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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA
CASAMENTO DE CONVENIÊNCIA

                                                                                                                                                  

 

 

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

 

CAPITULO 10
Christiana assumiu que nesse dia o almoço fosse mais sumptuoso do que era habitual para a refeição do meio do dia. A visita de John Constantyn era provavelmente o motivo para o excesso de pratas, bem como os acepipes, mas suspeitava também que a sua própria visita inspirara Vittorio a confeccionar algumas iguarias de última hora.
- Aposto que ele é um dos melhores cozinheiros de Londres
- confidenciou John. - Faço sempre os possíveis para conseguir um convite para comer aqui. - Deu umas palmadinhas na sua volumosa barriga. - É melhor não o deixares cozinhar no teu casamento, David. O rei pode roubar-to.
Vittorio assegurou-se de que tudo estava perfeito na mesa, e depois sentou-se junto aos aprendizes e Sieg. Em breve toda a mesa falava em italiano.
- É mais fácil aprenderem à mesa. - Explicou David. - Vai ser preciso, por causa do comércio.
Christiana observava os rapazes. Andrew era mais velho do que ela e Roger dois anos mais jovem. Todavia, para eles não era estranho que uma rapariga da sua idade desposasse o seu mestre. Na verdade, as noivas-criança eram mais comuns e ela era um pouco velha para esse papel.
John serviu-se de salmão.
- Ouvi dizer que recebestes hoje um carregamento, David.
- Tapetes de Castela.
- Tendes recebido muita carga de Inverno.
- Elas chegam quando chegam.
- Pois, pois. Estais à espera que o comércio seja interrompido na Primavera ou no Verão, não é verdade? - baixou o tom de voz.
- Ele vai fazê-lo, não vai? Outra maldita campanha. Outro exército para França e todos os navios à vista requisitados nesse sentido. Ainda bem que só negoceio com lã. Ele jamais interferirá com isso.
- Se Eduardo continuar a pedir dinheiro emprestado, em breve não haverá prata no reino nem mesmo para comprar a vossa lã, John, quanto mais para tapetes espanhóis.
- Vendeis sempre os vossos objectos de luxo, David. Sabeis sempre o que eles pretendem. - Inclinou-se na direcção de Christiana. - Ele possui instintos de ouro, minha senhora. Há uns anos atrás, ele não tocaria no monopólio do rei para exportar lã em bruto e convenceu-me também a mim a desistir. Salvou-me a pele. Quase todas as pessoas envolvidas perderam tudo.
A refeição foi longa, cordial e descontraída. David e John conversaram sobre política e negócios e discutiram as políticas de Eduardo mais abertamente do que os cortesãos. Ocasionalmente, algumas opiniões até pareciam ligeiramente desleais.
Provavelmente, os barões e cavaleiros também falavam assim entre eles, apercebeu-se ela, mas não no salão do rei.
Christiana examinou as pessoas sentadas nas outras três mesas. Para além de Sieg, Vittorio, Geva e os aprendizes, havia mais quatro criados permanentes. O lar de David parecia grande, bem gerido e eficiente. Ele realmente não necessitava de uma esposa para gerir as coisas. Ela suspeitava que a sua presença seria supérflua e até mesmo prejudicial.
Ao longo de toda a refeição, David fê-la saber que não se esquecera da sua presença. Os seus gestos e olhares sugeriam que apesar da atenção que dedicava ao seu convidado, grande parte dos seus pensamentos se dedicavam a ela. Quando ambos terminaram de comer, a mão dele repousou permanentemente sobre a dela em cima da mesa, os longos dedos acariciando distraidamente as costas da sua mão enquanto conversava. De formas subtis, ele mantinha a intimidade que haviam partilhado no jardim de hera.
Ela foi-se tornando cada vez mais consciente do seu toque e dos seus olhares à medida que a refeição se aproximava do fim. Quando
o salão começou a esvaziar-se e os aprendizes regressaram à loja e os criados aos seus deveres, Christiana notou que a percepção dele em relação a ela se agudizava apesar de nada ter mudado no seu comportamento ou nas suas acções.
John Constantyn não permaneceu durante muito tempo depois de as outras mesas ficarem desertas e Christiana e David acompanharam-no até ao pátio.
- Ver-vos-ei no vosso casamento, senhora - disse John. - É verdade que o rei vai assistir, David?
- Foi o que me disseram. Christiana encontra-se sob a sua tutela.
- Consta que o presidente da câmara vos convenceu a mudar o banquete para a Câmara Municipal.
Christiana tentou não embaraçar David deixando perceber que não sabia nada dos planos para o seu próprio matrimónio. Nunca haiam falado acerca disso. Nunca perguntara, porque nunca tencionara lá estar.
Não podia censurá-lo se ele agora antipatizasse com ela. Talvez fosse, de facto, o caso. Ele jamais lhe daria a perceber. Estava tão encurralado como ela, mas ia tentar tirar o melhor proveito desta situação. Seria apenas isso? Duas pessoas a acomodarem-se ao inevitável?
- Sim. E o presidente da Câmara tornou bem claro que se a família real assistir, todos os vereadores devem ser convidados disse David. - Teremos o banquete oficial e fastidioso do presidente da Câmara, e depois outro aqui para esta zona e para o pessoal da casa. Guardai o vosso apetite, John. Vittorio vai cozinhar no segundo.
John soltou uma gargalhada.
- E o vosso tio Gilbert, David. Também virá?
- Convidei-o. Na verdade, apropriei-me de um pajem real para lhe enviar uma mensagem. A esposa de Gilbert é uma boa mulher e não pretendo insultá-la. Ela fará com que ele venha. - Os seus olhos faiscaram maliciosamente. - A decisão irá deixá-lo louco. Se recusar, perderá a oportunidade de estar junto do rei. Se aceitar, honrar-me-á com a sua presença.
- Sim - concordou John com um sorriso de orelha a orelha.
- O dilema dele podia ser causa suficiente para contrairdes casamento, se o melhor motivo não se encontrasse agora aí ao vosso lado.
Ela decidiu não pensar na forma como David tivera acesso a um pajem real.
Nessa altura, John partiu. O pátio pareceu de súbito muito tranquilo.
O braço de David enlaçou a cintura dela.
- Vinde. vou mostrar-vos a casa.
Visitaram primeiro os estábulos. O seu cavalo negro, sem sela e escovado, permanecia no estábulo ao lado das duas montadas de David. O moço da estrebaria não se encontrava em parte alguma. Ela aproximou-se e acariciou o focinho negro do animal. Supunha que agora já podia dar-lhe um nome, uma vez que ia ficar com ele.
No edifício voltado para a rua viu os quartos usados por Michael, Roger e alguns dos criados. Andrew dormia na loja, ela sabia. Impressionava-a que cada pessoa tivesse o seu quartinho. Os criados deste mercador possuíam mais privacidade do que os nobres à guarda do rei.
Reinava o silêncio no salão. Até mesmo a cozinha ecoava por estar deserta. Vittorio estava de saída com uma cesta no braço. Ia às compras para a refeição da noite. Sorriu com indulgência e afastou-se furtivamente.
Quando David abriu a porta do último edifício, Christiana pensou que provavelmente encontraria ali mais azáfama doméstica. Apercebeu-se, com surpresa, que todas as pessoas haviam abandonado a casa.
Seguiu David até aos armazéns repletos de caixas de madeira no primeiro andar, para lá do antigo quarto da mãe. Christiana sentiu o aroma a canela e a cravo-da-índia. Tapetes, especiarias e sedas. Artigos de luxo. A observação de John havia sido correcta. David conseguiria sempre vender estes artigos. Definiam estatuto e honra, e muitas pessoas limitar-se-iam a comer apenas caldo para os poderem adquirir.
O braço dele rodeava-lhe os ombros enquanto a conduzia de regresso à cozinha. Aquele gesto simples pareceu-lhe subitamente menos descontraído do que antes. Teria ele dispensado todo o seu pessoal ou a sua discrição natural tê-los-ia levado a sair, para que o mestre deles pudesse estar a sós com a sua senhora?
Estavam sozinhos, isso era certo. O silêncio ressoante imbuíra este passeio simples de uma intimidade assustadora. Quando
regressaram às escadas que conduziam ao andar superior e aos aposentos de David, já Christiana ia com os sentidos em alerta.
David começou a conduzi-la pelas escadas acima. Ela mostrou-se relutante no segundo degrau.
O sorriso divertido dele fê-la sentir-se infantil.
- Vá lá, menina - disse, pegando-lhe na mão. - Deveis conhecer a vossa casa.
A mente de Christiana admoestou os seus instintos. Afinal, já estivera
no salão. Em breve estariam casados e, apesar dos avisos de Morvan, ele não interpretara
mal a razão da sua vinda. Permitiu que ele a persuadisse a subir.
À luz do dia, pôde ver a beleza do salão. As janelas envidraçadas de um dos lados tinham vista para o jardim e, no Verão, o aroma das flores sentir-se-ia, com certeza,
naquele compartimento quadrado. David acendeu o lume e ela caminhou pela sala, admirando o mobiliário. Cada cadeirão entalhado, cada peça de tapeçaria, cada artigo,
até mesmo os castiçais em prata, possuía uma beleza própria e característica. Correu os dedos pelo entalhe de hera no cadeirão onde se sentara na primeira noite. O que teria este homem pensado da criança que o enfrentara, com os pés a baloiçar à medida que lhe anunciava o seu amor por outro homem?
Stephen. A recordação dele ainda conseguia provocar nela uma mágoa profunda.
Ergueu os olhos e deu com os de David fixados em si.
- Estes objectos maravilhosos vieram com a casa? - questionou.
- Não.
Também lhe quis parecer que não. Tal como o corte austero das roupas de David, os objectos eram, à sua maneira, perfeitos.
- Deveis passar muito tempo em busca destas coisas.
- Raramente. Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Ela observou uma das tapeçarias penduradas junto às janelas. Soberba. Recordou-se da dependência de Elizabeth no gosto dele. Ele tinha olho para a beleza. Esse atributo concedia-lhe uma vantagem tremenda neste negócio.
Penso que sois a rapariga mais bela que já conheci.
Os olhos dela seguiram lentamente o sinuoso rendilhado em chumbo que unia os vidros nas janelas. Sentia o olhar dele cravado nela.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
Um livro pequeno repousava sobre uma mesinha perto da lareira. Sabia que se o abrisse encontraria iluminuras da maior beleza. Como tudo o resto neste compartimento, seria um objecto de grande requinte.
Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Duas portas flanqueavam a lareira. Deambulou até à porta da direita e abriu-a. Deu por si na soleira do quarto de dormir dele. Ignorando um vislumbre de inquietação na forma como ele a observava, entrou.
A lareira no quarto dele situava-se na parte de trás da da sala de estar e a janela também dava para o jardim. O quarto estava mobilado de uma forma simples, com uma cadeira perto do lume e uma ampla cama sobre um estrado baixo no centro do quarto. Cortinas azuis escuras rodeavam a cama, formando um dossel, e a parte lateral abria-se para revelar uma sumptuosa colcha a condizer.
Ela caminhou ao longo da parede com vista para o jardim e transpôs uma outra porta na extremidade do quarto. Entrou no quarto de vestir onde se encontravam os baús e cabides para as roupas dele. Havia também uma pequena lareira e uma tina de madeira tal como a de Isabele. Uma porta na sua extremidade conduzia a um guarda-roupa e a uma privada. Um cano num nicho de parede, semelhante a outros que se podiam ver pela casa, fornecia água canalizada.
Ela abriu uma porta entalhada na parede e deu por si no cimo das escadas que conduziam ao pequeno jardim de hera. Para além da sala de estar, esta era a única entrada para o compartimento.
De regresso ao quarto de dormir, olhou em seu redor, tentando acostumar-se a este espaço. David mantinha-se na soleira da porta, o seu ombro apoiado descontraidamente na ombreira da porta. Ela lançou-lhe um sorriso débil, sentindo-se uma intrusa.
- Onde é o meu quarto?
- Estais a referir-vos aos aposentos da senhora? Não existem. Nós os mercadores não vivemos dessa forma. O vosso lugar é aqui,
comigo - respondeu, encaminhando-se para a lareira. Não havia necessidade de atiçar este lume, pois faiscava e crepitava com novos cepos. Fitou as chamas incandescentes e leu o seu significado tremeluzente.
Quem viera preparar este quarto? Geva? David não teria exposto as suas intenções a uma mulher. Devia ter sido Sieg. O enorme sueco fora o primeiro a abandonar o salão. Ela duvidava que David lhe tivesse dito alguma coisa. Ele limitara-se a fazê-lo. Christiana procurou não olhar para a cama ampla que dominava o quarto. Era evidente que Sieg não tinha conhecimento das garantias que David lhe dera no jardim.
Mas não podia ficar ali especada. Procurou algo para onde pudesse olhar.
O salão estendia-se por toda a largura do edifício, tanto sobre o jardim como sobre o pátio. Este quarto não era assim tão amplo, e a parede exterior era sólida.
Vislumbrou uma porta na outra extremidade e dirigiu-se a ela a passos largos.
Assim que viu o compartimento lateral estacou. Era um gabinete de trabalho. Lançou um olhar aos objectos que o preenchiam e apercebeu-se de que agora estava mesmo a intrometer-se. Começou a recuar e foi de encontro ao peito de David. A mão dele pousou sobre a sua e ele abriu a porta com um empurrão.
- Esta casa é vossa - disse-lhe. - Aqui não há portas fechadas para vós.
A sua casa. Desde Harclow que não tinha uma casa. Não uma casa de verdade. Como a família real se movia de um castelo ou palácio para outro, nunca se sentira em casa, nem sequer em Westminster. Durante os onze anos que ali permanecera não fora mais do que uma espécie de hóspede permanente.
Este pequeno compartimento podia não estar fechado para ela nesse dia, mas obviamente que estava para todas as outras pessoas. Nenhuma governanta cuidava deste quarto, e uma fina camada de pó cobria alguns dos objectos nas prateleiras junto à janela alta. O seu olhar recaiu sobre uma pilha de livros e alguns rolos de papel. Uma pequena pintura ao estilo bizantino e uma bela escultura em marfim adornavam um dos cantos, junto de uma antiga harpa de mão, cuja estrutura era embelezada por um intricado entrelaçamento de fios prateados.
A única peça de mobília era uma ampla mesa coberta com pergaminhos e documentos. Havia uma cadeira atrás dela, e sob a mesa Christiana avistou um pequeno baú trancado no chão.
Pelo canto do olho reparou que a parede atrás da porta também continha prateleiras. Voltou-se e assustou-se ao avistar o rosto de um homem que a fitava.
David soltou uma gargalhada e dirigiu-se à prateleira.
- É extraordinário, não é verdade?
Ela aproximou-se, atónita. O rosto do homem estava esculpido no mármore e o seu realismo espantou-a. O escultor que a fizera possuía, certamente, um toque divino. Sombras subtis modelavam a pele com uma tal precisão que parecia que quase se podia tocar naquele rosto e sentir a pele e os ossos por baixo.
- Encontrei-a em Roma - explicou. - Jazia numas ruínas antigas. Levantei uma pequena secção de uma coluna e ela estava lá por baixo. Encontram-se lá imensas estátuas destas. Corpos inteiros, tão reais como este rosto e esquifes em pedra cobertos com figuras que são agora usados para conter água nas fontes. Vi recentemente algumas estátuas na Catedral de Reims que se aproximavam destas, mas nada semelhante a norte dos Alpes.
Reims. Perto de Paris. O que teria ele ido ali fazer recentemente? Que pergunta estúpida. Afinal, ele era um mercador.
- Trouxeste-la até casa?
- Não. Subornei Sieg para que a trouxesse - respondeu com uma gargalhada.
- Pareceis apreciar bastante a pintura e a escultura. Por que razão não vos tornastes num escultor ou pintor?
- Porque David Constantyn era mercador e foi quem ele quem me tornou seu aprendiz. Quando eu era rapaz, por vezes demorava-me diante da loja de um pintor. Observava-os a trabalhar, a misturar as cores e a pintar as imagens dos livros. O mestre não se importava e até me mostrou como queimar madeira para construir as ferramentas de desenho. Mas o destino tinha outros planos para mim, e eu não o lamento.
Ela aproximou-se da mesa. No canto, encontravam-se alguns pergaminhos dobrados e lacrados com um selo exibindo três serpentes entrelaçadas. Sobre eles encontravam-se alguns papéis espalhados, com marcas estranhas. Um deles exibia linhas irregulares ligadas
por curvas com números. Pequenos quadrados e círculos alinhavam-se ao longo de margens serpenteantes. Ela afastou cuidadosamente o olhar. Era um mapa. Por que razão David elaborava mapas?
Hoje não, recordou-se.
Voltou-se e examinou os livros na prateleira alta.
- Posso ver um?
- Qual deles quereis?
- O maior.
David retirou o maior da prateleira e pousou-o sobre a mesa, cobrindo os desenhos crípticos. Christiana sentou-se na cadeira e abriu-o cuidadosamente. Observou, surpreendida, as linhas e os pontos que tinha diante de si.
- É sarraceno, David.
- Sim. As imagens são maravilhosas. Continuai a ver. Ela virou as imensas folhas de pergaminho.
- Conseguis ler isto?
- Alguma coisa. Contudo, nunca aprendi a escrever muito bem essa língua.
- É proibida? - perguntou num tom céptico. Ela sabia que a Igreja reprovava certos livros.
- Provavelmente.
Surgiu uma imagem, e era realmente maravilhosa e estranha. Homens pequenos com turbantes e roupas estranhas moviam-se num mundo desenhado para parecer um tapete.
- Ensinar-me-eis a ler isto?
- Se assim o desejardes.
David pegou na harpa e apoiou-se na mesa ao lado dela, olhando para o livro enquanto dedilhava distraidamente as cordas. O instrumento emitiu um som adorável e lírico. Ela continuou a virar as páginas, lançando ocasionalmente um olhar ao homem que se mantinha agora junto dela, e aos dedos irresistíveis que criavam uma melodia comovente.
Perto do final do livro encontrou algumas folhas soltas cobertas com desenhos a giz. Umas quantas linhas descreviam tendas num deserto e uma cidade junto ao mar. Sabia, sem ter de perguntar, que tinha sido David a desenhá-los.
Por baixo delas, em folhas mais pequenas, surgiam os rostos de duas mulheres.
Uma delas captou a sua atenção. O rosto, belo e melancólico, pareceu-lhe vagamente familiar. Ela apercebeu-se de que estava a estudar a imagem da mãe dele. Era estranho encarar assim uma pessoa falecida, mas examinou o rosto pormenorizadamente.
- Ireis falar-me dela?
- Um dia.
Ela voltou a sua atenção para o outro rosto.
- Quem é? - perguntou, fitando a beleza exótica de uns olhos negros, capturada para sempre com traços finos e cuidadosos. Sabia que estava a ser intrometida, mas não podia ignorar a forma sofisticada como o rosto desta mulher a fitava.
- Uma mulher que conheci em Alexandria.
À semelhança do retrato da sua mãe, havia muito dos sentimentos do artista na forma delicada como esta mulher estava desenhada.
- Estáveis apaixonado por ela? - perguntou, um tanto chocada com a sua própria ousadia, mas não em demasia. A partir do momento em que entrara no quarto dele, David já não lhe era assim tão estranho.
- Não. Na verdade, por causa dela quase fui morto. Mas fiquei encantado com a sua beleza, assim como estou encantado com a vossa.
Algo no tom de voz baixo dele a obrigou a manter-se muito quieta. Christiana ergueu o olhar epercebeu que o olhar dele estava fixo nela e não nos desenhos. Olhava e aguardava. Era perito nisso. Algo nos seus olhos e expressão da sua boca lhe diziam que ele não estava disposto a esperar mais.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
David parara de tocar a harpa. O coração de Christiana batia um pouco mais acelerado no silêncio que de novo se impusera. Silêncio total. Não havia um único som em toda a casa.
Ela regressou ao livro e, muito cuidadosamente, voltou a página, ocultando os esboços. Surgiu um outro desenho, mas ela mal o viu.
- Sabeis que só vi o vosso cabelo solto uma única vez, durante os esponsais? - disse David. Ela apercebeu-se que a mão dele se aproximava mesmo antes de sentir os dedos sobre a sua cabeça. Até mesmo no banho estava preso.
A pressão leve da carícia dele provocou-lhe um tremor por todo o corpo. O banho. O quarto de vestir. As suas mãos e o seu toque.
- Soltai o cabelo para mim, Christiana.
O tom era ao mesmo tempo um pedido e uma ordem. Ela recostou-se na cadeira, afastando-se dele.
Em breve desposaria este homem. Não teria medo dele. Mas a aceleração do sangue nas suas veias e o seu espírito puro gritavam-lhe que devia afastar-se dele agora.
Lançou-lhe um olhar, numa súplica muda para que ele se recordasse da conversa que tinham tido no jardim, para que compreendesse e aguardasse mais um pouco.
- Morvan já deve estar na loja, David. Devo ir ao encontro dele.
- Deixei mensagem de que viríamos para aqui.
- Então o mais provável é estar lá fora à espera. Não entrará. Não devo deixá-lo lá fora.
- Esta janela dá para o pátio. Vede se ele vos aguarda - sugeriu, apontando para a janela.
Ela levantou-se, passou por ele e pôs-se em bicos de pés para espreitar para o pátio deserto.
- Ele não virá. - A voz serena de David pairou sobre as suas costas e ombros. - Ele aceita que vós agora me pertenceis, da mesma forma que vós o aceitais.
Christiana assentou os pés no chão e ergueu o olhar para o céu límpido da tarde. Por um lado, queria desesperadamente voar por aquela janela. Mas o toque dele, as suas palavras e o silêncio expectante daquela casa haviam despertado todos aqueles outros sentimentos, e aquela voluptuosa expectativa dominou-a.
- Por vezes assustais-me - disse ela. - Eu sei que não devia senti-lo e que dissestes que não era temor, mas em parte é, realmente.
David permaneceu em silêncio durante um momento. A casa parecia estremecer com o vazio.
- Sim - respondeu finalmente. - Para uma virgem, em parte é.
Christiana apercebeu-se de que ele se levantara. Sentiu a sua presença atrás dela. Ansiava e ao mesmo tempo receava o toque dele. O espírito dela retesou-se com a tensão, tal como uma corda esticada ao máximo.
As mãos dele seguraram-na pela cintura e Christiana suspirou com o toque de cada um dos seus dedos. David beijou-lhe os pequenos arranhões e depois o pescoço. Ela fechou os olhos, saboreando a deliciosa proximidade do corpo dele.
- Soltai o cabelo, Christiana.
Ela ergueu os braços e procurou desajeitadamente os ganchos que lhe prendiam o cabelo. Desfez as voltas e tranças intrincadas, terrivelmente consciente do quão fraca e vulnerável se sentia, maravilhosamente consciente daqueles dedos que a acariciavam.
As madeixas espessas caíram-lhe ao longo do pescoço e costas, até às mãos dele. Christiana sacudiu a cabeça para soltar a última parte, pousando os ganchos no peitoril da janela.
David aproximou o seu rosto do cabelo solto de Christiana e o hálito dele provocou-lhe um formigueiro no couro cabeludo e no pescoço.
com as mãos, David voltou-a para si e segurou-lhe no rosto com ternura, como se fosse algo precioso e frágil. Beijou-a com suavidade, beijos magníficos e poderosos, e ela estremeceu à medida que a boca dele intensificava a sua tensão e excitação.
Ele prolongou o beijo, envolvendo-a num abraço que a impeliu para o seu calor. Manteve os braços abertos durante um momento de preocupação antes de o aceitar.
A partir desse momento, sentiu uma mudança nele. O beijo aprofundou-se, comandando o desejo dela. A mão dele envolveu-lhe um seio. Ela arquejou e fechou os olhos, aguardando as deliciosas sensações.
Era uma sensação avassaladora. Os seus membros ficaram lânguidos à medida que o calor lhe invadia o corpo. O cabelo macio de David roçava-lhe o rosto à medida que ia descendo para a pele exposta pelo vestido decotado, beijando o contorno dos seios que os seus dedos acariciavam, provocando picos de desejo.
O receio dizia-lhe para o impedir, mas o desejo não permitia. As vagas de prazer convergiram para um rio de águas velozes, e parecia-lhe fútil e impossível lutar contra a sua corrente.
Os dedos dele brincavam com ela, e o prazer dela era quase frenético. Estou a afogar-me, pensou ela quando a boca de David reclamou de novo a sua.
Ele ergueu a cabeça e olhou para ela, observando as reacções da sua noiva ao seu toque. Ela fitou os lábios entreabertos e o olhar profundo e soube que nesse dia não haveria forma de escapar.
Ele começou a guiá-la até à porta do quarto.
Ela recordou-se do local para onde estavam a dirigir-se e daquilo que ele pretendia.
- Eu não... - sussurrou, enquanto dava outro passo.
- Foi para isso que viestes, não é verdade? Para vos certificardes de que este matrimónio não tem de ser assim tão terrível?
Ela resistiu na soleira da porta. A mão dele regressou ao seio dela, os lábios ao seu pescoço.
- Dissestes... dissestes que hoje não iríeis...
- Eu disse que provavelmente não o faria - murmurou ele.
- E menti.
Ele segurou de novo o rosto dela entre as suas mãos.
- A sombra dele paira entre nós e eu quero banir esse fantasma. Hoje acertamos as contas e voltamos a página. Também será mais fácil para vós desta forma.
Ela leu a determinação nos olhos dele.
- Não tenhais receio. Aguardarei até que estejais pronta e me quiserdes. Vai correr tudo bem. vou fazer por isso.
Estou indefesa contra, estes sentimentos, pensou ela. É inútil combatê-los. De qualquer forma, isto é inevitável. Pertenço-lhe para sempre.
Ela voltou a cabeça e beijou-lhe a mão.
Ele ergueu-a nos braços e dirigiu-se ao quarto.

CAPÍTULO 11
Os braços esguios de Christiana rodeavam o pescoço de David e retesaram-se à medida que ele se aproximava da cama.
Vai correr tudo bem. vou fazer por isso. Palavras arrojadas de um homem que já não desflorava uma virgem desde os dezasseis anos. Ainda assim, cumpri-lo-ia. Por muitas mentiras que ele lhe tivesse dito nesse dia, essa não seria uma delas.
Ele deveria ter percebido. Ela é apenas uma rapariga, dissera Andrew. Um minuto são corajosas e no minuto seguinte são tímidas. Recordais-vos?
Ele sentou-se na beira da cama, com Christiana no seu colo. Beijou-a até o braço em redor do seu pescoço afrouxar um pouco.
Inocente e ignorante. Durante o almoço fizera tudo ao seu alcance para não a fitar de espanto. Enquanto comia e conversava, a sua mente voltava a analisar o significado da sua revelação. Talvez tornasse o dia de hoje desnecessário e ele devesse aguardar. Talvez o tornasse essencial. No fim, o seu próprio desejo decidira o caminho a seguir. Não iria deixá-la partir sem a reclamar para si. Ele queria-a e havia apenas uma maneira de a possuir de verdade.
Ela tocou-lhe rosto, hesitante, e o desejo invadiu-o. Beijou-a avidamente e combateu a tempestade cataclísmica que ameaçava desencadear-se sobre ele. Tem de ser lentamente e com simplicidade, recordou a si mesmo mais uma vez.
Acariciou-lhe os seios e, desta vez, quando os braços dela se retesaram, não foi de temor. O corpo dela descontraiu-se de encontro
ao seu. Christiana tentou imitar o beijo intenso dele e experimentou cautelosa e delicadamente. Aquele esforço inexperiente quase o aniquilou.
A satisfação que encontrou na paixão inocente dela surpreendeu-o. Nunca a procurara noutra mulher. Também não deveria ter importância com Christiana, mas tinha. Sentiu o corpo dela a reagir ao seu e escutou a sua respiração acelerada. David deliciava-se com o abraço desajeitado de Christiana e com os seus arquejos amedrontados sempre que as mãos dele desencadeavam uma nova vaga de prazer. Divertia-se com o conhecimento de que, apesar daquilo que acontecera com Percy, nenhum homem para além de si a excitara.
Beijou-a novamente, saboreando o seu gosto suave e o arco complacente das suas costas. A mão dele procurou as fitas do vestido e começou a despi-la.
A virgem retesou-se durante um instante quando sentiu as roupas mais soltas, mas depois observou de olhos brilhantes as mãos dele a libertar o vestido dos braços, baixando-o até à cintura. Os lábios dela tremiam, entreabertos, e os olhos fecharam-se quando ele lhe tocou no seio através da fina cambraia da combinação.
A pequena mão abandonou os ombros dele e acariciou-lhe o peito, e o trovão tentou irromper novamente. Os dedos dela deslizaram sob a aba que ocultava o fecho do seu gibão. Ele observou a expressão circunspecta de Christiana à medida que fazia deslizar a mão desajeitadamente pelo seu peito. Sim, tendo optado por se entregar, a irmã de Morvan Fitzwaryn não iria desempenhar o papel da vítima relutante.
David fez deslizar as alças da combinação e pôs a descoberto os seus belos seios. Seguiu com o olhar o percurso dos seus dedos à medida que delineava os contornos arredondados. A respiração dela tornou-se ofegante, e Christiana ocultou o rosto timidamente no ombro dele.
Era muito bela, pálida e sem uma única imperfeição. A pele de Christiana não era translúcida e branca, como a de tantas mulheres inglesas, mas tinha antes a tonalidade opaca do marfim novo. Era da cor das praias de areia branca que existiam ao longo do Mar Interior. David acariciou-a, tocando ao de leve nos seus mamilos endurecidos, e todo o corpo dela reagiu. com um gemido débil, o corpo de Christiana arqueou-se sob o seu toque. Aqueles botões de um tom
castanho-claro chamavam por ele, convidativos. Baixou a cabeça e beijou suavemente um deles e depois introduziu-o na boca.
Christiana quase saltou dos seus braços.
David segurou-a firmemente e observou o choque atemorizado nos olhos dela. Beijou-a na face para a tranquilizar.
Os seus beijos foram descendo novamente até aquele seio delicado estar de novo na sua boca. Céus, o homem nem lhe devia ter tocado. Nem sequer devia ter pensado nela. Se Idonia não os tivesse encontrado, ele tê-la-ia possuído à força.
Essa imagem formou-se na sua mente, e o seu espírito reagiu com uma onda de fúria protectora, seguida por uma vaga de ternura. Brincou com ela, usando a língua e os dentes, até sentir que ela se pressionava contra a sua coxa, procurando o doce alívio. David inclinou-se para trás e puxou para baixo as colchas. Lentamente e sem artifícios, ele mostrar-lhe-ia a glória do prazer. Desta vez, só ela importava.
David ergueu-se com ela nos braços, voltou-se e poisou-a sobre a cama. Olhos negros, vivos de paixão, fitavam-no cautelosamente. Ele observou-a, nua até à cintura, com as roupas a caírem-lhe em redor das ancas, e pensou em deixar as coisas assim. Ela tinha um aspecto adorável e puro e recordava-lhe as raparigas da sua juventude, deitadas no feno e na relva. Lembrou-se do tapete de hera no pequeno jardim. Se ele vivesse até ao Verão... As noites quentes e estreladas encerravam a promessa de um êxtase especial.
Gentilmente, fez deslizar o cotebardie e a combinação pelas suas curvas esguias.
Christiana mordeu o lábio inferior ao sentir o misto de choque e excitação perante a visão de David a despi-la, e ficou a observar enquanto via surgir o seu corpo desnudado. Depois de lhe retirar a roupa, David desapertou as ligas dos joelhos tirando-lhe as meias com delicadeza.
Um formigueiro de ansiedade alastrou-se dentro dela. O medo não desaparecera completamente. Agia como um condimento naquele caldo de emoções e sensações que fervilhava dentro dela.
David despiu o gibão com um safanão e removeu a camisa antes de se deitar ao lado dela. Christiana observou aquele corpo vigoroso
aproximar-se dela e suspirou de alívio por tê-lo de novo nos seus braços.
Permitiu que as suas mãos acariciassem os ombros e as costas dele, e sentiu estrias e cicatrizes. David regia às suas carícias. O calor vertiginoso e a proximidade dele subjugavam-na. Aquela necessidade estranha e pulsante dominava-a agora por completo, fazendo-a estremecer da cabeça aos pés.
David beijou-a intensamente enquanto a sua mão seguia o tremor, deslizando pelo peito e ventre, chegando às coxas e pernas. As carícias dele, possessivas, ardentes e confiantes, assumiam o controlo de cada milímetro do corpo de Christiana. Ela arqueava-se sob o toque dele e movia-se ao ritmo daquele pulsar profundo e oculto. Tudo começava a conjugar-se em direcção a essa necessidade. A respiração dela, o sangue, a consciência, e até mesmo o prazer, respondiam a essa necessidade.
David envolveu um dos seios com a mão e massajou o mamilo com o polegar.
- Agora vou beijar-vos o corpo todo - disse. - Não vos acanheis. Nada é proibido se nos der prazer a ambos.
E beijou-lhe o corpo todo, pressionando, mordendo e estimulando-o com a boca, revelando novos prazeres e surpresas, e deixando-a sem fôlego. Beijou-lhe o peito, a barriga e as pernas. Até nas coxas a beijou, e depois na suave elevação acima delas, e ela gritou ao senti-lo.
Os lábios dele envolveram um dos seios enquanto a sua mão acariciava o outro, e a excitação transformou-se em frenesim. Christiana agarrava-se desesperadamente às costas e ao cabelo dele, sentindo os músculos tensos sob os seus dedos, e escutando aquela respiração entrecortada.
Ele ergueu-se e começou a despir o que restava das suas roupas. Christiana estendeu a mão para o ajudar e roçou na sua erecção. Sentiu a reacção que provocara no corpo dele e tocou-lhe mais uma vez, corajosamente, enquanto ele arrancava as roupas.
O medo tentou perfurar a barreira de esquecimento que o desejo erguera.
Impossível...
Ele fez regressar a mão dela ao seu ombro e depois acariciou-lhe o corpo, detendo-se nas pernas. Afastando-lhe as coxas, fez
deslizar uma mão sob as nádegas dela, mantendo o braço comprimido contra ela enquanto a sua língua e lábios lhe estimulavam os
seios.
Aquele pulsar estava prestes a culminar numa explosão, obliterando o medo que voltara a surgir. Ela pressionou o corpo contra aquele braço que lhe oferecia algum alívio mas apenas prolongava a tortura. Todo o seu corpo parecia querer mover-se livremente, sem restrições, e ela tinha dificuldade em controlá-lo. Reprimia repetidamente exclamações de abandono que ameaçavam ecoar pelo quarto.
- Não resistais, Christiana - O bálsamo da voz dele submergiu-a. - Os sons e os movimentos do vosso desejo são belos para mim.
Grata, Christiana entregou-se ao delírio. Quando a mão dele avançou, ela abriu voluntariamente as pernas. Não sentia acanhamento nem choque à medida que ele a acariciava, apenas um desejo torturante que seguramente iria rebentar numa explosão de labaredas se não fosse satisfeito.
As sensações deste toque mágico conduziam-na à loucura. As carícias suaves suscitavam picos de prazer. As suas mãos hábeis despertavam uma excitação selvagem e desesperada.
A voz calma de David interrompeu aquela deliciosa angústia.
- Quereis-me agora, Christiana?
Ele tocou-a de um modo diferente e ela soltou um grito. Conseguiu assentir com a cabeça.
- Então dizei-mo. Dizei o meu nome e que me quereis. Christiana escutou, à distância, a sua voz a dizê-lo. A necessidade
frenética tomou totalmente conta dela e as suas ancas ergueram-se para ir ao encontro do corpo que pousava sobre o seu.
Comprazeu-se com a sensação do corpo dele sobre o dela, com a proximidade total dos dois corpos. Deliciou-se com a paixão que transformava o rosto dele à medida que a fitava.
Ele penetrou-a lenta e cuidadosamente e ela maravilhou-se com a beleza do acto. com uma pressão suave e investidas cuidadosas incitou-a a abrir-se. A dor temida acabou por não ser uma dor mas apenas uma tensão momentânea, logo esquecida no maravilhoso alívio que ele provocou ao satisfazer aquela necessidade pungente. Sem pensar, ela moveu-se para ir ao encontro daquela suave intrusão.
Christiana imobilizou-se quando um súbito ardor a deteve. David beijou-a suavemente e recuou.
- E inevitável, querida.
Ele penetrou-a e, por um breve instante, uma dor aguda suprimiu o prazer.
O corpo dele não se deteve e a dor e a sua recordação não tardaram a desaparecer à medida que ele retrocedia devagar e avançava novamente. Era uma sensação desesperadamente
boa. Instintivamente, Christiana envolveu-o com as pernas, mantendo-o mais perto de si, querendo-o todo para si. Encontrou o ritmo de David e acompanhou-o num canto mudo de aceitação.
Nada, nem as canções nem o toque dele ou sequer a lição de Joan a havia preparado para a intimidade que os submergia. Corpos que se tocavam, hálitos que se fundiam, pernas entrelaçadas e a união total... as ligações físicas subjugavam os seus sentidos. De cada vez que ele recuava era uma perda. De cada vez que ele a preenchia, era uma realização renovada. Maravilhada, Christiana suspirava a cada movimento.
David fez uma pausa e Christiana abriu os olhos para dar com ele a observá-la. A máscara de prudência havia desaparecido e aqueles olhos azuis revelaram as profundezas que ele jamais permitia que as outras pessoas vissem. Ela ergueu a mão e tocou no rosto perfeito, depois permitiu que a sua carícia se estendesse ao pescoço e ao peito.
Ele moveu-se novamente e desta vez foi menos gentil. Fechou os olhos como se procurasse conter algo, mas se estava a combater uma batalha, perdeu-a.
- Sim - sussurrou ela quando ele investiu energicamente. Sentiu alguma dor, mas o seu poder despertava-lhe algo na alma. Ela queria absorver a força e a necessidade dele. Queria conhecê-lo assim, sem as suas defesas cuidadosas.
Ele fitou-a directamente nos olhos. E depois beijou-a enquanto se rendia. À medida que a paixão dele se intensificava numa série de fortes e profundas investidas e culminava numa longa e sentida libertação, ela percebeu que tocara a essência dele e ele a sua.
Ela abraçou-o, com os braços a envolver as costas dele e as pernas em redor da cintura, e flutuou naquele silêncio carregado de emoção, sentindo o coração dele a bater contra o seu peito. O seu corpo estava dorido, vivo e pulsante no ponto em que se uniam.
Lentamente, voltou a tomar consciência do quarto à sua volta. Voltou a experimentar a sensação real do corpo dele sobre o seu e o cabelo macio de David no seu rosto.
Continua a ser um estranho para mim, pensou ela, maravilhando-se com esta coisa que podia ligá-la de uma forma indescritível a um homem a quem mal conhecia. Era espantoso e assustador tocar a alma quando não se conhecia a mente.
A ideia de desconhecer uma parte dele pairou em seu redor. Subitamente, sentiu-se muito tímida.
Ele ergueu-se, apoiado nos braços, e beijou-a suavemente.
- Sois maravilhosa - disse.
Ela não percebeu o que ele quis dizer, mas sentia-se satisfeita por o ver feliz.
- É muito mais agradável do que eu pensava - confidenciou ela.
- Magoei-vos no final?
- Não. Na verdade, tenho alguma pena que tenha terminado. Ele acariciou-lhe a perna e afastou-a da sua cintura. Deitou-se
ao lado dela.
- Isso é porque ainda não terminastes. Ela pensou no final dele, quase violento.
- Eu diria que terminámos bastante bem, David.
Ele abanou a cabeça e tocou-lhe no seio. Os olhos dela arregalaram-se numa resposta enérgica e imediata. A mão dele aventurou-se entre as pernas dela. Christiana agarrou-se a ele, surpreendida.
- Ter-vos-ia dado isto antes, minha querida, mas era necessário que me desejásseis da primeira vez - disse ele, à medida que o frenesim se abatia violentamente sobre ela
David tocou e acariciou a pele ainda sensível da sua presença e um prazer selvagem dominou-a por completo. Chamou por ele, pronunciando o seu nome vezes sem conta na sua mente e os sentidos fundiram-se, fazendo com que perdesse o controlo de tudo à excepção daquele esquecimento tão doce, que aumentava a cada minuto.
E depois, quando pensava que já não aguentava mais e que iria morrer ou desmaiar, a tensão eclodiu de uma forma maravilhosa e ela gritou, experimentando uma sensação de êxtase por todo o corpo.
Deixou-se levar pelo turbilhão de sensações com um assombro aturdido até que elas abrandaram e desapareceram.
- Oh, céus - suspirou ela, ofegante e trémula nos braços dele.
- Sim. Oh, céus - concordou David, soltando uma gargalhada e puxando-a para junto de si. Estendeu o braço e cobriu-os a ambos com a colcha, moldando o corpo dela ao seu. O rosto dele repousava sobre os cabelos dela, os lábios contra a sua têmpora. Permaneceram juntos numa tranquilidade calmante.
A intimidade estabelecida durante o acto sexual havia sido assombrosa e forte. Esta proximidade serena era doce e intensa e um pouco constrangedora. No espaço de uma hora havia sido construída uma ligação eterna. Ele apoderara-se dela de uma forma que ela nunca suspeitara.
Ela adormeceu e acordou num quarto envolto na penumbra, com o crepúsculo a penetrar pelas vidraças. Chegaram até ela sons distantes de vozes e actividade. Voltou-se e viu David apoiado num braço, observando-a.
Ele gostava de contemplá-la. Tal como as suas esculturas e os seus livros? Pelo menos era algo. Podia ter sido um homem que não se preocupasse nada com ela.
- Tenho de regressar - disse ela.
- Ficareis aqui esta noite. Acompanhar-vos-ei de manhã.
- Idonia...
- Eu envio uma mensagem a dizer que estais aqui comigo. Ela não se preocupará.
- Irá perceber.
- Talvez, mas mais ninguém o perceberá. Acompanhar-vos-ei ao amanhecer.
Um grito de Vittorio ecoou através do jardim e entrou pelas janelas. Era provável que todas as pessoas da casa soubessem, ou viessem a saber em breve quando percebessem que ela não partiria. Pensou nos olhares de esguelha que enfrentaria destes criados, aprendizes e de Idonia, e até mesmo de toda a corte, se se viesse a saber disto.
- Ficareis aqui comigo - repetiu. Não era um pedido.
Ele levantou-se da cama e encaminhou-se para a lareira. Os seus músculos bem torneados moveram-se quando ele se esticou para alcançar um cepo e o colocou na lareira. À luz do lume, Christiana contemplou o corpo dele, descontraído e sem vergonha da sua nudez, e reparou nos vergões que ele tinha nas costas e que sentira
anteriormente. Marcas de flagelação. Porque teria aquilo? O mestre falecido não parecia ser pessoa para fazer tal coisa. David regressou para junto dela e Christiana ficou a observá-lo, surpreendida pelo prazer arrebatador que sentia só de olhar para ele.
Puxando para trás a colcha, ele lançou um olhar ao corpo dela. Acariciou-lhe as curvas, languidamente, enquanto ela observava o movimento excitante daquela mão.
- Estais dorida, querida? Possuir-vos-ia de novo, mas apenas se não vos magoar.
De novo? com que frequência é que as pessoas faziam aquilo? Apesar da franqueza de Joan, ainda ficara muito por dizer.
A franca declaração de desejo de David fez com que um calafrio lhe percorresse o corpo. Não duvidava da preocupação dele para consigo, mas sabia que a questão também oferecia uma opção.
- Não estou magoada - disse, erguendo os braços para o abraçar.
Durante o fim de tarde e noite David forjou uma corrente de aço invisível que a amarrava a ele. Ela sentiu-o acontecer e interrogou-se se seria algo que ele controlava. Sentia-se envolvida por elos de paixão e intimidade unidos pelo prazer e pela ternura.
Mais tarde nessa noite, enquanto se refastelavam no calor da lareira, ela perguntou-lhe acerca do matrimónio e ficou a saber que a cerimónia também havia sido mudada. Casar-se-iam na catedral, na presença do bispo, e não na igreja paroquial de David.
- Está a ficar muito elaborado - comentou, divertida.
- Não pudemos fazer nada quanto a isso. Assim que o presidente da Câmara descobriu que Eduardo assistiria, foi o cabo dos trabalhos. Eu tinha esperança de que ninguém
viesse a saber e que ele pudesse simplesmente aparecer.
Ele falava do rei de uma forma descontraída. Por que razão hesitava ela em fazer-lhe perguntas acerca dessa relação? Por que razão sentiria que o tema era proibido e que insistir nele seria intrometer-se?
Contudo, sentia que era assim, e esta noite não pretendia bater a portas que ele poderia não abrir. Mudou de assunto.
- David, que mais esperais de mim?
- O que quereis dizer com isso? - A questão surpreendeu-o.
- Tendo em conta o quanto eu era ignorante em relação a isto, não deverá surpreender-vos que eu saiba muito pouco acerca do casamento. Não tive uma educação muito
prática.
- Espero que me sejais fiel. Agora nenhum outro homem vos toca. - O tom firme com que ele disse aquilo espantou-a. - compreendeis isso, Christiana?
- É evidente que sim. Não sou assim tão estúpida, David. Estava a referir-me às coisas da casa. Aqui é tudo tão organizado.
- Ainda não pensei muito nisso.
Então por que razão fostes à procura de uma esposa se não vos havíeis apercebido de que necessitáveis de uma?
- Isabele pensa que esperais que eu trabalhe para vós - disse com um sorriso rasgado.
- Ai sim? Confesso que não me tinha ocorrido, mas é uma boa ideia. Terei de agradecer à princesa. Uma esposa é uma excelente forma de conseguir trabalho gratuito. Obteremos um tear para vós.
- Não sei tecer.
- Podeis aprender.
- Quanto podeis ganhar comigo depois de eu aprender?
- Pelo menos cinco libras por ano, penso.
- Isso significa que em duzentos anos eu terei recuperado o meu preço de noiva.
- Sim. Foi um negócio astucioso da minha parte, não é verdade? Riram-se ambos e depois ele acrescentou:
- Bem, a casa é vossa. Geva ficará muito satisfeita, penso eu. E os rapazes necessitam de uma mãe, por vezes.
- Um dos rapazes é mais velho do que eu, David.
- Não será assim para sempre, e Michael e Roger estão longe de casa e por vezes necessitam da compreensão de uma mulher. E, com o tempo, tereis os vossos próprios filhos.
Filhos. Tudo aquilo que ele mencionara podia ser providenciado pela filha de um qualquer mercador que lhe proporcionasse um dote avultado. Os filhos também. Mas os filhos dela seriam os netos de Hugh Fitzwaryn.
Morvan suspeitava que David pretendia com esta união a linhagem deles para os seus filhos. Estaria certo? Deu por si a desejar que fosse verdade. Explicaria muita coisa, e significava que ela poderia conceder-lhe algo que outra mulher não poderia.
Mais tarde, ela acordou no seu abraço adormecido. Parecia normal estar assim nos seus braços. Permaneceu imóvel, consciente daquela nova realidade e do seu calor.
Como era estranho sentir-se tão perto de alguém com tanta facilidade.
Fiel à sua palavra, ele acompanhou-a de regresso a Westminster ao amanhecer. Ela caminhou através dos corredores de um edifício que agora lhe parecia ligeiramente estranho. Esgueirou-se para a privacidade da sua cama enquanto Joan e Idonia ainda dormiam.
Despertou com uma mão a sacudi-la e fitou o rosto sorridente de Joan.
- Não vindes jantar? Estais a dormir o sono dos justos - disse Joan.
Christiana pensou que faltar ao jantar e ficar a dormir todo o dia se afigurava uma ideia excelente, mas endireitou-se e pediu a Joan que chamasse uma criada.
Uma hora mais tarde, vestida e penteada, sentou-se ao lado de Joan num banco no amplo salão, debicando a comida e observando a cena familiar que agora estranhava. Os seus sentidos estavam simultaneamente alerta e entorpecidos e sabia que aquelas horas passadas com David eram a causa. Joan fez-lhe algumas perguntas acerca da casa de David, e ela respondeu sem convicção, não querendo partilhar nesse momento nenhumas daquelas lembranças.
Por volta do final da refeição, Lady Catherine aproximou-se da mesa delas, os seus olhos felinos a reluzirem. Conversou com Joan durante um bocado e depois voltou-se, com uma expressão graciosa, para Christiana.
- Ides casar-vos em breve, não é verdade, querida? Christiana assentiu. Joan lançou um olhar severo a Catherine,
como se fosse indelicado mencionar esta união.
- Tenho um presentinho para vós. Enviá-lo-ei para o vosso quarto - disse Catherine antes de se afastar.
Christiana interrogava-se por que razão faria Lady Catherine tal coisa. Afinal, não eram boas amigas. Ainda assim, o gesto sensibilizou-a e deixou-a a pensar que Morvan, como sempre, havia exagerado quando a prevenira acerca de Catherine.
Thomas Holland quis falar com Joan e Christiana ficou sozinha. Regressou aos aposentos desertos de Isabele, satisfeita com o isolamento. A rotina da corte pareceu-lhe importuna quando os seus
pensamentos residiam no dia anterior e no futuro. Dirigiu-se ao quarto de Isabele. Quatro dias e parto daqui para sempre, pensou, olhando pela janela. Uma parte dela já tinha partido.
Chegou aos seus ouvidos o som de uma porta a abrir-se. Seria Joan ou Idonia. Não vira a tutora desde o seu regresso. Interrogava-se acerca do que lhe diria a mulherzinha.
Contudo, os passos que avançavam pela antessala não eram de uma mulher. Morvan viera ao seu encontro. Bastaria olhar para ela para perceber. Seria ela suficientemente corajosa para dizer, "Sim, tínheis razão, é algo mágico e eu gostei"? A força dele impusera-se durante anos entre ela e todos os homens, e agora ela havia-se entregado a um que ele odiava.
Os passos aproximaram-se. Estacaram à entrada do quarto.
- Querida - pronunciou uma voz familiar.
Christiana soltou um grito de sobressalto e voltou-se.
Ali, na soleira da porta, encontrava-se nem mais nem menos do que Stephen Percy.

CAPÍTULO 12 Stephen! - exclamou, arquejante. Ele sorriu e avançou na direcção dela, os seus braços estendidos a convidarem-na para um abraço. Christiana ficou a observá-lo aproximar-se
sentindo um misto de surpresa, alegria e fria objectividade. Reparou nos seus músculos vigorosos sob o gibão. Observou a beleza austera das suas feições. O cabelo loiro e a pele clara afiguraram-se-lhe pálidos e vagos comparados com a tonalidade dourada de David.
Não se conseguia mexer. Emoções confusas, horrorizadas e ao mesmo tempo saudosas paralisavam-na. Agora não, clamava a sua alma. Um mês antes, ou daqui a mês, mas não agora. Especialmente hoje.
Braços fortes rodearam-na. Uma boca áspera esmagou-se contra
a sua.
Ela repeliu-o. Os olhos verdes dele exprimiram surpresa, e depois, por breves momentos, algo diferente. Aborrecimento?
- Estais zangada comigo, meu amor - exclamou ele com um suspiro. - Não posso censurar-vos.
Ela afastou-se, apoiando-se na beira da janela. Santo Deus, será que nunca iria ter paz? Encontrara aceitação e contentamento, e até mesmo a esperança de algo mais, e agora isto.
- Porque estais aqui?
- Para vos ver, claro.
- Regressastes a Westminster para me verdes?
- Sim, querida. Por que outra razão? Usei a desculpa do torneio pré-quaresmal.
O torneio estava agendado para começar no dia a seguir ao seu casamento. Stephen adorava aquelas competições. Christiana suspeitava que aquela seria verdadeira razão da sua vinda, mas o seu coração destroçado, que ainda não sarara por completo, persistia na ideia de que ele viera por ela.
A ferida ainda estava demasiado viva, a humilhação ainda demasiado recente, para ela poder rejeitar totalmente a esperança de que ele realmente a amava. A rapariga que havia sido fiel a este homem ainda queria desesperadamente acreditar nisso. O seu coração ansiava por essa garantia.
Contudo, a sua mente aprendera alguma coisa com a agonia que suportara.
- Quando chegastes?
- Há dois dias. Ainda não vos tinha procurado porque estive com o meu amigo Geoffrey. Ele está muito doente com febre. Reside na casa de Lady Catheríne, em Londres.
- Sois amigo de Catherine?
- Nem por isso. Contudo, Geoffrey é - respondeu, dando um passo na direcção dela. - Ela contou-me tudo acerca do vosso casamento com este mercador - acrescentou de modo compreensivo.
- Se Eduardo não fosse meu rei, desafiá-lo-ia por vos ter degradado desta maneira.
Ela observou a sua expressão preocupada. Pareceu-lhe um tanto exagerada, tal como uma máscara que alguém coloca para um festival.
Stephen estendeu a mão e acariciou-lhe o rosto. O seu coração despedaçado, sequioso pelo bálsamo das ilusões renovadas, suspirou; o seu espírito, a sua mente, recordando-se da noite anterior de paixão e dos direitos de David, fizeram com que se afastasse.
- Já sabíeis do meu matrimónio, não é verdade? Enviei-vos uma carta.
- Sabia. Recebi-a, querida. Mas nunca imaginei que o rei fosse com isto avante. E Catherine falou-me da vossa infelicidade e humilhação.
Que simpático da parte de Catherine, pensou Christiana. Por que
razão aquela mulher se intrometia nos seus assuntos? Como é que Catherine soubera da sua história com Stephen?
Joan. As intrigas de Joan. Será que todas as pessoas sabiam? Provavelmente. Estariam todos a observar e a aguardar os próximos Jias, talvez os próximos anos, para ver como é que este drama se iria desenrolar.
- Talvez não devesse ter vindo - murmurou Stephen. - Catherine garantiu-me que ficaríeis feliz por me ver.
- Estou satisfeita por vos ver, Stephen. E pelo menos posso felicitar-vos pelo vosso noivado.
- Ela foi escolha do meu pai e do meu tio, minha querida disse com uma expressão de resignação. - Na verdade, não me agrada nada.
- Ainda assim, ela é vossa esposa, assim como David é meu marido.
- Sim, e despedaça-me o coração saber que não há nada que possamos fazer, minha querida.
Nessa altura, apagou-se uma chama dentro dela, e ela soube que havia sido a última das suas ilusões e sonhos infantis. Não doeu muito, mas uma parte da sua inocência morreu com ela, e sentiu aquela perda amargamente.
Ao longo de tudo aquilo, e apesar ter conhecimento da realidade, acalentara dentro de si alguma esperança. Se Stephen não tivesse regressado, essa esperança teria desaparecido lentamente à medida que ia vivendo a sua vida e vivendo a sua paixão com David, muito à semelhança da maneira como uma pequena poça de água se evapora com o calor de uma tarde de Verão.
E se Stephen tivesse falado de maneira diferente? E se ele tivesse vindo implorar-lhe que fugissem juntos e solicitar que ambos os noivados fossem anulados? Afinal, fora isso que aquela réstia de esperança almejara.
Uma semana antes, tê-lo-ia feito, apesar da desgraça que recairia sobre ela. Até mesmo no fim-de-semana anterior uma tal oferta teria sarado imediatamente a sua dor e banido todas as dúvidas acerca dele.
Agora, todavia, teria sido impossível... Agora...
Uma horrenda compreensão tomou conta dela. A presença de
Stephen foi-se esbatendo à medida que a sua mente considerava as implicações.
Agora era impossível. David havia-se certificado, não era ?
Na noite anterior haviam consumado o matrimónio. Agora nenhuma anulação seria possível, a não ser que o próprio David negasse que aquilo ocorrera. E ela sabia, sabia bem, que ele não o faria, apesar da promessa que fizera na primeira noite.
Espero que me sejais fiel. Nenhum outro homem vos toca agora. Todas aquelas testemunhas... até Idonia e o seu irmão.
Um arrepio sinistro fê-la estremecer.
David soubera que Stephen estava a chegar. Havia perguntado aos peregrinos e aos mercadores. Todavia, não podia saber se Stephen viria para a reclamar. Contudo, preparara-se para essa eventualidade. David assegurara-se, metódica e cuidadosamente, de que ela não poderia partir com Stephen. Se ainda assim o fizesse, apesar das correntes invisíveis forjadas na noite anterior, apesar da desonra e da desgraça, ele possuía a prova necessária para a fazer regressar.
A implacabilidade do facto assombrou-a.
Recordou-se das emoções intensas que sentira na noite anterior. Duas vezes iludida. Mais ilusões infantis. A sua estúpida confiança nos homens devia ser motivo de chacota para eles.
Uma presença cálida perto do seu ombro interrompeu os seus pensamentos. Stephen encontrava-se junto de si, com o rosto muito perto do dela.
- Não há nada que possamos fazer em relação a estes casamentos, querida, mas na vida há o dever e depois há o amor.
- O que estais a dizer, Stephen?
- Não podeis amar este homem, Christiana. Nunca irá acontecer. Ele é de condição inferior e só o toque dele será um insulto para vós. Mas eu posso suavizar a vossa dor, minha querida. O nosso amor pode fazê-lo. Cumpri com este mercador o vosso dever, mas guardai o nosso amor no vosso coração.
Ela queria dizer-lhe o quanto ele estava enganado, o quanto o toque de David jamais a insultaria. Mas que palavras podia usar para explicar isso? Além disso, não estava totalmente segura de que a magia regressasse agora que sabia a razão pela qual ele a havia seduzido. Talvez da próxima vez, na noite de núpcias, ela viesse a sentir-se insultada e usada.
De que estava ela à espera? Afinal, David era um mercador e ela não passava de um bem. Um bem muito dispendioso. Duvidava que o rei Eduardo aceitasse devoluções.
Amor, pensou com amargura. Acreditara que existia ali algum amor. A sua ignorância era espantosa. David estava certo. Ela realmente vivia a vida com a crença de que esta era uma canção de amor. Mas a vida não era assim. Os homens não eram assim.
- Sou uma mulher casada, Stephen. Aquilo que sugeris seria uma desonra.
Ele sorriu-lhe, tal como se sorriria a uma criança inocente.
- O amor nada tem a ver com honra ou desonra. Tem a ver com o facto de nos sentirmos vivos e não mortos. Não tardareis a percebê-lo.
- Espero que não sejais tão audaz a ponto de me pedirdes agora uma prova do meu amor. Caso-me dentro de alguns dias.
- Não. Não concederia a um mercador uma razão para vos censurar ou magoar, embora a ideia de ele vos possuir primeiro me enfureça. Desposai o vosso mercador como é o vosso dever, querida, mas ficai sabendo que estou aqui.
- Sou uma mulher honesta, Stephen. Não me parece que me ameis de todo. Penso que para vós isto não passou de um jogo, e continua a sê-lo. Um jogo onde não perdeis nada, mas onde eu arrisco tudo. Não entrarei nesse jogo no futuro.
Ele começou a protestar e a tentar abraçá-la. O som de passos na antessala deteve-o. Ela voltou-se para a presença recém-chegada.
Santo Deus, será que não havia misericórdia?
Morvan surgiu na ombreira da porta, fitando-os a ambos. Por um horrível momento a sala foi preenchida por uma tensão angustiante.
- Percy, sede bem-vindo - disse Morvan, avançando pelo quarto. - Viestes para o torneio?
- Sim - respondeu Stephen, afastando-se dela.
- Presumo que estais a felicitar-vos mutuamente pelos vossos futuros matrimónios - comentou, lançando um olhar a ambos.
Ela assentiu, num torpor. Não havia razão para tentar justificar a presença de Stephen. Percebeu nos olhos do irmão que ele dera ouvidos à coscuvilhice.
- Há algo estranho no matrimónio da minha irmã, Stephen disse Morvan enquanto se encaminhava para a lareira, - Consta que
o rei a vendeu por dinheiro, e também eu acreditei nisso. Mas ultimamente tenho-me interrogado se não teria sido por outra razão. Talvez procurasse salvar a reputação dela e a honra da minha família e não desgraçá-la.
Ela observou-os enquanto se avaliavam um ao outro. Agora não, Morvan, incitou em silêncio. Já não tem qualquer importância.
- Tenho de ir andando, senhora - proferiu Stephen, dirigindo-lhe um sorriso caloroso. Ela dirigiu-lhe um gesto, impotente, e observou-o caminhar a passos largos pelo quarto.
- Sir Stephen - bradou Morvan a partir da lareira. - Seria imprudente da vossa parte levar isto avante.
- Estais a ameaçar-me? - silvou Stephen.
- Não. Já não me cabe a mim fazê-lo. Estou simplesmente a prevenir-vos como amigo que seria um erro. O marido dela não é um mercador comum. E tenho razões para pensar que sabe bem manejar as adagas que usa.
Stephen exibiu um sorriso afectado e condescendente antes de abandonar os aposentos.
Christiana enfrentou o olhar sombrio e inquisidor do irmão. Ele contemplou-a de cima a baixo e procurou com os seus os olhos dela.
- E costume, minha irmã, que as pessoas aguardem um espaço de tempo conveniente depois do casamento para se encontrarem com os seus antigos amantes.
Ela não teve resposta para aquela calma admoestação.
- E uma vez que passastes a noite na cama daquele homem, agora estais realmente casada.
- David. O nome dele é David. Referis-vos sempre a ele como "aquele mercador" ou "esse homem". Ele tem nome.
Ele observou-a com os olhos semicerrados.
- Tenho razão, não tenho? Dormistes com ele. com David. Era inútil mentir. Ela sabia que ele percebia. Assentiu com a
cabeça, sentindo-se agora menos segura acerca dessa decisão, agora que compreendia as motivações de David.
- Não devíeis voltar a encontrar-vos com Percy durante algum tempo.
- Não forjei o encontro com Stephen.
- Ainda assim, devíeis ter cuidado. Essas coisas são facilmente aceites se a mulher for discreta ou se o marido não se importar, mas
vós não tendes experiência em tais enganos e o vosso mercador não me parece ser do tipo de homem que deseje ter uma mulher adúltera.
- Disse a Stephen que já não estou interessada nele.
- Ele não acredita em vós.
Morvan estava apenas a tentar ajudá-la. Nisto o conselho dele era provavelmente tão sensato como o de qualquer outro homem. Sem dúvida, levara para a cama a sua quota-parte de mulheres casadas.
- Desprezais-me? - perguntou ela num sussurro.
Uma expressão de inquietação surgiu no rosto de Morvan. Atravessou o espaço que os separava e tomou-a nos braços.
- Não. Mas não gostaria que fôsseis a esposa deste homem nem a pega de Percy. Compreendeis-me? E culpo-me por não ter encontrado uma forma de vos afastar daqui.
Ela fitou os olhos escuros dele. Leu neles a preocupação e pensou que a compreendia, em parte.
- Não penso que ser esposa de David seja assim tão mau, Morvan. Ele consegue ser muito amável.
- Bem, pelo menos essas são boas notícias - um leve sorriso trocista aflorou-lhe os lábios. - Sinto-me satisfeito por ele ter talento para algo mais do que fazer dinheiro.
Ela soltou umas risadinhas abafadas. Ele apertou-a com mais força e depois soltou-a.
- Tomai as vossas refeições comigo nestes últimos dias pediu. - Gostaria de passar este tempo convosco.
Ela assentiu e ficou a observá-lo, cheia de tristeza, à medida que ele se afastava.
Christiana nunca duvidou que o irmão pedira a sua comparência durante as refeições porque desejava a companhia dela. Ela deixá-lo-ia em breve, e uma leve nostalgia pairava entre eles naqueles jantares e ceias, até mesmo quando conversavam alegremente à mesa com outros jovens da mesma idade.
Contudo, a presença de Morvan ao seu lado tinha outros benefícios, e ela suspeitava que também lhe teriam ocorrido a ele. Stephen não se atrevia a aproximar-se dela no salão enquanto Morvan andava por perto, e os cortesãos que espreitavam, curiosos, não conseguiam satisfazer a sua curiosidade acerca do estado daquele caso amoroso.
Era do conhecimento geral. Bastava Stephen erguer-se do seu lugar para que lhe lançassem olhares de esguelha, na expectativa de que ele fosse falar com ela. Tornou-se extremamente óbvio que a corte acreditava que um caso amoroso adúltero com Stephen seria, a uma dada altura, inevitável. Ela teve a impressão de que muitos destes nobres aceitavam a ideia com alívio, como se um tal caso amoroso fosse uma forma de redenção para ela. Então, a união com o mercador não passaria apenas de uma formalidade, muito mais fácil de aceitar e de ignorar.
Sim, Joan havia andado a coscuvilhar. Quando Christiana a confrontou, ela admitiu-o de lágrimas nos olhos. Havia sido apenas a uma rapariga, insistiu. Christiana não teve dificuldade em imaginar aquela pequena fuga de informação a converter-se num rio de murmúrios no espaço de algumas horas.
Christiana ocupou os dias que se seguiram com os preparativos para o casamento. Filipa veio aos seus aposentos no sábado inspeccionar o seu guarda-roupa, e ordenou imediatamente que se confeccionassem mais vestidos e meias para ela. Foi igualmente confeccionada uma nova capa. Apareceu também um capelista para que ela escolhesse dois novos toucados. Chegaram baús que seriam recheados com um enxoval de roupa branca e artigos para o lar, para Christiana levar para a sua nova residência.
Ela passou a maior parte do tempo nos seus aposentos tratando de tudo isto, mas a recordação de David não lhe saía da mente. Haviam concordado que ele não viria antes do casamento, pois os preparativos de ambos consumiriam muito tempo, e ele tinha os seus próprios assuntos a tratar. Ainda assim, tinha esperança de que ele a surpreendesse com uma visita. Seria um gesto romântico, mas quando ele viesse não seria por essa razão, embora fingisse o contrário. Tinha esperança de que ele viesse verificar que Stephen não a havia persuadido a fugir ou a fazer algo de desonroso. Ele iria querer assegurar-se de que o seu plano havia resultado.
Mas ele não apareceu. O sábado deu lugar a domingo, que por sua vez se estendeu até segunda-feira. Christiana começou a ficar aborrecida.
Estava certa que David sabia que Stephen havia regressado. Como é que ele podia deixá-la entregue aos seus próprios planos quando outro homem, alguém que pretendia seduzi-la, rondava por
perto? Um homem, além disso, por quem ela havia estado enamorada. Estaria assim tão seguro de si mesmo? Tão seguro de que uma noite podia equilibrar as coisas no coração de uma mulher? Será que ele não pensava na perturbação que a presença de Stephen poderia estar a causar à sua noiva?
Christiana ia ponderando sobre isto ao longo dos dias. Durante a noite, ruminava no assunto com ressentimento. Mas na obscuridade silenciosa da sua cama oculta pelas cortinas, as recriminações conseguiam sempre desvanecer-se à medida que outros pensamentos sobre David a invadiam como um inexorável fluxo de maré. Imagens dos seus olhos azuis e ombros hirtos sobre o seu corpo. O poder da sua paixão aniquilando o seu solícito autodomínio. Os seios dela tornavam-se sensíveis, a zona entre as coxas humedecia-se, e os pensamentos davam lugar a devaneios durante um sono irregular.
Despertava todas as manhãs com a sensação de que havia sido violentada por um fantasma, mas sem ter encontrado a libertação.
David não apareceu, mas vieram outros. Isoladamente ou em grupos de duas ou três, as mulheres da corte abordaram-na.
Sim, Joan havia falado, e não só acerca de Stephen. Afigurava-se-lhe que todas as mulheres se sentiam na obrigação de aconselharem esta jovem sem mãe que, constava, era incrivelmente ignorante acerca da procriação.
Algumas das criadas juntaram-se às senhoras. Enquanto tomava banho no dia do seu matrimónio, a rapariga que a assistia descreveu-lhe com audácia como poderia deixar um homem louco de desejo. Christiana corou até à ponta dos cabelos. Duvidava seriamente que as mulheres nobres fizessem grande parte daquelas coisas, mas reteve as partes mais interessantes na sua mente.
Os preparativos do dia transformavam-se numa festa divertida, com todas as suas amigas em seu redor. Ofereceram-lhe presentes e conversaram enquanto as criadas a preparavam. Filipa chegou para a escoltar até ao salão. A rainha examinou-a minuciosamente e voltou a colocar a capa vermelha sobre os seus ombros. Em seguida, com as filhas ao seu lado, Idonia, Joan e várias outras mulheres, a rainha Filipa desceu com Christiana até ao salão.
Morvan aguardava-as. Envergava um manto formal muito comprido. Usava o cinto de cavaleiro, mas sem espada.
- Vinde - disse, pegando-lhe no braço. - O rei já está à espera.
As portas abriram-se e ela deu um passo em direcção ao exterior.
- Oh, santo Deus - exclamou com um arrepio, imobilizando-se.
- Uma bela visão, não vos parece? - murmurou Morvan num
tom seco.
O pátio estava repleto de cavalos, pessoas e veículos de transporte. Avistou Lady Elizabeth a entrar numa das carruagens cobertas de pinturas, e outros braços femininos que pendiam das suas janelas. Cavaleiros e lordes aguardavam montados em cavalos ataviados para um cortejo sumptuoso. O rei Eduardo, resplandecente num manto vermelho bordado a ouro e montado no seu alazão, aguardava junto à entrada. Uma longa fila de guardas reais mantinha-se à espera.
A presença de tantos cavaleiros e nobres enterneceu-a. Vinham honrar a sua família e, possivelmente, tranquilizá-la. Também vinham pelo seu irmão, e sentia-se grata por isso.
O extenso séquito real, e as instruções evidentes de que todas as pessoas deviam seguir o rei em cortejo, eram outro assunto.
A um gesto do rei, avançaram três carruagens douradas.
- Oh, santo Deus - arquejou novamente, observando a aproximação deste grandioso toque final.
- Sim, uma é para vós. A rainha em pessoa irá acompanhar-vos
- explicou Morvan.
- Esta comitiva estender-se-á ao longo de vários quarteirões. Londres inteira irá assistir a isto.
- O rei honra-vos, Christiana.
Ela desviou o olhar da expressão sorridente de Eduardo e falou em voz baixa na direcção do ombro do irmão.
- Não sou estúpida, Morvan. O rei não está a honrar-me a mim, está a honrar Londres. Não está a conduzir Christiana de Fitzwaryn para desposar David de Abyndon. Está a conduzir uma filha da nobreza para desposar um filho da cidade. Está a converter-me num presente para Londres e um símbolo da sua generosidade para com ela.
Morvan segurou-a pelo cotovelo e incitou-a a avançar.
- Não pode ser desfeito. Deveis ser a filha da nossa mãe nisto e lidar com esta situação como ela o teria feito. Eu cavalgarei ao vosso lado.
Ela permitiu que ele a acompanhasse até à carruagem da frente e ele ajudou-a a entrar.
- Durante todo o tempo vou estar a pensar que não represento o sacrifício da virgem que eles esperam - sussurrou, inclinando-se na direcção dele.
O cortejo partiu em fila do pátio, liderado pelo rei e pelos seus filhos. Quando chegaram à Strand, haviam-se formado densas multidões e no interior dos portões da cidade as coisas pioraram. Os guardas usaram os seus cavalos para manter o povo afastado. Lenta e penosamente, abriram caminho até à Catedral de S. Paulo.
Morvan ajudou-a a descer da carruagem.
- Bem, meu irmão - proferiu enquanto se aproximavam da entrada - Não tendes nada para me dizer? Nenhum conselho? Nenhum sermão para eu me tornar numa esposa obediente e respeitadora? Não há aqui um pai para me admoestar, por isso, cabe-vos a vós, não é verdade?
Ele fez uma pausa junto ao pórtico e lançou um olhar ao portão aberto, na direcção da cavernosa nave já repleta de cortesãos ruidosos e outros curiosos.
- Sim, tenho uns conselhos para vós, mas sermões não. Aproximou-se da orelha dela. - Sois uma bela rapariga. A mulher pode assumir o poder no desejo de um homem, irmãzinha. Usai-o bem e possuí-lo-eis, ao invés do contrário.
Ela soltou uma gargalhada. Sorrindo, apressaram-se pela nave.
David aguardava junto do altar. Christiana sentiu um baque no coração ao vê-lo. A sua aparência era magnífica, perfeita e semelhante à de qualquer um dos lordes na assistência.
O corte elegante do seu manto de veludo azul, longo e cintado, realçava a sua estatura. As mangas justas faziam com que as roupas dos outros homens parecessem ridículas e pouco masculinas, exageradamente largas e compridas. Todo o manto estava debruado a ouro, com bordados dourados ao meio. Christiana perguntava-se quem o teria convencido a concordar com aquilo. Usava uma pesada corrente de ouro sobre os ombros.
Morvan entregou Christiana. Idonia aproximou-se, pegou na capa dela e depois afastou-se. David fitou-a enquanto o ruído da multidão ecoava sob o tecto alto de pedra.
- Sois a rapariga, mais bela que alguma vez conheci - disse, repetindo as palavras que pronunciara no jardim de hera.
Havia vários assuntos sobre os quais Christiana tencionava censurar David, bem como mágoas profundas e inquietações que preocupavam o seu coração. Mas o afecto que aqueles olhos azuis expressavam enterneceu-a e o som da sua bela voz tranquilizou-a. Haveria muito tempo para preocupações e mágoas. Este era o dia do seu casamento e todo o mundo estava a assistir.
Uma hora mais tarde, Christiana emergia da catedral com uma aliança de ouro no dedo e o braço de David de Abyndon em redor da sua cintura. A carruagem aguardava, mas Sieg, parecendo quase civilizado no seu belo manto cinzento, trouxe um cavalo.
- Vireis comigo, minha querida. com estas multidões, as carruagens jamais chegarão à Câmara Municipal.
- Devíeis ter-me avisado acerca de tudo isto, David - disse ela, à medida que o pandemónio se instalava pelo pátio da catedral e pelas ruas em volta. - Assemelha-se ao prelúdio de um sacrifício antigo.
- Eu não sabia, mas deveria ter esperado algo do género. Eduardo adora pompa e circunstância, não é verdade?
Christiana não ficou convencida. Ele parecia saber sempre tudo. Lançou-lhe um olhar de soslaio quando ele a ergueu até à sela e se sentou atrás dela. A sua branda aceitação do comportamento de Eduardo irritava-a, mas por outro lado, não fora ele a ser exibido em público.
- O rei deve ter-vos em grande estima para ter trazido um tal séquito. - Christiana observou com frieza.
- Eu seria um tolo se pensasse que sim. Isto não tem nada a ver comigo ou convosco.
Juntaram-se à multidão de cavaleiros e lordes a cavalo que se moviam letamente em direcção a Cheap. O braço de David rodeava-lhe a cintura e a mão repousava sob a capa. Ela ergueu a mão e tocou no diamante suspenso numa corrente prateada em redor do seu pescoço. Fora-lhe entregue enquanto se vestia.
- Obrigada pelo colar. Condiz perfeitamente com o vestido.
- Edmundo garantiu-me que assim seria. Sinto-me satisfeito por terdes gostado.
- Edmundo?
- O costureiro que confeccionou os vossos trajes de casamento, Christiana. E o vosso vestido de noivado. E a maior parte dos vossos cotehardies e mantos durante os últimos anos. O nome dele é Edmundo. É um dos cidadãos mais proeminentes de Westminster e um homem importante no seu mundo.
Christiana sentiu-se enrubescer. Sabia o nome do costureiro. Limitara-se a esquecê-lo, mas David estava a dizer-lhe que devia conhecer as pessoas que a serviam e não pensar nelas como gente insignificante.
A mortificação não tardou a dar lugar à cólera. Não era do seu agrado que uma das primeiras frases que seu marido lhe dirigisse logo a seguir ao matrimónio fosse esta censura indirecta.
Surgiram-lhe na mente mais razões para se zangar.
- Pensava que iríeis visitar-me - disse.
- Havíamos concordado que não o faria.
- Mesmo assim, pensei que viríeis.
Ela sentiu que ele a observava, mas não disse nada.
- Ele está de regresso à corte - acrescentou. - Mas, como é evidente, sabeis disso, não é verdade?
- Sim.
E foi tudo. Nada de perguntas. Nada mais.
- Não vos interrogastes acerca do que poderia acontecer? inquiriu de uma forma brusca e irritada. - Estais assim tão seguro de vós?
- Se aparecesse seria um insulto para vós. Assumi que a filha de Hugh Fitzwaryn teria demasiada honra e orgulho para abandonar o seu leito matrimonial e correr para os braços de outro homem, especialmente depois de ter percebido a verdade acerca dele.
- Mesmo assim...
- Christiana - interrompeu David num tom calmo, baixando-se para ela o ouvir e roçando os lábios na sua orelha. - Não falaremos disto agora. Não fui porque os meus dias estiveram absolutamente preenchidos com os preparativos para o casamento. Durante os momentos que podia dispensar, tratei de negócios, de modo a poder despender os próximos três dias na cama convosco. E as minhas noites eram passadas a pensar em tudo o que poderia fazer assim que vos tivesse junto a mim.
Ela gostaria de poder ignorar o calafrio de excitação que os seus lábios e as suas palavras haviam provocado, mas o seu corpo também começara a traí-la durante a noite e agora reagia contra a sua vontade.
Ela obrigou-se a recordar do acto de sedução deliberado de David, com o objectivo de reclamar a sua propriedade. Sentiu-se ressentida com aquela autoconfiança.
- O que vos faz pensar que eu vou querer passar os próximos três dias dessa forma? - perguntou.
- Agora sois minha esposa, rapariga. Seguramente sabeis que só tereis opções se eu assim o permitir. - Pressionou os lábios contra a têmpora dela e falou com mais afabilidade. - Vereis que sou um amo muito razoável, minha querida. Preferi sempre a persuasão à autoridade.
Sob o tecido folgado da capa de Christiana, ele ergueu a mão e acariciou-lhe o seio.
O corpo dela estremeceu com uma alarmante onda de prazer.
Christiana olhou nervosamente em redor, para os rostos voltados na direcção deles numa curiosidade sorridente.
Ele acariciou-lhe o mamilo e beijou-lhe a face. Ela sentiu um impulso irresistível de se voltar e de lhe morder o pescoço. Voltou a cabeça e aceitou o beijo intenso que a aguardava e aquelas sensações maravilhosas percorreram-na como um delicioso suspiro de alívio.
Toda a cidade de Londres observava.
- David, as pessoas... elas podem ver... - sussurrou, ofegante, quando ele ergueu a cabeça mas não retirou a mão. Os dedos dele estavam a deixá-la louca.
- Não podem, não. Alguns podem suspeitar, mas ninguém terá a certeza - sussurrou. - Se estais zangada comigo, podeis censurar-me à vontade depois dos banquetes. Prometo escutar muito atentamente e ter em conta todas as vossas críticas. - Beijou-lhe novamente o pescoço. - Até mesmo quando estiver a lamber os vossos seios e a beijar as vossas coxas, prestarei atenção às vossas censuras. Podemos discutir o meu mau comportamento por entre os vossos gemidos de prazer.
Christiana estava já a sentir alguma dificuldade em recordar-se dos motivos pelos quais o queria repreender.
No momento em que sentiu um impulso inexorável de se contorcer na sela, chegaram ao edifício da Câmara Municipal. Não sabia se iria conseguir aguentar-se rias pernas, agora lânguidas, quando ele a pousasse no chão, e isso preocupava-a.
- Isso não foi justo - sibilou.
Ele pegou-lhe na mão e encaminhou-a para o edifício.
- Eu só jogo para ganhar, Christiana, e faço as minhas próprias regras. Não sabeis já disso?

