As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.
CONTINUA
As coisas estão ficando mais assustadoras a cada minuto.
Não encontro ninguém enquanto vou; Tenho ordens para correr, desviar ou me esconder bem a tempo de evitar transeuntes. É estranho. Ainda assim, eu tenho andado por pelo menos vinte minutos, e parece que não estou me aproximando de nada. Não tenho ideia de onde estou no esquema das coisas e não há janelas próximas. Toda a instalação parece uma prisão dourada.
Um longo período de silêncio entre mim e minha amiga imaginária começa a me deixar nervosa. Eu acho que essa voz pode ser da Emmaline, mas ela ainda não confirmou. E embora eu queira dizer algo, me sinto boba falando em voz alta. Então falo apenas dentro da minha mente quando digo:
Emmaline? Você está aí?
Sem resposta.
Meu nervosismo atinge o seu pico e eu paro de andar.
Para onde você está me levando?
Desta vez, a resposta vem rapidamente:
Escapar
Estamos nos aproximando? Eu pergunto.
Sim
Eu respiro fundo e vou em frente, mas sinto um medo rastejante infiltrar meus sentidos. Quanto mais eu ando – por corredores e escadas infinitas – mais perto eu pareço estar de algo... algo que me enche de medo. Eu não posso explicar isso.
É claro que estou indo para o subterrâneo.
As luzes estão diminuindo enquanto eu vou. Os corredores estão começando a se estreitar. As janelas e escadas começam a desaparecer. E eu sei que só estou me aproximando das entranhas do prédio quando as paredes mudam. Longe estão as paredes brancas e lisas dos andares superiores. Aqui tudo é cimento inacabado. Tem um cheiro frio e úmido. Terroso. As luzes zumbem e zumbem, ocasionalmente disparando.
O medo continua a pulsar na minha espinha.
Eu desço um leve declive, meus sapatos escorregando um pouco enquanto vou. Meus pulmões se apertam. Meu batimento cardíaco parece alto, muito alto, e uma sensação estranha começa a encher meus braços e pernas. Sentimentos. Demasiado sentimento Faz minha pele arrepiar, faz meus ossos coçarem. Sinto-me subitamente inquieta e ansiosa. E assim quando estou prestes a perder a esperança nesta rota de fuga maluca e sinuosa...
Aqui
Eu paro.
Eu estou em frente a uma porta de pedra maciça. Meu coração está correndo na minha garganta. Eu hesito, medo começando a fissurar minha certeza.
Abra
— Quem é você? — Eu pergunto novamente, desta vez falando em voz alta. — Isso não parece uma rota de fuga.
Abra
Eu aperto meus olhos fechados; Encho meus pulmões com ar.
Eu vim até aqui, digo a mim mesma. Não tenho outras opções no momento. Eu também posso ver isso.
Mas quando abro a porta percebo que é apenas a primeira de várias. Onde quer que eu esteja, é protegido por múltiplas camadas de segurança. Os mecanismos necessários para abrir cada porta são desconcertantes – não há maçanetas ou puxadores, nem dobradiças tradicionais – mas tudo o que preciso fazer é tocar a porta para que ela se abra.
É muito fácil.
Finalmente, estou em frente a uma parede de aço. Não há nada aqui para indicar que pode haver uma sala além dela.
Toque
Tentativamente, eu toco meus dedos no metal.
Mais
Pressiono minha mão inteira firmemente contra a porta e, em segundos, a parede se derrete. Eu olho em volta nervosamente e dou um passo à frente.
Imediatamente, sei que fui desviada.
Eu me sinto mal quando olho em volta, doente e aterrorizada. Este lugar está tão longe de uma fuga que quase não consigo acreditar que me acreditei nisso. Eu estou em um laboratório.
Outro laboratório.
O pânico colapsa algo dentro de mim, ossos e órgãos batendo juntos, sangue correndo para a minha cabeça. Eu corro para a porta e ela fecha, a parede de aço se forma facilmente, como se fosse de ar.
Eu puxo algumas respirações afiadas, implorando para ficar calma.
— Mostre-se — eu grito. — Quem é você? O que você quer comigo?
Socorro
Meu coração estremece até parar. Eu sinto meu medo se expandir e se contrair.
Morrendo
Arrepios se erguem ao longo da minha pele. Minha respiração acelera; meus punhos se apertam. Eu dou um passo mais para dentro do quarto, e depois mais alguns. Ainda estou cautelosa, preocupada que tudo isso seja mais uma parte do truque...
Então eu vejo isso.
Um cilindro de vidro tão alto e largo quanto a parede, cheio até o punho com água. Há uma criatura flutuando dentro dela. Algo maior que o medo está me levando para frente, maior que a curiosidade, maior que a admiração.
Sentimento me lava.
Memórias colidem comigo.
Um braço espigão atravessa a água escura, os dedos trêmulos formando um punho solto que bate fracamente contra o vidro.
No começo, tudo que vejo é a mão dela.
Mas quanto mais me aproximo, mais claramente sou capaz de ver o que eles fizeram com ela. E eu não posso esconder meu horror.
Ela está mais perto do vidro e eu vejo seu rosto. Ela não tem mais um rosto, não realmente. Sua boca foi permanentemente selada em torno de um regulador, com uma teia de aranha sobre o silicone. Seu cabelo é um par de pés de comprimento, escuro e selvagem e flutuando em torno de sua cabeça como tentáculos finos. Seu nariz derreteu-se para trás em seu crânio e seus olhos estão permanentemente fechados, cílios longos e escuros a única indicação que eles costumavam abrir. Suas mãos e pés estão palmados. Ela não tem unhas. Seus braços e pernas são na maior parte ossos e flacidez, pele enrugada.
— Emmaline — eu sussurro.
Morrendo
As lágrimas vêm quentes e rápidas, me atingindo sem aviso, me quebrando por dentro.
— O que eles fizeram com você? — Eu digo, minha voz rouca. — Como eles poderam fazer isso com você?
Um som metálico e sem graça. Duas vezes.
Emmaline está flutuando mais perto. Ela pressiona seus dedos contra a barreira entre nós e eu alcanço, rapidamente, enxugando os olhos antes de encontrá-la lá. Eu pressiono a palma da mão no vidro e de alguma forma, impossivelmente, eu a sinto pegar minha mão. Suave. Caloroso. Forte.
E então, com um suspiro...
Sentimento pulsa através de mim, onda após onda de sentimento, emoções tão infinitas como o tempo. Memórias, desejos, esperanças e sonhos há muito extintos. A força de tudo deixa minha cabeça girando; Eu caio para frente e cerro os dentes, firmando-me, pressionando minha testa contra a barreira entre nós. As imagens preenchem minha mente como quadros afetados de um filme antigo.
A vida de Emmaline.
Ela quer que eu saiba. Eu sinto como se estivesse sendo puxada para dentro dela, como se ela estivesse me enrolando em seu próprio corpo, me imergindo em sua mente. Suas memórias.
Eu a vejo mais jovem, muito mais jovem, com oito ou nove anos de idade. Ela estava animada, furiosa. Difícil de controlar. Sua mente era mais forte do que ela podia lidar e ela não sabia como se sentir sobre seus poderes. Ela se sentiu amaldiçoada, estrangulada por eles. Mas ao contrário de mim, ela foi mantida em casa, aqui, neste exato laboratório, forçada a passar por teste após teste administrado por seus próprios pais. Eu sinto sua raiva me penetrar.
Pela primeira vez, percebo que tive o luxo de esquecer.
Ela não teve.
Max e Evie – e até mesmo Anderson – tentaram varrer a memória de Emmaline várias vezes, mas, a cada vez, o corpo de Emmaline prevalecia. Sua mente era tão forte que ela foi capaz de convencer seu cérebro a reverter a química destinada a dissolver suas memórias. Não importa o que Max e Evie tentassem, Emmaline nunca poderia esquecê-los.
Em vez disso, ela viu seus próprios pais se virarem contra ela.
Virando-a do avesso.
Emmaline está me contando tudo sem dizer uma palavra. Ela não pode falar. Ela perdeu quatro dos seus cinco sentidos.
Ela ficou cega primeiro.
Ela perdeu o olfato e a sensação um ano depois, ambas ao mesmo tempo. Finalmente, ela perdeu a capacidade de falar. Sua língua e dentes se desintegraram. Suas cordas vocais se erodiram. Sua boca se fechou permanentemente.
Ela só pode ouvir agora. Mas mal.
Eu vejo as cenas mudarem, vê-la crescer um pouco mais velha, um pouco mais quebrada. Eu vejo o fogo sair de seus olhos. E então, quando ela percebe o que eles planejaram para ela – a razão inteira que eles a queriam, tão desesperadamente...
O horror violento me tira o fôlego.
Eu caio, joelhos batendo no chão. A força de seus sentimentos me abre. Os soluços quebram minhas costas, estremecem através dos meus ossos. Eu sinto tudo. Sua dor, sua dor sem fim.
Sua incapacidade de acabar com seu próprio sofrimento.
Ela quer que isso acabe.
Fim, ela diz, a palavra afiada e explosiva.
Com algum esforço, consigo levantar a cabeça para olhar para ela.
— Foi você esse tempo todo? — Eu sussurro. — Você me devolveu minhas memórias?
Sim
— Como? Por quê?
Ela me mostra.
