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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


BEIJO DE SANGUE
BEIJO DE SANGUE

                                                                                                                                                  

 

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

 

Capítulo 28
– EU MENTI.
Quando Axe falou, Butch olhou da ponta oposta da cozinha de flores e trepadeiras. O macho estava apoiado na bancada do fogão, os braços cruzados diante do peito,
a cabeça pensa de modo que havia grandes sombras onde deviam estar os olhos.
– Sobre o quê?
Demorou um pouco para Axe responder; enquanto isso, ficava passando o dedo na fileira de aros negros do lado externo da orelha.
– Sobre a chave. No escritório.
Com isso, Butch ficou totalmente alerta, mas sem demonstrar.
– É mesmo? Por quê?
Axe esfregou debaixo do nariz, e Butch guardou esse sinal para futura referência.
– Onde você a conseguiu? – o cara perguntou.
– Um amigo me deu. – Até parece que ele ia contar o lance todo da fêmea morta antes de usar isso a seu favor. – Um bom amigo.
– Elas não podem ser partilhadas, supostamente. Vai contra as regras.
– Então, se eu for lá, vou me meter numa encrenca? – Butch perguntou seguindo um palpite.
– Não sei. Depende da noite. Se estiver usando uma máscara, pode se safar. Nunca levei ninguém, mas a política é que se pode levar um convidado quando se adere
às regras. E você também tem que assumir a responsabilidade pelo convidado se ele não o fizer. É assim que se é expulso.
– Há quanto tempo faz parte disso?
– Desde antes dos ataques. Foi lá que estive quando… você sabe, quando tudo aquilo aconteceu com o meu pai. Os humanos, eles nunca souberam, e ainda não sabem,
quem eu sou. Existe todo tipo de gente esquisita lá. Acham que eu poso de vampiro.
– Quando foi a última vez em que esteve lá?
– Há três ou quatro noites. Eu não sabia como seriam as coisas no programa de treinamento. Imaginei que seria minha última vez por um bom tempo.
Isso foi mais ou menos na mesma época em que a garota fora encontrada no gramado do Lugar Seguro.
– O que você curte? – Butch revirou os olhos. – E antes que imagine que estou cantando um aluno, saiba que sou um macho vinculado perfeitamente feliz com uma fêmea
que eu sei que é muita areia para o meu caminhãozinho… Isto aqui é só pra passar o tempo até que, sei lá qual o nome dele, volte.
O rosto de Axe relaxou um pouco, a postura também.
– Gosto de submetê-los.
– Homens ou mulheres?
– Ambos.
– Você e o V. se dariam muito bem. Apesar de o cara agora também estar só com uma fêmea agora. – Butch esticou os braços acima da cabeça até a espinha estalar.
– Quando vai de novo?
– Quando será a nossa próxima noite de folga?
– Você pode me levar e me mostrar o lugar? Só para eu não envergonhar o camarada que me emprestou a chave?
– Você não disse que é feliz com a sua companheira?
Butch lançou um olhar do tipo “não seja burro”.
– Gosto de olhar, idiota. Não é traição se você não envolver suas mãos, sua língua ou o seu pau.
Axe assentiu como se respeitasse essa lógica.
– Posso te levar. Mas só numa noite mascarada. Se você meter os pés pelas mãos ou se acovardar, não quero que te rastreiem até mim.
Butch rememorou certa noite com Vishous, a noite quando certas revelações foram feitas depois que Butch fizera… certas coisas que precisavam ser feitas para o seu
melhor amigo.
– Sei cuidar de mim mesmo – disse secamente. – Não se preocupe.
O som de passos pesados nos degraus da porta lateral anunciou a chegada de Craeg.
– Que rapidez – Butch murmurou quando o macho entrou só com uma sacola de lona puída.
– Eu disse que não tinha muita coisa – Craeg respondeu.
Marissa chegou cedo em casa porque estava com dor de cabeça. Não, não era do tipo de enxaqueca que Trez tinha, apenas uma dor insistente atrás dos olhos que dificultava
a sua concentração, a leitura de qualquer documento e impossibilitava que ela focalizasse a tela do computador.
Subindo os degraus da entrada principal da mansão, descobriu o que havia de errado: pulara a Primeira Refeição e trabalhara enquanto o lanche da meia-noite fora
servido no Lugar Seguro.
– Que burra – disse ao entrar no vestíbulo e olhar para a câmera de segurança.
Quando a trava foi liberada, entrou no enorme átrio e sorriu para Fritz.
– Lamento muito perturbá-lo, mas poderia me arranjar alguma coisa para comer?
O doggen ancião juntou as mãos e só faltou desmaiar, como se ela lhe tivesse dado um bilhete premiado da loteria ou o melhor presente de aniversário que se poderia
ganhar.
– Ah, senhora, sim! Posso lhe providenciar ovos e torradas? Um sanduíche? Sopa? Algo mais substancial…
Ela deu uma risada.
– Surpreenda-me!
– Imediatamente! Sim, sim, agora mesmo!
A velocidade com que ele partiu e saltitou sugeriu que ele ainda tinha muitos séculos pela frente, o que era muito bom…
– Olá, belezura…
Ela se virou para a sala de bilhar. Lassiter estava recostado na arcada, com um balde de pipoca na mão, uma daquelas imensas cobertas com mangas com estampa de
leopardo cobrindo cerca de setenta por cento do seu tronco, os braços longos e as pernas nuas aparecendo debaixo da barra.
– Olá… – Franziu o cenho quando foi acometida por um pensamento. – Está vestindo alguma coisa debaixo disso?
– Claro que estou. – Jogou uma mão cheia de pipoca na boca. – Quer ver TV comigo? Agora estou vendo um monte de reprises do MacGyver, mas estou disposto a ser flexível.
Marissa abriu a boca para dizer não, mas logo mudou de ideia. Faria seu lanchinho e esperaria Butch terminar seus assuntos no centro de treinamento. Mandara uma
mensagem para dizer que estava saindo mais cedo do trabalho, e ele respondera dizendo que chegaria em 20, 30 minutos no máximo.
– Claro.
– Legaaaaaal. – O anjo se endireitou. – Você é chegada em que quando o assunto é TV?
Quando ele se virou, ela soltou um grito.
Porque estava olhando para a bunda desnuda dele.
– O que foi? – ele perguntou, todo preocupado.
Cobrindo os olhos, ela disse:
– Você disse que estava vestido!
– Com um suporte atlético, oras.
Nesse instante, Fritz apareceu ao lado dela com uma bandeja carregada com tantos pratos que ele bem podia estar alimentando Rhage.
– Hum… – Marissa esfregou as sobrancelhas, aquela dor de cabeça voltando com força total.
– Ela vai comer aqui – Lassiter avisou. – E, sim, Marissa, vou vestir meus malditos jeans.
– Obrigada, menino Jesus… – murmurou ao entrar na sala de jogos.
Enquanto Fritz acomodava a bandeja no bar à esquerda, Lassiter vestiu as Levi’s e se largou num dos enormes sofás de frente para a gigantesca tela plana acima da
lareira.
– Para a sua informação, se eu ficar assado, a culpa será sua.
Ela se aproximou e se sentou num dos banquinhos forrados.
– Para a sua informação, o meu companheiro está para chegar a qualquer instante. Portanto, acabei de te salvar de umas chicotadas no traseiro.
Lassiter apontou o controle remoto e sintonizou na grade de programação.
– Pfuuu. Tanto faz. Consigo enfrentá-lo numa boa.
– Duvido.
– Na verdade, não tenho nada de melhor para fazer o resto da noite. Acha que ele vai querer brigar? Eu até estou precisando me exercitar.
Marissa riu ante o som esperançoso ao se recostar e dar espaço para que Fritz retirasse os cloches sobre os pratos e descrever, com a precisão e a elegância de
um garçom do Nobu, o que estava servindo.
– Muito obrigada – murmurou ao pegar o garfo e provar o arroz pilaf. – Hummm.
Não comeria nem metade de tudo aquilo, mas isso não parecia aborrecer o mordomo. De fato, para ele, a alegria de servir era a maior satisfação em seu trabalho.
– Ai, meu Deus – Lassiter comentou, sentando-se empertigado. – Não consigo acreditar.
– O que foi? E se for uma maratona do Beaches de novo, pode esquecer. – Ela esfregou o centro do peito com a mão livre. – Não vou assistir ninguém morrendo, mesmo
que em duas dimensões.
Já tivera mais do que o suficiente disso. Santa Virgem Escriba, e se não conseguissem descobrir nada a respeito…
– É Melrose Place. Amo esse episódio. É quando a Kimberly tem um acesso psicótico.
– Espera um pouco, ela não foi sempre psicótica?
– Sim, bem, mas este é quando ela arranca a peruca e você vê a cicatriz. Uma das cenas mais significativas e de grande influência na história televisiva, com certeza.
– E eu achei que, sei lá, fosse a chegada do homem à Lua ou algo assim.
Lassiter desviou o olhar para ela.
– Espera, os ratos sem cauda chegaram à Lua? Tá de brincadeira, né? Eles nem conseguem decidir as horas, o relógio fica indo pra lá e pra cá a cada estação. Sem
falar nas bobagens quanto à saúde, coma isto e você viverá mais, não, esqueça isto, pois vai te matar. Exageros na internet. Pregadores e políticos ignóbeis. E ainda
nem comecei a falar dos buracos no asfalto. Por que não consertam as ruas?
Marissa jogou a cabeça para trás e gargalhou.
– Você sequer dirige. Ou se importa com essas coisas.
O anjo caído deu de ombros, os piercings dourados e a corrente brilhando como a luz do sol com o movimento.
– Só estou repetindo o que eles ficam dizendo nos telejornais.
Marissa balançou a cabeça e sorriu. E estava para perguntar o que mais ele fazia além de tomar sol ao meio-dia quando não havia nenhuma nuvem, e ocupar espaço no
sofá diante da TV, mas, nesse instante, seus olhos viraram para ela, e estavam muito sérios. Quando o olhar retornou para a tela, ela percebeu que ele captara o
seu estado de humor e estava se esforçando para animá-la.
– Você é gente boa, Lass – disse com suavidade. – Sabia disso?
– Sou muito mais do que bom. Sou maravilhooooso – ele cantarolou. – Isso quer dizer que posso reservar uma dúzia do meu calendário para você?
Se outra pessoa na casa tivesse dito isso, ela teria achado que se tratava de uma piada. Mas, ele?
– Não, não pode. Nem sei como eles são, mas a resposta é não.
– Tudo bem, meia dúzia – ele rebateu. – Só custam cinco pratas. Tenho que cobrir os custos de impressão. A boa notícia? Não tenho custo com o fotógrafo, eu mesmo
tirei as fotos com meu pau de selfie.
Ela abaixou uma garfada de frango de volta no prato.
– Você fez mesmo um calendário com fotos suas.
– Por que achou que eu estava sem calças?
– Lass. Fala sério. Você tirou fotos nuas…
– Suporte atlético. Lembre-se que eu estava com um suporte atlético. Fiz a de dezembro junto à lareira. Sou tão quente que isso foi até estúpido.
Marissa passou os olhos pela sala e estremeceu perante a quantidade de lugares em que ele provavelmente colocara o traseiro nu antes de se sentar diante da lareira
com o fogo aceso.
– De onde veio essa ideia?
Ele revirou os olhos.
– Quantas noites mais temos este ano? Preciso pegá-las de volta do Kinko’s antes de 31 de dezembro.
Do nada, veio-lhe à mente a imagem de um pobre humano numa das franquias da FedEx tendo uma visão e tanto de um anjo caído praticamente nu.
Sem aviso, ela disparou a gargalhar com tanta intensidade que lágrimas rolaram pelos olhos. Do tipo bom de lágrimas.
E enquanto ela se entregava à ridicularidade do anjo, Lass só ficou sentado no sofá, assistindo Melrose Place com um sorriso sorrateiro e tranquilo em seu rosto
lindo e enlouquecedor.
Que anjo magnífico ele era, Marissa pensou. Um anjo completo.
Capítulo 29
ENQUANTO EMERGIA DA PORTA camuflada sob a grande escadaria da mansão, o único pensamento de Butch era encontrar a sua companheira.
E o som da risada dela serviu tanto de localizador instantâneo como fonte de alívio de alta octanagem. Ela estivera tão distraída após despertar depois de um dia
de sono inquieto, o peso do que lhe passava na cabeça lhe dando a aparência de alguém que andasse por aí arrastando um piano de cauda. Mas ele lhe prometera que
faria de tudo para descobrir algo a respeito da garota e estava louco para lhe contar que tinha uma pista.
Atravessando o mosaico representando uma macieira em flor, entrou na sala de bilhar e…
Lassiter levantou as duas mãos lá de onde estava, reclinado no sofá. – Já coloquei as calças. Fui um bom garoto.
As presas de Butch ameaçaram descer e seu lábio superior estremeceu.
– Como é que é? E pense bem antes de explicar isso. Você já está ultrapassando os limites.
Marissa sorveu um gole do copo de água.
– Foi tudo muito inocente.
– Estou fazendo um calendário nu – começou o anjo caído.
– Ele estava com um suporte atlético.
– Tudo foi feito com um pau de selfie.
Enquanto os dois falavam ao mesmo tempo, Butch sentiu a necessidade súbita de cobrir os ouvidos, fechar os olhos e começar a cantarolar um lá-lá-lá-lá.
– Sabem do que mais, tudo bem. Estou bem assim sem saber de nada.
Uma das palhaçadas de Lassiter, com certeza. O filho da mãe tinha a habilidade de transformar as coisas comuns e mundanas numa loucura.
Era um dom.
Era só perguntar ao anjo caído. Ele lhe contaria.
– Pode nos dar licença um minuto – Butch disse ao se encaminhar para Marissa e lhe dar um beijo na testa. Deus, o cheiro dela era muito bom em seu nariz e, uau,
como é que uma fêmea fazia com que calças e uma blusa causassem o efeito de um vestido de noite? – Tenho que falar com a minha garota.
– De jeito nenhum, estou assistindo a Melrose.
– Isso não foi um pedido, anjo.
– Algo errado? – Marissa perguntou ao limpar a boca num guardanapo de linho. – Alguém se machucou no treinamento?
Ele puxou um banquinho e se sentou ao lado dela.
– Lass, você está de saída.
– Porra nenhuma.
Butch fez uma careta e odiou fazer a oferta:
– Você pode usar o sofá do Buraco.
– Vai me fazer trocar de canal quando descerem para lá?
– Você sai agora se eu disser que não?
– Está dizendo não agora?
Pelo amor de Cristo, Lassiter seria perfeitamente capaz de ficar rebatendo perguntas até o nascer do sol, ou até que uma das partes desistisse por desidratação
ou exaustão.
– Sim, estou dizendo não.
– Espera, isso quer dizer que posso assistir Melrose ou não? A dupla negativa me confundiu…
– Jesus Cristo! Vai de uma vez!
Lassiter estava resmungando quando se pôs de pé.
– Quantas vezes tenho que dizer que esse não é o meu nome?
– Preciso de um drinque. – Enquanto o anjo saía, Butch voltou a ficar de pé e foi para trás do bar. Servindo-se de uma dose de Lagavulin, não fez rodeios porque
sabia que a sua shellan não quereria isso. – Então, acho que tenho uma pista.
– Tem? – Ela abaixou o garfo. – O que é? Como conseguiu?
Ele colocou dois cubos de gelo no copo e lhes deu um banho de cor âmbar.
– Aquele pedaço de metal é uma chave que permite a entrada em um clube privativo somente para humanos.
– Ah, meu Deus, se conseguirmos uma lista dos sócios, talvez possamos encontrar o nome dela.
Bem, não é um clube de campo, meu amor, ele pensou ao tomar um gole.
– Como descobriu isso? – ela perguntou.
– Um dos trainees frequenta o clube. Ele vai me levar lá o mais breve possível. Só preciso ver com os outros Irmãos como serão as próximas noites. Acho que, se
eu conseguir mudar algumas aulas, posso estar livre na sexta.
– Então nós vamos! Isso é incrível! – Quando ele ficou imóvel com o copo na metade da distância até os lábios, Marissa franziu o cenho. – Por que está olhando para
mim assim? Butch. Sério. Eu vou com você.
Ele meneou a cabeça e prosseguiu tomando um gole.
– Não, eu cuido disso. Não se preocupe, eu te conto tudo assim que descobrir…
– Eu vou com você.
Quando deu uma bela olhada no ângulo em que estava o rosto dela, Butch apoiou o copo de uísque escocês no balcão.
– Marissa, esse é o tipo de lugar em que você sequer deveria passar pela frente, quanto mais entrar nele. É um clube de sexo.
– E daí?
Ele piscou.
– Amor, não é…
– Preciso te lembrar do que fizemos depois do filme? Quatro vezes?
– Marissa.
– Butch – ela insistiu.
Para não soltar um palavrão, ele jogou o resto da bebida garganta abaixo e se serviu de outra dose.
