Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DEUSA DA LUZ - P. 2
DEUSA DA LUZ - P. 2

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT 

 

 

DEUSA DA LUZ  -  Parte  II

 

Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

Capítulo 9


Violinos encheram o ar em torno deles, música atraiu a água rumo ao céu e luzes antes ocultas destacaram a dança fluida.

Em seguida, um tenor começou a cantar. Pamela estremeceu conforme seu corpo correspondia à magnificência de sua voz. Era tudo tão inesperado, tão espantoso!... Os arcos de água se deslocavam em uníssono com os altos e baixos da orquestra, como se guiados pela mão de um competente mágico. Era inacreditável e maravilhoso... Assim como o beijo que parecia ter dado início a tudo aquilo.

Ao som da primeira nota, eles haviam se virado para as fontes e, enquanto suas emoções disparavam com a música, Pamela se deixou ficar, muito quieta, nos braços de Febo.

— O cantor é italiano, não é? — Recostou-se nele, inclinando a cabeça de modo a fazê-lo ouvir sua pergunta, mas sem tirar os olhos da água.

— Sim — assentiu Apolo. Seus olhos também não se desviavam do inacreditável espetáculo diante deles. — Ele está cantando algo sobre La Rondine ou “a andorinha” — murmurou, a voz grave soando como pano de fundo para a linda música, em vez de distraí-la. — Conta a história de uma pequena andorinha que migra para muito, muito longe, a fim de encontrar o amor em uma terra distante. Mas é evidente que a canção não se refere a um pássaro, e sim a uma amante, que o cantor teme ter perdido para sempre.

— Eu gostaria tanto de entender Italiano! — Pamela sussurrou.

Apolo a abraçou com mais força.

— Será que precisa? Tente ouvir a música com o coração, e irá captar sua alma.

Pamela tentou fazer o que ele dizia e, no crescendo, sentiu os olhos rasos de água. Entendeu realmente. Compreendeu a dor do amor perdido, dos arrependimentos e o medo da eterna solidão.

Quando a música terminou e a água ficou quieta e escura, permaneceu de costas para Febo, sentindo as batidas de seu coração, o calor do corpo sólido a envolvê-la.

— Eu não esperava encontrar tanta beleza aqui — ele falou baixinho, não querendo quebrar o feitiço que aquelas águas mágicas haviam lançado.

— Nem eu. — Pamela respirou fundo. — Aconteceu muita coisa nesta noite que eu não esperava.

Apolo a virou, de modo a deixá-la de frente para ele, porém a manteve solta no círculo de seus braços. Relutava em deixá-la se afastar, contudo não queria assustá-la. A noite também fora cheia de surpresas para ele. Naquele momento, pela primeira vez em todas as suas eras de existência, queria que uma mulher viesse até ele por vontade própria, não como uma donzela deslumbrada, arrebatada pela presença de Apolo, o Deus da Luz; tampouco como uma deusa sedutora, procurando um parceiro temporário com quem se divertir. Queria que Pamela o escolhesse como uma mortal escolhia seu homem.

— Eu não estava falando apenas das águas dançantes — sussurrou.

— Nem eu.

Quando ele se inclinou para beijá-la, não pôde evitar segurá-la pela nuca e mergulhar os dedos nos cabelos curtos e desgrenhados que tanto desejara tocar desde que a tinha vislumbrado. Pamela não se afastou dele, mas também não se entregou ao beijo. Seus lábios se provaram quentes e dóceis sob os dele, porém ela não os abriu num convite. Em vez disso, era como se fizesse uma pergunta e exigisse resposta antes de lhe dar permissão para continuar.

Pense! , Apolo ordenou a si mesmo. O que desejam as mulheres?

Percebeu, chocado, que, apesar de toda a sua experiência, não tinha certeza de como responder a tal pergunta. Concentrou-se, tentando ler o corpo frágil e, por intermédio deste, compreender o que Pamela buscava nele.

Com movimentos lentos, obrigou-se a ignorar o desejo inebriante que tocar Pamela evocava e, em vez de se comportar como um deus grosseiro e arrogante, manteve-se firme no controle. Beijou-lhe o lábio inferior com carinho, em seguida o prendeu com os dentes e o puxou, provocante, mas só por um momento. Mudou dos lábios carnudos para um beijo rápido na ponta do nariz, e foi recompensado por um sorriso que ele beijou nos cantos. Acariciou os cabelos curtos com os dedos enquanto roçava o rosto em seu ouvido e sussurrava:

— Gosto muito do seu cabelo. Ele faz que eu me lembre da cavalgada livre e cheia de orgulho das Amazonas. — Desceu os lábios um pouco mais. — E deixa seu pescoço tão mais sedutor...

Sentiu que ela estremecia e levantou a cabeça de maneira a fitá-la nos olhos, os quais ainda estavam preenchidos pela emoção que a música os fizera sentir.

— Eu quero que você seja exatamente o que parece — ela falou baixinho. — Não quero outro homem que finge ser uma coisa enquanto é outra.

Apolo sentiu o coração congelar.

— No início desta noite, admiti algo para mim mesma que eu vinha escondendo por muito tempo. Admiti que, embora satisfeita, não sou muito feliz. Eu me fechei, desisti até mesmo de tentar buscar a felicidade. — Um breve sorriso iluminou a expressão séria de Pamela. — Então fiz um desejo bobo... Em voz alta. Acho que eu estava desejando, na verdade, ser capaz de confiar nos meus instintos outra vez.

— E o que seus instintos lhe dizem sobre mim? — ele perguntou.

Ela inclinou a cabeça e o fitou.

— Eles me dizem que você é mesmo diferente. Nunca conheci um homem assim.

— Posso assegurar que os seus instintos estão corretos.

Ele se inclinou para beijá-la outra vez, desta vez com toda a paixão que sentia, mas, antes que seus lábios tocassem os dela, a céu se abriu, e uma chuva constante começou a cair.

Pamela soltou um gritinho e segurou a minúscula bolsa sobre a cabeça em uma tentativa inútil de se proteger.

Apolo fez uma careta e olhou ao redor. Chuva no meio de uma noite no deserto? Não importava o quanto o mundo moderno se tornara estranho, não podia haver alteração nos padrões climáticos.

Os deuses, entretanto, podiam fazê-lo. Aquela chuva era muito suspeita, pois tinha a marca da interferência dos imortais. Provavelmente era Baco, aquele infeliz, aprontando de novo.

As pessoas ao redor deles correram em direção aos edifícios e, com habilidade, Apolo guiou Pamela em meio aos mortais até a árvore mais próxima. Com um movimento quase imperceptível da mão, solidificou as folhas acima deles, transformando-as em uma massa única que os abrigou da chuva. Abraçou-a, e juntos eles ficaram observando o aguaceiro.

— Que tempo esquisito! — comentou Pamela, enxugando a água do rosto. — Pensei que quase nunca chovesse aqui. Ah!... — Franziu a testa ao olhar para os sapatos. — Acho que arruinei os meus maravilhosos Jimmy Choo!

Apolo sorriu de lado.

— Como consegue andar sobre essas lâminas?

Pamela chacoalhou um pé, analisando o sapato encharcado enquanto ele admirava a panturrilha bem-torneada.

— Andar sobre um salto dez é a marca registrada de uma mulher de verdade. — Passou a mão pelos cabelos, fazendo-os ficar ainda mais desgrenhados. — Quem iria imaginar que uma árvore tão pequena ofereceria tanta proteção? — Olhou para cima. — É como um guarda-chuva verde!

— Nem tanta assim — ele replicou, apontando para cima em um movimento rápido que fez uma ou duas gotas vazar de sua divina proteção. — Pelo menos a chuva afugentou aquela multidão.

Sem dar à árvore outro olhar, Pamela sorriu e acenou com a cabeça.

— É como se estivéssemos no nosso mundinho.

Apolo tocou uma mecha do cabelo curto.

— Pois acho que estamos, mesmo.

Em seguida, em meio ao véu de chuva e intimidade, as fontes ganharam vida mais uma vez, e a voz sexy de Faith Hill soou ao redor deles como se brotasse da água:


I don’t want another heartbreak, I don’t need another turn to cry.

I don’t want to learn the hard way, baby, hello, oh no, good-bye...


Desta vez, eles não prestaram muita atenção ao show.

— É você quem está fazendo isso? — Pamela indagou num sussurro. — Pagou a eles para tocarem essas músicas?

Apolo balançou a cabeça e emoldurou o rosto delicado com as mãos.

— Mas elas têm tudo a ver com você, não têm? É a andorinha, assim como a mulher que não quer chorar outra vez.

Pamela só pôde concordar.


This kiss, this kiss!...


Como se a música tocasse só para eles, Apolo a puxou para os braços e a beijou. Beijou-a como um homem que queria manter sua amada afastada da dor, da mágoa e da tristeza. Os lábios de Pamela se apartaram, e ela o aceitou. Conforme o fez, Apolo sentiu que algo se abria dentro dele, como se uma trava tivesse sido desbloqueada e um alçapão fosse escancarado, permitindo a entrada do que faltava para preencher sua alma.

Os braços de Pamela subiram para segurá-lo, e ele se esqueceu do monte Olimpo, esqueceu-se do Mundo Moderno dos mortais. Sua realidade se resumiu no gosto, no toque, no cheiro de Pamela.

Ela gemeu e estremeceu, e o mundo se interpôs entre eles novamente. As fontes voltaram a se apagar, e o vento e a chuva se intensificaram.

— Está gelada! — Apolo a esfregou nos braços, condenando a própria insensibilidade. Enquanto ele se deixara perder pelos encantos de Pamela, ela ficara encharcada. — Precisamos voltar. Pode ficar doente se continuar assim.

— Febo. — Ela o puxou pelo braço, mantendo-o sob a pequena árvore. — É verdade que talvez devêssemos voltar para o hotel, mas eu não estava tremendo por causa da chuva. Mesmo que eu pareça meio... — limpou uma gota de chuva que lhe escorria pela testa e sorriu — ... ensopada , não sou nenhuma florzinha de estufa. Não derreto, e amei cada segundo deste nosso beijo na chuva.

Apolo sentiu o aperto no peito se dissolver conforme seu coração reconheceu o calor no olhar dela. Não era o único que sentia aquela conexão entre eles.

E, bem lá no fundo, seus instintos lhe diziam que era aquilo o que homens e mulheres buscavam. Era aquela a dança de amor dos mortais.

— De qualquer forma, estou mesmo encharcada, e parece que essa chuva não vai melhorar tão cedo — Pamela prosseguiu, olhando o aguaceiro que os rodeava.

Apolo acompanhou seu olhar. Ele poderia, claro, impedir que as gotas os tocassem durante todo o caminho de volta ao Caesars Palace, mas não teria como explicar tal façanha.

— Quer saber? Vamos correr de volta para o Palace — decidiu Pamela, sorrindo para ele.

— Não pode correr com esses sapatos — ele lembrou, apontando-lhe os pés.

— Estamos em Las Vegas... Quer apostar? — E, sem esperar por resposta, ela disparou para o meio da chuva, gritando.

Rindo, Apolo a seguiu, permanecendo pouco atrás dela; o suficiente para que pudesse assistir os quadris redondos se movendo com graça enquanto ela corria com passos pequenos e femininos. Não se lembrava da última vez em que se sentira tão jovem ou feliz.

Nenhum deles prestou muita atenção à rua. Apolo não tirava os olhos de Pamela, e ela corria, lançando-lhe olhares por cima do ombro.

— Estou ganhando a aposta! — gritou a certa altura.

Um barulho a fez olhar para a frente, e Pamela soltou uma exclamação. A rua! Tinha se esquecido do quanto esta se encontrava próxima dela!

Tentou parar, porém o salto agulha ficou preso em uma rachadura na beira da calçada. Desequilibrando-se, ela agitou os braços na tentativa de endireitar o corpo, porém sentiu uma dor horrível e lancinante no tornozelo, tombando para a frente.

Sempre antes que coisas terríveis acontecessem , pensou Apolo, como a morte de Heitor, ou quando Ártemis perdera a paciência com Acteão, o tempo parecia diminuir de ritmo, prolongando o evento, desdobrando-se diante dele como resina de pinheiro pingando e descendo por uma tediosa trilha através da casca áspera de uma árvore .

Não foi assim com o acidente de Pamela, contudo. Tudo ao redor pareceu se acelerar com força sobre-humana. Em um instante ela sorria para ele por cima do ombro, no outro balançava perigosamente na beirada da rua, projetando-se bem na frente dos monstros de metal.

Apolo sentiu a morte pairar no ar em torno deles e não perdeu tempo sendo racional. Agiu por impulso, guiado por seu coração imortal que, de repente, se afligira com a ideia de perdê-la.

— Não! — Ele pulou na direção de Pamela com uma velocidade impossível de ser acompanhada pelos mortais. Estendeu a mão, a palma aberta, o grito causando uma explosão sônica que repeliu os carros para longe do corpo em queda de Pamela.

Ela não chegou a aterrissar no concreto molhado. Apolo não podia permitir isso.

Com sobrenatural rapidez, ele a segurou e puxou de volta para a calçada.

Pneus guincharam e ouviu-se o som de carros batendo. Buzinas cortaram a noite, mas, em meio à chuva e ao vento, ninguém pareceu notar o deus que causara tudo isso. O deus que agora se ajoelhava na calçada alagada, amparando uma mortal junto ao peito.

— Meu tornozelo... — A voz de Pamela falhou com a dor e o choque. — Acho que está quebrado!

Apolo puxou o sapato do pé delicado. Conforme o fez, sentiu através da pele o osso que havia torcido até partir e se encolheu, imaginando a dor. Rapidamente, passou a mão sobre o local, ordenando em pensamento que suas terminações nervosas cessassem a agonia de Pamela.

Quase no mesmo instante, sentiu sua respiração normalizar conforme ela relaxava. Em um movimento suave, ele a ergueu nos braços.

E o Deus da Luz avançou como um raio de sol escaldante através da chuva e dos carros destruídos.

Mais tarde, testemunhas do engavetamento bizarro na esquina da Las Vegas e Flamingo falavam de um homem alto que tinham vislumbrado em meio à chuva naquela noite. Diziam que ele carregava uma mulher, mas não podiam afirmar com certeza, pois tudo de que podiam se lembrar era da forma estranha como seus olhos cintilavam. Também não podiam dizer bem como ele era porque seu corpo parecia cercado por uma luz... como se ele brilhasse com o fogo do Sol.


Capítulo 10


— Ela precisa ser levada para o quarto! — Apolo berrou para o porteiro do hotel, o qual fitava com os olhos arregalados o espectro dourado que parecia ter surgido do nada na noite chuvosa. A aparição carregava o corpo úmido de uma pequena mulher calçando apenas um sapato.

— Os elevadores ficam ali no canto, senhor.

A confusão de Apolo diante das palavras estranhas se transformou em raiva. O que era, exatamente, um elevador?!

— Mostre-me onde fica o quarto dela ou vou esfolá-lo vivo! — rosnou, irado.

— Qual o número do quarto? — guinchou o rapaz.

— Mil cento e vinte e um — Pamela falou contra o ombro de Apolo.

Apolo olhou para o porteiro, e o rapaz assentiu, saindo em disparada à sua frente, através das portas giratórias.

O Deus da Luz apertou os dentes quando a caixa de metal em que entraram se fechou. O menino apertou um botão redondo onde se lia “11”, e este se iluminou conforme a caixa começou a se mover.

Apolo sentiu o estômago se contrair e segurou Pamela com mais força contra o corpo. Baco não explicara nada sobre aquela forma de transporte mecânica, e ele não estava gostando nem um pouco da experiência.

Por sorte, a jornada foi curta, e as portas se apartaram sem problemas.

Ele seguiu o rapaz por um corredor coberto por um tapete macio. Estatuetas decoravam nichos, e lustres pendiam do teto trabalhado.

Pararam em frente a uma porta que ostentava o número “1121” em metal dourado, e o porteiro olhou para Apolo. Apolo devolveu o olhar e o rapaz pigarreou, nervoso. Pamela entregou a pequena bolsa que ainda segurava junto ao peito ao menino.

— Está aí dentro.

Engolindo em seco, o rapaz abriu a bolsinha, extraiu dela o cartão-chave e o passou pela fechadura, abrindo a porta. Apolo entrou e bateu a porta atrás deles apenas com o pensamento.

— Devia ter dado uma gorjeta para ele — Pamela disse baixinho.

— Eu devia tê-lo esfolado, isso sim — murmurou o deus.

Hesitou na entrada da suíte, avaliando os arredores. Havia um quarto enorme com um divã, duas poltronas laterais, forradas de seda, e um imenso armário. Portas com pintura imitando mármore se encontravam semiabertas, revelando parte de uma cama gigantesca.

Decidido, ele rumou naquela direção.

Pamela gemeu quando ele a deitou em cima do grosso edredon de seda. Sentiu um arrepio no corpo e seus dentes começarem a bater.

— N-não sei por que estou d-de repente com tanto frio! — gaguejou, confusa.

Apolo sabia o porquê. Ela estava em choque. E ele não tinha curado seu tornozelo; apenas bloqueara temporariamente parte da dor.

Sentou-se na borda da cama devagar e tocou-lhe o rosto, querendo que ela relaxasse.

— Precisa descansar. Confie em mim. Vou dar um jeito nessa dor.

Ele observou conforme sua hipnótica sugestão fez as pálpebras dos olhos enormes e cor de âmbar começarem a pesar.

— Eu não... — Pamela começou, sonolenta, perdendo o fio do raciocínio em seguida. Ainda lutando contra a estranha letargia que tomara conta dela, piscou. — Estou molhada... Há toalhas ali... — Fez um gesto fraco na direção do banheiro.

— Primeiro o tornozelo.

Quando ela fechou os olhos e não mais os abriu, Apolo se ajeitou melhor na extremidade da cama.

Balançou a cabeça. Pamela se encontrava bastante ferida. Seu tornozelo estava com o dobro do tamanho normal e muito branco. Ele podia ver onde o osso se partira, fazendo que o pé delicado pendesse em um ângulo estranho.

Segurou o pé de Pamela entre as mãos e fechou os olhos, concentrando-se. Mapeou seu esqueleto mentalmente, sem pressa, revendo a posição de cada osso, músculo e nervo, e então viu a fratura.

Suas mãos começaram a se aquecer.

Que se faça a cura! , ordenou o Deus da Luz. Que todo o sofrimento seja cessado e seu bem-estar retorne , livrando-a da dor.

A intensidade do brilho entre as mãos de Apolo teria cegado Pamela caso estivesse ela consciente para testemunhar seu esplendor.

Porém, ela continuava desacordada. Dormiu durante o tempo todo em que Apolo reuniu seus vastos poderes para emendar seus ossos quebrados e pôr um fim à sua dor.

Muito mais tarde, quando ele terminou, enfim, levantou-se e foi para a pequena sala ao lado do quarto de dormir. Lá encontrou várias toalhas e um roupão branco e grosso.

Trouxe-os para junto de Pamela e hesitou. Ele poderia despi-la com facilidade, e ela não iria despertar. Estava certo disso.

O tecido molhado do vestido moldava o corpo esbelto, revelando as curvas suaves e os seios redondos. Ela era como uma terra exuberante aguardando por sua exploração...

Não . Sua mente se esquivou da ideia de ver o corpo nu sem seu consentimento ou conhecimento.

— Pamela? — chamou baixinho.

O chamado a fez despertar do transe induzido.

— Ahn?... — ela indagou, sentando-se e olhando ao redor. — O que aconteceu? Meu tornozelo... — Inclinou-se para a frente e depois parou, franzindo a testa. — Mas... ele estava péssimo, como se estivesse quebrado! Eu podia jurar que já estava inchado. Agora parece normal. — Num teste, flexionou e girou o pé em um movimento circular. — Está ótimo!

— Você só precisava descansar. Foi apenas uma entorse. — Apolo entregou-lhe uma toalha, e Pamela secou o rosto, distraída.

— Estou me sentindo uma idiota. Você me carregou até aqui, e debaixo de chuva.

— Eu sou médico. Apenas fiz meu trabalho.

Pamela o fitou. Febo estava ensopado, a camisa grudada aos músculos do peito como seda líquida, o cabelo se enrolando em gavinhas úmidas em torno da testa.

E aqueles olhos!... A letra da música de Faith Hill os descrevia com perfeição: impossíveis, irrefreáveis, inimagináveis, insondáveis.

— Pelo visto foi sorte minha tê-lo por perto. — Com um esforço, ela desviou o olhar do dele e, apanhando uma toalha, começou a secar o cabelo com mais entusiasmo do que o necessário.

Apolo a observou. Pamela estava molhada, desgrenhada; o cabelo, uma verdadeira bagunça. Tinha as roupas encharcadas e continuava apenas com um sapato, que agora manchava o edredon cor de marfim.

Sentiu o coração se apertar. Nunca se sentira tão atraído por uma mulher, mortal ou deusa, em toda a sua existência.

— É melhor eu ir embora — falou de súbito.

Pamela espiou através de uma dobra na toalha.

— Já? — Olhou para o relógio molhado que, por sorte, era à prova de água. Já passava das quatro da madrugada. — Nossa, eu não sabia que era tão tarde!... — comentou, lembrando a si mesma que Febo era um estranho e que, embora as chances de ele ser um estuprador ou um serial killer fossem mínimas — principalmente depois de ele tê-la “salvado” —, estavam sozinhos naquele quarto de hotel, no meio da noite. A situação tinha todos os ingredientes daqueles filmes baratos que nunca acabavam bem.

— Sim, já é tarde. — Ele não queria ir; por isso mesmo sua consciência lhe dizia o contrário.

— Sua irmã deve estar preocupada e se perguntando o que aconteceu com você.

Apolo empalideceu.

— Nem imagina o quanto.

Sua expressão fez Pamela sorrir.

— Ah, imagino, sim. Meu irmão costumava ficar andando de um lado para o outro e berrar comigo feito um alucinado por eu ficar fora até tarde e deixá-lo preocupado.

Ele torceu os lábios.

— Ela certamente vai querer saber o que me tomou tanto tempo.

Pamela inclinou a cabeça para o lado, num gesto que Apolo aprendera a gostar, pois já se tornara familiar.

— E o que vai dizer?

— Vou dizer que me atrasei por conta de um incidente. — Ele caminhou até ela e, com um movimento fluido, ajoelhou-se a seu lado, na cama, tocando-lhe o tornozelo com cuidado. Acariciou-o, então, deixando os dedos avançar um pouco mais, até a panturrilha, e sentiu, mais do que viu, Pamela respirar fundo. — Um delicioso e inesperado incidente...

Pamela engoliu em seco. Ela mal podia respirar quando Febo a fitava e tocava daquela maneira. Queria tanto pedir que ele não fosse embora, que passasse o restante da noite ali com ela!...

Sentiu o estômago se apertar. Não devia desejá-lo tanto, nem tão depressa. Afinal, Febo era um estranho. Um estranho lindo, sexy ... maravilhoso.

Apolo reconheceu as emoções desfilando, claras, em seu rosto. Era óbvio o que Pamela queria. Via o desejo em seus olhos. Poderia tê-la, poderia tomá-la nos braços e completar sua sedução. Era isso o que ele deveria fazer. Era o que Ártemis esperava e o que ele tinha planejado. Pamela não havia dito que desejava fazer amor ao expressar seu desejo em voz alta e completar a invocação, porém tal necessidade se encontrava patente em suas palavras. Ele a reconhecera, assim como Ártemis. Dessa forma, de modo a cumprir a invocação, ele precisava fazer amor com ela.

Mas e depois?

O súbito pensamento soprou em sua mente como uma inesperada tempestade de inverno. Talvez a invocação tivesse lançado algum tipo de feitiço sobre Pamela, e o desejo que ele via em seus olhos fosse apenas o resultado de uma poderosa magia das ninfas. Se isso fosse verdade, tão logo eles fizessem amor, o feitiço seria quebrado e ela não mais o desejaria. Deixaria de olhar para ele com aqueles olhos inteligentes, expressivos, que se tornavam da rica cor do mel quando ele despertava sua paixão terrena.

O pensamento o abalou a ponto de deixá-lo perdido e enjoado, e Apolo se pôs de pé.

— Preciso ir. Não... — Fez sinal para que Pamela continuasse na cama quando ela fez menção de se levantar. — Precisa poupar esse tornozelo. Durma com o pé elevado esta noite, e amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido.

Pamela sentiu o peito se apertar quando Febo virou-se para a porta. Ele havia dito que explicaria sua ausência para a irmã como um acidente. Estaria dizendo que o encontro deles fora isso?... Que, após aquela noite, não iriam se ver outra vez?

— Então, amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido com você, também?

Só percebeu que expressara seu pensamento em voz alta quando as palavras o detiveram. Febo se voltou, e seus brilhantes olhos azuis pareceram cintilar ainda mais. Ele levantou a mão que pouco tempo antes acariciara seu tornozelo e a exibiu para ela com a palma aberta.

— Amanhã eu ainda vou sentir sua pele contra a minha. Vou continuar com o seu gosto na boca. Amanhã o vento ainda vai trazer seu perfume até mim... Como eu poderia me esquecer?

— Então eu o verei de novo — ela concluiu, meio sem fôlego.

— Eu não ficaria longe de você nem mesmo se quisesse. E eu não quero. Estarei no nosso café outra vez, amanhã, na mesma hora em que nos encontramos esta noite. Até lá, minha doce Pamela, só vou pensar em você.

Quando Febo deixou a suíte, Pamela sentiu como se, de repente, o Sol tivesse caído do céu. Olhou para o relógio e começou a contar as horas até o momento em que o veria novamente.


Ártemis esperou no corredor escuro que se originava de uma discreta entrada de serviço do Caesars Palace. Aguardou ao lado da porta de um suposto armário que, na verdade, era o portal que conduzia a outro mundo.

Cruzou os braços e suspirou. Havia dito a Apolo que esperaria por ele no Olimpo, mas, conforme a noite minguara, fora ficando cada vez mais inquieta. Era tarde, já estava quase amanhecendo, e ela ainda sentia as amarras que a atrelavam à mortal.

Por que o Deus da Luz estava demorando tanto tempo para seduzi-la?

Um homem alto, vestido com roupas encharcadas, dobrou uma esquina e se aproximou dela. Sem pensar duas vezes, Ártemis levantou o dedo a fim de forçá-lo a fazer meia-volta e usar outra saída, mas o estranho a surpreendeu, caindo na risada.

— Seus truques não funcionam comigo, minha irmã — declarou Apolo.

Ártemis arregalou os olhos ao reconhecê-lo.

— Apolo? Pelas barbas de Zeus! O que aconteceu com você?

Ele deu de ombros e tirou a camisa molhada.

— Um acidente.

— Acidente!? Mas... e quanto aos seus planos de sedução?

— Vão bem, obrigado.

— Bem! — Ártemis quase gritou de frustração. — Como podem estar indo bem se eu ainda sinto o vínculo da invocação?

— Essas coisas levam tempo, Ártemis. Pamela não é uma cidade para ser dizimada, ou uma fortaleza a ser atacada e saqueada. É uma mortal que deseja romance.

— Sei muito bem disso. O que não entendo é por que ainda não a levou para a cama.

— Porque não é o que ela deseja verdadeiramente — respondeu Apolo.

Os olhos de Ártemis se estreitaram diante do tom estranho e contido na voz do irmão.

— Ter o Deus da Luz em sua cama não é o que ela deseja de verdade? Acho difícil de acreditar.

Apolo suspirou.

— O que diria se eu lhe dissesse que dormir com Pamela esta noite também não é o que eu desejo?

Diria que isso era mais fácil de compreender , pensou Ártemis. Ela havia imaginado que Apolo achara a mortal atraente, mas, pelo visto, ele mudara de ideia.

— Bem — ela recomeçou devagar —, isso tudo é culpa de Baco, portanto ele vai ter que dar um jeito nessa história. Talvez possa usar o mais potente de seus vinhos para induzi-la a um estado de desejo. Ele também é um deus, e suponho que já tenha seduzido mortais antes, por mais repulsivo que possa ser imaginá-lo envolvido em tal ato.

— Não! — a palavra pareceu explodir de Apolo. — Aquele infeliz não vai tocá-la!

Ártemis franziu as sobrancelhas finas, confusa.

— Apolo, seja claro! Em um momento diz que não deseja a mortal, e, no seguinte, está pronto a defendê-la de outro deus, como se fosse aquele tolo do Paris, e ela, sua Helena!

— Eu disse apenas que não queria ir para a cama com Pamela esta noite; não que eu não a deseje. A moça se feriu — ele deixou escapar quando a irmã o fitou em silêncio. — E, logicamente, eu a curei... Sem seu conhecimento — acrescentou depressa, antes que Ártemis falasse alguma coisa. — Levá-la para a cama em seguida seria abominável.

Os olhos penetrantes da deusa viram o desconforto velado no rosto de seu irmão. Apolo não estava sendo honesto. Não com ela e, talvez, nem mesmo consigo.

De qualquer forma, ela poderia afirmar, apenas pelo modo como ele cerrava o maxilar, que o deus não lhe revelaria mais nada.

— Amanhã?

Apolo assentiu com firmeza.

— Amanhã.

— Muito bem. Então vamos para o Olimpo. Creio que eu já esteja cansada do mundo mortal.

Apolo abriu a porta do armário e fez um sinal para que ela o precedesse através do portal brilhante, que cintilava com as cores de uma concha. Estava voltando para o mundo deles, contudo não tinha a menor intenção de se retirar para o Olimpo.

Assim, deu um boa-noite distraído para a irmã e se transportou para o único lugar em que, sabia, poderia encontrar ajuda.


Capítulo 11


Fora uma surpresa, tanto para Apolo como para o restante dos olímpicos, descobrir que a deusa que havia ganhado o coração supostamente frio de Hades não era uma deusa. Que Deméter trocara a alma de sua filha, Perséfone, pela de Carolina Francesca Santoro, uma mortal do mundo moderno. Deméter quisera domar sua despreocupada filha, e a troca lhe parecera uma excelente oportunidade para amadurecer Perséfone, assim como apresentara outro excelente benefício secundário: o de a empresária mortal, muito mais madura, trazer ao Submundo sua presença calma e feminina.

Já o senhor do Submundo cair de amores pela mortal disfarçada de deusa fora um desfecho inesperado.

Apesar de que, pensou Apolo, tão logo ele conhecera Carolina ou Lina, como Hades a chamava, não demorara muito a compreender por que o Deus do Submundo ficara tão apaixonado pela moça. Lina era sábia e dona de uma exuberância única que brilhava como um farol de dentro dela.

Apolo sorriu. Ele sempre se sentira atraído pela risada de Lina, e agora entendia por quê. Seu riso carregava o som de sua alma mortal na voz do corpo que ela habitara por algum tempo: o da deusa Perséfone. E, dentro dessa alma mortal, ele escutava o eco da alegria terrena de Pamela.

— Quer dizer que a mortal já o conduziu para o inferno...

— Carolina, não o perturbe. — Hades sorriu com carinho para sua alma gêmea.

— Está exibindo o seu lado sensível de novo, meu amor — provocou Lina no tom zombeteiro que apenas ela poderia usar com o Deus do Submundo.

Hades bufou.

— Não é que eu seja sensível. Simplesmente compreendo muito bem o caos que uma mortal moderna pode causar na vida de um deus...

Lina ignorou de propósito as palavras do marido e voltou a atenção para Apolo. O deus dourado tinha descartado a roupa molhada com que chegara e agora vestia uma das confortáveis vestes de seu marido. Ela e Hades, por sua vez, descansavam em seu cômodo particular e bebiam ambrosia.

Apolo os visitava com frequência desde que se tornara do conhecimento de todos que uma mortal se transformara na Rainha do Submundo; e os três haviam se tornado grandes amigos. O Deus da Luz devia estar relaxado e se sentindo em casa na companhia deles, mas, ao contrário, seus nervos pareciam estar à flor da pele. Ele não conseguia ficar sentado. Andava, inquieto, diante da imensa janela que dava para os belos jardins da parte de trás do palácio, sem prestar atenção à bela vista.

— Não sei com o que está tão preocupado. Pelo que nos disse, Pamela me parece muito interessada em você — concluiu Lina.

— É exatamente disso que não tenho certeza! É em mim que ela está interessada, ou se trata apenas desse maldito poder da invocação?

— Isso é fácil de descobrir — opinou Hades. — Basta fazer amor com Pamela. Se ela sumir da sua vista depois, era o feitiço que a atraía. Do contrário é você mesmo.

Apolo fez uma careta, sem saber por que estava tão pouco disposto a testar o carinho de Pamela. Não seria mesmo simples? Por que a ideia fazia seu estômago se contrair?

— É assustador, não é? — A voz suave de Lina interrompeu seu turbilhão interior. — Trata-se de algo que nós, mortais, conhecemos muito bem: o medo da rejeição. No entanto, para conhecer o amor verdadeiro, precisa estar disposto a se abrir para a possibilidade de ser magoado. Eu gostaria de ter uma solução menos difícil, mas não tenho.

— Então é sempre difícil assim.

Lina sorriu, compreensiva, diante da expressão sofrida do deus dourado.

Sentado a seu lado, Hades deslizou a mão para a dela e, por um momento, eles partilharam um olhar.

— Só é difícil assim quando gosta mesmo da pessoa — ela enfatizou.

O rosto de Apolo empalideceu.

— Posso me apaixonar por ela? — Ele articulou as palavras como se tivesse acabado de dar nome a uma nova praga.

Lina assentiu com um gesto de cabeça, tomando o cuidado de segurar a risada que ameaçava escapar. Pobre Apolo!... Ele estava tão arrasado!

— Receio que sim.

— Anime-se! — incitou Hades. — Amar uma mortal não é tão terrível assim.

— Que bom que disse isso — Lina emendou, travessa.

Hades apenas riu e a beijou no topo da cabeça.

— Ela não sabe quem eu sou — Apolo prosseguiu, tenso. — Pamela pensa que sou um médico e músico mortal. Talvez não seja o feitiço. Talvez ela possa se apaixonar por mim também... Mas isso não vai mudar quando ela descobrir que estou fingindo ser alguém que não sou?

— Não permita que ela fuja de você. — A voz de Hades tornou-se grave, e sua mão apertou a de Lina conforme ele se lembrava de como quase a tinha perdido por conta do próprio orgulho.

— Apolo, precisa ter certeza de que está mostrando a ela seu verdadeiro “eu” — aconselhou Lina, escolhendo cuidadosamente as palavras. — Essa é a parte mais difícil quando se ama alguém. Tem que se desnudar para que dê certo. Se conseguir fazer isso, de repente vai perceber que não é um deus, um médico ou um músico, mas apenas um homem apaixonado. E se ela corresponder ao seu amor, também vai se dar conta disso.

— E se não corresponder? — Apolo perguntou.

Lina respondeu com sinceridade:

— Se não corresponder, vai ficar magoado.

— Vale a pena arriscar — afirmou Hades, encontrando o olhar da amante. — A chance de se conhecer o verdadeiro amor vale qualquer coisa.

Em resposta, Lina lhe tocou o rosto em uma carícia suave.

Apolo observou o casal. Às vezes Lina e Hades pareciam se falar numa linguagem secreta. Eles se entendiam como se tivessem sido feitos um para o outro.

Por todos os deuses! , Hades havia mudado muito desde que Lina entrara em sua vida. Era como se amá-la tivesse descortinado um mundo novo para ele. Se uma vez o Deus da Escuridão fora ensimesmado e retraído, agora parecia em paz, até mesmo afável. Lina tinha transformado Hades em um ser mais completo.

E ele, Apolo, desejava aquela mesma completude.

— Vou dar um fim a essa história — proclamou, decidido. — Farei amor com Pamela. Se for apenas o feitiço o que a faz se sentir atraída por mim, preciso saber.

Apolo parecia disposto a aceitar o desafio, concluiu Lina.

Então seu rosto mudou mais uma vez, e ele passou a mão pela testa como se pudesse, com isso, afastar suas preocupações.

— Mas, se não é um feitiço, como faço para manter o afeto de Pamela? — Ele piscou, confuso, voltando-se para ela. — O que desejam as mortais modernas, afinal?

— Isso não é mistério nenhum, Apolo. — Lina sorriu. — Desejamos a mesma coisa que você deseja, o mesmo que Hades quer: alguém que nos ame como somos realmente, sem disfarces, sem fingimentos, sem nenhum tipo de jogo. — Ela se levantou e aproximou-se do deus dourado, colocando a mão em seu braço. — Consegue fazer isso, amigo? Não é como correr atrás de ninfas e deusas. Aliás, é bem menos encantador.

Apolo pensou sobre como o mundo tinha desaparecido quando Pamela relaxara em seus braços, e como a crescente confiança em seus olhos o fizera sentir-se mais divino do que todas as glórias do Olimpo. Em seguida, pensou no terror que experimentara ao vê-la desabar bem na frente das máquinas de metal. Se ele não tivesse usado seus poderes, Pamela teria sido esmagada, morta...

Passou a mão pela testa outra vez.

— Estou cansado de encantamentos. Acredito que prefiro o amor — falou baixinho.

— Boa escolha, querido. — Na ponta dos pés, Lina deu-lhe um rápido e fraterno beijo. — Ah... Creio que deva dizer a Pamela quem você é o mais breve possível. — Lançou um olhar de soslaio para Hades. — Acredite, é melhor partir logo para a verdade.

— Sim, sim, farei isso. — Distraído, Apolo não parecia ouvi-la. — Obrigado, meus amigos. — Ele lhe afagou a mão e, depois, se afastou dela, preparando-se para se transportar de volta a seu palácio olímpico. — Talvez eu devesse levar um presente para ela... — Suas palavras flutuaram através da câmara conforme seu corpo oscilou e, em seguida, desapareceu.

— Creio que o coração do Deus da Luz já será um bom presente — Lina murmurou, soltando um pesado suspiro.

Hades encolheu um ombro.

— Uma joia nunca foi má ideia.


Pamela acordou aos poucos. Esticou-se e, em seguida, abraçou o travesseiro, sonolenta, pensando que algo maravilhoso estava para acontecer naquele dia. Em meio ao estado de vigília e o sono, entretanto, não conseguia se lembrar muito bem do que era.

Sentia-se maravilhosa. Tinha o corpo descansado, mas, ainda assim, encontrava-se cheia de ansiedade.

