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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


BEHIND the HANDS THAT KILL
BEHIND the HANDS THAT KILL

 

 

                                                                                                     

 

 

 

 

 

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…


CONTINUA

Há quinze anos...

Osíris levantou-se e enfiou a arma na parte de trás da calça; seu casaco de couro preto ocultava-a.

— Então — ele disse, vindo para mim — você está dizendo que se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e lhe dizer para colocar essa cadela fora de sua miséria...

— Seu uso de palavrões — interrompi, o sangue escorrendo do meu lábio inferior — torna difícil levar você a sério.

A sobrancelha esquerda de Osíris subiu mais que a outra.

— Como assim? — Ele disse, ofendido em silêncio.

Casualmente eu respondi:

— Porque, francamente, sinto como se estivesse lidando com alguém, digamos, com educação inadequada. — (Ouviu as narinas de Osíris). — Ou você tem algo contra as mulheres?

Vislumbrei o punho de Osíris em meio aos pontos diante de meus olhos, e então o mundo piscou.

Eu estava inconsciente por exatamente seis minutos — lembrei-me de ver o tempo no relógio de cabeceira pouco antes de ele me nocautear frio. E quando finalmente cheguei, tudo estava como antes. Exceto uma coisa. Artemis também estava consciente novamente.

— Osíris, por que você está fazendo isso? — Ela implorou para ele; seu rosto estava ferido; sangue manchado em suas bochechas, brilhava em seus dentes. — Você é meu irmão! Por que você está fazendo isso?

Foi assim que eu finalmente soube que eles eram, de fato, irmãos. Mas eu estava tão confuso quanto Artemis sobre por que ele estava lá, por que ele colocou uma faca na minha mão e queria que eu a matasse, sua própria irmã.

Artemis tentou se levantar, mas ela caiu, muito desorientada para manter o equilíbrio. Estendeu a mão para o irmão.

— Por favor, Osíris, me diga do que se trata. É por causa de mamãe e papai? — Então ela começou a chorar. E choramingar. — Oh, por favor, Deus, me diga que não! Diga-me que não é você quem está matando todo mundo! — Então ela ficou frenética. — Onde está o Apollo?! Osíris, onde está meu irmão?

— Seu irmão? — Osíris sacudiu a cabeça; apontou a arma para o peito em vez do dedo. — Eu sou seu irmão! — Ele gritou. — Eu fazia parte desta família também!

Meus olhos foram de um lado para o outro entre eles; minhas orelhas penduraram em sua disputa familiar. Artemis começou a se voltar para mim; eu ainda estava preso à cadeira pelos meus tornozelos e um pulso. Minha mão livre ainda segurava a faca; eu esperava por uma oportunidade. Eu me amaldiçoei em silêncio por não ter tomado o que eu tinha quando Osíris apontou sua arma para longe de mim por um breve momento. Mas então eu sabia, também, que a minha mão que atirava a faca era a que ainda estava presa à cadeira, e que meu objetivo estava fora de trinta por cento com o outro — se não fosse preciso, eu não iria arriscar.

Osíris continuou a caminhar em direção a Artemis, e ela continuou a caminhar para trás até que finalmente caiu em meu colo.

— Por favor, irmão, vamos conversar sobre isso.

Mas Osíris não tinha mais nada a dizer à irmã.

Ele olhou só para mim. E a faca na minha mão.

— Você trabalha para a Ordem? — Eu perguntei a ele.

— Não — ele disse, e manteve sua arma treinada em mim. — Eu sou a merda do cliente. Fui eu que encomendei ao seu patrão para matar a minha família.

Ao ouvir sua admissão, Artemis jogou a cabeça para trás e gritou; instintivamente minha mão livre segurou-a em torno de sua cintura, a lâmina de faca inofensivamente pressionado contra suas costelas. Ela deitou a cabeça em meu peito e gritou contra mim.

Mas então ela parou, e ela ergueu a cabeça e olhou nos meus olhos, percebendo pela primeira vez que seu irmão não era a única pessoa na sala que a traiu.

— Hestia estava certa — disse ela. Sua mente parecia saber o que queria fazer — afaste-se de mim — mas seu corpo estava paralisado pela realização, o choque. — Você matou meus irmãos... você... Hestia estava certa! — Sua mente finalmente apanhou e ela pulou do meu colo, caiu no chão novamente tentando fugir.

Osíris estava em cima dela antes que eu pudesse piscar; ele a puxou para cima pelo cabelo; sua nudez em plena exibição. Ela gritou, chutou e tentou mordê-lo, mas seus esforços foram desperdiçados; ele segurava-a facilmente, como se ela fosse uma criança indefesa em seu poderoso aperto.

— O que é isso, Osíris? — Eu perguntei, tentando ganhar tempo. — Artemis está certa, você deve conversar sobre isso.

— NÃO! — Ele apontou a arma para o ar em minha direção; Artemis continuou a agitar-se. — Não importa por que estou fazendo isso! Tudo o que importa é que está feito!

— Então por que você não faz isso sozinho? — Eu sugeri. — Se você queria sua família morta tão duramente, por que terceirizar o trabalho? Por que não fazê-lo sozinho?

— PORQUE EU NÃO POSSO!

— Ele não pode nos matar — Artemis disse em uma voz tensa, enquanto o braço de Osíris pressionava sua garganta. — Ele vai amargar sua linhagem; ele será amaldiçoado... e seus filhos, e os filhos de seus filhos serão amaldiçoados. Ele não pode... matar seu próprio sangue. Não com... suas próprias mãos.

Eu não conseguia escapar dos olhos suplicantes de Artemis olhando para mim a poucos metros de distância; esse olhar me destruiu por dentro. Eu sabia que ela me amava do jeito que uma mulher ama um homem pelo resto de sua vida; eu sabia que a mulher teria morrido por mim, morta por mim, teria feito alguma coisa por mim, mesmo depois de descobrir a verdade de que fui eu quem matou sua família. Eu sabia. E eu não conseguia desviar os olhos dela. Por favor, Victor, ajuda-me, seus olhos me diziam. Eu te amo mais do que qualquer coisa ou qualquer um que eu poderia sempre ou nunca amarei; por favor, não deixe que ele me mate. Porque ele vai, Victor. Se você não vai fazer isso, Osiris vai, apesar da maldição, porque sua raiva é muito grande. Por favor…

Desci finalmente meu olhar, engolindo um estranho nó que se formara na minha garganta. Meus olhos começaram picarem e encherem de água. Isso me deixou com raiva, e eu tentei empurrar essa raiva para baixo, mas ela só continuou construindo.

Pela... segunda vez na minha vida, eu não sabia o que fazer. Pela segunda vez na minha vida e na minha carreira, minhas emoções estavam em guerra com meus deveres, minha natureza — por causa de uma mulher. Mas desta vez, era muito diferente; Artemis era muito... consumidora.

Ergui a cabeça, olhei para Osíris de pé atrás de Artemis.

— Não posso matar uma mulher que não fui comissionada ou ordenada a matar, uma mulher que não é uma ameaça para mim, ou para a organização para a qual trabalho. — Naquele momento, eu esperava que Osíris não a matasse. Eu queria acalmá-lo, deixar os dois falarem, para que, talvez, Osíris tivesse uma mudança de coração.

— Então eu vou perguntar de novo — Osiris voltou, e ele empurrou a arma mais profunda contra a garganta de Artemis, — se alguém acima de você, da Ordem, fosse entrar aqui e dizer-lhe para colocar esta cadela fora de sua miséria. Você faria isso?

E como na primeira vez que ele fez essa pergunta, eu me recusei a respondê-la.

Eu olhei para cima quando eu peguei movimento no canto do meu olho. Brant Morrison, um homem da Ordem, "acima de mim", entrou na sala, vestido com seu típico terno preto e gravata prateada, usando o típico sorriso orgulhoso e confiante que sempre usava. Havia uma arma na mão, um pedaço de chiclete na boca e um brilho nos olhos.


— Sempre me perguntei sobre você — disse Brant. — Desde aquela linda fodida, Marina, com quem você estava bastante apaixonado, apesar da vida que você tirou-lhe tão cerimoniosamente. — Ele riu sob sua respiração levemente, seus largos ombros saltando. — Eu tenho que admitir, Faust, eu sempre admirei seu estilo. Bolas de aço, e mais imprevisível do que uma cadela bipolar em seu período.

— O que é isso, Brant? Por que você está aqui?

Ele sorriu igualmente.

— Estou em qualquer lugar que você vá — ele me disse. — Sendo meu aprendiz, Faust; você sabe disso."

Sim, eu sabia disso, mas por que ele estava aqui? Eu não tinha feito nada de errado; eu estava cumprindo o meu contrato no prazo, mesmo sem encontrá-lo ainda, Apollo. Mas eu ainda tinha tempo. Eu não fiz nada para garantir uma visita surpresa de meu superior. Eu mantive-me fazendo esta pergunta: Por que ele está aqui? Mas eu já sabia a resposta, eu estava sendo testado pela ordem, depois de tudo. Como eu tinha assumido quando tudo isso começou, havia suspeita sobre meus sentimentos por Artemis Stone.

E com razão.

Brant caminhou para dentro da sala; sua mandíbula se moveu enquanto ele casualmente mascava chiclete. Sentou-se na ponta da cama, colocou a arma a seu lado e inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos no alto das pernas; suas mãos pendiam entre eles.

Olhei para trás e para frente entre ele, Osíris e Artemis. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Desviei o olhar rapidamente. Eu precisei.

— A moça não estava no meu contrato — afirmei.

Brant acenou com a cabeça.

— Mas ela está agora.

— Por quê? — Eu perguntei imediatamente, mas desejei não ter feito isso.

— Oh, Faust — Brant respondeu com reprimenda casual, — você sabe que é uma das primeiras regras: Nunca perguntar por que; o porquê não importa. Um contrato é um contrato; o nome ou nomes nele são apenas nomes, destinados a ser números, com muitos zeros atrás deles.

Não havia nada que eu pudesse dizer em defesa ou argumento — Brant estava certo, e eu sabia disso melhor do que ninguém.

Virei-me para Osíris, ainda tentando arduamente para não ver os olhos de Artemis.

— E Apollo? — Perguntei.

— Apollo Stone — Brant respondeu por Osíris, — foi, pelo menos temporariamente, retirado do contrato.

— Removido? — Minhas perguntas eram meramente uma tática, retardando; eu ainda estava em guerra comigo mesmo, e eu precisava de tempo para descobrir o que eu pretendia fazer.

Osíris respirou pesadamente, e seu olhar virou; ele parecia envergonhado, ou decepcionado.

— Eu só podia pagar um deles — admitiu. — No último minuto eu decidi que queria Artemis morto em vez de Apollo... Eu quero que o meu irmão viva com o que ele fez com minha esposa, e viva sabendo que por causa do que ele fez, sua gêmea estimada pagou o preço.

— Seu bastardo! — Gritou Artemis.

Ela mordeu o braço dele, e automaticamente ele a soltou. Sua mão subiu e caiu de encontro ao lado de seu rosto como um chicote sanguinário. Artemis bateu no chão. Ele se inclinou, agarrou-a pelos cabelos novamente, levantou-a violentamente e a empurrou de volta para o meu colo. A cadeira que eu estava preso quase não conseguia segurar o peso abrupto, e ele se inclinou em suas duas patas traseiras antes de se estabelecer. Sentindo-me como se eu fosse o único na sala que poderia salvá-la, Artemis não tentou fugir de mim; ela se agarrou a mim, enterrou o rosto no meu pescoço e chorou. Não, eu não posso tê-la aqui, em mim assim... Eu não posso cheirá-la, ou sentir sua carne macia contra a minha... Eu não posso...

A guerra furiosa dentro de mim cresceu.

E cresceu.

E cresceu.

Eu podia ouvir as vozes de Brant, Osiris e Artemis, falando comigo, falando umas com as outras, discutindo, suplicando, zombando — eu não sabia mais a diferença. Comecei a ver rostos na minha mente, claros como o vidro, tão vivos quanto a realidade. Eram os rostos das pessoas que eu tinha matado. Mas eles não estavam lá para me assombrar, eles estavam lá para me lembrar. Sobre quem eu era e o que eu sabia que sempre seria. E quando vi o rosto de Marina, emoldurado por seus cabelos de Marilyn Monroe, seus lábios brilhantes de Monica Bellucci, eu senti no meu coração algo que nenhum verdadeiro assassino nunca é permitido sentir — pesar.

De repente, eu não conseguia mais ouvir as vozes da minha companhia, e os rostos desapareceram de minha mente. Não ouvi nada e não vi nada a não ser a batida constante do meu coração e a escuridão dos cabelos de Artemis enquanto ela se deitava contra mim, o calor de nossos corpos nus se misturando como se nunca tivéssemos sido arrastados para fora da cama.

Eu a amava. É verdade. Artemis Stone era prova que eu poderia nunca ser o operador que todos pensaram que eu era. Ela era a prova de que eu era mais humano do que o exigido de um agente da Ordem. Mas, para mim, mais do que isso, Artemis Stone era a prova de que eu era fraco, e que não uma, mas duas vezes, permiti que o cheiro de uma mulher nublasse meu julgamento, me jogasse tão longe do meu jogo com a morte em pé na minha porta.

Será que eu me importo com a minha própria vida? Não, eu não. Eu nunca tive medo de morrer. Não vou buscá-lo, mas sempre escolhi acolher a morte quando escolhe me visitar. Eu fui preparado para recebê-lo nesse dia, mas...

— Victor — Artemis sussurrou, olhando para mim em um ângulo, — por favor, não deixe que eles me machuquem. — Eu ainda podia sentir o cheiro fraco do vinho em seu hálito de nosso jantar mais cedo naquela noite. Imaginei-a com aquele vestido preto; eu ainda podia sentir o cheiro do produto que ela usara para enrolar seus longos cabelos escuros; pensei em nós dois saindo correndo do restaurante, rindo, sorrindo e vivendo no momento.

Com dois dos meus dedos, eu puxei sua cabeça mais perto, e eu mergulhei o meu, pressionando meus lábios para o ponto entre seus olhos. E eu os segurei lá por mais tempo; meus olhos, fechados firmemente, começaram a picarem e encherem de água; aquele estranho nódulo se formou na minha garganta novamente, mas desta vez eu não podia engoli-lo e estava me sufocando.

E enquanto deslizava a lâmina pela garganta de Artemis, eu sussurrei contra sua orelha com lágrimas em minha voz:

— Eu sou incapaz de ter filhos, Artemis Stone.

 


Eu respiro tão fortemente que perco a respiração; parece que alguém me bateu no estômago.

Ele a matou... ele a amava, mas ele a matou de qualquer maneira.

Eu tropeço para trás, longe da penteadeira, tentando entender, tentando encontrar palavras, pensamentos e desculpas para Victor. Ainda posso ver vagamente meu reflexo no espelho da penteadeira; estou vestida com um vestido preto e salto alto preto; meu cabelo tem sido enrolado para que ele caia logo abaixo das minhas orelhas; minha maquiagem foi pintada com perfeição pela mão cuidadosa de Hestia. Mas principalmente o que eu vejo é a imagem triste e sangrenta que as palavras de Victor deixaram restos de em minha mente.

Ele matou a mulher que amava...

— Agora você vê? — Ouço Hestia dizer em algum lugar atrás de mim. — Agora você entende?

Olho de novo para mim: o vestido, o cabelo enrolado, as semelhanças com Artemis quando ela passou a última refeição naquele restaurante com Victor há muito tempo, e toda a esperança que eu tinha deixado desaparece.