– Você não vai conseguir enfrentar algo assim. Haverá pessoas transando em todo canto, fazendo coisas estranhas umas com as outras. Não vai dar certo.
– Ou talvez você não consiga lidar com o fato de eu estar num lugar desses.
Ele revirou os olhos. Não pôde evitar.
– Você não sabe o que está dizendo. Ou como é um lugar desses.
Marissa dobrou o guardanapo com cuidado, em pequenos quadrados precisos, depois o deixou ao lado do prato praticamente intacto.
– Bem, vamos descobrir isso quando eu estiver lá, não é mesmo?
– Não vou te levar lá. Isso não está aberto a discussões.
– Sim, você vai. – Ela deslizou do banquinho e pegou a bandeja. – E se eu descobrir que foi sozinho? Vou considerar isso uma traição da maior ordem para o nosso
relacionamento – e isso não está aberto a discussões.
Ele tentou visualizá-la ao lado de um casal vestido com látex preto levando no traseiro de gêmeas de seios gigantescos vestindo dildos cor de rosa combinando.
– Marissa. Não vou ter tempo pra ficar segurando a sua mão – disse com rispidez. – O meu foco será me encaixar no lugar para descobrir quem são os funcionários
e tentar encontrar as pessoas certas para abordar e interrogar. Distração não vai ajudar aquela pobre garota morta.
– Não ouse vir com essa desculpa para cima de mim. Estou bem ciente do motivo de irmos a esse lugar, e eu gostaria de enfatizar que você é o meu hellren, não o
meu tuhtor. Portanto, guarde essa asneira de paterfamilias e abra um frasco de valium antes de irmos, se isso for preciso. Não sei como deixar isso mais claro: eu
vou com você e vou te ajudar a desvendar isso tudo. – Ela se inclinou para a frente. – Uma novidade para você: só porque eu tenho um par de ovários, não significa
que eu não tenha um cérebro, ou o direito de pensar por mim mesma.
No silêncio que se seguiu, só o que ele conseguiu fazer foi mexer a cabeça de um lado para o outro. As palavras que tinha na ponta da língua não ajudariam em nada,
e ele não conseguia acreditar que estavam discutindo de novo.
E ele que pensava que tinham apertado o botão de restart na noite anterior.
– Ou é isso o que o preocupa? – ela o desafiou.
– O quê?
– Que eu possa gostar.
Com essa granada caindo aos seus pés, ela saiu pisando firme, de cabeça erguida, ombros para trás, uma montanha de “viva com isso” fortalecendo sua espinha.
Apoiando as palmas na bancada de granito, ele se inclinou sobre os braços e tentou sufocar um grito de frustração.
Pelo menos a garrafa de Lag ainda tinha três quartos do seu conteúdo.
Ele bem que precisaria.
Peyton exalou uma coluna de fumaça e deixou a cabeça cair no travesseiro.
– Toma.
Passando o bagulho para Anslam, fechou os olhos e sentiu-se flutuando meio metro acima do corpo. A conhecida sensação de alívio fez com que se lembrasse de que
Parry provavelmente tinha razão: ele provavelmente precisaria não fazer mais isto. Mas, caramba, depois das duas noites que acabara de ter?
Precisava de uma folga.
Foda-se, ele merecia uma folga.
– Então, me diz aí o que acha de todos eles – perguntou.
O som de Anslam exalando exatamente como ele foi como alguém rindo no mesmo ponto de um filme, ou apreciando a mesma gostosa refeição. Camaradagem era algo muito
bom.
– O Boone é legal – disse o cara. – Axe é esquisito pra cacete. Do tipo “dane-se o mundo”, com aquelas roupas pretas e cabelo espetado e aquelas bostas de tatuagens.
Peyton aguardou que o cara continuasse.
– E quanto a Novo?
– Ela é gostosa pra cacete.
Por algum motivo, mesmo concordando, não gostou da ideia de Anslam pensar assim, ou pior, ficar excitado com ela.
– Não sei – murmurou Peyton –, ela é legal.
– Você viu quando ela fez aquelas abdominais? Não consigo acreditar que foi o Boone que ficou segurando os pés para ela. Eu queria ter tido aquela porra de vista.
– Ela vai te quebrar ao meio. – Ainda que, se aquilo continuasse assim, era capaz de ele mesmo cuidar do assunto. – Além disso, não sei se ela gosta de machos.
– Eu mudo a opinião dela – Anslam disse num tom baixo. – Eu consigo endireitá-la, porra se consigo…
– E quanto ao Craeg? – Peyton o interrompeu.
– Ele é o cara que a gente tem que vencer. Sem ofender a Paradise, mesmo ela tendo chegado em primeiro naquela noite, o Craeg provavelmente vai até o fim.
– É… – Pelo menos nisso os dois concordavam, sem suscitar atritos entre eles. – Quem você vai levar para o baile na casa do pai dela?
– Agora, ninguém. Gosto de manter minhas opções em aberto. Ei, antes de a gente dormir, dá pra comer alguma coisa?
Peyton abriu os olhos e olhou para o antigo relógio Cartier em sua mesinha de cabeceira.
– Sim. Claro. Só me deixa ligar pra Paradise primeiro. Só pra garantir que ela chegou em casa em segurança.
– Tem certeza de que vocês dois não tão de rolo?
– Nada disso. Somos só amigos.
– Eu ia gostoso nela.
Peyton se virou com tudo e encarou o cara.
– Segura a tua onda e limpa a boca pra falar dela.
Anslam balançou a cabeça e levantou as palmas.
– Você tem assuntos não resolvidos com ela, amigo. Não se engane.
Que seja.
Pegando o celular, ligou para um número da lista de chamadas recentes e esperou que ela atendesse. Enquanto tocava, olhou seu quarto. A mansão dos pais era nova,
com grandes janelas arqueadas na parte dos fundos que davam para um jardim. Com pé-direito alto e belo trabalho de carpintaria, ele sempre pensara naquele quarto
como sendo arejado, mesmo com todas aquelas antiguidades com as quais sua mãe forçava todos a conviverem, quer gostassem delas ou não…
– Alô!
Franziu o cenho.
– Parry? Tudo bem?
– Ah. – Houve uma pausa. – É você.
– Quem mais estava esperando ligar?
– Hum, ninguém. Minha tia. A minha… a prima dela. A prima da minha tia. Você não o… quero dizer, a conhece.
– Andou fumando? – Ele sorriu. – Porque, se andou, você precisa largar esse cachimbo e ir dormir.
– Não, não andei não. Mas você andou. Consigo saber pela sua voz.
– Como?
– Está mais rouca do que o normal.
Por uma fração de segundo, ele se perguntou se ela achava isso sexy ou não. Voltando à realidade, disse:
– Só queria saber se você tinha chegado bem em casa. O seu pai já está com você? Ele já deve ter saído do trabalho.
– Sim, sim, fizemos a Última Refeição juntos. Agora já estou no quarto.
– Anslam e eu embaçamos nossas mentes. – O cara levantou o polegar do lado oposto da cama. – Vamos nos encher de carboidratos e dormir. Vai ser fabuloso. De todo
modo, estou feliz que esteja bem.
– Não coma muito sorvete. Isso te deixa inchado e depois você reclama no dia seguinte que perdeu a sua cinturinha.
– Nunca fiz isso.
– Mesmo? Tem certeza?
– Tudo bem, tudo bem – murmurou.
– E preciso te lembrar do incidente com a massa de cookies?
Peyton gemeu.
– Eu podia jurar que caguei meus órgãos internos.
– Isso mesmo. Ainda acho que você pode ser intolerante à lactose. É só algo em que pensar. Te amo.
Ele relanceou os olhos para Anslam e não quis repetir as palavras na frente do cara.
– Eu também. Te vejo amanhã…
– Ei, espera, escuta… Encontrei a sua foto.
– A minha o quê?
– Fotografia. No ônibus. Caiu da sua mochila ou bolso ou algo assim.
– Eu não tinha nenhuma fotografia para perder, doçura. Mas obrigado por pensar em mim, e se ela for de alguma fêmea nua, posso tirá-la das suas mãos sem cobrar
nada. Porque sou um tremendo bom samaritano.
Ela riu.
– Não. Não sei o que é a imagem, na verdade. Pensei que você a tivesse deixado cair, mas acho que me enganei. É uma foto antiga, de Polaroid.
– Uma Polaroid? Jesus, isso é velho mesmo.
– Tudo bem, fico com ela até alguém dar pela falta. Tenha um bom dia. E você não devia estar fumando esse treco.
– É o que você vive me dizendo. Bom dia pra você também, garota.
Assim que encerrou a ligação, esticou o braço e o colocou o celular ao lado do relógio.
– Essa é uma fêmea e tanto.
– Do que ela estava falando? Uma foto?
– Não sei. Uma Polaroid que ela encontrou no ônibus. – Sentou-se. Levantou-se. Tentou andar. – Uau. Essa bateu forte. Vamos para a cozinha pelos fundos, assim ninguém
nos vê tropeçando e cambaleando.
Capítulo 30
ENQUANTO ANDAVA DESCALÇA EM SEU quarto de um lado para o outro, Paradise tomou cuidado para não fazer barulho, avançando na ponta dos pés para só depois apoiar
os calcanhares, embora, levando em consideração as batidas fortes do coração, estava surpresa por pessoas da margem oposta do rio não o ouvirem.
Parada rápida. Espiada no relógio.
Seis e cinquenta e oito. Ou talvez cinquenta e nove, era difícil ser precisa com aquele relógio antigo sobre a mesinha de cabeceira, ainda mais dali, do outro lado
do quarto.
Esfregando as mãos suadas na calça jeans, adiantou-se e olhou o celular. Deliberadamente o colocara virado para cima, e ficou ali, encarando a tela escura. Colocara
a campainha no mudo, mas ele vibraria quando Craeg telefonasse.
A qualquer segundo.
De verdade.
Franzindo o cenho, inclinou-se e “despertou” o celular, só para ter certeza de que não deixara passar nada. Claro que isso equivaleria a alguém não perceber um
outdoor de neon em seu quarto. Nada. Nenhuma chamada perdida. Também nenhuma mensagem de texto.
Só para ter cem por cento de certeza, inseriu a senha e foi para a lista de chamadas.
Nada mesmo.
Deus, aquilo era horrível. Sentia-se parada num parapeito, olhando lá em baixo, sem nada em que se segurar. O que era loucura, e sinal de que suas glândulas adrenais
estavam demasiado preocupadas com possíveis ameaças à sua segurança pessoal. Pelo amor de Deus, não perderia um braço ou uma perna caso ele não telefonasse como
prometera. Ela ficaria perfeitamente bem.
E, caramba, ele sequer estava atrasado ainda.
Deixando o celular de lado, voltou a andar.
O que não durou muito tempo. Dois minutos mais tarde, já estava de volta ao celular.
Nada.
Virando as costas para o aparelho, irritou-se consigo mesma. Ali estava ela, tentando ser independente e autônoma, bancando a revoltadinha ao rejeitar todas as
tolices da glymera, mas, mesmo assim, estava preocupada se um macho iria ou não telefonar, sendo que aquilo provavelmente seria uma chamada sexual só para ele se
aliviar.
Puxa, se isso não era uma declaração de feminismo da sua parte.
Além disso, jamais tivera um orgasmo antes. O que o fazia acreditar que conseguiria…
O som da vibração que reverberou ao lado da cama fez com que ela corresse tanto que acabou derrapando no tapete.
– Alô! – exclamou enquanto ainda recuperava o equilíbrio.
Houve um instante de silêncio. Então aquela voz grave, aquela deliciosa voz masculina, disse em seu ouvido:
– Em que parte da casa você está?
Ela olhou ao redor.
– No meu quarto…?
– As luzes estão acesas.
– Sim…? – Engraçado, evidentemente ele fazia as perguntas e ela respondia, mas, na verdade, era o oposto. Sentia como se ela estivesse fazendo as perguntas.
– Vá para a cama. Apague as luzes.
– Tudo bem. – Aproximou-se da porta e apertou o interruptor, depois atravessou o quarto, subiu no colchão alto e se livrou dos sapatos num chute. – Está escuro.
Pense num breu.
Craeg emitiu um som, algo que ela não conseguiu identificar, e a experiência foi incrível. Com as luzes apagadas, foi como se ele estivesse bem ao seu lado.
– Você acabou comigo na sala – ele disse num tom gutural.
– Por quê?
– Não consegui parar de olhar para você. Fiquei olhando para a sua nuca. – Aquele som de novo, e ela percebeu que era um meio-termo entre um ronronado e um grunhido…
evidentemente, ele já estava excitado. – Tenho essas fantasias de me aproximar por trás de você e inclinar a sua cabeça. Depois desço as mãos pelo pescoço… depois
dentro do seu uniforme… até seus seios.
Os olhos de Paradise se fecharam por vontade própria.
– Ai, caramba… Tem, é?
– O tempo todo. Por que acha que não consegui me levantar do meu lugar hoje?
Ela teve uma imagem dele congelado no fundo da sala, sem nenhuma expressão no rosto, o corpo imenso todo tenso.
– Do que está falando?
– Eu estava duro. E teria aparecido.
O corpo de Paradise se arqueou quando ela visualizou como estaria a frente daquela calça frouxa, toda esticada sobre a grande extensão rígida.
– Preciso me sentar na frente para não te ver tanto. – Quando ela riu, ele gemeu. – Faz isso de novo.
– O quê?
– Essa risada. É sexy pra cacete. – Quando ela obedeceu, ouviu um farfalhar de roupas. – Você já se tocou, Paradise?
Teve uma breve imagem de Novo, tão segura, tão sensual, tão confiante. E pensou em mentir.
– Não.
– Tenho tocado em você, na minha cabeça, desde que voltei para cá.
Mais imagens dele tremeluziram no fundo escuro do seu quarto: lutando contra o Irmão com honra; levantando pesos; olhando para ela naquele vestiário…
– O que está vestindo? – ele disse num suspiro.
– É como se você estivesse aqui comigo.
– Estou. O que está usando em cima?
Ela abaixou o olhar no escuro e não viu nada.
– Estou com uma camisa com botões na frente.
– Não a tire – ele gemeu. Ou talvez aquele fosse outro ronronado. – Enfie a mão por dentro do colarinho.
Pareceu-lhe a coisa mais natural do mundo fazer o que ele dizia, e a sensação das pontas dos dedos sobre a pele emitiu um tremor pelo seu corpo.
– Está usando sutiã?
– Estou.
– Consegue sentir as alças? Estão quentes pelo contato com a sua pele, certo?
– Sim – ela sussurrou.
– Desabotoe o primeiro botão. Faça isso por mim. Agora desça mais… O mamilo está rijo contra o bojo?
Quando obedeceu, teve a intenção de responder, mas já arquejava e a mente estava inoperante. Mas ele não pareceu ligar para o silêncio.
Craeg riu, o som sombrio e grave eletrizando-a.
– Quero a minha boca aí. Quero levantar o olhar e ver você arfando quando eu te lamber, te sugar.
Para um macho de poucas palavras, ele sabia muito bem encadeá-las.
– Fico pensando naquilo na clínica – ela se ouviu dizer. – Na sua mão debaixo do lençol. Lembro-me exatamente de como foi, ela subindo e descendo…
– Caralho…
– … Até você…
– Rasgue a sua camisa.
– O quê?
– Rasgue a maldita coisa do seu corpo – ele ordenou. – Abaixe a porra do celular e rasgue a camisa ao meio!
Botões. Por toda parte.
E, caramba, como foi bom, o tronco se arqueando para a frente enquanto ela arreganhava a blusa, os botões não oferecendo nenhuma resistência, diante da força com
que executou o movimento.
Voltando a cair no colchão, apanhou apressada o celular, levando-o à orelha outra vez, e logo o ouviu respirando mais profundamente, mas logo ele se conteve.
Num tom controlado, como se tivesse cerrado os dentes, exclamou comandos para que ela colocasse as mãos sob os bojos do sutiã, esfregasse os mamilos para sentir
os seios inchados e depois se livrasse de vez da coisa. Ela não hesitou, e ficou atordoada ao sentir os próprios dedos explorando a pele suave, as pontas túmidas,
criando faíscas de eletricidade e de calor que ecoavam direto em seu âmago. E, durante o tempo todo, ele falava naquela voz aveludada, instruindo-a de forma determinada,
apesar da carga erótica de tudo aquilo, fazendo com que sua expectativa aumentasse lenta e inexoravelmente. Quanto mais alto ela se erguia, mais quente, mais molhada
e menos preocupada ficava com o seu recato e toda a baboseira relacionada às damas, e mais desejava aquilo que ele lhe dava.
Mas conseguiu se conter o suficiente para ficar calada. Mesmo querendo gritar o nome dele, a ideia de que um doggen ou seu pai tentassem abrir a porta do quarto
por terem ouvido algo levaria a um tipo de conversa da qual ela não conseguiria se safar.
– E agora…? – ela gemeu.