CAPITULO 13
David inclinou-se contra a ombreira da porta do salão, observando, das sombras, os convivas rodopiarem em redor da imensa fogueira no centro do pátio. Casais divertiam-se, dançando juntos em redor do enorme círculo e, mais próximo do centro, um grupo de mulheres fazia uma enérgica actuação. Anne, a mulher de Oliver, liderava o grupo, uma vez que quando a oportunidade e o pagamento eram convenientes actuava como dançarina profissional. Encontrava-se rodeada de criadas e mulheres da vizinhança. No centro de tudo, com o rosto ruborizado de deleite e os olhos cintilantes de prazer, rodopiava a figura elegante de Christiana Fitzwaryn.
As luzes da fogueira pareciam iluminar as mulheres ao ritmo da batida dos tambores. Todo o pátio brilhava à luz daquelas labaredas colossais e dos muitos archotes ao longo dos edifícios e do jardim das traseiras. As chamas tingiam o céu nocturno de cor de laranja e, à distância, provavelmente a casa parecia estar a arder. Sem dúvida os sacerdotes insistiriam que a cena, com os participantes a entregarem-se a todos os pecados mortais, se assemelharia ao próprio Inferno.
O pátio, os jardins e os vários compartimentos da casa estavam apinhados de gente. Havia homens e mulheres empoleirados no telhado do estábulo. À sua esquerda, viam-se diversos casais abraçados num recanto sombrio.
Uma grande gargalhada captou a sua atenção e ele inclinou-se para lançar um olhar ao salão. Os corpos que bailavam afastaram-se
por um momento e David avistou o homem que ria sentado junto ao lume com uma rapariga em cada joelho. Os adornos dourados no seu manto vermelho eram a única prova de que este homem era o rei, pois Eduardo havia-se despojado da sua real figura assim que entrara pelo portão com os seus dois guardas, tendo enviado a família e os filhos para casa a seguir ao banquete da Câmara Municipal. Encontrava-se agora bastante ébrio, e já há algum tempo que os foliões haviam deixado de o tratar como soberano, permitindo que se juntasse à folia.
David voltou a sua atenção de novo para a sua esposa. Gostava de olhar para ela mesmo quando ela estava sossegada, mas a liberdade e o prazer que ela retirava daquela dança deixava-o hipnotizado. Tal como o rei dela, havia sucumbido rapidamente à diversão sem restrições dessa segunda festa, e David regozijava-se ao observar a alegria dela à medida que ela festejava e bebia e trocava gracejos com os vizinhos.
Ela movia-se de uma forma sedutora e lânguida, impregnando esta dança plebeia de uma elegância nobre. Tinha os lábios entreabertos num sorriso sensual à medida que rodopiava pelo pátio, apreciando finalmente o êxtase do movimento que sentira tantas vezes através de outras bailarinas.
Ele observava e aguardava, suprimindo o desejo súbito de caminhar até à fogueira, de a arrebatar nos seus braços e de a levar consigo.
Ele desejava-a. Terrivelmente. Há semanas que a desejava, e â noite que haviam passado juntos apenas intensificara esse desejo. Tinha passado os últimos dias num estado de ânsia permanente.
A inocência de Christiana naquele dia havia-o desarmado de uma forma perigosa. A paixão dela não conhecia defesas, e a sua entrega e aceitação totais haviam aniquilado as suas. Ao contrário das mulheres experientes com as quais geralmente se deitava, na sua ingenuidade, ela não tentava proteger-se das intímidades mais profundas que podiam surgir durante a cópula, não sabia nada acerca de manter a sua essência separada da união, não sabia nada acerca de manter o acto como um simples prazer físico. Christiana havia sentido a verdadeira proximidade e deixara simplesmente que o poder os submergisse. Ele contemplara a maravilha do acto nos olhos de Christiana, sentira o deslumbramento dela no seu abraço ávido e quase a prevenira para ter cuidado, pois ali também podia haver
perigo e dor para ela. Mas não o fez, pois essa intimidade profunda trouxe consigo um conhecimento daquela jovem pelo qual ele ansiava, e no final, também ele se mostrou indefeso contra a magia que não sentia há tantos anos.
O olhar dele seguiu-a e o seu corpo reagiu aos movimentos sedutores da dança dela. Na sua mente, Christiana fitava-o,
tocando-lhe no rosto e no peito e suspirando
um "sim" que exigia a sua entrega total.
Uma figura deambulou diante dele, distraindo-o misericordiosamente dos seus pensamentos acalorados. Morvan bebia vinho à medida que caminhava, observando descontraidamente
as bailarinas.
Os tambores e adufes repercutiram um final delirante e depois a dança terminou abruptamente. Em redor da fogueira, os corpos detiveram-se, ofegantes. Christiana e Anne abraçaram-se com uma gargalhada.
Ela pensava que Anne era a mulher de Oliver. Supunha que teria de lhe dizer a verdade.
Morvan captou o olhar de Christiana e acenou-lhe. Ela dirigiu-se ao irmão com um largo sorriso. Ele inclinou-se e disse algo, e David observou a felicidade e o prazer escaparem-se-lhe do rosto e do corpo como se alguém lhos tivesse arrancado.
Ela lançou os braços à volta dele e falou com seriedade, sem dúvida implorando-lhe que ficasse mais tempo. Morvan abanou a cabeça, acariciou-lhe o rosto e afastou-se.
Caminhou em direcção ao portão. Christiana ficou a vê-lo partir, o seu corpo erecto subitamente sozinho e isolado apesar da multidão que se aglomerava em seu redor. David podia ver a sua expressão serena, mas adivinhava a tristeza nela.
Toda a sua vida, toda a sua família, todo o seu passado estavam nesse momento a abandonar a casa.
Ele afastou-se da ombreira da porta e dirigiu-se a ela. Lançou a capa sobre os ombros, e ela dirigiu-lhe um sorriso débil antes de voltar o olhar para o homem alto que se afastava.
Ele sorriu e abanou a cabeça. Correu atrás de Morvan, chamando-o pelo nome. De certa forma nem acreditava que ia fazer isto por ela. ,
O jovem cavaleiro deteve-se e voltou-se. Regressou e encaminhou-se para David. Enfrentaram-se mutuamente no brilho da fogueira.
- Estais de saída, Morvan?
- Sim. É melhor se eu partir agora. - Lançou um olhar à irmã.
- Deveis vir visitá-la em breve. Ela irá querer ver-vos. - Morvan fitou-o, surpreendido. - A vida de Christiana irá sofrer uma grande mudança e poderá ser duro para ela - prosseguiu David. Não gostaria de a ver infeliz. Vinde sempre que vos aprouver. Esta casa estará sempre aberta para vós.
Morvan pareceu ainda mais surpreendido. Assentiu e sorriu debilmente.
- Agradeço-vos por isso, David. Pelo bem de ambos.
David regressou para junto de Christiana. A capa estava a descair-lhe pelas costas e ele aconchegou-a melhor, cingindo-lhe os ombros.
- O que lhe dissestes ? - inquiriu, com o olhar ainda fixo no irmão.
- Disse-lhe que deve visitar-vos sempre que lhe aprouver.
- Dissestes, David? A sério? - voltou-se para ele com um sorriso luminoso.
A sinceridade da sua surpresa e gratidão transtornaram-no.
- Eu sei que ele é tudo para vós, minha querida. Ele apenas procurou proteger-vos, e não posso censurar nenhum homem por isso. Não interferirei na vossa relação.
Ela encostou-se a ele e fitou-o com uma inocência quase infantil.
- Não é tudo para mim. Já não é assim. Agora existis vós, não é verdade? Temo-nos um ao outro, não é verdade?
Ele abraçou-a e ela pousou a cabeça no seu peito, com o rosto voltado para as sombras que engoliam a figura alta do irmão. David enterrou o rosto na nos seus cabelos sedosos.
Tudo aquilo que ela era, tudo o que era suposto ser, partira através daquele portão. A vida que vivera e nascera para viver, a posição que o sangue lhe garantia, regressava esta noite para Westminster sem ela. Ele não duvidava de que ela compreendia isso. Christiana sabia o que este casamento lhe havia retirado.
Beijou-lhe os cabelos e fechou os olhos. Ele podia devolver-lho. Tudo o que ela estava a perder e mais. Tinha poder para o fazer.
A oferta ainda estava de pé e seria feita novamente, disso tinha ele a certeza.. Tinha apenas de jogar o jogo como planeado, mas alterar a
jogada final. Ele sabia exactamente como fazê-lo. Há semanas que
andava a considerar a possibilidade.
Como se estivesse a ler os seus pensamentos, ela inclinou a
cabeça e olhou para ele.
- Sois muito bom para mim, David. Sei que ireis cuidar de mim e fazer tudo o que estiver ao vosso alcance por mim.
Ele curvou-se para a beijar e os lábios entreabertos dela ergueram-se para ir ao encontro dos dele. Um frémito sacudiu-a e Christiana pressionou-se contra ele enquanto o envolvia num abraço apertado. A mente dele enevoou-se e o autodomínio das últimas horas dissipou-se.
Ela agarrava-se a ele com o mesmo desespero com que ele se agarrava a ela, a boca dela a convidá-lo para o beijo profundo. Talvez fosse o vinho e a dança. Talvez fosse a gratidão relativamente a Morvan. Ele não se importava, aceitaria a paixão dela fosse como fosse.
Permaneceram assim na intensidade do brilho da fogueira, dois corpos moldados um no outro, banindo a separação, os sons da festa ecoando em redor deles. Ele beijou-a repetidamente, desejando possuí-la, absorvê-la para dentro de si.
Conseguiu reunir forças para afastar a boca.
- Vinde até lá cima comigo - sussurrou, com o rosto mergulhado no pescoço dela, enlouquecido pelo seu odor.
- Sim - disse ela. - Agora.
Ele virou-a sob o seu braço enquanto a beijava novamente. De alguma forma, encontrou o caminho através do pátio, entrou no edifício e subiu as escadas. Um grupo de foliões saiu discretamente do salão quando o casal se aproximou, e ele fechou a porta atrás deles com um pontapé.
Ao chegarem ao quarto, David retirou as capas de ambos e caiu na cama com ela, cobrindo-a com o seu corpo, sentindo o corpo dela render-se submissamente a ele. A mente dele não se concentrava em mais nada a não ser o toque e o odor dela. Tentou conter-se, tentou acalmar a terrível tempestade que o dominava, mas o beijo profundo e penetrante que ele lhe deu tornou-se feroz e faminto quando Christiana segurou a cabeça dele entre as suas mãos e o impeliu mais para junto de si.
David conseguiu retirar-lhe o casaco sem o rasgar, mas os atilhos do cotehardie constituíam um desafio para os seus dedos experientes. Puxou pelo nó enquanto beijava e mordiscava os seus seios. Finalmente, numa furiosa frustração, afastou-se, voltou-a ao contrário e encarou o nó recalcitrante.
- Ficai quieta - murmurou, retirando a sua adaga e afastando num piscar de olhos a obstrução à paixão. - Ajoelhou-se e fez deslizar a lâmina sob os atilhos. - É um velho truque praticado nos casamentos. As vossas criadas fizeram um nó que não pode ser desfeito.
Ela riu-se de uma forma maravilhosa, lírica, e depois voltou-se, divertida, alegremente a retirar o vestido. Assim que o fez, ajoelhou-se e voou para os braços
dele, como se aquela separação tivesse durado uma eternidade.
Nesse momento, ele perdeu-se. Num frenesim de carícias e beijos, conseguiram retirar as roupas dele. com exclamações, arquejos e gargalhadinhas de êxtase, as mãos dela encontraram as dele no cinto e na camisa e finalmente precipitaram-se acaloradamente sobre a pele dele. Ele retirou-lhe a combinação pelos ombros, descobrindo-lhe o seios, e inclinou-a para trás de modo a poder deliciar-se com aquela agradável suavidade.
Os gemidos de Christiana perturbaram-no, destruindo o último resquício de autodomínio. Puxou-lhe o vestido até às ancas e sentiu a humidade da excitação dela.
- Prometo que vos concederei um prazer lento mais tarde disse, enquanto a deitava. - Durante toda a noite, se assim o desejardes. Mas agora não posso esperar, querida.
Abriu-lhe as pernas e ajoelhou-se entre elas. Ela contemplou-o, os seus olhos negros repletos de estrelas.
Ele fitou o rosto adorável de Christiana e os seus seios alvos e redondos. O vestido estava amarfanhado na cintura e as meias ainda lhe davam pelos joelhos. David
puxou o vestido mais para cima, expondo as ancas e a barriga de Christiana. Tocou naquela carne pulsante e intumescida entre as suas coxas e observou o prazer que a invadia.
As fantasias do desejo dele instavam-no, implacáveis. Apesar da ignorância dela e da necessidade dele, David não conseguia resistir a todas elas. Dobrou-lhe as pernas de modo a que ela ficasse erguida
e aberta para ele. A respiração entrecortada de Christiana irrompeu nela neblina que o envolvia e David lançou-lhe um olhar e avistou o lampejo de cautela e surpresa nos olhos dela.
- Não tenhais medo - disse enquanto lhe erguia as ancas. - Quero beijar-vos toda. Só isso.
Ele sabia que não conseguiria entregar-se a este prazer por muito tempo. O seu próprio corpo não lho permitiria. Nem o dela, pelo que se veio a revelar. Ela contorcia-se e gritava devido ao choque e intensidade que este novo prazer lhe provocava, e David não tardou a sentir as primeiras contracções do clímax dela.
Deteve os beijos e deitou-se sobre ela levando as pernas dela com ele, instalando-as nos seus ombros. Ela agitou-se frustrada por ele a ter levado ao limiar do precipício e não ter continuado.
- Em breve, querida, prometo. Fá-lo-emos juntos - disse num tom tranquilizador, e, erguendo-se, penetrou-a com uma única investida.
O corpo dele estremeceu devido ao prazer agonizante do momento, mas o estremecimento só por si restituiu-lhe algum autodomínio. Estendeu os braços e acariciou-a, experimentando a sensação intensa de estar prestes, ele próprio, a atingir o clímax.
Ela observava-o enquanto ele se movimentava, as mãos dela, ávidas e acolhedoras, acariciando os seus ombros e peito. Os seus olhos brilhantes e os suspiros suaves mostravam a David que ele preenchia outras necessidades dela para além das do corpo. As emoções emanavam dela, pairavam junto a ele e envolviam-nos a ambos, da mesma forma que os seus braços e pernas haviam estado entrelaçados poucos momentos antes.
David sentiu que o corpo de Christiana se retesava, perto do clímax. O seu próprio controlo começou a ceder. Passou a mão entre os seus corpos, procurando conceder-lhe a tão desejada libertação. Frenética ela agarrou-se a ele, erguendo energicamente as ancas de encontro às suas investidas, arrastando-o com ela para aquele delicioso esquecimento.
David raramente procurava um alívio mútuo. Na verdade, evitava-o. Agora, à medida que a paixão de ambos atingia o auge e os consumia a ambos, ele sentiu o êxtase de Christiana no momento em que o seu próprio explodia dentro dela. Durante um sublime
instante, os relâmpagos daquela tempestade fundiram-nos numa plenitude completa.
Quando terminaram, ele pôs-se ao lado dela, beijando-a suavemente enquanto lhe estendia as pernas, permitindo a si mesmo apreciar a gloriosa expressão no seu belo rosto. Deitou-se de costas, puxando por ela ao fazê-lo para a deitar sobre si. Manteve-a ali, a cabeça dela no peito dele as pernas a envolver-lhe as ancas, observando o percurso da sua mão enquanto acariciava as suas costas pálidas.
Algum tempo depois, ela ergueu a cabeça e inclinou-a pensativamente.
- Estou a ouvir alaúdes - disse.
- Lisonjeais-me.
Ela soltou uma risadinha abafada e bateu-lhe no ombro de uma forma brincalhona.
- Não, David. Estou mesmo a ouvir. Escutai.
Ele concentrou-se e escutou os tons líricos entre o ruído distante da festa. Afastou-a de si, levantou-se da cama e desapareceu no quarto de vestir.
Chnstiana aguardou, pairando ainda na maravilhosa magia da paixão deles. Pareceu-lhe que o som dos alaúdes se intensificara.
Ele regressou e retirou a colcha da cama.
- Estão aqui por vós. Deveis agraciá-los com o vosso reconhecimento.
Ele colocou a colcha quente sobre os ombros, e ela levantou-se e juntou-se a ele no seu casulo acolhedor.
A porta das escadas que conduzia ao jardim de hera estava aberta, e eles dirigiram-se ao patamar de pedra. David ergueu-a e sentou-a no muro baixo do patamar, aconchegando bem a manta em redor das suas pernas.
Lá em baixo, no minúsculo jardim, conseguia ver quatro homens com alaúdes. Cantavam versos poéticos de uma canção de amor. Ela reconheceu o tom grave de Walter Manny.
- Quem são os outros? - sussurrou.
- São todos de The Pui. É uma tradição quando um deles
se casa.
Tocaram outra canção. Archotes iluminavam o jardim principal, mas aqui os cantores eram apenas formas negras nas sombras. Acima
deles, o céu nocturno límpido reluzia com centenas de estrelas. David mantinha-se ao lado dela, segurando-a sob a colcha, afagando o seu cabelo com o rosto. Havia algo de incrivelmente romântico no facto de estarem ali juntos na noite fria com a intimidade da paixão ainda a pairar sobre eles enquanto a música tocava.
Walter cantou a canção seguinte sozinho. Possuía uma melodia lenta e suave que ela já havia escutado antes. Era a canção que David entoara naquela tarde no salão, aquela que ela achara tão triste nesse dia. Agora apercebia-se de que não era triste de todo, apenas suave e bela. Naquele dia deixara-a a pensar em Stephen, e nem sequer havia reparado nas palavras, mas desta vez escutou atentamente.
Não era de todo uma trova de amor, mas antes uma canção em louvor de uma mulher e da sua beleza. As palavras falavam de membros elegantes e porte nobre. O cabelo dela era negro como a noite aveludada, a pele como um raio de luar, e os olhos como os diamantes das estrelas...
Ela manteve-se muito quieta. Escutou o resto da bela canção que a descrevia. David escrevera aquilo. Havia-a tocado nessa tarde no salão para ela, e ela nem sequer a escutara.
A voz de Walter e o alaúde silenciaram-se quando teminou a melodia. Christiana lançou um olhar à sombra do homem ao seu lado. O seu coração rejubilava de alegria e orgulho por ele a ter honrado desta forma, há tanto tempo, mesmo quando ela o tratava tão mal.
- Obrigada - murmurou, esticando-se para lhe beijar o rosto. Escutaram mais algumas canções, e depois os quatro músicos
avançaram e fizeram uma vénia.
- Obrigada, Walter - agradeceu baixinho.
- Minha senhora - respondeu, e as sombras engoliram-no.
- Que tradição maravilhosa - disse ela a David enquanto regressavam para a cama. - Já fizestes isto?
- Sim. Já tive o meu quinhão de noites passadas ao frio em jardins a cantar para mulheres recém-casadas. Ficamos até ela nos dar a entender que nos escutou. Ocasionalmente, o noivo está tão entusiasmado na cama que demora horas. Depois disso, fazemo-lo pagar caro.
Ela soltou uma gargalhada e encostou a cabeça ao seu ombro.
- Foi um casamento maravilhoso, David. - Pela janela aberta ainda penetrava algum estridor da festança que prosseguia lá fora
e lá em baixo. - Diverti-me imenso. Annee diz que eu danço muito bem para uma amadora. Ela disse que me ensina mais se eu quiser.
- Se vos dá prazer, deveis fazê-lo.
- Gosto dela. Também gosto de Oliver. É um velho amigo vosso?
- Amigo de infância.
- Estão casados há muito tempo?
Uma expressão peculiar surgiu no rosto de David. Estava tão belo nesse momento, com o cabelo castanho dourado a cair-lhe sobre a fronte e os olhos azuis penetrantes a fitá-la.
- Christiana, Oliver vende mulheres. Vivem juntos, mas Anne não é esposa dele. É uma das suas mulheres.
- Estais a dizer-me que ela é prostituta dele ? Anne é prostituta ? Ela faz isto com estranhos por dinheiro? Ele permite-o e ainda lhe arranja homens?
- Sim.
- Como pode fazê-lo? Parece preocupar-se com ela, David. Como é que...
- Na verdade, não sei.
Ela imaginou Anne, como os seus belos cachos castanhos e um rosto adorável, embora mundano.
- Deve ser horrível para ela.
- Suspeito que se deverá alhear quando está lá com eles.
Era possível fazer-se aquilo? Unir-se assim a outra pessoa e não se importar com aquilo, nem sequer sentir nada? Ou apenas retirar prazer, sem qualquer interesse pela pessoa em questão? Era uma ideia triste e assustadora.
Ela voltou a cabeça e lançou um olhar à cúpula de tecido azul acima deles, sentindo compaixão por Anne e já algum desagrado em relação a Oliver por esperar tais coisas dela. É verdade que eram pobres, mas decerto haveria alguma outra
forma de resolver o problema.
E contudo, tinha de admitir que as relações sexuais podiam obviamente acontecer de todas as formas possíveis e pelas mais variadas razões. Na verdade, ela suspeitava
que o amor não tinha nada a ver com aquilo, especialmente para os homens. Afinal, o desejo que ela e David partilhavam era essencialmente físico, não era? Para ele, era mesmo só isso. E outras mulheres tinham estado ali, onde ela
estava agora, vivendo as mesmas experiências. Havia-as desejado, e aeora desejava-a a ela. Quem desejaria ele a seguir?
A magia e a maravilha pareceram-lhe subitamente menos especiais.
Duraria muito, este desejo? Talvez, se um homem despendesse mil libras por uma mulher, se sentisse na obrigação de a desejar por muito tempo. Mas quando o desejo desvanecesse, o que lhe restaria a ela? Uma casa e talvez alguns filhos. Não é que fosse pouco, mas ela queria mais.
O reconhecimento desse facto assustou-a e Christiana nem sequer compreendia os sentimentos que revelava. Contudo, compreendia que podia haver perigo nesta cama com este homem, e a hipótese de uma desilusão bem maior do que a que conhecera com Stephen Percy.
Um estranho vazio apoderou-se dela. Era como uma solidão desolada, apesar do homem que a abraçava. Vivera uns momentos maravilhosos durante aquelas últimas horas,
rindo e dançando, subjugada pela paixão mútua. Os momentos passados junto a ele, lá fora, enquanto escutavam as canções de amor haviam sido tão românticos. Apercebeu-se com pesar que havia estado a construir insensatamente outra ilusão, outro sonho.
Ela sentiu-o mover-se e em seguida aqueles olhos azuis estavam pousados nela, observando-a.
- Em que estais a pensar? - questionou David. Não sabeis? Quis perguntar. Sabeis sempre.
Encontrou o olhar dele e compreendeu que ele sabia. Pelo menos em parte.
- Estou a pensar que há algo mais em tudo isto do que a minha compreensão alcança. - com um gesto, abarcou a cama. - Deveis considerar-me muito infantil e ignorante comparada com as outras mulheres que conhecestes.
Mulheres belas. Mulheres mundanas. Mulheres experientes. Jamais conseguiria competir com elas. Nem sequer sabia como. Por que razão a teria ele desposado?
A mão dele acariciou-lhe a face e voltou o seu rosto para o fitar.
- Agradais-me muito, Christiana.
Sentiu-se um pouco melhor com essas palavras, mas não muito.
- Alicia era vossa amante, não é verdade? - inquiriu bruscamente.
- Sim. Mas está terminado.
- Também houve outras. Algumas que eu conheço e que me conhecem - disse sem qualquer expressão.
Ele limitou-se a fitá-la.
- Elizabeth? - questionou, pensando naquela mulher requintada e encantadora e sentindo uma enfurecedora pontada de ciúme. Ninguém jamais poderia competir com Elizabeth.
- Elizabeth é uma velha amiga, mas nunca fomos amantes. Uma indignação protectora substituiu imediatamente o ciúme.
- Por que não? Sois melhor do que muitos homens a quem ela esteve ligada. E aquele lorde que ela desposou é idoso e mal-parecido.
Ele riu-se.
- Agora estais Zangada, com ela por nunca termos dormido juntos? Não, não houve qualquer insulto nisso. Elizabeth gosta dos amantes bem jovens.
- Vós sois jovem.
- Não o suficiente. Ela gosta deles ainda inexperientes. Pretende influenciá-los.
- Jovens como Morvan?
- Sim.
Ela ficou a pensar naquilo e naqueles meses em que Morvan acompanhava Elizabeth. Fora muito tempo para ele. A preocupação com o irmão distraiu-a das preocupações acerca de si mesma.
- Sabeis algo acerca deles e do que aconteceu? Algumas pessoas na corte pensaram que eles se casariam, mas depois, de repente, acabou. Morvan nunca falou comigo acerca disso.
Ele lançou um olhar à almofada durante um momento e ela percebeu que ele sabia.
- Oh, por favor, David, dizei-me - pediu. - Afinal, ele é meu irmão. Sou muito discreta, sabeis. Sou a única mulher na corte que nunca se entregou a mexericos.
- Uma virtude rara que não devo corromper.
- Sempre escutei, mas nunca repeti o que ouvi - disse.
- Elizabeth não desposou o vosso irmão porque ele nunca a pediu em casamento. Ela amava-o, mas ele não a amava. Pelo menos,
não da forma que ela desejava. Elizabeth jamais se ligaria a um amor desigual como esse. Depois há a questão de ela ser infértil. Sabe que o é desde muito jovem. É por isso que os homens mais velhos a desejam. Já possuem os seus herdeiros. Um dia o vosso irmão irá ser de novo lorde de Harclow e pretenderá ter um filho.
- Não, David, não me parece que ele vá sê-lo. O rei jurou que iria fazer os possíveis por isso, mas esqueceu-se.
- Os homens não esquecem os juramentos que fazem.
O que mais saberia David acerca das pessoas com quem ela havia passado a sua vida?, pensou. Talvez, se ela provasse ser muito discreta, ele algum dia lhe contasse. Estar assim a conversar no calor da cama era muito aprazível e aconchegante. Quando ele se encontrava de pé e a caminhar de um lado para outro, ainda permanecia um mistério para ela, mas a intimidade daquele momento baniu temporariamente essa sensação.
- Fiquei surpreendida por o rei vir esta noite - disse ela, interrogando-se até onde poderia ir neste clima de boa disposição.
- Até mesmo os reis gostam de se divertir. Ser uma personalidade real pode ser algo muito entediante, e Eduardo ainda é jovem. Não é muito mais velho do que eu.
- Parece conhecer-vos bem.
- Somos aproximadamente da mesma idade, e ele sente-se mais confortável comigo do que com os dignitários da cidade, que são muito formais com ele. Fiz-lhe alguns favores. Encarrega-me de algumas missões, principalmente para a Flandres. Transportei cartas para o governador de Ghent em várias viagens.
- Ainda fazeis isso? Essas missões?
- Sim. Algumas das viagens que faço são a mando de Eduardo.
Era isso. Ela sorriu perante a sua tola hesitação. Devia ter perguntado mais cedo. Tudo fazia sentido e era perfeitamente inocente. Ainda assim...
- São, perigosas, essas viagens?
- Não têm sido.
Não era o mesmo que responder com uma negativa, todavia decidiu não insistir.
Aninhou-se ao corpo dele, desfrutando do calor do braço dele à sua volta. Pensou nalgumas pessoas que conhecera no banquete da
Câmara Municipal. Recordou-se em especial de Gilbert de Abyndon, um homem de lábios finos e cabelo grisalho, que tentara ignorar a presença de David até mesmo no momento em que estava a apresentá-la.
- Gostei de Margaret, esposa de Gilbert. Penso que ela e eu podemos vir a ser amigas. Pensais que ele o permitiria?
Na verdade, ela pretendia saber se David o permitiria. Margaret não era muito mais velha do que ela própria, e era uma mulher agradável de cabelo loiro. Ambas haviam apreciado o encontro e a conversa, embora os seus maridos tivessem permanecido imóveis como sentinelas.
- Muito provavelmente. Gilbert é muito ambicioso. Irá tolerar o vosso casamento comigo devido à vossa condição nobre e às vossas ligações com a corte. Tal como a
maioria dos mercadores abastados, ele pretende elevar a sua família à pequena nobreza.
- Ainda assim, ele pode opor-se a que ela me visite. É óbvio que existe ódio entre vós.
Aquele comentário deixou-o silencioso durante algum tempo. Christiana voltou-se e viu-o a observar o dossel azul, um pouco à semelhança do que ela fizera na noite anterior. David fitou-a com um brilho no olhar. Teria ficado enfadado com a simples menção do tio? David beijou-lhe o cabelo como que para a tranquilizar.
- Odeio-o por aquilo que ele fez à minha mãe, e ele odeia-me porque eu estou vivo e uso o nome de Abyndon. Ele é o pior da nossa geração, minha menina. Opinioso e intransigente. É uma pessoa pedante e frequenta a igreja todas as manhãs antes de passar o dia a amaldiçoar as pessoas. Se ele tivesse estado nesta casa hoje, não teria visto alegria e bem-estar, mas apenas pecado e fraqueza. Se pretendeis ser amiga de Margaret, deveis saber disto, porque este é o homem a quem ela está ligada. Afortunadamente, pelo bem dela, o seu marido idoso falecerá em breve.
Ela pestanejou perante estas últimas palavras. Desejar a morte de outrem era algo terrível. A forma fria como ele o disse surpreendeu-a ainda mais.
- Precisamos de encontrar uma criada que vos ajude com as roupas - acrescentou. - Geva disse que quereríeis ser vós mesma a escolher a rapariga. Dentro de poucos dias, ide visitar Margaret e pedi-lhe ajuda com isso. Vede se Gilbert o permite.
David acariciou-lhe o cabelo e o ombro, e Christiana comprimiu-se contra o corpo dele à medida que o calor das carícias faziam despertar a sua pele. Ela suspeitava que ele queria fazer amor novamente. Aguardou que ele tomasse a iniciativa e ficou surpreendida quando David começou a falar e a sua voz suave flutuou até ao seu ouvido.
- Os meus tios Gilbert e Stephen já deviam ter uns vinte anos quando a minha mãe ainda era uma menina. Idade suficiente para perceberem o que ali tinham assim que ela perfez os catorze anos. Era bela. Perfeita. Até mesmo quando faleceu, apesar de tudo, continuava a ser bela. Os irmãos dela viram no casamento uma oportunidade. Tinham tudo planeado. Pretendiam, como primeira opção, desposá-la com um nobre. A segunda opção era um mercador pertencente à Liga Hanseática. Em terceiro lugar, um homem da pequena nobreza. Destinaram um dote chorudo e começaram a exibi-la diante desses homens. Levavam-na com eles a todos os banquetes, vestida como uma senhora.
- E funcionou?
- Funcionou. John Constantyn contou-me aquilo que ela não me disse. Começaram a chover ofertas. Gilbert e Stephen começaram a discutir o casamento que seria melhor para eles, evidentemente, não para ela. Tornaram-se muito espertos e atiçaram uns contra os outros.
- Ela recusou a opção deles? Foi por isso que...
- Pior do que isso, tal como o meu corpo ao vosso lado o confirma. Não foram suficientemente cuidadosos com ela. Os pais deles já haviam falecido, e as criadas que a vigiavam eram demasiado indulgentes. Ela apaixonou-se. O homem desapareceu muito antes que ela se apercebesse que estava grávida.
- Seria um dos pretendentes?
- Aparentemente, não. Ainda assim, os irmãos procuraram resolver a tragédia à maneira deles. Quiseram saber o nome dele de modo a forçarem um casamento, mas ela não o revelou. Gilbert tentou que ela o confessasse, batendo-lhe, e mesmo assim ela não o fez. Assim, encontraram outro marido para ela, disposto a aceitá-la sob aquelas circunstâncias, e que quisesse realizar um casamento rápido.
Christiana sentiu-se constrangida. Recordou-se da primeira noite na sala de estar de David e de ele lhe perguntar se ela estava de
esperanças. Devia ter pensado que era a mesma história, e que ele era o outro homem cujo casamento rápido encobriria o erro de uma rapariga.
- Ela não o quis aceitar - prosseguiu. - Estava certa de que o seu amante regressaria. Dirigiu-se ao sacerdote e explicou que não queria casar-se.
Mais corajosa do que eu, pensou Christiana. Meu Deus, o que se teria passado na mente de Davidna noite em que o enfrentara diante da lareira?
- O que fizeram eles ?
- Mandaram-na para longe. Temos alguns familiares em Hastings e eles enviaram-na para lá. Gilbert ordenou-lhe que se livrasse da criança quando esta nascesse. Se ela não obedecesse, deixariam de a sustentar e seria como se ela estivesse morta. Não deveria regressar a Londres sob circunstância alguma.
- Mas ela ficou convosco e regressou.
- Ela tinha a certeza de que o seu amado regressaria, e ele não saberia onde procurá-la se ela não estivesse aqui. Por isso, não tardou a regressar. De alguma forma, conheceu Meg e começou a trabalhar como lavadeira. Meg foi a parteira quando eu nasci. Naqueles primeiros anos, vivíamos num pequeno quarto atrás de um estábulo junto ao rio. Para além de Meg e dos outros trabalhadores, eu era o único companheiro da minha mãe. Gilbert e Stephen nunca a viram e, fiéis à sua ameaça, nunca lhe deram um tostão. Ela podia ter morrido à fome que eles não teriam sabido nem se importavam.
- E vós? Sabíeis quem ela era, tínheis conhecimento deles?
- Só quando fiz sete anos. Comecei a ouvir falar destes homens com o mesmo nome da minha mãe e fui-me apercebendo de algumas coisas. Nessa altura, Stephen começou a fazer carreira como político na cidade. E nessa altura eu já sabia que era um filho bastardo. Os outros rapazes encarregaram-se de mo fazer saber. Alguns anos
mais tarde, ela converteu-se na governanta de David Constantyn e as coisas melhoraram, embora Gilbert e Stephen nunca lhe tivessem perdoado por tê-la auxiliado.
A infelicidade dela era o preço pelo seu pecado contra Deus e contra eles. Principalmente contra eles.
Ele contara esta história de uma forma simples e calma, mas ela pressentia que havia muitos outros pensamentos ligados a esta narrativa, e que alguns deles lhe diziam respeito a ela.
Recordou-se do esboço do rosto da mulher que vira e, olhando Uara a constituição perfeita de David, conseguia ver nele a mãe. Mas outro rosto contribuíra para estes
traços e aqueles olhos profundos, num rosto desconhecido.
- Qual era o nome dela? O nome da vossa mãe.
- Joanna.
- E o vosso pai, conhecei-lo?
- O único pai que alguma vez conheci foi o meu mestre. A primeira vez que o vi, ele repreendeu-me por lhe ter furtado uma maçã. Upareceu-me vindo do jardim de hera
no momento em que me Encontrava sentado sob uma árvore a comê-la, enquanto a minha mãe ajudava com a lavagem da roupa no pátio. Tive de arranjar uma Hesculpa rápida
e credível para escapar a uma sova, garanto-vos. Deu-me uma grande palmada e arrastou-me até junto da minha mãe.
Algumas semanas mais tarde, apareceu enquanto estávamos
aqui e levou-me a assistir ao enforcamento de um ladrão. No caminho de regresso contou-me que havia duas formas de os homens inteligentes enriquecerem. Uma era através
do roubo e a outra através do comércio, mas os ladrões viviam vidas mais curtas. Por volta dos meus oito anos, dei por terminada a minha carreira de ladrão, e aproveitei bem a lição.
Ela recordou as crianças pobres que por vezes avistava nas ruas da cidade a aproximar-se das carruagens e das janelas, escapulindo-se com comida e bens. Imaginou
um David pequenino entre elas. Nunca era apanhado, evidentemente.
- Ele quis casar-se com ela, penso eu - acrescentou pensativamente. - Recordo-me de os apanhar quando devia ter uns doze anos. Estavam sentados no salão. Apercebi-me de que estavam a disputir algo importante. Pressenti-o.
- Pensais que ela o recusou?
- Sim. Na altura presumi que ele o fizera porque me queria a mim. Naquela altura mantínhamos uma relação próxima, quase de pai e filho. Até partilhávamos o nome.
Ela escolhera o meu da Bíblia, mas é um nome invulgar em Inglaterra, e eu sabia desde o início que
o facto de eu ter o mesmo nome que ele o fascinava. Até mesmo
o Emprego dela aqui, sempre pensei que ele tinha aceite a minha mãe para ter o filho. Mas agora penso que foi precisamente o contrário.
- Ela recusou-o por causa do outro homem, o vosso verdadeiro pai?
- Sim. O coração dela continuou a esperar já depois de a mente ter desistido. Desprezei-a por isso quando era adolescente, mas quando ela faleceu, compreendi um pouco.
Ela recordou-se da compreensão paciente de David durante os esponsais, mas igualmente dos seus comentários cruéis e implacáveis sobre Stephen.
Ainda aguardais por ele, depois de todo este tempo e quando a, verdade é tão óbvia. Ainda bem que Eduardo me deu a vossa mão em casamento, caso contrário teríeis passado toda a vossa vida à espera e a viver num sonho desvanecido.
Ao recusar-se a repudiá-la, David correra um risco horrendo e doloroso.
Ela procurou o conforto cálido do corpo dele, sentindo a pele de David contra a sua. O facto de ele lhe ter falado de Joanna e da sua infância enternecera-a. Aos poucos, em momentos como este, talvez ele deixasse de ser um estranho para ela. Também sabia que não estava na sua natureza fazer este tipo de confidências e que apenas a intimidade do matrimónio o havia permitido.
Sem pensar, fez deslizar o rosto conta o peito dele e voltou-se para o beijar. Saboreou a pele e beijou-o de novo. O seu desejo de dar e receber conforto e de se comprazer nesta recente intimidade de ambos transformou-se em algo diferente à medida que o beijava, e impulsivamente voltou a cabeça e mordeu-lhe suavemente o mamilo. Ele tocou-lhe na cabeça e segurou-a, encorajando-a. Uma sensualidade lânguida percorreu-lhe o corpo e também sentiu uma mudança nele. Só nessa altura se recordou de que esta havia sido uma daquelas confidências que a criada lhe fizera de manhã durante o banho.
Ele permitiu que os lábios e a língua dela o acariciassem durante algum tempo e depois voltou-a suavemente de costas.
- Parece-me que vos prometi prazer prolongado - disse ele.
- Vejamos até que ponto poderemos prolongá-lo.
Muito mais tarde, pois David era capaz de prolongar o prazer durante muito tempo se assim o quisesse, jaziam juntos na cama obscura, as cortinas fechadas contra os sons esbatidos e as luzes do
banquete de casamento. Christiana começou a adormecer nos seus braços.
Ela sentiu-o mover-se e percebeu que ele observava o seu perfil quase indistinto.
- Falastes com ele? - perguntou suavemente.
Ela já se esquecera do assunto. Esquecera tudo acerca de Stephen Percy e da sxia ira e mágoa contra David. Este dia e esta noite haviam obscurecido as suas suspeitas acerca das motivações de David, e desejou sinceramente que ele não lhas tivesse recordado.
Ele vive com realidades, pensou ela. Sois vós quem compõe sonhos e canções. Mas ele havia escrito aquela canção acerca dela, não é verdade? Todavia, não era uma canção de amor. Ele considerava-a bela e escrevera acerca disso. Talvez ele também escrevesse melodias do género acerca do pôr-do-sol e das florestas.
- Sim. Falei com ele.
- O que pretendia?
- Nada de honroso.
Ele ficou silencioso durante um momento.
- Não quero que o volteis a ver - disse finalmente.
- Ele está na corte com frequência. Quereis dizer que nunca mais vou poder regressar a Westminster?
- Não estou a dizer isso. Sabeis o que quero dizer.
- Terminou, David. Tal como vós e Alicia. É o mesmo.
- Não é o mesmo. Eu nunca amei Alicia.
Ela voltou-se para ele. Ele abrira esta porta e ela sentiu o impulso de entrar.
- Nunca tencionastes deixar-me ir com ele, pois não?
- Não menti quando o disse, mas estava certo de que isso não aconteceria.
- E se tivesse acontecido?
Os dedos dele tocaram o seu rosto na obscuridade.
- Não vos teria deixado ir. Soube-o desde cedo.
Porquê? Pelo vosso orgulho? Pelo vosso investimento? Para me salvar do destino da vossa mãe? Não podia colocar-lhe a questão porque não queria saber a verdade. Devia ser permitido a uma rapariga algumas ilusões e ambiguidades, se tinha de viver com um homem. Também não queria realidade a mais.
- Como é que sabíeis que eu viria naquele dia?
- Não o esperava. Tencionava ir lá buscar-vos.
- E se eu não viesse nem concordasse com a vossa sedução?
- Não vos teria dado muitas hipóteses de escolha. Ela pensou naquilo.
- Fostes muito inteligente, David, reconheço isso. Muito cuidadoso. Muitas testemunhas. Todo o vosso lar. Idonia. Até que ponto fostes meticuloso? Guardastes os lençóis? Deixaste-os na cama para que Geva os visse no dia seguinte? - O seu tom de voz encerrava mais petulância do que aquela que sentia.
Ele beijou-lhe a têmpora e puxou-a para si.
- A primeira vez que vos encontrei, e de todas as outras vezes, dissestes-me que o amáveis, Christiana. Até àquela quarta-feira. Apesar do que acontecia entre nós quando eu vos beijava, apesar de ele vos tratar mal. Sim, querida, fui meticuloso. E calculista e inteligente. Converti deliberadamente este casamento num facto e liguei-vos a mim. Não podia correr o risco de ele vos contar as mentiras que o vosso coração queria ouvir de modo a abusar de vós de novo. Ter-me-íeis aceitado de outro modo? Deveria eu ter recuado perante este cavaleiro como mercador que sou? Ter-vos-ia agradado se tivesse honrado a minha promessa de vos deixar ir?
Ela estremeceu um pouco perante a franqueza brutal das suas palavras. As coisas soavam de uma forma diferente quando ele as punha desta maneira, quando ela as via através dos olhos dele. Fora tão fácil esquecer a pessoa que ela era antes da última quarta-feira.
- Não - sussurrou, e era verdade. Não teria ficado satisfeita se ele se mostrasse indiferente e simplesmente tivesse permitido que Stephen a levasse. Outra reacção que ela temia examinar ao pormenor.
O silêncio impôs-se de novo, e após algum tempo, ela relaxou no seu abraço. O sono já quase a reclamara quando escutou uma gargalhada suave no seu ouvido.
- Sim, minha menina. Fui meticuloso e não corri riscos. Guardei os lençóis.


CONTINUA

CAPITULO 10
Christiana assumiu que nesse dia o almoço fosse mais sumptuoso do que era habitual para a refeição do meio do dia. A visita de John Constantyn era provavelmente o motivo para o excesso de pratas, bem como os acepipes, mas suspeitava também que a sua própria visita inspirara Vittorio a confeccionar algumas iguarias de última hora.
- Aposto que ele é um dos melhores cozinheiros de Londres
- confidenciou John. - Faço sempre os possíveis para conseguir um convite para comer aqui. - Deu umas palmadinhas na sua volumosa barriga. - É melhor não o deixares cozinhar no teu casamento, David. O rei pode roubar-to.
Vittorio assegurou-se de que tudo estava perfeito na mesa, e depois sentou-se junto aos aprendizes e Sieg. Em breve toda a mesa falava em italiano.
- É mais fácil aprenderem à mesa. - Explicou David. - Vai ser preciso, por causa do comércio.
Christiana observava os rapazes. Andrew era mais velho do que ela e Roger dois anos mais jovem. Todavia, para eles não era estranho que uma rapariga da sua idade desposasse o seu mestre. Na verdade, as noivas-criança eram mais comuns e ela era um pouco velha para esse papel.
John serviu-se de salmão.
- Ouvi dizer que recebestes hoje um carregamento, David.
- Tapetes de Castela.
- Tendes recebido muita carga de Inverno.
- Elas chegam quando chegam.
- Pois, pois. Estais à espera que o comércio seja interrompido na Primavera ou no Verão, não é verdade? - baixou o tom de voz.
- Ele vai fazê-lo, não vai? Outra maldita campanha. Outro exército para França e todos os navios à vista requisitados nesse sentido. Ainda bem que só negoceio com lã. Ele jamais interferirá com isso.
- Se Eduardo continuar a pedir dinheiro emprestado, em breve não haverá prata no reino nem mesmo para comprar a vossa lã, John, quanto mais para tapetes espanhóis.
- Vendeis sempre os vossos objectos de luxo, David. Sabeis sempre o que eles pretendem. - Inclinou-se na direcção de Christiana. - Ele possui instintos de ouro, minha senhora. Há uns anos atrás, ele não tocaria no monopólio do rei para exportar lã em bruto e convenceu-me também a mim a desistir. Salvou-me a pele. Quase todas as pessoas envolvidas perderam tudo.
A refeição foi longa, cordial e descontraída. David e John conversaram sobre política e negócios e discutiram as políticas de Eduardo mais abertamente do que os cortesãos. Ocasionalmente, algumas opiniões até pareciam ligeiramente desleais.
Provavelmente, os barões e cavaleiros também falavam assim entre eles, apercebeu-se ela, mas não no salão do rei.
Christiana examinou as pessoas sentadas nas outras três mesas. Para além de Sieg, Vittorio, Geva e os aprendizes, havia mais quatro criados permanentes. O lar de David parecia grande, bem gerido e eficiente. Ele realmente não necessitava de uma esposa para gerir as coisas. Ela suspeitava que a sua presença seria supérflua e até mesmo prejudicial.
Ao longo de toda a refeição, David fê-la saber que não se esquecera da sua presença. Os seus gestos e olhares sugeriam que apesar da atenção que dedicava ao seu convidado, grande parte dos seus pensamentos se dedicavam a ela. Quando ambos terminaram de comer, a mão dele repousou permanentemente sobre a dela em cima da mesa, os longos dedos acariciando distraidamente as costas da sua mão enquanto conversava. De formas subtis, ele mantinha a intimidade que haviam partilhado no jardim de hera.
Ela foi-se tornando cada vez mais consciente do seu toque e dos seus olhares à medida que a refeição se aproximava do fim. Quando
o salão começou a esvaziar-se e os aprendizes regressaram à loja e os criados aos seus deveres, Christiana notou que a percepção dele em relação a ela se agudizava apesar de nada ter mudado no seu comportamento ou nas suas acções.
John Constantyn não permaneceu durante muito tempo depois de as outras mesas ficarem desertas e Christiana e David acompanharam-no até ao pátio.
- Ver-vos-ei no vosso casamento, senhora - disse John. - É verdade que o rei vai assistir, David?
- Foi o que me disseram. Christiana encontra-se sob a sua tutela.
- Consta que o presidente da câmara vos convenceu a mudar o banquete para a Câmara Municipal.
Christiana tentou não embaraçar David deixando perceber que não sabia nada dos planos para o seu próprio matrimónio. Nunca haiam falado acerca disso. Nunca perguntara, porque nunca tencionara lá estar.
Não podia censurá-lo se ele agora antipatizasse com ela. Talvez fosse, de facto, o caso. Ele jamais lhe daria a perceber. Estava tão encurralado como ela, mas ia tentar tirar o melhor proveito desta situação. Seria apenas isso? Duas pessoas a acomodarem-se ao inevitável?
- Sim. E o presidente da Câmara tornou bem claro que se a família real assistir, todos os vereadores devem ser convidados disse David. - Teremos o banquete oficial e fastidioso do presidente da Câmara, e depois outro aqui para esta zona e para o pessoal da casa. Guardai o vosso apetite, John. Vittorio vai cozinhar no segundo.
John soltou uma gargalhada.
- E o vosso tio Gilbert, David. Também virá?
- Convidei-o. Na verdade, apropriei-me de um pajem real para lhe enviar uma mensagem. A esposa de Gilbert é uma boa mulher e não pretendo insultá-la. Ela fará com que ele venha. - Os seus olhos faiscaram maliciosamente. - A decisão irá deixá-lo louco. Se recusar, perderá a oportunidade de estar junto do rei. Se aceitar, honrar-me-á com a sua presença.
- Sim - concordou John com um sorriso de orelha a orelha.
- O dilema dele podia ser causa suficiente para contrairdes casamento, se o melhor motivo não se encontrasse agora aí ao vosso lado.
Ela decidiu não pensar na forma como David tivera acesso a um pajem real.
Nessa altura, John partiu. O pátio pareceu de súbito muito tranquilo.
O braço de David enlaçou a cintura dela.
- Vinde. vou mostrar-vos a casa.
Visitaram primeiro os estábulos. O seu cavalo negro, sem sela e escovado, permanecia no estábulo ao lado das duas montadas de David. O moço da estrebaria não se encontrava em parte alguma. Ela aproximou-se e acariciou o focinho negro do animal. Supunha que agora já podia dar-lhe um nome, uma vez que ia ficar com ele.
No edifício voltado para a rua viu os quartos usados por Michael, Roger e alguns dos criados. Andrew dormia na loja, ela sabia. Impressionava-a que cada pessoa tivesse o seu quartinho. Os criados deste mercador possuíam mais privacidade do que os nobres à guarda do rei.
Reinava o silêncio no salão. Até mesmo a cozinha ecoava por estar deserta. Vittorio estava de saída com uma cesta no braço. Ia às compras para a refeição da noite. Sorriu com indulgência e afastou-se furtivamente.
Quando David abriu a porta do último edifício, Christiana pensou que provavelmente encontraria ali mais azáfama doméstica. Apercebeu-se, com surpresa, que todas as pessoas haviam abandonado a casa.
Seguiu David até aos armazéns repletos de caixas de madeira no primeiro andar, para lá do antigo quarto da mãe. Christiana sentiu o aroma a canela e a cravo-da-índia. Tapetes, especiarias e sedas. Artigos de luxo. A observação de John havia sido correcta. David conseguiria sempre vender estes artigos. Definiam estatuto e honra, e muitas pessoas limitar-se-iam a comer apenas caldo para os poderem adquirir.
O braço dele rodeava-lhe os ombros enquanto a conduzia de regresso à cozinha. Aquele gesto simples pareceu-lhe subitamente menos descontraído do que antes. Teria ele dispensado todo o seu pessoal ou a sua discrição natural tê-los-ia levado a sair, para que o mestre deles pudesse estar a sós com a sua senhora?
Estavam sozinhos, isso era certo. O silêncio ressoante imbuíra este passeio simples de uma intimidade assustadora. Quando
regressaram às escadas que conduziam ao andar superior e aos aposentos de David, já Christiana ia com os sentidos em alerta.
David começou a conduzi-la pelas escadas acima. Ela mostrou-se relutante no segundo degrau.
O sorriso divertido dele fê-la sentir-se infantil.
- Vá lá, menina - disse, pegando-lhe na mão. - Deveis conhecer a vossa casa.
A mente de Christiana admoestou os seus instintos. Afinal, já estivera
no salão. Em breve estariam casados e, apesar dos avisos de Morvan, ele não interpretara
mal a razão da sua vinda. Permitiu que ele a persuadisse a subir.
À luz do dia, pôde ver a beleza do salão. As janelas envidraçadas de um dos lados tinham vista para o jardim e, no Verão, o aroma das flores sentir-se-ia, com certeza,
naquele compartimento quadrado. David acendeu o lume e ela caminhou pela sala, admirando o mobiliário. Cada cadeirão entalhado, cada peça de tapeçaria, cada artigo,
até mesmo os castiçais em prata, possuía uma beleza própria e característica. Correu os dedos pelo entalhe de hera no cadeirão onde se sentara na primeira noite. O que teria este homem pensado da criança que o enfrentara, com os pés a baloiçar à medida que lhe anunciava o seu amor por outro homem?
Stephen. A recordação dele ainda conseguia provocar nela uma mágoa profunda.
Ergueu os olhos e deu com os de David fixados em si.
- Estes objectos maravilhosos vieram com a casa? - questionou.
- Não.
Também lhe quis parecer que não. Tal como o corte austero das roupas de David, os objectos eram, à sua maneira, perfeitos.
- Deveis passar muito tempo em busca destas coisas.
- Raramente. Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Ela observou uma das tapeçarias penduradas junto às janelas. Soberba. Recordou-se da dependência de Elizabeth no gosto dele. Ele tinha olho para a beleza. Esse atributo concedia-lhe uma vantagem tremenda neste negócio.
Penso que sois a rapariga mais bela que já conheci.
Os olhos dela seguiram lentamente o sinuoso rendilhado em chumbo que unia os vidros nas janelas. Sentia o olhar dele cravado nela.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
Um livro pequeno repousava sobre uma mesinha perto da lareira. Sabia que se o abrisse encontraria iluminuras da maior beleza. Como tudo o resto neste compartimento, seria um objecto de grande requinte.
Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Duas portas flanqueavam a lareira. Deambulou até à porta da direita e abriu-a. Deu por si na soleira do quarto de dormir dele. Ignorando um vislumbre de inquietação na forma como ele a observava, entrou.
A lareira no quarto dele situava-se na parte de trás da da sala de estar e a janela também dava para o jardim. O quarto estava mobilado de uma forma simples, com uma cadeira perto do lume e uma ampla cama sobre um estrado baixo no centro do quarto. Cortinas azuis escuras rodeavam a cama, formando um dossel, e a parte lateral abria-se para revelar uma sumptuosa colcha a condizer.
Ela caminhou ao longo da parede com vista para o jardim e transpôs uma outra porta na extremidade do quarto. Entrou no quarto de vestir onde se encontravam os baús e cabides para as roupas dele. Havia também uma pequena lareira e uma tina de madeira tal como a de Isabele. Uma porta na sua extremidade conduzia a um guarda-roupa e a uma privada. Um cano num nicho de parede, semelhante a outros que se podiam ver pela casa, fornecia água canalizada.
Ela abriu uma porta entalhada na parede e deu por si no cimo das escadas que conduziam ao pequeno jardim de hera. Para além da sala de estar, esta era a única entrada para o compartimento.
De regresso ao quarto de dormir, olhou em seu redor, tentando acostumar-se a este espaço. David mantinha-se na soleira da porta, o seu ombro apoiado descontraidamente na ombreira da porta. Ela lançou-lhe um sorriso débil, sentindo-se uma intrusa.
- Onde é o meu quarto?
- Estais a referir-vos aos aposentos da senhora? Não existem. Nós os mercadores não vivemos dessa forma. O vosso lugar é aqui,
comigo - respondeu, encaminhando-se para a lareira. Não havia necessidade de atiçar este lume, pois faiscava e crepitava com novos cepos. Fitou as chamas incandescentes e leu o seu significado tremeluzente.
Quem viera preparar este quarto? Geva? David não teria exposto as suas intenções a uma mulher. Devia ter sido Sieg. O enorme sueco fora o primeiro a abandonar o salão. Ela duvidava que David lhe tivesse dito alguma coisa. Ele limitara-se a fazê-lo. Christiana procurou não olhar para a cama ampla que dominava o quarto. Era evidente que Sieg não tinha conhecimento das garantias que David lhe dera no jardim.
Mas não podia ficar ali especada. Procurou algo para onde pudesse olhar.
O salão estendia-se por toda a largura do edifício, tanto sobre o jardim como sobre o pátio. Este quarto não era assim tão amplo, e a parede exterior era sólida.
Vislumbrou uma porta na outra extremidade e dirigiu-se a ela a passos largos.
Assim que viu o compartimento lateral estacou. Era um gabinete de trabalho. Lançou um olhar aos objectos que o preenchiam e apercebeu-se de que agora estava mesmo a intrometer-se. Começou a recuar e foi de encontro ao peito de David. A mão dele pousou sobre a sua e ele abriu a porta com um empurrão.
- Esta casa é vossa - disse-lhe. - Aqui não há portas fechadas para vós.
A sua casa. Desde Harclow que não tinha uma casa. Não uma casa de verdade. Como a família real se movia de um castelo ou palácio para outro, nunca se sentira em casa, nem sequer em Westminster. Durante os onze anos que ali permanecera não fora mais do que uma espécie de hóspede permanente.
Este pequeno compartimento podia não estar fechado para ela nesse dia, mas obviamente que estava para todas as outras pessoas. Nenhuma governanta cuidava deste quarto, e uma fina camada de pó cobria alguns dos objectos nas prateleiras junto à janela alta. O seu olhar recaiu sobre uma pilha de livros e alguns rolos de papel. Uma pequena pintura ao estilo bizantino e uma bela escultura em marfim adornavam um dos cantos, junto de uma antiga harpa de mão, cuja estrutura era embelezada por um intricado entrelaçamento de fios prateados.
A única peça de mobília era uma ampla mesa coberta com pergaminhos e documentos. Havia uma cadeira atrás dela, e sob a mesa Christiana avistou um pequeno baú trancado no chão.
Pelo canto do olho reparou que a parede atrás da porta também continha prateleiras. Voltou-se e assustou-se ao avistar o rosto de um homem que a fitava.
David soltou uma gargalhada e dirigiu-se à prateleira.
- É extraordinário, não é verdade?
Ela aproximou-se, atónita. O rosto do homem estava esculpido no mármore e o seu realismo espantou-a. O escultor que a fizera possuía, certamente, um toque divino. Sombras subtis modelavam a pele com uma tal precisão que parecia que quase se podia tocar naquele rosto e sentir a pele e os ossos por baixo.
- Encontrei-a em Roma - explicou. - Jazia numas ruínas antigas. Levantei uma pequena secção de uma coluna e ela estava lá por baixo. Encontram-se lá imensas estátuas destas. Corpos inteiros, tão reais como este rosto e esquifes em pedra cobertos com figuras que são agora usados para conter água nas fontes. Vi recentemente algumas estátuas na Catedral de Reims que se aproximavam destas, mas nada semelhante a norte dos Alpes.
Reims. Perto de Paris. O que teria ele ido ali fazer recentemente? Que pergunta estúpida. Afinal, ele era um mercador.
- Trouxeste-la até casa?
- Não. Subornei Sieg para que a trouxesse - respondeu com uma gargalhada.
- Pareceis apreciar bastante a pintura e a escultura. Por que razão não vos tornastes num escultor ou pintor?
- Porque David Constantyn era mercador e foi quem ele quem me tornou seu aprendiz. Quando eu era rapaz, por vezes demorava-me diante da loja de um pintor. Observava-os a trabalhar, a misturar as cores e a pintar as imagens dos livros. O mestre não se importava e até me mostrou como queimar madeira para construir as ferramentas de desenho. Mas o destino tinha outros planos para mim, e eu não o lamento.
Ela aproximou-se da mesa. No canto, encontravam-se alguns pergaminhos dobrados e lacrados com um selo exibindo três serpentes entrelaçadas. Sobre eles encontravam-se alguns papéis espalhados, com marcas estranhas. Um deles exibia linhas irregulares ligadas
por curvas com números. Pequenos quadrados e círculos alinhavam-se ao longo de margens serpenteantes. Ela afastou cuidadosamente o olhar. Era um mapa. Por que razão David elaborava mapas?
Hoje não, recordou-se.
Voltou-se e examinou os livros na prateleira alta.
- Posso ver um?
- Qual deles quereis?
- O maior.
David retirou o maior da prateleira e pousou-o sobre a mesa, cobrindo os desenhos crípticos. Christiana sentou-se na cadeira e abriu-o cuidadosamente. Observou, surpreendida, as linhas e os pontos que tinha diante de si.
- É sarraceno, David.
- Sim. As imagens são maravilhosas. Continuai a ver. Ela virou as imensas folhas de pergaminho.
- Conseguis ler isto?
- Alguma coisa. Contudo, nunca aprendi a escrever muito bem essa língua.
- É proibida? - perguntou num tom céptico. Ela sabia que a Igreja reprovava certos livros.
- Provavelmente.
Surgiu uma imagem, e era realmente maravilhosa e estranha. Homens pequenos com turbantes e roupas estranhas moviam-se num mundo desenhado para parecer um tapete.
- Ensinar-me-eis a ler isto?
- Se assim o desejardes.
David pegou na harpa e apoiou-se na mesa ao lado dela, olhando para o livro enquanto dedilhava distraidamente as cordas. O instrumento emitiu um som adorável e lírico. Ela continuou a virar as páginas, lançando ocasionalmente um olhar ao homem que se mantinha agora junto dela, e aos dedos irresistíveis que criavam uma melodia comovente.
Perto do final do livro encontrou algumas folhas soltas cobertas com desenhos a giz. Umas quantas linhas descreviam tendas num deserto e uma cidade junto ao mar. Sabia, sem ter de perguntar, que tinha sido David a desenhá-los.
Por baixo delas, em folhas mais pequenas, surgiam os rostos de duas mulheres.
Uma delas captou a sua atenção. O rosto, belo e melancólico, pareceu-lhe vagamente familiar. Ela apercebeu-se de que estava a estudar a imagem da mãe dele. Era estranho encarar assim uma pessoa falecida, mas examinou o rosto pormenorizadamente.
- Ireis falar-me dela?
- Um dia.
Ela voltou a sua atenção para o outro rosto.
- Quem é? - perguntou, fitando a beleza exótica de uns olhos negros, capturada para sempre com traços finos e cuidadosos. Sabia que estava a ser intrometida, mas não podia ignorar a forma sofisticada como o rosto desta mulher a fitava.
- Uma mulher que conheci em Alexandria.
À semelhança do retrato da sua mãe, havia muito dos sentimentos do artista na forma delicada como esta mulher estava desenhada.
- Estáveis apaixonado por ela? - perguntou, um tanto chocada com a sua própria ousadia, mas não em demasia. A partir do momento em que entrara no quarto dele, David já não lhe era assim tão estranho.
- Não. Na verdade, por causa dela quase fui morto. Mas fiquei encantado com a sua beleza, assim como estou encantado com a vossa.
Algo no tom de voz baixo dele a obrigou a manter-se muito quieta. Christiana ergueu o olhar epercebeu que o olhar dele estava fixo nela e não nos desenhos. Olhava e aguardava. Era perito nisso. Algo nos seus olhos e expressão da sua boca lhe diziam que ele não estava disposto a esperar mais.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
David parara de tocar a harpa. O coração de Christiana batia um pouco mais acelerado no silêncio que de novo se impusera. Silêncio total. Não havia um único som em toda a casa.
Ela regressou ao livro e, muito cuidadosamente, voltou a página, ocultando os esboços. Surgiu um outro desenho, mas ela mal o viu.
- Sabeis que só vi o vosso cabelo solto uma única vez, durante os esponsais? - disse David. Ela apercebeu-se que a mão dele se aproximava mesmo antes de sentir os dedos sobre a sua cabeça. Até mesmo no banho estava preso.
A pressão leve da carícia dele provocou-lhe um tremor por todo o corpo. O banho. O quarto de vestir. As suas mãos e o seu toque.
- Soltai o cabelo para mim, Christiana.
O tom era ao mesmo tempo um pedido e uma ordem. Ela recostou-se na cadeira, afastando-se dele.
Em breve desposaria este homem. Não teria medo dele. Mas a aceleração do sangue nas suas veias e o seu espírito puro gritavam-lhe que devia afastar-se dele agora.
Lançou-lhe um olhar, numa súplica muda para que ele se recordasse da conversa que tinham tido no jardim, para que compreendesse e aguardasse mais um pouco.
- Morvan já deve estar na loja, David. Devo ir ao encontro dele.
- Deixei mensagem de que viríamos para aqui.
- Então o mais provável é estar lá fora à espera. Não entrará. Não devo deixá-lo lá fora.
- Esta janela dá para o pátio. Vede se ele vos aguarda - sugeriu, apontando para a janela.
Ela levantou-se, passou por ele e pôs-se em bicos de pés para espreitar para o pátio deserto.
- Ele não virá. - A voz serena de David pairou sobre as suas costas e ombros. - Ele aceita que vós agora me pertenceis, da mesma forma que vós o aceitais.
Christiana assentou os pés no chão e ergueu o olhar para o céu límpido da tarde. Por um lado, queria desesperadamente voar por aquela janela. Mas o toque dele, as suas palavras e o silêncio expectante daquela casa haviam despertado todos aqueles outros sentimentos, e aquela voluptuosa expectativa dominou-a.
- Por vezes assustais-me - disse ela. - Eu sei que não devia senti-lo e que dissestes que não era temor, mas em parte é, realmente.
David permaneceu em silêncio durante um momento. A casa parecia estremecer com o vazio.
- Sim - respondeu finalmente. - Para uma virgem, em parte é.
Christiana apercebeu-se de que ele se levantara. Sentiu a sua presença atrás dela. Ansiava e ao mesmo tempo receava o toque dele. O espírito dela retesou-se com a tensão, tal como uma corda esticada ao máximo.
As mãos dele seguraram-na pela cintura e Christiana suspirou com o toque de cada um dos seus dedos. David beijou-lhe os pequenos arranhões e depois o pescoço. Ela fechou os olhos, saboreando a deliciosa proximidade do corpo dele.
- Soltai o cabelo, Christiana.
Ela ergueu os braços e procurou desajeitadamente os ganchos que lhe prendiam o cabelo. Desfez as voltas e tranças intrincadas, terrivelmente consciente do quão fraca e vulnerável se sentia, maravilhosamente consciente daqueles dedos que a acariciavam.
As madeixas espessas caíram-lhe ao longo do pescoço e costas, até às mãos dele. Christiana sacudiu a cabeça para soltar a última parte, pousando os ganchos no peitoril da janela.
David aproximou o seu rosto do cabelo solto de Christiana e o hálito dele provocou-lhe um formigueiro no couro cabeludo e no pescoço.
com as mãos, David voltou-a para si e segurou-lhe no rosto com ternura, como se fosse algo precioso e frágil. Beijou-a com suavidade, beijos magníficos e poderosos, e ela estremeceu à medida que a boca dele intensificava a sua tensão e excitação.
Ele prolongou o beijo, envolvendo-a num abraço que a impeliu para o seu calor. Manteve os braços abertos durante um momento de preocupação antes de o aceitar.
A partir desse momento, sentiu uma mudança nele. O beijo aprofundou-se, comandando o desejo dela. A mão dele envolveu-lhe um seio. Ela arquejou e fechou os olhos, aguardando as deliciosas sensações.
Era uma sensação avassaladora. Os seus membros ficaram lânguidos à medida que o calor lhe invadia o corpo. O cabelo macio de David roçava-lhe o rosto à medida que ia descendo para a pele exposta pelo vestido decotado, beijando o contorno dos seios que os seus dedos acariciavam, provocando picos de desejo.
O receio dizia-lhe para o impedir, mas o desejo não permitia. As vagas de prazer convergiram para um rio de águas velozes, e parecia-lhe fútil e impossível lutar contra a sua corrente.
Os dedos dele brincavam com ela, e o prazer dela era quase frenético. Estou a afogar-me, pensou ela quando a boca de David reclamou de novo a sua.
Ele ergueu a cabeça e olhou para ela, observando as reacções da sua noiva ao seu toque. Ela fitou os lábios entreabertos e o olhar profundo e soube que nesse dia não haveria forma de escapar.
Ele começou a guiá-la até à porta do quarto.
Ela recordou-se do local para onde estavam a dirigir-se e daquilo que ele pretendia.
- Eu não... - sussurrou, enquanto dava outro passo.
- Foi para isso que viestes, não é verdade? Para vos certificardes de que este matrimónio não tem de ser assim tão terrível?
Ela resistiu na soleira da porta. A mão dele regressou ao seio dela, os lábios ao seu pescoço.
- Dissestes... dissestes que hoje não iríeis...
- Eu disse que provavelmente não o faria - murmurou ele.
- E menti.
Ele segurou de novo o rosto dela entre as suas mãos.
- A sombra dele paira entre nós e eu quero banir esse fantasma. Hoje acertamos as contas e voltamos a página. Também será mais fácil para vós desta forma.
Ela leu a determinação nos olhos dele.
- Não tenhais receio. Aguardarei até que estejais pronta e me quiserdes. Vai correr tudo bem. vou fazer por isso.
Estou indefesa contra, estes sentimentos, pensou ela. É inútil combatê-los. De qualquer forma, isto é inevitável. Pertenço-lhe para sempre.
Ela voltou a cabeça e beijou-lhe a mão.
Ele ergueu-a nos braços e dirigiu-se ao quarto.

CAPÍTULO 11
Os braços esguios de Christiana rodeavam o pescoço de David e retesaram-se à medida que ele se aproximava da cama.
Vai correr tudo bem. vou fazer por isso. Palavras arrojadas de um homem que já não desflorava uma virgem desde os dezasseis anos. Ainda assim, cumpri-lo-ia. Por muitas mentiras que ele lhe tivesse dito nesse dia, essa não seria uma delas.
Ele deveria ter percebido. Ela é apenas uma rapariga, dissera Andrew. Um minuto são corajosas e no minuto seguinte são tímidas. Recordais-vos?
Ele sentou-se na beira da cama, com Christiana no seu colo. Beijou-a até o braço em redor do seu pescoço afrouxar um pouco.
Inocente e ignorante. Durante o almoço fizera tudo ao seu alcance para não a fitar de espanto. Enquanto comia e conversava, a sua mente voltava a analisar o significado da sua revelação. Talvez tornasse o dia de hoje desnecessário e ele devesse aguardar. Talvez o tornasse essencial. No fim, o seu próprio desejo decidira o caminho a seguir. Não iria deixá-la partir sem a reclamar para si. Ele queria-a e havia apenas uma maneira de a possuir de verdade.
Ela tocou-lhe rosto, hesitante, e o desejo invadiu-o. Beijou-a avidamente e combateu a tempestade cataclísmica que ameaçava desencadear-se sobre ele. Tem de ser lentamente e com simplicidade, recordou a si mesmo mais uma vez.
Acariciou-lhe os seios e, desta vez, quando os braços dela se retesaram, não foi de temor. O corpo dela descontraiu-se de encontro
ao seu. Christiana tentou imitar o beijo intenso dele e experimentou cautelosa e delicadamente. Aquele esforço inexperiente quase o aniquilou.
A satisfação que encontrou na paixão inocente dela surpreendeu-o. Nunca a procurara noutra mulher. Também não deveria ter importância com Christiana, mas tinha. Sentiu o corpo dela a reagir ao seu e escutou a sua respiração acelerada. David deliciava-se com o abraço desajeitado de Christiana e com os seus arquejos amedrontados sempre que as mãos dele desencadeavam uma nova vaga de prazer. Divertia-se com o conhecimento de que, apesar daquilo que acontecera com Percy, nenhum homem para além de si a excitara.
Beijou-a novamente, saboreando o seu gosto suave e o arco complacente das suas costas. A mão dele procurou as fitas do vestido e começou a despi-la.
A virgem retesou-se durante um instante quando sentiu as roupas mais soltas, mas depois observou de olhos brilhantes as mãos dele a libertar o vestido dos braços, baixando-o até à cintura. Os lábios dela tremiam, entreabertos, e os olhos fecharam-se quando ele lhe tocou no seio através da fina cambraia da combinação.
A pequena mão abandonou os ombros dele e acariciou-lhe o peito, e o trovão tentou irromper novamente. Os dedos dela deslizaram sob a aba que ocultava o fecho do seu gibão. Ele observou a expressão circunspecta de Christiana à medida que fazia deslizar a mão desajeitadamente pelo seu peito. Sim, tendo optado por se entregar, a irmã de Morvan Fitzwaryn não iria desempenhar o papel da vítima relutante.
David fez deslizar as alças da combinação e pôs a descoberto os seus belos seios. Seguiu com o olhar o percurso dos seus dedos à medida que delineava os contornos arredondados. A respiração dela tornou-se ofegante, e Christiana ocultou o rosto timidamente no ombro dele.
Era muito bela, pálida e sem uma única imperfeição. A pele de Christiana não era translúcida e branca, como a de tantas mulheres inglesas, mas tinha antes a tonalidade opaca do marfim novo. Era da cor das praias de areia branca que existiam ao longo do Mar Interior. David acariciou-a, tocando ao de leve nos seus mamilos endurecidos, e todo o corpo dela reagiu. com um gemido débil, o corpo de Christiana arqueou-se sob o seu toque. Aqueles botões de um tom
castanho-claro chamavam por ele, convidativos. Baixou a cabeça e beijou suavemente um deles e depois introduziu-o na boca.
Christiana quase saltou dos seus braços.
David segurou-a firmemente e observou o choque atemorizado nos olhos dela. Beijou-a na face para a tranquilizar.
Os seus beijos foram descendo novamente até aquele seio delicado estar de novo na sua boca. Céus, o homem nem lhe devia ter tocado. Nem sequer devia ter pensado nela. Se Idonia não os tivesse encontrado, ele tê-la-ia possuído à força.
Essa imagem formou-se na sua mente, e o seu espírito reagiu com uma onda de fúria protectora, seguida por uma vaga de ternura. Brincou com ela, usando a língua e os dentes, até sentir que ela se pressionava contra a sua coxa, procurando o doce alívio. David inclinou-se para trás e puxou para baixo as colchas. Lentamente e sem artifícios, ele mostrar-lhe-ia a glória do prazer. Desta vez, só ela importava.
David ergueu-se com ela nos braços, voltou-se e poisou-a sobre a cama. Olhos negros, vivos de paixão, fitavam-no cautelosamente. Ele observou-a, nua até à cintura, com as roupas a caírem-lhe em redor das ancas, e pensou em deixar as coisas assim. Ela tinha um aspecto adorável e puro e recordava-lhe as raparigas da sua juventude, deitadas no feno e na relva. Lembrou-se do tapete de hera no pequeno jardim. Se ele vivesse até ao Verão... As noites quentes e estreladas encerravam a promessa de um êxtase especial.
Gentilmente, fez deslizar o cotebardie e a combinação pelas suas curvas esguias.
Christiana mordeu o lábio inferior ao sentir o misto de choque e excitação perante a visão de David a despi-la, e ficou a observar enquanto via surgir o seu corpo desnudado. Depois de lhe retirar a roupa, David desapertou as ligas dos joelhos tirando-lhe as meias com delicadeza.
Um formigueiro de ansiedade alastrou-se dentro dela. O medo não desaparecera completamente. Agia como um condimento naquele caldo de emoções e sensações que fervilhava dentro dela.
David despiu o gibão com um safanão e removeu a camisa antes de se deitar ao lado dela. Christiana observou aquele corpo vigoroso
aproximar-se dela e suspirou de alívio por tê-lo de novo nos seus braços.
Permitiu que as suas mãos acariciassem os ombros e as costas dele, e sentiu estrias e cicatrizes. David regia às suas carícias. O calor vertiginoso e a proximidade dele subjugavam-na. Aquela necessidade estranha e pulsante dominava-a agora por completo, fazendo-a estremecer da cabeça aos pés.
David beijou-a intensamente enquanto a sua mão seguia o tremor, deslizando pelo peito e ventre, chegando às coxas e pernas. As carícias dele, possessivas, ardentes e confiantes, assumiam o controlo de cada milímetro do corpo de Christiana. Ela arqueava-se sob o toque dele e movia-se ao ritmo daquele pulsar profundo e oculto. Tudo começava a conjugar-se em direcção a essa necessidade. A respiração dela, o sangue, a consciência, e até mesmo o prazer, respondiam a essa necessidade.
David envolveu um dos seios com a mão e massajou o mamilo com o polegar.
- Agora vou beijar-vos o corpo todo - disse. - Não vos acanheis. Nada é proibido se nos der prazer a ambos.
E beijou-lhe o corpo todo, pressionando, mordendo e estimulando-o com a boca, revelando novos prazeres e surpresas, e deixando-a sem fôlego. Beijou-lhe o peito, a barriga e as pernas. Até nas coxas a beijou, e depois na suave elevação acima delas, e ela gritou ao senti-lo.
Os lábios dele envolveram um dos seios enquanto a sua mão acariciava o outro, e a excitação transformou-se em frenesim. Christiana agarrava-se desesperadamente às costas e ao cabelo dele, sentindo os músculos tensos sob os seus dedos, e escutando aquela respiração entrecortada.
Ele ergueu-se e começou a despir o que restava das suas roupas. Christiana estendeu a mão para o ajudar e roçou na sua erecção. Sentiu a reacção que provocara no corpo dele e tocou-lhe mais uma vez, corajosamente, enquanto ele arrancava as roupas.
O medo tentou perfurar a barreira de esquecimento que o desejo erguera.
Impossível...
Ele fez regressar a mão dela ao seu ombro e depois acariciou-lhe o corpo, detendo-se nas pernas. Afastando-lhe as coxas, fez
deslizar uma mão sob as nádegas dela, mantendo o braço comprimido contra ela enquanto a sua língua e lábios lhe estimulavam os
seios.
Aquele pulsar estava prestes a culminar numa explosão, obliterando o medo que voltara a surgir. Ela pressionou o corpo contra aquele braço que lhe oferecia algum alívio mas apenas prolongava a tortura. Todo o seu corpo parecia querer mover-se livremente, sem restrições, e ela tinha dificuldade em controlá-lo. Reprimia repetidamente exclamações de abandono que ameaçavam ecoar pelo quarto.
- Não resistais, Christiana - O bálsamo da voz dele submergiu-a. - Os sons e os movimentos do vosso desejo são belos para mim.
Grata, Christiana entregou-se ao delírio. Quando a mão dele avançou, ela abriu voluntariamente as pernas. Não sentia acanhamento nem choque à medida que ele a acariciava, apenas um desejo torturante que seguramente iria rebentar numa explosão de labaredas se não fosse satisfeito.
As sensações deste toque mágico conduziam-na à loucura. As carícias suaves suscitavam picos de prazer. As suas mãos hábeis despertavam uma excitação selvagem e desesperada.
A voz calma de David interrompeu aquela deliciosa angústia.
- Quereis-me agora, Christiana?
Ele tocou-a de um modo diferente e ela soltou um grito. Conseguiu assentir com a cabeça.
- Então dizei-mo. Dizei o meu nome e que me quereis. Christiana escutou, à distância, a sua voz a dizê-lo. A necessidade
frenética tomou totalmente conta dela e as suas ancas ergueram-se para ir ao encontro do corpo que pousava sobre o seu.
Comprazeu-se com a sensação do corpo dele sobre o dela, com a proximidade total dos dois corpos. Deliciou-se com a paixão que transformava o rosto dele à medida que a fitava.
Ele penetrou-a lenta e cuidadosamente e ela maravilhou-se com a beleza do acto. com uma pressão suave e investidas cuidadosas incitou-a a abrir-se. A dor temida acabou por não ser uma dor mas apenas uma tensão momentânea, logo esquecida no maravilhoso alívio que ele provocou ao satisfazer aquela necessidade pungente. Sem pensar, ela moveu-se para ir ao encontro daquela suave intrusão.
Christiana imobilizou-se quando um súbito ardor a deteve. David beijou-a suavemente e recuou.
- E inevitável, querida.
Ele penetrou-a e, por um breve instante, uma dor aguda suprimiu o prazer.
O corpo dele não se deteve e a dor e a sua recordação não tardaram a desaparecer à medida que ele retrocedia devagar e avançava novamente. Era uma sensação desesperadamente
boa. Instintivamente, Christiana envolveu-o com as pernas, mantendo-o mais perto de si, querendo-o todo para si. Encontrou o ritmo de David e acompanhou-o num canto mudo de aceitação.
Nada, nem as canções nem o toque dele ou sequer a lição de Joan a havia preparado para a intimidade que os submergia. Corpos que se tocavam, hálitos que se fundiam, pernas entrelaçadas e a união total... as ligações físicas subjugavam os seus sentidos. De cada vez que ele recuava era uma perda. De cada vez que ele a preenchia, era uma realização renovada. Maravilhada, Christiana suspirava a cada movimento.
David fez uma pausa e Christiana abriu os olhos para dar com ele a observá-la. A máscara de prudência havia desaparecido e aqueles olhos azuis revelaram as profundezas que ele jamais permitia que as outras pessoas vissem. Ela ergueu a mão e tocou no rosto perfeito, depois permitiu que a sua carícia se estendesse ao pescoço e ao peito.
Ele moveu-se novamente e desta vez foi menos gentil. Fechou os olhos como se procurasse conter algo, mas se estava a combater uma batalha, perdeu-a.
- Sim - sussurrou ela quando ele investiu energicamente. Sentiu alguma dor, mas o seu poder despertava-lhe algo na alma. Ela queria absorver a força e a necessidade dele. Queria conhecê-lo assim, sem as suas defesas cuidadosas.
Ele fitou-a directamente nos olhos. E depois beijou-a enquanto se rendia. À medida que a paixão dele se intensificava numa série de fortes e profundas investidas e culminava numa longa e sentida libertação, ela percebeu que tocara a essência dele e ele a sua.
Ela abraçou-o, com os braços a envolver as costas dele e as pernas em redor da cintura, e flutuou naquele silêncio carregado de emoção, sentindo o coração dele a bater contra o seu peito. O seu corpo estava dorido, vivo e pulsante no ponto em que se uniam.
Lentamente, voltou a tomar consciência do quarto à sua volta. Voltou a experimentar a sensação real do corpo dele sobre o seu e o cabelo macio de David no seu rosto.
Continua a ser um estranho para mim, pensou ela, maravilhando-se com esta coisa que podia ligá-la de uma forma indescritível a um homem a quem mal conhecia. Era espantoso e assustador tocar a alma quando não se conhecia a mente.
A ideia de desconhecer uma parte dele pairou em seu redor. Subitamente, sentiu-se muito tímida.
Ele ergueu-se, apoiado nos braços, e beijou-a suavemente.
- Sois maravilhosa - disse.
Ela não percebeu o que ele quis dizer, mas sentia-se satisfeita por o ver feliz.
- É muito mais agradável do que eu pensava - confidenciou ela.
- Magoei-vos no final?
- Não. Na verdade, tenho alguma pena que tenha terminado. Ele acariciou-lhe a perna e afastou-a da sua cintura. Deitou-se
ao lado dela.
- Isso é porque ainda não terminastes. Ela pensou no final dele, quase violento.
- Eu diria que terminámos bastante bem, David.
Ele abanou a cabeça e tocou-lhe no seio. Os olhos dela arregalaram-se numa resposta enérgica e imediata. A mão dele aventurou-se entre as pernas dela. Christiana agarrou-se a ele, surpreendida.
- Ter-vos-ia dado isto antes, minha querida, mas era necessário que me desejásseis da primeira vez - disse ele, à medida que o frenesim se abatia violentamente sobre ela
David tocou e acariciou a pele ainda sensível da sua presença e um prazer selvagem dominou-a por completo. Chamou por ele, pronunciando o seu nome vezes sem conta na sua mente e os sentidos fundiram-se, fazendo com que perdesse o controlo de tudo à excepção daquele esquecimento tão doce, que aumentava a cada minuto.
E depois, quando pensava que já não aguentava mais e que iria morrer ou desmaiar, a tensão eclodiu de uma forma maravilhosa e ela gritou, experimentando uma sensação de êxtase por todo o corpo.
Deixou-se levar pelo turbilhão de sensações com um assombro aturdido até que elas abrandaram e desapareceram.
- Oh, céus - suspirou ela, ofegante e trémula nos braços dele.
- Sim. Oh, céus - concordou David, soltando uma gargalhada e puxando-a para junto de si. Estendeu o braço e cobriu-os a ambos com a colcha, moldando o corpo dela ao seu. O rosto dele repousava sobre os cabelos dela, os lábios contra a sua têmpora. Permaneceram juntos numa tranquilidade calmante.
A intimidade estabelecida durante o acto sexual havia sido assombrosa e forte. Esta proximidade serena era doce e intensa e um pouco constrangedora. No espaço de uma hora havia sido construída uma ligação eterna. Ele apoderara-se dela de uma forma que ela nunca suspeitara.
Ela adormeceu e acordou num quarto envolto na penumbra, com o crepúsculo a penetrar pelas vidraças. Chegaram até ela sons distantes de vozes e actividade. Voltou-se e viu David apoiado num braço, observando-a.
Ele gostava de contemplá-la. Tal como as suas esculturas e os seus livros? Pelo menos era algo. Podia ter sido um homem que não se preocupasse nada com ela.
- Tenho de regressar - disse ela.
- Ficareis aqui esta noite. Acompanhar-vos-ei de manhã.
- Idonia...
- Eu envio uma mensagem a dizer que estais aqui comigo. Ela não se preocupará.
- Irá perceber.
- Talvez, mas mais ninguém o perceberá. Acompanhar-vos-ei ao amanhecer.
Um grito de Vittorio ecoou através do jardim e entrou pelas janelas. Era provável que todas as pessoas da casa soubessem, ou viessem a saber em breve quando percebessem que ela não partiria. Pensou nos olhares de esguelha que enfrentaria destes criados, aprendizes e de Idonia, e até mesmo de toda a corte, se se viesse a saber disto.
- Ficareis aqui comigo - repetiu. Não era um pedido.
Ele levantou-se da cama e encaminhou-se para a lareira. Os seus músculos bem torneados moveram-se quando ele se esticou para alcançar um cepo e o colocou na lareira. À luz do lume, Christiana contemplou o corpo dele, descontraído e sem vergonha da sua nudez, e reparou nos vergões que ele tinha nas costas e que sentira
anteriormente. Marcas de flagelação. Porque teria aquilo? O mestre falecido não parecia ser pessoa para fazer tal coisa. David regressou para junto dela e Christiana ficou a observá-lo, surpreendida pelo prazer arrebatador que sentia só de olhar para ele.
Puxando para trás a colcha, ele lançou um olhar ao corpo dela. Acariciou-lhe as curvas, languidamente, enquanto ela observava o movimento excitante daquela mão.
- Estais dorida, querida? Possuir-vos-ia de novo, mas apenas se não vos magoar.
De novo? com que frequência é que as pessoas faziam aquilo? Apesar da franqueza de Joan, ainda ficara muito por dizer.
A franca declaração de desejo de David fez com que um calafrio lhe percorresse o corpo. Não duvidava da preocupação dele para consigo, mas sabia que a questão também oferecia uma opção.
- Não estou magoada - disse, erguendo os braços para o abraçar.
Durante o fim de tarde e noite David forjou uma corrente de aço invisível que a amarrava a ele. Ela sentiu-o acontecer e interrogou-se se seria algo que ele controlava. Sentia-se envolvida por elos de paixão e intimidade unidos pelo prazer e pela ternura.
Mais tarde nessa noite, enquanto se refastelavam no calor da lareira, ela perguntou-lhe acerca do matrimónio e ficou a saber que a cerimónia também havia sido mudada. Casar-se-iam na catedral, na presença do bispo, e não na igreja paroquial de David.
- Está a ficar muito elaborado - comentou, divertida.
- Não pudemos fazer nada quanto a isso. Assim que o presidente da Câmara descobriu que Eduardo assistiria, foi o cabo dos trabalhos. Eu tinha esperança de que ninguém
viesse a saber e que ele pudesse simplesmente aparecer.
Ele falava do rei de uma forma descontraída. Por que razão hesitava ela em fazer-lhe perguntas acerca dessa relação? Por que razão sentiria que o tema era proibido e que insistir nele seria intrometer-se?
Contudo, sentia que era assim, e esta noite não pretendia bater a portas que ele poderia não abrir. Mudou de assunto.
- David, que mais esperais de mim?
- O que quereis dizer com isso? - A questão surpreendeu-o.
- Tendo em conta o quanto eu era ignorante em relação a isto, não deverá surpreender-vos que eu saiba muito pouco acerca do casamento. Não tive uma educação muito
prática.
- Espero que me sejais fiel. Agora nenhum outro homem vos toca. - O tom firme com que ele disse aquilo espantou-a. - compreendeis isso, Christiana?
- É evidente que sim. Não sou assim tão estúpida, David. Estava a referir-me às coisas da casa. Aqui é tudo tão organizado.
- Ainda não pensei muito nisso.
Então por que razão fostes à procura de uma esposa se não vos havíeis apercebido de que necessitáveis de uma?
- Isabele pensa que esperais que eu trabalhe para vós - disse com um sorriso rasgado.
- Ai sim? Confesso que não me tinha ocorrido, mas é uma boa ideia. Terei de agradecer à princesa. Uma esposa é uma excelente forma de conseguir trabalho gratuito. Obteremos um tear para vós.
- Não sei tecer.
- Podeis aprender.
- Quanto podeis ganhar comigo depois de eu aprender?
- Pelo menos cinco libras por ano, penso.
- Isso significa que em duzentos anos eu terei recuperado o meu preço de noiva.
- Sim. Foi um negócio astucioso da minha parte, não é verdade? Riram-se ambos e depois ele acrescentou:
- Bem, a casa é vossa. Geva ficará muito satisfeita, penso eu. E os rapazes necessitam de uma mãe, por vezes.
- Um dos rapazes é mais velho do que eu, David.
- Não será assim para sempre, e Michael e Roger estão longe de casa e por vezes necessitam da compreensão de uma mulher. E, com o tempo, tereis os vossos próprios filhos.
Filhos. Tudo aquilo que ele mencionara podia ser providenciado pela filha de um qualquer mercador que lhe proporcionasse um dote avultado. Os filhos também. Mas os filhos dela seriam os netos de Hugh Fitzwaryn.
Morvan suspeitava que David pretendia com esta união a linhagem deles para os seus filhos. Estaria certo? Deu por si a desejar que fosse verdade. Explicaria muita coisa, e significava que ela poderia conceder-lhe algo que outra mulher não poderia.
Mais tarde, ela acordou no seu abraço adormecido. Parecia normal estar assim nos seus braços. Permaneceu imóvel, consciente daquela nova realidade e do seu calor.
Como era estranho sentir-se tão perto de alguém com tanta facilidade.
Fiel à sua palavra, ele acompanhou-a de regresso a Westminster ao amanhecer. Ela caminhou através dos corredores de um edifício que agora lhe parecia ligeiramente estranho. Esgueirou-se para a privacidade da sua cama enquanto Joan e Idonia ainda dormiam.
Despertou com uma mão a sacudi-la e fitou o rosto sorridente de Joan.
- Não vindes jantar? Estais a dormir o sono dos justos - disse Joan.
Christiana pensou que faltar ao jantar e ficar a dormir todo o dia se afigurava uma ideia excelente, mas endireitou-se e pediu a Joan que chamasse uma criada.
Uma hora mais tarde, vestida e penteada, sentou-se ao lado de Joan num banco no amplo salão, debicando a comida e observando a cena familiar que agora estranhava. Os seus sentidos estavam simultaneamente alerta e entorpecidos e sabia que aquelas horas passadas com David eram a causa. Joan fez-lhe algumas perguntas acerca da casa de David, e ela respondeu sem convicção, não querendo partilhar nesse momento nenhumas daquelas lembranças.
Por volta do final da refeição, Lady Catherine aproximou-se da mesa delas, os seus olhos felinos a reluzirem. Conversou com Joan durante um bocado e depois voltou-se, com uma expressão graciosa, para Christiana.
- Ides casar-vos em breve, não é verdade, querida? Christiana assentiu. Joan lançou um olhar severo a Catherine,
como se fosse indelicado mencionar esta união.
- Tenho um presentinho para vós. Enviá-lo-ei para o vosso quarto - disse Catherine antes de se afastar.
Christiana interrogava-se por que razão faria Lady Catherine tal coisa. Afinal, não eram boas amigas. Ainda assim, o gesto sensibilizou-a e deixou-a a pensar que Morvan, como sempre, havia exagerado quando a prevenira acerca de Catherine.
Thomas Holland quis falar com Joan e Christiana ficou sozinha. Regressou aos aposentos desertos de Isabele, satisfeita com o isolamento. A rotina da corte pareceu-lhe importuna quando os seus
pensamentos residiam no dia anterior e no futuro. Dirigiu-se ao quarto de Isabele. Quatro dias e parto daqui para sempre, pensou, olhando pela janela. Uma parte dela já tinha partido.
Chegou aos seus ouvidos o som de uma porta a abrir-se. Seria Joan ou Idonia. Não vira a tutora desde o seu regresso. Interrogava-se acerca do que lhe diria a mulherzinha.
Contudo, os passos que avançavam pela antessala não eram de uma mulher. Morvan viera ao seu encontro. Bastaria olhar para ela para perceber. Seria ela suficientemente corajosa para dizer, "Sim, tínheis razão, é algo mágico e eu gostei"? A força dele impusera-se durante anos entre ela e todos os homens, e agora ela havia-se entregado a um que ele odiava.
Os passos aproximaram-se. Estacaram à entrada do quarto.
- Querida - pronunciou uma voz familiar.
Christiana soltou um grito de sobressalto e voltou-se.
Ali, na soleira da porta, encontrava-se nem mais nem menos do que Stephen Percy.