Sem me virar para olhar para ela, eu respondo:

— Sim... eu entendo. — Então eu me viro, e eu a olho bem nos olhos. — Compreendo perfeitamente.

Hestia sorri falsamente, com confiança, e eu aceito que a morte está na minha porta.

 


O sangue escorria por todos os meus dedos, e eu podia ouvir Artemis sufocando, ofegando por ar, e eu não podia deixá-la ir. Eu a segurei lá no abraço do meu braço livre, escutando suas últimas respirações, sentindo a vida drenar fora dela. Osíris e Brant pareciam estátuas na sala, observando a cena com olhos arregalados e lábios entreabertos, chocados com minhas ações, eu supus. Pensei que era estranho que ambos queriam que eu a matasse, e eu fiz exatamente o que me exigia, mas eles pareciam nunca terem visto alguém morrer antes.

As sirenes gemiam e se aproximavam; finalmente desenhando Brant e Osiris de seus estados induzidos por choque. Polícia? Quem chamou a polícia?

— Temos que ir, Victor — Brant insistiu.

Ele caminhou em minha direção rapidamente, tirou uma faca do bolso e me livrou das amarras — eu estava tão aturdida que nunca notei quando Artemis caindo do meu colo e batendo no chão. E eu não conseguia me lembrar mais tarde — porque pensei naquela noite muitas noites depois — se alguma vez eu olhasse para ela quando Brant me arrastou do quarto e para fora da casa, ainda nua.

Eu corri em meu carro, seguindo Brant pelas estradas secundárias e quase bati em uma árvore porque tudo o que eu podia olhar, a única coisa que existia no meu mundo naquele momento, era sangue de Artemis em minhas mãos, literal e simbolicamente. Eu estava tocando o volante; seu sangue cobriu o topo de meus dedos, e cada fenda em minha mente. Era tudo o que eu podia ver, seu sangue.


Dias de hoje…

— E Osíris? — Apollo pergunta.

— Nunca mais tive notícias dele — respondo, ainda um tanto perdido em meus pensamentos. — Não é costume manter o contato com um cliente depois que um trabalho foi cumprido.

Apollo está de pé junto à minha cela agora; estou sentado no chão.

— Isso não é o que eu quis dizer — diz ele.

Eu apago as imagens completamente da minha mente, e eu olho para ele através das barras.

— Como você se sentiu sobre Osíris — ele esclarece, — depois que ele fez você matar a mulher que você amava?

— Ele não me fez fazer nada — eu respondo sem pestanejar.

— Então, você queria matar minha irmã? — Ele abaixa a cabeça para um lado. — É isso que você está dizendo, Victor? Porque se isso é verdade... — ele balança a cabeça, aperta os punhos... — se isso é verdade, então temos um problema muito diferente, você e eu. — Seu olhar sólido cheira de raiva.

— Não há nada mais para contar — eu digo, e olho para as pedras em torno de meus pés descalços.

Um estranho silêncio sufoca o quarto ao nosso redor.

Então Apollo diz:

— Oh, mas existe, Faust — e um sorriso orgulhoso se aprofunda em seu rosto. — Há muito mais para contar. Só... — olha atrás dele para a saída, depois olha para mim —... você não vai ser o único a contar.

Ouço vozes correndo pelo corredor logo depois da porta; sombras se movem contra o chão abaixo dele. Eu estou com medo; medo absoluto agarra meu peito. O que aconteceu com Izabel? Tudo o que eu posso pensar é a ameaça de Hestia anos atrás, e eu tento me preparar mentalmente para ver Izabel, entrando no quarto porque ela não pode mais andar; ensanguentado pela lâmina da faca de Hestia; esfolada viva e colocada em exposição. Por mim. Por vingança há muito esperada.

A luz maçante do corredor se derrama quando a porta se abre. Não consigo respirar; meu coração está batendo tão rápido que eu sinto isso em minha cabeça, ouço batendo contra meus tímpanos. Lentamente, levanto-me de pé, e não rasgo meus olhos das figuras que se movem através das sombras mais escuras; minhas mãos estão nas barras da minha gaiola novamente, segurando, apertando, puxando; toda a umidade evaporou da minha boca.

E então eu a vejo, Izabel, viva e aparentemente ilesa, e eu soltei meu fôlego em um profundo suspiro de alívio; minhas pernas parecem fracas debaixo de mim, e por um momento eu sinto que a esperança não está perdida, afinal.

Mas então vejo outra face — Artemis Stone.

E que força eu tinha deixado em minhas pernas, me trai.


Eu nunca vi um olhar como aquele no rosto de Victor antes. Ele parece... traumatizado; aquela disposição calma e impassível que sempre carrega, substituída por algo mais... frágil.

E ele nem está me olhando.

— Artemis... — Victor diz em uma espécie de suspiro.

Eu ofego também, atordoada, e eu viro a cabeça para ver a mulher atrás de mim, a mesma mulher que me vestiu, arrumou o meu cabelo e fez minha maquiagem. A mesma mulher que me disse que era outra pessoa. E então, como se uma barragem tivesse sido aberta, as respostas a tudo se precipitam em minha cabeça como um rio em fúria. Ah, então, é isso que esse olhar traumatizado no rosto de Victor é. Agora eu sei exatamente como devo parecer para ele.

Eu sinto uma mão no centro das minhas costas, e meu corpo é empurrado para a frente. Com meus pulsos amarrados atrás de mim, eu caio, esfolando meus joelhos no chão; meu ombro bate em seguida, e então meu rosto. Oomph! Uma facada penetrante atravessa minha cabeça e se espalha por toda a minha mandíbula, pescoço e costas, e meu único consolo é saber que foi da queda, e não o marcador de gado desta vez. Eu não sei quanto mais do choque elétrico meu coração pode tomar.

Artemis passa por mim como se eu não estivesse aqui, e se aproximasse de Victor e da gaiola.

Eu sou levantado do chão por mãos invisíveis, e estou empurrado para a cadeira que eu sentei antes de eu fui levado para o salão de beleza da puta louca.

— Não se mova — ouço Apollo dizer atrás de mim.

De repente sinto a atração do olhar de Victor; ele não está olhando para mim, mas eu sinto que ele quer, ou que ele está tentando não fazer.

— Victor? — Eu digo, mas ele não responde, e ele não olha para mim; eu não tenho certeza do que eu diria se eu chamasse a sua atenção.

Mas por que ele não olha para mim? Por que Artemis é a única pessoa na sala que ele reconhece? Quer dizer, com certeza, ele pensou que ela estava morta, ele pensou que ele mesmo a matou, mas a síndrome de aparência-como-se-ele-visse-um-fantasma deve estar desgastando agora.

Como ela está viva?

E por que, Victor, você não vai olhar para mim?

 


É preciso cada grama de força que eu tenho para evitar olhar para Izabel agora. Na segunda, meus olhos se afastam de Artemis, no momento em que Artemis me vê olhar para alguém que não seja ela, e Izabel será punido por isso.

Eu me concentro apenas nela. É o que Artemis quer: minha dedicação, atenção sem divisão. Ela esperou tanto tempo por este dia, neste momento; ela treinou para isso sem dúvida — eu não estaria nesta gaiola se ela não tivesse, se Apollo não tivesse trabalhado com ela. E enquanto eu a olho, estudando secretamente seus movimentos, a expressão em seus olhos, a confiança em sua caminhada, eu sei que a mulher diante de mim está muito longe da mulher que costumava ser. Artemis Stone, meu primeiro amor, meu primeiro erro, ela é muito diferente da mulher que conheci. E sei que o que quer que aconteça aqui esta noite, qualquer tipo de animal que se liberte de dentro dela, que foi criado por mim há quinze anos. E eu sei que eu mereço o estrago que causará.

— A polícia — começo com a primeira das muitas coisas girando em minha mente, afirma Apollo com uma inclinação da minha cabeça, mas nunca desvio meus olhos de Artemis. — Ele sabia que ele não poderia chegar até você antes de Osíris, então ele chamou a polícia. Foi assim que chegaram tão rápido naquela noite.

Artemis se aproxima das barras, enrola os dedos longos e delicados ao redor delas com as duas mãos. Por segundos que se parecem como minutos, ela só olha para mim, sem piscar, inflexível, e eu me sinto um pouco desestabilizado por isso.

Passa mais de um minuto e ela ainda não diz nada. Ela só olha para mim, injetando desconforto em cada um dos meus membros, enfraquecendo minha confiança. Por que ela não fala?

— Artemis

Ela levanta a mão direita para me parar, e eu faço. Em seguida, a mesma mão se move lentamente em direção a sua garganta, e com cuidado ela pega a aba do zíper de seu bodysuit entre o polegar e o dedo indicador, e desliza para baixo. Lentamente, muito lentamente. Seu olhar penetrante nunca vacila, e ainda, seus olhos nunca parecem piscar. Somente quando o zíper para, logo acima de sua clavícula, e sua mão se move para seu lado, eu olho para longe de seus olhos e vejo a coisa que ela quer que eu veja.

Uma longa cicatriz, de aparência lisa e levantada acima da pele, descolorida contra sua carne marrom natural, olha para mim. Envergonhada e consumida pela culpa e arrependimento, meu olhar finalmente cai do dela e eu não posso olhar para ninguém, nem nada, exceto as palmas das minhas mãos. Mantenho-as à minha frente, lembrando-me do sangue, do sangue de Artemis, escorrendo pelos dedos na noite em que a matei. Porque eu a matei, matei a pessoa que ela era.

— Olhe para mim, Victor — Artemis diz calmamente, mas com comando. — Veja o que você fez.

O que eu criei...

Ergo a cabeça. E eu engulo.

— Agora você sabe por que você está aqui? — Ela pergunta.

Eu aceno, incapaz de oferecer uma resposta verbal. Eu quero olhar para Izabel atrás de Artemis, mas eu não posso fazer isso, também.

Apollo fica silenciosamente ao lado.

— Diga-me por que você está aqui, Victor — Artemis insiste.

Eu não posso. Não posso dizer isso em voz alta, não quando Izabel está ao alcance da voz. Vejo o vestido que Izabel usa; eu vejo a maquiagem e os cabelos enrolados; ejo os sapatos pretos de salto alto — vejo Izabel como uma cópia de Artemis há quinze anos, quando ela e eu passamos nosso aniversário de um ano naquele restaurante, na noite em que a matei. Sim, eu sei por que estamos aqui. Eu sei porque…

— Responda ela — Apollo finalmente fala.

Ele dá um passo à frente.

— Não, Apolo — Artemis diz, sem olhar para ele. — Por favor, deixe-me fazer isso. Você vai ter a sua vez, mas agora, é tudo para mim.

Apolo mantém sua posição, e sua língua.

Artemis cruza os braços.

— Você perguntou a meu irmão — ela começa, — por que quinze anos, deixe-me dizer a verdadeira resposta a essa pergunta. — Ela inclina a cabeça para um lado. — No começo — ela diz, — eu só queria estar preparada; eu precisava ser treinada. Eu não era nada quando você me conhecia; eu era apenas a filha de criminosos, uma irmã de um irmão traidor. Eu mal podia me defender de um assaltante em uma estação de ônibus, muito menos caçar um assassino de elite perigoso e incerto, para não mencionar, e consegui matá-lo sem que ele me matar primeiro. E eu sabia que tinha que me manter nas sombras, ficar morta para você. — Ela está diretamente na minha frente, segurando ferozmente meu olhar. — E eu fiz isso. Eu parei, para minha surpresa, para a surpresa do meu irmão. — Ela faz uma pausa, e então diz, — Eu acho que desde que você pensou que me matou, você não tinha nenhuma razão para olhar para mim, me dando a chance de voar sobre você até que eu estivesse pronta. E quando eu estava pronta, Apollo disse algo para mim no dia que eu planejava fazer a minha jogada contra você. Lhe diga o que você me disse, Apollo.

— Eu disse que era uma vergonha que ela não pudesse te pegar por onde realmente doeria — Apollo fala.

— Sim — diz Artemis. — Isso foi o que ele disse; meio brincando, é claro, mas eu vi isso como algo mais — ela gira uma mão em gesto — Eu pensei que seria justiça poética perfeita fazer exatamente isso: matar o que você ama bem na frente de você desde que você sentiu que foi tão fácil me matar.

— Não foi fácil, Artemis — digo com verdade. — Foi a coisa mais difícil que já tive que fazer.

— Mas você não tinha que fazê-lo! — Ela grita, e isso me atordoa. Então ela acalma a voz novamente e acrescenta: — Você poderia ter encontrado outro caminho; se alguém pode encontrar um caminho, é você, Victor. Todos nós sabemos, você sabe disso. Você não tinha que me matar.

— Você está certo — eu respondo, novamente com honestidade. — Eu poderia ter encontrado outro caminho.

— Você admite isso — Apollo diz com condenação.

Artemis se vira da minha gaiola e coloca a palma de sua mão contra o peito de seu irmão, impedindo-o de avançar. Ela sacode a cabeça para ele enquanto ele me olhava. E depois de alguns segundos tensos, ele se afasta, olhando para mim com frieza. Mas quando seus olhos zangados passam por cima de Izabel sentada obedientemente na cadeira, meu sangue corre frio. Fique longe dela, meus olhos dizem a ele. Fique longe dela…

— Por que quinze anos? — Eu trago o assunto de volta, tentando evitar o último. E para distrair Apollo de Izabel.

Artemis se vira.

— Porque demorou tanto para você se apaixonar de novo — ela revela. — Eu estava disposto a esperar. Eu era paciente. Eu queria que esse momento fosse perfeito. Depois de oito anos, eu pensei que nunca teria a chance. Mas ainda assim, eu esperei. Dez anos, e você estava tão frio e sem amor como o dia em que você cortou minha garganta. Mas ainda assim, eu esperei. — Ela agarra as barras novamente, e traz seu rosto bonito mais íntimo entre eles. — Então, finalmente, eu recebi a notícia: Victor Faust foi desonesto com a Ordem, supostamente por causa de uma menina no México — olha brevemente para Izabel — e eu sabia, apesar de Apollo me dizer que não podia ser verdade, eu sabia que era. Eu apenas senti — ela mantém um punho fechado contra o peito — aqui no meu pequeno coração preto, um coração que costumava bater somente para você... Eu sabia que era verdade.

Suas mãos deslizam para longe das barras. Mas seu olhar nunca hesita.

— Por que você me matou, Victor? — Ela pergunta.

— Não é uma pergunta simples, Artemis.

Ela balança a cabeça, sorrindo.

— Eu pensei que eu soubesse por que por muito tempo — diz. — As últimas palavras que você me disse enquanto segurava aquela faca na garganta, me contou tudo o que eu achava que precisava saber, mas eu estava errado. — Ela olha para Apollo e estende a mão. — Me dê a chave.

Apollo pula com firmeza, argumento em suas feições.

— Não, Artemis, não acho...

— Por favor, irmão, me dê a chave — insiste. — Victor não vai me machucar. Não porque ele dê uma merda, mas porque ele sabe — ela me olha bem nos olhos, ameaçando-me com seu olhar — que se ele fizer isso, você vai matar sua preciosa pequena ruiva mexicana.

Contra suas preocupações, Apollo suspira, alcança o bolso da calça e coloca a chave da minha jaula na mão de Artemis. Então ele move para a esquerda e para a direita, e outras sete pessoas deixam suas posições e caminham para frente; três estão atrás de Izabel, apontando suas armas para a parte de trás da cabeça; os outros quatro ficam na abertura da gaiola, armas apontadas para mim. Apollo tira uma faca do cinto e segura a garganta de Izabel.

