Biblio VT
A lei dizia que eu era uma fugitiva.
Eu preferia o termo sobrevivente.
Depois de ser quebrada e emocionalmente torturada por quinze anos, eu fiz uma escolha para mudar o caminho em que a minha vida estava.
Isso me deixou sozinha, sem lar e com medo, mas viva.
As ruas foram onde eu encontrei minha família. Um grupo de crianças como eu que a sociedade não conseguiu proteger.
Nós não éramos mais adolescentes - éramos uma estatística, um incômodo, a porcaria na sola do sapato da cidade.
Quando ele apareceu naquela noite, nunca esperei sentir as coisas que senti.
Ele foi honesto e protetor e viu diretamente o exterior endurecido que eu havia criado.
Ele me fez querer lutar por algo melhor.
Eu poderia correr, voltar para a rua e continuar arriscando a vida só para viver.
Mas agora, que me estava sendo oferecido algo mais, eu não tinha certeza se poderia voltar sem pelo menos um gostinho de como era.
Nós viemos de dois mundos completamente diferentes, mas eles estavam prestes a colidir. E eu estava prestes a aprender que talvez a grama realmente não fosse muito mais verde do outro lado.
PRÓLOGO
Eu não tenho certeza no que Deus estava pensando no dia em que ele decidiu me colocar dentro da barriga da minha mãe. Talvez ele estivesse tendo um dia realmente ruim? Talvez alguém tivesse participado de algum sexo antes do casamento, ou talvez ele só quisesse ser um idiota? Porque decidir que eu seria a única que iria crescer com Allison e Greg Campbell como pais era uma decisão que eu nunca, jamais, o perdoaria.
Crescer para mim foi duro na maior parte do tempo. Eu vi meu pai espancar minha mãe diariamente, e assisti minha mãe agir como se merecesse isso. Ele usava qualquer coisa que conseguisse pegar em suas mãos, ou que estivesse ao seu alcance, por exemplo, seu cinto, uma lâmpada, o controle remoto da televisão e eu não poderia culpá-lo por sua criatividade. Eu gostaria de poder culpar o álcool ou as drogas, mas a realidade mostrava que ele era apenas um filho da puta poderoso. Meu pai era um homem importante. Ele fez muito pela cidade e pela câmara municipal, emitindo licenças para construções e examinando problemas. Ele também era responsável em decidir sobre o que precisava ser demolido e quando isso aconteceria. O poder subiu à cabeça dele, a um nível que envolveu a degradação e destruição de sua própria esposa e filha.
Na maior parte do tempo, ele me deixava em paz. Com isso, eu quero dizer que ele ainda tentava levantar a mão para mim de vez em quando. Meu pai impôs seu abuso de muitas outras formas. Ele nunca comprava comida para nós até que precisasse de alguma coisa, então dava à minha mãe uma pequena quantia de dinheiro para ir ao mercado. Por sorte, sempre frequentei escolas que ofereciam refeições, mas essa era a única coisa que eu comia durante dias. Eu não podia nem contar a quantidade de vezes que ele me trancou no quarto, nem mesmo me permitindo usar o banheiro e, em vez disso, apenas me deixando com um balde. Na maioria dos dias, eu era negligenciada e tratada pior do que um animal doméstico.
Minha mãe tomou cada surra como a esposa submissa que era. Sempre aceitando que estava errada e curvando-se para aquele homem que, aos seus olhos, a possuía. Eu acho que deveria agradecer-lhe de alguma maneira. Ela me mostrou características de uma mulher que eu nunca quereria ser quando crescesse. Um homem nunca iria me fazer sentir inferior, nem jamais tocaria em mim sem o desejo de morrer.
Fiquei com essas palavras por alguns meses antes do meu décimo quinto aniversário, até que Greg Campbell decidiu que eu deveria aceitar alguma responsabilidade pela insolência da minha mãe. Eu tinha certeza de que seria a última coisa que ele faria, e a melhor coisa que já fiz.
— Venha cá, sua pirralha, — meu pai gritou para mim da sala. Eu sabia que alguma merda estava prestes a explodir. Preparei-me para isso e me convenci de que no segundo em que ele me tocasse, seria o fim de sua vida. Minha mãe podia aguentar sua porcaria, ser mandada para a merda todos os dias, mas como o inferno eu ia ficar esperando que ele me espancasse.
— Keira! — Ele gritou novamente. Abri a gaveta da cozinha silenciosamente, encontrei uma grande faca de açougueiro e a tirei. Mudei de uma mão para outra, sentindo seu peso pressionar na palma da minha mão. Foi uma sensação boa, uma sensação de poder e força. A superfície era brilhante e eu quase podia ver meu reflexo perfeitamente em sua lâmina. E por um momento, me perguntei como ficaria manchada com o sangue do meu pai. Coloquei na parte de trás do meu jeans, não querendo uma facada na minha bunda se por algum motivo o babaca me pegasse de surpresa. Tomei duas respirações profundas e instáveis antes de reunir coragem suficiente para entrar na cova dos leões.
A primeira coisa que notei foi minha mãe enrolada em posição fetal no canto da sala. Suas pernas estavam dobradas firmemente contra o peito, as mãos ensopadas com sangue e pressionadas ao lado de sua cabeça. Minha raiva aumentou rapidamente, e tive que acalmar meu desejo de desembainhar minha faca e correr para meu pai em uma fúria cheia de vingança.
— Sua mãe pegou algum dinheiro da minha carteira, disse que era porque precisávamos de comida para alimentar você, — ele disse estranhamente calmo, enquanto sua bunda gorda tentava sair do nosso velho sofá. — Você acha que está certo? Ela pegar meu dinheiro?
Eu não respondi, mesmo quando ele ergueu as sobrancelhas, praticamente me convidando a responder, para então ter uma razão para atacar. Eu permaneci calmamente na entrada entre nossa cozinha e sala de estar. Minha mão coçou para pegar a faca. Era como assistir a um velho faroeste, nós dois encarando um ao outro, esperando que o outro desse o primeiro passo. Eu sabia que não demoraria muito, porém, meu pai odiava ser ignorado tanto quanto odiava insolência.
— Responda-me, Keira, — ele rosnou, dando alguns passos mais perto. Foi o tapa no rosto que me pegou de surpresa, seguido de perto pelo grito de minha mãe. Fiquei atordoada por um momento, tendo que segurar a porta para me equilibrar. Dor irradiava através do meu queixo e lágrimas queimavam nos meus olhos. Eu podia sentir seu hálito quente enquanto ele estava em cima de mim, me provocando, tentando me mostrar quem mandava. Eu me segurei com uma mão e empurrei meus ombros para trás, ousando olhar nos olhos dele. Seus olhos escuros ardiam de raiva.
— Merdinha patética, — ele gritou para mim. Minha mão livre alcançou atrás do cós do meu jeans, e eu agarrei o cabo da faca com força. — Assim como a puta da sua mãe! — Eu o vi puxar o punho para trás e de repente tudo ficou em câmera lenta. Eu podia sentir a mudança no ar e um alto sentimento de satisfação, sabendo que meu mundo estava prestes a ser jogado em um rumo diferente.
Antes que ele pudesse lançar seu punho para frente, eu puxei a faca e a forcei com toda a força do meu pequeno corpo no meio do peito do meu pai. Eu empurrei com cada grama de força, sabendo que eu só tinha uma tentativa nisso, uma única chance e eu estava determinada a fazer valer a pena. Meus braços queimavam com a força e meus pulmões imploravam por respirar, quando percebi que estava gritando como uma guerreira enlouquecida correndo pelo campo de batalha. Um golpe no lado da minha cabeça finalmente me fez soltar minha arma e me lançou no chão da sala. Meus ouvidos estavam zunindo, e minha respiração estava irregular, mas olhei para cima a tempo, para ver meu pai tropeçar para trás e cair com um solavanco no espaço dele no sofá. Seus olhos se arregalaram em choque com o objeto estranho que agora se projetava logo acima do umbigo. Você não podia nem ver a lâmina, ela tinha entrado por todo o caminho do peito até o fim. Por um momento, fiquei completamente atordoada, sem perceber que tinha tanta força, mas eles dizem que a adrenalina permitia que as pessoas fizessem coisas super-humanas.
Então, meu pai xingou. — S... sua puta do c... caralho!
Saltando com a força de sua raiva, eu corri pela sala. O sangue foi se amontoando ao redor da faca, encharcando sua camiseta quase branca de um vermelho brilhante doentio. Ele apenas ficou lá, olhando para o cabo preto da faca, suas mãos trêmulas emoldurando-a como se ele não tivesse certeza se deveria deixá-la lá ou puxá-la para fora.
Eu podia ouvir a voz da minha mãe, frenética e instável. Ela tropeçou na sala indo para o corredor, com o celular pressionado ao ouvido e lágrimas escorrendo por suas bochechas.
— Ele foi esfaqueado... Seu estômago... Por favor! — Ela chorou ao telefone antes de passar o endereço da casa. Percebi então que ela estava chamando uma ambulância para ele.
— Não... — Eu tropecei enquanto tentava me arrastar pelo chão, queimando meus joelhos no tapete gasto e agarrando seu vestido —... deixe-o morrer, — implorei. Agarrando seus ombros quando finalmente encontrei o meu equilíbrio precário, eu a sacudi asperamente.
Ela nem sequer olhou para mim, continuou a soluçar com seu celular. Não!
Eles não podiam salvá-lo.
Se eles o salvassem, então não haveria justiça feita.
Ele precisava que sua vida fosse arrancada dele, assim como fizera com a minha e como fizera com a da minha mãe. Olhei ao redor freneticamente antes de finalmente decidir sobre um plano de ação que não permitiria mais que este homem destruísse nossas vidas. Endireitei os ombros, caminhei com força e propósito para a cozinha, abrindo as gavetas em busca de outra grande faca. A essa altura, eu podia ouvir os sons de sirenes fazendo barulho à distância, cada vez mais próximo a cada segundo. Procurando encontrei a próxima melhor coisa, uma faca de cabo preto com borda serrilhada. Não era tão grande e nem tão pesada, mas eu estava ficando sem tempo.
Meus passos eram nítidos e sólidos quando voltei para ficar diante de meu pai. Seus olhos estavam começando a ficar vidrados, e eu sabia que era uma questão de minutos para ele desmaiar completamente.
— Eu te odeio, — eu disse a ele sombriamente. — Você fez de sua missão tornar a minha vida e a da minha mãe um inferno. Mas o engraçado é que agora você é quem vai se esconder do diabo. Apodreça no inferno. — Eu levantei a faca, pronta para empurrá-la através de seu baixo ventre. Infelizmente, mais uma vez Deus me jogou outro grande ‘dane-se’ enquanto fui derrubada no chão. A faca foi arrancada da minha mão, e meus braços foram dobrados duramente para trás das minhas costas, fazendo com que um grito de dor escapasse da minha boca. Senti o aço frio das algemas envolvendo meus pulsos quando olhei para cima e vi uma multidão de paramédicos trabalhando no corpo inconsciente de meu pai.
A atenção de minha mãe estava concentrada em meu pai quando fui levada por vários policiais pela porta da frente. Eu me perguntei por que ela estava chorando. Por que ela apenas não me deixou matá-lo para termos uma vida melhor? Eu sabia que minha vida estava prestes a mudar drasticamente, e quando me sentei no banco de trás do carro da polícia, sorri, sabendo que não importava o que fosse, era para melhor.
CAPÍTULO UM
Os sons dos meus patins deslizando contra o concreto da calçada eram um zumbido constante. Mesmo enquanto eu movia meu corpo, passando pelos estranhos que passavam pelas movimentadas ruas da cidade, o som continuava o mesmo. Uma abertura na calçada paralisou o barulho momentaneamente, mas, assim que continuei, o mesmo zumbido que ouvia todos os dias enquanto seguia pelas ruas, continuou.
Essa era a minha vida.
Eu vivia em um zumbido constante.
Dobrei uma esquina, desviando para não esbarrarem em um homem de negócios que estava com a cabeça baixa. Ele digitava furiosamente, seus dedos batendo a uma velocidade ridícula contra a tela touch screen1 de seu celular, nunca parando para olhar para cima quando passei por ele e nossos ombros roçaram um no outro.
Enquanto eu continuava pela rua lateral, discuti comigo mesma se deveria voltar. Homens como ele eram a razão pela qual, algumas pessoas como eu sobreviviam a outro dia. Eles estavam alheios ao mundo ao seu redor, indiferentes a qualquer um, exceto por si mesmos e onde precisavam estar ou o que comprar para o almoço.
Eu, por outro lado, tinha pessoas que confiavam em mim, sem nenhum lugar para estar, e as chances de comer em qualquer dia eram sempre quase nulas. Dando uma rápida olhada por cima do meu ombro, notei que o homem estava agora do outro lado da rua e desaparecendo em um grande prédio de escritórios. Minha chance se foi, mas fiz uma anotação mental do tempo, suspeitando que talvez esse caminho fosse apenas uma parte de seu trajeto regular para o trabalho, e eu posso ter uma chance outro dia.
Aumentei minha velocidade, me empurrando mais rápido. As pessoas nunca saíam do meu caminho. Isso não me surpreendeu, no entanto. Eles achavam que eram melhores que eu, achavam que eu não tinha o direito de estar nesta rua com eles. Eles estavam correndo para trabalhos de alto nível com suas bolsas Gucci e ternos de negócios como advogados, contadores, assistentes pessoais, médicos - eram tantas possibilidades.
E o que eu era? Eu era uma fedelha da Bayward Street2.
Eu roubei, enganei, e às vezes encontrei comida na parte de trás das lojas dentro de lixeiras. Mas ninguém nunca ia me dizer onde eu poderia ou não andar, porque era um ser humano. E eu posso viver nas ruas, mas ainda era uma pessoa, e isso me dava o direito de caminhar ou passear onde quer que deseje, assim como eles.
Eu tinha acumulado um leve suor quando cheguei ao meu destino. Enquanto as gotas escorriam no meu couro cabeludo, era um lembrete agradável de que eu consegui sobreviver a outro inverno.
Embora a Califórnia raramente atinja temperatura negativa, quando você está fora constantemente na chuva e no ar frio, ainda pode ser mortal. É tão fácil esquecer que ter uma casa aquecida significa que, quando você tem que sair e enfrentar o tempo, ela ainda estará quente e esperando por você. Era um santuário longe das intempéries. Mas quando a sua casa era as ruas, não havia santuário. Você fazia o que podia para se manter aquecida, e esperava como o inferno que quando fosse dormir naquela noite você acordasse na manhã seguinte.
— Sr. Song, é tão bom te ver, — sorri enquanto paro do lado de fora do pequeno negócio de lavanderia.
Ele usou o dedo indicador para empurrar os óculos para cima da ponta do nariz antes de me receber com um largo sorriso. — Fable! Que bom ver você.
Quando minha vida nas ruas começou, o Sr. Song foi uma das primeiras pessoas a falar comigo como se eu não fosse apenas um chiclete na sola de um sapato. Enquanto eu me sentava na calçada, segurando meu cartaz de papelão, ele se agachou ao meu lado e simplesmente disse: — Ninguém lhe dá dinheiro porque você está suja e fedorenta. Venha, eu ajudo.
Layla, minha melhor amiga e companheira, sempre me disse para não confiar em nenhum homem que se oferecesse para me levar a algum lugar e me ajudar. Mas vi algo diferente nos olhos do sr. Song, diferente do que vi nos olhos das pessoas que passaram por mim na rua.
Compaixão.
A lavanderia do Sr. Song era um negócio pequeno, mas movimentado. O que ele me ofereceu naquele dia foi uma troca. Eu trabalharia por algumas horas em sua loja uma vez por semana, e ele me permitiria lavar e secar minhas roupas, além de tomar um banho. Na época, eu sentia que roupas limpas eram a menor das minhas preocupações, o resmungo do meu estômago vazio dominando todos os meus outros sentidos me incomodava muito mais.
Mas ele explicou: — Garota com roupas sujas e cabelo sujo, parece uma viciada em drogas. Garota que se veste bem e cheira bem, parece uma garota que só precisa de uma ajudinha.
Suas palavras faziam sentido. As pessoas julgavam os outros diariamente por sua aparência.
Como você se apresenta pode ser a diferença entre conseguir o emprego para o qual você se candidatou ou não, ou conseguir um encontro com a mulher que você deseje.
As ruas não eram diferentes. As pessoas ainda nos julgavam pelo jeito que parecíamos, apenas por diferentes razões. Quantas vezes as pessoas andavam pelas ruas e viam um morador de rua com suas roupas esfarrapadas, descabelados, e pensavam: — eles usariam o dinheiro só para comprar drogas ou álcool.
Eu aprendi muito rápido que cuidar de mim significava talvez sobreviver outro dia.
Sr. Song me convidou para entrar, e eu fiz um rápido trabalho de retirar e jogar as roupas da minha mochila em uma máquina de lavar vazia, antes de subir as escadas para o pequeno apartamento em que ele morava e entrar para tomar um banho quente. Era provavelmente o único que eu teria em toda a semana, então fiz valer á pena. Lavando a sujeira dos últimos sete dias, e deliciando-me em vê-la escorrer pelo ralo aos meus pés. Lavei e enxuguei o cabelo antes de ir lá para baixo e trocar as minhas roupas agora limpas em uma secadora.
Ouvindo a campainha da porta, indicando que um cliente havia entrado me aventurei, agora renovada e pronta. Era estranho que as pessoas entrassem na loja e falassem comigo como se eu fosse apenas outra pessoa. Isso me deu um sentimento de nostalgia de saber que eles não tinham ideia de que, depois das próximas horas, eu voltaria para a pequena barraca na Bayward Street que chamava de casa. Sabendo que eles poderiam muito bem passar por mim na rua no dia seguinte e olhar para o lado oposto, me colocando no rótulo de — apenas outro adolescente que tinha fugido de casa e agora não conseguia se sustentar. — Eles olhavam para o outro lado ou atravessavam a rua, de modo que não precisavam fazer contato visual ou fingir que me ignoravam enquanto implorava por mudança.
Não. Naquele momento, para eles, eu era uma garotinha com um emprego, ajudando-os a limpar manchas de vinho de suas camisas ou manchas de vômito dos seus lençóis porque seu filho estivera doente na noite anterior.
Eu era outra pessoa.
E foi bom ser essa pessoa, mesmo que apenas por um momento.
Era quase hora do almoço quando o Sr. Song me espantou de sua loja com duas maçãs e um sanduíche de manteiga de amendoim. Agradeci graciosamente a ele e suspirei de alívio enquanto patinava para longe, colocando a comida na minha bolsa, embora meu corpo ansiasse para entrar em um beco onde ninguém pudesse me ver e zombar de tudo. Eu não tinha comido nada desde a manhã de ontem, quando alguns caras acidentalmente tinham deixado cair no chão uma garrafa de água e uma pizza enquanto filmavam sua boa ação em uma câmera.
Isso me deixou envergonhada e também um pouco irritada por estarmos sendo usados para validar sua contribuição para a sociedade. Apenas para que eles pudessem ir para casa e fazer o upload3 para a Internet mostrando a todos como eles haviam enfrentado as humildes profundezas da pobreza, e estavam salvando o mundo com uma pizza de cada vez. Eu queria desesperadamente dizer-lhes para enfiar sua maldita pizza no rabo, e voltar quando suas intenções fossem puras e de coração, não apenas porque eles queriam um milhão de acessos no YouTube4.
Mas se viver nas ruas me ensinou uma coisa, foi que às vezes precisávamos engolir nosso orgulho e aceitar a ajuda que as pessoas ofereciam, fosse genuína ou não. Você não sobrevivia aqui sendo teimoso.
E essencialmente, a sobrevivência era nosso principal objetivo.
CAPÍTULO DOIS
Meu corpo sentiu paz quando patinei até parar no final da rua que chamávamos de lar. Bayward era uma rua sem saída, onde uma parte de uma nova rodovia havia sido construída há alguns anos atrás. Vivíamos embaixo dela, no que eu descreveria como uma pequena comunidade.
Dez barracas agrupadas em um círculo apertado. Alguns blocos quebrados e troncos cercavam um velho tambor que usamos para fazer fogo quando o tempo estava mais frio. Havia uma cerca alta de arame que era uma triste tentativa de manter as pessoas fora da estrada, mas isso nunca nos impediu. Porém essa cerca nos protegeu de qualquer um que poderia passar por aqui e pensar que nós seríamos alvos fáceis.
Nós não estávamos alheios ao fato de que os adolescentes que viviam nas ruas desapareciam todos os dias. Os predadores sabiam que ninguém se importaria se desaparecessem. Poderíamos relatar tudo o que desejássemos, mas, na maior parte, a polícia achava que tinham coisas melhores a fazer do que procurar na cidade por um adolescente indigente que passava o tempo causando mais problemas para a sociedade do que valiam.
Eu me abaixei para passar através do buraco discreto na cerca antes de cobri-lo de volta e atravessar o terreno acidentado sob meus patins para a minha casa.
— Querida, estou em casa, — eu chamei, deslizando pela abertura entre as duas barracas.
Layla estava sentada em um dos assentos improvisados e se virou para mim, seu rosto se iluminando quando ela me viu. — Como foi o Sr. Song hoje?
Rindo, sentei-me ao lado dela, jogando minha bolsa no chão ao meu lado e começando a remover meus patins. Eles eram meu tesouro. Locomover-se pela cidade ficava muito mais fácil quando você tinha rodas e não precisava usar seus pés.
— O mesmo velho Sr. Song.
Ela sorriu e assentiu como se soubesse exatamente o que eu queria dizer. — Kyle e Lee saíram cerca de cinco minutos atrás, você os viu?
Eu balancei a cabeça. — Onde eles estavam indo?
— Fazer a viagem pela cidade para conversar com o tio deles.
Peguei as duas maçãs da minha bolsa e joguei uma para ela. Ela pegou facilmente, seus olhos tristes brilhando enquanto ela olhava para a comida. Ela me deu um rápido agradecimento e deu uma grande mordida, deixando o suco escorrer de seu queixo.
— Eles vão vê-lo novamente? — Eu perguntei curiosamente antes de morder a minha própria maçã com os dentes.
— Eles vão fazer dezoito anos no próximo mês, — ela murmurou em torno de uma boca cheia de fruta. Layla era linda, mesmo com pequenos pedaços de saliva e comida saindo de seus lábios. Seu cabelo loiro caía em ondas sobre os ombros, e seus olhos azuis eram da cor do céu no mais claro dos dias. — Eles acham que ele pode ser capaz de dar-lhes um trabalho, assim que forem maiores de idade para trabalharem atrás do balcão.
Kyle e Lee eram gêmeos idênticos. Seus pais os expulsaram por volta dos 14 anos quando Lee finalmente saiu do armário e se assumiu gay. Kyle era hetero, mas apoiava o modo de vida de seu irmão. Portanto, seus pais também lhe deram o chute. Apesar de que ele jamais teria ficado lá sem Lee, eles eram inseparáveis e odiavam ficar longe um do outro por mais de um dia ou dois.
Enquanto a maioria das pessoas ficaria chocada e surpresa que um pai pudesse empurrar seus filhos para as ruas, não se importando se eles não tivessem um teto sobre sua cabeça e comida em seus estômagos, essa história era uma que todos nós conhecíamos bem.
As pessoas muitas vezes nos desprezavam, pensando que éramos rebeldes e violadores de regras. Mas a realidade era que as ruas nos fizeram assim. Não foi em um dia que nos cansamos de nossos pais e decidimos que seria melhor vivermos nas ruas, implorando por nossa próxima refeição.
Nós queríamos um lar, e precisávamos desesperadamente de alguém que se preocupasse conosco, nos oferecesse segurança e amor, e algum tipo de confiança. Coisas que nunca recebemos de nossas famílias verdadeiras, mas que encontramos aqui, em um buraco escuro e sujo em uma rua da cidade com pessoas que não tinham nada para dar além de seus corações.
— Fable! — Um braço pesado cobriu meus ombros e me puxou para um abraço. Meu corpo se inclinou para Eazy, me sentindo confortável em seus braços. Para dezesseis anos o garoto era grande, apesar de eu ter observado seus músculos e peso se deteriorarem desde que ele estava aqui. Mas ele ainda me fazia sentir segura. — Oi, Eazy.
— Layla disse que estava ansiosa para ir à estação de metrô mais tarde hoje à noite. Você quer vir?
Oferecendo metade da minha maçã a Eazy, ele sorriu com gratidão. — Sim, eu vou. Você acha que Kyle e Lee voltarão a tempo?
Layla encolheu os ombros. — É uma caminhada até ao outro lado da cidade onde o clube de seu tio está localizado. Vai levar umas boas horas para chegar lá e voltar. Eu tenho certeza de que ficaremos bem em ir sem eles.
Layla era incrível no violão, ela tocava com o coração e paixão. Era a única coisa que ela nunca deixaria ser afetada por sua vida na rua, seu amor pela música.
O nervoso se instalou no meu estômago. Eu odiava ir às estações de metrô à noite sem um grupo sólido de nós. Mas era uma das maneiras que fazíamos dinheiro para nos ajudar a sobreviver. E sexta à noite era o melhor momento. Haviam pessoas deixando a cidade depois da noite de sexta-feira para beber com seus companheiros de negócios, ou pessoas indo para o centro da cidade para ver as luzes ou ir nas casas noturnas. E o álcool tornava as pessoas mais generosas com seu dinheiro, mas também as tornava muito mais imprevisíveis.
— Nós vamos ficar bem, Fay. Podemos levar Andre e Coop.— Eazy me deu outro aperto antes de jogar o caroço da maçã comida no tambor de fogo. — Vai ficar tudo bem.
Eu não pude deixar de retribuir seu sorriso quando ele me presenteou com um sorriso de menino. Mesmo que ele só estivesse conosco há alguns meses, imediatamente se tornou alguém em quem eu podia confiar.
Nós ficamos para o resto do dia, ouvindo Layla tilintar em seu violão enquanto outra de nossas amigas, Daisy, ficava tocando melodias doces em seu violino. Assim como Layla, Daisy alimentava-se de música e às vezes eu me perguntava se era a única coisa que a mantinha sã.
À medida que a noite se aproximava, eu esperava que Kyle voltasse a tempo de fazer a viagem conosco até à estação. Kyle era aquele com quem eu me sentia mais segura, ele era forte e inteligente, sempre ficava com seus olhos observando. Enquanto eu não estava com medo de dar um soco ou lutar por mim mesma se fosse provocada, não era ingênua o suficiente para pensar que não havia homens lá fora que fossem muito mais fortes que eu. E se esse fosse o caso e eu fosse pega sozinha, odiava pensar no que poderia acontecer.