Na escuridão do quarto que lhe fora designado, Craeg estava ficando louco. Completamente. O centro de treinamento poderia estar pegando fogo ou ter sido atingido
por um terremoto que ele não teria interrompido aquela ligação.
Não fazia ideia de como era o quarto de Paradise, onde ficava a cama, em quantos travesseiros ela estava recostada, ou a cor da colcha. Mas tinha uma imagem mental
bem clara de como ela estava, toda esticada e se contorcendo, a camisa rasgada pensa nas laterais do corpo, o sutiã básico e sem frescuras aberto e os seios expostos.
Os mamilos pequenos, rijos, prontos para a sua boca.
– Consegue me sentir em você? – ele perguntou exigente.
– Sim… – ela arquejou.
Bom, pois era hora de descer. Mas não nele mesmo. Ele tivera que parar de manipular o pau, porque quando o fazia, chegava muito perto do orgasmo e isso emperrava
seu cérebro. Mais do que tudo, mais do que ele mesmo chegar ao ápice, ele queria que ela se satisfizesse.
Porque eles só teriam aquilo. Não tinha nenhuma intenção de tirar a virgindade dela, e se desejava manter aquela resolução, então tinha que colocar uma distância
intransponível entre seus corpos nus: o telefone seria o único modo seguro de garantir isso. Ela continuaria sendo considerada respeitável depois disso, porque se
masturbar era muito diferente de um Neandertal como ele penetrar seu sexo até gozar umas duas dúzias de vezes, roubando esse privilégio do macho que um dia a desposaria.
Contanto que não ficasse sozinho com ela por muito tempo, conseguiria honrá-la, e não tinha se enganado, a atração entre eles estava desenfreada, mas e depois que
o treinamento terminasse? Depois que tudo acabasse, presumindo que ambos chegassem ao fim?
Caminhos separados. Mesmo que de tempos em tempos acabassem trabalhando juntos.
No fim das contas? Não havia um futuro doméstico para lhe oferecer. Ainda mais depois que ele começasse a trabalhar no seu real propósito com todo aquele treinamento:
vingança. Sobre os aristocratas que permitiram que seu pai morresse nas mãos dos inimigos.
Não descansaria até que o sangue deles estivesse em suas mãos.
– Vá descendo os dedos pela barriga – ordenou. – O que você encontrou?
– O cós da minha calça jeans.
– Desabotoe.
– Sim…
Houve um barulho e ela voltou a falar:
– E agora?
– Desça o zíper.
Outro barulho. Durante o qual ele se imaginava abrindo-lhe a calça, afastando as laterais do zíper, descendo a boca para pressionar um beijo sobre a calcinha de
renda. Ou, provavelmente, de algodão.
– Tire os jeans. Fique de calcinha.
Mais barulhos, os sons chegando abafados e distantes em seu ouvido.
Debaixo do lençol fino que lhe cobria o corpo, não conseguiu se conter e deu uma ou duas bombeadas no pau. Mas quando a cabeça começou a queimar como se fosse explodir,
teve que se segurar.
Cerrando os dentes, disse:
– Ponha a mão entre as coxas, afaste as pernas… Faça isso.
Quis se aliviar, mas desejou mais. E ela também: o gemido que emitiu fez com que ele chegasse ao limite, o pau no ponto, só esperando o contato de sua mão para
seguir com a programação.
– Esfregue – ele gemeu quando a ereção se ergueu debaixo do lençol, jatos quentes aterrissando sobre o abdômen enquanto ele gozava. – Ai, caralho, Paradise, esfregue
por cima da calcinha… – Quando ela soltou um gritinho, ele soube, mesmo em meio ao próprio orgasmo, que ela também estava chegando perto. – Por baixo… Já por baixo,
sinta a umidade, o calor… Sinta… Ai, cacete… É tão suave…
Ela arfava, e depois pronunciou “Craeg” como se o nome dele tivesse saído rasgando sua garganta.
– Imagine a minha boca em você… Aí.
Foi nessa hora que ela gozou. E ele de novo, enquanto a ouvia inspirar fundo e exalar, entremeando gemidinhos deliciosos, sons suplicantes chegando-lhe através
da conexão telefônica.
O simples som do orgasmo dela provocou o seu terceiro. E o quarto.
– Continue – ele disse rouco –, sinta a minha língua te lamber, meus lábios te sugando…
Algum tempo depois, quando por fim terminaram, só o que fizeram foi respirar juntos.
Por algum motivo insano, ele se pegou desejando estar ao lado dela para abraçá-la – ou alguma merda assim. Não sabia. Só o que sabia era que sentia essa necessidade
ardente de ter certeza de que ela estava bem depois do que se passara.
Agora, os quilômetros que os separavam pareciam algum tipo de castigo.
– Você está bem? – ele perguntou rouco.
– Hum… Sim… Estou.
Quando ouviu o contentamento na voz dela, também começou a sorrir, e ainda bem que estava sozinho no escuro, pois devia estar parecendo um completo idiota.
– Você é linda – ele se ouviu dizer. – É incrível. Simplesmente incrível.
Ela soltou uma gargalhada.
– Você é bobo.
– Dificilmente. Nasci sem senso de humor.
– Mesmo?
– É. Sou o macho mais sem graça que conheço, nunca entendo as piadas.
– Sabe… Pensando nisso, acho que nunca te vi rindo.
– Pode esperar sentada. – Estendeu a mão para o criado-mudo, abriu a gaveta e tirou o maço de cigarros e um isqueiro Bic que comprara na volta para o centro de
treinamento. – A propósito, eu fumo.
Só depois do sexo, quase explicou. Mas não queria enfatizar que já estivera com outras, por algum motivo.
Virando a cabeça de lado para segurar o telefone com o ombro, remexeu no maço para abri-lo e puxar um bastão cancerígeno. O isqueiro emitiu um chiado quando se
acendeu, e ele teve um close-up do punho quando aproximou a chama do rosto. Aquela primeira tragada bastou para que ele gemesse de novo, e manteve o cigarro entre
os lábios enquanto tateava às cegas dentro da gaveta para encontrar o cinzeiro, que colocou sobre o peito nu.
– É um vício – disse como se tentasse se desculpar. – Mas, pelo menos, os vampiros não têm câncer.
Assim que combinara aquilo com ela, começou a planejar como conseguiria os cigarros para fumar depois do sexo. Algo não muito romântico de sua parte.
Não que estivesse procurando romance, lembrou a si mesmo.
– Então por que você não sorri, Craeg…
Na superfície, a pergunta/afirmação, ou o que quer que aquilo fosse, poderia ser levado na boa, na brincadeira, mas o tom sério dela o fez desconsiderar essa interpretação
de cara.
E talvez tenha sido o estado de relaxamento pós-orgasmo que o fez responder a verdade, em vez de desligar, que era o que ele deveria ter feito.
– Quantas pessoas você perdeu nos ataques? – ele sussurrou.
– Sete primos – ela respondeu com tristeza. – Somos apenas meu pai e eu, e tivemos muita sorte.
– Perdi a minha família imediata. A minha mãe e a minha irmã estavam em casa comigo. O meu pai estava trabalhando. Encontraram o endereço da nossa casa na habilitação
humana falsificada dele depois que o mataram. Foi assim que nos encontraram. – Ele tragou de novo. – Então, é por isso que eu não sorrio.
– Eu sinto muito.
– Eu também. – Mais uma coisa que ele não teria dito em outra circunstância. – Eu não consegui salvá-las. Minha mãe e minha irmã.
– Ai, meu Deus…
Ele deu de ombros.
– Perdi sangue demais. Os redutores invadiram nossa casa e eu desci as escadas quando ouvi o barulho. Atacaram-me, pensaram que eu estivesse morto, por isso me
deixaram pra lá. Até hoje não sei como sobrevivi. Usaram facões. Permaneci consciente tempo suficiente para ouvir a minha mãe gritar para que a minha irmã fugisse…
E depois as duas morreram… mortes horrendas. – Quando ela engoliu em seco de emoção, ele sacudiu a cabeça. – Informações demais. Desculpe.
– Eu realmente… sei que dizer isso não é o bastante, mas é só o que posso dizer: eu sinto muito.
– Obrigado.
– Como sobreviveu? Alguém… veio te resgatar?
– Despertei numa poça do meu próprio sangue pouco antes do amanhecer. Eu estava tão fraco… Mal consegui fechar a porta da frente antes que o sol me incinerasse.
Rastejei… pela casa, sabe? E encontrei-as… Foi… foi bizarro… Ver as duas caídas sobre o linóleo, sangue por todos os lados, a pele pálida… as duas tentaram se alcançar.
A minha mãe estava com a mão… – Teve que parar para limpar a garganta. – A minha mãe estava estendendo a mão na direção da minha irmã, que tentava alcançá-la. Os
olhos das duas estavam abertos… Não sei. Depois de ter visto aquilo? Alguma coisa dentro de mim despertou. É só o que sei dizer. E foi quando tudo começou. Foi aí
que eu resolvi que algum dia, de alguma maneira, eu encontraria um modo de entrar na guerra contra a Sociedade Redutora. É a única maneira de eu prosseguir neste
planeta sem querer estourar os miolos. – Ele riu duro. – Bem, também resolvi que odeio os aristocratas, embora essa resolução só tenha chegado umas duas noites depois
disso.
– Por que… – ela titubeou. – Por que odeia a glymera?
Capítulo 31
ENQUANTO PARADISE ESPERAVA POR UMA RESPOSTA, seu coração voltava a bater forte, e ela teve que acender a luz. Envolvendo as pernas com a colcha cor coral e fechando
a blusa, dobrou os joelhos com força e esperou.
Demorou um pouco para que Craeg lhe respondesse.
– A primeira coisa que fiz quando recuperei um mínimo de forças foi tentar encontrar o meu pai na mansão em que ele estava trabalhando. Quando cheguei lá, a situação
era mais ou menos parecida com a da minha casa. Sangue e corpos por todos os cantos, mas também pilharam a residência, levando quadros, prataria e esse tipo de coisa.
Alguns dos cadáveres foram incinerados por terem ficado expostos a fachos de luz solar. Aqueles que estavam mais no interior da casa ainda estavam intactos. Encontrei
meu pai… no quarto em que ele estava instalando o piso de mogno. E sabe o que mais encontrei? A porta aberta do maldito quarto do pânico no qual a família proibiu
ele e os demais criados e funcionários contratados de entrarem.
– O que… o que está querendo dizer?
– Que a família que morava ali, os aristocratas que viviam ali, procuraram abrigo num quarto reforçado e não deixaram nenhum dos empregados entrar. Ficaram trancados
do lado de fora, e por isso foram assassinados – eu vi a porta aberta, e as pegadas no sangue do meu pai e dos seus colegas conforme a família saiu, fugindo pouco
antes do amanhecer ou no entardecer seguinte. – Outra pausa. E depois, quase num sussurro, ele disse: – Enterrei todos eles ali, exceto o meu pai. Ele eu levei de
volta para a minha casa. Eu… não conseguiria deixar os outros assim. Um doggen apareceu pouco depois, enquanto eu cuidava dos corpos, e me disse que estavam tentando
encontrar os parentes, mas todos nas casas dos funcionários tinham sido mortos, assim como na minha. Literalmente, não havia sobreviventes para cuidar dos mortos.
Ah, e aquela formidável família? Eles fugiram. Tentei localizá-los… e não vou descansar até conseguir. Moravam numa propriedade chamada Endelview.
Ele pigarreou com força.
– O que eu quero dizer é, como se faz algo assim a outra pessoa? Como conseguem viver com suas consciências sabendo que poderiam ter ajudado alguém e não o fizeram?
Os empregados da casa, os criados, eles serviram à família por gerações. E também havia plebeus naquela sala. Estavam ali, pelo que o doggen me contou, porque os
caras da construção sabiam da passagem e se amontoaram indo em direção àquela sala. Socaram a porta para que os deixassem entrar enquanto a casa era atacada. Sei
disso porque muitos dos corpos estavam agrupados junto à parede. Mas não. Eles não eram bons o bastante, importantes o bastante, dignos o bastante.
Oh… Deus…
Era só isso o que se passava pela cabeça dela – porque também conhecia essa história. Peyton lhe contara esse acontecimento hediondo numa de suas longas conversas,
que duravam o dia todo, um mês depois que ela e o pai partiram para a casa segura. O primogênito, uma filha do meio, a mãe e dois primos alegaram terem voltado para
a cidade e encontrado a carnificina… mas talvez tivessem estado ali dentro o tempo inteiro?
E depois desapareceram. Muito provavelmente para uma nova casa segura, bem distante de Caldwell.
– Enfim, tenho planos para eles. Quando descobrir onde estão.
Paradise fechou os olhos.
– Nem todos os aristocratas são maus.
– Quando você teve que ouvir seu pai chegar em casa todas as noites contando histórias de como eles o tratavam como lixo enquanto tentava viver com dignidade? É
difícil ter simpatia por eles… e isso foi antes de serem diretamente responsáveis não só pela morte do meu pai, mas também da minha mãe e da minha irmã.
– Eu sinto muito.
– Tudo bem.
Não, não estava tudo bem.
E ela não ficou totalmente surpresa quando ele disse abruptamente:
– É melhor eu desligar. Precisamos dormir.
– Sim. Sim, claro. – Ela segurou o telefone com força, tentando encontrar alguma coisa para dizer. – Eu, hum…
– Te vejo amanhã.
Clique.
Afastando o celular da orelha, ficou olhando para o aparelho. Naturalmente, não havia registro do número, pois, assim como o da casa de audiências, era restrito
e privado.
Mas ela não teria ligado para ele mesmo se pudesse.
Deixando de lado o aparelho, olhou para o outro canto do quarto, seu quarto bonito e elegante, em tons de rosa e coral, cortinas de seda com borlas penduradas e
tapetes em ponto cruz. Não podia culpar Craeg pelo modo como pensava ou como se sentia. Ela estaria exatamente como ele. Mas a resposta não era perseguir um cara
e assassiná-lo para ahvenge aquelas mortes. Ou assassinar as fêmeas pelo mesmo motivo.
Bem, pelo menos ela esperava que essa não fosse a resposta.
Já havia tantas mortes na espécie. Por certo devia existir outra forma de reparar esse erro.
Quando o telefone voltou a vibrar, ela se assustou e o apanhou. Nenhum número. Era ele? De novo?
Aceitando a ligação, sussurrou:
– Alô?
Houve um instante de silêncio. Assim como antes.
– Desculpe – Craeg disse, de repente. – Caso não tenha percebido, sou um bosta com emoções. Não é culpa sua tudo o que aconteceu antes.
Ela exalou aliviada.
– Estou feliz que tenha ligado de novo. Não pensei que fosse ligar.
– Nem eu.
– Acha que vai conseguir dormir?
– Agora que ouvi a sua voz de novo? Talvez. Vou tentar.
– Craeg…
– O que foi?
Ela remexeu na bainha rendada da colcha ao escolher suas palavras com cuidado.
– Naquela noite dos ataques… Não estou dizendo que o macho ou quem quer que estivesse trancado ali estivesse certo. Nada disso. Mas olho por olho… é bárbaro.
– Era assim no Antigo País.
– Não vivemos mais lá. Os tempos mudaram. Pense em todo o progresso que fizemos, proibição dos escravos de sangue, igualdade começando a acontecer para as fêmeas
e para os plebeus. Você não tem que esquecer o que aconteceu, não tem que perdoar… Mas a sua resposta não precisa ser homicídio.
– Não seria homicídio. Seria uma ahvenge para a minha família.
– Mas se você mata alguém a sangue frio, como chamaria isso? – Manteve a voz baixa e suave. – Não quero brigar com você, de verdade, não quero. E eu jamais presumiria
saber como foi, ter a sua família… – Quando sua voz falhou, pigarreou. – Não consigo imaginar. Mas se você seguir em frente com isso, isso também será assassinato.
Você não vai ser diferente dos redutores.
O silêncio que se seguiu foi longo, mas ela sabia, pela ausência do clique, que ele não desligara.
– Você é uma das pessoas mais compreensivas que eu conheço – disse ele, por fim.
– Não mesmo.
– É, sim. Você é uma boa pessoa, Paradise.
– Não me coloque num pedestal. Só o que vou conseguir é despencar de um lugar alto.
– Duvido. – Houve uma pausa. – Durma bem, ok? E se acordar no meio do dia e sentir a mão de alguém em seu corpo, sou eu. Pelo menos nos meus sonhos.
– Você está me fazendo corar.
– Que bom. E quando estivermos de novo na sala de aula, tentarei não ficar te encarando o tempo todo.
– Não se esforce muito.
Agora o tom dele estava mais sério:
– Você tem a sua virtude a proteger.
– A virtude é minha, então o problema é meu. Não seu.
Craeg emitiu um som significando “até parece”.
– Vou ligar de novo amanhã às sete. Atenda ao maldito telefone.
Paradise teve que rir.
– Alguém já te disse que você é controlador?
