Biblio VT
Capítulo 21
– DESCULPE… VOCÊ DISSE QUE elas estão fazendo o quê?
Enquanto falava, Butch olhava para o grupo apenas de machos ao redor da mesa da sala de jantar da mansão. Nenhum dos seus irmãos ou quaisquer dos soldados estava
gargalhando ou conversando em voz alta. O grupo de tristes perdedores só estava sentado diante de pratos degustados até a metade e de intocados copos de vodca, bourbon
e uísque como uma matilha de basset hound que perdeu seus antidepressivos.
Não era o que esperava encontrar ao chegar tarde para a Última Refeição.
Quando Marissa lhe mandara uma mensagem de texto avisando que trabalharia com as fêmeas numa coisa, pareceu-lhe uma boa ideia cuidar de uns assuntos dos trainees.
Não contara com aquele funeral só porque as senhoras estavam entretidas num projeto.
– Oi? – chamou-os. – Perderam a audição junto com as bolas ou algo assim?
Wrath inalou fundo como se fosse anunciar a notícia de uma morte na família.
– Estão tendo uma noite de filmes.
Butch revirou os olhos e se sentou na sua cadeira. Sim, era um pouco estranho não se sentar com Marissa ao seu lado, mas, pelo amor de Cristo, não era motivo para
se entupir de Prozac. Além disso, estava contente que a sua mulher tivesse amigas na casa…
– Estão assistindo a Magic Mike – alguém informou.
– É algum filme infantil? – Recostou-se quando Fritz depositou um prato repleto de cordeiro diante dele. – Obrigado, cara… Obrigado e, ah, eu adoraria uma bebida.
Pode me trazer Lagavulin com gelo…
Butch parou de falar quando percebeu que a mesa inteira o encarava.
– O que foi?
– Nunca ouviu falar do filme Magic Mike? – Rhage perguntou, intrigado.
– Não. – Recostou-se quando seu drinque lhe foi servido. – Obrigado. É um tipo de Barney?
– É uma história de strippers – Hollywood rebateu.
Butch franziu o cenho e abaixou o copo dos lábios.
– Como é que é?
V. veio da despensa com um saquinho cheio de tabaco, um pacote de papel de seda e uma carranca como se alguém tivesse lhe arrancado as pilhas do seu brinquedo sexual
predileto.
– Nus – Vishous murmurou ao se sentar onde Marissa deveria estar. – De bunda de fora. E são humanos. Cristo, é como ser humilhado por uma matilha de cães.
– De tanga – outro deles ralhou. – Cães de tanga.
Butch, dessa vez, seguiu tomando seu drinque, sorvendo o ardor, acolhendo o calor em seu íntimo. Ok, era um pouco surpreendente descobrir que ainda estava bebendo
mesmo com o copo vazio, mas, ora, tinha muito no que pensar. De certa forma, o fato de sua shellan estar assistindo a um filme com suas amigas, mesmo que ele envolvesse
um pouco de nudez, não era grande coisa.
Por outro lado, desejou encontrar a caixa de força e interromper o fornecimento de luz daquela parte da mansão.
Depois botar fogo no DVD. E no telão.
E levar sua companheira para casa só para lhe mostrar todos os truques que sabia a mais do que um atorzinho qualquer de… Deus, de tanga?
– Está tudo bem – ouviu-se dizer ao gesticular para que o doggen voltasse a encher o copo. – Isto é, em primeiro lugar, elas nos amam. Segundo, não deve ser um
filme censurado nem nada as…
– Aparece uma bomba peniana – Lassiter disse com um sorriso largo, como se estivesse ajudando. – E em ação. Vocês sabem, o pau enfiado lá dentro, sendo bombeado
e tal…
Vishous desembainhou uma adaga de algum lugar e apontou a coisa para a cabeça do anjo caído.
– Continue a falar assim e eu corto o seu cabelo. De olhos fechados.
Lassiter gargalhou.
– Aham, que seja, grandão. Pensei que tivesse mais confiança para não dar tanta importância a uma coisa à toa como essa. Você é tão inseguro assim?
– Quer ver alguém inseguro? – V. perguntou. – Vou te mostrar…
– Ok, já basta – Butch interferiu. – Deixa pra lá, V. Está tudo bem, uma maravilha… Elas só estão se divertindo. O que há de errado com isso? Não é como se elas
fossem ir pra cama com o cara.
– Tem certeza? – Lassiter sorriu. – Você não acha que elas vão fantasiar sobre…
O grunhido coletivo que ribombou da Irmandade foi tão alto que conseguiu agitar os cristais do enorme candelabro penso sobre a mesa. E o anjo caído era um idiota,
mas não era burro.
Movendo-se devagar, como se múltiplas pistolas estivessem apontadas para ele, levantou as mãos num ato de submissão.
– Desculpem. Tanto faz. Vou parar antes que esse inconformismo constrangedor de vocês me mate.
– Sábia decisão – Butch comentou secamente. – Não que eu não pudesse te dar um soco agora mesmo. Ainda que não por causa deste assunto especificamente.
Lassiter voltou a comer, enfiando a comida na boca.
Os outros Irmãos não foram tão rápidos em deixar o assunto de lado, os olhos estreitados e as presas expostas ainda mirados no anjo boquirroto.
– Vamos, rapazes, está tudo bem. – Butch cortou uma fatia de cordeiro e enfiou na boca. – Hummm. Delícia.
Na verdade, estava com gosto de papelão, mas ele fingiu que estava gostando. Mas não por muito tempo.
Dois minutos depois, empurrou o prato quase cheio e aninhou o segundo copo de uísque na mão.
– Mas é verdade. Elas deveriam ter um pouco de independência. Não precisam ficar grudadas na gente, como se tudo girasse ao nosso redor. Já era hora que fizessem
alguma coisa por elas. Mesmo. Isso é ótimo.
Ao seu lado, V. acendeu um gordo cigarro enrolado à mão.
– É mesmo? Gosta da ideia da Marissa olhando para as partes de outro macho pelado?
– O filme não é censurado. – Quando sua voz grasnou, ele limpou a garganta. – Quero dizer, não deve ser… Não, não pode…
– Dei uma olhada – Rhage murmurou. – Elas estão com os DVDs, provavelmente estão assistindo à versão completa, sem cortes.
– Então os strippers não são circuncidados? – Lassiter levantou as mãos antes que os grunhidos se elevassem. – Jesus, caras, vocês são tão sensíveis.
Butch sacudiu a cabeça e decidiu que o anjo estava por conta própria.
– Tá, tudo bem, então tem uns rodopios… Um sacolejo ou dois de peitorais. Não é motivo pra tanta preocupação. Fritz, pode me servir mais uma dose aqui?
O mordomo se apressou em pegar o copo vazio.
– Alguém de vocês gostaria de sobremesa? Temos sorvete e petit gâteau caseiros.
Butch relanceou os olhos para Hollywood.
– O que me diz, cara?
Quando Rhage apenas girou o seu refrigerante de gengibre no copo, Butch praguejou e disse a Fritz:
– Este aqui vai querer um pouco, mesmo que ninguém mais queira.
– Traga a sobremesa – Rhage disse em voz alta.
Fritz curvou-se com o copo de Butch na mão.
– Claro, senhor. Servirei um prato e trarei…
– Não. Quero a sobremesa inteira. Todo o bolo e todo o sorvete.
Eeeeeeeeeee foi assim que Hollywood acabou com uma plateia melancólica de sabe-se lá quantas testemunhas enquanto consumia quinze bolinhos de chocolate e dois litros
de sorvete de creme.
Foi como assistir a tinta secando, só que sem aquele cheiro químico e a sala ficou com a mesma cor de antes.
A boa notícia foi que a bebida estava funcionando, entorpecendo a mente de Butch, tornando seu corpo tanto dormente quanto excitado.
– Pode me trazer mais um? – pediu ao doggen de passagem que retirava o último prato sujo de chocolate. – Muito obrigado.
Quando seu copo lhe foi devolvido, afastou a cadeira da mesa.
– Vou indo. Tenho trabalho a fazer.
E, sem querer ofender, mas ficar ali às voltas com aquele tipo de vibração só o estava deixando mais deprimido. Um pouco mais e ele começaria a entrelaçar a corda
da forca.
Saindo da sala, parou no enorme vestíbulo. Olhou escada acima. Tentou visualizar a sua Marissa cobiçando um ator de roupa íntima.
– Não. Tudo bem. Que bom pra ela.
Pegou o telefone e acessou as mensagens. Hesitando, pensou em lhe mandar alguma coisa, sabe, só para ela se lembrar de que…
Uau.
Na sua época de humano, jamais teria se importado com essa bobagem toda. Marissa não era apenas o amor da sua vida; era uma fêmea de valor que jamais o trairia.
E, qualé, ela não tinha se registrado num hotelzinho barato com o cara, pelo amor de Deus… Estava se divertindo com as amigas assim como ele fazia com seus amigos.
Aquilo era ridículo.
Ele não era do tipo ciumento…
O som de coturnos se aproximando fez com que ele olhasse por sobre o ombro. Era Rhage, e o Irmão estava segurando um copo de sal de frutas na mão.
Hollywood ergueu o olhar para as escadas. E podia apostar que ele estava pensando exatamente a mesma coisa que Butch.
– Vou subir – o cara anunciou.
– Não, não, não, espera aí. – Butch o segurou pelo braço imenso e o apertou. – Você não pode ir entrando lá.
– Por que não?
– É a noite só das garotas.
– Então ponho um vestido.
– Porra, Rhage. Tá falando sério?
Os próximos a sair foram V., John Matthew e Tohr. E todos, inclusive Wrath – e até mesmo Manny, que, apesar de todo o seu sangue humano, estava bem ali ao lado
de todos os outros com caras de cachorro abandonado.
– Não vamos subir lá – anunciou Butch. – Vamos jogar um pouco de sinuca, ficar bebaços, falar de todas as mortes que causamos no ataque a Brownswick. Vamos ter
uma noite divertida pra cacete… Ou dia, sei lá em que porra estamos agora. Agora recolham suas bolas do chão e vamos começar a nos comportar como homens.
– Ele tem as manhas. Só estou dizendo.
Quando a doutora Jane falou, a plateia cativa que estava tão concentrada no telão murmurou em completa aquiescência.
Payne deu mais um dos seus assobios lupinos, que eram a sua marca registrada.
Xhex praguejou e jogou mais Milk Duds* para a imagem, gritando:
– Vamos lá, meu filho, vai com tudo!
Marissa riu de novo. Não sabia dizer o que era mais divertido: o filme ou a companhia. Provavelmente a companhia. Apesar de ter que admitir que não era nada mau
olhar para aqueles humanos.
E logo outra onda de gritos e incentivos se ergueu.
Deus, não conseguia se lembrar da última vez em que rira com tanta vontade. Havia algo em ficar apenas na companhia das meninas que tornava as piadas piores e melhores
ao mesmo tempo, e as risadas ficavam mais altas, as tolices mais estúpidas.
No fim, tudo isso era uma coisa muito bonita.
Também a fazia se lembrar de que era maravilhoso ser aceita por ser exatamente quem era, sem expectativas externas depositadas sobre ela, nenhuma cobrança para
a qual ela não tivesse se voluntariado para botá-la para baixo. Nenhum julgamento, apenas amor.
Além disso, aquela quantidade de homens que eram quase tão sensuais quanto o seu macho? Não era nenhum problema.
Quando a cena final terminou e os créditos começaram a rolar pela tela, elas bateram palmas como se os atores pudessem ouvi-las lá da Califórnia.
– Pode me ensinar a assobiar desse jeito? – alguma delas pediu a Payne.
– É só colocar os lábios ao redor dos dedos e assoprar – a fêmea explicou.
– Isso não é uma fala de um filme? – alguém perguntou.
– Será que vão fazer o terceiro filme…?
– Magic Mike Grandão…
– Mas antes teremos que assistir ao primeiro e ao segundo como preparação… Temos uma tradição a manter.
– Alguém assistiu recentemente ao Nove Semanas e Meia de Amor…?
– O que é isso…
Uma a uma, levantaram-se das cadeiras acolchoadas e se espreguiçaram na luz fraca da sala sem janelas, as costas estalando, os ombros relaxando a tensão. E engraçado,
Marissa sentiu uma necessidade de interromper os comentários e dizer algo profundo e significativo só para agradecer o momento partilhado. Mas as palavras certas
não surgiram.
Em vez disso, disse simplesmente:
– Ei, podemos fazer isso de novo?
Pensando bem, talvez fosse exatamente o que ela queria dizer.
E, vejam só, o pessoal da frente estava em total acordo: os gritos de alegria foram tão altos quanto nas cenas de dança, e a ideia de que aquele momento especial
não seria algo único a fez sentir uma pontada de alívio.
– Acho que vamos precisar de uma maratona do Chris Pratt. Guardiões da Galáxia – sugeriu Beth.
– Ele é o cara que tem um irmão? – Bella perguntou.
– Não, esse é o Hemsworth – outra respondeu.
Encabeçando a fila de partida no corredor central, Marissa amassou a embalagem vazia de Milk Duds e a atirou na lata do lixo. De repente, percebeu que mal podia
esperar para ver Butch, e não por causa de todas aquelas cenas dos corpos seminus. Sentia saudades dele, o que era ridículo, considerando-se que nenhum dos dois
fora a parte alguma.