Viajaríamos juntos, mas nos dividiríamos em vários pontos para atingir diferentes grupos de pessoas. A maneira como trabalhávamos era estratégica e bem planejada. Precisava ser. As ruas da cidade e do metrô eram perigosas em um bom dia, mas à noite podiam ser mortais.
Encontrei o meu par de jeans escuro favorito e vesti. Infelizmente para mim, eles tinham acabado de ser lavados e secos naquele dia, então colocá-los significava que eu lutaria com eles por dez minutos enquanto tentava arrastá-los pelas minhas pernas, o tecido agarrado a mim pelo resto da vida, mesmo com a alta quantidade de stretch5 que eles tinham.
— Você deveria seriamente apenas comprar um jeans novo, — Layla comentou, olhando divertida enquanto eu estava deitada no chão da minha barraca, tentando murchar minha barriga e forçar os botões juntos. Era uma forma de arte.
— Sim, talvez seja hora de fazer compras em um varal no quintal.— Eu balancei a cabeça em concordância enquanto me levantava do chão e saía.
Layla bateu palmas. — Oh, eu amo essa loja, eles têm tantas opções de escolha.
Eu ofeguei zombeteiramente. — E é bem em nossa faixa de preço.
Nós duas rimos quando eu prendi meu braço ao dela e puxei-a para a cerca onde os meninos e Daisy estavam esperando.
Roubar era uma parte muito real de como sobrevivemos. Roupas que as pessoas tinham pendurado para secar. Um saco ou uma bolsa que alguém não estava de olho. Às vezes, até dinheiro ou carteiras saíam do bolso de alguém. Bater carteiras não era o meu forte, mas algumas das outras crianças aqui tinham essa boa arte.
Todos nós arriscamos muito por roubar pessoas. Ser apanhado significava possivelmente ser preso e ficar um tempo afastado, alguns de nós já sofreram com essa punição e não estávamos prontos para voltar. Todos nós preferíamos ter um emprego e ganhar dinheiro dessa maneira, e não era por falta de tentativa. Mas até agora a maioria das pessoas estava relutante em nos contratar, a maioria de nós tinha algum tipo de registro criminal e alguns estavam se escondendo, então ter um emprego significava que seria fácil para as pessoas nos localizarem.
O pensamento me fez estremecer. Voltar aos meus pais seria uma sentença de morte. Meu pai havia sobrevivido à minha tentativa de esfaqueamento e ele estava sedento de sangue, meu sangue.
E eu prefiro arriscar minha vida nessas ruas a dar-lhe a satisfação de ser ele a acabar com a minha vida.
CAPÍTULO TRÊS
Mesmo à noite as ruas estavam ocupadas, movimentadas como se fosse dia.
As pessoas nos evitavam como a peste quando seis de nós passeávamos pela rua rindo e empurrando uns aos outros. Agindo como um grupo de adolescentes normais durante uma noite fora. Ou pelo menos foi o que eu pensei que seria. Nunca tive a oportunidade de ser uma adolescente normal.
Meu pai nunca me deixou sair de casa a menos que fosse para a escola. E a situação em que eu estava agora era realmente tudo menos normal.
Paramos na escada mais próxima que levava aos trilhos.
Algumas das estações tinham portas gradeadas, fazendo com que você tivesse que empurrar e depois passar o bilhete de metrô. Mas havia algumas estações, como esta, que tinham apenas uma única barra do outro lado e que chegavam até à cintura. O que significava que poderíamos pular facilmente.
Ficamos atentos, precisando cronometrar nossa abordagem perfeitamente. Precisava haver um trem na plataforma quando saltássemos, para que pudéssemos correr direto para ele e esperar que chegássemos a tempo antes que as portas se fechassem. Às vezes havia segurança na plataforma ou nos portões, e assim que eles nos viam, era o fim, por isso tinha que ser perfeito.
Senti o ruído de um trem abaixo dos meus pés e respirei fundo. — Vamos! — Descendo as escadas de dois em dois, os passos dos meus amigos ecoaram no espaço de concreto quando eles me seguiram para baixo. Meus olhos olhavam em volta enquanto eu corria em direção às barras de entrada, não encontrando ninguém, mas não querendo esperar para descobrir.
Pulei sobre a barra de metal fino assim que o trem à minha frente parou e as portas se abriram lentamente. Meus amigos foram rápidos, mesmo com Eazy tendo que levantar Daisy por cima da barra antes de jogar seu próprio corpo.
Mergulhei através das portas do trem e, um após outro, eles me seguiram para dentro, Eazy se espremeu quando as portas começaram a fechar. O vagão em que entramos estava bem vazio, mas algumas pessoas ainda nos olhavam cautelosamente. Eu simplesmente sorri e acenei para eles com entusiasmo, e eles rapidamente desviaram o olhar. — Em qual parada vamos sair? — Daisy perguntou, ainda respirando pesadamente.
— O mais perto possível do centro da cidade. Andre e Coop podem sair com você, e podemos continuar na próxima estação. Eu sabia que Andre e Coop eram capazes de se defender contra qualquer problema, embora fossem menores que Eazy. Eles pareciam mais velhos do que muitos de nós, o que geralmente era o suficiente para impedir qualquer idiota de pensar que poderiam se meter com um bando de garotos. Especialmente quando Daisy se parece com uma bonequinha de porcelana, com seus cabelos escuros e pele branca pálida, e o fato de ela ter um metro e meio de nada.
Dez minutos e uma dança improvisada de Layla de Pole Dance6 depois, Daisy e os meninos saíram. Mais pessoas subiram no trem na estação, e isso me deu esperança de que esta noite pudesse ser uma boa noite.
Como se na insinuação, meu estômago resmungou com raiva. Nem Eazy nem Layla notaram, sem dúvida os seus estavam fazendo exatamente a mesma coisa. Uma coisa que todos nós sabíamos, porém, era que, não importa o quê, nós encontraríamos um jeito de passar outro dia. Juntos.
Saímos na estação seguinte e preparamos tudo.
Layla colocou o moletom grosso no chão de concreto frio e colocou o estojo de violão antes de se sentar e pegar as cordas em silêncio.
Sentei-me a alguns metros de distância em cima da minha mochila, e Eazy sentou-se em outro lugar mais adiante num banco, parecendo que ele era apenas outro cara esperando por um trem. Descobrimos que as pessoas eram mais propensas a dar dinheiro para garotas do que para garotos. Nós éramos mais acessíveis e mais capazes de puxar as cordas do coração. Os meninos não gostavam de admitir que estivessem com dificuldades.
E eu era uma daquelas crianças.
Estávamos certos em aproveitar essa noite de sexta-feira. Enquanto Layla enchia a estação com o belo som de seu violão e voz, as pessoas ficavam encantadas com os doces sons melódicos que vinham dela, e o modo como seus dedos se moviam tão facilmente sobre as cordas de seu instrumento. A garota tinha um grande talento.
O fluxo de pessoas estava ainda maior do que o habitual. Nós ouvimos comentários sobre Twisted Transistor7, uma banda de rock internacionalmente conhecida fazendo um show não muito longe da estação em que estávamos. Se você não sabia quem eles eram, estava vivendo debaixo de uma pedra, uma grande e enorme pedra. Eles estavam em toda parte, especialmente quando o seu líder Ryder Oakley ficou com uma princesa do clube de motoqueiro. Quando essa notícia vazou, o mesmo aconteceu com corações em todo o mundo.
Para nossa sorte, o show funcionou a nosso favor, porque as pessoas eram em sua maioria jovens e empolgados para o show, e ver Layla tocando seu violão ajudou a elevar sua excitação. Eu assisti com espanto como eles ficaram em torno de Layla, pedindo músicas e cantando junto com ela enquanto jogavam dinheiro no estojo de seu violão.
Eazy se aproximou um pouco mais, se colocando na multidão de jovens, então Layla estava ao alcance. Muitas dessas crianças já estavam bêbadas e, enquanto estavam sendo generosas com a mudança de músicas, alguns começaram a ficar um pouco exaltados.
Após cerca de vinte minutos, percebi que Layla estava começando a se desgastar e precisava dar um tempo. Mas os fãs entusiasmados pediram para ela continuar tocando. Eazy chamou minha atenção e nós dois começamos a empurrar através da multidão que havia se reunido.
— Desculpe, pessoal, precisamos de um pequeno intervalo, — eu falei enquanto eles pediam para ela tocar algo da banda favorita deles. A maioria gemeu e se afastou, subindo as escadas com suas vozes excitadas vibrando nas paredes enquanto se preparavam para o que, eu não duvido, seria um show incrível.
— Vamos lá, eu te dei dinheiro, eu quero um show— um cara falou enrolado. Ele estava usando uma camiseta da Twisted Transistor, mas com o quão bêbado ele estava, eu quase podia garantir que o segurança na porta não ia deixar ele ou seus amigos entrarem.
Eazy deu um passo à frente de Layla, cruzando os braços sobre o peito. — Você tem um show, agora se manda.
Um cara atrás deles tirou uma nota de cinqüenta dólares e acenou no ar. Meus olhos se arregalaram. — O quanto você quer esse dinheiro? — Ele provocou seu corpo balançando levemente.
Os outros riram, mas Layla, Eazy e eu nos levantamos, sem dizer uma palavra. — Eu já ouvi falar de vocês, crianças desabrigadas. Dispostos a fazer praticamente qualquer coisa por alguns dólares. — Sua voz era fria e calculada, apesar de seu estado embriagado. — Vocês, garotas, tiram suas camisas e nos dão um pequeno espetáculo, e é toda sua.
— Foda-se, — eu rebati, dando um passo à frente, minha raiva aumentando. — Nós não queremos o dinheiro de garoto rico 'papai paga pela porra de tudo’.
Eu ouvi outro trem chegando à plataforma no fundo, a rajada de vento soprando ao nosso redor gelando meu corpo.
Um vislumbre de escuridão flamejou nos olhos do menino. Ele estendeu a mão e agarrou meu pulso, me empurrando de volta contra a parede de concreto. Eazy moveu-se para intervir, mas um dos outros caras deu um golpe baixo, atingindo-o no lado da cabeça e o deixando desequilibrado.
— Eazy, — Layla gritou quando um deles pulou em cima dele, e lhe deu outro soco antes de ser retirado e Eazy saltou sobre ele, dando um duro golpe na bochecha do garoto.
O bastardo se aproximou mais, mas eu não estava disposta a aceitar essa porcaria. Eu o puxei para mim e levantei meu joelho, atingindo seu estômago. Ele se curvou, mas não me soltou. Em vez disso, ele puxou meu braço, jogando meu corpo no chão. Meu cotovelo bateu no concreto e eu gritei de dor, o choque trazendo lágrimas aos meus olhos.
Ouvi passos apressados à minha volta e vozes altas. Pelo canto do meu olho, eu vi alguém pegar Layla pela cintura e puxá-la para longe de onde estava tentando arrastar os dois outros caras para longe de Eazy enquanto eles o prendiam no chão.
Eu gritei quando senti um pé se conectar com as minhas costelas e olhei para cima para ver meu atacante se aproximando de mim, falando alguma merda da sua boca que eu não conseguia entender devido à dor que tomou conta dos meus sentidos.
Eu me senti mal, agarrando meu corpo e tentando segurar o vômito que ameaçava se libertar pela minha boca.
Através do borrão, eu vi um objeto surgir do nada, conectando com o lado da cabeça do idiota. Ele desmoronou no chão, e outra pessoa tomou o seu lugar, elevando-se sobre mim. Mas em vez de atirar palavras venenosas, ele estendeu a mão.
Eu segurei meu braço dolorido contra o meu corpo enquanto estendi o outro. Dedos grossos envolveram minha pequena mão e me puxaram para me erguer de pé. Outra mão foi colocada no meu ombro para me firmar enquanto eu me balançava.
— Deixe-me ir, babaca, — Layla gritou, o cara segurando-a rindo em diversão quando ela chutava e lutava contra ele.
Os garotos que nos atacaram estavam se colocando de pé agora, com sangue e hematomas em todos os seus rostos.
— Você acha que é legal, atormentar duas garotas e lutar contra o cara que estava tentando protegê-las? — Um cara com o rosto impassível saiu da multidão de jovens que estavam agora de pé com a gente, alguns cerraram os punhos como se estivessem prontos para uma luta, outros respiravam pesadamente com sangue já em suas mãos. Mas o menino que falava era alto, com os braços cruzados sobre o peito. Suas palavras soaram ferozes, mas calmas.
Dois dos garotos se encolheram, como perdedores lambendo suas feridas, mas aquele que me atacou virou seu olhar furioso em minha direção. — A cadela não podia aceitar uma piada de merda. — Ele cuspiu no chão, uma mistura de saliva e sangue fazendo uma poça na plataforma de concreto.
Eu me irritei. — Você é a única piada de merda aqui. — Tentei dar um passo à frente, mas o cara me segurando reforçou seu aperto no meu ombro.
— Há três caras aqui para cada um dos seus. Que tal você nos contar uma piada, e nós vemos o que acontece? — Sua voz era profunda e rica, e fez meu corpo vibrar. Havia uma confiança sobre ele, a maneira como ele se mantinha e como falou. Os caras que estavam ao nosso lado o respeitavam, eu podia sentir isso.
— Moleque de rua.— O bastardo olhou para mim antes de finalmente virar e mancar com seus amigos até às escadas para a saída.
Layla ficou de pé, ela se virou para o cara alto atrás dela e bufou para ele, erguendo o dedo médio no ar, o que só fez o sorriso dele aumentar.
Nós duas olhamos para Eazy ao mesmo tempo, ele estava sentado contra a parede onde estava o estojo do violão de Layla, seus braços apoiados nos joelhos e a cabeça pendurada com o capuz cobrindo o rosto.
Correndo para ele, eu encostei meu braço contra o meu peito e minhas costelas queimaram como se estivessem em chamas. Eu caí de joelhos e falei baixinho: — Eazy? Você está bem?
Os garotos que estavam ao nosso redor observavam em silêncio quando eu estendi a mão e afastei o capuz do rosto dele. — Oh, E... — Eu sussurrei tristemente, meus dedos roçando o lado do rosto dele. Ele finalmente olhou para cima. Um de seus olhos já estava inchado, o sangue pingando de um corte fresco acima dele. Havia mais hematomas e sangue em suas bochechas. — Vamos para casa.
Levantei-me e recuei, dando-lhe espaço para ficar de pé. Era evidente que ele estava com muita dor. Quando ele finalmente ficou de pé, ouvi um suspiro vindo de trás de mim.
Sua cabeça baixou novamente, mas desta vez, não foi por causa do ataque que ele tinha acabado de suportar, ele queria esconder seu rosto, e foi quando eu percebi o porquê.
— Anton?
CAPÍTULO QUATRO
— Ei Bray, — Eazy resmungou, recostando-se contra a parede em busca de apoio. O garoto líder deu um passo à frente, a testa franzida em confusão. O garoto que me ajudou a ficar de pé se moveu ao lado dele. — Meninas, conheçam Heath e Braydon Carson.— Ele gesticulou para os dois com uma mão machucada.
A atenção de Heath voltou-se para mim, a intensidade de seus olhos enviou um pequeno choque em minha espinha e através do centro de meus ombros, fazendo-me tremer involuntariamente antes de me recompor novamente. Heath era um homem forte e líder. Algo sobre ele me atraiu e me deixou curiosa. Minha mente vagou, imaginando como seria ver o olhar sombrio e sério cair e talvez surgir um sorriso. Seu cabelo castanho chocolate era curto, mas espetado drasticamente em sua cabeça, e parecia combinar perfeitamente com seu comportamento. Foram os olhos azul-bebê que contrastaram fortemente com tudo o mais sobre ele.
Braydon, por outro lado, tinha uma chama de simpatia e diversão que o seguia. Enquanto ele olhava para Eazy em estado de choque, um sorriso começou a aparecer, e ele parecia empolgado com o reencontro. Você poderia dizer que ele era obviamente mais descontraído do que seu irmão, seu cabelo era um pouco mais claro e desgrenhado e seu corpo, embora ainda largo e forte, não combinava exatamente com o de Heath.
— Onde diabos você esteve nos últimos meses, cara? — Braydon perguntou, parecendo ambos surpresos e exultantes.
Eazy riu baixinho. — Estive aqui, mano.
— Vivendo na cidade?
Seu tom ficou mais baixo quando ele respondeu: — Algo assim.
Heath estudou a interação com cuidado, seus olhos e ouvidos absorvendo tudo. Enquanto observava, pude ver sua mente trabalhando, montando o quebra-cabeça. — Você está vivendo nas ruas?
Eazy não virou a cabeça, em vez disso, apenas moveu o olho bom para onde Heath estava, seu corpo tenso. — Sim. Mamãe e papai me chutaram quando descobriram sobre os medicamentos controlados que eu estava tomando.
— Eles te expulsaram? — Braydon rosnou profundamente em sua garganta. — Que porra é essa?
— Olha cara, obrigado pela sua ajuda, mas eu preciso levar as meninas de volta para casa antes que alguns loucos tirem proveito.
Eu não perdi a forma que os olhos de Heath queimaram, e alguns dos outros garotos inclinaram a cabeça em confusão.
Enfiei-me no meio do grupo, mergulhei sob o braço dele. — Eu acho que você esqueceu garoto. Nós somos os loucos.— Ele riu enquanto se inclinava contra mim quando nos afastamos da parede que o sustentava. Minhas costelas protestaram de dor, e eu choraminguei sob seu peso pesado. Nós só demos alguns passos antes de eu ser arrancada dele.
Dois caras tomaram meu lugar, segurando Eazy facilmente. Meu amigo não pareceu muito feliz com isso enquanto caminhavam até ao próximo túnel, que levava ao outro lado dos trilhos, para que pudéssemos pegar o trem que nos levaria de volta para casa.
Eu olhei para Heath, arrancando minha mão de seu aperto firme. Ele não pareceu se abalar com o meu ato de rebeldia.
— Você está bem? — A profundidade de sua voz parecia quase contrária para um cara que eu sabia que não poderia ser muito mais velho do que eu. Era quase reconfortante como você se sente quando alguém está no controle. E sabe de uma coisa? Foi bom deixar outra pessoa estar no controle uma vez.
Eu assenti. — Sim, só um pouco dolorida.
Sua mão roçou minha cintura, seus dedos deslizando sobre a pele delicada da minha barriga, onde minha camisa revelava um pedaço do meu umbigo. Apenas um simples toque enviou tudo na minha cabeça voando em diferentes direções. Parte de mim implorou para que ele me puxasse contra seu corpo apenas para que eu tivesse uma desculpa para tocá-lo. Outra parte gritava para eu correr ao saber que se Eazy conhecia esses caras de sua casa, afinal que tipo de estilo de vida eles teriam.
Uma leve pressão nas minhas costas me tirou dos meus pensamentos quando Health me guiou para a frente.
— Você quebrou meu violão na cabeça daquele cara, — Layla protestou em voz alta, eu podia ouvir a dor em sua voz, no entanto.
Braydon deu um passo em direção a ela, rindo. — Desculpe, tive um momento de estrela do rock. Vou dar um novo para você. Ele se abaixou e ajudou-a a guardar o violão quebrado de volta no estojo, e dei um suspiro de alívio quando vi que o dinheiro que ganhamos ainda estava dentro.
Todos os caras do grupo nos seguiram, alguns sussurrando entre si enquanto subíamos no trem. Heath sentou ao meu lado, olhando pela janela quando o trem seguiu pelos trilhos e as paredes do túnel começaram a brilhar em um arco-íris de grafite.
— Qual é o seu nome? — Ele perguntou, sem sequer se virar para mim.
— Fable.
Eu vi suas sobrancelhas levantadas, mas foi apenas uma demonstração momentânea de emoção porque seu rosto relaxou retornando à sua seriedade. — Nome interessante.
Sorrindo, eu respondi alegremente: — Obrigada, eu mesma escolhi.
— É por isso que você o chama Eazy? — Ele perguntou quando finalmente virou seu corpo para o meu e encontrou meus olhos.
— É um nome de rua.
Ele não perdeu tempo. — E o que exatamente é um nome de rua?
Suspirei, me perguntando se isso era algo que eu realmente queria falar com um cara que mal conhecia. Só porque ele me fez sentir segura, não significava que eu poderia confiar nele. Aprendi há muito tempo o quanto as pessoas poderiam ser dissimuladas, e quão facilmente elas se escondiam atrás de uma personalidade que representavam. Como um ator de televisão ou um artista em uma peça, eles eram quem precisavam ser para conseguirem o que queriam.
— Um nome de rua nos dá proteção. Ajuda-nos a deixar toda a merda que lidamos antes, e começar algo novo, — Eazy explicou indo para o outro lado do corredor.
— Por que você não pode simplesmente ir para casa? — Alguém perguntou com um toque de tristeza em seu tom. — Certamente sua mãe e seu pai já se acalmaram agora.
— Por que ele iria querer ir para casa? — Eu disparei de volta.
Braydon se sentou na cadeira, apoiando os cotovelos nos joelhos. — É onde seus pais estão e sua família.— Ele falou como se fosse a escolha óbvia.
— Deixe-me contar uma história... — comecei, a frustração se instalando.
— Fay, por favor, não, — Eazy sussurrou, pedindo-me através de um olho bom. Eu balancei a cabeça. — Seus pais o expulsaram em pleno inverno, sem nenhuma porra de lugar para ir. Você sabe o que é não ter ninguém? Saber que não há lugar para você escapar do frio. Não ter ninguém que segure sua mão enquanto você passa por uma crise de abstinência.
Pela primeira vez, vi uma parte de Heath brilhar nos olhos de Braydon. Ele estava com raiva, mas ao contrário de seu irmão mais velho, ele mal conseguia contê-la. Suas mãos tremiam e seu peito começou a inspirar mais profundamente, como se tentasse se acalmar.
— Nós o encontramos nas ruas, tremendo e mal percebendo o que estava acontecendo ao seu redor. Ele estava saindo de um vício em analgésicos controlados, e seus pais o chutaram para a rua quando descobriram seu pequeno segredo, deixando-o sofrer sozinho. Eles nunca lhe ofereceram a chance de ficar limpo, mesmo que tivessem dinheiro para pagar qualquer tipo de recursos que ele precisasse.— Minha voz subiu acusadoramente, mesmo para esses meninos, que eu poderia dizer por estar em sua presença por um curto período de tempo, que eram garotos que teriam lhe oferecido um lugar para ficar, se ele pedisse por isso.
Mas Eazy era orgulhoso demais para isso. Sentindo como apenas um nada por causa de um erro, havia decepcionado todos com os quais ele se importava.
— Um filho com um problema não era bom o suficiente para fazer parte de sua família, — eu sussurrei em desgosto. — Então agora ele é parte da minha e eu nunca vou desistir dele.
Eu podia ver minhas palavras se infiltrando em suas mentes. Seus olhos dançaram com curiosidade e confusão, mas Eazy apenas desviou o olhar.
— Eu te amo, E8, — eu sussurrei, minha voz se quebrando.
Ele não se virou para mim, mas ouvi a resposta silenciosa: — E eu a você, Fay.
Uma voz tomou conta do vagão, nos avisando que a próxima parada estava chegando. — Eu vou sair e encontrar os outros, dizer-lhes que estamos voltando, — Layla ofereceu, passando o violão para mim e se movendo para as portas.
Eu peguei um leve movimento de cabeça, e de repente dois caras estavam fora de seus assentos e indo atrás dela. Um era o garoto alto que a conteve. Ela olhou para mim com cautela antes dele estender a mão para ela. — Eu sou Lucas, este é Sam, nós seremos seus guarda-costas esta noite.— O trem parou e as portas se abriram. Lucas saiu primeiro, estendendo a mão para Layla. — Por favor, venha por aqui...
Ela bufou, contornando-o e descendo a plataforma. Lucas sorriu e me deu uma piscadela fofa antes que ele e Sam fossem atrás dela.
— Você tem seus meninos bem treinados, — eu comentei baixinho para Heath quando o trem recomeçou e os outros meninos começaram a conversar com Eazy.
Heath relaxou em seu assento, a tensão de seu corpo parecendo ter se acalmado um pouco e permitido que ele relaxasse. — Eu não digo a eles para fazer qualquer coisa, mas eles me respeitam e confiam em mim o suficiente para saber que em situações como essa, eu sei o que fazer.— Ele virou a cabeça para olhar para mim, e mais uma vez fiquei chocada com a profundeza de seus olhos. A cor me acalmou. Era como olhar para as ondas suaves de um oceano. — Também temos moral. E eu não vou deixar ninguém bater em algumas garotas, e enfrentar um cara quando a luta não é justa. Não se eu puder evitar.
— O que faz você pensar que eu precisava de sua ajuda?
Ele se virou novamente. — Como estão essas costelas? — Poderia ter sido minha imaginação, mas pensei ter visto um sorriso malicioso no canto de sua boca.
Fiz uma careta, desafiando-o em minha mente a olhar para mim para que ele pudesse sentir o olhar que eu estava dando a ele. — Touché9, idiota.
CAPíTULO CINCO
Nós descemos do trem na parada seguinte, e eu chequei a segurança antes de chegarmos aos portões de saída. Braydon segurou Eazy, deslizando os dois juntos pela catraca10. Eu fui depois deles, encolhendo-me quando inclinei a minha cintura para levantar minhas pernas.
Heath parecia que queria me ajudar, mas estreitei os olhos para ele e manteve distância. A caminhada para casa foi lenta enquanto os meninos se revezavam basicamente levando Eazy pela rua. O punhado de pessoas que passaram por nós nos encarou, e não deixava dúvida que eles estivessem preocupados com o que havia acontecido com ele. Todavia, parecia mais como se fôssemos um grupo de crianças causando problemas e ele conseguiu o que merecia.
Isso não me incomodou, no entanto. Um tempo atrás eu teria tentado esconder meu rosto, envergonhada do que as pessoas pensavam de mim. Mas agora, eu simplesmente não dava a mínima. Julgar os outros era um instinto humano natural. Se eu estava morando na rua ou trabalhando em um ótimo trabalho, as pessoas sempre olhavam para mim e presumiam o que queriam. O que eu aprendi foi que não importava o que eles pensavam, porque eles não me conheciam ou sabiam a verdade sobre a minha vida. E para ser honesta, é assim que eu preferia.
Os outros me seguiram enquanto eu liderava o caminho pela Bayward Street, meu corpo finalmente relaxando enquanto eu via as silhuetas de algumas pessoas em pé ao redor do tambor de fogo.
— Esta é a casa? — Heath questionou baixinho. Eu olhei para ele, as luzes da rua sombreando seu rosto enquanto ele examinava a pequena comunidade de barracas.
— Cristo, — Braydon amaldiçoou atrás de mim quando ele viu onde estávamos indo. — Você não pode estar falando sério.
