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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PELO AMOR DE LILAH / Nora Roberts
PELO AMOR DE LILAH / Nora Roberts

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

 

O mistério e o perigo ainda rondavam a mansão das Calhoun. As esmeraldas perdidas continuavam a atrair curiosos, caçadores de tesouros e… criminosos. Lilah sabia que algo estava prestes a acontecer. Quando uma tempestade a chamou à praia, lá estava ela, à espera. E, no mar revolto, Maxwell Quartermain lutava pela vida com suas últimas forças. Um homem como Lilah jamais conhecera. Um intelectual que se sentia mais à vontade no passado do que no presente, além de ser um valioso aliado das Calhoun na busca pelas esmeraldas.

 

 

 

 

 

Bar Harbor, 1913.

Os escarpados me chamam. Altos, ferozes e perigosamente belos, permanecem erguidos e sedutores como um amante. Esta manhã, o ar era tão suave como as nuvens do oeste que se elevavam para o céu. As gaivotas giravam no ar, emitindo uns gritos tão solitários como o tangido distante do sino de uma boia que o vento arrastava até a praia. Aquele som evocava a imagem dos sinos de uma igreja anunciando um nascimento. Ou uma morte.

As outras ilhas cintilavam através da bruma que o sol ainda não tinha conseguido desvanecer, como se de uma miragem se tratasse. Os pescadores pilotavam suas robustas embarcações para entrar na baía por volta de um mar encrespado.

E inclusive sabendo que ele não estaria ali, não podia me separar daquele lugar.

Levei os meninos. Não pode haver nada mau em querer compartilhar com eles parte da felicidade que me embriaga cada vez que passeio por estes prados selvagens que conduzem até as rochas. Levava ao Ethan em uma mão e a Colleen na outra. A babá tomou em braços o pequeno Sejam para impedir que continuasse engatinhando na erva, seguindo a uma mariposa amarela que revoava perto de suas mãos inquietas.

O som de suas risadas, o mais doce dos sons para uma mãe, elevava-se no ar. Têm uma curiosidade tão viva, tão cambiante, e uma confiança indisputável. Ainda não os afetam as preocupações do mundo, as sublevações no México, ou os distúrbios na Europa. Seu mundo não inclui nem traições nem culpabilidades, e tampouco as paixões que ferem o coração. Suas necessidades são singelas, imediatas, não têm nada que ver com a manhã. Se pudesse mantê-los sempre tão inocentes, tão livres e seguros, faria-o. Entretanto, sei que algum dia terá que enfrentar-se a todas as preocupações e emoções dos adultos.

Mas hoje temos muitas flores silvestres que cortar, muitas perguntas que responder. E para mim, muitos sonhos com os que sonharem.

É evidente que a babá sabe por que vim até aqui. Conhece-me muito bem para não saber ler em meu coração. E me quer muito para me criticar. Ninguém é mais consciente que ela de que não há amor em meu matrimônio. É, como l foi sempre, um acerto conveniente para o Fergus e um dever para mim. Se não fora pelos meninos, não teríamos nada em comum. E inclusive me temo que ele os considere como parte de suas valiosas posses, símbolos de seu êxito, ao igual a nossa casa de Nova Iorque, ou As Torres, essa casa com aspecto de castelo que mandou construir para que passássemos os verões na ilha. Ou a mim mesma, a mulher que tomou como esposa. Uma mulher a que julgou suficientemente atrativa e de uma família bastante respeitável para levar o sobrenome Calhoun, compartilhar sua mesa ou adornar seu braço quando tem que frequentar a essa alta sociedade que tão importante é para ele.

Soa frio quando o escrevo, mas não posso fingir que haja calor algum em meu matrimônio com o Fergus. Certamente, tampouco há paixão. Eu esperava, quando decidi acessar aos desejos de meus pais e me casei com ele, que haveria ao menos carinho, um sentimento que com o tempo chegaria a transformar-se em amor. Mas era muito jovem. E o único que há é cortesia. Um substituto muito pobre da paixão.

Faz um ano possivelmente, podia me convencer a mim mesma de que estava satisfeita. Tinha um marido com êxito, uns filhos aos que adorava, uma posição invejável na sociedade e um elegante círculo de amizades. Meu guarda-roupa transborda de objetos e joias formosas. As esmeraldas que Fergus me deu de presente quando nasceu Ethan são próprias de uma rainha. Minha casa de veraneio é magnífica, e também seria adequada para a realeza com suas torres e torres, suas majestosas paredes forradas de seda e esses chãos que reluzem baixo muito caros atapetam.

Que mulher não estaria satisfeita com tudo isto? ou, que mais poderia pedir uma mulher? A menos que quisesse amor...

E foi amor o que encontrei entre estes escarpados, no artista que passava horas neles, enfrentando-se ao mar, retratando aquelas rochas e aquele mar enfurecido em seus tecidos. Christian, com seu cabelo escuro açoitado pelo vento. Com aqueles olhos cinza, escuros e intensos com os que me estudava. Possivelmente se não o tivesse conhecido, poderia ter seguido fingindo que estava satisfeita. Ou poderia ter chegado a me convencer de que não desejava amor, ou palavras doces, ou uma carícia em meio da noite.

Mas o conheci, e minha vida mudou. Já não voltarei nunca para a falsa satisfação de uma gargantilha de esmeraldas. Com o Christian encontrei algo muito mais precioso que todo o ouro que Fergus possa acumular. O que sinto por ele não é algo que possa adornar minha mão, nem rodear meu pescoço, mas é algo que levarei sempre no coração.

Quando o encontrar nos escarpados, como farei esta mesma tarde, não me lamentarei pelo que não podemos ter, por isso não nos atrevemos a tomar, mas sim valorizarei as horas que passemos juntos. Quando sentir seus braços a meu redor, quando saborear seus lábios, saberei que Bianca é a mulher mais afortunada do mundo por ter sido tão bem amada.

 

Estava a ponto de começar uma tormenta. Pela janela da torre, Lilah pôde ver um raio prateado rasgando o céu no leste. Um trovão o seguiu, abrindo-se entre os amontoados de nuvens e retumbando entre as rochas. Um calafrio percorreu seu corpo, mas não era de medo, mas sim de emoção.

Ia acontecer algo. Sentia-o, e não só naquela atmosfera espessa, carregada, mas também no batimento do coração primitivo de seu próprio sangue.

Quando posou a mão no cristal da janela, esperava que seus dedos chispassem, sacudidos pelo poder da eletricidade. Mas o cristal estava frio e suave, e tão escuro quanto o céu.

Sorriu ligeiramente ao ouvir o trovão na distância e pensou em sua bisavó. Teria estado Bianca alguma vez ali, contemplando enquanto tormenta se formava, esperando que se desatasse sobre a casa e banhasse a torre com sua luz fantasmagórica? Teria desejado estar junto a seu amante, para compartilhar com ele o poder e a força da paixão que os céus desatavam? É obvio, pensou Lilah. Que mulher não o teria feito?

Mas certamente Bianca tinha estado ali completamente sozinha, Lilah sabia, igual estava naquele momento. Possivelmente tinha sido a solidão, a intensa dor da solidão, que lhe tinha feito jogar-se por essa mesma janela para cair sobre rochas.

Sacudindo a cabeça, Lilah afastou a mão do cristal. Estava ficando taciturna outra vez e tinha que evitá-lo. A depressão e os pensamentos tristes não eram algo próprio de uma mulher que preferia levar a vida tal como ia chegando e que tinha convertido em uma filosofia vital evitar suas cargas mais pesadas.

Lilah não se envergonhava do fato de preferir estar sentada a estar de pé ou andar a correr e lhe pareciam muito mais saudáveis os longos descansos, do que fazer exercício para manter o corpo e a mente em forma.

Não era que não fosse ambiciosa. Simplesmente, suas ambições tinham em conta o fato de que para ela a comodidade tinha prioridade sobre qualquer outra coisa.

Não gostava de ver-se taciturna e pensativa e estava zangada consigo mesma porque tinha convertido ambas as coisas em um hábito durante aquelas semanas, quando deveria estar sendo completamente feliz. Sua vida continuava transcorrendo a passo firme e sem pressas. Sua casa e sua família, que para ela eram tão importantes como sua própria comodidade estava a salvo. De fato, ambas pareciam expandir-se de forma muito satisfatória.

A menor pequena de suas irmãs, C.C, acabava de retornar de sua lua de mel e estava resplandecente como uma rosa. Amanda, a mais prática das irmãs Calhoun, estava loucamente apaixonada e planejando seu casamento.

E os dois homens que acabavam de entrar na vida de suas irmãs, mereciam a total aprovação de Lilah. Trenton St. James, seu mais novo cunhado, era um ardiloso homem de negócios que, sobre aqueles trajes de corte tão meticuloso, escondia um tenro coração. Sloan Ou'Riley, com suas botas de vaqueiro e seu sotaque de Oklahoma, merecia-se toda a admiração de Lilah por ter sido capaz de ver além da aparência suscetível de Amanda.

É obvio, ter a duas de suas adoráveis sobrinhas unidas a um homem, fazia que tia Cordy delirasse de felicidade. Lilah riu brandamente, pensando em como sua tia estava convencida de que tinha sido ela a responsável por ambas as relações amorosas. Durante muito tempo ela tinha sido guardiã das irmãs Calhoun, estava disposta a emprestar o mesmo serviço a Lilah e a Suzanna, a mais velha das irmãs.

Boa sorte desejou-lhe Lilah a sua tia. Depois de um divórcio traumático e dois meninos para cuidar, por não mencionar o negócio de que tinha que se ocupar, Suzanna não parecia muito disposta a colaborar. Já tinha se queimado uma vez, terrivelmente, além disso, era uma mulher inteligente e não ia aproximar pela segunda vez do mesmo fogo.  

Quanto a ela, Lilah fazia todo o possível por apaixonar-se, por ouvir aquele vibrante clique interior que soava quando se encontrava à pessoa que o destino tinha lhe reservado. Mas, de momento, aquela parte de seu coração permanecia obstinadamente em silêncio.

Logo haveria tempo para isso, recordou-se a si mesmo. Tinha vinte e sete anos e se considerava feliz com seu trabalho e sua família. Uns meses atrás, tinham estado a ponto de perder As Torres, a excêntrica moradia dos Calhoun que tinha sido construída sobre os escarpados e dominava o mar desde sua altura. Se não tivesse sido Trent, Lilah poderia não ter voltado jamais ao quarto da torre que tanto adorava, nem observar dali a formação de uma tormenta.

De modo que tinha sua casa, sua família, um trabalho que lhe interessava e, recordou-se a si mesmo, um mistério que resolver. As esmeraldas da bisavó Bianca. Embora nunca as tivesse visto, era capaz das visualizar perfeitamente somente fechando os olhos.

Duas espetaculares filas de esmeraldas realçadas com frios diamantes. O brilho do ouro convertido em uma caprichosa corrente. E pendurando da gargantilha, essa rica e resplandecente esmeralda em forma de lágrima. Mais que seu valor econômico ou estético, aquela joia representava para Lilah um vínculo direto com uma antepassada que a fascinava e a esperança de um amor eterno.

A lenda dizia que Bianca, decidida a pôr fim a um casamento sem amor, tinha guardado seus mais queridos pertences, entre as que se encontrava aquela gargantilha, em uma caixa. Esperando encontrar a forma de reunir-se com seu amante, tinha-as escondido. Mas antes que tivesse podido fugir-se para começar uma nova vida com Christian, o desespero a tinha levado a lançar-se desde aquela mesma torre para a morte.

Um trágico final para um romance, pensou Lilah, mas não sempre se entristecia ao pensar nele. O espírito da Bianca permanecia em Las Torres e naquele quarto em que Bianca tinha passado tantas horas desejando seu amante. Lilah se sentia muito perto dela.

Encontraria as esmeraldas, prometeu-se a si mesmo. Merecia a pena as encontrar.

A verdade era que a gargantilha já tinha causado certos problemas. A imprensa tinha se inteirado de sua existência e tinha especulado de forma incessante sobre o tesouro escondido. Com tanto êxito, pensou Lilah, que tinha atraído a dezenas de turistas e aficionados à busca do tesouro, e inclusive tinha levado a um implacável ladrão ao interior de sua casa.

Quando pensava que Amanda poderia ter sido assassinada por tentar proteger os papéis da família, e os riscos que tinham corrido tentando evitar que pudesse cair qualquer pista sobre as esmeraldas em outras mãos, Lilah estremecia. A pesar do heroísmo de Amanda, o homem que havia dito chamar-se William Livingston partiu da casa com um montão de papéis. E Lilah esperava sinceramente que não tivesse encontrado nada mais que receitas velhas e faturas pendentes de pagamento.

William Livingston, aliás Peter Mitchell, aliás outra dúzia de nomes, não ia conseguir pôr suas sujas mãos sobre aquelas esmeraldas. Não se as mulheres Calhoun podiam fazer algo para evitá-lo. No que Lilah concernia, entre aquelas mulheres incluía a Bianca, que era tão essencial às Torres como o gesso das paredes ou a madeira das vigas.

Inquieta, separou-se da janela. Não era capaz de compreender por que as esmeraldas e a mulher a que lhe tinham pertencido se concentrava de forma tão intensa em seus pensamentos aquela noite. Mas Lilah era uma mulher que acreditava na intuição e nas premonições com a mesma naturalidade com a que acreditava que o sol saía todos os dias pelo leste.

Aquela noite ia ocorrer algo.

Olhou novamente para a janela. A tormenta estava cada vez mais perto, era cada vez mais forte. E sentiu a louca necessidade de sair a encontrar-se com ela.

Max sentia o estômago revolto enquanto navegava naquele bote. Naquele iate, recordou-se a si mesmo. Um formoso iate com todas as comodidades de uma casa. Certamente, com mais comodidades que sua própria casa, que consistia em um diminuto apartamento, mobiliado e situado perto do campus da Universidade do Cornell. O problema era que aquela beleza de doze metros de comprimento do navio estava navegando em um mal-humorado Atlântico. E as duas pílulas contra o enjoo que Max tinha tomado não pareciam estar lhe fazendo efeito.

Tirou uma escura mecha de cabelo rebelde da frente do rosto, onde, como sempre, voltou a cair outra vez. O balanço do navio sacudiu o abajur de cobre que pendurava sobre o escritório. Max fez tudo o que pôde para ignorá-la. Tinha que se concentrar em seu trabalho. A um professor de história não lhe ofereciam todos os dias um emprego tão fascinante e lucrativo como aquele. E aquela era uma oportunidade que tinha que aproveitar.

Ser contratado como investigador por um milionário excêntrico era um tema digno de ficção. Mas, em seu caso, converteu-se em realidade.

Quando o navio se inclinou, Max levou a mão a seu agitado estômago e tentou respirar fundo. Como aquilo não funcionou, tentou concentrar-se em sua boa sorte.

A carta de Ellis Caufield tinha chegado no momento ideal, antes que Max se comprometesse a trabalhar em outro lugar durante o verão. E a oferta lhe tinha parecido ao mesmo tempo irresistível e adorável.

Em sua vida cotidiana, Max não considerava que tivesse nenhuma reputação em especial. Alguns artigos bem recebidos, alguns prêmios, mas isso era tudo o que tinha conseguido no hermético mundo da academia que tinha decidido enterrar-se. Se era um bom professor, pensava que se devia ao prazer que lhe proporcionava fazer alunos tão pendentes sempre do presente,compreender e admirar o passado.

Tinha sido uma total surpresa que Caufield, um homem da lei, tivesse ouvido falar dele e o respeitasse o suficiente para lhe oferecer um trabalho tão interessante.

E, para um homem com a mentalidade do Maxwell Quartermain, mais interessante ainda que o iate, o salário e a ideia de passar o verão em Bar Harbor, era acessar à história que encerrava cada um dos pedaços de papel que lhe tinham pedido que catalogasse.

Um recibo de um chapéu de mulher que datava de mil novecentos e trinta e dois. A lista de convidados a uma festa celebrada em mil novecentos e onze. Uma cópia da conta de reparação de um Ford de mil novecentos e trinta e cinco. As instruções manuscritas para preparar um remédio a base de ervas contra a difteria. Havia cartas escritas antes da Primeira guerra mundial, recortes de periódicos com nomes como Carnegie ou Kennedy, recibos de compra de um armário Chippendale e um candelabro Waterford. Velhos carnês de baile e velhas receitas.

Para um homem que passava a maior parte de sua vida intelectual no passado, aquilo era um tesouro. Max teria analisado cada um daqueles pedaços de papel em troca de nada, mas Ellis Caufield se pôs em contato com ele e lhe tinha devotado mais do que Max podia ganhar dando aulas durante dois semestres completos.

Era como um sonho se tornando realidade. Em vez de passar o verão lutando para despertar o interesse de aborrecidos estudantes pela política e a situação dos Estados Unidos antes da Grande Guerra, estava vivendo um sonho. Com o dinheiro, a metade do qual já lhe tinham depositado no banco, poderia tomar um ano sabático e começar o romance que durante tanto tempo tinha desejado escrever.

Max sentia que tinha contraído uma grande dívida com Caufield. Um ano inteiro para fazer o que queria. Era mais do que nunca se atreveu a sonhar. Graças a seu cérebro, tinha conseguido uma bolsa que lhe tinha permitido estudar no Cornell. Seu cérebro tinha trabalhado duramente para lhe permitir converter-se em doutor em historia com só vinte e cinco anos. Tinha passado oito anos depois, economizando, dando aulas, preparando conferências e classificando documentos. E só tinha tido tempo para escrever uns quantos artigos.

Nesse momento, graças a Caufield, ia poder ter o tempo do que nunca se atreveu a dispor. Poderia começar o projeto que tinha mantido guardado em seu coração e em sua cabeça durante anos.

Queria escrever um romance ambientado na segunda década do século vinte. Não uma lição de história, nem um ensaio sobre os efeitos e as causas da guerra, e sim uma história de pessoas que se viram arrastadas pela História. A classe de pessoas às que tinha ido conhecendo e compreendendo através daqueles velhos papéis.

Caufield lhe tinha dado esse tempo e ele ia aproveitar a oportunidade. E tudo isso enfeitado por um verão em um luxuoso iate. Era uma pena que Max não tivesse previsto como ia afetar a seu corpo o movimento do mar.

Particularmente durante as tormentas, pensou, levando-a mão a seu suarento rosto. Esforçava-se em concentrar-se, mas as esvaídas letras dos papéis balançavam e duplicavam ante seus olhos, acrescentando uma terrível dor de cabeça a suas náuseas. O que precisava era tomar ar, disse a si mesmo. Uma boa rajada de ar fresco. Embora soubesse que Caufield preferisse que ficasse investigando em seu camarote durante as noites, Max imaginou que também o preferiria saudável a gemendo na cama.

Levantou-se e gemeu brandamente ao sentir que lhe revolvia o estômago com a chegada da seguinte onda. Quase pôde sentir sua pele adquirindo um tom verde musgo. Definitivamente, necessitava ar. Cambaleou-se pelo camarote, perguntando-se se alguma vez chegaria a acostumar-se ao mar. Ao cabo de uma semana, pensava que lhe estava dando bastante bem, mas lhe tinha bastado saborear o primeiro incidente climático para ficar trêmulo.

Era uma sorte que não tivesse estado, como tantas vezes tinha imaginado, navegando no Mayflower. Jamais teria conseguido chegar ao Plymouth Rock.

Agarando-se com a mão aos painéis de mogno, conseguiu chegar até o corredor que conduzia até as escadas que subiam a cobertura.

A porta do camarote de Caufield estava aberta. Max, que jamais se teria detido para escutar as escondidas, parou-se um instante com intenção de lhe dar a seu estômago um momento de repouso. Ouviu então a seu chefe falando com o capitão. Quando conseguiu sobrepor-se ao enjoo, deu-se conta de que não estavam falando nem do tempo nem de uma possível mudança de rumo.

-Não penso em perder esse colar -disse Caufield com impaciência-. Já me vi envolto em muitos problemas por sua culpa.

A resposta do capitão não foi menos tensa.

-Não entendo por que colocou Quartermain nisto. Se chegar a averiguar a que se deve seu interesse nesses documentos e como os conseguiu, ele também se converterá em um problema.

-Não o averiguará nunca. No que a nosso bom professor concerne, esses papéis pertencem a minha família. E me considera suficientemente rico e excêntrico para querer preservá-los.

-Se alguma vez chegar a ouvir algo...

-Ouvir algo? -interrompeu-o Caufield com uma gargalhada-. Está tão enterrado no passado que não é capaz de ouvir nem seu próprio nome. Por que acredita que o escolhi? Eu sei fazer meu trabalho, Hawkins, e investiguei Quartermain exaustivamente. É um acadêmico com mais cérebro que ação e só sente curiosidade pelo passado. Acontecimentos como um roubo a mão armada ou o desaparecimento das esmeraldas dos Calhoun lhe são completamente indiferentes.

No corredor, Max permanecia quieto e em silêncio, enquanto seu mal-estar físico começava a mesclar-se com uma repugnante suspeita. Roubo a mão armada. Aquela frase se repetia em seu cérebro.

-Teria sido melhor ir para Nova Iorque -queixou-se Hawkins-. Poderia ter ficado trabalhando no caso Waffingford enquanto você passava todo um mês esperando. Poderíamos ter tido os diamantes dessa velha dama em menos de uma semana. -

-Esses diamantes podem esperar -Caufield endureceu a voz-. Quero essas esmeraldas e vou conseguir. Levo vinte anos neste negócio, Hawkins, e sei que um homem só tem uma oportunidade em sua vida de conseguir algo tão grande.

-Os diamantes...

-São pedras -nesse momento sua voz parecia muito mais doce, possivelmente inclusive com algum tintura de loucura-. Essas esmeraldas são uma lenda. E vão ser minhas. Custe o que custar.

Max permanecia completamente paralisado fora do camarote. As desagradáveis náuseas que minutos antes sacudiam seu estômago tinham cessado por causa da aturdimento. Não tinha a menor ideia do que estavam falando e tampouco de como encaixar todas aquelas peças de informação. Mas uma coisa era evidente: estava sendo usado por um ladrão e havia algo mais que historia nos documentos que pretendiam que investigasse.

Não tinha deixado de notar o fanatismo que refletia a voz do Caufield, e tampouco a violência reprimida de Hawkins. E ao longo da história, o fanatismo tinha demonstrado ser a mais perigosa das armas. Somente a podia combater mediante o conhecimento.

Ele tinha os documentos em sua mão, conservaria-os e encontraria uma maneira de abandonar o navio e ir diretamente à polícia. Embora o que podia chegar a explicar não tinha nenhum sentido. Retrocedeu, esperando ter esclarecido seus pensamentos para quando chegasse de novo a seu camarote. Mas uma inoportuna onda sacudiu o navio nesse momento e Max se viu arrojado através da porta aberta.

-Doutor Quartermain -aferrando-se a ambos os lados de seu escritório, Caufield elevou uma sobrancelha-. Bom, parece que chegou ao lugar equivocado no momento equivocado.

Max se agarrou ao marco da porta e se cambaleou enquanto amaldiçoava a instabilidade do chão que tinha aos pés.

-Eu... queria tomar ar.

-Ouviu tudo o que dissemos -murmurou o capitão.

-Sou consciente disso, Hawkins. Não pode dizer-se que o professor tenha sido dotado com a esperteza de um jogador de pôquer. Temo-me que não vai poder pôr um só pé na praia durante nossa estadia em Bar Harbor, e, tirou um revólver cromado-. Um sério inconveniente sabe. Mas estou seguro de que seu camarote lhe resultará mais adequado para satisfazer suas necessidades enquanto trabalha. Hawkins, leve-lhe isso e prenda-o.

O retumbar de um trovão fez vibrar a embarcação. Foi tudo o que Max necessitou para começar a mover as pernas. Enquanto o iate se balançava, voltou correndo até o corredor. Agarrando-se ao corrimão, lutava contra o movimento do iate. Os gritos que ouvia atrás dele se perderam no uivo do vento quando chegou a cobertura.

Uma rajada de água salgada lhe golpeou o rosto, cegando-o por um instante enquanto procurava freneticamente a maneira de escapar. Um raio rasgou os céus, lhe mostrando naquele instante de luz o mar revolto, as escarpadas rochas e um pedaço de terra ao longe. O seguinte movimento do navio esteve a ponto de atirá-lo ao chão, mas conseguiu manter-se em pé graças à sorte e a sua férrea vontade de manter-se erguido. Deixando-se levar pelo instinto, pôs-se a correr sobre a úmida e escorregadia cobertura. Com a seguinte chama de luz, viu um de seus dois repentinos inimigos olhando-o. O homem gritou e lhe fez um gesto, mas Max deu meia volta e continuou correndo.

Tentou pensar, mas tinha a cabeça muito abarrotada, muito confusa. A tormenta, o movimento, do iate, o brilho da pistola. Era como estar apanhado em meio de um pesadelo de outra pessoa. O era um professor de história, um homem que vivia entre livros e saía escassas vezes à superfície tentando recordar se tinha comido ou se encarregou da limpeza. Era, sabia, terrivelmente aborrecido, e seus dias transcorriam tranquilamente, imersos na rotina em que tinha convertido sua vida. Não podia estar em um iate no meio do Atlântico, sendo açoitado por dois ladrões armados.

-Doutor.

A voz de seu chefe soou suficientemente perto para fazer que Max se voltasse. A pistola que viu menos de dois metros lhe fez compreender que alguns pesadelos eram reais. Foi girando lentamente até ficar apanhado frente ao corrimão do navio. Já não tinha forma de sair correndo.

-Sei que isto é um desconforto para você -disse Caufield-, mas acredito que seria mais inteligente que retornasse a seu camarote -um relâmpago de luz enfatizou seu argumento-. A tormenta pode ser curta, mas é muito intensa. E nós não gostaríamos que... caísse pela amurada.

-É você um ladrão.

-Sim -com as pernas abertas sobre a cobertura, Caufield sorriu. Parecia estar desfrutando da situação. Do vento, do ar carregado de eletricidade e do rosto pálido da presa que tinha encurralado-. E agora que posso ser sincero com você, direi-lhe exatamente o que tem que procurar. Dessa forma nosso trabalho avançará muito mais rápido. Vamos, doutor, utilize seu tão famoso cérebro.

Pela extremidade do olho, Max viu que Hawkins se aproximava pelo outro lado, movendo-se com tanta segurança sobre a cobertura como uma cabra por um acidentado atalho na montanha. Em questão de segundos, apanhariam-no. E quando o fizessem, estava seguro, não voltaria a ver uma sala de aula.

Com um instinto de sobrevivência que até então não tinha posto a prova, lançou-se sobre o corrimão. Ouviu o retumbar de outro trovão e sentiu que lhe ardia a têmpora, depois, inundou-se nas águas convulsas e escuras do Atlântico.

Lilah tinha descido, seguindo uma sinuosa estrada, até a base dos escarpados. Levantou-se um vento terrível, que sentiu uivar com ferocidade e açoitar seu cabelo assim que saiu do carro. Não sabia por que se havia sentido impulsionada a aproximar-se até ali, a permanecer sozinha naquele estreito e rochoso pedaço de praia esperando a tormenta.

Mas ali estava, e sentia a euforia entrando em torrentes em seu interior, correndo sob sua pele, imprimindo velocidade a seu coração. Quando riu, o som de sua risada flutuou no vento e o eco o repetiu. O poder e a paixão exploravam a seu redor em meio de uma guerra que contemplava com deleite.

A água se lançavam contra as rochas, exploravam até ficar pulverizada sobre elas e se elevavam até onde estava Lilah. Estava tão fria que estremeceu, mas não retrocedeu. Fechou os olhos, elevou o rosto para o céu e absorveu aquela sensação.

O ruído era terrível, selvagem, primitivo. No céu, e cada vez mais perto, abatia-se a tormenta. Imensa, escura e tempestuosa. A chuva se sentia com tanta força no ar que quase se podia saborear, tocar, mas eram os relâmpagos os que dominavam a tormenta, cruzando os céus enquanto o retumbar do trovão competia com a violência da água e do vento.

Lilah tinha a sensação de estar sozinha em meio de um quadro, mas não experimentava solidão e muito menos medo. Era antecipação que fazia cócegas em sua pele. Uma paixão tão escura como a própria tormenta palpitava em seu sangue.

Algo ia ocorrer, pensou novamente, enquanto elevava o rosto para o céu.

Se não tivesse sido pelos relâmpagos, não o teria visto. Ao princípio, observou a escura forma que se movia na água e se perguntou se um golfinho teria podido aproximar-se tanto às rochas. Com curiosidade, caminhou sobre as rochas , afastando com a mão o cabelo que o vento jogava em seu rosto.

Não era um golfinho, percebeu com uma pontada de pânico. Era um homem. Muito estupefata para mover-se, continuou observando-o. Certamente seria sua imaginação, disse-se. Deixou-se apanhar pela tormenta, por seu mistério e por aquela sensação premente que a embargava. Era uma loucura pensar que tinha visto alguém lutando contra as ondas naquele solitário e convulso palmo de água.

Mas quando a figura apareceu outra vez, flutuando, Lilah tirou as sandálias e correu para a água gelada.

Fraquejavam-lhe as forças. Embora tivesse conseguido desfazer-se dos sapatos, as pernas pesavam terrivelmente. Ele era um bom nadador. Era o único esporte em que se dava bem. Mas o mar era imensamente mais forte que ele. Era ele que o arrastava, e não seus braços e suas pernas. Afundava-o a capricho e depois o liberava, permitindo tomar uma nova baforada de ar.

Nem sequer podia recordar por que lutava. O frio que fazia tempo já tinha intumescido seu corpo começava a ter o mesmo efeito em seu cérebro. Seus movimentos eram já virtualmente automáticos e cada vez mais fracos. Era o mar o que o guiava, que o apanhava, e o que, estava começando a aceitá-lo, terminaria matando-o.

Sacudiu-o uma onda e, exausto, deixou-se arrastar por ela. A única coisa que esperava agora era morrer afogado em vez de sentir o impacto das rochas.

Sentiu que algo lhe rodeava o pescoço e, com suas últimas forças, empurrou-o. Alguma serpente marinha, ou possivelmente fossem algas, enredou-se em seu pescoço. Então seu rosto emergiu outra vez à superfície. Seus pulmões sedentos absorveram o ar. Viu um rosto perto do dele. Um rosto pálido e surpreendentemente belo. Um glorioso cabelo úmido e escuro flutuava sobre ele.

-Agarre-se -gritou-lhe a garota-. Tudo sairá bem.

Estava arrastando-o para a margem, enquanto outra onda cai sobre eles. Era uma alucinação, pensou Max. Tinha que estar alucinando para ser capaz de imaginar a uma mulher tão bela chegando para ajudá-lo justo antes de morrer. Mas a possibilidade de que tivesse ocorrido um milagre reavivou seu já quase esgotado instinto de sobrevivência e começou a colaborar com ela.

As ondas os golpeavam, arrastavam-nos para dentro cada vez que conseguiam dar um passo. Por cima de suas cabeças, o céu se abriu para deixar cair um aguaceiro. Ela estava gritando algo outra vez, mas a única coisa que Max podia ouvir era o zumbido de sua própria cabeça.

Decidiu que devia estar morto. Certamente, já não sentia dor. Apenas via o rosto daquela mulher, o brilho de seus olhos e suas pestanas cobertas de água. A um homem podiam lhe ocorrer coisas piores que morrer com aquela imagem em mente.

Mas os olhos da jovem brilhavam com aborrecimento, parecia haver-se carregado de eletricidade. Queria que a ajudasse, compreendeu Max. Necessitava de ajuda. Instintivamente, passou-lhe o braço pela cintura, para que se apoiassem um no outro.

Perdeu a conta enquanto caminhavam, das vezes que caía e voltava a levantar-se. Quando viu as rochas que se sobressaíam na água, as arestas afiadas que apareciam entre a espuma, sem pensar-lhe duas vezes, voltou seu corpo esgotado para ela. Uma furiosa onda os derrubou com a mesma facilidade com a que um ser humano se desfaz de uma formiga.

Sentiu o golpe em seu ombro, mas não apenas isso. Sentia também os grãos de areia sob seus joelhos. A água lutava por engoli-los, mas, arrastando-se sobre as rochas, conseguiram alcançar a borda.

As náuseas iniciais foram espantosas, atormentavam-no de tal maneira que por um instante pensou que seu corpo ia se partir em dois. Quando passou o pior, deu meia volta e, tossindo, tombou-se de costas. O céu girava sobre sua cabeça, negro e brilhante. O rosto estava outra vez sobre ele. Sentiu uma mão acariciando delicadamente sua frente.

-Conseguiu, marinheiro.

Max se limitou a olhá-la fixamente. Era misteriosamente bela, como um ser que tivesse podido conjurar ele mesmo se tivesse tido imaginação o suficiente. Sob os relâmpagos, podia ver um formoso cabelo acobreado. Tinha toneladas de cabelo. Flutuava ao redor de seu rosto, desciam até seus ombros e alcançava seu seios. Seus olhos tinham a mesma cor verde de um mar em calma. Enquanto a água gotejava de seu cabelo até ele, Max ergueu a mão para tocar seu rosto, seguro de que seus dedos atravessariam aquela misteriosa imagem. Mas sentiu uma pele, fria, úmida e tão suave como a chuva da primavera.

-É real -disse com um grasnido-. É real.

-Você esta certo -sorriu, emoldurou seu rosto com as mãos e riu-. Está vivo. Estamos vivos!

E o beijou. Profunda, generosamente, até conseguir que sua cabeça voltasse a dar voltas.

Havia algo mais que risada naquele beijo. Max percebeu júbilo nele, mas não a alegria do simples alívio.

Quando voltou a olhá-la, viu-a imprecisa; aquele rosto etéreo se desvaneceu até deixar unicamente frente a ele uns olhos incríveis e resplandecentes.

-Nunca acreditei em sereias -murmurou, antes de perder a consciência.

 

-Pobre homem.

Cordy, esplêndida com uma vaporosa capa violeta, aproximou-se da cama. Mantinha a voz baixa e observava com olhar de águia enquanto Lilah enfaixava uma ferida superficial na têmpora de seu paciente, que continuava inconsciente.

-Que diabos pode lhe haver ocorrido?

-Teremos que esperar para lhe perguntar -com dedos delicados, Lilah examinou o pálido rosto do Max.

Devia ter uns trinta anos, imaginou. Não estava moreno, apesar de estarem já em meados de junho. Era um tipo acanhado, decidiu, apesar ter músculos fortes. Seu corpo era bonito, embora fosse um tanto pesado... E seu peso sido mais do que um problema quando tinha tentado arrastá-lo até o carro. Seu rosto era magro e um pouco grande também. Era um intelectual, pensou. A boca era cativante. Bastante poética como sua palidez. Embora naquele momento tivesse os olhos fechados, sabia que eram azuis. Seu cabelo, já quase seco, estava cheio de areia. Tinha-o longo e espesso. E escuro e liso como suas pestanas.

        -Chamei o médico -anunciou Amanda enquanto entrava correndo no dormitório. Tamborilou com os dedos aos pés da cama e franziu o cenho enquanto olhava o paciente-. Disse que deveríamos levá-lo até a emergência.

Lilah levantou o olhar enquanto um relâmpago iluminava a casa e a chuva açoitava as janelas.

-Não quero tirá-lo ao menos que seja necessário.

-Acredito que Lilah tenha razão -Suzanna permanecia de pé ao outro lado da cama-. E também acredito que deveria tomar um banho quente e deitar.

-Estou ótima.

Nesse momento, estava envolta em uma bata e aquecida por uma generosa dose de brandy. De qualquer jeito, sentia-se muito responsável pelo homem ao que acabava de salvar para separar-se dele.

-O que está é completamente louca -C.C massageou o pescoço de sua irmã enquanto a olhava-. Como pode ir para o mar em meio a uma tormenta?

-Sim, suponho que deveria ter deixado que se afogasse -Lilah tocou na mão de C.C-. Onde está Trent?

C.C. suspirou enquanto pensava em seu marido.

-Ele e Sloan estão assegurando-se de que a zona em obras está bem protegida. Está chovendo muito e lhes preocupam os danos que possam causar a água.

-Acredito que deveríamos fazer uma sopa -o instinto maternal de Cordy entrou em ação enquanto voltava a estudar seu paciente-. É o que vai necessitar assim que acordar.

Max já estava despertando, mas ainda estava um pouco atordoado. Ouvia na distância o som adorável de vozes de mulher. Vozes baixas, suaves, tranquilizadores. Como se fosse uma música que o balançava dentro e fora do sonho. Quando voltou a cabeça, Max sentiu uma delicada carícia feminina na face. Abriu lentamente os olhos, ainda irritados pela água salgada do mar. A tênue luz do quarto lhe pareceu imprecisa, entrecerrou os olhos e tentou focar o olhar.

Havia cinco mulheres, percebeu sonhador. Cinco estupendos paradigmas de feminilidade. De um lado da cama estava uma mulher loira, de uma beleza poética, observando-o com preocupação. Aos pés, uma morena alta e elegante, que parecia ao mesmo tempo impaciente e compassiva. Outra mulher, maior que as outras, de cabelo grisalho e régia figura, sorria-lhe radiante. A seu lado, uma jovem de olhos verdes e cabelo azeviche, inclinava a cabeça e sorria com certo receio.

E depois estava sua sereia, sentada a seu lado com uma bata branca e seu fabuloso cabelo caindo em selvagens cachos até sua cintura. Max deve ter feito algum gesto, porque de repente todas se aproximaram, como se quisessem lhe oferecer consolo. A sereia cobriu sua mão com a dela.

-Suponho que isto é o céu -conseguiu dizer Max apesar da secura de sua garganta-. Por isso vale a pena morrer.

Rindo, Lilah estreitou os dedos.

-Uma bonita ideia, mas está em Maine -corrigiu-lhe. Levantou uma taça e a aproximou dos lábios-. Não está morto, somente cansado.

-Sopa -Cordy deu um passo adiante e lhe estirou os lençóis-. Não te parece uma ótima ideia, querido?

-Sim -imaginar algo quente deslizando-se por sua garganta lhe parecia glorioso. Embora estivesse dolorida, tomou avidamente outro gole-. Quem são vocês?

-Somos as Calhoun -respondeu Amanda dos pés da cama-. Bem-vindo às Torres.

Calhoun. Havia algo naquele sobrenome que lhe parecia familiar, mas era algo que não conseguia lembrar, como o sonho de afogar-se.

-Sinto muito, mas não sei por que estou aqui.

-Lilah te trouxe -explicou-lhe C.C-. Ela...

-Teve um acidente -Lilah interrompeu a sua irmã e sorriu-. Mas agora não se preocupe por isso. Deveria descansar.

Não era uma questão de que devesse ou não fazê-lo. Max já se sentia a ponto de dormir outra vez.

-É Lilah -disse sonolento. Enquanto se afundava no sonho, repetiu o nome, achando-o suficientemente lírico para sonhar com ele.

-Como está a salva vidas esta manhã?

Lilah deixou de lado o que fazia na cozinha para olhar para Sloan, o prometido de Amanda. Era tão alto que enchia todo o marco da porta, e tão másculo, que Lilah não pôde menos que sorrir.

-Suponho que ontem ganhei minha primeira medalha.

-A próxima vez tenta levar um salva-vidas -depois de cruzar a cozinha, deu-lhe um beijo no rosto-. Nós não gostaríamos de perdê-la.

-Suponho que me colocando em meio a uma tormenta uma vez na vida já é suficiente -com um pequeno suspiro, inclinou-se contra ele-. Estava aterrada.

-E que demônios fazia ali quando estava a ponto de cair uma tormenta?

-Nada em particular -encolheu os ombros e continuou preparando o chá. Naquele momento, preferia manter em segredo que algo a tinha impulsionado a descer à praia.

-Já averiguou quem é?

-Não, ainda não. Não levava carteira e, como ontem se encontrava tão mal, não quis incomodá-lo -ergueu o olhar e, ao perceber a expressão de Sloan, sacudiu a cabeça-. Vamos, grandalhão, não é perigoso absolutamente. E se estava procurando uma forma de entrar na casa para roubar as esmeraldas, poderia ter escolhido um método mais simples do que se afogar.

Sloan tinha que concordar, mas depois que dispararam contra Amanda, não queria correr nenhum risco.

-Quem quer que seja, penso que deveria levá-lo a hospital.

-Deixa que eu seja a que me preocupe desse tipo de coisas -começou a colocar os pratos e as taças em uma bandeja-. É uma boa pessoa, Sloan. Confia em mim?

Franzindo o cenho, Sloan pôs a mão sobre a do Lilah antes que esta pudesse levantar a bandeja.

-Vibrações?

-Absolutamente -com uma risada, Lilah jogou os cabelos para trás-. E agora, vou levar o café da manhã para o senhor X. Por que não continua derrubando paredes na ala oeste?

-Hoje queremos começar a levantar alguma -e como confiava em Lilah, relaxou um pouco-. Não vai chegar tarde ao trabalho?

-Tirei o dia livre para fazer do Florence Nightingale -golpeou-lhe a mão que estava aproximando do prato das torradas-. Você vá a trabalhar!

Equilibrando a bandeja, abandonou Sloan e saiu ao corredor. O primeiro piso de Las Torres era um labirinto de cômodos de tetos muito altos e paredes gretadas. Em seus dias de esplendor, tinha sido um lugar de interesse turístico, uma bem planejada residência de verão construída pelo Fergus Calhoun em mil novecentos e quatro. Tinha sido o símbolo de seu status, com reluzentes painéis de madeira nas paredes, os pomos das portas de cristal e intrincados afrescos.

Nesse momento, o teto tinha inumeráveis goteiras, encanamentos se entupiam e o gesso das paredes não parava de desprender-se. Lilah e suas irmãs adoravam ate a ultima moldura daquela casa. Tinha sido seu lar, seu único lar; um lugar que guardava as lembranças dos pais que tinham perdido quinze anos atrás.

Ao chegar às escadas, deteve-se. Amortecido pela distância, chegava até ela um incessante barulho de martelos. A ala oeste estava sendo reformada, algo que estava pedindo a gritos. Entre o Sloan e Trent, As Torres recuperariam ao menos parte de seu antigo esplendor. Lilah adorava a ideia e apesar de ser uma mulher que considerava a siesta um de seus passatempos favoritos, adorava ouvir outras mãos trabalhando.

Max ainda estava dormindo quando Lilah entrou no quarto. Sabia que não tinha se movido durante toda à noite porque ela tinha permanecido um bom tempo deitada aos pés da cama, negando-se a abandoná-lo, e tinha dormido ali, até o amanhecer.

Sem fazer ruído, Lilah deixou a bandeja sobre o criado mudo e abriu as portas da terraço. Entrou um ar quente e fragrante no quarto. Incapaz de resistir saiu para o terraço, desejando que aquela brisa a revitalizasse. Os raios do sol cintilavam sobre a erva úmida, faziam reluzir as pétalas das rosas, ainda inclinadas pelo peso da chuva. As clematites, com seus enormes casulos azuis subiam pela grade, competindo com as rosas.

Da balaustrada do terraço, que apenas lhe chegava à cintura, podia ver o resplendor azul da baía e a mais esverdeada e menos serena superfície do Atlântico. Não podia acreditar que a noite anterior tivesse estado naquelas mesmas águas, agarrando-se a um desconhecido para lhe salvar a vida. Mas os ombros, pouco acostumados ao exercício, doíam-lhe o suficiente para lhe fazer reviver aquele momento... E o terror retornou.

Preferia concentrar-se na manhã, em sua generosa lassidão. Convertida em um brinquedo diminuto pela distância, as embarcações turísticas serpenteava na água, repleta de turistas com câmaras e meninos emocionados pela possibilidade de que aparecesse uma baleia.

Era junho e as pessoas começavam a chegar a Bar Harbor para navegar, para tomar o sol, para fazer compras. Esgotariam a lagosta, consumiriam todo tipo de sorvetes e camisetas e rastreariam até o último canto em busca da lembrança perfeita. Para eles, Bar Harbor era um lugar de veraneio. Para Lilah, era seu lar.

Observou um veleiro de três mastros entrando no oceano e se permitiu sonhar um pouco antes de retornar ao interior da casa.

Max estava sonhando. Parte de sua mente reconhecia que era um sonho, mas sentia como se encolhiam os músculos do estômago e como se acelerava o pulso. Estava sozinho, em meio de um mar escuro e enfurecido, lutando para mover as pernas e os braços através das ondas. As ondas o arrastavam, afundavam-no até um mundo negro, sem ar. Os pulmões estouravam e sentia na cabeça os batimentos do coração.

A desorientação era completa... um mar negro debaixo e um céu não menos escuro sobre ele. Sentia um terrível palpitar na têmpora e tinha os braços e as pernas desesperadamente intumescidos. Afundava-se de forma irremediável até o fundo do mar. Mas havia alguém ali; via um cabelo flutuando ao redor de uma mulher, sobre seus adoráveis seios, rodeando seu torso. Tinha um olhar doce, olhos verdes e misteriosos. Ela disse seu nome, havia alegria em sua voz... e um convite à risada. Lentamente e com a graça de uma bailarina, estendeu-lhe o braço e o abraçou. Max saboreou o sal e o sexo em seus lábios quando aquela sereia os aproximou dos seus.

Max despertou com um gemido e um sério arrependimento. Sentia uma dor crua e palpitante no ombro e uma dor afiada na cabeça. Os pensamentos pareciam escapar de sua mente. Concentrando-se, conseguiu encontrar um caminho por cima da dor e enfocar o olhar em um teto muito alto no quais as filigranas das molduras se entrelaçavam com as rachaduras. Esticou-se ligeiramente, sendo consciente de que lhe doía cada um dos músculos de seu corpo.

O quarto era enorme... Ou possivelmente parecia por que estava esparsamente mobiliado. Mas que mobiliário. Havia um grande armário, com as portas esculpidas. A única cadeira que havia no quarto era, indubitavelmente, Luis XV e a poeirenta mesinha de noite era uma criação Hepplewhite. O colchão sobre o qual descansava estava ligeiramente curvado, mas os pés e o cabeceio da cama eram georgiano.

Fazendo um considerável esforço para erguer-se sobre o ombro, viu Lilah no terraço. A brisa agitava seus longos fios de cabelo. Max engoliu em seco. Pelo menos já sabia que não era uma sereia. Tinha pernas. Deus, claro que tinha pernas... que lhe chegavam quase até os olhos. Usava bermudas de flores, uma camiseta azul claro e um sorriso radiante no rosto.

-Então está acordado -Lilah se aproximou dele e, com o gesto competente de uma mãe, posou a mão em seu rosto. Max sentiu que a boca se secava -. Não tem febre. Está com sorte.

-Sim.

Lilah sorriu abertamente.

-Está faminto?

Definitivamente, Max tinha um buraco no estômago.

-Sim.

Perguntava-se se alguma vez seria capaz de pronunciar algo mais que monossílabos diante dela, e ao mesmo tempo, envergonhava-se de si mesmo por havê-la imaginado nua quando tinha arriscado a vida para salvá-lo.

-Chama-se Lilah.

-Exato -Lilah se voltou e se inclinou sobre a bandeja-. Não estava segura de que recordasse nada do que ocorreu ontem à noite.

A dor o envolvia de tal maneira que teve que apertar os dentes para lutar contra ele e contê-lo seriamente para poder dizer sem que lhe quebrasse a voz:

-Lembro-me de cinco mulheres muito bonitas. Acreditei que estava no céu.

Lilah soltou uma gargalhada, deixou a bandeja aos pés da cama e se aproximou dele para lhe levantar o travesseiro.

-Eram minhas três irmãs e minha tia. Toma, pode se sentar um pouco?

Quando Lilah deslizou a mão por suas costas para ajudá-lo, Max se deu conta de que estava nu. Completamente.

-Ah...

-Não se preocupe. Não olharei - riu outra vez, fazendo-o ruborizar-se-. Sua roupa estava destroçada... Acredito que a camisa é uma causa perdida. relaxe -disse-lhe, enquanto colocava a bandeja em seu colo-. Meu cunhado e meu futuro cunhado foram os que lhe meteram na cama.

-Oh -ao que parecia, tinha voltado para os monossílabos.

-Experimente o chá -sugeriu Lilah-. Provavelmente engoliu um galão de água salgada, assim deve estar com a garganta em carne viva -percebeu a intensa concentração de seus olhos e a imensa dor que refletiam-. Sua cabeça dói?

-Muitíssimo.

-Já volto -deixou-o, deixando atrás dela um rastro de uma exótica fragrância.

Max utilizou o tempo que ficou a sós para reunir as poucas forças que tinha. Odiava sentir-se fraco... uma obsessão que conservava de infância, durante a que tinha sido um menino adoentado e asmático. Seu pai queria converter seu único e decepcionante filho em uma estrela do futebol. Embora fosse absurdo qualquer enfermidade evocava em Max as lembranças mais tristes de sua infância.     -

E como Max sempre tinha considerado sua mente mais forte que seu corpo, utilizou-a naquele momento para bloquear a dor.

Minutos depois, entrou Lilah no quarto com as aspirinas e outro copo de água.

-Tome duas aspirinas. Quando terminar de tomar o café da manhã, posso levá-lo ao hospital.

-Ao hospital?

-Pensei que gostaria de ser examinado por um médico.

-Não engoliu as aspirinas-. Acho que não.

-Como queira -sentou-se na cama para estudá-lo, balançando perigosamente a perna.

Jamais em sua vida tinha sido Max tão consciente da sexualidade de uma mulher. Da textura de sua pele, da sutileza de seu tom, das formas de seu corpo, de seus olhos, de sua boca. Aquele assalto aos sentidos o deixava incômodo e desconcertado. Tinha estado a ponto de afogar-se, recordou-se a si mesmo. E só era capaz de pensar em pôr as mãos sobre a mulher que o tinha salvado. Que lhe tinha lhe salvado a vida, recordou-se.

-Ainda não a agradeci.

-Mas imaginava que o faria assim que pudesse. Coma os ovos antes que se esfriem. Precisa se alimentar.

Max levantou o garfo, obediente.

-Pode me contar o que aconteceu?

-Só do momento em que o vi no mar -relaxada, colocou o cabelo atrás do ombro e se sentou mais comodamente na cama-. Fui de carro até a praia, em um impulso -disse, encolhendo-se lentamente os ombros-. Tinha estado vendo como se aproximava a tormenta da torre.

-Da torre?