Seguindo para a porta ao lado do expositor de vidro de doces, estava sorrindo ao empurrar a porta e…
– Bom… Deus… – deixou escapar ao se retrair.
O corredor de fora estava apinhado com os machos da casa, os Irmãos e os lutadores, e Manny, sentados no chão com as costas encostadas nas paredes, as pernas esticadas,
erguidas, cruzadas nos joelhos ou nos tornozelos.
Ao que tudo levava a crer, bastante bebida estivera envolvida, pois garrafas de vodca e de uísque estavam espalhadas no chão, copos nas mãos ou sobre as coxas.
– Isso não é tão patético quanto parece – seu Butch enfatizou.
– Mentiroso – V. murmurou. – Claro que é, porra. Acho que vou começar a tricotar.
Conforme as fêmeas foram saindo atrás dela, cada uma demonstrou surpresa, descrença, e depois deleite pervertido.
– Sou só eu que acho – um dos machos se queixou – ou acabamos de executar uma castração em massa aqui?
– Acho que isso basicamente resume a uma situação de merda – um dos outros concordou. – Vou usar calcinha debaixo das calças de couro daqui por diante. Alguém me
acompanha?
– Lassiter já usa – V. disse ao se pôr de pé e se aproximar de Jane. – Oi.
Seguiu-se um momento de reunião.
Enquanto os outros casais se reencontraram, Butch sorriu para Marissa enquanto ela se aproximava dele, estendendo o braço para levantá-lo do chão. Quando se abraçaram,
ele a beijou na lateral do pescoço.
– Deixou de me amar agora? – ele murmurou. – Porque estou preso nas suas rédeas?
Ela se entregou ao abraço dele.
– Por quê? Por ter sofrido enquanto eu assistia a um filme obsceno com as meninas e que, no fim, nem era tão obsceno assim? Na verdade, acho isso… prepare-se… bem
bonitinho da sua parte.
– Ainda sou muito homem.
Ao esfregar o corpo no dele, ela emitiu um som de agrado ao sentir a sua ereção.
– Hummm… acho que é mesmo.
Com seu cheiro de vinculação bramindo, Butch segurou sua fêmea pelo cotovelo e a conduziu pela ala dos empregados. A não ser por V. e Jane, todos os outros tinham
uma distância mais curta a cobrir do que eles. O Buraco ficava do outro lado do pátio, mas já era dia e isso significava que teriam que descer todas as escadas,
passar pelo túnel e pela passagem subterrânea para chegar ao quarto deles.
Ele não aguentaria tanto tempo.
Não mesmo.
O primeiro quarto vago com alguma privacidade que encontraram foi o de um dos criados, que estava desocupado, com as cortinas puxadas, uma cama de solteiro sem
lençóis e uma trava de latão muito útil.
Butch não se deu ao trabalho de acender as luzes; simplesmente atraiu sua fêmea para junto de si e a beijou com ardor enquanto batia a porta com um chute e fechava
a trava como um profissional.
– Preciso tanto de você – grunhiu.
– Estou aqui – ela disse ao encontro da boca dele.
Perfeito pra cacete, seu pau rugiu dentro das calças. Seguindo suas ordens, Butch a fez retroceder para a cama, sentou-a e se ajoelhou diante dela. Ao inalar profundamente,
começou a rir.
– O que foi? – ela murmurou, com as pálpebras pesadas e absolutamente comestível.
– Você está excitada.
– Claro que estou.
– Não estava quando saiu da sessão de cinema.
– Por que estaria? Aquilo foi só uma boa dose de entretenimento com as meninas. Como ir ao museu, sabe? Você aprecia a arte, mas não a levaria para casa.
– Então, ainda sou o seu sabor predileto?
– Você é o meu único sabor.
Ora, ora, se isso não inflou seu peito, seu pau e seu ego. Revelando as presas, ele disse:
– Era disso que eu estava falando…
– Ficou mesmo com ciúmes? – ela perguntou. – Por causa de um filme?
– Sim.
A risada que escapou dela foi tão gostosa e relaxada, um som de tanto contentamento, que ele desejou que ela e as meninas se juntassem de novo, até para verem humanos
sensuais rodopiando na tela, se era o necessário para sua companheira relaxar dessa maneira. Entenda-se, ele não escreveria nenhuma carta de fã para aquele tal de
Channing Tatum, mas estava mais do que agradecido por aquelas fêmeas e aquela amizade.
Qualquer um, qualquer coisa que cuidasse da sua shellan tinha seu selo de aprovação.
Voltando ao que interessava, afastou as pernas de Marissa e fez seu tronco cair no colchão. Tinha muitos planos que envolviam ficar com ela por umas belas duas
horas, mas seu pau não aguentaria tanto tempo assim.
Precisava estar dentro dela. Agora.
Concentrando-se em abrir suas calças, deixou-a nua da cintura para baixo num movimento de puxar rápido e eficiente ao longo das pernas adoráveis. E logo as palmas
estavam percorrendo suas panturrilhas, suas coxas. Com um gemido, ela se abriu ainda mais, como se o desejasse com o mesmo ardor que ele, revelando seu sexo intumescido…
e foi nesse momento que ele perdeu a cabeça.
Revelando a ereção, foi direto para o centro dela, sem preâmbulos, sem preliminares… Estavam, os dois, mais do que prontos.
– Marissa – ele grunhiu ao penetrá-la, deslizando para dentro, a sensação ao mesmo tempo familiar e revigorantemente eletrizante.
Praguejando numa expiração, recuou e o quadril assumiu o comando, enterrando, enfiando, bombeando… e ele adorou o modo como ela se segurou ao seu pescoço, aos seus
ombros.
– Tome minha veia – ela ordenou.
As presas dele já estavam alongadas, e ele as expôs num sibilo. Atingido seu ponto predileto, do lado esquerdo, ele sugou com profundidade, bebeu com firmeza, embebedou-se
com o sabor dela assim como com o sexo.
No entanto, ele não aguentaria por muito mais tempo. A coisa estava ficando muito intensa, rápida demais, e ele a reposicionou para penetrá-la mais fundo… e agarrou
o seu quadril, enterrando-se, movendo-se como um pistão em seu corpo, balançando tudo com tanta ferocidade que a armação de metal da cama bateu na parede e as molas
do colchão fino formaram uma sinfonia com os rangidos.
Ouviu-a gozar, era esse o seu objetivo, ouvir aquele nome comum e nada sofisticado explodir com ímpeto no ar permeado pelo sexo – e desejou parar só para sentir
os espasmos rítmicos do interior dela. Contudo, parar já não era mais possível. Suas bolas estavam contraídas e quentes, a pelve fazendo movimentos automáticos de
modo que não poderia deter aquilo, assim como não poderia conter as batidas do seu coração, e seu pau era uma bizarra combinação de torpor com hipersensibilidade…
Butch gozou com tanta força que enxergou uma explosão de fogos de artifício, e mesmo quando ejaculava, sabia que não estava perto do fim.
Continuou cavalgando-a, mudando de posição uma vez mais, arqueando-se sobre o corpo dela até que seu peso apoiou-se nas pontas dos pés e nos braços que o suspendiam
para que não a esmagasse.
Mais fundo ainda. O que era impressionante.
Não tão bom para a cama, que começou a deslizar pelo chão.
Mas, pensando bem, não havia como parar. Por isso, simplesmente se moveu com ela, até a moldura se encaixar no canto oposto.
Aquilo sim é que era um ponto de apoio.
Perfeito. Pra. Cacete.
Butch prosseguiu bombeando, o corpo agindo por vontade própria, as semanas – bem, talvez, se fosse sincero, os meses – sentindo-se afastado dela desaparecendo como
se ele estivesse apagando aquele distanciamento sutil com seus movimentos.
Muitos orgasmos. Do tipo exagerado e fantástico que deixa o rosto transtornado, e você vai acabar dolorido ao despertar, e as coisas ficam muito, mais muito grudentas
mesmo ali embaixo.
Quando, por fim, terminaram, ele despencou em cima dela. Teve a intenção de rolar de lado, para que ela conseguisse respirar com mais facilidade. Teve mesmo. Ah,
se teve.
Rolar de lado agora seria algo bom.
Aham.
Em três… dois…
… um.
Só que ele não deu conta do esforço. Sentia como se alguém tivesse estacionado um Hummer em sua coluna.
Marissa deslizou as mãos pelos seus braços, para cima e para baixo. – Você foi incrível.
Ele tentou levantar a cabeça. Descobriu que o mesmo maldito do Hummer deixara um trator sobre sua cabeça.
– Não, você foi. – Ou, pelo menos, foi isso o que ele quis dizer. O que saiu da sua boca foi a fala de uma vítima de derrame.
– Não… você foi. – repetiu.
– O quê?
Só o que ele conseguiu fazer foi rir e, de repente, ela também estava rindo… E foi nesse instante que ele se forçou a seguir o programado e sair de cima da pobre
fêmea. Ela o acompanhou, e logo se remexeram a fim de conseguirem se deitar direito na cama. Com os corpos emanando tremendas ondas de calor, estavam quentes, bem
quentes, mesmo sem cobertas.
– Eu te amo, Butch – ela declarou.
Na densa escuridão, ele sabia que ela o fitava, e adorou isso. Queria a atenção total dela, ansiava por ela, necessitava dela para confiná-lo num nível patético
e de completo castramento. Mas jamais exigiria algo assim dela – e, para um filho da puta impaciente como ele, estava muito, mas muito disposto a aguardar que acontecesse.
Deus, que ela lhe tivesse dado isso livremente? Seu amor e sua atenção eram uma dádiva que, como ela, ele jamais se cansava de receber.
Fechando os olhos, sentiu o quanto ela o amava. E engraçado, às vezes, quando se está há tanto tempo com uma pessoa, casado com ela, morando com ela, momentos como
aquele eram tão maravilhosos e mágicos como no incrível instante em que o “eu te amo” é dito pela primeira vez.
– Nossa, eu também te amo.
O beijo que lhe deu foi suave e gentil, e não por estar exausto. Porque, na verdade, se ela estivesse apta para mais uma rodada, ele seria mais do que capaz de
chegar lá. Não, beijou-a com cuidado porque o vínculo emocional entre eles uma vez mais estava forte como um cabo de aço e delicado como uma folha de grama.
Com um toque suave, ela passou as pontas dos dedos pelo peito dele. – Já desejou que eu fosse diferente?
– Não é possível. Não se pode melhorar a perfeição. E não, nunca desejei.
– Você é tão gentil.
– Isso é uma coisa que nunca foi dita a meu respeito.
– Bem, você é gentil para mim. – Houve uma pausa. – Posso pedir a sua ajuda?
– Eu ficaria louco se não o fizesse.
Deixa para uma longa pausa, de modo que ele se moveu de lado para apoiar a cabeça sobre a mão. Agora sim ele desejou que houvesse mais luz no quarto do que a nesga
debaixo da porta permitia.
– O que foi?
– Bem, sei que está ocupado com o centro de treinamento…
– Pare. Vai mesmo fazer isso? – Ele franziu o cenho mesmo que ela provavelmente não estivesse enxergando. – Vai sugerir que existe alguma coisa mais importante
do que você?
A imprecação que ela emitiu foi uma espécie de derrota.
– Pode me ajudar a encontrar quem matou aquela fêmea? Quem ela era, o que aconteceu com ela, quem fez aquilo com ela?
Ele não hesitou.
– Sim, posso. Seria uma honra.
O suspiro de alívio dela foi outro elogio do tipo que ele jamais se cansaria.
– Obrigada – ela murmurou.
– Eu ia me oferecer, mas quis respeitar o seu espaço.
– Não posso deixá-la num túmulo sem nome.
– Isso não vai acontecer. Vou cuidar do assunto. – Mais uma vez, seu rosto franziu na escuridão. – Porém, você precisa saber de uma coisa.
– Do quê?
– Não sou do tipo que deixa pra lá.
– Ah, eu sei. Você e eu vamos fundo até descobrirmos tudo.
Butch sacudiu a cabeça.
– Não é isso que quero dizer. A raça dos vampiros não possui uma força policial. Não existem cadeias…
– Existe uma colônia penal a oeste em algum lugar. Pelo menos costumava haver. Não sei bem o que aconteceu com ela…
– É o que estou falando. Não existe um procedimento real ou consequências para crimes dentro da raça. Não há como punir os culpados ou lidar com as falsas acusações.
Wrath voltou a realizar as audiências e ajudou em alguns casos de conflito, mas ele é tanto o júri quanto o juiz. O que dá certo até nos depararmos com homicídios
e crimes graves no sistema. E eles virão. É um fato nas sociedades, quer se tenha presas ou não.
– Então, o que você está dizendo?
A voz dele diminuiu para um rugido.
– Se eu descobrir quem fez aquilo com uma garota indefesa? Não vou ser capaz de deixar isso pra lá sem represálias. Entende o que digo?
Milk Duds são doces de caramelo cobertos com chocolate. (N.T.)
Capítulo 22
EREÇÃO. POTENTE.