Um facho de luz irrompeu por entre as cortinas de brocado que estavam quase cerradas, brincando em suas pálpebras e fazendo-a se lembrar de raios dourados de sol, de calor... e de olhos brilhantes, da cor da água-marinha.

Em seguida, ela recordou a noite anterior, beijos na chuva... Febo!

Seus olhos se abriram.

Merda! Como podia ter se esquecido? Iria encontrá-lo naquela noite, às oito horas.

Olhou para o relógio de cabeceira e sentou-se na cama. Era quase meio-dia! Ela, uma madrugadora, dormindo até a hora do almoço?...

Bem, também fora uma mulher que tinha evitado homens e romance por vários anos, e se lembrava bem de, na noite anterior, ter derretido nos braços de um estranho.

Abraçou os joelhos contra o peito, sentindo o coração bater de emoção. Não era nenhuma bruxa velha. Era jovem e estava viva! Aproveitara uma oportunidade e se dera bem. E que oportunidade!...

Um arrepio delicioso lhe percorreu o corpo conforme se lembrava de como se sentira quando Febo a envolvera nos braços. E aquela boca!... O beijo dele ficara gravado nela, desde seus lábios até os dedos dos pés.

E se ele era tão bom beijando, como não seria fazendo outras coisas?...

O telefone tocou, arrancando-a do sonho erótico.

— Olá, Ve — falou, sem olhar para o número de identificação no visor.

— Está sozinha? — Ve quis saber num calculado sussurro.

— Sim. — Pamela mordeu o lábio, e acrescentou: — Infelizmente.

— Oh-Oh . Olhe só como está a mulher!

— Ve, estou me sentindo viva outra vez! É como se eu houvesse me transformado em um deserto, e ele fosse uma chuva morna de primavera... E vou lhe dizer, estou pronta para me entregar. — Pamela suspirou, feliz.

— Está boba pelo homem.

— Completamente. Tem razão. Estou encantada, inebriada de paixão! E, caramba , como isso é bom!... Ah, deixe-me tirar isso da frente de uma vez. Preciso admitir em voz alta e sem qualquer pressão... Você estava certa — ela cantarolou, alegre.

— Espere, estou me beliscando... Sim, está doendo! Eu não estou sonhando! Claro que eu estava certa! E não está mais bêbada, está?

Pamela riu.

— Eu nunca estive assim, tão alcoolizada. Fiquei alegre apenas o suficiente para fazer o que me aconselhou. E, ah... foi maravilhoso!

— Detalhes sórdidos, por favor! Conte-me tudo.

— Fomos para as fontes do Bellagio. Primeiro eles tocaram uma música romântica de uma ópera que Febo...

— Febo? — Ve a interrompeu.

— É o nome dele. Ele é grego, romano, latino... sei lá. Sabia que Pamela significa “tudo o que é doce” na língua grega?

— Pammy, está perdendo o foco. Comece de novo. O nome dele é Febo e...?

— Ah, sim... Primeiro tocaram essa música de ópera. Ele sabia a letra e, Deus! , foi muito romântico. — Ela suspirou.

— Você já disse isso. Conte mais!

— Começou a chover e nós corremos para debaixo de uma árvore. Não vai acreditar nessa parte... Estávamos ali e... Ve, eu já disse como ele é lindo?

— Concentre-se, por favor!

— Desculpe. De qualquer forma, estávamos ali de pé e a fonte começou a jorrar de novo, com Faith Hill cantando This Kiss !

— Está brincando.

— É sério! E então aconteceu.

— Transaram ali mesmo, na rua?

— Não! Estávamos na calçada, e não transamos coisa nenhuma, apenas nos beijamos.

— Em seguida foram para o seu quarto e copularam como dois coelhinhos heterossexuais tarados?

— Não! — Pamela limpou a garganta e teve o desejo insano de sussurrar o restante da história. — Mas ele me carregou até o quarto.

— Quer dizer como Rhett e aquela gostosa da Scarlett?

— Exatamente assim. Só que eu torci o tornozelo, e estava chovendo.

— Caiu dos scarpins .

— O que prova como esse cara me tira do prumo porque, como você mesma sabe, eu poderia correr em uma pista de gelo com um salto sete! — afirmou Pamela, presunçosa.

— Ele bancou o cavaleiro numa armadura reluzente — um clichê, a propósito, que vocês, meninas hetero , adoram — e ainda não dormiu com o pobre trípode?

— Ainda não — Pamela concordou sem fôlego.

— Ainda? Entregue o restante da história!

— Temos um encontro esta noite. Tcharam!... — ela terminou com o floreio verbal.

— Não brinque...

— Brinco.

Ve, uma namoradeira contumaz, foi direto ao assunto:

— Está bem. Qual é o plano?

— Acho que poderíamos ir jantar — ponderou Pamela.

— Pammy, está em Las Vegas. Pode fazer melhor do que isso.

— Por favor, não me diga que temos que jogar primeiro...

O suspiro da outra moça foi longo e sofrido.

— Claro que não! Vegas é a Meca dos shows fabulosos. Vão assistir a algum, de preferência um bem sexy .

— É uma boa ideia, mas... Eu não deveria esperar para ver o que ele planejou?

— Pammy, sabe que eu sou sua amiga, então, por favor, não leve isso para o lado errado... Está disposta a entrar em outro relacionamento em que o homem sempre assume a liderança?

— Não! — a palavra saiu em um lampejo de raiva. — Não quero nada parecido com o que Duane e eu tivemos. Não sou mais aquela menina boba com quem ele se casou.

— Você não era boba, Pamela. Era apenas imatura e estava apaixonada. Cometeu um erro, e isso acontece com todo o mundo.

— Pois não vai acontecer comigo de novo — Pamela declarou com firmeza.

— O quê? Apaixonar-se ou ser imatura?

Pamela abriu a boca para dizer “as duas coisas”, mas depois se lembrou do azul suave dos olhos de Febo e do interesse e desejo com que ele a fitava. Também se recordou de outra coisa que tinha quase certeza de ter visto em seus olhos, em sua voz e na maneira como ele a tocara: uma busca familiar que chegara a seu coração, assim como à sua alma.

Almas gêmeas.

O pensamento pairou como o perfume das flores de primavera em sua mente.

— Eu não sou mais tão jovem — lembrou, contida. — Não há como eu me apaixonar em um fim de semana.

Vernelle riu.

— Continue a dizer isso para si mesma, Pammy.

Pamela franziu a testa.

— Preciso desligar. Tenho muito que fazer antes desta noite.

— Por exemplo...?

— Desenhar essa fonte horrorosa, de modo a ter algo para enviar aos Meninos das Fontes .

“Meninos das Fontes” era como Pamela e Ve chamavam os irmãos que possuíam um enorme atacado de fontes, o qual a Ruby Slipper usara diversas vezes para atender a pedidos contendo todos os tipos de aparato envolvendo água. — Estou aqui para trabalhar, lembra-se?

— Pensei que Faust tivesse dito para aproveitar o fim de semana e estudar o ambiente do Fórum.

— Isso não significa que eu possa ignorar o trabalho. O que me fez lembrar: vai se encontrar com a sra. Graham hoje?

— Sim, claro. A mulher dos gatos e eu temos uma reunião esta tarde. Vamos discutir a cor de suas janelas. Reze por mim.

Pamela riu.

— Vou ver se consigo encontrar uma vela para acender.

— Muito bem, já chega de falar sobre trabalho a ser feito. Devia estar à toa, não trabalhando.

— Verdade. Acho que já absorvi o suficiente desta breguice romana. Quanto antes eu começar este trabalho, mais cedo me livrarei dele.

— Fantasia e diversão, lembra-se?

— Vernelle, esta noite vou sair com um lindo estranho chamado Febo. Isso não é fantasia e diversão suficiente para você?

— Misture um pouco dessa sua arrogância com o trabalho, sem perder o senso de humor, e creio que terá a receita perfeita para ter sucesso tanto com E. D. Faust, como com Febo. Divirta-se com ambos, Pammy.

Diversão, Pamela repetiu em pensamento. Sua vida pessoal tinha definitivamente deixado de ser divertida. Era confortável, segura, mas divertida, feliz, alegre?... Não.

Seu trabalho também deixara de ser prazeroso? Ela gostava do que fazia e estava satisfeita. Mas qual fora a última vez em que havia sentido uma onda de alegria na conclusão de um projeto?... Não conseguia se lembrar.

O pensamento a fez sair do ar.

— Pammy? Ainda está aí? — Ve perguntou.

— Sim. Eu só estava pensando.

— Que tal reservar à fonte uma hora de seu tempo, depois chamar a concierge e pedir que ela providencie as entradas para um espetáculo?

— Ok, ok. Tem razão — ela anuiu.

— E amanhã eu quero um relatório completo!

— Você o terá.

— Ótimo. Bye-bye , passarinha — Ve brincou antes de desligar.

Pamela esfregou o sono dos olhos. Tomara ela tivesse algo para relatar no dia seguinte.

Antes que mudasse de ideia, discou nove para a recepção, e uma mulher de tom eficiente atendeu ao segundo toque.

— Sim, srta. Gray. Como posso ajudá-la?

— Eu gostaria de assistir a um show esta noite. — Pamela fez uma pausa e respirou fundo. — Um espetáculo erótico. Mas nada muito desagradável — completou depressa.

— Claro que não, senhora. Recomendo um show que está no hotel New York, New York. É da mesma empresa que produz o Cirque du Soleil . Já ouviu falar deles?

— Sim, eu assisti a um espetáculo do Cirque du Soleil quando eles foram a Denver.

— Excelente. Essa produção se chama Zumanity . É bem erótica, mas de muito bom gosto.

Eu mesma vi e gostei muito. Na verdade, as entradas devem estar esgotadas, mas o hotel tem acesso a alguns tickets extras.

— Perfeito. — Pamela suspirou, aliviada por tudo estar se encaixando tão facilmente.

— De quantos ingressos vai precisar?

O sorriso de Pamela telegrafou através da linha telefônica.

— De dois, por favor.


Capítulo 12


Pamela mudou o peso do corpo e sentou-se sobre os pés, concentrada em desenhar a fonte.

Ou melhor, a sua versão da fonte. Manteve a forma de trevo desta, porém diminuiu seu tamanho e ignorou as horríveis estátuas de Ártemis, Apolo e César, substituindo-as por lindas espirais que pareciam ondas, do meio das quais peixes jorravam água.

Olhou para a estátua gorducha no centro e suspirou. Não importava o quanto ela “consertasse” aquela coisa gimensa ; não havia como transformar Baco em algo aceitável. Muito menos com Eddie insistindo para que a escultura fosse animada.

Sentiu os dedos, que antes voavam sobre a página do bloco, diminuírem o ritmo. Desenhou um pedestal central, porém deixou o espaço onde o Deus do Vinho se sentava vazio. Decerto poderia convencer Eddie a aceitar algo menos... — franziu a testa para a estátua — ... menos gordo e hediondo.

Olhou para o relógio. Três e meia. Ainda tinha quatro horas e meia até o encontro.

Precisava pegar a câmera e tirar fotos das colunas, bem como fazer anotações sobre cores e texturas. Todo esse trabalho preliminar seria necessário na segunda-feira, quando ela se encontraria com Eddie na casa dele, enfim.

Deveria se concentrar na tarefa, contudo, sua mente insistia em vagar por coisas mais prazerosas. O dourado das colunas ornamentadas lembrava o brilho do cabelo de Febo. Agora que não que precisava mais se preocupar com o esboço da fonte, seus pensamentos, volta e meia, se concentravam nele. Mesmo o céu de mentira, com nuvens macias revolvendo, lembravam seus olhos.

Inferno , até aquela estátua cafona de Apolo se parecia com ele de alguma forma! Era como se Febo fosse uma daquelas luzes brilhantes que atraíam insetos, e ela, uma mariposa apaixonada!

Estava obcecada. Sabia disso. E mais do que decepcionada por perceber que, na verdade, não se importava com seu estado. Pelo contrário, sentia-se como quando lia um livro maravilhoso: como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa e desfrutando cada segundo.

Seu sorriso foi lento e muito, muito sensual. Talvez ela devesse mesmo jogar. Sentia-se, sem dúvida, com muita sorte.

Como se ecoando seus pensamentos, uma moça esbelta se aproximou da fonte, falando, excitada, com uma amiga.

— Acredita na nossa sorte? Meu Deus! Tropeçar na liquidação anual da Chanel !

Liquidação da Chanel ? Os ouvidos de Pamela se aguçaram.

— Pensei que eu fosse desmaiar quando vi o preço daquele vestido! — Carregando sacolas abarrotadas de compras, as duas mulheres passaram, rindo, por seu banco.

Pamela lançou à fonte um último olhar de desprezo e quase riu alto. Devia ser o destino... ou talvez um presente dos deuses. Ela iria comprar um novo e fabuloso vestido Chanel para usar naquela noite, iria a um show erótico com um pedaço de mau caminho , e podia até mesmo fazer sexo com ele depois!

Sentiu o estômago se apertar.

Esqueça isso, está se precipitando!

Respirou fundo.

Ora... Poderia, mesmo, ficar com Febo depois. Um bom amasso não estava fora de questão. Fechou o bloco e o guardou na pasta de couro.

Vermelho. Iria comprar um vestido vermelho que deixasse as pernas de fora. Podia até mesmo ir a uma pedicure.

Sim, iria fazer isso. Esmalte vermelho nos pés era uma necessidade numa situação daquelas.

Decidida, Pamela rumou para o paraíso da alta-costura, cantarolando baixinho.


Baco tamborilou os dedos na mesa do restaurante. As coisas não estavam indo como ele planejara.

— Traga-me outra tequila! — rosnou para uma garçonete que passava, arrependendo-se em seguida quando ela se encolheu sob o calor de sua ira e quase derrubou várias cadeiras na pressa para chegar ao balcão e fazer o pedido. Já era ruim o bastante que os jovens olímpicos o estivessem aborrecendo. Fazer que ele descarregasse sua irritação em pessoas inocentes de seu reino era inaceitável.

Afinal, aquele ainda era o seu reino.

A atendente voltou correndo para a mesa, trazendo a tequila.

— Sinto muito, eu devia ter prestado mais atenção ao senhor. Não foi minha intenção fazê-lo esperar tanto pelo seu drinque.

Baco sorriu e tocou a garçonete no braço, transmitindo-lhe uma dose de magia. No mesmo momento, o olhar aterrorizado da moça desapareceu, suas faces coraram e seus lábios se entreabriram, sedutores. Como ela podia tê-lo considerado um estranho assustador e obeso? A raiva do homem não era tão palpável, e ele não era assim, tão gordo. Era apenas grande, e ela gostava daquele tipo. De verdade.

Um estranho calor emanou dos dedos dele, fluindo por seu braço e percorrendo seu corpo. Sentiu os nervos formigarem e suas partes mais íntimas ficarem úmidas.

Fitou os olhos escuros e se inclinou para mais perto do homem, desejando que ele tirasse a mão de seu braço e a deslizasse para o meio de suas pernas...

Baco riu e acariciou a carne firme do braço da menina.

— Mais tarde, esta noite, irá à minha suíte. Apenas pense em mim, e seu desejo a levará ao quarto certo.

Apenas após ter a certeza de que seu comando fora plantado no subconsciente da moça, o deus rompeu o contato com sua pele.

A garçonete estremeceu com um intenso prazer.

— Sim! — gemeu, enlevada.

— Agora, caia fora. — Ele gesticulou, e um véu pareceu se erguer dos olhos dela.

A moça piscou e sorriu para ele, hesitante.

— Há mais alguma coisa em que eu possa servi-lo, senhor?

— Mais tarde, talvez.

Ela se afastou devagar, parecendo ainda meio atordoada.

Baco estudou com atenção as nádegas arredondadas, imaginando como seria senti-la sob ele naquela noite. Ela era deliciosa, jovem, tenra... e agora estava apaixonada. Afinal ele era um deus; podia facilmente ter certeza de sua adoração.

Mortais modernos precisavam adorá-lo. Ele estaria fazendo à jovem um favor ao adicionar a inebriante magia do vinho e da fertilidade à sua vida mundana.

No entanto, ele era o único deus que tinha o direito de usar seu poder em meio a eles. Las Vegas fora descoberta sua, portanto ELE NÃO PARTILHARIA SEU REINO! Muito menos com os gêmeos dourados. Ele sempre os desprezara por sua perfeição e sua displicente arrogância sobre tudo. Apolo e Ártemis não haviam se contentado em permanecer no Caesars Palace e em jogar ao lado dos mortais. Tinham encontrado o caminho para seu lugar predileto: a fonte do Fórum.

Sim , pensou Baco. Ele usara seu poder imortal por meio das ninfas com a intenção de chocar os gêmeos. Visara de propósito àquela mortal reprimida e a levara a beber o suficiente de seu vinho para dar sequência aos eventos que permitiriam a conclusão da invocação.

Conhecia o temperamento de Ártemis. Todos no Olimpo conheciam. E tinha certeza de que a diva iria fazer algo para impedir a evocação, principalmente quando ele usara sua caricatura de Deusa da Caça de um modo tão desrespeitoso. Agindo contra ele, aqueles dois deuses inferiores acabariam por trair a si mesmos no mundo moderno.

Que espetáculo inebriante não teria sido!

Claro que testemunhar a ira de Zeus também teria sido ótimo. Depois que as nuvens de tempestade houvessem se dissipado do Olimpo, ele, Baco, poderia ter deslizado pelo portal esquecido e, mais uma vez, ficado sozinho em sua magnífica Las Vegas para reinar sem restrições ou regras que limitassem seus desejos.

Mas nenhum dos gêmeos havia interrompido a invocação, e a mortal invocara Ártemis para cumprir seu desejo mais sincero de verdade.

E Apolo começara a cortejá-la! Ele os vira namorando pelo restante da noite. Tinha certeza de que o Deus da Luz não estava usando nenhum de seus poderes imortais para seduzir a mulher.

A raiva se avolumou dentro de Baco. Apolo nem precisava usar seus poderes e seduzir com magia. Era dono de um corpo musculoso e dourado que denotava uma beleza masculina muito acima dos padrões mortais. Não era justo que o Deus da Luz fosse tão bem-dotado!

Cerrou o maxilar. Persuadira o céu do deserto a enviar uma tempestade para arruinar o encontro daqueles dois, mas também não dera certo. Por isso cutucara a desavisada mortal, fazendo-a prender o salto na calçada. Ela devia ter ido parar no meio do tráfego, e o deus dourado ter traído sua presença na tentativa de salvá-la. Porém, Apolo conseguira frustrar o acidente que ele orquestrara sem que os mortais de Las Vegas percebessem que havia um poderoso imortal entre eles.

Aquele insuportável!

Mas ele não toleraria outro deus usurpando seu lugar.

Lembrou-se do beijo apaixonado que Apolo e a mortal tinham trocado, e da forma como este a carregara em meio à chuva, como se fosse um herói. A moça era o que mantinha o interesse do Deus da Luz em Las Vegas. Mas quem poderia adivinhar por quanto tempo ele ficaria brincando com a mortal? E se, depois que Apolo se cansasse dela, o deus descobrisse que adquirira um gosto especial pelas mulheres modernas?, questionou Baco. Afinal, ele mesmo desenvolvera tal gosto.

Engoliu um último trago da potente bebida. Não. Isso jamais aconteceria. Ele não iria suportar ver Apolo seduzindo suas mortais.

Mas como poderia se livrar do Deus da Luz? Não era tarefa fácil. Apolo, decerto, não iria trair a si próprio e se revelar uma divindade, atraindo a ira de Zeus. E nem ele nem sua irmã gêmea aparentavam estar com pressa de contar ao senhor dos deuses a respeito da invocação que ele, Baco, havia provocado. Infelizmente, era óbvio que, após ter dado início à sedução da mortal, Apolo parecia, de fato, estar se divertindo.

Baco apertou os dentes. Só podia culpar a si próprio por aquilo, portanto era problema seu descobrir uma maneira de neutralizar o gosto que o Deus da Luz adquirira por Las Vegas.

Queria gritar de raiva. Como Apolo podia não desfrutar Vegas? A cidade era um verdadeiro playground para os deuses, e o outro tinha o poder de dar vida à sua magia, assim como ele.

O desprezo desenhou um sorriso de escárnio no rosto do Deus do Vinho. Ele gostaria muito de ver o Deus da Luz sobreviver em Las Vegas sem seus poderes sobrenaturais. Apolo seria como uma criança perdida em uma floresta escura. Julgava-se superior a ele, Baco, mas não conhecia nada do mundo dos mortais modernos. Não possuía as mesmas reservas de dinheiro nem as suítes de luxo, muito menos o vasto conhecimento de como manipular os mortais a seu bel-prazer.

De repente, Baco endireitou-se sobre o assento que mal lhe comportava o corpo. Era isso! Se ele conseguisse um modo de fazer Apolo perder o fechamento do portal na noite seguinte, o grande Deus da Luz ficaria aprisionado no mundo mortal por um período de cinco dias, sem nenhum de seus formidáveis poderes. Ficaria fraco, desamparado... miserável. Quando o portal fosse reaberto, ficaria feliz em partir para o Olimpo e nunca mais voltar.

E seria apenas uma questão de tempo antes que a antipatia do Deus da Luz por Las Vegas se alastrasse pelo restante daqueles esnobes olímpicos.

Ele faria isso, decidiu Baco, sorrindo com horrível malícia. Apolo ficaria preso em Las Vegas sem nenhum poder.


Capítulo 13


— As roupas são mesmo muito estranhas, senhor, mas ainda o consideramos bastante atraente com elas — declarou a ninfa loira em uma voz melodiosa e sedutora.

O restante do grupo de divindades que se reunira em torno de Apolo após ele ter saído do closet murmurou sua concordância.

Apolo estudou o próprio reflexo no enorme espelho com moldura entalhada. Na noite anterior estivera tão distraído, após deixar Pamela, que havia se esquecido de recuperar as próprias roupas na loja de Armani.

Naquela manhã, seu encontro com Pamela fora a primeira coisa a lhe vir à cabeça e, por consequência, tinham surgido as dúvidas quanto ao que ele deveria usar e aonde poderiam ir. Seu traje moderno fora arruinado pela chuva, e Apolo se perguntou, ao inspecionar a camisa amarrotada, como os mortais daqueles tempos faziam para atender à constante necessidade de novas roupas.

Ao menos aquilo explicava a proliferação de lojas oferecendo todos os tipos de vestimenta. Devia-se perder muito tempo tentando se trajar devidamente no Reino de Las Vegas.

Ele era um deus, contudo. Não queria desperdiçar tempo adquirindo uma quantidade interminável de roupas. Por isso fizera o que muitos dos imortais faziam: enviara ninfas para comprá-las por ele.

Tirou um fiapo da manga da camisa creme que era do mesmo estilo da que ele estragara na chuva, mas que possuía linhas azuis quase imperceptíveis trabalhadas no tecido. As calças eram feitas de um linho de qualidade, num tom mais escuro do que a camisa.

Era sempre sábio evocar o auxílio de ninfas em se tratando de cores e estética. Os tons sutis que elas tinham escolhido pareciam os dos primeiros raios de sol mesclados com o azul e coral do amanhecer.

— Fizeram uma excelente escolha. — Sorriu para as ninfas, que sorriram de volta e se alvoroçaram em seu louvor.

A mais ousada do grupo, uma dríade de cabelos castanhos com quem ele se lembrava de ter tido um caso apaixonado vários séculos antes, chegou mais perto. Jogou os cabelos compridos até a cintura para trás, exibindo o corpo sob a túnica diáfana e quase inexistente.

Conforme os olhos de Apolo se voltaram naturalmente para os mamilos escuros, estes se contraíram em uma resposta instantânea.

— Por que não fica conosco, Deus da Luz? — ela ronronou, correndo as mãos pelo próprio corpo. — Podemos entretê-lo muito melhor do que qualquer mortal.

— Sim — concordou outra ninfa, aproximando-se. — E não vai precisar usar nenhuma roupa para o que estamos oferecendo...

As outras divindades riram, sedutoras, e se puseram a dançar de improviso em torno de seu deus favorito. Sorriam num claro convite, fascinando-o com sua estonteante beleza e sensualidade.

Apolo as observou, divertido e lisonjeado pela demonstração de carinho. Ele sempre fora muito querido pelas pequenas semideusas. Elas eram como flores lindas e eróticas que ele poderia colher sempre que quisesse, e cujo néctar podia apreciar a qualquer momento.

Mas, desta vez, não ficou tentado a provar dos seus encantos. Se as ninfas eram como flores, Pamela era como a Terra — fértil e sensual. E o que ele mais desejava no momento era mergulhar em sua exuberância.

— Talvez em outra hora, minhas queridas.

— Vão embora!... — Uma voz forte, a versão feminina da sua própria, veio da porta. — O Deus da Luz vai estar ocupado esta noite.

As ninfas desapareceram da sala, lançando olhares nervosos na direção de Ártemis.

— Não precisava ofendê-las — ralhou Apolo, passando os dedos pelo cabelo.

— Digamos que eu esteja um pouco aborrecida, e que tenha coisas mais importantes na cabeça do que esse seu afeto por ninfas... Por exemplo, estou me sentindo acorrentada a uma mortal de um modo que até Prometeu iria achar difícil suportar!

Apolo riu.

— Não pode ser tão ruim assim.

O rosto de sua irmã permaneceu tenso e sério.

— Sinto o peso da vontade e do desejo de Pamela, e ambos são consideráveis.

As palavras fizeram cessar o riso de Apolo.

— Aconteceu alguma coisa com Pamela? Ela está bem?

— A tolinha está ótima. Está apenas cheia de desejo e expectativa. Chega a ser opressivo.

— Pamela não é nenhuma tola — contestou Apolo após o enorme alívio que o inundou. Então ela estava segura. Não havia nada de errado com ela... além de um forte desejo por ele.

— Espero que esse sorriso ridículo no seu rosto seja porque vai levar a mortal para a cama esta noite e me livrará do fardo de sua invocação.

— É a minha intenção — ele concordou, e não se preocupou em parar de sorrir. Por tudo o que era sagrado, estava feliz!

— Fico muito contente em ouvir isso. — Ártemis lançou-lhe um olhar de enfado.

Apolo deu o braço à irmã enquanto caminhavam em direção ao Salão Nobre do Olimpo e ao portal para o Mundo Moderno.

— Eu já disse “obrigado” por me fazer visitar o Reino de Las Vegas com você?

— Eu nunca pretendi que isso tudo acontecesse — contrapôs Ártemis, porém teve que retribuir o sorriso do irmão. — Embora eu tenha pressentido que precisava de um pouco de diversão.

Apolo permaneceu em silêncio até ficarem frente a frente com o portal. Então fitou a deusa com uma expressão no olhar que Ártemis não conseguiu definir.

— Acredito que tenha me proporcionado muito mais do que uma simples diversão, irmã.

— Basta se certificar de que estarei livre em breve — ela proclamou, escondendo o leve mal-estar que o comportamento estranho de Apolo lhe despertava.

— Não se aflija, Ártemis — ele pediu, a voz e o corpo se desvanecendo conforme passava através do portal.

Ártemis o observou partir, a testa enrugada pela preocupação.

Suspirou, desgostosa. Teria que tomar conta de Apolo. Definitivamente, ele estava com a cabeça nas nuvens. Precisaria de um empurrão para fazer o que deveria ser feito. Balançou a cabeça e olhou para o portal. Às vezes ela não compreendia o irmão.


Pamela não o tinha visto ainda, e Apolo ficou à sombra da grande coluna de propósito, de modo a poder devorá-la com os olhos. Ela se encontrava sentada à mesma mesa em que estivera na noite anterior, tomando um gole de vinho da taça de cristal.

E estava magnífica. Seu vestido era de um tom rico de vermelho que combinava com o cabelo escuro e a pele clara. O modelo era simples e elegante: sem mangas e feito de um tecido leve que abraçava seu corpo como uma segunda pele, deixando parte da perna longa e sedutora exposta.

Ele sorriu e balançou a cabeça. Pamela calçava aqueles sapatos outra vez. Não o mesmo par da noite anterior, claro. Os que ela escolhera para se equilibrar naquela noite eram sandálias douradas que pareciam encarapitadas em adagas. Mal podia esperar para ver o que andar sobre elas faria para aquelas pernas e nádegas bem-feitas...

Sentiu as entranhas se revolverem e pesarem enquanto a observava. Tinha vontade de pegá-la e carregá-la para longe da multidão, direto para o quarto, onde poderia lhe mostrar o que era ser amada por um deus.

Deu meio passo em sua direção e então se deteve.

Não. Não queria apenas violá-la. Queria mais, e, para que pudesse ter mais, Pamela precisava conhecê-lo. Precisava saber quem ele era. Se ela fora enfeitiçada pelo ritual de invocação ou não, se tudo o que existia entre eles era sexo, sua relação com Pamela seguiria o rumo das que tivera com todas as suas outras amantes: eles iriam se separar tão logo seus corpos estivessem saciados.

Apolo pensou em Hades, em Lina e na alegria que eles haviam encontrado juntos. Queria ser feliz também, e nunca iria encontrar a felicidade se a luxúria fosse seu único objetivo.

Saiu das sombras em que estivera se escondendo, movendo-se na direção de sua futura amante com passos fortes e decididos. Percebeu o instante em que ela o viu. Seus olhos se arregalaram de leve, e sua boca deliciosa se curvou em um sorriso doce de boas-vindas.

O coração de Apolo disparou. O que Pamela o fazia sentir além daquela expectativa e desejo insanos? Nervosismo?... Aquela pequena mortal moderna conseguia deixar o Deus da Luz nervoso!

Conforme Febo chegou mais perto dela, Pamela sentiu uma onda de tensão e excitação. Estava mais do que feliz por ter comprado o vestido Chanel novo e, naquele momento, nem se importou mais que este não fosse da liquidação. Ao menos tinha certeza de que estava bem.

Agora, tudo com o que precisava se preocupar era em não abrir a boca e ficar gaguejando como uma idiota.

Os olhos dele pareciam ainda mais lindos do que ela se lembrava. Eram como os de Paul Newman multiplicados por cinco!

E, nossa , Febo era alto!... Tão deliciosamente alto.

— Boa noite, doce Pamela. — Apolo pegou sua mão e a levou aos lábios, fazendo que estes permanecessem em contato com a pele macia por mais tempo do que o necessário, porém não o suficiente para fazê-la sentir-se desconfortável.

Ficou satisfeito ao vê-la corar em resposta. Ele podia ser inexperiente em se apaixonar, mas o Deus da Luz não era inexperiente em seduzir.

— Está tão linda que alguém deveria pintar um retrato seu, ou então escrever um poema em homenagem a essa sua graciosidade.

— Obrigada... acho — ela agradeceu, tentando recuperar o equilíbrio. — Quero dizer, se “graciosidade” é um elogio.

— Claro que é. — Ele ainda segurava a mão dela.

— Obrigada. Agora para valer.

— De nada. — Relutante, Apolo soltou-lhe a mão e sentou-se a seu lado. — Não saiu dos meus pensamentos hoje, Pamela. — Deixou o olhar deslizar pelo rosto perfeito, depois pelo restante do corpo esbelto até as longas pernas que ela cruzara de lado, exibindo a pele perfeita. — Seu tornozelo deve estar recuperado se esta noite decidiu se equilibrar de novo nessas lâminas.

Ela sorriu e moveu o pé.

— Está perfeito. E não estou calçando “lâminas”. São meus sapatos novos, da última coleção Prada, que me custaram uma fortuna. Fiquei apaixonada por eles, então não tive escolha senão levá-los para casa comigo.

— Sapatos de sorte — ele replicou com voz rouca, antes de se curvar e lhe segurar o tornozelo. Passou o polegar por toda a sua extensão, enquanto sentia os ossos e tendões que havia curado na noite anterior, a fim de se certificar de que tudo estava bem.

Mas foi difícil para ele se concentrar na cura. O tornozelo de Pamela estava muito sensual no pequeno sapato, e ela pintara as unhas com um vermelho brilhante que combinava com o vestido, o que tornava os pés semidescalços indescritivelmente sexy .

Pamela sentiu o calor do toque viajar do tornozelo até as coxas, indo parar, inebriante, na boca do estômago, tal qual um uísque caro. Ficou desapontada quando Febo soltou seu pé.

Apolo fez sinal para que o servo lhe trouxesse uma taça de vinho antes de voltar a atenção para ela de novo.

— Já sabe o que fiz hoje: pensei em você. Agora me diga o que fez aqui, em Las Vegas, já que o tempo demorou a passar até que pudéssemos nos encontrar outra vez.

Maravilha , ela pensou. A conversa tinha começado bem. Eles precisavam conversar porque ela necessitava de tempo, e de jogar conversa fora, a fim de manter os hormônios sob controle.

Por favor, por favor, por favor!... Não me deixe falar nenhuma besteira!

— Primeiro fiz algo que quase nunca faço: dormi até tarde.

Ele levantou uma sobrancelha dourada, divertido.

— Sou, decididamente, uma madrugadora. Costumo levantar a tempo de beber uma xícara de café enquanto vejo o lindo nascer do sol no Colorado.

— Gosta do amanhecer?

— Adoro! — Ela sorriu, relaxando diante do assunto familiar. — Na verdade, o nascer do sol é um dos meus momentos favoritos.

A resposta veio do fundo da alma de Pamela e, de repente, Apolo desejou se abrir, dizer quem era e compartilhar seu mundo e sua vida com ela. Pamela adorava ver o sol nascer. Não era razoável supor que poderia adorar o Deus da Luz?...

Ele abriu a boca para lhe dizer seu verdadeiro nome, contudo seu lado mais racional freou o impulso. Não queria que ela o adorasse como a um deus. Queria que ela se apaixonasse por Febo, o homem dentro de Apolo.

Ainda assim, mal pôde mascarar o intenso desejo que lhe permeou a voz:

— O amanhecer também é muito importante para mim. Talvez, em breve, você e eu possamos ver o sol subindo no céu juntos...

Pamela corou e não soube o que dizer. Não pôde nem mesmo gaguejar.

Droga , aquilo era muito mais do que apenas estar sem prática em termos de namoro e paquera! Febo a deixava sem fôlego. Ela queria... queria...

Maldição dos infernos! Queria tantas coisas quando ele a fitava daquela maneira!

Mas também desejara tantas coisas quando conhecera Duane. Ele parecera deter a chave de sua felicidade e, no fim, a realidade mostrara que a única coisa que o ex-marido tinha nas mãos eram os cordames emocionais com os quais ele pretendia mantê-la sob controle, sufocar seu espírito e a transformá-la em algo que ela não era: seu ideal de uma mulher perfeita. E ela ainda podia sentir as feridas causadas pelos cordames daquele relacionamento sufocante.

Portanto o melhor era ir com calma. Precisava ir devagar com Febo. Ele parecia maravilhoso, porém sua intuição lhe gritava que as coisas quase nunca eram o que aparentavam. Divertir-se naquele fim de semana era uma coisa. Emaranhar-se nos fios de outro relacionamento era outra.

Apolo leu o conflito nos olhos expressivos de Pamela e, em seguida, percebeu o modo como ela se esquivou.

E isso doeu nele mais do que poderia imaginar.

Mas não pretendia desistir tão facilmente, e seu sorriso foi quente e aberto.

— Bem — falou, como se não houvesse tido seu convite ignorado —, agrada-me saber que ambos gostamos do nascer do sol. Mas você disse que dormiu demais, então perdeu o amanhecer hoje. O que mais aconteceu no seu dia?

Pamela encontrou seus olhos. Eles eram tão calorosos e tão azuis!... Faziam que se lembrasse do céu de verão sobre o mar Mediterrâneo.

Inferno! Estava fazendo de novo: deixando-se encantar pela boa aparência de Febo como uma m... de adolescente!

— Pamela?

— Ah, desculpe. — Ela tomou um gole do vinho. — Eu estava divagando. Às vezes me falta concentração. Não com o meu trabalho — emendou, apressada. — Nesse ponto sou bastante focada. Aliás, como nesta tarde... Comecei a esboçar a minha versão dessa fonte horrível. Imaginei que tivesse ficado lá por uns vinte minutos, mas, quando fiz uma pausa e olhei no relógio, duas horas tinham se passado! — Pamela parou de falar e estreitou os olhos. — Fiz isso de novo, não foi?

— Isso o quê?

— Perder o foco, trocar os assuntos... — ... Falar bobagem , completou em pensamento.

— Com certeza.

— Desculpe, Febo.

Apolo sorriu. Ele gostava do raciocínio brilhante de Pamela, das expressões que desfilavam por seu rosto, principalmente quando ela falava sobre trabalho. Pamela não agia com interesses escusos, tentando seduzir o Deus da Luz, nem se mostrava como uma donzela deslumbrada com seus poderes imortais. Ela era real. Suas reações eram genuínas e honestas... Um afrodisíaco que ele jamais poderia ter imaginado.

— Eu não me importo. Gosto de ouvi-la divagando.

— Nossa, que estranho. — Ela fez uma pausa, tentando ver se ele estava sendo sarcástico ou zombeteiro. — A maioria dos homens acha isso aborrecido.

— Verdade? — Ele balançou a cabeça. — Acho que eu já disse antes: muitas vezes os homens são uns tolos.

— E eu já concordei com você nesse ponto!

Sorriram um para o outro.

Num impulso, Pamela ergueu a taça.

— A um homem que não é bobo.

— Aí está um brinde ao qual tenho o prazer de me juntar. — Ele riu e tocou a taça com a dele. — Agora me fale sobre esse esboço que fez. É artista também? Ou é como entender de arquitetura, algo essencial para que desempenhe bem o seu trabalho?

A pergunta a agradou. Mostrava que Febo a tinha escutado no dia anterior. Assim como a agradou a atenção com que ele esperou pela resposta.

— Gosto de desenhar, e sou bem razoável com aquarelas; mas não sou boa o suficiente para ser considerada uma artista. Mas está certo... É como ter que compreender os rudimentos da arquitetura no meu trabalho. Também é importante que eu seja competente em artes a fim de que eu possa criar maquetes para carpinteiros ou estofadores, ou até mesmo para escultores, de modo que eles possam ter uma ideia concreta do que meus clientes querem.

Apolo levantou ambas as sobrancelhas devagar, e seu olhar se voltou para a horrorosa fonte no pátio à sua frente.

