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Escrever este livro foi... Sem palavras! Uma simples ideia que surgiu em 2017, mas que por conta de outros projetos, foi engavetado, juntamente com todas as mil ideias para escrevê-lo. Eu sempre gostei de sair da caixinha, sempre vi em meus livros uma maneira de mostrar mais.
Posso dizer que já tive um pequeno vislumbre deste meu lado ao escrever “Na doçura do pecado”, mas algo tão intenso que me fez lutar com os personagens em sonho? Não.
Corrompidos é um marco, meu marco de 2019. Mesmo amando escrever romances incuráveis, repletos de bons clichês, eu tinha necessidade disso, de provar, de me colocar à prova. Escrever algo tão fora do romance “romântico” que levasse meus leitores ao susto.
Se você ao terminar de ler tomar esse susto, minha missão foi concluída, senão, saiba que amei escrever cada linha desse desafio e espero que goste.
PRÓLOGO
Sempre pensei que a vida iria recompensar os mais dignos. Ingênua. A vida não recompensa ninguém, ela não tem um esquema de pontuação para os mais justos ou para aqueles que dão suas vidas pelo que todos julgam ser certo ou errado.
Eu fiquei cara a cara com a maldade mais crua do ser humano, eu vi de perto o inferno. Conhecemo-nos em um enorme pesadelo, no meio de um mundo onde esperança é a última coisa que aquelas mulheres tinham, não tínhamos nomes, diferenças, nada... Éramos apenas peças no tabuleiro de milhões de dólares para eles.
Não houve distorção do mundo exterior, eu que abri meus olhos e vi por trás da cortina espessa entre o certo e o errado, eu que decidi ficar na área cinzenta. E por alguns instantes eu acreditei nele, eu me vi nele. Esse pesadelo se tornou nossa casa, se tornou um lugar nosso, entrelaçando nossas realidades fodidamente instáveis.
Nós nos apaixonamos. No mais improvável dos momentos, nos amamos em meio ao caos. Mas, tudo desmoronou.
Como eu disse, a vida não tem uma planilha de bom ou mau comportamento, ela não passará a mão em nossas cabeças elogiando sobre nossos feitos.
E as lembranças poderiam machucar, latejar mais que as próprias feridas.
Minha cabeça latejava, a parte de trás do meu crânio estava ferida por ser nocauteada diversas vezes. Meus pulsos ainda tinham as marcas arroxeadas das correntes, minha boca ainda tinha o gosto metálico da faca e do meu próprio sangue. Não sabia dizer ao certo quantas costelas tinham sido quebradas, levando em consideração que eu ainda estava um pouco desorientada. Olhando para minha imagem no espelho, meu queixo tinha um corte irregular coberto de sangue, sangue também escorria do corte no meu lábio inferior e por minha regata branca. Outro corte considerável marcava meu supercílio, todo o lado direito do meu rosto estava inchado. Mas algo me fazia respirar tranquila, nenhuma lágrima escorria por meu rosto, nem mesmo quando esses ferimentos foram feitos.
— Você é minha! — Ele tinha dito. — Ninguém encostará em você! — Foi o que sussurrou.
Mas isso não foi verdade. A imagem refletida me encarando com dor nos olhos mostrava isso.
Caímos em uma emboscada, ainda tinha na mente a imagem dele tão acorrentado quanto eu, sendo verdadeiramente surrado por seus capangas. E nem por um único suspiro ele reclamou, nem mesmo quando acertaram seu corpo diversas vezes, nem mesmo quando seu rosto já estava vermelho e banhado em sangue. Ele nada disse, nem desviou os olhos de mim.
Ergo a regata surrada vendo o profundo corte abaixo do seio esquerdo. Aqueles filhos da puta! Passo o dedo ao redor sentindo a dor aguda embrulhar meu estômago.
Desde que abri os olhos neste casebre, eu evitei me perder na névoa que me cercava. Sabia que se fechasse os olhos eu sentiria o cheiro de medo, o medo daquelas garotas era como o feromônio mais precioso deles. E o medo, fedia.
Se deixasse que a névoa me envolvesse, poderia escutar os sons: o grito do freio, o rangido do veículo parando bruscamente, os homens conversando alto, os gritos e choramingos das garotas ao serem puxadas para fora. O desespero era uma maldição e eu não estava disposta a sucumbir naquele instante. Porque eu tinha que estar preparada, tinha que me manter alerta e pronta, para qualquer oportunidade de sair dali.
Eu também poderia sentir as fungadas que aquele homem nojento dava sobre meu corpo, sobre sua boca encostando em mim e suas mãos imundas invadindo partes que eu nem quero me lembrar. E eu ainda podia escutar nitidamente em meus ouvidos...
— Eu vou adorar destroçar cada pedacinho do seu corpo, sua vadia! — Disse o cara das fungadas, dando o primeiro golpe em minhas costelas, me fazendo cair de joelhos mordendo os lábios para não gemer de dor.
Ver Kiran ali tinha sido como uma pequena fresta de esperança em meu peito. Mas como disse, fomos emboscados.
E para aquele grupo nojento de homens, eu era a principal diversão.
— Sabe menina, — A voz falha de Madeleine surgiu primeiro que sua própria figura no quarto, arrancando-me do vórtice de sensações que eu estava me afundando. — Eu já disse que não me importo de acolher você em minha casa, mas eu ainda acredito que deveríamos pelo menos chamar um médico.
Madeleine surgiu atrás de mim, seus olhos azuis, emoldurados de rugas pela idade, eram questionadores, varriam meu rosto e corpo vendo cada um dos meus ferimentos.
Abaixo a camisa, ignorando as dores que esses movimentos me causavam. E tentando apagar a imagem da primeira vez que encarei o espelho depois de tudo. Tudo era um emaranhado confuso de lembranças, de todos os momentos que vivi no inferno.
— Agradeço muito por ter permitido que eu me recuperasse aqui.
— Não sei quem fez isso com você, respeito que não queira contar. — Ela faz uma pequena pausa, caminhando lentamente até mim. Eu sabia muito bem o que ela estava vendo, sabia o horror que ela deveria estar tentando não demonstrar. — Que eles queimem no mais profundo inferno! — Retrucou quando seus olhos se encontraram com os meus no espelho.
1
Sempre havia sonhado em ser agente do FBI, por horas eu imaginava me tornando uma famosa agente especial de inteligência. Sonhava em desmantelar conchavos políticos ou sendo a responsável por ver cartéis de drogas sendo destruídos, até mesmo sendo responsável por colocar o maior terrorista atrás das grades.
Acreditava em minhas habilidades.
Mas foi cinco anos após a morte do meu pai que finalmente entrei no quântico. Era como se fosse um marco em minha vida, a vida que eu tinha antes e a vida que eu teria depois. Eu fui a quinta mulher a conseguir se formar em quântico, ou seja, isso foi uma probabilidade grande quando sua turma tinha quinze homens.
“Sucker for pain” soava alto pelos fones de ouvido enquanto meus pés batiam com força na borracha da esteira, descarregando toda minha frustração do dia. O suor escorria do meu pescoço para minha barriga e meus pulmões queimavam, mas essa era a parte favorita do meu treino, uma delas na verdade.
Nessa parte da manhã a academia fica tranquila, não tem os famosinhos dos espelhos – aqueles caras que passam mais tempo tirando foto de seus músculos do que os malhando — nem a multidão que vem depois de um dia de trabalho.
Diminuo o ritmo de minha corrida para uma caminhada rápida, tomo um gole de minha água observando as “patricinhas” chamando atenção dos treinadores do outro lado do salão, em uma disputa de quem veste a lycra mais colada no corpo. Dou uma olhada para o relógio vendo que ainda tinha tempo para ir até a sala de boxe.
Meus olhos pairam em um conjunto de pernas definidas, o abdômen estava à mostra, revelando uma tatuagem enorme de um lobo nas costas. Era extremamente realista, o lobo olhava com os dentes arreganhados como se fosse saltar da pele pronto para atacar alguém. Metade de seu rosto era como uma pintura geométrica bem detalhada.
Eu já tinha visto o bonitão de cabelo escuro durante meus treinos, mas era a primeira vez que eu podia apreciar seu abdômen à mostra, os músculos de seu peito trabalhando enquanto ele puxava uma carga pesada em sua direção.
Saio da esteira pegando minhas coisas, ficar admirando esse excelente par de músculos só consumiria meu tempo. E justo quando me pego pensando nisso ele para seu exercício olhando em minha direção.
— Adria, já está indo?
Viro sorrindo para Hubert. — Não, estava indo para a sala de boxe.
Ele sorri abertamente. — Vai lá garota, pode judiar do meu Bob.
Caminho para a sala sem olhar novamente para o bonitão, deixo minhas coisas no banco de madeira no canto da sala. Retiro meu tênis indo para o meio do tatame. Dou play na nova playlist, deixando os berros de “In The Moment” me ensurdecerem enquanto aplico socos e chutes no saco de pancada.
Um gancho, seguido de um cruzado e jab. Cada vez aumentando mais o ritmo, mudo um pouco dando alguns chutes certeiros no saco. Troco a guarda, ameaço dar um chute com a perna de apoio, mas concluo o golpe com o outro pé.
Meu fone é arrancado de meu ouvido, me pegando de guarda baixa giro dando um chute alto no meu oponente. Meu pé é detido, enquanto encaro o bonitão segurando meu calcanhar no ar, puxo minha perna com violência tirando o outro fone do ouvido.
— Nunca te ensinaram a não surpreender uma pessoa? Eu poderia ter te machucado. — Digo com a respiração entrecortada pelo esforço.
Ele dá um sorriso encarando-me.
— Você está chutando errado, o máximo que conseguiria é quebrar o osso cuboide1.
— Médico? — Questiono tentando controlar a respiração que está acelerada devido ao esforço físico.
Ele esboça mais um sorriso. — Não, mas confie em mim. Tem que arrumar a finalização do seu chute.
Passo a mão na testa contendo o suor que escorre, volto para o banco pegando minha toalha de rosto e minha garrafa d’água. — Vou anotar seu conselho.
— Se importa? — pergunta olhando para o boneco no meio do tatame.
— Todo seu.
Ele continua me encarando no meio do tatame, seco minha mão estendendo para ele. — Adria.
— Kiran. — Retribui pegando minha mão.
Ele tem um sotaque pesado, mas não reconheço de onde pode ser. — Prazer, Kiran.
Meu telefone toca, fazendo-me desviar os olhos de Kiran. Pego vendo que é do escritório, olho novamente pedindo um minuto e ele faz um gesto concordando.
— Sim.
— Adria, pode falar?
— Sim, estou na academia. O que você tem para mim?
— Por um momento achei que você estava transando.
— Não seja ridículo, Baker.
— Respiração ofegante em plena nove horas da manhã e sua voz saindo mais para um gemido. Óbvio que a última coisa que pensaria é que você está novamente na academia. — Caçoa. — Cuidado, garota! Daqui a pouco vão convidar você para ser a zeladora do prédio!
— Podemos voltar ao assunto que te fez me ligar?
A risada de Baker ressoa do outro lado da linha. — O chefe vai fazer uma reunião, chegou novas informações sobre o caso. Acredito que logo teremos uma ação de verdade. — Ouço o barulho do teclado trabalhando.
— Ótimo, logo estarei aí.
Desligo, voltando meus olhos para o bonitão que está me analisando.
— Trabalho.
— Sei como é.
Esse sotaque de novo.
— Gostei da tattoo.
Ele esboça um pequeno sorriso. Não deixo de notar seu olhar examinando meu corpo e meu rosto. Pego minhas coisas, seco o rosto na toalha e bebo mais um gole de minha água.
— Você já vai?
— Como disse, o trabalho me chama.
Ele concorda mais uma vez. Isso está ficando incômodo, estou pronta para virar e ir embora quando ele dá mais um passo, ficando bem perto de mim. — Talvez nos vejamos por aí, Adria.
— Sim, talvez.
Vejo de novo aquele sorriso surgir em sua boca quando passo por ele saindo da sala, entro no vestiário, tomo uma ducha rápida somente para retirar o suor. Visto a lingerie, colocando o coldre com a Black Sable no tornozelo e a calça de linho preta. Repito o mesmo com a blusa, colocando o coldre com a arma e por cima meu blazer.
Hora de trabalhar.
2
— Bom dia, Stone.
— Bom dia, Adria. O pessoal já está na sala de reuniões e você faltou à terapia; com sua sorte, ele vai te atender depois da reunião.
— Sério? Quando esse terapeuta maluco vai entender que eu estou bem? — Tiro o blazer jogando em minha mesa.
— A operação foi pesada, eles só querem saber se você está realmente apta para o novo trabalho.
Stone me encara sério, um vinco enorme se formando no meio da testa. — Você esteve em uma operação de risco, sacrificou um colega e ainda tomou um golpe de faca.
— Stone, estou bem. Já fiz o curso preparatório, fiz as sessões necessárias para estar de volta à ativa. — Digo, deixando Stone para trás, passo pelas salas dos meus supervisores entrando na sala de reuniões.
— Adria, o que tem para nós?
— Os Rootns vão se encontrar no Penlin, meu informante está colado neles para nos dizer o dia.
— Ótimo, teremos uma chance de estourar o cu desses filhos da puta!
Pelo canto do olho encaro Luigi. — Ninguém vai encostar em meu informante, precisamos dele vivo e dentro da organização.
Luigi ergue as mãos em modo de rendição.
— Fique tranquila Adria, seu informante tem sido muito valioso para nós.
— Soubemos que mais três garotas foram raptadas no centro de Barcelona, temos que agir. Temos que descobrir quem está por trás dos raptos e das operações. — Diz meu chefe. — Não quero peixes pequenos, eu quero os tubarões.
— Depois do tráfico de drogas, o de pessoas é o crime mais rentável. Como já descartamos que esses sumiços estão relacionados com um pervertido qualquer ou um serial killer, estamos levando a sério as informações que seu informante tem nos passado, Adria. E na maioria das vezes tudo está relacionado à escravidão, abuso sexual e trabalhos forçados.
— Já deixamos a questão de trabalho forçado de lado. — Luigi afirma.
— Sim, porém isso não indica que não é isso que as pobres garotas andam passando.
— Na maioria das vezes, as garotas são atraídas por oportunidades de carreira que mudarão suas vidas ou por qualquer outra oferta tentadora para garotas entre vinte e trinta anos.
— Rapto está mesmo fora de questão? — um dos agentes questiona.
— Eles trabalham muito bem, são discretos, pouquíssimas informações temos sobre eles. Apenas que são homens, nenhuma mulher lida com as garotas. — Digo. — Eles examinam suas presas, é algo perfeitamente calculado, eles não pegam qualquer uma. Tudo é perfeitamente analisado antes que a garota suma. Por isso, a questão de ser um simples rapto está fora.
— Então é aí que temos que trabalhar. Pois quando a garota some, não temos mais nenhum fio para seguir. — Diz meu chefe.
Pego a pasta que ele estende para mim, as fotos são de uma verdadeira carnificina, eles não matavam somente, eles torturavam por simples prazer. Pelo poder que tinham sobre aquelas mulheres, uma delas tinha marcas de facadas nos braços e pela clavícula, os braços atados atrás das costas. A outra estava enrolada em uma bola de si própria, seus joelhos dobrados de forma estranha, completamente nua.
Era mórbido e angustiante ver essa cena, três adolescentes, praticamente crianças, daquele jeito. O destino daquelas mulheres podia ser dos mais diversos: exploração sexual, prostituição, para realizar a fantasia de algum milionário com uma adolescente ou uma virgem, saciar o apetite de um doente mental. Não podíamos dizer o que aquelas mulheres e garotas sofriam, algumas poderiam até sobreviver e passar a fazer parte do grupo de criminosos, mas outras, como essas três garotas, morriam à mercê dos maus tratos aos quais eram submetidas. Era uma realidade triste e assustadora. Mas uma realidade, no fim das contas.
Concordo com um aceno, tirando meus olhos daquelas fotos, focando nos homens naquela sala. Ser mulher e trabalhar como agente disfarçada provavelmente está no topo do ranking das coisas mais assustadoras e perigosas que você pode fazer na vida. Você é jogado no submundo para se infiltrar nas organizações mais violentas e paranoicas do planeta e sofrendo muita pressão para extrair informações sem ser brutalmente assassinada. Uma coisa que aprendi nesses anos como agente? Você está sempre andando por um terreno ético lamacento: A linha tênue entre fazer criminosos revelarem seus planos mais sórdidos ou acabar levando alguém a cometer um crime, até contra si mesmo.
— Precisamos de provas incontestáveis do que eles fazem. Como conduzem o negócio? Como realmente conseguem as garotas?
— Fernandes, você vai realizar a primeira ronda, leve dois homens com você. Tente absorver os movimentos, eles não ficam muito tempo na mesma rotina, não podemos permitir mais furos ou todos teremos sangue nas mãos.
— Sim, senhor.
— Adria, eu quero você e Luigi nessa operação.
— Sim, senhor.
