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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


COBIÇA / J.R. Ward
COBIÇA / J.R. Ward

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

COBIÇA

Primeira Parte

 

Redenção não é uma palavra que Jim Heron conheça muito bem. Sua especialidade é a vingança e o pecado seu amigo mais próximo. Mas tudo muda quando se converte em um Anjo Caído e tem a tarefa de salvar sete pessoas dos sete pecados capitais... e o fracasso não está permitido.

Vin diPietro faz muito tempo que vendeu sua alma pelos negócios, e é o melhor em sua profissão... até que o destino se interpõe na forma de um rude motoqueiro que se autoproclama seu salvador. E então conhece uma mulher que fará com que questione seu destino, sua prudência e seu coração... e terá que unir forças com um anjo caído para ganhá-la e redimir sua alma...

 

 

Demônio era uma palavra desagradável.

E tão condenadamente antiga. A gente ouvia a palavra demônio e pensava em todo tipo de caos ao estilo Hieronymus Bosch… ou pior ainda, ao estilo de Dante e sua estúpida merda de Inferno. Por favor. Chamas, almas torturadas e todo mundo gemendo.

Ok pode ser que o inferno seja um pouquinho quente. E se o lugar tivesse contado com um pintor da corte, Bosch teria estado à cabeça da manada.

Mas esse não era o assunto. Em realidade o demônio via a si mesmo mais como um Treinador de Livre-arbítrio. Era muito melhor, mais moderno. O anti-Oprah, se tal pessoa existisse.

Tudo girava em torno da influência.

O assunto era que as qualidades da alma não eram muito diferentes dos componentes do corpo humano. A forma corpórea tinha certa quantidade de partes rudimentares, como o apêndice, o dente do juízo, e o cóccix... todas as quais eram como muito desnecessárias, ou ainda pior, capazes de comprometer o funcionamento do conjunto.

As almas eram iguais. Elas, também, tinham cargas inúteis que impediam seu correto desempenho, estas incomodas partes santas que pendiam delas como apêndices que podiam deixar até os mais santos aguardando uma infecção. A fé, a esperança e o amor… a prudência, a moderação, a justiça e o valor… todos estes trastes inúteis simplesmente atestavam a demasiada maldita moralidade ao coração, obstruindo o caminho do inato desejo da alma pela malignidade.

O papel de um demônio era ajudar às pessoas a ver e a expressar sua verdade interior sem que se visse confundida por toda essa tola e enganosa humanidade. Enquanto a pessoa se mantivera fiel a sua essência, as coisas iriam na direção correta.

E ultimamente, isso tinha sido relativamente certo. Entre todas as guerras do planeta, o crime, o descuido com o meio ambiente, esse poço negro das finanças conhecido como Wall Street, assim como a desigualdade por todo o planeta, as coisas marchavam bem.

Mas não era suficiente e estava acabando o tempo.

Para expressá-lo com uma analogia esportiva: A terra era o campo de jogo e o jogo estava se desenvolvendo desde que tinham construído o estádio. Os Demônios eram a Equipe Local. E os Visitantes eram os Anjos, alcoviteiras dessa quimera de felicidade chamada Paraíso.

Onde o pintor da corte era Thomas Kincaid, pelo fodido amor de Deus.

Cada alma era um marechal de campo, um participante na luta universal entre o bem e o mal, e o tabuleiro refletia o valor moral relativo das ações de uma pessoa na terra. O nascimento era o chute inicial e a morte o final da partida… depois do qual o pontapé seria acrescentado ao marcador maior. Os treinadores deviam permanecer à margem, mas podiam complementar o campo colocando distintos jogadores junto com o humano para influenciar as coisas… e também podiam pedir um "tempo" para manter uma conversa estimulante.

Mais conhecidas como “experiências próximas à morte”.

O problema era o seguinte: o Criador olhava a saída como um espectador que tinha estado observando uma partida fora da temporada em um assento frio com um cachorro quente não aconselhável no estômago e um gritalhão sentado bem atrás de seu ouvido.

Muitas bolas machucadas. Muitos pedidos de tempo. Muitos empates que tinham conduzido prorrogação de partidas sem resolver. O que tinha começado como uma luta apaixonada evidentemente tinha perdido seu atrativo, e avisaram às equipes: concluam o jogo, meninos.

Assim ambos os lados deviam ficar de acordo e escolher um marechal de campo. Um marechal de campo e sete partidos.

Em vez de um desfile interminável de humanos, só ficaram sete almas para estabelecer o balanço entre o bem e o mal… sete oportunidades para determinar se a humanidade era boa ou má. Não existia a possibilidade de empate e se apostava… tudo. Se a Equipe Demônio ganhava, poderia ficar com o estabelecimento e com todos os jogadores que tivessem estado ali alguma vez ou fossem estar em um futuro. E os Anjos se converteriam em escravos para toda a eternidade.

O que fazia que a tortura de pecadores humanos parecesse um absoluto aborrecimento.

Se os Anjos ganhavam, a terra inteira não seria outra coisa mais que uma gigante e fodida manhã de natal, uma sufocante onda de felicidade, cordialidade, afeto e generosidade que se apoderaria de tudo. Nesse horrendo cenário os Demônios deixariam de existir não só no universo, mas também desapareceriam dos corações e das mentes de toda a humanidade.

Embora considerando todo o assunto feliz-feliz-alegria-alegria, esse era o melhor desenlace para esse cenário. Melhor que ser cravado repetidamente no olho com uma vara.

Os Demônios não podiam perder. Simplesmente não era uma opção. Sete oportunidades não eram muitas, e a Equipe Visitante tinha ganhado no atirar a moeda metafísica… e com isso tinham obtido a possibilidade de aproximar-se do marechal de campo que ia levar os sete “balões”, por assim dizer.

Ah, sim… o marechal. Não era surpreendente que a eleição desse jogador chave tivesse levado a um montão de discussões acaloradas. Entretanto, finalmente tinham selecionado alguém, alguém que ambas as partes consideravam aceitável… alguém que cada um dos treinadores esperava que conduzisse o jogo de acordo a seus próprios valores e metas.

O pobre tolo não sabia em que se tinha metido.

Não obstante, o assunto era que, os Demônios não estavam preparados para deixar que uma responsabilidade tão transcendental recaísse nos ombros de um humano. Em definitivo o livre-arbítrio era maleável… e era a base de todo o jogo.

Por isso tinham enviado alguém ao campo como jogador. Era contra as regras, é obvio, mas lembrem a sua natureza… e também algo que seus oponentes eram incapazes de fazer.

Esta era a máxima que tinha a Equipe Local: o único bom a respeito dos Anjos era que sempre coloriam dentro das linhas.

Deviam fazê-lo.

Imbecis.

 

—Ela te deseja.

Jim Heron levantou os olhos da sua Budweiser[1]. Através do lotado e escuro clube, passando o olhar pelos corpos cobertos de negro com correntes penduradas, entre o denso ar com aroma de sexo e desespero, viu a “você gosta” em questão.

Uma mulher vestida de azul estava sob a luz de um dos poucos focos do Iron Mask, o brilho dourado flutuava por seu cabelo castanho estilo Brooke Shields, sua pele de marfim e um corpo de matar. Era uma revelação, uma porção sobressalente de cor entre os tristes candidatos neo Vitorianos de Prozac, tão formosa como uma modelo, tão resplandecente como uma Santa.

E ela o olhava fixamente, embora pôs em dúvida a parte de “gosta de”: Seus olhos estavam fundos, o que significava que enquanto dava uma olhada, o desejo que engasgou em seus pulmões era produto da estrutura de seu crânio.

Merda, talvez só se perguntava que estava fazendo no clube. E eram dois.

—Te digo que essa mulher você gosta, colega.

Jim olhou ao Sr. Casamenteiro. Adrian Vogel era a razão pela que tinha terminado aqui, e o Iron Mask era definitivamente o lugar adequado para o cara: adicione que ia vestido de negro da cabeça aos pés e tinha piercings em lugares que a maioria das pessoas não queriam agulhas por perto.

—Nah. - Jim deu outro gole em sua Bud —Não sou seu tipo.

—Está seguro?

—A-ham.

—É um tolo. - Adrian passou a mão através das ondas negras de sua cabeça fazendo com que se colocassem no lugar como se estivessem bem treinadas. Cristo, se não fora pelo fato de que trabalhava com construção e que tinha a boca de um caminhoneiro, poderiam se perguntar se dava brilho aos sapatos das mulheres.

Eddie Blackhawk, o outro cara que os acompanhava, sacudiu a cabeça:

—Que não esteja interessado, não quer dizer que seja tolo.

—Eu disse isso.

—Vive e deixa viver, Adrian. É melhor para todos.

Ao recostar-se no sofá de veludo, Eddie parecia mais um motoqueiro do que um gótico com seu jeans e as shitkickers[2], estava tão fora do lugar quanto Jim – embora dado o tamanho descomunal do cara e os estranhos olhos marrons avermelhados, era difícil imaginá-lo encaixando com alguma coisa, salvo com um grupo de lutadores profissionais: inclusive com aquela longa trança, ninguém se burlava dele na obra – nem sequer os idiota e bocudos dos pedreiros que eram os piores.

 

—Bom Jim, não fala muito.

Adrian olhou à multidão, sem dúvida, procurando sua própria garota de vestido azul. Depois de fixar-se nas bailarinas que se retorciam nas jaulas de ferro, chamou à garçonete.

—Depois de trabalhar contigo há um mês, sei que não é porque seja estúpido.

—Não tenho muito que dizer.

—Não passa nada. - murmurou Eddie.

Provavelmente essa era a razão pela qual gostava de Eddie. O filho da puta era outro membro do clube dos “Homens de Poucas Palavras”, um cara que nunca falava quando um gesto ou um movimento de cabeça poderia conseguir o mesmo. Como tinha chegado a sentir-se cômodo com o Adrian, que não tinha papas na língua, era um mistério.

Como tinham acabado morando juntos, era inexplicável.

Como fora. Jim não tinha intenção de entrar em todos esses comos, porquês e ondes. Não era nada pessoal. Eram realmente a classe de homens duros dos que tivesse sido amigo em outro tempo, em outro planeta, mas aqui e agora, seus merdas não lhe importavam – somente tinha saído com eles porque Adrian o tinha ameaçado ficar perguntando até que os acompanhasse.

Explicação, Jim viveu a vida regido pelo código de desconectar e esperar que respeitassem sua rotina de “sou-uma-ilha”. Desde que abandonou o exercito, tinha vagabundeado até terminar em Caldwell e só porque o carro parou ali – voltaria para a estrada quando o projeto no que estava trabalhando estivesse acabado.

A questão era que segundo seu antigo jeje[3], era melhor ser um alvo móvel. Sem saber quanto tempo teria antes de uma nova “missão especial,” Jim ficaria em movimento.

Terminou a cerveja e se deu conta que era bom possuir somente suas roupas, o caminhão e a Harley avariada. Claro, não tinha muito que mostrar em seus trinta e nove.

Cara… a data...

Tinha quarenta. Esta noite era seu aniversário.

—Tenho que sabê-lo, - disse Adrian inclinando-se. —Tem uma mulher, Jim? É por isso que não quer à Garota de azul? Quero dizer, vamos cara, é quente.

—A aparência não é tudo.

—Sim, tudo bem, mas tampouco faz mal.

A garçonete se aproximou, enquanto os outros pediam outra rodada, Jim lançou um olhar à mulher da qual falavam.

Ela não apartou o olhar. Não se alterou. Somente lambeu os lábios vermelhos lentamente como se estivesse esperando que ele fizesse contato visual de novo.

Jim voltou a centrar-se em sua Bud vazia, e se acomodou na banqueta, com a sensação que alguém tinha metido carvões acesos em suas calças. Fazia muito, muito tempo. Não um dia seco, nem sequer uma seca. O deserto do Sahara se aproximava mais.

E a saber, seu corpo estava preparado para chegar a terminar com as punhetas.

—Deveria te aproximar - disse Adrian - te apresentar.

—O que significa que vou ter que reformular sua inteligência. - Adrian tamborilou os dedos sobre a mesa, o anel de prata maciça que levava brilhava. —Ou ao menos seu impulso sexual.

—Me faça as honras.

Adrian revirou os olhos, tendo muito claro que não havia nenhuma negociação sobre a garota do vestido azul.

—Tudo bem, estou indo.

O sujeito se recostou no sofá de modo que ele e Eddie estavam em posição similar. Como era de esperar, não podia permanecer em silencio durante muito tempo.

—Ficou sabendo do tiroteio?

Jim franziu o cenho.

—Houve outro?

—Sim. Encontraram o corpo rio abaixo.

—Normal aparecer ali.

—Que é nosso pão de cada dia, - disse Adrian, olhando o que ficava da cerveja.

—Sempre foi assim.

—Você acredita?

Jim se recostou para trás quando a garçonete deixou uma nova rodada diante dos moços.

—Não acredito, eu sei.

 

— Deinde, ego te absolvo un peccatis tuis en Patrls nomine, et Filii et Spiritus Sancti.. - Marie-Teresa Boudreau levantou os olhos à persiana do confessionário. No outro lado da tela, a cara do sacerdote estava de perfil e muito sombreada, mas ela sabia quem era. E ele a conhecia.

Então ele era muito consciente do que tinha feito e por que tinha que ir se confessar pelo menos uma vez na semana.

—Vá, minha filha. E fique bem.

Ao fechar o painel entre eles, o pânico se cravou em seu peito. Nestes momentos de tranqüilidade quando expor seus pecados, o degradante lugar onde tinha terminado ficava exposto, as palavras que pronunciou eram uma luz brilhante logo depois da horrível forma em que passava suas noites.

As imagens desagradáveis sempre tomavam um tempo para desaparecer. Entretanto, a sensação de asfixia que vinha de saber para onde se dirigia a seguir, só ia piorar.

Recolheu seu rosário, colocou-o no bolso do casaco e agarrou sua bolsa do chão. O som de passos fora do confessionário lhe impediu de sair. Havia razões para manter um perfil baixo, alguns dos quais não têm nada a ver com seu “trabalho”.

Quando o som dos saltos pesados diminuiu, abriu a cortina de veludo vermelho e saiu. A Catedral de St. Patrick's era talvez da metade do tamanho de uma em Manhattan, mas era o suficientemente grande para inspirar respeito, inclusive nos fiéis casuais. Com arcos góticos, como as asas dos anjos e um elevado teto que parecia estar a poucos centímetros de distância do céu, sentia-se tão indigna como agradecida de estar sob seu teto.

E adorava o aroma do interior. Cera de abelha e limão e incenso. Adorável.

Caminhando pelas capelas dos Santos, subia e descia dos andaimes que se construíram de maneira que os mosaicos do teto pudessem ser limpos. Como sempre, a piscada das velas e os focos de regulação nas estátuas a acalmou, lhe recordando que havia uma eternidade de paz esperando-a no outro extremo da vida.

Assumindo que conseguisse passar pelas portas do céu.

As portas laterais da catedral estavam fechadas depois das seis horas, e como de costume, teve que sair pela entrada principal, o que parecia um desperdício da coisa. Os painéis esculpidos se adaptavam muito melhor para dar a bem-vinda às centenas que chegavam as missas de cada domingo.. ou os convidados de casamentos importantes.. ou dos fiéis virtuosos.

Não, ela era mais uma espécie de pessoa da “porta lateral”.

Ao menos, era-o agora.

Justo quando apoiava todo seu peso na pesada madeira, ouviu seu nome e olhou por cima de seu ombro. Não havia ninguém ali, pelo que podia ver. A catedral estava vazia, inclusive de pessoas que oravam nos bancos.

—Olá? -Gritou, sua voz produzindo eco. Padre?

Quando não houve resposta, um calafrio percorreu sua coluna vertebral. Com um rápido passo, lançou-se contra o lado esquerdo da porta e saiu à fria noite de abril. Sustentando as lapelas de seu casaco de lã juntas, moveu-se com rapidez, seus saltos baixos fazendo um som de clipe, clipe, clipe sobre os degraus de pedra e sobre a calçada enquanto se apressava para o carro. O primeiro que fez ao entrar nele foi trancar todas as portas.

Enquanto ofegava, olhou a seu redor. Sombras se juntavam no chão sob as árvores sem folhas, e a lua se revelava através de nuvens finas a deriva. As pessoas se moviam ao redor detrás das janelas das casas frente à igreja. Uma caminhonete passou lentamente.

Não havia perseguidor, nenhum homem com uma mascara negra, nenhum intruso à espreita. Nada.

Ligando o motor, engatou a marcha em seu Toyota e se agarrou ao volante fortemente. Depois de comprovar seus espelhos, conduziu-se à rua e se dirigiu para o centro. Enquanto partia, as luzes dos outros automóveis golpeavam em sua cara e alagavam o interior do Camry, iluminando a bolsa preta no assento do passageiro. Seu uniforme horrível estava ali, e tão logo pudesse sair deste pesadelo, ela ia queimá-lo junto com o que tinha tido que suportar em seu corpo cada noite durante o último ano.

O Iron Mask era o segundo lugar no que tinha “trabalhado”. O primeiro tinha explodido há uns quatro meses. Literalmente.

Ela não podia acreditar que ainda estivesse no negócio. Cada vez que empacotava essa bolsa, sentia-se como se estivesse sendo sugada por um sonho mau, e não estava segura de se as confissões em St. Patrick estavam fazendo as coisas melhor ou pior.

Às vezes sentia como se tudo o que fazia era atiçar merda que seria melhor enterrar, mas a necessidade do perdão era muito forte para lutar.

Como girou para o Trade Street, começou a passar a concentração de clubes, bares, e salas de tatuagem que formavam a rua de Caldie. O Iron Mask estava no outro lado, e como os outros, aguardava todas as noites com sua linha de espera perpétua de aspirantes a zombies. Metendo-se em um beco, topou-se sobre os buracos de todos os contêineres de lixo, e saiu para o estacionamento.

O Camry se ajustava bem em um lugar ao longo da parede de tijolos marcada com um pôster de SÓ PESSOAL.

 

Marie-Terese saiu de debaixo de sua lona e olhou para cima. As luzes brilhantes da cidade embotavam às poucas estrelas que brilhavam em torno das nuvens que formavam emplastros, e o céu parecia ainda mais longe do que estava.

Fechou os olhos, tomou vários compridos e profundos fôlegos, e manteve o pescoço de seu casaco apertado. Quando entrasse no clube, estaria no corpo e na mente de outra pessoa. Alguém que não conhecia e não quereria conhecer no futuro. Alguém que lhe repugnava. Alguém a quem desprezava.

O último fôlego.

Justo antes de cruzar as portas, o pânico estalou de novo, suor brotando debaixo de sua roupa e em sua testa, apesar do frio. À medida que seu coração pulsava como se estivesse correndo de um assaltante, perguntava-se quantas noites mais disto poderia agüentar. A ansiedade parecia estar piorando cada semana, uma avalanche agarrando velocidade, varrendo sobre ela, cobrindo-a no peso do gelo.

Exceto que ela não podia parar. Ainda seguia pagando dívidas.. algumas financeiras, algumas que se sentia existenciais. Até que terminava de volta onde começou, tinha que ficar onde não queria estar.

E, além disso, disse a si mesma que não queria por esta angústia terrível. Significava que não se entregou às circunstâncias por completo e que pelo menos uma parte de seu verdadeiro eu ainda se mantinha viva.

Não por muito mais tempo, uma pequena voz assinalou.

A porta de trás do clube se abriu e uma voz com sotaque disse seu nome na forma mais formosa.

—Está bem, Marie-Terese?

Abriu os olhos, colocou a máscara, e caminhou com um tranqüilo passo para seu chefe. Trez sem dúvida a tinha visto em uma das câmaras de segurança, Deus sabia que estavam por toda parte.

—Estou bem, Trez, obrigado.

Tinha a porta aberta para ela, e enquanto passava a seu lado, seus olhos escuros a escanearam. Com a pele de cor café e uma cara que parecia da Etiópia, com seus ossos suaves e lábios perfeitamente equilibrados, Trez Latimer era muito atraente, embora suas maneiras eram o mais chamativo nele, no que consiste a ela. O tipo tinha a galanteria incorporada quase como se de uma ciência se tratasse.

Embora não quereria te cruzar com ele.

—Faz isso cada noite - disse ao fechar a porta detrás deles e pôr o ferrolho de barra em seu lugar-. Para junto a seu carro e fica olhando o céu. Cada noite.

—Faço-o?

—Alguém te está incomodando?

—Não, mas se assim fosse, diria-lhe isso.

—Há algo que te incomoda?

—Não. Estou bem.

Trez não parecia convencido enquanto a acompanhou até o vestuário de mulheres e a deixou na porta.

—Recorda, eu estou disponível vinte e quatro horas do dia, os sete dias da semana, e pode falar comigo em qualquer momento.

—Sei. E obrigado.

Ele pôs sua mão em seu coração e lhe deu uma pequena reverência. —É um prazer. E cuide de ti mesma.

O vestuário estava tapado com compartimentos de metal e bancos que se encontravam atarraxados ao piso. Contra a parede do fundo, o espelho iluminado era de dois metros de comprimento, com um balcão que estava cheio de maquiagem, e havia peças muito pequenas de roupa e saltos de agulha em todas as partes. O ar cheirava a suor de mulher e xampu.

Como de costume, tinha o um lugar para ela vazio. Ela sempre era a primeira a chegar e a primeira em sair, e agora que estava no modo de trabalho, não havia dúvidas, não havia vacilações em sua rotina.

Seu casaco entrou em seu armário. Tirou de um chute os sapatos de rua. Sua cinta do cabelo foi retirada livre de seu rabo-de-cavalo. A bolsa de lona se abriu bruscamente.

Suas calças jeans azuis e sua blusa branca e azul foram trocadas por um conjunto de roupa que nem morta levaria no Halloween: saia de lycra microscópica, camiseta sem mangas que lhe chegava até a parte inferior das costelas, meias altas com os topos de renda, e esmalte vermelho que decorava as unhas de seus pés.

Tudo era preto. O negro era a cor de assinatura do Iron Mask, e tinha sido também no outro clube. Ela nunca se vestia de preto quando estava fora do trabalho. Um mês logo depois de entrar neste pesadelo, ela tinha jogado no lixo cada peça de roupa que teve com qualquer preto nela, até o ponto em que teve que sair e comprar algo para usar no último funeral ao que foi.

Diante do espelho iluminado, bateu as cinco toneladas de cabelo moreno com um pouco de spray e logo foi para as palhetas de sombras de olhos e blush, escolhendo os escuros, as cores brilhantes que eram quase tão “garota do lado” como era a mulher nua da página central de Penthouse. Movendo-se rapidamente, foi ao estilo Ozzy Osbourne com o delineador de olhos e colando alguns cílios postiços.

A última coisa que fez foi ir à bolsa e pegar um batom. Ela nunca compartilhava o batom das outras garotas. Todo mundo era devidamente examinado cada mês, mas não queria correr riscos: ela podia controlar tudo que fazia e quão escrupulosa era quando se tratava da segurança. As outras garotas poderiam ter padrões diferentes.

O brilho vermelho tinha sabor de morango de plástico, mas o batom era crítico. Não beijar. Jamais. E a maioria dos homens sabia, mas com uma grossa capa de brilho, cortava qualquer debate: Nenhum deles queria que suas esposas ou namoradas soubessem o que estavam fazendo em sua “noite de saída com os moços”.

Negando-se a olhar seu reflexo, Marie-Terese se afastou do espelho e se dirigiu para o centro do clube, para enfrentar o barulho, as pessoas e os negócios. Ao entrar pelo longo corredor escuro do clube, o grave da música cresceu mais forte e o mesmo ocorreu com o som de seu coração pulsando nos ouvidos.

Talvez fossem um só.

No final do corredor, o clube se estendia ante seus olhos, suas paredes púrpuras e chão preto e teto de cor vermelho sangue iluminado tão escassamente que era como entrar em uma caverna. O ambiente era tudo sobre sexo retorcido, com mulheres que dançam em gaiolas de ferro forjado e de corpos que se movem em casais ou em trios, e música erótica enchendo o ar.

Depois que seus olhos se acostumaram à escuridão, procurava entre os homens, aplicando uma tela de dados que desejava nunca tivesse adquirido. Não se tratava de se eram aceitáveis pela roupa que levavam ou com quem estavam ou se tinham um anel de casamento ou não. Nem sequer era um caso de onde eles olharam para você, porque todos os homens faziam uma varrida dos peitos aos quadris. A diferença era quando olhavam com algo mais que cobiça: Enquanto corriam os olhos sobre seu corpo, a ação já tinha sido feita, no que a eles se referia.

Não a aborreceu, entretanto. Não havia nada que qualquer homem poderia fazer com ela que fora pior do que já lhe teria ocorrido. E existiam duas coisas que ela sabia com certeza: às três da manhã iriam chegar eventualmente. E, ao igual a seu turno, esta fase da sua vida não ia durar para sempre.

Em seus momentos mais sãos e menos depressivos, dizia-se a si mesma que este mau momento era algo que ia passar, uma espécie de gripe em sua vida: Apesar de que era difícil ter fé no futuro, tinha que acreditar que um dia ia despertar, dirigir seu olhar ao sol, e desfrutar do fato de que a náusea tinha desaparecido e o bem-estar tinha retornado.

Isso assumindo que era só uma gripe. Se o que estava passando era mais como um câncer... talvez uma parte dela sempre se tivesse ido, perdida pela enfermidade para sempre.

Marie-Terese apagou seu cérebro e se adiantou para a multidão. Ninguém disse nunca que a vida era divertida ou fácil ou inclusive justa, e às vezes se faziam coisas para sobreviver que parecem total e completamente incompreensíveis para a parte de seu cérebro que busca um lar e uma chaminé.

Mas não há atalhos na vida, e tem que pagar por seus enganos.

Sempre.

 

A joalheria Marcus Reinhardt, fundada em 1893, estava no mesmo edifício de tijolos no centro de Caldwell desde que o morteiro se colocou em seus profundos muros vermelhos. A empresa mudou de dono durante a Depressão, mas a ética da empresa tinha permanecido inalterável e prevaleceu na era Internet: de alta gama, ofertas de jóias excepcionais a preços competitivos, tudo isso unido a um serviço pessoal incomparável.

—O vinho gelado está gelando no salão privado, senhor.

—Excelente. Nós estamos quase prontos.

James Richard Jameson, bisneto do homem que comprou a loja do Sr. Reinhardt, endireitava a gravata em frente a um espelho.

Satisfeito com sua aparência, voltou a inspecionar os três membros do pessoal que tinha eleito para que permanecessem ali depois do horário. Todos levavam trajes escuros. William e Terrence levavam gravatas douradas e negras do clube, acompanhadas do logotipo do estabelecimento, e Janice levava um colar de ouro e ônix dos anos 50. Perfeitos. Seu pessoal parecia tão elegante e discreto como tudo o que havia na sala de exposição, e cada um deles era capaz de manter uma conversa tanto em inglês como em francês.

Devido ao que Reinhardt podia oferecer, os clientes estavam dispostos a viajar de Manhattan ou Montreal, do norte ao sul, não importava: a viagem merecia a pena. Em toda a sala de exposição uma sucessão de luzes brilhantes cegavam os olhos: uma galáxia inteira se posou ali mesmo, e os ângulos da luz direta e a disposição das vitrines de cristal conseguiam atenuar a diferença entre o que se quer e o que se necessita.

Logo antes que o relógio do avô próximo à porta marcasse dez horas, James abriu rapidamente um armário oculto, tirou uma Oreck, e deslizou o aspirador sobre as pegadas marcadas no tapete oriental. No retorno do armário, voltou seus passos sobre o mesmo caminho para comprovar que tudo estava em perfeitas condições.

—Acredito que ele já está aqui —disse William de uma das janelas com grades.

—OH.. meu deus —murmurou Janice enquanto se inclinava ao lado de seu companheiro—. Certamente que é ele.

James deslizou o aspirador fora de vista e voltou a colocar o paletó do terno no lugar. Seu coração palpitava vivamente em seu peito, mas mantinha uma aparência sossegada enquanto se aproximava nas pontas dos pés para olhar para a rua.

Recebia os clientes no estabelecimento das dez da manhã até as seis da tarde de segunda-feira a sábado. Os clientes que desejavam sessões privadas tinham que vir depois desse horário. Qualquer dia e a qualquer hora que lhes conviesse.

O cavalheiro que desceu do BMW M6 tinha todo o aspecto de cliente próprio da joalheria: traje de corte europeu, nenhum sobretudo apesar do frio, com andar de atleta e cara de assassino. Era um homem muito elegante, e muito poderoso, que provavelmente teria um lado sombrio, mas nem a máfia nem o dinheiro procedente do tráfico de entorpecentes eram discriminados na joalheria Marcus Reinhardt. James se dedicava a vender, não a julgar, assim no que a concernia, esse homem era um modelo de virtude, íntegro com seus sapatos Bally.

James desconectou o alarme e abriu antes que soasse o timbre.

—Boa noite, senhor diPietro.

O aperto de mãos foi firme e breve, sua voz profunda e aguda, seus olhos frios e cinzas.

—Estamos prontos?

—Sim.

James vacilou.

—Quer juntar-se a nós?

—Não.

James fechou a porta e indicou o caminho à parte de trás, ignorando com intenção a fascinação que Janice sentia pelo recém-chegado.

—Podemos lhe oferecer algo de beber?

—Poderiam começar me mostrando os diamantes, o que lhe parece?

—Como deseja.

A sala para a exibição privada continha óleos sobre as paredes, um balcão antigo de grandes dimensões e quatro cadeiras de ouro. Havia também um microscópio, uma toalha de mesa de veludo negro, o vinho gelado, e dois copos de cristal. James fez um sinal com a cabeça a seus empregados e Terrence chegou para retirar o recipiente de prata enquanto Janice levou as taças com um pouco de agitação. William permaneceu no corredor, preparado para qualquer tipo de solicitação.

O senhor diPietro sentou-se e posou suas mãos sobre o balcão, deixando ver um relógio Chopard de platina brilhando sob a manga. Seus olhos, que eram da mesma cor que o relógio, não fizeram mais que fixar-se no James, como se pudesse ver até sua nuca..

James esclareceu sua garganta enquanto se sentava em frente ao homem.

—Conforme nossa conversa, dispus uma seleção de pedras de nossa coleção além de vários diamantes trazidos diretamente de Amberes.

James tirou uma chave dourada e a inseriu no ferrolho da gaveta superior do balcão. Quando estava tratando com um cliente que ainda não sabia se ia comprar ou simplesmente dar uma olhada, como era o caso, tinha que fazer uma chamada para ver se eram do tipo que quer ver o alcance de suas primeiras opções ou se lançar às escolhas mais caras.

Estava claro em que categoria encaixava o senhor diPietro.

Havia dez anéis na bandeja que James colocou sobre o toalha de mesa, todos eles limpos no vapor para sua exibição. O que ele agarrou do mostrador de veludo negro não era o maior, mas só por uma fração de quilate. Mas sem dúvida, era de longe o melhor.

—Este é um anel de esmeralda de 7,7 quilates, cor gama D, impecável em seu interior. Tenho tanto o certificado do Instituto Gemológico Americano como o do Laboratório Gemológico Europeu para que os examine.

James permaneceu calado enquanto o senhor diPietro pegou o anel e começou a examiná-lo. Não era necessário mencionar que o polimento e a simetria da pedra eram excepcionais, ou que a base de platina foi feita a mão para o diamante, ou que este é o tipo de coisas que não aparecem no mercado de maneira freqüente. A luz e o fogo que refletiam falavam por si só, a claridade que irradiava era tão brilhante que teve que perguntar-se se não se trataria realmente de uma pedra mágica.

—Quanto? —perguntou o senhor diPietro.

James pôs os certificados sobre o balcão.

—Dois milhões e trezentos mil.

Para homens como o senhor diPietro quanto mais caro melhor. Mas o certo era que se tratava de uma boa oferta. Para a permanência da joalheria Reinhardt no negócio, teve que equilibrar volume e margem: se havia muito margem não havia suficiente volume. Além disso, assumindo que o senhor diPietro estava fora de qualquer prisão e/ou situação de bancarrota, este era o tipo de homem com o qual James gostaria de manter uma longa relação.

O senhor diPietro deu o anel de volta e estudou os certificados.

—Me fale dos outros.

James tragou sua surpresa.

—É obvio. Sim, é obvio.

Foi descrevendo da direita para a esquerda da bandeja as características de cada anel enquanto se perguntava se se teria equivocado com seu cliente. Fez que Terrence trouxesse seis mais, todos de mais de cinco quilates.

Uma hora mais tarde, o senhor diPietro se apoiou no encosto da cadeira. O homem não relaxou sua atenção em nenhum momento, nem realizou fugazes comprovações em seu BlackBerry[4], nem contou piadas para quebrar a tensão. Nem sequer se entreteve em olhar Janice, que estava encantadora.

Concentração total e completa.

James teve que perguntar-se a respeito da mulher que levaria o anel em seu dedo. Seria formosa, é obvio, mas independente e não muito sentimental. Em termos gerais, inclusive o homem mais sensato e com êxito nos negócios mostraria um brilho especial no olhar ao comprar um anel como aqueles para sua mulher, embora só fosse pelo gosto de surpreendê-la com algo diferente do habitual, ou pelo orgulho de poder permitir-se algo que só 0,01 por cento da população poderia dar de presente… Os homens normalmente mostram um pouco de emoção.

O senhor diPietro era tão frio e duro como as pedras que observava.

—Há algo mais que possa lhe mostrar? —disse James, um pouco deprimido—. Alguns rubis ou safiras, possivelmente?

O cliente procurou no interior de seu paletó e tirou uma fina carteira preta.

—Levarei o primeiro dos que me mostrou, mas por dois milhões.

 

Vendo que James pestanejou, o senhor diPietro deslizou um cartão de crédito sobre o balcão.

—Se eu estiver dando meu dinheiro a você, eu quero que você trabalhe para isto. E você vai ser tão amável de fazer um desconto pela pedra, porque bem sabe que seu negócio necessita clientes como eu.

James necessitou um momento para dar-se conta de que o transação ia se efetuar de verdade.

—Eu.. eu aprecio seu olho perspicaz para os negócios, mas o preço é de dois milhões e trezentos mil.

O senhor diPietro dava leves golpes com o cartão sobre o balcão.

—O cartão é de pagamento automático. Dois milhões. Agora mesmo.

Com rapidez, James realizou os cálculos mentalmente. A esse preço ainda obtinha um benefício de trezentos e cinqüenta mil.

—Acredito que vai ser possível.

O senhor diPietro não pareceu surpreso.

—Menino esperto.

—O que me diz do tamanho? Sabe quanto mede seu..?

—Os 7,7 quilates vão ser o único tamanho com que ela vai se importar. Nós cuidaremos do resto mais tarde.

—Como você deseja.

James estava acostumado a encorajar o pessoal a aproximar-se para conversar com o cliente enquanto ele ia fazer o recibo da compra e imprimir o valor para efeitos do seguro. Esta noite, entretanto, fez um gesto negativo com a cabeça para eles enquanto o senhor diPietro pegou um celular e começou a discar.

Enquanto James trabalhava no escritório da parte de trás pôde escutar o senhor diPietro falando ao telefone. Não houve joguinhos no estilo: "Querida, tenho algo para você", ou um sugestivo "Estou indo para ver você". Não. O senhor diPietro não estava chamando alguém a quem desejasse converter em sua noiva, a não ser um tipo chamado Tom a respeito de um assunto concernente a terrenos.

James passou o cartão. Enquanto esperava a autorização, deu um repasse no anel novamente, periodicamente verificando o estágio da leitura digital na máquina do cartão. Quando já podia chamar à linha direta vinte e quatro horas do banco, não se sentia alterado dada a quantidade da compra, e logo que pôde falar com eles, representante solicitou falar com Sr. diPietro.

Depois de passar a chamada ao telefone sobre o balcão da sala de amostras, James colocou a cabeça através da porta.

—Sr. diPietro..

—Querem falar comigo?

O homem estendeu a mão direita, deixando ver seu relógio, e levantou o fone. Antes que James pudesse pôr a chamada em espera, o senhor diPietro o fez ele mesmo e começou a falar.

—Sim, é.. Sim, sou eu.. O nome de solteira de minha mãe é O’Brian.. Sim, obrigado.

Olhou ao James enquanto pôs a chamada em espera de novo, e pendurou o fone.

—Eles tem um código de autorização para você.

James se inclinou e voltou ao escritório. Quando reapareceu, estava levando uma bolsa vermelha macia e lustrosa com alças de cetim e um envelope com o recibo em seu interior.

—Espero que volte a nos visitar se podemos lhe ser de ajuda.

O senhor diPietro tomou o que agora lhe pertencia.

—Tenho intenção de ficar noivo somente uma vez, mas haverá aniversários. Muitos aniversários.

Os empregados se apartavam para lhe deixar passar e James teve que assobiar para que abrissem a porta do estabelecimento para o senhor diPietro. Depois que o homem saiu, James voltou a fechar a porta e apareceu à janela.

O carro do senhor era uma maravilha no arranque, com o motor rugindo e as luzes brilhantes refletindo-se sobre a pintura negra tão brilhante como a água parada.

Quando James se virou, surpreendeu Janice apoiada em outra janela, com os olhos fixos. Podia estar seguro de que não estava admirando o automóvel, mas sim estava concentrada no motorista.

Estranho, não é?, semelhante alarde de poder. Possivelmente por isso diPietro parecia tão distante: podia permitir-se tudo o que lhe tinha mostrado, assim para ele a transação não foi muito diferente do que para um cidadão normal seria comprar o jornal ou uma lata de Coca-cola. Não existe nada que os ricos não possam possuir, e que sortudos eles são.

 

—Não te ofenda, mas vou embora.

Jim deixou o copo vazio e agarrou a jaqueta de couro. Havia tomado duas Bud e uma terceira o faria candidato a ganhar uma multa, então era hora de partir.

—Não posso acreditar que vai embora sozinho,— disse Adrian desviando o olhar para a moça do Vestido Azul.

Continuava embaixo do foco do teto. E seguia olhando. E seguia lhe tirando o fôlego. —A-ham. Só eu, minha pessoa e eu mesmo.

—A maioria dos homens não possuem essa classe de autocontrole.— Adrian sorriu. O aro que tinha no lábio inferior brilhava. —Realmente impressionante.

—Sim, sou todo um santo.

—Acredito. Conduz com cuidado e assim poderá seguir dando brilho a auréola[5]. Verei-te amanhã no lugar de sempre.

Depois de uma rodada de palmadas nas mãos, Jim abriu caminho por entre a multidão. Enquanto avançava, os góticos que estavam cobertos com renda negra e levavam colares de pontas agudas lançavam-lhe olhadas, provavelmente as mesmas que lançavam a todo mundo quando andavam pelo shopping: Que merda faz por aqui?

Certamente as Levi’s[6] e a camisa de flanela limpa que usava ofendiam a sensibilidade do couro e renda.

Jim tomou o caminho que o mantinha afastado de Vestido Azul , uma vez que esteve fora respirou fundo, como se tivesse superado uma prova. O ar frio não lhe trouxe o alívio que necessitava, enquanto rodeava o estacionamento, colocou a mão no bolso da camisa.

Tinha deixado de fumar fazia um ano mas ainda levava a mão o pacote de Marlboro Vermelho. O puto vicio era como a dor fantasma de um membro amputado.

Quando chegou na esquina e entrou no estacionamento, passou em frente a uma fila de carros estacionados contra as grades do edifício. Todos estavam sujos e tinha os lados salpicados de sal devido às condições das estradas e à imundície da neve suja que estava caindo há meses. Sua caminhonete, que estava na parte de baixo, no final da terceira fila, estava exatamente igual.

Enquanto caminhava olhava a direita e esquerda. Estava em uma parte má da cidade e se forem lhe assaltar, queria ver de frente o que iria atacá-lo. Não é que se importasse com uma boa briga. Tinha tido as suas na juventude e o tinham treinado bem no exército e além disso, graças a seu trabalho diurno, estava em uma forma soberba. Mas sempre era melhor…

Parou quando viu um brilho dourado no chão.

Inclinou-se e recolheu um anel fino de ouro, não, era um brinco de aro, daqueles que aqueles caras colocam eles mesmos. Jogou a porcaria e olhou por cima dos carros. Qualquer um poderia tê-lo lançado. Não era muito caro.

—Por que foi embora sem mim?

Jim parou em seco.

Merda, tinha a voz tão sexy como o corpo.

Estirou-se em toda sua estatura dando a volta nos saltos das botas de trabalho e olhou por cima dos capôs dos carros. Vestido Azul estava a uns nove metros, de pé sob uma das luzes de segurança, o que levava a perguntar se sempre escolhia lugares que a iluminavam.

—Faz frio, — disse. —Deveria voltar para dentro.

—Não tenho frio.

Sim, era verdade. Poderia dizer-se que tão quente como foder. —Ok… Vou.

—Sozinho?— Aproximou-se e seus saltos altos ressonavam no asfalto irregular.

Quanto mais se aproximava, melhor estava. Merda, tinha os lábios feitos para o sexo, profundamente vermelhos e ligeiramente abertos e esse seu cabelo… o único no que podia pensar era nesse cabelo derramando-se por seu peito nu e por suas coxas.

Jim meteu as mãos nos bolsos da calça. Era muito mais alto que ela mas a forma em que caminhava era como um soco no estomago que o imobilizava com pensamentos quentes e planos vívidos. Olhando sua pele fina e pálida, perguntava-se se seria tão suave como parecia. Perguntava-se mil vezes o —que havia debaixo daquele vestido. Perguntava-se como se sentiria tendo-a debaixo de seu corpo nu.

Teve que respirar fundo quando parou em frente a ele.

—Onde está seu carro?— Perguntou.

—Caminhonete.

—Onde está?

Nesse momento, uma brisa fria se deslizou do beco e ela estremeceu-se um pouco e levantou os braços magros e adoráveis para abrigar-se como se se abraçasse. Seus olhos escuros, que lhe tinham resultado sedutores no clube, se voltaram implorantes abruptamente e fizeram virtualmente impossível afastar-se dela.

Ia fazê-lo? Ia cair no quente lago que era esta mulher, mesmo que por pouco tempo?

Chegou outra rajada como um disparo feito por um canhão e ela deu um golpe contra o chão com um salto de agulha e logo com o outro.

Jim tirou a jaqueta de couro e cortou a distância entre eles. Sem tirar os olhos um do outro, envolveu-a com o que lhe tinha esquentado até esse momento. —Estou aqui.

Agarrou sua mão. Ele a guiou.

 

O Ford F-150S não era exatamente genial para ligar mas tinha suficiente espaço, se o necessitava. Além disso, era tudo o que podia oferecer. Jim a ajudou a subir e deu a volta para ficar frente ao volante. O motor ligou rapidamente e pôs a calefação, dissipando o ar frígido até que as coisas se esquentaram.

Moveu-se pelo assento até ele e seus peitos se elevaram sobre o decote drapeado do vestido quando se aproximou mais.

—É muito amável.

Amável não era como via a si mesmo. E especialmente não agora, tendo em conta o que tinha em mente.

—Não posso deixar que uma dama passe frio.

Jim lhe passou os olhos por todo o corpo. Estava aconchegada em sua jaqueta de couro de pouco valor, com a cara para cima e o cabelo comprido caindo sobre os ombros e ondulando-se para o decote. Podia ter começado como uma sedutora mas a verdade é que era uma boa garota.

—Quer que falemos?—, perguntou-lhe porque ela merecia algo melhor do que queria dela.

—Não.— Negou com a cabeça. —Quero fazer… algo.

Bem, Jim definitivamente, não era amável. Era um homem a um palmo de uma mulher formosa, inclusive embora ela lançava vibrações de vulnerabilidade, brincar de psicanalistas não era a classe de jogo horizontal que estava atrás.

Quando levantou o olhar, seus olhos pareciam tristes, como órfãos.

—Por favor… beija-me?

Jim se conteve, sua expressão o freava e muito mais que isso.

—Está segura?

Jogou o cabelo por cima do ombro e o colocou detrás da orelha. Quando assentiu com a cabeça, o diamante do tamanho de um centésimo que tinha na orelha cintilou. —Sim… muito. Beije-me.

E quando lhe sustentou o olhar sem apartar os olhos, Jim sucumbiu sentindo-se enfeitiçado e sem que importasse o mais mínimo. —Irei devagar.

OH… Deus….

Seus lábios eram tão suaves como tinha imaginado e acariciou sua boca com cuidado, temeroso de esmagá-la. Era doce, era cálida e confiava em que ele fora com cuidado, lhe dando a bem-vinda a sua língua dentro de sua boca e depois se encostando para trás para que a palma de sua mão caísse de seu rosto até sua clavícula… até seus peitos plenos.

O que trocou o ritmo das coisas.

Abruptamente, sentou-se e tirou a jaqueta.

— O zíper está nas costas.

Suas mãos endurecidas de trabalhador a encontraram, preocupado de poder danificar o vestido azul enquanto o deslizava para baixo. Ela mesma tirou a parte de cima revelando um sutiã de cetim e renda que, com toda probabilidade, custava mais que sua caminhonete.

Tinha os mamilos erguidos sob o fino material e, na sombra lançada pela débil luz que passava através das frestas, eram um banquete espetacular para os olhos.

—Meus seios são de verdade,— disse com voz suave. —Queriam que colocasse implante mas… eu não queria.

Jim franziu o cenho pensando que qualquer porco bode que tivesse ocorrido pensar tal coisa merecia que o operassem da vista… com uma vara de ferro.

—Não o faça. É muito formosa.

—De verdade?— Sua voz vacilava.

—De certeza.

Seu tímido sorriso significava muito para ele, beliscava em seu peito, metendo-se muito fundo. Sabia tudo sobre o lado feio da vida, tinha passado pelo tipo de coisas que fazem que um dia pareça um mês e não desejava nada disso a ela. Entretanto, parecia que ela também tinha o seu.

Jim subiu a calefação para esquentá-la.

Quando se recostou para trás, ela deslizou uma das taças do sutiã e agarrou o peito na mão lhe oferecendo o mamilo.

—É incrível.— Murmurou.

Jim se inclinou e capturou sua carne com a boca, chupando com suavidade. Ela ofegou e enredou as mãos em seu cabelo. Seu peito lhe embalava a boca e teve um momento de pura luxúria, do tipo que transforma os homens em animais.

Salvo que então recordou a forma em que o havia olhado, e soube que não ia ter sexo com ela. Ia cuidar dela, aqui na cabine da caminhonete, com a calefação em marcha e as janelas embaçando-se. Ia mostrar-lhe quão formosa era e quão perfeito era seu corpo e como seria … prová-lo. Mas não tomaria nada para si mesmo.

Merda, talvez não era tão mau.

Está seguro? Sua voz interior o cortou. Está realmente seguro?

Não, não estava. Mas Jim a recostou no assento e fazendo um monte com a jaqueta de couro como se fora um travesseiro para a cabeça, comprometeu-se a fazer o correto.

Homem. . . era preciosa, um passarinho perdido e exótico que tinha encontrado refúgio em um galinheiro.

Por que na verde terra de Deus o queria a ele?

—Me beije—, disse ela ofegando.

Enquanto se apoiava nos braços fortes e se inclinava sobre ela, viu de relance o relógio digital no painel: 11:59. O minuto exato em que tinha nascido há quarenta anos.

Que feliz aniversário estava resultando ser.

 

Vin diPietro se sentou em um sofá coberto de seda em uma sala de estar decorada em ouro, vermelho e branco nata. O piso de mármore negro estava coberto com tapetes antigos, as estantes estavam cheias de primeiras edições, e todos ao redor continham sua coleção de cristal, ébano, e estátuas de bronze, que brilhava. Mas o que mais chamava atenção era a vista de cima da cidade à direita.

Graças a uma parede de vidro que percorria toda a longitude da sala, as pontes gêmeas de Caldwell e todos os seus arranha-céus eram tanto uma parte da decoração como as cortinas, os tapetes no chão e os objetos de arte. A vista era urbana em seu melhor momento, uma vasta paisagem resplandecente que nunca era a mesma, embora os edifícios não mudassem.

O duplex de Vin no Commodore ocupava o vigésimo oitavo e o vigésimo nono dos andares de luxo, com um total de dez mil metros quadrados. Tinha seis dormitórios, um apartamento para a empregada, sala de exercícios, e uma sala de cinema. Oito banheiros. Quatro vagas de estacionamento na garagem subterrânea. E dentro de tudo era exatamente como ele queria, cada quadrado de mármore, lajes de granito, pedaço de madeira, o tapete, tudo o que tinha sido cuidadosamente selecionado do melhor por ele.

Ele estava pronto para sair.

Do modo como as coisas estavam indo, pensou que estaria pronto para entregar as chaves para seu próximo dono em quatro meses. Talvez três, dependendo da rapidez com que os operários estavam trabalhando na construção.

Se este condomínio era agradável, que Vin estava construindo à beira do rio Hudson, usaria o duplex como residência. Ele teve que comprar uma meia dúzia de antigos chalés de caça e campos para conseguir o tipo de superfície e área que queria, mas tudo tinha caído em seu lugar. Derrubou as casas, limpou a terra, e cavou um buraco o suficientemente grande para jogar futebol. Os operários estavam cimentando agora e trabalhando no teto, logo depois viria sua frota de eletricistas que instalaram o sistema elétrico central e seus encanadores colocariam a água. Por último, seriam os detalhes com azulejos, aparelhos acessórios e os decoradores.

Tudo em conjunto, como magia. E não só sobre onde ele viveria.

Em frente dele, na mesa coberta por vidro estava a caixa aveludada de Reinhardt.

Quando o relógio de seu avô na sala bateu meia-noite, Vin se acomodou nas almofadas do sofá e cruzou suas pernas. Ele não era romântico, nunca tinha sido, e nem Devina era – uma das razões porque eram perfeitos juntos. Ela dava-lhe espaço, mantinha-se ocupada, e estava sempre pronta para pular em um avião quando precisava dela. E não queria filhos, um enorme bônus a mais.

Ele não os queria. Pecados dos pais e tudo mais.

Ele e Devina não se conheciam há muito tempo, mas quando era certo, era certo. Como comprar terra para empreender. Você somente sabia quando olhava a terra que aqui é onde tinha que construir.

Olhando para fora, a cidade vista acima de tantos outros, pensou na casa que tinha crescido. No passado sua visão tinha estado abaixo de dois andares, e ele tinha passado muitas noites tentando ver a história das portas próximas. Por cima do estrondo de sua mãe e da luta embriagada do pai, a única coisa que ele sabia era que iria embora. Longe dos seus pais. Longe daquela vizinhança de classe média baixa mais patética. Longe dele e do que o separava de todos os outros. E o que você sabe, é exatamente o que acontece.

Ele infinitamente preferia esta vida, esta paisagem. Tinha sacrificado muito para erguer-se aqui, mas a sorte sempre estava com ele — como magia.

Mas então, quanto mais duro você trabalha, mais feliz você fica. E maldito tudo e todo mundo, aqui era onde ia ficar.

Quando Vin verificou seu relógio novamente, quarenta e cinco minutos se passaram. E então outra meia hora.

Enquanto se inclinava para frente e tocava a caixa aveludada, o clique e a abertura da porta dianteira o fizeram girar sua cabeça. Fora da sala, saltos batiam no mármore em sua direção. Ou pensou que eram.

Quando Devina entrou pela arcada da sala de estar, tirou seu mink[7] branco, expondo um vestido azul Herve Leger que tinha comprado com seu dinheiro. Um verdadeiro nocaute: as curvas perfeitas de seu corpo mostradas pelas faixas de tecido, suas pernas longas melhoradas pelas linhas do Louboutins vermelho que vestia e seu cabelo escuro mais brilhante que o lustre cristalino que havia em cima de sua cabeça.

Resplandecente. Como sempre.

—Onde estava?— Ele perguntou.

Ela congelou e o examinou.

—Eu não sabia que estava em casa.

—Estava esperando por você.

—Você devia ter ligado.— Ela tinha olhos espetaculares, amendoados e mais escuros que seu cabelo. —Eu teria vindo se chamasse.

—Pensei em surpreender você.

—Você...Não faz surpresas.

Vin se aproximou e manteve a caixa escondida dentro de sua mão.

—Como foi sua noite?

—Boa.

—Onde esteve?

Ela dobrou a pele em cima de seu braço.

—Só fui a um clube.

Quando se aproximou dela, Vin abriu sua boca, sua mão apertando o que comprou para ela. Seja minha esposa. Devina franziu o cenho.

—Você está bem?

Seja minha esposa. Devina seja minha esposa.

Ele estreitou os olhos em seu lábios. Estavam mais inchados que normalmente. Mais vermelhos. E desta vez ela não usava nenhum batom.

A conclusão o impactou trazendo a memória vívida de seus pais. Os dois gritando um ao outro e quebrando coisas, ambos bêbados como bodes. O assunto era o mesmo de sempre, e ele podia ouvir a voz furiosa do seu pai clara como o dia: Quem estava com você? Que diabos estava fazendo, mulher?

Depois disto, a próxima coisa no programa seria o cinzeiro da sua mãe batendo na parede. Graças a toda a prática que conseguiu, ela tinha força no braço, mas a vodca tendia a desviar sua pontaria, então ela batia na cabeça do seu pai só uma vez a cada dez arremessos.

Vin deslizou a caixa do anel no bolso do casaco de seu terno.

—Teve bons momentos?

Devina estreitou seus olhos como se estivesse tendo dificuldades para julgar seu humor.

—Só saí um pouco.

Ele movimentou a cabeça, perguntando-se se o efeito amarrotado do seu cabelo era estilo ou mãos de outro homem.

—Bom. Eu estou contente. Eu vou fazer algum trabalho.

—Certo.

Vin girou e caminhou pela sala de estar e biblioteca até seu escritório. O tempo todo, manteve seus olhos nas paredes de vidro e na vista.