-Sim, aqui na casa -explicou-lhe-. E de repente, senti a necessidade de descer ate o mar. Então te vi -com um gesto despreocupado, separou-lhe uma mecha de cabelo do rosto-. Estava com problemas, assim decidi intervir. E não sei muito bem como, mas nos dois conseguimos chegar à borda.

-Lembro-me. Beijou-me.

Lilah curvou os lábios em um sorriso.

-Decidi que merecíamos isso -acariciou-lhe delicadamente a mão e a ergueu depois até a ferida que se estendia por seu ombro-. Caiu contra as rochas. O que estava fazendo ali?

-Eu... -fechou os olhos, tentando esclarecer seu confuso cérebro. O esforço encharcou de suor seu rosto-. Não estou certo.

-De acordo. Por que não começamos então por seu nome?

-Meu nome? -abriu os olhos e a olhou sem compreender-. Não sabe?

-Ainda não tivemos oportunidade de nos apresentar formalmente -disse-lhe, e lhe tendeu a mão.

-Quartermain -aceitou a mão que lhe estendia, aliviado ao ver que ao menos isso ele tinha certeza-. Maxwell Quartermain.

-Bebe um pouco mais de chá, Max. O gingseng lhe fará muito bem -tomou a água e começou a lhe esfregar delicadamente a ferida – No que trabalha?

-Sou, ah, professor de história no Cornell -Lilah advertiu a dor de seu ombro e tentou ajudá-lo a relaxar-se.

-Me fale de você, Maxwell Quartermain -queria que se esquecesse da dor, queria vê-lo relaxar-se e dormir outra vez-. De onde é?

-Cresci em Indiana -Lilah deslizou os dedos até seu pescoço, tentando aliviar seus músculos.

-Cresceu em uma granja?

-Não -suspirou ao sentir que cedia a tensão, fazendo Lilah sorrir -. Meus pais tinham um supermercado. Eu estava acostumado a ajudá-los ao sair do colégio e durante os verões.

-E você gostava?

Seus olhos pareciam cada vez mais pesados.

-Não me importava. Tinha muito tempo para estudar. Sempre tinha a cabeça metida em algum livro e meu pai se zangava. Não compreendia. Fiz dois cursos em um e fui ao Cornell.

-Com uma beca -assumiu Lilah.

-Exatamente. Ali me doutorei -as palavras fluíam lenta e pesadamente-. Sabe o muito que conseguiu o ser humano entre mil oitocentos e setenta e mil novecentos e setenta?

-Foi realmente surpreendente.

-Absolutamente -estava já a ponto de dormir, persuadido pela voz calma de Lilah e a delicadeza de suas mãos-. Eu gostaria de ter vivido em mil novecentos e dez.

Lilah sorriu, divertida e encantada com ele-. Durma um momento, Max.

Quando voltou a despertar, estava sozinho. Mas tinha uma dúzia de dores palpitantes lhe fazendo companhia. Percebeu que Lilah tinha lhe deixado as aspirinas e uma garrafa de água na mesinha de cabeceira e, agradecido, tomou duas pastilhas.

Quando o pequeno coro de dores o esgotou, deitou-se de novo, tentando recuperar o ritmo normal da respiração. A luz do sol era intensa, e se estendia pelo quarto através das portas do terraço, que também deixavam entrar a brisa fresca do mar. Tinha perdido o sentido do tempo, e embora tentasse deitar e fechar os olhos outra vez, precisava tentar recuperar o controle.

Possivelmente Lilah tinha lido seus pensamento, pensou ao ver suas calças junto a uma camisa dobrada aos pés da cama. Levantou-se penosamente, como um ancião de ossos quebradiços e músculos doloridos. Seu corpo cantava uma melodia de dores enquanto pegava a roupas e olhava a uma porta lateral. Viu uma velha banheira e uma ducha de cromo que contemplou com prazer.

Os encanamentos fizeram um ruído surdo quando abriu a ducha, e seus músculos também pareceram lamentar-se ao sentir a água roçando sua pele. Mas dez minutos depois, quase se sentia vivo.

Não foi fácil se secar. Até a mais simples das tarefas fazia seus membros reclamar. Sem estar muito seguro do que o esperava, tirou o vapor do espelho para estudar seu rosto.

Sob a sutil sombra da barba, sua pele estava pálida. Por debaixo da bandagem da têmpora, aparecia uma ferida. Max já sabia que havia muitas outras feridas no resto de seu corpo. E como resultado da água salgada, seus olhos eram uma patriótica mescla de vermelho, branco e azul. Embora nunca tivesse sido um homem vaidoso, seu aspecto não o fazia sentir-se orgulhoso, voltou a olhar-se no espelho.

Fazendo caretas, gemendo, e soltando todos os palavrões, conseguiu vestir-se.

A camisa ficava bastante bem. Melhor, de fato, que muitas das que ele tinha. Ir às compras o aterrorizava, os atendentes o intimidavam com seus radiantes e impaciente sorrisos. A maior parte de suas compras eram feitas por catálogo e ficava sempre com o que lhe enviavam.

Baixou o olhar para seus pés nus e admitiu que teria que ir, e logo, comprar uns sapatos.

Movendo-se lentamente, saiu a terraço. O sol lhe ardia nos olhos, mas sentia a brisa, aquele ar úmido, como uma bênção do céu. E a vista... Por um momento, só foi capaz de deter-se e olhar... logo nem respirava. Água, rochas e flores. Era como estar no topo do mundo e ao olhar para baixo descobrir um pedaço perfeito do planeta. As cores eram vibrantes, safira, esmeralda, o vermelho rubi das rosas, o antigo branco das velas prenhes pelo vento. Não se ouvia nada, salvo o rumor do mar e, de vez em quando, o distante e musical tangido de uma boia. Podia apreciar a fragrância das flores do verão e o aroma penetrante do oceano.

Agarrando-se à balaustrada do terraço, começou a caminhar. Não sabia que direção tomar, assim caminhou ao norte com esforço. Em uma ocasião, o enjoo o obrigou a deter-se, fechou os olhos, respirou e conseguiu superá-lo.

Quando chegou a um lance de escadas, decidiu subir. As pernas lhe tremiam e podia sentir que a fadiga o acossava. Mas o orgulho e a curiosidade o ajudaram a continuar.

A casa estava construída em granito. Uma sóbria e robusta pedra que não tinha nada que ver com a fantasia da arquitetura. Max tinha a sensação de estar explorando a circunferência de um castelo, algum obstinado baluarte da história que tinha decidido instalar-se naqueles escarpados e permanecer ali durante gerações.

Então ouviu o anacrônico zumbido de uma ferramenta mecânica e o xingamento de um homem. Caminhou um pouco mais e reconheceu os ruídos de uma construção em progresso, o golpe seco do martelo sobre a madeira, a música procedente de um aparelho de rádio, o torvelinho de uma maquina. Quando se encontrou o caminho bloqueado por velhas madeiras cobertas por uma lona, soube que tinha descoberto a fonte daqueles ruídos.

Um homem saiu pelo outro terraço da casa. Tinha o cabelo loiro avermelhado, emoldurando um rosto bronzeado. Ao ver Max, meteu-se os polegares nos bolsos.

-Vejo que já levantou e está dando uma volta pelos arredores.

-Mais ou menos.

Aquele homem tinha o aspecto de ter sido pisoteado por toda uma equipe de mulas, pensou Sloan. Tinha o rosto mortalmente branco, os olhos avermelhados e a pele lhe suava pelo esforço de manter-se em pé. O único motivo que o mantinha em pé era a teimosia. Sloan o olhou com receio.

-Meu nome é Sloan Ou'Riley -disse-lhe, e lhe tendeu a mão.

-Maxwel Quartermain.

-Sim, já me disseram isso. Lilah diz que é professor de história. Estava de férias?

-Não -Max franziu o cenho-. Acredito que não.

Não foi uma forma de evadi-lo que Sloan viu em seus olhos, a não ser estupefação mesclada com frustração.

-Suponho que ainda está um pouco afetado pelo ocorrido.

-Suponho que sim -com ar ausente, levou-se a mão à bandagem da têmpora-. Estava em um iate -murmurou, enquanto se esforçava em visualizá-lo-. Trabalhando -mas no que?-. O mar estava muito agitado. Eu queria sair a cobertura, para tomar ar -via-se si mesmo obstinado ao corrimão da cobertura. Apavorado-. Acredito que caí -saltou? Atiraram-no?-. Devo ter caído pela amurada.

-É estranho que ninguém o tenha denunciado.

-Sloan, deixa-o em paz. Acaso tem aspecto de ser um ladrão de joias? -Lilah subiu a grandes e lentas pernadas os degraus, com um cachorro branco aos pés. O cão correu para o Sloan, endireitou-se e tentou agarrar-se com as patas em seu jeans.

-Perguntava-me aonde teria ido -continuou Lilah. Tomou pelo queixo para examinar seu rosto-. Parece que está um pouco melhor -decidiu, enquanto o cachorrinho começava a farejar os pés descalços .

Max-. Este é Fred -disse-lhe-. Somente morde os delinquentes.

-Oh, ainda bem.

-E como você acaba de contar com sua aprovação, por que não descansa um pouco mais? Pode se sentar ao sol e comer algo.

Max compreendeu que não havia nada que gostasse mais e se deixou conduzir por Lilah.

-Esta é sua casa?

-Meu único e verdadeiro lar. Meu bisavô a mandou construir nos anos vinte. Cuidado com o Fred -o cachorrinho se cambaleou, caiu entre ambos e gemeu. Max, que se sentia tão torpe como ele, compadeceu-o imediatamente-. Estamos pensando em lhe ensinar a dançar -comentou Lilah enquanto o cão tentava levantar-se. Ao perceber a palidez de Max, tocou-lhe a face-. Acredito que deveria tomar um pouco mais da sopa de tia Cordy.

Fez-o sentar-se e não afastou o olhar dele enquanto comia. Normalmente, seus instintos protetores estavam reservados à família ou a pequenos pássaros feridos. Mas havia algo naquele homem que a comovia. Parecia tão fora de seu elemento, pensou. E tão indefeso.

Algo ocorria detrás daqueles enormes olhos azuis, refletiu. Algo que ia mais à frente do cansaço. Quase podia ver o esforço mental que estava fazendo para organizar seus pensamentos.

Max começava a pensar que a sopa lhe tinha salvado a vida ao menos tanto como a própria Lilah. Sentia-a deslizar-se cálida e lhe revigorar seu corpo.

-Caí de um iate -disse bruscamente.

-Isso pode explicar o que lhe ocorreu.

-Mas não sei o que estava fazendo nesse iate, exatamente.

Lilah, sentada a seu lado em uma cadeira, levantou uma perna para colocar-se na posição do lótus.

-Estava de férias?

-Não franziu o cenho-, eu nunca tenho férias.

-Por que não? -estirou a mão para tomar uma das bolachas salgadas que havia no prato de Max. Levava um trio de anéis na mão.

-Trabalho.

-Mas no verão não há aulas -repôs Lilah, estirando-se com preguiça.

-Sempre há cursos. Mas... -havia algo que golpeava ligeiramente seu cérebro, como se estivesse provocando-o-, este verão ia fazer algo diferente. Tinha um projeto de investigação. E pensava em começar a escrever um livro.

-Um livro? De verdade?- -saboreava o biscoito como se estivesse coberta de caviar. Max não pôde menos que admirar aquele sensual e básico prazer-. Que tipo de livro?

Suas perguntas o fizeram retroceder. Nunca tinha falado a ninguém de seu projeto. Nenhum de seus conhecidos teria acreditado nunca que o perseverante e aborrecido Quartermain sonhasse convertesse em um romancista.

-Só é algo no que ando pensando, mas surgiu a oportunidade de trabalhar nesse projeto... na história de uma família.

-Bom, suponho que isso é algo que encaixa com uma pessoa como você. Eu era uma estudante terrível. Muito preguiçosa -disse com um sorriso no olhar-. Custa-me imaginar alguém que queira passar a vida dentro de um sala de aula. Você gosta?

Não era questão de gostar ou não. Simplesmente, era o que fazia.

-Acho que você combino com a profissão -sim, percebeu, ele combinava. Seus alunos aprendiam, uns mais que outros. As pessoas assistiam suas conferências e estas eram bem recebidas.

-Não é o mesmo. Posso ver sua mão?

-O que?

-Sua mão -repetiu.

Lilah tomou sua mão e a virou para estudar sua palma.

-O que está fazendo?

Durante um louco instante, Max pensou que ia levar sua mão aos lábios.

-Lendo sua mão. É mais inteligente que intuitivo. Mas possivelmente confia mais em seu cérebro que em sua intuição.

Max cravou o olhar na cabeça inclinada de Lilah e soltou uma risada nervosa.

-Não acredita nesse tipo de coisas, não é? Como na capacidade de ler o destino nas mãos.

-Claro que sim... Mas não são as linhas as que se interpretam, e sim o que se sente -ergueu o olhar para ele com um sorriso que era de uma vez lânguida e elétrica-. Tem mãos muito bonitas. Olhe -deslizou um dedo pela palma da mão de Max, fazendo que este engolisse em seco -. Tem uma longa vida pela frente, mas vê esta ruptura? Mostra uma experiência próxima à morte.

-Você esta inventando isso .

-Está em sua mão -recordou-lhe-. Tem uma grande imaginação. Acredito que poderá escrever esse livro... Mas terá que trabalhar a confiança em você mesmo.

Levantou o olhar novamente e o estudou com expressão compassiva.

-Teve uma infância difícil?

-Sim... Não envergonhado, limpou a garganta-. Imagino que não mais que a de outros.

Lilah arqueou uma sobrancelha, mas o deixou passar.

-Bom, agora já é um menino grande -com a naturalidade que a caracterizava, jogou-se o cabelo para trás e estudou novamente sua mão-. Sim, olhe, isto representa seu trabalho e este é um ramo que se desvia. Profissionalmente as coisas foram muito fáceis para você, escolheu um caminho muito cômodo, mas esta outra linha se cruza com sua vida atual. Poderia ser o esforço da literatura. Terá que escolher.

-Realmente não acredito que...

-Claro que sim. Esteve pensando nisso durante anos. E aqui está o Monte de Vênus. É um homem muito sensual -olhou-o nos olhos-. E um amante muito cuidadoso.

Max não podia parar de olhar sua boca. Era uma boca cheia, sem pinturas, que se curvava tentadoramente em um sorriso. Beijá-la teria sido como afundar-se em um sonho, em um sonho erótico e escuro. Se um homem sobrevivia a um sonho como aquele, terminaria rezando para não despertar nunca.

Lilah sentia que algo avançava sigilosamente por cima de sua diversão. Algo inesperado e excitante. Era a forma em que Max a olhava. Com aquela concentração tão absoluta. Como se ela fosse a única mulher sobre a terra, ou ao menos, a única que importava.

Não podia haver uma mulher no mundo que não sentisse suas defesas enfraquecerem sob aquele olhar.

Pela primeira vez em sua vida, se sentia a ponto de perder o equilíbrio por um homem. Lilah estava acostumada a ter o controle, a marcar o tom de suas relações com sua aberta naturalidade. Desde que compreendera que os homens e as mulheres eram diferentes, tinha utilizado o poder com o que tinha nascido para guiar os representantes do sexo oposto pelo caminho que ela mesma escolhia.

Mas Max estava conseguindo confundi-la com só um olhar.

Esforçando-se para recuperar o tom aberto e desenvolto que normalmente lhe era tão fácil, começou a soltar a mão de Max. Este a surpreendeu, e se surpreendeu, agarrando-se a ela com força.

-É -disse lentamente-, a mulher mais linda que já vi.

Era uma frase muito pouco original, cafona inclusive. E não deveria ter feito seu coração bater mais forte. Lilah riu de si mesmo enquanto se afastava.

-Não tem muitos encontros, certo professor?

Lilah percebeu uma chama de aborrecimento em seu olhar antes que voltasse a sentar-se Estava tão furioso consigo mesmo como com ela. Nunca tinha sido um Casanova. Mas também nunca lhe tinham posto em seu lugar daquela maneira.

-Não, mas na realidade era uma simples declaração. Agora suponho que deveria colocar uma moeda de prata em sua mão, mas acabo de ficar sem nenhuma.

-A leitura de mão corre a cargo da casa -arrependendo-se de ter sido tão brusca, sorriu-lhe outra vez-. Quando estiver melhor, levar-te-ei a dar uma volta pela torre encantada.o levarei para dar uma volta pela torre encantada.

-Esperarei ansioso.

A secura de sua resposta a fez rir a gargalhadas.

-Tenho uma sensação sobre você, Max. Acredito que seria muito mais divertido se esquecesse de ser tão intenso e pensativo. Agora irei um momento ao andar abaixo para que tenha um pouco de tranquilidade. Seja um bom menino e descansa um pouco.

Max podia estar fraco, mas não era nenhum menino. Levantou-se quando Lilah o fez. Embora aquele movimento a surpreendesse, Lilah lhe dirigiu um de seus lentos e lânguidos sorrisos. A cor tinha voltado para seu rosto, advertiu. Tinha os olhos mais claros e, como era apenas alguns centímetros mais alto que ela, via-os o mesmo nível que os seus.

-Posso fazer algo mais por você, Max?

-Só me responda uma pergunta. Tem relações com alguém?

Lilah o olhou arqueando uma sobrancelha, ao mesmo tempo em que afastava uma mecha de cabelo do rosto.

-Em que sentido?

-É uma pergunta muito simples, Lilah, e merece uma resposta igualmente simples.

Seu tom rabugento fez que Lilah o olhasse com o cenho franzido.

-Se esta falando em relações sexuais ou sentimentais com alguém, a resposta é não. Neste momento.

-Bem -a vaga irritação que viu em seus olhos o agradou. Queria uma resposta e tinha conseguido.

-Olhe, professor, eu o tirei da água. E me parece um homem muito inteligente para confundir a gratidão com outro tipo de sentimentos.

Naquela momento foi ele o que sorriu.

-Para confundi-la com que tipo de sentimentos?

-Por exemplo, com a luxúria.

-Tem razão. Conheço a diferença... sobre tudo quando sinto as duas coisas ao mesmo tempo.

Suas próprias palavras o surpreenderam. Possivelmente aquela experiência tão próxima à morte tinha sacudido seu cérebro. Por um momento, Lilah pareceu estar a ponto de esbofeteá-lo. Depois, brusca e maravilhosamente, pôs-se a rir.

-Suponho que é outra simples declaração. É um homem interessante, Max.

E, disse-se a si mesma enquanto levava a bandeja, inofensivo.

Ou ao menos isso esperava.

 

Nem sequer quando conseguiu acessar aos recursos de sua conta corrente na Ithaca, às Calhoun sugeriram a Max que se hospedasse em um hotel. A verdade era que tampouco ele tinha ido contra a sua estadia nas Las Torres. Nunca tinha sido cuidado ou mimada como então. Mais ainda, jamais tinha sentido parte de uma família tão grande e buliçosa. Tratavam-no com uma hospitalidade tão natural que era irresistível.

Max estava começando a conhecer e a apreciar tanto suas diferentes personalidades como a unidade familiar. Aquela era uma casa em que sempre parecia estar ocorrendo algo e em que todo mundo tinha sempre algo que dizer. Para alguém que tinha crescido sendo filho único em uma casa em que sua afeição aos livros era considerada um terrível defeito, era toda uma revelação estar entre pessoas que celebravam tanto seus próprios interesses como os dos outros.

C.C era mecânica de carros que falava de motores ao mesmo tempo em que exibia o misterioso resplendor dos recém-casados. Amanda, organizada e enérgica, ocupava o posto de ajudante de direção em um hotel próximo. Suzanna era proprietária de um negócio de jardinagem e se entregava com devoção a seus filhos. Ninguém mencionava ao pai dos meninos. Cordy comandava a casa, cozinhava manjares deliciosos e apreciava a companhia masculina. Max só ficava nervoso quando o ameaçava de ler as xícaras de chá.

E depois estava Lilah. Max tinha descoberto que trabalhava como naturalista no Parque Natural Acádia. Gostava de longos cochilos, música clássica e das elaboradas sobremesas de sua tia. Às vezes, quando tinha vontade de falar, se sentava ao lado do Max em uma cadeira e lhe contava pequenos detalhes de sua vida. Ou podia deitar como um gato sob o sol, bloqueando a presença de Max e de tudo o que a rodeava para encerrar-se em seus pensamentos ou deixar-se levar por qualquer de seus sonhos secretos. Depois se estirava, sorria e permitia que acessassem de novo a sua vida.

Continuava sendo um mistério para o Max, uma combinação de ardente sensualidade e mistério inalcançável, de uma assombrosa transparência com uma solidão inacessível.

Nos três dias que estava na casa, Max tinha recuperado suas forças, mas ainda não tinha posto uma data definitiva a sua partida de Las Torres. Sabia que o mais sensato era ir-se, utilizar seu dinheiro para comprar um bilhete de volta a Nova Iorque e ver se podia conseguir algum trabalho para o verão.

Mas não gostava de ser sensato.

Aquelas eram suas primeiras férias e, embora se tinha visto empurrado a elas pelas circunstâncias, estava-as desfrutando. Gostava de despertar pelas manhãs com o som e a fragrância do mar. E era um alívio que seu acidente não lhe tivesse provocado medo ou repugnância à água. Era incrivelmente relaxante ficar no terraço, contemplando aquela água de cor índiga ou esmeralda e observar as ilhas longínquas.

E embora o ombro ainda o incomodasse de vez em quando, podia sentar-se do lado de fora e deixar que o sol da tarde o ajudasse a aliviar as dores. Ali havia tempo para os livros. Para passar uma hora, inclusive duas, sentado à sombra e engolindo um romance ou uma biografia da biblioteca dos Calhoun.

E por debaixo do simples prazer de não ter um horário que cumprir nem perguntas que responder estava sua crescente fascinação por Lilah.

Lilah entrava e saía sigilosamente da casa. Quando partia pelas manhãs, o fazia pulcra e arrumada com sua uniforme de trabalho e sua fabulosa juba penteada em uma trança perfeita. Quando chegava em casa horas depois, colocava uma de suas saias de flores ou um par de calças incrivelmente sexy. Sorria-lhe, falava com ele e se mantinha a uma amistosa, mas tangível distancia.

Max se entretinha rabiscando em um caderno ou entretendo aos dois filhos de Suzanna, Alex e Jenny, que começavam a mostrar já sinais do aborrecimento do verão. Também saía a passear pelos jardins ou entre os escarpados, fazia companhia a Cordy na cozinha ou observava os homens trabalhando na ala oeste.

O mais assombroso de tudo era que podia fazer o que ele decidisse.

Aquele dia estava sentado na relva, com o Alex e Jenny sentados em cada lado como dois gatinhos. O sol aparecia como um disco luminoso e prateado depois das nuvens. Brincalhona e enérgica, a brisa levava até eles o aroma da lavanda e o romeiro de umas rochas próximas. Havia mariposas dançando sobre a relva e evitando sem esforço a perseguição de Fred. Do ramo de um velho e nodoso carvalho, um pássaro cantava com insistência.

Max estava narrando a história de um jovem apanhado pelos terrores e as emoções da guerra. Mediante a ficção, mantinha aos meninos entretidos ao tempo que lhes inculcava seu amor à história.

-Então ele matou um montão de sujos casacas vermelhas -disse Alex alegremente. Aos seis anos, tinha uma vívida e violenta imaginação.

-Montões deles -concordou Jenny. Tinha um ano a menos que seu irmão e gostava de demonstrar que estava a sua altura-. E sem a ajuda de ninguém.

-A Revolução não só foram pistolas e baionetas, sabem? -divertiu-o ver os pequenos fechando a boca ante a falta de estragos-. Muitas batalhas foram ganhas mediante a espionagem e a intriga.

Alex se esforçou em encontrar sentido a aquelas palavras e de repente olhou ao Max radiante.

-Espiões?

-Espiões -confirmou-lhe Max, lhe revolvendo a franja. Como ele mesmo tinha experimentado aquela carência, reconhecia a ansiedade de Alex por estabelecer vínculos com um homem.

Utilizando a aquele protagonista adolescente como catalisador, podia explicar aos meninos os discursos do Patrick Henry ou a convenção convocada por Samuel Adams em que os Filhos da Liberdade mostravam seus desejos de rebelião planejando ações para boicotar o chá importado.

E então, quando tinha seu jovem herói transportando gavetas de chá pelas águas pouco profundas do porto de Boston, Max viu o Lilah cruzando a grama.

Movia-se vagarosamente sobre a erva, com uma graça cigana enquanto sua fina saia de chifón era balançada pelo vento. Usava o cabelo solto, revoando livremente ao redor dos ombros. Ia descalça e com os braços adornados por dúzias de braceletes.

Fred correu para ela para lhe dar boas vindas, saltava e gemia fazendo-a rir. Quando se inclinou para acariciá-lo, uma alça se deslizou por seu braço. Então o cão se afastou saltando, e continuou sua infrutífera perseguição de mariposas.

Lilah se endireitou e ajeitou a alça lentamente enquanto continuava caminhando pela erva. Max percebeu sua fragrância, livre e selvagem, antes que dissesse nada.

-Esta é uma reunião particular?

-Max nos está contando um história -explicou-lhe Jenny e puxou a saia de sua tia para que se sentasse.

-Um história? -o brinco de contas de cores que pendurava em sua orelha se balançou enquanto se agachava-. Eu gosto de histórias.

-Conte também para Lilah -Jenny se aproximou de sua tia e começou a brincar com os braceletes.

-Sim -havia riso em sua voz, e também um brilho de humor em seus olhos quando se encontrou com os do Max-. Conte também para Lilah.

Aquela mulher sabia exatamente o efeito que tinha em um homem, disse-se Max. Exatamente.

-Ah, onde estávamos?

-Jim se tinha pintado a cara com uma cortiça negra e estava atirando o maldito chá no porto -recordou-lhe Alex-. Mas ainda não atirou em ninguém.

-Exato.

Tanto para defender-se de Lilah como para continuar entretendo aos meninos, Max retornou à fragata em que tinha deixado ao Jim. Podia sentir o frio do ar e o calor da excitação. Com uma habilidade natural que considerava fundamental para o ensino, mantinha a incerteza, definia com destreza a seus personagens e descrevia os acontecimentos históricos de tal maneira que. Lilah não pôde evitar olhá-lo com um novo interesse e respeito.

Embora terminou com os rebeldes burlando aos ingleses e sem disparar um só tiro, nem sequer Alex, sempre sedento de sangue, terminou desiludido.

-Ganharam! -levantou-se de um salto e soltou um grito de guerra-. Eu sou um Filho da Liberdade e você é um repugnante casaca vermelha! -disse a sua irmã.

-Uh-uh -Jenny também se levantou.

-Rescisão do imposto do chá! -gritou Alex, e saiu correndo pela casa, com Jenny lhe pisando os talões e Fred movendo-se pesadamente atrás deles.

-Por hoje já é suficiente.

-Muito ardiloso, professor -Lilah se inclinou para trás, apoiando-se sobre os cotovelos-. Transformou a história em uma diversão.

-Isso -respondeu ele-. O importante não são os nomes e as datas, mas sim as pessoas.

-Tal como você o conta, sim, mas quando eu estava no colégio, supunha-se que tinha que aprender o que aconteceu em mil novecentos e seis da mesma forma que tinha que memorizar a tabela de multiplicar -com gesto preguiçoso, esfregou-se a perna com um dos pés descalços-. Já não me lembro nem da tabela de multiplicar nem do que ocorreu nos mil novecentos e seis, a nãos ser se foi quando Aníbal cursou o Alpes com os elefantes.

Max sorriu radiante.

-Não exatamente.

- Viu?

Lilah se estirou como um gato. Deixou cair a cabeça para trás e seu cabelo se estendeu sobre a erva. Moveu os ombros de tal forma que a alça voltou a deslizar-se por seu braço. O prazer que lhe proporcionava aquela pequena indulgência se evidenciou em seu rosto.

Quando Max se deu conta de que estava contendo a respiração, soltou-a lentamente.

-Estive pensando em dar algumas aulas.

Lilah abriu ligeiramente os olhos.

-Este menino deveria sair de vez em quando da sala de aula -murmurou e arqueou uma sobrancelha-. Diga-me, sabe muito sobre fauna e flora?

-O suficiente para distinguir um coelho de uma petúnia.

Encantada, Lilah se sentou e se inclinou para ele.

-Isso é estupendo, professor. Possivelmente pudéssemos chegar a trocar conhecimentos.

-Possivelmente.

Max parecia tão bonito, pensou Lilah. Ali sentado, na erva, com aqueles jeans e a camiseta que lhe tinham emprestado e o cabelo caindo rebelde sobre sua face. Tinha tomado sol e a palidez estava sendo substituída por um ligeiro bronzeado. Lilah sentia uma calma que a convencia de que tinha sido uma tolice ficar nervosa a seu lado. Max era um bom homem, um pouco aturdido pelas circunstâncias, que despertava sua simpatia e sua curiosidade. Para demonstrar-lhe posou uma mão em seu rosto.

Max viu diversão em seus olhos. Alguma brincadeira secreta lhe fez curvar os lábios de Lilah antes de roçar os do professor com um ligeiro e amistoso beijo. Como se tivesse ficado satisfeita com o resultado, sorriu, inclinou-se para trás e começou a falar. Max lhe rodeou o rosto com a mão.

-Desta vez não estou meio morto, Lilah.

Primeiro veio a surpresa. Max a viu e também quando se transformou em uma natural aceitação. Maldita fosse, pensou Max enquanto deslizava a mão pelo pescoço de Lilah. Ela parecia muito segura de que não tinha ocorrido nada de extraordinário. Com uma combinação de orgulho ferido e pânico, pressionou seus lábios.

Lilah desfrutava beijando... desfrutava do carinho que se refletia em um beijo e do prazer físico que proporcionava. E Max gostava. Por isso se entregou a aquele beijo, esperando um agradável comichão, um confortável calor. Mas não esperava aquele sobressalto.

O beijo repercutiu em todo seu corpo, começando por seus lábios, voando como uma flecha até seu estômago e vibrando até nas pontas de seus dedos. A boca do Max era muito firme, muito séria e muito suave. Daquela textura escapava um som de prazer, como o de um menino a saborear pela primeira vez o chocolate. Antes que a primeira sensação tivesse podido ser absorvida, chegaram outras para enredar-se e mesclar-se com elas.

Flores e um sol ardente. A fragrância do sabão e do suor. Uns lábios suaves e úmidos e a dureza dos dentes. Seu próprio suspiro e a firme pressão dos dedos de Max sobre a sensível pele da nuca. Mas havia algo mais que simples prazer naquele beijo, compreendeu Lilah. Um pouco mais doce e muito menos tangível.

Encantada, levantou a mão daquele tapete de erva para lhe acariciar o cabelo.

Max voltava a experimentar a sensação de estar afogando-se, de Se perder por algo forte e perigoso. Mas agora não sentia a urgência de lutar. Fascinado, deslizava a língua sobre a de Lilah, saboreando seus sabores mais secretos. Suntuosos, escuros, sedutores, refletiam sua fragrância, a essência que já tinha penetrado seu sistema nervoso de tal maneira que pensava que poderia saboreá-la cada vez que respirasse.

Sentiu que algo se esticava em seu interior, que se estirava, expandia-se e se esquentava até o ter firmemente subido pelo pescoço.

Aquela mulher era vergonhosamente sexual, desenfreadamente erótica e mais aterradora que qualquer das mulheres que até então tinha conhecido. Voltou a conjurar a imagem da sereia sentada em uma rocha, penteando o cabelo e cantando para seduzir a homens indefesos, para destróí-lo com as promessas de prazeres entristecedores.

Alertado pelo instinto de sobrevivência, retrocedeu. Lilah permaneceu onde estava, com os olhos fechados e os lábios entreabertos. Até naquele momento, Max não se deu conta de que ainda não lhe tinha soltado o braço e sentia seu caótico pulso sob os dedos.

Lentamente, tentando prolongar aquele momento embriagador durante uns segundos mais Lilah abriu os olhos e umedeceu os lábios, querendo apanhar o sabor de Max que neles ficara. Depois sorriu.

-Bom, doutor Quartermain, parece que a história não é a única coisa que você faz bem. O que acha de você me dar outra aula? -desejando algo mais, inclinou-se para frente, mas Max levantou. O chão, descobriu, era tão instável como a coberta de um navio.

-Acredito que por hoje já é suficiente:

Lilah afastou o cabelo da face e o olhou com curiosidade.        

-Por quê?

-Por que... -porque se a beijava outra vez teria que acariciá-la... e desejava acariciá-la desesperadamente... Teria que fazer amor com ela, ali, na erva, onde podiam ser vistos da casa-. Porque não quero me aproveitar de você.

-Se aproveitar de mim? -Lilah sorriu, comovida e divertida . Esse é um gesto muito doce.

-Agradeceria se não agisse como seu eu fosse tolo -disse Max muito tenso.

-Acha que o faço? -seu sorriso se tomou pensativo-. Ser um homem doce não o converte em um idiota. O que passa é que a maior parte dos homens que conheço estariam encantados em aproveitar. Olhe, antes que se ofenda também por isso, por que não entramos na casa? Lhe mostrarei a Torre de Bianca.

Já se havia sentido ofendido e estava a ponto de dizer-lhe mas as últimas palavras de Lilah acabavam de afeta de uma maneira especial.

-A torre da Bianca?

-Sim. Eu gostaria de mostrar - ergueu uma mão, esperando resposta.

Max a olhava com o cenho franzido, tentando encaixar o nome de Bianca em alguma lembrança. Depois sacudiu a cabeça e ajudou Lilah a levantar-se.

-Ótimo. Vamos.

Max já tinha explorado parte da casa, aquele labirinto de quartos, alguns vazios e outros abarrotados de móveis e caixas. Por fora, a casa era em parte uma fortaleza e em parte uma casa solar, com suas brilhantes janelas e seus elegantes alpendres combinados com as torres e parapeitos. O interior era um emaranhado labirinto de corredores sombrios, cômodos banhadas pelo sol, chãos gastos e reluzentes corrimões. E já o tinha cativado.

Lilah o conduziu por uma escada circular até uma porta situada ao final desta ala.

-Por favor Max, de um empurrão -pediu-lhe e este se viu forçado a empurrar a robusta porta de madeira com seu ombro bom-. Tenho que pedir ao Sloan que a arrume -tomou a mão de Max e entrou no interior.

Era um cômodo circular, rodeado de janelas ovais. Uma ligeira capa de pó cobria o chão, mas alguém havia colocado macias almofadas em um assento embutido sob uma das janelas. Perto dele, tinham colocado um velho abajur de chão com uma tela acetinada e cheia de borlas.

-Suponho que aqui havia coisas preciosas -começou a dizer Lilah- Estava acostumada a vir a este cômodo sozinha para pensar.

-Quem?

-Bianca, minha bisavó. Olhe que vista -sentindo a necessidade de compartilhá-lo com ele, arrastou-o à janela.

Dali somente se viam as rochas e o mar. Devia lhe haver parecido um lugar solitário, pensou Max. Mas era estimulante e dilacerador ao mesmo tempo. Quando posou uma mão no vidro, Lilah o olhou surpreendida. Ela mesma tinha feito esse gesto incontáveis vezes, como se estivesse tentando apanhar algo que estava fora de seu alcance.

-É... triste -pretendia dizer «belo» ou «impressionante». Franziu o cenho.

-Sim, mas às vezes também é um lugar reconfortante. Quando estou aqui, sempre me sinto perto de Bianca.

Bianca, aquele nome era como um zumbido insistente no cérebro de Max.

- Tia Cordy ainda não lhe contou a história?

-Não. E existe uma historia?.

-É obvio -olhou-o com curiosidade-. Perguntava-me se ela já lhe teria dado a versão dos Calhoun, para rebater o que a imprensa publicou.

Max começou a sentir que a têmpora latejava, ali onde a ferida estava curando.

-Tampouco conheço essa versão.

Ao cabo de uns segundos de silêncio, Lilah continuou.

-Bianca se atirou desta janela em uma das últimas noites do verão de mil novecentos e treze. Mas seu espírito continua aqui.

-Por que se matou?

-É uma longa história -Lilah se sentou no assento, aos pés da janela, com o queixo comodamente apoiado nos joelhos e explicou.

Max escutou a história daquela esposa desgraçada, apanhada em um matrimônio sem amor durante os anos prévios a Grande Guerra. Bianca tinha se casado com o Fergus Calhoun, um rico financista, que lhe tinha dado três filhos. Durante um dos verões, tinha conhecido a um jovem artista. Por uma velha agenda que os Calhoun tinham descoberto, sabiam que o nome do pintor era Christian, mas nada mais. O resto era lenda, que tinha sido transmitida a seus filhos pela babá que tinha sido também confidente da Bianca.

O jovem pintor e a desgraçada esposa se apaixonaram profundamente. Debatendo-se entre o dever e seu coração, Bianca tinha sofrido o inexprimível tentando tomar uma decisão e ao final tinha optado por deixar seu marido. Tinha pegado alguns objetos pessoais, que com o tempo tinham chegado a ser conhecidos como «o tesouro da Bianca» e os tinha escondido antes de fugir. Entre eles, estava uma gargantilha de esmeraldas, que lhe tinha presenteado o bisavô de Lilah pelo nascimento de seus dois primeiros filhos. Mas em vez de ir-se com seu amante, Bianca tinha se atirado pela janela da torre. E as esmeraldas nunca tinham sido encontradas.

-Não conhecíamos a história até alguns meses atrás -acrescentou Lilah-. Embora eu já tinha visto as esmeraldas.

Ao Max dava voltas a cabeça. Tentando aliviar a persistente dor, levou-se a mão à têmpora.

-Viu-as?

Lilah sorriu.

-Sonhei com elas. E depois, durante uma sessão de espiritismo...

-Uma sessão de espiritismo -repetiu Max fracamente e se sentou.

-Exato -Lilah se pôs a rir e lhe pegou a mão-. Fizemos uma sessão de espiritismo e C.C. teve uma visão -Max fez um estranho som com a garganta que provocou de novo a risada de Lilah-. Tinha que ter estado ali, Max. Em qualquer caso, C.C. viu o colar e então foi quando Cordy decidiu que já era hora de nos transmitir a lenda dos Calhoun. E para chegar já à situação em que nos encontramos hoje, Trent se apaixonou por C.C. e decidiu não comprar As Torres. Estávamos em uma situação econômica tão terrível que nos víamos obrigadas às vender. Mas então apareceu ele com a ideia de converter a ala oeste em um hotel, com o nome dos St. James. Ouviste falar dos hotéis St. James ?

Trenton St. James. Assim o cunhado de Lilah era o proprietário de uma das mais importantes cadeias hoteleiras do país.

-Sim, são muito famosos.

-Bem, Trent contratou Sloan para começar a reformar a casa, e Sloan se apaixonou por Amanda. Considerando-o tudo, as coisas não podiam ter saído melhor. pudemos conservar a casa, combiná-la com um negócio e além disso culminar dois romances.

O aborrecimento apareceu em seus olhos, obscurecendo-os visivelmente.

-O inconveniente de tudo isto foi que a história sobre as esmeraldas se filtrou e começou a chegar uma praga de caçadores de tesouros e até um ladrão. Há algumas semanas atrás, alguém esteve a ponto de matar Amanda e levou vários papéis que estávamos pesquisando para ver se por acaso podíamos encontrar neles alguma pista sobre a gargantilha.

-Papéis -repetiu Max enquanto uma náusea se apoderava de seu estômago.

Sacudia-o com tanta força que se sentia como se estivesse estrelando-se contra as rochas outra vez. Calhoun. Esmeraldas. Bianca.

-O que há, Max? -preocupada, Lilah passou uma mão em sua frente-. Está branco como um lençol. Acho que esteve muito tempo em pé -decidiu-. Deixe-me acompanhá-lo até lá em baixo, para que possa descansar.

-Não, estou bem. Não é nada -separou-se para levantar e começou a caminhar nervoso pelo cômodo.

Como ele podia lhe dizer a verdade, depois que tinha lhe salvado a vida, depois do muito que se preocupou por ele? depois de havê-la beijado. As Calhoun lhe tinham aberto sua casa sem vacilar, sem lhe fazer nenhuma pergunta. Tinham confiado nele. Como podia dizer a Lilah que, embora inadvertidamente, tinha estado trabalhando para um homem que estava planejando lhe roubar?

Mas tinha que fazê-lo. Sua profunda honestidade não lhe permitia outra coisa.

-Lilah -voltou-se e advertiu que o estava observando com uma mescla de preocupação e receio no olhar-. O iate. recordei do iate.

O alívio fez Lilah sorrir.

-Que bom. Sabia que recordaria assim que deixasse de preocupar. Por que não se senta, Max? É melhor para pensar.

-Não respondeu com dureza enquanto se concentrava em seu rosto-. O iate... o homem que me contratou. chamava-se Caufield. Ellis Caufield.

Lilah estendeu as mãos.

-E?

-Esse nome não significa nada para você?

-Não. Deveria?

Possivelmente estivesse equivocado, pensou Max. Talvez tinha deixado que aquela história familiar se fundisse em sua mente com sua própria experiência.

-Mede aproximadamente um metro noventa, é muito elegante. De uns quarenta anos. Com o cabelo loiro escuro e algumas entradas na têmpora.

-Muito bem.

Max suspirou frustrado.

-Entrou em contato comigo faz um mês e me ofereceu trabalho. Queria que investigasse e catalogasse os documentos de uma família. O salário era muito generoso e ia passar umas semanas em um iate. Com esse dinheiro teria tempo para trabalhar no livro.

-E como seu cérebro funciona perfeitamente, decidiu aceitar esse trabalho.

-Sim, mas, maldita seja, Lilah... os papéis, os recibos, as cartas, os livros de contabilidade... Aparecia seu sobrenome em todos eles.

-Meu sobrenome?

-Calhoun -colocou suas inúteis mãos nos bolsos-. Não compreende? Estive contratado e trabalhei nesse navio durante uma semana, investigando a história de sua família nos documentos que lhes tinham roubado.

Lilah ficou olhando-o fixamente. Max teve a sensação de que passava uma eternidade até que Lilah se levantou de seu assento.

-Está me dizendo que esteve trabalhando para o homem que tentou matar a minha irmã?

-Sim.

Lilah não afastava o olhar de Max em nenhum momento. Este quase podia sentir que estava tentando ler seus pensamentos, mas quando falou, a voz do Lilah era muito fria.

-E por que me conta isso agora?

Terrivelmente nervoso, Max se passou a mão pelo cabelo.

-Não o lembrava até agora, até que me contou sobre as esmeraldas

-É muito estranho, não parece?

Max observou o receio que cobria seus olhos e assentiu.

-Não espero que acredite, mas não me lembrava. E quando aceitei este trabalho, nem sequer sabia sobre as esmeraldas.

Lilah continuava observando-o atentamente, calibrando cada uma de suas palavras, de seus gestos, de suas expressões.

-Sabe? Acho muito estranho que não tenha escutado falar nem do colar nem do roubo. É um tema que esteve na imprensa durante semanas. Teria que viver em uma cova para não haver se informado.

-Ou em uma sala de aula -murmurou Max. Recordou as brincadeiras do Caufield sobre sua falta de traquejo e esboçou uma careta-. Olhe, direi tudo o que puder antes de partir.

-Partir ?

-Suponho que não quererão que fique aqui depois disto

Lilah o olhava pensativa. A intuição a advertia contra o que determinava seu sentido comum. Com um longo suspiro, levantou uma mão.

-Será melhor que conte esta historia para toda a família. Depois decidiremos o que faremos.

Aquela foi a primeira reunião familiar de Max. Ele tinha crescido em um país democrático, mas sob a intransigente ditadura de seu pai. As Calhoun faziam as coisas de forma diferente. Reuniram-se ao redor da enorme mesa de mogno do restaurante e pareciam tão unidas que Max se sentia como um intruso pela primeira vez desde que tinha despertado no andar de cima. Escutaram-no e lhe fizeram algumas perguntas enquanto ele repetia o que lhe tinha relatado a Lilah na torre.

-Não comprovou suas referências? -perguntou-lhe Trent-. Aceitou um trabalho de um homem ao que nem sequer conhecia e do que não sabia absolutamente nada?

-Não parecia que houvesse nenhum motivo razoável para fazê-lo. Eu não sou um homem de negócios -advertiu devagar-. Sou um professor.

-Então não se importará que lhe investiguemos -sugeriu Sloan.

-Não respondeu Max, olhando aqueles olhos carregados de suspeita.

-Eu já o tenho feito -interveio Amanda. Tamborilava os dedos sobre a mesa enquanto todos os olhos se voltaram para ela-. Parecia-me o mais lógico, assim fiz algumas chamadas.

-Genial. E suponho que não lhe ocorreu comentá-lo conosco -respondeu Lilah.

-Não.

-Garotas -disse Cordy, sentada na cabeceira da mesa-, Não comecem.

-Acredito que Amanda deveria nos haver dito algo -o gênio dos Calhoun afiava a voz de Lilah-. Era algo que concernia a todos. Além disso, que direito tem de bisbilhotar na vida de Max?

Começaram a discutir acaloradamente, as quatro irmãs lançavam suas opiniões e objeções. Sloan deixava que a discussão seguisse seu curso. Trent fechou os olhos. Max se limitava a olhar fixamente. Estavam falando dele. Não se davam conta de que estavam discutindo sobre ele, lançando seu nome de um lado a outro da mesa como se fora uma bola de ping pong.

-Perdão -começou a dizer, e foi totalmente ignorado. Tentou-o outra vez, e a única coisa que conseguiu foi um sorriso de Sloan-. Maldição, calem-se! -utilizou seu tom de professor irritado e funcionou. As quatro mulheres se calaram e se voltaram para ele com expressão furiosa.

-Olhe, tio -começou a dizer C.C., mas Max a cortou.

-Olhe você. Em primeiro lugar, por que eu contaria tudo se tivesse outras intenções? E se querem saber quem eu sou e a que me dedico, por que não param de discutir e vão averiguar?

-Porque nós gostamos de discutir entre nós -disse-lhe Lilah presunçosa-. E nós não gostamos que ninguém se entremeta enquanto o estamos fazendo.

- Tudo bem meninas -interveio Cordy, aproveitando a calma-. Já que Amanda investigou ao Max, embora isso seja um pouco descortês...

-Sensato! -protestou Amanda.

-Grosseiro -corrigiu-a Lilah.

Podiam ter começado outra vez, mas Suzanna ergueu a mão.

-Seja o que seja, já foi. E acredito que deveríamos ouvir o que averiguou Amanda.

-Como ia dizendo -Amanda pestanejou olhando para Lilah-. Fiz algumas de chamadas. O reitor do Cornell fala muito bem de Max. Lembro-me que comentou que era brilhante e muito trabalhador. Considera-o um dos mais importantes peritos em história da América do país. Aos vinte anos, conseguiu licenciar-se aos vinte e cinco se doutorou.

-Genial! -disse Lilah a Max com um consolador sorriso quando o viu retorcer-se nervoso em seu assento.

-Nosso doutor Quartermain -continuou dizendo Amanda-, procede de Indiana, é solteiro e não tem nenhum passado criminal. Trabalha na Universidade do Cornell há oito anos e publicou artigos que foram muito bem recebidos. O último era uma perspectiva geral sobre o ambiente político social prévio a Grande Guerra. Em círculos acadêmicos, Max é considerado um menino prodígio, sério, constante, responsável e com um potencial ilimitado -consciente do embaraço de Max, suavizou seu tom-. Sinto me haver intrometido em sua vida, Max, mas não queria correr riscos com minha família.

-Todos sentimos -Suzanna lhe sorriu-. Mas tivemos dois meses muitos agitados.

-Compreendo-o -e estava convencido de que não podiam saber o muito que o incomodava que lhe considerasse um menino prodígio-. E se meu perfil acadêmico lhes tranquiliza, me alegro de que tenham investigado.

-Há algo mais -continuou Suzanna-. Nada disso explica o que estava fazendo na água a noite em que Lilah o encontrou.

Max tentou ordenar suas lembranças enquanto outros esperavam. Era fácil voltar para o passado tão fácil como situar-se na batalha do Bull Run ou na Casa Branca do Woodrow Wilson.

-Tinha estado trabalhando nesses documentos e se estava formando uma tormenta. Suponho que não sou um bom marinheiro. Estava tentando sair a cobertura para tomar ar quando ouvi o Caufield falando com o capitão Hawkins.

Todo o concisamente que pôde, contou-lhes o que tinha ouvido e como se deu conta da confusão no que se colocou.

-Não sei o que pensava fazer. Por um instante me ocorreu a louca ideia de tomar os papéis, sair do navio e avisar à polícia. Não era uma ideia muito brilhante, dada às circunstâncias. Em qualquer caso, apanharam-me. Caufield tinha uma pistola, mas a tormenta estava de meu lado. Saltei pela cobertura e decidi provar sorte na água.

-Saltou pela amurada em meio de uma tormenta? -perguntou-lhe Lilah.

-Não foi um gesto muito inteligente.

-Mas sim muito valente -corrigiu-o ela.

-Não, se tiver em conta que estavam a ponto de me disparar -com o cenho franzido, Max se esfregou a têmpora.

-A descrição que fez de Ellis Caufield não encaixa -Amanda tamborilava os dedos na mesa enquanto pensava nisso-. Livingsron, o homem que nos roubou os papéis, tinha o cabelo escuro e não tinha mais de trinta anos.

-Pode ter tingido o cabelo -Lilah elevou as mãos-. Não podia vir utilizando o mesmo nome ou o mesmo aspecto com o que se apresentou da outra vez. A polícia tinha sua descrição.

-Espero que tenha razão -um sorriso carente de humor curvou os lábios de Sloan-. E também que esse porco volte para que possa lhe dar seu castigo.

-Para que todos possamos lhe dar seu castigo -corrigiu-o C.C-. A pergunta é, o que vamos fazer agora?

Começaram a discutir sobre isso. Trent dizia a sua esposa que ela não ia fazer nada. Amanda lhe recordou que aquele era um problema das Calhoun. Sloan lhe sugeriu acaloradamente que ela procurasse manter-se fora. Cordy decidiu que tinha chegado o momento de tomar um brandy e foi ignorada por todos.

-Acreditam que estou morto -murmurou Max, quase para si-. Assim eu não corro nenhum perigo. Provavelmente ainda esteja perto, possivelmente no mesmo iate. O Windrider.

-Lembra-se de como era? -Lilah ergueu a mão, pedindo silêncio-. Poderia descrevê-lo?