CAPÍTULO 12 Stephen! - exclamou, arquejante. Ele sorriu e avançou na direcção dela, os seus braços estendidos a convidarem-na para um abraço. Christiana ficou a observá-lo aproximar-se
sentindo um misto de surpresa, alegria e fria objectividade. Reparou nos seus músculos vigorosos sob o gibão. Observou a beleza austera das suas feições. O cabelo loiro e a pele clara afiguraram-se-lhe pálidos e vagos comparados com a tonalidade dourada de David.
Não se conseguia mexer. Emoções confusas, horrorizadas e ao mesmo tempo saudosas paralisavam-na. Agora não, clamava a sua alma. Um mês antes, ou daqui a mês, mas não agora. Especialmente hoje.
Braços fortes rodearam-na. Uma boca áspera esmagou-se contra
a sua.
Ela repeliu-o. Os olhos verdes dele exprimiram surpresa, e depois, por breves momentos, algo diferente. Aborrecimento?
- Estais zangada comigo, meu amor - exclamou ele com um suspiro. - Não posso censurar-vos.
Ela afastou-se, apoiando-se na beira da janela. Santo Deus, será que nunca iria ter paz? Encontrara aceitação e contentamento, e até mesmo a esperança de algo mais, e agora isto.
- Porque estais aqui?
- Para vos ver, claro.
- Regressastes a Westminster para me verdes?
- Sim, querida. Por que outra razão? Usei a desculpa do torneio pré-quaresmal.
O torneio estava agendado para começar no dia a seguir ao seu casamento. Stephen adorava aquelas competições. Christiana suspeitava que aquela seria verdadeira razão da sua vinda, mas o seu coração destroçado, que ainda não sarara por completo, persistia na ideia de que ele viera por ela.
A ferida ainda estava demasiado viva, a humilhação ainda demasiado recente, para ela poder rejeitar totalmente a esperança de que ele realmente a amava. A rapariga que havia sido fiel a este homem ainda queria desesperadamente acreditar nisso. O seu coração ansiava por essa garantia.
Contudo, a sua mente aprendera alguma coisa com a agonia que suportara.
- Quando chegastes?
- Há dois dias. Ainda não vos tinha procurado porque estive com o meu amigo Geoffrey. Ele está muito doente com febre. Reside na casa de Lady Catheríne, em Londres.
- Sois amigo de Catherine?
- Nem por isso. Contudo, Geoffrey é - respondeu, dando um passo na direcção dela. - Ela contou-me tudo acerca do vosso casamento com este mercador - acrescentou de modo compreensivo.
- Se Eduardo não fosse meu rei, desafiá-lo-ia por vos ter degradado desta maneira.
Ela observou a sua expressão preocupada. Pareceu-lhe um tanto exagerada, tal como uma máscara que alguém coloca para um festival.
Stephen estendeu a mão e acariciou-lhe o rosto. O seu coração despedaçado, sequioso pelo bálsamo das ilusões renovadas, suspirou; o seu espírito, a sua mente, recordando-se da noite anterior de paixão e dos direitos de David, fizeram com que se afastasse.
- Já sabíeis do meu matrimónio, não é verdade? Enviei-vos uma carta.
- Sabia. Recebi-a, querida. Mas nunca imaginei que o rei fosse com isto avante. E Catherine falou-me da vossa infelicidade e humilhação.
Que simpático da parte de Catherine, pensou Christiana. Por que
razão aquela mulher se intrometia nos seus assuntos? Como é que Catherine soubera da sua história com Stephen?
Joan. As intrigas de Joan. Será que todas as pessoas sabiam? Provavelmente. Estariam todos a observar e a aguardar os próximos Jias, talvez os próximos anos, para ver como é que este drama se iria desenrolar.
- Talvez não devesse ter vindo - murmurou Stephen. - Catherine garantiu-me que ficaríeis feliz por me ver.
- Estou satisfeita por vos ver, Stephen. E pelo menos posso felicitar-vos pelo vosso noivado.
- Ela foi escolha do meu pai e do meu tio, minha querida disse com uma expressão de resignação. - Na verdade, não me agrada nada.
- Ainda assim, ela é vossa esposa, assim como David é meu marido.
- Sim, e despedaça-me o coração saber que não há nada que possamos fazer, minha querida.
Nessa altura, apagou-se uma chama dentro dela, e ela soube que havia sido a última das suas ilusões e sonhos infantis. Não doeu muito, mas uma parte da sua inocência morreu com ela, e sentiu aquela perda amargamente.
Ao longo de tudo aquilo, e apesar ter conhecimento da realidade, acalentara dentro de si alguma esperança. Se Stephen não tivesse regressado, essa esperança teria desaparecido lentamente à medida que ia vivendo a sua vida e vivendo a sua paixão com David, muito à semelhança da maneira como uma pequena poça de água se evapora com o calor de uma tarde de Verão.
E se Stephen tivesse falado de maneira diferente? E se ele tivesse vindo implorar-lhe que fugissem juntos e solicitar que ambos os noivados fossem anulados? Afinal, fora isso que aquela réstia de esperança almejara.
Uma semana antes, tê-lo-ia feito, apesar da desgraça que recairia sobre ela. Até mesmo no fim-de-semana anterior uma tal oferta teria sarado imediatamente a sua dor e banido todas as dúvidas acerca dele.
Agora, todavia, teria sido impossível... Agora...
Uma horrenda compreensão tomou conta dela. A presença de
Stephen foi-se esbatendo à medida que a sua mente considerava as implicações.
Agora era impossível. David havia-se certificado, não era ?
Na noite anterior haviam consumado o matrimónio. Agora nenhuma anulação seria possível, a não ser que o próprio David negasse que aquilo ocorrera. E ela sabia, sabia bem, que ele não o faria, apesar da promessa que fizera na primeira noite.
Espero que me sejais fiel. Nenhum outro homem vos toca agora. Todas aquelas testemunhas... até Idonia e o seu irmão.
Um arrepio sinistro fê-la estremecer.
David soubera que Stephen estava a chegar. Havia perguntado aos peregrinos e aos mercadores. Todavia, não podia saber se Stephen viria para a reclamar. Contudo, preparara-se para essa eventualidade. David assegurara-se, metódica e cuidadosamente, de que ela não poderia partir com Stephen. Se ainda assim o fizesse, apesar das correntes invisíveis forjadas na noite anterior, apesar da desonra e da desgraça, ele possuía a prova necessária para a fazer regressar.
A implacabilidade do facto assombrou-a.
Recordou-se das emoções intensas que sentira na noite anterior. Duas vezes iludida. Mais ilusões infantis. A sua estúpida confiança nos homens devia ser motivo de chacota para eles.
Uma presença cálida perto do seu ombro interrompeu os seus pensamentos. Stephen encontrava-se junto de si, com o rosto muito perto do dela.
- Não há nada que possamos fazer em relação a estes casamentos, querida, mas na vida há o dever e depois há o amor.
- O que estais a dizer, Stephen?
- Não podeis amar este homem, Christiana. Nunca irá acontecer. Ele é de condição inferior e só o toque dele será um insulto para vós. Mas eu posso suavizar a vossa dor, minha querida. O nosso amor pode fazê-lo. Cumpri com este mercador o vosso dever, mas guardai o nosso amor no vosso coração.
Ela queria dizer-lhe o quanto ele estava enganado, o quanto o toque de David jamais a insultaria. Mas que palavras podia usar para explicar isso? Além disso, não estava totalmente segura de que a magia regressasse agora que sabia a razão pela qual ele a havia seduzido. Talvez da próxima vez, na noite de núpcias, ela viesse a sentir-se insultada e usada.
De que estava ela à espera? Afinal, David era um mercador e ela não passava de um bem. Um bem muito dispendioso. Duvidava que o rei Eduardo aceitasse devoluções.
Amor, pensou com amargura. Acreditara que existia ali algum amor. A sua ignorância era espantosa. David estava certo. Ela realmente vivia a vida com a crença de que esta era uma canção de amor. Mas a vida não era assim. Os homens não eram assim.
- Sou uma mulher casada, Stephen. Aquilo que sugeris seria uma desonra.
Ele sorriu-lhe, tal como se sorriria a uma criança inocente.
- O amor nada tem a ver com honra ou desonra. Tem a ver com o facto de nos sentirmos vivos e não mortos. Não tardareis a percebê-lo.
- Espero que não sejais tão audaz a ponto de me pedirdes agora uma prova do meu amor. Caso-me dentro de alguns dias.
- Não. Não concederia a um mercador uma razão para vos censurar ou magoar, embora a ideia de ele vos possuir primeiro me enfureça. Desposai o vosso mercador como é o vosso dever, querida, mas ficai sabendo que estou aqui.
- Sou uma mulher honesta, Stephen. Não me parece que me ameis de todo. Penso que para vós isto não passou de um jogo, e continua a sê-lo. Um jogo onde não perdeis nada, mas onde eu arrisco tudo. Não entrarei nesse jogo no futuro.
Ele começou a protestar e a tentar abraçá-la. O som de passos na antessala deteve-o. Ela voltou-se para a presença recém-chegada.
Santo Deus, será que não havia misericórdia?
Morvan surgiu na ombreira da porta, fitando-os a ambos. Por um horrível momento a sala foi preenchida por uma tensão angustiante.
- Percy, sede bem-vindo - disse Morvan, avançando pelo quarto. - Viestes para o torneio?
- Sim - respondeu Stephen, afastando-se dela.
- Presumo que estais a felicitar-vos mutuamente pelos vossos futuros matrimónios - comentou, lançando um olhar a ambos.
Ela assentiu, num torpor. Não havia razão para tentar justificar a presença de Stephen. Percebeu nos olhos do irmão que ele dera ouvidos à coscuvilhice.
- Há algo estranho no matrimónio da minha irmã, Stephen disse Morvan enquanto se encaminhava para a lareira, - Consta que
o rei a vendeu por dinheiro, e também eu acreditei nisso. Mas ultimamente tenho-me interrogado se não teria sido por outra razão. Talvez procurasse salvar a reputação dela e a honra da minha família e não desgraçá-la.
Ela observou-os enquanto se avaliavam um ao outro. Agora não, Morvan, incitou em silêncio. Já não tem qualquer importância.
- Tenho de ir andando, senhora - proferiu Stephen, dirigindo-lhe um sorriso caloroso. Ela dirigiu-lhe um gesto, impotente, e observou-o caminhar a passos largos pelo quarto.
- Sir Stephen - bradou Morvan a partir da lareira. - Seria imprudente da vossa parte levar isto avante.
- Estais a ameaçar-me? - silvou Stephen.
- Não. Já não me cabe a mim fazê-lo. Estou simplesmente a prevenir-vos como amigo que seria um erro. O marido dela não é um mercador comum. E tenho razões para pensar que sabe bem manejar as adagas que usa.
Stephen exibiu um sorriso afectado e condescendente antes de abandonar os aposentos.
Christiana enfrentou o olhar sombrio e inquisidor do irmão. Ele contemplou-a de cima a baixo e procurou com os seus os olhos dela.
- E costume, minha irmã, que as pessoas aguardem um espaço de tempo conveniente depois do casamento para se encontrarem com os seus antigos amantes.
Ela não teve resposta para aquela calma admoestação.
- E uma vez que passastes a noite na cama daquele homem, agora estais realmente casada.
- David. O nome dele é David. Referis-vos sempre a ele como "aquele mercador" ou "esse homem". Ele tem nome.
Ele observou-a com os olhos semicerrados.
- Tenho razão, não tenho? Dormistes com ele. com David. Era inútil mentir. Ela sabia que ele percebia. Assentiu com a
cabeça, sentindo-se agora menos segura acerca dessa decisão, agora que compreendia as motivações de David.
- Não devíeis voltar a encontrar-vos com Percy durante algum tempo.
- Não forjei o encontro com Stephen.
- Ainda assim, devíeis ter cuidado. Essas coisas são facilmente aceites se a mulher for discreta ou se o marido não se importar, mas
vós não tendes experiência em tais enganos e o vosso mercador não me parece ser do tipo de homem que deseje ter uma mulher adúltera.
- Disse a Stephen que já não estou interessada nele.
- Ele não acredita em vós.
Morvan estava apenas a tentar ajudá-la. Nisto o conselho dele era provavelmente tão sensato como o de qualquer outro homem. Sem dúvida, levara para a cama a sua quota-parte de mulheres casadas.
- Desprezais-me? - perguntou ela num sussurro.
Uma expressão de inquietação surgiu no rosto de Morvan. Atravessou o espaço que os separava e tomou-a nos braços.
- Não. Mas não gostaria que fôsseis a esposa deste homem nem a pega de Percy. Compreendeis-me? E culpo-me por não ter encontrado uma forma de vos afastar daqui.
Ela fitou os olhos escuros dele. Leu neles a preocupação e pensou que a compreendia, em parte.
- Não penso que ser esposa de David seja assim tão mau, Morvan. Ele consegue ser muito amável.
- Bem, pelo menos essas são boas notícias - um leve sorriso trocista aflorou-lhe os lábios. - Sinto-me satisfeito por ele ter talento para algo mais do que fazer dinheiro.
Ela soltou umas risadinhas abafadas. Ele apertou-a com mais força e depois soltou-a.
- Tomai as vossas refeições comigo nestes últimos dias pediu. - Gostaria de passar este tempo convosco.
Ela assentiu e ficou a observá-lo, cheia de tristeza, à medida que ele se afastava.
Christiana nunca duvidou que o irmão pedira a sua comparência durante as refeições porque desejava a companhia dela. Ela deixá-lo-ia em breve, e uma leve nostalgia pairava entre eles naqueles jantares e ceias, até mesmo quando conversavam alegremente à mesa com outros jovens da mesma idade.
Contudo, a presença de Morvan ao seu lado tinha outros benefícios, e ela suspeitava que também lhe teriam ocorrido a ele. Stephen não se atrevia a aproximar-se dela no salão enquanto Morvan andava por perto, e os cortesãos que espreitavam, curiosos, não conseguiam satisfazer a sua curiosidade acerca do estado daquele caso amoroso.
Era do conhecimento geral. Bastava Stephen erguer-se do seu lugar para que lhe lançassem olhares de esguelha, na expectativa de que ele fosse falar com ela. Tornou-se extremamente óbvio que a corte acreditava que um caso amoroso adúltero com Stephen seria, a uma dada altura, inevitável. Ela teve a impressão de que muitos destes nobres aceitavam a ideia com alívio, como se um tal caso amoroso fosse uma forma de redenção para ela. Então, a união com o mercador não passaria apenas de uma formalidade, muito mais fácil de aceitar e de ignorar.
Sim, Joan havia andado a coscuvilhar. Quando Christiana a confrontou, ela admitiu-o de lágrimas nos olhos. Havia sido apenas a uma rapariga, insistiu. Christiana não teve dificuldade em imaginar aquela pequena fuga de informação a converter-se num rio de murmúrios no espaço de algumas horas.
Christiana ocupou os dias que se seguiram com os preparativos para o casamento. Filipa veio aos seus aposentos no sábado inspeccionar o seu guarda-roupa, e ordenou imediatamente que se confeccionassem mais vestidos e meias para ela. Foi igualmente confeccionada uma nova capa. Apareceu também um capelista para que ela escolhesse dois novos toucados. Chegaram baús que seriam recheados com um enxoval de roupa branca e artigos para o lar, para Christiana levar para a sua nova residência.
Ela passou a maior parte do tempo nos seus aposentos tratando de tudo isto, mas a recordação de David não lhe saía da mente. Haviam concordado que ele não viria antes do casamento, pois os preparativos de ambos consumiriam muito tempo, e ele tinha os seus próprios assuntos a tratar. Ainda assim, tinha esperança de que ele a surpreendesse com uma visita. Seria um gesto romântico, mas quando ele viesse não seria por essa razão, embora fingisse o contrário. Tinha esperança de que ele viesse verificar que Stephen não a havia persuadido a fugir ou a fazer algo de desonroso. Ele iria querer assegurar-se de que o seu plano havia resultado.
Mas ele não apareceu. O sábado deu lugar a domingo, que por sua vez se estendeu até segunda-feira. Christiana começou a ficar aborrecida.
Estava certa que David sabia que Stephen havia regressado. Como é que ele podia deixá-la entregue aos seus próprios planos quando outro homem, alguém que pretendia seduzi-la, rondava por
perto? Um homem, além disso, por quem ela havia estado enamorada. Estaria assim tão seguro de si mesmo? Tão seguro de que uma noite podia equilibrar as coisas no coração de uma mulher? Será que ele não pensava na perturbação que a presença de Stephen poderia estar a causar à sua noiva?
Christiana ia ponderando sobre isto ao longo dos dias. Durante a noite, ruminava no assunto com ressentimento. Mas na obscuridade silenciosa da sua cama oculta pelas cortinas, as recriminações conseguiam sempre desvanecer-se à medida que outros pensamentos sobre David a invadiam como um inexorável fluxo de maré. Imagens dos seus olhos azuis e ombros hirtos sobre o seu corpo. O poder da sua paixão aniquilando o seu solícito autodomínio. Os seios dela tornavam-se sensíveis, a zona entre as coxas humedecia-se, e os pensamentos davam lugar a devaneios durante um sono irregular.
Despertava todas as manhãs com a sensação de que havia sido violentada por um fantasma, mas sem ter encontrado a libertação.
David não apareceu, mas vieram outros. Isoladamente ou em grupos de duas ou três, as mulheres da corte abordaram-na.
Sim, Joan havia falado, e não só acerca de Stephen. Afigurava-se-lhe que todas as mulheres se sentiam na obrigação de aconselharem esta jovem sem mãe que, constava, era incrivelmente ignorante acerca da procriação.
Algumas das criadas juntaram-se às senhoras. Enquanto tomava banho no dia do seu matrimónio, a rapariga que a assistia descreveu-lhe com audácia como poderia deixar um homem louco de desejo. Christiana corou até à ponta dos cabelos. Duvidava seriamente que as mulheres nobres fizessem grande parte daquelas coisas, mas reteve as partes mais interessantes na sua mente.
Os preparativos do dia transformavam-se numa festa divertida, com todas as suas amigas em seu redor. Ofereceram-lhe presentes e conversaram enquanto as criadas a preparavam. Filipa chegou para a escoltar até ao salão. A rainha examinou-a minuciosamente e voltou a colocar a capa vermelha sobre os seus ombros. Em seguida, com as filhas ao seu lado, Idonia, Joan e várias outras mulheres, a rainha Filipa desceu com Christiana até ao salão.
Morvan aguardava-as. Envergava um manto formal muito comprido. Usava o cinto de cavaleiro, mas sem espada.
- Vinde - disse, pegando-lhe no braço. - O rei já está à espera.
As portas abriram-se e ela deu um passo em direcção ao exterior.
- Oh, santo Deus - exclamou com um arrepio, imobilizando-se.
- Uma bela visão, não vos parece? - murmurou Morvan num
tom seco.
O pátio estava repleto de cavalos, pessoas e veículos de transporte. Avistou Lady Elizabeth a entrar numa das carruagens cobertas de pinturas, e outros braços femininos que pendiam das suas janelas. Cavaleiros e lordes aguardavam montados em cavalos ataviados para um cortejo sumptuoso. O rei Eduardo, resplandecente num manto vermelho bordado a ouro e montado no seu alazão, aguardava junto à entrada. Uma longa fila de guardas reais mantinha-se à espera.
A presença de tantos cavaleiros e nobres enterneceu-a. Vinham honrar a sua família e, possivelmente, tranquilizá-la. Também vinham pelo seu irmão, e sentia-se grata por isso.
O extenso séquito real, e as instruções evidentes de que todas as pessoas deviam seguir o rei em cortejo, eram outro assunto.
A um gesto do rei, avançaram três carruagens douradas.
- Oh, santo Deus - arquejou novamente, observando a aproximação deste grandioso toque final.
- Sim, uma é para vós. A rainha em pessoa irá acompanhar-vos
- explicou Morvan.
- Esta comitiva estender-se-á ao longo de vários quarteirões. Londres inteira irá assistir a isto.
- O rei honra-vos, Christiana.
Ela desviou o olhar da expressão sorridente de Eduardo e falou em voz baixa na direcção do ombro do irmão.
- Não sou estúpida, Morvan. O rei não está a honrar-me a mim, está a honrar Londres. Não está a conduzir Christiana de Fitzwaryn para desposar David de Abyndon. Está a conduzir uma filha da nobreza para desposar um filho da cidade. Está a converter-me num presente para Londres e um símbolo da sua generosidade para com ela.
Morvan segurou-a pelo cotovelo e incitou-a a avançar.
- Não pode ser desfeito. Deveis ser a filha da nossa mãe nisto e lidar com esta situação como ela o teria feito. Eu cavalgarei ao vosso lado.
Ela permitiu que ele a acompanhasse até à carruagem da frente e ele ajudou-a a entrar.
- Durante todo o tempo vou estar a pensar que não represento o sacrifício da virgem que eles esperam - sussurrou, inclinando-se na direcção dele.
O cortejo partiu em fila do pátio, liderado pelo rei e pelos seus filhos. Quando chegaram à Strand, haviam-se formado densas multidões e no interior dos portões da cidade as coisas pioraram. Os guardas usaram os seus cavalos para manter o povo afastado. Lenta e penosamente, abriram caminho até à Catedral de S. Paulo.
Morvan ajudou-a a descer da carruagem.
- Bem, meu irmão - proferiu enquanto se aproximavam da entrada - Não tendes nada para me dizer? Nenhum conselho? Nenhum sermão para eu me tornar numa esposa obediente e respeitadora? Não há aqui um pai para me admoestar, por isso, cabe-vos a vós, não é verdade?
Ele fez uma pausa junto ao pórtico e lançou um olhar ao portão aberto, na direcção da cavernosa nave já repleta de cortesãos ruidosos e outros curiosos.
- Sim, tenho uns conselhos para vós, mas sermões não. Aproximou-se da orelha dela. - Sois uma bela rapariga. A mulher pode assumir o poder no desejo de um homem, irmãzinha. Usai-o bem e possuí-lo-eis, ao invés do contrário.
Ela soltou uma gargalhada. Sorrindo, apressaram-se pela nave.
David aguardava junto do altar. Christiana sentiu um baque no coração ao vê-lo. A sua aparência era magnífica, perfeita e semelhante à de qualquer um dos lordes na assistência.
O corte elegante do seu manto de veludo azul, longo e cintado, realçava a sua estatura. As mangas justas faziam com que as roupas dos outros homens parecessem ridículas e pouco masculinas, exageradamente largas e compridas. Todo o manto estava debruado a ouro, com bordados dourados ao meio. Christiana perguntava-se quem o teria convencido a concordar com aquilo. Usava uma pesada corrente de ouro sobre os ombros.
Morvan entregou Christiana. Idonia aproximou-se, pegou na capa dela e depois afastou-se. David fitou-a enquanto o ruído da multidão ecoava sob o tecto alto de pedra.
- Sois a rapariga, mais bela que alguma vez conheci - disse, repetindo as palavras que pronunciara no jardim de hera.
Havia vários assuntos sobre os quais Christiana tencionava censurar David, bem como mágoas profundas e inquietações que preocupavam o seu coração. Mas o afecto que aqueles olhos azuis expressavam enterneceu-a e o som da sua bela voz tranquilizou-a. Haveria muito tempo para preocupações e mágoas. Este era o dia do seu casamento e todo o mundo estava a assistir.
Uma hora mais tarde, Christiana emergia da catedral com uma aliança de ouro no dedo e o braço de David de Abyndon em redor da sua cintura. A carruagem aguardava, mas Sieg, parecendo quase civilizado no seu belo manto cinzento, trouxe um cavalo.
- Vireis comigo, minha querida. com estas multidões, as carruagens jamais chegarão à Câmara Municipal.
- Devíeis ter-me avisado acerca de tudo isto, David - disse ela, à medida que o pandemónio se instalava pelo pátio da catedral e pelas ruas em volta. - Assemelha-se ao prelúdio de um sacrifício antigo.
- Eu não sabia, mas deveria ter esperado algo do género. Eduardo adora pompa e circunstância, não é verdade?
Christiana não ficou convencida. Ele parecia saber sempre tudo. Lançou-lhe um olhar de soslaio quando ele a ergueu até à sela e se sentou atrás dela. A sua branda aceitação do comportamento de Eduardo irritava-a, mas por outro lado, não fora ele a ser exibido em público.
- O rei deve ter-vos em grande estima para ter trazido um tal séquito. - Christiana observou com frieza.
- Eu seria um tolo se pensasse que sim. Isto não tem nada a ver comigo ou convosco.
Juntaram-se à multidão de cavaleiros e lordes a cavalo que se moviam letamente em direcção a Cheap. O braço de David rodeava-lhe a cintura e a mão repousava sob a capa. Ela ergueu a mão e tocou no diamante suspenso numa corrente prateada em redor do seu pescoço. Fora-lhe entregue enquanto se vestia.
- Obrigada pelo colar. Condiz perfeitamente com o vestido.
- Edmundo garantiu-me que assim seria. Sinto-me satisfeito por terdes gostado.
- Edmundo?
- O costureiro que confeccionou os vossos trajes de casamento, Christiana. E o vosso vestido de noivado. E a maior parte dos vossos cotehardies e mantos durante os últimos anos. O nome dele é Edmundo. É um dos cidadãos mais proeminentes de Westminster e um homem importante no seu mundo.
Christiana sentiu-se enrubescer. Sabia o nome do costureiro. Limitara-se a esquecê-lo, mas David estava a dizer-lhe que devia conhecer as pessoas que a serviam e não pensar nelas como gente insignificante.
A mortificação não tardou a dar lugar à cólera. Não era do seu agrado que uma das primeiras frases que seu marido lhe dirigisse logo a seguir ao matrimónio fosse esta censura indirecta.
Surgiram-lhe na mente mais razões para se zangar.
- Pensava que iríeis visitar-me - disse.
- Havíamos concordado que não o faria.
- Mesmo assim, pensei que viríeis.
Ela sentiu que ele a observava, mas não disse nada.
- Ele está de regresso à corte - acrescentou. - Mas, como é evidente, sabeis disso, não é verdade?
- Sim.
E foi tudo. Nada de perguntas. Nada mais.
- Não vos interrogastes acerca do que poderia acontecer? inquiriu de uma forma brusca e irritada. - Estais assim tão seguro de vós?
- Se aparecesse seria um insulto para vós. Assumi que a filha de Hugh Fitzwaryn teria demasiada honra e orgulho para abandonar o seu leito matrimonial e correr para os braços de outro homem, especialmente depois de ter percebido a verdade acerca dele.
- Mesmo assim...
- Christiana - interrompeu David num tom calmo, baixando-se para ela o ouvir e roçando os lábios na sua orelha. - Não falaremos disto agora. Não fui porque os meus dias estiveram absolutamente preenchidos com os preparativos para o casamento. Durante os momentos que podia dispensar, tratei de negócios, de modo a poder despender os próximos três dias na cama convosco. E as minhas noites eram passadas a pensar em tudo o que poderia fazer assim que vos tivesse junto a mim.
Ela gostaria de poder ignorar o calafrio de excitação que os seus lábios e as suas palavras haviam provocado, mas o seu corpo também começara a traí-la durante a noite e agora reagia contra a sua vontade.
Ela obrigou-se a recordar do acto de sedução deliberado de David, com o objectivo de reclamar a sua propriedade. Sentiu-se ressentida com aquela autoconfiança.
- O que vos faz pensar que eu vou querer passar os próximos três dias dessa forma? - perguntou.
- Agora sois minha esposa, rapariga. Seguramente sabeis que só tereis opções se eu assim o permitir. - Pressionou os lábios contra a têmpora dela e falou com mais afabilidade. - Vereis que sou um amo muito razoável, minha querida. Preferi sempre a persuasão à autoridade.
Sob o tecido folgado da capa de Christiana, ele ergueu a mão e acariciou-lhe o seio.
O corpo dela estremeceu com uma alarmante onda de prazer.
Christiana olhou nervosamente em redor, para os rostos voltados na direcção deles numa curiosidade sorridente.
Ele acariciou-lhe o mamilo e beijou-lhe a face. Ela sentiu um impulso irresistível de se voltar e de lhe morder o pescoço. Voltou a cabeça e aceitou o beijo intenso que a aguardava e aquelas sensações maravilhosas percorreram-na como um delicioso suspiro de alívio.
Toda a cidade de Londres observava.
- David, as pessoas... elas podem ver... - sussurrou, ofegante, quando ele ergueu a cabeça mas não retirou a mão. Os dedos dele estavam a deixá-la louca.
- Não podem, não. Alguns podem suspeitar, mas ninguém terá a certeza - sussurrou. - Se estais zangada comigo, podeis censurar-me à vontade depois dos banquetes. Prometo escutar muito atentamente e ter em conta todas as vossas críticas. - Beijou-lhe novamente o pescoço. - Até mesmo quando estiver a lamber os vossos seios e a beijar as vossas coxas, prestarei atenção às vossas censuras. Podemos discutir o meu mau comportamento por entre os vossos gemidos de prazer.
Christiana estava já a sentir alguma dificuldade em recordar-se dos motivos pelos quais o queria repreender.
No momento em que sentiu um impulso inexorável de se contorcer na sela, chegaram ao edifício da Câmara Municipal. Não sabia se iria conseguir aguentar-se rias pernas, agora lânguidas, quando ele a pousasse no chão, e isso preocupava-a.
- Isso não foi justo - sibilou.
Ele pegou-lhe na mão e encaminhou-a para o edifício.
- Eu só jogo para ganhar, Christiana, e faço as minhas próprias regras. Não sabeis já disso?

CAPITULO 13
David inclinou-se contra a ombreira da porta do salão, observando, das sombras, os convivas rodopiarem em redor da imensa fogueira no centro do pátio. Casais divertiam-se, dançando juntos em redor do enorme círculo e, mais próximo do centro, um grupo de mulheres fazia uma enérgica actuação. Anne, a mulher de Oliver, liderava o grupo, uma vez que quando a oportunidade e o pagamento eram convenientes actuava como dançarina profissional. Encontrava-se rodeada de criadas e mulheres da vizinhança. No centro de tudo, com o rosto ruborizado de deleite e os olhos cintilantes de prazer, rodopiava a figura elegante de Christiana Fitzwaryn.
As luzes da fogueira pareciam iluminar as mulheres ao ritmo da batida dos tambores. Todo o pátio brilhava à luz daquelas labaredas colossais e dos muitos archotes ao longo dos edifícios e do jardim das traseiras. As chamas tingiam o céu nocturno de cor de laranja e, à distância, provavelmente a casa parecia estar a arder. Sem dúvida os sacerdotes insistiriam que a cena, com os participantes a entregarem-se a todos os pecados mortais, se assemelharia ao próprio Inferno.
O pátio, os jardins e os vários compartimentos da casa estavam apinhados de gente. Havia homens e mulheres empoleirados no telhado do estábulo. À sua esquerda, viam-se diversos casais abraçados num recanto sombrio.
Uma grande gargalhada captou a sua atenção e ele inclinou-se para lançar um olhar ao salão. Os corpos que bailavam afastaram-se
por um momento e David avistou o homem que ria sentado junto ao lume com uma rapariga em cada joelho. Os adornos dourados no seu manto vermelho eram a única prova de que este homem era o rei, pois Eduardo havia-se despojado da sua real figura assim que entrara pelo portão com os seus dois guardas, tendo enviado a família e os filhos para casa a seguir ao banquete da Câmara Municipal. Encontrava-se agora bastante ébrio, e já há algum tempo que os foliões haviam deixado de o tratar como soberano, permitindo que se juntasse à folia.
David voltou a sua atenção de novo para a sua esposa. Gostava de olhar para ela mesmo quando ela estava sossegada, mas a liberdade e o prazer que ela retirava daquela dança deixava-o hipnotizado. Tal como o rei dela, havia sucumbido rapidamente à diversão sem restrições dessa segunda festa, e David regozijava-se ao observar a alegria dela à medida que ela festejava e bebia e trocava gracejos com os vizinhos.
Ela movia-se de uma forma sedutora e lânguida, impregnando esta dança plebeia de uma elegância nobre. Tinha os lábios entreabertos num sorriso sensual à medida que rodopiava pelo pátio, apreciando finalmente o êxtase do movimento que sentira tantas vezes através de outras bailarinas.
Ele observava e aguardava, suprimindo o desejo súbito de caminhar até à fogueira, de a arrebatar nos seus braços e de a levar consigo.
Ele desejava-a. Terrivelmente. Há semanas que a desejava, e â noite que haviam passado juntos apenas intensificara esse desejo. Tinha passado os últimos dias num estado de ânsia permanente.
A inocência de Christiana naquele dia havia-o desarmado de uma forma perigosa. A paixão dela não conhecia defesas, e a sua entrega e aceitação totais haviam aniquilado as suas. Ao contrário das mulheres experientes com as quais geralmente se deitava, na sua ingenuidade, ela não tentava proteger-se das intímidades mais profundas que podiam surgir durante a cópula, não sabia nada acerca de manter a sua essência separada da união, não sabia nada acerca de manter o acto como um simples prazer físico. Christiana havia sentido a verdadeira proximidade e deixara simplesmente que o poder os submergisse. Ele contemplara a maravilha do acto nos olhos de Christiana, sentira o deslumbramento dela no seu abraço ávido e quase a prevenira para ter cuidado, pois ali também podia haver
perigo e dor para ela. Mas não o fez, pois essa intimidade profunda trouxe consigo um conhecimento daquela jovem pelo qual ele ansiava, e no final, também ele se mostrou indefeso contra a magia que não sentia há tantos anos.
O olhar dele seguiu-a e o seu corpo reagiu aos movimentos sedutores da dança dela. Na sua mente, Christiana fitava-o,
tocando-lhe no rosto e no peito e suspirando
um "sim" que exigia a sua entrega total.
Uma figura deambulou diante dele, distraindo-o misericordiosamente dos seus pensamentos acalorados. Morvan bebia vinho à medida que caminhava, observando descontraidamente
as bailarinas.
Os tambores e adufes repercutiram um final delirante e depois a dança terminou abruptamente. Em redor da fogueira, os corpos detiveram-se, ofegantes. Christiana e Anne abraçaram-se com uma gargalhada.
Ela pensava que Anne era a mulher de Oliver. Supunha que teria de lhe dizer a verdade.
Morvan captou o olhar de Christiana e acenou-lhe. Ela dirigiu-se ao irmão com um largo sorriso. Ele inclinou-se e disse algo, e David observou a felicidade e o prazer escaparem-se-lhe do rosto e do corpo como se alguém lhos tivesse arrancado.
Ela lançou os braços à volta dele e falou com seriedade, sem dúvida implorando-lhe que ficasse mais tempo. Morvan abanou a cabeça, acariciou-lhe o rosto e afastou-se.
Caminhou em direcção ao portão. Christiana ficou a vê-lo partir, o seu corpo erecto subitamente sozinho e isolado apesar da multidão que se aglomerava em seu redor. David podia ver a sua expressão serena, mas adivinhava a tristeza nela.
Toda a sua vida, toda a sua família, todo o seu passado estavam nesse momento a abandonar a casa.
Ele afastou-se da ombreira da porta e dirigiu-se a ela. Lançou a capa sobre os ombros, e ela dirigiu-lhe um sorriso débil antes de voltar o olhar para o homem alto que se afastava.
Ele sorriu e abanou a cabeça. Correu atrás de Morvan, chamando-o pelo nome. De certa forma nem acreditava que ia fazer isto por ela. ,
O jovem cavaleiro deteve-se e voltou-se. Regressou e encaminhou-se para David. Enfrentaram-se mutuamente no brilho da fogueira.
- Estais de saída, Morvan?
- Sim. É melhor se eu partir agora. - Lançou um olhar à irmã.
- Deveis vir visitá-la em breve. Ela irá querer ver-vos. - Morvan fitou-o, surpreendido. - A vida de Christiana irá sofrer uma grande mudança e poderá ser duro para ela - prosseguiu David. Não gostaria de a ver infeliz. Vinde sempre que vos aprouver. Esta casa estará sempre aberta para vós.
Morvan pareceu ainda mais surpreendido. Assentiu e sorriu debilmente.
- Agradeço-vos por isso, David. Pelo bem de ambos.
David regressou para junto de Christiana. A capa estava a descair-lhe pelas costas e ele aconchegou-a melhor, cingindo-lhe os ombros.
- O que lhe dissestes ? - inquiriu, com o olhar ainda fixo no irmão.
- Disse-lhe que deve visitar-vos sempre que lhe aprouver.
- Dissestes, David? A sério? - voltou-se para ele com um sorriso luminoso.
A sinceridade da sua surpresa e gratidão transtornaram-no.
- Eu sei que ele é tudo para vós, minha querida. Ele apenas procurou proteger-vos, e não posso censurar nenhum homem por isso. Não interferirei na vossa relação.
Ela encostou-se a ele e fitou-o com uma inocência quase infantil.
- Não é tudo para mim. Já não é assim. Agora existis vós, não é verdade? Temo-nos um ao outro, não é verdade?
Ele abraçou-a e ela pousou a cabeça no seu peito, com o rosto voltado para as sombras que engoliam a figura alta do irmão. David enterrou o rosto na nos seus cabelos sedosos.
Tudo aquilo que ela era, tudo o que era suposto ser, partira através daquele portão. A vida que vivera e nascera para viver, a posição que o sangue lhe garantia, regressava esta noite para Westminster sem ela. Ele não duvidava de que ela compreendia isso. Christiana sabia o que este casamento lhe havia retirado.
Beijou-lhe os cabelos e fechou os olhos. Ele podia devolver-lho. Tudo o que ela estava a perder e mais. Tinha poder para o fazer.
A oferta ainda estava de pé e seria feita novamente, disso tinha ele a certeza.. Tinha apenas de jogar o jogo como planeado, mas alterar a
jogada final. Ele sabia exactamente como fazê-lo. Há semanas que
andava a considerar a possibilidade.
Como se estivesse a ler os seus pensamentos, ela inclinou a
cabeça e olhou para ele.
- Sois muito bom para mim, David. Sei que ireis cuidar de mim e fazer tudo o que estiver ao vosso alcance por mim.
Ele curvou-se para a beijar e os lábios entreabertos dela ergueram-se para ir ao encontro dos dele. Um frémito sacudiu-a e Christiana pressionou-se contra ele enquanto o envolvia num abraço apertado. A mente dele enevoou-se e o autodomínio das últimas horas dissipou-se.
Ela agarrava-se a ele com o mesmo desespero com que ele se agarrava a ela, a boca dela a convidá-lo para o beijo profundo. Talvez fosse o vinho e a dança. Talvez fosse a gratidão relativamente a Morvan. Ele não se importava, aceitaria a paixão dela fosse como fosse.
Permaneceram assim na intensidade do brilho da fogueira, dois corpos moldados um no outro, banindo a separação, os sons da festa ecoando em redor deles. Ele beijou-a repetidamente, desejando possuí-la, absorvê-la para dentro de si.
Conseguiu reunir forças para afastar a boca.
- Vinde até lá cima comigo - sussurrou, com o rosto mergulhado no pescoço dela, enlouquecido pelo seu odor.
- Sim - disse ela. - Agora.
Ele virou-a sob o seu braço enquanto a beijava novamente. De alguma forma, encontrou o caminho através do pátio, entrou no edifício e subiu as escadas. Um grupo de foliões saiu discretamente do salão quando o casal se aproximou, e ele fechou a porta atrás deles com um pontapé.
Ao chegarem ao quarto, David retirou as capas de ambos e caiu na cama com ela, cobrindo-a com o seu corpo, sentindo o corpo dela render-se submissamente a ele. A mente dele não se concentrava em mais nada a não ser o toque e o odor dela. Tentou conter-se, tentou acalmar a terrível tempestade que o dominava, mas o beijo profundo e penetrante que ele lhe deu tornou-se feroz e faminto quando Christiana segurou a cabeça dele entre as suas mãos e o impeliu mais para junto de si.
David conseguiu retirar-lhe o casaco sem o rasgar, mas os atilhos do cotehardie constituíam um desafio para os seus dedos experientes. Puxou pelo nó enquanto beijava e mordiscava os seus seios. Finalmente, numa furiosa frustração, afastou-se, voltou-a ao contrário e encarou o nó recalcitrante.
- Ficai quieta - murmurou, retirando a sua adaga e afastando num piscar de olhos a obstrução à paixão. - Ajoelhou-se e fez deslizar a lâmina sob os atilhos. - É um velho truque praticado nos casamentos. As vossas criadas fizeram um nó que não pode ser desfeito.
Ela riu-se de uma forma maravilhosa, lírica, e depois voltou-se, divertida, alegremente a retirar o vestido. Assim que o fez, ajoelhou-se e voou para os braços
dele, como se aquela separação tivesse durado uma eternidade.
Nesse momento, ele perdeu-se. Num frenesim de carícias e beijos, conseguiram retirar as roupas dele. com exclamações, arquejos e gargalhadinhas de êxtase, as mãos dela encontraram as dele no cinto e na camisa e finalmente precipitaram-se acaloradamente sobre a pele dele. Ele retirou-lhe a combinação pelos ombros, descobrindo-lhe o seios, e inclinou-a para trás de modo a poder deliciar-se com aquela agradável suavidade.
Os gemidos de Christiana perturbaram-no, destruindo o último resquício de autodomínio. Puxou-lhe o vestido até às ancas e sentiu a humidade da excitação dela.
- Prometo que vos concederei um prazer lento mais tarde disse, enquanto a deitava. - Durante toda a noite, se assim o desejardes. Mas agora não posso esperar, querida.
Abriu-lhe as pernas e ajoelhou-se entre elas. Ela contemplou-o, os seus olhos negros repletos de estrelas.
Ele fitou o rosto adorável de Christiana e os seus seios alvos e redondos. O vestido estava amarfanhado na cintura e as meias ainda lhe davam pelos joelhos. David
puxou o vestido mais para cima, expondo as ancas e a barriga de Christiana. Tocou naquela carne pulsante e intumescida entre as suas coxas e observou o prazer que a invadia.
As fantasias do desejo dele instavam-no, implacáveis. Apesar da ignorância dela e da necessidade dele, David não conseguia resistir a todas elas. Dobrou-lhe as pernas de modo a que ela ficasse erguida
e aberta para ele. A respiração entrecortada de Christiana irrompeu nela neblina que o envolvia e David lançou-lhe um olhar e avistou o lampejo de cautela e surpresa nos olhos dela.
- Não tenhais medo - disse enquanto lhe erguia as ancas. - Quero beijar-vos toda. Só isso.
Ele sabia que não conseguiria entregar-se a este prazer por muito tempo. O seu próprio corpo não lho permitiria. Nem o dela, pelo que se veio a revelar. Ela contorcia-se e gritava devido ao choque e intensidade que este novo prazer lhe provocava, e David não tardou a sentir as primeiras contracções do clímax dela.
Deteve os beijos e deitou-se sobre ela levando as pernas dela com ele, instalando-as nos seus ombros. Ela agitou-se frustrada por ele a ter levado ao limiar do precipício e não ter continuado.
- Em breve, querida, prometo. Fá-lo-emos juntos - disse num tom tranquilizador, e, erguendo-se, penetrou-a com uma única investida.
O corpo dele estremeceu devido ao prazer agonizante do momento, mas o estremecimento só por si restituiu-lhe algum autodomínio. Estendeu os braços e acariciou-a, experimentando a sensação intensa de estar prestes, ele próprio, a atingir o clímax.
Ela observava-o enquanto ele se movimentava, as mãos dela, ávidas e acolhedoras, acariciando os seus ombros e peito. Os seus olhos brilhantes e os suspiros suaves mostravam a David que ele preenchia outras necessidades dela para além das do corpo. As emoções emanavam dela, pairavam junto a ele e envolviam-nos a ambos, da mesma forma que os seus braços e pernas haviam estado entrelaçados poucos momentos antes.
David sentiu que o corpo de Christiana se retesava, perto do clímax. O seu próprio controlo começou a ceder. Passou a mão entre os seus corpos, procurando conceder-lhe a tão desejada libertação. Frenética ela agarrou-se a ele, erguendo energicamente as ancas de encontro às suas investidas, arrastando-o com ela para aquele delicioso esquecimento.
David raramente procurava um alívio mútuo. Na verdade, evitava-o. Agora, à medida que a paixão de ambos atingia o auge e os consumia a ambos, ele sentiu o êxtase de Christiana no momento em que o seu próprio explodia dentro dela. Durante um sublime
instante, os relâmpagos daquela tempestade fundiram-nos numa plenitude completa.
Quando terminaram, ele pôs-se ao lado dela, beijando-a suavemente enquanto lhe estendia as pernas, permitindo a si mesmo apreciar a gloriosa expressão no seu belo rosto. Deitou-se de costas, puxando por ela ao fazê-lo para a deitar sobre si. Manteve-a ali, a cabeça dela no peito dele as pernas a envolver-lhe as ancas, observando o percurso da sua mão enquanto acariciava as suas costas pálidas.
Algum tempo depois, ela ergueu a cabeça e inclinou-a pensativamente.
- Estou a ouvir alaúdes - disse.
- Lisonjeais-me.
Ela soltou uma risadinha abafada e bateu-lhe no ombro de uma forma brincalhona.
- Não, David. Estou mesmo a ouvir. Escutai.
Ele concentrou-se e escutou os tons líricos entre o ruído distante da festa. Afastou-a de si, levantou-se da cama e desapareceu no quarto de vestir.
Chnstiana aguardou, pairando ainda na maravilhosa magia da paixão deles. Pareceu-lhe que o som dos alaúdes se intensificara.
Ele regressou e retirou a colcha da cama.
- Estão aqui por vós. Deveis agraciá-los com o vosso reconhecimento.
Ele colocou a colcha quente sobre os ombros, e ela levantou-se e juntou-se a ele no seu casulo acolhedor.
A porta das escadas que conduzia ao jardim de hera estava aberta, e eles dirigiram-se ao patamar de pedra. David ergueu-a e sentou-a no muro baixo do patamar, aconchegando bem a manta em redor das suas pernas.
Lá em baixo, no minúsculo jardim, conseguia ver quatro homens com alaúdes. Cantavam versos poéticos de uma canção de amor. Ela reconheceu o tom grave de Walter Manny.
- Quem são os outros? - sussurrou.
- São todos de The Pui. É uma tradição quando um deles
se casa.
Tocaram outra canção. Archotes iluminavam o jardim principal, mas aqui os cantores eram apenas formas negras nas sombras. Acima
deles, o céu nocturno límpido reluzia com centenas de estrelas. David mantinha-se ao lado dela, segurando-a sob a colcha, afagando o seu cabelo com o rosto. Havia algo de incrivelmente romântico no facto de estarem ali juntos na noite fria com a intimidade da paixão ainda a pairar sobre eles enquanto a música tocava.
Walter cantou a canção seguinte sozinho. Possuía uma melodia lenta e suave que ela já havia escutado antes. Era a canção que David entoara naquela tarde no salão, aquela que ela achara tão triste nesse dia. Agora apercebia-se de que não era triste de todo, apenas suave e bela. Naquele dia deixara-a a pensar em Stephen, e nem sequer havia reparado nas palavras, mas desta vez escutou atentamente.
Não era de todo uma trova de amor, mas antes uma canção em louvor de uma mulher e da sua beleza. As palavras falavam de membros elegantes e porte nobre. O cabelo dela era negro como a noite aveludada, a pele como um raio de luar, e os olhos como os diamantes das estrelas...
Ela manteve-se muito quieta. Escutou o resto da bela canção que a descrevia. David escrevera aquilo. Havia-a tocado nessa tarde no salão para ela, e ela nem sequer a escutara.
A voz de Walter e o alaúde silenciaram-se quando teminou a melodia. Christiana lançou um olhar à sombra do homem ao seu lado. O seu coração rejubilava de alegria e orgulho por ele a ter honrado desta forma, há tanto tempo, mesmo quando ela o tratava tão mal.
- Obrigada - murmurou, esticando-se para lhe beijar o rosto. Escutaram mais algumas canções, e depois os quatro músicos
avançaram e fizeram uma vénia.
- Obrigada, Walter - agradeceu baixinho.
- Minha senhora - respondeu, e as sombras engoliram-no.
- Que tradição maravilhosa - disse ela a David enquanto regressavam para a cama. - Já fizestes isto?
- Sim. Já tive o meu quinhão de noites passadas ao frio em jardins a cantar para mulheres recém-casadas. Ficamos até ela nos dar a entender que nos escutou. Ocasionalmente, o noivo está tão entusiasmado na cama que demora horas. Depois disso, fazemo-lo pagar caro.
Ela soltou uma gargalhada e encostou a cabeça ao seu ombro.
- Foi um casamento maravilhoso, David. - Pela janela aberta ainda penetrava algum estridor da festança que prosseguia lá fora
e lá em baixo. - Diverti-me imenso. Annee diz que eu danço muito bem para uma amadora. Ela disse que me ensina mais se eu quiser.
- Se vos dá prazer, deveis fazê-lo.
- Gosto dela. Também gosto de Oliver. É um velho amigo vosso?
- Amigo de infância.
- Estão casados há muito tempo?
Uma expressão peculiar surgiu no rosto de David. Estava tão belo nesse momento, com o cabelo castanho dourado a cair-lhe sobre a fronte e os olhos azuis penetrantes a fitá-la.
- Christiana, Oliver vende mulheres. Vivem juntos, mas Anne não é esposa dele. É uma das suas mulheres.
- Estais a dizer-me que ela é prostituta dele ? Anne é prostituta ? Ela faz isto com estranhos por dinheiro? Ele permite-o e ainda lhe arranja homens?
- Sim.
- Como pode fazê-lo? Parece preocupar-se com ela, David. Como é que...
- Na verdade, não sei.
Ela imaginou Anne, como os seus belos cachos castanhos e um rosto adorável, embora mundano.
- Deve ser horrível para ela.
- Suspeito que se deverá alhear quando está lá com eles.
Era possível fazer-se aquilo? Unir-se assim a outra pessoa e não se importar com aquilo, nem sequer sentir nada? Ou apenas retirar prazer, sem qualquer interesse pela pessoa em questão? Era uma ideia triste e assustadora.
Ela voltou a cabeça e lançou um olhar à cúpula de tecido azul acima deles, sentindo compaixão por Anne e já algum desagrado em relação a Oliver por esperar tais coisas dela. É verdade que eram pobres, mas decerto haveria alguma outra
forma de resolver o problema.
E contudo, tinha de admitir que as relações sexuais podiam obviamente acontecer de todas as formas possíveis e pelas mais variadas razões. Na verdade, ela suspeitava
que o amor não tinha nada a ver com aquilo, especialmente para os homens. Afinal, o desejo que ela e David partilhavam era essencialmente físico, não era? Para ele, era mesmo só isso. E outras mulheres tinham estado ali, onde ela
estava agora, vivendo as mesmas experiências. Havia-as desejado, e aeora desejava-a a ela. Quem desejaria ele a seguir?
A magia e a maravilha pareceram-lhe subitamente menos especiais.
Duraria muito, este desejo? Talvez, se um homem despendesse mil libras por uma mulher, se sentisse na obrigação de a desejar por muito tempo. Mas quando o desejo desvanecesse, o que lhe restaria a ela? Uma casa e talvez alguns filhos. Não é que fosse pouco, mas ela queria mais.
O reconhecimento desse facto assustou-a e Christiana nem sequer compreendia os sentimentos que revelava. Contudo, compreendia que podia haver perigo nesta cama com este homem, e a hipótese de uma desilusão bem maior do que a que conhecera com Stephen Percy.
Um estranho vazio apoderou-se dela. Era como uma solidão desolada, apesar do homem que a abraçava. Vivera uns momentos maravilhosos durante aquelas últimas horas,
rindo e dançando, subjugada pela paixão mútua. Os momentos passados junto a ele, lá fora, enquanto escutavam as canções de amor haviam sido tão românticos. Apercebeu-se com pesar que havia estado a construir insensatamente outra ilusão, outro sonho.
Ela sentiu-o mover-se e em seguida aqueles olhos azuis estavam pousados nela, observando-a.
- Em que estais a pensar? - questionou David. Não sabeis? Quis perguntar. Sabeis sempre.
Encontrou o olhar dele e compreendeu que ele sabia. Pelo menos em parte.
- Estou a pensar que há algo mais em tudo isto do que a minha compreensão alcança. - com um gesto, abarcou a cama. - Deveis considerar-me muito infantil e ignorante comparada com as outras mulheres que conhecestes.
Mulheres belas. Mulheres mundanas. Mulheres experientes. Jamais conseguiria competir com elas. Nem sequer sabia como. Por que razão a teria ele desposado?
A mão dele acariciou-lhe a face e voltou o seu rosto para o fitar.
- Agradais-me muito, Christiana.
Sentiu-se um pouco melhor com essas palavras, mas não muito.
- Alicia era vossa amante, não é verdade? - inquiriu bruscamente.
- Sim. Mas está terminado.
- Também houve outras. Algumas que eu conheço e que me conhecem - disse sem qualquer expressão.
Ele limitou-se a fitá-la.
- Elizabeth? - questionou, pensando naquela mulher requintada e encantadora e sentindo uma enfurecedora pontada de ciúme. Ninguém jamais poderia competir com Elizabeth.
- Elizabeth é uma velha amiga, mas nunca fomos amantes. Uma indignação protectora substituiu imediatamente o ciúme.
- Por que não? Sois melhor do que muitos homens a quem ela esteve ligada. E aquele lorde que ela desposou é idoso e mal-parecido.
Ele riu-se.
- Agora estais Zangada, com ela por nunca termos dormido juntos? Não, não houve qualquer insulto nisso. Elizabeth gosta dos amantes bem jovens.
- Vós sois jovem.
- Não o suficiente. Ela gosta deles ainda inexperientes. Pretende influenciá-los.
- Jovens como Morvan?
- Sim.
Ela ficou a pensar naquilo e naqueles meses em que Morvan acompanhava Elizabeth. Fora muito tempo para ele. A preocupação com o irmão distraiu-a das preocupações acerca de si mesma.
- Sabeis algo acerca deles e do que aconteceu? Algumas pessoas na corte pensaram que eles se casariam, mas depois, de repente, acabou. Morvan nunca falou comigo acerca disso.
Ele lançou um olhar à almofada durante um momento e ela percebeu que ele sabia.
- Oh, por favor, David, dizei-me - pediu. - Afinal, ele é meu irmão. Sou muito discreta, sabeis. Sou a única mulher na corte que nunca se entregou a mexericos.
- Uma virtude rara que não devo corromper.
- Sempre escutei, mas nunca repeti o que ouvi - disse.
- Elizabeth não desposou o vosso irmão porque ele nunca a pediu em casamento. Ela amava-o, mas ele não a amava. Pelo menos,
não da forma que ela desejava. Elizabeth jamais se ligaria a um amor desigual como esse. Depois há a questão de ela ser infértil. Sabe que o é desde muito jovem. É por isso que os homens mais velhos a desejam. Já possuem os seus herdeiros. Um dia o vosso irmão irá ser de novo lorde de Harclow e pretenderá ter um filho.
- Não, David, não me parece que ele vá sê-lo. O rei jurou que iria fazer os possíveis por isso, mas esqueceu-se.
- Os homens não esquecem os juramentos que fazem.
O que mais saberia David acerca das pessoas com quem ela havia passado a sua vida?, pensou. Talvez, se ela provasse ser muito discreta, ele algum dia lhe contasse. Estar assim a conversar no calor da cama era muito aprazível e aconchegante. Quando ele se encontrava de pé e a caminhar de um lado para outro, ainda permanecia um mistério para ela, mas a intimidade daquele momento baniu temporariamente essa sensação.
- Fiquei surpreendida por o rei vir esta noite - disse ela, interrogando-se até onde poderia ir neste clima de boa disposição.
- Até mesmo os reis gostam de se divertir. Ser uma personalidade real pode ser algo muito entediante, e Eduardo ainda é jovem. Não é muito mais velho do que eu.
- Parece conhecer-vos bem.
- Somos aproximadamente da mesma idade, e ele sente-se mais confortável comigo do que com os dignitários da cidade, que são muito formais com ele. Fiz-lhe alguns favores. Encarrega-me de algumas missões, principalmente para a Flandres. Transportei cartas para o governador de Ghent em várias viagens.
- Ainda fazeis isso? Essas missões?
- Sim. Algumas das viagens que faço são a mando de Eduardo.
Era isso. Ela sorriu perante a sua tola hesitação. Devia ter perguntado mais cedo. Tudo fazia sentido e era perfeitamente inocente. Ainda assim...
- São, perigosas, essas viagens?
- Não têm sido.
Não era o mesmo que responder com uma negativa, todavia decidiu não insistir.
Aninhou-se ao corpo dele, desfrutando do calor do braço dele à sua volta. Pensou nalgumas pessoas que conhecera no banquete da
Câmara Municipal. Recordou-se em especial de Gilbert de Abyndon, um homem de lábios finos e cabelo grisalho, que tentara ignorar a presença de David até mesmo no momento em que estava a apresentá-la.
- Gostei de Margaret, esposa de Gilbert. Penso que ela e eu podemos vir a ser amigas. Pensais que ele o permitiria?
Na verdade, ela pretendia saber se David o permitiria. Margaret não era muito mais velha do que ela própria, e era uma mulher agradável de cabelo loiro. Ambas haviam apreciado o encontro e a conversa, embora os seus maridos tivessem permanecido imóveis como sentinelas.
- Muito provavelmente. Gilbert é muito ambicioso. Irá tolerar o vosso casamento comigo devido à vossa condição nobre e às vossas ligações com a corte. Tal como a
maioria dos mercadores abastados, ele pretende elevar a sua família à pequena nobreza.
- Ainda assim, ele pode opor-se a que ela me visite. É óbvio que existe ódio entre vós.
Aquele comentário deixou-o silencioso durante algum tempo. Christiana voltou-se e viu-o a observar o dossel azul, um pouco à semelhança do que ela fizera na noite anterior. David fitou-a com um brilho no olhar. Teria ficado enfadado com a simples menção do tio? David beijou-lhe o cabelo como que para a tranquilizar.
- Odeio-o por aquilo que ele fez à minha mãe, e ele odeia-me porque eu estou vivo e uso o nome de Abyndon. Ele é o pior da nossa geração, minha menina. Opinioso e intransigente. É uma pessoa pedante e frequenta a igreja todas as manhãs antes de passar o dia a amaldiçoar as pessoas. Se ele tivesse estado nesta casa hoje, não teria visto alegria e bem-estar, mas apenas pecado e fraqueza. Se pretendeis ser amiga de Margaret, deveis saber disto, porque este é o homem a quem ela está ligada. Afortunadamente, pelo bem dela, o seu marido idoso falecerá em breve.
Ela pestanejou perante estas últimas palavras. Desejar a morte de outrem era algo terrível. A forma fria como ele o disse surpreendeu-a ainda mais.
- Precisamos de encontrar uma criada que vos ajude com as roupas - acrescentou. - Geva disse que quereríeis ser vós mesma a escolher a rapariga. Dentro de poucos dias, ide visitar Margaret e pedi-lhe ajuda com isso. Vede se Gilbert o permite.
David acariciou-lhe o cabelo e o ombro, e Christiana comprimiu-se contra o corpo dele à medida que o calor das carícias faziam despertar a sua pele. Ela suspeitava que ele queria fazer amor novamente. Aguardou que ele tomasse a iniciativa e ficou surpreendida quando David começou a falar e a sua voz suave flutuou até ao seu ouvido.
- Os meus tios Gilbert e Stephen já deviam ter uns vinte anos quando a minha mãe ainda era uma menina. Idade suficiente para perceberem o que ali tinham assim que ela perfez os catorze anos. Era bela. Perfeita. Até mesmo quando faleceu, apesar de tudo, continuava a ser bela. Os irmãos dela viram no casamento uma oportunidade. Tinham tudo planeado. Pretendiam, como primeira opção, desposá-la com um nobre. A segunda opção era um mercador pertencente à Liga Hanseática. Em terceiro lugar, um homem da pequena nobreza. Destinaram um dote chorudo e começaram a exibi-la diante desses homens. Levavam-na com eles a todos os banquetes, vestida como uma senhora.
- E funcionou?
- Funcionou. John Constantyn contou-me aquilo que ela não me disse. Começaram a chover ofertas. Gilbert e Stephen começaram a discutir o casamento que seria melhor para eles, evidentemente, não para ela. Tornaram-se muito espertos e atiçaram uns contra os outros.
- Ela recusou a opção deles? Foi por isso que...
- Pior do que isso, tal como o meu corpo ao vosso lado o confirma. Não foram suficientemente cuidadosos com ela. Os pais deles já haviam falecido, e as criadas que a vigiavam eram demasiado indulgentes. Ela apaixonou-se. O homem desapareceu muito antes que ela se apercebesse que estava grávida.
- Seria um dos pretendentes?
- Aparentemente, não. Ainda assim, os irmãos procuraram resolver a tragédia à maneira deles. Quiseram saber o nome dele de modo a forçarem um casamento, mas ela não o revelou. Gilbert tentou que ela o confessasse, batendo-lhe, e mesmo assim ela não o fez. Assim, encontraram outro marido para ela, disposto a aceitá-la sob aquelas circunstâncias, e que quisesse realizar um casamento rápido.
Christiana sentiu-se constrangida. Recordou-se da primeira noite na sala de estar de David e de ele lhe perguntar se ela estava de
esperanças. Devia ter pensado que era a mesma história, e que ele era o outro homem cujo casamento rápido encobriria o erro de uma rapariga.
- Ela não o quis aceitar - prosseguiu. - Estava certa de que o seu amante regressaria. Dirigiu-se ao sacerdote e explicou que não queria casar-se.
Mais corajosa do que eu, pensou Christiana. Meu Deus, o que se teria passado na mente de Davidna noite em que o enfrentara diante da lareira?
- O que fizeram eles ?
- Mandaram-na para longe. Temos alguns familiares em Hastings e eles enviaram-na para lá. Gilbert ordenou-lhe que se livrasse da criança quando esta nascesse. Se ela não obedecesse, deixariam de a sustentar e seria como se ela estivesse morta. Não deveria regressar a Londres sob circunstância alguma.
- Mas ela ficou convosco e regressou.
- Ela tinha a certeza de que o seu amado regressaria, e ele não saberia onde procurá-la se ela não estivesse aqui. Por isso, não tardou a regressar. De alguma forma, conheceu Meg e começou a trabalhar como lavadeira. Meg foi a parteira quando eu nasci. Naqueles primeiros anos, vivíamos num pequeno quarto atrás de um estábulo junto ao rio. Para além de Meg e dos outros trabalhadores, eu era o único companheiro da minha mãe. Gilbert e Stephen nunca a viram e, fiéis à sua ameaça, nunca lhe deram um tostão. Ela podia ter morrido à fome que eles não teriam sabido nem se importavam.
- E vós? Sabíeis quem ela era, tínheis conhecimento deles?
- Só quando fiz sete anos. Comecei a ouvir falar destes homens com o mesmo nome da minha mãe e fui-me apercebendo de algumas coisas. Nessa altura, Stephen começou a fazer carreira como político na cidade. E nessa altura eu já sabia que era um filho bastardo. Os outros rapazes encarregaram-se de mo fazer saber. Alguns anos
mais tarde, ela converteu-se na governanta de David Constantyn e as coisas melhoraram, embora Gilbert e Stephen nunca lhe tivessem perdoado por tê-la auxiliado.
A infelicidade dela era o preço pelo seu pecado contra Deus e contra eles. Principalmente contra eles.
Ele contara esta história de uma forma simples e calma, mas ela pressentia que havia muitos outros pensamentos ligados a esta narrativa, e que alguns deles lhe diziam respeito a ela.
Recordou-se do esboço do rosto da mulher que vira e, olhando Uara a constituição perfeita de David, conseguia ver nele a mãe. Mas outro rosto contribuíra para estes
traços e aqueles olhos profundos, num rosto desconhecido.
- Qual era o nome dela? O nome da vossa mãe.
- Joanna.
- E o vosso pai, conhecei-lo?
- O único pai que alguma vez conheci foi o meu mestre. A primeira vez que o vi, ele repreendeu-me por lhe ter furtado uma maçã. Upareceu-me vindo do jardim de hera
no momento em que me Encontrava sentado sob uma árvore a comê-la, enquanto a minha mãe ajudava com a lavagem da roupa no pátio. Tive de arranjar uma Hesculpa rápida
e credível para escapar a uma sova, garanto-vos. Deu-me uma grande palmada e arrastou-me até junto da minha mãe.
Algumas semanas mais tarde, apareceu enquanto estávamos
aqui e levou-me a assistir ao enforcamento de um ladrão. No caminho de regresso contou-me que havia duas formas de os homens inteligentes enriquecerem. Uma era através
do roubo e a outra através do comércio, mas os ladrões viviam vidas mais curtas. Por volta dos meus oito anos, dei por terminada a minha carreira de ladrão, e aproveitei bem a lição.
Ela recordou as crianças pobres que por vezes avistava nas ruas da cidade a aproximar-se das carruagens e das janelas, escapulindo-se com comida e bens. Imaginou
um David pequenino entre elas. Nunca era apanhado, evidentemente.
- Ele quis casar-se com ela, penso eu - acrescentou pensativamente. - Recordo-me de os apanhar quando devia ter uns doze anos. Estavam sentados no salão. Apercebi-me de que estavam a disputir algo importante. Pressenti-o.
- Pensais que ela o recusou?
- Sim. Na altura presumi que ele o fizera porque me queria a mim. Naquela altura mantínhamos uma relação próxima, quase de pai e filho. Até partilhávamos o nome.
Ela escolhera o meu da Bíblia, mas é um nome invulgar em Inglaterra, e eu sabia desde o início que
o facto de eu ter o mesmo nome que ele o fascinava. Até mesmo
o Emprego dela aqui, sempre pensei que ele tinha aceite a minha mãe para ter o filho. Mas agora penso que foi precisamente o contrário.
- Ela recusou-o por causa do outro homem, o vosso verdadeiro pai?
- Sim. O coração dela continuou a esperar já depois de a mente ter desistido. Desprezei-a por isso quando era adolescente, mas quando ela faleceu, compreendi um pouco.
Ela recordou-se da compreensão paciente de David durante os esponsais, mas igualmente dos seus comentários cruéis e implacáveis sobre Stephen.
Ainda aguardais por ele, depois de todo este tempo e quando a, verdade é tão óbvia. Ainda bem que Eduardo me deu a vossa mão em casamento, caso contrário teríeis passado toda a vossa vida à espera e a viver num sonho desvanecido.
Ao recusar-se a repudiá-la, David correra um risco horrendo e doloroso.
Ela procurou o conforto cálido do corpo dele, sentindo a pele de David contra a sua. O facto de ele lhe ter falado de Joanna e da sua infância enternecera-a. Aos poucos, em momentos como este, talvez ele deixasse de ser um estranho para ela. Também sabia que não estava na sua natureza fazer este tipo de confidências e que apenas a intimidade do matrimónio o havia permitido.
Sem pensar, fez deslizar o rosto conta o peito dele e voltou-se para o beijar. Saboreou a pele e beijou-o de novo. O seu desejo de dar e receber conforto e de se comprazer nesta recente intimidade de ambos transformou-se em algo diferente à medida que o beijava, e impulsivamente voltou a cabeça e mordeu-lhe suavemente o mamilo. Ele tocou-lhe na cabeça e segurou-a, encorajando-a. Uma sensualidade lânguida percorreu-lhe o corpo e também sentiu uma mudança nele. Só nessa altura se recordou de que esta havia sido uma daquelas confidências que a criada lhe fizera de manhã durante o banho.
Ele permitiu que os lábios e a língua dela o acariciassem durante algum tempo e depois voltou-a suavemente de costas.
- Parece-me que vos prometi prazer prolongado - disse ele.
- Vejamos até que ponto poderemos prolongá-lo.
Muito mais tarde, pois David era capaz de prolongar o prazer durante muito tempo se assim o quisesse, jaziam juntos na cama obscura, as cortinas fechadas contra os sons esbatidos e as luzes do
banquete de casamento. Christiana começou a adormecer nos seus braços.
Ela sentiu-o mover-se e percebeu que ele observava o seu perfil quase indistinto.
- Falastes com ele? - perguntou suavemente.
Ela já se esquecera do assunto. Esquecera tudo acerca de Stephen Percy e da sxia ira e mágoa contra David. Este dia e esta noite haviam obscurecido as suas suspeitas acerca das motivações de David, e desejou sinceramente que ele não lhas tivesse recordado.
Ele vive com realidades, pensou ela. Sois vós quem compõe sonhos e canções. Mas ele havia escrito aquela canção acerca dela, não é verdade? Todavia, não era uma canção de amor. Ele considerava-a bela e escrevera acerca disso. Talvez ele também escrevesse melodias do género acerca do pôr-do-sol e das florestas.
- Sim. Falei com ele.
- O que pretendia?
- Nada de honroso.
Ele ficou silencioso durante um momento.
- Não quero que o volteis a ver - disse finalmente.
- Ele está na corte com frequência. Quereis dizer que nunca mais vou poder regressar a Westminster?
- Não estou a dizer isso. Sabeis o que quero dizer.
- Terminou, David. Tal como vós e Alicia. É o mesmo.
- Não é o mesmo. Eu nunca amei Alicia.
Ela voltou-se para ele. Ele abrira esta porta e ela sentiu o impulso de entrar.
- Nunca tencionastes deixar-me ir com ele, pois não?
- Não menti quando o disse, mas estava certo de que isso não aconteceria.
- E se tivesse acontecido?
Os dedos dele tocaram o seu rosto na obscuridade.
- Não vos teria deixado ir. Soube-o desde cedo.
Porquê? Pelo vosso orgulho? Pelo vosso investimento? Para me salvar do destino da vossa mãe? Não podia colocar-lhe a questão porque não queria saber a verdade. Devia ser permitido a uma rapariga algumas ilusões e ambiguidades, se tinha de viver com um homem. Também não queria realidade a mais.
- Como é que sabíeis que eu viria naquele dia?
- Não o esperava. Tencionava ir lá buscar-vos.
- E se eu não viesse nem concordasse com a vossa sedução?
- Não vos teria dado muitas hipóteses de escolha. Ela pensou naquilo.
- Fostes muito inteligente, David, reconheço isso. Muito cuidadoso. Muitas testemunhas. Todo o vosso lar. Idonia. Até que ponto fostes meticuloso? Guardastes os lençóis? Deixaste-os na cama para que Geva os visse no dia seguinte? - O seu tom de voz encerrava mais petulância do que aquela que sentia.
Ele beijou-lhe a têmpora e puxou-a para si.
- A primeira vez que vos encontrei, e de todas as outras vezes, dissestes-me que o amáveis, Christiana. Até àquela quarta-feira. Apesar do que acontecia entre nós quando eu vos beijava, apesar de ele vos tratar mal. Sim, querida, fui meticuloso. E calculista e inteligente. Converti deliberadamente este casamento num facto e liguei-vos a mim. Não podia correr o risco de ele vos contar as mentiras que o vosso coração queria ouvir de modo a abusar de vós de novo. Ter-me-íeis aceitado de outro modo? Deveria eu ter recuado perante este cavaleiro como mercador que sou? Ter-vos-ia agradado se tivesse honrado a minha promessa de vos deixar ir?
Ela estremeceu um pouco perante a franqueza brutal das suas palavras. As coisas soavam de uma forma diferente quando ele as punha desta maneira, quando ela as via através dos olhos dele. Fora tão fácil esquecer a pessoa que ela era antes da última quarta-feira.
- Não - sussurrou, e era verdade. Não teria ficado satisfeita se ele se mostrasse indiferente e simplesmente tivesse permitido que Stephen a levasse. Outra reacção que ela temia examinar ao pormenor.
O silêncio impôs-se de novo, e após algum tempo, ela relaxou no seu abraço. O sono já quase a reclamara quando escutou uma gargalhada suave no seu ouvido.
- Sim, minha menina. Fui meticuloso e não corri riscos. Guardei os lençóis.


CONTINUA

CAPITULO 10
Christiana assumiu que nesse dia o almoço fosse mais sumptuoso do que era habitual para a refeição do meio do dia. A visita de John Constantyn era provavelmente o motivo para o excesso de pratas, bem como os acepipes, mas suspeitava também que a sua própria visita inspirara Vittorio a confeccionar algumas iguarias de última hora.
- Aposto que ele é um dos melhores cozinheiros de Londres
- confidenciou John. - Faço sempre os possíveis para conseguir um convite para comer aqui. - Deu umas palmadinhas na sua volumosa barriga. - É melhor não o deixares cozinhar no teu casamento, David. O rei pode roubar-to.
Vittorio assegurou-se de que tudo estava perfeito na mesa, e depois sentou-se junto aos aprendizes e Sieg. Em breve toda a mesa falava em italiano.
- É mais fácil aprenderem à mesa. - Explicou David. - Vai ser preciso, por causa do comércio.
Christiana observava os rapazes. Andrew era mais velho do que ela e Roger dois anos mais jovem. Todavia, para eles não era estranho que uma rapariga da sua idade desposasse o seu mestre. Na verdade, as noivas-criança eram mais comuns e ela era um pouco velha para esse papel.
John serviu-se de salmão.
- Ouvi dizer que recebestes hoje um carregamento, David.
- Tapetes de Castela.
- Tendes recebido muita carga de Inverno.
- Elas chegam quando chegam.
- Pois, pois. Estais à espera que o comércio seja interrompido na Primavera ou no Verão, não é verdade? - baixou o tom de voz.
- Ele vai fazê-lo, não vai? Outra maldita campanha. Outro exército para França e todos os navios à vista requisitados nesse sentido. Ainda bem que só negoceio com lã. Ele jamais interferirá com isso.
- Se Eduardo continuar a pedir dinheiro emprestado, em breve não haverá prata no reino nem mesmo para comprar a vossa lã, John, quanto mais para tapetes espanhóis.
- Vendeis sempre os vossos objectos de luxo, David. Sabeis sempre o que eles pretendem. - Inclinou-se na direcção de Christiana. - Ele possui instintos de ouro, minha senhora. Há uns anos atrás, ele não tocaria no monopólio do rei para exportar lã em bruto e convenceu-me também a mim a desistir. Salvou-me a pele. Quase todas as pessoas envolvidas perderam tudo.
A refeição foi longa, cordial e descontraída. David e John conversaram sobre política e negócios e discutiram as políticas de Eduardo mais abertamente do que os cortesãos. Ocasionalmente, algumas opiniões até pareciam ligeiramente desleais.
Provavelmente, os barões e cavaleiros também falavam assim entre eles, apercebeu-se ela, mas não no salão do rei.
Christiana examinou as pessoas sentadas nas outras três mesas. Para além de Sieg, Vittorio, Geva e os aprendizes, havia mais quatro criados permanentes. O lar de David parecia grande, bem gerido e eficiente. Ele realmente não necessitava de uma esposa para gerir as coisas. Ela suspeitava que a sua presença seria supérflua e até mesmo prejudicial.
Ao longo de toda a refeição, David fê-la saber que não se esquecera da sua presença. Os seus gestos e olhares sugeriam que apesar da atenção que dedicava ao seu convidado, grande parte dos seus pensamentos se dedicavam a ela. Quando ambos terminaram de comer, a mão dele repousou permanentemente sobre a dela em cima da mesa, os longos dedos acariciando distraidamente as costas da sua mão enquanto conversava. De formas subtis, ele mantinha a intimidade que haviam partilhado no jardim de hera.
Ela foi-se tornando cada vez mais consciente do seu toque e dos seus olhares à medida que a refeição se aproximava do fim. Quando
o salão começou a esvaziar-se e os aprendizes regressaram à loja e os criados aos seus deveres, Christiana notou que a percepção dele em relação a ela se agudizava apesar de nada ter mudado no seu comportamento ou nas suas acções.
John Constantyn não permaneceu durante muito tempo depois de as outras mesas ficarem desertas e Christiana e David acompanharam-no até ao pátio.
- Ver-vos-ei no vosso casamento, senhora - disse John. - É verdade que o rei vai assistir, David?
- Foi o que me disseram. Christiana encontra-se sob a sua tutela.
- Consta que o presidente da câmara vos convenceu a mudar o banquete para a Câmara Municipal.
Christiana tentou não embaraçar David deixando perceber que não sabia nada dos planos para o seu próprio matrimónio. Nunca haiam falado acerca disso. Nunca perguntara, porque nunca tencionara lá estar.
Não podia censurá-lo se ele agora antipatizasse com ela. Talvez fosse, de facto, o caso. Ele jamais lhe daria a perceber. Estava tão encurralado como ela, mas ia tentar tirar o melhor proveito desta situação. Seria apenas isso? Duas pessoas a acomodarem-se ao inevitável?
- Sim. E o presidente da Câmara tornou bem claro que se a família real assistir, todos os vereadores devem ser convidados disse David. - Teremos o banquete oficial e fastidioso do presidente da Câmara, e depois outro aqui para esta zona e para o pessoal da casa. Guardai o vosso apetite, John. Vittorio vai cozinhar no segundo.
John soltou uma gargalhada.
- E o vosso tio Gilbert, David. Também virá?
- Convidei-o. Na verdade, apropriei-me de um pajem real para lhe enviar uma mensagem. A esposa de Gilbert é uma boa mulher e não pretendo insultá-la. Ela fará com que ele venha. - Os seus olhos faiscaram maliciosamente. - A decisão irá deixá-lo louco. Se recusar, perderá a oportunidade de estar junto do rei. Se aceitar, honrar-me-á com a sua presença.
- Sim - concordou John com um sorriso de orelha a orelha.
- O dilema dele podia ser causa suficiente para contrairdes casamento, se o melhor motivo não se encontrasse agora aí ao vosso lado.
Ela decidiu não pensar na forma como David tivera acesso a um pajem real.
Nessa altura, John partiu. O pátio pareceu de súbito muito tranquilo.
O braço de David enlaçou a cintura dela.
- Vinde. vou mostrar-vos a casa.
Visitaram primeiro os estábulos. O seu cavalo negro, sem sela e escovado, permanecia no estábulo ao lado das duas montadas de David. O moço da estrebaria não se encontrava em parte alguma. Ela aproximou-se e acariciou o focinho negro do animal. Supunha que agora já podia dar-lhe um nome, uma vez que ia ficar com ele.
No edifício voltado para a rua viu os quartos usados por Michael, Roger e alguns dos criados. Andrew dormia na loja, ela sabia. Impressionava-a que cada pessoa tivesse o seu quartinho. Os criados deste mercador possuíam mais privacidade do que os nobres à guarda do rei.
Reinava o silêncio no salão. Até mesmo a cozinha ecoava por estar deserta. Vittorio estava de saída com uma cesta no braço. Ia às compras para a refeição da noite. Sorriu com indulgência e afastou-se furtivamente.
Quando David abriu a porta do último edifício, Christiana pensou que provavelmente encontraria ali mais azáfama doméstica. Apercebeu-se, com surpresa, que todas as pessoas haviam abandonado a casa.
Seguiu David até aos armazéns repletos de caixas de madeira no primeiro andar, para lá do antigo quarto da mãe. Christiana sentiu o aroma a canela e a cravo-da-índia. Tapetes, especiarias e sedas. Artigos de luxo. A observação de John havia sido correcta. David conseguiria sempre vender estes artigos. Definiam estatuto e honra, e muitas pessoas limitar-se-iam a comer apenas caldo para os poderem adquirir.
O braço dele rodeava-lhe os ombros enquanto a conduzia de regresso à cozinha. Aquele gesto simples pareceu-lhe subitamente menos descontraído do que antes. Teria ele dispensado todo o seu pessoal ou a sua discrição natural tê-los-ia levado a sair, para que o mestre deles pudesse estar a sós com a sua senhora?
Estavam sozinhos, isso era certo. O silêncio ressoante imbuíra este passeio simples de uma intimidade assustadora. Quando
regressaram às escadas que conduziam ao andar superior e aos aposentos de David, já Christiana ia com os sentidos em alerta.
David começou a conduzi-la pelas escadas acima. Ela mostrou-se relutante no segundo degrau.
O sorriso divertido dele fê-la sentir-se infantil.
- Vá lá, menina - disse, pegando-lhe na mão. - Deveis conhecer a vossa casa.
A mente de Christiana admoestou os seus instintos. Afinal, já estivera
no salão. Em breve estariam casados e, apesar dos avisos de Morvan, ele não interpretara
mal a razão da sua vinda. Permitiu que ele a persuadisse a subir.
À luz do dia, pôde ver a beleza do salão. As janelas envidraçadas de um dos lados tinham vista para o jardim e, no Verão, o aroma das flores sentir-se-ia, com certeza,
naquele compartimento quadrado. David acendeu o lume e ela caminhou pela sala, admirando o mobiliário. Cada cadeirão entalhado, cada peça de tapeçaria, cada artigo,
até mesmo os castiçais em prata, possuía uma beleza própria e característica. Correu os dedos pelo entalhe de hera no cadeirão onde se sentara na primeira noite. O que teria este homem pensado da criança que o enfrentara, com os pés a baloiçar à medida que lhe anunciava o seu amor por outro homem?
Stephen. A recordação dele ainda conseguia provocar nela uma mágoa profunda.
Ergueu os olhos e deu com os de David fixados em si.
- Estes objectos maravilhosos vieram com a casa? - questionou.
- Não.
Também lhe quis parecer que não. Tal como o corte austero das roupas de David, os objectos eram, à sua maneira, perfeitos.
- Deveis passar muito tempo em busca destas coisas.
- Raramente. Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Ela observou uma das tapeçarias penduradas junto às janelas. Soberba. Recordou-se da dependência de Elizabeth no gosto dele. Ele tinha olho para a beleza. Esse atributo concedia-lhe uma vantagem tremenda neste negócio.
Penso que sois a rapariga mais bela que já conheci.
Os olhos dela seguiram lentamente o sinuoso rendilhado em chumbo que unia os vidros nas janelas. Sentia o olhar dele cravado nela.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
Um livro pequeno repousava sobre uma mesinha perto da lareira. Sabia que se o abrisse encontraria iluminuras da maior beleza. Como tudo o resto neste compartimento, seria um objecto de grande requinte.
Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Duas portas flanqueavam a lareira. Deambulou até à porta da direita e abriu-a. Deu por si na soleira do quarto de dormir dele. Ignorando um vislumbre de inquietação na forma como ele a observava, entrou.
A lareira no quarto dele situava-se na parte de trás da da sala de estar e a janela também dava para o jardim. O quarto estava mobilado de uma forma simples, com uma cadeira perto do lume e uma ampla cama sobre um estrado baixo no centro do quarto. Cortinas azuis escuras rodeavam a cama, formando um dossel, e a parte lateral abria-se para revelar uma sumptuosa colcha a condizer.
Ela caminhou ao longo da parede com vista para o jardim e transpôs uma outra porta na extremidade do quarto. Entrou no quarto de vestir onde se encontravam os baús e cabides para as roupas dele. Havia também uma pequena lareira e uma tina de madeira tal como a de Isabele. Uma porta na sua extremidade conduzia a um guarda-roupa e a uma privada. Um cano num nicho de parede, semelhante a outros que se podiam ver pela casa, fornecia água canalizada.
Ela abriu uma porta entalhada na parede e deu por si no cimo das escadas que conduziam ao pequeno jardim de hera. Para além da sala de estar, esta era a única entrada para o compartimento.
De regresso ao quarto de dormir, olhou em seu redor, tentando acostumar-se a este espaço. David mantinha-se na soleira da porta, o seu ombro apoiado descontraidamente na ombreira da porta. Ela lançou-lhe um sorriso débil, sentindo-se uma intrusa.
- Onde é o meu quarto?
- Estais a referir-vos aos aposentos da senhora? Não existem. Nós os mercadores não vivemos dessa forma. O vosso lugar é aqui,
comigo - respondeu, encaminhando-se para a lareira. Não havia necessidade de atiçar este lume, pois faiscava e crepitava com novos cepos. Fitou as chamas incandescentes e leu o seu significado tremeluzente.
Quem viera preparar este quarto? Geva? David não teria exposto as suas intenções a uma mulher. Devia ter sido Sieg. O enorme sueco fora o primeiro a abandonar o salão. Ela duvidava que David lhe tivesse dito alguma coisa. Ele limitara-se a fazê-lo. Christiana procurou não olhar para a cama ampla que dominava o quarto. Era evidente que Sieg não tinha conhecimento das garantias que David lhe dera no jardim.
Mas não podia ficar ali especada. Procurou algo para onde pudesse olhar.
O salão estendia-se por toda a largura do edifício, tanto sobre o jardim como sobre o pátio. Este quarto não era assim tão amplo, e a parede exterior era sólida.
Vislumbrou uma porta na outra extremidade e dirigiu-se a ela a passos largos.
Assim que viu o compartimento lateral estacou. Era um gabinete de trabalho. Lançou um olhar aos objectos que o preenchiam e apercebeu-se de que agora estava mesmo a intrometer-se. Começou a recuar e foi de encontro ao peito de David. A mão dele pousou sobre a sua e ele abriu a porta com um empurrão.
- Esta casa é vossa - disse-lhe. - Aqui não há portas fechadas para vós.
A sua casa. Desde Harclow que não tinha uma casa. Não uma casa de verdade. Como a família real se movia de um castelo ou palácio para outro, nunca se sentira em casa, nem sequer em Westminster. Durante os onze anos que ali permanecera não fora mais do que uma espécie de hóspede permanente.
Este pequeno compartimento podia não estar fechado para ela nesse dia, mas obviamente que estava para todas as outras pessoas. Nenhuma governanta cuidava deste quarto, e uma fina camada de pó cobria alguns dos objectos nas prateleiras junto à janela alta. O seu olhar recaiu sobre uma pilha de livros e alguns rolos de papel. Uma pequena pintura ao estilo bizantino e uma bela escultura em marfim adornavam um dos cantos, junto de uma antiga harpa de mão, cuja estrutura era embelezada por um intricado entrelaçamento de fios prateados.
A única peça de mobília era uma ampla mesa coberta com pergaminhos e documentos. Havia uma cadeira atrás dela, e sob a mesa Christiana avistou um pequeno baú trancado no chão.
Pelo canto do olho reparou que a parede atrás da porta também continha prateleiras. Voltou-se e assustou-se ao avistar o rosto de um homem que a fitava.
David soltou uma gargalhada e dirigiu-se à prateleira.
- É extraordinário, não é verdade?
Ela aproximou-se, atónita. O rosto do homem estava esculpido no mármore e o seu realismo espantou-a. O escultor que a fizera possuía, certamente, um toque divino. Sombras subtis modelavam a pele com uma tal precisão que parecia que quase se podia tocar naquele rosto e sentir a pele e os ossos por baixo.
- Encontrei-a em Roma - explicou. - Jazia numas ruínas antigas. Levantei uma pequena secção de uma coluna e ela estava lá por baixo. Encontram-se lá imensas estátuas destas. Corpos inteiros, tão reais como este rosto e esquifes em pedra cobertos com figuras que são agora usados para conter água nas fontes. Vi recentemente algumas estátuas na Catedral de Reims que se aproximavam destas, mas nada semelhante a norte dos Alpes.
Reims. Perto de Paris. O que teria ele ido ali fazer recentemente? Que pergunta estúpida. Afinal, ele era um mercador.
- Trouxeste-la até casa?
- Não. Subornei Sieg para que a trouxesse - respondeu com uma gargalhada.
- Pareceis apreciar bastante a pintura e a escultura. Por que razão não vos tornastes num escultor ou pintor?
- Porque David Constantyn era mercador e foi quem ele quem me tornou seu aprendiz. Quando eu era rapaz, por vezes demorava-me diante da loja de um pintor. Observava-os a trabalhar, a misturar as cores e a pintar as imagens dos livros. O mestre não se importava e até me mostrou como queimar madeira para construir as ferramentas de desenho. Mas o destino tinha outros planos para mim, e eu não o lamento.
Ela aproximou-se da mesa. No canto, encontravam-se alguns pergaminhos dobrados e lacrados com um selo exibindo três serpentes entrelaçadas. Sobre eles encontravam-se alguns papéis espalhados, com marcas estranhas. Um deles exibia linhas irregulares ligadas
por curvas com números. Pequenos quadrados e círculos alinhavam-se ao longo de margens serpenteantes. Ela afastou cuidadosamente o olhar. Era um mapa. Por que razão David elaborava mapas?
Hoje não, recordou-se.
Voltou-se e examinou os livros na prateleira alta.
- Posso ver um?
- Qual deles quereis?
- O maior.
David retirou o maior da prateleira e pousou-o sobre a mesa, cobrindo os desenhos crípticos. Christiana sentou-se na cadeira e abriu-o cuidadosamente. Observou, surpreendida, as linhas e os pontos que tinha diante de si.
- É sarraceno, David.
- Sim. As imagens são maravilhosas. Continuai a ver. Ela virou as imensas folhas de pergaminho.
- Conseguis ler isto?
- Alguma coisa. Contudo, nunca aprendi a escrever muito bem essa língua.
- É proibida? - perguntou num tom céptico. Ela sabia que a Igreja reprovava certos livros.
- Provavelmente.
Surgiu uma imagem, e era realmente maravilhosa e estranha. Homens pequenos com turbantes e roupas estranhas moviam-se num mundo desenhado para parecer um tapete.
- Ensinar-me-eis a ler isto?
- Se assim o desejardes.
David pegou na harpa e apoiou-se na mesa ao lado dela, olhando para o livro enquanto dedilhava distraidamente as cordas. O instrumento emitiu um som adorável e lírico. Ela continuou a virar as páginas, lançando ocasionalmente um olhar ao homem que se mantinha agora junto dela, e aos dedos irresistíveis que criavam uma melodia comovente.
Perto do final do livro encontrou algumas folhas soltas cobertas com desenhos a giz. Umas quantas linhas descreviam tendas num deserto e uma cidade junto ao mar. Sabia, sem ter de perguntar, que tinha sido David a desenhá-los.
Por baixo delas, em folhas mais pequenas, surgiam os rostos de duas mulheres.
Uma delas captou a sua atenção. O rosto, belo e melancólico, pareceu-lhe vagamente familiar. Ela apercebeu-se de que estava a estudar a imagem da mãe dele. Era estranho encarar assim uma pessoa falecida, mas examinou o rosto pormenorizadamente.
- Ireis falar-me dela?
- Um dia.
Ela voltou a sua atenção para o outro rosto.
- Quem é? - perguntou, fitando a beleza exótica de uns olhos negros, capturada para sempre com traços finos e cuidadosos. Sabia que estava a ser intrometida, mas não podia ignorar a forma sofisticada como o rosto desta mulher a fitava.
- Uma mulher que conheci em Alexandria.
À semelhança do retrato da sua mãe, havia muito dos sentimentos do artista na forma delicada como esta mulher estava desenhada.
- Estáveis apaixonado por ela? - perguntou, um tanto chocada com a sua própria ousadia, mas não em demasia. A partir do momento em que entrara no quarto dele, David já não lhe era assim tão estranho.
- Não. Na verdade, por causa dela quase fui morto. Mas fiquei encantado com a sua beleza, assim como estou encantado com a vossa.
Algo no tom de voz baixo dele a obrigou a manter-se muito quieta. Christiana ergueu o olhar epercebeu que o olhar dele estava fixo nela e não nos desenhos. Olhava e aguardava. Era perito nisso. Algo nos seus olhos e expressão da sua boca lhe diziam que ele não estava disposto a esperar mais.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
David parara de tocar a harpa. O coração de Christiana batia um pouco mais acelerado no silêncio que de novo se impusera. Silêncio total. Não havia um único som em toda a casa.
Ela regressou ao livro e, muito cuidadosamente, voltou a página, ocultando os esboços. Surgiu um outro desenho, mas ela mal o viu.
- Sabeis que só vi o vosso cabelo solto uma única vez, durante os esponsais? - disse David. Ela apercebeu-se que a mão dele se aproximava mesmo antes de sentir os dedos sobre a sua cabeça. Até mesmo no banho estava preso.
A pressão leve da carícia dele provocou-lhe um tremor por todo o corpo. O banho. O quarto de vestir. As suas mãos e o seu toque.
- Soltai o cabelo para mim, Christiana.
O tom era ao mesmo tempo um pedido e uma ordem. Ela recostou-se na cadeira, afastando-se dele.
Em breve desposaria este homem. Não teria medo dele. Mas a aceleração do sangue nas suas veias e o seu espírito puro gritavam-lhe que devia afastar-se dele agora.
Lançou-lhe um olhar, numa súplica muda para que ele se recordasse da conversa que tinham tido no jardim, para que compreendesse e aguardasse mais um pouco.
- Morvan já deve estar na loja, David. Devo ir ao encontro dele.
- Deixei mensagem de que viríamos para aqui.
- Então o mais provável é estar lá fora à espera. Não entrará. Não devo deixá-lo lá fora.
- Esta janela dá para o pátio. Vede se ele vos aguarda - sugeriu, apontando para a janela.
Ela levantou-se, passou por ele e pôs-se em bicos de pés para espreitar para o pátio deserto.
- Ele não virá. - A voz serena de David pairou sobre as suas costas e ombros. - Ele aceita que vós agora me pertenceis, da mesma forma que vós o aceitais.
Christiana assentou os pés no chão e ergueu o olhar para o céu límpido da tarde. Por um lado, queria desesperadamente voar por aquela janela. Mas o toque dele, as suas palavras e o silêncio expectante daquela casa haviam despertado todos aqueles outros sentimentos, e aquela voluptuosa expectativa dominou-a.
- Por vezes assustais-me - disse ela. - Eu sei que não devia senti-lo e que dissestes que não era temor, mas em parte é, realmente.
David permaneceu em silêncio durante um momento. A casa parecia estremecer com o vazio.
- Sim - respondeu finalmente. - Para uma virgem, em parte é.
Christiana apercebeu-se de que ele se levantara. Sentiu a sua presença atrás dela. Ansiava e ao mesmo tempo receava o toque dele. O espírito dela retesou-se com a tensão, tal como uma corda esticada ao máximo.
As mãos dele seguraram-na pela cintura e Christiana suspirou com o toque de cada um dos seus dedos. David beijou-lhe os pequenos arranhões e depois o pescoço. Ela fechou os olhos, saboreando a deliciosa proximidade do corpo dele.
- Soltai o cabelo, Christiana.
Ela ergueu os braços e procurou desajeitadamente os ganchos que lhe prendiam o cabelo. Desfez as voltas e tranças intrincadas, terrivelmente consciente do quão fraca e vulnerável se sentia, maravilhosamente consciente daqueles dedos que a acariciavam.
As madeixas espessas caíram-lhe ao longo do pescoço e costas, até às mãos dele. Christiana sacudiu a cabeça para soltar a última parte, pousando os ganchos no peitoril da janela.
David aproximou o seu rosto do cabelo solto de Christiana e o hálito dele provocou-lhe um formigueiro no couro cabeludo e no pescoço.
com as mãos, David voltou-a para si e segurou-lhe no rosto com ternura, como se fosse algo precioso e frágil. Beijou-a com suavidade, beijos magníficos e poderosos, e ela estremeceu à medida que a boca dele intensificava a sua tensão e excitação.
Ele prolongou o beijo, envolvendo-a num abraço que a impeliu para o seu calor. Manteve os braços abertos durante um momento de preocupação antes de o aceitar.
A partir desse momento, sentiu uma mudança nele. O beijo aprofundou-se, comandando o desejo dela. A mão dele envolveu-lhe um seio. Ela arquejou e fechou os olhos, aguardando as deliciosas sensações.
Era uma sensação avassaladora. Os seus membros ficaram lânguidos à medida que o calor lhe invadia o corpo. O cabelo macio de David roçava-lhe o rosto à medida que ia descendo para a pele exposta pelo vestido decotado, beijando o contorno dos seios que os seus dedos acariciavam, provocando picos de desejo.
O receio dizia-lhe para o impedir, mas o desejo não permitia. As vagas de prazer convergiram para um rio de águas velozes, e parecia-lhe fútil e impossível lutar contra a sua corrente.
Os dedos dele brincavam com ela, e o prazer dela era quase frenético. Estou a afogar-me, pensou ela quando a boca de David reclamou de novo a sua.
Ele ergueu a cabeça e olhou para ela, observando as reacções da sua noiva ao seu toque. Ela fitou os lábios entreabertos e o olhar profundo e soube que nesse dia não haveria forma de escapar.
Ele começou a guiá-la até à porta do quarto.
Ela recordou-se do local para onde estavam a dirigir-se e daquilo que ele pretendia.
- Eu não... - sussurrou, enquanto dava outro passo.
- Foi para isso que viestes, não é verdade? Para vos certificardes de que este matrimónio não tem de ser assim tão terrível?
Ela resistiu na soleira da porta. A mão dele regressou ao seio dela, os lábios ao seu pescoço.
- Dissestes... dissestes que hoje não iríeis...
- Eu disse que provavelmente não o faria - murmurou ele.
- E menti.
Ele segurou de novo o rosto dela entre as suas mãos.
- A sombra dele paira entre nós e eu quero banir esse fantasma. Hoje acertamos as contas e voltamos a página. Também será mais fácil para vós desta forma.
Ela leu a determinação nos olhos dele.
- Não tenhais receio. Aguardarei até que estejais pronta e me quiserdes. Vai correr tudo bem. vou fazer por isso.
Estou indefesa contra, estes sentimentos, pensou ela. É inútil combatê-los. De qualquer forma, isto é inevitável. Pertenço-lhe para sempre.
Ela voltou a cabeça e beijou-lhe a mão.
Ele ergueu-a nos braços e dirigiu-se ao quarto.