Eu sinto minha espinha endireitar enquanto a visão se move através de mim. Eu vejo Evie e Max, ouço suas conversas distorcidas de dentro da prisão de vidro. Eles estão tentando tornar Emmaline mais forte ao longo dos anos, tentando encontrar maneiras de melhorar as habilidades telecinéticas de Emmaline. Eles queriam que suas habilidades evoluíssem. Eles queriam que ela fosse capaz de realizar o controle da mente.
Controle mental das massas.
Isso saiu pela culatra.
Quanto mais eles experimentavam nela – quanto mais eles a empurravam – mais forte e mais fraca ela se tornava. Sua mente era capaz de lidar com as manipulações físicas, mas seu coração não aguentou. Mesmo quando eles a construíram, eles estavam quebrando-a.
Ela perdeu a vontade de viver. Lutar.
Ela não tinha mais controle sobre seu próprio corpo; até seus poderes agora eram regulados por Max e Evie. Ela se tornou uma marionete. E quanto mais indiferente ela se tornava, mais eles não entendiam. Max e Evie pensaram que Emmaline estava se tornando complacente.
Em vez disso, ela estava se deteriorando.
E depois...
Outra cena. Emmaline ouve uma discussão. Max e Evie estão discutindo sobre mim. Emmaline não os ouviu falar de mim em anos; ela não tinha ideia de que eu ainda estava viva. Ela ouve que eu tenho lutado de volta. Que eu tenho resistido, que tentei matar um comandante supremo.
Emmaline sente esperança pela primeira vez em anos.
Eu bato minhas mãos na minha boca. Dou um passo para trás.
Emmaline não tem olhos, mas eu a sinto olhando para mim. Me observando por uma reação. Eu me sinto instável, alerta, mas superada.
Eu finalmente entendi.
Emmaline tem usado seu último suspiro de força para entrar em contato comigo... e não apenas comigo, mas todos os outros filhos dos comandantes supremos.
Ela me mostra, em minha mente, como ela se aproveitou do último esforço de Max e Evie para expandir suas capacidades. Ela nunca foi capaz de chegar às pessoas individualmente antes, mas Max e Evie ficaram gananciosos. Em Emmaline, eles lançaram as bases para sua própria morte.
Emmaline acha que somos a última esperança para o mundo. Ela quer que a gente se levante, lute, salve a humanidade. Ela está lentamente voltando nossas mentes para nós, devolvendo o que nossos pais roubaram uma vez. Ela quer que a gente veja a verdade.
Ajuda, ela diz.
— Eu vou — eu sussurro. — Eu prometo que vou. Mas primeiro vou tirá-la daqui.
Raiva, quente e violenta, me faz cambalear. A raiva de Emmaline é afiada e aterrorizante, e uma ressonância
NÃO
enche meu cérebro.
Eu continuo. Confusa.
— O que você quer dizer? — Eu digo. — Eu tenho que ajudá-la a sair daqui. Nós vamos escapar juntas. Eu tenho amigas – curandeiras – que podem restaurar v...
NÃO
E então, num piscar de olhos Ela enche minha mente com uma imagem tão escura que acho que posso estar doente.
— Não — eu digo, minha voz tremendo. — Eu não farei isso. Eu não vou matar você.
Raiva, raiva quente e feroz, ataca minha mente. Imagem após imagem me agride, suas tentativas frustradas de suicídio, sua incapacidade de transformar seus próprios poderes contra si mesma, as infinitas falhas de segurança que Max e Evie puseram em ação para garantir que Emmaline não tirasse a própria vida, e que não pudesse prejudicá-los...
— Emmaline, por favor...
SOCORRO
— Tem que haver outro jeito — eu digo desesperadamente. — Isso não pode ser assim. Você não precisa morrer. Nós podemos passar por isso juntas.
Ela bate a palma da mão aberta contra o vidro. Tremores balançam seu corpo emaciado.
Já
morrendo
Eu dou um passo à frente, pressiono minhas mãos na prisão dela.
— Não deveria terminar assim — eu digo, as palavras quebradas. — Tem que haver outra maneira. Por favor. Eu quero minha irmã de volta. Eu quero que você viva.
Mais raiva, quente e selvagem, começa a florescer em minha mente e então...
um pico de medo.
Emmaline fica rígida em seu tanque.
Chegando
Eu olho em volta, me preparando. A adrenalina dispara nas minhas veias.
Espere
Emmaline envolveu seus braços ao redor de seu corpo, seu rosto comprimido em concentração. Eu ainda posso senti-la com um imediatismo tão íntimo que parece quase como se seus pensamentos fossem meus.
E então, inesperadamente...
Meus grilhões se abrem.
Eu giro quando eles caem no chão com um barulho rico. Eu esfrego meus pulsos doloridos, meus tornozelos.
— Como você...
Chegando
Eu concordo.
— O que quer que aconteça hoje — eu sussurro. — Eu vou voltar para você. Isso não acabou. Você está me ouvindo? Emmaline, não vou deixar você morrer aqui.
Pela primeira vez Emmaline parece relaxar.
Algo quente e doce enche minha cabeça, afeição tão inesperada que pica meus olhos.
Eu luto contra a emoção.
Passos.
O medo fugiu do meu corpo. Eu me sinto estranhamente calma. Eu sou mais forte do que nunca. Há força em meus ossos, força em minha mente. E agora que as algemas estão soltas, meus poderes voltaram e um sentimento familiar está surgindo através de mim; É como estar junto de um velho amigo.
Eu encontro os olhos de Evie enquanto ela passa pela porta.
Ela já está apontando uma arma para mim. Não uma arma, algo que se parece com uma arma. Eu não sei o que há nela.
— O que você está fazendo aqui? — Ela diz, sua voz apenas um pouco histérica. — O que é que você fez?
Eu sacudo minha cabeça.
Eu não posso mais olhar para o rosto dela sem sentir raiva cega. Não consigo nem pensar no nome dela sem sentir uma necessidade violenta, potente e animalesca de matá-la com minhas próprias mãos. Evie Sommers é o pior tipo de ser humano. Uma traidora para a humanidade. Um sociopata não adulterado.
— O que você fez? — Ela diz novamente, dessa vez traindo seu medo. Seu pânico. A arma treme em seu punho. Seus olhos estão arregalados, enlouquecidos, correndo de mim para Emmaline, ainda presa no tanque atrás de mim.
E depois...
Eu vejo isso. Eu vejo o momento em que ela percebe que não estou usando minhas algemas.
Evie empalidece.
— Eu não fiz nada — eu digo suavemente. — Ainda não.
Sua arma cai, com um barulho, no chão.
Ao contrário de Paris, minha mãe não é burra. Ela sabe que não adianta tentar atirar em mim. Ela me criou. Ela sabe do que sou capaz. E ela sabe – eu posso ver nos olhos dela – ela sabe que estou prestes a matá-la, e ela sabe que não há nada que possa fazer para impedir isso.
Ainda assim, ela tenta.
— Ella — diz ela, sua voz instável. — Tudo o que fizemos... tudo o que fizemos... foi tentar ajudá-la. Nós estávamos tentando salvar o mundo. Você tem que entender.
Eu dou um passo à frente.
— Eu entendo.
— Eu só queria tornar o mundo um lugar melhor — diz ela. — Você não quer tornar o mundo um lugar melhor?
— Sim — eu digo. — Eu quero.
Ela quase sorri. Uma respiração pequena e quebrada escapa de seu corpo.
Alívio.
Eu dou dois passos rápidos e a acerto através do peito, costelas quebrando sob meus dedos. Seus olhos se arregalam e ela engasga, olhando para mim em um silêncio atordoado e paralisado. Ela tosse e respingos de sangue, quentes e grossos, atingem meu rosto. Eu me viro, cuspindo o sangue da minha boca, e quando olho para trás, ela está morta.
Com um último puxão, eu arranco seu coração de seu corpo.
Evie cai no chão com um baque pesado, os olhos frios e vítreos. Ainda estou segurando o coração de minha mãe, vendo-o morrer em minhas mãos, quando uma voz familiar me chama.
Obrigada
Obrigada
Obrigada
Warner
Percebo, ao deixar a cena do crime, que não tenho ideia de onde estou. Eu estou no meio do corredor fora do quarto dentro do qual eu acabei de assassinar meu pai, e tento descobrir meus próximos movimentos. Estou quase nu. Sem meias. Completamente descalço. Longe do ideal.
Ainda assim, preciso continuar me movendo.
Se apenas.
Eu não sou parado cinco metros antes de sentir o familiar aperto de uma agulha. Eu sinto isso, mesmo quando eu tento lutar contra isso – sinto quando uma substância estranha entra no meu corpo. É só uma questão de tempo antes de me puxar para baixo.
Minha visão nubla.
Eu tento vencer, tento permanecer de pé, mas meu corpo está fraco. Depois de duas semanas de quase fome, envenenamento constante e violenta exaustão, eu fiquei sem reservas. Os últimos resíduos da minha adrenalina me deixaram.
É isso.
Eu caio no chão e as lembranças me consomem.
Eu suspiro quando eu estou de volta à consciência, enchendo os pulmões de ar enquanto me sento também rápido, minha cabeça girando.
Há fios colados nas minhas têmporas, nos meus membros, as pontas de plástico apertando as dobras moles dos meus braços e pernas, puxando a pele do meu peito nu. Eu arranco-os, causando grande aflição para os monitores próximos. Eu puxo a agulha do meu braço e a jogo no chão, aplicando pressão na ferida por alguns segundos antes de decidir deixá-la sangrar. Eu fico de pé, girando para avaliar o que me rodeia, mas ainda sinto desequilíbrio.
