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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CATHERINE & AMANDA / Nora Roberts
CATHERINE & AMANDA / Nora Roberts

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

 

O frio executivo Trenton St. James III acreditava que concluiria rapidamente os ajustes finais para a compra de uma antiga mansão decadente na costa do Maine. Ele tinha certeza absoluta de que não haveria qualquer complicação… mas não esperava lidar com uma herdeira como Catherine Calhoun e sua excêntrica família.

A jovem de personalidade forte não se conformava ao pensar que um dos bens mais preciosos de seus antepassados se tornaria somente um empreendimento para o dono de uma rede de hotéis.

 

 

 

 

 

Bar Harbor, Maine

12 de junho de 1912.

Vi-o sobre os penhascos que davam ao Frenchman Bay. Era alto, de cabelo escuro e jovem. Inclusive da distância, enquanto caminhava com a mão do pequeno Ethan na minha, podia ver o ângulo desafiador de seus ombros. Sustentava o pincel como se fora um sabre, a paleta um escudo. Certamente, dava-me a impressão de que sustentava um duelo com o tecido em vez de pintá-lo. Tão profunda era sua concentração, tão veloz e intenso o movimento da boneca, que não custava acreditar que sua vida dependia do que ali criava.

Possivelmente assim fora.

Pareceu-me estranho, inclusive divertido. A imagem que tinha dos artistas sempre tinha sido a de almas gentis que vêem coisas que nós, os mortais, não podemos ver, e que sofrem em sua busca para as criar para nós.

Entretanto, e antes de que se voltasse para me olhar, soube que não veria uma cara gentil.

Dava a impressão de que ele mesmo era produto de um artista. Um escultor que tinha gentil um tabuleiro de carvalho, esculpindo uma frente larga, uns olhos escuros e velados, um nariz reta e larga e uma boca plena e sensual. Até a queda de seu cabelo poderia ter estado esculpida em ébano.

Como me olhou! Até agora posso sentir o rubor em minha cara e o suor em minhas mãos. O vento aninhava em seu cabelo, doce e úmido procedente do mar, e lhe agitava a camisa ampla, manchada pela pintura. Com as rochas e o céu a suas costas, parecia muito orgulhoso, muito furioso, como se fora o proprietário desse saliente de terra, ou de toda a ilha, e eu fora a intrusa.

Permaneceu em silencio o que pareceu uma eternidade, seus olhos tão intensos, tão penetrantes, que fiquei muda. Então o pequeno Ethan começou a tagarelar e a atirar de minha mão. O brilho furioso daqueles olhos se suavizou. Sorriu. Sei que em semelhantes momentos um coração não se detém. Não obstante...

Pus-me a gaguejar e a me desculpar pela intrusão, elevando ao Ethan em braços antes de que meu brilhante e curioso pequeno pudesse lançar-se para as rochas.

-Espere -disse ele.

Tomou um caderno e um lápis e começou a desenhar enquanto eu permanecia imóvel e tremente por motivos que não sou capaz de vislumbrar. Ethan não parou de sorrir, como se estivesse tão hipnotizado pelo homem como eu. Podia sentir o sol em minhas costas e o vento na cara, podia cheirar a água e as rosas silvestres.

-Deveria levar o cabelo solto -disse; fez a um lado o lápis e se dirigiu para mim-. Pintei postas de sol menos dramáticas -alargou a mão e tocou o brilhante cabelo vermelho do Ethan-. Compartilha a cor com seu irmão pequeno.

-Meu filho -por que minha voz soava tão trêmula?- É meu filho. Sou a senhora do Fergus Calhoun disse enquanto seus olhos pareciam me devorar a cara.

-Ah, As Torres -olhou além de mim para o lugar no que as cúpulas e os minaretes de nossa casa do verão se podiam ver no penhasco mais alto - Admirei sua casa, senhora Calhoun.

Antes de que pudesse responder, Ethan alargou os braços, rendo, e o homem o elevou em velo. Solo fui capaz de olhá-lo fixamente, ali de pé com as costas ao vento, sustentando a meu filho, acomodando-o com facilidade no quadril.

-Um menino estupendo.

-E enérgico. Quis tirá-lo dar um passeio para lhe dar um descanso a sua babá. Meus outros dois filhos juntos lhe dão menos problemas que Ethan.

-Tem outros filhos?

-Se, uma menina um ano maior que Ethan e um bebê que ainda não cumpriu o ano. Chegamos ontem para passar aqui a temporada. Vive você na ilha?

-Por agora. Posará para mim, senhora Calhoun?

Ruborizei-me. Mas por debaixo da vergonha senti um prazer profundo e sonhador. Entretanto, sabia que seria algo pouco decoroso e conhecia o temperamento do Fergus. Assim que me neguei, esperei que com cortesia. Não insistiu, e me envergonha dizer que senti uma aguda decepção. Quando devolveu ao Ethan, não me tirou a vista de cima; tinha uns olhos de um cinza escuro que davam a impressão de ver algo mais que minha cara. Possivelmente mais do que ninguém tinha visto com antecedência. despediu-se, de modo que me voltei para retornar com meu filho de volta às Torres, meu lar e meus deveres.

Soube com tanta certeza como se me tivesse girado para olhar, que me observou até que fiquei oculta pelo penhasco. O coração me troava.

 

Bar Harbor 1991

Trenton St. James III estava de um humor de cães. Era o tipo de homem que esperava que as comporta lhe abrissem quando chamava, e que os telefones lhe respondessem quando marcava. O que não esperava, e odiava tolerar, era que seu carro lhe avariasse em um caminho estreito de dois sulcos a quinze quilômetros de seu destino. Ao menos o telefone do carro lhe tinha permitido localizar ao mecânico mais próximo. Não lhe tinha feito muita graça entrar em Bar Harbor na cabine da grua, enquanto uma música estridente soava pelos alto-falantes e seu rescatador cantava, desafinando, entre bocados a um enorme sanduíche de presunto.

-Hank, simplesmente me chame Hank -havia-lhe dito o condutor, para logo beber um bom gole de uma garrafa de refresco-. C.C. arrumar-lhe-á o carro rapidamente. Não há outro mecânico igual em Maine, pergunte-lhe a qualquer.

Trent decidiu que nessas circunstâncias teria que aceitar a palavra do assim chamado Hank. Com o fim de economizar-se tempo e problemas, fez que o tipo o deixasse à entrada do povo, com instruções sobre como chegar à oficina e um sujo cartão que Trent estudou enquanto a sustentava com cautela com a ponta sotaques dedos.

Mas como com qualquer outra situação em que pudesse achar-se, decidiu aproveitá-la. Enquanto se ocupavam de seu carro, realizou meia dúzia de chamadas a seu escritório de Boston, para pôr o medo de Deus em suas secretárias, ajudantes e vice-presidentes. Isso melhorou um pouco seu estado de ânimo.

Comeu na terraço de um restaurante pequeno, emprestando mais atenção aos documentos que tirou da maleta que a excelente salada de lagosta ou a suave brisa primaveril. Comprovou a hora frequentemente, bebeu muito café e com impaciente olhos castanhos estudou o tráfico que subia e baixava pela rua.

Duas das garçonetes falaram bastante dele. Era começos de abril, faltavam semanas para a inauguração da temporada, de maneira que o local não transbordava de clientes.

Convieram em que era arrumado, do alto de seu cabelo loiro escuro até a ponta de seus brilhantes sapatos italianos. Coincidiram em que era um homem de negócios, sem dúvida importante, devido à maleta de pele e ao elegante traje cinza. Além disso, levava gêmeos nos punhos da camisa. De ouro.

Enquanto preparavam os guardanapos e os talheres para o seguinte turno, decidiram que era jovem para a fila que ostentava, não mais de trinta anos. Enquanto se alternavam para lhe preencher a taça de café e observá-lo mais de perto, o voto unânime que deram foi que resultava descaradamente atrativo, com rasgos limpos e marcados, com um ar refinado que teria sido muito polido de não ser pelos olhos.

Eram escuros, tristes e impaciente, o que fez que as garçonetes especulassem com que tivesse podido plantá-lo uma mulher. Embora não foram capazes de imaginar a uma mulher corda realizando semelhante loucura.

Trent não lhes emprestou mais atenção que a qualquer pessoa que cumprisse um serviço pago. Isso as decepcionou. A gorjeta exorbitante que deixou o compensou. O teria surpreso que a gorjeta pudesse ter significado algo mais para as mulheres se a tivesse devotado com um sorriso.

Fechou a maleta e se preparou a caminhar a passo vivo até a oficina no extremo do povo. Não era um homem frio e não se considerou distante. Sendo um St. James, tinha crescido com criados que em silêncio e com eficácia tinham desempenhado a tarefa de fazer que sua vida fora mais singela. Pagava bem, inclusive com generosidade. Se não mostrava nenhum agradecimento manifesto ou interesse pessoal, simplesmente se devia a que jamais lhe passava pela cabeça.

Nesse momento, tinha a mente concentrada no trato que esperava fechar no fim de semana. dedicava-se aos hotéis, com ênfase no luxo e os balneários. O verão anterior, o pai do Trent tinha localizado uma propriedade enquanto navegava em iate com sua quarta esposa pelo Frenchman Bay. Assim como o instinto do Trenton St. James II no referente às mulheres era conocidamente caprichoso, seu instinto para os negócios jamais falhava.

Quase imediatamente tinha iniciado as negociações para adquirir a enorme casa de pedra que dava ao Frenchman Bay. Seu apetite se viu incrementado pela negativa dos donos de vender. Como cabia esperar, não puderam resistir ao Trenton pai e o trato estava a ponto de fechar-se.

Até que Trent se encontrou com o negócio sobre o regaço quando seu pai se viu imerso em um divórcio complicado.

Pensou que a esposa número quatro tinha durado quase dezoito meses. Dois meses mais que a número três. Com fatalismo aceitava que não demoraria para aparecer uma quinta. O velho tinha tanto vício ao matrimônio como aos negócios imobiliários.

Estava decidido a fechar o trato de Las Torres antes de que se secou a tinta da última sentença de divórcio. Assim que tirasse o carro da oficina, iria jogar lhe uma olhada ao lugar.

Enquanto atravessava o povo, e devido à época do ano, muitas das lojas estavam fechadas, mas pôde ver as possibilidades. Sabia que durante a temporada, as ruas de Bar Harbor se achavam lotadas de turistas com cartões de crédito e cheques de viagem preparadas para usar. E os turistas necessitavam hotéis. Levava as estatísticas na maleta. Calculava que com um sólido planejamento, em quinze meses As Torres poderiam monopolizar uma boa percentagem desse negócio turístico.

Quão único tinha que fazer era convencer a quatro mulheres sentimentais e a sua tia a aceitar o dinheiro.

Ao girar pela esquina que conduzia ao mecânico, voltou a olhar a hora. Tinha-lhe dado exatamente duas horas para ocupar-se da avaria que pudesse ter sofrido o BMW. Estava convencido de que isso era suficiente.

Poderia ter tomado o avião da empresa de Boston. Teria sido mais prático, e Trent era um homem pragmático. Mas tinha querido conduzir. «Necessitava-o», reconheceu. Tinha necessitado essas poucas horas de tranquilidade e solidão.

O negócio florescia, mas sua vida pessoal se ia ao garete.

Quem teria imaginado que Maria ia lançar lhe de repente um ultimato? Matrimônio ou nada. Era algo que ainda o desconcertava. Desde o começo da relação ela tinha sabido que o matrimônio nunca tinha sido uma opção. Não tinha intenção de subir à montanha russa que tanto gostava a seu pai.

Não era que não lhe tivesse tido carinho. Era formosa e de bom berço, inteligente e triunfadora em seu campo de desenho de roupa. Com a Maria, jamais havia um cabelo desconjurado, e Trent apreciava esse tipo de meticulosidade em uma mulher. Do mesmo modo que tinha apreciado a atitude prática que tinha mostrado para a relação.

Tinha afirmado que não queria matrimônio, filhos ou juramentos de amor eterno. Ao Trent parecia uma traição pessoal que de repente tivesse trocado seu discurso e o tivesse exigido tudo.

Não tinha sido capaz de dar-lhe .

Duas semanas atrás se separaram, rígidos como dois desconhecidos. Ela já estava comprometida com um jogador de golfe.

Doía. Mas também o convencia de que tinha tido razão em todo momento. As mulheres eram criaturas instáveis e caprichosas, e o matrimônio era uma espécie de suicídio sem derramamento de sangue.

Ela nem sequer o tinha amado. Graças a Deus. Simplesmente tinha querido «compromisso e estabilidade», segundo suas próprias palavras. Agradado, Trent acreditava que não demoraria para descobrir que o matrimônio era o último sítio no que encontrar essas duas coisas.

Como sabia que era pouco produtivo atrasar-se nos enganos, permitiu que os pensamentos da Maria desaparecessem de sua mente. Decidiu que se tiraria férias das mulheres.

Deteve-se no exterior do edifício de madeira branca com carros no estacionamento. O letreiro sobre as portas abertas da oficina punha Automoción C.C. Justo debaixo do título, que ao Trent resultou ostentoso, havia um oferecimento de grua as vinte e quatro horas, reparação completa de veículos estrangeiros e nacionais e pressuposto sem compromisso.

Através das portas lhe chegou o som de música de rock. Suspirou ao entrar.

Seu BMW tinha o capô levantado e um par de botas sujas apareciam por debaixo do carro. O mecânico movia os talões das botas ao ritmo da música estrepitosa. Com o cenho franzido, Trent olhou ao redor da zona dedicada à oficina. Cheirava a graxa e a madressilva, uma combinação ridícula. O lugar era um caos sujo de ferramentas e repostos.

Na parede havia um pôster que estipulava que não se aceitavam cheques.

Outros expor os serviços que proporcionava a oficina e seus preços. Trent supôs que eram razoáveis, mas não tinha vara com que medi-los. Contra uma parede havia duas máquinas vendedoras; alguém oferecia refrescos e a outra comida lixo. Uma lata de café continha mudança que os clientes tinham liberdade para recorrer ou contribuir a ele. «Um conceito interessante», pensou.

-Perdão -disse. As botas seguiram marcando o ritmo-. Perdão -repetiu, mais alto. A música incrementou o tempo, imitada pelas botas. Trent tocou uma com o sapato.

-O que? -a resposta que lhe chegou era amortecida e irritada.

-Eu gostaria de saber como vai meu carro.

-Fique à cauda -ouviu-se o golpe de uma ferramenta e uma maldição.

Trent arqueou as sobrancelhas e logo as franziu de um modo que fazia tremer a seus subordinados.

-Ao parecer já sou o primeiro.

-Neste momento se encontra por detrás do carro deste idiota. Deus me salve dos esnobes ricos que compram um carro como este e não se incomodam em averiguar a diferença entre um carburador e uma chave para trocar rodas. Aguarde um minuto, amigo, ou fale com o Hank. Anda por alguma parte.

Trent ia várias orações por detrás de «idiota».

-Onde está o dono?

-Ocupado. Hank! -a voz do mecânico se elevou em um rugido-. Maldita seja. Hank! Aonde diabos se foi?

-Não sei -Trent se aproximou até a rádio e a apagou-. Seria muito lhe pedir que saísse de debaixo do carro e me informasse do estado no que se encontra meu carro?

-Sim -desde seu sítio sob o BMW, C.C. estudou os sapatos italianos e imediatamente lhe desagradaram-. Neste momento ando com as mãos enche. Se tiver tanta pressa, pode baixar e me emprestar uma das suas ou dirigir-se até a oficina do McDermit, no Northeast Harbor.

-Não posso conduzir, já que você está sob meu carro -embora a ideia era tentadora.

-É dele? -C.C. ajustou uns pernos. O tio exibia um acento refinação de Boston a jogo com os sapatos-. Quando foi a última vez que lhe fez uma posta a ponto?

-Eu não...

-Não me cabe nenhuma dúvida -na voz rouca se notou uma satisfação seca que crispou ao Trent-. Sabe?, não compra simplesmente um carro, a não ser uma responsabilidade. Muita gente não ganha no ano o que custa o seu. Com uma cuidado e manutenção razoáveis, este cacharro poderia chegar até seus netos. Os carros não são artigos descartáveis. A gente os faz dessa maneira porque é muito preguiçosa ou estúpida para ocupar-se do básico. Teria que lhe haver trocado o lubrificante faz seis meses.

Os dedos do Trent tamborilaram sobre o flanco da maleta.

 

-Jovem, lhe paga para ocupar-se de meu carro, não para me dar discursos sobre a responsabilidade que tenho para ele -em um hábito tão enraizado como respirar, olhou a hora-. E agora eu gostaria de saber quando o vou ter preparado, já que me esperam várias entrevistas.

-O discurso é grátis -C.C. impulsionou a maca fora de debaixo do carro-. E não sou seu jovem.

Isso lhe resultou bastante óbvio. Embora a cara estava manchada e o cabelo escuro talhado com um estilo varonil, o corpo embainhado em um peitilho gordurento era decididamente feminino. Cada centímetro. Estranha vez Trent não sabia o que dizer, mas nesse instante ficou quieto, olhando fixamente ao C.C. quando esta se levantou da maca para encará-lo enquanto fazia oscilar uma chave inglesa na mão.

Indo além das manchas negras na cara, pôde ver que tinha uma pele muito branca em contraste com seu cabelo de cor ébano. Sob a franja, observava-o com uns olhos verde bosque entrecerrados. Os lábios sensuais e sem pintura estavam franzidos no que, em outras circunstâncias, teria sido uma careta muita sexy. Era alta para ser mulher, com uma compleição como a de uma deusa. Compreendeu que era ela quem cheirava a azeite e a madressilva.

-Algum problema? -perguntou C.C. Era bem consciente de que a tinha percorrido de cima abaixo com o olhar. Estava acostumada. Mas não tinha por que lhe gostar de.

A voz sortia um efeito completamente distinto quando um homem se dava conta de que esses tons roucos pertenciam a uma mulher.

-É você a mecânica!

-Não, sou a decoradora de interiores.

Trent olhou em torno do oficina, com o estou acostumado a manchado de azeite e os bancos cheios de ferramentas.

-Desempenha um trabalho interessante -comentou, sem poder resistir.

Com um suspiro, ela arrojou a chave sobre um banco.

-Terá que trocar o filtro de azeite e o do ar. O carburador necessitava uns ajustes. Segue necessitando a mudança de azeite lubrificante e terei que limpar o radiador.

-Funcionará?

-Sim, funcionará -tirou um trapo do bolso e começou a limpá-las mãos. Julgou-o como o tipo de homem que cuidava mais de suas gravatas que de seu carro. encolheu-se de ombros e voltou a guardar o trapo. Não era assunto dele-. Venha ao escritório e poderemos jogar contas.

Conduziu-o através da porta que havia ao fundo da oficina, para um corredor estreito que girava e desembocava em um escritório com paredes de cristal. Estava enche com um escritório lotado, catálogos de repostos, um bote de chicletes pela metade e duas cadeiras giratórias largas. C.C. sentou-se e, com a precisão sobrenatural das pessoas que acumulam papéis sobre sua mesa, apoiou com certeza a mão sobre as faturas.

-Em efetivo ou com cartão? -perguntou.

-Cartão -distraído tirou a carteira. assegurou-se que não era sexista. Com meticulosidade se certificou de que em sua empresa as mulheres recebessem o mesmo pagamento e oportunidade de ascensão que qualquer homem. Jamais lhe ocorreu preocupar-se de que seus empregados fossem mulheres ou homens, sempre e quando fossem eficientes, leais e de confiança. Mas quanto mais olhava à mulher que preenchia a fatura, mais convencido estava de que não encaixava com a imagem que pudesse ter alguém de um mecânico de carros-. Quanto tempo leva trabalhando aqui? -surpreendeu-se para ouvir-se. As perguntas pessoais não formavam parte de seu estilo.

-Com mais ou menos intensidade dos doze anos -os olhos verdes subiram aos seus-. Não se preocupe. Sei o que faço. Qualquer trabalho que se leve a cabo em minha oficina está garantida.

-Sua oficina?

-Minha oficina -extraiu uma calculadora e começou a tirar o total com dedos largos e elegantes que ainda estavam sujos. Crispava-a. «Possivelmente são os sapatos», pensou. «Ou a gravata». Havia algo arrogante em uma gravata marrom-. Estes são os danos -girou a fatura e ficou a detalhá-la ponto por ponto.

O não emprestava atenção, algo incomum. Era um homem que lia cada palavra de cada papel que passava por seu escritório. Mas a observava a ela, sinceramente fascinado.

-Alguma pergunta? -elevou a vista e se encontrou com seus olhos. Quase pôde ouvir o clique.

-Você é C.C.?

-Exato -viu-se forçada a pigarrear. «Ridículo», disse-se. Esse homem tinha olhos correntes. Possivelmente fossem um pouco mais escuros e intensos que o que tinha notado em um princípio, mas seguiam sendo correntes. Não havia nenhum motivo pelo que não pudesse deixar de olhá-los. Mas não o fez.

-Tem graxa na bochecha -murmurou ele, e lhe sorriu.

A mudança foi assombroso. Passou de ser um homem arrogante e molesto a um quente e aberto. A boca lhe suavizou ao curvar-se, a impaciência nos olhos desapareceu. Nesse momento neles se via um humor afável que resultava irresistível. C.C. não pôde evitar lhe devolver o sorriso.

-É parte do trabalho -«possivelmente fui um pouco brusca», refletiu, e se esforçou por corrigi-lo-. Você é de Boston, verdade?

-Sim. Como o soube?

Não deixou de sorrir ao encolher-se de ombros.

-Entre a matrícula de Massachusetts e seu acento, não foi difícil adivinhá-lo. Na ilha recebemos muito comércio de Boston. Está aqui de férias?

-Negócios -tentou recordar a última vez que se tirou férias, sem êxito. «Dois anos? Três?».

 

C.C. tirou um portapapeles de debaixo de um montão de catálogos e estudou a agenda do dia seguinte.

-Se for ficar um tempo, poderíamos lhe fazer a mudança de lubrificante manhã.

-Terei-o em conta. Você vive na ilha?

-Sim. Toda minha vida -a poltrona rangeu quando subiu as pernas para sentar-se ao estilo índio-. Tinha estado em Bar Harbor com antecedência?

-De menino passei aqui um par de fins de semana com minha mãe -parecia-lhe que tinha passado mais de uma vida-. Talvez poderia me recomendar alguns restaurantes e pontos de interesse. Possivelmente consegui tirar um pouco de tempo livre.

-Não se perca o parque -tirou um papel e ficou a escrever-. Com os pescados e os frutos do mar não pode equivocar-se, e ainda não estamos em plena temporada, de modo que não sofrerá caudas e falta de lugar -ofereceu-lhe o papel, que ele dobrou e guardou em um bolso.

-Obrigado. Se não estar ocupada esta noite, talvez possa me ajudar a provar os frutos do mar locais. Poderíamos falar do carburador.

Aturdida e adulada, alargou a mão para tomar o cartão de crédito que lhe ofereceu. achava-se a ponto de aceitar quando leu o nome impresso.

-Trenton St. James III.

-Trent -pediu ele com um sorriso.

«Encaixa», pensou C.C. «Claro que encaixa». Carro elegante, traje elegante, maneiras elegantes. Deveu imaginá-lo imediatamente. Deveu cheirá-lo. Crispada, passou o cartão pelo leitor.

-Assine aqui.

Trent tirou uma fina pluma de ouro e assinou enquanto ela se incorporava e se dirigia a um pequeno armário para retirar as chaves do carro. Girou a cabeça no momento em que ela as arrojava. Conseguiu as capturar antes de que lhe golpeassem a cara. Fez-as soar na mão e se levantou para olhá-la. Ela tinha as mãos nos quadris e as facções dominadas pela fúria.

-Com um simples «não» teria bastado.

-Os homens como você não entendem um simples «não» -C.C. voltou-se para a parede de cristal, logo girou com brutalidade-. De ter sabido quem era, lhe teria perfurado o silenciador.

Devagar, Trent se guardou as chaves no bolso. Seu temperamento era famoso. Não era aceso, já que isso teria sido fácil de esquivar. Era gelo. Ali de pé se apoderou C ele, paraliso-lhe os olhos e o tenso a boca.

-Quereria explicar-se?

C.C. caminhou para ele até que ficaram pegos.

-Sou Catherine Colleen Calhoun. E quero que mantenha suas ambiciosas mãos longe de minha casa.

Trent não disse nada por um momento, enquanto adaptava seus pensamentos. Catherine Calhoun, uma das quatro irmãs proprietárias de Las Torres, e uma que ao parecer era bastante reacia à venda. Como ia ter que negociar com as quatro, bem podia começar ali mesmo.

-É um prazer, senhorita Calhoun.

-Para mim não -baixou a vista e separou a cópia do recibo do cartão de crédito-. Volte a colocar seu traseiro nesse BMW e retorne a Boston.

-Fascinante expressividade -sem deixar de olhá-la, dobrou o papel e o guardou no bolso-. Entretanto, você não é a única parte envolta.

-Não vai converter minha casa em um de seus luxuosos hotéis para debutantes aborrecidas e falsos condes italianos.

Ele esteve a ponto de sorrir.

-Alojou-se em um dos hotéis St. James?

-Não tenho que fazê-lo, sei como são. Recepções de mármore, elevadores de cristal, candelabros de seis metros e fontes de água em qualquer parte.

-Tem algo contra as fontes?

-Não quero uma em meu salão. por que não vai executar a hipoteca de alguma viúva ou órfão e nos deixa em paz?

-Por desgraça, não tenho nenhuma execução hipotecária planejada para esta semana -elevou a mão quando ela grunhiu-. Senhorita Calhoun, vim aqui a pedido de seu enlace. Sejam quais forem seus sentimentos pessoais, As Torres tem outras três proprietárias. Não penso partir até não ter falado com elas.

-Pode falar até que seus pulmões fiquem sem ar, mas... que enlace?

-A senhora Cordelia Calhoun McPike.

A cor da cara do C.C. flutuou um pouco, mas não deu marcha atrás.

-Não lhe acredito.

Sem dizer uma palavra, Trent deixou sua maleta sobre os papéis da mesa e introduziu a combinação. De uma de suas pastas ordenadas que tirou uma carta escrita em um grosso papel marfim. O coração do C.C. deu um tombo. A tirou da mão e leu.

 

Estimado senhor St. James:

 

As mulheres Calhoun tomaram em consideração a oferta que lhes tem feito por Las Torres. Como se trata de uma situação complexa, consideramos que seria o melhor para todos discutir os términos em pessoa em vez de nos comunicar por carta.

Como representante delas, eu gostaria de convidá-lo às Torres -C.C. emitiu um gemido afogado- uns dias. Considero que este enfoque mais pessoal será de benefício mútuo. Estou segura de que convirá em que uma inspeção da propriedade mais próxima e informal representará uma vantagem para você.

Por favor, se lhe interessar este acordo, pode ficar em contato comigo em Las Torres.

Uma cordial saudação

Cordelia Calhoun McPike

 

C.C. leu a carta duas vezes com os dentes apertados. A teria espremido se Trent não a tivesse resgatado para voltar a guardá-la na pasta.

-Tenho que dar por feito que não a informou do acordo?

-Informar-se me É obvio que não me informou. Essa maldita... OH, tia Coco, vou matar te.

-Suponho que a senhora McPike e a tia Coco são a mesma pessoa.

-Alguns dias custa dizê-lo -girou-. Mas as duas estarão mortas.

-Prefiro soslayar a violência familiar, se não lhe importar.

  1. C. colocou as mãos no peitilho e o olhou com olhos cintilantes.

-Se sua intenção segue sendo alojar-se em Las Torres, será impossível evitá-la.

-Então me arriscarei -aceitou.

A tia Coco se achava concentrada colocando as rosas do estufa em dois dos vasos do Dresde que ainda terei que vender. Enquanto trabalhava, cantarolava um êxito de rock. Como o resto das mulheres Calhoun, era alta, e gostava de pensar que sua figura, que solo tinha engordado um pouco na última década, tinha um aspecto majestoso.

Vestiu-se e penteado com cuidado para a ocasião. Essa semana levava o cabelo curto e tingido de vermelho, algo que a agradava enormemente. Para Coco, a vaidade não era um pecado nem um defeito de caráter, a não ser o dever sagrado de uma mulher. O rosto, que se sustentava à perfeição graças ao lifting ao que o tinha submetido seis anos atrás, estava maquiado de forma escrupulosa. Das orelhas penduravam suas melhores pérolas, as mesmas que lhe rodeavam o pescoço. Com uma rápida olhada ao espelho do vestíbulo, decidiu que o vestido negro era dramático e elegante. As sandálias que levava soavam satisfatoriamente sobre o chão de nogueira e a faziam chegar ao metro oitenta.

Com sua figura imponente e, certamente, real, foi de uma habitação a outra para comprovar por enésima vez cada detalhe. Suas garotas possivelmente se mostrassem um pouco molestas porque tivesse convidado a alguém sem mencioná-lo. Mas sempre podia atribui-lo a sua distração. Algo que fazia sempre que lhe convinha.

Coco era a irmã menor do Judson Calhoun, quem se tinha casado com o Deliah Brady e tido quatro filhas. Judson e Deliah, a que Coco tinha querido muito, tinham morrido quinze anos atrás quando seu avião privado tinha cansado no Atlântico.

Após, esforçou-se em ser pai, mãe e amiga de suas formosas e pequenas órfãs. Viúva durante quase vinte anos, Coco era uma mulher arrebatadora com uma mente retorcida e um coração da consistência da nata de malvaviscos. Queria, e estava decidida a ter, o melhor para suas garotas. Sem importar que lhes gostasse ou não. Com o interesse que mostrava Trenton St. James por Las Torres, viu uma oportunidade.

Importava-lhe um nada que comprasse essa casa mais parecida com uma fortaleza. Embora só Deus sabia o tempo que poderiam retê-la, com os impostos, os gastos de manutenção e as faturas de calefação. No concernente a ela, Trenton St. James III podia ficar a ou deixá-la. Mas tinha um plano.

Sem importar a decisão que adotasse no referente à casa, ia perder a cabeça por uma das garotas. Não sabia por qual. Tinha provado com a bola de cristal, mas ainda não lhe tinha ocorrido um nome.

Mas sabia. Tinha-o sabido nada mais chegar a primeira carta. O menino ia se levar a uma de suas garotas para lhe brindar uma vida de amor e luxo. Não ia permitir que nenhuma delas tivesse o um sem o outro.

Suspirou e arrumou a vela no candelabro Lahque. Ela tinha podido lhes brindar amor, mas não luxo... Se Judson e Deliah tivessem seguido com vida, as coisas teriam sido diferentes. Sem dúvida Judson teria sido capaz de sair das dificuldades financeiras que tinha estado sofrendo. Com sua inteligência e a persistência do Deliah, teria sido algo muito temporário.

Mas não tinham vivido e o dinheiro se converteu em um problema crescente. Como odiava ter que vender peça a peça a herança das garotas com o fim de manter o teto em mal estado que tanto amavam sobre suas cabeças.

«Possivelmente seja Suzanna», pensou, cavando as almofadas do sofá do salão. A pobre tinha o coração quebrado pelo canalha inútil com o que se casou. Esticou os lábios. Pensar que as tinha enganado a todas. Inclusive a ela! Fazia desgraçada a vida de sua pequena, para logo divorciar-se e casar-se com aquele bombom que era todo peito.

Suspirou desgostada e elevou uns olhos pequenos para o estuque gretado do teto. Ia ter que comprovar que Trenton encaixasse como pai dos dois filhos da Suzanna. E se não era assim...

Estava Lilah, um formoso espírito livre. Lilah necessitava a alguém que soubesse apreciar a mente vivaz e o estilo excêntrico que tinha. Alguém que a cuidasse e a assentasse Sozinho um pouco. Coco não toleraria a ninguém que tratasse de apagar a inclinação mística de sua querida pequena.

Possivelmente seria Amanda. Arrumou uma cortina para que tampasse um buraco de camundongo. A teimosa e pragmática Amanda. Que casal formariam! O homem de negócios de êxito e sua mulher. Mas ele deveria ter um lado mais brando, que reconhecesse que Mandy precisava cuidados, ao igual a respeito. Embora nem ela mesma o reconhecesse.

Com um suspiro satisfeito, foi do salão ao comilão, logo à biblioteca e dali ao estudo.

Logo estava C.C. Moveu a cabeça ao tempo que arrumava um quadro para que tampasse em sua major parte as manchas do velho papel de seda da parede. Essa menina tinha herdado em abundância a teima dos Calhoun. Uma adorável jovem que desperdiçava sua vida manipulando motores e bombas de gasolina. Que o céu as protegesse.

Resultava duvidoso que um homem como Trenton St. James III fora a interessar-se em uma mulher que passava todo seu tempo debaixo de um carro. Embora com vinte e três anos C.C. era a pequena da família. Considerava que dispunha de tempo mais que suficiente para lhe encontrar um marido a sua pequena.

Decidiu que o cenário estava preparado. E faltava pouco para que o senhor St. James entrasse no Primeiro Ato.