— Vamos seguir com o plano, se não conseguirmos pegar os mandantes dos Rootns, vocês estão autorizados a dar início. Quero vocês infiltrados.
— Perfeitamente, senhor. – Digo. – O informante está disposto a colaborar, ele vai nos apresentar as pessoas certas.
— Senhor? — Luigi chama atenção de todos inclusive a minha, sei que alguma merda sairá daquela boca. — Senhor, não seria melhor um homem comigo, sabe, se os caras traficam mulheres ela será um alvo fácil no meio deles.
— Sua ideia é equivocada. — Reajo.
Os homens da sala se viraram para mim.
— Eles precisam de mulheres para ganhar seu dinheiro sujo, acredito que o alvo fácil aqui será você. Afinal, um pênis a mais ou a menos não fará diferença.
Luigi me encara, seu olhar de raiva seria capaz de me incendiar se ele tivesse esse poder.
— Irão os dois. Já está decidido. — Meu chefe fecha a pasta da operação, dando fim à reunião.
— Seu café. Luigi não está feliz de entrar nessa operação com você.
Pego o café que Baker me entrega, tomando um bom gole. — Ele teve a audácia de falar que eu vou ser um elo fraco na operação.
— Ele ainda se pega na operação Dragon. Não admite que foi por causa das merdas dele que perdemos um dos criminosos mais procurados no mundo.
Dou uma olhada em direção à mesa de Luigi, ele olha de forma carrancuda para o computador.
— Se depender de mim, eu dou um tiro nele, mas não perco esses caras.
— Ouvi que sumiram mais algumas meninas.
— Esses filhos da mãe estão sendo cautelosos, dessa vez pegaram meninas de dezoito anos.
Baker comprimiu o bigode. Ele, sendo pai de uma menina, me dava indícios do que estava pensando.
— Você está preparada? – Pergunta.
Estico as costas, chegando mais perto da mesa. – Sim, eles não vão perceber nem o que os atingiu. Venho estudando há muito tempo, quero vê-los se borrando quando finalmente seu império sujo ruir.
— Eles sentem cheiro de ódio, cuidado com seu gênio. Não tome atitudes precipitadas, Adria.
Concordo com um aceno.
— Mas ainda assim, acredito que seria bom você passar no terapeuta.
Reviro os olhos.
— Adria, você foi colocada totalmente em risco naquela operação, teve seu pescoço na mira de bandidos que mataram as próprias mães...
— E estou aqui e eles na prisão. — Afirmo. — Estou bem, Baker. Sim, foi assustador, foi horrível matar um homem inocente e a imagem dele implorando me corroeu por longos meses, mas está na hora de voltar, está na hora de sentir os batimentos cardíacos soando em meus ouvidos. — Brinco.
— Seu pai ficaria orgulho de você.
Sorrio, olhando a foto de meu pai em minha mesa. O largo sorriso nos lábios, seu braço na cintura de minha mãe e eu no outro com seu colete do FBI.
Antônio Hamer era um grande agente, passou vinte e seis anos fazendo trabalho disfarçado para o FBI, expondo traficantes, assassinos de aluguel, pedófilos, traficantes internacionais de armas. Faltavam poucos meses para ele se aposentar, então, em uma das operações, seu informante o delatou, expondo meu pai no meio dos criminosos. Meu pai morreu com dez tiros no peito e na cabeça, minha mãe faleceu dois anos depois, consumida pela tristeza que foi perdê-lo.
— É por ele que faço isso, quero acabar com todos esses criminosos que acham que estão acima de tudo.
— Vá com cautela, o mundo é bem mais cinzento que você pensa.
Respiro fundo, concordo com um pequeno gesto, vendo o velho amigo de meu pai ali, a mandíbula comprida e o cabelo escuro desgrenhado sendo tingidos pelos fios platinados de sua idade. O nariz reto com os óculos de tartaruga apoiados de maneira torta, deixavam Baker parecendo um operário de TI, em vez de um agente forte e inteligente do FBI. Um cara com várias honras ao mérito.
— Você me conhece, vou garantir que pelo menos os paus sujos deles sejam arrancados na prisão!
3
Jogo meu corpo no banco subindo minha calcinha. Eu tinha que parar com isso, mas o que fazer se o carinha era realmente bonitinho?
— Passa o número do seu telefone, e-mail, nome. Quem sabe?
Sorrio fechando a calça jeans. — Isso não vai rolar.
— Por quê?
— Você não é meu tipo, desculpe.
— Você acabou de transar comigo no banco de trás do meu carro.
Poderia rir se ele não tivesse mostrado o quanto ficou incomodado com isso.
— Convenhamos, você queria isso, senão, por que pagaria duas das bebidas mais caras do bar? — Ajeito o cabelo. — Agora, sobre você não ser meu tipo, não é. Desculpa, querido. Se houvesse qualquer chance de você ser, eu não iria logo transando com você no banco de trás de um sedã. Eu iria te conhecer.
— Apenas seu nome? — Insiste.
— Vamos fazer assim, eu vou te dar três motivos do porquê isso não daria certo, se eu errar algum, conto o que você quiser.
— Fechado!
Ele estava crente que eu erraria alguma coisa, mas o que ele não sabia era que eu não era uma mulher qualquer, não era a doce mulher bebendo com suas amigas em um bar qualquer da cidade que ele avistou assim que entrou. Ser agente do FBI era sobre saber ler bem as situações e, principalmente, as pessoas. E ele, Deus, fedia problemas emocionais.
— Primeiro: Você tem bons modos, deve ter crescido em uma família grande e até com certo tipo de posses, porém, com pouca influência de um homem; corro o risco até de afirmar que seu pai deve ter abandonado você e sua mãe quando ainda era pequeno.
— Como? — Perguntou sem entender.
— Sua barba, cresce errado. Não tem definição. O que indica que você não teve uma figura masculina que te ensinasse certos tipos de coisa. Ou, se eu tivesse errado minha observação, você teria que parar de ir ao barbeiro com tanta frequência. — Dou uma piscadinha passando a mão sobre seu pau meio mastro. Deixando claro que a barba não era o único probleminha ali.
— Segundo: Você foi casado e isso é recente. Você tem a marca no dedo e, mesmo um leve pequeno calo. O que me leva acreditar que foi um relacionamento longo. E você ainda não superou totalmente o pé na bunda que ela te deu.
Ele engole em seco, seu pomo-de-adão descendo e subindo por algumas vezes enquanto ele absorvia o que eu tinha dito.
— Desculpa, mas é até fácil entender o porquê o relacionamento de vocês não deu certo. Você é do tipo meloso demais, mulheres gostam disso, mas no sexo campeão, queremos homens que nos pegue, que prove que é mais homem que nós. Entende? — Coloco os dedos sobre seus lábios evitando que ele retrucasse. — Querido, foi ótimo o que tivemos aqui.
Minha primeira mentira nessa noite. O sexo não foi dos melhores, bastante razoável na verdade. Mas eu também não precisava ser tão sincera assim com ele e fazê-lo cometer suicídio por não saber que o clitóris não era um inimigo que precisava ser maltratado.
— Terceiro: Você não é confiável, desvia os olhos com frequência. Sua pupila dilata sempre que tem que responder alguma coisa. Você hesita.
— Eu...Hã...Meu Deus, o que você faz da vida?
— Olha, foi bom. E embora eu ache excitante todo esse seu charme, o suficiente para entrar no seu carro e transar com você atrás do bar, no geral, com certeza, você não é meu tipo.
Sorrio pegando minha bolsa no banco da frente, coloco minha jaqueta e saio do carro.
— Ei, apenas seu nome?
— Trato é trato, fofinho!
— Onde você estava? — Asha questiona assim que atravesso todo o mar de gente aglomerado perto do bar.
— Fui dar uma volta. — Pego sua bebida tomando um grande gole.
— E os treinamentos como vão?
— Aqueles pirralhos estão me tirando do sério!
Solto uma gargalhada terminando a bebida. — Lembre-se: nós já passamos por isso!
Ela revira os olhos. — Você acredita que um trainee2 foi capaz de destruir todo um conjunto de provas? Não fazem mais... Pessoas como nós. — Asha olhou em volta, certificando-se que ninguém estava realmente prestando atenção em nossa conversa.
Asha é diretora assistente do FBI, seus dias são dedicados para fazer os melhores agentes do país. Ou como ela docemente diz, tentar se salvar das idiotices e imprudências que os novatos cometem.
A luz naquela parte do bar não era boa, mas mesmo assim eu reconheci aquele maxilar forte e a boca sensual.
Asha debruça sobre o balcão tampando minha visão e sussurra:
— Tem um bonitão te encarando desde que chegou.
Eu conheço aquele olhar enigmático e por mais que eu tenha visto aquele corpo sem camisa na academia, Kiran ficava ainda mais bonito vestido todo de preto.
— E ele está vindo até aqui. — Sussurra.
Deixo que ele se aproxime, ele tem as sobrancelhas contraídas e por um segundo vejo o esboço de um sorriso em seus lábios. O que torna difícil decidir se eu prefiro com a expressão compenetrada, séria ou um pouco sorridente.
— Adria, você não tem aparecido na academia.
— E você por acaso anda me espionando? – Brinco.
Ele comprimiu os lábios, como se fizesse um biquinho. — Sou bom de observar as pessoas.
Olho para minha amiga. — Essa é Asha.
— Prazer Asha, Kiran.
Ele aperta a mão dela.
— O prazer é todo meu, Kiran. Irlandês?
— Por parte de pai. Posso pagar uma bebida para vocês?
Asha abre a boca, mas eu interrompo. — Na verdade já estávamos de saída.
— Estamos? — Ela me olha surpresa.
— Sim, temos que trabalhar amanhã.
— Sábado?
— Sim, sabe como é. Assistentes de senadores nunca descansam.
— Posso pelo menos convidá-la para jantar qualquer dia?
— Sim, por que não?
Kiran me estende um telefone moderno, anoto meu número achando espirituoso colocar meu nome como “Adria academia”, ele quando viu sorriu e colocou de volta o celular no bolso.
— Vou acompanhar vocês até o carro.
Passamos pelo bar, um homem para ao nosso lado, cumprimenta Kiran, trocando algumas palavras aos sussurros e ele volta a nos seguir. Caminhamos até a BMW de Asha, ela se despede entrando no carro, nos dando privacidade.
— Foi bom ver você.
Paro ao lado de Kiran. — Digo o mesmo.
— Eu vou te ligar.
— Quem sabe eu atendo. — Dou uma piscada e entro no carro.
***
Não eram nem cinco da madrugada quando entrei em meu carro a caminho do treinamento. Todos os agentes que iriam participar da operação foram convocados para um final de semana de treinamento. Ser agente do FBI não era sentar em uma van, e comer rosquinhas enquanto você escuta ou observa alguém; é literalmente colocar o corpo e a mente em risco.
— Você está em boa forma, agente Hamer.
Enxugo o rosto com a toalha.
— Obrigada, Sr. Meyer.
— Eu estou a ponto de quebrar o braço daquele insolente! — Asha diz marchando até nós.
Sorrio olhando para os recrutas.
— O que aconteceu?
— Ele não tem postura, não tem respeito pelos colegas. — Asha estava realmente revoltada.
— Lembra muito certo alguém... — Digo de olhos em Luigi, se vangloriando com um grupo de agentes do outro lado do campo.
— Agente Hamer, não fale assim do seu parceiro de operação.
— Desculpe, Sr. Meyer.
— Espero que ele não estrague todo o planejamento.
— Acredito que mesmo com toda a arrogância, o agente Wenth não irá colocar um ano de investigação e todos os planejamentos em risco.
— Agente Hamer, diretora Asha, Sr. Meyer.
— Agente Barker. — Dissemos ao mesmo tempo.
— Agente Hamer, o diretor está esperando por você.
— Sr. Stone, com licença. — Digo entrando na sala.
— Agente Hamer, entre.
A parede da sala de reuniões de frente para a porta estava repleta de telas, algumas mostravam os investigados, a outra tinha uma lousa enorme com o nosso plano de ação e as fotos das últimas mulheres que estão desaparecidas.
— Quero que você se reúna com seu informante e tire as últimas informações dele. Confirme o dia, hora e local.
— Sim, senhor.
— Agente Wenth, você vai para a boate La Nostra. Infiltre-se, você tem que ser visto por eles, assim, quando vocês realmente forem se infiltrar, não será uma surpresa total.
— Sim, senhor.
— Os Rootns são especialistas nisso, eles fazem com que as provas nos confundam. Vocês não são os primeiros agentes a tentarem finalmente acabar com essa organização.
— Todos apostam que Joe Taranto é o principal líder dessa organização. Segundo os agentes Turin e Calin, Joe Taranto tem um braço direito, mas ele é um verdadeiro enigma. Um fantasma.
— Não temos nenhuma foto? Evidência?
— Não agente Wenth.
Baker passa umas fotos pelas telas e alguns vídeos. Taranto entrava e saía dos cassinos e das boates, ele era cauteloso, nunca trocava pagamentos com seus capangas na rua, sempre estava esperto ao seu redor, além de estar sempre cercado de sombras, aqueles homens não desgrudavam dele. Por vezes, um homem de capuz aparecia ao lado de Joe Taranto, eles trocavam algumas palavras e ele sumia. Nunca mostrava o rosto, era como se soubessem os pontos exatos onde as câmeras de ruas estavam instaladas.
Stone conduzia a reunião nos mostrando tudo que reunimos até ali, estava chegando o dia. Logo colocaríamos esses lunáticos na cadeia.
— Baker, Calin e Joselin estarão com vocês no dia. As duas equipes vão esperar o seu sinal agente Hamer, você é a mais bem treinada do FBI.
— Agente Clayton, como estão as últimas informações?
— As três adolescentes foram vistas entrando na boate Penlin, mas nenhuma delas foi vista saindo. O que nos leva a acreditar, senhor, que o cativeiro das meninas é no Penlin. – Clayton se formou comigo na academia, ela era esperta, tinha raciocínio rápido e sabia executar bem a missão.
— Nossa intenção primeiramente não é invadir a Penlin, afinal, queremos ter mais provas do que meia dúzia de mulheres fugindo e os verdadeiros criminosos ganhando tempo e saindo da cidade. Se invadirmos onde eles mantêm as moças, estaremos dando um tiro no pé.
— Concordo com Stone. – disse Meyer. – Vamos prosseguir com a invasão dos cassinos; sabemos que muitas das mulheres que eles aliciam como garotas de programa são infiltradas nos hotéis como diversão para os hóspedes.
— Desculpe chefe, mas você não acha que essa invasão vai deixá-los em alerta? Ou pelo menos levantar uma grande suspeita para o que o FBI planeja? — pergunto.
Meu chefe encostou-se à cadeira. — Isso pode ser realmente arriscado. Vamos fazer assim, fale com seu infiltrado. Ele ainda anda com os Rootns?
— Sim, senhor. Ele é o que chamam de contador. — Digo.
— Ele conta o quê? O número de putas que entram e saem? — Luigi riu.
Reviro os olhos, mas não consigo controlar minha língua. – Agente Wenth, elas são mulheres, foram enganadas, usadas e abusadas. Elas não são um brinquedinho.
Luigi levanta as mãos de modo sarcástico.
— Agente Hamer, agente Wenth. Controlem-se.
— Vamos manter a coisa por enquanto assim, agente Hamer converse com seu informante e a partir disso retomamos essa reunião.
— Sim, senhor.
4
Estaciono ainda tentando me livrar dos calafrios que tomavam minha pele, da noite mal dormida e dos olhos. Engulo em seco, ficando alguns segundos com os olhos fechados, tentando esquecer de como foi estar bem de frente com aqueles olhos.
O prédio na minha frente não era chique ou nada perto de luxuoso, estava mais para um conjunto habitacional de estudantes.
— Você está com uma cara péssima. — Baker diz entregando um café.
— A vítima mora aqui?
— Você está mudando de assunto, aposto que não falou com o terapeuta.
— Deixe isso de lado, por favor. Se o chefe escutar isso vai me tirar da operação. — Reclamo, tomando um longo gole do café expresso.
— Pois devia, você não está pronta. — Acusa, sussurrando.
Dois agentes passam por nós, nos cumprimentando e entram no prédio.
— Olha estou pronta... — digo baixinho. — Vamos ao que realmente interessa?
Baker suspira. — O legista acredita que ela esteja morta pelo menos há doze horas, atribuíram sua morte às marcas que ela tem ao redor do pescoço, punhos e até mesmo costelas. Foi uma bela surra.
— Isso foge do padrão. As garotas não são deixadas em suas residências, são jogadas no meio do deserto ou qualquer outro lugar.
— Algo indica que eles tiveram um problema.
Subimos a escada, parando na porta do apartamento, o legista fazia os primeiros exames no corpo, enquanto os agentes anotavam o que os policiais diziam.
— Quem encontrou o corpo? — pergunto.
— A colega de apartamento. Ela disse que ficou dois dias fora, quando voltou encontrou tudo revirado e Maria morta. Segundo as anotações, ela veio em busca de uma bolsa de estudos, trabalhava no centro. Uma vida bem pacata.