CAPÍTULO 11
Os braços esguios de Christiana rodeavam o pescoço de David e retesaram-se à medida que ele se aproximava da cama.
Vai correr tudo bem. vou fazer por isso. Palavras arrojadas de um homem que já não desflorava uma virgem desde os dezasseis anos. Ainda assim, cumpri-lo-ia. Por muitas mentiras que ele lhe tivesse dito nesse dia, essa não seria uma delas.
Ele deveria ter percebido. Ela é apenas uma rapariga, dissera Andrew. Um minuto são corajosas e no minuto seguinte são tímidas. Recordais-vos?
Ele sentou-se na beira da cama, com Christiana no seu colo. Beijou-a até o braço em redor do seu pescoço afrouxar um pouco.
Inocente e ignorante. Durante o almoço fizera tudo ao seu alcance para não a fitar de espanto. Enquanto comia e conversava, a sua mente voltava a analisar o significado da sua revelação. Talvez tornasse o dia de hoje desnecessário e ele devesse aguardar. Talvez o tornasse essencial. No fim, o seu próprio desejo decidira o caminho a seguir. Não iria deixá-la partir sem a reclamar para si. Ele queria-a e havia apenas uma maneira de a possuir de verdade.
Ela tocou-lhe rosto, hesitante, e o desejo invadiu-o. Beijou-a avidamente e combateu a tempestade cataclísmica que ameaçava desencadear-se sobre ele. Tem de ser lentamente e com simplicidade, recordou a si mesmo mais uma vez.
Acariciou-lhe os seios e, desta vez, quando os braços dela se retesaram, não foi de temor. O corpo dela descontraiu-se de encontro
ao seu. Christiana tentou imitar o beijo intenso dele e experimentou cautelosa e delicadamente. Aquele esforço inexperiente quase o aniquilou.
A satisfação que encontrou na paixão inocente dela surpreendeu-o. Nunca a procurara noutra mulher. Também não deveria ter importância com Christiana, mas tinha. Sentiu o corpo dela a reagir ao seu e escutou a sua respiração acelerada. David deliciava-se com o abraço desajeitado de Christiana e com os seus arquejos amedrontados sempre que as mãos dele desencadeavam uma nova vaga de prazer. Divertia-se com o conhecimento de que, apesar daquilo que acontecera com Percy, nenhum homem para além de si a excitara.
Beijou-a novamente, saboreando o seu gosto suave e o arco complacente das suas costas. A mão dele procurou as fitas do vestido e começou a despi-la.
A virgem retesou-se durante um instante quando sentiu as roupas mais soltas, mas depois observou de olhos brilhantes as mãos dele a libertar o vestido dos braços, baixando-o até à cintura. Os lábios dela tremiam, entreabertos, e os olhos fecharam-se quando ele lhe tocou no seio através da fina cambraia da combinação.
A pequena mão abandonou os ombros dele e acariciou-lhe o peito, e o trovão tentou irromper novamente. Os dedos dela deslizaram sob a aba que ocultava o fecho do seu gibão. Ele observou a expressão circunspecta de Christiana à medida que fazia deslizar a mão desajeitadamente pelo seu peito. Sim, tendo optado por se entregar, a irmã de Morvan Fitzwaryn não iria desempenhar o papel da vítima relutante.
David fez deslizar as alças da combinação e pôs a descoberto os seus belos seios. Seguiu com o olhar o percurso dos seus dedos à medida que delineava os contornos arredondados. A respiração dela tornou-se ofegante, e Christiana ocultou o rosto timidamente no ombro dele.
Era muito bela, pálida e sem uma única imperfeição. A pele de Christiana não era translúcida e branca, como a de tantas mulheres inglesas, mas tinha antes a tonalidade opaca do marfim novo. Era da cor das praias de areia branca que existiam ao longo do Mar Interior. David acariciou-a, tocando ao de leve nos seus mamilos endurecidos, e todo o corpo dela reagiu. com um gemido débil, o corpo de Christiana arqueou-se sob o seu toque. Aqueles botões de um tom
castanho-claro chamavam por ele, convidativos. Baixou a cabeça e beijou suavemente um deles e depois introduziu-o na boca.
Christiana quase saltou dos seus braços.
David segurou-a firmemente e observou o choque atemorizado nos olhos dela. Beijou-a na face para a tranquilizar.
Os seus beijos foram descendo novamente até aquele seio delicado estar de novo na sua boca. Céus, o homem nem lhe devia ter tocado. Nem sequer devia ter pensado nela. Se Idonia não os tivesse encontrado, ele tê-la-ia possuído à força.
Essa imagem formou-se na sua mente, e o seu espírito reagiu com uma onda de fúria protectora, seguida por uma vaga de ternura. Brincou com ela, usando a língua e os dentes, até sentir que ela se pressionava contra a sua coxa, procurando o doce alívio. David inclinou-se para trás e puxou para baixo as colchas. Lentamente e sem artifícios, ele mostrar-lhe-ia a glória do prazer. Desta vez, só ela importava.
David ergueu-se com ela nos braços, voltou-se e poisou-a sobre a cama. Olhos negros, vivos de paixão, fitavam-no cautelosamente. Ele observou-a, nua até à cintura, com as roupas a caírem-lhe em redor das ancas, e pensou em deixar as coisas assim. Ela tinha um aspecto adorável e puro e recordava-lhe as raparigas da sua juventude, deitadas no feno e na relva. Lembrou-se do tapete de hera no pequeno jardim. Se ele vivesse até ao Verão... As noites quentes e estreladas encerravam a promessa de um êxtase especial.
Gentilmente, fez deslizar o cotebardie e a combinação pelas suas curvas esguias.
Christiana mordeu o lábio inferior ao sentir o misto de choque e excitação perante a visão de David a despi-la, e ficou a observar enquanto via surgir o seu corpo desnudado. Depois de lhe retirar a roupa, David desapertou as ligas dos joelhos tirando-lhe as meias com delicadeza.
Um formigueiro de ansiedade alastrou-se dentro dela. O medo não desaparecera completamente. Agia como um condimento naquele caldo de emoções e sensações que fervilhava dentro dela.
David despiu o gibão com um safanão e removeu a camisa antes de se deitar ao lado dela. Christiana observou aquele corpo vigoroso
aproximar-se dela e suspirou de alívio por tê-lo de novo nos seus braços.
Permitiu que as suas mãos acariciassem os ombros e as costas dele, e sentiu estrias e cicatrizes. David regia às suas carícias. O calor vertiginoso e a proximidade dele subjugavam-na. Aquela necessidade estranha e pulsante dominava-a agora por completo, fazendo-a estremecer da cabeça aos pés.
David beijou-a intensamente enquanto a sua mão seguia o tremor, deslizando pelo peito e ventre, chegando às coxas e pernas. As carícias dele, possessivas, ardentes e confiantes, assumiam o controlo de cada milímetro do corpo de Christiana. Ela arqueava-se sob o toque dele e movia-se ao ritmo daquele pulsar profundo e oculto. Tudo começava a conjugar-se em direcção a essa necessidade. A respiração dela, o sangue, a consciência, e até mesmo o prazer, respondiam a essa necessidade.
David envolveu um dos seios com a mão e massajou o mamilo com o polegar.
- Agora vou beijar-vos o corpo todo - disse. - Não vos acanheis. Nada é proibido se nos der prazer a ambos.
E beijou-lhe o corpo todo, pressionando, mordendo e estimulando-o com a boca, revelando novos prazeres e surpresas, e deixando-a sem fôlego. Beijou-lhe o peito, a barriga e as pernas. Até nas coxas a beijou, e depois na suave elevação acima delas, e ela gritou ao senti-lo.
Os lábios dele envolveram um dos seios enquanto a sua mão acariciava o outro, e a excitação transformou-se em frenesim. Christiana agarrava-se desesperadamente às costas e ao cabelo dele, sentindo os músculos tensos sob os seus dedos, e escutando aquela respiração entrecortada.
Ele ergueu-se e começou a despir o que restava das suas roupas. Christiana estendeu a mão para o ajudar e roçou na sua erecção. Sentiu a reacção que provocara no corpo dele e tocou-lhe mais uma vez, corajosamente, enquanto ele arrancava as roupas.
O medo tentou perfurar a barreira de esquecimento que o desejo erguera.
Impossível...
Ele fez regressar a mão dela ao seu ombro e depois acariciou-lhe o corpo, detendo-se nas pernas. Afastando-lhe as coxas, fez
deslizar uma mão sob as nádegas dela, mantendo o braço comprimido contra ela enquanto a sua língua e lábios lhe estimulavam os
seios.
Aquele pulsar estava prestes a culminar numa explosão, obliterando o medo que voltara a surgir. Ela pressionou o corpo contra aquele braço que lhe oferecia algum alívio mas apenas prolongava a tortura. Todo o seu corpo parecia querer mover-se livremente, sem restrições, e ela tinha dificuldade em controlá-lo. Reprimia repetidamente exclamações de abandono que ameaçavam ecoar pelo quarto.
- Não resistais, Christiana - O bálsamo da voz dele submergiu-a. - Os sons e os movimentos do vosso desejo são belos para mim.
Grata, Christiana entregou-se ao delírio. Quando a mão dele avançou, ela abriu voluntariamente as pernas. Não sentia acanhamento nem choque à medida que ele a acariciava, apenas um desejo torturante que seguramente iria rebentar numa explosão de labaredas se não fosse satisfeito.
As sensações deste toque mágico conduziam-na à loucura. As carícias suaves suscitavam picos de prazer. As suas mãos hábeis despertavam uma excitação selvagem e desesperada.
A voz calma de David interrompeu aquela deliciosa angústia.
- Quereis-me agora, Christiana?
Ele tocou-a de um modo diferente e ela soltou um grito. Conseguiu assentir com a cabeça.
- Então dizei-mo. Dizei o meu nome e que me quereis. Christiana escutou, à distância, a sua voz a dizê-lo. A necessidade
frenética tomou totalmente conta dela e as suas ancas ergueram-se para ir ao encontro do corpo que pousava sobre o seu.
Comprazeu-se com a sensação do corpo dele sobre o dela, com a proximidade total dos dois corpos. Deliciou-se com a paixão que transformava o rosto dele à medida que a fitava.
Ele penetrou-a lenta e cuidadosamente e ela maravilhou-se com a beleza do acto. com uma pressão suave e investidas cuidadosas incitou-a a abrir-se. A dor temida acabou por não ser uma dor mas apenas uma tensão momentânea, logo esquecida no maravilhoso alívio que ele provocou ao satisfazer aquela necessidade pungente. Sem pensar, ela moveu-se para ir ao encontro daquela suave intrusão.
Christiana imobilizou-se quando um súbito ardor a deteve. David beijou-a suavemente e recuou.
- E inevitável, querida.
Ele penetrou-a e, por um breve instante, uma dor aguda suprimiu o prazer.
O corpo dele não se deteve e a dor e a sua recordação não tardaram a desaparecer à medida que ele retrocedia devagar e avançava novamente. Era uma sensação desesperadamente
boa. Instintivamente, Christiana envolveu-o com as pernas, mantendo-o mais perto de si, querendo-o todo para si. Encontrou o ritmo de David e acompanhou-o num canto mudo de aceitação.
Nada, nem as canções nem o toque dele ou sequer a lição de Joan a havia preparado para a intimidade que os submergia. Corpos que se tocavam, hálitos que se fundiam, pernas entrelaçadas e a união total... as ligações físicas subjugavam os seus sentidos. De cada vez que ele recuava era uma perda. De cada vez que ele a preenchia, era uma realização renovada. Maravilhada, Christiana suspirava a cada movimento.
David fez uma pausa e Christiana abriu os olhos para dar com ele a observá-la. A máscara de prudência havia desaparecido e aqueles olhos azuis revelaram as profundezas que ele jamais permitia que as outras pessoas vissem. Ela ergueu a mão e tocou no rosto perfeito, depois permitiu que a sua carícia se estendesse ao pescoço e ao peito.
Ele moveu-se novamente e desta vez foi menos gentil. Fechou os olhos como se procurasse conter algo, mas se estava a combater uma batalha, perdeu-a.
- Sim - sussurrou ela quando ele investiu energicamente. Sentiu alguma dor, mas o seu poder despertava-lhe algo na alma. Ela queria absorver a força e a necessidade dele. Queria conhecê-lo assim, sem as suas defesas cuidadosas.
Ele fitou-a directamente nos olhos. E depois beijou-a enquanto se rendia. À medida que a paixão dele se intensificava numa série de fortes e profundas investidas e culminava numa longa e sentida libertação, ela percebeu que tocara a essência dele e ele a sua.
Ela abraçou-o, com os braços a envolver as costas dele e as pernas em redor da cintura, e flutuou naquele silêncio carregado de emoção, sentindo o coração dele a bater contra o seu peito. O seu corpo estava dorido, vivo e pulsante no ponto em que se uniam.
Lentamente, voltou a tomar consciência do quarto à sua volta. Voltou a experimentar a sensação real do corpo dele sobre o seu e o cabelo macio de David no seu rosto.
Continua a ser um estranho para mim, pensou ela, maravilhando-se com esta coisa que podia ligá-la de uma forma indescritível a um homem a quem mal conhecia. Era espantoso e assustador tocar a alma quando não se conhecia a mente.
A ideia de desconhecer uma parte dele pairou em seu redor. Subitamente, sentiu-se muito tímida.
Ele ergueu-se, apoiado nos braços, e beijou-a suavemente.
- Sois maravilhosa - disse.
Ela não percebeu o que ele quis dizer, mas sentia-se satisfeita por o ver feliz.
- É muito mais agradável do que eu pensava - confidenciou ela.
- Magoei-vos no final?
- Não. Na verdade, tenho alguma pena que tenha terminado. Ele acariciou-lhe a perna e afastou-a da sua cintura. Deitou-se
ao lado dela.
- Isso é porque ainda não terminastes. Ela pensou no final dele, quase violento.
- Eu diria que terminámos bastante bem, David.
Ele abanou a cabeça e tocou-lhe no seio. Os olhos dela arregalaram-se numa resposta enérgica e imediata. A mão dele aventurou-se entre as pernas dela. Christiana agarrou-se a ele, surpreendida.
- Ter-vos-ia dado isto antes, minha querida, mas era necessário que me desejásseis da primeira vez - disse ele, à medida que o frenesim se abatia violentamente sobre ela
David tocou e acariciou a pele ainda sensível da sua presença e um prazer selvagem dominou-a por completo. Chamou por ele, pronunciando o seu nome vezes sem conta na sua mente e os sentidos fundiram-se, fazendo com que perdesse o controlo de tudo à excepção daquele esquecimento tão doce, que aumentava a cada minuto.
E depois, quando pensava que já não aguentava mais e que iria morrer ou desmaiar, a tensão eclodiu de uma forma maravilhosa e ela gritou, experimentando uma sensação de êxtase por todo o corpo.
Deixou-se levar pelo turbilhão de sensações com um assombro aturdido até que elas abrandaram e desapareceram.
- Oh, céus - suspirou ela, ofegante e trémula nos braços dele.
- Sim. Oh, céus - concordou David, soltando uma gargalhada e puxando-a para junto de si. Estendeu o braço e cobriu-os a ambos com a colcha, moldando o corpo dela ao seu. O rosto dele repousava sobre os cabelos dela, os lábios contra a sua têmpora. Permaneceram juntos numa tranquilidade calmante.
A intimidade estabelecida durante o acto sexual havia sido assombrosa e forte. Esta proximidade serena era doce e intensa e um pouco constrangedora. No espaço de uma hora havia sido construída uma ligação eterna. Ele apoderara-se dela de uma forma que ela nunca suspeitara.
Ela adormeceu e acordou num quarto envolto na penumbra, com o crepúsculo a penetrar pelas vidraças. Chegaram até ela sons distantes de vozes e actividade. Voltou-se e viu David apoiado num braço, observando-a.
Ele gostava de contemplá-la. Tal como as suas esculturas e os seus livros? Pelo menos era algo. Podia ter sido um homem que não se preocupasse nada com ela.
- Tenho de regressar - disse ela.
- Ficareis aqui esta noite. Acompanhar-vos-ei de manhã.
- Idonia...
- Eu envio uma mensagem a dizer que estais aqui comigo. Ela não se preocupará.
- Irá perceber.
- Talvez, mas mais ninguém o perceberá. Acompanhar-vos-ei ao amanhecer.
Um grito de Vittorio ecoou através do jardim e entrou pelas janelas. Era provável que todas as pessoas da casa soubessem, ou viessem a saber em breve quando percebessem que ela não partiria. Pensou nos olhares de esguelha que enfrentaria destes criados, aprendizes e de Idonia, e até mesmo de toda a corte, se se viesse a saber disto.
- Ficareis aqui comigo - repetiu. Não era um pedido.
Ele levantou-se da cama e encaminhou-se para a lareira. Os seus músculos bem torneados moveram-se quando ele se esticou para alcançar um cepo e o colocou na lareira. À luz do lume, Christiana contemplou o corpo dele, descontraído e sem vergonha da sua nudez, e reparou nos vergões que ele tinha nas costas e que sentira
anteriormente. Marcas de flagelação. Porque teria aquilo? O mestre falecido não parecia ser pessoa para fazer tal coisa. David regressou para junto dela e Christiana ficou a observá-lo, surpreendida pelo prazer arrebatador que sentia só de olhar para ele.
Puxando para trás a colcha, ele lançou um olhar ao corpo dela. Acariciou-lhe as curvas, languidamente, enquanto ela observava o movimento excitante daquela mão.
- Estais dorida, querida? Possuir-vos-ia de novo, mas apenas se não vos magoar.
De novo? com que frequência é que as pessoas faziam aquilo? Apesar da franqueza de Joan, ainda ficara muito por dizer.
A franca declaração de desejo de David fez com que um calafrio lhe percorresse o corpo. Não duvidava da preocupação dele para consigo, mas sabia que a questão também oferecia uma opção.
- Não estou magoada - disse, erguendo os braços para o abraçar.
Durante o fim de tarde e noite David forjou uma corrente de aço invisível que a amarrava a ele. Ela sentiu-o acontecer e interrogou-se se seria algo que ele controlava. Sentia-se envolvida por elos de paixão e intimidade unidos pelo prazer e pela ternura.
Mais tarde nessa noite, enquanto se refastelavam no calor da lareira, ela perguntou-lhe acerca do matrimónio e ficou a saber que a cerimónia também havia sido mudada. Casar-se-iam na catedral, na presença do bispo, e não na igreja paroquial de David.
- Está a ficar muito elaborado - comentou, divertida.
- Não pudemos fazer nada quanto a isso. Assim que o presidente da Câmara descobriu que Eduardo assistiria, foi o cabo dos trabalhos. Eu tinha esperança de que ninguém
viesse a saber e que ele pudesse simplesmente aparecer.
Ele falava do rei de uma forma descontraída. Por que razão hesitava ela em fazer-lhe perguntas acerca dessa relação? Por que razão sentiria que o tema era proibido e que insistir nele seria intrometer-se?
Contudo, sentia que era assim, e esta noite não pretendia bater a portas que ele poderia não abrir. Mudou de assunto.
- David, que mais esperais de mim?
- O que quereis dizer com isso? - A questão surpreendeu-o.
- Tendo em conta o quanto eu era ignorante em relação a isto, não deverá surpreender-vos que eu saiba muito pouco acerca do casamento. Não tive uma educação muito
prática.
- Espero que me sejais fiel. Agora nenhum outro homem vos toca. - O tom firme com que ele disse aquilo espantou-a. - compreendeis isso, Christiana?
- É evidente que sim. Não sou assim tão estúpida, David. Estava a referir-me às coisas da casa. Aqui é tudo tão organizado.
- Ainda não pensei muito nisso.
Então por que razão fostes à procura de uma esposa se não vos havíeis apercebido de que necessitáveis de uma?
- Isabele pensa que esperais que eu trabalhe para vós - disse com um sorriso rasgado.
- Ai sim? Confesso que não me tinha ocorrido, mas é uma boa ideia. Terei de agradecer à princesa. Uma esposa é uma excelente forma de conseguir trabalho gratuito. Obteremos um tear para vós.
- Não sei tecer.
- Podeis aprender.
- Quanto podeis ganhar comigo depois de eu aprender?
- Pelo menos cinco libras por ano, penso.
- Isso significa que em duzentos anos eu terei recuperado o meu preço de noiva.
- Sim. Foi um negócio astucioso da minha parte, não é verdade? Riram-se ambos e depois ele acrescentou:
- Bem, a casa é vossa. Geva ficará muito satisfeita, penso eu. E os rapazes necessitam de uma mãe, por vezes.
- Um dos rapazes é mais velho do que eu, David.
- Não será assim para sempre, e Michael e Roger estão longe de casa e por vezes necessitam da compreensão de uma mulher. E, com o tempo, tereis os vossos próprios filhos.
Filhos. Tudo aquilo que ele mencionara podia ser providenciado pela filha de um qualquer mercador que lhe proporcionasse um dote avultado. Os filhos também. Mas os filhos dela seriam os netos de Hugh Fitzwaryn.
Morvan suspeitava que David pretendia com esta união a linhagem deles para os seus filhos. Estaria certo? Deu por si a desejar que fosse verdade. Explicaria muita coisa, e significava que ela poderia conceder-lhe algo que outra mulher não poderia.
Mais tarde, ela acordou no seu abraço adormecido. Parecia normal estar assim nos seus braços. Permaneceu imóvel, consciente daquela nova realidade e do seu calor.
Como era estranho sentir-se tão perto de alguém com tanta facilidade.
Fiel à sua palavra, ele acompanhou-a de regresso a Westminster ao amanhecer. Ela caminhou através dos corredores de um edifício que agora lhe parecia ligeiramente estranho. Esgueirou-se para a privacidade da sua cama enquanto Joan e Idonia ainda dormiam.
Despertou com uma mão a sacudi-la e fitou o rosto sorridente de Joan.
- Não vindes jantar? Estais a dormir o sono dos justos - disse Joan.
Christiana pensou que faltar ao jantar e ficar a dormir todo o dia se afigurava uma ideia excelente, mas endireitou-se e pediu a Joan que chamasse uma criada.
Uma hora mais tarde, vestida e penteada, sentou-se ao lado de Joan num banco no amplo salão, debicando a comida e observando a cena familiar que agora estranhava. Os seus sentidos estavam simultaneamente alerta e entorpecidos e sabia que aquelas horas passadas com David eram a causa. Joan fez-lhe algumas perguntas acerca da casa de David, e ela respondeu sem convicção, não querendo partilhar nesse momento nenhumas daquelas lembranças.
Por volta do final da refeição, Lady Catherine aproximou-se da mesa delas, os seus olhos felinos a reluzirem. Conversou com Joan durante um bocado e depois voltou-se, com uma expressão graciosa, para Christiana.
- Ides casar-vos em breve, não é verdade, querida? Christiana assentiu. Joan lançou um olhar severo a Catherine,
como se fosse indelicado mencionar esta união.
- Tenho um presentinho para vós. Enviá-lo-ei para o vosso quarto - disse Catherine antes de se afastar.
Christiana interrogava-se por que razão faria Lady Catherine tal coisa. Afinal, não eram boas amigas. Ainda assim, o gesto sensibilizou-a e deixou-a a pensar que Morvan, como sempre, havia exagerado quando a prevenira acerca de Catherine.
Thomas Holland quis falar com Joan e Christiana ficou sozinha. Regressou aos aposentos desertos de Isabele, satisfeita com o isolamento. A rotina da corte pareceu-lhe importuna quando os seus
pensamentos residiam no dia anterior e no futuro. Dirigiu-se ao quarto de Isabele. Quatro dias e parto daqui para sempre, pensou, olhando pela janela. Uma parte dela já tinha partido.
Chegou aos seus ouvidos o som de uma porta a abrir-se. Seria Joan ou Idonia. Não vira a tutora desde o seu regresso. Interrogava-se acerca do que lhe diria a mulherzinha.
Contudo, os passos que avançavam pela antessala não eram de uma mulher. Morvan viera ao seu encontro. Bastaria olhar para ela para perceber. Seria ela suficientemente corajosa para dizer, "Sim, tínheis razão, é algo mágico e eu gostei"? A força dele impusera-se durante anos entre ela e todos os homens, e agora ela havia-se entregado a um que ele odiava.
Os passos aproximaram-se. Estacaram à entrada do quarto.
- Querida - pronunciou uma voz familiar.
Christiana soltou um grito de sobressalto e voltou-se.
Ali, na soleira da porta, encontrava-se nem mais nem menos do que Stephen Percy.

CAPÍTULO 12 Stephen! - exclamou, arquejante. Ele sorriu e avançou na direcção dela, os seus braços estendidos a convidarem-na para um abraço. Christiana ficou a observá-lo aproximar-se
sentindo um misto de surpresa, alegria e fria objectividade. Reparou nos seus músculos vigorosos sob o gibão. Observou a beleza austera das suas feições. O cabelo loiro e a pele clara afiguraram-se-lhe pálidos e vagos comparados com a tonalidade dourada de David.
Não se conseguia mexer. Emoções confusas, horrorizadas e ao mesmo tempo saudosas paralisavam-na. Agora não, clamava a sua alma. Um mês antes, ou daqui a mês, mas não agora. Especialmente hoje.
Braços fortes rodearam-na. Uma boca áspera esmagou-se contra
a sua.
Ela repeliu-o. Os olhos verdes dele exprimiram surpresa, e depois, por breves momentos, algo diferente. Aborrecimento?
- Estais zangada comigo, meu amor - exclamou ele com um suspiro. - Não posso censurar-vos.
Ela afastou-se, apoiando-se na beira da janela. Santo Deus, será que nunca iria ter paz? Encontrara aceitação e contentamento, e até mesmo a esperança de algo mais, e agora isto.
- Porque estais aqui?
- Para vos ver, claro.
- Regressastes a Westminster para me verdes?
- Sim, querida. Por que outra razão? Usei a desculpa do torneio pré-quaresmal.
O torneio estava agendado para começar no dia a seguir ao seu casamento. Stephen adorava aquelas competições. Christiana suspeitava que aquela seria verdadeira razão da sua vinda, mas o seu coração destroçado, que ainda não sarara por completo, persistia na ideia de que ele viera por ela.
A ferida ainda estava demasiado viva, a humilhação ainda demasiado recente, para ela poder rejeitar totalmente a esperança de que ele realmente a amava. A rapariga que havia sido fiel a este homem ainda queria desesperadamente acreditar nisso. O seu coração ansiava por essa garantia.
Contudo, a sua mente aprendera alguma coisa com a agonia que suportara.
- Quando chegastes?
- Há dois dias. Ainda não vos tinha procurado porque estive com o meu amigo Geoffrey. Ele está muito doente com febre. Reside na casa de Lady Catheríne, em Londres.
- Sois amigo de Catherine?
- Nem por isso. Contudo, Geoffrey é - respondeu, dando um passo na direcção dela. - Ela contou-me tudo acerca do vosso casamento com este mercador - acrescentou de modo compreensivo.
- Se Eduardo não fosse meu rei, desafiá-lo-ia por vos ter degradado desta maneira.
Ela observou a sua expressão preocupada. Pareceu-lhe um tanto exagerada, tal como uma máscara que alguém coloca para um festival.
Stephen estendeu a mão e acariciou-lhe o rosto. O seu coração despedaçado, sequioso pelo bálsamo das ilusões renovadas, suspirou; o seu espírito, a sua mente, recordando-se da noite anterior de paixão e dos direitos de David, fizeram com que se afastasse.
- Já sabíeis do meu matrimónio, não é verdade? Enviei-vos uma carta.
- Sabia. Recebi-a, querida. Mas nunca imaginei que o rei fosse com isto avante. E Catherine falou-me da vossa infelicidade e humilhação.
Que simpático da parte de Catherine, pensou Christiana. Por que
razão aquela mulher se intrometia nos seus assuntos? Como é que Catherine soubera da sua história com Stephen?
Joan. As intrigas de Joan. Será que todas as pessoas sabiam? Provavelmente. Estariam todos a observar e a aguardar os próximos Jias, talvez os próximos anos, para ver como é que este drama se iria desenrolar.
- Talvez não devesse ter vindo - murmurou Stephen. - Catherine garantiu-me que ficaríeis feliz por me ver.
- Estou satisfeita por vos ver, Stephen. E pelo menos posso felicitar-vos pelo vosso noivado.
- Ela foi escolha do meu pai e do meu tio, minha querida disse com uma expressão de resignação. - Na verdade, não me agrada nada.
- Ainda assim, ela é vossa esposa, assim como David é meu marido.
- Sim, e despedaça-me o coração saber que não há nada que possamos fazer, minha querida.
Nessa altura, apagou-se uma chama dentro dela, e ela soube que havia sido a última das suas ilusões e sonhos infantis. Não doeu muito, mas uma parte da sua inocência morreu com ela, e sentiu aquela perda amargamente.
Ao longo de tudo aquilo, e apesar ter conhecimento da realidade, acalentara dentro de si alguma esperança. Se Stephen não tivesse regressado, essa esperança teria desaparecido lentamente à medida que ia vivendo a sua vida e vivendo a sua paixão com David, muito à semelhança da maneira como uma pequena poça de água se evapora com o calor de uma tarde de Verão.
E se Stephen tivesse falado de maneira diferente? E se ele tivesse vindo implorar-lhe que fugissem juntos e solicitar que ambos os noivados fossem anulados? Afinal, fora isso que aquela réstia de esperança almejara.
Uma semana antes, tê-lo-ia feito, apesar da desgraça que recairia sobre ela. Até mesmo no fim-de-semana anterior uma tal oferta teria sarado imediatamente a sua dor e banido todas as dúvidas acerca dele.
Agora, todavia, teria sido impossível... Agora...
Uma horrenda compreensão tomou conta dela. A presença de
Stephen foi-se esbatendo à medida que a sua mente considerava as implicações.
Agora era impossível. David havia-se certificado, não era ?
Na noite anterior haviam consumado o matrimónio. Agora nenhuma anulação seria possível, a não ser que o próprio David negasse que aquilo ocorrera. E ela sabia, sabia bem, que ele não o faria, apesar da promessa que fizera na primeira noite.
Espero que me sejais fiel. Nenhum outro homem vos toca agora. Todas aquelas testemunhas... até Idonia e o seu irmão.
Um arrepio sinistro fê-la estremecer.
David soubera que Stephen estava a chegar. Havia perguntado aos peregrinos e aos mercadores. Todavia, não podia saber se Stephen viria para a reclamar. Contudo, preparara-se para essa eventualidade. David assegurara-se, metódica e cuidadosamente, de que ela não poderia partir com Stephen. Se ainda assim o fizesse, apesar das correntes invisíveis forjadas na noite anterior, apesar da desonra e da desgraça, ele possuía a prova necessária para a fazer regressar.
A implacabilidade do facto assombrou-a.
Recordou-se das emoções intensas que sentira na noite anterior. Duas vezes iludida. Mais ilusões infantis. A sua estúpida confiança nos homens devia ser motivo de chacota para eles.
Uma presença cálida perto do seu ombro interrompeu os seus pensamentos. Stephen encontrava-se junto de si, com o rosto muito perto do dela.
- Não há nada que possamos fazer em relação a estes casamentos, querida, mas na vida há o dever e depois há o amor.
- O que estais a dizer, Stephen?
- Não podeis amar este homem, Christiana. Nunca irá acontecer. Ele é de condição inferior e só o toque dele será um insulto para vós. Mas eu posso suavizar a vossa dor, minha querida. O nosso amor pode fazê-lo. Cumpri com este mercador o vosso dever, mas guardai o nosso amor no vosso coração.
Ela queria dizer-lhe o quanto ele estava enganado, o quanto o toque de David jamais a insultaria. Mas que palavras podia usar para explicar isso? Além disso, não estava totalmente segura de que a magia regressasse agora que sabia a razão pela qual ele a havia seduzido. Talvez da próxima vez, na noite de núpcias, ela viesse a sentir-se insultada e usada.
De que estava ela à espera? Afinal, David era um mercador e ela não passava de um bem. Um bem muito dispendioso. Duvidava que o rei Eduardo aceitasse devoluções.
Amor, pensou com amargura. Acreditara que existia ali algum amor. A sua ignorância era espantosa. David estava certo. Ela realmente vivia a vida com a crença de que esta era uma canção de amor. Mas a vida não era assim. Os homens não eram assim.
- Sou uma mulher casada, Stephen. Aquilo que sugeris seria uma desonra.
Ele sorriu-lhe, tal como se sorriria a uma criança inocente.
- O amor nada tem a ver com honra ou desonra. Tem a ver com o facto de nos sentirmos vivos e não mortos. Não tardareis a percebê-lo.
- Espero que não sejais tão audaz a ponto de me pedirdes agora uma prova do meu amor. Caso-me dentro de alguns dias.
- Não. Não concederia a um mercador uma razão para vos censurar ou magoar, embora a ideia de ele vos possuir primeiro me enfureça. Desposai o vosso mercador como é o vosso dever, querida, mas ficai sabendo que estou aqui.
- Sou uma mulher honesta, Stephen. Não me parece que me ameis de todo. Penso que para vós isto não passou de um jogo, e continua a sê-lo. Um jogo onde não perdeis nada, mas onde eu arrisco tudo. Não entrarei nesse jogo no futuro.
Ele começou a protestar e a tentar abraçá-la. O som de passos na antessala deteve-o. Ela voltou-se para a presença recém-chegada.
Santo Deus, será que não havia misericórdia?
Morvan surgiu na ombreira da porta, fitando-os a ambos. Por um horrível momento a sala foi preenchida por uma tensão angustiante.
- Percy, sede bem-vindo - disse Morvan, avançando pelo quarto. - Viestes para o torneio?
- Sim - respondeu Stephen, afastando-se dela.
- Presumo que estais a felicitar-vos mutuamente pelos vossos futuros matrimónios - comentou, lançando um olhar a ambos.
Ela assentiu, num torpor. Não havia razão para tentar justificar a presença de Stephen. Percebeu nos olhos do irmão que ele dera ouvidos à coscuvilhice.
- Há algo estranho no matrimónio da minha irmã, Stephen disse Morvan enquanto se encaminhava para a lareira, - Consta que
o rei a vendeu por dinheiro, e também eu acreditei nisso. Mas ultimamente tenho-me interrogado se não teria sido por outra razão. Talvez procurasse salvar a reputação dela e a honra da minha família e não desgraçá-la.
Ela observou-os enquanto se avaliavam um ao outro. Agora não, Morvan, incitou em silêncio. Já não tem qualquer importância.
- Tenho de ir andando, senhora - proferiu Stephen, dirigindo-lhe um sorriso caloroso. Ela dirigiu-lhe um gesto, impotente, e observou-o caminhar a passos largos pelo quarto.
- Sir Stephen - bradou Morvan a partir da lareira. - Seria imprudente da vossa parte levar isto avante.
- Estais a ameaçar-me? - silvou Stephen.
- Não. Já não me cabe a mim fazê-lo. Estou simplesmente a prevenir-vos como amigo que seria um erro. O marido dela não é um mercador comum. E tenho razões para pensar que sabe bem manejar as adagas que usa.
Stephen exibiu um sorriso afectado e condescendente antes de abandonar os aposentos.
Christiana enfrentou o olhar sombrio e inquisidor do irmão. Ele contemplou-a de cima a baixo e procurou com os seus os olhos dela.
- E costume, minha irmã, que as pessoas aguardem um espaço de tempo conveniente depois do casamento para se encontrarem com os seus antigos amantes.
Ela não teve resposta para aquela calma admoestação.
- E uma vez que passastes a noite na cama daquele homem, agora estais realmente casada.
- David. O nome dele é David. Referis-vos sempre a ele como "aquele mercador" ou "esse homem". Ele tem nome.
Ele observou-a com os olhos semicerrados.
- Tenho razão, não tenho? Dormistes com ele. com David. Era inútil mentir. Ela sabia que ele percebia. Assentiu com a
cabeça, sentindo-se agora menos segura acerca dessa decisão, agora que compreendia as motivações de David.
- Não devíeis voltar a encontrar-vos com Percy durante algum tempo.
- Não forjei o encontro com Stephen.
- Ainda assim, devíeis ter cuidado. Essas coisas são facilmente aceites se a mulher for discreta ou se o marido não se importar, mas
vós não tendes experiência em tais enganos e o vosso mercador não me parece ser do tipo de homem que deseje ter uma mulher adúltera.
- Disse a Stephen que já não estou interessada nele.
- Ele não acredita em vós.
Morvan estava apenas a tentar ajudá-la. Nisto o conselho dele era provavelmente tão sensato como o de qualquer outro homem. Sem dúvida, levara para a cama a sua quota-parte de mulheres casadas.
- Desprezais-me? - perguntou ela num sussurro.
Uma expressão de inquietação surgiu no rosto de Morvan. Atravessou o espaço que os separava e tomou-a nos braços.
- Não. Mas não gostaria que fôsseis a esposa deste homem nem a pega de Percy. Compreendeis-me? E culpo-me por não ter encontrado uma forma de vos afastar daqui.
Ela fitou os olhos escuros dele. Leu neles a preocupação e pensou que a compreendia, em parte.
- Não penso que ser esposa de David seja assim tão mau, Morvan. Ele consegue ser muito amável.
- Bem, pelo menos essas são boas notícias - um leve sorriso trocista aflorou-lhe os lábios. - Sinto-me satisfeito por ele ter talento para algo mais do que fazer dinheiro.
Ela soltou umas risadinhas abafadas. Ele apertou-a com mais força e depois soltou-a.
- Tomai as vossas refeições comigo nestes últimos dias pediu. - Gostaria de passar este tempo convosco.
Ela assentiu e ficou a observá-lo, cheia de tristeza, à medida que ele se afastava.
Christiana nunca duvidou que o irmão pedira a sua comparência durante as refeições porque desejava a companhia dela. Ela deixá-lo-ia em breve, e uma leve nostalgia pairava entre eles naqueles jantares e ceias, até mesmo quando conversavam alegremente à mesa com outros jovens da mesma idade.
Contudo, a presença de Morvan ao seu lado tinha outros benefícios, e ela suspeitava que também lhe teriam ocorrido a ele. Stephen não se atrevia a aproximar-se dela no salão enquanto Morvan andava por perto, e os cortesãos que espreitavam, curiosos, não conseguiam satisfazer a sua curiosidade acerca do estado daquele caso amoroso.
Era do conhecimento geral. Bastava Stephen erguer-se do seu lugar para que lhe lançassem olhares de esguelha, na expectativa de que ele fosse falar com ela. Tornou-se extremamente óbvio que a corte acreditava que um caso amoroso adúltero com Stephen seria, a uma dada altura, inevitável. Ela teve a impressão de que muitos destes nobres aceitavam a ideia com alívio, como se um tal caso amoroso fosse uma forma de redenção para ela. Então, a união com o mercador não passaria apenas de uma formalidade, muito mais fácil de aceitar e de ignorar.
Sim, Joan havia andado a coscuvilhar. Quando Christiana a confrontou, ela admitiu-o de lágrimas nos olhos. Havia sido apenas a uma rapariga, insistiu. Christiana não teve dificuldade em imaginar aquela pequena fuga de informação a converter-se num rio de murmúrios no espaço de algumas horas.
Christiana ocupou os dias que se seguiram com os preparativos para o casamento. Filipa veio aos seus aposentos no sábado inspeccionar o seu guarda-roupa, e ordenou imediatamente que se confeccionassem mais vestidos e meias para ela. Foi igualmente confeccionada uma nova capa. Apareceu também um capelista para que ela escolhesse dois novos toucados. Chegaram baús que seriam recheados com um enxoval de roupa branca e artigos para o lar, para Christiana levar para a sua nova residência.
Ela passou a maior parte do tempo nos seus aposentos tratando de tudo isto, mas a recordação de David não lhe saía da mente. Haviam concordado que ele não viria antes do casamento, pois os preparativos de ambos consumiriam muito tempo, e ele tinha os seus próprios assuntos a tratar. Ainda assim, tinha esperança de que ele a surpreendesse com uma visita. Seria um gesto romântico, mas quando ele viesse não seria por essa razão, embora fingisse o contrário. Tinha esperança de que ele viesse verificar que Stephen não a havia persuadido a fugir ou a fazer algo de desonroso. Ele iria querer assegurar-se de que o seu plano havia resultado.
Mas ele não apareceu. O sábado deu lugar a domingo, que por sua vez se estendeu até segunda-feira. Christiana começou a ficar aborrecida.
Estava certa que David sabia que Stephen havia regressado. Como é que ele podia deixá-la entregue aos seus próprios planos quando outro homem, alguém que pretendia seduzi-la, rondava por
perto? Um homem, além disso, por quem ela havia estado enamorada. Estaria assim tão seguro de si mesmo? Tão seguro de que uma noite podia equilibrar as coisas no coração de uma mulher? Será que ele não pensava na perturbação que a presença de Stephen poderia estar a causar à sua noiva?
Christiana ia ponderando sobre isto ao longo dos dias. Durante a noite, ruminava no assunto com ressentimento. Mas na obscuridade silenciosa da sua cama oculta pelas cortinas, as recriminações conseguiam sempre desvanecer-se à medida que outros pensamentos sobre David a invadiam como um inexorável fluxo de maré. Imagens dos seus olhos azuis e ombros hirtos sobre o seu corpo. O poder da sua paixão aniquilando o seu solícito autodomínio. Os seios dela tornavam-se sensíveis, a zona entre as coxas humedecia-se, e os pensamentos davam lugar a devaneios durante um sono irregular.
Despertava todas as manhãs com a sensação de que havia sido violentada por um fantasma, mas sem ter encontrado a libertação.
David não apareceu, mas vieram outros. Isoladamente ou em grupos de duas ou três, as mulheres da corte abordaram-na.
Sim, Joan havia falado, e não só acerca de Stephen. Afigurava-se-lhe que todas as mulheres se sentiam na obrigação de aconselharem esta jovem sem mãe que, constava, era incrivelmente ignorante acerca da procriação.
Algumas das criadas juntaram-se às senhoras. Enquanto tomava banho no dia do seu matrimónio, a rapariga que a assistia descreveu-lhe com audácia como poderia deixar um homem louco de desejo. Christiana corou até à ponta dos cabelos. Duvidava seriamente que as mulheres nobres fizessem grande parte daquelas coisas, mas reteve as partes mais interessantes na sua mente.
Os preparativos do dia transformavam-se numa festa divertida, com todas as suas amigas em seu redor. Ofereceram-lhe presentes e conversaram enquanto as criadas a preparavam. Filipa chegou para a escoltar até ao salão. A rainha examinou-a minuciosamente e voltou a colocar a capa vermelha sobre os seus ombros. Em seguida, com as filhas ao seu lado, Idonia, Joan e várias outras mulheres, a rainha Filipa desceu com Christiana até ao salão.
Morvan aguardava-as. Envergava um manto formal muito comprido. Usava o cinto de cavaleiro, mas sem espada.
- Vinde - disse, pegando-lhe no braço. - O rei já está à espera.
As portas abriram-se e ela deu um passo em direcção ao exterior.
- Oh, santo Deus - exclamou com um arrepio, imobilizando-se.
- Uma bela visão, não vos parece? - murmurou Morvan num
tom seco.
O pátio estava repleto de cavalos, pessoas e veículos de transporte. Avistou Lady Elizabeth a entrar numa das carruagens cobertas de pinturas, e outros braços femininos que pendiam das suas janelas. Cavaleiros e lordes aguardavam montados em cavalos ataviados para um cortejo sumptuoso. O rei Eduardo, resplandecente num manto vermelho bordado a ouro e montado no seu alazão, aguardava junto à entrada. Uma longa fila de guardas reais mantinha-se à espera.
A presença de tantos cavaleiros e nobres enterneceu-a. Vinham honrar a sua família e, possivelmente, tranquilizá-la. Também vinham pelo seu irmão, e sentia-se grata por isso.
O extenso séquito real, e as instruções evidentes de que todas as pessoas deviam seguir o rei em cortejo, eram outro assunto.
A um gesto do rei, avançaram três carruagens douradas.
- Oh, santo Deus - arquejou novamente, observando a aproximação deste grandioso toque final.
- Sim, uma é para vós. A rainha em pessoa irá acompanhar-vos
- explicou Morvan.
- Esta comitiva estender-se-á ao longo de vários quarteirões. Londres inteira irá assistir a isto.
- O rei honra-vos, Christiana.
Ela desviou o olhar da expressão sorridente de Eduardo e falou em voz baixa na direcção do ombro do irmão.
- Não sou estúpida, Morvan. O rei não está a honrar-me a mim, está a honrar Londres. Não está a conduzir Christiana de Fitzwaryn para desposar David de Abyndon. Está a conduzir uma filha da nobreza para desposar um filho da cidade. Está a converter-me num presente para Londres e um símbolo da sua generosidade para com ela.
Morvan segurou-a pelo cotovelo e incitou-a a avançar.
- Não pode ser desfeito. Deveis ser a filha da nossa mãe nisto e lidar com esta situação como ela o teria feito. Eu cavalgarei ao vosso lado.
Ela permitiu que ele a acompanhasse até à carruagem da frente e ele ajudou-a a entrar.
- Durante todo o tempo vou estar a pensar que não represento o sacrifício da virgem que eles esperam - sussurrou, inclinando-se na direcção dele.
O cortejo partiu em fila do pátio, liderado pelo rei e pelos seus filhos. Quando chegaram à Strand, haviam-se formado densas multidões e no interior dos portões da cidade as coisas pioraram. Os guardas usaram os seus cavalos para manter o povo afastado. Lenta e penosamente, abriram caminho até à Catedral de S. Paulo.
Morvan ajudou-a a descer da carruagem.
- Bem, meu irmão - proferiu enquanto se aproximavam da entrada - Não tendes nada para me dizer? Nenhum conselho? Nenhum sermão para eu me tornar numa esposa obediente e respeitadora? Não há aqui um pai para me admoestar, por isso, cabe-vos a vós, não é verdade?
Ele fez uma pausa junto ao pórtico e lançou um olhar ao portão aberto, na direcção da cavernosa nave já repleta de cortesãos ruidosos e outros curiosos.
- Sim, tenho uns conselhos para vós, mas sermões não. Aproximou-se da orelha dela. - Sois uma bela rapariga. A mulher pode assumir o poder no desejo de um homem, irmãzinha. Usai-o bem e possuí-lo-eis, ao invés do contrário.
Ela soltou uma gargalhada. Sorrindo, apressaram-se pela nave.
David aguardava junto do altar. Christiana sentiu um baque no coração ao vê-lo. A sua aparência era magnífica, perfeita e semelhante à de qualquer um dos lordes na assistência.
O corte elegante do seu manto de veludo azul, longo e cintado, realçava a sua estatura. As mangas justas faziam com que as roupas dos outros homens parecessem ridículas e pouco masculinas, exageradamente largas e compridas. Todo o manto estava debruado a ouro, com bordados dourados ao meio. Christiana perguntava-se quem o teria convencido a concordar com aquilo. Usava uma pesada corrente de ouro sobre os ombros.
Morvan entregou Christiana. Idonia aproximou-se, pegou na capa dela e depois afastou-se. David fitou-a enquanto o ruído da multidão ecoava sob o tecto alto de pedra.
- Sois a rapariga, mais bela que alguma vez conheci - disse, repetindo as palavras que pronunciara no jardim de hera.
Havia vários assuntos sobre os quais Christiana tencionava censurar David, bem como mágoas profundas e inquietações que preocupavam o seu coração. Mas o afecto que aqueles olhos azuis expressavam enterneceu-a e o som da sua bela voz tranquilizou-a. Haveria muito tempo para preocupações e mágoas. Este era o dia do seu casamento e todo o mundo estava a assistir.
Uma hora mais tarde, Christiana emergia da catedral com uma aliança de ouro no dedo e o braço de David de Abyndon em redor da sua cintura. A carruagem aguardava, mas Sieg, parecendo quase civilizado no seu belo manto cinzento, trouxe um cavalo.
- Vireis comigo, minha querida. com estas multidões, as carruagens jamais chegarão à Câmara Municipal.
- Devíeis ter-me avisado acerca de tudo isto, David - disse ela, à medida que o pandemónio se instalava pelo pátio da catedral e pelas ruas em volta. - Assemelha-se ao prelúdio de um sacrifício antigo.
- Eu não sabia, mas deveria ter esperado algo do género. Eduardo adora pompa e circunstância, não é verdade?
Christiana não ficou convencida. Ele parecia saber sempre tudo. Lançou-lhe um olhar de soslaio quando ele a ergueu até à sela e se sentou atrás dela. A sua branda aceitação do comportamento de Eduardo irritava-a, mas por outro lado, não fora ele a ser exibido em público.
- O rei deve ter-vos em grande estima para ter trazido um tal séquito. - Christiana observou com frieza.
- Eu seria um tolo se pensasse que sim. Isto não tem nada a ver comigo ou convosco.
Juntaram-se à multidão de cavaleiros e lordes a cavalo que se moviam letamente em direcção a Cheap. O braço de David rodeava-lhe a cintura e a mão repousava sob a capa. Ela ergueu a mão e tocou no diamante suspenso numa corrente prateada em redor do seu pescoço. Fora-lhe entregue enquanto se vestia.
- Obrigada pelo colar. Condiz perfeitamente com o vestido.
- Edmundo garantiu-me que assim seria. Sinto-me satisfeito por terdes gostado.
- Edmundo?
- O costureiro que confeccionou os vossos trajes de casamento, Christiana. E o vosso vestido de noivado. E a maior parte dos vossos cotehardies e mantos durante os últimos anos. O nome dele é Edmundo. É um dos cidadãos mais proeminentes de Westminster e um homem importante no seu mundo.
Christiana sentiu-se enrubescer. Sabia o nome do costureiro. Limitara-se a esquecê-lo, mas David estava a dizer-lhe que devia conhecer as pessoas que a serviam e não pensar nelas como gente insignificante.
A mortificação não tardou a dar lugar à cólera. Não era do seu agrado que uma das primeiras frases que seu marido lhe dirigisse logo a seguir ao matrimónio fosse esta censura indirecta.
Surgiram-lhe na mente mais razões para se zangar.
- Pensava que iríeis visitar-me - disse.
- Havíamos concordado que não o faria.
- Mesmo assim, pensei que viríeis.
Ela sentiu que ele a observava, mas não disse nada.
- Ele está de regresso à corte - acrescentou. - Mas, como é evidente, sabeis disso, não é verdade?
- Sim.
E foi tudo. Nada de perguntas. Nada mais.
- Não vos interrogastes acerca do que poderia acontecer? inquiriu de uma forma brusca e irritada. - Estais assim tão seguro de vós?
- Se aparecesse seria um insulto para vós. Assumi que a filha de Hugh Fitzwaryn teria demasiada honra e orgulho para abandonar o seu leito matrimonial e correr para os braços de outro homem, especialmente depois de ter percebido a verdade acerca dele.
- Mesmo assim...
- Christiana - interrompeu David num tom calmo, baixando-se para ela o ouvir e roçando os lábios na sua orelha. - Não falaremos disto agora. Não fui porque os meus dias estiveram absolutamente preenchidos com os preparativos para o casamento. Durante os momentos que podia dispensar, tratei de negócios, de modo a poder despender os próximos três dias na cama convosco. E as minhas noites eram passadas a pensar em tudo o que poderia fazer assim que vos tivesse junto a mim.
Ela gostaria de poder ignorar o calafrio de excitação que os seus lábios e as suas palavras haviam provocado, mas o seu corpo também começara a traí-la durante a noite e agora reagia contra a sua vontade.
Ela obrigou-se a recordar do acto de sedução deliberado de David, com o objectivo de reclamar a sua propriedade. Sentiu-se ressentida com aquela autoconfiança.
- O que vos faz pensar que eu vou querer passar os próximos três dias dessa forma? - perguntou.
- Agora sois minha esposa, rapariga. Seguramente sabeis que só tereis opções se eu assim o permitir. - Pressionou os lábios contra a têmpora dela e falou com mais afabilidade. - Vereis que sou um amo muito razoável, minha querida. Preferi sempre a persuasão à autoridade.
Sob o tecido folgado da capa de Christiana, ele ergueu a mão e acariciou-lhe o seio.
O corpo dela estremeceu com uma alarmante onda de prazer.
Christiana olhou nervosamente em redor, para os rostos voltados na direcção deles numa curiosidade sorridente.
Ele acariciou-lhe o mamilo e beijou-lhe a face. Ela sentiu um impulso irresistível de se voltar e de lhe morder o pescoço. Voltou a cabeça e aceitou o beijo intenso que a aguardava e aquelas sensações maravilhosas percorreram-na como um delicioso suspiro de alívio.
Toda a cidade de Londres observava.
- David, as pessoas... elas podem ver... - sussurrou, ofegante, quando ele ergueu a cabeça mas não retirou a mão. Os dedos dele estavam a deixá-la louca.
- Não podem, não. Alguns podem suspeitar, mas ninguém terá a certeza - sussurrou. - Se estais zangada comigo, podeis censurar-me à vontade depois dos banquetes. Prometo escutar muito atentamente e ter em conta todas as vossas críticas. - Beijou-lhe novamente o pescoço. - Até mesmo quando estiver a lamber os vossos seios e a beijar as vossas coxas, prestarei atenção às vossas censuras. Podemos discutir o meu mau comportamento por entre os vossos gemidos de prazer.
Christiana estava já a sentir alguma dificuldade em recordar-se dos motivos pelos quais o queria repreender.
No momento em que sentiu um impulso inexorável de se contorcer na sela, chegaram ao edifício da Câmara Municipal. Não sabia se iria conseguir aguentar-se rias pernas, agora lânguidas, quando ele a pousasse no chão, e isso preocupava-a.
- Isso não foi justo - sibilou.
Ele pegou-lhe na mão e encaminhou-a para o edifício.
- Eu só jogo para ganhar, Christiana, e faço as minhas próprias regras. Não sabeis já disso?

CAPITULO 13
David inclinou-se contra a ombreira da porta do salão, observando, das sombras, os convivas rodopiarem em redor da imensa fogueira no centro do pátio. Casais divertiam-se, dançando juntos em redor do enorme círculo e, mais próximo do centro, um grupo de mulheres fazia uma enérgica actuação. Anne, a mulher de Oliver, liderava o grupo, uma vez que quando a oportunidade e o pagamento eram convenientes actuava como dançarina profissional. Encontrava-se rodeada de criadas e mulheres da vizinhança. No centro de tudo, com o rosto ruborizado de deleite e os olhos cintilantes de prazer, rodopiava a figura elegante de Christiana Fitzwaryn.
As luzes da fogueira pareciam iluminar as mulheres ao ritmo da batida dos tambores. Todo o pátio brilhava à luz daquelas labaredas colossais e dos muitos archotes ao longo dos edifícios e do jardim das traseiras. As chamas tingiam o céu nocturno de cor de laranja e, à distância, provavelmente a casa parecia estar a arder. Sem dúvida os sacerdotes insistiriam que a cena, com os participantes a entregarem-se a todos os pecados mortais, se assemelharia ao próprio Inferno.
O pátio, os jardins e os vários compartimentos da casa estavam apinhados de gente. Havia homens e mulheres empoleirados no telhado do estábulo. À sua esquerda, viam-se diversos casais abraçados num recanto sombrio.
Uma grande gargalhada captou a sua atenção e ele inclinou-se para lançar um olhar ao salão. Os corpos que bailavam afastaram-se
por um momento e David avistou o homem que ria sentado junto ao lume com uma rapariga em cada joelho. Os adornos dourados no seu manto vermelho eram a única prova de que este homem era o rei, pois Eduardo havia-se despojado da sua real figura assim que entrara pelo portão com os seus dois guardas, tendo enviado a família e os filhos para casa a seguir ao banquete da Câmara Municipal. Encontrava-se agora bastante ébrio, e já há algum tempo que os foliões haviam deixado de o tratar como soberano, permitindo que se juntasse à folia.
David voltou a sua atenção de novo para a sua esposa. Gostava de olhar para ela mesmo quando ela estava sossegada, mas a liberdade e o prazer que ela retirava daquela dança deixava-o hipnotizado. Tal como o rei dela, havia sucumbido rapidamente à diversão sem restrições dessa segunda festa, e David regozijava-se ao observar a alegria dela à medida que ela festejava e bebia e trocava gracejos com os vizinhos.
Ela movia-se de uma forma sedutora e lânguida, impregnando esta dança plebeia de uma elegância nobre. Tinha os lábios entreabertos num sorriso sensual à medida que rodopiava pelo pátio, apreciando finalmente o êxtase do movimento que sentira tantas vezes através de outras bailarinas.
Ele observava e aguardava, suprimindo o desejo súbito de caminhar até à fogueira, de a arrebatar nos seus braços e de a levar consigo.
Ele desejava-a. Terrivelmente. Há semanas que a desejava, e â noite que haviam passado juntos apenas intensificara esse desejo. Tinha passado os últimos dias num estado de ânsia permanente.
A inocência de Christiana naquele dia havia-o desarmado de uma forma perigosa. A paixão dela não conhecia defesas, e a sua entrega e aceitação totais haviam aniquilado as suas. Ao contrário das mulheres experientes com as quais geralmente se deitava, na sua ingenuidade, ela não tentava proteger-se das intímidades mais profundas que podiam surgir durante a cópula, não sabia nada acerca de manter a sua essência separada da união, não sabia nada acerca de manter o acto como um simples prazer físico. Christiana havia sentido a verdadeira proximidade e deixara simplesmente que o poder os submergisse. Ele contemplara a maravilha do acto nos olhos de Christiana, sentira o deslumbramento dela no seu abraço ávido e quase a prevenira para ter cuidado, pois ali também podia haver
perigo e dor para ela. Mas não o fez, pois essa intimidade profunda trouxe consigo um conhecimento daquela jovem pelo qual ele ansiava, e no final, também ele se mostrou indefeso contra a magia que não sentia há tantos anos.
O olhar dele seguiu-a e o seu corpo reagiu aos movimentos sedutores da dança dela. Na sua mente, Christiana fitava-o,
tocando-lhe no rosto e no peito e suspirando
um "sim" que exigia a sua entrega total.
Uma figura deambulou diante dele, distraindo-o misericordiosamente dos seus pensamentos acalorados. Morvan bebia vinho à medida que caminhava, observando descontraidamente
as bailarinas.
Os tambores e adufes repercutiram um final delirante e depois a dança terminou abruptamente. Em redor da fogueira, os corpos detiveram-se, ofegantes. Christiana e Anne abraçaram-se com uma gargalhada.
Ela pensava que Anne era a mulher de Oliver. Supunha que teria de lhe dizer a verdade.
Morvan captou o olhar de Christiana e acenou-lhe. Ela dirigiu-se ao irmão com um largo sorriso. Ele inclinou-se e disse algo, e David observou a felicidade e o prazer escaparem-se-lhe do rosto e do corpo como se alguém lhos tivesse arrancado.
Ela lançou os braços à volta dele e falou com seriedade, sem dúvida implorando-lhe que ficasse mais tempo. Morvan abanou a cabeça, acariciou-lhe o rosto e afastou-se.
Caminhou em direcção ao portão. Christiana ficou a vê-lo partir, o seu corpo erecto subitamente sozinho e isolado apesar da multidão que se aglomerava em seu redor. David podia ver a sua expressão serena, mas adivinhava a tristeza nela.
Toda a sua vida, toda a sua família, todo o seu passado estavam nesse momento a abandonar a casa.
Ele afastou-se da ombreira da porta e dirigiu-se a ela. Lançou a capa sobre os ombros, e ela dirigiu-lhe um sorriso débil antes de voltar o olhar para o homem alto que se afastava.
Ele sorriu e abanou a cabeça. Correu atrás de Morvan, chamando-o pelo nome. De certa forma nem acreditava que ia fazer isto por ela. ,
O jovem cavaleiro deteve-se e voltou-se. Regressou e encaminhou-se para David. Enfrentaram-se mutuamente no brilho da fogueira.
- Estais de saída, Morvan?
- Sim. É melhor se eu partir agora. - Lançou um olhar à irmã.
- Deveis vir visitá-la em breve. Ela irá querer ver-vos. - Morvan fitou-o, surpreendido. - A vida de Christiana irá sofrer uma grande mudança e poderá ser duro para ela - prosseguiu David. Não gostaria de a ver infeliz. Vinde sempre que vos aprouver. Esta casa estará sempre aberta para vós.
Morvan pareceu ainda mais surpreendido. Assentiu e sorriu debilmente.
- Agradeço-vos por isso, David. Pelo bem de ambos.
David regressou para junto de Christiana. A capa estava a descair-lhe pelas costas e ele aconchegou-a melhor, cingindo-lhe os ombros.
- O que lhe dissestes ? - inquiriu, com o olhar ainda fixo no irmão.
- Disse-lhe que deve visitar-vos sempre que lhe aprouver.
- Dissestes, David? A sério? - voltou-se para ele com um sorriso luminoso.
A sinceridade da sua surpresa e gratidão transtornaram-no.
- Eu sei que ele é tudo para vós, minha querida. Ele apenas procurou proteger-vos, e não posso censurar nenhum homem por isso. Não interferirei na vossa relação.
Ela encostou-se a ele e fitou-o com uma inocência quase infantil.
- Não é tudo para mim. Já não é assim. Agora existis vós, não é verdade? Temo-nos um ao outro, não é verdade?
Ele abraçou-a e ela pousou a cabeça no seu peito, com o rosto voltado para as sombras que engoliam a figura alta do irmão. David enterrou o rosto na nos seus cabelos sedosos.
Tudo aquilo que ela era, tudo o que era suposto ser, partira através daquele portão. A vida que vivera e nascera para viver, a posição que o sangue lhe garantia, regressava esta noite para Westminster sem ela. Ele não duvidava de que ela compreendia isso. Christiana sabia o que este casamento lhe havia retirado.
Beijou-lhe os cabelos e fechou os olhos. Ele podia devolver-lho. Tudo o que ela estava a perder e mais. Tinha poder para o fazer.
A oferta ainda estava de pé e seria feita novamente, disso tinha ele a certeza.. Tinha apenas de jogar o jogo como planeado, mas alterar a
jogada final. Ele sabia exactamente como fazê-lo. Há semanas que
andava a considerar a possibilidade.
Como se estivesse a ler os seus pensamentos, ela inclinou a
cabeça e olhou para ele.
- Sois muito bom para mim, David. Sei que ireis cuidar de mim e fazer tudo o que estiver ao vosso alcance por mim.
Ele curvou-se para a beijar e os lábios entreabertos dela ergueram-se para ir ao encontro dos dele. Um frémito sacudiu-a e Christiana pressionou-se contra ele enquanto o envolvia num abraço apertado. A mente dele enevoou-se e o autodomínio das últimas horas dissipou-se.
Ela agarrava-se a ele com o mesmo desespero com que ele se agarrava a ela, a boca dela a convidá-lo para o beijo profundo. Talvez fosse o vinho e a dança. Talvez fosse a gratidão relativamente a Morvan. Ele não se importava, aceitaria a paixão dela fosse como fosse.
Permaneceram assim na intensidade do brilho da fogueira, dois corpos moldados um no outro, banindo a separação, os sons da festa ecoando em redor deles. Ele beijou-a repetidamente, desejando possuí-la, absorvê-la para dentro de si.
Conseguiu reunir forças para afastar a boca.
- Vinde até lá cima comigo - sussurrou, com o rosto mergulhado no pescoço dela, enlouquecido pelo seu odor.
- Sim - disse ela. - Agora.
Ele virou-a sob o seu braço enquanto a beijava novamente. De alguma forma, encontrou o caminho através do pátio, entrou no edifício e subiu as escadas. Um grupo de foliões saiu discretamente do salão quando o casal se aproximou, e ele fechou a porta atrás deles com um pontapé.
Ao chegarem ao quarto, David retirou as capas de ambos e caiu na cama com ela, cobrindo-a com o seu corpo, sentindo o corpo dela render-se submissamente a ele. A mente dele não se concentrava em mais nada a não ser o toque e o odor dela. Tentou conter-se, tentou acalmar a terrível tempestade que o dominava, mas o beijo profundo e penetrante que ele lhe deu tornou-se feroz e faminto quando Christiana segurou a cabeça dele entre as suas mãos e o impeliu mais para junto de si.
David conseguiu retirar-lhe o casaco sem o rasgar, mas os atilhos do cotehardie constituíam um desafio para os seus dedos experientes. Puxou pelo nó enquanto beijava e mordiscava os seus seios. Finalmente, numa furiosa frustração, afastou-se, voltou-a ao contrário e encarou o nó recalcitrante.
- Ficai quieta - murmurou, retirando a sua adaga e afastando num piscar de olhos a obstrução à paixão. - Ajoelhou-se e fez deslizar a lâmina sob os atilhos. - É um velho truque praticado nos casamentos. As vossas criadas fizeram um nó que não pode ser desfeito.
Ela riu-se de uma forma maravilhosa, lírica, e depois voltou-se, divertida, alegremente a retirar o vestido. Assim que o fez, ajoelhou-se e voou para os braços
dele, como se aquela separação tivesse durado uma eternidade.
Nesse momento, ele perdeu-se. Num frenesim de carícias e beijos, conseguiram retirar as roupas dele. com exclamações, arquejos e gargalhadinhas de êxtase, as mãos dela encontraram as dele no cinto e na camisa e finalmente precipitaram-se acaloradamente sobre a pele dele. Ele retirou-lhe a combinação pelos ombros, descobrindo-lhe o seios, e inclinou-a para trás de modo a poder deliciar-se com aquela agradável suavidade.
Os gemidos de Christiana perturbaram-no, destruindo o último resquício de autodomínio. Puxou-lhe o vestido até às ancas e sentiu a humidade da excitação dela.
- Prometo que vos concederei um prazer lento mais tarde disse, enquanto a deitava. - Durante toda a noite, se assim o desejardes. Mas agora não posso esperar, querida.
Abriu-lhe as pernas e ajoelhou-se entre elas. Ela contemplou-o, os seus olhos negros repletos de estrelas.
Ele fitou o rosto adorável de Christiana e os seus seios alvos e redondos. O vestido estava amarfanhado na cintura e as meias ainda lhe davam pelos joelhos. David
puxou o vestido mais para cima, expondo as ancas e a barriga de Christiana. Tocou naquela carne pulsante e intumescida entre as suas coxas e observou o prazer que a invadia.
As fantasias do desejo dele instavam-no, implacáveis. Apesar da ignorância dela e da necessidade dele, David não conseguia resistir a todas elas. Dobrou-lhe as pernas de modo a que ela ficasse erguida
e aberta para ele. A respiração entrecortada de Christiana irrompeu nela neblina que o envolvia e David lançou-lhe um olhar e avistou o lampejo de cautela e surpresa nos olhos dela.
- Não tenhais medo - disse enquanto lhe erguia as ancas. - Quero beijar-vos toda. Só isso.
Ele sabia que não conseguiria entregar-se a este prazer por muito tempo. O seu próprio corpo não lho permitiria. Nem o dela, pelo que se veio a revelar. Ela contorcia-se e gritava devido ao choque e intensidade que este novo prazer lhe provocava, e David não tardou a sentir as primeiras contracções do clímax dela.
Deteve os beijos e deitou-se sobre ela levando as pernas dela com ele, instalando-as nos seus ombros. Ela agitou-se frustrada por ele a ter levado ao limiar do precipício e não ter continuado.
- Em breve, querida, prometo. Fá-lo-emos juntos - disse num tom tranquilizador, e, erguendo-se, penetrou-a com uma única investida.
O corpo dele estremeceu devido ao prazer agonizante do momento, mas o estremecimento só por si restituiu-lhe algum autodomínio. Estendeu os braços e acariciou-a, experimentando a sensação intensa de estar prestes, ele próprio, a atingir o clímax.
Ela observava-o enquanto ele se movimentava, as mãos dela, ávidas e acolhedoras, acariciando os seus ombros e peito. Os seus olhos brilhantes e os suspiros suaves mostravam a David que ele preenchia outras necessidades dela para além das do corpo. As emoções emanavam dela, pairavam junto a ele e envolviam-nos a ambos, da mesma forma que os seus braços e pernas haviam estado entrelaçados poucos momentos antes.
David sentiu que o corpo de Christiana se retesava, perto do clímax. O seu próprio controlo começou a ceder. Passou a mão entre os seus corpos, procurando conceder-lhe a tão desejada libertação. Frenética ela agarrou-se a ele, erguendo energicamente as ancas de encontro às suas investidas, arrastando-o com ela para aquele delicioso esquecimento.
David raramente procurava um alívio mútuo. Na verdade, evitava-o. Agora, à medida que a paixão de ambos atingia o auge e os consumia a ambos, ele sentiu o êxtase de Christiana no momento em que o seu próprio explodia dentro dela. Durante um sublime
instante, os relâmpagos daquela tempestade fundiram-nos numa plenitude completa.
Quando terminaram, ele pôs-se ao lado dela, beijando-a suavemente enquanto lhe estendia as pernas, permitindo a si mesmo apreciar a gloriosa expressão no seu belo rosto. Deitou-se de costas, puxando por ela ao fazê-lo para a deitar sobre si. Manteve-a ali, a cabeça dela no peito dele as pernas a envolver-lhe as ancas, observando o percurso da sua mão enquanto acariciava as suas costas pálidas.
Algum tempo depois, ela ergueu a cabeça e inclinou-a pensativamente.
- Estou a ouvir alaúdes - disse.
- Lisonjeais-me.
Ela soltou uma risadinha abafada e bateu-lhe no ombro de uma forma brincalhona.
- Não, David. Estou mesmo a ouvir. Escutai.
Ele concentrou-se e escutou os tons líricos entre o ruído distante da festa. Afastou-a de si, levantou-se da cama e desapareceu no quarto de vestir.
Chnstiana aguardou, pairando ainda na maravilhosa magia da paixão deles. Pareceu-lhe que o som dos alaúdes se intensificara.
Ele regressou e retirou a colcha da cama.
- Estão aqui por vós. Deveis agraciá-los com o vosso reconhecimento.
Ele colocou a colcha quente sobre os ombros, e ela levantou-se e juntou-se a ele no seu casulo acolhedor.
A porta das escadas que conduzia ao jardim de hera estava aberta, e eles dirigiram-se ao patamar de pedra. David ergueu-a e sentou-a no muro baixo do patamar, aconchegando bem a manta em redor das suas pernas.
Lá em baixo, no minúsculo jardim, conseguia ver quatro homens com alaúdes. Cantavam versos poéticos de uma canção de amor. Ela reconheceu o tom grave de Walter Manny.
- Quem são os outros? - sussurrou.
- São todos de The Pui. É uma tradição quando um deles
se casa.
Tocaram outra canção. Archotes iluminavam o jardim principal, mas aqui os cantores eram apenas formas negras nas sombras. Acima
deles, o céu nocturno límpido reluzia com centenas de estrelas. David mantinha-se ao lado dela, segurando-a sob a colcha, afagando o seu cabelo com o rosto. Havia algo de incrivelmente romântico no facto de estarem ali juntos na noite fria com a intimidade da paixão ainda a pairar sobre eles enquanto a música tocava.
Walter cantou a canção seguinte sozinho. Possuía uma melodia lenta e suave que ela já havia escutado antes. Era a canção que David entoara naquela tarde no salão, aquela que ela achara tão triste nesse dia. Agora apercebia-se de que não era triste de todo, apenas suave e bela. Naquele dia deixara-a a pensar em Stephen, e nem sequer havia reparado nas palavras, mas desta vez escutou atentamente.
Não era de todo uma trova de amor, mas antes uma canção em louvor de uma mulher e da sua beleza. As palavras falavam de membros elegantes e porte nobre. O cabelo dela era negro como a noite aveludada, a pele como um raio de luar, e os olhos como os diamantes das estrelas...
Ela manteve-se muito quieta. Escutou o resto da bela canção que a descrevia. David escrevera aquilo. Havia-a tocado nessa tarde no salão para ela, e ela nem sequer a escutara.
A voz de Walter e o alaúde silenciaram-se quando teminou a melodia. Christiana lançou um olhar à sombra do homem ao seu lado. O seu coração rejubilava de alegria e orgulho por ele a ter honrado desta forma, há tanto tempo, mesmo quando ela o tratava tão mal.
- Obrigada - murmurou, esticando-se para lhe beijar o rosto. Escutaram mais algumas canções, e depois os quatro músicos
avançaram e fizeram uma vénia.
- Obrigada, Walter - agradeceu baixinho.
- Minha senhora - respondeu, e as sombras engoliram-no.
- Que tradição maravilhosa - disse ela a David enquanto regressavam para a cama. - Já fizestes isto?
- Sim. Já tive o meu quinhão de noites passadas ao frio em jardins a cantar para mulheres recém-casadas. Ficamos até ela nos dar a entender que nos escutou. Ocasionalmente, o noivo está tão entusiasmado na cama que demora horas. Depois disso, fazemo-lo pagar caro.
Ela soltou uma gargalhada e encostou a cabeça ao seu ombro.
- Foi um casamento maravilhoso, David. - Pela janela aberta ainda penetrava algum estridor da festança que prosseguia lá fora
e lá em baixo. - Diverti-me imenso. Annee diz que eu danço muito bem para uma amadora. Ela disse que me ensina mais se eu quiser.
- Se vos dá prazer, deveis fazê-lo.
- Gosto dela. Também gosto de Oliver. É um velho amigo vosso?
- Amigo de infância.
- Estão casados há muito tempo?
Uma expressão peculiar surgiu no rosto de David. Estava tão belo nesse momento, com o cabelo castanho dourado a cair-lhe sobre a fronte e os olhos azuis penetrantes a fitá-la.
- Christiana, Oliver vende mulheres. Vivem juntos, mas Anne não é esposa dele. É uma das suas mulheres.
- Estais a dizer-me que ela é prostituta dele ? Anne é prostituta ? Ela faz isto com estranhos por dinheiro? Ele permite-o e ainda lhe arranja homens?
- Sim.
- Como pode fazê-lo? Parece preocupar-se com ela, David. Como é que...
- Na verdade, não sei.
Ela imaginou Anne, como os seus belos cachos castanhos e um rosto adorável, embora mundano.
- Deve ser horrível para ela.
- Suspeito que se deverá alhear quando está lá com eles.
Era possível fazer-se aquilo? Unir-se assim a outra pessoa e não se importar com aquilo, nem sequer sentir nada? Ou apenas retirar prazer, sem qualquer interesse pela pessoa em questão? Era uma ideia triste e assustadora.
Ela voltou a cabeça e lançou um olhar à cúpula de tecido azul acima deles, sentindo compaixão por Anne e já algum desagrado em relação a Oliver por esperar tais coisas dela. É verdade que eram pobres, mas decerto haveria alguma outra
forma de resolver o problema.
E contudo, tinha de admitir que as relações sexuais podiam obviamente acontecer de todas as formas possíveis e pelas mais variadas razões. Na verdade, ela suspeitava
que o amor não tinha nada a ver com aquilo, especialmente para os homens. Afinal, o desejo que ela e David partilhavam era essencialmente físico, não era? Para ele, era mesmo só isso. E outras mulheres tinham estado ali, onde ela
estava agora, vivendo as mesmas experiências. Havia-as desejado, e aeora desejava-a a ela. Quem desejaria ele a seguir?
A magia e a maravilha pareceram-lhe subitamente menos especiais.
Duraria muito, este desejo? Talvez, se um homem despendesse mil libras por uma mulher, se sentisse na obrigação de a desejar por muito tempo. Mas quando o desejo desvanecesse, o que lhe restaria a ela? Uma casa e talvez alguns filhos. Não é que fosse pouco, mas ela queria mais.
O reconhecimento desse facto assustou-a e Christiana nem sequer compreendia os sentimentos que revelava. Contudo, compreendia que podia haver perigo nesta cama com este homem, e a hipótese de uma desilusão bem maior do que a que conhecera com Stephen Percy.
Um estranho vazio apoderou-se dela. Era como uma solidão desolada, apesar do homem que a abraçava. Vivera uns momentos maravilhosos durante aquelas últimas horas,
rindo e dançando, subjugada pela paixão mútua. Os momentos passados junto a ele, lá fora, enquanto escutavam as canções de amor haviam sido tão românticos. Apercebeu-se com pesar que havia estado a construir insensatamente outra ilusão, outro sonho.
Ela sentiu-o mover-se e em seguida aqueles olhos azuis estavam pousados nela, observando-a.
- Em que estais a pensar? - questionou David. Não sabeis? Quis perguntar. Sabeis sempre.
Encontrou o olhar dele e compreendeu que ele sabia. Pelo menos em parte.
- Estou a pensar que há algo mais em tudo isto do que a minha compreensão alcança. - com um gesto, abarcou a cama. - Deveis considerar-me muito infantil e ignorante comparada com as outras mulheres que conhecestes.
Mulheres belas. Mulheres mundanas. Mulheres experientes. Jamais conseguiria competir com elas. Nem sequer sabia como. Por que razão a teria ele desposado?
A mão dele acariciou-lhe a face e voltou o seu rosto para o fitar.
- Agradais-me muito, Christiana.
Sentiu-se um pouco melhor com essas palavras, mas não muito.
- Alicia era vossa amante, não é verdade? - inquiriu bruscamente.
- Sim. Mas está terminado.
- Também houve outras. Algumas que eu conheço e que me conhecem - disse sem qualquer expressão.
Ele limitou-se a fitá-la.
- Elizabeth? - questionou, pensando naquela mulher requintada e encantadora e sentindo uma enfurecedora pontada de ciúme. Ninguém jamais poderia competir com Elizabeth.
- Elizabeth é uma velha amiga, mas nunca fomos amantes. Uma indignação protectora substituiu imediatamente o ciúme.
- Por que não? Sois melhor do que muitos homens a quem ela esteve ligada. E aquele lorde que ela desposou é idoso e mal-parecido.
Ele riu-se.
- Agora estais Zangada, com ela por nunca termos dormido juntos? Não, não houve qualquer insulto nisso. Elizabeth gosta dos amantes bem jovens.
- Vós sois jovem.
- Não o suficiente. Ela gosta deles ainda inexperientes. Pretende influenciá-los.
- Jovens como Morvan?
- Sim.
Ela ficou a pensar naquilo e naqueles meses em que Morvan acompanhava Elizabeth. Fora muito tempo para ele. A preocupação com o irmão distraiu-a das preocupações acerca de si mesma.
- Sabeis algo acerca deles e do que aconteceu? Algumas pessoas na corte pensaram que eles se casariam, mas depois, de repente, acabou. Morvan nunca falou comigo acerca disso.
Ele lançou um olhar à almofada durante um momento e ela percebeu que ele sabia.
- Oh, por favor, David, dizei-me - pediu. - Afinal, ele é meu irmão. Sou muito discreta, sabeis. Sou a única mulher na corte que nunca se entregou a mexericos.
- Uma virtude rara que não devo corromper.
- Sempre escutei, mas nunca repeti o que ouvi - disse.
- Elizabeth não desposou o vosso irmão porque ele nunca a pediu em casamento. Ela amava-o, mas ele não a amava. Pelo menos,
não da forma que ela desejava. Elizabeth jamais se ligaria a um amor desigual como esse. Depois há a questão de ela ser infértil. Sabe que o é desde muito jovem. É por isso que os homens mais velhos a desejam. Já possuem os seus herdeiros. Um dia o vosso irmão irá ser de novo lorde de Harclow e pretenderá ter um filho.
- Não, David, não me parece que ele vá sê-lo. O rei jurou que iria fazer os possíveis por isso, mas esqueceu-se.
- Os homens não esquecem os juramentos que fazem.
O que mais saberia David acerca das pessoas com quem ela havia passado a sua vida?, pensou. Talvez, se ela provasse ser muito discreta, ele algum dia lhe contasse. Estar assim a conversar no calor da cama era muito aprazível e aconchegante. Quando ele se encontrava de pé e a caminhar de um lado para outro, ainda permanecia um mistério para ela, mas a intimidade daquele momento baniu temporariamente essa sensação.
- Fiquei surpreendida por o rei vir esta noite - disse ela, interrogando-se até onde poderia ir neste clima de boa disposição.
- Até mesmo os reis gostam de se divertir. Ser uma personalidade real pode ser algo muito entediante, e Eduardo ainda é jovem. Não é muito mais velho do que eu.
- Parece conhecer-vos bem.
- Somos aproximadamente da mesma idade, e ele sente-se mais confortável comigo do que com os dignitários da cidade, que são muito formais com ele. Fiz-lhe alguns favores. Encarrega-me de algumas missões, principalmente para a Flandres. Transportei cartas para o governador de Ghent em várias viagens.
- Ainda fazeis isso? Essas missões?
- Sim. Algumas das viagens que faço são a mando de Eduardo.
Era isso. Ela sorriu perante a sua tola hesitação. Devia ter perguntado mais cedo. Tudo fazia sentido e era perfeitamente inocente. Ainda assim...
- São, perigosas, essas viagens?
- Não têm sido.
Não era o mesmo que responder com uma negativa, todavia decidiu não insistir.
Aninhou-se ao corpo dele, desfrutando do calor do braço dele à sua volta. Pensou nalgumas pessoas que conhecera no banquete da
Câmara Municipal. Recordou-se em especial de Gilbert de Abyndon, um homem de lábios finos e cabelo grisalho, que tentara ignorar a presença de David até mesmo no momento em que estava a apresentá-la.
- Gostei de Margaret, esposa de Gilbert. Penso que ela e eu podemos vir a ser amigas. Pensais que ele o permitiria?
Na verdade, ela pretendia saber se David o permitiria. Margaret não era muito mais velha do que ela própria, e era uma mulher agradável de cabelo loiro. Ambas haviam apreciado o encontro e a conversa, embora os seus maridos tivessem permanecido imóveis como sentinelas.
- Muito provavelmente. Gilbert é muito ambicioso. Irá tolerar o vosso casamento comigo devido à vossa condição nobre e às vossas ligações com a corte. Tal como a
maioria dos mercadores abastados, ele pretende elevar a sua família à pequena nobreza.
- Ainda assim, ele pode opor-se a que ela me visite. É óbvio que existe ódio entre vós.
Aquele comentário deixou-o silencioso durante algum tempo. Christiana voltou-se e viu-o a observar o dossel azul, um pouco à semelhança do que ela fizera na noite anterior. David fitou-a com um brilho no olhar. Teria ficado enfadado com a simples menção do tio? David beijou-lhe o cabelo como que para a tranquilizar.
- Odeio-o por aquilo que ele fez à minha mãe, e ele odeia-me porque eu estou vivo e uso o nome de Abyndon. Ele é o pior da nossa geração, minha menina. Opinioso e intransigente. É uma pessoa pedante e frequenta a igreja todas as manhãs antes de passar o dia a amaldiçoar as pessoas. Se ele tivesse estado nesta casa hoje, não teria visto alegria e bem-estar, mas apenas pecado e fraqueza. Se pretendeis ser amiga de Margaret, deveis saber disto, porque este é o homem a quem ela está ligada. Afortunadamente, pelo bem dela, o seu marido idoso falecerá em breve.
Ela pestanejou perante estas últimas palavras. Desejar a morte de outrem era algo terrível. A forma fria como ele o disse surpreendeu-a ainda mais.
- Precisamos de encontrar uma criada que vos ajude com as roupas - acrescentou. - Geva disse que quereríeis ser vós mesma a escolher a rapariga. Dentro de poucos dias, ide visitar Margaret e pedi-lhe ajuda com isso. Vede se Gilbert o permite.
David acariciou-lhe o cabelo e o ombro, e Christiana comprimiu-se contra o corpo dele à medida que o calor das carícias faziam despertar a sua pele. Ela suspeitava que ele queria fazer amor novamente. Aguardou que ele tomasse a iniciativa e ficou surpreendida quando David começou a falar e a sua voz suave flutuou até ao seu ouvido.
- Os meus tios Gilbert e Stephen já deviam ter uns vinte anos quando a minha mãe ainda era uma menina. Idade suficiente para perceberem o que ali tinham assim que ela perfez os catorze anos. Era bela. Perfeita. Até mesmo quando faleceu, apesar de tudo, continuava a ser bela. Os irmãos dela viram no casamento uma oportunidade. Tinham tudo planeado. Pretendiam, como primeira opção, desposá-la com um nobre. A segunda opção era um mercador pertencente à Liga Hanseática. Em terceiro lugar, um homem da pequena nobreza. Destinaram um dote chorudo e começaram a exibi-la diante desses homens. Levavam-na com eles a todos os banquetes, vestida como uma senhora.
- E funcionou?
- Funcionou. John Constantyn contou-me aquilo que ela não me disse. Começaram a chover ofertas. Gilbert e Stephen começaram a discutir o casamento que seria melhor para eles, evidentemente, não para ela. Tornaram-se muito espertos e atiçaram uns contra os outros.
- Ela recusou a opção deles? Foi por isso que...
- Pior do que isso, tal como o meu corpo ao vosso lado o confirma. Não foram suficientemente cuidadosos com ela. Os pais deles já haviam falecido, e as criadas que a vigiavam eram demasiado indulgentes. Ela apaixonou-se. O homem desapareceu muito antes que ela se apercebesse que estava grávida.
- Seria um dos pretendentes?
- Aparentemente, não. Ainda assim, os irmãos procuraram resolver a tragédia à maneira deles. Quiseram saber o nome dele de modo a forçarem um casamento, mas ela não o revelou. Gilbert tentou que ela o confessasse, batendo-lhe, e mesmo assim ela não o fez. Assim, encontraram outro marido para ela, disposto a aceitá-la sob aquelas circunstâncias, e que quisesse realizar um casamento rápido.
Christiana sentiu-se constrangida. Recordou-se da primeira noite na sala de estar de David e de ele lhe perguntar se ela estava de
esperanças. Devia ter pensado que era a mesma história, e que ele era o outro homem cujo casamento rápido encobriria o erro de uma rapariga.
- Ela não o quis aceitar - prosseguiu. - Estava certa de que o seu amante regressaria. Dirigiu-se ao sacerdote e explicou que não queria casar-se.
Mais corajosa do que eu, pensou Christiana. Meu Deus, o que se teria passado na mente de Davidna noite em que o enfrentara diante da lareira?
- O que fizeram eles ?
- Mandaram-na para longe. Temos alguns familiares em Hastings e eles enviaram-na para lá. Gilbert ordenou-lhe que se livrasse da criança quando esta nascesse. Se ela não obedecesse, deixariam de a sustentar e seria como se ela estivesse morta. Não deveria regressar a Londres sob circunstância alguma.
- Mas ela ficou convosco e regressou.
- Ela tinha a certeza de que o seu amado regressaria, e ele não saberia onde procurá-la se ela não estivesse aqui. Por isso, não tardou a regressar. De alguma forma, conheceu Meg e começou a trabalhar como lavadeira. Meg foi a parteira quando eu nasci. Naqueles primeiros anos, vivíamos num pequeno quarto atrás de um estábulo junto ao rio. Para além de Meg e dos outros trabalhadores, eu era o único companheiro da minha mãe. Gilbert e Stephen nunca a viram e, fiéis à sua ameaça, nunca lhe deram um tostão. Ela podia ter morrido à fome que eles não teriam sabido nem se importavam.
- E vós? Sabíeis quem ela era, tínheis conhecimento deles?
- Só quando fiz sete anos. Comecei a ouvir falar destes homens com o mesmo nome da minha mãe e fui-me apercebendo de algumas coisas. Nessa altura, Stephen começou a fazer carreira como político na cidade. E nessa altura eu já sabia que era um filho bastardo. Os outros rapazes encarregaram-se de mo fazer saber. Alguns anos
mais tarde, ela converteu-se na governanta de David Constantyn e as coisas melhoraram, embora Gilbert e Stephen nunca lhe tivessem perdoado por tê-la auxiliado.
A infelicidade dela era o preço pelo seu pecado contra Deus e contra eles. Principalmente contra eles.
Ele contara esta história de uma forma simples e calma, mas ela pressentia que havia muitos outros pensamentos ligados a esta narrativa, e que alguns deles lhe diziam respeito a ela.
Recordou-se do esboço do rosto da mulher que vira e, olhando Uara a constituição perfeita de David, conseguia ver nele a mãe. Mas outro rosto contribuíra para estes
traços e aqueles olhos profundos, num rosto desconhecido.
- Qual era o nome dela? O nome da vossa mãe.
- Joanna.
- E o vosso pai, conhecei-lo?
- O único pai que alguma vez conheci foi o meu mestre. A primeira vez que o vi, ele repreendeu-me por lhe ter furtado uma maçã. Upareceu-me vindo do jardim de hera
no momento em que me Encontrava sentado sob uma árvore a comê-la, enquanto a minha mãe ajudava com a lavagem da roupa no pátio. Tive de arranjar uma Hesculpa rápida
e credível para escapar a uma sova, garanto-vos. Deu-me uma grande palmada e arrastou-me até junto da minha mãe.
Algumas semanas mais tarde, apareceu enquanto estávamos
aqui e levou-me a assistir ao enforcamento de um ladrão. No caminho de regresso contou-me que havia duas formas de os homens inteligentes enriquecerem. Uma era através
do roubo e a outra através do comércio, mas os ladrões viviam vidas mais curtas. Por volta dos meus oito anos, dei por terminada a minha carreira de ladrão, e aproveitei bem a lição.
Ela recordou as crianças pobres que por vezes avistava nas ruas da cidade a aproximar-se das carruagens e das janelas, escapulindo-se com comida e bens. Imaginou
um David pequenino entre elas. Nunca era apanhado, evidentemente.
- Ele quis casar-se com ela, penso eu - acrescentou pensativamente. - Recordo-me de os apanhar quando devia ter uns doze anos. Estavam sentados no salão. Apercebi-me de que estavam a disputir algo importante. Pressenti-o.
- Pensais que ela o recusou?
- Sim. Na altura presumi que ele o fizera porque me queria a mim. Naquela altura mantínhamos uma relação próxima, quase de pai e filho. Até partilhávamos o nome.
Ela escolhera o meu da Bíblia, mas é um nome invulgar em Inglaterra, e eu sabia desde o início que
o facto de eu ter o mesmo nome que ele o fascinava. Até mesmo
o Emprego dela aqui, sempre pensei que ele tinha aceite a minha mãe para ter o filho. Mas agora penso que foi precisamente o contrário.
- Ela recusou-o por causa do outro homem, o vosso verdadeiro pai?
- Sim. O coração dela continuou a esperar já depois de a mente ter desistido. Desprezei-a por isso quando era adolescente, mas quando ela faleceu, compreendi um pouco.
Ela recordou-se da compreensão paciente de David durante os esponsais, mas igualmente dos seus comentários cruéis e implacáveis sobre Stephen.
Ainda aguardais por ele, depois de todo este tempo e quando a, verdade é tão óbvia. Ainda bem que Eduardo me deu a vossa mão em casamento, caso contrário teríeis passado toda a vossa vida à espera e a viver num sonho desvanecido.
Ao recusar-se a repudiá-la, David correra um risco horrendo e doloroso.
Ela procurou o conforto cálido do corpo dele, sentindo a pele de David contra a sua. O facto de ele lhe ter falado de Joanna e da sua infância enternecera-a. Aos poucos, em momentos como este, talvez ele deixasse de ser um estranho para ela. Também sabia que não estava na sua natureza fazer este tipo de confidências e que apenas a intimidade do matrimónio o havia permitido.
Sem pensar, fez deslizar o rosto conta o peito dele e voltou-se para o beijar. Saboreou a pele e beijou-o de novo. O seu desejo de dar e receber conforto e de se comprazer nesta recente intimidade de ambos transformou-se em algo diferente à medida que o beijava, e impulsivamente voltou a cabeça e mordeu-lhe suavemente o mamilo. Ele tocou-lhe na cabeça e segurou-a, encorajando-a. Uma sensualidade lânguida percorreu-lhe o corpo e também sentiu uma mudança nele. Só nessa altura se recordou de que esta havia sido uma daquelas confidências que a criada lhe fizera de manhã durante o banho.
Ele permitiu que os lábios e a língua dela o acariciassem durante algum tempo e depois voltou-a suavemente de costas.
- Parece-me que vos prometi prazer prolongado - disse ele.
- Vejamos até que ponto poderemos prolongá-lo.
Muito mais tarde, pois David era capaz de prolongar o prazer durante muito tempo se assim o quisesse, jaziam juntos na cama obscura, as cortinas fechadas contra os sons esbatidos e as luzes do
banquete de casamento. Christiana começou a adormecer nos seus braços.
Ela sentiu-o mover-se e percebeu que ele observava o seu perfil quase indistinto.
- Falastes com ele? - perguntou suavemente.
Ela já se esquecera do assunto. Esquecera tudo acerca de Stephen Percy e da sxia ira e mágoa contra David. Este dia e esta noite haviam obscurecido as suas suspeitas acerca das motivações de David, e desejou sinceramente que ele não lhas tivesse recordado.
Ele vive com realidades, pensou ela. Sois vós quem compõe sonhos e canções. Mas ele havia escrito aquela canção acerca dela, não é verdade? Todavia, não era uma canção de amor. Ele considerava-a bela e escrevera acerca disso. Talvez ele também escrevesse melodias do género acerca do pôr-do-sol e das florestas.
- Sim. Falei com ele.
- O que pretendia?
- Nada de honroso.
Ele ficou silencioso durante um momento.
- Não quero que o volteis a ver - disse finalmente.
- Ele está na corte com frequência. Quereis dizer que nunca mais vou poder regressar a Westminster?
- Não estou a dizer isso. Sabeis o que quero dizer.
- Terminou, David. Tal como vós e Alicia. É o mesmo.
- Não é o mesmo. Eu nunca amei Alicia.
Ela voltou-se para ele. Ele abrira esta porta e ela sentiu o impulso de entrar.
- Nunca tencionastes deixar-me ir com ele, pois não?
- Não menti quando o disse, mas estava certo de que isso não aconteceria.
- E se tivesse acontecido?
Os dedos dele tocaram o seu rosto na obscuridade.
- Não vos teria deixado ir. Soube-o desde cedo.
Porquê? Pelo vosso orgulho? Pelo vosso investimento? Para me salvar do destino da vossa mãe? Não podia colocar-lhe a questão porque não queria saber a verdade. Devia ser permitido a uma rapariga algumas ilusões e ambiguidades, se tinha de viver com um homem. Também não queria realidade a mais.
- Como é que sabíeis que eu viria naquele dia?
- Não o esperava. Tencionava ir lá buscar-vos.
- E se eu não viesse nem concordasse com a vossa sedução?
- Não vos teria dado muitas hipóteses de escolha. Ela pensou naquilo.
- Fostes muito inteligente, David, reconheço isso. Muito cuidadoso. Muitas testemunhas. Todo o vosso lar. Idonia. Até que ponto fostes meticuloso? Guardastes os lençóis? Deixaste-os na cama para que Geva os visse no dia seguinte? - O seu tom de voz encerrava mais petulância do que aquela que sentia.
Ele beijou-lhe a têmpora e puxou-a para si.
- A primeira vez que vos encontrei, e de todas as outras vezes, dissestes-me que o amáveis, Christiana. Até àquela quarta-feira. Apesar do que acontecia entre nós quando eu vos beijava, apesar de ele vos tratar mal. Sim, querida, fui meticuloso. E calculista e inteligente. Converti deliberadamente este casamento num facto e liguei-vos a mim. Não podia correr o risco de ele vos contar as mentiras que o vosso coração queria ouvir de modo a abusar de vós de novo. Ter-me-íeis aceitado de outro modo? Deveria eu ter recuado perante este cavaleiro como mercador que sou? Ter-vos-ia agradado se tivesse honrado a minha promessa de vos deixar ir?
Ela estremeceu um pouco perante a franqueza brutal das suas palavras. As coisas soavam de uma forma diferente quando ele as punha desta maneira, quando ela as via através dos olhos dele. Fora tão fácil esquecer a pessoa que ela era antes da última quarta-feira.
- Não - sussurrou, e era verdade. Não teria ficado satisfeita se ele se mostrasse indiferente e simplesmente tivesse permitido que Stephen a levasse. Outra reacção que ela temia examinar ao pormenor.
O silêncio impôs-se de novo, e após algum tempo, ela relaxou no seu abraço. O sono já quase a reclamara quando escutou uma gargalhada suave no seu ouvido.
- Sim, minha menina. Fui meticuloso e não corri riscos. Guardei os lençóis.