A porta dianteira se fechou com força. Coco fez uma careta, já que sabia que a vibração moveria os quadros e as baixelas. Avançou pelo labirinto de habitações sem deixar de arrumar isto e aquilo à medida que partia.

-Tia Coco!

Esta elevou a mão em um gesto automático para dar um tapinha no peito. Era a voz do C.C., e cheia de fúria. perguntou-se o que teria passado para acender dessa maneira à moça. Adotou seu melhor sorriso.

-Vou, querida. Ainda não te esperava em casa. É uma... -calou ao ver sua sobrinha, lista para brigar com seu jeans quebrados e em camiseta, com manchas de graxa ainda na cara e as mãos fechadas à altura dos quadris. E o homem que havia detrás dela... o homem ao que reconheceu como seu possível sobrinho político-. Surpresa -concluiu, e voltou a pôr o sorriso em seu sítio-. Vá, senhor St. James, é magnífico -avançou com a mão estendida-. Sou a senhora McPike.

-Encantado.

-É tão agradável conhecê-lo fim. Espero que tenha tido uma viagem prazenteira.

-Foi... interessante.

-O qual resulta melhor que prazenteiro –lhe aplaudiu a mão antes de soltá-la, aprovando seu olhar seguro e voz bem modulada-. Por favor, passe. Quero que comece já a sentir-se como em sua casa. Irei preparar um pouco de chá para todos.

-Tia Coco -interveio C.C. em voz baixa.

-Sim, querida, preferiria outra coisa em vez de chá?

-Quero uma explicação, e a quero agora.

A Coco o coração o martilleó um pouco, mas dedicou a sua sobrinha um sorriso aberto e algo curiosa.

-Explicação? Por que?

-Quero saber que diabos faz ele aqui.

-Catherine! -repreendeu sua tia-. Suas maneiras.. são uma de minhas poucas falhas. Venha, senhor St. James, ou posso chamá-lo Trenton?, deve estar um pouco esgotado depois do trajeto em carro. Mencionou que tinha sido de carro, verdade? por que não vamos sentar nos ao salão? -guiou-o enquanto falava-. Um clima maravilhoso para viajar de carro, não é certo?

-Um momento -C.C. plantou-se em seu caminho-. Um momento. Um momento. Não vais acomodar o no salão, com chá e sua conversação social. Quero saber por que o convidou a vir.

-C.C. -Coco suspirou com exagero-. Os negócios são mais agradáveis e prósperos para todas as partes envoltas quando se conduzem em pessoa, em uma atmosfera relaxada. Não está de acordo, Trenton?

-Sim -surpreendeu-lhe ter que conter um sorriso-. Sim o estou.

-Já está.

-Não dê um passo mais -alargou ambas as mãos-. Não acordamos vender a casa.

-Certamente que não -repôs sua tia com paciência-. Por isso veio Trenton. Para que possamos discutir todas as opções e possibilidades. Deveria subir a te refrescar antes de tomar o chá, C.C. Tem graxa de motor, ou o que seja, na cara.

-por que não me informou que vinha? -a esfregou com o dorso da mão.

Coco piscou e tratou de deixar os olhos um pouco desfocados.

-dizer-lhe isso É obvio que lhe disse isso. Não me teria atrevido a convidar a alguém sem lhes informar isso a todas vocês.

-Não me disse isso -insistiu com expressão rebelde.

-Vamos, C.C., eu... -Coco franziu os lábios, sabendo, depois de praticar ante o espelho, que lhe dava uma expressão de desconcerto-. Não? Está segura? Teria jurado que lhes contei isso a ti e às garotas assim que recebi a aceitação do senhor St. James.

-Não -asseverou com rotundidad.

-Santo céu -Coco se levou as mãos às bochechas-. Que terrível, de verdade. Devo me desculpar. depois de tudo, esta é sua casa, tuas e de suas irmãs. Jamais abusaria de sua boa natureza e hospitalidade...

A culpabilidade começou a carcomer ao C.C.

-É sua casa tanto como nossa, tia Coco. Sabe. Não tem que nos pedir permissão para convidar a alguém que você goste. É simplesmente que deveríamos haver...

-Não, não, é indesculpável -tinha piscado o suficiente para conseguir que os olhos lhe brilhassem bem-. De verdade que o foi. Não sei o que dizer. Sinto-me fatal por todo o incidente. Solo tentava ajudar, mas...

-Não há nada do que preocupar-se -C.C. tomou a mão de sua tia-. Nada absolutamente. Resultou um pouco desconcertante ao princípio. Olhe, por que não preparo eu o chá para que você possa te sentar com... ele?

-É tão doce, querida.

C.C. murmurou algo ininteligível ao partir pelo corredor.

-Felicidades -murmurou Trent, olhando a Coco com expressão divertida-. foi uma das manipulações mais delicadas que jamais vi.

-Obrigado -Coco pôs cara radiante e enlaçou o braço com o do Trent-. Por que não passamos para manter esse bate-papo? -conduziu-o a um sofá junto à chaminé, sabendo que os moles não eram mais que uma lembrança-. Tenho que me desculpar pelo C.C. Tem um humor incendiário mas um grande coração.

-Tenho que aceitar sua palavra a respeito -inclinou a cabeça.

-Bom, está aqui e isso é o que importa -satisfeita consigo mesma, sentou-se frente a ele -. Sei que As Torre e sua história lhe resultarão fascinantes.

Trent sorriu, pensando que seus ocupantes já despertavam sua fascinação.

-Meu avô -continuou ela, indicando o retrato de um homem de lábios finos e rosto severo que havia em cima do suporte de madeira de cerejeira-. Ele construiu esta casa em 1904.

-Exibe um aspecto... formidável -comentou com cortesia ao observar os olhos desaprovadores e o cenho franzido.

-Certamente -Coco riu com alegria-. E tenho entendido que foi desumano em sua juventude. Só lembrança ao Fergus Calhoun como a um ancião tremente que discutia com as sombras. Em 1945 o meteram em uma residência, depois de que tratasse de lhe pegar um tiro ao mordomo por servir oporto mau. Estava bastante louco… o avô -explicou-. Não o mordomo.

-Já... vejo.

-Viveu outros doze anos na residência, o qual o aproximou dos noventa anos. Os Calhoun, ou têm largas vidas ou morrem tragicamente jovens -cruzou suas largas pernas-. Conheci seu pai.

-A meu pai?

-Certamente. Assim que. Em nossa juventude assistimos a algumas das mesmas festas. Recordo em uma ocasião dançar com ele em uma festa no Newport. Era llamativamente atrativo, fatalmente encantador. Fiquei rendida -sorriu-. Você se parece muito a ele.

-Deveu ser torpe para deixar que se escorresse assim por entre seus dedos.

Um deleite puramente feminino cintilou nos olhos dela.

-Tem toda a razão -riu-. Como está Trenton?

-Bem. Acredito que se tivesse precavido da Conexão existente, não me teria passado o trato .

Ela arqueou uma sobrancelha. Como mulher que seguia as páginas de sociedade e de rumores de forma religiosa, era bem consciente do divórcio complicado pelo que passava St. James pai.

-O último matrimônio não prosperou?

Absolutamente era um segredo, mas, não obstante, incomodou ao Trent.

-Não. Quando fale com lhe dou saudações de sua parte?

-Por favor, faça-o -pensou que era um ponto doloroso e o soslayó com ligeireza-. Como é que se encontrou com o C.C.?

«O destino», pensou ele, e a ponto esteve de dizê-lo.

-Encontrei-me necessitando seus serviços... ou, melhor dizendo, meu carro. Não estabeleci imediatamente a relação entre o Automoción C.C. e Catherine Calhoun.

-Quem poderia culpá-lo? -comentou Coco com um gesto da mão-. Espero que não tenha sido... ah, intensa.

-Sigo com vida para falar do tema. É evidente que sua sobrinha não está convencida de vender.

-Assim é -C.C. entrou empurrando um carrinho do chá, para detê-lo com brutalidade entre os dois sofás-. E me convencer vai requerer algo mais que um escorregadio relacione públicas de Boston.

-Catherine, não há desculpa nenhuma para a grosseria.

-Não passa nada -Trent se recostou-. Começo a me acostumar a ela. Todas suas sobrinhas são tão... veementes, senhora McPike?

-Coco, por favor -murmurou-. Todas são mulheres encantadoras -ao elevar a bule, olhou ao C.C. com uma expressão de advertência -Não tem trabalho, querida?

-Pode esperar.

-Mas solo trouxeste serviço para dois.

-Eu não desejo nada -acomodou-se sobre o apoyabrazos do sofá e cruzou os braços.

-Bom, então. Leite ou limão, Trenton.

-Limão, por favor.

 

Cruzando sua larga perna, com botas, C.C. observou-os beber chá e conversar de coisas sem importância. «Uma conversação inútil», pensou com acritud. Era o tipo de homem que da infância tinha sido treinado para sentar-se em um salão e falar de naderías.

Jogaria , ao polo, possivelmente ao golfe. O mais provável era que tivesse mãos como as de um bebê. Baixo esse traga para medida, seu corpo seria brando e sem vida. Os homens como ele não trabalhavam, não suavam, não sentiam. Permanecia todo o dia detrás de seu escritório, comprando e vendendo, sem pensar jamais em quão vistas afetava. Nos sonhos e esperanças que criava ou destruía.

Não ia manipular a vida dela. Não ia cobrir as paredes muito queridas e gretadas com estuque e uma capa de pintura brilhante. Não ia converter a velha sala de baile em um clube noturno. Não ia tocar nenhuma só madeira do estou acostumado a desgastado.

Ela se encarregaria disso e dele.

«Vá situação», decidiu Trent. Respondeu à conversação social de Coco enquanto a Reina das Amazonas, tal como tinha começado a pensar no C.C., sentava-se no velho sofá, movendo uma perna e lhe lançando adagas pelos olhos. Pelo general se teria desculpado e teria voltado para Boston para lhe passar todo o negócio a seus agentes. Mas fazia muito tempo que não se enfrentava a um verdadeiro desafio. Pensou que talvez necessitasse esse para recuperar o brio.

O lugar em si mesmo era assombroso... quase em ruínas. Do exterior parecia uma mescla de mansão de campo inglesa com o castelo da Drácula. Torre e minaretes de pedra cinza se elevavam para o céu. As gárgulas, uma das quais se achava decapitada, sorriam com expressão perversa em seus parapeitos. Todo isso parecia coroar uma casa de granito de três novelo, com alpendres e balcões. Sobre o quebra-mar se construiu uma pérgola. A rápida olhada que Trent tinha podido lhe lançar tinha provocado imagens de uma casa de banhos romana, por razões que não conseguia compreender.

Teria que ter sido feia. De fato, teria que ter sido espantosa. Entretanto, não o era. Resultava desconcertante, atrativa.

O modo em que o cristal das janelas cintilava como água de um lago sob o sol, as flores em qualquer parte agitadas pela brisa, a hera que subia com paciência por essas paredes de granito. Não tinha sido difícil, nem sequer para um homem de mente pragmática, imaginar veladas para tomar o chá nos jardins. As mulheres flutuando sobre a grama com seus chapéus de palha e vestidos de organdi, enquanto se escutava a música de harpas e violinos.

E além disso estava a vista, que inclusive no breve trajeto do carro até a entrada principal o tinha deixado sem fala.

Pôde compreender por que seu pai tinha querido comprar a casa e se achava disposto a investir as centenas de milhares de dólares que fariam falta para restaurá-la.

-Mais chá, Trenton? -inquiriu Coco.

-Não, obrigado -lhe deu de presente um sorriso cativante-. Pergunto-me se poderia percorrer a casa. O que vi até agora é fascinante.

C.C. emitiu um bufido que Coco fingiu não ouvir.

-Certamente, será um prazer mostrar-lhe levantou-se e, com as costas para o Trent, olhou a sua sobrinha sem parar de mover as sobrancelhas-. C.C., não deveria voltar para trabalho?

-Não -incorporou-se e com uma brusca mudança de tática, sorriu-. Eu acompanharei ao senhor St. James, tia Coco. Já quase é hora de que os meninos voltem do colégio.

Coco olhou o relógio que havia no suporte, que semanas antes se parou às onze menos vinte e cinco.

-OH, bom...

-Não se preocupe por nada -dirigiu-se para a porta e com gesto imperioso indicou ao Trent que a seguisse-. Senhor St. James? -partiu diante dele pelo corredor e logo por uma escada-. Começaremos por acima, parece-lhe? -sem olhar atrás, continuou, convencida de que ele ficaria a ofegar no terceiro lance.

Ficou decepcionada.

Subiram o último lance circular até a torre mais alta. C.C. fechou a mão sobre o pomo e empurrou a grosa porta de carvalho com o ombro. Com vários rangidos, abriu-se.

-A torre encantada -anunciou com tom empolado e entrou em pó e os ecos. A habitação circular se achava vazia à exceção de umas robustas e por fortuna vazias armadilhas para ratos.

-Encantada? -repetiu Trent, disposto a lhe seguir a corrente.

-Minha bisavó tinha seu refúgio aqui acima -ao falar, aproximou-se da janela curva-. Diz-se que estava acostumado a sentar-se aqui, olhando por volta do mar enquanto adoecia por seu amado.

-Grandiosa vista -murmurou Trent. Era uma queda vertiginosa até os penhascos e a água que rompia abaixo-. Muito dramático.

-OH, aqui nos sobra o drama. Ao parecer a bisavó não pôde suportar mais tempo o engano e se atirou por esta mesma janela -sorriu com gesto presunçoso-. Nas noites tranquilas a pode ouvir caminhar por aqui enquanto chora por seu amado perdido.

-Poderá-se incorporar ao folheto.

-Eu não consideraria os fantasmas bons para os negócios -colocou as mãos nos bolsos

-Justamente o contrário -sorriu-. Seguimos?

Com os lábios apertados, C.C. saiu da habitação. Agarrou o trinco com ambas as mãos e se preparou para atirar com força. Quando a mão do Trent se fechou sobre as suas, sobressaltou-se como se a tivessem queimado.

 

-Eu posso fazê-lo -murmurou. Abriu muito os olhos ao sentir que o corpo dele a roçava. Trent a rodeou com o outro braço, encerrando-a, lhe provocando um tombo do coração.

-Parece mais o trabalho para duas pessoas -Trent atirou com força, fazendo que tanto a porta como C.C. dirigissem-se para ele.

Permaneceram dessa maneira um momento, como amantes que contemplassem um crepúsculo. Descobriu que aspirava o aroma do cabelo do C.C. enquanto suas mãos seguiam fechadas sobre as dela. Pela mente lhe aconteceu que era uma mulher surpreendentemente sexy... até que ela saltou como um coelho e se apoiou contra a parede.

-Está torcida -manifestou C.C.; tragou saliva com a esperança de que a voz não lhe grasnasse-. Tudo aqui está torcido, quebrado ou a ponto de desintegrar-se. Nem sei por que lhe passa pela cabeça querer comprá-la.

Trent notou que tinha a cara pálida como a água, o que lhe dava uma maior profundidade a seus olhos. A inquietação assustada que via neles parecia mais do que podia justificar a porta torcida de uma torre.

-Comporta-as se podem reparar ou substituir -curioso, avançou um passo para ela e viu que ficava tensa como se fora a receber um golpe-. O que lhe passa?

-Nada -sabia que se voltava a tocá-la sairia disparada como um foguete pelo que ficava do teto-. Nada -repetiu-. Se quer ver algo mais, será melhor que baixemos.

C.C. suspirou enquanto o seguia pela escada de caracol. O corpo ainda lhe palpitava de forma estranha, como se tivesse passado uma mão por um cabo elétrico. «Sem tempo suficiente para te queimar», pensou, «mas sim para reconhecer o poder».

Chegou à conclusão de que eram dois motivos para desfazer-se logo do Trenton St. James.

Levou-o pela planta superior, pela asa dos criados, as habitações destinadas a armazéns, certificando-se de assinalar todas as gretas, a madeira podre, os danos causados pelos roedores. Satisfez-a que fizesse frio e houvesse um pouco de umidade. Gratificou-a ainda mais ver que o traje dele se manchou de pó e que seus sapatos Perdessem com rapidez seu brilho.

Trent apareceu a uma habitação lotada com caixas de móveis e vasilhas rotas.

-Alguém repassou o que há aqui?

-OH, algum dia nos tocará -viu como uma aranha grande se afastava da luz-. Quase todos estes quartos levam mais de cinquenta anos fechados... desde que meu bisavô se voltou louco.

-Fergus.

-Exato. A família só utiliza as dois primeiras novelo, e reparamos à medida que se faz necessário -passou um dedo por uma greta de três centímetros na parede-. Suponho que se pode dizer que se não o virmos, não nos preocupa. E o teto não nos tem cansado na cabeça. Ainda -notou que ele a estudava e sorriu-. por aqui há mais -desejava lhe mostrar a habitação onde tinha parecido plástico para cobrir as janelas rotas.

Trent caminhou ao lado dela, com cuidado em um ponto em que tinham fixado uns tabuleiros de madeira no chão em cima de um buraco. Uma porta alta e arqueada captou sua atenção, e antes de que C.C. pudesse detê-lo, tinha a mão no trinco.

-Aonde conduz isto?

-OH, a nenhum lado -começou, e amaldiçoou quando ele a abriu. Viram-se invadidos por um fresco ar primaveril. Trent saiu à estreita terraço de pedra e se encaminhou para os degraus de granito-. Não sei quão seguros são.

-Muito mais que o chão do interior -comentou ele por cima do ombro.

Com um juramento, C.C. cedeu e subiu detrás.

-É fabuloso -murmurou Trent ao deter-se no largo corredor que havia entre minaretes-. Realmente fabuloso.

Razão pela que C.C. não tinha querido que o visse. manteve-se atrasada com as mãos nos bolsos enquanto ele se apoiava e aparecia por cima da parede de pedra que chegava até a cintura.

Podia ver as profundas águas azuis da baía com os navios que cintilavam em sua superfície. O vale, brumoso e misterioso, estendia-se como um conto de fadas. Uma gaivota, pouco mais que um borrão branco, sobrevoou a baía em direção ao mar.

-Incrível -o vento lhe agitou o cabelo enquanto avançava pelo corredor, baixava um lance de degraus e ascendia outro. De ali era o Atlântico, selvagem, açoitado pelo vento e maravilhoso. O som da interminável guerra que mantinha com as rochas de abaixo reverberava como o trovão. Pôde ver que havia portas espaçadas a intervalos regulares, mas nesse momento não lhe interessava o interior. Alguém, supôs que da família, tinha colocado cadeiras, mesas, vasos de barro com novelo-. É espetacular -voltou-se para o C.C.-. acostuma-se a isto?

-Não -encolheu-se de ombros-. Termina por te voltar territorial.

-É compreensível. Surpreende-me que alguma de vocês passe tempo dentro.

Com as mãos ainda nos bolsos, C.C. reuniu-se com ele junto ao muro.

-Não é sozinho a vista. É o fato de que sua família, gerações inteiras, esteve aqui. Igual à casa, que resistiu o tempo, o vento e o fogo -seu rosto se suavizou ao olhar abaixo-. Os meninos estão em casa.

Trent baixou a vista para ver duas figuras pequenas correr pela grama em direção a pérgola. O som de sua risada foi transportado pelo vento.

-Alex e Jenny -explicou ela-. São os filhos de minha irmã Suzanna. Também eles estiveram aqui -olhou-o-. Isso significa algo.

-O que pensa sua mãe sobre a venda?

 

C.C. apartou a cara ao tempo que a culpabilidade e a frustração lutavam pelo controle.

-Estou segura de que você já o perguntará. Mas se a pressiona -girou a cabeça com brutalidade e o cabelo voou em torno de sua cabeça-, se a pressionar de qualquer maneira, responderá ante mim. Não deixarei que a voltem a manipular.

-Não tenho intenção de manipular a ninguém.

-Os homens como você fazem uma carreira da manipulação -riu com amargura-. Se acreditar que se encontrou com quatro mulheres necessitadas, senhor St. James, volte a refletir. As Calhoun podem cuidar de si mesmos, e dos seus.

-Não me cabe dúvida, em especial se suas irmãs forem tão desagradáveis como você.

C.C. entrecerró os olhos e fechou as mãos. Teria atacado nesse instante, mas a suas costas ouviu seu nome em um sussurro.

Trent viu que uma mulher saía por uma das portas. Era tão alta como C.C., mas esbelta, com um aura tão frágil que despertou seu instinto protetor inclusive antes de dar-se conta. O cabelo, que lhe chegava até os ombros; era de um loiro pálido e lustroso, os olhos, do azul profundo de um céu estival, emitiam um ar de equanimidade e serenidade, até que se olhava com mais atenção e neles se via um coração quebrado.

Apesar da diferença de cor no cabelo, havia um parecido na forma da cara, nos olhos e na boca, que fez que Trent soubesse que nesse momento conhecia uma das irmãs do C.C.

-Suzanna -C.C. interpôs-se entre sua irmã e Trent, para protegê-la.

Suzanna sorriu, com uma expressão tanto divertida como impaciente.

-A tia Coco me pediu que subisse -apoiou uma mão no braço do C. C. para aplacá-la-. Você deve ser o senhor St. James.

-Sim -aceitou a mão que lhe ofereceu, e o assombrou descobrir que era dura, forte e tinha calos.

-Sou Suzanna Calhoun Dumont. vai ficar conosco uns dias?

-Sim. Sua tia foi tão amável de me convidar.

-Bastante ardilosa -corrigiu com um sorriso enquanto passava um braço pelos ombros de sua irmã-. Acredito que C.C. ofereceu-lhe um percurso parcial da casa.

-Um percurso fascinante.

-Será um prazer continuá-lo eu daqui -apertou levemente o braço de sua irmã-. A tia Coco necessita um pouco de ajuda abaixo.

-Não precisa ver nada mais agora -arguiu C.C.-. Parece cansada.

-Absolutamente. Mas o estarei se a tia Coco me obriga a revisar toda a casa em busca da bandeja Wedgwood para o peru.

-Muito bem -lançou- um olhar fulminante ao Trent-. Não terminamos.

-Sob nenhum conceito -conveio e sorriu para si mesmo quando ela partiu fechando a porta com força-. Sua irmã tem uma personalidade muito... comunicativa.

-É uma briguenta -indicou Suzanna-. Todas o somos, nas circunstâncias adequadas. A maldição dos Calhoun -girou a cabeça para ouvir o som das risadas de seus filhos-. Não é uma decisão fácil, senhor St. James, seja qual for a que se tome. Como tampouco é, para nenhuma de nós, uma decisão de negócios.

-Isso entendi. Para mim tem que ser uma de negócios.

Ela sabia muito bem que para alguns homens os negócios eram o primeiro e o último.

-Então suponho que o melhor é que vamos passo a passo -abriu a porta que C.C. tinha fechado com força-. por que não lhe mostro onde vai alojar se?

 

-E bem, como é? -Lilah Calhoun cruzou suas largas pernas sobre o braço do sofá e apoiou a cabeça no outro. A meia dúzia de braceletes que levava no braço soou ao assinalar ao C.C.-. Carinho, hei-te dito que pôr essa careta só produz rugas e más vibrações.

-Se não querer que a ponha, não me pergunte por ele.

-De acordo, o perguntarei a Suzanna -desviou seus olhos verde mar para sua irmã maior-. Solta-o.

-Atrativo, educado e inteligente.

-De modo que é um cocker spaniel -Lilah suspirou-. E eu que esperava um pitbull. Quanto tempo vamos ter o?

-A tia Coco se mostra um pouco vaga nos detalhes -Suzanna olhou a suas irmãs com expressão divertida-. O que significa que não o vai dizer.

-Possivelmente Mandy consiga lhe surrupiar algo -Lilah moveu os dedos de seus pés descalços e fechou os olhos. Era o tipo de mulher que sentia que havia algo intrinsecamente mau com qualquer que se tombasse em um sofá e não dormitasse.

-Acredito que deveríamos nos desfazer dele -C.C. levantou-se e, para manter as mãos inquietas ocupadas, ficou a acender um fogo.

-Suzanna já comentou que tentou atirá-lo pelo parapeito.

 

-Não -corrigiu aquela-. Pinjente que a detive antes de que lhe ocorresse atirá-lo -incorporou-se para lhe entregar ao C.C. os fósforos para a chaminé-. E assim como estou de acordo em que é incômodo o ter aqui quando nos encontramos tão indecisas, já, não há marcha atrás. O menos que podemos fazer é lhe dar a oportunidade de que exponha sua oferta.

-Sempre uma pacificadora -murmurou Lilah sonolenta, sem precaver-se da careta que provocou em sua irmã-. Bom, possivelmente não faça falta agora que viu todo o lugar.

Minha conjetura é que expor alguma desculpa inteligente e retornará a Boston.

-Quanto antes, melhor -murmurou C.C. enquanto observava como as chamas lambiam a madeira.

-Jogou-me -anunciou Amanda. Entrou na habitação com a mesma celeridade que empregava para todo o resto. Se meso o cabelo castanho claro que chegava ao queixo e se acomodou sobre o apoyabrazos de uma poltrona-. Tampouco quer falar -as mãos inquietas atiraram da saia de seu traje de trabalho-. Mas sei que trama algo, algo mais que um transação imobiliária.

-A tia Coco sempre trama algo -Suzanna se dirigiu ao antigo armário Belker para lhe servir a sua irmã um copo com água mineral-. Nunca a vê mais feliz que quando trama algo.

-Pode que seja verdade. Obrigado -acrescentou, aceitando o copo-. Mas me ponho nervosa quando não consigo atravessar seu guarda -pensativa, bebeu e logo olhou a suas irmãs-. tornou a usar a baixela do Limoges.

-A Limoges? -Lilah se incorporou sobre os cotovelos-. Não a empregamos da festa de compromisso da Suzanna -teve vontades de mordê-la língua-. Sinto muito.

-Não seja tola -repôs Suzanna-. Não recebeu a muita gente nos últimos dois anos. Estou segura de que é algo que sentiu falta de. O mais provável é que esteja entusiasmada por ter companhia.

-O não é companhia -interveio C.C.-. Não é mais que um aporrinho...

-Senhor St. James -Suzanna se levantou com rapidez, cortando o final da opinião de sua irmã.

-Trent, por favor -sorriu-lhe, logo com ironia ao C.C.

Tinha desfrutado de todo um espetáculo antes de que Suzanna o visse na soleira. As mulheres Calhoun reunidas, e por separado, eram um conjunto que qualquer homem que respirasse tinha que apreciar. Com suas pernas largas e esbeltas, estavam sentadas, de pé ou tombadas na habitação.

Suzanna estava de pé de costas à janela, e a última luz da tarde primaveril provocava um halo ao redor de seu cabelo. Haveria dito que se encontrava relaxada, salvo por um vestígio de tristeza nos olhos.

Não cabia dúvida de que a que se achava no sofá estava relaxada... e virtualmente dormida. Luzia uma saia larga de motivos florais que quase chegava aos pés descalços, e ao apartá-la arbusto de cabelo vermelho que caía até sua cintura o contemplou através de uns olhos sonolentos e divertidos.

Outra se sentava no apoyabrazos de uma poltrona, como a ponto de saltar e entrar em ação ante o som de uma campainha que solo ela podia ouvir. «Competente e profissional», pensou a primeira vista. Seus olhos não eram sonhadores nem tristes, a não ser calculadores.

Logo vinha C.C. Tinha estado sentada na chaminé de pedra, com o queixo sobre as mãos, ruminando como uma Cinzenta moderna. Mas notou que se incorporou com rapidez, à defensiva, para ficar reta com o fogo à costas. Não era uma mulher que pudesse esperar com paciência até que um príncipe lhe pusesse o sapato de cristal no pé.

Imaginou que, silo tentava, daria-lhe uma patada na tíbia ou em algum lugar mais doloroso.

-Senhoras -saudou, mas com a vista cravada no C.C. sem sequer dar-se conta disso-. Catherine.

-Permita que o presente -interveio Suzanna com presteza-. Trenton St. James, minhas irmãs, Amanda e Lilah. O que lhe parece se lhe preparo uma taça enquanto...?

O resto do convite ficou afogado por um grito de guerra e pés que corriam. Como redemoinhos gêmeos, Alex e Jenny irromperam na habitação. Foi a má sorte o que quis que Trent estivesse na linha de fogo. Chocaram-se com ele como dois mísseis, enviando-o sobre o sofá em cima de Lilah.

Ela simplesmente não e reconheceu que era um prazer conhecê-lo.

-Lamento-o tanto -Suzanna sujeitou aos dois meninos e olhou ao Trent com simpatia-. Encontra-se bem?

-Sim -desenredou-se e ficou de pé.

-São meus filhos, Desastre e Calamidade -sujeitava-os com um firme braço maternal-. Lhes desculpe.

-Sentimo-lo -disseram-lhe. Alex, uns centímetros mais alto que sua irmã, elevou a vista entre um arbusto de cabelo negro-. Não o vimos.

-Não -conveio Jenny, esboçando um sorriso cativante.

Suzanna decidiu que os repreenderia logo por entrar na carreira em uma habitação e os guiou para a porta.

-Ides perguntar lhe à tia Coco se o jantar estiver preparado. Vamos! -acrescentou com firmeza mas sem esperança.

Antes de que ninguém pudesse reatar a conversação, ouviu-se um som metálico e ensurdecedor.

-Santo céu -murmurou Amanda sobre o copo-. tornou a tirar o gongo.

-O jantar está preparado -se havia algo que podia fazer que Lilah se movesse com rapidez, era a comida. incorporou-se, passou o braço pelo do Trent e lhe sorriu-. Mostrarei-lhe o caminho. me diga, Trent, o que opina sobre as projeções astrais?

-Ah... -olhou por cima do ombro e viu que C.C. sorria.

 

A tia Coco se superou. A baixela resplandecia. O que ficava do faqueiro de prata, que tinha sido um presente de bodas para a Bianca e Fergus, resplandecia. Sob a luz do candelabro Waterford, o cordeiro despertava aos mortos. antes de que nenhuma de suas sobrinhas pudesse realizar comentário algum, lançou-se a uma conversação cortês.

-É um jantar formal, Trenton, Resulta tão mais acolhedora. Espero que sua habitação seja adequada.

-É perfeita, obrigado -e o era; grande como um celeiro, com correntes de ar e um buraco do tamanho do punho de um homem no teto. Entretanto, a cama era larga e suave como uma nuvem. E a vista... -. Desde minha janela vejo algumas ilhas.

-As ilhas Porcupine -indicou Lilah, lhe passando uma cesta de prata com pão-doces.

Como um falcão, Coco os observou a todos. Queria ver um pouco de química, um pouco de calor. Lilah paquerava com ele, mas não albergava muitas esperanças. Lilah paquerava com os homens em geral, e não emprestava mais atenção ao Trent que ao menino que levava a compra do supermercado.

Não, ali não havia nenhuma faísca. Por parte de nenhum. «Uma descartada», pensou com filosofia. «Ficam três».

-Trenton, sabia que Amanda também está no negócio hoteleiro? Todas estamos tão orgulhosas de nossa Mandy -olhou a sua sobrinha-. É uma excelente mulher de negócios.

-Sou diretora anexa do Bay Watch, no Village -o sorriso da Amanda era equânime e amigável, a mesma que daria a qualquer turista arrasado um dia de muitas saídas-. Não tem a categoria de nenhum de seus hotéis, mas vai bastante bem durante a temporada alta. ouvi que vai acrescentar um shopping center no St. James Atlanta.

Coco franziu o cenho ao beber vinho enquanto eles falavam de hotéis. Não só não havia faísca, nem sequer se via um débil brilho. Quando Trent aconteceu com Amanda a gelatina de hortelã e suas mãos se roçaram, não se produziu nenhuma pausa trêmula, seus olhos não se encontraram. Amanda já se tornou para rir com a pequena Jenny e limpar o leite que esta tinha vertido.

«Ah!», pensou Coco entusiasmada. Trent lhe tinha sorrido ao Alex quando o menino se queixou de que as couves de bruxelas eram horríveis. «De modo que tem debilidade pelos meninos».

-Não tem por que as comer -indicou-lhe Suzanna a seu suspicaz filho enquanto o pequeno pinçava entre as batatas para certificar-se de que entre elas não tivesse escondido nada verde. Pessoalmente, sempre considerei que parecem cabeças encolhidas.

-E o são, mais ou menos -a ideia gostou, tal como sua mãe soube que aconteceria. Trespassou uma com o garfo, a levou a boca e sorriu-. Sou um canibal.

-Carinho -disse Coco-. Suzanna fez um trabalho maravilhoso como mãe. Parece ter uma habilidade inata com os meninos, ao igual a com as flores. Todos os jardins são obra dela.

-Canibal -repetiu Alex ao levar-se outra cabeça imaginária à boca.

-Toma, pequeno monstro -C.C. transladou suas verduras ao prato de seu sobrinho-. Aí chega uma nova remessa de missionários.

-Eu também quero alguns -queixou-se Jenny, logo sorriu ao Trent quando lhe aconteceu a bandeja.