Eu só posso imaginar quem deve ter atirado em mim com um tranquilizante; Mesmo assim, não sinto urgência de entrar em pânico. Matar meu pai incutiu em mim uma extraordinária serenidade. É uma coisa perversa e horrível de comemorar, mas matar meu pai foi vencer meu maior medo. Com ele morto, tudo parece possível.
Me sinto livre.
Ainda assim, preciso me concentrar onde estou e no que está acontecendo. Eu preciso estar formando um plano de ataque, um plano de fuga, um plano para resgatar Ella. Mas minha mente está sendo puxada no que parece ser uma centena de direções diferentes.
As memórias estão ficando mais intensas a cada minuto.
Não sei quanto mais disso posso suportar. Eu não sei quanto tempo essa barragem vai durar ou quanto mais será descoberto, mas as revelações emocionais estão começando a me afetar.
Alguns meses atrás, eu sabia que amava Ella. Eu sabia que sentia por ela o que eu nunca senti antes por ninguém. Parecia novo, precioso e terno.
Importante.
Mas todo dia – a cada minuto – das últimas semanas eu tenho sido bombardeado por lembranças dela que eu nem sabia que tinha. Momentos com ela de anos atrás. O som de sua risada, o cheiro de seu cabelo, o olhar em seus olhos quando ela sorriu para mim pela primeira vez. A maneira como me senti ao segurar a mão dela quando tudo era novo e desconhecido...
Três anos atrás.
Como é possível que eu a tenha tocado assim há três anos? Como poderíamos saber então, sem saber o porquê, que poderíamos estar juntos? Que ela poderia me tocar sem me machucar? Como poderia algum desses momentos ter sido arrancado da minha mente?
Eu não tinha ideia de que tinha perdido tanto dela. Mas eu não fazia ideia de que havia muito a perder.
Uma dor profunda e dolorosa se enraizou dentro de mim, carregando com ela o peso de anos. Estar longe de Juliette – Ella – sempre foi difícil, mas agora parece insustentável.
Estou sendo lentamente dizimado pela emoção.
Eu preciso ver ela. Para abraçá-la. Para ligá-la a mim, de alguma forma. Eu não acredito em uma palavra que meu pai disse até eu vê-la e falar com ela pessoalmente.
Eu não posso desistir. Ainda não.
Para o inferno com o que aconteceu entre nós de volta na base. Esses eventos parecem que aconteceram há vidas atrás. Com pessoas diferentes. Uma vez que eu a encontre e a coloque em segurança, vou encontrar uma maneira de deixar as coisas certas entre nós. Parece que algo morto há muito tempo dentro de mim está sendo lentamente devolvido à vida – como se minhas esperanças e sonhos estivesse sendo ressuscitados, como se os buracos no meu coração estivessem sendo lentamente, cuidadosamente consertados. Eu vou encontrá-la. E quando eu fizer, vou encontrar uma maneira de seguir em frente com ela, ao meu lado, para sempre.
Eu respiro fundo.
E então eu fico de pé.
Eu me preparo, esperando a picada familiar das minhas costelas quebradas, mas a dor do meu lado se foi. Com cuidado, toco meu torso, as contusões desapareceram. Eu toco meu rosto e fico surpreso ao descobrir que minha pele está lisa e barbeada. Eu toco meu cabelo e descubro que ele foi devolvido ao comprimento original – exatamente como era antes de cortar tudo.
Estranho.
Ainda assim, me sinto mais como eu do que há muito tempo, e sou muito grato. A única coisa que me incomoda é que eu não estou vestindo nada além de um curativo, sob o qual estou completamente nu.
Estou farto de estar nu.
Eu quero minhas roupas. Eu quero um bom par de calças. Eu quero...
E então, como se alguém tivesse lido minha mente, notei um novo conjunto de roupas em uma mesa próxima. Roupas que parecem exatamente do meu tamanho.
Eu pego o suéter e o examino.
Estas são minhas roupas reais. Eu conheço essas peças. Reconheço-as. E se isso não bastasse, minhas iniciais – AWA – são monografadas no suéter. Isso não foi um acidente. Alguém trouxe minhas roupas aqui. Do meu próprio armário.
Eles estavam me esperando.
Eu me visto rapidamente, grato pela roupa limpa, independentemente das circunstâncias, e estou quase terminando de amarrar minhas botas quando alguém entra.
— Max — eu digo, sem levantar a cabeça. Cuidadosamente, eu pisei na agulha que eu tinha jogado antes no chão. — Como você está?
Ele ri alto.
— Como você sabia que era eu?
— Eu reconheci o ritmo de seus passos.
Ele fica quieto.
— Não se preocupe em tentar negar — eu digo, escondendo a seringa na minha mão enquanto me sento. Eu encontro seus olhos e sorrio. — Eu tenho escutado o seu andar irregular e pesado nas últimas duas semanas.
Os olhos de Max se arregalam.
— Estou impressionado.
— E eu aprecio o barbear limpo — eu digo, tocando meu rosto.
Ele ri novamente, mais suavemente desta vez.
— Você estava bem perto de morrer quando eu te trouxe aqui. Imagine minha surpresa ao encontrá-lo quase nu, severamente desidratado, meio faminto, com deficiência de vitaminas. Você tinha três costelas quebradas. O sangue do seu pai está nas suas mãos.
— Três costelas quebradas? Eu pensei que fossem duas.
— Três costelas quebradas — diz Max, e balança a cabeça. — E ainda assim, você conseguiu cortar a artéria carótida de Paris. Bem feito.
Eu encontro seus olhos. Max acha isso engraçado.
E então eu entendo.
— Ele ainda está vivo, não é? — Eu digo.
Max sorri mais.
— Muito vivo, sim. Apesar de seus melhores esforços para matá-lo.
— Isso parece impossível.
— Você parece irritado — diz Max.
— Estou irritado. Ele ter sobrevivido é um insulto ao meu conjunto de habilidades.
Max luta contra outra risada.
— Eu não me lembro de você ser tão engraçado.
— Eu não estou tentando ser engraçado.
Mas Max não consegue tirar o sorriso do rosto.
— Então você não vai me dizer como ele sobreviveu? — Eu digo. — Você só vai me seduzir?
— Estou esperando pela minha esposa — diz ele.
— Compreendo. Ela ajuda você a pronunciar as palavras grandes?
As sobrancelhas de Max sobem na testa dele.
— Tenha cuidado, Aaron.
— Desculpe. Por favor, saia do meu caminho.
Eu o estudo, olhando atentamente para o seu rosto de uma forma que não me lembro de ter feito. Ele tem cabelos castanho-escuros, pele marrom clara e brilhantes olhos azul-esverdeados. Ele envelheceu bem. Em um dia diferente, eu poderia até descrever seu rosto como caloroso e amigável. Mas sabendo agora que ele é o pai de Ella – eu quase não acredito que não tenha percebido antes. Ela tem os olhos dele.
Eu ouço um segundo conjunto de passos se aproximando da porta. Espero ver Evie, a Sommers Suprema e, em vez disso...
— Max, quanto tempo você acha que vai demorar...
Meu pai. A voz dele.
Eu mal posso acreditar.
Ele para, apenas para na porta, quando ele vê meu rosto. Ele está segurando uma toalha ensanguentada na garganta.
— Seu idiota — ele diz para mim.
Eu não tenho chance de responder.
Um alarme agudo soa e Max fica subitamente rígido. Ele olha para um monitor na parede antes de olhar para o meu pai.
— Vá — diz Anderson. — Eu posso lidar com ele.
Max olha para mim apenas uma vez antes de desaparecer.
— Então — eu digo, acenando para o rosto do meu pai, sua ferida se curando. — Você vai explicar?
Ele apenas olha para mim.
Eu observo, silenciosamente, enquanto ele usa a mão livre para tirar um lenço do bolso. Ele limpa o sangue restante dos lábios, redobra o lenço e o coloca de volta no bolso.
Algo entre nós mudou.
Eu posso sentir isso. Posso sentir a mudança em sua atitude em relação a mim. Demora um minuto para juntar as várias pistas emocionais o tempo suficiente para entender, mas quando finalmente me atinge, me atinge com força.
Respeito.
Pela primeira vez na minha vida, meu pai está olhando para mim com algo como respeito. Tentei matá-lo e, em vez de ficar com raiva de mim, ele parece satisfeito. Talvez até impressionado.
— Você fez um bom trabalho lá atrás — diz ele em voz baixa. — Foi um lance forte. Sólido.
É estranho aceitar o elogio dele, então eu não sei.
Meu pai suspira.
— Parte da razão pela qual eu queria a custódia daquelas gêmeas curandeiras — ele diz finalmente. — Era porque eu queria que Evie as estudasse. Eu queria que ela replicasse o DNA delas e traçasse no meu próprio. Os poderes de cura, percebi, foram extremamente úteis.
Um frio agudo sobe na minha espinha.
— Mas eu não as mantive sob controle durante o tempo que quisesse — diz ele. — Só consegui extrair algumas amostras de sangue. Evie fez o melhor que pôde com o tempo que tivemos.
Eu pisco. Tento controlar a expressão no meu rosto.
— Então você tem poderes de cura agora?