— Tão sério quanto uma surra em uma estação de metrô, mano, — Eazy riu sombriamente. Quando chegamos à cerca, soltei um assobio alto. Eu pude ver Kyle e Lee mais claramente agora. Ambos se endireitaram, virando-se para nós. — Nós precisamos de ajuda, rapazes.
Eles largaram as coisas e pularam pelas barracas, correndo para nós. Os olhos de Lee se arregalaram quando ele se espremeu pelo espaço entre os arames da cerca e avistou Eazy. — Porra, o que aconteceu?
Kyle veio em seguida, erguendo seu corpo totalmente e olhando para o grupo de caras ao nosso redor. Kyle era o mais protetor de todos. Ele sentia que era sua responsabilidade nos manter seguros e alimentados. Eu podia ver a raiva fomentando dentro dele.
— Fay, vá para dentro, — ele ordenou severamente.
Eu dei um passo à frente, percebendo que Heath me seguia. Kyle, tudo bem. Eles nos ajudaram. Eles conhecem Eazy. Lee nos rodeou, e Braydon ajudou a transferir Eazy para ele.
Braydon olhou para ele com preocupação. — Você não deveria ir ao hospital, cara?
— Nós não podemos... — Respondi simplesmente, — ... eles chamariam o serviço social e tentariam levá-lo embora.
— Fable... — Kyle advertiu enquanto segurava a cerca, para que Lee pudesse ajudar Eazy a passar. Braydon esfregou os cabelos, os olhos vasculhando a nossa casa, onde dois outros se levantaram e observaram a interação à distância. — Isso seria realmente tão ruim?
Ouvi passos e Andre, Coop e Daisy passaram por nós, atravessando a cerca e correndo para onde Lee arrastava Eazy para uma barraca.
Layla se espremeu entre os meninos para ficar ao meu lado. Braydon a seguiu, seus olhos a observando constantemente.
— Para dentro meninas, agora, — Kyle ordenou.
Lay levantou a sobrancelha em seu jeito mordaz antes de virar e apontar para Braydon. — Você me deve a porra de um violão.
Ele sorriu para ela. — Não se preocupe. Você terá um.
Passei o estojo do violão para ela que deu um rápido aceno antes de desaparecer, dizendo por cima do ombro, — Em breve, menino rico.
Kyle agarrou meu cotovelo e me puxou para ele. Eu gritei e retirei-o, respirando fundo enquanto a dor percorria meu corpo como um raio de eletricidade. Meus olhos ficaram borrados de lágrimas e senti um corpo de repente no meu espaço.
— Saia da frente... — Kyle rosnou sua voz mais forte do que eu já ouvi, — ...seu lugar não é aqui. Volte para o seu mundo e deixe minha família em paz.
Eu finalmente recuperei a sanidade, percebendo que era Heath parado na minha frente, bloqueando meu corpo de Kyle. Braydon tinha se movido ao lado dele, seus corpos criando uma parede poderosa que seria intimidante para qualquer um.
Estendendo a mão e envolvendo minha mão ao redor do braço de Heath, eu o puxei para o lado. Eu podia sentir os músculos em seu braço tensos como se ele estivesse pronto para dar um soco a qualquer momento. Levou toda a força que me restou para movê-lo, e mesmo assim seus olhos ficaram colados em Kyle. Eles se mediram com os olhos, a atmosfera ao redor deles crepitando como um diamante na escuridão da rua.
Finalmente longe do grupo, forcei Heath a me encarar. — Vá para casa, — eu disse a ele suavemente. — Obrigada por nos ajudar. Eu não sei o que teria acontecido se vocês não estivessem lá. Mas este não é seu lugar, você precisa sair.
— Você deveria ir a um médico.— Eu sabia que ele estava bravo, mas conseguiu esconder bem atrás da máscara de pedra.
— Eu vou ficar bem, — eu assegurei a ele. — Apenas pegue seus meninos e vá para casa. Kyle não recuará, e se isso continuar piorando, alguém vai acabar chamando a polícia. E não podemos ter a polícia aqui.
Olhei para ele por um longo momento, procurando algum tipo de compreensão em seus olhos, mesmo quando as sombras os cobriam.
— Bray, vamos embora.— Braydon olhou para nós, como se estivesse confuso, mas quando seus olhos encontraram os do irmão, ele assentiu e começou a levar seus amigos embora.
Heath enfiou a mão no bolso e tirou a carteira. Abrindo-a, ele tirou um cartão e o estendeu para mim.
Eu ri baixinho. — O quê? Você já tem cartões prontos para dar às garotas? — Arranquei de seus dedos, surpresa quando vi que não era o nome dele no cartão.
— É da minha mãe. O número que está aí é o número de telefone da minha casa. Ligue, e me procure se você precisar de alguma coisa. — Ele estendeu a mão, envolvendo os dedos na parte de trás do meu pescoço dando um aperto suave. Era bom, eu queria fechar os olhos e aproveitar o momento, mas um segundo depois ele se foi, correndo atrás de seus garotos.
Um braço envolveu minha cintura enquanto eu os assistia ir embora. — Vamos lá, Fay. Vou dar uma olhada no seu braço.— Eu balancei a cabeça e caminhei com ele de volta para as barracas onde todos estavam reunidos e sussurrando baixinho.
— Fizemos 140 dólares, — Layla me informou, com a boca aberta em admiração. — Quê? — Eu engasguei, incapaz de parar o sorriso que cresceu no meu rosto. Kyle me abraçou, seu rosto espelhando o meu. — Puta merda.
Um suave “Woo hoo” veio de Eazy, seguido por um gemido doloroso e todos nós rimos.
— Fizemos cerca de trinta.— Daisy sorriu, esvaziando o conteúdo do boné de baseball de Andre para o estojo de violão de Layla junto com o resto.
Kyle beijou minha têmpora, finalmente me soltando e entrando na barraca de Eazy. Eu me sentei no tronco ao lado de Layla, suspirando de alívio que, embora a noite tivesse trazido mais problemas e dor do que nós queríamos, esse dinheiro nos ajudaria a comer por mais de uma semana, talvez até mais.
— Eu não posso acreditar que fizemos tanto.
Os olhos de Layla olharam em volta para os outros enquanto eles se misturavam e conversavam um com o outro. — Alguém deixou uma nota de cem dólares, — ela sussurrou baixinho, olhando para mim com as sobrancelhas levantadas.
— O quê? — Eu engasguei, olhando para a borda do estojo. Ela estava certa, a maior parte do dinheiro estava em moedas ou notas de um dólar. Mas havia uma nota de cem dólares em cima. — Você quer dar um palpite de como isso chegou lá? — Eu perguntei, revirando os olhos.
— Braydon, — nós duas dissemos ao mesmo tempo. Ele era o único perto do estojo quando estava aberto enquanto ajudava Lay a reunir os restos de seu violão.
Meu orgulho me disse para de alguma forma encontrar uma maneira de devolver a ele. Não querendo aceitar tanto dinheiro quando eu sabia que era só por pena. Mas eu acho que não foi diferente de qualquer outra pessoa na rua nos dando dinheiro. Foi tudo por pena, e como as crianças de rua que éramos nós brincaríamos com essa merda.
Heath e Braydon sentiram pena de nós e da nossa situação, eles olharam para nós como se estivéssemos precisando de algum herói para vir nos salvar, que eramos fracos e indefesos. Mas esse não era o caso.
Todos nós nos encontrávamos em uma situação em que fomos forçados a descobrir uma força interior. Seja finalmente dizendo à sua família que você era gay, defendendo-se, lutando contra seu vício ou fugindo de pais que o usavam como sacrifício humano. Aquele momento de coragem foi o motivo por que estávamos aqui hoje. Nós podemos ter descoberto isso de muitas formas diferentes, mas nunca esqueceríamos como foi finalmente recuperar o controle de nossas vidas.
As pessoas eram comidas vivas todos os dias porque estavam com medo, com muito medo de incomodar alguém ou com vergonha de pedir ajuda.
Eu fui aquela garota, deixando meu pai me derrubar por anos, sempre me encolhendo de medo e nunca me levantando ou dizendo a alguém que algo estava errado. E quando você está quebrado e em uma situação perigosa, há apenas um lugar que o trem leva, à morte.
Esfaquear meu pai foi o catalisador11 que me forçou a entrar nas ruas de Los Angeles. Por causa disso, o curso da minha vida tinha mudado. Talvez não da maneira que eu teria esperado, mas arrependimentos nunca entraram em minha mente nem por um segundo. Eu não deixo mais as pessoas pisarem em mim. Em vez disso, mantive minha cabeça erguida e acreditei que valia algo mais.
Porque eu tinha visto o que poderia fazer agora e quem poderia ser.
Olhei em volta da nossa pequena casa, vendo todos os meus amigos sorrindo porque todos nós sabíamos que amanhã poderíamos relaxar um pouco. E eu sabia que tinha que engolir meu orgulho porque eles eram mais importantes para mim do que isso.
Eu não precisava que Heath e seus amigos olhassem para mim com pena, achando que a gente estava tão mal. Porque o que tínhamos aqui me faria escolher sobre o que tinha antes, todos os dias.
Eu amava essas crianças. Éramos jovens, um pouco loucos às vezes, mas todos nós sabíamos que cuidávamos um do outro a todo o momento, não importando as circunstâncias ou repercussões. Foi a razão pela qual eu guardei a comida que o Sr. Song me deu e compartilhei com eles, a razão pela qual Layla tocava por dinheiro, mas não guardava tudo para si mesma.
Todos nos juntamos para nos ajudar porque, sem um ao outro, o mundo aqui fora era um lugar muito assustador.
CAPÍTULO SEIS
Eu pulei da borda da pista de skate de concreto, sentindo uma descarga de adrenalina encher o meu corpo enquanto esperava minhas rodinhas se conectarem com a superfície lisa debaixo de mim. O vento passou pelo meu rosto e não pude deixar de rir.
Patins era algo que eu amava. Era quase como um vício. Adorava sentir a brisa na minha pele, mesmo nos dias mais calmos. A liberdade que me dava desviar e torcer fazendo padrões com o meu corpo. Eu bati na inclinação do outro lado da pista, e isso jogou-me no ar. Dobrei meus joelhos e aterrissei com um baque suave na superfície plana do lado de fora.
Minhas rodinhas permitiam-me voar. Podia ser apenas por um momento, alguns segundos, mas por esses segundos ficava livre. Nada mais importava do que certificar-me de que aterrava de pé. E eu fazia isso todas as vezes.
Meus pais compraram-me o meu primeiro par de patins quando eu tinha quatorze anos. Para outros, pode ter parecido generoso, mas a única razão pela qual os compraram foi porque a escola que frequentava estava demasiado longe e era obrigada a ir e vir a pé para casa todos os dias.
Foi a primeira vez que alguém notou que algo poderia estar errado em casa. Minha mãe sempre ficava em casa e meu pai trabalhava no mesmo lado da cidade que a escola quase todos os dias. No entanto, eles se recusaram a me levar ou me buscar, mesmo na chuva.
Eles também se recusaram a me dar dinheiro para pegar o ônibus da cidade, e os ônibus da escola não iam para tão longe.
Quando uma das minhas professoras notou que eu estava indo para a escola cansada e com bolhas dos meus sapatos, ela começou a questionar as coisas. Caminhava por uma hora e trinta minutos todos os dias até à escola e fazia o mesmo a caminho de casa.
Foi exaustivo.
Quando minha professora me pegou na rua numa sexta-feira e me levou para casa, eu sabia que iria causar problemas. Mas no fundo, eu esperava que talvez fosse isso que precisava para fazer alguém finalmente ver que as coisas não estavam certas.
Infelizmente, meu pai, sempre o encantador, convenceu minha professora de que tudo era porque a minha bicicleta quebrara recentemente, e eles estavam economizando para me comprar um par de patins. Ele disse a ela que queria me ensinar independência e uma vez que eu não praticava nenhum desporto, eles ainda acreditavam que o exercício era importante.
A professora havia saído, aparentemente satisfeita com a explicação, e eu fiquei trancada no meu quarto pelo fim de semana. Meu pai me comprava comida, mas me disse que era por minha conta se eu comia ou não. Ele disse que podia ou não conter algum tipo de veneno.
Era um dos seus jogos.
Iria eu morrer de fome porque estava com medo do veneno, mesmo que a comida pudesse estar perfeitamente bem? Naquele momento da minha vida, eu estava cheia de aceitar os jogos mentais do meu pai, e comi cada pedaço de comida no prato. Esperando o tempo todo que ele realmente tivesse enchido com veneno e que isso fosse o suficiente para possivelmente me matar.
Isso não aconteceu.
Mas na segunda-feira, eu tinha um novo par de patins brilhantes.
O parque de skate estava cheio de crianças de todas as idades, tentando novos truques e tentando o impossível. Era um lugar na cidade onde poderíamos ir e sentir como se fôssemos normais. Nós nos misturávamos com os outros adolescentes, ninguém nos olhava como se fôssemos diferentes ou escória. Nós éramos apenas crianças, nos divertindo e saindo com nossos amigos, como eles. Conversávamos com outros adolescentes, discutindo técnicas e testando nossos limites.
E durante esse tempo, parecia que nada mais importava. Não estávamos preocupados sobre de onde nossa próxima refeição viria, ou se alguém iria nos retirar da calçada. A única preocupação que tínhamos era fazer o melhor movimento e cair de pé.
Qualquer outra coisa poderia esperar.
— Fable! Faz um salto mortal, — Cody, um garoto que nós conhecemos aqui, gritou várias vezes para mim do banco do parque. Kyle e Andre sentaram-se ao lado dele rindo.
Eu patinei para eles, revirando os olhos. Sim, então eles podem colocar na minha lápide12, — Fable-esmagou o seu rosto no concreto sendo uma maldita idiota.
Ele deu de ombros, sorrindo para mim. Eu já vi isso ser feito antes, muitas vezes.
— Eu sou uma skatista recreativa, isto não é o maldito X Games13.
— O que é isso? Tudo o que eu ouvi foi... eu sou uma galinha14 — ele disse, levantando-se e colocando o skate no chão. Cody era um garoto alto, mas também era incrivelmente magro. Tinha cabelos loiros que pendiam em torno de seu rosto, desgrenhados e longos. Estava constantemente afastando-o dos olhos.
Levantei minhas sobrancelhas. — Diga de novo, Cody. Atreva-se.
Eu comecei a deslizar para a frente, avançando sobre ele. Mas ele estava pronto para mim, colocando um pé na prancha e empurrando com o outro. Agitou os braços como um pássaro e disse: — Cluck15, cluck, cluck, chicken16!
Kyle e Andre estavam quase histéricos a essa altura.
Eu mostrei a eles o dedo antes de decolar depois de Cody, mas isso só alimentou o riso profundo deles. Eu o persegui pelo parque, ele me provocando e eu respondendo com ameaças de violência. A melhor parte foi que eu era mais rápida. Nós fizemos isto ao redor do parque inteiro antes dele derrapar em uma paragem atrás do banco do parque, onde os meninos ainda sentavam assistindo em diversão.
— Eles não vão te salvar, — Cody. Eu sorri.
Ele tirou o cabelo do rosto e sorriu enquanto segurava as mãos em sinal de rendição. — Ok, ok, eu retiro o que disse. Você não é uma galinha.
Kyle empurrou o banco e passou o braço em volta da minha cintura. — Não, ela é mais como uma gatinha, toda fofa até que mostra suas garras. Ele me puxou contra ele, minhas rodinhas rolando para onde ele me queria sem resistência.
Eu bufei, protestando fracamente. — Eu sou mais como um tigre ou um leão.
Kyle riu, sua respiração fazendo cócegas no meu pescoço. — Claro, querida.
Kyle sempre foi sensível comigo, e eu nunca me opus, encontrando conforto em seus braços. Nós tivemos alguns, eu acho que você poderia chamar, momentos. Tempos em que nós precisávamos de nos manter aquecidos, e a melhor maneira de fazer isso era com outro corpo ao seu lado. Mas não progrediu para nada mais do que tocar ou beijar.
Todo mundo sabia que éramos chegados. Ele cuidava de todos, vendo os outros como irmãos e irmãs. Mas comigo ele era diferente, talvez um pouco superprotetor.
— Ei, vocês querem vir a uma festa hoje à noite? — A pergunta de Cody me surpreendeu.
— O quê? — Perguntei como se não o tivesse ouvido.
Ele revirou os olhos. — Uma festa... você quer vir? — Ele perguntou de novo, falando devagar como se eu fosse idiota.
— Onde? — perguntou Kyle quando ficou evidente que meu cérebro não conseguia compreender o que estava acontecendo. Nós nunca fomos convidados para ir a qualquer lugar. Cody e algumas das crianças no parque de skate eram as únicas outras pessoas ou adolescentes com quem realmente nos comunicávamos semanalmente.
Ele nunca perguntou, mas eu sabia que ele sabia que nós não tínhamos exatamente casas estáveis. Ele simplesmente não se importava. Nós compartilhávamos uma paixão, então ele nos considerava amigos.
— No centro, no Parkens Hotel. Os amigos do meu irmão alugaram um andar inteiro para um aniversário.
Eu senti Kyle sacudir a cabeça. — Eles nunca nos deixariam entrar lá, cara.
— O meu nome está na porta. Encontre-me no lado de fora às nove e você pode vir comigo.
— Cody, vamos embora!
Cody nos deu um rápido aceno, colocando sua prancha debaixo do braço e correndo para o estacionamento onde seu amigo estava ao lado de um carro esperando por ele.
— Uma festa? — Andre sorriu para nós. — Cara, uma festa em um andar inteiro de um maldito hotel.
Kyle apertou minha cintura antes de usar as mãos para virar o meu corpo para encará-lo. — Você quer ir?
O Parkens Hotel ficava a uma pequena caminhada da Bayward Street, talvez uma viagem de trinta a quarenta e cinco minutos pela cidade. Nós havíamos passado por ele antes, e eu sabia que era formal e apropriado. Cody disse que ele poderia nos levar, mas será que a festa valeria a pena o esforço para chegar lá?
— Talvez...
— Talvez? — Ele repetiu.
Dei de ombros, mas por dentro quase me senti excitada. — Seria meio legal. Poder ir a uma festa e ser... — Não consegui encontrar as palavras.
— Adolescentes normais pra caralho, que não precisam mexer em lixeiras para a próxima refeição? — Andre ofereceu sombriamente.
— Andre — Kyle retrucou.
— Não... — Empurrando-me para fora de seus braços, eu girei em torno de minhas rodinhas. — ...ele está certo. Apenas uma noite em que podemos fingir que nossas vidas não giram em torno de se esconder de predadores, ou andar pelas ruas à procura de dinheiro ou alguém para roubar. As pessoas não sabem quem somos ou de onde viemos, e não nos olham como se fôssemos um desperdício de ar.
Kyle me observou com um olhar simpático. — Um dia, querida, tudo isso será uma lembrança. — Ele falou comigo suavemente e foi calmante.
Kyle nos disse várias vezes que nosso tempo nas ruas não era permanente. Todos nós tínhamos que começar do fundo da escada para chegar ao topo. Para nós, não havia elevador ou escada rolante, nem carona. Era tudo sobre dar um passo de cada vez até chegar ao topo.
— Então, você quer ir à festa? — Kyle perguntou, olhando-me com cuidado. Eu olhei para Andre, seus olhos se iluminando.
Uma festa com outras crianças poderia ser apenas o que precisávamos para nos sentirmos bem novamente. As ruas pesavam muito em todos. Nós tentamos não mostrar isso, agir forte porque precisávamos, mas, quando chegava a hora, todos sabíamos que éramos apenas parte de uma estatística.
E essas estatísticas não pareciam boas para nenhum de nós.
Empurrei meus ombros para trás e levantei meu queixo. — Sim, vamos lá.
CAPÍTULO SETE
O nosso grupo foi às ruas. O céu noturno era difícil de ver por baixo dos edifícios imponentes que compunham a nossa casa, mas imaginei que esta noite estava repleta de estrelas e que a lua estava cheia e iluminada em cima de nós.
Coop, Daisy e os restantes membros da nossa pequena família, Sketch e Phee ficaram em casa com Eazy. Ele ainda sentia muita dor, embora tentasse não demonstrar isso. Depois de três dias, pensei que talvez ele estivesse se sentindo melhor, mas mal conseguia ficar de pé, e foi uma luta para conseguir que comesse qualquer tipo de comida ou líquido. Eu estava começando a pensar que Braydon poderia estar certo quando disse que Easy precisava de um hospital.
Layla saltou ao meu lado, cantarolando uma música que eu nunca tinha ouvido. Não era incomum, Lay frequentemente compunha sua própria música e escrevia letras que combinavam com os sons assombrosos de suas melodias. Mas este não era profundo e triste como os outros. Ela estava feliz. Mais feliz do que eu a tinha visto em muito tempo.
Kyle olhou seu relógio enquanto cruzávamos a rua. — São quase nove.
Por sorte, pude ver o hotel de alta classe ao longe, até mesmo percebendo algumas figuras do lado de fora. O Parkens Hotel era propriedade de um grande diretor de cinema. Era infame para as celebridades que ficavam lá, e os funcionários do hotel serem obrigados a assinar acordos detalhados de não divulgação, juntamente com verificações aprofundadas de antecedentes antes mesmo de serem autorizados a entrar pela porta. Eu leio revistas de entretenimento no meu tempo livre - muitas lojas as jogam fora ou as dão de graça quando ficam desatualizadas. Então eu estava disposta a enfrentar qualquer coisa que incluísse celebridades ou estrelas do rock.
O fato de que eu estaria andando por dentro do hotel era uma emoção em si mesma, mas não era isso que tinha meu corpo fervendo de excitação.
Eu nunca tinha ido a uma festa antes.
Eu tinha quase quinze anos quando fui enviada para a detenção juvenil pelo ataque ao meu pai. O dia da minha audiência da condicional foi o dia em que perdi todo respeito e fé na lei.
Eu me sentei no tribunal ao lado da minha advogada. O nome dela era a sra. Leighton, ela fora designada para mim pelo estado e era gentil, mas severa.
— Como você está se sentindo, Keira? — Ela me perguntou com um sorriso gentil.
— Assustada — eu respondi em voz baixa.
Ela levantou a sobrancelha. — Porque você está assustada? Pelo que me disseram, você foi perfeita, sem problemas comportamentais, problemas com os outros, até mesmo o trabalho na sua escola tem sido incrível. — Ela me disse, folheando seus papéis e relatórios sobre o meu tempo afastada.
Eu esperei até que seus olhos encontrassem os meus novamente.—Não posso voltar para lá, sra. Leighton. Eu sei que eles disseram e fizeram tudo o que podiam, para fingir que tinham uma ótima casa para eu voltar. Mas simplesmente não é verdade.
— Você não acredita que eles estão fazendo esses cursos para melhorarem suas vidas em casa? — Ela perguntou.
Eu balancei a cabeça rapidamente.
— Eu farei o que puder para mantê-la segura, Keira. Você é minha prioridade.
Eu ouvi as portas atrás de mim abrirem e soube imediatamente que eram eles. Um arrepio percorreu minha espinha, e de repente senti-me mal do estômago. Não me virei, recusando-me a dar-lhes a satisfação de ver meu nervoso.
Nós todos ficamos de pé quando o juiz entrou, era um juiz diferente do que eu tinha visto na primeira vez que estive aqui. Ele era mais velho, provavelmente mais perto de seus sessenta anos, com um horrível penteado em todo o topo da cabeça, lembrando-me de DonaldTrump17.
Ele examinou o básico do caso, o que aconteceu, qual foi o veredicto, notas dos guardas e professores sobre meu comportamento no centro de detenção. Eu torci e juntei minhas mãos debaixo da mesa enquanto o juiz começava a ler as declarações de meus pais.
— A carta de sr. Campbell diz...— ele disse em sua voz profunda e rouca, — ...que o comportamento de Keira sempre foi difícil de lidar. Ela esteve constantemente tentando ultrapassar os limites com muito pouca consideração pelas consequências, e o efeito que tinham sobre nós como pais. Na época, eu e minha esposa não sabíamos como lidar com uma adolescente tão problemática, e lamento a maneira como tentamos lidar com as explosões dela. Depois de frequentar os cursos para pais no último ano, sentimos que agora temos as estratégias certas e a confiança para lidar com o comportamento de Keira de uma forma mais positiva. Peço sinceras desculpas à minha filha por não ter feito isso antes, e espero que ela possa nos perdoar e voltar para a nossa família para que possamos trabalhar em todos os nossos problemas juntos.
Eu sentei atordoada, minha boca escancarada enquanto olhava para o juiz em absoluto temor. Eu podia ver pelo seu rosto que ele acreditava no drible completo de mentiras que estava rabiscado na página. A Sra. Leighton chamou minha atenção, tristeza em seu rosto quando ela se aproximou e segurou minha mão.
O juiz recomeçou, desta vez a carta era da minha mãe. Cobria praticamente as mesmas coisas que meu pai havia dito, apenas redigido de forma diferente. A raiva começou a borbulhar no meu estômago. Isso não estava certo, não estava bem. Suas mentiras eram quase visíveis, e o fato de o juiz acreditar nelas era uma piada completa e absoluta.
— Keira, você tem alguma coisa que gostaria de dizer? — Perguntou o juiz, dirigindo-se a mim pela primeira vez desde que entramos no tribunal. Olhei para a sra. Leighton e ela me deu um pequeno sorriso antes de concordar.
Eu me levantei bruscamente, eu tinha tido o suficiente. — Tudo o que eles disseram é mentira. A porcaria mais ridícula que eu já ouvi! Você não leu as declarações anteriores? Nosso vizinho dizendo que sempre via minha mãe com hematomas ou o fato de que eu estava bem desnutrida para uma criança da minha idade? Você sabe por que isso aconteceu? Porque eu nunca fui alimentada. O dia em que tudo isso aconteceu, meu pai acabara de espancar a minha mãe. Porque ela tirou dinheiro da carteira dele para comprar comida visto que eu não tinha comido, POR QUASE DOIS DIAS! — Eu respirei pesadamente, minhas mãos segurando a borda da mesa com tanta força que era doloroso.
— Keira — a Sra. Leighton sussurrou severamente, puxando meu braço e me forçando de volta para a minha cadeira.
— A primeira coisa que você deve notar, Keira, é que este é o meu tribunal, e eu não vou ser afrontado por você estar falando dessa maneira. Estamos claros? — O velho me repreendeu com uma profunda carranca. — Todos esses incidentes foram explicados por seus pais. De acordo com eles, era você quem estava fazendo o abuso, machucando sua mãe e quando você não conseguiu o que queria, você finalmente quebrou e esfaqueou.