Coco se levou uma mão ao peito. «Quem o teria adivinhado?, pensou. Seu Catherine. Sua pequena. Enquanto a conversação continuava a seu redor, recostou-se com um suspiro. Não podia estar equivocada. Quando Trent tinha cuidadoso a sua pequena, e ela a ele, não se tinha produzido uma faísca, a não ser algo mais parecido a uma conflagração.

Era verdade que C.C. tinha o cenho franzido, mas em um gesto tão apaixonado. E Trent fazia uma careta, mas uma careta tão pessoal. «Decididamente íntima», concluiu Coco.

Sentada ali, observando-os enquanto Alex devorava suas pequenas cabeças decapitadas e Lilah e Amanda discutiam sobre a possibilidade de vida em outros planetas, Coco quase podia ouvir os pensamentos amorosos que C.C. e Trent se transmitiam.

Sorriu-lhes com ternura enquanto em sua cabeça soava a Marcha Nupcial. Como um general que planeja a estratégia, esperou até que terminaram o café e a sobremesa para lançar sua seguinte ofensiva.

-C.C., por que não ensina ao Trenton os jardins?

-O que? -elevou a vista da batalha amigável que mantinha com o Alex pelo último bocado do bolo.

-Os jardins -repetiu Coco-. Não há nada como um pouco de ar fresco depois de uma comida. E as flores se veem deliciosas à luz da lua.

-Que o leve Suzanna.

-Sinto muito -Suzanna já elevava em braços a uma Jenny sonolenta-. Tenho que preparar a estes dois para ir-se à cama.

-Não vejo por que... -C.C. calou ao ver a reprimenda nos olhos de sua tia-. OH, de acordo -levantou-se-. Vamos, então -disse ao Trent, e empreendeu a marcha sem esperá-lo.

-Foi um jantar delicioso, Coco. Obrigado.

-Foi um prazer -repôs com expressão feliz ao imaginar palavras sussurradas e beijos suaves e secretos-. Desfrute dos jardins.

Trent saiu pelo ventanal para encontrar ao C.C. de pé, movendo com impaciência uma bota sobre a pedra. «É hora de que alguém lhe ensine bons maneiras à bruxa de olhos verdes».

-Não sei nada sobre flores -expôs ela.

-Nem sobre simples cortesia.

 

-Escute, amigo -elevou o queixo.

-Não, você escute, amiga -soltou a mão e tomou pelo braço-. Caminhemos. Os meninos poderiam nos ouvir e não acredito que estejam preparados para isto.

Era mais forte do que ela tinha imaginado. Dirigiu-a, sem emprestar atenção às maldições que C.C. murmurou. Saíram da terraço a um dos atalhos que serpenteavam pelo flanco da casa. junto à grade se balançavam os narcisistas e os jacintos.

Ele se deteve sob uma árvore no que dentro de um mês cresceriam glicinas. C.C. não sabia se o rugido que ouvia na cabeça se devia ao som do mar ou ao de seu mau humor.

-Não volte a repeti-lo jamais -elevou uma mão para esfregar ali onde se cravaram os dedos dele-. É possível que consiga dirigir às pessoas em Boston, mas aqui não. Nem comigo nem com ninguém de minha família.

Ele se conteve, fracassando em seu intento de controlar seu temperamento.

-Se me conhecesse, ou soubesse o que faço, saberia que não tenho por costume dirigir a ninguém.

-Sei exatamente o que faz.

-Executar as hipotecas das viúvas e os órfãos? Cresça, C.C.

-Pode ver os jardins você sozinho -apertou os dentes-. Volto dentro.

O simplesmente se moveu para lhe bloquear o passo. À luz da lua, os olhos dela brilhavam como os de um gato. Quando levantou as mãos para empurrá-lo, Trent lhe sujeitou as bonecas. No breve esforço que seguiu, notou que a pele do C. C. era da cor da lecha fresca e quase tão suave.

-Não terminamos -sua voz irradiou uma firmeza que já não estava oculta sob uma pátina de cortesia-. Terá que aprender que quando se mostra grosseira de propósito, há um preço que pagar.

-Quer uma desculpa? -espetou-. Muito bem. Sinto não ter nada que lhe dizer que não seja grosseiro ou insultante.

Trent sorriu, surpreendendo-os a ambos.

-É você toda uma peça, Catherine Colleen Calhoun. Por minha vida que não sei por que intento ser razoável com você.

-Razoável? -grunhiu-. Chama razoável atirar de mim, abusar de mim...?

-Se isto lhe parecer um abuso, levou uma vida muito protegida.

-Minha vida não é assunto dele -afirmou ficando tinta.

-Graças a Deus.

Ela flexionou os dedos e os fechou. Odiou o fato de que sob o contato dele seu pulso martilleara ao dobro de velocidade.

-Quer me soltar?

-Só se prometer não escapar à carreira -viu-se perseguindo-a, e a imagem lhe resultou abafadiça e atrativa ao mesmo tempo.

-Não escapo de ninguém.

-Dito como uma verdadeira amazona -murmurou, soltando-a. Solo uns reflexos rápidos lhe permitiram esquivar o punho pontudo a seu nariz-. Suponho que deveria ter considerado esta reação. considerou alguma vez manter uma conversação inteligente?

-Não tenho nada que lhe dizer -sentia-se envergonhada de ter tratado de golpeá-lo e furiosa por ter falhado-. Se quer falar, vá fazer lhe a bola à tia Coco um momento mais -deixou-se cair em um banco de pedra pequeno que havia sob a árvore-. Melhor ainda, volte para Boston a flagelar a um de seus subordinados.

-Isso posso fazê-lo quando gostar -moveu a cabeça e, convencido de que arriscava a vida, sentou-se ao lado dela.

Havia azaleas e gerânios que ameaçavam florescendo a seu redor. Ele pensou que teria que ter sido um lugar aprazível. Mas, ao sentar-se e cheirar a tenra fragrância das flores primaveris mesclada com o aroma do mar e escutar a um pássaro noturno chamar a seu casal, pensou que nenhuma junta diretiva tinha sido jamais tão hostil ou tensa.

-Pergunto-me onde desenvolveu uma opinião tão elevada de mim -«e por que», acrescentou para si mesmo, «parece importar tanto».

-Apresenta-se aqui...

-Aceitando um convite.

-Não minha -jogou a cabeça atrás-. Chega com seu grande carro e seu traje sério, preparado para me arrebatar meu lar.

-Vim -corrigiu- para observar em pessoa uma propriedade. Ninguém, e menos eu, pode as obrigar a vender.

Consternada, ela pensou que se equivocava. Havia pessoas que podiam as forçar a vender. As pessoas que arrecadavam os impostos, as que emitiam as faturas da eletricidade e o telefone, as do empréstimo que se viram obrigadas a pedir hipotecando a casa. Toda sua frustração, e temor, centrava-se no homem que tinha ao lado.

-Conheço as pessoas como você -murmurou-. Nascidas ricas e por cima da gente corrente. Sua única meta na vida é ganhar mais dinheiro, sem importar a quem afetam ou a quem pisoteiam com isso. Celebram grandes festas, têm casas veraniegas e amantes chamadas Fawn.

-Jamais conheci a alguém chamado Fawn -com inteligência, tragou-se a risita que teve vontades de soltar.

-OH, o que importa? -levantou-se para ficar a caminhar junto ao banco-. Kiki, Vanessa, Aia, é o mesmo.

-Se você o disser -teve que reconhecer que tinha um aspecto magnífico envolta na luz da lua como se fora um fogo branco. A atração que sentia o irritava o bastante, mas seguiu sentado. recordou-se que havia muito que fazer. E C.C. Calhoun representava o principal obstáculo. prometeu-se que seria paciente-. Me diga como é que conhece tanto sobre as pessoas como eu.

-Porque minha irmã se casou com um dos seus.

-Com o Baxter Dumont.

-Conhece-o? -então moveu a cabeça e colocou as mãos nos bolsos-. Uma pergunta estúpida. O mais provável é que jogue golfe com ele todas as quartas-feiras.

-Não, em realidade apenas nos conhecemos. Mas bem, sei dele e de sua família. Também sou consciente de que sua irmã e ele têm divorciados mais ou menos um ano.

-Fez de sua vida um inferno, destroçou-lhe a auto-estima e logo a deixou junto com seus filhos por um bombom francês. E como é um advogado importante procedente de uma família importante, a minha irmã não ficou nada mais que uma miserável pensão para manter aos meninos e que todos os meses chega tarde

-Lamento o que aconteceu com sua irmã -ficou de pé. Sua voz já não soava cortante, a não ser fatalista-. O matrimônio às vezes é a menos agradável de tudo os transações de negócios. Mas o comportamento do Baxter Dumont não significa que cada membro de cada família proeminente de Boston careça de ética ou de moral.

-Desde meu ponto de vista, todos são iguais.

-Então possivelmente deva trocar de perspectiva. Mas não o fará, porque também você é obstinada e pertinaz em suas opiniões.

-Porque sou o bastante inteligente para ver além de sua fachada.

-Não sabe nada de mim, e os dois sabemos que lhe causei um profundo desagrado antes inclusive de que conhecesse meu nome.

-Eu não gostei de seus sapatos.

Isso o freou em seco.

-Perdoe?

-Já me ouviu -cruzou os braços e compreendeu que começava a passar-lhe bem-. Eu não gostei de seus sapatos -baixou a vista-. E seguem sem me gostar de.

-Isso o explica tudo.

-Tampouco eu gostei de sua gravata -cravou um dedo nela e passou por cima o brilho de fúria nos olhos dele-. Nem sua chamativa pluma de ouro -com suavidade deu com o punho fechado contra o bolso do peitilho.

-Diz uma perita em moda -estudou os jeans dela, gastos nos joelhos, a camiseta e as botas.

-É você quem está desconjurado aqui, senhor St. James III.

O se aproximo um passo. C.C. esboço um sorriso de desafio.

-Suponho que se veste como um homem porque não tem descoberto como comportar-se como uma mulher.

Isso a encrespou ainda mais.

-O fato de saber me defender em vez de me jogar em seus pés não faz que seja menos mulher.

-É assim como chama a isto? -agarrou-lhe os antebraços-. Defender-se?

-Exato. Eu... -calou quando a aproximou mais. Seus corpos chocaram. Em seus olhos reinou a confusão-. O que acredita que está fazendo?

-Provar a teoria -observou a boca dela. Tinha uns lábios sensuais, entreabertos. Muito tentadores-perguntou-se por que não os tinha notado antes. Essa boca grande e agressiva do C.C. era muito arrebatadora.

-Não se atreva -sua intenção era que soasse a ordem, mas a voz lhe tremeu.

-Tem medo? -imobilizou-a com os olhos.

-É obvio que não -repôs com rigidez-. O que passa é que preferiria que me beijasse uma mofeta raivosa -quis apartar-se, mas voltou a encontrar-se pega a ele, com os olhos e a boca alinhados, o fôlego quente misturando-se.

Ele não tinha tido intenção de beijá-la, sob nenhum conceito, até que escutou o último insulto.

-Nunca sabe quando deve deixá-lo, Catherine. É um defeito que a vai meter em problemas, começando por agora mesmo.

Ela não tinha esperado que a boca dele fora tão ardente, dura, faminta. Tinha pensado que o beijo seria sofisticado e suave. Que poderia resisti-lo e esquecê-lo com soma facilidade. Mas se tinha equivocado. Beijá-lo era como deslizar-se em prata fundida. Ao ofegar em busca de ar, ele potencializou o beijo com a profunda introdução da língua, para atormentá-la e provocá-la. Catherine tentou limpar a cabeça, mas o único que conseguiu foi modificar o ângulo. As mãos que tinha elevado aos ombros dele em protesto, rodearam-lhe o pescoço com gesto possessivo.

Trent tinha querido lhe dar uma lição... embora já tinha esquecido sobre o que. Mas ele aprendeu. Aprendeu que algumas mulheres, essa em particular, podiam ser fortes e suaves, irritadoras e encantadoras, tudo ao mesmo tempo. Enquanto as ondas rompiam abaixo, sentiu-se esmurrado pelo inesperado. E o não desejado.

Estupidamente, pensou que poderia sentir a luz das estrelas na pele dela, provar o pó de lua em seus lábios. O gemido rouco que ouviu foi emitido por ele. Elevou a cabeça e a moveu como se queria limpar uma bruma de seu cérebro. Via os olhos escuros dela que o olhavam aturdidos.

-Peço-lhe desculpas -surpreso por sua ação, soltou-a com tanta rapidez que ela trastabilló para trás-. foi completamente indesculpável.

Catherine não pôde dizer nada. Muitas sensações lhe atendiam a garganta. Realizou um gesto de impotência com as mãos que fez que ele se sentisse um miserável.

 

-Catherine... me crie, não tenho por costume... -teve que parar e pigarrear. deu-se conta de que queria repeti-lo. Queria lhe tirar o fôlego com um beijo; parecia tão perdida e necessitada. E formosa-. Sinto-o muito. Não voltará a acontecer.

-Eu gostaria que me deixasse sozinha -nunca em sua vida se havia sentido mais comovida. Ou devastada. Ele acabava de abrir uma porta a um mundo secreto, para voltar a fechar-lhe na cara.

-Muito bem -teve que controlar-se de lhe acariciar o cabelo. Retornou pelo atalho em direção à casa. Ao olhar atrás, ela seguia de pé onde a tinha deixado, com a vista cravada nas sombras, banhada pela luz da lua.

Seu nome é Christian. Uma e outra vez tornei a caminhar pelos penhascos, com a esperança de intercambiar umas poucas palavras com ele. Digo-me que se deve à fascinação que sinto pela arte, não pelo artista. Poderia ser verdade. Deve ser verdade.

Sou uma mulher casada e mãe de três filhos. E embora Fergus não é o marido romântico de meus sonhos juvenis, cuida de nós e às vezes é amável. Possivelmente há uma parte de mim, uma parte rebelde, que deseja não ter cedido à insistência de meus pais de realizar um matrimônio bom e apropriado. Mas é uma tolice, já que o ato tem consumado há mais de quatro anos.

É uma deslealdade comparar ao Fergus com um homem ao que logo que conheço. Mas aqui, em meu jornal privado, me deve permitir essa indulgência. Enquanto Fergus só pensa nos negócios, no seguinte trato ou dólar, Christian fala de sonhos, imagens e poesia.

Quanto desejou meu coração só um pouco de poesia.

Assim como Fergus, com sua generosidade distante e despreocupada, me deu de presente as esmeraldas o dia em que nasceu Ethan, em uma ocasião Christian me ofereceu uma flor silvestre. Guardei-a, pressionando-a entre estas páginas. Quanto melhor me sentiria levando-a em vez dessas gemas frite e pesadas.

Não falamos que nada íntimo, de nada que pudesse ser considerado impróprio. Entretanto, sei que o é. O modo em que me olhe, sorri-me, fala-me, é gloriosamente impróprio. O modo em que o busco nestas luminosas tardes estivais enquanto meus pequenos dormem não é a ação de uma esposa recatada. O modo em que me palpita o coração quando o vejo é uma clara deslealdade.

Hoje me sentei sobre uma rocha e o observei dirigindo o pincel, lhe dando a essas pedras rosas e cinzas, à água azul, vida no tecido. Havia um bote deslizando-se por sua superfície, tão livre e solitário. Por um momento imaginei aos dois nele, as caras ao vento. Não entendo por que tenho estes pensamentos, mas enquanto permaneceram comigo, claros como o cristal, perguntei seu nome.

-Christian -repos-. Christian Bradford. E você é Bianca.

A maneira em que pronunciou meu nome... como se nunca antes o houvessem dito. Jamais o esquecerei. Joguei com a erva que me sobressaía entre as gretas da rocha. Com a vista baixa, perguntei-lhe por que sua esposa jamais ia ver o trabalhar.

-Não tenho esposa -informou-me-, E a arte é meu única amante.

Não esteve bem que meu coração se inflamasse com suas palavras. Não esteve bem que sonriera, mas o fiz. E ele também. Se o destino me tivesse tratado deforma diferente, se de algum modo se pôde alterar o tempo e o lugar, teria podido amá-lo.

Acredito que não me teria ficado outra eleição que amá-lo.

E se ambos sabíamos, começamos a falar de coisas sem importância. Mas quando me incorporei, sabendo que meu tempo ali tinha chegado a seu fim esse dia, ele se inclinou e arrancou uma diminuta fibra de urze dourado e a colocou em meu cabelo. Por um momento, seus dedos flutuaram sobre minha bochecha e seus olhos se cravaram em meus. Então se apartou e me desejou um bom dia.

Agora escrevo com o abajur baixo, escutando a poderosa voz do Fergus enquanto lhe dá instruções a seu valete na porta do lado. Esta noite não virá, algo que agradeço. Dei-lhe três filhos, dois varões e uma menina. Ao lhe proporcionar um herdeiro, cumpri com meu dever, e ele não encontra frequentemente a necessidade de vir a meu leito. Igual aos meninos, eu tenho que estar bem vestida e bem educada, para ser apresentada nas ocasiões adequadas, como um bom clarete, ante seus convidados.

Suponho que não é muito pedir. É uma boa vida, uma que deveria me ter satisfeita. Possivelmente assim era, até aquele dia em que passeei pela primeira vez pelos penhascos.

De modo que esta noite dormirei sozinha em minha cama, e sonharei com um homem que não é meu marido.

 

«Quando não pode dormir, o melhor é te levantar». Isso é o que se disse C.C. ao sentar-se à mesa da cozinha a contemplar a saída do sol com sua segunda taça de café.

 

Tinha muitas coisas na cabeça, isso era tudo. Faturas, o Oldsmobile que devia arrumar aquela manhã, faturas, a iminente entrevista com o dentista. Mais fatura. Trenton St. James figurava muito atrás em sua lista de preocupações. Em alguma parte entre uma cárie potencial e um escapamento avariado.

Sob nenhum conceito perdia o sonho por ele. E um beijo, esse ridículo… acidente era a melhor palavra para descrevê-lo, nem sequer merecia um pensamento.

«Não me comporto como se nunca tivesse recebido um beijo», repreendeu-se. Embora nenhum tinha mostrado uma destreza tão impressionante. O que solo demonstrava que Trent tinha dedicado uma grande parte de sua vida a ter os lábios pegos aos de alguma mulher. Muitas mulheres.

Nesse momento pensou que tinha sido uma sacanagem. Em especial em meio do que tinha começado a ser uma discussão muito satisfatória. Os homens como Trent não sabiam como brigar com limpeza, com engenho e palavras e uma fúria honesta. Os ensinava a dominar, do modo que melhor funcionasse.

‘’Bom, pois funcionou», pensou ao passar um dedo por seus lábios. Tinha funcionado como um feitiço, porque durante um momento, um breve e trêmulo momento, ela havia sentido algo bonito... algo mais que a excitante pressão de seus lábios, mais que suas mãos possessivas.

Tinha estado em seu interior, debaixo do pânico e o prazer, mais à frente do redemoinho de sensações… um fulgor, quente e dourado, como um abajur na janela em uma noite tormentosa.

Logo ele tinha apagado esse abajur com um movimento rápido e indiferente, deixando-a outra vez na escuridão.

Afligida, pensou que poderia havê-lo odiado sozinho por isso, se já não tivesse suficientes motivos pelos que odiá-lo.

-Né, pequena -Lilah entrou com as calças cáqui de seu trabalho. Levava o arbusto de cabelo recolhimento em uma trança à costas. De cada orelha oscilava um trio de bolas de âmbar-. Levantaste-te logo.

-Eu? -C.C. esqueceu seu estado de ânimo o tempo suficiente para olhá-la com incredulidade-. É minha irmã ou uma impostora inteligente?

-Você deve julgá-lo.

-Deve ser uma impostora. Lilah Maeve Calhoun jamais se levanta antes das oito, exatamente vinte minutos antes de que tenha que sair correndo da casa para chegar cinco minutos tarde ao trabalho.

-Deus, ódio ser tão predecible. Meu horóscopo... -adiantou, enquanto inspecionava a geladeira-. Punha que hoje tinha que me levantar logo para contemplar a saída do sol.

-E o que te pareceu? -perguntou-lhe enquanto sua irmã ia para a mesa com uma lata de refresco frio e uma porção de bolo.

-Bastante espetacular -deu um bocado ao bolo-. Qual é sua desculpa?

-Não podia dormir.

-Algo que ver com o desconhecido que há no outro extremo do corredor?

C.C. franziu o nariz e tomou uma cereja do prato do Lilah.

-Os tipos como ele não me perturbam.

-Os tipos como ele foram criados para perturbar às mulheres, e terá que lhe dar as graças a Deus. De modo... -estirou as pernas e as apoiou em uma cadeira vazia. O grifo da cozinha voltava a gotejar, mas gostava do som-. Qual é a história?

-Não disse que houvesse uma.

-Não é necessário, tem-no gravado na cara.

-Simplesmente eu não gosto que esteja aqui, isso é tudo -incorporo-se para levar sua taça à pia-. É como se já nos queriam jogar de nossa casa. Sei que falamos que vender, mas tudo era tão vago e longínquo -voltou-se para sua irmã-. Lilah, o que vamos fazer?

-Não sei -os olhos do Lilah se nublaram. Era uma das poucas coisas pelas que não podia deixar de preocupar-se. Suas debilidades eram a casa e a família-. Suponho que poderíamos vender algumas das baixelas. E logo temos a prata.

-Isso partiria o coração da tia Coco.

-Sei. Mas existe a possibilidade de que tenhamos que vender peça detrás peça... ou dar um passo importante -comeu um pouco de bolo-. Apesar do muito que ódio dizê-lo, vamos ter que pensar muito, a sério e com pragmatismo.

-Mas, para que se converta em um hotel?

Lilah se encolheu de ombros.

-Isso não me causa nenhum problema moral profundo. A casa a construiu o louco Fergus para receber a um exército de convidados, com toda classe de pessoal para atendê-los. Parece-me que um hotel encaixa com o propósito original -suspirou ao observar a expressão do C.C.-. Sabe que adoro este lugar tanto como você.

-Sei.

O que Lilah não disse foi que lhe partiria o coração ter que vender, mas que estava preparada para fazer o que fora melhor para a família.

-Daremo-lhe ao magnífico senhor St. James um par de dias mais, logo celebraremos uma reunião familiar -animou com um sorriso ao C.C.-. Nós quatro juntas não podemos nos equivocar.

-Espero que tenha razão.

-Carinho, sempre tenho razão... é a pequena cruz que me toca levar -bebeu um sorvo do refresco-. E agora por que não me conta o que te produziu insônia.

-Acabo de fazê-lo.

 

-Não -com a cabeça inclinada, agitou o garfo em direção ao C.C.-. Não esqueça que Lilah o vê e sabe tudo... e o que não, averigua-o. Solta-o.

-A tia Coco fez que o levasse a jardim.

-Sim -Lilah sorriu-. É uma diablesa matreira. Deduzi que tramava algum romance. A lua, flores, o som distante da água ao romper sobre as rochas. Funcionou?

-Brigamos.

-É um bom começo. Pela casa?

-Por isso… e outras coisas.

-Quais?

-Nomes de amantes -murmurou C.C.-. Famílias importantes de Boston. Seus sapatos.

-Uma discussão eclética. As que eu prefiro. E logo?

-Beijou-me -colocou as mãos nos bolsos.

-Ah, a trama se complica -sentia o mesmo amor que Coco pela fofoca, por isso se adiantou e apoiou o queixo nas mãos-. Como foi? Tem uma boca fantástica… o notei imediatamente.

-Pois beija-o você mesma.

Depois de meditá-lo um momento, Lilah moveu a cabeça, não sem certo pesar.

-Não, com ou sem boca fantástica, não é meu tipo. Além disso, você já o beijaste, assim conta-me o É bom?

-Sim -reconheceu a contra gosto-. Suponho que se poderia dizer que sim.

-Que pontuação lhe daria em uma escala do um aos dez?

A risita escapou de lábios do C.C. antes de que se desse conta disso.

-Nesse momento não pensava em um sistema de avaliação.

-Melhor e melhor -Lilah lambeu o garfo-. De maneira que te beijou e foi estupendo. E depois?

-Desculpou-se -suspirou e o humor se desvaneceu de sua voz.

Lilah a olhou fixamente e devagar deixou o garfo.

-Que fez o que?

-Desculpou-se... muito corretamente por sua conduta indesculpável e prometeu que não se repetiria. O idiota. Que classe de homem acredita que uma mulher deseja uma desculpa depois de que a tenham beijado até lhe tirar o fôlego?

-Bom, tal como eu o vejo, há três eleições -Lilah moveu a cabeça-. É um idiota, foi educado para mostrar-se excessivamente cortês ou era incapaz de pensar de forma racional.

-Eu voto pelo de idiota.

-Mmm. vou ter que meditá-lo -tamborilou com os dedos sobre a mesa-. Possivelmente deveria lhe fazer a carta astral.

-Sem importar em que signo tenha a lua, insisto no de idiota -aproximou-se do Lilah para lhe dar um beijo na bochecha-. Obrigado. Tenho que ir.

-C.C. -esperou até que sua irmã se deu a volta-. Tem olhos bonitos. Quando sorri, tem olhos muito bonitos.

Trent não sorria quando ao fim aquela tarde conseguiu escapar de Las Torres. Coco tinha insistido em lhe mostrar cada centímetro úmido das adegas, para logo apanhá-lo durante duas horas com álbuns de fotos.

Tinha sido divertido contemplar fotos do C.C. de bebê, observar seu crescimento de menina a mulher. Tinha sido incrivelmente bonita com tranças e sem um dente.

Durante a segunda hora, começaram a soar os sinos de alarme. Coco tinha começado a lhe surrupiar com pouca sutileza o que pensava sobre o matrimônio, os filhos e as relações. Foi então quando se deu conta de que detrás dos olhos suaves e úmidos dessa mulher funcionava um cérebro agudo e calculador.

Não tentava vender a casa, a não ser leiloar a uma de suas sobrinhas. E ao parecer a candidata principal era C.C. e ele tinha sido selecionado como o melhor postor. Decidiu que às mulheres Calhoun esperava um despertar brusco. foram ter que procurar um candidato apropriado em outra parte do mercado matrimonial. Desejou-lhe sorte ao pobre incauto.

E se prometeu que os St. James teriam a casa. A foram conseguir sem que de por meio houvesse nenhum véu nupcial.

Com fúria controlada, desceu pelo íngreme e te serpenteiem caminho de acesso. Para ouvir o som de sua própria voz falando consigo mesmo, decidiu que ia dar um passeio comprido que o acalmasse. Possivelmente até o Parque Nacional Acadia, onde Lilah trabalhava como naturalista. «Divide e conquistará», pensou- encontraria-se com cada uma delas em seu espaço trabalhista e ali agitaria suas formosas cadeias.

«Lilah parece receptiva», refletiu. Qualquer delas o seria mais que C. C. Amanda dava a impressão de ser sensata. Estava convencido de que Suzanna era uma mulher razoável.

O que tinha saído mal com a irmã número quatro?

Mas descobriu que se encaminhava ao povo, mais à frente do negócio de jardins da Suzanna e do Bay Watch Hotel. Ao pôr rumo à oficina do C.C., disse-se que isso era o que em todo momento tinha querido fazer.

Começaria com ela, o espinho mais bicudo que tinha cravada no flanco. E quando terminasse, ao C. C. não ficaria ilusão alguma de apanhá-lo para o matrimônio.

Hank subia à grua quando Trent desceu do BMW.

-Olá -sorrindo, Hank se levou a mão à viseira de sua boina cinza-. A chefa está dentro fechou a porta e tirou a cabeça pelo guichê, disposto a conversar.

 

Por algum motivo, Trent descobriu que e fixava de verdade nele. Era jovem, provavelmente de uns vinte anos, com uma cara redonda e aberta, forte acento do este e um cabelo de cor pajizo que saía disparado em todas direções.

-Faz muito que trabalha para o C.C.?

-Desde que lhe comprou a oficina ao velho Pete. Faz uns… três anos. Sim. Quase três anos. Não quis me contratar até que terminei o instituto. É graciosa.

-Sim?

-Assim que lhe coloca uma abelha na boina, não há maneira de jogá-la -com a cabeça indicou a oficina-. Hoje está bastante suscetível.

-Isso é pouco habitual?

Hank riu entre dentes e pôs a rádio.

-Não posso dizer que ladre e não remoa, porque a vi morder em um par de ocasiões. Vemo-nos.

-Claro -quando entrou, C.C. achava-se enterrada até a cintura no capô de um sedam último modelo. Tinha posta a rádio, mas essa vez eram seus quadris as que seguiam o ritmo-. Perdoe -começou, logo recordou que já tinham passado pelo mesmo. aproximou-se e lhe tocou o ombro.

-Se espera um... -mas girou a cabeça o suficiente para ver a gravata. Esse dia não era marrom, a não ser azul. Não obstante, estava segura de quem era o dono-. O que quer?

-Acredito que se trata de uma mudança de lubrificante.

-OH -voltou a dedicar-se a trocar umas velas de aceso-. Bom, deixe-o fora, as chaves no banco e já o revisarei. Estará preparado às seis.

-Sempre se ocupa de seus negócios de forma tão casual?

-Sim.

-Se não lhe importar, acredito que reterei minhas chaves até que esteja menos distraída.

-Como gosto -passaram dois minutos de vibrante silêncio quebrados solo pela predição da rádio de tormenta para essa tarde-. Olhe, se pensa ficar aqui de pé, por que não faz algo útil? Meta-se no carro e arranque o.

-Arrancá-lo?

-Sim, já sabe, gire a chave e pise no pedal -inclinou a cabeça e se apartou o cabelo com um sopro-. Acredita que poderá consegui-lo?

-É provável -não era exatamente o que tinha tido em mente, mas rodeou o carro até o assento do condutor. Notou que havia algo rosa e pegajoso na catapora. meteu-se dentro e girou a chave. O motor arrancou e ronronou, com um som que lhe pareceu bom. Embora C.C. não esteve de acordo, já que ficou a realizar uns ajustes-. Sonha bem -assinalou Trent.

-Não, há um intervalo.

-Como pode ouvir algo com o estrondo da rádio?

-Como pode você não ouvi-lo? Melhor -murmurou-. Melhor.

Curioso, baixou para inclinar-se por cima do ombro dela.

-O que faz?

-Meu trabalho -moveu os ombros com gesto irritado, como se tivesse um picor entre os omoplatas-. Retire-se, quer?

-Solo rápido uma curiosidade normal -sem pensá-lo, apoiou com ligeireza uma mão nas costas dela e se adiantou mais. C.C. sobressaltou-se, sentiu um aguijonazo de dor e amaldiçoou como um marinheiro.

-Me deixe ver -tomou a mão que ela agitava.

-Não é nada. me solte, quer? Se não tivesse estado em meu caminho, a mão não me teria escorregado.

-Pare de dançar e me deixe ver -aferrou-lhe a boneca com firmeza e examinou os nódulos machucados. A leve mancha de sangre por debaixo da graxa lhe provocou um agudo e ridículo sentido de culpabilidade-. Necessitará que a curem.

-É sozinho um arranhão -«Deus, por que não lhe soltava a mão?»- O que preciso é acabar este trabalho.

-Não se comporte como um bebê -comentou com suavidade-. Onde está o estojo de primeiro socorros de primeiros auxílios?

-No banheiro, e eu sozinha posso fazê-lo.

Sem lhe emprestar atenção nem lhe soltar as bonecas, rodeou o veículo para apagar o motor.

-Onde está o banho?

Com um gesto brusco indicou o corredor que separava o escritório da oficina.

-Se deixar as chaves de seu...

-Disse que era minha culpa que machucasse a mão, assim assumo a responsabilidade.

-Eu gostaria que deixasse de me fazer dar voltas -pediu quando a conduziu para o corredor.

-Então mantenha o ritmo -de um empurrão abriu uma porta que dava a um banho com azulejos brancos do tamanho de um armário. Sem fazer caso aos protestos dela, sustentou sua mão sob o jorro de água fria. As dimensões do quarto faziam que estivessem com os quadris pegos. Ambos se esforçaram por soslayar isso enquanto ele tomava o sabão e, com surpreendente delicadeza, começava a lhe lavar a mão-. Não é profundo -indicou, molesto por ter a garganta seca.

-Disse-lhe que solo era um arranhão.

-Os arranhões se infectam.

-Sim, doutor.

 

Com uma réplica na ponta da língua, elevou a vista. A via muito bonita com graxa na ponta do nariz e a boca com uma careta infantil.

-Sinto muito -ouviu-se dizer, e a petulância se desvaneceu dos olhos dela.

-Não foi culpa dela -para não estar quieta, abriu o espelho do armário que havia sobre o lavabo e tirou o estojo de primeiro socorros-. Posso me ocupar eu, de verdade.

-Eu gosto de acabar o que começo -tirou-lhe o estojo de primeiro socorros das mãos e encontrou o antisséptico-. Suponho que deveria dizer que isto lhe vai picar.