-Com todo luxo de detalhes -disse-lhe Max com um pequeno sorriso-. É o primeiro iate que entrei.

-Entregaremos essa informação à polícia -Trent olhou ao redor da mesa e assentiu-. E nós mesmos faremos algumas averiguações. As damas conhecem a ilha tão bem como sua própria casa. Se estiver por aqui ou pelos arredores, nós vamos encontra-lo

-Não há nada que eu queira mais -Sloan olhou para Max e se deixou levar por sua intuição-. Fica, Quartermain?

Max pestanejou surpreso e tirou o chapéu a si mesmo sorrindo.

-Sim, fico.

Fui à casa do Christian. Possivelmente tenha sido arriscado, p qualquer conhecido oderia me haver visto, mas desejava terrivelmente ver o lugar em que vive, ver as pequenas coisas que o rodeiam.

É uma casa pequena, situada perto da água, um pequeno edifício de madeira com os cômodos abarrotados de quadros e aroma de terebintina. Em cima da cozinha, está seu estudo. Pareceu-me uma casa de bonecas, com suas preciosas janelas e seus altos tetos. Frondosas árvores dão sombra a fachada principal da casa e na parte traseira há um pequeno alpendre no que nos sentamos a contemplar a água.

Christian diz que às vezes a maré baixa tanto que se pode caminhar sobre as rochas até o claro. E de noite, o ar se enche de sons. A música dos grilos, o ulular dos mochos, o chapinha da água...

Sentia-me como em minha própria casa, tão tranquilamente satisfeita como se tivesse passado ali toda minha vida. Como se levássemos anos vivendo juntos. Quando o disse isso a Christian, aproximou-se de mim e me abraçou.

-Quero você ele disse-, quero que venha aqui. Precisava vê-la em minha casa, vê-la entre minhas coisas -ao apartar-se de mim, estava sorrindo-. Agora sempre a verei aqui. Nunca estarei sem ti.

Queria lhe jurar que ficaria a seu lado. Deus, as palavras estiveram a ponto de escapar de minha garganta, só meu sentido do dever conseguiu as bloquear. Desventurado dever. Christian deve havê-lo sentido e me beijou como se queria selar com um beijo minhas palavras.

Só estive uma hora com ele. Ambos sabiam que tinha que retornar para meu marido, a meus filhos, à vida que escolhi antes de conhecê-lo ele. Hei sentido seus braços a meu redor, saboreei seus lábios, sentido crescer o desejo dentro dele, um desejo tão vibrante como o meu.

-Desejo-o -ouvi-me suspirar sem sentir nenhuma vergonha-. Acaricie-me Christian, quero ser sua -meu coração pulsava a toda velocidade enquanto me estreitava sensualmente contra ele-. Faça amor comigo, me leve a sua cama.

Christian me abraçava com tanta força... tão. intensamente que mal podia respirar. Quando posou a mão em meu rosto, senti o tremor de seus dedos. Seus olhos pareciam negros. Era tanto o que se podia ler neles. Paixão, amor, desespero, arrependimento.

-Sabe quantas vezes sonhei com isso? Quantas noites permaneci acordado, desejando-a? -então me soltou e cruzou o cômodo até chegar à parede da que pendura meu retrato-. Desejo-a, Bianca, cada vez que respiro. E te amo muito para tomar o que não pode ser meu.

-Christian...

- Acredita que poderia deixa-la partir se a tocasse? -havia zango em sua voz, um aborrecimento intenso e violento-. Odeio que nos tenhamos que esconder como pecadores para poder acontecer juntos uma hora tão inocente como se fôssemos meninos. Se não tiver forças para me afastar de você neste momento, então terei que tê-la para evitar que tenha um passado que somente poderia se arrepender.

-Como vou arrepender me alguma vez de lhe pertencer?

-Porque pertence a outro homem. E cada vez que volta para ele, sonho em matá-lo com minhas próprias mãos, só porque ele pode olhá-la quando para mim é impossível. Se der um passo mais, já não teria opção. Não poderia voltar para ele, Bianca. Não voltaria para sua casa, nem para sua vida.

E eu sabia que era certo.

Assim que o deixei e voltei para casa, coloquei em Colleen um laço no cabelo, persegui Ethan, sequei as lágrimas de Seam porque tinha feito uma ferida no joelho. E jantei friamente junto a meu marido que cada vez me resulta mais longínquo.

As palavras do Christian eram certas, e era uma verdade a que eu teria que me enfrentar. ia chegar um momento no que já não poderia seguir vivendo em ambos os mundos, no que deveria escolher um, só um.

 

-Tive uma ideia maravilhosa -anunciou Cordy. Como um navio em plena navegação, entrou na cozinha, onde Lilah, Max, Suzanna e seus filhos estavam desfrutando do café da manhã.

-Bom pra você -disse Lilah, por cima de uma tigela cheia de cereais com chocolate e leite-. Qualquer pessoa capaz de pensar a esta hora merece uma medalha.

Como uma mamãe galinha, Cordy revisou as ervas que tinha plantado em um vaso de barro, sobre o suporte da cozinha. Inclinou-se sobre a manjericão antes de voltar-se.

-Não sei como não me ocorreu antes. Realmente é tão...

-Alex está me dando patadas por debaixo da mesa.

-Alex, deixa em paz a sua irmã -disse Suzanna com paciência-. E Jenny, não interrompa.

-Não estava lhe fazendo nada -uma gota de leite escorregava pelo queixo de Alex-. É ela a que está aproximando o joelho a meu pé.

-Não é verdade.

-Claro que sim.

-Cara de peru.

-Cabeça de macaco.

-Alex -Suzanna teve que morder o lábio para não rir e manter um gesto severo de desaprovação-. Quer comer logo esses cereais?

-Foi ela quem começou -murmurou ele.

-Não é verdade -disse Jenny com voz fraca.

-Claro que sim.

Outro olhar de sua mãe e os dois calaram para olhar-se com desgosto por cima da tigela de cereais.

-E agora que já recuperamos a tranquilidade -Lilah chupou divertida a colher-. O que é essa ideia tão maravilhosa que tem, tia Cordy?

-Bom -afastou o cabelo com ar ausente, revisou sua imagem no torrador e mostrou com um sorriso sua aprovação-. Tem a que ver com o Max. Na realidade é algo tão evidente. Mas claro, estávamos tão preocupados com sua saúde, e era tão difícil pensar com todo o ruído da obra... Sabem que um desses jovens que está trabalhando no terraço esta manhã só usa jeans e o cinturão das ferramentas? Assim é impossível não distrair-se -olhou pela janela da cozinha, só no caso dele estar lá.

-Sinto haver perdido isso -Lilah piscou os olhos e olhou para Max-. Era um sujeito com o cabelo comprido e loiro e sandálias de couro?

-Não, eu me refiro a um moreno, com o cabelo encaracolado e bigode. E devo dizer que tem um corpo perfeito. Suponho que não é difícil mantê-lo assim passando todo os dias martelando. Mas esse ruído é uma aborrecimento. Espero que não o incomode muito, Max.

-Não inclinou-se para frente, tentando seguir o curso dos pensamentos de Cordy-. Quer mais café? -ofereceu-lhe.

-Oh, que amável de sua parte. Acredito que sim –se sentou enquanto Max se levantava para lhe servir uma taça-. Transformaram literalmente o cômodo do bilhar. É claro, ainda ficou um longo caminho por percorrer... obrigado, querido -acrescentou quando Max colocou uma taça de café frente a ela-. E todas essas lonas e ferramentas. Mas ao final valerá a pena -enquanto falava, incrementou o café com nata e montões de açúcar-. Por certo, onde eu estava?

-Teve uma ideia maravilhosa -recordou-lhe Suzanna, posando a mão no ombro de Alex para evitar que lhe lançasse um cereal encharcado em leite em sua irmã.

-Oh, sim -Cordy baixou sua xícara e suspirou-. Ocorreu-me ontem de noite, quando estava jogando o tarot. Há alguns assuntos pessoais que eu gostaria de resolver e além disso queria ter algum critério sobre outros assuntos.

-O que outros assuntos? -quis saber Alex.

-Coisas de adultos -Lilah lhe deu uma suave cotovelada nas costelas para fazê-lo rir-. Um aborrecimento.

-Meninos, deveriam ir procurar ao Fred -Suzanna olhou o relógio-. Se hoje querem vir comigo, têm cinco minutos para se arrumarem.

Ambos se levantaram e saíram gritando da cozinha como duas pequenas feras. Dissimuladamente, Max esfregou o joelho, que também tinha sofrido algum contato com o pé de Alex.

-As cartas, tia Cordy -disse Lilah quando o alvoroço acabou.

-Sim. Vi que há um perigo, passado e futuro. É desconcertante -dirigiu um olhar carregado de preocupação a suas sobrinhas-. Mas vamos contar com ajuda para superá-los. Ao parecer teremos duas fontes diferentes de ajuda. Uma é cerebral, a outra é física... e potencialmente violenta -incômoda, franziu ligeiramente o cenho-. Não sou capaz de determinar qual é a fonte física, embora ao parecer deveria proceder de alguém da família. Eu pensei que podia vir de Sloan, ele é tão... bom, tão do oeste. Mas não, estou segura de que não é ele -deixou de lado aquela inquietação e voltou a sorrir-. Mas naturalmente, a cerebral é Max.

-Naturalmente -Lilah lhe segurou a mão e ele se moveu incômodo em sua cadeira-. Nosso hóspede é um gênio.

-Não comece com a gozação -Suzanna se levantou para levar as tigelas à pia.

-Oh, ele sabe que não gosto só de seu cérebro, não é mesmo, Max?

Max tinha um medo mortal de ruborizar-se de um momento a outro.

-Se continua interrompendo sua tia, chegará tarde ao trabalho.

-E eu também -assinalou Suzanna-. Qual era sua ideia, tia Cordy?

Cordy tinha começado a ergueu a taça outra vez e, uma vez mais, baixou-a sem ter provado o café.

-Pensei que Max deveria dedicar-se ao que tinha vindo fazer aqui -sorrindo, estendeu suas perfeitas mãos-. Investigar aos Calhoun. Averiguar tudo o que possa sobre a Bianca, Fergus e todos os que o rodeavam. Em vez de trabalhar para esse terrível Caufield, fá-lo-á para nós.

Intrigada, Lilah esteve considerando a ideia.

-Mas já revisamos todos os documentos que encontramos...

-Não com o olhar objetivo e acadêmico de Max -assinalou Cordy. Bateu no ombro do Max, ao que já tinha tomado carinho. As cartas também lhe tinham indicado que ele e Lilah se dariam muito bem-. Estou segura de que se dedicar a pensar em tudo isso, descobrirá toda classe de teorias maravilhosas.

-É uma boa ideia -Suzanna voltou para a mesa-. O que te parece?

Max o considerou atentamente. Embora não tinha nenhuma fé nas cartas do tarot, não queria ferir os sentimentos de Cordy. Além disso, fosse qual fosse o meio pelo qual lhe tinha ocorrido à ideia, parecia-lhe boa. E seria uma forma de lhes devolver tudo o que tinham feito por ele, além de uma boa desculpa para ficar em Bar Harbor algumas semanas mais.

-Eu gostaria de fazer algo. É muito possível que nem sequer com toda a informação que lhe proporcionei à polícia possam encontrar a Caufield. Enquanto todo mundo o busca, eu poderia me concentrar em procurar as esmeraldas da Bianca.

-Estão vendo? -Cordy se recostou em seu assento-. Sabia.

-Eu queria investigar na biblioteca, nos periódicos, entrevistar a alguns dos antigos residentes, mas Caufield rechaçou a ideia -quanto mais pensava nisso, mais gostava de trabalhar por sua conta-. Dizia que queria que toda a informação saísse dos documentos da família ou de suas próprias fontes -pegou sua taça-. Evidentemente, não queria me dar carta branca para evitar que pudesse averiguar a verdade.

-Pois agora já tem carta branca -assinalou Lilah. Divertia-lhe ver como estavam tocando as coisas-. Mas não acredito que encontre a gargantilha na biblioteca.

-Possivelmente encontre uma fotografia, ou uma descrição.

Lilah se limitou a sorrir.

-Eu já lhe dei a descrição.

Max tampouco tinha nenhuma confiança nos sonhos e nas visões, de modo que encolheu os ombros.

-Em qualquer caso, eu gostaria de encontrar algo tangível. E estou seguro de que encontrarei algo sobre o Fergus ou Bianca Calhoun.

-Suponho que isso o manterá ocupado –sem se incomodar com sua falta de fé em suas crenças místicas, Lilah se levantou-. Necessitará de um carro para se mover por aqui. Por que não me leva ao trabalho e usa o meu?

Irritado pela falta de confiança de Lilah em suas habilidades investigadoras, Max passou horas na biblioteca. Como sempre lhe ocorria, sentia-se como em sua própria casa rodeado daquelas prateleiras repletas de livros, no centro de um imenso silêncio e com sua caderneta sob o braço. Para ele, a investigação era uma aventura... Possivelmente não tão excitante como montar um corcel. Havia um mistério que tinha que ser resolvido, embora as pistas não tivessem a mesma aparência aventureira que uma pistola fumegante ou um resto de sangue.

Mas com paciência, inteligência e certa habilidade, sentia-se como uma espécie de cavalheiro, ou um detetive procurando minuciosamente uma resposta.

Max sabia que o fato de que sempre se sentisse atraído por lugares como as bibliotecas tinha decepcionado amargamente seu pai. Inclusive quando era menino preferia o exercício intelectual ao físico. E não tinha seguido a esteira de glória deixada por seu pai nos campos de futebol do instituto. E tampouco tinha acrescentado troféu algum a estante da família.

Sua carência de interesse e sua estupidez tinham feito dele um fracasso nos esportes. Odiava caçar e em uma das últimas excursões que tinha feito com seu pai, em que este tinha lhe pressionado a participar, a única coisa que apanhara tinha sido um terrível ataque de asma.

Inclusive depois dos anos passados, ainda podia recordar a voz desgostosa de seu pai no quarto do hospital.

-Este menino é uma mariquinha. Não posso compreender. Prefere ler a comer. Cada vez que tento fazer um homem dele, termina ofegando como uma velha.

Tinha superado a asma, recordou-se Max. Inclusive tinha chegado a fazer algo de si mesmo, embora seu pai não o considerasse um homem. E embora nunca tivesse chegado a estar totalmente satisfeito de si mesmo, pelo menos podia sentir-se competente.

Tentou afastar a tristeza e continuou investigando.

Encontrou dados sobre o Fergus e Bianca. Havia pequenas sementes de informação que faziam mais agradável a busca. Na familiar comodidade da biblioteca, Max tomava várias notas e sentia como ia crescendo sua excitação.

Inteirou-se de que Fergus Calhoun era um homem feito a si mesmo, um imigrante irlandês que com astúcia e valor tinha chegado a converter-se em um homem rico e influente. Tinha chegado a Nova Iorque em mil oitocentos e oito, jovem, pobre e, como muitos outros, instalou-se na ilha Ellis procurando fortuna. Em menos de quinze anos, tinha levantado um império. E desfrutava alardeando disso.

Possivelmente para enterrar seu mísero passado, rodeou-se de opulência. Com vontade e dinheiro, abriu caminho até a alta sociedade. E tinha sido naquele ambiente exclusivo que tinha conhecido Bianca, uma jovem debutante, filha de uma prestigiosa família com mais refinamento que dinheiro. Fergus tinha construído As Torres, decidido a superar todos os ricos e no ano seguinte se casou com Bianca.

Seu toque de ouro era contínuo. Seu império tinha crescido, e também sua família com o nascimento de três meninos. Nem sequer o escândalo da morte de sua esposa em mil novecentos e treze tinha afetado a sua fortuna monetária.

Embora depois de sua morte Fergus se converteu em um eremita, continuava exercendo seu poder desde As Torres. Sua filha não se casou nunca e, emocionalmente distanciada de seu pai, foi viver em Paris. O filho menor tinha escapado, depois de cometer um deslize com uma mulher casada, para as Índias Orientais. Ethan, o maior dos três, casou-se e tinha tido dois filhos, Judson, o pai de Lilah, e Cordelia Calhoun, convertida com os anos em Cordy McPike.

Ethan tinha morrido em um acidente marítimo e Fergus tinha passado os últimos anos de sua vida em um hospital psiquiátrico, depois de alguns estalos de violência e uma conduta errática.

Uma história interessante, pensou Max, mas a maioria dos dados poderia havê-los obtido das próprias Calhoun. Queria algo mais, algum dado que lhe permitisse abrir-se caminho em outra direção.

Encontrou-o em um volume poeirento e destroçado titulado Veraneando em Bar Harbor.

Era uma novela frívola e insuficientemente escrita que tinha estado a ponto de deixar de lado. Mas o professor que havia em seu interior lhe tinha forçado a lê-la como teria lido o exame de um estudante mau preparado. Merecia, quando muito, um aceitável, pensou Max. Jamais em sua vida tinha visto tal esbanjamento de adjetivos e superlativos em uma só página. De sedutoramente a milagrosamente, de magnífico a maravilhoso. O autor era um grande admirador dos ricos e famosos, alguém que os considerava como uma sorte de realeza. Suntuoso, espetacular e fantástico. A sintaxe provocou algumas caretas em Max, mas continuou lutando com o texto.

Havia duas páginas completas dedicadas a um baile que se celebrou em Las Torres em mil novecentos e doze. O cansado cérebro do Max despertou. Era óbvio que o autor tinha assistido, pelos minuciosos detalhes com que descrevia das vestimentas dos assistentes até a cozinha. Bianca Calhoun levava um vestido de seda dourada, um vestido de tubo com a saia bordada de contas. A cor do vestido realçava o brilho de seu cabelo. E sobre o sutiã descansavam as brilhantes...esmeraldas.

Estavam descritas com todo luxo de detalhes. Através desse vigamento de adjetivos e imaginária romântica, Max conseguiu as visualizar. Rabiscou umas notas e virou uma página. E ficou olhando fixamente.

Era uma antiga fotografia, possivelmente extraída de algum jornal. Estava bastante imprecisa, mas não teve nenhum problema para reconhecer Fergus. O homem estava tão rígido e sério como no retrato que as Calhoun conservavam no salão. Mas foi a mulher que estava sentada a seu lado a que roubou o fôlego de Max.

Apesar dos defeitos da fotografia, era uma beleza deliciosa, etérea e eterna. E era a viva imagem de Lilah. A pele de porcelana, o pescoço esbelto e nu rodeado de uma massa de cabelos recolhidos. Tinha olhos enormes e estava seguro de que deviam ser verdes. E não sorriam, apesar de curvar os lábios em um sorriso.

Estaria imaginando ou realmente havia tristeza em seu rosto?

Permanecia sentada em uma elegante cadeira, ao lado de seu marido. Este pousava a mão no respaldo da cadeira em vez de em seu ombro. Mesmo assim, Max pareceu perceber certa possessividade em seu gesto. Estavam vestidos de maneira muito formal, Fergus perfeitamente engomado e, Bianca rodeada de dobras e delicadeza. Aquela afetada fotografia tinha sido tirada em mil novecentos e doze.

E ao redor do pescoço de Bianca, desafiando ao tempo, estavam as esmeraldas.

A gargantilha era exatamente tal como a havia descrito Lilah, com as duas voltas e a suntuosa esmeralda que pendurava solitária como uma gota de água. Bianca as levava com uma frieza que tornava sua opulência em elegância e intensificava a sensação de poder.

Max deslizou o dedo por cada uma das esmeraldas, quase seguro de que poderia sentir a suavidade das gemas. Compreendia que aquelas pedras preciosas se transformaram em lenda, que tivessem apanhado a imaginação dos homens e aceso sua cobiça.

Mas aquilo lhe escapava, era somente uma imagem. Sem dar-se conta do que estava fazendo, desenhou o rosto de Bianca e pensou na mulher que o tinha herdado.

A mulher que o tinha apanhado.

Lilah se deteve durante o passeio pelo parque natural para que o último grupo de visitantes tivesse tempo de fazer umas fotografias e descansar. Tinham tido um número excelente de visitantes aquele dia. Uma alta percentagem deles se mostrou suficientemente interessado para fazer um percurso com o apoio de um dos guias. Lilah tinha passado de pé a maior parte das oito horas de trabalho e havia feito o mesmo trajeto oito vezes, dezesseis se contava o caminho de volta.

Mas ainda não estava cansada. E suas explicações não se limitavam ao que podia encontrar-se na guia do parque.

-A maior parte da vegetação da ilha é típica do norte -começou a dizer-. Alguns novelos são do subártico, existiram desde que desapareceram as geleiras faz mais de dez mil anos. Mas as espécies mais recentes foram gastas pelos europeus durante os últimos duzentos e cinquenta anos.

Com uma paciência que era uma parte essencial de seu caráter, Lilah respondia perguntas, evitava que os visitantes mais jovens pisoteassem as flores e proporcionava informação sobre a flora local a aqueles que se mostravam interessados nela. Identificava a costa, as campânulas mais jovens e quantas perguntas lhe pediam. Era o último grupo do dia, mas lhe dedicava tanto tempo e atenção como ao primeiro.

Em qualquer caso, ela sempre desfrutava daqueles passeios pela costa, escutando o murmúrio dos cantos rodados que se chocavam na superfície e o grito das gaivotas, e descobrindo para ela e para os turistas os tesouros que rondavam nos lagos deixados pela maré.

A brisa era fresca e agradável, levava até eles a anciã e misteriosa fragrância do mar. Ali as rochas tinham perfis muito mais suaves, o fluxo e vazante da maré as tinha esculpido com sinuosas e elegantes forma. Sobre a pedra negra, reluziam as largas nervuras do quartzo branco. Por cima de suas cabeças, o céu estava intensamente azul, quase sem nuvens. No mar, deslizavam-se os navios e as boias repicavam.

Lilah pensou no iate, o Windrider. Embora em cada uma de suas excursões inspecionava todos os dos arredores, não tinha visto nada, salvo alguns iates de turistas enriquecidos ou as robustas embarcações dos pescadores de lagosta.

Quando viu o Max percorrendo o caminho do parque para unir-se ao grupo, sorriu. Chegava pontualmente, é obvio, não esperava menos. Sentiu um quente comichão enquanto Max deslizava o olhar desde seus pés até seu rosto. Realmente, aquele homem tinha olhos maravilhosos, pensou. Sérios, intensos, e ligeiramente tímidos. Como lhe ocorria cada vez que o via, sentiu ao mesmo tempo vontade de brincar com ele e a necessidade de acariciá-lo. Uma combinação interessante, pensou, que, por certo, não podia recordar ter experimentado com ninguém.

Lilah parecia tão fria, pensou Max, com aquele uniforme tão masculino sobre sua esbelta e feminina figura. Era curioso o contraste do caqui de aspecto militar com os brincos de ouro e cristal que penduravam de suas orelhas. Perguntou-se se saberia quão bem ficava frente ao mar, enquanto este borbulhava e se balançava a suas costas.

-Na zona situada entre as marés -começou a dizer Lilah-, a vida se aclimou às mudanças. Na primavera é quando mais sobe e baixa a maré, com uma diferença entre o ponto mais alto da maré e o mais baixo de uns quarenta metros.

Continuou falando das criaturas que ali sobreviviam e se alimentavam com aquela voz suave e tranquila. Enquanto falava, uma gaivota se deslizou até uma rocha próxima para estudar aos turistas com seu olho pequeno e espectador. As câmaras ficaram em funcionamento. Lilah se agachou ao lado de um dos lagos. Fascinado por sua descrição, Max se aproximou para vê-lo por si mesmo.

Havia uns compridos leques vermelhos que Lilah descreveu como um tipo de algas marinhas. Todos os meninos do grupo gemeram quando lhes explicou que se podiam comer crus ou cozidos. Naquele pequeno lago, descobriu todo um mundo de seres vivos, todos esperando, explicou, que subisse outra vez a maré para voltar depois para seus assuntos.

Com um gracioso gesto, indicou umas anêmonas e as diminutas lesmas que pareciam dormitar sobre elas. Mostrou-lhes também as carapaças que ocultavam as tartarugas e caracóis marinhos. Falava às vezes como um biólogo marinho e outras como uma comediante.

Sua agradecida audiência a bombardeou a perguntas. Max descobriu a um adolescente olhando a Lilah com uma sonhadora expressão de desejo e o compadeceu imediatamente.

Jogando a trança para trás, Lilah pôs fim à excursão, explicando toda a informação da que dispunham no centro de visitantes e outras rotas por parques naturais da zona. Alguns membros do grupo começaram a partir enquanto outros se entretiveram fazendo mais fotografias. O adolescente ficou rondando por ali depois de que seus pais começassem a afastar-se, fazendo todas as perguntas que a seu aturdido cérebro lhe ocorriam sobre os atoleiros deixados pela maré, as flores silvestres e, embora não tenha prestado a menor atenção a um, pássaros. Quando tinha esgotado todos os temas e sua mãe o chamou impacientemente pela segunda vez, começou a partir sem vontade.

-Esta excursão ele não esquecerá por muito tempo -comentou Max.

Lilah se limitou a sorrir.

-Eu gosto de pensar que todos eles recordarão parte da excursão. Alegro-me de que tenha podido vir, professor -fazendo o que seus instintos lhe pediam, beijou-o brandamente nos lábios.

Ao voltar o olhar, o adolescente experimentou uma pontada de miserável inveja. Max ficou completamente fora de combate. Os lábios de Lilah continuavam curvando-se em um sorriso quando se separou dele.

-Então -comentou-lhe-, como foi o dia?

Podia uma mulher beijar um homem de tal maneira e pretender que continuasse conversando depois com normalidade? Evidentemente, Lilah podia, decidiu enquanto tentava respirar.

-Foi interessante.

-Não se pode esperar nada melhor de um dia -começou a caminhar pelo atalho que conduzia ao centro de informação do parque. Arqueou uma sobrancelha e olhou ao Max por cima do ombro-. Vem?

-Sim -com as mãos nos bolsos, começou a andar atrás dela-. É muito boa.

Lilah soltou uma gargalhada cálida e ligeira.

-Ora, muito obrigado.

-Refiro-me... referia a seu trabalho.

-É obvio -agarrou-o pelo braço-. É uma pena que tenha perdido os primeiros vinte minutos da última excursão. Vimos dois pássaros de crista dupla e uma águia pescadora.

-Sempre desejei ver um pássaro de crista dupla -respondeu Max fazendo que Lilah voltasse a rir-. Sempre faz o mesmo trajeto?

-Não, temos diferentes rotas. Uma de minhas favoritas é a do lago Jordan, também podemos ir ao Centro da Natureza ou subir às montanhas.

-Suponho que isso impede que se converta em um trabalho aborrecido.

-Jamais é aborrecido, se fosse, eu não teria durado um só dia. Até fazendo a mesma excursão vejo coisas diferentes todos os dias. Olhe -assinalou umas rosas de folhas finas e casulos rosa pálido, virtualmente seca-. Rhodora -disse-lhe-. Azálea comum. Faz somente uma semana estava em pleno esplendor. É incrível. Agora os casulos estão virtualmente secos e terão que esperar até a primavera para voltar a florescer -acariciou as folhas com um dedo-. Eu gosto dos ciclos. São tranquilizadores.

Embora Lilah disse ser uma mulher de poucas energias, caminhava sem nenhum esforço pelo atalho, procurando algo que pudesse resultar interessante. Podia ser um líquen obstinado a uma rocha, um pardal em pleno voo. Gostava daquele lugar; a fragrância deixada pelo mar se mesclava com a das árvores que se apinhavam frente a eles.

-Não sabia que no trabalho passava a maior parte do dia de pé.

-Por isso procuro que meus pés descansem durante o resto do dia -inclinou a cabeça para olhá-lo-. Olhe, a próxima vez que tenha uma tarde livre, faremos uma excursão por esta zona. Poderemos matar dois pássaros com um tiro. Desfrutar de uma bela paisagem e dar uma volta pelos arredores para ver se virmos seu amigo Caufield.

-Eu gostaria que se mantivesses à margem de todo este assunto.

Aquela resposta a pegou tão despreparada que deu vários passos antes de compreender o que lhe estava dizendo.

-Você gostaria do que?

-Eu disse que gostaria que se mantivesses à margem de todo este assunto -repetiu--. Estive pensando muito nisso.

-Ah sim? -se a tivesse conhecido melhor, Max teria reconhecido o nuance de aborrecimento que se refletia em sua aparentemente tranquila voz-. E como chegou a essa brilhante conclusão?

-Caufield é um homem perigoso -recordava o tom fanático de sua voz-. Acredito que poderia ser inclusive um desequilibrado. E, certamente, é um homem violento. Já disparou contra sua irmã e contra mim. E não quero que se ponha em seu caminho.

-Não é questão do que você queira ou deixe de querer. Este é um assunto da família.

-Foi meu desde que tive que me lançar à água em meio de uma tormenta -deteve-se no meio do caminho e posou as mãos nos ombros do Lilah-. Você não o ouviu falar aquela noite, eu sim, Lilah. Disse que não haveria nada que pudesse lhe impedir de ter as esmeraldas e falava a sério. Este é um trabalho para a polícia, não para um punhado de mulheres que...

-Um punhado de mulheres que o quê? -interrompeu-o Lilah com um brilho de fúria no olhar.

-Que estão muito envoltas emocionalmente em todo este assunto para atuar de forma prudente.

-Já entendi -assentiu lentamente-. È assim que pensam Sloan , Trent e a você, três homens valorosos, protegendo a estas pobres e indefesas mulheres e salvando-as de um apuro.

Max compreendeu, quando já era muito tarde, que estava se metendo em um terreno escorregadio.

-Não disse que eram mulheres indefesas.

-Mas o insinuou. Deixe-me lhe dizer uma coisa, professor, não há uma só dessas mulheres Calhoun que não seja capaz de cuidar de si mesma e proteger-se de qualquer homem ao que lhe ocorra aproximar-se de nós. E isso inclui os gênios e ladrões de joias desequilibrados.

-Não te disse? -tirou as mãos de seus ombros, mas não demorou para as posar outra vez-. Está reagindo de maneira totalmente emocional, sem nenhum tipo de lógica.

Lilah o olhou com os olhos entrecerrados pela fúria.

-Quer ver o que é a emoção?

Além de um bom cérebro, Max apreciava ter algumas saídas inteligentes.

-Acredito que não.

-Que ótimo. Então lhe aconselho a tomar cuidado com o que diz e que pense duas vezes antes de voltar a me dizer que me mantenha à margem de um assunto que me concerne -separou-se dele para continuar caminhando para o centro de informação do parque.

-Maldita seja, não queria lhe fazer mal.

-E eu não vou deixar que me faça isso. Tenho uma soleira muita baixo para a dor. Mas não vou ficar sentada e com os braços cruzados enquanto alguém está planejando como roubar o que é meu.

-A polícia...

-Até agora não nos serviu que muita ajuda -replico-. Sabe que a Interpol esteve procurando Livingston, e a seus muitos disfarces, durante mais de quinze anos? Ninguém foi capaz de proporcionar uma só pista sobre ele depois de que disparou contra Amanda para ficar com nossos papéis. Se Caufield e Livingston são a mesma pessoa, então vamos proteger o que é nosso.

-Embora isso signifique que possam estourar seus miolos?

Lilah o olhou por cima do ombro.

-Eu me preocuparei de meus miolos, professor. Você se ocupe dos seus.

-Eu não sou nenhum gênio -murmurou Max, fazendo que Lilah sorrisse.

A exasperação que se refletia no rosto do Max tinha conseguido aplacar seu aborrecimento. Deteve-se no meio do caminho.

-Aprecio sua preocupação, Max, mas está cansado. Por que não me espera um momento aqui? Pode se sentar ao lado dessa parede. Eu tenho que ir procurar minhas coisas.

Enquanto se afastava, Max continuava murmurando para si. Somente queria protegê-la, o que tinha isso de mau? Lilah era importante para ele. Ao fim e ao cabo, tinha-lhe salvado a vida. Franzindo o cenho, sentou-se em um assento de pedra. A gente se formava redemoinhos ao redor do edifício. Os meninos choramingavam enquanto seus pais os arrastavam ou os levavam em braços até os carros. Alguns casais passeavam lentamente da mão dada enquanto outros visitantes consultavam avidamente as guias. Max viu alguns turistas vermelhos como lagostas por causa do sol.

Baixou o olhar para seus próprios braços e se surpreendeu ao vê-los bronzeados. As coisas estavam mudando, compreendeu. Estava ficando moreno. Não tinha nenhum horário que cumprir, nenhum itinerário que seguir. E estava começando uma relação com uma mulher misteriosa e incrivelmente sensual.

-Bom -Lilah se colocou a bolsa no ombro-, parece muito satisfeito.

Max ergueu o olhar e sorriu.

-Ah sim?

-Como um gato com um montão de plumas na boca. Quer me contar o motivo?

-De acordo. Veem aqui -levantou-se, agarrou Lilah e fechou a boca sobre seus lábios, depositando todas aquelas novas e surpreendentes sensações no beijo.

Embora aprofundasse aquele beijo mais do que em um princípio pretendia, aquilo serviu para aumentar o prazer de seu descobrimento. E se ao beijá-la fez que se afastasse as pessoas que os rodeava, aquilo só acentuou a sensação de novidade. Era um princípio refrescante.

Era felicidade mais que desejo o que Lilah percebia naquele beijo. E aquilo a confundia. Ou possivelmente fora a maneira em que Max deslizava os lábios sobre os seus que empanava todo pensamento coerente. Não resistiu. Já tinha esquecido os motivos de seu aborrecimento. A única coisa que sabia naquele momento era que lhe parecia maravilhoso, virtualmente perfeito, estar ali com ele, naquele pátio ensolarado, sentindo seu coração pulsando contra o seu.

Quando Max afastou os lábios, Lilah deixou escapar um longo e satisfeito suspiro e abriu os olhos lentamente. Max sorria radiante e a expressão de alegria de seu rosto fez que Lilah lhe devolvesse o sorriso. E como não estava muito segura do que fazer com a ternura que Max despertava nela, acariciou-lhe carinhosamente a face.

-Não é que me esteja queixando -começou a dizer-, mas a que veio isto?

-Simplesmente quis fazê.

-Um excelente primeiro passo.

Rindo, Max lhe passou o braço pelos ombros enquanto se dirigiam ao estacionamento.

-Tem a boca mais sexy que provei em toda minha vida.

Max não pôde ver a sombra que obscureceu o olhar de Lilah. E se a tivesse visto, ela não poderia haver explicado. Ao final todo terminava sempre em uma questão de sexo, supôs, enquanto fazia um esforço por esquecer a vaga desilusão que a embargava. Normalmente, os homens sempre a viam dessa forma e não havia razão alguma para que começasse a incomodá-la nesse momento, sobre tudo quando tinha desfrutado do beijo tanto como Max.

-Me alegro de poder dizer o mesmo da sua -respondeu com aparente despreocupação-. Por que não dirige você?

-De acordo, mas antes quero lhe mostrar algo -depois de sentar-se no assento do condutor, tirou um papel -. estive consultando vários de livros na biblioteca. Em algumas biografa e livros de história mencionam a sua família. Havia um em particular que pensei que poderia te interessar.

-Mmm -Lilah já se estava estirando em seu assento, pensando em tirar um cochilo.

-Fiz uma fotocópia para você. É de uma fotografia da Bianca.

-Uma fotografia? -Lilah voltou a erguer-se no assento-. De verdade? Fergus destruiu todas suas fotografias depois que morreu, assim nunca pude vê-la.

-Sim, viu-a -tirou a fotocópia e a entregou-, cada vez que se olha no espelho.

Lilah não disse nada, mas com os olhos fixos naquela cópia granulada, ergueu a mão para seu próprio rosto. O mesmo queixo, a mesma boca, o nariz, os olhos. Seria essa a razão pela qual sempre havia se sentido tão unida a Bianca?, perguntou-se, enquanto sentia que as lágrimas se amontoavam em seus olhos.

-Era muito bonita -disse Max.

-E tão jovem -suspirou Lilah-. Era mais jovem que eu quando morreu. Quando lhe tiraram esta fotografia já estava apaixonada, vê-se em seus olhos.

-Usava o colar de esmeraldas.

-Sim, sei -ao igual a tinha feito Max, acariciou-o com o dedo-. Que difícil foi para ela estar atada a um homem quando estava apaixonada por outro. E o colar... era um símbolo do poder que esse homem tinha sobre ela, e a lembrança de seus filhos.

-Assim é como vê as esmeraldas, como um símbolo?

-Sim, e acredito que o que Bianca sentia por elas era algo muito forte. De outro modo, não as teria escondido -deslizou a fotografia no interior do envelope-. Um bom dia de trabalho, professor.

-E isso somente foi o princípio.

Sem deixar de olhá-lo, Lilah entrelaçou os dedos com os do Max.

-Eu gosto dos princípios. Durante os princípios tudo está cheio de possibilidades. Vamos para casa para mostrar a fotografia a todo mundo. Mas antes deveríamos fazer algumas paradas.

-Algumas paradas?

-É o momento para outro princípio: precisa de roupas novas.

Max odiava ir às compras. E disse a Lilah, o repetiu com firmeza, mas ela o ignorou despreocupadamente e foi levando de loja em loja. Max conseguiu protestar quando lhe mostraram uma camiseta de cor fluorescente. Mas perdeu frente a outra com o desenho de uma lagosta vestida de maître.

Lilah não se deixava intimidar pelos atendentes, mas sim participava do processo de seleção e busca com um ar lânguido, de absoluta relaxamento. A maioria dos vendedores a chamavam por seu nome, e durante as conversações que acompanhavam ao processo da venda, Lilah deixava cair perguntas sobre um homem que respondia à descrição do Caufield.

-Ainda não terminamos? -na voz do Max havia uma súplica que conseguiu fazer Lilah rir, enquanto saíam à rua. Uma rua repleta de gente vestida com objetos praianos de brilhantes cores.

-Ainda não voltou-se para ele. Definitivamente arrasado. E definitivamente adorável. Ia carregado de bolsas e a franja lhe caía sobre os olhos. Lilah a jogou para trás-. Como está se arrumando com a roupa de baixo?

-Bom, eu...

-Vamos, perto daqui há uma loja em que têm coisas magníficas. Estampado de tigre, frases obscenas e corações vermelhos.

-Não -Max se deteve em seco-. Nem sonhe.

Custou-lhe o bastante, mas Lilah conseguiu dominar uma gargalhada.

-Tem razão. Seriam completamente inadequados em seu caso. Assim nos limitaremos a comprar umas dessa cueca brancas que vêm em pacotes de três.

-Para não ter irmãos, sabe muito sobre roupa interior masculina -agarrou com força as bolsas e, depois de pensar duas vezes, deu metade das sacolas para Lilah-. Em qualquer caso, acredito que com a roupa interior , eu me viro sozinho.

-De acordo. Esperarei-te na cristaleira.

Não lhe custou distrair-se naquela cristaleira cheios de objetos de cristal de diferentes forma e tamanhos. Penduravam de um arame, arrancando cores à luz do sol que se filtrava pelo cristal. Sob eles, havia toda uma exposição de bijuteria artesanal. Lilah estava a ponto de entrar e perguntar por um par de brincos quando alguém se chocou com ela por detrás.

-Perdoe-me -o tom da desculpa foi amabilíssimo.

Lilah ergueu o olhar para um homem robusto, de cabelo cinza e rosto curtido. Parecia muito mais irritado do que um ligeiro tropeço poderia justificar e havia algo em seus olhos claros que a fez retroceder. Mesmo assim, conseguiu encolher os ombros e sorrir.

Franziu ligeiramente o cenho e se voltou de novo para a cristaleira. Viu Max, a somente uns metros dela, olhando-a estupefato do interior do estabelecimento. Depois, correu para ela com tal expressão de pânico que Lilah conteve a respiração.

-Max.

Com um forte empurrão, Max a obrigou a entrar na loja.

-O que ele lhe disse? -perguntou-lhe em um tom tão alterado que Lilah abriu os olhos como pratos-. Esta doido?

-Se esse bastardo encostou uma só mão em você...

-Já basta, Max -como a maioria dos clientes estava começando a olhá-los, Lilah mantinha a voz baixa-. Tranquilize-se. Não sei do que esta falando.

Max sentia correr uma violência através de suas veias que jamais tinha experimentado. O reflexo daquela fúria em seus olhos fez que alguns turistas se voltassem para a porta.

-Vi-o a seu lado.

-Aquele homem? -desconcertada, olhou para a janela, mas o homem em questão já tinha ido-. Só tropeçou em mim. No verão as ruas estão abarrotadas de gente.

-Não lhe disse nada? -nem sequer se tinha dado conta de que lhe estava agarrando as mãos com tanta força que começava a lhe machucar-. Não tentou lhe ferir?

-Não, é obvio que não. Venha, será melhor que nos sentemos -falava brandamente enquanto atirava dele para a porta, mas em vez de sentar-se em um dos bancos da rua, Max a obrigou a colocar-se atrás dele e começou a olhar entre a multidão-. Se eu soubesse que roupa de baixo lhe deixava neste estado nem iria lhe propor isso.

Max se voltou lhe mostrando a cólera que reluzia em seu olhar.

-Era Hawkins -disse em tom grave-. Ainda está aqui.

 

Lilah não sabia o que fazer com ele. Sozinha, sob o resplendor dourado do abajur, permanecia no quarto da torre, observando como caía brandamente a noite sobre o mar e as rochas. E pensava em Max. Não era tão simples como ao princípio tinha acreditado, ou como, estava segura, ele próprio. Max acreditava de si mesmo.

Tão logo se mostrava doce, tímido, coibido inclusive, como se tornava feroz como um viking. O azul aprazível de seus olhos adquiria um tom elétrico e sua boca de poeta se transformava em uma careta. A metamorfose era tão fascinante como turbadora e tinha deixado Lilah desconcertada. Não era uma sensação que gostasse.

Depois que viu aquele homem ao que Max se referiu como Hawkins, o professor a tinha levado até o carro, murmurando palavras ininteligíveis durante todo o trajeto. Assim que tinham chegado ao carro, tinha-a empurrado para dentro e se pôs a conduzir. Uma vez em Las Torres, tinha chamado à polícia e lhes tinha contado o ocorrido com a calma com a que lhes teria recitado a lista de leituras recomendadas a seus alunos. Com uma atitude tipicamente masculina, tinha organizado uma assembleia com o Sloan e Trent.

As autoridades ainda não tinham localizado o iate do Caufield e tampouco tinham identificado nem ao Caufield nem ao Hawkins a partir das descrições feitas pelo Max.

Todo aquilo era muito complicado, decidiu Lilah. Ladrões, trapaceiros e polícia internacional. Ela preferia as coisas simples. Não a monotonia, claro, mas sim a simplicidade. Desde que a imprensa tinha tirado reluzir o assunto das esmeraldas das Calhoun, sua vida tinha passado a ser algo menos singela. E desde que Max tinha aparecido na praia, as coisas se complicaram mais ainda.

Mas se alegrava da aparição do Max. Não estava segura do por que. Certamente, jamais tinha considerado que os homens tímidos e intelectuais fossem seu tipo. Era certo que gostava dos homens no geral, simplesmente pelo fato de que fossem homens. Um rasgo que certamente se devia ao ter passado entre mulheres a maior parte de sua vida. Mas quando se encontrava com algum rapaz, procurava quase sempre diversão e uma agradável companhia. Alguém com quem dançar ou com quem rir ao redor de uma boa comida. Sempre tinha pensado que terminaria apaixonando-se por algum desses homens despreocupados e sem complicações e começaria com ele uma vida tranquila e sem preocupações.

Um sóbrio professor de universidade com uma visão completamente antiquada sobre o cavalheirismo e um caráter tão sério, apenas se mereciam esses qualificativos.

Mas era tão doce, pensou com um ligeiro sorriso. E quando a tinha beijado, não tinha havido nada sóbrio nem cerebral em seu beijo.

Com um pequeno suspiro, perguntou-se o que deveria fazer com o doutor Maxwell Quartermain.

-Hei -C.C apareceu a cabeça pelo marco da porta-. Sabia que a encontraria aqui.

-Isso quer dizer que estou me convertendo em alguém muito previsível -feliz de ter companhia, Lilah se encolheu para fazer caber a sua irmã no assento da janela-. O que é de sua vida, senhora St. James?

-Estou a ponto de terminar de arrumar esse Mustang -suspirou enquanto se sentava-. Deus, que maravilha-. Tive que me ocupar de um sistema elétrico que esteve a ponto de me dar um desmaio e terminei duas postas a ponto -um cansaço desacostumado em que lhe fez fechar os olhos e pensar em deitar-se logo aquela noite-. E depois todo este alvoroço que se montou em casa. Imagine, ir a tropeçar com uma desses tipos que a policia esta atrás.

-Inconvenientes e vantagens de viver em um lugar tão pequeno.

-Dei uma volta pelos arredores antes de voltar para casa -C.C. encolheu seus cansados ombros-. Desci até a cova Hulls e voltei.

-Não deveria rondar você sozinha por essa zona.

-Só estava olhando -C.C. encolheu-se de ombros-. Em qualquer caso, não vi nada. Mas nossos valorosos homens acabam de sair dispostos a encontrar e destroçar a nossos inimigos.

Lilah se ergueu sobressaltada.

-Max foi com eles?

C.C. bocejou e abriu os olhos.

-Claro, de repente se converteram nos Três Mosqueteiros. Haverá algo mais irritante que o machismo?

-Um molar com cárie -respondeu Lilah com ar ausente, mas com todos os nervos em tensão-. Pensava que Max ia se dedicar a investigar nos livros.

-Pois bem, agora já é um homenzinho -tocou o tornozelo de sua irmã-. Não se preocupe, querida. Sabem cuidar de si mesmos.

-Pelo amor de Deus, é um professor de história. O que vai acontecer se realmente se meterem em problemas?

-Ele já tem problemas -recordou-lhe C.C-. Mas é mais forte do que parece.

-O que te faz pensar isso? -absurdamente afligida, Lilah se levantou e começou a passear pelo quarto.

Aquela inusitada demonstração de energia, fez que C.C a olhasse arqueando uma sobrancelha.

-Esse homem saltou de um navio em meio de uma tormenta e esteve a ponto de chegar por si só até a borda apesar de que tinha uma ferida de bala na têmpora. Ao dia seguinte estava em pé, com um aspecto infernal, mas já estava em pé. Há uma nervura de preocupação detrás desses olhos tranquilos. Eu gosto.

Inquieta, Lilah se encolheu de ombros.

-E quem não gosta? É um homem adorável.

-Bom, depois de tudo o que averiguou Amanda sobre ele, qualquer um esperaria que fosse um tipo presunçoso ou estirado. Mas não o é. É muito doce. A tia Cordy já está disposta a adotá-lo.

-É muito doce, sim -mostrou-se de acordo Lilah e voltou a sentar-se-. E não quero que lhe façam mal por culpa de um equivocado sentimento de gratidão.

C.C. inclinou-se para diante para olhar a sua irmã aos olhos. Havia algo mais que a lógica preocupação neles, pensou, e sorriu para si.

-Lilah, já sei que você é a mística da família, mas, definitivamente, estou sentindo vibrações. Sente algo sério pelo Max?

-Sério -aquela palavra pôs todos os nervos de Lilah em alerta-. É obvio que não. Tenho-lhe carinho e, de algum jeito, sinto-me responsável por ele -e quando a beijava, diretamente se derretia. Franziu ligeiramente o cenho e acrescentou lentamente-: Eu gosto de estar com ele.

-É muito atraente.

-Recordo-se que é uma mulher casada.

-Mas não estou cega. Há algo muito atrativo em toda essa inteligência, nesse aspecto erudito e romântico esperou um instante-. Não acha?

Lilah retrocedeu. Seus olhos se curvaram em um sorriso idêntico a que brilhava em seu olhar.

-Está se fazendo de aprendiz de casamenteira com tia Cordy?

-Só estou fazendo algumas averiguações. Sou tão feliz que eu gostaria que todo mundo se sentisse como eu.

-Eu também sou feliz -estirou os braços-. Sou muito preguiçosa para não sê-lo.

-Falando de preguiça, tenho a sensação de que poderia dormir durante toda uma semana. E como Trent ainda está fora, brincando de detetive, acredito que irei para cama -C.C. começava a levantar-se quando um enjoo a fez derrubar-se no assento outra vez. Lilah se incorporou como um raio e se inclinou sobre ela.

-Querida, você está bem?

-Levantei-me muito rápido, isso é tudo -levou a mão à cabeça, que não deixava de lhe dar voltas-. Encontro-me um pouco...

Movendo-se rapidamente, Lilah fez sua irmã colocar a cabeça sobre os joelhos.

-Respira lentamente, tenta se tranquilizar.

-Isto é uma tolice -mas fez o que sua irmã lhe dizia até que sentiu que cessava a sensação de debilidade. Estou esgotada. Possivelmente vou adoecer , que droga.

-Hum -suspeitando qual era o verdadeiro problema de C.C., Lilah esboçou um sorriso-. Cansada? Teve náuseas ultimamente?

-A verdade é que não estou me sentindo mais forte, C.C. endireitou-se-. Mas suponho que ando um pouco devagar, estou a alguns dias me levantando com o estômago revolto.

-Querida -com uma risada, Lilah golpeou brandamente a cabeça de sua irmã-. Acordada e começa a pensar em um futuro bebê.

-O que?

-Não te ocorreu pensar que poderia estar grávida?

-Grávida? -abriu os olhos como pratos-. Grávida? Eu? Mas estamos casados pouco mais de um mês.

Lilah soltou uma gargalhada e emoldurou o rosto de sua irmã entre as mãos.

-E suponho que não passaram este mês jogando cartas, não?

C.C. abriu a boca e voltou a fechá-la antes de poder dizer uma só palavra.

-Jamais tinha me passado pela cabeça... Um bebê -seus olhos se transformaram, suavizaram-se e se umedeceram ao mesmo tempo-. Oh, Lilah...

-Poderia ser Trenton St. James IV.

-Um bebê -repetiu C.C. e se levou a mão ao ventre com um gesto que mostrava ao mesmo tempo admiração e cuidado-. Acha mesmo?

-Acho -voltou a sentar-se para abraçar a sua irmã-. E não faz falta que lhe pergunte isso para saber como se sente. Sua cara o diz tudo.

-Ainda não diga nada a ninguém. Antes quero me assegurar -rindo, estreitou-se contra sua irmã-. De repente me desapareceu todo o cansaço. Chamarei o médico a primeira hora da manhã. Ou possivelmente deveria comprar uma dessas provas que vendem nas farmácias. Talvez faço as duas coisas.