— Algum indício que foram eles e não um latrocínio comum?
— Você está desconfiada?
— Não tem o padrão deles, seja como for, a garota não foi surrada como geralmente eles dispensam suas vítimas; nenhum corte, sinal de abuso?
— Nada, realmente é uma mudança de cenário.
Acompanho a movimentação a minha frente, tentando juntar as pequenas peças desse crime. As marcas no pescoço davam uma certeza: ela foi estrangulada, tinha pequenos cortes perto da marca, mas isso não era o tipo de marcas por punição ou por desejo de fazê-la sofrer... era como se tivessem pego a vítima desprevenida. A marca roxeada nos braços poderia indicar luta corporal, até mesmo ela se defendendo do agressor. Ela resistiu.
— Sinto sua cabeça ferver.
— Essa era de alguma forma importante.
Baker me olha, tentando buscar em minha expressão algo que desse uma pista de onde estava vindo meus pensamentos.
— Ela foi seguida e não atraída como as outras.
— E por que foi deixada morta?
— A questão é: não temos mistura de padrões, como na última garota encontrada, ali tínhamos brutalidade, mas também havia gentileza, pelo modo como a garota tinha sido colocada no chão. Aqui tem a mesma sutileza, ele não a deixou nua como as outras vítimas em Nova York.
— Estou entendendo sua linha de pensamento.
— Olhe a cena como um todo. — Digo.
Baker segue meus olhos, encarando a sala desarrumada, até chegar ao corpo da vítima.
— Ela está com o uniforme do trabalho. — Conclui.
— Exato, ele seguiu a vítima. Mas você percebe onde a bagunça fica mais caótica? — pergunto apontando ao lado da mesa de jantar. — Ele a rendeu naquele ponto e até chegarmos onde o corpo está vemos a mudança de planos, ele literalmente abandonou, decidiu matar em vez de levá-la.
— Criatura, sua mente voou! — Baker diz surpreso.
— Nesse caso estamos lidando com um profissional, Baker, não mais com um simples capanga nojento. Ele sabe bem onde e como fazer um serviço limpo.
***
Quando assumimos as investigações sobre essa organização, outros agentes tentaram se infiltrar, um chegou perto o bastante para ser considerado de confiança por Joe Taranto, o chefão de tudo, segundo acreditamos. O problema é que quando nos envolvemos demais, deixamos a linha tão fina entre o que sempre fomos ensinados a acreditar e a executar, com o que vivenciamos durante nosso período infiltrado que uma hora ela se quebra. Foi o caso do agente Vincent, ele chegou tão perto, se envolveu demais, e teve um resultado catastrófico tanto para nós como para ele: perdemos os rastros por anos, eles realmente sumiram do mapa por um bom tempo, e ninguém mais sabia onde tinha parado os Rootns.
E Vincent, por consequência, quando um agente decide seguir por esse caminho, de dedicar sua vida como um agente infiltrado, ele desaparece do sistema, é como se nunca tivesse existido, cada passo, cada pequeno registro ou feito que ele tenha feito some, é apagado e esquecido. Por consequência, quando é capturado, entregue ou no caso do meu pai denunciado por seu colega ou descoberto pela organização, o FBI não faz nada, não tenta resgatar, não se preocupa com o agente em si. Mesmo que muitos digam que isso é mentira, eu vi de perto. Vincent sumiu e nunca mais foi citado dentro do FBI; para nós, Vincent foi relatado como um simples civil que estava no lugar errado e na hora errada.
Como eu disse, a linha é muito tênue...
Enfim eles retornaram, seus rastros foram notados, pequenos erros para eles e pistas valiosas para nós estavam sendo deixadas em cada vítima encontrada.
De forma suave para a população, mas para nós era o que estávamos esperando. A mídia andava colaborando conosco. No início, o fato de uma ou três garotas aparecerem mortas ou seus pais denunciarem seu desaparecimento nos levou para uma linha completamente diferente de tráfico de pessoas, por muito tempo meus superiores estudaram esses casos como obras de um serial killer ou de um maníaco qualquer querendo atenção.
Porém, os detalhes estavam lá, o mesmo jeito de descarte de vítimas, as agressões, o jeito sádico como as pobres garotas eram tratadas e como eram capturadas. Analisando, tudo nos levou a eles, mesmo tendo seu método aperfeiçoado, eram eles. Bastou um pequeno caso no interior do país para fincarmos os dedos sobre eles novamente.
A rua estava deserta, pouca movimentação em frente ao bar. Ajeito o coldre da arma por debaixo do casaco e verifico mais uma vez a mensagem em meu celular descartável.
“Denegan, 370”
Olho novamente para o número pendurado na fachada do bar: 370. — É aqui.
O bar era fétido, mal iluminado e com vários rostos nada amigáveis.
Sigo para o balcão como havia combinado com Netlen.
— O que a boneca deseja?
— Manda duas doses, Sherman.
Olho minha informante jogar uma mecha do cabelo para trás, fazendo charme para o barman.
— Preciso de informações.
Ela sorri aceitando um dos copos que o barman deposita em nossa frente. — Obrigada, Sherman.
— De nada, Net.
Esperamos que ele se afastasse novamente.
— Encontramos uma garota, — dou uma pequena olhada em volta para saber se estamos seguras. — Ela não tinha o mesmo padrão que as outras: o serviço estava mais limpo, mais profissional.
— As coisas ficaram quentes esta semana, parece que o chefão descobriu que alguns de seus homens estavam pisando muito fora da linha com a captura.
— Isso chega a ser hilário. — Retruco.
— A questão é que mercadoria danificada não vende. — Netlen diz de forma fria. — Desculpe, é...
— Eu entendo, lados opostos, você vive nesse meio eu tento derrubá-lo.
— Eu não quero nada disso, nunca quis. Mas é bem difícil quando se tem uma arma sempre apontada para sua cabeça. E vocês tiveram grandes oportunidades de acabar com tudo, por que ainda estamos aqui?
Encaro seu rosto, sim, tivemos grandes oportunidades, então por que as garotas continuavam morrendo? Não sabia a resposta.
Netlen faz uma pausa, sorrindo e bebendo sua bebida como se tivesse curtindo esse nosso encontro casual.
— Eles estão esperando umas mercadorias, estão se revezando pelas boates.
— Algum padrão? — pergunto.
— Não esperem que eles levem as garotas para a casa, isso nunca acontece. Geralmente gostam de testar as garotas que têm nas mãos antes de arriscar toda a operação.
— Você não será incluída em nossos planos, não podemos permitir que descubram sobre você. Mas no momento certo você será usada. — Sussurro tomando um gole do que quer que tinha em meu copo.
Netlen concorda.
— Temos uma data? — pergunto.
— Este final de semana.
— Tem algo relevante sobre essas garotas? — Minha boca azeda ao dizer isso.
— Nada decidido, eles tiveram problemas com algumas delas. O que acabou atrasando os planos, tudo que sei é que precisam preencher o lugar que elas deixaram.
— Como assim?
— Tentativa de fuga, quer mesmo todos os detalhes? — pergunta.
— Foram as últimas que encontramos. — Deduzo.
Ela vira sua bebida. — Ele colocou um cara eficaz e de total confiança. Ninguém do meu círculo viu o rosto ainda, o cara é um perfeito fantasma e duvido que muitas pessoas da organização o conheçam.
Respiro fundo dando uma olhada ao redor, me mantinha em alerta, minha mão mesmo que apoiada no balcão sujo do bar estava pronta para pegar minha arma se precisasse.
— Pode parecer errado, mas ele protege as mulheres no cativeiro, as garotas se sentem confortáveis quando ele está por perto. Ele tem uma grande posição dentro da organização, o que dá muito respeito e certo medo no meio dos outros, o que evita que os capangas façam... você sabe.
— Nome?
— Lobo, é assim que eles o chamam.
DATA: 06/09/2015
FONTE: FBI
CLASSIFICAÇÃO: CONFIDENCIAL
CONFIDENTIAL WASHINGTON 000456
CASO: ROOTNS
CATEGORIAS: Tráfico de pessoas, prostituição e possível escravidão.
ASSUNTO: Reabertura do caso Rootns
REF: WASHINGTON 868
Aprovado por: FBI, Eleonora Myers.
Durante doze meses, os agentes Vincent Parker, Lucas Mitchell e Jones Scott haviam se infiltrado na organização criminosa Rootns, para investigar e solucionar os casos de homicídio de Karolyn, Emma, e Andrea, tentando de fato encontrar todos os envolvidos e as vítimas desaparecidas. Vincent Parker foi um dos agentes que esteve a par dos métodos de captura e descarte das vítimas; por outro lado, nada pudemos concluir sobre nomes e locais. Sendo que todos possuem um codinome e os locais são passados apenas para um criminoso conhecido como “Lobo”.
— Como você disse que chamava o tal fantasma? — questiono saindo de meu devaneio.
Netlen me encara. — Lobo, mas por Deus, fale baixo! Quer sentenciar nossa morte?
— Eu já ouvi esse nome ser citado, em um dos relatórios... Pode ser a chave que estamos procurando, porque algo no modus operandi mudou.
— Uma coisa posso dizer, não estão mais pegando meninas aleatórias. Eles estão esperando para pegá-las, estão se revezando pelas boates. Não posso dizer muito pelo modo como agem, pois, se meter meu nariz nisso acabo ficando sem ele. Os caras são espertos, engenhosos e não têm medo ou receio nenhum de matar.
— Você conseguiu observar algum padrão? Sabe pelo menos o nome desse tal de Lobo?
— Não sei quem as recruta, não sei como agem. As garotas que são capturadas de forma aleatória são garotas de programa ou que os aliciadores entregam para eles. É óbvio que não sei nada sobre nomes, eles utilizam sempre apelidos. — Ela termina sua bebida. — Sobre o tal Lobo, só posso dizer que é alto, cabelo castanho ou preto. Não sei ao certo, o avistei nos arredores pelo menos duas vezes por onde eu fico, sempre de costas, nunca o rosto em si. Como disse, ele não se mistura muito com os outros, dizem que ele é o responsável pelo envio das mercadorias.
— Você consegue alguma informação a mais sobre ele?
Netlen dá de ombros. — Farei o possível.
Tratar essas garotas como mera mercadoria, até mesmo eu tratá-las assim era revoltante. Elas tinham família, mães e pais preocupados com o paradeiro delas e nenhuma, nem mesmo uma garota de programa, merecia o fim que algumas tinham.
Netlen cumprimenta dois homens que passam por nós, seus olhares se perdem em nossos corpos como se estivéssemos à venda.
— Eu valho tanto quanto qualquer uma das garotas que está ali, eles não se importam se você realiza um bom trabalho, se tiverem que matar, matarão. Só quero no final assumir todos os meus erros e só para saber, a prisão não parece um lugar tão ruim de onde eu venho. — Ela dá de ombros novamente.
— Mantenha esse telefone. Logo enviarei outro para você.
— Tudo bem.
Saio do bar entrando direto no carro. A sensação de estar suja, contaminada, era inevitável, mas eu não pularia fora como Luigi esperava ansioso que eu fizesse; iria até o final com isso e teria o prazer de ver toda essa organização imunda presa.
Amanhã será um longo dia na agência.
***
— A cada dia que passa, as maneiras desses criminosos agirem têm ficado mais eficazes. — O diretor interino estava mais uma vez participando da reunião. — Podemos muitas vezes deter um criminoso com uma arma, por vezes basta apenas verificar as falhas que eles cometem, mas essa organização não, eles mudam seus métodos fazendo as pistas esfriarem.
— Precisamos descobrir como é o primeiro contato com a vítima: é por meio da internet? Já que as vidas são tão expostas, estamos precisando fechar as arestas.
— Agente Hamer, o que você conseguiu com seu informante?
— Eles estão esperando um carregamento novo, eles tiveram problemas com algumas mulheres e alguns capangas; venho procurando um em específico. Segundo meu informante, ele tem cuidado dessa questão, estão evitando aliciar mulheres ou capturar de forma aleatória. O que acaba riscando da lista crime por escravidão.
— Você acredita que seu informante não tenha comprometido as informações?
— Não, confio no testemunho. Pelo que pude observar, eles têm um tipo específico de mulheres, não vem sendo apenas prostitutas, se olharem até mesmo as últimas vítimas de desaparecimento ou as descartadas, têm um verdadeiro catálogo.
— Vamos continuar mantendo o cerco fechado nas fronteiras. Eu tenho um mapa vermelho diante de mim e pessoas me cobrando uma posição.
— Segundo meu informante, apesar das agressões e abusos constantes que sofrem, elas têm uma espécie de protetor dentro do cativeiro.
— Protetor? É como estar no inferno e ainda pedir um abraço pro capeta! — Luigi retruca.
— Conseguiu algo útil sobre esse protetor? — O diretor questiona, ignorando o comentário do meu parceiro.
— Poucas e vagas características físicas e o apelido: Lobo.
— Baker, anote essas informações.
— Sim, senhor.
— Senhor, segundo o informante ele tem grande posição dentro da organização, e pelas informações que colhi ele coloca certos receios nos outros capangas. Esse homem foi visto poucas vezes nas outras casas, mas sempre na Penlin.
— Temos algum dia?
— Final de semana.
— Perfeito, agentes fiquem atentos! Teremos um final de semana animado.
Os agentes fecham suas pastas saindo aos poucos da sala de reuniões, assim como eu.
— Hamer, tem um minuto?
Encaro o diretor, concordando com um gesto.
— Quero ter certeza que está preparada para isso, tenho os relatórios, sei que esteve envolvida em uma de nossas operações poucos meses atrás.
— Sim, senhor. Estou pronta.
— Esta operação é preciosa para nós, agente. Poucas pessoas sabem dos detalhes e como avisamos regularmente, não queremos vazamentos.
— Eu entendo, senhor.
— Um espião na unidade de investigações seria um tiro em nosso pé. Todos sofreriam.
Ele suspira.
— Baker informou que não fez mais o acompanhamento com o terapeuta indicado... não podemos cometer erros nessa operação, durante todos esses anos investigando e tentando colocar as mãos neles, só tem nos causado grandes problemas, é como perseguir um grande nada.
Maldito Baker!
— Você nunca saberá a identidade de pessoas infiltradas, não saberá quem é seu amigo ou não. Mesmo o agente Wenth sendo seu parceiro em missão, nunca saberá se ele está completamente limpo de escutas ou foi corrompido pela organização.
— Eu compreendo, senhor.
Ele me analisa por um momento, tentando absorver qualquer tipo de incerteza ou fraqueza que possa transparecer.
— Estou pronta para me infiltrar, senhor. E não tenho nenhum resquício da última operação que possa atrapalhar.
— Tudo bem, era só isso. — diz.
— Com licença. — Digo juntando minhas coisas e saindo da sala.
5
— Você não deveria participar dessa operação.
— Mas eu vou. — Digo ajeitando o ponto de escuta.
— Você logo estará se infiltrando na organização deles. Pode destruir todo o processo.
Encaro Clain. — Sei o que faço, eu serei pega assim como as outras meninas.
— Você não vai dar uma de agente? Duvido! — Carla diz rindo.
— Não.
Clain me encara ainda mais desconfiado, porém respira fundo mesmo que contrariado e retorna ao serviço. — Vocês estarão em contato o tempo todo conosco.
Subo o vestido colocando o coldre da faca no alto da coxa. Carla Clayton também se arruma, ajeitando a escuta e a arma.
— Uau, se eu soubesse que vocês iam ficar nuas, eu tinha aparecido antes!
— Vê se cala essa boca, Luigi!
Luigi gargalha, não se importando nem um pouco. Olho a câmera vendo o interior do cassino e o corredor da suíte presidencial.
— A movimentação está intensa hoje. — Baker comenta.
— Quantos homens?
— Por enquanto sete.
— Vocês estão com uma câmera escondida no broche.
— Ótimo, quando você estiver pronta. — Digo me virando para Carla.
Ela concorda revendo alguns pontos com Clain.
— Entrem, façam seus trabalhos e quando eles mostrarem o que estamos procurando, deem o sinal.
— Sim, senhor. – Carla e eu falamos juntas.
— Agente Hamer, mantenha seu papel. — Clain diz numa ameaça velada.
Sei o quanto estou colocando em risco indo até uma operação dessas, mas não ficaria sentada olhando os agentes pegarem quem eu estou salivando para pegar. Essa é minha operação, sendo eu uma agente infiltrada ou não.
— Tudo limpo agentes, podem ir.
Assim que a porta do cassino abre, o barulho das máquinas e o cheiro de cigarro dominam meu olfato. Os vestidos curtos estavam fazendo seu trabalho, os homens nas mesas de pôquer nos encaravam com malícia.
Luigi vai na frente, com a postura de sempre, o que naquele momento é ótimo, já que ele está realmente parecendo um cafetão barato. Não há outra maneira de participar sem que eles desconfiem, portanto, como não havia maneira de ser capturada pelos capangas, eu tinha que entrar como uma garota de programa. Por isso a operação de hoje é importante; Luigi fará o primeiro contato real com aqueles homens e eu sorrirei de maneira mais atrevida e mostrarei bem mais do meu corpo que o necessário.
