Nosso passeio será breve. Gostaria de lhe falar sobre um assunto.

O coração dela se encheu com a gravidade que prenunciava más notícias.

– Duvido que essa conversa inclua as desculpas que me deve. Nem prevejo receber suas garantias de ser poupada desse comportamento no futuro, já que sua invasão dessa carruagem por si só levantaria suspeitas.

Uma leve doçura suavizou a expressão dele. Um olhar franco e senhor de si acrescentou um toque sarcástico que enfraqueceu aquele efeito.

– Desculpe-me tê-la ofendido com meu silêncio. Admito que lhe devo as desculpas e as garantias necessárias. Mas não conseguirei dizer as palavras certas no momento.

– Por quê?

– Porque seriam mentira.

A carruagem pareceu ficar muito pequena. Ele ainda agia de forma amigável. Nada em seu rosto ou postura a ameaçava. Entretanto, tudo nela ficou muito ciente da presença de Hayden. Seu corpo reagiu como se ele a estivesse acariciando com gestos longos e demorados.

Fora um erro ficar sozinha com ele. Ela odiava como esse demônio podia provocar reações tão escandalosas nela.

– Lorde Hayden, considerarei quaisquer assédios dessa natureza como insultos do tipo mais cruel.

– Não consigo decidir se isso é verdade ou se a senhorita quer se convencer disso.

– Que generoso de sua parte pensar em minhas preferências.

– São de fato as suas preferências que contemplo. No entanto, fique contente de eu não pretender descobrir hoje quais são elas. Quero falar de um assunto bem diferente.

– E o que seria?

– Algo que lhe dará muito mais prazer. Benjamin Longworth.


A menção ao nome de Benjamin silenciou suas objeções. Ele suspeitou que ela suportaria todo tipo de galanteios se a conversa incluísse recordações sobre seu amado primo.

Se aceitar se tornar minha amante, concordo em conversar sobre Benjamin Longworth duas vezes por semana. Só que não na cama. Se isso for aceitável para a senhorita.

Ela o ignorou enquanto a carruagem os levava para o parque. Ele passou o tempo imaginando o que estaria nos embrulhos e observando o cuidadoso conserto que fora feito ao longo da bainha de seu casaco marrom. O conjunto de passeio que estava sendo feito por madame Tissot cairia muito bem nela e seu tom azul-celeste combinaria perfeitamente com seus olhos.

Ainda não era a hora costumeira de passeios pelo parque, mas já havia um número suficiente de chapéus largos e cinturas apertadas por ali para afastar a sensação de estarem sozinhos. Para Alexia, passear lado a lado com ele era um verdadeiro suplício. Sua postura deixava claro como ela permanecia na defensiva.

– Estamos em local público, Srta. Welbourne. Dificilmente a importunaria aqui.

– Sua maneira de falar é muito ousada. Um beijo roubado não lhe dá o direito de tamanha intimidade.

– Conversas ousadas sempre marcaram nossos encontros, e não por iniciativa minha. Além disso, não foi um beijo, e eu roubei muito pouco. Mas não vamos brigar hoje. Falemos de assuntos amigáveis.

O olhar dela mostrou que não o considerava um amigo, mas a alusão ao assunto que havia sido anunciado a acalmou. Seu passo desacelerou e o gelo derreteu.

– Pode me dizer por que ele decidiu ir para a Grécia? – perguntou ela. – Foi um choque para nós, algo muito inesperado.

A referência a Ben provocou um lindo rubor nas maçãs de seu rosto e um brilho vivaz em seu olhar. Sua aparência o lembrava de quando a beijara e essa lembrança fez com que seu lado cavalheiro desaparecesse do mapa. Em sua mente, via um campo de violetas, a brisa transportando os gemidos ritmados de uma mulher acolhendo o prazer enquanto ele a penetrava...

Vigilância. Vigilância.

– Ele soube que eu estava indo e decidiu se juntar à nossa brigada – disse ele. – Creio que foi um dos impulsos pelos quais era famoso.

– Um impulso generoso. Ele arriscou a vida por uma causa nobre.

– Certamente.

Balela. Ninguém imaginava que pudesse ser ferido, que dirá morrer. E Ben não tinha ido por uma questão de princípios. Ele fora para a guerra motivado pelo desejo de se aventurar e a esperança de impressionar uma dama inatingível.

Não era seu papel desiludir a Srta. Welbourne. Nem ela o agradeceria se o fizesse.

– Tenho certeza de que ele era muito corajoso – disse Alexia. – Imagino-o como um herói em um quadro.

Ele combateu a vontade de contar-lhe a verdade. Ben fora muito corajoso uma vez, isso era certo. Louca e impulsivamente corajoso. O desejo de lhe fazer confidências o confundiu.

– Ele lutou o melhor que pôde, como todos nós. Mas os gregos não são bem comandados. Eles não dispõem de uma estratégia sólida e suas facções não cooperam. Temo que o cerco de Missolonghi acabe muito mal.

– Ben disse que os gregos têm que ser libertados. Como um marco e para compensá-los por tudo o que o mundo civilizado deve à sua história.

Ben não estava nem aí para isso. Usara a defesa dos gregos como desculpa para ir embora. Sabia muito pouco sobre política ou história.

Contudo, essa vontade de ajudar sem querer nada em troca havia motivado outros. Tinha sido sua própria justificativa para fazer algo que, olhando em retrospectiva, era irracional, impetuoso e uma louca versão do heroísmo romântico encontrado em poemas.

Seus princípios haviam sido nobres, mas a realidade dessa guerra não o fora. Tinha visto atrocidades cometidas por ambos os lados. Tinha voltado exausto e desencantado, a tempo de observar outros irem depois dele, todos imbuídos dos mesmos ideais simplistas.

– Acha que eles vão vencer? – perguntou ela. – Gostaria de acreditar que o último ano de vida dele não foi dedicado em vão a essa causa.

– O Império Otomano é antigo e corrupto. Só se sustenta com a ajuda de países como o nosso. Os turcos deixarão a Grécia um dia e a guerra atual e nosso apoio terão ajudado isso a acontecer.

Falavam sobre isso enquanto caminhavam juntos, suas botas esmagando folhas secas que voavam pelo caminho. Ela lhe fez muitas perguntas, esquecendo que deveria estar zangada com ele e até mesmo que deveriam estar falando de Benjamin. Por vinte minutos, a situação mundial ocupou sua mente inquieta e questionadora.

Foi lorde Hayden que dirigiu a conversa de volta para Benjamin. Ele o fez de má vontade, mas seu encontro “acidental” com a Srta. Welbourne tinha um objetivo.

– A família passou por dificuldades quando Ben se ausentou? – perguntou Rothwell.

A alusão aos Longworths causou uma tensão perceptível.

– Timothy já havia começado a trabalhar no banco àquela altura, então não me lembro de ter havido grandes dificuldades. E de início continuamos morando em Cheapside. Foi logo depois que Ben partiu que a situação começou a melhorar significativamente.

As últimas palavras saíram com um toque de ressentimento. Para depois tudo ser destruído por você, é claro. Alexia não disse isso, mas a acusação era perceptível em seu tom. E provavelmente sempre seria.

– A senhorita não percebeu melhorias nos primeiros anos em que morou com eles em Cheapside? Foi só depois?

– Tim explicou que o banco precisava se consolidar nos primeiros anos, mas que depois estava bem estabelecido. Pudemos gozar dos frutos da administração cuidadosa que Ben e ele mantinham. Admito que considerava Tim exagerado no que dizia respeito a gozar desses frutos, mas talvez fosse normal se permitir tanto assim.

Ele olhou para o casaco dela de novo. Era antigo, de alguns anos atrás, pelo menos. Pensava em seus vestidos deselegantes, de cintura alta. Tim tinha permitido muitos mimos a si próprio e às suas irmãs, mas não à prima.

O canalha vinha roubando as pessoas e não tinha se dado o trabalho de usar alguns desses ganhos escusos com a prima pobre em sua própria casa.

– Na verdade, o banco gozou de um crescimento sólido desde o início – disse ele. – A mudança repentina de uma vida confortável para uma de extravagâncias não se deve ao modo como o banco se solidificou. Ben poderia ter gozado de alguns desses frutos antes. Eu teria esperado ver evidências lentas mas constantes do crescimento de seus negócios. Está dizendo que não houve?

– Não que eu tenha notado. Tínhamos uma vida bastante estável em Cheapside. Ele ia ao clube e tinha uma carruagem ao seu dispor o tempo todo. Não havia indícios de que a situação estivesse mudando nem para melhor nem para pior – respondeu Alexia e então, observando a nítida curiosidade de Lorde Rothwell, questionou: – Por que está fazendo essas perguntas?

– Ando pensando muito nele, Srta. Welbourne. Fico imaginando-o em seus últimos dias naquele navio. Benjamin estava em profunda melancolia. Imaginei se ele não teria de enfrentar problemas financeiros quando voltasse, mas, pelo que está me dizendo, parece que não.

Ele fez uma pausa, imaginando como deveria prosseguir.

– Agora me pergunto em que foi aplicada a renda a mais que recebeu naqueles últimos anos, se não foi em sua casa ou para manter hábitos caros.

– Reinvestida no banco, imagino. Então Tim herdou tudo.

Era uma boa resposta, só que errada. Ele tinha examinado os registros da conta pessoal de Benjamin. Pouco tinha sido depositado lá para Tim herdar.

Algum dinheiro teria sido usado para pagar os falsos rendimentos dos títulos que ele roubara, é claro. Esse valor aumentara a cada roubo. No entanto, muito mais do que isso tinha desaparecido.

Teria que pensar melhor sobre o assunto, agora que sabia que Benjamin não tinha gastado uma boa parte em luxos. E também teria que verificar se Ben não possuía contas em outros bancos e se elas poderiam conter os frutos de seus crimes.

A caminhada tinha traçado um percurso circular. A carruagem esperava adiante. Hayden afastou Benjamin de sua mente e apenas aproveitou a presença da Srta. Welbourne ao seu lado nos últimos metros do caminho.


Ela estava se esquecendo de odiá-lo. A caminhada tinha sido muito amigável, contudo ele não era amigo dela nem de seus entes queridos.

Agora estavam na carruagem de novo e aquela outra fascinação, a excitação infame, interferia ainda mais. Ela achava isso muito desconcertante, sentar-se diante de um homem que sua mente desprezava, mas que seu corpo, não – as várias inquietações se misturavam todas.

Ele a olhou de uma forma que era muito frequente agora, com uma contemplação despreocupada que criava um clima predatório sutil. Seu olhar pousou e se demorou nas mãos dela.

– Devo-lhe desculpas. Fui relapso com seu bem-estar e sua saúde. Deveria ter percebido que usava luvas sem as pontas dos dedos e não luvas mais quentes.

Ela baixou o olhar para os próprios dedos rosados, descobertos pela luva que terminava no dorso da mão. Alexia as escolhera para que pudesse tocar e avaliar os aviamentos que compraria.

Ele abriu o cobertor que ficava na carruagem e envolveu as mãos dela, esfregando-as para que a lã as aquecesse rapidamente. Ela recebeu o carinho sofregamente e seus dedos pinicaram na conchinha aquecida. A proximidade dele fez seu coração bater forte demais. A sensação das mãos dele pressionando as dela por cima da lã a fez perder o fôlego.

Ela não conseguia controlar essa reação. Nenhuma delas. Isso a assustava. A parte dela que se esquecera de odiá-lo era independente do bom senso. As reações vinham de uma fonte tão profunda que Alexia não conseguia definir qual. Emergiam de uma essência primitiva que sua mente racional não conseguia controlar.

Só a ausência dele a libertava por completo. Felizmente, ela daria um jeito nisso em breve. Por ora, buscou refúgio no único lugar em que poderia encontrá-lo.

– Apreciei nossa conversa sobre Benjamin. Sua descrição da melancolia dele me surpreendeu, nunca soube que ele era assim.

Isso era verdade. Um pequeno desconforto surgiu, como se um ponto de interrogação tivesse se juntado aos pontos de exclamação sobre Benjamin.

– Talvez ele tivesse sentido a perda das fortes emoções ao voltar para casa após toda a tensão na Grécia.

Ela não se importava com essa explicação. Afinal, ele voltara para ela.

– Desculpe-me por ser direto, Srta. Welbourne, mas... Benjamin a pediu em casamento antes de partir ou foi por carta?

Ela nunca o perdoaria por ser tão direto. Essa pergunta fazia ressurgir um questionamento dela. Um questionamento traiçoeiro que surgia no meio da noite, quando se entregava às lembranças. Será que tinha entendido mal?

– Ele falou de ficarmos juntos para sempre.

– Então vocês tinham um acordo claro. Entretanto, talvez ele estivesse preocupado com a possibilidade de a senhorita o rejeitar quando ele a pedisse formalmente em casamento. Isso deve explicar seu ar melancólico.

Não, não era isso. Ele ditava o ritmo da relação. Era ela que tinha motivos para se inquietar com a rejeição.

Esse pensamento lhe tomou a mente. Ela se ressentiu de sua honestidade e da forma como aquele homem impunha sua presença.

– Talvez seja bom ele não estar entre nós agora – disse ela. – Se era amigo dele, o que fez aos Longworths... seu dever, como diz... teria sido mais difícil.

Ela buscou algum sinal de culpa nele. Não encontrou.

– Imagino que escreva para eles.

– É claro. E minha prima Roselyn me escreve também. Timothy está arrasado. Tudo o que aconteceu afetou sua saúde.

– O brandy tem um custo para a saúde.

– Como ousa...

A severidade de Hayden surgiu no exato momento em que Alexia começou a repreendê-lo. Os instintos dela gritaram uma advertência silenciosa para que segurasse sua língua. A última discussão acalorada deles produzira resultados drásticos. Engoliu o ódio.

– Roselyn me diz que eles mal têm o que comer, então duvido que haja dinheiro para comprar brandy.

– Gim barato tem o mesmo efeito. Sinto muito pelo sofrimento das damas. Vou enviar algum dinheiro para a Srta. Longworth. Se o dinheiro for entregue a ela, podemos ter certeza de que ficará nas mãos dela e não será usado para alimentar a doença do irmão?

– Ela nunca aceitaria dinheiro do senhor. Seu orgulho nunca permitiria isso, nem sua raiva. Ela morreria de fome primeiro.

– Então darei o dinheiro para a senhorita, que enviará para ela. Não é preciso que ela fique sabendo da verdadeira fonte. Digamos cinquenta libras no momento?

A oferta a surpreendeu. Deveria aceitar, sabia que sim. No entanto... Ela o encarou com desconfiança. Seria como o novo guarda-roupa? Ela ficaria em dívida com ele?

O sorriso lento de lorde Rothwell mostrou que lera os pensamentos dela.

– Srta. Welbourne, se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto. A senhorita ficaria sabendo logo e eu nunca a insultaria com uma quantia tão pequena.

A carruagem chegou a Hill Street naquele exato minuto. Um lacaio se apressou para ajudá-la a descer. Ela se afastou rapidamente enquanto Rothwell arrumava a pilha de embrulhos nos braços do criado. Estava a meio caminho da porta quando se decidiu quanto ao dinheiro. Ela se virou e se dirigiu a Hayden, que descia da carruagem.

– Meu orgulho não deve impedir que minhas primas tenham algum consolo. Mandarei o dinheiro. Somente dez libras, não mais, pois eu não poderia explicar a origem. Ela nunca saberá que veio do senhor.


CAPÍTULO 8

Alexia arrastou Caroline para uma conversa formal em francês. Sua pupila ainda deixava bastante a desejar quanto ao domínio desse gracioso idioma. A falta de atenção da própria Alexia aos pontos mais sutis da gramática não estava ajudando seu progresso.

Metade de sua mente permanecia ocupada com o encontro com lorde Rothwell que acontecera havia três dias. Distanciada da sua presença perturbadora, a conversa deles ganhara a posição central em suas lembranças. Sua reação confusa diante dele formava o pano de fundo para algumas especula­ções sérias em relação ao que tinha dito a propósito de Benjamin. O novo ponto de interrogação não parava de crescer.

Um lacaio as encontrou na sala de aula e depositou um embrulho em cima da mesa, anunciando que tinha acabado de chegar para a Srta. Welbourne.

– Você comprou um travesseiro quando foi às compras? – perguntou Caroline.

Não, mas esse embrulho parecia mesmo conter um travesseiro. Ela rasgou o elegante papel de embrulho. O papel caiu no chão revelando um regalo de arminho.

– Nossa! – exclamou Caroline. – Que lindo!

O regalo era feito de uma pele branca extremamente macia. Um cetim marfim forrava o túnel onde se colocavam as mãos para aquecê-las. Pérolas minúsculas enfeitavam as costuras de ambos os lados.

Alexia leu o bilhete que o acompanhava.


Soube que vai ao teatro hoje à noite com minha tia. As noites ainda estão muito frias para que uma dama saia sem a devida proteção. Queira aceitar isto em sinal de gratidão pela ajuda que está prestando à família.

Easterbrook


A ponta do dedo de Caroline traçou um pequeno desenho nos pelos.

– Mamãe acha que Easterbrook devia ter nos convidado para morar na casa dele. Ela também está magoada porque ele nunca nos visitou aqui, mas acho que ele tem um coração generoso.

Alexia não fazia a menor ideia se o coração de Easterbrook era generoso ou não. Contudo, tinha quase certeza de que ele não sabia dos presentes que não paravam de chegar em seu nome.

O luxo do regalo a deixou encantada. Suas mãos ansiavam por se aquecer em seu calor. Ela se lembrou de Rothwell pondo a coberta em volta de suas mãos, numa versão simplificada daquele presente.

– O que é o outro bilhete? – disse Caroline apontando para o colo de Alexia.

Um segundo envelope lacrado tinha caído quando ela abrira o embrulho.

Tocou-o e percebeu que este não poderia ser mostrado a Caroline. Seus dedos sentiram o tamanho e o formato do papel contido dentro do envelope. Era evidente que “Easterbrook” estava doando as dez libras que seriam enviadas para os Longworths.

Ela sabia a verdade. No entanto, ainda não estava em dívida com ninguém. A artimanha da generosidade de Easterbrook protegia seu orgulho. O mesmo era verdade em relação à estranha garantia dada na carruagem. Se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto.

Ela pôs o regalo e os bilhetes de lado. Durante toda a lição da tarde, os dois presentes ficaram lá, esperando para envolvê-la em ilusões de segurança, seduzindo-a a pensar com doçura no homem que os enviara.


O vestido dela era velho, mas apresentável, e sua longa capa era elegante apesar da simplicidade. Nenhuma das peças, porém, estava na moda e Hayden pressupôs que já tinham visto muitas primaveras. Alexia provavelmente as tinha comprado quando Ben era o chefe da família. Era só pela falta de uso que permaneciam livres de sinais de desgaste.

Ela chegou ao camarote com Henrietta, satisfeita no seu papel da quieta dama de companhia à sombra da exuberância da tia dele. Um discreto turbante ornado de uma pluma anunciava sua condição de dama, independentemente de sua situação. O regalo de pele dava um tom de luxo à melodia silenciosa e fora de moda do recato de suas vestes.

Ela manteve o regalo no colo durante toda a peça. O teatro estava um pouco frio e suas mãos permaneceram escondidas em seu túnel acetinado. Sentado do outro lado de Henrietta, Hayden conseguia ver facilmente o braço enluvado de Alexia descrever uma curva suave para a caverna oculta onde suas mãos pousavam. Ele imaginou os dedos delgados, aquecidos pelo ninho de pele e cetim, escorregarem em seu peito nu, cinco caminhos aveludados acompanhando a linha de seu quadril e em torno de suas ancas...

Ele se levantou e recuou para a parede do fundo do camarote. De lá, só conseguia ver o chapéu de Alexia. E a pele de seu pescoço. E o suave declive de seus ombros. Seu vestido ocultava o bastante para fazer sua imaginação voar de novo, especulando sobre o gosto que sentiria ao beijar aquela pele.

Riu de si mesmo, apesar dos dentes cerrados. Não era homem de ficar espionando mulheres que não poderia ter. Sua vida pessoal progredia com a mesma eficiência de sua vida pública. Esse desejo pela Srta. Welbourne não fazia sentido e estava se mostrando altamente inconveniente. E era desejo, puro e simples, o tipo de anseio que raramente se concentrava em uma mulher específica, que dirá em uma mulher a ser desejada em vão.

O problema era que não acreditava de verdade que era em vão. Ele não deveria tê-la, mas a parte de sua cabeça que instintivamente calculava probabilidades dizia que poderia, se quisesse. Ela não gostava dele e o culpava por grandes pecados, mas o desejo existia à parte do que deveria ser.

O objeto de sua atenção se mexeu. Seus ombros se curvaram para o palco e o chapéu lentamente se ergueu. Virando-se, ela pousou o regalo na cadeira e andou com graça silenciosa na direção dele.

Ele esperava que ela fosse sair do camarote. Mas, ao contrário, se aproximou de Hayden, seus olhos buscando os dele na sombra ao longo da parede do fundo.