Lilah a deixou divagar a seu desejo. Muito depois de que C.C. foi-se, o eco de seu júbilo permanecia no quarto.

Aquilo era o que a torre necessitava, pensou Lilah. O júbilo da mais pura felicidade. Permaneceu ali onde estava, se sentindo satisfeita e contemplando elevá-la lua no horizonte. Uma lua média cheia, branca, flutuando no céu e fazendo-a sonhar.

Como se sentiria vivendo com alguém, estando felizmente casada e sentindo crescer um bebê no ventre? Criando uma vida junto a alguém que podia chegar a conhecê-la tão bem. Alguém capaz de conhecê-la e amá-la apesar de seus defeitos. Possivelmente inclusive por causa deles.

Seria adorável, pensou. Seria, simplesmente, adorável. E embora ela ainda não tivesse encontrado aquele amor, bastava-lhe olhar a C.C. e a Amanda para sabê-lo.

Com certo pesar, apagou a luz do quarto e começou a descer para o seu quarto. A casa estava em completo silêncio. Supunha que devia ser já meia noite e todo mundo teria ido para cama. Uma opção inteligente, pensou, mas ela ainda estava muito inquieta para descansar.

Tentando tranquilizar-se, tomou um longo e relaxante banho e depois colocou sua bata favorita. Aquele era um dos pequenos prazeres com os que frequentemente sentia prazer, água quente e perfumada, depois, o frio tato da seda. Ainda nervosa, saiu a terraço para deixar-se arrulhar pela brisa noturna.

Era muito romântico, pensou. Os raios chapeados da lua sobre as árvores, o fico chapinho da água nas rochas, os doces aromas do jardim. Enquanto permanecia ali, um pássaro tão inquieto como ela começou a entoar uma solitária canção noturna. Aquela música a fez desejar algo. A alguém. Uma carícia, um sussurro na escuridão. Um braço sobre seus ombros.

Um companheiro.

Não só um casamento físico, e sim um casamento sentimental e espiritual. Tinha conhecido homens que a tinham desejado e sabia que isso nunca seria suficiente. Tinha que haver alguém capaz de ver mais à frente da cor de seu cabelo ou da forma de seu rosto, alguém capaz de encontrar seu coração.

Possivelmente estivesse pedindo muito, pensou Lilah com um suspiro. Mas não era preferível a pedir pouco? Enquanto isso, teria que se concentrar em outras coisas e deixar seu coração nas caprichosas mãos do destino.

Começava a voltar-se para entrar em seu dormitório quando um movimento lhe chamou a atenção. Sob a luz da lua, viu duas sombras inclinadas, movendo-se silenciosa e rapidamente pelo jardim. antes que tivesse podido fazer mais que registrar sua existência, as sombras já se fundiram com as do jardim.

Não pensou duas vezes. Uma casa era algo que merecia a pena defender. Com os pés descalços para não fazer ruído, desceu os degraus e caminhou para as sombras. Quem quer que tivesse transpassado o território das Calhoun, ia levar o maior susto de sua vida.

Como um fantasma, deslizou-se pelo jardim, deixando que a bata flutuasse a seu redor. Ouviu vozes, amortecidas e emocionadas ao mesmo tempo e distinguiu o fraco feixe de luz de uma lanterna. ouviu-se uma risada que foi rapidamente sufocada e depois o som de uma pá removendo a terra.

Aquele som, mais que nenhuma outra coisa, tirou a superfície todo o temperamento dos Calhoun. Com o valor se soubesse com a razão, caminhou para diante.

-Que demônios pensam que estão fazendo?

Ouviu-se o golpe da pá contra uma pedra, como se a tivessem deixado cair. A luz da lanterna iluminou as azáleas. -Dois nervosos adolescentes, com o mapa do tesouro na mão, olharam assustados a seu redor, procurando a fonte daquela voz. Viram a figura de uma mulher vestida de branco. Consciente de sua imagem, Lilah elevou os braços, sabendo que as mangas se inflariam de maneira perfeita.

-Sou a guardiana das esmeraldas -esteve a ponto de tornar-se a rir, agradada pelo tom de sua voz-. Atrevem-lhes a lhes enfrentar à maldição dos Calhoun? A qualquer que se atreva a profanar estas terras lhe espera uma morte terrível. Se apreciarem suas vidas, saiam correndo agora mesmo daqui.

Não teve que lhe dizer duas vezes. O mapa do tesouro pelo que tinham pagado dez dólares saiu voando enquanto eles corriam pelo caminho, empurrando um ao outro e tropeçando com seus próprios pés. Rindo-se de si mesmo, Lilah foi procurar o mapa.

Tinha visto antes mapas como aquele. Algum espírito empreendedor o tinha desenhado e o vendia aos crédulos turistas. Depois de guardar-lhe no bolso, Lilah decidiu lhe dar a seus inesperados convidados uma ração extra de estímulo. Seguiria-os. Disposta a uivar como um fantasma, entrou no jardim.

Mas seu uivo se transformou em um grunhido ao tropeçar com outra sombra. Detido a meia carreira, Max perdeu o equilíbrio, balançou-se e terminou caindo no chão em cima dela.

-Que demônios está fazendo aqui?

-Sou eu -conseguiu responder Lilah e tomou ar-. Que demônio está fazendo você?

-Vi alguém. Fique aqui.

-Não agarrou-o pelo braço para mantê-lo a seu lado-. Só eram um par de adolescentes com um mapa do tesouro. Acabo de assustá-los.

-Você... -furioso, incorporou-se sobre um cotovelo. Apesar da escuridão, distinguia-se perfeitamente seu aborrecimento no olhar-. Você esta louca? -perguntou-lhe-. Como lhe ocorre vir aqui sozinha e enfrentar a dois intrusos?

-Dois adolescentes aterrorizados com um mapa do tesouro -corrigiu-o e elevou o queixo-. Estou em minha casa.

-Não me importa que esta seja sua casa. Poderiam ter sido Caufield e Hawkins. Poderia ter sido qualquer. A ninguém com um mínimo de sentido comum lhe ocorreria enfrentar-se sozinha dois possíveis ladrões em meio da noite.

Lilah conteve a respiração e o olhou atentamente.

-E o que estava fazendo você?

-Pensava ir atrás deles -começou a dizer, então percebeu sua expressão-. Mas isso é diferente.

-Por que, porque sou uma mulher?

-Não. Bom, sim.

-Isso é uma estupidez, falsa e além disso machista.

-Isso é algo sensato, certo e machista -discutiam mediante furiosos sussurros. de repente, Max suspirou-. Lilah, poderiam lhe haver feito mal.

-O único que me fez mal foi você.

-Não queria lhe machucar -murmurou-. O que aconteceu foi que estava olhando-os e não a vi. E, certamente, não esperava te encontrar rondando em meio da noite.

-Não estava rondando -soprou para apartar uma mecha de cabelo de seus olhos-. Estava me fazendo de fantasma, e com muito êxito .

-Fazendo-se de fantasma -Max fechou os olhos-. Agora já estou seguro de que está completamente louca.

-Pois funcionou -recordou-lhe.

-Essa não é a questão.

-Essa é precisamente a questão. E a outra questão é que me derrubou antes que pudesse terminar meu trabalho.

-Já me desculpei.

-Não, não se desculpou.

-De acordo. Sinto-o se... -começou a afastar-se dela e cometeu o engano de baixar o olhar.

A bata de seda se abriu durante a queda e tinha ficado aberta até a cintura. Os seios do Lilah resplandeciam como se fossem de alabastro sob a luz da lua.

-Oh Deus -conseguiu dizer Max através de seus lábios repentinamente secos.

Lilah havia tornado a ficar sem respiração. Permanecia muito quieta, observando como mudaram os olhos de Max. Da irritação à surpresa, da surpresa ao assombro, e do assombro a um profundo e escuro desejo. Quando Max deslizou o olhar por seu corpo até encontrar-se com seus olhos, Lilah se sentiu como se cada um de seus músculos se derretesse como a cera sob o fogo.

Ninguém a tinha olhado dessa forma. Havia tanta intensidade em seu olhar... Era a mesma concentração que tinha visto em seus olhos quando Max tentava bloquear e lutar contra a dor. Seus olhos vagaram por sua boca e ficaram detidos sobre ela até que os lábios de Lilah se entreabriram para sussurrar seu nome.

Era como entrar em um sonho, pensou Max enquanto se inclinava para o Lilah. Todo o resto ficava fora de seu campo de visão, convertido em um fundo impreciso. Suas mãos se perderam no cabelo de Lilah. Sob seus lábios, sentia sua boca, cálida, maravilhosamente cálida. Lilah o rodeou com seus braços como se tivesse estado esperando aquele momento. Max a ouviu exalar um suspiro longo e profundo.

Os lábios do Max eram tão delicados... Beijava-a como se temesse que pudesse desvanecer-se se precipitava as coisas. Lilah percebia a tensão em sua forma de segurá-la, na forma em que pousava as mãos em seus cabelos, no tremor de sua respiração enquanto roçava seus lábios. Sentia os braços e as pernas pesadas e a cabeça surpreendentemente leve. Embora quisesse manter os olhos abertos como ele, esses se fechavam. O mais agradável dos desejos se estendia por seu corpo enquanto Max mordiscava delicadamente seus lábios entreabertos. Os murmúrios de Lilah se misturavam com os de Max, fazendo de tudo indecifráveis.

A erva sussurrava enquanto Lilah se estirava debaixo dele. Aquela fria e fresca fragrância parecia assimilar-se perfeitamente ao Max. Enquanto este deslizava os dedos por seus seios, Lilah se ouviu emitir um gemido de aceitação.

Era incrivelmente perfeita, pensou Max aturdido. Como uma fantasia conjurada em meio de uma noite solitária. Braços e pernas compridas, pele sedosa e uma boca ávida e generosa. O puro prazer físico de senti-la tão perto dele era como uma droga a que Max já estava fazendo viciado.

Murmurando seu nome, Max roçou apenas sua garganta com os lábios. Sentia palpitar seu pulso e o calor daquela pele fundido com sua deliciosa fragrância cada vez que respirava. Saborear Lilah era como se afundar no pecado. Tocá-la era o paraíso. Max retornou até seus lábios para perder-se novamente naquela deliciosa fronteira entre o céu e o inferno.

Lilah quase podia sentir-se flutuando sobre a erva úmida. Sentia seu corpo tão livre como o ar, tão suave como a água. Quando suas bocas voltaram a encontrar-se, permitiu-se se entregar sem limites a aquele beijo. E então aconteceu.

Não foi como o doce clique ou a imagem de uma porta aberta que tantas vezes tinha imaginado. Foi como um rugido, como um golpe de vento que sacudiu seu corpo. Depois dele, despertando a uma velocidade aterradora, a dor, intensa, doce e surpreendente. Lilah se esticou contra Max; seu grito de protesto ficou amortecido contra seus lábios.

A paixão de Max não se teria esfriado mais rapidamente se Lilah o tivesse esbofeteado. Retrocedeu bruscamente e a viu olhando-o fixamente, com os olhos abertos como pratos, transbordantes de medo e confusão. Horrorizado por sua conduta, ficou de joelhos; estava tremendo, percebeu. E ela também. Não era estranho. Tinha atuado como um maníaco, atacando-a .

Deus, que o céu o ajudasse, porque estava desejando fazê-lo outra vez.

-Lilah... -sua voz era um rouco sussurro e pigarreou para esclarecê-la.

Lilah não movia um só músculo. Não afastava os olhos dele. Max queria lhe acariciar a bochecha, aproximar-se dela e estreitá-la contra ele, mas não se atrevia a voltar a tocá-la.

-Sinto muito. Sinto-o muito. Estava tão linda... Suponho que perdi a cabeça.

Lilah esperou um instante, desejando recuperar o equilíbrio que sempre tinha formado parte dela. Mas não chegava...

-Isso é tudo?

-Eu... -que mais quereria que dissesse?, perguntou-se Max. Já se sentia como um monstro-. É uma mulher incrivelmente desejável -disse-lhe cuidadosamente-. Mas isso não é desculpa para o que acaba de ocorrer.

O que tinha ocorrido? Ela tinha medo de haver-se apaixonado por ele e de que, se de verdade o tinha feito, o amor a fizesse sofrer. Porque ela odiava sofrer.

-Assim que me deseja fisicamente.

Max limpou a garganta. «Desejar» não era a palavra adequada. «Ansiar» descreveria melhor o que sentia. Com a mesma delicadeza com a que teria tratado a uma menina, fechou-lhe a bata.

-Qualquer homem lhe desejaria -respondeu, com todos os nervos em tensão.

Qualquer homem, pensou Lilah e fechou os olhos tentando combater aquela chicotada de desilusão. Ela não tinha estado esperando qualquer homem, e sim um só homem.

-Não foi nada, Max -em sua voz havia uma sombra de tensão enquanto se sentava-. Não me fez nenhum dano. Simplesmente sentimos atração um pelo outro. É algo que acontece constantemente.

-Sim, mas... –não, ele, pensou. E não daquela maneira.

Baixou o olhar para uma pá que havia sobre a erva com o cenho franzido. Para ela era mais fácil, pensou. Era tão extrovertida e desinibida. Provavelmente tinha havido dúzias de homens em sua vida, pensou com uma onda de fúria que lhe fez desejar partir a pá em dois.

-E o que sugere que façamos a respeito? -perguntou-lhe.

-A respeito do que? -respondeu Lilah. Seu sorriso era tenso e nem sequer a olhava nos olhos-. Podemos esperar e ver se passa. Como se fosse uma gripe.

Max a olhou então com um brilho perigoso nos olhos.

-Não passará. Pelo menos a mim. Desejo-a. Uma mulher como você deveria saber quanto a desejo.

Aquelas palavras avivaram a emoção e a dor em Lilah.

-Uma mulher como eu -repetiu brandamente-. Sim, essa é a questão, verdade, professor?

-A questão do que? -começou a perguntar Max, mas ela já se levantava.

-Uma mulher que se diverte com os homens e que é generosa com eles, verdade?

-Eu não pretendia...

-Uma mulher capaz de tombar-se seminua com um homem na erva. um pouco boêmia para você, doutor Quartermain, mas esta interessado em passar algumas horas com uma mulher como eu.

-Lilah, pelo amor de Deus... -ele também se levanta, confuso.

-Se fosse você, eu não voltaria a me desculpar. Não me importo -com uma terrível dor, jogou-se o cabelo para trás, pelo menos com as mulheres como eu. E no fim, colocou-me em meu lugar, não? Já me etiquetou, verdade?

Deus santo, eram lágrimas o que via em seus olhos? Fez um gesto de impotência.

-Não tenho a menor ideia a que se refere.

-Muito bem. Então você só entende o que quer entender -limpou as lágrimas-. Bem, professor, pensarei nisso e o farei saber a decisão que tomei.

Completamente perdido, cravou o olhar na saia da bata enquanto Lilah subia as escadas como um raio. Segundos depois, as portas do terraço se fechavam com um audível clique.

Lilah não ia chorar. recordou-se a si mesmo que era uma experiência exaustiva e além quase sempre lhe causava uma terrível dor de cabeça. Não podia pensar em um só homem pelo que merecesse a pena tomar-se aquela moléstia. Assim abriu a gaveta do criado mudo e tirou uma barrinha de chocolate que tinha para as situações de emergência.

Depois se deixar cair na cama, deu uma generosa mordida na barra e fixou o olhar para o teto.

Sexy. Desejável. Linda. Maldito fosse, pensou enquanto mordia novamente o chocolate. Apesar de sua celebrada inteligência, Maxwell Quartermain era tão estúpido como qualquer outro homem. [A única coisa que era capaz de ver era um bonito pacote que, assim que tivesse sido desembrulhado, deixaria de ]ser interesse para ele. Não seria capaz de ver nenhuma outra substância, de atender a nenhuma de suas necessidades.

Oh, era mais educado que a maioria. Um cavalheiro até o final, pensou desgostada. Não tinha feito falta que se desfizera dele. O céu sabia que Max fora rápido em se livrar dela.

Havia-lhe dito que tinha perdido a cabeça. Pelo menos era sincero, pensou, enquanto se secava com impaciência uma lágrima que tinha conseguido superar suas defesas.

Lilah era consciente da imagem que projetava. E não se incomodava com que os outros podiam pensar dela, sentia-se cômoda com o Lilah Maeve Calhoun. E, certamente, não se envergonhava de desfrutar os homens. Embora não desfrutasse deles tanto como os outros pensavam, incluindo, supunha, a sua própria família.

Desinibida? Possivelmente, mas isso não era sinônimo de promiscuidade. Flertava? Sim, era algo natural nela, mas não o fazia nem com malícia nem com intenção de engano.

Se um homem paquerava com uma mulher lhe considerava carinhoso. Se era uma mulher a que paquerava, a considerava uma sedutora. Pois bem, por isso a ela concernia, o jogo entre os sexos tinha dois sulcos e lhe gostava de jogar. Quanto ao bom professor...

Se aninhou na cama, em atitude defensiva. Oh, Deus, tinha-lhe feito mal. Todas aquelas desculpas e explicações gaguejadas. E parecia tão assustado.

«Uma mulher como você». Aquela frase se repetia uma e outra vez em sua cabeça.

Não era capaz de dar-se conta de que se tinha conseguido impressiona-la tinha sido por seu cuidado e sua ternura? Não era capaz de sentir o profundamente que a afetava? Que a única coisa que ela queria era que a acariciasse outra vez, que lhe dirigisse um daqueles doces e tímidos sorrisos e lhe dissesse que a queria. Por quem era ela, por isso era, por isso sentia. Ela queria consolo e confiança... e lhe tinha dado desculpas. Tinha erguido o olhar para ele, sentindo ainda o calor do amor, tremendo de medo... e ele tinha retrocedido como se lhe tivesse dado uma bofetada.

Lilah desejou não havê-lo feito. Se aquilo era amor, não tinha nenhuma vontade de compartilhá-lo.

Porque a casa estava em silêncio, ou possivelmente porque seus ouvidos já se acostumaram aos movimentos de Max, ouviu que este subia os degraus e sentiu que vacilava ao lado de sua porta. Deixou de respirar, embora seu coração começou a pulsar rapidamente. Entraria, empurraria a porta e entraria para lhe dizer o que tão terrivelmente desejava ouvir? Virtualmente estava vendo sua mão sobre o trinco. Depois ouviu seus passos outra vez, enquanto Max se dirigia ao terraço de seu próprio dormitório.

A respiração de Lilah se transformou em um sussurro. Nos princípios do Max não encaixava entrar em um dormitório sem ter sido convidado. No jardim, sobre a erva, Max tinha seguido seus instintos mais que sua inteligência, admitiu Lilah. E não havia ninguém que estivesse mais a favor dos instintos que ela mesma. Para ele, tinha sido o momento, a lua... Era difícil culpá-lo e, certamente, impossível esperar que sentisse o que ela sentia. Que desejasse o que ela desejava.

Mas, sinceramente, esperava que não pregasse o olho a noite inteira.

Fungou e mordeu outro pedaço de chocolate e começou a pensar. Só dois meses atrás, C.C. estava furiosa porque Trent a tinha beijado e depois lhe tinha pedido desculpas.

Apertando os lábios, Lilah deu meia volta na cama. Possivelmente fora outro exemplo da clássica estupidez masculina. Era difícil culpar a alguém por algo com o que tinha nascido. Se Trent se desculpou porque realmente lhe importava sua irmã, então era possível que Max estivesse jogando as mesmas cartas.

Era uma teoria interessante e que além não lhe resultaria muito difícil demonstrar. Ou descartar, pensou com um suspiro. Em qualquer caso, o melhor era averiguá-lo quanto antes. E o único que necessitava para isso era um plano.

Lilah decidiu fazer o que melhor lhe dava e dormiu.

 

Em uma casa do tamanho de Las Torres não era difícil evitar a alguém durante um dia ou dois. Max percebeu que Lilah se manteve fora de seu caminho sem fazer o menor esforço durante esse período de tempo. E não podia culpá-la por isso depois do modo que tinha levado as coisas.

Mesmo assim, doía lhe saber que não tinha aceitado suas desculpas . Em vez de aceitá-la, tinha... Maldita fosse, se ao menos soubesse exatamente pelo que tinha que se desculpar... A única coisa que sabia era que tinha entendido mal suas palavras, a suas intenções, e depois se partiu encolerizada.

E estava cheio de medos.

Tinha estado bastante ocupado, enterrado em sua investigação, nos documentos da família que tão minuciosamente tinha arquivado Amanda atendendo à data de seus conteúdos. Tinha encontrado o que considerava a última aparição pública das esmeraldas, tratava-se de um artigo de um jornal sobre um baile que se celebrou em Bar Harbor em dez de agosto de mil novecentos e treze. Duas semanas antes da morte da Bianca.

Embora o considerava uma possibilidade bastante remota, tinha começado a elaborar uma lista dos empregados que estavam trabalhando em Las Torres durante o verão de mil novecentos e treze. Alguns deles inclusive poderiam estar vivos. Lhes seguir o rastro através de seus familiares poderia ser difícil, mas não impossível. Já tinha entrevistado a outros anciões com antecedência para que compartilhassem com ele as lembranças de sua juventude. Com muita frequência, suas lembranças eram tão claras como o cristal.

A ideia de falar com alguém que tivesse conhecido a Bianca, que as tivesse visto ela e às esmeraldas, emocionava-o. Um empregado recordaria As Torres tal como tinham sido, teria conhecido os costumes de seus patrões. E, sem dúvida alguma, também seus segredos.

Confiando naquela ideia, Max se inclinou sobre a lista.

-Já vejo que está trabalhando duramente.

Max elevou o olhar e pestanejou ao ver o Lilah na porta. Não precisou que ninguém disse que a Lilah que acabava de arrancar ao Max do passado. Seu olhar perplexo fez que lhe entrassem vontades de abraçá-lo. Mas se reprimiu e se apoiou prazerosamente contra o marco da porta.

-Interrompo algo?

-Sim... Não maldita boca-. Eu apenas., estava fazendo uma lista.

-Tenho uma irmã com o mesmo problema.

Lilah estava vestida com um vestido de algodão branco; seu cabelo de cigana, aquela juba de fogo, caía livremente sobre ele. Os dois brincos de malaquita que levava nas orelhas se balançaram enquanto cruzava a ambiente.

-Amanda -deixou a um lado a caneta que tinha na mão. A essas alturas estava já empapado em suor-. Fez um magnífico trabalho catalogando toda esta informação.

-É uma fanática da organização -com um gesto completamente natural, apoiou o quadril na mesa em que Max estava trabalhando-. Eu gosto de sua camiseta.

Era a única que Lilah tinha escolhido por ele, aquela do desenho da lagosta.

-Obrigado. Pensava que estaria trabalhando.

-Hoje é meu dia livre -separou-se da mesa, rodeou-a e olhou por cima de seu ombro-. Você alguma vez tira?

Embora sabia que era ridículo, sentiu que se esticavam todos seus músculos.

-Tomar o que?

-Um dia livre -jogou-se a juba a um lado e se voltou para olhá-lo-, para aproveitar. -

Estava-o fazendo deliberadamente, não cabia nenhuma dúvida. Possivelmente desfrutasse vendo-o fazer papel de ridículo.

-Estou ocupado -conseguiu afastar o olhar da boca de Lilah e fixá-la na lista que estava elaborando. Não foi capaz de ler um só nome-. Muito ocupado -acrescentou quase desesperadamente-. Estou tentando anotar todos os nomes das pessoas que trabalhavam na casa durante o verão no que morreu Bianca.

-Uma tarefa difícil.

Inclinou-se para diante, encantada com sua reação. Definitivamente, tinha que ser mais que luxúria. Um homem não resistia com tanta força a um sentimento tão básico como o desejo.

-Necessita ajuda?

-Não, este é um trabalho para uma só pessoa -e queria que Lilah partisse antes que ele começasse a choramingar.

-O ambiente deve ter ficado terrível na casa depois de que Bianca morreu. E pior ainda para Christian, que teve que inteirar-se da notícia e ler tudo sobre o ocorrido sem poder fazer nada. Acredito que a queria muito. Você já se apaixonou alguma vez?

Uma vez mais, Lilah conseguiu arrastar o olhar de Max para ela. Naquele momento não sorria. Não havia nenhum brilho de humor em seu olhar. Por alguma razão, Max teve a sensação de que aquela era a pergunta mais séria que lhe tinha feito Lilah desde que a conhecia.

-Não.

-Eu tampouco. Como acha que será?

-Não sei.

-Mas tem que ter uma opinião -inclinou-se ligeiramente para ele-. Uma teoria, alguma ideia...

Max se sentia completamente hipnotizado.

-Deve ser como ter seu próprio mundo privado. Como um sonho, no que tudo se intensifica e desaparece a lógica, mas é completamente seu.

-Isso eu gosto -Max observou que a boca do Lilah se curvava em um sorriso. Quase podia saboreá-la-. Você gostaria de dar um passeio comigo, Max?

-Um passeio?

-Sim, comigo, pelos escarpados.

Max nem sequer estava seguro de se poderia levantar-se.

-Sim, não estaria mal dar um passeio.

Sem dizer nada, Lilah lhe estendeu a mão. Quando ele se levantou, conduziu-o para as portas do terraço.

O mesmo vento que tinha coberto o céu de nuvens elevou a saia do vestido de Lilah e fez voar seu cabelo. Despreocupada, Lilah continuou caminhando, tomando a mão do Max com suavidade. Cruzaram o jardim e se afastaram dos ruídos dos trabalhadores da obra.

-Não estou acostumado a caminhar muito -explicou-lhe-, posto que é isso o que faço a maior parte dos dias, mas eu gosto de passear pelos escarpados. Estão cheios de lembranças.

Max voltou a pensar em todos os homens aos que Lilah teria amado.

-Suas lembranças?

-Não, de Bianca, acredito. E se continuar sem querer acreditar nessas coisas, pelas menos a paisagem vale a pena.

Max baixou o olhar por volta de quão pendente descendia até o mar. Parecia-lhe uma paisagem amável, singelo, inclusive amistoso.

-Já não está zangada comigo?

-Zangada? -Lilah arqueou deliberadamente uma sobrancelha. Não tinha intenção de lhe facilitar as coisas-. Zangada por quê?

-Pelo da outra noite. Sei que te fiz zangar.

-Ah, por isso.

Como não acrescentou nada mais, Max voltou a tentá-lo.

-Estive pensando nisso.

-De verdade? -elevou seus olhos carregados de mistérios secretos até ele.

-Sim. E acredito que não dirigi muito bem a situação.

-Quer que te dê outra oportunidade?

Max ficou tão petrificado que fez rir ao Lilah.

-Relaxe, Max -deu-lhe um amistoso beijo na bochecha-. Simplesmente, pensa nisso. Olhe, o arándano silvestre já está florescendo -inclinou-se para acariciar uma daquelas diminutas campainhas rosadas que cresciam entre as rochas. Ao Max chamou a atenção que a acariciasse e não a arrancasse-. Esta é uma época maravilhosa para ver flores silvestres -endireitou-se e jogou o cabelo para trás-. Viu essas?

-Esses campos?

-Oh, e eu que pensava que foi um poeta -sacudiu a cabeça e voltou a tomar a mão-. Lição número um- começou a dizer.

Enquanto caminhavam, ia assinalando pequenos grupos de flores que cresciam entre as gretas ou conseguiam prosperar sobre o magro manto das ...rochas. Ensinou-o a reconhecer os cogumelos silvestres que podiam arrancar-se e ser comidos imediatamente. Observaram também o voo das mariposas e as acrobacias dos parasitas sobre a erva. Com o Lilah, as coisas mais vulgares pareciam exóticas.

Lilah arrancou uma folha muito miúda e a amassou entre os dedos para extrair sua acre fragrância, um aroma que ao Max recordou a de sua pele.

Foi com ela a um precipício que caía diretamente sobre a água. Abaixo, na distância, a espuma golpeava as rochas, as batendo em uma guerra eterna. Lilah o ajudou a inclinar-se para ver os ninhos dos pássaros, inteligentemente construídos a partir dos diminutos salientes das rochas, às que se agarravam com uma surpreendente tenacidade.

Aquilo era o que Lilah fazia diariamente, tanto para os grupos de turistas como para ela mesma. Mas descobria um novo prazer ao compartilhá-lo com ele, ao lhe mostrar um pouco tão singelo e especial ao mesmo tempo como as rosas selvagens que cresciam até alcançar a altura de um humano. O ar era como um vinho refrescado pelo vento, assim Lilah se sentou em uma rocha para bebê-lo com cada uma de suas respirações.

-Este lugar é incrível -Max não podia sentar-se; havia muitas coisas que ver, muitas coisas que sentir.

-Eu sei.

Lilah desfrutava com o prazer do Max tanto como com o sol que acariciava seu rosto e o vento que balançava seu cabelo. Havia fascinação nos olhos de Max, obscurecidos até adquirir uma formosa cor índiga enquanto aparecia um débil sorriso a seus lábios. A ferida da têmpora estava curando-se, mas Lilah pensou que sempre ficaria nela uma pequena cicatriz que acrescentaria certa graça a aquele rosto inteligente.

Enquanto um tordo começava a trilar, Lilah abraçou a seus joelhos.

-É bonito, Max.

Distraído, Max a olhou por cima do ombro. Lilah permanecia comodamente sentada sobre a rocha, tão relaxada como se estivesse em um fofo sofá.

-O que?

-Eu disse que é bonito. Muito bonito -pôs-se a rir ao ver que ficava boquiaberto-. Ninguém nunca lhe disse que é atraente?

Esta brincando?, perguntou-se Max. E encolheu os ombros, sentindo-se terrivelmente incômodo.

-Não que eu me lembre.

-Nenhuma só aluna recém-graduada, nem a inteligente professora de literatura inglesa? Que descuido. Suponho que mais de uma delas tenha lhe jogado o olho... e algo mais, mas seguro que estava muito ocupado com seus livros para se dar conta.

Max franziu o cenho.

-Tampouco fui um monge...

-Não sorriu-, disso já me dei conta.

As palavras de Lilah recordaram vividamente ao Max o que tinha ocorrido entre eles duas noites atrás. Tinha-a acariciado, tinha-a saboreado, e com muita dificuldade tinha conseguido reprimir-se para não terminar fazendo amor com ela ali mesmo, na erva. E ela partiu correndo, recordou, furiosa e ofendida. Entretanto, nesse momento parecia estar provocando-o, desafiando-o a repetir seu engano.

-Nunca sei o que esperar de você.

-Obrigado.

-Não era um elogio.

-Melhor ainda -seus olhos, médio fechados, resplandeciam contra a luz do sol. Quando falou, sua voz era virtualmente um sussurro-. Mas você gosta das coisas previsíveis, verdade, professor? Sempre você gosta de saber o que vai acontecer a seguir.

-Provavelmente tanto como você gosta de me irritar.

Rindo, Lilah lhe deu a mão.

-Sinto muito, Max. Às vezes me resulta irresistível. Vamos, sente-se, prometo-te me comportar.

Receoso, Max se sentou a seu lado na rocha. A saia de Lilah revoava tentadoramente ao redor de suas pernas. Com um gesto que ao Max pareceu quase maternal, Lilah lhe deu um tapinhas nas a coxa.

-Quer que sejamos amigos? -perguntou-lhe.

-Amigos?

-Claro -seus olhos dançavam divertidos-. Eu gosto. Uma mente tão séria, um caráter tão honesto... -Max se esticou, fazendo-a rir-. E como tenta dissimular quando se sente envergonhado.

-Eu não tento dissimular nada.

-E esse tom autoritário quando se zanga. Agora se supõe que tem que me dizer o que você gosta de mim.

-Estou pensando-o.

-Deveria ter acrescentado seu tom seco.

Max não pôde menos que sorrir.

-É a pessoa mais proprietária de si mesmo que conheci em minha vida -olhou-a-, é amável, sem necessidade de armar muito alvoroço, e inteligente, também sem alvoroços. Suponho que não arma alvoroços por nada.

-É muito cansado -mas as palavras do Max estavam lhe chegando diretamente ao coração-. Então posso dizer sem correr nenhum risco que somos amigos?

-Certamente.

-Ótimo -apertou-lhe carinhosamente a mão-. Porque acredito que para nós é importante que sejamos amigos antes de nos transformamos em amantes.

Max esteve a ponto de cair da rocha.

-Perdão?

-Ambos sabemos que queremos fazer amor -quando Max começou a gaguejar, Lilah lhe sorriu com paciência. Tinha pensado muito nisso e estava segura, bom, ao menos quase segura, de que seria o melhor para os dois-. Relaxe, neste estado não é nenhum delito.

-Lilah, sou consciente de que fui... isso, sabe que tenho feito algumas insinuações.

-Insinuações -desesperadamente apaixonada, Lilah posou a mão em sua bochecha-. OH, Max.

-Não estou orgulhoso de meu comportamento -disse muito tenso, e Lilah afastou a mão-. Não quero... -a língua parecia haver lhe feito um nó.

A dor retornou, uma combinação de rechaço e derrota que ela detestava.

-Não quer se deitar comigo?

Max sentiu também um nó no estômago.

-Claro que quero. Qualquer homem...

-Não estou falando de qualquer homem -aquelas eram as piores palavras que Max podia ter dito. Era ele, só ele, que lhe importava. Ela precisava lhe ouvir dizer, pelo menos, que a desejava-. Maldição, estou falando de você e de mim, aqui e agora -a cólera a obrigou a levantar-se da rocha-. Quero saber o que sente você. Se quisesse saber o que sente qualquer outro homem, chamaria por telefone ou me aproximaria dos homens a perguntava a qualquer um.

Sem mover-se de seu assento, Max considerou as palavras do Lilah.

-Para alguém que faz quase tudo lentamente, tem um gênio muito rápido.

-Comigo não utilize esse tom de professor.

Então foi Max que começou a sorrir.

-Pensava que você gostava.

-Mudei que opinião -confundida por sua própria atitude, Lilah voltou por a olhar o mar. Era importante manter a calma, recordou-se a si mesmo. Algo que sempre tinha conseguido fazer sem esforço-. Sei o que pensa de mim começou a dizer.

-Não sei como pode sabê-lo, quando nem sequer eu estou seguro de mim mesmo -demorou alguns segundos em recompor seus pensamentos-. Lilah, é uma mulher muito linda...

Lilah se voltou para fulminá-lo com o olhar.

-Se voltar a me dizer isso outra vez, juro-te que te pegarei.

-O que? -completamente desconcertado, estendeu as mãos e se levantou-. por quê? meu deus, é completamente louca.

-Isso está muito melhor. Não quero ouvi-lo dizer que meu cabelo é da cor do crepúsculo ou que meus olhos são como a espuma do mar. Isso já ouvi e não me interessa nada absolutamente.

Max começou a pensar que ser um monge e viver completamente afastado dos mistérios femininos teria suas vantagens.

-Então o que quer ouvir?

-Não vou dizer o que quero ouvir. Se o fizesse, então que sentido teria que me dissesse isso?

Incapaz já de qualquer resposta engenhosa, Max se passou as mãos pelo cabelo.

-O problema é que eu não sei que sentido tem nada disto. Estamos falando de flores e de amizade e de repente me pergunta que se quero me deitar contigo. Como se supõe que devo reagir?

Lilah o olhou com os olhos entrecerrados.

-Diga-me isso você.

Max procurava mentalmente a forma de conduzir a conversação para um terreno seguro, mas não encontrou nenhuma.

-Olhe, sou consciente de que está acostumada a se relacionar com homens.

Os olhos do Lilah relampejaram.

-A que se refere exatamente?

Se ao final ia afundar se, decidiu Max, ao menos poderia tentar fazê-lo com certa elegância.

-Quieta -tomou as mãos, estreitou-a contra ele e se apoderou de seus lábios.

Lilah podia saborear a frustração, o aborrecimento e uma tensa paixão nos lábios do Max. Parecia um reflexo de seus próprios sentimentos. Pela primeira vez, resistiu, esforçando-se em conter sua própria resposta. E pela primeira vez, Max ignorou seus protestos, demandando uma resposta.

Passava a mão em sua ondulante juba, lhe jogando a cabeça para trás de forma que pudesse beijá-la com loucura. Lilah arqueava seu corpo, tentando afastar-se dele, mas Max a mantinha contra ele, estreitando a de tal maneira que nem sequer o vento podia deslizar-se entre eles.

Aquilo era diferente. Nenhum homem a tinha forçado A... sentir. Lilah não queria aquele desejo, aquele desespero. Da última vez que tinham estado juntos, convenceu-se a si mesmo de que se era suficientemente inteligente, o amor podia ser algo indolor, singelo e confortável.

Mas ali havia dor. Nem a paixão nem o desejo podiam ocultá-lo por completo.

Furioso consigo mesmo e com Lilah, Max abandonou sua boca, mas não afastou as mãos de seus ombros.

-Isso é o que quer? -perguntou-lhe-. Quer que me esqueça de todas as normas, de todos os códigos de decência? Quer saber o que sinto? Cada vez que estou perto de você, estou desesperado por tocá-la. E quando o faço, desejo arrastá-la para qualquer canto para fazer amor contigo até que esqueça que alguma vez houve outros homens em sua vida.

-Então por que não o faz?

-Porque é importante para mim, maldita seja. O suficiente para lhe demonstrar algum respeito. E muito para querer ser um homem a mais em sua cama.

O aborrecimento se desvaneceu nos olhos do Lilah para ser substituído por uma vulnerabilidade mais comovedora que as lágrimas.

-Nunca seria mais um -ergueu a mão até seu rosto-. Para mim é o primeiro, Max. Jamais houve ninguém como você -Max não disse nada e as dúvidas que Lilah viu em seus olhos lhe fizeram afastar a mão outra vez-. Não acredita.

-Desde que a conheço, me é muito difícil pensar com clareza -de repente se deu conta de que ainda continuava obstinado a seus ombros e relaxou as mãos-. Poderia dizer que me deslumbra.

Lilah baixou o olhar. Que perto tinha estado, compreendeu, de lhe dizer tudo o que guardava em seu coração. De humilhar-se a si mesmo e de lhe pôr a ele em uma situação embaraçosa. Se o que havia entre eles era algo puramente físico, teria que ser forte e aceitá-lo.

-Então deixemos por agora -conseguiu esboçar um sorriso-. Em qualquer caso, acredito que nos estamos levando tudo isto muito a sério -para consolar-se a si mesmo, deu-lhe um ligeiro beijo nos lábios-. Amigos?

Max deixou escapar um suspiro.

-Claro.

-Voltemos para casa, Max -deslizou a mão na de Max-. Gostaria de descansar um pouco.

Uma hora mais tarde, Max estava sentado no ensolarado terraço de sua habitação, com um caderno esquecido em seu colo e a mente abarrotada de pensamentos que tinham ao Lilah como protagonista.

Não conseguia compreendê-la. E estava seguro de que não o conseguiria embora dedicasse algumas décadas a analisar aquele problema. Mas lhe importava, o suficiente para acrescentar uma boa dose de medo ao resto dos sentimentos que Lilah despertava nele. O que tinha ele, um lastimoso professor de universidade, que oferecer a uma mulher maravilhosa, exótica, com um espírito completamente livre, que gotejava sexo com a mesma naturalidade com a que outras mulheres exalavam um perfume?

Ele era tão penosamente inepto que tão logo estava gaguejando a seu redor como a agarrava como um neanderthal.

Possivelmente o melhor que podia fazer era recordar-se que sempre se havia sentido mais cômodo com os livros que com as mulheres.

Como podia chegar a lhe dizer que a desejava tão terrivelmente que mal podia respirar? Que o aterrava deixar-se levar pelo desejo porque temia que, uma vez que o fizesse, já alguma vez poderia esquecê-la? O que para ela seria uma aventura de verão, para ele seria um acontecimento que transformaria toda sua vida.

Estava-se apaixonando por ela, o qual era completamente ridículo. Em sua vida não havia lugar para Lilah, e esperava ser suficientemente inteligente para poder controlar seus sentimentos antes que o levassem muito longe. Em umas poucas semanas, voltaria para sua agradável e ordenada rotina. Isso era o que ele queria. E assim era como tinha que ser.

E se Lilah conseguia enfeitiçá-lo, ele não poderia sobreviver a seu feitiço.

-Max? -Trent, que se dirigia para a asa oeste, deteve-se o vê-lo-. Interrompo-o?

-Não -Max baixou o olhar para a folha em branco que tinha no colo-. Não interrompe nada.

-Tem aspecto de estar tentando resolver um problema de especial dificuldade. É algo que tenha que ver com as esmeraldas?

-Não elevou o olhar e baixou os olhos para proteger do sol-, com as mulheres.

-Então. Boa sorte -arqueou uma sobrancelha-. Particularmente se está pensando em uma Calhoun.

-Em Lilah -Max se esfregou a cara com expressão de esgotamento-. quanto mais penso nela, menos a compreendo.

-Um princípio perfeito em uma relação -como ele mesmo tinha experiente um pouco parecido, Trent decidiu tomar uns minutos e se sentou a seu lado-. É uma mulher fascinante.

-Eu decidi que a palavra mais adequada para descrevê-la é «instável».

-É uma mulher muito bonita.

-Mas não lhe pode dizer isso. É capaz de lhe arrancar a cabeça -intrigado, estudou ao Trent-. C.C. ameaça-o espancá-lo quando lhe diz que é bonita?

-Não vai tão longe.

-Pensava que podia tratar-se de um rasgo familiar -começou a dar golpes com a caneta sobre o caderno-. A verdade é que não sei muito de mulheres.

-Bom, então acredito que deveria lhe dizer tudo o que sei eu -recostou-se em sua cadeira-. São frustrantes, emocionantes, maravilhosas e irritantes.

Max esperou um instante.

-Isso é tudo?

-Sim -elevou o olhar e levantou a mão para saudar o Sloan, que se aproximava.

-Fazendo um descanso? -perguntou Sloan, e como a ideia lhe pareceu tentadora, tirou um cigarro.

-Estamos tendo uma conversa sobre mulheres -informou-o Trent-. Possivelmente queira acrescentar algo a minha breve dissertação.

Sloan acendeu o cigarro lentamente.

-São teimosas como mulas, mal intencionadas como um gato de ruas, e o jogo mais condenadamente divertido da cidade -soltou uma baforada de fumaça e sorriu -. Você gosta de Lilah, NE?

-Bom, eu...

-Não seja tímido -Sloan intensificou seu sorriso enquanto fumava o cigarro-. Está entre amigos.

Max não estava acostumado a falar de mulheres, e muito menos de seus sentimentos para certa mulher em particular.

-Seria difícil não estar interessado nela.

Sloan soltou uma gargalhada e piscou os olhos para Trent.

-Filho, estaria morto se não se interessasse. Então, onde está o problema?

-Não sei o que fazer com ela.

Trent curvou os lábios em um sorriso.

-Isso me resulta familiar. O que quer fazer?

Max dirigiu a Trent um longo e lento olhar que fez rir seu interlocutor.

-Sim, isso -Sloan chupou com ar satisfeito seu charuto-. E ela, está interessada?

Max clareou a garganta.

-Bom, ela deu a entender que.. bom, esta tarde fomos dar um passeio pelos escarpados, e sim, está interessada.

-Mas? -interveio Trent.

-Não consigo compreendê-la.

-Terá que seguir tentando-o -disse-lhe Sloan, olhando a brasa de seu cigarro-. É obvio, que se fizer ela sofrer, eu teria que lhe amassar a cara -voltou a dar uma imersão-. Tenho- muito carinho ao Lilah.

Max o estudou um momento, depois jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.

-Aqui não tenho forma de ganhar, acredito que por fim o compreendi.

-Esse é o primeiro passo -Trent se moveu na cadeira-. E já que temos um minuto a sós, sem companhia das damas, acredito que deveriam saber que por fim recebi um relatório sobre o Hawkins. Jasper Hawkins, ladrão, saído de Miami,sabe-se que é sócio de nosso velho amigo Livingston.

-Bom, bom -murmurou Sloan, apagando seu charuto.

-Começa a parecer que Livingston e Caufield são a mesma pessoa. Ainda não se sabe nada do iate.

-Estive pensado nisso -interveio Max-. É possível que tenham tentado ocultar seu rastro. Inclusive embora criem que estou morto, imaginarão que o cadáver terá aparecido na praia e terá sido identificado.

-Assim possivelmente tenham abandonado o iate.

-Ou possivelmente tenham trocado de embarcação -Max estendeu as mãos-. Mas não vão renunciar, disso estou convencido. Caufield, ou quem quer que seja, está obcecado com as esmeraldas. pôde trocar de táticas, mas não vai renunciar.

-Tampouco nós -murmurou Trent. Os três homens intercambiaram olhadas-. Se as esmeraldas estiverem na casa, nós vamos encontra-las. E se esse canalha... -interrompeu-se ao ver que sua esposa cruzava a toda velocidade as portas da terraço-. C.C. -levantou-se rapidamente e fixou nela o olhar-. O que ocorre? O que está fazendo em casa?

-Nada, não passa nada -rindo, abraçou a seu marido-. Eu te amo

-Eu também te amo -mas se afastou ligeiramente para estudar seu rosto. C.C. tinha as bochechas ruborizadas e os olhos úmidos e brilhantes-. Bom, isto tem que ser uma boa notícia -afastou-lhe o cabelo da cara, lhe acariciando brandamente a bochecha ao fazê-lo. Sabia que sua esposa não se encontrou muito bem durante a última semana.

-Uma notícia maravilhosa -C.C. olhou ao Sloan e ao Max-. Nos perdoem um momento.

        Agarrou Trent pela mão e o conduziu para seu dormitório, onde poderia falar com ele em privado. Ainda não tinham chegado quando decidiu lhe dar a notícia.

-OH, não posso esperar. Acredito que transbordei todos os limites de velocidade enquanto vinha para casa depois da consulta.

-Que consulta? Está doente?

-Estou grávida -soltou a respiração e olhou seu rosto.

No semblante do Trent havia preocupação, surpresa e admiração.

-Você... está grávida? -olhou boquiaberto o ventre plano de sua esposa e ergueu novamente o olhar para seu rosto-. Um bebê? vamos ter um bebê?

Enquanto C.C. assentia, Trent a levantou em braços e girou com ela.

-Que demônios lhes passa? -perguntou Sloan.

-Homens -detrás de Max, Lilah saiu do outro cômodo-. São todos tão estúpidos -com um suspiro, posou a mão no ombro do Max e olhou para sua irmã e ao Trent com os olhos umedecidos pelas lágrimas-. Vamos ter um bebê, bobos.

- Por Deus! -depois de soltar um grito de alegria, Sloan correu até eles, cumprimentou ao Trent e beijou C.C.

Para ouvir um soluço atrás dele, Max se levantou.

-Está bem?

-Claro -secou-se uma lágrima, mas escapou outra de seus olhos-. É minha irmã caçula outra vez e soltou uma gargalhada chorosa quando Max lhe ofereceu seu lenço-. Obrigado -esfregou-se os olhos, soou-se o nariz e suspirou-. Vou ficar com este lenço, ok? Acredito que todos vamos chorar como torneiras abertas quando anunciarmos ao resto de minha família.

-Sim, claro -inseguro de si mesmo, meteu as mãos nos bolsos.

-Vou descer e ver se temos champanha no congelador.

-Bom, acredito que eu deveria ficar aqui.

Sacudindo a cabeça, Lilah tomou a mão com firmeza.

-Não seja tolo. Goste ou não, agora é parte da família.

Mas se deixou levar e descobriu que gostava. Que de fato, gostava bastante.

Tudo começou com esse cachorrinho perdido. Um cão empapado, sem casa e indefeso. Não sei como pôde chegar sozinho até os escarpados. Ao melhor o tinha abandonado alguém, ou possivelmente o cachorrinho se separou de sua mãe e se perdeu. O caso é que o encontramos, Christian e eu, em uma de nossas maravilhosas tardes. O cão estava escondido detrás de umas rochas, morto de fome e gemendo, era como uma bolinha de osso e pele.

Com uma dose incrível de paciência, palavras doces e pedacinhos de queijo e pão, Christian conseguiu atraí-lo para ele. Comoveu-me ver a doçura e o amor de que é capaz este homem ao que adoro. Comigo sempre é tenro, mas às vezes fui testemunha de uma intensa impaciência nele quando se pinta a seus quadros. E também hei sentido uma paixão quase próxima à violência, lutando por ser liberada quando me abraça.

Mas com o cachorrinho, esse pequeno órfão, saiu-lhe instintivamente a bondade. Possivelmente porque há sentido, o cão não duvidou em lhe lamber a mão e depois permitiu que o acariciasse inclusive depois de ter engolido a magra comida que lhe oferecemos.

-É um lutador -comentou Christian rindo enquanto deslizava suas mãos de artista por seu sujo pelo-. Embora um pouco pequeno, verdade?

-Necessita um bom banho -respondi eu, mas não pude menos que rir quando o cão marcou meu vestido com suas patinhas-. Terá boa comida -encantada com a atenção que lhe emprestava, o cão começou a me lamber a cara, tremendo de alegria.

É obvio, deixou-me toda suja. Era uma coisinha tão carinhosa, tão confiada e lhe faziam falta tantas coisas. Estivemos jogando com ele, tão iludidos como se fôssemos meninos e depois tivemos uma pequena discussão sobre qual ia ser seu nome.

Ao final decidimos chamá-lo Fred. E ele pareceu gostar. Quando o dissemos, ficou a ladrar e a saltar como um louco. Jamais esquecerei a doçura e a simplicidade daquele momento. Meu amor e eu sentados na erva com aquele cão perdido, fingindo que poderíamos cuidá-lo juntos.

Ao final, fui eu quem ficou com o Fred. Ethan tinha estado pedindo um mascote e pensei que já tinha idade suficiente para apreciá-la e ao mesmo tempo fazer-se responsável por ele. Quando lhe levei o cão à babá, produziu-se um autêntico clamor. Os meninos abriam os olhos como pratos, estavam emocionados, alternavam-se para sustentá-lo em braços, para acariciá-lo. Estou segura de que o pequeno Fred se sentiu como um rei.

Foi banhado e alimentado com grande cerimônia. E também acariciado e mimada até que ficou dormido, esgotado pela emoção.

Retornou então Fergus. A emoção do encontro com o Fred me tinha feito esquecer dos planos que tínhamos para a noite. Meu marido tinha motivos para zangar-se porque ainda não estava pronta para sair para jantar. Os meninos, incapazes de conter sua alegria, estavam tão nervosos que aumentaram sua impaciência. O pequeno Ethan, orgulhoso, levou ao Fred ao salão.