No anoitecer seguinte, enquanto Craeg ressurgia de um sono tão denso que era praticamente sólido, tinha algo grosso armado entre seus quadris: deitado de lado,
tendo rolado para a sua posição predileta em algum momento, a mão estava a poucos centímetros do pau e, por trás das pálpebras cerradas, imagens de Paradise se desenrolavam
como uma apresentação de slides calculadas para deixá-lo excitado, mantendo-o assim até que gozasse.
Sim, claro, sua consciência se opunha, mas era uma batalha fadada ao fracasso.
No entanto, não se masturbaria ali na cama. A enfermeira entrava a cada quinze segundos, e conhecendo bem a sua sorte, ela escolheria o melhor momento para entreabrir
a porta para ver se ele ainda respirava.
Preparando-se para se levantar, ele…
Não teve absolutamente nenhuma dificuldade para se mexer, virar as pernas na cama e para se por de pé. Na verdade, sentia-se como se tivesse dormido por um mês.
Puxa.
O sangue de Paradise, claro. E isso fez com que a temesse um pouco, por algum motivo.
Fio a fio, ele se desconectou dos diversos equipamentos e das bolsas de fluidos e, quando um alarme disparou, ele apertou os botões do monitor até que a coisa se
calasse. Depois foi para o banheiro, ligou o chuveiro e fechou-se ali dentro, imaginando que a enfermeira, que sem dúvida viria correndo como se a casa estivesse
pegando fogo, veria por si só que ele tinha se levantado e estava bem.
Como imaginado, ouviu uma batida à porta do banheiro bem quando ele despia o avental hospitalar e entrava debaixo do jato.
– Craeg? – ela o chamou. – Está tudo bem?
– Está. Já vou tomar banho para depois comer.
– Que bom. Mas tome cuidado, está bem? Precisa de ajuda?
Ele baixou os olhos para a enorme ereção protuberante em seu quadril.
– Não. Acho que consigo me cuidar sozinho.
– Ok, mas sabe onde está o botão de emergência, não sabe? Avise se sentir tontura.
– Pode deixar. Obrigado.
Aguardou um instante para ver se realmente havia sido deixado em paz. Quando constatou que tudo estava tranquilo, que não ia haver nenhuma outra pergunta, pegou
o sabonete, mas não foi para o pau e as bolas. Passando a barra pelo peito e ombros, pelo pescoço e rosto, pelas pernas e pés, deu uma oportunidade ao corpo de desistir
daquela brilhante ideia.
Nada disso. Na verdade, a sensação das bolhas sobre a pele o fez pensar no instante em que esteve ajoelhado diante de Paradise, afagando-lhe a pele delicada.
A parte do xampu também não ajudou em nada. Conforme o ar dentro do banheiro se tornou denso devido à umidade e ele ficou sem ter mais o que lavar, reconheceu a
derrota, pôs um fim à negociação, resignou-se ao inevitável.
– Ah, que se foda… – gemeu ao segurar o membro.
Apoiando uma mão na parede de azulejos, inclinou-se até a testa encostar no antebraço. Masturbar-se foi bom demais… Não conseguia se lembrar, na verdade, de que
bater punheta fosse assim tão incrível antes… Era… o paraíso.
Ou Paradise, melhor dizendo.
Com mais força, mais rápido, até ele abaixar o outro braço e apertar as bolas com uma ligeira torção…
Numa série de espasmos, seu pau se avolumou em sua mão e ele ejaculou na parede do chuveiro uma vez e depois outra.
Quando, por fim, relaxou, praguejou repetidas vezes.
Depois de tudo pelo que passara, por que isso agora? Por que sua cabeça estava tão fixa naquela fêmea agora?
Só podia ser o estresse, disse a si mesmo. A atração era apenas reação ao estresse pelo qual passava, um buraco de minhoca no qual se concentrar só para não implodir.
Saiu do box. Largou a toalha. Havia lâmina de barbear, desodorante também, e um pente para seus cabelos, mesmo curtos como estavam.
Merda, precisava de roupas.
Saindo do banheiro…
Encontrou um par de calças folgadas e uma camiseta sobre a cama, assim como um par de tênis de corrida que, sim, eram do tamanho certo. Distraído, ficou imaginando
quantos conjuntos havia para cada candidato. A coisa toda de altura/peso/número de calçado fizera parte do processo de inscrição, mas mesmo assim…
Alguns minutos mais tarde, saía pela porta, descia pelo corredor e entrava no refeitório.
Imagine abundância. A primeira coisa que viu foi uma mesa com comida suficiente para alimentar um exército. Pratos empilhados, prontos para serem cheios, guardanapos
adamascados enrolados ao redor de talheres de prata, e o “bar” tinha praticamente todo tipo de bebida não alcoólica que se podia imaginar, inclusive uma máquina
de milk-shake.
Evidentemente, os Irmãos estavam refinando as coisas conforme elas avançavam.
– Nada disso foi adulterado – uma voz masculina disse atrás dele.
Craeg girou e ergueu os punhos como se fosse ser atacado. O Irmão Butch estava sentado numa mesa de canto, as pernas apoiadas numa cadeira desocupada, comida no
prato ao seu lado. Com movimentos cuidadosos e precisos, ele levou uma garfada de ovos mexidos à boca sem derrubar nada.
– Vá em frente – ele disse enquanto mastigava. – Sirva-se e sente-se comigo. Não vou te ferrar.
Craeg assentiu uma vez e avançou pela mesa. Não se intimidou ao se servir; não fazia ideia do que os aguardava, mas imaginava que estocar energia seria o melhor
modo de se preparar para a noite.
Escolhendo uma cadeira a duas da de Butch, tinha uma boa visão da porta, algo que frequentemente se via buscando: descobrir sempre uma rota de fuga. Foi assim que
sobreviveu depois que os assassinos passaram pela sua casa.
– Olha só, não vou fazer rodeios – disse o Irmão antes que Craeg aproximasse o garfo dos lábios.
Maravilha. O cara planejara aquilo, sabendo que Craeg estava na casa e provavelmente comeria cedo.
Abaixando as sobrancelhas grossas, Craeg se esqueceu da comida e se concentrou na porta.
– O que foi?
– Acho que você precisa ficar aqui no centro de treinamento.
– Como é que é? – Desviou o olhar para o Irmão. – Eu tenho um canto meu.
O cara abaixou as botas no chão e se moveu para ficarem frente a frente.
– Sei onde você mora.
Algo naquele olhar franco o assustou, por isso fez de conta que comia.
– Bem, não menti quanto ao meu endereço.
– Não é seguro.
– Estou lá desde os ataques.
– Aquele prédio mal tem encanamento. E não há proteção contra o sol.
– Fico no porão.
– Um incêndio daria um fim nisso rapidamente, colocando-o numa posição de escolher entre incineração pelas chamas ou pela luz do dia.
Craeg cortou uma salsicha ao meio e enfiou uma metade na boca.
– Não vou me mudar.
– Aqui você tem comida e água. E uma boa cama para deitar. Também não precisa pagar aluguel.
– Não preciso de caridade. – Ok, agora estava começando a se irritar. – Vim aqui para aprender a lutar, não para que vocês fiquem orgulhosos de si mesmos.
Butch se inclinou.
– Acha que vamos limpar a sua bunda toda vez que for ao banheiro? Mesmo, acha que é isso o que queremos?
– Olha só, não preciso…
– Idiota – Butch se esquentou. – No próximo ano, vamos investir algumas centenas de milhares de dólares em vocês, sem cobrar nada. Acha que queremos que isso vire
fumaça só porque o seu orgulho está todo inflado? Não se trata de caridade e não é negociável. Hoje, depois da aula, eu vou levá-lo de carro até a sua casa, esperar
você empacotar as suas coisas e depois irei trazer a sua miserável carcaça para cá, ou pode ir se foder. É assim que vai ser, meu chapa.
Craeg praguejou com vontade, mas em pensamento.
Pense em alguém te segurando pelas bolas.
– Tudo bem – concordou num murmúrio.
Butch lhe deu um tapa no ombro.
– E para te mostrar que não guardo ressentimentos por você ter se comportado como um idiota, vou te colocar num quarto com uma boa TV, internet e um calendário
com fotos do Rhage só para você ter alguma coisa bonita pra ficar olhando.
Dito isso, o Irmão se levantou da mesa, levando o prato ainda cheio consigo.
Assim, a “refeição” dele só servira para mostrar que era seguro comer.
– Te vejo na aula – Butch disse, parado à porta depois de deixar o prato na pia. – Sala de aula hoje. Bombas, sistemas de detonação, como desarmar. Coisas divertidas.
Sozinho, Craeg pendeu a cabeça entre as mãos.
Planos, ele tivera planos sobre tudo aquilo.
Mas que porra.
– E, em seguida, o que aconteceu?
Enquanto o pai fazia a pergunta servindo-se de mais marmelada em sua torrada, Paradise tentou formular mais uma mentira. O que, levando-se em consideração que só
tivera duas horas de sono e ainda estava se recuperando fisicamente de tudo, era o mesmo que tentar abotoar uma camisa no escuro.
– Hum… – Partiu um pedaço do croissant e espalhou geleia de morango. – Bem, depois que nos apresentamos, houve uma espécie de coquetel. – Vômitos. – Ficamos no
ginásio para conhecer uns aos outros. – Quase fomos eletrocutados no escuro. – Fomos nadar. – Uma festa de afogamento. – No fim, fomos caminhar. – Marcha mortuária
à la Dickens. – E depois todos passaram por um exame físico. – Ressuscitação cardíaca. – A noite foi longa, por isso nos pediram para ficar. – Quase mortos e mal
respirando. – E foi só.
Maravilha. Baixara o Pinóquio nela.
Seu pai assentiu.
– A Irmandade foi muito gentil em me telefonar, assim como Peyton. Disseram que você se saiu muito bem, que foi a primeira da turma.
– Eu mesma fiquei surpresa com isso.
E ainda se sentia perdida em sua própria casa. Sentada com o pai nas mesmas cadeiras de sempre, debaixo do mesmo lustre de cristal, com os mesmos pratos, xícaras
e pires de porcelana, sendo observada pelos mesmos retratos a óleo dos ancestrais, ela se sentia como se estivesse num hotel agradável, decorado como um castelo,
com uma equipe muito bem treinada que conseguia antecipar todas as suas necessidades… e que estava numa terra estrangeira.
E também havia o seu pai… Deus, o seu pai.
Enquanto Abalone estava acomodado à cabeceira da mesa comprida e lustrosa, seu belo rosto reluzia de alívio e orgulho – principalmente alívio – e isso só fazia
com que ela se sentisse pior. O fato de que as suas mentiras estavam conseguindo o efeito desejado, distanciavam-na ainda mais dele… Além disso, havia a camada extra
de culpa.
Que não era causada pelo treinamento.
Era impossível não lembrar e se obcecar com o que fizera com Craeg, e com o que ele fizera a si mesmo. Uma parte sua ficava repassando cada nuance da experiência,
cada contato visual, todos os sons, os cheiros… a expressão no rosto dele quando…
Ok. Ela não pensaria naquilo à mesa de jantar.
No que pensaria? Deus, por mais que odiasse admitir, preocupava-se que aquele interlúdio, mesmo que fosse único, a tornasse inadequada aos olhos da glymera. Claro,
ainda estava sexualmente pura, mas sua veia fora muito bem usada e isso levara… àquela certa… exibição, se é que se podia chamá-la assim, por parte de Craeg.
De fato, odiava o fato de desperdiçar sequer um pensamento com aqueles preconceituosos filhos da mãe, mas, sentada ali junto ao pai, era um fardo inevitável.
Não se podia deixar de lado toda uma educação tão rapidamente.
Ainda mais quando pensava no que seu pai desejava para a sua vida.
– Paradise?
Ela voltou ao presente e sorriu.
– Desculpe, o que disse?
– Acho que já colocou bastante geleia aí, meu bem.
Paradise olhou para baixo e viu que tinha colocado metade do pote num pedaço de croissant do tamanho do seu polegar. A doçura vermelha escorria no seu prato, pela
faca, em sua mão.
– Que boba que eu sou. – Começou a limpar tudo. – Então, como foi a sua noite?
Felizmente, ele começou a falar do trabalho e sobre o grande baile que se aproximava, dentre outras coisas, e ela conseguiu prestar atenção o suficiente para assentir
nos momentos adequados.
O que os Irmãos farão conosco hoje? E como agiria com normalidade perto de Craeg?
Trinta minutos mais tarde, já vestira o uniforme, arrumara a mochila e estava saindo pela porta da frente, desmaterializando-se até o ponto de encontro. O ônibus
já estava estacionado no terreno arborizado, e a porta dobrável dianteira se abriu assim que o motorista a viu.
Subindo os três degraus, afrouxou o casaco e encarou os olhos do grupo. Novo estava relaxada, com fones nos ouvidos e o iPhone diante dela. Boone, a mesma coisa.
Axe dormia no fundo de novo, sem dúvida sonhando com coisas que ela esperava que ficassem apenas na cabeça dele. Anslam digitava no celular, provavelmente atualizando
seu status no Facebook, indicando um relacionamento sério com o Porsche que seu pai acabara de lhe dar por ter entrado no programa. E Peyton esfregava o rosto como
se isso fosse despertá-lo.
– Ei – ele disse quando ela se aproximou.