Pamela acompanhou seu olhar, deu um longo e dolorido suspiro e balançou a cabeça.

— É isso mesmo, você adivinhou. Esse cliente, em particular, quer uma reprodução dessa coisa no pátio de sua casa de veraneio.

— Tem certeza de que compreendeu bem o que ele quer? — Apolo fitou o monólito jorrando, os olhos se fixando na reprodução medonha dele mesmo.

— Infelizmente, sim. Na verdade, o que eu estava tentando fazer hoje era chegar a uma solução de mais bom gosto, porém ele insiste que eu mantenha Baco como o centro da estátua. — Pamela estremeceu. — Vou ter que descobrir uma forma de fazê-lo mudar de ideia. Pelo menos consegui me livrar dessas duas esculturas laterais terríveis.

Apolo lançou-lhe um breve olhar.

— Quer dizer as estátuas de César, Ártemis e... — Sua voz vacilou antes de seu próprio nome.

— Apolo — completou Pamela. — Aquele com a cabeça grande e a harpa é, supostamente, o Deus do Sol.

Ele teve o cuidado de manter a expressão neutra.

— Na verdade, Apolo é chamado mais de Deus da Luz, e o instrumento que carrega é uma lira, não uma harpa.

— Ah — disse Pamela, estudando a estátua. — Eu não sabia que existia essa diferença. Mas você é músico, não é?... Tudo o que sei é que a lira fica verde-néon quando aquela coisa horrível se movimenta.

— Sim. — Ele tentou não fazer uma careta. — Foi o que ouvi dizer.

— Eu não sabia que Apolo era chamado de Deus da Luz. Pensei que fosse apenas o Deus do Sol. — comentou Pamela, com os olhos ainda voltados para a estátua.

— Essa é a forma como os romanos insistiam em chamá-lo. Para os gregos, ele sempre será o seu Deus da Luz, da medicina, da música, da poesia e da verdade.

— Da verdade?

— Sim, a verdade era muito importante para Apolo. Ele era um dos poucos olímpicos que consideravam a dissimulação e o subterfúgio uma ofensa.

— Eu não fazia ideia. Pensei que todos os deuses mitológicos fossem impulsivos e interesseiros. Lembro-me de um dos meus professores de Inglês descrevendo-os como playboys e mulherengos.

Apolo pigarreou e se moveu na cadeira, pouco à vontade.

— Os deuses são... eram muito apaixonados; e a paixão pode, por vezes, levar a atitudes impulsivas e interesseiras. Além disso, deve se lembrar de que no Mundo Antigo era considerado um privilégio para uma mulher ser amada por um deus. Particularmente pelo Deus da Luz.

— Quer dizer que o fato de Apolo dizer a verdade não significava que ele fosse fiel.

Apolo franziu a testa e não soube o que dizer. Queria se defender, mas não tinha como.

Pamela estava certa. Ele sempre fora verdadeiro, mas nunca fiel. Nunca havia tido qualquer desejo de ser fiel.

— Por acaso mitologia é um dos seus hobbies ?

— Pode-se dizer que é mais uma paixão do que um hobby — ele corrigiu com um leve sorriso. — Entendo o suficiente sobre o assunto para lhe garantir que a lira do Deus da Luz não ficava verde quando ele a tocava, e sua cabeça não era tão grande.

Pamela sorriu.

— Fico feliz em ouvir isso. Não imagino como ele poderia ser mulherengo com essa aparência!

— Sabia que alguns textos antigos relatam que Apolo encontrou o amor? — ele falou depressa, antes que o bom-senso lhe chegasse à voz. — E que, depois, ele foi fiel à sua amada?

— Eu não fazia ideia. Quem era ela? Alguma deusa fabulosa?

— Não, ele encontrou sua companheira de alma em uma mortal.

— Uma mortal?... — Pamela bufou. — Acho que é por isso que chamam isso de mitologia. Não imagino que uma mortal seria estúpida o bastante para se arriscar a amar um deus.

Apolo sentiu o peito se apertar.

— Mas, pense bem: ela se arriscou e conquistou sua alma gêmea.

O sorriso de Pamela foi lento e doce.

— Você é mesmo um romântico.

— Sim! — ele concordou com mais ênfase do que pretendia e teve de parar e tomar fôlego a fim de controlar as próprias emoções. — Mas não fui sempre assim. Na verdade, tenho agido muito como Apolo: satisfazendo-me em encontrar o amor onde é conveniente ou agradável, para depois nem pensar mais nele. Entretanto, sinto que estou mudando. — Ele deu de ombros e baixou a voz. — Talvez por isso eu compreenda tão bem as histórias em torno do Deus da Luz.

Pamela estudou a taça de vinho em silêncio. Não sabia o que dizer. Sentia-se definitivamente atraída por Febo, e o que ele dizia tocava seu coração. Febo parecia tão aberto e honesto!... Mas estava com medo. Pensar em ter uma aventura de fim de semana a deixava nervosa e confusa. Pensar em começar um relacionamento a aterrorizava.

Olhou para o rosto bonito e viu que ele a fitava, atento. Respirou fundo, mas, em vez de lançar mão de alguma piada improvisada sobre românticos ex-playboys, ouviu a verdade brotando:

— Estou divorciada. Tive um casamento ruim. Não... apague isso. Tive um casamento terrível. E não namorei mais desde então. Está sendo honesto comigo, portanto preciso ser honesta com você. Apenas pensar na possibilidade de um novo relacionamento me assusta. Não creio que eu esteja pronta para qualquer coisa além de... — Ela hesitou, não querendo soar como uma vagabunda ou uma idiota.

— Precisa superar o que aconteceu — interveio Apolo diante de sua hesitação.

— Verdade — Pamela concordou, agradecida por ele ter colocado em palavras o que ela não conseguira dizer.

— E vai superar, doce Pamela.

— Obrigada pela compreensão — ela murmurou, apoiando a mão sobre a dele. — Eu sei que parece loucura, afinal eu só o conheço há dois dias... Mas há algo em você que me faz sentir como se compreendesse o que quero dizer.

— É verdade, doce Pamela. E não tem ideia de como é raro duas pessoas encontrarem essa conexão. — Ele tinha vivido eras, literalmente, sem aquele tipo de coisa.

Pamela passou o polegar pela mão morena e se perdeu no azul espetacular dos olhos de Febo.

— Acho que posso imaginar.

O nó que se formara no peito de Apolo de repente se soltou. Pamela não resistia à ideia de se entregar ao amor; ela havia sido magoada. Muito magoada. Precisava se curar, e aquilo era algo que Apolo, o Deus da Luz, poderia fazer por ela.

— Eu lhe trouxe algo esta noite. Acho que agora é o momento perfeito para presenteá-la com isto... — Enfiou a mão no bolso e tirou dele uma delicada corrente dourada. Ergueu-a, de modo a permitir que a luz ilumi nasse a pequena medalha emoldurada por um estreito círculo dourado que pendia do fio. Em uma das faces, via-se o forte perfil de um deus grego.

— Nossa, que linda!... — suspirou Pamela. A moeda era de ouro, porém não era uma medalha comum. Seu formato era irregular, como se o círculo houvesse sido forjado, o que a fazia parecer muito antiga. — Mas não posso aceitá-la. Deve ser caríssima.

— Posso lhe assegurar que não me custou nada. Eu a tenho há muito tempo. Por favor, eu ficaria muito feliz se ficasse com ela. Afinal de contas, estivemos conversando sobre o deus que está representado na medalha.

— Verdade? Este é Apolo? — Intrigada, Pamela se inclinou para segurar a peça de ouro nas mãos, e estudou o bonito perfil.

— Garanto que a semelhança com o deus é maior do que a da estátua da fonte — afirmou Apolo, irônico.

— Engraçado. — Pamela olhou da medalha para Febo. — Ele se parece com você. Quero dizer, não exatamente... Mas o perfil é semelhante.

— Isso sim é um elogio. — O sorriso dele se alargou. — Pelo menos enquanto não diz que eu me assemelho àquela estátua também. — Ele apontou com o queixo na direção do Apolo cabeçudo da fonte.

— Não! — Pamela riu. — Não se parece nem um pouco com essa estátua.

Ele riu, apreciando a ironia da situação.

— Se usar a medalha, pode pensar em Apolo como seu deus particular — incitou. — Apolo poderia ser seu talismã. Talvez o Deus da Luz a ajude a resolver os problemas que vem tendo com o pedido incomum do seu cliente.

Pamela olhou da moeda para Febo, pronta a dizer “não, obrigada”, mas hesitou. Era assim tão errado aceitar um presente de um homem bonito? Gostava dele, e ele gostava dela.

Verdade que ela não acreditava nem por um instante que aquilo não havia custado nada a Febo. Mas ele era médico, devia ter condições para comprá-lo.

O fato de eles terem acabado de falar sobre Apolo, o deus que supostamente se apaixonara por uma mortal, era uma coincidência interessante. Mas também era muito tolo e romântico de sua parte e...

— Obrigada, Febo. Eu aceito.

Antes que Pamela mudasse de ideia, Apolo se levantou e se postou atrás dela, de modo a prender a joia em torno de seu pescoço longo e esguio. Primeiro, porém, segurou o talismã na palma da mão e concentrou seus vastos poderes de imortal na pequena peça de ouro.

— Que isto possa lhe trazer tudo o que Apolo representa: luz e verdade, música e poesia, e, acima de tudo, a cura. — Em seguida, colocou a corrente dourada em seu pescoço.

— Lindas palavras. — Pamela o fitou, tocando a medalha. E pôde jurar que a sentiu se aquecer em contato com seu corpo.

Apolo sorriu e se inclinou para roçar os lábios nos dela. Não tinha a intenção de que o beijo fosse mais do que uma breve demonstração de afeto; contudo, Pamela entreabriu a boca sob a dele e uma de suas mãos subiu para tocá-lo no peito.

No mesmo momento, Apolo aprofundou o beijo. A boca de Pamela era doce e macia, e ele queria provar mais dela. Queria prová-la inteira. Queria...

Alguém limpou a garganta.

— Com licença?

A voz do garçom rompeu a onda de luxúria que o envolvera, e o deus praticamente rosnou para o infeliz servo, que recuou e se desculpou:

— Perdão, senhor. É que está meio lotado aqui, e eu estava tentando contornar a mesa.

— Encontre outro caminho, ora! — explodiu Apolo.

O servo balançou a cabeça e se retirou, apressado.

Quando ele se voltou para Pamela, seu rosto estava em chamas.

Ela o cobriu com ambas as mãos.

— Não acredito que estou namorando em público. Sou uma mulher adulta!

— Então vamos a algum lugar mais sossegado — ele murmurou, acariciando-a em uma das mãos.

Pamela abriu a boca e olhou para ele. Resmungou algo incompreensível, depois fechou a boca e olhou para o relógio.

— Maldição dos infernos! — exclamou, frustrada.

— O que foi?

— São quase nove horas. — Ela apanhou a bolsinha dourada e se levantou da mesa. — Ah, Deus... Eu me esqueci! Qual o caminho para a entrada do Caesars Palace?

Apolo apontou na direção correta, perguntando-se o que havia de errado com Pamela. Ela começou a caminhar, apressada, depois parou, respirou fundo e voltou para onde ele continuava parado. Correu a mão pelo cabelo curto, nervosa.

— Desculpe. É que foi tão estranho eu beijá-lo assim, na frente de todo o mundo!... — Ela corou de novo enquanto se lembrava de como tivera vontade de devorá-lo e corresponder à sua paixão. — Isso me assustou. Então, de repente, eu me lembrei de que consegui dois lugares em um show cujas entradas já estavam esgotadas, e que começa em... — Olhou para o relógio novamente — ... quinze minutos! Por isso saí correndo sozinha, feito uma idiota. — Que coisa mais sem sentido!, acrescentou para si mesma em silêncio.

— Um show? — perguntou Apolo.

— Sim, chama-se Zumanity . Ouvi dizer que é erótico... mas de muito bom gosto. — Pamela desviou o olhar, tímida. — É do mesmo pessoal que faz o Cirque du Soleil .

Quando voltou a fitá-lo nos olhos, estes sorriam.

— Um circo erótico do sol? Fascinante. — Apolo pegou a mão dela e a prendeu no braço. — É melhor nos apressarmos.


Capítulo 14


Apolo não conseguia acreditar que os artistas de Zumanity eram mortais. As mulheres se moviam com a graça e a sedução das ninfas. Os homens eram todos belos de corpo e de rosto.

E a música!... A música era etérea; o cenário perfeito para o desfile de sensualidade feito sobre o palco e acima deste.

Ele e Pamela haviam sido calmamente conduzidos a um balcão particular para se acomodarem em um luxuoso sofá estofado, que parecia uma chaise longue . O show já tivera início. No meio do palco arredondado via-se um vidro enorme, como se fosse uma taça de vinho cheia de água; dentro do vidro, duas jovens mulheres vestiam quase nada: apenas tangas da cor da pele. Ao ritmo da música sedutora, as moças executavam uma dança de sedução inocente, personificando o despertar da paixão e do desejo femininos.

Embora o deus dourado estivesse muito mais interessado na mulher a seu lado, seu corpo agitou-se em resposta. Ele olhou de soslaio para Pamela, avaliando sua reação, e viu que ela assistia a tudo com os olhos muito abertos e redondos. Quando a cena acabou, aplaudiu com entusiasmo.

Ao desviar o olhar do palco e perceber Apolo olhando para ela, as faces já coradas de Pamela ficaram ainda mais cor-de-rosa.

— Gostou das meninas? — ele indagou num sussurro, assim que o palco escureceu por algum tempo.

— Gostei. Quero dizer, não sou lésbica, mas elas eram muito bonitas — explicou Pamela meio ofegante, o riso saindo como um sensual ronronar. Precisava se lembrar de dizer a Ve que compreendia sua atração pelas mulheres enfim.

Apolo se inclinou para ela, atraído por sua inusitada reação ao espetáculo.

— Não há nada de errado em apreciar a beleza do corpo de uma mulher. Teria de ser de pedra para não se sentir abalada por aquelas duas.

Pamela estava prestes a sussurrar de volta que nem de longe era feita de pedra, quando os holofotes iluminaram o palco de novo e a plateia se calou. Desta vez, um homem absurdamente musculoso, de pele negra e aveludada, surgiu no cenário por meio de um alçapão, no chão. Ele também não usava quase nada. Movimentou-se ao ritmo da música conforme era cercado por uma mulher tão loira como ele era escuro, e que estava vestida com várias camadas de um tecido diáfano. Os dois se encontraram no centro do palco e começaram a executar uma versão erótica da cena do balé de Romeu e Julieta . O homem foi tirando camada por camada da veste da companheira, até que ambos ficaram vestidos apenas com minúsculos “fios-dentais”. Moviam-se com uma graça fluida e sensual, e uma paixão um pelo outro que Pamela não acreditava ser fictícia.

A cena terminou e, desta vez, ela encontrou o olhar de Febo no mesmo instante.

— Eles devem estar apaixonados de verdade. Ninguém pode atuar tão bem assim. Juro que consegui sentir a tensão sexual entre eles!

— Agora, quem é a pessoa mais romântica aqui?... — ele provocou, colocando o braço em torno dela e puxando-a para perto.

Pelo restante da apresentação, foi onde Pamela ficou: recostada no corpo de Febo. No meio do espetáculo, pousou a mão na coxa firme, sobre o tecido macio de suas calças, por meio da qual ela podia sentir o calor e a rigidez da perna musculosa. Os dedos dele traçaram um caminho preguiçoso na pele nua de seu braço, acariciando o recuo suave do lado de dentro do cotovelo e provocando-lhe arrepios por todo o corpo.

Zumanity era, de fato, uma aventura em termos de erotismo. Excitava e provocava, seduzia e sensibilizava.

Quando a mão de Febo traçou o caminho por seu braço até acariciar seu pescoço devagar, Pamela teve que morder o lábio para não gemer alto.

Uma ruiva alta e impressionante, que lembrava muito Nicole Kidman, deixou o palco após uma performance sensual de autoerotismo e, antes que os aplausos da plateia morressem, luzes focaram num pedaço comprido de seda vermelha que caiu do teto escurecido do teatro, como se um gigante desatento tivesse lançado um lenço a esmo da janela do quarto. Este se desenrolou, expondo uma mulher cujo cabelo dourado até a cintura cintilou sob os holofotes. Seus braços permaneceram habilmente torcidos no lenço, de modo que apenas a ponta de seus pés descalços tocou o palco com graça. Abaixo dela, o final do tecido se amontoava como vinho no tablado negro. Sua beleza era hipnotizante e, conforme o público a viu, o teatro se dissolveu em um murmúrio coletivo de admiração. Num primeiro momento ela pareceu estar nua, exceto por um brilho que lhe cobria o corpo, mas, conforme as luzes piscaram e mudaram, Pamela percebeu que a mulher vestia um collant da cor da pele, coberto com minúsculas pedras que brilhavam como diamantes. A música começou, e o lenço foi alçado para o alto junto com a diva dourada. Ela começou a se movimentar e girar numa dança sensual, o tempo todo pendurada sobre a plateia. Era de tirar o fôlego.

— Ela parece uma deusa! — Pamela cochichou para Febo.

— Verdade — Apolo murmurou de volta, contente por Pamela estar tão hipnotizada pelo desempenho da moça que nem sequer registrara o choque em seu rosto. Permaneceu sentado e imóvel, tentando manter uma máscara de apreciação diante do show que sua irmã, Ártemis, realizava. Ele a reconhecera de pronto. Sua performance inteira estava permeada pelo erotismo do Olimpo.

Agora compreendia por que os mortais modernos pareciam tão encantados pela presença da própria Deusa da Caça. Embora ela preferisse sua floresta e liberdade, os boatos que haviam proliferado por conta de sua maneira independente de ser eram falsos. Ártemis não era uma deusa virgem. Ela era, sempre que queria, uma fêmea extraordinariamente sedutora.

E o que pretendia naquela noite era óbvio. Queria ter a certeza de que ele cumpriria a invocação, por isso, com seu beijo imortal de poder, abençoara os atores mortais com generosidade. Seu fascínio fora, portanto, aumentado, assim como a tensão sexual em meio ao público.

Ele tinha que admitir: fora muito inteligente da parte de Ártemis. Irritante, mas inteligente.

De repente, o público soltou nova exclamação quando uma figura pequena e musculosa adentrou o palco correndo. Os olhos de Apolo se arregalaram de surpresa. Um sátiro! Embora seus cascos fendidos estivessem camuflados por botas e pela magia da deusa, e os pelos que lhe cobriam as pernas permanecessem invisíveis sob as calças de seda que usava, para ele, Apolo, sua identidade era óbvia. A cabeça loira da criatura quase não passava da cintura de Ártemis, porém seu peito e braços nus eram tão musculosos que, conforme ele acenava para a diva, era como se fosse um dos Titãs.

O sátiro movimentou os braços em torno do final do lenço escarlate, e ele também foi alçado ao ar. Acima do palco, começou uma erótica perseguição, que não aconteceu apenas sobre o tablado. Ambas as personagens oscilavam sobre o público que assistia, extasiado, enquanto a excêntrica criatura atraía e persuadia, acariciando e seduzindo, até que, por fim, a deusa se dignou a ser “capturada”, e os dois foram suavemente baixados para o palco.

Chocado, Apolo viu a irmã permitir que o ente da floresta a envolvesse nos braços. Em seguida, a Deusa da Caça se deixou derreter com o beijo do sátiro em uma exibição pública de sensualidade que, ele sabia, Ártemis jamais permitiria se eles estivessem no Olimpo.

Os dois insólitos imortais saíram, os braços ainda em torno um do outro, e o público permaneceu em silêncio, com os olhos ainda voltados para o ponto onde a deusa fora vista pela última vez.

Apolo foi o primeiro a quebrar o feitiço sedutor da irmã, mas seu aplauso foi logo acompanhado por gritos e mais aplausos.

As luzes se acenderam, mas, antes que a plateia começasse a se levantar, o elenco de atores liderado por Ártemis voltou ao palco. A Deusa da Caça se dirigiu ao público:

— Saudamo-vos, amantes e amigos. Espero que tenham gostado da nossa pequena homenagem ao amor. — Sua voz soou doce como mel, atraindo os mortais com sua doce torrente de palavras. — Antes de irem embora, eu gostaria de conhecer alguns de vocês... se não se importarem.

Um alerta soou no íntimo de Apolo, contudo um murmúrio de excitação percorreu a multidão atenta, como o vento soprando uma floresta. A deusa sorriu com inocência, como se se dirigisse a multidões de mortais modernos todos os dias. Então começou a falar com eles, perguntando seus nomes, escolhendo jovens e tímidos casais e recém-casados, espalhando a magia de sua voz sedutora por todo o teatro.

Apenas uma vez Ártemis olhou para o camarote onde Apolo se encontrava sentado com Pamela. Fixou o olhar no do irmão somente por um breve momento, porém foi o bastante para que ele vislumbrasse a diversão na profundidade de seus olhos azuis. Quase imperceptivelmente, ela fez um movimento com os dedos e Apolo sentiu o calor de sua magia cascateando sobre ele, penetrando em sua pele e fazendo seu corpo intumescer e pesar.

A reação de Pamela foi mais simples. Como se em transe, ela pousou a mão em sua coxa, inclinou-se mais em sua direção e o fitou nos olhos. Sua respiração se acelerou e seus lábios se entreabriram em um gemido que foi mais do que um convite.

Apolo praguejou baixinho, apertou os ombros delicados com o braço e tentou se concentrar no palco mais uma vez. Não podia beijá-la. Sob o feitiço da magia imortal de Ártemis, nenhum deles seria capaz de se deter.

Vai passar , lembrou a si mesmo e, com o pensamento, sentiu a força da magia da irmã diminuir. Fulminou Ártemis com o olhar, porém esta o ignorou por completo. No círculo de seu abraço, sentiu Pamela se arrepiar. Soube que o intenso feitiço havia começado a deixar sua pele também, e respirou, aliviado.

Não estava usando seus poderes para seduzir Pamela. Queria que sua reação a ele fosse genuína. As loucuras de Ártemis eram tão bem-vindas quanto sua magia... Nenhuma delas trazia amor; apenas luxúria. Um desejo passageiro, que podia ser facilmente saciado.

E ele queria mais.

— Nossa, olhe! — exclamou Pamela, apontando para o palco enquanto tentava normalizar a respiração. Devia estar mais carente do que imaginava, porque aquele show a estava deixando louca! Poucos minutos antes, quando Febo sorrira para ela, teria subido nele ali mesmo!... Sem dúvida Ve estava certa: ficar sem sexo por muito tempo fazia uma mulher perder a cabeça. — Aquele casal acabou de dizer que veio aqui comemorar seu quinquagésimo aniversário de casamento.

— Cinquenta anos! — a linda Ártemis repetiu, e a multidão aplaudiu, educada. Um dos atores correu para a deusa e sussurrou em seu ouvido. Ártemis sorriu, assentiu com um gesto de cabeça e se dirigiu ao casal outra vez.

— Vocês subiriam ao palco para encerrarmos o nosso espetáculo com uma dança especial em sua homenagem?

Apolo se inclinou para a frente, de modo a enxergar melhor o casal de idosos que se ergueu devagar. Ao som de aplausos encorajadores, eles subiram a escada para o palco. As luzes diminuíram e uma valsa suave começou a tocar.

No início, o casal se moveu, desajeitado, até assumir um ritmo mais fluido e familiar. De repente, o homem grisalho virou a esposa, segurando o vestido em estilo capa que ela usava, e o público prendeu a respiração, surpreso. A mulher girou e o traje se desenrolou até que ela ficou de pé no palco, usando apenas um collant de dança e uma saia rodada. Fez uma reverência para o teatro, tal qual uma graciosa bailarina, e, em seguida, ela e o marido retomaram a valsa, movendo-se, desta vez, com a graça de dançarinos profissionais. Sem esforço, o homem ergueu o corpo ainda vibrante da esposa para o ombro, virou-se, mergulhou e, com um floreio, ela girou em seus braços mais uma vez.

A dança terminou como os dois se beijando no meio do palco.

— E, assim, celebramos o amor! Em qualquer idade, de qualquer forma. O amor é mágico e traz consigo um toque de imortalidade. Vão com a minha bênção esta noite, amantes, e busquem o prazer aonde forem. Amem, riam e sejam felizes! — proclamou a deusa, e, em uma explosão de faíscas, todo o elenco desapareceu pelo alçapão no chão do palco.

Os aplausos continuaram por muito tempo, mas, quando nenhum dos artistas retornou para o bis, o teatro começou a se esvaziar. O público era formado quase exclusivamente por casais e, enquanto estes saíam, viam-se muitas mãos dadas, conversas íntimas e toques sutis.

Quando os outros casais sentados à volta deles no balcão começaram a deixá-lo, Pamela hesitou. Ela e Febo se encontravam em pé, ao lado dos assentos e, por um momento, ficaram sozinhos, como se tivessem descoberto uma gruta dentro do teatro escuro. Um pouco como na noite anterior , Pamela pensou. Quando eles tinham se beijado na chuva.

Olhou para ele, dominada pelo misto de luxúria e desejo que lhe corria pelo corpo em uníssono com o bater de seu coração. Nesse momento, soube que iriam fazer amor. Estava cansada de se contentar com pouco. Queria alegria e satisfação.

Por isso mesmo falou em uma torrente, como se as palavras tivessem sido obrigadas a romper uma parede de cautela e inibições:

— Estou me sentindo como se estivéssemos sozinhos no mundo. Às vezes, quando olho para você, vejo um mar de possibilidades...

— Então continue vendo — ele respondeu, rouco. — E, acredite: eu jamais faria nada para feri-la. Pense em mim como no seu talismã de Apolo... Eu também quero que supere tudo e fique inteira, de modo que possa amar e confiar de novo.

Febo tocou a medalha que ela usava em volta do pescoço e, mais uma vez, Pamela sentiu um estranho calor atravessar o metal e seguir direto para seu coração. Cansada de hesitar, deslizou as mãos pelo peito largo e colou o corpo ao dele.

— Faria uma coisa por mim?

— Qualquer coisa que estiver ao meu alcance — ele prometeu, solene.

— Você me levaria de volta ao meu quarto e faria amor comigo? — ela quis saber, meio sem fôlego.

— Seria uma grande honra, doce Pamela... — Apolo disse baixinho, inclinando-se para beijá-la nos lábios.


Capítulo 15


Envolvidos em uma nuvem de ansiedade, eles caminharam de volta à suíte. Falavam pouco, porém tocavam um ao outro constantemente. Apolo já estava se familiarizando com as curvas e linhas do corpo de Pamela, e parou muitas vezes a fim de puxá-la para uma sombra e beijá-la com uma ternura que nada fez para mascarar seu crescente desejo. Queria Pamela com uma intensidade que era como um fogo se avolumando dentro dele e, para seu profundo deleite, Pamela correspondia com paixão. Era tão bom tê-la pressionada contra o corpo, como se sempre tivesse estado ali!...

Conforme caminhavam, pensou no casal de idosos que havia encerrado a produção no teatro. Sem dúvida eram atores plantados no meio da multidão, mas isso não significava que eles não tinham sido amantes de verdade. Ainda se lembrava de como os olhos do homem irradiavam amor e orgulho enquanto ele conduzia sua companheira de uma vida naquela valsa especial.

Suspirou. Sabia que nunca iria envelhecer ao lado de Pamela, mas a queria a seu lado. E queria isso com uma intensidade que o encheu de propósito.

Eles ficariam juntos, prometeu a si mesmo.

Pamela deslizou o cartão-chave na porta e, após uma luz verde e um clique, entrou na suíte à frente dele.

Sua hesitação se foi, então. Ela sabia o que queria. Queria Febo. Queria esquecer os erros do passado; não se importar sobre o que poderia ou não acontecer no futuro.

Algo lhe acontecera naquela noite enquanto assistia à mágica sensualidade de Zumanity . Percebera que estava errada. Duane não matara o romance, a diversão, nem mesmo o sexo dentro ela. Apenas fizera aquele seu lado hibernar.

E agora que este despertara, ela se sentia esfaimada.

Quando Apolo fechou a porta, Pamela se virou e caiu em seus braços. Ele a beijou demoradamente, querendo saboreá-la por inteiro agora que se encontravam sozinhos.

Quando ela gemeu em sua boca, Apolo se inclinou, segurou-a pelas nádegas redondas e a ergueu, de modo a pressionar-lhe o centro de seu corpo contra a própria ereção. Inquieta, ela se moveu de encontro a ele e, com um suspiro, Apolo interrompeu o beijo, lutando por controle.

— Estou perdendo a cabeça de tanto desejo que sinto por você! — gemeu quando a língua e os lábios carnudos deixaram um rastro quente na lateral de seu pescoço.

— Ponha-me no chão e eu me livrarei destas roupas! — O hálito quente de Pamela soprou em sua pele.

Apolo quase a derrubou, e a risada dela foi profunda e rouca.

Travessa, Pamela recuou para longe dele e começou a andar para trás, na direção da cama, enquanto alcançava a parte de trás do vestido vermelho e descia o zíper. Encolheu um ombro, a roupa deslizou, livre, e ela saiu do pequeno monte carmesim agora em seus calcanhares.

Os olhos de Apolo devoraram o corpo esbelto. Pamela usava algo preto e rendado que quase não lhe cobria os seios, mas que os levantava e os fazia apontar, sedutores, em sua direção. Outra peça parecida, também de renda, mal ocultava o triângulo escuro entre suas pernas. As sandálias douradas, com duas pontas parecidas com punhais, deixavam suas pernas longas e nuas incrivelmente sensuais.

Enquanto Pamela levava as mãos às costas outra vez, a fim de desabotoar a lingerie , ele cobriu a distância que os separava e a beijou com paixão.

— Eu o quero nu contra mim — ela sussurrou em sua boca.

Respirando com dificuldade, Apolo interrompeu o beijo longo apenas o suficiente para arrancar a camisa sobre a cabeça. Enquanto se atrapalhava com o estranho fechamento das próprias calças, Pamela deslizou para a cama, observando-o com olhos cintilantes.

E ainda calçava aqueles sapatos sexy !...

Apolo conseguiu ficar nu, por fim, mas, antes que pudesse se juntar a ela na cama, Pamela se ergueu sobre um cotovelo e o deteve com a mão.

— Espere. Fique assim... Deixe-me olhar para você. — Seu olhar viajou dos olhos cor de safira para o restante do corpo másculo, então ela passou a língua sobre os lábios antes de falar outra vez. — Febo, é o homem mais lindo que já vi. Deus, olhe só essa pele!... Cobre seus músculos como ouro líquido. — Balançou a cabeça e deu uma risada, meio sem fôlego. — Você deveria ser pintado por artistas. Escultores deveriam esculpi-lo. Como pode ser de verdade?

Apolo sentou-se na cama, a seu lado.

— Eu sou de verdade, e o que está acontecendo entre nós é real. Minha aparência não é nem pouco incomum ou extraordinária para mim.

Ele fez uma pausa, pensativo. Fizera amor com inúmeras mulheres, deusas e mortais. Antes, contudo, sempre havia usado a magia do seu poder imortal para aumentar o próprio prazer durante o ato.

Daquela vez seria diferente. Pamela era diferente. Ele não quisera usar seus poderes para atraí-la ou seduzi-la, mas queria muito que ela sentisse a profundidade de sua paixão. Queria que ela o conhecesse de uma maneira que nenhuma outra mulher tinha conhecido.

Tocou-a enquanto continuava falando.

— O que está acontecendo aqui dentro é novo e maravilhoso para mim. E a única forma que conheço de compartilhar esse sentimento é amando você. — Ele acariciou-lhe o pescoço longo com delicadeza e deixou os dedos se mover por entre as mechas curtas de seu cabelo. Quando a tocou, permitiu que parte de seu poder imortal escapasse de seus dedos e a varresse por inteiro, fazendo-a estremecer sob o toque. — Deixe-me amá-la, doce Pamela. Deixe-me tornar isso real para você.

— Sim! — ela sussurrou a palavra em sua boca.

As mãos de Febo deslizaram pelo corpo macio conforme seus lábios se encontravam novamente.

A pele de Pamela vibrou sob seu toque. Nunca antes ela se sentira tão sensível. Era como se houvesse se tornado um conduto vivo para todas as sensações ardentes, intensas, enlouquecedoras e eróticas de que sentia falta havia tantos anos.

As mãos de Apolo desceram por sua perna até chegarem ao pé. Olhos azuis cintilaram para ela; em seguida, ele beijou o tornozelo que ela ferira na noite anterior.

— Eu queria ter feito isso ontem, você sabe — sua voz soou rouca de desejo.

— Devia ter feito — ela ofegou. — Eu queria que fizesse.

Febo desafivelou a tira dourada da sandália e a retirou. Beijou o arco delicado de seu pé, e uma onda de eletricidade subiu pela perna de Pamela, indo parar bem no fundo de seu âmago já úmido.

— Que bom que gosta — ele sussurrou, indo para o outro pé. — Esta noite quero que acredite que é uma deusa sendo amada por um deus.

Pamela gemeu e mordeu o lábio enquanto ele deslizava a boca do arco de seu pé para a panturrilha. Febo tinha que ser mesmo um músico , pensou, quando ele lhe acariciou o interior da coxa, e seus lábios encontraram o vale atrás de seu joelho. Apenas um músico podia ter mãos tão habilidosas. Seu toque era quente, e ela se sentia derreter sob suas carícias.

Quando os lábios de Febo seguiram o caminho que ele traçara com as mãos até o interior de sua coxa, Pamela arqueou o corpo para encontrá-lo, soltando uma exclamação de prazer ao sentir a língua quente mergulhando em seu âmago. Seu orgasmo foi tão rápido e explosivo que seu corpo inteiro estremeceu em resposta.

Em algum lugar em meio à névoa de paixão, Pamela reconheceu que aquilo nunca lhe acontecera antes... Nunca fora tão rápido ou tão intenso.

Ainda tonta, estendeu os braços e Febo se juntou a ela.

— Estou aqui, minha doce Pamela — murmurou.

Ela sentiu o coração batendo contra o peito. O ritmo irregular de sua pulsação se igualava ao dele. Abriu a boca e as línguas se encontraram, fazendo-a provar em Febo o gosto do próprio sexo: salgado e doce ao mesmo tempo.

Aprofundou o beijo e arqueou o corpo, de modo que seu calor úmido ficasse pressionado ao membro rijo, então deslizou a mão entre ambos a fim de guiá-lo para ela.

Mas não o fez.

Não ainda , pensou. Em vez disso, manteve-o lugar, esfregando a ponta ingurgitada nas próprias dobras aveludadas, enquanto o afagava com a mão.

Até Pamela começar a acariciá-lo, Apolo se encontrava em pleno controle de si mesmo. Deleitara-se com a maneira desinibida como ela reagira a seus avanços, e usara seu poder imortal com cuidado, a fim de aumentar sua sensibilidade. Fizera amor com ela com seu corpo e sua magia, e, quando ela chegara ao clímax, bebera o mel de seu êxtase.

Mas Pamela possuía sua própria magia; e a sedução de uma mulher intensificada por um desejo sincero, além da alma de um deus.

— Não posso esperar mais! — A voz dele saiu rouca de paixão.

— Febo!... — ela sussurrou seu nome e, enfim, o guiou para dentro dela. Em seguida, arqueou o corpo de forma a receber seus impulsos.

Apolo mergulhou nela repetidas vezes. Em seguida se levantou, de modo a fitá-la nos olhos.

Cure-se! , a alma do Deus da Luz falou à de Pamela. Acredite que pode amar outra vez!

Seus olhos capturaram os dela, e Pamela não pôde mais desviar o olhar. Fora consumida pelo toque de Febo, por seu cheiro e pelo calor do corpo sólido em seu âmago. Correspondia a ele em um nível mais profundo do que o físico. Febo a tocava não apenas com o corpo, mas também com a mente, o coração... Talvez até mesmo com a alma.

Quando seu orgasmo teve início, seu enlevo a carregou com ele. Pamela fechou os olhos contra a intensidade do prazer que a varreu, e um flash de luz dourada explodiu em suas pálpebras fechadas quando Febo gritou seu nome.


Ártemis congelou em meio a um gole do delicioso Martini que compartilhava com o sátiro, o qual tão bem a servira mais cedo, naquela noite. Assim como na lenda do nó Górdio, sentiu que os laços que a atavam à mortal se desfaziam.

Apolo tinha conseguido. O ritual fora concluído!

A deusa sorriu e respirou fundo, satisfeita por se encontrar livre das emoções de uma...

— Não — pronunciou a palavra por entre os dentes. — Não é possível!

— Há algo errado, senhora? — Os olhos do sátiro ficaram redondos com preocupação.

— Quieto! — ordenou Ártemis.

A criatura da floresta pareceu magoada, mas, de imediato, obedeceu à sua deusa.

Ártemis estreitou os olhos e se concentrou. Não! Ela jamais poderia imaginar! A pressão avassaladora que a prendia à mortal suavizara, mas, em seu lugar, restara um fio fino, quase insubstancial.

O que era aquilo? O que acontecera? Apolo devia ter feito amor com a mortal, o que devia ter posto um fim à invocação. A mortal pedira para ter mais romance em sua vida. Como fazer amor com o Deus da Luz podia não ter satisfeito o ideal de romance da mulher? Ainda mais depois de esta ter sido preparada para ele pela magia que ela mesma, Ártemis, usara durante aquela apresentação erótica no teatro?...

Ter escutado a conversa de Pamela com a concierge do hotel fora muito útil, e aderir ao show erótico fora uma ideia inspiradora.

Os lábios carnudos da Deusa da Caça se curvaram para cima. Existiam coisas no Mundo Moderno de que vinha gostando um bocado. Não fazia ideia do quanto seria divertido se fazer passar por uma adorada estrela de teatro. Precisava repetir a experiência em breve.

Ártemis se encolheu quando o fio que ainda a vinculava à mortal pareceu puxá-la. Era apenas uma leve pressão, como uma farpa minúscula na sola de sua chinela. A princípio, tratava-se apenas de um pequeno incômodo, mas, com o tempo, poderia causar muita irritação.

A deusa suspirou, frustrada. Não havia nada que pudesse fazer a respeito, no momento. Não poderia ir atrás do irmão, interromper seu encontro amoroso e exigir saber por que sua performance parecia ter deixado a desejar. Isso não ajudaria em nada.