— Ainda estamos trabalhando nisso — diz ele, com a mandíbula apertada. — Ainda não é perfeito. Mas foi o suficiente para que eu fosse capaz de sobreviver às feridas na cabeça apenas o tempo suficiente para ser enviado para a segurança. — Ele sorri com um sorriso amargo. — Meus pés, por outro lado, não conseguiram.
— Que infeliz — eu minto.
Eu testo o peso da seringa na minha mão. Eu me pergunto quanto dano isso poderia causar. Não é substancial o suficiente para fazer muito mais do que aturdir, mas um ataque cuidadosamente em ângulo pode resultar em dor temporária nos nervos que me daria uma quantidade considerável de tempo. Mas então, pode ser uma única e precisa pontada no olho.
— Operação Síntese — meu pai diz bruscamente.
Eu olho para cima. Surpreso.
— Você está pronto, Aaron. — Seu olhar é firme. — Você está pronto para um desafio real. Você tem o fogo necessário. A unidade. Estou vendo isso nos seus olhos pela primeira vez.
Estou com muito medo de falar.
Finalmente, depois de todos esses anos, meu pai está me dando elogios. Ele está me dizendo que sou capaz. Quando criança, era tudo que eu sempre quis.
Mas eu não sou mais uma criança.
— Você viu Emmaline — diz meu pai. — Mas você não a viu recentemente. Você não sabe em que estado ela está.
Eu espero.
— Ela está morrendo — diz ele. — O corpo dela não é forte o suficiente para sobreviver à mente ou ao ambiente dela, e apesar dos esforços de Max e Evie, eles não sabem se há mais alguma coisa que podem fazer para ajudá-la. Eles trabalham há anos para prolongar sua vida o máximo possível, mas chegaram ao fim da linha. Não há mais nada a fazer. Ela está se deteriorando a um ritmo que eles não podem mais controlar.
Ainda assim, eu não digo nada.
— Você entende? — Meu pai diz para mim. — Você entende a importância do que estou dizendo para você? Emmaline não é apenas uma psicocinética, mas uma telepata — diz ele. — Enquanto seu corpo se deteriora, sua mente fica mais selvagem. Ela é muito forte. Muito explosiva. E ultimamente, sem um corpo suficientemente forte para contê-la, ela se torna volátil. Se ela não tiver um n...
— Não se atreva — uma voz grita alto no quarto. — Não se atreva a dizer outra palavra. Seu tolo cabeça dura.
Eu giro ao redor, surpresa pegando na minha garganta.
Comandante Supremo Ibrahim. Ele parece mais alto do que eu me lembro dele. Pele escura, cabelos escuros. Bravo.
— Tudo bem — meu pai diz, sem se incomodar. — Evie cuidou de...
— Evie está morta — diz Ibrahim com raiva. — Precisamos iniciar a transferência imediatamente.
— O quê? — Meu pai fica pálido. Eu nunca o vi pálido. Eu nunca o vi aterrorizado. — O que você quer dizer com ela está morta?
Os olhos de Ibrahim brilham.
— Quero dizer que temos um problema sério. — Ele olha para mim. — Esse menino precisa ser colocado de volta em isolamento. Não podemos confiar em nenhum deles agora. Não sabemos o que ela poderia ter feito.
E quando estou tentando decidir meu próximo movimento, ouço um sussurro no meu ouvido.
— Não grite — diz ela.
Nazeera.
Juliette Ella
Estou correndo pela minha vida, descendo corredores e subindo escadas. Um alarme baixo e insistente disparou, seu som alto e penetrante enviando choques de medo através de mim, mesmo quando meus pés batem no chão. Sinto-me forte, estável, mas estou cada vez mais ciente da minha incapacidade de navegar por esses caminhos sinuosos. Eu podia ver – podia sentir – que Emmaline ficava mais fraca à medida que eu saía, e agora, quanto mais eu fico longe dela, mais fraca fica nossa conexão. Ela me mostrou, em suas memórias, como Max e Evie lentamente a tiraram do controle; Emmaline é mais poderosa que qualquer um poderia ser, mas agora ela só pode usar seus poderes sob comando. Foi preciso toda a sua força para passar pelas falhas dos cofres por tempo suficiente para usar sua força à vontade, e agora que sua voz se afastou da minha mente, sei que ela não voltará. Não tão cedo. Eu tenho que descobrir o meu próprio caminho daqui.
Eu vou.
Meu poder está de volta. Eu posso passar por qualquer coisa daqui. Eu tenho que passar. E quando ouço alguém gritar eu giro ao redor, pronta para lutar...
Mas o rosto à distância é tão familiar que paro, atordoada, no meu caminho.
Kenji corre para mim.
Kenji.
Kenji está me abraçando. Kenji está me abraçando e não está ferido.
Ele está perfeito.
E quando começo a devolver o abraço ele xinga violentamente e se lança para trás.
— Jesus, mulher... Você está tentando me matar? Você não pode desligar essa merda por um segundo? Você tem que arruinar nossa reunião dramática quase me matando mesmo depois de eu ter me dado ao trabalho de...
Eu me lanço em seus braços novamente e ele endurece, relaxando apenas quando ele percebe que eu puxei meu poder de volta. Esqueci, por um segundo, quanto da minha pele estava exposta nesse vestido.
— Kenji — eu respiro. — Você está vivo. Você está bem. Ah meu Deus.
— Ei — diz ele. — Ei — ele puxa para trás, olha-me nos olhos. — Estou bem. Você está bem?
Eu realmente não sei como responder a pergunta. Por fim, digo:
— Não tenho certeza.
Ele estuda meu rosto por um segundo. Ele parece preocupado.
E então, com o nó de medo crescendo apenas mais doloroso na garganta, eu faço a pergunta que mais está me matando:
— Onde está Warner?
Kenji balança a cabeça.
Me sinto começar a desvencilhar.
— Eu não sei ainda — Kenji diz baixinho. — Mas vamos encontrá-lo, ok? Não se preocupe.
Eu concordo. Meu lábio inferior treme e eu o mordo, mas o tremor não para. Ele cresce, se multiplica, evolui para um tremor que me sacode da haste para o esterno.
— Ei — diz Kenji.
Eu olho para cima.
— Você quer me dizer de onde veio todo o sangue?
Eu pisco.
— Que sangue?
Ele levanta as sobrancelhas para mim.
— O sangue — diz ele, gesticulando genericamente para o meu corpo. — No seu rosto. Seu vestido. Em todas as suas mãos.
— Ah — eu digo, assustada. Eu olho para minhas mãos como se as visse pela primeira vez. — O sangue.
Kenji suspira, aperta algo por cima do meu ombro. Ele tira um par de luvas do bolso de trás e coloca-as.
— Tudo bem, princesa, ligue seu poder novamente. Nós temos que ir.
Nós nos separamos. Kenji puxa sua invisibilidade sobre nós dois.
— Siga-me — diz ele, pegando minha mão.
— Onde estamos indo? — Eu digo.
— O que você quer dizer, com para onde estamos indo? Estamos dando o fora desse inferno.
— Mas... E quanto Warner?
— Nazeera está procurando por ele enquanto falamos.
Eu paro tão de repente que quase tropeço.
— Nazeera está aqui?
— Uh, sim... Então... É uma história muito longa? Mas a resposta curta é sim.
— Então é assim que você entrou aqui — eu digo, começando a entender. — Nazeera.
Kenji faz um som de descrença.
— Uau, logo de cara você não me dá crédito, né? Vamos lá, J, você sabe que eu amo uma boa missão de resgate. Eu sei algumas coisas. Eu também consigo descobrir as coisas.
Pela primeira vez em semanas sinto um sorriso nos meus lábios. Um riso constrói e quebra dentro do meu corpo. Eu senti muita falta disso. Eu senti muita falta dos meus amigos. Emoção jorra na minha garganta, me surpreendendo.
— Eu senti sua falta, Kenji — eu digo. — Estou muito feliz por você estar aqui.
— Ei — Kenji diz bruscamente. — Não se atreva a começar a chorar. Se você começar a chorar, vou começar a chorar e não temos tempo para chorar agora. Nós temos muita merda para fazer, ok? Podemos chorar mais tarde, em um momento mais conveniente. Ok?
Quando não digo nada, ele aperta minha mão.
— Ok? — Ele diz novamente.
— Ok — eu digo.
Eu o ouço suspirar.
— Droga — diz ele. — Eles realmente mexeram com você aqui, não é?
— Sim.
— Eu sinto muito — diz ele.
— Podemos chorar mais tarde? Eu vou te contar tudo.
— Inferno. Claro que sim, podemos chorar mais tarde. — Kenji puxa gentilmente minha mão para nos mover novamente. — Eu tenho tanta coisa para chorar, J. Tanta. Devemos fazer uma lista.
— Boa ideia — eu digo, mas meu coração está na minha garganta novamente.
— Ei, não se preocupe — Kenji diz, lendo meus pensamentos. — Sério. Nós vamos encontrar Warner. Nazeera sabe o que está fazendo.
— Mas eu não acho que posso esperar enquanto Nazeera procura por ele. Eu não posso ficar por perto... eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso procurar por ele mesmo...
— Hum-hum. De jeito nenhum. Nazeera e eu nos separamos de propósito. Minha missão é te colocar no avião. A missão dela é conseguir colocar Warner no avião. É assim que a matemática funciona.
— Espere... Vocês têm um avião?
— Como você acha que nós chegamos aqui?
— Eu não faço ideia.