Quando ela se sentou no banco do lado oposto do corredor, ele virou de lado, se encostou nas janelas escuras e esticou as pernas.
– Está pronta? – ele perguntou.
– Acho que poderia responder com mais certeza se soubesse o que nos aguarda.
Ele grunhiu.
– Ok. Mudando de assunto. Adivinha o que fiquei sabendo?
Peyton era a fonte de todo tipo de fofoca, sempre fora. Foi ele quem lhe contou sobre o novo brinquedinho estacionado na garagem da família de Anslam, e sobre o
último escândalo envolvendo uma prima de segundo grau que mentira aos pais sobre onde vinha se hospedando na cidade, e a história de uma fêmea casada com um velhote
que recebia levas de machos no chalé de hóspedes em sua propriedade.
Mas essa última devia ser um exagero.
– O que foi? – Pelo menos a conversa fiada desviaria seus pensamentos sobre seu reencontro com Craeg. – E capriche nos detalhes, se puder. Esta viagem vai levar
no mínimo meia hora.
– Tenho outras histórias. Não se preocupe.
– Ainda bem. – E isso apesar de terem passado horas conversando ao telefone durante o dia. – Eu te disse, ultimamente, que eu te amo?
– Sim, mas se quisesse provar isso de verdade, faria a tatuagem que comentamos.
– Não vou tatuar uma foto sua na minha bunda.
– Mas assim, quando você passasse por mim, eu teria alguma coisa bonita para olhar.
– Não se eu estivesse de calças. Ei, eu não deveria ficar ofendida com esse seu comentário?
– Olha só, sinto muito, Parry, mas loiras com corpos perfeitos e lindos olhos azuis não chegam a parte alguma neste mundo. É bom você ir logo se acostumando com
a ideia.
Ela jogou a cabeça para trás e deu uma gargalhada.
– Ok, ok, vamos à sua história.
– Um primo meu de terceiro grau me disse que o Festival Dançante do Décimo Segundo Mês vai ser realizado no salão de bailes do seu pai. Por que não me contou, caramba?
– Fiquei sabendo disso também – Anslam disse, erguendo o olhar do seu iPhone.
Paradise relanceou a vista ao redor. Boone e Novo não conseguiriam ter ouvido nada, e Axe estava fora do ar. Abaixando a voz, ela disse:
– Peyton, você tem que maneirar nesse tipo de assunto, lembra?
Seu amigo estalou as juntas das mãos.
– Desculpa. Mas estamos praticamente sozinhos… E a novidade é quente. Quer ir comigo? Ou melhor, posso gozar com você da festa? – Ele lhe lançou um sorriso radiante.
– Isso te pareceu malicioso?
Paradise o encarou, mas não se ofendeu.
– Você é um porco. Mas, sim, por favor, seja meu acompanhante. Vou precisar de você para suportar a noite.
– Serei o melhor acompanhante do mundo. Bem, pelo menos grande parte da noite. Talvez até as duas da manhã. Mas vou beber até cair. Só quero te avisar antes. É
o único jeito de eu conseguir aguentar até a madrugada.
Paradise se inclinou na direção do corredor e ergueu a palma.
– Bate aqui.
Quando as mãos se chocaram, ela agradeceu a Deus por pelo menos poder ir com um amigo.
Capítulo 23
MALDITA BRITNEY SPEARS.
Sentado no fundo da sala de aula, Craeg só conseguia pensar no vídeo idiota de “…Baby One More Time” de um milhão de anos atrás. Vira a maldita coisa somente uma
vez, quando um primo mais velho, já passado da transição, o assistia com uma fascinação que ele não compreendia. Durante todo o tempo, Craeg ficava se perguntando
por que alguma humana sem graça, em idade escolar, com trancinhas, saia plissada e metade da barriga aparecendo, seria interessante para alguém.
Agora? Entendia perfeitamente.
– … o explosivo primário deste detonador é uma mistura de azida de chumbo, estifanato de chumbo e alumínio, e vocês têm que colocar a mistura aqui, na carga explosiva,
que neste caso é de tetril. – Quando Boone levantou a mão, o Irmão Tohrment assentiu. – Sim?
– Existem outros tipos de detonadores primários?
– Boa pergunta. Existe o diazodinitrofenol, e você também pode usar fulminato de mercúrio misturado com clorato de potássio. Mas preferimos a primeira opção aqui
na Irmandade.
A aula prosseguiu com Tohr, como ele lhes pedira que o chamassem, ensinando o básico da fabricação de bombas, e Boone, o levantador de mão da sala, interrompendo
de tempos em tempos com outra “boa pergunta”.
Se o cara não fosse tão bom no corpo a corpo, e bastante “na dele” fora das aulas, nunca criando caso com ninguém, ele seria apontado como o babaca da classe.
Nesse meio-tempo, Craeg executava aquele vai e vem entre o lado esquerdo e o direito do cérebro, e deduziu que a rotulação de partes analítica e criativa devia
estar certa: seu lado analítico estava conectado à frente da sala de aula, na bancada comprida de produtos químicos em suas variadas formas, recipientes e frascos,
e na lousa repleta de rabiscos e diagramas.
O lado “criativo”, ou “o vadio repositório masculino de gatas de parar o trânsito”, continuava desviando seus olhos para Paradise. Ela estava sentada à frente dele,
numa mesinha mais à direita e, ao contrário dele, não parecia outra coisa além de completamente concentrada: estava inclinada para a frente, atenta a ponto de parecer
obcecada pelas informações dadas, anotando coisas no seu bloco de notas.
Metade do cabelo dela estava puxado para trás, preso num nó frouxo por uma espécie de elástico preto grosso, e ela usava o mesmo tipo de uniforme folgado meio Tai
Chi Chuan que todos eles usavam. Mas, porra, ela bem que podia estar usando um biquíni fio dental com todas aquelas ondas loiras descendo pelos ombros e seios…
Pare com isso.
Nem fodendo, sua libido retrucou.
Fantástico. Agora estava distraído e discutindo consigo mesmo. Se processasse mais algum dado na sua cabeça, era capaz que seu cérebro derretesse nas proporções
do acidente nuclear em Three Mile Island.
E lá estava ele voltando a encarar a garota.
A raiz do problema era, tirando os orgasmos que teve no chuveiro, a nuca dela.
Aquela porção de pele devia ser tão suave quanto a do pé.
Só podia.
Mudando de posição na cadeira, disfarçadamente pôs a mão debaixo da mesa e se rearranjou. Maldição. Precisava mesmo se domar.
E, mesmo quando seu olhar se desviou para Tohr e o falatório sobre bombas, teve a fantasia de levantar do seu lugar, se aproximar dela por trás e deslizar os lábios
em toda a extensão de pele pálida entre a linha dos cabelos e o colarinho daquela camiseta folgada…
– Craeg?
– O quê? – ele guinchou para Tohr. Pigarreando, tentou mais uma vez com um tom de voz um pouco mais masculino. – Isto é, pois não?
– Venha até aqui e nos dê um passo a passo sobre tudo que foi dito.
Craeg relanceou a vista para baixo, imaginando que tipo de tenda revelaria a todos, caso se levantasse. Topo alto, três picadeiros. Circo padrão Barnum & Bailey.
Isso mesmo.
E foi nesse instante que sentiu que Paradise olhava para ele, e seu pau saltou com força suficiente para que seu quadril se projetasse.
Beleza. Tinha quase certeza de que não era esse tipo de detonação que o professor tinha em mente.
– Craeg?
Enquanto uma pausa desconcertante parava tudo na sala de aula, Paradise tomou coragem e olhou por cima do ombro.
Estivera dolorosamente ciente de onde Craeg escolhera se sentar dentre todos os lugares da sala de aula, a ponto de quase pegar um espelhinho na bolsa e colocá-lo
num ângulo em que pudesse vê-lo olhando para o professor. O que seria loucura. Tinha bastante certeza, pelo seu discurso “não você, não agora” que ele lhe dera na
noite anterior, que não estava perdendo seu tempo pensando nela; por essa razão, pareceu-lhe particularmente ridículo que ela desperdiçasse sequer um nanossegundo
com o cara se isso não estivesse relacionado ao treinamento.
Além disso, ele não fizera nada para atrair as atenções para si.
Na contramão dos outros trainees. Boone fizera um monte de perguntas, começando com “por que não posso usar o meu laptop para fazer anotações?”. O que levou o Irmão
Tohrment a responder: “Porque o barulho do teclado me faz querer sacar minha pistola. Está com vontade de experimentar vazamento craniano hoje?”. Culminando com
a pergunta de dois segundos antes que, francamente, ajudava a turma.
Boone era o inteligente da sala.
Axe ficou basicamente na dele, mãos entrelaçadas, cenho fechado, sem escrever nada, mas a aura sombria do cara significava que mesmo que ele não dissesse muita
coisa, não havia como não notar a sua presença. Novo também não falava muito, mas, quando o fazia, todos prestavam atenção. E Peyton, lógico, era quem fazia uma
piada ou outra de vez em quando.
Todavia, era o silencioso e carrancudo Craeg que chamava a atenção de Paradise.
E, a propósito, não conseguia entender por que ele não se levantava. Era mais do que apenas não se colocar na vertical. Estava sentado ali como um cervo hipnotizado
pelos faróis de um carro, encarando a lousa como se tivesse se esquecido de como se levantar de uma cadeira.
– Craeg? – Tohr o chamou novamente. – Separou-se da realidade? Tirou umas férias de mim?
Peyton se pôs de pé.
– Deixa eu tentar – disse ele, saindo de trás da mesa e passando por trás da bancada de elementos químicos, em direção à lousa. Quando pegou um pedaço de giz, olhou
para o Irmão. – Pensei que essa coisa tivesse sido proibida na virada do século!
– Prefere que eu use o seu rosto para escrever na lousa? – Tohr sugeriu.
– Você tem permissão para se dirigir assim aos alunos?
– Você luta bem o bastante para me impedir?
Peyton sacudiu a cabeça.
– Não. Nem perto disso.
– Resposta inteligente, filho. Você vai se sair bem. – Tohr lhe deu um tapa nas costas. – Por que não salva o seu colega tímido e nos mostra o que sabe?
Paradise olhou para baixo de novo e leu o que havia anotado. No começo da noite, fora difícil entrar na sala de descanso onde todos se juntaram e tentar agir de
maneira natural perto de Craeg. Ele, por sua vez, pareceu-lhe meio perturbado por sua presença, ou a de qualquer outro. Não sustentou contato visual com ninguém
e pronunciou, no máximo, três palavras.
Foi como ela esperava. Todavia, considerando-se a quantidade de energia que precisava empregar só para respirar com normalidade perto dele, aquilo lhe pareceu injusto.
Admoestou-se, tentando voltar ao presente. Precisava se concentrar no treinamento. Não apenas seria mais apropriado, como também mais produtivo, o motivo pelo qual
se encontrava naquela sala de aula – e também provavelmente a enlouqueceria menos.
Ela quase foi bem-sucedida em seu objetivo.
Duas horas mais tarde, deixaram que se levantassem para esticar as pernas e ir ao banheiro. Teve a intenção de ir ao banheiro feminino sozinha, mas Novo se aproximou
e andou com ela pelo corredor.
– Importa-se se eu perguntar uma coisa? – a fêmea quis saber quando empurrou a porta e a segurou aberta para que Paradise entrasse antes. – É uma pergunta pessoal.
– Hum… Tudo bem. – Escolheu um dos cinco reservados, abaixou as calças e se sentou, e tentou não se concentrar no fato de que uma praticamente desconhecida estava
prestes a fazer xixi no mesmo lugar em que estava. – O que é?
Você consegue, incentivou sua bexiga.
Novo, naturalmente, não teve nenhuma dificuldade. A fêmea provavelmente não tinha dificuldade com nada.
– Já transou com fêmeas?
Paradise virou a cabeça para a parede do reservado num ímpeto. Seu primeiro pensamento? Merda, é melhor subir as calças. Não vamos conseguir nada aqui.
– Eu te choquei? – a fêmea perguntou com uma gargalhada antes de dar a descarga.
Houve o som de algo metálico se abrindo e depois o de água corrente.
– E aí? – Novo a instigou.
– Hum… – Paradise olhou ao redor como se as paredes de metal cor de pêssego ou o teto branco, ou quem sabe o piso cinza pudessem ajudá-la.
– Então isso é um não. – Outra gargalhada. – Não estou surpresa.
Por um instante, Paradise pensou em sustentar uma fachada só para manter a frieza que Novo parecia ter em abundância. Mas, assim como a distração na sala de aula,
não era o motivo pelo qual estavam ali.
– Na verdade, nunca transei com ninguém.
– É, imaginei isso também.
Paradise franziu o cenho.
– Então por que perguntou?
– Gosto de ter razão.
Encarando os azulejos cinzentos do piso, Paradise pensou: “Ah, que diferença faz?”.
– Mas você sim? Com fêmeas, quero dizer.
– No passado. E machos. Amo quem eu amo. As partes não têm importância para mim.
– Uau.
A voz de Novo ficou afiada.
– Não há nada de errado com isso, sabia?
– Não, eu não… Não estou criticando, nem julgando. Só acho…
– Que é sujo e imoral, certo?