CONTINUA

CAPITULO 10
Christiana assumiu que nesse dia o almoço fosse mais sumptuoso do que era habitual para a refeição do meio do dia. A visita de John Constantyn era provavelmente o motivo para o excesso de pratas, bem como os acepipes, mas suspeitava também que a sua própria visita inspirara Vittorio a confeccionar algumas iguarias de última hora.
- Aposto que ele é um dos melhores cozinheiros de Londres
- confidenciou John. - Faço sempre os possíveis para conseguir um convite para comer aqui. - Deu umas palmadinhas na sua volumosa barriga. - É melhor não o deixares cozinhar no teu casamento, David. O rei pode roubar-to.
Vittorio assegurou-se de que tudo estava perfeito na mesa, e depois sentou-se junto aos aprendizes e Sieg. Em breve toda a mesa falava em italiano.
- É mais fácil aprenderem à mesa. - Explicou David. - Vai ser preciso, por causa do comércio.
Christiana observava os rapazes. Andrew era mais velho do que ela e Roger dois anos mais jovem. Todavia, para eles não era estranho que uma rapariga da sua idade desposasse o seu mestre. Na verdade, as noivas-criança eram mais comuns e ela era um pouco velha para esse papel.
John serviu-se de salmão.
- Ouvi dizer que recebestes hoje um carregamento, David.
- Tapetes de Castela.
- Tendes recebido muita carga de Inverno.
- Elas chegam quando chegam.
- Pois, pois. Estais à espera que o comércio seja interrompido na Primavera ou no Verão, não é verdade? - baixou o tom de voz.
- Ele vai fazê-lo, não vai? Outra maldita campanha. Outro exército para França e todos os navios à vista requisitados nesse sentido. Ainda bem que só negoceio com lã. Ele jamais interferirá com isso.
- Se Eduardo continuar a pedir dinheiro emprestado, em breve não haverá prata no reino nem mesmo para comprar a vossa lã, John, quanto mais para tapetes espanhóis.
- Vendeis sempre os vossos objectos de luxo, David. Sabeis sempre o que eles pretendem. - Inclinou-se na direcção de Christiana. - Ele possui instintos de ouro, minha senhora. Há uns anos atrás, ele não tocaria no monopólio do rei para exportar lã em bruto e convenceu-me também a mim a desistir. Salvou-me a pele. Quase todas as pessoas envolvidas perderam tudo.
A refeição foi longa, cordial e descontraída. David e John conversaram sobre política e negócios e discutiram as políticas de Eduardo mais abertamente do que os cortesãos. Ocasionalmente, algumas opiniões até pareciam ligeiramente desleais.
Provavelmente, os barões e cavaleiros também falavam assim entre eles, apercebeu-se ela, mas não no salão do rei.
Christiana examinou as pessoas sentadas nas outras três mesas. Para além de Sieg, Vittorio, Geva e os aprendizes, havia mais quatro criados permanentes. O lar de David parecia grande, bem gerido e eficiente. Ele realmente não necessitava de uma esposa para gerir as coisas. Ela suspeitava que a sua presença seria supérflua e até mesmo prejudicial.
Ao longo de toda a refeição, David fê-la saber que não se esquecera da sua presença. Os seus gestos e olhares sugeriam que apesar da atenção que dedicava ao seu convidado, grande parte dos seus pensamentos se dedicavam a ela. Quando ambos terminaram de comer, a mão dele repousou permanentemente sobre a dela em cima da mesa, os longos dedos acariciando distraidamente as costas da sua mão enquanto conversava. De formas subtis, ele mantinha a intimidade que haviam partilhado no jardim de hera.
Ela foi-se tornando cada vez mais consciente do seu toque e dos seus olhares à medida que a refeição se aproximava do fim. Quando
o salão começou a esvaziar-se e os aprendizes regressaram à loja e os criados aos seus deveres, Christiana notou que a percepção dele em relação a ela se agudizava apesar de nada ter mudado no seu comportamento ou nas suas acções.
John Constantyn não permaneceu durante muito tempo depois de as outras mesas ficarem desertas e Christiana e David acompanharam-no até ao pátio.
- Ver-vos-ei no vosso casamento, senhora - disse John. - É verdade que o rei vai assistir, David?
- Foi o que me disseram. Christiana encontra-se sob a sua tutela.
- Consta que o presidente da câmara vos convenceu a mudar o banquete para a Câmara Municipal.
Christiana tentou não embaraçar David deixando perceber que não sabia nada dos planos para o seu próprio matrimónio. Nunca haiam falado acerca disso. Nunca perguntara, porque nunca tencionara lá estar.
Não podia censurá-lo se ele agora antipatizasse com ela. Talvez fosse, de facto, o caso. Ele jamais lhe daria a perceber. Estava tão encurralado como ela, mas ia tentar tirar o melhor proveito desta situação. Seria apenas isso? Duas pessoas a acomodarem-se ao inevitável?
- Sim. E o presidente da Câmara tornou bem claro que se a família real assistir, todos os vereadores devem ser convidados disse David. - Teremos o banquete oficial e fastidioso do presidente da Câmara, e depois outro aqui para esta zona e para o pessoal da casa. Guardai o vosso apetite, John. Vittorio vai cozinhar no segundo.
John soltou uma gargalhada.
- E o vosso tio Gilbert, David. Também virá?
- Convidei-o. Na verdade, apropriei-me de um pajem real para lhe enviar uma mensagem. A esposa de Gilbert é uma boa mulher e não pretendo insultá-la. Ela fará com que ele venha. - Os seus olhos faiscaram maliciosamente. - A decisão irá deixá-lo louco. Se recusar, perderá a oportunidade de estar junto do rei. Se aceitar, honrar-me-á com a sua presença.
- Sim - concordou John com um sorriso de orelha a orelha.
- O dilema dele podia ser causa suficiente para contrairdes casamento, se o melhor motivo não se encontrasse agora aí ao vosso lado.
Ela decidiu não pensar na forma como David tivera acesso a um pajem real.
Nessa altura, John partiu. O pátio pareceu de súbito muito tranquilo.
O braço de David enlaçou a cintura dela.
- Vinde. vou mostrar-vos a casa.
Visitaram primeiro os estábulos. O seu cavalo negro, sem sela e escovado, permanecia no estábulo ao lado das duas montadas de David. O moço da estrebaria não se encontrava em parte alguma. Ela aproximou-se e acariciou o focinho negro do animal. Supunha que agora já podia dar-lhe um nome, uma vez que ia ficar com ele.
No edifício voltado para a rua viu os quartos usados por Michael, Roger e alguns dos criados. Andrew dormia na loja, ela sabia. Impressionava-a que cada pessoa tivesse o seu quartinho. Os criados deste mercador possuíam mais privacidade do que os nobres à guarda do rei.
Reinava o silêncio no salão. Até mesmo a cozinha ecoava por estar deserta. Vittorio estava de saída com uma cesta no braço. Ia às compras para a refeição da noite. Sorriu com indulgência e afastou-se furtivamente.
Quando David abriu a porta do último edifício, Christiana pensou que provavelmente encontraria ali mais azáfama doméstica. Apercebeu-se, com surpresa, que todas as pessoas haviam abandonado a casa.
Seguiu David até aos armazéns repletos de caixas de madeira no primeiro andar, para lá do antigo quarto da mãe. Christiana sentiu o aroma a canela e a cravo-da-índia. Tapetes, especiarias e sedas. Artigos de luxo. A observação de John havia sido correcta. David conseguiria sempre vender estes artigos. Definiam estatuto e honra, e muitas pessoas limitar-se-iam a comer apenas caldo para os poderem adquirir.
O braço dele rodeava-lhe os ombros enquanto a conduzia de regresso à cozinha. Aquele gesto simples pareceu-lhe subitamente menos descontraído do que antes. Teria ele dispensado todo o seu pessoal ou a sua discrição natural tê-los-ia levado a sair, para que o mestre deles pudesse estar a sós com a sua senhora?
Estavam sozinhos, isso era certo. O silêncio ressoante imbuíra este passeio simples de uma intimidade assustadora. Quando
regressaram às escadas que conduziam ao andar superior e aos aposentos de David, já Christiana ia com os sentidos em alerta.
David começou a conduzi-la pelas escadas acima. Ela mostrou-se relutante no segundo degrau.
O sorriso divertido dele fê-la sentir-se infantil.
- Vá lá, menina - disse, pegando-lhe na mão. - Deveis conhecer a vossa casa.
A mente de Christiana admoestou os seus instintos. Afinal, já estivera
no salão. Em breve estariam casados e, apesar dos avisos de Morvan, ele não interpretara
mal a razão da sua vinda. Permitiu que ele a persuadisse a subir.
À luz do dia, pôde ver a beleza do salão. As janelas envidraçadas de um dos lados tinham vista para o jardim e, no Verão, o aroma das flores sentir-se-ia, com certeza,
naquele compartimento quadrado. David acendeu o lume e ela caminhou pela sala, admirando o mobiliário. Cada cadeirão entalhado, cada peça de tapeçaria, cada artigo,
até mesmo os castiçais em prata, possuía uma beleza própria e característica. Correu os dedos pelo entalhe de hera no cadeirão onde se sentara na primeira noite. O que teria este homem pensado da criança que o enfrentara, com os pés a baloiçar à medida que lhe anunciava o seu amor por outro homem?
Stephen. A recordação dele ainda conseguia provocar nela uma mágoa profunda.
Ergueu os olhos e deu com os de David fixados em si.
- Estes objectos maravilhosos vieram com a casa? - questionou.
- Não.
Também lhe quis parecer que não. Tal como o corte austero das roupas de David, os objectos eram, à sua maneira, perfeitos.
- Deveis passar muito tempo em busca destas coisas.
- Raramente. Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Ela observou uma das tapeçarias penduradas junto às janelas. Soberba. Recordou-se da dependência de Elizabeth no gosto dele. Ele tinha olho para a beleza. Esse atributo concedia-lhe uma vantagem tremenda neste negócio.
Penso que sois a rapariga mais bela que já conheci.
Os olhos dela seguiram lentamente o sinuoso rendilhado em chumbo que unia os vidros nas janelas. Sentia o olhar dele cravado nela.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
Um livro pequeno repousava sobre uma mesinha perto da lareira. Sabia que se o abrisse encontraria iluminuras da maior beleza. Como tudo o resto neste compartimento, seria um objecto de grande requinte.
Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Duas portas flanqueavam a lareira. Deambulou até à porta da direita e abriu-a. Deu por si na soleira do quarto de dormir dele. Ignorando um vislumbre de inquietação na forma como ele a observava, entrou.
A lareira no quarto dele situava-se na parte de trás da da sala de estar e a janela também dava para o jardim. O quarto estava mobilado de uma forma simples, com uma cadeira perto do lume e uma ampla cama sobre um estrado baixo no centro do quarto. Cortinas azuis escuras rodeavam a cama, formando um dossel, e a parte lateral abria-se para revelar uma sumptuosa colcha a condizer.
Ela caminhou ao longo da parede com vista para o jardim e transpôs uma outra porta na extremidade do quarto. Entrou no quarto de vestir onde se encontravam os baús e cabides para as roupas dele. Havia também uma pequena lareira e uma tina de madeira tal como a de Isabele. Uma porta na sua extremidade conduzia a um guarda-roupa e a uma privada. Um cano num nicho de parede, semelhante a outros que se podiam ver pela casa, fornecia água canalizada.
Ela abriu uma porta entalhada na parede e deu por si no cimo das escadas que conduziam ao pequeno jardim de hera. Para além da sala de estar, esta era a única entrada para o compartimento.
De regresso ao quarto de dormir, olhou em seu redor, tentando acostumar-se a este espaço. David mantinha-se na soleira da porta, o seu ombro apoiado descontraidamente na ombreira da porta. Ela lançou-lhe um sorriso débil, sentindo-se uma intrusa.
- Onde é o meu quarto?
- Estais a referir-vos aos aposentos da senhora? Não existem. Nós os mercadores não vivemos dessa forma. O vosso lugar é aqui,
comigo - respondeu, encaminhando-se para a lareira. Não havia necessidade de atiçar este lume, pois faiscava e crepitava com novos cepos. Fitou as chamas incandescentes e leu o seu significado tremeluzente.
Quem viera preparar este quarto? Geva? David não teria exposto as suas intenções a uma mulher. Devia ter sido Sieg. O enorme sueco fora o primeiro a abandonar o salão. Ela duvidava que David lhe tivesse dito alguma coisa. Ele limitara-se a fazê-lo. Christiana procurou não olhar para a cama ampla que dominava o quarto. Era evidente que Sieg não tinha conhecimento das garantias que David lhe dera no jardim.
Mas não podia ficar ali especada. Procurou algo para onde pudesse olhar.
O salão estendia-se por toda a largura do edifício, tanto sobre o jardim como sobre o pátio. Este quarto não era assim tão amplo, e a parede exterior era sólida.
Vislumbrou uma porta na outra extremidade e dirigiu-se a ela a passos largos.
Assim que viu o compartimento lateral estacou. Era um gabinete de trabalho. Lançou um olhar aos objectos que o preenchiam e apercebeu-se de que agora estava mesmo a intrometer-se. Começou a recuar e foi de encontro ao peito de David. A mão dele pousou sobre a sua e ele abriu a porta com um empurrão.
- Esta casa é vossa - disse-lhe. - Aqui não há portas fechadas para vós.
A sua casa. Desde Harclow que não tinha uma casa. Não uma casa de verdade. Como a família real se movia de um castelo ou palácio para outro, nunca se sentira em casa, nem sequer em Westminster. Durante os onze anos que ali permanecera não fora mais do que uma espécie de hóspede permanente.
Este pequeno compartimento podia não estar fechado para ela nesse dia, mas obviamente que estava para todas as outras pessoas. Nenhuma governanta cuidava deste quarto, e uma fina camada de pó cobria alguns dos objectos nas prateleiras junto à janela alta. O seu olhar recaiu sobre uma pilha de livros e alguns rolos de papel. Uma pequena pintura ao estilo bizantino e uma bela escultura em marfim adornavam um dos cantos, junto de uma antiga harpa de mão, cuja estrutura era embelezada por um intricado entrelaçamento de fios prateados.
A única peça de mobília era uma ampla mesa coberta com pergaminhos e documentos. Havia uma cadeira atrás dela, e sob a mesa Christiana avistou um pequeno baú trancado no chão.
Pelo canto do olho reparou que a parede atrás da porta também continha prateleiras. Voltou-se e assustou-se ao avistar o rosto de um homem que a fitava.
David soltou uma gargalhada e dirigiu-se à prateleira.
- É extraordinário, não é verdade?
Ela aproximou-se, atónita. O rosto do homem estava esculpido no mármore e o seu realismo espantou-a. O escultor que a fizera possuía, certamente, um toque divino. Sombras subtis modelavam a pele com uma tal precisão que parecia que quase se podia tocar naquele rosto e sentir a pele e os ossos por baixo.
- Encontrei-a em Roma - explicou. - Jazia numas ruínas antigas. Levantei uma pequena secção de uma coluna e ela estava lá por baixo. Encontram-se lá imensas estátuas destas. Corpos inteiros, tão reais como este rosto e esquifes em pedra cobertos com figuras que são agora usados para conter água nas fontes. Vi recentemente algumas estátuas na Catedral de Reims que se aproximavam destas, mas nada semelhante a norte dos Alpes.
Reims. Perto de Paris. O que teria ele ido ali fazer recentemente? Que pergunta estúpida. Afinal, ele era um mercador.
- Trouxeste-la até casa?
- Não. Subornei Sieg para que a trouxesse - respondeu com uma gargalhada.
- Pareceis apreciar bastante a pintura e a escultura. Por que razão não vos tornastes num escultor ou pintor?
- Porque David Constantyn era mercador e foi quem ele quem me tornou seu aprendiz. Quando eu era rapaz, por vezes demorava-me diante da loja de um pintor. Observava-os a trabalhar, a misturar as cores e a pintar as imagens dos livros. O mestre não se importava e até me mostrou como queimar madeira para construir as ferramentas de desenho. Mas o destino tinha outros planos para mim, e eu não o lamento.
Ela aproximou-se da mesa. No canto, encontravam-se alguns pergaminhos dobrados e lacrados com um selo exibindo três serpentes entrelaçadas. Sobre eles encontravam-se alguns papéis espalhados, com marcas estranhas. Um deles exibia linhas irregulares ligadas
por curvas com números. Pequenos quadrados e círculos alinhavam-se ao longo de margens serpenteantes. Ela afastou cuidadosamente o olhar. Era um mapa. Por que razão David elaborava mapas?
Hoje não, recordou-se.
Voltou-se e examinou os livros na prateleira alta.
- Posso ver um?
- Qual deles quereis?
- O maior.
David retirou o maior da prateleira e pousou-o sobre a mesa, cobrindo os desenhos crípticos. Christiana sentou-se na cadeira e abriu-o cuidadosamente. Observou, surpreendida, as linhas e os pontos que tinha diante de si.
- É sarraceno, David.
- Sim. As imagens são maravilhosas. Continuai a ver. Ela virou as imensas folhas de pergaminho.
- Conseguis ler isto?
- Alguma coisa. Contudo, nunca aprendi a escrever muito bem essa língua.
- É proibida? - perguntou num tom céptico. Ela sabia que a Igreja reprovava certos livros.
- Provavelmente.
Surgiu uma imagem, e era realmente maravilhosa e estranha. Homens pequenos com turbantes e roupas estranhas moviam-se num mundo desenhado para parecer um tapete.
- Ensinar-me-eis a ler isto?
- Se assim o desejardes.
David pegou na harpa e apoiou-se na mesa ao lado dela, olhando para o livro enquanto dedilhava distraidamente as cordas. O instrumento emitiu um som adorável e lírico. Ela continuou a virar as páginas, lançando ocasionalmente um olhar ao homem que se mantinha agora junto dela, e aos dedos irresistíveis que criavam uma melodia comovente.
Perto do final do livro encontrou algumas folhas soltas cobertas com desenhos a giz. Umas quantas linhas descreviam tendas num deserto e uma cidade junto ao mar. Sabia, sem ter de perguntar, que tinha sido David a desenhá-los.
Por baixo delas, em folhas mais pequenas, surgiam os rostos de duas mulheres.
Uma delas captou a sua atenção. O rosto, belo e melancólico, pareceu-lhe vagamente familiar. Ela apercebeu-se de que estava a estudar a imagem da mãe dele. Era estranho encarar assim uma pessoa falecida, mas examinou o rosto pormenorizadamente.
- Ireis falar-me dela?
- Um dia.
Ela voltou a sua atenção para o outro rosto.
- Quem é? - perguntou, fitando a beleza exótica de uns olhos negros, capturada para sempre com traços finos e cuidadosos. Sabia que estava a ser intrometida, mas não podia ignorar a forma sofisticada como o rosto desta mulher a fitava.
- Uma mulher que conheci em Alexandria.
À semelhança do retrato da sua mãe, havia muito dos sentimentos do artista na forma delicada como esta mulher estava desenhada.
- Estáveis apaixonado por ela? - perguntou, um tanto chocada com a sua própria ousadia, mas não em demasia. A partir do momento em que entrara no quarto dele, David já não lhe era assim tão estranho.
- Não. Na verdade, por causa dela quase fui morto. Mas fiquei encantado com a sua beleza, assim como estou encantado com a vossa.
Algo no tom de voz baixo dele a obrigou a manter-se muito quieta. Christiana ergueu o olhar epercebeu que o olhar dele estava fixo nela e não nos desenhos. Olhava e aguardava. Era perito nisso. Algo nos seus olhos e expressão da sua boca lhe diziam que ele não estava disposto a esperar mais.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
David parara de tocar a harpa. O coração de Christiana batia um pouco mais acelerado no silêncio que de novo se impusera. Silêncio total. Não havia um único som em toda a casa.
Ela regressou ao livro e, muito cuidadosamente, voltou a página, ocultando os esboços. Surgiu um outro desenho, mas ela mal o viu.
- Sabeis que só vi o vosso cabelo solto uma única vez, durante os esponsais? - disse David. Ela apercebeu-se que a mão dele se aproximava mesmo antes de sentir os dedos sobre a sua cabeça. Até mesmo no banho estava preso.
A pressão leve da carícia dele provocou-lhe um tremor por todo o corpo. O banho. O quarto de vestir. As suas mãos e o seu toque.
- Soltai o cabelo para mim, Christiana.
O tom era ao mesmo tempo um pedido e uma ordem. Ela recostou-se na cadeira, afastando-se dele.
Em breve desposaria este homem. Não teria medo dele. Mas a aceleração do sangue nas suas veias e o seu espírito puro gritavam-lhe que devia afastar-se dele agora.
Lançou-lhe um olhar, numa súplica muda para que ele se recordasse da conversa que tinham tido no jardim, para que compreendesse e aguardasse mais um pouco.
- Morvan já deve estar na loja, David. Devo ir ao encontro dele.
- Deixei mensagem de que viríamos para aqui.
- Então o mais provável é estar lá fora à espera. Não entrará. Não devo deixá-lo lá fora.
- Esta janela dá para o pátio. Vede se ele vos aguarda - sugeriu, apontando para a janela.
Ela levantou-se, passou por ele e pôs-se em bicos de pés para espreitar para o pátio deserto.
- Ele não virá. - A voz serena de David pairou sobre as suas costas e ombros. - Ele aceita que vós agora me pertenceis, da mesma forma que vós o aceitais.
Christiana assentou os pés no chão e ergueu o olhar para o céu límpido da tarde. Por um lado, queria desesperadamente voar por aquela janela. Mas o toque dele, as suas palavras e o silêncio expectante daquela casa haviam despertado todos aqueles outros sentimentos, e aquela voluptuosa expectativa dominou-a.
- Por vezes assustais-me - disse ela. - Eu sei que não devia senti-lo e que dissestes que não era temor, mas em parte é, realmente.
David permaneceu em silêncio durante um momento. A casa parecia estremecer com o vazio.
- Sim - respondeu finalmente. - Para uma virgem, em parte é.
Christiana apercebeu-se de que ele se levantara. Sentiu a sua presença atrás dela. Ansiava e ao mesmo tempo receava o toque dele. O espírito dela retesou-se com a tensão, tal como uma corda esticada ao máximo.
As mãos dele seguraram-na pela cintura e Christiana suspirou com o toque de cada um dos seus dedos. David beijou-lhe os pequenos arranhões e depois o pescoço. Ela fechou os olhos, saboreando a deliciosa proximidade do corpo dele.
- Soltai o cabelo, Christiana.
Ela ergueu os braços e procurou desajeitadamente os ganchos que lhe prendiam o cabelo. Desfez as voltas e tranças intrincadas, terrivelmente consciente do quão fraca e vulnerável se sentia, maravilhosamente consciente daqueles dedos que a acariciavam.
As madeixas espessas caíram-lhe ao longo do pescoço e costas, até às mãos dele. Christiana sacudiu a cabeça para soltar a última parte, pousando os ganchos no peitoril da janela.
David aproximou o seu rosto do cabelo solto de Christiana e o hálito dele provocou-lhe um formigueiro no couro cabeludo e no pescoço.
com as mãos, David voltou-a para si e segurou-lhe no rosto com ternura, como se fosse algo precioso e frágil. Beijou-a com suavidade, beijos magníficos e poderosos, e ela estremeceu à medida que a boca dele intensificava a sua tensão e excitação.
Ele prolongou o beijo, envolvendo-a num abraço que a impeliu para o seu calor. Manteve os braços abertos durante um momento de preocupação antes de o aceitar.
A partir desse momento, sentiu uma mudança nele. O beijo aprofundou-se, comandando o desejo dela. A mão dele envolveu-lhe um seio. Ela arquejou e fechou os olhos, aguardando as deliciosas sensações.
Era uma sensação avassaladora. Os seus membros ficaram lânguidos à medida que o calor lhe invadia o corpo. O cabelo macio de David roçava-lhe o rosto à medida que ia descendo para a pele exposta pelo vestido decotado, beijando o contorno dos seios que os seus dedos acariciavam, provocando picos de desejo.
O receio dizia-lhe para o impedir, mas o desejo não permitia. As vagas de prazer convergiram para um rio de águas velozes, e parecia-lhe fútil e impossível lutar contra a sua corrente.
Os dedos dele brincavam com ela, e o prazer dela era quase frenético. Estou a afogar-me, pensou ela quando a boca de David reclamou de novo a sua.
Ele ergueu a cabeça e olhou para ela, observando as reacções da sua noiva ao seu toque. Ela fitou os lábios entreabertos e o olhar profundo e soube que nesse dia não haveria forma de escapar.
Ele começou a guiá-la até à porta do quarto.
Ela recordou-se do local para onde estavam a dirigir-se e daquilo que ele pretendia.
- Eu não... - sussurrou, enquanto dava outro passo.
- Foi para isso que viestes, não é verdade? Para vos certificardes de que este matrimónio não tem de ser assim tão terrível?
Ela resistiu na soleira da porta. A mão dele regressou ao seio dela, os lábios ao seu pescoço.
- Dissestes... dissestes que hoje não iríeis...
- Eu disse que provavelmente não o faria - murmurou ele.
- E menti.
Ele segurou de novo o rosto dela entre as suas mãos.
- A sombra dele paira entre nós e eu quero banir esse fantasma. Hoje acertamos as contas e voltamos a página. Também será mais fácil para vós desta forma.
Ela leu a determinação nos olhos dele.
- Não tenhais receio. Aguardarei até que estejais pronta e me quiserdes. Vai correr tudo bem. vou fazer por isso.
Estou indefesa contra, estes sentimentos, pensou ela. É inútil combatê-los. De qualquer forma, isto é inevitável. Pertenço-lhe para sempre.
Ela voltou a cabeça e beijou-lhe a mão.
Ele ergueu-a nos braços e dirigiu-se ao quarto.

CAPÍTULO 11
Os braços esguios de Christiana rodeavam o pescoço de David e retesaram-se à medida que ele se aproximava da cama.
Vai correr tudo bem. vou fazer por isso. Palavras arrojadas de um homem que já não desflorava uma virgem desde os dezasseis anos. Ainda assim, cumpri-lo-ia. Por muitas mentiras que ele lhe tivesse dito nesse dia, essa não seria uma delas.
Ele deveria ter percebido. Ela é apenas uma rapariga, dissera Andrew. Um minuto são corajosas e no minuto seguinte são tímidas. Recordais-vos?
Ele sentou-se na beira da cama, com Christiana no seu colo. Beijou-a até o braço em redor do seu pescoço afrouxar um pouco.
Inocente e ignorante. Durante o almoço fizera tudo ao seu alcance para não a fitar de espanto. Enquanto comia e conversava, a sua mente voltava a analisar o significado da sua revelação. Talvez tornasse o dia de hoje desnecessário e ele devesse aguardar. Talvez o tornasse essencial. No fim, o seu próprio desejo decidira o caminho a seguir. Não iria deixá-la partir sem a reclamar para si. Ele queria-a e havia apenas uma maneira de a possuir de verdade.
Ela tocou-lhe rosto, hesitante, e o desejo invadiu-o. Beijou-a avidamente e combateu a tempestade cataclísmica que ameaçava desencadear-se sobre ele. Tem de ser lentamente e com simplicidade, recordou a si mesmo mais uma vez.
Acariciou-lhe os seios e, desta vez, quando os braços dela se retesaram, não foi de temor. O corpo dela descontraiu-se de encontro
ao seu. Christiana tentou imitar o beijo intenso dele e experimentou cautelosa e delicadamente. Aquele esforço inexperiente quase o aniquilou.
A satisfação que encontrou na paixão inocente dela surpreendeu-o. Nunca a procurara noutra mulher. Também não deveria ter importância com Christiana, mas tinha. Sentiu o corpo dela a reagir ao seu e escutou a sua respiração acelerada. David deliciava-se com o abraço desajeitado de Christiana e com os seus arquejos amedrontados sempre que as mãos dele desencadeavam uma nova vaga de prazer. Divertia-se com o conhecimento de que, apesar daquilo que acontecera com Percy, nenhum homem para além de si a excitara.
Beijou-a novamente, saboreando o seu gosto suave e o arco complacente das suas costas. A mão dele procurou as fitas do vestido e começou a despi-la.
A virgem retesou-se durante um instante quando sentiu as roupas mais soltas, mas depois observou de olhos brilhantes as mãos dele a libertar o vestido dos braços, baixando-o até à cintura. Os lábios dela tremiam, entreabertos, e os olhos fecharam-se quando ele lhe tocou no seio através da fina cambraia da combinação.
A pequena mão abandonou os ombros dele e acariciou-lhe o peito, e o trovão tentou irromper novamente. Os dedos dela deslizaram sob a aba que ocultava o fecho do seu gibão. Ele observou a expressão circunspecta de Christiana à medida que fazia deslizar a mão desajeitadamente pelo seu peito. Sim, tendo optado por se entregar, a irmã de Morvan Fitzwaryn não iria desempenhar o papel da vítima relutante.
David fez deslizar as alças da combinação e pôs a descoberto os seus belos seios. Seguiu com o olhar o percurso dos seus dedos à medida que delineava os contornos arredondados. A respiração dela tornou-se ofegante, e Christiana ocultou o rosto timidamente no ombro dele.
Era muito bela, pálida e sem uma única imperfeição. A pele de Christiana não era translúcida e branca, como a de tantas mulheres inglesas, mas tinha antes a tonalidade opaca do marfim novo. Era da cor das praias de areia branca que existiam ao longo do Mar Interior. David acariciou-a, tocando ao de leve nos seus mamilos endurecidos, e todo o corpo dela reagiu. com um gemido débil, o corpo de Christiana arqueou-se sob o seu toque. Aqueles botões de um tom
castanho-claro chamavam por ele, convidativos. Baixou a cabeça e beijou suavemente um deles e depois introduziu-o na boca.
Christiana quase saltou dos seus braços.
David segurou-a firmemente e observou o choque atemorizado nos olhos dela. Beijou-a na face para a tranquilizar.
Os seus beijos foram descendo novamente até aquele seio delicado estar de novo na sua boca. Céus, o homem nem lhe devia ter tocado. Nem sequer devia ter pensado nela. Se Idonia não os tivesse encontrado, ele tê-la-ia possuído à força.
Essa imagem formou-se na sua mente, e o seu espírito reagiu com uma onda de fúria protectora, seguida por uma vaga de ternura. Brincou com ela, usando a língua e os dentes, até sentir que ela se pressionava contra a sua coxa, procurando o doce alívio. David inclinou-se para trás e puxou para baixo as colchas. Lentamente e sem artifícios, ele mostrar-lhe-ia a glória do prazer. Desta vez, só ela importava.
David ergueu-se com ela nos braços, voltou-se e poisou-a sobre a cama. Olhos negros, vivos de paixão, fitavam-no cautelosamente. Ele observou-a, nua até à cintura, com as roupas a caírem-lhe em redor das ancas, e pensou em deixar as coisas assim. Ela tinha um aspecto adorável e puro e recordava-lhe as raparigas da sua juventude, deitadas no feno e na relva. Lembrou-se do tapete de hera no pequeno jardim. Se ele vivesse até ao Verão... As noites quentes e estreladas encerravam a promessa de um êxtase especial.
Gentilmente, fez deslizar o cotebardie e a combinação pelas suas curvas esguias.
Christiana mordeu o lábio inferior ao sentir o misto de choque e excitação perante a visão de David a despi-la, e ficou a observar enquanto via surgir o seu corpo desnudado. Depois de lhe retirar a roupa, David desapertou as ligas dos joelhos tirando-lhe as meias com delicadeza.
Um formigueiro de ansiedade alastrou-se dentro dela. O medo não desaparecera completamente. Agia como um condimento naquele caldo de emoções e sensações que fervilhava dentro dela.
David despiu o gibão com um safanão e removeu a camisa antes de se deitar ao lado dela. Christiana observou aquele corpo vigoroso
aproximar-se dela e suspirou de alívio por tê-lo de novo nos seus braços.
Permitiu que as suas mãos acariciassem os ombros e as costas dele, e sentiu estrias e cicatrizes. David regia às suas carícias. O calor vertiginoso e a proximidade dele subjugavam-na. Aquela necessidade estranha e pulsante dominava-a agora por completo, fazendo-a estremecer da cabeça aos pés.
David beijou-a intensamente enquanto a sua mão seguia o tremor, deslizando pelo peito e ventre, chegando às coxas e pernas. As carícias dele, possessivas, ardentes e confiantes, assumiam o controlo de cada milímetro do corpo de Christiana. Ela arqueava-se sob o toque dele e movia-se ao ritmo daquele pulsar profundo e oculto. Tudo começava a conjugar-se em direcção a essa necessidade. A respiração dela, o sangue, a consciência, e até mesmo o prazer, respondiam a essa necessidade.
David envolveu um dos seios com a mão e massajou o mamilo com o polegar.
- Agora vou beijar-vos o corpo todo - disse. - Não vos acanheis. Nada é proibido se nos der prazer a ambos.
E beijou-lhe o corpo todo, pressionando, mordendo e estimulando-o com a boca, revelando novos prazeres e surpresas, e deixando-a sem fôlego. Beijou-lhe o peito, a barriga e as pernas. Até nas coxas a beijou, e depois na suave elevação acima delas, e ela gritou ao senti-lo.
Os lábios dele envolveram um dos seios enquanto a sua mão acariciava o outro, e a excitação transformou-se em frenesim. Christiana agarrava-se desesperadamente às costas e ao cabelo dele, sentindo os músculos tensos sob os seus dedos, e escutando aquela respiração entrecortada.
Ele ergueu-se e começou a despir o que restava das suas roupas. Christiana estendeu a mão para o ajudar e roçou na sua erecção. Sentiu a reacção que provocara no corpo dele e tocou-lhe mais uma vez, corajosamente, enquanto ele arrancava as roupas.
O medo tentou perfurar a barreira de esquecimento que o desejo erguera.
Impossível...
Ele fez regressar a mão dela ao seu ombro e depois acariciou-lhe o corpo, detendo-se nas pernas. Afastando-lhe as coxas, fez
deslizar uma mão sob as nádegas dela, mantendo o braço comprimido contra ela enquanto a sua língua e lábios lhe estimulavam os
seios.
Aquele pulsar estava prestes a culminar numa explosão, obliterando o medo que voltara a surgir. Ela pressionou o corpo contra aquele braço que lhe oferecia algum alívio mas apenas prolongava a tortura. Todo o seu corpo parecia querer mover-se livremente, sem restrições, e ela tinha dificuldade em controlá-lo. Reprimia repetidamente exclamações de abandono que ameaçavam ecoar pelo quarto.
- Não resistais, Christiana - O bálsamo da voz dele submergiu-a. - Os sons e os movimentos do vosso desejo são belos para mim.
Grata, Christiana entregou-se ao delírio. Quando a mão dele avançou, ela abriu voluntariamente as pernas. Não sentia acanhamento nem choque à medida que ele a acariciava, apenas um desejo torturante que seguramente iria rebentar numa explosão de labaredas se não fosse satisfeito.
As sensações deste toque mágico conduziam-na à loucura. As carícias suaves suscitavam picos de prazer. As suas mãos hábeis despertavam uma excitação selvagem e desesperada.
A voz calma de David interrompeu aquela deliciosa angústia.
- Quereis-me agora, Christiana?
Ele tocou-a de um modo diferente e ela soltou um grito. Conseguiu assentir com a cabeça.
- Então dizei-mo. Dizei o meu nome e que me quereis. Christiana escutou, à distância, a sua voz a dizê-lo. A necessidade
frenética tomou totalmente conta dela e as suas ancas ergueram-se para ir ao encontro do corpo que pousava sobre o seu.
Comprazeu-se com a sensação do corpo dele sobre o dela, com a proximidade total dos dois corpos. Deliciou-se com a paixão que transformava o rosto dele à medida que a fitava.
Ele penetrou-a lenta e cuidadosamente e ela maravilhou-se com a beleza do acto. com uma pressão suave e investidas cuidadosas incitou-a a abrir-se. A dor temida acabou por não ser uma dor mas apenas uma tensão momentânea, logo esquecida no maravilhoso alívio que ele provocou ao satisfazer aquela necessidade pungente. Sem pensar, ela moveu-se para ir ao encontro daquela suave intrusão.
Christiana imobilizou-se quando um súbito ardor a deteve. David beijou-a suavemente e recuou.
- E inevitável, querida.
Ele penetrou-a e, por um breve instante, uma dor aguda suprimiu o prazer.
O corpo dele não se deteve e a dor e a sua recordação não tardaram a desaparecer à medida que ele retrocedia devagar e avançava novamente. Era uma sensação desesperadamente
boa. Instintivamente, Christiana envolveu-o com as pernas, mantendo-o mais perto de si, querendo-o todo para si. Encontrou o ritmo de David e acompanhou-o num canto mudo de aceitação.
Nada, nem as canções nem o toque dele ou sequer a lição de Joan a havia preparado para a intimidade que os submergia. Corpos que se tocavam, hálitos que se fundiam, pernas entrelaçadas e a união total... as ligações físicas subjugavam os seus sentidos. De cada vez que ele recuava era uma perda. De cada vez que ele a preenchia, era uma realização renovada. Maravilhada, Christiana suspirava a cada movimento.
David fez uma pausa e Christiana abriu os olhos para dar com ele a observá-la. A máscara de prudência havia desaparecido e aqueles olhos azuis revelaram as profundezas que ele jamais permitia que as outras pessoas vissem. Ela ergueu a mão e tocou no rosto perfeito, depois permitiu que a sua carícia se estendesse ao pescoço e ao peito.
Ele moveu-se novamente e desta vez foi menos gentil. Fechou os olhos como se procurasse conter algo, mas se estava a combater uma batalha, perdeu-a.
- Sim - sussurrou ela quando ele investiu energicamente. Sentiu alguma dor, mas o seu poder despertava-lhe algo na alma. Ela queria absorver a força e a necessidade dele. Queria conhecê-lo assim, sem as suas defesas cuidadosas.
Ele fitou-a directamente nos olhos. E depois beijou-a enquanto se rendia. À medida que a paixão dele se intensificava numa série de fortes e profundas investidas e culminava numa longa e sentida libertação, ela percebeu que tocara a essência dele e ele a sua.
Ela abraçou-o, com os braços a envolver as costas dele e as pernas em redor da cintura, e flutuou naquele silêncio carregado de emoção, sentindo o coração dele a bater contra o seu peito. O seu corpo estava dorido, vivo e pulsante no ponto em que se uniam.
Lentamente, voltou a tomar consciência do quarto à sua volta. Voltou a experimentar a sensação real do corpo dele sobre o seu e o cabelo macio de David no seu rosto.
Continua a ser um estranho para mim, pensou ela, maravilhando-se com esta coisa que podia ligá-la de uma forma indescritível a um homem a quem mal conhecia. Era espantoso e assustador tocar a alma quando não se conhecia a mente.
A ideia de desconhecer uma parte dele pairou em seu redor. Subitamente, sentiu-se muito tímida.
Ele ergueu-se, apoiado nos braços, e beijou-a suavemente.
- Sois maravilhosa - disse.
Ela não percebeu o que ele quis dizer, mas sentia-se satisfeita por o ver feliz.
- É muito mais agradável do que eu pensava - confidenciou ela.
- Magoei-vos no final?
- Não. Na verdade, tenho alguma pena que tenha terminado. Ele acariciou-lhe a perna e afastou-a da sua cintura. Deitou-se
ao lado dela.
- Isso é porque ainda não terminastes. Ela pensou no final dele, quase violento.
- Eu diria que terminámos bastante bem, David.
Ele abanou a cabeça e tocou-lhe no seio. Os olhos dela arregalaram-se numa resposta enérgica e imediata. A mão dele aventurou-se entre as pernas dela. Christiana agarrou-se a ele, surpreendida.
- Ter-vos-ia dado isto antes, minha querida, mas era necessário que me desejásseis da primeira vez - disse ele, à medida que o frenesim se abatia violentamente sobre ela
David tocou e acariciou a pele ainda sensível da sua presença e um prazer selvagem dominou-a por completo. Chamou por ele, pronunciando o seu nome vezes sem conta na sua mente e os sentidos fundiram-se, fazendo com que perdesse o controlo de tudo à excepção daquele esquecimento tão doce, que aumentava a cada minuto.
E depois, quando pensava que já não aguentava mais e que iria morrer ou desmaiar, a tensão eclodiu de uma forma maravilhosa e ela gritou, experimentando uma sensação de êxtase por todo o corpo.
Deixou-se levar pelo turbilhão de sensações com um assombro aturdido até que elas abrandaram e desapareceram.
- Oh, céus - suspirou ela, ofegante e trémula nos braços dele.
- Sim. Oh, céus - concordou David, soltando uma gargalhada e puxando-a para junto de si. Estendeu o braço e cobriu-os a ambos com a colcha, moldando o corpo dela ao seu. O rosto dele repousava sobre os cabelos dela, os lábios contra a sua têmpora. Permaneceram juntos numa tranquilidade calmante.
A intimidade estabelecida durante o acto sexual havia sido assombrosa e forte. Esta proximidade serena era doce e intensa e um pouco constrangedora. No espaço de uma hora havia sido construída uma ligação eterna. Ele apoderara-se dela de uma forma que ela nunca suspeitara.
Ela adormeceu e acordou num quarto envolto na penumbra, com o crepúsculo a penetrar pelas vidraças. Chegaram até ela sons distantes de vozes e actividade. Voltou-se e viu David apoiado num braço, observando-a.
Ele gostava de contemplá-la. Tal como as suas esculturas e os seus livros? Pelo menos era algo. Podia ter sido um homem que não se preocupasse nada com ela.
- Tenho de regressar - disse ela.
- Ficareis aqui esta noite. Acompanhar-vos-ei de manhã.
- Idonia...
- Eu envio uma mensagem a dizer que estais aqui comigo. Ela não se preocupará.
- Irá perceber.
- Talvez, mas mais ninguém o perceberá. Acompanhar-vos-ei ao amanhecer.
Um grito de Vittorio ecoou através do jardim e entrou pelas janelas. Era provável que todas as pessoas da casa soubessem, ou viessem a saber em breve quando percebessem que ela não partiria. Pensou nos olhares de esguelha que enfrentaria destes criados, aprendizes e de Idonia, e até mesmo de toda a corte, se se viesse a saber disto.
- Ficareis aqui comigo - repetiu. Não era um pedido.
Ele levantou-se da cama e encaminhou-se para a lareira. Os seus músculos bem torneados moveram-se quando ele se esticou para alcançar um cepo e o colocou na lareira. À luz do lume, Christiana contemplou o corpo dele, descontraído e sem vergonha da sua nudez, e reparou nos vergões que ele tinha nas costas e que sentira
anteriormente. Marcas de flagelação. Porque teria aquilo? O mestre falecido não parecia ser pessoa para fazer tal coisa. David regressou para junto dela e Christiana ficou a observá-lo, surpreendida pelo prazer arrebatador que sentia só de olhar para ele.
Puxando para trás a colcha, ele lançou um olhar ao corpo dela. Acariciou-lhe as curvas, languidamente, enquanto ela observava o movimento excitante daquela mão.
- Estais dorida, querida? Possuir-vos-ia de novo, mas apenas se não vos magoar.
De novo? com que frequência é que as pessoas faziam aquilo? Apesar da franqueza de Joan, ainda ficara muito por dizer.
A franca declaração de desejo de David fez com que um calafrio lhe percorresse o corpo. Não duvidava da preocupação dele para consigo, mas sabia que a questão também oferecia uma opção.
- Não estou magoada - disse, erguendo os braços para o abraçar.
Durante o fim de tarde e noite David forjou uma corrente de aço invisível que a amarrava a ele. Ela sentiu-o acontecer e interrogou-se se seria algo que ele controlava. Sentia-se envolvida por elos de paixão e intimidade unidos pelo prazer e pela ternura.
Mais tarde nessa noite, enquanto se refastelavam no calor da lareira, ela perguntou-lhe acerca do matrimónio e ficou a saber que a cerimónia também havia sido mudada. Casar-se-iam na catedral, na presença do bispo, e não na igreja paroquial de David.
- Está a ficar muito elaborado - comentou, divertida.
- Não pudemos fazer nada quanto a isso. Assim que o presidente da Câmara descobriu que Eduardo assistiria, foi o cabo dos trabalhos. Eu tinha esperança de que ninguém
viesse a saber e que ele pudesse simplesmente aparecer.
Ele falava do rei de uma forma descontraída. Por que razão hesitava ela em fazer-lhe perguntas acerca dessa relação? Por que razão sentiria que o tema era proibido e que insistir nele seria intrometer-se?
Contudo, sentia que era assim, e esta noite não pretendia bater a portas que ele poderia não abrir. Mudou de assunto.
- David, que mais esperais de mim?
- O que quereis dizer com isso? - A questão surpreendeu-o.
- Tendo em conta o quanto eu era ignorante em relação a isto, não deverá surpreender-vos que eu saiba muito pouco acerca do casamento. Não tive uma educação muito
prática.
- Espero que me sejais fiel. Agora nenhum outro homem vos toca. - O tom firme com que ele disse aquilo espantou-a. - compreendeis isso, Christiana?
- É evidente que sim. Não sou assim tão estúpida, David. Estava a referir-me às coisas da casa. Aqui é tudo tão organizado.
- Ainda não pensei muito nisso.
Então por que razão fostes à procura de uma esposa se não vos havíeis apercebido de que necessitáveis de uma?
- Isabele pensa que esperais que eu trabalhe para vós - disse com um sorriso rasgado.
- Ai sim? Confesso que não me tinha ocorrido, mas é uma boa ideia. Terei de agradecer à princesa. Uma esposa é uma excelente forma de conseguir trabalho gratuito. Obteremos um tear para vós.
- Não sei tecer.
- Podeis aprender.
- Quanto podeis ganhar comigo depois de eu aprender?
- Pelo menos cinco libras por ano, penso.
- Isso significa que em duzentos anos eu terei recuperado o meu preço de noiva.
- Sim. Foi um negócio astucioso da minha parte, não é verdade? Riram-se ambos e depois ele acrescentou:
- Bem, a casa é vossa. Geva ficará muito satisfeita, penso eu. E os rapazes necessitam de uma mãe, por vezes.
- Um dos rapazes é mais velho do que eu, David.
- Não será assim para sempre, e Michael e Roger estão longe de casa e por vezes necessitam da compreensão de uma mulher. E, com o tempo, tereis os vossos próprios filhos.
Filhos. Tudo aquilo que ele mencionara podia ser providenciado pela filha de um qualquer mercador que lhe proporcionasse um dote avultado. Os filhos também. Mas os filhos dela seriam os netos de Hugh Fitzwaryn.
Morvan suspeitava que David pretendia com esta união a linhagem deles para os seus filhos. Estaria certo? Deu por si a desejar que fosse verdade. Explicaria muita coisa, e significava que ela poderia conceder-lhe algo que outra mulher não poderia.
Mais tarde, ela acordou no seu abraço adormecido. Parecia normal estar assim nos seus braços. Permaneceu imóvel, consciente daquela nova realidade e do seu calor.
Como era estranho sentir-se tão perto de alguém com tanta facilidade.
Fiel à sua palavra, ele acompanhou-a de regresso a Westminster ao amanhecer. Ela caminhou através dos corredores de um edifício que agora lhe parecia ligeiramente estranho. Esgueirou-se para a privacidade da sua cama enquanto Joan e Idonia ainda dormiam.
Despertou com uma mão a sacudi-la e fitou o rosto sorridente de Joan.
- Não vindes jantar? Estais a dormir o sono dos justos - disse Joan.
Christiana pensou que faltar ao jantar e ficar a dormir todo o dia se afigurava uma ideia excelente, mas endireitou-se e pediu a Joan que chamasse uma criada.
Uma hora mais tarde, vestida e penteada, sentou-se ao lado de Joan num banco no amplo salão, debicando a comida e observando a cena familiar que agora estranhava. Os seus sentidos estavam simultaneamente alerta e entorpecidos e sabia que aquelas horas passadas com David eram a causa. Joan fez-lhe algumas perguntas acerca da casa de David, e ela respondeu sem convicção, não querendo partilhar nesse momento nenhumas daquelas lembranças.
Por volta do final da refeição, Lady Catherine aproximou-se da mesa delas, os seus olhos felinos a reluzirem. Conversou com Joan durante um bocado e depois voltou-se, com uma expressão graciosa, para Christiana.
- Ides casar-vos em breve, não é verdade, querida? Christiana assentiu. Joan lançou um olhar severo a Catherine,
como se fosse indelicado mencionar esta união.
- Tenho um presentinho para vós. Enviá-lo-ei para o vosso quarto - disse Catherine antes de se afastar.
Christiana interrogava-se por que razão faria Lady Catherine tal coisa. Afinal, não eram boas amigas. Ainda assim, o gesto sensibilizou-a e deixou-a a pensar que Morvan, como sempre, havia exagerado quando a prevenira acerca de Catherine.
Thomas Holland quis falar com Joan e Christiana ficou sozinha. Regressou aos aposentos desertos de Isabele, satisfeita com o isolamento. A rotina da corte pareceu-lhe importuna quando os seus
pensamentos residiam no dia anterior e no futuro. Dirigiu-se ao quarto de Isabele. Quatro dias e parto daqui para sempre, pensou, olhando pela janela. Uma parte dela já tinha partido.
Chegou aos seus ouvidos o som de uma porta a abrir-se. Seria Joan ou Idonia. Não vira a tutora desde o seu regresso. Interrogava-se acerca do que lhe diria a mulherzinha.
Contudo, os passos que avançavam pela antessala não eram de uma mulher. Morvan viera ao seu encontro. Bastaria olhar para ela para perceber. Seria ela suficientemente corajosa para dizer, "Sim, tínheis razão, é algo mágico e eu gostei"? A força dele impusera-se durante anos entre ela e todos os homens, e agora ela havia-se entregado a um que ele odiava.
Os passos aproximaram-se. Estacaram à entrada do quarto.
- Querida - pronunciou uma voz familiar.
Christiana soltou um grito de sobressalto e voltou-se.
Ali, na soleira da porta, encontrava-se nem mais nem menos do que Stephen Percy.

CAPÍTULO 12 Stephen! - exclamou, arquejante. Ele sorriu e avançou na direcção dela, os seus braços estendidos a convidarem-na para um abraço. Christiana ficou a observá-lo aproximar-se
sentindo um misto de surpresa, alegria e fria objectividade. Reparou nos seus músculos vigorosos sob o gibão. Observou a beleza austera das suas feições. O cabelo loiro e a pele clara afiguraram-se-lhe pálidos e vagos comparados com a tonalidade dourada de David.
Não se conseguia mexer. Emoções confusas, horrorizadas e ao mesmo tempo saudosas paralisavam-na. Agora não, clamava a sua alma. Um mês antes, ou daqui a mês, mas não agora. Especialmente hoje.
Braços fortes rodearam-na. Uma boca áspera esmagou-se contra
a sua.
Ela repeliu-o. Os olhos verdes dele exprimiram surpresa, e depois, por breves momentos, algo diferente. Aborrecimento?
- Estais zangada comigo, meu amor - exclamou ele com um suspiro. - Não posso censurar-vos.
Ela afastou-se, apoiando-se na beira da janela. Santo Deus, será que nunca iria ter paz? Encontrara aceitação e contentamento, e até mesmo a esperança de algo mais, e agora isto.
- Porque estais aqui?
- Para vos ver, claro.
- Regressastes a Westminster para me verdes?
- Sim, querida. Por que outra razão? Usei a desculpa do torneio pré-quaresmal.
O torneio estava agendado para começar no dia a seguir ao seu casamento. Stephen adorava aquelas competições. Christiana suspeitava que aquela seria verdadeira razão da sua vinda, mas o seu coração destroçado, que ainda não sarara por completo, persistia na ideia de que ele viera por ela.
A ferida ainda estava demasiado viva, a humilhação ainda demasiado recente, para ela poder rejeitar totalmente a esperança de que ele realmente a amava. A rapariga que havia sido fiel a este homem ainda queria desesperadamente acreditar nisso. O seu coração ansiava por essa garantia.
Contudo, a sua mente aprendera alguma coisa com a agonia que suportara.
- Quando chegastes?
- Há dois dias. Ainda não vos tinha procurado porque estive com o meu amigo Geoffrey. Ele está muito doente com febre. Reside na casa de Lady Catheríne, em Londres.
- Sois amigo de Catherine?
- Nem por isso. Contudo, Geoffrey é - respondeu, dando um passo na direcção dela. - Ela contou-me tudo acerca do vosso casamento com este mercador - acrescentou de modo compreensivo.
- Se Eduardo não fosse meu rei, desafiá-lo-ia por vos ter degradado desta maneira.
Ela observou a sua expressão preocupada. Pareceu-lhe um tanto exagerada, tal como uma máscara que alguém coloca para um festival.
Stephen estendeu a mão e acariciou-lhe o rosto. O seu coração despedaçado, sequioso pelo bálsamo das ilusões renovadas, suspirou; o seu espírito, a sua mente, recordando-se da noite anterior de paixão e dos direitos de David, fizeram com que se afastasse.
- Já sabíeis do meu matrimónio, não é verdade? Enviei-vos uma carta.
- Sabia. Recebi-a, querida. Mas nunca imaginei que o rei fosse com isto avante. E Catherine falou-me da vossa infelicidade e humilhação.
Que simpático da parte de Catherine, pensou Christiana. Por que
razão aquela mulher se intrometia nos seus assuntos? Como é que Catherine soubera da sua história com Stephen?
Joan. As intrigas de Joan. Será que todas as pessoas sabiam? Provavelmente. Estariam todos a observar e a aguardar os próximos Jias, talvez os próximos anos, para ver como é que este drama se iria desenrolar.
- Talvez não devesse ter vindo - murmurou Stephen. - Catherine garantiu-me que ficaríeis feliz por me ver.
- Estou satisfeita por vos ver, Stephen. E pelo menos posso felicitar-vos pelo vosso noivado.
- Ela foi escolha do meu pai e do meu tio, minha querida disse com uma expressão de resignação. - Na verdade, não me agrada nada.
- Ainda assim, ela é vossa esposa, assim como David é meu marido.
- Sim, e despedaça-me o coração saber que não há nada que possamos fazer, minha querida.
Nessa altura, apagou-se uma chama dentro dela, e ela soube que havia sido a última das suas ilusões e sonhos infantis. Não doeu muito, mas uma parte da sua inocência morreu com ela, e sentiu aquela perda amargamente.
Ao longo de tudo aquilo, e apesar ter conhecimento da realidade, acalentara dentro de si alguma esperança. Se Stephen não tivesse regressado, essa esperança teria desaparecido lentamente à medida que ia vivendo a sua vida e vivendo a sua paixão com David, muito à semelhança da maneira como uma pequena poça de água se evapora com o calor de uma tarde de Verão.
E se Stephen tivesse falado de maneira diferente? E se ele tivesse vindo implorar-lhe que fugissem juntos e solicitar que ambos os noivados fossem anulados? Afinal, fora isso que aquela réstia de esperança almejara.
Uma semana antes, tê-lo-ia feito, apesar da desgraça que recairia sobre ela. Até mesmo no fim-de-semana anterior uma tal oferta teria sarado imediatamente a sua dor e banido todas as dúvidas acerca dele.
Agora, todavia, teria sido impossível... Agora...
Uma horrenda compreensão tomou conta dela. A presença de
Stephen foi-se esbatendo à medida que a sua mente considerava as implicações.
Agora era impossível. David havia-se certificado, não era ?
Na noite anterior haviam consumado o matrimónio. Agora nenhuma anulação seria possível, a não ser que o próprio David negasse que aquilo ocorrera. E ela sabia, sabia bem, que ele não o faria, apesar da promessa que fizera na primeira noite.
Espero que me sejais fiel. Nenhum outro homem vos toca agora. Todas aquelas testemunhas... até Idonia e o seu irmão.
Um arrepio sinistro fê-la estremecer.
David soubera que Stephen estava a chegar. Havia perguntado aos peregrinos e aos mercadores. Todavia, não podia saber se Stephen viria para a reclamar. Contudo, preparara-se para essa eventualidade. David assegurara-se, metódica e cuidadosamente, de que ela não poderia partir com Stephen. Se ainda assim o fizesse, apesar das correntes invisíveis forjadas na noite anterior, apesar da desonra e da desgraça, ele possuía a prova necessária para a fazer regressar.
A implacabilidade do facto assombrou-a.
Recordou-se das emoções intensas que sentira na noite anterior. Duas vezes iludida. Mais ilusões infantis. A sua estúpida confiança nos homens devia ser motivo de chacota para eles.
Uma presença cálida perto do seu ombro interrompeu os seus pensamentos. Stephen encontrava-se junto de si, com o rosto muito perto do dela.
- Não há nada que possamos fazer em relação a estes casamentos, querida, mas na vida há o dever e depois há o amor.
- O que estais a dizer, Stephen?
- Não podeis amar este homem, Christiana. Nunca irá acontecer. Ele é de condição inferior e só o toque dele será um insulto para vós. Mas eu posso suavizar a vossa dor, minha querida. O nosso amor pode fazê-lo. Cumpri com este mercador o vosso dever, mas guardai o nosso amor no vosso coração.
Ela queria dizer-lhe o quanto ele estava enganado, o quanto o toque de David jamais a insultaria. Mas que palavras podia usar para explicar isso? Além disso, não estava totalmente segura de que a magia regressasse agora que sabia a razão pela qual ele a havia seduzido. Talvez da próxima vez, na noite de núpcias, ela viesse a sentir-se insultada e usada.
De que estava ela à espera? Afinal, David era um mercador e ela não passava de um bem. Um bem muito dispendioso. Duvidava que o rei Eduardo aceitasse devoluções.
Amor, pensou com amargura. Acreditara que existia ali algum amor. A sua ignorância era espantosa. David estava certo. Ela realmente vivia a vida com a crença de que esta era uma canção de amor. Mas a vida não era assim. Os homens não eram assim.
- Sou uma mulher casada, Stephen. Aquilo que sugeris seria uma desonra.
Ele sorriu-lhe, tal como se sorriria a uma criança inocente.
- O amor nada tem a ver com honra ou desonra. Tem a ver com o facto de nos sentirmos vivos e não mortos. Não tardareis a percebê-lo.
- Espero que não sejais tão audaz a ponto de me pedirdes agora uma prova do meu amor. Caso-me dentro de alguns dias.
- Não. Não concederia a um mercador uma razão para vos censurar ou magoar, embora a ideia de ele vos possuir primeiro me enfureça. Desposai o vosso mercador como é o vosso dever, querida, mas ficai sabendo que estou aqui.
- Sou uma mulher honesta, Stephen. Não me parece que me ameis de todo. Penso que para vós isto não passou de um jogo, e continua a sê-lo. Um jogo onde não perdeis nada, mas onde eu arrisco tudo. Não entrarei nesse jogo no futuro.
Ele começou a protestar e a tentar abraçá-la. O som de passos na antessala deteve-o. Ela voltou-se para a presença recém-chegada.
Santo Deus, será que não havia misericórdia?
Morvan surgiu na ombreira da porta, fitando-os a ambos. Por um horrível momento a sala foi preenchida por uma tensão angustiante.
- Percy, sede bem-vindo - disse Morvan, avançando pelo quarto. - Viestes para o torneio?
- Sim - respondeu Stephen, afastando-se dela.
- Presumo que estais a felicitar-vos mutuamente pelos vossos futuros matrimónios - comentou, lançando um olhar a ambos.
Ela assentiu, num torpor. Não havia razão para tentar justificar a presença de Stephen. Percebeu nos olhos do irmão que ele dera ouvidos à coscuvilhice.
- Há algo estranho no matrimónio da minha irmã, Stephen disse Morvan enquanto se encaminhava para a lareira, - Consta que
o rei a vendeu por dinheiro, e também eu acreditei nisso. Mas ultimamente tenho-me interrogado se não teria sido por outra razão. Talvez procurasse salvar a reputação dela e a honra da minha família e não desgraçá-la.
Ela observou-os enquanto se avaliavam um ao outro. Agora não, Morvan, incitou em silêncio. Já não tem qualquer importância.
- Tenho de ir andando, senhora - proferiu Stephen, dirigindo-lhe um sorriso caloroso. Ela dirigiu-lhe um gesto, impotente, e observou-o caminhar a passos largos pelo quarto.
- Sir Stephen - bradou Morvan a partir da lareira. - Seria imprudente da vossa parte levar isto avante.
- Estais a ameaçar-me? - silvou Stephen.
- Não. Já não me cabe a mim fazê-lo. Estou simplesmente a prevenir-vos como amigo que seria um erro. O marido dela não é um mercador comum. E tenho razões para pensar que sabe bem manejar as adagas que usa.
Stephen exibiu um sorriso afectado e condescendente antes de abandonar os aposentos.
Christiana enfrentou o olhar sombrio e inquisidor do irmão. Ele contemplou-a de cima a baixo e procurou com os seus os olhos dela.
- E costume, minha irmã, que as pessoas aguardem um espaço de tempo conveniente depois do casamento para se encontrarem com os seus antigos amantes.
Ela não teve resposta para aquela calma admoestação.
- E uma vez que passastes a noite na cama daquele homem, agora estais realmente casada.
- David. O nome dele é David. Referis-vos sempre a ele como "aquele mercador" ou "esse homem". Ele tem nome.
Ele observou-a com os olhos semicerrados.
- Tenho razão, não tenho? Dormistes com ele. com David. Era inútil mentir. Ela sabia que ele percebia. Assentiu com a
cabeça, sentindo-se agora menos segura acerca dessa decisão, agora que compreendia as motivações de David.
- Não devíeis voltar a encontrar-vos com Percy durante algum tempo.
- Não forjei o encontro com Stephen.
- Ainda assim, devíeis ter cuidado. Essas coisas são facilmente aceites se a mulher for discreta ou se o marido não se importar, mas
vós não tendes experiência em tais enganos e o vosso mercador não me parece ser do tipo de homem que deseje ter uma mulher adúltera.
- Disse a Stephen que já não estou interessada nele.
- Ele não acredita em vós.
Morvan estava apenas a tentar ajudá-la. Nisto o conselho dele era provavelmente tão sensato como o de qualquer outro homem. Sem dúvida, levara para a cama a sua quota-parte de mulheres casadas.
- Desprezais-me? - perguntou ela num sussurro.
Uma expressão de inquietação surgiu no rosto de Morvan. Atravessou o espaço que os separava e tomou-a nos braços.
- Não. Mas não gostaria que fôsseis a esposa deste homem nem a pega de Percy. Compreendeis-me? E culpo-me por não ter encontrado uma forma de vos afastar daqui.
Ela fitou os olhos escuros dele. Leu neles a preocupação e pensou que a compreendia, em parte.
- Não penso que ser esposa de David seja assim tão mau, Morvan. Ele consegue ser muito amável.
- Bem, pelo menos essas são boas notícias - um leve sorriso trocista aflorou-lhe os lábios. - Sinto-me satisfeito por ele ter talento para algo mais do que fazer dinheiro.
Ela soltou umas risadinhas abafadas. Ele apertou-a com mais força e depois soltou-a.
- Tomai as vossas refeições comigo nestes últimos dias pediu. - Gostaria de passar este tempo convosco.
Ela assentiu e ficou a observá-lo, cheia de tristeza, à medida que ele se afastava.
Christiana nunca duvidou que o irmão pedira a sua comparência durante as refeições porque desejava a companhia dela. Ela deixá-lo-ia em breve, e uma leve nostalgia pairava entre eles naqueles jantares e ceias, até mesmo quando conversavam alegremente à mesa com outros jovens da mesma idade.
Contudo, a presença de Morvan ao seu lado tinha outros benefícios, e ela suspeitava que também lhe teriam ocorrido a ele. Stephen não se atrevia a aproximar-se dela no salão enquanto Morvan andava por perto, e os cortesãos que espreitavam, curiosos, não conseguiam satisfazer a sua curiosidade acerca do estado daquele caso amoroso.
Era do conhecimento geral. Bastava Stephen erguer-se do seu lugar para que lhe lançassem olhares de esguelha, na expectativa de que ele fosse falar com ela. Tornou-se extremamente óbvio que a corte acreditava que um caso amoroso adúltero com Stephen seria, a uma dada altura, inevitável. Ela teve a impressão de que muitos destes nobres aceitavam a ideia com alívio, como se um tal caso amoroso fosse uma forma de redenção para ela. Então, a união com o mercador não passaria apenas de uma formalidade, muito mais fácil de aceitar e de ignorar.
Sim, Joan havia andado a coscuvilhar. Quando Christiana a confrontou, ela admitiu-o de lágrimas nos olhos. Havia sido apenas a uma rapariga, insistiu. Christiana não teve dificuldade em imaginar aquela pequena fuga de informação a converter-se num rio de murmúrios no espaço de algumas horas.
Christiana ocupou os dias que se seguiram com os preparativos para o casamento. Filipa veio aos seus aposentos no sábado inspeccionar o seu guarda-roupa, e ordenou imediatamente que se confeccionassem mais vestidos e meias para ela. Foi igualmente confeccionada uma nova capa. Apareceu também um capelista para que ela escolhesse dois novos toucados. Chegaram baús que seriam recheados com um enxoval de roupa branca e artigos para o lar, para Christiana levar para a sua nova residência.
Ela passou a maior parte do tempo nos seus aposentos tratando de tudo isto, mas a recordação de David não lhe saía da mente. Haviam concordado que ele não viria antes do casamento, pois os preparativos de ambos consumiriam muito tempo, e ele tinha os seus próprios assuntos a tratar. Ainda assim, tinha esperança de que ele a surpreendesse com uma visita. Seria um gesto romântico, mas quando ele viesse não seria por essa razão, embora fingisse o contrário. Tinha esperança de que ele viesse verificar que Stephen não a havia persuadido a fugir ou a fazer algo de desonroso. Ele iria querer assegurar-se de que o seu plano havia resultado.
Mas ele não apareceu. O sábado deu lugar a domingo, que por sua vez se estendeu até segunda-feira. Christiana começou a ficar aborrecida.
Estava certa que David sabia que Stephen havia regressado. Como é que ele podia deixá-la entregue aos seus próprios planos quando outro homem, alguém que pretendia seduzi-la, rondava por
perto? Um homem, além disso, por quem ela havia estado enamorada. Estaria assim tão seguro de si mesmo? Tão seguro de que uma noite podia equilibrar as coisas no coração de uma mulher? Será que ele não pensava na perturbação que a presença de Stephen poderia estar a causar à sua noiva?
Christiana ia ponderando sobre isto ao longo dos dias. Durante a noite, ruminava no assunto com ressentimento. Mas na obscuridade silenciosa da sua cama oculta pelas cortinas, as recriminações conseguiam sempre desvanecer-se à medida que outros pensamentos sobre David a invadiam como um inexorável fluxo de maré. Imagens dos seus olhos azuis e ombros hirtos sobre o seu corpo. O poder da sua paixão aniquilando o seu solícito autodomínio. Os seios dela tornavam-se sensíveis, a zona entre as coxas humedecia-se, e os pensamentos davam lugar a devaneios durante um sono irregular.
Despertava todas as manhãs com a sensação de que havia sido violentada por um fantasma, mas sem ter encontrado a libertação.
David não apareceu, mas vieram outros. Isoladamente ou em grupos de duas ou três, as mulheres da corte abordaram-na.
Sim, Joan havia falado, e não só acerca de Stephen. Afigurava-se-lhe que todas as mulheres se sentiam na obrigação de aconselharem esta jovem sem mãe que, constava, era incrivelmente ignorante acerca da procriação.
Algumas das criadas juntaram-se às senhoras. Enquanto tomava banho no dia do seu matrimónio, a rapariga que a assistia descreveu-lhe com audácia como poderia deixar um homem louco de desejo. Christiana corou até à ponta dos cabelos. Duvidava seriamente que as mulheres nobres fizessem grande parte daquelas coisas, mas reteve as partes mais interessantes na sua mente.
Os preparativos do dia transformavam-se numa festa divertida, com todas as suas amigas em seu redor. Ofereceram-lhe presentes e conversaram enquanto as criadas a preparavam. Filipa chegou para a escoltar até ao salão. A rainha examinou-a minuciosamente e voltou a colocar a capa vermelha sobre os seus ombros. Em seguida, com as filhas ao seu lado, Idonia, Joan e várias outras mulheres, a rainha Filipa desceu com Christiana até ao salão.
Morvan aguardava-as. Envergava um manto formal muito comprido. Usava o cinto de cavaleiro, mas sem espada.
- Vinde - disse, pegando-lhe no braço. - O rei já está à espera.
As portas abriram-se e ela deu um passo em direcção ao exterior.
- Oh, santo Deus - exclamou com um arrepio, imobilizando-se.
- Uma bela visão, não vos parece? - murmurou Morvan num
tom seco.
O pátio estava repleto de cavalos, pessoas e veículos de transporte. Avistou Lady Elizabeth a entrar numa das carruagens cobertas de pinturas, e outros braços femininos que pendiam das suas janelas. Cavaleiros e lordes aguardavam montados em cavalos ataviados para um cortejo sumptuoso. O rei Eduardo, resplandecente num manto vermelho bordado a ouro e montado no seu alazão, aguardava junto à entrada. Uma longa fila de guardas reais mantinha-se à espera.
A presença de tantos cavaleiros e nobres enterneceu-a. Vinham honrar a sua família e, possivelmente, tranquilizá-la. Também vinham pelo seu irmão, e sentia-se grata por isso.
O extenso séquito real, e as instruções evidentes de que todas as pessoas deviam seguir o rei em cortejo, eram outro assunto.
A um gesto do rei, avançaram três carruagens douradas.
- Oh, santo Deus - arquejou novamente, observando a aproximação deste grandioso toque final.
- Sim, uma é para vós. A rainha em pessoa irá acompanhar-vos
- explicou Morvan.
- Esta comitiva estender-se-á ao longo de vários quarteirões. Londres inteira irá assistir a isto.
- O rei honra-vos, Christiana.
Ela desviou o olhar da expressão sorridente de Eduardo e falou em voz baixa na direcção do ombro do irmão.
- Não sou estúpida, Morvan. O rei não está a honrar-me a mim, está a honrar Londres. Não está a conduzir Christiana de Fitzwaryn para desposar David de Abyndon. Está a conduzir uma filha da nobreza para desposar um filho da cidade. Está a converter-me num presente para Londres e um símbolo da sua generosidade para com ela.
Morvan segurou-a pelo cotovelo e incitou-a a avançar.
- Não pode ser desfeito. Deveis ser a filha da nossa mãe nisto e lidar com esta situação como ela o teria feito. Eu cavalgarei ao vosso lado.
Ela permitiu que ele a acompanhasse até à carruagem da frente e ele ajudou-a a entrar.
- Durante todo o tempo vou estar a pensar que não represento o sacrifício da virgem que eles esperam - sussurrou, inclinando-se na direcção dele.
O cortejo partiu em fila do pátio, liderado pelo rei e pelos seus filhos. Quando chegaram à Strand, haviam-se formado densas multidões e no interior dos portões da cidade as coisas pioraram. Os guardas usaram os seus cavalos para manter o povo afastado. Lenta e penosamente, abriram caminho até à Catedral de S. Paulo.
Morvan ajudou-a a descer da carruagem.
- Bem, meu irmão - proferiu enquanto se aproximavam da entrada - Não tendes nada para me dizer? Nenhum conselho? Nenhum sermão para eu me tornar numa esposa obediente e respeitadora? Não há aqui um pai para me admoestar, por isso, cabe-vos a vós, não é verdade?
Ele fez uma pausa junto ao pórtico e lançou um olhar ao portão aberto, na direcção da cavernosa nave já repleta de cortesãos ruidosos e outros curiosos.
- Sim, tenho uns conselhos para vós, mas sermões não. Aproximou-se da orelha dela. - Sois uma bela rapariga. A mulher pode assumir o poder no desejo de um homem, irmãzinha. Usai-o bem e possuí-lo-eis, ao invés do contrário.
Ela soltou uma gargalhada. Sorrindo, apressaram-se pela nave.
David aguardava junto do altar. Christiana sentiu um baque no coração ao vê-lo. A sua aparência era magnífica, perfeita e semelhante à de qualquer um dos lordes na assistência.
O corte elegante do seu manto de veludo azul, longo e cintado, realçava a sua estatura. As mangas justas faziam com que as roupas dos outros homens parecessem ridículas e pouco masculinas, exageradamente largas e compridas. Todo o manto estava debruado a ouro, com bordados dourados ao meio. Christiana perguntava-se quem o teria convencido a concordar com aquilo. Usava uma pesada corrente de ouro sobre os ombros.
Morvan entregou Christiana. Idonia aproximou-se, pegou na capa dela e depois afastou-se. David fitou-a enquanto o ruído da multidão ecoava sob o tecto alto de pedra.
- Sois a rapariga, mais bela que alguma vez conheci - disse, repetindo as palavras que pronunciara no jardim de hera.
Havia vários assuntos sobre os quais Christiana tencionava censurar David, bem como mágoas profundas e inquietações que preocupavam o seu coração. Mas o afecto que aqueles olhos azuis expressavam enterneceu-a e o som da sua bela voz tranquilizou-a. Haveria muito tempo para preocupações e mágoas. Este era o dia do seu casamento e todo o mundo estava a assistir.
Uma hora mais tarde, Christiana emergia da catedral com uma aliança de ouro no dedo e o braço de David de Abyndon em redor da sua cintura. A carruagem aguardava, mas Sieg, parecendo quase civilizado no seu belo manto cinzento, trouxe um cavalo.
- Vireis comigo, minha querida. com estas multidões, as carruagens jamais chegarão à Câmara Municipal.
- Devíeis ter-me avisado acerca de tudo isto, David - disse ela, à medida que o pandemónio se instalava pelo pátio da catedral e pelas ruas em volta. - Assemelha-se ao prelúdio de um sacrifício antigo.
- Eu não sabia, mas deveria ter esperado algo do género. Eduardo adora pompa e circunstância, não é verdade?
Christiana não ficou convencida. Ele parecia saber sempre tudo. Lançou-lhe um olhar de soslaio quando ele a ergueu até à sela e se sentou atrás dela. A sua branda aceitação do comportamento de Eduardo irritava-a, mas por outro lado, não fora ele a ser exibido em público.
- O rei deve ter-vos em grande estima para ter trazido um tal séquito. - Christiana observou com frieza.
- Eu seria um tolo se pensasse que sim. Isto não tem nada a ver comigo ou convosco.
Juntaram-se à multidão de cavaleiros e lordes a cavalo que se moviam letamente em direcção a Cheap. O braço de David rodeava-lhe a cintura e a mão repousava sob a capa. Ela ergueu a mão e tocou no diamante suspenso numa corrente prateada em redor do seu pescoço. Fora-lhe entregue enquanto se vestia.
- Obrigada pelo colar. Condiz perfeitamente com o vestido.
- Edmundo garantiu-me que assim seria. Sinto-me satisfeito por terdes gostado.
- Edmundo?
- O costureiro que confeccionou os vossos trajes de casamento, Christiana. E o vosso vestido de noivado. E a maior parte dos vossos cotehardies e mantos durante os últimos anos. O nome dele é Edmundo. É um dos cidadãos mais proeminentes de Westminster e um homem importante no seu mundo.
Christiana sentiu-se enrubescer. Sabia o nome do costureiro. Limitara-se a esquecê-lo, mas David estava a dizer-lhe que devia conhecer as pessoas que a serviam e não pensar nelas como gente insignificante.
A mortificação não tardou a dar lugar à cólera. Não era do seu agrado que uma das primeiras frases que seu marido lhe dirigisse logo a seguir ao matrimónio fosse esta censura indirecta.
Surgiram-lhe na mente mais razões para se zangar.
- Pensava que iríeis visitar-me - disse.
- Havíamos concordado que não o faria.
- Mesmo assim, pensei que viríeis.
Ela sentiu que ele a observava, mas não disse nada.
- Ele está de regresso à corte - acrescentou. - Mas, como é evidente, sabeis disso, não é verdade?
- Sim.
E foi tudo. Nada de perguntas. Nada mais.
- Não vos interrogastes acerca do que poderia acontecer? inquiriu de uma forma brusca e irritada. - Estais assim tão seguro de vós?
- Se aparecesse seria um insulto para vós. Assumi que a filha de Hugh Fitzwaryn teria demasiada honra e orgulho para abandonar o seu leito matrimonial e correr para os braços de outro homem, especialmente depois de ter percebido a verdade acerca dele.
- Mesmo assim...
- Christiana - interrompeu David num tom calmo, baixando-se para ela o ouvir e roçando os lábios na sua orelha. - Não falaremos disto agora. Não fui porque os meus dias estiveram absolutamente preenchidos com os preparativos para o casamento. Durante os momentos que podia dispensar, tratei de negócios, de modo a poder despender os próximos três dias na cama convosco. E as minhas noites eram passadas a pensar em tudo o que poderia fazer assim que vos tivesse junto a mim.
Ela gostaria de poder ignorar o calafrio de excitação que os seus lábios e as suas palavras haviam provocado, mas o seu corpo também começara a traí-la durante a noite e agora reagia contra a sua vontade.
Ela obrigou-se a recordar do acto de sedução deliberado de David, com o objectivo de reclamar a sua propriedade. Sentiu-se ressentida com aquela autoconfiança.
- O que vos faz pensar que eu vou querer passar os próximos três dias dessa forma? - perguntou.
- Agora sois minha esposa, rapariga. Seguramente sabeis que só tereis opções se eu assim o permitir. - Pressionou os lábios contra a têmpora dela e falou com mais afabilidade. - Vereis que sou um amo muito razoável, minha querida. Preferi sempre a persuasão à autoridade.
Sob o tecido folgado da capa de Christiana, ele ergueu a mão e acariciou-lhe o seio.
O corpo dela estremeceu com uma alarmante onda de prazer.
Christiana olhou nervosamente em redor, para os rostos voltados na direcção deles numa curiosidade sorridente.
Ele acariciou-lhe o mamilo e beijou-lhe a face. Ela sentiu um impulso irresistível de se voltar e de lhe morder o pescoço. Voltou a cabeça e aceitou o beijo intenso que a aguardava e aquelas sensações maravilhosas percorreram-na como um delicioso suspiro de alívio.
Toda a cidade de Londres observava.
- David, as pessoas... elas podem ver... - sussurrou, ofegante, quando ele ergueu a cabeça mas não retirou a mão. Os dedos dele estavam a deixá-la louca.
- Não podem, não. Alguns podem suspeitar, mas ninguém terá a certeza - sussurrou. - Se estais zangada comigo, podeis censurar-me à vontade depois dos banquetes. Prometo escutar muito atentamente e ter em conta todas as vossas críticas. - Beijou-lhe novamente o pescoço. - Até mesmo quando estiver a lamber os vossos seios e a beijar as vossas coxas, prestarei atenção às vossas censuras. Podemos discutir o meu mau comportamento por entre os vossos gemidos de prazer.
Christiana estava já a sentir alguma dificuldade em recordar-se dos motivos pelos quais o queria repreender.
No momento em que sentiu um impulso inexorável de se contorcer na sela, chegaram ao edifício da Câmara Municipal. Não sabia se iria conseguir aguentar-se rias pernas, agora lânguidas, quando ele a pousasse no chão, e isso preocupava-a.
- Isso não foi justo - sibilou.
Ele pegou-lhe na mão e encaminhou-a para o edifício.
- Eu só jogo para ganhar, Christiana, e faço as minhas próprias regras. Não sabeis já disso?