— Não! Isso é mentira — eu gritei, voando para fora da minha cadeira novamente. A Sra. Leighton me agarrou e me puxou de volta para a cadeira.
— Keira, por favor... acalme-se. Você não está ajudando a situação — ela rosnou em voz baixa, apenas para os meus ouvidos. Meu coração estava acelerado e minha respiração se tornando superficial.
— Mais uma explosão assim e as coisas vão ficar muito sérias — o juiz rosnou alto, batendo o martelo na mesa na frente dele.
Como isso pode estar acontecendo? Por que é que eles acreditam na desculpa patética do meu pai e não em mim? Minha cabeça começou a girar, eu simplesmente não conseguia compreender o que estava acontecendo.
— Até onde eu sei, mandar você de volta para os seus pais significa possivelmente colocá-los em perigo — ele explicou, uma risada sombria escapou da minha garganta, mas eu não disse nada. — Mas eles ainda têm muita certeza de que os passos que deram são os mais positivos e estão dispostos a tentar o que puderem para manter a família unida. Você, moça, deveria apreciar o fato de que eles ainda querem você em sua casa, ao invés de jogá-la no sistema de adoção.
Eu não aguentava mais isso.
Segurei a coxa da Sra. Leighton, fazendo-a olhar para mim, tristeza e choque, ambos brilhando de volta para mim.
— Eu vou ficar doente se eu ficar aqui, — eu sussurrei enquanto o juiz falava sobre como meus pais estavam dispostos a me aceitar e meu comportamento problemático. — Eu preciso sair.
Ela assentiu com firmeza antes de se levantar. — Sinto muito, juiz Morrison. Minha cliente não está bem, poderíamos, por favor, ter um veredicto antes que ela faça uma grande bagunça no seu tribunal?
O juiz Morrison franziu a testa, mas assentiu.— Ela deve retornar aos cuidados de seus pais sob estrita liberdade condicional, sendo o primeiro de junho a data para ser libertada.
— Fay? — Meu corpo estava sendo sacudido, os movimentos duros me libertando da memória escura. Meus olhos clarearam e vi Kyle olhando para mim, seus olhos cheios de preocupação. — Você está bem?
Balancei a cabeça, tentando me libertar da névoa que enchia minha mente. — Sim, desculpe-me. Só pensando.
Kyle usou as costas da mão para roçar minha bochecha. Seus dedos estavam quentes contra a frieza da minha pele.
— Vocês vieram? — Cody chamou da porta do hotel. Ele ergueu as sobrancelhas, perguntando-me em silêncio se eu estava bem. Jogando-lhe um sorriso suave, olhei em volta para o resto dos meus amigos que estavam todos me observando com curiosidade.
Eu forcei uma suave risada. — Sim, estou bem. Vamos.
O entusiasmo na minha voz estava longe de ser convincente, mas dei um sorriso a Kyle antes de me afastar e caminhar até onde Cody segurava a porta aberta.
Ele devolveu meu sorriso, obviamente satisfeito que eu estava bem e colocou a mão dele para a frente dele. — Depois de você, minha senhora. — Alívio me encheu quando vi o jeito que ele estava vestido. Eu estava preocupada que nos destacássemos, por que não tínhamos exatamente muitas opções quando se tratava de roupas. Eu tinha ido com um jeans esfarrapado preto, sapatilhas gastas da Converse18 e um top vermelho com uma jaqueta usada de couro por cima.
Era tão bom quanto eu conseguia.
Mas Cody estava vestido da mesma maneira em uma calça jeans baixas, que eu não tinha certeza de como se mantinha em seu corpo magro e uma camiseta de banda.
Eu zombei da reverência. — Obrigada, jovem senhor.
Meus olhos se arregalaram quando entrei pelas portas do saguão do hotel. Era simples, mas lindo. Os pisos eram de azulejo branco puro, a luz vinha do enorme lustre que pendia acima de mim refletindo em todas as superfícies imaculadas. Suspiros encheram o espaço à medida que todos os meus amigos entravam, desfrutando desse espaço deslumbrante.
— Posso ajudá-lo? — Uma jovem sorriu por detrás da recepção, que estava forrada de dourado ouro. Sua roupa até combinava com a recepção — branco com detalhes dourados.
Cody deu um passo à frente e eu o segui quando se aproximou de uma mulher. Fiquei surpresa que ela não nos tivesse olhado com ceticismo ou chamado o segurança. Deveríamos estar parecendo tão fora do lugar.
— Você deve estar aqui para a festa no décimo oitavo andar.
— Sim, o meu nome é Cody Dean.
A mulher olhou para baixo para a secretária, passando o dedo pela lista. — Ah sim, aí está você. Quantos vão se juntar a você?
Cody olhou em volta, fazendo uma contagem rápida. — Uh, mais cinco.
Ela fez uma anotação e sustentou algum tipo de cartão. — Aqui está seu cartão de entrada. Você precisará entrar no elevador para chegar até ao oitavo andar, já que é uma festa privada.
— Obrigada. — Eu dei à mulher um sorriso suave enquanto Cody pegava o cartão e se dirigia para a esquerda, onde havia uma série de seis elevadores.
— Vocês estão prontos para isso? — Cody perguntou quando entramos no elevador e ele passava o cartão-chave contra o painel. Indicou apertando o botão automático para o oitavo andar e as portas se fecharam devagar. — Eu garanto, vocês nunca viram nada assim.
Eu não sabia se era a única que estava nervosa, mas todo o meu corpo estava tão tonto de excitação, tanto que os nervos do meu estômago estavam severamente dominados. Os rostos sorridentes de meus amigos encheram o espaço apertado, e quando o elevador disparou o alarme de chegada e as portas se abriram, percebi o quão certo Cody estava.
CAPÍTULO OITO
A música foi a primeira coisa que me chamou a atenção, o som estéreo batendo contra o meu peito.
Saímos do elevador para um corredor lotado. As pessoas riam e se misturavam em pequenos grupos, a maioria carregando copos de plástico vermelhos, que eu soube imediatamente que continham álcool.
— O paraíso na terra, eu atingi a riqueza. — Lee murmurou, segurando a mão no peito. Eu ri e me joguei em suas costas.
Meus sentidos foram superados quando olhei tudo para dentro. — Quantos quartos há neste andar?
— Eu nem tenho certeza — Cody sorriu.
As portas pareciam estar abertas ao longo de todo o corredor, as pessoas saindo e passando para a próxima. Ouvi o guincho de um microfone e a batida de um tambor.
— Tem a porra de uma banda! — Layla saltou em seus pés e bateu palmas. — Vou procurá-la.
— Tenha cuidado —Kyle gritou quando ela praticamente correu pelo corredor, com um animado Andre logo atrás dela. — Eu acho que vou precisar de uma bebida. — ele gemeu.
— Isto é suposto ser divertido, meu irmão. — Lee riu, dando um empurrão em Kyle. — Relaxe e divirta-se pela primeira vez.
Lee me fez subir em suas costas. — Em frente, Cody. Para a bebida.
Cody riu e nos arrastamos atrás dele enquanto passava pelo fluxo de adolescentes. Eu não deixei escapar o jeito que as meninas olhavam para os dois irmãos. Eles eram idênticos em todos os sentidos, além das roupas que usavam. Não só isso, mas eles eram quentes como o inferno.
Espiei pelas portas à medida que passávamos. A maioria estava cheia de pessoas, garotas dançando, caras bebendo, havia uma que parecia até um salão de jogos com algumas mesas de bilhar e pessoas sentadas jogando cartas.
Um deles chamou minha atenção mais do que os outros, entretanto, e eu me mexi com urgência, tentando descer das costas de Lee.
— Woah lá, senhora. — Ele parou e se agachou para que meus pés pudessem tocar o chão.
— Eu só vou entrar aqui por um segundo. — Apontei de volta para a porta. Lee olhou para a frente, Cody e Kyle continuaram andando conversando entre eles e sem perceber que paramos.
— Você quer que eu vá? — Ele perguntou.
Balançando a cabeça, segurei minhas mãos. — Não, está tudo bem. Eu só quero dar uma olhada. E seu irmão nunca me deixará fazer isso sem ele ao meu lado.
Lee revirou os olhos, entendendo o que eu estava dizendo. — Ok, eu voltarei em breve.
Ele me deu um abraço e correu para alcançar os meninos. Eu me esquivei para dentro do quarto antes que Kyle percebesse que eu estava desaparecida e voltasse para mim. O quarto em que eu entrei era mais quieto do que o resto, quase como se as pessoas soubessem que não deveriam entrar. A música do corredor ainda filtrava suavemente, mas as pessoas estavam sentadas casualmente conversando e rindo, não se esfregando ou bebendo bebidas como eu tinha visto nos outros que passamos.
Dobrando meus braços sobre o peito, eu falei em voz alta: — Layla ainda está esperando por aquele violão.
Minha voz chamou a atenção de quase toda a sala. Mas foi quando Braydon se virou para mim com um sorriso gigante no rosto que eu não pude deixar de esboçar um sorriso.
— Bem, bem. Parece que alguém deixou o povinho entrar. — Não havia sarcasmo ou nojo em seu tom de voz quando ele se aproximou, então eu sabia que não devia tomar como ofensa a zombaria dele. Mesmo na nossa breve interação algumas noites antes, eu percebi que era assim que ele era. — Que surpresa ver você aqui.
— Eu gostaria de poder dizer o mesmo, mas deveria ter adivinhado que você estaria em uma festa como essa.
As pessoas nos observavam interagir com olhos cautelosos, não sabiam quem eu era e não tinham certeza do que deveriam fazer comigo. Quando Braydon jogou um braço sobre meu ombro e me guiou até ao bar, eles relaxaram e voltaram para as suas conversas, a maioria de qualquer maneira. Algumas meninas estreitaram os olhos do outro lado da sala, eu podia sentir seus olhares de laser19.
— Vamos pegar uma bebida para você. — Braydon sorriu quando entramos na cozinha do quarto do hotel. As pessoas se afastaram enquanto ele pegava um copo e colocava um pouco de vodka seguida de suco de laranja. Ele me entregou antes de subir no balcão.
Eu tomei um gole, sentindo uma queimadura gentil, mas familiar, deslizando pela minha garganta. Braydon me observou em diversão, e eu levantei minhas sobrancelhas. — O quê?
— Essa merda foi metade-metade20 e você nem sequer vacilou.
Eu revirei meus olhos. — O álcool não é uma substância estranha para mim. Nós apenas nunca temos nada para misturar, então isto é muito bom. — Era verdade. Apesar de não basearmos nossas vidas em ficarmos bêbados todas as noites da semana, não era incomum que usássemos álcool como nossa droga de escolha na tentativa de escapar da vida, mesmo que apenas por algumas horas.
Ele riu alto, batendo a mão na superfície de mármore abaixo dele. — Uma menina que bebe sem ter dúvidas... me faz dizer, fica calmo meu coração21, — ele cantou, sua mão posta seu peito dramaticamente.
— Alguém já te disse que você deveria ser ator? — Eu perguntei sarcasticamente.
— Basicamente, uma em cada duas pessoas. Você entende isso quando seu pai é um famoso diretor de cinema. — Ele balançou as sobrancelhas.
Minha mente demorou um minuto para acompanhar o que ele acabava de dizer. Talvez tenha sido o álcool já me batendo. — Whoa, espere um segundo. Você não quer dizer...
— Que meu pai é dono de todo esse hotel? De que outra forma você acha que alguém poderia se dar bem reservando um andar completo e enchendo-o de adolescentes bêbados? — Ele olhou para mim como se fosse óbvio.
Eu sabia desde o segundo que vi Heath e Braydon, e até seus amigos, que eles tinham vindo de um mundo com algum tipo de dinheiro. Suas roupas, o jeito que eles se mantinham, sua confiança. Tudo fazia sentido. Mas nem eu imaginava quanto dinheiro estava envolvido nisso.
— Jesus Cristo, — eu murmurei antes de levantar meu copo para a boca e engolir a bebida toda.
Braydon pulou do balcão e pegou o copo da minha mão. — Segunda rodada! — Ele começou a preenchê-lo novamente, desta vez deixando a vodka fluir mais livremente. Eu tentei me lembrar de que não poderia ficar bêbada aqui. Não conhecia estas pessoas ou o que poderia acontecer e se os meninos acabassem tendo que levar a minha bunda para casa. Eu estaria metida em tanta merda.
Eu me preparei, pronta para dizer a Braydon que não queria outro copo até que meus olhos se conectaram com a imagem de uma pessoa com olhos azuis cintilantes que vinham assombrando minha mente por dias.
Suas mãos estavam fixas fechando um botão de sua camisa. O resto estava aberto, exibindo um peito bronzeado que era forte e tonificado com musculos abdominais suavemente delineados. Eu estava completamente em transe. Eu não tinha certeza do que me atraiu para Heath. Ele era sexy, mas tão sério. Tudo sobre ele gritava intocável.
Talvez essa tenha sido a empatia?
Uma menina saiu do corredor ao lado dele, com os pés sobre saltos enquanto ela ajustava o seu vestido com um sorriso silencioso em seus lábios. Os olhos de Heath se voltaram para ela, mas ele balançou a cabeça enquanto continuava a abotoar a camisa.
Ela estendeu a mão e tocou o braço de Heath, mas ele nem sequer a reconheceu. O grupo de garotas no canto da sala deu uma risadinha enquanto elas assistiam. Percebendo que não ia conseguir qualquer atenção dele, ela grudou um sorriso falso, ergueu o queixo e caminhou até o bando risonho. Elas cercaram em volta dela, sussurrando baixinho.
Uma taça vermelha apareceu diante do meu rosto e eu a peguei das mãos de Braydon, tomando um grande gole. A queimadura era mais intensa agora, continuava até ao meu estômago e se acomodava, enchendo meu corpo de calor.
Senti uma mão pressionar contra as minhas costas, forçando o meu corpo a se mover. — Hey... — Braydon protestou. — Ela era minha amiga primeiro!
Deixei Heath me guiar para longe da cozinha e de volta pelo corredor que ele tinha acabado de sair, empurrando-me através da porta de um quarto e acendendo a luz antes de fechar a porta atrás de mim. As cobertas da cama foram jogadas, e eu não pude evitar, mas fechei meu rosto em desgosto. Assim que abri a boca para saber o que havia acontecido aqui, me vi pressionada contra a parede.
Eu ofeguei, líquido espirrando sobre a borda do meu copo e cobrindo minha mão.
Uma das mãos de Heath estava pressionada contra a parede ao lado da minha cabeça enquanto a outra pressionava suavemente contra o meu estômago, me segurando no lugar. — O que você está fazendo aqui? — Seu tom de voz provocou frustração dentro de mim, e eu inclinei a cabeça para que pudesse ver seu rosto.
— Eu fui convidada, — consegui dizer entre os dentes cerrados. — Agora, se não se importa, você está na minha frente.
— Você não deveria estar aqui.
Endireitando meu corpo, eu empurrei contra a sua mão, forçando-o a dar um passo para trás. Não pude deixar de balançar a cabeça. — Eu não sei porque pensei que você fosse diferente.
Virando-me, peguei a maçaneta da porta, mas fui novamente puxada. Desta vez, Heath arrancou meu copo da minha mão e jogou-o contra a parede. Líquido espirrou em todos os lugares, manchando o tapete de cor creme com gotículas de laranja.
— Que porra de problema é o seu? — Eu gritei, não me deixando intimidar. Eu não estava com medo de Heath. Ele pode parecer sombrio e melancólico, mas nunca tive a sensação de que ele tentaria me machucar. E essa era uma intuição que, depois de viver nas ruas por quase dois anos, eu tinha aprendido.
— Eu não sou boa o suficiente para estar aqui com um bando de adolescentes, que são ricos o suficiente para provavelmente comprarem sua própria ilha? O que é isso? Você não quer que essas pessoas fiquem sabendo que nos conhecemos antes? Porque Braydon não parecia dar a mínima...
O meu discurso maluco foi interrompido quando Heath colocou as mãos em cada lado do meu rosto e puxou meus lábios para se encontrarem com os dele. No segundo em que seus lábios tocaram os meus, meu corpo praticamente se derreteu. Minhas mãos alcançaram sua cintura, puxando-o contra mim. Sua boca se encaixou com a minha, controlando cada movimento, inclinando minha cabeça para onde ele queria.
Me perdi no momento, quase me fez esquecer da cama destruída e ele e a garota terem que ajustar suas roupas na saída. Eu congelei, puxando seus pulsos para que suas mãos saíssem do meu rosto. Recuei imediatamente, respirando pesadamente e meu coração batendo forte.
Eu toquei com os dedos nos meus lábios que já estavam um pouco inchados e cheios. Balançando a cabeça, eu sussurrei: — Não, isso não está bem.
— Porquê? — Sua voz suave percorreu meu corpo como uma onda suave.
— Eu não sei o que é normal para você, Heath. Mas para mim, eu não quero beijar um cara que acabou de estar neste mesmo quarto a transar com outra garota. — Apontei com a minha mão para a cama e levantei as sobrancelhas, desafiando-o a argumentar contra a evidência.
Ele esfregou o rosto. — Eu não transei com Jay. Ela me fez trazê-la de volta aqui para limpar alguma coisa do seu vestido. Depois ela molhou a minha camisa, então eu tive que trocar.
— Eu posso te garantir, não é o que todas as outras pessoas na sala pensam.
— E eu não dou a mínima para o que alguém naquela sala pensa. — Ele sentou-se na borda da cama e se inclinou para a frente, apoiando os cotovelos contra os joelhos.
Suspirando, recostei-me contra a porta. — Por que você disse que eu não deveria estar aqui?
Ele olhou para mim abaixo de uma sobrancelha pesada. — Essas crianças são idiotas ricos, Fable. Eu deveria saber, muitos deles são meus amigos.
— E eu não sou digna de estar na presença deles?
Ele riu e eu parei um momento para apreciar o som, mesmo que fosse completamente vazio. — Você sabe o que eles fariam se descobrissem quem você é e de onde você é?
Desta vez, foi a minha vez de rir. — Você sabe há quanto tempo eu tive que lidar com abuso e crítica de pessoas? Não é novidade para mim que as pessoas me chamem de nomes e me tratem como merda. Eu desisti de dar a mínima para isso há muito tempo.
Balançando a cabeça, ele olhou de volta para o chão. — Não estas crianças. Eles são implacáveis, seres calculistas. Pessoas que não são como eles, são quebradas e arrastadas pela sujeira.
Agora eu entendi. Não era que Heath não achasse que eu não fosse rica o suficiente ou bonita o suficiente. Ele estava tentando me proteger de novo.
— Deixe-me dizer uma coisa... — Eu comecei esperando que seus olhos buscassem em minha direção antes de continuar. — Eu estava na rua por apenas quarenta e oito horas antes de ser abordada por algum gangster que me queria acrescentar à sua lista de prostitutas para jogar na esquina. Vinte e quatro horas depois fui puxada para um beco onde eles me bateram e roubaram tudo o que eu consegui trazer da minha casa. Mais tarde naquela semana, um cara rico de terno tentou...
— Chega, — ele retrucou, com as mãos cerradas quando ele saiu da cama e ficou em pé.
— Seus amigos lá fora podem ser desprezíveis com suas palavras, mas eu já passei pela merda de paus e pedras. Então você realmente acha que eles vão ser os únicos a me machucar? — Eu bufei sem graça. — Eu não poderia me importar menos.
Nós nos encaramos do outro lado da sala, até que Heath finalmente quebrou a tensão com um sorriso que puxou o canto de sua linda boca. — Você é diferente.
— Isso é um elogio ou um insulto?
Ele riu baixinho, balançando a cabeça à medida que se adiantava e segurava minha mão. Ele me puxou para longe da porta enquanto pegava a maçaneta. — Vamos. Vou chamar Bray para lhe dar outra bebida.
CAPÍTULO NOVE
Braydon não tinha vergonha de jogar seu dinheiro ao redor, não literalmente, mas enquanto eu observava ele criar um alvo na parede branca do apartamento que era impecável usando apenas condimentos, eu sabia que ele não tinha escrúpulos sobre quem ele era e o quão alto estava a família dele na hierarquia da vida.
Eu estava sentada pendurada no topo do banco de mármore, Heath inclinado ao meu lado com o braço roçando minha perna. Nenhum de nós tinha esquecido como ele quase me atacou no quarto, mas eu poderia jurar que meus lábios ainda pareciam deliciosamente prontos para outros beijos.
Nós dois rimos enquanto seu irmão anunciava o jogo que estavam prestes a jogar. Ele estava muito animado e completamente investido, afirmando que em poucos anos seria um novo desporto olímpico.
— Cada pessoa recebe três balões de água cheios de líquido. — Ele segurava um pequeno balão na mão, eu sabia que não era água dentro, no entanto, era escuro e grosso. — Um ponto para o círculo externo, dois para o meio e três se você acertar o alvo.
— O que ganhamos? — Alguém gritou da multidão.
— Se uma garota ganhar, ela me pega, se um cara vencer, você escolhe uma das garotas. — Um grito alto seguiu-se na sala. O mesmo grupo de garotas que tinham cercado aquela que saíra do quarto com Heath, a tal Jay, acho que ele a chamou assim, gritavam e agiam como se fosse uma honra serem oferecidas.
Tomando um gole da minha bebida, olhei para Heath. — Ele sempre gosta disto?
— Você não faz ideia. Mas geralmente é a parede da casa de outra pessoa.
— As pessoas nem se importam que ele entre em sua casa e pinte a parede com ketchup? — Eu perguntei, totalmente surpresa.
Heath sorriu. — Eles não se importariam se urinasse na parede deles. Se Bray estiver na sua festa, significa que todos seguirão. Aos olhos dessas crianças, isso faz com que você seja popular.
— E isso é o mais importante para eles?
— É tudo para eles.
Depois de sentar aqui e estudar a sala por cerca de vinte minutos, eu percebi uma coisa, as pessoas não se aproximavam de Heath como faziam com Bray. Garotas olhavam para ele com admiração e adoração em seus olhos, e os caras diziam hey, mas seguiam em frente rapidamente.
— Ser popular não é importante para você. — A maneira como eu o disse era mais uma afirmação do que uma pergunta, mas esperava que ele confirmasse meus pensamentos.
Ele bufou. — Eu tenho um pequeno grupo de amigos, pessoas em quem confiaria minha vida. A maioria deles eu conheço desde criança. Eu sei que todo mundo está ciente de quanto dinheiro minha família tem, não compro a porcaria das pessoas, tentando entrar no meu círculo íntimo e fingir ser meu amigo.
— E Bray faz?
Heath sacudiu a cabeça. — Ele sabe. Bray deixa as pessoas entrarem, mas um movimento em falso e ele vai te cortar pelos joelhos. Ele pode ser despreocupado e divertido, mas pode ser tão implacável quanto o resto deles. Estas pessoas pensam que são seus amigos, mas não são, ele simplesmente gosta de ser o centro das atenções e a vida da festa.
Até conhecer a Layla no reformatório, eu não tinha amigos desde que cursava o ensino fundamental. Isso foi a época em que eu percebi que a maneira como meus pais me tratavam, não era normal. Eu via outras mães e pais com seus filhos, deixando-os na escola, abraçando-os e beijando-os e depois pegando-os novamente.
As crianças me contavam histórias sobre onde eles iam no fim de semana ou nos feriados, sobre festas de aniversário e recreações. Quando eles começaram a me perguntar sobre o que eu fazia com a minha família, comecei a evitá-los, não querendo responder ou fazê-los rir de mim.
— Fable. — Endireitei minhas costas, olhando para ver Kyle parado na porta com Lee e Cody. Kyle parecia zangado, mas Lee simplesmente não conseguia parar de sorrir. Eu sabia que seus olhos estavam focados na proximidade do meu corpo e do de Heath.
Uma alegria encheu a sala quando um garoto atingiu o centro do alvo da parede com uma explosão do que eu esperava que fosse maionese. Os três garotos atravessaram a multidão até que eles nos alcançaram. Senti o braço de Heath tenso, mas ele não moveu seu corpo. Seu comportamento ainda parecia calmo e relaxado, mas eu sabia que ele estava agitado.
— Oi Heath, — disse Cody com um movimento de sua cabeça. — Não sabia que você conhecia Fay.
Heath baixou a cabeça em saudação, mas foi Bray que respondeu por ele quando saiu do nada. — Fable é a minha rata de rua favorita, — ele se gabou, deslizando ao meu lado e colocando o braço em volta dos meus ombros.
— Cale a boca, Bray, — Heath falou baixinho, inclinando-se para a frente e acertando seu irmão com um olhar que só reforçou suas palavras.
Braydon franziu a testa. — O quê? Ela pode tomar álcool melhor do que metade dos caras daqui. Ela tem um atrevimento e uma atitude que rivalizam com a minha própria. — Ele colocou a mão dele em seu coração como se isso fosse algo enorme.
Eu vi pessoas começando a perceber o que estava acontecendo, amaldiçoando silenciosamente enquanto tentava sair para fora da bancada. — Eu vou checar o resto da festa.
— Awe22... vamos lá, Fay, — Lee gemeu. — Eles estão jogando balões cheios de porra aqui. — Outro explodiu contra a parede enquanto falava, seguido por um rugido de excitação e aplausos.
— Irmão, você deveria ter estado aqui antes quando os meninos tiveram que preenchê-los. Era estranhamente erótico. — Braydon mexeu as sobrancelhas para Lee e seu rosto se iluminou.
— Realmente?
Braydon sorriu. — Não, cara, desculpe.
Lee franziu a testa, mas você poderia dizer que ele estava gostando da brincadeira de Braydon. — Nunca brinque sobre essa merda. Eu levo pau muito a sério. Trocadilho intencional.
Um estrondo de riso explodiu da boca de Bray. — Ok, eu mudei de ideia. Ele é o meu favorito. Desculpe Fay, você está fora.
— Oh, que decepcionante, — eu murmurei sarcasticamente.
Ele me deu uma tapinha na cabeça. — Não se preocupe, você ainda é a favorita de Heath. Eu sei quando meu irmão mais velho...
— Bray, eu juro por Deus... cale a boca. — Heath empurrou seu banquinho, ombros para trás e punho cerrado. Eu assisti Kyle tenso, obviamente entendendo a insinuação.
— Ok, acho que é hora de irmos encontrar Lay e Andre. — Eu dei um passo à frente, empurrando o peito de Kyle e forçando-o para trás. Ele não lutou comigo, mas fez se saber que estava totalmente pronto para derrubar pela maneira como seus músculos se projetavam contra sua camisa, e como ele se recusou a tirar os olhos de Heath.
Cody seguiu, olhando curiosamente entre os dois meninos.
Consegui levá-lo para o corredor, a risada de Lee nos seguindo pela porta e ele logo estava ao meu lado.