Luigi faz um sinal seguindo para o lado oposto.
— Oi querido. — Digo chamando atenção do atendente, percebo seus olhos varrendo meu corpo e o da agente Clayton.
— Em que posso ajudá-las?
Chego mais perto, sussurrando. — Queria muito participar da verdadeira festa.
Ele me encara.
— Eu sei que você pode me indicar o caminho... — passo a ponta dos dedos por seu peitoral, enganchando-os em seu crachá. – Will.
Ele olha para o corredor. – Eu não sei, vocês são lindas, mas se eles souberem que eu deixei duas garotas além do que eles autorizaram, eu perco meu esquema, gatinha.
— Continue com o jogo agente. — Escuto através da escuta.
— Sabe, podemos fazer uma festinha particular para você depois...
— Agente Clayton, foco. — O diretor torna a falar.
— Olha, eu vou deixar vocês subirem.
Dei um sorriso deslumbrante para o atendente.
Ele dá a volta na recepção pegando um cartão de acesso preto.
— Suíte presidencial, por favor, sejam discretas. A senha é MLN.
— Ok, muito obrigada bonitinho. — Digo dando um beijo na bochecha dele.
Sigo para o elevador com Carla nas minhas costas; era visível que ela estava incomodada, só esperava que não atrapalhasse a operação.
Assim que a porta do elevador se fecha ouço o suspiro dela.
— Mantenha a calma.
— É minha primeira missão, tô tentando ser fria como você.
Viro olhando para ela. – Você vai aprender. – Afasto a alça do vestido mostrando a cicatriz em meu peito.
— Como aconteceu?
— Primeira operação infiltrada, eu estava há um mês num cartel de drogas. — Olho para o visor do elevador. — Eu hesitei quando eles me mandaram atirar num traidor, eu nunca tinha usado minha arma contra alguém.
— Você atirou?
— Sim, no ombro. — Coloco um sorriso no rosto. — Era para ser fatal e esse pequeno desvio me levou a isso, o chefe da organização estava com uma faca, bom, você já sabe o que aconteceu.
O pequeno anúncio que havíamos chegado a cobertura, fez com que nossa conversa acabasse. Assim que a porta do elevador se abre seguimos para a suíte presidencial. Mas antes de chegar, puxo Carla pelo braço, olhando no fundo de seus olhos.
— Se for o caso, não hesite! Mesmo que seja para manter a operação ativa, mesmo que o tiro seja em minha direção. O diretor está na escuta e não vai deixar nada acontecer, mantenha o plano, evite contato visual se você não sustentar o olhar desses cães. Eles farejam medo como ratos de esgoto.
Carla concorda várias vezes.
A música estava alta dentro da suíte, os homens praticamente nus, vestidos apenas com suas regatas brancas e suas samba-canção. As garotas de programa já tinham deixado a festa deles bastante animada.
— Quem são vocês?
Viro dando de cara com um homem alto, sua camisa branca transparente mostrava seu corpo repleto de tatuagem.
— Estamos buscando o reconhecimento facial. — Baker diz pela escuta.
— Viemos para a festa.
— Sei, todas vêm. — diz encarando meu rosto. — Pode me dizer o código? – Pergunta desconfiado.
— MLN.
— Vocês são novatas, né?
Carla sorri concordando.
— Porra, eu falei para o Joe que eu tinha tudo sobre controle. Ele não devia mandar as novatas!
— Esse é Rowsend. Ele está na nossa lista, detenham essa ligação agentes!
— Poxa... por que temos que ficar trancadas enquanto elas se divertem? — murmuro apontando para as garotas dentro da suíte, chegando mais perto dele, travando seu olhar no meu enquanto cancelo a ligação que ele faria.
— Ei, cara! Eu só queria pegar o jeito, não queria acabar como a outra. — Carla atiça.
— Vocês vão me trazer problemas, melhor eu levá-las de volta!
— A gente dá conta! — Digo.
Ele nos encara. — Uma pisada na bola e entrego vocês para Deany.
— Agente Hamer, tente descobrir mais informações dele. Agente Clayton, faça seu trabalho. — A voz de Stone chega aos nossos ouvidos.
Rowsend nos leva para outra sala onde realmente a ação acontecia; percebo que os homens de mais poder estavam sentados nesse reservado. Aquilo não passava de um círculo fétido de corruptos.
Faço sinal para que Carla vá até os homens, se juntando com as garotas de programa e desejando que ela não fizesse nada de errado que chamasse atenção, porque ali éramos uma equipe. Se ela caísse eu cairia junto e no auge da minha carreira eu não queria prejudicar esse último ano treinando e estudando para me infiltrar.
Rowsend estava do outro lado da sala, tomando um copo de uísque perto do pequeno bar.
— Posso tomar um pouco disso aí?
— Você não devia estar alegrando algum cliente?
Dou uma olhada para os homens na sala, disfarçando. – Acredito que eles estão se divertindo bastante e eu preciso de algo para me sentir aquecida pro jogo.
Rowsend dá um sorriso ou acredito que seja um sorriso. É gélido, a crueldade é aparente em seu rosto. — Pelo visto você é aquela que todos estão comentando.
Apoio meus braços no bar, fazendo que meus seios saltem pelo decote extravagante.
— O que estão dizendo sobre mim?
— Você está indo bem, Adria. — Baker se comunica pela escuta.
Rowsend chega mais perto, empurra o copo em minha direção, o pego confiante, entornando seu conteúdo de uma vez. Segurando a careta que sinto despontar em meu rosto devido a queimação que o líquido causa em minha garganta.
— Você é atrevida, gosta de colaborar conosco. — Os dedos dele tocam minha pele, indo para o decote, enfiando a mão, tocando meu seio, apertando de maneira grosseira enquanto exibe um sorriso satisfeito no rosto.
— Até que você é bem gostosinha, já passou na mão de algum deles? Acho difícil não ter passado, aqueles filhos da puta pegam as melhores para si. — Diz dando outro apertão em meu seio. Fazendo meu estômago se contorcer.
Dou uma olhada pelo salão, ignorando as dicas que o agente Calin passava para a Carla.
Rowsend me encarava.
— Sou esperta, uma boa garota se mantém inteira naquele lugar. — Digo.
— Vocês têm sorte do Lobo ainda se preocupar com vadias como vocês.
— É difícil se manter como uma das melhores com tantas vadias criando problema.
Rowsend enche seu copo novamente, entregando-o para mim. Bebo um grande gole, devolvendo o copo.
Ele se levanta, abrindo minhas pernas ao ficar no meio delas, suas mãos se infiltrando por minhas coxas. — Eu gostaria muito de dar uma pequena lição em alguns de meus colegas.
Encaro seu rosto, engolindo a bile que sobe por minha garganta. As mãos ásperas por meu corpo, minha vontade era de fechar as pernas com tudo e acertar um soco no meio de seu rosto, mas isso colocaria tudo a perder.
O coldre.
Se ele passasse a mão pela perna direita iria sentir o coldre. Empurro seu peitoral para longe o que faz Rowsend me encarar desconfiado, acrescento um sorriso no rosto, enquanto faço-o se sentar novamente, tocando seu corpo do mesmo modo bruto que ele fez no meu. Apertando sua coxa e indo com mais vontade ainda de esmagar aquelas bolas.
— Vejo que gosta de algo mais bruto, essa é das minhas! — diz tentando beijar minha boca.
— Podemos nos divertir, o que acha?
Seu telefone começa a tocar. — Não atenda, agora que tudo estava ficando bom? — questiono jogando meu corpo para ele, praticamente sentando em sua coxa.
Sua mão esmaga minhas nádegas, seu pau duro literalmente sarra em minha cintura. — Você tem uma bocetinha deliciosa, aposto, mas se não informar que tudo está correndo como combinado, meu chefe não vai receber a grana desses patifes e eu vou provavelmente tomar uma surra do Lobo.
Sorrio saindo de perto — Vou ao banheiro então.
Ele não diz nada e atende à ligação, ignorando meus passos lentos até o banheiro. Apuro meus ouvidos para prestar atenção exclusivamente em sua conversa. — Tudo sobre controle, os clientes estão como queríamos. – Rowsend fez uma pequena pausa. — Não toquei em nenhuma, pode ficar tranquilo. Avise ao Lobo que não sou um pau mandado dele. Eu falei que estava tudo sobre controle, por que enviou as novatas?
Merda! Entro apressada, verificando os espaços, vendo se estava realmente vazio.
— Baker, na escuta? — pergunto apertando a escuta no ouvido.
— Agente Hamer.
— Temos que agir, é nossa chance de capturar Rowsend, ele vai descobrir que não foram enviadas novas garotas.
— Agente Clayton, continue com o senador. Agente Hamer, precisamos de mais informação antes de invadir.
— Desculpe senhor, mas teremos as informações com Rowsend sob nossa custódia. Toda essa operação terá sido em vão se não tiver ele e essas mulheres em nossas mãos!
— Você acredita que elas não sejam vítimas?
— Sim, senhor. Tirando três que realmente estavam com expressões de total pânico.
— Estamos subindo, mantenha Rowsend dentro da suíte.
Olho pelo espelho ajeitando o cabelo. Como eu desconfiei Rowsend estava apoiado na porta do banheiro feminino.
— Eu soube que você era diferente, seu olhar dizia o quanto era esperta demais para uma prostituta qualquer.
— Olha cara, eu só queria informações.
Ele dá um passo para frente encurtando nossa distância. — Informações?
— Cara, você sabe como é ficar trancada junto com várias mulheres surtadas?
Ele estreita os olhos me encarando. Por um instante eu pensei ter encontrado uma pequena brecha.
— Boa, você é muito boa. — Ele avança mais um passo, me fazendo recuar. — Eu quase acreditei, mas você esqueceu uma coisa. Você acreditou mesmo que nós não temos controle das vagabundas que colocamos dentro com cada homem desta sala?
— Olha, eu só queria participar. Desculpa se segui vocês e...
— Estamos nas escadas. — A voz de Clain chega pela escuta.
Desvio do primeiro golpe de Rowsend, ele avança e é o suficiente para meu chute atingi-lo. Esperava que ele se curvasse se protegendo, mas ele aproveita a chance para me atacar, conseguindo acertar um soco em meu estômago me fazendo dobrar o corpo.
Ele parecia uma máquina de combate, mas o segredo sempre é prever o próximo passo. Espero ainda segurando o estômago pelo soco que ele me daria desviando para a esquerda, conseguindo atingi-lo, sua cabeça bate contra a parede oposta, minha mão voa para o alto da coxa em busca da minha faca, porém Rowsend é mais rápido, seu cotovelo me acerta em cheio no nariz, minha faca voa longe com o chute que ele me acerta.
— Você luta bem, para uma policial!
— E você fala demais. — Digo entredentes, acertando um chute em seu joelho fazendo ele se curvar e sua arma voar para o outro lado do banheiro feminino; aproveito esse milésimo de oportunidade para dar uma sequência de três socos: um embaixo e dois em cima, finalizando com um golpe de gravata.
— Eu vou adorar acabar com você. — Aperto mais meu braço em torno do seu pescoço.
Rowsend joga o corpo para trás me fazendo atingir o espelho grande na parede, sinto a ponta do espelho quebrado me atingir na nuca e em outras partes, já que ele nos arremessa diversas vezes contra os pedaços estilhaçados.
Os gritos na sala invadem o banheiro mesmo com a porta fechada. Firmo o aperto em seu pescoço, colando minha boca em seu ouvido. – Eu vou adorar você sendo uma menininha dentro do FBI!
Baker e o Agente Clain entram no banheiro com as armas em punho.
— Agente Hamer, você está bem?
— Sim, foi divertido.
Baker algema Rowsend levando-o para fora do banheiro.
— Como está a agente Clayton? — pergunto, tocando os cortes ensanguentados.
— Ela se perdeu um pouco na missão, mas conseguiu algumas informações importantes. Você realmente elevou o significado de peneira. Vire-se.
— Não foi nada, eu cuido disso.
— Tá completamente maluca, você precisa de um médico!
— Tanto faz. — digo, aceitando o casaco que ele me estende.
— Isso é seu.
— Obrigada. — Coloco minha faca no coldre.
Todos os homens que estavam nas duas salas estavam sendo escoltados pelos agentes, as garotas estavam algemadas e seguiam para outro lado.
— Agente Hamer.
Viro vendo o diretor interno vindo em minha direção.
— Senhor.
— Foi um ótimo trabalho.
— Obrigada, senhor. Mas eu sinto que poderia ter sido melhor.
— Sabíamos que esse primeiro impacto não nos daria muitas pistas.
Concordo.
— Você terá toda a chance de acabar com essa organização quando estiver dentro. Mantenha o foco e a cabeça no prêmio.
— Claro, senhor.
— Finalmente uma palavra boa vindo dele. — Baker resmunga vendo o diretor falar com outros agentes.
— Preciso de uma bebida forte.
— Nada disso, no mínimo de uma boa dose de morfina e algumas horinhas no médico.
— Diz que não tem uma ambulância me aguardando lá embaixo?
Baker ri.
— Por Cristo.
6
Aqueles ferimentos em minhas costas e o pequeno corte em meu pescoço por incrível que pareça foram capazes de me dar uma excelente dor nos próximos dias.
— Já conseguiram arrancar algo dele? — pergunto vendo dois agentes rodearem Rowsend.
— Nada, é como tentar filtrar água de uma pedra. — Agente Clain reclama.
— Qual seu real envolvimento com a organização Rootns?
Rowsend se curva na cadeira, rindo, ignorando nossos agentes. — É assim que vocês os chamam? Pensei que dar nomes patéticos era coisa de filmes de ação.
— Você está sob custodia, se não colaborar suas opções são muito ruins. — diz o outro agente.
— Cadê aquela agente gostosa? Ela está muito machucada?
— QUAL SEU REAL ENVOLVIMENTO COM A ORGANIZAÇÃO? QUANTAS GAROTAS JÁ PASSARAM PELAS SUAS MÃOS? — Grita.
Rowsend gargalha ainda mais alto e desaforado. — Eu não vou falar nada, cara. Tudo isso, é uma grande perda de tempo. — Gesticula para a sala.
— Eles estão quase perdendo a paciência, faz três dias que ele está aí, cortamos alimentação, deixamos de forma mais desconfortável possível e nada.
— Desligue as câmeras. — Digo.
Clain me olha, duvidando do que eu falo. — Sabe que não posso fazer isso.
— Sabe que muitos sob custódia, até mesmo possíveis terroristas já tiveram um pouco mais... de ação do FBI.
— Hamer eu posso me meter em encrenca.
— Não está na hora de comer? Eu vou ter que gritar para vocês trazerem um pouco de conforto para seu colega? — Rowsend tripudia.
— Que tal agora? — ordeno.
Clain passa as mãos pelo rosto, mas caminha até o painel de comando desligando tudo. As telas em nossa frente ficam pretas, o áudio é paralisado.
Abro a porta pegando os agentes de surpresa.
— Ouvi que estava perguntando por mim? — digo olhando para Rowsend.
Ele sorri como um lunático.
— Senhores. — Cumprimento, mostrando meu distintivo na cintura.
— Qual sua autorização? — um dos agentes questiona.
— Minha autorização é o mais perto do que vão ter de uma confissão dele ou vocês já conseguiram retirar algo desse verme? — pergunto.
— Uhu! Vejo que não me decepcionei com você! É durona. — Rowsend diz.
Seguro uma mecha generosa de seu cabelo, batendo seu rosto contra a mesa de metal. — Que tal começar a contar alguns segredinhos sujos, amigão? — Bato novamente.
— Agente! — Repreende um dos homens.
— Se quiserem podem sair e aguardar na outra sala. Eu cansei de ver esse verme rindo da cara de vocês.
Eles trocam uma pequena olhada entre si, se afastam da mesa, mas não deixam a sala, preferindo ficar no canto, observando a cena.
— Me diga, Rowsend. Esse é seu nome verdadeiro?
— Achei que seria mais original, gostosa. — Ele diz sorrindo. — Já me perguntaram isso.
Seguro novamente sua cabeça batendo com mais força na mesa.
— Filha da puta! — Ele urra.
— Sinto muito. Você precisa de ajuda? — pergunto pressionando seu crânio na mesa.
— Você vai se arrepender disso, sua vadia!
— Se tivesse medo de ameaças, não sairia da cama.
Solto sua cabeça, sentando na cadeira vazia. — Pronto para falar?
Ele limpa o sangue com a barra da camisa. — Se você acha que sou delator, não sabe com quem está mexendo. Você não tem nada apenas migalhas, acha que não sabemos como agem? Acha que não temos a polícia e até mesmo o FBI nas mãos?
— Acho que está planando por um terreno muito lamacento.
Ele sorri.
— E eu acho você uma vadia dos infernos!