— Não vou pensar duas vezes, Victor — adverte ele.

Quando Artemis sente que a mensagem chegou até mim, ela caminha até a frente da gaiola e insere a chave na fechadura. Ela o vira completamente e clica; percebo as mãos dos que estão à entrada, apertando nervosamente suas armas.

Artemis passa a chave para o guarda mais próximo, e então a porta da gaiola se abre com um rangido. Ela entra na cela comigo, fechando a porta depois; ele trava automaticamente. Cuidadosamente, lentamente, ela se aproxima de mim — secretamente, procuro evidências de qualquer arma nela, mas ela não tem nada que eu possa dizer. Isso é uma vergonha.

— Apenas mate-a, Victor — Izabel diz da cadeira; sua voz está agora sufocada pela mão de Apolo; sua outra mão colocando pressão contra a faca em sua garganta.

— Diga outra palavra — ele a provoca, pressionando a parte de trás de sua cabeça em sua mestra — e a mordaça continua.

Tão desesperadamente como sinto que preciso falar contra Apollo, sei que não posso, ou isso lhe dará mais poder. Ignorar Izabel, tanto quanto eu posso, pode ser a única coisa que a salva. Pelo menos por um tempo.

— Diga-me, Artemis — digo, olhando para ela. — Diga-me tudo o que você quis dizer. Eu vou ouvir. Eu devo isso a você.

Ela se aproxima de mim, coloca a palma da mão no meu coração batendo. E ela sorri, suavemente, inocentemente, do jeito que ela costumava. Mas atrás dele sinto o diabo dentro de mim.

— Oh, você me deve mais do que isso. — Ela espera, permitindo que suas palavras afundem em mim.

— Você não me matou — ela finalmente continua, falando em um tom gentil, — porque você pensou que eu tinha tido um caso. Você me matou porque estava procurando uma razão o tempo todo. Lembrei-me do que me disseste sobre aquela mulher, Marina. Claro, eu não conhecia a história da maneira que você contou aqui hoje à noite, você me manteve coisas por causa do que você é, mas ainda, você me disse mais do que o que você deveria.

— Sim, eu fiz — eu falo. — Havia muitas coisas que eu fiz e disse que eu não deveria ter dito.

A mão de Artemis desliza para o meu peito e para longe de mim.

— Sim — ela diz, concordando com profundo arrependimento, — e por causa disso, porque você me amou, e entrou em um buraco tão profundo que você não podia ver sobre ele, você sabia que a única maneira de se puxar era acabar com a minha vida. Você sabia que, se você não me matasse, a Ordem iria matar você. Mas acima de tudo, Victor, mais do que qualquer coisa — ela aponta o dedo para mim — mais do que qualquer coisa, você precisava parar, me matar por si mesmo. Não porque você se preocupou com o que Brant Morrison pensaria de você, ou relatar sobre você; não porque sua vida estava pendurada na balança pela Ordem, você me matou porque você precisava, porque você odiava o que seu amor por mim fez com você. — Meus ouvidos soa, e minha cabeça se encaixa de lado quando a palma da sua mão se aproxima do lado do meu rosto; a pele queima como fogo, mas eu resisto o desejo de alcançar e tocar.

Artemis olha com frieza, imperdoável. Ela se inclina para a frente e diz:

— E só assim nós estamos claros, eu nunca tive um caso. O bebê que eu disse que abortei era seu, Victor. — Ela se afasta.

— Eu sei — eu digo, no começo sob minha respiração. Então eu levanto meus olhos, e minha voz. — Eu não acreditei então, porque eu tinha tido uma vasectomia, mas...

— Você não queria acreditar — ela corta bruscamente.

Eu balanço a cabeça.

— Não. Eu não queria acreditar nisso.

Eu sinto seus dedos cavando na carne do meu queixo; sua respiração quente, doce em meus lábios.

— Pensando que não era possível que eu estivesse carregando seu filho — ela continua, apertando, — fazendo você acreditar que eu tinha te enganado, tudo isso tornou mais fácil fazer o que você faria de qualquer maneira. — Eu vejo seus olhos varrerem minha boca. E então ela toca seus lábios aos meus. — Você teria me matado naquela noite, não importa a situação, mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho. — Ela aperta mais forte, quase quebrando a pele com as unhas, e então ela me libera abruptamente, empurrando minha cabeça para trás.

— Diga, Victor — exige ela. — Você teria me matado mesmo se eu ainda estivesse carregando seu filho.

Pela primeira vez desde que eu me obriguei a não fazer isso, eu olho direito para Izabel; meu rosto cheio de arrependimento, desculpas e vergonha.

— Sim — respondo a Artemis sem olhar para longe de Izabel. — Eu ainda a teria matado.

As lágrimas escorrem dos cantos dos olhos de Izabel. Um silêncio sufocante cobria a sala como um calor sufocante.


Não pode ser verdade...

Não pode.

Eu sinto que eu despertei de algum sonho estranho, como um daqueles sonhos que parecem normais no começo, mas no meio caminho, as coisas começam a desafiar todo o senso de sanidade e lógica. Agora estou sentado aqui nesta cadeira, acordado, sentindo-me fora de contato e fora do tempo, me perguntando o que aconteceu, como um sentimento desconfortável varre sobre mim, e eu nunca quero sonhar esse sonho novamente.

Eu estava certa o tempo todo? Eu estava certa de ter medo de Victor, de me perguntar se ele poderia me matar se a situação fosse terrível? Tinha Niklas tido razão em dizer, "Por quanto tempo ele irá permitir que você comprometê-lo? Victor está experimentando seu único momento de fraqueza merecida agora, exatamente como eu fiz com Claire. Assim como Gustavsson fez com Seraphina. E veja o que o amor fez com Flynn, bem na frente de seus olhos. Agora é a vez de meu irmão, como um rito de passagem, mas quanto tempo vai durar? Será que Nora tinha razão?" Qualquer um pode ser apaixonado, Izabel, e eu posso dizer pelo olhar nos olhos daquele homem que ele é apaixonado por você. Mas um homem como Victor Faust não pode ficar apaixonado para sempre. Como o tipo de Fredrik não pode viver sem amor, tipo de Victor não pode viver com ele. E o mais que ele fica no caminho de seus deveres, e quanto mais humano você faz ele se tornar, mais perto você empurrá-lo para seu ponto de ruptura. Ele é como eu. E de uma forma ou de outra, ele instintivamente fará o que for necessário para restaurar o equilíbrio da única vida que ele já conheceu.

Sinto que agora tenho minhas respostas.

E eu sei... (um soluço chocalha dentro do meu peito)... Eu sei que não só vou morrer hoje, mas também cuja suas mãos.

Levantando a cabeça novamente, eu olho apenas para Victor; as lágrimas escorrendo pelo meu rosto estão coçando, e eu gostaria de poder mover minha mão para limpá-las.

— Eu ainda te amo, Victor — eu digo a ele, sem me importar que Apollo tenha uma faca contra a minha garganta; ele não cobre minha boca com sua mão desta vez. — Não importa o que você fez, ou o que você vai fazer, eu sempre vou te amar. — As palavras são tão verdadeiras como sempre foram, mas desta vez eles tem um gosto estranho e final em minha boca.

Mas eu preciso de Victor entender que eu entendo ele. Preciso que Victor saiba que sou mais parecido com ele do que ele percebe, e que quase sempre fui...


— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; o cheiro de seu corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Victor olha para mim, mas ele não responde. Não verbalmente, de qualquer maneira. Seus olhos contam uma história diferente. Infelizmente, não tenho ideia do que é.

O riso de Artemis soa em meus ouvidos.

— Depois de tudo isso — diz ela de dentro da cela, — você ainda tem amor por esse... bárbaro?

— Sim — eu respondo sem hesitação.

Ela balança a cabeça.

— Tão burra, garota apaixonada.

— Você o amava — Eu me oponho. — Você sabia que ele matou Marina, e você sabia, de uma forma indireta, por que, mas você ainda o amava. — Eu viro o meu queixo, desafiando a lâmina fria pressionado para minha garganta. — E você ainda o ama agora. Ele cortou sua garganta e deixou você morrendo, e ele admitiu que ele ainda teria matado você, se você estava carregando seu bebê, mas você ainda está apaixonada por ele, burra e apaixonada nem sequer começar a explicar você.

Artemis franziu o cenho, e Apollo chacoalhou minha cabeça para trás vigorosamente em reação a ela.

Ela se afasta de Victor e se aproxima da saída da gaiola; os guardas embaralham para trás com cuidado para abrir caminho para ela. Eu vejo Victor em minha visão periférica, e vejo ele começar a seguir, mas ele para quando a mão de Apolo faz um movimento ameaçador contra mim.

Artemis sai da jaula sem incidentes, e fica na porta aberta. Ela move uma mão em nossa direção.

— Traga-a agora — ordena, e eu sou violentamente extraída da cadeira e levada aos meus pés; todo o caminho até a cela, a lâmina da faca de Apollo está beijando minha jugular. Artemis sai do caminho da porta, e então eu estou beijando o chão de pedra quando Apollo me empurra pela abertura.

As mãos de Victor estão atrás de mim antes mesmo que eu possa levantar a cabeça, e ele está me levantando em seus braços.

— Eu sinto muito, amor — ele diz, e pressiona seus lábios para o topo da minha cabeça; seus braços me rodeiam.

— Eu me lembro quando ele costumava me chamar assim — Artemis diz, caprichosamente. Ela fecha a gaiola, torce a chave na fechadura depois, e então a guarda.

Ela caminha em frente de nós, então ela estende a mão para seu irmão. Já sabendo o que ela quer, Apollo coloca a faca que ele estava segurando em minha garganta, em sua palma, seus dedos longos e delgados desmoronando ao redor dele. Aproximando-se, ela se inclina e desliza a faca através das barras, colocando-o no chão dentro da cela.

— Se parece familiar — ela diz a Victor — isso é porque é.

Endireitando as costas, ela se vira e se afasta, levando seu irmão gêmeo com ela.

— Vou dar-lhe algo que nunca tivemos — Artemis diz, para, e se vira para nos ver mais uma vez. — Um momento sozinhos antes de matá-la.

Meu coração para.

— Eu não vou matá-la — Victor diz calmamente... incerto?

O sangue em minhas veias se transforma em gelo; seus braços apertam em torno de mim.

Olhando para trás, Artemis sorri e diz com estranha confiança:

— Sim, você vai. Nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.

Ela e Apollo saem do quarto, deixando-nos com os guardas armados.

Tentando ignorar o sentimento no meu intestino, eu me viro para Victor rapidamente, meus pulsos ainda amarrados nas minhas costas.

— Temos de sair daqui — digo freneticamente. — Me solte. — Eu me viro, colocando minhas costas para ele, e meus pulsos em sua visão. — Depressa, Victor! — Eu não me importo que os guardas estão assistindo. Eu não dou duas fodas que eles certamente vão nos parar quando conseguimos usar a faca para pegar a fechadura da porta da cela. Eu não me importo! Temos que fazer algo...

— Não. — A voz de Victor me deixa aturdida, a calma, a irrevogável finalidade da palavra.

Volto a encará-lo, meus olhos arregalados, a boca entreaberta.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto. Mas eu já sei; ainda não quero acreditar.

— Quero dizer não, Izabel. — Ele olha diretamente para mim, e o olhar tranquilo, mas intenso no olhar dele me assusta. — Desta vez, acabou. Não há como sair disso, isso acabou.

Eu começo a jogar minhas mãos no ar até que eu percebo que eu não posso, e isso me irrita ainda mais.

— Então você está apenas desistindo? — Eu não posso nem acreditar que estou dizendo isso. — Você vai aceitar isso e desistir? O que diabos está errado com você? — Eu me esforço em seu espaço, olhando para ele.

Ele permanece tão calmo como sempre. E eu quero dar uma bofetada nele.

— Victor...

— Eu não terminei de lhe dizer a verdade sobre Kessler — Victor interrompe. — Você precisa saber a verdade.

Eu suspiro bruscamente, incapaz de falar, aterrorizada sobre o que ele vai admitir. Eu não tinha esquecido nada disso: sobre a Itália, ou Nora, ou qualquer outra coisa que Victor queria dizer, eu só queria esquecer. Já me sinto enjoada em meu estômago, e meu coração está murchando como uma flor moribunda.

Qualquer coisa menos isso, Victor... me diga qualquer coisa, menos o que eu acho que você vai fazer.

 


— Eu sabia que você iria querer Kessler viva — eu digo. — Eu a queria mais viva do que você, mas eu não podia deixar você saber disso.

O queixo de Izabel retrocede; um olhar de confusão rasteja sobre seus traços — talvez ela pensou que eu ia dizer outra coisa; eu não posso dizer se ela está aliviada por minha confissão, ou não. Mas, então, outro olhar começa a tomar conta, e estou bastante familiarizado com este: a picada de realização.

Seus olhos estreitam; ela me olha de um lado para o outro.

— Você me manipulou — ela acusa.

— Sim.

— Você não se importou com o que Nora fez: raptar Dina; virando Niklas contra você; me fazendo reviver o pesadelo da minha confissão quando eu estava sozinha, ou então eu pensei que estava, naquele quarto com ela. Você não se importava com nada disso!

— Isso não é verdade — eu falo. — No começo eu a queria morta tanto quanto todos os outros, eu ia matá-la eu mesma. E depois, eu tive cuidado sobre o que ela fez com você.

— Mas não o suficiente para matá-la por isso! — Ela luta com as mãos atrás dela, seus ombros acabam fazendo movimentos embaraçosos para ela quando sua voz arde em mim de apenas um pé de distância. — Você sabia que eu queria que ela ficasse para que ela pudesse me treinar! Mas você queria que eu fosse a pessoa a tomar a decisão, porque se você fizesse isso, depois de tudo o que ela tinha feito, então eu saberia a verdade, eu saberia que você a queria!

— Não, Izabel! — Grito de volta. Eu me movo em direção a ela, e ela permanece firme. — Não é o que você pensa — continuo, abaixando o tom. — Não há, e nunca houve, qualquer tipo de atração sexual por aquela mulher. Eu simplesmente queria estudá-la, conhecer seus caminhos, aprender como ela...

— Como ela o que, Victor? — Ela range os dentes. — Como ela o quê?

Eu começo a falar, para responder a sua pergunta, mas ela me para, e me surpreende com a resposta por conta própria.

— Você queria saber como ela faz isso — diz ela com acusação e ira. — Como ela pode fazer o que faz sem bater em um olho, como ela pode ser tão sem coração e sem emoção, como ela pode ser tão imune ao amor, você queria ser como ela! Você queria que eu saísse com um garoto que eu nunca conheci e brincasse de casa de puta, para que você pudesse ser como Nora! — Ela para o suficiente para tomar fôlego. — Você me deixou pensar que eu estava tomando uma decisão importante em sua Ordem; você me deixe acreditar que você acreditou em mim o suficiente para confiar em meu julgamento — ela aperta sua mandíbula fechada, presumivelmente para abafar um grito indignado — mas a verdade era que já tinha tomado a decisão por mim; você não tinha intenção de matá-la, quer eu a quisesse morta ou não! — Ela vira as costas para mim; seus ombros sobem e caem pesadamente com respirações difíceis e profundas. — Você me manipulou — ela repete, por fim.

— Eu sinto muito — eu falo suavemente por trás.

O silêncio enche a sala novamente.

— Eu também — ela finalmente responde, e isso me deixa desprevenido.