Seu pai acreditou em duas coisas sobre mulheres: Você nunca podia confiar nelas; e elas subjugariam você se desse a elas a mão superior. E tanto quanto Vin não queria qualquer legado daquele filho de uma cadela, ele não podia evitar as memórias que tinha de seu papai.

O sujeito sempre tinha estado seguro que sua esposa o enganava—o que era duro de acreditar. A velha de Vin clareava seu cabelo só duas vezes por ano, exibia círculos debaixo de seus olhos da cor de nuvens de tempestade, e tinha um guarda-roupa limitado a uma bata que limpava com a mesma freqüência que a caixa de Clairol o fazia em casa. A mulher nunca deixava a casa, fumava como uma fogueira, e tinha um bafo de álcool que podia derreter a pintura de um carro.

Ainda assim seu pai de alguma maneira pensava que homens seriam atraídos por aquilo. Ou que ela, que nunca ergueu um dedo a menos que fosse um cigarro para acender, regularmente tinha a perspicácia para sair e encontrar bons corações cujo gosto corria em direção a cinzeiros e garrafas.

Os dois lhe batiam. Pelo menos até que cresceu o suficiente para mover-se mais rápido que eles. E provavelmente a coisa mais amável que fizeram para ele como pais foi matar um ao outro quando estava com dezessete anos— que foi uma bonita merda patética.

Quando Vin chegou ao seu estúdio, sentou-se atrás da escrivaninha coberta de mármore e admirou seu escritório. Ele tinha dois computadores, um telefone com seis linhas nele, um fax, e duas luminárias de bronze. A cadeira era de couro cor de sangue. O carpete era da cor prateada, como os olhos do pássaro que estava retratado na parede. As cortinas eram pretas, creme e vermelhas.

Pondo o anel entre uma das luminárias e o telefone, ele girou para longe dos negócios e retomou sua vigília da cidade.

Seja minha esposa, Devina.

—Eu coloquei algo mais confortável.

Vin olhou por cima de seu ombro e conseguiu uma vista de sua mulher, que agora estava envolta em preto.

Ele rodou sua cadeira.

—Você certamente o fez.

Quando veio até ele, seus peitos empinados balançavam de um lado para outro por baixo do tecido e ele podia se sentir endurecendo. Ele sempre tinha amado seus peitos. Quando disse que queria colocar silicone, ele tinha vetado a idéia rapidamente. Ela era perfeita.

—Eu realmente sinto muito não ter estado aqui quando me quis,— ela disse, abrindo o robe translúcido e se ajoelhando na frente dele. —Eu verdadeiramente sinto.

Vin ergueu sua mão e correu seu dedo polegar de um lado para outro acima de seu lábio inferior cheio.

—O que aconteceu com seu batom?

—Eu lavei meu rosto no banheiro.

—Então por que continua com seu delineador?

—Eu reapliquei.— Sua voz era suave. —Eu fiquei com meu telefonei o tempo inteiro. Você me disse que tinha uma reunião tarde.

—Sim, tinha.

Devina pôs suas mãos em suas coxas e se debruçou, o volume dos seios saindo pelo decote de seu vestido. Deus, ela cheirava bem.

—Sinto muito,— ela gemeu antes de beijar seu pescoço e cravar suas unhas em suas pernas. —Deixe-me compensar isto para você.

Ela fechou seu lábios em sua pele e chupou.

Quando Vin deixou sua cabeça cair para trás, olhou para ela por baixo de suas pálpebras. Ela era a fantasia de qualquer homem. E era sua.

Então por que merda não conseguia dizer as palavras?

—Vin...Por favor não fique bravo comigo,— ela sussurrou.

—Eu não estou.

—Você está carrancudo.

—Eu sempre estou.— Exatamente quando ele sorria? —Bem, por que você não vê o que pode fazer para melhorar meu humor?

Os lábios de Devina se ergueram como se isto fosse justamente o tipo de convite que esperava, e rapidamente, ela desfez sua gravata, abriu seu colarinho e soltou os botões de sua camisa. Beijando seu corpo até os quadris, ela desafivelou seu cinto, retirando sua camisa das calças e raspou as unhas e dentes através de sua pele.

Ela soube que ele queria duro e não tinha nenhum problema com aquilo.

Vin tirou o cabelo de seu rosto quando ela soltou sua excitação, e soube que ele não era o único a conseguir uma visão do que ela ia fazer com ele: Ambas as luminárias da escrivaninha estavam acesas, o que significava que qualquer um naqueles arranha-céus que ainda estivesse em seu escritório com um par de binóculos, conseguiriam um inferno de show.

Vin não a parou ou desligou as luzes.

Devina gostava de público.

Quando a boca aberta fechou sobre a cabeça de seu membro, gemeu e logo apertou os dentes, quando o tragou em sua garganta. Ela era muito boa neste tipo de coisa, encontrou um ritmo que o levou longe, o olhar fixo nele enquanto trabalhava. Ela sabia que queria algo sujo, por isso no último momento, recuou de modo que seus peitos perfeitos apareceram.

Com uma risada baixa, ela o olhou de esguelha, uma menina travessa ainda não satisfeita. Devina era assim, variável em função da situação, capaz de ser uma mulher adequada num momento e uma puta no seguinte, vestindo suas máscaras e as descartando à vontade.

—Ainda está faminto, Vin.— A mão formosa desceu do sutiã para sua tanga e ficou ali quando se deitou para trás. - Não são você.

Na luz, seus olhos não eram marrons escuros, mas sim um negro denso, e estavam cheios de conhecimento. Ela estava certa. Ele a queria. Desde o momento que a viu na inauguração de uma galeria e tomaram ambos um Chagall em sua casa.

Vin saiu de sua cadeira e ajoelhou-se entre suas pernas, abrindo-as mais. Ela estava pronta, e ele a tomou no tapete próximo a sua escrivaninha. O sexo era rápido e duro, mas ela estava louca e ele também.

No orgasmo, ela disse seu nome como se tivesse dado o dela exatamente depois.

Deixando cair a cabeça no tapete de seda fina, soprou forte e não gostou da forma que se sentia. Quando a paixão passou, ele estava mais que passado, ele estava estéril.

Às vezes era como se quanto mais enchesse, mais o vazio aumentava.

—Quero mais, Vin—, disse com uma voz profunda e gutural.

 

Na ducha do vestuário no Iron Mask, Marie-Terese entrou embaixo da água quente e abriu sua boca, deixando a água lavar tanto dentro quanto fora dela. Em um prato de aço inoxidável, tinha uma barra dourada de sabão, e ela a agarrou sem olhar. A impressão da marca estava quase lisa, o que significava que a coisa iria durar só duas ou três noites.

Quando lavou cada polegada de seu corpo, suas lágrimas juntaram-se a espuma da água, seguindo seu caminho no ralo a seus pés. De algum modo, esta era a parte mais dura da noite, este tempo no vapor morno e sabão vagabundo—pior até que o blues pós-confissão.

Deus, estava de uma maneira que até o cheiro do sabão era suficiente para fazer água em seus olhos, prova positiva que Pavlov não sabia só sobre cachorros[8].

Quando ficou pronta, saiu e pegou uma áspera toalha branca. Sua pele tiritou de frio, encolhendo, parecendo uma armadura, e sua vontade era também fazer uma retração semelhante, prendendo suas emoções e as mantendo seguras mais uma vez.

Fora do cubículo, ela colocou de volta sua calça jeans e sua blusa de gola alta, enfiando as roupas de trabalho na mochila. Seu cabelo levou mais ou menos dez minutos de secador antes de estar pronta para sair na noite fria, e o tempo extra no clube a fez rezar pelo verão.

—Você está pronta para ir?

A voz de Trez chegou através da porta fechada do vestuário e ela teve que sorrir. As mesmas palavras toda noite, e sempre no momento que ela desligava o secador de cabelo.

—Dois minutos,— ela gritou.

—Sem problema.— Trez sempre dizia isto também. Ele sempre fez questão de escoltá-la até seu carro, não importa quanto tempo levasse para partir.

Marie-Terese pousou o secador, empurrou seu cabelo para trás, e enrolou um elástico em torno das mechas grossas. Ela se inclinou para o espelho. Em algum momento durante o turno, ela perdeu um brinco e só Deus sabia onde a coisa estava.

—Maldito seja.

Pegando sua mochila, deixou o vestuário e encontrou Trez no corredor vendo mensagens de texto em seu BlackBerry.

Ele pôs o telefone em seu bolso e a olhou.

—Está bem?

— Não. —Sim. Foi uma noite boa.

Trez movimentou a cabeça uma vez e caminhou com ela para a porta de trás. Quando estavam do lado de fora, ela rezou que ele não começasse com um de seus sermões. Sua opinião a respeito da prostituição é que as mulheres podiam optar por fazê-lo, e os homens podiam optar por pagar, mas tinha que ser dirigido profissionalmente – inferno, meninas tinham sido despedidas por não usar preservativos. Também acreditava que se havia sequer um indício que uma mulher se sentia incômoda com sua escolha, ela devia ter a oportunidade de repensar o que estava fazendo e sair.

Era a mesma filosofia que Rehvenge tinha no ZeroSum, e a ironia era que por causa disto, a maior parte das meninas não queriam deixar essa vida.

Quando chegaram no seu Camry, ele a parou pondo sua mão em seu braço.

—Você sabe o que eu vou dizer, não é?

Ela sorriu um pouco. —Seu discurso.

—Não é retórica. Eu quero dizer cada palavra.

—Oh, eu sei que você o faz,— ela disse, tirando suas chaves. —E você é muito amável, mas estou onde preciso estar.

Por um segundo ela podia ter jurado que seus olhos escuros relampejaram com uma luz obscura —mas provavelmente era só um truque das luzes de segurança que inundavam a volta do edifício.

E quando olhou fixamente para ela, como se estivesse escolhendo suas palavras, ela agitou sua cabeça. —Trez…por favor não faça.

Fazendo uma careta, ele amaldiçoou sob sua respiração, então estendeu seus braços.

—Venha aqui, menina.

Quando se inclinou para frente e encontrou sua força, ela perguntou-se como seria ter um homem como este, um que poderia não ser perfeito, mas que era honrado e fazia o certo e preocupava-se com a gente.

—Seu coração não está mais aqui,— Trez disse suavemente em sua orelha. —É hora de você ir.

—Eu estou bem.

—Você mente. Quando a afastou, sua voz era tão certa e segura, que sentiu como se ele pudesse ver dentro do seu coração. —Deixe-me dar a você o dinheiro que precisa. Você pode pagar isto depois sem juros. Você não pertence a este lugar. Alguns pertencem. Você não. Sua alma não está bem aqui.

Ele estava certo. Ele estava muito, muito certo. Mas ela nunca tinha contado com ninguém, nem mesmo alguém tão decente quanto Trez.

—Eu sairei logo,— ela disse, batendo levemente em seu tórax enorme. —Só um pouco mais e terei o suficiente. Então pararei.

A expressão de Trez apertou e sua mandíbula ficou rígida, mas iria respeitar sua decisão, ainda que não concordasse com isto. —Lembre de minha oferta sobre o dinheiro, certo?

—Lembrarei.— Ela se ergueu nas pontas dos pés e beijou sua bochecha. —Prometo.

Trez a instalou no carro, e depois que ela o tirou de seu lugar e o pôs em marcha, olhou no espelho retrovisor. À luz de suas luzes traseiras, ele a estava olhando, com os braços cruzados sobre seu forte peito... e logo se foi como se tivesse desaparecido.

Marie-Terese pisou no freio e esfregou os olhos, perguntando-se se o tinha perdido... mas logo se aproximou um carro atrás dela, com as luzes intermitentes nos retrovisores e a cegando. Sacudiu a si mesma, abriu o gás e saiu disparada do estacionamento. Seja quem for que esteve em seu pára-choque sumiu na seguinte rua, e a viagem para casa foi de aproximadamente quinze minutos

A casa que alugou era pequena, só um pouco de Cape Cod estava em boa forma, mas tinha duas razões pelas quais a tinha eleito sobre as outras que tinha olhado quando chegou em Caldwell: Estava em uma zona escolar, o que significava um monte de olhos por toda a vizinhança, e o proprietário lhe permitiu pôr grades em todas as janelas.

Marie-Terese estacionou na garagem, esperando à porta automática fechar, e depois levantou para entrar no corredor às escuras. Passando pela cozinha, que cheirava a maçãs frescas que sempre tinha em uma cesta, foi nas pontas dos pés para a luz na sala. No caminho, meteu a bolsa no armário de casacos.

A esvaziaria e refaria quando não houvesse ninguém ao redor para vê-la. Quando saiu à luz, sussurrou:

—Sou eu.

 

Ele dormiu com ela.

Na manhã seguinte, o primeiro pensamento de Jim era de que era um merda e que precisava escapar disso. Ele rolou pela cama, o que acabou de fazer sua tentativa de levantar pior. A temprana luz da alvorada estava chutando o traseiro da cortina a seu lado, e como o resplendor estava se chocando contra seu crânio, ele lamentava que a maldita janela não fosse feita de placas de gesso.

Homem, não podia acreditar que tinha dormido com essa formosa e vulnerável mulher em seu caminhão como se ela fora algum tipo de puta. O fato de que logo havia voltado aqui e tinha bebido até ficar em um estado cronatoso[9] foi um pouco mais acreditável. Mas a tudo isto se somava que ele ainda se sentia mal sobre o que tinha feito e ele ia ter que lidar todo o dia com uma ressaca.

Grande. Planejamento.

Livrando-se do cobertor, olhou as calças jeans e a camisa de flanela que vestiu no clube. Ele desmaiou antes de ter tido a oportunidade de despir-se, então estava tudo amarrotado, mas ele iria vestir os Levi's para trabalhar. A camisa, por outro lado, ele teve que economizar das doze horas de construção. Era sua única "boa", o que significava que não tinha manchas de pintura, buracos, nem botões perdidos, nem punhos desfiados.

Ainda.

Jim desnudou-se e jogou a camisa na torre inclinada de roupa suja na cama. Enquanto caminhava com sua dor de cabeça para a ducha, lembrou de por que não ter um monte de móveis era bom. Exceto por seus dois montes de roupa, o limpo e o "necessário ser limpo", tudo o que ele tinha era o sofá de vime que veio com o estúdio e uma mesa com duas cadeiras, todos felizmente fora do caminho do banheiro.

Barbeou-se e tomou um banho rápido, e logo pôs os boxers e a Levi's e tomou quatro aspirinas. A camiseta foi seguida pelas meias e botas. No caminho da porta, pegou seu cinturão de ferramentas e sua jaqueta de trabalho.

Seu alugado estava em cima de uma garagem- como dependência, e ele se deteve no alto da escada, entrecerrando os olhos com tanta força que trancou seus dentes. Maldita seja... a luz penetrante que perfurava seus olhos fez parecer que o sol tinha decidido devolver a atração da Terra e aproximar-se um pouco para selar o pacto.

Desceu pelas escadas de madeira rangente. Através do caminho de cascalho que conduzia ao frio caminhão. Durante todo o caminho com uma expressão como se houvesse um espinho em seu pé.

Ao abrir a porta do lado do condutor, pegou um aroma de perfume e amaldiçoou. As imagens voltaram, todas elas carnais como o inferno, cada uma delas outra fonte de inspiração para a dor de cabeça.

Ainda estava amaldiçoando e entrecerrando os olhos enquanto conduzia pela pista e passava diante do casarão branco, do qual o proprietário era o velho Sr. Perlmutter. Ninguém tinha vivido no grande lugar durante o tempo que Jim tinha sido inquilino, suas janelas fechadas no interior, seu alpendre permanentemente vazio.

Essa rotina de ninguém-está-em-casa, junto com os trinta dias de aviso prévio para partir eram suas duas partes favoritas a respeito de onde morava.

No caminho do trabalho, deteve-se em um posto de gasolina e comprou um café grande, um sanduíche de peru e uma Coca-Cola. O saco de comida rápida cheirava como sapatos velhos e suavizante de roupa, e havia uma probabilidade que o sanduiche tivesse sido feito na última semana do peru, mas estava comendo a mesma coisa no último mês e ainda estava em pé sobre suas botas, por isso a merda, evidentemente, não o estava matando.

Quinze minutos mais tarde se unia à Rota 151N, bebendo seu café, com os óculos de sol postos, e sentindo-se ligeiramente mais humano. A obra estava na borda oeste do Rio Hudson, e quando chegou à bifurcação, voltou a tampar o copo de plástico e colocou as mãos sobre o volante. A pista que descia pela península era a cova central, graças a toda a maquinaria pesada que havia, tinha barris na parte de trás, e os amortecedores do puto caminhão queixaram-se todo o caminho.

Em breve ia haver grama cuidada por toda parte, mas no momento a terra que o rodeava parecia com a pele de um moço de quinze anos. Incontáveis troncos de árvores jaziam como grãos marrons através da erva de inverno na face da terra parecendo que tinha sido criado por uma equipe de meninos com motoserras. E isso não era o pior. Quatro cabanas tinham sido derrubadas, seus alicerces e o buraco debaixo do primeiro andar era tudo que ficava das estruturas que tinham estado ali por mais de cem anos.

Mas tudo tinha que sair. Essa foi a ordem do empreiteiro geral. Que era seu próprio cliente.

E quase tão divertido como uma ressaca numa manhã alegre e fria.

Jim estacionou na linha de pickups formada pelos trabalhadores que entravam. Deixou o sanduiche e a Coca-cola no chão atrás da cabine para que ficassem frescos e cruzou as pistas de terra mastigadas pelos pneus para a casa em construção. Com sua estrutura ereta de dois por quatro, sua pele estava subindo, as pranchas de aglomerado estavam sendo cravadas no esqueleto da estrutura.

Caralho, era um monstro tão grande que era capaz de fazer as mansões da cidade parecerem casas de bonecas.

—Jim.

—Chuck.

Chuck, o capataz, era um cara de um metro e oitenta com ombros quadrados, uma barriga redonda e um perpétuo charuto metido na boca-e isso enquanto se falava com ele. A coisa era que Jim determinava em qual parte da casa se trabalhava e o que ia se fazer, e ambos sabiam. Com uma equipe de vinte carpinteiros no projeto, ali variavam diferentes graus de habilidade, compromisso e seriedade, e Chuck sabia tratar com todo mundo. Se tivesse metade de um cérebro e pudesse usar um martelo bem, te deixava sozinho, porque sabia que já tinha suficiente em seu prato com esses imbecis.

Jim se preparou e se dirigiu para onde estavam os materiais. As lixadeiras estavam empilhadas num armário com chave sobre a laje de concreto de uma garagem de carros, e junto delas, alinhados em fila, estavam os geradores elétricos a gasolina que já estavam funcionando com um rugido. Fazendo uma careta de dor pelo ruído, atravessou a serpenteante extensão de cordas que saíam das serras de mesa e das lixadeiras e encheu a bolsa no lado esquerdo de seu cinturão de ferramentas.

Foi um alívio dirigir-se à parte sul da casa -que, considerando a planta, era virtualmente no condado vizinho. Se lançando ao trabalho começou a levantar lances de 1,80m por 1,20m e prendê-las no lugar sobre a armação. Utilizou um martelo em vez de uma pistola de pregos porque era como se fazia na velha escola, e porque inclusive trabalhando manualmente era um dos mais rápidos carpinteiros dos arredores.

O som de um par de Harleys aproximando-se atraiu sua atenção.

Eddie e Adrian puxaram suas motos e apearam em sincronia, tirando suas jaquetas de couro e óculos de sol ao mesmo tempo também. À medida que se aproximavam da casa em sua direção, Jim gemeu: Adrian o olhava com uma expressão na cara que dizia: sei exatamente o que aconteceu ontem à noite.

O que significava que o homem percebeu que Vestido Azul tinha desaparecido quase ao mesmo tempo que ele.

—Merda, — murmurou.

—O que?

Jim sacudiu a cabeça em direção ao homem do seu lado e voltou a concentrar-se no que estava fazendo. Posicionando uma das folhas contra o marco, sustentou-a com seu quadril, desprendeu o martelo de seu cinturão, pôs um prego, e golpeou. Repetir. Repetir. Repetir.

—Divertiu-se ontem à noite? — Perguntou Adrian quando passou ao seu lado. Jim seguiu golpeando.

—Ah, vamos, não precisa todos os detalhes, mas poderia me dar alguns. — Adrian deu uma olhada ao seu companheiro de quarto.

—Me cubra, ok?

Eddie simplesmente se afastou e golpeou o ombro de Jim, o que era sua versão de bom dia.

Sem ter pedido, encarregou-se do peso da lâmina, liberando Jim para usar o martelo muito mais rápido. Eram uma grande equipe, embora Adrian desequilibrasse o ritmo. Era o menos trabalhador, preferindo passar seu tempo fodendo ao redor e dando rédea solta a sua boca. Era um milagre que não o tivessem despedido nas quatro semanas que tinha trabalhado no lugar.

Apoiando-se no marco nu da porta, fez rodar seus olhos.

— Vai dizer se conseguiu um presente de aniversário ou não?

— Não. — Jim colocou um prego e golpeou a cabeça. Dois golpes e o topo do prego ficou rente com a tábua e logo deu outro golpe imaginando que seu objetivo era a cara de Adrian.

—Fede.

Sim, certamente a noite anterior esteve completa- não era que ele tivesse algum negócio com esse amistoso vizinho filho da puta com um fetiche com metal.

As coisas tomaram seu ritmo habitual, e os outros meninos tamparam o caminho ao redor de Jim e Eddie, fechando o buraco que tinham deixado no dia anterior, selando tudo para evitar as chuvas de primavera que acabavam de começar. A casa ia ter ao redor de quatro mil e quinhentos metros quadrados de tamanho, pelo qual a ordem que tinham era terminar de fechar tudo em apenas uma semana. Pelo qual, Jim e Eddie estavam esfolando o traseiro, e os pedreiros já estavam na metade do caminho entre as vigas. Ao final do fim de semana, já não teriam que preocupar-se mais pelo chuvisco frio ou vento gelado, graças a Deus. Ontem tinha sido um péssimo dia úmido e desagradável, e ainda havia atoleiros aqui e acolá que salpicavam seu jeans.

A hora do almoço chegou rapidamente, o tempo passava rápido quando trabalhava com Eddie, e enquanto os outros meninos se apoiavam na periferia da casa em frente ao sol, Jim retornou a sua caminhonete e se sentou para comer sozinho na cabine.

O sanduíche estava frio, o que sempre melhorava o sabor, e a Coca-cola estava espetacular.

Enquanto estava sentado sozinho mastigando, olhou para o assento vazio ao seu lado... e recordou o escuro cabelo derramado sobre a tapeçaria e o arco do pescoço da mulher arqueado e a sensação suave de seu corpo sob o dele.

Era uma merda ter se aproveitado dela assim, e entretanto, apesar de tudo quando terminou tinha sorrido, como se tivesse dado exatamente o que ela queria. Exceto que não podia ser verdade. O sexo entre desconhecidos era só um alívio temporário da solidão. Como poderia ser suficiente para alguém como ela? Cristo, nem sequer sabia seu nome. Quando terminaram de respirar profundamente, ela o tinha beijado demorando sobre seus lábios, logo havia ajeitado o vestido, e o tinha deixado.

Com uma maldição, Jim abriu a porta lateral do condutor e sentou para comer seu almoço na parte traseira da caminhonete. Estava-se mais quente no sol, mas o melhor, o ar cheirava a pranchas de pinheiro fresco e não a perfume. Voltou o rosto para o céu e tentou deixar sua mente em branco, perdeu o interesse no sanduiche, pondo-o de lado em seu saco e pegando a Coca-cola em seu lugar.

O cachorro apareceu um momento depois detrás de uma pilha de árvores destruídas, devido ao reflorestamento. A coisa era do tamanho de um terrier e o pelo parecia lã de aço manchado. Uma orelha estava caída e tinha um tipo de cicatriz no focinho.

Jim baixou a garrafa de Coca Cola e seus dois olhos ficaram olhando.

O maldito animal se assustou e tentou chegar aos tocos queimados para se abrigar, mas estavam longe, muito mais longe que ele, mas também estava morto de fome. A julgar pela forma que ficou farejando o ar com seu nariz preto estava claro que o aroma do peru o estava chamando.

O cão deu um passo vacilante. E logo outro. E outro.

Ia coxeando ao andar.

Jim se aproximou devagar, com o sanduíche na mão. Tirando a parte superior do pão, tirou a alface e o tomate, e pegou uma parte de peru.

Inclinando-se, estendeu a carne.

—Você não gostará muito do sabor, mas não te matará. Prometo isso.

O cão circulou aproximando-se com a pata dianteira machucada. O vento da primavera movia fortemente seu pelo e mostrava suas marcadas costelas. O vira-lata estendia sua cabeça até onde o pescoço permitia, e suas patas traseiras tremiam como se estivessem a ponto de saltar a qualquer momento. A fome, entretanto, empurrou-o na direção que não queria.

Jim ficou quieto e deixou que o animal se aproximasse um pouco mais dele.

—Vamos, menino— disse Jim aproximando-se. —Precisa disto.

De perto, o cão parecia esgotado, e quando o peru desapareceu em um segundo Jim tinha preparada outra fatia, e desta vez o animal se aproximou mais rápido e não se afastou tão depressa. A terceira peça foi aceita com uma bocada delicada, como se seus instintos naturais não fossem os que a experiência lhe tinha convertido.

Jim lhe deu o pão também.

—Isso é tudo.

O cão se plantou na frente de Jim, se enrolando e inclinando a cabeça de um lado. O vira-lata tinha olhos interessantes. Sabedoria pela idade e olhos cansados.

—Eu não sou um cão.

Evidentemente, o cão não entendia português. Em um salto que foi surpreendentemente elegante, propulsou-se a si mesmo até o colo de Jim.

—Mas o que... — Jim ergueu os braços e ficou olhando para baixo. —Jesus, não pesa nada.

Ora. Provavelmente não tinha comido há vários dias.

Jim pôs uma mão hesitante sobre suas costas. Cristo. Tudo o que tinha eram ossos.

O apito significava fim do almoço, assim Jim deu um golpezinho ao cão antes de pô-lo no chão.

—Sinto muito... como disse, não gosto muito de cães.

Tirou seu cinturão de ferramentas da cabine e o atou nas suas costas enquanto se afastava. Olhar sobre seu ombro era uma má idéia.

Merda, o cão estava na caminhonete, atrás da roda traseira, e seus velhos olhos o observavam.

—Eu não tenho mascotes—, disse Jim enquanto saia. O ronrono de um carro que se aproximava retumbou no lugar de trabalho, e quando os homens que estavam alinhados na beira da casa o viram melhor, suas expressões se tornaram um coletivo –merda-, o que significava que Jim não tinha que olhar sobre seu ombro para saber exatamente quem chegava.

O empreiteiro geral / proprietário / dor no traseiro estava aqui de novo.

O filho da puta se apresentava a qualquer hora do dia, como se não quisesse estabelecer um horário que a equipe pudesse depender para que suas inspeções sobre o terreno fossem mais exatas. E não precisava ser um gênio para dar-se conta do que estava procurando: trabalhadores folgados, construção descuidada, enganos, roubo. Fazia você se sentir desonesto e preguiçoso, inclusive se não o fosse, e para muitos desse meninos era um insulto que estavam dispostos a deixar passar só porque sempre pagava a tempo na sexta-feira.

Jim intensificou seu ritmo enquanto o BMW M6 se detinha junto dele. Não olhava o carro ou o condutor: Sempre ficava fora do caminho do homem, não porque tivesse que pedir desculpas por algo em questão de rendimento, mas sim porque era um pé-no-saco, pura e simplesmente: Quando o general devia inspecionar as tropas, a cadeia de comando ordenava que o filho da puta era problema de Chuck o capataz, não do Jim.

Obrigado, Jesus!

Jim saltou sobre o chão, e se dirigiu para onde tinha estado trabalhando. Eddie, sempre preparado para começar, seguiu-o, e o mesmo fez Adrian.

—Santa... merda.

— Está bem... uau.

— Mãe de Deus...

Os comentários borbulhantes dos trabalhadores fizeram que Jim olhasse sobre seu ombro.

OH, diabos, não... Falando de “estou fodido e mal pago”: Uma morena impressionantemente formosa saiu do carro com a graça de uma bandeira que se desdobra na brisa calma.

Jim fechou os olhos. E a viu na cabine de sua caminhonete, estendida debaixo dele, com seus peitos perfeitos nus em sua boca.

—Agora, isso sim que é uma mulher— um dos trabalhadores, disse.

Homem, havia momentos na vida em que desaparecer era uma grande idéia. Não porque fosse um maricas, mas sim porque realmente não necessitava a moléstia de tratar com algumas coisas. Esta era uma delas. Se tão só pudesse...

— Bom, merda, Jim... — Adrian passou uma mão por seu cabelo grosso. — Essa é...

Sim, sabia.

—Não tem nada a ver comigo. Eddie, está preparado com essa tábua?

Quando Jim deu meia volta, a morena levantou a vista e seus olhares se cruzaram. Seu belo rosto piscou com o reconhecimento, justo quando seu homem se aproximou dela e a abraçou pela cintura.

Jim deu um passo atrás sem olhar aonde ia.

Aconteceu num instante. Mais rápido que um strike numa partida de beisebol. Mais rápido que um suspiro.

O salto da bota de Jim aterrissou em uma peça de dois por quatro que estava apoiada através de um cabo de extensão, e a gravidade se apoderou de seu corpo, desequilibrando-o. Ao cair, rompeu a corda de sua união com a outra, e o enviou em queda livre num dos atoleiros.

Jim golpeou o chão com as extremidades soltas... o que normalmente só lhe daria algumas contusões no traseiro e nos ombros.

Mas sua mão nua aterrissou na água.

O choque elétrico começou em seu braço e se estendeu diretamente a seu coração. Enquanto se apoderava de sua coluna vertebral e seus dentes se fechavam apertados, seus olhos se abriram e sua audição se cortou, o mundo recuou até que tudo que sentiu foi a selvagem dor que consumia seu corpo.

A última imagem que teve foi da longa trança de Eddie balançando amplamente quando o homem se equilibrou para ajudá-lo.

 

Vin não viu o homem cair. Mas ouviu a dura aterrissagem de um corpo grande e logo a luta das botas e as vozes das maldições das pessoas que chegaram de todas as direções.

— Fique aqui— disse a Devina enquanto tirava seu telefone celular.

Marcou 911 enquanto se precipitava para a comoção, mas não apertou “enviar” ainda. Saltando sobre as pranchas, correu para o lugar e...

Seu dedo polegar apertou o botão e fez a chamada.

O trabalhador sobre o chão tinha os olhos fixos mas sem ver no brilhante céu azul, e suas extremidades estavam rígidas como as de um cadáver. O cabo de extensão continuava no atoleiro, mas os espasmos do homem o tinham levado longe da carga mortal.

A chamada de Vin foi respondida.

—Nove-um-um, que tipo de emergência é esta?

—Um homem foi eletrocutado. —Vin afastou o telefone de sua boca. —Desliguem os malditos geradores! — Levantando o celular novamente para sua boca, disse —O local de trabalho é Setenta e Sete Rota Rural sobre a 151-N. Parece estar inconsciente.

—Há alguém lhe administrando Respiração Cardiopulmonar?

—Vai ter agora. —Vin entregou o telefone ao Chuck, o capataz e empurrou os homens fora de seu caminho.

Caiu de joelhos, abriu a jaqueta do operário e baixou a cabeça para seu musculoso peito. Não tinha batimentos cardíacos, e ao aproximar-se da sua boca soube que não respirava tampouco.

Vin inclinou a cabeça do homem para trás, fez um controle das vias respiratórias, tapou o nariz, e soprou duas respirações profundas nos pulmões congelados. Movendo-se para o peito, juntou as mãos, posicionando sua palmas sobre o coração do sujeito e fez dez compressões fortes com os braços. Duas respirações mais. Trinta compressões mais. Duas respirações mais. Trinta compressões mais. Duas respirações mais...

A cor na cara do sujeito não era nada boa, e só piorava.

A ambulância demorou uns quinze minutos para chegar, não porque não estivessem com pressa. Caldwell estava a quase dez quilômetros de distância, e era o tipo de geografia que nenhuma quantidade de apertar-o-acelerador ia melhorar. No minuto que chegaram, os paramédicos não perderam tempo e assumiram o comando de Vin, um fazendo uma verificação das estatísticas vitais e continuando o que Vin tinha começado, e o outro correndo em busca da maca.

—Está vivo? — Vin perguntou quando o trabalhador foi levantado do chão.

Não recebeu uma resposta, porque os médicos se moviam muito rápido... o que talvez fosse um bom sinal.

—Aonde o levam? — Vin disse enquanto saía da fundação e ia junto com eles.

—St. Francis. Tem um nome, idade, algo de seu histórico médico?

—Chuck! Vêem aqui, necessitamos de informação.

O capataz correu.

— Jim Heron. Eu não sei muito mais que isso. Vive sozinho em Cale Pershing.

—Tem um contato de emergência?

—Não, ele não é casado nem nada.

—Sou o contato—, disse Vin, tirando um cartão e dando ao auxiliar.

—É parente?

—Eu sou seu chefe e tudo o que tem neste momento.

—Está bem, alguém do St. Francis entrará em contato. O médico enfiou o cartão de Vin em sua jaqueta e se meteu na ambulância. Uma fração de segundo mais tarde, as portas estavam fechadas, e o veículo saia com luzes e sirene.

—Vai ficar bem?

Vin olhou Devina. Seus olhos negros brilhavam com lágrimas ainda não derramadas, e suas mãos estavam ao redor da gola de seu casaco de pele, como se apesar de todo o visom branco, estivesse gelada.

—Não sei. Aproximou-se e brandamente a pegou pelo braço. — Chuck, já volto. Vou levá-la primeiro para casa.

—Sim, faça isso. Chuck tirou o chapéu de construção e sacudiu a cabeça. —Maldito seja. Maldito seja no inferno! Era um dos bons.

 

—Nigel, é um bode.

Jim franziu o cenho na escuridão que o rodeava. A voz inglesa veio de cima à direita, e a tentação imediata era abrir os olhos, levantar a cabeça, e ver o que fazia.

O treinamento foi mais forte que o impulso. Graças a ter estado no exército, tinha aprendido que quando voltava a si e não sabia onde estava, era preferível manter-se fingindo inconsciência para conseguir qualquer tipo de informação útil.

Movendo-se lentamente e sem chamar atenção, utilizou suas mãos para sentir o entorno que o rodeava. Ele se encontrava sobre algo suave, mas era rústico, como um tapete de cabelo comprido O... grama? Inalando profundamente, seu nariz confirmou a observação de suas palmas. Merda, grama fresca?

De repente, a lembrança do acidente em seu lugar de trabalho retornou a ele... exceto... Que demônios? A última coisa que soube foi que tinha tido cento e vinte volts de eletricidade crepitando por seu corpo... assim parecia lógico assumir que se ele ainda podia unir dois pensamentos, devia estar vivo, e portanto em um hospital. Salvo que, até onde sabia, as camas de hospital não estavam cobertas com... grama.

E nos Estados Unidos, a maioria das enfermeiras e médicos não soavam como senhores ingleses, nem se chamavam um aos outros “bodes”.

Jim abriu os olhos. O céu sobre sua cabeça estava salpicado com nuvens de algodão fofo, e embora não havia sol à vista, o resplendor era de um domingo de verão, não só brilhante e sem tormentas, mas relaxante, como se não houvesse nada urgente para fazer, nada pelo que preocupar-se.

Ele olhou para as vozes... e decidiu que estava morto.

À sombra do muro de um grande castelo, quatro sujeitos com tacos de cricket[10] estavam parados ao redor de um grupo de wickets[11] e bolas coloridas. O quarteto estava vestido de branco, e um tinha um tubo, outro uns óculos redondos rosados. O terceiro tinha a mão na cabeça de um cão pastor irlandês. E o quarto tinha os braços cruzados sobre seu peito e uma expressão de aborrecido.

Jim se sentou.

—Onde diabos estou?

O loiro que estava se preparando para efetuar seu tiro o olhou e falou através de seu tubo. O que fez seu acento ainda mais marcado.

—Um momento, se puder.

—Eu digo que continua falando -murmurou o moreno de braços cruzados com a mesma voz seca que despertou Jim-. Está enganando de qualquer maneira.

—Sabia que se recuperaria -Óculos Redondos gorjeou na direção de Jim. —Sabia! Bem-vindo!

—Ah, está acordado –o que estava junto do cão se dirigia a ele agora. —Que adorável te conhecer.

Malditos sejam, todos eram bonitos, com a vibração de não-me-preocupa-nada-no-mundo, que era resultado não só de ser rico, mas também de provir de gerações de riqueza.

—Terminaram com o falatório, moços? -O sujeito do tubo, que evidentemente se chamava Nigel, deu uma olhada ao redor. —Eu gostaria de um pouco de silêncio.

—Então por que não pára de nos dizer o que fazer? -o moreno disse.

—Vá passear, Colin. -com isso, o tubo fez o movimento ao outro lado da boca, o disparo fez um crack, e uma bola vermelha com raias rodou através de um par de portinhas e golpeou uma azul.

O loiro sorria como o príncipe que sem dúvida era.

—Agora é hora do chá. -Ele deu uma olhada e encontrou os olhos de Jim. —Bem, vamos então.

Morto. Definitivamente estava morto e no Inferno. Tinha que estar. Era isso ou estava dentro de algum sonho do mais estranho porque teria desmaiado diante da televisão e estavam passando uma maratona de “Quatro Casamentos e um Funeral”.

Jim ficou de pé enquanto os homens e o cão se dirigiam a uma mesa posta com prataria e porcelana chinesa e, sem muitas opções, seguiu-os para “o chá”.

—Não sentará? -Nigel disse, indicando a cadeira vazia.

—Ficarei em pé, obrigado. O que faço aqui?

—Chá?

—Não. Quem são...?

—Sou Nigel. Este tolo bastante mordaz -o loiro gesticulou para o tipo moreno- é Colin. Byron é nosso otimista residente, e Albert é o amante de cães.

—Meus amigos me chamam Bertie -o Sr. Canino disse enquanto acariciava as costas do cão. —Assim pode me chamar assim, é obvio. E este é o adorável Tarquin.

Byron empurrou seus óculos rosa mais alto em seu nariz reto e aplaudiu.

—Só sei que este chá vai ser fabuloso.

Com certeza que sim. Absolutamente. Por fim aconteceu, pensou Jim. Finalmente perdi minha maldita prudência.

Nigel recolheu um bule de prata e começou a verter em xícaras de porcelana. —Posso imaginar que está um pouco surpreso por estar aqui, Jim.

Imagina?

—Como sabe meu nome? E o que é este lugar?

—Foi escolhido para uma missão muito importante. -Nigel deixou o bule e recolheu os cubos de açúcar.

—Uma missão?

—Sim. -Nigel levantou sua xícara de chá com o dedo mindinho erguido, e quando o examinou sobre a borda, foi difícil precisar a cor de seus olhos. Não era nem azul nem cinza nem verde... mas não era marrom nem avelã tampouco.

Por Deus, era uma cor que Jim nunca tinha visto antes. E todos a tinham.

—Jim Heron, você vai salvar o mundo.

Houve uma longa pausa. Durante a qual os quatro moços o olharam com caras sérias. Embora ninguém mais começou a rir, Jim não pôde agüentar mais, jogando para trás sua cabeça e com seu ventre começando a doer tanto que até as lágrimas chegaram a seus olhos.

—Isto não é uma piada -Nigel estalou.

Quando Jim recuperou o fôlego por fim, disse:

—Seguro como o inferno que é. Homem, que sonho mais fodidamente estranho.

Nigel deixou sua xícara, ficou de pé, e caminhou para ele sobre a grama verde brilhante. De perto, ele cheirava como ar fresco, e esses olhos raros seus eram realmente hipnóticos.

—Isto. Não. É. Um. Sonho.

O muito bastardo deu um murro no braço de Jim. Só fechou sua mão num punho e disparou a coisa duramente para ele.

—Merda! -Jim esfregou sobre a dor do golpe, que era considerável. O sujeito do tubo possivelmente era de textura magra e longa, mas pegava duro bem.

—Me permita ser reiterativo: Não está sonhando, e isto não é uma piada.

—Posso bater agora? -Colin disse com uma careta preguiçosa.

—Não, tem uma horrível pontaria, e possivelmente o golpeie em algum lugar delicado. -Nigel voltou para seu assento e pegou um sanduíche de uma bandeja com pequenas peças perfeitas. Jim Heron, é quem deve desempatar o jogo, um homem aceito por ambos os lados para estar no campo e decidir a pontuação.

—Ambos os lados? Desempatar? De que demônios fala?

—Você terá sete chances. Sete oportunidades para influenciar membros da raça humana. Se o fizer tão bem como acreditamos que o fará, os resultados salvarão as almas em questão e nós prevaleceremos sobre o outro lado. Desde que essa vitória ocorra, a humanidade continuará prosperando, e tudo estará bem.

Jim abriu a boca para disparar alguma merda, mas as expressões dos moços o detiveram. Mesmo o sabichão do grupo parecia mortalmente sério.

—Isto tem que ser um sonho.

Ninguém se levantou para lhe dar um murro desta vez, mas enquanto o olhavam fixamente com tanta gravidade, começou a ter a arrepiante suspeita que isto possivelmente era algo mais que simplesmente outra maneira que tinha seu subconsciente de fodê-lo enquanto estava frio.

—Isto é muito real -disse Nigel. — Entendo que não é para onde se via indo, mas foi escolhido, e este é seu caminho agora.

—Assumindo que tudo isto não é só um monte de merda, o que acontece se digo que não?

—Não vai dizer não.

—Mas o que acontece se o faço?

Nigel olhou à distância.

—Então tudo termina agora. Nem o bem nem o mal ganham, e todos, incluindo você, terminam. Nenhum Céu, nenhum Inferno, tudo que existiu antes será apagado. O mistério e o milagre da criação desaparecerão sem deixar rastros.

Jim recordou o fio de sua vida... as decisões que tinha tomado, as coisas que tinha feito...

—Soa-me como um bom plano.

—Não é. -Colin tamborilou seus dedos na toalha. — Pensa nisso, Jim. Se nada mais existir, tudo o que foi antes não tem sentido. Assim, portanto, sua mãe não importa. Está preparado para dizer que ela não é nada? Que seu amor por você, seu filho querido, não valeu nada?

Jim exalou como se tivesse recebido outro golpe. A dor de seu passado ricocheteava em seu peito. Ele não tinha pensado em sua mãe há anos. Possivelmente décadas. Ela sempre estava com ele, é obvio, o único lugar morno em seu frio coração, mas ele não se permitia pensar nela. Jamais.

E agora, de repente e saído de um nada, veio uma imagem dela... uma tão familiar, tão vívida, tão dolorosamente verdadeira, que foi como se uma parte do passado tivesse sido implantado em seu cérebro: cozinhava ovos sobre a estufa velha em sua antiga cozinha. Seu aperto sobre o cabo da caçarola de ferro era forte, suas costas retas, seu curto cabelo escuro... Ela tinha começado como a mulher de um granjeiro, e terminado como granjeira ela mesma, seu corpo era tão rígido e duro como suave e amável era seu sorriso.

Ele tinha amado sua mãe. E embora tinha preparado ovos a cada manhã, ele recordava esse café da manhã em particular. Foi o último que ela preparou... não só para ele, mas também para qualquer um.

Ela tinha sido assassinada ao anoitecer.

—Como sabe... a respeito dela? -Jim perguntou com uma voz quebrada.

—Temos um vasto conhecimento de sua vida. -Colin arqueou uma sobrancelha. — Mas isso evitou minha pergunta. O que diz, Jim? Está preparado para relegar tudo o que ela fez e tudo o que ela foi, como o pôs tão certeiramente, a um monte de merda?

Jim não gostou muito do Colin.

—Isso não importa -Nigel murmurou. — Também não gostamos dele.

—Isso não é certo -disse Bertie. — Adoro o Colin. Ele se oculta atrás de sua brutalidade, mas é um maravilhoso...

A voz de Colin o cortou por completo. —É toda uma maldita fada.

—Sou um anjo, não uma fada, igual a você. -Bertie jogou uma olhada ao Jim e voltou a brincar com a orelha de Tarquin. — Sei que fará o correto, porque amou sua mãe muito para não fazê-lo. Recorda como estava acostumada a te despertar quando era pequeno?

Jim fechou os olhos fortemente.

—Sim.

Durante sua infância, tinha tido uma pequena cama gêmea localizada em um dos cômodos cheios de correntes de ar, na parte de cima da casa Ele tinha dormido com sua roupa vestida na maioria das noites, ou porque estava muito cansado por trabalhar nos milharais o dia todo para trocar-se, ou porque fazia muito frio para deitar-se sem múltiplas capa de roupa.

Em dias de escola, sua mãe entrava em seu quarto para despertá-lo cantando...

—Você é meu sol, meu único sol... Você me faz feliz quando o céu está cinza... Você nunca saberá, meu amor, quanto te amo... por favor não leve meu sol. — Exceto que não foi ele quem a deixou, e quando ela se foi, não o fez voluntariamente. Ela tinha lutado como uma fera para permanecer ao seu lado, e ele nunca se esqueceria do olhar que havia em seus olhos antes de morrer. Ela o tinha olhado fixamente de sua cara destroçada, e tinha falado através de seus olhos azuis e seus lábios ensangüentados, porque já não tinha ar em seus pulmões para levar sua voz.

—Amo você para sempre, — ela tinha articulado. —Mas corre. Sai da casa. Corre. Eles estão em cima.

Ele a tinha deixado onde estava, seminua, manchada de sangue, e violada. Saindo pela porta traseira, tinha corrido para a caminhonete, mas era muito pequeno para conduzir, e seus pés mal haviam tocado os pedais enquanto ligava o motor.

Eles o tinham perseguido, e até hoje não tinha a menor ideia de como tinha conseguido que a velha caminhonete partisse tão rápido pelo caminho de terra poeirento.

Bertie falou mais lentamente.

—Deve aceitar isto como sua realidade e como seu destino. Faz por ela se não o fizer por ninguém mais.

Jim abriu os olhos e olhou Nigel.

—Existe o Céu?

—Estamos bem na borda dele neste momento. -Nigel assentiu sobre seu ombro para a parede do castelo, que se perdia na distância. — Do outro lado desta parede descansam as almas boas em campos de flores e árvores, suas horas se passam entre o sol e o calor, suas preocupações e ofensas já não existem, sua dor está esquecida.

Jim olhou para a ponte que cruzava sobre o fosso, e as enormes portas duplas que se encontravam em seu extremo.

—Ela está ali?

—Sim. E se você não ganha, ela deixará de existir... e será como se jamais o tivesse feito.

—Quero vê-la. -Deu um passo adiante. — Tenho que vê-la primeiro.

—Não pode entrar. Não é bem-vindo agora, só quando estiver morto.

—Que se foda isso e foda-se você!

Primeiro Jim caminhou e depois correu para a ponte, suas botas trovejando através da grama, e logo ressoando nas tábuas de madeira sobre o rio de prata. Quando chegou às portas, as agarrou com tanta força, puxando delas tão duramente que os músculos de suas costas pareciam gritar.

Apertando suas mãos em fortes punhos, golpeou sobre o ferro, para logo seguir puxando.

—Me deixem passar! Deixem-me passar, filhos da puta!

Precisava saber que já não lhe doía, que já não sofria mais, e que estava bem. Necessitava tanto essa tranqüilidade, que sentia como se fosse quebrar-se em milhares de pedaços enquanto lutava por conseguir cruzar a barreira, seus furiosos punhos eram dirigidos pela memória de sua amada mãe no chão da cozinha, as feridas de punhalada em seu peito e pescoço sangrando no chão, suas pernas abertas, sua boca desfigurada, seus olhos aterrorizados que suplicavam que salvasse a si mesmo, que salvasse a si mesmo, que salvasse a si mesmo...

O demônio nele saiu.

Tudo se voltou branco à medida que a raiva tomava o controle. Ele sabia que golpeava duramente contra algo, que seu corpo se tornou selvagem, que quando alguém pôs uma mão sobre seu ombro, ele o atirou no chão e o esmurrou.

Mas ele não ouviu nada, não viu nada.

Seu passado o transformava, e era exatamente por isso que se prometeu nunca, jamais pensar nele.

 

Quando Jim recuperou a consciência pela segunda vez, encontrava-se na mesma posição que estava quando despertou a vez anterior: de costas, a grama sob as palmas, os olhos fechados. Exceto que desta vez tinha algo molhado no rosto.

Enfocando seus olhos, encontrou-se com a cara de Colin em cima da sua, e enquanto o sangue do tipo gotejava sobre as bochechas de Jim, a “chuva” começava a ter explicação.

—Ah, está acordado, finalmente. -Colin jogou para trás um punho e acertou diretamente no nariz de Jim.

Quando a dor explodiu, Bertie deixou sair um grito, Tarquin choramingou, e Byron se aproximou correndo.

—Bem, agora estamos quites. -Colin relaxou e sacudiu sua mão. —Sabe, tomar forma humana tem seus benefícios, de verdade. Isso foi bastante agradável.

Nigel sacudiu a cabeça.

—Isto não está indo nada bem.

Jim teve que concordar com ele enquanto sentava e aceitava o lenço que Byron estava oferecendo. Enquanto tentava deter o sangramento de seu nariz, não podia acreditar que tinha estourado dessa forma na frente das portas desse castelo... mas, de qualquer maneira, ele sempre se sentia em choque logo depois de ter um desses episódios.

Nigel se agachou até estar na sua altura.

—Você quer saber por que foi escolhido, e acredito que tem o direito de saber.

Jim cuspiu o sangue de sua boca.

—Agora, essa é uma boa idéia.

Nigel se ergueu e tomou o lenço ensangüentado. Assim que o tecido fez contato com suas mãos, a mancha desapareceu, as fibras brancas tão imaculadas como tinham estado antes de ser utilizadas para parar um gêiser vermelho.

Entregou-lhe novamente o lenço para que pudesse continuar usando-o.

—Você é as duas metades juntas, Jim. O bem e o mal em igual medida, capaz de grandes reservas de bondade e escuras profundidades de depravação. Assim, ambos os lados o encontram aceitável. Nós e... o outro... ambos acreditamos que quando lhe apresentarmos as sete oportunidades, você influirá sobre o curso dos acontecimentos segundo nossos valores. Nós para o bem, eles para o mal, com um resultado que determinará o destino da humanidade.

Jim deixou de limpar o rosto e se concentrou no inglês. Não poderia refutar nada do que tinha sido dito a respeito de seu caráter, mas ainda assim seu cérebro se sentia revolto. Ou possivelmente só tinha uma contusão, graças ao Colin, o maldito bastardo rompe-narizes.

—Assim, aceita seu destino? -Nigel disse. — Ou termina tudo aqui?

Jim pigarreou. Rogar não era algo a que estivesse acostumado.

—Por favor... me permita que veja minha mãe. Eu... eu preciso saber que ela está bem.

—Lamento muito, mas como disse, só os mortos podem passar ao outro lado. -A mão de Nigel se apoiou no ombro de Jim. — O que diz, homem?

Byron se aproximou.

—Pode fazê-lo. É um carpinteiro. Você constrói coisas e reedifica coisas. As vidas são igualmente construções.

Jim olhou o castelo e sentiu o ritmo de seu coração pulsando em seu nariz destroçado.

Se ele avaliasse tudo, se tudo fosse verdade, se ele era algum tipo de salvador, então... se ia, a única paz que sua mãe alguma vez sentiu se esfumaria. E, por mais atrativo que ele possivelmente encontrasse a idéia do vazio total e a oportunidade da inexistência, isso representava uma fria mudança do lugar onde ela se encontrava agora.

—Como funciona? -perguntou. — O que tenho que fazer?

Nigel sorriu.

—Sete pecados capitais. Sete almas afetadas por esses pecados. Sete pessoas em uma encruzilhada, com uma eleição que deve ser feita. Você entrará em suas vidas e afetará seu caminho. Se eles escolherem a retidão sobre o pecado, nós prevalecemos.

—E se não o fazem?

—O outro lado ganha.

—O que é o outro lado?

—O oposto do que somos nós.

Jim deu uma olhada na mesa, com seus linhos brancos e brilhante prata.

—Assim... estamos falando de um monte de folgados sentados num sujo sofá olhando “Garotas Selvagens” e bebendo cerveja choca.

Colin riu.

—Dificilmente. Embora seja uma boa imagem na verdade.

Nigel lançou um olhar a seu companheiro e logo voltou a olhar Jim.

—O outro lado é pura maldade. Permitirei que sua mente obtenha uma referência apropriada, mas se deseja um lugar por onde começar, só tem que pensar no que fizeram a sua mãe... e saber que quem o fez, desfrutou.

O intestino de Jim se espremeu tão duro, que se inclinou a um lado e começou a ter arcadas secas. Quando uma mão acariciou de forma reconfortante suas costas, ele teve o pressentimento que era Bertie. E estava correto.

Finalmente o reflexo de vômito de Jim se deteve, e ele recuperou o fôlego.

—O que acontece se não puder fazê-lo?

Colin falou.

—Não mentirei... não vai ser fácil. O outro lado é capaz de qualquer coisa. Mas não estará sem recursos.

Jim franziu o cenho.

—Espera, o outro lado pensa que serei uma má influência? Durante a encruzilhada destas pessoas?

Nigel assentiu.

—Eles têm a mesma fé em você que temos nós. Mas nós tivemos a vantagem de chegar até você.

—Como decidiram isso?

—Atiramos uma moeda.

Jim piscou. Claro, por que... assim é como fazem no Super Bowl.

Focando-se nas portas, tentou ver sua mamãe, não como a tinha deixado no chão daquela cozinha, mas como estes príncipes diziam que se encontrava. Feliz. Aliviada de suas cargas. Completa.

—Quem são as sete pessoas?

—Para identificar a primeira, nós lhe daremos um pouco de ajuda e o faremos óbvio -Nigel disse, ficando em pé. — Boa sorte.

—Espera um minuto... como saberei o que fazer?