-Que demônios é isso? -quis saber Fergus.

-Um cachorrinho -Ethan tendeu a seu pai o inquieto cão-. Chama-se Fred.

Ao advertir a expressão de meu marido, tirei-lhe o cachorrinho a meu filho e comecei a explicar o que tinha passado. Suponho que pretendia apelar ao lado mais amável do Fergus, ao amor, ou ao menos ao orgulho, que sentia pelo Ethan. Mas se manteve inflexível.

-Não penso ter um vira-lata em minha casa. Acaso acredita que trabalhei durante toda minha vida, que lutei para poder possuir tudo isto para que venha agora um saco de pulgas a aliviar-se em meus tapetes ou morder minhas cortinas?

-Comportar-se-á bem -com lábios trementes, Colleen se aferrou a minha saia-. Por favor, papai. Guardáramo-lo em nosso quarto e o cuidaremos.

-Não farão nada disso -Fergus ignorou as lágrimas de Colleen e olhou ao Ethan, que também tinha os olhos cheios de lágrimas. Durante um instante, suavizou-se sua expressão. Ao fim e ao cabo, Ethan era seu primeiro filho, seu herdeiro, a garantia de sua imortalidade-. Um vira-lata não é o mascote apropriado para ti, moço. O filho de qualquer pescador pode ter um cão como esse. Se for um cão o que quer, procuraremos um assim que retornemos de Nova Iorque. Um cão estupendo, de raça.

-Eu quero ao Fred -com seus doces olhos ao bordo das lágrimas, Ethan elevou o olhar para seu pai. Até o pequeno Seam chorava já, embora duvide que compreendesse o que estava ocorrendo.

-Não há nada mais que discutir -a ponto já de perder a paciência, Fergus se levantou para o bar e se serve um uísque-. É completamente absurdo. Bianca, faz que qualquer dos serventes se ocupe do cão.

Sei que me pus tão pálida como os meninos. Até o Fred uivava, pressionando seu rosto contra meu peito.

-Fergus, não pode ser tão cruel.

Vi surpresa em seu olhar, sem dúvida. Jamais lhe tinha ocorrido pensar que eu pudesse lhe falar dessa forma diante dos meninos.

-Bianca, faz o que te ordenei.

-Mamãe disse que podíamos ficar o começou a dizer Colleen, elevando colérica sua voz infantil-. Mamãe o prometeu. Não poderá tirar o de casa. Mamãe não te deixará.

-Sou eu o que dirige esta casa. E se não querer ganhar uma bofetada controla seu tom de voz.

Descobri-me mesma me aferrando aos ombros de Colleen, tanto para contê-la para protegê-la. Jamais deixarei que lhe ponha uma mão em cima a um de meus filhos. A fúria me cegava, me fazia tremer enquanto me inclinava sobre ela e posava ao Fred em seus braços.

-Sobe com a babá -disse-lhe -. E leve a seus irmãos.

-Não matará ao Fred -há algo mais comovedor que a raiva de um menino?-. Odeio-o, e não deixarei que mate ao Fred.

-Quietos. Ao Fred não acontecerá nada, prometo-lhe isso. Estará bem. E agora sobe com a babá.

-Fez um pobre trabalho com seus filhos, Bianca -começou a dizer Fergus quando os meninos saíram-. Essa menina já tem idade suficiente para saber qual é seu lugar.

-Seu lugar? -sentia rugir em minha cabeça a fúria que nascia em meu coração-. Qual é seu lugar, Fergus? Ficar tranquilamente sentada em uma esquina, com as mãos cruzadas, sem expressar o que quer nem o que pensa até que lhe encontre um bom marido? São nossos filhos, seus filhos, Fergus, como pode lhes fazer tanto dano?

Jamais em todo meu matrimônio tinha utilizado esse tom com ele. Nunca me tinha ocorrido fazer algo assim. Por um instante, tive a convicção de que me ia pegar. Vi-o em seus olhos. Mas pareceu conter-se, embora seus dedos estavam brancos como o mármore enquanto sujeitava o copo.

-Me está perguntando isso a sério, Bianca? -a fúria tinha roubado a cor a seu rosto e escurecido seus olhos-. Esquece de quem é esta casa, quem te proporciona a comida que come ou a roupa que leva?

-Não -nesse momento senti com uma nova tristeza que era isso ao que se reduzia nosso matrimônio-. Não, não o esquecimento. Não posso esquecê-lo. Mas preferiria vestir farrapos ou passar fome antes que deixar que fizesse mal a meus filhos. E não penso permitir que os destroce lhes tirando esse cachorrinho.

-Permitir? -já não estava pálido, seu rosto se tingiu de cor carmesim-. Agora é você a que esquece qual é seu lugar, Bianca. Com uma mãe como você, não é surpreendente que os meninos me desafiem tão abertamente.

-Eles querem seu amor, sua atenção -apesar de todos meus esforços por me conter, a essas alturas já estava gritando-. Igual aos queria eu. Mas você sozinho quer a seu dinheiro, sua posição.

Que amargamente discutimos então. Nem sequer posso repetir tudo o que me chamou. Lançou o copo contra a parede, fazendo pedacinhos o cristal e seu próprio controle. Havia uma fúria selvagem em seus olhos quando me agarrou pelo pescoço. Temi por minha vida, estava aterrorizada por meus filhos. Atirou a um lado e eu me deixei cair em uma cadeira. Fergus me olhava fixamente, com a respiração agitada.

Muito lentamente, fazendo um grande esforço, conseguiu recuperar a compostura. Já não era tão intenso o rubor de suas bochechas.

-Agora me dou conta de que fui muito generoso contigo -disse-. Mas a partir de agora, tudo mudará. Crês que vais continuar fazendo as coisas tal como goste? Cancelarei os planos que tínhamos para esta noite. Tenho um assunto que atender em Boston. Enquanto esteja aqui, entrevistarei-me com várias instrutores. Já é hora de que os meninos aprendam a respeitar e a apreciar sua posição social. Você e a babá os mimastes muito -tirou seu relógio de bolso e olhou a hora-. Esta noite irei e estarei fora dois dias. Quando voltar, espero que tenha recordado quais são seus deveres. Se esse vira-lata estiver ainda na casa, você e os meninos serão castigados. fui claro, Bianca?

-Sim -respondi com a voz estrangulada-. Muito claro.

-Excelente. Até dentro de dois dias então.

Saiu do salão. Eu não me movi dali durante ao menos uma hora. Ouvi chegar a carruagem que vinha por ele. Ouvi-lhe dar ordens aos serventes. Para então, eu já sabia o que tinha que fazer.

 

-Para que diabos nos vai servir todo este bolo de papéis?

Hawkins caminhava nervoso por uma das ensolaradas habitações da casa que tinham alugado. Ele nunca tinha sido um homem paciente. Preferia usar seus punhos ou qualquer arma a seu cérebro. Seu sócio, que tinha adotado o nome do Robert Marshall, estava sentado em um escritório de carvalho, revisando atentamente os documentos que tinham roubado de Las Torres um mês antes. Tingiu-se o cabelo de um indefinido tom castanho.

Se Max Quartermain o tivesse visto, o teria identificado imediatamente como Ellis Caufield. Nenhum nome falso, nenhum disfarce, poderia esconder que era o ladrão sem escrúpulos que tinha planejado roubar as esmeraldas das Calhoun.

-Tomei numerosas moléstias para conseguir esses documentos -replicou Caufield em tom irritado-. E agora que perdemos ao professor, terei que decifrá-los eu mesmo. Simplesmente, demorarei um pouco mais.

-Todo este assunto me deixa nervoso.

Hawkins fixou o olhar na janela, nas frondosas árvores que flanqueavam a casa. Estava escondida detrás de um bosque de álamos cujas folhas agitava continuamente a brisa. Com as janelas do quarto totalmente abertos, a essência dos pinheiros e as ervilhas doces alagava a habitação. Mas Hawkins só podia cheirar sua própria frustração. O luminoso azul da baía não melhorava seu humor. Tinha passado suficiente tempo na prisão para sentir-se encerrado naquele lugar, por mais formosos que fossem os arredores.

Fazendo ranger seus nódulos, Hawkins se separou da janela.

-Poderíamos passar semanas aqui hospedados.

-Deveria aprender a apreciar esta paisagem. E esta habitação -o nervosismo de seu companheiro era irritante, mas o tolerava. Ao menos enquanto necessitasse ao Hawkins. depois de que as esmeraldas fossem encontradas... Bom, esse era outro assunto-. Certamente, eu prefiro a casa ao iate. E encontrar um alojamento adequado frente à baía foi caro e difícil.

-Essa é outra das coisas -Hawkins tirou um cigarro-. Estamos gastando uma dinheirama e quão único conseguimos até agora foi um monte de papéis.

-Asseguro-o que as esmeraldas valerão muito mais que todo o dinheiro que temos gastado.

-Se é que as malditas esmeraldas existem.

-Existem -Caufield limpou a fumaça com a mão, com um gesto de irritação e repetiu com expressão intensa-: Existem. E antes que termine este verão, terei-as em minhas mãos -elevou as mãos. Eram suaves, brancas e ágeis. Nesse momento, estava imaginando as reluzentes pedras preciosas sobre elas-. E serão minhas.

-Nossas -corrigiu-o Hawkins.

Caufield elevou o olhar e sorriu.

-Nossas, é obvio.

Depois de jantar, Max voltou a concentrar-se na lista. disse-se a si mesmo que estava sendo responsável, fazendo o que tinha que fazer. Mas a verdade era que tinha que pôr distância entre ele e Lilah. Não podia continuar enganando-se dizendo que o que sentia por ela era somente desejo. Que era uma simples reação física que poderia ser ativada por uma imagem na televisão ou uma voz na rádio.

Porque sabia que não havia nada simples nem fácil de ignorar em sua forma de reagir ante a Lilah.

À medida que foram acontecendo os dias, seus sentimentos eram mais confusos, menos estáveis e mais ingovernáveis. A situação já era suficientemente complicada quando lhe bastava olhá-la para desejá-la. Nesse momento, bastava-lhe olhá-la para sentir que seus desejos se fundiam com sonhos pouco realistas, absurdos e impossíveis.

Max nunca tinha dedicado muito tempo a pensar no amor, e nenhum absolutamente a pensar no matrimônio ou a família. Seu trabalho sempre tinha sido suficiente para ele, tinha enchido todos os vazios de sua vida. Tinha desfrutado das mulheres, e embora estava longe de ter sido o Dom Juan do Cornell, tinha mantido algumas relações cômodas e satisfatórias. Mesmo assim, nunca havia sentido a necessidade de correr ao altar ou começar a construir um lar.

O celibato o agradava. Quando pensava no futuro se imaginava a si mesmo como um mal-humorado ancião e com um belo cão como única companhia.

Era um homem simples que vivia uma vida tranquila. Ao menos até então. E assim que ajudasse a localizar as esmeraldas das Calhoun, retornaria a sua vida tranquila. E retornaria sozinho. Embora as coisas já nunca seriam exatamente iguais para ele, sabia que Lilah se esqueceria do torpe professor de universidade antes que os ventos invernais começassem a soprar na baía.

E imaginava que quanto antes terminasse o que se mostrou de acordo em fazer e partisse, mais fácil seria ir-se. Terminou a lista e decidiu que já tinha chegado a hora de dar o seguinte passo para o final do mais incrível verão de sua vida.

Encontrou Amanda em sua habitação, trabalhando em sua própria lista. Era a dos convidados a suas bodas, que se celebraria em menos de três semanas.

-Sinto interromper.

-Não se preocupe -Amanda empurrou brandamente seus óculos e sorriu-. Tenho tudo sob controle, exceto meus nervos -ordenou seus papéis e os deixou sobre a bandeja que tinha no escritório-. Eu era partidária de me fugir com o Sloan, mas tia Cordy me teria assassinado.

-Suponho que um casamento dê muito trabalho.

-Inclusive preparar uma cerimônia simples e familiar é como planejar a maior das ofensivas. Ou como estar no circo -decidiu, e soltou uma gargalhada-. Tem que terminar fazendo malabarismos com os fotógrafos, a colocação dos convidados e os acertos florais. Mas me está saindo tudo muito bem. Está-me ajudando C.C, embora deveria ser capaz de fazê-lo todo eu sozinha. Mas... -tirou-se os óculos e começou a dobrar e desdobrar as hastes-. Todas estas coisas me desequilibram, assim Max, tenta me distrair um momento e me conte o que se preocupa você.

-Estive trabalhando nesta lista e não sei se esta completa -mostrou-lhe a lista-. São todos os nomes de todos os serventes que trabalharam na casa no verão em que Bianca morreu, ao menos os que pude encontrar.

Amanda apertou os lábios e voltou a colocar os óculos. Admirou aquelas colunas ordenadas, escritas com uma letra nítida.

-São todos estes?

-São os que aparecem no livro de contabilidade que consultei. Pensei que poderíamos nos pôr em contato com suas famílias. Possivelmente inclusive tenhamos sorte e algum deles viva.

-Qualquer um que trabalhasse aqui nessa época, deve rondar já os cem anos.

-Não necessariamente. Muitos dos empregados poderiam ser muito jovens. Algumas donzelas, o jardineiro, ou as ajudantes de cozinha, por exemplo -quando Amanda começou a tamborilar com o lápis na mesa, acrescentou-: Há poucas probabilidades, sei, mas...

-Não -com o olhar fixo na lista, Amanda assentiu-. Embora não pudéssemos encontrar a ninguém dos que trabalhou então aqui, é possível que contassem algo a seus filhos. É quase seguro que maior parte deles viviam nesta zona, e possivelmente ainda o sigam fazendo -elevou o olhar-, teve uma boa ideia, Max.

-Eu gostaria que me ajudasse a confirmar alguns nomes.

-Ajudarei-o em tudo o que possa, mas não vai ser fácil.

-Investigar é o que melhor faço.

-E tem feito um grande trabalho -tendeu-lhe uma mão para estreitar-lhe por que não nos dividimos a lista entre os dois e começamos amanhã? Suponho que a cozinheira, o mordomo, o ama de chaves, a dama pessoal da Bianca e a babá viriam com eles de Nova Iorque.

-Mas certamente as criadas e os empregados de menor fila seriam contratadas na localidade.

-Exatamente, podemos dividir a lista dessa forma e depois comprovar os dados -interrompeu-se quando Sloan entrou na habitação com uma garrafa de champanha e duas taças.

-Deixo-a cinco minutos só e já começa a se entreter com outro -deixou a garrafa de champanha a um lado-. E além disso estão falando de comprovar dados. Isto deve ser algo sério.

-Nem sequer começamos a pô-los em ordem alfabética -respondeu Amanda.

-Parece que cheguei bem a tempo -tomou o lápis que Amanda tinha na mão antes de fazê-la levantar-se-. Cinco minutos mais, e já poderiam ter estado começando a fazer correlações.

Certamente, ali não o necessitavam, decidiu Max. Pela forma em que se estavam beijando, aparentemente tinham se esquecido dele. Enquanto partia, olhou invejoso por cima do outro. estavam-se olhando o um ao outro, sorrindo, sem dizer nada. Era evidente que se tratava de duas pessoas que sabiam o que queriam: Queriam um ao outro.

Já de volta em sua habitação, Max decidiu que passaria o resto da noite tomando notas para seu livro. Se pudesse reunir o valor suficiente, sentaria-se em frente da máquina de escrever que Cordy lhe tinha emprestado. Podia dar esse passo, esse enorme passo, e começar a escrever diretamente seu romance, em vez de dedicar-se se preparar para escrevê-la.

Pensou em como fugirá desesperado de Remington e sentiu que lhe encolhia o estômago. Queria sentar-se, deslizar os dedos por aquelas teclas com o mesmo desespero que um homem ansiava ter à mulher desejada em seus braços. Mas lhe dava tanto medo ter, que se enfrentar à folha em branco como se ver frente ao pelotão de fuzilamento, Ou possivelmente mais.

Só precisava preparar-se, disse-se a si mesmo. Colocar melhor seus livros de referência. Tentar que suas notas fossem mais facilmente acessíveis. E ajustar a luz.

Pensou em dúzias de detalhes que devia aperfeiçoar antes de começar. Uma vez teve terminado com eles, tentou e fracassou pensar em algo mais. E se sentou.

Ali estava, compreendeu, a ponto de começar algo com o que tinha sonhado durante toda sua vida. Quão único tinha que fazer era escrever a primeira frase e já estaria comprometido a continuar.

Curvou os dedos sobre o teclado.

Por que teria pensado que podia escrever um romance? Uma tese, uma conferência, sim. Ambas eram coisas que estava preparado para fazer. Mas um romance, Deus, um romance não era algo que ninguém pudesse ensinar a fazer. Fazia falta imaginação, astúcia, sentido do dramatismo. Pensar em uma história e articulá-la sobre o papel eram duas coisas completamente diferentes.

E não era uma tolice começar algo que estava destinado ao fracasso? Enquanto continuasse preparando-se para escrever seu romance, não correria nenhum risco e, portanto, tampouco haveria nenhuma decepção. Mas se começava, se realmente começava, já não poderia continuar escondendo-se depois das notas e a busca de livros. E quando fracassasse, já nem sequer poderia sonhar com seu romance.

Com movimentos tensos, deslizou os dedos sobre as teclas, enquanto em sua mente continuavam amontoando-se dúzias de desculpas para pospor o momento de começar. Quando a primeira frase passou desde seu cérebro até seus dedos e apareceu sobre a página em branco, deixou escapar um longo e trêmulo suspiro.

Três horas depois, tinha dez páginas cheias. A história, a que tinha estado dando voltas em sua cabeça durante tanto tempo, estava começando a cobrar forma através da palavra. Suas palavras. Max sabia que provavelmente era espantosa, mas não parecia lhe importar. Estava escrevendo, escrevendo de verdade. O processo o fascinava e o enchia de júbilo. Escutar o repico das teclas lhe parecia o maior dos prazeres.

Tirou a camisa e os sapatos e se inclinou para frente, com o cenho franzido e o olhar ligeiramente desfocado, Seus dedos voavam sobre as teclas e se detinham de repente, enquanto ele esquentava os miolos tentando encontrar a maneira de transladar ao papel o que tinha na cabeça.

E assim foi como Lilah o encontrou. Max tinha deixado abertas as portas do terraço para que entrasse a brisa. A habitação estava virtualmente às escuras, com a única iluminação do abajur que havia sobre a escrivaninha. ficou observando-o, excitada por sua total concentração e encantada com a forma em que a franja caía sobre seus olhos.

Era estranho que tivesse ido buscá-lo? Estava tão completamente apaixonada por ele que lhe teria resultado impossível manter-se longe. Não encontrava nada mau em passar uma noite com ele para lhe demonstrar seu amor de uma maneira que Max pudesse compreender e aceitar. Precisava fazer amor com ele, forjar uma união que pudesse ser importante para ambos.

Não mediante sexo, a não ser através da intimidade. Uma intimidade que tinha começado no momento no que, enquanto jazia meio morto na praia, tinha elevado a mão até seu rosto. Havia uma conexão entre eles da que Lilah não podia escapar. E, como tinha pensado enquanto se levantava da cama para ir a seu encontro, da que não queria escapar.

Sua intuição a tinha levado até o dormitório do Max aquela noite, da mesma forma que a tinha miserável até a praia o dia da tormenta.

A decisão tinha que ser dela, sabia. Entretanto, por terrivelmente que o desejasse, não podia tomar o que ninguém lhe tinha devotado. E ele vacilaria em tomar inclusive o que lhe ofereciam porque tinha suas próprias normas e códigos éticos. Possivelmente se a amasse.

Mas não podia permitir-se pensar nisso. Com o tempo, Max chegaria a amá-la. Seus próprios sentimentos eram muito fortes e profundos como para que os de Max não estivessem a sua altura.

Assim ela daria o primeiro passo. Sedução.

A concentração do Max era tão intensa que nem sequer um grito teria conseguido rompê-la. Mas a fragrância de Lilah, deslizando-se na habitação enredada com a brisa, conseguiu fazê-la pedacinhos. O desejo brotou em seu sangue antes que erguesse o olhar e a visse no marco da porta. A bata branca flutuava a seu redor. Apanhada na corrente de ar, o cabelo dançava sobre seus ombros. Depois dela, o céu era uma lona negra da que Lilah, ilusão ou realidade, acabava de surgir. Lilah sorriu e os dedos do Max caíram murchos sobre o teclado.

-Lilah.

-Tive um sonho -era verdade, e dizer a verdade era algo que sempre tinha acalmado seus nervos-. Sobre você e sobre mim. Estávamos iluminados pela lua. Quase podia sentir a luz da lua sobre minha pele, até que você me tocava -entrou na habitação, fazendo que a seda sussurrasse brandamente a seu redor, como a água frisando-se sobre a água-. Então somente sentia a ti. Havia flores, de uma fragrância muito ligeira e muito doce. E um rouxinol, lançando seu quente canto para procurar casal. Foi um sonho adorável, Max -deteve-se ao lado de sua mesa-. Depois despertei, sozinha.

Max estava convencido de que a bola de tensão que sentia no estômago ia explorar de um momento a outro, deixando-o completamente indefeso. Lilah era mais formosa que qualquer fantasia, seu cabelo se estendia como um fogo abrasador sobre seus ombros e sua grácil e esbelta figura se recortava contra a magra e escorregadia seda.

-É tarde -tentou esclarecê-la garganta-. Não deveria estar aqui.

-Por quê?

-Porque é...

-Indecoroso? -sugeriu-. Temerário? -afastou-lhe a franja-. Perigoso?

Max se cambaleou sobre seus pés e se aferrou ao respaldo da cadeira.

-Sim, tudo isso.

Os olhos do Lilah pareciam estar cheios de segredos femininos milenares.

-Mas eu me sinto temerária, Max. Você não?

«Desesperado» era a palavra adequada. Desesperado por acariciá-la. Seus dedos empalideciam sobre o respaldo da cadeira.

-É uma questão de respeito.

O sorriso do Lilah se tomou repentinamente cálida e muito doce.

-Respeito-o, Max.

-Não, ao que me refiro... -Lilah estava tão adorável quando sorria desse modo, tão jovem, tão frágil-. Decidimos ser amigos.

-E o somos -posando os olhos sobre os do Max, elevou a mão para acariciar seu cabelo. Seus anéis resplandeceram sob a luz do abajur.

-E isso é...

-Isso é o que queremos -terminou Lilah por ele. Quando se inclinou para o Max, este retrocedeu. A cadeira se cambaleou. A risada de Lilah não era zombadora, a não ser cálida e encantadora-. Está nervoso, Max?

-Essa é uma palavra muito amável para expressar o que sinto -logo que conseguia tomar ar através de sua garganta seca. Tinha convertido suas mãos em punhos que se retorciam como o nó que sentia no estômago-. Lilah, não quero que estraguemos o que temos. O céu sabe que não quero que me rasgue o coração.

Lilah sorriu, sentindo renascer a esperança através de seus próprios nervos.

-Poderia?

-Sabe que poderia. Provavelmente já tenha perdido a conta de todos os corações que quebrou.

Já estava ali outra vez, pensou Lilah, invadida pela desilusão. Max ainda a via, e provavelmente sempre o faria, como uma sereia despreocupada que tentava aos homens para depois se desfazer deles. Não compreendia que era seu coração o que estava em perigo, que tinha estado em perigo do primeiro momento. Mas não permitiria que isso a detivesse, não podia. Aquela noite ia passar a com ele. sentia-se muito forte para estar equivocada.

-Me diga, professor, alguma vez sonhou comigo? -caminho para ele e Max retrocedeu. Permaneciam ambos nas sombras, depois da luz do abajur-. Alguma vez permaneceu acordado na cama, se perguntando como seria?

Max estava perdendo terreno muito rapidamente. Sua mente estava tão cheia dela que já não havia espaço para nada mais, salvo o desejo.

-Sabe que sim.

Outro passo e seriam apanhados por um raio de lua, tão branco como a bata de Lilah, e igualmente sedutor.

-E quando sonha nisso, onde estamos?

-Não acredito que isso importância -tinha que tocá-la, não podia resisti-lo, embora só fora roçar seu cabelo-. Estamos sozinhos.

-Agora estamos sozinhos -deslizou as mãos por seus ombros para as entrelaçar detrás de seu pescoço-. Beije-me. Max. Como me beijou a primeira vez, quando estávamos sentados na erva.

Max posou as mãos em seu cabelo, com os dedos tensos como cabos.

-Não terminarei aí, Lilah. Desta vez não.

Lilah curvou os lábios enquanto os elevava para ele.

-Somente , me beije.

Max lutou para controlar a força de suas mãos enquanto a agarrava, para que seu beijo fora delicado enquanto deslizava os lábios sobre sua boca. Certamente tinha força suficiente para conter a necessidade dilaceradora de devorá-la. Não lhe faria nenhum dano, prometeu-se. E se aferrou a débil esperança de que poderia passar uma noite com ela e emergir ileso.

Era tão doce, pensou Lilah. Tão adorável. A ternura de seu beijo era ainda mais comovedora porque Lilah podia sentir o tremor da paixão que ambos estavam reprimindo. Seu próprio coração, já transbordante de amor, transbordava-se. Quando seus lábios se separaram, brilhavam as lágrimas em seus olhos.

-Eu não quero que isto termine aqui -voltou a roçar seus lábios-. Nenhum dos dois o quer.

-Não.

-Então, façamos amor, Max -murmurou. Mantinha os olhos fixos nos do Max enquanto retrocedia e se desabotoava a bata-. Esta noite te quero -a camisola se deslizou até o chão.

Sob a camisola, a pele do Lilah aparecia branca e suave como o mármore. Seus largos membros poderiam ter sido esculpidos pelas mãos de um artista. Lilah permanecia erguida, coberta unicamente pela luz da lua e esperando.

Max jamais tinha visto nada mais perfeito, mais elegante ou mais frágil. de repente, sentia suas mãos enormes e torpes e seus dedos rudes. Tinha sérias dificuldades para respirar enquanto a tocava. Embora seus dedos flutuavam sobre a pele, aterrava-o deixar marcas nela. Fascinado, observava sua própria mão movendo-se sobre Lilah, riscando a curva de seus ombros, deslizando-se por seus braços perfeitos. Com cuidado, com muitíssimo cuidado, acariciou a pele, suave como a água, de seus seios.

Primeiro sentiu aquela debilidade nas pernas. Ninguém a havia tocado daquela maneira, com uma delicadeza tão embriagadora. Era como se fosse a primeira mulher que Max tinha visto em sua vida e estivesse tentando memorizar seu rosto e suas formas através das pontas de seus dedos. Lilah tinha chegado a sua habitação para seduzi-lo, mas seus braços caíam inertes a ambos os lados de seu corpo. E estava sendo seduzida. Deixou cair a cabeça para trás, em um involuntário gesto de rendição. E Max não tinha forma de saber que aquela era a primeira vez que Lilah se rendia.

A vulnerável coluna de seu pescoço era impossível de resistir. Max pressionou sua boca contra ela enquanto com a palma da mão roçava ligeiramente um de seus mamilos.

Aquela combinação provocou um violento estalo de sensações que atravessou seu corpo. Confundida, Lilah estremeceu ao mesmo tempo em que ofegava seu nome.

Max retrocedeu imediatamente, amaldiçoando-se a si mesmo.

-Sinto muito -deixou-se cegar pelo desejo e sacudiu a cabeça, para tentar limpar seus pensamentos-. Sempre fui muito torpe.

-Torpe? -envolta já na névoa do desejo, inclinou-se para ele para percorrer com os lábios seus ombros, sua garganta e seu peito-. Não se dá conta do que está me fazendo? Não se detenha -sua boca encontrou seus lábios e se deteve ali-. Acredito que morreria se fizesse.

Aquele constante bombardeio a seu sistema central esteve a ponto de fazê-lo cair. Lilah o acariciava, impaciente e ansiosa. Sua boca, Deus, sua boca era rápida e ardente ao mesmo tempo, abrasava sua pele com cada um de seus beijos. Max não podia pensar, nem ao menos podia respirar. Não podia fazer nada que não fora sentir.

Fazendo um esforço sobre-humano para recuperar o controle, ergueu o rosto de Lilah para o seu, e tentou apaziguá-la a ela e a seus lábios concentrando todos seus desejos em um daqueles intermináveis beijos. Sim, podia sentir o efeito que estava tendo em Lilah e estava completamente admirado. Com um gemido grave e gutural, Lilah relaxou cada um de seus músculos, em uma rendição mais erótica que qualquer sedução. Seu corpo parecia derreter-se contra o seu com uma total maleabilidade, com uma confiança absoluta. Quando Max a levantou em braços, ela deixou escapar um suave e preguiçoso som de prazer.

Tinha os olhos quase completamente fechados. Max adivinhava sob suas pestanas uma brilhante veta de íris verde. Enquanto a levava a cama, sentia-se tão forte como Hércules. Delicadamente e contemplando seu rosto, deixou-a sobre os lençóis.

A luz da lua banhava a cama, alagava a habitação, entrando pelas janelas como um rio de prata. Max podia ouvir o vento sussurrando entre as árvores e o distante retumbar da água contra as rochas. A fragrância de Lilah, tão misteriosa como a da Eva, envolvia-o com a mesma facilidade que seus braços.

Tomou suas mãos. Apanhado pelo romantismo da noite, levou-as a seus lábios e posou sua boca sobre seus dedos e as palmas. Olhava-a constantemente enquanto a mordiscava ligeiramente, enquanto a acariciava e excitava com a língua. Ouvia como se acelerava sua respiração, contemplava seus olhos nublando-se com um confuso desejo enquanto ele continuava fazendo amor com suas mãos. Quando posou os lábios em sua mão, sentiu seu pulso palpitante.

Max estava extraindo dela algo para o que Lilah não se preparou. Tinha-a deixado completamente indefesa. Seria consciente de que a tinha em seu poder?, perguntou-se vagamente. Aquele prazer ligeiro e embriagador flutuava desde seus dedos a todo os rincões de seu corpo. Quando Max deslizou os lábios por seu braço para deter-se no rincão de seu cotovelo, um gemido escapou de sua garganta.

Lilah nem sequer era consciente de que se estava movendo debaixo dele, convidando-o a tomar tudo o que desejasse. Quando a boca do Max encontrou por fim seus lábios, a única palavra que estes puderam formar foi o nome de seu amado.

Max tentava conter sua ansiedade. Mas era quase impossível dominá-la, sentindo o corpo do Lilah tão suave, tão ágil sob o seu. Mas se negava a entregar-se a ela. Aquela noite, que poderia ser a única, tinha que durar. Ele queria muito mais que, a rápida e frenética união que seu corpo desejava. O queria o deslumbrante prazer de aprender-se cada centímetro de seu corpo, de descobrir seus segredos, sua debilidade. Com paciência, poderia gravar-se em seu cérebro o que era tocá-la e senti-la tremer, o que era saboreá-la e escutar seus suspiros. Quando Lilah moveu suas mãos sobre ele, soube que também ela estava perdida em meio da noite.

Baixou então lentamente até ela, marcando sua pele com os lábios e o sussurro de seus dedos. Com uma tortuosa paciência, entreteve-se em seus seios até vê-los cheios de prazer. Sua boca foi baixando gradualmente, enquanto seus dedos se agarravam ao seu cabelo. Pôde ouvir então suas suaves e incoerentes súplicas, seus suspiros ofegantes enquanto deslizava os lábios por seu torso e mordiscava tentadoramente seus quadris.

Lilah sentiu sua respiração contra suas coxas e gritou, arqueando-se ao sentir uma violenta sacudida, a primeira onda de fogo.

Lilah voou até o bordo daquele prazenteiro precipício e retrocedeu enquanto Max, vagava por seu joelho.

Max não podia saciar-se. Cada bocado dela era mais potente que o anterior. Sentia como começava a rugir a tensão em sua face, como ardia em seu sangue. Aferrando-se a suas mãos, deixou-se levar pela loucura ao tempo que a empurrava até o clímax outra vez. Quando sentiu seu corpo relaxado e sua respiração em soluços, voltou para sua boca.

Lilah estava desejando suplicar, mas não podia dizer uma palavra. Estava sendo sacudida por uma cadeia interminável de sensações que a deixavam débil, aturdida e desejando muito mais. Desejando-o desesperadamente, tentou lhe tirar os jeans. Teria gritado de frustração se Max não tivesse apanhado sua boca para converter seu grito em um gemido.

Tirando as calças entre ofegos, conseguiu arrastá-los até seus quadris, sentindo-se enlouquecer de alegria ao ser consciente de que seus dedos inquietos o estavam fazendo estremecer-se. Estreitando-se pele contra pele, entre ambos conseguiram desfazer-se dos jeans.

-Espera -as palavras saíram precipitadamente de seus lábios enquanto lutava por conservar sua última capacidade de controle-. Olhe-me -esticou os dedos sobre seu cabelo enquanto Lilah abria os olhos-. Olhe-me -repetiu-. Quero que lembre-se disso.

Com os músculos tremendo pelo esforço de fazer as coisas lentamente, afundou-se nela. O olhar do Lilah se nublou, mas manteve os olhos abertos enquanto ambos começavam a mover-se ao mesmo ritmo. Lilah sabia, enquanto Max a enchia de si mesmo, que estava vivendo algo que nunca esqueceria.

Era tão doce, tão natural, a forma em que a cabeça do Max repousava sobre seus seios. Lilah sorriu ante aquela sensação enquanto acariciava seu cabelo. Entrelaçava uma mão com a sua, como quando deslizaram juntos pelas cúpulas mais altas do prazer. Meio sonhando, imaginou o que seria dormir juntos, como naquele momento, noite após noite.

Max a sentiu relaxar-se embaixo dele, sentiu seu corpo quente e flexível, e sua pele ainda brilhante pelo rocio da paixão. Seu coração ia diminuindo gradualmente o ritmo de seus batimentos. Por um instante, Max podia fingir que aquela era uma noite entre muitas. Que Lilah poderia chegar a lhe pertencer da forma tão íntima e complexa em que um homem pertencia a uma mulher.

Sabia que lhe tinha dado prazer e que, durante algumas horas, tinham estado tão unidos quanto podiam chegar a estar duas pessoas. Mas naquele momento, não tinha nem a menor ideia do que podia dizer... Porque a única coisa que queria dizer era que queria voltar a fazer amor com ela.

-No que está pensando? -perguntou-lhe Lilah.

-Meu cérebro ainda não começou a trabalhar.

Lilah soltou uma gargalhada, grave e cálida. estirou-se e serpenteou na cama até que seus rostos ficaram à mesma altura.

-Então lhe direi o que estou pensando eu -aproximou sua boca até a do Max para deter-se em um lânguido e prolongado beijo-. Eu gosto de seus lábios -mordiscou-lhe tentadoramente o lábio inferior-. E suas mãos, e seus ombros, e seus olhos -enquanto falava, deslizava o dedo por suas costas-. De fato, neste momento não me ocorre nada que eu não goste de você.

-A próxima vez que ficar zangada comigo eu lhe lembrarei disso, -acariciou seu cabelo, porque desfrutava vendo espalhados sobre os lençóis-. Custa-me acreditar que esteja aqui com você, assim.

-Não sentiu desde o começo, Max?

-Sim -desenhou o perfil de sua boca com um dedo-. Mas imaginava que era somente uma ilusão, um desejo.

-Não confia muito em você, professor -cobriu seu rosto de diminutos beijos-. É um homem atraente, com uma mente admirável e um sentimento de compaixão que resulta irresistível -em seus olhos não brilhava a diversão quando Max a olhou. Posou a mão em sua face-. Quando fizemos amor esta noite, foi perfeito. Esta foi a noite mais linda de minha vida.

Viu-o então em seus olhos. Não era pudor, e sim uma absoluta incredulidade. Em um momento que Lilah estava completamente indefesa, no que acabava de despir completamente sua alma, nada poderia lhe haver doído mais.

-Sinto muito -disse muito tensa, e se afastou-. Estou segura de que te parece uma frase feita vindo de mim.

-Lilah...

-Não, estou bem -apertou os lábios até que esteve segura de que sua voz soaria ligeira e alegre outra vez-. Não precisamos complicar as coisas -sentou-se na cama e jogou o cabelo para trás-. Entre nós não há ataduras, professor. Nada de armadilhas nem cláusulas ocultas em nosso contrato. Somos dois adultos que desfrutam estando juntos, de acordo?

-Não estou certo.

-Digamos então que nos limitaremos a viver o dia a dia. Ou possivelmente fosse melhor dizer a noite -inclinou-se para beijá-lo-. E agora que já deixamos claro, acredito que será melhor que eu me vá.

-Não -tomou a mão antes que pudesse levantar-se da cama-. Não vá. Nada de ataduras -disse-lhe enquanto a estudava-. Nada de complicações. Somente fique comigo esta noite.

Lilah sorriu ligeiramente.

-Só o seduzirei outra vez.

-Estava esperando que o dissesse -estreitou-a contra ele-. Quero estar contigo quando amanhecer.

 

Quando o sol se elevou no céu para verter seus dourados raios pelas janelas e afugentar as últimas sombras da noite, Lilah estava ainda em seus braços. Ao Max resultava incrível saber que sua cabeça estava sobre seu ombro e sua mão, ligeiramente fechada, sobre seu coração. Lilah dormia como uma menina, profundamente, aconchegada a ele, em busca de calor e carinho.

Embora a noite tivesse terminado, Max permanecia muito quieto, relutante a despertá-la. Os pássaros já tinham começado seu coro matinal. Mas o silêncio era tal que podia ouvir o vento deslizando-se através das folhas das árvores. Max sabia que as serras e os martelos logo perturbariam aquela paz e os fariam retornar à realidade. Assim permanecia obstinado a esse curto interlúdio entre o mistério da noite e a agitação do dia.

Lilah suspirou e se estreitou contra ele enquanto Max acariciava seu cabelo. Max recordava quão generosa tinha sido durante aquelas escuras horas de sonho. Tinha tido a sensação de que lhe bastava desejá-la para que Lilah se voltasse para ele. Faziam amor uma e outra vez, em silêncio e com uma compenetração absoluta.

Max queria acreditar nos milagres, acreditar que aquela noite tinha sido tão especial para ela como para ele. Mas tinha medo de dar algum valor às palavras de Lilah.

«Ninguém me tem feito me sentir como você».

Por muito que tentasse as esquecer, aquelas palavras se repetiam uma e outra vez em sua cabeça, lhe dando esperanças. Se tomava cuidado e paciência, se medisse cada um de seus passos antes de dá-lo, possivelmente conseguisse o milagre.

Embora sabia que não se ajustava muito bem ao papel de príncipe, inclinou o rosto para despertá-la com um beijo.

-Mmm -Lilah sorriu, mas não abriu os olhos-. Pode me dar outro?

Sua voz, rouca pelo sono, acendeu imediatamente o desejo sobre a pele do Max. esqueceu-se de ser prudente. esqueceu-se de ser paciente. A segunda vez, tomou seus lábios com um desespero que fez arder todos os circuitos de Lilah antes que se despertasse por completo.

-Max -abraçou-o estremecida-, desejo-te. Agora. Agora mesmo.

Max já estava dentro dela, preparado para levá-la onde ambos estavam desejando afastar-se. A viagem foi rápido, furiosa; elevou-os a ambos até a cúpula em que permaneceram ofegantes e aturdidos.

Quando Lilah deslizou as mãos pelas costas úmidas do Max, ainda não tinha aberto os olhos.

-Bom dia -conseguiu dizer-. Acabo de ter um sonho incrível.

Embora ainda não tivesse se refeito do atordoamento, Max se incorporou sobre seus braços para olhá-la.

-Estava na cama com o homem mais atraente do mundo. Tinha os olhos azuis e o cabelo negro, que sempre caem sobre o rosto sorrindo, abriu os olhos e lhe jogou o cabelo para trás-. E um corpo de músculos estilizados -sem deixar de olhá-lo, começou a acariciá-lo-. Eu não queria despertar, mas quando o fazia, a realidade era melhor que o sonho.

Temendo esmagá-la, Max trocou de postura.

-Que possibilidades temos de passar o resto de nossas vidas nesta cama?

Lilah lhe beijou no ombro.

-Estou disposta -e de repente gemeu ao ouvir o zumbido das ferramentas irrompendo n o silêncio da manhã-. Não podem ser sete e meia.

Tão relutante como ela, Max olhou o despertador da mesinha.

-Temo-me que pode.

-Me diga que hoje é meu dia livre.

-Bem que eu gostaria de lhe dizer isto.

-Minta -sugeriu Lilah.

-Deixa-me levá-la ao trabalho?

Lilah fez uma careta.

-Não diga essa palavra.

-Então vamos dar uma volta mais tarde?

Lilah voltou a erguer a cabeça.

-Aonde?

-Aonde queira.

Inclinando a cabeça, Lilah sorriu.

-Esse é meu lugar favorito.

Max manteve Lilah fora de sua mente, ou ao menos tentou, concentrando-se na tarefa de localizar a pessoas que pudessem ter relação com as que tinha em sua lista. Comprovou relatórios judiciais, denúncias, registros eclesiásticos e certificados de falecimento. E seu minucioso trabalho foi recompensado com um punhado de direções.

Quando acreditou ter esgotado todas as possibilidades de descobrir algo mais aquele dia, conduziu até a oficina de C.C. Encontrou-a enterrada até a cintura sob o capô de um sedan negro.

-Sinto interromper -gritou sobre o barulho provocado por um transistor.

-Então não interrompa -havia uma mancha de graxa em sua face, mas seu cenho desapareceu assim que elevou o olhar e viu o Max-. Olá.

-Posso voltar em outro momento.

-Só porque estou toda cheia de graxa? -sorriu e tirou um trapo do bolso do macaco de trabalho para secá-las mãos-. Quer tomar algo? -assinalou com a cabeça a máquina dos refrescos.

-Não, obrigado. Só vim perguntar se souber de algum carro.

-Está usando o de Lilah, não? Está lhe dando problemas?

-Não. A questão é que é possível que tenha que utilizá-lo frequentemente estes dias e não me parece bom deixá-la sem carro. pensei que você poderia saber se houver alguém por esta zona que queira vender um carro.

C.C apertou os lábios.

-Quer comprar um carro?

-Sim, um carro que não seja muito caro. Que me sirva como meio de transporte. Depois tenho que voltar para Nova Iorque... -lhe quebrou a voz. Não queria pensar na volta a Nova Iorque-, e sempre posso vendê-lo antes de ir.

-Pois acontece que conheço alguém que tem um carro em venda. Eu.

-Você?

C.C. assentiu e se meteu o trapo no bolso.

-Agora que vou ter um menino, decidi trocar meu Spitfire por um carro familiar.

-Spitfire? -não estava seguro de que modelo era esse, mas não lhe soava como o carro que conduziria um digno professor de universidade.

-Foi meu carro durante anos e acredito que me sentiria muito melhor vendendo-lhe a alguém que conheço -já tinha agarrado ao Max pela mão e estava arrastando-o para o exterior da garagem.

Ali estava, um capricho vermelho, conversível e de assentos envolventes.

-Bom, eu...

-Troquei o motor faz uns anos -C.C. já estava abrindo o capô-. Conduzi-lo é um autêntico sonho. Tem menos de dez mil quilômetros. Eu fui sua única proprietária, assim posso te garantir que foi tratado como uma dama. E aqui... -elevou o olhar e sorriu-. Vá, pareço um desses sujeitos de revendedora tentando vender um carro de segundo mão.

Max podia ver seu rosto refletido na brilhante pintura do veículo.

-Nunca dirigi um esportivo.

A nostalgia que refletia sua voz fez sorrir C.C.

-Direi o que vamos fazer. Deixe comigo o carro de Lilah e leve este. Assim veremos como fica.

De modo que Max se encontrou a si mesmo atrás do volante, tentando não sorrir como um parvo enquanto o vento açoitava seu cabelo. O que diriam seus alunos, perguntou-se, se vissem o inquebrável professor Quartermain conduzindo um chamativo conversível? Provavelmente pensariam que estava louco. E possivelmente o estivesse, mas estava passando a melhor época de sua vida.

Tinha certeza que Lilah adorava aquele carro, pensou. Já a estava imaginando, sentada a seu lado, com o cabelo dançando a seu redor enquanto ria e elevava os braços ao céu. Ou recostada no assento com os olhos fechados, deixando que o sol acariciasse seu rosto.

Era um sonho muito bonito, e poderia chegar a fazer-se realidade. Ao menos durante algum tempo. E possivelmente não vendesse aquele carro quando retornasse a Nova Iorque. Não havia nenhuma lei que dissesse que tinha que conduzir um modelo sóbrio e prático. Podia conservá-lo para que lhe recordasse aquelas incríveis semanas que tinham mudado sua vida.

Possivelmente nunca voltasse a ser o sério e inquebrável doutor Quartermain.

Rodou colina acima e baixou de novo para provar o carro no meio do tráfico da localidade. Encantado com o mundo em geral, tamborilava no volante com os dedos, seguindo o ritmo da música da rádio.

Havia muita gente passeando pelas calçadas e abarrotando as lojas. Se tivesse visto algum lugar para estacionar, ele mesmo teria deixado o carro e teria entrado em qualquer loja, solo para pôr a prova sua capacidade de resistência. Mas como não encontrou lugar, entreteve-se olhando a toda aquela gente que procurava a camiseta perfeita.

Reparou de repente em um homem de cabelo escuro e uma cuidada barba que permanecia na calçada, olhando-o fixamente. Satisfeito de si mesmo e daquele fantástico carro, sorriu de orelha a orelha e o saudou com a mão. Tinha percorrido já meio quarteirão quando a verdade o golpeou como um punho. Freou, provocando um estalo nos pneus, meteu-se por uma rua lateral e procurou a forma de voltar de novo para aquela intercessão. Para quando chegou, o homem já se foi. Max procurou por toda a rua, mas não tinha deixado nem rastro. Amaldiçoou amargamente a falta de um lugar para estacionar, além de sua própria carência de reflexos.

Tingiu o cabelo e a barba ocultava parte de seu rosto. Mas os olhos... Max não podia esquecer aqueles olhos. Era o muito mesmo Caufield o que permanecia em meio daquela abarrotada calçada, olhando para Max não com admiração ou falta de interesse, e sim com uma raiva controlada.

Quando foi procurar Lilah no centro de informação do parque, já tinha recuperado parte de seu controle. E tinha tomado a que considerava a decisão mais lógica: não dizer nada a Lilah. Quanto menos soubesse, menos se envolveria naquele caso. E quanto menos se envolvesse, menos possibilidades teria que saísse ferida.

Era muito impulsiva, refletiu. Se soubesse que Caufield estava no povo, tentaria apanhá-lo ela sozinha. E era muito inteligente. Se conseguia encontrá-lo... A ideia fez que ao Max corresse o sangue nas veias a toda velocidade. Ninguém sabia melhor que ele quão cruel podia chegar a ser aquele homem.

Quando viu Lilah aproximando-se do carro, soube que estava disposto a arriscar tudo, inclusive sua vida, por mantê-la a salvo.

-Nossa, o que é isto? -arqueou as sobrancelhas e tamborilou no para-lama com os dedos-. Meu velho carro não era suficiente para você e decidiste lhe pedir o carro emprestado da minha irmã?

-O que? -desde que tinha reconhecido ao Caufield, esqueceu-se do carro e de todo o resto-. Ah, o carro.

-Sim, o carro -inclinou-se para beijá-lo e ficou estupefata ante a falta de entusiasmo de sua resposta e a insossa palmada que lhe deu no ombro.

-Na realidade estou pensando em comprá-lo. C.C. quer comprar um carro familiar, assim...

-Assim você vai comprar este elegante carro.

-Sei que não é meu estilo habitual... -começou a dizer Max.

-Não pensava em dizer isso -Lilah o olhou com o cenho franzido. Algo estava ocorrendo na complexa mente de Max-. Ia lhe dar os parabéns. Alegro-me de que tenha dado um descanso a si mesmo.

Meteu-se no carro e espreguiçou. Procurou a mão de Max, mas este se limitou a apertar-lhe e a soltou. Dizendo-se a si mesmo que estava sendo muito suscetível, Lilah tentou esboçar um sorriso

-O que tem essa volta que íamos dar? Pensei que poderíamos nos aproximar da costa.

-Estou um pouco cansado -odiava mentir, mas precisava voltar quanto antes para casa para falar com o Sloan e Trent e lhe proporcionar a nova descrição do Caufield à polícia-. Podemos deixá-lo para outro dia?

-Claro.

Lilah tentou não perder o sorriso. Max estava se mostrando tão educado, tão distante. Desejando evocar a intimidade da noite anterior, Lilah posou a mão sobre a de Max quando este se sentou a seu lado no carro.

-Eu sempre estou disposta a tirar uma sIesta. Em seu quarto ou no meu?

-Eu não... Não acredito que seja uma boa ideia.

Esticou a mão sobre a alavanca de mudanças e não moveu os dedos para entrelaçá-los com os de Lilah. Nem sequer a olhava, de fato, não a tinha olhado desde que tinha chegado.

-Já entendo -afastou a mão da de Max e a deixou cair em seu colo-. E, nestas circunstâncias, suponho que tem razão.

-Lilah...

-O que?

Não, decidiu. Precisava fazer as coisas a sua maneira.

-Nada -alargou a mão para a chave e pôs o motor em marcha.

Não falaram durante o trajeto a casa. Max continuava convencendo-se a si mesmo de que o melhor era mentir. Possivelmente se arborescesse porque havia posposto que saíssem. Mas só tinha que deixa-la fora de seu caminho até que controlasse alguns detalhes. Em qualquer caso, sua mente estava cheia de possibilidades nas que queria pensar e trabalhar. Se Caufield e Hawkins estavam na ilha e se arriscaram a instalar-se no povoado, isso significava que tinham encontrado algum dado interessante nos papéis? Estariam procurando ainda as esmeraldas? Ou possivelmente pretendiam, ao igual a ele, consultar as fontes que a biblioteca oferecia para localizar mais dados?

Depois de havê-lo visto, sabiam que estava vivo. Tentariam entrar em contato com ele? E se o consideravam um obstáculo para alcançar seus fins, sua relação com Lilah podia pôr esta em perigo?

        Era um risco que não podia permitir o luxo de correr.       -

Girou para a estrada que levava para As Torres.

-É possível que tenha que retornar a Nova Iorque antes do que esperava -disse, expressando seus pensamentos em voz alta.