Paradise pensou em todas as restrições por ela ser uma aristocrata. E depois imaginou como seria ser simplesmente quem ela era e o que ela era, sem desculpas, nem
concessões.
– Não – disse. – Acho de fato incrível.
E, quem poderia imaginar, dito isso, conseguiu fazer o que tinha ido fazer ali. Depois de dar a descarga, abriu a porta e ficou surpresa, ante o silêncio prévio,
por a fêmea ainda estar perto das pias.
O rosto dela estava atento, como se quisesse avaliar a expressão de Paradise.
Paradise enfrentou os intensos olhos azuis esverdeados sem hesitação ao se aproximar para lavar as mãos na água morna e sabonete com fragrância de limão.
– Na verdade, invejo você – viu-se murmurando ao conferir o próprio reflexo no espelho.
Nenhuma maquiagem e as luzes fluorescentes não eram uma boa combinação quando não se dorme quase nada em quarenta e oito horas – depois de ter passado por uma tortura
organizada.
– Por que você não faz o que tem vontade? – a fêmea perguntou.
– Como é que é?
– Se gosta de garotas.
– Ah, não. – Pensou na sua reação a Craeg. E depois se deliciou com algumas imagens mentais da mão dele se mexendo debaixo do lençol. – Não, não. Gosto de machos.
Novo deu de ombros e se endireitou.
– Dá na mesma. Por que você não faz o que tem vontade?
Paradise encarou o reflexo e pensou em sua linhagem.
– É uma história longa e entediante.
– Histórias longas que as pessoas não querem contar nunca são as entediantes.
Ante a mudança do tom, Paradise desviou seu olhar. Novo estava olhando para a porta do banheiro, o corpo forte enrijecido, as mãos apertando a beirada da bancada
da pia com tanta força que as juntas estavam brancas.
– O que aconteceu com você? – Paradise sussurrou.
Novo despertou do “transe” e voltou ao presente.
– Nada que ainda seja importante. Vamos para a sala de pesos agora, correto?
– Foi o que disseram?
– Foi.
Paradise devia estar prestando atenção em Craeg ao sair da sala.
– Estou meio distraída.
– Você está bem. Jogue um pouco de água fria no rosto. Vai te ajudar… Sempre dá certo comigo.
Paradise observou a fêmea sair… e depois abriu a torneira de água fria.
Podia tentar.
Talvez isso também esfriasse a sua libido.
Capítulo 24
SENTADO À ESCRIVANINHA NO ESCRITÓRIO DE TOHR, Butch levantou a comprida chave de metal pela ponta em que estava a borla vermelha… e deixou-a cair no mata-borrão.
A gravidade a fez cair com um sólido tum. Com uma imprecação, pegou-a, suspendeu-a pela outra ponta… e deixou que ela caísse. E mais uma vez. De novo.
– Você está pronto?
Levantou o olhar para Tohr, que se inclinara para dentro pela porta de vidro.
– Estou, sim. Quem vai mandar primeiro?
– Axwelle. Imaginei que seria bom começar a avaliação com quem tem maior probabilidade de ser considerado um sociopata.
– Perfeito. – Virou-se para o computador, apertou alguns comandos e acionou a câmera escondida. – Tire-o da academia.
– Entendido.
Quando a porta de vidro se fechou, Butch viu seus dedos mexendo na chave com borla uma vez mais. Não quis contar a Marissa, mas para ele e para V. estava bem claro
o que era aquela coisa. O problema? Quando nada apareceu na internet, V. foi atrás das suas conexões no submundo vampírico… mas nada veio à tona nos clubes e grupos
de sexo.
Uma chave para fazer você entrar e mandar ver. Por assim dizer.
Costumeiramente, Butch se perguntaria se as pessoas não estariam escondendo alguma coisa ou mentindo, mas V. era um membro legítimo do maravilhoso mundo das perversões;
além do mais, o Irmão não se furtaria em usar um pouco de força para extrair informações, caso fosse necessário.
Mais um motivo para os dois serem próximos.
Por isso, o que mais aquilo podia ser? Onde mais ele poderia…
O som de uma batida no vidro fez com que ele levantasse a cabeça e gesticulasse.
– Oi, cara. Venha, sente-se.
Quando Axwelle entrou, o cara fez um movimento como se estivesse acostumado a enfiar as mãos nos bolsos dianteiros dos jeans, mas não pôde seguir o impulso com
aquele uniforme folgado.
– Posso ficar de pé?
– Não. – Butch apontou a cadeira do lado oposto da mesa. – Sente-se. E isso não é uma sugestão, é uma exigência.
Tinham que garantir que o rosto do trainee ficasse de frente para a câmera no canto superior atrás dele.
Axwelle – ou Axe, como se apresentava – cruzou os braços sobre o peito e sentou-se na cadeira.
– O que foi?
– Só quero conversar um pouco com você. Para te conhecer melhor. – Butch franziu o cenho e curvou-se para a frente em sua poltrona. Depois suspendeu a chave pela
borla vermelha. – Reconhece isto?
– Não.
– Então por que seus olhos se fixaram nela?
– Porque está na sua mão, e você não está segurando mais nada. E também porque não tem nada sobre a mesa.
Butch segurou a borla entre o polegar e o indicador e deixou que o objeto balançasse como um pêndulo, de um lado a outro.
– É o único motivo, certo?
– Pareço alguém que se ocupa com chaves?
– Como sabe que é uma chave?
Os olhos quase tão amarelos quanto os de Phury se fixaram nele sem vacilar.
– O que mais pode ser?
– Diga-me você.
– Pensei que isto aqui seria para me conhecer melhor. Que porra essa coisa que pode ser uma chave tem a ver com o meu traseiro?
Butch estudou o rosto do garoto, procurando por indicadores. Hum. Sabe, sem as tatuagens e os piercings, ele até poderia ser bonito. E também podia ser um bom jogador
de pôquer, considerando-se a máscara impassível que apresentava.
Axe aproximou o rosto da chave.
– Ainda estou olhando para esse troço. Está adiantando alguma coisa pra você?
Butch demorou-se o quanto quis antes de mudar de assunto. Uma coisa a respeito de mentirosos… O silêncio e a imobilidade eram as melhores armas para enfrentar suas
mentiras, e ele ficou procurando por tiques nervosos, piscadas, repuxadas.
No fim, sorriu.
– Já viu alguém morrer?
Aquilo não estava na lista de perguntas feita por Mary para que ele avaliasse o estado psicológico de um trainee. Mas ele era bom nessa coisa de improviso.
– O que está sugerindo?
Pensar em sua Marissa chorando por causa daquela fêmea o deixou mais agressivo que um touro, mas ele afrouxou um pouco.
– Só estou perguntando. – Desviou o olhar para a chave para dar ao macho um pouco de “espaço pessoal”. – É uma maneira de te conhecer melhor, não? Para quebrar
o gelo, que é como chamam quando duas pessoas vão a um encontro às cegas e têm que sustentar uma conversa.
– Quer saber se já matei alguém.
– Essa não foi a pergunta, foi? Perguntei se já presenciou uma morte.
Quando não houve nenhuma resposta por um tempo, Butch levantou o olhar. Axe não estava mais olhando para a chave. O cara estava com o olhar vidrado e perdido no
espaço vazio entre os dois.
Te peguei, Butch pensou.
Suavizando a voz de propósito, murmurou:
– Quem era, Axwelle?
– Não me chame assim.
– Por quê? É o seu nome, não?
– Não atendo por ele.
– Por quê?
Um olhar raivoso fuzilou Butch.
– Porque não, tá bom?
– Tudo bem, voltando à Dona Morte. Conte-me a história.
– Vá se foder.
Em qualquer outra circunstância, Butch teria avançado sobre a mesa e agarrado o filho da mãe pelo colarinho por esse tipo de comportamento, mas seu objetivo era
muito maior ali.
– Hummm – foi só o que ele disse.
Axe se largou com tudo no assento da poltrona, e voltou a cruzar os braços. Quando os ombros se avolumaram, foi difícil não aprovar a montanha formada por todos
aqueles músculos. Força bruta sem cérebro e total ausência de traços psicóticos, contudo, não lhes faria bem algum.
– Posso ir agora? – Axe perguntou.
– Não, filho, não acredito que possa. E antes que fique todo nervosinho, vou deixar claro que este maravilhoso tempo juntos que estamos compartilhando é o primeiro
de pelo menos três sessões.
– Você é terapeuta?
– Porra, não, está brincando? – Gargalhou. – Orgulho-me da minha pequena porção de loucura, pra ser sincero.
Afinal, ele era verdadeiramente religioso, depositando sua fé e o curso de sua vida de livre e espontânea vontade nas mãos de um sistema de crenças que não era
concretamente verificável. E isso era loucura, certo?
Pensando bem, o fato de a religiosidade enriquecer sua essência mortal, centrá-lo e dar-lhe significado mesmo depois de ter sido “transformado” numa espécie diferente
era prova suficiente para ele.
Encolhendo os ombros, disse:
– A única forma de você sair deste escritório é me contar o que aconteceu. Assim que o fizer, estará livre para voltar para a academia e levantar quantos quilos
quiser até seus joelhos não aguentarem mais ou você começar a vomitar. Você mal pode esperar, concorda?
Craeg achou que ficar sentado atrás de Paradise na sala de aula era tortura? Aquilo não se comparava a vê-la fazendo barra suspensa.
Do outro lado do tatame, e acompanhando o ritmo dos pesos dos equipamentos, Paradise suspendia o corpo de maneira perfeita até que o queixo chegasse à barra e depois
soltava… Subia… e descia. Os joelhos estavam dobrados em paralelo ao chão, o traseiro estava dolorosamente contraído (para ele, não para ela, evidentemente), e o
tronco em total controle, da pelve até os ombros.
Toda vez que ela chegava à parte inferior, os seios se delineavam na camiseta folgada que todos eles usavam…
– Cacete – resmungou ao se encostar no banco e segurar a barra acima da cabeça.
Suspendendo duzentos quilos do suporte de ferro, abaixou o peso até o peitoral e empurrou para cima como se a coisa tivesse insultado sua falecida mãe.
– Quer um apoio? – Novo perguntou.
Quando ele só grunhiu de volta, ela se posicionou atrás da cabeça dele, mantendo as mãos pouco abaixo da barra quase se curvando.
– Três… – Ela contou. – Mais dois. Um… ótimo. Você conseguiu.
Quando o ajudou a guiar a carga de volta ao apoio, ele largou os antebraços sobre o peito e inspirou fundo.
Novo alinhou a vista com a dele.
– Acho que você precisa de uma pausa.
– Porra, nem pensar.
– Não, estou falando sério.
– Consigo pelo menos mais umas quatro séries.
– A sua resistência não é o que me preocupa. – Com isso, seus olhos deslizaram até o quadril dele. – Não que eu não esteja apreciando a vista. Só não sei bem o
que o alvo virginal das suas atenções vai achar disso.
Craeg levantou a cabeça. Depois se sentou rapidamente.
Novo riu.
– Pois é, por que não vai cuidar disso e volta mais tarde?
– Cacete – sibilou ao se levantar.
Marchando pela academia, relanceou a vista para o Irmão Vishous.
– Preciso ir ao banheiro.
Vishous sorriu, sombrio.
– É, precisa.
Abrindo caminho até o corredor, imaginou se todos tinham notado sua ereção. A única boa notícia? Paradise parecia alheia. O que significava que ou ela era incrivelmente
boa em esconder emoções, o que ele duvidava, ou ela não fazia a mínima ideia desse seu pequeno problema, que era o que ele esperava.
E, nesse caso, ele era ainda mais sem noção.
Empurrou a porta do vestiário masculino com tanta força que teve que segurá-la para que não ricocheteasse em sua cara.
– Não, não, não.
Andando com as mãos no quadril, percebeu que nunca deveria ter tomado da veia dela. A troca de sangue criara uma espécie de conexão entre eles de forma que ele
estava ciente de cada movimento que ela fazia em todos os momentos… E sabe como isso era registrado?
O Cara Alegrinho ficava todo animado com a possibilidade de ela lhe estender a mão.
Isso. Jamais. Aconteceria.
Mais passos. Mais xingamentos.
Ainda duro.
– Porra do caralho! – exclamou.
Sim, por favor, seu pau respondeu de pronto.
Por um instante, todo tipo de fantasia passou pela cabeça dele: bater na coisa com um livro pesado, deixar cair um bloco de cimento em cima dele. Portas de carro,
martelos, toras…
Aquilo não podia estar acontecendo. A parte mais difícil no treinamento para se tornar um soldado sob a tutela da Irmandade e vingar a sua família… não podia ser
uma fêmea loira. Recusava-se a acreditar nisso.
Não era possível…
Com outro espasmo debaixo do uniforme, a ereção parecia estar rindo dele.
Encarando o quadril com raiva, berrou:
– Fique quieto, idiota.
Capítulo 25
BUTCH OBSERVOU CADA UM DOS MOVIMENTOS do garoto. Desde a série de contrações musculares sob o olho esquerdo de Axe até a coceira no queixo e o estalar do pescoço
no fim.
– Conte-me, e eu te deixo ir – repetiu.