-Já sei que lança -soltou um vaio contido quando ele limpou o corte. Automaticamente se inclinou para sopro, quão mesmo fez ele. Suas cabeças chocaram. esfregou-se o golpe com a mão livre e riu-. Formamos uma equipe horrível.

Trent se levou as mãos do C.C. aos lábios e viu que a confusão obscurecia seus olhos. A mão que sustentava ficou lassa. Ela abriu a boca e permaneceu desse modo, sem emitir som algum.

-Supõe-se que um beijo o cura -assinalou, e por motivos absolutamente egoístas, roçou-lhe a mão com os lábios.

-Acredito que... seria melhor se... -«Deus, o quarto é pequeno», pensou distraída. E se diminuía por momentos-. Obrigado -conseguiu dizer-. Estou segura de que já está bem.

-Terá que enfaixá-la.

-OH, bom, eu não...

-Se não se sujará -passando-lhe em grande, tirou um cilindro de atadura e começou a lhe envolver a mão.

Acreditando que dessa maneira poria algo de distancia entre eles, C.C. voltou-se. Como se seguisse os movimentos de um baile, Trent também o fez. Ficaram cara a cara em vez de flanco. O se moveu e as costas dela se cravou contra a parede.

-Dói-lhe?

Negou-o com a cabeça. «Não me dói», decidiu C.C., «Solo estou louca». Uma mulher tinha que estar louca para que o coração o martilleara como um martelo pneumático porque um homem lhe acontecesse uma atadura pelos nódulos esfolados.

-C.C. -com movimentos competentes fixou a atadura em seu sítio-. Posso lhe fazer uma pergunta pessoal? -achavam-se tão perto como a noite anterior, durante a discussão. Trent concluiu que isso era muito mais agradável-. Vai arrumar me o radiador?

-Certamente.

-Então me perdoa pelo acontecido ontem à noite?

-Não hei dito isso -arqueou as sobrancelhas.

-Eu gostaria que o reconsiderasse -com a mão dela entre os dois, aproximou-se um pouco mais-. Verá, se isso for representar minha perdição, custará ainda mais resistir o impulso de pecar outra vez.

-Não acredito que lamente nada do que fez -aturdida, ela se pegou à parede.

-Temo-me que tem razão -repôs, observando os olhos abertos, a boca tentadora.

Enquanto ela se sentia indecisa entre o terror e o gozo, o telefone começou a soar.

-Tenho que responder -ágil como um sabujo, se escabulló fora do quarto.

Surpreso consigo mesmo, ele a seguiu mais devagar. Outra mulher, certamente uma que tivesse o matrimônio na cabeça, teria sorrido... ou feito uma careta. O teria rodeado com os braços ou fingido que o mantinha a raia. Mas outra mulher não se teria ficado com as costas contra a parede como se enfrentasse a um pelotão de fuzilamento. Outra mulher não o teria observado com olhos muito grandes e necessitados, nem teria gaguejado.

Tampouco lhe teria resultado tão irresistível.

No escritório, C.C. elevou o auricular, mas tinha a mente em branco. Olhou pelo cristal com o auricular pego ao ouvido durante dez segundos silenciosos antes de que a voz que escutava a devolvesse à realidade.

-O que? OH, sim, sim, sou C.C. Sinto muito. É você, Finney? -soltou o fôlego contido enquanto escutava-. Tornaste-te a deixar as luzes acesas? Está seguro? Vale, vale. Pode que seja o motor de aceso -com gesto distraído se passou uma mão pelo cabelo e começou a sentar-se no escritório antes de ver o Trent. Então se ergueu como um mole-. O que? Sinto muito, poderia repeti-lo? Mmm. por que não passo a lhe jogar uma olhada de caminho a casa? Por volta das seis e meia -sorriu-. Claro, sou incapaz de rechaçar uma lagosta. Pode apostá-lo. Adeus.

-Um mecânico que faz visitas -comentou Trent.

-Entre vizinhos nos cuidamos -«lhe relaxem», se ordenou. «te relaxe agora mesmo»-. Além disso, resulta fácil quando te espera um especial de lagosta do Albert Finney.

-Como vai a mão? -sentiu uma irritação que se esforçou em soslayar.

-Bem -ela moveu os dedos-. por que não pendura as chaves de seu carro no tabuleiro?

-Dá-se conta de que jamais pronunciou meu nome? -inquiriu enquanto obedecia.

-Claro que sim.

-Não, chamou-me nomes, mas nunca o meu -descartou o pensamento com um gesto-. Em qualquer caso, preciso falar com você.

-Escute, se for sobre a casa, não é o momento nem o lugar.

-Não o é, certamente.

-OH -olhou-o e sentiu esse estranho sobressalto no peito-. Me faz tarde. Não pode esperar até que deva recolher seu carro?

 

-Não demorarei muito -não estava acostumado a esperar por nada-. Considero que devo adverti-la, já que acredito que desconhecia tanto como eu os planos de sua tia.

-A tia Coco? Que planos?

-Esses que envolvem um vestido branco.

-Matrimônio? -sua expressão passou de desconcerto a suspicacia-. É absurdo. A tia Coco não planeja casar-se. Nem sequer sai com alguém de maneira séria.

-Não acredito que ela seja a candidata -aproximou-se sem lhe tirar a vista de cima-. É você.

Riu divertida e com vontades ao sentar-se no bordo do escritório.

-Eu? Casada? É uma tolice.

-Absolutamente.

A risada morreu. Desceu do escritório e falou com voz muito fria.

-O que é exatamente o que quer dar a entender?

-Que sua tia, por razões que unicamente ela conhece, convidou-me aqui não só para lhe jogar uma olhada à casa, mas também a suas quatro atrativas sobrinhas.

Ela ficou muito pálida, sinal de que se sentia profundamente zangada.

-É insultante.

-É um fato.

-Saia daqui -empurrou-o com força em direção à porta-. Saia daqui. Recolha suas chaves, seu carro e suas ridículas acusações e saia daqui.

-Cale um momento -agarrou-a com firmeza pelos ombros-. Solo um minuto, e quando tiver terminado, e se ainda pensa que estou sendo ridículo, partirei-me.

-Sei que é ridículo. E matreiro, e arrogante. Se por um instante pensa que eu... eu tenho planos para você...

-Você não -corrigiu-. Sua bem-intencionada tia. «C.C., por que não ensina ao Trenton os jardins? As flores são deliciosas à luz da lua».

-Só estava mostrando-se cortês.

-Sabe como passei a manhã?

-Não me interessa absolutamente.

-Olhando álbuns de fotos -viu que a ira se transformava em angústia e insistiu-. Dúzias de fotos. Foi uma menina adorável, Catherine.

-OH, Deus.

-E também brilhante, segundo sua extasiada tia. Foi campeã de ortografia em terceiro grau -com um gemido afogado, ela voltou a sentar-se sobre o escritório-. Não tem nenhuma só cárie.

-Não me acredito -conseguiu murmurar C. C.

-Isso e mais. Matrícula de honra em sua classe de mecânica no instituto. Empregou o grosso de sua herança para comprar esta oficina a seu chefe. Tenho entendido que é uma mulher muito sensata que sabe como manter os pés na terra. Certamente, com seu excelente histórico de cérebro e beleza, seria uma esposa excelente para o homem adequado.

C.C. tinha trocado a palidez por um rubor furioso.

-O simples feito de que a tia Coco esteja orgulhosa de mim não significa que pretenda nada pelo estilo.

-Não depois de acabar relatando suas virtudes e me mostrar suas fotos, preciosas por certo, no baile de graduação?

-Santo... -C.C. fechou os olhos.

-Logo ficou a me interrogar a respeito do que pensava sobre o matrimônio e os filhos, soltando insinuações bastante diretas de que um homem em minha posição necessita uma relação estável com uma mulher estável. Como você.

-De acordo, de acordo. Já basta -voltou a abrir os olhos-. A tia Coco frequentemente imagina que sabe o que é melhor para minhas irmãs e para mim. E se passa -apertou os dentes-. Mas nesses casos só é porque nos quer e se sente responsável por nós. Sinto que o tenha incomodado.

-Não o contei para envergonhá-la ou conseguir uma desculpa -incômodo de repente, meteu-se as mãos nos bolsos-. Pensei que era melhor que soubesse por onde foram os pensamentos de sua tia antes de que, bom, algo se descontrolasse.

-Descontrolar-se? -repetiu C.C.

Ou se interpretasse mal -«é estranho», pensou; pelo general, resultava-lhe fácil estabelecer pautas. Certamente, com antecedência não recordava ter tido problemas para expor uma ideia-. Quer dizer, depois do de ontem à noite... compreendo que você esteve protegida até certo ponto -viu que ela movia os dedos de sua mão boa sobre um joelho. Considerou que era melhor começar de novo-. Acredito na sinceridade, C.C., tanto em meus negócios como em minhas relações pessoais. Ontem à noite, entre o mau humor e a luz da lua... suponho que poderíamos dizer que perdemos um pouco o controle -pareceu-lhe uma descrição pobre do que tinha passado-. Não quisesse que sua falta de experiência e as fantasias de sua tia conduzissem a um mal-entendido.

-A ver se o compreendi. Preocupa-lhe que por me haver beijado ontem à noite, e que minha tia tenha tirado o tema do matrimônio junto com minhas fotos de pequena, possa me fazer uma ideia descabelada de que eu poderia ser a próxima senhora St. James.

-Mais ou menos - aturdido, se mesó o cabelo-. Pensei que seria melhor, certamente mais justo, se o contava diretamente, de forma que você e eu pudéssemos dirigir o de forma razoável. Assim não...

 

-Não desenvolveria nenhuma ilusão de grandeza? -sugeriu C.C.

-Não ponha palavras em minha boca.

-Como poderia? Não fica espaço com sua pata nela.

-Maldita seja -odiou o fato de que ela tivesse toda a razão-. Só intento ser absolutamente honesto com você, para que não haja nenhum mal-entendido quando lhe disser que me sinto muito atraído por você.

Ela unicamente arqueou uma sobrancelha, muito furiosa para ver que as palavras que ele acabava de pronunciar o tinham deixado mudo.

-Agora, suponho, devo me sentir adulada.

-Não se supõe que deva fazer nada. Só trato de expor os fatos.

-Eu lhe darei alguns feitos -cravou-lhe uma mão no peito-. Não se sente atraído por mim, atrai-o a imagem do perfeito e invejável Trenton St. James III. As fantasias de minha tia, como você as chama, são o resultado de um coração carinhoso e maravilhoso. Algo que estou segura você não pode entender. Por isso a mim respeita, não me passaria pela cabeça estar cinco minutos com você, muito menos a vida. É possível que termine em posse de meu lar, mas não me terá -acendia-se e se sentia muito bem-. Se viesse arrastando-se até mim com um diamante como meu punho em seus dentes, riria-me em sua cara. Esses são os fatos. Saberá como encontrar a saída -deu meia volta e partiu corredor abaixo.

Trent fez uma careta para ouvir a portada.

-Bom -murmurou, esfregando-os olhos-. Não cabe dúvida de que esclarecemos esse ponto.

 

«Insofrível. É a palavra perfeita para descrevê-lo», decidiu C.C., aferrando-se o resto do dia.

Quando chegou a casa, reinava a tranquilidade. Captou o som débil do piano da sala de música. lhe dando as costas à escada, seguiu as notas.

Era Suzanna a que se sentava ao velho aparelho. Tinha sido a única em persistir com as classes de música e que tinha mostrado talento real. Amanda tinha sido muito impaciente, Lilah muito preguiçosa. E C.C.... baixou a vista a suas mãos. Os dedos se haviam sentido mais cômodos manchados de graxa que ante umas teclas.

Não obstante, gostava de escutar. Não havia nada que a acalmasse ou seduzira mais que a música.

Suzanna, perdida em alguma parte de seu coração, suspirou quando morreram as últimas notas.

-Precioso -C.C. aproximou-se para beijar o cabelo de sua irmã.

-Estou oxidada.

-Não daqui.

Suzanna sorriu e lhe aplaudiu a mão; então notou a atadura.

-OH, C.C., o que tem feito?

-Arranhei-me os nódulos.

-Lavaste-lhe isso bem? Quando foi a última vez que te vacinou contra o tétanos?

-Te relaxe, mamãe. Estão limpos e me vacinei faz seis meses -sentou-se no banco, de cara à sala-. Por onde anda todo mundo?

-Os meninos estão dormidos... isso espero. Cruzamento os dedos. Lilah tinha uma entrevista. Mandy repassando algum livro de contabilidade e a tia Coco subiu faz horas a dar um banho de espuma e a ficar rodelas de pepino nos olhos.

-E ele?.

-Na cama, suponho. Já é quase meia-noite.

-Sim? -então sorriu-. Está acordada por mim.

-Não -descoberta, Suzanna riu-. Sim. Arrumou a caminhonete do senhor Finney?

-Tornou-se a deixar as luzes acesas -bocejou-. Acredito que o faz de propósito para que eu vá recarregar lhe a bateria -estirou os braços-. Jantamos lagosta e vinho.

-Se não fora o bastante major para ser seu avô, diria que está apaixonado por ti.

-Sim. E é mútuo. Bom, perdi-me algo por aqui?

-A tia Coco quer ter uma sessão espírita.

-Outra vez não.

Suzanna passou levemente os dedos sobre as teclas, improvisando.

-Amanhã de noite, justo depois do jantar. Insiste em que há algo que a bisavó Bianca quer que saibamos... e também Trent.

-Ele o que tem que ver no assunto?

-Se decidimos lhe vender a casa, pode-se dizer que a herdará.

-É o que vamos fazer, Suzanna?

-É o que possivelmente tenhamos que fazer.

C.C. levantou-se para ficar a jogar com as borlas de um abajur de pé.

 

-A oficina vai muito bem. Poderia pedir um empréstimo dando-o como garantia.

-Não.

-Mas...

-Não -repetiu Suzanna-. Não vais arriscar seu futuro pelo passado.

-É meu futuro.

-E é nosso passado -ela também se levantou. Quando nos olhos da Suzanna aparecia essa luz, até o C.C. sabia que o melhor era não discutir-. Sei o muito que a casa significa para ti, para todas nós. Retornar aqui depois de que Bax... depois de que as coisas não funcionassem expôs com cuidado-, ajudou-me a manter a prudência. Cada vez que vejo o Alex ou ao Jenny descer pelo corrimão da escada, vejo-me mesma fazendo-o. Vejo mamãe sentada ao piano, ouço papai contar histórias diante da chaminé.

-Então, como te pode passar pela cabeça vendê-la?

-Porque aprendi a me enfrentar à realidade, sem importar quão desagradável fora -apoiou uma mão na bochecha do C.C. Solo as separavam cinco anos, mas em ocasiões Suzanna pensava que eram cinquenta-. Às vezes lhe acontecem coisas, ou passam a seu redor, que simplesmente não pode controlar. Nesse caso, recolhe o que é importante para sua vida e segue adiante.

-Mas a casa é importante.

-Quanto tempo mais crie que poderemos aguentar?

-Poderíamos vender as litografias, as baixelas do Limoges, algumas costure mais.

-E prolongar a infelicidade -conhecia muito bem isso-. É hora de deixá-lo ir, e acredito que deveríamos fazê-lo com certa dignidade.

-Então, já te decidiste.

-Não -Suzanna suspirou e voltou a sentar-se-. Cada vez que penso que sim, mudança de parecer. antes do jantar, os meninos e eu demos um passeio pelos penhascos -com olhos sonhadores olhou pela janela às escuras-. Quando estou ali de pé, contemplando a baía, sinto algo, um pouco tão incrível, que me rompe o coração. Não sei o que é o correto, C.C. Não sei o que é o melhor. Mas me temo que sei o que terá que fazer.

-Dói.

-Sei.

C.C. sentou-se a seu lado e apoiou a cabeça no ombro de sua irmã.

-Possivelmente se produza um milagre.

Trent as observou do corredor em penumbra. Desejou não as haver ouvido. Desejou que não lhe importasse. Mas o tinha ouvido, e por motivos que decidiu não explorar, importava-lhe. Em silêncio, subiu outra vez pela escada.

-Meninos -disse Coco com o que sabia que era seu último vestígio de prudência-, por que não leem um livro agradável?

-Quero jogar à guerra -Alex cortou o ar com um sabre imaginário-. Morte até o último homem.

«E só tem seis anos», pensou Coco. «O que será dentro de dez anos?».

-Lápis de cores -comentou esperançada, amaldiçoando as chuvosas tardes dos sábados-. por que não lhes põem a fazer bonitos desenhos? Podemos pendurá-los na geladeira, como uma exposição de arte.

-Coisas de meninos -interveio Jenny, que já com cinco anos era uma cínica. Apontou com um rifle laser invisível e disparou-. Z-z-zap! Está totalmente desintegrado, Alex.

-Desintegrado, um corno. Elevei meu campo de força.

-Nooo.

Observaram-se com o desagrado mútuo que os irmãos podem sentir depois de estar encerrados em casa um sábado. Por acordo tácito, passaram ao combate corpo a corpo. Enquanto se debatiam sobre a gasto tapete Aubusson, Coco levantou a vista ao teto.

Ao menos o combate tinha lugar na habitação do Alex, de modo que pouco dano se podia causar. Teve a tentação de sair e fechar a porta, deixando-os para que se matassem, mas, depois de tudo, era uma mulher responsável.

-Alguém vai se machucar -começou com a antiga reprimenda que empregam os adultos com os meninos-. Recorda o que passou a semana passada quando Jenny te fez sangrar o nariz, Alex?

-Não é verdade -o orgulho masculino preponderou enquanto se trabalhava em excesso por derrubar a seu ágil irmana.

-Sim é verdade, sim é verdade -entoou ela, com a esperança de repeti-lo. Cruzou suas rápidas piernecitas por cima dele.

-Perdão -disse Trent da porta-. Parece que interrompo.

-Absolutamente -Coco se arrumou o cabelo-. É sozinho uma manifestação de entusiasmo juvenil. Meninos, saúdem o senhor St. James.

-Olá -disse Alex enquanto tentava imobilizar a sua irmã com uma imprensa.

O sorriso do Trent inspirou a Coco.

-Trenton, poderia lhe pedir um favor?

-Certamente.

-As garotas trabalham hoje, como você sabe, e devo fazer um ou dois recados pequenos. Importaria-lhe muito vigiar aos meninos por pouco tempo?

-vigiá-los?

-OH, não representam problema algum -sorriu-lhe jubilosa, logo dedicou o gesto a seus sobrinhos-. Jenny, não remoa a seu irmão. Os Calhoun lutam com limpeza -«a menos que façam armadilhas», pensou-. Retornarei antes de que se dê conta de que me fui -prometeu ao passar a seu lado.

-Coco, não estou seguro de...

-OH, e não esqueça a sessão de esta noite -desceu pelos degraus e o deixou para que as arrumasse por sua própria conta.

Jenny e Alex deixaram de lutar para olhá-lo com astúcia. Eram capazes de arrancá-los dentes, mas se uniam sem hesitação algum contra uma força exterior.

-Nós não gostamos das babás -asseverou Alex com tom perigoso.

Trent apoiou todo seu peso nos talões.

-Sei que eu não gosto de ser uma.

O braço do Alex rodeou os ombros de sua irmã em vez de seu pescoço. o de lhe rodeou a cintura.

-Isso não faz que nós gostemos.

Trent assentiu. Se era capaz de dirigir um pessoal de cinquenta pessoas, poderia levar a dois meninos hostis.

-De acordo.

-Quando o verão passado fomos visita Boston, tivemos uma babá -Jenny o observou com suspicacia-. Fizemos que a vida de todos fora um inferno.

-De verdade? -a risita do Trent se converteu em uma tosse.

-Isso disse nosso pai -corroborou Alex-. E se alegrou de nos ver as costas.

A irreverência infantil já não resultava divertida. Trent se esforçou por manter a ira fora de seus olhos e simplesmente assentiu. Evidentemente, Baxter Dumont era um príncipe entre os homens.

-Uma vez eu encerrei a minha babá no armário e saí pela janela.

Os meninos intercambiaram um olhar interessado.

-Isso está bem -decidiu Alex.

-Gritou durante duas horas -improvisou Trent.

-Nós pusemos uma serpente na cama de nossa babá e fugiu de casa em camisola -Jenny sorriu satisfeita e esperou para ver se ele conseguia superá-lo.

-Bem feito -«e agora o que?», perguntou-se-. Têm alguma boneca?

-As bonecas são vulgares -disse Jenny, leal a seu irmão.

-lhes cortem a cabeça! -gritou Alex, lhe provocando uma risita. Deu um salto, blandiendo uma espada imaginária-. Sou o pirata malvado e são meus prisioneiros.

-Mmm, a última vez me tocou ser prisioneira -Jenny se levantou-. É meu turno de ser a pirata malvada.

-Eu o hei dito primeiro.

-Trapaceiro, trapaceiro -deu-lhe um empurrão.

-Nenita, nenita -burlou-se ele, lhe devolvendo o empurrão.

       -Um momento! -gritou Trent antes de que pudessem lançar o um sobre o outro. O pouco familiar tom masculino os freou em seco-. Eu sou o pirata malvado -disse-lhes-, e os dois estão a ponto de sair à passarela.    

Divertiu-se. A imaginação infantil deles possivelmente fora um pouco sanguinolenta, mas jogaram limpo uma vez que se estabeleceram as regras. Muitas pessoas que conhecia socialmente se teriam ficado pasmadas de ver o Trenton St. James III a gatas pelo chão ou disparando pistolas de água, mas ele recordava o que era estar encerrado em casa os dias de chuva.

Passaram dê ser piratas a vilãos espaciais, logo índios loucos. Ao final de uma batalha especialmente violenta, os três ficaram tendidos no chão. Alex, com um tomahawk de plástico na mão, jogou a estar morto tanto tempo que ficou dormido.

-Ganhei eu -disse Jenny; logo, com o meio doido de plumas sobre os olhos, se acurrucó contra o flanco do Trent. Com a invejável facilidade dos meninos, também ela ficou dormida.

C.C. encontrou-os dessa maneira. A chuva dava com suavidade contra as janelas. No quarto de banho que havia corredor abaixo, uma destilação caía musicalmente em um cubo. Pelo resto, solo se ouvia uma respiração compassada.

Alex estava tendido de barriga para baixo, com os dedos fechados ainda sobre sua arma. além dos corpos, o chão se achava lotado de carros em miniatura, bonecos de ação derrotados e uns poucos dinossauros de plástico. Evitando as baixas, C.C. entrou.

Não soube muito bem quais foram seus sentimentos ao encontrar ao Trent dormido no chão com seus sobrinhos. Pelo que sim é teve segura foi de que, se não o tivesse visto com seus próprios olhos, não o teria acreditado.

Sua gravata e sapatos tinham desaparecido, tem cabelo revolto e por sua camisa de algodão havia uma linha úmida.

Experimentou uma ternura muito real no coração. Se inclusive parecia... «doce», pensou, e imediatamente colocou as mãos nos bolsos. Isso era absurdo. Um homem como Trent jamais era doce.

«Possivelmente os meninos o deixaram sem sentido», refletiu, inclinando-se sobre ele. Trent abriu os olhos, observou-a durante um momento e logo emitiu uma espécie de som sonolento e rouco.

-O que faz? -sussurrou ela.

 

-Não sei muito bem -elevou a cabeça e olhou ao redor. Tinha ao Jenny no oco de um braço e ao Alex ao outro lado-. Mas acredito que sou o único supervivente.

-Onde está a tia Coco?

-Fazendo uns recados. Eu vigio aos meninos.

-OH, já o vejo -arqueou uma sobrancelha.

-Temo-me que se livrou uma batalha importante e se perderam muitas vidas.

-Quem ganhou? -sorriu ao ir procurar uma manta à cama do Alex.

-Jenny reclamou a vitória -com suavidade tirou o braço de debaixo da cabeça da pequena-. Embora Alex não o aceitará.

-Sem dúvida.

-O que fazemos com eles?

-OH, nos ficaremos, suponho.

Lhe devolveu o sorriso.

-Não, queria dizer se os metíamos na cama ou algo pelo estilo.

-Não -com destreza abriu a manta e a estendeu sobre os dois meninos no sítio onde dormiam-. Estarão bem -sentiu o ridículo impulso de lhe rodear a cintura com um braço e apoiar a cabeça em seu ombro. Controlou-o sem piedade-. Foi muito amável de sua parte oferecer-se a cuidá-los.

-Realmente não me ofereci. Recrutaram-me.

-Mesmo assim, foi amável.

-Não me viria mal uma taça de café -comentou ao reunir-se com ela na porta.

-De acordo -aceitou C.C. depois de um hesitação-. Prepararei-o. Ao parecer o ganhou -olhou por cima do ombro ao baixar as escadas-. Como se molhou a camisa?

-OH -passou uma mão por ela, um pouco morto de calor-. Um impacto direto com um raio mortífero disfarçado de pistola de água. Que tal foi seu dia?

-Não tão aventureiro como o seu –entrou na cozinha e foi diretamente a pôr água-. Solo reconstruí um motor.

Quando o café começou a ferver, dedicou-se a acender a chaminé da cozinha. Trent notou que tinha chuva no cabelo. Não era um homem lírico, mas se encontrou pensando que as gotas de água pareciam uma ducha de diamantes sobre a boina.

Recordou-se que sempre tinha preferido às mulheres com o cabelo comprido. Femininas, suaves, sinuosas. E entretanto... esse estilo de cabelo encaixava com o C.C., já que mostrava seu pescoço esbelto e emoldurava essa gloriosa e branca pele.

-O que está olhando?

-Nada -piscou e moveu a cabeça-. Sinto muito, solo pensava. É... Há algo que reconforta em um fogo na cozinha.

-Mmm -«parece estranho», pensou. Possivelmente se devesse à falta de gravata-. Quer leite no café?

-Não, sozinho.

Ao ir para a cozinha lhe roçou o braço. Nessa ocasião foi ele quem retrocedeu.

-Disse a tia Coco aonde ia?

Trent pensou que possivelmente a eletricidade estática explicasse a sacudida que sentiu ao tocá-la.

-Não exatamente. Não importa, diverti-me com os meninos.

Observou-o ao lhe passar a taça.

-Acredito que fala a sério.

-Sim. Talvez não estive muito tempo junto a meninos para me haver cansado deles. Estes dois formam um casal especial.

-Suzanna é uma mãe magnífica -relaxada, apoiou-se na encimera enquanto bebia-. Estava acostumado a praticar comigo. Como vai o carro?

-Melhor que em meses -elevou a taça para brindar por ela-. Temo-me que não notei nada estranho até depois de que você trabalhasse nele. Em realidade não sei nada de motores.

-Está bem. Eu não sei como planejar uma aquisição empresarial.

-Lamento que não estivesse na oficina quando fui recolher o. Hank me disse que tinha saído para jantar. Suponho que o passou bem... não voltou até tarde.

-Sempre me o passo bem com o Finney -voltou-se para tirar o bote das bolachas, logo lhe ofereceu uma enquanto Trent se trabalhava em excesso por não emprestar atenção ao aguijonazo de ciúmes.

-Um velho amigo?

-Suponho que se poderia dizer que sim -C.C. respirou fundo e se preparou para lançar-se ao discurso que tinha praticado todo o dia-. Eu gostaria de esclarecer o tema que tirou colação ontem.

-Não é necessário. Tenho-me feito uma ideia.

-Poderia lhe haver explicado as coisas sem ser tão dura.

-Sim? -estudou-a pensativo e com a cabeça inclinada.

-Eu gosto de pensar que sim -decidida a começar de zero, deixou o café a um lado-. Sentia-me morta de calor, e isso me zanga. Toda esta situação resulta difícil.

 

Trent ainda podia captar com claridade a infelicidade em sua voz quando a noite anterior tinha falado com a Suzanna.

-Acredito que começo a entender isso.

-Bom, em qualquer caso -olhou-o e suspirou-, não posso evitar sentir ressentimento pelo fato de que queira comprar As Torres, ou que possivelmente tenhamos que deixar que o faça... mas isso é algo distinto das manobras da tia Coco. Acredito que me dava conta, quando deixei de me sentir furiosa, de que você se sentia tão morto de calor como eu. Simplesmente foi muito educado.

-É um cacoete que tenho

-Se não tivesse tirado o do beijo... -agitou meia biscoitinho ante ele.

-Compreendo que foi um engano de julgamento, mas como já me tinha desculpado por isso, pensei que poderíamos tratar o de maneira razoável.

-Não queria uma desculpa -murmurou C.C.-. Nem então nem agora.

-Entendo.

-Não, não o entende. Absolutamente. O que queria dizer era que uma desculpa resultava desnecessária. Pode que careça de experiência de acordo a seus padrões, e talvez não seja sofisticada como as mulheres com as que está acostumado a tratar, mas não sou tão parva para me pôr a sonhar acordada por um estúpido beijo -voltava a zangar-se e pretendia que isso não acontecesse. Respirou fundo e o tentou outra vez-. Eu gostaria de esquecer isso e nossa conversação de ontem. Se resultar que temos que realizar negócios juntos, será muito mais sensato para todos que nos mostremos civilizados.

-Eu gosto desta maneira.

-De que maneira?

-Quando não me dispara.

-Não se acostume -terminou a bolacha e sorriu-. Todos os Calhoun têm um humor de cães.

-Isso me advertiram. Uma trégua?

-Suponho. Quer outro biscoitinho? -notou que ele voltava a olhá-la fixamente, e abriu muito os olhos quando alargou a mão para lhe acariciar o cabelo-. O que faz?

-Tem o cabelo molhado -fascinado, voltou a acariciá-lo-. Cheira a flores úmidas.

-Trent...

-Sim? -sorriu.

-Não acredito que este seja o melhor modo de levar as coisas.

-Provavelmente, não -mas baixou os dedos pelo cabelo até a nuca do C.C. Sentiu o rápido tremor-. Não consigo te tirar de minha cabeça. E não deixo de experimentar estes impulsos incontroláveis de te tocar. Pergunto-me por que será.

-Porque... -umedeceu-se os lábios-... irrito-te.

-OH, certamente, sem lugar a dúvidas -apertou os dedos contra a nuca e a fez avançar uns centímetros-. Mas não só da forma que quer dar a entender. Não é tão singelo. Embora deveria sê-lo -elevou a outra emano até o pescoço da camisa vaqueira de trabalho dela, logo tomou o queixo-. Do contrário, por que ia sentir esta necessidade irresistível de te tocar cada vez que me aproximo de ti?

-Não sei -os dedos dele, ligeiros como plumas, baixaram até a base do pescoço para sentir seus batimentos do coração-. Desejaria que não o fizesse.

-Fazer o que?

-Me tocar.

Baixou a mão pela manga até a mão enfaixada do C.C., logo a levou aos lábios.

-Por que?

-Porque me põe nervosa.

-Nem sequer pretende ser provocadora, verdade? -algo se iluminou em seus olhos, fazendo que fossem quase negros.

-Não saberia como -fechou os olhos com um gemido estrangulado quando lhe beijou a mandíbula.

-Madressilva -murmurou ele, aproximando-a. No passado lhe tinha parecido uma flor muito corrente-. Virtualmente posso saboreá-la em ti. Selvagem e doce.

Os músculos dela se derreteram quando os lábios se juntaram. O beijo foi muito mais ligeiro e suave que a primeira vez. Não era justo que lhe pudesse fazer isso. A parte de sua mente que ainda era racional esteve a ponto de gritá-lo. Mas até isso ficou afogado pela marejada de desejo.

-Catherine -emoldurou-lhe o rosto entre as mãos enquanto lhe mordiscava o lábio-. Me devolva o beijo.

Ela quis mover a cabeça, apartar-se e sair da habitação andando indiferente. Mas fluiu aos braços dele e sua boca saiu ao encontro da do Trent.

Ela pegou melhor contra seu corpo. Não podia nem queria pensar em nada... nem nas consequências, nem nas regras, nem em um código de conduta. Pela primeira vez desde que tinha uso de cor, solo desejava sentir. Essas agudas e doces sensações que lhe provocava ela eram mais que suficiente para qualquer homem.

C.C. era forte, sempre o tinha sido, mas não o bastante para impedir que o tempo se paralisasse. Compreendeu que toda a vida tinha estado esperando esse momento. Enquanto suas mãos subiam pelas costas dele, abraçou o momento tão completamente como abraçou ao Trent.

 

O fogo crepitou na chaminé. A chuva repicava no exterior. Por toda a casa reinava a ligeira e picante fragrância do pebetero do Lilah. Os braços dele eram fortes e firmes, embora com uma gentileza que C.C. não tinha esperado.

Recordaria-o tudo, cada detalhe, junto com a escura excitação da boca do Trent e o som de seu nome pronunciado por ele.

Apartou-a, nessa ocasião devagar, mais aturdido do que gostava de reconhecer. Ao observá-la, ela se passou a língua pelos lábios, como se queria saborear um último vestígio. O gesto delicado e inconsciente a ponto esteve de pôr o de joelhos.

-Não haverá desculpa esta vez -disse-lhe com voz pouco segura.