—Use sua cabeça -disse Colin.

—Não -disse Bertie, sustentando a cabeça de seu cão- use seu coração.

—Só acredite no futuro. -Byron levantou seus óculos por seu nariz. — A esperança é o melhor...

Nigel pôs os olhos em branco.

—Só diga às pessoas o que fazer. Reduz a conversa, deixando tempo livre para outras coisas que valem a pena.

—Como enganando no criquet? -Colin murmurou.

—Verei-os outra vez? -Jim perguntou. — Posso recorrer a vocês por ajuda?

Ele não conseguiu uma resposta.

Em vez disso, conseguiu outra sacudida que seguro como a merda se sentia como duzentos e quarenta volts... e se encontrou sendo arrojado bruscamente por um corredor comprido e branco, com uma luz que o cegava, com o vento estalando na sua cara.

Não tinha a menor ideia de aonde ia terminar desta vez. Possivelmente estava de volta a Caldwell. Possivelmente estava na Disneylândia.

Com a forma que as coisas pareciam estar indo, quem merda poderia sabê-lo.

 

Enquanto caia a noite, Marie-Terese segurava o cabo da frigideira e deslizava uma espátula em torno das bordas perfeitamente circulares de uma panqueca. A “coisa” estava pronta para o lançamento, com pequenas bolhas formando-se em um padrão sobre sua superfície cremosa.

— Você está pronto? – ela perguntou.

Seu filho sorriu, sentado em sua banqueta de supervisão, do outro lado da bancada.

— Vamos contar, certo?

—Yup.

Suas vozes juntaram-se no três, dois... um. Então, com um estalido do punho, ela jogou a panqueca voando e a apanhou no centro da frigideira.

— Você fez isso! – disse Robbie corando de excitação.

Marie–Terese sorriu com uma tristeza pungente. Os sete anos de idade eram comprovadamente espetaculares, capazes de fazer você sentir-se como se fosse um operador de milagres a respeito da mais simples das vitórias se somente você recebeu o elogio pelo grande feito.

— Você poderia pegar o xarope? – ela pediu.

Robbie escorregou da banqueta acolchoada com seus chinelos e alcançou a geladeira. Ele vestia uma camiseta do Homem-Aranha, um par de calças jeans do Homem-Aranha e um hoodie[12] do Homem-Aranha. Sua cama tinha lençóis do Homem-Aranha e um edredom do Homem-Aranha, e a luminária por onde ele lia seus quadrinhos do Homem-Aranha tinha o desenho da máscara do Homem-Aranha. Sua obsessão prévia fora o Bob Esponja, mas em Outubro, como ele se preparava para deixar os seis anos de idade para trás, ele declarou que era um adulto e que daquele momento em diante seus presentes deveriam girar em torno do “fazedor de teia”.

— Certo. Consegui.

Robbie abriu a porta da geladeira e agarrou com força a garrafa.

— Nós sempre “fazeremos” tanta gramática como fizemos hoje?

— O certo seria “faremos” e sim, certamente é necessário.

Nós não podemos fazer mais matemática?

— Não.

— Pelo menos eu tenho panquecas para o jantar.

Enquanto Marie-Terese olhava para ele de relance, ele sorriu.

— Pegue as panquecas.

— Obrigado.

Robbie pulou de volta na banqueta e mudou o canal da pequena televisão perto da torradeira.

A mini-Sony era permitida durante as pausas escolares e a Sony grande, que estava na sala de jantar, podia ser usada nas tardes de sábado e domingo e nas noites, depois do jantar até a hora de dormir.

Deslizando a panqueca sobre um prato, ela acendeu o fogo para outra, despejando a mistura na frigideira com a ajuda de uma concha. A cozinha era muito pequena para uma mesa, então eles usavam uma prateleira como se fosse uma, sentando-se em banquetas de fórmica dobráveis a cada refeição.

— Pronto para lançar a número dois?

—Yup!

Ela e Robbie fizeram a contagem regressiva juntos e ela executou outra “Wallenda Voadora” [13] com a panqueca...e o anjo bonito do seu filho sorriu para ela novamente como se ela fosse o sol em seu mundo.

Marie-Terese entregou o prato para ele e, então sentou na frente da salada que preparara para ela mais cedo. Enquanto eles comiam, ela olhou de relance para a pilha do correio na prateleira e soube, sem abrir, que contas seriam prioridade. Duas delas eram “das grandes”. Ela precisara colocar tanto a conta do investigador particular que ela usara para encontrar Robbie quanto a da firma de advocacia que ela contratara para conseguir o divórcio em uma ordem de pagamento, porque 127.000 dólares não era o tipo de coisa que ela podia escrever em um cheque. Naturalmente uma ordem de pagamento envolvia interesses e, ao contrário dos cartões de crédito, não era uma falta de opção. Ela estava se certificando de que não havia chance para que P.I. ou aqueles seus advogados pudessem encontrá-la. Desde que ela pagasse na hora certa, não havia razão para que seu endereço viesse a luz.

E, ela sempre remetia as ordens de pagamento de Manhattan.

Após dezoito meses, ela ainda devia aproximadamente três quartos da conta, mas pelo menos Robbie estava seguro e com ela, e isso era tudo o que importava.

— Você é melhor do que ela.

Marie-Terese voltou a prestar atenção.

— Desculpe-me?

— Essa garçonete deixou cair toda a comida em sua bandeja. – Robbie apontou para a pequena tela da T.V. – Você nunca faria isso.

Marie-Terese olhou para o anúncio apresentando uma mulher aborrecida tendo um dia ruim trabalhando em um restaurante. Seu cabelo era uma bomba arrepiada, seu uniforme salpicado de catchup, seu crachá sem condições de leitura.

— Você é uma garçonete melhor, mamãe. E cozinha.

Abruptamente a cena mudou de forma que a garçonete “Aborrecida” estava agora em um roupão de banho cor de rosa em um sofá branco, mergulhando os pés doloridos em uma bacia vibratória. A expressão em seu rosto era felicidade pura, o produto obviamente aliviava suas solas doloridas.

— Obrigada, bebê. – disse Marie-Terese aproximando-se.

O anúncio publicitário entra na modalidade “peça agora”, com um número “0-800” embaixo do preço de 49,99 dólares e um narrador dizendo “mas espere! Se você pedir agora, pagará somente 29,99 dólares!”

Quando uma seta vermelha começou a piscar do lado do preço, reclamou, “Isso não é um roubo?” e a feliz e relaxada garçonete retorna e diz, “Sim, é!”.

— Vamos. – Marie-Terese interrompeu – Hora do banho.

Robbie deslizou para fora da banqueta e colocou seu prato na máquina de lavar louça.

— Eu não preciso mais de ajuda, sabe. Eu posso tomar meu próprio banho.

— Eu sei. – Deus ele estava crescendo rápido. – Só para ter certeza de que você...

— ... vai limpar atrás das orelhas. Você me diz isso o tempo todo.

Enquanto Robbie subia em disparada as escadas, Marie-Terese desligou a T.V e foi limpar a frigideira e a tigela. Pensando novamente naquele anúncio, com o desejo infernal de ser somente uma garçonete... e tudo o que precisaria fazer para sua tensão ir embora seria uma bacia conectada na tomada da parede.

Isso seria o céu completo.

 

Três tentativas eram um encantamento.

Finalmente, Jim acordou em uma cama de hospital: ele estava esticado sobre lençóis brancos, com um cobertor branco e fino cobrindo seu tórax e pequenas grades a cada lado dele. E, a conta do quarto incluía, também, paredes suaves, um banheiro no canto e uma TV pendurada no teto, que estava ligada, mas muda.

Naturalmente o “acesso intravenoso” em seu braço era o verdadeiro brinde.

Ele tinha que estar sonhando. Aquela merda sobre aquelas quatro nozes de asas delicadas e o castelo e tudo aquilo tinha sido apenas um sonho estranho. Obrigado. Deus.

Jim levantou a mão para esfregar seus olhos – e congelou. Havia uma mancha de grama em sua palma. E seu rosto doía como se ele tivesse sido esmurrado.

Abruptamente a voz aristocrática de Nigel ecoou em sua cabeça muito claramente, era mais do que uma lembrança: Sete pecados mortais. Sete almas na berlinda por estes pecados. Sete pessoas em uma encruzilhada com uma escolha que precisava ser feita. Você entra em suas vidas e influencia seu trajeto. Se escolherem a retidão acima do pecado, nós prevalecemos.

Jim respirou fundo e olhou na direção da janela que tinha uma cortina de gaze puxada através dela. Escuridão do lado de fora. Perfeito para pesadelos. Mas tanto quanto acreditava naquela coisa toda do “somente-um-sonho”, que a merda era tão vívida, tão fresca... que os homens poderiam ficar com as palmas das mãos peludas se “bombeassem” a si mesmos, mas gramínea?

Além do que não era como se ele fosse, com grande freqüência, um mestre em seus domínios. Especialmente não na noite anterior, obrigado para aquela morena. Olá.

O problema era que, se esta era a nova realidade, se ele fora levado a um universo paralelo onde todos fossem um cruzamento entre Simon Cowell[14] e Tim Gunn[15] e, se ele aceitara algum tipo de missão...como diabos deveria proceder?

— Você está acordado.

Jim olhou de relance para cima. Parado ao pé da cama não estava nenhum outro senão Vin diPietro, o contratante geral do Inferno...que parecia ser o namorado da mulher que estava com Jim... yeah.

— Como você está se sentindo?

O sujeito ainda vestia o terno preto que usava quando ele e a mulher tinham aparecido e também a mesma gravata borboleta. Com seu cabelo escuro penteado para trás e uma sombra barba apontando em seu rosto duro, ele aparentava ser exatamente quem era: rico e poderoso.

Certamente não era possível que Vin diPietro fosse sua primeira tarefa.

— Olá? – diPietro acenou – Você está aí?

Nah, pensou Jim. Não pode ser. Isso estaria acima de qualquer chamada do dever. Sobre o ombro do sujeito, o anúncio que estava na T.V. de repente mostrou um preço 49,99 dólares – não, 29,99 dólares, com uma seta vermelha que... considerando onde Vin estava, apontava diretamente para sua cabeça.

— Merda, não. – murmurou Jim – Este era o sujeito?

Na tela da T.V., uma mulher em um roupão de banho cor de rosa sorria para a câmera e murmurava,

— Sim, é!

diPietro franziu as sobrancelhas e inclinou-se sobre a cama.

— Você precisa de uma enfermeira?

Não, ele precisava de uma cerveja. Ou seis.

— Eu estou legal. – Jim esfregou seus olhos novamente, cheirando a grama fresca, e desejou amaldiçoar até ficar sem fôlego.

— Escute, - disse diPietro – Eu estou presumindo que você não tem um seguro de saúde, então eu cobrirei todas as suas despesas. E, se você precisar de um par de dias livres, eu não descontarei de seu salário. Parece bom?

Jim deixou suas mãos caírem na cama e ficou agradecido ao ver que as manchas de grama haviam desaparecido magicamente. diPietro, por outro lado, não parecia que ia a lugar algum. Pelo menos até ter certeza de que Jim não o processaria. Era tão anormalmente óbvio que o sujeito não estava ao lado de seu leito oferecendo sem titubear seu ilimitado cartão de crédito por dar duas merdas pelo que Jim estava sentindo. Ele não queria complicações contra sua companhia.

De qualquer forma. O acidente não estava no “radar” do Jim. Tudo o que ele podia pensar era no que havia acontecido na noite anterior em seu caminhão. diPietro era exatamente o tipo de homem que carregaria um “vestido azul” nos braços, mas a frieza de seu olhar significava que também era o tipo que poderia encontrar uma imperfeição em uma mulher perfeitamente bonita. Deus sabia que o “SOB” [16] vira falhas em tudo o que acontecera no local, da maneira que o cimento adaptara-se a fundação do porão até a abertura árvore que demarca a posição das cabeças dos pregos sobre as tábuas das molduras dos quadros.

Não era de se estranhar que ela buscasse outra pessoa fora.

E, se Jim encontrasse dificuldade sobre qual dos sete pecados diPietro era culpado, não haveria muito que contestar: A avareza estava estampada por toda parte e não somente no guarda-roupa do cara, mas também em seu carro, sua mulher e seu gosto por bens imobiliários. Esse aí gostava de seu dinheiro.

— Escute, eu vou conseguir uma enfermeira.

— Não. – Jim arrumou-se sobre os travesseiros. – Eu não gosto de enfermeiras.

Ou doutores. Ou cães. Ou anjos... Santos... o que quer que aqueles quatro homens fossem.

— Bem, então, - disse diPietro suavemente – o que posso fazer por você?

— Nada.

Graças ao modo como o destino havia alcançado e pego Jim pelas “bolas”, a questão era o que ele podia fazer por seu “chefe”.

O que ele faria para girar em torno da vida daquele sujeito?

Deveria Jim exortá-lo a fazer uma doação maciça para um centro de doação de sopa? Isso seria o bastante? Ou, merda, ele teria que fazer com que aquele “usuário de seda”, “detonador de M-6”, “misógino comedor de mães” renunciasse a todos os bens materiais e se transformasse em um asno de um monge?

Espere...encruzilhadas. diPietro devia estar em algum tipo de encruzilhada. Mas como diabos Jim saberia em qual ele estava?

Ele estremeceu e massageou suas têmporas.

— Você tem certeza que não quer uma enfermeira?

Enquanto a frustração o colocava a beira de um aneurisma, as imagens na T.V. mudaram e dois chefes de cozinha apareceram na tela. E o que você percebe? Aquele de cabelos escuros era parecido com Colin e o sujeito loiro ao seu lado ostentava a mesma expressão mandona de Nigel. O par estava inclinado na direção da câmera com uma bandeja de prata coberta, e quando a tampa foi arrancada, um prato raso com algum tipo de pequena porção de comida imaginária foi revelado.

Maldito seja, pensou Jim enquanto ele brilhava na T.V.. Não me faça fazer isto. Por tudo quanto é Santo.

diPietro coloca seu rosto no campo de visão.

— O que posso fazer por você?

Como se fosse uma sugestão, os chefes de cozinha na televisão sorriram com satisfação, “é isso aí”!

— Eu acho que eu... quero jantar com você.

— Jantar? – diPietro ergueu as sobrancelhas – Como se fosse um... jantar?

Jim resistiu ao impulso de sacudir os chefes de cozinha.

— Yeah,...mas não assim como um jantar, jantar. Apenas comida. Jantar.

— É isto.

— Yeah. – Jim deslocou suas pernas de forma que ficassem penduradas para fora da borda da cama. – É isso.

Alcançando o acesso intravenoso em seu braço, ele puxou fora o esparadrapo da inserção e sacou a agulha livre de sua veia. Enquanto o soro fisiológico ou o que quer que estivesse dentro do frasco pendurado na cama começava a vazar pelo chão, ele jogou os lençóis e grunhiu enquanto arrancava a sonda de seu pinto.

Os eletrodos em seu tórax foram os próximos, e então ele se inclinou de lado e sacou o equipamento de monitoração.

— Jantar, - ele disse de forma áspera. – Isto é tudo o que eu quero.

Bem, isso era um indício sobre o que deveria fazer com o cara. Mas, o seu lado “eis-uma-idéia” esperançoso, viria acompanhado com a refeição.

Enquanto levantava, o mundo girava e ele precisou usar a parede para apoiar-se. Após um par de respirações profundas, arrastou-se para o banheiro – e soube quando o “mané” no hospital caiu em si porque diPietro disse “foda” soltando a respiração.

Certamente o sujeito estava revendo rapidamente tudo o que se passara com Jim.

Parando na porta, Jim olhou sobre seu ombro.

— Esse é o jeito “fodidoooooo” das pessoas ricas dizerem sim?

Enquanto seus olhos se cruzavam, o olhar de diPietro se estreitava, mantendo-se fixo e repleto de suspeitas.

— Por que diabos você quer jantar comigo?

— Porque nós temos que começar de algum lugar. Está noite está bom para mim. Oito horas.

Quando tudo o que vinha da parte dele era um silêncio tenso, Jim sorriu discretamente.

— Só para ajudar você a se decidir, ou é o jantar ou eu vou desencadear uma ação trabalhista contra você, o que fará seu talão de cheques sangrar. A escolha é sua e eu ficarei bem qualquer que seja o resultado.

 

Vin diPietro já lidara com muitos “SOB’s” em sua vida, mas esse sujeito, Jim Heron, estava no topo da lista. Não era a ameaça em si, necessariamente. Ou as duzentas libras naquela grande armação. Ou mesmo toda aquela atitude.

O verdadeiro problema era os olhos do sujeito: quando um desconhecido olha para você como se o conhecesse melhor que sua família, você tem que se preocupar. Ele o havia investigado? Ele sabia onde seus corpos estavam enterrados?

Que tipo de ameaça ele era para você?

E o jantar? O bastardo poderia tê-lo espremido para conseguir dinheiro, mas tudo o que ele queria era carne com legumes para dois?

A menos que a verdadeira pergunta fosse feita fora do hospital.

— Jantar às oito - disse Vin.

— E, por ser um sujeito justo, deixarei você escolher o lugar.

Bem, inferno, essa era fácil. Se estava a caminho de ficar encrencado, um teatro público barato não era o que Vin precisava depois de tudo.

— Meu duplex no Commodore. Você conhece o edifício?

Heron girou seus olhos para a janela acima da cama e, então retornou.

— Qual andar?

— Vigésimo - oitavo. Eu direi para o porteiro deixar você subir.

— Vejo você à noite, então.

— Heron afastou-se, piscando para ele novamente.

Vin engoliu outra maldição enquanto dava uma segunda olhada na tatuagem negra que cobria cada polegada da pele de Heron que estava à mostra. Contra a vista de um cemitério, o Ceifador Sinistro olhava fixamente por trás daqueles músculos, um capuz protegendo seu rosto, seus olhos ardendo por entre a sombra criada pelas vestes. Uma mão “ossuda” fechada em torno da foice, e o corpo inclinado para frente, sua mão livre esticada como se a qualquer momento fosse arrebatar sua alma. Igualmente arrepiante, o que parecia ser uma contraparte na parte inferior: debaixo dos retalhos das vestes do Ceifador, havia duas fileiras de pequenas marcas lineares em grupos de cinco.

Você soma toda essa merda crescente e chega fácil a um número de cem consideráveis maldições. A porta do banheiro foi fechada quase ao mesmo tempo em que uma enfermeira entrou apressada, com seus sapatos de solado emborrachado rangendo no assoalho.

— O que... onde ele está?

— Ele se desconectou. E, eu acho que foi dar uma mijada antes de ir embora.

— Ele não pode fazer isso.

— Boa sorte para fazê-lo mudar de idéia.

Vin dirigiu-se para fora e caminhou até a sala de espera. Inclinando-se para dentro ele conseguiu a atenção dos dois trabalhadores que insistiram em ficar por perto até Heron acordar.

O da esquerda carregava “piercings” no rosto e na bunda dura, com o ar bizarro de quem gosta de sentir dor. O outro, era enorme e usava uma trança longa e escura sobre o ombro de seu colete de couro.

— Ele está pronto para ir para casa.

O “perfurado” foi até ele.

— Os médicos já o liberaram?

— Não conseguiu nada com os médicos. Ele mesmo tomou a decisão. – Vin movimentou a cabeça na direção do corredor. – Ele está no quarto seiscentos e sessenta e seis. E, vai precisar de uma carona para casa.

— Vamos nessa. – disse “perfurado”, com seus sérios olhos prateados. – Nós o levaremos onde ele precisar ir.

Vin despediu-se da dupla e saiu para pegar o elevador até o andar térreo. Enquanto entrava no “transporte”, sacou seu “BlackBerry” e chamou Devina para avisá-la que teriam um convidado para o jantar. Quando deixava a mensagem de voz, o fez de forma curta e grossa tentando não se perguntar o que diabos ela estava fazendo enquanto ele deixava sua mensagem.

Ou quem , como era o caso.

Na metade do caminho, o elevador parou com uma sacudida e as portas se abriram para deixar dois homens entrarem.

Assim que a viagem descendente foi retomada, os dois trocaram ruídos de afirmação, como se tivessem acabado de concluir uma conversação satisfatória e estivessem reforçando o fato. Ambos vestiam calças largas e suéteres, e o da esquerda tinha o topo da cabeça calvo, com seu cabelo castanho afastado como se tivesse medo de chegar ao cume da montanha...

Vin piscou. E então, piscou novamente.

Uma sombra floresceu ao redor do homem calvo, cintilando, alterando a cor da aura grafite e a consistência das ondas de calor do chão.

Não podia ser... Oh, Deus, não... depois de todos estes anos de silêncio, isto não podia estar de volta.

Girando os punhos, Vin fechou os olhos e desejou afastar a visão, excluindo-a de seu cérebro, negando-lhe acesso a seus neurônios. Ele simplesmente não viu aquilo. E, se tivesse visto, seria apenas uma falha da iluminação do teto.

A merda não estava de volta. Ele havia se livrado dela. Isso não voltava.

Ele quebrou a cabeça olhando para o sujeito... e sentiu como se tivesse sido esmurrado nos intestinos: A sombra translúcida era tão óbvia quanto as roupas que o homem usava e tão tangível quanto a pessoa ao seu lado.

Vin via pessoas mortas, certo. Antes delas morrerem.

As portas duplas se abriram para o salão de entrada, e depois que o “par” passou por elas, Vin abaixou a cabeça e caminhou tão rápido quanto podia para a saída. Ele estava compensando o tempo, fugindo dele mesmo. Ele nunca entenderia e nem queria fazê-lo, quando ele trombou de encontro a um casaco branco que estava levando uma braçada de arquivos. Enquanto a papelada e as pastas dobradas voavam como se fossem pássaros assustados, Vin segurou a mulher com firmeza enquanto abaixava para ajudá-la a limpar a bagunça.

O homem calvo que estava à frente dele no elevador fez o mesmo.

Os olhos de Vin se fixaram no sujeito e recusaram-se a se mover. A fumaça emanava do lado direito do tórax do homem... evaporando para o ar em um ponto específico.

— Vá ver um médico, - Vin ouviu a si mesmo dizendo – Vá vê-lo imediatamente. Está em seus pulmões.

Antes que alguém pudesse perguntar sobre que diabos ele estava falando, Vin saltou sobre os próprios pés “vazando” para fora do edifício, com o coração na garganta, a respiração em golfadas curtas.

Suas mãos estavam tremendo quando chegou ao seu carro, então a boa notícia a respeito dos BMW’s era que eles permitiam que você entrasse e ligasse o motor sem conectar a chave em lugar algum.

Agarrando o volante, ele sacudiu sua cabeça para frente e para trás.

Ele pensava em deixar todo aquele papo furado anormal para trás. Ele pensava que aquela “segunda-visão” cagada havia se solidificado em seu passado. Ele havia feito o que lhe disseram para fazer, e embora não acreditasse nas atitudes que havia tomado, eles haviam “comparecido ao trabalho” por quase vinte anos.

Ah, merda... ele não poderia voltar para o modo que tinha sido antes.

Simplesmente não poderia.

 

Quando Jim saiu do quarto de banho, diPietro tinha ido e uma enfermeira com muito a dizer tinha ocupado seu lugar. Enquanto ela falava de... merda, pelo que fora que estava puxando... Jim olhava por cima de seu ombro com a esperança de cortar o sermão.

—Terminou? -Perguntou quando ela tomou uma só pausa.

Cruzando os braços sobre seu peito proeminente, olhou-o como se estivesse esperando ser ela quem pusesse seu cateter novamente. —Vou chamar o médico.

—Bom, bom para você, mas não vai me fazer mudar de idéia. -Olhou ao seu redor, intuindo que a sala privada que tinha conseguido era por influência de diPietro-. O que aconteceu com minhas coisas?

—Senhor, você não respondia há menos de quinze minutos, e estava morto quando o trouxeram, assim antes de sair como se só tivesse um resfriado comum, devia...

—Roupa. Isso é realmente tudo em que estou interessado.

A enfermeira o olhou com uma espécie de ódio, como se estivesse farta dos pacientes lhe dando problemas. —Você acredita que é imortal?

—Ao menos no momento -murmurou-. Olhe, terminei com a discussão. Me dê algo para vestir e diga onde está minha carteira, ou vou caminhando como estou e vou fazer que o hospital pague por meu táxi para casa.

—Espera. Aqui.

—Não. Por. Muito. Tempo.

Quando a porta se fechou, ele passeou pelo quarto, com a energia queimando através dele. Despertou meio tonto, mas essa sensação já tinha desaparecido. Homem, podia recordar este sentimento da época em que tinha estado em serviço. Uma vez mais, tinha um objetivo e, como antes, isso lhe deu o poder de expulsar o esgotamento e as lesões, e qualquer pessoa que ameaçasse afastá-lo de seu objetivo.

O que significava que era melhor essa enfermeira sair de seu caminho.

Não se surpreendeu quando voltou minutos mais tarde, não com um, mas com três reforços. O que não ia ajudá-la. Enquanto os médicos formavam um círculo de pensamento racional ao redor de Jim, ele só olhava suas bocas moverem-se e suas sobrancelhas subir e baixar e suas elegantes mãos gesticulando.

Enquanto pensava em seu novo trabalho, porque com certeza não estava escutando à brigada de médicos, perguntou-se como ia ou o que fazer. Sim, tinha uma encontro com o diPietro... mas e então? E, maldito inferno, a noiva estaria ali?

Falando de “adivinha quem vem para o jantar” centrou-se na formação vestida de branco. —Já terminei. Vou. Posso ter minha roupa agora, obrigado?

Som de grilos ao fundo.

Então todo mundo começou a sair em um arrebatamento, demonstrando que pensavam que era estúpido, mas não mentalmente retardado, porque muitos adultos que tinham suas idéias bem colocadas se permitiam tomar más decisões.

Enquanto a porta se fechava, Adrian e Eddie colocavam suas cabeças no quarto. Ad sorriu. –Então expulsou os casacos brancos com um chute no traseiro, né?

—Sim.

O sujeito pôs-se a rir enquanto ele e seu companheiro de quarto entravam. —Por que isso não me surpreende...?

A enfermeira irrompeu passando diante deles com um par de calças de médico e uma camisa havaiana sobre seu antebraço. Ignorando Eddie e Adrian como se nem sequer estivessem ali, jogou os objetos na cama e apresentou ao Jim uma prancheta. —Suas coisas estão nesse armário e sua fatura já foi paga. Assine isto. É um formulário que indica que está dando alta a si mesmo no CCM. Contra a indicação médica.

Jim pegou a Bic preta dela e assinalou um X na linha da assinatura. A enfermeira olhou a marca.

—O que é isso?

—Minha assinatura. Um X é legalmente suficiente. Agora, desculpe-me? -desatou a gola da camisa de hospital e a deixou cair de seu corpo.

O nu frontal a tirou do quarto sem mais conversa.

Enquanto saia na carreira, Adrian se pôs-se a rir.

—Não é muito chegado nas palavras, mas sabe como conseguir que se façam as coisas.

Jim deu a volta enquanto ajustava o cinto nas calças.

—Inferno de tatuagem que tem aí -Adrian disse em voz baixa.

Jim deu de ombros e pegou a camisa feia como um traseiro. A combinação era de cor vermelha e laranja em um fundo branco, e parecia como um maldito presente de Natal dentro da estúpida coisa.

—Ela te deu isso porque te odeia -disse Adrian.

—Ou possivelmente só seja daltônica. -Embora fosse mais provável o primeiro.

Jim foi até o armário e encontrou suas botas alinhadas na parte inferior e uma bolsa plástica com o selo do Hospital St. Francis pendurada num gancho. Pôs seus pés nus em seu Timberlands e pegou sua jaqueta na bolsa para cobrir a maldita camisa. Sua carteira estava no bolso interior de seu casaco, e ele verificou seu interior. Tudo estava ali. Sua licença para conduzir falsa, seu falso cartão de seguro social, e o de débito VISA vinculado a sua conta do Banco Evergreen. Ah, e os sete dólares que sobraram da compra do sanduíche de peru, café e Coca-cola nessa manhã.

Antes que sua vida se houvesse fodido de verdade.

—Há alguma possibilidade que algum de vocês não tenha vindo de moto? -perguntou aos companheiros de quarto-. Necessito uma carona até o trabalho para recolher minha caminhonete.

Embora, para sair daqui, subiria com gosto na garupa de uma Harley, se fosse necessário.

Adrian sorriu e passou uma mão por seu formoso cabelo.

—Trouxe minhas outras rodas. Imaginei que necessitaria um transporte.

—Subiria num carro de palhaços nesta altura.

—Me dê um pouco mais de crédito que isso.

Os três saíram, e quando passaram pela estação de enfermaria, ninguém ficou em seu caminho, apesar que todo o pessoal parava o que estava fazendo para os olhar.

A viagem do Hospital de St. Francis ao templo nascente do diPietro demorou uns vinte minutos no Explorer de Adrian, e havia um CD do AC/DC soando todo o tempo. O que não teria sido problema, salvo pelo fato que o tipo cantava cada palavra de cada canção, e que nunca ia ser o próximo American Idol: o filho da puta não só não tinha ouvido, mas também tinha o ritmo de um menino branco e muito entusiasmo.

Quando Eddie olhou pela janela para não apedrejá-lo, Jim pôs o volume ainda mais alto com a esperança de afogar os sons de texugo ferido atrás do volante.

Quando finalmente chegaram ao poeirento estacionamento do diPietro, o sol já se punha e a luz se desvanecia do céu, as copas das árvores e as paredes cruas produziam sombras alargadas devido ao ângulo de iluminação. A terra desolada era totalmente dura e pouco atraente, e contrastava gravemente com a costa em frente, mas não havia dúvidas que diPietro ia replantar sua terra com árvores de todas as espécies.

Ele era sem dúvida do tipo que tinha que ter o melhor do melhor.

À medida que se aproximavam da casa, o caminhão de Jim era o único que restava, e ele se preparou para saltar nele antes que o Explorer se detivesse completamente.

—Obrigado pela viagem -gritou.

—O que? -Adrian foi para o volume e o baixou totalmente. —O que disse?

No vazio acústico, os ouvidos de Jim soavam como sinos de igreja, e resistiu à tentação de sacudir a vibração de seu crânio batendo sua testa contra o pára-brisa do automóvel.

—Disse obrigado pela viagem.

—Sem problema. -Adrian mostrou com a cabeça a F-150-. Está bem para conduzir?

—Sim.

Depois de sair, ele e Eddie bateram seus nódulos, e logo se aproximou de sua caminhonete. Ao entrar, sua mão direita procurou no bolso da camisa que o hospital tinha lhe dado. Nenhum Marlboro. Maldita seja. Mas, vamos, como pregos de caixão iam ser um presente de despedida quando saiu do St. Francis?

Enquanto Adrian e Eddie esperavam, encheu sua mão vazia de cigarros com suas chaves e abriu seu...

Um brilho de movimento perto da roda traseira chamou sua atenção.

Jim olhou para baixo enquanto o cão com quem tinha compartilhado seu almoço saía arrastando-se debaixo da segurança do sistema de transmissão.

—OH... não. -Jim sacudiu a cabeça. —Ouça, eu te disse...

Ouviu-se o som de uma janela de carro sendo baixada e logo a voz de Adrian:

—Ele gosta de você.

O cão de rua fez essa coisa de sentar e ficar olhando Jim.

Merda.

—Esse peru que te dei fedia. Tem que saber isso.

—Se tiver fome, tudo fica bom -Adrian interveio.

Jim olhou por cima do ombro.

—Por que continua aqui? Sem intenção de ofender.

Adrian se pôs a rir.

—Não me ofendo. Vemo-nos mais tarde.

O Explorer deu meia-volta, seus pneus esmagando a terra fria, os faróis girando ao redor e golpeando a casa antes de varrer toda a superfície limpa e o rio mais à frente. Como a iluminação se dirigia pelo caminho, os olhos de Jim se ajustaram à escuridão, e a mansão se apresentava como uma besta irregular, o primeiro andar fechado era seu ventre, o irregular segundo andar emoldurando sua cabeça de espinhos, os montes dispersos de matagais e troncos empilhados eram os ossos de suas vítimas. Sua chegada tinha consumido a península, e quanto mais força tivesse, mais dominaria a paisagem.

Deus... seria capaz de vê-la por milhas em todas as direções da terra, água e céu. Era um templo à cobiça, um monumento a tudo que Vin diPietro tinha obtido em sua vida... o que fez Jim apostar que o homem tinha nascido possuindo nada. As pessoas que vinham de famílias com dinheiro herdavam casas deste tamanho; não as construíam.

Homem, afastar diPietro desta merda ia ser difícil de fazer. Muito difícil. E de algum jeito, a ameaça da condenação eterna por si só não parecia um motivador suficiente. Sujeitos como ele não iam acreditar na vida mais à frente. De maneira nenhuma.

Quando um vento frio varreu a propriedade, Jim voltou a olhar o cão. A coisa parecia estar esperando um convite. E parecia preparado para ficar esperando sentado por uma eternidade.

—Meu apartamento é uma fossa -disse Jim enquanto se olhavam um ao outro-. Bastante próximo desse emparedado. Vêem comigo e não haverá nenhuma cama de luxo te esperando.

O cão saltava no ar como se um teto e quatro paredes fosse tudo que estava procurando.

—Está seguro disto? -Mais saltinhos. —Está bem. Vem.

Jim abriu a porta da cabine e se agachou para recolher a coisa, com a esperança que tinha entendido a conversa corretamente e que não ia perder a ponta de um dedo. Tudo esteve bem, entretanto. O cão só elevou seu traseiro e pôs seu corpo na mão que rodeava seu ventre.

—Maldito seja, temos que pôr algum peso em você, moço.

Jim acomodou o animal no assento de passageiro e tomou o volante. A caminhonete ligou rapidamente, e desligou o ar condicionado para que o pequeno não tivesse calafrios.

Acendendo suas luzes, pôs o motor em marcha e seguiu o caminho que Adrian e Eddie tinham percorrido, deu a volta e saiu do estacionamento. Quando chegou na Rota 15I-N ativou a luz intermitente esquerda e...

O cão passou por debaixo de seu braço e sentou em seu colo. Jim olhou à cabeça quadrada do animal e se deu conta que não tinha nada para alimentar a coisa. Ou a si mesmo.

—Quer mais peru, cão? Posso parar no posto de gasolina no caminho para casa. -A coisa não só meneou a cauda, mas também todo seu ossudo traseiro.

—Está bem. Isso é o que vamos fazer. -Jim apertou o acelerador e saiu da entrada do diPietro, acariciando com sua mão livre o lombo do cão-. Ah, só uma coisa... há alguma possibilidade que esteja domesticado?

 

A escuridão trouxe consigo, entre muitas benções, o benefício do predomínio das sombras, que eram muito mais úteis que a luz do dia.

Enquanto o homem permanecia sentado ao volante do táxi, sabia que tanto ele como seu veículo eram invisíveis para quem estivesse observando. Ela não podia vê-lo. Não sabia que estava ali e que tinha tirado fotos dela ou que a estava seguindo há semanas. E isto confirmava o poder que tinha sobre ela.

Através dos barrotes de sua janela, observou-a enquanto estava sentada no sofá com o menino. Não podia vê-los com claridade, já que havia uma cortina de gaze na janela, mas reconheceu suas formas, a maior e a menor, localizadas muito juntas no sofá da sala.

Tinha aprendido seu horário. Durante a semana, o menino ficava no colégio até as três da tarde, e assim de segunda-feira à quinta-feira o levava a Associação Cristã de Jovens a suas aulas de natação e basquete. Enquanto o menino estava no poliesportivo, ela nunca saia. Estivesse na piscina ou nas pistas, permanecia sempre sentada nos bancos onde os meninos deixavam suas jaquetas e suas mochilas pequenas. Quando o menino terminava, esperava-o fora, perto da porta dos vestuários, e depois que se trocasse, levava-o diretamente para casa.

Cuidadosa. Era tremendamente cuidadosa, exceto pelo fato que nunca mudava sua rotina. Todas as noites, exceto aos domingos, dava o jantar ao menino às seis, e logo a babá chegava às oito em ponto. Só então ia à catedral de St. Patrick, fosse pela confissão ou pelas orações em grupo. Depois disto, ia a esse clube onde Judas perdeu as botas.

Ainda não tinha estado dentro do Iron Mask, mas a coisa ia mudar esta mesma noite. Seu plano era segui-la durante horas enquanto ela trabalhava como garçonete ou o que fosse, aprender mais a respeito dela e de como vivia. Deus estava nos detalhes, como se dizia, e ele tinha que saber tudo.

Olhando-se no espelho retrovisor, fixou-se na peruca e no bigode que usava como disfarce. Digamos que não eram muito sofisticados, mas ocultavam bem seus traços, e os necessitava por várias razões.

Além disso, desfrutava com a sensação que sentia ao ser invisível para ela, a excitação de vigiá-la enquanto ela não era consciente que se tratava de assédio sexual.

Às sete e quarenta, um sedan se deteve diante da casa e uma mulher afro-americana desceu do carro. Era uma das três babás que tinha visto esta semana, e após seguir uma delas até a casa e ver aonde ia na manhã seguinte, inteirou-se que todas procediam de um centro social chamado Centro Caldwell para Mães Solteiras.

Dez minutos depois que a babá entrou na casa, a porta da garagem se elevou e ele se escondeu em seu assento, pois se o jogo era ver quem era mais precavido, ele não pensava ficar atrás.

As sete e cinqüenta. Bem a tempo.

A mulher saiu de marcha ré para o exterior e esperou que a porta estivesse bem fechada, como se a preocupasse que não fechasse toda. Quando se fechou a cor vermelha das luzes de freio se apagaram e levou o carro até a estrada e partiu.

Arrancou com o táxi, e estava trocando a marcha quando a voz do operador de rádio rompeu o silêncio.

—Um e quarenta. Onde está, um e quarenta? Um e quarenta, necessitamos seu puto carro de volta.

De maneira nenhuma, pensou. Não tinha tempo para deixar o carro ali e tentar alcançar a mulher. St. Patrick seria a seguinte parada, e quando houvesse devolvido o carro, ela já teria partido da igreja.

—Um e quarenta? Maldito seja…!

Levantou o punho disposto a silenciar o rádio com um golpe e era difícil dominar seu temperamento. Sempre tinha sido assim. Entretanto, lembrou que teria que devolver o táxi em algum momento, e fazê-lo com o equipamento quebrado significava que teria que tratar com o operador de rádio.

Tinha que evitar os conflitos já que nunca terminavam bem para ele ou para a outra pessoa. Sabia bem disso.

E tinha grandes planos.

—Partindo—, disse pelo receptor.

Tinha que vê-la no clube, apesar que se sentia enganado quando perdeu sua pista em St. Patrick.

 

Marie-Terese estava sentada no porão da catedral de St. Patrick, numa cadeira plástica que machucava seu traseiro. A sua esquerda tinha uma mãe de cinco filhos que sempre carregava sua Bíblia no vão de seu braço como se fosse um bebê. A sua direita havia um sujeito que devia ser mecânico: as palmas de suas mãos estavam limpas, mas sempre tinha uma linha negra sob as unhas.

Havia outras doze pessoas mais no círculo e uma cadeira vazia, e ela conhecia todo mundo na sala tão bem como a pessoa que faltava esta noite. Depois de escutar todos eles a respeito de suas vidas durante o último par de meses, era capaz de recitar os nomes de seus maridos, mulheres e filhos, se os tinham, conhecia os acontecimentos críticos que tinham formado seu passado assim como os cantos mais escuros de seus armários interiores.

Ela estava assistindo o grupo de oração desde setembro. Descobriu sua existência graças a um anúncio publicado no boletim de anúncios da igreja: “A Bíblia na vida diária”, as terças e sextas-feiras, às 8 da noite.

O debate desta noite tratava sobre o livro do Jó[17], e as conclusões eram evidentes: todo mundo falava sobre as grandes lutas que levavam a cabo, e de como estavam certos que sua fé seria recompensada e Deus os ajudaria a alcançar um futuro próspero sempre e enquanto mantivessem a fé.

Marie-Terese não dizia nada. Nunca o fazia.

Diferente do momento de confissão, aqui embaixo no porão estava procurando fazer algo diferente que falar. O caso era que não havia outro lugar em sua vida que pudesse ter ao seu redor gente com aparência de ser normal. Certamente não os acharia pelo clube, e fora do trabalho não tinha amigos, nem família. Não tinha ninguém.

Assim a cada semana vinha aqui e sentava no círculo e tentava conectar-se de alguma maneira com o resto do planeta. Como ocorria agora, sentia como se estivesse em uma praia longínqua, olhando através de um rio caudaloso para a Terra dos Bem-Aventurados Temerosos, e não era que os invejasse ou menosprezasse. Ao contrário, tentava obter forças de sua companhia, pensando que talvez se respirasse o mesmo ar que eles, bebesse o mesmo café, e escutasse suas histórias talvez algum dia voltaria a viver entre eles outra vez.

Portanto, estas reuniões não tinham nada de religioso para ela, e diferente da fecunda galinha mãe que tinha ao seu lado com a Bíblia bem à vista, o Sagrado Livro de Marie-Terese permanecia dentro de sua bolsa. Que diabos! Trazia-o só para o caso que alguém perguntasse onde estava. Era genial que tivesse só o tamanho de um palmo.

Com o cenho franzido, tentou recordar de onde a tinha tirado. Tinha sido em algum lugar ao sul da Mason-Dixon, em um supermercado… Na Geórgia? Alabama possivelmente? Seu ex-marido a estava perseguindo e necessitava algo, algo que a fizesse passar os dias e as noites sem perder a prudência.

Quando foi isso? Há três anos?

Pareciam como três minutos e três milênios ao mesmo tempo.

Deus! Aqueles meses horríveis. Sabia que fugir de Mark ia ser horrível, mas não tinha nem idéia quanto chegaria a ser.

Depois de espancá-la e seqüestrar Robbie, passou duas noites no hospital recuperando-se do que ele tinha feito, e imediatamente depois encontrou um investigador particular e foi em sua busca. Necessitou maio, junho e julho para localizar seu filho, e ainda hoje não tinha idéia de como conseguiu superar aquelas horríveis semanas.

Engraçado é que sua fé não tinha se restabelecido então, e isso fez que as coisas se solucionassem, pois lhe tinha sido concedido o milagre pelo que tinha estado rezando apesar de não acreditar de verdade em quem o estava pedindo. Sem dúvida as súplicas tinham surtido efeito, apesar de tudo, e podia recordar com total claridade a visão do Navigator negro do investigador particular aproximando-se do Motel 6 onde tinha permanecido durante a espera. Robbie abriu a porta da caminhonete e saiu ao exterior sob o sol da Flórida, e ela queria correr para ele, mas lhe falharam os joelhos. Deixando-se cair sobre a calçada, estendeu os braços para Robbie enquanto chorava.

Tinha pensado que estava morto.

Robbie se havia virado para aquele som afogado… e imediatamente a viu e correu para ela tão rápido como pôde. Tão logo caiu em seus braços, notou que sua roupa estava suja e seu cabelo estava emaranhado, e que cheirava a macarrão com queijo queimados. Mas ele vivia e respirava e estava em seus braços.

Entretanto, não chorou. E não tinha chorado após.

Tampouco tinha falado de seu pai ou daqueles três meses. Nem sequer aos terapeutas a que o tinha levado.

Marie-Terese assumiu que a pior parte da experiência tinha sido não saber se o filho que tinha parido e amado estava vivo ou não. Entretanto, sua volta ao lar trouxe outro inferno. Queria perguntar se estava bem a cada minuto de cada dia, mas obviamente não podia fazer isso. E de vez em quando, quando não podia conter-se de formular a pergunta em questão, só respondia que estava bem.

Ele não estava bem. Não era possível que estivesse bem.

Os detalhes que o investigador particular foi capaz de lhe dar eram imprecisos. Seu marido levou Robbie ao longo do país, passando de carro de aluguel a outro carro de aluguel, e vivendo atrás de uma série de nomes falsos e um grande efetivo em dinheiro. Tudo isto revelou que tinha tentado passar despercebido por um par de razões, porque não era só Marie-Terese quem estava o procurando.

E para evitar que Robbie tentasse escapar, era provável que Mark o tivesse intimidado. E pensar em algo assim lhe dava vontade de matar seu ex-marido.

Depois de recuperar Robbie e assinar o pedido de divórcio, fugiu o mais longe possível de onde tinham vivido, sobrevivendo com o dinheiro que tinha conseguido de Mark e as jóias que tinha comprado. Infelizmente, não eram suficientes para viver por muito tempo. Não depois dos honorários dos advogados, da fatura do investigador particular, e o custo de reinventar-se a si mesma.

O que ela tinha terminado fazendo por dinheiro a fez pensar a respeito de Jó. Estava disposta a apostar que quando a maré se voltasse contra ele, não saberia o que o tinha golpeado: num momento se sentia perfeito, e no seguinte o tinham despojado de tudo que o tinha definido, e tinham levado tão baixo que certamente isto o teria levado a pensar em fazer coisas para sobreviver que antes teriam sido impensáveis.

Acontecia o mesmo a ela. Nunca tinha previsto o que ia ocorrer. Nem sua grande queda nem a dura aterrissagem que a fez tocar o fundo e dedicar-se à prostituição.

Mas devia ter sido mais inteligente. Seu ex já tinha mostrado seu lado turvo desde o começo, um homem com dinheiro vivo em toda parte exceto contas bancárias. De onde diabos pensava que provinha todo esse dinheiro? As pessoas que se dedicavam a negócios legais tinham cartões de crédito e débito, e possivelmente um par de notas de vinte em suas carteiras. Não guardavam centenas de milhares de dólares em maletas da Gucci escondidos nos armários das suítes de hotel em Las Vegas.

É obvio, ela não tinha conhecimento de tudo isso no princípio. Quando tudo começou, cobria-a com presentes, jantares e viagens de avião. Só mais tarde começou a questionar as coisas, mas então já era muito tarde: tinha um filho que adorava e um marido pelo que sentia terror, e aquilo a manteve calada e confinada.

Para ser brutalmente sincera consigo mesma, o mistério de Mark consistia na simples atração do começo. O mistério e o conto de fadas e o dinheiro.

E ela teve que pagar por aquela atração. Muito caro…

O som das cadeiras arrastadas pelo chão a tirou de seus pensamentos. A reunião tinha terminado e os participantes estavam de pé dando o abraço de apoio de praxe, o que significava que tinha que sair rapidamente antes de ser apanhada.

Uma coisa era escutá-los, e outra ter que senti-los contra seu peito. Aquilo não podia suportar.

Rapidamente, ficou de pé, pendurou a bolsa no ombro e foi direto para a porta. Enquanto avançava, disse alguma coisa rápido, um pequeno detalhe para os outros, e como sempre, obteve deles um olhar que os cristãos oferecem aos menos afortunados… pobrezinha menina querida.

Teve que perguntar-se se seriam tão generosos se soubessem aonde ia e o que fazia depois destas reuniões. Queria acreditar que não seria diferente. Entretanto, não podia deixar de abrigar certas dúvidas.

No corredor, havia outro grupo para a próxima reunião da noite, e tinha ouvido que era um grupo do Narcodependentes Anônimos que recentemente tinham começado a reunir-se em St. Patrick. Todo mundo era amável, os dois grupos de gente problemática se misturavam durante a troca da sala.

Procurando em sua bolsa as chaves de seu carro, ela… deu um encontrão com um muro de homem.

—OH, sinto muito! —olhou para cima, muito acima, a um par de olhos de leão. —Eu, né…

—Devagar, devagar… —O homem a segurou e ofereceu um leve e afável sorriso. Seu cabelo era tão espetacular como aquele olhar amarelo, toda a gama de cores que fluía sobre seus enormes ombros. —Está bem?

—Eeeh… —ela já o tinha visto antes, não só no corredor, mas também no ZeroSum, e se maravilhava com sua aparência irreal, chegando a pensar que talvez fosse um modelo. E, naturalmente, uma parte se preocupava que ele soubesse o que fazia para ganhar a vida, mas nunca dava amostras de sentir-se incômodo ou de ser desagradável com ela no mínimo. Além disso, se assistia a reuniões de Narcodependentes Anônimos, ele mesmo tinha uns quantos demônios aos que enfrentar.

—Senhora? Olá?

—OH, Deus! Sinto muito. Sim, estou bem… só tenho que olhar por onde vou.

Devolveu o sorriso, e em seguida escapou pelas escadas de volta ao primeiro andar da catedral e saiu atravessando as enormes portas duplas da fachada. Já na rua, passou as filas de veículos que estavam estacionados em paralelo e desejou ter conseguido um lugar melhor. Seu Toyota Camry estava bastante longe, e seus dentes já batiam castanholas de frio quando entrou no veículo e começou o ritual de fazer funcionar o motor.

—Vamos… vamos…

Finalmente conseguiu arrancar um espasmo e um ruído estridente, e pouco depois já estava fazendo uma mudança de sentido não permitido sobre a linha dupla amarela que dividia o asfalto da rua em dois.

Imbuída em seus pensamentos, não reparou no par de faróis que a seguiam em sua trajetória… e que não se separavam dela.

 

Jim estacionou sua caminhonete a meio quarteirão do Commodore e pensou, genial, posso vê-lo daqui.

O exterior do edifício era duro, não havia mais que cristal biselado preso nas vigas de aço fino, o que dava a cada uma das vilas uma incrível vista. Só com o que podia ver do hall, notava a exuberância do interior, coberto de mármore vermelho sangue com uma flor no centro do tamanho de um caminhão de bombeiros. Tem sentido que vestido azul viva num lugar como este.

Merda, deveria ter sugerido a diPietro que saíssem sozinhos para jantar, com a lembrança da noite anterior ainda tão viva, estar no mesmo espaço fechado com essa mulher não era uma boa idéia. E então, recordou que estava ali para salvar seu noivo maldito da condenação eterna.

Esfregou a cara enquanto desligava o motor, pensando no cachorrinho que tinha deixado aconchegado sobre a cama.

Como diabos tinha conseguido recolher um animal de estimação?

Pôs as chaves no bolso de sua jaqueta de couro, saiu da caminhonete e cruzou a rua. À medida que caminhava pelo vestíbulo, que tinha parecido exuberante da rua via como era magnífico de perto, mas não podia ficar admirando o lugar. No instante que entrou, o guarda atrás da mesa o olhou com o cenho franzido.

— Boa tarde, é o Sr. Heron?

O tipo era cinqüentão e vestia um uniforme negro, em seus olhos podia ver-se que não era nem lento nem estúpido. Provavelmente estava armado e sabia como usar uma pistola.

Jim tinha que passar.

—Sim, sou.

— Posso ver alguma identificação, por favor?

Jim tirou sua carteira e mostrou sua licença de motorista do Estado de Nova Iorque, a qual tinha comprado três dias depois de sua chegada em Caldwell.

— Obrigado. Vou chamar o Sr. diPietro.— O guarda esteve dois minutos ao telefone, e logo estendeu o braço para os elevadores. – Vá à direita, senhor.

— Obrigado.

O trajeto até o vigésimo oitavo andar foi suave como seda, e Jim se divertiu localizando com os olhos as câmaras de segurança: As câmaras estavam colocadas nos cantos superiores, onde os painéis dos espelhos se juntavam, a fim de parecer decorações. Com essas coisas aí, não importa o quanto se escondesse, o tiro na cara estava garantido.

Agradável. Muito bonito.

Quando as portas do elevador se abriram, Vin diPietro estava ali, de pé num corredor de marfim.

diPietro estendeu a mão.

—Bem vindo.

Tinha um aperto de mão sólido, firme e rápido, o que não o surpreendeu, considerando que Jim levava sua segunda melhor camisa de flanela, umas esportivas e além disso se barbeou, Vin estava com um terno diferente do que usava no hospital há três horas atrás. Provavelmente, só usava uma vez e logo os jogava no lixo.

— Se importa se te chamo de Jim?

— Não.

diPietro foi na frente até uma porta e abriu para... merda, o lugar era como a coleção de Donald Trump, nada mais que mármore negro, cachos de ouro, merda de cristal e esculturas. Dos pisos da sala em frente até as escadas que conduziam a um segundo andar... e então, chegava-se na sala com muito corte e acabamento em pedra, Jim tinha que perguntar-se quantas pedreiras esvaziou. E os móveis... Cristo, os sofás e as cadeiras pareciam jóias, com todo seu dourados e pedra—preciosa da cor da seda.

— Devina, vem conhecer nosso convidado.— Disse diPietro por cima do ombro.

Quando o som dos sapatos de salto alto se aproximou da sala de estar, Jim olhou uma vista realmente impressionante de Caldwell... e tentou não pensar na última vez que tinha visto essa mulher. Usava o mesmo perfume da noite anterior. E de acordo com seu nome, sem dúvida, tinha sido divina.

— Jim?— Disse diPietro.

Jim esperou um momento mais, para dar-se tempo para recuperar a compostura. Vê-la de longe era uma coisa, mas estar em sua casa, suficientemente perto para poder tocá-la, era outra. Estava de novo de azul?

Não, vermelho, estava de vermelho. diPietro tinha seu braço ao redor de sua cintura. Jim assentiu com à cabeça, negando-se a permitir recordar a noite passada.

—Encantado por conhecê-la.

Sorriu e estendeu a mão.

— Bem vindo. Espero que goste de comida italiana.

Jim sacudiu a palma da mão rapidamente e logo a meteu no bolso dos jeans.

— Sim, eu gosto.

— Bom. O cozinheiro está fora até a próxima semana, e a comida italiana é mais ou menos a única que sei fazer.

O silêncio que seguiu foi incômodo.

— Se me desculparem.— Disse Devina. – Irei ver como vai o jantar.

Vin lhe deu um beijo na boca.

— Tomaremos uma taça aqui.

Quando o repique dos sapatos de salto alto recuaram, diPietro se aproximou de um móvel bar.

— Qual é seu veneno?