Foi preciso conter o desejo de agarrá-la.

– Está gostando da peça, Srta. Welbourne?

– Sim, foi muito gentileza a sua tia me incluir.

Ele tinha arranjado isso sendo vago sobre seus próprios planos. Sugerira a Henrietta que trouxesse a Srta. Welbourne para que não houvesse chance de ela ficar sozinha no camarote de Easterbrook. Ele desprezava seu impulso de agir por subterfúgios, mas se rendia a eles.

– Seria possível ter uma conversa com o senhor, lorde Hayden? Refere-se a um assunto que não me saiu da cabeça nos últimos dias e exige privacidade.

Agora não, pombinha. Fique perto da mamãe se for ajuizada.

– Certamente, Srta. Welbourne.

Ele a guiou para a porta.

O corredor estava às escuras, com apenas pequeninas luzes amarelas salpicando a escuridão. A pele de Alexia parecia etérea e seus olhos, muito escuros e expressivos. Eles se reuniram à porta do camarote.

– Andei pensando sobre o que disse no parque, em relação a Benjamin.

O cenho de Alexia se franziu de preocupação. Ele quis beijar aquela ruga até desfazê-la.

– O senhor falou da melancolia dele nos últimos dias de vida e fiquei pensando em como isso seria um comportamento incomum para ele.

– Todos nós temos nossos momentos. Tenho certeza de que ele também os tinha quando não estava sendo observado pelas outras pessoas.

– Possivelmente. Mas... deixe-me fazer uma pergunta: ele estava bebendo naquela noite, quando aconteceu?

– Uma quantidade razoável.

Naquele instante ele desejou que não tivessem deixado o camarote. Ela estava entrando em detalhes que ele preferia não dar. Normalmente evitava pensar nisso.

– Isso também não era um comportamento comum nele – disse ela. – Ao contrário de seu irmão, Ben não gostava de beber. Pelo que me contou, acho que ele não estava apenas melancólico, mas consternado.

– Talvez essa palavra seja forte demais.

– O senhor o viu lá, no convés, antes de cair?

Agora estavam rumando para águas profundas. O desejo de beijá-la tinha menos a ver com atração e mais com impulso de silenciar essas perguntas.

– Eu o vi rapidamente.

“Olhe para as estrelas, Hayden. Elas enchem todo o céu até chegarem ao mar. Sinto como se pudesse andar por sobre as águas e tocá-las.”

“Lá na frente não são estrelas, mas o farol da Córsega. A bebida alterou seus sentidos. Desça para ficar com os outros. Está frio.”

“Não serei uma boa companhia. Ficarei melhor sozinho esta noite.”

“Pode ficar sozinho lá embaixo.”

“Deixe-me em paz, está bem? Você nunca fica triste, Hayden? Essa sua alma distanciada e calculista nunca sente tristeza ou desespero? O céu noturno pode servir para aliviar esses sentimentos.”

“Ficaria menos triste se estivesse menos bêbado.”

“Agora falou igual ao seu pai. Fazendo julgamentos, com sua superioridade lógica. Vai me passar um sermão? Falar de retidão moral e comportamento honroso? Por Deus, em vinte anos você estará igualzinho a ele. Que bom que você não tem vontade de casar, porque iria acabar tão hipócrita quanto ele e...”

“Mais uma palavra e acabo com você, mesmo estando bêbado, seu canalha.”

“Deixe-me em paz e não vai mais ouvir nenhuma palavra deste canalha.”

“Vou deixá-lo em paz. Vá para o diabo, se é o que deseja.”

– Tivemos uma conversa rápida, mas ele não quis descer comigo – disse Hayden dando de ombros.

Ela pareceu ver o peso que o gesto demonstrava. Ele ficou sem jeito com o olhar perscrutador dela.

– O senhor se culpa, não é? Sente-se culpado por não tê-lo convencido a deixar o convés.

Ele expirou lentamente, deixando sair a fúria que surgira com as palavras dela. Aquela acusação criava uma intimidade peculiar. Alexia tinha tocado no lado selvagem de sua alma.

– Peço desculpas pelo que disse. Agora está zangado. Mesmo nesta luz, posso ver. Não pretendia...

– A senhorita só citou mais um pecado em uma longa lista. Homens como eu têm muitos, como já assinalou tantas vezes.

– Tenho certeza de que não sabia que ele estava tão embriagado a ponto de cair no mar – disse ela, espiando-o e tentando enxergar suas feições apesar da luz baixa.

Ela estava adoravelmente preocupada. Tanto que de repente ele não mais se importava com o que ela vira ou com o que poderia saber sobre Ben. Ele não dava a mínima para esses detalhes naquele exato momento, porque os lábios carnudos de Alexia estavam tão sensuais que ele já não dava conta do que havia ao seu redor.

– Lorde Hayden, tenho que fazer uma pergunta. É muito difícil cair no mar? Venho tentando imaginar a cena, mas, com os corrimões, sem chuva, me parece que...

Ele tocou a ponta dos dedos em seus lábios, silenciando-a.

– Não é tão difícil, se a pessoa for descuidada. Acontece com frequência. Um movimento mais brusco, uma volta mais despreocupada... Os corrimões são para ajudar os sóbrios e sensatos, mas não são paredes de uma prisão.

A expressão dela se transformou com o toque masculino. O espanto eclipsou a preocupação. O medo apareceu por baixo desse toque suave e uma excitação latente se mostrou em seus olhos ávidos.

O silêncio e as sombras do corredor os envolviam. Não havia qualquer ruído. Estavam sozinhos.

Hayden baixou a cabeça para provar o cetim frio do ombro nu de Alexia.

Ela suspirou. Um suspiro profundo não de choque, mas de prazer. Só isso já seria capaz de derrotar a força de vontade dele, mas ela já havia caído por terra.

Ele pressionou os lábios ao longo daquela pele sedutora, sentindo o calor provocado pela aproximação sutil. Ela não fugiu nem apresentou objeção. Nem mesmo deu um passo atrás. Ele deslizou a mão em volta da cintura dela e a puxou para perto, sua boca seguindo o caminho em direção ao pescoço. Ele acompanhava a pulsação dela com beijos e pousava a língua ao ritmo acelerado da excitação dela.

O desejo não obscurecera seus sentidos. Ele ainda ouvia o silêncio e os suspiros leves e amedrontados que saudavam cada novo beijo.

Não era o momento nem o lugar, mas não dava a mínima. Puxou-a para mais perto ainda, pressionando-a contra ele enquanto segurava seu rosto e tomava posse de sua boca provocante.

A surpresa dela o seduziu ainda mais. Sua rendição incendiou sua mente. Pequenos murmúrios de confusão se faziam sentir em seus suspiros sôfregos, como se ela não soubesse o que fazer com essa paixão.

Ele parou o beijo e olhou para o rosto dela. Olhos fechados e lábios entreabertos, ela era a imagem viva do êxtase. O corpo dela parecia leve e frágil nos braços dele.

– Toque-me – disse ele. – Você sabe que deseja isso.

Seus cílios se ergueram. Devagar, suas mãos enluvadas se elevaram e tocaram o rosto de Hayden, como se buscasse uma prova de que estava mesmo ali.

As mãos dela vieram pousar em seus ombros com o mesmo toque curioso. Apesar das camadas de roupas entre eles, os dedos dela queimavam sua pele, transmitindo um calor que ardia dentro dele.

Ele a beijou mais forte, quase sem conseguir controlar o desejo feroz que o consumia. Seu corpo ardia. A consciência persistente de onde estavam o encorajava, mas também alardeava sua frustração. Não tudo, mas... Ele sofreria com isso, mas...

Suavemente ele tomou seu lábio inferior entre os dentes. Ela entreabriu a boca ainda mais. Ele a beijou de novo, introduzindo a língua com doçura. Seu abraço provocou nela novos arrepios de excitação.

O prazer dominou os últimos resquícios de seu bom senso. Ele a apoiou contra a porta e encheu-a de beijos e carícias, pressionando-a em busca do corpo que o vestido escondia, usando o tato para imaginá-la nua, ouvindo os suspiros e gemidos melódicos que expressavam sua surpresa e seu desamparo.

Acariciando seu braço, ele abaixou a luva, expondo sua pele, então foi percorrendo com beijos o mesmo trajeto, enquanto as mãos envolviam suas nádegas, circundavam a cintura, subiam para a maciez provocante de seus seios. Ele deslizou a palma da mão, segurando seu seio inteiro, encobrindo o mamilo duro, incitando-a a se entregar a ele.

Os dedos dela se afundaram em seus ombros másculos. Seus gemidos ficaram mais altos. Ele teve juízo bastante para silenciá-la com outro beijo, mas não o suficiente para deter a própria mão. Logo. Mais tarde. Um dia...

Ouviram um baque surdo na porta por trás dela. Ela se empertigou e piscou, como se o som abafado a tivesse despertado do sono.

– Meu Deus, está emperrada? – uma voz feminina murmurou do outro lado da madeira.

Cerrando os dentes, maldizendo a tia e furioso de desejo, ele rapidamente puxou a luva de volta e se afastou de Alexia. Na luz baixa, pôde vê-la enrubescer ao se recompor. Ficou parada como se contasse até cinco e conferiu suas roupas com um olhar rápido.

Seus olhos encontraram os dele com pensamentos insondáveis, depois ela se virou e abriu a porta. Henrietta quase caiu nos braços de ambos.

– Desculpe, tia Henrietta – disse Hayden. – Eu deveria saber que não se deve ficar apoiado na porta de um camarote quando há pessoas dentro dele.

– De fato, deveria. Estava perdido em pensamentos? Tentando resolver um daqueles teoremas, imagino.

– Sim, mas também estava montando guarda para que a Srta. Welbourne encontrasse o camarote certo ao voltar.

– Pode continuar a fazer o mesmo para mim. Se eu soubesse que Alexia pretendia ir ao... bem, fique aí, Hayden, para que eu também não me perca.

Henrietta saiu andando pelo corredor. Alexia observou em silêncio. O desejo ainda pairava no ar que eles respiravam.

Ele ardia por dentro e sua mente estava inquieta. Vou encontrá-la esta noite, depois que os empregados forem dormir. Deixe sua porta aberta.

Lorde Hayden Rothwell não disse isso, mas Alexia ouviu de qualquer forma. Ela percebeu as intenções dele – e talvez as suas próprias.

Ela se virou e entrou no camarote, fechando a porta entre eles.


Ele não foi ao encontro dela naquela noite.

Quando seu corpo esfriou, ele admitiu que seria ao mesmo tempo imprudente e ridículo fazer isso. A Srta. Welbourne nunca poria em risco sua reputação, sua situação e sua virtude, se tivesse chance de pensar no que estava fazendo.

Precisava mais que se desculpar. Seu comportamento tinha se tornado absolutamente reprovável. Apesar de isso ainda o espantar, não se detinha pensando em quão improvável tinha sido o que acontecera no teatro. Continuar a flertar com Alexia era inaceitável.

No entanto, seria preciso usar toda a vigilância que Christian pregara – de madrugada, ele ainda se debatia na luxúria, que lacerava sua carne como faca afiada. Ficou deitado até depois de meio-dia, pensando no que fazer. Sua honra ditava que se contivesse, mas seu corpo apresentava argumentos primitivos com uma voz mais alta. Finalmente encontrou a disciplina necessária para se levantar e ir até seu escritório no centro financeiro da cidade, mas praticamente não conseguiu fazer nada de útil por lá. Nem mesmo seus cálculos puderam distraí-lo.

Nos dois dias seguintes, nem se preocupou em ser disciplinado. Dormiu tarde, pensou na vida, chegou a conclusão nenhuma e vagueou pela casa. Por fim, no quarto dia, se forçou a desempenhar a tarefa indesejável que esperava por ele e sentou-se para escrever uma carta. A meio caminho, decidiu que era muita covardia não se desculpar pessoalmente.

Enquanto imaginava como poderia falar com Alexia a sós, Elliot entrou no quarto, trazendo uma carta.

– Vejo que finalmente acordou. Isso chegou para você hoje de manhã, Hayden. Um dos lacaios de tia Henrietta trouxe.

Hayden pegou a carta. Nela, apesar dos elogios e das palavras lisonjeiras, Henrietta mostrava que estava aborrecida. Ela entendia que não podia passar todo o tempo com elas, é claro, e não queria ser intrometida nem insistente. Contudo, realmente precisava que ele fosse visitá-la e tivesse uma boa conversa com a Srta. Welbourne, que não estava fazendo progressos suficientes com Caroline no francês. Ela esperava que o sobrinho encontrasse tempo naquela mesma tarde para resolver o assunto.

– O que quer que ela esteja querendo, posso ir até lá – disse Elliot.

– Você é um bom irmão, Elliot. Percebe que estou preocupado e se oferece em sacrifício no meu lugar.

– A recente mudança em seus hábitos diz que minha percepção está correta – disse isso apontando para a carta. – Você pode escrever e protelar a visita se achar que não sou esperto o bastante para não cair em suas armadilhas.

Hayden leu a carta de novo contendo o pedido de sua tia para que chamasse a atenção da Srta. Welbourne. Teria que falar com Alexia a sós para fazer isso. Havia entre eles contas a ajustar que não tinham nada a ver com aulas de francês.

– Vou eu mesmo atender à convocação dela. A conversa que ela me pede para ter já passou da hora de acontecer.


Alexia remexia no franzido da fita verde de seu primeiro chapéu. Parecia pouco surpreendente, planejado demais. Ela queria um efeito mais descuidado e romântico, como se a faixa tivesse sido atada com capricho, e não cálculo.

Levou o chapéu até a janela para examiná-lo melhor. Sua elaboração tinha sido mais difícil do que previra. Sem uma fôrma, ela fora forçada a usar a própria cabeça como molde e um espelho. Para não manchar o chapéu, aplicara os enfeites usando luvas.

Apesar das repreensões de Phaedra, ela teve que trabalhar arduamente no chapéu à luz da lamparina. Tinha voltado ao trabalho depois de chegar do teatro, havia quatro noites. Quase em desespero, ficara acordada até perto do amanhecer, mexendo em fitas e costurando o tecido, na esperança de fazer um chapéu de qualidade superior que lhe possibilitasse um meio de vida para fugir do caminho da tentação.

Ela estava com o chapéu na mão quando se sentiu tomada pela lembrança, pela presença dele. Sabia que o comportamento escandaloso de ambos poderia causar tal reação nela em um piscar de olhos. Ficava horrorizada com o fato de que aquela sensação não lhe parecesse estranha ou imposta, mas cálida e excitante.

Os sons vindos da rua chamaram sua atenção. Olhou para baixo e viu Henrietta e Caroline entrando na carruagem. Estavam indo provar as roupas no ateliê de madame Tissot.

Ela deveria ter ido também, mas alegou estar doente. Não era de todo mentira. Pensar na humilhação de encarar Hayden de novo a deixava levemente nauseada. Ele não tinha aparecido desde aquela noite no teatro, mas um dia iria voltar.

Deixou o chapéu de lado e se sentou para terminar uma carta que estava escrevendo para Roselyn. Tinha coisas mais importantes para fazer hoje do que ir até o ateliê de madame Tissot. De qualquer jeito, o guarda-roupa que estava sendo feito para ela nunca seria usado.

Depois de selar e postar a carta, Alexia subiu apressadamente a escada até o andar da criadagem. Henrietta e Caroline já haviam saído fazia uma hora. Tinha esperanças de ter tempo para realizar sua pequena investigação. Se não conseguisse fazê-la agora, precisaria esperar muitos dias para tentar novamente. Não poderia se ausentar de todas as saídas com as patroas.

A tempestade de sentimentos dentro dela não fora causada somente pelo assédio de Rothwell no teatro. A conversa que tiveram a perturbara também. Ela queria ouvir que a morte de Ben fora um acidente e que suas desconfianças não possuíam fundamento.

Agora percebia que lorde Rothwell havia se esquivado da pergunta. Depois a arrastara para fora de seu caminho, para um rio de paixão.

Partia seu coração a ideia de que Ben pudesse tê-la deixado para sempre por escolha própria. Se o amor não podia impedir um homem de se matar, então o que poderia?

Mas se ele houvesse tirado a própria vida, certamente haveria alguma indicação do motivo entre seus pertences. Se não houvesse essa prova, ela aceitaria melhor as peculiaridades do acidente. Entrou no sótão no fim do corredor, na esperança de não ter que enfrentar nada além de nostalgia.

Precisou abrir caminho por móveis e caixas recém-colocados. Henrietta tinha acrescentado itens trazidos de sua casa ou retirados dos cômodos abaixo. As colunas de mármore da apresentação de Caroline estavam dos dois lados da porta, com o verniz refletindo suavemente a luz que escoava de uma pequena janela. Várias tapeçarias tinham sido enroladas e levadas para lá, dando lugar nas paredes para os quadros de Easterbrook.

Ela descobriu os baús de Ben junto a uma parede. Uma sobrecasaca estava jogada em cima de um deles, como se alguém tivesse achado a peça e a atirado lá, em vez de arrumá-la adequadamente. Ela sacudiu a poeira e a dobrou com cuidado. Arrastou os baús para mais perto da janela. Sem encontrar uma cadeira livre, desenrolou uma das tapeçarias e se aninhou no piso de madeira.

O primeiro baú que abriu continha roupas. Ajoelhou-se e levantou as peças pelos cantos para ver o que estava por baixo. Reconheceu a maioria dos itens e imaginou Ben a usá-los. Viu um colete de seda no fundo da pilha, com listras azuis e vermelhas. Puxou-o para fora e o desdobrou.

Ele estava usando esse colete no dia em que a beijara pela última vez. Sentiu de novo a seda com a ponta dos dedos e o pulsar do coração de Ben ao seu toque. O abraço tinha sido secreto e breve, como todos os outros. Ele estava animado com a aventura na Grécia, mas ela sentira um medo enorme. E tivera a terrível sensação de que ele a estava abandonando.

Ele percebera seu rancor e entendera. Voltarei em breve, você vai ver. Vamos ficar juntos para sempre.

Ela guardou o colete e fechou o baú. Ele teria dito isso se pretendesse morrer? Ou, pior, se pretendesse se matar?

Sua pequena investigação de repente pareceu quase desleal. As perguntas de Rothwell tinham criado desconfianças. Ele plantara sementes de uma suspeita indesejada sobre a morte de Ben.

Não, ele não as plantara. Suas perguntas só tinham proporcionado uma chuva de preocupações que permitiram que sementes dormentes germinassem e crescessem.

As lembranças se extirparam agora. A imagem de Ben naquele colete, tão vívido e animado, cheio do alegre otimismo que trazia a brisa da primavera de volta para a vida dela – ela não precisava temer achar a prova de que ele quisera ir embora para sempre.

Sua busca se tornara sem sentido. Ela abriu o outro baú com um objetivo diferente. Fazia semanas que se sentia estranha e sozinha naquela casa. Acolher a lembrança de Ben, tocando seus pertences, a aqueceu. A felicidade fulgurante valia a dor do sofrimento que fluía com ela.

O segundo baú continha objetos pessoais. Ela reconheceu o relógio e sua coleção de berloques. Pilhas de cartas, escovas de cabelo, alguns livros – as posses comuns de um cavalheiro estavam arrumadas dentro do baú.

Ela tirou algumas cartas para espiar o que havia debaixo delas. Ao fazer isso, a fita que as amarrava se soltou. A pilha se desmanchou e os papéis caíram, cobrindo o conteúdo do baú. Sorriu ao reconhecer sua própria caligrafia em alguns deles. Eram as cartas que enviara para ele na Grécia.

Um odor perfumado chegou até ela, um cheiro mais doce do que o das roupas dele. Começou a recolher as cartas formando uma nova pilha e percebeu que o perfume vinha de algumas delas. Entremeados nos outros, havia alguns envelopes de tamanho semelhante, com a mesma caligrafia. Uma letra feminina, mas não a dela ou de suas irmãs.

Pegou uma delas e levou até o nariz. Inalou os resquícios de água de rosas. Uma paralisia horrível tomou conta dela.

Olhou para a carta por longo tempo, tomada de horror. Não conseguia decidir o que fazer. Ainda se debatia em um limbo doentio de indecisão quando seus dedos desdobraram o papel.

Benjamin, meu amor...


CAPÍTULO 9

– Lady Wallingford não está em casa, senhor – avisou o lacaio.

Era bem o estilo de Henrietta mandar a carta e depois sair de casa.

– Prova de roupas – confidenciou o empregado.

– Então elas estão todas na modista.

– Nem todas. A Srta. Welbourne ficou doente e permaneceu em casa.

Hayden reconsiderou a ausência da tia sob uma nova perspectiva. Ela queria que ele conversasse com a preceptora sobre seu desempenho e tinha saído para que pudessem fazer isso em particular. Hayden pretendia ter outra conversa, mas a delicadeza da tia seria muito conveniente.

– Peça que a Srta. Welbourne me encontre na biblioteca, por gentileza. A menos que ela esteja doente a ponto de não poder descer, é claro.