Izabel se vira para me encarar, e enquanto eu me pergunto o que ela poderia possivelmente sentir pena, ela começa a me dizer.

— No meu coração — diz ela, — eu me alimentei com Niklas quando você confessou a Nora o que você fez com Claire.

— Mas....

Ela balança a cabeça bruscamente, em substituição de levantar a mão.

— Eu não terminei — diz ela, e prossegue. — E enquanto estávamos na Itália, tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro Niklas, de compreendê-lo e de ver através do exterior áspero. E você quer saber o que eu vi?

Eu aceno sutilmente, e com relutância.

Ela engole, e olha brevemente para o chão; quando ela levanta os olhos novamente ela não está mais olhando para mim.

— Vi alguém que, apesar de ter feito tanto mal, ainda merecia o perdão; alguém que, de certa forma, ainda é inocente em tudo isso; alguém que tem tanto amor e compaixão em seu coração. — Seus olhos encontram os meus de novo e então ela diz: — Eu vi um homem que... ainda pode ser salvo.

— E você está arrependida por isso? — Eu pergunto, confuso.

— Sim.

— Por quê?

— Porque eu me sinto culpada — ela responde. — Eu me sinto culpada porque... quando eu olho para você... eu não vejo o mesmo.

Eu viro minhas costas para ela, então ela não vê a dor na minha cara.


Aproximo-me das barras, não vejo nada, e penso no meu irmão, na compaixão de Izabel por ele. E isso não leva muito tempo pensar sobre a Itália e por que eu enviei Izabel lá.

Uma vez que eu vencer a emoção do meu rosto, volto a vê-la novamente, ignorando o fato de que a faca que Artemis colocou no chão dentro da cela é a mesma faca que eu costumava cortar a garganta de Artemis. É por isso que Artemis disse que era familiar. E é também por isso que eu escolho ignorá-la, o significado por trás dela.

— Você está certo sobre meu irmão — eu admito. — E você não tem nada para se desculpar. Izabel, você e Niklas são... iguais. Vocês dois foram forçados a entrar nessa vida; você era contra ela, e queria apenas uma vida normal; igualmente ambos fizeram o que você tinha que fazer para sobreviver; e você quis me seguir quando você poderia ter tomado outro caminho, uma estrada menos viajada que leva à redenção, e não a morte. Izabel, como meu irmão, você é inocente em tudo isso; você ainda merece o perdão; você ainda pode ser salva. — Eu olho além dela momentaneamente, minha mente capturada por meus pensamentos. — Eu esperava que você o salvaria... Eu esperava que você se salvasse.

 


A luz foi roubada dos meus olhos. Eu nem vejo a escuridão mais, apenas o nada, e os dois não são os mesmos. Nenhuma palavra, falada ou escrita, me feriu tanto, ou cortou tão profundamente; nenhuma confissão, arrependimento ou verdade jamais poderiam fazer o dano que isso causou.

Eu sinto a gravidade trair meu corpo e eu caio de joelhos sobre as pedras sujas; Eu sinto Vitor chegar para mim, mas ele se afasta quando eu o nego.

— Não toque em mim — eu ouço a minha voz dizer, mas soa bem longe, como se vindo da boca de outra pessoa. — Não...

Victor senta-se no chão, apoia as costas contra as barras, puxa os joelhos e apoia os braços sobre eles. Eu não posso olhar para ele, mas de alguma forma eu ainda posso ver todos os seus movimentos; até mesmo a tristeza em seu rosto. Eu vejo isso. De alguma forma.

Após o que parece um longo tempo, depois que eu me sinto no controle de minha voz novamente, eu levanto a cabeça e olho para ele com lágrimas nos meus olhos.

— É por isso que você me enviou para a Itália — digo, dor alterando a minha voz. — É por isso que você disse que tinha que Niklas tinha que ser o único a ir conosco. Não foi porque você sabia que ele ia me proteger, ou que você sabia que podia confiar nele comigo, você queria que nós fôssemos juntos.

Victor suspira. Lentamente, ele acena com a cabeça.

— Sim — ele diz suavemente. — Eu queria... salvar os dois.

— Você queria se salvar — eu retorno.

Ele balança a cabeça.

— Não — diz ele, — não era sobre me salvar, era sobre você primeiro, meu irmão segundo, e depois eu por último.

— Você é um mentiroso.

Victor pisca, atordoado.

— Lamento que você se sinta assim — diz ele. — Mas estou lhe dizendo a verdade. Só queria te salvar.

— De que? — Eu pergunto, com amargura desta vez. — De seu estilo de vida? Os perigos em cada turno, eu não acredito em você, Victor.

— Eu queria salvá-la de mim — ele responde rapidamente. — Eu... queria salvá-la disso. — Ele abre ambas as mãos, palmas para cima, indicando esta gaiola, esta situação inevitável.

E eu olho para aquelas mãos. Eu olho para elas, longas, duras e simbolicamente, porque no meu coração eu sei que elas são as mãos que terminará minha vida antes que esta noite acabe.

Ele está dizendo a verdade, afinal: ele queria me salvar de si mesmo. Victor sabia que um dia ele teria que me matar se nossos sentimentos não mudassem. Assim como Marina. Assim como Artemis. Ele vai me matar... porque ele me ama. É por isso que ainda estou nesses títulos. É por isso que Victor já me disse que eu vou morrer esta noite. É por isso que ainda estamos nessa jaula juntos. É por isso…

Sufocando de volta as lágrimas, eu tento ter alguma coragem nos meus últimos momentos, em vez de covardia, ou sentir pena de mim mesma. Esta é toda minha própria culpa de qualquer maneira; eu poderia ter saído há muito tempo; eu poderia ter escolhido um caminho diferente, uma vida diferente, mas não o fiz, apesar de todas as coisas que eu vi e conheci — eu escolhi isto.

Não tenho ninguém a quem culpar senão a mim mesma.

Eu suspiro, olhando para meus pés empoleirados nos agradáveis sapatos pretos, e digo:

— Então por que você me trouxe aqui, Victor? — Eu levanto a cabeça e olho para ele. — Se você estivesse tentando empurrar Niklas e eu juntos, por que me afastar por um período de férias, me mimar, e fazer amor comigo: por que me diga o quanto você me ama, se você não me quer mais?

Ele se levanta e se move em minha direção, estendendo as mãos, e ele toma minhas bochechas dentro delas.

— Isso é o que eu não lhe disse ainda — ele diz, desespero evidente em sua voz. Ele para, suaviza seu olhar. — Eu queria...

A porta se abre do outro lado da vasta sala. Voltamos rapidamente para ver Artemis e Apolo movendo-se pelo caminho de luz emprestado do corredor. Eles parecem ansiosos, preocupados mesmo, não metódico e paciente como eles fizeram quando eles saíram. É óbvio que algo mudou nos poucos minutos que eles se foram.

— Vamos continuar com isso, Victor, —Artemis diz quando ela se aproxima; o som de suas botas se movendo sobre as pedras ecoa pelo vasto espaço. — Você sabe por que está aqui. Você sabe por que ela está aqui — ela para nas barras, seu irmão gêmeo atrás dela — Eu quero ouvir você dizer isso. Conte-nos tudo isso por que está aqui, Victor... amor.

Victor pisa longe de mim.

Meu coração pega o seu ritmo, batendo violentamente contra minhas costelas; minha garganta está seca; eu sinto minhas mãos suando, minhas orelhas batendo, a veia em minha garganta martelando contra meu esôfago. Meus olhos voam entre Artemis e Victor. É isso e eu sei disso. Eu sinto. Então eu vejo... Vejo que no exato momento em que Victor revela pela primeira vez suas intenções, a luta dentro dele que ele sabe que não vai seguir o seu caminho, o deslocamento para baixo de seu olhar, a deglutição de sua culpa — seus olhos vão para faca deitada no chão ao lado de seus pés.

De repente, não posso mais ouvir suas vozes, nem ver seus rostos; minha mente é cruelmente levada para um tempo que parece há muito tempo, um tempo em que eu mal conhecia Victor, mas já o amava bastante no meu coração que eu estava disposta a morrer em suas mãos:


Ele puxa minha cabeça para trás ainda mais longe. A arma está pressionando em meu estômago agora.

— Eu nunca estive com um homem com quem eu quisesse estar — eu digo. — Eu quero estar com você. Só uma vez. Quero saber como é ser a única que está no controle.

Ele está em conflito, eu sinto isso no calor que emite de sua pele, em seus movimentos tensos e incertos. Em um caso, a arma escava mais fundo em meu intestino e eu sinto como se meu cabelo estivesse prestes a sair de dentro de sua mão. Mas então ele cede, soltando seu aperto apenas um pouco, permitindo que meu pescoço algum indulto. Posso ver seus olhos agora, olhando para mim de forma tão mortal e ainda tão sedutor, embora eu sei que ele não está fazendo isso de propósito.

— Você não pode estar aqui — ele diz, também em um sussurro.

Eu sinto seus olhos em mim, varrendo meu corpo, meus seios nus, para baixo, para onde minhas coxas nuas estão trancadas frouxamente ao redor de seus quadris.

— Eu não me importo, Victor.

Seu olhar se volta para o meu rosto onde ele estuda a curvatura de meus lábios. Então eu testemunho algo mais reluzir em seus olhos, algo assustador que eu nunca tinha visto antes nele, e eu fico tenso em seu alcance. Ele me estuda calmamente, como se eu fosse algo a ser devastado e, em seguida, finalmente... morto.

E apesar do meu medo crescente, eu ainda quero estar bem onde estou, presa nos braços implacáveis de um assassino.


— DIGA-NOS! — Artemis rasga para fora as palavras, provando mais adicional sua preocupação, e sua impaciência. — DIGA-NOS POR QUE ESTAMOS TODOS AQUI, VICTOR!

Victor, de pé em toda a sua glória sombria, sua postura refinada, sua expressão impassível, olha para o teto alto, inspira uma respiração calma e firme e responde:

— Você quer que eu seja a pessoa para matá-la. — Então ele olha para Artemis. — Você quer que eu tire a vida dela da mesma maneira que eu tomei a sua anos atrás. Com a mesma faca. Com a mesma traição. Você não quer continuar vivendo sua vida, sabendo que o homem que você amou poderia amar alguém mais do que você pensou que ele te amou.

Artemis se agacha, alcança a cela para tirar a faca do chão. Ela se levanta de volta para um estande, segura a faca para ele.

— Eu sei que você não teme a morte, Victor — ela diz, agora com compostura, e nenhuma ameaça ou sarcasmo. — Eu sei que você, esse tipo de homem você é, então não pense por um instante que este é um cenário de morte ou morte. — Ela coloca a faca em sua mão aberta, lágrimas de desgosto e raiva rolam pelas minhas bochechas. — Você, Victor, não morrerá aqui hoje à noite, se você optar por matá-la ou não. — Seus dedos se derrubam em torno da faca, e a mão de Artemis encerra a sua. — Eu sei que pode ser difícil de acreditar, depois de tudo o que você me fez passar, depois do que você fez comigo, mas a verdade é, tanto quanto eu te odeio, Izabel tem razão... eu ainda te amo. — Agora Artemis é a que chora; três lágrimas deslizam pelo seu rosto.

Lentamente, ela puxa a mão dela.

— Estou te fazendo um favor — diz ela. — Você sabe que tem que fazer isso, assim como você sabia quando me abraçou e puxou a lâmina pela minha garganta, tem que ser feito; você sabe disso desde o dia em que a conheceu.

Victor olha para a faca em sua mão.

Eu não me movo. Eu não falo. Eu não tremo, nem temo, nem dói mais. Eu apenas sou. Eu sou a garota que se apaixonou por um assassino, e a garota que ainda o ama apesar de saber o que ele está prestes a fazer.

Eu aceito meu destino.

Eu sou destemida. Marcada. E pronto.

Eu sou Izabel Seyfried.


Eu sabia que esse dia viria. Eu não sabia quando. Eu não sabia como. Mas eu sabia, e eu realmente nunca poderia me preparar para isso. Matar alguém que você ama não é algo para o qual jamais pode se preparar. E no meu caso, não é algo que se possa mudar, também. Se por minhas mãos, ou pelas mãos de meus inimigos, Izabel estava destinada a morrer muito cedo — e de qualquer maneira, sou eu quem a mata finalmente.

Lentamente, eu olho para ela, e não me surpreende que ela olhe de volta, inflexível, e sem medo. Ela sempre foi a mulher mais forte que eu já conheci. Mesmo antes de encontrar seu verdadeiro eu em seu alter ego, muito antes de ela ter escapado do México no banco de trás do meu carro, muito antes de começar a aprender os caminhos da vida de um assassino — Izabel tem sido mais poderosa do que jamais poderia ser, possuindo virtudes que eu nunca poderia ter direito: compaixão e amor, força e equilíbrio. Ela — não Nora Kessler — é quem eu deveria sempre ter esforçado para dominar. Izabel é o eu que eu nunca poderia ser. E é por isso que eu a amava. Por que eu a amo.

Minha mão segura a faca com uma força incontrolável; eu a sinto queimando, o calor de seu propósito que perfura em meus ossos, viajando acima do comprimento de meu braço, e disparando em meu coração.

— Basta fazê-lo, Victor — diz Izabel. Ela se aproxima de mim, pressiona seus lábios na base da minha garganta, e então coloca o lado de seu rosto contra o meu coração rapidamente batendo. — Estou pronta", ela sussurra. — E eu... Eu ainda vou te amar mesmo na morte.

Envolvendo meus braços ao redor dela, eu não quero deixá-la ir. Eu aperto-a firmemente, enterro meu rosto dentro de seu cabelo; eu sinto que vou quebrar, que meus ossos são de repente de vidro e eu vou quebrar em mil pedaços em torno dela. Eu sinto meus dentes moendo em minha boca. Raiva. Ela se levanta dentro de mim tão grande que eu não posso lutar contra ela para me fazer calmo. Mas, por que raiva? Por que não se arrepender, ou angústia? Oh sim, eu sei por que raiva — porque eu desprezo o homem que sou; tenho vergonha da minha alma, forjada pela vaidade e ganância, envenenada pela fraqueza, amaldiçoada pelos meus próprios demônios.


Bonita, mas derrotada e danificada. Danificada pelo resto de sua vida e nenhuma quantidade de mutilação emocional jamais lhe devolverá sua inocência. A garota é uma bomba com um tempo, um perigo para si mesma e muito possivelmente para os outros. Eu não tinha certeza antes, mas agora eu sei que ela é mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. E porque ela é tão hábil em escondê-lo, não só de mim, mas também de si mesma, ela é mais perigosa do que eu. Sou disciplina. Sarai é raiva. Estou ciente das minhas escolhas em todos os momentos. As escolhas de Sarai são mais conscientes dela, esperando para decidir por ela com base na gravidade de seu humor, sem a intenção de deixar qualquer controle consciente sobre ele.

Eu sei o que tenho que fazer.

Seguro a parte de trás de sua cabeça na palma da minha mão, minha arma descansando ao meu lado na cama na outra. Eu sinto suas lágrimas encharcando meu ombro, seu corpo arranhado por soluços que se fundem em meus músculos. E seu ponto doce ainda pressiona contra meu pau cada vez que seu corpo fica tenso. Mas, eu a deixo lá apesar da necessidade moral de me afastar.

— Sarai — eu sussurro contra o lado de sua cabeça. — Sinto muito.

Levanto a arma lentamente atrás dela.


Eu aperto Izabel cada vez mais apertado; a raiva, a memória, tornando-me impotente, e eu me encontro transformando-a violentamente em meus braços para que suas costas estão contra mim em vez de seu coração — não posso suportar sentir seu coração batendo ao lado do meu!