Interessante pergunta. Na antiga linha de trabalho do Jim, tinha utilizado cianeto, antraz, tetrodotoxina, rícina, mercúrio, morfina, heroína, assim como alguns dos agentes nervosos de nova geração. Injetou as substâncias, pô—las nos mantimentos, espalhou em maçanetas de porta, pulverizou pelo correio, contaminou todo tipo de bebidas e medicamentos. E isso foi antes de começar a ser realmente criativo.

E era tão bom como com armas de fogo, facas ou suas mãos nuas. Não que diPietro precisasse saber disso.

— Suponho que não tem cerveja?— Disse Jim, olhando o topo das garrafas de bebidas na prateleira.

— Tenho a nova DogFish[18]. É fantástica.

Jim o duvidou, Deus sabe que nem os cães nem os peixes foram criados para algo que se requeria na elaboração da cerveja de lúpulo. Mas o que seja.

—Parece boa.

diPietro pegou dois copos longos e abriu um painel que era uma mini geladeira. Pegando um par de garrafas, girou a tampa e derramou uma cerveja escura com um colarinho tão branco que parecia espuma de mar.

— Acredito que gostará disto.

Jim aceitou uma das taças junto com um guardanapo de linho com as iniciais VSdP. Um só gole… e tudo o que pôde dizer foi: — Maldita.

— Bom, verdade?— diPietro levantou a cerveja à luz como se a inspecionasse. — É a melhor.

— Diretamente do céu.— Jim saboreou sua cerveja e olhou ao seu redor. Tudo era incrível. Talvez os ricos tivessem algo a fazer.

— A casa do farol vai ser ainda mais magnífica.

Jim se aproximou da janela e observou a vista.

— Por que quer deixar isto?

— Porque onde vou, é melhor.

Um timbre de sutis badaladas soou, e Jim olhou para o telefone, Vin olhou também.

— Essa é minha linha de negócios e tenho que atender a chamada.— Com sua cerveja na mão, dirigiu-se a uma porta do lado oposto da sala. — Sinta-se em casa. Voltarei num momento.

Quando o homem partiu, Jim riu com seus botões. Como em casa aqui? Ceeerto. Sentia-se como parte daquelas provas para meninos onde tinha que se escolher o objeto que não pertencia ao grupo: cenoura, pepino, maçã, abobrinha. Resposta: maçã. Sofá coberto de fina seda, tapete tecido fino, operário, garrafas de cristal. Resposta: operário.

— Olá.

Jim fechou os olhos. Sua voz ainda era formosa.

– Olá. Eu…

Jim girou e não se surpreendeu ao encontrar seus olhos tristes.

Enquanto procurava as palavras, elevou a mão para detê-la.

— Não tem que explicar nada.

— Eu… nunca havia feito nada como ontem à noite… só… queria…

— O oposto dele.— Jim sacudiu a cabeça. – OH, merda... olhe... não chore…

Deixou a cerveja que diPietro tinha servido e se aproximou estendendo o guardanapo. Enxugou as lágrimas, mas não queria danificar sua maquiagem.

A mão de Devina tremia quando devolveu o lenço.

— Eu não vou dizer a ele nunca.

— Tampouco saberá por mim.

— Obrigado.— Seus olhos se dirigiram para o telefone do console, onde havia uma luz piscando junto à palavra estúdio. – Eu o amo. É só que… é um homem complicado. Mas que a sua maneira se preocupa comigo, só que às vezes me sinto invisível, mas você me viu.

Sim, viu-a e não podia negar.

— A verdade é que,— murmurou, — embora nunca deveria ter estado com você, não me arrependo.

Não estava seguro do que responder a isso, ela o olhava como se esperasse uma resposta sábia ou a absolvição, a qual ele não podia dar. Nunca tinha tido uma relação, assim não podia aconselhá-la sobre sua relação com Vin. E só a conhecia de um encontro sexual.

Entretanto uma coisa estava clara, essa mulher estava apaixonada por seu marido, viu assim que olhou esses escuros e luminosos olhos.

diPietro era um completo imbecil se não se desse conta disso.

Jim limpou umas lágrimas de seu rosto.

— Me escute. Vai esquecer ontem a noite, como se nunca tivesse acontecido. Vai esquecer e não pensar nisso de novo, de acordo? Se não o recordar, será como se não fosse real, como se nunca tivesse acontecido.

Ela fungou um pouco.

— Está be… bem.

— Boa garota.— Jim lhe colocou uma mecha de seu suave cabelo atrás da orelha. — E não se preocupe, tudo vai ficar bem.

— Como pode estar tão seguro?

E foi então que se deu conta que talvez seu trabalho com Vin fosse que o homem se desse conta do que tinha, uma mulher que esperava que a amassem. O sujeito não podia ver além de seus bens imóveis, seus carros ou suas estátuas de mármore, mas pelo que realmente importava, talvez mudasse sua vida e alma.

— Ao que parece, estou ficando sem fé.— Disse Devina tentando secar suas lágrimas.

— Não. Estou aqui para ajudar.— Jim respirou fundo. – E vou fazê-lo bem.

— OH, Deus!... Está me fazendo chorar mais.— Devina riu e estreitou sua mão. — Mas muito obrigado.

Maldição... seus olhos o faziam sentir-se como se doessem suas costelas.

— Seu nome,— sussurrou, — combina com você.

Um rubor coloriu suas bochechas.

— Na escola, costumava odiá-lo. Preferia me chamar Maria ou Julie, ou algo normal.

— Não, é perfeito. Não poderia imaginar outro nome.— Jim olhou o telefone e viu que a luz estava apagada. – Terminou sua chamada.

Ela limpou ambos os olhos.

— Devo estar um desastre. Irei à cozinha pegar uma bandeja. Por favor, mantenha-o ocupado no estúdio enquanto vou me arrumar um pouco.

Enquanto esperava que voltasse da cozinha, Jim terminou a cerveja e se perguntou como demônios se colocou no papel do Cupido.

Homem, se esses quatro pretendiam que usasse asas e uma fralda e que disparasse flechas, seu contrato seria renegociado, e não com palavras.

Devina retornou com uma bandeja de prata com pequenos canapés.

— O estúdio está abaixo, vou me arrumar um pouco para que não note que chorei.

— Entendido.— Jim pegou a bandeja, preparado para atuar como garçom e entreter diPietro. – Manterei-o ali.

— Obrigado. Por tudo.

Antes de falar muito outra vez, Jim saiu, carregando a bandeja com ambas as mãos, através de um sem fim de salas. Quando chegou ao escritório, a porta estava aberta e diPietro estava sentado atrás de uma grande mesa de mármore que tinha um monte de computadores nela. O sujeito não olhava as máquinas, entretanto. Mantinha o olhar fixo nas janelas.

Na palma da mão tinha algo pequeno e negro.

Jim bateu na porta.

– Tenho alguns amuse bouche[19].

 

Vin girou em sua cadeira e guardou a caixa do anel ao lado do telefone. Heron estava na porta do estúdio, com uma bandeja nas mãos, o sujeito poderia parecer muitas coisas, mas não um garçom, e não por causa da camisa de flanela e calças jeans, mas sim porque simplesmente não parecia alguém que se deixasse dirigir por ninguém.

— Sabe francês?— Murmurou Vin.

— Ela me disse o que eram.

— Ah.— Vin se levantou e se aproximou. – Devina é uma grande cozinheira.

— Já sabe o que preparou?

— Não, guio-me pelos aromas que saem da cozinha.

Ambos pegaram um cogumelo recheado com finas rodelas de tomate e folhas de manjericão, e uma colher de caviar e alho-porró sobre ela.

— Por favor, sente-se.— Disse Vin, assentindo com a cabeça através de sua mesa. – Temos que falar. Quero dizer, sei que só pediu um jantar… mas intuo que há algo mais que não me disse.

Heron largou a bandeja, mas não sentou na cadeira, em vez disso se aproximou da janela para observar Caldwell.

Vin aproveitou o momento para avaliar seu convidado de seu trono de couro. O bastardo tinha a mandíbula como uma rocha, dura e direta, e tinha em seu poder todos os ases do jogo, coisa que Vin não pensava lhe dizer. Perguntava-se em que estaria pensando seu convidado.

Vin girou sua pluma de ouro sobre o papel, enquanto esperava pelos pedidos de Heron.

A maior parte de seu dinheiro tinha sido ganho na construção, mas não iniciou na legítima arte das pranchas e pregos, e seus contatos com a parte do mercado negro de Caldwell ainda eram bons.

— Tome seu tempo, Jim. O dinheiro é mais fácil de pedir que... outras coisas.— Ele sorriu um pouco. — Quer algo que não está facilmente disponível nos Hannaford[20] locais, por acaso?

Heron não se moveu enquanto continuava observando a cidade.

— Do que está falando exatamente?

— O que exatamente quer?

Houve uma pausa.

— Preciso saber de você.

Vin se inclinou para diante em sua cadeira, não estava seguro de ter escutado bem.

— Saber de mim, como?

Heron voltou a cabeça.

— Está a ponto de tomar uma decisão. Algo importante. Não é verdade?

Os olhos de Vin dispararam para a caixa de veludo negro que tinha escondido.

— O que há aí?— Exigiu Heron.

— Nada que seja de sua conta.

— Um anel?

Vin amaldiçoou e agarrou o que tinha comprado no Reinhardt. Pôs a caixa numa gaveta, enquanto começava a perder a paciência.

— Olhe, deixa de estupidez e diga o que quer. Não é o jantar e não é para me conhecer. Por que não assumir que não há nada nesta cidade que não esteja disponível para mim? Vamos terminar com isto. Que porra quer?

Respondeu tão baixo que Vin custou a ouvir.

— Não é o que quero, mas o que vou fazer. Estou aqui para salvar sua alma.

Vin franziu o cenho... e logo desatou a rir. Este sujeito que acaba de salvar-se da morte por um fio, e que normalmente vestia um cinturão de ferramentas, queria salvá-lo? Não tinha sentido. Vin teve que esforçar-se para não se afogar na risada.

Quando tomou um descanso para respirar um pouco mais profundo, Heron disse:

— Sabe, foi assim exatamente que reagi.

— Por quê?— Disse Vin enquanto esfregava a cara. — Digamos que foi a chamada do dever? É um louco religioso?

— Não. Heron finalmente sentou na cadeira, as mãos apoiadas nas coxas. — Posso perguntar algo?

— Claro, diabos, por que não?— Vin viu que Heron estava completamente relaxado. Neste ponto, tudo era tão estranho que estava começando a pensar que não importava. — O que quer saber?

Heron olhou ao seu redor os livros de primeira edição e as obra de arte.

— Por que precisa de toda esta merda? E não me interprete mal. Nunca vou viver como você, assim me perguntava que necessidade tem alguém de rodear-se de tudo isto.

Vin esteve tentado a não responder a pergunta, e mais tarde se perguntaria por que o fez, mas neste momento respondeu a verdade.

– Para mim é importante, sinto-me seguro rodeado de coisas belas.— No momento que as palavras saíram de sua boca, arrependeu-se de as ter pronunciado. — Quero dizer... merda, não sei. Não venho de uma família rica. Era só um menino italiano que vivia no lado norte da cidade, e meus pais sempre estavam trabalhando muito duro para ir adiante. Abri meu caminho porque queria uma vida muito melhor para mim.

— Bom, agora está por cima, está bem.— Heron olhou ao seu redor. – Então deve trabalhar muito.

— Todo o tempo.

— Acho que isso significa que ganhou esta surpreendente vista.

Vin girou sua cadeira.

— Sim. Estive olhando para isto durante muito tempo.

— Vai sentir falta quando se mudar?

— Terei o rio para olhar. E a nova casa que estão construindo vai ser espetacular, eu gosto das coisas espetaculares.

— A cerveja que bebemos antes é provavelmente a melhor que bebi em minha vida.

Vin se centrou na reflexão do homem.

— Heron é seu verdadeiro nome?

Sorriu um pouco.

— É obvio que é.

Vin olhou por cima do ombro.

— Que outros idiomas sabe além do francês?

— Quem disse que sei francês?

— O fato que não tenha nem idéia da cerveja exótica me faz duvidar que seja um conhecedor da linguagem gastronômica. E Devina não teria dito o que são amuse—bouche porque seria uma grosseria. Portanto deduzo que conhece o idioma.

Heron tamborilou os dedos sobre o joelho enquanto parecia pensar na resposta.

— Me diga o que há nessa caixa que escondeu na gaveta e talvez eu responda.

— Qualquer um diria que gosta de levar as rédeas.

— Todo o tempo.

Pensou que não era uma autêntica revelação pois Heron não tinha nenhuma relação com Devina, então Vin pegou a caixa de Reinhardt e abriu a tampa. Quando se voltou, Heron pôde ver o que havia na caixa e deixou escapar um assobio.

Vin deu de ombros.

— Como disse, gosto das coisas belas. Comprei-o ontem à noite.

— Cristo, que diamante? Quando vai fazer a pergunta?

— Não sei.

— O que está esperando?

Vin fechou a caixa.

– Já fez sua pergunta, agora sou eu, francês?

— Oui ou non?

— Um peu Je parle. Et vous?

— Peu Je. Et.[21]

— Fiz alguns negócios imobiliárias ao norte da fronteira, assim sei como falam. Seu sotaque não é canadense, mas europeu. Quanto tempo esteve no exército?

— Quem disse que estive?

— Só uma hipótese.

— Talvez tenha ido à universidade no estrangeiro.

Vin o considerou.

– Eu diria que não é seu estilo. Não tem aspecto de alguém que aceita ordens e não posso te imaginar sentado atrás de uma mesa durante quatro anos.

— Por que entraria no Exército se não gosto de receber ordens?

— Porque permitem que faça algo por sua conta.— Vin sorriu, mas a cara do sujeito permaneceu séria. — Eles permitem trabalhar para si mesmo, não é, Jim. Que mais ensinam?— O silêncio se expandiu até ocupar não só a sala, mas também o duplex inteiro.

— Jim, percebe que quanto mais silencioso fica, mais posso tirar minhas próprias conclusões sobre seu corte de cabelo, tatuagens nas costas ou uma vida militar. Respondi suas perguntas, agora é minha vez, essas eram as regras do jogo.

Jim se inclinou lentamente, seus olhos claros duros como uma rocha.

—Se lhe conto algo me verei obrigado a te matar, Vin. E isso nos danificaria a festa a ambos.

Então essa tatuagem não era simplesmente algo que o tipo tinha visto na parede de um salão de piercings e arte corporal de três por quatro, tendo-a tatuando em seu corpo porque pensava que estava na moda. Jim era a morte real.

—Sinto muita curiosidade —murmurou Vin.

— Sugiro que a supere.

— Sinto muito, meu amigo. Sou um filho da puta tenaz. Não quero que pense que ganhei tudo isto jogando na loteria.

Houve uma pausa, e então na cara de Jim apareceu um sorriso.

— Assim quer que acredite que tem bolas, verdade?

— Acredite. E como diriam os sábios, são tão grandes como os sinos de uma igreja.

Jim se recostou na cadeira.

—Ah, não me diga. Então o que está esperando para entregar esse anel?

Vin entrecerrou os olhos, a ira o queimava.

— Quer saber por quê?

—Sim. Devina é uma mulher incrivelmente formosa, e o olha como se fosse um deus.

Vin inclinou a cabeça para um lado e falou sobre o que rondava sua cabeça desde ontem à noite.

— Minha Devina saiu ontem de noite com um vestido azul. Quando chegou em casa, trocou-se imediatamente e tomou uma ducha. Esta manhã, olhei o vestido e vi um borrão negro na parte de trás, como se tivesse sentado num lugar sujo, o que pode acontecer num bar. Mas mais que isso, Jim, quando levantei o vestido e o aproximei de meu nariz, cheirei algo sobre o tecido que se parecia muito com colônia homem.

Vin mediu todos e cada um dos músculos faciais do sujeito. Nenhum só deles se moveu. Inclinou-se para diante na cadeira.

— Não preciso te dizer que não era minha colônia, e que poderia interessar saber que cheira um inferno como a sua. Não digo com isto, que acredite que você estava com ela, mas quando um homem cheira na roupa de sua mulher a colônia de outra pessoa tende a fazer-se a pergunta, não é assim? Como pode ver, não é porque não tenha bolas. É porque me pergunto que outro a esteve tocando.

 

Bom, isto não era uma maldita festa.

Jim olhou fixamente através da mesa seu anfitrião, percebendo que tinha passado muito tempo desde que um homem o tinha impressionado — mas Vin diPietro tinha conseguido. O filho da puta estava calmo, fresco, tranqüilo. Simpático como a merda, mas não era nenhum gatinho.

E era evidente que o sujeito de verdade acreditava que Jim não tinha estado com sua noiva – ao menos isso era o que diziam seus instintos, e como eles rara vez se equivocavam, ele se sentia inclinado a confiar neles. Mas quanto tempo duraria isto?

Cristo, se só pudesse voltar a noite anterior e deixar Devina naquele estacionamento. Ou… merda, só caminhar ao interior onde estava quente e deixar que encontrasse algum outro sujeito que a ajudasse a resolver sua confusão e tristeza.

Jim deu de ombros.

—"Não pode estar seguro que ela estava com alguém.

Uma sombra cruzou o rosto de Vin.

— Não. Não posso.

—Alguma vez a enganou?

—Não. Eu não acredito nessa merda.

—Eu tampouco. — Estranho… por uma vez, mentir enviou um estremecimento através do peito de Jim. Na verdade não tinha se preocupado por Devina estar com outra pessoa.

O silêncio flamejou outra vez, Jim sabia que o sujeito esperava outra revelação então analisou sua vida, procurando detalhes para a hora-de-maior-audiência. Eventualmente, ele disse, — Também falo Árabe, Dari, Paxto e Tajik[22].

O sorriso do Vin era parte Cheshire[23], parte respeito.

—Afeganistão?

—Entre outros lugares.

—Quanto tempo serviu?

—Um tempo. — Ele não brincava a respeito de matar o garoto se a troca de informações fosse mais longe por sua parte. “E deixemos esta conversa até aqui, se não se importar.

—De acordo.

—Então, desde quando está com sua mulher?

Os olhos de Vin se desviaram para uma pintura abstrata pendurada na parede junto a sua mesa.

— Oito meses. Ela é modelo.

—Percebi.

—Alguma vez foi casado Jim?

—Merda, não.

Vin riu.

— Não procura à Sra. Correta?

—Sou mais o tipo incorreto de homem para esse tipo de coisas. Mudo—me muito.

—Se aborrece com facilidade?

—Sim. Isso.

O som de saltos altos sobre o mármore atraiu os olhos do sujeito para a entrada do estúdio. Foi óbvio quando Devina fez sua aparição, e não só pelo tênue, florido perfume que flutuava no ar: o olhar de Vin se dirigiu lentamente para baixo e logo acima sobre ela, como se a visse pela primeira vez em muito tempo.

—O jantar está pronto. — Disse.

Jim olhou para a janela de vidro do outro lado da sala e estudou seu reflexo. Ela estava, novamente, debaixo da luz, o brilho radiante fazendo—a destacar em contraste com a vista do fundo da noite.

Franziu o cenho. Uma sombra estranha flutuava atrás dela, como uma bandeira negra ondeando ao vento… como se a seguisse um fantasma.

Jim deu a volta e piscou com força. Seus olhos procuraram o espaço atrás dela… e encontraram um monte de absolutamente nada. Ela estava de pé sob a luz, sorrindo para Vin enquanto o homem se aproximava e a beijava na boca.

—Preparado para comer Jim? perguntou o homem.

Que tal um transplante de cérebro, antes da maldita massa?

—Sim, seria bom.

Os três caminharam através de várias salas para outra mesa de mármore. Esta era o suficientemente grande para acomodar vinte e quatro pessoas, e se houvesse mais cristal do que havia no teto, teria jurado que estava em uma caverna de gelo.

O faqueiro era de ouro. E sem dúvida sólido.

Estão brincando, pensou Jim enquanto se sentava.

—Como o cozinheiro está de férias — disse Vin enquanto ajudava Devina com sua cadeira, —Serviremo-nos sozinhos.

—Espero que goste do que fiz. —Disse Devina recolhendo seu guardanapo damasco. — Mantive-o simples, só um pouco de molho Bolonhesa com linguine caseiro. E a salada nada mais que pequenos corações de alcachofra e pimenta vermelha com um vinagrete de vinho gelado batido.

Fosse o que fosse, a coisa cheirava incrível, e se via ainda melhor.

Depois que as grandes tigelas com bordas de ouro foram passadas ao redor e os pratos estavam cheios, todo mundo começou a comer.

Bom, Devina era uma cozinheira espetacular. Aqueles brotos - o que fossem - com o vinho gelado batido estavam incríveis… e isso por que ainda não tinha provado a massa.

—Então o trabalho na casa do escarpado vai bem. Disse Vin. —Não acredita, Jim?

Isto os lançou numa longa hora de discussão sobre a construção, e Jim novamente se sentiu impressionado. Apesar das escavações de Vin e seu guarda-roupa chamativo, ele claramente tinha experiência direta com o trabalho que Jim e os moços faziam – assim como tudo a respeito dos eletricistas, bombeiros e pedreiros. O sujeito conhecia as ferramentas, pregos, pranchas e isolamento. Transporte e eliminação de resíduos. Pavimentação. Permissões. Regulamento. Serviços.

Toda sua atenção aos detalhes fez que parecesse não um proprietário inútil incomodando-o com mesquinharias, mas como se fossem colegas de trabalho do mesmo nível.

Sim. Definitivamente em algum momento, tinha tido calos nas mãos.

—… então isso vai ser um problema, — estava dizendo Vin. —O peso da carga sobre os muros que levam a carga do vestíbulo tipo catedral vai necessitar uma mudança nos planos. O arquiteto está preocupado por isso.

Devina falou pela primeira vez.

—Bom, não poderia fazê-la menor? Ou mais baixa?

—A altura de teto não é o problema— é o ângulo inclinado e o peso do teto. Entretanto, penso que podemos solucionar o problema melhorando as vigas de aço.

—OH. Devina limpou a boca como se estivesse envergonhada. —Isso soa como uma boa idéia.

Quando Vin se foi por outra tangente sobre a casa, Devina prestou atenção especial em dobrar o guardanapo em seu colo.

Merda, o homem podia saber de construção, mas tinha que perguntar-se: se lhe perguntasse qual era a cor favorita de sua mulher, saberia qual era?

—Bom este foi um grande janta. — disse Vin. —Ao chef.

Levantou a taça de vinho e deu a Devina um movimento de cabeça, ela devorou a atenção, positivamente radiante de felicidade. Então outra vez, acabava de passar o jantar completo falando de algo com o qual ela não estava familiarizada, relegando-a a ser uma observadora calada aparentemente sem nenhuma atenção.

—Limparei e trarei a sobremesa, disse ela, levantando-se. —Não, por favor, sente-se. Isto só levará um momento.

Jim voltou a sentar-se e se centrou em Vin. Na tranqüilidade que surgiu enquanto Devina entrava e saía pela porta de serviço com os pratos, virtualmente se podia cheirar a madeira queimando entre as orelhas do sujeito.

—Que tem em mente? — perguntou Jim.

—Nada.Um encolhimento rápido foi seguido de um gole de vinho. —Nada absolutamente.

A sobremesa era sorvete caseiro de cereja com raspas de chocolate e café tão forte que podia fazer sair cabelo no peito. A combinação era sublime, e mesmo assim não era o suficientemente doce ou saboroso para apagar o cenho do rosto de Vin.

Quando os pratos da sobremesa estavam vazios, Devina se levantou outra vez.

—Por que não voltam para o estúdio enquanto limpo a cozinha? — Ela sacudiu sua cabeça antes que Jim pudesse oferecer seu ajuda. —Isto levará um minuto. Não… de verdade, me deixe fazê-lo. Vocês dois vão e conversem.

—Obrigado pelo jantar. Disse Jim enquanto se levantava da cadeira. —É o melhor jantar que tive em anos.

—Concordo,— murmurou Vin enquanto colocava seu guardanapo sobre a mesa.

Quando estavam de volta ao estúdio, Vin foi ao bar do canto.

—É uma cozinheira dos infernos.

—Sim.

—Conhaque?

—Não, obrigado. —Jim passeou ao redor, olhando os livros encadernados em couro que estavam nas estantes, e as pinturas, desenhos e selos postais americanos emoldurados. —Assim constrói coisas no Canadá também?

—Na realidade, estou por todo o país.

Vin pegou um copo de cristal grosso e se serviu um par de dedos, logo sentou atrás de sua mesa. Enquanto se rodava e cheirava seu conhaque, moveu o mouse sem fio e seu rosto se iluminou quando a proteção de tela de seu computador piscou.

Jim se deteve em frente ao desenho em que Vin se fixou quando estava pensando em Devina. Era a representação de um cavalo… de alguma forma.

—Este artista é muito ácido?

—É um Chagall.

—Não se ofenda, mas é estranho.

Vin riu e observou a peça de arte… ou merda, dependendo do gosto… ou apreciação de cada um.

—É relativamente novo. Consegui—o na noite que conheci Devina. Deus, não o tinha olhado por um tempo. Recorda-me um sonho.

Jim pensou na vida que o homem devia levar. Trabalho, trabalho, trabalho… chegar em casa… não ver todas as coisas caras que possuía.

—Vê sua namorada? disse bruscamente.

Vin franziu o cenho e tomou um gole de sua taça de conhaque.

Bom, isso não era uma resposta.

—Isto não é meu assunto,— murmurou Jim. —Mas ela realmente te olha. É um homem afortunado.

As sobrancelhas de Vin se uniram, e o silêncio se ampliou, Jim sabia que o tempo estava acabando. Era muito provável que lhe mostrassem a porta em uns quinze ou vinte minutos, e embora tinha o pressentimento que tinha identificado o problema de Vin, ainda não estava nem perto da meta, por assim dizê-lo.

Pensou na televisão que pendurava do teto no quarto do hospital e nos dois chefs que o tinham metido nesta situação de jantar-do-inferno.

— Assim... tem uma televisão por aqui? perguntou.

Vin piscou e pareceu voltar a centrar-se.

—Sim, veja isto.

Girando sobre seus pés, pegou um controle remoto e apertando botões deu a volta na mesa. De repente, se abriu uma fenda nas estantes e apareceu uma tela plana do tamanho de uma cama dupla.

—Homem, ama os brinquedos, né? disse Jim com uma risada. —Não vou mentir, eu também o faço.

Ambos se sentaram nas cadeiras em frente a mesa, Vin apertando mais botões. Enquanto trocava os canais, Jim se sentiu como um louco enquanto rezava por uma pista do que viria— procurando orientação na televisão? O passo seguinte seria pensar que os satélites seguiam todos seus movimentos.

OH, espera... aí, aí está.

A tela brilhou, e ele viu diferentes programas: Quem quer ser milionário? Vin tinha querido ser um e agora era. Lost. Bem, óbvio, com ele já eram dois… embora Jim era o único que sabia. Renovando a casa. Mais que suficiente disso por ambas as partes… embora dificilmente fora uma notícia de último momento. Ao mudar o canal se deteve em um filme de Leonardo DiCaprio.

—Esse ano saí um modelo melhor,— disse Vin, colocando o controle remoto de lado. —Ficaria bem na nova casa.

Jim tentou ler algo no filme que estava passando, mas só era Leo vestido com uma roupa saída de uma feira do renascimento e uma garota com uma vestimenta similar.

Merda, não ajudava.

—Jim tenho que ser honesto. Os frios olhos de Vin eram claros. —Não sei que diabos está acontecendo, mas por alguma razão, eu gosto de você.

—Igual.

—Então, onde nos leva isso. Justo o que Jim estava se perguntando.

Até na tela, as coisas não estavam indo bem para Leo.

Uns caras maus medievais estavam seqüestrando e arrastando ao pobre bastardo..

—Que filme do demônio é este?

Vin apertou o controle remoto e uma tira de informação apareceu na parte inferior da tela: O Homem da Máscara de Ferro. Leonardo DiCaprio, Jeremy Irons (1998). Só tinha duas estrelas, evidentemente...

— OH, merda. Iron Mask? Demônios, esse clube era o último lugar que ele queria voltar. Especialmente com...

Devina apareceu na porta do escritório.

—Algum de vocês gostaria de sair?

Bom, isso sim que era uma abertura.

Jim amaldiçoou a si mesmo enquanto tratava de imaginar-se aí de novo com ela, mas desta vez sob o atento e suspeito olhar de seu namorado. E ele tinha pensado que o jantar tinha sido infame?

Exceto que o filme tinha que ser um sinal, não? Os quatro moços disseram que teria ajuda.

—Sim, vamos ao centro—, murmurou. —Ao… que tal ao Iron Mask?

Os olhos de Devina se arregalaram como se a surpreendesse que escolhesse esse clube.

Houve uma conversa a respeito desse ponto e Vin se levantou.

—Bom, se for o que querem, animo-me. Se aproximou da sua mulher, e como tentasse fazer um esforço, inclinou-se e a beijou.

—Vou procurar seu casaco.

Devina se afastou dele e seguiu seu homem pelo corredor. Jim, esquecido no estúdio, passou uma mão pelo cabelo desejando poder arrancá-lo todo da cabeça.

Talvez devesse deixar de pensar que a televisão enviava mensagens. Porque essa era uma estúpida idéia.

 

Marie-Terese foi a que primeiro viu o homem.

Estava de pé no bar mais próximo à porta do Iron Mask inspecionando a multidão quando ele entrou no clube. Parecia, como estava acostumado a dizer-se, diretamente tirado de um filme. No momento em que entrou todo o resto do mundo desapareceu, as outras pessoas desvaneceram-se nas sombras enquanto ela se centrou nele e só nele.

De 1.90m de altura. Cabelo escuro e olhos claros. O traje parecia saído de uma vitrine da Quinta Avenida.

Do braço levava uma mulher com um vestido vermelho e um casaco branco de pele, e a seu lado ia um cara mais alto com o cabelo cortado muito curto e desfiado e porte militar. Nenhum deles encaixava entre a multidão vestida com couro, renda e algemas, mas esse não era o motivo pelo que o olhava fixamente.

Não, o que lhe chamava a atenção era exclusivamente o homem em si mesmo. Era chamativo da mesma maneira intensa e impactante que tinha sido seu ex: um homem rico com um toque de gângster, um tipo que estava acostumado a estar no comando do que acontecia a seu redor… e alguém que certamente era tão quente e pormenorizado como uma câmara frigorífica.

Felizmente, sossegar sua atração instantânea foi fácil: já tinha cometido o engano de supor que a riqueza e o poder convertiam tipos como ele em alguma espécie de modernos matadores de dragões.

Uma hipótese muito ruim. Às vezes os caçadores de dragões… eram simplesmente caçadores.

Gina, outra das trabalhadoras, aproximou-se do balcão.

—Quem é esse que está ao lado da porta?

—Um cliente.

—Meu, espero.

Marie-Terese não estava muito segura disso. A julgar pelo aspecto dessa morena que lhe acompanhava, não tinha nenhum motivo para comprar companhia sexual… espera… essa mulher… tinha estado aqui ontem à noite, não?, e também o outro sujeito. Marie-Terese os recordou pela mesma razão pela que destacavam esta noite… não pertenciam aqui.

Quando o trio se sentou em um canto escuro, Gina se ajustou o quase inexistente bustiê e se aparou o cabelo que agora era ruivo. O mês passado tinha sido branco e rosa. O anterior, negro azeviche. Se seguia a esse ritmo terminar parecendo Telly Savalas[24], graças a toda essa guerra química em suas raízes.

—Acredito que vou me apresentar. Até mais tarde.

Gina se afastou, a saia de látex negro e botas de salto, o tipo de coisa que levava com orgulho. A diferença de Marie-Terese tinha prazer no que fazia para ganhar a vida, e inclusive tinha a ambição de converter-se no que chamava uma —grande estrela multimídia erótica— como Janine Lindemulder ou Jenna Jameson, quem quer que fossem. Marie-Terese sabia seus nomes só porque Gina falou delas como se fossem Bill Gates da pornografia.

Marie-Terese ficou atrás e observou a passarela. Quando Gina ameaçou subir, a mulher de pele branca deu uma olhada ao que obviamente estava a venda e seu olhar era uma lâmina afiada. O qual foi desnecessário. Seu namorado, o empresário, não olhou Gina pois estava muito ocupado falando com seu companheiro. E o único que obteve o este-é-meu-homem fomentou o siga-adiante: Gina positivamente desfilava na frente desse ódio territorial, persistente até que o homem finalmente levantou a vista.

Entretanto, não se centrou no que estava diante dele. Ele mudou o olhar de Gina e o passou sobre Marie-Terese.

Momento. Cósmico. Atração. O sujeito não podia esconder dos outros e você não podia reprimir, nem desligar mesmo que tivesse a oportunidade. Com seus olhares presos, ambos estavam nus e nos braços um do outro, não por horas, mas durante vários dias.

O que significava que não ia chegar perto dele e não era porque tinha uma namorada possessiva. Se o que tinha sentido no princípio ao redor de seu ex tinha sido um problema, neste momento tinha percebido o potencial para uma catástrofe.

Marie-Terese se virou e atravessou a multidão, sem ver nada diante dela ou ao redor dela.

Os olhos de aço cinza do homem a consumiam, e embora sabia que não podia vê-la mais, ela poderia jurar que sentia que ele a olhava fixamente.

—Ei, querida.

Marie-Terese olhou por cima do ombro. Alguns universitários vestidos com jeans de quadril baixo, camisetas Affliction, e acessórios com caveiras —quer dizer, as calças do século vinte e um— tinham se aproximado por detrás e estavam jogando uma olhada a seu corpo. Dada a forma maliciosa em que a olhavam, era bastante claro que tinham os bolsos cheios com o dinheiro de seus papais e as cabeças vazias de tudo exceto a confiança típica de jogadores de futebol grandes e bobos.

Também lhe deu a impressão de que tinham tomado algo: as pálpebras tremiam e não piscavam, e ambos tinham o lábio superior revestido de suor. Genial. Justo o que necessitava.

—Quanto por mim e meu amigo? —disse o porta-voz.

— Acredito que seria melhor procurar outra pessoa. —Gina não tinha problemas com os trios. Ou as câmaras de vídeo. Ou as câmaras dos telefones. Ou outra mulher. Com um pouco de sorte riscava a linha antes dos assuntos com eqüinos estilo Catalina a Grande, mas não podia estar segura… era completamente possível que para ela um luxurioso relincho significasse chupa-mais- forte.

O Sr. Falador finalizou.

—Não queremos ninguém mais. Queremos você.

Recuou um passo, olhou ambos nos olhos.

—Terão que achar outra.

—Temos dinheiro.

—Sou uma bailarina. É tudo o que me pagam para fazer.

—Então, por que não esteve em nenhuma das jaulas?

Inclinou-se de novo e recebeu uma rajada de sua Colônia: eau-de-cerveja.

—Estivemos te observando.

—Não estou a venda.

—Mentira, boneca.

—Se continuarem me acossando, vamos ter que proibir sua entrada neste clube. Tudo o que preciso é falar com a administração. Agora de novo vão ao inferno.

Marie-Terese se afastou, sabendo muito bem que ficaram aborrecidos e não se importando o mínimo. Obrigado, Trez. Por muito que odiasse pedir ajuda ao homem, ela o faria num instante se significava se manter a salvo.

No bar de trás, pediu uma Coca-Cola com gelo adicional e se recompôs. Ainda era cedo, só dez e meia, o que significava que havia outras quatro horas por diante.

—Esses dois cabeças dura estão dando problemas?

Ela olhou para cima e sorriu a Trez.

—Nada que não possa lidar. Olhou o casaco de couro que tinha na mão. —Terminou?

—Só vou com meu irmão a uma reunião. Escuta, os porteiros estão todos avisados e devo estar de volta em uma hora, duas no máximo. Mas me chame se você ou as meninas necessitarem algo, ok? Meu telefone vai estar ligado todo o tempo. Posso estar de volta num abrir e fechar de olhos.

—Farei-o. Dirija com cuidado.

Deu um apertão na sua mão e atravessou a multidão, sua estatura diminuindo todos no clube.

—Quem é seu gigolô? Talvez deveríamos falar com ele.

Marie-Terese olhou por cima do ombro aos meninos universitários.

—Ele é meu chefe, e Trez é seu nome. Por que não vão e se apresentam a ele?

—Acredita que é muito boa para nós?

Ela se voltou e os enfrentou.

—Faça um favor e me deixem em paz. A menos que queiram ser tirados daqui em uma ambulância.

O que tinha estado falando sorriu, mostrando afiados dentes brancos.

—Deus me faça um favor e deixa de pensar que as putas como você têm direito a opinar.

Marie-Terese retrocedeu, mas só no interior.

—Sua mãe sabe que fala com mulheres como eu?

—Você não é uma mulher.

A garganta de Marie-Terese se fechou.

—Me deixem em paz—, disse com voz rouca.

—Nos obrigue.

 

Vin examinou a multidão para achar a mulher de cabelo escuro e se frustrou ao não encontrá-la. Fizeram contato visual por um momento elétrico e logo tinha desaparecido no mar de corpos como um fantasma.

Ele a tinha visto antes. Não podia lembrar onde... mas definitivamente a tinha visto antes.

—Quem está procurando? Devina disse em voz baixa.

—Ninguém. Vin assentiu com a cabeça a uma garçonete, que se aproximou rapidamente. Depois de ter pedido as bebidas, Devina se aproximou e encostou seus seios pressionando contra os bíceps de Vin.

—Vamos para trás.

—Atrás onde?

—Aos banheiros privados.

Vin franziu o cenho quando uma mulher de cabelo escuro no canto se voltou.... Não, não era aquela. Talvez... não, nem essa tampouco.

Cabelo negro, olhos azuis, rosto em forma de coração que queria em suas mãos. Quem era ela?

—Vin? Devina apertou os lábios atrás da sua orelha. —Vamos... tenho fome.

A diferença da noite anterior, agora o tentou. Sabia muito bem que a rotina da sedução era menos sobre o sexo entre os dois e mais a respeito dessa prostituta que se aproximou com uma atitude de “que te parece ter algo comigo?” A coisa era que não importava a Devina incluir outras mulheres desde que fosse em seus termos e, evidentemente, estes não incluíam damas da noite desnudas fazendo como se quisesse montar nele e o levar a um orgasmo em público.

Não, as mulheres tinham que estar mais atraídas por Devina que por ele, para que ela concordasse com isso.

—Quero privacidade—, ronronava.

—Temos um convidado.

—Não demorarei muito. Sua língua lambeu o lado de seu pescoço, o fazendo sentir-se como um poste sendo mijado. —Eu prometo. Tenho fome, Vin.

—Sinto muito. Seus olhos procuraram na multidão. —Estou cheio no momento.

Devina caiu no ato e sentou no assento.

—Então quero ir para casa.

Justo nesse momento, chegou a garçonete com uma cerveja para o Jim, uma dose de tequila Patron para o Vin, e um Cosmo[25] para Devina

—Não podemos sair agora,— Vin murmurou enquanto dava à mulher uma nota de cem e dizia para guardar o troco.

—Mas quero ir para casa. Devina cruzou os braços sobre seu peito e o olhou nos olhos com o pedido. —Agora.

—Vamos, Devina. Desfruta de sua bebida…

Antes que pudesse dizer que haveria muita intimidade logo que voltassem ao duplex, Devina o interrompeu:

—Talvez deva comprar a ruiva para mim então, já que não vai cuidar de mim.

Certo, muito bem. Algo errado para dizer. Absolutamente tinha apertado o botão errado.

Virando de um lado, Vin pegou as chaves da M6 de seu bolso.

—Quer que a acompanhe ao carro? Ou necessita dinheiro para a prostituta?

Os olhos de Devina brilharam negros no silêncio que seguiu entre eles. Mas deveria saber que não se jogava com ele.

Após um momento, arrancou-lhe a chave da mão.

—OH, não me ocorreu aborrecê-lo. Jim me acompanha. Desta maneira você pode ficar e desfrutar da vista um pouco mais.

Com um aceno, Vin olhou o outro homem.

—Jim, se importaria em fazer as honras?

O homem baixou lentamente a cerveja.

—Olhe, se ela quer ir…

—Então ela é livre. E ela quer que a escoltem ao carro.

O pobre bastardo parecia preferir ter seus dedos presos em tocos a entrar no meio deles, e Vin não o culpou.

Descruzando as pernas, Vin ficou de pé.

—Ah, Caralho, homem, relaxa aqui e eu…— Devina se aproximou.

—Jim, por favor, me leve em seu carro. Agora.

Vin sacudiu a cabeça.

—Não, eu vou …

—Ao inferno—, Devina explodiu. —Não quero que me leve a parte alguma.

—É genial—, disse Jim em um murmúrio. —Eu o farei.

O homem se levantou, mas deixou sua jaqueta de couro, como se não estivesse disposto a sair.

—Só vou levá-la no carro. Estamos claros nisso?

—Obrigado, homem.

Vin sentou de novo e engoliu sua tequila num gole.

—Estarei aqui esperando. Jim indicou o caminho para a porta, e Devina se afastou erguendo o queixo e os ombros, a pele em seus braços.

Como Vin o via, era em momentos como este que refletia sobre o anel. Ele não tinha feito nada para incentivar à prostituta, nem sequer a tinha olhado. Mas estava olhando para alguém, uma voz interior assinalou.

Vin retomou a exploração na multidão, todos pareciam ter roupa negra e o cabelo escuro. Demônios... por que tinha que estar em um clube como este, onde todo mundo era moreno?

Exceto... bom, tinha sido bastante óbvio: Não se vestia como um cliente.

Com uma maldição, elevou a vista a uma das jaulas, onde uma mulher estava radiante de luz azul, movendo-se como se tivesse perdido um centavo na parte dianteira de sua tanga e não se permitisse usar as mãos para tirá-lo.

Era sua mulher morena bailarina... ou o que tinha sido a primeira mulher?

OH, que demônios, estava brincando. Sem dúvida, podia comprar o que havia nas jaulas também.

Entretanto, prostituta ou não, tinha sido uma espécie de momento em que tinha fechado os olhos— a atração tinha sido inegável, apesar que não tinha sentido. Não é que alguma vez tenha julgado uma mulher por ser uma profissional, mas não podia imaginar estar com alguém que o havia feito para ganhar a vida.

Não. De maneira nenhuma. Inclusive se estivesse tão seguro quanto poderia estar, inclusive se ela decidiu fazê-lo porque gostava, sua mente não estava conectada para compartilhar. Havia muito de seu pai nele, e a paranóia ia matá-lo.

Amaldiçoando, Vin se perguntou como infernos tinha passado de lançar um olhar à mulher através de um clube a imaginar uma relação com ela. Quando já estava numa. E havia um diamante do tamanho de uma uva esperando no caso de …

Abruptamente a mulher de cabelo escuro atravessou a multidão. Caminhava rápido, seus ombros chocavam com as pessoas quando ela passava, com o rosto sombrio e apertado. E justo no seu rastro estavam um par de meninos que tinham pescoços maiores que suas cabeças e expressões desagradáveis.

Como se tivessem dez anos de idade e a ponto de recolher as asas de uma mariposa.

Vin... franziu o cenho e ficou em pé.

 

Enquanto Jim caminhava para a parte de trás do Iron Mask, não estava feliz com o que estava passando em muitos aspectos. E sua perspectiva não melhorou quando Devina deslizou o braço no seu e se apertou contra ele.

—Faz frio outra vez —disse em voz baixa.

Sim, fazia, mas não ia esquentá-la como a noite anterior.

—Então, deixa que te ajude a pôr o casaco.

—Não… —Acariciou a pele que levava no braço—. Neste momento não quero pôr isto.

O que provavelmente significava que quem o tinha comprado foi Vin. Na verdade este não era um bom giro nos acontecimentos.

Jim a acompanhou até o BMW, e no instante em que apagou o alarme de segurança com a chave eletrônica, abriu-lhe a porta do condutor.

—Não sou boa com as mudanças manuais —disse, contemplando o interior do M6—. Na verdade não posso conduzi-lo. —Aguardou como se esperasse que ele dissesse algo. —Jim…

—Entra em carro.

Ela olhou para a caminhonete dele, que estava estacionada duas vagas mais à frente. Embora não disse com palavras, dada a forma em que inclinou a cabeça, estava lhe fazendo uma pergunta.

—Não posso. —Jim deu um passo atrás—. Sinto.

Devina abraçou esse visom branco e o aproximou mais a seu peito.

—Ontem à noite você não gostou?

—É obvio que sim. Mas agora o conheço, e sem importar o que disser neste momento, mais tarde o lamentará.

Produziu-se um comprido e tenso momento; logo Devina assentiu e lentamente se afundou no assento. Entretanto, em vez de fechar a porta ou colocar o cinto de segurança, ficou olhando por cima do volante enquanto as luzes do painel iluminavam seu precioso rosto.

—Sinto muito, Jim. Não sei por que lhe pedi isso… Não é justo para ti nem para ele nem para mim. É que estou tão sozinha que estou fazendo más eleições e não estou atuando corretamente.

Merda, ele sabia exatamente o que sentia.

—Está bem. Isso acontece.

Agachou-se para poder olhá-la nos olhos, e ao fazê-lo, ficou furioso com Vin. Não sabia esse idiota o que tinha? Pelos pregos de Cristo, ninguém era perfeito, e a topada que acabavam de ter no clube o demonstrou por ambas as partes. Mas vamos!

—Olhe, Devina, falaste com ele? Trataste de explicar o… —Maldita seja! Jim não podia acreditar que tinha estado a ponto de deixar escapar a palavra. —Tentaste lhe explicar como se sente?

—Sempre está tão ocupado. —Ao olhá-lo a expressão de seus olhos era sombria e insondável—. Mas talvez poderia lhe falar você por mim? Dizer que lhe amo e que quero estar com ele…

—Espera… para aí… —De acordo, isso era quase tão má idéia quanto tivessem tido relações sexuais outra vez—. Não sou a classe de cara que…

—Por favor. Jim, por favor. Está claro que gostou de você e me acredite, isso não passa muito freqüentemente. Simplesmente poderia lhe dizer o que falamos aqui fora e que, embora forme parte de minha vida, sinto falta dele. Quero dizer, não sou idiota. Sei que classe de homem é. Fazer dinheiro sempre vai ser importante para ele, e há benefícios ao estar com alguém assim. Mas tem que haver mais. —Seus olhos pareceram cintilar—. Não pensa que tem que haver algo mais na vida, Jim?

Quando sentiu essa cativante atração estendendo-se e tratando de apoderar-se dele, ficou em pé.

—Sim, mas essas coisas deve dizer-lhe você mesma.

Por um momento pensou ver certa crueldade cintilando em seus olhos, mas logo ela voltou a assentir e colocou o cinto sobre seus seios.

—Vin não é quem pensava que era. —Devina arrancou o motor e pôs o M6 em marcha—. estive esperando que ele se animasse, confiasse em mim e me quisesse, mas não aconteceu, e estou perdendo a força para seguir esperando, Jim na verdade a estou perdendo.

—Comprou-te um anel.

Quando virou a cabeça bruscamente, Jim foi totalmente consciente de que não só tinha transpassado os limites, como que tinha acelerado a fundo e se foi a merda. Entretanto, mantê-la na vida do Vin era de primitiva importância.

—Tem-no feito? —ofegou.

—Só espera um pouco mais. —Cristo, talvez podia falar com o Vin essa noite. Deus sabia que Jim era um bom mentiroso, e neste caso, por uma vez suas motivações eram boas: podia tratar de sustentar que o matrimônio era algo no que valia a pena acreditar—. Olhe, me deixe passar um tempo com ele, ok?

—OH, obrigado. —Estendeu as mãos e estreitou as dele—. Muito obrigado. De verdade quero fazer que isto funcione.

Soprou um beijo e fechou a porta. Indo para um lado, observou-a sair do estacionamento e acelerar pela rua Trade, o motor passando pelas marchas deslizando-se como um raio.

Jim franziu o cenho e pensou que se isso era o que ela considerava não saber como utilizar a mudança de marchas, gostaria de saber exatamente o que significava para ela ter habilidade.

Merda, necessitava um cigarro.

Com um estalo continuado e um zumbido, um carro se aproximou do muro de tijolos do clube e estacionou sob um dos sinais de somente-para-empregados. Dele saíram duas mulheres logo que vestidas, com seios estilo Playboy e pernas tão magras como palitos, que se detiveram ao vê-lo.

—Ouça! —disse a loira com um sorriso sexy—. Vais entrar no clube?

Sua amiga levava um penteado que parecia uma colméia ao estilo Amy Winehouse e um colar no que se soletrava PUTA com diamantes.

—Bem, Você gostaria de entrar conosco pela porta traseira?

A insinuação era muito óbvia para o gosto do Jim, e esse colar ao redor de seu pescoço significava que ele estava longe de estar interessado em ir se ela estava envolvida… Mas se isso o salvava de dar toda a volta ao clube nessa fria noite? Genial, obrigado senhora.

Enquanto Jim se aproximava um gorila lhes abriu a porta às damas.

—Está conosco —disse a ruiva ao cara—. É meu primo.

—O que há, amigo. —O gorila tendeu os nódulos e Jim os chocou.

—Prazer em conhecê-lo.

Depois que estiveram dentro, o cara voltou a fechar a porta e falou com o comunicador inserido em sua orelha.

—Na frente? Bem. Vou. Merda, garotas, temos uma briga na parte do público geral. Será melhor que fiquem aqui até que termine.

—OH, encontraremos algo para fazer —brincou a loira.

—Ou a quem fazer - a interrompeu a da colméia, tomando o braço do Jim e esfregando-se contra ele.

Ele se soltou.

—Tenho um amigo me esperando.

—Macho ou fêmea? —perguntou a loira.

—Macho.

—Perfeito para um encontro duplo. O clube está por esse caminho… nos vemos em um segundo.

A do cabelo em forma de colméia se inclinou até seu ouvido.

—Se pensar que agora me vejo bem, espera a ver-me com a roupa de trabalho.

Apressaram-se a entrar através de uma porta com o letreiro de VESTUÁRIO DE DAMAS, deixando-o no escuro corredor pensando que se foram colocar algo menor do que aquilo que já tinham posto, as duas iam sair com vestidas com selos postais.

Enquanto se encaminhava para o clube propriamente dito, uma prostituta morena dobrou a esquina que havia mais adiante e se dirigiu diretamente para ele. Reconheceu-a imediatamente como à mulher que Vin tinha estado olhando em realidade, quando a némesis em látex de Devina tinha estado lhe rogando atenção, e Jim não se alegrou de ver quem vinha atrás dela: esses dois jovens grandões estavam muito perto, e a expressão de seus rostos indicava que a tinham encurralado até esse escuro e solitário corredor porque queriam algo que evidentemente ela não estava interessada em lhes dar.

Jim olhou acima e abaixo. O corredor tinha uns bons doze metros de comprimento e uns três de largura, e deixando de lado a porta com o letreiro de ESCRITÓRIO, que estava bastante afastada, perto da saída, o vestuário era a única oportunidade que tinha para desfazer-se deles.

E os gorilas já estavam ocupados com alguma classe de alvoroço.

Jim plantou os pés e se preparou para intervir… quando como saído de um nada, apareceu Vin na porta onde estava o clube, com aspecto de ter chegado à mesma conclusão de isto-não-está-bem. A grandes passos, Vin estava cortando a distância rapidamente, mas o drama alcançou primeiro ao Jim.

—Disse que não —soltou bruscamente a mulher, por cima do ombro.

—As mulheres como você não têm direito a dizer que não.

Bom, o grande equívoco, agora mesmo. Jim se interpôs no caminho dos tipos e lhe falou com a mulher por cima do ombro.

—Está bem?

Quando ela se voltou para o Jim, ficou claro por sua expressão afetada e o terror em seus olhos que estava mantendo a integridade só à força de vontade.

—Sim. Só estou tomando um descanso.

—Por quê? Já te cansou a boca?

Jim se encarou com o tipo que tinha falado.

—Por que não desiste de uma puta vez?

—Quem é você? Outro de seus fanfarrões? —O FDP[26] estendeu o braço ao redor dele e a agarrou pelo pulso—. Por que não a deixa fazer…?

Vin diPietro, que tinha fechado a distância, moveu-se como se ainda levasse a rua no sangue. Antes que Jim entrasse em ação, esteve sobre o que tinha estabelecido o contato indesejado, agarrando o bíceps desse braço e rompendo o contato do tipo sobre a mulher ao girar bruscamente o menino. Não disse nada. Não tinha que fazê-lo. Estava preparado para arrebentar o bode, seus olhos cinza já não eram frios, a não ser vulcânicos.

—Me solte o maldito braço! —gritou o vândalo.

—Me obrigue.

Jim deu uma olhada à mulher.

—Meu colega e eu vamos nos encarregar disto. Por que não vais procurar uma taça de café e diz as outras duas garotas que fiquem contigo. Darei um grito quando terminar a lição de maneiras.

Ela desviou os olhos para Vin. Era evidente que não gostava de aceitar ajuda, mas não era estúpida. Dada a excitação que evidenciavam os olhos dos universitários, não era somente bebida o que os estimulava, mas também um pouco de coca ou anfetaminas. O que significava que as possibilidades de que a situação piorasse rapidamente eram altas.

—Vou chamar um segurança —murmurou enquanto abria a porta do vestuário.

—Me faça um favor —disse Vin, ainda contendo a força o menino—. Não chame ninguém.

Ela sacudiu um pouco a cabeça e saiu rapidamente do corredor.

E nesse momento foi quando apareceu a faca na mão do menino silencioso.

Deixando que Vin tratasse com a parte faladora do casal, Jim deu um passo à frente e antecipou a direção de onde ia provir a investida com a faca. Ah, sim, o fodido idiota ia pela direita com o fio porque era destro, assim só era questão de esperar…

Jim agarrou ao tipo a meia investida, agarrando de improviso seu pulso, girando-o rapidamente, e aplicando pressão na articulação até que a arma caiu no chão. E justo quando lançou a cara do bastardo contra a parede, Vin começou uma briga a socos, evitando um golpe de comprido alcance, para logo lhe atirar com os nódulos nus como um boxeador. Seu impacto foi para deixá-lo sonoramente aturdido… mas o problema com os estimulantes ilegais era que procurava, além da possibilidade de cometer um delito grave e o vício, a segurança das propriedades anestésicas.