– Não, porque nunca ouço o que as pessoas têm a me dizer.
– Quer dizer que se eu disser que você também é incrível, vai desligar na minha cara de novo?
– Provavelmente.
– Ok, muito bem, tenha um bom dia e você é incrível… – De repente, ela se sentou mais ereta e pressionou o aparelho na orelha. – Espere um segundo, acabei de ouvir
uma risada desse lado?
– Não. Nada disso.
– Mentiroso. – O sorriso dela era tão amplo que as bochechas doíam. – Você riu. Agorinha mesmo.
– Não foi uma risada.
– Ah, porque uma gargalhada é algo muito mais másculo? Tudo bem, você gargalhou, Craeg. Te peguei.
– Você tem que parar. – Nessa hora ele emitiu algo muito parecido com…
– Você acabou de dar uma risadinha!
– Não!
– Sim, deu, sim. – Conforme continuou provocando-o, ela deduziu que aquela conversa era o equivalente a coceguinhas nas costelas. – Você acabou de dar uma risadinhaaaaaaaa…
– Preciso ir! Tchau!
– Você é incrííííível…
Clique.
Desta vez, quando ela abaixou o celular na cama, sentia-se leve e borbulhante como as bolhas num flute de champanhe.
E um pouco ébria também.
Capítulo 32
QUANDO A NOITE CAIU, MARISSA entreabriu a porta do quarto e espiou o corredor. Não havia sons na sala de estar do Buraco, por isso ela saiu em sua camisola de seda,
os pés descalços ressentindo-se do frio das tábuas de madeira. Dobrando a curva, deu uma olhada no sofá, esperando encontrar seu companheiro adormecido com a cabeça
virada para a cozinha e os pés próximos a ela. Ele sempre dormia desse jeito, de modo que a mesa de pebolim não obstruísse a visão da TV.
O sofá de couro preto estava vazio. Mais especificamente, a manta dos Red Sox que ela lhe dera pelo Natal humano no ano anterior ainda estava dobrada sobre o espaldar.
Então, ele nem tentara dormir em casa.
A manta era a pista. Ela amava seu hellren de todo o coração, mas o macho era incapaz de usar a manta e voltar a dobrá-la quando não mais precisasse dela. Era uma
piada entre eles, assim como a inabilidade de guardar o abridor de garrafas em seu lugar costumeiro na cozinha e nunca, jamais, dar partida na máquina de lavar louça.
Suspirando profundamente, fechou os olhos e se recostou na soleira.
– Ele não voltou para cá ontem à noite.
Ao ouvir a voz grave de V., ela olhou na direção da fileira de computadores. O Irmão tinha desviado a atenção das várias telas, os superinteligentes olhos diamantinos
encarando-a sem piscar nem julgar. E não havia como Marissa esconder sua tristeza dele. Primeiro porque, para o que desse e viesse, ele era como um irmão para Butch,
e depois, V. a conhecia tão bem que enxergaria a verdade em qualquer “eu estou bem” que tentasse usar.
– Tivemos uma briga feia ontem à noite.
V. deu uma tragada profunda em seu cigarro.
– Qual o motivo?
Andando até o sofá, ela se sentou e arrumou a camisola sobre os joelhos, ganhando tempo.
– Um clube de sexo.
Teria sido extremamente divertido apreciar o acesso de tosse do cara, caso estivesse de melhor humor. Havia uma satisfação inenarrável em conseguir chocar o imperturbável
Irmão. Infelizmente, era por ela ser tão certinha.
– Como é que é? – As sobrancelhas dele se ergueram tanto que distorceram as tatuagens nas têmporas. – Clube de sexo?
A explicação foi breve e direta, e quando ela terminou, a expressão sardônica normal de V. retornara.
– É. Ele me disse que iria. E pediu para eu ir com ele.
Ela não conseguiu esconder sua reação. Confiava que Butch jamais a trairia – pelo amor de Deus, era um macho completamente vinculado, jamais notava as outras fêmeas,
elas podiam ser torradeiras com pernas se dependesse da reação sexual dele. Mas existia algo de intimidador em envolver V. no assunto, talvez porque isso fizesse
ela se sentir… excluída, mesmo isso sendo loucura.
E também inadequado, porque seu companheiro precisava de Vishous lá, mas não a queria.
Além disso, era verdade, o estilo de vida de V. sempre a chocara um pouco, não por considerá-lo um degenerado, mas por ser sexualmente extremo… E diferente.
– Você sabe que ele te ama – V. murmurou. – Qual é…
– Eu sei.
– E não vou ficar esquisito pra cima dele, nem nada assim.
– Não tive intenção de te ofender.
– Não ofendeu.
– Ofendi, sim. – Quando o Irmão se calou, soube que tinha razão. – Eu só… Às vezes não quero ser protegida, se é que isso faz sentido. Quero dizer, o assunto dessa
fêmea, que morreu na minha frente… É meu. Isso faz sentido? É responsabilidade minha. E estou grata pela ajuda dele, quero a ajuda dele, mas ser deixada de lado
porque sou “uma boa moça” e por eu não poder lidar com certas coisas faz com que eu acredite que ele me considera fraca e frívola.
– Olha só, eu não posso me meter na intimidade de vocês.
– Eu sei. Desculpe.
Quando ela foi se levantar, ele interveio:
– Mas ele te idolatra. Você é como… aquela Virgem Maria para quem ele reza. Para ele, você é a fêmea mais perfeita que já andou e vai andar na face da Terra. Levar
você a um lugar como aquele seria o mesmo que assistir pornografia na igreja para ele. Ele a considera pura, virtuosa, boa, e quer – prepare-se, estou prestes a
usar a palavra que começa com “p” – proteger você num mundo que é cruel, nojento e nauseante.
Ela balançou a cabeça e pensou em Butch com aquela coisa do sexo oral.
– Só não quero que tudo seja tão branco e preto. Não quero ficar numa caixinha, mesmo se ele me coloca lá porque ama certas partes minhas.
A cadeira de V. estalou quando ele se recostou e exalou um firme jato de fumaça. Engraçado, a princípio ela odiara aquele cheiro assim que se mudara para ali. Agora?
Era como incenso, e a fazia se sentir em casa, protegida… E quase já nem o notava mais.
Que diabos, a própria presença de V., por mais frio e intelectual que ele pudesse ser às vezes, também era algo reconfortante para ela.
– Não é uma questão fácil de responder. – As sobrancelhas dele se uniram. – Quero dizer, o seu garoto é meio do tipo certo e errado, preto e branco. É complicado.
Mas também existe o lado bom disso. Ele jamais te desrespeitaria. Jamais a trataria mal. Nunca deixaria de pensar em você.
– Ah, eu sei tudo isso. Mas, nesta situação, ele está se metendo em algo que não só é muito importante para mim, mas que é meu direito fazer. Quando você ama alguém,
isso não é legal, mesmo que as motivações sejam cheias de boas intenções e consideração.
Houve uma longa pausa silenciosa.
– Deixe-me falar com ele.
– Agradeço se fizer isso. – Praguejou baixinho. – Temos tido alguns problemas ultimamente. Estou de coração partido.
– Relacionamentos são assim. Mesmo os melhores.
– Acho que sim.
– Olha só, ele não quer estar com ninguém mais que não seja você. – O Irmão mostrou as palmas. – Sei que você sabe disso, mas eu tenho que repetir. E para o bem
ou para o mal, a sua graça e elegância e, sim, esse seu recato é parte do que o atrai. Quer dizer, por exemplo, ele se envolveu com Xhex, mas aquilo foi só sexo,
e é o que sempre seria. Você é o tipo dele, não ela.
Marissa levantou-se como se tivesse acabado de levar um balde de água fria na cabeça.
– Ele fez sexo com ela?
No escritório do centro de treinamento, Butch estava sentado atrás da escrivaninha de Tohr, fitando as linhas coloridas que giravam pelo descanso de tela do computador.
O que estava ruminando, o que estivera ruminando o dia inteiro, era o que diabos havia de errado com ele. Depois que Marissa o deixara falando sozinho na sala de
bilhar, começara a beber, beber como um gambá, mas não se embebedara. Sim, claro, seu corpo ficara todo entorpecido, a ponto de não conseguir sequer voltar para
o Buraco para cair duro no sofá.
Que inferno, arrastar-se até um dos sofás ao lado das mesas de sinuca só para desmaiar na vertical já se mostrara um belo desafio.
Contudo, seu cérebro permanecera tragicamente límpido.
E a pior parte? Por algum motivo, a última imagem que tinha da irmã – dela olhando para ele pela janela de trás do carro em que saíra para encontrar seu destino
de estupro e morte – continuava surgindo, como se a sua mente fosse uma máquina de caça-níqueis, que nunca mostrasse a combinação de figuras correta, e ele perdesse
continuamente.
Ah, “por algum motivo” uma ova. O motivo era a garota morta de Marissa, claro. E deduziu que, caso se sentasse com Mary para uma sessão de terapia, a terapeuta
favorita da Irmandade lhe diria que sua presente situação estava desencadeando aquelas memórias do passado e que ele estava passando por uma síndrome de estresse
pós-traumático.
A porta do armário de suprimentos foi aberta num rompante. E ele ainda tinha álcool suficiente em seu organismo para não virar-se rápido e berrar como uma menininha
com o susto.
– V.? – disse quando seu camarada foi entrando feito um tornado.
Certo, por falar em síndrome de estresse pós-traumático, Butch nunca vira V. tão perturbado: respirava fundo, os olhos estavam arregalados, o cabelo escuro todo
bagunçado, arfando como se tivesse corrido pelo corredor subterrâneo, em vez de caminhar por ele.
– O que foi? – Butch exigiu saber. – Jane está bem? É o Buraco? Cristo, o que aconteceu?
V. só marchou ao redor da mesa e se jogou na amada poltrona verde e horrorosa de Tohr. Apoiando a cabeça na mão enluvada, murmurou:
– Um dos meus antigos sonhos acabou de se tornar realidade.
Quando o pânico de Butch começou a arrefecer, ele revirou os olhos.
– E qual foi?
– Acabei de te foder.
Piscada. Piscada. E depois Butch começou a gargalhar.
– Ah, tá, ótima piada. Agora, sem brincadeira: o que foi que o Lass fez agora?
– Não, estou falando sério. Acabei de te foder. Pra valer. E sinto muito, mas muito mesmo.
Apoiando-se nos antebraços, Butch praguejou.
– Sem querer te ofender, não há nada que você pudesse fazer que seja tão ruim assim.
– Acabei de contar pra Marissa que você transou com a Xhex.
O queixo de Butch despencou e ele sentiu a boca se abrir.
– Como… Por que… Mas o quê…
V. levantou as mãos.
– Eu pensei que ela soubesse, verdade! Eu não sabia que você não tinha contado pra ela! Mas que merda, vocês não fizeram aquela porra do “com quem você dormiu antes
de mim”? Droga!
Se Butch não tivesse voltado direto para o pânico, teria rido à custa do cara de novo. O verbete “impassível” no dicionário tinha uma foto de V., que era o tipo
de filho da mãe tão blasé que seria capaz de sentar num latão de gasolina no meio de uma casa em chamas só para dar uma relaxada.
Pelo visto, acabaram de descobrir o que disparava suas glândulas adrenais. Era bom saber.
Mas a notícia era bem ruim para Butch.
Apoiando a cabeça nas mãos, esfregou o rosto.
– O que ela disse?
– Não muito. Foi para o quarto, se vestiu e saiu para trabalhar, o mais calma que poderia estar. E foi isso que quase me fez cagar nas calças, cara.
Butch queria dizer que tudo ficaria bem. Mas do jeito que ele e a sua companheira vinham se desencontrando ultimamente…
– Como o assunto veio à tona? – perguntou.
V. pôs as palmas pra frente.
– Olha só, foi ela que começou a falar de vocês dois.
– A coisa do clube de sexo?
– É. Ela acha que você a rotulou nessa dualidade de santa/prostituta e que a está sufocando. E, presta atenção, não que você tenha algum interesse em aceitar um
conselho meu, mas você tem que largar mão disso. Só porque ela vai ver um punhado de humanos mandando ver num lugar público não significa que vai mudar de personalidade.
O que acha que vai acontecer? Ela vai, de repente, ficar como eu? Primeiro, ela precisaria mudar de sexo, segundo, teria que transar de um jeito muito mais depravado,
e mais idiota também, evidentemente.
No silêncio que se seguiu, metade do cérebro de Butch se sobrecarregou com o lance a respeito de Xhex, e a outra metade chegou a uma súbita conclusão.
Marissa tinha razão. Ele se sentia mais desconfortável em vê-la num lugar como aquele do que ela própria.
Maldição.
– Muito bem – V. murmurou –, vocês dois agora têm que conversar. E eu sinto muito.
– Tudo bem.
– Eu pensei estar ajudando. Só quis enfatizar que ela é o seu tipo. Que ela é sua garota. Que você não precisa que ela seja outra coisa senão ela mesma.
– Isso é verdade. – Tateou procurando o celular. – Ela foi trabalhar, certo?
– Certo. Foi o que ela disse quando saiu.
– Vou ligar para ela. – Quando V. saltou da poltrona, Butch ofereceu sua palma. – Estamos bem, cara. A culpa é minha. Acho que tinha que ter contado antes. É que
tudo o que aconteceu antes dela não tem importância, entende?
V. bateu a palma na dele.
– Eu me sinto péssimo por isso. Se quiser um rytho, é só dizer.
– Não, pare com isso, mas talvez você possa buscar a minha roupa na lavanderia por um mês.
– Fritz já não faz isso pra você?
– É uma piada humana.
– Ah, é por isso que não teve graça. – V. passou pela porta de vidro. – Quando vai tirar uma noite de folga para poder ir ao clube de sexo?
– Pode ser amanhã. Tanto faz.
– Ok. Vou cuidar da aula de combate. Depois Z. vai dar a aula sobre venenos. Tem certeza de que não vou precisar de um testador para a comida?
– Tá limpo. Mas se o Z. precisar de alguém pra praticar, faça o Lass de cobaia.
– Feito. Completamente de acordo.
Quando V. saiu e a porta se fechou silenciosamente, Butch ligou para sua companheira e rezou para que ela atendesse. Quando a ligação foi parar na caixa de mensagens,
ele praguejou e desejou que o motivo fosse por ela estar em reunião e não por estar tão puta da vida que sequer queria falar com ele.
Ela não faria isso. Claro que não.
Mas, pensando bem…
– Merda.
Capítulo 33
PENSE NUMA CAMADA DE ExCITAÇÃO sendo acrescentada a cada segundo.
Enquanto Paradise passava pela sessão de treino de combate no ginásio e depois tinha a iniciação sobre as formas de matar usando loções e poções, sentiu como se
escondesse o segredo mais incrível do planeta. A cada soco e chute, a cada anotação, pergunta feita ou resposta dada, ela tinha que refrear o sorriso que queria
se formar em seu rosto.
E parte disso era porque ela sabia que Craeg se sentia exatamente como ela.
De tempos em tempos, ela o flagrava fitando-a com um olhar sensual, meio encoberto, que sugeria que o que quer que estivesse pensando não tinha a ver com a aula
do momento.
Em vez disso, ele evidentemente estava de volta ao escuro, ao telefone. Com ela.
E, puxa, não era uma surpresa que seu corpo quisesse mais dele de novo – com tamanha intensidade que, de fato, ela se remexia e estalava as costas e tinha que mudar
de posição sentada ou de pé meio que constantemente.
No entanto, ninguém mais parecia notar, embora talvez ela estivesse apenas se iludindo. E se não fosse assim? Que se fodessem. Antes de se desmaterializar de casa
para o ônibus, relera o formulário de inscrição e todas as particularidades, ou seja, as coisas que não mostrara ao pai porque não desejara assustá-lo, e não havia
nenhuma menção quanto a relacionamentos serem proibidos.
Ou conexões românticas.
Ou… o que quer que estivessem tendo.
Portanto, estavam bem no que se referia aos regulamentos. Ambos eram maiores de idade, e sim, claro que a ideia de que Peyton e Anslam descobrissem poderia ser
uma complicação adicional ante a glymera, mas 1) ela sabia tantas coisas podres sobre Peyton que poderia chantageá-lo para que se calasse se assim fosse necessário
e 2) Anslam era o típico filhinho de papai voltado para o próprio umbigo que não notaria se um elefante cor-de-rosa entrasse na sala a não ser que isso o beneficiasse
de algum modo.
Quando a parte final da noite chegou, ela entrou na sala de ginástica atrás de Craeg e se permitiu apreciá-lo com olhares cobiçosos, medindo a extensão dos ombros,
sua imponente altura e o modo como caminhava com força comedida.
E, sim, aquele seu traseiro espetacular.
Uau.
Mas logo voltaram para o assunto sério quando o Irmão Butch lhes passou o treino, designando cada um deles para os diversos equipamentos e pesos livres.