— Faça, Victor — Artemis diz, mas não consigo olhar para ela; não neste momento de todos os momentos.

Coloquei a lâmina na garganta de Izabel.

As lágrimas começam a molhar meu rosto.

— Eu estava errado sobre você, Izabel — eu sussurro perto de sua orelha; a dor engolindo meu interior. — Eu sou a bomba-relógio. Estou mais instável do que eu jamais poderia ter imaginado. Você é a disciplina, e eu sou raiva. E a única forma que conheço para controlar o caos dentro de mim, é erradicando as coisas que me controlam.

A sala começa a borrar, a entrar e sair da minha visão; infelizmente desta vez não de uma droga injetada em uma veia no meu pescoço; gotas de suor da minha testa, lágrimas do meu queixo, amor do meu coração, luz da minha escuridão — como é que eu consegui no chão? Não me lembro do momento em que minhas pernas não conseguiram sustentar meu peso; estou de joelhos sobre as pedras, Izabel agarrou meu peito nu, a faca cerimonial ainda pressionado contra sua jugular.

— Mate-a, como você me matou — Artemis diz nas proximidades, mas de onde eu não sei, porque eu não me importo. — É a única saída, Victor; é a única maneira de salvar a si mesmo, de si mesmo.

— Por favor, faça isso — diz Izabel com uma voz suave, e isso me despedaça.

Eu a aperto mais apertada, o suficiente para que eu a ouça respirar fundo e sentir seus músculos se enrijecerem sob o poder de meus braços. Um nevoeiro avermelhado cobre meus olhos, gira em torno de minhas pálpebras fechadas e, de repente, tudo fica em silêncio: Artemis está provocando; os sorrisos ensurdecedores de satisfação de Apollo; as mãos do guarda apertando as armas com força; meus pensamentos furiosos, girando; a voz doce de Izabel.

Sinto o sangue quente escorrendo da minha mão, escorrendo pelo meu pulso. E de repente eu posso ouvir um som distante entre o silêncio monumental, mas eu não consigo entender. Por um momento, eu escuto mais de perto, tentando entender o som, para entender o que eu fiz, mas eu sou negado as respostas. Eu aperto a faca com mais força, aperto mais forte, e outro jorro de sangue escorre através de meus dedos. Cego por minha própria raiva e insanidade, eu grito para o éter, tentando afogar tudo.

— NÃAOOO! — Minha própria voz me assusta, ou é o desespero sangrando dela?

Ouço a faca tilintar contra as pedras, estrondosa em meus ouvidos, e eu abro os olhos; o corte na palma da minha mão é profundo.

Izabel está sentada nos pés de chão de mim, suas costas pressionadas contra as barras de gaiola, as mãos ainda amarradas atrás dela, um olhar de espanto consumindo seus belos traços.

Eu olho para minha mão sangrando novamente. Volto para Izabel novamente.

— VICTOR! — Grita Artemis.

Izabel e eu permanecemos trancados neste momento de eternidade.

— Maldito seja! Mate-a!

— Eles estão chegando, Artemis — diz Apollo. — Nós temos que sair! AGORA!

— Não! Não vou embora até que ele abra uma fenda na garganta da prostituta! MATE ELA! MATE-A AGORA!

Não me movo de joelhos no chão; eu não olho para ninguém, mas para a mulher que eu amo e prefiro morrer, do que matar.

— Por que você não a mata? — Grita Artemis; Desespero e dor em seus olhos. — Victor... por que você não pode matá-la... como se você me matou? — Ela está chorando.

Finalmente, olho para longe de Izabel e vejo apenas Artemis.

— Porque eu a amo demais — eu digo, e sinto um peso pesado deixar o meu corpo.

Artemis endurece, seus traços atordoados.

Então de repente eu vislumbrei o movimento atrás de Izabel — rápido, mas dolorosamente lento ao mesmo tempo — e o flash de outra lâmina. Eu congelei; eu não posso mover nada, nem mesmo os meus olhos; eu grito para fora, mas eu não posso ouvir minha própria voz.

— Eu te amo, Victor — Izabel diz, e então sangue derrama de sua garganta.

— Nã-NÃOOO!

Das barras, a mão esquerda de Artemis está enrolada no topo do cabelo de Izabel, a direita, lentamente, horrivelmente, afasta-se da garganta de Izabel, uma faca, manchada com o sangue de Izabel, apertada sob seus dedos. Os olhos de Izabel retrocedem, e os brancos vêm à vista; seu corpo cede de lado. Ainda não consigo me mover. Parece como se alguma força invisível mais forte do que minha própria vontade o proibisse.

Morto. Estou morto por dentro. Esta é a forma como se parece ao ser morto.

Depois de segundos que se estendem como horas, em uma onda de emoções, sinto meus joelhos caminhando pelo chão, levando meu corpo trêmulo em direção a ela. Parece uma eternidade, mas em segundos eu estou lutando para levá-la em meus braços, minhas mãos cobrindo o corte em sua garganta, tentando parar o fluxo de sangue.

— Izabel! — Eu grito, minha voz esforçando-se através das lágrimas. — Sinto muito, Izabel! Eu sinto muitíssimo! ALGUÉM, POR FAVOR, AJUDE-A! FODIDA AJUDA AGORA!

Meus apelos não são ouvidos.

Tudo se torna um borrão, cada som e movimento é caótico, girando em torno de mim e dentro da minha cabeça como restos lançados por um tornado. Pessoas correndo, armas disparando, botas batendo contra as pedras, gritos, mais tiros.

— Perdoe-me — sussurro para Izabel, ignorando tudo, como se estivesse no olho daquela tempestade onde tudo está calmo, balançando seu corpo frouxo em meus braços. — Me perdoe…


Duas semanas depois…

O assento do meu irmão na cabeceira da mesa está vazio desde que ele voltou da Venezuela. Ele e eu ainda não estamos no melhor dos termos, mas eu não posso deixar nossa organização sem algum tipo de estrutura em sua ausência — ela cai, eu caio também, esse tipo de coisa. Então aqui estou. De pé onde meu irmão geralmente senta, olhando para alguns rostos familiares, e um casal de novos, também, todos sentados em torno da mesa de reunião. Nora, à minha direita, bate as unhas contra a mesa, do dedo mindinho ao médio, novamente, e novamente, e novamente. Fredrik senta-se à minha esquerda, em frente à mesa para Nora; ele está tão quieto como sempre, olhando para a parede; provavelmente tem o assassino em série que ele está caçando com o governo, em sua mente — inferno, ele quase não fala sobre mais nada. James Woodard senta-se à esquerda de Fredrik, parecendo mais saudável nestes dias; seguindo em uma dieta vegana, ou alguma dessas merdas; perdeu alguns quilos, e está se sentindo como um homem novo.

O assento de Izzy está vazio.

Toc-toc-toc-toc. Mindinho ao médio. Toc-toc-toc-toc.

O conteúdo da mesa tremia quando eu bati o lado da minha mão fechada sobre ele.

— Você se importa?

Nora rosna para mim em resposta, mas seus dedos ficam imóveis; ela se inclina para trás contra a cadeira, cruza as pernas e deixa o braço estendido sobre a mesa.

Ainda durmo com ela de vez em quando; é um entendimento mútuo que temos: não há nada de especial entre nós além do trabalho, e que gostamos de foder — nem sequer somos amigos. E se alguma coisa acontecesse com ela, eu não poderia ser incomodado em dar uma merda, realmente. Poderia até me dar algum alívio, para ser honesto. Nora não está exatamente na minha lista de pessoas que eu confio, e ela nunca estará.

— Então, onde está esse cara, afinal? — Nora pergunta, olhando para as portas duplas que levam para a sala de reuniões. — Vinte minutos atrasados, não é uma boa primeira impressão.

— Duvido que ele venha nos impressionar — digo.

— Você sabe — Fredrik fala. — Não me lembro de ser informado sobre o que exatamente ele está vindo para cá.

— E sem Victor — acrescenta Nora com um olhar cauteloso e lateral.

— Victor é quem arranjou isso — eu digo, e depois olho para Fredrik. — E tudo o que sei é que você deve dar a ele o mesmo respeito que você daria ao meu irmão. — É assim que eu sei que o que pensamos de nosso visitante, não importa o quão pouco impressionado que pode ser, não vai fazer uma maldita pouca de diferença para Victor.

— Você quer dizer que nós devemos dar a ele — Nora me corrige. — Você também, não apenas nós. E eu não gosto de onde isto parece que está indo.

— Eu também não — James Woodard apoia. Então ele abaixa os olhos. — Eu quero dizer, não que importa o que eu gosto ou não gosto.

— Ter bolas, você vai? — Nora diz, balançando a cabeça.

Os outros dois operários — novos na mesa, e provavelmente temporários — apenas sentam e escutam. A mulher, tensa e vestida de terno, tem esse hábito irritante de mascar no interior de sua boca, com a boca aberta — pop-click-pop-click-pop; o homem, de rosto comprido, com pequenos olhos negros e um nariz de cabaça, respira muito alto para o meu gosto; ele parece ser um pug chinês1 fodido subindo um lance de escadas, levanta, silvo, levanta, silvo.

— Espero que isso não leve muito tempo — diz Fredrik. — Eu tenho que voltar à minha investigação.

— Eu acho que isso é um pouco mais importante do que aquele psicopata que você está duro — eu digo. — Você não se importa o que aconteceu com Izzy? — Por favor, não dizer algo para me irritar, Fredrik; eu não estou no clima.

Fredrik olha para mim, reto, sem emoção.

— Eu me importo — diz ele, — mas o que está feito está feito, e nós temos que seguir em frente"

OK, eu acho que apenas mal abraçou a linha entre aceitação e um punho em seu rosto. Além disso, eu posso dizer que o cara está minimizando o jeito que ele realmente sente — ele se importa mais com Izzy do que ele se importa com alguém.

— Quem é ele, afinal? — Pergunta Nora.

Todo mundo olha para mim agora, esperando. Toc, toc, toc, toc. Mindinho ao médio. Pop-click-pop-click-pop. Levanta, silvo, levanta, silvo. Eu vou perco a minha merda em um minuto.

— Eu não sei — eu digo, irritado com os ruídos e a verdade. — Victor deu-lhe o código para entrar no prédio, informou a todos os guardas que ele não era para ser detido, e se ele tem uma arma ele consegue mantê-lo.

— Eu não gosto disso — diz Nora. — Por que Victor faria isso? Especialmente depois do que aconteceu. E se ele estiver perdendo a cabeça? Como se tudo isso tivesse finalmente empurrado Faust para o fim. Esse cara misterioso poderia ser qualquer um, amigo ou inimigo, ou pior, ele poderia ser como qualquer um de nós.

— Então eu acho que é melhor você esperar que ele seja mais parecido com James — eu digo.

James olha para cima, rosto vermelho; eu rio um pouco por dentro.

— Onde está Victor? — Pergunta Fredrik. — Pelo menos, ele tinha que te dizer isso.

Eu concordo.

— Ele está a caminho de Dina Gregory até onde eu sei.

Ninguém diz nada, sabendo o que isso significa.

O som de sapatos tocando contra o chão lá fora no corredor se torna evidente, e todos os olhos se voltam para as portas; armas saem de nossas calças, botas e tal, fixado em nossas mãos, pronto para disparar, se necessário. Eu admito, até mesmo eu estou segurando a minha respiração um pouco. Porque Nora podia estar certa sobre o meu irmão finalmente ser empurrado sobre a borda. Eu também tenho que concordar com ela sobre não gostar de nada disso, ou onde parece que está indo. Inferno, eu concordo bastante com Nora cem por cento neste calvário inteiro, mas eu serei condenado se eu lhe der a satisfação de saber.

Vozes trocam palavras fora da porta, e segundos depois, um lado das portas duplas abre para a sala de reuniões. Um homem alto e negro, de cabelos pretos e curtos, entra, vestido dos ombros aos pés com um terno preto e cinza e sapatos pretos; brincos de diamante e prata brilham contra sua pele semiescura. Ele parecer ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Nora parece estar encobertamente observando-o — bom, talvez ele possa tirá-la das minhas mãos. E meu pau.

Segurando minha mão vazia, eu ofereço ao homem uma cadeira no lado oposto da mesa.

— Sente-se.

Ele balança a cabeça, e depois senta. Só depois que ele se sentar, eu sigo o exemplo. Eu mantenho minha arma na minha mão.

— Sou Niklas Fleischer, o irmão de Victor.

— Sim, eu sei quem você é — ele fala, e já está me irritando. — Eu sei quem são todos vocês. Victor me informou bem antes de me enviar aqui. — Ele levanta os braços, os cotovelos apoiados na mesa à frente dele, e dobra as mãos; botões de prata e diamantes brilham comprovadamente nos pulsos de sua camisa de vestido puxando das pontas das mangas do casaco.

Chupando no interior da minha boca, eu digo amargamente:

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre você. Victor me disse que seu nome é Osíris, mas não muito mais do que isso. Na verdade, a única coisa que eu sei sobre o que aconteceu na Venezuela foi o que aconteceu com Izabel. Já faz duas semanas e eu não sei merda, então você vai ter que desculpar por esse problema porque você sabe mais sobre meu irmão do que eu.

Osíris sorri. Filho da puta.

Ele desdobra as mãos e descansa as costas na cadeira, coloca as mãos em seu colo.

— Vou direto ao ponto — diz ele.

— Sim, essa seria a escolha sábia — eu rebato.

Ele ignora minha tentativa de provocá-lo.

— Meus irmãos e irmãs são responsáveis pelo que aconteceu na Venezuela — diz ele, olha para todos nós um a um, e depois continua. — E fui contratado por Victor Faust para ajudar a localizá-los, capturá-los e trazê-los vivos para ele.


Coloquei minha arma na mesa, mas mantenho-a bem ao meu alcance.

— Eu vejo — eu digo, agravado e suspeito. — Mas isso não significa merda para mim. Posso fazer tudo sozinho.

— Eu não vim aqui para sua aprovação, ou sua permissão — diz Osiris. — Estou aqui para recrutar — ele olha só para mim — e para contar ao resto de vocês sobre meu irmão e irmã, Apollo e Artemis, então vocês não serão perseguidos por eles se eles acontecerem de aparecer aqui. E eles provavelmente vão, para terminar o que eles começaram.

— E por que devemos confiar em você? — Nora pergunta. — Esta é sobre a sua família que estamos falando.

Mais uma vez, concordo com Nora.

— Ela está certa — eu falo. — Todo mundo sabe que eu tive minhas diferenças com meu irmão, mas eu nunca iria trabalhar com alguém contra ele, não importa o que ele fez.

— Eu nunca me dei bem com meus outros irmãos, exceto Hestia, então você pode dizer que eles são tanto minha família como eles são sua.

— Isso ainda não nos dá razões para confiar em você — diz Fredrik.

Osíris se inclina para frente e dobra as mãos sobre a mesa.

— Há muito tempo — diz ele, — fui eu quem encomendou a Ordem para eliminar a minha família. Victor passou a ser o assassino entregue para o trabalho. Meu ódio por eles não mudou, quero que morram tanto quanto Victor. — Ele retrocede um pouco, encolhe os ombros e acrescenta: — Bem, depois do que Artemis fez com a mulher de Victor, é possível que ele a quer morta um pouco mais do que eu, terreno comum.

Eu me lembro agora. Algo sobre o nome Osiris se parece um tanto familiar quando Victor me disse no telefone sobre esta reunião.