Girou a haste fina e fria da taça de Martini entre os dedos. Ainda era cedo. Talvez, pela manhã, Apolo tivesse conseguido satisfazer os desejos românticos daquela ridícula mortal. Até então era inútil ficar elucubrando sobre o assunto. Ela precisava mais era de uma distração.

Olhou com malícia para o jovem sátiro que continuava sentado a seu lado. Ele era uma criatura interessante...

— Querido? — ronronou, e as orelhas do ser literalmente se levantaram em sua direção. — Lembra-se de como foi emocionante quando me perseguiu pelo ar esta noite?

— Claro que me lembro, minha deusa — a voz dele soou ansiosa. — Uma eternidade pode passar, e eu jamais me esquecerei.

— Ainda não estou com vontade de voltar para o Olimpo. Pague por nossas bebidas, assim poderemos voltar para aquele lindo teatro. Precisa praticar melhor a sua cena de perseguição e, desta vez, quem sabe seja mais bem recompensado quando me capturar por fim?... — Ela correu um dedo pelo braço musculoso, e os olhos do semideus se dilataram como os de um corço em resposta.

— Eu vivo para atender às suas necessidades, minha deusa.

— É com isso o que estou contando — Ártemis murmurou para si mesma, enquanto o sátiro corria para pagar o servo.


Capítulo 16


Ah, maldição dos infernos! Ela havia se esquecido de usar um preservativo! E não apenas na primeira vez. Na segunda e na terceira também!

Pamela revirou os olhos. Que i-di-o-ta!... Como podia ter se esquecido? Principalmente depois de ter encarado a vergonha que ameaçara sufocá-la ao comprar uma caixa nova da marca Trojan na loja de souvenirs do hotel, após a pedicure.

E graças a Deus fora à pedicure. Febo a beijara, acariciara e até mesmo lhe sugara os dedos dos pés!

Só de pensar nisso ficava vermelha e com os joelhos fracos outra vez.

Concentre-se!, seu guia interno a repreendeu. Não usar preservativos nada tinha a ver com dedos dos pés.

Ou tinha?

Um movimento à direita chamou sua atenção. Pamela virou a cabeça e olhou para Febo. Ele era tão lindo!... Quando não estava olhando para ele, podia até pensar em Febo como apenas um sujeito de boa aparência. Mas bastava vê-lo para perceber que não existia nada comum nele. Nada mesmo.

Ainda sentia o corpo vibrar com seu toque. Devia estar dolorida, cansada e, na certa, lutando contra uma infecção do trato urinário depois de tanto sexo!... Em vez disso, sentia-se maravilhosa. Preguiçosa, letárgica e muito, muito satisfeita.

Mas se esquecera de usar uma proteção.

— Sinto que está franzindo a testa — declarou Febo sem abrir os olhos.

— Impossível! — ela exclamou, forçando um sorriso. — Até porque não estou franzindo a testa.

— Agora não mais — ele concordou ainda de olhos fechados. Então os abriu e virou a cabeça loira, de modo a encará-la com um sorriso terno. — Bom dia, minha doce Pamela.

— Eu me esqueci de usar um preservativo na noite passada. — Ela corou. — E também nesta manhã.

Apolo franziu o cenho.

— Preservativo? — ele repetiu a palavra desconhecida.

— Sim — ela aquiesceu, o rosto ficando mais quente a cada instante. Agarrou o lençol, que havia se soltado completamente do colchão graças à sua aeróbica da noite anterior, enrolou em torno do corpo nu e se retirou para o banheiro.

— Você sabe, preservativo, preventivo, camisa de Vênus... — falou por cima do ombro. — Não estou tomando pílula nem nada. Você é o médico. Eu não devia ter de explicar como seria fácil para eu ficar grávida.

Uma camisa de Vênus era algo que impedia uma mortal de ficar grávida? , perguntou-se Apolo. Muito interessante. Mesmo assim, duvidava de que esta pudesse impedir um deus de engravidar uma mortal, caso este decidisse ter um filho com Pamela...

De qualquer modo, isso não tinha acontecido.

Apolo se espreguiçou e sorriu. Até gostava da ideia. Mas não até que Pamela soubesse quem ele era, e concordasse em passar a vida a seu lado.

— Não pode ter engravidado neste nosso encontro, Pamela.

Ela pôs a cabeça para fora do banheiro, segurando a escova de dentes.

— Por acaso fez vasectomia?

Apolo não fazia ideia do que ela estava falando, mas Pamela pareceu aliviada, então ele balançou a cabeça e sorriu.

— Ah, bom. Maravilha. — Ela desapareceu por um momento, depois ressurgiu ainda com a escova na mão. — Mas e quanto a... ahn... — Hesitou, sentindo-se ridícula. Tivera mais intimidades com aquele homem do que com qualquer pessoa — incluindo seu “ex” — e perguntar sobre DST a fazia gaguejar? Além do mais, Febo era médico, pelo amor de Deus!... — Mas e quanto a doenças sexualmente transmissíveis? — Tentou outra vez.

Apolo reuniu as sobrancelhas douradas.

— Não tenho nenhuma doença.

— Ah, sim, claro. Que bom. Nem eu!... Que bom — ela repetiu pela terceira vez, sentindo-se como uma completa idiota.

Voltou para o banheiro, ligou o chuveiro e fechou a porta.

Apolo a escutou se ocupando no outro cômodo e precisou fazer um grande esforço para não se juntar a ela. Tinha vontade de arrancar aquele lençol e erguê-la sobre o balcão da pia, depois mergulhar nela enquanto fitava aqueles olhos cor de mel, até que, uma vez mais, pudesse ver o reflexo da própria alma em suas profundezas.

Sentiu o corpo reagir e se tornar pesado e rijo apenas de pensar em Pamela.

Mas teriam todo o tempo do mundo para fazer amor nos muitos anos em que ficariam juntos.

Fechou os olhos e deu um longo suspiro de alívio. Não fora o ritual de invocação o que fizera Pamela desejá-lo. Se fosse esse o caso, seu desejo por ele teria diminuído após sua primeira vez, o que, definitivamente, não havia acontecido. Na verdade, a paixão de Pamela parecia aumentar a cada vez que se amavam. Ela dormira em seus braços, os dedos entrelaçados aos seus. Mesmo durante o sono se aninhara mais junto a ele.

E ele adorava isso nela. Era outra coisa que o surpreendera. Ele nunca tinha trocado carícias e ficado abraçado com uma amante antes. Se fizera isso, fora apenas como um incentivo para dar início a uma nova rodada de sexo.

Sentia-se tão diferente com Pamela!... Na verdade, ele a queria por perto mesmo quando não estavam fazendo amor.

Agora compreendia por que Hades e Lina muitas vezes se sentavam perto o suficiente um do outro para que seus corpos roçassem, e por que seus dedos se tocavam durante as tarefas mais simples e banais, como passar uma taça ou um prato de frutas. Eles também queriam aquela conexão.

Não, Apolo corrigiu a si mesmo. Eles ansiavam por aquela conexão. Assim como ele ansiava por Pamela.

Ela saiu do banheiro com o lençol ainda enrolado no corpo, o rosto recém-lavado e o cabelo úmido.

— O que vamos fazer hoje? — ele quis saber, estendendo-lhe a mão.

Pamela a aceitou e se aconchegou em seu peito. Que prazer incrível palavras tão simples podiam proporcionar! Febo queria saber o que “eles” fariam naquele dia.

— Bem, já que perdemos o café da manhã... — ela olhou para o relógio digital cujos números vermelhos exibiam “2:05 p.m.” — ... e o almoço, creio que comer precisa entrar nos nossos planos. — Beijou a linha forte do queixo de Febo, perguntando-se por que não sentia nos lábios nenhuma barba incipiente. — E eu odeio dizer, mas preciso trabalhar um pouco para ter o que apresentar na reunião de amanhã com o meu cliente.

Apolo tocou o cabelo úmido que lhe adornava a cabeça em adoráveis e confusas mechas.

— Que tipo de trabalho?

— Eddie quer uma piscina construída com base na do hotel e eu, claro, nem conheci a piscina do Caesars Palace ainda! Preciso ir até lá vê-la e, talvez, fazer alguns esboços para ter alguma ideia preliminar do que fazer para Eddie. — Pamela franziu a testa. — Já li por alto algumas anotações que ele fez, mas elas eram muito confusas. Eddie quer uma piscina externa, porém coberta, “como um genuíno banho romano no nível inferior”. Só espero que menos autêntica do que aquela maldita fonte.

— Talvez eu possa ajudar. Tenho alguma noção do que seja um autêntico banho romano.

— Eu me esqueço de que sabe tudo sobre essas coisas antigas de mitologia! É um sujeito bem útil para se ter por perto, não? — ela falou brincando e se inclinando para ele.

— Você não faz ideia... — Apolo sorriu e a beijou.


— Gimensa ? — Apolo perguntou, balançando a cabeça.

— Imorme! — elaborou Pamela. — Como, maldição dos infernos, vou poder reproduzir isto em um pátio?!

— Depende do tamanho do terreno do seu cliente.

Ela soltou um gemido.

— Tem razão — admitiu Apolo, sem tirar os olhos da vasta extensão de água, mármore e fontes que se estendia à sua frente. — Este... — Parou, sem saber que palavra usar.

— Lago artificial? — arriscou Pamela.

Apolo tentou esconder o sorriso perante o tom horrorizado de Pamela.

— Sim, “lago artificial” o descreve razoavelmente bem. Este “lago artificial” pareceria portentoso demais até mesmo no Monte Olimpo.

— Ha! Aposto que os deuses teriam mais bom gosto.

O Deus da Luz pensou no palácio rosa e dourado de Afrodite, com a fonte que vertia ambrosia rosada em vez de água.

— ... Talvez — murmurou.

Pamela continuava de queixo caído com os seus arredores.

— Ao menos agora eu sei o que Eddie quis dizer com aquelas anotações. Ele quer uma piscina externa, mas com uma cobertura como esta. — Apontou para o centro da piscina colossal: uma plataforma de mármore circular gigantesca se erguendo a vários centímetros acima da água. Colunas de mármore, com pelo menos quinze metros de altura, apoiavam uma cúpula de cobre, a qual fazia sombra aos muitos banhistas que nadavam — e, em seguida, descansavam sob esta —, bem como para a estátua em tamanho maior do que o natural de César. — O problema é que, nas anotações, Eddie diz que quer toda a piscina coberta pela cúpula. E quer que os tronos sejam copiados na íntegra também. Imagino que seja aquilo... — Pamela apontou com um gesto de cabeça na direção da estação de salva-vidas não muito distante de onde eles se encontravam. Era de mármore e fora construída na forma de um grande trono flanqueado por dois leões alados.

— Será que ele vai querer os cavalos-marinhos também? — Apolo perguntou, divertindo-se com toda a situação.

Pamela olhou de soslaio para as enormes estátuas de mármore, cujas metades traseiras se transformavam em caudas de sereia.

— Ah, Deus! Espero que não. — Passou a mão pelo cabelo. — Isto tudo, somado àquela fonte, vai acabar comigo. É horrível. Brega demais! Esse tipo de coisa chega a gritar: “Tenho rios de dinheiro, mas gosto nenhum!”...

— Sem dizer que não tem nada a ver com um genuíno banho romano — afirmou Apolo, estudando os leões alados, montados sobre os pilares retangulares que ladeavam a piscina menor e destinada às crianças, um pouco mais além.

Pamela estremeceu.

— Espero que não. Qualquer lugar que governasse o mundo por tanto tempo como Roma faria algo melhor do que isto.

— A diferença não se dá apenas na decoração. Os antigos banhos romanos não eram piscinas como esta. Eram uma série de salas aquecidas, construídas uma atrás da outra, a começar por uma área onde os banhistas eram massageados com óleos. Os cômodos iam ficando mais quentes e, muitas vezes, ficavam cheios de vapores calmantes. — Apolo sorriu para ela. — Eles não continham essas piscinas enormes. Eram construídos em torno de pequenas fontes, as quais os banhistas usavam para se refrescar. Claro que esses cômodos acabavam em piscinas. Geralmente uma era aquecida e a outra, mantida fria e refrescante.

A expressão de Pamela mudou de horrorizada para esperançosa.

— Acha que poderia me descrever os banhos romanos bem o bastante para eu fazer alguns esboços? Eu teria de incorporar algumas destas coisas, claro — ela apontou o ambiente a esmo —, mas talvez eu possa amenizá-las e torná-las mais autênticas a fim de vender a ideia para Eddie. Ele já disse que quer uma piscina coberta. Posso projetar uma série de belas salas, cada uma com algum componente aquático, e tudo em torno de uma piscina com um pouco menos de pompa.

— É uma ideia interessante — concordou Apolo.

— Ótimo! Vamos começar. — Ela marchou para uma das linhas menos ocupadas de espreguiçadeiras brancas, então parou.

— Comida — lembrou. — Preciso comer para conseguir trabalhar. — Deslizou o olhar para uma construção de mármore na frente da qual havia uma pequena fileira de pessoas. Leu as letras românicas douradas e revirou os olhos.

Desta vez, Apolo não tentou disfarçar seu divertimento. Pendeu a cabeça para trás e caiu na gargalhada.

Pamela fez uma careta para ele, em seguida rumou em direção ao prédio.

— Snackus Maximus não é assim, tão engraçado!... — resmungou por cima do ombro.

Apolo fechou os olhos e inalou o ar aquecido pelo sol do deserto que acariciava sua pele e o enchia de poder e contentamento. Sentia-se indescritivelmente bem. E o som suave do inquieto lápis de carvão de Pamela era um fundo perfeito para seus pensamentos.

Ele e sua doce Pamela se davam muito bem. O raciocínio rápido de Pamela e aquele seu sorriso travesso tinham transformado a tarde que passara trabalhando a seu lado numa maravilhosa e agradável experiência. Pamela brincava o tempo todo com ele e provocava-o nas menores coisas: como seu cabelo ficara encaracolado após um dos mergulhos na piscina, diante de sua surpreendente obsessão por um delicioso lanche salgado chamado batatas fritas (das quais ele pedira três porções)...

Mulheres não zombavam do Deus da Luz. Pamela, sim. E, quando ele a fazia rir, seus olhos brilhantes o faziam se sentir mais do que divino.

Apolo logo descobriu que ela era muito mais talentosa como artista do que imaginava. Podia até vislumbrar seu futuro juntos. Pamela nunca mais teria que trabalhar para ricos inconvenientes como aquele escritor que, sem dúvida, se considerava um deus mortal.

Talvez ele construísse para ela uma enorme galeria em seu templo, em Delfos. Pamela poderia passar os dias desenhando as maravilhas do Olimpo... e as noites dividindo a cama com ele.

O amor era muito mais fácil do que ele imaginava. Mal podia se lembrar do que o perturbava tanto ao correr em busca dos conselhos de Lina e Hades. Por que estivera tão preocupado? Ele encontrara sua alma gêmea e, agora, tudo o que tinha a fazer era adorá-la.

E amar Pamela era uma delícia. Verdade que ele ainda precisava revelar a ela sua verdadeira identidade, mas aquilo não era apenas um detalhe? Ela já o conhecera bem, e ele era o homem que a amava.

E algo lhe dizia que Pamela sentiria um enorme prazer em descobrir que ganhara o amor de um imortal.

Seus lábios se curvaram, e sua mente derivou, preguiçosa. A vida era boa.

— Não fica com medo de se queimar demais? — Pamela o fitou por cima da lente dos óculos escuros. Apolo estava deitado a seu lado, em uma espreguiçadeira como a dela, porém a cadeira se encontrava voltada para o sol escaldante do fim de tarde do deserto.

Já ela puxara a espreguiçadeira para a sombra proporcionada por um guarda-sol da piscina. Mesmo suas pernas nuas, no momento dobradas para que ela pudesse usá-las como apoio para o bloco de desenho, estavam distantes da luz direta do sol.

Mesmo assim, ela ainda se sentia acalorada. Vinha trabalhando naquele esboço da casa de banhos havia horas, e Febo se mantivera o tempo todo descansando a seu lado, explicando-lhe detalhes dos antigos banhos romanos, dando dicas perspicazes quanto às pequenas salas individuais e quanto à disposição geral enquanto permanecia em pleno sol.

— De eu me queimar? — Ele enrugou a testa.

— Sim, está deitado aí, usando quase nada, o dia inteiro. Eu já estaria como uma batata frita.

Febo nem sequer parecia acalorado. Pelo contrário, estava escandalosamente bonito com aquele calção de banho adquirido às pressas e nada mais. Um verdadeiro monumento de pele dourada e deliciosos músculos.

— Quer dizer queimado pelo sol? — Ele riu, como se achasse a ideia nova e divertida. — Claro que não. Não me preocupo com isso. O sol e eu somos velhos amigos. — Apoiou-se sobre um cotovelo e se virou para ela.

— Já terminou?

Pamela mordeu o lábio conforme estudava o esboço.

— Acho que sim. E gostei do resultado, embora eu não tenha certeza se Eddie vai abraçar a ideia. O que acha? — Entregou-lhe o bloco.

Apolo o estudou com cuidado, então balançou a cabeça.

— Foi uma escolha sábia fazer as pequenas fontes em cada um dos quartos aquecidos mais ornamentadas do que tinha previsto no início.

— Sim, a ideia é manter as paredes de mármore lisas. Dessa forma o efeito não será tão avassalador. Se ele quiser uma decoração mais vistosa, posso tentar convencê-lo a aceitar o piso de mosaico que você sugeriu.

— Disse que seu cliente vive mencionando a importância da autenticidade. Pois pode assegurar a ele que este esboço se baseia nos antigos projetos de um banho romano. Claro que o trono à beira da piscina central não é muito... — Apolo fez uma pausa enquanto a fitava, e o sorriso em seus olhos morreu quando algo atrás dela lhe chamou a atenção.

— Aqui está você. Até que enfim!

A voz da mulher, cheia de frustração, soou por cima do ombro de Pamela.

Antes que ela pudesse se virar para ver quem estava falando, Febo havia se posto de pé.

— Que inesperado prazer — ele resmungou.

Prazer?

Ele soava muito mais irritado do que satisfeito, refletiu Pamela. Olhou por cima do ombro e teve que segurar a mão para proteger os olhos da luz alaranjada e ofuscante do sol que se punha, a qual demarcava a silhueta curvilínea de uma mulher alta. Conseguiu distinguir vagamente as linhas de um vestido curto e esvoaçante, e o fato de que o cabelo da estranha se encontrava preso no alto da cabeça, em um estilo que lembrava muito uma coroa. A mulher não lançou um só olhar em sua direção. Em vez disso, pôs-se a repreender Febo.

— Esperei por você até agora e não se dignou a aparecer! Por isso fui obrigada a vir lhe procurar.

Febo franziu a testa.

— Não acredito que especificou um tempo para a minha volta!

— Achei que voltaria depois de...

— Perdoe minha grosseria, Pamela — Febo interrompeu a moça, agarrou-a pelo pulso e a puxou para a frente da espreguiçadeira, obrigando-a a encará-la. — Permita-me lhe apresentar a minha irmã. Pamela Gray, esta é minha irmã gêmea... — ele hesitou, lançando à mulher um olhar penetrante — ... Diana.

Pamela se levantou e abriu um sorriso, com a mão estendida.

— É um prazer conhecê-la, Diana. E, por favor, não culpe Febo se ele se atrasou para alguma coisa. Foi por minha culpa. Quando eu descobri o quanto ele sabe sobre a Roma antiga, não parei de solicitar sua ajuda.

Ártemis olhou da simpática mortal para sua mão estendida. Podia sentir o olhar de censura do irmão, tanto quanto o vínculo da invocação que ainda a prendia à moça.

Relutante, aceitou a mão de Pamela e se surpreendeu com a firmeza do cumprimento.

— Espere! — exclamou Pamela, os olhos se arregalando. — Eu sei quem você é! É aquela mulher linda do show Zumanity! — Seus olhos se desviaram para Apolo. — Não acredito que não me contou que ela era sua irmã!

— Talvez ele estivesse envergonhado com a minha performance — elaborou Ártemis, erguendo o queixo com uma ponta de arrogância.

— Mas isso seria ridículo! — concluiu Pamela, fitando-o com perplexidade. — Seu desempenho foi incrível... Vigoroso, sedutor e incrivelmente romântico.

Uma das sobrancelhas perfeitas de Ártemis se arqueou.

— Achou romântico?

— Sem dúvida — afirmou Pamela, balançando a cabeça com entusiasmo.

— Diana sabe que sua performance não me envergonha — Apolo se defendeu depressa. — Eu só não sabia que ela ia se apresentar na noite passada, por isso fiquei surpreso. Eu gostaria de ter mencionado seu trabalho antes, mas, depois do show, estava com coisas mais interessantes na cabeça... — Ele compartilhou um sorriso íntimo com Pamela.

— Diga-me uma coisa... — recomeçou Ártemis, como se seu irmão não tivesse falado. — ... Febo está sabendo como seduzi-la?

O rosto de Pamela foi do rosa ao vermelho, e ela abriu e fechou a boca.

— Diana! — rosnou Apolo. — Essa pergunta não apenas foi desnecessária como inconveniente!

— Foi mesmo? — ela devolveu, cínica. — Não creio, Febo — ela enunciou o nome devagar. — O vínculo continua! Mais fraco do que antes, mas continua.

As palavras de Diana não fizeram sentido para Pamela, porém ela viu a expressão de Febo mudar instantaneamente da raiva para o choque.

— Quero acabar logo com isso — Diana prosseguiu num tom áspero. — Preciso lembrá-lo de que a nossa estada aqui é apenas temporária? Temos que ir embora antes do amanhecer.

Pamela sentiu um aperto no estômago. O que eles estavam discutindo podia não fazer sentido para ela, mas a palavra “temporária” falava por si só.

Eles iriam embora. Em breve. Claro que ela mesma só ficaria em Las Vegas apenas por uma semana, mas fora honesta quanto a isso, avisando Febo de antemão que se encontrava ali apenas por conta de um trabalho. Ele tinha feito amor com ela e passado o dia todo em sua companhia, não mencionando nenhuma vez que teria de ir embora na manhã seguinte.

Ela era mesmo uma m... de uma cretina. O que imaginava estar fazendo?! Brincando de casinha?

Merda, merda... MERDA! Devia ter imaginado. Sua inexperiência naquele mundo das conquistas devia ser óbvia. Não podia ter esperado mais do que um pouco de diversão de um encontro como aquele.

— Escutem. — Pamela interrompeu o entrevero entre irmãos, usando seu tom mais firme e profissional. — Se há uma coisa de que entendo, e entendo bem, é que, às vezes, irmãos e irmãs precisam discutir. Em particular. — Apanhou o bloco de notas na espreguiçadeira, onde Febo o havia deixado, e o enfiou na bolsa de couro enquanto calçava as rasteirinhas Mizrahi . — Na verdade, Diana, o seu timing é excelente. Eu estava justamente pensando que preciso voltar para o quarto e fazer mais alguns trabalhos para amanhã.

— Não, Pamela! Por favor, não... — Febo apressou-se em dizer.

Ela mal olhou para ele.

— Para falar a verdade, já perdi muito tempo me divertindo neste fim de semana... Adeus, Febo.

Ártemis ficou chocada. A mortal estava mesmo se afastando de seu irmão! Por meio de sua conexão invisível, podia sentir muito do que se passava com a moça. E ela estava... A deusa se concentrou, filtrando as emoções que fluíam por meio do elo entre elas. Pamela estava muito amargurada. Envergonhada. Magoada. Tinha certeza de que Apolo a usara. Sentia-se arrasada por dentro, mas se mostrava apenas aborrecida. Se elas não estivessem unidas pela invocação, ela, Ártemis, nunca imaginaria o turbilhão de emoções vivido pela mortal.

Que coisa estranha!... Seria possível que a força oculta daquela mulher tivesse algo a ver com o fato de a invocação não ter se completado? Seria possível que aquela jovem mortal enxergasse o que se passava?

Diana enxergou Pamela com outros olhos. Apolo estava com a razão em uma coisa: ela não era mesmo uma mulher tola e comum.

— Pamela, meu irmão está certo. Fui rude demais.

A voz de Diana impediu Pamela de prosseguir. Ela se voltou para a irmã de seu amante, esta lhe sorriu, e ela vislumbrou a deslumbrante beleza de Febo refletida no rosto da moça.

— Eu andei tendo alguns... — Ártemis hesitou e olhou para o irmão antes de continuar — ... contratempos de natureza pessoal. Não tenho sido eu mesma. Por favor, acredite que a última coisa que desejo é afastá-la de meu irmão.

Pamela encontrou os olhos da cor de água-marinha de Diana.

— Mas se eu for embora agora ou mais tarde não vai fazer tanta diferença, vai? Acabou de dizer que vocês vão partir amanhã cedo.

— Mas não para sempre — emendou Apolo às pressas, aproximando-se para lhe tomar a mão. — Não pode acreditar que eu iria me afastar de você e nunca mais voltar.

Pamela puxou a mão. Balançou a cabeça e até conseguiu sorrir.

— Escute, nós nos divertimos bastante juntos. Vamos deixar tudo por isso mesmo... Não precisa se incomodar.

Ártemis olhou para o rosto chocado do irmão. Por que ele não dizia nada? A mortal o estava deixando! E, com certeza, não desejava aquilo... Ela não apenas sentia a dor de Pamela, mas isso era evidente na maneira rígida e mecânica com que a moça se portava. Pamela estava magoada e aborrecida. Queria conforto, não aquela inépcia!

Apolo, no entanto, parecia estranhamente impotente.

— Eu não quis ofendê-la — Ártemis argumentou, aflita. — Foi apenas um mal-entendido. Por favor. Não vá embora assim, magoada.

— Não estou magoada — Pamela respondeu.

— Eu estaria assim no seu lugar — Apolo reencontrou a voz por fim. Desta vez, ele não a tocou, contudo. Permaneceu muito quieto e tentou transmitir tudo o que sentia por meio das palavras. — Eu ficaria aborrecido e zangado se soubesse que estava planejando me deixar antes do amanhecer sem ter dito nada. Eu devia ter lhe contado. Eu pretendia contar... Mas precisa compreender, minha doce Pamela: eu sabia que iria voltar. Estragar o nosso dia contando que eu precisaria partir em breve me pareceu algo muito cruel. Mas agora vejo que me equivoquei. Consegue me perdoar?

Ela deveria dizer a Febo que aquilo não era nada. Deveria dizer que não esperava nada dele e seguir adiante. Poderia telefonar para Ve, e elas passariam horas conversando sobre como os homens eram uns cretinos...

Então, no dia seguinte, poderia voltar a trabalhar e esquecê-lo.

Tinha acabado de dormir com Febo. Nunca fora casada com ele ou coisa do gênero.

Uma vez mais, seus olhos capturaram os dela, porém. E Pamela pôde jurar que viu um reflexo de si mesma bem no fundo deles. Febo possuía a mesma “ausência” que ela, e tocara seu corpo, seu coração e sua alma. Se Duane a havia sepultado emocionalmente, Febo a trouxera de volta à vida.

E ela não queria voltar para aquele seu túmulo de complacência. Ela se conhecia bem o suficiente para compreender que aquele fim de semana fora um ponto de virada. Não mais se satisfaria com a segurança de sua vida. Iria permanecer do lado de fora, iria flertar e correr mais riscos... com ou sem Febo.

O problema era que, bem lá no fundo, queria correr todos os riscos com ele.

— Está bem — respondeu por fim, engolindo o que ia dizer. — Eu o perdoo.

Cruzou os braços e esperou. No momento, a bola estava no campo de Febo.

Para sua surpresa, foi a irmã dele quem a devolveu:

— Meu irmão e eu precisamos conversar. É um assunto de família, e eu...

— Sem problemas — Pamela a interrompeu. — Já estou indo embora.

— Pamela, não é verdade que também tem um irmão? — O olhar de Ártemis foi perspicaz.

Mais uma vez apanhada no processo de se afastar, Pamela assentiu com um gesto de cabeça.

— Se é assim, compreende que, muitas vezes, problemas familiares podem nos obrigar a sacrificar nossas vontades. Nós precisamos ir para casa, então, por favor, não condene meu irmão por isso.

Pamela replicou com igual franqueza:

— Não estou condenando Febo por nada. Estou apenas me protegendo.

— Não precisa se proteger de mim — afirmou Apolo. E, sem resistir, acariciou-a no pescoço com a ponta dos dedos. Quando Pamela estremeceu, porém, não soube dizer se fora por desejo ou repulsa. — Encontre-me esta noite. Deixe-me vê-la novamente antes de eu ir embora. Eu juro que vou voltar.

Ela não deveria fazer aquilo. Febo mexia demais com ela.

Pamela abriu a boca para dizer “não”, depois pensou em como seria passar a noite sem ele. Seria como o céu da manhã sem sol. Desolador. Vazio...

... Assim como sua vida havia se tornado.

Não queria mais aquilo. Mesmo correndo o risco de ter o coração partido outra vez. Bem, pelo menos agora sabia que continuava com um coração dentro do peito!

— Está bem — falou, mantendo a voz neutra. — Pode me levar para jantar. Comer no Snackus Maximus não contou mesmo como uma refeição de verdade.

— Ele vai escolher o lugar — Ártemis declarou com um sorriso satisfeito.

— Muito bem — Pamela repetiu. — Se nos encontrarmos às oito horas, terão tempo suficiente para resolverem o seu assunto de família?

Ártemis assentiu ligeiramente com um gesto de cabeça, na direção do irmão.

— Sim — ele confirmou. — Vou buscá-la no seu quarto.

— Não! — contrapôs Pamela rápido demais. Limpou a garganta, então, e tossiu como se a explosão tivesse sido motivada por cócegas na laringe, e não pelo pavor.

— Posso encontrá-lo naquele bar, como da última vez.

Arrependeu-se do “como a última vez”. Isso fora na noite anterior, quando eles acabaram na cama, fazendo amor até meio-dia...

O sorriso de Febo foi como uma carícia enquanto ele também se lembrava de tudo o que acontecera.

— Eu a encontrarei no nosso bar, doce Pamela. Como ontem.

Desta vez, nada impediu que ela batesse em retirada.


Capítulo 17


O tom opaco e insubstancial do portal cintilou quando as divindades gêmeas deixaram o mundo moderno de volta ao Olimpo. Apolo tinha o maxilar cerrado, e seus olhos brilhavam com uma raiva silenciosa. Com um gesto brusco, ele fez sinal para que a irmã o seguisse para fora do salão de banquetes lotado.

— Eu não tive a intenção — sussurrou Ártemis, contudo o olhar enviesado do irmão foi suficiente para fazê-la segurar a língua.

— Não até que estejamos em meu templo. Sozinhos — ele falou por entre os dentes, sorrindo e balançando a cabeça em um “não” educado para Afrodite, que acenou, tentando fazê-lo ir até a chaise em que ela se reclinava. A Deusa do Amor estava cercada por um grupo de ninfas Napeias que havia se livrado de sua já pouca roupa e praticava uma dança da fertilidade envolvendo complicadas ondulações do ventre.

— As Napeias são mesmo muito fofoqueiras — resmungou Ártemis, num tom conspirador.

Apolo lançou-lhe um olhar desgostoso.

— Todas as ninfas são fofoqueiras. Vocês todas são fofoqueiras.

— O que está querendo dizer com isso?

Ele a segurou pelo cotovelo.

— Não aqui. Não agora.

Os dois irmãos continuaram a abrir caminho pelos jardins olímpicos, respondendo com educadas saudações e declinando, pesarosos, dos convites para uma miríade de diversões e brincadeiras que lhes era oferecida, até alcançarem as portas douradas do templo de Apolo.

Tão logo se encontravam dentro dos aposentos particulares do deus, este se avultou sobre a irmã.

— Não acredito na cena estúpida que armou diante de Pamela! O que estava pensando? Se é que estava pensando!... Você quase estragou tudo!

— Quase estraguei tudo? — ela repetiu, irônica. — De que “tudo” está falando? Do caso tórrido que estão tendo? O vínculo continua, Apolo! Ainda posso sentir as correntes da invocação! Ainda estou ligada a ela. O que está acontecendo, afinal? Por que ainda não fez amor com ela?

Apolo desviou os olhos do olhar penetrante da irmã, e os olhos da Deusa da Caça se arregalaram.

— Você já fez amor com ela — concluiu Ártemis. — E não funcionou! Não atendeu aos desejos de seu coração.

Apolo assentiu, tenso. Caminhou até uma mesa com tampo de vidro, cuja base era esculpida na forma de sua carruagem de luz, e serviu-se de uma taça do vinho eternamente pronto para ser consumido.

— Você não fazia ideia de que não tinha cumprido o ritual de invocação.

Não era uma pergunta.

Após tomar um gole da bebida, Apolo respondeu:

— Não, nenhuma.

— Não compreendo o que está acontecendo — gemeu Ártemis. — Como anda seu desempenho? Ela correspondeu bem a você?

O deus fitou a irmã por cima da taça.

— Claro que correspondeu! Não sou nenhum jovenzinho inexperiente.

— Então a satisfez...?

Apolo fez uma careta.

— Claro que sim!

— Tem certeza? Você sabe, às vezes os homens acreditam que levaram a mulher ao orgasmo, mas...

— Ela não fingiu comigo! — Apolo berrou.

As paredes do templo cintilaram como a luz ofuscante da explosão de uma estrela. Ártemis cobriu os olhos às pressas, esperando que a ira do deus passasse.

— Bem, alguma coisa deu errado. — Espiou com cuidado por entre os dedos antes de abaixar a mão. Odiava quando a luz do irmão se expandia. — Talvez não tenha aplacado o desejo da mortal fazendo amor com ela apenas uma vez.

— Mas não foi apenas uma vez — contrapôs Apolo, passando a mão pelo rosto. — Fizemos amor a noite toda e também pela manhã. Pamela parecia tão satisfeita como eu.

— Há outra possibilidade. E se o verdadeiro desejo de Pamela não tem a ver com sexo? — Ártemis caminhou, inquieta, enquanto elaborava o problema em voz alta. — Apesar de que este permanece vinculado ao ato de fazer amor... Senti o vínculo entre nós se atenuar durante a noite. De qualquer modo, a conexão forjada pela invocação continua muito presente entre nós. Sendo assim, a mortal deseja mais do que sexo. — A deusa fez uma pausa, pensativa, enquanto se servia de um pouco de vinho. — Pude captar seus sentimentos, principalmente quando ela estava tentando deixá-lo, na piscina.

Os olhos de Apolo se fixaram na irmã.

— O que ela estava sentindo?

— Estava magoada, confusa e envergonhada.

Ele afundou em uma cadeira com um gemido.

Ártemis o observou, atenta.

— Você se importa com ela, não é? — perguntou em voz baixa.

Apolo ergueu a cabeça e encontrou seu olhar.

— Acho que estou apaixonado por Pamela.

— Apaixonado? — Ártemis balançou a cabeça. — Impossível. Ela é mortal! E, como se isso já não fosse o suficiente, é uma mortal do Mundo Moderno.

— Estou ciente disso — ele replicou por entre os dentes.

— Como pode saber? — zombou Ártemis. — Você nunca se apaixonou.

— Por isso mesmo acredito que eu esteja apaixonado! Já vivi por eras e nunca experimentei esta sensação.

— O quê...? Que sentimento tão forte é esse que está atribuindo ao amor? — Ártemis quis saber.

— Eu me preocupo mais com ela do que comigo. Sua felicidade é a minha felicidade, e sua dor me causa desespero.

A deusa o fitou como se ele estivesse com uma súbita e incompreensível erupção cutânea.

— Talvez isso passe, ou ao menos diminua com o tempo.

— O problema, minha querida irmã, é que eu não quero que isso aconteça. — Apolo sorriu, porém não havia humor em sua expressão. — Esta manhã eu estava tão seguro de mim. Pensei que o amor fosse simples, que eu houvesse encontrado minha alma gêmea. Que eu tinha feito amor com Pamela, e que ela devia sentir o mesmo por mim... Fui um arrogante, imbecil.

— Acredita que ela seja sua alma gêmea?

— Receio que Pamela possa ser, sim, minha companheira de alma.

— Se ela for, pela própria natureza desse vínculo, também deve amá-lo — concluiu Ártemis, tentando dar sentido à bizarra declaração do irmão.

— Talvez — ele murmurou, desanimado.

Ártemis bateu com os dedos no queixo.

— Bem, ela é mortal. Não devíamos estar tão surpresos com esta confusão. Talvez seja isso!

O verdadeiro desejo do coração de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida. Ela apenas chamou isso de romance, mas não pode ser tudo a mesma coisa? Romance, amor, desejo verdadeiro, almas gêmeas... Não são todas palavras que poderiam ser usadas para descrever o mesmo fenômeno? Se eu estiver certa, faz sentido que a invocação não tenha sido cumprida.

— Por que faz sentido? Se o verdadeiro desejo de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida, e eu sou sua alma gêmea, então por que a invocação não se cumpriu?

— Porque ela tem que reconhecê-lo e aceitá-lo como seu companheiro de alma, o que, obviamente, não aconteceu. — Ártemis descansou a mão em seu ombro. — As emoções que senti por meio do nosso vínculo não eram de amor e contentamento. Pamela estava magoada e confusa; não estava se sentindo amada.

Uma sombra desceu sobre os olhos de Apolo.

— Ela me contou que foi muito magoada por um homem no passado. E eu, muito arrogante, acreditei que apenas um toque do meu poder imortal e da paixão do meu corpo a curariam.

— Pois estava equivocado, meu irmão. Pamela precisa de mais do que isso.

— O amor é mais complicado do que eu imaginava — ele murmurou.

Ártemis deu-lhe um tapinha nas costas.

— Esse seu sofrimento me faz dar graças por eu não tê-lo experimentado ainda.

— Acho que estou começando a entender... O amor é um misto de sofrimento e enlevo, encerrado na pele macia de uma mulher — devaneou Apolo com o olhar perdido na distância.

— Por que não revela de uma vez quem você é? Traga-a para o Olimpo esta noite. Use seus poderes imortais para fazer o amor de Pamela vir à tona.

Apolo a fitou, contrariado.

— Isso não seria amor! Seria apenas um culto abjeto, ou uma mistura de medo e adoração.