CAPITULO 13
David inclinou-se contra a ombreira da porta do salão, observando, das sombras, os convivas rodopiarem em redor da imensa fogueira no centro do pátio. Casais divertiam-se, dançando juntos em redor do enorme círculo e, mais próximo do centro, um grupo de mulheres fazia uma enérgica actuação. Anne, a mulher de Oliver, liderava o grupo, uma vez que quando a oportunidade e o pagamento eram convenientes actuava como dançarina profissional. Encontrava-se rodeada de criadas e mulheres da vizinhança. No centro de tudo, com o rosto ruborizado de deleite e os olhos cintilantes de prazer, rodopiava a figura elegante de Christiana Fitzwaryn.
As luzes da fogueira pareciam iluminar as mulheres ao ritmo da batida dos tambores. Todo o pátio brilhava à luz daquelas labaredas colossais e dos muitos archotes ao longo dos edifícios e do jardim das traseiras. As chamas tingiam o céu nocturno de cor de laranja e, à distância, provavelmente a casa parecia estar a arder. Sem dúvida os sacerdotes insistiriam que a cena, com os participantes a entregarem-se a todos os pecados mortais, se assemelharia ao próprio Inferno.
O pátio, os jardins e os vários compartimentos da casa estavam apinhados de gente. Havia homens e mulheres empoleirados no telhado do estábulo. À sua esquerda, viam-se diversos casais abraçados num recanto sombrio.
Uma grande gargalhada captou a sua atenção e ele inclinou-se para lançar um olhar ao salão. Os corpos que bailavam afastaram-se
por um momento e David avistou o homem que ria sentado junto ao lume com uma rapariga em cada joelho. Os adornos dourados no seu manto vermelho eram a única prova de que este homem era o rei, pois Eduardo havia-se despojado da sua real figura assim que entrara pelo portão com os seus dois guardas, tendo enviado a família e os filhos para casa a seguir ao banquete da Câmara Municipal. Encontrava-se agora bastante ébrio, e já há algum tempo que os foliões haviam deixado de o tratar como soberano, permitindo que se juntasse à folia.
David voltou a sua atenção de novo para a sua esposa. Gostava de olhar para ela mesmo quando ela estava sossegada, mas a liberdade e o prazer que ela retirava daquela dança deixava-o hipnotizado. Tal como o rei dela, havia sucumbido rapidamente à diversão sem restrições dessa segunda festa, e David regozijava-se ao observar a alegria dela à medida que ela festejava e bebia e trocava gracejos com os vizinhos.
Ela movia-se de uma forma sedutora e lânguida, impregnando esta dança plebeia de uma elegância nobre. Tinha os lábios entreabertos num sorriso sensual à medida que rodopiava pelo pátio, apreciando finalmente o êxtase do movimento que sentira tantas vezes através de outras bailarinas.
Ele observava e aguardava, suprimindo o desejo súbito de caminhar até à fogueira, de a arrebatar nos seus braços e de a levar consigo.
Ele desejava-a. Terrivelmente. Há semanas que a desejava, e â noite que haviam passado juntos apenas intensificara esse desejo. Tinha passado os últimos dias num estado de ânsia permanente.
A inocência de Christiana naquele dia havia-o desarmado de uma forma perigosa. A paixão dela não conhecia defesas, e a sua entrega e aceitação totais haviam aniquilado as suas. Ao contrário das mulheres experientes com as quais geralmente se deitava, na sua ingenuidade, ela não tentava proteger-se das intímidades mais profundas que podiam surgir durante a cópula, não sabia nada acerca de manter a sua essência separada da união, não sabia nada acerca de manter o acto como um simples prazer físico. Christiana havia sentido a verdadeira proximidade e deixara simplesmente que o poder os submergisse. Ele contemplara a maravilha do acto nos olhos de Christiana, sentira o deslumbramento dela no seu abraço ávido e quase a prevenira para ter cuidado, pois ali também podia haver
perigo e dor para ela. Mas não o fez, pois essa intimidade profunda trouxe consigo um conhecimento daquela jovem pelo qual ele ansiava, e no final, também ele se mostrou indefeso contra a magia que não sentia há tantos anos.
O olhar dele seguiu-a e o seu corpo reagiu aos movimentos sedutores da dança dela. Na sua mente, Christiana fitava-o,
tocando-lhe no rosto e no peito e suspirando
um "sim" que exigia a sua entrega total.
Uma figura deambulou diante dele, distraindo-o misericordiosamente dos seus pensamentos acalorados. Morvan bebia vinho à medida que caminhava, observando descontraidamente
as bailarinas.
Os tambores e adufes repercutiram um final delirante e depois a dança terminou abruptamente. Em redor da fogueira, os corpos detiveram-se, ofegantes. Christiana e Anne abraçaram-se com uma gargalhada.
Ela pensava que Anne era a mulher de Oliver. Supunha que teria de lhe dizer a verdade.
Morvan captou o olhar de Christiana e acenou-lhe. Ela dirigiu-se ao irmão com um largo sorriso. Ele inclinou-se e disse algo, e David observou a felicidade e o prazer escaparem-se-lhe do rosto e do corpo como se alguém lhos tivesse arrancado.
Ela lançou os braços à volta dele e falou com seriedade, sem dúvida implorando-lhe que ficasse mais tempo. Morvan abanou a cabeça, acariciou-lhe o rosto e afastou-se.
Caminhou em direcção ao portão. Christiana ficou a vê-lo partir, o seu corpo erecto subitamente sozinho e isolado apesar da multidão que se aglomerava em seu redor. David podia ver a sua expressão serena, mas adivinhava a tristeza nela.
Toda a sua vida, toda a sua família, todo o seu passado estavam nesse momento a abandonar a casa.
Ele afastou-se da ombreira da porta e dirigiu-se a ela. Lançou a capa sobre os ombros, e ela dirigiu-lhe um sorriso débil antes de voltar o olhar para o homem alto que se afastava.
Ele sorriu e abanou a cabeça. Correu atrás de Morvan, chamando-o pelo nome. De certa forma nem acreditava que ia fazer isto por ela. ,
O jovem cavaleiro deteve-se e voltou-se. Regressou e encaminhou-se para David. Enfrentaram-se mutuamente no brilho da fogueira.
- Estais de saída, Morvan?
- Sim. É melhor se eu partir agora. - Lançou um olhar à irmã.
- Deveis vir visitá-la em breve. Ela irá querer ver-vos. - Morvan fitou-o, surpreendido. - A vida de Christiana irá sofrer uma grande mudança e poderá ser duro para ela - prosseguiu David. Não gostaria de a ver infeliz. Vinde sempre que vos aprouver. Esta casa estará sempre aberta para vós.
Morvan pareceu ainda mais surpreendido. Assentiu e sorriu debilmente.
- Agradeço-vos por isso, David. Pelo bem de ambos.
David regressou para junto de Christiana. A capa estava a descair-lhe pelas costas e ele aconchegou-a melhor, cingindo-lhe os ombros.
- O que lhe dissestes ? - inquiriu, com o olhar ainda fixo no irmão.
- Disse-lhe que deve visitar-vos sempre que lhe aprouver.
- Dissestes, David? A sério? - voltou-se para ele com um sorriso luminoso.
A sinceridade da sua surpresa e gratidão transtornaram-no.
- Eu sei que ele é tudo para vós, minha querida. Ele apenas procurou proteger-vos, e não posso censurar nenhum homem por isso. Não interferirei na vossa relação.
Ela encostou-se a ele e fitou-o com uma inocência quase infantil.
- Não é tudo para mim. Já não é assim. Agora existis vós, não é verdade? Temo-nos um ao outro, não é verdade?
Ele abraçou-a e ela pousou a cabeça no seu peito, com o rosto voltado para as sombras que engoliam a figura alta do irmão. David enterrou o rosto na nos seus cabelos sedosos.
Tudo aquilo que ela era, tudo o que era suposto ser, partira através daquele portão. A vida que vivera e nascera para viver, a posição que o sangue lhe garantia, regressava esta noite para Westminster sem ela. Ele não duvidava de que ela compreendia isso. Christiana sabia o que este casamento lhe havia retirado.
Beijou-lhe os cabelos e fechou os olhos. Ele podia devolver-lho. Tudo o que ela estava a perder e mais. Tinha poder para o fazer.
A oferta ainda estava de pé e seria feita novamente, disso tinha ele a certeza.. Tinha apenas de jogar o jogo como planeado, mas alterar a
jogada final. Ele sabia exactamente como fazê-lo. Há semanas que
andava a considerar a possibilidade.
Como se estivesse a ler os seus pensamentos, ela inclinou a
cabeça e olhou para ele.
- Sois muito bom para mim, David. Sei que ireis cuidar de mim e fazer tudo o que estiver ao vosso alcance por mim.
Ele curvou-se para a beijar e os lábios entreabertos dela ergueram-se para ir ao encontro dos dele. Um frémito sacudiu-a e Christiana pressionou-se contra ele enquanto o envolvia num abraço apertado. A mente dele enevoou-se e o autodomínio das últimas horas dissipou-se.
Ela agarrava-se a ele com o mesmo desespero com que ele se agarrava a ela, a boca dela a convidá-lo para o beijo profundo. Talvez fosse o vinho e a dança. Talvez fosse a gratidão relativamente a Morvan. Ele não se importava, aceitaria a paixão dela fosse como fosse.
Permaneceram assim na intensidade do brilho da fogueira, dois corpos moldados um no outro, banindo a separação, os sons da festa ecoando em redor deles. Ele beijou-a repetidamente, desejando possuí-la, absorvê-la para dentro de si.
Conseguiu reunir forças para afastar a boca.
- Vinde até lá cima comigo - sussurrou, com o rosto mergulhado no pescoço dela, enlouquecido pelo seu odor.
- Sim - disse ela. - Agora.
Ele virou-a sob o seu braço enquanto a beijava novamente. De alguma forma, encontrou o caminho através do pátio, entrou no edifício e subiu as escadas. Um grupo de foliões saiu discretamente do salão quando o casal se aproximou, e ele fechou a porta atrás deles com um pontapé.
Ao chegarem ao quarto, David retirou as capas de ambos e caiu na cama com ela, cobrindo-a com o seu corpo, sentindo o corpo dela render-se submissamente a ele. A mente dele não se concentrava em mais nada a não ser o toque e o odor dela. Tentou conter-se, tentou acalmar a terrível tempestade que o dominava, mas o beijo profundo e penetrante que ele lhe deu tornou-se feroz e faminto quando Christiana segurou a cabeça dele entre as suas mãos e o impeliu mais para junto de si.
David conseguiu retirar-lhe o casaco sem o rasgar, mas os atilhos do cotehardie constituíam um desafio para os seus dedos experientes. Puxou pelo nó enquanto beijava e mordiscava os seus seios. Finalmente, numa furiosa frustração, afastou-se, voltou-a ao contrário e encarou o nó recalcitrante.
- Ficai quieta - murmurou, retirando a sua adaga e afastando num piscar de olhos a obstrução à paixão. - Ajoelhou-se e fez deslizar a lâmina sob os atilhos. - É um velho truque praticado nos casamentos. As vossas criadas fizeram um nó que não pode ser desfeito.
Ela riu-se de uma forma maravilhosa, lírica, e depois voltou-se, divertida, alegremente a retirar o vestido. Assim que o fez, ajoelhou-se e voou para os braços
dele, como se aquela separação tivesse durado uma eternidade.
Nesse momento, ele perdeu-se. Num frenesim de carícias e beijos, conseguiram retirar as roupas dele. com exclamações, arquejos e gargalhadinhas de êxtase, as mãos dela encontraram as dele no cinto e na camisa e finalmente precipitaram-se acaloradamente sobre a pele dele. Ele retirou-lhe a combinação pelos ombros, descobrindo-lhe o seios, e inclinou-a para trás de modo a poder deliciar-se com aquela agradável suavidade.
Os gemidos de Christiana perturbaram-no, destruindo o último resquício de autodomínio. Puxou-lhe o vestido até às ancas e sentiu a humidade da excitação dela.
- Prometo que vos concederei um prazer lento mais tarde disse, enquanto a deitava. - Durante toda a noite, se assim o desejardes. Mas agora não posso esperar, querida.
Abriu-lhe as pernas e ajoelhou-se entre elas. Ela contemplou-o, os seus olhos negros repletos de estrelas.
Ele fitou o rosto adorável de Christiana e os seus seios alvos e redondos. O vestido estava amarfanhado na cintura e as meias ainda lhe davam pelos joelhos. David
puxou o vestido mais para cima, expondo as ancas e a barriga de Christiana. Tocou naquela carne pulsante e intumescida entre as suas coxas e observou o prazer que a invadia.
As fantasias do desejo dele instavam-no, implacáveis. Apesar da ignorância dela e da necessidade dele, David não conseguia resistir a todas elas. Dobrou-lhe as pernas de modo a que ela ficasse erguida
e aberta para ele. A respiração entrecortada de Christiana irrompeu nela neblina que o envolvia e David lançou-lhe um olhar e avistou o lampejo de cautela e surpresa nos olhos dela.
- Não tenhais medo - disse enquanto lhe erguia as ancas. - Quero beijar-vos toda. Só isso.
Ele sabia que não conseguiria entregar-se a este prazer por muito tempo. O seu próprio corpo não lho permitiria. Nem o dela, pelo que se veio a revelar. Ela contorcia-se e gritava devido ao choque e intensidade que este novo prazer lhe provocava, e David não tardou a sentir as primeiras contracções do clímax dela.
Deteve os beijos e deitou-se sobre ela levando as pernas dela com ele, instalando-as nos seus ombros. Ela agitou-se frustrada por ele a ter levado ao limiar do precipício e não ter continuado.
- Em breve, querida, prometo. Fá-lo-emos juntos - disse num tom tranquilizador, e, erguendo-se, penetrou-a com uma única investida.
O corpo dele estremeceu devido ao prazer agonizante do momento, mas o estremecimento só por si restituiu-lhe algum autodomínio. Estendeu os braços e acariciou-a, experimentando a sensação intensa de estar prestes, ele próprio, a atingir o clímax.
Ela observava-o enquanto ele se movimentava, as mãos dela, ávidas e acolhedoras, acariciando os seus ombros e peito. Os seus olhos brilhantes e os suspiros suaves mostravam a David que ele preenchia outras necessidades dela para além das do corpo. As emoções emanavam dela, pairavam junto a ele e envolviam-nos a ambos, da mesma forma que os seus braços e pernas haviam estado entrelaçados poucos momentos antes.
David sentiu que o corpo de Christiana se retesava, perto do clímax. O seu próprio controlo começou a ceder. Passou a mão entre os seus corpos, procurando conceder-lhe a tão desejada libertação. Frenética ela agarrou-se a ele, erguendo energicamente as ancas de encontro às suas investidas, arrastando-o com ela para aquele delicioso esquecimento.
David raramente procurava um alívio mútuo. Na verdade, evitava-o. Agora, à medida que a paixão de ambos atingia o auge e os consumia a ambos, ele sentiu o êxtase de Christiana no momento em que o seu próprio explodia dentro dela. Durante um sublime
instante, os relâmpagos daquela tempestade fundiram-nos numa plenitude completa.
Quando terminaram, ele pôs-se ao lado dela, beijando-a suavemente enquanto lhe estendia as pernas, permitindo a si mesmo apreciar a gloriosa expressão no seu belo rosto. Deitou-se de costas, puxando por ela ao fazê-lo para a deitar sobre si. Manteve-a ali, a cabeça dela no peito dele as pernas a envolver-lhe as ancas, observando o percurso da sua mão enquanto acariciava as suas costas pálidas.
Algum tempo depois, ela ergueu a cabeça e inclinou-a pensativamente.
- Estou a ouvir alaúdes - disse.
- Lisonjeais-me.
Ela soltou uma risadinha abafada e bateu-lhe no ombro de uma forma brincalhona.
- Não, David. Estou mesmo a ouvir. Escutai.
Ele concentrou-se e escutou os tons líricos entre o ruído distante da festa. Afastou-a de si, levantou-se da cama e desapareceu no quarto de vestir.
Chnstiana aguardou, pairando ainda na maravilhosa magia da paixão deles. Pareceu-lhe que o som dos alaúdes se intensificara.
Ele regressou e retirou a colcha da cama.
- Estão aqui por vós. Deveis agraciá-los com o vosso reconhecimento.
Ele colocou a colcha quente sobre os ombros, e ela levantou-se e juntou-se a ele no seu casulo acolhedor.
A porta das escadas que conduzia ao jardim de hera estava aberta, e eles dirigiram-se ao patamar de pedra. David ergueu-a e sentou-a no muro baixo do patamar, aconchegando bem a manta em redor das suas pernas.
Lá em baixo, no minúsculo jardim, conseguia ver quatro homens com alaúdes. Cantavam versos poéticos de uma canção de amor. Ela reconheceu o tom grave de Walter Manny.
- Quem são os outros? - sussurrou.
- São todos de The Pui. É uma tradição quando um deles
se casa.
Tocaram outra canção. Archotes iluminavam o jardim principal, mas aqui os cantores eram apenas formas negras nas sombras. Acima
deles, o céu nocturno límpido reluzia com centenas de estrelas. David mantinha-se ao lado dela, segurando-a sob a colcha, afagando o seu cabelo com o rosto. Havia algo de incrivelmente romântico no facto de estarem ali juntos na noite fria com a intimidade da paixão ainda a pairar sobre eles enquanto a música tocava.
Walter cantou a canção seguinte sozinho. Possuía uma melodia lenta e suave que ela já havia escutado antes. Era a canção que David entoara naquela tarde no salão, aquela que ela achara tão triste nesse dia. Agora apercebia-se de que não era triste de todo, apenas suave e bela. Naquele dia deixara-a a pensar em Stephen, e nem sequer havia reparado nas palavras, mas desta vez escutou atentamente.
Não era de todo uma trova de amor, mas antes uma canção em louvor de uma mulher e da sua beleza. As palavras falavam de membros elegantes e porte nobre. O cabelo dela era negro como a noite aveludada, a pele como um raio de luar, e os olhos como os diamantes das estrelas...
Ela manteve-se muito quieta. Escutou o resto da bela canção que a descrevia. David escrevera aquilo. Havia-a tocado nessa tarde no salão para ela, e ela nem sequer a escutara.
A voz de Walter e o alaúde silenciaram-se quando teminou a melodia. Christiana lançou um olhar à sombra do homem ao seu lado. O seu coração rejubilava de alegria e orgulho por ele a ter honrado desta forma, há tanto tempo, mesmo quando ela o tratava tão mal.
- Obrigada - murmurou, esticando-se para lhe beijar o rosto. Escutaram mais algumas canções, e depois os quatro músicos
avançaram e fizeram uma vénia.
- Obrigada, Walter - agradeceu baixinho.
- Minha senhora - respondeu, e as sombras engoliram-no.
- Que tradição maravilhosa - disse ela a David enquanto regressavam para a cama. - Já fizestes isto?
- Sim. Já tive o meu quinhão de noites passadas ao frio em jardins a cantar para mulheres recém-casadas. Ficamos até ela nos dar a entender que nos escutou. Ocasionalmente, o noivo está tão entusiasmado na cama que demora horas. Depois disso, fazemo-lo pagar caro.
Ela soltou uma gargalhada e encostou a cabeça ao seu ombro.
- Foi um casamento maravilhoso, David. - Pela janela aberta ainda penetrava algum estridor da festança que prosseguia lá fora
e lá em baixo. - Diverti-me imenso. Annee diz que eu danço muito bem para uma amadora. Ela disse que me ensina mais se eu quiser.
- Se vos dá prazer, deveis fazê-lo.
- Gosto dela. Também gosto de Oliver. É um velho amigo vosso?
- Amigo de infância.
- Estão casados há muito tempo?
Uma expressão peculiar surgiu no rosto de David. Estava tão belo nesse momento, com o cabelo castanho dourado a cair-lhe sobre a fronte e os olhos azuis penetrantes a fitá-la.
- Christiana, Oliver vende mulheres. Vivem juntos, mas Anne não é esposa dele. É uma das suas mulheres.
- Estais a dizer-me que ela é prostituta dele ? Anne é prostituta ? Ela faz isto com estranhos por dinheiro? Ele permite-o e ainda lhe arranja homens?
- Sim.
- Como pode fazê-lo? Parece preocupar-se com ela, David. Como é que...
- Na verdade, não sei.
Ela imaginou Anne, como os seus belos cachos castanhos e um rosto adorável, embora mundano.
- Deve ser horrível para ela.
- Suspeito que se deverá alhear quando está lá com eles.
Era possível fazer-se aquilo? Unir-se assim a outra pessoa e não se importar com aquilo, nem sequer sentir nada? Ou apenas retirar prazer, sem qualquer interesse pela pessoa em questão? Era uma ideia triste e assustadora.
Ela voltou a cabeça e lançou um olhar à cúpula de tecido azul acima deles, sentindo compaixão por Anne e já algum desagrado em relação a Oliver por esperar tais coisas dela. É verdade que eram pobres, mas decerto haveria alguma outra
forma de resolver o problema.
E contudo, tinha de admitir que as relações sexuais podiam obviamente acontecer de todas as formas possíveis e pelas mais variadas razões. Na verdade, ela suspeitava
que o amor não tinha nada a ver com aquilo, especialmente para os homens. Afinal, o desejo que ela e David partilhavam era essencialmente físico, não era? Para ele, era mesmo só isso. E outras mulheres tinham estado ali, onde ela
estava agora, vivendo as mesmas experiências. Havia-as desejado, e aeora desejava-a a ela. Quem desejaria ele a seguir?
A magia e a maravilha pareceram-lhe subitamente menos especiais.
Duraria muito, este desejo? Talvez, se um homem despendesse mil libras por uma mulher, se sentisse na obrigação de a desejar por muito tempo. Mas quando o desejo desvanecesse, o que lhe restaria a ela? Uma casa e talvez alguns filhos. Não é que fosse pouco, mas ela queria mais.
O reconhecimento desse facto assustou-a e Christiana nem sequer compreendia os sentimentos que revelava. Contudo, compreendia que podia haver perigo nesta cama com este homem, e a hipótese de uma desilusão bem maior do que a que conhecera com Stephen Percy.
Um estranho vazio apoderou-se dela. Era como uma solidão desolada, apesar do homem que a abraçava. Vivera uns momentos maravilhosos durante aquelas últimas horas,
rindo e dançando, subjugada pela paixão mútua. Os momentos passados junto a ele, lá fora, enquanto escutavam as canções de amor haviam sido tão românticos. Apercebeu-se com pesar que havia estado a construir insensatamente outra ilusão, outro sonho.
Ela sentiu-o mover-se e em seguida aqueles olhos azuis estavam pousados nela, observando-a.
- Em que estais a pensar? - questionou David. Não sabeis? Quis perguntar. Sabeis sempre.
Encontrou o olhar dele e compreendeu que ele sabia. Pelo menos em parte.
- Estou a pensar que há algo mais em tudo isto do que a minha compreensão alcança. - com um gesto, abarcou a cama. - Deveis considerar-me muito infantil e ignorante comparada com as outras mulheres que conhecestes.
Mulheres belas. Mulheres mundanas. Mulheres experientes. Jamais conseguiria competir com elas. Nem sequer sabia como. Por que razão a teria ele desposado?
A mão dele acariciou-lhe a face e voltou o seu rosto para o fitar.
- Agradais-me muito, Christiana.
Sentiu-se um pouco melhor com essas palavras, mas não muito.
- Alicia era vossa amante, não é verdade? - inquiriu bruscamente.
- Sim. Mas está terminado.
- Também houve outras. Algumas que eu conheço e que me conhecem - disse sem qualquer expressão.
Ele limitou-se a fitá-la.
- Elizabeth? - questionou, pensando naquela mulher requintada e encantadora e sentindo uma enfurecedora pontada de ciúme. Ninguém jamais poderia competir com Elizabeth.
- Elizabeth é uma velha amiga, mas nunca fomos amantes. Uma indignação protectora substituiu imediatamente o ciúme.
- Por que não? Sois melhor do que muitos homens a quem ela esteve ligada. E aquele lorde que ela desposou é idoso e mal-parecido.
Ele riu-se.
- Agora estais Zangada, com ela por nunca termos dormido juntos? Não, não houve qualquer insulto nisso. Elizabeth gosta dos amantes bem jovens.
- Vós sois jovem.
- Não o suficiente. Ela gosta deles ainda inexperientes. Pretende influenciá-los.
- Jovens como Morvan?
- Sim.
Ela ficou a pensar naquilo e naqueles meses em que Morvan acompanhava Elizabeth. Fora muito tempo para ele. A preocupação com o irmão distraiu-a das preocupações acerca de si mesma.
- Sabeis algo acerca deles e do que aconteceu? Algumas pessoas na corte pensaram que eles se casariam, mas depois, de repente, acabou. Morvan nunca falou comigo acerca disso.
Ele lançou um olhar à almofada durante um momento e ela percebeu que ele sabia.
- Oh, por favor, David, dizei-me - pediu. - Afinal, ele é meu irmão. Sou muito discreta, sabeis. Sou a única mulher na corte que nunca se entregou a mexericos.
- Uma virtude rara que não devo corromper.
- Sempre escutei, mas nunca repeti o que ouvi - disse.
- Elizabeth não desposou o vosso irmão porque ele nunca a pediu em casamento. Ela amava-o, mas ele não a amava. Pelo menos,
não da forma que ela desejava. Elizabeth jamais se ligaria a um amor desigual como esse. Depois há a questão de ela ser infértil. Sabe que o é desde muito jovem. É por isso que os homens mais velhos a desejam. Já possuem os seus herdeiros. Um dia o vosso irmão irá ser de novo lorde de Harclow e pretenderá ter um filho.
- Não, David, não me parece que ele vá sê-lo. O rei jurou que iria fazer os possíveis por isso, mas esqueceu-se.
- Os homens não esquecem os juramentos que fazem.
O que mais saberia David acerca das pessoas com quem ela havia passado a sua vida?, pensou. Talvez, se ela provasse ser muito discreta, ele algum dia lhe contasse. Estar assim a conversar no calor da cama era muito aprazível e aconchegante. Quando ele se encontrava de pé e a caminhar de um lado para outro, ainda permanecia um mistério para ela, mas a intimidade daquele momento baniu temporariamente essa sensação.
- Fiquei surpreendida por o rei vir esta noite - disse ela, interrogando-se até onde poderia ir neste clima de boa disposição.
- Até mesmo os reis gostam de se divertir. Ser uma personalidade real pode ser algo muito entediante, e Eduardo ainda é jovem. Não é muito mais velho do que eu.
- Parece conhecer-vos bem.
- Somos aproximadamente da mesma idade, e ele sente-se mais confortável comigo do que com os dignitários da cidade, que são muito formais com ele. Fiz-lhe alguns favores. Encarrega-me de algumas missões, principalmente para a Flandres. Transportei cartas para o governador de Ghent em várias viagens.
- Ainda fazeis isso? Essas missões?
- Sim. Algumas das viagens que faço são a mando de Eduardo.
Era isso. Ela sorriu perante a sua tola hesitação. Devia ter perguntado mais cedo. Tudo fazia sentido e era perfeitamente inocente. Ainda assim...
- São, perigosas, essas viagens?
- Não têm sido.
Não era o mesmo que responder com uma negativa, todavia decidiu não insistir.
Aninhou-se ao corpo dele, desfrutando do calor do braço dele à sua volta. Pensou nalgumas pessoas que conhecera no banquete da
Câmara Municipal. Recordou-se em especial de Gilbert de Abyndon, um homem de lábios finos e cabelo grisalho, que tentara ignorar a presença de David até mesmo no momento em que estava a apresentá-la.
- Gostei de Margaret, esposa de Gilbert. Penso que ela e eu podemos vir a ser amigas. Pensais que ele o permitiria?
Na verdade, ela pretendia saber se David o permitiria. Margaret não era muito mais velha do que ela própria, e era uma mulher agradável de cabelo loiro. Ambas haviam apreciado o encontro e a conversa, embora os seus maridos tivessem permanecido imóveis como sentinelas.
- Muito provavelmente. Gilbert é muito ambicioso. Irá tolerar o vosso casamento comigo devido à vossa condição nobre e às vossas ligações com a corte. Tal como a
maioria dos mercadores abastados, ele pretende elevar a sua família à pequena nobreza.
- Ainda assim, ele pode opor-se a que ela me visite. É óbvio que existe ódio entre vós.
Aquele comentário deixou-o silencioso durante algum tempo. Christiana voltou-se e viu-o a observar o dossel azul, um pouco à semelhança do que ela fizera na noite anterior. David fitou-a com um brilho no olhar. Teria ficado enfadado com a simples menção do tio? David beijou-lhe o cabelo como que para a tranquilizar.
- Odeio-o por aquilo que ele fez à minha mãe, e ele odeia-me porque eu estou vivo e uso o nome de Abyndon. Ele é o pior da nossa geração, minha menina. Opinioso e intransigente. É uma pessoa pedante e frequenta a igreja todas as manhãs antes de passar o dia a amaldiçoar as pessoas. Se ele tivesse estado nesta casa hoje, não teria visto alegria e bem-estar, mas apenas pecado e fraqueza. Se pretendeis ser amiga de Margaret, deveis saber disto, porque este é o homem a quem ela está ligada. Afortunadamente, pelo bem dela, o seu marido idoso falecerá em breve.
Ela pestanejou perante estas últimas palavras. Desejar a morte de outrem era algo terrível. A forma fria como ele o disse surpreendeu-a ainda mais.
- Precisamos de encontrar uma criada que vos ajude com as roupas - acrescentou. - Geva disse que quereríeis ser vós mesma a escolher a rapariga. Dentro de poucos dias, ide visitar Margaret e pedi-lhe ajuda com isso. Vede se Gilbert o permite.
David acariciou-lhe o cabelo e o ombro, e Christiana comprimiu-se contra o corpo dele à medida que o calor das carícias faziam despertar a sua pele. Ela suspeitava que ele queria fazer amor novamente. Aguardou que ele tomasse a iniciativa e ficou surpreendida quando David começou a falar e a sua voz suave flutuou até ao seu ouvido.
- Os meus tios Gilbert e Stephen já deviam ter uns vinte anos quando a minha mãe ainda era uma menina. Idade suficiente para perceberem o que ali tinham assim que ela perfez os catorze anos. Era bela. Perfeita. Até mesmo quando faleceu, apesar de tudo, continuava a ser bela. Os irmãos dela viram no casamento uma oportunidade. Tinham tudo planeado. Pretendiam, como primeira opção, desposá-la com um nobre. A segunda opção era um mercador pertencente à Liga Hanseática. Em terceiro lugar, um homem da pequena nobreza. Destinaram um dote chorudo e começaram a exibi-la diante desses homens. Levavam-na com eles a todos os banquetes, vestida como uma senhora.
- E funcionou?
- Funcionou. John Constantyn contou-me aquilo que ela não me disse. Começaram a chover ofertas. Gilbert e Stephen começaram a discutir o casamento que seria melhor para eles, evidentemente, não para ela. Tornaram-se muito espertos e atiçaram uns contra os outros.
- Ela recusou a opção deles? Foi por isso que...
- Pior do que isso, tal como o meu corpo ao vosso lado o confirma. Não foram suficientemente cuidadosos com ela. Os pais deles já haviam falecido, e as criadas que a vigiavam eram demasiado indulgentes. Ela apaixonou-se. O homem desapareceu muito antes que ela se apercebesse que estava grávida.
- Seria um dos pretendentes?
- Aparentemente, não. Ainda assim, os irmãos procuraram resolver a tragédia à maneira deles. Quiseram saber o nome dele de modo a forçarem um casamento, mas ela não o revelou. Gilbert tentou que ela o confessasse, batendo-lhe, e mesmo assim ela não o fez. Assim, encontraram outro marido para ela, disposto a aceitá-la sob aquelas circunstâncias, e que quisesse realizar um casamento rápido.
Christiana sentiu-se constrangida. Recordou-se da primeira noite na sala de estar de David e de ele lhe perguntar se ela estava de
esperanças. Devia ter pensado que era a mesma história, e que ele era o outro homem cujo casamento rápido encobriria o erro de uma rapariga.
- Ela não o quis aceitar - prosseguiu. - Estava certa de que o seu amante regressaria. Dirigiu-se ao sacerdote e explicou que não queria casar-se.
Mais corajosa do que eu, pensou Christiana. Meu Deus, o que se teria passado na mente de Davidna noite em que o enfrentara diante da lareira?
- O que fizeram eles ?
- Mandaram-na para longe. Temos alguns familiares em Hastings e eles enviaram-na para lá. Gilbert ordenou-lhe que se livrasse da criança quando esta nascesse. Se ela não obedecesse, deixariam de a sustentar e seria como se ela estivesse morta. Não deveria regressar a Londres sob circunstância alguma.
- Mas ela ficou convosco e regressou.
- Ela tinha a certeza de que o seu amado regressaria, e ele não saberia onde procurá-la se ela não estivesse aqui. Por isso, não tardou a regressar. De alguma forma, conheceu Meg e começou a trabalhar como lavadeira. Meg foi a parteira quando eu nasci. Naqueles primeiros anos, vivíamos num pequeno quarto atrás de um estábulo junto ao rio. Para além de Meg e dos outros trabalhadores, eu era o único companheiro da minha mãe. Gilbert e Stephen nunca a viram e, fiéis à sua ameaça, nunca lhe deram um tostão. Ela podia ter morrido à fome que eles não teriam sabido nem se importavam.
- E vós? Sabíeis quem ela era, tínheis conhecimento deles?
- Só quando fiz sete anos. Comecei a ouvir falar destes homens com o mesmo nome da minha mãe e fui-me apercebendo de algumas coisas. Nessa altura, Stephen começou a fazer carreira como político na cidade. E nessa altura eu já sabia que era um filho bastardo. Os outros rapazes encarregaram-se de mo fazer saber. Alguns anos
mais tarde, ela converteu-se na governanta de David Constantyn e as coisas melhoraram, embora Gilbert e Stephen nunca lhe tivessem perdoado por tê-la auxiliado.
A infelicidade dela era o preço pelo seu pecado contra Deus e contra eles. Principalmente contra eles.
Ele contara esta história de uma forma simples e calma, mas ela pressentia que havia muitos outros pensamentos ligados a esta narrativa, e que alguns deles lhe diziam respeito a ela.
Recordou-se do esboço do rosto da mulher que vira e, olhando Uara a constituição perfeita de David, conseguia ver nele a mãe. Mas outro rosto contribuíra para estes
traços e aqueles olhos profundos, num rosto desconhecido.
- Qual era o nome dela? O nome da vossa mãe.
- Joanna.
- E o vosso pai, conhecei-lo?
- O único pai que alguma vez conheci foi o meu mestre. A primeira vez que o vi, ele repreendeu-me por lhe ter furtado uma maçã. Upareceu-me vindo do jardim de hera
no momento em que me Encontrava sentado sob uma árvore a comê-la, enquanto a minha mãe ajudava com a lavagem da roupa no pátio. Tive de arranjar uma Hesculpa rápida
e credível para escapar a uma sova, garanto-vos. Deu-me uma grande palmada e arrastou-me até junto da minha mãe.
Algumas semanas mais tarde, apareceu enquanto estávamos
aqui e levou-me a assistir ao enforcamento de um ladrão. No caminho de regresso contou-me que havia duas formas de os homens inteligentes enriquecerem. Uma era através
do roubo e a outra através do comércio, mas os ladrões viviam vidas mais curtas. Por volta dos meus oito anos, dei por terminada a minha carreira de ladrão, e aproveitei bem a lição.
Ela recordou as crianças pobres que por vezes avistava nas ruas da cidade a aproximar-se das carruagens e das janelas, escapulindo-se com comida e bens. Imaginou
um David pequenino entre elas. Nunca era apanhado, evidentemente.
- Ele quis casar-se com ela, penso eu - acrescentou pensativamente. - Recordo-me de os apanhar quando devia ter uns doze anos. Estavam sentados no salão. Apercebi-me de que estavam a disputir algo importante. Pressenti-o.
- Pensais que ela o recusou?
- Sim. Na altura presumi que ele o fizera porque me queria a mim. Naquela altura mantínhamos uma relação próxima, quase de pai e filho. Até partilhávamos o nome.
Ela escolhera o meu da Bíblia, mas é um nome invulgar em Inglaterra, e eu sabia desde o início que
o facto de eu ter o mesmo nome que ele o fascinava. Até mesmo
o Emprego dela aqui, sempre pensei que ele tinha aceite a minha mãe para ter o filho. Mas agora penso que foi precisamente o contrário.
- Ela recusou-o por causa do outro homem, o vosso verdadeiro pai?
- Sim. O coração dela continuou a esperar já depois de a mente ter desistido. Desprezei-a por isso quando era adolescente, mas quando ela faleceu, compreendi um pouco.
Ela recordou-se da compreensão paciente de David durante os esponsais, mas igualmente dos seus comentários cruéis e implacáveis sobre Stephen.
Ainda aguardais por ele, depois de todo este tempo e quando a, verdade é tão óbvia. Ainda bem que Eduardo me deu a vossa mão em casamento, caso contrário teríeis passado toda a vossa vida à espera e a viver num sonho desvanecido.
Ao recusar-se a repudiá-la, David correra um risco horrendo e doloroso.
Ela procurou o conforto cálido do corpo dele, sentindo a pele de David contra a sua. O facto de ele lhe ter falado de Joanna e da sua infância enternecera-a. Aos poucos, em momentos como este, talvez ele deixasse de ser um estranho para ela. Também sabia que não estava na sua natureza fazer este tipo de confidências e que apenas a intimidade do matrimónio o havia permitido.
Sem pensar, fez deslizar o rosto conta o peito dele e voltou-se para o beijar. Saboreou a pele e beijou-o de novo. O seu desejo de dar e receber conforto e de se comprazer nesta recente intimidade de ambos transformou-se em algo diferente à medida que o beijava, e impulsivamente voltou a cabeça e mordeu-lhe suavemente o mamilo. Ele tocou-lhe na cabeça e segurou-a, encorajando-a. Uma sensualidade lânguida percorreu-lhe o corpo e também sentiu uma mudança nele. Só nessa altura se recordou de que esta havia sido uma daquelas confidências que a criada lhe fizera de manhã durante o banho.
Ele permitiu que os lábios e a língua dela o acariciassem durante algum tempo e depois voltou-a suavemente de costas.
- Parece-me que vos prometi prazer prolongado - disse ele.
- Vejamos até que ponto poderemos prolongá-lo.
Muito mais tarde, pois David era capaz de prolongar o prazer durante muito tempo se assim o quisesse, jaziam juntos na cama obscura, as cortinas fechadas contra os sons esbatidos e as luzes do
banquete de casamento. Christiana começou a adormecer nos seus braços.
Ela sentiu-o mover-se e percebeu que ele observava o seu perfil quase indistinto.
- Falastes com ele? - perguntou suavemente.
Ela já se esquecera do assunto. Esquecera tudo acerca de Stephen Percy e da sxia ira e mágoa contra David. Este dia e esta noite haviam obscurecido as suas suspeitas acerca das motivações de David, e desejou sinceramente que ele não lhas tivesse recordado.
Ele vive com realidades, pensou ela. Sois vós quem compõe sonhos e canções. Mas ele havia escrito aquela canção acerca dela, não é verdade? Todavia, não era uma canção de amor. Ele considerava-a bela e escrevera acerca disso. Talvez ele também escrevesse melodias do género acerca do pôr-do-sol e das florestas.
- Sim. Falei com ele.
- O que pretendia?
- Nada de honroso.
Ele ficou silencioso durante um momento.
- Não quero que o volteis a ver - disse finalmente.
- Ele está na corte com frequência. Quereis dizer que nunca mais vou poder regressar a Westminster?
- Não estou a dizer isso. Sabeis o que quero dizer.
- Terminou, David. Tal como vós e Alicia. É o mesmo.
- Não é o mesmo. Eu nunca amei Alicia.
Ela voltou-se para ele. Ele abrira esta porta e ela sentiu o impulso de entrar.
- Nunca tencionastes deixar-me ir com ele, pois não?
- Não menti quando o disse, mas estava certo de que isso não aconteceria.
- E se tivesse acontecido?
Os dedos dele tocaram o seu rosto na obscuridade.
- Não vos teria deixado ir. Soube-o desde cedo.
Porquê? Pelo vosso orgulho? Pelo vosso investimento? Para me salvar do destino da vossa mãe? Não podia colocar-lhe a questão porque não queria saber a verdade. Devia ser permitido a uma rapariga algumas ilusões e ambiguidades, se tinha de viver com um homem. Também não queria realidade a mais.
- Como é que sabíeis que eu viria naquele dia?
- Não o esperava. Tencionava ir lá buscar-vos.
- E se eu não viesse nem concordasse com a vossa sedução?
- Não vos teria dado muitas hipóteses de escolha. Ela pensou naquilo.
- Fostes muito inteligente, David, reconheço isso. Muito cuidadoso. Muitas testemunhas. Todo o vosso lar. Idonia. Até que ponto fostes meticuloso? Guardastes os lençóis? Deixaste-os na cama para que Geva os visse no dia seguinte? - O seu tom de voz encerrava mais petulância do que aquela que sentia.
Ele beijou-lhe a têmpora e puxou-a para si.
- A primeira vez que vos encontrei, e de todas as outras vezes, dissestes-me que o amáveis, Christiana. Até àquela quarta-feira. Apesar do que acontecia entre nós quando eu vos beijava, apesar de ele vos tratar mal. Sim, querida, fui meticuloso. E calculista e inteligente. Converti deliberadamente este casamento num facto e liguei-vos a mim. Não podia correr o risco de ele vos contar as mentiras que o vosso coração queria ouvir de modo a abusar de vós de novo. Ter-me-íeis aceitado de outro modo? Deveria eu ter recuado perante este cavaleiro como mercador que sou? Ter-vos-ia agradado se tivesse honrado a minha promessa de vos deixar ir?
Ela estremeceu um pouco perante a franqueza brutal das suas palavras. As coisas soavam de uma forma diferente quando ele as punha desta maneira, quando ela as via através dos olhos dele. Fora tão fácil esquecer a pessoa que ela era antes da última quarta-feira.
- Não - sussurrou, e era verdade. Não teria ficado satisfeita se ele se mostrasse indiferente e simplesmente tivesse permitido que Stephen a levasse. Outra reacção que ela temia examinar ao pormenor.
O silêncio impôs-se de novo, e após algum tempo, ela relaxou no seu abraço. O sono já quase a reclamara quando escutou uma gargalhada suave no seu ouvido.
- Sim, minha menina. Fui meticuloso e não corri riscos. Guardei os lençóis.


CONTINUA

CAPITULO 10
Christiana assumiu que nesse dia o almoço fosse mais sumptuoso do que era habitual para a refeição do meio do dia. A visita de John Constantyn era provavelmente o motivo para o excesso de pratas, bem como os acepipes, mas suspeitava também que a sua própria visita inspirara Vittorio a confeccionar algumas iguarias de última hora.
- Aposto que ele é um dos melhores cozinheiros de Londres
- confidenciou John. - Faço sempre os possíveis para conseguir um convite para comer aqui. - Deu umas palmadinhas na sua volumosa barriga. - É melhor não o deixares cozinhar no teu casamento, David. O rei pode roubar-to.
Vittorio assegurou-se de que tudo estava perfeito na mesa, e depois sentou-se junto aos aprendizes e Sieg. Em breve toda a mesa falava em italiano.
- É mais fácil aprenderem à mesa. - Explicou David. - Vai ser preciso, por causa do comércio.
Christiana observava os rapazes. Andrew era mais velho do que ela e Roger dois anos mais jovem. Todavia, para eles não era estranho que uma rapariga da sua idade desposasse o seu mestre. Na verdade, as noivas-criança eram mais comuns e ela era um pouco velha para esse papel.
John serviu-se de salmão.
- Ouvi dizer que recebestes hoje um carregamento, David.
- Tapetes de Castela.
- Tendes recebido muita carga de Inverno.
- Elas chegam quando chegam.
- Pois, pois. Estais à espera que o comércio seja interrompido na Primavera ou no Verão, não é verdade? - baixou o tom de voz.
- Ele vai fazê-lo, não vai? Outra maldita campanha. Outro exército para França e todos os navios à vista requisitados nesse sentido. Ainda bem que só negoceio com lã. Ele jamais interferirá com isso.
- Se Eduardo continuar a pedir dinheiro emprestado, em breve não haverá prata no reino nem mesmo para comprar a vossa lã, John, quanto mais para tapetes espanhóis.
- Vendeis sempre os vossos objectos de luxo, David. Sabeis sempre o que eles pretendem. - Inclinou-se na direcção de Christiana. - Ele possui instintos de ouro, minha senhora. Há uns anos atrás, ele não tocaria no monopólio do rei para exportar lã em bruto e convenceu-me também a mim a desistir. Salvou-me a pele. Quase todas as pessoas envolvidas perderam tudo.
A refeição foi longa, cordial e descontraída. David e John conversaram sobre política e negócios e discutiram as políticas de Eduardo mais abertamente do que os cortesãos. Ocasionalmente, algumas opiniões até pareciam ligeiramente desleais.
Provavelmente, os barões e cavaleiros também falavam assim entre eles, apercebeu-se ela, mas não no salão do rei.
Christiana examinou as pessoas sentadas nas outras três mesas. Para além de Sieg, Vittorio, Geva e os aprendizes, havia mais quatro criados permanentes. O lar de David parecia grande, bem gerido e eficiente. Ele realmente não necessitava de uma esposa para gerir as coisas. Ela suspeitava que a sua presença seria supérflua e até mesmo prejudicial.
Ao longo de toda a refeição, David fê-la saber que não se esquecera da sua presença. Os seus gestos e olhares sugeriam que apesar da atenção que dedicava ao seu convidado, grande parte dos seus pensamentos se dedicavam a ela. Quando ambos terminaram de comer, a mão dele repousou permanentemente sobre a dela em cima da mesa, os longos dedos acariciando distraidamente as costas da sua mão enquanto conversava. De formas subtis, ele mantinha a intimidade que haviam partilhado no jardim de hera.
Ela foi-se tornando cada vez mais consciente do seu toque e dos seus olhares à medida que a refeição se aproximava do fim. Quando
o salão começou a esvaziar-se e os aprendizes regressaram à loja e os criados aos seus deveres, Christiana notou que a percepção dele em relação a ela se agudizava apesar de nada ter mudado no seu comportamento ou nas suas acções.
John Constantyn não permaneceu durante muito tempo depois de as outras mesas ficarem desertas e Christiana e David acompanharam-no até ao pátio.
- Ver-vos-ei no vosso casamento, senhora - disse John. - É verdade que o rei vai assistir, David?
- Foi o que me disseram. Christiana encontra-se sob a sua tutela.
- Consta que o presidente da câmara vos convenceu a mudar o banquete para a Câmara Municipal.
Christiana tentou não embaraçar David deixando perceber que não sabia nada dos planos para o seu próprio matrimónio. Nunca haiam falado acerca disso. Nunca perguntara, porque nunca tencionara lá estar.
Não podia censurá-lo se ele agora antipatizasse com ela. Talvez fosse, de facto, o caso. Ele jamais lhe daria a perceber. Estava tão encurralado como ela, mas ia tentar tirar o melhor proveito desta situação. Seria apenas isso? Duas pessoas a acomodarem-se ao inevitável?
- Sim. E o presidente da Câmara tornou bem claro que se a família real assistir, todos os vereadores devem ser convidados disse David. - Teremos o banquete oficial e fastidioso do presidente da Câmara, e depois outro aqui para esta zona e para o pessoal da casa. Guardai o vosso apetite, John. Vittorio vai cozinhar no segundo.
John soltou uma gargalhada.
- E o vosso tio Gilbert, David. Também virá?
- Convidei-o. Na verdade, apropriei-me de um pajem real para lhe enviar uma mensagem. A esposa de Gilbert é uma boa mulher e não pretendo insultá-la. Ela fará com que ele venha. - Os seus olhos faiscaram maliciosamente. - A decisão irá deixá-lo louco. Se recusar, perderá a oportunidade de estar junto do rei. Se aceitar, honrar-me-á com a sua presença.
- Sim - concordou John com um sorriso de orelha a orelha.
- O dilema dele podia ser causa suficiente para contrairdes casamento, se o melhor motivo não se encontrasse agora aí ao vosso lado.
Ela decidiu não pensar na forma como David tivera acesso a um pajem real.
Nessa altura, John partiu. O pátio pareceu de súbito muito tranquilo.
O braço de David enlaçou a cintura dela.
- Vinde. vou mostrar-vos a casa.
Visitaram primeiro os estábulos. O seu cavalo negro, sem sela e escovado, permanecia no estábulo ao lado das duas montadas de David. O moço da estrebaria não se encontrava em parte alguma. Ela aproximou-se e acariciou o focinho negro do animal. Supunha que agora já podia dar-lhe um nome, uma vez que ia ficar com ele.
No edifício voltado para a rua viu os quartos usados por Michael, Roger e alguns dos criados. Andrew dormia na loja, ela sabia. Impressionava-a que cada pessoa tivesse o seu quartinho. Os criados deste mercador possuíam mais privacidade do que os nobres à guarda do rei.
Reinava o silêncio no salão. Até mesmo a cozinha ecoava por estar deserta. Vittorio estava de saída com uma cesta no braço. Ia às compras para a refeição da noite. Sorriu com indulgência e afastou-se furtivamente.
Quando David abriu a porta do último edifício, Christiana pensou que provavelmente encontraria ali mais azáfama doméstica. Apercebeu-se, com surpresa, que todas as pessoas haviam abandonado a casa.
Seguiu David até aos armazéns repletos de caixas de madeira no primeiro andar, para lá do antigo quarto da mãe. Christiana sentiu o aroma a canela e a cravo-da-índia. Tapetes, especiarias e sedas. Artigos de luxo. A observação de John havia sido correcta. David conseguiria sempre vender estes artigos. Definiam estatuto e honra, e muitas pessoas limitar-se-iam a comer apenas caldo para os poderem adquirir.
O braço dele rodeava-lhe os ombros enquanto a conduzia de regresso à cozinha. Aquele gesto simples pareceu-lhe subitamente menos descontraído do que antes. Teria ele dispensado todo o seu pessoal ou a sua discrição natural tê-los-ia levado a sair, para que o mestre deles pudesse estar a sós com a sua senhora?
Estavam sozinhos, isso era certo. O silêncio ressoante imbuíra este passeio simples de uma intimidade assustadora. Quando
regressaram às escadas que conduziam ao andar superior e aos aposentos de David, já Christiana ia com os sentidos em alerta.
David começou a conduzi-la pelas escadas acima. Ela mostrou-se relutante no segundo degrau.
O sorriso divertido dele fê-la sentir-se infantil.
- Vá lá, menina - disse, pegando-lhe na mão. - Deveis conhecer a vossa casa.
A mente de Christiana admoestou os seus instintos. Afinal, já estivera
no salão. Em breve estariam casados e, apesar dos avisos de Morvan, ele não interpretara
mal a razão da sua vinda. Permitiu que ele a persuadisse a subir.
À luz do dia, pôde ver a beleza do salão. As janelas envidraçadas de um dos lados tinham vista para o jardim e, no Verão, o aroma das flores sentir-se-ia, com certeza,
naquele compartimento quadrado. David acendeu o lume e ela caminhou pela sala, admirando o mobiliário. Cada cadeirão entalhado, cada peça de tapeçaria, cada artigo,
até mesmo os castiçais em prata, possuía uma beleza própria e característica. Correu os dedos pelo entalhe de hera no cadeirão onde se sentara na primeira noite. O que teria este homem pensado da criança que o enfrentara, com os pés a baloiçar à medida que lhe anunciava o seu amor por outro homem?
Stephen. A recordação dele ainda conseguia provocar nela uma mágoa profunda.
Ergueu os olhos e deu com os de David fixados em si.
- Estes objectos maravilhosos vieram com a casa? - questionou.
- Não.
Também lhe quis parecer que não. Tal como o corte austero das roupas de David, os objectos eram, à sua maneira, perfeitos.
- Deveis passar muito tempo em busca destas coisas.
- Raramente. Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Ela observou uma das tapeçarias penduradas junto às janelas. Soberba. Recordou-se da dependência de Elizabeth no gosto dele. Ele tinha olho para a beleza. Esse atributo concedia-lhe uma vantagem tremenda neste negócio.
Penso que sois a rapariga mais bela que já conheci.
Os olhos dela seguiram lentamente o sinuoso rendilhado em chumbo que unia os vidros nas janelas. Sentia o olhar dele cravado nela.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
Um livro pequeno repousava sobre uma mesinha perto da lareira. Sabia que se o abrisse encontraria iluminuras da maior beleza. Como tudo o resto neste compartimento, seria um objecto de grande requinte.
Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Duas portas flanqueavam a lareira. Deambulou até à porta da direita e abriu-a. Deu por si na soleira do quarto de dormir dele. Ignorando um vislumbre de inquietação na forma como ele a observava, entrou.
A lareira no quarto dele situava-se na parte de trás da da sala de estar e a janela também dava para o jardim. O quarto estava mobilado de uma forma simples, com uma cadeira perto do lume e uma ampla cama sobre um estrado baixo no centro do quarto. Cortinas azuis escuras rodeavam a cama, formando um dossel, e a parte lateral abria-se para revelar uma sumptuosa colcha a condizer.
Ela caminhou ao longo da parede com vista para o jardim e transpôs uma outra porta na extremidade do quarto. Entrou no quarto de vestir onde se encontravam os baús e cabides para as roupas dele. Havia também uma pequena lareira e uma tina de madeira tal como a de Isabele. Uma porta na sua extremidade conduzia a um guarda-roupa e a uma privada. Um cano num nicho de parede, semelhante a outros que se podiam ver pela casa, fornecia água canalizada.
Ela abriu uma porta entalhada na parede e deu por si no cimo das escadas que conduziam ao pequeno jardim de hera. Para além da sala de estar, esta era a única entrada para o compartimento.
De regresso ao quarto de dormir, olhou em seu redor, tentando acostumar-se a este espaço. David mantinha-se na soleira da porta, o seu ombro apoiado descontraidamente na ombreira da porta. Ela lançou-lhe um sorriso débil, sentindo-se uma intrusa.
- Onde é o meu quarto?
- Estais a referir-vos aos aposentos da senhora? Não existem. Nós os mercadores não vivemos dessa forma. O vosso lugar é aqui,
comigo - respondeu, encaminhando-se para a lareira. Não havia necessidade de atiçar este lume, pois faiscava e crepitava com novos cepos. Fitou as chamas incandescentes e leu o seu significado tremeluzente.
Quem viera preparar este quarto? Geva? David não teria exposto as suas intenções a uma mulher. Devia ter sido Sieg. O enorme sueco fora o primeiro a abandonar o salão. Ela duvidava que David lhe tivesse dito alguma coisa. Ele limitara-se a fazê-lo. Christiana procurou não olhar para a cama ampla que dominava o quarto. Era evidente que Sieg não tinha conhecimento das garantias que David lhe dera no jardim.
Mas não podia ficar ali especada. Procurou algo para onde pudesse olhar.
O salão estendia-se por toda a largura do edifício, tanto sobre o jardim como sobre o pátio. Este quarto não era assim tão amplo, e a parede exterior era sólida.
Vislumbrou uma porta na outra extremidade e dirigiu-se a ela a passos largos.
Assim que viu o compartimento lateral estacou. Era um gabinete de trabalho. Lançou um olhar aos objectos que o preenchiam e apercebeu-se de que agora estava mesmo a intrometer-se. Começou a recuar e foi de encontro ao peito de David. A mão dele pousou sobre a sua e ele abriu a porta com um empurrão.
- Esta casa é vossa - disse-lhe. - Aqui não há portas fechadas para vós.
A sua casa. Desde Harclow que não tinha uma casa. Não uma casa de verdade. Como a família real se movia de um castelo ou palácio para outro, nunca se sentira em casa, nem sequer em Westminster. Durante os onze anos que ali permanecera não fora mais do que uma espécie de hóspede permanente.
Este pequeno compartimento podia não estar fechado para ela nesse dia, mas obviamente que estava para todas as outras pessoas. Nenhuma governanta cuidava deste quarto, e uma fina camada de pó cobria alguns dos objectos nas prateleiras junto à janela alta. O seu olhar recaiu sobre uma pilha de livros e alguns rolos de papel. Uma pequena pintura ao estilo bizantino e uma bela escultura em marfim adornavam um dos cantos, junto de uma antiga harpa de mão, cuja estrutura era embelezada por um intricado entrelaçamento de fios prateados.
A única peça de mobília era uma ampla mesa coberta com pergaminhos e documentos. Havia uma cadeira atrás dela, e sob a mesa Christiana avistou um pequeno baú trancado no chão.
Pelo canto do olho reparou que a parede atrás da porta também continha prateleiras. Voltou-se e assustou-se ao avistar o rosto de um homem que a fitava.
David soltou uma gargalhada e dirigiu-se à prateleira.
- É extraordinário, não é verdade?
Ela aproximou-se, atónita. O rosto do homem estava esculpido no mármore e o seu realismo espantou-a. O escultor que a fizera possuía, certamente, um toque divino. Sombras subtis modelavam a pele com uma tal precisão que parecia que quase se podia tocar naquele rosto e sentir a pele e os ossos por baixo.
- Encontrei-a em Roma - explicou. - Jazia numas ruínas antigas. Levantei uma pequena secção de uma coluna e ela estava lá por baixo. Encontram-se lá imensas estátuas destas. Corpos inteiros, tão reais como este rosto e esquifes em pedra cobertos com figuras que são agora usados para conter água nas fontes. Vi recentemente algumas estátuas na Catedral de Reims que se aproximavam destas, mas nada semelhante a norte dos Alpes.
Reims. Perto de Paris. O que teria ele ido ali fazer recentemente? Que pergunta estúpida. Afinal, ele era um mercador.
- Trouxeste-la até casa?
- Não. Subornei Sieg para que a trouxesse - respondeu com uma gargalhada.
- Pareceis apreciar bastante a pintura e a escultura. Por que razão não vos tornastes num escultor ou pintor?
- Porque David Constantyn era mercador e foi quem ele quem me tornou seu aprendiz. Quando eu era rapaz, por vezes demorava-me diante da loja de um pintor. Observava-os a trabalhar, a misturar as cores e a pintar as imagens dos livros. O mestre não se importava e até me mostrou como queimar madeira para construir as ferramentas de desenho. Mas o destino tinha outros planos para mim, e eu não o lamento.
Ela aproximou-se da mesa. No canto, encontravam-se alguns pergaminhos dobrados e lacrados com um selo exibindo três serpentes entrelaçadas. Sobre eles encontravam-se alguns papéis espalhados, com marcas estranhas. Um deles exibia linhas irregulares ligadas
por curvas com números. Pequenos quadrados e círculos alinhavam-se ao longo de margens serpenteantes. Ela afastou cuidadosamente o olhar. Era um mapa. Por que razão David elaborava mapas?
Hoje não, recordou-se.
Voltou-se e examinou os livros na prateleira alta.
- Posso ver um?
- Qual deles quereis?
- O maior.
David retirou o maior da prateleira e pousou-o sobre a mesa, cobrindo os desenhos crípticos. Christiana sentou-se na cadeira e abriu-o cuidadosamente. Observou, surpreendida, as linhas e os pontos que tinha diante de si.
- É sarraceno, David.
- Sim. As imagens são maravilhosas. Continuai a ver. Ela virou as imensas folhas de pergaminho.
- Conseguis ler isto?
- Alguma coisa. Contudo, nunca aprendi a escrever muito bem essa língua.
- É proibida? - perguntou num tom céptico. Ela sabia que a Igreja reprovava certos livros.
- Provavelmente.
Surgiu uma imagem, e era realmente maravilhosa e estranha. Homens pequenos com turbantes e roupas estranhas moviam-se num mundo desenhado para parecer um tapete.
- Ensinar-me-eis a ler isto?
- Se assim o desejardes.
David pegou na harpa e apoiou-se na mesa ao lado dela, olhando para o livro enquanto dedilhava distraidamente as cordas. O instrumento emitiu um som adorável e lírico. Ela continuou a virar as páginas, lançando ocasionalmente um olhar ao homem que se mantinha agora junto dela, e aos dedos irresistíveis que criavam uma melodia comovente.
Perto do final do livro encontrou algumas folhas soltas cobertas com desenhos a giz. Umas quantas linhas descreviam tendas num deserto e uma cidade junto ao mar. Sabia, sem ter de perguntar, que tinha sido David a desenhá-los.
Por baixo delas, em folhas mais pequenas, surgiam os rostos de duas mulheres.
Uma delas captou a sua atenção. O rosto, belo e melancólico, pareceu-lhe vagamente familiar. Ela apercebeu-se de que estava a estudar a imagem da mãe dele. Era estranho encarar assim uma pessoa falecida, mas examinou o rosto pormenorizadamente.
- Ireis falar-me dela?
- Um dia.
Ela voltou a sua atenção para o outro rosto.
- Quem é? - perguntou, fitando a beleza exótica de uns olhos negros, capturada para sempre com traços finos e cuidadosos. Sabia que estava a ser intrometida, mas não podia ignorar a forma sofisticada como o rosto desta mulher a fitava.
- Uma mulher que conheci em Alexandria.
À semelhança do retrato da sua mãe, havia muito dos sentimentos do artista na forma delicada como esta mulher estava desenhada.
- Estáveis apaixonado por ela? - perguntou, um tanto chocada com a sua própria ousadia, mas não em demasia. A partir do momento em que entrara no quarto dele, David já não lhe era assim tão estranho.
- Não. Na verdade, por causa dela quase fui morto. Mas fiquei encantado com a sua beleza, assim como estou encantado com a vossa.
Algo no tom de voz baixo dele a obrigou a manter-se muito quieta. Christiana ergueu o olhar epercebeu que o olhar dele estava fixo nela e não nos desenhos. Olhava e aguardava. Era perito nisso. Algo nos seus olhos e expressão da sua boca lhe diziam que ele não estava disposto a esperar mais.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
David parara de tocar a harpa. O coração de Christiana batia um pouco mais acelerado no silêncio que de novo se impusera. Silêncio total. Não havia um único som em toda a casa.
Ela regressou ao livro e, muito cuidadosamente, voltou a página, ocultando os esboços. Surgiu um outro desenho, mas ela mal o viu.
- Sabeis que só vi o vosso cabelo solto uma única vez, durante os esponsais? - disse David. Ela apercebeu-se que a mão dele se aproximava mesmo antes de sentir os dedos sobre a sua cabeça. Até mesmo no banho estava preso.
A pressão leve da carícia dele provocou-lhe um tremor por todo o corpo. O banho. O quarto de vestir. As suas mãos e o seu toque.
- Soltai o cabelo para mim, Christiana.
O tom era ao mesmo tempo um pedido e uma ordem. Ela recostou-se na cadeira, afastando-se dele.
Em breve desposaria este homem. Não teria medo dele. Mas a aceleração do sangue nas suas veias e o seu espírito puro gritavam-lhe que devia afastar-se dele agora.
Lançou-lhe um olhar, numa súplica muda para que ele se recordasse da conversa que tinham tido no jardim, para que compreendesse e aguardasse mais um pouco.
- Morvan já deve estar na loja, David. Devo ir ao encontro dele.
- Deixei mensagem de que viríamos para aqui.
- Então o mais provável é estar lá fora à espera. Não entrará. Não devo deixá-lo lá fora.
- Esta janela dá para o pátio. Vede se ele vos aguarda - sugeriu, apontando para a janela.
Ela levantou-se, passou por ele e pôs-se em bicos de pés para espreitar para o pátio deserto.
- Ele não virá. - A voz serena de David pairou sobre as suas costas e ombros. - Ele aceita que vós agora me pertenceis, da mesma forma que vós o aceitais.
Christiana assentou os pés no chão e ergueu o olhar para o céu límpido da tarde. Por um lado, queria desesperadamente voar por aquela janela. Mas o toque dele, as suas palavras e o silêncio expectante daquela casa haviam despertado todos aqueles outros sentimentos, e aquela voluptuosa expectativa dominou-a.
- Por vezes assustais-me - disse ela. - Eu sei que não devia senti-lo e que dissestes que não era temor, mas em parte é, realmente.
David permaneceu em silêncio durante um momento. A casa parecia estremecer com o vazio.
- Sim - respondeu finalmente. - Para uma virgem, em parte é.
Christiana apercebeu-se de que ele se levantara. Sentiu a sua presença atrás dela. Ansiava e ao mesmo tempo receava o toque dele. O espírito dela retesou-se com a tensão, tal como uma corda esticada ao máximo.
As mãos dele seguraram-na pela cintura e Christiana suspirou com o toque de cada um dos seus dedos. David beijou-lhe os pequenos arranhões e depois o pescoço. Ela fechou os olhos, saboreando a deliciosa proximidade do corpo dele.
- Soltai o cabelo, Christiana.
Ela ergueu os braços e procurou desajeitadamente os ganchos que lhe prendiam o cabelo. Desfez as voltas e tranças intrincadas, terrivelmente consciente do quão fraca e vulnerável se sentia, maravilhosamente consciente daqueles dedos que a acariciavam.
As madeixas espessas caíram-lhe ao longo do pescoço e costas, até às mãos dele. Christiana sacudiu a cabeça para soltar a última parte, pousando os ganchos no peitoril da janela.
David aproximou o seu rosto do cabelo solto de Christiana e o hálito dele provocou-lhe um formigueiro no couro cabeludo e no pescoço.
com as mãos, David voltou-a para si e segurou-lhe no rosto com ternura, como se fosse algo precioso e frágil. Beijou-a com suavidade, beijos magníficos e poderosos, e ela estremeceu à medida que a boca dele intensificava a sua tensão e excitação.
Ele prolongou o beijo, envolvendo-a num abraço que a impeliu para o seu calor. Manteve os braços abertos durante um momento de preocupação antes de o aceitar.
A partir desse momento, sentiu uma mudança nele. O beijo aprofundou-se, comandando o desejo dela. A mão dele envolveu-lhe um seio. Ela arquejou e fechou os olhos, aguardando as deliciosas sensações.
Era uma sensação avassaladora. Os seus membros ficaram lânguidos à medida que o calor lhe invadia o corpo. O cabelo macio de David roçava-lhe o rosto à medida que ia descendo para a pele exposta pelo vestido decotado, beijando o contorno dos seios que os seus dedos acariciavam, provocando picos de desejo.
O receio dizia-lhe para o impedir, mas o desejo não permitia. As vagas de prazer convergiram para um rio de águas velozes, e parecia-lhe fútil e impossível lutar contra a sua corrente.
Os dedos dele brincavam com ela, e o prazer dela era quase frenético. Estou a afogar-me, pensou ela quando a boca de David reclamou de novo a sua.
Ele ergueu a cabeça e olhou para ela, observando as reacções da sua noiva ao seu toque. Ela fitou os lábios entreabertos e o olhar profundo e soube que nesse dia não haveria forma de escapar.
Ele começou a guiá-la até à porta do quarto.
Ela recordou-se do local para onde estavam a dirigir-se e daquilo que ele pretendia.
- Eu não... - sussurrou, enquanto dava outro passo.
- Foi para isso que viestes, não é verdade? Para vos certificardes de que este matrimónio não tem de ser assim tão terrível?
Ela resistiu na soleira da porta. A mão dele regressou ao seio dela, os lábios ao seu pescoço.
- Dissestes... dissestes que hoje não iríeis...
- Eu disse que provavelmente não o faria - murmurou ele.
- E menti.
Ele segurou de novo o rosto dela entre as suas mãos.
- A sombra dele paira entre nós e eu quero banir esse fantasma. Hoje acertamos as contas e voltamos a página. Também será mais fácil para vós desta forma.
Ela leu a determinação nos olhos dele.
- Não tenhais receio. Aguardarei até que estejais pronta e me quiserdes. Vai correr tudo bem. vou fazer por isso.
Estou indefesa contra, estes sentimentos, pensou ela. É inútil combatê-los. De qualquer forma, isto é inevitável. Pertenço-lhe para sempre.
Ela voltou a cabeça e beijou-lhe a mão.
Ele ergueu-a nos braços e dirigiu-se ao quarto.

CAPÍTULO 11
Os braços esguios de Christiana rodeavam o pescoço de David e retesaram-se à medida que ele se aproximava da cama.
Vai correr tudo bem. vou fazer por isso. Palavras arrojadas de um homem que já não desflorava uma virgem desde os dezasseis anos. Ainda assim, cumpri-lo-ia. Por muitas mentiras que ele lhe tivesse dito nesse dia, essa não seria uma delas.
Ele deveria ter percebido. Ela é apenas uma rapariga, dissera Andrew. Um minuto são corajosas e no minuto seguinte são tímidas. Recordais-vos?
Ele sentou-se na beira da cama, com Christiana no seu colo. Beijou-a até o braço em redor do seu pescoço afrouxar um pouco.
Inocente e ignorante. Durante o almoço fizera tudo ao seu alcance para não a fitar de espanto. Enquanto comia e conversava, a sua mente voltava a analisar o significado da sua revelação. Talvez tornasse o dia de hoje desnecessário e ele devesse aguardar. Talvez o tornasse essencial. No fim, o seu próprio desejo decidira o caminho a seguir. Não iria deixá-la partir sem a reclamar para si. Ele queria-a e havia apenas uma maneira de a possuir de verdade.
Ela tocou-lhe rosto, hesitante, e o desejo invadiu-o. Beijou-a avidamente e combateu a tempestade cataclísmica que ameaçava desencadear-se sobre ele. Tem de ser lentamente e com simplicidade, recordou a si mesmo mais uma vez.
Acariciou-lhe os seios e, desta vez, quando os braços dela se retesaram, não foi de temor. O corpo dela descontraiu-se de encontro
ao seu. Christiana tentou imitar o beijo intenso dele e experimentou cautelosa e delicadamente. Aquele esforço inexperiente quase o aniquilou.
A satisfação que encontrou na paixão inocente dela surpreendeu-o. Nunca a procurara noutra mulher. Também não deveria ter importância com Christiana, mas tinha. Sentiu o corpo dela a reagir ao seu e escutou a sua respiração acelerada. David deliciava-se com o abraço desajeitado de Christiana e com os seus arquejos amedrontados sempre que as mãos dele desencadeavam uma nova vaga de prazer. Divertia-se com o conhecimento de que, apesar daquilo que acontecera com Percy, nenhum homem para além de si a excitara.
Beijou-a novamente, saboreando o seu gosto suave e o arco complacente das suas costas. A mão dele procurou as fitas do vestido e começou a despi-la.
A virgem retesou-se durante um instante quando sentiu as roupas mais soltas, mas depois observou de olhos brilhantes as mãos dele a libertar o vestido dos braços, baixando-o até à cintura. Os lábios dela tremiam, entreabertos, e os olhos fecharam-se quando ele lhe tocou no seio através da fina cambraia da combinação.
A pequena mão abandonou os ombros dele e acariciou-lhe o peito, e o trovão tentou irromper novamente. Os dedos dela deslizaram sob a aba que ocultava o fecho do seu gibão. Ele observou a expressão circunspecta de Christiana à medida que fazia deslizar a mão desajeitadamente pelo seu peito. Sim, tendo optado por se entregar, a irmã de Morvan Fitzwaryn não iria desempenhar o papel da vítima relutante.
David fez deslizar as alças da combinação e pôs a descoberto os seus belos seios. Seguiu com o olhar o percurso dos seus dedos à medida que delineava os contornos arredondados. A respiração dela tornou-se ofegante, e Christiana ocultou o rosto timidamente no ombro dele.
Era muito bela, pálida e sem uma única imperfeição. A pele de Christiana não era translúcida e branca, como a de tantas mulheres inglesas, mas tinha antes a tonalidade opaca do marfim novo. Era da cor das praias de areia branca que existiam ao longo do Mar Interior. David acariciou-a, tocando ao de leve nos seus mamilos endurecidos, e todo o corpo dela reagiu. com um gemido débil, o corpo de Christiana arqueou-se sob o seu toque. Aqueles botões de um tom
castanho-claro chamavam por ele, convidativos. Baixou a cabeça e beijou suavemente um deles e depois introduziu-o na boca.
Christiana quase saltou dos seus braços.
David segurou-a firmemente e observou o choque atemorizado nos olhos dela. Beijou-a na face para a tranquilizar.
Os seus beijos foram descendo novamente até aquele seio delicado estar de novo na sua boca. Céus, o homem nem lhe devia ter tocado. Nem sequer devia ter pensado nela. Se Idonia não os tivesse encontrado, ele tê-la-ia possuído à força.
Essa imagem formou-se na sua mente, e o seu espírito reagiu com uma onda de fúria protectora, seguida por uma vaga de ternura. Brincou com ela, usando a língua e os dentes, até sentir que ela se pressionava contra a sua coxa, procurando o doce alívio. David inclinou-se para trás e puxou para baixo as colchas. Lentamente e sem artifícios, ele mostrar-lhe-ia a glória do prazer. Desta vez, só ela importava.
David ergueu-se com ela nos braços, voltou-se e poisou-a sobre a cama. Olhos negros, vivos de paixão, fitavam-no cautelosamente. Ele observou-a, nua até à cintura, com as roupas a caírem-lhe em redor das ancas, e pensou em deixar as coisas assim. Ela tinha um aspecto adorável e puro e recordava-lhe as raparigas da sua juventude, deitadas no feno e na relva. Lembrou-se do tapete de hera no pequeno jardim. Se ele vivesse até ao Verão... As noites quentes e estreladas encerravam a promessa de um êxtase especial.
Gentilmente, fez deslizar o cotebardie e a combinação pelas suas curvas esguias.
Christiana mordeu o lábio inferior ao sentir o misto de choque e excitação perante a visão de David a despi-la, e ficou a observar enquanto via surgir o seu corpo desnudado. Depois de lhe retirar a roupa, David desapertou as ligas dos joelhos tirando-lhe as meias com delicadeza.
Um formigueiro de ansiedade alastrou-se dentro dela. O medo não desaparecera completamente. Agia como um condimento naquele caldo de emoções e sensações que fervilhava dentro dela.
David despiu o gibão com um safanão e removeu a camisa antes de se deitar ao lado dela. Christiana observou aquele corpo vigoroso
aproximar-se dela e suspirou de alívio por tê-lo de novo nos seus braços.
Permitiu que as suas mãos acariciassem os ombros e as costas dele, e sentiu estrias e cicatrizes. David regia às suas carícias. O calor vertiginoso e a proximidade dele subjugavam-na. Aquela necessidade estranha e pulsante dominava-a agora por completo, fazendo-a estremecer da cabeça aos pés.
David beijou-a intensamente enquanto a sua mão seguia o tremor, deslizando pelo peito e ventre, chegando às coxas e pernas. As carícias dele, possessivas, ardentes e confiantes, assumiam o controlo de cada milímetro do corpo de Christiana. Ela arqueava-se sob o toque dele e movia-se ao ritmo daquele pulsar profundo e oculto. Tudo começava a conjugar-se em direcção a essa necessidade. A respiração dela, o sangue, a consciência, e até mesmo o prazer, respondiam a essa necessidade.
David envolveu um dos seios com a mão e massajou o mamilo com o polegar.
- Agora vou beijar-vos o corpo todo - disse. - Não vos acanheis. Nada é proibido se nos der prazer a ambos.
E beijou-lhe o corpo todo, pressionando, mordendo e estimulando-o com a boca, revelando novos prazeres e surpresas, e deixando-a sem fôlego. Beijou-lhe o peito, a barriga e as pernas. Até nas coxas a beijou, e depois na suave elevação acima delas, e ela gritou ao senti-lo.
Os lábios dele envolveram um dos seios enquanto a sua mão acariciava o outro, e a excitação transformou-se em frenesim. Christiana agarrava-se desesperadamente às costas e ao cabelo dele, sentindo os músculos tensos sob os seus dedos, e escutando aquela respiração entrecortada.
Ele ergueu-se e começou a despir o que restava das suas roupas. Christiana estendeu a mão para o ajudar e roçou na sua erecção. Sentiu a reacção que provocara no corpo dele e tocou-lhe mais uma vez, corajosamente, enquanto ele arrancava as roupas.
O medo tentou perfurar a barreira de esquecimento que o desejo erguera.
Impossível...
Ele fez regressar a mão dela ao seu ombro e depois acariciou-lhe o corpo, detendo-se nas pernas. Afastando-lhe as coxas, fez
deslizar uma mão sob as nádegas dela, mantendo o braço comprimido contra ela enquanto a sua língua e lábios lhe estimulavam os
seios.
Aquele pulsar estava prestes a culminar numa explosão, obliterando o medo que voltara a surgir. Ela pressionou o corpo contra aquele braço que lhe oferecia algum alívio mas apenas prolongava a tortura. Todo o seu corpo parecia querer mover-se livremente, sem restrições, e ela tinha dificuldade em controlá-lo. Reprimia repetidamente exclamações de abandono que ameaçavam ecoar pelo quarto.
- Não resistais, Christiana - O bálsamo da voz dele submergiu-a. - Os sons e os movimentos do vosso desejo são belos para mim.
Grata, Christiana entregou-se ao delírio. Quando a mão dele avançou, ela abriu voluntariamente as pernas. Não sentia acanhamento nem choque à medida que ele a acariciava, apenas um desejo torturante que seguramente iria rebentar numa explosão de labaredas se não fosse satisfeito.
As sensações deste toque mágico conduziam-na à loucura. As carícias suaves suscitavam picos de prazer. As suas mãos hábeis despertavam uma excitação selvagem e desesperada.
A voz calma de David interrompeu aquela deliciosa angústia.
- Quereis-me agora, Christiana?
Ele tocou-a de um modo diferente e ela soltou um grito. Conseguiu assentir com a cabeça.
- Então dizei-mo. Dizei o meu nome e que me quereis. Christiana escutou, à distância, a sua voz a dizê-lo. A necessidade
frenética tomou totalmente conta dela e as suas ancas ergueram-se para ir ao encontro do corpo que pousava sobre o seu.
Comprazeu-se com a sensação do corpo dele sobre o dela, com a proximidade total dos dois corpos. Deliciou-se com a paixão que transformava o rosto dele à medida que a fitava.
Ele penetrou-a lenta e cuidadosamente e ela maravilhou-se com a beleza do acto. com uma pressão suave e investidas cuidadosas incitou-a a abrir-se. A dor temida acabou por não ser uma dor mas apenas uma tensão momentânea, logo esquecida no maravilhoso alívio que ele provocou ao satisfazer aquela necessidade pungente. Sem pensar, ela moveu-se para ir ao encontro daquela suave intrusão.
Christiana imobilizou-se quando um súbito ardor a deteve. David beijou-a suavemente e recuou.
- E inevitável, querida.
Ele penetrou-a e, por um breve instante, uma dor aguda suprimiu o prazer.
O corpo dele não se deteve e a dor e a sua recordação não tardaram a desaparecer à medida que ele retrocedia devagar e avançava novamente. Era uma sensação desesperadamente
boa. Instintivamente, Christiana envolveu-o com as pernas, mantendo-o mais perto de si, querendo-o todo para si. Encontrou o ritmo de David e acompanhou-o num canto mudo de aceitação.
Nada, nem as canções nem o toque dele ou sequer a lição de Joan a havia preparado para a intimidade que os submergia. Corpos que se tocavam, hálitos que se fundiam, pernas entrelaçadas e a união total... as ligações físicas subjugavam os seus sentidos. De cada vez que ele recuava era uma perda. De cada vez que ele a preenchia, era uma realização renovada. Maravilhada, Christiana suspirava a cada movimento.
David fez uma pausa e Christiana abriu os olhos para dar com ele a observá-la. A máscara de prudência havia desaparecido e aqueles olhos azuis revelaram as profundezas que ele jamais permitia que as outras pessoas vissem. Ela ergueu a mão e tocou no rosto perfeito, depois permitiu que a sua carícia se estendesse ao pescoço e ao peito.
Ele moveu-se novamente e desta vez foi menos gentil. Fechou os olhos como se procurasse conter algo, mas se estava a combater uma batalha, perdeu-a.
- Sim - sussurrou ela quando ele investiu energicamente. Sentiu alguma dor, mas o seu poder despertava-lhe algo na alma. Ela queria absorver a força e a necessidade dele. Queria conhecê-lo assim, sem as suas defesas cuidadosas.
Ele fitou-a directamente nos olhos. E depois beijou-a enquanto se rendia. À medida que a paixão dele se intensificava numa série de fortes e profundas investidas e culminava numa longa e sentida libertação, ela percebeu que tocara a essência dele e ele a sua.
Ela abraçou-o, com os braços a envolver as costas dele e as pernas em redor da cintura, e flutuou naquele silêncio carregado de emoção, sentindo o coração dele a bater contra o seu peito. O seu corpo estava dorido, vivo e pulsante no ponto em que se uniam.
Lentamente, voltou a tomar consciência do quarto à sua volta. Voltou a experimentar a sensação real do corpo dele sobre o seu e o cabelo macio de David no seu rosto.
Continua a ser um estranho para mim, pensou ela, maravilhando-se com esta coisa que podia ligá-la de uma forma indescritível a um homem a quem mal conhecia. Era espantoso e assustador tocar a alma quando não se conhecia a mente.
A ideia de desconhecer uma parte dele pairou em seu redor. Subitamente, sentiu-se muito tímida.
Ele ergueu-se, apoiado nos braços, e beijou-a suavemente.
- Sois maravilhosa - disse.
Ela não percebeu o que ele quis dizer, mas sentia-se satisfeita por o ver feliz.
- É muito mais agradável do que eu pensava - confidenciou ela.
- Magoei-vos no final?
- Não. Na verdade, tenho alguma pena que tenha terminado. Ele acariciou-lhe a perna e afastou-a da sua cintura. Deitou-se
ao lado dela.
- Isso é porque ainda não terminastes. Ela pensou no final dele, quase violento.
- Eu diria que terminámos bastante bem, David.
Ele abanou a cabeça e tocou-lhe no seio. Os olhos dela arregalaram-se numa resposta enérgica e imediata. A mão dele aventurou-se entre as pernas dela. Christiana agarrou-se a ele, surpreendida.
- Ter-vos-ia dado isto antes, minha querida, mas era necessário que me desejásseis da primeira vez - disse ele, à medida que o frenesim se abatia violentamente sobre ela
David tocou e acariciou a pele ainda sensível da sua presença e um prazer selvagem dominou-a por completo. Chamou por ele, pronunciando o seu nome vezes sem conta na sua mente e os sentidos fundiram-se, fazendo com que perdesse o controlo de tudo à excepção daquele esquecimento tão doce, que aumentava a cada minuto.
E depois, quando pensava que já não aguentava mais e que iria morrer ou desmaiar, a tensão eclodiu de uma forma maravilhosa e ela gritou, experimentando uma sensação de êxtase por todo o corpo.
Deixou-se levar pelo turbilhão de sensações com um assombro aturdido até que elas abrandaram e desapareceram.
- Oh, céus - suspirou ela, ofegante e trémula nos braços dele.
- Sim. Oh, céus - concordou David, soltando uma gargalhada e puxando-a para junto de si. Estendeu o braço e cobriu-os a ambos com a colcha, moldando o corpo dela ao seu. O rosto dele repousava sobre os cabelos dela, os lábios contra a sua têmpora. Permaneceram juntos numa tranquilidade calmante.
A intimidade estabelecida durante o acto sexual havia sido assombrosa e forte. Esta proximidade serena era doce e intensa e um pouco constrangedora. No espaço de uma hora havia sido construída uma ligação eterna. Ele apoderara-se dela de uma forma que ela nunca suspeitara.
Ela adormeceu e acordou num quarto envolto na penumbra, com o crepúsculo a penetrar pelas vidraças. Chegaram até ela sons distantes de vozes e actividade. Voltou-se e viu David apoiado num braço, observando-a.
Ele gostava de contemplá-la. Tal como as suas esculturas e os seus livros? Pelo menos era algo. Podia ter sido um homem que não se preocupasse nada com ela.
- Tenho de regressar - disse ela.
- Ficareis aqui esta noite. Acompanhar-vos-ei de manhã.
- Idonia...
- Eu envio uma mensagem a dizer que estais aqui comigo. Ela não se preocupará.
- Irá perceber.
- Talvez, mas mais ninguém o perceberá. Acompanhar-vos-ei ao amanhecer.
Um grito de Vittorio ecoou através do jardim e entrou pelas janelas. Era provável que todas as pessoas da casa soubessem, ou viessem a saber em breve quando percebessem que ela não partiria. Pensou nos olhares de esguelha que enfrentaria destes criados, aprendizes e de Idonia, e até mesmo de toda a corte, se se viesse a saber disto.
- Ficareis aqui comigo - repetiu. Não era um pedido.
Ele levantou-se da cama e encaminhou-se para a lareira. Os seus músculos bem torneados moveram-se quando ele se esticou para alcançar um cepo e o colocou na lareira. À luz do lume, Christiana contemplou o corpo dele, descontraído e sem vergonha da sua nudez, e reparou nos vergões que ele tinha nas costas e que sentira
anteriormente. Marcas de flagelação. Porque teria aquilo? O mestre falecido não parecia ser pessoa para fazer tal coisa. David regressou para junto dela e Christiana ficou a observá-lo, surpreendida pelo prazer arrebatador que sentia só de olhar para ele.
Puxando para trás a colcha, ele lançou um olhar ao corpo dela. Acariciou-lhe as curvas, languidamente, enquanto ela observava o movimento excitante daquela mão.
- Estais dorida, querida? Possuir-vos-ia de novo, mas apenas se não vos magoar.
De novo? com que frequência é que as pessoas faziam aquilo? Apesar da franqueza de Joan, ainda ficara muito por dizer.
A franca declaração de desejo de David fez com que um calafrio lhe percorresse o corpo. Não duvidava da preocupação dele para consigo, mas sabia que a questão também oferecia uma opção.
- Não estou magoada - disse, erguendo os braços para o abraçar.
Durante o fim de tarde e noite David forjou uma corrente de aço invisível que a amarrava a ele. Ela sentiu-o acontecer e interrogou-se se seria algo que ele controlava. Sentia-se envolvida por elos de paixão e intimidade unidos pelo prazer e pela ternura.
Mais tarde nessa noite, enquanto se refastelavam no calor da lareira, ela perguntou-lhe acerca do matrimónio e ficou a saber que a cerimónia também havia sido mudada. Casar-se-iam na catedral, na presença do bispo, e não na igreja paroquial de David.
- Está a ficar muito elaborado - comentou, divertida.
- Não pudemos fazer nada quanto a isso. Assim que o presidente da Câmara descobriu que Eduardo assistiria, foi o cabo dos trabalhos. Eu tinha esperança de que ninguém
viesse a saber e que ele pudesse simplesmente aparecer.
Ele falava do rei de uma forma descontraída. Por que razão hesitava ela em fazer-lhe perguntas acerca dessa relação? Por que razão sentiria que o tema era proibido e que insistir nele seria intrometer-se?
Contudo, sentia que era assim, e esta noite não pretendia bater a portas que ele poderia não abrir. Mudou de assunto.
- David, que mais esperais de mim?
- O que quereis dizer com isso? - A questão surpreendeu-o.
- Tendo em conta o quanto eu era ignorante em relação a isto, não deverá surpreender-vos que eu saiba muito pouco acerca do casamento. Não tive uma educação muito
prática.
- Espero que me sejais fiel. Agora nenhum outro homem vos toca. - O tom firme com que ele disse aquilo espantou-a. - compreendeis isso, Christiana?
- É evidente que sim. Não sou assim tão estúpida, David. Estava a referir-me às coisas da casa. Aqui é tudo tão organizado.
- Ainda não pensei muito nisso.
Então por que razão fostes à procura de uma esposa se não vos havíeis apercebido de que necessitáveis de uma?
- Isabele pensa que esperais que eu trabalhe para vós - disse com um sorriso rasgado.
- Ai sim? Confesso que não me tinha ocorrido, mas é uma boa ideia. Terei de agradecer à princesa. Uma esposa é uma excelente forma de conseguir trabalho gratuito. Obteremos um tear para vós.
- Não sei tecer.
- Podeis aprender.
- Quanto podeis ganhar comigo depois de eu aprender?
- Pelo menos cinco libras por ano, penso.
- Isso significa que em duzentos anos eu terei recuperado o meu preço de noiva.
- Sim. Foi um negócio astucioso da minha parte, não é verdade? Riram-se ambos e depois ele acrescentou:
- Bem, a casa é vossa. Geva ficará muito satisfeita, penso eu. E os rapazes necessitam de uma mãe, por vezes.
- Um dos rapazes é mais velho do que eu, David.
- Não será assim para sempre, e Michael e Roger estão longe de casa e por vezes necessitam da compreensão de uma mulher. E, com o tempo, tereis os vossos próprios filhos.
Filhos. Tudo aquilo que ele mencionara podia ser providenciado pela filha de um qualquer mercador que lhe proporcionasse um dote avultado. Os filhos também. Mas os filhos dela seriam os netos de Hugh Fitzwaryn.
Morvan suspeitava que David pretendia com esta união a linhagem deles para os seus filhos. Estaria certo? Deu por si a desejar que fosse verdade. Explicaria muita coisa, e significava que ela poderia conceder-lhe algo que outra mulher não poderia.
Mais tarde, ela acordou no seu abraço adormecido. Parecia normal estar assim nos seus braços. Permaneceu imóvel, consciente daquela nova realidade e do seu calor.
Como era estranho sentir-se tão perto de alguém com tanta facilidade.
Fiel à sua palavra, ele acompanhou-a de regresso a Westminster ao amanhecer. Ela caminhou através dos corredores de um edifício que agora lhe parecia ligeiramente estranho. Esgueirou-se para a privacidade da sua cama enquanto Joan e Idonia ainda dormiam.
Despertou com uma mão a sacudi-la e fitou o rosto sorridente de Joan.
- Não vindes jantar? Estais a dormir o sono dos justos - disse Joan.
Christiana pensou que faltar ao jantar e ficar a dormir todo o dia se afigurava uma ideia excelente, mas endireitou-se e pediu a Joan que chamasse uma criada.
Uma hora mais tarde, vestida e penteada, sentou-se ao lado de Joan num banco no amplo salão, debicando a comida e observando a cena familiar que agora estranhava. Os seus sentidos estavam simultaneamente alerta e entorpecidos e sabia que aquelas horas passadas com David eram a causa. Joan fez-lhe algumas perguntas acerca da casa de David, e ela respondeu sem convicção, não querendo partilhar nesse momento nenhumas daquelas lembranças.
Por volta do final da refeição, Lady Catherine aproximou-se da mesa delas, os seus olhos felinos a reluzirem. Conversou com Joan durante um bocado e depois voltou-se, com uma expressão graciosa, para Christiana.
- Ides casar-vos em breve, não é verdade, querida? Christiana assentiu. Joan lançou um olhar severo a Catherine,
como se fosse indelicado mencionar esta união.
- Tenho um presentinho para vós. Enviá-lo-ei para o vosso quarto - disse Catherine antes de se afastar.
Christiana interrogava-se por que razão faria Lady Catherine tal coisa. Afinal, não eram boas amigas. Ainda assim, o gesto sensibilizou-a e deixou-a a pensar que Morvan, como sempre, havia exagerado quando a prevenira acerca de Catherine.
Thomas Holland quis falar com Joan e Christiana ficou sozinha. Regressou aos aposentos desertos de Isabele, satisfeita com o isolamento. A rotina da corte pareceu-lhe importuna quando os seus
pensamentos residiam no dia anterior e no futuro. Dirigiu-se ao quarto de Isabele. Quatro dias e parto daqui para sempre, pensou, olhando pela janela. Uma parte dela já tinha partido.
Chegou aos seus ouvidos o som de uma porta a abrir-se. Seria Joan ou Idonia. Não vira a tutora desde o seu regresso. Interrogava-se acerca do que lhe diria a mulherzinha.
Contudo, os passos que avançavam pela antessala não eram de uma mulher. Morvan viera ao seu encontro. Bastaria olhar para ela para perceber. Seria ela suficientemente corajosa para dizer, "Sim, tínheis razão, é algo mágico e eu gostei"? A força dele impusera-se durante anos entre ela e todos os homens, e agora ela havia-se entregado a um que ele odiava.
Os passos aproximaram-se. Estacaram à entrada do quarto.
- Querida - pronunciou uma voz familiar.
Christiana soltou um grito de sobressalto e voltou-se.
Ali, na soleira da porta, encontrava-se nem mais nem menos do que Stephen Percy.