O lacaio saiu para cumprir a tarefa. Hayden subiu para a biblioteca pensando em como iria se desculpar.

Imaginava que ela iria aceitar seu pedido de desculpas rapidamente e tudo acabaria logo. Se ela percebesse que ele não parecia sincero, o que em grande parte era verdade, talvez nem mencionasse esse fato. Mas, com a tendência que Alexia tinha de falar sem meias palavras, havia a possibilidade de que ele saísse da casa naquele dia tendo sido devidamente repreendido.

O lacaio demorou muito para voltar. Em vez de causar um incômodo, a espera produziu uma ansiedade ainda maior. Fazia dias que Rothwell não via Alexia, um longo período necessário para que ele conseguisse ocultar suas piores inclinações. Agora essa conversa iminente melhorava seu humor, apesar de seu objetivo lamentável.

O lacaio voltou sozinho.

– Sinto muito, senhor. Ela não está no quarto, nem na sala de aula.

– Ela saiu de casa?

– Não creio.

– Então tem que estar em algum lugar.

O lacaio hesitou.

– Acho que está no sótão. Uma empregada a viu subindo as escadas e a porta está aberta. Alguém está lá. Uma mulher, tenho certeza. É possível que seja ela.

– Você não poderia ter ido lá verificar?

– Não achei conveniente, senhor. Acredito que a mulher que está lá precisa de privacidade.

Ele fez uma careta.

– Ela está chorando – explicou o lacaio. – Quem quer que seja ela.

Alexia chorando? A imaginação dele tentou rejeitar a imagem, mas ela se formou mesmo assim. A mesma força e intensidade que tornavam improvável que a Srta. Welbourne desabasse também deixavam a situação dramática.

– Voltarei outra hora – disse ele.

O lacaio saiu para cumprir suas outras obrigações. Hayden esperou até ficar sozinho, então subiu os degraus e alcançou o último andar. Passou pelos quartos dos empregados, rumo ao sótão no fim do corredor estreito. A porta estava mesmo escancarada. Ele chegou mais perto. Sons abafados de soluços femininos se fizeram ouvir.

Ele entrou e fechou a porta atrás de si. Espiou-a por entre a mobília e as caixas, sentada no chão perto da única janela do lugar.

Mesmo a distância, viu o pranto. Seu corpo se sacudia. Ela pressionava a boca com as mãos, a fim de abafar os soluços.

Ele foi até ela, espantado com sua emoção, imaginando o que poderia ter causado tal reação. Olhou para baixo, na direção de um baú, e reconheceu o relógio sobre alguns livros. A raiva surgiu, mais forte do que a empatia. Alexia tinha vindo até ali para chorar por Ben. Talvez ela fizesse isso toda semana ou até mesmo todo dia.

Alexia percebeu sua chegada e virou o rosto. Seu corpo inteiro convulsionava na corajosa tentativa de controlar a emoção.

Ele se ajoelhou ao lado dela em uma tentativa de confortá-la. Afastou alguns papéis espalhados sobre a tapeçaria. A letra no papel de cima chamou sua atenção. Benjamin, meu amor...

Ele pegou a carta e a leu. Olhou para Alexia. Os olhos dela estampavam uma tristeza tal que ele procurou na mente uma mentira que explicasse essas cartas.

Ela cobriu o rosto com as mãos e perdeu a batalha contra o autocontrole. Seus soluços encheram o sótão. Mais comovido do que tinha estado em anos, ele se sentou ao lado dela e a envolveu em seus braços.


O abraço dele teve o efeito de confortá-la, mas, ao mesmo tempo, de enfraquecê-la, pois foi como se dissesse “Não tente ser corajosa”.

Ela desabou nos braços de Hayden e desistiu de lutar. Desapontamento e humilhação brotavam dentro dela e transbordavam para fora. O lado prático de sua alma assentia como se fosse uma preceptora maldosa, do tipo que se satisfaz em estar certa, mesmo que isso signifique o sofrimento de seu aluno.

Alguns pensamentos lúcidos irromperam em meio à loucura. Você sempre se perguntou o motivo. Se ele tivesse intenções sérias, a teria pedido em casamento antes de partir. Você acreditou nele porque do contrário seu futuro seria um vazio. Ela cerrou os dentes e se agarrou no casaco por baixo de seus dedos.

O abraço se estreitou. Um beijo reconfortante aqueceu seu couro cabeludo.

– Tente se acalmar.

O comando gentil convocava a mulher que ela apresentava ao mundo, e não a tola que se agarrava a sonhos românticos. O coração dela foi se acalmando até atingir um batimento compassado. O pranto foi secando até se resumir a lentas lágrimas.

Um lenço surgiu, oferecido por uma mão forte. Ela o pegou e enxugou os olhos e o rosto. Ao redor deles, os papéis espalhados se reavivaram. Ela afastou alguns de sua saia.

– Ela escreveu para ele na Grécia, mas houve outras cartas também, antes disso – informou ela. – Ele nunca pretendeu... Ele se comportou de forma desonrosa comigo.

– Talvez ele tenha se comportado de forma desonrosa com ela, não com você.

Uma pequena chama de esperança se acendeu. Não cresceu, mas bruxuleou, desesperada à cata de combustível. Talvez tivesse sido assim. Ben devia ter mentido para essa mulher, não para ela, em relação a suas afeições e intenções.

Ela estava esgotada demais para pesar todas as possibilidades. Mesmo que Ben não tivesse mentido para ela, também não tinha sido verdadeiro.

– É muita gentileza sua dizer isso – disse ela. – Mas tudo indica que fui uma tola.

– Não acho.

Ela deveria se afastar, mas não encontrou forças. Depois de sair desse abraço, ela ficaria com frio e se sentiria sozinha, enfrentando um passado vazio, bem como um futuro difícil.

– Você sabia?

– Sabia que havia mulheres na vida dele, assim como na vida da maioria dos homens.

– Esta escreveu cartas de amor durante anos. Ela escrevia como se também recebesse cartas de amor. O nome dela é Lucy.

– Não sabia dessa mulher específica.

Outra verdade se apresentava. Uma verdade que ela não queria encarar.

– Quando ele falava de mim na Grécia, não era amor ou intenções que revelava, não é mesmo? Eu era apenas mais uma mulher não específica.

Lorde Rothwell permaneceu em silêncio. Isso já era a resposta.

Ela não conseguia acreditar na amplidão do vazio que sentia. O choque a havia distanciado de si mesma. Ela temia a solidão que sentiria por já não ter lembranças tolas em que se agarrar. Esse grande vazio estava à espreita, pressionando-a. Deitou a cabeça no ombro dele para descansar antes de achar coragem para seguir adiante mais uma vez.

O abraço dele a estreitava e preenchia. Seu perfume, candura e proximidade transbordavam no vazio. Uma perturbação sensual vibrava nessa conexão. Faltava-lhe a força de vontade necessária para rejeitar a vitalidade perigosa que ele incitava.

Foi tomada por essa vibração, que dava vida a partes do seu corpo que tinham acabado de morrer em agonia. Ela não se mexeu, ficou só absorvendo o calor, não se importando com o perigo que isso representava. Ele também não se mexeu. O silêncio do abraço foi ficando cada vez mais pesado. De uma forma não natural, ela ficou ciente de cada parte de seu corpo tocada por ele. Podia sentir o mesmo estado de alerta nele.

Pendeu a cabeça e olhou para cima. Hayden não olhava para ela, mas para o sótão. A expressão dele guardava a mesma austeridade contemplativa que já vira antes e seus olhos azuis tinham as luzes quentes que lhe davam a aparência tão rígida.

Ela interpretara erroneamente esse rosto no passado, porém não agora. Sua dureza continha uma fúria, mas não era raiva. Ele virou a cabeça e olhou para baixo, na direção dela, e a fonte desses sentimentos não poderia ser entendida de forma equivocada.

Ele acariciou o rosto dela, seus dedos tocando suavemente as lágrimas secas. A tentativa de acalmá-la fez com que o coração dela batesse mais forte. O mesmo se dava com o desejo expresso no abraço e nos olhos dele. Ela já não conseguia entender os motivos por que deveria rejeitar esse desejo. Tudo aquilo tinha se passado em outro mundo e em outra vida. Ela não podia suportar a ideia de perder esse calor que ele lhe dava e não queria enfrentar o frio duradouro que esperava a sensata Srta. Welbourne depois que passasse por aquela porta escura do sótão.

Não pensou. Seu espírito açoitado pela tristeza agarrou a oportunidade de afogar a verdade e preencher o vazio da decepção. Levou as mãos ao rosto dele.

Exceto pela forma como seu olhar se intensificou e uma dureza sensual que surgiu nos cantos de sua boca, de início ele mal reagiu.

Depois sua mão cobriu as dela e as espalmou contra sua pele, permitindo que seu calor fluísse para ela. Seus dedos fortes circundaram os dela e depois retiraram a mão feminina. Ele baixou a cabeça e beijou a palma e o pulso de Alexia.

Ela sentiu como se borboletas voassem do seu pulso até o coração, depois batessem asas por seu corpo todo. Fechou os olhos para saborear essa sensação tão agradável. Seu contraste com a solidão dormente a surpreendeu.

Ela abriu os olhos para encará-lo. Não deu atenção à advertência que seu coração sussurrava e não fez nada para ajudar Hayden a vencer a batalha interior que o via travar. Ela torcia para que ele perdesse. Queria que lorde Rothwell a beijasse e a enchesse de vida até que tremesse.

E ele beijou. Com cuidado de início e depois um pouco menos. Um fervor a tomou em forma de beijos desejosos de liberdade. A cada instante em que Alexia correspondia às carícias de Hayden, mais um grilhão era rompido.

O poder daquele beijo a deixou atônita. O frenesi penetrou seu sangue, impondo um ritmo acelerado a sua respiração. Uma excitação agradável a movia por dentro e por fora e ela se sentiu palpitar na pele e em sua essência, com cada arrepio mais forte que o anterior.

O abraço dele se afrouxou enquanto ele a deitava na tapeçaria. Com um só movimento, ele varreu as cartas para o lado, jogando-as atrás dos baús, ocultando-as e tirando a terrível descoberta da vista e do pensamento.

Tirou o casaco pesado e a beijou novamente. Envolveu-a e se deitou ao lado dela, tomando-a nos braços como era possível. Os beijos rapidamente mudaram ao se deitarem juntos à luz que penetrava pela pequena janela do lado norte. Ela se submeteu aos mesmos beijos íntimos e acalorados que experimentara no teatro, só que agora nenhum espanto inibia sua reação. Ele não precisava seduzi-la a uma paixão cada vez mais crescente. Um prazer incontrolável a dominara e ela jogara fora todo resquício de precaução e preocupação.

Ela amou cada momento. Amou a forma como as mãos dele começaram a se mover, tocando-a por baixo da roupa, com uma pegada firme, possessiva e dominadora. Uma deliciosa sensibilidade se acendeu na parte baixa do seu corpo, com uma comichão persistente criando uma necessidade física. Seus seios também o desejavam com ardor, tanto que as carícias dele, quando chegaram, não foram suficientes. Ela cravou os dedos em suas costas, segurando-o com força, vagamente ciente de que estava respondendo a seus beijos, completamente alerta para a forma como essa loucura deliciosa a fazia se mover e gemer.

De repente estavam sozinhos em uma febre caótica que obliterava o tempo e o espaço. O prazer governava seus atos e uma necessidade dolorosa e desesperada a empurrava para além da decência. Ela queria mais e nada além. Apenas mais. A palavra soou dentro dela, enquanto pedia, recebia e gemia.

Ele desabotoou o vestido dela, mas o espartilho permaneceu entre eles. Hayden murmurou um xingamento por causa da roupa íntima e acariciou o seio dela por cima do tecido. Seus dedos encontraram o mamilo e o pressionaram com mais força. Um arrepio lancinante a atingiu no centro do corpo e centelhas de excitação queimaram seu peito, fazendo-a perder o fôlego.

Ele retirou o braço dela do corpo dele e puxou a alça do espartilho para baixo até expor um seio.

Estar nua a excitou ainda mais. A forma como ele a olhou também. O toque masculino no cume escuro e protuberante a desarmou. O anseio doloroso e impaciente, profundo e baixo, ficou ainda mais intenso. Ele acariciou o seio e o mamilo com a palma da mão, excitando-a a ponto de fazê-la querer chorar.

Não havia descanso, só mais excitação. Um som repetitivo em sua cabeça e o desejo do homem que a guiava até a beira do abismo da paixão. A cabeça dele desceu, levando a língua ao mamilo de Alexia. As sensações se intensificaram de novo. Uma nova carícia, nas pernas dela, suspendia a saia em longos afagos, até que suas peles se tocaram.

Ela sabia para onde as carícias a estavam levando. Sim, mais. Até mesmo a excitação luxuriante em seu seio reverberava mais embaixo agora. A expectativa dela virou um frenesi.

Alexia estava certa de que não poderia ficar mais excitada do que já estava, mas cada novo toque provava quanto estava errada. Ele incitava uma vibração tão concentrada, tão insistente, que a fazia perder o controle. Estava diante da chance de sentir-se completa; rejeitá-la a enlouqueceria.

Mais. Ele se mexeu, afastando as pernas dela, ficando entre elas. Mais. Ele a beijou mais forte, silenciando os sons que ela não sabia estar fazendo até que os ouvia. Mais. Ela se agarrou nos ombros dele, mas ele se apoiou nos braços de forma que ela não pudesse conter seus movimentos. Mais. Levou a mão ao ponto entre as pernas dela e a afagou até que gemesse.

De repente, outro toque. Um que fez todo o seu corpo tremer. Uma rigidez que a completava e aliviava o desespero. Então ele empurrou, rompendo-a, fazendo-a perder o ar. A dor cortante afastou a sensação de euforia.

Toda a sua consciência voltou em um só instante. Consciência do teto do sótão e da luz da janela. Do homem em cima dela, do peso dele e da força dominando-a. Da plenitude, tão completa e espantosa. A queimação parou, mas ela pulsava lá, viva e sensível. Novos prazeres tremeram levemente, mas ela estava chocada demais para que eles aumentassem.

Ele se inclinou para beijá-la. Ela olhou seu rosto. Junto com uma expressão que era máscula, quente e dura, ela viu algo mais em seus olhos. Surpresa.

Ele se mexeu. O membro rígido deu uma última estocada, enchendo-a de um bálsamo que ao mesmo tempo a curava e prolongava sua dor. O atordoamento não voltou. Em vez de ficar perdida no clima de sensualidade, ela estava atenta demais, alerta demais, de forma incomum. Dele e da sensação dele dentro dela. Da vulnerabilidade dela. De uma intimidade tão invasiva que jamais poderia fugir dela.


O ofuscamento aos poucos diminuiu. A transcendência do gozo gradualmente o deixou.

Ele olhou para baixo, para a mulher sob ele. Alexia o abraçava meio sem jeito, enlaçando-o com um dos braços. O outro estava pousado no chão ao lado de seu corpo, em completo relaxamento, aprisionado pela alça do espartilho e por sua blusa. Ele se apoiou nos braços e mergulhou para beijar o seio exposto. Um belo seio, redondo e farto, feminino e macio. Um tremor a percorreu, lembrando a Hayden que ela não tinha ido até o fim no prazer.

A expressão dela continuava cheia da vulnerabilidade que ele vira ao entrar no sótão.

– Machuquei muito você?

– Não muito. Mas um pouco, sim. Estava pensando que a natureza não foi muito boa com as mulheres.

Ele quase riu, mas, em vez disso, saiu de dentro dela. Ela avaliou o gesto tendo uma ruga na testa, como se tentasse decidir se ele tinha feito bem ou mal.

Ele se afastou e arrumou suas roupas. Com um último beijo no belo seio, colocou a alça do espartilho de novo no lugar.

– Não é sempre tão injusto. Só na primeira vez.

Ela rolou para o lado a fim de que ele pudesse abotoar o vestido.

– Você pareceu surpreso quando... Você não achava que seria minha primeira vez, não é? Apesar do que lhe disse, você pensou que Ben e eu éramos amantes.

Ele desejava ardentemente poder dizer que tinha acreditado nisso. Seria uma desculpa. Ele queria ter uma. A única coisa que sentia agora era contentamento, mas a culpa estava à espreita. Uma estranheza já se insinuava entre eles.

– A surpresa que você viu foi espanto. Uma coisa é desejar uma mulher, outra é realizar a fantasia.

Alexia se ajoelhou logo que o vestido foi fechado, e ficou imóvel. Hayden acompanhou o olhar dela para ver o que a distraíra. Eram as cartas que cobriam o chão por trás dos baús.

– Vou guardá-las – disse ele.

– Obrigada, é muita gentileza de sua parte. Sua tia vai voltar em breve e eu não devo ficar mais aqui. Preciso me trocar e... Do jeito que estou, não vai ser segredo para a criadagem.

Enrubescendo, ela começou a se levantar. Ele a segurou pelo braço, detendo-a.

– Alexia...

Ela o olhou nos olhos.

– Não, por favor, não diga isso. Não diga nada. Por favor.

– Há muito a ser dito.

– Na verdade, não. Com certeza não agora e, talvez, se formos sensatos, nunca.

Ela retirou o braço e parou.

– Por favor, permita que eu mantenha a lembrança deste momento como quero que seja – pediu e olhou rapidamente para as cartas enquanto se virava para ir embora. – Como pode ver, sou muito boa nisso.


Ela estava deitada na cama, ouvindo o silêncio da noite, tentando se familiarizar consigo mesma.

Saíra daquele sótão uma mulher diferente. Via o mundo de outra maneira agora. Era uma visão mais verdadeira, suspeitava ela. A desilusão com Ben fora responsável em parte por isso, mas o restante – o abandono, a intimidade e o prazer estonteante –, essas experiências davam uma sabedoria especial à mulher.

Não se culpava nem lamentava pela inocência perdida. Não se arrependia de ter feito o que fizera. Era difícil de admitir, mas assim evitava a necessidade de recriminações dramáticas. Também permitia que enfrentasse honestamente as implicações do que acontecera. Agora era o orgulho, e não medo, que exigia que ela deixasse aquela casa.

A sombra do chapéu pairava em sua escrivaninha. A noite e a musselina obscureciam os detalhes, mas ela visualizou a peça em sua mente. Não deixaria de tentar vendê-la, nem alteraria qualquer outro plano. O que acontecera com Hayden não a tiraria do caminho que escolhera. Suas decisões eram as mais acertadas e Alexia deveria pô-las em prática rapidamente se quisesse controlar essa lembrança.

Ela fechou os olhos, na esperança de dormir. Porém sua mente se acendeu e se voltou para o seu corpo. Ela o sentiu. O machucado doía levemente, como se ele ainda a estivesse preenchendo. A presença dele continuava a invadir sua mente.

Uma saudade insistia em fluir para o seu coração. Ela permitiria que essa nostalgia encontrasse um lugar para ficar. Seria desonesto construir uma lembrança cheia de pecado e culpa, no fim das contas. Ela tinha aproveitado o momento demais para isso.


CONTINUA

CAPÍTULO 6

Hayden se aproximou do pórtico de entrada do banco Darfield e Longworth. Quase não se lembrava do trajeto de Mayfair até ali. Sua cabeça estava tão tomada de preocupações pelo que ocorrera na biblioteca da casa de Henrietta que ele mal percebera a chuva fina que havia umedecido suas roupas.

Ele não tinha se comportado de forma honrosa. Mulheres na situação da Srta. Welbourne ficavam vulneráveis e muitas vezes sofriam abusos. Os homens que tiravam vantagem delas eram canalhas. Ele não era do tipo que importunava as damas. Os acordos que assumia com suas amantes e meretrizes eram claramente estabelecidos e mutuamente benéficos.

Talvez, com o tempo, ele se sentisse devidamente arrependido em relação à Srta. Welbourne. Naquele momento, nada poderia competir com as lembranças daqueles beijos e do modo apaixonado como fora correspondido. Ele não era um homem impulsivo, então o fato de aqueles beijos terem acontecido o fascinava tanto quanto a reação sensual de Alexia Welbourne.

Era o tipo de coisa que ele teria feito logo após o falecimento do pai. Ao luto se seguira uma euforia de liberdade, como se ele fosse um prisioneiro libertado do uma cela subterrânea. Durante dois anos vagara pela vida como um bêbado, chafurdando em emoções extremas e atos impetuosos, deleitando-se com os prazeres imprudentes que tinham sido negados a ele por tanto tempo.

Fora um ator experimentando trajes no palco de Londres, na esperança de que um deles lhe caísse melhor do que a própria pele. Estava aflito para negar a verdade que o cercava – que era de fato filho de seu pai e que se assemelhava muito a ele.

Até que finalmente aceitou o legado e controlou seu lado ruim, ao mesmo tempo que explorava seus pontos fortes. Ao passar pelo pórtico, no entanto, seu equilíbrio vacilou de novo. As especulações em torno da lembrança daqueles beijos eram mais desonrosas do que os beijos em si. Seu lado inescrupuloso cogitava seduzir a Srta. Welbourne por completo e imaginava as tentações necessárias para convencê-la de que seria do interesse dela chegarem a um daqueles acordos mutuamente benéficos.