Cara, aquilo era muito mais fácil de fazer do que quando trabalhava para a Polícia de Caldwell. Direitos de Miranda?* Ah, até parece. Encarceramento involuntário?
Blá-blá-blá. Coerção?
Bem, na verdade, ele praticava coerção já naquela época.
De fato, relembrou o dia em que aquele garoto, Billy Riddle, atacara Beth antes de ela despencar no mundo dos vampiros, levando Butch com ela. Cara, gostara de
verdade de quebrar o nariz do merdinha no piso de linóleo da sala de emergência. Hum… Tecnicamente não fora coerção, porque não estivera atrás de respostas. Fora
simplesmente revide pelo bastardo ter atacado uma mulher absolutamente inocente num beco para tentar estuprá-la com um amigo.
Sim, claro, porque era realmente possível lidar com um animal do tipo sem lhe encostar um dedo…
Maldito.
Voltando a se concentrar em Axe, Butch murmurou:
– Estou esperando.
Axe deu de ombros.
– Bote-me pra fora do treinamento, faça o que quiser… mas eu não lhe devo satisfações. Você não vai conseguir um pedaço da minha alma… Não fez por merecer.
Parecia lógico, Butch pensou. E era exatamente o que diria se estivesse sentado naquela cadeira.
Inclinou-se para a frente.
– Cedo ou tarde, antes da sua aprovação final, você vai ter que me contar.
– Por que se importa com essa merda?
– Não me importo.
Ora se isso não fez com que o cara arregalasse os olhos.
– Então por que você tá me perguntando, porra?
Butch plantou os cotovelos na mesa, abriu as mãos em leque no ar e agitou-as como quem diz: está na cara.
– Preciso saber como você vai lidar com isso quando se deparar com a morte outra vez. É por isso. E uma forma de avaliar um comportamento futuro é conhecer o comportamento
passado. O que vocês vão vivenciar aqui no treinamento não é nada comparado ao mundo lá fora. Precisa estar preparado para situações em que não haverá tempo para
pensar, quando tudo o que você vai ter para salvar a sua vida e as vidas das pessoas com quem está lutando são os seus instintos e a sua vontade de viver. Garanto
que, quando chegar a esses momentos, a última coisa que vai querer é travar. Quanto mais exposto ao trauma, mais endurecido vai ficar e mais seguro vai estar. É
uma equação de merda, mas é a maldita verdade.
Os olhos de Axe baixaram para as mãos.
– Volte para a academia – Butch ordenou. – Pense nisso. Saiba apenas que você não tem todo o tempo do mundo. Não vamos desperdiçar…
– Eu menti.
– O que disse?
O macho durão, gótico e degenerado inspirou lentamente.
– Não vi ninguém morrer. Não sei… como é. Não sei qual a sensação de assistir a isso.
A mudança de postura, da máscara de hostilidade para uma profunda tristeza, foi surpreendente, mas era assim que sempre acontecia. Quando alguém cedia, decidia
revelar tudo, tornava-se uma versão diferente de si mesmo, provando que autopreservação e revelação eram proposições mutuamente excludentes.
– Então por que você está aqui? – Butch sussurrou. – Conte-me… Por que nos procurou?
– Não sei.
– Sim, sabe, sim.
Butch discretamente verificou se o celular estava no mudo e se o telefone do escritório estava desligado. E quando Tohr reapareceu do outro lado da porta de vidro,
mostrou-lhe a palma, e o Irmão recuou.
– Por que está aqui, Axe?
Os minutos se arrastaram e os pequenos ruídos do escritório pareceram baixar de volume ainda mais em sinal de respeito pelo que se passava ali.
– O meu pai era um zé-ninguém – disse o rapaz com voz rouca. – Não fez nada da vida dele. Era só um carpinteiro para a nossa raça, sabe? Trabalhava com as mãos,
era um artesão. Minha mãe não quis mais nada nem com ele, nem comigo… Foi embora antes da minha transição. Pouco se fodeu com a gente. Mas o meu pai, ele ficou.
E sem ele, eu teria acabado nas ruas ainda pré-trans, e nós dois sabemos quanto tempo eu teria durado. – A cabeça metade tatuada e de cabelos escuros sacudiu de
um lado para o outro devagar. – Não fui… bom, sabe? Nunca fui. Mas acho que ele não foi embora porque não havia mais ninguém.
Butch não se mexia, não produzia um som. Caso interrompesse, era capaz que o macho se lembrasse de que estava falando, em vez de revivendo sua vida pregressa interiormente.
Ficou bem claro que rumo a conversa estava tomando.
– Gosto de ecstasy. Gosto de coca. Gosto… de coisas barra-pesada. Há dois anos, me meti numa farra. Fiquei sumido por uma semana. Uma noite, o meu pai tentou falar
comigo pelo celular. Me deixou três mensagens. Eu estava tão drogado que fiquei irritado com ele. – A voz grave falhou. – Fiquei… irritado.
Quando Axe parou de falar, a tristeza em seu rosto era arrasadora.
– O que você fez, filho? – Butch perguntou com suavidade, porque não conseguiu se conter.
Axe pigarreou algumas vezes. Esfregou debaixo do nariz como se as lágrimas que refreava estivessem incomodando aquele ponto.
– Apaguei as mensagens. – Algumas tossidelas. – Apaguei… todas as mensagens sem ouvir.
– E depois?
– Eles o mataram. Os redutores. Ele estava trabalhando em uma das casas atacadas de um aristocrata. Ele estava… morrendo quando me deixou as mensagens de voz. –
Axe balançou a cabeça. – Olhei a lista de chamadas quando descobri o que tinha acontecido e cheguei a essa conclusão.
Butch fechou os olhos por um segundo.
– Sinto muito, filho.
– Não fiquei sabendo assim que aconteceu… Acho que o filho de um dos outros trabalhadores foi lá e encontrou todos… O cara, quem quer que tenha sido, cuidou… de
tudo. Quando finalmente voltei pra casa – uns três dias depois, sabe? – havia um bilhete afixado na porta. Alguém ligara lá pra casa e deixara recados, e como ninguém
retornou as ligações, eles colocaram… colocaram o bilhete.
– Brutal. Pra cacete.
– Guardei o bilhete. – Axe fungou e balançou a cabeça. – Ainda tenho o papel que deixaram. Os restos ainda estão na propriedade… Acho que a casa está nas mãos dos
humanos agora…
– Você os quer de volta?
– Não sei. Não. Acho que não. Só mais uma maneira de ser um mau filho, não?
– Onde está a sua mãe?
– Fiquei sabendo que ela se mudou, se casou com um ricaço e está aproveitando a vida. Não sei… Não estou nem aí. – Quando ele levantou a cabeça de repente, seu
rosto voltara à expressão anterior, abafando todas as emoções da mesma forma que expulsamos um invasor. – Então, não. Nunca vi a morte de perto. Essa é uma virgindade
que não perdi. Posso ir agora?
Butch sentia que deveria dizer algo profundo. Mas o que Axe queria mesmo, mais do que qualquer palavra de apoio, era sair.
– Sim. Pode.
A cadeira rangeu desagradavelmente quando raspou no piso de concreto ao ser empurrada com força para trás, e Axe logo disparou para a porta. Antes de abri-la, porém,
parou. Olhou por cima do ombro.
– Como ela é?
– A morte? – Quando o outro assentiu, foi a vez de Butch inspirar fundo. – Tem certeza de que quer saber esse tipo de merda?
– Você disse que eu precisava da exposição.
Touché, ele quis dizer. Em vez disso, Butch visualizou o macho voltando para a casa modesta em que morava sozinho e bebendo até cair, ou cortando os pulsos. Ou morrendo
de overdose. Ou pulando de uma janela.
Não seria uma conclusão precipitada, considerando-se o tamanho da dor que havia por baixo de todas aquelas tatuagens e metais.
– Quero que se mude para cá. – Butch esfregou o grande crucifixo de ouro através da camisa. – Craeg vai ficar conosco, você também precisa.
– Epa, preocupado que eu me enforque no chuveiro?
– Exato. – Quando Butch o fitou por cima da escrivaninha, as sobrancelhas castanhas do cara se ergueram de novo. – Você vai ficar aqui, Axe. É mais seguro, você
estará protegido e poderá se concentrar no que precisa fazer.
Claro que haveria discussão. Caras como ele sempre…
– Ok. Mas vou precisar de uma ou outra noite livre de vez em quando para… Você sabe.
Interessante, Butch pensou. Então o pobre FDP tinha consciência, em algum nível, das merdas que passavam pela sua cabeça… e estava com medo.
– Precisa afogar o ganso, é? – Butch comentou.
– É.
– Não te culpo. E pode combinar com algum dos doggen pra te levar de carro e depois te trazer. Não será um problema.
– Então… Como ela é?
Butch se calou e viu algumas cenas – imagens horríveis e repulsivas – repassando em sua mente. Por um instante, perguntou-se se deveria seguir essa linha com o
garoto, mas reconheceu que a verdade era algo que precisava ser dito, mesmo se fosse terrível. Especialmente se fosse terrível.
E precisava ser revelada para qualquer um que quisesse se envolver naquela guerra.
Se Axe não conseguisse dominar seus demônios, a pior coisa que podia ser feita para o bem de todos era lhe entregar uma adaga e uma arma e o mandar para os becos
de Caldwell.
Butch deu de ombros.
– Eu era um detetive de homicídios na polícia dos humanos – não pergunte –, por isso vi muitas mortes. Respondendo à sua pergunta, depende de quanto tempo antes
aconteceu e como aconteceu. As mais recentes… ainda mais as violentas… podem ser uma sangreira só. Partes do corpo não gostam de ser cortadas, apunhaladas ou cerradas
em seções, e expressam sua raiva vazando sangue por todo o lugar. Santo Deus, somos constituídos por uns setenta por cento de líquido ou algo em torno disso? Você
aprende que isso é uma maldita verdade quando chega a uma cena fresca. Poças de sangue. Pingos. Esguichos. E também as roupas manchadas, tapetes, lençóis, paredes,
pisos… ou, se é algo externo, a terra, o concreto, o asfalto. E também tem o cheiro. Sangue, suor, urina, outras merdas. Essa mistura de fedores impregna o nariz
por horas e horas. – Balançou a cabeça de novo. – Nos casos mais antigos… o cheiro nauseabundo é pior do que a sujeira. Mortes por afogamento, por causa do inchaço,
são simplesmente horrendas. E se o gás ali preso se solta? O mau cheiro te faz desmaiar. E sabe, não sou muito fã dos queimados também. Quero dizer, você até poderia
pensar que não somos diferentes dos outros mamíferos. Carne assada é carne assada e ponto. Mas nunca vi um homem adulto vomitar seu café da manhã diante de um filé
mal passado. – Butch voltou a se concentrar no macho. – Quer saber o que eu mais detestava?
– Quero.
Apontou para a cabeça.
– O cabelo. O cabelo… Deus, o maldito cabelo, ainda mais se fosse de uma mulher. Emaranhado com sangue, terra, pedriscos… todo desgrenhado e torcido, esparramado
sobre a pele acinzentada. Quando não consigo dormir à noite, é o que eu vejo. Eu vejo os cabelos. – As mãos automaticamente começaram a se esfregar. – É preciso
usar luvas, sabe… para que suas digitais não fiquem em nada, não deixem nenhum vestígio seu para trás. No começo elas eram de látex, mais tarde passaram a ser de
borracha nitrílica. E, às vezes, ao manusear um corpo, o cabelo grudava nas luvas… e era como se ele quisesse me pegar, sabe? Como se… se pudéssemos nos contaminar
com a morte de alguma maneira. – Balançou a cabeça. – Aquelas luvas eram finas pra cacete. Não funcionavam.
Axe franziu o cenho.
– Por que tinha que usá-las, então?
– Não, não, elas funcionavam com as digitais, entende? Mas eu sempre deixava uma parte minha para trás com todos aqueles cadáveres. Cada um deles… tem um pedaço
meu.
A começar com a minha irmã, ele pensou. E, para ser bem preciso, ela pegara a maior parte dele.
Houve um silêncio demorado.
– Você esteve no mundo humano? – Axe perguntou. – Quero dizer… você faz parecer que era…
– Sim, um tempo atrás. Agora… sou outra coisa. – Butch pigarreou. – Vá em frente. Pode sair. Precisa se exercitar. Você, eu e o Craeg vamos pegar as suas coisas,
e talvez ajude se você estiver no carro com aquele cabeça-dura. Acho que vou ter que lutar para impedi-lo de pular do carro e sair correndo.
– Tranquilo. Tudo bem.
– Lamento muito pelo seu pai. E ele não era um zé-ninguém. Cuidar de você fez com que ele contasse.
Axe se virou e parou de novo, como se estivesse tentando se fortalecer. Em seguida, empurrou a porta e saiu para o corredor, logo desaparecendo.
Quando a porta de vidro voltou a se fechar silenciosamente, Butch ficou olhando para a frente. Não tivera a intenção de revelar tanto para o macho. Nunca falava
disso com ninguém.
Apoiando a cabeça nas mãos, inspirou fundo algumas vezes… e rezou a Deus para que nenhuma das outras entrevistas fosse como aquela.
Nos Estados Unidos, aquilo que é dito a um suspeito no momento em que ele é detido pela polícia (“Você tem o direito de ficar calado…”). (N. T.)