— Você quer explicar o que aconteceu lá? Você desaparece, e então eu acho você saindo com aqueles garotos ricos, rindo e brincando como se fossem velhos amigos. — Kyle agarrou meu pulso enquanto eu tentava puxar minha mão de seu peito. — Você acha que eles se importam com você? Você mesma o ouviu, chamando você e Lee, ratos de rua e rindo disso.
— Ele não disse isso para ser mau, Kyle, — eu disse a ele severamente, arrancando minha mão da dele. As pessoas andavam ao nosso redor, alheias à tensão no ar, apenas curtindo a festa. — De qualquer forma, quem se importa? Isso é o que somos, não é?
— Eu não preciso daqueles babacas me lembrando de onde moro, Fable. Eles vão para casa, para as suas mansões bilionárias e amanhã vão rir disto. Como conseguiram que uma das crianças da rua se voltasse contra a sua própria turma. — Eu podia sentir sua raiva aumentando, e isso estava atraindo mais e mais atenção para nós.
Eu me aproximei dele, abaixando a minha voz para quase um sussurro — Eu não sei em que porra você está agora, mas precisa dar um passo atrás e se acalmar.
Seus olhos encontraram os meus, e eu poderia dizer que não era apenas a fúria se escondendo neles. Havia outra coisa. Ciúmes?
— Cody, você pode passar o cartão? Acho que é hora de irmos para casa — a minha voz era silenciosa e mortal.
— Você tem certeza? Nós poderíamos ir para uma sala diferente? — Cody perguntou nervosamente, ele estava obviamente fora de suas profundezas quando se tratava de confronto.
Balancei a cabeça. Agora que houve uma cena, não vai demorar muito para todo mundo ouvir o que está acontecendo. Isso só vai piorar as coisas.
Lee passou os braços em volta de mim e beijou minha bochecha. — Vocês vão, eu vou encontrar Layla e Andre.
Cody e Lee nos seguiram até aos elevadores, Kyle pisando para dentro como uma criança amuada e se pressionando contra a parede.
Quando saímos pela porta da frente, percebi que a raiva dele começou a evaporar, mas a minha não.
— Fay...
— Só não, Kyle, — eu bati, puxando minha jaqueta em torno de mim. — Você sabe, eu gosto de ver que você está aqui para mim, que se importa em querer me proteger e me manter segura. Mas você sabe o quê, eu não sou aquela menina perdida que era antes, procurando por alguém para amá-la e dizer que está tudo bem.
Ele chutou uma lata vazia enquanto caminhávamos rua abaixo, as luzes das lâmpadas de rua eram a única coisa que nos permitia ver na escuridão total. O ar estava frio comparado ao andar lotado da festa. Todos aqueles corpos juntos lá dentro aqueciam como uma sauna, e agora que estávamos de volta ao lado de fora, senti um arrepio percorrer-me.
Eu não tinha certeza se era da brisa fria que parecia ter chegado na última hora, ou se era uma lembrança sombria do fato de que isso era apenas a minha vida, minha realidade, uma vida fora no frio. Eu caminhava de volta para a tenda onde morava, enquanto aquelas crianças festejavam durante a noite e iam para casa, para as suas camas macias e cobertores quentes.
— Ele olha para você de maneira diferente, — Kyle murmurou enquanto caminhávamos lado a lado. — Ele quer algo de você.
O beijo brilhou em minha mente, o quão gentil Heath tinha sido e ainda como controlou meus movimentos e assumiu a liderança. Eu lambi meus lábios, a lembrança de como ele se sentia contra mim excitou meu corpo.
— Heath, Braydon e seus amigos salvaram nossas bundas na outra noite. Eles poderiam ter passado direto por nós e nem sequer dado uma segunda olhada, mas não o fizeram. Eles se levantaram e nos ajudaram. — Eu parei de repente, Kyle parando comigo. Seus olhos estavam cheios de frustração e eu estava começando a entender por quê.
Durante quase os últimos dois anos, eu havia confiado em Kyle para quase tudo. Eu tinha ido até ele quando estava me sentindo para baixo, olhei para ele para me manter segura. E quando eu precisava sentir o toque de conforto de alguém, ele estava mais do que disposto a oferecê-lo. Ele nos ensinou como viver e sobreviver, e na maior parte, todos nós o vimos como a pessoa que nos mantinha juntos e vivos.
Mas nunca tivemos alguém vindo de fora e o desafiando. E mesmo que isso nunca tenha sido a intenção de Heath ou Braydon, estava acontecendo. Senti-me à vontade em torno deles, apesar de nossas diferenças, e a tentativa de Heath de me proteger de seu próprio povo me fez sentir como se estivesse segura quando estava com ele.
Talvez Kyle estivesse com medo de eu descobrir que havia outras pessoas lá fora, além do grupo de pessoas que eu agora chamava de minha família, que na verdade poderiam importar-se comigo. Talvez ele devesse estar com medo, porque o que eu estava começando a sentir por Heath não era nada que já tivesse experimentado antes.
Talvez eu devesse estar com medo também.
CAPÍTULO DEZ
Fui direto para a tenda de Eazy quando voltamos. Kyle sentou-se do lado de fora com Sketch e Coop, respondendo às perguntas sobre a festa com falso entusiasmo.
— Ei Fay, — Eazy resmungou quando me aproximei dele e coloquei minha cabeça em seu travesseiro. Nós gastamos um pouco do dinheiro que nós tínhamos nas representações para pegar uma merda de erva para Eazy depois que ele recusou qualquer tipo de medicação para a dor. Ele estava determinado a nunca mais voltar para lá, mas eu não sabia se ela estava trabalhando. Ele parecia estar em constante dor e não passava muito tempo fora de sua tenda.
— Como você está se sentindo? — perguntei suavemente, retirando o cabelo em sua testa. Estava escorregadia de suor.
— Melhor, — ele respondeu simplesmente. — Como foi a festa?
Suspirando, eu rolei de costas e olhei para o teto. O material leve bateu com a brisa suave.— Você sabia que o pai de Heath e Braydon era dono do Parkens Hotel?
Eu não podia ver, mas eu podia sentir seu sorriso. — Sim. Eu já estive em uma festa lá antes.
— Você sabia que eles estariam lá? — Eu meio que acusei, meio ri.
— Eu suspeitei que eles pudessem estar.
Rolei em direção a ele novamente. — Mas você apenas decidiu deixar isso de fora?
— Porque você merecia se divertir, — ele respondeu sem qualquer tipo de reserva ou culpa. — Eu era chegado a Bray na escola, as pessoas não chegavam perto de Heath sem ser um tipo maluco especial. Mas eu vi o jeito que ele te observou.
Engolindo em seco, perguntei baixinho: — Por que você não disse alguma coisa?
— Porque eu sabia que eles poderiam mostrar-lhe um lado diferente da vida, — respondeu ele. — Eu sei que há algo melhor lá fora, já tive melhor. Mas você nunca foi tratada corretamente. Você é forte, Fay. Este lugar é perigoso e assustador, mas não importa o que joguem em você, você lutará e sobreviverá.
— Você diz isso como se fosse mau.
Eazy suspirou,seguido por um gemido doloroso quando ele forçou para falar: — Porque às vezes precisamos saber que há algo melhor lá fora para nós lutarmos por isso. — Ele nunca reclamou ou gemeu sobre a situação em que estava agora. Eu acho que ele percebeu que tinha sido sortudo, e que tomou uma decisão horrível e arruinou tudo.
Eu fiz uma careta. — Eazy, essas crianças estão em uma liga diferente. Eles não são apenas crianças comuns com pais que ganham o salário mínimo.
— Mas eles fazem você querer algo mais, não é? — Ficamos em silêncio por um tempo.
Eazy estava certo. Eles tinham dinheiro, mas não era isso que me puxava para querer ter. Eu passei toda a minha vida sendo magoada e tratada como lixo. Sim, eu encontrei estas pessoas que se tornaram como minha família, elas me mostraram amor e amizade como nunca tive antes. Mas a realidade era que as ruas não eram muito diferentes do que eu vivia antes. Era uma zona estranha de conforto.
Eu acabei de trocar meu pai por um tipo diferente de demônio. Enquanto eu sabia o que esperar dele, a escuridão aqui fora se disfarçava em muitas formas diferentes e se escondia nas sombras.
— Você quer mais? — Eu perguntei suavemente.
— Muito mais.
— Noite Anton.23 — Eu brinquei enquanto me arrastava para a saída.
Ele riu, mas não foi a mesma risada que eu me lembrava. Eu sabia que havia algo errado, só não sabia o que fazer sobre isso.
Era de manhã cedo quando me levantei para fora da minha tenda. Eu podia ouvir o suave arranhar das cordas da guitarra, o som era literalmente música para os meus ouvidos. Layla sentou no tronco do lado de fora da minha tenda e uma nova guitarra estava em seus braços enquanto tocava e sussurrava calmamente.
— Você tem um novo violão.
Ela se virou para me encarar, enquanto eu me sentava na minha porta esfregando meus olhos cansados.
— Você conhece a banda que esteve lá ontem à noite? Este é o violão do vocalista. — Ela olhou para ele com admiração, como se não pudesse acreditar por um segundo que estava em suas mãos. — Braydon fez com que todos assinassem para mim, e então ele disse que eu poderia tê-lo.
Olhando para ela com a boca aberta, eu não conseguia nem formar palavras.
— Eu sei né. — Sua cabeça balançou de acordo com o meu silêncio. — Isso é exatamente o que eu disse.
Eu saí da tenda nas minhas calças de treino e moletom, o ar estava mais frio hoje. Frio, mas sem brisa. — A que horas vocês voltaram?
— Logo depois da uma, eu acho. Eu tentei dormir, mas meu corpo estava ansioso para tocar. — Ela continuou a dedilhar, não sei se ela estava apenas sentindo o instrumento ou se estava tocando uma música, mas de qualquer forma, isso sempre soava bonito. Acho que todos nós sentiríamos a falta de Layla sentada a tocar sem razão. Era estranhamente calmo e normal ouvir algum tipo de música enquanto estávamos em casa.
— Então Braydon superou-se, huh, — eu comentei, sentada no chão ao lado de suas pernas e inclinando a cabeça contra ela enquanto abafava um bocejo.
— Eu tenho que lhe dar os parabéns, ele realmente é a vida da festa. Todo mundo queria falar com ele e dizer oi. Garotas se esfregavam contra ele sem motivo, e os caras diziam qualquer coisa para iniciar uma conversa.
Eu balancei a cabeça, sabendo exatamente o que ela estava falando. — Heath estava lá? — Eu sabia que o tom casual na minha voz não era tão casual, mas tentei de qualquer maneira.
— Por um segundo. Havia uma garota seguindo-o como um cachorrinho perdido, ele continuava a tentar afastá-la, mas acho que acabou por ficar tão irritado que disse a Braydon que estava indo para a cama e partiu, deixando-a furiosa. — Layla deu uma risadinha pouco antes de continuar: — Há algo que você queira me dizer?
Eu sabia exatamente de que garota ela estava falando sem ter que pedir uma descrição dela. Jay me olhou durante todo o tempo em que me sentei com Heath, e ela não sentiu a necessidade de escondê-lo. Sabendo que ela tentou seduzi-lo novamente depois que eu saí, deixou um gosto amargo na minha boca e irritação a cravar por dentro. Era ciúmes?
Olhei em volta para as tendas e o ronco suave encheu o ar. Olhando para Lay, eu baixei a minha voz para quase um sussurro, — Heath me beijou. — Minha mão foi direta para cobrir a minha boca como se eu não pudesse acreditar que tinha acabado de admitir para alguém o que tinha acontecido. Foi bom, no entanto.
— Eu pensei que algo tinha acontecido. — Ela engasgou, e eu bati em sua perna, calando-a. — Ele estava vagando em torno de Braydon, era como se estivesse procurando por algo. Ele estava procurando por você. — Sua voz estava quieta agora, mas ela não conseguia esconder a excitação. Isso me fez sentir tonta também, como uma garotinha que acabara de saber que sua paixão gostava dela. Mas eu acho que isso era quase verdade.
Além de Kyle, nenhum dos meninos jamais se aproximou de mim como mais do que apenas um amigo. Claro, os homens na rua olhavam, e eu tive o meu quinhão de propostas cada novo dia, mas isso era tão diferente.
Eu queria saber mais sobre Heath, queria saber o que o fazia vibrar e senti-lo me tocar de novo. Era uma queimadura doce que estava lentamente consumindo meu corpo com calor. Ele tinha sido um mistério para começar, mas aparecendo na minha vida novamente, tenho certeza que não pode ter sido uma coincidência.
Eu sabia que ele sentia algo também, não por causa do beijo, mas por causa do jeito que ele me observava como se estivesse estudando cada parte de mim e a memorizando.
Deitei minha cabeça de volta no joelho de Layla, relaxando-me no sonho que sabia que provavelmente nunca se repetiria. Até agora o universo não tinha sido bom para mim, por que começaria agora?
Layla, como se lendo meus pensamentos começou a tocar uma das minhas músicas favoritas, Burning House. Sua letra me embalou suavemente enquanto ela cantava a linda e suave melodia. Ela me conhecia tão bem que às vezes era quase assustador. Eu amava todos os meus amigos aqui, mas era Layla que sabia que podia confiar em tudo, e sabia que não importava o que fosse, ela apenas entendia.
Eu conheci Layla no reformatório, ela sutilmente jogou-se em minha vida e forçou sua amizade em mim, mas eu estava tão grata que ela o tinha feito.
— Oi. Posso sentar com você? — Eu pulei com a voz baixa, ninguém nunca havia se aproximado de mim antes. Olhei para cima e encontrei uma pequena garota com longos cabelos loiros, que estavam penteados para a frente de seu ombro em uma trança, e chegavam bem além de sua cintura. Seus olhos eram uma sombra impressionante do que eu só poderia descrever como azul ganga. — Umm... está tudo bem? — Ela perguntou novamente levantando a sobrancelha e me sacudindo do meu torpor.
Limpando minha garganta e retornando ao meu livro, respondi calmamente: — Sim, claro.
Ela sentou-se com um baque na cadeira à minha frente, o movimento tão deselegante e tão contrário ao olhar de alta classe que ela retratou. — Ótimo! — Ela disse alegremente, em seguida, pegou sua comida por alguns minutos antes de falar novamente. — Meu nome é Layla.
Levantei meus olhos mais uma vez do meu livro para ver seu sorriso para mim. Boca perfeita, lábios perfeitos, covinhas perfeitas.
— Keira. — Eu disse a ela suavemente.
Ela pegou sua sanduíche e deu uma grande mordida. — Esse é um nome muito bonito, não muito comum. — disse ela em torno de uma boca cheia de comida.
Um sorriso se curvou no canto da minha boca. Eu gostei do meu nome, foi uma das únicas coisas que meus pais fizeram certo. Keira significava vagamente cabelos negros, sua origem era irlandesa. Minha mãe me disse que quando eu nasci, tinha incríveis mechas negras, uma característica que nunca mudou. Meu cabelo ainda estava preto como tinta e caía logo abaixo dos ombros. Era tão escuro que contrastava lindamente com a minha pele muito pálida.
— Obrigada. — respondi com um sorriso. Nós nos sentamos em um silêncio muito confortável, e observei o modo como ela assistia as pessoas, olhando para todos os diferentes grupos com um olhar curioso. Eu sabia que ela estava tomando nota de quem se sentava onde, quem falava com quem, e antes que eu percebesse, ela estava me observando com os mesmos olhos críticos.
— Você está aqui há muito tempo? — Ela perguntou com uma leve inclinação da sua cabeça.
Coloquei meu marcador dentro da página que estava lendo e fechei o meu livro, sentindo que ela não queria mais respostas de uma palavra. — Algumas semanas — eu disse encolhendo os ombros.
Ela balançou a cabeça, assentindo suavemente. — Acabei de chegar ontem, mas não é a minha primeira vez.
Minhas sobrancelhas levantaram levemente, encorajando-a a continuar.
— Eu fiquei uns três meses no ano passado por violar e roubar. — Senti meus olhos se arregalarem ainda mais. Essa garota parecia a epítome de alta classe, era uma surpresa vê-la aqui, mas saber que era uma ladra era algo louco. O choque estava obviamente evidente no meu rosto, e ela soltou uma risada suave. — Não é o que você estava esperando, hein?
— De jeito nenhum. — eu respondi honestamente. — Então, o que você fez desta vez?
— Nove meses por roubo de carro. — Ela encolheu os ombros, mas com o sorriso no rosto, eu poderia dizer que ela não estava nem um pouco embaraçada sobre seus crimes na sociedade. — E quanto a você?
Ninguém ainda me tinha perguntado o que eu fiz. Eu não tinha vergonha do que fiz. Afinal de contas, eu fiz isso para me proteger e à minha mãe, embora percebesse agora que ela não merecia meu sacrifício.
— Meu pai era um idiota abusivo. Eu o esfaqueei. — eu expliquei brevemente. Esperei para ver a crítica em seus olhos, mas nunca veio. Em vez disso, um pequeno sorriso puxou o canto de sua boca, e não era o olhar acusador ou crítico que eu esperava. Algo mais brilhou nos olhos dela, algo que parecia mais com orgulho.
— Meu pai era alcoólatra. Corri quando tinha treze anos, doente e cansada de ser sua bolsa de pancadas, — explicou ela. — Você não se sente mal com isso, não é?
Foi então que percebi, não, não tinha culpa pelo que fiz, sem remorso. Eu não tinha certeza se isso era uma coisa boa ou ruim. As pessoas não deveriam sentir alguma forma de arrependimento quando causavam dano a outro ser humano? Eu não sentia. Tanto quanto eu estava preocupada, ele merecia o que tinha recebido, e mais. Ele não sentiu culpa depois de bater em minha mãe quase até à morte, ele nunca se arrependeu das coisas que tinha feito para nós.
— Nem um pouco, — eu disse a ela, um sorriso se formando na minha boca pela primeira vez desde há muito tempo. Nós sorrimos uma para a outra, e eu senti uma ligação forte já se formando. Pela primeira vez, eu queria conversar com alguém, ter um amigo e sabia que iríamos nos dar muito bem.
Gritos me sacudiram dos meus devaneios.
Todo mundo estava saindo das suas tendas enquanto Daisy se rastejava saindo da tenda de Eazy gritando: — Ele não está respirando!
Meu coração parou, e eu me arrastei pelo chão, o chão áspero rasgando meus joelhos, praticamente empurrando-a para fora do caminho enquanto eu entrava no pequeno espaço. Colocando minha mão em seu peito eu orei, rezei para um Deus que eu não tinha fé que Daisy estava errada.
— Eu vim para dar-lhe um pouco de água, — ela chorou quando Lee a envolveu em seus braços.
Kyle mergulhou atrás de mim, olhando para mim com os olhos arregalados e pressionando os dedos contra o pescoço de Eazy.
Mas não havia nada.
Meu coração se despedaçou ali mesmo quando me inclinei sobre o corpo dele e chorei.
Ele se foi.
CAPÍTULO ONZE
Eu me senti enganada.
Ter alguém com quem você se importava tirado de você tão de repente, não era justo. Nos poucos meses que eu tive com ele, se tornou um amigo, um confidente, um irmão e com o seu sorriso maroto de menino, ele se enterrou em meu coração. Ele era apenas uma criança. Ele deveria estar fora fazendo o que amava, causando prejuizos com seus amigos e discutindo com seus pais sobre se ele havia feito sua lição de casa.
Mas em vez disso, ele morreu sozinho em uma merda de tenda no final de um beco sem saída. Ele não merecia isso.
Nenhum de nós merecia isso.
Layla segurou minha mão na dela enquanto caminhávamos em direção à igreja.
Três dias e consegui manter uma fachada de forte. Toda vez que eu pensava em seu sorriso, ou ouvia sua voz em minha cabeça, a tentação de cair me enchia. Eu lutei com tudo o que tinha, tentando confortar meus amigos com palavras suaves enquanto eles liberavam sua própria dor.
Kyle passou o braço em volta de mim e beijou a minha bochecha. O afeto era reconfortante. Kyle tinha enfrentado a morte de Eazy com tanta força que eu estava apenas esperando o momento da queda começar. Eu já tinha ouvido ele e Lee discutindo durante a noite e acordar esta manhã para encontrar uma garrafa vazia de rum ao lado do tambor de fogo só tinha confirmado minhas suspeitas.
O resto do nosso grupo ficou em casa. Queríamos nos despedir, mas não queríamos chamar a atenção. Alguns de nós que ainda eram considerados fugitivos tiveram que sair quando a polícia e a ambulância apareceram para investigar e coletar o corpo de Eazy. Daisy, Andre e Sketch tiveram que me arrastar para longe, chutando e gritando.
A polícia tomou notas sobre o ataque alguns dias antes, horários, datas e lugares que seriam facilmente compatíveis com as imagens de vídeo que eles tinham na estação de trem.
Lee disse que eles pareciam bastante satisfeitos com a explicação.
Agora aqui estávamos nós. Eu nunca imaginei ter que pisar em uma igreja. Lembrei-me de aprender sobre Deus na escola e sobre todo o bem que ele fazia para as pessoas. Eu o amaldiçoei desde então, nunca entendendo como criança, o que eu tinha feito para deixá-lo tão bravo e porque ele me forçou a viver a vida que vivia.
Nós nos sentamos no canto da parte de trás, a igreja expansiva estava preenchida até ao limite com pessoas jovens e velhas.
Enquanto as pessoas subiam ao pódio e diziam a sua parte, isso me deu um olhar mais atento sobre a vida de Eazy. Ele sempre foi doce, um amigo mencionou como tinha uma maneira especial com as meninas, paquerando-as a cada chance que ele conseguia. Outro falou sobre o quão jogador de futebol fantástico ele era, o jeito que animava a sua equipe e apoiava cada membro.
Lágrimas caíam livremente agora dos meus olhos enquanto eu enfiava o meu rosto no ombro de Kyle, Layla fazendo o mesmo com Lee enquanto os dois soluçavam baixinho.
Quando os seus pais se aproximaram do pódio, senti uma onda repentina de raiva fluir pelo meu corpo. O corpo de Kyle ficou tenso debaixo de mim, e por um momento, eu estava quase com medo do que ele faria.
A mulher fungou suavemente e enxugou os olhos mal inchados. — Meu amor, eu gostaria de ter feito mais por você. Eu gostaria que você tivesse vindo a mim com seus problemas para que pudéssemos trabalhar neles. Esta é uma lição para todos, falem com seus filhos, perguntem se eles estão bem.
Kyle me segurou no lugar enquanto eu empurrava contra ele, querendo ficar em pé e gritar com as duas pessoas que deveriam ter ficado ao lado de seu filho em seu tempo de necessidade. Em vez disso, eles o forçaram a sair para a rua.
E agora ele se foi.
Layla jogou os braços em volta de mim e sussurrou palavras silenciosas em meu ouvido, e eu chorei alto por meu amigo que tinha ido embora. Nosso amigo. Nosso irmãozinho.
O serviço religioso acabou rapidamente, homens e garotos compartilhavam a responsabilidade de levar o caixão da igreja. Todo o mundo seguiu em procissão atrás dele, cabeças penduradas e fungando.
A igreja ficava bem ao lado do cemitério onde Eazy estava sendo enterrado. Depois que seu caixão foi colocado no carro funerário, a maioria das pessoas seguiu atrás dele por uma longa estrada asfaltada que serpenteava pelas sepulturas.
Kyle e Lee beijaram Layla e eu na bochecha. — Vocês têm a certeza que querem ficar, meninas? — Kyle perguntou, segurando meu rosto em suas mãos.
Eu assenti. Kyle e Lee já haviam se organizado com o seu tio para fazerem um teste dentro da sua boate na cidade. Nós tínhamos que pegar o metrô e dois ônibus só para chegar a essa parte da cidade, então eles precisavam ir embora agora se quisessem voltar a tempo.
— Nós vamos ficar bem. — eu sussurrei suavemente.
Layla puxou o estojo da guitarra por cima do ombro para que a tira atravessasse seu corpo. — Vocês precisam ir antes que percam a sua chance neste trabalho.
Kyle e Lee se entreolharam conversando em silêncio antes de finalmente concordarem e desaparecerem na estrada.
Layla e eu nos juntamos à multidão lenta, nos afastando um pouco enquanto seguíamos. Encontramos uma árvore e nos sentamos contra ela, enquanto observávamos o padre dizer mais algumas palavras e o caixão ser baixado no chão. As pessoas jogavam flores, sussurravam as suas despedidas e deixavam suas lágrimas caírem no chão ao lado dele.
Quando se dispersaram, formaram pequenos grupos, conversando uns com os outros enquanto a terra era lançada no buraco. A tristeza enchia o espaço e, embora perder um ente querido fosse horrível e devastador, não parecia certo lembrar-se de Eazy dessa maneira.
Como se Layla tivesse lido minha mente, ela colocou a guitarra no colo e começou a tocar.
'7 Years' de Lukas Graham encheu o ar velho. Era uma música triste, mas sobre a vida e lições de aprendizagem. Eazy adorava-a. Ele era cheio de surpresas, um garoto que era jovem e vibrante, mas sábio ao longo dos seus anos.
Eu cantava junto com Layla, minha voz não era suave e bonita como a dela, mas eu não me importava. Este era o meu presente de despedida para ele.
As pessoas se viraram para nos observar, mas não falaram, apenas ficaram maravilhadas. Alguns batiam os pés, outros sorriam e abraçavam seus amigos enquanto balançavam ao ritmo lento.
Eles entendiam o que sabíamos, que isso era ele, essa música era dele. Ele só queria se aprimorar e assumir riscos. Ele se perdeu em algum lugar ao longo do caminho, cedendo à escuridão e permitindo que isso o consumisse. Mas ele não foi o único que permitiu que seu caminho conduzisse na direção errada.
Depois de perceber que ele tinha chegado ao fundo do poço, Eazy lutou com mais força e paixão do que antes e estava determinado a lutar para estar de volta ao mundo. Ele me encheu de esperança e excitação sobre a vida no lado de fora de nossas tendas na rua clandestina da sociedade.
E agora, eu estava mais determinada do que nunca a viver meus sonhos. Por mim e por ele. Para provar que sua amizade e palavras significavam mais para mim do que ele jamais saberá.
Quando a música chegou ao fim, as pessoas acenaram para nós, reconhecendo nossa homenagem ao menino que eu nunca soube que tocara tantos.
— Eu quero que você vá embora. — uma voz aguda ordenou. A mãe de Eazy pisou na grama, seus saltos altos enterrando-se na terra e espalhando-a ao redor dela. Seu pai se apressou atrás dela, sua cabeça se movendo ao redor quando ele percebeu a cena que ela estava fazendo.