Eu olho através da longa mesa para o homem.

— Você é Osiris Stone — eu digo. — Você e meu irmão, pelo que eu entendo, não são os melhores amigos. — Meu irmão nunca me contou a história completa sobre a família Stone, e seu envolvimento com eles, mas ele me disse que Osiris o amarrou a um Cadeira e o venceu, mais uma razão para não confiar neste cara.

— Não, não seríamos amigos — admite Osiris. — Eu estava meio que forçado a... empurrar Faust para o seu ponto de ruptura, eu acho que você pode dizer isso. Não era minha escolha; A Ordem fez o que eu fiz com ele, obrigando-o por meu contrato.

— E o que exatamente você fez? — Nora pergunta.

— Não importa — diz Osiris. — Não é por isso que estou aqui. Estou aqui porque Victor me pediu para estar.

Eu ainda não consigo acreditar nessa merda.

— Você espera que eu acredite que meu irmão contratou você para fazer um trabalho para ele? — Pergunto com descrença.

Nora ri.

— Sim, é como Picasso contratando você para pintar uma foto dele — ela se levanta, lança as mãos no ar — Você está brincando comigo? Isso é besteira, Niklas.

Fico de pé, também, e começo a andar o comprimento da mesa, ignorando Nora, mas sempre silenciosamente concordando com ela.

— OK, Osiris — eu digo, — então Victor precisa de sua perícia porque você conhece os alvos melhor do que ele; isso resumi?

Ele balança a cabeça.

— Algo assim. — Então ele se levanta enquanto eu me aproximo, e eu percebo o quão mais alto eu sou.

— Então você está indo para etiquetar junto com ele e eu na caça — eu suponho.

— Não — Osíris diz, e isso provoca algumas sobrancelhas levantadas na sala, incluindo a minha. — Aparentemente, Victor estará fora, pelo o que eu recolhi em minha reunião com ele. Claro, ele não me disse o que ele planeja fazer, mas ele não está liderando essa missão particular. Ele está pagando a mim e a minha irmã para fazerem isso por ele.

— Então o que isso tem a ver comigo? — Eu pergunto. — Você disse que veio aqui para recrutar.

— Não você — ele diz. — Victor me disse para falar com você sobre o recrutamento de dois de seus melhores agentes que irão conosco. — Ele olha ao redor da mesa. — Estou supondo que eles estão aqui?

— Sim, eles estão — eu digo, e então aponto para mim mesmo. — Se isso é para caçar aqueles que machucaram Izzy, então um deles será eu. — Eu aponto para Nora. — E aquela loira ali. — Se eu soubesse o que era isso de antemão, eu nunca teria escolhido aqueles dois barulhentos!

Osíris sacode a cabeça.

— A loiro posso aceitar — diz ele. — Victor disse que você provavelmente se voluntariaria, mas ele precisa de você aqui.

Por que Victor não está atrás dessas pessoas? Se Izzy fosse minha mulher, com certeza não iria deixar isso para outra pessoa; eu os caçaria em seus túmulos. E por que o meu irmão também não está aqui para esta reunião? O que diabos está acontecendo?

Fredrik está de pé; ele se inclina ligeiramente, apoiando as pontas de todos os dez dedos na mesa à sua frente.

— Parece que nosso líder está tendo uma licença — ele diz, praticamente lendo minha mente. — Ele está deixando a missão mais importante de sua vida para outra pessoa; deixando seu irmão renegado encarregado de sua organização, ações tão surpreendentes e imprudentes que só podem significar uma coisa: Victor Faust finalmente caiu. Gostaria de saber quanto tempo ele vai levar para voltar de novo.

Deixo Fredrik Gustavsson, a única pessoa na sala mais íntima com seus demônios, para saber quando outro homem foi derrotado por ele.

Fredrik sai da cadeira e passa por nós, indo para a saída.

— Estou à sua disposição, Niklas, sempre que você precisar de mim para um interrogatório — diz ele, abrandando o passo. — Mas por favor, tenha em mente meus outros deveres, principalmente com a minha missão atual.

Eu sorrio.

— Sim, Fredrik, vou tentar não te afastar de seus fetiches estranhos se eu puder ajudar.

— Eu agradeço — ele diz na porta, então a empurra aberta e sai.

Eu volto para Osíris, e todos os outros no quarto.

— OK. — Eu aceno, pensando para mim mesmo. Então eu tiro o cigarro de trás da minha orelha, um isqueiro do meu bolso, e arrumo o fim em chamas. — Além de mim, a loira é a melhor funcionária da Primeira Divisão...

— Nós dois sabemos qual de nós é o melhor operante — Nora corta bruscamente, e eu continuo a ignorá-la.

Aponto brevemente para a mulher vestida de terno.

— O agente O'Hara será seu segundo recruta — digo. — E se algo acontecer a um deles — sorrio para Nora — então o agente asmático lá pode tomar seu lugar. — Eu tomo um ardor e inalo profundamente, então digo a Osíris com fumaça em meus pulmões, — Você disse que Victor contratou você e sua irmã?

Osíris acena com a cabeça.

— Hestia — ele responde. — A única da minha família em quem confio.

— E esta Hestia — Nora pergunta, desconfiado, — está tão disposta e ansiosa como você, para trair sua própria carne e sangue?

— Por uma questão de fato, ela está — diz Osiris.

— E quão... capaz é ela? — Nora interroga. — Melhor ainda, quão capaz é você?

Osíris sorri e lambe os lábios sutilmente.

— Oh, eu sou muito capaz — ele responde, embora eu tenha a sensação de que sua resposta não tem nada a ver com a missão. — Posso lhe assegurar, senhorita Kessler, não é?

O movimento corporal de Nora muda de rígido e desconfiado para relaxado e interessado. Que merda é essa, algum tipo de ritual de acasalamento?

— Por que não nos conta mais sobre Artemis e Apollo? — Interrompo. — E inferno, enquanto você está nisso, você pode nos falar sobre você e Hestia, e tudo mais, também. Gostaria de saber exatamente como chegamos a este momento, por que Izabel acabou no lado errado de uma lâmina, e como meu irmão acabou caindo em desgraça.

Osíris passa os próximos trinta minutos nos contando tudo o que sabe: sua história com meu irmão; a história de Victor com Artemis; o que Victor lhe disse aconteceu na Venezuela — é claro, tudo isso é conta de Osíris; antes de acreditar em alguma coisa, também precisarei da conta de Victor. E quando as inevitáveis perguntas sobre Hestia surgem, o diabo nos ouve falar sobre ela e ela aparece na hora certa.

— Eu só estou aqui por dinheiro — diz Hestia enquanto ela atravessa a sala em direção ao seu irmão, ela é linda. — Vamos tirar isso do caminho primeiro: eu não estou aqui para ser amigo de ninguém, ou parceiro, Osíris é o meu único parceiro. Não há nada no meu contrato com Victor Faust que diz que eu preciso colocar minha vida na linha para salvar qualquer um de vocês, se você entrar em uma merda muito profunda para se arrancar. Estou aqui para fazer um trabalho, recolher o meu corte, e depois levar o meu traseiro doce para a Venezuela.

Sim, isso é uma bunda doce, tudo bem.

Olho para Nora, sentindo que a qualquer momento suas garras vão sair — embora não tenha nada a ver comigo; este quarto apenas não é grande o suficiente para duas fêmeas alfa.

Nora caminha em direção a Hestia, corajosa e destemida como Nora só pode ser — pode ser uma noite interessante.

— Confie em mim — Nora diz, sorrindo e cruzando os braços. — Eu sou a última pessoa aqui que entraria na merda. — Ela se aproxima de Hestia, fica a apenas um pé de distância; há um sorriso escuro nos olhos de Hestia que envia um leve arrepio na parte de trás do meu pescoço. E eu meio que gosto.

Nora continua:

— Eu também não faço amigos; e não vou pensar duas vezes antes de deixá-la morta, então acho que nos entendemos perfeitamente.

— Acho que sim — diz Hestia, venenosa.

Nenhuma delas recuou da outra; Osíris pisa entre elas para parar uma briga antes que ela comece, e só então eles se afastam em direções opostas: Nora de volta ao seu assento ao meu lado; Hestia ao lado de seu irmão. É então que eu percebo que eles parecem gêmeos, também, Hestia e Osíris.

— Então qual é a sua história? — James fala, eu tinha esquecido que ele estava na mesma sala. — Quero dizer, apesar de querer que o resto de sua família morra, vocês dois parecem estar próximos... — É como se, quando mais de um par de olhos olha para James Woodard ao mesmo tempo, ele imediatamente enfia a cabeça dentro de sua concha.

— A pergunta mais importante — Nora coloca — é o que suas qualificações são? Só porque você veio de alguma família do crime, não faz você comprar o material, Niklas, eu realmente não posso acreditar que Victor deixaria isso para esses dois. — Ela começa a andar de um lado para outro atrás da cadeira. Então ela pega o celular na mesa. — Vou ligar para Victor.

Quando ela está correndo seu polegar sobre a tela, Osiris diz:

— Nós somos os Gêmeos.

O polegar de Nora se congela em seu telefone, e ela olha para Osíris.

Eu atiro minha cabeça para trás e rio, porque eu simplesmente não posso acreditar nela.

Os Gêmeos. Aqui. Na carne.

Eu me sento no assento de Victor e chuto meus pés em cima da mesa, cruzando meus tornozelos.

— Interessante — digo.

E então eu acendo outro cigarro.


Tucson, Arizona

Pensei muito nisso nas duas horas que passei neste carro, estacionado perto da mais nova residência de Dina Gregory: quando eu já me sentei sozinho, do jeito que estou agora, avaliando os acontecimentos que se desenrolaram ao longo da minha vida? Nunca. Nunca me concordei com tal luxo; eu não mereço isso; eu não quero isso; eu não quero porque me assusta.

Avaliando o que leva à mudança na vida de alguém.

Mudança. O próprio pensamento disso coloca meus dentes na borda. Mas não posso mais fingir que estou eternamente imune a seu inevitável propósito. Ninguém é imune à mudança, especialmente aqueles que o temem. Ela vem para nós em primeiro lugar, e nos destrói rapidamente porque lutamos o mais duro. Estive lutando desde que conheci Izabel. Lutei implacavelmente como aconteceu ao meu redor; cada coisa que tenho feito, desde Sarai no México, tem sido lutar contra mim, a mudança que ela provocou.

Eu estava errado antes, quando eu disse a Izabel que eu não posso mudar para ela, eu devo. Eu não posso lutar mais. No final, continuar a lutar significaria que Izabel teria que morrer.

Mas ela vivia.

Novamente, e novamente, e novamente — ela sobreviveu. E embora não tenha sido eu quem a salvou, fui eu quem a poupou. E para mim, não há nenhuma prova mais atraente que eu amo essa mulher mais do que eu já amei alguém ou qualquer coisa.

Mas preciso encontrar um equilíbrio nessa mudança. Eu ainda sou o mesmo homem que eu era ontem, isso nunca vai mudar, mas eu agora devo também permitir que a parte de mim que Izabel havia criado, a viver igualmente ao lado dele.

Saio do meu carro e ando pela calçada até a casa de Dina Gregory, e, pela primeira vez na minha vida eu olho para as estrelas com um propósito, uma centena de alfinetadas no tecido de um céu negro, e eu sinto a mudança acontecendo em tempo real. Eu sinto a pressão no meu peito, uma luz estranha, quente nos meus olhos, e, de todas as coisas, era bem-vindo. Talvez essa seja a chave para sobreviver à mudança: abraçá-la, por mais incómoda ou graciosa que seja.

Redemoinhos em torno da luz da varanda ardente perto da porta da frente; eu ouço um cão latir ao longe, a brisa da noite penteando pelas árvores, um motor de caminhão acelerando na entrada de uma casa próxima, e meu coração batendo em meus ouvidos e em minha cabeça. Eu bato levemente. E engulo.

Izabel tem ficado com Dina desde que ela foi liberada do hospital, e eu não falei com ela desde a noite em que Artemis cortou sua garganta. Eu estava lá com ela, quase todas as horas de cada dia à sua cabeceira, e quando ela estava acordada e capaz de falar, eu tentei, mas ela não queria falar comigo. Ou qualquer um por essa matéria. Só as enfermeiras. Tenho sido paciente, como vou continuar a ser. Mas não posso negar a ansiedade que sinto por dentro, sem saber o que ela está pensando, ou se ela pode me perdoar pelo que aconteceu com ela.

Ouço movimento do outro lado da porta, e depois o clique de uma fechadura. Minhas mãos estão suando; eu desdobro-as uma da outra para permitir algum ar.

— Eu me perguntei quanto tempo você iria sentar lá fora — Izabel diz, de pé na porta.

Ela me gesticula.

— Você sabia? — Eu pergunto.

Izabel faz um barulho com a respiração, e balança a cabeça como se ela não pudesse acreditar que eu mesmo perguntei. Eu também não posso acreditar. O amor torna um homem inegavelmente estúpido.

Meu olhar varre a sala de estar. Uma cesta de roupa dobrada fica no chão ao lado do sofá; aroma de limão no mobiliário polonês e ambientador de pó de tapete está distinto no ar.

— Você está limpando — eu digo, sentindo-me embaraçado com a minha fraca tentativa de provocar uma conversa. Eu não estou acostumado a esse tipo de coisa; eu quero falar com Izabel sobre o que aconteceu, mas eu certamente não quero começar com isso.

— Sim, eu tenho limpado — diz ela.

Ela entra na cozinha, e eu sigo.

— Quer um pouco de café? — Ela pergunta, virando as costas para mim e percorrendo um armário.

— Não, obrigado.

Retirando a mão, ela sai vazia, e fecha a porta do armário.

Então seus ombros se levantam e caem pesadamente, e ainda de costas para mim ela diz:

— Então o que você quer, Victor?

— Obrigado, mas eu não quero nada — eu lhe digo gentilmente. — Eu não podia comer nem beber nada se...

Ela se vira e olha para mim do outro lado do balcão.

— Quero dizer, o que você quer?

Oh.

Suspiro e olho para uma cadeira da cozinha.

— Posso me sentar?

Ela assente com a cabeça.

— Eu vou entender se você não quer me ver...

— Se eu não quisesse vê-lo, Victor, eu não teria aberto a porta e deixado você entrar.

Ela está esperando alguma coisa. Uma desculpa? Eu a darei com prazer. Eu não sei quantas vezes eu disse a ela que eu estava arrependido enquanto ela estava no hospital, mas vou pedir desculpas todos os dias para o resto da minha vida se é isso que ela precisa. Uma explicação? Fiquei desesperada por dar-lhe uma dessas também, e eu pretendia fazer isso também enquanto ela estava hospitalizada, mas considerando que ela não iria falar comigo, eu não sinto que é o momento certo.

Eu decidi ir com algo diferente, algo que ela provavelmente nunca esperaria de mim — algo que eu nunca esperei de mim mesmo.

— Seria muito feliz se você se casasse comigo, Izabel.

Ela só me olha, sem piscar, e embora a expressão em seu rosto não tenha mudado muito do sem emoção, eu vejo evidências de algo diferente em seus olhos. Mas eu não tenho a menor pista sobre o que é.

Eu me levanto. Porque não parece certo estar sentado.

— Eu... eu não espero isso logo — começo, nervosa, — mas espero que algum dia você seja minha esposa, porque eu...

— Pare, Victor. — Ela levanta uma mão.

Talvez eu deveria ter me prendido com as desculpas e explicações.

— Desculpe — digo.

— Eu disse pare.