— Aí está um exemplo perfeito de como você e eu discordamos. Não precisa usar seus poderes para conquistá-la, mas faz sentido. Que mortal não gostaria de ganhar o amor de um deus?

Pensando na arrogância de sua declaração anterior, Apolo sentiu desgosto por si mesmo. Não admirava que Pamela estivesse relutante em reconhecê-lo como sua alma gêmea.

— Algo me diz que Pamela não ficaria muito feliz em saber da minha verdadeira identidade.

Ártemis bufou.

— Os mortais modernos não são como as pessoas do Mundo Antigo — ponderou Apolo. — Eles fazem criaturas de metal obedecerem à sua vontade. Passam informações por intermédio de máquinas, não de magia e rituais. E nós estamos mortos para eles... Não. Pamela deve me amar primeiro como homem. Apenas depois disso poderei convencê-la a aceitar o deus.

— E como pretende fazer isso?

— Preciso amá-la como um homem ama uma mulher.

Ártemis ergueu as sobrancelhas numa indagação.

— Com o meu coração, e não com os meus poderes — ele explicou.

— E isso significa o quê?

— Quando eu souber lidar com tudo isso, terei obtido algo de valor inestimável: o amor de Pamela — declarou o Deus da Luz.

— Acha que consegue conquistar o amor dela até o amanhecer?

— Duvido.

Ártemis suspirou.

— Acho que eu deveria ficar grata por o vínculo entre Pamela e eu ter se atenuado. Agora é mais como uma coceira difícil de dar conta do que um incômodo constante me amolando. Baco sem dúvida se esmerou na dose de maldade com essa sua pequena travessura.

— Falou com ele?

— Não, ele tem se mantido conspicuamente ausente do Olimpo nestes últimos dias... — Ela encolheu os ombros. — ... Embora nunca tenha passado muito tempo por aqui. Baco há muito prefere a companhia dos mortais. Quando esta provação tiver terminado, precisamos nos lembrar de lhe dar uma lição por essa impertinência.

Apolo ficou em silêncio. Como poderia dizer à irmã que aquela “provação” nunca iria ter fim? Ele sabia muito pouco de amor, mas já tinha certeza de uma coisa. O amor não podia ser controlado. Não começava ou terminava sob a exigência de ninguém. Infelizmente.

— Apolo? Preste atenção! Eu perguntei quais são seus planos para esta noite!

— Eu não sei! — As paredes coruscaram, e o Deus da Luz refreou sua frustração. — Um jantar. Pamela pediu que eu a levasse para jantar. Você mesma ouviu.

A testa lisa de Ártemis se enrugou quando ela parou para pensar no que Pamela havia dito:

— Snackus Maximus ? Que tipo de nome é esse?

— Um péssimo nome.

— Eu ainda acho que deveria trazê-la para cá esta noite. Corteje-a no Olimpo, em seu próprio templo. O que poderia ser mais romântico?

— Ártemis, eu já expliquei a você que me recuso a utilizar meus poderes para ganhar o amor de Pamela.

— Então não use seus poderes, seu teimoso! Esta é a sua casa. Sem dúvida nenhuma, ela é muito mais bonita do que qualquer coisa que o Reino de Vegas tenha para oferecer.

Apolo considerou as palavras da irmã.

— Ela aprecia arquitetura antiga...

— Traga-a aqui, ora! Diga a ela que é uma parte exclusiva do Caesars Palace. Ao menos, assim, garantirá a privacidade de vocês.

— Acho que consigo usar meus poderes apenas o suficiente para disfarçar suas sensações conforme atravessamos o portal.

— Em seguida, traga-a para cá depressa, antes que qualquer outro dos Doze vislumbre sua presença.

Apolo estava começando a gostar da ideia.

— Eu não teria que me preocupar com acidentes, monstros de metal, ou com nenhuma outra daquelas distrações do Mundo Moderno. Poderia me concentrar em assegurar Pamela do meu amor. — Sem dizer que ele queria muito mostrar sua casa a ela e testemunhar sua reação à beleza do lugar. Mesmo que este não fosse apenas dele.

— Vou planejar o jantar eu mesma e colocar minhas próprias servas à sua disposição. As ninfas não são confiáveis.

— Excelente — concordou Apolo. — E lembre-se de pedir a elas que não me chamem de Apolo.

— Sim, sim... As meninas vão dar continuidade à sua pequena farsa, Febo .

— Estou em dívida com você, Diana — ele afirmou, sorrindo.

Ártemis devolveu o sorriso, pensando em como o irmão era charmoso e bonito. Pamela não seria capaz de resistir a ele. Não se ela, Ártemis, pudesse agir... O que decerto ela faria.

— Já que estamos acordados, temos muito que fazer. O tempo urge. Ao amanhecer Pamela precisa voltar ao Reino de Vegas. E, tomara, completamente encantada com Febo — completou a diva. Em seguida bateu as mãos duas vezes e, no tom autoritário da Deusa da Caça do Olimpo, chamou: — Servas, venham me assistir!

Em um piscar de olhos, doze belas moças se materializaram em uma nuvem de poeira prateada e cintilante que parecia ter se originado na luz da lua.

— Senhoras, meu irmão precisa da nossa ajuda. O que precisamos fazer é o seguinte...

Apolo observou o turbilhão de atividades até que a irmã o enxotou do quarto, lembrando-o de que era quase hora de ele se encontrar com sua amante. O Deus da Luz sorriu enquanto se preparava. Iria trazer seu verdadeiro amor para casa. Iria cortejar Pamela e amá-la ali, onde podiam ficar mais à vontade. Pamela veria que não precisava ter medo de se magoar outra vez.

Sentindo-se seguro dentro de seu próprio reino, Apolo teve a certeza de que nada poderia dar errado.

 


C O N T I N U A

Capítulo 9


Violinos encheram o ar em torno deles, música atraiu a água rumo ao céu e luzes antes ocultas destacaram a dança fluida.

Em seguida, um tenor começou a cantar. Pamela estremeceu conforme seu corpo correspondia à magnificência de sua voz. Era tudo tão inesperado, tão espantoso!... Os arcos de água se deslocavam em uníssono com os altos e baixos da orquestra, como se guiados pela mão de um competente mágico. Era inacreditável e maravilhoso... Assim como o beijo que parecia ter dado início a tudo aquilo.

Ao som da primeira nota, eles haviam se virado para as fontes e, enquanto suas emoções disparavam com a música, Pamela se deixou ficar, muito quieta, nos braços de Febo.

— O cantor é italiano, não é? — Recostou-se nele, inclinando a cabeça de modo a fazê-lo ouvir sua pergunta, mas sem tirar os olhos da água.

— Sim — assentiu Apolo. Seus olhos também não se desviavam do inacreditável espetáculo diante deles. — Ele está cantando algo sobre La Rondine ou “a andorinha” — murmurou, a voz grave soando como pano de fundo para a linda música, em vez de distraí-la. — Conta a história de uma pequena andorinha que migra para muito, muito longe, a fim de encontrar o amor em uma terra distante. Mas é evidente que a canção não se refere a um pássaro, e sim a uma amante, que o cantor teme ter perdido para sempre.

— Eu gostaria tanto de entender Italiano! — Pamela sussurrou.

Apolo a abraçou com mais força.

— Será que precisa? Tente ouvir a música com o coração, e irá captar sua alma.

Pamela tentou fazer o que ele dizia e, no crescendo, sentiu os olhos rasos de água. Entendeu realmente. Compreendeu a dor do amor perdido, dos arrependimentos e o medo da eterna solidão.

Quando a música terminou e a água ficou quieta e escura, permaneceu de costas para Febo, sentindo as batidas de seu coração, o calor do corpo sólido a envolvê-la.

— Eu não esperava encontrar tanta beleza aqui — ele falou baixinho, não querendo quebrar o feitiço que aquelas águas mágicas haviam lançado.

— Nem eu. — Pamela respirou fundo. — Aconteceu muita coisa nesta noite que eu não esperava.

Apolo a virou, de modo a deixá-la de frente para ele, porém a manteve solta no círculo de seus braços. Relutava em deixá-la se afastar, contudo não queria assustá-la. A noite também fora cheia de surpresas para ele. Naquele momento, pela primeira vez em todas as suas eras de existência, queria que uma mulher viesse até ele por vontade própria, não como uma donzela deslumbrada, arrebatada pela presença de Apolo, o Deus da Luz; tampouco como uma deusa sedutora, procurando um parceiro temporário com quem se divertir. Queria que Pamela o escolhesse como uma mortal escolhia seu homem.

— Eu não estava falando apenas das águas dançantes — sussurrou.

— Nem eu.

Quando ele se inclinou para beijá-la, não pôde evitar segurá-la pela nuca e mergulhar os dedos nos cabelos curtos e desgrenhados que tanto desejara tocar desde que a tinha vislumbrado. Pamela não se afastou dele, mas também não se entregou ao beijo. Seus lábios se provaram quentes e dóceis sob os dele, porém ela não os abriu num convite. Em vez disso, era como se fizesse uma pergunta e exigisse resposta antes de lhe dar permissão para continuar.

Pense! , Apolo ordenou a si mesmo. O que desejam as mulheres?

Percebeu, chocado, que, apesar de toda a sua experiência, não tinha certeza de como responder a tal pergunta. Concentrou-se, tentando ler o corpo frágil e, por intermédio deste, compreender o que Pamela buscava nele.

Com movimentos lentos, obrigou-se a ignorar o desejo inebriante que tocar Pamela evocava e, em vez de se comportar como um deus grosseiro e arrogante, manteve-se firme no controle. Beijou-lhe o lábio inferior com carinho, em seguida o prendeu com os dentes e o puxou, provocante, mas só por um momento. Mudou dos lábios carnudos para um beijo rápido na ponta do nariz, e foi recompensado por um sorriso que ele beijou nos cantos. Acariciou os cabelos curtos com os dedos enquanto roçava o rosto em seu ouvido e sussurrava:

— Gosto muito do seu cabelo. Ele faz que eu me lembre da cavalgada livre e cheia de orgulho das Amazonas. — Desceu os lábios um pouco mais. — E deixa seu pescoço tão mais sedutor...

Sentiu que ela estremecia e levantou a cabeça de maneira a fitá-la nos olhos, os quais ainda estavam preenchidos pela emoção que a música os fizera sentir.

— Eu quero que você seja exatamente o que parece — ela falou baixinho. — Não quero outro homem que finge ser uma coisa enquanto é outra.

Apolo sentiu o coração congelar.

— No início desta noite, admiti algo para mim mesma que eu vinha escondendo por muito tempo. Admiti que, embora satisfeita, não sou muito feliz. Eu me fechei, desisti até mesmo de tentar buscar a felicidade. — Um breve sorriso iluminou a expressão séria de Pamela. — Então fiz um desejo bobo... Em voz alta. Acho que eu estava desejando, na verdade, ser capaz de confiar nos meus instintos outra vez.

— E o que seus instintos lhe dizem sobre mim? — ele perguntou.

Ela inclinou a cabeça e o fitou.

— Eles me dizem que você é mesmo diferente. Nunca conheci um homem assim.

— Posso assegurar que os seus instintos estão corretos.

Ele se inclinou para beijá-la outra vez, desta vez com toda a paixão que sentia, mas, antes que seus lábios tocassem os dela, a céu se abriu, e uma chuva constante começou a cair.

Pamela soltou um gritinho e segurou a minúscula bolsa sobre a cabeça em uma tentativa inútil de se proteger.

Apolo fez uma careta e olhou ao redor. Chuva no meio de uma noite no deserto? Não importava o quanto o mundo moderno se tornara estranho, não podia haver alteração nos padrões climáticos.

Os deuses, entretanto, podiam fazê-lo. Aquela chuva era muito suspeita, pois tinha a marca da interferência dos imortais. Provavelmente era Baco, aquele infeliz, aprontando de novo.

As pessoas ao redor deles correram em direção aos edifícios e, com habilidade, Apolo guiou Pamela em meio aos mortais até a árvore mais próxima. Com um movimento quase imperceptível da mão, solidificou as folhas acima deles, transformando-as em uma massa única que os abrigou da chuva. Abraçou-a, e juntos eles ficaram observando o aguaceiro.

— Que tempo esquisito! — comentou Pamela, enxugando a água do rosto. — Pensei que quase nunca chovesse aqui. Ah!... — Franziu a testa ao olhar para os sapatos. — Acho que arruinei os meus maravilhosos Jimmy Choo!

Apolo sorriu de lado.

— Como consegue andar sobre essas lâminas?

Pamela chacoalhou um pé, analisando o sapato encharcado enquanto ele admirava a panturrilha bem-torneada.

— Andar sobre um salto dez é a marca registrada de uma mulher de verdade. — Passou a mão pelos cabelos, fazendo-os ficar ainda mais desgrenhados. — Quem iria imaginar que uma árvore tão pequena ofereceria tanta proteção? — Olhou para cima. — É como um guarda-chuva verde!

— Nem tanta assim — ele replicou, apontando para cima em um movimento rápido que fez uma ou duas gotas vazar de sua divina proteção. — Pelo menos a chuva afugentou aquela multidão.

Sem dar à árvore outro olhar, Pamela sorriu e acenou com a cabeça.

— É como se estivéssemos no nosso mundinho.

Apolo tocou uma mecha do cabelo curto.

— Pois acho que estamos, mesmo.

Em seguida, em meio ao véu de chuva e intimidade, as fontes ganharam vida mais uma vez, e a voz sexy de Faith Hill soou ao redor deles como se brotasse da água:


I don’t want another heartbreak, I don’t need another turn to cry.

I don’t want to learn the hard way, baby, hello, oh no, good-bye...


Desta vez, eles não prestaram muita atenção ao show.

— É você quem está fazendo isso? — Pamela indagou num sussurro. — Pagou a eles para tocarem essas músicas?

Apolo balançou a cabeça e emoldurou o rosto delicado com as mãos.

— Mas elas têm tudo a ver com você, não têm? É a andorinha, assim como a mulher que não quer chorar outra vez.

Pamela só pôde concordar.


This kiss, this kiss!...


Como se a música tocasse só para eles, Apolo a puxou para os braços e a beijou. Beijou-a como um homem que queria manter sua amada afastada da dor, da mágoa e da tristeza. Os lábios de Pamela se apartaram, e ela o aceitou. Conforme o fez, Apolo sentiu que algo se abria dentro dele, como se uma trava tivesse sido desbloqueada e um alçapão fosse escancarado, permitindo a entrada do que faltava para preencher sua alma.

Os braços de Pamela subiram para segurá-lo, e ele se esqueceu do monte Olimpo, esqueceu-se do Mundo Moderno dos mortais. Sua realidade se resumiu no gosto, no toque, no cheiro de Pamela.

Ela gemeu e estremeceu, e o mundo se interpôs entre eles novamente. As fontes voltaram a se apagar, e o vento e a chuva se intensificaram.

— Está gelada! — Apolo a esfregou nos braços, condenando a própria insensibilidade. Enquanto ele se deixara perder pelos encantos de Pamela, ela ficara encharcada. — Precisamos voltar. Pode ficar doente se continuar assim.

— Febo. — Ela o puxou pelo braço, mantendo-o sob a pequena árvore. — É verdade que talvez devêssemos voltar para o hotel, mas eu não estava tremendo por causa da chuva. Mesmo que eu pareça meio... — limpou uma gota de chuva que lhe escorria pela testa e sorriu — ... ensopada , não sou nenhuma florzinha de estufa. Não derreto, e amei cada segundo deste nosso beijo na chuva.

Apolo sentiu o aperto no peito se dissolver conforme seu coração reconheceu o calor no olhar dela. Não era o único que sentia aquela conexão entre eles.

E, bem lá no fundo, seus instintos lhe diziam que era aquilo o que homens e mulheres buscavam. Era aquela a dança de amor dos mortais.

— De qualquer forma, estou mesmo encharcada, e parece que essa chuva não vai melhorar tão cedo — Pamela prosseguiu, olhando o aguaceiro que os rodeava.

Apolo acompanhou seu olhar. Ele poderia, claro, impedir que as gotas os tocassem durante todo o caminho de volta ao Caesars Palace, mas não teria como explicar tal façanha.

— Quer saber? Vamos correr de volta para o Palace — decidiu Pamela, sorrindo para ele.

— Não pode correr com esses sapatos — ele lembrou, apontando-lhe os pés.

— Estamos em Las Vegas... Quer apostar? — E, sem esperar por resposta, ela disparou para o meio da chuva, gritando.

Rindo, Apolo a seguiu, permanecendo pouco atrás dela; o suficiente para que pudesse assistir os quadris redondos se movendo com graça enquanto ela corria com passos pequenos e femininos. Não se lembrava da última vez em que se sentira tão jovem ou feliz.

Nenhum deles prestou muita atenção à rua. Apolo não tirava os olhos de Pamela, e ela corria, lançando-lhe olhares por cima do ombro.

— Estou ganhando a aposta! — gritou a certa altura.

Um barulho a fez olhar para a frente, e Pamela soltou uma exclamação. A rua! Tinha se esquecido do quanto esta se encontrava próxima dela!

Tentou parar, porém o salto agulha ficou preso em uma rachadura na beira da calçada. Desequilibrando-se, ela agitou os braços na tentativa de endireitar o corpo, porém sentiu uma dor horrível e lancinante no tornozelo, tombando para a frente.

Sempre antes que coisas terríveis acontecessem , pensou Apolo, como a morte de Heitor, ou quando Ártemis perdera a paciência com Acteão, o tempo parecia diminuir de ritmo, prolongando o evento, desdobrando-se diante dele como resina de pinheiro pingando e descendo por uma tediosa trilha através da casca áspera de uma árvore .

Não foi assim com o acidente de Pamela, contudo. Tudo ao redor pareceu se acelerar com força sobre-humana. Em um instante ela sorria para ele por cima do ombro, no outro balançava perigosamente na beirada da rua, projetando-se bem na frente dos monstros de metal.

Apolo sentiu a morte pairar no ar em torno deles e não perdeu tempo sendo racional. Agiu por impulso, guiado por seu coração imortal que, de repente, se afligira com a ideia de perdê-la.

— Não! — Ele pulou na direção de Pamela com uma velocidade impossível de ser acompanhada pelos mortais. Estendeu a mão, a palma aberta, o grito causando uma explosão sônica que repeliu os carros para longe do corpo em queda de Pamela.

Ela não chegou a aterrissar no concreto molhado. Apolo não podia permitir isso.

Com sobrenatural rapidez, ele a segurou e puxou de volta para a calçada.

Pneus guincharam e ouviu-se o som de carros batendo. Buzinas cortaram a noite, mas, em meio à chuva e ao vento, ninguém pareceu notar o deus que causara tudo isso. O deus que agora se ajoelhava na calçada alagada, amparando uma mortal junto ao peito.

— Meu tornozelo... — A voz de Pamela falhou com a dor e o choque. — Acho que está quebrado!

Apolo puxou o sapato do pé delicado. Conforme o fez, sentiu através da pele o osso que havia torcido até partir e se encolheu, imaginando a dor. Rapidamente, passou a mão sobre o local, ordenando em pensamento que suas terminações nervosas cessassem a agonia de Pamela.

Quase no mesmo instante, sentiu sua respiração normalizar conforme ela relaxava. Em um movimento suave, ele a ergueu nos braços.

E o Deus da Luz avançou como um raio de sol escaldante através da chuva e dos carros destruídos.

Mais tarde, testemunhas do engavetamento bizarro na esquina da Las Vegas e Flamingo falavam de um homem alto que tinham vislumbrado em meio à chuva naquela noite. Diziam que ele carregava uma mulher, mas não podiam afirmar com certeza, pois tudo de que podiam se lembrar era da forma estranha como seus olhos cintilavam. Também não podiam dizer bem como ele era porque seu corpo parecia cercado por uma luz... como se ele brilhasse com o fogo do Sol.


Capítulo 10


— Ela precisa ser levada para o quarto! — Apolo berrou para o porteiro do hotel, o qual fitava com os olhos arregalados o espectro dourado que parecia ter surgido do nada na noite chuvosa. A aparição carregava o corpo úmido de uma pequena mulher calçando apenas um sapato.

— Os elevadores ficam ali no canto, senhor.

A confusão de Apolo diante das palavras estranhas se transformou em raiva. O que era, exatamente, um elevador?!

— Mostre-me onde fica o quarto dela ou vou esfolá-lo vivo! — rosnou, irado.

— Qual o número do quarto? — guinchou o rapaz.

— Mil cento e vinte e um — Pamela falou contra o ombro de Apolo.

Apolo olhou para o porteiro, e o rapaz assentiu, saindo em disparada à sua frente, através das portas giratórias.

O Deus da Luz apertou os dentes quando a caixa de metal em que entraram se fechou. O menino apertou um botão redondo onde se lia “11”, e este se iluminou conforme a caixa começou a se mover.

Apolo sentiu o estômago se contrair e segurou Pamela com mais força contra o corpo. Baco não explicara nada sobre aquela forma de transporte mecânica, e ele não estava gostando nem um pouco da experiência.

Por sorte, a jornada foi curta, e as portas se apartaram sem problemas.

Ele seguiu o rapaz por um corredor coberto por um tapete macio. Estatuetas decoravam nichos, e lustres pendiam do teto trabalhado.

Pararam em frente a uma porta que ostentava o número “1121” em metal dourado, e o porteiro olhou para Apolo. Apolo devolveu o olhar e o rapaz pigarreou, nervoso. Pamela entregou a pequena bolsa que ainda segurava junto ao peito ao menino.

— Está aí dentro.

Engolindo em seco, o rapaz abriu a bolsinha, extraiu dela o cartão-chave e o passou pela fechadura, abrindo a porta. Apolo entrou e bateu a porta atrás deles apenas com o pensamento.

— Devia ter dado uma gorjeta para ele — Pamela disse baixinho.

— Eu devia tê-lo esfolado, isso sim — murmurou o deus.

Hesitou na entrada da suíte, avaliando os arredores. Havia um quarto enorme com um divã, duas poltronas laterais, forradas de seda, e um imenso armário. Portas com pintura imitando mármore se encontravam semiabertas, revelando parte de uma cama gigantesca.

Decidido, ele rumou naquela direção.

Pamela gemeu quando ele a deitou em cima do grosso edredon de seda. Sentiu um arrepio no corpo e seus dentes começarem a bater.

— N-não sei por que estou d-de repente com tanto frio! — gaguejou, confusa.

Apolo sabia o porquê. Ela estava em choque. E ele não tinha curado seu tornozelo; apenas bloqueara temporariamente parte da dor.

Sentou-se na borda da cama devagar e tocou-lhe o rosto, querendo que ela relaxasse.

— Precisa descansar. Confie em mim. Vou dar um jeito nessa dor.

Ele observou conforme sua hipnótica sugestão fez as pálpebras dos olhos enormes e cor de âmbar começarem a pesar.

— Eu não... — Pamela começou, sonolenta, perdendo o fio do raciocínio em seguida. Ainda lutando contra a estranha letargia que tomara conta dela, piscou. — Estou molhada... Há toalhas ali... — Fez um gesto fraco na direção do banheiro.

— Primeiro o tornozelo.

Quando ela fechou os olhos e não mais os abriu, Apolo se ajeitou melhor na extremidade da cama.

Balançou a cabeça. Pamela se encontrava bastante ferida. Seu tornozelo estava com o dobro do tamanho normal e muito branco. Ele podia ver onde o osso se partira, fazendo que o pé delicado pendesse em um ângulo estranho.

Segurou o pé de Pamela entre as mãos e fechou os olhos, concentrando-se. Mapeou seu esqueleto mentalmente, sem pressa, revendo a posição de cada osso, músculo e nervo, e então viu a fratura.

Suas mãos começaram a se aquecer.

Que se faça a cura! , ordenou o Deus da Luz. Que todo o sofrimento seja cessado e seu bem-estar retorne , livrando-a da dor.

A intensidade do brilho entre as mãos de Apolo teria cegado Pamela caso estivesse ela consciente para testemunhar seu esplendor.

Porém, ela continuava desacordada. Dormiu durante o tempo todo em que Apolo reuniu seus vastos poderes para emendar seus ossos quebrados e pôr um fim à sua dor.

Muito mais tarde, quando ele terminou, enfim, levantou-se e foi para a pequena sala ao lado do quarto de dormir. Lá encontrou várias toalhas e um roupão branco e grosso.

Trouxe-os para junto de Pamela e hesitou. Ele poderia despi-la com facilidade, e ela não iria despertar. Estava certo disso.

O tecido molhado do vestido moldava o corpo esbelto, revelando as curvas suaves e os seios redondos. Ela era como uma terra exuberante aguardando por sua exploração...

Não . Sua mente se esquivou da ideia de ver o corpo nu sem seu consentimento ou conhecimento.

— Pamela? — chamou baixinho.

O chamado a fez despertar do transe induzido.

— Ahn?... — ela indagou, sentando-se e olhando ao redor. — O que aconteceu? Meu tornozelo... — Inclinou-se para a frente e depois parou, franzindo a testa. — Mas... ele estava péssimo, como se estivesse quebrado! Eu podia jurar que já estava inchado. Agora parece normal. — Num teste, flexionou e girou o pé em um movimento circular. — Está ótimo!

— Você só precisava descansar. Foi apenas uma entorse. — Apolo entregou-lhe uma toalha, e Pamela secou o rosto, distraída.

— Estou me sentindo uma idiota. Você me carregou até aqui, e debaixo de chuva.

— Eu sou médico. Apenas fiz meu trabalho.

Pamela o fitou. Febo estava ensopado, a camisa grudada aos músculos do peito como seda líquida, o cabelo se enrolando em gavinhas úmidas em torno da testa.

E aqueles olhos!... A letra da música de Faith Hill os descrevia com perfeição: impossíveis, irrefreáveis, inimagináveis, insondáveis.

— Pelo visto foi sorte minha tê-lo por perto. — Com um esforço, ela desviou o olhar do dele e, apanhando uma toalha, começou a secar o cabelo com mais entusiasmo do que o necessário.

Apolo a observou. Pamela estava molhada, desgrenhada; o cabelo, uma verdadeira bagunça. Tinha as roupas encharcadas e continuava apenas com um sapato, que agora manchava o edredon cor de marfim.

Sentiu o coração se apertar. Nunca se sentira tão atraído por uma mulher, mortal ou deusa, em toda a sua existência.

— É melhor eu ir embora — falou de súbito.

Pamela espiou através de uma dobra na toalha.

— Já? — Olhou para o relógio molhado que, por sorte, era à prova de água. Já passava das quatro da madrugada. — Nossa, eu não sabia que era tão tarde!... — comentou, lembrando a si mesma que Febo era um estranho e que, embora as chances de ele ser um estuprador ou um serial killer fossem mínimas — principalmente depois de ele tê-la “salvado” —, estavam sozinhos naquele quarto de hotel, no meio da noite. A situação tinha todos os ingredientes daqueles filmes baratos que nunca acabavam bem.

— Sim, já é tarde. — Ele não queria ir; por isso mesmo sua consciência lhe dizia o contrário.

— Sua irmã deve estar preocupada e se perguntando o que aconteceu com você.

Apolo empalideceu.

— Nem imagina o quanto.

Sua expressão fez Pamela sorrir.

— Ah, imagino, sim. Meu irmão costumava ficar andando de um lado para o outro e berrar comigo feito um alucinado por eu ficar fora até tarde e deixá-lo preocupado.

Ele torceu os lábios.

— Ela certamente vai querer saber o que me tomou tanto tempo.

Pamela inclinou a cabeça para o lado, num gesto que Apolo aprendera a gostar, pois já se tornara familiar.

— E o que vai dizer?

— Vou dizer que me atrasei por conta de um incidente. — Ele caminhou até ela e, com um movimento fluido, ajoelhou-se a seu lado, na cama, tocando-lhe o tornozelo com cuidado. Acariciou-o, então, deixando os dedos avançar um pouco mais, até a panturrilha, e sentiu, mais do que viu, Pamela respirar fundo. — Um delicioso e inesperado incidente...

Pamela engoliu em seco. Ela mal podia respirar quando Febo a fitava e tocava daquela maneira. Queria tanto pedir que ele não fosse embora, que passasse o restante da noite ali com ela!...

Sentiu o estômago se apertar. Não devia desejá-lo tanto, nem tão depressa. Afinal, Febo era um estranho. Um estranho lindo, sexy ... maravilhoso.

Apolo reconheceu as emoções desfilando, claras, em seu rosto. Era óbvio o que Pamela queria. Via o desejo em seus olhos. Poderia tê-la, poderia tomá-la nos braços e completar sua sedução. Era isso o que ele deveria fazer. Era o que Ártemis esperava e o que ele tinha planejado. Pamela não havia dito que desejava fazer amor ao expressar seu desejo em voz alta e completar a invocação, porém tal necessidade se encontrava patente em suas palavras. Ele a reconhecera, assim como Ártemis. Dessa forma, de modo a cumprir a invocação, ele precisava fazer amor com ela.

Mas e depois?

O súbito pensamento soprou em sua mente como uma inesperada tempestade de inverno. Talvez a invocação tivesse lançado algum tipo de feitiço sobre Pamela, e o desejo que ele via em seus olhos fosse apenas o resultado de uma poderosa magia das ninfas. Se isso fosse verdade, tão logo eles fizessem amor, o feitiço seria quebrado e ela não mais o desejaria. Deixaria de olhar para ele com aqueles olhos inteligentes, expressivos, que se tornavam da rica cor do mel quando ele despertava sua paixão terrena.

O pensamento o abalou a ponto de deixá-lo perdido e enjoado, e Apolo se pôs de pé.

— Preciso ir. Não... — Fez sinal para que Pamela continuasse na cama quando ela fez menção de se levantar. — Precisa poupar esse tornozelo. Durma com o pé elevado esta noite, e amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido.

Pamela sentiu o peito se apertar quando Febo virou-se para a porta. Ele havia dito que explicaria sua ausência para a irmã como um acidente. Estaria dizendo que o encontro deles fora isso?... Que, após aquela noite, não iriam se ver outra vez?

— Então, amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido com você, também?

Só percebeu que expressara seu pensamento em voz alta quando as palavras o detiveram. Febo se voltou, e seus brilhantes olhos azuis pareceram cintilar ainda mais. Ele levantou a mão que pouco tempo antes acariciara seu tornozelo e a exibiu para ela com a palma aberta.

— Amanhã eu ainda vou sentir sua pele contra a minha. Vou continuar com o seu gosto na boca. Amanhã o vento ainda vai trazer seu perfume até mim... Como eu poderia me esquecer?

— Então eu o verei de novo — ela concluiu, meio sem fôlego.

— Eu não ficaria longe de você nem mesmo se quisesse. E eu não quero. Estarei no nosso café outra vez, amanhã, na mesma hora em que nos encontramos esta noite. Até lá, minha doce Pamela, só vou pensar em você.

Quando Febo deixou a suíte, Pamela sentiu como se, de repente, o Sol tivesse caído do céu. Olhou para o relógio e começou a contar as horas até o momento em que o veria novamente.


Ártemis esperou no corredor escuro que se originava de uma discreta entrada de serviço do Caesars Palace. Aguardou ao lado da porta de um suposto armário que, na verdade, era o portal que conduzia a outro mundo.

Cruzou os braços e suspirou. Havia dito a Apolo que esperaria por ele no Olimpo, mas, conforme a noite minguara, fora ficando cada vez mais inquieta. Era tarde, já estava quase amanhecendo, e ela ainda sentia as amarras que a atrelavam à mortal.

Por que o Deus da Luz estava demorando tanto tempo para seduzi-la?

Um homem alto, vestido com roupas encharcadas, dobrou uma esquina e se aproximou dela. Sem pensar duas vezes, Ártemis levantou o dedo a fim de forçá-lo a fazer meia-volta e usar outra saída, mas o estranho a surpreendeu, caindo na risada.

— Seus truques não funcionam comigo, minha irmã — declarou Apolo.

Ártemis arregalou os olhos ao reconhecê-lo.

— Apolo? Pelas barbas de Zeus! O que aconteceu com você?

Ele deu de ombros e tirou a camisa molhada.

— Um acidente.

— Acidente!? Mas... e quanto aos seus planos de sedução?

— Vão bem, obrigado.

— Bem! — Ártemis quase gritou de frustração. — Como podem estar indo bem se eu ainda sinto o vínculo da invocação?

— Essas coisas levam tempo, Ártemis. Pamela não é uma cidade para ser dizimada, ou uma fortaleza a ser atacada e saqueada. É uma mortal que deseja romance.

— Sei muito bem disso. O que não entendo é por que ainda não a levou para a cama.

— Porque não é o que ela deseja verdadeiramente — respondeu Apolo.

Os olhos de Ártemis se estreitaram diante do tom estranho e contido na voz do irmão.

— Ter o Deus da Luz em sua cama não é o que ela deseja de verdade? Acho difícil de acreditar.

Apolo suspirou.

— O que diria se eu lhe dissesse que dormir com Pamela esta noite também não é o que eu desejo?

Diria que isso era mais fácil de compreender , pensou Ártemis. Ela havia imaginado que Apolo achara a mortal atraente, mas, pelo visto, ele mudara de ideia.

— Bem — ela recomeçou devagar —, isso tudo é culpa de Baco, portanto ele vai ter que dar um jeito nessa história. Talvez possa usar o mais potente de seus vinhos para induzi-la a um estado de desejo. Ele também é um deus, e suponho que já tenha seduzido mortais antes, por mais repulsivo que possa ser imaginá-lo envolvido em tal ato.

— Não! — a palavra pareceu explodir de Apolo. — Aquele infeliz não vai tocá-la!

Ártemis franziu as sobrancelhas finas, confusa.

— Apolo, seja claro! Em um momento diz que não deseja a mortal, e, no seguinte, está pronto a defendê-la de outro deus, como se fosse aquele tolo do Paris, e ela, sua Helena!

— Eu disse apenas que não queria ir para a cama com Pamela esta noite; não que eu não a deseje. A moça se feriu — ele deixou escapar quando a irmã o fitou em silêncio. — E, logicamente, eu a curei... Sem seu conhecimento — acrescentou depressa, antes que Ártemis falasse alguma coisa. — Levá-la para a cama em seguida seria abominável.

Os olhos penetrantes da deusa viram o desconforto velado no rosto de seu irmão. Apolo não estava sendo honesto. Não com ela e, talvez, nem mesmo consigo.

De qualquer forma, ela poderia afirmar, apenas pelo modo como ele cerrava o maxilar, que o deus não lhe revelaria mais nada.

— Amanhã?

Apolo assentiu com firmeza.

— Amanhã.

— Muito bem. Então vamos para o Olimpo. Creio que eu já esteja cansada do mundo mortal.

Apolo abriu a porta do armário e fez um sinal para que ela o precedesse através do portal brilhante, que cintilava com as cores de uma concha. Estava voltando para o mundo deles, contudo não tinha a menor intenção de se retirar para o Olimpo.

Assim, deu um boa-noite distraído para a irmã e se transportou para o único lugar em que, sabia, poderia encontrar ajuda.


Capítulo 11


Fora uma surpresa, tanto para Apolo como para o restante dos olímpicos, descobrir que a deusa que havia ganhado o coração supostamente frio de Hades não era uma deusa. Que Deméter trocara a alma de sua filha, Perséfone, pela de Carolina Francesca Santoro, uma mortal do mundo moderno. Deméter quisera domar sua despreocupada filha, e a troca lhe parecera uma excelente oportunidade para amadurecer Perséfone, assim como apresentara outro excelente benefício secundário: o de a empresária mortal, muito mais madura, trazer ao Submundo sua presença calma e feminina.

Já o senhor do Submundo cair de amores pela mortal disfarçada de deusa fora um desfecho inesperado.

Apesar de que, pensou Apolo, tão logo ele conhecera Carolina ou Lina, como Hades a chamava, não demorara muito a compreender por que o Deus do Submundo ficara tão apaixonado pela moça. Lina era sábia e dona de uma exuberância única que brilhava como um farol de dentro dela.

Apolo sorriu. Ele sempre se sentira atraído pela risada de Lina, e agora entendia por quê. Seu riso carregava o som de sua alma mortal na voz do corpo que ela habitara por algum tempo: o da deusa Perséfone. E, dentro dessa alma mortal, ele escutava o eco da alegria terrena de Pamela.

— Quer dizer que a mortal já o conduziu para o inferno...

— Carolina, não o perturbe. — Hades sorriu com carinho para sua alma gêmea.

— Está exibindo o seu lado sensível de novo, meu amor — provocou Lina no tom zombeteiro que apenas ela poderia usar com o Deus do Submundo.

Hades bufou.

— Não é que eu seja sensível. Simplesmente compreendo muito bem o caos que uma mortal moderna pode causar na vida de um deus...

Lina ignorou de propósito as palavras do marido e voltou a atenção para Apolo. O deus dourado tinha descartado a roupa molhada com que chegara e agora vestia uma das confortáveis vestes de seu marido. Ela e Hades, por sua vez, descansavam em seu cômodo particular e bebiam ambrosia.

Apolo os visitava com frequência desde que se tornara do conhecimento de todos que uma mortal se transformara na Rainha do Submundo; e os três haviam se tornado grandes amigos. O Deus da Luz devia estar relaxado e se sentindo em casa na companhia deles, mas, ao contrário, seus nervos pareciam estar à flor da pele. Ele não conseguia ficar sentado. Andava, inquieto, diante da imensa janela que dava para os belos jardins da parte de trás do palácio, sem prestar atenção à bela vista.

— Não sei com o que está tão preocupado. Pelo que nos disse, Pamela me parece muito interessada em você — concluiu Lina.

— É exatamente disso que não tenho certeza! É em mim que ela está interessada, ou se trata apenas desse maldito poder da invocação?

— Isso é fácil de descobrir — opinou Hades. — Basta fazer amor com Pamela. Se ela sumir da sua vista depois, era o feitiço que a atraía. Do contrário é você mesmo.

Apolo fez uma careta, sem saber por que estava tão pouco disposto a testar o carinho de Pamela. Não seria mesmo simples? Por que a ideia fazia seu estômago se contrair?

— É assustador, não é? — A voz suave de Lina interrompeu seu turbilhão interior. — Trata-se de algo que nós, mortais, conhecemos muito bem: o medo da rejeição. No entanto, para conhecer o amor verdadeiro, precisa estar disposto a se abrir para a possibilidade de ser magoado. Eu gostaria de ter uma solução menos difícil, mas não tenho.