Saio da cadeira, dando um soco em seu nariz, no mesmo instante o sangue começa a escorrer, o nariz dele incha, ficando vermelho. — Qual seu real envolvimento com a organização? — dou outro soco — Como capturam as mulheres? — seguro sua cabeça batendo contra a mesa. — Diga agora ou juro que acabo com você!
— Agente Hamer!
— Solte-o, agora!
Controlo minha respiração, tentando me manter calma, mesmo que meu coração esteja acelerado.
— Isso foi longe, largue-o!
— Você teve sorte. — Sussurro perto do ouvido de Rowsend.
Ele cospe sangue, me encarando pronto para me matar.
— Terei que religar as câmeras e inventar uma desculpa para isso. Porra, Hamer!
— Ele caiu, avançou contra... qual é o seu nome, agente? — pergunto para o mais alto.
— Oliver.
— Certo, Oliver. O acusado avançou sobre você e seu colega, desequilibrando da cadeira. É triste, mas acontece quando os acusados querem bancar os espertinhos. — Digo com os olhos fixos em Rowsend.
***
Como sempre, sigo para a academia. Admito que sorrio ao ver Kiran correndo em uma das esteiras. Deixo minha garrafa d’água e a toalha de rosto no suporte iniciando minha caminhada.
— Bom dia, Adria!
Aquela voz rouca. Não consegui controlar meus olhos. Eles automaticamente desceram pelo corpo esculpido de Kiran, seu abdômen malhado exposto, o suor escorrendo por dentre os gominhos.
Era uma bela visão às seis da manhã.
— Bom dia! — Respondo passando meu ritmo de caminhada para corrida curta.
— Disposta. — Analisou.
— Tenho que estar. Não esperava você aqui tão cedo.
A academia estava praticamente vazia, tinha ao todo dez alunos, esse horário não era muito frequentado, o que era ótimo para mim que aproveitava essa calmaria para colocar os pensamentos em ordem.
— Não sou muito de dormir. — Kiran ainda me analisava, os olhos indo de minha calça de ginástica até o top.
Ele com certeza era atleta, não tinha nenhum vestígio de gordura naquele corpo, era até um pecado.
— Jantar, hoje à noite.
Olho para seu rosto, seus olhos azuis me fitavam como o mar do Caribe, intrigantemente sensual.
Sorrio concordando. — Tudo bem, você tem meu telefone. Só dizer o local e horário.
— Eu posso buscá-la.
Paro minha corrida passando a toalha pelo rosto, saindo da esteira. — Local e horário?
— Tudo bem. — Pela primeira vez eu escuto uma risada vindo dele e óbvio que ela seria como tudo nele. Sensual e crua.
— Adria.
Viro olhando para Kiran novamente.
— Você tem um machucado feio nas costas.
Coloco um sorriso simpático no rosto. — Acidente doméstico.
Ele concorda mantendo o ritmo frenético de sua corrida. – Até mais tarde.
— Até.
No escritório todos trabalhavam de forma intensa, os agentes buscavam informações de todos os lados para nos ajudar a alcançar o melhor resultado.
— Agente Hamer, venha até minha sala.
Sigo o vice-diretor, sua mesa estava abarrotada de pastas e papéis espalhados.
— Senhor.
— Feche a porta e sente-se.
Faço o que pede e aguardo.
— Foram encontrados dois corpos, duas mulheres em torno de vinte a vinte quatro anos.
— Onde?
— Rota 55, é mais uma peça do quebra-cabeça. Naquela região desértica, seria incrível se conseguíssemos concluir algo.
— Tem a identificação delas?
— Dayana Simon e Regina Regis.
— Causa da morte?
O vice-diretor estende uma pasta para mim, as fotos dos peritos estavam ali. Ambas usavam poucas roupas, seus tornozelos e pulsos tinham marcas de cordas. Provavelmente da contenção que os criminosos fizeram enquanto as transportavam.
— Asfixia?
— Reli o relatório da autópsia. Elas morreram por volta das três da madrugada, havia lesões de quedas, alguns arranhados pelo corpo como se tivessem sido arremessadas.
— No meio de um transporte? Tem alguma coisa que não está encaixando.
— Dayana Simon tentou escapar, os peritos encontraram evidência de pele debaixo de suas unhas, assim como agressões no corpo. — O vice-diretor pega a pasta de minhas mãos mostrando uma foto mais detalhada das mulheres. — Por mais incrível que pareça, as evidências deram em um caminho sem saída, havia muita terra e os resquícios de pele encontrados eram da outra vítima.
— Elas brigaram entre si? — questiono.
— Tudo indica que sim ou tenha sido uma forma de se protegerem do que ocorreu.
— As câmeras de segurança?
— Nenhuma perto do local ou acessível captou algo.
Suspiro frustrada. — Não temos provas, não temos pegadas ou indícios deles, não temos nada.
O vice-diretor se senta na beirada de sua mesa, mostrando a mesma frustração que existia em minha expressão.
— Netlen Curt, sua informante. Por que não passou isso para nós, que seu ativo era uma mulher?
— Desculpe, senhor. Mas como disse é minha ativa.
— O que precisamos saber é porque sua informante brigou com essas mulheres e elas acabaram mortas.
— Eu conseguirei essa informação.
— No momento deixe isso passar, você não pode ser vista com sua ativa no momento, eles estão armados e prontos para matar qualquer um que se arrisque a cruzar o caminho deles. Quando estiver dentro você terá tempo para isso.
— Sim, senhor.
— Estamos mantendo Rowsend sob controle; ontem durante a madrugada ele foi socorrido por um dos agentes, estava tentando arrancar a própria língua.
— Filho da... desculpe, senhor. — Digo rapidamente.
— Ele foi contido e medicado, mas não fala nada, passa metade do tempo cantando sobre destruição e sangue, creio que não será de valia alguma para nossos planos. Os poderosos que foram presos aquele dia como uma batida policial comum estão com seus advogados em nosso pescoço, sempre dizendo a mesma coisa, eles contrataram uma pequena empresa para satisfazer a depravação que eles escondem.
— As garotas? — questiono com os olhos fixos nas fotos em cima da mesa.
— Como você tinha passado para o Baker, duas tinham sido capturadas, pouco têm a informar de como foi isso e o psicológico está tão afetado que basta um dos agentes fazer um pequeno movimento em sua direção, começam a chorar e implorar pela vida. Estão em acompanhamento. — O vice-diretor, faz uma pausa, e caminha até a janela. — A terceira, tem algo muito semelhante com essas garotas mortas.
— Dayana Simon e Regina Regis eram de Ohio. Estavam desaparecidas há sete meses. Tudo indica que elas saíram de Ohio com a promessa de se tornarem modelos conhecidas, assim como a terceira vítima em custódia. Segundo ela, seu sonho era se tornar modelo internacional, quando chegou aqui seu passaporte e pertences foram arrancados e ela obrigada a fazer tudo o que eles mandassem.
— O convite mais tentador para essas moças.
— Hamer, você está ciente que o FBI não poderá ajudá-la quando estiver infiltrada e que nenhum contato será feito? — questiona.
— Sim, senhor.
— Todas as informações deverão ser passadas semanalmente para o agente Wenth.
— Compreendo, senhor.
O silêncio tomou conta da sala.
— Agente, você está mesmo preparada? Essa operação é de suma importância.
— Sim, senhor.
— Estamos apostando em você, agente Hamer.
— Não vou decepcioná-lo, senhor.
— Esta daqui é sua nova identidade.
Pego a pasta preta que ele me estende. Pam Gomez, vinte e oito anos, filha de pais mexicanos que trabalhava em uma boate em Nova York.
Adria Hamer tinha sido excluída dos registros, em todos os sentidos. A partir do momento que iniciasse minha missão, eu não seria mais uma agente especial do FBI, filha de Antônio Hamer, codinome Welber Jim. Agente infiltrado pelo FBI.
— Todos os seus dados serão apagados do sistema, será como se você nunca tivesse existido. Você está ciente que a partir do momento que pisar na Penlin não será mais considerada pelo FBI e se algo errado ocorrer estará por conta própria? Que nós só poderemos ajudar se a operação não estiver em risco?
— Sim, senhor.
— Prepare-se, dentro de poucos dias estará na missão. Seu apartamento, assim como do agente Wenth, serão limpos e livres de qualquer evidência que levem vocês a nós, para o caso deles investigarem a fundo.
— Sim, senhor.
— Confiamos em vocês.
— Não se preocupe, senhor.
***
— Isso está se tornando arriscado demais!
Estralo os dedos, vendo-a se sentar ao meu lado. — Aqui é bem tranquilo, gosto desse bar pela vista do Parque Memorial.
— É legal, muito legal, mas não posso ficar me dando ao luxo de passeios.
— Mas pode se dar ao luxo de surrar duas garotas, minutos antes delas serem mortas?
Netlen arregala os olhos. — Eu não surrei ninguém.
— Não é isso que a autopsia diz. Aquelas garotas foram espancadas pouco antes de serem jogadas para fora de um carro em movimento.
— Você não sabe de nada! Eu tentei fazê-las parar! Eu tentei tirar a ideia absurda delas fugirem, ninguém conseguiu fugir dali! A merda foi que um dos caras me denunciou, disse que eu estava encobrindo as garotas.
Analiso seu rosto, testando a veracidade do que dizia.
— Vem.
— O quê? — pergunto surpresa.
— Vem comigo.
Netlen me guia para o banheiro, verifica se estamos completamente sozinhas e tranca a porta.
— Netlen?
— Você acredita mesmo que eu estou matando aquelas garotas?
Respiro fundo. — Netlen, seu DNA estava sob as unhas daquelas garotas. — Abaixo o tom da voz. — Elas foram jogadas para fora do carro, têm marcas de luta pelo corpo; sabe como é embaraçoso seu chefe falar que o DNA da sua ativa estava nas mãos daquelas mulheres?
— Isso daqui é suficiente para você? — retruca.
Netlen levanta a camisa e mostra suas costas. É um verdadeiro cenário de horror. Não tem um único espaço livre de marcas, algumas ainda em processo de cicatrização.
— Quem fez isso com você? — questiono horrorizada.
Dou um passo em sua direção, não queria tocá-la, mas... Era horrível ver sua pele marcada daquele jeito. Não tinha uma sequência ou qualquer padrão, era puramente maldade.
— Isso importa mesmo? Eles foram cuidadosos, deixaram um lembrete onde eu não poderia esquecer e nem mesmo que os outros se assustassem com a beleza dos cortes. — diz de maneira sarcástica. — Você me chamou aqui pronta para me enterrar viva porque acreditou que eu tinha encostado naquelas garotas. — Netlen arruma a roupa. — Eu vou continuar ajudando com essa loucura toda, mas vamos manter isso exatamente como sempre foi. Quando tiver algo eu entro em contato e não o contrário.
7
Sorrio de volta para a hostess do restaurante. Kiran mandou mensagem um pouco depois do final da tarde, avisando que tínhamos reserva no Enzy’s, às nove da noite.
— Boa noite, bem-vinda ao Enzy’s.
— Boa noite, tenho reserva em nome de Kiran.
Percebo a ironia daquilo, eu não sabia o sobrenome dele. Na verdade, sabíamos pouco um do outro, além da constante atração sexual que nos circulava quando estávamos no mesmo ambiente.
Óbvio que ele não saberia um terço da verdade sobre mim. Ali eu era Adria, a assistente do senador Lincoln.
— Sua mesa está pronta, por favor, venha comigo.
Passamos por metade do salão, chegando em uma mesa para duas pessoas, perto da janela.
— Aqui estamos. Deseja pedir sua bebida?
— Uma água. — Digo sentando na cadeira oposta a que ela tinha indicado; preferia ter uma visão ampla de onde estava. Chame isso de vício de profissão, do lugar onde estava eu poderia observar a entrada, os dois ambientes do restaurante, assim como a porta da cozinha.
Enzy’s era um restaurante lindo e sofisticado. Kiran parecia apreciar ambientes como esses, boa comida, boa bebida. Sofisticação.
Sorrio para mim mesma, tomando um gole da água que o garçom despejou na taça em minha frente. Como dizem, você pode tirar a mulher da agente, mas não pode tirar a agente da mulher. Eu sempre estaria analisando cada mínimo acontecimento à minha volta. Acredito que seja isso que me torne uma excelente agente especial, afinal, coincidências não existem, são produzidas por nós.
Eu o vejo assim que ele passa pela porta, vestido todo de preto. Uma camisa social aberta no colarinho, a calça descendo com perfeição naquelas pernas torneadas que eu sempre via desfilando na academia.
— Adria.
— Kiran. – Digo me levantando.
O vestido creme que escolhi para esta noite é ao mesmo tempo sensual e discreto. Sem decote e na altura do joelho, por outro lado, justo em todo meu corpo.
— Você está linda.
— Obrigada.
Kiran dá a volta puxando minha cadeira, quando me sento ele contorna a pequena mesa, sentando-se em minha frente, dobra as mangas da camisa até o cotovelo.
— Você me acompanha na cerveja? – acrescenta com um simpático sorriso. — Percebi que você estava tomando uma Pilsen aquele dia no bar.
— Sim, fora de dias de trabalho.
— Entendo.
Kiran faz um sinal chamando o garçom. — Posso fazer nossos pedidos? Ou você deseja algo especial?
— Não, fique à vontade.
Tomo outro gole observando-o, mesmo com toda a experiência que eu adquiri em todos esses anos estudando e aprimorando meus conhecimentos, principalmente sobre o comportamento humano, Kiran era como um enorme ponto de interrogação.
— Com que você disse que trabalha mesmo? — Pergunto.
Ele dá uma risada baixa. — Eu não disse.
Encaro seu rosto, hoje ele está muito mais sorridente que o de costume, mas o sorriso não é natural, parece que o fato de sorrir não combina muito com ele. — Exportação, não é nada luxuoso como assistente do senador.
Sorrio. — Não é nada como pensa, garanto.
Kiran passa o dedo indicador pelo lábio, mas consigo sentir o tom de ironia no sorriso.
— Interessante, eu arriscaria uma profissão mais ousada para você.
— Nem sempre temos a profissão dos nossos sonhos. Vai dizer que viver no meio de senadores é seu sonho de carreira perfeita?
— Não, você está certo. — Digo rindo.
Kiran olha para baixo, vejo que lê algo em seu celular.
— Algum problema?
— Nada demais.
— Mas, me diga, como conseguiu um machucado tão feio nas costas? — questiona.
— Digamos que sou desastrada. — Minto.
— Acho isso meio impossível. — Kiran comenta.
— É? E posso saber por quê?
Ele dá de ombros, chegando mais perto da mesa, as mãos apoiadas de forma tranquila, deixando os músculos de seus braços bastante visíveis na camisa. — Você não parece ser aquelas pessoas que confundem as coisas ou se esquecem de tomar seus remédios nos horários certos, muito menos tropeçam à toa por aí.
Rio. — Você tem tido muitos encontros frustrados no momento?
— Alguns. — Diz voltando a se encostar na cadeira.
O garçom retorna colocando uma cerveja na frente de Kiran assim como outra garrafa de água gaseificada na minha. Várias porções estão à nossa volta, desde salmão grelhado com legumes até pequenos anéis de cebola empanada.
Enquanto vou comendo as entradas, observo Kiran; esse encontro não está com cara de sucesso. Ele está preocupado, algo está tirando sua atenção, ele franze o cenho com frequência e seu olhar endurece.
Ele está discutindo com alguém.
— Namorada? — Pergunto fazendo-o erguer o olhar para mim. — Sabe você é bem legal, mas eu não vou perder meu tempo com alguém que tenha vida dupla.
— Eu não tenho namorada, Adria.
Como mais um pedaço do salmão.
— E você, tem namorado?
— Não sou do tipo romântica, desculpe-me quebrar suas expectativas.
— Toda mulher é romântica, me dê seu motivo para não ser...
— Expectativas excessivas fazem você cometer erros, elas nublam sua visão do que realmente importa.
— O que realmente importa para você? — Kiran continua dando atenção para mim, enquanto seu celular vibra sobre a mesa.
Mesmo eu desviando minimamente a vista para tentar espiar quem é no identificador de chamadas,
Ponto 1: Kiran não é de confiar muito nas pessoas.
Já estava pensando que algo estava errado comigo, mais de trinta minutos com ele e não tinha conseguido fazer uma lista comportamental.
— Vamos dizer que trabalho seja o que mais importa. — Digo retomando o assunto.
Ele toma um gole de sua cerveja, seus olhos perfuravam os meus, tamanha a força que me encaravam.
O telefone volta a vibrar, fazendo Kiran quebrar nosso contato visual, olhando para o telefone e por fim decidindo atender quem quer que estava insistindo nas ligações.
Ele apenas escuta o que falam, seu rosto era como uma pintura, indecifrável.
— Tudo bem, estou a caminho. — Diz fechando o aparelho e guardando-o no bolso. — Sinto muito, problemas no trabalho.
— Sem problemas, eu sei como é ter um chefe exigente. – Digo sorrindo.