Por isso o menino da odiosa, e agora ensangüentada, boca não parecia sentir nada. Respondeu o golpe com um gancho no rosto do Vin que conectou. Ambos enlouqueceram, convertendo o corredor em um octógono de artes marciais… e olhe como se dá a merda: Vin era o agressor e o castigador do casal.

Para lhe dar bastante espaço à sova que estava propinando, Jim arrastou seu peso morto fora do caminho, disposto a manter as coisas civilizadas enquanto seu montão de merda mantivera os problemas e as opiniões ao mínimo.

Entretanto, o imbecil teve que abrir a boca. Simplesmente teve que fazê-lo:

—Por que te importa uma merda o que faça uma puta? Merda, é só um coração pulsando e um buraco.

A visão do Jim flutuou, acendeu-se e apagou, mas se conteve e olhou para cima, ao teto. Efetivamente havia câmeras a intervalos regulares… o que significava que tudo estava sendo gravado. Por outra parte… ele e Vin tinham sido o bastante preparados para deixar que seus oponentes lançassem o primeiro golpe e tirassem a arma, assim legalmente podiam argumentar defesa pessoal.

E ainda mais, dois fodidos-imbécis em idade-escolar que tinham estado consumindo drogas ilegais não iam querer informar uma merda à polícia.

Assim não havia nenhuma razão para não acabar com isto.

Jim apertou sua mão sobre o pulso do menino, afirmou-a segurando também a parte superior do braço, e puxou para trás para poder lhe sussurrar ao ouvido.

—Quero que respire profundamente. Vamos, agora… te concentre. Te acalme e respira profundamente para mim. Isso…

Jim apertou e apertou um pouco mais até que a dor cortou qualquer resistência. E quando detectou a suficiente docilidade na respiração regular, com um rápido giro deslocou esse braço diretamente da articulação do ombro. O grito resultante foi forte, mas a música da pista de baile afogou o eco. E esse era o motivo pelo qual, tomando-o tudo em consideração, os clubes não eram um mau lugar para brigar.

Quando o menino se afrouxou contra o chão, Jim se ajoelhou frente a ele.

—Odeio os hospitais. Acabo de sair de um. Sabe o que fariam a alguém que apresentasse uma lesão como a tua? Voltariam-lhe a pôr o braço em seu lugar. Vêem, me deixe mostrar isso.

Jim tomou o membro quebrado e não se incomodou em dizer ao tipo que respirasse fundo. Simplesmente aplicou a pressão adequada para que o osso voltasse a saltar a seu lugar. Esta vez não houve gritos… o FDP desmaiou.

No início de sua tentativa de converter-se em ortopedista, Jim levantou o olhar para ver como estavam as coisas com a outra metade da briga… e obteve um panorama completo de Vin socando o fígado de seu oponente como se fosse massa de pão. O Universitário estava se debilitando muito e parecia regiamente vencido, tinha as mãos levantadas não para dar socos, mas para proteger-se deles… e seus joelhos se chocavam entre eles como se estivesse perdendo o equilíbrio rapidamente.

O que teria sido genial a não ser pelo fato de que tinham um problema.

Tinham atraído a atenção, no extremo do corredor havia um assíduo cliente do clube olhando em sua direção. As luzes eram tênues, mas não tão tênues. Tinham que sair desse fodido lugar.

—Vin, temos que ir —disse Jim entre dentes.

Vin não registrou a notícia de último momento e não lhe surpreendia, dada a brutal concentração que estava emprestando a sua briga. Merda, ao porrete com o galinheiro; se lhe permitia seguir, ia matar ao menino. Ou como mínimo ia converter o idiota em um vegetal do tamanho de um defensor de futebol.

Jim se levantou, preparado para intervir com algo mais que palavras.

 

Vin estava fodidamente se divertindo.

Fazia anos desde que lançara socos em mais do que um saco de areia no ginásio, e tinha se esquecido como era boa a sensação de expressar fisicamente sua opinião a respeito de um imbecil — diretamente na cara do sujeito. Cara, tudo isso estava de volta, a postura, o poder, o foco.

Ele ainda os tinha. Ainda podia lutar.

O problema era que, como tudo o que era bom, a festa teve que vir a um fim e se revelou não ser da variedade do oponente-nocauteado — embora dado o modo como as pernas do garoto de faculdade estavam cambaleando, se Vin tivesse apenas mais um tempinho...

Mas não, Jim acabou com a diversão, fechando uma mão pesada no ombro de Vin e arrancando-o para fora de alcance.

— Temos uma platéia.

Ofegando como um touro, Vin levantou rapidamente o olhar para o corredor. Realmente, um cara de óculos e bigode estava encarando a todos eles, sua expressão como se tivesse sido testemunha de um acidente de carro.

Antes que qualquer um pudesse reagir, porém, a porta de trás do clube se abriu e um homem Afro-Americano veio andando a passos largos em direção à briga, parecendo como se fosse capaz de arrancar o pára-lama da frente de um carro. Com os dentes.

—Que diabo esta acontecendo na minha casa?

A mulher de cabelos escuros de Vin saiu do vestiário.

— Trez, os dois com camisas de caveiras são o problema.

Vin piscou como um idiota ao ouvir o bonito som de sua voz, entretanto tornou a focalizar e empurrou com força o rosto do primeiro garoto na parede.

—Sinta-se livre para terminar o que comecei aqui,— ele disse para o dono do clube.

Jim puxou seu pacote frouxo de garoto de fraternidade para fora do chão.

—Este aqui segurava a faca.

O cara chamado Trez examinou os garotos.

—Onde está a arma? Jim chutou a coisa e o dono se curvou e a levantou. —A polícia foi chamada?

Todo mundo lançou os olhos para a mulher, e enquanto ela sacudia negativamente a cabeça, Vin se encontrou incapaz de desviar o olhar. Do outro lado do clube ela tinha feito seu coração disparar; de perto fazia a coisa parar totalmente: Seus olhos eram tão azuis que faziam-no lembrar de um céu de verão.

—Acho que estes garotos estão acabados,— Trez disse com aprovação. —Belo trabalho.

—Onde você os quer? Jim perguntou.

—Vamos levá-los de volta para fora.

Olha pra mim, Vin pensou em direção à mulher. Olha pra mim outra vez. Por favor.

—Entendido,— Jim disse, e começou a arrastar sua carga corredor abaixo.

Depois de um momento, Vin seguiu o exemplo, puxando o outro cara consigo. Quando chegaram à porta, Trez abriu caminho como um perfeito cavalheiro e deu um passo para o lado.

—Em qualquer lugar que quiserem,— o dono disse.

Jim “quis” a parede de tijolo à esquerda, enquanto que Vin preferiu o lado oposto — Assim que ele jogou o garoto de bunda no chão, congelou.

As luzes de segurança ao redor da porta brilhavam sobre as cabeças dos garotos, lançando um sólido manto de iluminação por todo o caminho até seus pés. Dessa forma, suas sombras deveriam estar no asfalto. Elas não estavam. Todos os dois tinham halos escuros no tijolo atrás de suas cabeças, um par idêntico de coroas cinza esfumaçadas que se entrelaçavam muito ligeiramente.

—Oh... Cristo,— Vin sussurrou.

O garoto que ele esteve batendo ergueu o olhar com olhos que estavam mais cansados do que hostis.

—Por que você está olhando para gente assim?

Porque vocês vão morrer hoje à noite, ele pensou.

A voz de Jim foi registrada de longe:

—Vin? O que é que há?

Vin se sacudiu, e rezou para que aquelas malditas sombras desaparecessem. Sem sorte. Tentou esfregar os olhos na esperança de mandá-las embora — e descobriu que seu rosto doía demais pelos socos que levara para lidar com aquele tipo de atenção.

E as sombras prevaleceram.

Trez acenou com a cabeça sobre seu ombro em direção ao clube.

—Se você dois puderem se dirigir para dentro, vou ter uma palavrinha com estes dois cabeças-de-merda. Só pra ter certeza de que ficou perfeitamente claro para eles em que pé as coisas estão.

—Tá. Legal. Vin se forçou a mover, mas quando chegou à porta, lançou um olhar para os garotos. —Tomem cuidado... Mantenham-se vigilantes.

—Foda-se,— foi o que recebeu de volta. O que significava que eles estavam tomando isto não como um conselho, mas como uma ameaça.

—Não, eu quero dizer...

—Venha,— Jim disse, empurrando suas costas para dentro do prédio. —Vamos lá.

Deus, talvez ele estivesse errado. Talvez simplesmente precisasse fazer um exame nos olhos. Talvez tivesse uma enxaqueca em outros vinte minutos. Mas qualquer que fosse a explicação, não poderia voltar para onde tinha estado com esta merda. Ele simplesmente não conseguiria lidar com aquilo.

No corredor, Jim segurou seu braço.

—Você levou um golpe forte na cabeça?

—Não. Embora, dado o quanto seu rosto estava arrasado, isso não era totalmente verdade. —Eu estou bem.

—Seja como for. Vamos dar ao dono um minuto lá fora e quando ele entrar novamente, te levarei pra minha caminhonete.

—Eu não vou embora até ver aquela... — a mulher. Lá na porta do vestiário.

Vin dirigiu-se a ela, fechando todas as suas paranóicas e loucas confusões em sua cabeça e se concentrando nela.

—Você está bem?

Ela colocara um casaco por cima de sua roupa reveladora, e a coisa caía por suas coxas, fazendo-a parecer o tipo de mulher quisesse tomar em seus braços e segurá-la por toda a noite.

—Você está bem? Ele repetiu quando ela não respondeu.

Seus olhos, aqueles impressionantes olhos azuis dela, finalmente se voltou para seu rosto... e ele sentiu aquilo outra vez, aquela carga de alto calibre transpassando-o, avivando-o.

Os lábios dela se ergueram num pequeno sorriso.

—A questão é mais... se você está? Quando Vin franziu as sobrancelhas, ela fez um movimento em volta do rosto dele. —Você está sangrando.

—Não está doendo.

—Eu acho que vai...

Duas outras mulheres borbulharam para fora do vestiário como um par de cachorros tagarelas, falando um quilômetro por minuto, as mãos abanando como rabos, as correntes de ouro ao redor de suas cinturas saltando e tilintando como penduricalhos numa coleira. Felizmente, foram todas para cima de Jim, mas por outro lado, elas poderiam ter arrancado a saia e desfilado na frente de Vin e ele não teria notado.

—Eu sinto muito sobre aqueles caras,— ele disse a mulher de cabelos escuros.

—Está tudo bem.

Deus, a voz dela era adorável.

—Qual é o seu nome?

A porta de trás do clube se abriu e o cara chamado Trez se aproximou a passos largos.

—Obrigado novamente por cuidarem das coisas.

A conversa cresceu, mas Vin não estava interessado em ninguém além da fêmea a sua frente. Ele a estava esperando responder. Com esperanças de que ela responderia.

—Por favor,— ele disse suavemente, —me diga o seu nome.

Depois de um momento, a mulher de cabelos escuros se virou para o dono.

—Se importa se eu o limpar no vestiário?

—Vá em frente.

Vin olhou rapidamente de volta para seu companheiro de luta.

—Tudo bem em esperar um tempinho, Jim?

O rapaz acenou com a cabeça.

—Especialmente se isso significar que você não sangrará por toda a minha caminhonete.

—Eu não tomarei muito o tempo ele,— a mulher disse.

Não era problema nenhum, Vin pensou. Até onde lhe interessava, ela podia tomar o seu tempo para sempre — ele se deteve. Devina poderia ter se irritado, mas ela estava em sua casa, em sua cama neste exato momento. Ele lhe devia mais que o modo como estava se portando com esta outra fêmea.

Pelo menos, você pensa que sabe onde Devina está, sua voz interior assinalou.

—Venha,— a mulher lhe disse enquanto abria a porta do vestiário.

Vin olhou de volta para Jim por alguma razão — e a expressão que encontrou era completamente do tipo vigie-a-si-mesmo-meu-caro.

Vin abriu a boca, preparado para ser razoável e se segurou.

—Eu volto num instante, Jim,— foi tudo o que saiu.

 

Cadela. Puta. Prostituta.

Ele não conseguia acreditar. Ela estava se prostituindo. Vendendo seu corpo para homens que a usavam para o sexo. A realidade era incompreensível.

A princípio, não fora capaz de entender a fundo o que parecia estar acontecendo. Seria ruim o suficiente se ela fosse uma bartender ou uma garçonete ou, Deus me livre, uma dançarina numa gaiola em um clube como este — mas então a vira caminhando por aí com seus seios a mostra e suas coxas nuas para os olhos de outros homens.

E ela teve o que mereceu por fazer o que fazia: Aqueles dois jovens a perseguiram com uma presa, tratando-a exatamente como homens tratavam mulheres como ela.

Ele acompanhara enquanto o par a arrastava para o corredor, e assistiu quando aquela briga estourou. Fora incapaz de se mexer, tão grande era seu choque. De todas as coisas que imaginara que ela fizesse, de todas as suposições que fizera sobre como era a vida dela ali em Caldwell, não era aquilo.

Isso não estava acontecendo.

Enquanto os molestadores eram esmurrados no corredor, ele regressou pela multidão e arrancou para fora da frente do clube numa urgente neblina, não tendo nenhuma ideia do que estava fazendo ou onde estava indo. O ar frio da noite não clareou sua cabeça ou sua confusão, e ele circulou o estacionamento sem plano algum. Quando entrou em seu simplório carro, se fechou lá dentro e respirou com dificuldade.

Foi quando a raiva o atingiu. Grandes ondas de fúria despejaram por seu corpo, fazendo-o suar e tremer.

Sabia que seu temperamento o colocara em dificuldade antes. Sabia que esta fúria fervente era um problema, e lembrou o que lhe foi ensinado na prisão. Conte até dez. Tente se acalmar. Lembre-se da imagem segura...

O movimento na parte de trás do clube fez sua cabeça voltar a si.

Uma porta se abriu e os dois garotos que a tinham perseguido foram jogados como sacos de lixo na calçada pelas pessoas que vieram ao resgate dela. Um homem negro ficou do lado de fora no frio e falou com ambos os ofensores por um momento e então retornou ao clube.

Por trás do volante, ele encarou fixamente os jovens.

A força do relâmpago o atingiu como sempre o fazia, enxugando tudo para fora do caminho: Sua fúria se condensou e então cristalizou, se fechando no par que estava na porta de trás, toda a raiva e a sensação de traição e a fúria e a confusão que aquela mulher tinha criado sendo apontados para aqueles dois.

Se movendo, aturdido, reconferiu que o bigode falso e os óculos estavam onde deveriam estar. As chances eram muito boas de haverem câmeras de segurança na parte de trás do clube, e tendo sido pego por gente como eles antes, mesmo em sua fúria sabia o suficiente para não fazer isto na frente das lentes curiosas, mesmo com um disfarce.

Então ele esperou.

Eventualmente, os garotos de faculdade ficaram de pé rigidamente, um deles cuspindo sangue, o outro segurando seu braço como se tivesse medo que viesse a cair de seu torso. Encarando um ao outro, eles discutiam, se bem que as ásperas palavras que compartilhavam não pareciam nada além de teatro mudo porque ele estava muito longe para ouvir o que estavam dizendo. Mas a briga não durou muito tempo. Eles caíram em silêncio razoavelmente depressa, como se tivesse perdido a vontade coletiva, e após olharem um pouco ao redor, cambalearam para o estacionamento como bêbados.

Provavelmente porque suas cabeças estavam dando voltas por causa dos golpes que tinham levado.

Quando passaram pelo seu carro, deu uma boa olhada neles. Pele clara, olhos claros, ambos tinham um brinco ou dois. Seus rostos eram do tipo que se via no jornal, não na seção de criminosos, mas abaixo do cabeçalho do Esportes da Faculdade.

Saudáveis, jovens, com muita vida pela frente.

Não havia nenhum pensamento consciente enquanto alcançava debaixo do assento e depois saía detrás do volante. Ele fechou a porta do carro tranquilamente e se posicionou atrás dos jovens. Enquanto se movia silenciosamente, estava agindo e nada mais.

O par foi para a última fila do estacionamento e tomaram à direita... Entrando numa beco apertado. Sem janelas.

Se lhes tivesse pedido para encontrarem um pouco de privacidade, possivelmente não poderiam ter sido mais complacentes.

Ele os seguiu até que estivessem a meio caminho abaixo dos edifícios, bem no meio do duplo quarteirão. Com suave controle, nivelou a boca da arma em direção às costas fortes e jovens na frente dele e se deteve com o dedo no gatilho.

Eles estavam adiante uns bons dez metros, seus descuidados passos largos cortando pela lama, seus inconstantes torsos apresentando-se como alvos em movimento.

Mais de perto seria melhor, mas não queria esperar ou arriscar assustá-los.

Ele puxou o gatilho, o alto pop! seguido por um movimento desordenado e um baque no chão. O segundo do par se virou.

O que significou que o garoto foi derrubado por uma bala que atravessou bem na frente do tórax.

A satisfação o fez voar nas alturas, embora seus pés permanecessem no asfalto. A livre expressão de sua raiva, a formigante, orgástica libertação, o fez sorrir tão amplamente que o gélido vento foi registrado em seus dentes da frente.

A alegria não durou. A visão dos dois deitados lado a lado e gemendo imergiu tudo o que incendiava seu cérebro, deixando uma porção completa de horror racional: Ele acabara de se foder. Estava em liberdade condicional, pelo amor de Deus! O que estava pensado?

Ele contornou enquanto os garotos se contorciam em câmara lenta e em vermelho ensanguentado. Jurara que nunca mais se encontraria nesta situação novamente. Jurara isto.

Enquanto parava, percebeu que ambas as suas vítimas estavam olhando pra ele. Dado que eles ainda estavam respirando, era difícil ter certeza se iriam morrer ou não, só que mais tiros não iriam ajudar a situação.

Ele enfiou a arma na parte inferior de suas costas e tirou sua parca, enrolando-a num travesseiro de Gor-Tex[27] e se abaixou. Ele se curvou sobre o mais alto primeiro.

 

Ele era lindo, Marie-Terese pensou.

O homem que a protegera era absolutamente lindo. Cabelos escuros e grossos. Pele morena. Um rosto que, mesmo com contusões, era surpreendentemente atraente.

Perturbada por tanto, Marie-Terese puxou uma das banquetas em frente da penteadeira e procurou se recompor.

—Se você sentar aqui, eu vou buscar uma toalha.

O homem que tinha lutado por ela olhou em volta e ela procurou ignorar o que ele estava vendo: os sapatos salto agulha esfolados, a mini-saia rasgada pendurada no banco, as toalhas espalhadas aqui e ali, o par de collants de liga envolto na borda do espelho iluminado, os sacos no chão.

Levando-se em conta o magnífico e fino terno preto que ele usava, aquele tipo de caos barato não era definitivamente algo a que ele estivesse acostumado.

—Sente-se, por favor,— disse ela.

Os olhos cinzentos do homem pousaram nela. Ele devia ser uns vinte centímetros mais alto do que ela, e a largura dos ombros fazia facilmente duas dela. Mas ela não se sentia desconfortável perto dele. E não estava com medo.

Por Deus, a colônia dele era deliciosa.

—Você está bem? ele disse de novo.

Não era uma pergunta, mas sim uma calma exigência. Como se ele não fosse deixá-la fazer nada com relação ao estado do seu rosto até ter certeza de que ela não ficara ferida.

Marie-Terese pestanejou.

—Estou... ótima.

—E o seu braço? Ele apertou com bastante força.

Marie-Terese subiu a manga do suéter que tinha colocado.

Está vendo...?

Ele se inclinou para ela e a mão dele estava quente ao envolver o pulso dela. Quente e suave. Não estava apertando. Nem exigindo. Ou ... possuindo. E sim, gentil.

De repente, ela ouviu a voz daquele universitário na sua cabeça: Você não é uma mulher.

O desagradável insulto fora dito com a intenção de ser cruel e de ferir, e fora bem sucedido... mas principalmente porque era o que ela pensava sobre si mesma. Não era uma mulher. Não era...nada. Apenas um vazio.

Marie-Terese afastou o braço do toque do homem e recolocou a manga no lugar. Ela não conseguia suportar a compaixão dele. Estranhamente isso era mais difícil de suportar do que o insulto.

—Você vai ficar com um hematoma,— ele disse suavemente.

O que ela estava fazendo mesmo? Ah...sim. Toalha de rosto. Limpá-lo.

—Sente aqui. Eu não demoro.

Indo para o banheiro, ela tirou uma tolha branca de uma pilha junto da pia, pegou uma bacia pequena, e um pouco de água quente da torneira. Enquanto ela aguardava que a água aquecesse, se olhou no espelho. Seus olhos estavam arregalados e um pouco alucinados, mas não por causa dos dois que tinha sido tão grosseiramente inoportuno e desrespeitoso. O responsável era o seu salvador com as mãos suaves sentado na banqueta do lado de fora ... aquele homem que parecia um advogado, mas que lutara como Oscar De La Hoya.

Quando ela voltou para perto da penteadeira estava um pouco mais calma. Pelo menos até os seus olhos encontrarem os dele. Ele a estava fitando como se absorvesse a imagem dela junto do seu corpo, e o que a tornou pouco confortável não foi o modo como ele a olhou, mas o fato dela se sentir da mesma forma que ele.

Não tão vazia.

 

—Você já viu o seu estado? perguntou ela, apenas para ter algo para dizer.

Ele negou com a cabeça e não pareceu se importar o bastante para desviar o olhar dela em direção ao espelho atrás dele. Ela pousou a bacia e colocou um par de luvas de látex antes de se dirigir até ele e umedecer a toalha.

—Tem um corte na face.

—Tenho?

—Prepare-se.

Ele não estava preparado, ainda assim não vacilou quando ela tocou na ferida aberta.

Dab...dab...dab... (pequenas pancadinhas no rosto e a toalha voltava à bacia, ouvia-se um pequeno tilintar quando ela espremia a toalha)

Ele fechou os olhos e entreabriu os lábios, o tórax subindo e descendo calmamente. Assim tão de perto ela conseguia ver a sombra da barba que começava a crescer sobre o maxilar direito, e cada um dos seus longos e negros cílios, bem como os seus cabelos fortes e bem aparados. Algum dia ele fizera um furo na orelha direita, e era óbvio que há muitos anos ele não usava nada no orifício.

—Qual o seu nome? ele perguntou numa voz gutural.

Ela nunca dera a John seu verdadeiro nome. Mas ele não era apenas um John, ou era?

Se ele não tivesse aparecido naquele momento, as coisas podiam ter ficado feias para o lado dela: Trez estava afastado do clube, os seguranças resolvendo uma desavença no bar, e o saguão dava acesso direto ao estacionamento. Bastaria poucos minutos e aqueles dois garotões podiam tê-la colocado em um carro e...

—Você tem sangue na camisa,— ela disse, voltando à bacia.

Que grande conversadora era, pensou.

Ele ergueu as pálpebras, mas não olhou em direção a si mesmo. Ele olhou para ela.

—Eu tenho outras camisas.

—Aposto que sim.

Ele franziu a testa um pouco.

—Esse tipo de coisa acontece com você muitas vezes?

Com qualquer outra pessoa ela teria encerrado a questão com um rápido —claro que não—, mas ela sentiu que, depois do que ele fez por ela no saguão, ele merecia uma resposta mais verdadeira.

—Há alguma chance de você ser um tira encoberto? ela murmurou. —Não que você tenha que responder, mas eu tinha que perguntar.

Ele enfiou a mão no bolso do casaco e tirou um cartão.

—Não há qualquer hipótese de eu ser um policial. Eu não estou tão ilegal como eu costumava, mas eu não seria aceitável para um crachá, mesmo que eu quisesse um. Assim, ironicamente, você pode confiar em mim.

Ela olhou para o que ele lhe deu. O Grupo diPietro. O endereço no centro de Caldwell. Cartões muito caros, logotipo profissional muito chamativo, e um monte de números e endereços de correio eletrônico para entrar em contato com ele. Quando ela pousou o cartão no balcão, o seu instinto lhe disse que a parte de ele não estar envolvido com o Departamento de Polícia de Caldwell era verdade. ... Mas e aquela questão da confiança? Ela não confiava mais nos homens.

Especialmente um por quem ela se sentia atraída.

—Então, isso acontece muito? ele disse.

Marie-Terese voltou ao trabalho, limpando-lhe o rosto, trabalhando da bochecha em direção à boca.

—A maioria dos clientes é correta. E a gerência olha por nós. Eu nunca fui ferida.

—Você é... uma bailarina?

Por um momento ela alimentou uma fantasia em que lhe dizia que tudo o que ela fazia era passar o tempo em uma dessas gaiolas, mostrando alguns movimentos e não sendo mais do que uma mera atração visual. Ela até podia adivinhar o que ele faria. Ele respiraria fundo de alívio e passaria a relacionar-se com ela como se ela fosse como qualquer outra mulher que lhe tivesse despertado a atenção. Sem complicações, sem implicações, nada exceto um pequeno flerte entre duas pessoas e que poderia acabar na cama.

O silêncio dela fê-lo tomar fôlego e não foi algo do tipo

—Oh, Deus—. Conforme ele inspirava, os músculos ao redor do pescoço se comprimiram como cordas esticadas, como se ele estivesse evitando estremecer.

O fato era este: Ela nunca mais teria um relacionamento normal com um homem. Ela tinha um segredo obscuro, do tipo que você tinha de medir quanto tempo poderia passar até ter que se revelar – caso contrário você seria uma mentirosa por omissão.

—Como estão as suas mãos? ela disse para preencher o vazio.

Quando ele as suspendeu, ela inspecionou os dedos. Os direitos estavam feridos e sangrando, e quando ela colocou a toalha para passar neles, ela perguntou:

—Você socorre mulheres a toda a hora?

—Não, em absoluto. Você perdeu um brinco, falando nisso.

Ela tocou a orelha.

—Sim, eu sei. Eu pretendia colocar um outro par hoje. Mas...

—A propósito, eu me chamo Vin. Ele estendeu a mão e aguardou. —Muito prazer.

Noutras circunstâncias ela teria sorrido. Há dez anos e uma vida atrás, ela teria sorrido enquanto as palmas se tocavam e apertavam. Agora ela só sentia tristeza.

—Muito prazer, igualmente. Vin.

—O seu nome?

Ela retirou a mão da dele e baixou a cabeça para se concentrar nos nós dos dedos dele.

—Marie-Terese. Meu nome é ... Marie-Terese.

 

Ela tinha olhos lindos.

Marie-Terese, a do encantador nome francês, tinha uns olhos absolutamente formosos. E ela era gentil com as mãos, cuidadosamente o limpava com essa toalhinha quente como se seus cortes e arranhões fossem algo importante.

Droga, ele queria entrar em uma outra luta apenas para que ela pudesse fazer-se de enfermeira novamente.

—Você provavelmente devia ir ao médico—, disse ela, batendo gentilmente a toalha contra seus dedos quebrados.

Distraidamente, ele observou que o pano turco que antes fora branco agora estava rosado de seu sangue, e ele estava feliz porque ela tinha colocado luva, não porque ele fosse HIV positivo, mas porque ele esperava que o gesto fosse generalizado e significasse que ela se protegia a si mesma por causa do que fazia para ganhar a vida.

Ele esperara que ela apenas dançasse. Ele realmente esperara isso.

Ela lavou a toalha.

—Eu disse que você devia ir ao médico.

—Eu ficarei bem—. Mas será que ela ficaria? O que teria acontecido se ele e Jim não tivessem surgido?

Deus, ele tinha tantas perguntas de repente. Ele queria saber por que alguém como ela mantinha aquele tipo de trabalho. Ele queria saber que crueldade a trouxera para aquele lugar. Ele queria saber ... o que ele poderia fazer para ajudar, não apenas essa noite, mas amanhã e depois.

Só que ele não tinha nada que ver com isso. Indo mais direto ao ponto, ele sentia que se a pressionasse por detalhes, ela se fecharia.

—Posso lhe fazer uma pergunta? ele disse, porque não conseguiu evitar.

Ela parou com a toalha.

—Tudo bem.

Ele sabia que não deveria fazer o que estava prestes a fazer, mas não podia lutar contra a esmagadora atração que ela lhe despertava. Aquilo não tinha nada a ver com sua mente e tinha tudo a ver com o seu... tudo bem —coração— era demasiado melodramático. Mas o que quer que o estivesse impelindo veio direto do seu peito.

Tudo bem. Talvez o seu peito estivesse mesmo a fim dela.

—Você aceita jantar comigo?

A porta para o vestiário foi aberta e a prostituta de cabelos ruivos que teria provocado a saída de Devina entrou.

—Oh! Me desculpem...eu não sabia que tinha gente aqui. Quando ela olhou para Vin, os lábios vermelhos brilhantes se ampliaram em um sorriso falso que sugeriu que ela sabia exatamente quem estava no vestiário.

Marie-Terese afastou-se dele, levando a toalha quente, a bacia de água e as mãos macias com ela.

—Nós já estávamos saindo, Gina.

Vin aproveitou a deixa e se levantou. Enquanto amaldiçoava a interrupção da ruiva, ele interceptou seu olhar repleto de maquiagem fixo no balcão e se lembrou que ela tinha mais direito de estar ali do que ele.

Marie-Terese entrou no banheiro, e ele a imaginou lavando a bacia e enxaguando a toalha, e em seguida tirando as luvas. Ela sairia de lá e ele iria se despedir ... e ela ia tirar o suéter e voltar para a multidão.

Olhando a porta por onde ela passou, enquanto a prostituta ao lado dele tagarelava, uma estranha sensação tomou conta de Vin. Era como um nevoeiro se reunindo no chão e trepando por suas pernas, sobre o seu peito, até atingir seu cérebro. Ele se sentia subitamente quente por fora e frio por dentro...

Droga, ele sabia o que era aquilo. Ele sabia exatamente o que estava se passando. Haviam se passado muitos anos, mas ele sabia onde essa constelação de sensações levava.

Vin se agarrou à banqueta e se deixou cair sentado sobre ela novamente. Apenas respire, seu grande idiota. Respire…

—Pelo que vejo a sua namorada foi embora,— a ruiva ia dizendo enquanto se aproximava dele. —Está a fim de companhia?

Mãos com unhas cor de sangue, longas como garras, se estenderam e deslizaram pela lapela manchada. Ele livrou-se dela com um gesto descuidado.

—Pare com isso....

—Tem certeza?

Oh, meu Deus, ele estava ainda mais quente do lado de fora, ainda mais frio no interior. Ele tinha que acabar com isso... porque ele não queria a mensagem que estava chegando até ele. Ele não queria a visão, a comunicação, o olhar, a visão do futuro, mas ele era o telégrafo, impotente para negar a recepção das cartas enviadas a ele.

Primeiro fora o homem no elevador, depois aqueles dois lá fora ... agora isso.

Ele exorcizou o lado escuro de si mesmo anos atrás. Por que ele regressava justo agora?

A ruiva esfregou-se contra o seu braço e se inclinou junto ao seu ouvido.

—Deixe-me cuidar de você...

—Gina, lhe dê um descanso, sim?

Vin moveu os olhos em direção da voz de Marie-Terese e abriu a boca para tentar falar. Nada saiu. Pior, enquanto ele olhava para ela, ela se transformou em um turbilhão que sugou sua visão, tudo ficou embaçado, exceto ela. Ele se preparou para o que estaria por vir – o tremor começou a seus pés, da mesma forma que o nevoeiro começara, e subiu para o seu corpo, tomando conta dos seus joelhos, barriga e ombros...

—Como queira, eu não preciso suplicar,— Gina disse dirigindo-se para a saída. —Divirta-se com ele - ele não parece muito a fim de diversão de qualquer jeito.

—Vin? Marie-Terese aproximou-se. —Vin, você está me ouvindo? Você está bem?

 

As palavras borbulhavam fora dele, a voz não era sua, a possessão superando tudo o mais, de tal forma que ele não sabia o que falou porque a mensagem não era para ele, mas para a pessoa a quem ele escrevia.

Seus ouvidos captaram apenas algo sem sentido:

—Theio lskow po... Theio lskow po... —Ela empalideceu e recuou, levando a mão à garganta.

—Quem.

—Theio... po... lskow...

A voz de Vin era profunda e sombria e sem sentido para ele, mesmo quando tentava ouvir as sílabas corretamente, tentando decifrar em sua cabeça o que estava dizendo a ela: Essa era a pior parte de sua maldição, ele não podia fazer nada para alterar o futuro, porque ele não sabia o que previu.

Marie-Terese se afastou dele até que bateu contra a porta, o rosto pálido e os olhos esbugalhados. Com mãos trêmulas, ela se atrapalhou para abrir a porta e desaparecer dali, desesperada para fugir dele.

Foi a ausência dela o que trouxe Vin de volta à realidade, afastando-o do lugar que o aprisionara, quebrando as correntes que o transformaram num fantoche de... ele não sabia o quê. Ele nunca sabia o quê. Desde a primeira vez que ele fora possuído, ele não tinha qualquer pista tanto com relação ao que significava tudo aquilo, quanto com relação ao que ele falou ou o porquê. De todas as pessoas do planeta, tinha que ser logo ele o escolhido para suportar aquele terrível fardo.

Bom Deus, o que ele devia fazer? Ele não poderia funcionar em seu negócio ou sua vida com invasões como esta. E ele não queria voltar aos tempos de garoto, quando as pessoas pensavam que ele estava louco.

Além disso, isso não deveria estar acontecendo. Ele tinha resolvido o assunto.

As mãos plantadas nos joelhos, a cabeça caída sobre os ombros, a respiração superficial, os cotovelos fechados, tudo isso o mantinha de pé. Foi assim que Jim encontrou.

—Vin? O que está havendo, campeão? Você teve uma concussão?

Se fosse só esse o caso. Ele bem que escolheria uma hemorragia cerebral em vez daquela coisa falando-em-línguas. Vin se forçou a encarar o amigo. E porque a sua boca evidentemente não perdera ainda a sua dose de independência, ele se ouviu dizendo:

—Você acredita em demônios, Jim?

O rapaz franziu a testa.

—Perdão?!

—Demônios...

Houve uma grande pausa; até que Jim disse:

—Que tal se a gente levar você pra casa? Você não parece estar muito bem.

O modo como Jim tratou o assunto foi um lembrete da forma polida como as pessoas lidavam com os malucos na vida. Embora, havia muitos outros tipos de reação, da precipitada saída de Marie-Terese chegando até a crueldade absoluta… que era o que tinha obtido quando era menino.

E Jim estava certo. Sua casa era exatamente o lugar para onde ele precisava ir, mas dane-se, ele queria encontrar Marie-Terese e lhe dizer... o quê? Que entre os 11 e os 17 anos ele sofria esses “episódios” regularmente? Que eles o fizeram perder amigos e conseguiram que fosse rotulado de aberração e fizeram com que tivesse que aprender a lutar? Que ele sentia muito por ela ter ficado apavorada duas vezes na mesma noite?

Ou, mais importante, que ela deveria encarar o que quer que ele tenha dito como a verdade do evangelho e se proteger? Por que ele nunca se enganava. Ele sofria as penas do Inferno... mas o que quer que ele dissesse sempre acontecia.

Foi aliás assim como ele soube que nunca eram boas notícias. Mais tarde, alguém na periferia, ou até a própria pessoa (um ele ou uma ela), contaria a ele o que ele dissera e o que significava. Deus, como o rescaldo da verdade o horrorizava. Quando era garoto e se assustava com mais facilidade, ele ia para o quarto, fechava a porta e se escondia embaixo dos cobertores, numa trêmula perturbação.

Da mesma forma que via gente morta, ele previa o futuro. Do tipo ruim, sangrento e destrutivo.

Então em que tipo de problemas estaria Marie-Terese envolvida?

—Vamos lá, Vin. Vamos embora.

Vin olhou para a porta do vestiário. Provavelmente, a melhor coisa que poderia fazer por ela seria partir tranquilamente – todas aquelas explicações só iriam envolvê-la e assustá-la mais ainda. Mas isso não iria ajudá-la a evitar o que estava vindo na direção dela.

—Vin ... me deixe levar você daqui.

—Ela corre perigo.

—Vin, olhe para mim. O rapaz apontou para seus dois olhos. Olhe para mim. Você vai para casa agora. Você bateu com a cabeça lá no salão e aparentemente estiveste considerando seriamente o perder o conhecimento. Entendo que não queira ver um médico, está bem. Mas diz tolices se acredita que for permitir que esta merda continue por mais tempo. Vêem comigo… agora.

Diabos, esse desfecho incoerente, com a desorientação e confusão, com esse medo acerca do que ele dissera e os seus sentimentos fora de controle – droga, até mesmo a expressão de “Que diabos?” estampada no rosto de Jim… ele lembrava de tudo isso. Tantas vezes… Vin passara por isso tantas vezes e tantas vezes, e ele simplesmente odiava isso.

—Você está certo— ele disse, tentando deixar tudo de lado. —Você está absolutamente certo.

Ele teria sempre a chance de voltar mais tarde e falar com ela, quando as coisas assentassem. Como amanhã. Isso. Ele voltaria no dia seguinte assim que o clube abrisse. Era o melhor que ele podia fazer.

Saindo da banqueta com cuidado, ele foi até onde ela deixou seu cartão de visitas sobre a penteadeira. Tirando uma caneta para fora ele escreveu duas palavras na parte de trás e, em seguida, olhou para todas as bolsas. Ele sabia exatamente de que marca era a dela. Além do Ed Hardys rosa e roxo e o Gucci e as duas idênticas Harajuku Lovers ... Havia uma lisa preta sem sequer um logotipo da Nike sobre ela.

Depois de dobrar o cartão dentro dessa, ele caminhou para a porta, com os ombros doendo, sua mão direita começando a latejar, as costelas enviando-lhe agulhadas toda vez que ele respirava. A —bosta suprema—, porém, era a dor de cabeça sobre as têmporas que não tinha nada que ver com a luta. Ele sempre tinha uma depois... depois do que raio se chamasse aquilo.

Já no saguão ele olhou para todos os lados e não viu sinal de Marie-Terese.

Por um momento, a compulsão para encontrá-la bateu forte e quente, mas quando Jim segurou o seu braço, ele colocou a sua fé na racionalidade do outro homem e se permitiu ser levado até a saída traseira do clube.

—Espere aqui.

Jim bateu na porta do gerente, e quando saiu, houve uma outra rodada de —obrigados— e depois Vin deu consigo respirando ar claro e frio. Cristo… que noite.

 

No estacionamento do clube Vin caminhou por entre fileiras de carros, porém ele não prestava muita atenção... pelo menos não até que ele viu o cara de bigode e óculos que testemunhara a luta do topo do corredor. Felizmente, quando eles se cruzaram, o homem baixou os olhos dando a entender que não queria nenhum problema e continuou puxando seu casaco, como se tivesse saído para ir buscar o carro.

Quando chegaram ao caminhão, Vin deslizou para o banco do passageiro e cuidadosamente esfregou o rosto dolorido.

Deixando a cabeça cair para trás, ele ignorou o turbilhão de dor que estava fazendo o seu crânio latejar. E a cabeça ficou ainda pior quando lhe ocorreu que, enquanto ele se dirigia de volta para casa, Marie-Terese havia retornado ao trabalho. O que significava que ela estava com outros homens, nesse exato momento, dando a eles...

Ele teria que parar de ir lá antes que ficasse completamente louco.

Olhando pela janela, ele via o reflexo da iluminação dos postes surgir e desaparecer sempre que Jim virava à esquerda, à direita ou parava em algum cruzamento no caminho para o Commodore.

Quando eles chegaram a uma paragem em frente ao arranha-céus, Vin soltou o cinto de segurança e abriu a porta. Ele não tinha idéia se Devina ia estar no duplex, ou se em vez disso se dirigira até a casa que ela ainda mantinha nos arredores do velho mercado de Caldie.

Ao mesmo tempo em que ele mantinha a esperança de que ela não estivesse em sua cama, ele estava se sentindo um canalha.

—Obrigado, — disse a Jim quando saltou do carro. Antes de fechar a porta, ele se inclinou. —A vida é muito doida, às vezes .... Você nunca sabe o que vai acontecer, não é mesmo?

—É isso aí. —O cara passou a mão calejada pelos cabelos. —Ouça, vá ficar com sua mulher. Entenda-se com ela, ok?

Vin franziu a testa em sinal de que lhe ocorrera algo.

—É tudo? Eu e você? Estamos conversados?

Jim expeliu o ar dos pulmões mostrando desapontamento por seu conselho amoroso estar sendo ignorado. —Não, não completamente.

—Por que você não diz logo o que você quer dizer?

Jim apoiou o antebraço na parte superior do volante e olhou através do banco. No silêncio, seus pálidos olhos azuis pareciam envelhecidos.

—Eu disse a você porque eu estou aqui. Seja bom com Devina e depois vá dormir um pouco antes que você caia duro.

Vin balançou a cabeça.

—Conduza com cuidado.

—Ok.

O caminhão partiu e Vin subiu os degraus que levavam à entrada do Commodore. Passou o cartão magnético na entrada, abriu uma das portas e entrou no átrio em mármore. Na recepção, o velho guarda de segurança noturno ergueu o olhar e quando reparou no rosto de Vin deixou cair a caneta que estava segurando.

O inchaço devia estar aparecendo. O que provavelmente explicava o fato de Vin ter dificuldade em piscar normalmente um dos olhos.

—Sr. diPietro ... o sr...

—Espero que você tenha uma noite tranquila—, Vin disse enquanto caminhava até a porta do elevador. —Obri... gado.

No trajeto até o imóvel, Vin teve uma boa amostra do que provocara a queda da caneta das mãos do segurança. Nos espelhos mal iluminados do elevador, ele olhou para o seu nariz rebentado e o machucado no rosto e para o início de um olho roxo que ele ia ter de manhã.

De súbito, ele sentiu no rosto palpitações acompanhando as batidas do seu coração. O que o fez desejar não ter visto o seu reflexo e quem sabe assim seu rosto não teria se manifestado.

Chegando no 28º andar, ele saiu para o corredor e tirou a chave do bolso. Enquanto manuseava a fechadura ele concluiu que, naquela noite, sua vida saíra perdendo no confronto com aquele garoto. Tudo parecia estar errado. Fora do lugar.

Ele esperava que não fosse o começo de uma tendência.

Vin abriu a porta, parou para escutar e foi atingido por uma exaustão profunda. Não houve alarme de segurança para desativar e podia ouvir a televisão murmurando no andar de cima: Ela estava em casa. Esperando por ele.

Forçando-se a entrar, ele trancou a porta, reativou o alarme e recuou contra a parede. Quando conseguiu suportar, ele olhou para o topo da escada de mármore e observou a luz bruxuleante em tons azulados produzida pelo programa que estava passando.

Parecia um filme antigo, algum tipo de especial Ginger Rogers-Fred Astaire. Tudo indicava que ele teria que subir e enfrentar a música, por assim dizer.

Enquanto o som típico dos anos 40 ondulava para fora do quarto ele imaginou que Devina estaria acomodada nas almofadas revestidas com fronhas Frette, vestindo uma de suas delicadas camisolas de chiffon. Quando ele entrasse ela ficaria chocada com seu rosto e tentaria cuidar dele – e ela iria querer se desculpar por ter desaparecido do clube, bem como por ter feito de tudo para não ser encontrada na noite anterior.

Ou ela tentaria. Ele não estava a fim de sexo nessa noite.

Pelo menos... não com ela.

—Droga—, ele murmurou.

Maldição! Ele queria dirigir de volta para o clube, mas não para tentar mudar a opinião de Marie-Terese sobre ele. Ele queria sacar de quinhentos dólares e comprar algum tempo com ela. Ele queria beijá-la, puxá-la contra o seu corpo e percorrer com as mãos o interior de suas coxas. Ele queria a língua dele na boca dela, o peito dele contra os seios dela e ele a queria ofegante e úmida. Ele queria que ela o deixasse possuí-la.

A fantasia o deixou imediatamente duro, mas não durou muito, nem as imagens quentes nem a ereção.

O que matou a fantasia foi a memória dela naquele casaco. Ela estava tão pequena. Tão... frágil. Não era um objeto a ser comprado, mas uma mulher em um negócio brutal, cedendo seu corpo por dinheiro.

Não, ele não queria tê-la assim.

Quando ele se conscientizou da brutalidade que envolvia aquela forma de ganhar a vida, Vin concluiu que obviamente ela estava em perigo. A prova era o que acontecera nessa noite. Os homens não eram confiáveis quando sexo estava em jogo, inclusive ele próprio era tão culpado como eles de pensar com a cabeça debaixo. Como agora, por exemplo.

Desesperado por uma bebida, Vin foi até ao bar na sala de estar. Devina desligara as luzes. Mas a lareira elétrica estava ligada e suas chamas tremulavam ao redor das paredes tornando-as líquidas, as sombras se agitando como se seus passos estivessem sendo monitorados enquanto ele se movia pela sala.

 

Com a mão magoada, ele se serviu de um Bourbon e o bebeu, sentindo ardor num dos cantos da boca.

Olhou em volta avaliando tudo o que seu dinheiro comprara e naquela iluminação difusa tudo parecia estar derretendo em volta dele, o papel de parede se derramando em pedaços, as prateleiras se deformando, os livros e os quadros se desfigurando em fantásticas formas —Daliescas[28].

Em meio à distorção, ele fixou o olhar no teto e vislumbrou a imagem de Devina acima dele.

Ela era só mais uma coisa que ele tinha comprado, não? Ao dar-lhe roupas, viagens e jóias e dinheiro para gastar ele não fizera mais do que comprá-la.

E ele havia comprado ontem aquele diamante não porque fosse seu desejo que ela aceitasse a pedra como um símbolo de amor mas porque era apenas mais uma parte da transação em curso.

De fato ele nunca dissera a Devina que a amava, não porque fosse emocionalmente reprimido, mas sim porque ele não nutria esse sentimento com relação a ela.

Vin sacudiu a cabeça até que seu cérebro se agitasse o suficiente para que a sala voltasse ao normal. Após beber de um trago o resto do Bourbon, ele encheu o copo com outra dose. A qual ele bebeu. E serviu mais uma. E novamente bebeu de um trago. E deitou mais um pouco.

Ele não tinha idéia de quanto tempo aguentou de pé bebendo na frente do bar, mas ele foi capaz de ver o nível de bebida na garrafa caindo. E após o nível descer uns 10 cm, ele decidiu simplesmente terminá-la e levou a garrafa Reserva Woodford com ele até ao sofá com vista panorâmica.

Admirando a cidade lá fora, ele foi ficando realmente bêbado. Saturado. Intoxicado. Tão alcoolizado que não conseguia sentir as pernas ou os braços e teve que deixar sua cabeça cair para trás contra a almofada, porque não podia erguê-la mais.

Algum tempo depois, Devina apareceu nua atrás dele, o seu reflexo no vidro revelando-a junto ao arco da sala.

Por entre a confusão mental associada ao seu estado dormente, ele conseguiu perceber que havia nela algo errado ... na forma como ela se moveu, no cheiro dela.

Ele tentou levantar a cabeça para ver com mais clareza, mas era como se a maldita estivesse colada na parte de trás do sofá, e por mais que se esticasse até sua respiração ficar bloqueada na garganta, ele não conseguiu se mover.

Mais uma vez a sala foi se degradando, tudo se assemelhando a uma má experiência alucinógena. Ele estava impotente. Congelado. Vivo e morto ao mesmo tempo.

Devina não permaneceu atrás dele.

Ela contornou o sofá, e ele foi ficando de olhos arregalados enquanto ela se aproximava. O corpo dela estava em decomposição, com as mãos contorcidas em forma de garras, seu rosto, nada além de um crânio com tiras de carne cinza pendurada nas bochechas e queixo. Enclausurado dentro de seu corpo paralisado, ele lutou para fugir, mas não havia nada que pudesse fazer enquanto ela se aproximava.

—Você fez um negócio, Vin—, disse ela numa voz sombria. —Você conseguiu o que queria e um negócio é um negócio. Você não pode voltar atrás.

Ele tentou sacudir a cabeça, tentou falar. Ele não a queria mais. Não em sua casa, não na sua vida. Alguma coisa mudou quando ele viu Marie-Terese, ou talvez tenha sido Jim Heron – apesar de não ter ideia de qual a importância que aquele cara teria. Mas qualquer que fosse o motivo, ele sabia que não queria Devina.

Não na sua mais bela forma e certamente que muito menos na atual.

—Sim, você, Vin—. Sua voz horrível não estava apenas em seus ouvidos; ela vibrava por todo o seu corpo. —Você me pediu para vir até você e eu dei o que você queria e muito mais. Você fez um bom negócio e você sugou tudo o que eu trouxe para sua vida, você comeu, bebeu, fodeu - Eu sou responsável por tudo isso e você está em dívida comigo.

De perto, ela não tinha olhos, apenas órbitas em carne viva que eram autênticos buracos negros. E ainda assim ela o viu. Tal como Jim havia dito, ela olhara realmente para ele.

—Você tem o que você queria, inclusive eu. E há um preço e um pagamento para tudo. Meu preço é ... você e eu juntos para sempre.

Devina montou em cima dele, colocando um joelho esquelético em cada lado de suas coxas, e plantando as horríveis e retalhadas palmas das mãos em seus ombros. O cheiro da carne podre entranhava em suas narinas, e as arestas bicudas de seus ossos o cortavam. As mãos horrendas foram para a braguilha e ele encolheu-se dentro de sua pele.

Não... não, ele não queria isso. Ele não queria ela.

Perante os esforços de Vin para abrir a boca e sem conseguir mover o maxilar, ela sorriu, seus lábios de cera se abrindo e revelando os dentes sustentados por gengivas negras.

—Você é meu, Vin. E eu sempre tomo o que é meu.

Devina friccionou o seu sexo, que estava duro pelo terror, e o colocou entre as pernas. Ele não queria isso... ele não a queria. Não...

—Tarde demais, Vincent. É hora de eu tomar posse de você, não apenas neste mundo, mas no próximo. Com isso, ela o possuiu, seu corpo em decomposição envolvendo o dele, comprimindo a sua carne num gélido raspar.

A única coisa que se movia sobre seu corpo, além dela, eram suas próprias lágrimas. Elas escorriam do rosto descendo pela garganta, e eram absorvidas pela gola da camisa. Preso debaixo dela, possuído contra a sua vontade, ele tentou gritar, tentou alcançar...

—Vin! Vin- acorde!

Ele abriu os olhos de repente. Devina estava bem na frente dele, seu rosto bonito em estado de pânico, as mãos elegantes vindo em sua direção.

—Não!— - Ele gritou. Empurrando-a, ele ergueu-se mas ultrapassou o limite de suas forças caindo de cara direto no tapete, aterrando no chão com a mesma intensidade que o copo.

—Vin ...?

Ele virou-se de costas e levantou os punhos preparado para lutar com ela.

Só que ela não estava mais vindo atrás dele. Devina estava esparramada no sofá onde ele estivera sentado, com os cabelos brilhantes sobre as almofadas em que ele estivera recostado, sua pele pálida e perfeita evidenciada por uma camisola de cetim cor de marfim. Seus olhos estavam como os dele haviam estado, arregalados, apavorados, confusos.

Ofegante, ele apertou o peito acelerado e tentou decifrar o que era real.

—Seu rosto—, disse ela finalmente. —Deus ... sua camisa. O que aconteceu?

Quem era ela? perguntou-se. O sonho ... ou o que via agora?

—Por que você está me olhando assim?, Ela sussurrou, levando a mão à garganta.

Vin olhou para a braguilha. Estava fechada e seu cinto amarrado, seu sexo mole em suas cuecas boxer. Olhando ao redor da sala, ele descobriu que tudo estava como sempre, em perfeita ordem de luxo, as chamas da lareira provocando um efeito deslumbrante.

—Droga ... ele gemeu.

Devina sentou-se lentamente, como se estivesse com medo de assustá-lo novamente. Olhando para a garrafa no chão ao lado do sofá, ela disse:

—Você está bêbado.

Grande verdade. Podre de bêbado. A ponto de ele ter dúvidas se conseguiria suportar... ao ponto de poder começar a ter alucinações... ao ponto de talvez nada daquilo ter acontecido. O que seria uma bênção.

Sim, a idéia de que tudo aquilo não passara de um pesadelo provocado pelo excesso de Bourbon o acalmou mais do que se respirasse fundo muitas vezes.

Com um impulso, ele tentou se levantar, mas perdeu o equilíbrio, e então deu uma guinada e bateu na parede.

—Aqui, deixe-me ajudá-lo.

Ele levantou a mão para detê-la.

—Não, fique... longe. Eu estou bem. Estou ótimo—. Vin se recompôs e, quando recuperou o equilíbrio, ele olhou para o rosto dela. Tudo o que ele viu foi amor e preocupação e confusão. Mágoa, também. Ela parecia não ser mais do que uma mulher espetacularmente atraente que se preocupava com o homem que estava olhando. —Eu estou indo para a cama—, disse ele.

Vin saiu da sala, e ela o seguiu pelas escadas em silêncio. Ele tentou não se sentir perseguido, lembrando a si mesmo que não era ela o problema. Era ele.

Quando chegou à porta de entrada para o banheiro, ele disse:

—Me dê um minuto.

Depois de se trancar lá dentro, ele ligou o chuveiro, tirou a roupa, e ficou debaixo da água quente. Ele não sentia o jato, mesmo com o rosto rebentado, e tomou isso como prova de que por mais bêbado que se julgasse, ele deveria ser um pouco mais generoso em sua avaliação.

Quando ele saiu, Devina estava esperando com uma toalha para ele. Ele não permitiu que ela o secasse, embora ela, sem dúvida, tivesse feito um trabalho melhor, e colocou umas calças de pijama apesar de normalmente dormir nu.