Eu segurei minha língua durante o culto, mas se essa mulher fosse me atacar, eu diria a ela algumas duras verdades que não iria gostar. Eu me levantei quando Layla calmamente guardou seu violão, sabendo exatamente o que estava prestes a acontecer se eu fosse provocada longe o suficiente.
— Este é o funeral do meu filho, eu não vou tê-lo contaminado com o seu desrespeito. — Seu falso cabelo loiro comprido ondulou ao redor dela com o vento quando ele começou a caminhar. O marido dela puxou o seu braço, mas ela o retirou. Era evidente quem usava as calças aqui.
Eu limpei minha garganta. — Estou surpresa que você gastou muito dinheiro em dizer adeus a ele. Talvez se você tivesse gasto tudo isso para conseguir a ajuda que ele precisava, ainda estivesse vivo. — Eu não segurei nenhum golpe. Eu estava enojada e enfurecida que esta senhora me acusava de manchar sua memória.
Ela abaixou a voz agora, mas as pessoas já haviam percebido o que estava acontecendo e eu me recusei a deixá-la sair jogando como a vítima. — Eu não sei quem você pensa que é, mas...
— Nós éramos seus amigos, — eu gritei. — Nós éramos as pessoas que o pegaram na rua quando você não cumpriu seu dever como mãe e o manteve em segurança.
Eu ouvi suspiros da multidão. Obviamente, havia mais segredos do que eu pensava.
— Nós éramos as pessoas que cuidavam dele quando estava tão doente que mal conseguia se mexer. — Layla se juntou, jogando seu violão por cima do ombro e ficando firme ao meu lado.
— Nós seguramos a mão dele durante a abstinência, gastamos o dinheiro que tínhamos feito para lhe conseguir comida e água, mesmo que isso significasse que estivéssemos mais um dia sem comer. — Eu senti as lágrimas chegando agora, e não tinha vergonha delas. Caíam livremente e nem tentei enxugá-las. — Tudo o que ele precisava era de apoio, alguém que se importasse e lhe mostrasse, o quanto era melhor do que aquelas pequenas pílulas.
Seu rosto estremeceu como se tivesse mordido um limão. Havia sussurros, fluía livremente entre os grupos que se amontoavam, olhando a cena diante deles.
— Ele estava nas ruas por tua causa. — Eu chorei, a represa explodindo como nunca antes e uma mistura de fúria e devastação destruindo meu corpo. — Ele não precisava estar lá. Todas essas pessoas, elas acreditavam nele, elas o teriam apoiado, não importa o quê, se você tivesse dado uma só chance a ele. Mas não, você o jogou fora como um pedaço de lixo, porque você estava com muito medo de ver os seus erros manchando sua maldita reputação!
Seu corpo se encolheu e por um segundo, pensei que ela poderia atacar-me. Mas quando seus olhos se voltaram de um lado para o outro, eu soube que ela estava, de novo, mais preocupada sobre como eu estava fazendo-a parecer, em vez de ouvir a verdade sobre o que ela tinha feito.
— Marvin, chame a polícia. — ela retrucou.
O riso borbulhava, flutuando da minha boca, passando pelos soluços erráticos. — Ele está morto. Por causa de você. E agora todo mundo sabe... — Meus joelhos começaram a tremer, o tamanho das minhas emoções finalmente cobrando seu preço.
A mãe de Eazy deu um passo à frente. Gritando que eu era a escória da sociedade.
Suas palavras não me magoaram, eu as aceitei.
Eu forcei meu queixo um pouco mais alto. — Pelo menos... eu sou honesta... sobre o que eu sou. — Minhas pernas começaram a ceder, mas eu me senti sendo levantada por dois fortes braços. Envolvi minhas pernas ao redor da pessoa, colocando meu rosto em seu pescoço, quebrando. Ele sussurrou que tudo ficaria bem, que eu ficaria bem. Vozes e passos silenciosos nos seguiram, e eu olhei por cima do ombro de Heath para ver Braydon com o braço ao redor de uma Layla chorosa.
Ela aconchegou-se nele, envolvendo os braços desajeitadamente em torno de sua cintura enquanto seguiam atrás de nós. Uma das mãos de Heath estava sob o meu traseiro, me segurando enquanto a outra esfregava minhas costas suavemente. — Ele se foi. — Eu sussurrei dolorosamente.
— Eu sei. — Isso foi tudo o que ele disse, mas era tudo o que eu precisava.
Braydon chamou minha atenção e me deu um sorriso triste quando Heath me levou pelo estacionamento. Ele parou por um segundo, e eu ouvi um bip seguido pelas portas do carro abrindo.
Ouvi um barulho de saltos no concreto quando Heath me pressionou contra o carro, usando-o para ajudar a me segurar enquanto ele puxava a maçaneta da porta.
— Você está levando-as para a nossa casa? — A mulher perguntou suavemente.
— Sim, mãe. — Respondeu Heath quando ele abriu a porta e me depositou dentro com um leve roçar de seus lábios contra a minha bochecha.
— Ok, eu estarei em casa em breve. Cuide delas. — Heath não disse mais nada. Nossos olhos se encontraram quando se afastou, me observando com preocupação. Eu segurei forte, deixando-o ir embora, mesmo que meu corpo estivesse gritando para ficar comigo. Ele deu um passo para trás e Layla se apertou atrás de mim, segurando em meus braços.
Braydon e Heath sentaram nos dois bancos da frente, Heath saindo do estacionamento com um guincho dos pneus do carro enquanto Layla e eu caímos nos braços uma da outra.
CAPÍTULO DOZE
A cabeça de Layla permaneceu no meu ombro enquanto eu observava as casas e as ruas passarem. Nós não estávamos só nos subúrbios, este lugar estava num nível totalmente novo. Jardins perfeitamente bem cuidados com estátuas pitorescas eram a parte menos impressionante destas casas. Havia grandes portões de ferro, fontes de água que podiam rivalizar com as de Las Vegas, Mercedes, BMW's, Jaguars para citar apenas alguns tipos de carros, estacionados em calçadas luxuosas.
Entramos em uma rua chamada Kings Crescent. O nome parecia ainda mais apropriado quando Heath virou em uma entrada de garagem com portões gradeados pretos e uma pequena caixa de altifalantes do lado de fora. Ele estendeu a mão e apertou um botão que estava ligado à pala de sol do seu carro, e os portões começaram a abrir sem sequer um rangido.
— Aquilo parece uma daquelas coisas que você fala em um drive-through24. — Layla sussurrou enquanto olhava sobre mim através da janela.
— Talvez possamos usá-lo para pedir um hambúrguer. — eu respondi sarcasticamente, mas estava tão admirada quanto ela.
Lay bufou — Batatas fritas extras.
— Talvez alguns nuggets de frango. — Eu ri baixinho.
Nossa risada diminuiu rapidamente quando chegamos à casa de Heath e Braydon. Isso quase me lembrou de uma cabana que você encontraria na floresta. Mas esta cabana tinha ingerido alguns esteroides25 sérios.
Grandes pedras se encaixam como peças de quebra-cabeça formando grandes pilares, sustentando uma sacada. O resto da casa era construída a partir de madeira lindamente envernizada. Era de cor clara, quase laranja ao contrário de marrom. Dava-lhe uma sensação nova e moderna, que combinava com as grandes janelas que adornavam o segundo andar.
O tema de pedra continuava em volta da casa, alinhando os pequenos jardins e construindo os degraus que levavam a duas enormes portas de madeira. Parecia que, se as abrisse, você poderia passar um carro com facilidade por elas.
A porta do carro se abriu, me assustando. Heath estendeu a mão para mim. Eu a peguei enquanto saía. Layla seguiu atrás de mim, nós duas olhando para a casa monstruosa com nossas bocas abertas. Heath manteve minha mão firmemente apertada na sua enquanto nos levava para dentro.
O hall de entrada interior era igualmente impressionante, uma escadaria que dava para a direita para um patamar sob o espaço de entretenimento à nossa frente. Não havia uma única coisa fora do lugar, até mesmo os livros sobre a mesa de centro estavam alinhados perfeitamente.
Senti uma dor aguda no meu braço e pulei para longe, esfregando a picada. — O que foi isso? — gritei para Layla, mas seus olhos continuaram fixos em nossos arredores.
— Só queria verificar se eu não estava sonhando. — Ela respondeu enquanto andava mais para dentro da casa, examinando tudo.
— Você deveria se beliscar, não a mim, pelo amor de Deus.
Braydon riu, seguindo Lay, depois levando-a através de duas portas para o lado da sala. — Vamos encontrar alguma comida. Não sei se temos hambúrgueres ou nuggets, mas deve haver alguma coisa. — Ele jogou uma piscadela para mim por cima do ombro antes de desaparecerem na esquina.
— Nós iremos em breve. — Heath gritou, sua voz ressoando no grande espaço. Ele me puxou pela mão até à escada. Olhando para os meus pés enquanto eu dava cada passo, meus sapatos gastos pareciam tão deslocados contra as tábuas perfeitamente brilhantes. Eu tive o desejo estranho de chutá-los, mas eu sabia que minhas meias não seriam muito melhores. Pelo menos meus sapatos combinavam.
Heath andou pelo longo corredor que me lembrava um pouco de algum hotel de alta classe.
— Preciso de um maldito mapa. — Eu murmurei admirando a arte nas paredes. Mas não eram pintores famosos ou Van Goughs, era arte de crianças. Eu vi o nome de Heath, Braydon também, e depois de outra, Felicity, eu acho.
Ele abriu portas duplas e atravessou-as. Segui o exemplo, engolindo em seco enquanto observava o grande espaço que poderia ter sido maior do que a casa em que cresci quando criança.
Havia uma cama king size contra uma parede, com um quadro de quatro fotos, um pequeno sofá no canto, de frente para uma televisão de tela plana e uma secretária eletrônica enorme, que parecia que poderia ser algum tipo de antiguidade. O resto do quarto era simplesmente chão aberto. Finalmente puxando minha mão fora de seu alcance, passei por Heath, percebendo o jeito que seus olhos nunca me deixaram e fiquei na frente das enormes janelas. Elas eram do comprimento do quarto, apenas como as outras que eu vi lá fora, chegavam do chão ao teto. O quarto tinha vista para um belo quintal amplo com espaço suficiente para jogar um jogo de futebol ao lado de uma piscina cristalina, que em tamanho, rivalizava com aquelas que usavam nas Olimpíadas.
— Está aquecida. Não está muito quente lá fora no momento, mas ainda assim nadamos nela. — Explicou ele. Seu corpo se moveu atrás de mim e, mesmo sem o seu toque, eu ainda podia sentir o calor ressoando dele. Ele agarrou meu quadril, puxando-o e girando meu corpo para que eu estivesse de frente para ele. Tentei me virar, mas antes que pudesse, ele segurou meu queixo, puxando meu rosto para cima para encontrar seus olhos. Eu não pude escapar do seu olhar penetrante.
— Você está bem? — Ele perguntou finalmente.
Engolindo uma risada, balancei a cabeça. — Não, eu não estou bem.
— Não achei que estivesse.
— Então por que perguntou? — Eu falei, empurrando-o para longe e saindo ao redor dele. Minhas emoções estavam em todo o lugar. Parecia que estava ficando louca.
Ele me observou enquanto eu caminhava pela sala, meus sapatos rangendo contra o chão polido.
— Grite comigo. — Minha cabeça se levantou e eu parei.
Erguendo minha testa, eu olhei para ele como se fosse louco. — Você não acha que eu já fiz o suficiente disso?
— Obviamente não, se você ainda não está bem.
— Eu não estou bem porque acabei de perder um dos meus melhores amigos. Alguém que eu considerei um irmão, alguém que eu amava. — As lágrimas queimavam na parte de trás dos meus olhos novamente, depois que pensei que elas tinham finalmente secado.
— Todas aquelas pessoas o perderam também. Muitos deles sentiam exatamente o mesmo que você. Ele era um melhor amigo, um companheiro de equipe, um ex-namorado, um sobrinho, um filho. — Não havia acusação em seu tom, ele afirmou o que era apenas uma questão de fato. Mas eu já havia aprendido que Heath nunca havia falado palavras que não fossem significativas. Ele estava quieto, mas isso não significava que não tivesse nada a dizer.
Meu corpo se apertou como uma mola, pronta para se soltar. — Onde eles estavam então, Heath? Há quanto tempo Eazy tomava aquelas pílulas? Por que eles não disseram alguma coisa? Por que ninguém fez nada?
Heath encolheu os ombros. — Às vezes nós só vemos o que queremos ver. — Meu corpo caiu, eu sei que suas palavras não eram para mim, mas elas me atingiram como uma bala, rasgando minha pele. Eu poderia ter ajudado Eazy. Eu poderia tê-lo feito ir ao hospital, mas ele estava tão determinado a passar sem a ajuda da medicação. Ele estava com tanto medo de ser preso de volta para onde estava antes. A quantidade de dor que ele deve ter sentido era completamente inconcebível e fez meu estômago revirar.
Heath estava certo. Às vezes só víamos o que queríamos. Eu me convenci de que ele ia melhorar, que iria sobreviver. Ele só precisava descansar. Tudo ia ficar bem. Mas não era.
Eu agarrei meu cabelo em minhas mãos, pendurando minha cabeça. — Deus, eu sou tão ruim quanto eles.
Eu fui engolida por dois braços grandes, a mão de Heath foi para a parte de trás do meu pescoço, empurrando minha cabeça contra seu peito. Minhas mãos agarraram sua camisa enquanto eu chorava.
— Você fez tudo o que podia por ele. — Heath falou baixinho, sua voz firme. — Você protegeu-o, apoiou-o quando ele não tinha ninguém. Ele amava você.
Meus pés se moveram junto com Heath quando ele arrastou meu corpo para a cama. Nós nos deitamos, minha cabeça indo para o peito dele e seus braços ao meu redor. Seus lábios roçaram o topo da minha cabeça, o gesto espalhando conforto por todo o meu corpo. Meus dedos doíam com o quão forte eu estava segurando sua camiseta.
Ouvindo seu coração, a batida estável e constante, comecei a desacelerar minha respiração, de modo que estava em sintonia com o ritmo.
Heath tinha esse efeito estranho em mim. Talvez fosse porque eu sentia que ele tinha tudo tão controlado. Ele era calmo, inteligente, completamente controlado. Ele não se deixava sacudir, e não dava a mínima para o que as pessoas pensavam dele. No entanto, era exatamente isso que fazia com que as mulheres se sentissem atraídas por ele.
Ele era o cara que parecia inatingível. Ele era quente, inteligente e misterioso. Eu ansiava por saber mais sobre ele. Às vezes eu sentia como se tivesse visto mais do que ele mostrava para as pessoas, e me perguntava por que ele me escolheu para compartilhar partes de si mesmo que escondia dos outros.
Eu realmente me importava?
Ele me fazia sentir bem, e com um simples toque, podia acender meu corpo em chamas e acalmar uma tempestade furiosa. A mistura de sentimentos me fazia querer mais.
A mão de Heath subiu e desceu pelas minhas costas, sua respiração fazendo cócegas no meu cabelo. As lágrimas e a raiva cessaram, mas agora meu coração disparava por outro motivo.
Correndo minha mão até seu corpo, senti-o tenso sob o meu toque. Seu corpo era definido, as ondas suaves de seus músculos abdominais me excitaram. Eu queria perguntar o que ele fazia. Ele era um jogador de futebol, talvez beisebol? Ele era um atleta, isso eu sabia. Ele trabalhava duro, era óbvio.
— Fable. — Advertiu Heath suavemente quando minha mão desceu novamente.
— O quê? — Eu sussurrei, inclinando a cabeça para trás para olhar para ele. Seus olhos brilhavam com fogo. Eu quase recuei, mas depois percebi que não era um fogo raivoso que eu podia ver queimando.
Eu não pude evitar, me alonguei para que os meus lábios pudessem alcançar seu pescoço. Posicionando-os contra sua pele levemente, eu me perguntei se ele iria recuar. Havia uma leve barba que se esfregava asperamente contra a pele macia da minha boca.
Quando ele não se moveu, eu os pressionei contra ele, beijando-o suavemente. Empurrei seu queixo com o meu nariz e ele obedeceu, inclinando a cabeça para o lado. Pressionei meu corpo contra ele e as suas mãos agarraram meus quadris, me puxando para que estivesse deitada em cima dele, provocando um suspiro da minha boca. Seus dedos cavaram em meus lados quase dolorosamente, mas ignorei, seguindo um caminho ao longo de sua mandíbula até que encontrei sua boca e lambi o canto de seus lábios.
— Fay, pare. — Ele murmurou. Foi quase fortalecedor, saber que eu o tinha tão tenso que ele estava começando a implorar-me.
— Porquê? — sussurrei contra sua boca.
Quando uma das suas mãos soltou meu quadril e agarrou um punho cheio do meu cabelo, eu inalei bruscamente. Ele aproveitou a oportunidade para assumir o controle, juntando nossos rostos e reivindicando minha boca. Sua mão subiu por baixo da minha camisa, deslizando sobre a minha pele e me fazendo estremecer. Meus sentidos estavam enlouquecendo, a excitação inundando, mas os nervos também abriram caminho quando as coisas começaram a ficar mais intensas, mais do que eu já tinha feito ou sentido antes.
Heath se afastou, nós dois arfando enquanto tentávamos atrair mais ar para os nossos pulmões. — Nós precisamos parar.
Eu lambi meus lábios doloridos. — Porquê? — perguntei novamente.
— Porque isso não vai tirar a dor. — Explicou ele através de respirações profundas.
Abri os meus olhos, finalmente olhando para ele. Havia algo novo em seus olhos. Eu sabia que ele me queria, era completamente óbvio, mas o que vi não era luxúria ou paixão em seus olhos. Era algo que se assemelhava a pena.
Eu me afastei, saindo de cima dele e saindo da cama. — Não me olhe assim. — retruquei.
Heath gemeu, não se movendo da cama enquanto esfregava o rosto. — Olhar para você como o quê?
— Como se eu fosse um caso de caridade.
Ele sentou-se de repente. — Pare de ser estúpida, Fable.
— Então o que é isso? — Eu estendi meus braços, procurando uma explicação. Sentindo-me como uma idiota.
Heath sentou-se, empurrou-se para fora da cama e virou-se para a beirada onde eu estava de pé. — Eu não sei o que é isso... — Ele balançou o dedo entre nós. — ...mas eu não estou prestes a descobrir enquanto você está de luto pela perda de seu amigo. Não vou desrespeitar você assim.
Eu não pude deixar de olhar para ele. Heath realmente era outra coisa. Eu queria estar com raiva dele, mas não conseguia. Mais uma vez, ele estava tentando me proteger, desta vez, de mim mesma.
Sua mão segurou meu rosto. — Vamos, vamos pegar um pouco de comida.
Assentindo, deixei que ele pegasse minha mão e me levasse de volta ao andar de baixo. Começava a parecer normal tê-lo tocando-me de alguma forma. E isso só me deixou assustada porque Bayward Street e Kings Crescent eram dois mundos completamente diferentes, daqueles que não deveriam ser misturados. Isto não deveria ser normal.
CAPÍTULO TREZE
Encontramos Braydon e Layla sentados no balcão do café da manhã conversando e rindo. Os dois pareciam ter formado algum tipo de amizade estranha baseada em sarcasmo e golpes baixos.
Quando Layla me viu, ela sorriu. — O garoto rico aqui fez sanduíches. Quem poderia imaginar?
Rindo, eu me impulsionei para o banquinho ao lado dela. Braydon tentou parecer ofendido quando deslizou um prato para mim. — Sua amiga parece pensar que eu tenho escravos que fazem tudo por mim.
Tomando uma grande mordida da minha comida, eu murmurei: — Estou surpresa que você não tem.
— Mamãe não nos deixa, algo sobre direitos humanos e algo assim.
Layla riu e Heath olhou para seu irmão revirando os olhos.
Eu coloquei minha comida de volta no prato, estava morrendo de fome, mas não tinha comido muito nos últimos dias, então eu sabia que precisava comer devagar ou isso me deixaria doente. Que desportos você faz? — Perguntei curiosamente.
Braydon inclinou a cabeça para o lado. — O que faz você pensar que praticamos algum desporto?
Limpando minha garganta desconfortavelmente, tentei encontrar as palavras. — Eu acabei de notar... vocês dois são como... não sei...
— Sexy pra caralho com corpos incríveis? — Braydon ofereceu, balançando as sobrancelhas para mim. Olhei para Heath para algum tipo de apoio, mas até ele tinha um pequeno sorriso no canto da boca.
Layla riu, ela não ajudou também.
Eu gemi. — Sim, tudo bem... vocês dois estão realmente em forma.
— Peço desculpas pela minha amiga. — Lay ofereceu, acariciando o meu braço. — Ela não sai muito.
O riso de Braydon ecoou alto. — Sem brincadeira.
— Braydon joga futebol, eu nado.
Meus olhos se arregalaram de surpresa. — Você sabe nadar? — Eu imaginei que isso explicava a enorme piscina nos fundos.
Heath assentiu, mas não explicou mais nada. Ele abriu a geladeira e pegou uma caixa de suco de laranja, encontrando quatro copos no armário e encheu-os.
— O que meu irmão quis dizer foi que eu sou o quarterback principal, e ele é o melhor nadador do estado. — Explicou Braydon. Ao contrário de Heath, Braydon não se importava de se gabar sobre quanto dinheiro tinha, quantas garotas queria em suas calças e quão bom ele era no desporto. Era o que parecia, e na verdade era bastante natural. Ele estava confiante e seguro de si, e às vezes você precisava ser, se algum dia fosse abrir seu caminho no mundo.
Heath estava mais quieto sobre o seu sucesso, mas não tinha consideração quando se tratava de dizer como era ou a realidade da vida. E as pessoas respeitavam os dois por isso.
— Olá? — Uma voz doce entoou pela casa.
— Aqui, mamãe. — Disse Braydon de volta.
Saltos bateram no chão de madeira e uma mulher deslumbrante encheu a porta da cozinha. — Ei, espero que você tenha me feito um desses? — Ela sorriu, apontando para o sanduíche de Braydon.
— Eu vou pegar, mãe. — Heath ofereceu. Ele nos deixou com um copo de suco antes de se ocupar, tirando comida dos armários e da geladeira.
— Mãe, esta é a Fable e Layla. — Braydon ofereceu, apontando para cada uma de nós.
Eu girei minha cadeira ao redor, estendendo minha mão para ela. — Prazer em conhecê-la.
Ela pegou a minha mão, e apertou enquanto me ofereceu um sorriso amigável. — É tão bom finalmente conhecer você também, Fable. — Ela também pegou a mão de Lay. — E você também, Layla. Meu nome é Helen. Os meninos falam muito bem de vocês.
Eu olhei para Heath curiosamente, ele me observou com o canto do olho como se estivesse medindo a minha reação. — Mesmo?
Ela contornou o balcão enquanto Heath estendia um prato de comida com sanduíche para ela, beijando sua bochecha enquanto tirava das mãos dele. Eu podia ver agora de onde Heath tinha a sua gentileza. Os pequenos toques e demonstrações de afeto. Ele obviamente aprendeu com sua mãe.
Eu me perguntei se isso significava que Braydon era como o seu pai, a ousadia e a necessidade de ser um pouco exagerado definitivamente não eram dela.
Heath recostou-se no tampo do banco, cruzando os braços sobre o peito. — Como foi tudo depois que saímos?
Eu dei uma mordida no meu sanduíche e engoli apertadamente.
Helen suspirou. — A maioria das pessoas saíram, os poucos que ficaram por ali ficaram para assistir Deena fazer uma birra, eu acho.
Heath zombou, mas Bray riu alto antes de perguntar: — Era das boas?
— Oh sim, ela estava em boa forma hoje.
— Sinto muito que causamos tantos problemas. — Eu disse a ela suavemente. Mas quando seus olhos encontraram os meus, não havia nada além de doçura neles.
— Querida, eu sempre ensinei meus filhos a falar quando há algo acontecendo que não está certo, — explicou ela, estendendo a mão e tocando a minha mão. — Seria hipócrita da minha parte criticar você por fazer exatamente isso. E sabe de uma coisa? Aquela mulher precisava saber exatamente o que seu filho havia passado por causa do seu egoísmo. Talvez ela aceite isso, talvez não. Mas isso agora é com ela.
Layla passou um braço em volta dos meus ombros e me puxou contra ela, nossas cabeças descansando juntas. — Eu sinto muito a falta dele. — sussurrei tristemente.
— Eu sei... — Layla respondeu... — eu sei.
Eazy não esteve conosco por muito tempo, mas não importava. Eu o amava como amava os outros.
— Vocês meninas tem que ir... para casa em breve? — Braydon perguntou, caminhando para depositar seu prato vazio na pia.
Olhei para o relógio no forno. Desde que estivéssemos em casa antes do anoitecer, eles não começariam a se preocupar. Nós tínhamos algumas horas.
— Ainda não. — Tentei forçar minha voz a soar forte e não triste, enquanto pensava no conceito de voltar à Bayward Street.
— Vamos nadar. Heath pode mostrar as suas habilidades. — Braydon riu. Heath aproximou-se e deu um tapa no irmão no peito.
Eu olhei para Layla, o seu rosto estava radiante. — Hum...
— Eu vou pegar algumas roupas de banho para vocês meninas lá de cima, acho que posso adivinhar os seus tamanhos. — Helen sorriu antes de sair correndo da sala.
Layla bateu palmas animadamente. — Eu não tenho nadado em anos. — Eu torci o meu nariz.
— O que há de errado, Fay? — Braydon perguntou. — Aposto que você parece sexy pra caralho em um maiô.
— Braydon. — Advertiu Heath.
Bray revirou os olhos. — Como se você não estivesse pensando nisso.
— Eu não sei nadar. — As palavras saíram, e de repente a atenção de todos estava em mim. — Meus pais não permitiam exatamente que eu tivesse atividades extracurriculares quando estava crescendo. E nós nunca fomos à praia ou lugares assim como outras famílias.
Braydon olhou para o irmão, seus olhos se encontraram brevemente antes que Bray sacudisse a cabeça. — Que droga. — Ele murmurou enquanto pisava fora da porta. Eu ouvi seus passos pesados na escada e me encolhi.
Ainda me sentia estranha, falando sobre a minha vida antes. Às vezes, eu me perguntava se isso havia acontecido. Foi há tanto tempo que às vezes parecia um sonho ou um pesadelo, eu acho. Mas lembrava-me de todos os detalhes dos cheiros e sons.
Heath deu a volta ao meu lado e tirou um fio de cabelo do meu rosto. — Você vai ficar bem, a piscina tem uma parte rasa, então nem precisa nadar.