— Então é sempre difícil assim.

Lina sorriu, compreensiva, diante da expressão sofrida do deus dourado.

Sentado a seu lado, Hades deslizou a mão para a dela e, por um momento, eles partilharam um olhar.

— Só é difícil assim quando gosta mesmo da pessoa — ela enfatizou.

O rosto de Apolo empalideceu.

— Posso me apaixonar por ela? — Ele articulou as palavras como se tivesse acabado de dar nome a uma nova praga.

Lina assentiu com um gesto de cabeça, tomando o cuidado de segurar a risada que ameaçava escapar. Pobre Apolo!... Ele estava tão arrasado!

— Receio que sim.

— Anime-se! — incitou Hades. — Amar uma mortal não é tão terrível assim.

— Que bom que disse isso — Lina emendou, travessa.

Hades apenas riu e a beijou no topo da cabeça.

— Ela não sabe quem eu sou — Apolo prosseguiu, tenso. — Pamela pensa que sou um médico e músico mortal. Talvez não seja o feitiço. Talvez ela possa se apaixonar por mim também... Mas isso não vai mudar quando ela descobrir que estou fingindo ser alguém que não sou?

— Não permita que ela fuja de você. — A voz de Hades tornou-se grave, e sua mão apertou a de Lina conforme ele se lembrava de como quase a tinha perdido por conta do próprio orgulho.

— Apolo, precisa ter certeza de que está mostrando a ela seu verdadeiro “eu” — aconselhou Lina, escolhendo cuidadosamente as palavras. — Essa é a parte mais difícil quando se ama alguém. Tem que se desnudar para que dê certo. Se conseguir fazer isso, de repente vai perceber que não é um deus, um médico ou um músico, mas apenas um homem apaixonado. E se ela corresponder ao seu amor, também vai se dar conta disso.

— E se não corresponder? — Apolo perguntou.

Lina respondeu com sinceridade:

— Se não corresponder, vai ficar magoado.

— Vale a pena arriscar — afirmou Hades, encontrando o olhar da amante. — A chance de se conhecer o verdadeiro amor vale qualquer coisa.

Em resposta, Lina lhe tocou o rosto em uma carícia suave.

Apolo observou o casal. Às vezes Lina e Hades pareciam se falar numa linguagem secreta. Eles se entendiam como se tivessem sido feitos um para o outro.

Por todos os deuses! , Hades havia mudado muito desde que Lina entrara em sua vida. Era como se amá-la tivesse descortinado um mundo novo para ele. Se uma vez o Deus da Escuridão fora ensimesmado e retraído, agora parecia em paz, até mesmo afável. Lina tinha transformado Hades em um ser mais completo.

E ele, Apolo, desejava aquela mesma completude.

— Vou dar um fim a essa história — proclamou, decidido. — Farei amor com Pamela. Se for apenas o feitiço o que a faz se sentir atraída por mim, preciso saber.

Apolo parecia disposto a aceitar o desafio, concluiu Lina.

Então seu rosto mudou mais uma vez, e ele passou a mão pela testa como se pudesse, com isso, afastar suas preocupações.

— Mas, se não é um feitiço, como faço para manter o afeto de Pamela? — Ele piscou, confuso, voltando-se para ela. — O que desejam as mortais modernas, afinal?

— Isso não é mistério nenhum, Apolo. — Lina sorriu. — Desejamos a mesma coisa que você deseja, o mesmo que Hades quer: alguém que nos ame como somos realmente, sem disfarces, sem fingimentos, sem nenhum tipo de jogo. — Ela se levantou e aproximou-se do deus dourado, colocando a mão em seu braço. — Consegue fazer isso, amigo? Não é como correr atrás de ninfas e deusas. Aliás, é bem menos encantador.

Apolo pensou sobre como o mundo tinha desaparecido quando Pamela relaxara em seus braços, e como a crescente confiança em seus olhos o fizera sentir-se mais divino do que todas as glórias do Olimpo. Em seguida, pensou no terror que experimentara ao vê-la desabar bem na frente das máquinas de metal. Se ele não tivesse usado seus poderes, Pamela teria sido esmagada, morta...

Passou a mão pela testa outra vez.

— Estou cansado de encantamentos. Acredito que prefiro o amor — falou baixinho.

— Boa escolha, querido. — Na ponta dos pés, Lina deu-lhe um rápido e fraterno beijo. — Ah... Creio que deva dizer a Pamela quem você é o mais breve possível. — Lançou um olhar de soslaio para Hades. — Acredite, é melhor partir logo para a verdade.

— Sim, sim, farei isso. — Distraído, Apolo não parecia ouvi-la. — Obrigado, meus amigos. — Ele lhe afagou a mão e, depois, se afastou dela, preparando-se para se transportar de volta a seu palácio olímpico. — Talvez eu devesse levar um presente para ela... — Suas palavras flutuaram através da câmara conforme seu corpo oscilou e, em seguida, desapareceu.

— Creio que o coração do Deus da Luz já será um bom presente — Lina murmurou, soltando um pesado suspiro.

Hades encolheu um ombro.

— Uma joia nunca foi má ideia.


Pamela acordou aos poucos. Esticou-se e, em seguida, abraçou o travesseiro, sonolenta, pensando que algo maravilhoso estava para acontecer naquele dia. Em meio ao estado de vigília e o sono, entretanto, não conseguia se lembrar muito bem do que era.

Sentia-se maravilhosa. Tinha o corpo descansado, mas, ainda assim, encontrava-se cheia de ansiedade.

Um facho de luz irrompeu por entre as cortinas de brocado que estavam quase cerradas, brincando em suas pálpebras e fazendo-a se lembrar de raios dourados de sol, de calor... e de olhos brilhantes, da cor da água-marinha.

Em seguida, ela recordou a noite anterior, beijos na chuva... Febo!

Seus olhos se abriram.

Merda! Como podia ter se esquecido? Iria encontrá-lo naquela noite, às oito horas.

Olhou para o relógio de cabeceira e sentou-se na cama. Era quase meio-dia! Ela, uma madrugadora, dormindo até a hora do almoço?...

Bem, também fora uma mulher que tinha evitado homens e romance por vários anos, e se lembrava bem de, na noite anterior, ter derretido nos braços de um estranho.

Abraçou os joelhos contra o peito, sentindo o coração bater de emoção. Não era nenhuma bruxa velha. Era jovem e estava viva! Aproveitara uma oportunidade e se dera bem. E que oportunidade!...

Um arrepio delicioso lhe percorreu o corpo conforme se lembrava de como se sentira quando Febo a envolvera nos braços. E aquela boca!... O beijo dele ficara gravado nela, desde seus lábios até os dedos dos pés.

E se ele era tão bom beijando, como não seria fazendo outras coisas?...

O telefone tocou, arrancando-a do sonho erótico.

— Olá, Ve — falou, sem olhar para o número de identificação no visor.

— Está sozinha? — Ve quis saber num calculado sussurro.

— Sim. — Pamela mordeu o lábio, e acrescentou: — Infelizmente.

— Oh-Oh . Olhe só como está a mulher!

— Ve, estou me sentindo viva outra vez! É como se eu houvesse me transformado em um deserto, e ele fosse uma chuva morna de primavera... E vou lhe dizer, estou pronta para me entregar. — Pamela suspirou, feliz.

— Está boba pelo homem.

— Completamente. Tem razão. Estou encantada, inebriada de paixão! E, caramba , como isso é bom!... Ah, deixe-me tirar isso da frente de uma vez. Preciso admitir em voz alta e sem qualquer pressão... Você estava certa — ela cantarolou, alegre.

— Espere, estou me beliscando... Sim, está doendo! Eu não estou sonhando! Claro que eu estava certa! E não está mais bêbada, está?

Pamela riu.

— Eu nunca estive assim, tão alcoolizada. Fiquei alegre apenas o suficiente para fazer o que me aconselhou. E, ah... foi maravilhoso!

— Detalhes sórdidos, por favor! Conte-me tudo.

— Fomos para as fontes do Bellagio. Primeiro eles tocaram uma música romântica de uma ópera que Febo...

— Febo? — Ve a interrompeu.

— É o nome dele. Ele é grego, romano, latino... sei lá. Sabia que Pamela significa “tudo o que é doce” na língua grega?

— Pammy, está perdendo o foco. Comece de novo. O nome dele é Febo e...?

— Ah, sim... Primeiro tocaram essa música de ópera. Ele sabia a letra e, Deus! , foi muito romântico. — Ela suspirou.

— Você já disse isso. Conte mais!

— Começou a chover e nós corremos para debaixo de uma árvore. Não vai acreditar nessa parte... Estávamos ali e... Ve, eu já disse como ele é lindo?

— Concentre-se, por favor!

— Desculpe. De qualquer forma, estávamos ali de pé e a fonte começou a jorrar de novo, com Faith Hill cantando This Kiss !

— Está brincando.

— É sério! E então aconteceu.

— Transaram ali mesmo, na rua?

— Não! Estávamos na calçada, e não transamos coisa nenhuma, apenas nos beijamos.

— Em seguida foram para o seu quarto e copularam como dois coelhinhos heterossexuais tarados?

— Não! — Pamela limpou a garganta e teve o desejo insano de sussurrar o restante da história. — Mas ele me carregou até o quarto.

— Quer dizer como Rhett e aquela gostosa da Scarlett?

— Exatamente assim. Só que eu torci o tornozelo, e estava chovendo.

— Caiu dos scarpins .

— O que prova como esse cara me tira do prumo porque, como você mesma sabe, eu poderia correr em uma pista de gelo com um salto sete! — afirmou Pamela, presunçosa.

— Ele bancou o cavaleiro numa armadura reluzente — um clichê, a propósito, que vocês, meninas hetero , adoram — e ainda não dormiu com o pobre trípode?

— Ainda não — Pamela concordou sem fôlego.

— Ainda? Entregue o restante da história!

— Temos um encontro esta noite. Tcharam!... — ela terminou com o floreio verbal.

— Não brinque...

— Brinco.

Ve, uma namoradeira contumaz, foi direto ao assunto:

— Está bem. Qual é o plano?

— Acho que poderíamos ir jantar — ponderou Pamela.

— Pammy, está em Las Vegas. Pode fazer melhor do que isso.

— Por favor, não me diga que temos que jogar primeiro...

O suspiro da outra moça foi longo e sofrido.

— Claro que não! Vegas é a Meca dos shows fabulosos. Vão assistir a algum, de preferência um bem sexy .

— É uma boa ideia, mas... Eu não deveria esperar para ver o que ele planejou?

— Pammy, sabe que eu sou sua amiga, então, por favor, não leve isso para o lado errado... Está disposta a entrar em outro relacionamento em que o homem sempre assume a liderança?

— Não! — a palavra saiu em um lampejo de raiva. — Não quero nada parecido com o que Duane e eu tivemos. Não sou mais aquela menina boba com quem ele se casou.

— Você não era boba, Pamela. Era apenas imatura e estava apaixonada. Cometeu um erro, e isso acontece com todo o mundo.

— Pois não vai acontecer comigo de novo — Pamela declarou com firmeza.

— O quê? Apaixonar-se ou ser imatura?

Pamela abriu a boca para dizer “as duas coisas”, mas depois se lembrou do azul suave dos olhos de Febo e do interesse e desejo com que ele a fitava. Também se recordou de outra coisa que tinha quase certeza de ter visto em seus olhos, em sua voz e na maneira como ele a tocara: uma busca familiar que chegara a seu coração, assim como à sua alma.

Almas gêmeas.

O pensamento pairou como o perfume das flores de primavera em sua mente.

— Eu não sou mais tão jovem — lembrou, contida. — Não há como eu me apaixonar em um fim de semana.

Vernelle riu.

— Continue a dizer isso para si mesma, Pammy.

Pamela franziu a testa.

— Preciso desligar. Tenho muito que fazer antes desta noite.

— Por exemplo...?

— Desenhar essa fonte horrorosa, de modo a ter algo para enviar aos Meninos das Fontes .

“Meninos das Fontes” era como Pamela e Ve chamavam os irmãos que possuíam um enorme atacado de fontes, o qual a Ruby Slipper usara diversas vezes para atender a pedidos contendo todos os tipos de aparato envolvendo água. — Estou aqui para trabalhar, lembra-se?

— Pensei que Faust tivesse dito para aproveitar o fim de semana e estudar o ambiente do Fórum.

— Isso não significa que eu possa ignorar o trabalho. O que me fez lembrar: vai se encontrar com a sra. Graham hoje?

— Sim, claro. A mulher dos gatos e eu temos uma reunião esta tarde. Vamos discutir a cor de suas janelas. Reze por mim.

Pamela riu.

— Vou ver se consigo encontrar uma vela para acender.

— Muito bem, já chega de falar sobre trabalho a ser feito. Devia estar à toa, não trabalhando.

— Verdade. Acho que já absorvi o suficiente desta breguice romana. Quanto antes eu começar este trabalho, mais cedo me livrarei dele.

— Fantasia e diversão, lembra-se?

— Vernelle, esta noite vou sair com um lindo estranho chamado Febo. Isso não é fantasia e diversão suficiente para você?

— Misture um pouco dessa sua arrogância com o trabalho, sem perder o senso de humor, e creio que terá a receita perfeita para ter sucesso tanto com E. D. Faust, como com Febo. Divirta-se com ambos, Pammy.

Diversão, Pamela repetiu em pensamento. Sua vida pessoal tinha definitivamente deixado de ser divertida. Era confortável, segura, mas divertida, feliz, alegre?... Não.

Seu trabalho também deixara de ser prazeroso? Ela gostava do que fazia e estava satisfeita. Mas qual fora a última vez em que havia sentido uma onda de alegria na conclusão de um projeto?... Não conseguia se lembrar.

O pensamento a fez sair do ar.

— Pammy? Ainda está aí? — Ve perguntou.

— Sim. Eu só estava pensando.

— Que tal reservar à fonte uma hora de seu tempo, depois chamar a concierge e pedir que ela providencie as entradas para um espetáculo?

— Ok, ok. Tem razão — ela anuiu.

— E amanhã eu quero um relatório completo!

— Você o terá.

— Ótimo. Bye-bye , passarinha — Ve brincou antes de desligar.

Pamela esfregou o sono dos olhos. Tomara ela tivesse algo para relatar no dia seguinte.

Antes que mudasse de ideia, discou nove para a recepção, e uma mulher de tom eficiente atendeu ao segundo toque.

— Sim, srta. Gray. Como posso ajudá-la?

— Eu gostaria de assistir a um show esta noite. — Pamela fez uma pausa e respirou fundo. — Um espetáculo erótico. Mas nada muito desagradável — completou depressa.

— Claro que não, senhora. Recomendo um show que está no hotel New York, New York. É da mesma empresa que produz o Cirque du Soleil . Já ouviu falar deles?

— Sim, eu assisti a um espetáculo do Cirque du Soleil quando eles foram a Denver.

— Excelente. Essa produção se chama Zumanity . É bem erótica, mas de muito bom gosto.

Eu mesma vi e gostei muito. Na verdade, as entradas devem estar esgotadas, mas o hotel tem acesso a alguns tickets extras.

— Perfeito. — Pamela suspirou, aliviada por tudo estar se encaixando tão facilmente.

— De quantos ingressos vai precisar?

O sorriso de Pamela telegrafou através da linha telefônica.

— De dois, por favor.


Capítulo 12


Pamela mudou o peso do corpo e sentou-se sobre os pés, concentrada em desenhar a fonte.

Ou melhor, a sua versão da fonte. Manteve a forma de trevo desta, porém diminuiu seu tamanho e ignorou as horríveis estátuas de Ártemis, Apolo e César, substituindo-as por lindas espirais que pareciam ondas, do meio das quais peixes jorravam água.

Olhou para a estátua gorducha no centro e suspirou. Não importava o quanto ela “consertasse” aquela coisa gimensa ; não havia como transformar Baco em algo aceitável. Muito menos com Eddie insistindo para que a escultura fosse animada.

Sentiu os dedos, que antes voavam sobre a página do bloco, diminuírem o ritmo. Desenhou um pedestal central, porém deixou o espaço onde o Deus do Vinho se sentava vazio. Decerto poderia convencer Eddie a aceitar algo menos... — franziu a testa para a estátua — ... menos gordo e hediondo.

Olhou para o relógio. Três e meia. Ainda tinha quatro horas e meia até o encontro.

Precisava pegar a câmera e tirar fotos das colunas, bem como fazer anotações sobre cores e texturas. Todo esse trabalho preliminar seria necessário na segunda-feira, quando ela se encontraria com Eddie na casa dele, enfim.

Deveria se concentrar na tarefa, contudo, sua mente insistia em vagar por coisas mais prazerosas. O dourado das colunas ornamentadas lembrava o brilho do cabelo de Febo. Agora que não que precisava mais se preocupar com o esboço da fonte, seus pensamentos, volta e meia, se concentravam nele. Mesmo o céu de mentira, com nuvens macias revolvendo, lembravam seus olhos.

Inferno , até aquela estátua cafona de Apolo se parecia com ele de alguma forma! Era como se Febo fosse uma daquelas luzes brilhantes que atraíam insetos, e ela, uma mariposa apaixonada!

Estava obcecada. Sabia disso. E mais do que decepcionada por perceber que, na verdade, não se importava com seu estado. Pelo contrário, sentia-se como quando lia um livro maravilhoso: como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa e desfrutando cada segundo.

Seu sorriso foi lento e muito, muito sensual. Talvez ela devesse mesmo jogar. Sentia-se, sem dúvida, com muita sorte.

Como se ecoando seus pensamentos, uma moça esbelta se aproximou da fonte, falando, excitada, com uma amiga.

— Acredita na nossa sorte? Meu Deus! Tropeçar na liquidação anual da Chanel !

Liquidação da Chanel ? Os ouvidos de Pamela se aguçaram.

— Pensei que eu fosse desmaiar quando vi o preço daquele vestido! — Carregando sacolas abarrotadas de compras, as duas mulheres passaram, rindo, por seu banco.

Pamela lançou à fonte um último olhar de desprezo e quase riu alto. Devia ser o destino... ou talvez um presente dos deuses. Ela iria comprar um novo e fabuloso vestido Chanel para usar naquela noite, iria a um show erótico com um pedaço de mau caminho , e podia até mesmo fazer sexo com ele depois!

Sentiu o estômago se apertar.

Esqueça isso, está se precipitando!

Respirou fundo.

Ora... Poderia, mesmo, ficar com Febo depois. Um bom amasso não estava fora de questão. Fechou o bloco e o guardou na pasta de couro.

Vermelho. Iria comprar um vestido vermelho que deixasse as pernas de fora. Podia até mesmo ir a uma pedicure.

Sim, iria fazer isso. Esmalte vermelho nos pés era uma necessidade numa situação daquelas.

Decidida, Pamela rumou para o paraíso da alta-costura, cantarolando baixinho.


Baco tamborilou os dedos na mesa do restaurante. As coisas não estavam indo como ele planejara.

— Traga-me outra tequila! — rosnou para uma garçonete que passava, arrependendo-se em seguida quando ela se encolheu sob o calor de sua ira e quase derrubou várias cadeiras na pressa para chegar ao balcão e fazer o pedido. Já era ruim o bastante que os jovens olímpicos o estivessem aborrecendo. Fazer que ele descarregasse sua irritação em pessoas inocentes de seu reino era inaceitável.

Afinal, aquele ainda era o seu reino.

A atendente voltou correndo para a mesa, trazendo a tequila.

— Sinto muito, eu devia ter prestado mais atenção ao senhor. Não foi minha intenção fazê-lo esperar tanto pelo seu drinque.

Baco sorriu e tocou a garçonete no braço, transmitindo-lhe uma dose de magia. No mesmo momento, o olhar aterrorizado da moça desapareceu, suas faces coraram e seus lábios se entreabriram, sedutores. Como ela podia tê-lo considerado um estranho assustador e obeso? A raiva do homem não era tão palpável, e ele não era assim, tão gordo. Era apenas grande, e ela gostava daquele tipo. De verdade.

Um estranho calor emanou dos dedos dele, fluindo por seu braço e percorrendo seu corpo. Sentiu os nervos formigarem e suas partes mais íntimas ficarem úmidas.

Fitou os olhos escuros e se inclinou para mais perto do homem, desejando que ele tirasse a mão de seu braço e a deslizasse para o meio de suas pernas...

Baco riu e acariciou a carne firme do braço da menina.

— Mais tarde, esta noite, irá à minha suíte. Apenas pense em mim, e seu desejo a levará ao quarto certo.

Apenas após ter a certeza de que seu comando fora plantado no subconsciente da moça, o deus rompeu o contato com sua pele.

A garçonete estremeceu com um intenso prazer.

— Sim! — gemeu, enlevada.

— Agora, caia fora. — Ele gesticulou, e um véu pareceu se erguer dos olhos dela.

A moça piscou e sorriu para ele, hesitante.

— Há mais alguma coisa em que eu possa servi-lo, senhor?

— Mais tarde, talvez.

Ela se afastou devagar, parecendo ainda meio atordoada.

Baco estudou com atenção as nádegas arredondadas, imaginando como seria senti-la sob ele naquela noite. Ela era deliciosa, jovem, tenra... e agora estava apaixonada. Afinal ele era um deus; podia facilmente ter certeza de sua adoração.

Mortais modernos precisavam adorá-lo. Ele estaria fazendo à jovem um favor ao adicionar a inebriante magia do vinho e da fertilidade à sua vida mundana.

No entanto, ele era o único deus que tinha o direito de usar seu poder em meio a eles. Las Vegas fora descoberta sua, portanto ELE NÃO PARTILHARIA SEU REINO! Muito menos com os gêmeos dourados. Ele sempre os desprezara por sua perfeição e sua displicente arrogância sobre tudo. Apolo e Ártemis não haviam se contentado em permanecer no Caesars Palace e em jogar ao lado dos mortais. Tinham encontrado o caminho para seu lugar predileto: a fonte do Fórum.

Sim , pensou Baco. Ele usara seu poder imortal por meio das ninfas com a intenção de chocar os gêmeos. Visara de propósito àquela mortal reprimida e a levara a beber o suficiente de seu vinho para dar sequência aos eventos que permitiriam a conclusão da invocação.

Conhecia o temperamento de Ártemis. Todos no Olimpo conheciam. E tinha certeza de que a diva iria fazer algo para impedir a evocação, principalmente quando ele usara sua caricatura de Deusa da Caça de um modo tão desrespeitoso. Agindo contra ele, aqueles dois deuses inferiores acabariam por trair a si mesmos no mundo moderno.

Que espetáculo inebriante não teria sido!

Claro que testemunhar a ira de Zeus também teria sido ótimo. Depois que as nuvens de tempestade houvessem se dissipado do Olimpo, ele, Baco, poderia ter deslizado pelo portal esquecido e, mais uma vez, ficado sozinho em sua magnífica Las Vegas para reinar sem restrições ou regras que limitassem seus desejos.

Mas nenhum dos gêmeos havia interrompido a invocação, e a mortal invocara Ártemis para cumprir seu desejo mais sincero de verdade.

E Apolo começara a cortejá-la! Ele os vira namorando pelo restante da noite. Tinha certeza de que o Deus da Luz não estava usando nenhum de seus poderes imortais para seduzir a mulher.

A raiva se avolumou dentro de Baco. Apolo nem precisava usar seus poderes e seduzir com magia. Era dono de um corpo musculoso e dourado que denotava uma beleza masculina muito acima dos padrões mortais. Não era justo que o Deus da Luz fosse tão bem-dotado!

Cerrou o maxilar. Persuadira o céu do deserto a enviar uma tempestade para arruinar o encontro daqueles dois, mas também não dera certo. Por isso cutucara a desavisada mortal, fazendo-a prender o salto na calçada. Ela devia ter ido parar no meio do tráfego, e o deus dourado ter traído sua presença na tentativa de salvá-la. Porém, Apolo conseguira frustrar o acidente que ele orquestrara sem que os mortais de Las Vegas percebessem que havia um poderoso imortal entre eles.

Aquele insuportável!

Mas ele não toleraria outro deus usurpando seu lugar.

Lembrou-se do beijo apaixonado que Apolo e a mortal tinham trocado, e da forma como este a carregara em meio à chuva, como se fosse um herói. A moça era o que mantinha o interesse do Deus da Luz em Las Vegas. Mas quem poderia adivinhar por quanto tempo ele ficaria brincando com a mortal? E se, depois que Apolo se cansasse dela, o deus descobrisse que adquirira um gosto especial pelas mulheres modernas?, questionou Baco. Afinal, ele mesmo desenvolvera tal gosto.

Engoliu um último trago da potente bebida. Não. Isso jamais aconteceria. Ele não iria suportar ver Apolo seduzindo suas mortais.

Mas como poderia se livrar do Deus da Luz? Não era tarefa fácil. Apolo, decerto, não iria trair a si próprio e se revelar uma divindade, atraindo a ira de Zeus. E nem ele nem sua irmã gêmea aparentavam estar com pressa de contar ao senhor dos deuses a respeito da invocação que ele, Baco, havia provocado. Infelizmente, era óbvio que, após ter dado início à sedução da mortal, Apolo parecia, de fato, estar se divertindo.

Baco apertou os dentes. Só podia culpar a si próprio por aquilo, portanto era problema seu descobrir uma maneira de neutralizar o gosto que o Deus da Luz adquirira por Las Vegas.

Queria gritar de raiva. Como Apolo podia não desfrutar Vegas? A cidade era um verdadeiro playground para os deuses, e o outro tinha o poder de dar vida à sua magia, assim como ele.

O desprezo desenhou um sorriso de escárnio no rosto do Deus do Vinho. Ele gostaria muito de ver o Deus da Luz sobreviver em Las Vegas sem seus poderes sobrenaturais. Apolo seria como uma criança perdida em uma floresta escura. Julgava-se superior a ele, Baco, mas não conhecia nada do mundo dos mortais modernos. Não possuía as mesmas reservas de dinheiro nem as suítes de luxo, muito menos o vasto conhecimento de como manipular os mortais a seu bel-prazer.

De repente, Baco endireitou-se sobre o assento que mal lhe comportava o corpo. Era isso! Se ele conseguisse um modo de fazer Apolo perder o fechamento do portal na noite seguinte, o grande Deus da Luz ficaria aprisionado no mundo mortal por um período de cinco dias, sem nenhum de seus formidáveis poderes. Ficaria fraco, desamparado... miserável. Quando o portal fosse reaberto, ficaria feliz em partir para o Olimpo e nunca mais voltar.

E seria apenas uma questão de tempo antes que a antipatia do Deus da Luz por Las Vegas se alastrasse pelo restante daqueles esnobes olímpicos.

Ele faria isso, decidiu Baco, sorrindo com horrível malícia. Apolo ficaria preso em Las Vegas sem nenhum poder.


Capítulo 13


— As roupas são mesmo muito estranhas, senhor, mas ainda o consideramos bastante atraente com elas — declarou a ninfa loira em uma voz melodiosa e sedutora.

O restante do grupo de divindades que se reunira em torno de Apolo após ele ter saído do closet murmurou sua concordância.

Apolo estudou o próprio reflexo no enorme espelho com moldura entalhada. Na noite anterior estivera tão distraído, após deixar Pamela, que havia se esquecido de recuperar as próprias roupas na loja de Armani.

Naquela manhã, seu encontro com Pamela fora a primeira coisa a lhe vir à cabeça e, por consequência, tinham surgido as dúvidas quanto ao que ele deveria usar e aonde poderiam ir. Seu traje moderno fora arruinado pela chuva, e Apolo se perguntou, ao inspecionar a camisa amarrotada, como os mortais daqueles tempos faziam para atender à constante necessidade de novas roupas.

Ao menos aquilo explicava a proliferação de lojas oferecendo todos os tipos de vestimenta. Devia-se perder muito tempo tentando se trajar devidamente no Reino de Las Vegas.

Ele era um deus, contudo. Não queria desperdiçar tempo adquirindo uma quantidade interminável de roupas. Por isso fizera o que muitos dos imortais faziam: enviara ninfas para comprá-las por ele.

Tirou um fiapo da manga da camisa creme que era do mesmo estilo da que ele estragara na chuva, mas que possuía linhas azuis quase imperceptíveis trabalhadas no tecido. As calças eram feitas de um linho de qualidade, num tom mais escuro do que a camisa.

Era sempre sábio evocar o auxílio de ninfas em se tratando de cores e estética. Os tons sutis que elas tinham escolhido pareciam os dos primeiros raios de sol mesclados com o azul e coral do amanhecer.

— Fizeram uma excelente escolha. — Sorriu para as ninfas, que sorriram de volta e se alvoroçaram em seu louvor.

A mais ousada do grupo, uma dríade de cabelos castanhos com quem ele se lembrava de ter tido um caso apaixonado vários séculos antes, chegou mais perto. Jogou os cabelos compridos até a cintura para trás, exibindo o corpo sob a túnica diáfana e quase inexistente.

Conforme os olhos de Apolo se voltaram naturalmente para os mamilos escuros, estes se contraíram em uma resposta instantânea.

— Por que não fica conosco, Deus da Luz? — ela ronronou, correndo as mãos pelo próprio corpo. — Podemos entretê-lo muito melhor do que qualquer mortal.

— Sim — concordou outra ninfa, aproximando-se. — E não vai precisar usar nenhuma roupa para o que estamos oferecendo...

As outras divindades riram, sedutoras, e se puseram a dançar de improviso em torno de seu deus favorito. Sorriam num claro convite, fascinando-o com sua estonteante beleza e sensualidade.

Apolo as observou, divertido e lisonjeado pela demonstração de carinho. Ele sempre fora muito querido pelas pequenas semideusas. Elas eram como flores lindas e eróticas que ele poderia colher sempre que quisesse, e cujo néctar podia apreciar a qualquer momento.

Mas, desta vez, não ficou tentado a provar dos seus encantos. Se as ninfas eram como flores, Pamela era como a Terra — fértil e sensual. E o que ele mais desejava no momento era mergulhar em sua exuberância.

— Talvez em outra hora, minhas queridas.

— Vão embora!... — Uma voz forte, a versão feminina da sua própria, veio da porta. — O Deus da Luz vai estar ocupado esta noite.

As ninfas desapareceram da sala, lançando olhares nervosos na direção de Ártemis.

— Não precisava ofendê-las — ralhou Apolo, passando os dedos pelo cabelo.

— Digamos que eu esteja um pouco aborrecida, e que tenha coisas mais importantes na cabeça do que esse seu afeto por ninfas... Por exemplo, estou me sentindo acorrentada a uma mortal de um modo que até Prometeu iria achar difícil suportar!

Apolo riu.

— Não pode ser tão ruim assim.

O rosto de sua irmã permaneceu tenso e sério.

— Sinto o peso da vontade e do desejo de Pamela, e ambos são consideráveis.

As palavras fizeram cessar o riso de Apolo.

— Aconteceu alguma coisa com Pamela? Ela está bem?

— A tolinha está ótima. Está apenas cheia de desejo e expectativa. Chega a ser opressivo.

— Pamela não é nenhuma tola — contestou Apolo após o enorme alívio que o inundou. Então ela estava segura. Não havia nada de errado com ela... além de um forte desejo por ele.

— Espero que esse sorriso ridículo no seu rosto seja porque vai levar a mortal para a cama esta noite e me livrará do fardo de sua invocação.

— É a minha intenção — ele concordou, e não se preocupou em parar de sorrir. Por tudo o que era sagrado, estava feliz!

— Fico muito contente em ouvir isso. — Ártemis lançou-lhe um olhar de enfado.

Apolo deu o braço à irmã enquanto caminhavam em direção ao Salão Nobre do Olimpo e ao portal para o Mundo Moderno.

— Eu já disse “obrigado” por me fazer visitar o Reino de Las Vegas com você?

— Eu nunca pretendi que isso tudo acontecesse — contrapôs Ártemis, porém teve que retribuir o sorriso do irmão. — Embora eu tenha pressentido que precisava de um pouco de diversão.

Apolo permaneceu em silêncio até ficarem frente a frente com o portal. Então fitou a deusa com uma expressão no olhar que Ártemis não conseguiu definir.

— Acredito que tenha me proporcionado muito mais do que uma simples diversão, irmã.

— Basta se certificar de que estarei livre em breve — ela proclamou, escondendo o leve mal-estar que o comportamento estranho de Apolo lhe despertava.

— Não se aflija, Ártemis — ele pediu, a voz e o corpo se desvanecendo conforme passava através do portal.

Ártemis o observou partir, a testa enrugada pela preocupação.

Suspirou, desgostosa. Teria que tomar conta de Apolo. Definitivamente, ele estava com a cabeça nas nuvens. Precisaria de um empurrão para fazer o que deveria ser feito. Balançou a cabeça e olhou para o portal. Às vezes ela não compreendia o irmão.


Pamela não o tinha visto ainda, e Apolo ficou à sombra da grande coluna de propósito, de modo a poder devorá-la com os olhos. Ela se encontrava sentada à mesma mesa em que estivera na noite anterior, tomando um gole de vinho da taça de cristal.

E estava magnífica. Seu vestido era de um tom rico de vermelho que combinava com o cabelo escuro e a pele clara. O modelo era simples e elegante: sem mangas e feito de um tecido leve que abraçava seu corpo como uma segunda pele, deixando parte da perna longa e sedutora exposta.

Ele sorriu e balançou a cabeça. Pamela calçava aqueles sapatos outra vez. Não o mesmo par da noite anterior, claro. Os que ela escolhera para se equilibrar naquela noite eram sandálias douradas que pareciam encarapitadas em adagas. Mal podia esperar para ver o que andar sobre elas faria para aquelas pernas e nádegas bem-feitas...

Sentiu as entranhas se revolverem e pesarem enquanto a observava. Tinha vontade de pegá-la e carregá-la para longe da multidão, direto para o quarto, onde poderia lhe mostrar o que era ser amada por um deus.

Deu meio passo em sua direção e então se deteve.

Não. Não queria apenas violá-la. Queria mais, e, para que pudesse ter mais, Pamela precisava conhecê-lo. Precisava saber quem ele era. Se ela fora enfeitiçada pelo ritual de invocação ou não, se tudo o que existia entre eles era sexo, sua relação com Pamela seguiria o rumo das que tivera com todas as suas outras amantes: eles iriam se separar tão logo seus corpos estivessem saciados.

Apolo pensou em Hades, em Lina e na alegria que eles haviam encontrado juntos. Queria ser feliz também, e nunca iria encontrar a felicidade se a luxúria fosse seu único objetivo.

Saiu das sombras em que estivera se escondendo, movendo-se na direção de sua futura amante com passos fortes e decididos. Percebeu o instante em que ela o viu. Seus olhos se arregalaram de leve, e sua boca deliciosa se curvou em um sorriso doce de boas-vindas.

O coração de Apolo disparou. O que Pamela o fazia sentir além daquela expectativa e desejo insanos? Nervosismo?... Aquela pequena mortal moderna conseguia deixar o Deus da Luz nervoso!

Conforme Febo chegou mais perto dela, Pamela sentiu uma onda de tensão e excitação. Estava mais do que feliz por ter comprado o vestido Chanel novo e, naquele momento, nem se importou mais que este não fosse da liquidação. Ao menos tinha certeza de que estava bem.

Agora, tudo com o que precisava se preocupar era em não abrir a boca e ficar gaguejando como uma idiota.

Os olhos dele pareciam ainda mais lindos do que ela se lembrava. Eram como os de Paul Newman multiplicados por cinco!

E, nossa , Febo era alto!... Tão deliciosamente alto.

— Boa noite, doce Pamela. — Apolo pegou sua mão e a levou aos lábios, fazendo que estes permanecessem em contato com a pele macia por mais tempo do que o necessário, porém não o suficiente para fazê-la sentir-se desconfortável.

Ficou satisfeito ao vê-la corar em resposta. Ele podia ser inexperiente em se apaixonar, mas o Deus da Luz não era inexperiente em seduzir.

— Está tão linda que alguém deveria pintar um retrato seu, ou então escrever um poema em homenagem a essa sua graciosidade.

— Obrigada... acho — ela agradeceu, tentando recuperar o equilíbrio. — Quero dizer, se “graciosidade” é um elogio.

— Claro que é. — Ele ainda segurava a mão dela.

— Obrigada. Agora para valer.

— De nada. — Relutante, Apolo soltou-lhe a mão e sentou-se a seu lado. — Não saiu dos meus pensamentos hoje, Pamela. — Deixou o olhar deslizar pelo rosto perfeito, depois pelo restante do corpo esbelto até as longas pernas que ela cruzara de lado, exibindo a pele perfeita. — Seu tornozelo deve estar recuperado se esta noite decidiu se equilibrar de novo nessas lâminas.

Ela sorriu e moveu o pé.

— Está perfeito. E não estou calçando “lâminas”. São meus sapatos novos, da última coleção Prada, que me custaram uma fortuna. Fiquei apaixonada por eles, então não tive escolha senão levá-los para casa comigo.

— Sapatos de sorte — ele replicou com voz rouca, antes de se curvar e lhe segurar o tornozelo. Passou o polegar por toda a sua extensão, enquanto sentia os ossos e tendões que havia curado na noite anterior, a fim de se certificar de que tudo estava bem.

Mas foi difícil para ele se concentrar na cura. O tornozelo de Pamela estava muito sensual no pequeno sapato, e ela pintara as unhas com um vermelho brilhante que combinava com o vestido, o que tornava os pés semidescalços indescritivelmente sexy .

Pamela sentiu o calor do toque viajar do tornozelo até as coxas, indo parar, inebriante, na boca do estômago, tal qual um uísque caro. Ficou desapontada quando Febo soltou seu pé.

Apolo fez sinal para que o servo lhe trouxesse uma taça de vinho antes de voltar a atenção para ela de novo.

— Já sabe o que fiz hoje: pensei em você. Agora me diga o que fez aqui, em Las Vegas, já que o tempo demorou a passar até que pudéssemos nos encontrar outra vez.

Maravilha , ela pensou. A conversa tinha começado bem. Eles precisavam conversar porque ela necessitava de tempo, e de jogar conversa fora, a fim de manter os hormônios sob controle.

Por favor, por favor, por favor!... Não me deixe falar nenhuma besteira!

— Primeiro fiz algo que quase nunca faço: dormi até tarde.

Ele levantou uma sobrancelha dourada, divertido.