Eles se deitaram na cama, lado a lado, mas sem se tocar, a televisão cintilando como se fosse uma lareira com chamas azuis. Em um momento de loucura, ele se perguntou se as paredes também se derreteriam ali também, mas não. Elas permaneceram as mesmas.

Na TV, Fred e Ginger estavam dançando ao redor, o vestido dela esvoaçando abertamente, a cauda do fraque dele também.

Ou Vin não estivera fora por muito tempo ou então aquela estava sendo uma maratona naquele canal que ela havia escolhido.

—Você não vai me dizer o que aconteceu? Devina disse.

—Foi apenas uma luta de bar.

—Não com Jim, espero?

—Ele estava do meu lado.

—Ah. Ainda bem—. Silêncio. Então, —Você precisa de um médico?

—Não.

Mais silêncio.

—Vin ... com o que você estava sonhando?

—Vamos dormir.

Quando ela pegou o controle remoto para desligar a TV, ele disse:

—Deixe.

—Você nunca dorme com a televisão ligada.

Vin franziu a testa, enquanto observava Fred e Ginger se movendo em sintonia, os olhos presos um no outro, como se não pudessem desviar o olhar.

—Hoje é diferente.

 

À manhã seguinte Jim foi despertado por batidas na porta.

Embora completamente dormido, acordou imediatamente… e com o canhão de uma pistola calibre quarenta apontada para o outro lado do escritório. Como as persianas da grande janela da frente e das duas pequenas que havia sobre a pia da cozinha estavam baixas, não tinha idéia de quem poderia ser.

E considerando seu passado, poderia não ser um amigo.

Cão, que estava amassado junto a ele, levantou a cabeça e emitiu um murmúrio inquisitivo.

—Não tenho idéia de quem é - respondeu Jim, saindo de debaixo das cobertas e indo, absolutamente nu, até o lado mais afastado das cortinas da janela da frente. Ao apartá-la ligeiramente, viu o M6 estacionado na entrada.

—Vin? —gritou.

—Sim. —A resposta lhe chegou amortecida.

—Espera um momento.

Jim voltou a pôr a arma na cartucheira que pendurava de um dos pilares de sua cama e colocou a cueca. Ao abrir a porta, viu que Vin DiPietro estava do outro lado, e tinha um aspecto espantoso. Apesar de ter se banhado, barbeado e trocado o traje por roupa sport de homem rico, seu rosto estava machucado e mostrava uma expressão lúgubre como o inferno.

—Já viu as notícias? —perguntou.

—Não. —Jim retrocedeu para que o tipo pudesse entrar. — Como me encontrou?

—Chuck me deu seu endereço. Teria chamado, mas você não tem telefone. —Vin foi até a TV e a ligou. Enquanto trocava de canal, Cão se aproximou e o farejou.

O tipo deve ter passado na inspeção, por que o animal se sentou sobre um de seus mocassins.

—Merda… não posso encontrá-lo… estava em todos os noticiários locais —murmurou Vin.

Jim jogou uma olhada ao relógio digital que havia junto a cama. Sete e dezessete. O alarme deveria ter soado às seis, mas obviamente se esqueceu de ligá-lo.

—O que saiu nas notícias?

Nesse momento, o Informativo da manhã trocou e começou a emitir uma atualização das notícias locais, e a quase formosa locutora da estação de Caldwell olhou a câmara com gravidade.

—Os cadáveres dos dois homens jovens que foram encontrados à altura do mil e oitocentos da rua Décima foram identificados como Bryan Winslow e Robert Gnomes, ambos de vinte e um anos de idade. —Na tela, à direita da cabeça da loira, relampejaram fotografias dos dois estudantes idiotas com os que Vin e ele tinham ajustado contas.— Aparentemente ambos foram vítimas de feridas de bala, seus corpos foram encontrados às quatro da manhã, por um dos clientes dos clubes noturnos. Conforme o que disse a porta-voz do Departamento de Policia, os dois compartilhavam um apartamento na Universidade Estadual de NY em Caldwell e foram vistos pela última vez quando se dirigiam ao Iron Mask, um clube local que está na moda. Até o momento não se encontrou nenhum suspeito. —A câmera trocou de ângulo e ela se voltou para o novo objetivo.— Em outro sentido, outro pedido de creme de amendoim foi…

Quando Vin o olhou por cima de seu ombro, tinha um ar centrado e calmo, o que sugeria que o fato que a polícia queria lhe chutar o traseiro não era desconhecido.

—Esse tipo de bigode e óculos que se achava no corredor enquanto estávamos brigando pode representar um problema. Nós não os matamos, mas há uma boa possibilidade de que as coisas se compliquem para nós.

Bastante certo.

Dando-lhe as costas, Jim foi até a bancada e tirou o café instantâneo. Havia menos de meio centímetro de pó no frasco, não era suficiente para preparar uma xícara, muito menos duas. Mas o melhor: de qualquer maneira era uma sujeira.

Voltou a deixar o frasco em seu lugar e foi para o refrigerador embora não havia nada dentro.

—Olá? Está aí, Heron?

—Ouvi o que disse. —E desejava mais que nada no mundo que não tivessem disparado a esses dois idiotas. Ver-se envolto em uma briga a murros era uma coisa. Estar comprometido em um tiroteio, outra totalmente distinta. Confiava plenamente em sua falsa identidade a nível local… depois de tudo, tinha sido fabricada pelo Governo dos Estados Unidos. Mas se havia algo que não necessitava absolutamente era ter a seus antigos chefes frente a frente, e que o Departamento de Policia o marcasse por assassinato faria que aparecesse em seu radar imediatamente.

—Eu gostaria de tratar isto com a maior discrição possível —disse, fechando a porta do refrigerador.

—A mim também, mas se o dono desse clube quer me encontrar, pode fazê-lo.

Isso era certo; Vin tinha dado seu cartão à prostituta que tinha resgatado. Isso se a bolsa negra era dela, e se ela não tivesse jogado a informação fora, o vínculo estava ali.

Vin se inclinou e arranhou o Cão detrás de uma de suas orelhas.

—Duvido que possamos nos manter totalmente à margem. De todos os modos, tenho excelentes advogados.

—Acredito que sim. —Merda, pensou Jim. Não podia sair fugindo a toda pressa da cidade… não quando aqui em Caldwell o futuro de Vin estava em jogo.

Bom, não era este contratempo justo o que precisava para a situação

Jim fez um gesto com a cabeça em direção ao banheiro.

—Escuta, será melhor que tome uma ducha e vá trabalhar. O tipo cuja casa estou construindo pode ser muito bode.

Vin levantou a vista e sorriu pela metade.

—Que gracioso, eu penso o mesmo de meu chefe… salvo que eu trabalho para mim mesmo.

—Ao menos é bastante consciente.

—Mais que você. É sábado. Assim não tem que ir à obra.

Sábado. Maldição, esqueceu-se em que dia da semana estava.

—Odeio os fins de semana —murmurou.

—Eu também… assim que os passo trabalhando.

Vin olhou a seu redor e se concentrou nas duas pilhas da lavanderia.

—Sempre tem a opção de limpar um pouco este lugar.

—Para que me incomodar? A que está à esquerda é a limpa, a que está à direita é a suja.

—Então deveria te pôr a lavar porque há um grão de areia que se está convertendo em montanha e não é um bom prognóstico para as meias limpas.

Jim levantou os jeans que tinha usado a noite anterior e os atirou sobre a “montanha” de roupa suja.

—Ei, caiu algo… —Vin se agachou e levantou o pequeno aro de ouro que tinha estado no bolso dianteiro na noite de quinta-feira.

— De onde tirou isto?

—Do beco que há atrás do Iron Mask. Estava no chão.

Os olhos do Vin se cravaram na coisa como se valesse muito mais que os dois dólares que provavelmente foi gasto para fabricá-lo ou dos quinze que tivessem pedido por ele ao vendê-lo.

—Incomodaria-te que o conservasse?

—Não, para nada. —Jim vacilou.— Estava Devina em sua casa quando chegou?

—Sim.

—Reconciliaram-se?

—Suponho que sim. —O tipo fez desaparecer o aro de ouro dentro do bolso do peito.

— Sabe, ontem à noite vi como te encarregava desse menino.

—Você não gosta de falar de Devina.

—Minha relação com ela é meu assunto e de ninguém mais. —Vin entrecerrou os olhos.

— Foste treinado para lutar, não é verdade? E não na academia de artes marciais de alguma praça comercial.

—Mantém informado se tiver notícias da polícia. —Jim se meteu no banheiro e abriu a torneira da ducha. Os encanamentos gemeram e repicaram e logo um jorro anêmico descreveu um arco para ir cair no chão de plástico do compartimento da ducha.

— E não te incomode em fechar a porta quando sair. Cão e eu estaremos bem.

O tipo olhou ao Jim através do pequeno espelho que havia sobre o lavabo.

—Não é quem diz ser.

—Quem o é?

Abruptamente, o rosto do Vin se escureceu, como se estivesse recordando algo horrível.

—Está bem? —Jim franziu o cenho.— Parece que viu um fantasma.

—Ontem à noite tive um mau sonho. —Vin passou lentamente a mão pelo cabelo.— Ainda não pude esquecê-lo. —Repentinamente, Jim ouviu a voz do tipo dentro de sua mente: Acredita nos Demônios? Quando Cão gemeu e começou a coxear e a deslocar-se de um a outro, ao Jim lhe arrepiou o cabelo da nuca.

—A respeito de quem era o sonho. —Não o expressou como pergunta.

Vin soltou uma risada tensa, pôs seu cartão de negócios sobre a mesa auxiliar e se encaminhou para a porta.

—A respeito de ninguém. Não sei de quem se tratava.

—Vin… conta-me. Que merda passou quando chegou a sua casa?

Quando o tipo saiu para o patamar da escada, a luz do sol entrou no lugar.

—Chamarei-te se a polícia entrar em contato comigo. Você faz o mesmo. Deixei-te meu cartão.

Evidentemente, não havia forma de pressioná-lo para falar desse tema.

—De acordo, está bem, faremos isso. —Jim lhe disse o número de seu celular e não lhe surpreendeu que Vin o memorizasse sem escrevê-lo.— E escuta, será melhor que te mantenha afastado desse clube.

Cristo sabia que acrescentar um jogo de grades da prisão a esta equação não ia facilitar as coisas. Além disso, Vin tinha olhado à prostituta de cabelo escuro da forma em que deveria olhar a Devina… o que significava que quanto menos tempo passasse com ela, melhor.

—Estarei em contato —disse Vin, antes de fechar a porta.

Jim olhou fixamente os painéis de madeira enquanto escutava os pesados passos baixar as escadas e logo o arranque de um poderoso motor. Depois que o M6 partisse fazendo ranger o cascalho do meio-fio, foi até a porta e deixou sair Cão e logo se meteu na ducha antes que o tanque de água quente de dois litros que tinha não tivesse outra coisa que oferecer salvo água fria.

Enquanto se ensaboava, voltou a ouvir a pergunta que Vin lhe tinha formulado a noite anterior.

Acredita nos Demônios?

 

Ao outro lado da cidade Marie-Terese estava sentada no sofá e tinha a vista fixa em um filme que não estava olhando. Era a… quarta seguida? A quinta? A noite anterior não tinha podido dormir. Nem sequer tinha tentado pôr a cabeça sobre o travesseiro.

Tinha ao Vin na memória… em sua mente e falando com essa voz estranha: ele vem atrás de você. Ele vem atrás de você.

Quando tinha entrado nesse transe tão raro no vestuário, a mensagem que tinha saído de sua boca tinha sido aterradora, mas o pior tinham sido seus olhos fixos. E a primeira reação dela? Não tinha sido De que demônio está falando? Não, ela tinha pensado Como sabe?

Como não tinha a menor idéia do que fazer ou de como comportar-se, e muito menos de como tratar a ele, tinha saído disparada do vestuário e tinha pedido a seu amigo que entrasse.

Baixou a vista para o cartão comercial que tinha na mão. Dando a volta pela centésima vez, fixou o olhar no que lhe tinha escrito: Sinto muito. Acreditava…

O som que soou a seu lado deu um susto de morte, fazendo que desse tal salto que o cartão se deslizou de sua mão e saiu voando.

Tranqüilizando-se, estendeu a mão para o celular que estava junto a ela no sofá, mas a chamada se perdeu antes que pudesse ver quem era e respondê-la. Dava-lhe igual… não tinha vontade de falar com ninguém e provavelmente fora engano.

O pequeno Nokia era o único telefone que tinha. O da cozinha, que estava conectado à parede não tinha tom porque nunca tinha ativado a linha. O assunto era que, por mais privado que pudesse ser um telefone residencial, sempre se podia penetrar em seu sistema de proteção de identidade muito mais facilmente que no caso de um celular, e lhe interessava muito o anonimato… e por esse motivo só olhava apartamentos que se alugavam com todos os serviços incluídos no aluguel mensal: dessa forma as contas permaneciam em nome do proprietário em vez de ser passadas a seu nome.

Enquanto deixava o telefone, pensou no passado, em como eram as coisas antes que tratasse de deixar Mark. Nesse momento, o nome de seu filho tinha sido Sean. E seu nome Gretchen. Seu sobrenome tinha sido Capricio.

E de fato era uma ruiva natural verdadeira. A diferença de Gina do clube.

Marie-Terese Boudreau era uma mentira absoluta, e o único que continuava sendo verdadeiro era sua fé católica. Isso era tudo. Bom, isso e a dívida que tinha com os advogados e o detetive particular.

Naquele momento, depois que tudo teve terminado, poderia ter optado por entrar num programa de proteção à testemunha. Mas os policiais podiam ser comprados… Deus sabia que seus ex e seus chefes lhe tinham ensinado isso. Assim depois de cumprir com seu dever com o fiscal do distrito e no momento em que Mark apresentou sua alegação por escrito, esteve oficialmente livre para fugir para o Leste, afastando-se o máximo possível de Las Vegas.

Deus, tinha odiado ter que explicar a seu filho que deviam trocar de nome. Preocupava-lhe que não a entendesse… salvo que quando começou a explicação, ele a deteve. Sabia exatamente o motivo pelo qual deviam fazê-lo e lhe disse que era para que ninguém soubesse quem eram.

Essa consciência simples lhe tinha quebrado o coração.

Quando seu celular voltou a tocar, levantou-o. Poucas pessoas tinham seu número: Trez, todas as babás, e o Centro para Mães Solteiras.

Era Trez e a conexão era má, sinal de que estava viajando.

—Está tudo bem? —perguntou-lhe.

—Viu as notícias?

—Estive olhando HBO.

Quando Trez começou a falar, Marie-Terese tomou o controle remoto e pôs na Estação NBC local. Só estavam passando o Informativo da manhã…

As notícias locais lhe congelaram até os ossos.

—De acordo —lhe respondeu.

— Está bem. Sim, é obvio. Quando? Muito bem, ali estarei. Obrigado. Adeus.

—O que acontece mamãe?

Antes de olhar seu filho, retomou o controle de seu semblante e reprimiu sua expressão. Quando finalmente se virou para ele, pensou que com esse pijama e arrastando a manta pelo chão parecia mais perto dos três anos que dos sete que tinha.

—Nada. Tudo está bem.

—Sempre diz o mesmo. —aproximou-se dela arrastando os pés e subiu ao sofá. Quando entregou o controlo, não trocou de canal para pôr Nickelodeon. Nem sequer olhou a TV.

—Por que esta assim?

—Assim como?

—Como se tivessem retornado aos maus tempos.

Marie-Terese se aproximou e lhe beijou a cabeça.

—Tudo vai estar bem. Escuta, vou chamar Susie, Rachel ou a Quinesha para que venham ficar contigo um momento. Tenho que ir ao trabalho um minuto.

—Agora mesmo?

—Sim, mas primeiro te farei o café da manhã. Cereais do tigre Tony?

—Quando voltará?

—Antes do almoço. Ou logo depois no máximo.

—Está bem.

Enquanto entrava na cozinha, chamou o serviço de babás do Centro de Mães Solteiras e quando começou a soar elevou uma prece. Quando respondeu a secretaria eletrônica, deixou uma mensagem e se derrubou na tarefa de encher uma tigela com flocos cristalizados.

Tremiam-lhe tanto as mãos, que de fato contribuíram a que o cereal saísse da caixa.

Aqueles dois universitários do clube estavam mortos. Tinham-lhes disparado no beco que havia atrás do estacionamento. E a polícia queria falar com ela porque a pessoa que tinha encontrado os corpos informou ter visto que a estavam acossando.

Enquanto tirava o leite, disse a si mesmo que era somente uma coincidência. No centro da cidade as pessoas sofriam violentos roubos todo o tempo, e aqueles meninos tinham estado claramente drogados. Possivelmente tivessem tentado fazer uma compra e a transação tinha fracassado.

Por favor que não tivesse nada que ver com ela, pensou. Por favor que sua antiga vida não a alcançasse.

A voz do Vin passou em sua mente. Ele vem atrás de você…

Resolvida a deixar de lado essa parte para não voltar-se louca de medo, enfocou-se no fato de que em menos de meia hora ia reunir se com a polícia. Trez parecia confiar plenamente em que seu álibi ia servir, que todo o verso eu-somente-sou-uma-bailarina era irrefutável. Mas Deus… e se a prendiam pelo que tinha feito?

Isso era outra coisa que tinha aprendido de seu marido: se os alicerces de sua vida eram inseguros, uma vez que os policiais começavam a fazer perguntas as paredes podiam começar a derrubar-se sobre você rapidamente

Esse tinha resultado ser o verdadeiro motivo pelo qual tinha tido que fugir. Ele e seus “amigos” tinham matado muitos “clientes” no negócio da “construção” e tanto os federais como a polícia local tinha saído em sua busca. No caso dela a graça salvadora tinha sido que ao ser meramente esposa de um deles, não tinha nem idéia a respeito de como funcionava a máfia. Por outro lado sua amante, sabia muito mais e apresentaram provas contra ela porque consideraram que era cúmplice.

Que complicado tinha sido tudo. Que complicado seguia sendo tudo.

Marie-Terese levou a tigela com cereais a seu filho e lhe entregou uma das duas bandejas que usavam quando assistiam TV. Enquanto perambulava por ali lhe batia tão forte o coração, que era um milagre que Robbie não pudesse escutá-lo, mas fez o melhor que pôde por permanecer tranqüila na superfície.

Evidentemente ele não se deixou enganar pela atuação.

—Nos vamos mudar outra vez, mamãe?

Deteve-se no processo de abrir as pernas da bandeja. Não mentia a seu filho —bom, na maioria dos casos não o fazia— mas não estava segura de como preparar suas palavras. Mas, em definitivo, não havia forma de fazer isso, verdade?

Quando seu celular voltou a tocar, antes de atender a chamada da babá, olhou a seu filho.

—Não sei.

 

Enquanto Vin conduzia pelo limite exterior de Caldwell, sua eficiência ao fazê-lo se devia a que o fazia em piloto automático e não que estivesse prestando alguma atenção, e era difícil precisar o que era que o crispava mais: a merda com esses meninos mortos ou o horrendo sonho com Devina.

Certamente a polícia ia aparecer no Iron Mask para um então-que-merda-passou-aqui?, e se alguém elevava sua voz para contar o ocorrido nesse corredor, iam querer ver o que tinham captado essas câmeras de segurança. E isso não seriam boas notícias. Embora fosse certo que nem ele nem Jim tinham dado o primeiro murro nem tirado a faca, eles seguiam respirando enquanto que aos outros dois tinham implantado um par idêntico de pacificadores de chumbo no peito.

E esse horrível pesadelo… tinha sido tão real que ainda podia sentir essas mãos ossudas obstinadas a seus ombros. Demônios, ao pensar nisso seu pênis se encolhia detrás de seu zíper, como se queria meter-se em seu intestino magro a hibernar.

Você fez um trato e tomaram tudo o que eu tenho contribuído para a sua vida, você comeu, o que você bebe, você fodeu ... Eu sou responsável por tudo isso e você me deve .

Trato? Que trato? Por isso ele sabia não havia feito nada pelo estilo com ela. Nem com ninguém mais.

Como fora, estava argumentando contra o conteúdo de um sonho. E isso era uma loucura.

Em definitivo, ia terminar sua relação com Devina tão rápido como pudesse… e não devido a que seu subconsciente tinha evidentes problemas com ela. O assunto era que sua relação não estava apoiada no amor e nem sequer se apoiava na paixão. Sentia paixão quando punha sua alma no sexo, e sem importar quantos orgasmos lhe tivesse dado ela, só seu corpo tinha estado envolvido.

Tinha pensado que isso seria suficiente. Tinha assumido que isso era o que desejava. Mas a primeira pista de que algo ia mal teve quando nem sequer pôde lhe formular a grande pergunta. E logo olhar a Marie-Terese aos olhos tinha fechado o negócio.

É obvio que isso não significava que ele e Marie-Terese se dirigiriam a olhar o pôr-do-sol de mão dadas; sua reação simplesmente lhe indicava que havia muitíssimas carências na relação que mantinha com a mulher com a qual tinha pensado casar-se.

Deus, a utilização do passado nessa oração era tão discordante como uma bofetada em pleno rosto.

Quando voltou a prestar atenção à estrada, soltou uma maldição ao dar-se conta de onde estava. Em vez de conduzir para seu escritório, que era o que se propôs, tinha terminado na rua Trade e enquanto passava em frente à entrada do Iron Mask, diminuiu a marcha. Havia dois carros de polícia em frente ao clube e um uniformizado junto à porta principal.

O mais inteligente era seguir conduzindo.

E isso fez. Mais ou menos.

Vin foi até a seguinte rua e dobrou à esquerda, dando a volta à quadra ao redor do clube, dirigindo-se para a parte traseira onde se estacionavam os carros. Assim que entrou no estacionamento se deteve. Na parte traseira havia mais carros de polícia, e no seguinte bloco tinham estendido a fita amarela, que utilizavam para delimitar a cena de um crime, entre dois edifícios.

Assim ali era onde tinham ocorrido os assassinatos.

O som da buzina de um carro atraiu seu olhar para o espelho retrovisor. Detrás dele havia um Toyota Camry verde escuro… e Marie-Terese estava no assento do condutor.

Pondo a alavanca de mudanças em ponto morto, puxou o freio de mão e saiu. Enquanto caminhava para o outro carro, ela baixou a janela… o que ele tomou como um bom sinal.

Homem, gostava do aspecto que tinha com o cabelo amarrado em um rabo de cavalo e vestida com um simples suéter vermelho de pescoço alto e jeans. Sem toda a maquiagem, era realmente formosa, e quando se inclinou não lhe chegou o aroma de nenhum perfume, a não ser o de lençóis recém tirados do varal, desses que eram como cheirar o sol.

Vin respirou profundamente e sentiu que a tensão de seus ombros desaparecia pela primeira vez em… sim, certo, como se pudesse recordar quando tinha sido a última vez.

—Também chamaram você? —perguntou-lhe, elevando o olhar para ele.

Ele se obrigou a prestar atenção.

—A polícia? Ainda não. Vai falar com eles agora?

Ela assentiu.

— Trez me chamou faz uma meia hora. Tive sorte de poder conseguir uma babá.

Babá? Seus olhos se desviaram para o volante onde tinha ambas as mãos. Não tinha anel de casamento, mas talvez tivesse noivo… embora que classe de homem deixaria que sua mulher fizesse o que ela fazia cada noite? Se fosse dele, Vin se prostituiria ele mesmo antes de permitir que ela o fizesse.

Merda… Como ia evitar a inevitável pergunta a respeito de qual era seu trabalho no clube?

—Escuta, se necessitar de um advogado, conheço alguns bons. —Bem, parecia que este era o dia para andar repartindo cartões de advogados.— Talvez devesse conseguir um antes de falar com a polícia, dado que você…

—Estarei bem. Trez não está preocupado, e eu não o estarei até que ele esteja.

Quando seus olhos saltaram de um lugar a outro, ele se deu conta que já tinha uma estratégia de saída, e não precisava ser Einstein para imaginar-se qual podia ser. Era evidente que, se as coisas ficavam muito feias, simplesmente desapareceria, e por alguma razão isso lhe assustava muitíssimo.

—Devo entrar —lhe disse, assinalando seu carro com a cabeça.— Me está bloqueando a entrada ao estacionamento.

—OH, sim. Claro. —Vacilou.

A pergunta que devia fazer lhe entupiu na garganta, obstruída pela convicção de não-é-nem-o-lugar-nem-o-momento e propulsada por um montão de e-se-não-quando?

—Tenho que ir. —Repetiu ela.

—O que lhe disse ontem à noite? No vestiário. Quando eu, já sabe… —quando ela empalideceu, quis golpear-se a si mesmo.— Quero dizer…

—Sinto muito, mas realmente tenho que ir.

Merda, não deveria ter trazido o tema a conversa.

Amaldiçoando em silêncio, deu um golpezinho com o punho sobre o teto do carro em sinal de despedida e se dirigiu para o seu. De volta no M6, pôs primeira, soltou a embreagem, e se deslizou fora do caminho, dando a volta lentamente ao tempo que ela estacionava de frente ao clube e saía do Camry.

O proprietário abriu a porta traseira enquanto ela se aproximava, e o tipo escrutinou o estacionamento, como se estivesse protegendo-a. Quando seus olhos chegaram ao M6, saudou-o com a cabeça, como se todo o tempo tivesse sido consciente de que Vin estava ali, e subitamente Vin sentiu uma pontada na têmpora, uma pressão que ia crescendo dentro de sua cabeça como se algo estivesse entrando a força nele. De repente, seus pensamentos se agitaram como se fossem um maço de cartas que tivesse sido empurrada para a superfície de uma mesa e tivessem voado em todas as direções, dispersando-se, algumas com a cara para cima, outras com a cara para baixo.

Do mesmo jeito que tinha começado, deteve-se, sua mente se endireitou e tudo, dos às aos curingas, voltou para seu lugar.

Enquanto fazia uma careta e esfregava a cabeça, Trez sorriu tensamente e lhe disse algo a Marie-Terese, que provocou que ela olhasse o M6 por cima do ombro. Antes que os dois entrassem, ela levantou a mão e o saudou, logo a porta se fechou atrás deles.

Começou a chover e os limpadores de pára-brisa do Vin se ativaram automaticamente, percorrendo o vidro de cima abaixo, de cima abaixo.

Seu escritório corporativo não estava longe dali, só a cinco minutos de distância, e tinha muito trabalho que fazer ali: planos arquitetônicos que revisar. Solicitações de autorização que aprovar antes de ser remetidas. Oferta de compra e venda de terrenos e casas que deviam ser respondidas. Inspeções que devia delegar. Molestas lutas entre empreiteiros que apaziguar.

Muita merda que fazer.

Salvo que evidentemente preferia esperar ali, como um cão, até que ela saísse. Patético.

Vin partiu, deixando o Iron Mask e dirigindo-se para o arranha-céu que estava junto à beira do rio. O edifício no que tinha seus escritórios era um dos mais novos e mais altos de Caldwell, e quando chegou, deslizou seu cartão de acesso e entrou na garagem subterrânea. Depois de deixar o M6 no lugar que tinha atribuído, subiu no elevador e em seu caminho para cima passou por andares cheios de escrivaninhas de advogados, firmas contáveis e companhias de seguros de renome.

O elevador emitiu um sino ao chegar ao andar quarenta e quatro, as portas se abriram e Vin saiu e caminhou a passo longos para a recepção. No alto da parede de uma intensa cor negra que estava detrás da mesma, realizado em letras douradas e iluminadas por abaixo estava o nome de sua empresa: DIPIETRO GROUP.

Grupo. Que mentira era essa. Embora uns vinte empregados tivessem seus escritórios ali, e em suas lista de nomes todas as semanas passavam centenas de empreiteiros e trabalhadores, estava ele e só ele.

Com cada passo que dava para seu escritório sobre o suntuoso tapete negro, sentia-se mais forte. Este negócio era algo que conhecia bem e que controlava… tinha construído toda a endemoninhada coisa dos mesmos alicerces, da mesma forma em que construía suas casas, até que a corporação se converteu na melhor e a maior de todas.

Quando entrou em seu escritório, que abrangia um dos lados do edifício, acionou o interruptor da luz e todos os painéis Tigerwood especialmente selecionados brilharam como se fossem raios de sol. Em meio de seu escritório negro, sobre uma mesinha, havia um envelope de papel pardo de tamanho legal e pensou que, uma vez mais ficava comprovado que Tom Williams sempre trabalhava tanto como ele.

Vin se sentou e abriu o envelope, tirou uma folha dobrada com o plano, já estudado e aprovado, de fracionamento de terra para as três parcelas de aproximadamente cem acres cada uma que acabava de comprar. O projeto que unificava as distintas granjas ia ser uma obra prima, cento e cinqüenta casas de luxo construídas no que agora era uma pradaria selvagem em Connecticut. O objetivo era atrair às pessoas de Stanford que costumavam viajar grandes distancia diariamente, e estavam dispostas a conduzir durante quarenta e cinco minutos para chegar ao trabalho com tal de poder viver ao estilo dos ricos e influentes de Greenwich.

Ia começar a demolição e a construção assim que as ofertas dos empreiteiros estivessem onde ele as desejava. A terra era perfeitamente sólida com um nível freático baixo, o que significava que os proprietários não iam ter que preocupar-se de que as adegas que instalassem em seus porões recebessem um banho todas as primaveras, e ia instalar um sistema subterrâneo unificado de encanamentos de água, eletricidade e esgotos. O primeiro passo, como tinha ocorrido com sua propriedade da península, seria demolir todas as granjas antigas e os celeiros, mas tinha decidido conservar as paredes de rocha que as circundavam para conservar algo de seu estilo nativo… sempre e quando não estorvassem seus planos.

Sentia-se bem com tudo isso, especialmente com o preço que tinha obtido em tudo. Era uma época difícil e suas ofertas eram mais que justas. Além disso, tinha mandado Tom negociar com as imobiliárias locais, e isso significava que esses pobres idiotas não tinham tido nem a mais remota possibilidade.

Tom era seu assassino com cara de bebê. O tipo tinha um Master em Gestão de Empresas de Harvard, uma tendência à maldade… e o aspecto de um menino de doze anos. O Doce-como-o-bolo-de-maçã Tom não tinha problemas para interpretar o papel de um conservador ambiental nem tampouco em fazer compromissos verbais impraticáveis para preservar a terra que de fato ia ser urbanizada.

Bom, agora não tinha problemas. A princípio, Vin tinha tido que adestrá-lo para isso, mas assim que o dinheiro começou a entrar realmente, o tipo se adaptou ao programa e o havia feito com esmero.

Faziam o ato do cão e o cavalo tantas vezes juntos, que era virtualmente algo mecânico, Tom acudia e persuadia aos possíveis clientes com seu encanto de ecologista radical enquanto que Vin dirigia e fazia funcionar a parte do dinheiro, a obtenção das permissões e as contratações. Essa precisamente tinha sido a forma em que tinham obtido a propriedade do Rio Hudson, esse quarteto de antigas cabanas de caça proporcionaram os dez acres sobre os quais ele ia situar sua magnífica casa.

No que se referia a seu palácio poderia havê-lo construído em qualquer parte, mas escolheu essa península devido à regra de ouro em bens raízes: localização, localização, localização. A menos que um terremoto apagasse a Califórnia da costa oeste, ou que todas as capas polares do Alaska se derretessem, não conseguiria algo mais próximo ao mar, e sempre devia ter em conta a revenda.

Seguro como a merda que em alguns anos, ia desejar algo maior e melhor que o que estava construindo nesse momento e esse era outro assunto no qual estava lecionando a cara-de-bebê Tom: ele era o que ia comprar-lhe o duplex do Commodore.

Não havia nada melhor que adestrar à nova geração.

Vin levantou o telefone e chamou seu primeiro-tenente, preparado para fazer avançar a bola ainda mais longe no projeto de Connecticut.

 

—Obrigado, madame. Acredito que isso é tudo por agora.

Marie-Terese franziu o cenho e olhou Trez, que estava sentado junto a ela em uma das poltronas de veludo do clube. Quando descruzou as pernas como se estivesse a ponto de levantar-se, pareceu não lhe surpreender absolutamente o pouco tempo que tinha durado o interrogatório… quase como se tivesse lecionado à polícia para que o fizesse breve e amável.

Voltou a olhar à polícia.

—Já está?

O oficial fechou sua caderneta de anotações e esfregou as têmporas como se lhe doessem.

—O Detetive da Cruz está a cargo da investigação e pode que logo lhe formule mais perguntas, mas você não é suspeita de nada. —Saudou o Trez com a cabeça.— Obrigado por cooperar.

Trez sorriu um pouco.

—Lamento que as câmaras de segurança não tenham estado funcionando. Como disse, faz meses que tenho intenção de repará-las. A propósito tenho o relatório de erro que me agradará lhe mostrar se assim o desejar.

—Bom, darei uma olhada, mas… —o homem esfregou o olho esquerdo.— Mas como você mesmo disse, não tem nada que esconder.

—Absolutamente nada. Permita-me acompanhá-lo à porta e logo passaremos a meu escritório.

—Certo. Espero-o aqui.

Quando Marie-Terese e Trez se afastaram, de caminho para o corredor traseiro, lhe disse em voz baixa:

—Não posso acreditar que não tenham ido mais longe com este assunto. Nem sequer sei para que me fizeram vir.

Trez abriu a porta traseira e lhe pôs uma mão no ombro.

—Eu disse que me encarregaria de tudo.

—E realmente o fez. —Seus olhos percorreram o estacionamento e vacilou na porta.

— Então viu que Vin passou por aqui.

—Esse é seu nome?

—Esse é o que me deu.

—Fica nervosa.

Em muitos aspectos.

—Não acredita que ele e seu amigo…

—Mataram a esses tipos? Não.

—Como pode estar seguro? —disse tirando as chaves da bolsa.— Me refiro a que não os conhece. Podem ter ido atrás e…

Salvo que inclusive enquanto pronunciava as palavras não podia acreditar: não podia imaginar que Vin e seu amigo fossem o assassino ou os assassinos. Brigaram com esses meninos, sim, mas o haviam feito para protegê-la e se detiveram antes de machucá-los seriamente. Além disso, justo depois Vin tinha estado com ela no vestiário.

Embora só Deus sabia quando exatamente tinha ocorrido o tiroteio.

Trez se inclinou para ela e lhe acariciou gentilmente a bochecha.

—Detenha. Não deve preocupar-se pelo Vin nem por seu amigo. Sei receber as pessoas, e sempre tenho razão.

Ela franziu o cenho.

—Não acredito que essas câmeras de segurança estejam quebradas. Nunca tolerou esse tipo de…

—Esses dois tipos lhe cuidaram quando eu não estava. Por isso eu cuido deles. —Trez a rodeou com um braço e a acompanhou a seu carro.— Se ver seu Vin outra vez, lhe diga que não se preocupe com nada. Eu lhe guardo as costas.

Marie-Terese piscou ante a luz do sol.

—Ele não é meu.

—É obvio que não.

Elevou a vista para olhar fixamente ao Trez.

—Como pode estar tão seguro…

—Deixa de preocupar-se e confia em mim. Quando se trata de você, o coração desse homem deixa de ser escuro.

Depois de tudo o que tinha passado, Marie-Terese tinha aprendido a não confiar no que lhe diziam. O que sim escutava era o alarme de segurança que tinha no centro do peito… nesse momento ao olhar Trez nos olhos, seu alarme de advertência interior estava absolutamente mudo: sabia muito bem do que estava falando. Não tinha idéia de como sabia, mas Trez tinha formas, assim diziam… formas de inteirar-se das coisas, de arrumar problemas e de encarregar-se dos negócios.

De modo que sim, a polícia não veria nada que ele não quisesse que vissem. E Vin não tinha matado esses dois meninos.

Infelizmente essas convicções a aliviava somente em parte. Ele vem atrás de você…

Trez abriu a porta e logo lhe entregou as chaves.

—Quero que tome a noite livre. Este assunto é difícil.

Ela entrou, mas antes de ligar o motor olhou para cima e expressou com palavras seu maior temor.

—Trez, e se esses crimes tivessem algo que ver comigo? O que aconteceria se alguém os tivesse visto comigo, outra pessoa além do Vin? E se… tivessem-lhes disparado por minha causa?

Os olhos de seu chefe a perfuraram, como se soubesse cada uma das coisas que nunca lhe tinha contado.

—E que pessoa relacionada contigo faria algo assim?

Ele vem atrás de você.

Deus, Trez sabia do Mark. Devia sabê-lo. E ainda assim Marie-Terese se obrigou a dizer:

—Ninguém. Não conheço ninguém capaz de fazer algo assim.

Trez entrecerrou os olhos como se não gostasse de nada que lhe mentisse, mas estava disposto a respeitá-la.

—Bom, se você decidir responder de maneira diferente, poderia vir a mim para que te ajudasse. E ainda se decidisse ir embora da cidade, quereria saber se esse é o motivo.

—De acordo —se ouviu dizer a si mesmo.

—Bem.

—Mas esta noite estarei aqui às dez. —Puxou o cinto de segurança e o cruzou sobre seu peito.— Preciso trabalhar.

—Não vou discutir contigo, mas não estou de acordo. Só recorda, se vir seu Vin lhe diga que lhe tenho coberto as costas.

—Ele não é meu.

—Correto. Conduz com cuidado.

Marie-Terese fechou a porta, forçou ao Camry a arrancar, e deu a volta. Quando saiu à rua Trade, pôs a mão no bolso de seu casaco.

O cartão do Vin DiPietro estava exatamente no mesmo lugar em que o tinha posto depois de havê-lo encontrado escondida em sua bolsa de lona, e enquanto lia seus dados, pensou no aspecto que tinha essa manhã com o rosto golpeado e seus olhos inteligentes, cheios de preocupação.

Pareceu-lhe estranho dar-se conta que lhe atemorizava o que podia saber, e não quem podia ser.

O assunto era, que ela era uma garota tipo Scully, que não acreditava nessas coisas tipo Arquivo X. Não acreditava em horóscopos, muito menos… muitíssimo menos no que fora que podia converter a um homem em alguma espécie de canal para… si, para o que fora. Não acreditava nisso.

Ao menos, não costumava fazê-lo.

O problema era que depois de ter passado a maior parte da noite repetindo mentalmente a cena que tinha tido lugar no vestiário quando estava com ele, perguntava-se se era possível que algo no qual não acreditava pudesse, de fato, ser real: durante o transe ele tinha estado aterrorizado, e a menos que hoje, mais cedo, tivesse realizado uma atuação merecedora do Oscar, verdadeiramente parecia não ter idéia do que lhe havia dito e honestamente estava preocupado pelo que pudesse significar.

Tirando o celular de sua bolsa, marcou o número impresso no canto inferior de seu cartão, aquele que não tinha fax escrito ao lado. Não obstante quando começou a soar, recordou que era sábado, e se esse era o telefone de seu escritório, ia responder uma gravação. Que mensagem poderia deixar?

Olá, sou a prostituta que o Sr. diPietro ajudou ontem à noite e estou chamando para lhe assegurar que meu cafetão se ocupará de tudo. Não deve preocupar-se por esses dois cadáveres que apareceram no beco.

Perfeito. Justo o tipo de notinha post-it que ele ia querer que sua secretária lhe desce em seu escritório. Apartou o telefone de sua orelha e pôs o polegar sobre o botão de “finalizar chamada”…

—Olá? —ouviu-se uma voz de homem.

Gesticulou para levar o celular de volta à orelha.

—Olá? Ah… estou procurando o Sr...

—Marie-Terese?

OH, essa voz profunda era perigosa. Cativada por seu som, quase diz: Não, sou Gretchen.

—Ah, sim. Lamento te incomodar, mas…

—Não, alegra-me que chamasse. Aconteceu alguma coisa errada?

Ela franziu o cenho e acendeu o pisca alerta.

—Bom, não. Só queria que soubesse…

—Onde está? Ainda no clube?

—Acabo de sair dali.

—Já tomou o café da manhã?

—Não. —OH, Deus.

—Conhece o Riverside Diner?

—Sim.

—Vemo-nos ali em cinco minutos.

Jogou uma olhada ao relógio do painel. Supunha-se que a babá estaria em sua casa até o meio-dia, assim tinha tempo mais que suficiente, mas não podia evitar perguntar-se que classe de porta estava abrindo. Grande parte dela desejava fugir do Vin porque era muito charmoso e muito de seu tipo e ela seria uma idiota se não aprendia de seus enganos do passado.

Mas então se recordou a si mesmo que podia fugir. Imediatamente. Demônios, de todas as formas estava a ponto de desparecer completamente de Caldwell.

Ele vem atrás de você.

Recordar as palavras que ele havia dito lhe serviu de estímulo para reunir-se com ele. Deixando de lado a preocupação que lhe causava o fato de sentir-se atraída por ele, desejava saber o que tinha visto e por que havia dito isso.

—Bem, verei-te ali. —Terminou a chamada, trocou o pisca alerta para o outro lado, e se encaminhou para um dos sinais que diziam Caldwell.

O Riverside Diner estava a só três quilômetros de distância e tão perto da ribeira do rio Hudson, que a única forma de estar mais perto seria se os reservados estivessem ancorados a bóias e flutuando sobre a corrente. O vagão de refeição tinha sido fixado sobre paralelepípedos nos anos cinqüenta, antes que regessem as leis da EPA[29], e ainda era todo original, dos bancos giratórios Naugahyde, passando pelo balcão de fórmica, as extensões das máquina de discos em todas as mesas e a fonte de sodas da qual a garçonete ainda servia as coca-colas aos clientes.

Já havia ido ali antes, com Robbie. Ele gostava do bolo.

Viu o Vin diPietro nem bem entrou. Estava sentado no último reservado da esquerda de frente à porta. Quando seus olhos se encontraram, ficou de pé.

Ainda com o olho arroxeado, a marca na bochecha e o inchaço do lábio inferior, seguia sendo aturdidamente sexy.

Homem… enquanto se aproximava, desejou poder sentir-se atraída por contadores, pedólogos ou jogadores de xadrez. Possivelmente inclusive floristas.

—Olá —lhe disse enquanto se sentava.

Sobre a mesa havia dois menus, dois jogos de talheres de aço inoxidável sobre guardanapos de papel e um par de grossos jarros de cerâmica.

Tudo resultava prático, acolhedor e bonito. E Vin com seu suéter de caxemira negra e a jaqueta cor caramelo, tinha o aspecto de alguém que deveria estar em um café elegante, em vez dali.

—Olá. —Respondeu baixando lentamente até seu assento, com os olhos fixos nos dela.— Café?

—Por favor.

Levantou a mão e se aproximou uma garçonete com um avental vermelho e um uniforme vermelho e branco.

—Dois cafés, obrigado.

Quando a mulher se foi em busca da jarra, Vin deu leves golpes com o dedo sobre seu menu vermelho e branco.

—Espero que tenha fome.

Marie-Terese abriu o seu e examinou as opções, pensando que cada uma delas era apropriada para um piquenique de quatro de julho. Bom, talvez não todas as opções do café da manhã, mas este era o tipo de lugar onde a palavra salada sempre tinha algum modificador como frango, batatas, ovos ou macarrão e a alface se utilizava só em sanduiches.

De fato era magnífico.

—Vê algo que você goste? —perguntou Vin.

Não aproveitou a oportunidade de olhá-lo.

—Geralmente não costumo comer muito. Acredito que por agora ficarei somente com o café.

Retornou a garçonete e serviu o café.

—Já decidiram o que vão comer?

—Seguro que não quer tomar o café da manhã? —perguntou a Marie-Terese. Quando ela assentiu, tomou ambos os menus e os entregou à outra mulher.

—Quero panquecas. Sem manteiga.

—Hash browns[30]?

—Não obrigado. Com panquecas é suficiente.

Quando a garçonete se encaminhou para a cozinha, Marie-Terese esboçou um sorriso.

—Quer? —perguntou enquanto lhe oferecia o açúcar.

—Não, obrigado, tomo puro. E sorrio porque meu filho… também gosta dos panquecas. Eu sempre as preparo.

—Que idade tem? —a colher do Vin fez um som metálico quando começou a removê-la.

Embora a pergunta foi casual, a forma em que esperou a resposta não tinha nada de fortuita.

—Sete. —Jogou uma olhada ao dedo sem anel.— Tem filhos?

—Não. —Tomou um gole tentativo e suspirou como se lhe parecesse perfeito.— Nunca me casei e não tenho filhos.

Houve uma pausa como se estivesse esperando a que ela fizesse uma essência pró quo[31] com a informação.

Ela levantou sua taça.

—A razão pela qual te chamei é que meu chefe… queria que te fizesse saber que está se encarregando de tudo… —vacilou.— Já sabe, a respeito do que as câmaras de segurança possam ter gravado ontem à noite e… esse tipo de coisas.

Embora lhe preocupava que pudesse não gostar que alguém obstruíra a justiça por ele, Vin simplesmente assentiu uma vez, como se fora o tipo de homem que se encarregava das coisas da mesma forma em que Trez tinha feito.

—Diga que agradeço.

—Farei-o.

No silêncio que seguiu, Vin percorreu a grossa aba de sua taça com o polegar.

—Escuta, ontem à noite não fiz nada a esses dois meninos. Bom, além do que me viu fazer. Eu não os matei.

—Isso foi o que disse Trez. —Tomou um gole e teve que coincidir com ele: o café era soberbo.— E quando falei com a polícia não disse nada a respeito de você ou seu amigo. Não mencionei a briga.

Vin franziu o cenho.

—O que lhes disse?

—Só que os dois tipos tinham estado me acossando. Que Trez falou com eles, e que quando isso não funcionou, os escoltou até a saída do clube. Resultou ser que isso foi o que sustentaram as outras duas testemunhas que se apresentaram assim que tudo coincidiu.

—Por que mentiu por mim? —disse em voz muito baixa.

Para evitar seus olhos, Marie-Terese olhou através da janela que estava junto a eles. O rio, que parecia estar o suficientemente perto para tocá-lo, corria lento e opaco, reforçado pela chuva que tinha caído os primeiros dias dessa semana.

—Por que Marie-Terese ?

Tomou um grande gole de sua taça e sentiu o café enfraquecer seu caminho para baixo até o estômago.

—Pela mesma razão que o fez Trez. Porque me protegeu.

—Isso é perigoso. Dada sua linha de trabalho.

Ela deu de ombros.

—Não me preocupa.

Pela extremidade do olho, viu que Vin esfregava o rosto e fazia uma careta como se lhe doessem os machucados.

—É somente que não quero que te arrisque a ter mais problemas por minha culpa.

Marie-Terese ocultou um sorriso. Era gracioso como quando um homem te dizia certas coisas podia te fazer sentir calor por todo o corpo… não porque fossem de índole sexual, mas sim por que foram mais à frente do mínimo comum denominador e entravam em um terreno mais importante, mais significativo.

Lutando contra a atração que exercia sobre ela sua voz, seus olhos e sua rotina de salvador, disse-lhe:

—Lamento ter saído tão rápido ontem à noite. Já sabe, do vestiário. É só que estava… impressionada.

—Sim… —disse, exalando com uma maldição.— E me desculpo por ter atuado tão demencialmente…

—OH, não, está bem. Não… não parecia que tivesse muito controle sobre isso.

—Melhor digamos que nenhum. —Houve outra larga pausa.— Odeio tirar o tema a colação outra vez, mas o que foi que lhe disse?

—Não sabe?

Ele negou com a cabeça.

—Foi algum tipo de ataque?

Seu tom de voz se fez tenso.

—Suponho que poderia chamá-lo assim. Então… o que lhe disse?

Ele vem atrás de você…

—O que foi que disse? —Vin estendeu a mão por cima da mesa e a apoiou levemente em seu braço.— Diga-me isso por favor.

Ela ficou olhando fixamente o lugar onde a estava tocando, e pensou… que sim, que às vezes nem sequer fazia falta que um homem falasse para que te contribuísse com calidez… mas sim só a sensação da palma de sua mão apoiada sobre seu pulso era suficiente para te esquentar o corpo inteiro.

—Suas panquecas —disse a garçonete, rompendo o encanto. Quando ambos se endireitaram em seus assentos, a mulher pôs um prato e uma jarra de aço inoxidável com tampa retrátil sobre a mesa.— Mais café?

Marie-Terese olhou sua taça meio vazia.

—Para mim sim, por favor.

Vin se entreteve com a calda de açúcar, derramando um fino fio ambarino sobre três partes douradas e gordas.

—Os meus não são tão altos —disse Marie-Terese—. Quando os faço… não ficam tão dourados nem tão grossos.

Vin deixou que a tampa da jarra de calda de açúcar se fechasse sozinha, levantou seu garfo, e cortou através da pilha, tirando o garfo cheio.

—Estou seguro de que seu filho não se queixa.

—Não… não o faz. —Pensar no Robbie fez que lhe inflamasse o peito, assim tratou de não recordar a expressão de amor e assombro com que a olhava quando fazia girar essas panquecas caseiras no ar para ele.

A garçonete retornou com sua jarra de café e logo depois de servir se foi. Vin disse:

—Realmente espero que responda minha pergunta.

Sem saber por que, seguiu pensando no Robbie. Era um inocente que ela tinha terminado arrastando às penúrias de uma vida dura obrigado, em primeiro lugar, ao mau marido que tinha eleito e em segundo à forma em que tinha escolhido para arrumar o desastre financeiro em que se encontrava. Vin não era distinto. Quão último precisava era ser absorvido pelo buraco negro do que ela estava tratando de sair… e já tinha provado que tinha um complexo de ir-ao-resgate. Ao menos a respeito dela.

—Eram somente tolices —murmurou.— O que disse, eram tolices.

—Então se não eram importantes, não há razão para que me oculte isso.

Voltou a olhar o rio através da janela… e fez provisão de todas suas forças.

—Disse, “Pedra, papel ou tesoura”. —Quando os olhos dele se dispararam para fixar-se em seu rosto, forçou-se a si mesma a lhe encontrar o olhar e mentir.— Não tenho idéia do que significa. Para ser honesta, o que me pôs mais nervosa foi seu aspecto não o que disse.

Vin cravou o olhar na dela.

—Marie-Terese… tenho um histórico desse tipo de coisas.

—Um histórico como?

Ele seguiu comendo, como se precisasse fazer algo para cortar a tensão.

—No passado, as vezes fiquei nesse estado e disse coisas… se converteram em realidade. Assim se está ocultando o que fora que disse para preservar sua intimidade, entendo-o. Mas te peço encarecidamente que tome muito a sério.

Apertou a taça com as mãos frias.

—Como se fosse uma espécie de adivinho?

—O tipo de trabalho que realiza é perigoso. Deve ser cuidadosa.

—Sempre sou cuidadosa.

—Bem.

Houve outro longo período de silêncio, durante o qual ela permaneceu olhando fixamente sua taça de café e ele se enfocou na comida.

Era bastante fácil adivinhar que o assunto do “cuidado” não se tratava somente de ser perseguida por idiotas. Tratava dos outros aspectos de seu trabalho.

—Sei o que te está perguntando —disse baixo .— Em primeiro lugar como posso fazê-lo e em segundo por que não deixo de fazê-lo.

Quando finalmente ele falou, sua voz foi baixa e respeitosa, como se não a estivesse julgando.

—Não te conheço, mas não me parece que seja… bom, como algumas dessas outras mulheres do clube. Assim imagino que deve te haver passado algo condenadamente mau para que esteja nessa linha de trabalho.

Marie-Terese voltou a olhar pela janela e observou um ramo passar flutuando.

—Não sou como a maioria de minhas colegas. E será melhor que o deixemos aí.

—Está bem.

—A mulher de ontem à noite era sua noiva?

Ele franziu o cenho e levou a taça aos lábios. Depois de tomar um grande gole, arqueou uma sobrancelha.

—Assim que você pode guardar segredos mas eu não?

Ela deu de ombros e pensou que deveria aprender a manter a maldita boca fechada.

—Tem razão. Não é justo.

—Sim, é minha noiva. Ao menos… bom, ontem à noite o era.

Marie-Terese na verdade se mordeu o lábio para não pressioná-lo inquirindo pelos detalhes. Teriam terminado? E se era assim por que motivo?

Vin voltou para sua comida, mas seus amplos ombros não se relaxaram.

—Posso dizer algo que não deveria?

Ela se esticou quando ele levantou a vista para ela.

—Bom.

—Ontem à noite tive uma fantasia contigo.

Marie-Terese baixou lentamente a taça. Sim, bem… e havia certas coisas que um homem podia dizer que ficavam mais ardente que o inferno. E alguns olhares que eram tão tangíveis como contatos. E ambos de uma vez, vindo do homem que tinha em frente…

Com uma corrente puxando seu corpo respondeu, as pontas de seus seios fizeram cócegas, suas coxas se esticaram, seu sangue se disparou... e o efeito a impressionou. Tinha passado tanto tempo —uma eternidade em realidade— desde que havia sentido uma coisa remotamente sexual por um homem. E ainda assim aqui estava ela neste vagão restaurante, sentada frente a um enorme “maneiro” vestido com um suéter de caxemira, experimentando realmente algo que todas as noites fingia sentir com estranhos.

Piscou rapidamente.

—Merda, não deveria haver dito nada —murmurou ele.

—OH, não é por você. Sério. —Era sua vida.— E não me incomoda.

—Não?

—Não. —Sua voz foi um pouquinho muito grave.

—Bom, não foi correto.

Deteve-lhe o coração no peito. Bom, esse pequeno comentário resultava melhor que um galão de gelo para livrar-se de seus quentes comichões.

—Bom, se sentir culpado —lhe disse bruscamente.— Acredito que está confessando com a mulher equivocada.

Talvez esse era o motivo pelo que estava passando um mau momento com sua noiva.

Salvo que Vin negou com a cabeça.

—Não foi correto porque imaginei que te pagava e eu não gostei nada como me senti.

Marie-Terese deixou a taça sobre a mesa.

—E por que foi isso?

Embora já sabia a resposta: porque alguém como ele nunca poderia estar com alguém como ela.

Quando Vin abriu a boca, ela levantou a mão e ao mesmo tempo pegou sua bolsa.