— Bem, essa é outra longa história, e eu a preencherei mais tarde, mas os destaques são que Nazeera é muito confusa, mas útil, e de acordo com seus cálculos, precisamos dar o fora daqui ontem. Estamos ficando sem tempo.
— Mas espere, Kenji... O que aconteceu com todo mundo? A última vez que te vi, você estava sangrando. Brendan foi baleado. Castle estava desmaiado. Eu pensei que todos estavam mortos.
Kenji não me responde no começo.
— Você realmente não tem idéia do que aconteceu, hein? — Ele diz finalmente.
— Eu só sei que eu não matei todas aquelas pessoas no simpósio.
— Ah sim? — Ele parece surpreso. — Quem te contou?
— Emmaline.
— Sua irmã?
— Sim — eu digo, suspirando pesadamente. — Tenho muito para contar a você. Mas primeiro... Por favor, me diga que todos ainda estão vivos.
Kenji hesita.
— Eu quero dizer, eu imagino que sim? Honestamente, eu não sei. Nazeera diz que eles estão vivos. Ela está prometendo sair em segurança, então eu ainda estou prendendo a respiração. Mas pegue isso. — Ele para de andar, coloca uma mão invisível no meu ombro. — Você nunca vai acreditar nisso.
— Deixe-me adivinhar — eu digo. — Anderson está vivo.
Eu ouço a respiração ofegante de Kenji.
— Como você sabia?
— Evie me disse.
— Então você sabe sobre como ele voltou ao Setor 45?
— O que? — eu digo. — Não.
— Bem, o que eu estava prestes a te dizer, agora, foi que o Anderson voltou à base. Ele voltou a ocupar o cargo de comandante supremo da América do Norte. Ele estava lá antes de sairmos. Nazeera me contou que inventou toda essa história sobre como ele estava doente e como nossa equipe espalhou rumores falsos enquanto ele estava se recuperando – e que você foi executada por sua decepção.
— O quê? — Eu digo, atordoada. — Isso é insano.
— É isso que estou dizendo.
— Então, o que faremos quando voltarmos ao Setor 45? — Digo. — Onde vamos? Onde ficaremos?
— Merda, se eu soubesse — diz Kenji. — Agora, só espero que possamos sair daqui vivos.
Finalmente, chegamos à saída. Kenji tem um cartão de segurança que lhe dá acesso à porta e abre facilmente.
De lá, é quase simples demais. Nossa invisibilidade nos mantém indetectáveis. E quando estamos no avião, Kenji verifica seu relógio.
— Temos apenas trinta minutos, só para você saber. Essa era a regra. Trinta minutos e se a Nazeera não aparecer com Warner, temos que ir.
Meu coração cai no meu estômago.
Warner
Não tenho tempo para registrar meu choque, ou perguntar a Nazeera quando na terra ela ia me dizer que tinha o poder de se tornar invisível, então eu faço a única coisa que posso, no momento.
Eu aceno, o movimento quase imperceptível.
— Kenji está levando Ella para um avião. Eu vou esperar por você do lado de fora desta porta — diz ela. — Você acha que pode fazer isso? Se você ficar invisível na frente de todos, eles estarão em você, e seria melhor se eles achassem que você está apenas tentando fugir.
Mais uma vez, aceno.
— Tudo bem então. Eu vou te encontrar lá fora.
Espero um ou dois segundos e depois vou para a porta.
— Ei — Ibrahim grita.
Hesito, me virando levemente no meu calcanhar.
— Sim?
— Onde você pensa que vai? — Ele diz. Ele puxa uma arma do interior de sua jaqueta e aponta para mim.
— Eu tenho que usar o banheiro.
Ibrahim não ri.
— Você vai esperar aqui até Max voltar. E então decidimos o que vamos fazer com você..
Inclino minha cabeça para ele. A arma que ele está apontando para mim parece suspeitamente com uma das armas que eu roubei do meu pai mais cedo.
Não que isso importe.
Eu respiro rapidamente.
— Receio que não seja assim que isso vai funcionar — digo tentando sorrir. — No entanto, tenho certeza de que todos nós nos veremos em breve, então não me preocupo em você sentir muita falta de mim.
E então, antes que alguém tenha a chance de protestar, corro para a porta, mas não antes de Ibrahim disparar sua arma.
Três vezes.
De perto.
Eu luto contra a vontade de chorar quando uma das balas dispara através da minha panturrilha, mesmo quando a dor quase me tira o fôlego.
Quando estou do outro lado da porta, Nazeera puxa sua invisibilidade por cima de mim. Eu não vou longe antes de respirar fundo, caindo contra a parede.
— Merda — diz ela. — Você levou um tiro?
— Obviamente — eu mordo tentando manter a minha respiração regular.
— Droga, Warner, o que diabos tem de errado com você? Nós temos que voltar para o avião nos próximos quinze minutos, ou eles vão sair sem nós.
— O que? Por que...
— Porque eu disse a eles para fazer isso. Temos que tirar Ella daqui, não importa o que aconteça. Eu não posso tê-los esperando por nós e arriscar ser morta no processo.
— Sua simpatia é verdadeiramente reconfortante. Obrigado.
Ela suspira.
— Onde você levou um tiro?
— Na minha perna.
— Você pode andar?
— Eu deveria poder em apenas um minuto.
Eu a ouço hesitar.
— O que isso significa?
— Se eu conseguir viver o suficiente, talvez eu te conte.
Ela está sem graça.
— Você pode realmente começar a correr em apenas um minuto?
— Ah, agora é correr? Um momento atrás você estava perguntando se eu poderia andar.
— Correr seria melhor.
Eu ofereço uma risada amarga. É difícil a essa distância, mas eu estou aproveitando a nova habilidade do meu pai, aproveitando-o da melhor maneira possível de onde estou. Sinto a ferida cicatrizando, regenerando lentamente nervos e veias e até um pouco de osso, mas está demorando mais do que eu gostaria.
— Quanto tempo é o voo de volta? — Eu digo. — Eu não me lembro.
— Nós temos o jato, então deve levar apenas oito horas.
Eu aceno, mesmo que ela não possa me ver.
— Eu não acho que posso sobreviver oito horas com uma ferida aberta.
— Bem, é uma coisa boa que eu não dou a mínima. Eu estou te dando mais dois minutos antes de eu tirar você daqui.
Eu grunho em resposta, concentrando toda a minha energia na elaboração dos poderes de cura em meu corpo. Eu nunca tentei fazer algo assim enquanto estava ferido, e eu não percebi o quão exigente era, tanto emocional quanto fisicamente. Eu me sinto drenado. Minha cabeça está latejando, meu queixo doendo da pressão intensa que eu usei para morder a dor, e minha perna parece estar em chamas. Não há nada de agradável no processo de cura. Eu tenho que imaginar que meu pai está em movimento... provavelmente procurando por mim com Ibrahim... porque aproveitar seu poder é mais difícil do que qualquer um dos outros que eu tentei fazer.
— Estamos saindo em trinta segundos — diz Nazeera, um aviso em sua voz.
Eu cerro meus dentes.
— Quinze.
— Merda.
— Você acabou de xingar? — Nazeera diz, atordoada.
— Estou com uma quantidade extraordinária de dor.
— Tudo bem, é isso, estamos sem tempo.
E antes que eu consiga falar alguma coisa, ela me pega do chão.
E nós estamos no ar.
Juliette Ella
Kenji e eu estamos nos encarando em um nervoso silêncio pelo último minuto. Passei os primeiros dez minutos contando a ele um pouco sobre Emmaline, que era sua própria distração estressante, e então Kenji me ajudou a lavar o sangue das minhas mãos e rosto com os poucos suprimentos que temos a bordo. Agora estamos olhando para o silêncio, nosso terror combinado enchendo o avião.
É um bom avião, eu acho. Não tenho certeza. Eu não tive a presença de espírito para olhar em volta. Ou para perguntar a ele quem, exatamente, entre nós, sabe como pilotar um avião. Mas nada disso importará, é claro, se Nazeera e Warner não voltarem em breve.
Não importará, porque eu não vou sair sem ele.
E meus pensamentos devem ser fáceis de ler, porque de repente Kenji franze a testa.
— Ouça — ele diz. — Estou tão preocupado com eles quanto você. Eu não quero deixar a Nazeera para trás e eu com certeza não quero imaginar nada de ruim acontecendo com ela enquanto ela está lá fora, mas nós temos que tirar você daqui.
— Kenji...
— Nós não temos escolha, J — ele diz, me interrompendo. — Temos que tirar você daqui, gostando ou não. O Restabelecimento está aprontando alguma coisa obscura, e você está bem no centro disso. Nós temos que mantê-la segura. Agora, manter você a salvo é minha missão inteira.
Eu deixo meu rosto cair em minhas mãos e então, rapidamente, olho para cima novamente.
— Isso é tudo culpa minha, sabe? Eu poderia ter evitado isso.
— Do que você está falando?
Eu o olho diretamente nos olhos.
— Eu deveria ter feito mais pesquisas sobre o Restabelecimento. Eu deveria ter lido sua história – minha história dentro dela. Eu deveria ter aprendido mais sobre os comandantes supremos. Eu deveria estar melhor preparada. Inferno, eu deveria ter exigido que procurássemos na água pelo cadáver de Anderson em vez de apenas assumir que ele afundou com o navio. — Eu balancei minha cabeça com força. — Eu não estava pronta para ser a comandante suprema, Kenji. Você sabia disso; Castle sabia disso. Eu coloquei a vida de todos em perigo.