Eu balancei a cabeça, me forçando a sorrir para ele. Ele baixou a cabeça e me beijou gentilmente.
— Aqui meninas, estes devem caber muito bem.
Pulei para trás, Helen tinha tirado os seus saltos então eu não a tinha ouvido chegar. Ela sorriu para mim como se não houvesse nada de errado, mas não pude deixar de imaginar o que deveria estar passando pela sua cabeça, sabendo que o filho dela estava beijando uma garota sem teto da rua.
Peguei Heath a sorrir enquanto se virava e saía. — Eu vou encontrá-la lá fora.
— Vamos. — Helen pediu, balançando a cabeça para nós a seguirmos. — Vocês podem se vestir na casa da piscina. — Layla e eu pulamos de nossos bancos e seguimos atrás dela. Olhamos uma para a outra e Layla falou as palavras “casa da piscina” com os olhos arregalados.
Eu apenas balancei minha cabeça. Nós estávamos fora de nossas profundezas aqui, e eu não estava falando sobre a piscina.
Helen estava certa, os trajes de banho que ela escolheu se encaixavam perfeitamente. Layla usava um top esmeralda com a parte de baixo combinando, enfeitado com dourado. Isso acentuou seu generoso busto e mostrou sua barriga lisa.
O meu era quase o mesmo, mas um vermelho de veludo profundo com detalhes em preto. Era preso ao pescoço, então empurrava os meus seios para cima e juntos, mostrando algum decote.
— Vamos lá, Fay! — Layla me puxou da casa da piscina, e eu não pude deixar de rir. Ela era como uma criancinha, animada com um novo brinquedo.
No segundo em que entramos na área da piscina, porém, nós duas congelamos. — Puta merda. — Layla sussurrou.
Braydon e Heath estavam ambos no final da piscina, Braydon rindo e Heath sorrindo. — Irmão, você sabe que não vou competir com você. Que tal pegar uma bola de futebol e ver quem a pode atirar mais longe?
Heath revirou os olhos e Bray riu. — Exatamente!
Eu não pude deixar de olhar enquanto eles jogavam golpes um no outro. Ambos os corpos deles eram... surpreendentes. Heath era mais alto e mais largo nos ombros do que Braydon, mas ele era um nadador, então eu sabia que sua parte superior do corpo devia ser ridiculamente forte, e isso mostrava.
Ambos os meninos tiveram o indício de abs que se tornou mais proeminente enquanto eles flexionavam, com o entalhe de seus quadris exibindo um extravagante, tonificado e atraente V que desaparecia sob seus shorts de natação.
— Eu tenho certeza que os adolescentes deveriam estar cobertos de acne e cheios de constrangimento. — Lay sussurrou.
— Eles obviamente perderam esse comunicado. — respondi secamente.
Suas cabeças viraram quando nos ouviram do outro lado da piscina. Braydon sorriu amplamente e colocou os dedos na boca, soltando um assobio alto de lobo. — Hey baby, você vem aqui muitas vezes? — Ele disse, seguido de risadas profundas.
Layla levantou o dedo do meio para ele. — Não seja um cretino, garoto rico.
Braydon fingiu agarrar seu coração como se ela tivesse acabado de quebrá-lo, e caiu de lado na piscina, a água explodindo em torno dele. Layla se jogou atrás dele, pressionando a sua cabeça enquanto ele tentava vir à superfície e rindo de forma maníaca.
Heath caminhou ao redor da piscina, um sorriso raro no rosto. — Algumas reuniões e os dois pensam que são irmãos. — Eu comentei, tentando evitar olhar para ele, porque toda vez que eu o fazia, apenas olhava com admiração.
Heath riu. — Eu não acho que Bray a veja dessa maneira.
Eu queria perguntar o que ele queria dizer, mas antes que pudesse, ele pegou minha mão e me levou para os degraus que desapareciam na piscina. Entrei ao lado dele, a água estava legal, mas não fria, mais como o calor de um banho depois de sair. Agarrei a mão de Heath com mais força enquanto ele me fazia caminhar mais e mais, a água subindo até à minha cintura e meus pés começando a flutuar do chão.
A água espirrou ao nosso redor, e o ar se encheu de riso quando Bray e Layla continuaram sua batalha épica pelo domínio.
Dei um passo para trás, mas ele passou os braços em volta da minha cintura e me segurou.
— Estás bem. Eu estou bem aqui. — Ele sorriu para mim, era reconfortante e eu não pude deixar de sorrir de volta.
— Você é sempre tão sério, mas aquele sorriso não deixou sua boca desde que você entrou aqui.
Eu gritei quando ele me levantou e pressionou minhas pernas para que elas enrolassem em volta de sua cintura. Meus braços foram direto para o seu pescoço, e me agarrei a ele como um macaco. Ele entrou mais na água.
— Heath, pare. — Eu avisei quando os seus pés deixaram o chão e ele nos manteve flutuando puramente por sua própria força. A água me fez sentir leve, e logo ele nem precisou me segurar, usando os braços para pisar a água.
— Heath... — O aviso foi mais duro agora enquanto eu olhava para ele em choque, percebendo o quão longe estávamos do lado da piscina.
— Você está com medo? — Ele perguntou, apenas um pouco sem fôlego, enquanto trabalhava para nos manter à tona.
Eu estava com medo?
— Não realmente.
— Por que não?
Eu sabia a resposta que ele estava procurando, eu podia ver nos olhos dele e no rosto dele. Ele queria que eu dissesse isso. Ele sabia que já era verdade.
— Porque eu confio em você.
CAPÍTULO QUATORZE
Sentei na beira da piscina, meus pés balançando na água. Estava começando a ficar tarde agora, e eu sabia que teríamos que ir para casa.
A Bayward Street se tornou a minha casa. A tenda em que dormia e as pessoas que me rodeavam eram um conforto que eu gostava. Mas pela primeira vez em muito tempo, temi voltar lá.
Heath saiu da água ao meu lado e enfiou os cotovelos no concreto. — Este é o meu lugar, na água. — inclinei a cabeça, olhando para ele questionando. Ele riu. — Você mencionou que eu não conseguia parar de sorrir desde que chegamos à piscina. É porque aqui na água é onde eu amo ficar.
Assentindo em compreensão, estendi a mão e arrumei um pouco de cabelo molhado para longe de sua testa. — Você é incrível nisso, eu vejo porque você ama isso.
— Fay? — Olhando por cima do meu ombro, eu vi Layla com uma toalha enrolada em volta dela. Bray estava atrás dela franzindo o cenho. — Nós provavelmente deveríamos ir.
Balancei a cabeça, empurrando o medo concreto. Heath saiu da piscina apenas usando os braços e, por um momento, apenas observei e apreciei o modo como os seus músculos se arqueavam com o esforço.
— Mudem-se e eu dou-vos uma carona, meninas.
— Nós podemos...
Heath me observou com um olhar agudo, e eu fechei a boca, murmurando um silencioso. — Ok, — enquanto eu seguia Layla de volta para a casa da piscina para me vestir. A sala ficou em silêncio enquanto nos secamos e vestimos as nossas roupas.
— Você não quer voltar, não é? — Layla perguntou baixinho enquanto me observava tirar a água do cabelo. Não era uma acusação, era quase como se ela estivesse esperando que eu dissesse a ela que poderíamos ficar. Talvez para sempre.
Layla estava nas ruas há mais tempo do que eu. Ela viveu esta vida por tanto tempo que eu me perguntei se ela iria deixá-la. Mas agora eu podia ver que ela se sentia exatamente como eu.
— Eazy me disse que sabia que Braydon e Heath estariam na festa. —Eu disse a ela. — Ele disse que esperava que isso me fizesse ver que havia algo melhor lá fora. Ele queria que eu lutasse por algo mais do que apenas estar confortável com o que tínhamos.
Ela olhou para os pés, amarrando os cardaços dos sapatos devagar. — Não é como se nem todos nós não quiséssemos ter uma casa, e podermos trabalhar e ganhar dinheiro para nos sustentarmos, mas, a esta altura, é tudo o que sei, Fay.
— Mas não tem que ser. — A exaustão estava me atingindo agora. Eu tinha chorado pelo meu amigo e agora eu estava acabada, tinha superado. — Estamos lá todos os dias, arriscando as nossas vidas apenas para viver.
Ela balançou a cabeça. — Eu sei, mas você pode realmente se ver se afastando dos outros? Eles precisam de nós, da mesma forma que nós precisamos deles. Nós sobrevivemos porque nos unimos. Protegemos uns aos outros e nos elevamos quando sentimos que queremos desistir.
Ela estava certa. Eu não podia me afastar das pessoas que ficaram comigo por tanto tempo e apenas esquecê-las. Eles estavam lá por mim, e eu não desistiria e os deixaria no frio só para poder pensar em mim mesma.
Eu andei e passei meus braços em volta do seu pescoço, dando-lhe um abraço apertado. — Vamos. Vamos para casa.
A viagem de volta para a cidade foi lenta e silenciosa. Deitei a cabeça no ombro de Layla no banco de trás e os meninos sentaram-se na frente. Havia tensão no carro, eu podia sentir isso. Não sabia exatamente o porquê, no entanto.
A algumas ruas de casa bati no ombro de Heath. — Apenas deixe-nos sair aqui, podemos andar. — Ele olhou para mim no espelho retrovisor. Eu implorei com os meus olhos para ele parar e nos deixar sair. Eu rezei para ele não insistir.
Aparecer na Bayward Street com eles era um estresse desnecessário que não tinha certeza se estava preparada para enfrentar briga. Kyle ainda estava chateado com as coisas com Eazy, e com ele já se sentindo irritado e farto, eu sabia que ver Braydon e Heath apenas alimentaria o fogo que estávamos lutando tanto para manter sob controle.
Ele estacionou o veículo em um ponto de ônibus, o que funcionou a meu favor, pois eu sabia que isso teria que ser rápido para que ele pudesse seguir em frente. Layla saltou com o violão na mão e Braydon abaixou a janela, conversando com ela em voz baixa.
— Obrigada. — Eu sussurrei, alcançando meus braços em torno do assento na minha frente em uma tentativa desajeitada de um abraço. Inclinando-me para a frente, beijei Heath na bochecha. — Você me salvou de novo hoje. Você pode ter que começar a usar uma capa e umas licras26.
Eu esperava que ele fosse rir ou pelo menos me dar um sorriso, mas ele estava de volta ao Heath de cara reta que eu conhecia.
— Fica segura. —Foi tudo o que ele disse.
— Eu fico.
Observá-los sair feriu-me mais do que imaginei. Nós não falamos sobre nos vermos novamente, mesmo que nunca tivéssemos planejado isso antes. Eu só tinha que esperar que o universo tivesse um plano, eu acho.
Layla sorriu tristemente quando olhei para ela. — Vamos.
Quando entramos na Bayward Street, percebi que algo estava errado instantaneamente. Layla e eu começamos a andar um pouco mais depressa, gritaria enchendo a rua escura.
— Deixe-me sozinho, Lee. — Kyle gritou quando passamos pela cerca.
— Foda-se cara, apenas relaxe.
— O que está acontecendo? Nós podemos ouvi-los gritando no fim da rua.— Eu perguntei quando pulamos entre duas tendas. O peito de Kyle subia e descia, e Lee estava na frente dele com as mãos levantadas em sinal de rendição. O resto do grupo estava espalhado, Andre e Coop olhando entre os gêmeos com os olhos arregalados, e Sketch sentado em silêncio na borda de tudo com o bloco e o lápis. Eu podia ouvir o choro enquanto Phee saia da tenda de Daisy com um olhar furioso no rosto.
— Você está feliz? Ela está chateada agora, graças a você. — Ela cruzou os braços sobre o peito de forma protetora. — Aquela pobre garota passou a vida toda sendo com gente lhe gritando, ela veio aqui em busca de refúgio. Mas agora, ela está de volta àquela casa que pensou que tinha escapado porque você queria fazer uma porra de birra. Parabéns Kyle, você é um babaca.
Fiquei atordoada e simplesmente olhei em silêncio. Ninguém disse uma palavra. Kyle nem se incomodou em se defender, e Lee apenas balançou a cabeça para o irmão, desapontado. Kyle rosnou e chutou o lixo antes de virar e descer estrada abaixo.
Layla colocou a guitarra no chão. — Eu vou. — Ela apertou o braço de Lee antes de saltar através das tendas e correr atrás dele. Lee caiu no chão e pendurou a cabeça entre os joelhos, puxando o cabelo.
Phee soltou um suspiro lento e deixou os braços caírem para o lado. Eu andei até ela e toquei o seu braço, ganhando sua atenção. — O que aconteceu?
O choro silencioso de Daisy partiu o meu coração, ela era a mais nova de todos nós, com apenas treze anos. Nós éramos todos protetores dela. Ela recebeu uma mão ruim, assim como eu, como todos nós.
Seus pais eram o tipo de cristãos que você não queria encontrar na igreja em um domingo. Suas crenças de certo e errado eram todas loucas, e parecia que Daisy nunca faria nada certo. Seus pais encontravam as razões mais estranhas para ela ser punida. Não escovar os dentes antes de ir para a cama, chutar os cobertores em seu sono porque ela estava com muito calor. Eles a fariam se arrepender dos seus pecados da semana anterior todos os domingos à frente de toda a sua procissão, e aparentemente ela não era a única. Todas as outras crianças tinham o mesmo castigo, seus pais acreditavam que isso as tornaria pessoas melhores. Isso me deixou doente.
Eu me abaixei na tenda atrás de Phee. — Daisy, querida. Você está bem?
Ela estava deitada de lado com as pernas dobradas e os braços ao redor dos joelhos. Ela relaxou um pouco quando me viu e me deu um pequeno aceno de cabeça. — Eu não queria surtar. — Ela se desculpou. — Tudo o que fiz foi mencionar Eazy, e ele começou a gritar comigo. — Ela começou a ficar tensa, e eu comecei a silenciá-la, esperando que isso a aliviasse.
Deslizei para cima, então eu estava sentada ao lado de sua cabeça. — Está tudo bem. Não foi culpa sua.
— Ele estava tão zangado. — Ela sussurrou tão baixinho que eu mal conseguia distinguir aspalavras.
— Kyle está apenas estressado, querida. Ele não quis dizer...
— Não Kyle, meu pai. — Ela corrigiu. — Ele estava sempre zangado. Costumava gritar tanto comigo que isso simplesmente se tornou normal. Era estranho ouvi-lo na igreja, conversando normalmente com as outras pessoas. Às vezes me perguntava se o amaria mais se ele falasse comigo desse jeito.
— Oh, Daisy. — Deitada ao lado dela, comecei a acariciar os seus cabelos com os meus dedos, seu corpo relaxando enquanto eu alisava e puxava suavemente quaisquer pequenos nós.
— Você não deveria amar os seus pais? — Ela perguntou, olhando para mim com olhos brilhantes. — Quero dizer, eles nos deram a vida, não deveríamos ser gratos por isso? — Sorrindo gentilmente, eu coloquei o cabelo atrás da orelha. — Meu pai me machucou também, Daisy. Só porque eles nos fizeram, não lhes dá o direito de nos ferir. O amor é conquistado através de lealdade e carinho. Você e o resto deles lá fora não são do meu sangue, mas eu te amo mais do que qualquer família real que eu tinha.
— Eles não dizem que o sangue é mais espesso do que a água?
Eu ri levemente. — Isso é verdade. Mas quando mil minúsculos riachos se juntam, eles formam um rio poderoso.
Daisy sorriu para mim. — Nós somos os pequenos riachos?
Eu sorri de volta. — Claro que não, querida, nós somos o rio.
CAPÍTULO QUINZE
— Estás pronta?
Andre e Coop ficaram do lado de fora da minha tenda esperando pacientemente. Fechei a mochila e joguei por cima do ombro, antes de pegar nos meus patins e seguir os meninos até à cerca. Sentada no passeio, eu os coloquei e os apertei. Andre me deu uma mão para me levantar e nós descemos a rua.
— Daisy não quer vir? — Eu perguntei aos meninos enquanto patinava lentamente ao lado deles.
— Ela precisa de comida, Fay. Você viu como ela ficou magra? — Coop suspirou.
Andre sacudiu a cabeça. — Às vezes me pergunto se ela estaria melhor se arriscando com a polícia e o sistema de adoção.
Eu balancei a cabeça, concordando um pouco com a observação dele. Daisy estava em uma idade em que precisava de muita nutrição e, como já era pequena, a falta de comida quase a transformava em pele e ossos. — Nós vamos encontrar algo e trazer de volta com a gente. É tudo o que podemos fazer no momento.
Fazia uma semana desde a última vez que vi Heath. Minha mente não parou de pensar nele, e toda vez que eu ouvia um barulho ou via um carro parecido com o dele, meu coração começava a disparar. Mas nunca era ele.
Nós estávamos indo para o shopping, Layla estava com Phee fazendo apresentações lá fora, então íamos encontrá-las lá. Quando chegássemos lá, seria logo depois da hora do almoço, o que significava que as pessoas saíam da praça de alimentação e voltavam para o trabalho. As placas de meia comida nunca eram limpas imediatamente, então era a nossa melhor chance para uma refeição no momento.
Alimentar os nove de nós tinha o seu preço, em qualquer tipo de dinheiro que nos era dado. Mesmo com Eazy morto, isso não melhorava as coisas. Se alguma coisa, nós lutávamos mais do que antes, porque ele não estava lá para nos empurrar junto com a sua atitude de vai correr tudo bem.
Eu tinha garrafas de plástico vazias na minha bolsa que eu encheria com água dos banheiros, o que nos manteria por um tempo, e pelo menos sabíamos que era boa água e não nos deixaria doentes.
A caminhada até ao shopping nos levou apenas mais de uma hora. Ouvi a voz de Layla e a batida de seu violão antes de avistá-la. Phee sentava-se a seus pés, segurando uma placa de papelão pedindo dinheiro ou comida. Nós não nos importávamos com o que eramos. Às vezes, as pessoas preferiam comprar comida para nós, em vez de nos dar dinheiro, simplesmente porque temiam que o dinheiro fosse simplesmente para consumir drogas ou álcool.
Layla terminou a sua música quando nos aproximamos e começou a guardar sua guitarra. Vi alguns dólares dentro do seu estojo e ela sorriu para mim com tristeza, pois ambos sabíamos que não era muito. Phee era o mesmo, jogando suas poucas moedas e algumas notas de dólar dentro do estojo antes de Lay fechar.
— Vamos ao bufê. — Andre disse com entusiasmo enquanto caminhávamos para dentro.
Revirei os olhos, mas ele não estava errado. Isso era basicamente o que era. Reuníamos as sobras dos pratos das pessoas, formando uma mistura de todos os diferentes tipos de restaurantes que estavam na praça de alimentação, depois sentávamos e pegávamos o que queríamos, arrumando o resto para levar de volta para os outros.
Era uma longa caminhada para obter um pouco de comida em nossos estômagos, mas quando suas opções são escassas você faz o que tem que fazer. Tentamos ser discretos enquanto caminhávamos e enchíamos nossas bandejas com a sobra de comida, para que a segurança não notasse e tentasse nos expulsar.
Nós achamos uma barraca que era mais escondida que a área de comida aberta e juntamos as nossas refeições. Meu estômago se deleitou em finalmente ter algo dentro dele. Eu não me importava se a comida estava fria ou se as pessoas passavam olhando. Eu precisava tanto disso, todos nós precisávamos. Comemos em silêncio antes de Layla encontrar alguns recipientes descartados e os enchesse com as sobras para levar para casa.
Lee e Kyle estavam trabalhando horas fixas para o tio, estocando comida e álcool no fundo do seu clube por algumas horas no período da manhã, e ele estava pagando-os o transporte de ida e volta . Eles tinham um pouco de dinheiro em suas mãos, mas não era muito, nem o suficiente para ajudar a todos nós, então ficamos por conta própria por enquanto.
Fiquei imaginando o que aconteceria quando completassem dezoito anos e o seu tio lhes oferecesse um emprego de verdade com salários constantes. Eles poderiam ter recursos para um lugar para viver, e todos nós seríamos deixados para trás? Algumas semanas atrás eu teria dito não com certeza, mas Kyle ainda estava agindo de forma estranha e não falava com ninguém sobre o que estava acontecendo, nem mesmo Lee.
Entrando no banheiro enquanto nos dirigíamos para a porta, Layla e Phee ajudaram-me a encher as garrafas plásticas com água e as enfiar dentro da bolsa. Estavam muito pesadas agora, mas eu era a única que não estava andando, então era mais fácil carregar a carga.
Ouvi mais gritos antes de chegarmos à esquina da Bayward Street. — Deus, não de novo.
— Isso não soa como Kyle. — Layla olhou para mim preocupada, e eu joguei minha bolsa para Andre, me empurrando para frente e patinando o mais rápido que pude. Os passos pesados dos outros suavizaram atrás de mim quando me inclinei na esquina. A visão à minha frente quase me fez tropeçar enquanto eu lutava para parar.
Eu parei em um poste de luz antes observar o grupo de homens em pé na calçada.
— Fable, corra! — gritou Lee do outro lado do carro da polícia, enquanto ele e Kyle não podiam fazer nada além de observá-los arrastando Daisy para longe e forçando-a a entrar no banco de trás do carro. Sketch estava lutando com dois outros oficiais, amaldiçoando-os para irem para o inferno.
No momento em que a minha mente percebeu o que estava acontecendo e se virou para correr, alguém me agarrou pela cintura e me puxou de volta. Eu lutei contra ele, olhando para cima bem a tempo de ver Andre deixar cair a sacola cheia de água e desaparecer ao virar da esquina. Minhas mãos foram empurradas violentamente para as minhas costas e eu fui forçada contra um prédio, meu rosto pressionado contra o tijolo de concreto frio.
Layla e Phee ficaram olhando horrorizadas, com os olhos arregalados e começando a inundar-se de lágrimas, enquanto Coop se atirava contra um policial que tentara correr a pé atrás de André.
Era uma bagunça. Eu podia ouvir Daisy chorando quando o policial me empurrou em minhas rodinhas em direção a um dos carros.
Lee e Kyle estavam gritando para eles nos deixarem sozinhos, que não havíamos feito nada de errado. Mas a polícia sabia exatamente quem eles queriam. Eles escolheram todos nós que eramos fugitivos.
— Layla, — eu chamei, o seu rosto se levantou enquanto ela procurava por mim. — O bolso lateral da minha bolsa, pegue o cartão, rápido!
Ela mexeu na minha bolsa, abrindo o zíper e tirando um pequeno pedaço de papelão. Ela correu até mim e colocou no bolso de trás da minha calça jeans antes do policial pressionar minha cabeça e me guiar até o banco de trás do carro.
A porta se fechou e me virei para Daisy, que estava chorando baixinho ao meu lado. — Daisy, está tudo bem. Nós vamos ficar bem.
Ela não parou de chorar, mas eu não podia culpá-la. Como íamos sair dessa eu não tinha a certeza, mas ia tentar.
Eu não voltaria para eles, nunca. Eles poderiam me prender e jogar fora a chave, mas eu nunca voltaria lá sem uma luta.
Eu avistei os rostos tristes dos meus amigos quando nos afastamos.
Coop estava sendo contido, mas, até onde eu sabia, Andre conseguira fugir. Pelo menos um de nós ainda estava seguro.
O que as pessoas não entendiam era que nem todos os fugitivos saíam de casa porque estavam se rebelando contra os seus pais, ou porque queriam viver uma vida de independência, drogas e bebida sem ter que responder a alguém.
Todos nós tínhamos histórias diferentes, mas o fator comum com os meus amigos e eu era que fugíamos porque ninguém nos ajudava ou nos protegia, então, no final, tínhamos que nos proteger.
— Você já ligou para os meus pais? — Eu perguntei em voz alta.
A policial no banco do passageiro se virou para mim. — Nós vamos chamá-los quando voltarmos para a estação.
— Posso fazer uma ligação para o meu advogado primeiro?
— Você acha que precisa de um advogado? — Ela perguntou curiosa. — Não é provável que você seja cobrada, apenas voltar para casa em condições restritas.
Eu sabia que ela estava tentando me fazer sentir melhor sobre a situação, mas ela não entendia, não era deles que eu achava que precisava de proteção. — Considerando que o meu pai me disse que ele ia me matar da última vez que o vi, eu realmente preferiria ter um advogado.
Ela ergueu as sobrancelhas e por um segundo, vi um lampejo de simpatia. Aparentemente algumas pessoas dentro da lei entendiam. — Sim, querida, vou ver o que posso fazer.
— Eu assenti. — Obrigada.
Ela me deu um sorriso gentil e se virou de volta.
A Delegacia de Polícia de Los Angeles era enorme e estava lotada de pessoas. Alguns gritavam e berravam, alguns ficavam em silêncio esperando que os seus entes queridos fossem libertados. Era caótico.
A policial, que se identificou como Lena, pegou Daisy e eu e nos dirigiu através da multidão. Era um labirinto de corredores e elevadores, quando chegamos a um pequeno escritório no terceiro andar do prédio. O oficial do sexo masculino estava do lado de fora da porta quando ela nos sentou e abriu as nossas algemas.
— Eu vou te dar cinco minutos para fazer a sua ligação, mas eu vou sentar aqui e conversar com a sua amiga enquanto você liga. — Eu balancei a cabeça e olhei para Daisy, que estava obviamente tremendo.
— Ela é...
— Tudo bem, mamãe urso, eu só vou conversar com ela. — Lena sorriu e se agachou ao lado de Daisy, falando suavemente.
Eu corri para puxar o cartão do meu bolso, grata por ter me lembrado de Heath dando para mim, e desde então tive a certeza de levá-lo comigo em todos os lugares. Algumas vezes na última semana, eu tive que lutar contra o desejo de ir ao telefone público mais próximo e ligar para o número para ver se eu poderia falar com ele, mas não consegui.
Discando o número, soltei um suspiro aliviado quando começou a tocar.
Eu bati o meu pé com impaciência, cantando a palavra pega, pega, pega, várias e várias vezes na minha cabeça.
— Olá?
Meu corpo estremeceu. — Braydon?
— Fable? O que está acontecendo?
Eu ri, mesmo que a situação não fosse nada engraçada. — Eu estou no centro da polícia de Los Angeles na 6th Street.
Ele não perdeu uma batida. — Nós estaremos aí em breve. — Ele correu com urgência. Eu podia ouvi-lo chamando Heath ao fundo.
— Braydon... — eu chamei, esperando que ele ainda pudesse me ouvir... — ...você vai ter que pedir por Keira Campbell. — Eu quase esqueci que nunca disse a eles o meu nome verdadeiro.
— Entendi. Aguenta firme, Jailbait27.