Ela deixa cair a mão ao seu lado e vem em minha direção; tenho a sensação de que estou prestes a ser ministrado da maneira mais calma possível.

Suas mãos tocam meus ombros levemente, e a próxima coisa que eu sei, estou sentado novamente. Ela puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta-se, puxando as pernas para cima e cruzando-as com os pés enfiados debaixo das coxas nuas; ela descansa suas mãos em seu joelho. Eu tento muito para não olhar para a cicatriz ainda curando de quatro polegadas de comprimento correndo para cima ao longo do lado de sua garganta; os muitos pontos, como uma centopeia anormalmente grande com pernas pretas e nervosas; o lubrificante medicado brilhante — eu rasgo meus olhos, engulo duro, e olho para seu rosto bonito em vez disso. Sinto os pontos na palma da minha mão, mas os meus não são nada comparados aos dela.

Ela hesita, como se estivesse juntando as palavras apropriadas, e então diz:

— Eu te amo ferozmente, Victor. Eu não posso controlar isso, e eu não posso mudá-lo. Mas, ao contrário de você — ela faz uma pausa, segurando meu olhar — diferente de você, eu não estou tentando.

Eu começo a falar, mas ela não está terminada.

— É tudo o que você já fez — diz ela. — Desde que você me conheceu, você tentou me empurrar para longe, tentou controlar algo que nenhum homem ou mulher pode controlar, em vez de aceitá-la, e deixar a vida acontecer, por favor olhe para mim, Victor.

Eu não tinha percebido que meus olhos tinham se afastado dela. Por vergonha. Por arrependimento. Por saber que tudo o que ela está dizendo é certo.

— Eu posso perdoar um monte de coisas — ela continua. — Eu posso perdoar e esquecer. Mas o que você fez, o que você tentou fazer, com Niklas, eu não sei se eu nunca vou ser capaz de passar por isso.

— Izabel...

Ela se inclina para a frente um pouco, e começa a sussurrar duramente.

— Você tentou me passar para o seu irmão — Suas mãos espremem em punhos dentro de seu joelho — você tem alguma ideia de como que isso se parece para mim?

— Não — eu digo. — Eu nunca consigo compreender completamente como você se sente, mas eu sei o quanto me arrependo, e se o quanto me arrependo é qualquer indicação de como você pode se sentir, então eu sei a intensidade da dor, pelo menos. Eu não posso tomá-la de volta, mas eu sei que eu nunca poderia fazer algo assim novamente.

— Mas você fez isso uma vez — ela diz, balançando a cabeça. — Você não me queria...

Eu balanço a cabeça, também, mais vigorosamente, antes de esperar para dá o meu ponto de vista.

— Isso é o mais distante da verdade — digo. — Porque eu queria você, porque eu te amo, é por isso que eu tentei te afastar... não faz sentido, eu sei. É por isso que eu tentei uni-la com a única pessoa além de você neste mundo que eu confio. Foi um erro, um que eu nunca espero ser perdoado, mas espero que você possa pelo menos entender.

— Eu entendo — ela retorna. — Eu entendo por que você fez isso; eu entendo que o que você fez não era ruim, estava errado. Então, muito errado, Victor. Mas eu estou certa quando digo que você fez isso porque você não me quer... por favor, deixe-me terminar.

Largo a mão e fecho a boca.

— Você estava disposto a me entregar a outra pessoa — diz ela. — Esse fato permanece, e não pode ser discutido, não importa quais foram suas razões, você ainda queria desistir de mim.

— Mas eu não quero mais isso — digo rapidamente. — E no meu coração... eu nunca fiz.

Tento estender a mão e levar as suas mãos para a minha, mas ela se levanta da cadeira, me recusando, e começa a andar. Então, com os braços cruzados e de costas para mim, ela para perto do balcão.

Eu também estou de pé. Mas eu não digo nada. Eu sinto tudo como um peso pesado no meu peito, mas eu não digo nada, porque eu não posso. Eu tenho medo, não, eu estou com medo de perdê-la.

— Eu não conversei com você no hospital, porque eu tinha medo de dizer coisas que eu lamentaria. — Ela se vira. — Eu precisava de tempo para pensar, hora de curar, não apenas a minha lesão, mas meu coração, bom, tempo para... decidir.

Meu coração cai.

— Para decidir o que? — Eu pergunto em uma voz mais calma do que eu esperava; minhas mãos estão suando novamente.

Seus olhos encontram os meus e ela responde:

— Quero viver sozinha, Victor. Quero minha própria casa, meu próprio endereço, minha própria... cama.

— Por quê? O que você está dizendo? — Isso não pode estar acontecendo, eu não vou deixar.

Izabel sai do balcão, aproxima-se e olha nos meus olhos.

— Estou dizendo que eu te amo — ela responde — mas eu não quero mais viver com você. Pelo menos por um tempo.

Não me sinto bem nem mal com o anúncio dela; isso me confunde mais do que tudo.

— Eu preciso que você me escute por um momento — diz ela. — Eu preciso que você entenda algo que eu percebi durante o tempo que eu estive longe de você.

Eu concordo.

— Eu estou ouvindo.

Ela cruza os braços e caminha de volta para o balcão, levando o peso sobre seus ombros com ela, e se preparando para soltá-lo.

— Eu nunca tive nada que fosse só meu, nem mesmo meu próprio espaço e liberdade. Meus pensamentos, ações e decisões sempre foram ditadas por outra pessoa, até mesmo por você. Eu quase não dormia sozinha. — Ela se inclina contra o balcão. — Mas isso vai mudar. Não importa o que você quer, ou como você se sente sobre isso, eu vou fazer o que eu quero, Victor, e se você tem um problema com isso, então podemos terminar este relacionamento agora. — (Eu pisco, atordoado, e meu coração parece como se ele apenas tomou um soco.) — Eu vou viver em um lugar da minha escolha, pagar com o dinheiro que eu trabalhei duro para consegui, e eu vou fazer o que eu quero, quando eu quero, como eu quero, e sem olhos nas minhas costas, ou babás em minha entrada.

Ela descruza seus braços, empurra-se para longe do balcão.

— Victor — diz ela, mudando o tom da conversa para algo mais nutritivo — você precisa de tempo longe de mim tanto quanto eu preciso de você. Você está tão confuso quanto eu, mais ou menos, quem sabe, mas que diferença faz? E eu acho que é melhor para nós dois se afastar por algum tempo para descobrir o que realmente queremos.

— Eu sei o que quero, Izabel; eu nunca tenho tido mais certeza de nada na minha vida, eu quero você.

— E você me tem — ela diz rapidamente, e se aproxima, colocando uma mão no meu peito, logo acima do meu coração. — Você me tem... — ela sussurra. — Mas eu quero que você tenha certeza que me quer para sempre. Já sei o que quero; eu sei há muito tempo... você está apenas descobrindo isso. Mas, apesar de saber o que eu quero há muito tempo, eu ainda não estou pronta para isso. Eu preciso ser minha própria pessoa, meu próprio caso de amor, meu próprio tudo, antes que eu possa realmente ser qualquer disso para você. Eu não quero depender de você, ou de qualquer outra pessoa; eu quero... viver a vida em meus próprios termos pela primeira vez.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ficando ansioso; quanto mais ela fala, mais longe de seu ponto geral eu sinto que estou indo. — O que exatamente você quer fazer, Izabel? Conte-me. Eu vou te ajudar com qualquer coisa.

— Não. É exatamente isso, eu não quero sua ajuda.

— Então o que? — Eu pergunto, levantando minhas mãos. — Diga-me o que você quer que eu faça.

— Eu quero que você me deixe fazer o que eu escolher sem recusa, sem uma discussão, sem suas opiniões. Eu só quero que você me deixe ir por um tempo; deixe tudo de lado, sua necessidade de me proteger, seu amor por mim, e deixe-me viver minha vida da maneira que eu quiser.

Eu balanço a cabeça.

— Eu não posso simplesmente ignorar ou esquecer que eu te amo, Izabel.

— Eu não disse isso — ela corta em — Eu disse para deixa-lo de lado. Não deixe que isso interfira com minhas escolhas, meus desejos e minhas necessidades.

Há algo sobre isso que eu não gosto, mas eu sei que tenho que aceitar seus desejos. Porque no fundo, eu sei que se eu não fizer isso, ela vai se afastar de mim e nunca olhar para trás. Esta realização me entorpece, porque eu nunca senti isso antes. A Izabel que conheci e me apaixonei teria perdoado tudo o que fiz, e sei que ela nunca se permitiria ir embora. Não porque ela estivesse pegajosa ou desesperada — Izabel sempre foi qualquer coisa menos pegajosa ou desesperada — mas porque me amava mais do que ela se amava; ela teria ficado ao meu lado mesmo se o Universo dissesse que eu era ruim para ela.

Mas Izabel não é mais essa pessoa. Ela cresceu. Ela mudou. E, ao contrário de mim, ela está abraçando-a graciosamente.

— Vou deixar tudo de lado — eu finalmente digo. — E eu vou dar-lhe o seu espaço, eu vou nos dar o nosso espaço.

Um pequeno sorriso se torna quase invisível em seus olhos.

— Obrigada — ela diz em uma voz suave.

Eu olho para o chão. Então em minhas mãos. Então no chão novamente. Eu estou em uma perda, sobre o que dizer ou fazer a seguir. Então eu fiquei aqui com desconforto.

— Victor — ela diz suavemente, e eu levanto a cabeça. — Eu preciso saber se há mais alguma coisa que você está escondendo de mim. Precisamos limpar o ar agora antes que ele se torne tão poluído com mentiras que não podemos ver uns aos outros por eles.

— Não há nada mais, Izabel — digo com verdade. — Você agora conhece o verdadeiro eu; tenho feito coisas imperdoáveis a outros pelos quais tenho certeza que responderei quando morrer; eu menti para você, e manipulei você, e até usei você para minhas próprias necessidades egoístas, mas o que você agora sabe é onde termina.

Ela assente com a cabeça. Só posso me perguntar se ela acredita em mim.

Então ela olha para o chão.

— Você ainda ama ela? Artemis? — Seus olhos se encontram com os meus lentamente.

— Não — eu respondo imediatamente. — Eu a amava, mas isso foi há muito tempo.

— E o bebê? — Ela pergunta, e eu gostaria que ela não tivesse. — O que você disse é verdade? Você a mataria se estivesse grávida de seu bebê? Eu só... Victor, eu não acredito em você; não me importo com o que você fez, ou com os segredos que guardou; eu não me importo o quão selvagem suas ações foram no passado, eu não acredito que você teria matado seu bebê... Eu apenas não posso...

— Eu estava com raiva, Izabel — eu falo. Eu quero rastejar em um buraco e estar perdido para o mundo.

Eu começo a andar pela cozinha agora, meus braços cruzados. Eu não posso olhar para ela, muito focada na verdade para ver nada além do rosto de Artemis, o rosto que me traiu, não importa o quanto ela alegou me amar — ela assassinou meu filho.

— Victor?

— Eu disse que estava com raiva — repito, olhando para a parede. — Ela matou meu filho... e... — Eu suspiro, aperto meus punhos contra meu meio. — E eu nunca poderei perdoá-la por isso.

— Então você mentiu para ela — diz Izabel, esperançosa.

Eu me viro e olho para ela.

— Sim — respondo. — Eu queria machucá-la. Mas não, eu não a teria matado se ela estivesse carregando meu filho.

Ela solta um suspiro, aliviada.

O que ela teria dito, ou feito, se eu tivesse respondido de outra maneira?


Se Victor tivesse respondido de qualquer outra forma, apesar do quanto eu o amo, eu teria ido embora e nunca olhado para trás. Quando se trata dele, posso perdoar um monte de coisas — até mesmo seu plano com Niklas — mas eu nunca poderia esquecer um homem tão frio que poderia assassinar uma mulher carregando seu filho, não importa o quão jovem ou confuso ou feito lavagem cerebral, eu simplesmente não podia. Mas, eu acreditava no meu coração que ele não pudesse ser tão vicioso.

— Artemis estará à sua procura, Izabel — diz. Eu sinto que é algo que ele queria dizer desde que ele passou pela porta. — Quando descobrir que você ainda está viva...

— Eu estarei esperando por ela. — Eu corto.

— Você precisa de proteção.

— Não — eu digo rapidamente — eu não preciso. E eu quis dizer o que eu disse sobre babás na minha entrada, Victor. Se eu descobrir que alguém está me observando...

Ele fica ali, esperando o resto, mas eu decido deixá-lo nisso, deixe-o tirar suas próprias conclusões, porque qualquer um deles é possível. E eu acho que ele sabe disso.

Finalmente ele acena, aceitando minha decisão, e lutando contra ela dentro de seu coração. Eu vejo isso em seus olhos, a luta.

Aproximo-me dele, empurro os dedos dos pés e beijo a borda de sua boca.

— Eu sei que isso será difícil para você ouvir — eu digo — mas eu quero que você saiba que... Estou feliz que as coisas acabaram da maneira que eles fizeram. Tudo, de todos os segredos que você manteve de mim, até o momento Artemis deslizou a lâmina em toda a minha garganta — toco a minha ferida com os meus dedos — Eu sou grata por isso.

Victor arqueia as sobrancelhas para cima; ele balança a cabeça com descrença, recusa, mas eu coloco a mão em seu peito de novo para impedi-lo de dizer o que ele está pensando.

— Normalmente, é uma dor e dificuldades inimagináveis — continuo eu — que finalmente nos faz ver quem realmente somos, quem estávamos destinados a ser, que sempre esteve lá dentro... — Minha mão cai de seu peito. Quero contar-lhe mais sobre a pessoa acordada dentro de mim, mas não posso. Eu dou um passo para trás e digo em vez disso — Artemis não pode me matar, Victor. Estou convencida disso. Se eu fosse morrer por suas mãos, eu não estaria aqui agora.

— Sarai? — Eu ouço Dina chamar de seu quarto no corredor.

Olho para o corredor brevemente, e depois de volta para Victor, que parece ansioso por baixo daquele exterior tranquilo — ele sabe que nossa conversa vai acabar muito antes de terminar.

E é assim que eu quero.

— Preciso ajudar Dina — digo.

Ele balança a cabeça, embora com decepção.

— Como ela está? — Ele pergunta.

— Nada bem. Ela está ficando pior. Acho que o diagnóstico, apenas sabendo o que vai acontecer com ela, está acelerando a doença.

Ele acena de novo.

— Sempre acontece assim — acrescento. — Você está bem, talvez alguns sintomas menores, mas nada debilitante, e depois de seis meses após o diagnóstico, você está morto. — Toquei o lado da minha cabeça com o dedo. — A maior parte está na cabeça, talvez tudo isso, eu só queria poder convencer Dina disso.

Mais uma vez, Victor simplesmente acena com a cabeça. É outra coisa que eu acho que ele precisa para trabalhar: desenvolver seu lado casual, talvez um dia ele e eu podemos ter uma conversa significativa sobre os muitos sabores de sorvete, ou por que a música move almas, ou como nada pode escapar de um buraco negro. Falamos de muitas coisas no curto período em que estivemos juntos, mas nunca, que eu me lembre, sobre coisas aparentemente insignificantes na vida, coisas que não têm relação com sua profissão — coisas que, para mim, são qualquer coisa, mas insignificante, e importa muito.

— Eu estarei bem aí — grito para minha mãe.

Então eu empurro os dedos dos pés novamente, e beijo Victor na boca.

— Eu te amo, Victor.

— E eu te amo…

Eu sinto que ele quer dizer muito mais, mas ele força em não dizer.