Ele levanta deixando o guardanapo de pano ao lado do prato, ajeita a camisa, para perto de mim e sussurra: — Podemos nos encontrar uma próxima vez, para que possa recompensar por esta noite?
— Claro.
Ele sorri, abaixa, ficando mais perto, fazendo-me erguer o rosto para encará-lo. Seus lábios desceram sobre os meus, por apenas um segundo. Mas o suficiente para eu sentir a maciez de sua boca e o cheiro de sua colônia. Uma pitada de algo doce, mas totalmente mascarado.
— Desculpe mais uma vez por isso, aproveite o jantar. Está em meu nome.
Concordo como uma idiota, ainda mexida pelo cheiro e a excitação que senti quando sua boca tomou a minha ou quando ele mordiscou meu lábio superior de leve. Imagine isso dedicado em outra parte de meu corpo?
Se você pudesse escolher um tipo de demônio, qual seria? O mentiroso, o malvado ou o galanteador, quem você escolheria? Qualquer um deles iria te levar para o mesmo caminho.
A perdição!
KIRAN
Alguns anos se passaram desde a primeira vez que fiz isso. Cinco anos ou sete, para tentar ser mais exato.
Era para essas lindas jovens passarem despercebidas por mim ou por ele. Era para esse fim de tarde sentado em um parque qualquer da cidade ser apenas isso. Uma mísera distração.
Mas não era.
Quando você cresce em apenas um lado da versão e pega gosto pela coisa, se torna difícil eliminar toda a sujeira encrustada em sua pele. Não importa quantos banhos você tome.
Um círculo vicioso.
Olho novamente para a foto em minhas mãos. A garçonete novata era a grande escolhida por ele. Eu deveria voltar e dizer que ela tinha pedido demissão, ninguém iria cogitar ou duvidar de uma palavra minha. Eu era o “Lobo” e eles tinham medo de mim. Mas sempre que eu concluía uma missão dada, sentia a necessidade de mais, querendo encontrar de uma maneira inútil aquela que um dia me faria parar.
E ali estava eu, bebericando minha água com gás, vendo a garçonete transitar pelo bar, pela enorme parede de vidro. Enquanto olhava sua ficha e pensava em certa mulher, certa mulher que tinha o nome tão ácido como seus próprios olhos, afiados e prontos para atacar: Adria.
9
O frio arrepiou os pelos de meu braço, como se tivesse ouvido o arranhar de uma lousa, mas disse a mim mesma que isso era apenas o frio intenso, resultado da grande massa de ar frio que tinha se alojado pela cidade. Puxo o casaco para cobrir mais o pescoço, aumentando o compasso da caminhada em direção a minha casa. Agora não parecia mais uma boa ideia ter ido jantar fora, ainda mais por ter decidido caminhar em vez de estar protegida dentro de meu carro.
Viro o rosto, para observar a rua ao meu redor. Como disse, isso foi uma ideia estúpida, mesmo o bairro sendo conhecido como tranquilo e familiar, a rua estava deserta, as travessas escuras e pareciam pouco iluminadas, o que me fez acelerar ainda mais o passo.
Suspiro frustrada comigo mesma. “Estou ficando paranoica!”. Essa sensação de estar sendo observada nada mais era que obra de meu subconsciente tentando me boicotar.
Baker tinha falado algo sobre isso... Algo sobre a pressão da nova missão, deveria ser isso mesmo, o fato de saber que em poucos dias não seria mais Adria Hamer, seria Pam Gomez, indicada para fazer parte do esquema maluco dos aliciadores e ser inserida no meio da organização Rootns.
Minha nuca formigava de maneira desconfortável. Droga, recomponha-se Adria! A sensação de estar sendo observada ou seguida permanecia em meu corpo, arrepiando meus pelos, dando uma pressão na base do crânio, espalhando-se rapidamente pelo corpo. Meus dedos esbarram levemente pela arma debaixo de meu braço, protegida pelo coldre, não seria difícil virar e confrontar quem quer que fosse.
Mas em anos morando naquele bairro ninguém sabe meu real trabalho, e quanto menos pessoas souberem, menor será o risco de ser delatada ou até mesmo colocar uma operação em risco por encontrar um vizinho em algum lugar. Baker também vive dizendo que é solitário demais, que mesmo eu sendo uma agente, deveria ter uma vida fora do escritório e eu tinha. Mas ninguém que entrasse em minhas calcinhas também precisaria saber o calibre de minha arma.
Inspiro profundamente avistando a pequena entrada do meu prédio. Continue em frente, isso é obra da sua cabeça maluca! Meus dedos se atrapalham para encaixar a chave na fechadura, ao mesmo tempo em que olho sobre o ombro em todas as direções da pequena rua em busca daquilo que me incomoda, mas a rua deserta nada revela, nem mesmo uma sombra fora do normal, já que os postes da rua forneciam ampla luminosidade. A única pessoa parada sou eu, ninguém está me observando.
KIRAN
O sangue fluía rapidamente pelo meu corpo, os batimentos cardíacos fortes retumbando em meu ouvido. Não estava conseguindo me concentrar esta noite. Nem mesmo com a tarefa de fazer esse traidor sofrer, não estava conseguindo aliviar a tensão ou a leve tremedeira em minhas mãos.
— Eu não tenho nada com isso, já falei, porra! — PJ diz cuspindo sangue e um de seus dentes.
— Sabe que isso não importa mais.
Pego a barra de ferro, segurando com as duas mãos, batendo com força no lado direito de suas costelas. O estalo do osso trincando me faria sorrir, se eu não tivesse achado até imprudente punir um dos nossos por achismos. O grito dele ecoou pelo galpão.
— Você sabe como isso funciona, vou bater em alguns lugares, vai lhe causar dor, mas não vai morrer ou desmaiar.
— Lobo, por favor, eu não delatei. POR QUE EU FARIA ISSO? — gritou em desespero, se sacudindo.
Seus braços estavam contidos acima da cabeça e suas pernas separadas enquanto eu surrava seu corpo, não demonstrava compaixão, muito pelo contrário, me sentia satisfeito e excitado por deixar que meu monstro saísse para brincar.
Solto o homem no chão, limpando minhas mãos na toalha branca de rosto, deixando rosada pelo sangue. Para ser honesto, eu não curtia isso como os outros ao meu redor, mas para meu pai, traidor bom é traidor torturado e morto. E desde a queda de Rowsend, meu pai tem sido incrivelmente cruel com os que estavam por dentro do esquema. A única pista intrigante que tínhamos era que duas novatas apareceram aquele dia, ninguém enviou, ninguém, mal sabia quem eram. Meu pai, por outro lado, acreditou que as traidoras foram Daiana e Regina, Netlen tinha discutido com elas pouco antes da operação e o fato de Deany ter relatado isso, não só causou a morte de duas garotas como a tortura em Netlen, segundo Deany ela poderia ter facilitado para as garotas, contado o esquema.
Dou uma olhada para PJ estendido no chão, de vez em quando ele uivava, quando os cortes, socos e até mesmo as queimaduras doíam demais. Tinha que agradecer que eu ainda não tinha furado cada centímetro do seu corpo imundo. Até que não estava com tanto remorso sobre isso, ele vinha me causando grandes problemas, sempre acreditei que não é porque fazemos o que fazemos que temos que ser os próprios demônios para essas garotas, algumas mal tinham ido para cama com alguém. E eu cansei de ver esses caras imundos deflorando-as como se fosse um porco morto e estendido sobre a mesa para comerem.
Agacho, olhando para o rosto do homem traidor e vejo medo em seus olhos, vejo-o implorar em silêncio para que acabe logo com isso.
Sem qualquer troca de palavras volto para o homem que ainda me seguia com o olhar, com minha faca extremamente afiada nas mãos, agacho novamente perto de seu rosto, colocando a ponta da lâmina sobre a veia grossa em seu pescoço, vendo que a mínima pressão faz uma gota grossa e vermelha sair e escorrer lentamente pela pele.
— Você não devia ter traído o chefe. — Digo ao fincar a faca em seu pescoço, arrastando-a até o meio de sua garganta.
— O que houve? Parece desanimado, não tomou sua dose diária de ânimo? — Meu pai sorri, chutando para longe o corpo de seu capanga, principalmente longe dos seus sapatos italianos.
— Não se preocupe comigo.
Czar sorri. — Nunca precisei me preocupar com você, meu garoto. E espero que continue assim. — Ele encara com desprezo o homem caído no chão e para os outros parados a poucos metros de nós, que assistiam o pequeno espetáculo. — Você! — acrescenta apontando para o outro capanga no fundo. — Cuide disso, tire esse der ‘mó3 daqui.
— Sim, senhor.
— E quanto a você, meu garoto, lembre-se que conheço bem o que passa em sua cabeça, antes mesmo de se tornar homem, antes mesmo de eu resgatá-lo como aquele garotinho franzino.
Esboço um sorriso. Ele tinha razão, ele estava certo.
— Como anda aquele pequeno obstáculo com nossa linda menininha?
— Tudo indo conforme deseja.
Czar estava na casa dos setenta anos, tinha cabelos grisalhos, mas ainda mantinha a aparência de terror que tinha quando mais novo. Ele não era meu pai verdadeiro, como disse, quando me encontrou eu era apenas um moleque franzino e fraco perambulando pelas ruas, foi Czar que me ensinou tudo que sei, me salvou do frio extremo da Irlanda, me deu abrigo e me ensinou a ser homem. Meus verdadeiros pais? Morreram, não sei como ou quando, me recordo de pouca coisa da infância.
— Quero que vá junto com Deany verificar as garotas que irão embarcar esta noite. Como sempre, preparem um belo acervo de fotos e podem até se divertir um pouco. — Czar aperta meu ombro como um pequeno aviso que não estava aberto a discussão.
— Me avise caso ocorra algum imprevisto como da última vez.
Concordo com um gesto.
Czar se vira, torcendo o nariz para a pequena poça de sangue no chão saindo do galpão fétido.
— E aí, Lobo... dessa vez consegue uma linda garotinha para mim?
Estreito os olhos encarando Deany. Se havia um homem sujo e cruel, muito mais do que todos reunidos ali, esse era Deany. Ele mataria e comeria o fígado da própria mãe se Czar mandasse ou mesmo que não mandasse faria por pura diversão.
Deany, mesmo nenhuma das garotas denunciando, era responsável por metade dos abusos; já não bastasse capturar essas mulheres de suas vidas e famílias, ainda tinha esse animal que arrancava o último fio de alma que o corpo delas poderia ter. E incitava muito dos outros homens a seguirem seus passos.
— Acredito que não descarreguei toda minha carga de energia, quer um joguinho, Deany? — dou alguns socos na palma de minha mão, como se me aquecesse.
— Não quero deixá-lo estirado no chão. — Diz rindo, mas eu sei que sua provocação não passa disso: Uma provocação inútil para aparecer para seus companheiros.
Balanço a cabeça com um sorriso. — Excelente escolha.
***
A enorme árvore no meio da calçada dava uma excelente visão da rua e um bom abrigo, eu era excelente nisso, um verdadeiro fantasma quando tinha alguém em minha mira.
Ela aumentou os passos olhando de maneira inquieta para as travessas escuras, assim como apertou mais o casaco ao redor do pescoço; a noite estava fria, não era uma noite para se caminhar. Mas lá estava ela, Adria inspira profundamente e um sorriso lhe escapa, acredito que ver a entrada de sua casa a tenha deixado mais calma, mesmo que ela ainda olhasse de um lado para o outro procurando algo. Escondo-me mais na árvore, na escuridão que os galhos e folhas produziam ela não conseguiria me ver. Não sei bem do porquê parei aqui, eu deveria estar tomando conta das garotas, fazendo a ronda mais uma vez.
Mas não, ela tinha se tornado minha pequena obsessão.
Volto a olhar, Adria entra no pequeno prédio, o bairro além de familiar era considerado bastante seguro, daqueles que os moradores se conhecem e sabem bem a rotina um dos outros. Eu sabia a dela, era a única que me interessava.
Adria era como um relógio, previsível como a maioria das pessoas, sabia, principalmente por já ter observado ela outros dias, que morava no terceiro andar, que suas janelas eram viradas para a rua, sabia que era como um costume ela se sentar perto de uma das janelas por algum tempo e então pouco depois da meia-noite o apartamento inteiro se apagar, a luz do quarto acendia por poucos minutos e tudo ficava escuro e silencioso. Logo ela estaria dormindo em sua cama.
Sua rotina não era diferente dos outros milhares de seres humanos: ela levantava geralmente às cinco e meia da madrugada, ajeitava suas coisas e as seis e dez estava saindo da garagem em seu carro. Todos os dias, como um pequeno reloginho programado. A parte incógnita era seu trabalho, mesmo pesquisando a fundo, não tinha registros ou algo detalhado sobre isso.
Olho em direção à janela que seria de seu quarto, perguntando em silêncio o que a doce Adria fazia, que segredos guardava e como eu estava maluco por descobrir mais sobre ela, descobrir sobre seus medos, o que tirava seu sono e o que a fazia sorrir... Senti-la de qualquer maneira, fazer valer minha vontade. A parte mais suja de mim queria degradá-la e uma coisa eu sabia, Adria jamais saberia o que a atingiu se isso acontecesse.
Havia uma porta de emergência no fundo do prédio, o que era comum, menos o fato dela ficar destrancada para que qualquer um entrasse ou talvez tenha sido questão de sorte para mim. Atravesso a rua e todo o espaço caminhando com tranquilidade.
Assim que chego ao andar, viro à esquerda, para a porta de Adria. Havia mais dois outros apartamentos neste andar, um estava vazio e no outro morava uma senhora. Não correria o risco de ser pego, como disse, eu sou bom no que faço... muito bom. Tiro minhas ferramentas para abrir a porta, pela primeira vez prendo a respiração quando escuto o clique baixo e giro a maçaneta.
Momentos assim faziam meu coração bater mais forte, não importa quantas vezes fizesse isso, não por medo, mas pela descarga de adrenalina por fazer algo que não deveria.
Ela era minha...
11
Em meu sono atordoado, estava vagamente consciente das mãos de alguém, em mim. Os dedos se arrastavam tão sedutoramente sobre meu corpo, que eu não conseguia segurar os gemidos. Parecia um sonho, mas o sonho era muito real.
Estou sonhando? Essas mãos estão sobre mim, de verdade? Eu não sabia. Minha cabeça parecia não querer saber. Tudo o que meu corpo queria era sentir e eu queria aproveitar cada toque. Principalmente por cada toque vir regado com o cheiro dele, e a constante imagem dos olhos azuis me perseguindo no escuro.
Pulando da cama, percebo que já é de manhã. Procuro pelo quarto, mas não há nada. Foi um sonho? Pareceu muito real.
Por outro lado, eu estava sob forte ansiedade, os dias passavam e logo eu estaria longe de minha cama confortável e minha vida estável, logo eu não seria mais eu... E talvez, tudo isso esteja mexendo com minha cabeça, pois eu não só estava vendo coisas, como estava sentindo coisas agora.
Estava no meu terceiro dia de observação, tinha tomado duas garrafas térmicas de café apenas essa noite. Espreguiço tentando expulsar a tensão dos músculos do pescoço.
— Você seria uma péssima agente de espionagem. — Baker comenta mudando o zoom de uma das câmeras da van de comando.
— Tenho dormido pouco, mas confesso que ficar analisando tudo por trás das câmeras instaladas nesse idiota não me ajudam em nada.
— Bom você não escuta esse velho aqui. — disse.
— Lógico que escuto, é apenas a pressão de tudo isso. A vida dessas garotas está em minhas mãos.
Baker retira os olhos das pequenas telas, me encarando.
— Adria, por isso mesmo você deveria ter passado em seu terapeuta, isso não é brincadeira.
— Eu sei que não. — Digo cortando-o. — Sei onde estou me metendo.
— Sabe mesmo? Aqueles caras não brincam em serviço, eles não se importam nem um pouco com as vidas daquelas garotas, não gosto nem de imaginar o que você estará sujeita quando estiver dentro.
— Ei, velhinho, relaxe. Eu vou saber me comportar.
— Tente domar seu gênio, não abuse da sorte. — Alerta.
— Quantos sacos posso chutar? — brinco.
Baker riu, me fazendo sorrir para ele.
— Você tem noção que esse idiota estará daqui a poucos dias em uma missão importante com você?
Coço a nuca tentando tirar a sensação ruim, quando entramos em uma missão disfarçada temos que confiar plenamente em nosso parceiro. Ele seria a única coisa confiável dentro da missão, seria a pessoa que estaria ali para qualquer coisa, em teoria seria não somente a pessoa que eu confiaria para levar todas as informações para a agência, como para cuidar de mim caso alguma coisa ocorresse, eu não teria mais meus contatos naquele mundo. Seria apenas uma dançarina de boate em busca de dinheiro fácil, e Luigi seria como uma espécie de cafetão, ou seja, em outras palavras minha vida estava nas mãos dele.
Eu poderia facilmente confiar se Baker fosse meu parceiro ou até mesmo o agente dentuço que entrou agora. Mas em Luigi? Eu não confiava nem mesmo para buscar meu café expresso.