Capítulo 26
PARADISE FINALMENTE DEIXOU OS PÉS caírem no tatame, mas continuou com as mãos na barra. Seus pulmões ardiam, os ombros e os bíceps gritavam, e havia um fio de suor
descendo pelas suas costas por baixo do sutiã esportivo. O mais legal, porém, era que tinha descoberto que a sensação de tontura passaria rápido, e logo poderia
começar outra série.
Relanceando os olhos na direção de Peyton, viu que ele estava na esteira e ficou impressionada. Corria como um morcego saído do inferno, o corpo estava em perfeita
forma, a cabeça erguida, os olhos desfocados, porém alertas. Nunca o rotulara como um atleta, mas, pensando bem, ele só se dedicara a levantamento de tragadas.
A pergunta era, onde estava…
– Ei.
Quando Novo se aproximou, Paradise sorriu.
– Bom trabalho com aquelas abdominais. Fez quantas, umas quinhentas?
– Na verdade, foram 582. Escuta só, o Craeg acabou de sair. Parecia meio perturbado. Pensei que talvez você pudesse ajudá-lo com o problema dele.
Paradise foi para a porta, mas parou.
– Não sei… Quero dizer, eu mal o conheço.
– Alguém de nós conhece? E tenho quase certeza de que é com você que ele quer falar.
– Por quê?
– Ah, é só um palpite.
– Hum… Ok, obrigada.
Seguindo para a saída, voltou o olhar para o Irmão Tohrment.
– Posso ir ao toalete um instante, por favor?
– Pode ir, Paradise.
Saindo para o corredor, olhou para a direita e para a esquerda, esperando encontrar Craeg andando de um lado para o outro ou sentado no chão. Nem sinal dele. O
corredor estava deserto.
Seu corpo arejou-se com eficiência à medida que ela seguia até o vestiário masculino. Inspirando, captou o cheiro do macho… E, sentindo uma salpicada de algo mais,
bateu à porta de metal.
– Craeg?
Quando não obteve resposta, empurrou um pouco a porta e não viu nada a não ser uma parede de concreto. Prosseguindo, ela caminhou até chegar a um espaço amplo onde
se situavam todos os armários. Uau. Tinha dez vezes o tamanho do vestiário feminino, mas sem os sofás e os lugarzinhos confortáveis para se sentar e arrumar o cabelo
e a maquiagem. Presumindo-se que fosse necessário.
Cara, estava tão nervosa que ficava dizendo tolices para si mesma.
Aquele era outro nível.
– Craeg? – chamou um pouco mais alto.
Ouviu o som de água corrente. Numa pia, não no chuveiro, e pigarreou.
– Craeg!
– Mas que porra!
E depois mais imprecações até ele vir marchando de outra seção dentro do vestiário. Água escorria do rosto dele e das mãos, a camiseta estava molhada no colarinho.
– O que está fazendo aqui? – ele exigiu saber, passando a palma pelo cabelo molhado, alisando-o para trás.
Deus, os olhos dele eram incríveis, tão fundos e de um azul muito claro. E os ombros dele eram tão amplos. E o peito…
– Novo disse que você precisava de ajuda.
– Novo disse o quê?
– Ela me disse que você…
– Não, não. – Cortou o ar com a mão como se estivesse apagando a pergunta. – Por que ela… – Craeg parou. Depois resmungou alguma coisa parecida com “vou chutar
o traseiro dela”.
– Por quê? – Paradise franziu o cenho. – Você está bem? Precisa se alimentar um pouco mais ou…
– Não. – Ele apontou um dedo para ela. – E nunca mais com você. Nunca.
Paradise se retraiu.
– Como é que é?
– Você me ouviu. – Sacudindo a cabeça e andando de um lado para o outro num círculo fechado, ele se concentrou no piso de azulejos. – Agora, pode me dar licença
e sair daqui…
– Tenho tanto direito de estar aqui quanto vo…
Ele a encarou.
– Você está no vestiário masculino. Portanto, a menos que tenha crescido uma vassoura em você da noite para o dia, na verdade você não tem tanto direito quanto
eu.
Ela abriu a boca. Fechou.
Estava para sair quando ele se virou na direção dela.
E foi nesse instante que ela viu qual exatamente era o “problema” dele.
Na mesma hora, seu corpo reagiu. Ele parou de pronto e olhou para ela, e ficou muito, mas muito claro que percebera a sua excitação.
Uma derrota curiosa, uma que parecia absolutamente contrária à personalidade dele, formou-se em seu rosto e pendeu seus ombros.
Fitaram-se por muito tempo.
– Você não precisa dizer nada – ela sussurrou. – Sei que não quer nada disso. Sei que a hora é péssima. Sei… que a última coisa que qualquer um de nós precisa é
de um fator complicador. Mas passei o dia inteiro pensando em você. E o que de pior pode acontecer? Os nossos corpos querem… o que querem.
Dessa vez, quando a mão dele afastou os cabelos, estava tremendo. Da parte dela, eram as pernas que tremiam, os braços, o tronco. O conjunto todo, como diriam.
Craeg aproximou-se dela devagar, como se lhe desse tempo para que mudasse de ideia, que recuasse, que saísse. Isso não aconteceria. Ficou exatamente onde estava,
inclinando a cabeça para trás para poder encontrar os olhos dele.
– Se eu te beijar – ele rosnou –, não vai ter volta. Posso não te foder aqui, agora mesmo. Mas eu vou te comer por trás na primeira oportunidade que surgir.
Ela ficou com a sensação de que ele falava com tamanha vulgaridade para que ela reconsiderasse e, por uma fração de segundo, foi o que ela fez, mas não por ele
ter usado a palavra começada com “f”. Isso só a excitou ainda mais. Não, a sua consciência bem treinada pela glymera se apresentou e berrou, toda aquela moralidade
e expectativa e as regras se apressando em sua cabeça, amenizando a luxúria. Se perdesse sua virgindade para qualquer um, seria um problema, mas oferecê-la a um
plebeu? Estaria maculada pelo resto da vida. Não poderia se vincular a ninguém. Uma fonte de vergonha para seu pai, sua linhagem, sua classe.
Por outro lado, tirando alguém como Peyton, ela tinha quase certeza que, de qualquer forma, nenhum macho “apropriado” a iria querer depois de ela ter passado por
aquele programa do centro de treinamento. Mesmo que nunca lutasse na guerra, aquele tipo de aprendizagem não era condizente com a educação de salão de baile que
as fêmeas deveriam receber.
A solução, supôs, era jamais se vincular.
Quando esse pensamento a acometeu, um alívio intoxicante atravessou-lhe o corpo todo, uma sensação de estado de espírito renovado tão poderosa que ela sentia uma
necessidade de pular – e foi nessa hora que ouviu a voz de Novo dizendo:
Por que você não faz o que tem vontade?
Enfrentando o olhar sensual de Craeg, maravilhou-se em ver que a solução mais fácil era, de algumas maneiras, a mais difícil. Mas, se nunca se vinculasse a um companheiro,
então estaria livre para tomar suas decisões de um modo antes inimaginável.
E foi com base nessa força que ela tomou sua decisão.
Paradise recuaria.
Pairando acima da fêmea, Craeg sentiu isso em seus ossos. Apesar de sua excitação, ela recobraria a sensatez e os pouparia de muitas dores de cabeça. Ela o medira
da cabeça aos pés, aquele seu corpo imenso e a ereção violenta, e entenderia que não desejava complicações nem o estresse…
Com uma elegância de movimentos que o aterrorizou, ela levantou as mãos e as colocou sobre seus ombros… – não, sobre os peitorais, porque não era tão alta assim.
Quando ela inclinou a cabeça ainda mais para trás, ele ficou momentaneamente atordoado com a perfeição com que as horríveis luzes fluorescentes embutidas no teto
atingiam as feições delicadas e os fios loiros que escapavam do cabelo preso e as linhas da clavícula.
– Beije-me, então – ela disse.
Nos recessos de sua mente, Craeg ouviu o som de dois caminhões se chocando de frente.
Cacete. Não havia volta.
Praguejando, fechou os olhos. Cambaleou. Percebeu que aquilo estava mesmo para acontecer.
Voltou a abrir os olhos e esticou a mão para tocar nela. De repente, teve um momento desconcertante, como se não soubesse muito bem onde colocar as mãos. Nos ombros
dela? Na lateral do pescoço? No rosto?
O sexo em sua vida sempre fora rude e rápido, o tipo de merda que se faz com uma humana ou fêmeas vampiras que não se importam para quem abrem as pernas. Paradise
era o oposto de tudo isso, e esse era o problema. Por mais que a desejasse, queria agir corretamente com ela.
Ora, ora, veja só quem, de repente, tornou-se um cavalheiro?
Com as mãos trêmulas, acabou amparando o maxilar dela com as pontas dos dedos e, quando seus lábios se abriram, ele inclinou a cabeça de lado e diminuiu a distância
entre as bocas.
Quase.
Com um mero milímetro de antecipação separando-os, ele sussurrou:
– Última chance.
– Estou esperando.
Então, beijou-a.
O gemido que ele emitiu foi uma combinação de apetite extremo e submissão e, lá no fundo de sua mente, tornou-se vagamente ciente de que havia um novo cheiro permeando
o ar, uma parte intrínseca ao calor entre eles, mas também uma revelação.
Tanto faz, ela era suave e doce, hesitante e forte. Tudo o que ele imaginara que seria.
Esfregando a boca sobre a dela, estendeu a língua e abriu caminho para dentro. E foi nesse momento que toda aquela baboseira de se refrear voou pela janela – com
um ímpeto, envolveu-a nos braços e a puxou com força para junto do seu corpo, deixando que ela o sentisse… Inclusive no quadril, onde, apesar dos dois orgasmos que
provocara a si mesmo numa das baias antes que ela entrasse, ele estava em ponto de bala.
Ah, Deus, ela era tão menor do que ele, mas seus seios se pressionaram contra seu peitoral, e ela mudou o peso do corpo, apoiando-se nele…
Ele sabia que era ela quem estava no comando.
Beijaram-se longamente, e não chegava nem perto de bastar, mas algum alarme interno disparou bem alto para interromper aquele rugido do seu desejo pelo sexo dela.
Recuando, sentiu uma onda de orgulho masculino atravessá-lo ao vê-la corada, a boca aberta, a respiração entrecortada.
Tentou pensar em quando a encontraria sozinha, como poderiam ter alguma privacidade, onde poderia ser.
– Qual o número do seu telefone? – perguntou com voz gutural.
Depois que ela lhe disse, olhou ao redor.
– Você precisa anotar?
Até parece. Os sete números estavam tatuados no seu cérebro.
– Eu te ligo. – Outro motivo, além do maldito sol incinerador, pelo qual estava grato por se mudar para ali: ele não tinha telefone. – Às sete da manhã.
– Para marcarmos de nos encontrar? Não posso sair durante o dia. O meu pai me mataria… E não tenho como sair às escondidas. Ele saberia na mesma hora.
É, ele se lembrava como era viver com uma família numa casa pequena.
Craeg a beijou na boca uma vez. Duas.
– Apenas atenda ao telefone.
– Estou contente que queira conversar.
– Não estou atrás de conversa. – Deixou seu olhar cair do pescoço para os seios. – Vou te ensinar algumas coisas.
– Como o quê?
Dobrando-se na cintura, ele esfregou o nariz na garganta dela.
– Sabe a dor que está sentindo agora? Essa no meio das suas pernas?
– Sei… – ela sussurrou.
– Vou te mostrar como cuidar dela sozinha. E você vai me fazer gozar quando eu ouvir o som disso. – Endireitou-se e recuou um passo, apontando para a saída com
a cabeça. – Vá. Antes que alguém te encontre aqui dentro.
Não havia motivos para pôr a vaga dela em risco. Não existia nenhuma regra quanto a não se confraternizarem que ele tivesse lido no formulário de inscrição, mas
fala sério… Era melhor manter aquilo em segredo.
– Vai lá – ele repetiu quando ela não se mexeu.
Ela simplesmente ficou ali com os olhos arregalados e repletos de excitação.
Merda, ele só conseguia pensar em tomá-la ali mesmo, naquele instante, de pé, com as pernas dela segurando-o pela cintura, seu pau enterrado tão fundo nela que
ele teria que lutar para não desmaiar.
– Vá, Paradise.
Por fim, ela se virou. Pouco antes de ela fazer a curva na partição de concreto antes da porta, ele grunhiu:
– Atenda ao maldito telefone.
– Pode deixar – ela disse. – Assim que ele tocar.
Agora sozinho, Craeg fechou os olhos. E ficou se perguntando como é que conseguiria aguentar até lá.
Capítulo 27
TRÊS HORAS MAIS TARDE, Craeg estava sentado no banco do carona de um Hummer. Quase caindo para fora da janela seria uma melhor descrição. Enquanto Butch o levava
junto com Axe para fora da garagem subterrânea do centro de treinamento, Craeg estava dobrado na direção do para-brisa, tentando compreender o borrão do cenário.
– O tempo está ruim? – Axe perguntou do banco de trás.
– Não – o Irmão respondeu quando chegaram a um enorme e elaborado sistema de portões, algo saído do Jurassic Park, com uma altura de seis metros de concreto e imensas
barras de metal e barricadas com eletricidade percorrendo-as.