A cena dentro do banco varreu essas considerações de sua mente. Uma aglomeração de cerca de trinta homens tinha se formado, compondo uma linha desorganizada na frente dos escritórios.

Vários outros homens chegavam, todos com muita pressa. Ele notou a preocupação em seus rostos e em seus passos rápidos. Percebeu sinais do início de uma corrida ao banco.

Ninguém o tinha vista ainda. Ele ouviu uma menção ao nome Longworth. A porta do escritório se abriu. Darfield deixou que um homem entrasse e depois voltou a fechá-la.

Hayden se aproximou da multidão. Um murmúrio de pânico se espalhava.

Um homem bloqueou sua passagem.

– Você não vai passar na frente, Rothwell. Não vamos ficar com as migalhas depois que sua família for alimentada.

– Minha família não tem intenção de jantar aqui hoje.

– Você disse isso há um mês, mas há boatos de falcatruas por aqui, o que Longworth...

– O Sr. Longworth vendeu sua participação para Darfield por motivos pessoais. Suas finanças particulares não se refletem no banco.

– Então por que está aqui? – perguntou outro homem.

– Não é para retirar meu dinheiro, isso eu lhe asseguro.

Ele foi alvo de alguns olhares incrédulos. Havia um número muito grande de bancos falindo para que as pessoas confiassem umas nas outras.

– Não tenho razão para desconfiar da força financeira deste banco – disse ele, alto o bastante para ser ouvido por todos. – E não tenho intenção de resgatar títulos ou encerrar contas agora, nem motivos para considerar essa hipótese no futuro. Se os cavalheiros quiserem sacar seu dinheiro, o Sr. Darfield vai honrar os saques. As reservas são mais do que suficientes para cobrir todas as suas demandas.

Sua franqueza aplacou o pânico da multidão. Ele podia ter se mostrado um canalha ao se render a seus desejos físicos naquele mesmo dia, mas seu sucesso nos investimentos não tinha sido alcançado usando artimanhas enganosas.

A agitação da turba se desfez. Alguns homens partiram. Outros se reagruparam para discutir o que fariam. O caminho para o escritório foi liberado.

Ele pediu ao funcionário do banco que o anunciasse, mesmo sabendo que Darfield já estava recebendo alguém. Darfield apareceu na porta de imediato, sério e resoluto em sua casaca escura e colarinho alto, amigável com seu rosto de expressão suave e cabelo prateado. Ele saiu e fechou a porta atrás de si.

Darfield pediu que o funcionário se retirasse. Enquanto sorria confiantemente para os homens que os observavam, disse em voz baixa:

– Lamento dizer que a avaliação que fizemos das contas não foi detalhada o bastante para detectar as falcatruas de nosso amigo.

– O que quer dizer?

O banqueiro empurrou a porta e mostrou o visitante que o esperava do lado de dentro. Hayden o reconheceu: Sir Matthew Rolland, um baronete da Cúmbria, um condado no norte do país.

Darfield fechou a porta de novo.

– Ele quer sacar os títulos que mantém conosco. Quando verifiquei e expliquei que haviam sido vendidos, ele insistiu que nunca os vendera e que estava recebendo os rendimentos normalmente.

– Verificamos todos os títulos vendidos nos últimos anos. Imagino que alguns tenham passado despercebidos. Mas ele realmente vem recebendo os rendimentos?

– Estava indo verificar exatamente isso.

– Ficarei esperando com ele enquanto você verifica. Não seria um bom momento para ele deixar este escritório com raiva e cheio de acusações.

Darfield olhou para a aglomeração de homens.

– Tem razão, não seria mesmo.

Ele se dirigiu para outra sala, onde eram mantidos os registros das contas.

Hayden abriu a porta. Sir Matthew não tinha qualquer ar de preocupação. Louro e de rosto redondo, afeito a caçadas no campo, ele parecia aguardar calmamente enquanto um mero erro de registro era corrigido.

– Rothwell – saudou ele, com um sorriso amável. – Veio salvar o legado de Easterbrook, não é mesmo?

– Não estou aqui com esse objetivo. Sou amigo do Sr. Darfield.

– Então pode ajudá-lo a consertar esse mal-entendido. Ele está dizendo que vendi meus títulos. Nunca fiz isso.

– Tenho certeza de que ele encontrará rapidamente o erro nos registros. Qual é o valor em questão?

– Cinco mil.

Hayden entreteve Sir Matthew com uma conversa sobre caçadas e esporte. Darfield demorou cerca de meia hora para se juntar a eles. Quando voltou, seu rosto tinha uma expressão de sobriedade.

– Sir Matthew, estou sem jeito de lhe dizer que será complicado resolver a situação dos registros de seus títulos. Em vez de mantê-lo esperando mais ainda, vamos lhe entregar o dinheiro e resolver os outros detalhes depois.

Sir Matthew não percebeu quanto essa oferta era estranha. Darfield se sentou à mesa e assinou uma permissão de saque. Hayden notou que era da conta pessoal do banqueiro.

Com sorrisos e despedidas amáveis, eles viram um Sir Matthew muito satisfeito ir embora. Assim que a porta se fechou, Darfield se permitiu extravasar seu desalento:

– Não há registro de pagamento ao cliente – disse ele. – Tudo o que temos registrado é que os títulos foram vendidos, ponto final. Igual aos outros. Long­worth deve ter vendido os títulos dele e agora estou cinco mil libras mais pobre. Minha pergunta é: qual é o tamanho do rombo daquilo que nos escapou?

– Não acho que tenha nos escapado nada.

A lembrança de uma boca sensual distraiu Hayden, mas ele não se deixaria levar de novo por aqueles pensamentos por enquanto.

– Parece que teremos que verificar tudo mais uma vez.

– Será que alguém revelou o jogo de Longworth e Sir Matthew está... Não é possível... Isso seria chocante demais até para se imaginar – falou Darfield.

– Vamos ver se Timothy Longworth pagou rendimentos a ele sacando de suas contas pessoais, como fez com os outros. É bom nos certificarmos de que isso seja o final dessa história. Quando os registros mostram que ele vendeu os títulos?

Darfield sentou-se e abriu um grosso livro-razão.

– Foi em1822. Não, espere – disse e olhou com mais atenção para o papel. – A tinta está um pouco apagada. Pode ser... Mas essa data é impossível!

– Que data?

Darfield olhou espantado.

– Aqui consta 1820.

Hayden ficou tão surpreso quanto Darfield. Timothy Longworth ainda não era sócio do banco naquele ano. O sócio era Benjamin.

Uma tristeza profunda tomou conta de Hayden. E não foi provocada apenas pela expectativa do que poderia vir a descobrir a respeito do amigo: de repente se tornava mais plausível uma suspeita que ele vinha reprimindo em relação à morte de Benjamin.

– Vamos ter que examinar todos os registros dos títulos mantidos no banco, desde a época em que Benjamin Longworth adquiriu sua participação no negócio. Se ainda tiver informações sobre as contas pessoais de Benjamin, traga-as também.

Darfield assentiu, sua tristeza era evidente.

– Agradeço muito por sua ajuda e discrição. Precisará de mais alguma coisa?

– Uma bebida forte. Uísque serve.


Os três irmãos jantaram em casa naquela noite. Hayden teria apreciado esse encontro em qualquer outro dia. Naquela noite, no entanto, nem o espírito sagaz de Elliot conseguiu tirá-lo de seus pensamentos. Sua distração criou longos períodos de silêncio à mesa. Também atraiu o olhar de Christian em sua direção com muita frequência.

– Estamos muito sérios hoje – disse o mais velho. – Se eu soubesse que você estaria tão tedioso, Hayden, teria aceitado o convite para ir à festa de Lady Falrith. Pelo menos lá o tédio teria várias fontes.

– Estou pensando em uma equação que ando testando.

Normalmente ele não contava mentiras tão deslavadas, mas não poderia revelar o que estava pensando de verdade.

Ele deixara o banco naquele dia com perguntas de mais na cabeça. Também guardava um segredo terrível. Timothy Longworth não tinha sido o criador do esquema de falsificar assinaturas para vender títulos. Aprendera o truque com Benjamin, que vinha fazendo isso praticamente desde que adquirira participação no banco de Darfield. Após a morte de Ben, Timothy continuara pagando rendimentos às vítimas de Ben, enquanto fazia ele mesmo novas vítimas do golpe.

Sua cabeça ficou repleta de lembranças nas horas que seguiram àquela revelação. Benjamin garoto, tão imprudente e espirituoso quando comparado aos irmãos Rothwells. O pai deles tinha sido um homem rígido, severo em sua honra e dominador em sua personalidade.

O que nos torna humanos é a capacidade de sermos racionais. Os gregos já sabiam disso, mas esta é uma lição que os homens esquecem, colocando-se em risco. A paixão tem seu lugar, mas é a mente que deve comandar seus atos. As emoções levam a impulsos que destroem a honra, a fortuna e a felicidade.

Ele aprendera essa lição de uma forma ou de outra todos os dias de sua juventude. O pior é que vivera com a prova de sua verdade, vendo o sofrimento que a emoção e a paixão trouxeram a seus pais. No campo, no entanto, conseguia escapar tanto do homem quanto da lição, que durava horas sem fim. Benjamin Longworth, um garoto que morava no final da estrada, havia se transformado em um tônico contra a forma como aquela lição tornava suspeitas e vergonhosas a alegria e a animação.

– Achei que você tivesse posto limites a essas investigações matemáticas – disse Christian. – Você precisa aprender com Elliot. Quando está no mundo real, tem que viver de forma real. Ele não está sendo tedioso hoje.

Tendo acabado de pensar no pai, Hayden não gostou de ouvir Christian usar um tom tão parecido com o dele.

– Não estou aqui para distraí-lo, maldição!

Christian achou a resposta ríspida muito interessante. Elliot também.

– Não acho que sejam os números o que está distraindo você, Hayden – comentou Elliot.

– Pense o que quiser.

Não queria falar no assunto. Seus irmãos não sabiam de nada e não podiam lhe acrescentar qualquer explicação. Somente uma pessoa em Londres poderia ter informações a respeito de Ben e do banco. Uma mulher que o odiava, mas que reagira com paixão a seus beijos. Uma mulher que tinha sido apaixonada por Ben e ainda era.

– Talvez esteja pensando em alguma mulher – disse Christian a Elliot.

Era muito enervante ver Christian adivinhar a razão verdadeira.

– Embora ele nunca se distraia muito por causa delas – continuou o mais velho. – Teria que ser uma moça muito especial, só que nenhuma delas nunca é tão especial assim para ele. Não há lógica no amor, nenhuma equação matemática que o comprove, então Hayden conclui que o amor não existe.

Elliot lhe deu uma olhadela. Tinham sido aliados no passado, quando Christian era o perfeito. Elliot percebia seu humor de uma forma que mais ninguém conseguia.

– Não acho que seja mulher – disse ele.

Ele estava certo e errado. Uma mulher perpassava todos os seus pensamentos sobre Ben. O que ela sabia? Como reagiria ao descobrir os crimes de Ben? Ela culparia Hayden Rothwell se tudo viesse a público e a reputação de Ben fosse manchada?

Darfield tinha prometido silêncio de novo, para proteger a própria fortuna e a reputação. Hayden usara recursos próprios para cobrir qualquer perda dos clientes do banco. Sua dívida para com um velho amigo acabara ficando cara demais.

Com uma clareza implacável, ele viu os fatos se desdobrarem à sua frente. Ben se encaixava perfeitamente em seu papel naquele drama. Mesmo a bebedeira no navio de volta, sua resistência em retornar à vida estável de um banqueiro – disso ele tinha certeza a respeito de Ben. O que mais, além do tédio, estaria esperando por ele em Londres? E como isso afetara seu estado de espírito?

Será que estava desesperado, prevendo a descoberta de seus crimes? Havia construído um castelo de cartas com aqueles roubos. Devia saber que no fim o castelo ruiria. Será que tinha pulado do navio? Esta sempre fora uma possibilidade, considerando o humor de Ben nos dias anteriores. Uma possibilidade que Hayden evitara contemplar, porque, se Ben tinha pulado, Hayden havia permitido que isso acontecesse.

Um buraco tinha se aberto em seu estômago e se recusava a fechar. Carregava imensa culpa por aquela noite. Agora se indagava se seu próprio orgulho não o cegara para a profundidade do desespero do amigo.

– Bem, mas seria adequado que uma mulher o estivesse distraindo – insistiu Christian. – Um de vocês precisa se casar logo. Quero ter um sobrinho.

Elliot riu.

– Nunca seremos obrigados a nos casar, Christian, não teremos que abrir mão de nossas excentricidades para agradar uma esposa. Você é quem tem esse dever – Elliot disse isso e esticou as pernas, examinando o irmão mais velho. – Deve começar cortando o cabelo. Ouvi dizer que as moças usam a palavra “selvagem” quando o descrevem.

Christian ignorou o comentário. Não gostava que os outros se metessem na sua vida. Ser intrometido e incisivo era um direito que reservava apenas a si mesmo.

– Em último caso, vocês dois podem ter amantes – murmurou Christian. – Hayden tem andado irritadiço ultimamente e eis a razão. E você está sempre enfurnado em alguma biblioteca, Elliot.

– E você está sempre enfurnado nesta casa – rebateu Hayden.

Mesmo em seus melhores dias, a presunção de seu irmão o perturbava. Hoje ele não estava de muito bom humor para tolerá-la.

– Você se esquiva de seus deveres para com seu título e tem a petulância de dizer que temos que lhe dar um herdeiro. Cuide de suas próprias obrigações, de sua própria mulher e de seus próprios hábitos, Easterbrook – continuou Hayden. – Quando tudo isso estiver em ordem, pode prestar atenção em mim.

Elliot bebericou seu vinho com um leve sorriso. Os olhos de Christian ficaram frios.

– Sei exatamente quais são meus deveres em relação a meu título e minha família – declarou o marquês. – Sei porque fiz escolhas claras em relação a isso. É possível fazer as coisas dessa forma, Hayden. Não é preciso aceitar os ditames da sociedade, da religião ou do pai. Podemos escolher o que devemos a uma ideia ou a uma pessoa.

O fantasma de Benjamin pairava sobre eles, sorridente e feliz, como se Christian o tivesse chamado. Contudo, a imagem mudou rapidamente. Hayden viu Benjamin no convés do navio, carregando uma garrafa e se recusando a descer.

Por que Ben tinha saído da Grã-Bretanha e por que a volta o deixara tão desnorteado? E se tinha roubado mais de quarenta mil libras, onde diabos estaria todo esse dinheiro?


Alexia espiou o chapéu empoleirado na cabeça de Lady Wallingford. Não se poderia achar uma falha grave em sua modelagem. Ficaria mais elegante se as fitas fossem um pouquinho mais estreitas e as flores de cetim, um pouco menores, mas a Sra. Bramble, a chapeleira, conhecia bem seu ofício.

– As cores são um pouco fortes demais para a senhora – disse Alexia.

– Mas adoro vermelho e fica sofisticado com azul – retrucou Henrietta.

– O conselho da Srta. Welbourne não é sem razão, madame. A senhora tem a pele muito clara e essas nuances em particular tiram a atenção de sua própria beleza – reforçou a Sra. Bramble, olhando para Alexia em busca de aprovação.

Alexia assentiu sutilmente. Ela e a chapeleira estavam dando uma trégua.

Desde que tinham chegado à loja, Alexia conseguira desencorajar Lady Wallingford de comprar três chapéus muito caros. Sem dizer uma só palavra sobre o assunto, tinha dado a entender à Sra. Bramble que, a menos que quisesse assinar algum recibo de venda, teria de cooperar.

A Sra. Bramble trouxe uma cesta de fitas. Alexia pegou uma de um tom amarelo forte. Desenrolou-a diante do rosto de Henrietta e o verde dos olhos dela imediatamente se intensificou. Cobriu todo o vermelho flamejante com a fita e prendeu a ponta, de forma que a patroa pudesse julgar o efeito por si mesma ao olhar no espelho.

Enquanto Henrietta avaliava o próprio reflexo, a Sra. Bramble espiava Alexia.

– Você tem jeito para a coisa, não posso negar – disse ela baixinho. – Seu chapéu é muito bonito e finamente elaborado. Posso perguntar onde o comprou?

– Em uma lojinha no centro da cidade. A maioria das lojas por lá é bem simples, mas há uma mulher cuja habilidade supera a de todas as outras.

– Se ficar sabendo que essa mulher está à procura de emprego, por favor, peça que me procure.

Henrietta decretou que o amarelo, apesar de não tão marcante quanto o vermelho, seria uma escolha melhor. Ela encomendou um chapéu e vários casquetes para si e para Caroline. Alexia a acompanhou até a carruagem. Esperava que lorde Rothwell reconhecesse que ela havia conseguido reduzir um pouco a conta que sua tia pretendia fazer nessa visita.

O lacaio deu a mão a Henrietta para que ela subisse na carruagem, mas Alexia declinou sua ajuda.

– Eu deveria ter aproveitado para encomendar algo para mim – disse ela. – Posso voltar, senhora? Não vou me demorar.

– Pode. Como Hayden vai trazer Caroline para nos encontrar, madame Tissot pode começar a tomar as providências se eles chegarem antes.

A presença iminente de lorde Rothwell era um dos motivos de Alexia querer voltar para a loja. Não havia uma forma generosa de encarar aqueles beijos na biblioteca. Ele tinha sido um canalha e ela, uma libertina. Era simples assim.

Se pudesse acreditar que um deslize desses nunca mais se repetiria, poderia tentar fazer de conta que nunca acontecera. Infelizmente, as coisas não estavam tão claras assim. Ele fizera duas visitas nos últimos dias e o clima ficara pesado com a consciência dele do que ela permitira. No entanto, Alexia não tocou no assunto. E lorde Hayden não se desculpou, como já era de esperar.

As expressões e olhares dele poderiam não revelar a verdade chocante, mas sua mera presença tornava o clima tão denso que até respirar ficava difícil. O pior é que uma excitação tola pulsava silenciosamente na cabeça de Alexia e no seu sangue, por mais que tentasse controlar.

– Lady Wallingford esqueceu algo? – perguntou a Sra. Bramble quando Alexia entrou na loja de novo.

A chapeleira deu uma olhada em torno, procurando um xale ou uma bolsa.

– Queria falar com a senhora sobre a mulher que fez meu chapéu. Ela também confecciona por conta própria, fora do horário em que trabalha para o patrão. Suas melhores criações estão disponíveis por encomenda direta porque a dona da loja não tem bom gosto suficiente para apreciá-las.

– Isso é bem comum – disse a Sra. Bramble. – Não gostaria que minhas funcionárias fizessem isso, é claro, mas se a dona da loja não quer os chapéus... bem, é diferente.

– Creio que sua loja fará mais jus aos talentos dela do que qualquer loja no centro, e de forma muito melhor do que ela conseguiria por conta própria.

Os olhos da Sra. Bramble se estreitaram enquanto ela considerava a proposta.

– Essa mulher traria os chapéus para mim pessoalmente?

– Eu ficaria feliz de fazer isso por ela.

– Se eu usasse como modelo o chapéu que você trouxer, ela faria os pedidos em tempo hábil? Executaria as alterações solicitadas?

– Tenho certeza de que sim.

A Sra. Bramble olhou para ela de maneira astuciosa.

– Você parece conhecê-la muito bem.

– Já conversamos algumas vezes e sei que ela é honesta e diligente.

– Nesse caso, gostaria muito que a senhorita lhe dissesse para me mandar um ou dois chapéus, se forem da qualidade do que está usando.

Alexia correu para se reunir à patroa. A Sra. Bramble suspeitou que não houvesse mulher nenhuma no centro. Tinha sido gentil ao permitir a mentira para não ferir o orgulho da moça.

Alexia voltara à loja em um impulso, mas fora também uma decisão nascida de anos de especulações sobre o próprio futuro. Seu primeiro plano para o emprego não vinha se desenrolando da forma como pretendera. Se continuasse a ser preceptora de Caroline, ficaria vulnerável aos galanteios inexplicáveis e desonrosos de Hayden Rothwell.

Ela também não poderia mentir para si mesma sobre a corte de Hayden. Os beijos não tinham sido nem um pouco como os de Ben. Não poderia fingir que tinha sido amor o que os inspirara. Eles tinham compartilhado uma paixão selvagem que não necessitava da mínima afeição. A excitação que ele causava era dominadora demais, perigosa demais e sem nenhum romantismo.

Agora, no entanto, encontrara uma forma de ser chapeleira sem ter de trabalhar em uma loja. Isso era muito melhor do que ser uma criada, independentemente do nome dado ao cargo. Era também muito melhor do que virar cortesã, por mais agradável que fosse a sedução que levava a isso.

Ela poderia fazer os chapéus e ver quanto receberia da Sra. Bramble. Talvez fosse o suficiente para permitir que começasse a planejar uma vida em que não ficaria vulnerável aos perigosos galanteios de Rothwell.