Sempre trabalhei sozinha, nunca fui designada para um disfarce com alguém em minha cola. Ainda mais designada a trabalhar com alguém que eu não tinha a menor afinidade e que apostaria que faria de tudo para salvar a própria pele.
Luigi Wenth era um porco chauvinista.
— Ainda não sei por que ele foi designado à minha missão, ele pode colocar tudo a perder. Eu estou estudando e analisando cada passo dos Rootns há dois anos.
— O diretor deve ter seus motivos.
Suspiro tirando o casaco do FBI, estava quase na hora de participar do show.
— Eu daria minha bunda para o chefe se ele trocasse Wenth.
Baker balançou a cabeça rindo. — Para seu azar nosso chefe é muito bem casado com Henrique.
— Seria uma boa tática. — Comento rindo.
— Hora do show, preciso ligar os microfones senão ele vai estranhar. Estaremos de olho, ligue sua escuta.
Bato dois dedos sobre a testa como uma continência, ligando a escuta em meu ouvido.
Coloco a pequena escuta, escondendo-a com o cabelo.
– Agente Hamer, pronta.
— Venha para a festa. — A voz de Luigi soou abafada em meu ouvido.
Aponto para a escuta, torcendo os lábios. — Está vendo o que disse?
Baker segura o riso.
— Me sinto desconfortável entrar desarmada.
— Lara Croft, fique tranquila. Estou de olho.
— Ridículo.
Meus saltos entram direto no meio dos paralelepípedos da rua assim que saio da van. Na entrada da boate Penlin, passo pelo segurança mostrando minha identidade falsa. Seria minha primeira aparição como Pam Gomez.
O bar tomava quase toda a parede direita, a parede atrás do bar tinha espelhos e garrafas de bebidas, Luigi conversava com um homem do outro lado da boate, duas mulheres dançavam em volta deles somente de lingerie.
— O que uma mulher como você está fazendo num lugar como esse?
Netlen. Ela seria como meu cartão de entrada para a organização.
— Que tal uma cerveja?
Ela sorri fazendo um sinal para o barman. — Duas cervejas, Matt.
— Hoje?
Balanço a cabeça negando. — Dando uma olhada.
— Aquele cara é um dos seus? — pergunta.
Net se virou cruzando as pernas de forma sensual, fazendo sua saia mostrar a barra da cinta-liga que ela usava.
— Suas cervejas, docinhos.
— Obrigada, Matt.
— Ele entrará comigo. — Comento assim que o barman se afasta.
— Ele chegou falando com um dos caras do Joe. — Ela olha disfarçadamente para os lados. — Conseguiu a atenção deles.
Minha atenção foi capturada para a ponta oposta do bar, a iluminação estava péssima, mas eu conseguia ver um homem alto e provavelmente forte, com uma jaqueta de couro e uma touca na cabeça. Não conseguia ver seu rosto, por mais que mudasse de posição no banco giratório.
Jogo o cabelo de lado chegando mais perto de Netlen. — Quem é aquele?
Ela disfarça entornando sua cerveja. Seu rosto encara por um segundo o homem que apontei.
Netlen fica de costas para ele.
— Lobo.
— Será difícil reconhecer já que não tenho nenhuma descrição de seu rosto.
— Ele é gentil. — diz, como se engolisse em seco.
— Como assim?
— A pequena invasão que teve no cassino, Deany relatou que eu discuti com duas novatas, as coisas se complicaram para mim. — Sussurra.
— Eles... o que houve com você?
— Estou legal, tá. Se preocupe em acabar logo com isso e nada de contatos excessivos quando me ver.
Bebo um gole da cerveja.
— O que seria um contador? — pergunto num sussurro, evitando que qualquer pessoa presente naquela boate desconfiasse de nossa conversa. Eu não deveria fazer esse tipo de questionamento aqui, mas minha curiosidade estava me corroendo.
— Cuidado, tem homens espalhados por todo lugar. Você quer nossa morte?
— Desculpe.
— Eu conto as baixas, quantas mercadorias saíram dos Estados Unidos e quantas entraram no esquema.
Pior do que eu imaginei. Olhei de novo para o tal de Lobo, ele conversava com dois homens tatuados, até que abriu uma porta secreta afastando um dos espelhos e sumiu da minha vista.
— Conseguimos gravar, Agente Hamer. — Baker diz pela escuta. — Pode sair, o Agente Went está se preparando para ir embora.
Um dos homens que conversava com o tal “Lobo” fez um pequeno aceno com a cabeça; Net ficou rígida no mesmo instante. Tomou o resto de sua cerveja em apenas um gole.
— Nos falamos depois.
Concordo, ficando no balcão do bar para ninguém desconfiar. Sempre fui do seguinte esquema: entrar invisível e sair mais invisível ainda.
— Você é nova por aqui.
O cheiro forte de álcool foi a primeira coisa que chegou até mim.
— Eu saberia se uma mulher como você frequentasse aqui. Isso eu tenho certeza, gostosa. — O atrevido teve coragem de apertar minha cintura, invadindo meu espaço pessoal.
— Você deveria aprender a manter seus dedos gordos e nojentos longe, principalmente se o corpo for o meu.
O bafo de sua risada tocou minha nuca aumentando minha repulsa.
— Precisa de ajuda, Agente Hamer? — Baker pergunta.
Não, eu não precisava de ajuda, a ponta de minha faca pinicava minha coxa, seria fácil enfiá-la no meio de uma das bolas desse pervertido. Mas eu não poderia chamar atenção, infelizmente, mesmo que eu fosse adorar furar esse pinto nojento.
Viro no banco, abandonando minha cerveja, vendo que o cara era tão asqueroso quanto eu imaginei que seria.
— Ainda mais deliciosa.
Seguro os dedos gordos dele, torcendo-os para trás, vendo os primeiros indícios de dor aparecerem naqueles olhos esbugalhados dele.
— Você devia ter escutado quando eu falei para não me tocar!
— Olha... eu apenas achei que você era daqui, ok? Sinto muito. — Diz praticamente gemendo.
— Agora você entende o quanto é desagradável?
— Sim... sim.
— Você se importaria de olhar nos meus olhos quando eu estou falando?
— Já pedi desculpas, foi mal. — Responde.
— Agente Hamer, tem dois homens indo em sua direção.
Solto a mão do homem sorrindo ao vê-lo apertar os dedos que foram torcidos, suas bochechas começaram a suavizar o tom de vermelho que tinham assumido.
— Podemos ajudar?
Jogo o cabelo sorrindo amplamente para os dois capangas que surgiram em minha frente. Um deles estava conversando com o ridículo do meu parceiro.
— Ah, que cavalheiros, muito obrigada pela atenção. Mas eu e o senhor machão aqui já resolvemos nosso pequeno probleminha. —Respondo colocando um enorme sorriso no rosto.
— Steve? — Um dos brutamontes questiona.
— Desculpe, Try. Eu a confundi com uma das garotas, já nos entendemos.
— E eu estou de saída, obviamente tomei um enorme bolo do meu acompanhante. — Levanto da banqueta, descendo o vestido curto como uma adolescente faria, levemente desajeitada ou tentando ser sensual.
Ando calmamente pela boate lotada, ciente que eu levava a atenção dos homens sobre minhas costas, pouco antes de sair meu olhar cruzou com Netlen conversando com o homem encapuzado. E algo naquele homem, o lobo, me dava a sensação de déjà vu.
Sensação que eu já tinha visto esse homem em algum lugar. Mesmo não tendo a oportunidade de ver o rosto do “lobo”, o jeito como ele se movimentava... O tal de “lobo” toca o rosto de Netlen, fazendo seu olhar e atenção abandonar meu rosto e voltar para ele.
Eu precisava descobrir quem era esse homem, isso era o que eu precisava me focar em fazer.
12
Com Kiran lambendo meu mamilo e por vezes intercalando ao sugar suavemente. Esfregando meu clitóris com tanta delicadeza e ternura, que meu corpo inteiro vibrava. Ao mesmo tempo, que ele mudava de tática, chupando com força e rapidez. Ele batia em minha boceta com os dedos, mantendo-me em delírio. A gentileza, combinada com a brutalidade, fez meu orgasmo chegar com força. Ele o soprou, e ouvi sons de fogos de artifício em minha cabeça. As cores brilhantes parecendo dançar diante dos meus olhos, enquanto eu gritava e me contorcia a cada toque.
Foi o mais intenso e erótico sonho que já tive.
— Não foi você que disse não beber durante dias semanais?
Essa voz, sussurrado ao meu ouvido fez meu sonho retornar, lembrando bem dos detalhes.
Viro colocando um sorriso no rosto. — Menos nas folgas.
Kiran se senta ao meu lado, analisando-me. — Então temos algo em comum.
— Um brinde às folgas! — Digo levantando meu copo.
Encaro, e ele me fita em silêncio.
— Pode parecer uma cantada inútil, mas você vem sempre aqui, já que é a segunda vez que nos encontramos? — questiona.
Um sorriso se infiltra em meu rosto. — Algumas vezes.
— Então mora por perto?
— Razoável e você?
— Na verdade vim encontrar um amigo, mas vejo que ele encontrou algo melhor do que um cara barbado. — diz. — Desculpe por deixá-la aquela noite.
— Bom, me fez questionar se você era apenas alguém que eu perderia meu tempo.
Viro a bebida deixando uma nota de vinte dólares debaixo do copo.
— Acho que o destino está agindo a nosso favor. — Kiran brinca.
— Não acredito muito, estou mais para a questão de perseguição.
Ele chega mais perto, evitando que o rapaz tentando passar pelas pessoas esbarre nele. — Confesso que perseguiria você com muito prazer, aliás, você está belíssima.
A maneira como Kiran me olha, diz exatamente o que queremos, muitos precisam verbalizar constantemente que desejam a mulher em sua cama, Kiran não diz nada, ele apenas olha...
— Sai comigo amanhã à noite?
— Não.
— Não? — questiona surpreso.
— Tenho uma viagem de negócios, sabe como é, chata e frustrante.
— Entendo. Podemos marcar para quando voltar. — Seu maxilar está rígido. — Eu levo-a em casa.
— Isso não é necessário. — Digo levantando.
— Você não deveria andar sozinha a esta hora da noite, Adria.
Franzo a testa.
— A noite não é tão segura quanto pensa, mesmo parecendo uma rua calma nunca é uma rua calma. Existem pessoas ruins por aí, Adria.
— Acredito que consigo me defender sozinha.
— Venha, eu te levo. — diz, ignorando completamente o que havia acabado de dizer.
Kiran passa o braço por minha cintura, trazendo meu corpo para perto do seu, fazendo-me caminhar junto com ele.
Sigo-o até a frente do bar, ele caminha em silêncio até uma moto, de motos eu entendo tanto quanto a NASA entende processos, ou seja, nada.
— Explique-me: por que caras como você sempre têm uma moto?
Ele para de ajeitar a moto, me encarando. — Caras como eu? O que quer dizer?
— Vamos dizer que você não aparenta ser do tipo inofensivo, é misterioso e controlador, mas não de um jeito forçado como os caras tentam ser. Você realmente é assim, prefere deixar tudo sobre Kiran... Tá vendo, nem seu sobrenome eu sei.
— Você é observadora.
— Ossos do ofício.
— Deixe que eu cuido disso.
Kiran me puxa pela mão. Ele me toca com posse ou é apenas minha imaginação fértil se divertindo às minhas custas novamente? Ele me ajuda a subir na moto, dizendo algo sobre envolver sua cintura e segurá-lo com força. Encosto em suas costas, sentindo os pelos de meu braço se arrepiarem com o ronco do motor. Ele segue minhas orientações e como moro perto, não demora muito para que encoste rente à calçada.
— Obrigada pela carona, foi gentil de sua parte.
Entrego o capacete para ele. Era como se um ímã me atraísse para ele.
— Quer entrar?
Seus olhos encontram os meus, novamente me analisando.
— Melhor não.
Quero revirar os olhos; sério mesmo que eu, em pleno século vinte e um, estava bancando a vadia e ele o moço recatado? Que pecado tinha nisso, afinal, se amanhã estaria sendo outra pessoa, se ele, o carinha da academia, não me veria tão cedo ou nunca mais?
— Às vezes é bom quebrar as regras.
Aquilo soou como um desafio, vejo pelos seus olhos que ele estava analisando bem tudo que dizia.
— Eu mais que do que ninguém sei como quebrar as regras. — diz com a voz grave e sensual.
Tiro o molho de chaves de dentro da bolsa e em seguida abro a porta da entrada. — Vou entender como um sim.
Kiran entra, fecha a porta e a tranca. É como se tivesse intimidade com o lugar, seus olhos varrem o pequeno apartamento aceso, caminhando lentamente até a mesa de jantar, entre a sala e a cozinha conjugada.
— Você tem um belo apartamento.
— Presente do meu pai. — Digo retirando os sapatos e o casaco, deixando sobre o sofá.
— É uma bela de uma faca, o que uma garota como você faz com isso? Corta legumes? — Escuto o tom de brincadeira em sua voz sensual, mas tenho vontade de me socar por isso.
Merda, havia deixado a faca sobre a lareira!
Viro sorrindo amplamente. — Seria a única coisa que saberia fazer.
Kiran me analisa, franzindo um pouco a testa.
— Outro presente do meu pai, ele tinha uma enorme coleção de facas de caça.
Outro murro mental. Facas de caça? Só faltou mentir sobre ter cortado um cervo!
Kiran coloca a faca dentro do coldre novamente, deixando-a no mesmo lugar. — Você deveria tomar cuidado, ela pode fazer um grande estrago.
Murmuro algo desconexo. Ele caminha até mim, segurando minha nuca, puxando-me para um beijo áspero, a outra mão firme sobre minha cintura, puxando-me cada vez mais para si, me acendendo por dentro como um fósforo.
Engancho seus dedos sobre sua camisa, puxando-o para mim, caminhando às cegas até meu quarto, e mesmo com apenas a claridade da lua pela janela, o sorriso de caçador que Kiran esboça ao me jogar na cama, basta para eu sentir minhas pernas moles e uma promessa de um sexo incrível.
KIRAN
Todas as coisas haviam desaparecido, não existia mais nada fora daquele quarto. Ela era minha única prioridade naquele instante, pouco me importava com meu celular vibrando pelo chão perto de minha calça jeans. Quando minha boca tocou sua pele um arrepio subiu pela minha coluna, como o mais delicioso banquete tivesse exposto para mim, ela é uma delícia, uma delícia misteriosa!
Quando Adria abriu as pernas um pouco, senti-a se abaixar para acariciar minhas bolas. Eu reagi rapidamente, segurando-a no lugar em cima do meu pau. Ela gemeu em frustração, mas rapidamente eu tinha a sua rendição enquanto acariciava seu clitóris e seus seios. Ela tentou mover-se novamente, mas a parei.
Eu precisava ser o único a dominar. Continuando a minha fricção, senti Adria gritar enquanto seu orgasmo estava se aproximando. Sem tempo a perder, agarro seus quadris, forçando-os para cima e para baixo em meu pau. Faço ela me montar rápido, sua respiração ofegante e os gemidos tornando-se fora de controle. Aperto seu seio com uma das mãos, mantendo a outra em seu quadril, o ato de apertar o bico de seu seio a fez jogar a cabeça para trás e eu aumentar o ritmo.
— Kiran — gritou gemendo e se contorcendo embaixo de mim. — Me morda, chupe a droga do meu seio! — disse ela.
Seu pedido quase me chocou, mas este era o lado selvagem saindo. O lado que desejava ser fodida implacavelmente e confesso que adorei ver esse lado.
Firmei-a com uma mão e puxei seu cabelo para trás com a outra. Ela gritou, quando a puxei de volta para mim.
— Quer que eu te marque? — sussurro em seu ouvido. Ela gemeu de novo assim que agarro seu cabelo. — O que você diz? — Agarro seu cabelo com mais força, fazendo-a tremer e gemer ainda mais alto.
— Apenas faça! — Ela implorou, e eu quase gozei dentro dela naquele momento.
Levando minha mão até seu peito, continuei seguindo até chegar em seu queixo. Puxo sua cabeça para trás agarrando seu pescoço com firmeza. Chupo e ela geme, desesperada para se mover mais rápido, mas também para sentir minha boca sobre ela, desço para seu seio, mordendo a parte de baixo, para que não ficasse visível. Ninguém precisava ver, isso não era para os outros. Era para ela, quando ela se olhasse no espelho, saberia a quem pertencia.
Adria gritou e senti seu aperto em meu pau. Fecho os olhos, chupando mais forte em seu seio, sabendo que estava prestes a gozar.
Seguro-a com mais força, mergulhando meu pau dentro dela. Ela me deixa estabelecer o ritmo novamente; quando o prazer pulsante da sua vagina aperta meu pau, pude sentir a pressão crescente em minhas bolas.
Permiti o prazer se formar enquanto eu a guiava para cima e para baixo, grunhindo, gemendo, sentindo o orgasmo dominar tudo, turvando minha visão.