— Sou, decididamente, uma madrugadora. Costumo levantar a tempo de beber uma xícara de café enquanto vejo o lindo nascer do sol no Colorado.

— Gosta do amanhecer?

— Adoro! — Ela sorriu, relaxando diante do assunto familiar. — Na verdade, o nascer do sol é um dos meus momentos favoritos.

A resposta veio do fundo da alma de Pamela e, de repente, Apolo desejou se abrir, dizer quem era e compartilhar seu mundo e sua vida com ela. Pamela adorava ver o sol nascer. Não era razoável supor que poderia adorar o Deus da Luz?...

Ele abriu a boca para lhe dizer seu verdadeiro nome, contudo seu lado mais racional freou o impulso. Não queria que ela o adorasse como a um deus. Queria que ela se apaixonasse por Febo, o homem dentro de Apolo.

Ainda assim, mal pôde mascarar o intenso desejo que lhe permeou a voz:

— O amanhecer também é muito importante para mim. Talvez, em breve, você e eu possamos ver o sol subindo no céu juntos...

Pamela corou e não soube o que dizer. Não pôde nem mesmo gaguejar.

Droga , aquilo era muito mais do que apenas estar sem prática em termos de namoro e paquera! Febo a deixava sem fôlego. Ela queria... queria...

Maldição dos infernos! Queria tantas coisas quando ele a fitava daquela maneira!

Mas também desejara tantas coisas quando conhecera Duane. Ele parecera deter a chave de sua felicidade e, no fim, a realidade mostrara que a única coisa que o ex-marido tinha nas mãos eram os cordames emocionais com os quais ele pretendia mantê-la sob controle, sufocar seu espírito e a transformá-la em algo que ela não era: seu ideal de uma mulher perfeita. E ela ainda podia sentir as feridas causadas pelos cordames daquele relacionamento sufocante.

Portanto o melhor era ir com calma. Precisava ir devagar com Febo. Ele parecia maravilhoso, porém sua intuição lhe gritava que as coisas quase nunca eram o que aparentavam. Divertir-se naquele fim de semana era uma coisa. Emaranhar-se nos fios de outro relacionamento era outra.

Apolo leu o conflito nos olhos expressivos de Pamela e, em seguida, percebeu o modo como ela se esquivou.

E isso doeu nele mais do que poderia imaginar.

Mas não pretendia desistir tão facilmente, e seu sorriso foi quente e aberto.

— Bem — falou, como se não houvesse tido seu convite ignorado —, agrada-me saber que ambos gostamos do nascer do sol. Mas você disse que dormiu demais, então perdeu o amanhecer hoje. O que mais aconteceu no seu dia?

Pamela encontrou seus olhos. Eles eram tão calorosos e tão azuis!... Faziam que se lembrasse do céu de verão sobre o mar Mediterrâneo.

Inferno! Estava fazendo de novo: deixando-se encantar pela boa aparência de Febo como uma m... de adolescente!

— Pamela?

— Ah, desculpe. — Ela tomou um gole do vinho. — Eu estava divagando. Às vezes me falta concentração. Não com o meu trabalho — emendou, apressada. — Nesse ponto sou bastante focada. Aliás, como nesta tarde... Comecei a esboçar a minha versão dessa fonte horrível. Imaginei que tivesse ficado lá por uns vinte minutos, mas, quando fiz uma pausa e olhei no relógio, duas horas tinham se passado! — Pamela parou de falar e estreitou os olhos. — Fiz isso de novo, não foi?

— Isso o quê?

— Perder o foco, trocar os assuntos... — ... Falar bobagem , completou em pensamento.

— Com certeza.

— Desculpe, Febo.

Apolo sorriu. Ele gostava do raciocínio brilhante de Pamela, das expressões que desfilavam por seu rosto, principalmente quando ela falava sobre trabalho. Pamela não agia com interesses escusos, tentando seduzir o Deus da Luz, nem se mostrava como uma donzela deslumbrada com seus poderes imortais. Ela era real. Suas reações eram genuínas e honestas... Um afrodisíaco que ele jamais poderia ter imaginado.

— Eu não me importo. Gosto de ouvi-la divagando.

— Nossa, que estranho. — Ela fez uma pausa, tentando ver se ele estava sendo sarcástico ou zombeteiro. — A maioria dos homens acha isso aborrecido.

— Verdade? — Ele balançou a cabeça. — Acho que eu já disse antes: muitas vezes os homens são uns tolos.

— E eu já concordei com você nesse ponto!

Sorriram um para o outro.

Num impulso, Pamela ergueu a taça.

— A um homem que não é bobo.

— Aí está um brinde ao qual tenho o prazer de me juntar. — Ele riu e tocou a taça com a dele. — Agora me fale sobre esse esboço que fez. É artista também? Ou é como entender de arquitetura, algo essencial para que desempenhe bem o seu trabalho?

A pergunta a agradou. Mostrava que Febo a tinha escutado no dia anterior. Assim como a agradou a atenção com que ele esperou pela resposta.

— Gosto de desenhar, e sou bem razoável com aquarelas; mas não sou boa o suficiente para ser considerada uma artista. Mas está certo... É como ter que compreender os rudimentos da arquitetura no meu trabalho. Também é importante que eu seja competente em artes a fim de que eu possa criar maquetes para carpinteiros ou estofadores, ou até mesmo para escultores, de modo que eles possam ter uma ideia concreta do que meus clientes querem.

Apolo levantou ambas as sobrancelhas devagar, e seu olhar se voltou para a horrorosa fonte no pátio à sua frente.

Pamela acompanhou seu olhar, deu um longo e dolorido suspiro e balançou a cabeça.

— É isso mesmo, você adivinhou. Esse cliente, em particular, quer uma reprodução dessa coisa no pátio de sua casa de veraneio.

— Tem certeza de que compreendeu bem o que ele quer? — Apolo fitou o monólito jorrando, os olhos se fixando na reprodução medonha dele mesmo.

— Infelizmente, sim. Na verdade, o que eu estava tentando fazer hoje era chegar a uma solução de mais bom gosto, porém ele insiste que eu mantenha Baco como o centro da estátua. — Pamela estremeceu. — Vou ter que descobrir uma forma de fazê-lo mudar de ideia. Pelo menos consegui me livrar dessas duas esculturas laterais terríveis.

Apolo lançou-lhe um breve olhar.

— Quer dizer as estátuas de César, Ártemis e... — Sua voz vacilou antes de seu próprio nome.

— Apolo — completou Pamela. — Aquele com a cabeça grande e a harpa é, supostamente, o Deus do Sol.

Ele teve o cuidado de manter a expressão neutra.

— Na verdade, Apolo é chamado mais de Deus da Luz, e o instrumento que carrega é uma lira, não uma harpa.

— Ah — disse Pamela, estudando a estátua. — Eu não sabia que existia essa diferença. Mas você é músico, não é?... Tudo o que sei é que a lira fica verde-néon quando aquela coisa horrível se movimenta.

— Sim. — Ele tentou não fazer uma careta. — Foi o que ouvi dizer.

— Eu não sabia que Apolo era chamado de Deus da Luz. Pensei que fosse apenas o Deus do Sol. — comentou Pamela, com os olhos ainda voltados para a estátua.

— Essa é a forma como os romanos insistiam em chamá-lo. Para os gregos, ele sempre será o seu Deus da Luz, da medicina, da música, da poesia e da verdade.

— Da verdade?

— Sim, a verdade era muito importante para Apolo. Ele era um dos poucos olímpicos que consideravam a dissimulação e o subterfúgio uma ofensa.

— Eu não fazia ideia. Pensei que todos os deuses mitológicos fossem impulsivos e interesseiros. Lembro-me de um dos meus professores de Inglês descrevendo-os como playboys e mulherengos.

Apolo pigarreou e se moveu na cadeira, pouco à vontade.

— Os deuses são... eram muito apaixonados; e a paixão pode, por vezes, levar a atitudes impulsivas e interesseiras. Além disso, deve se lembrar de que no Mundo Antigo era considerado um privilégio para uma mulher ser amada por um deus. Particularmente pelo Deus da Luz.

— Quer dizer que o fato de Apolo dizer a verdade não significava que ele fosse fiel.

Apolo franziu a testa e não soube o que dizer. Queria se defender, mas não tinha como.

Pamela estava certa. Ele sempre fora verdadeiro, mas nunca fiel. Nunca havia tido qualquer desejo de ser fiel.

— Por acaso mitologia é um dos seus hobbies ?

— Pode-se dizer que é mais uma paixão do que um hobby — ele corrigiu com um leve sorriso. — Entendo o suficiente sobre o assunto para lhe garantir que a lira do Deus da Luz não ficava verde quando ele a tocava, e sua cabeça não era tão grande.

Pamela sorriu.

— Fico feliz em ouvir isso. Não imagino como ele poderia ser mulherengo com essa aparência!

— Sabia que alguns textos antigos relatam que Apolo encontrou o amor? — ele falou depressa, antes que o bom-senso lhe chegasse à voz. — E que, depois, ele foi fiel à sua amada?

— Eu não fazia ideia. Quem era ela? Alguma deusa fabulosa?

— Não, ele encontrou sua companheira de alma em uma mortal.

— Uma mortal?... — Pamela bufou. — Acho que é por isso que chamam isso de mitologia. Não imagino que uma mortal seria estúpida o bastante para se arriscar a amar um deus.

Apolo sentiu o peito se apertar.

— Mas, pense bem: ela se arriscou e conquistou sua alma gêmea.

O sorriso de Pamela foi lento e doce.

— Você é mesmo um romântico.

— Sim! — ele concordou com mais ênfase do que pretendia e teve de parar e tomar fôlego a fim de controlar as próprias emoções. — Mas não fui sempre assim. Na verdade, tenho agido muito como Apolo: satisfazendo-me em encontrar o amor onde é conveniente ou agradável, para depois nem pensar mais nele. Entretanto, sinto que estou mudando. — Ele deu de ombros e baixou a voz. — Talvez por isso eu compreenda tão bem as histórias em torno do Deus da Luz.

Pamela estudou a taça de vinho em silêncio. Não sabia o que dizer. Sentia-se definitivamente atraída por Febo, e o que ele dizia tocava seu coração. Febo parecia tão aberto e honesto!... Mas estava com medo. Pensar em ter uma aventura de fim de semana a deixava nervosa e confusa. Pensar em começar um relacionamento a aterrorizava.

Olhou para o rosto bonito e viu que ele a fitava, atento. Respirou fundo, mas, em vez de lançar mão de alguma piada improvisada sobre românticos ex-playboys, ouviu a verdade brotando:

— Estou divorciada. Tive um casamento ruim. Não... apague isso. Tive um casamento terrível. E não namorei mais desde então. Está sendo honesto comigo, portanto preciso ser honesta com você. Apenas pensar na possibilidade de um novo relacionamento me assusta. Não creio que eu esteja pronta para qualquer coisa além de... — Ela hesitou, não querendo soar como uma vagabunda ou uma idiota.

— Precisa superar o que aconteceu — interveio Apolo diante de sua hesitação.

— Verdade — Pamela concordou, agradecida por ele ter colocado em palavras o que ela não conseguira dizer.

— E vai superar, doce Pamela.

— Obrigada pela compreensão — ela murmurou, apoiando a mão sobre a dele. — Eu sei que parece loucura, afinal eu só o conheço há dois dias... Mas há algo em você que me faz sentir como se compreendesse o que quero dizer.

— É verdade, doce Pamela. E não tem ideia de como é raro duas pessoas encontrarem essa conexão. — Ele tinha vivido eras, literalmente, sem aquele tipo de coisa.

Pamela passou o polegar pela mão morena e se perdeu no azul espetacular dos olhos de Febo.

— Acho que posso imaginar.

O nó que se formara no peito de Apolo de repente se soltou. Pamela não resistia à ideia de se entregar ao amor; ela havia sido magoada. Muito magoada. Precisava se curar, e aquilo era algo que Apolo, o Deus da Luz, poderia fazer por ela.

— Eu lhe trouxe algo esta noite. Acho que agora é o momento perfeito para presenteá-la com isto... — Enfiou a mão no bolso e tirou dele uma delicada corrente dourada. Ergueu-a, de modo a permitir que a luz ilumi nasse a pequena medalha emoldurada por um estreito círculo dourado que pendia do fio. Em uma das faces, via-se o forte perfil de um deus grego.

— Nossa, que linda!... — suspirou Pamela. A moeda era de ouro, porém não era uma medalha comum. Seu formato era irregular, como se o círculo houvesse sido forjado, o que a fazia parecer muito antiga. — Mas não posso aceitá-la. Deve ser caríssima.

— Posso lhe assegurar que não me custou nada. Eu a tenho há muito tempo. Por favor, eu ficaria muito feliz se ficasse com ela. Afinal de contas, estivemos conversando sobre o deus que está representado na medalha.

— Verdade? Este é Apolo? — Intrigada, Pamela se inclinou para segurar a peça de ouro nas mãos, e estudou o bonito perfil.

— Garanto que a semelhança com o deus é maior do que a da estátua da fonte — afirmou Apolo, irônico.

— Engraçado. — Pamela olhou da medalha para Febo. — Ele se parece com você. Quero dizer, não exatamente... Mas o perfil é semelhante.

— Isso sim é um elogio. — O sorriso dele se alargou. — Pelo menos enquanto não diz que eu me assemelho àquela estátua também. — Ele apontou com o queixo na direção do Apolo cabeçudo da fonte.

— Não! — Pamela riu. — Não se parece nem um pouco com essa estátua.

Ele riu, apreciando a ironia da situação.

— Se usar a medalha, pode pensar em Apolo como seu deus particular — incitou. — Apolo poderia ser seu talismã. Talvez o Deus da Luz a ajude a resolver os problemas que vem tendo com o pedido incomum do seu cliente.

Pamela olhou da moeda para Febo, pronta a dizer “não, obrigada”, mas hesitou. Era assim tão errado aceitar um presente de um homem bonito? Gostava dele, e ele gostava dela.

Verdade que ela não acreditava nem por um instante que aquilo não havia custado nada a Febo. Mas ele era médico, devia ter condições para comprá-lo.

O fato de eles terem acabado de falar sobre Apolo, o deus que supostamente se apaixonara por uma mortal, era uma coincidência interessante. Mas também era muito tolo e romântico de sua parte e...

— Obrigada, Febo. Eu aceito.

Antes que Pamela mudasse de ideia, Apolo se levantou e se postou atrás dela, de modo a prender a joia em torno de seu pescoço longo e esguio. Primeiro, porém, segurou o talismã na palma da mão e concentrou seus vastos poderes de imortal na pequena peça de ouro.

— Que isto possa lhe trazer tudo o que Apolo representa: luz e verdade, música e poesia, e, acima de tudo, a cura. — Em seguida, colocou a corrente dourada em seu pescoço.

— Lindas palavras. — Pamela o fitou, tocando a medalha. E pôde jurar que a sentiu se aquecer em contato com seu corpo.

Apolo sorriu e se inclinou para roçar os lábios nos dela. Não tinha a intenção de que o beijo fosse mais do que uma breve demonstração de afeto; contudo, Pamela entreabriu a boca sob a dele e uma de suas mãos subiu para tocá-lo no peito.

No mesmo momento, Apolo aprofundou o beijo. A boca de Pamela era doce e macia, e ele queria provar mais dela. Queria prová-la inteira. Queria...

Alguém limpou a garganta.

— Com licença?

A voz do garçom rompeu a onda de luxúria que o envolvera, e o deus praticamente rosnou para o infeliz servo, que recuou e se desculpou:

— Perdão, senhor. É que está meio lotado aqui, e eu estava tentando contornar a mesa.

— Encontre outro caminho, ora! — explodiu Apolo.

O servo balançou a cabeça e se retirou, apressado.

Quando ele se voltou para Pamela, seu rosto estava em chamas.

Ela o cobriu com ambas as mãos.

— Não acredito que estou namorando em público. Sou uma mulher adulta!

— Então vamos a algum lugar mais sossegado — ele murmurou, acariciando-a em uma das mãos.

Pamela abriu a boca e olhou para ele. Resmungou algo incompreensível, depois fechou a boca e olhou para o relógio.

— Maldição dos infernos! — exclamou, frustrada.

— O que foi?

— São quase nove horas. — Ela apanhou a bolsinha dourada e se levantou da mesa. — Ah, Deus... Eu me esqueci! Qual o caminho para a entrada do Caesars Palace?

Apolo apontou na direção correta, perguntando-se o que havia de errado com Pamela. Ela começou a caminhar, apressada, depois parou, respirou fundo e voltou para onde ele continuava parado. Correu a mão pelo cabelo curto, nervosa.

— Desculpe. É que foi tão estranho eu beijá-lo assim, na frente de todo o mundo!... — Ela corou de novo enquanto se lembrava de como tivera vontade de devorá-lo e corresponder à sua paixão. — Isso me assustou. Então, de repente, eu me lembrei de que consegui dois lugares em um show cujas entradas já estavam esgotadas, e que começa em... — Olhou para o relógio novamente — ... quinze minutos! Por isso saí correndo sozinha, feito uma idiota. — Que coisa mais sem sentido!, acrescentou para si mesma em silêncio.

— Um show? — perguntou Apolo.

— Sim, chama-se Zumanity . Ouvi dizer que é erótico... mas de muito bom gosto. — Pamela desviou o olhar, tímida. — É do mesmo pessoal que faz o Cirque du Soleil .

Quando voltou a fitá-lo nos olhos, estes sorriam.

— Um circo erótico do sol? Fascinante. — Apolo pegou a mão dela e a prendeu no braço. — É melhor nos apressarmos.


Capítulo 14


Apolo não conseguia acreditar que os artistas de Zumanity eram mortais. As mulheres se moviam com a graça e a sedução das ninfas. Os homens eram todos belos de corpo e de rosto.

E a música!... A música era etérea; o cenário perfeito para o desfile de sensualidade feito sobre o palco e acima deste.

Ele e Pamela haviam sido calmamente conduzidos a um balcão particular para se acomodarem em um luxuoso sofá estofado, que parecia uma chaise longue . O show já tivera início. No meio do palco arredondado via-se um vidro enorme, como se fosse uma taça de vinho cheia de água; dentro do vidro, duas jovens mulheres vestiam quase nada: apenas tangas da cor da pele. Ao ritmo da música sedutora, as moças executavam uma dança de sedução inocente, personificando o despertar da paixão e do desejo femininos.

Embora o deus dourado estivesse muito mais interessado na mulher a seu lado, seu corpo agitou-se em resposta. Ele olhou de soslaio para Pamela, avaliando sua reação, e viu que ela assistia a tudo com os olhos muito abertos e redondos. Quando a cena acabou, aplaudiu com entusiasmo.

Ao desviar o olhar do palco e perceber Apolo olhando para ela, as faces já coradas de Pamela ficaram ainda mais cor-de-rosa.

— Gostou das meninas? — ele indagou num sussurro, assim que o palco escureceu por algum tempo.

— Gostei. Quero dizer, não sou lésbica, mas elas eram muito bonitas — explicou Pamela meio ofegante, o riso saindo como um sensual ronronar. Precisava se lembrar de dizer a Ve que compreendia sua atração pelas mulheres enfim.

Apolo se inclinou para ela, atraído por sua inusitada reação ao espetáculo.

— Não há nada de errado em apreciar a beleza do corpo de uma mulher. Teria de ser de pedra para não se sentir abalada por aquelas duas.

Pamela estava prestes a sussurrar de volta que nem de longe era feita de pedra, quando os holofotes iluminaram o palco de novo e a plateia se calou. Desta vez, um homem absurdamente musculoso, de pele negra e aveludada, surgiu no cenário por meio de um alçapão, no chão. Ele também não usava quase nada. Movimentou-se ao ritmo da música conforme era cercado por uma mulher tão loira como ele era escuro, e que estava vestida com várias camadas de um tecido diáfano. Os dois se encontraram no centro do palco e começaram a executar uma versão erótica da cena do balé de Romeu e Julieta . O homem foi tirando camada por camada da veste da companheira, até que ambos ficaram vestidos apenas com minúsculos “fios-dentais”. Moviam-se com uma graça fluida e sensual, e uma paixão um pelo outro que Pamela não acreditava ser fictícia.

A cena terminou e, desta vez, ela encontrou o olhar de Febo no mesmo instante.

— Eles devem estar apaixonados de verdade. Ninguém pode atuar tão bem assim. Juro que consegui sentir a tensão sexual entre eles!

— Agora, quem é a pessoa mais romântica aqui?... — ele provocou, colocando o braço em torno dela e puxando-a para perto.

Pelo restante da apresentação, foi onde Pamela ficou: recostada no corpo de Febo. No meio do espetáculo, pousou a mão na coxa firme, sobre o tecido macio de suas calças, por meio da qual ela podia sentir o calor e a rigidez da perna musculosa. Os dedos dele traçaram um caminho preguiçoso na pele nua de seu braço, acariciando o recuo suave do lado de dentro do cotovelo e provocando-lhe arrepios por todo o corpo.

Zumanity era, de fato, uma aventura em termos de erotismo. Excitava e provocava, seduzia e sensibilizava.

Quando a mão de Febo traçou o caminho por seu braço até acariciar seu pescoço devagar, Pamela teve que morder o lábio para não gemer alto.

Uma ruiva alta e impressionante, que lembrava muito Nicole Kidman, deixou o palco após uma performance sensual de autoerotismo e, antes que os aplausos da plateia morressem, luzes focaram num pedaço comprido de seda vermelha que caiu do teto escurecido do teatro, como se um gigante desatento tivesse lançado um lenço a esmo da janela do quarto. Este se desenrolou, expondo uma mulher cujo cabelo dourado até a cintura cintilou sob os holofotes. Seus braços permaneceram habilmente torcidos no lenço, de modo que apenas a ponta de seus pés descalços tocou o palco com graça. Abaixo dela, o final do tecido se amontoava como vinho no tablado negro. Sua beleza era hipnotizante e, conforme o público a viu, o teatro se dissolveu em um murmúrio coletivo de admiração. Num primeiro momento ela pareceu estar nua, exceto por um brilho que lhe cobria o corpo, mas, conforme as luzes piscaram e mudaram, Pamela percebeu que a mulher vestia um collant da cor da pele, coberto com minúsculas pedras que brilhavam como diamantes. A música começou, e o lenço foi alçado para o alto junto com a diva dourada. Ela começou a se movimentar e girar numa dança sensual, o tempo todo pendurada sobre a plateia. Era de tirar o fôlego.

— Ela parece uma deusa! — Pamela cochichou para Febo.

— Verdade — Apolo murmurou de volta, contente por Pamela estar tão hipnotizada pelo desempenho da moça que nem sequer registrara o choque em seu rosto. Permaneceu sentado e imóvel, tentando manter uma máscara de apreciação diante do show que sua irmã, Ártemis, realizava. Ele a reconhecera de pronto. Sua performance inteira estava permeada pelo erotismo do Olimpo.

Agora compreendia por que os mortais modernos pareciam tão encantados pela presença da própria Deusa da Caça. Embora ela preferisse sua floresta e liberdade, os boatos que haviam proliferado por conta de sua maneira independente de ser eram falsos. Ártemis não era uma deusa virgem. Ela era, sempre que queria, uma fêmea extraordinariamente sedutora.

E o que pretendia naquela noite era óbvio. Queria ter a certeza de que ele cumpriria a invocação, por isso, com seu beijo imortal de poder, abençoara os atores mortais com generosidade. Seu fascínio fora, portanto, aumentado, assim como a tensão sexual em meio ao público.

Ele tinha que admitir: fora muito inteligente da parte de Ártemis. Irritante, mas inteligente.

De repente, o público soltou nova exclamação quando uma figura pequena e musculosa adentrou o palco correndo. Os olhos de Apolo se arregalaram de surpresa. Um sátiro! Embora seus cascos fendidos estivessem camuflados por botas e pela magia da deusa, e os pelos que lhe cobriam as pernas permanecessem invisíveis sob as calças de seda que usava, para ele, Apolo, sua identidade era óbvia. A cabeça loira da criatura quase não passava da cintura de Ártemis, porém seu peito e braços nus eram tão musculosos que, conforme ele acenava para a diva, era como se fosse um dos Titãs.

O sátiro movimentou os braços em torno do final do lenço escarlate, e ele também foi alçado ao ar. Acima do palco, começou uma erótica perseguição, que não aconteceu apenas sobre o tablado. Ambas as personagens oscilavam sobre o público que assistia, extasiado, enquanto a excêntrica criatura atraía e persuadia, acariciando e seduzindo, até que, por fim, a deusa se dignou a ser “capturada”, e os dois foram suavemente baixados para o palco.

Chocado, Apolo viu a irmã permitir que o ente da floresta a envolvesse nos braços. Em seguida, a Deusa da Caça se deixou derreter com o beijo do sátiro em uma exibição pública de sensualidade que, ele sabia, Ártemis jamais permitiria se eles estivessem no Olimpo.

Os dois insólitos imortais saíram, os braços ainda em torno um do outro, e o público permaneceu em silêncio, com os olhos ainda voltados para o ponto onde a deusa fora vista pela última vez.

Apolo foi o primeiro a quebrar o feitiço sedutor da irmã, mas seu aplauso foi logo acompanhado por gritos e mais aplausos.

As luzes se acenderam, mas, antes que a plateia começasse a se levantar, o elenco de atores liderado por Ártemis voltou ao palco. A Deusa da Caça se dirigiu ao público:

— Saudamo-vos, amantes e amigos. Espero que tenham gostado da nossa pequena homenagem ao amor. — Sua voz soou doce como mel, atraindo os mortais com sua doce torrente de palavras. — Antes de irem embora, eu gostaria de conhecer alguns de vocês... se não se importarem.

Um alerta soou no íntimo de Apolo, contudo um murmúrio de excitação percorreu a multidão atenta, como o vento soprando uma floresta. A deusa sorriu com inocência, como se se dirigisse a multidões de mortais modernos todos os dias. Então começou a falar com eles, perguntando seus nomes, escolhendo jovens e tímidos casais e recém-casados, espalhando a magia de sua voz sedutora por todo o teatro.

Apenas uma vez Ártemis olhou para o camarote onde Apolo se encontrava sentado com Pamela. Fixou o olhar no do irmão somente por um breve momento, porém foi o bastante para que ele vislumbrasse a diversão na profundidade de seus olhos azuis. Quase imperceptivelmente, ela fez um movimento com os dedos e Apolo sentiu o calor de sua magia cascateando sobre ele, penetrando em sua pele e fazendo seu corpo intumescer e pesar.

A reação de Pamela foi mais simples. Como se em transe, ela pousou a mão em sua coxa, inclinou-se mais em sua direção e o fitou nos olhos. Sua respiração se acelerou e seus lábios se entreabriram em um gemido que foi mais do que um convite.

Apolo praguejou baixinho, apertou os ombros delicados com o braço e tentou se concentrar no palco mais uma vez. Não podia beijá-la. Sob o feitiço da magia imortal de Ártemis, nenhum deles seria capaz de se deter.

Vai passar , lembrou a si mesmo e, com o pensamento, sentiu a força da magia da irmã diminuir. Fulminou Ártemis com o olhar, porém esta o ignorou por completo. No círculo de seu abraço, sentiu Pamela se arrepiar. Soube que o intenso feitiço havia começado a deixar sua pele também, e respirou, aliviado.

Não estava usando seus poderes para seduzir Pamela. Queria que sua reação a ele fosse genuína. As loucuras de Ártemis eram tão bem-vindas quanto sua magia... Nenhuma delas trazia amor; apenas luxúria. Um desejo passageiro, que podia ser facilmente saciado.

E ele queria mais.

— Nossa, olhe! — exclamou Pamela, apontando para o palco enquanto tentava normalizar a respiração. Devia estar mais carente do que imaginava, porque aquele show a estava deixando louca! Poucos minutos antes, quando Febo sorrira para ela, teria subido nele ali mesmo!... Sem dúvida Ve estava certa: ficar sem sexo por muito tempo fazia uma mulher perder a cabeça. — Aquele casal acabou de dizer que veio aqui comemorar seu quinquagésimo aniversário de casamento.

— Cinquenta anos! — a linda Ártemis repetiu, e a multidão aplaudiu, educada. Um dos atores correu para a deusa e sussurrou em seu ouvido. Ártemis sorriu, assentiu com um gesto de cabeça e se dirigiu ao casal outra vez.

— Vocês subiriam ao palco para encerrarmos o nosso espetáculo com uma dança especial em sua homenagem?

Apolo se inclinou para a frente, de modo a enxergar melhor o casal de idosos que se ergueu devagar. Ao som de aplausos encorajadores, eles subiram a escada para o palco. As luzes diminuíram e uma valsa suave começou a tocar.

No início, o casal se moveu, desajeitado, até assumir um ritmo mais fluido e familiar. De repente, o homem grisalho virou a esposa, segurando o vestido em estilo capa que ela usava, e o público prendeu a respiração, surpreso. A mulher girou e o traje se desenrolou até que ela ficou de pé no palco, usando apenas um collant de dança e uma saia rodada. Fez uma reverência para o teatro, tal qual uma graciosa bailarina, e, em seguida, ela e o marido retomaram a valsa, movendo-se, desta vez, com a graça de dançarinos profissionais. Sem esforço, o homem ergueu o corpo ainda vibrante da esposa para o ombro, virou-se, mergulhou e, com um floreio, ela girou em seus braços mais uma vez.

A dança terminou como os dois se beijando no meio do palco.

— E, assim, celebramos o amor! Em qualquer idade, de qualquer forma. O amor é mágico e traz consigo um toque de imortalidade. Vão com a minha bênção esta noite, amantes, e busquem o prazer aonde forem. Amem, riam e sejam felizes! — proclamou a deusa, e, em uma explosão de faíscas, todo o elenco desapareceu pelo alçapão no chão do palco.

Os aplausos continuaram por muito tempo, mas, quando nenhum dos artistas retornou para o bis, o teatro começou a se esvaziar. O público era formado quase exclusivamente por casais e, enquanto estes saíam, viam-se muitas mãos dadas, conversas íntimas e toques sutis.

Quando os outros casais sentados à volta deles no balcão começaram a deixá-lo, Pamela hesitou. Ela e Febo se encontravam em pé, ao lado dos assentos e, por um momento, ficaram sozinhos, como se tivessem descoberto uma gruta dentro do teatro escuro. Um pouco como na noite anterior , Pamela pensou. Quando eles tinham se beijado na chuva.

Olhou para ele, dominada pelo misto de luxúria e desejo que lhe corria pelo corpo em uníssono com o bater de seu coração. Nesse momento, soube que iriam fazer amor. Estava cansada de se contentar com pouco. Queria alegria e satisfação.

Por isso mesmo falou em uma torrente, como se as palavras tivessem sido obrigadas a romper uma parede de cautela e inibições:

— Estou me sentindo como se estivéssemos sozinhos no mundo. Às vezes, quando olho para você, vejo um mar de possibilidades...

— Então continue vendo — ele respondeu, rouco. — E, acredite: eu jamais faria nada para feri-la. Pense em mim como no seu talismã de Apolo... Eu também quero que supere tudo e fique inteira, de modo que possa amar e confiar de novo.

Febo tocou a medalha que ela usava em volta do pescoço e, mais uma vez, Pamela sentiu um estranho calor atravessar o metal e seguir direto para seu coração. Cansada de hesitar, deslizou as mãos pelo peito largo e colou o corpo ao dele.

— Faria uma coisa por mim?

— Qualquer coisa que estiver ao meu alcance — ele prometeu, solene.

— Você me levaria de volta ao meu quarto e faria amor comigo? — ela quis saber, meio sem fôlego.

— Seria uma grande honra, doce Pamela... — Apolo disse baixinho, inclinando-se para beijá-la nos lábios.


Capítulo 15


Envolvidos em uma nuvem de ansiedade, eles caminharam de volta à suíte. Falavam pouco, porém tocavam um ao outro constantemente. Apolo já estava se familiarizando com as curvas e linhas do corpo de Pamela, e parou muitas vezes a fim de puxá-la para uma sombra e beijá-la com uma ternura que nada fez para mascarar seu crescente desejo. Queria Pamela com uma intensidade que era como um fogo se avolumando dentro dele e, para seu profundo deleite, Pamela correspondia com paixão. Era tão bom tê-la pressionada contra o corpo, como se sempre tivesse estado ali!...

Conforme caminhavam, pensou no casal de idosos que havia encerrado a produção no teatro. Sem dúvida eram atores plantados no meio da multidão, mas isso não significava que eles não tinham sido amantes de verdade. Ainda se lembrava de como os olhos do homem irradiavam amor e orgulho enquanto ele conduzia sua companheira de uma vida naquela valsa especial.

Suspirou. Sabia que nunca iria envelhecer ao lado de Pamela, mas a queria a seu lado. E queria isso com uma intensidade que o encheu de propósito.

Eles ficariam juntos, prometeu a si mesmo.

Pamela deslizou o cartão-chave na porta e, após uma luz verde e um clique, entrou na suíte à frente dele.

Sua hesitação se foi, então. Ela sabia o que queria. Queria Febo. Queria esquecer os erros do passado; não se importar sobre o que poderia ou não acontecer no futuro.

Algo lhe acontecera naquela noite enquanto assistia à mágica sensualidade de Zumanity . Percebera que estava errada. Duane não matara o romance, a diversão, nem mesmo o sexo dentro ela. Apenas fizera aquele seu lado hibernar.

E agora que este despertara, ela se sentia esfaimada.

Quando Apolo fechou a porta, Pamela se virou e caiu em seus braços. Ele a beijou demoradamente, querendo saboreá-la por inteiro agora que se encontravam sozinhos.

Quando ela gemeu em sua boca, Apolo se inclinou, segurou-a pelas nádegas redondas e a ergueu, de modo a pressionar-lhe o centro de seu corpo contra a própria ereção. Inquieta, ela se moveu de encontro a ele e, com um suspiro, Apolo interrompeu o beijo, lutando por controle.

— Estou perdendo a cabeça de tanto desejo que sinto por você! — gemeu quando a língua e os lábios carnudos deixaram um rastro quente na lateral de seu pescoço.

— Ponha-me no chão e eu me livrarei destas roupas! — O hálito quente de Pamela soprou em sua pele.

Apolo quase a derrubou, e a risada dela foi profunda e rouca.

Travessa, Pamela recuou para longe dele e começou a andar para trás, na direção da cama, enquanto alcançava a parte de trás do vestido vermelho e descia o zíper. Encolheu um ombro, a roupa deslizou, livre, e ela saiu do pequeno monte carmesim agora em seus calcanhares.

Os olhos de Apolo devoraram o corpo esbelto. Pamela usava algo preto e rendado que quase não lhe cobria os seios, mas que os levantava e os fazia apontar, sedutores, em sua direção. Outra peça parecida, também de renda, mal ocultava o triângulo escuro entre suas pernas. As sandálias douradas, com duas pontas parecidas com punhais, deixavam suas pernas longas e nuas incrivelmente sensuais.

Enquanto Pamela levava as mãos às costas outra vez, a fim de desabotoar a lingerie , ele cobriu a distância que os separava e a beijou com paixão.

— Eu o quero nu contra mim — ela sussurrou em sua boca.

Respirando com dificuldade, Apolo interrompeu o beijo longo apenas o suficiente para arrancar a camisa sobre a cabeça. Enquanto se atrapalhava com o estranho fechamento das próprias calças, Pamela deslizou para a cama, observando-o com olhos cintilantes.

E ainda calçava aqueles sapatos sexy !...

Apolo conseguiu ficar nu, por fim, mas, antes que pudesse se juntar a ela na cama, Pamela se ergueu sobre um cotovelo e o deteve com a mão.

— Espere. Fique assim... Deixe-me olhar para você. — Seu olhar viajou dos olhos cor de safira para o restante do corpo másculo, então ela passou a língua sobre os lábios antes de falar outra vez. — Febo, é o homem mais lindo que já vi. Deus, olhe só essa pele!... Cobre seus músculos como ouro líquido. — Balançou a cabeça e deu uma risada, meio sem fôlego. — Você deveria ser pintado por artistas. Escultores deveriam esculpi-lo. Como pode ser de verdade?

Apolo sentou-se na cama, a seu lado.

— Eu sou de verdade, e o que está acontecendo entre nós é real. Minha aparência não é nem pouco incomum ou extraordinária para mim.

Ele fez uma pausa, pensativo. Fizera amor com inúmeras mulheres, deusas e mortais. Antes, contudo, sempre havia usado a magia do seu poder imortal para aumentar o próprio prazer durante o ato.

Daquela vez seria diferente. Pamela era diferente. Ele não quisera usar seus poderes para atraí-la ou seduzi-la, mas queria muito que ela sentisse a profundidade de sua paixão. Queria que ela o conhecesse de uma maneira que nenhuma outra mulher tinha conhecido.

Tocou-a enquanto continuava falando.

— O que está acontecendo aqui dentro é novo e maravilhoso para mim. E a única forma que conheço de compartilhar esse sentimento é amando você. — Ele acariciou-lhe o pescoço longo com delicadeza e deixou os dedos se mover por entre as mechas curtas de seu cabelo. Quando a tocou, permitiu que parte de seu poder imortal escapasse de seus dedos e a varresse por inteiro, fazendo-a estremecer sob o toque. — Deixe-me amá-la, doce Pamela. Deixe-me tornar isso real para você.

— Sim! — ela sussurrou a palavra em sua boca.

As mãos de Febo deslizaram pelo corpo macio conforme seus lábios se encontravam novamente.

A pele de Pamela vibrou sob seu toque. Nunca antes ela se sentira tão sensível. Era como se houvesse se tornado um conduto vivo para todas as sensações ardentes, intensas, enlouquecedoras e eróticas de que sentia falta havia tantos anos.

As mãos de Apolo desceram por sua perna até chegarem ao pé. Olhos azuis cintilaram para ela; em seguida, ele beijou o tornozelo que ela ferira na noite anterior.

— Eu queria ter feito isso ontem, você sabe — sua voz soou rouca de desejo.

— Devia ter feito — ela ofegou. — Eu queria que fizesse.

Febo desafivelou a tira dourada da sandália e a retirou. Beijou o arco delicado de seu pé, e uma onda de eletricidade subiu pela perna de Pamela, indo parar bem no fundo de seu âmago já úmido.