Tentando conter um protesto, Lilah apertou os lábios.

-De verdade?

Max a olhou de esguelha e se esclareceu garganta.

-Sim... há, surgiu um assunto. Mas poderia continuar investigando de lá..

-É muito considerado por sua parte, professor. Estou segura de que odeia deixar as coisas pela metade. E jamais deixaria que nenhuma relação inoportuna interferisse em seu trabalho.

Max já estava pensando em tudo o, que teria que fazer e respondeu com um murmúrio ausente de acordo.

Quando chegaram às Torres, Lilah já tinha convertido sua dor em aborrecimento. Max não queria estar com ela e, com sua atitude, estava deixando claro que se arrependia do que tinham compartilhado. Estupendo. Ela não ia ficar ali sentada e mal-humorada porque um professor universitário não estava interessado nela.

Resistiu a tentação de bater com toda a força a porta do carro, e quase mordeu-lhe a mão quando Max posou a mão em seu braço.

-Possivelmente possamos deixar para amanhã esse passeio pela costa.

Lilah ergueu o olhar para sua mão e depois olhou seu rosto.

-Espere sentado.

Max afundou as mãos nos bolsos enquanto Lilah subia os degraus da entrada. Definitivamente aborrecida, pensou.

Depois de passar a informação ao Sloan e ao Trent, ordenado mentalmente a descrição e informado à polícia, estava esgotado. Podia ser pela tensão ou porque só tinha dormido duas horas a noite anterior, mas cedeu a ela, tombou-se na cama e se esqueceu do mundo até a hora do jantar.

Já recuperado do cansaço, desceu ao piso de abaixo. Pensou em ir procurar Lilah e lhe perguntar se queria dar um passeio pelo jardim depois de jantar. Ou possivelmente pudessem dar uma volta de carro, à luz da lua. Não tinha sido uma mentira das piores e, depois de ter entrado em contato com à polícia, não tinha por que mantê-la. Em qualquer caso, se decidia que o melhor era partir, possivelmente não pudesse desfrutar de outra noite com ela.

Sim, iriam dar uma volta de carro. Possivelmente pudesse lhe perguntar se gostaria de ir vê-lo quando estivesse em Nova Iorque. Ou lhe propor que ficassem para passar juntos um fim de semana em qualquer parte. Sua relação não tinha por que terminar; não, se ele fosse capaz de dar os passos adequados.

Entrou no salão, encontrou-o vazio e voltou a sair outra vez. Sozinhos, eles dois, observando a lua sobre a água, possivelmente inclusive saindo para dar um passeio pela praia. Poderia começar a cortejá-la como era devido. Imaginava que Lilah faria graça se utilizasse aquela expressão, mas isso era precisamente o que ele queria fazer.

Seguindo o som do piano, chegou até o estudo de música. Suzanna estava sozinha, tocando para ela. A música se adequava à expressão de seus olhos. Havia neles tristeza, uma tristeza muito profunda para que ninguém mais pudesse senti-la. Mas assim que viu Max, interrompeu-se e lhe sorriu.

-Não pretendia interromper.

-Não se preocupe. Em qualquer caso, já era hora de voltar para mundo real. Amanda levou aos meninos ao povoado, assim estava aproveitando este momento de calma.

-Estava procurando Lilah.

-OH, foi-se.

-Como assim foi?

Suzanna estava afastando do piano quando Max ladrou aquela frase.

-Sim, saiu.

-Aonde? Com quem?

-Saiu há algum tempo-Suzanna o estudou enquanto cruzava a habitação-. Acredito que tinha um encontro.

-Um... encontro? -sentiu-se como se alguém acabasse de lhe golpear com um bastão de beisebol na boca do estômago.

-Sinto muito, Max -preocupada, posou a mão sobre a sua. Não acreditava ter visto nunca um homem tão apaixonado-. Não me dei conta. É possível que tenha ficado com algumas amigas. Ou que se foi sozinha.

Não, pensou Max, sacudindo a cabeça. Tinha que ter ocorrido o pior. Se tinha saído sozinha e Caufield estava perto... Tentou sacudir o pânico. Não era atrás de Lilah de quem iriam aquele homem, mas sim das esmeraldas.

-Não importa, só queria lhe comentar algo.

-Ela sabe o que sente?

-Não... Sim. Não sei -respondeu com escassa convicção. Via como todos seus sonhos românticos de um cortejo à luz da lua se convertiam em fumaça-. Não importa.

-Lhe importaria. Lilah não leva os sentimentos de outros na brincadeira, Max.

Nada de ataduras, pensou Max. Nem de armadilhas. Bom. Ele já tinha caído na armadilha e sentia seus próprios sentimentos como uma coleira ao pescoço. Mas esse não era o problema.

-A única coisa que passa é que me preocupa que tenha saído sozinha. A polícia ainda não apanhou nem ao Hawkins nem ao Caufield.

-Saiu para jantar. Não posso imaginar ninguém irrompendo de repente o restaurante e lhe pedindo umas esmeraldas que não tem -Suzanna lhe apertou carinhosamente a mão-. Vamos, encontrar-te-á melhor assim que tenha comido algo. O suflê ao limão da tia Cordy já deveria estar preparado.

Max se sentou para jantar, esforçando-se em fingir que tinha apetite e que o espaço vazio que ficava na mesa não tinha nenhuma importância para ele. Discutiu com a Amanda sobre os progressos que tinha feito na lista dos serventes, esquivou a petição de Cordy, que estava desejando lhe ler as cartas e se sentiu, principalmente, triste. Fred, sentado aos seus pés, era o beneficiário de seu lúgubre humor e devorava os suculentos pedaços do suflê que Max lhe deslizava por debaixo da mesa.

Considerou a possibilidade de conduzir até a cidade e deter-se em vários restaurantes e cafés. Mas decidiu que aquilo lhe faria parecer muito mais estúpido do que já se sentia. Ao final, refugiou-se em sua habitação e decidiu concentrar-se no livro.

O romance não fluía com a mesma facilidade da noite anterior. Naquela ocasião, produziam-se largas e numerosas pausas entre frase e frase. Inclusive assim, descobriu que até as pausas resultavam construtivas enquanto ia passando uma hora, dois e três. Até que olhou o relógio e viu que eram doze, não se deu conta de que Lilah ainda não tinha voltado para casa. Tinha deixado a porta ligeiramente entreaberta para inteirar do momento em que ela entrasse em casa.

Mas havia muitas possibilidades de que tivesse estado tão concentrado em seu trabalho que não a tivesse ouvido dirigir-se a seu quarto. Se tinha saído para jantar, certamente já estaria de volta em casa. Ninguém podia passar cinco horas comendo. Mas tinha que comprová-lo.

Saiu lentamente. Havia luz no quarto de Suzanna, mas as demais estavam às escuras. Na porta do dormitório de Lilah, vacilou e depois chamou brandamente. Sentindo-se terrivelmente torpe, pôs a mão no trinco. Tinha passado a noite anterior com ela, recordou-se. Dificilmente poderia ofender-se se entrava e a via dormida.

Mas não estava. Lilah não estava ali. A cama sim, o antigo cabeceiro e os pés de ferro forjado, que provavelmente tinham pertencido à cama de algum servente, estavam pintados de um branco resplandecente. O resto era cor, muito deslumbrante para seus olhos.

A colcha era feita com partes de tecido de diferentes forma e cores. Recortes salpicados, quadriculados, , sombras de vermelhos e azuis. Estava coberta de uma infinita variedade de almofadas. A cama de uma rainha, pensou Max, uma pessoa podia afundar-se nela e dormir durante todo um dia. Era a cama apropriada para Lilah.

O quarto era enorme, igual à maioria dos das Torres, mas ela tinha conseguido decorá-la com uma acolhedora desordem. Uma das paredes estava grafite em um intenso azul esverdeado e sobre ela penduravam desenhos de flores silvestre. Assina-a que neles aparecia lhe indicou que os tinha feito Lilah. Max nem sequer sabia que Lilah desenhava. Isso lhe fez dar-se conta de que eram as muitas coisas que não sabia sobre a mulher pela qual se apaixonou.

Depois de fechar a porta atrás dele, passeou pelo quarto, procurando retalhos de Lilah. Havia um cesto cheio de livros. Keats e Byron mesclados com espantosos livros de mistério e romances contemporâneos. Em frente de uma das janelas, tinha montado uma pequena sala. Sobre o respaldo de uma cadeira Reina Anne, tinha deixado descuidadamente uma blusa e sobre a mesa Hepplewhite resplandeciam montões de brincos, braceletes e colares. Ao lado de um pinguim de porcelana da China, havia uma tigela cheia de pedras semipreciosas. Quando levantou o pássaro, começou a soar uma versão jazzística do That's Entertainment.

Havia velas por toda parte, de uma elegante Meissen até uma brega reprodução de um unicórnio. E fotografias de sua família onde quer que se dirija o olhar. Max levantou uma foto emoldurada em que aparecia um casal, tomados pela cintura e rindo ante a câmara. Seus pais, pensou. A semelhança de Lilah com o homem e de Suzanna com a mulher eram suficientes para lhe dar essa certeza.

Quando o relógio de cuco da parede cantou, Max se sobressaltou e se deu conta de que eram meia noite e meia. Onde estaria Lilah?

Continuou passeando pelo quarto, ia da janela até o recipiente de cobre cheio de flores secas e de ali até penteadeira. Com os nervos a flor da pele, tomou um frasquinho de cor cobalto, abriu-o e aspirou. Cheirava a ela. Deixou-o precipitadamente quando se abriu a porta.

Lilah tinha um aspecto... incrível. Com o cabelo ondeando pelo vento e o rosto ruborizado. Levava um vestido de um vermelho intenso que se ajustava a suas pernas. Uma larga coluna de contas de cores pendurava de cada uma de suas orelhas. Ao ver o Max ali, arqueou a sobrancelha e fechou a porta.

-Bom -disse-, sinta-se em sua casa.

-Onde demônio esteve? -gritou-lhe, cheio de frustração e preocupação.

-Ultrapassei o toque de recolher, papai?

Jogou a bolsa, também de miçangas, em cima da penteadeira. E estava começando a tirar o brinco quando Max a obrigou a dar a volta.

-Não se faça de boba comigo. Estava terrivelmente preocupado. Leva horas fora e ninguém sabia onde estava - nem com quem, acrescentou para si, mas conseguiu não dizê-lo em voz alta.

Lilah sacudiu furiosa seu braço livre. Max viu um relâmpago de fúria em seu olhar, ela manteve a voz fria e aparentemente serena.

-É possível que o surpreenda, professor, mas a muito tempo saiu quando quero.

-Agora é diferente.

-Ah sim? -voltou-se de novo para o escritório. Sem pressa, tirou o brinco-. por quê?

-Porque nós -porque eram amantes-. Porque não sabemos onde está Caufield -disse, já mais calmo-. Nem o perigoso que pode chegar a ser.

-Também cuide mim a muito tempo -fingindo-se sonolenta, procurou o olhar de Max no espelho-. Já terminou ?

-Não terminei, Lilah, estava preocupado. Tenho direito a conhecer seus planos.

Sem afastar o olhar dele, tirou os braceletes.

-E como chegaste a essa conclusão?

-Somos... amigos.

O sorriso de Lilah não chegou a seus olhos.

-Somos?

Max afundou impotente a mão nos bolsos.

-Me importo com você. E depois do que aconteceu ontem à noite, pensei que nós... Pensei que significávamos algo o um para ao outro. E, entretanto, vinte e quatro horas mais tarde, já está saindo com outro. Ou pelo menos isso era o que parecia.

Lilah tirou os sapatos.

-Ontem à noite nos deitamos juntos e desfrutamos -esteve a ponto de engasgar-se por culpa da amargura que constrangia sua garganta-. E acredito recordar que os dois estivemos de acordo em que não haveria complicações.

Inclinou a cabeça e o estudou em silêncio. Com um aparentemente despreocupado encolhimento de ombros, conseguiu ocultar que tinha as mãos fechadas em dois violentos punhos.

-E já que está aqui, poderíamos repetir a função -com voz lhe ronronem, aproximou-se dele e deslizou o dedo pelo peito de sua camisa-. Isso é o que quer de mim, não é, Max?

Furioso, Max lhe afastou a mão.

-Não penso ser o segundo prato desta noite.

O rubor das bochechas de Lilah se desvaneceu, deixando suas bochechas brancas como o papel enquanto se voltava.

-Felicidades -sussurrou-. foi um golpe direto.

-O que quer que diga? Que pode entrar e sair quando quiser, com quem goste e eu estarei disposto a suplicar as migalhas que caiam da mesa?

-Não quero que diga nada. Só quero que me deixe em paz.

-Não penso sair daqui até que não tenhamos arrumado isto.

-Estupendo -o cuco voltou a cantar alegremente enquanto Lilah se desabotoava o vestido-. Fica tudo como queira. Eu vou para cama.

Lilah deslizou o vestido até o chão e o tirou com um movimento rápido de pé, ficando só com uma combinação. sentou-se e começou a escovar o cabelo.

-E agora por que está tão zangada?

-Zangada -Lilah apertou os dentes enquanto alisava seus cachos-. O que te faz pensar que estou zangada? Não vou zangar me só porque esteja me esperando em meu quarto, indignado porque tive o valor de fazer meus próprios planos quando você não teve nem tempo nem vontade de passar uma só hora comigo.

-De que demônios está falando? -agarrou-a por braço e gemeu quando Lilah lhe deu um duro golpe no quadril com a escova.

-Já te avisei, não me toque, quando não quero.

Max soltou uma maldição, agarrou a escova e o atirou ao outro extremo do quarto. Muito encolerizado para perceber a surpresa que se via em seus olhos, obrigou-a a levantar-se.

-Eu lhe fiz uma pergunta.

Lilah elevou o queixo.

-Se já terminou este chilique... -respondeu e Max esteve a ponto de levantá-la nos braços.

-Não me pressione -disse Max entre dentes

-Não me faça mal -explorou-. Ontem à noite, esta manhã inclusive, parecia que ao menos merecia um pouco de tempo e atenção. Mas, ao que parece, tudo era questão de sexo. Depois, esta tarde, nem sequer me olhou. Não podia esperar o momento de se desfazer de mim, de se afastar do meu lado.

-Isso é uma loucura.

-É simplesmente o que ocorreu. Maldito seja, deu uma pobre desculpa e virtualmente me deu um tapinha na cabeça. E, esta noite, esta zangado porque não estava aqui para satisfazer seus desejos.

A essas alturas, Max já estava tão pálido como Lilah.

-É isso o que pensa de mim?

Lilah suspirou então e o aborrecimento desapareceu de sua voz.

-Isso é o que pensa você de mim, Max. E, agora, me solte.

Max lhe soltou o braço para que ela pudesse afastar-se.

-Esta tarde, tinha outras preocupações em mente. Mas não era que não queria passar a tarde contigo.

-Não quero desculpas -aproximou-se das portas do terraço e as abriu. Possivelmente o vento pudesse lhe secar as lágrimas-. Já deixou suficientemente claro o que sente.

-É evidente que não. A única coisa que pretendia era não lhe fazer mal, Lilah -mas tinha lhe mentido, pensou. E aquele tinha sido seu primeiro engano-. Justo antes de ir te buscar, vi Caufield no povoado.

Lilah girou .

-O que? Viu-o? Onde?

-Esta tarde, enquanto esperava em um semáforo o vi na calçada. tingiu-se o cabelo e se deixou crescer a barba. Para quando me dei conta de que era ele, vi-me apanhado no meio do tráfico e não tinha maneira de dar a volta. E quando consegui retornar onde estava, já se tinha ido.

-E por que não me há dito que o tinha visto?

-Não queria deixar você preocupada e além do mais fiquei com medo de você querer ir atrás dele. Tem o costume de atuar tão impulsivamente e...

-É um estúpido -o rubor tinha voltado para suas bochechas enquanto dava um passo para diante para lhe dar um empurrão. Esse homem está decidido a apoderar-se de algo que pertence a minha família e não te ocorre me dizer que o viu a só alguns quilômetros daqui. Se o tivesse sabido, teria podido encontrá-lo.

-Isso era exatamente o que eu temia. E não queria que te envolvesse nisto mais do necessário. Esse é o motivo pelo que pensei que possivelmente seria melhor que retornasse a Nova Iorque. Agora já sabem que estou aqui, e não vou permitir que apanhem você no meio disso.

-Você não o permitirá? -o teria empurrado outra vez, mas Max a agarrou pelas mãos.

-Exato. Vai se manter à margem de todo este assunto.

-Não me diga...

-Lhe estou dizendo isso -interrompeu-a e adorou vê-la gemer indignada-. E é mais, até que esse homem não esteja encarcerado, não vai voltar a vagabundear pelas noites. Mas depois de pensá-lo atentamente, decidi que o melhor é que fique perto de você, lhe vigiando. vou cuidar de você, goste ou não.

-Nem eu gosto nem necessito que me cuidem.

-Tolices -e deu por resolvida toda possível discussão.

Então foi ela a que começou a gaguejar.

-É arrogante... presunçoso...

        -Já é suficiente -replicou Max, com seu tom mais severo de professor, fazendo-a pestanejar-. Não tem sentido discutir quando já se tomou a decisão mais inteligente. Agora acredito que o melhor será que te leve para trabalho todo dia. E quando tiver outros planos, faça-me saber.     

O aborrecimento de Lilah se transformou em simples estupefação.

-Não o farei.

-Sim -respondeu Max sem alterar-se - Fará-o -deslizou as mãos detrás de suas costas, para aproximá-la a ele-. A respeito desta noite... -começou a dizer quando seus corpos se roçaram-. Evidentemente, interpretou mal tanto meus motivos como meus sentimentos.

Lilah arqueou as costas. Estava mais surpreendida que zangada quando Max a soltou.

-Não quero falar disso.

-Não, suponho que prefere que gritemos, mas me parece pouco construtivo e além não é meu estilo -não diminuía em nenhum momento a firmeza de suas mãos e de sua voz-. Para ser mais preciso, não vim aqui porque queria satisfazer meus desejos, embora possa estar segura de que tenho intenção de fazer amor com você.

Lilah ficou olhando-o desconcertada.

-Que diabos está havendo com você?

-De repente, dei-me conta de que a melhor forma de trata-la é igual a que utilizo com meus alunos mais difíceis. Faz falta algo mais que paciência. Requer mão firme e uma linha clara de intenções e objetivos.

-Uma aluna difícil... -tomou ar, tentando conter sua fúria-. Max, acredito que será melhor que tome uma aspirina e se deite.

-Como ia dizendo -sussurrou-lhe Max ao ouvido-. Não só é uma questão de sexo, apesar de que nesse aspecto nossa relação me resultou incrivelmente satisfatória. É mais um assunto de estar completamente enfeitiçado por você.

-Não -disse Lilah fracamente enquanto Max se inclinava para lhe mordiscar o ouvido.

-Possivelmente tenha cometido o engano de dar a entender que é somente sua aparência, a sensação de seu corpo sob minhas mãos e seu sabor o que me atrai para você -mordiscou seu lábio inferior, sugando-o delicadamente até que Lilah desfocou o olhar-. Mas é mais que isso. Não sei como lhe dizer isso Lilah sentia pulsar seu próprio pulso rápido e forte contra as mãos do Max, enquanto este a empurrava para trás-. Não houve ninguém como você em minha vida. E não quero que dela saia, Lilah.

-O que está fazendo?

-Te levando para cama.

Lilah tentava esclarecer seus pensamentos enquanto Max deslizava os lábios por seu pescoço.

-Não, não vai me levar para cama.

Lilah estava zangada com ele, mas enquanto continuava tentando seduzi-la com seus lábios, Max não era capaz de adivinhar o motivo.

-Preciso demonstrar o que sinto por você -sem deixar de brincar com seus lábios, descendeu com ela até a cama.

Liberou as mãos de Lilah. Então ela as deslizou sob sua camisa para acariciar sua pálida pele. Já não queria pensar. Eram muitos os sentimentos que naquele momento tinha que assimilar, assim que o atraiu para ela com avidez.

-Estava com ciúmes- -murmurou Max enquanto deslizava um das alças do sutiã por seu ombro para posar os lábios sobre ele-. Não quero que nenhum outro homem a toque.

-Não -Max a acariciava naquele momento com carícias longas, que deslizava ao longo de seu trêmulo corpo-, só você.

Max se afundou naquele beijo, deleitando-se no sabor, na textura do Lilah, até sentir-se completamente embriagado. Depois, como um viciado, retrocedeu para procurar algo mais.

Aquilo era o prazer, o cuidado, o romantismo, pensou Lilah vagamente. Continuar flutuando junto a ele, com aquela brisa que refrescava seus corpos ardentes, sussurrando palavras contra seus lábios. Era um desejo tão perfeitamente equilibrado com o carinho... Nada importava mais que aquele momento, disse-se, tentando conter suas esperanças de amor.

Depois de lhe tirar a camiseta por cima da cabeça, deixou que suas mãos vagassem pelo torso de Max. Era tão forte. Era algo mais que a sutil firmeza de seus músculos. Era sua força interior a que a excitava. A integridade, a dedicação ao que considerava correto. Max seria suficientemente forte para ser leal, honesto e delicado com aquela mulher a que amasse.

Max trocou de postura e insistiu para que Lilah se recostar-se contra os almofadões. ajoelhou-se a seu lado e começou a lhe desatar o diminuto laço do sutiã que contrastava sobre sua pele branca. O contraste de seus dedos pacientes e a urgência de seu olhar deixou a Lilah sem fôlego. Max conseguiu desfazer o laço e acariciou com os lábios a pele fresca que deixou ao descoberto, surpreso de que a pele de Lilah pudesse ser tão suave e sedosa.

Com a mesma paciência que ele tinha demonstrado, Lilah terminou de despi-lo. Embora a necessidade rasgava aos dois, conseguiam dominar sua impaciência, comunicando-se sem necessidade de palavras.

Lilah se levantou e lhe rodeou o pescoço com os braços até que ficaram torso com torso, coxa com coxa. Envoltos na tênue luz do quarto, exploraram-se um ao outro. Um estremecimento, um suspiro, uma petição, uma resposta. Lábios inquisidores procuravam novos secretos. Mãos ansiosas descobriam prazeres novos.

Quando Lilah se abraçou a ele, Max encheu seu corpo. Deleitando-se naquela sensação, ela arqueou as costas, afundando-o profundamente ao tempo que sussurrava seu nome enquanto começava a experimentar as primeiras onda de prazer. Max podia vê-la, seu corpo esbelto se inclinava, sua pele resplandecia sob a luz enquanto seu cabelo caía como uma chuva brilhante por suas costas. Enquanto se estremecia, o maravilhoso prazer que estava experimentando se refletia em seus olhos.

Então Max sentiu que lhe nublava a visão, seu próprio corpo tremia. Deslizou as mãos até as coxas de Lilah. Ela o rodeou com força enquanto voavam ambos até a cúspide do desejo.

 

Max assobiava enquanto se servia o café. Assobiava a melodia do pinguim de porcelana, que lhe parecia mais ajustada a seu humor. Tinha planos. Grandes planos. Um passeio de carro ao longo da costa, jantar em algum lugar com magnífica vistas e uma larga e agradável caminhada pela praia.

Bebeu um gole de café, escaldou-se a língua e sorriu.

Estava vivendo um romance.

-Como é agradável ver alguém de tão bom humor a primeira hora da manhã.

Cordy entrou na cozinha. Tinha tingido o cabelo de um negro azeviche na noite anterior e o resultado a tinha deixado em um agradável estado mental.

-O que lhe pareceriam umas tortinhas de chocolate?

-Está muito bonito.

Cordy sorriu radiante enquanto vestia seu avental.

-Oh, obrigado, querido. Uma mulher precisa trocar de aspecto de vez em quando, como sempre digo. Dessa forma se mantém aos homens alerta -depois de tirar uma enorme tigela do armário, olhou-o-. Eu diria, Max, que também você tem muito bom aspecto esta manhã. O ar do mar O... algo, parece lhe assentar muito bem.

-Este lugar é maravilhoso. Nunca poderei lhes agradecer o suficiente que me tenham deixado ficar aqui.

-Tolices.

E com seu particular e desordenado estilo, começou a mesclar ingredientes na tigela. Ao Max nunca deixava de surpreendê-lo que pudesse cozinhar de forma tão descuidada e depois obter tão deliciosos resultados.

-Tinha que ser assim. Soube do momento em que Lilah te trouxe para casa. Ela passou a vida trazendo coisas a casa. Pássaros feridos, coelhos quase recém-nascidos. Inclusive uma vez trouxe uma serpente -levou-se a mão ao peito ao recordá-lo-. Esta foi a primeira vez que trouxe um homem inconsciente. Assim é Lilah -continuou, batendo alegremente a mescla enquanto falava-. Sempre atuando de maneira inesperada. Também tem muito talento. Conhece todos esses termos latinos para as novelas, os costumes migratórios dos pássaros e todas essas coisas. E quando está de humor, desenha magnificamente.

-Sei. Vi os desenhos em seu quarto.

Cordy o olhou de esguelha.

-Ah sim?

-Eu... -deu um rápido gole a seu café-. Sim. Quer uma xícara?

-Não. Tomarei o café quando tiver terminado com isto -«vá, vá», pensou, aquela história estava sendo preciosa, as cartas não mentiam-. Sim, nossa Lilah é uma mulher fascinante. É muito teimosa, como as outras, mas de uma forma natural e enganosamente afável. Eu sempre digo que assim que chegasse o homem adequado, reconheceria o especial que é -sem afastar o olhar de Max, lavou e secou as formas-. Esse homem tem que ser paciente, mas não maleável. Suficientemente forte para evitar que se desvie muito e suficientemente sábio como para não tentar mudá-la –untou as formas com a manteiga e sorriu-. Mas, claro, se ama uma pessoa, por que vai tentar mudá-la?

-Tia Cordy, está enchendo Max de perguntas? -Lilah entrou bocejando na cozinha.

-Que coisas diz -Cordy esquentou a prancha e estalou a língua-. Max e eu estamos tendo uma conversa muito agradável, não é, Max?

-Fascinante, de fato.

-De verdade? -Lilah tirou a xícara de Max e, como este não se movia, inclinou-se para lhe dar um beijo de bom dia. Viu que Cordy esfregava as mãos-. Tomarei como um completo e, como vejo tortinhas no horizonte, não me queixarei.

Encantada com aquele beijo, Cordy cantarolava enquanto tirava os pratos.

-Levantou cedo esta manhã.

-Está-se convertendo em um hábito -deu um gole ao café de Max e dirigiu a este um sorriso-. Um hábito com o que logo terei que acabar.

-O resto da família entrará em turba de um momento a outro -e a Cordy não havia nada que gostasse mais que ter a todos seus pintinhos reunidos-. Lilah, por que não se senta à mesa?

-Definitivamente, terei que acabar com esse costume -com um suspiro, devolveu a Max seu café, mas beijou a Cordy na face-. Eu gosto de seu cabelo. Muito francês.

Fazendo um ruído que recordava a uma risada, Cordy começou a bater a manteiga.

-Ponha a baixela boa, querida. Tenho a sensação de que há algo que celebrar.

Caufield pendurou o telefone e cedeu à raiva. Golpeou a mesa com os punhos, rasgou vários folhetos a dentadas e terminou jogando um vaso de cristal contra a parede. Como não era a primeira vez que o via naquele estado, Hawkins decidiu apartar-se até que se acalmasse.

Depois de respirar fundo três vezes, Caufield voltou a sentar-se. A violência de seu olhar se desvaneceu de seus olhos enquanto se retorcia a mão.

-Parece que somos vítimas do destino, Hawkins. O carro que levava nosso bom professor está registrado em nome do Catherine Calhoun St. James.

Com um juramento, Hawkins se separou da parede sobre a que estava recostado.

-Falou que esse assunto tinha cabado. Imaginei que ele estivesse morto. E o que fez foi cair diretamente em seu colo. Seguro que lhes terá contado tudo.

Caufield juntou as pontas dos dedos.

-Oh, certamente.

-E se te reconheceu...

-Não me reconheceu -com um férreo controle, Caufield entrelaçou os dedos e posou as mãos na mesa-. Se me tivesse reconhecido, não me teria saudado. Não é suficientemente despachado -ao sentir que os dedos se esticavam, relaxou-os -. Esse homem é estúpido. Eu aprendi mais em um ano nas ruas que ele durante todos esses anos na universidade. Ao fim e ao cabo, estamos aqui e não em um iate.

-Mas sabe tudo -insistiu Hawkins, fazendo-se soar os nódulos-. A estas alturas, todos estarão inteirados de nossos planos e tomarão precauções.

-O que acrescenta um pouco de pimenta a nosso jogo. E já é hora de começar a jogar. Posto que o doutor Quartermain se uniu às Calhoun, acredito que chegou o momento de me aproximar de uma dessas damas.

-Está louco.

-Tome cuidado, amigo -disse Caufield sem elevar a voz-. Se você não gostar de minhas regras, não tem nada que fazer aqui.

-Eu fui o que pagou esse maldito iate -Hawkins se passou uma mão pelo cabelo-. E já dediquei a este assunto mais de um mês de trabalho. Estou fazendo um investimento.

-Então me deixe terminá-lo.

Com expressão pensativa, Caufield se levantou e se aproximou da janela. Havia umas formosas flores no exterior. Umas flores que lhe recordaram que tinha percorrido um comprido caminho desde que se movia pelos subúrbios do sul de Chicago. Com as esmeraldas, poderia chegar inclusive mais longe.

Possivelmente a uma formosa localidade dos mares do sul em que poderia relaxar-se e refrescar-se enquanto a Interpol o buscava. Já tinha um passaporte novo, um novo passado e um novo nome na reserva. E uma considerável soma de dinheiro lhe produzindo interesses em um banco suíço.

Tinha dedicado a aqueles negócios a maior parte de sua vida e com bastante êxito. Não necessitava as esmeraldas só pelo dinheiro que podia obter ao as vender, mas as queria. E pensava fazer-se com elas.

Enquanto Hawkins caminhava e continuava amassando-os nódulos, Caufield permanecia na janela.

-Por certo, agora que me lembro, durante minha breve amizade com a adorável Amanda, esta me comentou que sua irmã Lilah era a que mais informação tinha sobre a Bianca. Possivelmente também ela seja a que mais sabe das esmeraldas.

Ao menos isso tinha algum sentido para o Hawkins.

-Vai sequestra-la?

Caufield fez uma careta.

-Esse é seu estilo, Hawkins. Me conceda ao menos o mérito de ser algo mais refinado. Acredito que farei uma visita a Acádia. Dizem que as excursões são muito informativas.

Lilah tinha preferido os longos e ensolarados dias do verão. Embora sentia que também as noites de vento e tormenta do inverno tinham algo que merecia a pena. Mas ela preferia o verão. Nunca levava relógio. O tempo era algo que devia ser apreciado sozinho por sua existência, não algo do que terei que estar pendente. Mas, pela primeira vez desde que ela podia recordar, queria que o tempo voasse.

Sentia falta dele.

Não importava quão ridícula que isso pudesse lhe fazer sentir. Estava apaixonada e encantada com isso. E como o sentimento era tão forte, se ressentia de cada hora que passava separada de Max.

Era um sentimento muito forte. apaixonou-se por sua doçura e de sua bondade. Tinha reconhecido sua insegurança e, como tantas vezes tinha feito com as asas e as garras rotas dos passarinhos, tinha tentado arrumá-la.

Ainda amava todas aquelas coisas, mas depois do tempo passado a seu lado, tinha visto facetas diferentes em Max.

Ele tinha sido... magistral. Fez uma careta ao pensar naquele termo que, estava segura, poderia ser considerado ofensivo. Mas não o era no caso do Max. Tinha sido esclarecedor.

Ele tinha feito tudo. Tinha-a levado por onde tinha querido, pensou com uma intensa pontada de excitação. Embora ainda a incomodava ter sido comparada com uma aluna difícil, mas podia ao menos admirar sua técnica. Max tinha se limitado a permanecer fiel a suas intenções e às levar a cabo.

Ela era primeira em admitir que teria sido capaz de deixar petrificado a qualquer outro homem que tivesse tentado o mesmo com algumas palavras bem escolhidas. Mas Max não era qualquer outro homem.

E esperava que ele mesmo começasse a acreditar.

Enquanto sua mente vagava, mantinha o olhar fixo no grupo. O lago Jordan era um lugar privilegiado e aquele dia o grupo era especialmente numeroso.

-Por favor, não façam nada contra à vida vegetal. Sei que as flores são muito tentadoras, mas temos milhares de visitantes que desfrutam com elas em sua convocação natural. As folhas amarelas que flutuam na superfície são espanta lobos, uma flor muito comum na maior parte dos lagos da Acádia. A planta flutua graças a bexigas diminutas que lhe servem também para apanhar pequenos insetos.

Com uns velhos jeans e uma mochila, Caufield escutava sua conferência. Dentro dos óculos negros, seus olhos observavam com atenção. Emprestava atenção a aquela conversação sobre novelo e pântanos que não significava nada para ele. E teve que conter um gesto de desprezo quando o grupo ofegou admirado quando uma garça voou sobre suas cabeças para chegar a um dos lagos que havia a vários metros dali.

Fingindo-se fascinado por aquela imagem, elevou a câmara que levava a pescoço e disparou algumas fotografa do pássaro, às orquídeas silvestres e inclusive a uma rã touro que flutuava sobre uma folha.

Mas o que estava fazendo era esperar o momento oportuno para aproximar-se de Lilah.

Esta continuava falando animadamente, respondendo as perguntas à medida que caminhavam ao bordo da água. aproximou-se de lhe dar explicações a uma cansada mãe que levava a seu pequeno no colo e lhe assinalou uma família de patos negros.

Quando a explicação teve terminado, o grupo ficou livre para rodear ao lago ou voltar para seus carros.

-Senhorita Calhoun?

Lilah olhou a seu redor. Já se tinha fixado naquele excursionista barbudo, embora este não tinha feito nenhuma pergunta durante o trajeto. Havia um deixe sulista em sua voz.

-Sim.

-Queria lhe dizer que me pareceu magnífica sua explicação. Dou aula de geografia em um instituto e cada verão me premio com uma viagem a um parque natural. E tenho que lhe dizer que é você uma das melhores guias com as que me encontrei.

-Obrigado -sorriu, embora era um gesto natural nela, sentiu certa relutância no momento de lhe estender a mão. Não reconhecia a aquele suarento e barbudo excursionista, mas havia algo nele que a inquietava-. Terá que visitar o Centro da Natureza enquanto estiver aqui. Espero que desfrute de sua estadia.

O suposto professor a agarrou pelo braço Era um movimento natural, absolutamente demandante, mas a Lilah resultou intensamente desagradável.

-Se tiver um minuto, eu gostaria que pudéssemos manter uma pequena conversação. Eu gosto de lhes oferecer aos meninos um relatório completo quando começa o colégio. Muitos deles nunca viram o interior de um parque.

Lilah se obrigou a deixar seus receios de lado. Aquele era seu trabalho, recordou-se a si mesmo, e gostava de falar com pessoas que demonstravam um sincero interesse.

-Ficaria encantada de lhe responder algumas pergunta.

-Magnífico -tirou uma caderneta de notas e começou a escrever cuidadosamente nela.

Lilah relaxou ligeiramente lhe oferecendo uma informação mais profunda da que o grupo requeria.

-Foi muito amável. Pergunto-me se poderia convidá-la a um café ou a um lanche.

-Não é necessário.

-Mas seria um prazer.

-Tenho outros planos, mas obrigado.

O professor não perdeu o sorriso.

-Bom, vou estar por aqui umas quantas semanas. Possivelmente em outra ocasião. Sei que isto lhe resultará estranho, mas juraria que a vi antes. Alguma vez esteve no Raleigh?

Todos os instintos de Lilah se puseram em alerta e estava desejando afastar-se dele.

-Não, nunca estive.

-Pois é incrível -sacudiu a cabeça, como se não desse crédito-. Resulta-me tão familiar. Bom, obrigado, será melhor que vá -começou a voltar-se e de repente se deteve-. Já sei. A imprensa. As esmeraldas. Vi sua fotografia. Você é a mulher das esmeraldas.

-Não. Temo-me que sou a mulher sem as esmeraldas.

-Miúda história. Li aqueles artigos no Raleigh, faz um mês ou dois, e então... Bom, tenho que lhe confessar que sou viciado nesses tabloides dos supermercados. Suponho que é uma das consequências de viver sozinho e ler muitos ensaios -dirigiu-lhe um tímido sorriso que, se não tivessem estado todos seus sentidos em tensão teria parecido encantadora.

-Suponho que ultimamente as Calhoun frequentaram muitos bailes.

Movendo-se sobre seus calcanhares, soltou uma gargalhada.

-Ao menos conserva o senso de humor. Suponho que é chato para você, mas para pessoas como eu, proporciona-nos grandes emoções. Esmeraldas perdidas, ladrões de joias...

-Mapas do tesouro.

-Há um mapa? -sua voz se endureceu e teve que se esforçar para relaxar novamente-. Não sabia.

-Claro que sim, podem-se conseguir no povoado -meteu a mão no bolso e tirou o último que tinha localizado-. Eu os coleciono. Há muita gente que está gastando neles o dinheiro que tanto lhe custa ganhar para terminar descobrindo quando já é muito tarde que essa x não marca o lugar do tesouro.

-Ah -tentou relaxar as mandíbulas-. Essas são coisas do capitalismo.

-Pode estar seguro. Tome, uma lembrança -estendeu-lhe o mapa, tendo muito cuidado, por razões que nem sequer era capaz de entender, de que seus dedos não se roçassem-. É possível que seus alunos gostem.

-Estou seguro de que adorarão -dando-se tempo, dobrou-o e o meteu no bolso-. Estou realmente fascinado com todo este assunto. Possivelmente possamos tomar logo esse lanche e assim possa me contar pessoalmente todo esse assunto. Deve ser tão emocionante como tentar encontrar um tesouro enterrado.

-Sobre tudo é aborrecido. Espero que desfrute de sua estadia no parque.

Compreendendo que não havia uma forma discreta de detê-la, observou-a partir. Percebeu que tinha um bonito corpo. Certamente, esperava não ter que lhe fazer mal.

-Chegou tarde -Max se encontrou com Lilah quando esta ainda estava a uns quinze metros da zona de estacionamento.

-Parece que hoje é o dia dos professores -inclinou-se para beijá-lo, feliz pela firmeza e o calor de seus lábios-. Entreteve-me um cavalheiro sulino que queria informação sobre a flora para sua classe de geografia.

-Espero que seja calvo e gordo.

Lilah nem sequer pôde rir enquanto esfregava os braços tentando desprender do frio.

-Não, a verdade é que era bastante magro e tinha muito cabelo.

-Lhe fez insinuações amorosas?

-Não -ergueu a mão antes que Max pudesse apanhá-la. E se pôs a rir-. Max, estou brincando... e se não o estivesse, asseguro-o que posso esquivar sozinha qualquer insinuação amorosa.

Max já não se sentia ridículo, como podia ter chegado a sentir-se inclusive no dia anterior.

-Não se esquivou das minhas.

-Também sou capaz das interceptar. O que leva nas costas?

-As mãos.

Lilah soltou outra gargalhada e o beijou encantada.

-E que mais?

Max lhe estendeu um ramo de margaridas.

-Não as arranquei -advertiu-lhe, consciente de seus pensamentos-. As comprei de Suzanna. Há-me dito que tem adoração pelas margaridas.

-São tão alegres -murmurou, absurdamente comovida. Enterrou o rosto nelas e logo o ergueu para ele-. Obrigado.

Enquanto começavam a caminhar, Max lhe passou o braço pelos ombros.

-Esta tarde comprei o carro de C.C.

-Professor, é uma caixinha de surpresas.

-E suponho que você gostará de ouvir os progressos que estamos fazendo Amanda e eu com essa lista. Poderíamos ir à costa para jantar algo. A sós.

-Soa maravilhoso. Mas as flores nos farão companhia.

Max sorriu de orelha a orelha.

-Comprei um vaso. Está no carro.

Enquanto o sol ficava depois das colinas do oeste, eles caminhavam por uma praia de pedras situada no extremo sul da ilha. A água estava tranquila, logo que sussurrava sobre os montículos de cantos rodados. À medida que se aproximava a noite, o céu e o mar se foram fundindo em um azul intenso. Uma gaivota solitária, de caminho a casa, voou sobre suas cabeças, com um comprido e desafiante grito.

-Este é um lugar especial -explicou-lhe Lilah. Posou a mão na de Max e se aproximou do bordo da água-. Um lugar mágico. Até o ar é diferente nesta zona -fechou os olhos para respirá-lo-. Está cheio de energia.

-É belo -inclinou-se para tomar uma pedra e sentir sua textura-. A ilha parece estar fundindo-se com o crepúsculo.

-Venho aqui frequentemente, só para sentir. Tenho a sensação de ter estado aqui antes.

-Acaba de dizer que vem muito frequentemente.

Lilah sorriu e o olhou com expressão doce e sonhadora.

-Refiro-me há cem anos, ou quinhentos. Você não acredita na reencarnação, professor?

-A verdade é que sim. Preparei um ensaio sobre a reencarnação na faculdade e, depois de terminar a investigação, descobri que era uma teoria bastante viável. Quando se aplica à história...

-Max -Lilah emoldurou seu rosto com as mãos-. Estou louca por você -curvou os lábios em um sorriso e os fundiu com os seus, que continuaram sorrindo quando ela se afastou.

-E isso por quê?

-Porque posso imaginar enterrado entre um montão de livros e tomando notas, com o cabelo caindo sobre sua frente e o cenho franzido, como quando está te concentrando em algo, obstinado em descobrir a verdade.

Franzindo o cenho, Max se trocou a pedra de mão.

-É uma imagem bastante aborrecida.

-Não, não o é -inclinou a cabeça e o estudou com atenção-. É autêntica e admirável. Inclusive valente.

Max soltou uma risada seca.

-Te encerrar em uma biblioteca não infunde nenhum valor. Quando era menino, era uma forma boa de escapar. Nunca tinha asma lendo um livro. Estava acostumado a me esconder entre livros -continuou-. Divertia-me muito imaginando mesmo navegando com o Magallanes ou explorando com o Lewis e Clarck, morrendo no Álamo ou partindo através de um campo no Antietam. Então meu pai...

-Seu pai o que?

Sentindo-se incômodo, Max se encolheu de ombros.

-Esperava algo diferente de mim. Tinha sido uma estrela do futebol na universidade. Durante uma temporada esteve jogando com uma equipe semiprofissional. É a classe de homem que não esteve doente um só dia de sua vida. Gosta de beber cervejas os sábados de noite e sair a caçar quando se abre a vedação. E eu me enjoava assim que me punha uma carabina na mão -atirou a pedra-. Queria fazer de mim um homem, mas nunca o conseguiu.

-Você se fez sozinho -tomou as mãos, tremendo de zango por aquele homem que não tinha sido capaz de apreciar nem compreender o presente que lhe tinha sido entregue-. Se não estiver orgulhoso de você, a carência é dele, não sua.

-É uma bonita ideia -estava mais que envergonhado por ter tirado aqueles velhos e dolorosos sentimentos à luz-. Em qualquer caso, segui meu caminho. Sentia-me muito mais cômodo em classe que quando estava no campo de futebol. E tal como o vejo, se não tivesse estado escondido na biblioteca durante todos estes anos, não estaria agora mesmo aqui contigo. Que é exatamente onde quero estar.

-Essa sim que é uma ideia bonita.

-Se lhe disser que é linda, esta vez não me baterá?

-Desta vez não.

Max a estreitou contra ele. Queria estar abraçado a ela enquanto caía a noite.

-Tenho que ir ao Bangor por alguns dias.

-Para que?

-Localizei a uma mulher que trabalhou como criada de quarto em Las Torres no ano que morreu Bianca. Está vivendo em uma residência no Bangor e já arrumei tudo para poder entrevistá-la -inclinou o rosto de Lilah-. Quer vir comigo?

-Assim que tenha reorganizado meu horário.

Quando os meninos foram dormir, contei meus planos à babá. Sabia que a surpreendia se falasse em deixar meu marido. Tentou me dissuadir. Como podia lhe explicar que não era o pobre Fred o que tinha motivado minha decisão? Aquele incidente me tinha feito dar conta de quão inútil era manter um matrimônio asfixiante e desgraçado. Tinha-me convencido mesmo de que o fazia pelos meninos? Seu pai não era capaz de vê-los como meninos que precisavam ser amados e cuidados. Considerava-os como uma especiaria de reféns. Ethan e Seam teriam que ser moldados a sua imagem, apagaria deles qualquer rasgo que considerasse uma debilidade. Colleen, minha doce pequena, seria ignorada até que chegasse o momento de casá-la e, através de seu matrimônio, obter algum benefício ou mudança de status que favorecesse a toda a família.

Eu não teria nada que fazer. Fergus, estava segura, logo me arrebataria o controle de meus filhos. Seu orgulho o exigia. Qualquer instrutor que ele escolhesse obedeceria a suas ordens e ignoraria as minhas. Os meninos se veriam apanhados em meio de um engano que eu mesma tinha cometido.

Quanto a mim, ele se daria conta de que tinha chegado a me converter em pouco mais que um adorno em sua mesa. Se o desafiava, teria que pagar por isso. Não tinha dúvida de que pretendia me castigar por ter questionado sua autoridade diante de nossos filhos. Não sabia se seria um castigo físico ou emocional, mas estava segura de que seria severo. Podia dissimular minha infidelidade diante dos meninos, mas não poderia ocultar minha aberta decepção.

De modo que me levaria a meus filhos. Procuraria algum lugar no que pudéssemos desaparecer. Mas antes, iria com o Christian.

A lua estava enche e soprava a brisa àquela noite. Coloquei a capa, ocultando a cabeça no capuz. O cachorrinho se agarrava em meu peito. Fui na carruagem até o povoado e de ali caminhei até sua casa, sentindo o aroma do mar e as flores a meu redor. Meu coração pulsava com tanta força que me ensurdecia enquanto chamava a sua porta. Aquele era o primeiro passo. Uma vez dado, não poderia retroceder

Mas não era o medo, não era o medo o que me fazia tremer enquanto ele me abria a Porta. Era um imenso alívio. Assim que o vi, soube que já tinha tomado uma opção.

-Bianca -disse-me Christian-. O que está fazendo aqui?

-Tenho que falar contigo.

Christian já me estava empurrado ao interior. Vi então que tinha estado lendo à luz do abajur. Seu quente resplendor e o aroma de suas pinturas me relaxaram mais que as palavras. Deixei o cachorrinho no chão e este começou a explorar todos os rincões da casa.

Christian me fez me sentar e, sem dúvida consciente de meu nervosismo, trouxe-me um brandy. Enquanto o bebia, contei-lhe a cena com o Fergus. Embora lhe pedia que permanecesse em calma, podia ver seu rosto, a violência que nele se refletia quando lhe contei como tinha fechado as mãos sobre meu pescoço.

-Meu deus! -sem mais, agachou-se a meu lado e acariciou meu pescoço. Eu então não sabia que ficavam as marcas dos dedos do Fergus.

Os olhos do Christian se obscureceram. aferrou-se aos braços da cadeira antes de começar a levantar-se.

-Matarei-o.

Tive que agarrá-lo para impedir que saísse violentamente da cabana. Tinha tanto medo que não estava segura, embora saiba que lhe expliquei que Fergus se foi a Boston e que eu já não podia suportar mais violência. Ao final foram minhas lágrimas as que o detiveram. Abraçava-me como se fora uma menina, balançava-me e me consolava enquanto eu desafogava tudo meu desespero.

Possivelmente deveria me haver envergonhado de lhe suplicar que nos levasse longe a mim e a meus filhos, por depositar nele tamanha responsabilidade. Se ele se negou, sei que me teria ido sozinha, que teria levado a meus três pequenos a qualquer cidade tranquila da Inglaterra ou Irlanda. Mas Christian secou minhas lágrimas.

-É obvio que iremos. Não penso deixar que seus filhos ou você tenham que passar uma só noite mais sob o mesmo teto que seu marido. Não permitirei que volte a te pôr uma mão em cima. Será difícil, Bianca. Não poderão desfrutar da classe de vida a que estão acostumados. E o escândalo...

-Não me importa o escândalo. Os meninos precisam sentir-se seguros e a salvo -levantei-me então e comecei a caminhar-. Não posso estar segura do que é o melhor. Passei-me noite detrás noite desvelada na cama, me perguntando se tinha direito a te amar, a te desejar. Fiz uns votos, umas promessas, e tenho três filhos -cobri-me o rosto com as mãos-. Uma parte de mim sofre ao pensar em romper essas promessas, mas devo fazer algo. Acredito que me voltarei louca se não o fizer. Deus poderá me perdoar, mas eu não poderei suportar toda uma vida de infidelidade.

Christian tomou as mãos para apartar as de meu rosto.

-Nós temos que estar juntos. Sabemos, os dois, desde a primeira vez que nos vimos. Eu me conformei com as poucas horas que passávamos juntos porque sabia que estava a salvo. Mas agora não vou ficar me quieto, vendo como entregas sua vida a um homem que te maltrata. Desde esta noite é minha, e será minha para sempre. Nada nem ninguém poderá mudar isso.

Acreditei-. Com seu rosto tão perto do meu, e seus olhos cinza tão claros e seguros, acreditei-. E o necessitei.

-Então, esta noite, me faça tua.

Senti-me como uma recém casada. Assim que me tocou, soube que jamais me tinham acariciado. Seus olhos estavam fixos em meus enquanto me tirava as forquilhas que sujeitavam meu cabelo. Seus dedos tremiam. Nada, nada me tinha comovido nunca tanto como saber que tinha a capacidade de fazê-lo tremer. Seus lábios roçavam com uma infinita minha delicadeza apesar de que sentia a tensão vibrando em todo seu corpo. Sob a luz do abajur, desabotoou-me o vestido e se desabotoou a camisa. E um pássaro começou a cantar no bosque.

Por sua maneira de me olhar, soube que gostava. Lentamente, quase tortuosamente, desfez-se da combinação e o espartilho. Então acariciou meu cabelo, deslizando as mãos por ele.

-Algum dia te retratarei assim mesmo -murmurou.

Levantou-me em braços e pude sentir seu coração pulsando em seu peito enquanto me levava ao dormitório.