—Em realidade, já sei. E penso que será melhor que vá…

—Porque se estivesse contigo, eu gostaria que me escolhesse. —Elevou os olhos para os dela e lhe sustentou o olhar.— Desejaria que decidisse fazê-lo. Não que estivesse comigo porque te paguei para isso. Desejaria que você… me desejasse e queria estar comigo.

Marie-Terese ficou congelada com meio corpo fora do reservado.

Ele continuou falando brandamente.

—E queria que desfrutasse tanto como eu sei que o farei.

Depois de um longo momento, Marie-Terese voltou a deslizar-se em seu assento. Levantando sua taça novamente, tragou com força e se ouviu a si mesmo falando… embora não foi até depois de terminar de falar que se deu conta do que havia dito:

—Você gosta das ruivas?

Ele franziu o cenho levemente e deu de ombros.

—Sim. Claro. Por quê?

—Por nada —murmurou detrás de seu café.

 

Uma encruzilhada significava ir para a esquerda ou para a direita, pensava Jim enquanto estava convexo sobre o chão da garagem, com uma chave inglesa na mão.

Quando chegava a uma encruzilhada, por definição, devia escolher um rumo, porque seguir direito pelo caminho pelo que vinha já não era uma opção: subia-te à auto-estrada ou permanecia na estrada. Quando chegava à linha dedilhada, passava ao carro que tinha diante ou permanecia detrás dele para te manter a salvo. Via uma luz alaranjada e acelerava para passar ou começava a diminuir.

Algumas destas decisões não eram importantes. Outras, embora você não fosse consciente disso, punham-lhe na trajetória de um condutor ébrio ou lhe mantinham fora de seu caminho.

No caso do Vin, esse anel que estava demorando para dar era o equivalente a um giro à direita, que o separaria do caminho de um caminhão de dezoito rodas que estava a ponto de escorregar sobre uma placa de gelo negro: pelo que fizesse o tipo agora dependeria todo o resto de sua vida e tinha que acender esse intermitente e subir à nova rota já. Ao filho da puta lhe estava esgotando o tempo a respeito de sua mulher e devia apertar o gatilho com essa pergunta fundamental antes que ela…

—Merda!

Jim deixou cair a chave inglesa que tinha escorregado e sacudiu a mão. Tomando tudo em consideração, provavelmente deveria prestar um pouquinho mais de atenção ao que estava fazendo; assumindo que desejasse manter seus nódulos onde estavam. O problema era que estava absorto com todo o assunto do Vin.

Que demônios fazia com o tipo agora? Como o motivava para que pedisse a mão dessa mulher em matrimônio?

Em sua antiga vida, a resposta teria sido singela: limitou-se a pôr uma pistola na cabeça do Vin e arrastaria o miserável bastardo até o altar. Agora? Devia ser um pouquinho mais civilizado.

Sentando-se sobre o frio chão de concreto, Jim olhou furioso a fodida moto com a que tinha estado trabalhando desde que aterrissou de volta nos Estados Unidos. Não tinha funcionado naquela época e seguia sem fazê-lo agora, e a julgar pelo descuidado trabalho de reabilitação que havia feito essa manhã, no futuro não requereria viseira. Cristo, não tinha nem idéia de por que a tinha comprado. Sonhos de liberdade, talvez. Ou era isso ou que, como a qualquer tipo com um par de Pelotas bem postas, gostava das Harleys.

Cão levantou a vista do emplastro de sol onde tinha estado dormitando, e endireitou suas orelhas lanosas.

Jim chupou o nódulo que se esfolou.

—Lamento ter amaldiçoado.

A Cão não pareceu lhe preocupar e voltou a pôr a cabeça sobre as patas dianteiras, com as espessas sobrancelhas levantadas como se estivesse preparado para seguir escutando, já fora que se tratasse de maldições ou de alguma outra coisa que um tipo pudesse comentar em companhia mista.

—Encruzilhadas, Cão. Sabe o que significa isso? Que tem a oportunidade de escolher. —Jim voltou a levantar a ferramenta e fez uma nova tentativa com uma porca que estava tão engastada em óleo velho, que nem sequer podia estar seguro de que fora hexagonal.— Dão-lhe a oportunidade de escolher.

Pensou em Devina olhando-o do assento do condutor desse elegante BMW: estive esperando que se animasse, que confiasse em mim e me amasse, mas não ocorreu, e estou perdendo as forças para agüentar, Jim, realmente as estou perdendo.

Logo pensou na forma em que diPietro tinha olhado à prostituta de cabelo escuro.

Sim, era uma encruzilhada, sem lugar a dúvidas. O problema era que diPietro, o fodido idiota, tinha chegado ao poste indicador e em vez de ir para a direita, que era para onde apontavam as flechas de “Vila Felicidade” estava apontando para trabalha-até-morer-joven-e-não-ser-chorado-por-nada-salvo-sua-metrópole-de-contadores.

Jim esperava que o fato de haver falado a Devina do anel , tivesse comprado um pouco de tempo, mas quanto tempo seria?

Merda, em certos aspectos, seu último trabalho tinha sido mais fácil, porque tinha muito mais controle: conseguir pôr ao alvo na mira, abater ao bastardo, ir-se.

Entretanto fazer que Vin se desse conta de algo que era tão óbvio… era muito mais difícil. Além disso, antes Jim tinha contado com treinamento e apoio. Agora? Nada.

O ruído de duas Harleys fez que voltasse a cabeça. Cão também se voltou.

As duas motos subiram pelo caminho de cascalho até a garagem, e Jim invejou aos filhos da puta que aferravam esses guidões. Os veículos do Adrian e Eddie brilhavam, os pára-lamas e os condutos cromados apanhavam a luz do sol e cintilavam como se as Harleys soubessem que eram muito atraentes e que as condenassem se fossem ocultar seu orgulho.

—Necessita ajuda com seu Hog[32]? —perguntou Adrian enquanto tirava de uma patada o pé do suporte e desmontava.

— Onde está seu capacete? —Jim apoiou os braços sobre seus joelhos.— Nova Iorque tem uma lei.

—Nova Iorque tem um montão de leis. —As botas do Adrian rangeram sobre o caminho de entrada, logo pisaram com força o concreto ao aproximar-se para lhe jogar uma olhada ao trabalho de bricolagem do Jim.— Tio onde encontrou essa coisa? Em um esgoto?

—Não. Obtive-a em um parque de sucata.

—OH, bem. Isso é um pouco melhor. Cometi um equívoco.

Os homens foram bons com Cão, aplaudindo-o quando passava entre eles maneando a cauda. E a boa notícia era que parecia que hoje sua claudicação estava um pouco melhor, mas de todas as formas Jim o levaria ao veterinário na segunda-feira. Já tinha deixado mensagens em três lugares diferentes e o que os recebesse primeiro ganharia.

Eddie, que estava fazendo a rotina de carícias e arrulhos levantou a vista para sacudir a cabeça em direção à moto.

—Acredito que para isto é necessária mais de uma pessoa.

Jim se esfregou o queixo.

—Não, comigo basta.

Os três, Adrian, Eddie e Cão o olharam com idênticas expressões de dúvida…

Jim baixou lentamente a mão, e sentiu que lhe esticava a nuca, como se lhe tivessem apoiado a palma de uma mão gelada.

Nenhum deles tinha sombra. Enquanto permaneciam iluminados pela brilhante luz do sol a suas costas, em meio das largas, magras e escuras sombras dos ramos nus das árvores que havia ao redor da garagem, era como se os tivessem agregado com o Photoshop...na paisagem, sem pertencer a ele.

—Conhecem …um tipo inglês chamado Nigel? —Assim que as palavras deixaram seus lábios, Jim soube a resposta.

Adrian esboçou um pequeno sorriso.

—Parecemos a classe de pessoas que andariam em companhia de um britânico?

Jim franziu o cenho.

—Como souberam onde vivia?

—Chuck nos disse isso.

—Ele lhes disse que meu aniversário era à noite da quinta-feira? —Jim se levantou lentamente— Lhes disse isso também? Porque eu não o fiz, e ontem vocês sabiam por que você me perguntou se havia feito um presente de aniversário a mim mesmo.

—Fiz-o? —Adrian encolheu seus grandes ombros.— Suponho que foi um tiro afortunado. E alguma vez respondeu a pergunta que te fiz, ou não?

Enquanto os dois se encaravam, cara a cara, Adrian sacudiu a cabeça com singular tristeza.

—Atirou neles. Esteve no clube.

—Parece desiludido —disse Jim arrastando as palavras.— O que é difícil de acreditar, considerando que foi você o que me assinalou isso em primeiro lugar.

Eddie se interpôs entre eles.

—Tranqüilos, moços. Aqui somos todos da mesma equipe.

—Equipe? —Jim olhou fixamente ao outro tipo.— Não sabia que estávamos em uma equipe.

Adrian soltou uma risada tensa e os piercings da sobrancelha e do lábio inferior refletiram a luz.

—Não somos, mas Eddie é um pacificador natural. Diria algo com tal de acalmar às pessoas, não é verdade?

Eddie ficou em silêncio e permaneceu exatamente onde estava. Como se estivesse preparado para intervir fisicamente se chegava a esse extremo.

Jim enfrentou o olhar do Adrian.

—Britânico. Nigel. Anda em companhia de outros três efeminados e um cão do tamanho de um burro. Conhece-os ou não?

—Já respondi essa pergunta.

—Onde está sua sombra? Está de pé sob o sol e não projeta absolutamente nada.

Adrian assinalou o chão.

—É esta uma pergunta com armadilha?

Jim olhou para baixo e franziu o cenho. Ali sobre o concreto estava o reflexo dos largos ombros e dos magros quadris do Adrian. Assim como também o do enorme corpo do Eddie. E o da cabeça lanosa de Cão. Jim amaldiçoou e murmurou:

—Necessito um fodido trago.

—Quer que te proveja de cerveja? —perguntou Adrian.— Em algum lugar do mundo são cinco da tarde.

—Como na Inglaterra —interveio Eddie.

Quando Ad o olhou furioso, deu de ombros:

—E na Escócia. Gales. Irlanda…

—Cerveja, Jim?

Jim negou com a cabeça e voltou a plantar o traseiro no chão, imaginando que seu cérebro não estava funcionando bem, e não estava disposto a arriscar-se a que seus joelhos decidissem adotar essa mesma moda. Enquanto olhava as duas Harleys que havia em sua entrada, deu-se conta que estava de um humor bastante mau e evidentemente paranóico. E nenhum dos dois estados era algo novo.

Infelizmente, a cerveja era a única resposta a curto prazo. E os transplantes de cérebro ainda tinham que ser passados pela FDA[33].

—Existe a possibilidade de que saiba dirigir uma chave de porcas? —perguntou ao Adrian.

—Sim.

O tipo tirou a jaqueta de couro e fez ranger os nódulos.

—E não tenho nada melhor que fazer que pôr a este pedaço de sucata de volta nas estradas.

 

Enquanto Vin contemplava a Marie-Terese através da mesa, a luz do dia que se filtrava através da janela do vagão restaurante caía em cascata sobre ela transformando-a em uma visão, os ecos da qual vibravam no fundo de sua mente. De onde a conhecia? Voltou a pensar. Onde a tinha visto antes? Deus, desejava acariciar seu cabelo.

Vin cravou com o garfo o último bocado de suas panquecas, e se perguntou por que lhe teria perguntado se gostava das ruivas. Logo o recordou.

—O cabelo ruivo eu não gosto tanto se é para estar com a Gina, se for isso o que quer saber.

—Não? Ela é formosa.

—Para alguns… é provável. Olhe, não sou o tipo de homem que…

A garçonete se aproximou da mesa.

—Mais café? Ou desejam a con…

—… que anda com outras mulheres.

Marie-Terese piscou e também a garçonete.

Merda.

—O que quero dizer é que… —detendo-se, Vin elevou a vista para a outra mulher, que perecia decidida a ficar ali.— Vai servir? Ou o que?

—A mim… ah, viria-me bem um pouco mais de café —disse Marie-Terese, levantando a taça.— Por favor.

A garçonete a encheu devagar, olhando de um a outro como se esperasse ouvir o resto da história. Quando a taça de Marie-Terese esteve cheia, a mulher foi encher a dele.

—Mais calda de açúcar? —perguntou-lhe

Assinalou-lhe o prato limpo.

—Já terminei.

—OH. Sim. —Recolheu o que ele tinha em frente e se afastou com a mesma presteza com que tinha servido a taça: o melaço se movia mais rápido.

—Não sou infiel —repetiu quando tiveram um pouco de privacidade.— depois de ter observado a meus pais, aprendi mais que suficiente a respeito do que não se deve fazer em um relação, e essa é basicamente a regra número um.

Marie-Terese lhe estendeu o açúcar, e quando ele olhou fixamente o pote como se não soubesse o que era, disse-lhe:

—Já sabe, para pôr no café. Você põe açúcar.

—Sim… o faço.

Quando ele preparou o café a seu gosto, lhe perguntou:

—Então o casamento de seus pais não foi bom?

—Não. E nunca esquecerei o que sentia ao vê-los ferir-se um ao outro.

—Divorciaram-se?

—Não. Mataram-se o um ao outro. —Quando ela retrocedeu em seu assento, sentiu desejos de amaldiçoar.— Desculpa. Provavelmente não deveria ser tão franco, mas isso foi o que aconteceu. Uma de suas brigas se saiu totalmente de controle e caíram pelas escadas. Não terminou bem para nenhum dos dois.

—Sinto muito.

—É muito amável, mas isso foi faz muito tempo.

Depois de um momento, ela murmurou:

—Parece exausto.

—Só necessito um pouco mais de café antes de ir. —Demônios com essa teoria, seguiria bebendo até que seus rins flutuassem se isso significava que teriam mais tempo para estar juntos.

O assunto era que, enquanto o olhava, sua cálida preocupação a fazia parecer… preciosa. Absolutamente preciosa e portanto suscetível a perdê-la.

—Está a salvo em seu trabalho? —perguntou bruscamente.— E não estou falando de violência. —Durante a larga pausa que seguiu, ele sacudiu a cabeça sentindo como seus mocassins simplesmente tinham acabado como Caçadores de panquecas.— Sinto, não é meu assunto…

—Está-me perguntando se pratico sexo seguro?

—Sim, e não perguntou devido a que queira estar contigo. —Quando ela voltou a retroceder, amaldiçoou-se a si mesmo.— Não, o que quis dizer, é que desejo saber por que espero que esteja te cuidando.

—Por que ia se importar?

Olhou-a aos olhos.

—Simplesmente me preocupa.

Ela se voltou e ficou a olhar para o rio.

—Estou a salvo. Sempre. O que me diferencia de uma grande quantidade de mulheres que se fazem chamar “honoráveis” e dormem com todo mundo sem usar proteção. E pode deixar de examinar meu rosto como se estivesse tentando resolver algum mistério impenetrável. Quando quiser. Agora seria um bom momento.

Ele se conformou baixando o olhar, a sua taça.

—Quanto custa?

—Pensei que havia dito que não queria estar comigo dessa forma.

—Quanto?

—O que? Acaso quer fazer algo ao estilo de “Uma Linda Mulher”, comprando durante uma semana para me salvar de minha horrível vida? —Explodiu em uma breve e seca gargalhada.— O único que tenho em comum com o papel da Julia Roberts nesse filme é que posso escolher com quem estou. No referente ao preço, não é nada de sua incumbência.

Ele queria saber de todas as formas. Porque, demônios, talvez esperava que se era muito custosa o nível dos homens com os que estaria seria superior… embora se era honesto consigo mesmo, isso era mera palavrório. Sim queria fazer o papel do Richard Gere, salvo que não desejava comprar uma semana. Falar de anos seria mais adequado.

Salvo que isso nunca ocorreria.

Quando a garçonete passou patrulhando a área com a jarra de café e ambas as orelhas atentas, Marie-Terese disse:

—Seria bom momento para trazer a conta.

A garçonete deixou a jarra sobre a mesa e rebuscou no bolso de seu avental em busca de seu bloco de papel. Arrancando uma folha, colocou-a de barriga para baixo.

—Vocês dois, cuidem-se.

Quando se retirou, ele estendeu o braço através da mesa e tocou o de Marie-Terese.

—Não quero que isto termine mal. Obrigado por me manter à margem de todo o assunto com a polícia, mas se te vê pressionada, quero que diga tudo a respeito de mim, de acordo?

Ela não se apartou, só baixou o olhar para o lugar pelo qual estavam unidos.

—Eu também o sinto. Não sou uma boa companhia. Ao menos… não para as pessoas civilizadas.

Havia dor em sua voz… só um espiono, mas ele ouviu a nota tão claramente como se tivesse sido um sino ressonando em uma noite em calma.

—Marie-Terese… —Queria lhe dizer tantas coisas, mas não tinha direito a dizer nenhuma delas… e nenhuma seria bem recebida—… é um nome adorável.

—Parece-te?

Quando assentiu, ela disse algo em voz baixa, que não pôde escutar bem mas que soou muito parecido a: por isso o escolhi.

Ela rompeu o contato para recolher a conta e sustentá-la enquanto abria a bolsa.

—Alegra-me que você gostou das panquecas.

—O que está fazendo? Dê-me, deixa que…

—Quando foi a última vez que alguém te convidou a tomar o café da manhã? —Quando levantou a vista, estava sorrindo.— Ou a qualquer outra coisa, se for o caso?

Vin franziu o cenho e considerou a pergunta enquanto ela tirava uma nota de dez e uma de cinco. Gracioso… não podia recordar que Devina tivesse pago algo alguma vez. Concedido, sempre lhe dava prioridade ao dinheiro, mas ainda assim.

—Geralmente pago eu —respondeu.

—Não me surpreende. —Começou a deslizar-se pelo assento para sair do reservado.— E não o digo no mau sentido.

—Não espera a mudança? —disse, pensando que faria algo para retê-la a seu lado um pouquinho mais.

—Deixo gorjetas grandes. Sei o mau que pode ser o trabalho no negócio dos serviços.

Enquanto a seguia fora do vagão restaurante, colocou a mão no bolso para tirar as chaves e sentiu algo pequeno e fora do lugar. Franzindo o cenho, deu-se conta que era o brinco de ouro que lhe tinha tirado o Jim.

—Ei, Sabe o que? Acredito que tenho algo que te pertence —disse quando se aproximavam do carro dela.

Ela abriu a porta.

—Sim?

—Acredito que isto te pertence —disse lhe mostrando o aro.

—Meu brinco! Onde o encontrou?

—Meu amigo Jim o recolheu no estacionamento do clube.

—OH, obrigado. —apartou-se o cabelo da orelha e o pôs.— Não queria perder este par. Não são muito caros, mas eu gosto.

—Então… obrigado pelas panquecas.

—De nada. —Fez uma pausa antes de meter-se atrás do volante.— Sabe, deveria tomar um dia livre. Vê-te realmente cansado.

—Provavelmente é somente pelos machucados de meu rosto.

—Não, são as que tem detrás dos olhos as que lhe fazem ver extenuado.

Enquanto ela se deslizava no assento e arrancava o carro, Vin captou um brilho proveniente do lado esquerdo e olhou ao outro lado do rio…

No instante em que o sol tocou suas retinas, seu corpo teve um ataque e começou a lhe fazer cócegas.

Esta vez não houve uma posse gradual e confusa. O odioso transe o reclamou em um segundo, como se o que tivesse ocorrido a noite anterior tivesse sido simplesmente um pré-aquecimento e este fora o verdadeiro.

Encurvando-se contra o capô de Marie-Terese, alcançou sua jaqueta e a abriu para poder conseguir um pouco de ar… Quando a visão o golpeou, foi mais som que imagens e se repetiu uma e outra vez: um disparo. Soando e reverberando. Alguém caindo. Um corpo caindo e ricocheteando estrepitosamente…

Quando seus joelhos cederam e caiu sobre o asfalto, lutou por permanecer consciente, agarrando-se mentalmente a algo que pudesse… que resultou ser a lembrança do momento em que tinha tido seu primeiro ataque. Tinha onze anos e o detonador tinha sido um relógio, um relógio de senhora que tinha visto na cristaleira de um joalheiro do centro da cidade. Ele e seus companheiros de classe tinham ido de excursão ao Museu de Arte de Caldwell, e quando tinha passado em frente à loja, tinha olhado o que ali se exibia.

O relógio era de prata, e quando o sol o tinha iluminado, seus olhos se enfocaram no reflexo e tinha deixado de caminhar. Havia sangue no relógio. Sobre o relógio havia sangue vermelho e brilhante.

No mesmo instante em que lutava por entender o que estava vendo e por que repentinamente se sentia tão estranho, uma mão de mulher tinha aparecido no vidro e tinha levantado o relógio. Detrás dela, havia um homem de pé com uma expressão de feliz expectativa no rosto, um cliente…

Salvo que o tipo não devia comprar o relógio… quem quer que o usasse a seguir ia morrer.

Com o tipo de força que te outorga o pânico intenso, Vin tinha quebrado a presa do transe e tinha entrado na loja à velocidade do raio. Não obstante, não tinha sido o suficientemente rápido. Um dos pais que os acompanhavam tinha entrado correndo e o tinha apanhado antes que pudesse dizer algo, e quando lutou para chegar ao homem e o relógio, tinham-no agarrado pelo pescoço da camisa, tinha sido arrastado fora e o tinham condenado a esperar no ônibus enquanto outros continuavam para o museu.

Nada resultou dessa visão.

Ao menos, não em seguida. Entretanto sete dias depois, Vin estava na escola e viu uma das professora na cafeteria com o que aparentava ser o mesmo relógio no pulso. Tinha estado acostumando-lhe a seus colegas, falando de um jantar de aniversário a que tinha participado a noite anterior com seu marido.

Nesse instante um raio de sol se refletiu no tobogã do pátio de jogos, entrou pela janela e foi captado pelo olho do Vin… e então voltou a ver o sangue no relógio, e também mais sangue, muito mais.

Vin se tinha derrubado sobre o linóleo da cafeteria e quando a professora se apressou a ir para ele e se ajoelhou para ajudá-lo, pôde ver com grande claridade o acidente de trânsito de que seria objeto: sua cabeça golpearia contra o volante, e seu delicado rosto se abriria em dois pelo impacto.

Aferrando-se à frente de seu vestido, tentou lhe dizer que usasse um cinto de segurança. Fazer que seu marido a fora procurar. Que tomasse outro caminho. Que tomasse o ônibus. Uma bicicleta. Que caminhasse até sua casa. Mas embora sua boca se movia, parecia-lhe que nada salvo um conjunto de sílabas soltas saíam dela… embora o horror que apareceu nos rostos das outras professoras e dos estudantes sugeria que estavam entendendo o que dizia.

Em conseqüência, tinha sido enviado ao escritório da enfermeira, e quando chamaram seus pais, disseram-lhes que deviam ir ver um psiquiatra infantil

E a professora a adorável e jovem professora e seu considerado marido tinham morrido essa tarde quando percorriam o caminho da escola a sua casa com o novo relógio no pulso.

Um acidente de carro. E ela não estava usando o cinto de segurança.

Quando Vin se inteirou à manhã seguinte na classe, explodiu em lágrimas. Obviamente muitos meninos começaram a chorar também, mas para ele era diferente. A diferença de outros, tinha estado em posição de fazer algo para acautelar esse desenlace.

Depois disso tudo tinha trocado. Correu-se a voz de que havia predito a morte… e isso fazia que as professoras ficassem nervosas quando estavam em sua companhia e que também seus companheiros o evitassem ou o ridicularizassem por ser aterrador. Seu pai tinha começado a golpeá-lo para obrigá-lo a ir à escola.

Abruptamente, Vin perdeu o fio de seu pensamento, o passado foi submerso pelo ataque que dominava sua mente e seu corpo, sua consciência em vez de fluir, minguava…

Um disparo. Soando e reverberando. Alguém caía. Um corpo caindo e ricocheteando com força…

Justo antes de desmaiar, a visão se cristalizou no olho de sua mente, deixando de ser só sons para passar a ser imagens genuínas… um castelo de areia que o vento construía em vez de ruir. Viu Marie-Terese com as mãos em alto como se estivesse tentando proteger-se a si mesmo, seus olhos tinham uma expressão enlouquecida pelo terror e tinha a boca aberta em meio de um grito.

E logo ouviu o disparo.

 

Por volta de uma hora depois, Adrian e Eddie apareceram, e deixaram sua ajuda disponível, Jim levantou sua perna por cima da sua velha moto, e virou a chave. Plantando a sola da sua bota de trabalho no pedal golpeado, e batendo seu peso abaixo, ele não tinha nenhuma real fé, que aquela coisa iria funcionar — Aquela marca registrada da Harley iria roncar e se lançar para a vida imediatamente.

Enquanto ele virava o acelerador, o motor roncava entre as pernas dele, e ele tinha que gritar sobre o barulho.

— Deus, Ad, você fez;

Adrian gracejou, enquanto limpava sua mão num pedaço de pano vermelho.

— Sem problemas. Vamos levar ela para dar um giro e testar o freio.

Jim empurrou sua moto para fora da garagem, e para a luz do sol.

— Deixe-me pegar meu capacete.

— Capacete? — Adrian montou em sua Harley. — Nunca pensei que você fosse um escoteiro.

Jim voltou com seu capacete preto.

Evitar ferimentos na cabeça, não é um movimento medroso.

— Mas você tem que pensar no vento no seu cabelo, homem.

— Ou as máquinas que vão manter você vivo depois.

— Eu pego o cachorro. — Eddie disse, enquanto pegava seu próprio capacete, e o segurava sobre sua cabeça. No instante que a oportunidade se apresentou, garoto deu um pequeno salto, e parou sobre a capa de couro por cima do tanque de Eddie.

Jim arqueou uma sobrancelha, pensando que não estava gostando muito daquilo.

— E se você se acidentar?

— Eu não vou. — Como se as leis da física não se aplicassem a ele.

Jim estava quase quebrando o acordo, quando ele viu quão alegre o Cachorro estava por estar a bordo, suas garras curvadas no couro, como se a felicidade estivesse fazendo suas patas formigarem, seu rabo batendo tão rápido quanto sua bunda deixava.

Ainda mais, quando o grande homem pegava a direção, e o animal ficava preso entre seus braços.

— Apenas seja cuidadoso com o maldito cachorro. Esse animal fica ferido, e eu e você vamos ter uma conversinha.

— Bem, ele não estava se tornando em um bom dono.

Amarrando seu capacete, ele puxou sua jaqueta de couro, e sentava em sua moto. Enquanto ele enchia o tanque, a moto liberou um som quase indecente, uma maldição ronronada, e a força de todos aqueles cavalos de potência retumbava por seu corpo.

Homem, apesar da muita dor no traseiro que Adrian podia ser, ele sabia o que estava fazendo com o motor. O que podia explicar porque Eddie conseguia viver com ele.

Com um mudo —vamos sair daqui—, os três saíram para a luz do sol, Adrian na frente, e Eddie com o Cachorro atrás.

Girando, a moto de Jim era pura mágica, uma fera sem modos, e enquanto eles passavam pela área rural, ele começou a entender o sentimento da coisa.

E sem importar o que fosse, você não precisava do vento no seu cabelo para ser livre.

Adrian terminou, levando-os pelo rio Hudson, indo em direção à cidade, e quando eles começaram a atingir as luzes do trânsito da cidade Riversides Parks, Jim começou a rezar para os índios, — Apenas porque a aceleração era loucamente satisfatória.

Assim que eles arrancaram na interseção entre a Décima Segunda e a River Streets, ele gritou para Adrian.

— Eu preciso abastecer.

— Tem um posto aqui perto, não?

— Sim, duas quadras.

Quando as luzes mudaram, eles saíram, os sons dos motores explodindo no ar e sendo amplificado enquanto eles passavam pela rodovia. No posto, eles estacionaram nas bombas, e Jim acionou a gasolina.

— Como estão os freios? — Adrian perguntou, enquanto olhava uma loira sair de um Beater[34]. A mulher entrou na loja de conveniência com um pequeno rebolado, as pontas do seu longo cabelo fazendo cócegas na tatuagem na parte baixa das costas dela.

Jim teve que rir. O bastardo tagarela estava instantaneamente distraído e claramente considerando os méritos de segui-la para dentro e perguntar se ela queria brincar com a sua chave de fenda, — O que pelo jeito que ela continuava olhando sobre seu ombro para ele, que iria ser uma das grandes.

Porque eu tenho o pressentimento de que o meu é melhor que o seu. — Jim murmurou enquanto abria a boca do tanque.

— Você quer dizer o freio? —A cabeça de Adrian girou ao redor. — Você acha? Porque eu acho que era você que estava dormindo com alguém na quinta-feira à noite, não eu.

— E de pensar que a sua companhia valia os seus dons com a graxa. — Jim pressionou a boca do tanque de volta no lugar. — Devia estar fora da minha maldita mente.

— Ele remontou e colocou seu capacete de volta.

— Então, você quer conduzir de volta?

— Me desculpe.

Jim parou o processo de prender a correia sob seu queixo. Adrian estava parado em frente a ele, o rosto com uma expressão desgostosa, os olhos focados no céu acima do posto. Ele estava mortalmente sério. Jim fez uma careta.

— De que você se desculpa?

— Apontar ela a você no clube. Eu estava pensando que isso era algum tipo de jogo, mas não é. Eu não deveria ter encorajado você naquele caminho. Não foi certo.

Aquilo sobre o que Adrian estava preocupado, era na verdade merdas de um cara normal, foi uma surpresa, mas talvez tivesse algum marshmallow por baixo daquele grosso exterior.

Jim ofereceu sua mão.

— Está bem. Nós estamos bem.

Adrian aceitou a mão que lhe foi oferecida.

— Eu vou tentar não ser um idiota a maior parte do tempo.

— Não vamos nos adiantar.

Adrian sorriu

— Sim, talvez eu apenas alterne sendo um estúpido.

— Algo que facilmente você poderia fazer.

Jim ligou sua moto, e curvou o pulso para aquecer a gasolina, naqueles grandes, famintos pistões.

— Prontos, cavalheiros?

— Absolutamente. — Adrian disse enquanto aquecia sua moto. — Você vai na frente dessa vez.

— O Cachorro está bem aí Eddie? — Jim perguntou enquanto olhava o animal, — Quem parecia estar excitado pela aventura.

— Nós estamos ótimos.

Enquanto Jim liderava-os de volta pela direção que eles tinham vindo, ele captou o amarelo do sol, o branco brilhante das nuvens, o azul do céu, e o cinza da estrada. Para a esquerda, o rio era paralelo à estrada, como o caminho que era feito ao longo da margem. Aqui e ali, novas árvores que pareciam lápis batidos na terra, forçando o asfalto ao redor, como os canteiros de flores, que sem dúvida brotariam tulipas e narcisos em poucas semanas.

O Restaurante Riverside era outro marco a margem da praia, um velho lugar de mergulho, era um lugar onde Jim se sentiria confortável, e ele tinha a intenção de verificar. A palavra era que tinha panquecas que se podia morrer por elas. — Jim relaxou o acelerador. No estacionamento, uma BMW M6, que parecia muito com a de Vin, estava estacionada perto de um Toyota Camry verde.

E lá estava um par de pernas entre os dois carros, como se um homem estivesse deitado no chão.

Ação de 180º. Muita ação.

Porque Jim sabia a quem pertencia àqueles sapatos brilhantes.

Se apressando pelo estacionamento, ele acelerou para a mulher que estava curvada sobre... Sim, era Vin diPietro, que estava estirado de barriga para cima. O homem não estava se movendo, e tinha o rosto como se alguém tivesse jogado cera quente pela sua coluna vertebral.

— O que aconteceu? — Jim baixou o estribo da moto e desceu.

A mulher do clube olhou para ele.

— Ele apenas foi ao chão, como ontem à noite.

— Merda. Jim se abaixou enquanto Adrian e Eddie estacionavam. Antes deles conseguirem descer de suas Harleys, ele acenou para eles ficarem no lugar, pensando, que quanto menos gente envolvida nessa situação, melhor.

— Quanto tempo faz que ele caiu? — Ele perguntou a mulher,

— Apenas há uns cinco minutos ou menos, — Ai, Meu Deus,... Ele

Ela se curvou abaixo enquanto os olhos dele se abriam lentamente. Primeiro, ele se prendeu em Marie-Terese, e então em Jim.

— Acorda-Acorda, — Jim murmurou enquanto verificava se as pupilas respondiam à luz do mesmo jeito. Quando ele o fez, ele estava apenas um pouco aliviado.

— O que acha de levarmos você para um médico?

Vin resmungou, e se esforçou para sentar, Marie-Terese tentou ajudá-lo a não cair.

— Não tem nada de errado comigo, — Ele disse asperamente, — E não, eu não tenho nenhuma concussão. — Jim arqueou uma sobrancelha, pensando que o idiota cabeça-dura tênia a ser notado quando eles estavam em público, mas Vin não estava surpreso, — Ou preocupado. — Ela estava... Resignado.

Ele já tinha passado por isso antes, não tinha?

Quando ele começou a olhar ao redor, Jim olhou a Adrian e Eddie acenou com a cabeça para a estrada, dando a eles um sinal para irem embora. O par pegou a dica, voltando em suas motos, e levantando uma mão enquanto passavam.

— Merda, — Vin disse enquanto esfregava o rosto. — Isso não foi engraçado.

— Sim, eu acho que isso é evidente. — Jim olhou sobre a mulher de cabelos escuros, e se perguntou por que os dois tinham se conhecido. Se Vin queria manter as coisas em segredo, sobre ter qualquer conexão com aqueles cadáveres, sair com ela, não era a idéia mais brilhante. — Mesmo se fosse só para um café.

— Eu não sei o que aconteceu, — Ela disse. — Nós tínhamos acabado de tomar café da manhã.

— Apenas você tomou café. — Vin murmurou, indicando que sua memória à curto prazo estava funcionando. Supondo que ela não tinha comido torrada a francesa, também.

A mulher levantou sua mão, como se ela quisesse acalmar ele, mas abaixou o braço.

— Ele comeu, e nós conversamos, e viemos até aqui, e.

— Eu estou bem agora. — Vin se impulsionou para cima, e se encostou no capô do Camry.

— Apenas ótimo.

Jim segurou o cotovelo dele.

— Nós vamos ao médico agora.

— O inferno que nós vamos. — Vin puxou seu braço de volta. — Eu vou para casa.

Bom, merda. — Dado pelo duro ângulo do maxilar do cara, a única chance que Jim tinha de ajudar era bancar o chofer, e levá-lo de volta ao Comodoro.

— Eu levarei você pela cidade então.

Vin abriu sua boca para argumentar, mas a mulher pôs a mão sobre seu ombro.

— E se isso acontecesse de novo enquanto você estiver atrás do volante?

Enquanto seus olhos faziam contato e seguravam, o sol apareceu entre as manchadas nuvens, e uma lança de calor líquido se derramava do céu, e os banhava com seu brilho.

Jim arqueou uma sobrancelha com desdém, e olhou para o céu, meio esperando ver um momento ao estilo Michelangelo, com a mão de Deus apontando para os dois. Mas não, apenas nuvens e céu e sol... E um bando de patos canadenses fazendo seu caminho para o Sul.

Jim voltou a focar no par a frente dele. O que tinha dolorosamente faltado sobre o jantar quando Vin tinha olhado a Devina, estava completamente exposto agora: Seus olhos estavam totalmente focados na mulher a frente dele, e Jim podia apostar seu testículo esquerdo que se ele perguntasse a ele do que ela estava usando a quão alta ela era, se tivesse algum perfume que ela usasse, a resposta que viria, seria cem por cento correta

Jim arqueou mais a sobrancelha... E se ele estivesse errado? E se Devina não fosse o destino de Vin?

— Por favor, Vin, — A mulher disse. — Deixe-o levar você.

Não importava. Ele teria tempo para se preocupar obre isso depois. Agora, ele tinha que levar Vin para casa.

— Me dê as suas chaves, amigo.

Por favor. — A mulher estimulou.

Vin realmente o fez. Ele manejou o chaveiro, ou no caso do M6 a corrente preta, e a entregou para Jim.

— Como você vai voltar para pegar sua moto? — Vin perguntou.

Jim procurou em seu bolso traseiro, pensando que poderia pegar um táxi. — E percebeu que ele era tão ilegal quanto Adrian. Sem carteira. O que significava sem licença, e sem dinheiro para um táxi. Merda, a moto não era registrada e nem assegurada.

A expressão de Jim parecia falar por si só enquanto Vin ria um pouco.

— Sem placa para aquela Harley que você dirige. Sem licença para você também?

— Eu não tinha esperado chegar tão longe nisso. Mas não se preocupe. Eu obedecerei as leis de trânsito.

— O seu carro é automático? — A mulher perguntou a Vin. Quando ele afirmou, ela balançou a cabeça.

— Isso é uma verginha, mas eu não consigo dirigir carro manual. Mas talvez eu possa seguir vocês e guiar você, — Ela gesticulou a Jim. — De volta para onde você mora.

— Aqui estará ótimo.

— Você vai chamar um reboque para a sua moto? — A mulher disse, — Porque você do estilo ilegal.

— Sim. Um reboque. Sim eu vou consegui um desses.

Certo, era hora para o tipo de despedida, que não requeria uma audiência.

Vin apontou a seu carro.

— Considerando que você está com a chave, se importa de aquecer ele?

— Jim levantou a sobrancelha.

— Eu posso estar agindo como seu chofer, mas eu não vou usar um chapéu e uniforme. Então se você precisa de um pouco de privacidade, é só pedir. —Ele virou, e saudou Marie-Terese com a cabeça, — Encontro você na frente do Comodoro.

Ela acenou de volta.

— Vejo você lá.

Vin observou-o entrar no M6, e fechar a porta. Um momento depois, o motor foi ligado com uma grande vibração. O Som estava ligado. Bom toque. — Marie-Terese balançou sua cabeça.

— Você realmente precisa ir ao médico.

— Você se sentiria melhor se eu dissesse que isso vem acontecendo desde que eu tinha onze anos?

— Não.

— Bem, não me matou ainda. — Abruptamente, ele pensou sobre sua visão da arma, e o barulho do tiro, e fez o máximo que pode para não parecer tão desesperado quanto se sentia. — Escute, eu não sei o que estava fazendo no seu quintal... — Quando o rosto dela se apertou, ele soube melhor como pegar qualquer avanço. —Eu acho que o dono desse clube está fazendo você se sentir protegida, mas isso é apenas no Iron Mask. Esse alguém seguir você até em casa?

— Se você visse a minha casa, você entenderia porque eu não estou preocupada.

Vin franziu as sobrancelhas pensando que pelo menos ela parecia preparada.

— Eu prometo não me meter, mas se você souber de alguém que possa estar atrás de você, vá a polícia. E se você não puder ir, peça ao seu gerente para tomar conta de você secretamente.

— Ah... Obrigado pelo aviso.

Homem, ele odiava isso. Se pelo menos ele soubesse o que tinha dito a ela em transe, exceto... Bem, merda, a arma já tinha dito o suficiente, não tinha?

— Onde você mora? — Ele perguntou suavemente.

Quando ela abriu a boca, ele pensou por um momento que ela o iria responder. Mas então ela se calou.

— Onde exatamente é o Comodoro? Em caso de eu me separar de vocês. — Ele deu as direções a ela. — Eu estou no vigésimo oitavo e vigésimo nono andar.

— Os dois?

— Os dois.

— Eu não estou surpresa. — Droga, ele já podia sentir ela se fechando para ele, desligando a conexão. — Eu vou seguir vocês até lá.

Quando ela começou a se virar, ele segurou o cotovelo dela.

— Qual o número do seu celular? — Teve uma longa pausa.

— Me desculpe... Eu apenas não posso.

Tudo certo. Eu entendo. Mas você tem os meus números. Ligue-me, por favor. Qualquer hora. — Ele se inclinou para o lado, girou ainda mais a porta dela, para ela poder entrar, e ele esperou até ela pôr o cinto de segurança sobre o peito. Depois de alguns minutos, o carro dela assobiou como se fosse preguiçoso, e ela olhou para cima, como se estivesse esperando ele se mover.

O som de uma das janelas do M6 descendo, o fez querer amaldiçoar. E então veio a voz de Jim.

— O manual diz que o único jeito de você pegar uma carona para casa é se sentando no banco, ou você prefere ir no pára-choque dianteiro?

Vin andou em volta do carro, entrou e sentou no assento do passageiro.

— Não perca ela de vista.

— Eu não irei.

E ele não fez. Jim dirigiu o M6 perfeitamente. Ele era rápido, hábil... Mas não tão rápido que Marie-Terese não pudesse acompanhar.

Contra o pano de fundo de rock clássico, Vin não sentiu necessidade de explicar porque ele e Marie-Terese tinham estado no restaurante sozinhos. Nem de longe.

De maneira nenhuma.

— Só me responda uma coisa, — Jim disse como se estivesse lendo a mente dele.

— Marie-Terese se encontrou com os policiais, e o dono também. — Vin olhou através do carro. — Eles não disseram nada sobre nós, e não tem nenhuma intenção de fazer.

Os olhos de Jim viraram sobre os assentos.

— Não era o que eu ia perguntar, mas é bom saber. E sobre as câmeras de segurança?

— Já foi tomado conta.

— Bom.

— Não fique muito feliz. Eu disse a Marie-Terese, que se ela ficasse comprometida, ou se tivesse qualquer pressão em cima dela, se ela precisasse para nos servir como um filé.

— Me responda uma coisa.

— O que?

— O que você vai fazer sobre a Devina?

— Vin cruzou seus braços sobre seu peito.

— Apenas porque eu tomei café com alguém...

— Grande merda. E não negue. O que você vai fazer?

— Porque você se importa? — Teve uma longa pausa. Tão longa que eles passaram dois sinais vermelhos. Enquanto eles aceleravam, depois de um segundo, Jim examinou. Seus olhos estavam presos, absolutamente ardentes.

— Eu me importo, Vin, porque eu vim para acreditar em demônios.

Vin virou sua cabeça ao redor, e Jim voltou a se focar na estrada, enquanto continuava.

— Eu não estava brincando, quando eu disse que estava aqui pra salvar sua alma. Eu estou começando a pensar que eu entendi errado também.

— Entendeu o que errado?

— Me fale sobre essa fodida indisposição Vitoriana, que você está passando.

— Espera, o que você entendeu errado?

— Eu não acho que supostamente você deve terminar com a Devina. — Ele lentamente balançou a cabeça e deu uma olhada pelo espelho retrovisor. — Meu trabalho é ajudar você a atravessar essa parte da sua vida, e terminar num lugar melhor. E eu estou começando a acreditar que isso significa que você precisa daquela mulher que... Sim, acabou de passar por um sinal vermelho para nos acompanhar.

Você deveria ter parado, — Vin repreendeu, segurando o espelho, e puxando para ver se conseguia enxergar Marie-Terese atrás do volante.

Ela estava segurando o volante com as duas mãos, e focando no M6, a concentração apertando suas sobrancelhas. Seus lábios estavam se movendo levemente, como se ela estivesse cantando alguma musica, ou falando sozinha, e ele se perguntou qual das opções era.

— Então, como é esse negócio de morrer? — Jim despertou.

— Você não está surpreso, não é? — Vin reajustou o espelho.

— Você já ouviu falar em médium? — Jim o olhou.

— Sim.

— Bem, eu vejo o futuro, e às vezes eu falo quando eu vejo. E tem outras merdas também. Então... É isso. E se você pensa que é uma fodida festa, deixe-me garantir a você que não é. Eu fiz o meu melhor para tirar isso de mim, e pensa que eu consegui? Acho que não.

Quando o único som era o barulho do motor do M6, ele disse asperamente.

— Você ganhou alguns pontos por não rir.

— Você quer saber? Eu poderia ter rido há alguns dias atrás, — Jim deu de ombros. — Agora eu não estou com vontade nenhuma. Você sempre foi assim?

— Começou quando eu era criança.

— Então... O que você viu sobre ela? — Quando Vin não conseguiu responder, ele disse:

— Tudo bem. Eu estou achando que não era um jantar a luz de velas e uma caminhada romântica na praia.

— Não dificilmente.

— O que foi, Vin. E você deve me contar também. Eu e você estamos juntos nisso. — A raiva espetava, dura e quente.

— Certo, eu mostrei o meu. Agora você me mostra o seu. O que merda você está fazendo...?

— Eu morri. Ontem a noite... Eu morri e fui mandado de volta para ajudar as pessoas. Você é meu primeiro. — Agora era a vez de Vin entender e fazer silêncio.

— Parece que você também ganhou uns pontos por não rir também. — Jim murmurou. — Eu te digo, vamos estipular, que nós dois temos um pouco dessa droga, o que for, acontecendo com a gente, e vamos seguir em frente. Eu preciso salvar seu traseiro, e como eu disse, eu tenho o pressentimento que a solução não é a Devina, mas a mulher atrás de nós naquele Camry. Então porque você não corta essa merda, e me fala o que você viu sobre ela, — Porque, eu não vou falhar na minha primeira viajem fora do parque, e mais o que eu sei bem.

Jim Heron não parecia estar delirando, e considerando de onde Vin estava vindo, quando ele tinha virado aquela merda estranha, ele percebeu que pode pelo menos dar margem a fé ao que o outro cara disse. Mesmo se ele não fizesse mais sentido que... Bem, transes médiuns, por exemplo.

— Eu vi... Uma arma atirar.

A cabeça de Jim lentamente virou ao redor.

—Quem foi acertado? Você ou ela?

— Eu não sei. Eu estou presumindo que é ela.

— Você alguma vez errou?

— Não.

— A cabeça dele caiu no volante.

— Bem. Aí vamos nós.

— Parece como se tivéssemos mais para falar.

— Sim.

Ao invés, eles não disseram nada: Eles se sentaram lada a lado no carro, e Vin não podia ignorar a metáfora, os dois presos em algum tipo de corrida, com quem só Deus sabe quem estaria esperando por eles.

— Enquanto olhava no retrovisor, ele rezava para que não fosse Marie-Terese, quem levasse se machucasse. Melhor ele. Muito melhor.

 

Quando finalmente eles chegaram ao Comodoro, eles entraram na garagem, e como Marie-Terese, esperava na frente, Vin pensou que talvez isso fosse uma boa coisa: Ele tinha tentado dizer adeus a ela de novo, e suficiente era suficiente.

— Eu sou o espaço número onze por ali.

Depois que o M6 estava estacionado, ele pegou a chave de seu mais novo amigo, e eles foram em seus caminhos separados, com Jim seguindo pela escadaria, que o levaria a rua.

Vin andou para a direção oposta, dos elevadores, e quando as portas se abriram para ele, ele entrou e se virou. Jim estava quase na saída, seus passos largos cortando a distancia rapidamente.

Vin bloqueou o elevador, e gritou:

— Eu vou terminar com a Devina.

— Bom. Mas pegue leve com ela. Ela está apaixonada por você.

— Ela certamente faz parecer desse jeito. Mas embaixo de todo aquele —amor— exterior, tem algo vazio sobre ela, — E tinha sido parte da decisão de mantê-la por perto: Ele preferia lidar com calculistas, porque interesse próprio ele confiava mais do que amava.

Não mais. Mudanças estavam ocorrendo nele, mudanças que ele não podia controlar mais, do que podia parar a imposição daquelas visões. Em um dia normal, ele era noventa e nove por cento sobre trabalho. A mente dele tinha sido consumida com outras coisas mais importantes... Coisas que tinham muito a ver com Marie-Terese.

— Eu vou manter você informado, — Ele disse a Jim.

Faça isso.

Vin deixou as portas fecharem, e acionou o botão para o andar dele. Ela tinha que falar com Devina, e precisava acabar com aquela conversa. Não era apenas a coisa justa a fazer... Ele tinha certo senso de urgência sobre isso, não ter nada a ver com o fato de que ele não estava olhando para frente, para magoá-la.

Aquele horrível sonho ainda estava com ele... Como se tivesse grudado no seu cérebro permanentemente.

No vigésimo oitavo andar, o elevador soltou um discreto som, e ele pisou para fora e foi para a sua porta. Assim que ele abriu caminho no duplex, Devina correu as escadas, com um enorme sorriso em seu rosto.

— Olha o que eu achei quando estava arrumando escritório. — Ela estendeu as palmas abertas, segurando uma caixa da Reinhardt. — Oh, Vin, é perfeito.

Ela se apressou contra ele e jogou seus braços em volta do pescoço dele, seu perfume sufocando-o mais do que segurá-lo fez. Enquanto ela falava sobre a caixa, dizendo que não deveria ter aberto, e como tinha servido no dedo dela, Vin fechou seus olhos, e viu os ecos do pesadelo que ele teve.

Uma convicção brilhou no centro do seu peito, uma que era inegável, como seu próprio reflexo no espelho.

Ela não era quem ela tinha dito que era.

 

Quando Jim entrou no Camry verde, ele se inclinou e estendeu sua mão.

— Jim Heron. Acho que podemos nos apresentar.

Marie-Terese.

O sorriso da mulher era leve, mas carinhoso, e enquanto ele esperava por um sobrenome, ele teve o pressentimento de que não viria.

— Obrigado pela carona da volta, — Ele disse.

— Sem problemas. Como está Vin?

— Para um cara que acabou de cair em um estacionamento, ele parecia bem. — Jim olhou sobre ela, enquanto ela colocava seu cinto de segurança.

— Você está levando bem? Falar com os policiais não é uma festa.

— Vin disse a você? Você sabe das firas de segurança e... —

— Sim, ele disse e obrigado.

— Por nada. — Ela deu seta, olhou o espelho, e saiu após um SUV passar. — Posso perguntar algo a você?

— Claro.

— Há quanto tempo você vem dormindo com a namorada dele?

Jim apertou os ombros e estreitou os olhos.

— Me desculpe?

— Na noite antes de ontem, eu vi você sair com a namorada dele, depois dela passar uma hora encarando você. A mesma coisa ontem à noite. Sem ofensas, mas eu tenho visto pessoas fazer coisas como essa, por um tempo agora, então eu duvido que vocês apenas deram as mãos no estacionamento.

Bem, bem, bem... Ela era esperta. Essa Marie-Terese era esperta.

— O que você pensa sobre Vin? — Ele perguntou.

— Não vai me responder? Eu não culpo você.

— Qual é o seu sobrenome? — Ele sorriu amargamente enquanto o silêncio reinava. — Não vai me responder? Eu não culpo você.

Quando ela ruborizou, ele relaxou com uma maldição.

— Olhe, me desculpe. Está sendo difícil alguns dias.

Ela assentiu.

E não é da minha conta, na verdade. — Ela não estava muito certo sobre isso.

— Apenas por curiosidade, o que você pensa sobre ele? — Enquanto esperava por uma resposta, Jim pensou, Jesus, desde quando ele tinha virado uma Ann Landers [35]moderno? A próxima coisa que ele sabia era que estaria fazendo máscaras faciais, e passando suas roupas.

Ou... Lavando suas roupas.

Tanto faz.

— Bom, de qualquer jeito, — Ele disse, consciente de que ela não tinha respondido. — Eu não conheço muito ele, mas Vin é um cara legal.

— Há quanto tempo você conhece ele?

— Eu trabalho para ele.

— Ele está no ramo da construção, e eu tenho uma marreta. Uma parceria ideal. — Jim pensou nos Quatro Caras e revolveu os olhos. — Literalmente.

Enquanto eles paravam num sinal vermelho, ela disse:

— Eu não estou procurando por ele. Por ninguém.

Jim deu uma olhada para o céu, através dos arranha-céus.

— Você não precisa estar procurando, para achar o que você precisa.

— Eu não vou ficar com ele, então... Sim. É só isso.

Ótimo. Um passa para frente dois para trás. Vin parecia estar na borda; Marie-Terese não estava interessada — Apesar do fato de que ela estava claramente atraída por ele, e que ela se importava o bastante para se preocupar de como ele voltaria seguro para casa.

Enquanto eles seguiam pelo trânsito, eles passaram por um casal que estava andando um ao lado do outro, de mãos dadas. Eles não eram jovens amantes, na verdade eles eram velhos. Muito velhos.

— Mas apenas na pele, não no coração.

— Alguma vez você já esteve apaixonada Marie-Terese?

— Uma pergunta infernal a se fazer a uma prostituta.

— Eu nunca. Estive apaixonado, é isso. Apenas me perguntava se você já. — Jim tocou o vidro, e a mulher velha viu o gesto, e claramente pensou que ele tinha acenado para ela. Enquanto ela levantava sua mão livre, ele se perguntava se talvez ele tivesse.

Ele sorriu para ela, e ela sorriu de volta, e retornaram seus caminhos separados.

— Porque isso é relevante? — Ela disse

Ele pensou em Vin naquele lindo e frio duplex, cercado por objetos de beleza inanimada.

E então ele pensou em Vin, olhando para Marie-Terese a luz do sol.

A alma do cara parecia ter sido preenchida naquele momento. Ele tinha sido transformado. Ele esteve verdadeiramente vivo.

— É relevante porque eu estou começando a pensar, — Jim murmurou, — Amor pode ser tudo.

— Eu costumava acreditar nisso. — Marie-Terese disse roucamente, — Mas então eu casei com o homem que eu casei, e toda aquela coisa de fantasia, foi soprada pra fora da janela.

— Talvez isso não fosse amor.

A risada chocada dela disse a ele que ele estava no caminho certo aquela.

— Sim, talvez. — Eles entraram no estacionamento da lanchonete, e seguiram para a Harley dele.

— Obrigado de novo pela carona. — Ele disse.

— Estou feliz em ajudar.

Ele saiu do carro, fechou a porta, e observou ela fazer a volta. Enquanto ela saía, ele memorizou o número da placa.

Quando ele estava certo de que ela tinha ido embora, ele colocou seu capacete, ligou a moto, e caiu fora. Considerando sua lista de crimes, uma Harley não registrada não era nenhuma mancha em seu radar.