CAPÍTULO 12 Stephen! - exclamou, arquejante. Ele sorriu e avançou na direcção dela, os seus braços estendidos a convidarem-na para um abraço. Christiana ficou a observá-lo aproximar-se
sentindo um misto de surpresa, alegria e fria objectividade. Reparou nos seus músculos vigorosos sob o gibão. Observou a beleza austera das suas feições. O cabelo loiro e a pele clara afiguraram-se-lhe pálidos e vagos comparados com a tonalidade dourada de David.
Não se conseguia mexer. Emoções confusas, horrorizadas e ao mesmo tempo saudosas paralisavam-na. Agora não, clamava a sua alma. Um mês antes, ou daqui a mês, mas não agora. Especialmente hoje.
Braços fortes rodearam-na. Uma boca áspera esmagou-se contra
a sua.
Ela repeliu-o. Os olhos verdes dele exprimiram surpresa, e depois, por breves momentos, algo diferente. Aborrecimento?
- Estais zangada comigo, meu amor - exclamou ele com um suspiro. - Não posso censurar-vos.
Ela afastou-se, apoiando-se na beira da janela. Santo Deus, será que nunca iria ter paz? Encontrara aceitação e contentamento, e até mesmo a esperança de algo mais, e agora isto.
- Porque estais aqui?
- Para vos ver, claro.
- Regressastes a Westminster para me verdes?
- Sim, querida. Por que outra razão? Usei a desculpa do torneio pré-quaresmal.
O torneio estava agendado para começar no dia a seguir ao seu casamento. Stephen adorava aquelas competições. Christiana suspeitava que aquela seria verdadeira razão da sua vinda, mas o seu coração destroçado, que ainda não sarara por completo, persistia na ideia de que ele viera por ela.
A ferida ainda estava demasiado viva, a humilhação ainda demasiado recente, para ela poder rejeitar totalmente a esperança de que ele realmente a amava. A rapariga que havia sido fiel a este homem ainda queria desesperadamente acreditar nisso. O seu coração ansiava por essa garantia.
Contudo, a sua mente aprendera alguma coisa com a agonia que suportara.
- Quando chegastes?
- Há dois dias. Ainda não vos tinha procurado porque estive com o meu amigo Geoffrey. Ele está muito doente com febre. Reside na casa de Lady Catheríne, em Londres.
- Sois amigo de Catherine?
- Nem por isso. Contudo, Geoffrey é - respondeu, dando um passo na direcção dela. - Ela contou-me tudo acerca do vosso casamento com este mercador - acrescentou de modo compreensivo.
- Se Eduardo não fosse meu rei, desafiá-lo-ia por vos ter degradado desta maneira.
Ela observou a sua expressão preocupada. Pareceu-lhe um tanto exagerada, tal como uma máscara que alguém coloca para um festival.
Stephen estendeu a mão e acariciou-lhe o rosto. O seu coração despedaçado, sequioso pelo bálsamo das ilusões renovadas, suspirou; o seu espírito, a sua mente, recordando-se da noite anterior de paixão e dos direitos de David, fizeram com que se afastasse.
- Já sabíeis do meu matrimónio, não é verdade? Enviei-vos uma carta.
- Sabia. Recebi-a, querida. Mas nunca imaginei que o rei fosse com isto avante. E Catherine falou-me da vossa infelicidade e humilhação.
Que simpático da parte de Catherine, pensou Christiana. Por que
razão aquela mulher se intrometia nos seus assuntos? Como é que Catherine soubera da sua história com Stephen?
Joan. As intrigas de Joan. Será que todas as pessoas sabiam? Provavelmente. Estariam todos a observar e a aguardar os próximos Jias, talvez os próximos anos, para ver como é que este drama se iria desenrolar.
- Talvez não devesse ter vindo - murmurou Stephen. - Catherine garantiu-me que ficaríeis feliz por me ver.
- Estou satisfeita por vos ver, Stephen. E pelo menos posso felicitar-vos pelo vosso noivado.
- Ela foi escolha do meu pai e do meu tio, minha querida disse com uma expressão de resignação. - Na verdade, não me agrada nada.
- Ainda assim, ela é vossa esposa, assim como David é meu marido.
- Sim, e despedaça-me o coração saber que não há nada que possamos fazer, minha querida.
Nessa altura, apagou-se uma chama dentro dela, e ela soube que havia sido a última das suas ilusões e sonhos infantis. Não doeu muito, mas uma parte da sua inocência morreu com ela, e sentiu aquela perda amargamente.
Ao longo de tudo aquilo, e apesar ter conhecimento da realidade, acalentara dentro de si alguma esperança. Se Stephen não tivesse regressado, essa esperança teria desaparecido lentamente à medida que ia vivendo a sua vida e vivendo a sua paixão com David, muito à semelhança da maneira como uma pequena poça de água se evapora com o calor de uma tarde de Verão.
E se Stephen tivesse falado de maneira diferente? E se ele tivesse vindo implorar-lhe que fugissem juntos e solicitar que ambos os noivados fossem anulados? Afinal, fora isso que aquela réstia de esperança almejara.
Uma semana antes, tê-lo-ia feito, apesar da desgraça que recairia sobre ela. Até mesmo no fim-de-semana anterior uma tal oferta teria sarado imediatamente a sua dor e banido todas as dúvidas acerca dele.
Agora, todavia, teria sido impossível... Agora...
Uma horrenda compreensão tomou conta dela. A presença de
Stephen foi-se esbatendo à medida que a sua mente considerava as implicações.
Agora era impossível. David havia-se certificado, não era ?
Na noite anterior haviam consumado o matrimónio. Agora nenhuma anulação seria possível, a não ser que o próprio David negasse que aquilo ocorrera. E ela sabia, sabia bem, que ele não o faria, apesar da promessa que fizera na primeira noite.
Espero que me sejais fiel. Nenhum outro homem vos toca agora. Todas aquelas testemunhas... até Idonia e o seu irmão.
Um arrepio sinistro fê-la estremecer.
David soubera que Stephen estava a chegar. Havia perguntado aos peregrinos e aos mercadores. Todavia, não podia saber se Stephen viria para a reclamar. Contudo, preparara-se para essa eventualidade. David assegurara-se, metódica e cuidadosamente, de que ela não poderia partir com Stephen. Se ainda assim o fizesse, apesar das correntes invisíveis forjadas na noite anterior, apesar da desonra e da desgraça, ele possuía a prova necessária para a fazer regressar.
A implacabilidade do facto assombrou-a.
Recordou-se das emoções intensas que sentira na noite anterior. Duas vezes iludida. Mais ilusões infantis. A sua estúpida confiança nos homens devia ser motivo de chacota para eles.
Uma presença cálida perto do seu ombro interrompeu os seus pensamentos. Stephen encontrava-se junto de si, com o rosto muito perto do dela.
- Não há nada que possamos fazer em relação a estes casamentos, querida, mas na vida há o dever e depois há o amor.
- O que estais a dizer, Stephen?
- Não podeis amar este homem, Christiana. Nunca irá acontecer. Ele é de condição inferior e só o toque dele será um insulto para vós. Mas eu posso suavizar a vossa dor, minha querida. O nosso amor pode fazê-lo. Cumpri com este mercador o vosso dever, mas guardai o nosso amor no vosso coração.
Ela queria dizer-lhe o quanto ele estava enganado, o quanto o toque de David jamais a insultaria. Mas que palavras podia usar para explicar isso? Além disso, não estava totalmente segura de que a magia regressasse agora que sabia a razão pela qual ele a havia seduzido. Talvez da próxima vez, na noite de núpcias, ela viesse a sentir-se insultada e usada.
De que estava ela à espera? Afinal, David era um mercador e ela não passava de um bem. Um bem muito dispendioso. Duvidava que o rei Eduardo aceitasse devoluções.
Amor, pensou com amargura. Acreditara que existia ali algum amor. A sua ignorância era espantosa. David estava certo. Ela realmente vivia a vida com a crença de que esta era uma canção de amor. Mas a vida não era assim. Os homens não eram assim.
- Sou uma mulher casada, Stephen. Aquilo que sugeris seria uma desonra.
Ele sorriu-lhe, tal como se sorriria a uma criança inocente.
- O amor nada tem a ver com honra ou desonra. Tem a ver com o facto de nos sentirmos vivos e não mortos. Não tardareis a percebê-lo.
- Espero que não sejais tão audaz a ponto de me pedirdes agora uma prova do meu amor. Caso-me dentro de alguns dias.
- Não. Não concederia a um mercador uma razão para vos censurar ou magoar, embora a ideia de ele vos possuir primeiro me enfureça. Desposai o vosso mercador como é o vosso dever, querida, mas ficai sabendo que estou aqui.
- Sou uma mulher honesta, Stephen. Não me parece que me ameis de todo. Penso que para vós isto não passou de um jogo, e continua a sê-lo. Um jogo onde não perdeis nada, mas onde eu arrisco tudo. Não entrarei nesse jogo no futuro.
Ele começou a protestar e a tentar abraçá-la. O som de passos na antessala deteve-o. Ela voltou-se para a presença recém-chegada.
Santo Deus, será que não havia misericórdia?
Morvan surgiu na ombreira da porta, fitando-os a ambos. Por um horrível momento a sala foi preenchida por uma tensão angustiante.
- Percy, sede bem-vindo - disse Morvan, avançando pelo quarto. - Viestes para o torneio?
- Sim - respondeu Stephen, afastando-se dela.
- Presumo que estais a felicitar-vos mutuamente pelos vossos futuros matrimónios - comentou, lançando um olhar a ambos.
Ela assentiu, num torpor. Não havia razão para tentar justificar a presença de Stephen. Percebeu nos olhos do irmão que ele dera ouvidos à coscuvilhice.
- Há algo estranho no matrimónio da minha irmã, Stephen disse Morvan enquanto se encaminhava para a lareira, - Consta que
o rei a vendeu por dinheiro, e também eu acreditei nisso. Mas ultimamente tenho-me interrogado se não teria sido por outra razão. Talvez procurasse salvar a reputação dela e a honra da minha família e não desgraçá-la.
Ela observou-os enquanto se avaliavam um ao outro. Agora não, Morvan, incitou em silêncio. Já não tem qualquer importância.
- Tenho de ir andando, senhora - proferiu Stephen, dirigindo-lhe um sorriso caloroso. Ela dirigiu-lhe um gesto, impotente, e observou-o caminhar a passos largos pelo quarto.
- Sir Stephen - bradou Morvan a partir da lareira. - Seria imprudente da vossa parte levar isto avante.
- Estais a ameaçar-me? - silvou Stephen.
- Não. Já não me cabe a mim fazê-lo. Estou simplesmente a prevenir-vos como amigo que seria um erro. O marido dela não é um mercador comum. E tenho razões para pensar que sabe bem manejar as adagas que usa.
Stephen exibiu um sorriso afectado e condescendente antes de abandonar os aposentos.
Christiana enfrentou o olhar sombrio e inquisidor do irmão. Ele contemplou-a de cima a baixo e procurou com os seus os olhos dela.
- E costume, minha irmã, que as pessoas aguardem um espaço de tempo conveniente depois do casamento para se encontrarem com os seus antigos amantes.
Ela não teve resposta para aquela calma admoestação.
- E uma vez que passastes a noite na cama daquele homem, agora estais realmente casada.
- David. O nome dele é David. Referis-vos sempre a ele como "aquele mercador" ou "esse homem". Ele tem nome.
Ele observou-a com os olhos semicerrados.
- Tenho razão, não tenho? Dormistes com ele. com David. Era inútil mentir. Ela sabia que ele percebia. Assentiu com a
cabeça, sentindo-se agora menos segura acerca dessa decisão, agora que compreendia as motivações de David.
- Não devíeis voltar a encontrar-vos com Percy durante algum tempo.
- Não forjei o encontro com Stephen.
- Ainda assim, devíeis ter cuidado. Essas coisas são facilmente aceites se a mulher for discreta ou se o marido não se importar, mas
vós não tendes experiência em tais enganos e o vosso mercador não me parece ser do tipo de homem que deseje ter uma mulher adúltera.
- Disse a Stephen que já não estou interessada nele.
- Ele não acredita em vós.
Morvan estava apenas a tentar ajudá-la. Nisto o conselho dele era provavelmente tão sensato como o de qualquer outro homem. Sem dúvida, levara para a cama a sua quota-parte de mulheres casadas.
- Desprezais-me? - perguntou ela num sussurro.
Uma expressão de inquietação surgiu no rosto de Morvan. Atravessou o espaço que os separava e tomou-a nos braços.
- Não. Mas não gostaria que fôsseis a esposa deste homem nem a pega de Percy. Compreendeis-me? E culpo-me por não ter encontrado uma forma de vos afastar daqui.
Ela fitou os olhos escuros dele. Leu neles a preocupação e pensou que a compreendia, em parte.
- Não penso que ser esposa de David seja assim tão mau, Morvan. Ele consegue ser muito amável.
- Bem, pelo menos essas são boas notícias - um leve sorriso trocista aflorou-lhe os lábios. - Sinto-me satisfeito por ele ter talento para algo mais do que fazer dinheiro.
Ela soltou umas risadinhas abafadas. Ele apertou-a com mais força e depois soltou-a.
- Tomai as vossas refeições comigo nestes últimos dias pediu. - Gostaria de passar este tempo convosco.
Ela assentiu e ficou a observá-lo, cheia de tristeza, à medida que ele se afastava.
Christiana nunca duvidou que o irmão pedira a sua comparência durante as refeições porque desejava a companhia dela. Ela deixá-lo-ia em breve, e uma leve nostalgia pairava entre eles naqueles jantares e ceias, até mesmo quando conversavam alegremente à mesa com outros jovens da mesma idade.
Contudo, a presença de Morvan ao seu lado tinha outros benefícios, e ela suspeitava que também lhe teriam ocorrido a ele. Stephen não se atrevia a aproximar-se dela no salão enquanto Morvan andava por perto, e os cortesãos que espreitavam, curiosos, não conseguiam satisfazer a sua curiosidade acerca do estado daquele caso amoroso.
Era do conhecimento geral. Bastava Stephen erguer-se do seu lugar para que lhe lançassem olhares de esguelha, na expectativa de que ele fosse falar com ela. Tornou-se extremamente óbvio que a corte acreditava que um caso amoroso adúltero com Stephen seria, a uma dada altura, inevitável. Ela teve a impressão de que muitos destes nobres aceitavam a ideia com alívio, como se um tal caso amoroso fosse uma forma de redenção para ela. Então, a união com o mercador não passaria apenas de uma formalidade, muito mais fácil de aceitar e de ignorar.
Sim, Joan havia andado a coscuvilhar. Quando Christiana a confrontou, ela admitiu-o de lágrimas nos olhos. Havia sido apenas a uma rapariga, insistiu. Christiana não teve dificuldade em imaginar aquela pequena fuga de informação a converter-se num rio de murmúrios no espaço de algumas horas.
Christiana ocupou os dias que se seguiram com os preparativos para o casamento. Filipa veio aos seus aposentos no sábado inspeccionar o seu guarda-roupa, e ordenou imediatamente que se confeccionassem mais vestidos e meias para ela. Foi igualmente confeccionada uma nova capa. Apareceu também um capelista para que ela escolhesse dois novos toucados. Chegaram baús que seriam recheados com um enxoval de roupa branca e artigos para o lar, para Christiana levar para a sua nova residência.
Ela passou a maior parte do tempo nos seus aposentos tratando de tudo isto, mas a recordação de David não lhe saía da mente. Haviam concordado que ele não viria antes do casamento, pois os preparativos de ambos consumiriam muito tempo, e ele tinha os seus próprios assuntos a tratar. Ainda assim, tinha esperança de que ele a surpreendesse com uma visita. Seria um gesto romântico, mas quando ele viesse não seria por essa razão, embora fingisse o contrário. Tinha esperança de que ele viesse verificar que Stephen não a havia persuadido a fugir ou a fazer algo de desonroso. Ele iria querer assegurar-se de que o seu plano havia resultado.
Mas ele não apareceu. O sábado deu lugar a domingo, que por sua vez se estendeu até segunda-feira. Christiana começou a ficar aborrecida.
Estava certa que David sabia que Stephen havia regressado. Como é que ele podia deixá-la entregue aos seus próprios planos quando outro homem, alguém que pretendia seduzi-la, rondava por
perto? Um homem, além disso, por quem ela havia estado enamorada. Estaria assim tão seguro de si mesmo? Tão seguro de que uma noite podia equilibrar as coisas no coração de uma mulher? Será que ele não pensava na perturbação que a presença de Stephen poderia estar a causar à sua noiva?
Christiana ia ponderando sobre isto ao longo dos dias. Durante a noite, ruminava no assunto com ressentimento. Mas na obscuridade silenciosa da sua cama oculta pelas cortinas, as recriminações conseguiam sempre desvanecer-se à medida que outros pensamentos sobre David a invadiam como um inexorável fluxo de maré. Imagens dos seus olhos azuis e ombros hirtos sobre o seu corpo. O poder da sua paixão aniquilando o seu solícito autodomínio. Os seios dela tornavam-se sensíveis, a zona entre as coxas humedecia-se, e os pensamentos davam lugar a devaneios durante um sono irregular.
Despertava todas as manhãs com a sensação de que havia sido violentada por um fantasma, mas sem ter encontrado a libertação.
David não apareceu, mas vieram outros. Isoladamente ou em grupos de duas ou três, as mulheres da corte abordaram-na.
Sim, Joan havia falado, e não só acerca de Stephen. Afigurava-se-lhe que todas as mulheres se sentiam na obrigação de aconselharem esta jovem sem mãe que, constava, era incrivelmente ignorante acerca da procriação.
Algumas das criadas juntaram-se às senhoras. Enquanto tomava banho no dia do seu matrimónio, a rapariga que a assistia descreveu-lhe com audácia como poderia deixar um homem louco de desejo. Christiana corou até à ponta dos cabelos. Duvidava seriamente que as mulheres nobres fizessem grande parte daquelas coisas, mas reteve as partes mais interessantes na sua mente.
Os preparativos do dia transformavam-se numa festa divertida, com todas as suas amigas em seu redor. Ofereceram-lhe presentes e conversaram enquanto as criadas a preparavam. Filipa chegou para a escoltar até ao salão. A rainha examinou-a minuciosamente e voltou a colocar a capa vermelha sobre os seus ombros. Em seguida, com as filhas ao seu lado, Idonia, Joan e várias outras mulheres, a rainha Filipa desceu com Christiana até ao salão.
Morvan aguardava-as. Envergava um manto formal muito comprido. Usava o cinto de cavaleiro, mas sem espada.
- Vinde - disse, pegando-lhe no braço. - O rei já está à espera.
As portas abriram-se e ela deu um passo em direcção ao exterior.
- Oh, santo Deus - exclamou com um arrepio, imobilizando-se.
- Uma bela visão, não vos parece? - murmurou Morvan num
tom seco.
O pátio estava repleto de cavalos, pessoas e veículos de transporte. Avistou Lady Elizabeth a entrar numa das carruagens cobertas de pinturas, e outros braços femininos que pendiam das suas janelas. Cavaleiros e lordes aguardavam montados em cavalos ataviados para um cortejo sumptuoso. O rei Eduardo, resplandecente num manto vermelho bordado a ouro e montado no seu alazão, aguardava junto à entrada. Uma longa fila de guardas reais mantinha-se à espera.
A presença de tantos cavaleiros e nobres enterneceu-a. Vinham honrar a sua família e, possivelmente, tranquilizá-la. Também vinham pelo seu irmão, e sentia-se grata por isso.
O extenso séquito real, e as instruções evidentes de que todas as pessoas deviam seguir o rei em cortejo, eram outro assunto.
A um gesto do rei, avançaram três carruagens douradas.
- Oh, santo Deus - arquejou novamente, observando a aproximação deste grandioso toque final.
- Sim, uma é para vós. A rainha em pessoa irá acompanhar-vos
- explicou Morvan.
- Esta comitiva estender-se-á ao longo de vários quarteirões. Londres inteira irá assistir a isto.
- O rei honra-vos, Christiana.
Ela desviou o olhar da expressão sorridente de Eduardo e falou em voz baixa na direcção do ombro do irmão.
- Não sou estúpida, Morvan. O rei não está a honrar-me a mim, está a honrar Londres. Não está a conduzir Christiana de Fitzwaryn para desposar David de Abyndon. Está a conduzir uma filha da nobreza para desposar um filho da cidade. Está a converter-me num presente para Londres e um símbolo da sua generosidade para com ela.
Morvan segurou-a pelo cotovelo e incitou-a a avançar.
- Não pode ser desfeito. Deveis ser a filha da nossa mãe nisto e lidar com esta situação como ela o teria feito. Eu cavalgarei ao vosso lado.
Ela permitiu que ele a acompanhasse até à carruagem da frente e ele ajudou-a a entrar.
- Durante todo o tempo vou estar a pensar que não represento o sacrifício da virgem que eles esperam - sussurrou, inclinando-se na direcção dele.
O cortejo partiu em fila do pátio, liderado pelo rei e pelos seus filhos. Quando chegaram à Strand, haviam-se formado densas multidões e no interior dos portões da cidade as coisas pioraram. Os guardas usaram os seus cavalos para manter o povo afastado. Lenta e penosamente, abriram caminho até à Catedral de S. Paulo.
Morvan ajudou-a a descer da carruagem.
- Bem, meu irmão - proferiu enquanto se aproximavam da entrada - Não tendes nada para me dizer? Nenhum conselho? Nenhum sermão para eu me tornar numa esposa obediente e respeitadora? Não há aqui um pai para me admoestar, por isso, cabe-vos a vós, não é verdade?
Ele fez uma pausa junto ao pórtico e lançou um olhar ao portão aberto, na direcção da cavernosa nave já repleta de cortesãos ruidosos e outros curiosos.
- Sim, tenho uns conselhos para vós, mas sermões não. Aproximou-se da orelha dela. - Sois uma bela rapariga. A mulher pode assumir o poder no desejo de um homem, irmãzinha. Usai-o bem e possuí-lo-eis, ao invés do contrário.
Ela soltou uma gargalhada. Sorrindo, apressaram-se pela nave.
David aguardava junto do altar. Christiana sentiu um baque no coração ao vê-lo. A sua aparência era magnífica, perfeita e semelhante à de qualquer um dos lordes na assistência.
O corte elegante do seu manto de veludo azul, longo e cintado, realçava a sua estatura. As mangas justas faziam com que as roupas dos outros homens parecessem ridículas e pouco masculinas, exageradamente largas e compridas. Todo o manto estava debruado a ouro, com bordados dourados ao meio. Christiana perguntava-se quem o teria convencido a concordar com aquilo. Usava uma pesada corrente de ouro sobre os ombros.
Morvan entregou Christiana. Idonia aproximou-se, pegou na capa dela e depois afastou-se. David fitou-a enquanto o ruído da multidão ecoava sob o tecto alto de pedra.
- Sois a rapariga, mais bela que alguma vez conheci - disse, repetindo as palavras que pronunciara no jardim de hera.
Havia vários assuntos sobre os quais Christiana tencionava censurar David, bem como mágoas profundas e inquietações que preocupavam o seu coração. Mas o afecto que aqueles olhos azuis expressavam enterneceu-a e o som da sua bela voz tranquilizou-a. Haveria muito tempo para preocupações e mágoas. Este era o dia do seu casamento e todo o mundo estava a assistir.
Uma hora mais tarde, Christiana emergia da catedral com uma aliança de ouro no dedo e o braço de David de Abyndon em redor da sua cintura. A carruagem aguardava, mas Sieg, parecendo quase civilizado no seu belo manto cinzento, trouxe um cavalo.
- Vireis comigo, minha querida. com estas multidões, as carruagens jamais chegarão à Câmara Municipal.
- Devíeis ter-me avisado acerca de tudo isto, David - disse ela, à medida que o pandemónio se instalava pelo pátio da catedral e pelas ruas em volta. - Assemelha-se ao prelúdio de um sacrifício antigo.
- Eu não sabia, mas deveria ter esperado algo do género. Eduardo adora pompa e circunstância, não é verdade?
Christiana não ficou convencida. Ele parecia saber sempre tudo. Lançou-lhe um olhar de soslaio quando ele a ergueu até à sela e se sentou atrás dela. A sua branda aceitação do comportamento de Eduardo irritava-a, mas por outro lado, não fora ele a ser exibido em público.
- O rei deve ter-vos em grande estima para ter trazido um tal séquito. - Christiana observou com frieza.
- Eu seria um tolo se pensasse que sim. Isto não tem nada a ver comigo ou convosco.
Juntaram-se à multidão de cavaleiros e lordes a cavalo que se moviam letamente em direcção a Cheap. O braço de David rodeava-lhe a cintura e a mão repousava sob a capa. Ela ergueu a mão e tocou no diamante suspenso numa corrente prateada em redor do seu pescoço. Fora-lhe entregue enquanto se vestia.
- Obrigada pelo colar. Condiz perfeitamente com o vestido.
- Edmundo garantiu-me que assim seria. Sinto-me satisfeito por terdes gostado.
- Edmundo?
- O costureiro que confeccionou os vossos trajes de casamento, Christiana. E o vosso vestido de noivado. E a maior parte dos vossos cotehardies e mantos durante os últimos anos. O nome dele é Edmundo. É um dos cidadãos mais proeminentes de Westminster e um homem importante no seu mundo.
Christiana sentiu-se enrubescer. Sabia o nome do costureiro. Limitara-se a esquecê-lo, mas David estava a dizer-lhe que devia conhecer as pessoas que a serviam e não pensar nelas como gente insignificante.
A mortificação não tardou a dar lugar à cólera. Não era do seu agrado que uma das primeiras frases que seu marido lhe dirigisse logo a seguir ao matrimónio fosse esta censura indirecta.
Surgiram-lhe na mente mais razões para se zangar.
- Pensava que iríeis visitar-me - disse.
- Havíamos concordado que não o faria.
- Mesmo assim, pensei que viríeis.
Ela sentiu que ele a observava, mas não disse nada.
- Ele está de regresso à corte - acrescentou. - Mas, como é evidente, sabeis disso, não é verdade?
- Sim.
E foi tudo. Nada de perguntas. Nada mais.
- Não vos interrogastes acerca do que poderia acontecer? inquiriu de uma forma brusca e irritada. - Estais assim tão seguro de vós?
- Se aparecesse seria um insulto para vós. Assumi que a filha de Hugh Fitzwaryn teria demasiada honra e orgulho para abandonar o seu leito matrimonial e correr para os braços de outro homem, especialmente depois de ter percebido a verdade acerca dele.
- Mesmo assim...
- Christiana - interrompeu David num tom calmo, baixando-se para ela o ouvir e roçando os lábios na sua orelha. - Não falaremos disto agora. Não fui porque os meus dias estiveram absolutamente preenchidos com os preparativos para o casamento. Durante os momentos que podia dispensar, tratei de negócios, de modo a poder despender os próximos três dias na cama convosco. E as minhas noites eram passadas a pensar em tudo o que poderia fazer assim que vos tivesse junto a mim.
Ela gostaria de poder ignorar o calafrio de excitação que os seus lábios e as suas palavras haviam provocado, mas o seu corpo também começara a traí-la durante a noite e agora reagia contra a sua vontade.
Ela obrigou-se a recordar do acto de sedução deliberado de David, com o objectivo de reclamar a sua propriedade. Sentiu-se ressentida com aquela autoconfiança.
- O que vos faz pensar que eu vou querer passar os próximos três dias dessa forma? - perguntou.
- Agora sois minha esposa, rapariga. Seguramente sabeis que só tereis opções se eu assim o permitir. - Pressionou os lábios contra a têmpora dela e falou com mais afabilidade. - Vereis que sou um amo muito razoável, minha querida. Preferi sempre a persuasão à autoridade.
Sob o tecido folgado da capa de Christiana, ele ergueu a mão e acariciou-lhe o seio.
O corpo dela estremeceu com uma alarmante onda de prazer.
Christiana olhou nervosamente em redor, para os rostos voltados na direcção deles numa curiosidade sorridente.
Ele acariciou-lhe o mamilo e beijou-lhe a face. Ela sentiu um impulso irresistível de se voltar e de lhe morder o pescoço. Voltou a cabeça e aceitou o beijo intenso que a aguardava e aquelas sensações maravilhosas percorreram-na como um delicioso suspiro de alívio.
Toda a cidade de Londres observava.
- David, as pessoas... elas podem ver... - sussurrou, ofegante, quando ele ergueu a cabeça mas não retirou a mão. Os dedos dele estavam a deixá-la louca.
- Não podem, não. Alguns podem suspeitar, mas ninguém terá a certeza - sussurrou. - Se estais zangada comigo, podeis censurar-me à vontade depois dos banquetes. Prometo escutar muito atentamente e ter em conta todas as vossas críticas. - Beijou-lhe novamente o pescoço. - Até mesmo quando estiver a lamber os vossos seios e a beijar as vossas coxas, prestarei atenção às vossas censuras. Podemos discutir o meu mau comportamento por entre os vossos gemidos de prazer.
Christiana estava já a sentir alguma dificuldade em recordar-se dos motivos pelos quais o queria repreender.
No momento em que sentiu um impulso inexorável de se contorcer na sela, chegaram ao edifício da Câmara Municipal. Não sabia se iria conseguir aguentar-se rias pernas, agora lânguidas, quando ele a pousasse no chão, e isso preocupava-a.
- Isso não foi justo - sibilou.
Ele pegou-lhe na mão e encaminhou-a para o edifício.
- Eu só jogo para ganhar, Christiana, e faço as minhas próprias regras. Não sabeis já disso?

CAPITULO 13
David inclinou-se contra a ombreira da porta do salão, observando, das sombras, os convivas rodopiarem em redor da imensa fogueira no centro do pátio. Casais divertiam-se, dançando juntos em redor do enorme círculo e, mais próximo do centro, um grupo de mulheres fazia uma enérgica actuação. Anne, a mulher de Oliver, liderava o grupo, uma vez que quando a oportunidade e o pagamento eram convenientes actuava como dançarina profissional. Encontrava-se rodeada de criadas e mulheres da vizinhança. No centro de tudo, com o rosto ruborizado de deleite e os olhos cintilantes de prazer, rodopiava a figura elegante de Christiana Fitzwaryn.
As luzes da fogueira pareciam iluminar as mulheres ao ritmo da batida dos tambores. Todo o pátio brilhava à luz daquelas labaredas colossais e dos muitos archotes ao longo dos edifícios e do jardim das traseiras. As chamas tingiam o céu nocturno de cor de laranja e, à distância, provavelmente a casa parecia estar a arder. Sem dúvida os sacerdotes insistiriam que a cena, com os participantes a entregarem-se a todos os pecados mortais, se assemelharia ao próprio Inferno.
O pátio, os jardins e os vários compartimentos da casa estavam apinhados de gente. Havia homens e mulheres empoleirados no telhado do estábulo. À sua esquerda, viam-se diversos casais abraçados num recanto sombrio.
Uma grande gargalhada captou a sua atenção e ele inclinou-se para lançar um olhar ao salão. Os corpos que bailavam afastaram-se
por um momento e David avistou o homem que ria sentado junto ao lume com uma rapariga em cada joelho. Os adornos dourados no seu manto vermelho eram a única prova de que este homem era o rei, pois Eduardo havia-se despojado da sua real figura assim que entrara pelo portão com os seus dois guardas, tendo enviado a família e os filhos para casa a seguir ao banquete da Câmara Municipal. Encontrava-se agora bastante ébrio, e já há algum tempo que os foliões haviam deixado de o tratar como soberano, permitindo que se juntasse à folia.
David voltou a sua atenção de novo para a sua esposa. Gostava de olhar para ela mesmo quando ela estava sossegada, mas a liberdade e o prazer que ela retirava daquela dança deixava-o hipnotizado. Tal como o rei dela, havia sucumbido rapidamente à diversão sem restrições dessa segunda festa, e David regozijava-se ao observar a alegria dela à medida que ela festejava e bebia e trocava gracejos com os vizinhos.
Ela movia-se de uma forma sedutora e lânguida, impregnando esta dança plebeia de uma elegância nobre. Tinha os lábios entreabertos num sorriso sensual à medida que rodopiava pelo pátio, apreciando finalmente o êxtase do movimento que sentira tantas vezes através de outras bailarinas.
Ele observava e aguardava, suprimindo o desejo súbito de caminhar até à fogueira, de a arrebatar nos seus braços e de a levar consigo.
Ele desejava-a. Terrivelmente. Há semanas que a desejava, e â noite que haviam passado juntos apenas intensificara esse desejo. Tinha passado os últimos dias num estado de ânsia permanente.
A inocência de Christiana naquele dia havia-o desarmado de uma forma perigosa. A paixão dela não conhecia defesas, e a sua entrega e aceitação totais haviam aniquilado as suas. Ao contrário das mulheres experientes com as quais geralmente se deitava, na sua ingenuidade, ela não tentava proteger-se das intímidades mais profundas que podiam surgir durante a cópula, não sabia nada acerca de manter a sua essência separada da união, não sabia nada acerca de manter o acto como um simples prazer físico. Christiana havia sentido a verdadeira proximidade e deixara simplesmente que o poder os submergisse. Ele contemplara a maravilha do acto nos olhos de Christiana, sentira o deslumbramento dela no seu abraço ávido e quase a prevenira para ter cuidado, pois ali também podia haver
perigo e dor para ela. Mas não o fez, pois essa intimidade profunda trouxe consigo um conhecimento daquela jovem pelo qual ele ansiava, e no final, também ele se mostrou indefeso contra a magia que não sentia há tantos anos.
O olhar dele seguiu-a e o seu corpo reagiu aos movimentos sedutores da dança dela. Na sua mente, Christiana fitava-o,
tocando-lhe no rosto e no peito e suspirando
um "sim" que exigia a sua entrega total.
Uma figura deambulou diante dele, distraindo-o misericordiosamente dos seus pensamentos acalorados. Morvan bebia vinho à medida que caminhava, observando descontraidamente
as bailarinas.
Os tambores e adufes repercutiram um final delirante e depois a dança terminou abruptamente. Em redor da fogueira, os corpos detiveram-se, ofegantes. Christiana e Anne abraçaram-se com uma gargalhada.
Ela pensava que Anne era a mulher de Oliver. Supunha que teria de lhe dizer a verdade.
Morvan captou o olhar de Christiana e acenou-lhe. Ela dirigiu-se ao irmão com um largo sorriso. Ele inclinou-se e disse algo, e David observou a felicidade e o prazer escaparem-se-lhe do rosto e do corpo como se alguém lhos tivesse arrancado.
Ela lançou os braços à volta dele e falou com seriedade, sem dúvida implorando-lhe que ficasse mais tempo. Morvan abanou a cabeça, acariciou-lhe o rosto e afastou-se.
Caminhou em direcção ao portão. Christiana ficou a vê-lo partir, o seu corpo erecto subitamente sozinho e isolado apesar da multidão que se aglomerava em seu redor. David podia ver a sua expressão serena, mas adivinhava a tristeza nela.
Toda a sua vida, toda a sua família, todo o seu passado estavam nesse momento a abandonar a casa.
Ele afastou-se da ombreira da porta e dirigiu-se a ela. Lançou a capa sobre os ombros, e ela dirigiu-lhe um sorriso débil antes de voltar o olhar para o homem alto que se afastava.
Ele sorriu e abanou a cabeça. Correu atrás de Morvan, chamando-o pelo nome. De certa forma nem acreditava que ia fazer isto por ela. ,
O jovem cavaleiro deteve-se e voltou-se. Regressou e encaminhou-se para David. Enfrentaram-se mutuamente no brilho da fogueira.
- Estais de saída, Morvan?
- Sim. É melhor se eu partir agora. - Lançou um olhar à irmã.
- Deveis vir visitá-la em breve. Ela irá querer ver-vos. - Morvan fitou-o, surpreendido. - A vida de Christiana irá sofrer uma grande mudança e poderá ser duro para ela - prosseguiu David. Não gostaria de a ver infeliz. Vinde sempre que vos aprouver. Esta casa estará sempre aberta para vós.
Morvan pareceu ainda mais surpreendido. Assentiu e sorriu debilmente.
- Agradeço-vos por isso, David. Pelo bem de ambos.
David regressou para junto de Christiana. A capa estava a descair-lhe pelas costas e ele aconchegou-a melhor, cingindo-lhe os ombros.
- O que lhe dissestes ? - inquiriu, com o olhar ainda fixo no irmão.
- Disse-lhe que deve visitar-vos sempre que lhe aprouver.
- Dissestes, David? A sério? - voltou-se para ele com um sorriso luminoso.
A sinceridade da sua surpresa e gratidão transtornaram-no.
- Eu sei que ele é tudo para vós, minha querida. Ele apenas procurou proteger-vos, e não posso censurar nenhum homem por isso. Não interferirei na vossa relação.
Ela encostou-se a ele e fitou-o com uma inocência quase infantil.
- Não é tudo para mim. Já não é assim. Agora existis vós, não é verdade? Temo-nos um ao outro, não é verdade?
Ele abraçou-a e ela pousou a cabeça no seu peito, com o rosto voltado para as sombras que engoliam a figura alta do irmão. David enterrou o rosto na nos seus cabelos sedosos.
Tudo aquilo que ela era, tudo o que era suposto ser, partira através daquele portão. A vida que vivera e nascera para viver, a posição que o sangue lhe garantia, regressava esta noite para Westminster sem ela. Ele não duvidava de que ela compreendia isso. Christiana sabia o que este casamento lhe havia retirado.
Beijou-lhe os cabelos e fechou os olhos. Ele podia devolver-lho. Tudo o que ela estava a perder e mais. Tinha poder para o fazer.
A oferta ainda estava de pé e seria feita novamente, disso tinha ele a certeza.. Tinha apenas de jogar o jogo como planeado, mas alterar a
jogada final. Ele sabia exactamente como fazê-lo. Há semanas que
andava a considerar a possibilidade.
Como se estivesse a ler os seus pensamentos, ela inclinou a
cabeça e olhou para ele.
- Sois muito bom para mim, David. Sei que ireis cuidar de mim e fazer tudo o que estiver ao vosso alcance por mim.
Ele curvou-se para a beijar e os lábios entreabertos dela ergueram-se para ir ao encontro dos dele. Um frémito sacudiu-a e Christiana pressionou-se contra ele enquanto o envolvia num abraço apertado. A mente dele enevoou-se e o autodomínio das últimas horas dissipou-se.
Ela agarrava-se a ele com o mesmo desespero com que ele se agarrava a ela, a boca dela a convidá-lo para o beijo profundo. Talvez fosse o vinho e a dança. Talvez fosse a gratidão relativamente a Morvan. Ele não se importava, aceitaria a paixão dela fosse como fosse.
Permaneceram assim na intensidade do brilho da fogueira, dois corpos moldados um no outro, banindo a separação, os sons da festa ecoando em redor deles. Ele beijou-a repetidamente, desejando possuí-la, absorvê-la para dentro de si.
Conseguiu reunir forças para afastar a boca.
- Vinde até lá cima comigo - sussurrou, com o rosto mergulhado no pescoço dela, enlouquecido pelo seu odor.
- Sim - disse ela. - Agora.
Ele virou-a sob o seu braço enquanto a beijava novamente. De alguma forma, encontrou o caminho através do pátio, entrou no edifício e subiu as escadas. Um grupo de foliões saiu discretamente do salão quando o casal se aproximou, e ele fechou a porta atrás deles com um pontapé.
Ao chegarem ao quarto, David retirou as capas de ambos e caiu na cama com ela, cobrindo-a com o seu corpo, sentindo o corpo dela render-se submissamente a ele. A mente dele não se concentrava em mais nada a não ser o toque e o odor dela. Tentou conter-se, tentou acalmar a terrível tempestade que o dominava, mas o beijo profundo e penetrante que ele lhe deu tornou-se feroz e faminto quando Christiana segurou a cabeça dele entre as suas mãos e o impeliu mais para junto de si.
David conseguiu retirar-lhe o casaco sem o rasgar, mas os atilhos do cotehardie constituíam um desafio para os seus dedos experientes. Puxou pelo nó enquanto beijava e mordiscava os seus seios. Finalmente, numa furiosa frustração, afastou-se, voltou-a ao contrário e encarou o nó recalcitrante.
- Ficai quieta - murmurou, retirando a sua adaga e afastando num piscar de olhos a obstrução à paixão. - Ajoelhou-se e fez deslizar a lâmina sob os atilhos. - É um velho truque praticado nos casamentos. As vossas criadas fizeram um nó que não pode ser desfeito.
Ela riu-se de uma forma maravilhosa, lírica, e depois voltou-se, divertida, alegremente a retirar o vestido. Assim que o fez, ajoelhou-se e voou para os braços
dele, como se aquela separação tivesse durado uma eternidade.
Nesse momento, ele perdeu-se. Num frenesim de carícias e beijos, conseguiram retirar as roupas dele. com exclamações, arquejos e gargalhadinhas de êxtase, as mãos dela encontraram as dele no cinto e na camisa e finalmente precipitaram-se acaloradamente sobre a pele dele. Ele retirou-lhe a combinação pelos ombros, descobrindo-lhe o seios, e inclinou-a para trás de modo a poder deliciar-se com aquela agradável suavidade.
Os gemidos de Christiana perturbaram-no, destruindo o último resquício de autodomínio. Puxou-lhe o vestido até às ancas e sentiu a humidade da excitação dela.
- Prometo que vos concederei um prazer lento mais tarde disse, enquanto a deitava. - Durante toda a noite, se assim o desejardes. Mas agora não posso esperar, querida.
Abriu-lhe as pernas e ajoelhou-se entre elas. Ela contemplou-o, os seus olhos negros repletos de estrelas.
Ele fitou o rosto adorável de Christiana e os seus seios alvos e redondos. O vestido estava amarfanhado na cintura e as meias ainda lhe davam pelos joelhos. David
puxou o vestido mais para cima, expondo as ancas e a barriga de Christiana. Tocou naquela carne pulsante e intumescida entre as suas coxas e observou o prazer que a invadia.
As fantasias do desejo dele instavam-no, implacáveis. Apesar da ignorância dela e da necessidade dele, David não conseguia resistir a todas elas. Dobrou-lhe as pernas de modo a que ela ficasse erguida
e aberta para ele. A respiração entrecortada de Christiana irrompeu nela neblina que o envolvia e David lançou-lhe um olhar e avistou o lampejo de cautela e surpresa nos olhos dela.
- Não tenhais medo - disse enquanto lhe erguia as ancas. - Quero beijar-vos toda. Só isso.
Ele sabia que não conseguiria entregar-se a este prazer por muito tempo. O seu próprio corpo não lho permitiria. Nem o dela, pelo que se veio a revelar. Ela contorcia-se e gritava devido ao choque e intensidade que este novo prazer lhe provocava, e David não tardou a sentir as primeiras contracções do clímax dela.
Deteve os beijos e deitou-se sobre ela levando as pernas dela com ele, instalando-as nos seus ombros. Ela agitou-se frustrada por ele a ter levado ao limiar do precipício e não ter continuado.
- Em breve, querida, prometo. Fá-lo-emos juntos - disse num tom tranquilizador, e, erguendo-se, penetrou-a com uma única investida.
O corpo dele estremeceu devido ao prazer agonizante do momento, mas o estremecimento só por si restituiu-lhe algum autodomínio. Estendeu os braços e acariciou-a, experimentando a sensação intensa de estar prestes, ele próprio, a atingir o clímax.
Ela observava-o enquanto ele se movimentava, as mãos dela, ávidas e acolhedoras, acariciando os seus ombros e peito. Os seus olhos brilhantes e os suspiros suaves mostravam a David que ele preenchia outras necessidades dela para além das do corpo. As emoções emanavam dela, pairavam junto a ele e envolviam-nos a ambos, da mesma forma que os seus braços e pernas haviam estado entrelaçados poucos momentos antes.
David sentiu que o corpo de Christiana se retesava, perto do clímax. O seu próprio controlo começou a ceder. Passou a mão entre os seus corpos, procurando conceder-lhe a tão desejada libertação. Frenética ela agarrou-se a ele, erguendo energicamente as ancas de encontro às suas investidas, arrastando-o com ela para aquele delicioso esquecimento.
David raramente procurava um alívio mútuo. Na verdade, evitava-o. Agora, à medida que a paixão de ambos atingia o auge e os consumia a ambos, ele sentiu o êxtase de Christiana no momento em que o seu próprio explodia dentro dela. Durante um sublime
instante, os relâmpagos daquela tempestade fundiram-nos numa plenitude completa.
Quando terminaram, ele pôs-se ao lado dela, beijando-a suavemente enquanto lhe estendia as pernas, permitindo a si mesmo apreciar a gloriosa expressão no seu belo rosto. Deitou-se de costas, puxando por ela ao fazê-lo para a deitar sobre si. Manteve-a ali, a cabeça dela no peito dele as pernas a envolver-lhe as ancas, observando o percurso da sua mão enquanto acariciava as suas costas pálidas.
Algum tempo depois, ela ergueu a cabeça e inclinou-a pensativamente.
- Estou a ouvir alaúdes - disse.
- Lisonjeais-me.
Ela soltou uma risadinha abafada e bateu-lhe no ombro de uma forma brincalhona.
- Não, David. Estou mesmo a ouvir. Escutai.
Ele concentrou-se e escutou os tons líricos entre o ruído distante da festa. Afastou-a de si, levantou-se da cama e desapareceu no quarto de vestir.
Chnstiana aguardou, pairando ainda na maravilhosa magia da paixão deles. Pareceu-lhe que o som dos alaúdes se intensificara.
Ele regressou e retirou a colcha da cama.
- Estão aqui por vós. Deveis agraciá-los com o vosso reconhecimento.
Ele colocou a colcha quente sobre os ombros, e ela levantou-se e juntou-se a ele no seu casulo acolhedor.
A porta das escadas que conduzia ao jardim de hera estava aberta, e eles dirigiram-se ao patamar de pedra. David ergueu-a e sentou-a no muro baixo do patamar, aconchegando bem a manta em redor das suas pernas.
Lá em baixo, no minúsculo jardim, conseguia ver quatro homens com alaúdes. Cantavam versos poéticos de uma canção de amor. Ela reconheceu o tom grave de Walter Manny.
- Quem são os outros? - sussurrou.
- São todos de The Pui. É uma tradição quando um deles
se casa.
Tocaram outra canção. Archotes iluminavam o jardim principal, mas aqui os cantores eram apenas formas negras nas sombras. Acima
deles, o céu nocturno límpido reluzia com centenas de estrelas. David mantinha-se ao lado dela, segurando-a sob a colcha, afagando o seu cabelo com o rosto. Havia algo de incrivelmente romântico no facto de estarem ali juntos na noite fria com a intimidade da paixão ainda a pairar sobre eles enquanto a música tocava.
Walter cantou a canção seguinte sozinho. Possuía uma melodia lenta e suave que ela já havia escutado antes. Era a canção que David entoara naquela tarde no salão, aquela que ela achara tão triste nesse dia. Agora apercebia-se de que não era triste de todo, apenas suave e bela. Naquele dia deixara-a a pensar em Stephen, e nem sequer havia reparado nas palavras, mas desta vez escutou atentamente.
Não era de todo uma trova de amor, mas antes uma canção em louvor de uma mulher e da sua beleza. As palavras falavam de membros elegantes e porte nobre. O cabelo dela era negro como a noite aveludada, a pele como um raio de luar, e os olhos como os diamantes das estrelas...
Ela manteve-se muito quieta. Escutou o resto da bela canção que a descrevia. David escrevera aquilo. Havia-a tocado nessa tarde no salão para ela, e ela nem sequer a escutara.
A voz de Walter e o alaúde silenciaram-se quando teminou a melodia. Christiana lançou um olhar à sombra do homem ao seu lado. O seu coração rejubilava de alegria e orgulho por ele a ter honrado desta forma, há tanto tempo, mesmo quando ela o tratava tão mal.
- Obrigada - murmurou, esticando-se para lhe beijar o rosto. Escutaram mais algumas canções, e depois os quatro músicos
avançaram e fizeram uma vénia.
- Obrigada, Walter - agradeceu baixinho.
- Minha senhora - respondeu, e as sombras engoliram-no.
- Que tradição maravilhosa - disse ela a David enquanto regressavam para a cama. - Já fizestes isto?
- Sim. Já tive o meu quinhão de noites passadas ao frio em jardins a cantar para mulheres recém-casadas. Ficamos até ela nos dar a entender que nos escutou. Ocasionalmente, o noivo está tão entusiasmado na cama que demora horas. Depois disso, fazemo-lo pagar caro.
Ela soltou uma gargalhada e encostou a cabeça ao seu ombro.
- Foi um casamento maravilhoso, David. - Pela janela aberta ainda penetrava algum estridor da festança que prosseguia lá fora
e lá em baixo. - Diverti-me imenso. Annee diz que eu danço muito bem para uma amadora. Ela disse que me ensina mais se eu quiser.
- Se vos dá prazer, deveis fazê-lo.
- Gosto dela. Também gosto de Oliver. É um velho amigo vosso?
- Amigo de infância.
- Estão casados há muito tempo?
Uma expressão peculiar surgiu no rosto de David. Estava tão belo nesse momento, com o cabelo castanho dourado a cair-lhe sobre a fronte e os olhos azuis penetrantes a fitá-la.
- Christiana, Oliver vende mulheres. Vivem juntos, mas Anne não é esposa dele. É uma das suas mulheres.
- Estais a dizer-me que ela é prostituta dele ? Anne é prostituta ? Ela faz isto com estranhos por dinheiro? Ele permite-o e ainda lhe arranja homens?
- Sim.
- Como pode fazê-lo? Parece preocupar-se com ela, David. Como é que...
- Na verdade, não sei.
Ela imaginou Anne, como os seus belos cachos castanhos e um rosto adorável, embora mundano.
- Deve ser horrível para ela.
- Suspeito que se deverá alhear quando está lá com eles.
Era possível fazer-se aquilo? Unir-se assim a outra pessoa e não se importar com aquilo, nem sequer sentir nada? Ou apenas retirar prazer, sem qualquer interesse pela pessoa em questão? Era uma ideia triste e assustadora.
Ela voltou a cabeça e lançou um olhar à cúpula de tecido azul acima deles, sentindo compaixão por Anne e já algum desagrado em relação a Oliver por esperar tais coisas dela. É verdade que eram pobres, mas decerto haveria alguma outra
forma de resolver o problema.
E contudo, tinha de admitir que as relações sexuais podiam obviamente acontecer de todas as formas possíveis e pelas mais variadas razões. Na verdade, ela suspeitava
que o amor não tinha nada a ver com aquilo, especialmente para os homens. Afinal, o desejo que ela e David partilhavam era essencialmente físico, não era? Para ele, era mesmo só isso. E outras mulheres tinham estado ali, onde ela
estava agora, vivendo as mesmas experiências. Havia-as desejado, e aeora desejava-a a ela. Quem desejaria ele a seguir?
A magia e a maravilha pareceram-lhe subitamente menos especiais.
Duraria muito, este desejo? Talvez, se um homem despendesse mil libras por uma mulher, se sentisse na obrigação de a desejar por muito tempo. Mas quando o desejo desvanecesse, o que lhe restaria a ela? Uma casa e talvez alguns filhos. Não é que fosse pouco, mas ela queria mais.
O reconhecimento desse facto assustou-a e Christiana nem sequer compreendia os sentimentos que revelava. Contudo, compreendia que podia haver perigo nesta cama com este homem, e a hipótese de uma desilusão bem maior do que a que conhecera com Stephen Percy.
Um estranho vazio apoderou-se dela. Era como uma solidão desolada, apesar do homem que a abraçava. Vivera uns momentos maravilhosos durante aquelas últimas horas,
rindo e dançando, subjugada pela paixão mútua. Os momentos passados junto a ele, lá fora, enquanto escutavam as canções de amor haviam sido tão românticos. Apercebeu-se com pesar que havia estado a construir insensatamente outra ilusão, outro sonho.
Ela sentiu-o mover-se e em seguida aqueles olhos azuis estavam pousados nela, observando-a.
- Em que estais a pensar? - questionou David. Não sabeis? Quis perguntar. Sabeis sempre.
Encontrou o olhar dele e compreendeu que ele sabia. Pelo menos em parte.
- Estou a pensar que há algo mais em tudo isto do que a minha compreensão alcança. - com um gesto, abarcou a cama. - Deveis considerar-me muito infantil e ignorante comparada com as outras mulheres que conhecestes.
Mulheres belas. Mulheres mundanas. Mulheres experientes. Jamais conseguiria competir com elas. Nem sequer sabia como. Por que razão a teria ele desposado?
A mão dele acariciou-lhe a face e voltou o seu rosto para o fitar.
- Agradais-me muito, Christiana.
Sentiu-se um pouco melhor com essas palavras, mas não muito.
- Alicia era vossa amante, não é verdade? - inquiriu bruscamente.
- Sim. Mas está terminado.
- Também houve outras. Algumas que eu conheço e que me conhecem - disse sem qualquer expressão.
Ele limitou-se a fitá-la.
- Elizabeth? - questionou, pensando naquela mulher requintada e encantadora e sentindo uma enfurecedora pontada de ciúme. Ninguém jamais poderia competir com Elizabeth.
- Elizabeth é uma velha amiga, mas nunca fomos amantes. Uma indignação protectora substituiu imediatamente o ciúme.
- Por que não? Sois melhor do que muitos homens a quem ela esteve ligada. E aquele lorde que ela desposou é idoso e mal-parecido.
Ele riu-se.
- Agora estais Zangada, com ela por nunca termos dormido juntos? Não, não houve qualquer insulto nisso. Elizabeth gosta dos amantes bem jovens.
- Vós sois jovem.
- Não o suficiente. Ela gosta deles ainda inexperientes. Pretende influenciá-los.
- Jovens como Morvan?
- Sim.
Ela ficou a pensar naquilo e naqueles meses em que Morvan acompanhava Elizabeth. Fora muito tempo para ele. A preocupação com o irmão distraiu-a das preocupações acerca de si mesma.
- Sabeis algo acerca deles e do que aconteceu? Algumas pessoas na corte pensaram que eles se casariam, mas depois, de repente, acabou. Morvan nunca falou comigo acerca disso.
Ele lançou um olhar à almofada durante um momento e ela percebeu que ele sabia.
- Oh, por favor, David, dizei-me - pediu. - Afinal, ele é meu irmão. Sou muito discreta, sabeis. Sou a única mulher na corte que nunca se entregou a mexericos.
- Uma virtude rara que não devo corromper.
- Sempre escutei, mas nunca repeti o que ouvi - disse.
- Elizabeth não desposou o vosso irmão porque ele nunca a pediu em casamento. Ela amava-o, mas ele não a amava. Pelo menos,
não da forma que ela desejava. Elizabeth jamais se ligaria a um amor desigual como esse. Depois há a questão de ela ser infértil. Sabe que o é desde muito jovem. É por isso que os homens mais velhos a desejam. Já possuem os seus herdeiros. Um dia o vosso irmão irá ser de novo lorde de Harclow e pretenderá ter um filho.
- Não, David, não me parece que ele vá sê-lo. O rei jurou que iria fazer os possíveis por isso, mas esqueceu-se.
- Os homens não esquecem os juramentos que fazem.
O que mais saberia David acerca das pessoas com quem ela havia passado a sua vida?, pensou. Talvez, se ela provasse ser muito discreta, ele algum dia lhe contasse. Estar assim a conversar no calor da cama era muito aprazível e aconchegante. Quando ele se encontrava de pé e a caminhar de um lado para outro, ainda permanecia um mistério para ela, mas a intimidade daquele momento baniu temporariamente essa sensação.
- Fiquei surpreendida por o rei vir esta noite - disse ela, interrogando-se até onde poderia ir neste clima de boa disposição.
- Até mesmo os reis gostam de se divertir. Ser uma personalidade real pode ser algo muito entediante, e Eduardo ainda é jovem. Não é muito mais velho do que eu.
- Parece conhecer-vos bem.
- Somos aproximadamente da mesma idade, e ele sente-se mais confortável comigo do que com os dignitários da cidade, que são muito formais com ele. Fiz-lhe alguns favores. Encarrega-me de algumas missões, principalmente para a Flandres. Transportei cartas para o governador de Ghent em várias viagens.
- Ainda fazeis isso? Essas missões?
- Sim. Algumas das viagens que faço são a mando de Eduardo.
Era isso. Ela sorriu perante a sua tola hesitação. Devia ter perguntado mais cedo. Tudo fazia sentido e era perfeitamente inocente. Ainda assim...
- São, perigosas, essas viagens?
- Não têm sido.
Não era o mesmo que responder com uma negativa, todavia decidiu não insistir.
Aninhou-se ao corpo dele, desfrutando do calor do braço dele à sua volta. Pensou nalgumas pessoas que conhecera no banquete da
Câmara Municipal. Recordou-se em especial de Gilbert de Abyndon, um homem de lábios finos e cabelo grisalho, que tentara ignorar a presença de David até mesmo no momento em que estava a apresentá-la.
- Gostei de Margaret, esposa de Gilbert. Penso que ela e eu podemos vir a ser amigas. Pensais que ele o permitiria?
Na verdade, ela pretendia saber se David o permitiria. Margaret não era muito mais velha do que ela própria, e era uma mulher agradável de cabelo loiro. Ambas haviam apreciado o encontro e a conversa, embora os seus maridos tivessem permanecido imóveis como sentinelas.
- Muito provavelmente. Gilbert é muito ambicioso. Irá tolerar o vosso casamento comigo devido à vossa condição nobre e às vossas ligações com a corte. Tal como a
maioria dos mercadores abastados, ele pretende elevar a sua família à pequena nobreza.
- Ainda assim, ele pode opor-se a que ela me visite. É óbvio que existe ódio entre vós.
Aquele comentário deixou-o silencioso durante algum tempo. Christiana voltou-se e viu-o a observar o dossel azul, um pouco à semelhança do que ela fizera na noite anterior. David fitou-a com um brilho no olhar. Teria ficado enfadado com a simples menção do tio? David beijou-lhe o cabelo como que para a tranquilizar.
- Odeio-o por aquilo que ele fez à minha mãe, e ele odeia-me porque eu estou vivo e uso o nome de Abyndon. Ele é o pior da nossa geração, minha menina. Opinioso e intransigente. É uma pessoa pedante e frequenta a igreja todas as manhãs antes de passar o dia a amaldiçoar as pessoas. Se ele tivesse estado nesta casa hoje, não teria visto alegria e bem-estar, mas apenas pecado e fraqueza. Se pretendeis ser amiga de Margaret, deveis saber disto, porque este é o homem a quem ela está ligada. Afortunadamente, pelo bem dela, o seu marido idoso falecerá em breve.
Ela pestanejou perante estas últimas palavras. Desejar a morte de outrem era algo terrível. A forma fria como ele o disse surpreendeu-a ainda mais.
- Precisamos de encontrar uma criada que vos ajude com as roupas - acrescentou. - Geva disse que quereríeis ser vós mesma a escolher a rapariga. Dentro de poucos dias, ide visitar Margaret e pedi-lhe ajuda com isso. Vede se Gilbert o permite.
David acariciou-lhe o cabelo e o ombro, e Christiana comprimiu-se contra o corpo dele à medida que o calor das carícias faziam despertar a sua pele. Ela suspeitava que ele queria fazer amor novamente. Aguardou que ele tomasse a iniciativa e ficou surpreendida quando David começou a falar e a sua voz suave flutuou até ao seu ouvido.
- Os meus tios Gilbert e Stephen já deviam ter uns vinte anos quando a minha mãe ainda era uma menina. Idade suficiente para perceberem o que ali tinham assim que ela perfez os catorze anos. Era bela. Perfeita. Até mesmo quando faleceu, apesar de tudo, continuava a ser bela. Os irmãos dela viram no casamento uma oportunidade. Tinham tudo planeado. Pretendiam, como primeira opção, desposá-la com um nobre. A segunda opção era um mercador pertencente à Liga Hanseática. Em terceiro lugar, um homem da pequena nobreza. Destinaram um dote chorudo e começaram a exibi-la diante desses homens. Levavam-na com eles a todos os banquetes, vestida como uma senhora.
- E funcionou?
- Funcionou. John Constantyn contou-me aquilo que ela não me disse. Começaram a chover ofertas. Gilbert e Stephen começaram a discutir o casamento que seria melhor para eles, evidentemente, não para ela. Tornaram-se muito espertos e atiçaram uns contra os outros.
- Ela recusou a opção deles? Foi por isso que...
- Pior do que isso, tal como o meu corpo ao vosso lado o confirma. Não foram suficientemente cuidadosos com ela. Os pais deles já haviam falecido, e as criadas que a vigiavam eram demasiado indulgentes. Ela apaixonou-se. O homem desapareceu muito antes que ela se apercebesse que estava grávida.
- Seria um dos pretendentes?
- Aparentemente, não. Ainda assim, os irmãos procuraram resolver a tragédia à maneira deles. Quiseram saber o nome dele de modo a forçarem um casamento, mas ela não o revelou. Gilbert tentou que ela o confessasse, batendo-lhe, e mesmo assim ela não o fez. Assim, encontraram outro marido para ela, disposto a aceitá-la sob aquelas circunstâncias, e que quisesse realizar um casamento rápido.
Christiana sentiu-se constrangida. Recordou-se da primeira noite na sala de estar de David e de ele lhe perguntar se ela estava de
esperanças. Devia ter pensado que era a mesma história, e que ele era o outro homem cujo casamento rápido encobriria o erro de uma rapariga.
- Ela não o quis aceitar - prosseguiu. - Estava certa de que o seu amante regressaria. Dirigiu-se ao sacerdote e explicou que não queria casar-se.
Mais corajosa do que eu, pensou Christiana. Meu Deus, o que se teria passado na mente de Davidna noite em que o enfrentara diante da lareira?
- O que fizeram eles ?
- Mandaram-na para longe. Temos alguns familiares em Hastings e eles enviaram-na para lá. Gilbert ordenou-lhe que se livrasse da criança quando esta nascesse. Se ela não obedecesse, deixariam de a sustentar e seria como se ela estivesse morta. Não deveria regressar a Londres sob circunstância alguma.
- Mas ela ficou convosco e regressou.
- Ela tinha a certeza de que o seu amado regressaria, e ele não saberia onde procurá-la se ela não estivesse aqui. Por isso, não tardou a regressar. De alguma forma, conheceu Meg e começou a trabalhar como lavadeira. Meg foi a parteira quando eu nasci. Naqueles primeiros anos, vivíamos num pequeno quarto atrás de um estábulo junto ao rio. Para além de Meg e dos outros trabalhadores, eu era o único companheiro da minha mãe. Gilbert e Stephen nunca a viram e, fiéis à sua ameaça, nunca lhe deram um tostão. Ela podia ter morrido à fome que eles não teriam sabido nem se importavam.
- E vós? Sabíeis quem ela era, tínheis conhecimento deles?
- Só quando fiz sete anos. Comecei a ouvir falar destes homens com o mesmo nome da minha mãe e fui-me apercebendo de algumas coisas. Nessa altura, Stephen começou a fazer carreira como político na cidade. E nessa altura eu já sabia que era um filho bastardo. Os outros rapazes encarregaram-se de mo fazer saber. Alguns anos
mais tarde, ela converteu-se na governanta de David Constantyn e as coisas melhoraram, embora Gilbert e Stephen nunca lhe tivessem perdoado por tê-la auxiliado.
A infelicidade dela era o preço pelo seu pecado contra Deus e contra eles. Principalmente contra eles.
Ele contara esta história de uma forma simples e calma, mas ela pressentia que havia muitos outros pensamentos ligados a esta narrativa, e que alguns deles lhe diziam respeito a ela.
Recordou-se do esboço do rosto da mulher que vira e, olhando Uara a constituição perfeita de David, conseguia ver nele a mãe. Mas outro rosto contribuíra para estes
traços e aqueles olhos profundos, num rosto desconhecido.
- Qual era o nome dela? O nome da vossa mãe.
- Joanna.
- E o vosso pai, conhecei-lo?
- O único pai que alguma vez conheci foi o meu mestre. A primeira vez que o vi, ele repreendeu-me por lhe ter furtado uma maçã. Upareceu-me vindo do jardim de hera
no momento em que me Encontrava sentado sob uma árvore a comê-la, enquanto a minha mãe ajudava com a lavagem da roupa no pátio. Tive de arranjar uma Hesculpa rápida
e credível para escapar a uma sova, garanto-vos. Deu-me uma grande palmada e arrastou-me até junto da minha mãe.
Algumas semanas mais tarde, apareceu enquanto estávamos
aqui e levou-me a assistir ao enforcamento de um ladrão. No caminho de regresso contou-me que havia duas formas de os homens inteligentes enriquecerem. Uma era através
do roubo e a outra através do comércio, mas os ladrões viviam vidas mais curtas. Por volta dos meus oito anos, dei por terminada a minha carreira de ladrão, e aproveitei bem a lição.
Ela recordou as crianças pobres que por vezes avistava nas ruas da cidade a aproximar-se das carruagens e das janelas, escapulindo-se com comida e bens. Imaginou
um David pequenino entre elas. Nunca era apanhado, evidentemente.
- Ele quis casar-se com ela, penso eu - acrescentou pensativamente. - Recordo-me de os apanhar quando devia ter uns doze anos. Estavam sentados no salão. Apercebi-me de que estavam a disputir algo importante. Pressenti-o.
- Pensais que ela o recusou?
- Sim. Na altura presumi que ele o fizera porque me queria a mim. Naquela altura mantínhamos uma relação próxima, quase de pai e filho. Até partilhávamos o nome.
Ela escolhera o meu da Bíblia, mas é um nome invulgar em Inglaterra, e eu sabia desde o início que
o facto de eu ter o mesmo nome que ele o fascinava. Até mesmo
o Emprego dela aqui, sempre pensei que ele tinha aceite a minha mãe para ter o filho. Mas agora penso que foi precisamente o contrário.
- Ela recusou-o por causa do outro homem, o vosso verdadeiro pai?
- Sim. O coração dela continuou a esperar já depois de a mente ter desistido. Desprezei-a por isso quando era adolescente, mas quando ela faleceu, compreendi um pouco.
Ela recordou-se da compreensão paciente de David durante os esponsais, mas igualmente dos seus comentários cruéis e implacáveis sobre Stephen.
Ainda aguardais por ele, depois de todo este tempo e quando a, verdade é tão óbvia. Ainda bem que Eduardo me deu a vossa mão em casamento, caso contrário teríeis passado toda a vossa vida à espera e a viver num sonho desvanecido.
Ao recusar-se a repudiá-la, David correra um risco horrendo e doloroso.
Ela procurou o conforto cálido do corpo dele, sentindo a pele de David contra a sua. O facto de ele lhe ter falado de Joanna e da sua infância enternecera-a. Aos poucos, em momentos como este, talvez ele deixasse de ser um estranho para ela. Também sabia que não estava na sua natureza fazer este tipo de confidências e que apenas a intimidade do matrimónio o havia permitido.
Sem pensar, fez deslizar o rosto conta o peito dele e voltou-se para o beijar. Saboreou a pele e beijou-o de novo. O seu desejo de dar e receber conforto e de se comprazer nesta recente intimidade de ambos transformou-se em algo diferente à medida que o beijava, e impulsivamente voltou a cabeça e mordeu-lhe suavemente o mamilo. Ele tocou-lhe na cabeça e segurou-a, encorajando-a. Uma sensualidade lânguida percorreu-lhe o corpo e também sentiu uma mudança nele. Só nessa altura se recordou de que esta havia sido uma daquelas confidências que a criada lhe fizera de manhã durante o banho.
Ele permitiu que os lábios e a língua dela o acariciassem durante algum tempo e depois voltou-a suavemente de costas.
- Parece-me que vos prometi prazer prolongado - disse ele.
- Vejamos até que ponto poderemos prolongá-lo.
Muito mais tarde, pois David era capaz de prolongar o prazer durante muito tempo se assim o quisesse, jaziam juntos na cama obscura, as cortinas fechadas contra os sons esbatidos e as luzes do
banquete de casamento. Christiana começou a adormecer nos seus braços.
Ela sentiu-o mover-se e percebeu que ele observava o seu perfil quase indistinto.
- Falastes com ele? - perguntou suavemente.
Ela já se esquecera do assunto. Esquecera tudo acerca de Stephen Percy e da sxia ira e mágoa contra David. Este dia e esta noite haviam obscurecido as suas suspeitas acerca das motivações de David, e desejou sinceramente que ele não lhas tivesse recordado.
Ele vive com realidades, pensou ela. Sois vós quem compõe sonhos e canções. Mas ele havia escrito aquela canção acerca dela, não é verdade? Todavia, não era uma canção de amor. Ele considerava-a bela e escrevera acerca disso. Talvez ele também escrevesse melodias do género acerca do pôr-do-sol e das florestas.
- Sim. Falei com ele.
- O que pretendia?
- Nada de honroso.
Ele ficou silencioso durante um momento.
- Não quero que o volteis a ver - disse finalmente.
- Ele está na corte com frequência. Quereis dizer que nunca mais vou poder regressar a Westminster?
- Não estou a dizer isso. Sabeis o que quero dizer.
- Terminou, David. Tal como vós e Alicia. É o mesmo.
- Não é o mesmo. Eu nunca amei Alicia.
Ela voltou-se para ele. Ele abrira esta porta e ela sentiu o impulso de entrar.
- Nunca tencionastes deixar-me ir com ele, pois não?
- Não menti quando o disse, mas estava certo de que isso não aconteceria.
- E se tivesse acontecido?
Os dedos dele tocaram o seu rosto na obscuridade.
- Não vos teria deixado ir. Soube-o desde cedo.
Porquê? Pelo vosso orgulho? Pelo vosso investimento? Para me salvar do destino da vossa mãe? Não podia colocar-lhe a questão porque não queria saber a verdade. Devia ser permitido a uma rapariga algumas ilusões e ambiguidades, se tinha de viver com um homem. Também não queria realidade a mais.
- Como é que sabíeis que eu viria naquele dia?
- Não o esperava. Tencionava ir lá buscar-vos.
- E se eu não viesse nem concordasse com a vossa sedução?
- Não vos teria dado muitas hipóteses de escolha. Ela pensou naquilo.
- Fostes muito inteligente, David, reconheço isso. Muito cuidadoso. Muitas testemunhas. Todo o vosso lar. Idonia. Até que ponto fostes meticuloso? Guardastes os lençóis? Deixaste-os na cama para que Geva os visse no dia seguinte? - O seu tom de voz encerrava mais petulância do que aquela que sentia.
Ele beijou-lhe a têmpora e puxou-a para si.
- A primeira vez que vos encontrei, e de todas as outras vezes, dissestes-me que o amáveis, Christiana. Até àquela quarta-feira. Apesar do que acontecia entre nós quando eu vos beijava, apesar de ele vos tratar mal. Sim, querida, fui meticuloso. E calculista e inteligente. Converti deliberadamente este casamento num facto e liguei-vos a mim. Não podia correr o risco de ele vos contar as mentiras que o vosso coração queria ouvir de modo a abusar de vós de novo. Ter-me-íeis aceitado de outro modo? Deveria eu ter recuado perante este cavaleiro como mercador que sou? Ter-vos-ia agradado se tivesse honrado a minha promessa de vos deixar ir?
Ela estremeceu um pouco perante a franqueza brutal das suas palavras. As coisas soavam de uma forma diferente quando ele as punha desta maneira, quando ela as via através dos olhos dele. Fora tão fácil esquecer a pessoa que ela era antes da última quarta-feira.
- Não - sussurrou, e era verdade. Não teria ficado satisfeita se ele se mostrasse indiferente e simplesmente tivesse permitido que Stephen a levasse. Outra reacção que ela temia examinar ao pormenor.
O silêncio impôs-se de novo, e após algum tempo, ela relaxou no seu abraço. O sono já quase a reclamara quando escutou uma gargalhada suave no seu ouvido.
- Sim, minha menina. Fui meticuloso e não corri riscos. Guardei os lençóis.


CONTINUA

CAPITULO 10
Christiana assumiu que nesse dia o almoço fosse mais sumptuoso do que era habitual para a refeição do meio do dia. A visita de John Constantyn era provavelmente o motivo para o excesso de pratas, bem como os acepipes, mas suspeitava também que a sua própria visita inspirara Vittorio a confeccionar algumas iguarias de última hora.
- Aposto que ele é um dos melhores cozinheiros de Londres
- confidenciou John. - Faço sempre os possíveis para conseguir um convite para comer aqui. - Deu umas palmadinhas na sua volumosa barriga. - É melhor não o deixares cozinhar no teu casamento, David. O rei pode roubar-to.
Vittorio assegurou-se de que tudo estava perfeito na mesa, e depois sentou-se junto aos aprendizes e Sieg. Em breve toda a mesa falava em italiano.
- É mais fácil aprenderem à mesa. - Explicou David. - Vai ser preciso, por causa do comércio.
Christiana observava os rapazes. Andrew era mais velho do que ela e Roger dois anos mais jovem. Todavia, para eles não era estranho que uma rapariga da sua idade desposasse o seu mestre. Na verdade, as noivas-criança eram mais comuns e ela era um pouco velha para esse papel.
John serviu-se de salmão.
- Ouvi dizer que recebestes hoje um carregamento, David.
- Tapetes de Castela.
- Tendes recebido muita carga de Inverno.
- Elas chegam quando chegam.
- Pois, pois. Estais à espera que o comércio seja interrompido na Primavera ou no Verão, não é verdade? - baixou o tom de voz.
- Ele vai fazê-lo, não vai? Outra maldita campanha. Outro exército para França e todos os navios à vista requisitados nesse sentido. Ainda bem que só negoceio com lã. Ele jamais interferirá com isso.
- Se Eduardo continuar a pedir dinheiro emprestado, em breve não haverá prata no reino nem mesmo para comprar a vossa lã, John, quanto mais para tapetes espanhóis.
- Vendeis sempre os vossos objectos de luxo, David. Sabeis sempre o que eles pretendem. - Inclinou-se na direcção de Christiana. - Ele possui instintos de ouro, minha senhora. Há uns anos atrás, ele não tocaria no monopólio do rei para exportar lã em bruto e convenceu-me também a mim a desistir. Salvou-me a pele. Quase todas as pessoas envolvidas perderam tudo.
A refeição foi longa, cordial e descontraída. David e John conversaram sobre política e negócios e discutiram as políticas de Eduardo mais abertamente do que os cortesãos. Ocasionalmente, algumas opiniões até pareciam ligeiramente desleais.
Provavelmente, os barões e cavaleiros também falavam assim entre eles, apercebeu-se ela, mas não no salão do rei.
Christiana examinou as pessoas sentadas nas outras três mesas. Para além de Sieg, Vittorio, Geva e os aprendizes, havia mais quatro criados permanentes. O lar de David parecia grande, bem gerido e eficiente. Ele realmente não necessitava de uma esposa para gerir as coisas. Ela suspeitava que a sua presença seria supérflua e até mesmo prejudicial.
Ao longo de toda a refeição, David fê-la saber que não se esquecera da sua presença. Os seus gestos e olhares sugeriam que apesar da atenção que dedicava ao seu convidado, grande parte dos seus pensamentos se dedicavam a ela. Quando ambos terminaram de comer, a mão dele repousou permanentemente sobre a dela em cima da mesa, os longos dedos acariciando distraidamente as costas da sua mão enquanto conversava. De formas subtis, ele mantinha a intimidade que haviam partilhado no jardim de hera.
Ela foi-se tornando cada vez mais consciente do seu toque e dos seus olhares à medida que a refeição se aproximava do fim. Quando
o salão começou a esvaziar-se e os aprendizes regressaram à loja e os criados aos seus deveres, Christiana notou que a percepção dele em relação a ela se agudizava apesar de nada ter mudado no seu comportamento ou nas suas acções.
John Constantyn não permaneceu durante muito tempo depois de as outras mesas ficarem desertas e Christiana e David acompanharam-no até ao pátio.
- Ver-vos-ei no vosso casamento, senhora - disse John. - É verdade que o rei vai assistir, David?
- Foi o que me disseram. Christiana encontra-se sob a sua tutela.
- Consta que o presidente da câmara vos convenceu a mudar o banquete para a Câmara Municipal.
Christiana tentou não embaraçar David deixando perceber que não sabia nada dos planos para o seu próprio matrimónio. Nunca haiam falado acerca disso. Nunca perguntara, porque nunca tencionara lá estar.
Não podia censurá-lo se ele agora antipatizasse com ela. Talvez fosse, de facto, o caso. Ele jamais lhe daria a perceber. Estava tão encurralado como ela, mas ia tentar tirar o melhor proveito desta situação. Seria apenas isso? Duas pessoas a acomodarem-se ao inevitável?
- Sim. E o presidente da Câmara tornou bem claro que se a família real assistir, todos os vereadores devem ser convidados disse David. - Teremos o banquete oficial e fastidioso do presidente da Câmara, e depois outro aqui para esta zona e para o pessoal da casa. Guardai o vosso apetite, John. Vittorio vai cozinhar no segundo.
John soltou uma gargalhada.
- E o vosso tio Gilbert, David. Também virá?
- Convidei-o. Na verdade, apropriei-me de um pajem real para lhe enviar uma mensagem. A esposa de Gilbert é uma boa mulher e não pretendo insultá-la. Ela fará com que ele venha. - Os seus olhos faiscaram maliciosamente. - A decisão irá deixá-lo louco. Se recusar, perderá a oportunidade de estar junto do rei. Se aceitar, honrar-me-á com a sua presença.
- Sim - concordou John com um sorriso de orelha a orelha.
- O dilema dele podia ser causa suficiente para contrairdes casamento, se o melhor motivo não se encontrasse agora aí ao vosso lado.
Ela decidiu não pensar na forma como David tivera acesso a um pajem real.
Nessa altura, John partiu. O pátio pareceu de súbito muito tranquilo.
O braço de David enlaçou a cintura dela.
- Vinde. vou mostrar-vos a casa.
Visitaram primeiro os estábulos. O seu cavalo negro, sem sela e escovado, permanecia no estábulo ao lado das duas montadas de David. O moço da estrebaria não se encontrava em parte alguma. Ela aproximou-se e acariciou o focinho negro do animal. Supunha que agora já podia dar-lhe um nome, uma vez que ia ficar com ele.
No edifício voltado para a rua viu os quartos usados por Michael, Roger e alguns dos criados. Andrew dormia na loja, ela sabia. Impressionava-a que cada pessoa tivesse o seu quartinho. Os criados deste mercador possuíam mais privacidade do que os nobres à guarda do rei.
Reinava o silêncio no salão. Até mesmo a cozinha ecoava por estar deserta. Vittorio estava de saída com uma cesta no braço. Ia às compras para a refeição da noite. Sorriu com indulgência e afastou-se furtivamente.
Quando David abriu a porta do último edifício, Christiana pensou que provavelmente encontraria ali mais azáfama doméstica. Apercebeu-se, com surpresa, que todas as pessoas haviam abandonado a casa.
Seguiu David até aos armazéns repletos de caixas de madeira no primeiro andar, para lá do antigo quarto da mãe. Christiana sentiu o aroma a canela e a cravo-da-índia. Tapetes, especiarias e sedas. Artigos de luxo. A observação de John havia sido correcta. David conseguiria sempre vender estes artigos. Definiam estatuto e honra, e muitas pessoas limitar-se-iam a comer apenas caldo para os poderem adquirir.
O braço dele rodeava-lhe os ombros enquanto a conduzia de regresso à cozinha. Aquele gesto simples pareceu-lhe subitamente menos descontraído do que antes. Teria ele dispensado todo o seu pessoal ou a sua discrição natural tê-los-ia levado a sair, para que o mestre deles pudesse estar a sós com a sua senhora?
Estavam sozinhos, isso era certo. O silêncio ressoante imbuíra este passeio simples de uma intimidade assustadora. Quando
regressaram às escadas que conduziam ao andar superior e aos aposentos de David, já Christiana ia com os sentidos em alerta.
David começou a conduzi-la pelas escadas acima. Ela mostrou-se relutante no segundo degrau.
O sorriso divertido dele fê-la sentir-se infantil.
- Vá lá, menina - disse, pegando-lhe na mão. - Deveis conhecer a vossa casa.
A mente de Christiana admoestou os seus instintos. Afinal, já estivera
no salão. Em breve estariam casados e, apesar dos avisos de Morvan, ele não interpretara
mal a razão da sua vinda. Permitiu que ele a persuadisse a subir.
À luz do dia, pôde ver a beleza do salão. As janelas envidraçadas de um dos lados tinham vista para o jardim e, no Verão, o aroma das flores sentir-se-ia, com certeza,
naquele compartimento quadrado. David acendeu o lume e ela caminhou pela sala, admirando o mobiliário. Cada cadeirão entalhado, cada peça de tapeçaria, cada artigo,
até mesmo os castiçais em prata, possuía uma beleza própria e característica. Correu os dedos pelo entalhe de hera no cadeirão onde se sentara na primeira noite. O que teria este homem pensado da criança que o enfrentara, com os pés a baloiçar à medida que lhe anunciava o seu amor por outro homem?
Stephen. A recordação dele ainda conseguia provocar nela uma mágoa profunda.
Ergueu os olhos e deu com os de David fixados em si.
- Estes objectos maravilhosos vieram com a casa? - questionou.
- Não.
Também lhe quis parecer que não. Tal como o corte austero das roupas de David, os objectos eram, à sua maneira, perfeitos.
- Deveis passar muito tempo em busca destas coisas.
- Raramente. Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Ela observou uma das tapeçarias penduradas junto às janelas. Soberba. Recordou-se da dependência de Elizabeth no gosto dele. Ele tinha olho para a beleza. Esse atributo concedia-lhe uma vantagem tremenda neste negócio.
Penso que sois a rapariga mais bela que já conheci.
Os olhos dela seguiram lentamente o sinuoso rendilhado em chumbo que unia os vidros nas janelas. Sentia o olhar dele cravado nela.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
Um livro pequeno repousava sobre uma mesinha perto da lareira. Sabia que se o abrisse encontraria iluminuras da maior beleza. Como tudo o resto neste compartimento, seria um objecto de grande requinte.
Quando algo capta a minha atenção, compro-o. Não demora assim tanto tempo.
Duas portas flanqueavam a lareira. Deambulou até à porta da direita e abriu-a. Deu por si na soleira do quarto de dormir dele. Ignorando um vislumbre de inquietação na forma como ele a observava, entrou.
A lareira no quarto dele situava-se na parte de trás da da sala de estar e a janela também dava para o jardim. O quarto estava mobilado de uma forma simples, com uma cadeira perto do lume e uma ampla cama sobre um estrado baixo no centro do quarto. Cortinas azuis escuras rodeavam a cama, formando um dossel, e a parte lateral abria-se para revelar uma sumptuosa colcha a condizer.
Ela caminhou ao longo da parede com vista para o jardim e transpôs uma outra porta na extremidade do quarto. Entrou no quarto de vestir onde se encontravam os baús e cabides para as roupas dele. Havia também uma pequena lareira e uma tina de madeira tal como a de Isabele. Uma porta na sua extremidade conduzia a um guarda-roupa e a uma privada. Um cano num nicho de parede, semelhante a outros que se podiam ver pela casa, fornecia água canalizada.
Ela abriu uma porta entalhada na parede e deu por si no cimo das escadas que conduziam ao pequeno jardim de hera. Para além da sala de estar, esta era a única entrada para o compartimento.
De regresso ao quarto de dormir, olhou em seu redor, tentando acostumar-se a este espaço. David mantinha-se na soleira da porta, o seu ombro apoiado descontraidamente na ombreira da porta. Ela lançou-lhe um sorriso débil, sentindo-se uma intrusa.
- Onde é o meu quarto?
- Estais a referir-vos aos aposentos da senhora? Não existem. Nós os mercadores não vivemos dessa forma. O vosso lugar é aqui,
comigo - respondeu, encaminhando-se para a lareira. Não havia necessidade de atiçar este lume, pois faiscava e crepitava com novos cepos. Fitou as chamas incandescentes e leu o seu significado tremeluzente.
Quem viera preparar este quarto? Geva? David não teria exposto as suas intenções a uma mulher. Devia ter sido Sieg. O enorme sueco fora o primeiro a abandonar o salão. Ela duvidava que David lhe tivesse dito alguma coisa. Ele limitara-se a fazê-lo. Christiana procurou não olhar para a cama ampla que dominava o quarto. Era evidente que Sieg não tinha conhecimento das garantias que David lhe dera no jardim.
Mas não podia ficar ali especada. Procurou algo para onde pudesse olhar.
O salão estendia-se por toda a largura do edifício, tanto sobre o jardim como sobre o pátio. Este quarto não era assim tão amplo, e a parede exterior era sólida.
Vislumbrou uma porta na outra extremidade e dirigiu-se a ela a passos largos.
Assim que viu o compartimento lateral estacou. Era um gabinete de trabalho. Lançou um olhar aos objectos que o preenchiam e apercebeu-se de que agora estava mesmo a intrometer-se. Começou a recuar e foi de encontro ao peito de David. A mão dele pousou sobre a sua e ele abriu a porta com um empurrão.
- Esta casa é vossa - disse-lhe. - Aqui não há portas fechadas para vós.
A sua casa. Desde Harclow que não tinha uma casa. Não uma casa de verdade. Como a família real se movia de um castelo ou palácio para outro, nunca se sentira em casa, nem sequer em Westminster. Durante os onze anos que ali permanecera não fora mais do que uma espécie de hóspede permanente.
Este pequeno compartimento podia não estar fechado para ela nesse dia, mas obviamente que estava para todas as outras pessoas. Nenhuma governanta cuidava deste quarto, e uma fina camada de pó cobria alguns dos objectos nas prateleiras junto à janela alta. O seu olhar recaiu sobre uma pilha de livros e alguns rolos de papel. Uma pequena pintura ao estilo bizantino e uma bela escultura em marfim adornavam um dos cantos, junto de uma antiga harpa de mão, cuja estrutura era embelezada por um intricado entrelaçamento de fios prateados.
A única peça de mobília era uma ampla mesa coberta com pergaminhos e documentos. Havia uma cadeira atrás dela, e sob a mesa Christiana avistou um pequeno baú trancado no chão.
Pelo canto do olho reparou que a parede atrás da porta também continha prateleiras. Voltou-se e assustou-se ao avistar o rosto de um homem que a fitava.
David soltou uma gargalhada e dirigiu-se à prateleira.
- É extraordinário, não é verdade?
Ela aproximou-se, atónita. O rosto do homem estava esculpido no mármore e o seu realismo espantou-a. O escultor que a fizera possuía, certamente, um toque divino. Sombras subtis modelavam a pele com uma tal precisão que parecia que quase se podia tocar naquele rosto e sentir a pele e os ossos por baixo.
- Encontrei-a em Roma - explicou. - Jazia numas ruínas antigas. Levantei uma pequena secção de uma coluna e ela estava lá por baixo. Encontram-se lá imensas estátuas destas. Corpos inteiros, tão reais como este rosto e esquifes em pedra cobertos com figuras que são agora usados para conter água nas fontes. Vi recentemente algumas estátuas na Catedral de Reims que se aproximavam destas, mas nada semelhante a norte dos Alpes.
Reims. Perto de Paris. O que teria ele ido ali fazer recentemente? Que pergunta estúpida. Afinal, ele era um mercador.
- Trouxeste-la até casa?
- Não. Subornei Sieg para que a trouxesse - respondeu com uma gargalhada.
- Pareceis apreciar bastante a pintura e a escultura. Por que razão não vos tornastes num escultor ou pintor?
- Porque David Constantyn era mercador e foi quem ele quem me tornou seu aprendiz. Quando eu era rapaz, por vezes demorava-me diante da loja de um pintor. Observava-os a trabalhar, a misturar as cores e a pintar as imagens dos livros. O mestre não se importava e até me mostrou como queimar madeira para construir as ferramentas de desenho. Mas o destino tinha outros planos para mim, e eu não o lamento.
Ela aproximou-se da mesa. No canto, encontravam-se alguns pergaminhos dobrados e lacrados com um selo exibindo três serpentes entrelaçadas. Sobre eles encontravam-se alguns papéis espalhados, com marcas estranhas. Um deles exibia linhas irregulares ligadas
por curvas com números. Pequenos quadrados e círculos alinhavam-se ao longo de margens serpenteantes. Ela afastou cuidadosamente o olhar. Era um mapa. Por que razão David elaborava mapas?
Hoje não, recordou-se.
Voltou-se e examinou os livros na prateleira alta.
- Posso ver um?
- Qual deles quereis?
- O maior.
David retirou o maior da prateleira e pousou-o sobre a mesa, cobrindo os desenhos crípticos. Christiana sentou-se na cadeira e abriu-o cuidadosamente. Observou, surpreendida, as linhas e os pontos que tinha diante de si.
- É sarraceno, David.
- Sim. As imagens são maravilhosas. Continuai a ver. Ela virou as imensas folhas de pergaminho.
- Conseguis ler isto?
- Alguma coisa. Contudo, nunca aprendi a escrever muito bem essa língua.
- É proibida? - perguntou num tom céptico. Ela sabia que a Igreja reprovava certos livros.
- Provavelmente.
Surgiu uma imagem, e era realmente maravilhosa e estranha. Homens pequenos com turbantes e roupas estranhas moviam-se num mundo desenhado para parecer um tapete.
- Ensinar-me-eis a ler isto?
- Se assim o desejardes.
David pegou na harpa e apoiou-se na mesa ao lado dela, olhando para o livro enquanto dedilhava distraidamente as cordas. O instrumento emitiu um som adorável e lírico. Ela continuou a virar as páginas, lançando ocasionalmente um olhar ao homem que se mantinha agora junto dela, e aos dedos irresistíveis que criavam uma melodia comovente.
Perto do final do livro encontrou algumas folhas soltas cobertas com desenhos a giz. Umas quantas linhas descreviam tendas num deserto e uma cidade junto ao mar. Sabia, sem ter de perguntar, que tinha sido David a desenhá-los.
Por baixo delas, em folhas mais pequenas, surgiam os rostos de duas mulheres.
Uma delas captou a sua atenção. O rosto, belo e melancólico, pareceu-lhe vagamente familiar. Ela apercebeu-se de que estava a estudar a imagem da mãe dele. Era estranho encarar assim uma pessoa falecida, mas examinou o rosto pormenorizadamente.
- Ireis falar-me dela?
- Um dia.
Ela voltou a sua atenção para o outro rosto.
- Quem é? - perguntou, fitando a beleza exótica de uns olhos negros, capturada para sempre com traços finos e cuidadosos. Sabia que estava a ser intrometida, mas não podia ignorar a forma sofisticada como o rosto desta mulher a fitava.
- Uma mulher que conheci em Alexandria.
À semelhança do retrato da sua mãe, havia muito dos sentimentos do artista na forma delicada como esta mulher estava desenhada.
- Estáveis apaixonado por ela? - perguntou, um tanto chocada com a sua própria ousadia, mas não em demasia. A partir do momento em que entrara no quarto dele, David já não lhe era assim tão estranho.
- Não. Na verdade, por causa dela quase fui morto. Mas fiquei encantado com a sua beleza, assim como estou encantado com a vossa.
Algo no tom de voz baixo dele a obrigou a manter-se muito quieta. Christiana ergueu o olhar epercebeu que o olhar dele estava fixo nela e não nos desenhos. Olhava e aguardava. Era perito nisso. Algo nos seus olhos e expressão da sua boca lhe diziam que ele não estava disposto a esperar mais.
Ele viu-a, desejou-a e ofereceu ao rei uma fortuna por ela.
David parara de tocar a harpa. O coração de Christiana batia um pouco mais acelerado no silêncio que de novo se impusera. Silêncio total. Não havia um único som em toda a casa.
Ela regressou ao livro e, muito cuidadosamente, voltou a página, ocultando os esboços. Surgiu um outro desenho, mas ela mal o viu.
- Sabeis que só vi o vosso cabelo solto uma única vez, durante os esponsais? - disse David. Ela apercebeu-se que a mão dele se aproximava mesmo antes de sentir os dedos sobre a sua cabeça. Até mesmo no banho estava preso.
A pressão leve da carícia dele provocou-lhe um tremor por todo o corpo. O banho. O quarto de vestir. As suas mãos e o seu toque.
- Soltai o cabelo para mim, Christiana.
O tom era ao mesmo tempo um pedido e uma ordem. Ela recostou-se na cadeira, afastando-se dele.
Em breve desposaria este homem. Não teria medo dele. Mas a aceleração do sangue nas suas veias e o seu espírito puro gritavam-lhe que devia afastar-se dele agora.
Lançou-lhe um olhar, numa súplica muda para que ele se recordasse da conversa que tinham tido no jardim, para que compreendesse e aguardasse mais um pouco.
- Morvan já deve estar na loja, David. Devo ir ao encontro dele.
- Deixei mensagem de que viríamos para aqui.
- Então o mais provável é estar lá fora à espera. Não entrará. Não devo deixá-lo lá fora.
- Esta janela dá para o pátio. Vede se ele vos aguarda - sugeriu, apontando para a janela.
Ela levantou-se, passou por ele e pôs-se em bicos de pés para espreitar para o pátio deserto.
- Ele não virá. - A voz serena de David pairou sobre as suas costas e ombros. - Ele aceita que vós agora me pertenceis, da mesma forma que vós o aceitais.
Christiana assentou os pés no chão e ergueu o olhar para o céu límpido da tarde. Por um lado, queria desesperadamente voar por aquela janela. Mas o toque dele, as suas palavras e o silêncio expectante daquela casa haviam despertado todos aqueles outros sentimentos, e aquela voluptuosa expectativa dominou-a.
- Por vezes assustais-me - disse ela. - Eu sei que não devia senti-lo e que dissestes que não era temor, mas em parte é, realmente.
David permaneceu em silêncio durante um momento. A casa parecia estremecer com o vazio.
- Sim - respondeu finalmente. - Para uma virgem, em parte é.
Christiana apercebeu-se de que ele se levantara. Sentiu a sua presença atrás dela. Ansiava e ao mesmo tempo receava o toque dele. O espírito dela retesou-se com a tensão, tal como uma corda esticada ao máximo.
As mãos dele seguraram-na pela cintura e Christiana suspirou com o toque de cada um dos seus dedos. David beijou-lhe os pequenos arranhões e depois o pescoço. Ela fechou os olhos, saboreando a deliciosa proximidade do corpo dele.
- Soltai o cabelo, Christiana.
Ela ergueu os braços e procurou desajeitadamente os ganchos que lhe prendiam o cabelo. Desfez as voltas e tranças intrincadas, terrivelmente consciente do quão fraca e vulnerável se sentia, maravilhosamente consciente daqueles dedos que a acariciavam.
As madeixas espessas caíram-lhe ao longo do pescoço e costas, até às mãos dele. Christiana sacudiu a cabeça para soltar a última parte, pousando os ganchos no peitoril da janela.
David aproximou o seu rosto do cabelo solto de Christiana e o hálito dele provocou-lhe um formigueiro no couro cabeludo e no pescoço.
com as mãos, David voltou-a para si e segurou-lhe no rosto com ternura, como se fosse algo precioso e frágil. Beijou-a com suavidade, beijos magníficos e poderosos, e ela estremeceu à medida que a boca dele intensificava a sua tensão e excitação.
Ele prolongou o beijo, envolvendo-a num abraço que a impeliu para o seu calor. Manteve os braços abertos durante um momento de preocupação antes de o aceitar.
A partir desse momento, sentiu uma mudança nele. O beijo aprofundou-se, comandando o desejo dela. A mão dele envolveu-lhe um seio. Ela arquejou e fechou os olhos, aguardando as deliciosas sensações.
Era uma sensação avassaladora. Os seus membros ficaram lânguidos à medida que o calor lhe invadia o corpo. O cabelo macio de David roçava-lhe o rosto à medida que ia descendo para a pele exposta pelo vestido decotado, beijando o contorno dos seios que os seus dedos acariciavam, provocando picos de desejo.
O receio dizia-lhe para o impedir, mas o desejo não permitia. As vagas de prazer convergiram para um rio de águas velozes, e parecia-lhe fútil e impossível lutar contra a sua corrente.
Os dedos dele brincavam com ela, e o prazer dela era quase frenético. Estou a afogar-me, pensou ela quando a boca de David reclamou de novo a sua.
Ele ergueu a cabeça e olhou para ela, observando as reacções da sua noiva ao seu toque. Ela fitou os lábios entreabertos e o olhar profundo e soube que nesse dia não haveria forma de escapar.
Ele começou a guiá-la até à porta do quarto.
Ela recordou-se do local para onde estavam a dirigir-se e daquilo que ele pretendia.
- Eu não... - sussurrou, enquanto dava outro passo.
- Foi para isso que viestes, não é verdade? Para vos certificardes de que este matrimónio não tem de ser assim tão terrível?
Ela resistiu na soleira da porta. A mão dele regressou ao seio dela, os lábios ao seu pescoço.
- Dissestes... dissestes que hoje não iríeis...
- Eu disse que provavelmente não o faria - murmurou ele.
- E menti.
Ele segurou de novo o rosto dela entre as suas mãos.
- A sombra dele paira entre nós e eu quero banir esse fantasma. Hoje acertamos as contas e voltamos a página. Também será mais fácil para vós desta forma.
Ela leu a determinação nos olhos dele.
- Não tenhais receio. Aguardarei até que estejais pronta e me quiserdes. Vai correr tudo bem. vou fazer por isso.
Estou indefesa contra, estes sentimentos, pensou ela. É inútil combatê-los. De qualquer forma, isto é inevitável. Pertenço-lhe para sempre.
Ela voltou a cabeça e beijou-lhe a mão.
Ele ergueu-a nos braços e dirigiu-se ao quarto.