A luz era de prata, o ar como o vinho. Não houve nenhuma pressa naquela união forjada na escuridão, mas sim foi uma dança tão elegante e estimulante como uma valsa. Não importava quão impossível parecesse, era como se tivéssemos feito amor infinitas vezes, como se eu houvesse sentido aquele corpo firme e duro contra o meu, noite após noite.

Aquele era um mundo que até então não tinha conhecido e, entretanto, resultava-me dolorosa e belamente familiar. Cada movimento, cada suspiro, cada desejo era natural como respirar. Inclusive quando a urgência me deixou quase sem sentido, a beleza não diminuiu. Enquanto Christian me amava, soube que tinha encontrado algo que qualquer alma desejava: o amor.

Deixá-lo foi o mais difícil que tinha feito em minha vida. Embora nos dissemos o um ao outro que aquela seria a última vez que nos separariam, prolongamos quanto foi possível aquela noite de amor. Quase tinha amanhecido quando retornei às Torres. Quando entrei em minha casa, soube que jogaria terrivelmente de menos. Aquele, mais que qualquer outro lugar em minha vida, tinha sido meu lar. Christian e eu, com os meninos, teríamos um novo lar, mas eu sempre levaria As Torres em meu coração.

Eram poucas as coisas que podia levar. Naquele tranquilo amanhecer, fiz uma pequena mala. A babá me ajudaria a organizar tudo aquilo que os meninos poderiam necessitar, mas minha mala queria fazê-la sozinha. Possivelmente era um símbolo de independência. E possivelmente foi essa a razão pela que pensei nas esmeraldas. Era a única coisa que Fergus me tinha dado e que considerava minha. Havia vezes nas que as tinha odiado, sabendo que me tinham sido entregues como prêmio por ter dado a luz um herdeiro.

Mas eram minhas, da mesma forma que meus filhos eram meus.

Acredito que não pensei em seu valor econômico quando tomei, sustentei-as em minhas mãos e observei seu intenso resplendor à luz do abajur. Aquelas esmeraldas as herdariam meus filhos, e os filhos de meus filhos, como um símbolo de liberdade e esperança. E, junto ao Christian, de amor.

Quando amanheceu, decidi as guardar junto a este jornal em um lugar seguro até que me reunisse com o Christian outra vez.

 

Era uma anciã. Permanecia sentada, com um aspecto tão frágil e quebradiço como uma taça antiga, à sombra de um olmo velho. Perto dela, uns alegres e coloridos pensamentos desfrutavam do sol e flertavam com os parasitas que zumbiam a seu redor. Os residentes caminhavam pelos atalhos empedrados que cruzavam os jardins do Madison House. Alguns o faziam em cadeira de rodas, eram empurrados por familiares ou trabalhadores da residência; outros caminhavam, por casais ou sozinhos, com o cuidado e a indecisão da idade.

Havia pássaros cantando. As mulheres escutavam e moviam brandamente a cabeça, negando-se a render-se à artrite. A mulher que foram visitar usava uma calças de cor rosa e uma blusa de algodão que lhe tinha dado uma de suas bisnetas. Sempre lhe tinham gostado das cores vivas. E algumas costumes não mudavam com a idade.

Sua pele era escura e com tantas rugas quanto um mapa antigo. Até dois anos antes, tinha vivido sozinha, cuidando de seu próprio jardim e fazendo ela sozinha a comida. Mas uma queda, uma desgraçada queda, tinha-a deixado impotente e dolorida na cozinha durante quase doze horas e se convenceu de que necessitava de uma mudança.

Tinha companhia quando queria e intimidade quando não a desejava. Millie Tobias imaginava que, aos noventa e oito anos, tinha ganhado o direito de escolher.

Alegrava-se de ter visitas. Sim, pensou enquanto tecia, claro que gostava. O dia tinha começado bem. Levantou-se sem mais dores do que as habituais. O quadril doía um pouco, o que queria dizer que logo ia chover. Mas não importava, refletiu. A chuva era boa para as flores.

Suas mãos continuavam tecendo, mas raramente as olhava. Sabiam perfeitamente o que tinham que fazer com as agulhas e com a lã. Em vez de olhar sua malha, observava o caminho, ajudando a seus olhos com umas grossas lentes. Viu o jovem casal, um jovem magro com o cabelo desgrenhado e escuro; a garota esbelta, com um ligeiro vestido de verão e o cabelo da cor das folhas em outono. aproximavam-se dela com as mãos dadas. Millie tinha uma foto de dois jovens amantes e decidiu que eram tão belos quanto os de sua foto.

Suas mãos continuaram tecendo quando os jovens abandonaram o caminho para reunir-se com ela à sombra da árvore.

-Senhora Tobias?

Millie estudou Max, viu uns olhos sinceros e um sorriso tímido.

-Isso mesmo -disse-. E você deve ser o doutor Quartermain -sua voz conservava o marcado acento do leste-. A gente se doutora muito jovem nesta época.

-Sim, senhora. Esta é Lilah Calhoun.

Não havia um grama de acanhamento em todo seu corpo, decidiu, e não se desgostou absolutamente que Lilah se sentasse na grama para admirar sua malha.

-É lindo -Lilah o acariciou com um dedo-. O que vai ser?

-O que ele quiser. É da ilha.

-Sim, nasci aqui.

Millie deixou escapar um suspiro.

-Não voltei para a ilha há trinta anos. Não suporto viver ali depois de ter perdido o meu Tom. Mas ainda sinto falta do som do mar.

-Estiveram muito tempo casados?

-Cinquenta anos. E desfrutamos de uma vida muito boa. Tivemos oito filhos e os vimos todos eles crescer . Agora tenho vinte e três netos, quinze bisnetos e sete tataranetos -soltou uma gargalhada-. Às vezes tenho a sensação de ter propagado eu sozinha todo este velho mundo. Tira as mãos dos bolsos, moço -disse ao Max-. E sente-se aqui, para que eu não tenha que esticar o pescoço -espero até que Max se sentou-. Esta é sua noiva? -perguntou-lhe.

-Ah... bom.

-É ou não é? -exigiu Millie, mostrando seus dentes em um radiante sorriso.

-Sim, Max -Lilah lhe dirigiu um divertido e preguiçoso olhar-. É ou não é?

Encurralado, Max deixou escapar um suspiro.

-Suponho que poderia dizer que sim.

-É de reações lentas, verdade? -disse a Lilah e piscou um olho-. Não há nada de mal nisso. Parece com ela -disse bruscamente.

-Quem?

-Bianca Calhoun. Não é dela de quem querem me falar?

Lilah posou a mão no braço de Millie. Sua pele era tão fina como o papel.

-Lembra-se dela.

-Claro. Era uma grande dama. Bonita e com um bom coração. Adorava seus filhos. Muitas das ricas damas que veraneavam na ilha estavam encantadas deixando seus filhos aos cuidados das babás, mas à senhora Calhoun gostava de cuidá-los pessoalmente. Gostava de dar passeios com eles e passava muitas horas no quarto de jogos. Subia a vê-los antes de dormir, todas as noites, a menos que seu marido tivesse algum plano e a fizesse sair antes que os meninos se deitaram. Era uma boa mãe, e acredito que de uma mulher não se pode dizer nada melhor.

Millie assentiu com firmeza e voltou a animar-se a falar quando viu que Max estava tomando notas.

-Trabalhei em Las Torres três verões, o doze, treze e o quatorze -e com aquele curioso efeito da idade na memória, podia recordar tudo com perfeita claridade.

-Importa-se? -Max tirou uma pequena gravadora-. Vai ajudar a nos lembrar do que disser.

-Absolutamente -de fato, agradava-a terrivelmente. sentia-se como se estivesse em um programa de televisão. Seus dedos deixaram de trabalhar enquanto se instalava mais comodamente na cadeira-. Ainda vive em Las Torres? perguntou a Lilah.

-Sim, com minha família.

-Quantas vezes terei baixado e subido aquelas escadas. Ao senhor não gostava que empregássemos a escada principal, mas quando ele não estava, claro que a utilizava, e me sentia como se fosse uma dama; feliz com minhas saias armadas e elevando o nariz. Naquela época eu estava ótima. E utilizava minha aparência para paquerar com o jardineiro. Mas só era uma forma de deixar Tom ciumento , e dessa forma consegui que ele agisse com mais rapidez.

Suspirou e se recostou no assento.

-Nunca tinha visto uma casa como aquela. Os móveis, os quadros, a cristaleira. Uma vez por semana, limpávamos todas as janelas com vinagre e resplandeciam como diamantes. E à senhora sempre gostava de ter flores frescas por toda parte. Ela mesma cortava as rosas e as petúnias do jardim ou saía a procurar orquídeas silvestres.

-O que pode nos dizer do verão em que ela morreu? -interrompeu-a Max.

-A senhora passava muito tempo na habitação da torre, olhando aos escarpados ou escrevendo seu livro.

-Seu livro? -interveio Lilah-. Refere-se a seu jornal?

-Suponho que era algo assim. Às vezes a via escrever quando lhe levava o chá. Ela sempre me agradecia. E me chamava pelo nome. «Obrigado, Millie», estava acostumado a dizer, «tenha um bom dia», ou «não tinha que ter se incomodado, Millie, como está seu noivo?”.». Era tão amável -seus lábios viraram uma fina linha-. Entretanto, o senhor não era capaz de lhe dizer uma só palavra. Para o caso que nos fazia, podíamos ter sido um pedaço de madeira.

-Não gostava dele -assinalou Max.  

-Eu não sou não posso lhe dizer se gostava ou não, mas sim posso dizer que não conheci um homem mais duro e frio em minha vida. Eu e as outras garotas falávamos às vezes dele. Como uma mulher tão doce e adorável podia estar casada com um homem como aquele? Eu diria que por dinheiro. OH, tinha uns vestidos belos, joias, assistia a todo tipo de festas… Mas não era feliz. Seus olhos sempre estavam tristes. Saíam algumas noites e outras as passavam em casa. E quase sempre se dedicava a suas coisas, aos negócios e à política, logo que não prestava atenção a sua esposa e muito menos a seus filhos. Embora o maior parecesse lhe ter carinho.  

-Ethan -comentou-lhe Lilah-. Meu avô.

-Era um bom menino, e muito peralta. Gostava de deslizar pelo corrimão e brincar no barro. À senhora não importava que se sujasse, mas tinha que assegurar-se de que estivesse bem limpo para quando o marido chegasse em casa. Era um homem duro esse Fergus Calhoun. Alguém pode assombrar-se de que essa pobre mulher procurasse a alguém mais amável?        

Lilah fechou a mão sobre a do Max.       

-Sabia que se encontrava com outro homem?             

-Eu era a encarregada de limpar a torre. Em mais de uma ocasião aparecia na janela e a via correr pelos escarpados. Ali se encontrava com um homem. Já sei que era uma mulher casada, mas não posso julgá-la. Cada vez que voltava depois de havê-lo visto, parecia feliz. Ao menos durante umas horas.

-Sabe quem era ele? -perguntou-lhe Max.

-Não. Um pintor, acredito, porque às vezes levava um cavalete. Mas nunca perguntei a ninguém, e tampouco contei o que tinha visto. Era o segredo da senhora. Merecia ao menos um segredo.

Como suas mãos estavam já cansadas, posou-as em seu colo.

-No dia anterior a sua morte, trouxe um cachorrinho para os meninos. Um cão perdido que encontrou nos escarpados. Deus, que comoção. Os meninos ficaram loucos com esse cão. A senhora fez que um dos jardineiros enchesse um balde no pátio e ela e os meninos banharam ao cachorrinho. Riam quando o cão uivava. A senhora estragou seu vestido. Depois, eu ajudei à babá a trocar os meninos. Foi a última vez que os vi felizes.

Interrompeu-se um instante para ordenar seus pensamentos e fixou o olhar em duas mariposas que voavam.

-Houve uma discussão terrível quando o senhor voltou para casa. Até então, nunca tinha ouvido a senhora lhe levantar a voz. Estavam no salão e eu no corredor. Podia ouvi-los perfeitamente. O senhor não queria ter ao cão em casa. É obvio, os meninos estavam chorando, mas ele disse, com toda sua frieza, que a senhora tinha que entregar o cão aos serventes para que se desfizeram dele.

Lilah sentiu que os olhos lhe enchiam de lágrimas.

-Mas por quê?

-Não era suficientemente bom para eles porque não era um cão de raça. A menina o enfrentou diretamente seu pai e ele não pareceu se importar com quão pequena era. Eu pensei que ia bater-lhe, mas a senhora disse a seus filhos que levassem a cão e subissem com a babá. depois daquilo, tudo foi muito pior. A senhora estava muito furiosa para conter-se. Eu jamais haveria dito que tinha tanto gênio, mas aquela noite o demonstrou. O senhor lhe disse coisas terríveis, coisas terríveis. Disse-lhe que ia a Boston uns dias e que, enquanto ele estivesse fora, devia desfazer do cão e recordar qual era seu lugar. Quando saiu do salão, seu rosto... nunca o esquecerei. Parecia um louco, disse-me mesma, e apareci no salão onde estava a senhora, branca como um fantasma, sentada em uma cadeira e levando uma mão ao pescoço. Na noite seguinte, estava morta.

Max não disse nada durante uns segundos. Lilah desviou o olhar e pestanejou para conter as lágrimas.

-Senhora Tobias, ouviu algo sobre Bianca querer abandonar a seu marido?

-Mais tarde sim. O senhor despediu à babá, apesar de que esses pobres meninos estavam quase doentes de tristeza. Ela, Mary Beals se chamava, queria a essa mulher e a seus filhos como se fossem sua própria família. Vi-a no povoado no dia que levaram a senhora para Nova Iorque para enterrá-la. Disse-me que a senhora jamais poderia ter se suicidado, que nunca teria feito uma coisa assim a seus filhos. Insistiu que tinha sido um acidente. E depois me disse que a senhora tinha decidido partir, que tinha chegado à conclusão de que não podia seguir com o senhor. Ia levar se aos meninos. Mary Beals me disse que pensavam em ir para Nova Iorque e que ia ficar com os meninos dissesse o que dissesse o senhor Calhoun. Mais tarde me inteirei de que Mary Beals tinha sido despedida.

-Alguma vez viu as esmeraldas dos Calhoun, senhora Tobias? -perguntou-lhe Max.

-Claro. Bastava as ver uma vez para não as esquecer nunca. Quando a senhora as usava, parecia uma rainha. Desapareceram na noite que morreu -um débil sorriso apareceu em seus lábios-. Conheço a lenda, menino. Poderia dizer que a vivi.

Novamente serena, Lilah voltou a olhar à anciã.

-Tem alguma ideia do que ocorreu com elas?

-Sei que Fergus Calhoun nunca as atirou no mar. Estava muito obstinado com seu dinheiro para esbanjar uma só moeda. Se ela pretendia deixá-lo, é possível que decidisse levá-la. Mas ele retornou.

Max franziu o cenho.

-Quem retornou?

-O senhor voltou na mesma tarde que a senhora morreu. Por isso escondeu ela as esmeraldas. Mas a pobre nunca teve oportunidade de levá-las.

-E onde...? -murmurou Lilah- Onde Poderia tê-las guardado?

-Em uma casa tão grande é impossível saber -Millie retomou seu trabalho-. Eu voltei para empacotar suas coisas. Foi um dia muito triste. Era impossível não chorar. Envolvemos seus adoráveis vestidos em papel de seda e os guardamos em um baú. Disseram-nos que limpássemos completamente a habitação, tivemos que tirar dali até suas escovas e seus perfumes. O senhor não queria que ficasse nada dela na casa. Eu não voltei a ver as esmeraldas nunca mais.

-Nem tampouco seu diário? -Max esperou enquanto Millie apertava os lábios-. Encontraram seu diário em sua habitação?

-Não -sacudiu a cabeça lentamente-. Não havia nenhum diário.

-E alguns objetos de escritório, cartas, cartões...?

-Seu papel de cartas estava no escritório e também o livrinho que anotava suas entrevistas, mas não vi o diário. Tiramos tudo, não deixamos nenhuma forquilha. No verão seguinte, o senhor retornou. Manteve a que tinha sido o quarto da senhora fechado e não ficou nenhum rastro dela na casa. As fotografias, os quadros, tinham desaparecido. 0s meninos jamais riam. Uma vez me encontrei com o menor na porta do quarto de sua mãe, olhando-a fixamente. Eu deixei o trabalho na metade do verão. Não podia suportar trabalhar naquela casa com o senhor. converteu-se em um homem ainda mais frio, mais duro. Às vezes subia no quarto da torre e ficava ali sentado durante horas. Aquele verão me casei com o Tom e, depois, nunca retornei às Torres.

Horas depois, Lilah permanecia no estreito balcão do quarto do hotel. A seus pés, podia ver o retângulo da piscina e ouvir as risadas das famílias e os casais que desfrutavam de suas férias.

Mas sua mente não estava naquele verão luminoso nem nos gritos e o sussurro da água. Seu coração tinha voltado oitenta anos atrás, à época em que as mulheres se engalanavam com vestidos compridos e elegantes e escreviam seus sonhos em diários secretos.

Quando Max saiu e lhe rodeou a cintura com os braços, Lilah se recostou contra ele, procurando consolo.

-Sempre soube que não foi feliz -disse Lilah-. Podia senti-lo. Da mesma forma que sentia que estava desesperadamente apaixonada. Mas, até hoje, não fui consciente de que teve medo. Isso não havia sentido.

-Já faz muito tempo, Lilah -Max beijou seu cabelo-. A senhora Tobias pode ter exagerado. Recorda que era uma moça e impressionável quando tudo isso ocorreu.

Lilah se voltou para olhá-lo tranquila e profundamente aos olhos.

-Não acredita no que ela disse, não é?

-Não -deslizou os nós dos dedos por sua face-. Mas não podemos mudar o que aconteceu. Em que poderia nos ajudar agora?

-Claro que podemos, não se dá conta? Encontrando as esmeraldas e o diário... devia escrever tudo o que sentia em seu diário. Tudo o que desejava e temia. E jamais teria deixado que Fergus o encontrasse. Se escondeu as esmeraldas, também escondeu o diário, tenho certeza.

-Então o encontraremos. Se atendermos ao relato da senhora Tobias, Fergus retornou antes do que Bianca esperava. portanto, não teve oportunidade de tirar as esmeraldas da casa. Ainda estão ali, assim as encontrar só é questão de tempo.

-Mas...

Max sacudiu a cabeça e lhe emoldurou o rosto com as mãos.

-Não é você a que diz que terá que confiar nos sentimentos? Pensa nisso. Trent veio às Torres e se apaixonou por C.C. Quando lhe ocorreu a ideia de restaurar a casa para convertê-la em um hotel, a antiga lenda saiu novamente à luz. Uma vez se fez pública, Livingston ou Caufield, ou como queira que se chame, obcecou-se com as esmeraldas. Fez a corte a Amanda, mas ela já estava apaixonada pelo Sloan, que também veio aqui por Las Torres. Depois, já conseguimos encaixar algumas peças deste grande quebra-cabeças. encontramos uma fotografia das esmeraldas. localizamos uma mulher que conheceu Bianca e que colaborou com a tese de que escondeu as esmeraldas na casa. Cada um dos passos que demos guarda relação com o anterior. Acredita que teríamos chegado tão longe se de verdade não fôssemos encontrá-las?

O olhar de Lilah se suavizou enquanto rodeava com as mãos as mãos do Max.

-É terrivelmente bom para mim, professor. Um pouco de lógica otimista era precisamente o que necessitava neste momento.

-Então lhe darei algo mais. Acredito que o seguinte passo é tentar seguir os rastros do pintor.

-Do Christian? Mas como?

-Deixa comigo .

-De acordo -desejando sentir os braços do Max a seu redor, apoiou a cabeça em seu ombro-. Há outra conexão possível. Possivelmente pense que está desconjurado, mas não posso evitar pensar nela.

-Me diga.      

-Faz um par de meses, Trent foi dar um passeio pelos escarpados. Encontrou Fred. Nunca fomos capazes de averiguar que fazia aquele cachorrinho por ali sozinho. Tem-me feito pensar no cão que Bianca levou para os meninos, aquele pelo que discutiu tão amargamente com o Fergus um dia antes de morrer -deixou escapar um longo suspiro-. Também penso nesses meninos. Para mim é difícil imaginar meu avô como um menino pequeno. Nunca o conheci porque morreu antes que eu nascesse. Mas posso imaginá-lo na porta do quarto de sua mãe, sofrendo. E me despedaça o coração.

-Christian -Max esticou seu abraço-. É melhor pensar que Bianca encontrou a felicidade com esse pintor. Não pode imaginá-la correndo para buscá-lo pelos escarpados, desfrutando escondida de umas horas de sol ou procurando algum lugar tranquilo pra que pudessem estar sozinhos?

-Sim -curvou os lábios sobre o pescoço do Max-. Sim, posso. Possivelmente seja essa a razão pela que eu gosto tanto da torre. Bianca não era desgraçada quando estava nela e podia pensar livremente em Christian.

-E se houver justiça no mundo, seguro que agora estão juntos.

Lilah inclinou a cabeça para olhá-lo.

-É terrivelmente bom para mim. Vou lhe propor uma coisa, por que não aproveitamos a piscina que temos aí abaixo? Eu gostaria de nadar com você em uma situação que não seja de vida ou morte.

Max lhe deu um beijo no rosto.

-Teve uma grande ideia.

Lilah fez algo mais que flutuar e nadar. Max jamais tinha visto ninguém que realmente fosse capaz de dormir na água. Mas Lilah podia. Fechava despreocupadamente os olhos embaixo dos óculos de sol, com o corpo completamente depravado. Usava um biquíni de alças estreitas e um estampado de pele de leopardo que fazia que a tensão sanguínea Max subisse... E tinha o mesmo efeito em todos os homens que havia na área de cem metros quadrados. Mas ela continuava flutuando tranquilamente, movendo as mãos com delicadeza na água. de vez em quando, dava uma patada preguiçosa para impulsionar-se e o cabelo flutuava a seu redor. De tempo em tempo, procurava a mão de Max, ou lhe rodeava o pescoço com os braços, confiante que a mantivesse flutuando.

E de repente, beijou-o. Seus lábios estavam frios, úmidos. E seu corpo tão fluido como a água que os rodeava.

-Acredito que este seja o momento ideal para tirar um cochilo -comentou Lilah. Deixou-o na piscina e se estirou em uma cadeira, sob uma sombrinha.

Quando despertou, as sombras já tomavam conta da área e só restavam algumas pessoas aficionados em natação. Olhou ao seu redor, procurando Max, e comprovou vagamente desiludida que não tinha ficado com ela. Envolveu-se em sua toalha e foi buscá-lo.

O quarto estava vazio, mas havia uma nota na cama, escrita com a cuidadosa caligrafia.

Tenho algumas coisas que fazer. Voltarei logo.

Lilah encolheu os ombros, procurou na rádio uma emissora de música clássica e se tomou uma longa e cálida ducha.

Reanimada e relaxada, tirou a toalha e começou a espalhar creme no corpo com longas e preguiçosas carícias, Possivelmente encontrassem um restaurante pequeno e acolhedor para jantar, disse-se. Algum lugar com iluminação tênue e música ao vivo. Poderiam prolongar o jantar à luz das velas e deleitar-se com um frio e borbulhante champanha.

Depois voltariam para hotel e correriam as cortinas do balcão. Max a beijaria daquela forma tão minuciosa e embriagadora, até que nenhum dos dois fosse capaz de afastar as mãos um do outro. Lilah pegou um frasquinho de perfume e o vaporizou sobre sua pele. Depois, fariam amor, lenta ou freneticamente, delicada ou desesperadamente, até que terminassem dormindo abraçados.

Não pensariam na tragédia da Bianca, nem em ladrões de esmeraldas. Aquela noite só pensariam um no outro.

Sonhando com isso, Lilah entrou no dormitório.

Max a estava esperando. Parecia que estivera estado esperando-a durante toda sua vida. Ela se deteve, com os olhos obscurecidos pela luz das velas que Max tinha acendido. Seu cabelo úmido flamejava frente a aquela delicada luz. Seu perfume flutuava na habitação, misterioso, sedutor, misturado com a fragrância do ramo de fresias que Max lhe tinha comprado.

Como ela, tinha imaginado uma noite perfeita e estava tentando oferecer-lhe

O rádio continuava emitindo melodias românticas. Sobre a mesa situada frente às portas do balcão, descansavam duas elegantes velas brancas. O champanha acabava de ser servido em duas taças altas previamente refrigeradas. Frente a eles, o sol ficava no céu, convertido em um globo escarlate que se afundava no azul profundo do horizonte.

-Pensei que poderíamos jantar aqui -disse-lhe, lhe tendendo a mão.

-Max -a emoção lhe constrangia a garganta-. Vê como sempre tive razão? -entrelaçou os dedos com os do Max-. É um poeta.

-Queria estar a sós com você -tomou um dos frágeis flores e a pôs em seus cabelos-. Espero que não se importe.

-Não -deixou escapar um trêmulo suspiro quando Max lhe beijou a palma da mão-. Não me importo.

Max tomou as taças e lhe tendeu uma.

-Nos restaurantes há tanta gente...

-E são tão ruidosos -mostrou-se de acordo Lilah, enquanto aproximava sua taça da de Max.

-E alguém poderia protestar se começo a lhe beijar antes dos aperitivos.

Sem deixar de olhá-lo, Lilah bebeu um gole do champanha.

-Eu não o faria.

Max deslizou um dedo por seu pescoço e lhe fez inclinar a cabeça para que seus lábios pudessem encontrar-se.

-Acredito que deveríamos lhe dar ao jantar uma oportunidade -sussurrou Max ao cabo de um momento.

Sentaram-se juntos para contemplar o pôr do sol enquanto iam dando um ao outro pedacinhos de lagosta empapada em manteiga quente. Lilah deixava que o champanha explorasse em sua língua e depois se voltava para ele, onde o sabor do champanha se tornava simplesmente embriagador.

Enquanto lhes chegava da rádio um prelúdio de Chopin, Max beijou brandamente seu ombro e deslizou os lábios até seu pescoço.

-A primeira vez que a vi -disse-lhe enquanto introduzia um pedaço de lagosta entre seus lábios-, pensei que era uma sereia. E aquela primeira noite sonhei com você -esfregou brandamente seus lábios-. E depois, sonhei com você a cada noite.

-Quando me sento na torre penso em você... da mesma maneira que Bianca pensou em outro tempo em Christian. Acredita que chegaram a fazer amor?

-Não acredito que Christian pudesse resistir.

Pelos lábios do Lilah escapava sua trêmula respiração.

-Não acredito que ela quisesse que resistisse -olhando-o aos olhos, começou a lhe desabotoar a camisa-. Ela também morria de desejo por ele, de vontade de acariciá-lo -com um suspiro, deslizou as mãos por seu peito-. Quando estavam juntos, sozinhos, nada mais importava.

-Ele estava louco por ela -tomou Lilah pelas mãos para fazê-la levantar-se. Abandonou-a um momento, para fechar as janelas, de maneira que ficassem encerrados entre a música e a luz das velas-. Deviam persegui-lo noite e dia imagens da Bianca. Seu rosto... -percorreu com os dedos as bochechas de Lilah, o queixo, a garganta-. Cada vez que fechava os olhos, veria-a. Seu sabor... -pressionou seus lábios-. Cada vez que respirava, estaria ali para lhe recordar seus beijos.

-E ela permaneceria acordada noite após noite em sua cama, desejando suas carícias -com o coração acelerado, deslizou a camisa pelos ombros do Max e se estremeceu quando este lhe desatou o cinturão do robe -, recordando como a olhava quando a despia.

-Christian não podia desejá-la mais do que a desejo –o robe escorregou até o chão. E Max se aproximou ainda mais de Lilah-. Me deixe demonstrar isso.

Cada vez que se saciavam, eram capazes de voltar a se excitar .

A luz das velas era cada vez menos intensa. Um solitário raio de lua se filtrava por uma minúscula fresta entre as cortinas. sentia-se a música, a crescente paixão e a fragrância daquelas frágeis floresça.

Promessas sussurradas e respostas desesperadas. Uma risada grave e rouca, um gemido um soluço. Da paciência à urgência, da ternura à loucura, entregaram-se um ao outro. Durante aquela escura e interminável noite, mostraram-se ávidos, incansáveis. Uma delicada carícia podia causar um tremor; um toque mais brusco um suspiro. aproximavam-se um ao outro com generoso afeto e imediatamente seguinte como se fossem belicosos guerreiros.

Cada vez que se acreditavam saciados, eram capazes de voltar a excitar-se. E não deixaram de amar-se até que as velas se fundiram e a luz cinzenta do amanhecer se filtrou sigilosa no quarto.

 

Hawkins estava farto e cansado de esperar. No que a ele concernia, cada dia passado na ilha era uma perda de tempo. E o pior era que tinha renunciado a um trabalho em Nova Iorque que podia lhe haver permitido ganhar um bom dinheiro. Em vez disso, tinha investido a metade do que podia ter ganhado em um roubo que cada vez lhe parecia mais um autêntico descalabro.

Sabia que Caufield era bom. E havia poucas coisas melhores que viver levantando fechaduras e escapando da polícia. Nos dez anos que tinha durado sua associação, tinham levado a cabo várias operações sem nenhum tipo de complicações. E isso era precisamente o que o preocupava.

No assunto das esmeraldas, quão único parecia haver eram preocupações. Aquele maldito professor de universidade tinha complicado bem as coisas. Hawkins estava ressentido porque Caufield não lhe tinha deixado ocupar-se do Quartermain. Sabia que Caufield não o considerava capaz de finura alguma, mas ele podia ter arrumado aquele assunto fingindo um acidente.

O verdadeiro problema era que Caufield estava obcecado com as esmeraldas. Falava delas dia e noite, e se referia a elas como se fossem seres vivos e não umas pedras preciosas que podiam lhes proporcionar uma considerável quantidade de dinheiro.

Hawkins estava começando a acreditar que Caufield não pensava vender as esmeraldas quando as conseguisse. Conhecia o aroma da traição e estava observando a seu sócio como um falcão. Cada vez que Caufield saía, percorria aquela casa vazia, procurando alguma pista sobre as intenções de seu sócio.

Depois estavam seus ataques de cólera. Caufield tinha fama de ter um caráter instável, mas aquelas terríveis chiliques eram cada vez mais frequentes. No dia anterior, tinha entrado na casa furioso, com o rosto pálido, um olhar selvagem e tremendo de raiva porque uma das garotas Calhoun não estava no parque natural; tinha destroçado um dos quartos e tinha quebrado um móvel com uma faca de cozinha antes de conseguir recuperar a calma.

Hawkins tinha medo. Embora ele fosse um homem robusto e de punhos ágeis, não tinha nenhuma vontade de medir-se fisicamente com o Caufield. E menos quando via aquele fogo selvagem em seus olhos. Sua única esperança era, se queria a parte que lhe correspondia e fugir-se limpamente dali, poder burlar a seu sócio.

Aproveitando que Caufield havia saído para o parque natural, Hawkins iniciou uma lenta e metódica busca pela casa. Embora era um homem grande, frequentemente considerado como falto de engenho por seus sócios, podia registrar toda uma habitação sem levantar uma só bolinha de pó. Jogou uma olhada aos documentos roubados e os descartou aborrecido. Ali não havia nada. Se Caufield tivesse encontrado algo, não os teria deixado tão à vista. Decidiu começar pelo mais óbvio, pelo dormitório de seu sócio.

Sacudiu primeiro os livros. Sabia que Caufield fingia ser um homem formado, inclusive erudito, embora não tinha recebido mais educação que ele. Mas nos volumes do Shakespeare e Steinbeck não encontrou nada mais que palavras.

Hawkins procurou sob o colchão e nas gavetas da cômoda. Como a pistola do Caufield não estava pelos arredores, decidiu que a teria metido na mochila antes de ir procurar a Lilah. Com infinita paciência, olhou detrás dos espelhos, dentro das gavetas e baixou o tapete. Quando se voltava para o armário, começava a pensar já que tinha julgado equivocadamente a seu sócio.

E ali, no bolso de um par de jeans, encontrou o mapa.

Era um desenho tosco, em um papel amarelado. Para o Hawkins, não havia nenhum possível engano de interpretação. As Torres estavam claramente representadas, junto a algumas direções e distâncias e algumas marca, embora as proporções não eram muito boas.

O mapa das esmeraldas, pensou Hawkins enquanto tentava alisar as dobras do papel. Uma fúria amarga o invadia enquanto estudava cada uma daquelas linhas. Tinha descoberto o duplo jogo do Caufield, mas não o diria. O também podia jogar mesmo jogo, pensou. Saiu da habitação com o mapa no bolso. Caufield ia sofrer um sério ataque de cólera quando descobrisse que seu sócio lhe tinha tirado as esmeraldas diante de seus narizes. Era uma pena que não fora a estar ali para vê-lo.

Max encontrou Christian. Foi muito mais fácil do que tinha imaginado. Só teve que sentar-se e estudar atentamente o livro que tinha entre as mãos. Em menos de meia hora na biblioteca, tropeçou com aquele nome em um poeirento volume titulado Pintores e sua Arte: 1900-1950. Tinha revisado pacientemente a lista de sobrenomes que começavam com a letra A, e estava revisando atentamente os que começavam pela B quando o encontrou. Christian Bradford, nascido em mil oitocentos e oitenta e quatro e falecido em mil novecentos e setenta e seis. Embora Max tenha se animado de encontrar seu nome, não esperava que fosse tão fácil. Mas logo cada peça encaixou em seu lugar.

Embora Bradford não tenha tido um autêntico êxito até os últimos anos de sua vida, seus primeiros trabalhos chegaram a adquirir um considerável valor após a sua morte.

Max leu por cima as características artísticas do pintor.

Considerado como um nômade em sua vida, devido a seu costume de mudar-se de um lugar a outro, Bradford frequentemente vendia seu trabalho em troca de alojamento e comida. Era um prolífico artista, capaz de terminar um quadro em questão de dias. dizia-se que era capaz de trabalhar durante vinte e quatro horas seguidas quando estava inspirado. Continua sendo um mistério por que não produziu nada entre mil novecentos e quatorze e mil novecentos e dezesseis.

Oh, Deus, pensou Max, e se esfregou as Palmas das mãos nas calças.

Casado em mil novecentos e vinte e cinco com a Margaret Doogan, Bradford teve um único filho. Pouco mais se sabe de sua vida pessoal, posto que foi um homem obcecado conservando sua intimidade. Sofreu um ataque cardíaco perto dos sessenta anos, mas continuou pintando. Morreu em Bar Harbor, Maine, onde tinha conservado sua casa durante mais de cinquenta anos. Sobreviveram seu filho e seu neto.

-Encontrei-o -murmurou Max.

Voltou a página e estudou a reprodução de um dos trabalhos de Bradford. Era uma tormenta, abrindo-se caminho desde mar. Apaixonada, violenta, furiosa. Era uma vista que Max conhecia... A vista que se via dos escarpados, baixo As Torres.

Uma hora depois, chegava a casa com meia dúzia de livros sob o braço. Ainda faltava uma hora para que pudesse ir procurar a Lilah no parque, uma hora para poder lhe dizer que tinham vencido o seguinte obstáculo. Rindo por seu êxito, saudou tão alegremente a Fred que o cão começou a correr pelo corredor, saltando e movendo a cauda.

-Meu deus -Cordy baixou trotando as escadas-. Que comoção.

-Sinto muito.

-Não tem por que se desculpar. Não saberia o que fazer se um dia transcorresse sem nenhum tumulto. Além disso, Max, é evidente que está encantado.

-Bom, o caso é que...

Interrompeu-se quando chegaram Alex e Jenny cruzando o fogo invisível de suas pistolas laser.

-Homem morto! -gritou Alex-. Homem morto!

-Se tiver que matar a alguém -disse-lhe Cordy-, por favor, faça lá fora. Fred precisa tomar um pouco de ar fresco.

-Morte aos invasores -anunciou Alex-. Fritaremos seu cerebros!

Completamente de acordo com ele, Jenny apontou para Fred com sua pistola, fazendo que Fred saísse brincando de correr pelo corredor outra vez. Decidindo que era o invasor que tinham mais à mão, os meninos saíram correndo atrás dele. Inclusive na distância, o som da portada retumbou em toda a casa.

-Não sei de onde tiram essa imaginação tão violenta -comentou Cordy com um suspiro de alívio-. Suzanna tem um caráter tão tranquilo, e seu pai... -algo obscureceu seus olhos quando se interrompeu-. Bom, essa é outra história. Agora, me diga, por que está tão contente?

-Acabo de sair da biblioteca e...

Naquela ocasião foi o telefone o que os interrompeu. Cordy tirou o fone do gancho atendendo.

-Olá. Sim. Ah, sim, agora mesmo está aqui -cobriu com a mão o auricular-. É o reitor. Quer falar com você.

Max deixou os livros na mesa do telefone enquanto Cordy endireitava algumas fotografa e se separava discretamente dali.

-Dean Hodgins? Sim, sou eu, obrigado. É uma boa notícia. Bom, ainda não decidi quando vou voltar... O professor Blake?

Cordy advertiu um deixe de alarma em sua voz.

-Quando? É a sério? Sinto que esteja doente. Espero... perdão? -deixou escapar um longo suspiro e se apoiou contra a mesa-. Sinto-me adulado, mas... -produziu-se outro lapso. Max se passou nervoso a mão pelo cabelo-. Obrigado. Compreendo-o. Se pudesse dispor de um dia ou dois para considerar. O agradeço. Sim, senhor. Adeus.

Como Max permanecia sem mover-se, com o olhar perdido no vazio, Cordy se esclareceu garganta.

-Espero que não sejam más notícias, querido.

-O que? -fixou nela o olhar e sacudiu a cabeça-. Não, bom, sim. O diretor do departamento de história sofreu um enfarte a semana passada.

-Oh -imediatamente compassiva, Cordy se aproximou dele-. É terrível.

-Na realidade foi bastante suave. Os médicos o consideram uma advertência. Recomendaram-lhe que tire suas cargas trabalhistas e ao que parece ele levou muito a sério, pois decidiu aposentar-se -olhou a Cordy desconcertado-. E pelo visto me recomendaram para ocupar seu posto.

-Muito bem -sorriu e lhe aplaudiu carinhosamente, mas ele a observava com receio-. É uma honra, não?

-Tenho que voltar na semana que vem -disse para si-. E substituir o diretor do departamento até que se tome a decisão final.

-Às vezes é difícil saber o que se tem que fazer, que caminho tomar. Por que não toma um chá? -sugeriu-lhe-. Depois lerei as folhas e veremos o que dizem.

-Na realidade não acredito... -a seguinte interrupção foi um alívio, mas Cordy estalou molesta a língua enquanto se aproximava de abrir a porta.

-Oh, Meu deus -foi o único que disse. levou-se a mão ao peito e voltou a repetir-: Oh, Meu deus!

-Não fique aí com a boca aberta, Cordelia -exigiu uma voz crispada e autoritária-. Diga para alguém se ocupar de minhas malas.

-Tia Colleen! -as mãos de Cordy revoavam-. Que surpresa tão... agradável.

-Vamos! Parece que acaba de ver Satã na porta de sua casa -apoiando-se em uma bengala com o punho dourado, entrou no vestíbulo.

Max viu uma mulher alta, extremamente magra, com uma exuberante mata de cabelo branco. Vestia um elegante traje branco e umas pérolas resplandecentes. Sua pele, generosamente enrugada, era pálida como o linho. Poderia ter sido um fantasma, salvo por aqueles olhos azuis com os que o esquadrinhava.

-Quem demônios é esse?

-Hum... Hum...

-Fala, garota. Não gagueje -Colleen golpeou o chão com a bengala e uma boa dose de impaciência-. Não conservaste nenhuma pingo do sentido comum que Deus te deu.

Cordy começou a retorcer as mãos.

-Tia Colleen, este é o Doutor Quartermain. Max, Colleen Calhoun.

-Doutor -ladrou Colleen-. Quem está doente? Maldita seja, não penso ficar em uma casa em que haja alguém com uma enfermidade contagiosa.

-Eu sou doutor em história, senhorita Calhoun -explicou-lhe Max com um cauteloso sorriso-. Encantado de conhecê-la.

-Céus! -enrugou o nariz e olhou a seu redor-. Assim continuam deixando que esta casa caia diante de seus narizes. Seria melhor que a atingisse um raio. Ou que se torrasse em um incêndio. Leve essas malas, Cordelia, e me traga uma xícara de chá. Fiz uma longa viaje -e sem mais, dirigiu-se com passo firme para o salão.

-Sim, senhora -incapaz de deixar quietas as mãos, Cordy dirigiu ao Max um olhar de impotência-. Odeio ter que pedir...

-Não se preocupe por isso. Onde tenho que levar estas malas?

-Oh, Meu deus -Cordy levou as mãos às bochechas-. A primeira habitação à direita, no segundo piso. OH, não terá pagado ao taxista. Esta velha miserável... Chamarei Amanda. Ela avisará às outras. Max... -tomou as mãos-. Se acredita que serve de algo rezar, reze para que esta visita seja curta.

-Onde está esse maldito chá? -gritou Colleen, acompanhando seu grito com um golpe de bengala.

-Agora mesmo!-Cordy deu meia volta e saiu correndo pelo corredor.

Pondo em jogo toda sua capacidade de ação, Cordy serviu a sua tia um chá com massas, tirou o Trent e ao Sloan de seu trabalho e suplicou a Max que ficasse. Fizeram os acertos pertinentes para que Amanda fosse procurar Lilah e a Suzanna com intenção de que chegassem quanto antes e organizassem os quartos dos convidados..

Era como estar preparando uma invasão, pensou Max enquanto se reunia com o grupo no salão. Colleen sentada, rígida como um general, enquanto olhava seus oponentes com um olhar de aço.

-Então você é o que se casou com Catherine. Dedica-se a negócio de hotéis, não é?

-Sim, senhora -respondeu Trent educadamente enquanto Cordy se movia nervosamente pela habitação.

-As vezes eu me instalo em hotéis -disse Colleen desdenhosamente-. Casaram-se rápido, não é?

-Não queria lhe dar nenhuma oportunidade para que mudasse de opinião.

Colleen quase sorriu, mas aspirou sonoramente pelo nariz e apontou para o Sloan.

-E você é o que anda atrás da Amanda.

-Exato.

-E esse acento? -exigiu, endurecendo o olhar-. De onde é?

-Do Oklahoma.

-O'Riley -pensou um momento e depois o assinalou com um de seus largos dedos- Petróleo.

-Aí está.

-Humm -deu um gole a seu chá-. Assim foi, vocês que tiveram essa desatinada ideia de transformar a ala oeste em um hotel. Sim, suponho que é melhor que queimá-la e reclamar o dinheiro do seguro.

-Tia Colleen! -exclamou Cordy escandalizada-. Não estará falando sério.

-Estou falando completamente sério. Odiei este lugar durante a maior parte de minha vida -estirou-se para olhar o retrato de seu pai-. Ele teria odiado ver hóspedes em Las Torres. Teria ficado mortificado.

-Sinto muito, tia Colleen -começou a dizer Cordy-. Mas tomamos a melhor das opções.

-Acaso pedi eu uma desculpa? -replicou Colleen-. Onde demônios estão minhas sobrinhas? Não vão ter a amabilidade de me apresentar seus respeitos?

-Não demorarão para chegar -desesperada-se, Cordy lhe serviu mais chá-. Isto foi tão inesperado, e nós...

-Uma casa sempre tem que estar preparada para receber convidados -respondeu Colleen agradada por sua malícia, e franziu o cenho quando viu entrar Suzanna-. E esta quem é?

-Eu sou Suzanna -diligente, aproximou-se de sua tia para lhe dar um beijo na bochecha.

-Parece-se com sua mãe -decidiu Colleen com um desinteressado assentimento-. Eu tinha muito carinho por Deliah -olhou repentinamente para Max-. Essa é sua noiva?

Max pestanejou enquanto Sloan as disfarçava para converter uma gargalhada em uma tosse.

-Ah, não. Não, senhora.

-Por que não? Tem algum problema nos olhos.

-Não -endireitou-se na cadeira enquanto Suzanna sorria de par em par e se sentava sobre um almofadão.

-Max esteve conosco durante umas semanas -disse Cordy, indo a seu resgate-. Está-nos ajudando a fazer... uma investigação histórica.

-As esmeraldas -com os olhos resplandecentes, Colleen se recostou no sofá-. Não tome por uma estúpida, Cordelia. No navio também nos chegavam jornais. Era um cruzeiro -disse ao Trent-. São muito mais civilizados que os hotéis. Agora me conte que demônios está acontecendo aqui.

-Realmente nada -Cordy voltou a esclarecê-la garganta-. Já sabe como a imprensa aumenta as coisas.

-Mas entrou um ladrão na casa e disparou?

-Bom, sim. Foi bastante aborrecido, mas...

-Você -Colleen elevou sua fortificação e assinalou com ele a Max-. Você, professor de história. Suponho que será capaz de falar com claridade. Me explique a situação brevemente.

Ante o olhar suplicante de Cordy, Max deixou sua xícara de chá.

-A família decidiu, depois de uma série de acontecimentos, investigar a veracidade da lenda das esmeraldas dos Calhoun. Desgraçadamente, as notícias sobre a gargantilha desaparecida despertaram o interesse e as especulações de várias pessoas, algumas muitos desagradáveis. O primeiro passo que dei foi catalogar os documentos da família, para verificar a existência das esmeraldas.

-É obvio que existem -interrompeu-o Colleen com impaciência-. Acaso não as vi eu com meus próprios olhos?

-Você é muito difícil de localizar -começou a dizer Cordy e foi silenciada com um olhar.

-Em qualquer caso -continuou Max-, alguém entrou na casa e levou um grande número de documentos -Max passou por cima sua entrada no caso para lhe dar o maior número de dados.

-Humm -Colleen o olhou com o cenho franzido-. A que se dedica? A escrever?

Max arqueou as sobrancelhas surpreso.

-Sou professor. De história. Na universidade do Cornell.

Colleen voltou a aspirar sonoramente.

-Bom, organizaram um pequena confusão. Todos vocês. Trazendo ladrões para casa, manchando nosso sobrenome nos jornais e estando a ponto de ser assassinados. Por isso tenho que lhes dizer, o velho vendeu as esmeraldas.

-Nesse caso haveria algum recibo -comentou Max e Colleen voltou a estudá-lo com atenção.

-Nisso tem razão, senhor doutor. Levava a conta de cada moeda que ganhava e cada moeda que gastava fechou os olhos um momento-. A babá sempre nos disse que minha mãe as tinha escondido. Para nós -abriu os olhos com expressão feroz-. Todo isso eram contos.

-Eu gosto dos contos -disse Lilah do marco da porta. Permanecia em meio de C.C. e Amanda.

-Veem aqui, onde possa vê-la.

-Você primeiro -murmurou- Lilah a C.C.

-Por que eu?

-Porque é a menor -empurrou brandamente a sua irmã.

-Então joga uma mulher grávida aos lobos -murmurou Amanda.

-Você é a seguinte.

-O que é isso que tem na cara? -perguntou- Colleen a C.C. em tom exigente.

C.C se limpou a bochecha.

-Suponho que graxa de motor.

-Mas o que está acontecendo a este mundo? Tem um bom corpo -decidiu-. Cresceu bem. E ainda não está grávida?

C.C. meteu-se as mãos nos bolsos e sorriu.

-Pois na verdade sim. Trent e eu vamos ser pais em fevereiro.

-Estupendo -Colleen sacudiu a mão. Animada, Amanda deu um passo adiante.

-Olá, tia Colleen. Me alegro de que tenha decidido vir ao casamento.

-Ainda não sei o que vou fazer -estudou Amanda com os lábios apertados-. Em qualquer caso, sabe como escrever uma carta. Chegou-me a semana passada, junto com o convite -era adorável, pensou Colleen. Igual a suas irmãs. sentia-se orgulhosa delas, mas teria arrancado a língua antes de admiti-lo-. E há alguma razão pela que não tenha podido se casar com um homem pertencente a uma família respeitável do leste?

-Sim. Nenhum deles conseguia me zangar tanto como Sloan.

Com um som que poderia ter sido uma gargalhada, Colleen fez um gesto com a mão com o que dava por terminado o interrogatório da Amanda. Quando se fixou em Lilah, sentiu uma intensa ardência nos olhos e teve que apertar os lábios para impedir que tremessem. Era como estar vendo sua mãe, depois de todos aqueles anos e de toda a dor que tinha tido que superar.

-Assim que você é Lilah -quando lhe quebrou a voz, franziu o cenho de tal maneira, que Cordy tremeu.

-Sim -Lilah lhe deu um par de beijos nas bochechas-. A última vez que a vi tinha oito anos. E me ralhou por andar descalça.

-E, após, o que estiveste fazendo de sua vida?

-Oh, o menos possível -respondeu Lilah despreocupadamente-. Como está você?

Colleen estava a ponto de sorrir, mas se voltou para Cordy.

-Não ensinou boas maneiras a essas moças?

-Não jogue a culpa nela -Lilah se sentou aos pés do Max-. Somos incorrigíveis -olhou por cima do ombro para dirigir a Max um sorriso e depois posou a mão em seu joelho.

A Colleen não aconteceu despercebido aquele gesto.

-Então foi você que jogou os olhos nele.

Lilah jogou o cabelo para trás e sorriu.

-Certamente que sim. É bonito, não é?

-Lilah -murmurou Max-. Me dê uma pausa.

-Não me deu um beijo de boas-vindas -replicou Lilah sem baixar a voz.

-Deixa o menino em paz -mais divertida do que teria admitido, Colleen golpeou sua bengala-. Ao menos ele tem educação -assinalou com a mão o serviço de chá-. Leve tudo isso , cordélia. E traga um brandy.

-Eu lhe trarei -Lilah levantou e se aproximou do armário das bebidas. Piscou os olhos para Suzanna enquanto sua irmã levava o carrinho do chá-. Quanto tempo pensa em ficar e transformar nossas vidas em um inferno?

-Ouvi isso.

Irritada, Lilah se voltou com a taça de brandy. -É obvio, titia. Meu pai sempre dizia que tinha ouvidos de um gato.

-Não me chame «titia» -virtualmente, arrebatou-lhe o brandy.

Colleen estava acostumada a um trato deferência!. Seu dinheiro e sua personalidade sempre-o tinham exigido. Ou possivelmente tivesse sido o medo... esse tipo de medo que tão facilmente se instalava nela. Mas desfrutava, terrivelmente, da irreverência.

-O problema é que seu pai nunca lhes pôs uma mão em cima.

-Não -murmurou Lilah-. Não, nunca.