– Paradise, hoje você vai correr – ele disse apontando para a fileira de máquinas. – Uma hora. Pausas aos vinte e quarenta minutos para água. Sem inclinação no
aquecimento.
Atravessando os tatames, subiu na esteira mais próxima, inseriu a chave de segurança e programou para sessenta minutos numa velocidade alta. Quando a esteira começou
a rolar, ela saltou e iniciou num ritmo que pareceu mais difícil do que estava acostumada, mas, em retrospecto, as coxas estavam cansadas pela posição defensiva,
meio agachada, dos treinos no início da noite. Mas isso logo melhorou, a plataforma oscilando e resmungando ao ritmo das suas passadas nos tênis Brook Glycerin 12s,
a respiração ficando cada vez mais profunda.
Craeg acabou na estação de agachamentos.
Que espetáculo!
O peso que ele conseguia sustentar era tão grande que Butch e Tohr acabaram um de cada lado dele para acompanhá-lo, para o caso de ele perder controle do que deviam
ser uns 270 quilos. Posicionando-se debaixo da barra, apoiou as mãos com os punhos afastados, bufou e grunhiu ao elevar o peso e aceitá-lo em seu corpo. Na mesma
hora seu rosto ficou vermelho, e os músculos e veias do pescoço saltaram quando ele recuou duas passadas para assumir a posição de equilíbrio.
Para cima…
… e para baixo.
Para cima…
… e para baixo.
Apesar da maneira como tremia na superfície da pele, os músculos desenvolvidos e fortes do tronco estavam sólidos enquanto ele se levantava e agachava repetidamente.
O suor começou a brotar no rosto dele, não que ele parecesse notar, e não havia modo de ela não tentar imaginar como eram os músculos fortes debaixo daquele uniforme
supostamente largo: as coxas da calça grudavam como uma segunda pele toda vez que ele agachava de tanto que os músculos cresciam. Na verdade, devia faltar pouco
para ele rasgar o tecido…
Aconteceu tão rápido.
Num minuto ela estava correndo rápido, mantendo o ritmo. No seguinte, o pé direito aterrissou meio dentro da faixa, meio na borda lateral.
Ela caiu com tanta velocidade que não conseguiu se segurar, pelo menos não com o braço ou a mão. Em vez disso, bateu com força no console, ricocheteou e quase lixou
o rosto na faixa de rolagem porque a chave de segurança estava muito bem colocada na máquina, mas não estava presa à sua roupa.
Por isso a esteira continuou funcionando.
Por um segundo, ela ficou atordoada demais para se mexer, mas quando sentiu uma dor ardente conseguiu se virar de onde tinha aterrissado. Deus, o cheiro nauseante
de carne torrada fez seu nariz franzir.
Foi nessa hora que ela viu os coturnos.
Bem ao lado do seu rosto.
De repente, um monte de pessoas disparou a falar acima dela, e ela tentou acompanhar o que diziam, mas havia alguma coisa em seus olhos. E a cabeça doía. Por que
a cabeça estava doendo?
– … a doutora Jane, imediatamente.
– … uma maca?
– Rápido!
Mexendo a mão meio descoordenadamente, tentou enxugar o suor do rosto para poder enxergar melhor.
Não era suor. Era sangue. Quando olhou para a palma que passara pelo rosto, viu que ela estava manchada com o vermelho vivo de seu sangue.
Ai, droga. Devia ter se machucado bastante.
E só porque bancara a garota deslumbrada.
Maldição.
Quando Paradise se estabacou na parte oposta da sala de ginástica, Craeg quase largou a barra com os pesos para correr para junto dela. Mas não se larga quase trezentos
quilos de uma vez, não a menos que não queira se machucar ou machucar alguém perto de você.
Com todo controle que conseguiu reunir, avançou um passo e confiou na ajuda dos Irmãos para recolocar a barra com pesos no suporte. Logo os três dispararam para
junto dela. Craeg arrancou a chave de segurança da máquina, porque ela estava perto demais daquela maldita coisa, o corpo dobrado meio dentro, meio fora daquela
porcaria.
– Paradise? – ele a chamou.
Quando Butch se ajoelhou ao lado dela, Craeg quase arrancou o cara a tapa, mas isso seria ridículo. Primeiro, o Irmão era um professor. Segundo, não haveria um
anúncio mais óbvio daquilo que ele e Paradise vinham tendo do que se mostrar todo territorialista em relação a ela numa maldita situação de emergência.
– Paradise? – repetiu. – Paradise…
Ela se sentou quando o ouviu chamar seu nome e depois se virou para ele. Oh, Deus, havia tanto sangue. Tanto… Puta merda, acabaria desmaiando.
Os Irmãos gritaram ordens um ao outro e logo Tohr saiu atrás de ajuda. O que significou que sobrava um espaço ao lado dela, e o corpo de Craeg tirou vantagem disso
mesmo antes de formular um pensamento consciente.
– Estou bem – ela disse, afastando as mãos ao se levantar. – Estou me sentindo uma idiota. Não preciso de ajuda.
Arrancando a camiseta, Craeg formou uma bola com ela e pressionou o tecido sobre o corte no supercílio de Paradise.
– Cala a boca – murmurou quando ela começou a discutir com ele. – Você vai para a clínica. Provavelmente vai precisar de pontos.
– É só um cortezinho de nada.
– O que, exatamente, você acha que é todo esse troço vermelho?
– Não precisa ficar histérico…
– Não vou discutir com…
Ficaram nesse debate tenso, atropelando-se e interrompendo um ao outro. Foi só quando fizeram uma pausa para respirar que perceberam que todos na sala de pesos
os encaravam com uma expressão de “olha só que novidade”.
Merda.
Tanto faz… primeiro ele precisava se certificar de que ela consentiria em receber auxílio médico. Depois se preocuparia com as conclusões a que todos eles chegaram.
E, sim, foi ele quem a pegou no colo e a colocou na maca.
E, sim, se qualquer outro macho, inclusive o amiguinho Peyton ali na ponta, ou qualquer um dos Irmãos, a tivessem tocado, ele teria arrancado seu braço a dentadas.
No corredor, ela ainda discutia, e ele sabia que parte do motivo era ela estar assustada, querendo, assim, se livrar do medo.
– Ridículo. – Mas pelo menos ela pressionava a camiseta no rosto. – Só preciso lavar o rosto e o sangue vai estancar.
– Claro, porque um pouquinho de água vai dar jeito nesse talho de cinco centímetros.
– Isso é um exagero!
– E quando foi que você fez faculdade de medicina?
Quando chegaram à porta da clínica, ele teve a intenção de entrar com ela, mas Butch o barrou.
– Você tem que voltar para a aula.
Craeg abriu a boca para discutir, e foi então que ele soube que havia perdido o juízo. Quanto tempo fazia que conhecia aquela fêmea pra valer? Umas três, quatro
noites? Aquilo era inapropriado.
Mesmo assim, ele sacudiu a cabeça de um lado para o outro.
– Não vou sair daqui.
– Vão ter que examiná-la – Butch argumentou. – Ela inteira, se é que me entende.
Craeg praguejou e deu uma última olhada para a porta que se fechava enquanto Paradise era transferida da maca para a mesa de exames. Como se sentisse que ele já
não estava ali, ela ergueu os olhos confusa, procurando por ele.
– Eu… Ah… – Craeg pigarreou. – Gostaria de vê-la depois que tiverem terminado.
– Se ela concordar, tudo bem.
Craeg assentiu e ordenou aos seus pés que se virassem e voltassem na direção da sala de pesos. Demorou pelo menos meio minuto para que eles reagissem, e ainda assim
com morosidade. As pernas levaram o tempo que bem quiseram para levá-lo aonde ele precisava estar.
E, vejam só, Peyton estava do lado de fora da sala de pesos, à sua espera.
Resmungando baixinho, Craeg se preparou para lutar de novo com o cara.
– Quando aconteceu? – o cara exigiu saber.
– Quando aconteceu o quê?
– Você e ela.
O outro macho estava olhando para ele com uma estranha tranquilidade, que tanto podia ser aceitação quanto preparação para um ataque. Engraçado, aquela aparência
perfeitinha da J. Crew e modos de aristocrata, aliados a uma criação privilegiada, tornavam o cara um candidato da eHarmony muito mais adequado para uma fêmea.
No entanto, Paradise, por algum motivo, escolhera Craeg.
Ela devia estar louca.
– Não há nada entre nós – disse Craeg.
– Sem essa pra cima de mim, ok? Você se vinculou a ela.
– Porra nenhuma.
Peyton revirou os olhos azuis enfaticamente. Depois, franziu a testa.
– Espera aí, você tá falando sério.
– De que porra você tá falando?
– Você, sinceramente, não reconhece isso. Não percebeu que o cheiro da vinculação disparou, ou que você expôs as presas pra cima da gente quando foi ajudá-la. Você,
francamente, não percebeu isso.
Craeg piscou perplexo algumas vezes. Depois olhou à esquerda do cara e mediu a distância entre a própria testa e a parede de concreto. Talvez, se batesse o crânio
com força suficiente, causaria o dano cerebral necessário para afetar a sua memória recente e fazê-lo esquecer de um dia ter conhecido aquela fêmea.
Peyton começou a rir.
– Sabe, queria te odiar, ah, como queria. Ela é uma das melhores fêmeas que já conheci. Mas, em vez disso, sinto por você.
– Por quê? – Craeg disparou.
– Porque você já foi tão fundo e ainda está lutando contra isso. Vai ser divertido assistir a esse drama.
– Fico contente em poder entretê-lo.
Peyton teve a audácia de lhe dar um tapa no ombro.
– É melhor você cuidar bem dela, ou vou ter que ir atrás de você e acabar com a sua raça. Lentamente.
Craeg recuou um passo.
– Não sei do que você está falando.
– Sim, sim, claro que não sabe.
Peyton ainda estava rindo ao se virar para abrir a porta.
Craeg o segurou pelo braço.
– De onde a conhece?
Houve uma pausa.
– Ela trabalha na casa de audiências.
– Foi assim que a conheci também.
– Só pra ficar bem claro, às vezes eu acho que estou apaixonado por ela também. – Peyton voltou a revirar os olhos. – Deus, dá pra parar com isso?
– Isso o quê?
– Você estava rosnando para mim.
Puxa. Veja só. Suas presas tinham descido e o lábio superior estava retraído.
– Desculpa.
– Sim, lógico, você não está vinculado. Nem um pouco. – Peyton cruzou os braços sobre o peito. – Antes que comece a me atacar, nunca a beijei. Ela nem pensa nisso.
Em relação a mim, quero dizer. O que é bom – sou um completo idiota – e ela tem razão, tenho alguns vícios. De todo modo, lembre-se do que eu disse.
– E cá estava eu, pensando que a gente podia esquecer esta conversa.
– Isso nunca vai acontecer, meu chapa. – De repente, os olhos de Peyton se estreitaram e agressão pura reluziu neles. – Qualquer um que magoe aquela fêmea é inimigo
meu. E posso ser um aristocrata, mas sou capaz de virar bicho para proteger o que é meu. Entendido?
Craeg mediu o cara.
– Não posso prometer nada.
– O que isso quer dizer?
– Tenho… assuntos… que preciso cuidar depois disto, e eles não incluem eu me assentar e assumir uma companheira. Vinculado ou não, nada vai mudar essa realidade.
Nem mesmo ela; e ela sabe disso.
A voz de Peyton desceu para um tom tão grave que mal ficou audível.
– Então você é um tolo. Um puta dum tolo. – Mas foi aí que ele deu de ombros. – Mas, ei, isso é bom. Significa que eu ainda posso ter uma chance com ela. Quer saber?
Foda-se. Não sou eu que vou mostrar a você como está sendo otário. Vá, afaste-se, a decisão é sua, idiota… E eu te prometo, eu vou tentar a sorte com ela. Pra valer.
Enquanto a fera interior de Craeg rugia, foi provavelmente muito bom que o macho tivesse entrado na sala de pesos àquela altura.
Foi mesmo.
Já tinham um trainee na clínica. A turma não precisava de outro lá. Ainda mais se o segundo fosse levado para lá aos pedaços.
Capítulo 34
MARISSA FALOU COM BUTCH A NOITE INTEIRA.
Mesmo enquanto conduzia uma reunião com as funcionárias, entrevistava uma assistente social especializada em saúde mental para uma vaga de emprego e conversava
rapidamente com Mary, nos recessos da mente ela estava conversando com Butch.
As cenas imaginárias de ela cheia de razão chutando o traseiro omisso dele eram acompanhadas pela trilha sonora de Butch concordando que não passava de um cretino
que precisava de uns doze tipos diferentes de terapia. O fato de ele, no decorrer das horas, ter lhe telefonado três vezes e enviado duas mensagens de texto não
o ajudaram em nada. Mas, pensando bem, ele poderia ter Perry Mason* defendendo o seu caso e ainda assim acabaria na prisão perpétua sem a possibilidade de um dia
voltar a transar com a sua shellan de novo.
Não retornara nenhuma das ligações ou mensagens e disse a si mesma que o estava afastando porque desejava escolher cuidadosamente suas palavras antes. A realidade
era muito menos louvável: estava magoada, sentia-se rejeitada por ele, deixada de lado, e queria que ele experimentasse na própria pele essa sensação.
O que não era nem um pouco atraente.
A Virgem Escriba era testemunha de que nunca fora uma pessoa rancorosa, e odiava que a coisa que ela mais estimava no mundo, o seu relacionamento com o companheiro,
a deixasse amarga.
E foi essa questão desagradável que a fez sair mais cedo do trabalho, enviando-lhe uma mensagem de que o esperava assim que ele tivesse terminado seu trabalho no
centro de treinamento, para terem aquela conversa difícil que precisavam ter.
Quando chegou à mansão e deu uma bela olhada no vestíbulo, só pensou na quantidade de pessoas que passavam por aquele lugar costumeiramente. Privacidade era do
que necessitavam, e por isso resolveu descer para o centro de treinamento. Primeiro porque, tendo tomado a decisão de conversarem, queria falar com Butch o quanto
antes; segundo, o Buraco era claustrofóbico demais e ela não tinha certeza se V. ou Jane teriam a noite de folga.
Uma coisa estava bem clara para ela: não queria que ninguém os ouvisse.
Deixando o casaco e a bolsa ao lado da porta camuflada debaixo da grande escadaria, inseriu a senha: 1914, e se apressou a descer os poucos degraus. Depois de inserir
o mesmo código de novo, emergiu no túnel subterrâneo e partiu na direção do centro de treinamento. De tempos em tempos, tinha que enxugar o suor das palmas nas calças
pretas, e mexia no cabelo, que, para variar, havia deixado solto.
Quando chegou ao armário de suprimentos e entrou no escritório, seu coração já batia forte, a boca estava seca e o estômago, embrulhado.
Depois de anos sofrendo com ataques de pânico, rezou para que seus nervos não a levassem novamente para aquele caminho infernal.
Consultando o fino relógio Cartier que Butch lhe dera no primeiro aniversário de casamento deles, imaginou que teria que esperar um pouco. Uma hora, pelo menos.
Maravilha, agora se sentia aprisionada no aquário de vidro.
Com uma olhada por cima do ombro, fitou o armário e imaginou se não poderia ficar andando de um lado para o outro pelo corredor com a desculpa de que o exercício
desanuvia a mente, mas a ideia não lhe apeteceu. Além disso, cedo ou tarde, mesmo que Butch não recebesse seu recado, ele teria que ir para a mansão para a Última
Refeição, e aquele era o melhor lugar para encontrá-lo.
Olhando para a escrivaninha, foi até lá e se sentou na poltrona giratória. Seu login foi aceito pelo computador e, depois, entrou na conta do Gmail que criara para
receber os RSVP para o Festival Dançante do Décimo Segundo Mês.
– Uau. – Inclinou-se em direção à tela. Havia incontáveis respostas a serem lidas. – Isto é, a menos que sejam todas declinações do convite.
Pelo amor de Deus, devia haver uma centena de mensagens não lidas, e quando ela começou do topo, descobriu que… todos confirmavam.
Aceitamos com prazer o seu gentil convite…
Sim, claro, meu hellren e eu participaremos…
É com grande satisfação que humildemente aceitamos…
Antes de ir longe demais, abriu uma gaveta e pegou um bloco de anotações e uma caneta. Criou colunas: nome, resposta, número, no topo da página. Consultando o computador
e anotando no bloco, estava mais ou menos na metade quando chegou ao nome do irmão.
Dando dois cliques no nome em negrito, prendeu a respiração. E depois a soltou.
Ele não iria. Com três frases muito educadas, afirmou que seria necessário na clínica, mas que apreciava o fato de ter sido convidado.
Engraçado, aquilo era tanto um alívio como uma decepção. Esperava que ele fosse, especialmente depois que aquela fêmea indicara que fora Havers que a recomendara
para a organização do evento.