Hayden xingou a si mesmo. Ele xingaria Alexia Welbourne também, mas não seria justo.

Não era culpa dela o fato de ele estar naquele antro feminino, avaliando vestidos coloridos e ouvindo as críticas incessantes de Henrietta. Pelo amor de Deus, ele tinha se oferecido para trazer Caroline até ali de modo que ela pudesse se encontrar com sua mãe e a preceptora.

Ele esperara até as damas chegarem, mesmo podendo ter deixado a prima nas mãos competentes de madame Tissot. Agora estava sendo punido por seu desejo oculto de ver a Srta. Welbourne, que fazia com que atendesse aos pedidos de Henrietta com muita frequência.

A mulher que ele assediava agia como se ele não estivesse presente. Contudo, o lado sedutor nele notava qualquer pequeno rubor e gaguejo de Alexia. E seu lado cavalheiro... bem, ele continuava a pôr honra e desejo na balança e concordava com tardes tediosas como esta para poder gozar do desejo enquanto fingia exercitar a honra.

Mas ele saudava o estímulo traiçoeiro das batalhas silenciosas que agora travava tanto dentro de sua cabeça quanto fora, naquele cômodo. Um dos motivos era que isso obscurecia as perguntas incessantes em relação a Benjamin Longworth.

Elas ocupavam sua mente, tomavam sua atenção. Ele queria saber por que Ben tinha roubado todo aquele dinheiro e se esses crimes estavam ligados à sua morte.

Alexia Welbourne talvez soubesse a resposta para algumas dessas perguntas. Mas, quando Hayden estava com ela, esquecia tudo sobre isso. Ele tentava se convencer de que buscava a companhia dela apenas para poder sondar fatos sobre Benjamin, mas nem mesmo procurava tocar no assunto. Nada disso era boa notícia para o lado honroso de sua batalha interior.

– O que você acha, Hayden? – perguntou tia Henrietta, segurando dois cabides com vestidos de debutante. – Qual deles devemos escolher?

– Sou ignorante demais nesse assunto para dar conselhos. Qual a opinião da Srta. Welbourne?

Alexia tinha se retirado para sentar em uma cadeira o mais afastado dele possível. Henrietta pediu que ela se aproximasse. Com uma expressão passiva e postura digna, Alexia se juntou aos dois. Seu olhar não pousou nele nem por um instante. Ela possuía uma capacidade excepcional de ignorá-lo sem parecer deliberadamente rude.

O lado sedutor não se importava com isso. Ela podia evitar o olhar, mas não tinha como esconder que mudava de atitude por causa dele. A corda aveludada da sensualidade os unia agora. Ele não conseguia resistir a provocá-la, pela mera força do desejo.

Ela examinou as peças nos dois cabides, depois fez uma avaliação crítica da jovem Caroline. Então voltou o olhar para a modista que aguardava, na expectativa.

– Senhora, precisamos de alguns minutos de privacidade para fazer nossa escolha.

Madame Tissot não gostou nada de ser excluída, mas se retirou.

Alexia segurava um cabide meio de lado para que pudesse vê-lo também.

– Este seria o vestido mais apropriado. Contudo, é o mais caro. Não devemos nos deixar enganar por sua discrição. Os enfeites carregam centenas de pérolas e muitos metros de guipura. Custará bem mais do que este outro, deixando pouco para ser gasto com o restante do guarda-roupa.

Foi um discurso admiravelmente prático, sensato e convincente. Antes que as últimas palavras fossem ditas, pôde ver a expressão decepcionada de Caroline aceitando que o outro vestido teria que servir.

Alexia não olhou na direção de Hayden, mas manteve o cabide à vista dele.

– Tia Henrietta, talvez Caroline possa ver outros vestidos de baile antes de tomar uma decisão final sobre este – disse Hayden.

Tia Henrietta achou que era uma ideia esplêndida. Ela e a filha se lançaram mais uma vez no longo processo de avaliação dos vestidos pendurados nos cabides.

Ele aproveitou a oportunidade para se dirigir à Srta. Welbourne em particular, algo que lhe fora impossibilitado desde que a beijara.

– Você prefere esse aí, não é? – perguntou ele, indicando com um gesto o cabide que Alexia ainda segurava entre os dedos.

Dedos longos e elegantes, perfeitamente desenhados. Ele imaginou aquele vestido com espessa barra de rosetas bordadas em pérolas sendo usado por uma mulher. Não pela jovem e pálida Caroline, mas outra mulher, madura e confiante, com cabelo castanho e olhos violeta.

– Chama muito mais a atenção. É uma modelagem que todos notariam. Mas é caro demais para sua tia.

– Quer que Caroline fique com este vestido, não?

– Ela se sentiria muito mais especial, mais bonita. Como uma princesa. Isso se refletiria em seu comportamento, no jeito de se portar, sorrir – disse ela, mas, em vez de olhar para ele, olhou para Caroline, que examinava fotos com sua mãe e depois voltava a examinar o cabide.

Nunca olhava para Hayden agora.

– Ela fica muito intimidada por sua tia – continuou Alexia. – Também tem muita consciência da renda limitada da família. Ao contrário da mãe, ela se tornou muito sensata. Às vezes, no entanto...

– Às vezes a pessoa pode ser sensata demais?

– Ela é muito jovem. A sensatez é uma virtude que combina melhor com a maturidade.

Lorde Hayden olhou para o cabide em que estava pendurado o vestido que faria uma garota se sentir uma princesa. A mulher que o segurava nunca tivera essa experiência, mas evidentemente entendia muito bem os sonhos e inseguranças da adolescência. Ela se orgulhava de seu bom senso, mas não queria que a jovem Caroline ficasse presa cedo demais às mesmas considerações práticas.

Ela queria que Caroline estivesse com o vestido. Queria isso tanto que permitira essa conversa, mesmo quando tentava fingir que ele não existia.

– Minha prima vai usar o vestido que a senhorita prefere, Srta. Welbourne. Vou dizer à tia Henrietta que é um presente de Easterbrook, assim ela não vai imaginar segundas intenções de minha parte.

Ele se encaminhou a Henrietta e explicou a generosidade de Easterbrook. O rosto de Caroline se iluminou. Ela deu um pulinho e correu para pegar o cabide das mãos de Alexia. Rindo e dançando ao redor da cadeira de sua preceptora, ia lhe pedindo conselhos sobre cores. Alexia riu e se juntou à celebração.

Enquanto ele observava a excitação das moças, explicou outras coisas para a tia.

Henrietta chamou a atenção da filha.

– Precisamos escolher pelo menos um dos vestidos de baile hoje, antes que outras moças comprem as melhores criações. Você ainda tem que vir até aqui e fazer isso. O mesmo vale para a Srta. Welbourne.

– Ouso dizer que não precisam do meu conselho a esse respeito – disse Alexia.

– Não preciso que me aconselhe, mas que escolha seu vestido. Como minha dama de acompanhia, você irá a algumas festas e passeios e vai precisar de um guarda-roupa apropriado.

A expressão de Alexia deixou claro que estava pasma.

– Não posso comprar essas roupas, nem a minha presença será necessária.

– Creio que esta é uma decisão que compete a mim. O irmão de Hayden concorda que sua presença é necessária e que deve estar bem-apresentada. Easterbrook se ofereceu para fornecer o guarda-roupa.

Henrietta então se virou para Hayden exibindo sua expressão mais adorável.

– Por favor, diga-lhe que somos todas muito gratas. Vou expressar meus agradecimentos quando o vir novamente, mas ele é tão esquivo...

– Transmitirei seus agradecimentos.

– Por favor, não transmita os meus – disse Alexia. – Anseio por fazê-lo eu mesma. Expressarei meus agradecimentos do meu jeito ao homem responsável por essa generosidade inesperada.

Ela o encarou, dando-lhe o primeiro olhar direto dos últimos dias. Seus olhos comunicaram as palavras furiosas que não ousava dizer na frente de Henrietta e Caroline.

Ela suspeitava que o guarda-roupa viria dele e não de Easterbrook. Não gostava que ele tivesse encontrado um jeito de lhe dar presentes caros sem que ela estivesse de acordo.

O lado cavalheiro estava perdendo a luta sobre o que fazer com Alexia Welbourne.


CAPÍTULO 7

Hayden passou adiante os documentos. Suttonly assinou seu nome.

– Você deveria lê-los – avisou Hayden.

– Seu irmão os lê?

Suttonly falou com seu típico tom entediado. Ele passou as folhas de volta para Hayden e se recostou na cadeira.

– Easterbrook lê tudo.

– Meu advogado vai verificar tudo quando os documentos finais forem preparados. Até hoje, você nunca me orientou de forma errada. Minha riqueza duplicou desde que comecei a seguir seus conselhos.

– Um homem menos honrado do que eu teria ficado com uma parte maior do que você ganhou nos últimos anos – disse Hayden.

– Se estivéssemos nos enfrentando em uma mesa de jogo, eu já teria me levantado e ido embora há muito tempo, Rothwell. Nesse assunto, no entanto, você provou ter menos sede de sangue.

Suttonly aludia a um passado que, sendo velho amigo de Hayden, ele conhecia bem demais. Rothwell se tornara notório nas mesas de jogo assim que chegara à idade adulta. A excitação da vitória o levava à loucura. Tudo tinha sido parte de suas tentativas de se tornar um homem diferente do que sua criação mandava.

Ele arriscara se arruinar nas mesas, mas, em vez disso, ficara rico. Levara um bom tempo para perceber que jogava com uma vantagem injusta. Os outros homens viam cartas aleatórias, mas ele enxergava os padrões. Mesmo jogos de azar eram regidos pelo que as cartas anteriores ditavam.

Foi então que descobriu a obra de Bayes e Lagrange e de outros. Leu o livro de LaPlace sobre probabilidades. O estudo delas estava se tornando uma ciência, uma ciência que o fascinava.

Contudo, perceber a verdade tirou o divertimento dos jogos. Agora ele se restringia a um tipo de aposta mais justa. Ainda via padrões, ainda calculava as chances com um talento que a maioria não possuía, mas as variáveis desconhecidas de alguma forma nivelavam o terreno. E o que era ainda melhor: às vezes havia vitórias em que ninguém perdia.

Suttonly se levantou e saiu andando pela sala do centro financeiro de Londres onde Hayden realizava seus negócios. Ela era parte de uma suíte que continha ao mesmo tempo um escritório e um quarto de dormir. Rothwell raramente usava este último, mas, nas ocasiões em que tinha ficado trabalhando até mais tarde, ele havia se mostrado conveniente.

– Ainda nisso, pelo que vejo.

Suttonly avistara os dados em uma mesinha e observava o caderno com colunas ao lado deles.

– Está com sorte?

– Estou caminhando – disse Hayden.

A mesa continha os progressos de um experimento em curso. Por trás do que o senso comum considerava sorte ou oportunidade havia leis que regiam as probabilidades. Os cientistas acreditavam que o mundo funcionava como um relógio bem projetado, mas ele achava que, na verdade, o mundo poderia ser definido por equações matemáticas bastante simples.

Suttonly prosseguiu, metendo o bedelho em coisas particulares, como velhos amigos tendem a fazer. Focou sua atenção em uma pilha grossa de folhas em cima de uma escrivaninha.

– O que é isso?

– Uma nova prova matemática recentemente apresentada na Sociedade Real de Londres. Estou verificando se tem fundamento.

– Vá com cuidado, Rothwell. Esses seus interesses ainda não o tornaram tedioso, mas, em dez anos, se não ficar atento, ninguém vai querer conhecê-lo, exceto os idiotas dos acadêmicos da Somerset House.

– Restrinjo minha brincadeira com números abstratos a algumas horas por dia – disse Hayden. – Na verdade, são as horas que estão transcorrendo agora.

– Vou deixá-lo, então. A propósito, esse negócio com Longworth, acredito que não tenha sido seu gosto por sangue a causa da ruína dele. Mas os boatos de que você estava por trás disso continuam a correr.

– Não frequento as mesas de jogo há anos.

– Que resposta interessante. Seria ambígua o suficiente para eu erguer minhas sobrancelhas, se eu fosse do tipo que se importa. Longworth já vai tarde. Ben podia ser divertido se a gente deixasse de lado seu entusiasmo exaustivo, mas Timothy se mostrou tediosamente ganancioso.

Quando Suttonly foi embora, Hayden colocou os documentos dentro de uma gaveta. Então se aproximou da escrivaninha.

Em minutos, sua mente passou por várias fórmulas, transcorrendo a poesia incrível e indescritível simbolizada por suas anotações. Quando estava na escola, havia considerado a matemática uma tarefa vagamente interessante, na qual se superava continuamente. Por fim, um professor o apresentara à profunda beleza oculta nos cálculos mais sofisticados.

Era uma beleza abstrata, presente na natureza, mas não fisicamente visível. Não tinha nada a ver com o mundo no qual a maioria das pessoas vivia. Não havia emoções, fome ou fraquezas nesses números. Nenhum sofrimento nem culpa, nenhuma paixão nem impulsos. Essa beleza era pura racionalidade, do tipo mais fundamental, e as visitas dele a seus domínios poderiam ser escapes, ele sabia. Nas ocasiões em que sua alma estava atormentada por questões mais humanas, ele sempre encontrava paz ali.

– Sir.

A voz o puxou de volta para o mundo real. O funcionário estava em pé ao seu lado. O homem tinha instruções para interrompê-lo em uma hora específica, de forma que ele não desperdiçasse o dia inteiro nessas abstrações. Hayden não conseguiria dizer quanto tempo ficara ali, mas sabia que a interrupção tinha ocorrido cedo demais.

– Chegou um mensageiro – explicou o funcionário. – Ele trouxe isto e a instrução de que o senhor gostaria de receber imediatamente. Se eu deveria ter esperado...

– Não, você agiu corretamente.

Ele rompeu o selo enquanto o funcionário voltava para a antessala. Leu a única frase escrita por um lacaio subserviente da casa de Henrietta.

A Srta. Welbourne havia tirado folga e fora visitar as lojas da Albemarle Street.


Se Phaedra Blair não possuísse nem estilo nem beleza, as pessoas a considerariam meramente estranha. Como a natureza a tinha abençoado com ambas as qualidades, a sociedade a achava quase interessante.

Phaedra era uma das poucas pessoas que Alexia podia contar como amiga, além de sua prima Roselyn. Mas não mantinham uma amizade expressamente pública, apesar de às vezes passarem um tempo juntas na cidade, como faziam hoje. Phaedra era a amiga que Alexia normalmente procurava quando queria falar em particular sobre livros e ideias.

Filha ilegítima de um membro do Parlamento reformista e de uma intelectual, Phaedra morava sozinha em uma pequena casa em uma rua pobre perto de Aldgate. Herdara dos pais a capacidade de dispensar regras e crenças que lhe parecessem estúpidas. Por causa disso, ela e Alexia tinham tido algumas discussões fortes em certas ocasiões. Tinha sido uma delas – ocorrida dois anos antes, no dia em que se conheceram ao examinar a mesma pintura em uma exposição da Royal Academy – que iniciara sua amizade.

– Acho que seu plano de fazer chapéus é admirável. Como afinal você entendeu, uma mulher dependente é uma mulher escravizada – disse Phaedra.

Uma vez que um tio lhe havia deixado uma renda de cem libras por ano, Phaedra não era escravizada por nada nem ninguém.

Elas estavam passeando pela Pope’s Warehouse, na Albemarle Street, Alexia comprava aviamentos. Ela decidira fazer um chapéu e um gorro. Escolheu um fio de ferro que poderia usar para fazer a aba.

– Não permita que essa chapeleira a roube. Seus chapéus valem muito – disse Phaedra. – O design é tudo na arte.

– Ela vai querer lucrar também. Posso me sustentar com poucas libras por mês.

Com dificuldade, mas era possível. Se ela fosse frugal, poderia poupar algum dinheiro também. Em poucos anos, teria condições de abrir uma escola para meninas. Esta era uma forma comum e respeitável de damas trabalharem.

– Sou a última mulher a censurar esse modo de vida. Mas você leva a opinião das pessoas mais em consideração do que eu, Alexia. Não deixe de pensar nisso ao fazer suas escolhas. Se descobrirem que você está fazendo peças para uma loja, tentar manter seu emprego será em vão.

Alexia queria muito não se importar tanto com a opinião dos outros nem com seu emprego. Phaedra não ligava a mínima e tinha uma vida provavelmente muito mais interessante do que a sua jamais seria. Phaedra não se preocupava com bens materiais. Viajava sozinha se quisesse. Recebia escritores e artistas na sua pequena casa. Alexia tinha motivos para suspeitar que Phaedra tinha amantes também. Não aprovava esse comportamento, mas não podia negar que a indiferença da amiga a regras sociais era muito sedutora.

Phaedra nem mesmo usava boinas ou chapéus. Seu longo cabelo ruivo ficava solto.

Em consequência, elas receberam muitos olhares dos donos dos armazéns. Depois que as pessoas olhavam para aquele cabelo, percebiam as roupas e olhavam ainda mais. Phaedra quase sempre estava vestida de preto. Ela poderia estar de luto, não fosse por seu cabelo e pelo corte incomum, solto, de seus vestidos. O forro em forte tom dourado de sua capa negra anunciava ainda que o preto era sua cor preferida.

– Confesso ainda que estou surpresa com sua decisão de sair da casa – disse Phaedra enquanto Alexia escolhia uma palhinha para o chapéu. – Você tem um dia só para você e pode usar a carruagem. Não é uma prisioneira. Está muito mais confortável lá do que estará por conta própria.

– Não desejo continuar dependente, por mais conforto que isso traga. Nem é uma situação estável. Posso ser demitida a qualquer momento, por qualquer motivo. Então, o que eu faria?

– E em que isso difere de sua situação anterior?

– Antes era minha família. Família não põe um parente no olho da rua.

– A sua pôs.

– Por favor, não os critique, Phaedra. Recebi uma carta de Rose hoje e as coisas não estão indo nada bem. Tim está doente e eles precisam racionar combustível como se fossem camponeses.

– Seu primo deveria cuidar da saúde logo e procurar um emprego.

Alexia evitou a discussão. Hoje não queria falar dos Longworths. Não eram eles o motivo de ela estar comprando aviamentos às escondidas para fazer suas peças.

Gostaria de poder contar a Phaedra sobre lorde Rothwell e os beijos. Se o fizesse, no entanto, a amiga chamaria isso de luxúria, exatamente o que tinha sido. Phaedra provavelmente a lembraria das três longas cartas que Alexia lhe escrevera falando mal daquele homem.

Seu rosto enrubesceu ao pensar no conjunto de passeio e nos vestidos que estavam sendo confeccionados por madame Tissot. Tinha certeza de que era Rothwell, e não Easterbrook, que estava pagando por eles. Phaedra a repreen-deria por isso. Phaedra podia ter amantes, mas era contrária a que homens pagassem com presentes pelos favores de mulheres.

Alexia verificou o material disposto sobre o balcão para se certificar de que tudo estava ali. Somou todos os itens e pagou. O funcionário da loja embrulhou suas compras em vários pacotes. Equilibrando todos eles de forma desajeitada em uma pilha que lhe chegava à altura do nariz, ela saiu para a rua, na direção da carruagem.

– Você deve querer começar os chapéus hoje mesmo – disse Phaedra. – Ou então terá que esperar até a semana que vem. Não me diga que vai confeccionar esses chapéus à luz de uma lamparina depois que acabar suas tarefas. Prejudicaria sua saúde, não posso aprovar isso.

– Suponho que, já que vou fazê-los, é melhor que seja logo.

– Vou para casa em um cabriolé, assim não desperdiçará uma hora para cruzar a cidade. Foi muita gentileza sua ir me buscar, mas não me importo de voltar sozinha.

Alexia se virou para agradecer a Phaedra por sua consideração. Do canto do olho, viu alguém vindo em sua direção. Percebeu-o bem a tempo de evitar que trombasse com ele.

De repente os dois pacotes do alto da pilha desapareceram.

Voltou-se para o ladrão e estava prestes a gritar para evitar que ele fugisse. Só que não era um ladrão.

– Estavam quase caindo – disse lorde Rothwell. – Vejo que está usando sua folga de forma mais ativa do que na semana passada, Srta. Welbourne.

– Lorde Rothwell. Que surpresa inesperada.

Ele era a última pessoa que gostaria de encontrar. Não teve outra opção a não ser apresentá-lo a Phaedra. Hayden Rothwell nem piscou diante da aparência de sua amiga. Ele transpirava uma elegância afável.

Hayden olhou para os pacotes.

– A carruagem está por perto? Posso carregar os embrulhos e acompanhar as senhoras até lá.

– Vou chamar um cabriolé, obrigada – disse Phaedra.

– Não posso permitir – disse Alexia em tom firme para dar a entender a Phaedra que ela deveria ficar. – Vou levá-la de volta na carruagem.

– Você pode aproveitar melhor a tarde.

– Permita-me conseguir o cabriolé para a senhorita – ofereceu lorde Rothwell.