-Não.

-Desejo-te -voltou a beijá-la-. Quero fazer o amor contigo.

-Sim -foi um tipo de liberação glorioso. Sorriu sobre a boca dele-. Sim.

-Quando? -enterrou a cara em seu cabelo-. Onde?

-Não sei -fechou os olhos maravilhada-. Não posso pensar.

-Não o faça -beijou-lhe a têmpora, o maçã do rosto, os lábios-. Não é o momento de pensar.

-Tem que ser perfeito.

-Será-o -emoldurou-lhe outra vez a cara-. Deixa que lhe demonstre isso.

Acreditou-lhe... as palavras e o que viu em seus olhos.

-Não posso acreditar que vás ser você -rendo, rodeou-o com os braços e o pegou a ela-. Que tenha esperado toda minha vida para estar com alguém e que você seja.

-Toda sua vida? -a mão se freou de caminho para o cabelo do C.C.

-Pensava que a primeira vez teria medo, mas não o tenho. Não contigo sonhadoramente apaixonada, abraçou-o mais forte.

-A primeira vez -Trent fechou os olhos. Como tinha podido ser tão estúpido? Tinha reconhecido a inexperiência, mas não tinha pensado, não tinha terminado de acreditar que ela fora completamente inocente. E a tinha seduzido em sua própria cozinha-. C. C.

-Tenho sede -queixou-se Alex da porta, fazendo que se separassem como meninos culpados. Olhou-os com suspicacia-. por que fazem isso? É desagradável -olhou ao Trent com expressão doída, de homem a homem-. Não entendo por que alguém quereria beijar às garotas.

-É um gosto adquirido -informou-lhe Trent-. O que te parece se lhe damos algo para beber e logo falo com sua tia? Preciso fazê-lo em privado.

-Mais tolices sentimentais.

-Que tolices sentimentais? -quis saber Amanda ao passar a seu lado.

-Nada -C.C. alargou a mão para a cafeteira.

-Deus, que dia tive -começou Amanda enquanto tomava uma bolacha.

Duas segundos mais tarde entrou Suzanna, seguida do Lilah. Quando a cozinha se encheu de risadas e fragrâncias femininas, Trent soube que seu momento se perdeu. No instante em que C.C. sorriu-lhe do outro extremo do quarto, também temeu perdê-la cabeça.

 

Era a primeira sessão espírita a que assistia Trent. Sinceramente esperava que fora a última. Não tinha tido nenhuma maneira educada de declinar sua assistência. Quando sugeriu que possivelmente se tratasse de uma velada familiar, Coco riu e lhe aplaudiu a bochecha.

-Querido, nem nos passaria pela cabeça excluí-lo. Quem sabe?, possivelmente os espíritos inquietos escolham falar através de você.

A possibilidade fez pouco para animá-lo.

Assim que os meninos estiveram agasalhados, o resto da família, junto com o resistente Trent, reuniu-se ao redor da mesa do comilão. preparou-se o cenário.

Uma dúzia de velas titilava sobre o aparador em uns candelabros baratos que se mesclavam com o Meissen e Baccarat. Outro trio de velas brancas brilhava no centro da mesa. Até a natureza parecia ter assumido o espírito da velada, por assim dizê-lo.

No exterior, a chuva se transformou em uma leve nevada úmida, agitada por um vento crescente. Quando chocava o ar quente e frio, o trovão troava e o relâmpago cintilava.

Ao sentar-se, Trent pensou com fatalismo que era uma noite escura e tormentosa. Coco, tal como tinha temido em segredo, não se tinha posto um turbante nem um xale. como sempre, levava o cabelo arrumado com meticulosidade. Ao redor do pescoço luzia um grande cristal de ametista, com o que não parava de jogar.

-E agora, meninos -instruiu-, tome as mãos e formem o círculo.

 

O vento chamou as janelas quando C.C. introduziu sua mão na do Trent. Coco lhe aferrou a outra. Justo frente a ele, Amanda sorriu, evidente em sua expressão a diversão e a simpatia ao tomar a mão de sua tia e da Suzanna.

-Não se preocupe, Trent -disse-lhe-. Os fantasmas Calhoun sempre se comportam bem quando estão em companhia.

-É essencial a concentração -explicou Lilah ao cobrir o vazio entre suas irmãs maior e menor-. E básica, de verdade. Quão único terá que fazer é esvaziar a mente, em especial de qualquer cinismo -piscou os olhos um olho ao Trent-. Astrologicamente, é uma noite excelente para uma sessão espírita.

C.C. tranquilizou-o com um apertão de mão no momento em que Coco intervinha.

-Todos devemos limpar as mentes e abrir os corações -falou com um tom monótono e depravado-. Durante um tempo hei sentido que minha avó, a infeliz Bianca, quis ficar em contato comigo. Este foi seu lar estival os últimos anos de sua jovem vida. O lugar onde passou seus momentos mais jubilosos e trágicos. O lugar onde conheceu homem que amou e perdeu -fechou os olhos e respirou fundo-. Estamos aqui, avó, te esperando. Sabemos que seu espírito se sente aflito.

-Um espírito tem espírito? -quis saber Amanda, que ganhou um olhar colérico de sua tia. É uma pergunta razoável.

-Te comporte -murmurou Suzanna, contendo um sorriso-. Adiante, tia Coco.

Permaneceram em silêncio, e só a voz da tia Coco murmurava por cima do crepitar do fogo e o gemido do vento. A mente do Trent não se achava limpa. Estava enche com a lembrança do C.C. em seus braços, com o doce e generoso modo em que sua boca se aberto. A forma em que o tinha cuidadoso, com os olhos nublados e quentes pelas emoções. Emoções que imprudentemente ele tinha agitado.

Dominava-o a culpa.

Ela não era como Maria ou qualquer das mulheres às que tinha seduzido ao longo dos anos. Era inocente e aberta, e apesar de sua vontade forte e sua língua mordaz, dolorosamente vulnerável. De forma indesculpável, ele se tinha aproveitado disso.

«Embora não é exclusivamente minha culpa», recordou-se. depois de tudo, era uma mulher formosa e desejável. E ele era humano. O fato de que a desejasse, estritamente em um plano físico, resultava natural.

Olhou-a no momento em que ela girava a cabeça e lhe sorria. Teve que conter o impulso tolo de levar-se sua mão aos lábios e provar sua pele.

«Maldita seja, comove algo em mim». Algo que estava decidido a que seguisse inamovible. Quando lhe sorria, e inclusive quando lhe franzia o cenho, fazia que sentisse mais, que quisesse mais, que desejasse mais, mais que de nenhuma mulher que jamais tivesse conhecido.

Era ridículo. achavam-se separados por quilômetros, em todos os sentidos. E, entretanto, ao ter essa emano cálida na sua, sentia-se mais perto e em sintonia com ela, mais do que jamais tinha estado com ninguém.

Inclusive podia ver os dois sentados em um alpendre ensolarado, observando aos meninos jogar na erva. O som do mar tranquilizava igual a uma canção de ninar. O ar cheirava a rosas que subiam pela grade. E a madressilvas que cresciam silvestres em qualquer parte.

Piscou, temeroso de que lhe tivesse parado o coração. A imagem tinha sido nítida e aterradora. «É a atmosfera», assegurou-se. «A luz das velas, o vento e o relâmpago». Jogavam com sua imaginação.

Não era a classe de homem que se sentaria em um alpendre com uma mulher a contemplar aos meninos. Tinha trabalho, um negócio que dirigir. A ideia de relacionar-se com uma mecânica de carros de temperamento veemente resultava absurda.

O ar frio pareceu lhe esbofetear a cara. Ao ficar rígido, viu que as chamas das velas se inclinavam muito à esquerda. «Uma rajada de ar», disse-se quando o frio o gelou até os ossos.

Sentiu o calafrio do C.C. Ao olhá-la, seus olhos estavam muito abertos e escuros. Apertava-lhe os dedos com força.

-Está aqui! -na voz de Coco havia surpresa e entusiasmo-. Não me cabe nenhuma dúvida.

Em seu júbilo, a ponto esteve de soltar as mãos e romper a cadeia. Tinha acreditado... bom, tinha querido acreditar, mas jamais havia sentido uma presença com tanta nitidez. Sorriu ao Lilah no outro extremo da mesa, mas sua sobrinha tinha os olhos fechados e exibia um leve sorriso.

-Deveu que abrir uma janela -indicou Amanda, e se teria levantado para ir comprovar o se Coco não a tivesse freado.

-Nada disso. Fica quietos, todos. Está aqui. Não o sentem?

C.C. sim, e não sabia se tinha que sentir-se tola ou assustada. Algo era diferente. Estava segura de que também Trent o percebia.

Era como se alguém tivesse apoiado uma mão sobre os dedos enlaçados do C.C. e Trent. O frio se desvaneceu, substituído por uma calidez tranquilizadora. Era tão real que olhou por cima do ombro, convencida de que veria alguém de pé a suas costas.

Entretanto, quão único viu foi a dança do fogo e as velas na parede.

-Encontra-se tão perdida -C.C. ofegou ao dar-se conta de que era ela quem tinha falado. Todos a olharam. Até o Lilah abriu com preguiça os olhos.

-Vê-a? -inquiriu Coco em um sussurro, apertando os dedos do C.C.

-Não. Não, claro que não. É que... -não podia explicá-lo-. É tão triste -murmurou, sem saber que as lágrimas brilhavam em seus olhos-. Não podem senti-lo?

Trent podia, e isso o deixava sem fala. Um coração quebrado, e um desejo tão profundo que era incomensurável. «É pura imaginação», disse-se. «O poder da sugestão».

 

-Não te distancie disso -Coco procurou com desespero o procedimento adequado. Quando ao fim conseguia que passasse algo de verdade, não tinha nem ideia de como continuar. Um trovão a sobressaltou-. Crie que falará através de ti?

No extremo oposto da mesa, Lilah sorriu.

-Carinho, simplesmente nos diga o que vê.

-Um colar -ouviu-se responder C.C.-. Duas fileiras de esmeraldas flanqueadas por diamantes. Formosos, brilhantes -o fulgor feria os olhos-. Tem-no posto, mas não posso lhe ver a cara. OH, é tão desventurada.

-O colar Calhoun -murmurou Coco-. De modo que é verdade.

Então, como se um suspiro percorresse o ar, as velas voltaram a titilar, logo se ergueram. Um lenho caiu na chaminé.

-É estranho -comentou Amanda ao sentir a mão lassa de sua tia-. irei avivar o fogo.

-Carinho -Suzanna estudou ao C.C. com tanta preocupação como curiosidade-. Encontra-te bem?

-Sim -C.C. pigarreou-. Claro -olhou ao Trent-. Suponho que a tormenta me afetou.

Coco se levou uma mão ao peito e deu um tapinha sobre seu veloz coração.

-Acredito que a todos viria bem uma copita de brandy -levantou-se, mais conmocionada do que queria reconhecer e se dirigiu ao aparador.

-Tia Coco -começou C.C.-. O que é o colar Calhoun?

-As esmeraldas -passou as taças-. Há uma lenda familiar. Já conhecem parte dela… como Bianca se apaixonou por outro homem e morreu de forma trágica. Suponho que chegou o momento de que lhes conte o resto.

-Guardaste um segredo? –Amanda sorriu ao jogar com sua taça-. Tia Coco, surpreende-me.

-Queria esperar até o momento adequado. Parece que chegou -voltou a sentar-se com a taça entre as mãos-. Segundo os rumores, o amante da Bianca era um artista, um de quão muitos naqueles dias vinha à ilha. reunia-se com ele quando Fergus se achava longe da casa, o qual acontecia frequentemente. O seu não era exatamente um matrimônio combinado, mas quase. Ela era muitos anos mais jovem que ele, e ao parecer muito formosa. Como Fergus destruiu todas as fotos da Bianca depois de que esta morrera, não há modo se soubesse com certeza.

-Por que? -quis saber Suzanna-. por que faria algo assim?

-Possivelmente por dor -Coco se encolheu de ombros.

-O mais provável é que fora por ira -interveio Lilah.

-Seja como for -Coco calou para beber um sorvo-, destruiu todos os avisos dela, e as esmeraldas se perderam. Tinha-lhe agradável a Bianca o colar quando deu a luz ao Ethan, seu filho maior -olhou ao Trent-. Meu pai. Não era mais que um menino à morte de sua mãe, de modo que este jamais teve muito claros os acontecimentos. Mas sua babá, que tinha permanecido intensamente leal a Bianca, contou-lhe histórias sobre ela. E essas sim que as recordou. A Bianca não interessava o colar, mas o luzia frequentemente.

-Como uma espécie de castigo -afirmou Lilah-. E talismã -sorriu a sua tia-. OH, faz anos que sei da existência do colar. Vi-o… tal como C.C. viu-o esta noite -levou-se a taça aos lábios-. Tem uns pendentes a jogo. Lágrimas de esmeraldas, como a pedra no centro da fileira inferior.

-Lhe está inventando isso -acusou Amanda, e Lilah simplesmente moveu os ombros.

-Não -sorriu ao C.C.-. Me estou inventando isso?

-Não -incômoda, C. C. olhou a sua tia-. O que significa tudo isto?

-Não estou segura, mas acredito que o colar ainda é importante para a Bianca. Jamais o voltou a ver sua morte. Alguns acreditam que Fergus o jogou no mar.

-Impossível -disse Lilah-. O velho não teria atirado nem um centavo ao mar, muito menos um colar de esmeraldas.

-Bom... -a Coco não gostava de falar mal de seu antepassado, mas se viu obrigada a estar de acordo-. Em realidade, não teria sido típico dele. O avô contava os centavos.

-Para que Silas Marner parecesse um filantropo -comentou Amanda-. Bom, o que aconteceu o colar?

-Esse, querida, é o mistério. A babá de meu pai lhe contou que Bianca ia deixar ao Fergus; que tinha guardado uma caixa, o que a babá chamou a caixa do tesouro. Bianca tinha tirado às escondidas tudo o que era valioso para ela.

-Mas terminou morta -murmurou C.C.

-Sim. A lenda conta que a caixa, com seu tesouro, encontra-se escondida na casa.

-Em nossa casa? -Suzanna olhou boquiaberta a sua tia-. De verdade crie que há alguma espécie de cofre do tesouro que esteve escondido em alguma parte... quantos... oitenta anos, e que ninguém o encontrou?

-É uma casa muito grande -assinalou Coco-. Por isso sabemos, poderia havê-lo enterrado entre as rosas.

-Se é que alguma vez existiu -murmurou Amanda.

-Existiu -Lilah assentiu em direção ao C.C.-. E acredito que Bianca decidiu que já é hora de encontrá-lo.

Quando todas começaram a falar com uníssono, contribuindo com argumentos e sugestões, Trent levantou uma mão.

-Senhoras, senhoras -repetiu, esperando que se acalmassem-. Compreendo que é um assunto familiar, mas já que me convidou a participar deste... experimento, sinto-me obrigado a acrescentar uma nota de calma. Frequentemente as lendas se exageram e expandem com o tempo. Se existiu um colar, não seria mais factível que Fergus o vendesse à morte de sua esposa?

-Não teria podido vendê-lo se não tivesse podido encontrá-lo -assinalou Lilah.

 

-Alguma de vocês crie de verdade que seu bisavô enterrou um tesouro no jardim ou o ocultou detrás de uma pedra solta? -uma olhada ao redor da mesa lhe indicou que era isso precisamente o que pensavam. Moveu a cabeça-. Essa espécie de conto de fadas é mais apropriada para o Alex e Jenny que para mulheres adultas -estendeu as mãos-. Em primeiro lugar, nem sequer sabem com certeza que existisse um colar.

-Mas eu o vi -afirmou C. C., embora fez que se sentisse tola.

-Imaginou -corrigiu ele-. Pensa-o. Faz uns minutos, quatro adultos racionais se sentavam ao redor desta mesa com as mãos unidas para convocar a fantasmas. De acordo, em uma estranha espécie de jogo de salão, mas que alguém chegue a acreditar de verdade nas mensagens do outro mundo... -no momento não pensava acrescentar que também ele havia sentido algo.

-Tem atrativo em um homem cínico de mente pragmática -Lilah se levantou para abrir uma das gavetas do aparador e tirar um bloco de papel e um lápis, depois de ajoelhar-se junto à cadeira do C.C., começou a desenhar-. Respeito sua opinião, Trent, mas o fato não é que o colar existiu... mas sim estou segura de que ainda existe.

-Pelos contos para dormir de uma babá?

-Não, pela Bianca -sorriu-lhe e aproximou o bloco de papel ao C.C.-. Isto é o que viu esta noite?

Lilah sempre tinha sido uma artista inteligente. C.C. contemplou o esboço do colar de duas fileiras engastadas com esmeraldas de corte quadrado, adornadas com brilhantes. Na última fileira pendurava uma gema grande com forma de lágrima.

-Sim -passou a gema de um dedo por cima do papel-. Sim, é-o.

Trent estudou o desenho. Se realmente existia essa peça, e o esboço do Lilah se aproximava de seu verdadeiro tamanho, sem dúvida valeria uma fortuna.

-Santo céu -murmurou Coco quando lhe aconteceram o caderno-. Santo Céu.

-Acredito que Trent tem razão -Amanda estudou o colar antes de entregar-lhe a Suzanna-. Não podemos derrubar a casa pedra por pedra, embora o desejássemos. Apesar de qualquer experiência paranormal que tenhamos podido ter, o primitivo é certificamos... certificamos sem lugar a dúvidas -acrescentou quando Lilah suspirou-, de que o colar é uma realidade. Inclusive faz oitenta anos algo assim devia custar uma incrível quantidade de dinheiro. Tem que existir algum registro. Se as famosas vibrações do Lilah se equivocam e se vendeu outra vez, também teria que existir um registro desse transação.

-É uma desmancha-prazeres -queixou-se Lilah-. Suponho que isso significa que dedicaremos no domingo a repassar uma montanha de papéis.

C.C. nem sequer tratou de dormir. abrigou-se com sua bata de flanela e, com a casa rangendo sob seus pés, dirigiu-se à habitação do Trent. Desde o quarto da Amanda lhe chegou o murmúrio da última edição das notícias. Desde o do Lilah o som leve de citasse. Não lhe ocorreu sentir-se incômoda ou titubear. Simplesmente bateu na porta e aguardou a que ele respondesse.

Quando abriu com a camisa aberta e os olhos um pouco dormitados, ela experimentou os primeiros nervos.

-C.C.?

-Preciso falar contigo -olhou para a cama, logo apartou a vista-. Posso passar?

-Possivelmente seria melhor esperar até a manhã -perguntou-se como podia manter a equanimidade quando até uma bata de flanela lhe resultava erótica.

-Não estou segura de poder.

-De acordo -o nó em seu estômago se apertou-. Claro -quanto antes se explicasse com ela, melhor. Isso esperava. Deixou-a acontecer e fechou a porta-. Quer te sentar?

-Tenho muita energia nervosa -cruzou os braços e foi até a janela-. deixou que nevar. Me alegro. Sei que Suzanna estava preocupada com algumas de suas flores. A primavera é muito imprevisível na ilha -ao voltar-se-se mesó o cabelo-. Falo de naderías e isso ódio -acalmou-se respirando fundo-. Trent, preciso saber o que pensa sobre o ocorrido esta noite. De verdade.

-Sobre esta noite? -repetiu com cautela.

-A sessão espírita -passou-se as mãos pela cara-. Deus, sinto-me como uma imbecil inclusive ao dizê-lo, mas aconteceu algo -alargou as mãos inquietas, à espera de que ele tomasse-. Sou muito realista, muito literal. Lilah é quem acredita nessas coisas. Mas agora... Trent, preciso sabê-lo. Sentiu algo você?

-Não sei a que te refere. Certamente em várias ocasiões me senti tolo.

-Por favor -deu-lhe um puxão impaciente-. Sei sincero comigo. É importante.

-De acordo, C.C. -depois de tudo, não era isso o que se prometeu que faria?-. me diga o que sentiu você.

-O ar se tomou muito frio. Logo foi como se algo... alguém... estivesse de pé detrás de nós. Detrás e entre nós dois. Não me assustou. Surpreendeu-me, mas sem temor. Estávamos com as mãos juntas, como agora. E então...

Esperava que ele o dissesse, reconhecesse-o. Esses enormes olhos verdes o exigiam. Quando Trent falou, fê-lo com grande relutância.

-Foi como se alguém apoiasse uma mão sobre as nossas.

-Sim -com os olhos fechados, aproximou a mão dele aos lábios-. Sim, exato.

-Uma alucinação compartilhada -começou, mas ela o cortou com uma gargalhada.

-Não quero ouvir isso. Nada de explicações racionais -levou-se a mão do Trent à bochecha-. Não sou uma pessoa fantasiosa, mas sei que significou algo, algo importante. Sei.

 

-O colar?

-Só uma parte disso… e não essa. O resto... o colar, a lenda, já o decifraremos cedo ou tarde. Acredito que teremos que fazê-lo porque está escrito. Mas isto... isto foi como uma bênção.

-C.C.

-Amo-te -com os olhos escuros e brilhantes, tocou-lhe a bochecha-. Amo-te e nada em minha vida pareceu jamais tão correto.

Ficou sem fala. Uma parte dele quis retroceder, sorrir com amabilidade e lhe dizer que se estava deixando levar no momento. O amor não surgia em uma questão de dias. Se alguma vez chegava a passar, o qual era estranho, demorava anos.

Outra parte, enterrada no mais fundo de seu ser, quis abraçá-la para que o momento não terminasse nunca.

-Catherine..

Mas ela já se acomodou em seus braços, que pareciam esperá-la. Como se não tivesse controle sobre eles, envolveram-na. O calor dela o penetrou como uma droga.

-Acredito que soube a primeira vez que me beijou -apoiou a bochecha na dele-. Não o queria, não o pedi, mas jamais tinha sido assim para mim. Acredito que nunca o tinha esperado. Aí estava, de forma tão súbita e completa entrou em minha vida. me beije outra vez, Trent. me beije agora.

Não pôde fazer outra coisa. Seus lábios já ardiam por senti-la. Quando se encontraram, esse fogo só pôde avivar-se. Ela era líquido em seus braços e enviava línguas de fogo por seu organismo. Quando Trent não conseguiu evitar que sua demanda aumentasse, C.C. não titubeou, mas sim se pegou a seu corpo, lhe oferecendo tudo.

Deslizou as mãos sob a camisa dele, encantada de sentir o tremor veloz e involuntário que lhe provocou. Os músculos do Trent se esticaram sob seus dedos com o tipo de força que ela queria, necessitava.

O vento suspirou além da janela igual a ela suspirou em seus braços.

Trent não tinha suficiente. Descobriu que queria devorá-la enquanto lhe percorria a cara com os lábios, para passar ao pescoço e lhe mordiscar a pele delicada. O aroma a madressilva redemoinhou em sua cabeça. Ela se arqueou e os gemidos roucos de prazer que emitiu martillearon em seu sangue.

Tinha que tocá-la.Voltaria-se louco se não o para. E também se o para. Quando lhe separou a bata, gemeu ao dar-se conta de que estava nua para ele. Desesperado, encheu sua mão com ela.

Nesse momento Catherine soube o que era que lhe fervesse o sangue. Virtualmente podia senti-la correr por suas veias, ardendo ali onde ele a tocava. Experimentava uma debilidade gloriosa, mesclada com uma espécie de força maníaca. Quis lhe dar ambas as coisas e encontrou o modo quando Trent a beijou com frenesi na boca.

Ela tremeu inclusive ao responder. entregou-se enquanto se acendia. Quando a cabeça lhe caiu para trás e cravou com força os dedos nos ombros dele, Trent sentiu que por seu interior se movia algo que era mais que desejo e mais profundo que a paixão.

Felicidade. Esperança. Amor. Ao reconhecer os sentimentos, a eles se somou o terror.

Com a respiração entrecortada, separou-se dela.

A bata tinha escorregado por um ombro, despindo-o. Tinha os olhos tão brilhantes como as esmeraldas que tinha imaginado. Sorrindo, elevou uma mão tremente à bochecha dele.

-Quer que fique esta noite?

-Sim... não -mantê-la a distância era o mais difícil que tinha tido que fazer Jamais-. Catherine... -compreendeu que desejava que ficasse. Não só essa noite, e não só por esse glorioso corpo. O fato de que o quisesse lhe dava mais importância à necessidade de esclarecer coisas-. Eu não... não fui justo contigo, e isto se descontrolou com muita rapidez -lhe escapou um suspiro agitado-. Deus, é formosa. Não -acrescentou com presteza ao vê-la sorrir e dar um passo adiante-. Precisamos falar. Solo falar.

-Acreditava que o tínhamos feito.

Se seguia olhando o dessa maneira, terminaria por esquecer-se da justiça. Ou de sua própria sobrevivência.

-Não me expliquei com claridade -começou devagar-. Se tivesse sabido… se me tivesse dado conta do absolutamente inocente que é, eu não haveria… bom, quero acreditar que teria sido mais cauteloso. Agora solo fica tratar de compensar minha precipitação.

-Não entendo.

-Não, esse é o problema -afastou-se, já que precisava estabelecer um pouco de distância-. Pinjente que me sentia atraído por ti, muito atraído. E é óbvio que é a verdade. Mas de havê-lo sabido jamais me teria aproveitado de ti.

De repente ela sentiu frio e fechou a bata em torno de seu corpo.

-Você molesta que não tenha estado antes com um homem?

-Me incomodar, não -frustrado, voltou-se para ela-. Não é essa a palavra. Custa-me encontrar uma. Sabe?, há regras -mas C.C. não deixava de olhá-lo-. Catherine, uma mulher como você espera... merece... mais do que eu posso dar.

Ela baixou a vista às mãos enquanto apertava o cinturão da bata.

-E o que é isso?

-Compromisso. Um futuro.

-Matrimônio.

-Sim.

-Suponho que pensa que isto... o que eu hei dito... é parte dos planos da tia Coco.

 

-Não -se se tivesse atrevido, teria se aproximado dela-. Certamente que não.

-Bom -trabalhou em excesso se por conseguir que seus dedos se relaxassem-. É algo... imagino.

-Sei que seus sentimentos são sinceros, exagerados, talvez, mas sinceros. E tudo é por minha culpa. Se isto não tivesse passado com tanta rapidez, desde o começo te teria explicado que não está em minha intenção me casar, jamais. Não acredito que duas pessoas possam ser leais a uma à outra, muito menos felizes, durante uma vida inteira.

-Por que?

-Por que? -olhou-a fixamente-. Porque simplesmente não funciona. Vi a meu pai ir de matrimônio a divórcio e outra vez a matrimônio. É como observar uma partida de tênis. A última vez que soube algo de minha mãe, ia por seu terceiro matrimônio. Simplesmente, não é prático fazer votos sabendo que os vais romper.

-Prático -repetiu com um gesto da cabeça-. Não te permite sentir nada por mim porque seria pouco prático.

-O problema é que sinto algo por ti.

-Não o suficiente -solo o suficiente para lhe romper o coração-. Bom, me alegro de que o tenhamos esclarecido -destroçada, voltou-se para a porta-. boa noite.

-C.C. -apoiou uma mão no ombro dela antes de que pudesse encontrar o pomo.

-Não te desculpe -rezou para que seu controle aguentasse uns minutos mais-. Não é necessário. Explicaste-o tudo à perfeição.

-Maldita seja, por que não me grita? me chame alguns nomes que sei que me mereço teria preferido isso à serena desolação que tinha visto em seus olhos.

-Te gritar? -obrigou-se a encará-lo-. Por ser justo e honesto? te insultar? Como posso te insultar, Trent, quando o sinto tanto por ti? -a mão dele caiu devagar. C.C. ergueu a cabeça. Sob a dor, justo por debaixo de sua superfície, havia orgulho-. Está deixando acontecer algo... não, não deixa passar -corrigiu-. Com educação devolve algo que nunca mais vais voltar a ter. O que expulsaste que sua vida, Trent, teria sido seu melhor parte -deixou-o ali com a incômoda sensação de que não se equivocava.

Essa noite se celebrava uma festa. Pareceu-me que seria bom para mim que enchesse a casa com gente, luzes e flores. Sei que Fergus se sentia agradado de que tivesse fiscalizado todos os detalhes com tanta meticulosidade. Tinha-me perguntado se ele teria notado minha estado de distração, ou o frequentemente que passeava pelos penhascos pelas tardes, ou as muitas horas que tinha começado a passar na torre, sonhando. Mas não o parece.

Tinham assistido os Greenbaum, e os McAllister e os Prentise. Estavam todos os que passam o verão na ilha e que Fergus considera que devíamos ver. A sala de baile se achava rodeada de gardênias e rosas vermelhas. Fergus tinha contratado uma orquestra de Nova Iorque e a música era vivaz e agradável. Acredito que Sarah McAllister bebeu muito champanha, já que sua risada começou a me crispar muito antes de que se servisse o jantar.

Acredito que meu novo vestido dourado encaixava perfeitamente com a ocasião, porque recebeu muitos cumpridos. Entretanto, quando dancei com Ira Greenbaum, seus olhos se posaram nas esmeraldas. Penduravam como um grilhão de meu pescoço.

Que injusta sou! São formosas, e só minhas porque Ethan é meu.

Durante a velada, subi à habitação dos meninos para comprovar como estavam, embora saiba quão carinhosa é a babá com todos eles. Ethan despertou e dormitado perguntou se lhe tinha levado um pouco de bolo.

Todos meus pequenos parecem anjos enquanto dormem. Meu amor por eles é tão rico, tão profundo, que me pergunto por que meu coração não pode transferir nada desse doce sentimento ao homem que os fez nascer

Possivelmente a culpa está em mim. Sem dúvida deve ser assim. Ao beijá-los e lhes dar as boa noite para voltar a sair ao corredor, com desespero desejei que em vez de ter que retornar ao salão para dançar e rir, pudesse correr aos penhascos para me erguer ali com o vento em meu cabelo, rodeada em qualquer parte pelo som e os aromas do mar.

Viria então ele a mim, se eu atrevesse a algo assim? Viria para erguemos ali juntos, nas sombras, à espera de algo que não devemos desejar, muito menos tomar?

Não fui aos penhascos. Meu dever é meu marido, e para ele me dirigi. Ao dançar com ele meu coração se sentiu tão frio como as joias que rodeiam meu pescoço. Entretanto, sorri quando elogiou minha habilidade como anfitriã. A mão que rodeava minha cintura era distante mas ao mesmo tempo possessiva. Enquanto nos movíamos com a música, seus olhos estudavam o salão, aprovando o que era dele, esquadrinhando a seus convidados, convencido de que estavam impressionados.

Quanto sei o que representa para o homem com o que me casei a fila e a opinião de outros. E o pouco que ao parecer chegaram a significar para mim.

Queria lhe gritar. «Fergus, pelo amor de Deus, me olhe. me olhe e vê. Faz que te ame, já que o medo e o respeito não podem ser suficientes para nenhum dos dois. Faz que te ame para que nunca mais gire meus passos para os penhascos e o que ali me aguarda».

Mas não gritei. Quando com impaciência me disse que era necessário que dançasse com o Cecil Barkley, murmurei meu assentimento.

Agora a música terminou e os abajures estão apagados. Pergunto-me quando voltarei a ver o Christian. Pergunto-me o que será de mim.

 

C.C. estava sentada com as pernas cruzadas no centro de um oceano de papéis. Sua missão, sem importar que tivesse eleito aceitá-la ou não, tinha sido repassar todas as notas, recibos e fragmentos de papel isolados que se guardaram em três caixas de cartão etiquetadas como miscelânea.

Perto, Amanda se sentava a uma mesa dobradiça, com várias caixas mais aos pés. Com o cabelo recolhido e os óculos para ler caindo pelo nariz, estudava com meticulosidade cada papel antes de depositário sobre um dos diversos montões que tinha iniciado.

-Teríamos que ter feito isto faz décadas -comentou.

-Quererá dizer que teríamos que havê-lo queimado faz décadas.

-Não -Amanda subiu os óculos-. Algumas costure são fascinantes, e certamente merecem a pena ser conservadas. Colocar papéis em caixas de cartão não é minha ideia de conservar a história familiar.

-Uma receita de geleia de arándanos se deve considerar como história familiar?

-Para a tia Coco sim. Isso se guarda na categoria de cozinha, subtítulo menus.

C.C. moveu-se e apartou uma nuvem de pó.

-E o que me diz de uma fatura para seis pares de luvas brancas infantis e um guarda-sol azul de seda?

-Roupa, por data. Mmm, isto é interessante. O relatório do progresso escolar da tia Coco feito por sua professora de quarto curso. Cito: «Cordelia é uma menina deliciosamente gregária. Entretanto, tende a sonhar acordada e lhe custa acabar os projetos que lhe atribuem».

-Vá, não sabíamos -rígida, C.C. arqueou as costas e girou a cabeça. A seu lado, o sol penetrava através das manchas na janela do armazém. Com um suspiro, apoiou os cotovelos nos joelhos e o observou.