Recostando-se na poltrona, pensou no seu propósito de confrontar o passado. Wrath há muito se desculpara com ela, e o modo como aceitara com tanta boa vontade e
carinho não apenas Butch como também a vinculação de ambos significara muito para ela. Nunca ficara pensando muito no que acontecera entre ela e o Rei, mas ao considerar
o noivado fadado ao fracasso e tudo o que acontecera depois disso, descobriu que o perdoara por completo. Já não sentia por ele outra coisa que não afeto, e sabia
que ele falaria com ela se ela quisesse ou precisasse. No entanto, sentia-se verdadeiramente em paz em relação a ele.
Já com a glymera… Continuava exasperada a ponto de sentir-se enfurecida com eles e com os seus padrões, mas não tinha como colocar o punhado de preconceituosos
idiotas em fila para gritar com eles. Viver independente de tudo aquilo era uma estratégia muito mais saudável e bem-sucedida.
E quanto ao Havers? Estivera planejando conversar com ele durante o baile, mas esse, de fato, não teria sido um bom plano. Aquela conversa também requereria privacidade,
e talvez algumas fichas de anotação com tópicos a serem abordados. Sequer sabia bem o que gostaria de lhe dizer.
Aquele era o problema das resoluções. Não podemos nos forçar a nada até estarmos prontos. E suas emoções ainda estavam muito incertas.
Sim, pensou. Ele não ir ao baile na verdade facilitaria a sua vida. E haveria um espetáculo a menos para a plateia da glymera.
Conseguir conversar com ele provavelmente envolvia um pouco mais de tempo e talvez… puxa, quem sabe se se sentasse com ele junto a Mary…? Será que ele estaria disposto?
Quem poderia saber.
Butch era o seu maior problema. E aquela fêmea que fora assassinada, claro.
Voltando a se concentrar, terminou sua lista, fechou sua página de e-mails e estimou a quantidade de convidados participantes. Se aquela proporção de quase cem
por cento de confirmação de comparecimento continuasse assim, teriam quase quatrocentas pessoas na casa de Abalone. Que era o dobro do que ela estimara quando calculara
as despesas de bebida e comida, algo que, claro, como organizadora do evento, era sua atribuição.
Devia ter subestimado o quanto eles queriam ver e ser vistos.
Recostando-se, voltou a olhar para o relógio. Pelo menos se ocupara por uns bons trinta minutos.
Ansiosa, inquieta, nervosa e mal-humorada, mexeu no mouse, vendo a setinha branca fazer círculos na tela.
Caramba, ainda estava bastante brava com Butch. Mesmo tendo se acalmado bastante, ainda estava magoada e…
Franziu o cenho e parou o movimento da seta.
Embaixo de uma fileira de ícones, havia uma foto minúscula, uma pequena representação do que parecia ser… a parte de trás da cabeça do seu hellren?
Mas não podia ser isso.
Dando um clique duplo sobre a imagem, surgiu uma tela para entrar com o usuário e a senha. A parte do usuário já estava preenchida com BUTCH DHES, e a da senha
estava em branco.
Não havia nenhum título, nada que lhe desse uma pista do que seria o arquivo. Considerando-se em que ponto estavam, era triste, mas ficou desconfiada de tudo aquilo.
Pensando bem, quando se esconde certas coisas de um companheiro, a outra parte provavelmente começa a questionar basicamente tudo.
Apoiando as pontas dos dedos no teclado, inseriu a senha que ele costumava usar: 1MARISSA1!
E, claro, a senha lhe deu acesso a…
Um vídeo, uma imagem congelada e pronta para ser acionada, de Butch sentado à escrivaninha, com a câmera atrás da sua cabeça.
Apertando a tecla “PLAY”, acionou o mecanismo e viu seu companheiro olhando para aquela chave preta com a borla vermelha. Não havia som, por isso ela não conseguia
ouvir nada, mas imaginou o ruído que ela produzia toda vez que caía no mata-borrão.
Um macho jovem entrou no escritório.
Devia ser um dos trainees.
E os dois começaram a conversar. Evidentemente, aquela devia ser uma entrevista sobre o programa, e não devia estar indo muito bem, se a expressão do jovem servisse
de indício.
Quando Butch suspendeu a chave, ficou evidente que estavam falando sobre ela.
Hora de ouvir, pensou, apertando diversos botões. Não conseguia encontrar o certo. Depois que nada que tentou funcionou, percebeu que os alto-falantes tinham botão
de volume, mas mesmo assim não ouviu nada. Demorou uma eternidade até ela descobrir que alguém desconectara os cabos dos alto-falantes por algum motivo.
– … Como ela é? – o macho perguntou.
Endireitando-se, ela se concentrou na cabeça de Butch, e ele levou um tempo para responder à pergunta:
– … depende de quanto tempo antes aconteceu e como aconteceu. As mais recentes… ainda mais as violentas… podem ser uma sangreira só.
– Do que você está falando? – ela perguntou em voz alta.
– Partes do corpo não gostam de ser cortadas, apunhaladas ou cerradas em seções, e expressam sua raiva vazando sangue por todo o lugar. Santo Deus, somos constituídos
por uns setenta por cento de líquido ou algo em torno disso? E você aprende que isso é uma maldita verdade quando chega a uma cena fresca. Poças de sangue. Pingos.
Esguichos. E também as roupas manchadas, tapetes, lençóis, paredes, pisos… ou, se é algo externo, a terra, o concreto, o asfalto. E também tem o cheiro…
Santo Deus, ela pensou quando sentiu uma onda de tristeza a assolar.
Butch prosseguiu:
– Nos casos mais antigos… o cheiro nauseabundo é pior do que a sujeira. Mortes por afogamento, por causa do inchaço, são simplesmente horrendas. E se o gás ali
preso se solta? O mau cheiro te faz desmaiar. E sabe, também não sou muito fã dos queimados. – Houve outra pausa. – Quer saber o que eu mais detestava? – Apontou
para a cabeça. – O cabelo. O cabelo… Deus, o maldito cabelo, ainda mais se fosse de uma mulher. Emaranhado com sangue, terra, pedriscos… todo desgrenhado e torcido,
esparramado sobre a pele acinzentada. Quando não consigo dormir à noite, é o que vejo. Eu vejo os cabelos. – Ele começou a esfregar as mãos. – É preciso usar luvas,
sabe… para que suas digitais não fiquem em nada, não deixem nenhum vestígio seu para trás. No começo elas eram de látex, mais tarde passaram a ser de borracha nitrílica.
E, às vezes, ao manusear um corpo, o cabelo grudava nas luvas… e era como se ele quisesse me pegar, sabe? Como se… se pudéssemos nos contaminar com a morte de alguma
maneira. – Butch balançou a cabeça. – Aquelas luvas eram finas pra cacete. Não funcionavam.
O trainee franziu o cenho.
– Por que tinha que usá-las, então?
– Não, não, elas funcionavam com as digitais, entende? Mas eu sempre deixava uma parte minha para trás com todos aqueles cadáveres. Cada um deles… tem um pedaço
meu.
Marissa desligou o som. Parou o vídeo.
E pendeu a cabeça entre as mãos.
– Você estará novinha em folha pela manhã.
Enquanto a doutora Jane lhe entregava um espelhinho, Paradise se preparou para enfrentar seu reflexo, mas, na verdade, não estava tão ruim.
– Foram quantos pontos?
– Doze. Mas o corte vai se fechar sem que você fique com nenhuma cicatriz. – Levantando a mão, ela tocou na linha com pequenos nozinhos pretos próxima à sobrancelha.
– Sangrei tanto, eu podia jurar que precisaria de uns cem.
A doutora cobriu com um curativo branco o trabalho recém-executado e depois arrancou as luvas descartáveis com um barulho que ecoou pelo cômodo azulejado.
– Essa região é muito vascularizada. Talvez você queira se alimentar se já faz um tempo… Não é uma emergência, mas você perdeu sangue e vocês têm gasto muita energia
nos treinos.
Ou, no caso dela, perdendo a concentração e fazendo papel de boba.
– Pode esperar pelo ônibus para te levar de volta, ou, se não quiser ficar esperando, posso pedir que um dos doggens te leve a um lugar seguro para que possa se
desmaterializar para casa.
Abaixando o espelho, Paradise tentou imaginar o que o pai diria se visse seu rosto assim.
– Posso ficar aqui hoje? Não posso… não quero voltar para casa assim.
A companheira de V. sorriu, com uma expressão gentil nos olhos verde-escuros enquanto passava a mão pelos cabelos loiros curtos.
– Na verdade, eu estava pensando a mesma coisa. Mas não costumo prender ninguém aqui a não ser que seja medicamente necessário. E, no seu caso, não é. Seria talvez…
apenas mais fácil para o seu pai.
– Tudo bem se eu ligar para ele do meu celular?
– Claro. Mas se não conseguir sinal, e algumas pessoas às vezes não conseguem, tem uma linha no refeitório que você pode usar.
– Muito obrigada – ela agradeceu enquanto virava as pernas para a lateral da maca. – Não senti nada enquanto você me dava os pontos.
– Você está se saindo muito bem, Paradise. Todos estão muito orgulhosos de você.
– Obrigada.
Ela baixou a vista ao apoiar os pés no chão e fez uma careta. Havia uns pingos de sangue em seu par de Brooks, o que não era nada contanto que não os usasse perto
do pai.
Sim, definitivamente precisaria não voltar para casa e passar o dia ali, pensou ao sair no corredor.
Foi só quando estava no fim do corredor, já abrindo a porta do refeitório, que percebeu…
Ela e Craeg estariam nas mesmas instalações.
O dia inteiro.
Enquanto seu corpo fazia os cálculos e chegava a um resultado absolutamente franco, ela concluiu, que diabos, se tinham que juntá-la com agulha e fio, ela bem podia
se aproveitar de alguns beijinhos para sarar logo.
Hummm…
Indo até onde deixara sua mochila no chão junto com a dos outros, pegou-a e a deixou na mesa mais próxima. Abrindo o zíper no alto, remexeu o interior, procurando
o celular. Não o encontrou.
Com a testa crispada, virou a Bally de ponta-cabeça, e despejou todo o seu conteúdo. Ao passar pelos lenços de papel, a carteira, rímel e batom, seu Kindle, moedas
soltas, além de protetor labial e outras coisas, sabia que precisava ser mais organizada. Muito bem, onde estava…
O celular não estava ali.
Mas que coisa! Será que o tinha deixado em casa? Podia ter jurado que o colocara ali dentro, junto com o restante daquela tranqueira.
Inclinando a abertura da mochila para ela, enfiou a mão lá dentro para vasculhar o buraco vazio e depois abriu o zíper do bolso da frente só para ver que outras
coisas inúteis…
Seu telefone estava naquele nicho.
Franzindo o cenho, olhou ao redor do cômodo vazio sem motivo algum. A questão era que ela nunca colocava o celular ali, estava sempre apressada demais para se dar
ao trabalho de abrir aquele zíper. Além do mais, tinha essa paranoia de que se esqueceria de fechá-lo de novo e acabaria perdendo o celular.
Não colocara o celular ali nenhuma vez.
Alguém tinha mexido nas suas coisas?
Um a um, olhou todos os seus pertences sobre a mesa. Não notava a ausência de nada, apesar de não manter um registro mental detalhado de tudo que costumava carregar.
E quando abriu a carteira, a identidade, o cartão de crédito e as cédulas estavam ainda ali.
Bem, se alguma coisa fora levada, não devia valer mais do que dois centavos.
Ao guardar tudo de novo, engoliu seus temores, mas o que poderia fazer? Procurar os Irmãos e dizer: o meu celular mudou de lugar e…
Aham. Até parece.
Sem nenhuma barra de sinal no celular, foi até o telefone fixo da parede ao lado da geladeira abarrotada de Gatorade, Coca e sucos de vários sabores. Quando tirou
o fone do gancho, o som era o mesmo do da casa de audiências, por isso apertou o nove para obter uma linha externa e, em seguida, apertou as teclas do número da
casa do pai.
Fedricah atendeu, e com um tom jovial, ela informou ao mordomo que passaria o dia no centro de treinamento porque iria fazer um trabalho para ganhar mais créditos.
Também lhe garantiu que estaria acompanhada.
E era verdade. Não estaria sozinha, não se pudesse opinar.
Craeg tomaria conta dela.
– Está doendo?
Quando ela desligou, olhou na direção da porta. Craeg estava na soleira, o peito nu reluzindo, os peitorais e abdômen destacados em seu duro relevo pelas luzes
do teto.
Fechando as pálpebras, deliciou-se com o corpo dele sentindo tanto desejo que chegava a doer… Então, sim: de repente, estava sentindo dor.
– Oi? – ele a chamou.
– Vou passar o dia aqui.
Enquanto ele ficava paralisado pela surpresa, ela estendeu o celular na direção dele.
– Nenhuma barra. Sem serviço. Acho que vamos ter que pensar num outro modo de conversarmos às sete, concorda?
Perry Mason é um advogado fictício criado por Erle Stanley Gardner, aparecendo em mais de 80 histórias onde tem de defender seus clientes de acusações de assassinato.
(N. T.)
Capítulo 35
DO LADO DE FORA, NA GARAGEM do centro de treinamento, Butch acompanhava os quatro trainees que saíam até a porta do ônibus, certificando-se de que todos entrassem
com seus pertences. Quando voltou a entrar e passou pelo longo corredor na direção do escritório, foi com passos lentos. Ele não fazia ideia de onde Marissa estava,
mas desejou que, ao voltar à mansão, ela tivesse lhe telefonado, enviado uma mensagem, algo assim.
Deixara seu celular na mesa da sala de jantar da mansão por engano. Mas talvez isso tivesse sido bom. Estivera enlouquecendo olhando o aparelho durante toda a Primeira
Refeição.
Ziguezagueando pelo corredor até o escritório, tinha perfeita consciência de que estava sozinho nas instalações: V. e Tohr já haviam voltado para a mansão com a
doutora Jane, Manny e Ehlena para se prepararem para a Última Refeição e, da mesma forma, todos os doggens estavam ocupados na enorme cozinha de Fritz. E Paradise,
Craeg e Axe estavam comendo no refeitório.
Bom Deus, e se Marissa tivesse se mudado do Buraco?
Ai, cacete, o que ele faria se…
Ao abrir a porta de vidro, congelou.
– Oi – disse sua shellan por detrás da escrivaninha.
Ela estava tão linda, sentada ali com suas roupas de trabalho e os cabelos loiros soltos. Cara, ele amava aquelas ondulações derramando-se sobre os ombros dela
como algo saído do Game of Thrones, e a blusa de seda com um toque rosado realçava-lhe a pele como se ela tivesse saído de um glamoroso anúncio publicitário da Estée
Lauder.
– Recebi seus telefonemas. E as suas mensagens – ela disse ao fitá-lo.
Entrando de vez no escritório, ele deixou que a porta se fechasse sozinha, e não sabia se devia ou não se sentar. Ou andar. Ou cair de joelhos e começar a pedir
perdão.
– Eu sinto muito…
– Eu sinto muito…
Os dois se calaram. E o silêncio que se seguiu foi a pausa em que cada um deles esperou que o outro recomeçasse.
– Olha só, eu devia ter te contado sobre a Xhex – ele disse, enfrentando o problema. – Não contei porque… aconteceu antes de você e eu ficarmos juntos pra valer.
Eu fiquei com ela uma noite no clube do Rehv. Foi só uma noite e não representou nada para nenhum de nós. Eu não fazia ideia de que ela iria vir morar aqui, e quando
veio, foi só mais uma coisa que eu deixei pra trás, entende?
– Eu sei. Entendo.
Ele esperou que ela dissesse algo mais, mas quando só o que ela fez foi olhar para as próprias mãos, ele franziu o cenho e se sentou na cadeira oposta à dela.
– Tem certeza disso?
– Sim.
Butch sacudiu a cabeça quando o silêncio se estendeu.
– Sei que não sou perfeito, mas se acha, sinceramente, que prefiro ela a você, vou ficar muito puto da vida.
– Não, sei que não.
E ainda assim, ela não disse nada mais. No vácuo, enquanto ele tentava controlar a própria ansiedade, lembrou-se da cena “toca aqui”, em que ele e Xhex bateram
as palmas das mãos, brincando sobre o quanto Butch devia a ela por ter salvo a pele dele numa luta num beco contra alguns assassinos.
– Ela é um dos caras, pelo amor de Deus.
– Eu sei.
Levantando a mão, ele esfregou o olho esquerdo que estremecia.
– Sabe mesmo?
Jesus, o que havia de errado com eles? Conversar sempre fora algo fácil, como respirar. E agora… aquele silêncio.
– Apenas diga – ele murmurou. – O que quer que seja, não importa quanto me magoe, simplesmente diga… Não me deixe aqui sentado imaginando o que você está pensando.
A minha cabeça vai explodir. – Por que não me contou sobre o cabelo? – ela, por fim, desabafou.
A cabeça de Butch se ergueu de pronto.
– O que disse?