A linha ficou muda e eu esperava que Braydon soubesse o que estava fazendo. Ele podia ser esquisito e um pouco louco, mas ele não era idiota, então isso me dava esperança.
— Realmente não soou como um advogado. — Lena riu.
— Não era. — Mostrando-lhe o cartão na minha mão, eu tive um pequeno prazer em ver seus olhos se arregalarem de surpresa quando ela leu o nome. — Eu só estou esperando que ele traga a sua mãe.
CAPÍTULO DEZESSEIS
Lena nos manteve em seu escritório, mesmo quando outro policial protestou e exigiu que fossemos levados para uma cela de detenção.
Ela me perguntou sobre meus pais e onde eu morava antes de ir para as ruas. Eu respondi suas perguntas mesmo sabendo que ela já tinha lido meu arquivo. Ela apenas balançou a cabeça enquanto expliquei brevemente o que tinha passado, informando a ela mais de uma vez que não voltaria lá, não iria voltar para eles.
Era um desejo de morte, igual ao que estava preocupada.
— Por que você nunca contou a alguém? Uma professora ou alguém em quem você confia? — perguntou ela, recostando-se na cadeira do escritório. Daisy ainda estava sentada quieta no canto, as lágrimas ainda escorrendo em suas bochechas. Ela se recusou a responder qualquer pergunta, eu acho que quando se é criado para você manter sua boca fechada em momentos de estresse, você sempre volta para o que parece normal.
Mas eu não ia mais esconder minha dor. — O que aconteceu comigo foi exatamente a razão pela qual eu não falei. Mesmo depois de tudo o que aconteceu, aquele juiz ainda me mandou de volta para eles sem sequer pensar duas vezes.
Lena assentiu. — Sim. Você está certa. Algo deveria ter sido feito. Sinto muito que você foi decepcionada assim.
Houve uma batida na porta e meu corpo ficou tenso. Algo no ar havia mudado e a necessidade de vomitar queimava no fundo da minha garganta.
A porta se abriu e uma voz falou baixinho: — O pai de Keira está aqui.
Peguei a lixeira ao lado da escrivaninha, e vomitei ao pensar em ver Greg Campbell. Lena esfregou minhas costas suavemente, me acalmando com sons suaves.
— Fique aqui com a jovem, enquanto eu lido com isso. Os serviços de proteção à criança devem estar aqui em breve para falar com ela. — explicou Lena, pegando meu braço e me ajudando a ficar de pé.
— Fable... — Daisy gritou, pulando de sua cadeira e me segurando. O medo brilhou através da humidade em seus olhos. — Por favor não vá. Eles vão me fazer voltar. Por favor...
Puxando-a, eu a embalei no meu peito e acariciei seu cabelo. — Você ficará bem. Eu prometo que você não vai voltar lá, — eu sussurrei, olhando por cima da cabeça para onde Lena assistia. Havia tristeza em seu olhar enquanto ela observava a jovem implorar através de suas lágrimas.
Outra mulher entrou pela porta, mas não usava uniforme da polícia. — Esta é Sarah, nossa conselheira de jovens. Você vai ficar com ela até eu voltar. Eu não vou demorar muito, eu prometo. — A senhora, Sarah, olhou para nós duas com um sorriso gentil, estendendo a mão para Daisy.
— Ninguém vai a lugar algum. Podemos apenas sentar aqui se você quiser até que sua amiga termine. — Sua voz me aqueceu e Daisy começou a relaxar em meus braços, sua mão trêmula estendeu e agarrou a de Sarah. Daisy me deu uma última olhada antes de se afastar e eu tentei tranquilizá-la com um sorriso.
Lena me guiou pelo labirinto de corredores, eu fui atrás dela, minha mente flutuando lembrando da última vez que vi meus pais.
A porta finalmente se abriu e eu olhei para cima para ver minha mãe parada em silêncio no lugar. Nossos olhos se conectaram imediatamente, e eu vi as lágrimas que estavam reunidas no fundo, sendo seguradas lá apenas por seus cílios grossos.
— Keira. — ela sussurrou com uma voz sofrida. Eu não respondi a ela, não tinha nada a dizer. O que você diz para alguém que não tem coragem de se levantar e proteger você? Quem ficou ao lado e ajudou em seu fim? Nada. Você não diz nada.
— Sra. Campbell, sou Mallory Leighton, advogada de Keira. Elas apertaram as mãos delicadamente.
— Claro, é bom conhecê-la. — minha mãe disse em sua voz calma e sussurrante. Eu nunca soube de uma vez que ela falou mais alto que esse volume.
— Espero que esteja tudo bem, mas o tribunal me deu permissão para entrar e verificar se tudo está em ordem para o retorno de Keira. Eu também tenho alguns documentos que precisam da sua assinatura. — a Sra. Leighton explicou muito profissionalmente.
— Claro, entre. Meu marido acabou de ir na loja por um momento. — disse minha mãe, abrindo a porta amplamente para nos permitir entrar. Eu estreitei meus olhos para ela, meu pai indo para a loja? Isso foi uma piada. Ela evitou encontrar meu olhar.
— Tudo bem, apenas a sua assinatura vai ficar bem.
Caminhei até à cozinha, onde a sra. Leighton passou a espalhar papelada na mesa da cozinha.
— Vou por isto no meu quarto. — eu disse a ela. Ela sorriu para mim antes de começar sua explicação para a minha mãe sobre o que precisava ser feito.
Eu rapidamente fiz meu caminho pelo longo corredor. Meu quarto se parecia exatamente do jeito que eu deixei. A única coisa que mudara era que minhas roupas sujas tinham sido recolhidas, lavadas e colocadas em uma pilha bem dobrada na cama. Eu fechei a porta de forma que ficasse entreaberta, e rapidamente puxei minha mochila do armário. Eu misturei um par de roupas, roupas íntimas, apenas o essencial, e também mudei para um confortável par de calças de moletom com uma camiseta e um agasalho. Se eu tivesse que correr, precisava de algo confortável para me mudar.
Abri a janela o mais silenciosamente possível e me inclinei, deixando cair a mochila na grama. Satisfeita, fechei tudo de novo e fiz meu caminho de volta para a cozinha, onde minha mãe e a sra. Leighton conversavam em voz baixa.
— Tudo bem, Keira? — A Sra. Leighton perguntou, olhando para mim com curiosidade. Eu balancei a cabeça e torci minhas mãos nervosamente. — Tudo bem, tudo está em ordem aqui. Parece que é hora de ir embora.
Mostrei-lhe a porta, onde ela me envolveu em seus braços.
— Fique forte, Keira. Eu vou fazer todo o possível para tirar você daqui, — ela sussurrou em meu ouvido, bem ciente da minha mãe que estava de pé para nos observar. Observei-a andando pela calçada e subindo em seu carro antes de fechar a porta e me virar para minha mãe, que agora tinha lágrimas escorrendo pelo rosto.
Eu queria acreditar nela, confiar que faria o que pudesse para me ajudar a escapar desse buraco infernal que era minha casa. Mas eu acabei confiando nos outros para lutar por mim. Até agora, tudo o que fizeram foi me decepcionar e me devolver ao meu agressor. Eu não podia confiar neles para me ajudar agora.
Eu ia me ajudar.
— Keira... — ela começou, mas eu a cortei com um rápido chicote da minha mão. — Não. Você não pode mais dizer nada para mim. Você não é minha mãe. Você não é minha família. Você NÃO É NADA. Você entendeu? — Eu gritei, apontando meu dedo para ela acusadoramente.
— Você sabe como ele fica, Keira. — Ela chorou, soluçando agora. — Não havia nada que eu pudesse fazer.
— Você sabe o quê. Papai estava certo. — Seus olhos se arregalaram de choque, e ela tropeçou para trás ao meu comentário. — Ele estava certo. Você é patética.
Eu passei por ela e me dirigi para a sala de estar. Foi quando eu ouvi isso. O som de um carro subindo a calçada. Uma porta se fechou e passos pesados atingiram o concreto.
Empurrei meus ombros para trás, respirei fundo e endureci meus olhos. Eu podia ver o olhar de medo cruzar o rosto da minha mãe enquanto ela estava parada do lado de dentro da entrada.
Merda estava prestes a se tornar real.
Eu nunca me lembro de uma época na minha infância ou adolescência que fiquei animada ao ouvir o som do meu pai chegando em casa. Ele nunca foi carinhoso comigo, nunca me trouxe para casa pequenos presentes, ou mesmo me reconheceu quando entrou pela porta. Mas desta vez eu sabia que ele iria, e seria pelas razões erradas.
A porta se abriu com força, e uma voz estrondosa saudou-me de volta para as profundezas do inferno: — Bem-vinda em casa, sua puta! — Meus pés me levaram para trás enquanto eu lutava contra eles, querendo que eles me ajudassem a resistir. Eu estava mais forte agora, sabia que estava. Mas isso não mudava o fato de que Greg Campbell pesava provavelmente três vezes o meu peso, e sem dúvida planejava esse momento desde que eu enfiei aquela faca em seu estômago gordo e preguiçoso.
Ele me viu e no instante em que o fez, a cor drenou do meu rosto. Eu podia senti-lo pálido, e eu sabia que ele podia ver o medo passar pelos meus olhos. Isso o excitou, forçou um sorriso nojento em seu rosto quando ele deixou cair a sacola de compras que estava carregando e me cercou.
Mesmo sem falar, eu podia sentir a raiva que começou a encher a sala como uma névoa sinistra, seus olhos enviando-me uma promessa sombria que eu esperava como o inferno nunca seria cumprida. — Você está com medo, não está? Você está se perguntando se este é o último suspiro que você vai tomar. Você está apenas esperando por mim para atacar.
Eu engoli contra o nó na garganta.
Sua risada me fez pular, e ele de repente se afastou, andando de volta pelo corredor e recolhendo a sacola de compras em seus braços. — Está te torturando, não saber o que vou fazer. Mas você sabe que mais? Vou deixar que seja uma surpresa. — Ele estava tão calmo, era assustador, e cada parte do meu corpo gritava para eu correr. Mas eu não estava prestes a dar-lhe a satisfação.
— Eu vou para a cama. — forcei-me a dizer.
Ele assobiou casualmente enquanto levava seu saque para a cozinha. Ele amava isso. Ele ganhou e ele tinha um plano, e acho que foi o que mais me assustou. Antes, ele era apenas um babaca furioso que não conseguia controlar seu temperamento. Agora ele era um idiota zangado calculado que teve tempo para pensar, e revisou todos os cenários possíveis em sua minúscula mente sobre como iria se vingar.
— Ah sim, aproveite esses sonhos. Um dia eles serão seus últimos.
— Keira.
O som de sua voz era exatamente como eu me lembrava. Profundo, autoritário e seguro de si.
Eu queria dizer-lhe para ir à merda, gritar com ele e jogar coisas, mas em vez disso meu corpo congelou e eu era aquela garotinha de novo. Aquela que não temia que ninguém acreditasse nela se ela falasse, aquela que se sentia tão sozinha porque nem mesmo sua própria mãe se aproximaria e a protegeria.
— Vamos levá-la para casa, Keira. — Outros podem não ter percebido, vendo suas palavras como um pai preocupado que queria sua filha de volta. Mas eu o conhecia melhor. Sua raiva não se foi, quando muito, eu fugindo, tinha alimentado o fogo ainda mais.
— Sinto muito, Sr. Campbell. Você terá que aguardar. Keira ligou para sua advogada, e os serviços de proteção à criança estão a caminho. — Lena disse a ele, sua voz calma e uniforme quando colocou a mão nas minhas costas em uma demonstração de apoio.
Meu pai grunhiu como o cretino que ele era. — A Child Protection Services nos investigou antes dela fugir e não encontrou nada. É um desperdício de recursos. E como ela planeja pagar por um advogado?
— Ela não precisa, eu vou estar fazendo isso de graça. — Os saltos de Helen Carson cortaram o chão quando veio para ficar ao meu lado. Eu inalei lenta e profundamente pelo nariz, liberando o ar da minha boca em um longo e lento fluxo.
Greg Campbell olhou para as duas mulheres de cada lado de mim, seu lábio aparecendo em desgosto. Ele era um misógino28, acreditando firmemente que as mulheres não deveriam ser ouvidas.
— Oficial Dunlore, você poderia, por favor, mostrar ao Sr. Campbell um lugar enquanto ele espera que o CPS chegue aqui. Eles vão querer falar com ele, — Lena ordenou alegremente, e um oficial da polícia veio e o mandou embora.
Ele estava fervendo, seu corpo rígido e se contorcendo de raiva. Mas ele não quebraria a fachada. Apenas não era ele.
Virando-se para olhar para Helen, não pude deixar de sorrir. — Obrigada por ter vindo. — Ela estendeu a mão e passou a mão sobre o meu cabelo, deslizando-a para baixo e segurando o meu rosto. — Você não vai voltar lá. Eu prometo.
Lágrimas queimavam nos meus olhos e eu lutei para mantê-las afastadas. — Eu espero que você esteja certa, porque desta vez, eu sei que não haverá escapatória.
Seu rosto se encheu de tristeza antes de dar uma olhada direta com um olhar de determinação. — Fable, eu preciso que você confie em mim, ok?
Mastigando meu lábio inferior, eu me perguntei se poderia ser assim tão mau confiar que alguém me protegia. Eu avistei Heath e Braydon por cima do ombro de Helen, e Heath deu um passo em minha direção quando nossos olhos se encontraram. Eu confiei em Heath, ele me fez sentir segura, protegida. Quando ele baixou a cabeça e acenou para sua mãe, eu sabia que podia ler exatamente o que estava passando pela minha mente.
Eu respirei fundo. — Ok, eu confio em você.
CAPÍTULO DEZESSETE
Lena nos levou a uma sala privada onde ela se sentou comigo e com Helen, enquanto discutíamos nossas opções. Elas me fizeram repassar os detalhes da minha infância, como haviam sido, por quanto tempo essas coisas estavam acontecendo e, por fim, por que decidi fugir. Não me foi difícil explicar, embora cada palavra ainda deixasse um gosto horrível na boca. Elas gravaram tudo o que foi dito, planejando entregar a gravação para o CPS quando terminamos.
Lena parou a gravação e eu respirei fundo, deslizando na cadeira e pendurando a cabeça. — O quê, agora? — Eu perguntei, exaustão tomando conta do meu corpo.
— Essas coisas podem levar tempo, Fable. — explicou Helen com um sorriso gentil. — Precisamos dar essa informação ao CPS para que eles possam investigar.
— Isso significa que eu posso ir para casa? — Considerando o olhar que elas deram uma à outra ao meu pedido, eu ia tomar isso como um não.
— Fable... — Helen se dirigiu a mim suavemente, — ...eu vou fazer uma sugestão. Eu quero que você pense com muito cuidado sobre isso, porque uma vez que nós o colocamos para um juiz e recebermos uma ordem judicial, você terá que seguir com isso.
Engolindo com força, eu acenei para ela continuar.
— Enquanto o CPS está investigando, eles não vão deixar você voltar para as ruas e apenas esperar. O tribunal colocará você em uma casa temporária até que possa decidir se é seguro ou não retornar a seus pais. — Sua explicação foi lenta e deliberada como se ela quisesse que eu ouvisse cada palavra que ela dizia. — Eu quero oferecer-me para ser sua cuidadora temporária.
Meus olhos se arregalaram e eu lentamente me levantei, minhas costas retas como uma vara. — Q-que significa isso?
— Isso significa que se um juiz concordar, você iria e ficaria com os Carsons até que uma data de audiência seja marcada e uma decisão possa ser tomada, — explicou Lena com um sorriso encorajador. — Pode levar meses antes de ser apresentado a um juiz.
Oprimida e chocada, eu não consegui encontrar nenhuma palavra.
Helen se levantou e caminhou ao redor da mesa, ela virou minha cadeira e se agachou na minha frente com as mãos nas minhas pernas. — Fable, vou mantê-la segura e fazer o que estiver ao meu alcance para ter certeza de que você tem tudo o que precisa. Você pode voltar para a escola, você pode ser uma adolescente normal, que não tem que lutar por sua vida todos os dias. Você quer isso?
Lágrimas escorriam pelas minhas bochechas. Era isso que eu queria?
Finalmente ter alguém disposto a lutar por mim?
Finalmente ter as oportunidades de me melhorar e ter um futuro que não envolvesse um emprego das nove às cinco repondo prateleiras, porque nunca recebi um diploma de ensino médio?
Os rostos dos meus amigos passaram pela minha mente, e o meu coração parou por um momento, enquanto pensava sobre a ideia de deixá-los se defenderem enquanto eu vivia uma vida que a maioria de nós só tinha sonhado.
— Você tem que ajudá-los também. — Minha voz quebrou em um sussurro e Helen inclinou a cabeça com curiosidade.
— Quem, querida?
— Meus amigos... eles precisam de ajuda também. Eu não posso simplesmente ir embora e deixá-los sem saber que eles vão ficar bem. — Helen assentiu em compreensão enquanto eu estava em lágrimas.
— Nós vamos encontrar uma maneira de ajudá-los, eu prometo. — A honestidade encheu seus olhos, e eu sabia que ela realmente faria o que pudesse para ter certeza de que eles ficariam bem.
— Tudo bem.
Seu rosto se iluminou e ela se levantou, oferecendo-me a mão. Eu peguei, e ela me puxou da minha cadeira e cruzou os braços em volta do meu corpo. Meu corpo endureceu por um segundo, mas eu finalmente relaxei para ela, aquecendo-me em seu calor e compaixão.
Eu me senti segura com ela. Eu confiei nela.
— Vou colocar por escrito e com sorte conseguimos que um juiz possa assiná-lo dentro de algumas horas. — disse Lena alegremente enquanto nos observava. Ela reuniu todas as pastas e documentos que continham todas as minhas informações e tirou o gravador da mesa. — Vamos, eu não posso deixar você sair ainda, mas há uma sala de estar da família tranquila no andar de cima, onde você pode esperar até lá.
Heath e Braydon já estavam nos esperando no andar de cima. Lena nos guiou antes de se desculpar e eles correram para a frente.
— O que está acontecendo? — Perguntou Heath a sua mãe.
O quarto era pequeno mas confortável. Havia dois sofás, uma máquina de água e uma pequena mesa cheia de revistas.
Passei por eles e desabei em um dos sofás, oprimida pelo que estava acontecendo.
— Mãe. — ele solicitou novamente.
— Estamos esperando para ver um juiz. — ela respondeu. — Mas estamos esperançosas de que o juiz concordará em nos deixar levar Fable para casa connosco.
Tanto Heath e Braydon se viraram, olhando para mim com os olhos arregalados.
Não demorou muito antes de um sorriso crescer no rosto de Braydon. — Como um cachorrinho novo!
— Cale a boca, Bray. — Heath repreendeu seu irmão.
Eu ri. Mas Braydon não estava longe da verdade. Eu era como um cachorrinho descartado, e eles vieram resgatar-me de ser abatida. O pensamento me fez estremecer.
— Desculpa, Fable. — Braydon ofereceu, vendo minha reação. — Então, o que isso significa?
— Não podemos saber até que o juiz veja o plano. — ela disse.
— Mas... — Heath questionou quando veio se sentar ao meu lado. Eu sentei na cadeira e virei a cabeça para o lado.
— Mas, esperamos ganhar a custódia até que Fable tenha dezoito anos. Quando ela tiver dezoito anos, terá o direito de escolher seu próprio caminho. — Abaixei minha cabeça e meus olhos se encontraram com os de Helen.
Eu não respondi, mas sabia que ela não estava esperando por uma resposta. Apenas sorriu e foi até ao bebedouro para encher um copo de água.
Tentei não deixar suas palavras entrarem na minha cabeça, mas nas horas seguintes, elas eram tudo em que conseguia pensar. Ela e Braydon desapareceram em algum momento para comprar comida e deixaram Heath e eu sozinhos.
Eu sabia que ele não iria se sentar em silêncio. — Como você está se sentindo?
Suspirei dramaticamente. — Como se eu estivesse enfrentando o pelotão de fuzilamento.
Ele estendeu a mão pelo sofá, sua mão envolvendo a parte de trás do meu pescoço. Eu me inclinei em seu toque, buscando o conforto que só ele parecia ser capaz de dar. Helen tinha-me abraçado, então Bray teve um momento em sua excitação por possivelmente me levar para casa com eles, mas nada parecia tão bom quanto estar assim com Heath.
— Mamãe é a melhor advogada por aí. Se houver uma maneira de levar você para casa, ela vai encontrá-la.
Eu assenti. — Eu continuo pensando em meus amigos. Eu preciso ajudá-los. Não quero deixá-los no frio.
— Mamãe disse que ajudaria?
— Sim.
— Então você precisa confiar que ela vai manter a sua palavra. Confiança.
Essa palavra novamente.
Tão simples, mas tão significativa.
Uma simples palavra poderia salvá-la, mas, ao mesmo tempo, teria o poder de deixá-la de joelhos se viesse da pessoa errada. Mas Heath não era a pessoa errada. Ele não falou muito, mas suas palavras foram propositais e tinham força por trás delas.
A porta da pequena sala se abriu. Bray carregava uma sacola plástica, mas Helen estava na porta. — Vamos lá,querida. Temos que descer para ver o juiz.
Helen levou todos nós através de um labirinto de corredores. Lena estava do lado de fora esperando por nós. Quando ela abriu a porta e gesticulou para nós passarmos, fiquei surpresa. Eu estava esperando um tribunal, mas lá dentro era um grande escritório. Uma senhora sentou-se atrás da mesa e um homem sentou-se em uma das cadeiras em frente. Havia mais duas cadeiras e, com um sorriso, a mulher gesticulou para elas.
— Por favor, sente-se.
Eu fiz o que pediu, e Helen sentou-se ao meu lado. Os garotos estavam encostados na parede junto com Lena.
— Keira, meu nome é juiza Baker. Prazer em conhecê-la.
Eu segurei minha língua e não a corrigi com relação ao meu nome. Eu vivi tanto tempo agora como Fable que tinha esquecido como meu nome real soava. — Prazer em conhecê-la.
— Matthew Pearson... — ela apontou para o homem que me deu um sorriso — ...ele é da Child Protective Services. É normal que eles estejam presentes durante as reuniões sobre um menor.
Eu assenti.
— Eu estive com o seu caso... — ela começou a fala, e meu estômago começou a se agitar. — Acredito que sua situação particular precisa ser aprofundada. E acredito que já há uma proposta para uma casa para você enquanto investigamos.
Helen assumiu então. — Sim senhora, depois de discutir com o meu marido, sentimos como se pudéssemos dar a Keira o que ela precisa. Ela ainda é jovem, ainda está se desenvolvendo e descobrindo quem ela é. — Helen olhou para mim e eu vi um pequeno brilho nos olhos dela. — Ela precisa de cuidados... amor... e pessoas que possam apoiá-la sem que ela tenha que se preocupar em roubar para passar o dia ou a semana. Queremos ajudá-la a se encontrar. Dar-lhe oportunidades de crescer.
A juiza ouviu atentamente. — Isso é muito gentil de sua parte, Sra. Carson.
Helen continou falando. — O que eu estou oferecendo é mais do que uma casa em meio período ou um pai a tempo parcial, eu estou oferecendo-lhe uma vida sendo amada e querida.
Eu senti as lágrimas fazendo cócegas no fundo da minha garganta. Suas palavras queimaram através de mim como nunca algo havia feito. Meu pai abusou de mim moralmente e me chamou de todos os nomes possíveis. Minha mãe não só ficou parada e o observou, como ficou do lado dele quando a situação finalmente veio à tona. Durante todo esse tempo, nunca ouvi meus pais dizerem que me amavam. Nunca em meus dezessete anos alguém me disse que me amaria e me estimaria por toda a vida.
— Keira? — Eu ouvi a voz da juiza à distância e sacudi a nuvem de emoções que estava fervilhando ao meu redor.
— Sim? — Eu podia ouvir minha voz tremer. — Como você se sente sobre isso?
Eu engoli contra o nó na garganta e pensei por um minuto. — Como me sinto sobre isso?
Fazer isso significaria morar em um bairro de classe A sério e, provavelmente, frequentar uma escola formal e adequada. Ser uma pessoa que nunca pensei que seria e ter oportunidades que nunca pensei que teria. Eu poderia correr, voltar para minha família de rua e viver dia a dia, esperando por algo melhor, arriscando minha vida só para viver. Mas no final do dia, o que eu teria? Nenhum trabalho e nenhuma visão realista para o meu futuro. Essas coisas nunca tinham tocado em minha mente antes, porque era o que eu sabia, o que vivia e o que aceitava como minha vida. Mas agora, sendo oferecido algo mais, eu não tinha certeza se eu poderia voltar sem pelo menos um gostinho de como era.
Alguém queria lutar por mim, e eles concordaram que essa luta significaria lutar por meus amigos também.
Não era apenas a minha vida que podia mudar. Era a deles.
Então eu precisava pelo menos tentar.
Eu assenti. — Eu quero um futuro. Eu quero algo melhor. — Eu olhei para a juiza. — E eu não quero voltar para o meu pai.
A juiza Baker me deu um sorriso triste, mas compreensivo, antes de rabiscar algumas anotações em um pedaço de papel. — Isso será aprovado. Mas eu vou precisar que você me mostre que quer aproveitar ao máximo o que esta família amorosa está pronta para lhe oferecer.
Minha cabeça balançou em concordância.
Ela escreveu enquanto listava o que esperava de mim. — Você vai precisar ficar longe de problemas. — Ela olhou para cima e seus olhos encontraram os meus. — Se o que aconteceu no passado foi uma maneira de se proteger como afirma, você ainda tem violência em seu registro.
— Sim, senhora. — eu respondi, minha voz rouca de emoção.
— Eu também entendo que você tem amigos por aí. — Mas não poderá voltar para vê-los ou visitá-los. — Isso apertou minha garganta e eu queria objetar. Helen pegou minha mão e apertou com força. Eu olhei para ela e ela murmurou as palavras: — Tudo vai ficar bem.
— Se houver uma informação que você voltou a vê-los, eu a removerei da casa e será colocada em outro lugar. Este é um presente muito raro que você recebeu, Keira. Voltar para as ruas só vai provar para mim que você não está disposta a se ajudar e lutar por um futuro melhor.
Forcei as palavras para fora da minha boca, embora tudo em mim gritasse não. — Compreendo.
Concordando com isto significava que eu não poderia nem voltar e deixá-los saber que estava bem. Eu não poderia dizer a eles que voltaria para ajudá-los também.
Eu só tinha que esperar que Helen fosse fiel à sua palavra. Porque eu não podia deixar que eles sofressem. Eu não deixaria a minha família desmoronar, mesmo que isso significasse doar tudo que me estava sendo oferecido.