-Onde diabos está Lilah? –impaciente como sempre, Amanda moveu o pé enquanto grunhia-. Suzanna tem permissão porque se levou aos meninos ao cinema, mas se supõe que Lilah tem que estar aqui.

-Aparecerá -murmurou C. C.

-Claro. Quando tivermos terminado -Amanda se lançou a um novo montão e espirrou duas vezes. É o material mais sujo que jamais vi.

-Tudo se suja se não se move -C.C. encolheu-se de ombros.

-Não, quero dizer sujos de verdade. É um verso picaresco escrito pelo tio avô Sejam. «Em Maine havia uma jovem dama, cujos peitos enormes induziam a uma chamusca. Eram...» Esquece-o concluiu-. Abriremos uma pasta para intento de pornografia -quando C.C. guardou silêncio, elevou a vista para ver sua irmã com o olhar cravado ainda no raio de sol-. Encontra-te bem, carinho?

-Mmm? OH, sim, estou bem.

-Não dá a impressão de ter dormido muito bem.

-Suponho que a sessão espírita me desconcertou -encolheu-se de ombros e voltou a centrar-se nos papéis.

-Não me surpreende -franziu os lábios enquanto repassava mais recibos-. Eu nunca acreditei nessas coisas. Uma coisa era a torre da Bianca. Acredito que todas havemos sentido algo... bom, algo lá encima. Mas sempre pensei que se devia ao feito de que sabíamos que Bianca se arrojou da janela. Mas ontem à noite... -ao ter um calafrio, esfregou-se os braços-. Sei que você viu algo, que experimentou algo.

-Sei que o colar é real -disse C.C.

-Convirei que foi real… quando tiver um recibo na mão.

-Foi e é. Não acredito que o tivesse visto se tivesse estado empenhado ou se atirou ao mar. Pode parecer uma loucura, mas sei que Bianca quer que o encontremos.

-Sonha como uma maluquice -com um 'suspiro, Amanda se recostou na cadeira desvencilhada-. E o que resulta mais louco é que eu também acredito. Espero que ninguém no hotel se inteire de que dedico meu tempo livre a procurar um tesouro enterrado porque minha antepassada falecida faz muito tempo assim me há isso dito. OH!

-Encontraste-o? -C.C. já tinha começado a levantar-se.

-Não, não, é uma agenda antiga. Desde 1912. A tinta está um pouco descolorida, mas a caligrafia é preciosa... decididamente feminina. Deve ser da Bianca. Olhe.

«Enviar convites». E aqui aparece a lista de convidados. Vá festa. Os Prentise Amanda se tirou os óculos para mordiscar o extremo de uma costeleta-. Arrumado que são os donos do Prentise Hall... uma das mansões que ardeu no quarenta e sete.

C.C. ficou a ler por cima do ombro de sua irmã.

-«Última prova do vestido para o baile. Vi o Christian às três da tarde». Christian? -apoiou uma mão tensa no ombro da Amanda-. Poderia ser seu artista?

-Sua conjetura é tão boa como a minha -ficou outra vez os óculos-. Mas olhe aqui. «Fiz reforçar o fechamento das esmeraldas». Poderiam ser as que procuramos.

-Têm que ser.

-Seguimos sem encontrar nenhum recibo.

-Que possibilidades temos? -C.C. olhou com expressão cansada os papéis que lotavam a habitação.

Até a Amanda, com sua habilidade para a organização, sentia-se intimidada.

 

-Bom, melhoram cada vez que eliminamos uma caixa.

-Mandy -C.C. sentou-se no chão a seu lado-. Nos esgota o tempo, verdade?

-Apenas lhe dedicamos umas horas.

-Não refiro a isso -apoiou a bochecha na coxa de sua irmã-. Sabe que não. Embora encontremos o recibo, ainda teremos que encontrar o colar. Poderia nos levar anos, e não os temos. Veremo-nos obrigadas a vender, verdade?

-Falaremos disso manhã de noite, na reunião familiar -afligida, acariciou o cabelo do C.C.-. por que não vais jogar te um pouco? Sério, tem aspecto de estar muito esgotada.

-Não -levantou-se e ficou a caminhar sem pisar nos papéis-. Estarei melhor se mantiver as mãos e a mente ocupadas. Do contrário, poderia estrangular a alguém.

-Ao Trent, por exemplo?

-Um excelente sítio pelo que começar. Não -suspirou e colocou as mãos nos bolsos-. Não, em realidade esta confusão não é culpa dela.

-Seguimos falando da casa?

-Não sei -infeliz, voltou a sentar-se no chão. Ao menos podia dar as obrigado de ter esgotado todas suas lágrimas a noite anterior-. cheguei à conclusão de que todos os homens são estúpidos, egoístas e absolutamente desnecessários.

-Está apaixonada por ele.

-Bingo -sorriu com ironia-. E para responder seu seguinte pergunta, não me corresponde. Não está interessado em mim, nem em um futuro nem em uma família, e lamenta muito não haver me esclarecido isso antes de que eu cometesse o engano de me apaixonar por ele.

-Sinto muito, C.C. -depois de tirá-las óculos, Amanda se levantou para ir sentar se no chão junto a sua irmã-. Sei o muito que deve doer, mas solo o conhece há uns dias. O embevecimento...

-Não é isso -converteu a receita da geleia em um avião de papel-. Tenho descoberto que apaixonar-se não tem nada que ver com o tempo. Pode requerer um ano ou um instante. Acontece quando é o momento de que aconteça.

Amanda lhe aconteceu um braço pelos ombros.

-Bom, eu não sei nada sobre isso -para ouvir-se franziu o cenho, embora o gesto só durou um instante-. Mas sim sei que, se te tiver feito mal, faremos que lamente haver-se cruzado com uma Calhoun.

  1. C. não e lançou o avião de arándanos pelo ar.

-É tentador, mas acredito que se trata mais de uma questão de me haver machucado mesma moveu a cabeça-. Vamos, é hora de voltar para trabalho.

Acabavam de começar outra vez quando entrou Trent. Olhou ao C.C. e se encontrou com uma parede sólida de gelo. Ao voltar-se para a Amanda, não foi muito melhor.

-Pensava que não iria mal um pouco de ajuda -disse.

Amanda olhou a sua irmã e notou que C.C. empregava o tratamento do silêncio, arma que considerava muito efetiva.

-É muito amável, Trent -Amanda lhe dedicou um sorriso que teria congelado lava derretida-. Mas realmente se trata de um problema familiar.

-Deixa que ajude -C.C. não se incomodou em elevar a vista-. Suponho que é um perito na papelada.

-Muito bem, então -Amanda se encolheu de ombros e indicou outra cadeira dobradiça-. Estou organizando de acordo a contido e ano.

-Perfeito -aproximou a cadeira e se sentou frente a ela. Trabalharam em um silêncio gélido-. Aqui está a fatura de um acerto -comentou, sem que fizessem conta-. O acerto de um fechamento.

-Me deixe ver -Amanda já o tinha arrebatado da mão antes de que C.C. cruzasse a estadia-. Não põe de que tipo de colar -murmurou.

-Mas as datas coincidem -apontou C. C.-. 16 de julho de 1912

-Perdi-me algo? -perguntou-lhes Trent. Amanda aguardou um momento, viu que sua irmã não ia responder e elevou a vista.

-Encontramos uma agenda da Bianca. Tinha um apontamento para recordar-se que tinha que levar a arrumar o fechamento das esmeraldas.

-Pode que isto seja o que necessitam -tinha os olhos cravados no C.C., mas foi Amanda quem respondeu.

-Possivelmente seja suficiente para nos convencer de que em 1912 o colar Calhoun existia, mas dista muito de nos ajudar a dar com ele -deixou o recibo a um lado-. Vejamos que mais encontramos.

Em silêncio, C.C. retornou aos papéis.

Uns momentos mais tarde, Lilah chamou do pé da escada.

-Amanda! Telefone!

-Dava que mais tarde os chamo.

-É o hotel. Hão dito que era importante.

-Maldição -deixou os óculos antes de olhá-lo com olhos entrecerrados-. Retornarei em uns minutos.

-É muito protetora -comentou Trent para ouvir afastá-los passos rápidos.

-Apoiamo-nos -comentou C.C. e deixou um papel sobre um montão sem ter nem ideia de seu conteúdo.

-Isso notei. Catherine...

-Sim? -preparada para tudo, olhou-o com frieza.

-Queria me assegurar que te encontrava bem.

 

-De acordo. Em que sentido?

C.C. tinha a bochecha manchada de pó. Teve umas vontades enormes de lhe sorrir e indicar-lhe De ouvi-la rir enquanto o tirava.

-Depois do acontecido ontem à noite... sei o irritada que estava ao partir de minha habitação.

-Sim, estava irritada -girou outro papel-. Suponho que montei uma cena.

-Não, não referia a isso.

-Eu sim -obrigou-se a sorrir-. Suponho que esta vez me toca oferecer uma desculpa. Tudo o que aconteceu a sessão me subiu à cabeça -«a mim coração», disse-se-. Devi parecer e soar como uma idiota ao ir a sua habitação.

-Não, certamente que não -«está muito indiferente», pensou. Desconcertava-o vê-la tão serena-. Disse que me amava.

-Sei o que pingente -sua voz descendeu outros dez graus, mas o sorriso não se moveu-. por que não o atribuímos ao estado de ânimo do momento?

Ele compreendeu que resultava razoável. Mas não soube por que se sentia tão perdido.

-Então, não falava a sério?

-Trent, apenas nos conhecemos há uns dias -perguntou-se se queria fazê-la sofrer.

-Mas parecia tão... devastada quando foi.

-Pareço-lhe isso agora? -arqueou uma sobrancelha.

-Não -respondeu devagar-. Não o parece.

-Bom, pois esqueçamos o assunto -ao falar, o sol se perdeu detrás de umas nuvens-. Isso seria o melhor para os dois, não?

-Sim -era o que tinha querido. Entretanto, sentiu-se vazio ao incorporar-se-. Quero o melhor para ti, C.C.

-Perfeito -estudou o papel que tinha na mão-. Se baixas, lhe peça ao Lilah que traga um pouco de café quando subir.

-De acordo.

Ela esperou até ter a certeza de que se tinha ido cobrir o rosto com as mãos. Descobriu que se equivocou. Não tinha esgotado todas as lágrimas.

Trent retornou a sua habitação. Ali tinha a maleta, cheio de trabalho que tinha querido terminar durante sua ausência do escritório. sentou-se ante a mesa e abriu uma pasta.

Dez minutos mais tarde, olhava pela janela sem ter lido a primeira palavra do relatório.

Moveu a cabeça, recolheu a pluma e se ordenou concentrar-se. Conseguiu ler a primeira palavra, inclusive o primeiro parágrafo. Três vezes. Aborrecido, deixou a pluma e se levantou para caminhar.

«É ridículo», pensou. Tinha trabalhado em suítes de hotéis de todo o mundo. por que ia ser distinta essa habitação? Tinha paredes e janelas, um teto… por dizê-lo de algum jeito. A mesa era mais que apropriada. E silo queria, inclusive podia acender um fogo para acrescentar um pouco de alegria. E calor. Deus sabia que não iria mal um pouco de calor depois dos gélidos trinta minutos que tinha passado no armazém. Não havia motivo para que não pudesse sentar-se e ocupar-se de alguns negócios durante uma ou duas horas.

Salvo que não deixava de recordar… quão formosa tinha estado C.C. ao aparecer em sua habitação com a bata de flanela cinza e descalça. Ainda podia ver o brilho que tinha emanado de seus olhos e de seu sorriso. Franziu o cenho e se esfregou o peito. Não estava acostumado a essa dor. Sim aos dores de cabeça. Jamais do coração.

Mas o acossava a lembrança do modo em que se introduziu em seus braços. E seu sabor... perguntou-se por que quase podia senti-lo ainda nos lábios.

«É a culpabilidade, nada mais», assegurou-se. Tinha-a ferido como sabia que nunca feriria outra mulher. Sem importar quão indiferente tivesse estado antes, era uma culpa com a que ia ter que viver durante muito tempo.

Talvez deveria subir para falar outra vez com ela. deteve-se justo quando tinha a mão no trinco. Isso solo pioraria as coisas, se era possível. O fato de que ele desejasse aliviar um pouco de culpa não era desculpa para voltar a pô-la em uma situação incômoda.

Não cabia dúvida de que C.C. aguentava tudo melhor que ele. Era forte, resistente. Orgulhosa. Suave. Notou que sua mente começava a divagar. Cálida. Incrivelmente formosa.

Amaldiçoou e outra vez ficou a andar. o melhor que podia fazer era concentrar-se na casa e não em seus ocupantes. Possivelmente os poucos dias que levava ali lhe tivessem causado uma comoção pessoal, mas lhe tinham dado a oportunidade de formular planos. De dentro. Tinham-lhe brindado um sabor da atmosfera e a história. Se podia serenar uns momentos, conseguiria plasmar esses pensamentos em papel.

Mas foi inútil. Assim que seus dedos aferraram a pluma, a mente ficou em branco. disse-se que se sentia encerrado. Necessitava um pouco de ar. Recolheu sua jaqueta e fez algo para o que não se concedeu tempo nos últimos meses.

Deu um passeio.

Seguindo seu instinto, dirigiu-se para os penhascos. Desceu pela grama irregular e rodeou uma cambaleante parede de pedra. Em direção ao mar. O ar estava fresco. Dava a impressão de que a primavera tinha decidido empreender a retirada. O céu mostrava uma tonalidade cinza tormentosa, embora havia alguns fragmentos isolados de cor azul. Umas valorosas flores silvestres se agitavam ao vento.

Caminhou com as mãos nos bolsos e a cabeça encurvada. A depressão não era uma sensação familiar, e estava decidido a eliminá-la com um bom exercício. Ao olhar atrás, pôde ver as cúpulas das torres a suas costas. Girou outra vez por volta do mar, imitando sem sabê-lo-a postura de um homem que três décadas antes tinha pintado ali.

 

«Grandioso», foi a única palavra que lhe ocorreu. As rochas descendiam quase em picado, rosadas e cinzas ali onde o vento as sacudia, negras onde a água as golpeava. A água escura estava coroada por umas cristas brancas. Havia bruma e o ar continha a ameaça fresca da chuva.

Teria que ter sido uma visão sombria. Mas simplesmente era espetacular.

Desejou que C.C. estivesse a seu lado, antes de que passasse o tempo ou o vento trocasse. «Sorriria», pensou. Se tivesse estado ali, a beleza da paisagem não o faria sentir tão sozinho. Tão condenadamente sozinho.

O formigamento que experimentou na nuca o impulsionou a dá-la volta, e a ponto esteve de alargar os braços. Tinha estado convencido de que a veria caminhar para ele. Não viu nada mais que o pendente pedregoso. Entretanto, permanecia a sensação de outra presença, muito real.

«É um homem sensato», assegurou-se. Sabia que se encontrava sozinho. Mas era como se alguém estivesse a seu lado, à espera, observando. Por um momento, teve a certeza de que percebia uma leve fragrância a madressilva.

«É a imaginação», decidiu, embora sua mão não se mostrou muito firme quando a levantou para apartar o cabelo dos olhos.

Então captou um pranto. ficou quieto ao escutar o som triste e sereno de um soluço justo por debaixo do ruído do vento. Subia e baixava, como o mesmo mar. Algo lhe atendeu o estômago quando se trabalhou em excesso por escutar... embora o sentido comum lhe dizia que não havia nada que ouvir.

perguntou-se se sofreria uma crise nervosa. «Mas o som é real, maldita seja. Não uma alucinação». Devagar, com todos os sentidos em alerta, desceu por entre um grupo de rochas.

-Quem anda aí? -gritou enquanto o som se convertia em um suspiro que desaparecia no vento. Perseguiu-o e acelerou o descida, impulsionado por uma urgência que o martilleaba o sangue. Uma chuva de pedras soltas se desprendeu ao espaço, devolvendo-o de repente à realidade.

Perguntou-se que diabos estava fazendo. Descer por um penhasco em detrás de um fantasma? Elevou as mãos e viu que a pesar do vento as Palmas suavam. Quão único podia ouvir nesse momento era o batimento do coração frenético de seu próprio coração. depois de obrigar-se a ficar quieto e respirar fundo para acalmar-se, olhou ao redor.

Acabava de reemprender a volta quando ouviu outra vez o som. Pranto. «Não», disse-se. Um gemido. Soava claro e quase sob seus pés. ficou em cuclillas e procurou detrás de um saliente rochoso. encontrou-se com uma visão desoladora. O pequeno cachorrinho negro logo que era algo mais que uma bola de ossos coberta de cabelo. Invadiu-o o alívio e riu em voz alta. depois de tudo, não havia se tornado louco. Enquanto ele o estudava, o cachorrito apavorado tratou de retroceder, mas não tinha aonde ir. Tremente, seus pequenos e assustados olhos se cravaram no Trent.

-Viveste tempos duros, né? -com cautela, alargou a mão, preparado para retirá-la se o cachorrinho lhe lançava uma dentada. Mas o bichinho se encolheu e gemeu-. Não passa nada, amigo. te relaxe. Não te farei mal -acariciou-o com suavidade entre as orelhas. Sem deixar de tremer, o cachorrinho lhe lambeu a mão-. Suponho que se sente bastante sozinho -suspirou enquanto o acalmava-. Eu também. por que não voltamos para a casa? -elevou-o e o colocou sob a jaqueta para a ascensão.

Quando tinha percorrido a metade do trajeto, deteve-se. Havia como mínimo uns cinquenta metros entre o sítio do que tinha contemplado o mar e o ponto onde tinha encontrado ao cachorrinho. Lhe umedeceram outra vez as Palmas das mãos ao compreender que teria sido impossível ouvir os gemidos do cachorrinho do penhasco de acima. A distância e o vento teriam absorvido as choramingações. Entretanto, tinha ouvido… algo. E isso o tinha impulsionado a baixar para encontrar ao animal perdido.

-Que diabos foi? -murmurou, pegando ao cão a seu peito enquanto punha rumo à casa.

Ao cruzar a grama começou a sentir-se tolo. O que se supunha que ia contar lhe a suas anfitriãs? «Olhem o que me seguiu? O que lhes parece...? Sabem uma coisa? Decidi arriscar minha vida ao descer pelo penhasco… olhem o que encontrei». Nenhum dos dois começos parecia adequado. O sensato seria meter-se no carro e levar a cão à cidade. Sem dúvida ali encontraria a um veterinário ou um refúgio para animais. Mas descobriu que não podia entregar essa bola tremente de pele a uns desconhecidos. O pequeñajo confiava nele e inclusive já se havia acurrucado sob seu coração. Enquanto refletia sobre o melhor curso de ação, C.C. saiu da casa.

Trent trocou de postura e tentou parecer natural.

-Olá.

-Olá -ela se deteve para grampeá-la jaqueta vaqueira-. Ficamo-nos sem leite. Necessita algo da cidade?

«Uma lata de comida para cães», pensou, e pigarreou.

-Não, obrigado. Eu, né... -o cachorrinho se retorceu contra sua camisa-. encontrastes algo?

-Um montão de coisas, mas nada que nos indicasse onde procurar o colar -sua infelicidade se transformou em curiosidade ao observar as ondas que se formavam debaixo da jaqueta do Trent-. Vai tudo bem?

-Sim. Certamente -pigarreou e cruzou os braços-. fui dar um passeio.

-Perfeito -«que incômodo», pensou ela. Ele era incapaz de olhá-la aos olhos-. Se tiver fome, a tia Coco está preparando um almoço ligeiro.

-OH... obrigado.

Ia passar ao lado dele quando um latido agudo a fez frear em seco.

-O que?

-Nada -afogou uma risita involuntária quando o cachorrinho se moveu contra suas costelas.

-Está bem?

 

-Sim, sim, estou-o -sorriu-lhe com acanhamento quando o cão apareceu o focinho por cima da cremalheira da jaqueta.

-O que tem aí? -C.C. esqueceu o juramento de manter a distância e se aproximou para baixar a cremalheira-. OH! Trent, é um cachorrinho.

-Encontrei-o entre as rochas -começou com celeridade-. Não estava muito seguro do que tinha...

-OH, pobrecito -levou-se a cachorrinho a seu peito-. Está perdido? -esfregou a bochecha contra a pelagem do animal-. Vamos, vamos, já aconteceu tudo -o perrito meneou o rabo com tanta velocidade que a ponto esteve de escorrer-se.

-É precioso, verdade? -sorrindo, Trent se aproximou para acariciá-lo-. Parece que leva sozinho um tempo.

-É um cachorrito -embalou-o-. Onde há dito que o encontrou?

-Entre as rochas. Dava um passeio -«e pensava em ti». antes de poder deter-se, alargou a mão para lhe tocar o cabelo-. Não fui capaz de deixá-lo ali.

-Claro que não -elevou a vista e viu que virtualmente estava nos braços dele. Olhava-a fixamente e lhe acariciava o cabelo.

-Catherine...

O cachorrinho voltou a ladrar e despertou.

-Levarei-o dentro. Deve ter fria e fome.

-De acordo -o único sítio que ficava livre para colocar as mãos era os bolsos-. por que não vou eu à cidade a comprar o leite?

-Vale -sorriu com expressão tensa ao retroceder para os degraus. Deu a volta e, lhe murmurando ao cachorrito, entrou na casa.

Quando Trent retornou, o animal dispunha de um lugar de honra junto à chaminé da cozinha e da atenção absoluta de quatro mulheres formosas.

-Esperem a que Suze e os meninos voltem para casa -dizia Amanda-. adorarão. Tia Coco, por isso vejo gosta de seu patê de fígado.

-É evidente que se trata de um gastrônomo entre cães -Lilah, apoiada sobre mãos e joelhos, aproximou o nariz ao focinho do animal-. Verdade que sim, precioso?

-Acredito que deveria comer algo mais suave -Coco também se achava no chão, cativada-. Com o cuidado adequado, será muito bonito.

O cachorrinho, surpreso por sua boa sorte, correu em círculos. Ao ver o Trent, foi para ele, tropeçando com suas próprias patas. As mulheres se levantaram e lhe fizeram perguntas ao uníssono.

-Um momento -deixou a bolsa da compra sobre a mesa e logo se agachou para acariciar a barriga do cachorrinho-. Não sei de onde vem. Encontrei-o quando dava um passeio pelos penhascos. Estava escondido. Verdade, amigo?

-Suponho que deveríamos perguntar por aqui, para ver se alguém o perdeu -começou Coco, logo elevou uma mão quando suas sobrinhas manifestaram unânime desacordo-. É o justo. Mas depende do Trent, já que é ele quem o encontrou.

-Acredito que deveriam fazer o que lhes parecesse melhor -levantou-se para tirar o leite da bolsa-. Sem dúvida gostaria de um pouco.

Amanda já tinha tirado um prato e discutia com o Lilah sobre a quantidade adequada para o novo convidado.

-Que mais trouxeste? -C.C. assinalou a bolsa.

-Umas poucas coisas -encolheu-se de ombros e se rendeu-. Pensei que teria que levar um colar -tirou um colar vermelho com rebites chapeados.

-Muito na moda -C.C. não pôde conter o sorriso.

-E uma correia -também a depositou na mesa-. Comida para cachorrinho.

-Mmm -C.C. ficou a revisar a bolsa-. E um manjar: um osso.

-Quererá mordiscar algo -informou ele.

-claro que sim. Uma bola e um camundongo de borracha -rendo, apertou o brinquedo.

-Deveria ter algo com o que jogar -não quis acrescentar que tinha procurado uma casa e uma almofada para cães, mas sem poder encontrá-los.

-Não sabia que fosse um brando.

-Eu tampouco -baixou a vista ao cachorrinho saltitante e feliz.

-Como se chama? -quis saber Lilah.

-Bom, eu...

-Você o encontrou, assim será você quem o batize.

-Date pressa -aconselhou Amanda-. antes de que Lilah o escravize com algo como Griswold.

-Fred -disse impulsivamente-. me parece um Fred.

Absolutamente impressionado pelo nome recebido, Fred se tornou com uma orelha no prato com leite e ficou a dormir.

-Bom, arrumado -Amanda acariciou ao cachorrinho uma última vez antes de ficar de pé-. Vamos, Lilah, é seu turno.

-Lhes darei uma mão -com o instinto a flor de pele, Coco se levou a suas duas sobrinhas fora da habitação para deixá-los a sós.

 

-Será melhor que eu também vá -C.C. dirigiu-se para a porta.

-Espera -Trent a deteve com uma mão no braço.

-Para que?

-Para... espera.

-Espero -ficou ali, contendo a dor.

-Eu... como tem a mão?

-Bem.

-Estupendo -sentia-se como um idiota-. É estupendo.

-Isso for tudo...

-Não. Queria te dizer... notei um estalo continuado no carro ao ir à cidade.

-Um estalo continuado? -franziu os lábios-. Que classe de estalo continuado?

«Um imaginário», pensou Trent, mas se encolheu de ombros.

-Simplesmente um estalo continuado. Esperava que pudesse lhe jogar uma olhada.

-De acordo. Leva-o amanhã à oficina.

-Amanhã?

-Tenho as ferramentas ali. Queria algo mais?

-Ao passear, não deixei de desejar que estivesse a meu lado.

C.C. apartou a vista até que teve a certeza de que tinha reconstruído a brecha em sua muralha defensiva.

-Queremos coisas diferentes, Trent. Deixemo-lo assim -voltou-se para a porta-. Trata de me levar o carro cedo -acrescentou sem dá-la volta-. Amanhã tenho que trocar um escapamento.

 

C.C. acendeu o maçarico, baixou-se o amparo facial e se preparou a cortar o escapamento oxidado de um Plymouth do 62.

O dia não ia bem.

Não era capaz de tirar-se da cabeça a reunião familiar. Não tinha aparecido nenhum outro papel sobre o colar, apesar de que tinham repassado montões e montões de recibos e velhos cadernos de contas. Sabia, devido à negativa da Amanda a falar, que as notícias não eram boas.

A isso se somava outra noite inquieta. Tinha ouvido os gemidos do Fred e baixado para ver como se encontrava, solo para escutar os murmúrios baixos do Trent ao acalmar ao cachorrito detrás da porta de seu dormitório.

Ficou-se ali muito momento.

O fato de que se levou a animal a seu quarto, de que lhe importasse o suficiente para tranquiliza-lo e alimentá-lo, fazia que C.C. amasse-o mais. E quanto mais o amava, mais lhe doía.

Sabia que essa manhã tinha olheiras, pois tinha cometido o engano de olhar-se no espelho. Isso podia tolerá-lo. Seu aspecto jamais tinha sido uma preocupação importante. Mas as faturas que encontrou no correio sim lhe preocuparam.

Tinha contado a verdade quando disse a Suzanna que a oficina partia bem. Entretanto, ainda tinha pontos delicados. Não todos os clientes pagavam no ato, e o dinheiro em efetivo de que dispunha muitas vezes era reduzido. «Seis meses», disse-se enquanto cortava o velho metal. Solo necessitava seis meses. Mas isso era muito para as ajudar a reter As Torres.

Sua vida trocava a grande velocidade e não parecia que fora a melhor.

Trent ficou olhando-a. Tinha um carro grande no elevador e se achava debaixo dele, com um maçarico na mão. Enquanto observava, ela se apartou no instante em que um escapamento caía estrepitosamente ao chão. Outra vez tinha um peitilho posto, luvas grossas e um casco de segurança. A música que nunca parecia abandoná-la saía da rádio que havia no banco de trabalho.

Sem dúvida um homem tinha perdido um parafuso quando pensava em quão magnífico seria fazer o amor em um chão de cimento com uma mulher que ia vestida como uma soldadora.

C.C. trocou de postura e o viu. Com supremo cuidado apagou o maçarico antes de subir o amparo do casco.

-Não pude encontrar nada em seu carro. Tem as chaves no escritório. Não te cobro nada -voltou a baixar o amparo facial.

-C.C.

-O que?

Olhou com cautela para cima e se situou junto a ela debaixo do carro.

-Eu gostaria de jantar contigo esta noite.

-Levo jantando contigo todas as noites há vários dias -baixou o protetor. Trent o levantou de novo.

-Não, referia-me a que eu gostaria de sair para jantar fora.

-Por que?

-Por que não?

-Bom -arqueou uma sobrancelha-, é muito amável, mas esta noite não posso. Temos uma reunião familiar -preparou-se para reacender o maçarico.

-Amanhã, então -irritado, subiu-lhe outra vez o casco-. Importa-te? Eu gosto de verte quando falo contigo.

-Sim, importa-me porque tenho trabalho. E não, não jantarei contigo manhã.

-Por que?

-Porque não quero -soltou um suspiro que lhe agitou o cabelo.

-Segue zangada comigo.

-Já esclarecemos isso, de modo que não tem sentido que tenhamos em uma entrevista.

-Será sozinho um jantar -insistiu ao descobrir que lhe resultava impossível deixá-lo-. Ninguém há dito que fora uma entrevista. Uma simples comida, como amigos, antes de que vá a Boston.

-Parte-te? -sentiu que o coração lhe dava um tombo e girou para procurar entre algumas ferramentas.

-Sim, tenho reuniões programadas para meados de semana. Me espera em meu escritório na quarta-feira pela tarde

«Assim de singelo», pensou ela ao recolher uma chave inglesa e voltar a soltá-la. «Tenho reuniões programadas, já nos veremos. Lamento te haver quebrado o coração».

-Bom, que tenha uma boa viagem, então.

-C.C. -apoiou uma mão em seu braço antes de que pudesse voltar a ocultar-se atrás do casco-. Eu gostaria de passar um momento contigo. Sentiria-me muito melhor por tudo se soubesse que nos separávamos em bons términos.

-Quer te sentir melhor por tudo -murmurou ela, e logo se obrigou a relaxar a mandíbula-. Claro, por que não? Amanhã às nove. Merece-te uma boa despedida.

-Agradeço-lhe isso. De verdade -tocou-lhe a bochecha, foi inclinar se, mas C.C. baixou o amparo com um som seco.

-Será melhor que te separe do maçarico, Trent -indicou com voz doce-. Poderia te queimar.

Para os Calhoun, as reuniões familiares eram tradicionalmente ruidosas, apaixonadas e estavam cheias de lágrimas e risadas. Essa mostrava uma quietude anormal. Amanda, em sua qualidade de conselheira de finanças, sentava-se à cabeceira da mesa.

Na habitação reinava o silêncio.

Suzanna já tinha metido aos meninos na cama. Tinha resultado algo mais fácil do habitual, já que os dois se esgotaram com o Fred... e vice versa.

Justo depois do jantar, Trent se tinha desculpado com discrição. «Como se importasse», pensou C.C. O não ia demorar para conhecer o resultado.

Temia que todo mundo já o conhecesse.

-Acredito que todas sabemos o que fazemos aqui -começou Amanda-. Trent retorna a Boston na quarta-feira, e seria melhor para todos se lhe comunicássemos nossa decisão sobre a casa antes de que partisse.

-Seria melhor se nos concentrássemos em encontrar o colar -a expressão obstinada do Lilah se viu descompensada pela forma nervosa com que dava voltas aos cristais de obsidiana que tinha ao redor do pescoço.

-Todas seguimos procurando os papéis -Suzanna apoiou uma mão no braço do Lilah-. Mas acredito que temos que nos enfrentar à realidade de que encontrar o colar poderia tomar muito tempo. Mais de que dispomos.

-Trinta dias é tudo o que dispomos -todos os olhos se voltaram para a Amanda-.

A semana passada recebi uma notificação do advogado.

-A semana passada! -exclamou Coco-. Stridley ficou em contato contigo e nem sequer o mencionou?

-Esperava poder conseguir uma prorrogação sem preocupar a ninguém -apoiou a mão sobre a pasta que depositou na mesa-. Não foi possível. estivemos pagando os impostos atrasados, mas a dura realidade é que não progredimos muito. Nos vai chegar o pagamento do seguro. Podemos cobri-lo, e a hipoteca... no momento. As faturas de serviços pelo inverno foram mais altas do acostumado, e a nova caldeira e a reparação do teto se comeram grande parte de nosso pressuposto.

-Quão grave é a situação? -C.C. levantou uma mão.

-Pior impossível -Amanda se esfregou a têmpora com a esperança de desterrar a dor que começava a sentir-. Poderíamos vender algumas peças mais e manter a cabeça por cima da água. Justo. Mas dentro de um par de meses devemos pagar impostos outra vez, e voltaremos para sítio de partida.

-Posso vender minhas pérolas -começou Coco, mas Lilah a cortou.

-Não. Sob nenhum conceito. Faz tempo acordamos que havia algumas costure que não se podiam vender. Se tivermos que nos enfrentar aos fatos -acrescentou com tom lúgubre-, façamo-lo já.

-Os encanamentos estão rotas -continuou Amanda, e teve que pigarrear para eliminar o nó que lhe atendeu a garganta-. Se não trocarmos o cableado elétrico, poderíamos terminar rodeadas de cinzas. A minuta dos advogados da Suzanna...

-Esse é meu problema -interrompeu Suzanna.