Além, o forte vento em seu peito e braços reduziu um pouco do estresse e deixou seu cérebro mais claro, — Ainda o que tinha sido revelado, o fez se sentir doente. Era bem obvio o que ele precisava fazer, e pensou, que mesmo que ele odiasse, às vezes você tem que deixar a merda passar: Ele tinha uma mulher que precisava manter viva, a visão de Vin de um tiro, e agora dois garotos de escola que estavam agora mortos, graças a terem sido detonados. O que a situação pedia era informação, e tinha apenas um jeito de saber como achá-las.

Ele não gostava de se prostituir, mas você tem que fazer, o que você tem que fazer... E ele pensou que esse mantra fosse alguma coisa que Marie-Terese conhecia, também.

Assim que ele chegou pelo caminho de pedras de sua oficina, Cachorro saiu de baixo da caminhonete e pulou com alegria sobre a moto, se sacudindo enquanto escoltava seu dono todo o caminho até a garagem. Depois que Jim tirou seu capacete, ele se abaixou para saudar Cachorro, com rabo batendo tão rápido, que era um maldito milagre que o rapaz conseguia ficar em suas patas.

Estranho ter alguém para recebê-lo em casa.

Jim levantou o cachorro, prendeu ele sob seu braço, e subiu as escadas para destrancar a porta. Dentro, ele deu tapinhas nele enquanto procurava seu celular na cama bagunçada.

Sentando no colchão, e sentindo o pequeno e quente corpo se curvar em sua coxa, Jim pensou longa e duramente antes de discar. Parecia como um passo atrás, e a familiaridade disso o adoeceu, o que era interessante.

Cristo, tinha ele tentado fazer um novo começo das coisas aqui?

Olhando em volta, ele viu o que Vin tinha visto: Duas pilhas de roupa, uma cama pequena, que nenhuma pessoa com mais de doze anos se sentiria confortável, móveis com adesivos por toda parte, e um teto coberto de rachaduras.

Não era exatamente um novo começo material, mas de novo então comparado a onde ele tinha estado, e o que ele esteve fazendo, dormir num banco de praça teria contado.

Enquanto ele encarava o telefone, as ramificações do que iria acontecer se aquela velha, e familiar voz aparecesse na linha, era muito claro.

Jim apertou os onze dígitos e apertou ligar, de qualquer jeito.

Quando os toques pararam, e não tinha recado de voz, ele disse uma palavra:

— Zacharias. — A resposta não era nada mais do que a lacônica risada de um homem que a vida não tinha mais surpresas.

— Bem, bem, bem... Nunca pensei que ouviria esse nome de novo.

— Eu preciso de algumas informações.

— Você precisa.

Jim apertou o celular na mão.

— É só uma placa licenciada, e uma identidade. Você poderia fazer isso em seus fodidos sonhos, seu pedaço de merda.

— Sim, claramente esse é o caminho para eu fazer qualquer coisa por você. Absolutamente. Você sempre foi tão diplomata.

— Foda-se. Você me deve.

— Eu devo.

— Sim.

Teve um longo silêncio, mas Jim sabia malditamente bem que a linha não tinha caído: O tipo de satélites que o governo usava para pessoas como seu antigo chefe, era poderoso o suficiente para pegar no meio da maldita Terra.

Aquela baixa risada veio de novo.

— Desculpe, meu velho amigo. Tem um estatuto de limitações e obrigações, e o seu já passou. Nunca mais me ligue de novo.

O telefone ficou mudo

Jim encarou a coisa por um momento, depois o jogou na cama.

— Acho que isso é o final, Cachorro.

Cristo, e se Marie-Terese fosse algum tipo de charlatã, e Vin estava só sendo enganado?

Se esticando nos lençóis enrugados, ele acomodou Cachorro em seu peito antes de alcançar o controle da TV na pequena mesinha. Enquanto ele acariciava o pelo macio de Cachorro, ele apontou a coisa para a pequena TV através da cabeceira da cama, seu dedo apertando o botão vermelho, marcado LIGAR.

Eu poderia usar alguma ajuda, crianças, ele pensou. Que caminho supostamente eu devo ir com isso tudo?

Ele apertou o botão, e a imagem apareceu, expandindo pela tela de vidro, florescendo em uma clara imagem. Uma mulher num vestido vermelho estava sendo conduzida por uma cara de smoking de uma limusine para um jatinho. Ele não reconheceu o filme, mas considerando que ele tinha passado os últimos vinte anos da sua vida no duro serviço militar, ele não teve muito tempo para ver os malditos filmes.

Quando ele apertou informações, Jim teve que rir. Uma Linda Mulher era evidentemente sobre uma prostituta e um homem de negócios se apaixonando. Ele deu uma olhada para o teto.

— Acho que eu entendi errado da primeira vez, não meninos?

 

Aquela noite, quando Marie-Terese entrou na Catedral St. Patrick, seus passos estavam lentos, e o corredor até o altar parecia estar uma milha longe. Enquanto ela passava pela capela dos santos, em direção aos confessionários, ela parou na quarta ala. A piedosa imagem em tamanho de Maria Madalena tinha sido removida do pedestal, sem duvida, a estatua de mármore tinha sido levada para tirar o pó e os resíduos de incenso.

O espaço vazio a fez perceber que ela tinha decidido sair de Caldwell

Estava tudo ficando muito para agüentar. Ela simplesmente não estava em um momento da vida, para se permitir ficar ligada emocionalmente a um homem, e isso já estava acontecendo com Vin. Aqueles estudantes mortos aparte, mais tempo perto dele não ia ajudar ela, e ela era uma agente livre, capaz de cair na estrada em qualquer momento.

O barulho de uma porta atrás dela aumentou us nervos dela, mas quando ela olhou sobre o ombro, não tinha ninguém porta. Como sempre, a igreja e os bancos estavam essencialmente vazios, com apenas duas mulheres em véus negros rezando, e um homem usando um boné dos Red Sox de joelhos no fundo.

Enquanto ela continuava pelo corredor, o peso da sua decisão de sair da cidade a deixou exausta. Para onde ela iria? E quanto iria custar arranjar outra identidade? E trabalho. O que ela deveria fazer sobre isso? Trez era único em seu trabalho, e o Iron Mask era o único lugar que ela podia imaginar fazendo o que ela fazia.

Exceto, como ela conseguiria pagar suas dívidas?

No par de confessionários, tinha duas pessoas na frente dela, então ela esperou com eles, sorrindo apenas a modo de cumprimento, e depois deixando seus olhos vagarem pela sala, como eles fizeram. Como era sempre o modo como acontecia. A culpa a apertou, mas não para puxar conversa quando eles estavam tentando se livrar de algo, e ela se perguntou se os outros estavam treinando o que iam dizer, assim como ela.

Sem importar quais eram os problemas deles, ela poderia ganhar deles no quesito pecado. Fácil.

— Olá.

Ela olhou para trás, e reconheceu o rapaz do grupo das rezas. Ele era quieto como ela, ele era um que raramente abria a boca.

— Olá — Ela disse.

Ele acenou, e então olhou para o chão, apertando suas mãos juntas, e mantendo-as para si. Por nenhuma razão em particular, ela notou que ele tinha cheiro de incenso, o tipo usado em igreja, e ela estava confortada pelo cheiro doce da uma maça.

Juntos, eles deram dois passos, quando alguém saiu... Depois mais dois passos, e então Marie-Terese era a próxima.

Depois de uma senhora com os olhos vermelhos sair detrás da grossa cortina de veludo vermelho, era a vez de Marie-Terese, e ela deu um sorriso ao grupo, a modo de adeus, antes de entrar no cubículo.

Quando ela se fechou, e se sentou, o painel de madeira se deslizou, e o perfil do padre foi revelado do lado mais distante da tela de ferro que os separava.

Depois de fazer os sinais da cruz, ela disse suavemente:

— Me perdoe, Padre, por eu ter pecado. Foi a dois dias da minha última confissão.

Ela pausou, porque mesmo sabendo as palavras que ela disse muitas e muitas vezes, elas eram muito difíceis de sair.

— Fale comigo, minha criança. Descarregue você.

— Padre, eu tenho... Pecado.

— De que maneira?

Embora ele soubesse. Mas o ponto principal da confissão, era por em palavras as más ações.

Ela clareou a garganta.

— Eu tenho... Estado com um homem ilegalmente. E eu tenho cometido adultério. — Por que alguns deles usavam alianças. — E... Eu tenho chamado o nome de Deus em vão. — Quando ela tinha visto Vin caído no estacionamento. — E eu...

Foi um pouco depois que a lista dela secou e o perfil do padre assentir gravemente, que ela caiu em silêncio.

— Minha criança... Certamente você sabe os lapsos de seus caminhos.

— Eu sei.

— E as transgressões contra os caminhos de Deus na podem... —

— Enquanto a voz do padre continuava, Marie-Terese fechou os olhos, e tomou a mensagem dentro dela. Dor de quão longe ela chegou, e o que ela estava fazendo a si própria, apertou seus pulmões até que ela não podia segurar o ar dentro deles de jeito nenhum.

— Marie-Terese.

Ela se sacudiu, e olhou para a tela.

— Sim, Padre.

—... Então, eu devo... — O Padre parou. — Me desculpe?

— Você disse meu nome?

Uma sobrancelha franzida apareceu no perfil dele.

— Não, minha criança, eu não disse. Mas pelo seus pecados, eu devo decretar que... —

Marie-Terese olhou em volta, mesmo sabendo que não tinha nada para olhar além da cortina de veludo vermelho, e o painel de madeira.

—... Te absolvo a peccatis tuis in nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. Amen.

Abaixando sua cabeça, ela agradeceu ao Padre, e depois dele fechar o painel, ela tomou uma profunda respiração, pegou sua bolsa, e saiu do confessionário. Próximo ao que ela estava, ela podia ouvir a voz do pecador. Macia. Abafada. Absolutamente indistinta.

Enquanto ela andava pelo corredor, a paranóia fez seus olhos irem para todos os cantos da Catedral. O par de mulheres com véus ainda estavam ali. O homem que esteve rezando, tinha ido embora, mas outros dois tinham chego e pego seu lugar aos fundos.

Ela odiava ficar olhando sobre seu ombro, e se perguntando onde ela tinha ouvido alguém chamar seu nome e se preocupando se estava sendo seguida. Mas embora, desde que ela tinha saído de Las Vegas, ela tinha sido hiper vigilante, e ela tinha o pressentimento de que seria sempre assim.

Do lado de fora, deu uma corrida até seu carro, e não respirou facilmente, antes de fechar a porta. Pela primeira vez, o Camry pegou na primeira tentativa, como se a sua adrenalina estivesse sendo transmitida para o motor, e ela arrancou para o clube.

Quando ela chegou ao estacionamento do Iron Mask e saiu do carro com sua bolsa, sua paranóia estava infernizando ela. Nenhum carro a tinha seguido. Nenhuma sombra escura estavam se movendo para matá-la. Nada fora do normal.

Seus olhos foram para o beco onde os corpos tinham sido encontrados... E ela se lembrou precisamente do que ela estava assustada o tempo todo.

— Como você está?

Maria-Terese se virou tão rápido que sua bolsa bateu nela. Mas era somente Trez, esperando na porta dos fundos.

— Eu estou bem.

Quando os olhos dele se estreitaram, ela levantou sua mão.

— Não me espete. Não hoje. Eu sei que você só quer o meu bem, mas eu não posso lidar com isso agora.

— Tudo bem. — Ele murmurou. — Eu darei a você o espaço que você precisa.

Afortunadamente, ele era sincero em suas palavras, deixando-a sozinha no camarim para se trocar. Quando ela estava em seu horrível uniforme, com seu cabelo arrumado, seus cílios cobertos com rímel e sua boca praticamente oleosa, ela andou pelo longo corredor do clube, completamente indiferente de quem e o que ela era.

Enquanto ela andava pelo meio da multidão, não demorou muito para achar trabalho. Um pouco de contato com os olhos, um pouco de quadril, um suave sorriso, e ela tinha o primeiro candidato da noite.

O cara era absolutamente um civil, — Em outras palavras, ele pareceria completamente normal em qualquer lugar menos aqui na Gothicolândia. Ele tinha mais de um metro e oitenta e cinco, com cabelo e olhos castanhos, e ele cheirava a Eternity for Mens da Calvin Klein, — um antigo que indicava que ele não era de todo delicado, mas pelo menos tinha um bom nariz. Suas roupas eram boas, mas não tops de linha, e ele não tinha nenhuma aliança

A conversação sobre a transação foi artificial e desajeitada, e ele ruborizava o tempo todo, o que deixava claro que ele nunca tinha feito isso antes, e nunca tinha se imaginado na posição de trocar dinheiro por sexo.

Bem vindo ao clube, ela pensou.

Ele a seguiu a um dos banheiros, e em uma característica distorção da realidade, ela se sentiu como se estivesse fora de seu corpo e dado dois passos atrás, observando o par ir para frente, e fechar a porta.

Dentro do limitado espaço, ela pegou o dinheiro que ele ofereceu, colocando-o em um bolso escondido dentro de sua saia, e então ela se aproximou dele, seu corpo frio como gelo, sua mão tremendo enquanto ele esfregava os braços dele. Abrindo seus lábios num falso sorriso, ela se abraçou a ele fazendo-o tocá-la, forçando seu corpo a ficar parado, rezando para seu autocontrole ser grande o suficiente para ela não correr gritando.

Meu nome é Rob, — O —John— disse. — Qual é o seu?

De repente, o banheiro começou a se fechar, as paredes roxas escuras e pretas parecendo com um compactador de lixo, e a apertando forte, fazendo-a querer gritar por socorro, então alguém poderia pará-los.

Engolindo forte, Marie-Terese se recompôs, e piscou rápido na esperança de que clareando seus olhos, ela poderia limpar seu cérebro, e voltar aos trilhos.

Quando ela se inclinou, o homem franziu a sobrancelha, e se afastou.

— Mudou de idéia? — Ela perguntou, esperando que ele tivesse, mesmo que significasse que ela teria que sair e arranjar outro cliente.

Ele parecia perplexo.

— Ah... Você está chorando.

Recuando, ela olhou sobre o ombro para o espelho em cima da pia. Bom Deus... Ele estava certo. Lágrimas estavam rolando pela bochecha dela em uma lenta descida. Levantando suas mãos, ela as esfregou fora de seu rosto.

O homem olhou para o espelho também, e o rosto dele estava tão triste quanto ela se sentia.

— Quer saber? — Ele disse. — Eu não acho que nenhum de nós dois deveria estar fazendo isso. Eu estou tentando voltar para alguém que não se importa com quem eu durmo, e eu apenas não queria que ninguém saísse ferido. Isso é o por que de eu ter vindo...

— Para uma prostituta. — Ela terminou por ele. — Essa é a razão porque você veio a mim.

Deus, seu reflexo parecia terrível. Seu pesado delineador estava derretendo, suas bochechas estavam tão brancas quanto papel, e seu cabelo estava uma bagunça.

Enquanto ela olhava para seu rosto, ela percebeu que tinha acabado. O momento tinha finalmente chegado. Ela esteve avançando nesse caminho há algum tempo, com todo esse nervosismo antes de ela entrar no clube, aqueles choros e gritos quando ela estava no chuveiro, e os ataques de pânico no confessionário, mas o fim estava próximo.

O fim estava aqui.

Ela pôs sua mão na saia, e tirou as notas. Pegando a mão do homem, ela colocou o dinheiro nela.

— Eu acredito que você está certo. Nenhum dos dois devia estar fazendo isso.

O rapaz assentiu e apertou o dinheiro, parecendo sem esperança.

— Eu sou tão patético.

— Por quê?

— É tão típico de mim. Eu sempre entro em pânico nessas situações.

— Para o que é importante você não entrou em pânico. Eu entrei. Você foi... Gentil.

— Esse sou eu. O cara legal. Sempre o cara legal.

— Qual o nome dela? — Marie-Terese murmurou.

— Rebecca. Ela senta no cubículo ao lado do meu no trabalho e ela é realmente... Perfeita. Eu tenho tentado impressionar ela há uns quatro anos, mas tudo o que ela faz é falar sobre sua vida amorosa. Eu pensei que se talvez eu falasse de algum encontro meu, onde eu tive sorte... O problema é, eu nunca tenho sorte e sou um péssimo mentiroso.

Ele puxou as mangas de sua camisa, como se estivesse tentando parecer atraente em frente a sua realidade.

— Você alguma vez chamou ela para sair? — Marie-Terese perguntou.

— Não.

— Você já pensou que ela pode estar tentando impressionar você com todos esses encontros?

O rapaz franziu as sobrancelhas.

— Mas porque ela faria isso?

Marie-Terese o alcançou e virou seu rosto para o espelho.

— Por que você é realmente atraente e bom, e talvez você esteja entendendo a situação de forma errada. O negócio é, se você a chamar para sair e ela recusar você, você não vai querer de qualquer jeito. Não tem razão para ser um de muitos.

— Deus, eu não posso imaginar como chamá-la para sair.

— Que tal... Rebecca, o que você vai fazer quinta-feira a noite? Esteja certo de chamar num dia de semana. Muita pressão para um fim de semana.

— Você acha?

— O que você tem a perder?

— Bem, ela está próxima a mim no trabalho, e eu a vejo todo dia.

— Mas você não está tendo um bom momento agora, está? Pelo menos você pode dar um fim nisso.

Ele encontrou os olhos dela no espelho.

— Porque você estava chorando?

— Porque eu não posso mais fazer isso.

— Quer saber, eu estou feliz. Eu escolhi você porque você não parecia o tipo de mulher que...

Ele ruborizou — Ah.

Que deveria estar fazendo isso. Eu sei. E você está certo.

O rapaz virou para ela e sorriu.

— Isso na verdade funcionou bem.

— Funcionou.

Em um impulso, ela o alcançou e deu um abraço nele.

— Sorte a você. E lembre-se, que quando você está chamando alguma mulher para sair, você é um ótimo partido, e ela tem sorte de ter você. Confie em mim. Eu aprendi da forma mais dura, que um homem bom é difícil de achar.

— Você acha?

Marie-Terese rolou os olhos.

— Você não tem idéia.

Ele sorriu ainda mais amplamente.

— Obrigado, — Eu realmente agradeço. E eu acho que vou chamá-la para sair. O que infernos, certo?

— Você só vive uma vez.

Ele estava sorrindo e cheio de propostas enquanto saia do banheiro, enquanto a porta se fechava, Marie-Terese voltou a se olhar. À luz que a iluminava por cima, toda a maquiagem borrada a fez parecer uma autêntica gótica.

Que irônico, que a ultima noite dela no clube, finalmente ela parecia um cliente normal.

Se inclinando para um lado, ela pegou um pedaço de papel, pensando em arrumar seu delineador. Ao invés, ela terminou limpando o batom, apenas tirando a cobertura brilhante de sua boca. Nunca mais. Ela não iria usar aquela coisa grudenta outra vez... Ou qualquer uma daquelas maquiagens... Ou das ridículas roupas de puta.

Acabado. Esse capítulo da vida dela estava acabado.

Deus, era maravilhoso quão leve ela se sentiu. Maravilhoso e insano. Ela não tinha idéia do que ia fazer agora, ou para onde iria, então por essas razões, ela deveria estar em pânico. Mas tudo que ela podia pensar era quão aliviada ela se sentia.

Virando longe do espelho, ela alcançou o puxador de ferro e percebeu que tinha ido do choro ao sorriso. Abrindo a porta, ela — Olhou para o rosto amargo de Vincent diPietro.

Ele estava inclinado contra a parede justamente a frente dos banheiros privados, seus braços cruzados sobre seu peito, seu grande corpo tenso apesar da posição que deveria parecer relaxada. Sua expressão era de um homem que acabava de ter seu estômago aberto.

 

O problema era, ele não tinha motivo e nem direito de se sentir como se tivesse acabado de ter seu estômago esmurrado

À medida que Vin fitava Marie-Terese, ele tomava nota do rubor no rosto dela, e o fato de que não tinha nenhum batom na boca dela, ele não deveria ter sentido nada. A mesma coisa, quando aquele cara saiu do banheiro com um sorriso no rosto, e os ombros levantados como se ele fosse —O cara—. — Não devia ter acontecido nada de estranho no peito de Vin.

Ela não era mulher dele. Isso não era da conta dele.

— Eu preciso ir embora. — Ele disse, desencostando da parede, e se virando. Uma olhada na densa multidão, e ele foi para os fundos do clube, pelo corredor, que graças a ontem a noite, ele sabia que tinha uma porta no final.

Durante todo o percurso, a voz de seu pai bêbado o atormentava.

— Nunca confie numa mulher. Elas são putas, todas elas. Dê a elas uma chance, e elas vão foder todas as vezes, — E não de um jeito bom.

Marie-Terese o alcançou na metade do caminho para a saída, seus sapatos de salto alto, batendo sobre o piso ladrilhado. Pegando o braço dele, ela o puxou para uma parede.

— Vin, porque você está...

— Agindo desse jeito? — Maldição, ele não conseguia olhar para ela. Simplesmente não podia. — Você sabe, eu não tenho uma resposta para isso.

Ela parecia confusa.

— Não, eu estava perguntando... Porque você veio? Tem alguma coisa errada?

Deus, por onde começar com essa.

— Tudo está ótimo e maravilhoso. Absolutamente perfeito.

Enquanto ele continuava a andar pelo corredor de novo, ele a ouviu alto e claro.

— Eu não estava com ele. O homem lá dentro. Eu não estava com ele.

Vin olhou sobre seu ombro, e então marchou de volta para ela.

— Sim, claro. Você está com os homens para namorar, — Ou você acha que eu esqueci o que uma prostituta faz por dinheiro?

Enquanto ele a olhava empalidecer, ele se sentiu como um total bastardo. Mas antes que ele pudesse retirar o que tinha dito, ela preencheu o silêncio.

Levantando seu queixo, ela disse:

— É a verdade, e se você acredita ou não, é problema seu. Não meu. Agora se você me desculpar, eu vou trocar de roupa.

Quando ela levantou a mão para tirar o cabelo que estava sobre seu ombro, ele viu que ela tinha algo preso ao pulso... Um pedaço de papel com manchas vermelhas sobre ele.

— Espere — Ele a parou, e olhou para a coisa. — Você limpou o seu batom.

— Claro que eu, — Espere, eu acho que você pensou que aquele homem tirou com um beijo, certo? — Ela virou e seguiu pelo corredor.

— Adeus, Vin.

Agora era a vez dele de jogar uma novidade.

— Eu terminei com Devina essa noite. Minha namorada é agora —ex—. Isso foi o que eu vim dizer a você.

Marie-Terese parou, mas não virou para ele.

— Porque você fez isso?

Ele traçou o caminho das costas dela com os olhos, dos pequenos ombros a sua cintura, e de volta ao escuro cabelo preto que caia abaixo de sua omoplata.

— Porque quando eu olhei para você através daquela mesa no restaurante, tudo deixou de existir. E acontecendo ou não alguma coisa entre nós, conhecer você serviu para me mostrar o que eu estava perdendo.

Ela olhou sobre seu ombro, seus espetaculares olhos azuis estupefatos.

— É a verdade. — Ele disse. — É a verdade, e foi por causa disso que eu estava tão perturbado do lado de fora do banheiro. Eu não estou dizendo que você é minha... Eu apenas desejaria que você fosse.

Enquanto a depressiva música do clube enchia o ar entre eles, ele procurou a combinação mágica de palavras que a faria parar de tentar deixá-lo de fora.

Ainda que não canalizar seu pai, era provavelmente o melhor lugar para começar.

Ele se virou, e ele sentiu a avaliação em seus olhos.

— Eu vou trocar de roupa, e dizer ao Trez que estou me demitindo. Você vai esperar por mim?

O que... Ele tinha escutado direito?

— Você está saindo?

Ela levantou o pedaço de papel.

— Eu tenho percebido a algum tempo que eu não poderia continuar fazendo isso... Eu apenas não pensei que seria essa noite. Mas é.

Vin andou para ela, e embrulhou seus braços em volta dela, segurando-a cuidadosamente, então ela poderia se afastar se quisesse. Ela nem pensou. Enquanto seus corpos se encostavam, ela tomou uma respiração profunda... E o abraçou de volta.

— Sim... Sim, eu vou esperar por você. — Ele sussurrou, — Mesmo que leve horas.

Como se soubesse precisamente a hora de aparecer, Trez saiu de seu escritório até o fim do corredor, e parou em frente a eles.

Ele estendeu sua mão a Vin.

— Então você a está tirando daqui?

— Se ela me deixar.

Trez olhou para Marie-Terese, seus olhos castanhos impossivelmente gentis.

— Você deveria deixá-lo.

Marie-Terese ficou tão vermelha quanto um cartão de dia dos namorados.

— Eu... Ah... Olha Trez, eu não vou voltar mais aqui.

— Eu sei. E eu vou sentir sua falta, mas eu estou feliz.

Quando o homem ofereceu seu braço, ela o abraçou brevemente.

— Eu digo para o resto das garotas, e, por favor, não se sinta como se tivesse que manter contato, — Às vezes um corte limpo é o melhor. Apenas se lembre, se você precisar alguma coisa, qualquer coisa, — Dinheiro, lugar para ficar, um ombro para chorar. — Eu estarei sempre aqui para você.

Certo, Vin gostou desse cara. Bastante.

— Eu vou. — Ela olhou para Vin. — Eu não vou demorar.

Depois de ela ter desaparecido no camarim, Vin baixou sua voz, mesmo sabendo que era desnecessário, porque não tinha mais ninguém no corredor com eles.

— Ouça, ela me disse sobre apertado você está sendo com a polícia. Eu aprecio, mas se custar alguma coisa a você ou a ela, você abre o jogo, certo?

O cara sorriu um pouco, sua auto-segurança palpável.

— Não se preocupe sobre os policiais. Apenas tome conta da sua garota e tudo estará bem.

— Ela não é minha garota realmente. — Embora se ele tivesse uma chance...

— Posso dar a você um pequeno conselho?

— Sim, claro.

Enquanto o homem se aproximava, era estranho para Vin ter outro homem olhando diretamente nos olhos, dando quão alto ele era, mas Trez, certo como a merda que não tinha um problema com isso.

— Ouça cuidadosamente. — O homem disse. — Vai chegar um tempo, talvez mais cedo do que tarde, que você vai precisar confiar nela. Você vai precisar ter fé que ela é quem você conhece, e não o que você teme. Ela fez o que teve que fazer aqui, e talvez ela lhe fale as razões. Mas esse tipo de merda não é deixado para trás nas suas mentes por um longo tempo... Se alguma vez sair. Deixe-me assegurá-lo do que você já suspeita, de qualquer forma. Ela não é como as garotas daqui. Se a vida não tivesse sido como foi, ela nunca estaria aqui agora, certo?

Vin viu totalmente o ponto do cara, — Exceto, ele se perguntava quanto o dono do clube sabia. Dando o modo como ele olhava Vin, era como se ele visse... Tudo.

Sim, certo.

— Bom. Porque se você mexer com a cabeça dela, — Ele pôs sua boca próxima da orelha de Vin. — Eu vou fazer um jantar com a carne dos seus ossos.

Enquanto Trez se arrumava e brilhava outro daqueles pequenos sorrisos, Vin não estava enganado nem de leve sobre visões de cachorros-quentes, hambúrguer, e molho de churrasco rodando por sua mente.

— Você sabe, — Vin murmurou, — Você está certo, amigo, realmente está.

Trez arqueou um pouco.

— O mesmo sobre você.

Quando Marie-Terese apareceu cerca de dez minutos depois, seu rosto estava sem maquiagem, ela estava de jeans e um suéter de lã, e sua bolsa não estava a vista.

— Eu acabei de jogar minhas coisas fora. — Ela disse a Trez.

— Bom.

Os três andaram pela saída, e quando eles chegaram a porta, ela abraçou seu chefe de novo.

— Trez, sobre a polícia... —

— Se eles aparecerem aqui procurando por você. Eu a avisarei. Mas eu não quero que você se preocupe sobre isso, certo?

Ela sorriu para ele.

— Você toma conta de tudo, não é mesmo?

Uma sombra passou pelo rosto do homem.

— Quase tudo. Agora vão embora, vocês dois. E não tomem isso de modo errado, mas eu espero nunca mais ver vocês.

— Adeus Trez, — Marie-Terese murmurou.

Ele a alcançou e esfregou sua bochecha carinhosamente.

Enquanto o dono abria a porta dos fundos, Vin pôs seus braços em volta da cintura dela e a conduziu ao ar noturno.

— Nós podemos ir para outro lugar e conversar? — Ele disse, enquanto seus passos ecoavam no chão.

— A lanchonete?

— Eu estava pensando... Em outro lugar. Na verdade, tem esse lugar que eu gostaria de levar você.

— Certo. Posso seguir você?

— E que tal se eu dirigir nós dois? Enquanto ela olhava de volta para o clube, ele sacudiu sua cabeça.

— Na verdade, me siga, por favor. Você se sentirá mais segura com seu próprio carro.

Teve uma pausa, como se ela estivesse testando seus instintos. E então ela deu de ombros.

— Não... Isso não é necessário. — Ela olhou para ele. — Eu realmente não penso que você vai me machucar.

— Você pode apostar sua vida nisso.

— Vin a escoltou ao M6, e depois que ela estava sentada no banco de passageiros, ele sentou atrás do volante.

— Nós estamos indo ao Wood.

— O que é isso?

— Uma parte residencial da cidade que em qualquer rua termina com —Wood—. Oakwood, Greenwood, Pinewood.

Ele ligou o motor.

— é como se os projetadores da cidade correram dos nomes inventivos aquele ponto, e você se pergunta porque não tem uma avenida Woodwood, por lá.

Ela riu.

— Eu estou aqui há pelo menos um ano e meio. Eu deveria provavelmente saber onde é esse lugar.

— Não é muito longe. Apenas há uns dez minutos daqui.

Cinco quadras depois do clube, e ele diminuiu na Northway, e entrou na próxima saída, saindo dos subúrbios norte de Caldie. Enquanto eles passavam rua após rua, parecidas com selos de cartas, as casas eram pequenas, e se tornando menores ainda ao passarem.

Ele tinha lembranças dessa vizinhança, mas não era do tipo família feliz limpa e pura Norman Rockwell. Mais como ele escapando da casa para ficar longe dos seus pais, e saindo com seus amigos para beber, fumar e lutar. Qualquer coisa era melhor do que ficar em casa naquele dias.

Deus, como ele rezou para eles irem embora. Ou ele ir embora. E ele tinha conseguido seu desejo, não tinha?

— Quase lá. — Ele disse, embora Marie-Terese parecesse perfeitamente contente perto dele, seu corpo relaxado, sua cabeça encostada no assento, parecendo relaxar enquanto olhava pela janela.

— Eu sinto como se pudesse continuar dirigindo por horas, — Ela murmurou, — E eu fuçaria feliz apenas em sentar aqui, e olhar o mundo passar.

Ele a alcançou e pegou a mão dela, dando um apertão.

— Quando foi a ultima vez que você esteve de férias?

— Eu tenho estado sempre.

— Ah. Eu sei como é essa.

Quando ele chegou a 116ª Avenida Crestwood, ele puxou para a entrada de automóveis e até um minúsculo dois-quartos com revestimento de alumínio e um desvio de concreto até a porta da frente.

O lugar que ele cresceu, nunca pareceu tão bom, os arbustos aparados em volta da fundação e o grande carvalho livre de galhos mortos, — E quando tinha grama crescendo, seria aparada toda semana. Ele também substituiu o teto dois anos atrás, refez o desvio, e o caminho foi repavimentado. Era a mulher casa da rua, se não de todo o bairro.

— O que é isso? — Ela perguntou.

Ele estava abruptamente embaraçado, mas então, esse era o ponto. Devina nunca tinha estado ali. Ninguém com quem ele trabalhava, nem sabia da existência do lugar. Desde que ele tinha começado a fazer, ele mostrava as pessoas, apenas do que ele estava orgulhoso.

Ele abriu a porta

— Isso é... Onde eu cresci.

Marie-Terese já estava fora do carro quando ele deu a volta, e seus olhos estavam analisando cada centímetro da casa, de um canto a outro.

Ele tomou o braço dela, e a guiou até a porta da frente. Assim que ele destrancou a porta, e abriu caminho, o cheiro de artificial de limão apareceu como se fosse um tapete de Bem Vindo, mas era um falso cumprimento, tão falso quanto a química usada para o cheiro de limão.

Juntos, eles passaram pelo umbral da porta, e ele acendeu a luz do corredor, depois fechou a porta, e ligou o aquecedor.

Frio. Úmido. Desordenado. Em contraste com o exterior, a casa, por dentro era uma bagunça. Ele deixou exatamente do jeito que estava no dia que seus pais rolaram pela escada juntos: Um instrumento de feiúra.

— Sim, isso é onde eu cresci. — Ele disse roucamente, olhando abaixo a única coisa nova em toda a casa, o tapete. — Que era o do pé da escada. Onde eles tinham caído depois de rolar pela escada.

Enquanto Marie-Terese olhava tudo, ele foi para a sala de estar e acendeu uma lâmpada, para ela poder ver também o sofá esfarrapado, e remendado nos braços... E a baixa mesinha de café com queimaduras de cigarro... E as prateleiras de livro, que estavam mais cheias de garrafas vazias de vodka da mãe dele, do que com qualquer coisa que se pudesse ler.

Homem, a luz não era gentil com as cortinas laranja e amarelo, que penduravam com podre exaustão dos seus trilhos de ferro batido ou o tapete puído que ia do sofá até a cozinha.

Sua pele ia arrepiando enquanto ele andava sobre o arco, e batia no interruptor de luz, acima do fogão.

O que deveria ser uma cozinha do estilo apavorante Betty Crocker, era pior do que a sala de estar: O balcão de fórmica estava manchado com círculos deixados por latas que estiveram lá por semanas, derramando ferrugem na superfície. O refrigerador com o puxador solto, era de um dourado queimado, ou provavelmente tinha sido, quando foi comprado, — Agora era difícil de dizer quanto era a cor inicial, e o quanto da decadência e da sujeira. E os armários de pinho... Que bagunça. Originalmente eles tinham sido lustrosos, mas eles estavam agora mofados, e a parte que ficava embaixo de uma antiga goteira, tinha limpado o verniz da madeira, como veneno na pele.

Ele estava tão envergonhado de tudo.

Esse era o verdadeiro Dorian Grey estado, a podre realidade que ele tinha mantido trancado em seu famoso armário enquanto para o resto do mundo, ele mostrava apenas beleza e riqueza.

Vin olhou sobre seu ombro. Marie-Terese estava perambulando ao redor, sua boca levemente aberta, como se ela estivesse vendo um filme que a chocou.

— Eu queria que você visse isso.

Ele disse.

— Porque essa é a verdade, e eu nunca mostrei para ninguém. Meus pais, eram ambos alcoólatras. Meu pai trabalhava como encanador, e minha mãe era uma fumante profissional, e isso era tudo. Eles brigavam muito, e morreram nessa casa, e para ser honesto, eu não sinto a falta deles, e eu peço desculpas por isso. Se isso faz de mim um bastardo, eu estou bem com isso.

Marie-Terese andou para o fogão. Sentando sobre o balcão, entre os queimadores, tinha uma velha colher virada, que ela pegou e tirou o pó.

— The Great Escape. Um parque de diversões ao norte. Já ouviu falar dele?

— Não. Como eu disse, eu não sou daqui.

Ele se aproximou, olhando para a coisa com o logotipo vermelho.

— Eu comprei isso em um passeio escolar. Eu pensei que talvez, se as outras crianças me vissem comprando algo normal para minha mãe, eles não iam adivinhar como ela realmente era. Por alguma razão, a mentira era importante para mim. Eu queria ser normal.

Marie-Terese colocou a coisa de volta no lugar, com mais cuidado que o necessário, e ficou onde estava, encarando a colher.

— Eu vou a um grupo de orações toda terça e sexta-feira à noite. Na St. Patrick.

A revelação dela, o deixou sem ar.. E ele teve que forçar a si mesmo, a ficar calmo.

— Você é católica? Eu, também. Ou pelo menos meus pais eram casados pela Igreja Católica. Eu me desviei um pouco.

Ela prendeu um pouco de seu cabelo atrás da orelha, e tomou uma trêmula respiração.

— Eu vou... Eu vou aos encontros porque eu quero estar em volta de pessoas normais. Eu quero ser... Como eles de novo algum dia.

Os olhos dela brilharam, e encontraram com os dele.

— Então eu entendo. Eu entendo... Tudo isso. Não só a casa, mas porque você não traz gente aqui.

O coração de Vin trovejou no peito.

— Eu fico contente. — Ele disse roucamente.

Os olhos dela se moveram em volta do espaço.

— Sim... Cada pedaço disso, eu entendo.

Ele ofereceu sua mão.

— Venha comigo. Deixe-me mostrar o resto do lugar.

Ela pegou o que ele ofereceu, e o calor da palma dela na dele era transformativo, aquecendo todo seu corpo, mostrando a ele quão frio e adormecido ele normalmente era. Ele tinha estado esperando que ela o aceitasse mesmo com isso contra seu favor. Rezando.

E agora que ele viu que ela aceitava, por alguma razão ele queria agradecer a Deus.

Enquanto eles subiam as escadas, os passos chiavam sobre o fétido carpete e o corrimão era tão perigoso como um bêbado num barco. No topo das escadas, ele passou pelo quarto dos seus pais, passou pelo único banheiro, e parou em frente a uma porta fechada.

— Aqui era onde eu dormia.

Depois que ele abriu, ele virou e acendeu a luz. Enfiada sobre uma goteira do sótão, sua velha cama de solteiro, estava ainda coberta com um cobertor azul-marinho, e o único travesseiro na cabeceira, era ainda tão fina quanto uma fatia de pão. A mesa estava onde ele fazia suas tarefas de casa, quando ele realmente fazia alguma coisa, estava ainda sobre a janela, a lâmpada curvada que ele usava para estudar, virada ao teto. Sobre a cômoda, seu cubo Rubik, seu negro pente de cabelo e a Sports Illustrated Edição de Roupa de banho com Kathy Ireland na capa, estavam onde ele tinha deixado pela última vez.

Sobre a penteadeira, seu espelho tinha vários pedaços de bilhete, fotos, e outras merdas presas na barata, falsa moldura de madeira, e enquanto ele andava para frente e pegava seu reflexo, ele queria amaldiçoar.

Sim, ainda o mesmo. Ele ainda estava encarando um rosto com machucados.

Claro, dessa vez, seu pai não tinha sido quem tinha colocado eles ali.

Vin andou para a janela, e enquanto ele a abria deixando algum ar entrar, ele sentiu vontade de falar. Então ele falou.

— Sabe, eu levei Devina a Montreal em nosso primeiro encontro. Voei com ela em meu avião e nós ficamos numa suíte no Ritz-Carlton. Ela estava tão impressionada, quanto eu imaginei que ela ficaria, e ainda hoje, ela não sabe de onde eu vim. Muito disso foi minha opção, mas a coisa era, que ela nunca se preocupou muito sobre meu passado. Ela nunca perguntou sobre meus pais depois que eu falei que estavam ambos mortos, e eu nunca me ofereci.

Ele se virou.

— Eu ia casar com ela. Tinha o anel comprado e tudo, — E o que você sabe, ela achou o diamante essa manhã.

— Oh... Meu Deus.

— ótimo tempo certo? Depois de o Jim me deixar, eu fui para casa, abri a porta, e lá estava ela, toda emocionada, com a caixa na mão.

Marie-Terese colocou sua mão sobre a boca.

— O que você fez?

Vin andou e se sentou na cama. Enquanto uma fina camada de poeira levantava, ele fez uma careta, parou de novo, e recolheu o cobertor em seus braços.

— Espere um minuto.

Fora no corredor, ele bateu a coberta, virando seu rosto da poeira. Quando não estava soltando muita poeira, ele voltou para o quarto, cobriu o colchão nu, e sentou de novo.

— O que eu fiz... — Ele murmurou. — Bem, eu tirei os braços dela do meu pescoço e me afastei. Disse a ela que não podia me comprometer com ela. Que eu tinha cometido um erro e que eu sentia muito.

Marie-Terese chegou mais perto, e sentou na cama.

— O que ela disse?

Ela tomou tudo com uma calma glacial. O que, se você a conhecesse, não seria uma grande surpresa. Eu disse a ela que ela poderia ficar com o anel, e ela subiu as escadas com ele. Voltou uns quinze minutos depois, com um pouco da sua roupa empacotada. Disse que depois mudaria o resto de suas coisas, e deixou a chave para trás quando saiu. Ela estava completamente inabalável e calma. O fato era, ela não parecia surpresa. Eu não estava apaixonado por ela, e nunca estive e ela sabia disso.

Vin puxou seu traseiro para trás, assim ele podia encostar-se à parede. Da saída do aquecedor sobre sua cabeça, o quente ar se derramava por sua face, um contra balanço com o leve e frio que vinha através da janela.

Depois de um momento, Marie-Terese seguiu o exemplo dele, apenas curvando suas pernas, e apertando seus braços em volta dos joelhos.

— Eu espero que você não se importe de eu perguntar... Mas se você não a amava, porque comprou o anel?

— Era mais uma coisa para adquirir. Justamente o que ela era.

Ele deu uma olhada em volta.

— Eu não estou orgulhoso disso, a propósito. Eu apenas não me importava antes....

— Antes?

Ele olhou para longe dela.

— Antes de agora.

Teve um longo silêncio enquanto as duas fontes de ar se misturavam, o quente e o frio, se juntavam numa confortável temperatura.

— O nome do meu filho é Robbie, — Ela disse abruptamente.

Enquanto ele dava uma olhada nela, ele viu que as juntas dos seus dedos sobre o joelho, estavam brancas pela tensão.

— Não tem que ser um Quid Pro Quo, — Ele murmurou.

— Só porque eu te conto coisas, não significa que você deve retornar o favor.

—Ela sorriu um pouco.

— Oh. Eu sei. É apenas... Eu não estou acostumada a falar.

— Isso faz dois de nós.

Os olhos dela se moveram em volta do quarto, e depois pararam na porta aberta.

— Seus pais discutiam muito?

— Todo o tempo.

— Eles... Lutavam? Mais do que apenas verbalmente... Você sabe.

— Sim. A maioria do tempo, o rosto da minha mãe parecia um teste de Rorschach[36]... Ainda que ela desse o melhor que podia, — Não que isso desculpasse de nenhum jeito os socos do meu pai.

Vin balançou sua cabeça.

— Eu não me importo uma merda, o que aconteça, um homem nunca deve levantar a mão para uma mulher.

— Marie-Terese deitou seu rosto em seus joelhos, e o encarou diretamente.

— Alguns homens não dividem essa filosofia. E algumas mulheres não batem de volta como sua mãe fazia.

Quando o som de um grunhido ecoou no quarto, ela sentou em surpresa... O que confirmou que, sim, o baixo, perigoso som, tinha vindo dele.

— Me diga que essa não foi sua experiência.

Vin disse sombriamente.

— On, não... — Ela respondeu rapidamente. — Mas foi duro sair do meu casamento. Depois que eu disse ao me u agora ex-marido que eu o estava deixando, ele pegou nosso filho, e sumiu pelo país. Eu não sabia onde meu filho estava ou o que tinha acontecido... Durante três meses. Tudo que eu fiz, foi pra ter certeza que meu filho esteve e está a salvo.

Agora a imagem dela estava ficando mais clara. Vin pensou. E ele estava aliviado que de todo ruim que tivesse sido, ela não tinha sido espancado, além de tudo isso.

— Deve ter custado muito dinheiro.

Ela assentiu, e abaixou sua cabeça novamente.

— Meu ex era bem parecido com você. Muito rico, poderoso... Bonito.

Certo... Merda. Era ótimo que ela o achasse atraente, mas ele não gostava muito de onde essa invariável estava levando. Como ele poderia convencer ela que ele não era. —.

— Mark nunca teria feito algo assim, de qualquer forma, — Ela disse calmamente.

— Ele nunca se deixaria estar assim... Exposto. Obrigado por isso... É atualmente a coisa mais legal que um homem já fez para mim desse jeito.

Enquanto Vin levantava sua mão, ele fez lentamente, pois assim ela poderia ver exatamente onde estava. E quando ele trouxe sua palma para o rosto dela, ele deu suficiente tempo para ela se retirar. Ela não se retirou. Ela apenas o olhou nos olhos, e manteve o contato.

Momentos viraram minutos, e nenhum dos dois quebrou o contato.

Enquanto o silencio engrossava, Vin se inclinou e os lábios dela se separaram, sua cabeça se movendo de seus joelhos como se ela quisesse que sua boca encontrasse a dele tanto quanto ele queria encontrar a dela.

No último segundo, ele apenas beijou sua testa. E então ele a puxou para os seus braços, apertando-a mais perto e a segurando. Enquanto sua cabeça descansava no peito dele, ele alisou suas costas em lentos e grandes círculos. Em resposta, o estremecimento que ela deixou sair, era mais que uma rendição, era mais profundo, mais íntimo do que se ela estivesse dando seu corpo a ele para sexo, e ele aceitou o presente da confiança dela com a reverência que merecia.

Descansando seu queixo levemente sobre a cabeça dela, Vin olhou através do quarto... E teve a resposta para a pergunta que ele vinha se fazendo desde que vira ela.

Preso na moldura da janela, apenas entre as outras coisas, estava uma foto de uma Madonna perfeita num cartão. Na descrição, ela tinha cabelo cor de azeviche e olhos azuis brilhantes, e ela estava além do adorável, seu rosto curvado para baixo, seu halo dourado acima de sua cabeça, a aura ao redor de sua forma, era brilhante.

Ele pegou o cartão de um daqueles evangélicos que apareciam na porta, há muito tempo atrás.

Como sempre, a única razão por qual ele atendeu a porta, era porque sua mãe bêbada, estava a ponto de fazer, e ele não podia agüentar a vergonha de ninguém vendo sua mãe em seu sujo casaco de ficar em casa e o todo o cabelo parecendo ninhos de ratos. O cara do outro lado da porta tinha estado vestido com um terno preto, e tinha parecido como Vin desejava que seu pai parecesse. — Elegante, limpo, arrumado, e calmo.

Vin tinha mentido sobre seus pais não estarem em casa, e quando o homem olhou além da sala, Vin disse que não era sua mãe, era um parente doente.

Os olhos do evangélico, se encheram de pena, como se estivesse familiarizado com a situação, e o cara tinha pulado seu discurso, apenas entregando o cartão e dizendo a Vin que podia usar o número do verso se precisasse de abrigo.

Vin tinha pego o que ele tinha oferecido, e subiu as escadas para sentar com a foto nas mãos. Ele tinha instantaneamente amado a moça da frente, porque ela parecia como se nunca tivesse ficado bêbada e nunca tinha gritado ou batido em ninguém. E para ter certeza que ela estaria protegida, ele tinha escondido de sua mãe e seu pai, fazendo o óbvio colocando completamente no espelho, — Normalmente quando sua mãe saqueava seu quarto, ela ia apenas às gavetas, armários, e em qualquer coisa que estivesse embaixo da cama.

Agora ele tinha sua resposta.

Enquanto ele olhava para o cartão, ele percebeu, Marie-Terese parecia exatamente com ela.

 

Jim trabalhou com sua faca sobre o pedaço de madeira com cuidado e confiança. À frente dele, no jornal que havia deixado no chão a seus pés, uma pilha de lascas de madeira estava crescendo e Dog estava bem próximo à produção inteira, assistindo com aqueles grandes olhos castanhos, parecendo entender em todos os níveis por que alguém escolheria se comportar deste modo em relação a um graveto.

—Será parte do meu jogo de xadrez.

Jim acenou com a cabeça em direção a uma caixa de sapato que ele estivera enchendo ao longo do último mês.

—Eu acho que farei esta aqui... Bem, eu estou cansado de fazer peões. Então esta será a rainha.

Ele pegara a madeira dos carvalhos da propriedade quando os galhos se quebraram nos ventos e caíram no chão, e ia devagar, mas constante com seu hobby, conseguindo juntar umas peças de vez em quando. A ferramenta que usava era uma faca de caça que seu oficial comandante lhe dera há muito tempo e falara sobre ser antiga, mas valer seu peso em ouro. A coisa era uma obra-prima de armamento que era enganosamente simples, sem marcas registradas identificadoras, números de série ou iniciais, e nada que sugerisse o fato de que tinha sido feito à mão por um expert para ser usada por um expert. E Jim conhecia a coisa como a palma de sua própria mão, a lâmina de aço inoxidável um trabalho vicioso, o cabo envolto em couro que tinha sido envelhecido com seu próprio suor.

Erguendo-a, ele mediu o flash da luz sobre sua cabeça na superfície de pátina da lâmina. Engraçado, ele pensou, aqui neste apartamento de um quarto, sendo usada para transformar madeira em uma peça de jogo, ela era apenas uma faca. Na maioria de outras circunstâncias, tinha sido uma arma mortal.

O propósito era tudo, não era?

Enquanto voltava ao trabalho, a lâmina fazia um suave rangido enquanto ele usava o polegar para puxar a faca em sua direção, sua mão cuidadosamente guiando cada golpe, reduzindo a madeira por incrementos para revelar a peça de xadrez presa em seu interior.

Ao longo dos últimos vinte anos, Jim passara horas assim: Sozinho. Sem rádio, sem televisão. Só um pedaço de madeira e uma faca. Ele fizera pássaros, animais, estrelas e letras que nada significavam. Rostos e lugares entalhados. Árvores e flores. Havia muitas vantagens em seu hobby. Barato, portátil, e...

 

 

[1] Marca de cerveja

[2] bota

[3] os Jejes língua Ewe, língua Fon, língua Mina e os Fanti ashantis, formam grupos sudaneses que englobam a África Ocidental (então ele deve referir-se ao Pajé.

[4] BlackBerry – moderno aparelho de celular

[5] auréola = é um círculo dourado ou peça de metal circular com que pintores e escultores circundam muitas vezes a cabeça de Cristo, da Virgem e dos santos, indicando uma espécie de resplendor em suas imagens.

[6] Marca de calça jeans

[7] Casacos de pele caríssimos

[8] Ivan Petrovich Pavlov foi um fisiólogo russo. Foi premiado com o Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1904, por suas descobertas sobre os processos digestivos de animais. As primeiras experiências com os cachorros eram simples. Segurava um pedaço de pão e mostrava ao cachorro antes de dá-lo para comer. Com o tempo o cachorro passou a salivar assim que via o pedaço de pão. A salivação era uma resposta quando a comida era colocada em sua boca, uma reação natural de reflexo do sistema digestivo do animal e não envolvia aprendizagem. Pavlov designou esse reflexo de reflexo inato ou não condicionado. O cachorro de Pavlov ficou conhecido devido a uma experiência feita no início do século XX. Pavlov baseou seus estudos no condicionamento: fez a experiência de alimentar cães ao som de uma música determinada; posteriormente, ao ouvirem apenas a música, suas cobaias reagiram com secreção de saliva e de sucos gástricos. Pavlov provou, por meio desse experimento, que os cães desenvolvem comportamentos em resposta a estímulos ambientes, podendo tais comportamentos serem explicados sem que se precise entender o que se passa no plano mental ou psicológico. Essas conclusões deram material ao behaviorismo (teoria proposta por Watson) para afirmar que o ser humano aprende essencialmente através da imitação, observação e reprodução dos comportamentos dos outros, e que nossas ações são meras respostas ao ambiente externo.

[9] Trocadilho entre estado de coma e a cerveja corona (ajuda da Dyllan)

[10] Jogo parecido com basebol.

[11] No cricket, wicket são os pinos que se colocam no campo para baterem com as bolas.

[12] Hoodie - blusão de malha ou nylon, com capuz, famoso depois que foi adotado por músicos de hip hop americano

[13] Wallenda Voadora – pirueta / acrobacia. O termo é derivado do nome de um grupo de artistas de circo famosos por seus números na corda bamba.

[14] Simon Cowell – executivo / produtor de televisão.

[15] Tim Gunn – consultor de moda.

[16] SOB - Scars on Broadway (Cicatrizes na Broadway) – como expressão significa algo como “sujeito que perturba” ou “sujeito estraga-prazeres”

[17] Livro de Jó, é um dos livros contidos na Biblia Sagrada. História de Jó: http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%B3

[18] Marca de cerveja

[19] Aperitivos, em Frances significa amaciar a boca.

[20] Cadeias de supermercados

[21] Em francês: Sim ou não? Eu falo um pouco e você? Eu pouco. E.

[22] Idiomas falados no Paquistão, Afeganistão e Tayikistan

[23] O Gato de Cheshire é um gato fictício que é personagem do livro Alice no País das Maravilhas de Lewis Carrol

[24] Telly Savalas é um ator americano totalmente calvo, muito reconhecido por seu papel de Kojak, na série de televisão do mesmo nome

[25] O drinque Cosmopolitan é um coquetel sofisticado a base de vodca, saborizado com laranja, cranberry e lima.

[26] Filho da Puta

[27] Gor-Tex é um tecido à prova de água e de vento, e uma marca registrada de W.L. Gore & Associates.

[28] Palavra inventada pela autora que faz referencia a que se convertem em obras ao estilo surrealista de Salvador Dali

[29] EPA Environmental Protection Agency : Agencia de Proteção ao Meio ambiente

[30] Hash browns ou hashed browns ou tortinhas de batatas fritas

[31] Essência pró quo vem do latim e significa um intercâmbio recíproco

[32] Hog slang que significa moto Harley Davidson

[33] O FDA (Food and Drug Administration) é o órgão governamental dos Estados Unidos da América que faz o controle dos alimentos (tanto humano como animal), suplementos alimentares, medicamentos (humano e animal), cosméticos, equipamentos médicos, materiais biológicos e produtos derivados do sangue humano.

[34] Carro antigo

[35] Ann Landers, pseudônimo de Esther Pauline Friedman Lederer (04/07/1918 — 22/06/2002) foi uma escritora e jornalista dos Estados Unidos da América).

[36] Teste de Rorschach, teste de personalidade desenvolvido pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach

 

                                                                                CONTINUA  

 

                      

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