– Vi a entrevista. Com o trainee. – Ela apontou para a tela do computador. – Assisti a uma parte dela. A parte em que você contava a um completo desconhecido algo
que nunca partilhou comigo.
– A entrevista…? Ah… Aquilo.
– Sim, aquilo.
Butch voltou a esfregar o olho.
– Aquilo não foi nada de importante.
– Bem, quer dizer que de agora em diante vou ter que ficar imaginando quantas outras coisas você não considera importantes? Quero dizer, o que mais não sei a seu
respeito? Depois de todo este tempo juntos, pensei que soubesse tudo… pensei… – Sua voz ameaçou ficar embargada, mas ela conseguiu se controlar. – O que mais eu
não sei, Butch?
Quando ele a fitou por cima da mesa, uma sensação de desconforto percorreu sua espinha. Ela o fitava como se não o conhecesse nem um pouco.
– Marissa…
– Ver aquela garota surrada no sofá da sala de estar do Lugar Seguro me destroçou. A… feiura de toda aquela violência, o sofrimento, a dor ali tão próxima, o modo
como ela olhou para mim, me implorando com aqueles olhos… – Os ombros delicados de Marissa estremeceram. – Não te contei tudo porque temia que isso fosse desencadear
lembranças da sua irmã. Não falei com você porque não queria te entristecer. Pronto. Falei. Isso não me deixa contente, e não faz eu me sentir melhor… Mas é isso
o que eu estava escondendo de você. Ah, isso e o fato de ter encontrado o meu irmão novamente, o que muito me abalou; isso tudo acabou comigo. Despertou saudades
de partes da minha vida antiga, e isso fez com que eu sentisse como se eu estivesse te traindo. – Ergueu as mãos. – É isso o que eu tenho para dizer. Então, o que
você vem escondendo?
Quando Butch ia abrir a boca, Marissa o deteve.
– Antes que você comece, fique sabendo que eu te amo. Te amo com tudo o que tenho e com tudo o que sou. Mas se você não for sincero comigo, voltarei para o Buraco,
farei as minhas malas e vou me mudar para o Lugar Seguro por um tempo. – Sustentou o olhar dele com ar determinado. – Você e eu não vamos sobreviver no longo prazo,
a despeito do nosso amor e da nossa vinculação, se você continuar diminuindo a importância das coisas. Se eu continuar a fazer isso. Essa não é uma boa estratégia
para nós, e isso o faz sentir como se estivesse na berlinda? Pouco me importo com isso. Se alguma coisa atrapalhar o nosso relacionamento, qualquer coisa, eu passo
por cima como um rolo compressor… mesmo que seja você.
Butch percebeu que havia deixado de respirar só porque os pulmões começaram a arder, e inflá-los com uma inspiração forçada não melhorou a sensação de sufocamento.
Marissa meneou a cabeça com seriedade.
– Isto aqui não se trata de você ter ou não ficado com Xhex. É sobre o fato de você ter pensado que eu não poderia lidar com a sua confissão. Não é? Você não queria
ferir meus sentimentos, e isso é algo nobre, mas não rotule o que aconteceu entre vocês como algo “sem importância”. Isso é um pretexto. – Sacudiu a cabeça com tristeza.
– O mesmo acontece com a história do clube de sexo. E com o sexo oral, que você se recusa a discutir comigo. O resultado é que você tem uma opinião muito lisonjeira,
mas muito limitada a meu respeito. Você quer cuidar de mim, mas está me colocando numa prisão. E, sem querer ofender, cresci na glymera, e me disseram todas as coisas
que eu não podia fazer por causa de quem ou do que eu era. Não vou mais suportar esse tipo de tratamento.
Deus… Ele sentia como se tivesse sido alvejado. E não por estar com algo específico doendo. Era aquela sensação de frio se alastrando quando se está sangrando até
não poder mais. Era a mesma tontura e dissociação da realidade também.
– Então, Butch, o que vai ser? – ela perguntou com suavidade. – O que você vai fazer?
Quando se calou, Marissa sinceramente não sabia em que pé estava seu hellren, no que ele estava pensando, se ele ouvira qualquer coisa de tudo o que acabara de
dizer. E foi esquisito: seu coração não batia descompassado, e as palmas não suavam – o que, considerando-se a encruzilhada em que se encontravam, era uma surpresa.
Pensando bem, dissera o que era necessário com a maior calma e gentileza que podia. Agora, na verdade, só dependia dele; o futuro deles, de tantas formas, estava
apenas nas mãos dele.
Quando ele mudou de posição na cadeira, ela se preparou para ele se levantar e partir, mas só o que fez foi cravar os cotovelos nos joelhos e esfregar a sombra
de barba por fazer. A outra mão segurou o crucifixo gigante que levava pendurado no pescoço.
Ok, tudo bem, agora suas mãos começavam a suar um pouco.
– Eu… hum… – Ele pigarreou. – É muita coisa para assimilar.
– Sinto muito.
– Não precisa.
– Tudo bem.
Por algum motivo, o zunido suave do computador se tornou muito alto, como se o esforço de seus ouvidos para ouvir algo de seu companheiro acabasse amplificando
todo o resto.
Ele voltou a pigarrear.
– Eu não sabia que era tão ruim nisto.
– Ruim no quê?
– Em relacionamentos.
– Eu ainda te amo. E ainda te quero. Você não falhou em nada, também sou parte do problema. Eu também não sou um livro aberto.
– Não tenho tanta certeza disso. Estou falando da parte do fracasso.
Agora ela também se ajeitou na poltrona, avançando um pouco no assento, estendeu os braços sobre a mesa mesmo sem conseguir alcançá-lo – e veja se não existia uma
metáfora nisso.
– Butch, por favor… Não fique se culpando. Isso não vai ajudar nenhum de nós dois. Converse comigo. Você tem que conversar comigo… É só o que estou dizendo.
– Você está dizendo muito mais do que isso.
Ela ergueu as mãos.
– Não tenho que ir ao clube de sexo, se isso é tão horrível para você. Não tenho que ir até o fim quando fizer sexo oral em você, se isso não te excita. Só o que
estou dizendo é que você precisa me explicar os motivos, e precisamos conversar sobre as coisas. Tem que haver outra via de comunicação que vá além de você ficar
calado depois de me dizer que “sou uma boa garota e boas garotas não fazem isso, não lidam com isso”.
Butch cruzou os dedos e ficou batendo nos lábios com as pontas.
– Não te conto sobre os pesadelos porque eu os considero tão perturbadores que, quando acontecem, a última coisa que quero é tocar no assunto quando não está na
minha cabeça. Fico puto da vida que essa merda toda ainda fique me atormentado, e eu sinto que… que se eu falar sobre o assunto, ele terá ainda mais poder sobre
mim.
Ela pensou na conversa que teve com a shellan de Rhage duas noites atrás.
– Tenho quase certeza de que Mary diria o exato oposto. Que quanto mais você falar do assunto, menos poder ele terá.
– Talvez. Não tenho como saber.
Marissa se viu querendo pressionar, mas recuou. Tinha a impressão de que a porta havia ficado entreaberta, e a última coisa que queria era assustar a maldita coisa
e fechá-la.
– Quanto ao sexo oral… – Um rubor o atingiu nas faces. – Você tem razão. Não quero falar disso porque tenho vergonha de mim mesmo.
– Por quê? – ela sussurrou.
– Por que…
Conte, ela pensou enquanto ele ainda relutava. Você pode fazer isso… Me conte…
Os olhos dele se desviaram para os dela por um breve instante.
– Olha só, não quero que você escreva uma carta de posicionamento sobre o que vou te dizer agora, ok? Ou de como eu deveria superar a questão. Estamos de acordo?
As sobrancelhas de Marissa se ergueram bem alto.
– Claro. Prometo.
– Quer que eu converse, beleza. Mas se você vier pra cima de mim com alguma asneira politicamente correta, não vou ser muito receptivo.
Como ela nunca disse nenhuma asneira politicamente correta antes, ela tinha quase certeza de que ele estava estabelecendo alguns limites antes de se mostrar vulnerável.
– Prometo.
Ele assentiu como se tivessem chegado a um acordo.
– Fui criado como católico, ok? Católico de verdade, não católico não praticante. E sinto muito, fui ensinado que apenas prostitutas e vagabundas fazem isso. E
você… você é tudo o que eu poderia querer numa fêmea.
Abruptamente, baixou o olhar e parecia não ser capaz de continuar.
– Por que você tem vergonha? – ela sussurrou.
Ele se retraiu tanto que o rosto quase pareceu sumir nas sobrancelhas.
– Porque eu…
– Porque você quer que eu termine?
Ele só conseguiu assentir. Depois a fitou num rompante.
– Por que isso é um alívio para você?
– Desculpe, não entendi.
– Você acabou de exalar fundo como se estivesse aliviada.
Ela começou a sorrir.
– Sempre pensei que você nunca fosse me deixar terminar… E eu sempre quis descobrir como é.
O rosto do seu hellren ficou da cor de uma beterraba. De uma beterraba!
– Eu só… Não quero te desrespeitar. E é isso o que o meu passado me diz que acontece quando se goza na boca de uma garota: que você não gosta dela, que não a ama,
que não a respeita. Sim, claro, eu podia jogar tudo isso pela janela, mas não é fácil assim.
Marissa pensou nos conflitos que a sua educação lhe trouxera.
– Caramba, como eu te entendo. Sinto como se eu devesse deixar de ser amarga e insegura sobre o meu irmão e os meus anos na glymera. Mas é como se eu tivesse aprendido
bem demais que esse fogo queima, entende?
– Totalmente. – Ele deu um leve sorriso. Depois esfregou o rosto. – Estou tão vermelho quanto acho que estou?
– Sim. E está adorável.
Ele gargalhou, mas logo ficou sério. E assim permaneceu.
– Existe outro motivo. Bem, quanto ao clube de sexo, existe outro motivo… Mas é meio loucura. Quero dizer, é loucura.
– Não tenho medo. Contanto que continue falando, sinceramente, não tenho medo de nada.
Ela já sentia a conexão crescente entre eles – e não era do tipo fugaz quando se tem alguns bons orgasmos, para depois voltar ao estado em que tudo ainda não havia
sido consertado.
Aquele era do tipo concreto. Fundamental.
Do tipo “amava meu companheiro antes, mas agora amo muito mais”.
E ela soube que ele estava ficando pronto para falar da irmã porque seu corpo inteiro enrijeceu-se, a ponto de parecer que ele não estava respirando. Logo um brilho
de lágrimas surgiu em seus lindos olhos castanhos.
Quando ela fez menção de se levantar para se aproximar dele, ele cortou o ar com a mão.
– Não ouse. Não toque em mim, não se aproxime. Se quer que eu fale, vai ter que me dar um pouco de espaço agora.
Marissa lentamente voltou a se abaixar na poltrona. E quando seu coração começou a bater contra as costelas, ela teve que entreabrir os lábios para respirar.
– Sempre fui supersticioso… – ele disse com suavidade, como se estivesse falando consigo. – Você sabe, um pensador supersticioso. Eu chego a todo tipo de conexões
que, na verdade, não existem. Foi como o que eu disse a Axe sobre as luvas. Num nível racional, sei que não estou deixando uma parte minha naqueles corpos, mas…
não é o que eu sinto.
Quando ele voltou a ficar calado, ela permaneceu bem onde estava.
– A minha irmã… – Mais pigarreios. E quando ele voltou a falar, sua voz naturalmente rouca não parecia outra coisa senão rochas. – A minha irmã era uma boa pessoa.
A nossa família era grande, e nem todos eram legais comigo. Mas ela era.
Mentalmente, Marissa se lembrou do que sabia sobre a garota: o desaparecimento, o estupro, o assassinato, o corpo encontrado uma semana mais tarde. Butch fora o
último a vê-la com vida.
– Mas havia outro lado nela – ele disse. – Ela andava com muitos… Maldição, é difícil dizer… Mas ela saía com muitos garotos, sabe o que quero dizer?
O rosto dele agora estava pálido, os lábios, contraídos, aqueles olhos castanhos pesarosos como se estivessem revivendo suas lembranças.
Mas logo ele parou. E quando não disse mais nada, ela teve que preencher as lacunas.
– Você acha que ela foi assassinada – Marissa sussurrou – porque não foi uma boa garota. Acha que se talvez ela não tivesse feito sexo com aqueles garotos, ela
não teria entrado no carro, eles não teriam feito o que fizeram e ela não teria morrido.
Butch fechou os olhos. Assentiu uma vez.
– E se odeia por pensar assim porque isso coloca a culpa nela e isso é uma traição. Isso seria culpar a vítima, e você nunca, jamais faria isso com ninguém, especialmente
com a sua irmã.
Agora ele estava concordando sem parar com a cabeça. Depois, enxugou uma lágrima.
– Posso te abraçar agora? – ela perguntou, com a voz embargada. – Por favor.
Quando ele só respondeu com um aceno de cabeça, ela se apressou para perto dele e o envolveu em seus braços, trazendo-o para junto de si até acabar sentada na mesa
com ele caído em seu colo.
Dobrando-se sobre ele, cheirando o seu cabelo e a sua colônia pós-barba, afagando os ombros largos, sentiu que o amava ainda mais do que antes. Na verdade, o que
havia em seu coração naquele momento era tão tremendo que ela não sabia como seu corpo conseguia contê-lo.
– Não foi culpa dela – ele disse num tom áspero. – Eu sei disso. O fato de ter pensado nisso sequer uma vez… é tão ofensivo, porra. É tão ruim quanto eu não tê-la
salvo... É como se eu mesmo a tivesse colocado no carro. Meu Deus, acreditar que as ações dela fossem o problema? – Butch se sentou ereto. – A minha cabeça fica
toda fodida com isso… Se eu tivesse uma filha, e que Deus não permita isso – ele fez um rápido sinal da cruz sobre o coração –, algo acontecesse com ela, e alguém
tentasse culpar a saia curta dela ou o fato de ela ter tomado um drinque – ou setenta e cinco –, ou consentisse em fazer sexo e depois mudasse de ideia no meio?
Você tem ideia do que eu faria com esse cretino misógino?
– Você o mataria logo depois de ter matado o assassino.
– Pode acreditar nisso, porra. Não tenha dúvida. – Ele fez um movimento circular ao lado da cabeça. – Mas então, esse filme volta a passar na minha cabeça, de tempos
em tempos, e solta essa porra desse maldito pensamento, e eu me sinto tão culpado por pensar nisso que sinto vontade de vomitar. Na verdade, agora mesmo, fico olhando
para o cesto de lixo e imaginando se vou chegar a tempo nele.
Quando os olhos dele travaram naquela direção, ela desejou que Mary estivesse ali. Devia ser por isso que as pessoas procuram os terapeutas – quando a represa se
rompia daquele jeito, provavelmente era melhor ter um profissional treinado por perto.
– E a propósito – ele prosseguiu –, sinto orgulho da minha religião. A Igreja não é perfeita, mas eu também não sou, e ela trouxe muito bem para a minha vida. Sem
a minha fé, mesmo com você, eu seria apenas uma casca do que poderia ser.
– Eu te compreendo completamente, e o meu sistema de crenças não é diferente para mim.
Depois de um período de silêncio, Marissa segurou as mãos dele.
– Se eu for ao clube de sexo amanhã à noite, você vai me menosprezar?
– Deus, não.
Ela assentiu.
– E, presumindo que um dia você se sinta confortável com isso, se eu te chupar até o fim, você vai me desprezar?
Ele emitiu uma risada curta.
– Eu provavelmente te idolatraria ainda mais.
– Ainda vai pensar que sou uma boa garota?
– Sabe… Na verdade, sim. – Ele pareceu aliviado. – Quero dizer, nunca pensei assim antes… Mas eu definitivamente ainda te amaria.
– Então você vai conseguir superar esse modo antigo de pensar em relação a mim, certo?
– Sim, vou.
– Assim, você pensava de um jeito, mas reconsiderou e agora deixou tal pensamento de lado, certo?
– Certo. – Ele exalou fundo. – É, é exatamente isso o que estou fazendo.
– Então… Por que não pode fazer o mesmo com a sua irmã? Você teve um pensamento antigo. Considerou-o contra tudo o que sabe dela e de como ela era, e revestiu isso
com a sua crença principal de que a culpa nunca é da vítima, pouco importando o que ela estava vestindo ou coisas assim… E estou disposta a apostar que você rejeitaria
a ideia de que a sua irmã tenha contribuído como quer que seja para o crime horrível e indefensável cometido contra alguém que, na verdade, era uma garota inocente.
Posso apostar que você vai chegar a essa conclusão sozinho e que provavelmente nunca mais vai ficar obcecado de novo, pelo menos em relação a essa parte do sofrimento.
Ele piscou uma vez. Duas.
– Esqueça o boquete – ele disse.
– Desculpe, o que disse?
Butch a fitava com tamanha devoção que parecia que ela tinha colocado o mundo aos seus pés.
– Acho que te amo ainda mais. E não achei… nunca imaginei que isso poderia ser possível.