CAPÍTULO 11
Os braços esguios de Christiana rodeavam o pescoço de David e retesaram-se à medida que ele se aproximava da cama.
Vai correr tudo bem. vou fazer por isso. Palavras arrojadas de um homem que já não desflorava uma virgem desde os dezasseis anos. Ainda assim, cumpri-lo-ia. Por muitas mentiras que ele lhe tivesse dito nesse dia, essa não seria uma delas.
Ele deveria ter percebido. Ela é apenas uma rapariga, dissera Andrew. Um minuto são corajosas e no minuto seguinte são tímidas. Recordais-vos?
Ele sentou-se na beira da cama, com Christiana no seu colo. Beijou-a até o braço em redor do seu pescoço afrouxar um pouco.
Inocente e ignorante. Durante o almoço fizera tudo ao seu alcance para não a fitar de espanto. Enquanto comia e conversava, a sua mente voltava a analisar o significado da sua revelação. Talvez tornasse o dia de hoje desnecessário e ele devesse aguardar. Talvez o tornasse essencial. No fim, o seu próprio desejo decidira o caminho a seguir. Não iria deixá-la partir sem a reclamar para si. Ele queria-a e havia apenas uma maneira de a possuir de verdade.
Ela tocou-lhe rosto, hesitante, e o desejo invadiu-o. Beijou-a avidamente e combateu a tempestade cataclísmica que ameaçava desencadear-se sobre ele. Tem de ser lentamente e com simplicidade, recordou a si mesmo mais uma vez.
Acariciou-lhe os seios e, desta vez, quando os braços dela se retesaram, não foi de temor. O corpo dela descontraiu-se de encontro
ao seu. Christiana tentou imitar o beijo intenso dele e experimentou cautelosa e delicadamente. Aquele esforço inexperiente quase o aniquilou.
A satisfação que encontrou na paixão inocente dela surpreendeu-o. Nunca a procurara noutra mulher. Também não deveria ter importância com Christiana, mas tinha. Sentiu o corpo dela a reagir ao seu e escutou a sua respiração acelerada. David deliciava-se com o abraço desajeitado de Christiana e com os seus arquejos amedrontados sempre que as mãos dele desencadeavam uma nova vaga de prazer. Divertia-se com o conhecimento de que, apesar daquilo que acontecera com Percy, nenhum homem para além de si a excitara.
Beijou-a novamente, saboreando o seu gosto suave e o arco complacente das suas costas. A mão dele procurou as fitas do vestido e começou a despi-la.
A virgem retesou-se durante um instante quando sentiu as roupas mais soltas, mas depois observou de olhos brilhantes as mãos dele a libertar o vestido dos braços, baixando-o até à cintura. Os lábios dela tremiam, entreabertos, e os olhos fecharam-se quando ele lhe tocou no seio através da fina cambraia da combinação.
A pequena mão abandonou os ombros dele e acariciou-lhe o peito, e o trovão tentou irromper novamente. Os dedos dela deslizaram sob a aba que ocultava o fecho do seu gibão. Ele observou a expressão circunspecta de Christiana à medida que fazia deslizar a mão desajeitadamente pelo seu peito. Sim, tendo optado por se entregar, a irmã de Morvan Fitzwaryn não iria desempenhar o papel da vítima relutante.
David fez deslizar as alças da combinação e pôs a descoberto os seus belos seios. Seguiu com o olhar o percurso dos seus dedos à medida que delineava os contornos arredondados. A respiração dela tornou-se ofegante, e Christiana ocultou o rosto timidamente no ombro dele.
Era muito bela, pálida e sem uma única imperfeição. A pele de Christiana não era translúcida e branca, como a de tantas mulheres inglesas, mas tinha antes a tonalidade opaca do marfim novo. Era da cor das praias de areia branca que existiam ao longo do Mar Interior. David acariciou-a, tocando ao de leve nos seus mamilos endurecidos, e todo o corpo dela reagiu. com um gemido débil, o corpo de Christiana arqueou-se sob o seu toque. Aqueles botões de um tom
castanho-claro chamavam por ele, convidativos. Baixou a cabeça e beijou suavemente um deles e depois introduziu-o na boca.
Christiana quase saltou dos seus braços.
David segurou-a firmemente e observou o choque atemorizado nos olhos dela. Beijou-a na face para a tranquilizar.
Os seus beijos foram descendo novamente até aquele seio delicado estar de novo na sua boca. Céus, o homem nem lhe devia ter tocado. Nem sequer devia ter pensado nela. Se Idonia não os tivesse encontrado, ele tê-la-ia possuído à força.
Essa imagem formou-se na sua mente, e o seu espírito reagiu com uma onda de fúria protectora, seguida por uma vaga de ternura. Brincou com ela, usando a língua e os dentes, até sentir que ela se pressionava contra a sua coxa, procurando o doce alívio. David inclinou-se para trás e puxou para baixo as colchas. Lentamente e sem artifícios, ele mostrar-lhe-ia a glória do prazer. Desta vez, só ela importava.
David ergueu-se com ela nos braços, voltou-se e poisou-a sobre a cama. Olhos negros, vivos de paixão, fitavam-no cautelosamente. Ele observou-a, nua até à cintura, com as roupas a caírem-lhe em redor das ancas, e pensou em deixar as coisas assim. Ela tinha um aspecto adorável e puro e recordava-lhe as raparigas da sua juventude, deitadas no feno e na relva. Lembrou-se do tapete de hera no pequeno jardim. Se ele vivesse até ao Verão... As noites quentes e estreladas encerravam a promessa de um êxtase especial.
Gentilmente, fez deslizar o cotebardie e a combinação pelas suas curvas esguias.
Christiana mordeu o lábio inferior ao sentir o misto de choque e excitação perante a visão de David a despi-la, e ficou a observar enquanto via surgir o seu corpo desnudado. Depois de lhe retirar a roupa, David desapertou as ligas dos joelhos tirando-lhe as meias com delicadeza.
Um formigueiro de ansiedade alastrou-se dentro dela. O medo não desaparecera completamente. Agia como um condimento naquele caldo de emoções e sensações que fervilhava dentro dela.
David despiu o gibão com um safanão e removeu a camisa antes de se deitar ao lado dela. Christiana observou aquele corpo vigoroso
aproximar-se dela e suspirou de alívio por tê-lo de novo nos seus braços.
Permitiu que as suas mãos acariciassem os ombros e as costas dele, e sentiu estrias e cicatrizes. David regia às suas carícias. O calor vertiginoso e a proximidade dele subjugavam-na. Aquela necessidade estranha e pulsante dominava-a agora por completo, fazendo-a estremecer da cabeça aos pés.
David beijou-a intensamente enquanto a sua mão seguia o tremor, deslizando pelo peito e ventre, chegando às coxas e pernas. As carícias dele, possessivas, ardentes e confiantes, assumiam o controlo de cada milímetro do corpo de Christiana. Ela arqueava-se sob o toque dele e movia-se ao ritmo daquele pulsar profundo e oculto. Tudo começava a conjugar-se em direcção a essa necessidade. A respiração dela, o sangue, a consciência, e até mesmo o prazer, respondiam a essa necessidade.
David envolveu um dos seios com a mão e massajou o mamilo com o polegar.
- Agora vou beijar-vos o corpo todo - disse. - Não vos acanheis. Nada é proibido se nos der prazer a ambos.
E beijou-lhe o corpo todo, pressionando, mordendo e estimulando-o com a boca, revelando novos prazeres e surpresas, e deixando-a sem fôlego. Beijou-lhe o peito, a barriga e as pernas. Até nas coxas a beijou, e depois na suave elevação acima delas, e ela gritou ao senti-lo.
Os lábios dele envolveram um dos seios enquanto a sua mão acariciava o outro, e a excitação transformou-se em frenesim. Christiana agarrava-se desesperadamente às costas e ao cabelo dele, sentindo os músculos tensos sob os seus dedos, e escutando aquela respiração entrecortada.
Ele ergueu-se e começou a despir o que restava das suas roupas. Christiana estendeu a mão para o ajudar e roçou na sua erecção. Sentiu a reacção que provocara no corpo dele e tocou-lhe mais uma vez, corajosamente, enquanto ele arrancava as roupas.
O medo tentou perfurar a barreira de esquecimento que o desejo erguera.
Impossível...
Ele fez regressar a mão dela ao seu ombro e depois acariciou-lhe o corpo, detendo-se nas pernas. Afastando-lhe as coxas, fez
deslizar uma mão sob as nádegas dela, mantendo o braço comprimido contra ela enquanto a sua língua e lábios lhe estimulavam os
seios.
Aquele pulsar estava prestes a culminar numa explosão, obliterando o medo que voltara a surgir. Ela pressionou o corpo contra aquele braço que lhe oferecia algum alívio mas apenas prolongava a tortura. Todo o seu corpo parecia querer mover-se livremente, sem restrições, e ela tinha dificuldade em controlá-lo. Reprimia repetidamente exclamações de abandono que ameaçavam ecoar pelo quarto.
- Não resistais, Christiana - O bálsamo da voz dele submergiu-a. - Os sons e os movimentos do vosso desejo são belos para mim.
Grata, Christiana entregou-se ao delírio. Quando a mão dele avançou, ela abriu voluntariamente as pernas. Não sentia acanhamento nem choque à medida que ele a acariciava, apenas um desejo torturante que seguramente iria rebentar numa explosão de labaredas se não fosse satisfeito.
As sensações deste toque mágico conduziam-na à loucura. As carícias suaves suscitavam picos de prazer. As suas mãos hábeis despertavam uma excitação selvagem e desesperada.
A voz calma de David interrompeu aquela deliciosa angústia.
- Quereis-me agora, Christiana?
Ele tocou-a de um modo diferente e ela soltou um grito. Conseguiu assentir com a cabeça.
- Então dizei-mo. Dizei o meu nome e que me quereis. Christiana escutou, à distância, a sua voz a dizê-lo. A necessidade
frenética tomou totalmente conta dela e as suas ancas ergueram-se para ir ao encontro do corpo que pousava sobre o seu.
Comprazeu-se com a sensação do corpo dele sobre o dela, com a proximidade total dos dois corpos. Deliciou-se com a paixão que transformava o rosto dele à medida que a fitava.
Ele penetrou-a lenta e cuidadosamente e ela maravilhou-se com a beleza do acto. com uma pressão suave e investidas cuidadosas incitou-a a abrir-se. A dor temida acabou por não ser uma dor mas apenas uma tensão momentânea, logo esquecida no maravilhoso alívio que ele provocou ao satisfazer aquela necessidade pungente. Sem pensar, ela moveu-se para ir ao encontro daquela suave intrusão.
Christiana imobilizou-se quando um súbito ardor a deteve. David beijou-a suavemente e recuou.
- E inevitável, querida.
Ele penetrou-a e, por um breve instante, uma dor aguda suprimiu o prazer.
O corpo dele não se deteve e a dor e a sua recordação não tardaram a desaparecer à medida que ele retrocedia devagar e avançava novamente. Era uma sensação desesperadamente
boa. Instintivamente, Christiana envolveu-o com as pernas, mantendo-o mais perto de si, querendo-o todo para si. Encontrou o ritmo de David e acompanhou-o num canto mudo de aceitação.
Nada, nem as canções nem o toque dele ou sequer a lição de Joan a havia preparado para a intimidade que os submergia. Corpos que se tocavam, hálitos que se fundiam, pernas entrelaçadas e a união total... as ligações físicas subjugavam os seus sentidos. De cada vez que ele recuava era uma perda. De cada vez que ele a preenchia, era uma realização renovada. Maravilhada, Christiana suspirava a cada movimento.
David fez uma pausa e Christiana abriu os olhos para dar com ele a observá-la. A máscara de prudência havia desaparecido e aqueles olhos azuis revelaram as profundezas que ele jamais permitia que as outras pessoas vissem. Ela ergueu a mão e tocou no rosto perfeito, depois permitiu que a sua carícia se estendesse ao pescoço e ao peito.
Ele moveu-se novamente e desta vez foi menos gentil. Fechou os olhos como se procurasse conter algo, mas se estava a combater uma batalha, perdeu-a.
- Sim - sussurrou ela quando ele investiu energicamente. Sentiu alguma dor, mas o seu poder despertava-lhe algo na alma. Ela queria absorver a força e a necessidade dele. Queria conhecê-lo assim, sem as suas defesas cuidadosas.
Ele fitou-a directamente nos olhos. E depois beijou-a enquanto se rendia. À medida que a paixão dele se intensificava numa série de fortes e profundas investidas e culminava numa longa e sentida libertação, ela percebeu que tocara a essência dele e ele a sua.
Ela abraçou-o, com os braços a envolver as costas dele e as pernas em redor da cintura, e flutuou naquele silêncio carregado de emoção, sentindo o coração dele a bater contra o seu peito. O seu corpo estava dorido, vivo e pulsante no ponto em que se uniam.
Lentamente, voltou a tomar consciência do quarto à sua volta. Voltou a experimentar a sensação real do corpo dele sobre o seu e o cabelo macio de David no seu rosto.
Continua a ser um estranho para mim, pensou ela, maravilhando-se com esta coisa que podia ligá-la de uma forma indescritível a um homem a quem mal conhecia. Era espantoso e assustador tocar a alma quando não se conhecia a mente.
A ideia de desconhecer uma parte dele pairou em seu redor. Subitamente, sentiu-se muito tímida.
Ele ergueu-se, apoiado nos braços, e beijou-a suavemente.
- Sois maravilhosa - disse.
Ela não percebeu o que ele quis dizer, mas sentia-se satisfeita por o ver feliz.
- É muito mais agradável do que eu pensava - confidenciou ela.
- Magoei-vos no final?
- Não. Na verdade, tenho alguma pena que tenha terminado. Ele acariciou-lhe a perna e afastou-a da sua cintura. Deitou-se
ao lado dela.
- Isso é porque ainda não terminastes. Ela pensou no final dele, quase violento.
- Eu diria que terminámos bastante bem, David.
Ele abanou a cabeça e tocou-lhe no seio. Os olhos dela arregalaram-se numa resposta enérgica e imediata. A mão dele aventurou-se entre as pernas dela. Christiana agarrou-se a ele, surpreendida.
- Ter-vos-ia dado isto antes, minha querida, mas era necessário que me desejásseis da primeira vez - disse ele, à medida que o frenesim se abatia violentamente sobre ela
David tocou e acariciou a pele ainda sensível da sua presença e um prazer selvagem dominou-a por completo. Chamou por ele, pronunciando o seu nome vezes sem conta na sua mente e os sentidos fundiram-se, fazendo com que perdesse o controlo de tudo à excepção daquele esquecimento tão doce, que aumentava a cada minuto.
E depois, quando pensava que já não aguentava mais e que iria morrer ou desmaiar, a tensão eclodiu de uma forma maravilhosa e ela gritou, experimentando uma sensação de êxtase por todo o corpo.
Deixou-se levar pelo turbilhão de sensações com um assombro aturdido até que elas abrandaram e desapareceram.
- Oh, céus - suspirou ela, ofegante e trémula nos braços dele.
- Sim. Oh, céus - concordou David, soltando uma gargalhada e puxando-a para junto de si. Estendeu o braço e cobriu-os a ambos com a colcha, moldando o corpo dela ao seu. O rosto dele repousava sobre os cabelos dela, os lábios contra a sua têmpora. Permaneceram juntos numa tranquilidade calmante.
A intimidade estabelecida durante o acto sexual havia sido assombrosa e forte. Esta proximidade serena era doce e intensa e um pouco constrangedora. No espaço de uma hora havia sido construída uma ligação eterna. Ele apoderara-se dela de uma forma que ela nunca suspeitara.
Ela adormeceu e acordou num quarto envolto na penumbra, com o crepúsculo a penetrar pelas vidraças. Chegaram até ela sons distantes de vozes e actividade. Voltou-se e viu David apoiado num braço, observando-a.
Ele gostava de contemplá-la. Tal como as suas esculturas e os seus livros? Pelo menos era algo. Podia ter sido um homem que não se preocupasse nada com ela.
- Tenho de regressar - disse ela.
- Ficareis aqui esta noite. Acompanhar-vos-ei de manhã.
- Idonia...
- Eu envio uma mensagem a dizer que estais aqui comigo. Ela não se preocupará.
- Irá perceber.
- Talvez, mas mais ninguém o perceberá. Acompanhar-vos-ei ao amanhecer.
Um grito de Vittorio ecoou através do jardim e entrou pelas janelas. Era provável que todas as pessoas da casa soubessem, ou viessem a saber em breve quando percebessem que ela não partiria. Pensou nos olhares de esguelha que enfrentaria destes criados, aprendizes e de Idonia, e até mesmo de toda a corte, se se viesse a saber disto.
- Ficareis aqui comigo - repetiu. Não era um pedido.
Ele levantou-se da cama e encaminhou-se para a lareira. Os seus músculos bem torneados moveram-se quando ele se esticou para alcançar um cepo e o colocou na lareira. À luz do lume, Christiana contemplou o corpo dele, descontraído e sem vergonha da sua nudez, e reparou nos vergões que ele tinha nas costas e que sentira
anteriormente. Marcas de flagelação. Porque teria aquilo? O mestre falecido não parecia ser pessoa para fazer tal coisa. David regressou para junto dela e Christiana ficou a observá-lo, surpreendida pelo prazer arrebatador que sentia só de olhar para ele.
Puxando para trás a colcha, ele lançou um olhar ao corpo dela. Acariciou-lhe as curvas, languidamente, enquanto ela observava o movimento excitante daquela mão.
- Estais dorida, querida? Possuir-vos-ia de novo, mas apenas se não vos magoar.
De novo? com que frequência é que as pessoas faziam aquilo? Apesar da franqueza de Joan, ainda ficara muito por dizer.
A franca declaração de desejo de David fez com que um calafrio lhe percorresse o corpo. Não duvidava da preocupação dele para consigo, mas sabia que a questão também oferecia uma opção.
- Não estou magoada - disse, erguendo os braços para o abraçar.
Durante o fim de tarde e noite David forjou uma corrente de aço invisível que a amarrava a ele. Ela sentiu-o acontecer e interrogou-se se seria algo que ele controlava. Sentia-se envolvida por elos de paixão e intimidade unidos pelo prazer e pela ternura.
Mais tarde nessa noite, enquanto se refastelavam no calor da lareira, ela perguntou-lhe acerca do matrimónio e ficou a saber que a cerimónia também havia sido mudada. Casar-se-iam na catedral, na presença do bispo, e não na igreja paroquial de David.
- Está a ficar muito elaborado - comentou, divertida.
- Não pudemos fazer nada quanto a isso. Assim que o presidente da Câmara descobriu que Eduardo assistiria, foi o cabo dos trabalhos. Eu tinha esperança de que ninguém
viesse a saber e que ele pudesse simplesmente aparecer.
Ele falava do rei de uma forma descontraída. Por que razão hesitava ela em fazer-lhe perguntas acerca dessa relação? Por que razão sentiria que o tema era proibido e que insistir nele seria intrometer-se?
Contudo, sentia que era assim, e esta noite não pretendia bater a portas que ele poderia não abrir. Mudou de assunto.
- David, que mais esperais de mim?
- O que quereis dizer com isso? - A questão surpreendeu-o.
- Tendo em conta o quanto eu era ignorante em relação a isto, não deverá surpreender-vos que eu saiba muito pouco acerca do casamento. Não tive uma educação muito
prática.
- Espero que me sejais fiel. Agora nenhum outro homem vos toca. - O tom firme com que ele disse aquilo espantou-a. - compreendeis isso, Christiana?
- É evidente que sim. Não sou assim tão estúpida, David. Estava a referir-me às coisas da casa. Aqui é tudo tão organizado.
- Ainda não pensei muito nisso.
Então por que razão fostes à procura de uma esposa se não vos havíeis apercebido de que necessitáveis de uma?
- Isabele pensa que esperais que eu trabalhe para vós - disse com um sorriso rasgado.
- Ai sim? Confesso que não me tinha ocorrido, mas é uma boa ideia. Terei de agradecer à princesa. Uma esposa é uma excelente forma de conseguir trabalho gratuito. Obteremos um tear para vós.
- Não sei tecer.
- Podeis aprender.
- Quanto podeis ganhar comigo depois de eu aprender?
- Pelo menos cinco libras por ano, penso.
- Isso significa que em duzentos anos eu terei recuperado o meu preço de noiva.
- Sim. Foi um negócio astucioso da minha parte, não é verdade? Riram-se ambos e depois ele acrescentou:
- Bem, a casa é vossa. Geva ficará muito satisfeita, penso eu. E os rapazes necessitam de uma mãe, por vezes.
- Um dos rapazes é mais velho do que eu, David.
- Não será assim para sempre, e Michael e Roger estão longe de casa e por vezes necessitam da compreensão de uma mulher. E, com o tempo, tereis os vossos próprios filhos.
Filhos. Tudo aquilo que ele mencionara podia ser providenciado pela filha de um qualquer mercador que lhe proporcionasse um dote avultado. Os filhos também. Mas os filhos dela seriam os netos de Hugh Fitzwaryn.
Morvan suspeitava que David pretendia com esta união a linhagem deles para os seus filhos. Estaria certo? Deu por si a desejar que fosse verdade. Explicaria muita coisa, e significava que ela poderia conceder-lhe algo que outra mulher não poderia.
Mais tarde, ela acordou no seu abraço adormecido. Parecia normal estar assim nos seus braços. Permaneceu imóvel, consciente daquela nova realidade e do seu calor.
Como era estranho sentir-se tão perto de alguém com tanta facilidade.
Fiel à sua palavra, ele acompanhou-a de regresso a Westminster ao amanhecer. Ela caminhou através dos corredores de um edifício que agora lhe parecia ligeiramente estranho. Esgueirou-se para a privacidade da sua cama enquanto Joan e Idonia ainda dormiam.
Despertou com uma mão a sacudi-la e fitou o rosto sorridente de Joan.
- Não vindes jantar? Estais a dormir o sono dos justos - disse Joan.
Christiana pensou que faltar ao jantar e ficar a dormir todo o dia se afigurava uma ideia excelente, mas endireitou-se e pediu a Joan que chamasse uma criada.
Uma hora mais tarde, vestida e penteada, sentou-se ao lado de Joan num banco no amplo salão, debicando a comida e observando a cena familiar que agora estranhava. Os seus sentidos estavam simultaneamente alerta e entorpecidos e sabia que aquelas horas passadas com David eram a causa. Joan fez-lhe algumas perguntas acerca da casa de David, e ela respondeu sem convicção, não querendo partilhar nesse momento nenhumas daquelas lembranças.
Por volta do final da refeição, Lady Catherine aproximou-se da mesa delas, os seus olhos felinos a reluzirem. Conversou com Joan durante um bocado e depois voltou-se, com uma expressão graciosa, para Christiana.
- Ides casar-vos em breve, não é verdade, querida? Christiana assentiu. Joan lançou um olhar severo a Catherine,
como se fosse indelicado mencionar esta união.
- Tenho um presentinho para vós. Enviá-lo-ei para o vosso quarto - disse Catherine antes de se afastar.
Christiana interrogava-se por que razão faria Lady Catherine tal coisa. Afinal, não eram boas amigas. Ainda assim, o gesto sensibilizou-a e deixou-a a pensar que Morvan, como sempre, havia exagerado quando a prevenira acerca de Catherine.
Thomas Holland quis falar com Joan e Christiana ficou sozinha. Regressou aos aposentos desertos de Isabele, satisfeita com o isolamento. A rotina da corte pareceu-lhe importuna quando os seus
pensamentos residiam no dia anterior e no futuro. Dirigiu-se ao quarto de Isabele. Quatro dias e parto daqui para sempre, pensou, olhando pela janela. Uma parte dela já tinha partido.
Chegou aos seus ouvidos o som de uma porta a abrir-se. Seria Joan ou Idonia. Não vira a tutora desde o seu regresso. Interrogava-se acerca do que lhe diria a mulherzinha.
Contudo, os passos que avançavam pela antessala não eram de uma mulher. Morvan viera ao seu encontro. Bastaria olhar para ela para perceber. Seria ela suficientemente corajosa para dizer, "Sim, tínheis razão, é algo mágico e eu gostei"? A força dele impusera-se durante anos entre ela e todos os homens, e agora ela havia-se entregado a um que ele odiava.
Os passos aproximaram-se. Estacaram à entrada do quarto.
- Querida - pronunciou uma voz familiar.
Christiana soltou um grito de sobressalto e voltou-se.
Ali, na soleira da porta, encontrava-se nem mais nem menos do que Stephen Percy.

CAPÍTULO 12 Stephen! - exclamou, arquejante. Ele sorriu e avançou na direcção dela, os seus braços estendidos a convidarem-na para um abraço. Christiana ficou a observá-lo aproximar-se
sentindo um misto de surpresa, alegria e fria objectividade. Reparou nos seus músculos vigorosos sob o gibão. Observou a beleza austera das suas feições. O cabelo loiro e a pele clara afiguraram-se-lhe pálidos e vagos comparados com a tonalidade dourada de David.
Não se conseguia mexer. Emoções confusas, horrorizadas e ao mesmo tempo saudosas paralisavam-na. Agora não, clamava a sua alma. Um mês antes, ou daqui a mês, mas não agora. Especialmente hoje.
Braços fortes rodearam-na. Uma boca áspera esmagou-se contra
a sua.
Ela repeliu-o. Os olhos verdes dele exprimiram surpresa, e depois, por breves momentos, algo diferente. Aborrecimento?
- Estais zangada comigo, meu amor - exclamou ele com um suspiro. - Não posso censurar-vos.
Ela afastou-se, apoiando-se na beira da janela. Santo Deus, será que nunca iria ter paz? Encontrara aceitação e contentamento, e até mesmo a esperança de algo mais, e agora isto.
- Porque estais aqui?
- Para vos ver, claro.
- Regressastes a Westminster para me verdes?
- Sim, querida. Por que outra razão? Usei a desculpa do torneio pré-quaresmal.
O torneio estava agendado para começar no dia a seguir ao seu casamento. Stephen adorava aquelas competições. Christiana suspeitava que aquela seria verdadeira razão da sua vinda, mas o seu coração destroçado, que ainda não sarara por completo, persistia na ideia de que ele viera por ela.
A ferida ainda estava demasiado viva, a humilhação ainda demasiado recente, para ela poder rejeitar totalmente a esperança de que ele realmente a amava. A rapariga que havia sido fiel a este homem ainda queria desesperadamente acreditar nisso. O seu coração ansiava por essa garantia.
Contudo, a sua mente aprendera alguma coisa com a agonia que suportara.
- Quando chegastes?
- Há dois dias. Ainda não vos tinha procurado porque estive com o meu amigo Geoffrey. Ele está muito doente com febre. Reside na casa de Lady Catheríne, em Londres.
- Sois amigo de Catherine?
- Nem por isso. Contudo, Geoffrey é - respondeu, dando um passo na direcção dela. - Ela contou-me tudo acerca do vosso casamento com este mercador - acrescentou de modo compreensivo.
- Se Eduardo não fosse meu rei, desafiá-lo-ia por vos ter degradado desta maneira.
Ela observou a sua expressão preocupada. Pareceu-lhe um tanto exagerada, tal como uma máscara que alguém coloca para um festival.
Stephen estendeu a mão e acariciou-lhe o rosto. O seu coração despedaçado, sequioso pelo bálsamo das ilusões renovadas, suspirou; o seu espírito, a sua mente, recordando-se da noite anterior de paixão e dos direitos de David, fizeram com que se afastasse.
- Já sabíeis do meu matrimónio, não é verdade? Enviei-vos uma carta.
- Sabia. Recebi-a, querida. Mas nunca imaginei que o rei fosse com isto avante. E Catherine falou-me da vossa infelicidade e humilhação.
Que simpático da parte de Catherine, pensou Christiana. Por que
razão aquela mulher se intrometia nos seus assuntos? Como é que Catherine soubera da sua história com Stephen?
Joan. As intrigas de Joan. Será que todas as pessoas sabiam? Provavelmente. Estariam todos a observar e a aguardar os próximos Jias, talvez os próximos anos, para ver como é que este drama se iria desenrolar.
- Talvez não devesse ter vindo - murmurou Stephen. - Catherine garantiu-me que ficaríeis feliz por me ver.
- Estou satisfeita por vos ver, Stephen. E pelo menos posso felicitar-vos pelo vosso noivado.
- Ela foi escolha do meu pai e do meu tio, minha querida disse com uma expressão de resignação. - Na verdade, não me agrada nada.
- Ainda assim, ela é vossa esposa, assim como David é meu marido.
- Sim, e despedaça-me o coração saber que não há nada que possamos fazer, minha querida.
Nessa altura, apagou-se uma chama dentro dela, e ela soube que havia sido a última das suas ilusões e sonhos infantis. Não doeu muito, mas uma parte da sua inocência morreu com ela, e sentiu aquela perda amargamente.
Ao longo de tudo aquilo, e apesar ter conhecimento da realidade, acalentara dentro de si alguma esperança. Se Stephen não tivesse regressado, essa esperança teria desaparecido lentamente à medida que ia vivendo a sua vida e vivendo a sua paixão com David, muito à semelhança da maneira como uma pequena poça de água se evapora com o calor de uma tarde de Verão.
E se Stephen tivesse falado de maneira diferente? E se ele tivesse vindo implorar-lhe que fugissem juntos e solicitar que ambos os noivados fossem anulados? Afinal, fora isso que aquela réstia de esperança almejara.
Uma semana antes, tê-lo-ia feito, apesar da desgraça que recairia sobre ela. Até mesmo no fim-de-semana anterior uma tal oferta teria sarado imediatamente a sua dor e banido todas as dúvidas acerca dele.
Agora, todavia, teria sido impossível... Agora...
Uma horrenda compreensão tomou conta dela. A presença de
Stephen foi-se esbatendo à medida que a sua mente considerava as implicações.
Agora era impossível. David havia-se certificado, não era ?
Na noite anterior haviam consumado o matrimónio. Agora nenhuma anulação seria possível, a não ser que o próprio David negasse que aquilo ocorrera. E ela sabia, sabia bem, que ele não o faria, apesar da promessa que fizera na primeira noite.
Espero que me sejais fiel. Nenhum outro homem vos toca agora. Todas aquelas testemunhas... até Idonia e o seu irmão.
Um arrepio sinistro fê-la estremecer.
David soubera que Stephen estava a chegar. Havia perguntado aos peregrinos e aos mercadores. Todavia, não podia saber se Stephen viria para a reclamar. Contudo, preparara-se para essa eventualidade. David assegurara-se, metódica e cuidadosamente, de que ela não poderia partir com Stephen. Se ainda assim o fizesse, apesar das correntes invisíveis forjadas na noite anterior, apesar da desonra e da desgraça, ele possuía a prova necessária para a fazer regressar.
A implacabilidade do facto assombrou-a.
Recordou-se das emoções intensas que sentira na noite anterior. Duas vezes iludida. Mais ilusões infantis. A sua estúpida confiança nos homens devia ser motivo de chacota para eles.
Uma presença cálida perto do seu ombro interrompeu os seus pensamentos. Stephen encontrava-se junto de si, com o rosto muito perto do dela.
- Não há nada que possamos fazer em relação a estes casamentos, querida, mas na vida há o dever e depois há o amor.
- O que estais a dizer, Stephen?
- Não podeis amar este homem, Christiana. Nunca irá acontecer. Ele é de condição inferior e só o toque dele será um insulto para vós. Mas eu posso suavizar a vossa dor, minha querida. O nosso amor pode fazê-lo. Cumpri com este mercador o vosso dever, mas guardai o nosso amor no vosso coração.
Ela queria dizer-lhe o quanto ele estava enganado, o quanto o toque de David jamais a insultaria. Mas que palavras podia usar para explicar isso? Além disso, não estava totalmente segura de que a magia regressasse agora que sabia a razão pela qual ele a havia seduzido. Talvez da próxima vez, na noite de núpcias, ela viesse a sentir-se insultada e usada.
De que estava ela à espera? Afinal, David era um mercador e ela não passava de um bem. Um bem muito dispendioso. Duvidava que o rei Eduardo aceitasse devoluções.
Amor, pensou com amargura. Acreditara que existia ali algum amor. A sua ignorância era espantosa. David estava certo. Ela realmente vivia a vida com a crença de que esta era uma canção de amor. Mas a vida não era assim. Os homens não eram assim.
- Sou uma mulher casada, Stephen. Aquilo que sugeris seria uma desonra.
Ele sorriu-lhe, tal como se sorriria a uma criança inocente.
- O amor nada tem a ver com honra ou desonra. Tem a ver com o facto de nos sentirmos vivos e não mortos. Não tardareis a percebê-lo.
- Espero que não sejais tão audaz a ponto de me pedirdes agora uma prova do meu amor. Caso-me dentro de alguns dias.
- Não. Não concederia a um mercador uma razão para vos censurar ou magoar, embora a ideia de ele vos possuir primeiro me enfureça. Desposai o vosso mercador como é o vosso dever, querida, mas ficai sabendo que estou aqui.
- Sou uma mulher honesta, Stephen. Não me parece que me ameis de todo. Penso que para vós isto não passou de um jogo, e continua a sê-lo. Um jogo onde não perdeis nada, mas onde eu arrisco tudo. Não entrarei nesse jogo no futuro.
Ele começou a protestar e a tentar abraçá-la. O som de passos na antessala deteve-o. Ela voltou-se para a presença recém-chegada.
Santo Deus, será que não havia misericórdia?
Morvan surgiu na ombreira da porta, fitando-os a ambos. Por um horrível momento a sala foi preenchida por uma tensão angustiante.
- Percy, sede bem-vindo - disse Morvan, avançando pelo quarto. - Viestes para o torneio?
- Sim - respondeu Stephen, afastando-se dela.
- Presumo que estais a felicitar-vos mutuamente pelos vossos futuros matrimónios - comentou, lançando um olhar a ambos.
Ela assentiu, num torpor. Não havia razão para tentar justificar a presença de Stephen. Percebeu nos olhos do irmão que ele dera ouvidos à coscuvilhice.
- Há algo estranho no matrimónio da minha irmã, Stephen disse Morvan enquanto se encaminhava para a lareira, - Consta que
o rei a vendeu por dinheiro, e também eu acreditei nisso. Mas ultimamente tenho-me interrogado se não teria sido por outra razão. Talvez procurasse salvar a reputação dela e a honra da minha família e não desgraçá-la.
Ela observou-os enquanto se avaliavam um ao outro. Agora não, Morvan, incitou em silêncio. Já não tem qualquer importância.
- Tenho de ir andando, senhora - proferiu Stephen, dirigindo-lhe um sorriso caloroso. Ela dirigiu-lhe um gesto, impotente, e observou-o caminhar a passos largos pelo quarto.
- Sir Stephen - bradou Morvan a partir da lareira. - Seria imprudente da vossa parte levar isto avante.
- Estais a ameaçar-me? - silvou Stephen.
- Não. Já não me cabe a mim fazê-lo. Estou simplesmente a prevenir-vos como amigo que seria um erro. O marido dela não é um mercador comum. E tenho razões para pensar que sabe bem manejar as adagas que usa.
Stephen exibiu um sorriso afectado e condescendente antes de abandonar os aposentos.
Christiana enfrentou o olhar sombrio e inquisidor do irmão. Ele contemplou-a de cima a baixo e procurou com os seus os olhos dela.
- E costume, minha irmã, que as pessoas aguardem um espaço de tempo conveniente depois do casamento para se encontrarem com os seus antigos amantes.
Ela não teve resposta para aquela calma admoestação.
- E uma vez que passastes a noite na cama daquele homem, agora estais realmente casada.
- David. O nome dele é David. Referis-vos sempre a ele como "aquele mercador" ou "esse homem". Ele tem nome.
Ele observou-a com os olhos semicerrados.
- Tenho razão, não tenho? Dormistes com ele. com David. Era inútil mentir. Ela sabia que ele percebia. Assentiu com a
cabeça, sentindo-se agora menos segura acerca dessa decisão, agora que compreendia as motivações de David.
- Não devíeis voltar a encontrar-vos com Percy durante algum tempo.
- Não forjei o encontro com Stephen.
- Ainda assim, devíeis ter cuidado. Essas coisas são facilmente aceites se a mulher for discreta ou se o marido não se importar, mas
vós não tendes experiência em tais enganos e o vosso mercador não me parece ser do tipo de homem que deseje ter uma mulher adúltera.
- Disse a Stephen que já não estou interessada nele.
- Ele não acredita em vós.
Morvan estava apenas a tentar ajudá-la. Nisto o conselho dele era provavelmente tão sensato como o de qualquer outro homem. Sem dúvida, levara para a cama a sua quota-parte de mulheres casadas.
- Desprezais-me? - perguntou ela num sussurro.
Uma expressão de inquietação surgiu no rosto de Morvan. Atravessou o espaço que os separava e tomou-a nos braços.
- Não. Mas não gostaria que fôsseis a esposa deste homem nem a pega de Percy. Compreendeis-me? E culpo-me por não ter encontrado uma forma de vos afastar daqui.
Ela fitou os olhos escuros dele. Leu neles a preocupação e pensou que a compreendia, em parte.
- Não penso que ser esposa de David seja assim tão mau, Morvan. Ele consegue ser muito amável.
- Bem, pelo menos essas são boas notícias - um leve sorriso trocista aflorou-lhe os lábios. - Sinto-me satisfeito por ele ter talento para algo mais do que fazer dinheiro.
Ela soltou umas risadinhas abafadas. Ele apertou-a com mais força e depois soltou-a.
- Tomai as vossas refeições comigo nestes últimos dias pediu. - Gostaria de passar este tempo convosco.
Ela assentiu e ficou a observá-lo, cheia de tristeza, à medida que ele se afastava.
Christiana nunca duvidou que o irmão pedira a sua comparência durante as refeições porque desejava a companhia dela. Ela deixá-lo-ia em breve, e uma leve nostalgia pairava entre eles naqueles jantares e ceias, até mesmo quando conversavam alegremente à mesa com outros jovens da mesma idade.
Contudo, a presença de Morvan ao seu lado tinha outros benefícios, e ela suspeitava que também lhe teriam ocorrido a ele. Stephen não se atrevia a aproximar-se dela no salão enquanto Morvan andava por perto, e os cortesãos que espreitavam, curiosos, não conseguiam satisfazer a sua curiosidade acerca do estado daquele caso amoroso.
Era do conhecimento geral. Bastava Stephen erguer-se do seu lugar para que lhe lançassem olhares de esguelha, na expectativa de que ele fosse falar com ela. Tornou-se extremamente óbvio que a corte acreditava que um caso amoroso adúltero com Stephen seria, a uma dada altura, inevitável. Ela teve a impressão de que muitos destes nobres aceitavam a ideia com alívio, como se um tal caso amoroso fosse uma forma de redenção para ela. Então, a união com o mercador não passaria apenas de uma formalidade, muito mais fácil de aceitar e de ignorar.
Sim, Joan havia andado a coscuvilhar. Quando Christiana a confrontou, ela admitiu-o de lágrimas nos olhos. Havia sido apenas a uma rapariga, insistiu. Christiana não teve dificuldade em imaginar aquela pequena fuga de informação a converter-se num rio de murmúrios no espaço de algumas horas.
Christiana ocupou os dias que se seguiram com os preparativos para o casamento. Filipa veio aos seus aposentos no sábado inspeccionar o seu guarda-roupa, e ordenou imediatamente que se confeccionassem mais vestidos e meias para ela. Foi igualmente confeccionada uma nova capa. Apareceu também um capelista para que ela escolhesse dois novos toucados. Chegaram baús que seriam recheados com um enxoval de roupa branca e artigos para o lar, para Christiana levar para a sua nova residência.
Ela passou a maior parte do tempo nos seus aposentos tratando de tudo isto, mas a recordação de David não lhe saía da mente. Haviam concordado que ele não viria antes do casamento, pois os preparativos de ambos consumiriam muito tempo, e ele tinha os seus próprios assuntos a tratar. Ainda assim, tinha esperança de que ele a surpreendesse com uma visita. Seria um gesto romântico, mas quando ele viesse não seria por essa razão, embora fingisse o contrário. Tinha esperança de que ele viesse verificar que Stephen não a havia persuadido a fugir ou a fazer algo de desonroso. Ele iria querer assegurar-se de que o seu plano havia resultado.
Mas ele não apareceu. O sábado deu lugar a domingo, que por sua vez se estendeu até segunda-feira. Christiana começou a ficar aborrecida.
Estava certa que David sabia que Stephen havia regressado. Como é que ele podia deixá-la entregue aos seus próprios planos quando outro homem, alguém que pretendia seduzi-la, rondava por
perto? Um homem, além disso, por quem ela havia estado enamorada. Estaria assim tão seguro de si mesmo? Tão seguro de que uma noite podia equilibrar as coisas no coração de uma mulher? Será que ele não pensava na perturbação que a presença de Stephen poderia estar a causar à sua noiva?
Christiana ia ponderando sobre isto ao longo dos dias. Durante a noite, ruminava no assunto com ressentimento. Mas na obscuridade silenciosa da sua cama oculta pelas cortinas, as recriminações conseguiam sempre desvanecer-se à medida que outros pensamentos sobre David a invadiam como um inexorável fluxo de maré. Imagens dos seus olhos azuis e ombros hirtos sobre o seu corpo. O poder da sua paixão aniquilando o seu solícito autodomínio. Os seios dela tornavam-se sensíveis, a zona entre as coxas humedecia-se, e os pensamentos davam lugar a devaneios durante um sono irregular.
Despertava todas as manhãs com a sensação de que havia sido violentada por um fantasma, mas sem ter encontrado a libertação.
David não apareceu, mas vieram outros. Isoladamente ou em grupos de duas ou três, as mulheres da corte abordaram-na.
Sim, Joan havia falado, e não só acerca de Stephen. Afigurava-se-lhe que todas as mulheres se sentiam na obrigação de aconselharem esta jovem sem mãe que, constava, era incrivelmente ignorante acerca da procriação.
Algumas das criadas juntaram-se às senhoras. Enquanto tomava banho no dia do seu matrimónio, a rapariga que a assistia descreveu-lhe com audácia como poderia deixar um homem louco de desejo. Christiana corou até à ponta dos cabelos. Duvidava seriamente que as mulheres nobres fizessem grande parte daquelas coisas, mas reteve as partes mais interessantes na sua mente.
Os preparativos do dia transformavam-se numa festa divertida, com todas as suas amigas em seu redor. Ofereceram-lhe presentes e conversaram enquanto as criadas a preparavam. Filipa chegou para a escoltar até ao salão. A rainha examinou-a minuciosamente e voltou a colocar a capa vermelha sobre os seus ombros. Em seguida, com as filhas ao seu lado, Idonia, Joan e várias outras mulheres, a rainha Filipa desceu com Christiana até ao salão.
Morvan aguardava-as. Envergava um manto formal muito comprido. Usava o cinto de cavaleiro, mas sem espada.
- Vinde - disse, pegando-lhe no braço. - O rei já está à espera.
As portas abriram-se e ela deu um passo em direcção ao exterior.
- Oh, santo Deus - exclamou com um arrepio, imobilizando-se.
- Uma bela visão, não vos parece? - murmurou Morvan num
tom seco.
O pátio estava repleto de cavalos, pessoas e veículos de transporte. Avistou Lady Elizabeth a entrar numa das carruagens cobertas de pinturas, e outros braços femininos que pendiam das suas janelas. Cavaleiros e lordes aguardavam montados em cavalos ataviados para um cortejo sumptuoso. O rei Eduardo, resplandecente num manto vermelho bordado a ouro e montado no seu alazão, aguardava junto à entrada. Uma longa fila de guardas reais mantinha-se à espera.
A presença de tantos cavaleiros e nobres enterneceu-a. Vinham honrar a sua família e, possivelmente, tranquilizá-la. Também vinham pelo seu irmão, e sentia-se grata por isso.
O extenso séquito real, e as instruções evidentes de que todas as pessoas deviam seguir o rei em cortejo, eram outro assunto.
A um gesto do rei, avançaram três carruagens douradas.
- Oh, santo Deus - arquejou novamente, observando a aproximação deste grandioso toque final.
- Sim, uma é para vós. A rainha em pessoa irá acompanhar-vos
- explicou Morvan.
- Esta comitiva estender-se-á ao longo de vários quarteirões. Londres inteira irá assistir a isto.
- O rei honra-vos, Christiana.
Ela desviou o olhar da expressão sorridente de Eduardo e falou em voz baixa na direcção do ombro do irmão.
- Não sou estúpida, Morvan. O rei não está a honrar-me a mim, está a honrar Londres. Não está a conduzir Christiana de Fitzwaryn para desposar David de Abyndon. Está a conduzir uma filha da nobreza para desposar um filho da cidade. Está a converter-me num presente para Londres e um símbolo da sua generosidade para com ela.
Morvan segurou-a pelo cotovelo e incitou-a a avançar.
- Não pode ser desfeito. Deveis ser a filha da nossa mãe nisto e lidar com esta situação como ela o teria feito. Eu cavalgarei ao vosso lado.
Ela permitiu que ele a acompanhasse até à carruagem da frente e ele ajudou-a a entrar.
- Durante todo o tempo vou estar a pensar que não represento o sacrifício da virgem que eles esperam - sussurrou, inclinando-se na direcção dele.
O cortejo partiu em fila do pátio, liderado pelo rei e pelos seus filhos. Quando chegaram à Strand, haviam-se formado densas multidões e no interior dos portões da cidade as coisas pioraram. Os guardas usaram os seus cavalos para manter o povo afastado. Lenta e penosamente, abriram caminho até à Catedral de S. Paulo.
Morvan ajudou-a a descer da carruagem.
- Bem, meu irmão - proferiu enquanto se aproximavam da entrada - Não tendes nada para me dizer? Nenhum conselho? Nenhum sermão para eu me tornar numa esposa obediente e respeitadora? Não há aqui um pai para me admoestar, por isso, cabe-vos a vós, não é verdade?
Ele fez uma pausa junto ao pórtico e lançou um olhar ao portão aberto, na direcção da cavernosa nave já repleta de cortesãos ruidosos e outros curiosos.
- Sim, tenho uns conselhos para vós, mas sermões não. Aproximou-se da orelha dela. - Sois uma bela rapariga. A mulher pode assumir o poder no desejo de um homem, irmãzinha. Usai-o bem e possuí-lo-eis, ao invés do contrário.
Ela soltou uma gargalhada. Sorrindo, apressaram-se pela nave.
David aguardava junto do altar. Christiana sentiu um baque no coração ao vê-lo. A sua aparência era magnífica, perfeita e semelhante à de qualquer um dos lordes na assistência.
O corte elegante do seu manto de veludo azul, longo e cintado, realçava a sua estatura. As mangas justas faziam com que as roupas dos outros homens parecessem ridículas e pouco masculinas, exageradamente largas e compridas. Todo o manto estava debruado a ouro, com bordados dourados ao meio. Christiana perguntava-se quem o teria convencido a concordar com aquilo. Usava uma pesada corrente de ouro sobre os ombros.
Morvan entregou Christiana. Idonia aproximou-se, pegou na capa dela e depois afastou-se. David fitou-a enquanto o ruído da multidão ecoava sob o tecto alto de pedra.
- Sois a rapariga, mais bela que alguma vez conheci - disse, repetindo as palavras que pronunciara no jardim de hera.
Havia vários assuntos sobre os quais Christiana tencionava censurar David, bem como mágoas profundas e inquietações que preocupavam o seu coração. Mas o afecto que aqueles olhos azuis expressavam enterneceu-a e o som da sua bela voz tranquilizou-a. Haveria muito tempo para preocupações e mágoas. Este era o dia do seu casamento e todo o mundo estava a assistir.
Uma hora mais tarde, Christiana emergia da catedral com uma aliança de ouro no dedo e o braço de David de Abyndon em redor da sua cintura. A carruagem aguardava, mas Sieg, parecendo quase civilizado no seu belo manto cinzento, trouxe um cavalo.
- Vireis comigo, minha querida. com estas multidões, as carruagens jamais chegarão à Câmara Municipal.
- Devíeis ter-me avisado acerca de tudo isto, David - disse ela, à medida que o pandemónio se instalava pelo pátio da catedral e pelas ruas em volta. - Assemelha-se ao prelúdio de um sacrifício antigo.
- Eu não sabia, mas deveria ter esperado algo do género. Eduardo adora pompa e circunstância, não é verdade?
Christiana não ficou convencida. Ele parecia saber sempre tudo. Lançou-lhe um olhar de soslaio quando ele a ergueu até à sela e se sentou atrás dela. A sua branda aceitação do comportamento de Eduardo irritava-a, mas por outro lado, não fora ele a ser exibido em público.
- O rei deve ter-vos em grande estima para ter trazido um tal séquito. - Christiana observou com frieza.
- Eu seria um tolo se pensasse que sim. Isto não tem nada a ver comigo ou convosco.
Juntaram-se à multidão de cavaleiros e lordes a cavalo que se moviam letamente em direcção a Cheap. O braço de David rodeava-lhe a cintura e a mão repousava sob a capa. Ela ergueu a mão e tocou no diamante suspenso numa corrente prateada em redor do seu pescoço. Fora-lhe entregue enquanto se vestia.
- Obrigada pelo colar. Condiz perfeitamente com o vestido.
- Edmundo garantiu-me que assim seria. Sinto-me satisfeito por terdes gostado.
- Edmundo?
- O costureiro que confeccionou os vossos trajes de casamento, Christiana. E o vosso vestido de noivado. E a maior parte dos vossos cotehardies e mantos durante os últimos anos. O nome dele é Edmundo. É um dos cidadãos mais proeminentes de Westminster e um homem importante no seu mundo.
Christiana sentiu-se enrubescer. Sabia o nome do costureiro. Limitara-se a esquecê-lo, mas David estava a dizer-lhe que devia conhecer as pessoas que a serviam e não pensar nelas como gente insignificante.
A mortificação não tardou a dar lugar à cólera. Não era do seu agrado que uma das primeiras frases que seu marido lhe dirigisse logo a seguir ao matrimónio fosse esta censura indirecta.
Surgiram-lhe na mente mais razões para se zangar.
- Pensava que iríeis visitar-me - disse.
- Havíamos concordado que não o faria.
- Mesmo assim, pensei que viríeis.
Ela sentiu que ele a observava, mas não disse nada.
- Ele está de regresso à corte - acrescentou. - Mas, como é evidente, sabeis disso, não é verdade?
- Sim.
E foi tudo. Nada de perguntas. Nada mais.
- Não vos interrogastes acerca do que poderia acontecer? inquiriu de uma forma brusca e irritada. - Estais assim tão seguro de vós?
- Se aparecesse seria um insulto para vós. Assumi que a filha de Hugh Fitzwaryn teria demasiada honra e orgulho para abandonar o seu leito matrimonial e correr para os braços de outro homem, especialmente depois de ter percebido a verdade acerca dele.
- Mesmo assim...
- Christiana - interrompeu David num tom calmo, baixando-se para ela o ouvir e roçando os lábios na sua orelha. - Não falaremos disto agora. Não fui porque os meus dias estiveram absolutamente preenchidos com os preparativos para o casamento. Durante os momentos que podia dispensar, tratei de negócios, de modo a poder despender os próximos três dias na cama convosco. E as minhas noites eram passadas a pensar em tudo o que poderia fazer assim que vos tivesse junto a mim.
Ela gostaria de poder ignorar o calafrio de excitação que os seus lábios e as suas palavras haviam provocado, mas o seu corpo também começara a traí-la durante a noite e agora reagia contra a sua vontade.
Ela obrigou-se a recordar do acto de sedução deliberado de David, com o objectivo de reclamar a sua propriedade. Sentiu-se ressentida com aquela autoconfiança.
- O que vos faz pensar que eu vou querer passar os próximos três dias dessa forma? - perguntou.
- Agora sois minha esposa, rapariga. Seguramente sabeis que só tereis opções se eu assim o permitir. - Pressionou os lábios contra a têmpora dela e falou com mais afabilidade. - Vereis que sou um amo muito razoável, minha querida. Preferi sempre a persuasão à autoridade.
Sob o tecido folgado da capa de Christiana, ele ergueu a mão e acariciou-lhe o seio.
O corpo dela estremeceu com uma alarmante onda de prazer.
Christiana olhou nervosamente em redor, para os rostos voltados na direcção deles numa curiosidade sorridente.
Ele acariciou-lhe o mamilo e beijou-lhe a face. Ela sentiu um impulso irresistível de se voltar e de lhe morder o pescoço. Voltou a cabeça e aceitou o beijo intenso que a aguardava e aquelas sensações maravilhosas percorreram-na como um delicioso suspiro de alívio.
Toda a cidade de Londres observava.
- David, as pessoas... elas podem ver... - sussurrou, ofegante, quando ele ergueu a cabeça mas não retirou a mão. Os dedos dele estavam a deixá-la louca.
- Não podem, não. Alguns podem suspeitar, mas ninguém terá a certeza - sussurrou. - Se estais zangada comigo, podeis censurar-me à vontade depois dos banquetes. Prometo escutar muito atentamente e ter em conta todas as vossas críticas. - Beijou-lhe novamente o pescoço. - Até mesmo quando estiver a lamber os vossos seios e a beijar as vossas coxas, prestarei atenção às vossas censuras. Podemos discutir o meu mau comportamento por entre os vossos gemidos de prazer.
Christiana estava já a sentir alguma dificuldade em recordar-se dos motivos pelos quais o queria repreender.
No momento em que sentiu um impulso inexorável de se contorcer na sela, chegaram ao edifício da Câmara Municipal. Não sabia se iria conseguir aguentar-se rias pernas, agora lânguidas, quando ele a pousasse no chão, e isso preocupava-a.
- Isso não foi justo - sibilou.
Ele pegou-lhe na mão e encaminhou-a para o edifício.
- Eu só jogo para ganhar, Christiana, e faço as minhas próprias regras. Não sabeis já disso?

CAPITULO 13
David inclinou-se contra a ombreira da porta do salão, observando, das sombras, os convivas rodopiarem em redor da imensa fogueira no centro do pátio. Casais divertiam-se, dançando juntos em redor do enorme círculo e, mais próximo do centro, um grupo de mulheres fazia uma enérgica actuação. Anne, a mulher de Oliver, liderava o grupo, uma vez que quando a oportunidade e o pagamento eram convenientes actuava como dançarina profissional. Encontrava-se rodeada de criadas e mulheres da vizinhança. No centro de tudo, com o rosto ruborizado de deleite e os olhos cintilantes de prazer, rodopiava a figura elegante de Christiana Fitzwaryn.
As luzes da fogueira pareciam iluminar as mulheres ao ritmo da batida dos tambores. Todo o pátio brilhava à luz daquelas labaredas colossais e dos muitos archotes ao longo dos edifícios e do jardim das traseiras. As chamas tingiam o céu nocturno de cor de laranja e, à distância, provavelmente a casa parecia estar a arder. Sem dúvida os sacerdotes insistiriam que a cena, com os participantes a entregarem-se a todos os pecados mortais, se assemelharia ao próprio Inferno.
O pátio, os jardins e os vários compartimentos da casa estavam apinhados de gente. Havia homens e mulheres empoleirados no telhado do estábulo. À sua esquerda, viam-se diversos casais abraçados num recanto sombrio.
Uma grande gargalhada captou a sua atenção e ele inclinou-se para lançar um olhar ao salão. Os corpos que bailavam afastaram-se
por um momento e David avistou o homem que ria sentado junto ao lume com uma rapariga em cada joelho. Os adornos dourados no seu manto vermelho eram a única prova de que este homem era o rei, pois Eduardo havia-se despojado da sua real figura assim que entrara pelo portão com os seus dois guardas, tendo enviado a família e os filhos para casa a seguir ao banquete da Câmara Municipal. Encontrava-se agora bastante ébrio, e já há algum tempo que os foliões haviam deixado de o tratar como soberano, permitindo que se juntasse à folia.
David voltou a sua atenção de novo para a sua esposa. Gostava de olhar para ela mesmo quando ela estava sossegada, mas a liberdade e o prazer que ela retirava daquela dança deixava-o hipnotizado. Tal como o rei dela, havia sucumbido rapidamente à diversão sem restrições dessa segunda festa, e David regozijava-se ao observar a alegria dela à medida que ela festejava e bebia e trocava gracejos com os vizinhos.
Ela movia-se de uma forma sedutora e lânguida, impregnando esta dança plebeia de uma elegância nobre. Tinha os lábios entreabertos num sorriso sensual à medida que rodopiava pelo pátio, apreciando finalmente o êxtase do movimento que sentira tantas vezes através de outras bailarinas.
Ele observava e aguardava, suprimindo o desejo súbito de caminhar até à fogueira, de a arrebatar nos seus braços e de a levar consigo.
Ele desejava-a. Terrivelmente. Há semanas que a desejava, e â noite que haviam passado juntos apenas intensificara esse desejo. Tinha passado os últimos dias num estado de ânsia permanente.
A inocência de Christiana naquele dia havia-o desarmado de uma forma perigosa. A paixão dela não conhecia defesas, e a sua entrega e aceitação totais haviam aniquilado as suas. Ao contrário das mulheres experientes com as quais geralmente se deitava, na sua ingenuidade, ela não tentava proteger-se das intímidades mais profundas que podiam surgir durante a cópula, não sabia nada acerca de manter a sua essência separada da união, não sabia nada acerca de manter o acto como um simples prazer físico. Christiana havia sentido a verdadeira proximidade e deixara simplesmente que o poder os submergisse. Ele contemplara a maravilha do acto nos olhos de Christiana, sentira o deslumbramento dela no seu abraço ávido e quase a prevenira para ter cuidado, pois ali também podia haver
perigo e dor para ela. Mas não o fez, pois essa intimidade profunda trouxe consigo um conhecimento daquela jovem pelo qual ele ansiava, e no final, também ele se mostrou indefeso contra a magia que não sentia há tantos anos.
O olhar dele seguiu-a e o seu corpo reagiu aos movimentos sedutores da dança dela. Na sua mente, Christiana fitava-o,
tocando-lhe no rosto e no peito e suspirando
um "sim" que exigia a sua entrega total.
Uma figura deambulou diante dele, distraindo-o misericordiosamente dos seus pensamentos acalorados. Morvan bebia vinho à medida que caminhava, observando descontraidamente
as bailarinas.
Os tambores e adufes repercutiram um final delirante e depois a dança terminou abruptamente. Em redor da fogueira, os corpos detiveram-se, ofegantes. Christiana e Anne abraçaram-se com uma gargalhada.
Ela pensava que Anne era a mulher de Oliver. Supunha que teria de lhe dizer a verdade.
Morvan captou o olhar de Christiana e acenou-lhe. Ela dirigiu-se ao irmão com um largo sorriso. Ele inclinou-se e disse algo, e David observou a felicidade e o prazer escaparem-se-lhe do rosto e do corpo como se alguém lhos tivesse arrancado.
Ela lançou os braços à volta dele e falou com seriedade, sem dúvida implorando-lhe que ficasse mais tempo. Morvan abanou a cabeça, acariciou-lhe o rosto e afastou-se.
Caminhou em direcção ao portão. Christiana ficou a vê-lo partir, o seu corpo erecto subitamente sozinho e isolado apesar da multidão que se aglomerava em seu redor. David podia ver a sua expressão serena, mas adivinhava a tristeza nela.
Toda a sua vida, toda a sua família, todo o seu passado estavam nesse momento a abandonar a casa.
Ele afastou-se da ombreira da porta e dirigiu-se a ela. Lançou a capa sobre os ombros, e ela dirigiu-lhe um sorriso débil antes de voltar o olhar para o homem alto que se afastava.
Ele sorriu e abanou a cabeça. Correu atrás de Morvan, chamando-o pelo nome. De certa forma nem acreditava que ia fazer isto por ela. ,
O jovem cavaleiro deteve-se e voltou-se. Regressou e encaminhou-se para David. Enfrentaram-se mutuamente no brilho da fogueira.
- Estais de saída, Morvan?
- Sim. É melhor se eu partir agora. - Lançou um olhar à irmã.
- Deveis vir visitá-la em breve. Ela irá querer ver-vos. - Morvan fitou-o, surpreendido. - A vida de Christiana irá sofrer uma grande mudança e poderá ser duro para ela - prosseguiu David. Não gostaria de a ver infeliz. Vinde sempre que vos aprouver. Esta casa estará sempre aberta para vós.
Morvan pareceu ainda mais surpreendido. Assentiu e sorriu debilmente.
- Agradeço-vos por isso, David. Pelo bem de ambos.
David regressou para junto de Christiana. A capa estava a descair-lhe pelas costas e ele aconchegou-a melhor, cingindo-lhe os ombros.
- O que lhe dissestes ? - inquiriu, com o olhar ainda fixo no irmão.
- Disse-lhe que deve visitar-vos sempre que lhe aprouver.
- Dissestes, David? A sério? - voltou-se para ele com um sorriso luminoso.
A sinceridade da sua surpresa e gratidão transtornaram-no.
- Eu sei que ele é tudo para vós, minha querida. Ele apenas procurou proteger-vos, e não posso censurar nenhum homem por isso. Não interferirei na vossa relação.
Ela encostou-se a ele e fitou-o com uma inocência quase infantil.
- Não é tudo para mim. Já não é assim. Agora existis vós, não é verdade? Temo-nos um ao outro, não é verdade?
Ele abraçou-a e ela pousou a cabeça no seu peito, com o rosto voltado para as sombras que engoliam a figura alta do irmão. David enterrou o rosto na nos seus cabelos sedosos.
Tudo aquilo que ela era, tudo o que era suposto ser, partira através daquele portão. A vida que vivera e nascera para viver, a posição que o sangue lhe garantia, regressava esta noite para Westminster sem ela. Ele não duvidava de que ela compreendia isso. Christiana sabia o que este casamento lhe havia retirado.
Beijou-lhe os cabelos e fechou os olhos. Ele podia devolver-lho. Tudo o que ela estava a perder e mais. Tinha poder para o fazer.
A oferta ainda estava de pé e seria feita novamente, disso tinha ele a certeza.. Tinha apenas de jogar o jogo como planeado, mas alterar a
jogada final. Ele sabia exactamente como fazê-lo. Há semanas que
andava a considerar a possibilidade.
Como se estivesse a ler os seus pensamentos, ela inclinou a
cabeça e olhou para ele.
- Sois muito bom para mim, David. Sei que ireis cuidar de mim e fazer tudo o que estiver ao vosso alcance por mim.
Ele curvou-se para a beijar e os lábios entreabertos dela ergueram-se para ir ao encontro dos dele. Um frémito sacudiu-a e Christiana pressionou-se contra ele enquanto o envolvia num abraço apertado. A mente dele enevoou-se e o autodomínio das últimas horas dissipou-se.
Ela agarrava-se a ele com o mesmo desespero com que ele se agarrava a ela, a boca dela a convidá-lo para o beijo profundo. Talvez fosse o vinho e a dança. Talvez fosse a gratidão relativamente a Morvan. Ele não se importava, aceitaria a paixão dela fosse como fosse.
Permaneceram assim na intensidade do brilho da fogueira, dois corpos moldados um no outro, banindo a separação, os sons da festa ecoando em redor deles. Ele beijou-a repetidamente, desejando possuí-la, absorvê-la para dentro de si.
Conseguiu reunir forças para afastar a boca.
- Vinde até lá cima comigo - sussurrou, com o rosto mergulhado no pescoço dela, enlouquecido pelo seu odor.
- Sim - disse ela. - Agora.
Ele virou-a sob o seu braço enquanto a beijava novamente. De alguma forma, encontrou o caminho através do pátio, entrou no edifício e subiu as escadas. Um grupo de foliões saiu discretamente do salão quando o casal se aproximou, e ele fechou a porta atrás deles com um pontapé.
Ao chegarem ao quarto, David retirou as capas de ambos e caiu na cama com ela, cobrindo-a com o seu corpo, sentindo o corpo dela render-se submissamente a ele. A mente dele não se concentrava em mais nada a não ser o toque e o odor dela. Tentou conter-se, tentou acalmar a terrível tempestade que o dominava, mas o beijo profundo e penetrante que ele lhe deu tornou-se feroz e faminto quando Christiana segurou a cabeça dele entre as suas mãos e o impeliu mais para junto de si.
David conseguiu retirar-lhe o casaco sem o rasgar, mas os atilhos do cotehardie constituíam um desafio para os seus dedos experientes. Puxou pelo nó enquanto beijava e mordiscava os seus seios. Finalmente, numa furiosa frustração, afastou-se, voltou-a ao contrário e encarou o nó recalcitrante.
- Ficai quieta - murmurou, retirando a sua adaga e afastando num piscar de olhos a obstrução à paixão. - Ajoelhou-se e fez deslizar a lâmina sob os atilhos. - É um velho truque praticado nos casamentos. As vossas criadas fizeram um nó que não pode ser desfeito.
Ela riu-se de uma forma maravilhosa, lírica, e depois voltou-se, divertida, alegremente a retirar o vestido. Assim que o fez, ajoelhou-se e voou para os braços
dele, como se aquela separação tivesse durado uma eternidade.
Nesse momento, ele perdeu-se. Num frenesim de carícias e beijos, conseguiram retirar as roupas dele. com exclamações, arquejos e gargalhadinhas de êxtase, as mãos dela encontraram as dele no cinto e na camisa e finalmente precipitaram-se acaloradamente sobre a pele dele. Ele retirou-lhe a combinação pelos ombros, descobrindo-lhe o seios, e inclinou-a para trás de modo a poder deliciar-se com aquela agradável suavidade.
Os gemidos de Christiana perturbaram-no, destruindo o último resquício de autodomínio. Puxou-lhe o vestido até às ancas e sentiu a humidade da excitação dela.
- Prometo que vos concederei um prazer lento mais tarde disse, enquanto a deitava. - Durante toda a noite, se assim o desejardes. Mas agora não posso esperar, querida.
Abriu-lhe as pernas e ajoelhou-se entre elas. Ela contemplou-o, os seus olhos negros repletos de estrelas.
Ele fitou o rosto adorável de Christiana e os seus seios alvos e redondos. O vestido estava amarfanhado na cintura e as meias ainda lhe davam pelos joelhos. David
puxou o vestido mais para cima, expondo as ancas e a barriga de Christiana. Tocou naquela carne pulsante e intumescida entre as suas coxas e observou o prazer que a invadia.
As fantasias do desejo dele instavam-no, implacáveis. Apesar da ignorância dela e da necessidade dele, David não conseguia resistir a todas elas. Dobrou-lhe as pernas de modo a que ela ficasse erguida
e aberta para ele. A respiração entrecortada de Christiana irrompeu nela neblina que o envolvia e David lançou-lhe um olhar e avistou o lampejo de cautela e surpresa nos olhos dela.
- Não tenhais medo - disse enquanto lhe erguia as ancas. - Quero beijar-vos toda. Só isso.
Ele sabia que não conseguiria entregar-se a este prazer por muito tempo. O seu próprio corpo não lho permitiria. Nem o dela, pelo que se veio a revelar. Ela contorcia-se e gritava devido ao choque e intensidade que este novo prazer lhe provocava, e David não tardou a sentir as primeiras contracções do clímax dela.
Deteve os beijos e deitou-se sobre ela levando as pernas dela com ele, instalando-as nos seus ombros. Ela agitou-se frustrada por ele a ter levado ao limiar do precipício e não ter continuado.
- Em breve, querida, prometo. Fá-lo-emos juntos - disse num tom tranquilizador, e, erguendo-se, penetrou-a com uma única investida.
O corpo dele estremeceu devido ao prazer agonizante do momento, mas o estremecimento só por si restituiu-lhe algum autodomínio. Estendeu os braços e acariciou-a, experimentando a sensação intensa de estar prestes, ele próprio, a atingir o clímax.
Ela observava-o enquanto ele se movimentava, as mãos dela, ávidas e acolhedoras, acariciando os seus ombros e peito. Os seus olhos brilhantes e os suspiros suaves mostravam a David que ele preenchia outras necessidades dela para além das do corpo. As emoções emanavam dela, pairavam junto a ele e envolviam-nos a ambos, da mesma forma que os seus braços e pernas haviam estado entrelaçados poucos momentos antes.
David sentiu que o corpo de Christiana se retesava, perto do clímax. O seu próprio controlo começou a ceder. Passou a mão entre os seus corpos, procurando conceder-lhe a tão desejada libertação. Frenética ela agarrou-se a ele, erguendo energicamente as ancas de encontro às suas investidas, arrastando-o com ela para aquele delicioso esquecimento.
David raramente procurava um alívio mútuo. Na verdade, evitava-o. Agora, à medida que a paixão de ambos atingia o auge e os consumia a ambos, ele sentiu o êxtase de Christiana no momento em que o seu próprio explodia dentro dela. Durante um sublime
instante, os relâmpagos daquela tempestade fundiram-nos numa plenitude completa.
Quando terminaram, ele pôs-se ao lado dela, beijando-a suavemente enquanto lhe estendia as pernas, permitindo a si mesmo apreciar a gloriosa expressão no seu belo rosto. Deitou-se de costas, puxando por ela ao fazê-lo para a deitar sobre si. Manteve-a ali, a cabeça dela no peito dele as pernas a envolver-lhe as ancas, observando o percurso da sua mão enquanto acariciava as suas costas pálidas.
Algum tempo depois, ela ergueu a cabeça e inclinou-a pensativamente.
- Estou a ouvir alaúdes - disse.
- Lisonjeais-me.
Ela soltou uma risadinha abafada e bateu-lhe no ombro de uma forma brincalhona.
- Não, David. Estou mesmo a ouvir. Escutai.
Ele concentrou-se e escutou os tons líricos entre o ruído distante da festa. Afastou-a de si, levantou-se da cama e desapareceu no quarto de vestir.
Chnstiana aguardou, pairando ainda na maravilhosa magia da paixão deles. Pareceu-lhe que o som dos alaúdes se intensificara.
Ele regressou e retirou a colcha da cama.
- Estão aqui por vós. Deveis agraciá-los com o vosso reconhecimento.
Ele colocou a colcha quente sobre os ombros, e ela levantou-se e juntou-se a ele no seu casulo acolhedor.
A porta das escadas que conduzia ao jardim de hera estava aberta, e eles dirigiram-se ao patamar de pedra. David ergueu-a e sentou-a no muro baixo do patamar, aconchegando bem a manta em redor das suas pernas.
Lá em baixo, no minúsculo jardim, conseguia ver quatro homens com alaúdes. Cantavam versos poéticos de uma canção de amor. Ela reconheceu o tom grave de Walter Manny.
- Quem são os outros? - sussurrou.
- São todos de The Pui. É uma tradição quando um deles
se casa.
Tocaram outra canção. Archotes iluminavam o jardim principal, mas aqui os cantores eram apenas formas negras nas sombras. Acima
deles, o céu nocturno límpido reluzia com centenas de estrelas. David mantinha-se ao lado dela, segurando-a sob a colcha, afagando o seu cabelo com o rosto. Havia algo de incrivelmente romântico no facto de estarem ali juntos na noite fria com a intimidade da paixão ainda a pairar sobre eles enquanto a música tocava.
Walter cantou a canção seguinte sozinho. Possuía uma melodia lenta e suave que ela já havia escutado antes. Era a canção que David entoara naquela tarde no salão, aquela que ela achara tão triste nesse dia. Agora apercebia-se de que não era triste de todo, apenas suave e bela. Naquele dia deixara-a a pensar em Stephen, e nem sequer havia reparado nas palavras, mas desta vez escutou atentamente.
Não era de todo uma trova de amor, mas antes uma canção em louvor de uma mulher e da sua beleza. As palavras falavam de membros elegantes e porte nobre. O cabelo dela era negro como a noite aveludada, a pele como um raio de luar, e os olhos como os diamantes das estrelas...
Ela manteve-se muito quieta. Escutou o resto da bela canção que a descrevia. David escrevera aquilo. Havia-a tocado nessa tarde no salão para ela, e ela nem sequer a escutara.
A voz de Walter e o alaúde silenciaram-se quando teminou a melodia. Christiana lançou um olhar à sombra do homem ao seu lado. O seu coração rejubilava de alegria e orgulho por ele a ter honrado desta forma, há tanto tempo, mesmo quando ela o tratava tão mal.
- Obrigada - murmurou, esticando-se para lhe beijar o rosto. Escutaram mais algumas canções, e depois os quatro músicos
avançaram e fizeram uma vénia.
- Obrigada, Walter - agradeceu baixinho.
- Minha senhora - respondeu, e as sombras engoliram-no.
- Que tradição maravilhosa - disse ela a David enquanto regressavam para a cama. - Já fizestes isto?
- Sim. Já tive o meu quinhão de noites passadas ao frio em jardins a cantar para mulheres recém-casadas. Ficamos até ela nos dar a entender que nos escutou. Ocasionalmente, o noivo está tão entusiasmado na cama que demora horas. Depois disso, fazemo-lo pagar caro.
Ela soltou uma gargalhada e encostou a cabeça ao seu ombro.
- Foi um casamento maravilhoso, David. - Pela janela aberta ainda penetrava algum estridor da festança que prosseguia lá fora
e lá em baixo. - Diverti-me imenso. Annee diz que eu danço muito bem para uma amadora. Ela disse que me ensina mais se eu quiser.
- Se vos dá prazer, deveis fazê-lo.
- Gosto dela. Também gosto de Oliver. É um velho amigo vosso?
- Amigo de infância.
- Estão casados há muito tempo?
Uma expressão peculiar surgiu no rosto de David. Estava tão belo nesse momento, com o cabelo castanho dourado a cair-lhe sobre a fronte e os olhos azuis penetrantes a fitá-la.
- Christiana, Oliver vende mulheres. Vivem juntos, mas Anne não é esposa dele. É uma das suas mulheres.
- Estais a dizer-me que ela é prostituta dele ? Anne é prostituta ? Ela faz isto com estranhos por dinheiro? Ele permite-o e ainda lhe arranja homens?
- Sim.
- Como pode fazê-lo? Parece preocupar-se com ela, David. Como é que...
- Na verdade, não sei.
Ela imaginou Anne, como os seus belos cachos castanhos e um rosto adorável, embora mundano.
- Deve ser horrível para ela.
- Suspeito que se deverá alhear quando está lá com eles.
Era possível fazer-se aquilo? Unir-se assim a outra pessoa e não se importar com aquilo, nem sequer sentir nada? Ou apenas retirar prazer, sem qualquer interesse pela pessoa em questão? Era uma ideia triste e assustadora.
Ela voltou a cabeça e lançou um olhar à cúpula de tecido azul acima deles, sentindo compaixão por Anne e já algum desagrado em relação a Oliver por esperar tais coisas dela. É verdade que eram pobres, mas decerto haveria alguma outra
forma de resolver o problema.
E contudo, tinha de admitir que as relações sexuais podiam obviamente acontecer de todas as formas possíveis e pelas mais variadas razões. Na verdade, ela suspeitava
que o amor não tinha nada a ver com aquilo, especialmente para os homens. Afinal, o desejo que ela e David partilhavam era essencialmente físico, não era? Para ele, era mesmo só isso. E outras mulheres tinham estado ali, onde ela
estava agora, vivendo as mesmas experiências. Havia-as desejado, e aeora desejava-a a ela. Quem desejaria ele a seguir?
A magia e a maravilha pareceram-lhe subitamente menos especiais.
Duraria muito, este desejo? Talvez, se um homem despendesse mil libras por uma mulher, se sentisse na obrigação de a desejar por muito tempo. Mas quando o desejo desvanecesse, o que lhe restaria a ela? Uma casa e talvez alguns filhos. Não é que fosse pouco, mas ela queria mais.
O reconhecimento desse facto assustou-a e Christiana nem sequer compreendia os sentimentos que revelava. Contudo, compreendia que podia haver perigo nesta cama com este homem, e a hipótese de uma desilusão bem maior do que a que conhecera com Stephen Percy.
Um estranho vazio apoderou-se dela. Era como uma solidão desolada, apesar do homem que a abraçava. Vivera uns momentos maravilhosos durante aquelas últimas horas,
rindo e dançando, subjugada pela paixão mútua. Os momentos passados junto a ele, lá fora, enquanto escutavam as canções de amor haviam sido tão românticos. Apercebeu-se com pesar que havia estado a construir insensatamente outra ilusão, outro sonho.
Ela sentiu-o mover-se e em seguida aqueles olhos azuis estavam pousados nela, observando-a.
- Em que estais a pensar? - questionou David. Não sabeis? Quis perguntar. Sabeis sempre.
Encontrou o olhar dele e compreendeu que ele sabia. Pelo menos em parte.
- Estou a pensar que há algo mais em tudo isto do que a minha compreensão alcança. - com um gesto, abarcou a cama. - Deveis considerar-me muito infantil e ignorante comparada com as outras mulheres que conhecestes.
Mulheres belas. Mulheres mundanas. Mulheres experientes. Jamais conseguiria competir com elas. Nem sequer sabia como. Por que razão a teria ele desposado?
A mão dele acariciou-lhe a face e voltou o seu rosto para o fitar.
- Agradais-me muito, Christiana.
Sentiu-se um pouco melhor com essas palavras, mas não muito.
- Alicia era vossa amante, não é verdade? - inquiriu bruscamente.
- Sim. Mas está terminado.
- Também houve outras. Algumas que eu conheço e que me conhecem - disse sem qualquer expressão.
Ele limitou-se a fitá-la.
- Elizabeth? - questionou, pensando naquela mulher requintada e encantadora e sentindo uma enfurecedora pontada de ciúme. Ninguém jamais poderia competir com Elizabeth.
- Elizabeth é uma velha amiga, mas nunca fomos amantes. Uma indignação protectora substituiu imediatamente o ciúme.
- Por que não? Sois melhor do que muitos homens a quem ela esteve ligada. E aquele lorde que ela desposou é idoso e mal-parecido.
Ele riu-se.
- Agora estais Zangada, com ela por nunca termos dormido juntos? Não, não houve qualquer insulto nisso. Elizabeth gosta dos amantes bem jovens.
- Vós sois jovem.
- Não o suficiente. Ela gosta deles ainda inexperientes. Pretende influenciá-los.
- Jovens como Morvan?
- Sim.
Ela ficou a pensar naquilo e naqueles meses em que Morvan acompanhava Elizabeth. Fora muito tempo para ele. A preocupação com o irmão distraiu-a das preocupações acerca de si mesma.
- Sabeis algo acerca deles e do que aconteceu? Algumas pessoas na corte pensaram que eles se casariam, mas depois, de repente, acabou. Morvan nunca falou comigo acerca disso.
Ele lançou um olhar à almofada durante um momento e ela percebeu que ele sabia.
- Oh, por favor, David, dizei-me - pediu. - Afinal, ele é meu irmão. Sou muito discreta, sabeis. Sou a única mulher na corte que nunca se entregou a mexericos.
- Uma virtude rara que não devo corromper.
- Sempre escutei, mas nunca repeti o que ouvi - disse.
- Elizabeth não desposou o vosso irmão porque ele nunca a pediu em casamento. Ela amava-o, mas ele não a amava. Pelo menos,
não da forma que ela desejava. Elizabeth jamais se ligaria a um amor desigual como esse. Depois há a questão de ela ser infértil. Sabe que o é desde muito jovem. É por isso que os homens mais velhos a desejam. Já possuem os seus herdeiros. Um dia o vosso irmão irá ser de novo lorde de Harclow e pretenderá ter um filho.
- Não, David, não me parece que ele vá sê-lo. O rei jurou que iria fazer os possíveis por isso, mas esqueceu-se.
- Os homens não esquecem os juramentos que fazem.
O que mais saberia David acerca das pessoas com quem ela havia passado a sua vida?, pensou. Talvez, se ela provasse ser muito discreta, ele algum dia lhe contasse. Estar assim a conversar no calor da cama era muito aprazível e aconchegante. Quando ele se encontrava de pé e a caminhar de um lado para outro, ainda permanecia um mistério para ela, mas a intimidade daquele momento baniu temporariamente essa sensação.
- Fiquei surpreendida por o rei vir esta noite - disse ela, interrogando-se até onde poderia ir neste clima de boa disposição.
- Até mesmo os reis gostam de se divertir. Ser uma personalidade real pode ser algo muito entediante, e Eduardo ainda é jovem. Não é muito mais velho do que eu.
- Parece conhecer-vos bem.
- Somos aproximadamente da mesma idade, e ele sente-se mais confortável comigo do que com os dignitários da cidade, que são muito formais com ele. Fiz-lhe alguns favores. Encarrega-me de algumas missões, principalmente para a Flandres. Transportei cartas para o governador de Ghent em várias viagens.
- Ainda fazeis isso? Essas missões?
- Sim. Algumas das viagens que faço são a mando de Eduardo.
Era isso. Ela sorriu perante a sua tola hesitação. Devia ter perguntado mais cedo. Tudo fazia sentido e era perfeitamente inocente. Ainda assim...
- São, perigosas, essas viagens?
- Não têm sido.
Não era o mesmo que responder com uma negativa, todavia decidiu não insistir.
Aninhou-se ao corpo dele, desfrutando do calor do braço dele à sua volta. Pensou nalgumas pessoas que conhecera no banquete da
Câmara Municipal. Recordou-se em especial de Gilbert de Abyndon, um homem de lábios finos e cabelo grisalho, que tentara ignorar a presença de David até mesmo no momento em que estava a apresentá-la.
- Gostei de Margaret, esposa de Gilbert. Penso que ela e eu podemos vir a ser amigas. Pensais que ele o permitiria?
Na verdade, ela pretendia saber se David o permitiria. Margaret não era muito mais velha do que ela própria, e era uma mulher agradável de cabelo loiro. Ambas haviam apreciado o encontro e a conversa, embora os seus maridos tivessem permanecido imóveis como sentinelas.
- Muito provavelmente. Gilbert é muito ambicioso. Irá tolerar o vosso casamento comigo devido à vossa condição nobre e às vossas ligações com a corte. Tal como a
maioria dos mercadores abastados, ele pretende elevar a sua família à pequena nobreza.
- Ainda assim, ele pode opor-se a que ela me visite. É óbvio que existe ódio entre vós.
Aquele comentário deixou-o silencioso durante algum tempo. Christiana voltou-se e viu-o a observar o dossel azul, um pouco à semelhança do que ela fizera na noite anterior. David fitou-a com um brilho no olhar. Teria ficado enfadado com a simples menção do tio? David beijou-lhe o cabelo como que para a tranquilizar.
- Odeio-o por aquilo que ele fez à minha mãe, e ele odeia-me porque eu estou vivo e uso o nome de Abyndon. Ele é o pior da nossa geração, minha menina. Opinioso e intransigente. É uma pessoa pedante e frequenta a igreja todas as manhãs antes de passar o dia a amaldiçoar as pessoas. Se ele tivesse estado nesta casa hoje, não teria visto alegria e bem-estar, mas apenas pecado e fraqueza. Se pretendeis ser amiga de Margaret, deveis saber disto, porque este é o homem a quem ela está ligada. Afortunadamente, pelo bem dela, o seu marido idoso falecerá em breve.
Ela pestanejou perante estas últimas palavras. Desejar a morte de outrem era algo terrível. A forma fria como ele o disse surpreendeu-a ainda mais.
- Precisamos de encontrar uma criada que vos ajude com as roupas - acrescentou. - Geva disse que quereríeis ser vós mesma a escolher a rapariga. Dentro de poucos dias, ide visitar Margaret e pedi-lhe ajuda com isso. Vede se Gilbert o permite.
David acariciou-lhe o cabelo e o ombro, e Christiana comprimiu-se contra o corpo dele à medida que o calor das carícias faziam despertar a sua pele. Ela suspeitava que ele queria fazer amor novamente. Aguardou que ele tomasse a iniciativa e ficou surpreendida quando David começou a falar e a sua voz suave flutuou até ao seu ouvido.
- Os meus tios Gilbert e Stephen já deviam ter uns vinte anos quando a minha mãe ainda era uma menina. Idade suficiente para perceberem o que ali tinham assim que ela perfez os catorze anos. Era bela. Perfeita. Até mesmo quando faleceu, apesar de tudo, continuava a ser bela. Os irmãos dela viram no casamento uma oportunidade. Tinham tudo planeado. Pretendiam, como primeira opção, desposá-la com um nobre. A segunda opção era um mercador pertencente à Liga Hanseática. Em terceiro lugar, um homem da pequena nobreza. Destinaram um dote chorudo e começaram a exibi-la diante desses homens. Levavam-na com eles a todos os banquetes, vestida como uma senhora.
- E funcionou?
- Funcionou. John Constantyn contou-me aquilo que ela não me disse. Começaram a chover ofertas. Gilbert e Stephen começaram a discutir o casamento que seria melhor para eles, evidentemente, não para ela. Tornaram-se muito espertos e atiçaram uns contra os outros.
- Ela recusou a opção deles? Foi por isso que...
- Pior do que isso, tal como o meu corpo ao vosso lado o confirma. Não foram suficientemente cuidadosos com ela. Os pais deles já haviam falecido, e as criadas que a vigiavam eram demasiado indulgentes. Ela apaixonou-se. O homem desapareceu muito antes que ela se apercebesse que estava grávida.
- Seria um dos pretendentes?
- Aparentemente, não. Ainda assim, os irmãos procuraram resolver a tragédia à maneira deles. Quiseram saber o nome dele de modo a forçarem um casamento, mas ela não o revelou. Gilbert tentou que ela o confessasse, batendo-lhe, e mesmo assim ela não o fez. Assim, encontraram outro marido para ela, disposto a aceitá-la sob aquelas circunstâncias, e que quisesse realizar um casamento rápido.
Christiana sentiu-se constrangida. Recordou-se da primeira noite na sala de estar de David e de ele lhe perguntar se ela estava de
esperanças. Devia ter pensado que era a mesma história, e que ele era o outro homem cujo casamento rápido encobriria o erro de uma rapariga.
- Ela não o quis aceitar - prosseguiu. - Estava certa de que o seu amante regressaria. Dirigiu-se ao sacerdote e explicou que não queria casar-se.
Mais corajosa do que eu, pensou Christiana. Meu Deus, o que se teria passado na mente de Davidna noite em que o enfrentara diante da lareira?
- O que fizeram eles ?
- Mandaram-na para longe. Temos alguns familiares em Hastings e eles enviaram-na para lá. Gilbert ordenou-lhe que se livrasse da criança quando esta nascesse. Se ela não obedecesse, deixariam de a sustentar e seria como se ela estivesse morta. Não deveria regressar a Londres sob circunstância alguma.
- Mas ela ficou convosco e regressou.
- Ela tinha a certeza de que o seu amado regressaria, e ele não saberia onde procurá-la se ela não estivesse aqui. Por isso, não tardou a regressar. De alguma forma, conheceu Meg e começou a trabalhar como lavadeira. Meg foi a parteira quando eu nasci. Naqueles primeiros anos, vivíamos num pequeno quarto atrás de um estábulo junto ao rio. Para além de Meg e dos outros trabalhadores, eu era o único companheiro da minha mãe. Gilbert e Stephen nunca a viram e, fiéis à sua ameaça, nunca lhe deram um tostão. Ela podia ter morrido à fome que eles não teriam sabido nem se importavam.
- E vós? Sabíeis quem ela era, tínheis conhecimento deles?
- Só quando fiz sete anos. Comecei a ouvir falar destes homens com o mesmo nome da minha mãe e fui-me apercebendo de algumas coisas. Nessa altura, Stephen começou a fazer carreira como político na cidade. E nessa altura eu já sabia que era um filho bastardo. Os outros rapazes encarregaram-se de mo fazer saber. Alguns anos
mais tarde, ela converteu-se na governanta de David Constantyn e as coisas melhoraram, embora Gilbert e Stephen nunca lhe tivessem perdoado por tê-la auxiliado.
A infelicidade dela era o preço pelo seu pecado contra Deus e contra eles. Principalmente contra eles.
Ele contara esta história de uma forma simples e calma, mas ela pressentia que havia muitos outros pensamentos ligados a esta narrativa, e que alguns deles lhe diziam respeito a ela.
Recordou-se do esboço do rosto da mulher que vira e, olhando Uara a constituição perfeita de David, conseguia ver nele a mãe. Mas outro rosto contribuíra para estes
traços e aqueles olhos profundos, num rosto desconhecido.
- Qual era o nome dela? O nome da vossa mãe.
- Joanna.
- E o vosso pai, conhecei-lo?
- O único pai que alguma vez conheci foi o meu mestre. A primeira vez que o vi, ele repreendeu-me por lhe ter furtado uma maçã. Upareceu-me vindo do jardim de hera
no momento em que me Encontrava sentado sob uma árvore a comê-la, enquanto a minha mãe ajudava com a lavagem da roupa no pátio. Tive de arranjar uma Hesculpa rápida
e credível para escapar a uma sova, garanto-vos. Deu-me uma grande palmada e arrastou-me até junto da minha mãe.
Algumas semanas mais tarde, apareceu enquanto estávamos
aqui e levou-me a assistir ao enforcamento de um ladrão. No caminho de regresso contou-me que havia duas formas de os homens inteligentes enriquecerem. Uma era através
do roubo e a outra através do comércio, mas os ladrões viviam vidas mais curtas. Por volta dos meus oito anos, dei por terminada a minha carreira de ladrão, e aproveitei bem a lição.
Ela recordou as crianças pobres que por vezes avistava nas ruas da cidade a aproximar-se das carruagens e das janelas, escapulindo-se com comida e bens. Imaginou
um David pequenino entre elas. Nunca era apanhado, evidentemente.
- Ele quis casar-se com ela, penso eu - acrescentou pensativamente. - Recordo-me de os apanhar quando devia ter uns doze anos. Estavam sentados no salão. Apercebi-me de que estavam a disputir algo importante. Pressenti-o.
- Pensais que ela o recusou?
- Sim. Na altura presumi que ele o fizera porque me queria a mim. Naquela altura mantínhamos uma relação próxima, quase de pai e filho. Até partilhávamos o nome.
Ela escolhera o meu da Bíblia, mas é um nome invulgar em Inglaterra, e eu sabia desde o início que
o facto de eu ter o mesmo nome que ele o fascinava. Até mesmo
o Emprego dela aqui, sempre pensei que ele tinha aceite a minha mãe para ter o filho. Mas agora penso que foi precisamente o contrário.
- Ela recusou-o por causa do outro homem, o vosso verdadeiro pai?
- Sim. O coração dela continuou a esperar já depois de a mente ter desistido. Desprezei-a por isso quando era adolescente, mas quando ela faleceu, compreendi um pouco.
Ela recordou-se da compreensão paciente de David durante os esponsais, mas igualmente dos seus comentários cruéis e implacáveis sobre Stephen.
Ainda aguardais por ele, depois de todo este tempo e quando a, verdade é tão óbvia. Ainda bem que Eduardo me deu a vossa mão em casamento, caso contrário teríeis passado toda a vossa vida à espera e a viver num sonho desvanecido.
Ao recusar-se a repudiá-la, David correra um risco horrendo e doloroso.
Ela procurou o conforto cálido do corpo dele, sentindo a pele de David contra a sua. O facto de ele lhe ter falado de Joanna e da sua infância enternecera-a. Aos poucos, em momentos como este, talvez ele deixasse de ser um estranho para ela. Também sabia que não estava na sua natureza fazer este tipo de confidências e que apenas a intimidade do matrimónio o havia permitido.
Sem pensar, fez deslizar o rosto conta o peito dele e voltou-se para o beijar. Saboreou a pele e beijou-o de novo. O seu desejo de dar e receber conforto e de se comprazer nesta recente intimidade de ambos transformou-se em algo diferente à medida que o beijava, e impulsivamente voltou a cabeça e mordeu-lhe suavemente o mamilo. Ele tocou-lhe na cabeça e segurou-a, encorajando-a. Uma sensualidade lânguida percorreu-lhe o corpo e também sentiu uma mudança nele. Só nessa altura se recordou de que esta havia sido uma daquelas confidências que a criada lhe fizera de manhã durante o banho.
Ele permitiu que os lábios e a língua dela o acariciassem durante algum tempo e depois voltou-a suavemente de costas.
- Parece-me que vos prometi prazer prolongado - disse ele.
- Vejamos até que ponto poderemos prolongá-lo.
Muito mais tarde, pois David era capaz de prolongar o prazer durante muito tempo se assim o quisesse, jaziam juntos na cama obscura, as cortinas fechadas contra os sons esbatidos e as luzes do
banquete de casamento. Christiana começou a adormecer nos seus braços.
Ela sentiu-o mover-se e percebeu que ele observava o seu perfil quase indistinto.
- Falastes com ele? - perguntou suavemente.
Ela já se esquecera do assunto. Esquecera tudo acerca de Stephen Percy e da sxia ira e mágoa contra David. Este dia e esta noite haviam obscurecido as suas suspeitas acerca das motivações de David, e desejou sinceramente que ele não lhas tivesse recordado.
Ele vive com realidades, pensou ela. Sois vós quem compõe sonhos e canções. Mas ele havia escrito aquela canção acerca dela, não é verdade? Todavia, não era uma canção de amor. Ele considerava-a bela e escrevera acerca disso. Talvez ele também escrevesse melodias do género acerca do pôr-do-sol e das florestas.
- Sim. Falei com ele.
- O que pretendia?
- Nada de honroso.
Ele ficou silencioso durante um momento.
- Não quero que o volteis a ver - disse finalmente.
- Ele está na corte com frequência. Quereis dizer que nunca mais vou poder regressar a Westminster?
- Não estou a dizer isso. Sabeis o que quero dizer.
- Terminou, David. Tal como vós e Alicia. É o mesmo.
- Não é o mesmo. Eu nunca amei Alicia.
Ela voltou-se para ele. Ele abrira esta porta e ela sentiu o impulso de entrar.
- Nunca tencionastes deixar-me ir com ele, pois não?
- Não menti quando o disse, mas estava certo de que isso não aconteceria.
- E se tivesse acontecido?
Os dedos dele tocaram o seu rosto na obscuridade.
- Não vos teria deixado ir. Soube-o desde cedo.
Porquê? Pelo vosso orgulho? Pelo vosso investimento? Para me salvar do destino da vossa mãe? Não podia colocar-lhe a questão porque não queria saber a verdade. Devia ser permitido a uma rapariga algumas ilusões e ambiguidades, se tinha de viver com um homem. Também não queria realidade a mais.
- Como é que sabíeis que eu viria naquele dia?
- Não o esperava. Tencionava ir lá buscar-vos.
- E se eu não viesse nem concordasse com a vossa sedução?
- Não vos teria dado muitas hipóteses de escolha. Ela pensou naquilo.
- Fostes muito inteligente, David, reconheço isso. Muito cuidadoso. Muitas testemunhas. Todo o vosso lar. Idonia. Até que ponto fostes meticuloso? Guardastes os lençóis? Deixaste-os na cama para que Geva os visse no dia seguinte? - O seu tom de voz encerrava mais petulância do que aquela que sentia.
Ele beijou-lhe a têmpora e puxou-a para si.
- A primeira vez que vos encontrei, e de todas as outras vezes, dissestes-me que o amáveis, Christiana. Até àquela quarta-feira. Apesar do que acontecia entre nós quando eu vos beijava, apesar de ele vos tratar mal. Sim, querida, fui meticuloso. E calculista e inteligente. Converti deliberadamente este casamento num facto e liguei-vos a mim. Não podia correr o risco de ele vos contar as mentiras que o vosso coração queria ouvir de modo a abusar de vós de novo. Ter-me-íeis aceitado de outro modo? Deveria eu ter recuado perante este cavaleiro como mercador que sou? Ter-vos-ia agradado se tivesse honrado a minha promessa de vos deixar ir?
Ela estremeceu um pouco perante a franqueza brutal das suas palavras. As coisas soavam de uma forma diferente quando ele as punha desta maneira, quando ela as via através dos olhos dele. Fora tão fácil esquecer a pessoa que ela era antes da última quarta-feira.
- Não - sussurrou, e era verdade. Não teria ficado satisfeita se ele se mostrasse indiferente e simplesmente tivesse permitido que Stephen a levasse. Outra reacção que ela temia examinar ao pormenor.
O silêncio impôs-se de novo, e após algum tempo, ela relaxou no seu abraço. O sono já quase a reclamara quando escutou uma gargalhada suave no seu ouvido.
- Sim, minha menina. Fui meticuloso e não corri riscos. Guardei os lençóis.

 


CONTINUA