Meu pau bombeou a minha libertação sem parar. Ela geme novamente, enquanto empurro mais uma vez contra ela. Deixando minhas mãos de lado, Adria cai sobre mim, descansando com meu pau ainda dentro dela.
Fecho os olhos, respirando fundo e desfrutando do orgasmo inesquecível. Não sabia como, mas ela me deixava louco.
Levantando-se, ela fez uma careta, me fazendo querer perguntar se ela estava bem, se eu tinha ido longe demais com ela e do por que diabos ela estava saindo como uma fugitiva. Por que diabos eu deveria me importar se ela estava bem?
Adria caminha até o banheiro deixando a porta aberta, escuto o chuveiro ser ligado e o barulho do box fechando. Isso não é bem um convite para um banho coletivo, mas me sinto tentado a ir até ela. Assim como fico tentado em zanzar pelo seu apartamento e descobrir mais sobre essa mulher. Quando vi a faca sobre a lareira não acreditei muito na história de presente, mas nos dias de hoje, e eu sendo um caçador de mulheres, era até plausível uma mulher ter algum tipo de proteção em casa. Se alguma delas tivesse pensado nisso, hoje eu não estaria aqui...
Respiro fundo, sentando na cama e abandonando esses pensamentos. Adria está de costas e mal percebe quando entro no box com ela.
— Eu esfrego suas costas.
Ela sorri, entregando uma esponja laranja de banho e o sabonete líquido. Gosto do fato dela permitir ser cuidada, eu queria cuidar dela.
Deslizo a esponja por sua coluna, nossos corpos colados pelo pouco espaço, meu pau roçava em sua bunda pronto para mais uma; deslizo a esponja pelo seu quadril, deixando uma camada de espuma sobre sua pele, ajoelho ensaboando suas pernas.
— Fale mais sobre você. — Escuto Adria dizer.
Fico de pé, trocando de lugar com ela, deixando que a água caísse sobre meu corpo. — Não tenho nada especial a contar.
— Você é encrenca. — Adria diz sorrindo.
— Você não tem ideia. — Sussurro.
— Adoro sua tatuagem.
Seus dedos deslizam pelo lobo em minhas costas, trazendo os arrepios em minha pele.
— Você poderia ficar um pouco mais — ela sussurra.
Não foi difícil distraí-la no chuveiro para que esquecesse qualquer tipo de questionamento sobre mim. E as contáveis ligações, me traziam de volta para a porra da vida.
— Você poderia ficar um pouco mais se quisesse. — diz dando uma visão do contorno perfeito do seu corpo, seu cabelo se espalhando ao redor dos ombros, deixando seus seios maiores e tão apetitosos como eu sabia bem que eram. A curva do seu corpo pedindo, implorando para ser agarrada e judiada novamente.
Deixei escapar uma risada áspera.
— Você é a provocação em pessoa, Adria.
***
Estava prestes a amanhecer.
Uma coisa tive certeza assim que deixei o corpo quente de Adria deitado em sua cama: nada seria da mesma forma, não sabia explicar o que ela havia feito comigo. A única certeza é que não poderia deixar a parte mais podre de mim chegar perto dela, por outro lado, meu demônio interior ria dessa possível fraqueza, avisando que isso seria minha ruína.
Adria seria minha nova e única protegida.
Mesmo sendo o mais silencioso possível, meus passos causavam barulho no piso de mármore.
— Onde você esteve?
Respiro fundo caminhando de forma decidida para a sala de jantar.
— Bom dia, pai. — Provoco.
Czar não se importou, serviu-se de café e voltou sua atenção para o jornal do dia, dispensando a assustada governanta para a cozinha.
— Não respondeu minha pergunta. — Murmura enquanto passa os olhos pelas notícias em suas mãos.
— Um compromisso. — Digo sentando na cadeira vaga ao seu lado.
Czar abaixou o jornal, olhando para meu rosto por alguns segundos. Sorrindo de leve ao imaginar que eu estava me aproveitando de alguma das garotas do depósito.
— Pelo seu semblante vejo que a devushka4 lhe satisfez.
Não respondi, prefiri tomar meu café em silêncio e que meu pai ficasse longe até mesmo do cheiro que Adria tinha, quanto mais longe ela ficasse da realidade obscura e nojenta que eu vivia, melhor.
Try entra pedindo licença, sussurra algo no ouvido de meu pai, o sorriso zombeteiro que lhe fazia graça nos lábios some trazendo o impiedoso Czar de volta.
— Prepare o carro! E você, tire o cheiro de diversão do seu corpo, temos trabalho! — Ordena para mim e seu capanga.
Do lado de fora, os seguranças aguardavam as próximas ordens de meu pai como bons cachorros; fui ter ciência de onde estávamos indo apenas quando chegamos. Seguimos para uma espécie de escritório improvisado, os capangas mais confiáveis de meu pai já estavam esperando, inclusive Deany. Não compreendia como ele tinha conseguido subir nas graças dele, mas também não questionaria seus atos. A última vez que questionei um ato de Czar, fiquei trancado e amarrado num galpão fedorento sem comida ou bebida, passando frio por uma semana.
— Try, traga-o. — Czar ordena, sentando-se.
Ele acena com a cabeça, saindo rapidamente do ambiente.
— Posso saber o que estamos aguardando? — pergunto.
— Logo. — é a única coisa que diz.
Não demorou muito para que Try entrasse carregando pelo colarinho um homem, a cabeça tampada por um saco de tecido; olhando para a aparência do homem, parecia mais um dos muitos cafetões espalhados pela cidade.
— Aqui está, chefe.
— Tire o saco. — Ordenou.
E assim fez o segurança.
Demorou um segundo para que o homem se familiarizasse com a cena a sua frente, suas feições endurecidas, mostrando todo o desagrado ao ser tratado como um nada.
— Creio que saiba porque está aqui.
— Oh, chefe... creio que sim. — Balbuciou, olhando ao redor, para cada um dos homens parados na pequena sala.
Czar nunca levava traidores ou contatos para seus reais lugares de trabalho, sempre para galpões abandonados ou depósitos esquecidos por Deus.
— Você esteve em um de meus estabelecimentos, falando alto e se vangloriando, vangloriando-se demais ublyudok5.
— Ubly... o quê? — perguntou encarando o resto de nós.
— Bastardo. — Digo num murmuro.
— Não chefe, eu quero muito fazer parte disso e também se conseguir me livrar da garota que vem tomando meu dinheiro será muito bom. — disse o homem.
— Se você perde dinheiro, como será um bom negócio para mim? — Czar pergunta rindo, assim como seus capangas o acompanham.
— Eu sou bom, tenho muitos contatos. — O homem rapidamente diz, evitando ser uma carta descartável.
— Chefe. — Try chama atenção. — Estamos precisando de alguns aliados no Leste.
Czar cruza os dedos sobre os lábios, olhando, analisando o cafetão como uma presa.
— Você... qual seu nome? — pergunta.
— Sebastian.
— Traga sua garota, Sebastian. E aí poderemos dizer se você está dentro ou fora. — Czar diz.
— Obrigado, chefe. Eu voltarei.
Try acompanha o tal de Sebastian para fora, enquanto meu pai ri.
— Tivemos problemas com o último cafetão. — Digo.
Czar me encara, trinca os dentes, de forma que é possível ver o músculo saltar em sua mandíbula. — Você precisa se habituar com os negócios, esses vermes fazem parte disso e você tem que se habituar. — diz dando um murro na mesa.
Desvio os olhos para o chão, e escuto a respiração funda de meu pai.
— Você é meu filho e gostando ou não terá que assumir os negócios quando eu morrer.
— Você tem capangas fiéis. — Retruco.
Não sei como surgiu e nem como se moveu tão rápido, mas em segundos estava encarando a porta, devido ao tapa que levei. Czar segura meu rosto pelo queixo, trazendo meus olhos para ele. Podia sentir meus ossos tremendo de raiva, o lado mais irracional se inflando, quase louco pelo tapa que recebi.
— Não me venha com desrespeito!
— Chefe?
Czar me encarou por mais um segundo antes de soltar meu rosto com brutalidade. — Vamos ao segundo compromisso do dia.
Sua saída do cubículo foi suficiente para que eu respirasse fundo, controlando-me. Não seria bom para meu respeito diante daqueles imundos se eu tomasse uma surra de Czar, isso tiraria minha reputação.
— Ela ficou vendada? — escuto.
— Sim, desde que chegou.
O soluço alto chama minha atenção, viro encarando uma garota nua amarrada por cordas sujas e ensanguentadas, seu cabelo loiro estava opaco e sujo, ela parecia amedrontada e seus tremores eram capazes de sacudir todo seu corpo.
Não fico satisfeito como os restante dos homens naquele galpão ao presenciar o medo exalado em cada soluço ou tremor incontrolado que saía dela.
Deany passeia com as mãos pelo corpo da garota sem nenhum pudor.
— Senhor, por favor... acabe com isso, por favor não me machuque mais...
Ela falava virando o rosto como se tivesse tentando identificar onde estávamos, ao mesmo tempo em que tentava fugir das mãos de Deany.
Merda! Essa garota não devia ter mais que quinze anos!
— Por favor, tire as mãos de mim, você já levou tudo! — disse chamando mais uma vez minha atenção.
Czar conversava um pouco afastado com Try, olhando por vezes para a pobre garota.
— Fale mais doçura, adoro escutar os gritos de apelo, não sabe como isso deixa meu pau duro. — Deany murmura para ela. — Você teve o prazer de conhecê-lo, quer mais uma chupadinha?
— FIQUE LONGE! — Grito, caminhando a passos largos até a garota.
— Uhu, vamos ter mais uma misericórdia do anjo Lobo? — Deany provoca.
— Quem é essa garota? Quem? — pergunto enfurecido encarando meu pai.
— Essa é filha de Otávio, ele estava dando algumas dores de cabeça. Tirou algo que era meu, eu tirei algo dele. Eta krasivaya devushka!6
Compaixão.
Isso que me esmagava o peito, indo contra tudo que fui ensinado, indo contra minha origem, indo contra tudo. Compaixão era o que eu sentia ao retirar uma das garotas das garras desses vermes imundos, e agora, vendo essa garota exposta, ferida em minha frente, algo perto de uma humanidade que eu não tinha me deixava furioso.
— Quantos anos tem? — Czar pergunta firme e frio.
— Quatorze, senhor.
Czar me olha com toda a maldade enrustida nos olhos. — Pode desposar se quiser, já que anda com tamanha dó de nossos inimigos.
Ergo o queixo encarando meu pai.
— Desposar? A menina foi abusada em todos os sentidos, seria uma maluca a quem casasse. — Digo de maneira fria, mas sentindo meu estômago contorcer com isso.
— Ótimo, voltou a pensar com clareza.
Pela visão periférica vejo Deany contendo o riso.
— Posso cuidar dela, senhor? — Deany pergunta, lambendo os lábios com ansiedade.
— Retire a venda. — Czar ordena.
O medo se multiplica no olhar da garota, esse medo era a gasolina que alimentava aqueles homens e o demônio dentro de mim, ele farejava o medo, se deliciava com isso e o Lobo dentro de mim estava sedento para começar a festa.
Tinha um motivo para meu apelido ser Lobo, tinha um motivo para os homens de meu pai me respeitarem e temerem a mim, eu era imprevisível, assim como o lobo, eu farejava sangue e me deliciava com ele, principalmente se fosse dos inimigos.
— Ubit’ yeye, Volk.
Aquela ordem sussurrada ao meu ouvido, faz o demônio sorrir: “Acabe com ela, Lobo”
Queria tanto que ela não estivesse em minhas mãos, assim como a parte animal dentro de mim sorria por isso. Meus pensamentos fraturados deram uma pausa. Não poderia ter esperança em tudo. Tinha ordens e minhas próprias escolhas. Simples, era simples.
Moral não tinha lugar quando se tratava de meu mundo, não importa quantas vezes eu lute para não ser o monstro que fui criado para ser, um dia a podridão tomaria conta.
— Os quero fora. — Digo olhando para Try, um dos melhores executores de meu pai, que estava inclinado contra uma parede com os braços cruzados. Deany estava perto da garota, com seus olhos de gavião em cima da pobre.
— Vai nos tirar da diversão?
Não sei quem disse isso, mas fez com que eu encarasse um por um com sangue nos olhos.
— Apenas tragam minhas coisas.
Um dos capangas sai rapidamente em busca de minha maleta, colocando perto da garota.
— Saiam todos! — Ordena Czar.
Vejo um por um saindo do galpão sujo, deixando-me a sós com a garota, que continuava choramingando baixinho ajoelhada e amarrada no chão.
— Quero isso feito.
— Será.
Czar dá um breve aceno de cabeça, sem nem mesmo abrandar. Batendo a porta de metal com força ao sair do galpão.
A garota fez um pequeno som angustiado chamando minha atenção, já lamentando por toda essa cena e lamentando mais ainda pelo que viria. Lágrimas sempre foram algo incompreensível para mim. Caminho em sua direção, ela tenta fugir, arrastando-se pelo chão.
— Ei. Pare! — ordeno.
Ela congela no lugar, seus olhos encarando os meus. Seguro seus braços ao mesmo tempo em que pego uma de minhas facas na maleta.
— Por favor, por favor... — dizia voltando a soluçar com força.
— Cale a boca! — Retruco.
Corto as cordas que amarram seus punhos. — Eu vou soltar suas mãos, se tentar uma gracinha eu faço o que eles tanto esperam.
— Que diferença fará? Vai acabar fazendo de qualquer jeito. — Resmunga de forma valente.
Solto suas mãos e seus pés, analisando se vou ter que correr atrás dessa garota. Mas ela apenas massageia os membros, permanecendo sentada.
— Qual seu nome?
— Isso importa?
Franzo o cenho encarando seu rosto. — Gosto de saber o nome das pessoas que mato.
— Lize. — diz finalmente.
Ela me analisava, se movia devagar, com cuidado, como se pensasse que eu poderia atacá-la se movesse muito rápido. — Você não vai me estuprar e me torturar?
Eu quase ri. Isso é o que todos esperavam. Viro-me para ela, meu olhar traçando seu rosto, notando a beleza oculta por traz de toda a sujeira e manchas de sangue.
— Você acha que faria isso? — pergunto em uma voz surpreendentemente calma.
— O homem que trabalha para você fez, diversas vezes. — diz com raiva e uma expressão enojada.
— Aí está a diferença: não sou aquele verme.
As sobrancelhas dela se enrugaram.
— Porém, você irá morrer de qualquer forma.
Procuro na maleta meu kit, retirando uma das agulhas que continha ali.
— Isso não irá doer, o máximo que sentirá é uma pequena pontada e logo cairá no sono.
— Por que está sendo gentil? — ela perguntou com a voz trêmula.
Fiz uma careta para ela por cima do meu ombro, eu escutava muito isso com as garotas.
— Não sou gentil, acredite. Poderia deixá-la tão fodida quanto Deany fez ou dez vezes pior.
Vejo seu corpo estremecer e o medo voltou a brilhar em seu rosto, isso é um bom sinal, sinal que não perdeu seu instinto de proteção.
Suspiro pesadamente e fecho a maleta.
— Isso se alongou demais, logo eles irão entrar e ver você viva, não será nada bom.
— Não sei avaliar o que é pior, passar tudo que passei nas mãos dos seus capangas ou ter um toque de gentileza minutos antes de morrer.
— Você não consegue controlar sua boca não é mesmo? — murmuro.
Ela volta a se calar.
— Deite-se. — Ordeno, e assim ela faz.
Não me sinto gentil como ela mesmo disse poucos minutos atrás se farei exatamente o que um dos capangas de meu pai faria, lógico que não abusaria e nem torturaria antes da morte, mas isso não me tornava mais limpo ou mais homem. Quase podia sentir o demônio dentro de mim rodeando e salivando para que escolhesse a segunda opção.
— Isso será rápido.
Lize concorda fechando os olhos com força. Insiro a ponta da agulha em sua veia jugular, deixando o veneno invadir sua veia. Não é muito diferente da injeção letal que os Estados Unidos usam em seus criminosos, o veneno primeiramente paralisa a pessoa, diminuindo seus sistemas nervoso e respiratório. Lize não sentirá nada, não sentirá dor, medo, não sentirá a falta de ar tomando-lhe os pulmões, muito menos seu coração batendo com força dentro do peito, como se buscasse uma forma de escapar. Se fechasse meus olhos e apurasse meus ouvidos poderia escutar o coração batendo de maneira descompassada, para então diminuir o ritmo até não se ouvir mais nada.
— Compaixão. Esse é um dos sentimentos que não tenho há muitos anos.
Levanto assim que escuto a voz de meu pai se aproximar.
— Você tem algo a me dizer?
Encaro seus olhos, negando em silêncio.
— Espero que tenha sido apenas um ato isolado de humanidade, até que passageiro por você. Não tolero covardes no mesmo nível que não tolero traidores! — Czar ameaça.