— Ei — ele diz bruscamente. — Eu nunca disse que você não estava...
— Somente Warner tentou me convencer de que eu era boa o suficiente, mas acho que nunca acreditei nisso.
— J, me escute. Eu nunca disse que você não estava...
— E agora ele se foi. Warner se foi. Todos da Ponto Ômega podem estar mortos. Tudo o que construímos... Tudo em que trabalhamos... — Me sinto quebrar, abrir por dentro. — Eu não posso perdê-lo, Kenji. — Minha voz está tremendo. Minhas mãos estão tremendo. — Eu não posso... você não sabe...você não...
Kenji olha para mim com uma dor real em seus olhos.
— Pare com isso, J. Você está partindo meu coração. Eu não posso ouvir isso.
E percebo, quando engulo o nó na garganta, o quanto eu precisava ter essa conversa. Esses sentimentos foram construindo dentro de mim por semanas, e eu precisava desesperadamente de alguém para conversar.
Eu precisava do meu amigo.
— Eu pensei que tinha passado por algumas coisas difíceis — eu digo, meus olhos agora se enchendo de lágrimas. — Eu pensei que tinha vivido minha parte de experiências terríveis. Mas isso... eu sinceramente acho que esses foram os piores dias da minha vida.
Os olhos de Kenji são profundos. Sérios.
— Você quer me contar sobre isso?
Eu balanço minha cabeça, limpando furiosamente as minhas bochechas.
— Eu não acho que vou poder falar sobre nada até saber que Warner está bem.
— Eu sinto muito, J. Eu realmente sinto.
Eu fungo, forte.
— Você sabe que meu nome é Ella, certo?
— Certo — ele diz, suas sobrancelhas se juntando. — Sim. Ella. Isso é selvagem.
— Eu gosto — eu digo. — Eu gosto mais do que Juliette.
— Eu não sei. Eu acho que os dois nomes são legais.
— Sim — eu digo, me afastando. — Mas Juliette era o nome que Anderson escolheu para mim.
— E Ella é o nome com o qual você nasceu — Kenji diz, me atirando um olhar. — Entendi.
— Sim.
— Ouça — diz ele com um suspiro. — Eu sei que isso tem sido um par de semanas difíceis para você. Eu ouvi sobre a coisa da memória. Eu ouvi sobre muitas coisas. E eu não posso fingir que tenho ideia do que você deve estar passando agora. Mas você não pode se culpar por nada disso. Não é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Você foi um peão no centro dessa conspiração a vida inteira. O último mês não ia mudar isso, ok? Você tem que ser mais gentil com você mesma. Você já passou por tanta coisa.
Eu ofereço um sorriso fraco para Kenji.
— Eu vou tentar — eu digo baixinho.
— Sentindo-se melhor agora?
— Não. E pensar em sair daqui sem Warner... sem saber se ele vai entrar nesse avião... está me matando, Kenji. Está criando um buraco através do meu corpo.
Kenji suspira, desvia o olhar.
— Eu entendo — diz ele. — Eu entendo. Você está preocupada por não ter a chance de acertar as coisas com ele.
Eu concordo.
— Merda.
— Eu não vou fazer isso. Eu não posso fazer isso, Kenji.
— Eu entendo você, garota, eu juro. Mas não podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Se eles não voltarem daqui a cinco minutos, temos que ir.
— Então você vai ter que sair sem mim.
— De jeito nenhum, não é uma opção — diz ele, ficando de pé. — Eu não quero fazer isso mais do que você, mas eu conheço a Nazeera bem o suficiente para saber que ela pode lidar com isso lá fora, e se ela ainda não voltou, é provavelmente porque ela está esperando por um momento mais seguro. Ela vai encontrar o caminho dela. E você tem que confiar que ela trará Warner de volta com ela. Ok?
— Não.
— Vamos lá...
— Kenji, pare. — Eu fico de pé também, raiva e desgosto colidindo.
— Não faça isso — diz ele, balançando a cabeça. — Não me force a fazer algo que eu não quero fazer. Porque se for preciso, vou te derrubar no chão, J, eu juro...
— Você não faria isso — eu digo baixinho. A luta deixa meu corpo. Eu me sinto subitamente exausta, exausta pela mágoa. — Eu sei que você não faria. Você não me obrigaria a deixá-lo para trás.
— Ella?
Eu me viro, um raio de sentimento me deixando sem fôlego. Apenas o som de sua voz tem meu coração acelerado de uma maneira que parece perigosa. A mudança brusca do medo para a alegria tem minha cabeça latejando, delirante de sentimento. Eu estive tão preocupada, todo esse tempo, e saber agora...
Ele está ileso.
Seu rosto, sem marca. Seu corpo intacto. Ele é perfeito e lindo e ele está aqui. Eu não sei como, mas ele está aqui.
Eu bato minhas mãos na minha boca.
Eu estou balançando a cabeça e procurando desesperadamente pelas palavras certas, mas acho que não posso falar. Eu só posso olhar para ele enquanto ele avança, seus olhos brilhando e queimando.
Ele me puxa em seus braços.
Soluços quebram meu corpo, o culminar de mil medos e preocupações que eu não me permiti processar. Eu pressiono meu rosto em seu pescoço e tento, mas não consigo me recompor.
— Eu sinto muito — eu digo, ofegando as palavras, lágrimas escorrendo rápido pelo meu rosto. — Aaron, sinto muito. Me desculpe.
Eu o sinto endurecer.
Ele se afasta, olhando para mim com olhos estranhos e assustados.
— Por que você diz isso? — Ele olha em volta freneticamente, olhando para Kenji, que apenas balança a cabeça. — O que aconteceu, amor? — Ele empurra o cabelo para fora dos meus olhos, leva meu rosto em suas mãos. — Pelo o que você está se desculpando?
Nazeera passa por nós.
Ela acena para mim, apenas uma vez, antes de ir para a cabine de piloto. Momentos depois ouço o rugido do motor, os sons elétricos dos equipamentos entrando em operação.
Eu ouço sua voz nos alto-falantes acima, seus comandos nítidos e certos enchendo o avião. Ela nos diz para nos sentarmos e nos prendermos e eu encaro Warner apenas mais uma vez, prometendo a mim mesma que teremos uma chance de conversar.
Prometo a mim mesma que vou fazer isso direito.
Quando decolamos, ele está segurando minha mão.
Nós temos decolado mais alto por vários minutos agora, e Kenji e Nazeera foram generosos o suficiente para nos dar alguma ilusão de privacidade. Ambos me lançaram olhares de encorajamento separados mas semelhantes, pouco antes de entrarem na cabine de piloto. Finalmente, parece seguro continuar falando.
Mas emoção é como um soco no meu peito, duro e pesado.
Há muito a dizer. Muito a discutir. Eu quase nem sei por onde começar. Eu não sei o que aconteceu com ele, o que ele aprendeu ou o que ele lembra. Eu não sei mais se ele está sentindo as mesmas coisas que eu estou sentindo. E todas as incógnitas estão começando a me assustar.
— O que há de errado? — Ele diz.
Ele se virou em seu assento para me encarar. Ele estende a mão, toca meu rosto e a sensação de sua pele contra a minha é avassaladora – tão poderosa que me deixa sem fôlego. Sentimento dispara na minha espinha, centelhando meus nervos.
— Você está com medo, amor. Por que você está com medo?
— Você se lembra de mim? — Eu sussurro. Eu tenho que me forçar a permanecer firme, para lutar contra as lágrimas que se recusam a morrer. — Você se lembra de mim do jeito que eu lembro de você?
Algo muda em sua expressão. Seus olhos mudam, se juntam de dor. Ele concorda.
— Porque eu lembro de você — eu digo, minha voz quebrando na última palavra. — Eu me lembro de você, Aaron. Me lembro de tudo. E você tem que saber... Você tem que saber o quanto eu sinto muito. Pelo jeito que deixei as coisas entre nós. — Estou chorando de novo. — Sinto muito por tudo que eu disse. Por tudo o que eu te fiz...
— Querida — diz ele suavemente, a questão em seus olhos, resolvendo em uma medida de compreensão. — Nada disso importa mais. Essa luta parece que aconteceu em outra vida. Com pessoas diferentes.
Eu enxugo minhas lágrimas.
— Eu sei — eu digo. — Mas estar aqui... Tudo isso... eu pensei que talvez nunca mais o visse. E me matou lembrar como eu deixei as coisas entre nós.
Quando eu olho para cima novamente, Warner está olhando para mim, seus próprios olhos brilhando. Eu assisto o movimento em sua garganta enquanto ele engole com força.
— Me perdoa — eu sussurro. — Eu sei que tudo parece estúpido agora, mas eu não quero levar mais nada como concedido. Me perdoa por te machucar. Me perdoa por não confiar em você. Eu descontei minha dor em você e sinto muito. Eu fui egoísta e machuquei você, e eu sinto muito.
Ele fica em silêncio por tanto tempo que eu quase não aguento.
Quando ele finalmente fala, sua voz é rouca de emoção.
— Amor — diz ele. — Não há nada a perdoar.
Warner
Ella está dormindo em meus braços.
Ella.
Eu nem consigo mais pensar nela como Juliette.