Sim, porque a Irmandade já provara como adorava coisas chocantes.
Craeg sacudiu a cabeça.
– Cara, vocês não vacilam com a segurança, não é mesmo?
– Não.
Conforme progrediam em meio ao terreno densamente arborizado, aproximaram-se de uma série de pontos de controle que foram ficando cada vez menos dificultosos e
tecnológicos. O último não passava de algo que se encontraria numa fazenda abandonada, uma coisa instável e “velha” montada ali justamente com o propósito de parecer
isso mesmo.
Tão inteligente.
Quando Butch por fim saiu em uma clareira e virou à esquerda numa estrada pavimentada, o estranho borrão na paisagem magicamente sumiu. Mas o estranho era que a
visão de Craeg se focalizara, mas seu senso de orientação, não. Estariam indo para o oeste? O leste?
– Sabe onde moro, claro – Axe murmurou.
Butch lançou um olhar seco pelo espelho retrovisor.
– Não, claro que não.
O trajeto para sabe-se lá onde durou 45 minutos, e só o que Craeg percebeu da viagem era o pouco que conhecia de Caldwell. Tendo passado sua vida pré-trans em casa
com a mãe, não tivera muitas oportunidades de sair depois da transição, porque os ataques aconteceram apenas seis meses depois. Após a carnificina, depois que testemunhara
a mãe e a irmã morrerem e seguira em frente para descobrir em primeira mão como fora a morte do pai, passara por um período de intensa loucura… para, em seguida,
sossegar num esquema entorpecido de trabalho que pagava suas contas e possibilitava que ele encontrasse um abrigo longe da casa dos pais.
Não retornara lá desde que acertara tudo, enterrando as fêmeas da sua linhagem junto com os restos de seu pai, que ele trouxera da casa dos aristocratas.
Deus, seu pai. Amara o cara. E descobrir que o macho de tanto valor morrera porque um punhado de tipos da glymera o trancaram para fora do quarto seguro, junto
com todos os criados e trabalhadores de lá?
E as pessoas se perguntavam o motivo de ele odiar aqueles desgraçados cheios da grana.
– Quer que a gente espere aqui, Axe? – Butch perguntou.
Craeg voltou ao presente e viu que tinham parado diante da casa de João e Maria. Foi a única comparação que conseguiu arranjar. Sob a iluminação dos faróis do Hummer,
o chalé era singular como um cartão postal, todo branco com um teto pontudo e arabescos de madeira sob o beiral tão intrincado quanto uma renda.
– Você… – Craeg disse sem esconder a surpresa – cresceu nisso aí?
– Foi. – Axe abriu a porta. – Algum problema?
– Deixa pra lá, a gente vai entrar com você – Butch anunciou ao desligar o motor. – Só porque quero dar uma olhada nos figurinos Hummel.
Craeg ia ficar no SUV, mas depois desistiu; afinal, caramba, o que mais tinha para fazer para passar o tempo?
Axe os levou até a porta lateral, que destrancou com uma chave de cobre. Quando entrou, um alarme disparou, mas não durou muito porque ele o silenciou inserindo
uma sequência numérica num teclado afixado na parede.
Quando o cara acendeu as luzes, só o que Craeg conseguiu fazer foi piscar como uma vaca.
– Santa Maria, mãe de… – Butch murmurou.
– Ele achava que ela ia voltar, tá bom? – Axe ralhou ao jogar as chaves sobre uma mesa enorme e espetacular. – Ele fez isso para a minha mãe.
Craeg nunca antes vira tantas rosas vermelhas e cor-de-rosa em sua vida: as paredes da cozinha acolhedora estavam cobertas do teto ao chão com um papel no qual
flores e galhos verdes, de onde aparentemente cresciam, predominavam. E, veja só, o acortinado sobre a alcova e ao redor das janelas da pia da cozinha seguiam exatamente
o mesmo padrão.
– Fiquem aqui – Axe murmurou. – Já desço com a minha maldita mala.
As passadas firmes do cara ressoaram pela casa, as trovoadas subindo para o segundo andar e depois ressoando pelas vigas acima.
– Olha só esse trabalho na madeira – observou Butch, ao passar a mão na moldura entalhada ao redor da porta. – Incrível.
Craeg foi até a mesa entalhada e se sentou numa cadeira delicada que o fez desejar não ter comido tanto na Primeira Refeição. Olhando para todo aquele trabalho
artesanal, nas molduras e portas, nos armários e até no peitoril das janelas, pelo amor de Deus, descobriu que tudo formava um desenho orgânico que ecoava as trepadeiras
do papel de parede, retorcendo e se virando com elegância e beleza ao redor das instalações e entradas e saídas. Com uma camada de verniz clara, o bordo, pinho,
ou sabe-se lá que madeira seria aquela, tudo reluzia como apenas a madeira mais nobre poderia.
– O restante dos cômodos só pode ser assim também – Butch disse ao se inclinar para fora da cozinha. – Pois é. Isto é uma obra de arte…
Axe reapareceu com uma mala de lona preta e uma mochila.
– Próxima parada…
– O seu pai fez tudo isso? – Butch perguntou.
– Fez.
– Caralho, ele era muito mais do que um mero nada.
– Podemos ir agora?
– Espere – Craeg interrompeu. – O seu pai era carpinteiro? O meu era instalador de pisos.
– É?
Houve uma pausa onde os dois cravaram o olhar um no outro.
– Ele morreu em Endelview? – Craeg perguntou, dizendo o nome da propriedade que fora atacada naquela noite horrenda.
A expressão sombria de Axe ficou ainda mais sinistra, de modo que suas tatuagens pareceram ainda mais ameaçadoras.
– Foi.
– O meu também. – Craeg perscrutou o rosto do macho, perguntando-se quanto ele sabia do que se passara lá. Merda… Foi terrível perceber que manuseara o corpo do
pai do cara. No entanto, outra pessoa se encarregara de notificar os parentes sobreviventes. Seu trabalho terminara ali. – Noite ruim.
– Foi. – Axe pigarreou e desviou o olhar. – Então, podemos ir?
– Não – interveio Craeg. – Fiquem aqui enquanto vou até a minha casa. Já volto com as minhas coisas.
– Então não vai levar muita coisa – Axe comentou.
Craeg se levantou e seguiu para a porta.
– Não possuo muita coisa.
O Irmão o chamou bem quando ele colocou o pé no degrau dos fundos.
– Se não voltar em vinte minutos, estará fora do programa.
– Eu sei – murmurou. – Eu sei.
Quando o ônibus freou para parar, Paradise pegou sua mochila e se preparou para sair do banco.
– Então, você vem para a minha casa? – Peyton perguntou quando se levantou. – Ainda temos umas duas horas, pelo menos, e Anslam vai lá para matar o tempo comigo.
Abaixando a cabeça só para que ele não notasse o rubor em seu rosto, fingiu procurar o celular, mesmo sabendo exatamente onde ele estava, no bolso da sua parca.
– Quero ir para casa para quando o meu pai chegar.
– Eeeeeeee isso só vai acontecer quando amanhecer – ele observou ao colocar os óculos de lentes coloridas. – Daqui a umas duas horas.
Tá, tudo bem, mas não importava que horas eram, ela não admitiria que só o que queria fazer era ficar observando os ponteiros do relógio até que o grande estivesse
no doze e o menorzinho no sete.
– Desculpa, tenho umas coisas para fazer. Você me liga? – Merda, na verdade, ela não queria que ele ligasse, não naquele dia. – Quero dizer…
– Tudo bem. – Peyton virou-se para Anslam. – Pronto para umas tragadas?
O outro macho sorriu de forma irritante.
– Hoje e sempre.
Quando os dois prosseguiram pelo corredor, ela balançou a cabeça e se levantou. Algumas coisas deviam estar voltando ao normal. E, engraçado, com todo o estresse
do treinamento, não podia culpar Peyton por querer fugir para se sentir bem. Talvez fosse isso o que estava fazendo com Craeg?
Compulsões… O modo como se sentia perto daquele macho, quando ele olhava para ela, tocava nela, beijava-a, era tão incrível que ela bem podia ficar viciada naquela
sensação, sem falar na contagem regressiva das horas. O problema era que aquilo não era algo que podia ser comprado, como maconha, ou sorvete, ou vinho. Era uma
entidade separada e independente e, interessante, o fato de ele ter escolhido ficar com ela, mesmo que só pelo telefone, fazia parte do barato.
Ele a estava escolhendo. Dentre todos no planeta…
Paradise parou no meio do corredor. Algo tinha caído no chão e ela apanhou com o rosto franzido. Era uma foto, uma foto antiga tirada com uma Polaroid, daquele
tipo que tem um quadrado brilhante no meio e borda branca nas laterais, uma delas maior para poder segurá-la e escrever nela.
A imagem estava tão borrada que era indecifrável, uma coisa vermelha com riscas ou faixas rosadas.
– Fala sério, Peyton… – murmurou.
Só Deus sabia o que ele fazia quando estava loucão. Sabia que tentara umas coisas loucas e psicodélicas e outras muito esquisitas. Coisas, é claro, com as quais
ele se deliciava contando-lhe tudo depois.
Com a imagem na mão, foi para a saída, agradeceu ao motorista doggen, e depois abriu a boca para chamar o amigo. Mas ele já devia ter se desmaterializado com Anslam,
por isso guardou a foto da colcha dele, ou do tapete, ou do roupão, ou do maldito Martini dele no bolso.
– Ajudou Craeg com o probleminha dele? – Novo perguntou das sombras.
Paradise se virou quando o ônibus foi embora, os pedriscos reclamando sob o pneus.
– Você mentiu.
– Será mesmo? – A fêmea sorriu sob o frio luar. – Não acho, não. Eu estava certa, não estava? Ele precisava de você e só de você.
Corando, Paradise se lembrou do corpo de Craeg junto ao seu, a excitação dele pressionando seu ventre.
“Probleminha” é que não era mesmo, pensou. Nada disso. Era grande, grosso e…
– E então? – Novo insistiu.
– Isso não é da sua conta.
– Tão pudica, tão reservada. Mas tudo bem. Fico feliz que vocês tenham se divertido. É assim que a vida tem que ser. Deduzi que vocês nunca iriam ficar juntos sem
ajuda.
Paradise teve que rir.
– Você não me parece do tipo casamenteira, Novo.
– Estou ampliando minhas habilidades. – A fêmea levantou os ombros fortes debaixo da jaqueta de couro. – É por isso que estamos todos aqui, não?
Por uma fração de segundo, Paradise se viu tentada a convidar a fêmea para a sua casa. Nunca tivera uma amiga de verdade. Na aristocracia, a sua posição social
determina com quem você pode ser vista. E Deus bem sabia que nenhuma das primas com quem podia jogar conversa fora lhe era muito interessante. Além disso, não se
podia confiar nelas. Fêmeas como aquelas competiam por um grupo reduzido de machos altamente desejáveis, o que as tornava tão letais quanto um cardume de piranhas.
Era o programa The Bachelor multiplicado por mil.
Além disso, Novo meio que sabia de Craeg, e isso fazia com que Paradise sentisse que tinha menos a esconder… E a fêmea parecia ser sensual o bastante para ter alguma
experiência no departamento da sedução. Talvez muita. Abrindo a boca, Paradise…
Lembrou-se de onde morava.
– Te vejo amanhã – murmurou.
– Não está irritada comigo, está?
– Não, nem um pouco. – Quando corou de novo, ficou contente por estar tão escuro e pela copa da árvore que obstruía boa parte do luar. – Na verdade, estou até agradecida.
Novo deu de ombros mais uma vez.
– Descanse bem. Te vejo amanhã.
Paradise levantou a mão.
– Tchau.
Quando ficou sozinha, deixou a cabeça pender para trás e fitou as estrelas. Depois aproximou a mochila do peito e a abraçou, desmaterializando-se.
Voltando à sua forma no gramado, no exato ponto da noite anterior, desejou se sentir menos forasteira em território familiar.
Eeeeeeee a resposta ainda era um grande e contundente não.
Avançando até a porta da frente, sentiu-se tão distanciada como na noite anterior. Desta vez, porém, a separação estava ligada a Craeg.
Sabe essa dor que está sentindo agora? Essa no meio das suas pernas? Vou te mostrar como cuidar dela sozinha. E você vai me fazer gozar quando eu ouvir o som disso.
Só a lembrança da voz grave e rouca dizendo aquelas palavras transformou seu corpo numa fornalha, a ponto de ela querer tirar a parca apesar da baixa temperatura.
Ao mesmo tempo, porém, ela olhou para todas aquelas janelas reluzentes e quis vomitar. A ideia de que estaria ao telefone, provavelmente nua, enquanto um macho que
o seu pai não aprovaria lhe passava instruções passo a passo? No quarto em que ela crescera? Enquanto o pai estava na casa? Fêmeas como ela não deviam…
– Que se foda – resmungou ao começar a andar até a porta.
A vida era curta demais, e Craeg era gostoso demais para ela perder tempo se sentindo culpada quando, levando tudo em consideração, não estava fazendo nada de errado.
Lembre-se, disse a si mesma. Você nunca vai se vincular. Você é livre.