-Esse é nosso problema -corrigiu Amanda, e recebeu uma nota unânime de aceitação-. Somos família -prosseguiu-. Juntas passamos pelo pior, e o arrumamos. Faz seis ou sete anos, dava a impressão de que tudo ia bem. Mas... os impostos subiram, junto com o seguro, as reparações, tudo. Não somos indigentes, mas a casa nos come cada centavo livre, e algo mais. Se pensasse que podíamos capearlo, aguentar um ou dois anos mais, estaria a favor de vender a Limoges ou algumas antiguidades. Mas é como tratar de tampar um buraco em um dique e ver como surgem outros novos enquanto seus dedos escorregam.

 

-O que quer dizer, Mandy? -perguntou C.C.

-Que a única eleição realista que vejo é vender a casa -Amanda apertou os lábios-. Com a oferta do St. James, podemos pagar as dívidas, conservar quase tudo o que tem importância para nós e comprar outra. Se não vendermos, de todos os modos dentro de uns meses nos vão tirar isso -uma lágrima caiu por sua bochecha-. Sinto muito. É-me impossível encontrar outra saída.

-Não é tua culpa -Suzanna tomou a mão-. Todas sabíamos que ia acontecer.

-O amparo que tínhamos -Amanda moveu a cabeça-, perdemo-la no colapso dos mercados financeiros. Não fomos capazes de nos recuperar. Sei que fui eu quem realizou os investimentos...

-Nós as realizamos -Lilah inclinou o torso para tomar também a mão-. Com a recomendação de um importante agente de bolsa. Se o chão não nos tivesse aberto, se nos houvesse meio doido a loteria, se Bax não tivesse sido um canalha ambicioso, talvez agora as coisas fossem diferentes. Mas não o são.

-Seguiremos estando juntas -Coco acrescentou sua mão-. Isso é o que importa.

-Isso é o que importa -conveio C.C. e pôs sua mão em cima de todas. Mas como, embora solo fora isso, estava bem-. O que fazemos agora?

Lutando por manter-se serena, Amanda se recostou na cadeira.

-Suponho que lhe pedir ao Trent que baixe para nos assegurar de que sua oferta segue vigente.

-Irei buscá-lo -C.C. separou-se da mesa para sair aturdida da habitação.

Não podia acreditá-lo. Inclusive ao atravessar todos os quartos, sair ao vestíbulo, subir pela escada com a mão apoiada no corrimão, não podia acreditá-lo. Nada disso seria seu durante muito mais tempo.

Dentro de pouco não poderia sair de sua habitação a terraço de pedra para contemplar o mar. Não poderia subir até a torre da Bianca e encontrar ao Lilah acurrucada no mirante, sonhando através do cristal poeirento. Ou a Suzanna trabalhar no jardim com os meninos correndo pela grama próxima. Amanda não baixaria a toda velocidade a escada para ir a alguma parte ou em busca de algo. A tia Coco não voltaria a estar com suas receitas na cozinha.

Em questão de momentos, a vida que tinha conhecido se terminaria. A nova ainda tinha que chegar. encontrava-se em alguma parte de um purgatório, muito aturdida pela perda para sentir dor.

Trent se achava sentado junto ao fogo onde Fred roncava sobre a almofada vermelha em sua nova casita. deu-se conta de que ia sentir falta de à fantasia de diabo. Embora tivesse tempo ou vontades para ter um mascote em Boston, não tinha coração para levar-se ao Fred longe dos meninos… ou das mulheres.

Aquela tarde tinha visto o C.C. chegar do trabalho e lhe atirar a bola ao cachorrinho no pátio. Tinha sido muito agradável ouvi-la rir, vê-la lutar com o cão e os filhos da Suzanna.

Extranhamente, recordava-lhe a imagem que tinha tido... «sonho», corrigiu-se. O sonho que tinha tido quando sua mente ficou a vagar a noite em que celebraram a sessão espírita. Estavam C.C. e ele sentados em um alpendre ensolarado, observando a uns meninos jogar no pátio.

Era uma tolice, certamente, mas aquela tarde em que permaneceu na porta vendo-a atirar a bola ao Fred, algo lhe tinha atendido o coração. Recordou que tinha sido uma sensação positiva, até que ela se deu a volta e o viu. A risada morreu em seus lábios e seus olhos adotaram uma expressão fria.

Ergueu-se e estudou as chamas no fogo. Era uma loucura, mas tudo nele desejava que C.C. reacendesse se, uma última vez, que lhe lançasse um murro, que o insultasse. A pior classe de castigo era sua correção constante e sem paixão.

A chamada à porta fez que Fred emitisse um latido apagado em seu sonho. Quando Trent encontrou ao C. C. do outro lado da soleira, sentiu um aguijonazo de prazer e angústia. Nessa ocasião não ia ser capaz de rechaçá-la. Não poderia lhe dizer, nem convencer-se a si mesmo, de que não era possível. Tinha que... Então a olhou aos olhos.

-O que passou? -alargou a mão para consolá-la, mas ela se apartou com rigidez.

-Nós gostaríamos que baixasse, se não te importar.

-Catherine... -mas ela tinha começado a afastar-se com passo vivo para estabelecer cada vez mais distância. Encontrou-as a todas reunidas ao redor da mesa do comilão, com os rostos serenos. Era o bastante inteligente para compreender que se enfrentava a uma única vontade combinada. As Calhoun tinham fechado filas-. Senhoras?

-Trent, sinta-se, por favor -Coco indicou a cadeira que tinha a seu lado-. Espero que não o tenhamos importunado.

-Absolutamente -olhou ao C.C., mas ela tinha a vista cravada na parede por cima de sua cabeça. vamos celebrar outra sessão espírita?

-Esta vez não -Lilah assentiu em direção a Amanda-. Mandy?

-De acordo -respirou fundo e sentiu alívio quando a mão da Suzanna apertou a sua por debaixo da mesa-. Trent, tratamos a oferta que nos tem feito por Las Torres, e decidimos aceitá-la.

-Aceitá-la? -olhou-a sem compreender.

-Sim -Amanda se levou a mão livre ao estômago-. Sempre e quando, é obvio, dita oferta siga em pé.

-Sim, certamente -olhou a habitação e posou a vista no C.C.-. Estão seguras de que querem vender?

-Não era isso o que queria? -a voz do C.C. soou seca-. Não veio por isso?

-Sim -mas tinha recebido muito mais que o que fala esperada-. Minha empresa estará encantada de comprar a propriedade. Mas... Quero estar seguro de que todas estão de acordo. Que é o que desejam. Todas.

-Todas o aceitamos -C.C. voltou a cravar a vista na parede.

-Os advogados arrumarão os detalhes -começou outra vez Amanda-. Mas antes de que lhes remetamos a negociação, eu gostaria de repassar os términos.

 

-É obvio -Trent repetiu o preço de compra; ouvi-lo fez que os olhos do C.C. ardessem com lágrimas contidas-. Não há motivo para que não possamos ser flexíveis com o tempo -continuou-. Compreendo que vocês gostariam de realizar um inventário antes de... lhes transladar -recordou-se que era o que elas queriam. Era um negócio. Não teria que fazê-lo sentir como se fora um inseto-. Se houver algo que possa fazer para lhes ajudar...

-Já tem feito suficiente -interrompeu C.C. com frieza-. Podemos cuidar de nós.

-Eu gostaria de acrescentar uma condição -Lilah se adiantou-. Está comprando a casa, e a propriedade. Não seu conteúdo.

-Não. É natural que os móveis, as pertences familiares e as posses pessoais permaneçam com vocês.

-Incluído o colar -inclinou a cabeça-. Já se encontre antes de que nos partamos, ou depois, o colar Calhoun é dos Calhoun. Quero-o por escrito, Trent. Se em algum momento durante a restauração da casa se recupera o colar, pertence-nos .

-De acordo -a cláusula ia voltar loucos aos advogados, mas esse era seu problema-. Ocuparei-me de que se inclua no contrato.

-A torre da Bianca -falou devagar, temerosa de que lhe quebrasse a voz-. Tomem cuidado com o que fazem com ela.

-O que lhes parece se bebermos um pouco de vinho? -Coco se levantou agitando as mãos-. Deveríamos beber vinho.

-Me perdoem -C.C. ficou de pé lentamente, controlando o impulso de sair correndo-. Se tivermos terminado, acredito que subirei. Estou cansada.

Trent quis ir atrás dela, mas Suzanna o deteve.

-Não acredito que seja receptiva neste momento. Irei eu.

C.C. dirigiu-se a terraço para apoiar-se sobre a parede e deixar que o vento frio lhe secasse as lágrimas. «Deveria vir uma tormenta», pensou. Desejou que houvesse uma tormenta, um pouco tão furioso e apaixonado como seu próprio coração.

Golpeou a parede com um punho e amaldiçoou o dia em que conheceu o Trent. Não queria levar-se seu amor, mas sim seu lar. Claro estava que, se tivesse aceito o primeiro, correspondendo-o, jamais teria podido levá-lo segundo.

-C.C. -Suzanna apareceu para lhe passar um braço pelos ombros-. Faz frio. por que não vamos dentro?

-Não é justo.

-Não -aproximou-se mais a sua irmã-. Não o é.

-Ele nem sequer sabe o que a casa significa para nós -secou-se as lágrimas furiosa-. Não pode entendê-lo. Nem quereria fazê-lo.

-É possível. É possível que ninguém possa entendê-lo, salvo nós. Mas não é sua culpa, C.C. Não podemos culpá-lo porque não sejamos capazes de aguentar aqui -apartou a vista dos jardins que amava e a cravou nos penhascos que sempre a atraíam-. Já me parti daqui uma vez… parece que foi faz séculos, mas solo foi faz sete anos. Quase oito -suspirou-. Pensei que deixar a ilha para ir a meu novo lar em Boston era o dia mais feliz de minha vida.

-Não tem por que falar disso. Sei que te dói.

-Não tanto como doeu no passado. Estava apaixonada, C.C., era uma noiva com o futuro na palma de suas mãos. E quando me dava a volta para ver como As Torres desapareciam a minhas costas, chorei corno um bebê Pensei que esta vez seria mais fácil -fechou os olhos ante a ameaça das lágrimas-. Oxalá o fora. O que tem este lugar que nos atrai tanto? -perguntou-se.

-Sei que podemos encontrar outra casa -C.C. tomou a mão de sua irmã-. Sei que estaremos bem, que inclusive seremos felizes. Mas dói. E tem razão, não é culpa do Trent. Mas...

-Terá que culpar a alguém -Suzanna sorriu.

-Fez-me mal. Ódio reconhecê-lo, mas me fez mal. Quero ser capaz de dizer que me insistiu me apaixonar por ele. Inclusive que deixou que me apaixonasse por ele. Mas fui eu sozinha.

-E Trent?

-Não está interessado.

-Pela forma em que lhe olhe, diria que te equivoca.

-OH, está interessado -comentou C.C. com tom sombrio-. Mas nisso não tem nada que ver o amor. Com educação se negou a aproveitar-se de mi... minha falta de experiência, tal como a chamou.

-OH -Suzanna voltou a olhar em direção aos penhascos-. Sabia que o rechaço era a faca mais afiada-. Não é de muita ajuda, mas poderia ter sido mais difícil para ti se ele não tivesse sido... sensato.

-É sensato, muito bem -reconheceu com os dentes apertados-. E ao ser um homem sensato e civilizado, gostaria que fôssemos amigos. Inclusive vai levar me a jantar amanhã para assegurar-se de que não morro por ele e assim poder retornar a Boston livre de culpa.

-O que vais fazer?

-OH, sairei para jantar. Posso ser tão condenadamente civilizada como ele -adiantou o queixo-. E quando terminar, vai lamentar ter posto os olhos no Catherine Calhoun -girou para sua irmã-. Tem ainda o vestido vermelho de lentejoulas com um decote de pecado?

-Pode apostá-lo -o sorriso da Suzanna se fez mais ampla.

-vamos ver como fica.

 

«Vá, vá, vá», pensou C.C. Maravilhou-a a diferença que podiam marcar um dia e um vestido ajustado de seda. Com os lábios franzidos, girou diante do espelho gretado que havia em um rincão de seu dormitório. O vestido era um pingo muito pequeno para ela… inclusive com os rápidos retoques que lhe tinha feito Suzanna.

Parecia manifestar: você adoraria me ter.

C.C. passou-se as mãos pelos quadris. E ele poderia desejá-lo até que lhe estalasse a cabeça.

O vestido era um apertado resplendor de fogo cujas línguas descendiam de um decote de vertigem até um baixo abreviado. Suzanna o tinha recortado para que lhe chegasse na metade das coxas. As mangas largas terminavam em ponta sobre as bonecas. E C.C. tinha acrescentado os pendentes de diamantes falsos de Coco com seu perverso cintilação.

Os trinta minutos que tinha dedicado a maquiar-se pareciam ter dado seus frutos. Graças à contribuição da Amanda, tinha os lábios tão vermelhos como o vestido. E à contribuição do Lilah, nos olhos luzia uma sombra de cor cobre e esmeralda. Levava o cabelo tão reluzente como a asa de um corvo, jogado para trás nas têmporas.

Ao voltar-se, pensou que ao Trenton St. James III esperava uma surpresa.

-Suzanna disse que necessitava uns sapatos -Lilah entrou e se freou com um bocejo pela metade. Observou fixamente a sua irmã com os sapatos lhe pendurando dos dedos-. Sem dúvida entrei em um universo paralelo.

-O que te parece? -C.C. sorriu e deu uma volta.

-Que Trent vai necessitar oxigênio -com expressão de aprovação, passou-lhe uns sapatos de pele de serpente com saltos de agulha-. Pequena, parece perigosa.

-Bem -calçou -.Agora solo me falta poder caminhar com estes sapatos sem cair de bruces.

-Prática. vou procurar ao Mandy.

Uns momentos depois, as três irmãs fiscalizavam o andar do C.C.

-Vai jantar -indicou Amanda, fazendo uma careta com cada ameaça de tropeção-. De modo que permanecerá sentada a maior parte do tempo.

-Começo a melhorar -murmurou C.C.-. O que passa é que não estou acostumada aos saltos. Como trabalham todo o dia com estas coisas?

-Talento.

-Caminha mais devagar -sugeriu Lilah-. De forma despreocupada. Como se dispusera de todo o tempo do mundo.

-Lhe faça caso -conveio Amanda-. É uma perita em lentidão.

-Neste caso... -Lilah a olhou com desaprovação-... a lentidão é sexy. Vê?

Seguindo o conselho de sua irmã, C.C. caminhou com uma intencionalidade cautelosa cujo resultado foi de provocação. Amanda estendeu as mãos.

-Desculpo-me. Que casaco vais levar?

-Não o pensei.

-Pode te pôr minha capa negra de seda -decidiu Amanda-. Gelará-te, mas te sentará de maravilha. Perfume. A tia Coco tem aquele perfume francês delicioso que lhe damos de presente em Natal.

-Não -Suzanna moveu a cabeça-. Deveria seguir com seu perfume habitual -inclinou a cabeça para estudar a sua irmã e sorrir-. O contraste o enlouquecerá.

Alheio ao que o esperava, Trent estava sentado no salão com Coco. Já tinha feito as malas. Lhe teria gostado de encontrar uma desculpa razoável para ficar uns poucos dias mais.

-Desfrutamos muito com sua presença -disse-lhe Coco quando ele expressou agradecimento pela hospitalidade recebida-. Estou segura de que logo voltaremos a nos ver -recordou-se que sua bola de cristal não mentia. Seguia vinculando ao Trent com uma de suas sobrinhas, por isso ainda não estava disposta a render-se.

-Certamente é o que espero. Tenho que lhe dizer, Coco, o muito que a admiro por ter educado a quatro mulheres tão adoráveis.

-Às vezes acredito que nos educamos mutuamente -sorriu ao jogar uma olhada à estadia. vou sentir falta deste lugar. Para ser sincera, não acreditei que me importasse até que... bom, até agora. Eu não cresci aqui como o fizeram as garotas. Viajávamos o bastante, e meu pai só retornava de vez em quando. Sempre pensei que isso se deveu a que sua mãe tivesse morrido aqui. Logo passei minha vida de casada e os primeiros anos de viuvez na Filadelfia. Depois, quando Judson e Deliah faleceram, vim aqui pelas garotas -sorriu-lhe com expressão triste e de desculpa-. Lamento me haver posto sentimental com você, Trenton.

-Não se desculpe -bebeu pensativo o aperitivo-. Minha família jamais teve uma relação estreita, e por isso nunca houve um lar como este em minha vida. Parece-me que é por isso que comecei a compreender o que poderia significar.

-Deveria estabelecer-se -comentou com o que considerou astúcia-. Encontre uma boa garota, funde um lar e uma família próprios. Não me ocorre nada mais solitário que não ter a ninguém ao chegar a casa.

Desejando evitar esse curso de pensamento, agachou-se para jogar uma bola ao Fred. Os dois observaram ao cão ir em detrás dela, tropeçar e cair com as patas estendidas.

-Não é muito grácil -murmurou Trent.

Levantou-se para ir recolher a bola. Enquanto lhe acariciava o lombo ao animal, olhou por cima do ombro. O primeiro que viu foi um par de sapatos negros muito estilizados. Lentamente elevou a vista por umas pernas largas e formosas. Com fôlego contido, ficou em cuclillas. Viu um resplendor vermelho sobre uma esplêndida forma feminina.

 

-Perdeste algo? -perguntou C.C. quando os olhos dele se cravaram em sua cara.

Sorriram-lhe uns lábios vermelhos e brilhantes. Trent se passou a língua pelos dentes para assegurar-se de que não a tinha tragado, incorporou-se com pernas inseguras.

-C.C?

-Íamos jantar juntos, verdade?

-Nós... sim. Está magnífica.

-Você gosta? -deu uma volta para deixá-lo ver que o decote das costas era mais pronunciada que o do peito-. Acredito que o vermelho é uma cor alegre -«e poderoso», pensou sem deixar de sorrir.

-Sinta-te bem. Nunca antes te tinha visto com um vestido.

       -São pouco práticos quando se trata de trocar bombas de gasolina. Está preparado para ir ?

-Aonde?

-Para jantar -não havia dúvida de que ia passar se o em grande.

-Certo. Sim.

Ela inclinou a cabeça tal como lhe tinha ensinado Suzanna e lhe entregou a capa. Era algo que ele tinha feita centenas de vezes com outras mulheres. Mas lhe tremeram as mãos.

-Não nos espere, tia Coco.

-Não, querida -sorriu a suas costas e levantou os punhos ao ar.

Assim que se fechou a porta, as três irmãs se felicitaram.

 

-Me alegro de que me tenha convencido de sair esta noite -C.C. alargou a mão antes de recordar que tinha que deixar que Trent lhe abrisse a porta do carro.

-Não estava seguro de que ainda desejasse sair -fechou a mão sobre a dela.

-Pela casa? -com a máxima indiferença que pôde mostrar, liberou a mão e se sentou no carro-. Já parece. Preferiria não falar disso esta noite.

-De acordo -fechou e rodeou o veículo pela parte dianteira-. Amanda recomendou o restaurante -tinha as mãos nas chaves mas continuou olhando-a.

-Acontece algo?

-Não -«a menos que conte que o sistema nervoso não te funcione». depois de arrancar, voltou a tentá-lo-. Pensei que possivelmente você gostaria de jantar perto da água.

-Parece-me bem -tinha a rádio posta em uma emissora de música clássica. recostou-se e se dispôs a desfrutar de do trajeto-. tornaste a ouvir o estalo continuado?

-Que estalo continuado?

-Que ontem me pediu que arrumasse.

-OH, esse estalo continuado -sorriu-. Não. Deveu ser minha imaginação -ao ver que ela cruzava as pernas, apertou os dedos sobre o volante-. Nunca me contaste por que decidiu te fazer mecânica.

-Porque me dá bem -moveu-se no assento para olhá-lo. Trent esteve a ponto de gemer ao captar uma fragrância de madressilva-. Quando tinha seis anos, desmontei o motor de nosso cortador de grama, para ver como funcionava. Fiquei enganchada. Por que te colocou você na hotelaria?

-Porque era o que se esperava de mim -calou, surpreso de que essa tivesse sido a primeira resposta que lhe tivesse passado pela cabeça-. E suponho que me dá bem.

-Você gosta?

Perguntou-se se alguém lhe tinha feito essa pergunta alguma vez. Nem sequer sabia se ele mesmo a tinha feito.

-Sim, suponho que sim.

-Supõe-o? -arqueou as sobrancelhas-. Acreditava que estava seguro de tudo.

-Ao parecer não -voltou a olhá-la e esteve a ponto de sair-se da estrada.

Quando chegaram ao restaurante situado no mole, já se tinha acostumado à transformação. Ou isso pensava. Rodeou o carro para lhe abrir a porta. Ela baixou e se ergueu; seus olhos ficaram à mesma altura, logo que separados por um sussurro. C.C. manteve-se firme, perguntando-se se ele ouviria como lhe pulsava o coração.

-Está seguro de que não passa nada?

-Não, não o estou -tinha a certeza de que ninguém poderia resistir a essa mulher incrivelmente sexy. Deslizou uma mão por detrás da nuca do C.C.-. Permite que o comprove.

Ela se apartou um instante antes de que os lábios dele roçassem os seus.

-Não se trata de uma entrevista, recorda-o? Solo é um jantar amistoso.

-Eu gostaria de trocar as regras.

-Muito tarde -sorriu e lhe ofereceu uma mão-. Tenho fome.

 

Trent não estava seguro de como tratá-la. A sedução que sempre tinha dado por feita parecia oxidada. O entorno era perfeito com a mesa situada junto à janela e a água rompendo no exterior. O sol tingia a baía enquanto ficava no oeste. Pediu vinho enquanto C.C. recolhia o menu e lhe sorria. Por debaixo da mesa se tirou os sapatos.

-Nunca tinha estado aqui -disse-lhe ela-. É muito bonito.

-Não posso garantir que a comida seja tão excepcional como a de sua tia.

-Ninguém cozinha como a tia Coco. Lamentará que vá, adora cozinhar para um homem.

-E você?

-Eu o que?

-Lamentará que vá?

C.C. baixou a vista ao menu, tratando de concentrar-se nas eleições das que dispunha. A crua realidade era que não tinha nenhuma.

-Como ainda está aqui, terá que descobri-lo. Suponho que deverá te pôr ao dia assim que chegue a Boston.

-Sim. estive pensando que, assim que o faça, possivelmente tire férias. Umas de verdade. Bar Harbor poderia ser um bom lugar do destino.

Ela elevou a vista e a desviou imediatamente. -Milhares de pessoas assim acreditam -murmurou, aliviada quando o garçom serve o vinho.

-Se pudesse ir a qualquer sítio que você gostasse, aonde iria?

-Uma pergunta difícil, já que não estive em nenhuma parte -bebeu um sorvo e o vinho lhe pareceu seda fria sobre a língua-. Acredito que alguma parte onde pudesse ver o sol ficar sobre a água. Um lugar quente -encolheu-se de ombros-. Suponho que teria que haver dito Paris ou Londres.

-Não -apoiou uma mão sobre a dela-. Catherine...

-Sabem já o que vão pedir?

C.C. olhou ao garçom que esperava a seu lado.

-Sim -separou a mão da do Trent e escolheu de forma arbitrária no menu. Ao beber vinho, a cautela a impulsionou a manter a outra emano sobre o regaço. Assim que voltaram a ficar sozinhos, falou-: Viu alguma vez uma baleia?

-Eu... não.

-Virá de vez em quando enquanto... enquanto faz restaurar As Torres. Deveria tomar um dia livre para sair em um dos navios. A última vez que eu pude ir, vi três rorcuales. Embora terá que abrigar-se bem. Inclusive no verão faz frio assim que se sai ao Atlântico. Pode ser uma travessia complicada, mas vale a pena. Até poderia pensar em oferecer algo assim em seu hotel. Já sabe, preço de fim de semana com percorrido para ver as baleias incluído. Muitos hotéis...

-Catherine -fez-a calar ao tomar a boneca antes de que pudesse voltar a elevar a taça de vinho. Pôde sentir os batimentos do coração rápidos e irregulares. Mas nessa ocasião sabia que se devia a um coração quebrado, não à paixão-. Ainda não assinamos os papéis -murmurou-. Ainda fica tempo para procurar outras opções.

-Não há outras opções -ao estudar seu rosto se deu conta de que lhe importava. Em seus olhos havia preocupação, desculpas. Saber que ao Trent importava de algum modo o piorava-. Vendemo-lhe a propriedade agora a ti ou terá que vender As. Torre logo para pagar os impostos. O resultado final é o mesmo, e há algo mais de dignidade fazendo o desta forma.

-Eu poderia lhes ajudar com um empréstimo.

-Não podemos aceitar seu dinheiro.

-Se lhes comprar a casa, estarão fazendo-o.

-Isso é distinto. trata-se de um negócio. Trent -continuou antes de que ele pudesse discutir-, agradeço saber que o faria, em particular conhecendo que seu único motivo para estar aqui é o de comprar As Torres.

«É-o», corroborou ele em silêncio. Ou o tinha sido.

-C.C., a questão é que sinto como se estivesse executando a hipoteca dessas viúvas e órfãos.

Ela conseguiu sorrir.

-Somos cinco mulheres adultas e independentes. Não lhe culpamos... ou possivelmente eu sim, um pouco, mas ao menos sei que sou injusta quando o faço. Os sentimentos que me inspira não facilitam que seja justa.

-Quais são seus sentimentos?

Suspirou no momento em que o garçom lhes servia os primeiros que tinham pedido e acendia a vela do centro da mesa.

-Já que te leva a casa, bem pode te levar tudo. Estou apaixonada por ti. Mas o superarei com a cabeça um pouco inclinada, levantou o garfo-. Há algo mais que queira saber?

Quando tomou a mão outra vez, C.C. não a apartou; esperou.

-Nunca quis te fazer danifico -começou com cuidado. Sob a vista e comprovou quão bem encaixava a mão dela na sua.

Era agradável sentir os dedos do Catherine-. Não sou capaz de oferecer, nem a ti nem a ninguém, promessas de amor e fidelidade.

-É triste -moveu a cabeça-. Verá, eu sozinho estou perdendo uma casa. Posso encontrar outra. Você está perdendo o resto de sua vida, e só tem uma -obrigou-se a sorrir ao separar a mão-. A menos, certamente, que assine a ideia do Lilah de que vamos uma e outra vez a este mundo. É um vinho rico -comentou-. Qual escolheste?

-Um Pouilly Fumei.

 

-Deverei recordá-lo -ficou a falar alegremente enquanto comia sem desfrutar de nenhum bocado. Quando lhes serviram o café, sentia-se tensa como um mole. Soube que preferiria desmontar um motor sem ferramentas que repetir uma velada como aquela.

Amá-lo desesperadamente e ter que ser o bastante forte e orgulhosa para fingir que era capaz de viver sem ele. Estar sentada, guardando cada gesto, cada palavra dele enquanto fingia uma indiferença que nunca poderia sentir.

Quis lhe gritar, amaldiçoá-lo por lançar suas emoções a uma voragem frenética para logo afastar-se da tormenta. Entretanto, solo podia aferrar-se ao consolo frio do orgulho.

-Me fale de seu lar em Boston -convidou-o.

Trent não era capaz de lhe tirar os olhos de cima. Via como os pendentes despediam fogo, a vela titilava sonhadoramente em seus olhos. Mas durante toda a velada tinha percebido como se ela tivesse bloqueado uma parte de si mesmo, a mais importante. E era possível que nunca mais voltasse a ver a mulher completa.

-Meu lar?

-Sim, onde vive.

-É simplesmente uma casa -de repente lhe ocorreu que não significava nada para ele. Não era mais que um excelente investimento-. Está a uns poucos minutos de meu escritório.

-Conveniente. Leva tempo vivendo ali?

-Uns cinco anos. Em realidade, a comprei a meu pai quando se separou de sua terceira esposa. Decidiram liquidar algumas posses.

-Compreendo. Sua mãe também vive em Boston?

-Não. Viaja. Estar ancorada em um só sítio não vai com sua maneira de ser.

-Parece como a tia avó Colleen -C.C. sorriu por cima do bordo da taça-. A tia de meu pai, ou a filha maior da Bianca.

-Bianca -murmurou ele, e pensou outra vez naquele momento em que havia sentido a calidez suave e tranquilizadora sobre sua mão unida a do C. C.

-Vive em cruzeiros. de vez em quando recebemos uma postal desde algum porto. Aruba ou Madagascar. Tem oitenta e tantos anos, solteira por convicção e é dura como um tubarão com ressaca. Todas tememos que possa decidir vir a nos visitar.

-Não pensei que tivesse mais parentes vivos além de Coco e suas irmãs -juntou as sobrancelhas-. Pode que ela saiba algo sobre o colar.

-A tia avó Colleen? -pensou nisso e franziu os lábios-. Duvido-o. Era uma menina quando morreu Bianca e passou quase toda sua infância em internados -sem pensar no que fazia, tirou-se os pendentes e se massageou os lóbulos. O desejo se estendeu como um reguero de fogo pelas veias do Trent-. Em todo caso, se pudéssemos encontrá-la, o qual não é provável, para lhe mencionar o assunto, apresentaria-se aqui em um abrir e fechar de olhos para atirar todas as paredes. Não sente nenhum amor por Las Torres, mas sim muito pelo dinheiro.

-Não parece um familiar teu.

-OH, temos algumas raridades no armário familiar -depois de guardar os pendentes na bolsa, apoiou um cotovelo na mesa-. O tio avô Sejam, o filho menor da Bianca, recebeu um tiro ao sair pela janela de seu amante casada. Deveria dizer de uma de seus amantes. Sobreviveu, e logo se foi às Índias Ocidentais, para que nunca mais se soubesse nada dele. Foi em algum momento da década dos trinta. Ethan, meu avô, perdeu o grosso da fortuna familiar às cartas e os cavalos. O jogo era sua debilidade e o que o matou. Apostou que poderia navegar de Bar Harbor ao Newport e retornar em seis dias. Chegou até o Newport, e voltava com tempo de sobra quando se topou com uma tormenta e se perdeu no mar. O que significa que também perdeu sua última aposta.

-Soam como dois espíritos aventureiros.

-Eram Calhoun -explicou C.C., como se isso o dissesse tudo.

-Lamento que os St. James não tenham nada com o que comparar-se.

-Ah, bom. Sempre me perguntei se Bianca teria descido da janela dessa torre se tivesse sabido como foram sair seus filhos -pensativa, olhou para onde as luzes jogavam sobre as águas escuras-. Deveu amar muito a seu artista.

-Ou foi muito infeliz em seu matrimônio.

-Sim, existe essa possibilidade -desviou a vista de novo à mesa-. Possivelmente deveríamos ir. faz-se tarde -foi levantar se, mas recordou medir o chão ao redor da mesa.

-O que acontece?

-Perdi meus sapatos -pensou que ali se ia a imagem sofisticada que queria dar.

Trent se agachou para jogar uma olhada e recebeu o presente de umas pernas largas e esbeltas.

-Ah... -pigarreou e baixou a vista ao chão-. Aqui estão -recolheu o par e se ergueu para lhe sorrir-. Estende o pé. Te darei uma mão -observou-a enquanto deslizava os sapatos em seus pés e recordou que em uma ocasião tinha pensado que ela jamais toleraria ser Cinzenta. Subiu o dedo pela impigem e captou o brilho de desejo em seus olhos, desejo que, sem importar o que indicasse o sentido comum, desejava com intensidade-. mencionei que tem umas pernas incríveis?

-Não -tinha uma mão fechada ao flanco e lutou por concentrar-se nela em vez de nas sensações que lhe provocava seu contato-. É agradável que o tenha notado.

-Custaria não fazê-lo. São as únicas que conheci que estão sexys embainhadas em um peitilho.

-Isso me recorda... -soslayó o martilleo de seu coração e se inclinou para ele.

 

Trent pensou que já podia beijá-la. movendo uns centímetros poderia juntar a boca com a dela e pô-la onde a queria ter.

-O que?

-Não acredito que a seus amortecedores fiquem mais de uns milhares de quilômetros -com um sorriso, levantou-se-. Jogarei-lhes uma olhada quando chegar a casa -agradada, foi por diante dele.

Ao sentar-se no carro, C.C. felicitou-se. Chegou à conclusão de que tinha sido uma velada muito bem-sucedida. Talvez ele não se sentisse tão desventurado como ela, mas estava convencida de que o tinha incomodado uma ou duas vezes. Ao dia seguinte retornaria a Boston... Olhou pelo guichê até que teve a certeza de que podia lhe fazer frente à dor. partiria, mas não poderia esquecê-la rápida ou facilmente. A última impressão que tivesse dela seria de uma mulher serena embainhada em um sexy vestido vermelho. Decidiu que era uma imagem muito melhor que a de uma mecânica com peitilho e graxa nas mãos.

E o que era mais importante, tinha-se que mostrado algo a si mesmo. Podia amar e podia renunciar a esse amor.