-Ninguém o queria mais que eu -disse Colleen energicamente-. Agora, acredito que já chegou o momento de que decidam o que irão fazer com toda esta confusão em que se colocaram. Quanto antes arrumemos isso poderei voltar para meu cruzeiro.

-Não quererá dizer... -Cordy se interrompeu e reformulou precipitadamente a frase-. Pensa ficar conosco até que encontremos as esmeraldas?

-Penso ficar até quando eu quiser partir -Cordy lhe dirigiu um olhar de advertência e desgosto.

-Que ótimo -murmurou Cordy entre dentes-. Acredito que vou preparando o jantar.

-Janto às sete e meia. Em ponto.

-É obvio -enquanto Cordy levantava, ouviu-se um estrondo, habitual naquela casa, aproximando-se pelo corredor-. Meu deus.

Suzanna se levantou imediatamente.

-Eu me ocuparei deles -mas já era muito tarde. Em questão de segundos, os meninos entraram como um torvelinho na habitação.

-Trapaceiro, trapaceiro, trapaceiro -acusava Jenny com olhos brilhantes.

-Chorão -mas o próprio Alex estava perto das lágrimas enquanto lhe dava um empurrão a sua irmã.

-Quais são estes vândalos?

-Estes vândalos são meus filhos.

Suzanna estudou atentamente a ambos e percebeu que, embora ela mesma os tinha arrumado vinte minutos atrás, tinham um aspecto atroz. Evidentemente, a ideia de que passassem uma hora jogando no jardim tinha sido um desastre.

Colleen girou a taça que tinha na mão.

-Traga-os aqui. Quero lhes dar uma olhada.

-Alex, Jenny -aquele tom de advertência funcionava perfeitamente-. Se aproximem para conhecer a tia Colleen.

-Não irá nos beijar, não é? -murmurou Alex enquanto arrastava os pés pela chão.

-Certamente que não. Eu não gosto de beijar a meninos sujos -teve que tragar saliva. parecia-se tanto a Seam, seu irmão pequeno. Estendeu-lhe formalmente a mão-. Como está?

-Bem -ligeiramente ruborizado, Alex tomou aquela mão branca e ossuda.

-É muito velha -observou Jenny.

-Tem toda a razão -confirmou-lhe Colleen antes que Suzanna pudesse dizer algo-. E se tiver sorte, algum dia você também o será - teria gostado de acariciar o cabelo fino e loiro da menina, mas isso teria feito pedacinhos sua imagem-. Espero que reprimam a vontade de gritar e alvoroçar enquanto eu estiver em casa. É mais... -interrompeu-se quando algo lhe roçou a perna. Baixou o olhar e viu o Fred farejando o tapete, em busca de qualquer esfarela queda.

-Isso o que é?

-Isso é nosso cão -em um arrebatamento de inspiração, Alex levantou o cachorrinho em braços-. Se nos tratar mal, mordera você.

-Não fará nada parecido -respondeu Suzanna ao mesmo tempo em que pousava a mão no ombro de seu filho.

-Mas poderia -protestou Alex-. Não gosta de gente má. Verdade, Fred?

Colleen empalideceu ainda mais.

-Como se chama?

-Chama-se Fred -respondeu Jenny alegremente-. Trent o encontrou nos escarpados e nos trouxe isso para casa -tirou-lhe o cachorrinho a seu irmão-. Não roe as coisas, é um cão muito bom.

-Jenny, deixa-o no chão antes que...

-Não -Colleen interrompeu a advertência da Suzanna-. Me deixe vê-lo -Fred se retorcia, sujando o antigo traje de Colleen enquanto esta o sentava em seu colo e o acariciava com mãos trêmulas-. Eu tive um cão que se chamava Fred -uma solitária lágrima escorregou por sua bochecha-. Tive-o durante muito pouco tempo, mas o quis muito.

Sem dizer nada, Lilah procurou a mão de Max e a apertou com força.

-Se quer pode brincar com ele -ofereceu-lhe Alex, assombrado de que alguém tão velho pudesse chorar-. Na realidade não morde.

-É obvio que não morde -uma vez recuperada a compostura, Colleen o deixou no chão e se endireitou trabalhosamente-. Sabe que eu também o morderia se fizesse. Alguém vai mostrar meu quarto ou vou ter que ficar aqui todo o dia e a maior parte da noite?

-Nós lhe mostraremos -Lilah soltou da mão de Max para que a ajudasse a levantar-se.

-Que alguém me segure o brandy -disse Colleen imperiosa, e começou a golpear o chão com a bengala.

-Tem uns parentes encantadores, Calhoun -murmurou Sloan.

-Já é muito tarde para se arrepender, 'Riley -Amanda deixou escapar um suspiro de alívio-. Vamos, tia Cordy, lhe acompanharei à cozinha.

-Em que quarto vai me instalar? -perguntou Colleen, sem excessivos problemas para respirar depois de ter subido até o segundo piso.

-Neste primeiro -respondeu Lilah. Max lhe abriu a porta e se afastou para deixá-la passar.

Tinham aberto as portas da terraço para deixar entrar a brisa. Os móveis tinham sido encerados precipitadamente, depois de havê-los tirado do armazém. Sobre a cômoda de madeira de pau-rosa, tinham colocado um vaso com flores frescas e tinham levado quadros de outras habitações para dissimular as zonas nas que se separava o papel das paredes. Uma delicada colcha de retalhos cobria a cama.

-Está bem -murmurou Colleen, decidida a lutar contra a nostalgia-. Te assegure de que há toalhas limpas, garota. E você, Quartermam, não? me sirva outra dose desse brandy e não seja miserável.

Lilah apareceu no banheiro adjacente e comprovou que tudo estava como devia.

-Necessita de algo mais, titia?

-Controla seu tom, e não me chame titia. Podem me enviar à criada quando for a hora do jantar.

Lilah pressionou a língua contra a bochecha.

-Temo que faz anos que não há empregados nesta casa.

-Não pode ser -Colleen se apoiou sobre sua bengala-. Quer dizer que nem sequer têm uma criada?

-Sabe perfeitamente que há algum tempo nossa situação econômica não é muito boa.

-E não me vai tirar uma só moeda para este maldito lugar -caminhou sufocada até as portas do terraço. Deus, pensou, aquela vista... Nada tinha mudado. Quantas vezes, e durante quantos anos tinha contemplado aquela vista-. Quem está no quarto de minha mãe?

-Eu -respondeu Lilah, erguendo o queixo.

Colleen se voltou muito lentamente.

-É obvio -suavizou a voz-. Sabe que se parece muito a ela?

-Sim, Max encontrou sua fotografia em um livro.

-Uma fotografia em um livro -voltava a amargura a sua voz-. Isso foi tudo o que ficou dela.

-Não. Há muito mais. Sempre ficará uma parte dela nesta casa.

-Não diga tolices. Fantasmas, espíritos... Essa é a influência da Cordelia. Sujeira. A morte é a morte, garota. E quando estiver tão perto dela como o estou eu agora, saberá.

-Se você a sentisse como a sinto eu, pensaria de forma diferente.

Colleen se encerrou em si mesmo.

-Feche a porta ao sair. Eu gosto de defender minha intimidade.

Lilah esperou até que esteve fora para começar a balbuciar:

-É um velho morcego grosseiro e resmungão -depois, encolheu-se de ombros e agarrou ao Max do braço-. vamos tomar um pouco de ar fresco. E pensar que realmente cheguei a sentir algo bom por ela quando sentou ao Fred em seu colo.

-Na realidade não é tão má, Lilah -saíram pela habitação de Max ao terraço-. É possível que você seja tão chata como ela quando fizer oitenta anos.

-Eu nunca serei assim, tão chata -fechou os olhos, jogou-se o cabelo para trás e sorriu-. Eu terei uma preciosa cadeira de balanço em que tomarei o sol e passarei a maior parte do dia dormindo -deslizou a mão por seu braço-. Não vai dar um beijo de boas-vindas?

-Sim -emoldurou seu rosto entre as mãos-. Olá, como foi seu dia?

-Foi um dia caloroso e ocupado -mas naquele momento se sentia deliciosamente fresca e relaxada-. Aquele professor que lhe falei tornou a aparecer. Parece muito interessado em mim. Me deixa nervosa.

O sorriso do Max desapareceu.

-Deveria denunciá-lo à polícia.

-Por quê? Porque me dá más vibrações? –soltou uma gargalhada e o abraçou-. Não, há algo nele que eu não gosto. Sempre usa óculos de sol, como se quisesse ver outros, mas não quisesse que o vissem.

-Está permitindo... -de repente, Max a agarrou com força do braço-. Que aspecto tem?

-É um homem muito normal. Por que não nos cochilamos um momento antes de jantar? A tia Colleen me deixou esgotada.

-Que aspecto tem? -repetiu Max.

-Mede mais ou menos como você, é atraente. Anda pela casa dos trinta anos, imagino. Se veste como quase todos os excursionistas: camiseta e jeans. Mas não está nada moreno -acrescentou, franzindo repentinamente o cenho-. E é estranho, porque me disse que esteve acampando algumas semanas. Tem o cabelo castanho, barba e bigode.

-Poderia ser ele -a possibilidade de que se tratasse do Caufield o deixou completamente nervoso-. Meu deus, esteve com você.

-Acredita... que é Caufield -a ideia a deixou tão estremecida que teve que apoiar-se contra a parede-. Que idiota fui! Tive a mesma sensação, idêntica, quando esse suposto Livingston veio buscar Amanda para levá-la para jantar -passou-se as mãos pelo cabelo-. Devo estar perdendo faculdades.

Os olhos do Max se escureceram enquanto olhava para os escarpados.

-Se voltar, estarei preparado para recebê-lo.

-Não comece a bancar o herói -alarmada, agarrou-o por braço-. É perigoso.

-Não deixarei que volte a aproximar-se de você -voltava para seu rosto aquela expressão intensa e obstinada-. Amanhã passarei o dia todo com você.

 

Não a perdeu em nenhum momento de vista. Embora tinham irradiado às autoridades a descrição do Caufield, Max não queria correr riscos. Para quando o dia terminou, sabia mais sobre o regime de marés da zona do que queria e era capaz de reconhecer as diferentes classes de musgo das rochas, embora ainda enrugava o nariz quando Lilah comentava que com o musgo se fazia um sorvete excelente.

Mas não tinham encontrado nem rastro do Caufield.

Se por acaso havia alguma possibilidade de que não tivesse mentido quando havia dito que estava acampado no parque, a polícia tinha rastreado a zona, mas não tinham encontrado nada.

Ninguém tinha visto um homem barbudo observando aquela infrutífera busca atrás de seus óculos de sol. E ninguém viu tampouco a cólera que refletiram seus olhos quando compreendeu que o tinham descoberto.

Enquanto conduziam para casa, Lilah se desfazia a trança.

-Sente-se melhor? -perguntou ao Max.

-Não.

Lilah afundou as mãos sob seu cabelo para deixar que o vento a refrescasse.

-Pois deveria, embora haja sido muito amável ao preocupar-se por mim.

-Isto não tem nada que ver com a amabilidade.

-Acredito que está um pouco desiludido porque não pudestes ter um combate corpo a corpo.

-Possivelmente.

-De acordo -inclinou-se para ele e lhe mordiscou a orelha-. Quer briga?

-Isto não é nenhuma brincadeira -murmurou Max-. E não vou sentir me bem até que o tenham apanhado.

Lilah se ajeitou em seu assento.

-Se tiver um ápice de sentido comum, renunciará e se irá. Nós vivemos em Las Torres e não temos feito muitos progressos.

-Isso não é certo. verificamos a existência das esmeraldas. encontramos uma fotografia delas. localizamos à senhora Tobias e temos uma testemunha do que ocorreu no dia anterior à morte da Bianca. E identificamos ao Christian.

-Que havemos o que? -Lilah se endireitou imediatamente-. Quando identificamos Christian?

Max fez uma careta enquanto a olhava.

-Tinha esquecido de dizer isso Não me olhe assim. Primeiro, invade sua casa sua tia avó e começa a causar problemas a toda a família. Depois me fala desse homem do parque. Acreditava que lhe havia dito isso.

        Lilah inspirou e exalou tentando não perder a paciência.

-E por que não me conta isso agora?

-Descobri-o ontem, na biblioteca -começou a lhe contar e completou sua explicação sobre o que tinha encontrado.

-Christian Bradford -disse Lilah em voz alta, tentando ver como soava o nome-. Resulta-me familiar. Pergunto-me se alguma vez terei visto algum de seus quadros. Suponho que não seria estranho, posto que viveu e morreu nesta zona.

-Não estudou no instituto?

-No instituto eu não estudava nada, a menos que eu gostasse. Não ia muito bem na classe e para mim a pintura foi mais uma afeição que outra coisa. Não queria trabalhar como pintora porque eu gostava de desfrutar da pintura. E sempre quis ser naturalista.

-Uma ambição? -Max sorriu-. Lilah, está arruinando sua imagem.

-Bom, foi a única. Todo mundo tem direito a ter alguma. Bradford, Bradford -repetiu-. Juraria que me soa familiar -fechou os olhos e voltou a abri-los quando chegaram às Torres-. Já sei! Conhecemos um Bradford. Cresceu na ilha. Holt, Holt Bradford. Era um menino sombrio, mal-humorado. Tinha alguns anos mais que eu. Provavelmente agora tenha trinta. Saiu daqui faz dez ou doze anos, mas me parece ter ouvido que voltou. Tem uma casa no povoado. Meu deus, Max, se for o neto do Christian, possivelmente seja a mesma casa.

-Não adiantemos acontecimentos. É preferível ir passo a passo.

-Se está procurando uma pista mais razoável, falarei com Suzanna. Ela o conhecia um pouco melhor. Lembro que o atirou de sua motocicleta no dia que lhe deram carteira de conduzir.

-Não o atirei da motocicleta -negou Suzanna, e afundou seu dolorido corpo na água cálida e fragrante da banheira. Caiu da moto porque não foi capaz de curvar. Eu ia por meu curso.

-Da na mesma -Lilah se sentou no bordo da banheira-. O que sabemos dele?

-Tinha um caráter terrível. Aquele dia pensei que ia matar me. -Referia a seu passado, não a seu caráter.

Suzanna olhou para sua irmã com cansaço. Normalmente, a banheira era o único lugar no que encontrava um pouco de paz e intimidade. E, de repente, até esse espaço tinha sido invadido.

-Por que me pergunta isso?

-Direi-lhe isso depois. Vamos, Suzi.

-De acordo, me deixe pensar. No instituto, ia três ou quatro cursos por diante de mim. A maior parte das garotas estavam loucas por ele porque lhes parecia perigoso. Sua mãe era muito amável.

-Lembro -murmurou Lilah-. Veio nos ver depois...

-Sim, depois de que mamãe e papai morreram. Fazia artesanato. Fez algumas peças preciosas para mamãe. Acredito que ainda temos algumas. E seu marido era pescador de lagosta. perdeu-se no mar quando éramos adolescentes. Embora disso não tenho muitas lembranças.

-Alguma vez falou com ele?

-Com o Holt? A verdade é que não. Sempre estava de mau humor, olhando com desdém para outros. Quando tivemos esse pequeno acidente, dirigiu-me toda classe de insultos. Depois foi se viver a outro lugar, ao Portland parece. Lembrança que a senhora Marsley me comentou algo sobre ele o outro dia, quando lhe vendi umas rosas trepadeiras. Ao parecer chegou a ser polícia, mas teve um pequeno incidente e renunciou.

-Que classe de incidente?

-Não sei. Assim que a senhora Portland começou a falar, algo interrompeu. Acredito que agora se dedica a arrumar navios ou algo assim.

-Alguma vez falou de sua família com você?

-Por que diabos ia falar-me de sua família? E por que de repente se importa tanto?

-Porque o sobrenome do Christian era Bradford e tinha uma casa na ilha.

-Oh -Suzanna deixou escapar um comprido suspiro enquanto assimilava aquela informação-. Vá uma casualidade.

Lilah deixou a sua irmã ensaboando-se e foi procurar ao Max. antes que tivesse chegado a sua habitação, Cordy a abordou.

-Oh, está aqui.

-Querida, parece esgotada -Lilah lhe deu um beijo na bochecha.

-E como não vou estar o? Essa mulher... -Cordy tomou ar, tentando tranquilizar-se- Todas as manhãs faço vinte minutos de ioga para poder suportá-lo melhor. Seja boa e lhe leve isto.

-O que é?

-O menu de esta noite -respondeu Cordy entre dentes-. Insiste em atuar como se isto fora um cruzeiro.

-Enquanto não tenhamos que lhe montar um cassino...

-Oh, já te deu Max a nova notícia?

-Ah, sim, mas com atraso.

-E tomou alguma decisão? Sei que é uma oportunidade maravilhosa, mas ódio pensar que tenha que ir-se tão logo.

-Ir-se?

-Se aceitar esse posto, terá que voltar para o Cornell a semana que vem. Pensava jogar as cartas ontem à noite, mas estando em casa tia Colleen, resulta-me impossível me concentrar.

-O que esta falando, tia Cordy?

-Da direção do departamento de história -olhou ao Lilah desconcertada-. Pensava que lhe havia isso dito.

-Estava pensando em outra coisa -teve que fazer um sério esforço para falar com naturalidade-. Assim vai-se dentro de uns dias?

-Isso terá que decidi-lo ele -Cordy tomou ao Lilah pelo queixo-. Bom, terão que decidi-lo entre os dois.

        -Acredito que Max escolheu não me dar oportunidade de decidir nada -fixou o olhar no menu até que as lágrimas lhe impediram de ver as letras-. É uma oportunidade magnífica. Estou segura de que quererá aproveitá-la.

-Na vida surgem muitas possibilidades.

Lilah sacudiu a cabeça.

-Não vou fazer nada para desanimá-lo ou para lhe impedir de fazer algo que deseje. Se o quiser, não posso lhe fazer algo assim. Assim será ele que terá que tomar uma decisão.

-O que é todo esse falatório? -gritou Colleen desde sua habitação, golpeando com a bengala no chão.

-Eu gostaria de agarrar esta bengala e...

-Mais ioga -sugeriu-lhe Lilah, forçando um sorriso-. Eu me encarregarei dela.

-Boa sorte.

-Estava gritando, tia -disse Lilah enquanto cruzava a porta.

-Não bateu na porta.

-Não, não chamei. O menu de esta noite, senhorita Calhoun. Espero que o encontre de seu agrado.

-Gosmenta -Colleen deixou o papel a um lado e olhou a sua sobrinha com o cenho franzido-. O que aconteceu, pequena? Está branca como um fantasma.

-A pele branca é uma peculiaridade da família. É a herança irlandesa.

-E o gênio é outra -tinha visto esse olhar outras vezes, pensou. Dor, confusão. Mas então era sozinho uma menina, incapaz de compreendê-la-. Assim tem problemas com esse jovem.

-Por que diz isso?

-Que não me tenha casado a um homem não quer dizer que não saiba muitas coisas deles. Em minha época eu também paquerava.

-Paquerar -aquela vez, o sorriso apareceu facilmente a seus lábios-. Uma bonita palavra. Suponho que algumas de nós temos que paquerar durante toda a vida -deslizou um dedo por um dos postes da cama-. Ao igual a há algumas mulheres às que os homens desejam, mas das que nunca se apaixonam.

-Está tagarelando.

-Não, estou tentando ser realista. Normalmente não o sou.

-Ser realista é um duro consolo.

Lilah arqueou a sobrancelha.

-Oh, Meu deus. Temo-me que me pareço mais a ti do que pensava. Que ideia tão aterradora.

Colleen dissimulou uma risada.

-Saia daqui. Dá-me dor de cabeça -disse, e acrescentou quando Lilah estava já na porta-. Nenhum homem capaz de pôr esse olhar em seus olhos merece a pena.

Lilah soltou uma curta gargalhada.

-Tia, tem toda a razão.

Lilah foi à habitação de Max, mas não o encontrou ali. Assim teria que decidir se ir buscá-lo para falar abertamente de seus planos ou devia esperar a que os comunicasse ele mesmo. Ao final, decidiu deixar-se levar por sua intuição. Acariciou com ar ausente a camiseta que Max tinha deixado aos pés da cama. Era aquela tola camiseta que lhe tinha feito comprar o dia que tinham ido às compras. A camiseta e as lembranças a fizeram sorrir. Deixou-a a um lado e se aproximou de seu escritório.

Tinha várias pilhas de livros. Grossos volumes da Primeira guerra mundial, uma história de Maine, e um ensaio sobre a Revolução Industrial. Arqueou uma sobrancelha ao ver um livro da moda de mil e novecentos. Max também conservava um dos folhetos do parque natural no que aparecia um detalhado mapa da ilha.

Em outra pilha havia livros de arte. Lilah tomou um deles e o abriu na página que Max tinha deixado marcada. E sentiu uma forte emoção ao ler o nome do Christian Bradford. sentou-se na cadeira que havia diante da máquina de escrever e leu duas vezes a biografia.

Fascinada, emocionada, deixou o livro para procurar outro. Foi então quando se fixou naquela páginas datilografadas e amontoadas. Mais disformes, pensou com um débil sorriso. E pensou no cuidado com o que Max havia transcrito a entrevista com o Millie Tobias.

Do alto da torre, enfrentava-se ao mar.

Com curiosidade, e sentando-se mais comodamente, continuou lendo. Estava a metade do segundo capítulo quando Max entrou. As emoções do Lilah eram tão violentas que demorou alguns segundos em poder falar.

-Seu romance. Começou seu romance.

-Sim -meteu as mãos nos bolsos-. Estava procurando você.

-É Bianca, verdade? -Lilah deixou a página que estava lendo-. Laura... é Bianca.

-Em parte.

Max não poderia lhe haver explicado como se sentia ao saber que acabava de ler suas palavras, palavras que não fazia muito tinham brotado diretamente de sua cabeça e de seu coração.

-O ambientou aqui, na ilha.

-Pareceu-me adequado -não se aproximava dela, nem sequer sorria. Permanecia perto da porta, com aspecto de sentir-se incômodo.

-Sinto muito -foi uma desculpa tão tensa como exageradamente educada-. Não deveria ter lido sem pedir permissão, mas me chamou a atenção e...

-Não é nada -sem tirar as mãos dos bolsos, encolheu-se de ombros. Parecia Lilha tinha achado o romance aborrecido-. Não importa.

-Por que não me contou isso?

-Não havia nada que contar. Só escrevi cinquenta páginas, são muito ruins. Pensei que...

-É maravilhoso.

Lutou para dominar a dor enquanto se levantava.

-É maravilhoso -repetiu, e descobriu que a dor se transformava rapidamente em aborrecimento-. E acredito que tenha capacidade suficiente para sabê-lo. Tem lido milhares de livros em sua vida e sabe distinguir um bom livro de um ruim. Se não quer compartilhar seu romance comigo, isso é seu problema.

Ainda estupefato, Max sacudiu a cabeça.

-Não era isso o que...

-O que era então? Sou suficientemente importante para compartilhar sua cama, mas não para participar de nenhuma das decisões mais importantes de sua vida?

-Não seja ridícula.

-Estupendo -deixando-se envolver pela fúria, jogou-se o cabelo para trás-. Pois sim, quero ser ridícula. E pelo jeito estou sendo a algum tempo.

As lágrimas se amontoavam em sua voz, confundindo e irritando Max ao mesmo tempo.

-Por que não nos sentamos e me conta por quer isso?

Lilah continuou deixando-se levar por sua intuição e empurrou uma cadeira para ele.

-Adiante, sente-se. Mas acredito que não há nada do que falar. Começou seu romance, mas não pareceu necessário mencioná-lo. Ofereceram-lhe uma ascensão, mas tampouco considerou importante comentar. Você tem sua vida, professor, e eu tenho a minha. Isso é o que dissemos desde o começo. Foi apenas questão de má sorte que eu tenha me apaixonado por você.

-Se apenas... -assimilou então as últimas palavras de Lilah; palavras que o aturdiam, assombravam e o deleitavam ao mesmo tempo-. Meu deus, Lilah -correu em sua direção, mas ela o deteve com ambas as mãos.

-Não me toque! -advertiu-lhe com tanta ferocidade que Max se deteve desconcertado.

-Que espera então que eu faça?

-Não espero nada. E se tivesse sido capaz de não esperar nada desde o começo, não teria podido me fazer nenhum dano. Como não foi assim, o problema é meu. E agora, se me perdoar...

Max a agarrou por braço antes que tivesse alcançado a porta.

-Não pode deixar as coisas assim. Não pode me dizer que está apaixonada por mim e ir depois como se tal coisa não fosse importante.

-Posso fazer exatamente o que queira -com um olhar glacial, liberou-se de seu braço-. Não tenho nada mais para lhe dizer, e agora mesmo tampouco você pode dizer nada que eu gostaria de ouvir.

Saiu do quarto e fechou a porta atrás dela.

Horas depois, permanecia em seu quarto, amaldiçoando-se por ter perdido o orgulho e a paciência tão completamente. Quão único tinha conseguido tinha sido ficar em uma situação tão embaraçosa para ela como para o Max e uma terrível dor de cabeça.

Rebaixou-se diante do Max, o que tinha sido uma estupidez. Depois o tinha pressionado, o qual tinha sido uma segunda estupidez. E tinha estragado qualquer possibilidade de ir fazendo pouco a pouco que se apaixonasse por ela porque lhe tinha pedido coisas que ele não estava disposto a lhe dar. E, muito provavelmente, tinha destroçado uma amizade que tinha sido muito importante para ela.

Não havia nenhuma possível desculpa. Por mais triste que se sentisse, não podia pedir perdão por haver dito a verdade. E tampouco podia dizer que sentia haver-se apaixonado.

Inquieta, apareceu no terraço. Não havia nuvens que cobrissem a lua. O vento as fazia rodar pelo céu, de maneira que a luz tremia um momento e ao seguinte se estabilizava. O calor do dia não tinha cessado; a noite era quase abafadiça. Sobre o negro tapete da erva, dançavam as vaga-lumes como faíscas de um fogo recém extinto.

Retumbou um trovão na distância, mas não se apreciava a fragrância refrescante da chuva. A tormenta estava sobre o mar e, embora o vento caprichoso a empurrasse até terra, passariam horas até que conseguisse mitigar aquele brumoso calor. Lilah, envolta no aroma quente e pesado das flores, olhou para o jardim. Estava tão concentrada em seus pensamentos que não foi consciente de que o que estava vendo era a luz de uma lanterna até um minuto depois de que seus olhos a tivessem percebido.

Outra vez não, pensou. Estava tão deprimida que esteve a ponto de deixar que aquele caçador de tesouros aficionado desfrutasse de sua ilusão. Mas Suzanna tinha trabalhado muito naquele jardim para deixar que qualquer idiota com um mapa o destroçasse. E, em qualquer caso, ao menos jogar a um intruso era algo construtivo.

Desceu lentamente os degraus até chegar ao jardim em penumbra. Era muito singelo seguir aquele feixe de luz. Enquanto caminhava para ele, Lilah se debatia entre usar a maldição dos Calhoun ou anunciar a próxima chegada da polícia. Ambas eram formas bastante efetivas de desfazer-se de intrusos. E em qualquer outro momento, a perspectiva a teria divertido.

Quando a luz pestanejou, deteve-se e franziu o cenho, tentando escutar. Só se ouvia o som de sua própria respiração. Não se movia uma só folha. Nenhum pássaro cantava entre os arbustos. encolheu-se de ombros e continuou caminhando. Ao melhor a tinham ouvido e tinham empreendido já a retirada, mas queria assegurar-se.

Na escuridão, esteve a ponto de cair sobre um montão de terra. Toda possível diversão se desvaneceu quando seus olhos se adaptaram à escuridão e viu o destroço que tinham causado no precioso leito de dálias da Suzanna.

-Canalhas -murmurou, e chutou um montão de terra-. Que demônios estão fazendo, estúpidos? -com, um pequeno gemido, inclinou-se para levantar um dos casulos. Estava fechando os dedos sobre ele quando alguém lhe tampou a boca.

-Não faça nenhum ruído -sussurrou-lhe uma voz ao ouvido.

Assim que reagiu, Lilah começou a retorcer-se, mas ficou petrificada ao sentir a ponta de uma faca no pescoço.

-Faz exatamente o que eu disser e não lhe farei mal. Tenta gritar, e fatiarei sua garganta, entendido?

Lilah assentiu e deixou escapar um comprido e cuidadoso suspiro quando ele afastou a mão de sua boca. Teria sido uma tolice lhe perguntar que o que queria. Conhecia de antemão a resposta. Mas aquela não era uma excursão turística nenhuma brincadeira divertida para a meia noite.

-Está perdendo o tempo. As esmeraldas não estão aqui.

-Não tente brincar comigo. Tenho o mapa.

Lilah fechou os olhos e reprimiu uma histérica e perigosa gargalhada.

Max caminhava nervoso pela habitação. Franziu o cenho e desejou ter algo que chutar. Tinha conseguido estragar tudo. Não estava muito seguro de como o tinha conseguido, mas tinha ferido, enfurecido e afastado ao Lilah de um só golpe. Jamais tinha visto uma mulher atravessar um aspecto tão amplo de sentimentos em tão pouco tempo. Da tristeza à fúria, da fúria ao gelo e tudo sem lhe deixar dizer uma só palavra.

Teria podido defender-se, se tivesse estado do todo seguro de qual tinha sido a ofensa. Mas como poderia saber que iria se ofender em não ter mencionado seu romance? Não tinha querido aborrecê-la. Não, era mentira. Não lhe havia dito nada porque tinha medo, pura e simplesmente.

Quanto a ascensão, a verdade era que tinha intenção de dizer-lhe mas lhe tinha esquecido. Como podia acreditar Lilah que ia aceitar esse posto e partir sem dizer nada?

-E que demônios queria que pensasse, idiota? -murmurou e se deixou cair em uma cadeira.

Depois de todos seus planos, de sua intenção de cortejá-la passo a passo! Todo seu minucioso itinerário para fazer que Lilah se apaixonar por ele, tinha-lhe estalado em pleno rosto. Porque Lilah levava apaixonada por ele já muito tempo.

Estava apaixonada por ele. passou-se a mão pelo cabelo. Lilah Calhoun estava apaixonada por ele e ele não tinha tido que utilizar uma varinha mágica nem pôr em prática nenhum complicado plano. Quão único tinha tido que fazer era ser ele mesmo.

Tinha estado apaixonada por ele durante todo esse tempo, mas ele tinha sido muito estúpido para acreditá-lo, nem sequer quando Lilah tinha tentado dizer-lhe Nesse momento, Lilah devia estar encerrada em sua habitação e não quereria ouvir nada do que pudesse lhe dizer.

Tal como ele o via, tinha duas opções. Podia continuar ali sentado, esperar a que se tranquilizasse e ir depois a lhe suplicar. Ou podia levantar-se nesse preciso instante, chamar a sua porta e lhe exigir que o fizesse.

Gostava da segunda ideia. De fato, pensou, era a mais inspirada.

Sem dar-se tempo para debater consigo mesmo, cruzou as portas da terraço. Como eram as duas da manhã, pareceu-lhe mais sensato que chamar do interior e despertar assim a toda a casa. Além disso era mais romântico. De modo que abriria as portas da terraço, cruzaria a habitação e a estreitaria em seus braços até que...

Seu erótico sonho teve que mudar de rumo quando a viu afastar-se e desaparecer pelo jardim.

Estupendo, pensou. Possivelmente fora melhor. Um tórrido jardim em meio da noite. Ar perfumado e paixão. Lilah não sabia o que a esperava.

-Você sabe onde estão -Hawkins lhe atirou da cabeça para trás e Lilah esteve a ponto de gritar.

-Se soubesse onde estão, teria-as.

-Esse é um truque publicitário -fez-a girar e posou a ponta da faca em sua bochecha-. Sei tudo. estivestes mentindo para conseguir que seu sobrenome saísse nos jornais. investi muito tempo e muito dinheiro em tudo isto e penso recuperá-lo esta noite.

Lilah estava muito assustada para mover-se. Bastaria o mais ligeiro tremor para que aquela faca atravessasse sua pele. Reconhecia a fúria de seus olhos da mesma forma que o tinha reconhecido a ele. Era o homem ao que Max. tinha chamado Hawkins.

-O mapa -começou a dizer, e então ouviu que Max a chamava. antes que tivesse podido respirar, a faca estava outra vez em sua garganta.

-Um só grito e a matarei, e depois matarei ele.

De todas formas ia matar aos dois, pensou histérica. Via em seus olhos.

-O mapa -disse em um sussurro-, é um fraude -ofegou ao sentir a pressão da folha da faca na pele-. O demonstrarei. Posso lhe ensinar onde estão as esmeraldas.

Tinha que afastá-lo dali, tinha que afasta-lo de Max

Max. Este estava chamando-a outra vez e a frustração que se refletia em sua voz fez que voltassem a encher-se o os olhos de lágrimas.

-Terá que descer por ali -assinalou em um impulso e deixou que Hawkins a arrastasse pelo caminho, até que deixou de ouvir a voz do Max. Ao final do jardim, o caminho se dirigia para as rochas. De ali, ouvia-se com força o som do mar-. por ali.

Cambaleou-se quando Hawkins a empurrou por aquele terreno irregular. A um lado, o caminho se inclinava para a colina. Baixo eles, viam-se os dentados perfis das rochas e o mar enfurecido.

Quando a alcançou o primeiro feixe de luz da lanterna, Lilah se sobressaltou e olhou desesperadamente por cima do ombro. levantou-se o vento, mas ela nem sequer o tinha notado. As nuvens continuavam ocultando a lua e amortecendo portanto a luz.

Estariam suficientemente longe?, perguntou-se. Teria renunciado já Max a procurá-la e teria voltado para interior da casa, onde estaria a salvo?

-Se o que pretende é me empurrar...

-Não, estão ali -tropeçou com -um montão de pedras e continuou descendo por uma zona de pronunciada inclinação-. Ali abaixo, em uma caixa escondida debaixo das rochas.

Iria afastando lentamente, disse-se a si mesmo, enquanto todo seu instinto de sobrevivência lhe gritava que pusesse-se a correr. Enquanto ele estava entretido procurando as esmeraldas, poderia dar meia volta e sair correndo.

Mas Hawkins lhe agarrou a saia, rasgando-a.

-Um movimento equivocado e é mulher morta -Lilah viu o resplendor de seus olhos enquanto se inclinava-. E se não encontrar a caixa, também a matarei.

Então elevou a cabeça, como um lobo em alerta. Em meio da escuridão, ouviu-se um praguejar do Max enquanto se equilibrava sobre ele.

Lilah gritou ao ver o resplendor da folha da faca. Hawkins e Max caíram a seu lado e rodaram sobre as rochas. Ainda seguia gritando quando saltou sobre as costas do Hawkins e tentou lhe agarrar a mão com a que segurava a faca. A arma se cravou no chão, a solo uns centímetros do rosto do Max antes que Hawkins se desfizesse de Lilah com uma sacudida.

-Maldita seja, corre! -gritou-lhe Max, agarrando Hawkins pela mão com ambas as mãos. Um segundo depois, gemia ao sentir o punho do Hawkins roçando sua têmpora.

Estavam lutando outra vez, o ímpeto os fez baixar rodando a colina. Lilah correu, mas para eles. Ao fazê-lo, escorregou e enviou sobre eles uma chuva de pedras. Ofegando para tomar ar, agarrou uma pedra. Seu seguinte grito rasgou o ar enquanto via a perna do Max oscilando no espaço, ao bordo do escarpado.

Quão único Max podia ver era o rosto que se contorcia sobre o seu. Quão único podia ouvir era ao Lilah gritando seu nome. Depois viu as estrelas quando Hawkins lhe empurrou a cabeça contra as rochas. Por um instante, ficou suspenso no bordo daquele precipício, pendurando entre o céu e o mar. Com as mãos, aferrava-se ao suarento antebraço do Hawkins. Quando a faca baixou, cheirou o sangue e ouviu o grunhido triunfal do Hawkins.

Mas havia algo mais no ambiente. Um pouco apaixonado e suplicante.., tão intangível como o vento, mas tão forte como as rochas. Golpeou-o como um punho. Era o convencimento de que não só estava lutando por sua vida, mas também pela vida que Lilah e ele fossem construir juntos.

Não podia perdê-la. Com cada átomo de força que ficava, golpeou com o punho o rosto que sorria ante ele. Começou a sair sangue do nariz do Hawkins e em questão de segundos estavam lutando corpo a corpo outra vez, com a faca entre eles.

Lilah agarrava a pedra com as duas mãos para fazê-la cair quando os homens que estavam a seus pés trocassem de posição. Soluçando, retrocedeu. Ouviu gritos e latidos atrás dela. Agarrou com força a única arma que tinha e rezou para ter oportunidade de utilizá-la.

De repente, as resistências cessaram e os dois homens ficaram imóveis. Com um gemido, Max empurrou Hawkins para um lado e conseguiu ficar de joelhos. Seu rosto era uma máscara de dor e sangue, um sangue que também salpicava sua roupa. Sacudiu fracamente a cabeça, tentando pensar, e olhou para o Lilah. Esta permanecia como um anjo vingador, com o cabelo ao vento e agarrando uma pedra com as duas mãos.

-Se deitou sobre sua própria faca -disse Max com voz distante-. Acredito que está morto -aturdido, deixou cair a mão para o homem que acabava de morrer. Depois ergueu a cabeça outra vez-. Está ferida?

-Oh, Max. OH, Meu deus -a pedra escorregou de suas mãos enquanto caía de joelhos diante dele.

-Estou bem -Max lhe deu um tapinha no ombro e lhe acariciou o cabelo-. Estou bem -repetiu, embora se sentisse tão terrivelmente fraco que pensava que ia desmaiar.

O cão foi o primeiro em chegar e, depois dele, chegaram outros como uma turpe, em camisolas, pijamas, ou com os jeans postos a toda velocidade.

-Lilah -Amanda tocava se desesperada o corpo de sua irmã em busca de feridas-. Está bem? Está ferida?

-Não -mas os dentes começaram a lhe tocar castanholas a pesar do calor da noite-. Não, ele... Max -baixou o olhar e viu o Trent agachado a seu lado, examinando a ferida que tinha no braço-. Está sangrando.

-Não muito...

-É pouco profunda -disse Trent entre dentes-. Mas suponho que tem que doer de uma forma infernal.

-Ainda não -murmurou Max.

Trent ergueu a cabeça e viu o Sloan caminhando para o homem que jazia no chão. Sloan sacudiu a cabeça com os lábios apertados.

-Está morto -disse brevemente.

-Era Hawkins -Max conseguiu ficar de pé-. Tinha pegado Lilah.

-Falaremos disso mais tarde -disse Cordy com uma secura imprópria dela e agarrou ao Max do braço-. Ambos estão apavorados . Levemo-los a casa.

-Vamos, pequena -Sloan levantou Lilah nos braços.

-Eu não estou ferida -do berço de seus braços, estirou a cabeça para olhar ao Max-. Está sangrando. Necessita ajuda.

-Nos encarregaremos de tudo -prometeu-lhe Sloan enquanto cruzavam o jardim-. Não se preocupe, carinho, o professor é mais forte do que você crê.

Frente a eles, elevavam-se As Torres, com todas as janelas acesas. Retumbou um trovão sobre sua altura e se ouviu seu eco no silêncio da noite. de repente, apareceu uma figura alta na terraço do segundo piso, com uma bengala na mão e um revolver de cromo na outra.

-Que demônios está acontecendo aqui? -gritou Colleen-. Como se supõe que pode desfrutar de uma pessoa de uma noite decente de sonho com tudo este alvoroço?

Cordy olhou para cima com extremo cansaço.

-OH, cale-se e volte para a cama.

Por alguma estranha razão, Lilah apoiou a cabeça no ombro do Sloan e começou a rir a gargalhadas.

Quase tinha amanhecido quando as coisas voltaram a ficar calmas. A polícia já tinha ido, levando consigo sua espantosa carga. Tinham respondido todo tipo de perguntas.. Lilah se tinha passado a noite servindo-se brandy e participando de todo o alvoroço da casa e ao final tinha pedido que lhe preparassem um banho quente.

Não lhe tinham deixado curar a ferida do Max. Algo que possivelmente tinha sido o melhor para ele. Porque ainda lhe tremiam as mãos.

Max tinha se recuperado grandemente bem daquele incidente, pensou enquanto se sentava no assento da janela da habitação da torre. Enquanto ela continuava aturdida e tremente, ele permanecia no salão, com o braço enfaixado e lhe oferecendo à polícia um relatório claro e conciso de todo o incidente.

Parecia estar em uma de suas conferências sobre as consequências da Primeira guerra mundial na economia alemã, pensou com a sombra de um sorriso. Evidentemente, o tenente Koogar tinha apreciado aquela precisão e claridade.

Lilah gostava de pensar que ela também tinha estado bastante tranquila, embora não tinha sido capaz de controlar seu tremor quando suas irmãs se reuniram com ela.

Ao final, Suzanna havia dito que com um tenente já era mais que suficiente e tinha acompanhado a sua irmã ao piso de acima.

Mas a pesar do banho e o brandy, não tinha sido capaz de dormir. Tinha medo de fechar os olhos e voltar a ver o Max suspenso ao bordo do precipício. Logo que tinham falado desde que tinha ocorrido aquele horrível mal entendido. Teriam que fazê-lo, é obvio, refletiu. Embora para isso teria que esclarecer seus pensamentos e encontrar as palavras adequadas.

Mas quando o alvorada começava a dourar o céu e Lilah a temer que nunca as encontraria, entrou Max no quarto. ficou no marco da porta, com expressão torpe e o braço enfaixado.

-Não podia dormir -começou a dizer-. E pensei que estaria aqui.

-Suponho que precisava pensar. E aqui fica mais fácil fazê-lo -sentindo-se tão torpe como ele, passou-se a mão pelo cabelo. O cabelo, da cor do sol do amanhecer, caía indomável sobre a seda branca da bata-. Quer se sentar?

-Sim -Max cruzou a habitação e instalou seus doloridos músculos a seu lado. O silêncio se estendia entre eles. Um minuto, dois...-. Noite pequena -disse por fim.

-Sim.

-Não -murmurou ele quando viu que os olhos do Lilah se enchiam de lágrimas.

-Não -tragou saliva, controlou as lágrimas e fixou o olhar na janela-. Pensei que ele matá-la. Foi como um pesadelo. A escuridão, o calor, o sangue.

-Já passou -tomou a mão e apertou seus dedos com força-. Afastastou-o do jardim. Estava tentando me proteger, Lilah. Nunca poderei lhe agradecer isso o suficiente.

Totalmente despreparada, Lilah se voltou para ele.

-E o que se supõe que devia fazer? Deixar que saltasse sobre as petúnias e te desse uma navalhada?

-Supunha-se que tinha que deixar que fosse eu a lhe proteger.

Lilah tentou liberar sua mão, mas Max a sustentou com firmeza.

-Sim, verdade? Tanto se queria como se não. Saiu correndo como um louco e saltaste sobre um maníaco com uma faca na mão, e estiveste a ponto... -interrompeu-se, lutando para recuperar a compostura enquanto ele continuava olhando-a com aqueles olhos carregados de paciência-. Salvou minha vida -disse mais tranquila.

-Então estamos em paz, não? -Lilah encolheu os ombros e voltou a olhar para o céu-. Durante os últimos minutos que estava brigando com o Hawkins, ocorreu algo do mais estranho. Estava a ponto de escorregar, de me deixar cair, quando me sentido incrivelmente forte. Eu diria que era simples adrenalina, mas não parecia proceder de mim. foi algo muito estranho -disse, estudando seu perfil-. Suponho que para você seria uma força oculta. E soube que não ia perder, pois havia muitas razões para que não o fizesse. Suponho que sempre me perguntarei se essa força, se esse sentimento, procedia de você ou de Bianca.

Os lábios de Lilah se curvaram em um sorriso enquanto o olhava.

-Caramba, professor, que irracional.

Max não sorriu.

-Acabava de sair de seu quarto para lhe pedir que me escutasse quando a vi no jardim. Em outro momento, teria considerado que o melhor, ou o mais racional, era lhe dar tempo e deixar que se recuperasse depois do que tinha ocorrido. Mas agora as coisas mudaram.

Lilah apoiou a frente contra o frio vidro e assentiu.

-De acordo, tem direito. Mas antes eu gostaria de lhe dizer que sei que o aborrecimento sobre o livro... Bom, sei que não tinha que ter reagido assim.

-Não, acredito que tinha toda a razão de reagir como fez. Você confiou plenamente em mim e eu não confiei em você. Tinha medo de que não me dissesse o que pensava.

-Não o compreendo.

-Escrever é algo que quis fazer durante a maior parte de minha vida, mas... bom, não estou acostumado a correr riscos.

Lilah soltou uma gargalhada e, deixando-se levar por seus sentimentos, inclinou-se para lhe dar um beijo na bandagem do braço.

-Max, acredito que escolheste o pior dos momentos para dizer algo assim.

-Digamos que não estava acostumado a correr riscos -corrigiu-se-. Pensei que se te dizia o do romance e reunia o valor suficiente para lhe mostrar isso pensaria que não podia estragar a que tinha sido a ilusão de minha vida e tentaria ser amável comigo.

-É uma tolice ter tanta insegurança sobre algo para o que tem tanto talento -então suspirou-. E foi uma estupidez por minha parte tomar o como algo pessoal. O que vou dizer te, toma-o como a declaração de alguém que não tem nunca muito interesse em ficar bem. Está escrevendo um livro maravilhoso, Max. Algo do que pode se sentir muito orgulhoso.

Max lhe aconteceu a mão pelo pescoço.

-Já veremos se segue dizendo a mesmas coisas depois de umas centenas de páginas mais -inclinou-se para ela e roçou delicadamente seus lábios. Mas quando começou a aprofundar o beijo, Lilah se levantou.

-Farei a primeira crítica assim que a publiquem -nervosa, começou a passear pela habitação.

-O que há, Lilah?

-Nada. É que aconteceram tantas coisas -tomou ar antes de voltar-se com um sorriso nos lábios-. A promoção. Antes estava tão concentrada em meu aborrecimento que nem sequer lhe felicitei.

-Não lhe pretendia esconder isso

-Max, não comecemos outra vez com isso. O mais importante é»que é uma grande honra. Acredito que deveríamos organizar uma festa para celebrá-lo antes que vá.

Aos lábios do Max apareceu um sorriso.

-De verdade?

-É obvio. Não todos os dias nomeiam a um diretor de departamento. depois disso, será decano. É sozinho questão de tempo. E então...

-Lilah, sente-se, por favor.

-De acordo -tentou aferrar-se a aquela alegria se desesperada-. Diremos a tia Cordy que faça um bolo e...

-Então se alegra de que me tenham feito essa proposta? -interrompeu-a.

-Estou muito orgulhosa de você -respondeu, e lhe afastou uma mecha de cabelo da frente-. E eu gosto de saber que as autoridades apreciam quão valioso é.

-E quer que aceite essa proposta?

Lilah franziu o cenho.

-É obvio. Como vai recusar algo assim? Esta é uma maravilhosa oportunidade para você. Algo para qual trabalhou e pelo qual merece.

-Pois é uma pena -sacudiu a cabeça e se inclinou para trás, observando-a atentamente-. Porque já a recusei.

-O que?

-Que a recusei. E essa é uma das razões pelas que não mencionei a promoção. Pensei que não tinha sentido.

-Não compreendo. Uma oportunidade profissional como essa não é algo que se possa recusar tão facilmente.

-Isso depende de sua profissão. Também apresentei minha demissão.

-Se demitiu? Mas isso é uma loucura.

-Provavelmente -e porque o era, sorriu de orelha a orelha-. Mas se voltar a dar aulas em Cornell, o romance terminaria em um arquivo, cobrindo-se de pó -estendeu a mão com a palma para cima-. Uma vez leu minha mãe e disse que eu tomaria uma desisão. Já tomei.

-Entendo -respondeu Lilah lentamente.

-Só em parte.

Olhou ao redor da torre, iluminada por uma luz perolada que lentamente ia transformando-se em ouro. Não podia haver nem um momento nem um lugar melhor para fazer o que tinha que fazer. Tomou as mãos.

-Amei-a desde a primeira vez que a vi, Lilah. Não podia acreditar que você sentisse o mesmo que eu, por muito que o desejasse. E como não acreditava, fiz as coisas muito mais difíceis do que poderiam ter sido. Não, não diga nada. Ainda não. Agora me escute -levou-se as mãos do Lilah aos lábios-. Mudaste-me, Lilah. Tem-me aberto. Sei que queria estar contigo, e o consegui graças a uma gargantilha que esteve perdida durante a maior parte do século. Encontremos ou não as esmeraldas, elas me levaram até você, e você é o maior tesouro que alguém possa desejar.

Atraiu-a por volta dele para beijar sua boca enquanto o sol da manhã se elevava e varria as últimas sombras da habitação.

-Não quero que isto seja um sonho -murmurou Lilah-. Muitas vezes estive aqui sentada, pensando em ti, desejando que isto ocorresse.

-Isto é real -emoldurou seu rosto com as mãos e voltou a beijá-la para demonstrar o quanto a amava

-É tudo o que quero, Max. Levo te esperando durante muito tempo -acariciou delicadamente seu cabelo-. Tinha tanto medo de que não me quisesse, de que te partisse. De ter que deixar que te afastasse de mim.

-Este foi meu lar desde a primeira noite. Embora não possa explicar por que.

-Não tem por que fazê-lo.

-Não -beijou a palma de sua mão-. Não, a você não. Uma última coisa -voltou a tomar as mãos-. Amo-te, Lilah, e tenho que te perguntar se quer correr o risco de se casar com um ex-professor desempregado que acredita que pode chegar a escrever um romance.

-Não -sorriu e lhe rodeou o pescoço com os braços-. Mas vou casar me com um homem talentoso e brilhante que está escrevendo um romance maravilhoso.

Rindo, Max encostou-se em Lilah.

-Acredito que sua opção é a melhor.

-Max -Lilah se agarrou a seu braço-. vamos dizer a tia Cordy. Ficará tão emocionada que nos preparará tortinhas para nos oferecer um café da manhã de noivado.

Max se deixou cair contra os almofadões do assento.

-E que tal se o deixarmos ser uma almoço de noivado?

Lilah se pôs-se a rir e o beijou.

-Realmente, acredito que sua opção é a melhor.

 

 

                                                                                Nora Roberts  

 

 

 

       

 

 

 

 

                      

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