Estamos no ar há uma hora, e Ella chorou até as lágrimas correrem secas, chorou por tanto tempo que pensei que poderia me matar. Eu não sabia o que dizer. Eu estava tão atordoado que não sabia como acalmá-la. E somente quando o esgotamento superou as lágrimas que ela finalmente ficou imóvel, desmoronando totalmente e completamente em meus braços. Eu a tenho segurado contra o meu peito por pelo menos meia hora, maravilhado com o que faz comigo ficar tão perto dela. De vez em quando, parece um sonho. Seu rosto está pressionado contra o meu pescoço. Ela está se agarrando a mim como se nunca pudesse me soltar e faz algo comigo, algo inebriante, saber que ela poderia me querer – ou precisar de mim – assim. Isso me faz querer protegê-la, mesmo que ela não precise de proteção. Isso me faz querer levá-la embora. Perder a noção do tempo.
Suavemente, acaricio seus cabelos. Pressiono meus lábios na testa dela.
Ela se mexe, mas apenas ligeiramente.
Eu não estava esperando por isso.
De todas as coisas que eu pensei que poderiam acontecer quando eu finalmente a visse, eu nunca poderia ter sonhado com um cenário como esse.
Ninguém pediu desculpas a mim antes. Não assim.
Eu tive homens caindo de joelhos diante de mim, me implorando para poupar suas vidas – mas eu não me lembro de uma única vez na minha vida quando alguém me pediu desculpas por ferir meus sentimentos. Ninguém nunca se importou com meus sentimentos tempo suficiente para pedir desculpas por machucá-los. Na minha experiência, geralmente sou o monstro. Eu sou o único esperado para fazer as pazes.
E agora...
Estou atordoado. Atordoado pela experiência, por quão estranho parece. Todo esse tempo, eu estava me preparando para reconquistá-la. Para tentar convencê-la, de alguma forma, a ver além dos meus demônios. E até esse exato momento, eu não acho que fiquei realmente convencido de que alguém me veria como humano o suficiente para perdoar meus pecados. Para me dar uma segunda chance.
Mas agora ela sabe tudo.
Cada canto escuro da minha vida. Toda coisa horrível que eu já tentei esconder. Ela sabe e ela ainda me ama.
Deus. Eu corro uma mão cansada pelo meu rosto. Ela me pediu para perdoá-la. Eu quase não sei o que fazer comigo mesmo. Eu sinto alegria e terror. Meu coração está pesado com algo que eu nem sei descrever.
Gratidão, talvez.
A dor no meu peito ficou mais forte, mais dolorosa. Estar perto dela é, de alguma forma, tanto um alívio quanto um novo tipo de agonia. Há muito à nossa frente, tanto que nós ainda precisamos encarar juntos, mas agora eu não quero pensar em nada disso. Agora eu só quero aproveitar a proximidade dela. Eu quero assistir os movimentos gentis de sua respiração. Eu quero inalar o perfume suave de seu cabelo e me inclinar para o calor firme de seu corpo.
Cuidadosamente, eu toco meus dedos na bochecha dela.
Seu rosto é suave, livre de dor e tensão. Ela parece tranquila. Ela é linda.
Meu amor.
Meu lindo amor.
Seus olhos se abrem e eu me preocupo, por um momento, que eu devo ter falado alto. Mas então ela olha para mim, seus olhos ainda suaves com o sono, e eu trago minha mão para seu rosto, desta vez arrastando meus dedos levemente ao longo de sua mandíbula. Ela fecha os olhos novamente. Sorri.
— Eu te amo — ela sussurra.
Um choque de sensação aumenta dentro de mim, torna difícil para eu respirar. Eu só posso olhar para ela, estudando seu rosto, as linhas e ângulos que eu sempre conheci.
Lentamente, ela se senta.
Ela se inclina para trás, esticando seus músculos doloridos e rígidos. Quando ela me pega olhando para ela, ela me oferece um sorriso tímido.
Ela se inclina, pega meu rosto em suas mãos.
— Oi — diz ela, suas palavras suaves, suas mãos gentis quando ela inclina meu queixo para baixo, em direção a sua boca. Ela me beija uma vez, seus lábios cheios e doces. É um beijo carinhoso, mas o sentimento me atinge com uma necessidade aguda e desesperada. — Eu senti tanto a sua falta — diz ela. — Eu ainda não consigo acreditar que você está aqui. — Ela me beija de novo, dessa vez mais profundo, mais faminta, e meu coração bate tão rápido que ruge em meus ouvidos. Eu mal posso ouvir mais nada. Eu não consigo falar.
Eu me sinto atordoado.
Quando nos separamos, os olhos dela estão preocupados.
— Aaron — diz ela. — Está tudo bem?
E percebo então, em um momento que me apavora, que eu quero isso para sempre. Eu quero passar o resto da minha vida com ela. Eu quero construir um futuro com ela. Eu quero envelhecer com ela.
Eu quero casar com ela.
Juliette Ella
— Aaron? — Eu digo de novo, desta vez suavemente. — Você está bem?
Ele pisca, assustado.
— Sim — diz ele, respirando com força. — Sim. Sim, estou perfeito.
Eu mostro um pequeno sorriso.
— Fico feliz que você finalmente concorda comigo.
Ele franze a testa, confuso, e então, quando a realização atinge...
Ele cora.
E pela primeira vez em semanas, um sorriso genuíno se espalha pelo meu rosto. Isso é bom. Humano.
Mas Aaron balança a cabeça, claramente mortificado. Ele não pode encontrar meus olhos. Sua voz é cuidadosa, quieta quando ele diz:
— Isso não é nada do que eu quis dizer.
— Ei — eu digo, meu sorriso desaparecendo. Eu pego suas mãos nas minhas, aperto. — Olhe para mim.
Ele olha.
E eu esqueço o que eu ia dizer.
Ele tem esse tipo de rosto. O tipo de rosto que faz você esquecer onde você está, quem você é, o que você poderia estar prestes a fazer ou dizer. Eu senti tanto a falta dele. Falta dos olhos dele. Faz apenas algumas semanas, mas parece uma eternidade desde a última vez que o vi, uma vida cheia de revelações horríveis que ameaçaram nos derrubar. Eu não posso acreditar que ele está aqui, que nos encontramos e fizemos as coisas direito.
Não é pouca coisa.
Mesmo com todo o – com todos os outros horrores que ainda temos que enfrentar – estar aqui com ele parece uma grande vitória. Tudo parece novo. Minha mente parece nova, minhas memórias, novas. Até o rosto de Aaron é novo, à sua maneira. Ele parece um pouco diferente para mim agora.
Familiar.
Como se ele sempre esteve aqui. Sempre vivido no meu coração.
O cabelo dele, grosso, dourado e lindo, é como eu me lembro – Evie também deve ter feito algo para o cabelo dele, de alguma forma. E mesmo que ele pareça mais exausto do que eu gostaria, seu rosto ainda é marcante. Linhas bonitas e nítidas. Olhos verdes penetrantes tão leves e brilhantes que são quase dolorosos de se olhar. Tudo sobre ele é finamente trabalhado. O nariz dele. Seu queixo. Suas orelhas e sobrancelhas. Ele tem uma boca linda.
Eu demoro muito tempo lá, meus olhos traindo minha mente, e Aaron sorri. Aaron. Chamá-lo de Warner não parece mais certo.
— O que você esta fazendo, amor?
— Apenas apreciando a vista — eu digo, ainda olhando para sua boca. Eu alcanço, toco dois dedos em seu lábio inferior. Memórias se inundam através de mim em uma corrida repentina e sem fôlego. Longas noites. Início da manhã. Sua boca em mim. Em toda parte. De novo e de novo.
Eu ouço ele expirar, de repente, e eu olho para ele.
Seus olhos são mais escuros, pesados de sentimentos.
— O que você está pensando?
Eu balanço minha cabeça, me sentindo subitamente tímida. É estranho, considerando o quão perto nós estivemos, que eu me sentiria tímida ao redor dele agora. Mas ele parece ao mesmo tempo velho e novo para mim – como se ainda estivéssemos aprendendo um sobre o outro. Ainda descobrindo o que nosso relacionamento significa e o que queremos dizer um para o outro. As coisas parecem mais profundas, desesperadas.
Mais importantes.
Eu tomo as mãos dele novamente.
— Como você está? — Eu sussurro.
Ele está olhando para nossas mãos, entrelaçadas, quando ele diz:
— Meu pai ainda está vivo.
— Eu ouvi. Eu sinto muito.
Ele concorda. Olhando para longe.
— Você o viu?
Outro aceno de cabeça.
— Eu tentei matá-lo. Eu ainda vou.
Eu sei o quão difícil é para Aaron enfrentar seu pai. Anderson sempre foi seu oponente mais formidável; Aaron nunca foi capaz de lutar com ele de frente. Ele nunca foi capaz de levar a sério suas ameaças de matar seu pai.
É surpreendente que ele chegou perto.
E então Aaron me conta como seu pai tem poderes de cura semi-funcionais, como Evie tentou recriar o DNA das gêmeas para ele.
— Então seu pai é basicamente invencível?
Aaron ri baixinho. Balança sua cabeça.
— Acho que não. Isso o torna mais difícil de matar, mas eu definitivamente acho que há uma fenda a ser encontrada em sua armadura. — Ele suspira. — Acredite ou não, a parte mais estranha de tudo é que, depois disso, meu pai estava orgulhoso de mim. Orgulhoso de mim por tentar matá-lo. — Aaron olha para cima, me olha nos olhos. — Você pode imaginar?
— Sim — eu sussurro. — Eu posso.
Os olhos de Aaron vão fundo com emoção. Ele me puxa para perto.