Como era de se esperar, o cheiro da vinculação de Butch tornou-se um rugido na sala, e os seus olhos castanhos ficaram tão carregados de emoção e reverência que
ela se sentiu meio zonza.
Segurando-lhe o rosto entre as mãos, ela o beijou.
– Isto é tão melhor do que antes.
– Antes do quê?
– Se vou ser tão idolatrada assim – pressionou a boca na dele de novo –, quero que seja por ser a sua companheira perfeita, não porque você acha que sou uma boa
e perfeita menina.
Seu hellren começou a sorrir.
– Entendido. E sou todo seu.
Quando ele retribuiu o beijo, ela refletiu sobre o significado de “felizes para sempre”, e concluiu que o amor verdadeiro não pressupunha uma passividade, e que
“para sempre” nada tinha a ver com controle de velocidade. Você começava com uma atração, e depois abria o coração e a alma – mas tudo isso, que já não era pouco,
só representava as “preliminares”.
Existiam muitas, inúmeras outras jornadas a tomar para níveis mais profundos de aceitação e compreensão.
Era lá que se encontrava a felicidade. E o “para sempre” era o esforço que você estava sempre disposto a empenhar para permanecer próximo, para aprender, e para
crescer em uma união.
– Eu te amo – ele disse ao passar os braços ao redor dela. – Deus, como eu te amo.
Inclinando-se um pouco para trás, ela sorriu e percorreu o rosto dele com as pontas dos dedos. Queria dizer aquelas palavras sagradas para ele, mas, de alguma forma,
elas pareciam não bastar.
Por isso, disse a única outra coisa que poderia significar ainda mais para ele:
– Ah, meu amor… Vai, Sox!
Jogando a cabeça para trás, Butch gargalhou com tanta força que a porta de vidro do escritório sacudiu. Enquanto ela retribuía com um sorriso, pensou que, sim,
havia várias formas de dizer “eu te amo”…
Capítulo 36
INCRÍVEL COMO UMA TELEVISÃO PODIA transformar qualquer lugar num espaço para descanso.
Não que Craeg estivesse assistindo às reprises do The Big Bang Theory que estavam passando na tela. Mesmo assim, ficou contente quando um doggen chegou e instalou
o aparelho num canto. Sem o barulho de fundo? Ficar sentado no mesmo cômodo que Axe e Paradise o teria deixado completamente louco.
Ele precisava de alguma coisa, qualquer coisa para impedir que sua mente se concentrasse apenas nela.
Naturalmente, enquanto olhava para as cartas que tinha na mesa, não fazia a mínima ideia do que estava vendo. Do outro lado da mesa, porém, Axe não vinha tendo
o mesmo problema, motivo pelo qual, após algumas rodadas de gin rummy, devia uns cinquentinha ao desgraçado.
– Bem, acho que vou pra cama – Paradise anunciou de onde estava no sofá.
Certo. Interessante como quando uma certa fêmea encadeia uma certa combinação de palavras, a ereção é garantida.
Sim, subitamente sentiu a necessidade de se rearranjar por debaixo da mesa, antes que a circulação para a sua artéria femoral fosse completamente comprometida pela
sua ereção.
Nesse meio-tempo, Paradise se desenroscou da sua posição, e Craeg fez um ótimo trabalho de não olhar para ela. Pelo menos de não olhar diretamente para ela: sua
visão periférica rastreou cada passo que ela deu pelo piso azulejado até a porta, e notou, especialmente, o modo como ela se inclinou sobre uma das três mesas redondas
para pegar sua mochila.
– Bom dia – Axe murmurou ao mudar as cartas de posição em sua mão.
Craeg grunhiu alguma coisa.
Quando a porta se fechou, ficou se perguntando exatamente quanto tempo teria que esperar antes de poder…
– Você já pode ir – Axe disse com um sorriso malicioso. – Sou bom em paciência, e também posso assistir a uns filmes pornôs. Que é outra versão, mais divertida,
de paciência.
– Não estou tão cansado assim.
– Hum, eu sei. – O cara deu uma gargalhada. – Olha só, me faz um favor: não me desrespeite tentando fingir. Depois do que você fez na sala de pesos, acha mesmo
que sou tão burro assim?
– Não estou com ela.
– Então você é um idiota.
– Não é por isso que estou aqui. – Enquanto dizia isso, ele descia as cartas na mesa, colocando-as com a face para baixo no monte. – Estou te devendo cinquenta.
– Quarenta e cinco. Mas você ia perder esta rodada.
– Provavelmente. Quer agora?
– Confio em você.
Enquanto ficava de pé, Craeg olhou para todos os piercings que o macho tinha no rosto e nas orelhas e, de repente, imaginou quantos outros o cara tinha em lugares
que não se podia ver.
– Doeu pra colocar esses piercings?
– Sim, é um dos motivos pelos quais eu os coloco. O sexo depois é mais intenso.
– As tatuagens também?
– Isso mesmo.
– Puxa. Quem poderia imaginar… Sabe, você é mais inteligente do que eu pensava. E melhor jogador de cartas também.
– Só porque eu gosto de metal e tinta, você acha que isso faz de mim um idiota?
– Tive uma infância protegida, o que posso dizer?
Ele já estava na porta quando Axe se pronunciou:
– Eu achei que você fosse um bundão.
Craeg franziu o cenho e olhou por sobre o ombro.
– Baseado em quê?
– Você é o equivalente no mundo dos vampiros a um trabalhador braçal. Pensei que não havia nada de notável em você a não ser o seu tamanho… E, francamente, é pra
isso que fazem caminhões Mack.
– E agora?
– Ainda acho que é um bundão. – O gótico sorriu de leve. – Mas, no fim das contas, não me incomodo com bundões. Quem poderia imaginar, como você mesmo disse. Além
disso, os nossos pais…
Quando o macho deixou a frase pairando no ar, Craeg ficou feliz que o cara não a tivesse completado.
– Pois é. Bem, bom dia.
– Divirtam-se.
– Isso não vai acontecer.
– É o que você diz.
Craeg saiu para o corredor e olhou ao redor. Tudo estava tranquilo, sem ninguém à vista, e ainda assim, permaneceu onde estava. Descendo o corredor à esquerda,
havia cinco quartos individuais. O dele era o primeiro. O de Axe era o seguinte. E o de Paradise…
Bem, o três era um número da sorte, não?
Mas não foi direto para o quarto dela. Embora fosse tão romântico quanto uma pedra, de alguma forma acabara indo para o box do seu banheiro, lavando o corpo como
se estivesse prestes a se apresentar diante da Virgem Escriba. E também se barbeara. E até fora até a mochila onde a largara na noite anterior e retirou as roupas,
espalhando-as pelo chão.
Estavam limpas. Era só o que importava.
Calças jeans. Com furos. Camisetas. Sem furos. O boné de baseball dos Syracuse Orange.
Praguejando, contentou-se com um par de calças folgadas do uniforme e uma camiseta branca limpa. Ficou descalço e rezou, rezou, para que quando estivesse andando
na ponta dos pés até o quarto dela não fosse flagrado.
Saiu pela porta. Outra olhada para os dois lados só para garantir que não havia ninguém por perto. E deu uma de Linda Hamilton em Exterminador do Futuro 2 ao saltitar
na ponta dos pés pelo piso de concreto, sem produzir som algum. Quando chegou ao quarto de Paradise, bateu suavemente à porta.
– Pode entrar – ela disse num tom alto, ligeiramente nervoso.
Nada de enfiar a cabeça primeiro. Nada disso. O corpo inteiro disparou para dentro e ele empurrou a porta, fechando-a rapidamente atrás dele.
– Estou tão contente – ela disse com uma risada. – Eu estava preocupada… Bem…
A única luz provinha do banheiro, e ela quase lacrara completamente o cômodo: estava sentada na cama numa quase total escuridão, usando um roupão branco curto com
o cinto atado à cintura – e nada mais.
Uau. Pernas… Pra dar e vender… panturilhas, coxas…
Enquanto ele oscilava de tanta luxúria, ela disse:
– Você também tomou banho?
Ele assentiu. Porque, pelo visto, abandonara a voz no corredor.
– Quer vir aqui?
Ele assentiu de novo.
Em seguida, viu-se diante dela. E estava se ajoelhando. Pousando as mãos trêmulas sobre as pernas dela, enterrando-as debaixo da bainha do roupão. A pele era tão
suave quanto se lembrava.
Abaixando a cabeça, resvalou os lábios de um lado a outro sobre um dos joelhos.
Ah, cacete. O que ele precisava era se levantar, dar uns beijinhos, deitá-la de costas… agradá-la com suas mãos e depois cair fora dali.
Mas isso não ia acontecer mesmo.
As palmas viajaram pelas laterais das coxas, subindo e levando o roupão junto. Quando a pele dela ficou exposta, ele a viu estremecer e as mãos dela se apertaram
nos lençóis.
– Está com medo? – ele perguntou. Porque ele tinha que ter certeza.
– Não – ela sussurrou.
– Quer saber o que vou fazer com você agora?
– Não…
Ele assentiu de novo, mantendo os lábios no joelho para continuar a acariciá-la com eles.
– Abra as suas pernas para mim.
O tremor se intensificou quando ela obedeceu, expondo a incrivelmente recatada calcinha de algodão branca que quase o fez gozar dentro das calças.
E o cheiro dela o levou à loucura.
– Não vou te machucar – ele disse com uma voz gutural.
– Eu sei. Confio em você.
Craeg se moveu para o interior dos joelhos e demorou-se o quanto quis, esfregando o nariz, arrastando a língua pela coxa, resvalando-a com as presas para cima e
para baixo.
– Coloque as mãos nos meus cabelos – ele a instruiu. – Guie-me para dentro. Você sabe onde me quer. Mostre para mim.
O toque dela foi experimental no começo, apenas roçando em seus cabelos curtos.
– É tão suave – ela sussurrou.
– Assim como você.
As mãos dele agora já estavam em seu quadril, e ele apertou os ossos, gostando da sensação em suas palmas. E, por um instante, perdeu a linha dos pensamentos porque
foi atacado por uma necessidade premente de montar em cima dela.
Mas isso não poderia acontecer.
Sutilmente, ela começou a puxá-lo em sua direção e ele acompanhou a velocidade dela, trabalhando com os lábios, preparando-a para o que estava por vir. E logo chegou
à calcinha. Olhando para cima, ele não conseguia enxergá-la muito bem por causa do roupão amontoado na cintura, por isso, soltou o cinto e afastou as metades. Ela
vestia uma camiseta regata branca justa e estava sem sutiã – com isso, os mamilos rijos produziam sombras mesmo na luz fraca.
Gemendo, ele inspirou e aproximou os lábios do centro dela, sugando o algodão, umedecendo-o.
As mãos dela agarraram seus cabelos, o toque tímido desaparecendo, agora exigente, e isso significava que era hora de mudarem de posição. Movendo-se rápido, saltando
do chão, ele se certificou, com a mente, de que a porta estava trancada e depois suspendeu as pernas dela do chão, afastou-lhe as coxas e voltou ao que fazia, beijando-a,
empurrando-lhe os joelhos mais para cima e mais abertos para que pudesse acariciá-la melhor.
Arfando. Ela estava arfando e se movendo ao encontro do rosto dele, as mãos puxando-o com força, o corpo se entregando a ele com um desembaraço que era ao mesmo
tempo chocante e excitante pra cacete. Com um grunhido, ele empurrou a camiseta dela para cima e correu os dedos pelos seios espetaculares, e quando ela arqueou
as costas, ele estava mais do que pronto para tirar aquela maldita calcinha do caminho.
Mas, antes, um pouco mais de provocação.
Encarando-a, ele sentia as lembranças sendo gravadas em sua cabeça, os sons e os cheiros, os arquejos e os gemidos, a beleza pura dela.
Paradise.
Era muito mais do que ela havia esperado.
Enquanto suas mãos se enfiavam ainda mais nos cabelos de Craeg, Paradise flutuava numa onda de prazer de alta octanagem que a levava a transcender o próprio corpo
e, ao mesmo tempo, firmá-la em sua própria carne. A sensação da esfregação, da fricção, do calor em seu centro era diferente de qualquer coisa que ela conhecesse
– e ela ainda, tecnicamente, era…
Não.
Com um puxão violento, ele rasgou primeiro uma alça e então a outra – pronto, sua calcinha já era.
Depois disso, as sensações se tornaram mais ardentes e escorregadias: nada mais separava os lábios e a língua dele de seu sexo.
Graças ao que fizeram na noite anterior, ela sabia o que estava por vir; por isso, quando o orgasmo chegou, ela se entregou a ele, acolhendo o prazer latejante,
revolvendo-se ao encontro dos lençóis, derrubando os travesseiros no chão.
Quando voltou das alturas tremulantes do seu clímax, ela o viu se elevar entre suas pernas.
– Venha – ela ordenou. – Venha me tomar.
Segurando a regata, ela a arrancou por cima da cabeça de modo a ficar nua, esticada diante do imenso corpo dele, daquela ereção incrível, daquela força que mal
podia ser contida. Contudo, ele hesitou, mesmo com o apetite transtornando seu rosto a tal ponto que ele parecia um demônio.
– Craeg… – Levantando as mãos para os seios, ela se acariciou e se arqueou para cima de novo, o ardor já retornando ao sexo, o desespero, a doce sufocação voltando
redobrada.
Só o que ele fez foi se sentar sobre os calcanhares, apoiar as mãos nas coxas e pender a cabeça.
– Craeg?
– Não… – ele gemeu. – Não posso.
– O quê…?
– Não vou fazer sexo com você.
Espere, como é?, ela pensou.
Quando ele não disse mais nada, ela se apoiou nos cotovelos e pegou a camiseta para cobrir os seios.
– Por que não?
– Isso… não vai acontecer.
– O que foi? O que eu fiz?
– Ai, cacete… Não, não é você… Você é boa demais, você…
– Craeg, você tem que parar com isso.
Já basta, ela pensou ao segurá-lo. Quando o tocou nos braços, sentiu os músculos retraídos e a luta que ele estava travando.
– Tire isso – disse, puxando a bainha da camiseta dele.
Esperou que ele fosse discutir. Ele não o fez. Os braços ficaram frouxos ao tirar a camiseta, e depois… Deus, ele era lindo, aquela pele macia e lisa, distendida
sobre tanta força, e quando ela foi explorá-la, ele permitiu, a cabeça pendendo para trás, os músculos do pescoço e dos ombros ficando tensos.
E então, ele a surpreendeu.
– Tome a minha veia – ele disse com voz rouca. – Se não posso te ter… tome de mim…
E assim como o sexo oral, ah… aquilo aconteceu tão rápido, as presas dela se projetando, os olhos travados na jugular com uma determinação que ela nunca sentiu
antes.
Com um sibilo, ela avançou e atacou, cravando-lhe as presas com uma voracidade à qual ele se rendeu completamente. Deitando-o de lado sob seu corpo, ela subiu sobre
o abdômen como se ele fosse uma presa, sugando dele, seu sabor rugindo pela sua garganta, preenchendo-a de dentro para fora de um modo que alimento e descanso alguns
jamais conseguiriam.
Ficou vagamente ciente dele se esticando e agarrando a cabeceira da cama, inclinando o tronco na direção dela, gemendo enquanto o quadril balançava e as coxas se
mexiam. Ele chegou ao orgasmo e logo ela também, e tudo ficou extremamente selvagem, extremamente rápido, enquanto ela movia a pelve e sentia aquela coluna rija
bem onde mais queria.
Mas quando tentou chegar à ereção dele, quando tentou tirar-lhe as calças, ele manteve suas mãos afastadas com uma pegada de ferro. Quando ela protestou, quando
se debateu contra ele, o mundo girou e ela estava mais uma vez de costas.
Sangue escorria pelo pescoço dele até o peito do ponto em que ela o perfurara, mas ele não se importou.
As mãos dele desceram o zíper até a metade e ele liberou a majestosa ereção.
Paradise revirou os olhos de êxtase, mas forçou-os a se focarem porque queria vê-lo.
Envolvendo o grosso tronco com uma mão, ele começou a se masturbar. Não ficou olhando o que estava fazendo; seus olhos estavam fixos nela. A despeito do calor entre
eles, havia algo intrinsecamente distante na expressão dele.
Ele não a tomaria, ela pensou.
Só que a sua confusão e desapontamento foram deixados de lado quando ele se arqueou e começou a gozar sobre o sexo dela.
Ele podia não estar à vontade para tomar o corpo dela por completo.
Mas a estava marcando a valer.
Afastando as pernas, ela se expôs por completo e deixou que ele se torturasse com o que fazia, os jatos dele lambuzando o seu centro, atingindo-a com explosões
quentes que a açoitavam.
Ela podia ser virgem… Mas sabia, do fundo de sua alma, que aquela guerra ele perderia.
Talvez não naquela noite, mas logo, logo, ele cederia e faria amor com ela.
Ela mal podia esperar.

 

 

CONTINUA