Ele fez um sinal para o homem que fazia a segurança do depósito. Tirou umas moedas do bolso do colete e deu instruções para que encontrasse um cabriolé de aluguel para a Srta. Blair.

Depois guiou Alexia para longe da porta e até a fila de carruagens que esperavam ao longo da rua.

– Sua amiga, a Srta. Blair, não passa despercebida.

– Ela é honesta, autêntica e incapaz de dissimulações.

– Não quis faltar com o respeito. Ela é original. Deveria apresentá-la para Easterbrook. Eles podem trançar o cabelo um do outro.

– Suspeito que Phaedra acharia Easterbrook bem entediante. É isso que não a faz passar despercebida e mostra sua originalidade.

A atitude levemente mal-humorada que o cocheiro tinha assumido no começo do passeio desapareceu ao ver Rothwell se aproximar ao lado dela. Adiantou-se para pegar os embrulhos, depois os arrumou cuidadosamente na carruagem.

– No futuro, quando a Srta. Welbourne usar a carruagem para fazer compras, um lacaio deve acompanhá-la – disse ele ao cocheiro. – Minhas desculpas, Srta. Welbourne, por não ter deixado isso claro para os serviçais desde o início.

Lorde Rothwell abriu a porta para Alexia. Ela subiu na carruagem. Ele fez o mesmo.

– Não preciso que me acompanhe. O cocheiro pode me proteger no curto trajeto até a Hill Street.

Ele ignorou sua falta de gentileza e se sentou defronte a ela.

– A Srta. Blair estava certa? A senhorita tem outros planos para esta tarde?

Tenho, sim. Pretendo levar estes embrulhos para meu quarto e começar a fazer chapéus, para ganhar dinheiro suficiente para nunca mais vê-lo nem ter que sofrer o desprazer de sua presença.

– Alguns assuntos pessoais – disse ela.

Aparentemente ele pensou que ela queria dizer que não tinha nada importante para fazer. Deu instruções ao cocheiro para se dirigir ao Hyde Park.

– Está meio frio para uma volta no parque – disse ela.

– Nosso passeio será breve. Gostaria de lhe falar sobre um assunto.

O coração dela se encheu com a gravidade que prenunciava más notícias.

– Duvido que essa conversa inclua as desculpas que me deve. Nem prevejo receber suas garantias de ser poupada desse comportamento no futuro, já que sua invasão dessa carruagem por si só levantaria suspeitas.

Uma leve doçura suavizou a expressão dele. Um olhar franco e senhor de si acrescentou um toque sarcástico que enfraqueceu aquele efeito.

– Desculpe-me tê-la ofendido com meu silêncio. Admito que lhe devo as desculpas e as garantias necessárias. Mas não conseguirei dizer as palavras certas no momento.

– Por quê?

– Porque seriam mentira.

A carruagem pareceu ficar muito pequena. Ele ainda agia de forma amigável. Nada em seu rosto ou postura a ameaçava. Entretanto, tudo nela ficou muito ciente da presença de Hayden. Seu corpo reagiu como se ele a estivesse acariciando com gestos longos e demorados.

Fora um erro ficar sozinha com ele. Ela odiava como esse demônio podia provocar reações tão escandalosas nela.

– Lorde Hayden, considerarei quaisquer assédios dessa natureza como insultos do tipo mais cruel.

– Não consigo decidir se isso é verdade ou se a senhorita quer se convencer disso.

– Que generoso de sua parte pensar em minhas preferências.

– São de fato as suas preferências que contemplo. No entanto, fique contente de eu não pretender descobrir hoje quais são elas. Quero falar de um assunto bem diferente.

– E o que seria?

– Algo que lhe dará muito mais prazer. Benjamin Longworth.


A menção ao nome de Benjamin silenciou suas objeções. Ele suspeitou que ela suportaria todo tipo de galanteios se a conversa incluísse recordações sobre seu amado primo.

Se aceitar se tornar minha amante, concordo em conversar sobre Benjamin Longworth duas vezes por semana. Só que não na cama. Se isso for aceitável para a senhorita.

Ela o ignorou enquanto a carruagem os levava para o parque. Ele passou o tempo imaginando o que estaria nos embrulhos e observando o cuidadoso conserto que fora feito ao longo da bainha de seu casaco marrom. O conjunto de passeio que estava sendo feito por madame Tissot cairia muito bem nela e seu tom azul-celeste combinaria perfeitamente com seus olhos.

Ainda não era a hora costumeira de passeios pelo parque, mas já havia um número suficiente de chapéus largos e cinturas apertadas por ali para afastar a sensação de estarem sozinhos. Para Alexia, passear lado a lado com ele era um verdadeiro suplício. Sua postura deixava claro como ela permanecia na defensiva.

– Estamos em local público, Srta. Welbourne. Dificilmente a importunaria aqui.

– Sua maneira de falar é muito ousada. Um beijo roubado não lhe dá o direito de tamanha intimidade.

– Conversas ousadas sempre marcaram nossos encontros, e não por iniciativa minha. Além disso, não foi um beijo, e eu roubei muito pouco. Mas não vamos brigar hoje. Falemos de assuntos amigáveis.

O olhar dela mostrou que não o considerava um amigo, mas a alusão ao assunto que havia sido anunciado a acalmou. Seu passo desacelerou e o gelo derreteu.

– Pode me dizer por que ele decidiu ir para a Grécia? – perguntou ela. – Foi um choque para nós, algo muito inesperado.

A referência a Ben provocou um lindo rubor nas maçãs de seu rosto e um brilho vivaz em seu olhar. Sua aparência o lembrava de quando a beijara e essa lembrança fez com que seu lado cavalheiro desaparecesse do mapa. Em sua mente, via um campo de violetas, a brisa transportando os gemidos ritmados de uma mulher acolhendo o prazer enquanto ele a penetrava...

Vigilância. Vigilância.

– Ele soube que eu estava indo e decidiu se juntar à nossa brigada – disse ele. – Creio que foi um dos impulsos pelos quais era famoso.

– Um impulso generoso. Ele arriscou a vida por uma causa nobre.

– Certamente.

Balela. Ninguém imaginava que pudesse ser ferido, que dirá morrer. E Ben não tinha ido por uma questão de princípios. Ele fora para a guerra motivado pelo desejo de se aventurar e a esperança de impressionar uma dama inatingível.

Não era seu papel desiludir a Srta. Welbourne. Nem ela o agradeceria se o fizesse.

– Tenho certeza de que ele era muito corajoso – disse Alexia. – Imagino-o como um herói em um quadro.

Ele combateu a vontade de contar-lhe a verdade. Ben fora muito corajoso uma vez, isso era certo. Louca e impulsivamente corajoso. O desejo de lhe fazer confidências o confundiu.

– Ele lutou o melhor que pôde, como todos nós. Mas os gregos não são bem comandados. Eles não dispõem de uma estratégia sólida e suas facções não cooperam. Temo que o cerco de Missolonghi acabe muito mal.

– Ben disse que os gregos têm que ser libertados. Como um marco e para compensá-los por tudo o que o mundo civilizado deve à sua história.

Ben não estava nem aí para isso. Usara a defesa dos gregos como desculpa para ir embora. Sabia muito pouco sobre política ou história.

Contudo, essa vontade de ajudar sem querer nada em troca havia motivado outros. Tinha sido sua própria justificativa para fazer algo que, olhando em retrospectiva, era irracional, impetuoso e uma louca versão do heroísmo romântico encontrado em poemas.

Seus princípios haviam sido nobres, mas a realidade dessa guerra não o fora. Tinha visto atrocidades cometidas por ambos os lados. Tinha voltado exausto e desencantado, a tempo de observar outros irem depois dele, todos imbuídos dos mesmos ideais simplistas.

– Acha que eles vão vencer? – perguntou ela. – Gostaria de acreditar que o último ano de vida dele não foi dedicado em vão a essa causa.

– O Império Otomano é antigo e corrupto. Só se sustenta com a ajuda de países como o nosso. Os turcos deixarão a Grécia um dia e a guerra atual e nosso apoio terão ajudado isso a acontecer.

Falavam sobre isso enquanto caminhavam juntos, suas botas esmagando folhas secas que voavam pelo caminho. Ela lhe fez muitas perguntas, esquecendo que deveria estar zangada com ele e até mesmo que deveriam estar falando de Benjamin. Por vinte minutos, a situação mundial ocupou sua mente inquieta e questionadora.

Foi lorde Hayden que dirigiu a conversa de volta para Benjamin. Ele o fez de má vontade, mas seu encontro “acidental” com a Srta. Welbourne tinha um objetivo.

– A família passou por dificuldades quando Ben se ausentou? – perguntou Rothwell.

A alusão aos Longworths causou uma tensão perceptível.

– Timothy já havia começado a trabalhar no banco àquela altura, então não me lembro de ter havido grandes dificuldades. E de início continuamos morando em Cheapside. Foi logo depois que Ben partiu que a situação começou a melhorar significativamente.

As últimas palavras saíram com um toque de ressentimento. Para depois tudo ser destruído por você, é claro. Alexia não disse isso, mas a acusação era perceptível em seu tom. E provavelmente sempre seria.

– A senhorita não percebeu melhorias nos primeiros anos em que morou com eles em Cheapside? Foi só depois?

– Tim explicou que o banco precisava se consolidar nos primeiros anos, mas que depois estava bem estabelecido. Pudemos gozar dos frutos da administração cuidadosa que Ben e ele mantinham. Admito que considerava Tim exagerado no que dizia respeito a gozar desses frutos, mas talvez fosse normal se permitir tanto assim.

Ele olhou para o casaco dela de novo. Era antigo, de alguns anos atrás, pelo menos. Pensava em seus vestidos deselegantes, de cintura alta. Tim tinha permitido muitos mimos a si próprio e às suas irmãs, mas não à prima.

O canalha vinha roubando as pessoas e não tinha se dado o trabalho de usar alguns desses ganhos escusos com a prima pobre em sua própria casa.

– Na verdade, o banco gozou de um crescimento sólido desde o início – disse ele. – A mudança repentina de uma vida confortável para uma de extravagâncias não se deve ao modo como o banco se solidificou. Ben poderia ter gozado de alguns desses frutos antes. Eu teria esperado ver evidências lentas mas constantes do crescimento de seus negócios. Está dizendo que não houve?

– Não que eu tenha notado. Tínhamos uma vida bastante estável em Cheapside. Ele ia ao clube e tinha uma carruagem ao seu dispor o tempo todo. Não havia indícios de que a situação estivesse mudando nem para melhor nem para pior – respondeu Alexia e então, observando a nítida curiosidade de Lorde Rothwell, questionou: – Por que está fazendo essas perguntas?

– Ando pensando muito nele, Srta. Welbourne. Fico imaginando-o em seus últimos dias naquele navio. Benjamin estava em profunda melancolia. Imaginei se ele não teria de enfrentar problemas financeiros quando voltasse, mas, pelo que está me dizendo, parece que não.

Ele fez uma pausa, imaginando como deveria prosseguir.

– Agora me pergunto em que foi aplicada a renda a mais que recebeu naqueles últimos anos, se não foi em sua casa ou para manter hábitos caros.

– Reinvestida no banco, imagino. Então Tim herdou tudo.

Era uma boa resposta, só que errada. Ele tinha examinado os registros da conta pessoal de Benjamin. Pouco tinha sido depositado lá para Tim herdar.

Algum dinheiro teria sido usado para pagar os falsos rendimentos dos títulos que ele roubara, é claro. Esse valor aumentara a cada roubo. No entanto, muito mais do que isso tinha desaparecido.

Teria que pensar melhor sobre o assunto, agora que sabia que Benjamin não tinha gastado uma boa parte em luxos. E também teria que verificar se Ben não possuía contas em outros bancos e se elas poderiam conter os frutos de seus crimes.

A caminhada tinha traçado um percurso circular. A carruagem esperava adiante. Hayden afastou Benjamin de sua mente e apenas aproveitou a presença da Srta. Welbourne ao seu lado nos últimos metros do caminho.


Ela estava se esquecendo de odiá-lo. A caminhada tinha sido muito amigável, contudo ele não era amigo dela nem de seus entes queridos.

Agora estavam na carruagem de novo e aquela outra fascinação, a excitação infame, interferia ainda mais. Ela achava isso muito desconcertante, sentar-se diante de um homem que sua mente desprezava, mas que seu corpo, não – as várias inquietações se misturavam todas.

Ele a olhou de uma forma que era muito frequente agora, com uma contemplação despreocupada que criava um clima predatório sutil. Seu olhar pousou e se demorou nas mãos dela.

– Devo-lhe desculpas. Fui relapso com seu bem-estar e sua saúde. Deveria ter percebido que usava luvas sem as pontas dos dedos e não luvas mais quentes.

Ela baixou o olhar para os próprios dedos rosados, descobertos pela luva que terminava no dorso da mão. Alexia as escolhera para que pudesse tocar e avaliar os aviamentos que compraria.

Ele abriu o cobertor que ficava na carruagem e envolveu as mãos dela, esfregando-as para que a lã as aquecesse rapidamente. Ela recebeu o carinho sofregamente e seus dedos pinicaram na conchinha aquecida. A proximidade dele fez seu coração bater forte demais. A sensação das mãos dele pressionando as dela por cima da lã a fez perder o fôlego.

Ela não conseguia controlar essa reação. Nenhuma delas. Isso a assustava. A parte dela que se esquecera de odiá-lo era independente do bom senso. As reações vinham de uma fonte tão profunda que Alexia não conseguia definir qual. Emergiam de uma essência primitiva que sua mente racional não conseguia controlar.

Só a ausência dele a libertava por completo. Felizmente, ela daria um jeito nisso em breve. Por ora, buscou refúgio no único lugar em que poderia encontrá-lo.

– Apreciei nossa conversa sobre Benjamin. Sua descrição da melancolia dele me surpreendeu, nunca soube que ele era assim.

Isso era verdade. Um pequeno desconforto surgiu, como se um ponto de interrogação tivesse se juntado aos pontos de exclamação sobre Benjamin.

– Talvez ele tivesse sentido a perda das fortes emoções ao voltar para casa após toda a tensão na Grécia.

Ela não se importava com essa explicação. Afinal, ele voltara para ela.

– Desculpe-me por ser direto, Srta. Welbourne, mas... Benjamin a pediu em casamento antes de partir ou foi por carta?

Ela nunca o perdoaria por ser tão direto. Essa pergunta fazia ressurgir um questionamento dela. Um questionamento traiçoeiro que surgia no meio da noite, quando se entregava às lembranças. Será que tinha entendido mal?

– Ele falou de ficarmos juntos para sempre.

– Então vocês tinham um acordo claro. Entretanto, talvez ele estivesse preocupado com a possibilidade de a senhorita o rejeitar quando ele a pedisse formalmente em casamento. Isso deve explicar seu ar melancólico.

Não, não era isso. Ele ditava o ritmo da relação. Era ela que tinha motivos para se inquietar com a rejeição.

Esse pensamento lhe tomou a mente. Ela se ressentiu de sua honestidade e da forma como aquele homem impunha sua presença.

– Talvez seja bom ele não estar entre nós agora – disse ela. – Se era amigo dele, o que fez aos Longworths... seu dever, como diz... teria sido mais difícil.

Ela buscou algum sinal de culpa nele. Não encontrou.

– Imagino que escreva para eles.

– É claro. E minha prima Roselyn me escreve também. Timothy está arrasado. Tudo o que aconteceu afetou sua saúde.

– O brandy tem um custo para a saúde.

– Como ousa...

A severidade de Hayden surgiu no exato momento em que Alexia começou a repreendê-lo. Os instintos dela gritaram uma advertência silenciosa para que segurasse sua língua. A última discussão acalorada deles produzira resultados drásticos. Engoliu o ódio.

– Roselyn me diz que eles mal têm o que comer, então duvido que haja dinheiro para comprar brandy.

– Gim barato tem o mesmo efeito. Sinto muito pelo sofrimento das damas. Vou enviar algum dinheiro para a Srta. Longworth. Se o dinheiro for entregue a ela, podemos ter certeza de que ficará nas mãos dela e não será usado para alimentar a doença do irmão?

– Ela nunca aceitaria dinheiro do senhor. Seu orgulho nunca permitiria isso, nem sua raiva. Ela morreria de fome primeiro.

– Então darei o dinheiro para a senhorita, que enviará para ela. Não é preciso que ela fique sabendo da verdadeira fonte. Digamos cinquenta libras no momento?

A oferta a surpreendeu. Deveria aceitar, sabia que sim. No entanto... Ela o encarou com desconfiança. Seria como o novo guarda-roupa? Ela ficaria em dívida com ele?

O sorriso lento de lorde Rothwell mostrou que lera os pensamentos dela.

– Srta. Welbourne, se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto. A senhorita ficaria sabendo logo e eu nunca a insultaria com uma quantia tão pequena.

A carruagem chegou a Hill Street naquele exato minuto. Um lacaio se apressou para ajudá-la a descer. Ela se afastou rapidamente enquanto Rothwell arrumava a pilha de embrulhos nos braços do criado. Estava a meio caminho da porta quando se decidiu quanto ao dinheiro. Ela se virou e se dirigiu a Hayden, que descia da carruagem.

– Meu orgulho não deve impedir que minhas primas tenham algum consolo. Mandarei o dinheiro. Somente dez libras, não mais, pois eu não poderia explicar a origem. Ela nunca saberá que veio do senhor.


CAPÍTULO 8

Alexia arrastou Caroline para uma conversa formal em francês. Sua pupila ainda deixava bastante a desejar quanto ao domínio desse gracioso idioma. A falta de atenção da própria Alexia aos pontos mais sutis da gramática não estava ajudando seu progresso.

Metade de sua mente permanecia ocupada com o encontro com lorde Rothwell que acontecera havia três dias. Distanciada da sua presença perturbadora, a conversa deles ganhara a posição central em suas lembranças. Sua reação confusa diante dele formava o pano de fundo para algumas especula­ções sérias em relação ao que tinha dito a propósito de Benjamin. O novo ponto de interrogação não parava de crescer.

Um lacaio as encontrou na sala de aula e depositou um embrulho em cima da mesa, anunciando que tinha acabado de chegar para a Srta. Welbourne.

– Você comprou um travesseiro quando foi às compras? – perguntou Caroline.

Não, mas esse embrulho parecia mesmo conter um travesseiro. Ela rasgou o elegante papel de embrulho. O papel caiu no chão revelando um regalo de arminho.

– Nossa! – exclamou Caroline. – Que lindo!

O regalo era feito de uma pele branca extremamente macia. Um cetim marfim forrava o túnel onde se colocavam as mãos para aquecê-las. Pérolas minúsculas enfeitavam as costuras de ambos os lados.

Alexia leu o bilhete que o acompanhava.


Soube que vai ao teatro hoje à noite com minha tia. As noites ainda estão muito frias para que uma dama saia sem a devida proteção. Queira aceitar isto em sinal de gratidão pela ajuda que está prestando à família.

Easterbrook


A ponta do dedo de Caroline traçou um pequeno desenho nos pelos.

– Mamãe acha que Easterbrook devia ter nos convidado para morar na casa dele. Ela também está magoada porque ele nunca nos visitou aqui, mas acho que ele tem um coração generoso.

Alexia não fazia a menor ideia se o coração de Easterbrook era generoso ou não. Contudo, tinha quase certeza de que ele não sabia dos presentes que não paravam de chegar em seu nome.

O luxo do regalo a deixou encantada. Suas mãos ansiavam por se aquecer em seu calor. Ela se lembrou de Rothwell pondo a coberta em volta de suas mãos, numa versão simplificada daquele presente.

– O que é o outro bilhete? – disse Caroline apontando para o colo de Alexia.

Um segundo envelope lacrado tinha caído quando ela abrira o embrulho.

Tocou-o e percebeu que este não poderia ser mostrado a Caroline. Seus dedos sentiram o tamanho e o formato do papel contido dentro do envelope. Era evidente que “Easterbrook” estava doando as dez libras que seriam enviadas para os Longworths.

Ela sabia a verdade. No entanto, ainda não estava em dívida com ninguém. A artimanha da generosidade de Easterbrook protegia seu orgulho. O mesmo era verdade em relação à estranha garantia dada na carruagem. Se eu quisesse torná-la minha amante, nunca seria tão sutil nem indireto.

Ela pôs o regalo e os bilhetes de lado. Durante toda a lição da tarde, os dois presentes ficaram lá, esperando para envolvê-la em ilusões de segurança, seduzindo-a a pensar com doçura no homem que os enviara.


O vestido dela era velho, mas apresentável, e sua longa capa era elegante apesar da simplicidade. Nenhuma das peças, porém, estava na moda e Hayden pressupôs que já tinham visto muitas primaveras. Alexia provavelmente as tinha comprado quando Ben era o chefe da família. Era só pela falta de uso que permaneciam livres de sinais de desgaste.

Ela chegou ao camarote com Henrietta, satisfeita no seu papel da quieta dama de companhia à sombra da exuberância da tia dele. Um discreto turbante ornado de uma pluma anunciava sua condição de dama, independentemente de sua situação. O regalo de pele dava um tom de luxo à melodia silenciosa e fora de moda do recato de suas vestes.