— Sarai, querida... — Dina chama.

— Eu tenho que ir — eu digo a Victor.

Relutantemente, ele sai para fora; a luz da varanda toca seu ombro, deixando um lado de seu rosto em sombra.

— Victor — eu digo, antes que ele desça o último degrau.

Ele para, vira-se para olhar para mim.

— Há algo que eu gostaria de saber — eu digo.

— Qualquer coisa — ele me diz.

Faço uma pausa.

— Como você me tirou dessa gaiola? Como você me salvou? Não me lembro muito depois...

— Eu não te salvei — admite ele, pesaroso. — Poupei-te, mas não te salvei. Estava fora das minhas mãos.

Isso me surpreende; olho para ele, de rosto vazio, tentando me lembrar daquela noite, qualquer detalhe, mas não consigo.

— Então, quem foi?

O olhar de Victor se desvia, e ele olha para os degraus momentaneamente.

— Alguém da Ordem — diz ele.

Minha respiração pega.

— A nossa? — Eu pergunto, hesitante. — Ou de Vonnegut?

Ele não diz nada por um momento; ele nem sequer parece estar totalmente lá.

— Victor? — Eu viro a cabeça em um ângulo, olhando para ele do degrau superior de uma maneira de lado. — A nossa ou a de Vonnegut? — Repito. Em meu coração, eu já sei a resposta, eu só preciso entendê-la, e se é verdade, então há uma tempestade de merda de novos problemas que se avizinham.

Ainda assim, ele não responde, e eu sei agora que ele não precisa.

— Você está seguro? — Eu pergunto a ele. — Não minta para mim, Victor, eles sabem onde você está?

— Eles sempre souberam, Izabel. — Sua voz é calma, suas palavras parecem quase... apocalípticas por natureza. — É só uma questão de tempo que tudo isso — ele agita uma mão no ar — toda essa liberdade, esta vida, chegará ao fim. Desde o começo, eu disse que até Vonnegut morrer e eu estivesse no controle da sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos apenas a um fôlego do fim de tudo. E nenhum muro, segredo ou disfarce pode nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine.

— Essa é a verdadeira razão pela qual você está preocupado que eu esteja aqui, não é? — Desço dois degraus na direção dele. — Artemis não tem nada a ver com isso, certo?

Ele balança a cabeça.

— Estou confiante em você em relação a Artemis, sim. — Ele se aproxima para me encontrar. — Mas você deve saber uma coisa.

— Diga-me — exorto-o.

Ele faz uma pausa, e então diz com uma pitada de descrença em sua voz:

— O preço na sua cabeça é maior ainda do que a minha.

Eu sinto meus olhos e testa vincando com linhas de confusão; me afasto para trás.

— Eu não entendo — eu digo.

Depois de um momento, Victor admite:

— Nem eu.

Ficamos juntos em silêncio, embora os pensamentos na minha cabeça estejam altos. Como pode isto ser verdade? Por quê? Por que a Ordem me quer mais do que Victor Faust? Por um momento eu não consigo encontrar minha própria voz, e quando eu finalmente faço, eu não posso me trazer para usá-la.

Agarrando a parte de trás da minha cabeça na palma de sua mão grande, Victor se inclina para frente e toca seus lábios em minha testa. Minhas maçãs do rosto. Meu queixo. Minha boca. Eu luto contra o desejo — a necessidade — de agarrá-lo e dar-lhe todos os motivos para me levar exatamente onde estamos. Seu beijo me deixa sem fôlego, mas eu não mostro isso. Seu toque, e sua proximidade, faz coisas para mim que eu sei que eu nunca vou ser capaz de controlar totalmente, mas desta vez eu sou capaz de domesticá-lo.

Então ele desce os degraus, e eu o vejo ir, sua figura alta e atlética desaparecendo nas sombras cobrindo a calçada lançada pelas árvores.

E então ele se foi.

Ele me pediu para casar com ele... Não, eu não posso pensar nisso agora; eu não posso levar essa possibilidade para o meu coração ainda quando eu tenho tanta coisa que eu preciso fazer, tornar, resolver e aceitar, em primeiro lugar.

Eu olho para cima de meus pensamentos, esperando pegar um último vislumbre dele antes que a escuridão o trague completamente, mas ele não está lá e eu sabia que ele não estaria.

Um tempo atrás, eu o teria parado, eu teria me assegurado de que Victor sabia que não era um adeus. Mas as coisas mudaram. Meu amor por ele não, mas tudo o resto ao meu redor mudou. Todo o resto dentro de mim mudou. E em Victor, vejo o mesmo — ele está mudado; ele ainda está mudando. O nosso amor um pelo outro pode evoluir com as mudanças? Será que o nosso vínculo pode resistir ao teste do tempo e nós ainda saímos juntos no final, mais fortes, inquebráveis? As probabilidades são de que talvez nunca saibamos, porque talvez não vivamos tempo suficiente para descobrir.

Eu tenho tantas perguntas que eu poderia ter feito a ele, que a maioria das pessoas em meus sapatos teria. Perguntas sobre exatamente o que aconteceu naquela noite, sobre quem me salvou, por que eu fui salvo, por que ainda estou livre. Eu quero saber essas coisas. Mas ainda não. Tenho algo mais importante que preciso fazer antes mesmo de começar a pensar em qualquer coisa. Algo mais importante.

Meu olhar permanece fixo na calçada escura, minha memória capturando o momento que ele viajou, saboreando todos os detalhes do homem que eu iria morrer e matar. O homem que eu mataria, se é isso que eu precisava fazer para tirar a dor dele.

Fechando meus olhos, apagando a memória de seu rosto e substituindo-o com o da minha mãe, eu subo lentamente os degraus e volto para dentro da casa. Com um coração pesado. Com um propósito pesado.

— Eu pensei que você havia me deixou — Dina diz, enquanto eu entro em seu quarto.

O lençol que havia colocado estava sujo; ela mal pode mover seus braços, e andar sozinha para o banheiro tem sido fora do reino de possível desde cerca de um mês atrás, de acordo com seu médico. Ela estava escondendo de mim por mais de um ano, não querendo me preocupar. A última vez que a vi, ela parecia bem; ela poderia fazer praticamente qualquer coisa que eu pudesse fazer, mas a doença recentemente tomou a virada inevitável para o pior, e com a ELA2 não há como voltar atrás.

— Estou aqui — digo-lhe suavemente, erguendo a cabeça com uma mão e reajustando o travesseiro embaixo.

Com dificuldade, consigo mudar os lençóis e limpá-la, sem movê-la da cama.

— Eu sinto muito que você tenha que fazer isso por mim, querida.

— Nada disto — digo-lhe severamente, cobrindo-a da cintura para baixo com um lençol limpo. — E eu nunca vou deixar você de novo. Vou ficar aqui para cuidar de você.

— Nah! — Ela argumenta. — Você não pode ficar aqui, limpando minha bunda todos os dias, Sarai, eu não vou deixar.

— Como você vai me parar?

Ela franziu o cenho. Por um segundo, acho que escolhi as piores palavras que eu poderia dizer a alguém com esta doença em particular, mas ela alivia minha mente com um sorriso fraco.

— Você teve uma vida tão dura, menina; fere meu coração pensar sobre o que você passou.

— Nada comparado com outras pessoas — digo; limpo a testa e o rosto com um pano morno e molhado.

— E nada disso — ela argumenta, em troca; eu sei que ela quer sacudir o dedo para mim, mas ela não pode levantar a mão. — Você sofreu muito mais do que a maioria, Sarai, então não faça isso. Você tem todo o direito de estar louca como o inferno no mundo.

— Claro que estou louco — digo — mas estou fazendo algo sobre isso, Dina. Há mulheres nesses países fodidos que são apedrejadas até a morte por terem sido estupradas; tiro ou pendurada para mostrar pele demais; meninas de oito anos assassinadas por seus maridos de quarenta anos durante o sexo, não podem fazer nada a respeito. Mas eu posso…

— Você tem esse olhar em seus olhos, querida.

Eu pisco de volta em foco, e olho para a minha mão segurando o pano de lavar perto de seu rosto; minhas juntas estão brancas de segurá-la tão duramente.

Relaxando minha mão, eu digo:

— Que olhar? — Finjo não saber, e eu volto a esfregar seu rosto.

Dina olha para mim através de olhos enquadrados por profundas rugas e exaustão; seu cabelo cinza-loiro encaracolado está colocando suavemente contra o travesseiro, sua linha fina úmida do pano de lavagem.

— O mesmo que você teve há muito tempo, logo depois de eu ter você de volta. Nunca o esquecerei, aquele dia em que você se sentou à mesa, vendo aquela notícia transmitida sobre aquele bilionário, Arthur Hamburgo, achei que você iria atrás dele naquele momento.

Atirei-lhe um olhar de surpresa.

— Você sabia disso?

Dina sorri fracamente.

— Bem, você admitiu para mim que você matou um homem em Los Angeles. E eu nunca esqueci a maneira como você olhou para aquele homem nas notícias. Eventualmente eu percebi isso, ou pelo menos eu pensei que eu fiz, eu tive minhas intuições. Não sabia ao certo até agora.

Eu aceno, e, em seguida, coloco o pano de lavar na mesa de cabeceira. Eu tomo sua mão em mim e eu a acaricio porque sinto que este é um momento em que, se ela pudesse, ela iria querer segurar minha mão.

— O que você está planejando fazer? — Ela pergunta. — Eu sei, querida, que eu não posso estar te perguntando muito sobre o que você faz, mas eu...

— Eu vou te dizer qualquer coisa que você queira saber, Dina. — Suavemente eu aperto sua mão.

Ela me agradece com o olhar terno em seus olhos.

— Eu tenho um sentimento que você vai me fazer rodar em minha tumba — diz ela. — Olha, eu sei que você vive uma vida perigosa, que a cada dia você pisa em uma porta que poderia ser a sua última, e eu sei mais do que lhe pedir para parar de fazer isso, eu sei que você nunca vai parar. Mas há algumas coisas que eu nunca quero que você faça, e esse olhar em seus olhos há apenas alguns segundos atrás, quando você estava falando sobre os países fodidos, bem, baby, isso realmente me assusta terrivelmente. Me prometa que não vai lá. Eu vejo isso o tempo todo nas notícias: pessoas inocentes sequestradas por esses bastardos extremistas; as decapitações... Sarai, eu simplesmente não posso estar em paz sabendo que a próxima vez que poderia ser você.

Eu balanço a cabeça, aperto sua mão novamente.

— Você não tem nada com que se preocupar, Dina — eu minto, porque eu tenho que menti. — Eu não irei até lá, eu prometo. — Eu sorrio para ela, então me inclino e beijo sua testa; trago sua mão depois e beijo o topo dela.

Não lhe digo mais nada, e felizmente ela não pergunta. Não quero mais mentir para ela.

— Sarai — ela diz suavemente — você se lembra daquele dia que o namorado de sua mãe veio para minha casa procurando por você?

Eu sorrio. E então não consigo evitar rir quando a imagino parada na porta com sua espingarda.

— Sim, eu me lembro.

Ela sorri, também.

— Eu tinha apagado sua cabeça gordurosa, e eu não pisquei ou me senti mal depois disso. Eu fazia qualquer coisa por você.

— Eu sei — eu digo suavemente, e acaricio o topo de sua mão.

Mas eu não estou mais sorrindo, porque eu sinto como eu sei para onde ela está indo com isso; eu sei o que ela vai dizer a seguir.

Seu sorriso desaparece também, substituído por algo mais sombrio, provando minha previsão correta.

— Eu sei que você não quer falar sobre isso, baby — ela diz — mas você... tomou uma decisão?

Não consigo olhar para os olhos dela.

— Eu sei que é uma coisa egoísta de pedir a você — ela diz — e é errado, e terrível, e talvez até imperdoável, mas quando você descascar essas camadas e vê-lo pelo que realmente é, você tem que saber que não é errado, apenas insuportavelmente difícil. É misericórdia e compaixão, Sarai.

Ela prossegue, defendendo seu caso:

— Eu vivi uma vida longa e boa, mais curta do que eu tinha planejado; imaginei-me com cabelos brancos, um rosto afundado, porque eu não me importava de ter minha dentadura mais, e eu sentada em uma cadeira de balanço, assim como minha bisavó costumava sentar em sua varanda da frente. Noventa e um. Isso é quanto tempo eu planejei viver. Tenho algumas décadas abaixo desse objetivo, mas está tudo bem. Eu estou feliz com o tempo que eu tive. — Sua voz começa a vacilar; apertei sua mão com mais firmeza. — Eu sei que eu não deveria te perguntar... Sinto muito, Sarai, estou desesperada. Eu não quero ficar presa neste corpo durante o tempo que me resta, incapaz de me mover, de falar, isso me assusta mais do que tudo. Se eu pudesse... menina, se eu pudesse fazer isso sozinha, eu — perguntou-se em voz alta — Eu deveria ter feito isso quando eu pudesse!

Eu afastei minha mão da dela e coloquei-a suavemente em seu peito.

— Calma, mãe; tudo vai ficar bem.

Umidade cobre seus olhos, e ela gerencia um sorriso frágil.

— Você é minha mãe — eu digo a ela, sabendo que é o que a fez sorrir. — Você sempre foi.

— Mas que tipo de mãe perguntaria à filha o que eu pedi de você? — Agora ela é a única que não pode olhar para mim. — Eu sinto muito. Eu sinto muito."

— Não sinta — digo a ela, e pego sua mão novamente. Então eu engulo, sem saber o que estou prestes a dizer a ela, mas eu faço isso de qualquer maneira. — Já fiz isso antes — digo. — Eu fiz…

De repente, a memória cobre minha mente como as lágrimas nos olhos de Dina.


Eu puxei para trás o êmbolo, puxando outra colher de heroína para dentro da agulha. Meus dois olhos latejavam; o lado esquerdo do meu rosto parecia maior do que o direito; eu estava tão zangada, tão cansada de cuidar da minha mãe todos os dias, alimentando-lhe as veias porque não conseguia mais encontrá-las; cansada do cheiro; cansado de esses homens me estuprar e me batendo quando Javier foi embora. O que acabou de sair, achou necessário me estuprar na frente da minha mãe. E ela simplesmente deitou na cama, de costas para nós, muito alta para mover uma mão contra ele para detê-lo. Assim que colher extra de heroína, eu sabia que em meu coração era demais. Eu sabia que seu corpo magro não poderia tomar outro tão cedo, que seu coração mal batendo iria falhar no momento em que a heroína o tocasse.

Eu sabia…

— Sarai, querida — minha mãe sussurrou para mim; seu cheiro de corpo, misturado com perfume forte e cigarros, me sufocou quando ela se deitou ao meu lado na cama suja. — Você me perdoa, não é? Eu nunca quis que isso acontecesse. Eu só... não estava pensando direito. — Eu vi os brancos de seus olhos brevemente na escuridão quando a heroína começou a nadar através de sua corrente sanguínea. Ela sorriu eufórica como se tivesse tocado a Face de Deus. Coloquei a agulha na bandeja ao pé da cama.

— Está tudo bem, mãe — eu sussurrei de volta, e afrouxei o torniquete de seu braço esticado. — Eu perdoo você…


Eu me forcei de volta para o presente.

E eu olho bem nos olhos de Dina.

— Pelo menos você tem a coragem de perguntar — eu digo para ela, a lembrança remanescente nas franjas da minha mente, e meu coração.

Eu beijo a mão dela.

— Você vai tocar piano para mim, querida?

— Claro que vou, mãe. Claro que eu vou…

 

 


CONTINUA