— Eu sinto muito, amor. Eu sinto muito por tudo que eles fizeram com você. Por tudo que eles fizeram você passar. Me mata saber que você estava sofrendo. Que eu não pude estar lá para você.
— Eu não quero pensar sobre isso agora. — Eu balancei minha cabeça. — Agora tudo que eu quero é isso. Eu só quero estar aqui. Com você. O que vem a seguir, vamos encarar isso juntos.
— Ella — ele diz suavemente.
Uma onda de sentimento me invade. Ouvi-lo dizer que meu nome – meu nome verdadeiro – faz tudo parecer real. Nos faz parecer real.
Eu encontro seus olhos.
Ele sorri.
— Você sabe... eu sinto tudo quando você me toca, amor. Eu posso sentir sua excitação. Seu nervosismo. Seu prazer. E eu amo isso — ele diz baixinho. — Eu amo o jeito que você responde a mim. Eu amo o jeito que você me quer. Eu sinto quando você se perde, o jeito que você confia em mim quando estamos juntos. E eu sinto seu amor por mim — ele sussurra. — Eu sinto isso nos meus ossos.
Ele se afasta.
— Eu te amei a vida toda. — Ele olha para cima, olha para mim com tanta sensação que quase quebra meu coração. — Depois de tudo o que passamos... depois de todas as mentiras, dos segredos e dos mal entendidos... sinto que nos deram uma chance de começar de novo. Eu quero começar de novo — diz ele. — Eu nunca mais quero mentir para você. Quero que confiemos um no outro e sejamos verdadeiros parceiros em tudo. Não há mais mal-entendidos — diz ele. — Não há mais segredos. Quero que comecemos de novo, aqui, neste momento.
Eu aceno, puxando para trás para que eu possa ver seu rosto mais claramente. Emoções bem em minha garganta, ameaçam subir.
— Eu quero isso também. Eu quero tanto isso.
— Ella — diz ele, sua voz rouca de sentimento. — Eu quero passar o resto da minha vida com você.
Meu coração para.
Eu olho para ele, incerta, pensamentos girando em minha cabeça. Eu toco sua bochecha e ele olha para longe, dá um suspiro súbito e instável.
— O que você está dizendo? — Eu sussurro.
— Eu amo você, Ella. Eu te amo mais...
— Uau. Vocês dois não poderiam esperar até voltarmos para a base, hein? Vocês não podiam poupar meus olhos?
O som da voz de Kenji me puxa de repente, abruptamente para fora da minha cabeça. Eu me viro rápido demais, desajeitadamente me soltando do corpo de Aaron.
Aaron, por outro lado, fica branco de repente.
Kenji joga um travesseiro de avião fino para ele.
— De nada — diz ele.
Aaron manda o travesseiro de volta sem uma palavra, seus olhos queimando na direção de Kenji. Ele parece ao mesmo tempo chocado e zangado, e ele se inclina para a frente em seu assento, os cotovelos equilibrados nos joelhos, os calcanhares das mãos pressionados contra os olhos.
— Você é uma praga sobre a minha vida, Kishimoto.
— Eu disse de nada.
Aaron suspira pesadamente.
— O que eu daria para quebrar o seu pescoço agora, você não tem ideia.
— Ei... você não tem ideia do que acabei de fazer por você — diz Kenji. — Então, vou repetir mais uma vez: de nada.
— Eu nunca pedi sua ajuda.
Kenji cruza os braços. Quando ele fala, ele exagera cada palavra, como se ele estivesse falando com um idiota.
— Eu não acho que você esteja pensando claramente.
— Estou pensando mais claramente do que nunca.
— Você realmente achou que seria uma boa ideia? — Kenji diz, balançando a cabeça. — Aqui? Agora?
A mandíbula de Aaron aperta. Ele parece amotinado.
— Irmão, este não é o momento.
— E quando, exatamente, você se tornou especialista nesse tipo de coisa?
Eu olho entre os dois.
— O que está acontecendo? — Eu digo. — O que vocês estão falando?
— Nada — dizem eles ao mesmo tempo.
— Hum, tudo bem. — Eu olho para eles, ainda confusa, e estou prestes a fazer outra pergunta quando Kenji diz, de repente:
— Quem quer almoçar?
Minhas sobrancelhas levantam na minha testa.
— Nós temos almoço?
— É muito horrível — diz Kenji, — mas Nazeera e eu temos uma cesta de piquenique que trouxemos conosco, sim.
— Eu acho que estou experimentando o conteúdo da cesta misteriosa. — Eu sorrio para Aaron. — Está com fome?
Mas Aaron não diz nada. Ele ainda está olhando para o chão.
Eu toco sua mão e, finalmente, ele suspira.
— Eu não estou com fome — diz ele.
— Não é uma opção — diz Kenji bruscamente. — Tenho certeza que você não comeu nada desde que saiu da prisão falsa.
Aaron franze a testa. E quando ele olha para cima, ele diz:
— Não era uma prisão falsa. Foi uma prisão muito real. Eles me envenenaram por semanas.
— O quê? — Meus olhos se arregalam. — Você não di...
Kenji me interrompe com o aceno de sua mão.
— Eles te deram comida, água, e deixaram você ficar com as roupas, não é?
— Sim mas...
Ele encolhe os ombros.
— Parece que você teve uma pequena férias.
Aaron suspira. Ele parece ao mesmo tempo irritado e exausto enquanto passa a mão pelo rosto.
Eu não gosto disso.
— Ei... Por que você está sendo duro com ele? — Eu digo, franzindo a testa para Kenji. — Pouco antes de ele e Nazeera aparecerem, você estava falando sobre o quão maravilhoso ele é, e n...
Kenji xinga, de repente, em voz baixa.
— Jesus, J. — Ele me lança um olhar sombrio. — O que eu te disse sobre repetir essa conversa em voz alta?
Aaron se senta, a frustração em seus olhos lentamente dando lugar a surpresa.
— Você acha que eu sou maravilhoso? — Ele diz, com uma mão pressionada contra o peito em simulada afeição. — Isso é tão doce.
— Eu nunca disse que você era maravilhoso.
Aaron inclina a cabeça.
— Então o que, exatamente, você disse?
Kenji se afasta. Não diz nada.
Eu estou sorrindo para as costas de Kenji quando eu digo:
— Ele disse que você parecia bem em tudo e que você era bom em tudo.
O sorriso de Aaron se aprofunda.
Aaron quase nunca sorri o suficiente para eu ver suas covinhas, mas quando isso acontece, elas transformam seu rosto. Seus olhos se iluminam. Suas bochechas ficam rosadas com o sentimento. Ele parece de repente doce. Adorável.
Isso tira meu fôlego.
Mas ele não está olhando para mim, ele está olhando para Kenji, com os olhos cheios de riso quando ele diz:
— Por favor, me diga que ela não está falando sério.
Kenji nos mostra o dedo.
Aaron ri. E então, se inclinando...
— Você realmente acha que eu pareço bem em tudo?
— Cale a boca, idiota.
Aaron ri novamente.
— Pare de se divertir sem mim — Nazeera grita da cabine de piloto. — Sem mais piadas até que eu coloque essa coisa no controle de automático.
Eu endureço.
— Os aviões têm controle automático?
— Um — Kenji coça a cabeça — Eu realmente não sei?
Mas então Nazeera se aproxima de nós, alta e bonita e sem complicação. Ela não está cobrindo o cabelo hoje, o que eu acho que faz sentido, considerando que é geralmente ilegal, mas eu sinto um pânico fraco se espalhar pelo meu corpo quando percebo que ela não tem pressa para voltar a cabine de piloto.
— Espere... Ninguém está pilotando o avião — eu digo. — Alguém não deveria estar pilotando o avião?
Ela me dispensa com um aceno.
— Está bem. Essas coisas são praticamente automáticas agora, de qualquer maneira. Não preciso fazer mais do que inserir coordenadas e garantir que tudo esteja funcionando perfeitamente.
— Mas...
— Tudo está bem — diz ela, me atirando um olhar afiado. — Estamos bem. Mas alguém precisa me dizer o que está acontecendo.
— Tem certeza de que estamos bem? — Pergunto mais uma vez, em voz baixa.
Ela me nivela com um olhar sombrio.
Eu suspiro.
— Bem, nesse caso — eu digo. — Você deveria saber que Kenji estava apenas admirando o senso de estilo de Aaron.
Nazeera se vira para Kenji. Levanta uma única sobrancelha.
Kenji balança a cabeça, visivelmente irritado.
— Eu não estava... droga, J, você não tem lealdade.
— Eu tenho muita lealdade — eu digo, levemente ferida. — Mas quando vocês brigam assim, isso me estressa. Eu só quero que Aaron saiba que, secretamente, você se importa com ele. Eu amo vocês dois e quero que vocês dois sejam amigos...
— Espere. — Aaron franze a testa — O que você quer dizer com você ama nós dois?
Eu olho entre ele e Kenji, surpresa.
— Quero dizer, eu me preocupo com vocês dois. Eu amo vocês dois.
— Certo — Aaron diz, hesitante. — Mas você não ama realmente os dois. Isso é apenas uma figura de linguagem, não é?
É a minha vez de franzir a testa.
— Kenji é meu melhor amigo — eu digo. — Eu o amo como um irmão.
— Mas...
— Eu também te amo, princesa — diz Kenji, um pouco alto demais. — E eu aprecio você dizendo isso.