Ela manteve o regalo no colo durante toda a peça. O teatro estava um pouco frio e suas mãos permaneceram escondidas em seu túnel acetinado. Sentado do outro lado de Henrietta, Hayden conseguia ver facilmente o braço enluvado de Alexia descrever uma curva suave para a caverna oculta onde suas mãos pousavam. Ele imaginou os dedos delgados, aquecidos pelo ninho de pele e cetim, escorregarem em seu peito nu, cinco caminhos aveludados acompanhando a linha de seu quadril e em torno de suas ancas...

Ele se levantou e recuou para a parede do fundo do camarote. De lá, só conseguia ver o chapéu de Alexia. E a pele de seu pescoço. E o suave declive de seus ombros. Seu vestido ocultava o bastante para fazer sua imaginação voar de novo, especulando sobre o gosto que sentiria ao beijar aquela pele.

Riu de si mesmo, apesar dos dentes cerrados. Não era homem de ficar espionando mulheres que não poderia ter. Sua vida pessoal progredia com a mesma eficiência de sua vida pública. Esse desejo pela Srta. Welbourne não fazia sentido e estava se mostrando altamente inconveniente. E era desejo, puro e simples, o tipo de anseio que raramente se concentrava em uma mulher específica, que dirá em uma mulher a ser desejada em vão.

O problema era que não acreditava de verdade que era em vão. Ele não deveria tê-la, mas a parte de sua cabeça que instintivamente calculava probabilidades dizia que poderia, se quisesse. Ela não gostava dele e o culpava por grandes pecados, mas o desejo existia à parte do que deveria ser.

O objeto de sua atenção se mexeu. Seus ombros se curvaram para o palco e o chapéu lentamente se ergueu. Virando-se, ela pousou o regalo na cadeira e andou com graça silenciosa na direção dele.

Ele esperava que ela fosse sair do camarote. Mas, ao contrário, se aproximou de Hayden, seus olhos buscando os dele na sombra ao longo da parede do fundo.

Foi preciso conter o desejo de agarrá-la.

– Está gostando da peça, Srta. Welbourne?

– Sim, foi muito gentileza a sua tia me incluir.

Ele tinha arranjado isso sendo vago sobre seus próprios planos. Sugerira a Henrietta que trouxesse a Srta. Welbourne para que não houvesse chance de ela ficar sozinha no camarote de Easterbrook. Ele desprezava seu impulso de agir por subterfúgios, mas se rendia a eles.

– Seria possível ter uma conversa com o senhor, lorde Hayden? Refere-se a um assunto que não me saiu da cabeça nos últimos dias e exige privacidade.

Agora não, pombinha. Fique perto da mamãe se for ajuizada.

– Certamente, Srta. Welbourne.

Ele a guiou para a porta.

O corredor estava às escuras, com apenas pequeninas luzes amarelas salpicando a escuridão. A pele de Alexia parecia etérea e seus olhos, muito escuros e expressivos. Eles se reuniram à porta do camarote.

– Andei pensando sobre o que disse no parque, em relação a Benjamin.

O cenho de Alexia se franziu de preocupação. Ele quis beijar aquela ruga até desfazê-la.

– O senhor falou da melancolia dele nos últimos dias de vida e fiquei pensando em como isso seria um comportamento incomum para ele.

– Todos nós temos nossos momentos. Tenho certeza de que ele também os tinha quando não estava sendo observado pelas outras pessoas.

– Possivelmente. Mas... deixe-me fazer uma pergunta: ele estava bebendo naquela noite, quando aconteceu?

– Uma quantidade razoável.

Naquele instante ele desejou que não tivessem deixado o camarote. Ela estava entrando em detalhes que ele preferia não dar. Normalmente evitava pensar nisso.

– Isso também não era um comportamento comum nele – disse ela. – Ao contrário de seu irmão, Ben não gostava de beber. Pelo que me contou, acho que ele não estava apenas melancólico, mas consternado.

– Talvez essa palavra seja forte demais.

– O senhor o viu lá, no convés, antes de cair?

Agora estavam rumando para águas profundas. O desejo de beijá-la tinha menos a ver com atração e mais com impulso de silenciar essas perguntas.

– Eu o vi rapidamente.

“Olhe para as estrelas, Hayden. Elas enchem todo o céu até chegarem ao mar. Sinto como se pudesse andar por sobre as águas e tocá-las.”

“Lá na frente não são estrelas, mas o farol da Córsega. A bebida alterou seus sentidos. Desça para ficar com os outros. Está frio.”

“Não serei uma boa companhia. Ficarei melhor sozinho esta noite.”

“Pode ficar sozinho lá embaixo.”

“Deixe-me em paz, está bem? Você nunca fica triste, Hayden? Essa sua alma distanciada e calculista nunca sente tristeza ou desespero? O céu noturno pode servir para aliviar esses sentimentos.”

“Ficaria menos triste se estivesse menos bêbado.”

“Agora falou igual ao seu pai. Fazendo julgamentos, com sua superioridade lógica. Vai me passar um sermão? Falar de retidão moral e comportamento honroso? Por Deus, em vinte anos você estará igualzinho a ele. Que bom que você não tem vontade de casar, porque iria acabar tão hipócrita quanto ele e...”

“Mais uma palavra e acabo com você, mesmo estando bêbado, seu canalha.”

“Deixe-me em paz e não vai mais ouvir nenhuma palavra deste canalha.”

“Vou deixá-lo em paz. Vá para o diabo, se é o que deseja.”

– Tivemos uma conversa rápida, mas ele não quis descer comigo – disse Hayden dando de ombros.

Ela pareceu ver o peso que o gesto demonstrava. Ele ficou sem jeito com o olhar perscrutador dela.

– O senhor se culpa, não é? Sente-se culpado por não tê-lo convencido a deixar o convés.

Ele expirou lentamente, deixando sair a fúria que surgira com as palavras dela. Aquela acusação criava uma intimidade peculiar. Alexia tinha tocado no lado selvagem de sua alma.

– Peço desculpas pelo que disse. Agora está zangado. Mesmo nesta luz, posso ver. Não pretendia...

– A senhorita só citou mais um pecado em uma longa lista. Homens como eu têm muitos, como já assinalou tantas vezes.

– Tenho certeza de que não sabia que ele estava tão embriagado a ponto de cair no mar – disse ela, espiando-o e tentando enxergar suas feições apesar da luz baixa.

Ela estava adoravelmente preocupada. Tanto que de repente ele não mais se importava com o que ela vira ou com o que poderia saber sobre Ben. Ele não dava a mínima para esses detalhes naquele exato momento, porque os lábios carnudos de Alexia estavam tão sensuais que ele já não dava conta do que havia ao seu redor.

– Lorde Hayden, tenho que fazer uma pergunta. É muito difícil cair no mar? Venho tentando imaginar a cena, mas, com os corrimões, sem chuva, me parece que...

Ele tocou a ponta dos dedos em seus lábios, silenciando-a.

– Não é tão difícil, se a pessoa for descuidada. Acontece com frequência. Um movimento mais brusco, uma volta mais despreocupada... Os corrimões são para ajudar os sóbrios e sensatos, mas não são paredes de uma prisão.

A expressão dela se transformou com o toque masculino. O espanto eclipsou a preocupação. O medo apareceu por baixo desse toque suave e uma excitação latente se mostrou em seus olhos ávidos.

O silêncio e as sombras do corredor os envolviam. Não havia qualquer ruído. Estavam sozinhos.

Hayden baixou a cabeça para provar o cetim frio do ombro nu de Alexia.

Ela suspirou. Um suspiro profundo não de choque, mas de prazer. Só isso já seria capaz de derrotar a força de vontade dele, mas ela já havia caído por terra.

Ele pressionou os lábios ao longo daquela pele sedutora, sentindo o calor provocado pela aproximação sutil. Ela não fugiu nem apresentou objeção. Nem mesmo deu um passo atrás. Ele deslizou a mão em volta da cintura dela e a puxou para perto, sua boca seguindo o caminho em direção ao pescoço. Ele acompanhava a pulsação dela com beijos e pousava a língua ao ritmo acelerado da excitação dela.

O desejo não obscurecera seus sentidos. Ele ainda ouvia o silêncio e os suspiros leves e amedrontados que saudavam cada novo beijo.

Não era o momento nem o lugar, mas não dava a mínima. Puxou-a para mais perto ainda, pressionando-a contra ele enquanto segurava seu rosto e tomava posse de sua boca provocante.

A surpresa dela o seduziu ainda mais. Sua rendição incendiou sua mente. Pequenos murmúrios de confusão se faziam sentir em seus suspiros sôfregos, como se ela não soubesse o que fazer com essa paixão.

Ele parou o beijo e olhou para o rosto dela. Olhos fechados e lábios entreabertos, ela era a imagem viva do êxtase. O corpo dela parecia leve e frágil nos braços dele.

– Toque-me – disse ele. – Você sabe que deseja isso.

Seus cílios se ergueram. Devagar, suas mãos enluvadas se elevaram e tocaram o rosto de Hayden, como se buscasse uma prova de que estava mesmo ali.

As mãos dela vieram pousar em seus ombros com o mesmo toque curioso. Apesar das camadas de roupas entre eles, os dedos dela queimavam sua pele, transmitindo um calor que ardia dentro dele.

Ele a beijou mais forte, quase sem conseguir controlar o desejo feroz que o consumia. Seu corpo ardia. A consciência persistente de onde estavam o encorajava, mas também alardeava sua frustração. Não tudo, mas... Ele sofreria com isso, mas...

Suavemente ele tomou seu lábio inferior entre os dentes. Ela entreabriu a boca ainda mais. Ele a beijou de novo, introduzindo a língua com doçura. Seu abraço provocou nela novos arrepios de excitação.

O prazer dominou os últimos resquícios de seu bom senso. Ele a apoiou contra a porta e encheu-a de beijos e carícias, pressionando-a em busca do corpo que o vestido escondia, usando o tato para imaginá-la nua, ouvindo os suspiros e gemidos melódicos que expressavam sua surpresa e seu desamparo.

Acariciando seu braço, ele abaixou a luva, expondo sua pele, então foi percorrendo com beijos o mesmo trajeto, enquanto as mãos envolviam suas nádegas, circundavam a cintura, subiam para a maciez provocante de seus seios. Ele deslizou a palma da mão, segurando seu seio inteiro, encobrindo o mamilo duro, incitando-a a se entregar a ele.

Os dedos dela se afundaram em seus ombros másculos. Seus gemidos ficaram mais altos. Ele teve juízo bastante para silenciá-la com outro beijo, mas não o suficiente para deter a própria mão. Logo. Mais tarde. Um dia...

Ouviram um baque surdo na porta por trás dela. Ela se empertigou e piscou, como se o som abafado a tivesse despertado do sono.

– Meu Deus, está emperrada? – uma voz feminina murmurou do outro lado da madeira.

Cerrando os dentes, maldizendo a tia e furioso de desejo, ele rapidamente puxou a luva de volta e se afastou de Alexia. Na luz baixa, pôde vê-la enrubescer ao se recompor. Ficou parada como se contasse até cinco e conferiu suas roupas com um olhar rápido.

Seus olhos encontraram os dele com pensamentos insondáveis, depois ela se virou e abriu a porta. Henrietta quase caiu nos braços de ambos.

– Desculpe, tia Henrietta – disse Hayden. – Eu deveria saber que não se deve ficar apoiado na porta de um camarote quando há pessoas dentro dele.

– De fato, deveria. Estava perdido em pensamentos? Tentando resolver um daqueles teoremas, imagino.

– Sim, mas também estava montando guarda para que a Srta. Welbourne encontrasse o camarote certo ao voltar.

– Pode continuar a fazer o mesmo para mim. Se eu soubesse que Alexia pretendia ir ao... bem, fique aí, Hayden, para que eu também não me perca.

Henrietta saiu andando pelo corredor. Alexia observou em silêncio. O desejo ainda pairava no ar que eles respiravam.

Ele ardia por dentro e sua mente estava inquieta. Vou encontrá-la esta noite, depois que os empregados forem dormir. Deixe sua porta aberta.

Lorde Hayden Rothwell não disse isso, mas Alexia ouviu de qualquer forma. Ela percebeu as intenções dele – e talvez as suas próprias.

Ela se virou e entrou no camarote, fechando a porta entre eles.


Ele não foi ao encontro dela naquela noite.

Quando seu corpo esfriou, ele admitiu que seria ao mesmo tempo imprudente e ridículo fazer isso. A Srta. Welbourne nunca poria em risco sua reputação, sua situação e sua virtude, se tivesse chance de pensar no que estava fazendo.

Precisava mais que se desculpar. Seu comportamento tinha se tornado absolutamente reprovável. Apesar de isso ainda o espantar, não se detinha pensando em quão improvável tinha sido o que acontecera no teatro. Continuar a flertar com Alexia era inaceitável.

No entanto, seria preciso usar toda a vigilância que Christian pregara – de madrugada, ele ainda se debatia na luxúria, que lacerava sua carne como faca afiada. Ficou deitado até depois de meio-dia, pensando no que fazer. Sua honra ditava que se contivesse, mas seu corpo apresentava argumentos primitivos com uma voz mais alta. Finalmente encontrou a disciplina necessária para se levantar e ir até seu escritório no centro financeiro da cidade, mas praticamente não conseguiu fazer nada de útil por lá. Nem mesmo seus cálculos puderam distraí-lo.

Nos dois dias seguintes, nem se preocupou em ser disciplinado. Dormiu tarde, pensou na vida, chegou a conclusão nenhuma e vagueou pela casa. Por fim, no quarto dia, se forçou a desempenhar a tarefa indesejável que esperava por ele e sentou-se para escrever uma carta. A meio caminho, decidiu que era muita covardia não se desculpar pessoalmente.

Enquanto imaginava como poderia falar com Alexia a sós, Elliot entrou no quarto, trazendo uma carta.

– Vejo que finalmente acordou. Isso chegou para você hoje de manhã, Hayden. Um dos lacaios de tia Henrietta trouxe.

Hayden pegou a carta. Nela, apesar dos elogios e das palavras lisonjeiras, Henrietta mostrava que estava aborrecida. Ela entendia que não podia passar todo o tempo com elas, é claro, e não queria ser intrometida nem insistente. Contudo, realmente precisava que ele fosse visitá-la e tivesse uma boa conversa com a Srta. Welbourne, que não estava fazendo progressos suficientes com Caroline no francês. Ela esperava que o sobrinho encontrasse tempo naquela mesma tarde para resolver o assunto.

– O que quer que ela esteja querendo, posso ir até lá – disse Elliot.

– Você é um bom irmão, Elliot. Percebe que estou preocupado e se oferece em sacrifício no meu lugar.

– A recente mudança em seus hábitos diz que minha percepção está correta – disse isso apontando para a carta. – Você pode escrever e protelar a visita se achar que não sou esperto o bastante para não cair em suas armadilhas.

Hayden leu a carta de novo contendo o pedido de sua tia para que chamasse a atenção da Srta. Welbourne. Teria que falar com Alexia a sós para fazer isso. Havia entre eles contas a ajustar que não tinham nada a ver com aulas de francês.

– Vou eu mesmo atender à convocação dela. A conversa que ela me pede para ter já passou da hora de acontecer.


Alexia remexia no franzido da fita verde de seu primeiro chapéu. Parecia pouco surpreendente, planejado demais. Ela queria um efeito mais descuidado e romântico, como se a faixa tivesse sido atada com capricho, e não cálculo.

Levou o chapéu até a janela para examiná-lo melhor. Sua elaboração tinha sido mais difícil do que previra. Sem uma fôrma, ela fora forçada a usar a própria cabeça como molde e um espelho. Para não manchar o chapéu, aplicara os enfeites usando luvas.

Apesar das repreensões de Phaedra, ela teve que trabalhar arduamente no chapéu à luz da lamparina. Tinha voltado ao trabalho depois de chegar do teatro, havia quatro noites. Quase em desespero, ficara acordada até perto do amanhecer, mexendo em fitas e costurando o tecido, na esperança de fazer um chapéu de qualidade superior que lhe possibilitasse um meio de vida para fugir do caminho da tentação.

Ela estava com o chapéu na mão quando se sentiu tomada pela lembrança, pela presença dele. Sabia que o comportamento escandaloso de ambos poderia causar tal reação nela em um piscar de olhos. Ficava horrorizada com o fato de que aquela sensação não lhe parecesse estranha ou imposta, mas cálida e excitante.

Os sons vindos da rua chamaram sua atenção. Olhou para baixo e viu Henrietta e Caroline entrando na carruagem. Estavam indo provar as roupas no ateliê de madame Tissot.

Ela deveria ter ido também, mas alegou estar doente. Não era de todo mentira. Pensar na humilhação de encarar Hayden de novo a deixava levemente nauseada. Ele não tinha aparecido desde aquela noite no teatro, mas um dia iria voltar.

Deixou o chapéu de lado e se sentou para terminar uma carta que estava escrevendo para Roselyn. Tinha coisas mais importantes para fazer hoje do que ir até o ateliê de madame Tissot. De qualquer jeito, o guarda-roupa que estava sendo feito para ela nunca seria usado.

Depois de selar e postar a carta, Alexia subiu apressadamente a escada até o andar da criadagem. Henrietta e Caroline já haviam saído fazia uma hora. Tinha esperanças de ter tempo para realizar sua pequena investigação. Se não conseguisse fazê-la agora, precisaria esperar muitos dias para tentar novamente. Não poderia se ausentar de todas as saídas com as patroas.

A tempestade de sentimentos dentro dela não fora causada somente pelo assédio de Rothwell no teatro. A conversa que tiveram a perturbara também. Ela queria ouvir que a morte de Ben fora um acidente e que suas desconfianças não possuíam fundamento.

Agora percebia que lorde Rothwell havia se esquivado da pergunta. Depois a arrastara para fora de seu caminho, para um rio de paixão.

Partia seu coração a ideia de que Ben pudesse tê-la deixado para sempre por escolha própria. Se o amor não podia impedir um homem de se matar, então o que poderia?

Mas se ele houvesse tirado a própria vida, certamente haveria alguma indicação do motivo entre seus pertences. Se não houvesse essa prova, ela aceitaria melhor as peculiaridades do acidente. Entrou no sótão no fim do corredor, na esperança de não ter que enfrentar nada além de nostalgia.

Precisou abrir caminho por móveis e caixas recém-colocados. Henrietta tinha acrescentado itens trazidos de sua casa ou retirados dos cômodos abaixo. As colunas de mármore da apresentação de Caroline estavam dos dois lados da porta, com o verniz refletindo suavemente a luz que escoava de uma pequena janela. Várias tapeçarias tinham sido enroladas e levadas para lá, dando lugar nas paredes para os quadros de Easterbrook.

Ela descobriu os baús de Ben junto a uma parede. Uma sobrecasaca estava jogada em cima de um deles, como se alguém tivesse achado a peça e a atirado lá, em vez de arrumá-la adequadamente. Ela sacudiu a poeira e a dobrou com cuidado. Arrastou os baús para mais perto da janela. Sem encontrar uma cadeira livre, desenrolou uma das tapeçarias e se aninhou no piso de madeira.

O primeiro baú que abriu continha roupas. Ajoelhou-se e levantou as peças pelos cantos para ver o que estava por baixo. Reconheceu a maioria dos itens e imaginou Ben a usá-los. Viu um colete de seda no fundo da pilha, com listras azuis e vermelhas. Puxou-o para fora e o desdobrou.

Ele estava usando esse colete no dia em que a beijara pela última vez. Sentiu de novo a seda com a ponta dos dedos e o pulsar do coração de Ben ao seu toque. O abraço tinha sido secreto e breve, como todos os outros. Ele estava animado com a aventura na Grécia, mas ela sentira um medo enorme. E tivera a terrível sensação de que ele a estava abandonando.

Ele percebera seu rancor e entendera. Voltarei em breve, você vai ver. Vamos ficar juntos para sempre.

Ela guardou o colete e fechou o baú. Ele teria dito isso se pretendesse morrer? Ou, pior, se pretendesse se matar?

Sua pequena investigação de repente pareceu quase desleal. As perguntas de Rothwell tinham criado desconfianças. Ele plantara sementes de uma suspeita indesejada sobre a morte de Ben.

Não, ele não as plantara. Suas perguntas só tinham proporcionado uma chuva de preocupações que permitiram que sementes dormentes germinassem e crescessem.

As lembranças se extirparam agora. A imagem de Ben naquele colete, tão vívido e animado, cheio do alegre otimismo que trazia a brisa da primavera de volta para a vida dela – ela não precisava temer achar a prova de que ele quisera ir embora para sempre.

Sua busca se tornara sem sentido. Ela abriu o outro baú com um objetivo diferente. Fazia semanas que se sentia estranha e sozinha naquela casa. Acolher a lembrança de Ben, tocando seus pertences, a aqueceu. A felicidade fulgurante valia a dor do sofrimento que fluía com ela.