Elevou a vista quando o carro começou a subir por uma costa. Pôde ver as cúpulas em sombra das duas torres que atravessavam o céu noturno. Trent diminuiu a marcha enquanto também ele observava.

-Está acesa a luz na torre da Bianca.

-É Lilah -murmurou C.C.-. Frequentemente sobe a ali -pensou em sua irmã sentada junto à janela, com a vista cravada na noite-. Não a derrubará, verdade?

-Não -compreendendo mais do que ela sabia, tomou a mão-. Prometo-te que não será derrubada.

A casa desapareceu em um giro do caminho, para logo abranger virtualmente todo o campo de visão. Enquanto a contemplavam ouviram o som do mar. As luzes acesas brilhavam contra o cinza apagado da pedra. Uma sombra esbelta se moveu por diante da janela da torre e ficou quieta um instante antes de desaparecer.

-Tornaram -disse Lilah pelo oco da escada.

Quatro mulheres correram a aparecer pelas janelas.

-Não deveríamos espiá-los -murmurou Suzanna, mas apartou um pouco mais a cortina.

-Não o fazemos -Amanda forçou a vista-. Solo comprovamos, isso é tudo. Veem algo?

-Seguem no carro -queixou-se Coco-. Como se supõe que vamos ver o que acontece permanecem sentados no carro?

-Podemos usar a imaginação -Lilah se apartou o cabelo da cara-. Se esse homem não lhe suplicar que se vá com ele a Boston, então é que é um idiota de verdade.

-A Boston? -alarmada, Suzanna a olhou-. Não pensará que se vai a Boston, verdade?

-Iria a Ucrânia se ele tivesse o sentido comum de pedir-lhe comentou Amanda-. Olhem, já saem.

-Possivelmente se abríssemos um pouco uma janela, poderíamos ouvir...

-Tia Coco, isso é ridículo -Lilah estalou a língua.

-Tem razão, é obvio -o rubor banhou as bochechas de Coco.

-Claro que a tenho. Se o tentássemos, ouviriam o rangido da janela -com um sorriso, pegou a cara ao cristal-. Teremos que lhes ler os lábios

-Foi agradável -disse C.C. ao sair do carro-. Fazia tempo que não saía para jantar.

-Jantou com o Finney.

Olhou-o sem compreender, logo riu.

-OH, Finney, claro -a brisa jogou com seu cabelo ao sorrir-. Tem uma memória estupenda.

-Algumas costure parecem não apagar-se -por desgraça, o ciúmes que sentia não formavam parte de nenhuma lembrança-. Alguma vez te leva a comer fora?

-Finney? Não, vou a sua casa.

Frustrado, meteu-se as mãos nos bolsos.

-Deveria te levar.

-Ela conteve uma gargalhada ante a imagem do velho Albert Finney escoltando-a a um restaurante.

-O mencionarei -voltou-se para subir os degraus.

-Catherine, não entre ainda -tomou as mãos.

Ante as janelas, quatro pares de olhos se entrecerraram..

-É tarde, Trent.

-Não sei se voltarei a verte antes de partir.

C.C. requereu de todas suas forças para manter firme a vista.

-Então nos despediremos agora.

-Preciso voltar a verte.

-A oficina abre às oito e meia. Estarei ali.

-Maldita seja, C.C., sabe a que me refiro -já tinha apoiado as mãos nos ombros dela.

-Não, não sei.

-Veem Boston -soltou, surpreendendo-se enquanto ela aguardava com calma.

-Por que?

Deu um passo atrás com o fim de ganhar um momento para recuperar o controle.

 

-Poderia te mostrar a cidade -perguntou-se que grau de idiotice poderia alcançar-. Disse que não tinha estado nunca ali. Poderíamos... passar um tempo juntos.

Ela tremeu sob a capa, mas falou com voz suave e acalmada.

-Está-me pedindo que acompanhe a Boston para ter uma aventura contigo?

-Não. Sim. OH, Deus. Espera -voltou-se para afastar uns passos e respirar.

Dentro da casa, Lilah sorriu.

-Vá, ao parecer está apaixonado por ela, embora seja muito estúpido para sabê-lo.

-Sss! -Coco agitou uma mão-. Quase posso ouvir o que dizem -tinha o ouvido pego à base de um copo de água que tinha apoiado na janela.

Ao pé dos degraus, Trent voltou a tentá-lo.

-Quando estou contigo, nada do que começo termina como era minha intenção -girou. Ela seguia ali de pé com a casa de fundo, e o vestido cintilava como fogo líquido na escuridão-. Sei que não tenho direito a lhe pedir isso e não era minha intenção fazê-lo. Pretendia me despedir de forma civilizada e te deixar partir.

-E agora?

-Agora quero fazer o amor contigo mais do que quero seguir respirando.

-Fazer o amor -repetiu ela com voz firme-. Mas não me ama.

-Não sei nada do amor. Importa-me você -retornou para posar uma mão na cara do Catherine. Possivelmente isso poderia ser suficiente.

Ela o estudou, dando-se conta de que ele não tinha nem ideia de que rompia um coração já destroçado.

-Poderia bastar, para um dia, uma semana ou um mês. Mas tem razão a respeito de mim, Trent. Espero mais. E mereço mais -sem deixar de olhá-lo, apoiou as mãos nos ombros dele-. Uma vez ofereci a ti. Isso não voltará a acontecer. E isto tampouco.

Pegou a boca a dele, transmitindo nesse beijo todas suas emoções em carne viva. Abraçou-o ao tempo que seu corpo projetava sedução. Com um suspiro, separou os lábios, convidando-o a tomar.

Assombrado, necessitado, jogou-lhe a cabeça atrás e a saqueou. Inseguro, deslizou as mãos sob a capa para procurar com urgência o calor da pele dela.

Invadiram-no tantas sensações. Ele sozinho queria encher-se com o sabor do C.C. Mas havia mais. Catherine não lhe permitiu tomar sozinho o beijo, mas sim incluiu toda a emoção que o acompanhava. Trent sentiu que o afogava, mas foi uma marejada tão forte e embriagadora que não pôde opor resistência.

«me ame! Porquê não pode me amar?». Sua mente pareceu gritá-lo inclusive ao ver-se arrastada na maré de seus próprios desejos. Tudo o que queria estava ali, no interior do círculo de seus braços. Tudo menos o coração do Trent.

-Catherine -não podia recuperar o ar. Beijou-lhe o pescoço-. Não consigo me aproximar o suficiente.

Abraçou-o um momento mais, logo, lenta e dolorosamente, separou-o de seu lado.

-Sim poderia. E isso é o que mais dói -deu meia volta e subiu os degraus à carreira.

-Catherine.

C.C. deteve-se ante a porta. Com a cabeça erguida, voltou-se. O já ia atrás dela quando viu que as lágrimas brilhavam em seus olhos. Nada mais poderia havê-lo detido.

-Adeus, Trent. Rezo a Deus para que isto te mantenha acordado de noite.

Enquanto ouvia o eco da portada, soube que assim seria.

Não pode continuar. Já não posso fingir que sou infiel a meu marido só entre as tampas deste jornal. Minha vida, tão tranquila e ordenada durante vinte e quatro anos, este verão se converteu em uma mentira. Uma mentira que tenho que expiar.

Ao aproximar o outono e fazer planos para retornar a Nova Iorque, agradeço a Deus que logo deixarei a minhas costas Mount Desert Island. Que perto, que perigosamente perto estive estes últimos dias de romper meus votos matrimoniais.

E entretanto, sinto dor.

Dentro de uma semana nos teremos ido. Pode que jamais volte a ver o Christian. Assim é como deveria ser. Como deve ser. Mas em meu coração sei que daria minha alma por uma noite, inclusive uma hora, em seus braços. Obceca-me imaginar como poderia ser. Com ele ao fim existiria paixão e amor, inclusive risada. Com ele não seria simplesmente um dever, frio e silencioso e breve.

Reza para que me perdoe o adultério que cometi em meu coração.

Minha consciência me impulsionou a me manter afastada dos penhascos. E o tentei. Exigiu-me que seja mais paciente, carinhosa e pormenorizada com o Fergus. Tenho-o feito. Sem importar o que ele me pediu, tenho-o feito. A pedido dele ofereci um chá para as damas. fomos ao teatro, a inumeráveis janta. escutei falar de negócios, moda e a possibilidade de guerra até que a cabeça me palpitava. Meu sorriso jamais vacila, já que Fergus prefere que pareça satisfeita em todo momento. Como o agrada, as noites que saímos me ponho as esmeraldas.

Agora são meu castigo, um aviso de que um pecado não sempre radica no ato, mas também no coração.

Encontro-me na torre enquanto escrevo. Os penhascos estão abaixo, esses penhascos onde Christian pinta. Ali aonde vou quando me escapulo da casa como se fora uma donzela luxuriosa. Envergonha-me. Sustenta-me. Inclusive agora olhou abaixo e o vejo. Está de cara ao mar, e me espera.

 

Nunca nos havemos meio doido, nem uma vez, embora ambos o desejamos. Tenho descoberto quanta paixão pode haver nos silêncios, nos olhares prolongados e afligidas.

Hoje não irei com ele, ficar aqui sentada a olhá-lo. Quando sentir que tenho a força, irei a seu lado para me despedir e lhe desejar o melhor.

Enquanto viva o comprido inverno que me espera, perguntarei-me se o próximo verão estará aqui.

 

-Aqui tem os documentos que solicitou, senhor St. James.

Alheio à presença de sua secretária, Trent continuou de pé ante a janela. Era um costume que tinha adquirido desde que retornou ao trabalho três semanas atrás. Através do amplo cristal tinto podia observar o agitação de Boston. Torres de aço e cristal brilhavam junto a elegantes casa de tijolo em uma mescla arquitetônica. Com sudaderas e calças de distintas cores, os esportistas partiam pelo caminho que seguia a corrente do não.

-Senhor St. James?

-Sim? -girou a cabeça para olhar a sua secretária.

-Trouxe-lhe os documentos que solicitou.

-Obrigado, Angela -por um velho hábito, olhou seu relógio. Refletiu que logo que tinha pensado no tempo passado junto ao C.C.-. São as cinco passadas. Deveria ir-se a casa, com sua família.

-Posso falar com você um minuto?

-De acordo. Quer sentar-se?

-Não, senhor. Espero que não considere minhas palavras desconjurada, senhor St. James, mas quereria saber se sente bem.

-Não o pareço? -o fantasma de um sorriso apareceu em seus lábios.

-OH, sim, certamente. um pouco cansado, talvez. O que passa é que desde que retornou de Bar Harbor parece distraído, e distinto de algum modo.

-Pode-se dizer que estou distraído. Sou distinto, e para responder a sua pergunta original, não, não acredito estar de tudo bem.

-Senhor St. James, se houver algo que eu possa fazer...

Sentou-se no bordo de seu escritório e a estudou. Tinha-a contratado por ser eficiente e rápida. Conforme recordava, tinha estado a ponto de descartá-la porque tinha dois filhos pequenos. Tinha-o preocupado que não pudesse ser capaz de equilibrar suas responsabilidades, mas tinha assumido o que tinha considerado um risco. Com excelentes resultados.

-Angela, quanto tempo tem casada?

-Casada? -desconcertada, piscou-. Dez anos.

-Feliz?

-Sim, Joe e eu somos felizes.

«Joe», pensou ele. Nem sequer conhecia o nome do marido. Não se tinha incomodado em averiguá-lo.

-Por que?

-Por que, senhor?

-Por que é feliz?

-Seu... Suponho que porque nos amamos.

Assentiu, gesticulando para insisti-la a continuar.

-E isso basta?

-Certamente ajuda quando se passa por momentos complicados -sorriu um pouco, pensando em seu Joe-. tivemos alguns, mas um dos dois sempre consegue ajudar a que o outro o atravesse.

-Então, consideram-se uma equipe. Têm muitas coisas em comum?

-Não sei. Ao Joe adora o futebol e eu o odeio. Adora o jazz, e eu não o entendo -até depois não lhe ocorreria que essa era a primeira vez que se sentou a gosto com o Trent desde que tinha começado a trabalhar para ele-. Às vezes me dá vontade de me pôr plugues para os ouvidos durante todo o fim de semana. Sempre que me passa pela cabeça a ideia de largá-lo, penso em como seria minha vida sem ele. E eu não gosto do que vejo -tomou a liberdade de aproximar-se-. Senhor St. James, se for pelas bodas da Marla Montblanc, bom, eu gostaria de lhe dizer que é melhor para você.

-Marla se casou?

Atônita de verdade, Angela moveu a cabeça.

-Sim, senhor. A semana passada, com aquele jogador profissional de golfe. Apareceu em todos os periódicos.

-Devi passá-lo por alto -nos periódicos tinham aparecido outras coisas que tinham captado sua atenção.

-Sei que levava um tempo vendo-a.

«Vendo-a», repetiu mentalmente. «Sim, essa frase fria e desapaixonada descreve à perfeição nossa relação».

-Sim, assim é.

 

-Não está… molesto?

-Pelo da Maria? Não -a realidade era que fazia semanas que não pensava nela. Desde que tinha entrado naquela oficina e vista umas botas velhas.

Angela compreendeu que havia outra mulher. E se tinha tido esse efeito no chefe, dispunha de todo seu apoio.

-Senhor, se alguém... se alguma outra coisa -corrigiu com cautela- ocupa sua mente, talvez esteja analisando em demasia a situação.

O comentário o surpreendeu o suficiente para lhe provocar outro sorriso.

-Analiso em demasia, Angela?

-É você muito meticuloso, senhor St. James, e analisa bastante os detalhes, o qual é muito proveitoso para os negócios. Os assuntos pessoais não sempre se podem encarar com lógica.

-Eu mesmo cheguei a essa conclusão -voltou a ficar de pé-. Agradeço-lhe o tempo.

-Foi um prazer, senhor St. James -e era a verdade-. Posso fazer algo mais por você?

-Não, obrigado -dirigiu-se para a janela-. Boa tarde, Angela.

-Boa tarde -sorria quando fechou a porta a suas costas.

Trent permaneceu ali um bom momento. Não, não tinha notado o anúncio das bodas da Maria. Os periódicos também haviam talher a iminente venda de Las Torres. «O marco de Bar Harbor será o próximo hotel St. James», recordou. «Rumores de tesouros perdidos suavizam o trato».

Trent não sabia onde se produziu a filtração, embora não o surpreendia. Tal como tinha antecipado, seus advogados se opuseram à cláusula em que tinha insistido Lilah. Os murmúrios de esmeraldas tinham chegado até os corredores. Era natural que chegassem até a rua e a imprensa.

Durante mais de uma semana abundaram nos jornais e tabloides as especulações sobre as esmeraldas Calhoun. As tinha chamado invaluables, trágicas e legendárias... todos os adjetivos apropriados para garantir titulares.

Tornaram-se a tratar a fundo as façanhas empresariais do Fergus Calhoun, junto com o suicídio de sua mulher. Um repórter empreendedor inclusive tinha conseguido localizar ao Colleen Calhoun em um cruzeiro pelo Mar Jônico. A expressiva réplica da grande dama tinha aparecido em itálico.

Uma Fraude.

Perguntou-se se C.C. tinha visto os periódicos. «É obvio», concluiu. Provavelmente também tinha sido acossada pela imprensa.

«Como o estará levando? Sentirá-se doída e desventurada, obrigada a responder perguntas quando algum curioso repórter lhe coloque uma grabadora nos narizes?» Sorriu um pouco. Obrigada? Imaginou que teria jogado a meia dúzia de jornalistas da oficina se tivessem tido o arrojo suficiente para tentá-lo.

Quanto a sentia falta de. E isso não o deixava viver. Despertava todas as manhãs perguntando-se o que estaria fazendo. Todas as noites se ia à cama para não parar de dar voltas enquanto os pensamentos sobre lhe invadiam o cérebro. Quando dormia, ela figurava em seus sonhos. Era seu sonho.

«Três semanas», pensou. «Já deveria me haver adaptado». Entretanto, todos os dias que ele passava ali e ela em outra parte, piorava.

Sobre o escritório estavam os contratos revisados para a compra de Las Torres. Fazia dias que teria que havê-los assinado. Não obstante, não conseguia convencer-se de dar esse passo final. A última vez que os tinha cuidadoso sozinho tinha sido capaz de centrar-se em três palavras.

Catherine Colleen Calhoun.

Tinha-as lido uma e outra vez, recordando a primeira vez que lhe havia dito seu nome, arrojando-lhe como se tivesse sido uma arma. Recordou que tinha tido graxa na cara. E fogo nos olhos.

Logo rememorava outras ocasiões, momentos únicos, palavras soltas. O modo em que ela o tinha observado com o cenho franzido do braço do sofá enquanto Trent tomava o chá com Coco. A expressão na cara do C.C. quando tinham estado juntos na terraço, contemplando o mar. quão bem a boca dela tinha encaixado na sua ao beijá-la sob uma árvore de glicinas que ainda não tinham florescido.

Perguntou-se se pensaria nele quando caminhasse por aquela arvoredo. Se o fazia, temia que os pensamentos não fossem amáveis.

A última vez que o tinha visto o tinha amaldiçoado. Tinha-lhe parecido esses olhos verdes e tinha desejado que o beijo, o último beijo que tinham compartilhado, mantivera-o acordado de noite.

Duvidava de que inclusive ela pudesse saber como esse desejo se feito realidade.

Esfregou-se os olhos cansados e regreso` à mesa. como sempre, achava-se em perfeita ordem. Igual a seus negócios... e como tinha estado sua vida.

Viu-se obrigado a reconhecer que as coisas tinham trocado. Ele tinha trocado, embora possivelmente nem tanto. Uma vez mais elevou os contratos para estudá-los. Seguia sendo um homem de negócios hábil e organizado, que sabia manobrar em um trato para conseguir que se decantasse a seu favor.

Tomou a pluma e a fez oscilar levemente sobre os papéis. Deixou que o germe de uma ideia que tinha enraizado em sua mente fazia uns dias se formasse, reestruturasse e readaptasse.

Sabia que era pouco usual. Possivelmente até um pouco excêntrica, mas... mas estava convencido de que se jogava bem suas cartas, poderia funcionar. Em seus lábios foi formando um leve sorriso. Era seu trabalho conseguir que funcionasse. Suspirou. Possivelmente terminasse por ser o trato mais importante de sua vida.

 

Desprendeu o auricular do telefone e, empregando toda a influência dos St. James, pôs as primeiras engrenagens em marcha.

Hank terminou de polir o para-lama do Mustang do 69 e logo se apartou para admirar sua obra.

-Vai ficando muito bem -disse ao C.C.

Ela girou o pescoço, mas tinha as mãos enche com as pastilhas de freios que trocava em cima de sua cabeça.

-Será uma preciosidade. Alegra-me que nos tenham encarregado restaurá-lo.

-Quer que me ponha com o aceso?

C.C. amaldiçoou quando pela bochecha lhe caiu um pouco de líquido de freios.

-Não. Há-me dito três vezes que esta noite tênias uma entrevista. vá lavar te e te largue.

-Obrigado -ficou a guardar as ferramentas-. encontrastes já outra casa?

-Não -soslayó a contração que sentiu no estômago e se concentrou no que fazia-. Amanhã vamos procurar.

-Não será o mesmo não ter às Calhoun em Las Torres. Embora os periódicos não param de falar do colar.

-Já se acalmarão -ao menos isso esperava.

-Suponho que se o encontrarem, serão milionárias. Poderiam lhes retirar a Florida.

Apesar de seu estado de ânimo, não pôde evitar rir entre dentes.

-Bom, pois ainda não o encontramos -«solo o recibo», pensou, que Lilah tinha encontrado durante seu único turno, no armazém-. Florida pode esperar. Os freios não.

-Acredito que vou. Quer que fechamento o escritório?

-Adiante. Que te divirta.

Partiu assobiando e C.C. parou um momento para lhe dar um descanso aos braços e o pescoço. Desejou ter podido reter o Hank um momento mais, por companhia, distração. Embora não parava de falar da casa e do colar, ajudava-a a manter a mente ocupada.

Não importava o alta que pusesse a rádio, assim que ficava sozinha, havia muito silêncio.

Em qualquer momento teriam notícias do advogado. disse-se que possivelmente a tia Coco tinha recebido uma chamada do Stridley aquela tarde, para informar a de que os contratos se assinaram e ficava estabelecida uma data para o acordo.

Perguntou-se se Trent se apresentaria ao acordo. «Não, claro que não». Enviaria a um representante, e isso seria o melhor.

Além disso, tinha muito que fazer para preocupar-se disso. Procurar uma casa, repassar os periódicos velhos em busca de uma pista sobre o paradeiro das esmeraldas, o Mustang clássico que pensava devolver a sua estado de perfeição. Logo que tinha um momento para respirar, muito menos para ruminar se veria o Trent.

Se ao menos deixasse de lhe doer, embora só fora por uns minutos.

«Melhorará», disse-se ao concentrar-se outra vez nos freios. Devia melhorar. depois de que tivessem encontrado uma casa nova. depois de que se apagassem os rumores sobre o colar. Tudo retornaria à normalidade… ou ao que ela teria que aceitar como normal. Se a dor não desaparecia nunca por completo, então deveria aprender a viver com ele.

Tinha a sua família. Juntos, podiam enfrentar-se a tudo.

Ao terminar sentia os ombros rígidos. Moveu-os um pouco e foi sair de debaixo do carro quando se deu conta de que a rádio tinha deixado de sonar. Girou a cabeça. E viu o Trent de pé junto ao banco de trabalho. Lhe caiu ao chão a chave inglesa que sustentava.

-O que faz aqui?

-Esperar que termine -solo podia pensar em quão fabulosa estava-. Como te encontra?

-Ocupada -sacudida pela dor, voltou-se para lhe dar ao interruptor da parede. O elevador gemeu ao baixar o veículo-. Suponho que vieste pela casa.

-Sim, pode-se dizer que uma grande parte do que me traz aqui se deve a isso.

-Esperávamos ter notícias do advogado.

-Sei.

Quando o carro ficou sobre o chão, tomou um trapo e se limpou as mãos, com a vista cravada nelas.

-Amanda é quem se ocupa dos detalhes. Se precisa esclarecer algo, está no Bay Watch.

-O que preciso esclarecer corresponde a ti. A nós.

Ela elevou a vista, logo deu um passo atrás ao ver que se situou quase a seu lado.

-Em realidade não tenho nada que te dizer.

-De acordo, então falarei eu. dentro de um minuto.

Moveu-se com rapidez. Entretanto, C.C. teve a certeza de que se tivesse esperado seu movimento, poderia havê-lo esquivado. Embora não esteve segura de que o tivesse tentado.

Era tão grato e justo que a boca de lhe cobrisse os lábios, que as mãos lhe emoldurassem a cara. O orgulho lhe falhou o suficiente para fazer que lhe aferrasse as bonecas enquanto deixava que suas necessidades fluíram nesse beijo.

-Levo três semanas e meia pensando nisto -murmurou ele.

-Vete, Trent -fechou os olhos com força.

-Catherine...

-Maldito seja, hei dito que vá -soltou-se e se deu a volta para apoiar as mãos no banco-. Odeio-te por vir aqui, por fazer que fique outra vez como uma parva.

 

-Não é você a parva. Nunca o foste.

Quando a mão de lhe roçou levemente o ombro, agarrou um martelo e girou em redondo.

-Se voltar a me tocar, que Deus me ajude, romperei-te o nariz.

Olhou-a e viu que em seus olhos ardia outra vez o fogo.

-Menos mal. retornaste -encantado mas precavido, levantou uma mão-. Me escute, por favor. Primeiro os negócios.

-Meus negócios contigo estão fechados.

-Houve uma mudança de planos -tirou umas moedas da lata que havia no banco-. Posso te convidar a um refresco?

-Não. Dava o que tenha que dizer, logo te largue.

O se encolheu de ombros, dirigiu-se à máquina vendedora e introduziu as moedas. Foi nesse momento quando C.C. deu-se conta de que levava postos uns botas de cano longo.

-E que é isso?

-Estes? -sorriu ao abrir a jata-. Sapatos novos. Você gosta? -ao ver que a única resposta dela era ficar boquiaberta, bebeu um gole-. Sei que não é minha imagem habitual, mas as coisas trocam. Algumas costure trocaram. Importaria-te deixar esse martelo?

-O que? OH, de acordo -deixou-o sobre o banco-. Há dito que os planos tinham trocado. Significa isso que decidiste não comprar As Torres?

-Sim e não. Prefere que vamos a seu escritório a falá-lo?

-Maldita seja, Trent, simplesmente me diga o que está passando.

-Muito bem. É isto. Tomamos uma asa, a oeste, acredito, para que não envolva a torre da Bianca. Restauramo-la por completo. Eu prefiro proteger o material original até onde seja possível e, sempre que for factível, reconstruir de acordo com os planos originais. Deveria manter seu ar de fim de século. Isso será parte do acordo.

-O acordo? -repetiu, perdida.

-Podemos obter facilmente dez suítes sem pôr em perigo a arquitetura. Se não me falhar a memória, a sala de bilhar será excelente como comilão, com a torre oeste preparada para oferecer veladas mais íntimas e festas privadas.

-Dez suítes?

-Na asa oeste -corroborou ele-. Com preferência para a estética e a intimidade. Temos que devolver seu funcionamento a todas as chaminés. Acredito que com o que ofereceremos, disporemos de uma clientela para todo o ano e não só para a temporada.

-O que vais fazer com o resto da casa?

-Isso dependerá de ti e de sua família -deixou a lata a um lado e se aproximou dela-. Tal como eu o vejo, poderiam viver com comodidade nas dois primeiras novelo e esta asa. Deus sabe que sobra espaço.

Confusa, levou-se os dedos às têmporas.

-Seríamos seus… inquilinos?

-Não é exatamente o que eu tinha em mente. Pensava mais em uma sociedade -tomou a mão e a observou-. Seus nódulos sanaram.

-Que classe de sociedade?

-A Corporação St. James põe o dinheiro para a restauração, a publicidade e coisas pelo estilo. Assim que o balneário, neste caso eu gosto mais que hotel… assim que esteja operativo, repartimos os benefícios aos cinquenta por cento.

-Não o entendo.

-É muito singelo, C. C. -elevou-lhe a mão e lhe beijo um dedo-. As duas partes cedem. Nós temos nosso hotel e vocês seu lar. Ninguém perde.

Ela apagou a breve chama da esperança por temor a senti-la.

-Não vejo como poderia funcionar. por que alguém quereria alojar-se no lar de outras pessoas?

-É um marco -recordou-lhe, lhe beijando outro dedo-. Com uma lenda, um fantasma e um mistério. Pagarão bem por estar aqui. E quando provarem a bullabesa de Coco...

-A tia Coco?

-Já lhe ofereci o posto de chef. Está encantada. Segue pendente a questão de quem o dirigirá, mas acredito que é um posto perfeito para a Amanda, não te parece? -seus olhos irradiaram alegria ao lhe beijar o terceiro dedo.

-Por que faz isto?

-Sou um homem de negócios. E isto oferece um bom negócio. Já comecei a pesquisa de mercado -girou-lhe a mão e apoiou os lábios sobre a palma-. É o que lhe hei dito a minha junta diretiva. Mas acredito que você sabe realmente o que acontece.

-Eu não sei nada -apartou a mão para ir para as portas abertas da oficina-. Quão único sei é que retorna com um plano desatinado...

-É um plano muito sólido -corrigiu--. Não sou uma pessoa dada aos planos descabelados. Ao menos nunca o fui -aproximou-se e a tomo pelos ombros-. Quero que retenha seu lar, C.C.

-Assim que o faz por mim -fechou os olhos.

-Por ti, por suas irmãs, por Coco, inclusive pela Bianca -girou-a para que o olhasse-. E o faço por mim. Queria me manter acordado pelas noites, e o conseguiste.

-A culpabilidade obra milagres -conseguiu esboçar um sorriso débil.

 

-Não tem nada que ver com a culpa. Nunca foi assim. Mas sim com o amor. estando apaixonado. Não te aparte -murmurou quando ela quis soltar-se-. Os negócios já acabaram por hoje. Agora solo estamos você e eu. Não pode ser mais pessoal.

-Para mim tudo é pessoal, não o entende? -manifestou ela com as mãos fechadas aos flancos-. Veio aqui e trocou tudo em minha vida, e logo te partiu. E agora volta e me comunica que alteraste seus planos.

-Não é a única cuja vida se alterou. Desde que te conheci, nada foi igual para mim sentiu uma quebra de onda de pânico. C. C. não ia brindar lhe outra oportunidade-. Eu não pedi isto. Não o queria.

-OH, deixou bem claro o que não queria empurrou sem conseguir apartá-lo-. Não tem direito a começar isto outra vez.

-Ao corno com os direitos -sacudiu-a-. Intento te dizer que te amo. É a primeira vez para mim, e não vais converter o em uma discussão.

-Converterei-o no que goste -espetou, furiosa quando lhe quebrou a voz-. Não vou permitir que volte a me fazer danifico. Não vou A... -ficou quieta com os olhos muito abertos-. Há dito que me amava?

-Te cale e escuta. passei três semanas e meia me sentindo vazio e desgraçado sem ti. Fui porque pensei que poderia fazê-lo. Porque pensei que era o justo e melhor para os dois. Logicamente, era-o. Segue sendo-o. Não nos parecemos em nada. Não encontro nenhuma percentagem de probabilidades favoráveis em arriscar nossos futuros quando sei que estaria melhor com outra pessoa. Com alguém como Finney.

-Finney? -lhe escapou uma risada-. OH, é fantástico -enquanto suas emoções redemoinhavam, golpeou-o no peito-. Dir-te-ei uma coisa. por que não te leva sua percentagem a Boston e sacas um gráfico? E agora me deixe em paz. Tenho trabalho.

-Não terminei -quando ela abriu a boca para amaldiçoar, Trent deixou que o dominasse o instinto e a beijou até que se tranquilizou. Tão ofegante como ela, apoiou a frente contra a do C. C.-. Não tem nada que ver com a lógica ou as percentagens -sem soltá-la, deu um passo atrás para poder vê-la-. Catherine, cada vez que me dizia que não acreditava no amor nem nos matrimônios eternos, recordava como me sentia contigo.

-Como? Como se sentia comigo?

-Vivo. Feliz. E sabia que não voltaria a me sentir dessa maneira a menos que retornasse -soltou-a-. C. C., uma vez me disse que o que tínhamos podia ser a melhor parte de minha vida. Tinha razão. Não sei se obterei que funcione, mas preciso tentá-lo. Necessito-te.

Catherine se deu conta de que ele tinha medo. Inclusive mais que ela. Sem lhe tirar a vista de cima, elevou uma mão a sua cara.

-Posso te oferecer uma garantia por um amortecedor, Trent. Não por isso.

-Conformo-me com que me diga que ainda me ama, que me dará outra oportunidade.

-Ainda te amo. Mas não posso te dar outra oportunidade.

-Catherine...

-Porque ainda não tomaste a primeiro beijou com suavidade duas vezes-. por que não tomamos juntos? -riu quando ele a pegou a seu corpo-. Te vais encher de graxa.

-Terei que me acostumar -depois de dar umas voltas, apartou-se para estudá-la. Tudo o que precisava estava nesses olhos-. Amo-te, Catherine. Amo-te muito.

-Terei que me acostumar a isso -acariciou-lhe a bochecha-. Possivelmente necessite que o repita cem vezes -Trent o repetiu enquanto a abraçava, enquanto lhe enchia a cara de beijos, enquanto se atrasava no sabor de sua boca-. Acredito que funciona murmurou-. Possivelmente deveríamos fechar as portas da oficina.

-As deixe abertas -voltou a retroceder, lutando para limpá-la cabeça-. Sigo sendo o bastante St. James para querer fazer as coisas em sua ordem adequada, mas o controle me escapa.

-E a que ordem te refere? -sorrindo, passado um dedo pela camisa do para brincar com o botão superior.

-Espera -aceso, apoiou uma mão sobre a do C. C.-. pensei nisto durante todo o trajeto de Boston. Revivi-o de muitas maneiras distintas… te convidaria para jantar outra vez, beberíamos um pouco de vinho e haveria muitas velas, ou passearíamos pelo jardim ao anoitecer -olhou em torno do oficina. «Madressilva e azeite de motores», pensou. «Perfeito»-. Mas estes parecem o momento e o lugar adequados -tirou um estojo pequeno do bolso, abriu-o e o entregou a ela-. Em uma ocasião disse que se te oferecia um diamante, riria-te em minha cara. Pensei que poderia ter mais sorte com uma esmeralda.

Catherine conteve as lágrimas ao contemplar a pedra de um verde intenso em seu singelo engaste de ouro. Brilhava para ela, cheia de esperança e promessas.

-Se for uma proposição, não te faz falta nada de sorte -olhou-o com olhos úmidos e brilhantes. A resposta sempre foi sim.

-Vamos a casa -disse depois de lhe introduzir o anel no dedo.

-Sim -tomou a mão-. Vamos a casa.

 

                                                                                Nora Roberts  

 

 

 

       

 

 

 

 

                      

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