O segundo baú continha objetos pessoais. Ela reconheceu o relógio e sua coleção de berloques. Pilhas de cartas, escovas de cabelo, alguns livros – as posses comuns de um cavalheiro estavam arrumadas dentro do baú.

Ela tirou algumas cartas para espiar o que havia debaixo delas. Ao fazer isso, a fita que as amarrava se soltou. A pilha se desmanchou e os papéis caíram, cobrindo o conteúdo do baú. Sorriu ao reconhecer sua própria caligrafia em alguns deles. Eram as cartas que enviara para ele na Grécia.

Um odor perfumado chegou até ela, um cheiro mais doce do que o das roupas dele. Começou a recolher as cartas formando uma nova pilha e percebeu que o perfume vinha de algumas delas. Entremeados nos outros, havia alguns envelopes de tamanho semelhante, com a mesma caligrafia. Uma letra feminina, mas não a dela ou de suas irmãs.

Pegou uma delas e levou até o nariz. Inalou os resquícios de água de rosas. Uma paralisia horrível tomou conta dela.

Olhou para a carta por longo tempo, tomada de horror. Não conseguia decidir o que fazer. Ainda se debatia em um limbo doentio de indecisão quando seus dedos desdobraram o papel.

Benjamin, meu amor...


CAPÍTULO 9

– Lady Wallingford não está em casa, senhor – avisou o lacaio.

Era bem o estilo de Henrietta mandar a carta e depois sair de casa.

– Prova de roupas – confidenciou o empregado.

– Então elas estão todas na modista.

– Nem todas. A Srta. Welbourne ficou doente e permaneceu em casa.

Hayden reconsiderou a ausência da tia sob uma nova perspectiva. Ela queria que ele conversasse com a preceptora sobre seu desempenho e tinha saído para que pudessem fazer isso em particular. Hayden pretendia ter outra conversa, mas a delicadeza da tia seria muito conveniente.

– Peça que a Srta. Welbourne me encontre na biblioteca, por gentileza. A menos que ela esteja doente a ponto de não poder descer, é claro.

O lacaio saiu para cumprir a tarefa. Hayden subiu para a biblioteca pensando em como iria se desculpar.

Imaginava que ela iria aceitar seu pedido de desculpas rapidamente e tudo acabaria logo. Se ela percebesse que ele não parecia sincero, o que em grande parte era verdade, talvez nem mencionasse esse fato. Mas, com a tendência que Alexia tinha de falar sem meias palavras, havia a possibilidade de que ele saísse da casa naquele dia tendo sido devidamente repreendido.

O lacaio demorou muito para voltar. Em vez de causar um incômodo, a espera produziu uma ansiedade ainda maior. Fazia dias que Rothwell não via Alexia, um longo período necessário para que ele conseguisse ocultar suas piores inclinações. Agora essa conversa iminente melhorava seu humor, apesar de seu objetivo lamentável.

O lacaio voltou sozinho.

– Sinto muito, senhor. Ela não está no quarto, nem na sala de aula.

– Ela saiu de casa?

– Não creio.

– Então tem que estar em algum lugar.

O lacaio hesitou.

– Acho que está no sótão. Uma empregada a viu subindo as escadas e a porta está aberta. Alguém está lá. Uma mulher, tenho certeza. É possível que seja ela.

– Você não poderia ter ido lá verificar?

– Não achei conveniente, senhor. Acredito que a mulher que está lá precisa de privacidade.

Ele fez uma careta.

– Ela está chorando – explicou o lacaio. – Quem quer que seja ela.

Alexia chorando? A imaginação dele tentou rejeitar a imagem, mas ela se formou mesmo assim. A mesma força e intensidade que tornavam improvável que a Srta. Welbourne desabasse também deixavam a situação dramática.

– Voltarei outra hora – disse ele.

O lacaio saiu para cumprir suas outras obrigações. Hayden esperou até ficar sozinho, então subiu os degraus e alcançou o último andar. Passou pelos quartos dos empregados, rumo ao sótão no fim do corredor estreito. A porta estava mesmo escancarada. Ele chegou mais perto. Sons abafados de soluços femininos se fizeram ouvir.

Ele entrou e fechou a porta atrás de si. Espiou-a por entre a mobília e as caixas, sentada no chão perto da única janela do lugar.

Mesmo a distância, viu o pranto. Seu corpo se sacudia. Ela pressionava a boca com as mãos, a fim de abafar os soluços.

Ele foi até ela, espantado com sua emoção, imaginando o que poderia ter causado tal reação. Olhou para baixo, na direção de um baú, e reconheceu o relógio sobre alguns livros. A raiva surgiu, mais forte do que a empatia. Alexia tinha vindo até ali para chorar por Ben. Talvez ela fizesse isso toda semana ou até mesmo todo dia.

Alexia percebeu sua chegada e virou o rosto. Seu corpo inteiro convulsionava na corajosa tentativa de controlar a emoção.

Ele se ajoelhou ao lado dela em uma tentativa de confortá-la. Afastou alguns papéis espalhados sobre a tapeçaria. A letra no papel de cima chamou sua atenção. Benjamin, meu amor...

Ele pegou a carta e a leu. Olhou para Alexia. Os olhos dela estampavam uma tristeza tal que ele procurou na mente uma mentira que explicasse essas cartas.

Ela cobriu o rosto com as mãos e perdeu a batalha contra o autocontrole. Seus soluços encheram o sótão. Mais comovido do que tinha estado em anos, ele se sentou ao lado dela e a envolveu em seus braços.


O abraço dele teve o efeito de confortá-la, mas, ao mesmo tempo, de enfraquecê-la, pois foi como se dissesse “Não tente ser corajosa”.

Ela desabou nos braços de Hayden e desistiu de lutar. Desapontamento e humilhação brotavam dentro dela e transbordavam para fora. O lado prático de sua alma assentia como se fosse uma preceptora maldosa, do tipo que se satisfaz em estar certa, mesmo que isso signifique o sofrimento de seu aluno.

Alguns pensamentos lúcidos irromperam em meio à loucura. Você sempre se perguntou o motivo. Se ele tivesse intenções sérias, a teria pedido em casamento antes de partir. Você acreditou nele porque do contrário seu futuro seria um vazio. Ela cerrou os dentes e se agarrou no casaco por baixo de seus dedos.

O abraço se estreitou. Um beijo reconfortante aqueceu seu couro cabeludo.

– Tente se acalmar.

O comando gentil convocava a mulher que ela apresentava ao mundo, e não a tola que se agarrava a sonhos românticos. O coração dela foi se acalmando até atingir um batimento compassado. O pranto foi secando até se resumir a lentas lágrimas.

Um lenço surgiu, oferecido por uma mão forte. Ela o pegou e enxugou os olhos e o rosto. Ao redor deles, os papéis espalhados se reavivaram. Ela afastou alguns de sua saia.

– Ela escreveu para ele na Grécia, mas houve outras cartas também, antes disso – informou ela. – Ele nunca pretendeu... Ele se comportou de forma desonrosa comigo.

– Talvez ele tenha se comportado de forma desonrosa com ela, não com você.

Uma pequena chama de esperança se acendeu. Não cresceu, mas bruxuleou, desesperada à cata de combustível. Talvez tivesse sido assim. Ben devia ter mentido para essa mulher, não para ela, em relação a suas afeições e intenções.

Ela estava esgotada demais para pesar todas as possibilidades. Mesmo que Ben não tivesse mentido para ela, também não tinha sido verdadeiro.

– É muita gentileza sua dizer isso – disse ela. – Mas tudo indica que fui uma tola.

– Não acho.

Ela deveria se afastar, mas não encontrou forças. Depois de sair desse abraço, ela ficaria com frio e se sentiria sozinha, enfrentando um passado vazio, bem como um futuro difícil.

– Você sabia?

– Sabia que havia mulheres na vida dele, assim como na vida da maioria dos homens.

– Esta escreveu cartas de amor durante anos. Ela escrevia como se também recebesse cartas de amor. O nome dela é Lucy.

– Não sabia dessa mulher específica.

Outra verdade se apresentava. Uma verdade que ela não queria encarar.

– Quando ele falava de mim na Grécia, não era amor ou intenções que revelava, não é mesmo? Eu era apenas mais uma mulher não específica.

Lorde Rothwell permaneceu em silêncio. Isso já era a resposta.

Ela não conseguia acreditar na amplidão do vazio que sentia. O choque a havia distanciado de si mesma. Ela temia a solidão que sentiria por já não ter lembranças tolas em que se agarrar. Esse grande vazio estava à espreita, pressionando-a. Deitou a cabeça no ombro dele para descansar antes de achar coragem para seguir adiante mais uma vez.

O abraço dele a estreitava e preenchia. Seu perfume, candura e proximidade transbordavam no vazio. Uma perturbação sensual vibrava nessa conexão. Faltava-lhe a força de vontade necessária para rejeitar a vitalidade perigosa que ele incitava.

Foi tomada por essa vibração, que dava vida a partes do seu corpo que tinham acabado de morrer em agonia. Ela não se mexeu, ficou só absorvendo o calor, não se importando com o perigo que isso representava. Ele também não se mexeu. O silêncio do abraço foi ficando cada vez mais pesado. De uma forma não natural, ela ficou ciente de cada parte de seu corpo tocada por ele. Podia sentir o mesmo estado de alerta nele.

Pendeu a cabeça e olhou para cima. Hayden não olhava para ela, mas para o sótão. A expressão dele guardava a mesma austeridade contemplativa que já vira antes e seus olhos azuis tinham as luzes quentes que lhe davam a aparência tão rígida.

Ela interpretara erroneamente esse rosto no passado, porém não agora. Sua dureza continha uma fúria, mas não era raiva. Ele virou a cabeça e olhou para baixo, na direção dela, e a fonte desses sentimentos não poderia ser entendida de forma equivocada.

Ele acariciou o rosto dela, seus dedos tocando suavemente as lágrimas secas. A tentativa de acalmá-la fez com que o coração dela batesse mais forte. O mesmo se dava com o desejo expresso no abraço e nos olhos dele. Ela já não conseguia entender os motivos por que deveria rejeitar esse desejo. Tudo aquilo tinha se passado em outro mundo e em outra vida. Ela não podia suportar a ideia de perder esse calor que ele lhe dava e não queria enfrentar o frio duradouro que esperava a sensata Srta. Welbourne depois que passasse por aquela porta escura do sótão.

Não pensou. Seu espírito açoitado pela tristeza agarrou a oportunidade de afogar a verdade e preencher o vazio da decepção. Levou as mãos ao rosto dele.

Exceto pela forma como seu olhar se intensificou e uma dureza sensual que surgiu nos cantos de sua boca, de início ele mal reagiu.

Depois sua mão cobriu as dela e as espalmou contra sua pele, permitindo que seu calor fluísse para ela. Seus dedos fortes circundaram os dela e depois retiraram a mão feminina. Ele baixou a cabeça e beijou a palma e o pulso de Alexia.

Ela sentiu como se borboletas voassem do seu pulso até o coração, depois batessem asas por seu corpo todo. Fechou os olhos para saborear essa sensação tão agradável. Seu contraste com a solidão dormente a surpreendeu.

Ela abriu os olhos para encará-lo. Não deu atenção à advertência que seu coração sussurrava e não fez nada para ajudar Hayden a vencer a batalha interior que o via travar. Ela torcia para que ele perdesse. Queria que lorde Rothwell a beijasse e a enchesse de vida até que tremesse.

E ele beijou. Com cuidado de início e depois um pouco menos. Um fervor a tomou em forma de beijos desejosos de liberdade. A cada instante em que Alexia correspondia às carícias de Hayden, mais um grilhão era rompido.

O poder daquele beijo a deixou atônita. O frenesi penetrou seu sangue, impondo um ritmo acelerado a sua respiração. Uma excitação agradável a movia por dentro e por fora e ela se sentiu palpitar na pele e em sua essência, com cada arrepio mais forte que o anterior.

O abraço dele se afrouxou enquanto ele a deitava na tapeçaria. Com um só movimento, ele varreu as cartas para o lado, jogando-as atrás dos baús, ocultando-as e tirando a terrível descoberta da vista e do pensamento.

Tirou o casaco pesado e a beijou novamente. Envolveu-a e se deitou ao lado dela, tomando-a nos braços como era possível. Os beijos rapidamente mudaram ao se deitarem juntos à luz que penetrava pela pequena janela do lado norte. Ela se submeteu aos mesmos beijos íntimos e acalorados que experimentara no teatro, só que agora nenhum espanto inibia sua reação. Ele não precisava seduzi-la a uma paixão cada vez mais crescente. Um prazer incontrolável a dominara e ela jogara fora todo resquício de precaução e preocupação.

Ela amou cada momento. Amou a forma como as mãos dele começaram a se mover, tocando-a por baixo da roupa, com uma pegada firme, possessiva e dominadora. Uma deliciosa sensibilidade se acendeu na parte baixa do seu corpo, com uma comichão persistente criando uma necessidade física. Seus seios também o desejavam com ardor, tanto que as carícias dele, quando chegaram, não foram suficientes. Ela cravou os dedos em suas costas, segurando-o com força, vagamente ciente de que estava respondendo a seus beijos, completamente alerta para a forma como essa loucura deliciosa a fazia se mover e gemer.

De repente estavam sozinhos em uma febre caótica que obliterava o tempo e o espaço. O prazer governava seus atos e uma necessidade dolorosa e desesperada a empurrava para além da decência. Ela queria mais e nada além. Apenas mais. A palavra soou dentro dela, enquanto pedia, recebia e gemia.

Ele desabotoou o vestido dela, mas o espartilho permaneceu entre eles. Hayden murmurou um xingamento por causa da roupa íntima e acariciou o seio dela por cima do tecido. Seus dedos encontraram o mamilo e o pressionaram com mais força. Um arrepio lancinante a atingiu no centro do corpo e centelhas de excitação queimaram seu peito, fazendo-a perder o fôlego.

Ele retirou o braço dela do corpo dele e puxou a alça do espartilho para baixo até expor um seio.

Estar nua a excitou ainda mais. A forma como ele a olhou também. O toque masculino no cume escuro e protuberante a desarmou. O anseio doloroso e impaciente, profundo e baixo, ficou ainda mais intenso. Ele acariciou o seio e o mamilo com a palma da mão, excitando-a a ponto de fazê-la querer chorar.

Não havia descanso, só mais excitação. Um som repetitivo em sua cabeça e o desejo do homem que a guiava até a beira do abismo da paixão. A cabeça dele desceu, levando a língua ao mamilo de Alexia. As sensações se intensificaram de novo. Uma nova carícia, nas pernas dela, suspendia a saia em longos afagos, até que suas peles se tocaram.

Ela sabia para onde as carícias a estavam levando. Sim, mais. Até mesmo a excitação luxuriante em seu seio reverberava mais embaixo agora. A expectativa dela virou um frenesi.

Alexia estava certa de que não poderia ficar mais excitada do que já estava, mas cada novo toque provava quanto estava errada. Ele incitava uma vibração tão concentrada, tão insistente, que a fazia perder o controle. Estava diante da chance de sentir-se completa; rejeitá-la a enlouqueceria.

Mais. Ele se mexeu, afastando as pernas dela, ficando entre elas. Mais. Ele a beijou mais forte, silenciando os sons que ela não sabia estar fazendo até que os ouvia. Mais. Ela se agarrou nos ombros dele, mas ele se apoiou nos braços de forma que ela não pudesse conter seus movimentos. Mais. Levou a mão ao ponto entre as pernas dela e a afagou até que gemesse.

De repente, outro toque. Um que fez todo o seu corpo tremer. Uma rigidez que a completava e aliviava o desespero. Então ele empurrou, rompendo-a, fazendo-a perder o ar. A dor cortante afastou a sensação de euforia.

Toda a sua consciência voltou em um só instante. Consciência do teto do sótão e da luz da janela. Do homem em cima dela, do peso dele e da força dominando-a. Da plenitude, tão completa e espantosa. A queimação parou, mas ela pulsava lá, viva e sensível. Novos prazeres tremeram levemente, mas ela estava chocada demais para que eles aumentassem.

Ele se inclinou para beijá-la. Ela olhou seu rosto. Junto com uma expressão que era máscula, quente e dura, ela viu algo mais em seus olhos. Surpresa.

Ele se mexeu. O membro rígido deu uma última estocada, enchendo-a de um bálsamo que ao mesmo tempo a curava e prolongava sua dor. O atordoamento não voltou. Em vez de ficar perdida no clima de sensualidade, ela estava atenta demais, alerta demais, de forma incomum. Dele e da sensação dele dentro dela. Da vulnerabilidade dela. De uma intimidade tão invasiva que jamais poderia fugir dela.


O ofuscamento aos poucos diminuiu. A transcendência do gozo gradualmente o deixou.

Ele olhou para baixo, para a mulher sob ele. Alexia o abraçava meio sem jeito, enlaçando-o com um dos braços. O outro estava pousado no chão ao lado de seu corpo, em completo relaxamento, aprisionado pela alça do espartilho e por sua blusa. Ele se apoiou nos braços e mergulhou para beijar o seio exposto. Um belo seio, redondo e farto, feminino e macio. Um tremor a percorreu, lembrando a Hayden que ela não tinha ido até o fim no prazer.

A expressão dela continuava cheia da vulnerabilidade que ele vira ao entrar no sótão.

– Machuquei muito você?

– Não muito. Mas um pouco, sim. Estava pensando que a natureza não foi muito boa com as mulheres.

Ele quase riu, mas, em vez disso, saiu de dentro dela. Ela avaliou o gesto tendo uma ruga na testa, como se tentasse decidir se ele tinha feito bem ou mal.

Ele se afastou e arrumou suas roupas. Com um último beijo no belo seio, colocou a alça do espartilho de novo no lugar.

– Não é sempre tão injusto. Só na primeira vez.

Ela rolou para o lado a fim de que ele pudesse abotoar o vestido.

– Você pareceu surpreso quando... Você não achava que seria minha primeira vez, não é? Apesar do que lhe disse, você pensou que Ben e eu éramos amantes.

Ele desejava ardentemente poder dizer que tinha acreditado nisso. Seria uma desculpa. Ele queria ter uma. A única coisa que sentia agora era contentamento, mas a culpa estava à espreita. Uma estranheza já se insinuava entre eles.

– A surpresa que você viu foi espanto. Uma coisa é desejar uma mulher, outra é realizar a fantasia.

Alexia se ajoelhou logo que o vestido foi fechado, e ficou imóvel. Hayden acompanhou o olhar dela para ver o que a distraíra. Eram as cartas que cobriam o chão por trás dos baús.

– Vou guardá-las – disse ele.

– Obrigada, é muita gentileza de sua parte. Sua tia vai voltar em breve e eu não devo ficar mais aqui. Preciso me trocar e... Do jeito que estou, não vai ser segredo para a criadagem.

Enrubescendo, ela começou a se levantar. Ele a segurou pelo braço, detendo-a.

– Alexia...

Ela o olhou nos olhos.

– Não, por favor, não diga isso. Não diga nada. Por favor.

– Há muito a ser dito.

– Na verdade, não. Com certeza não agora e, talvez, se formos sensatos, nunca.

Ela retirou o braço e parou.

– Por favor, permita que eu mantenha a lembrança deste momento como quero que seja – pediu e olhou rapidamente para as cartas enquanto se virava para ir embora. – Como pode ver, sou muito boa nisso.


Ela estava deitada na cama, ouvindo o silêncio da noite, tentando se familiarizar consigo mesma.

Saíra daquele sótão uma mulher diferente. Via o mundo de outra maneira agora. Era uma visão mais verdadeira, suspeitava ela. A desilusão com Ben fora responsável em parte por isso, mas o restante – o abandono, a intimidade e o prazer estonteante –, essas experiências davam uma sabedoria especial à mulher.

Não se culpava nem lamentava pela inocência perdida. Não se arrependia de ter feito o que fizera. Era difícil de admitir, mas assim evitava a necessidade de recriminações dramáticas. Também permitia que enfrentasse honestamente as implicações do que acontecera. Agora era o orgulho, e não medo, que exigia que ela deixasse aquela casa.

A sombra do chapéu pairava em sua escrivaninha. A noite e a musselina obscureciam os detalhes, mas ela visualizou a peça em sua mente. Não deixaria de tentar vendê-la, nem alteraria qualquer outro plano. O que acontecera com Hayden não a tiraria do caminho que escolhera. Suas decisões eram as mais acertadas e Alexia deveria pô-las em prática rapidamente se quisesse controlar essa lembrança.

Ela fechou os olhos, na esperança de dormir. Porém sua mente se acendeu e se voltou para o seu corpo. Ela o sentiu. O machucado doía levemente, como se ele ainda a estivesse preenchendo. A presença dele continuava a invadir sua mente.

Uma saudade insistia em fluir para o seu coração. Ela permitiria que essa nostalgia encontrasse um lugar para ficar. Seria desonesto construir uma lembrança cheia de pecado e culpa, no fim das contas. Ela tinha aproveitado o momento demais para isso.

 


CONTINUA