— Que bom que gosta — ele sussurrou, indo para o outro pé. — Esta noite quero que acredite que é uma deusa sendo amada por um deus.

Pamela gemeu e mordeu o lábio enquanto ele deslizava a boca do arco de seu pé para a panturrilha. Febo tinha que ser mesmo um músico , pensou, quando ele lhe acariciou o interior da coxa, e seus lábios encontraram o vale atrás de seu joelho. Apenas um músico podia ter mãos tão habilidosas. Seu toque era quente, e ela se sentia derreter sob suas carícias.

Quando os lábios de Febo seguiram o caminho que ele traçara com as mãos até o interior de sua coxa, Pamela arqueou o corpo para encontrá-lo, soltando uma exclamação de prazer ao sentir a língua quente mergulhando em seu âmago. Seu orgasmo foi tão rápido e explosivo que seu corpo inteiro estremeceu em resposta.

Em algum lugar em meio à névoa de paixão, Pamela reconheceu que aquilo nunca lhe acontecera antes... Nunca fora tão rápido ou tão intenso.

Ainda tonta, estendeu os braços e Febo se juntou a ela.

— Estou aqui, minha doce Pamela — murmurou.

Ela sentiu o coração batendo contra o peito. O ritmo irregular de sua pulsação se igualava ao dele. Abriu a boca e as línguas se encontraram, fazendo-a provar em Febo o gosto do próprio sexo: salgado e doce ao mesmo tempo.

Aprofundou o beijo e arqueou o corpo, de modo que seu calor úmido ficasse pressionado ao membro rijo, então deslizou a mão entre ambos a fim de guiá-lo para ela.

Mas não o fez.

Não ainda , pensou. Em vez disso, manteve-o lugar, esfregando a ponta ingurgitada nas próprias dobras aveludadas, enquanto o afagava com a mão.

Até Pamela começar a acariciá-lo, Apolo se encontrava em pleno controle de si mesmo. Deleitara-se com a maneira desinibida como ela reagira a seus avanços, e usara seu poder imortal com cuidado, a fim de aumentar sua sensibilidade. Fizera amor com ela com seu corpo e sua magia, e, quando ela chegara ao clímax, bebera o mel de seu êxtase.

Mas Pamela possuía sua própria magia; e a sedução de uma mulher intensificada por um desejo sincero, além da alma de um deus.

— Não posso esperar mais! — A voz dele saiu rouca de paixão.

— Febo!... — ela sussurrou seu nome e, enfim, o guiou para dentro dela. Em seguida, arqueou o corpo de forma a receber seus impulsos.

Apolo mergulhou nela repetidas vezes. Em seguida se levantou, de modo a fitá-la nos olhos.

Cure-se! , a alma do Deus da Luz falou à de Pamela. Acredite que pode amar outra vez!

Seus olhos capturaram os dela, e Pamela não pôde mais desviar o olhar. Fora consumida pelo toque de Febo, por seu cheiro e pelo calor do corpo sólido em seu âmago. Correspondia a ele em um nível mais profundo do que o físico. Febo a tocava não apenas com o corpo, mas também com a mente, o coração... Talvez até mesmo com a alma.

Quando seu orgasmo teve início, seu enlevo a carregou com ele. Pamela fechou os olhos contra a intensidade do prazer que a varreu, e um flash de luz dourada explodiu em suas pálpebras fechadas quando Febo gritou seu nome.


Ártemis congelou em meio a um gole do delicioso Martini que compartilhava com o sátiro, o qual tão bem a servira mais cedo, naquela noite. Assim como na lenda do nó Górdio, sentiu que os laços que a atavam à mortal se desfaziam.

Apolo tinha conseguido. O ritual fora concluído!

A deusa sorriu e respirou fundo, satisfeita por se encontrar livre das emoções de uma...

— Não — pronunciou a palavra por entre os dentes. — Não é possível!

— Há algo errado, senhora? — Os olhos do sátiro ficaram redondos com preocupação.

— Quieto! — ordenou Ártemis.

A criatura da floresta pareceu magoada, mas, de imediato, obedeceu à sua deusa.

Ártemis estreitou os olhos e se concentrou. Não! Ela jamais poderia imaginar! A pressão avassaladora que a prendia à mortal suavizara, mas, em seu lugar, restara um fio fino, quase insubstancial.

O que era aquilo? O que acontecera? Apolo devia ter feito amor com a mortal, o que devia ter posto um fim à invocação. A mortal pedira para ter mais romance em sua vida. Como fazer amor com o Deus da Luz podia não ter satisfeito o ideal de romance da mulher? Ainda mais depois de esta ter sido preparada para ele pela magia que ela mesma, Ártemis, usara durante aquela apresentação erótica no teatro?...

Ter escutado a conversa de Pamela com a concierge do hotel fora muito útil, e aderir ao show erótico fora uma ideia inspiradora.

Os lábios carnudos da Deusa da Caça se curvaram para cima. Existiam coisas no Mundo Moderno de que vinha gostando um bocado. Não fazia ideia do quanto seria divertido se fazer passar por uma adorada estrela de teatro. Precisava repetir a experiência em breve.

Ártemis se encolheu quando o fio que ainda a vinculava à mortal pareceu puxá-la. Era apenas uma leve pressão, como uma farpa minúscula na sola de sua chinela. A princípio, tratava-se apenas de um pequeno incômodo, mas, com o tempo, poderia causar muita irritação.

A deusa suspirou, frustrada. Não havia nada que pudesse fazer a respeito, no momento. Não poderia ir atrás do irmão, interromper seu encontro amoroso e exigir saber por que sua performance parecia ter deixado a desejar. Isso não ajudaria em nada.

Girou a haste fina e fria da taça de Martini entre os dedos. Ainda era cedo. Talvez, pela manhã, Apolo tivesse conseguido satisfazer os desejos românticos daquela ridícula mortal. Até então era inútil ficar elucubrando sobre o assunto. Ela precisava mais era de uma distração.

Olhou com malícia para o jovem sátiro que continuava sentado a seu lado. Ele era uma criatura interessante...

— Querido? — ronronou, e as orelhas do ser literalmente se levantaram em sua direção. — Lembra-se de como foi emocionante quando me perseguiu pelo ar esta noite?

— Claro que me lembro, minha deusa — a voz dele soou ansiosa. — Uma eternidade pode passar, e eu jamais me esquecerei.

— Ainda não estou com vontade de voltar para o Olimpo. Pague por nossas bebidas, assim poderemos voltar para aquele lindo teatro. Precisa praticar melhor a sua cena de perseguição e, desta vez, quem sabe seja mais bem recompensado quando me capturar por fim?... — Ela correu um dedo pelo braço musculoso, e os olhos do semideus se dilataram como os de um corço em resposta.

— Eu vivo para atender às suas necessidades, minha deusa.

— É com isso o que estou contando — Ártemis murmurou para si mesma, enquanto o sátiro corria para pagar o servo.


Capítulo 16


Ah, maldição dos infernos! Ela havia se esquecido de usar um preservativo! E não apenas na primeira vez. Na segunda e na terceira também!

Pamela revirou os olhos. Que i-di-o-ta!... Como podia ter se esquecido? Principalmente depois de ter encarado a vergonha que ameaçara sufocá-la ao comprar uma caixa nova da marca Trojan na loja de souvenirs do hotel, após a pedicure.

E graças a Deus fora à pedicure. Febo a beijara, acariciara e até mesmo lhe sugara os dedos dos pés!

Só de pensar nisso ficava vermelha e com os joelhos fracos outra vez.

Concentre-se!, seu guia interno a repreendeu. Não usar preservativos nada tinha a ver com dedos dos pés.

Ou tinha?

Um movimento à direita chamou sua atenção. Pamela virou a cabeça e olhou para Febo. Ele era tão lindo!... Quando não estava olhando para ele, podia até pensar em Febo como apenas um sujeito de boa aparência. Mas bastava vê-lo para perceber que não existia nada comum nele. Nada mesmo.

Ainda sentia o corpo vibrar com seu toque. Devia estar dolorida, cansada e, na certa, lutando contra uma infecção do trato urinário depois de tanto sexo!... Em vez disso, sentia-se maravilhosa. Preguiçosa, letárgica e muito, muito satisfeita.

Mas se esquecera de usar uma proteção.

— Sinto que está franzindo a testa — declarou Febo sem abrir os olhos.

— Impossível! — ela exclamou, forçando um sorriso. — Até porque não estou franzindo a testa.

— Agora não mais — ele concordou ainda de olhos fechados. Então os abriu e virou a cabeça loira, de modo a encará-la com um sorriso terno. — Bom dia, minha doce Pamela.

— Eu me esqueci de usar um preservativo na noite passada. — Ela corou. — E também nesta manhã.

Apolo franziu o cenho.

— Preservativo? — ele repetiu a palavra desconhecida.

— Sim — ela aquiesceu, o rosto ficando mais quente a cada instante. Agarrou o lençol, que havia se soltado completamente do colchão graças à sua aeróbica da noite anterior, enrolou em torno do corpo nu e se retirou para o banheiro.

— Você sabe, preservativo, preventivo, camisa de Vênus... — falou por cima do ombro. — Não estou tomando pílula nem nada. Você é o médico. Eu não devia ter de explicar como seria fácil para eu ficar grávida.

Uma camisa de Vênus era algo que impedia uma mortal de ficar grávida? , perguntou-se Apolo. Muito interessante. Mesmo assim, duvidava de que esta pudesse impedir um deus de engravidar uma mortal, caso este decidisse ter um filho com Pamela...

De qualquer modo, isso não tinha acontecido.

Apolo se espreguiçou e sorriu. Até gostava da ideia. Mas não até que Pamela soubesse quem ele era, e concordasse em passar a vida a seu lado.

— Não pode ter engravidado neste nosso encontro, Pamela.

Ela pôs a cabeça para fora do banheiro, segurando a escova de dentes.

— Por acaso fez vasectomia?

Apolo não fazia ideia do que ela estava falando, mas Pamela pareceu aliviada, então ele balançou a cabeça e sorriu.

— Ah, bom. Maravilha. — Ela desapareceu por um momento, depois ressurgiu ainda com a escova na mão. — Mas e quanto a... ahn... — Hesitou, sentindo-se ridícula. Tivera mais intimidades com aquele homem do que com qualquer pessoa — incluindo seu “ex” — e perguntar sobre DST a fazia gaguejar? Além do mais, Febo era médico, pelo amor de Deus!... — Mas e quanto a doenças sexualmente transmissíveis? — Tentou outra vez.

Apolo reuniu as sobrancelhas douradas.

— Não tenho nenhuma doença.

— Ah, sim, claro. Que bom. Nem eu!... Que bom — ela repetiu pela terceira vez, sentindo-se como uma completa idiota.

Voltou para o banheiro, ligou o chuveiro e fechou a porta.

Apolo a escutou se ocupando no outro cômodo e precisou fazer um grande esforço para não se juntar a ela. Tinha vontade de arrancar aquele lençol e erguê-la sobre o balcão da pia, depois mergulhar nela enquanto fitava aqueles olhos cor de mel, até que, uma vez mais, pudesse ver o reflexo da própria alma em suas profundezas.

Sentiu o corpo reagir e se tornar pesado e rijo apenas de pensar em Pamela.

Mas teriam todo o tempo do mundo para fazer amor nos muitos anos em que ficariam juntos.

Fechou os olhos e deu um longo suspiro de alívio. Não fora o ritual de invocação o que fizera Pamela desejá-lo. Se fosse esse o caso, seu desejo por ele teria diminuído após sua primeira vez, o que, definitivamente, não havia acontecido. Na verdade, a paixão de Pamela parecia aumentar a cada vez que se amavam. Ela dormira em seus braços, os dedos entrelaçados aos seus. Mesmo durante o sono se aninhara mais junto a ele.

E ele adorava isso nela. Era outra coisa que o surpreendera. Ele nunca tinha trocado carícias e ficado abraçado com uma amante antes. Se fizera isso, fora apenas como um incentivo para dar início a uma nova rodada de sexo.

Sentia-se tão diferente com Pamela!... Na verdade, ele a queria por perto mesmo quando não estavam fazendo amor.

Agora compreendia por que Hades e Lina muitas vezes se sentavam perto o suficiente um do outro para que seus corpos roçassem, e por que seus dedos se tocavam durante as tarefas mais simples e banais, como passar uma taça ou um prato de frutas. Eles também queriam aquela conexão.

Não, Apolo corrigiu a si mesmo. Eles ansiavam por aquela conexão. Assim como ele ansiava por Pamela.

Ela saiu do banheiro com o lençol ainda enrolado no corpo, o rosto recém-lavado e o cabelo úmido.

— O que vamos fazer hoje? — ele quis saber, estendendo-lhe a mão.

Pamela a aceitou e se aconchegou em seu peito. Que prazer incrível palavras tão simples podiam proporcionar! Febo queria saber o que “eles” fariam naquele dia.

— Bem, já que perdemos o café da manhã... — ela olhou para o relógio digital cujos números vermelhos exibiam “2:05 p.m.” — ... e o almoço, creio que comer precisa entrar nos nossos planos. — Beijou a linha forte do queixo de Febo, perguntando-se por que não sentia nos lábios nenhuma barba incipiente. — E eu odeio dizer, mas preciso trabalhar um pouco para ter o que apresentar na reunião de amanhã com o meu cliente.

Apolo tocou o cabelo úmido que lhe adornava a cabeça em adoráveis e confusas mechas.

— Que tipo de trabalho?

— Eddie quer uma piscina construída com base na do hotel e eu, claro, nem conheci a piscina do Caesars Palace ainda! Preciso ir até lá vê-la e, talvez, fazer alguns esboços para ter alguma ideia preliminar do que fazer para Eddie. — Pamela franziu a testa. — Já li por alto algumas anotações que ele fez, mas elas eram muito confusas. Eddie quer uma piscina externa, porém coberta, “como um genuíno banho romano no nível inferior”. Só espero que menos autêntica do que aquela maldita fonte.

— Talvez eu possa ajudar. Tenho alguma noção do que seja um autêntico banho romano.

— Eu me esqueço de que sabe tudo sobre essas coisas antigas de mitologia! É um sujeito bem útil para se ter por perto, não? — ela falou brincando e se inclinando para ele.

— Você não faz ideia... — Apolo sorriu e a beijou.


— Gimensa ? — Apolo perguntou, balançando a cabeça.

— Imorme! — elaborou Pamela. — Como, maldição dos infernos, vou poder reproduzir isto em um pátio?!

— Depende do tamanho do terreno do seu cliente.

Ela soltou um gemido.

— Tem razão — admitiu Apolo, sem tirar os olhos da vasta extensão de água, mármore e fontes que se estendia à sua frente. — Este... — Parou, sem saber que palavra usar.

— Lago artificial? — arriscou Pamela.

Apolo tentou esconder o sorriso perante o tom horrorizado de Pamela.

— Sim, “lago artificial” o descreve razoavelmente bem. Este “lago artificial” pareceria portentoso demais até mesmo no Monte Olimpo.

— Ha! Aposto que os deuses teriam mais bom gosto.

O Deus da Luz pensou no palácio rosa e dourado de Afrodite, com a fonte que vertia ambrosia rosada em vez de água.

— ... Talvez — murmurou.

Pamela continuava de queixo caído com os seus arredores.

— Ao menos agora eu sei o que Eddie quis dizer com aquelas anotações. Ele quer uma piscina externa, mas com uma cobertura como esta. — Apontou para o centro da piscina colossal: uma plataforma de mármore circular gigantesca se erguendo a vários centímetros acima da água. Colunas de mármore, com pelo menos quinze metros de altura, apoiavam uma cúpula de cobre, a qual fazia sombra aos muitos banhistas que nadavam — e, em seguida, descansavam sob esta —, bem como para a estátua em tamanho maior do que o natural de César. — O problema é que, nas anotações, Eddie diz que quer toda a piscina coberta pela cúpula. E quer que os tronos sejam copiados na íntegra também. Imagino que seja aquilo... — Pamela apontou com um gesto de cabeça na direção da estação de salva-vidas não muito distante de onde eles se encontravam. Era de mármore e fora construída na forma de um grande trono flanqueado por dois leões alados.

— Será que ele vai querer os cavalos-marinhos também? — Apolo perguntou, divertindo-se com toda a situação.

Pamela olhou de soslaio para as enormes estátuas de mármore, cujas metades traseiras se transformavam em caudas de sereia.

— Ah, Deus! Espero que não. — Passou a mão pelo cabelo. — Isto tudo, somado àquela fonte, vai acabar comigo. É horrível. Brega demais! Esse tipo de coisa chega a gritar: “Tenho rios de dinheiro, mas gosto nenhum!”...

— Sem dizer que não tem nada a ver com um genuíno banho romano — afirmou Apolo, estudando os leões alados, montados sobre os pilares retangulares que ladeavam a piscina menor e destinada às crianças, um pouco mais além.

Pamela estremeceu.

— Espero que não. Qualquer lugar que governasse o mundo por tanto tempo como Roma faria algo melhor do que isto.

— A diferença não se dá apenas na decoração. Os antigos banhos romanos não eram piscinas como esta. Eram uma série de salas aquecidas, construídas uma atrás da outra, a começar por uma área onde os banhistas eram massageados com óleos. Os cômodos iam ficando mais quentes e, muitas vezes, ficavam cheios de vapores calmantes. — Apolo sorriu para ela. — Eles não continham essas piscinas enormes. Eram construídos em torno de pequenas fontes, as quais os banhistas usavam para se refrescar. Claro que esses cômodos acabavam em piscinas. Geralmente uma era aquecida e a outra, mantida fria e refrescante.

A expressão de Pamela mudou de horrorizada para esperançosa.

— Acha que poderia me descrever os banhos romanos bem o bastante para eu fazer alguns esboços? Eu teria de incorporar algumas destas coisas, claro — ela apontou o ambiente a esmo —, mas talvez eu possa amenizá-las e torná-las mais autênticas a fim de vender a ideia para Eddie. Ele já disse que quer uma piscina coberta. Posso projetar uma série de belas salas, cada uma com algum componente aquático, e tudo em torno de uma piscina com um pouco menos de pompa.

— É uma ideia interessante — concordou Apolo.

— Ótimo! Vamos começar. — Ela marchou para uma das linhas menos ocupadas de espreguiçadeiras brancas, então parou.

— Comida — lembrou. — Preciso comer para conseguir trabalhar. — Deslizou o olhar para uma construção de mármore na frente da qual havia uma pequena fileira de pessoas. Leu as letras românicas douradas e revirou os olhos.

Desta vez, Apolo não tentou disfarçar seu divertimento. Pendeu a cabeça para trás e caiu na gargalhada.

Pamela fez uma careta para ele, em seguida rumou em direção ao prédio.

— Snackus Maximus não é assim, tão engraçado!... — resmungou por cima do ombro.

Apolo fechou os olhos e inalou o ar aquecido pelo sol do deserto que acariciava sua pele e o enchia de poder e contentamento. Sentia-se indescritivelmente bem. E o som suave do inquieto lápis de carvão de Pamela era um fundo perfeito para seus pensamentos.

Ele e sua doce Pamela se davam muito bem. O raciocínio rápido de Pamela e aquele seu sorriso travesso tinham transformado a tarde que passara trabalhando a seu lado numa maravilhosa e agradável experiência. Pamela brincava o tempo todo com ele e provocava-o nas menores coisas: como seu cabelo ficara encaracolado após um dos mergulhos na piscina, diante de sua surpreendente obsessão por um delicioso lanche salgado chamado batatas fritas (das quais ele pedira três porções)...

Mulheres não zombavam do Deus da Luz. Pamela, sim. E, quando ele a fazia rir, seus olhos brilhantes o faziam se sentir mais do que divino.

Apolo logo descobriu que ela era muito mais talentosa como artista do que imaginava. Podia até vislumbrar seu futuro juntos. Pamela nunca mais teria que trabalhar para ricos inconvenientes como aquele escritor que, sem dúvida, se considerava um deus mortal.

Talvez ele construísse para ela uma enorme galeria em seu templo, em Delfos. Pamela poderia passar os dias desenhando as maravilhas do Olimpo... e as noites dividindo a cama com ele.

O amor era muito mais fácil do que ele imaginava. Mal podia se lembrar do que o perturbava tanto ao correr em busca dos conselhos de Lina e Hades. Por que estivera tão preocupado? Ele encontrara sua alma gêmea e, agora, tudo o que tinha a fazer era adorá-la.

E amar Pamela era uma delícia. Verdade que ele ainda precisava revelar a ela sua verdadeira identidade, mas aquilo não era apenas um detalhe? Ela já o conhecera bem, e ele era o homem que a amava.

E algo lhe dizia que Pamela sentiria um enorme prazer em descobrir que ganhara o amor de um imortal.

Seus lábios se curvaram, e sua mente derivou, preguiçosa. A vida era boa.

— Não fica com medo de se queimar demais? — Pamela o fitou por cima da lente dos óculos escuros. Apolo estava deitado a seu lado, em uma espreguiçadeira como a dela, porém a cadeira se encontrava voltada para o sol escaldante do fim de tarde do deserto.

Já ela puxara a espreguiçadeira para a sombra proporcionada por um guarda-sol da piscina. Mesmo suas pernas nuas, no momento dobradas para que ela pudesse usá-las como apoio para o bloco de desenho, estavam distantes da luz direta do sol.

Mesmo assim, ela ainda se sentia acalorada. Vinha trabalhando naquele esboço da casa de banhos havia horas, e Febo se mantivera o tempo todo descansando a seu lado, explicando-lhe detalhes dos antigos banhos romanos, dando dicas perspicazes quanto às pequenas salas individuais e quanto à disposição geral enquanto permanecia em pleno sol.

— De eu me queimar? — Ele enrugou a testa.

— Sim, está deitado aí, usando quase nada, o dia inteiro. Eu já estaria como uma batata frita.

Febo nem sequer parecia acalorado. Pelo contrário, estava escandalosamente bonito com aquele calção de banho adquirido às pressas e nada mais. Um verdadeiro monumento de pele dourada e deliciosos músculos.

— Quer dizer queimado pelo sol? — Ele riu, como se achasse a ideia nova e divertida. — Claro que não. Não me preocupo com isso. O sol e eu somos velhos amigos. — Apoiou-se sobre um cotovelo e se virou para ela.

— Já terminou?

Pamela mordeu o lábio conforme estudava o esboço.

— Acho que sim. E gostei do resultado, embora eu não tenha certeza se Eddie vai abraçar a ideia. O que acha? — Entregou-lhe o bloco.

Apolo o estudou com cuidado, então balançou a cabeça.

— Foi uma escolha sábia fazer as pequenas fontes em cada um dos quartos aquecidos mais ornamentadas do que tinha previsto no início.

— Sim, a ideia é manter as paredes de mármore lisas. Dessa forma o efeito não será tão avassalador. Se ele quiser uma decoração mais vistosa, posso tentar convencê-lo a aceitar o piso de mosaico que você sugeriu.

— Disse que seu cliente vive mencionando a importância da autenticidade. Pois pode assegurar a ele que este esboço se baseia nos antigos projetos de um banho romano. Claro que o trono à beira da piscina central não é muito... — Apolo fez uma pausa enquanto a fitava, e o sorriso em seus olhos morreu quando algo atrás dela lhe chamou a atenção.

— Aqui está você. Até que enfim!

A voz da mulher, cheia de frustração, soou por cima do ombro de Pamela.

Antes que ela pudesse se virar para ver quem estava falando, Febo havia se posto de pé.

— Que inesperado prazer — ele resmungou.

Prazer?

Ele soava muito mais irritado do que satisfeito, refletiu Pamela. Olhou por cima do ombro e teve que segurar a mão para proteger os olhos da luz alaranjada e ofuscante do sol que se punha, a qual demarcava a silhueta curvilínea de uma mulher alta. Conseguiu distinguir vagamente as linhas de um vestido curto e esvoaçante, e o fato de que o cabelo da estranha se encontrava preso no alto da cabeça, em um estilo que lembrava muito uma coroa. A mulher não lançou um só olhar em sua direção. Em vez disso, pôs-se a repreender Febo.

— Esperei por você até agora e não se dignou a aparecer! Por isso fui obrigada a vir lhe procurar.

Febo franziu a testa.

— Não acredito que especificou um tempo para a minha volta!

— Achei que voltaria depois de...

— Perdoe minha grosseria, Pamela — Febo interrompeu a moça, agarrou-a pelo pulso e a puxou para a frente da espreguiçadeira, obrigando-a a encará-la. — Permita-me lhe apresentar a minha irmã. Pamela Gray, esta é minha irmã gêmea... — ele hesitou, lançando à mulher um olhar penetrante — ... Diana.

Pamela se levantou e abriu um sorriso, com a mão estendida.

— É um prazer conhecê-la, Diana. E, por favor, não culpe Febo se ele se atrasou para alguma coisa. Foi por minha culpa. Quando eu descobri o quanto ele sabe sobre a Roma antiga, não parei de solicitar sua ajuda.

Ártemis olhou da simpática mortal para sua mão estendida. Podia sentir o olhar de censura do irmão, tanto quanto o vínculo da invocação que ainda a prendia à moça.

Relutante, aceitou a mão de Pamela e se surpreendeu com a firmeza do cumprimento.

— Espere! — exclamou Pamela, os olhos se arregalando. — Eu sei quem você é! É aquela mulher linda do show Zumanity! — Seus olhos se desviaram para Apolo. — Não acredito que não me contou que ela era sua irmã!

— Talvez ele estivesse envergonhado com a minha performance — elaborou Ártemis, erguendo o queixo com uma ponta de arrogância.

— Mas isso seria ridículo! — concluiu Pamela, fitando-o com perplexidade. — Seu desempenho foi incrível... Vigoroso, sedutor e incrivelmente romântico.

Uma das sobrancelhas perfeitas de Ártemis se arqueou.

— Achou romântico?

— Sem dúvida — afirmou Pamela, balançando a cabeça com entusiasmo.

— Diana sabe que sua performance não me envergonha — Apolo se defendeu depressa. — Eu só não sabia que ela ia se apresentar na noite passada, por isso fiquei surpreso. Eu gostaria de ter mencionado seu trabalho antes, mas, depois do show, estava com coisas mais interessantes na cabeça... — Ele compartilhou um sorriso íntimo com Pamela.

— Diga-me uma coisa... — recomeçou Ártemis, como se seu irmão não tivesse falado. — ... Febo está sabendo como seduzi-la?

O rosto de Pamela foi do rosa ao vermelho, e ela abriu e fechou a boca.

— Diana! — rosnou Apolo. — Essa pergunta não apenas foi desnecessária como inconveniente!

— Foi mesmo? — ela devolveu, cínica. — Não creio, Febo — ela enunciou o nome devagar. — O vínculo continua! Mais fraco do que antes, mas continua.

As palavras de Diana não fizeram sentido para Pamela, porém ela viu a expressão de Febo mudar instantaneamente da raiva para o choque.

— Quero acabar logo com isso — Diana prosseguiu num tom áspero. — Preciso lembrá-lo de que a nossa estada aqui é apenas temporária? Temos que ir embora antes do amanhecer.

Pamela sentiu um aperto no estômago. O que eles estavam discutindo podia não fazer sentido para ela, mas a palavra “temporária” falava por si só.

Eles iriam embora. Em breve. Claro que ela mesma só ficaria em Las Vegas apenas por uma semana, mas fora honesta quanto a isso, avisando Febo de antemão que se encontrava ali apenas por conta de um trabalho. Ele tinha feito amor com ela e passado o dia todo em sua companhia, não mencionando nenhuma vez que teria de ir embora na manhã seguinte.

Ela era mesmo uma m... de uma cretina. O que imaginava estar fazendo?! Brincando de casinha?

Merda, merda... MERDA! Devia ter imaginado. Sua inexperiência naquele mundo das conquistas devia ser óbvia. Não podia ter esperado mais do que um pouco de diversão de um encontro como aquele.

— Escutem. — Pamela interrompeu o entrevero entre irmãos, usando seu tom mais firme e profissional. — Se há uma coisa de que entendo, e entendo bem, é que, às vezes, irmãos e irmãs precisam discutir. Em particular. — Apanhou o bloco de notas na espreguiçadeira, onde Febo o havia deixado, e o enfiou na bolsa de couro enquanto calçava as rasteirinhas Mizrahi . — Na verdade, Diana, o seu timing é excelente. Eu estava justamente pensando que preciso voltar para o quarto e fazer mais alguns trabalhos para amanhã.

— Não, Pamela! Por favor, não... — Febo apressou-se em dizer.

Ela mal olhou para ele.

— Para falar a verdade, já perdi muito tempo me divertindo neste fim de semana... Adeus, Febo.

Ártemis ficou chocada. A mortal estava mesmo se afastando de seu irmão! Por meio de sua conexão invisível, podia sentir muito do que se passava com a moça. E ela estava... A deusa se concentrou, filtrando as emoções que fluíam por meio do elo entre elas. Pamela estava muito amargurada. Envergonhada. Magoada. Tinha certeza de que Apolo a usara. Sentia-se arrasada por dentro, mas se mostrava apenas aborrecida. Se elas não estivessem unidas pela invocação, ela, Ártemis, nunca imaginaria o turbilhão de emoções vivido pela mortal.

Que coisa estranha!... Seria possível que a força oculta daquela mulher tivesse algo a ver com o fato de a invocação não ter se completado? Seria possível que aquela jovem mortal enxergasse o que se passava?

Diana enxergou Pamela com outros olhos. Apolo estava com a razão em uma coisa: ela não era mesmo uma mulher tola e comum.

— Pamela, meu irmão está certo. Fui rude demais.

A voz de Diana impediu Pamela de prosseguir. Ela se voltou para a irmã de seu amante, esta lhe sorriu, e ela vislumbrou a deslumbrante beleza de Febo refletida no rosto da moça.

— Eu andei tendo alguns... — Ártemis hesitou e olhou para o irmão antes de continuar — ... contratempos de natureza pessoal. Não tenho sido eu mesma. Por favor, acredite que a última coisa que desejo é afastá-la de meu irmão.

Pamela encontrou os olhos da cor de água-marinha de Diana.

— Mas se eu for embora agora ou mais tarde não vai fazer tanta diferença, vai? Acabou de dizer que vocês vão partir amanhã cedo.

— Mas não para sempre — emendou Apolo às pressas, aproximando-se para lhe tomar a mão. — Não pode acreditar que eu iria me afastar de você e nunca mais voltar.

Pamela puxou a mão. Balançou a cabeça e até conseguiu sorrir.

— Escute, nós nos divertimos bastante juntos. Vamos deixar tudo por isso mesmo... Não precisa se incomodar.

Ártemis olhou para o rosto chocado do irmão. Por que ele não dizia nada? A mortal o estava deixando! E, com certeza, não desejava aquilo... Ela não apenas sentia a dor de Pamela, mas isso era evidente na maneira rígida e mecânica com que a moça se portava. Pamela estava magoada e aborrecida. Queria conforto, não aquela inépcia!

Apolo, no entanto, parecia estranhamente impotente.

— Eu não quis ofendê-la — Ártemis argumentou, aflita. — Foi apenas um mal-entendido. Por favor. Não vá embora assim, magoada.

— Não estou magoada — Pamela respondeu.

— Eu estaria assim no seu lugar — Apolo reencontrou a voz por fim. Desta vez, ele não a tocou, contudo. Permaneceu muito quieto e tentou transmitir tudo o que sentia por meio das palavras. — Eu ficaria aborrecido e zangado se soubesse que estava planejando me deixar antes do amanhecer sem ter dito nada. Eu devia ter lhe contado. Eu pretendia contar... Mas precisa compreender, minha doce Pamela: eu sabia que iria voltar. Estragar o nosso dia contando que eu precisaria partir em breve me pareceu algo muito cruel. Mas agora vejo que me equivoquei. Consegue me perdoar?

Ela deveria dizer a Febo que aquilo não era nada. Deveria dizer que não esperava nada dele e seguir adiante. Poderia telefonar para Ve, e elas passariam horas conversando sobre como os homens eram uns cretinos...

Então, no dia seguinte, poderia voltar a trabalhar e esquecê-lo.

Tinha acabado de dormir com Febo. Nunca fora casada com ele ou coisa do gênero.

Uma vez mais, seus olhos capturaram os dela, porém. E Pamela pôde jurar que viu um reflexo de si mesma bem no fundo deles. Febo possuía a mesma “ausência” que ela, e tocara seu corpo, seu coração e sua alma. Se Duane a havia sepultado emocionalmente, Febo a trouxera de volta à vida.

E ela não queria voltar para aquele seu túmulo de complacência. Ela se conhecia bem o suficiente para compreender que aquele fim de semana fora um ponto de virada. Não mais se satisfaria com a segurança de sua vida. Iria permanecer do lado de fora, iria flertar e correr mais riscos... com ou sem Febo.

O problema era que, bem lá no fundo, queria correr todos os riscos com ele.

— Está bem — respondeu por fim, engolindo o que ia dizer. — Eu o perdoo.

Cruzou os braços e esperou. No momento, a bola estava no campo de Febo.

Para sua surpresa, foi a irmã dele quem a devolveu:

— Meu irmão e eu precisamos conversar. É um assunto de família, e eu...

— Sem problemas — Pamela a interrompeu. — Já estou indo embora.

— Pamela, não é verdade que também tem um irmão? — O olhar de Ártemis foi perspicaz.

Mais uma vez apanhada no processo de se afastar, Pamela assentiu com um gesto de cabeça.

— Se é assim, compreende que, muitas vezes, problemas familiares podem nos obrigar a sacrificar nossas vontades. Nós precisamos ir para casa, então, por favor, não condene meu irmão por isso.

Pamela replicou com igual franqueza:

— Não estou condenando Febo por nada. Estou apenas me protegendo.

— Não precisa se proteger de mim — afirmou Apolo. E, sem resistir, acariciou-a no pescoço com a ponta dos dedos. Quando Pamela estremeceu, porém, não soube dizer se fora por desejo ou repulsa. — Encontre-me esta noite. Deixe-me vê-la novamente antes de eu ir embora. Eu juro que vou voltar.

Ela não deveria fazer aquilo. Febo mexia demais com ela.

Pamela abriu a boca para dizer “não”, depois pensou em como seria passar a noite sem ele. Seria como o céu da manhã sem sol. Desolador. Vazio...

... Assim como sua vida havia se tornado.

Não queria mais aquilo. Mesmo correndo o risco de ter o coração partido outra vez. Bem, pelo menos agora sabia que continuava com um coração dentro do peito!

— Está bem — falou, mantendo a voz neutra. — Pode me levar para jantar. Comer no Snackus Maximus não contou mesmo como uma refeição de verdade.

— Ele vai escolher o lugar — Ártemis declarou com um sorriso satisfeito.

— Muito bem — Pamela repetiu. — Se nos encontrarmos às oito horas, terão tempo suficiente para resolverem o seu assunto de família?

Ártemis assentiu ligeiramente com um gesto de cabeça, na direção do irmão.

— Sim — ele confirmou. — Vou buscá-la no seu quarto.

— Não! — contrapôs Pamela rápido demais. Limpou a garganta, então, e tossiu como se a explosão tivesse sido motivada por cócegas na laringe, e não pelo pavor.

— Posso encontrá-lo naquele bar, como da última vez.

Arrependeu-se do “como a última vez”. Isso fora na noite anterior, quando eles acabaram na cama, fazendo amor até meio-dia...

O sorriso de Febo foi como uma carícia enquanto ele também se lembrava de tudo o que acontecera.

— Eu a encontrarei no nosso bar, doce Pamela. Como ontem.

Desta vez, nada impediu que ela batesse em retirada.


Capítulo 17


O tom opaco e insubstancial do portal cintilou quando as divindades gêmeas deixaram o mundo moderno de volta ao Olimpo. Apolo tinha o maxilar cerrado, e seus olhos brilhavam com uma raiva silenciosa. Com um gesto brusco, ele fez sinal para que a irmã o seguisse para fora do salão de banquetes lotado.

— Eu não tive a intenção — sussurrou Ártemis, contudo o olhar enviesado do irmão foi suficiente para fazê-la segurar a língua.

— Não até que estejamos em meu templo. Sozinhos — ele falou por entre os dentes, sorrindo e balançando a cabeça em um “não” educado para Afrodite, que acenou, tentando fazê-lo ir até a chaise em que ela se reclinava. A Deusa do Amor estava cercada por um grupo de ninfas Napeias que havia se livrado de sua já pouca roupa e praticava uma dança da fertilidade envolvendo complicadas ondulações do ventre.

— As Napeias são mesmo muito fofoqueiras — resmungou Ártemis, num tom conspirador.

Apolo lançou-lhe um olhar desgostoso.

— Todas as ninfas são fofoqueiras. Vocês todas são fofoqueiras.

— O que está querendo dizer com isso?

Ele a segurou pelo cotovelo.

— Não aqui. Não agora.

Os dois irmãos continuaram a abrir caminho pelos jardins olímpicos, respondendo com educadas saudações e declinando, pesarosos, dos convites para uma miríade de diversões e brincadeiras que lhes era oferecida, até alcançarem as portas douradas do templo de Apolo.

Tão logo se encontravam dentro dos aposentos particulares do deus, este se avultou sobre a irmã.

— Não acredito na cena estúpida que armou diante de Pamela! O que estava pensando? Se é que estava pensando!... Você quase estragou tudo!

— Quase estraguei tudo? — ela repetiu, irônica. — De que “tudo” está falando? Do caso tórrido que estão tendo? O vínculo continua, Apolo! Ainda posso sentir as correntes da invocação! Ainda estou ligada a ela. O que está acontecendo, afinal? Por que ainda não fez amor com ela?

Apolo desviou os olhos do olhar penetrante da irmã, e os olhos da Deusa da Caça se arregalaram.

— Você já fez amor com ela — concluiu Ártemis. — E não funcionou! Não atendeu aos desejos de seu coração.

Apolo assentiu, tenso. Caminhou até uma mesa com tampo de vidro, cuja base era esculpida na forma de sua carruagem de luz, e serviu-se de uma taça do vinho eternamente pronto para ser consumido.

— Você não fazia ideia de que não tinha cumprido o ritual de invocação.

Não era uma pergunta.

Após tomar um gole da bebida, Apolo respondeu:

— Não, nenhuma.

— Não compreendo o que está acontecendo — gemeu Ártemis. — Como anda seu desempenho? Ela correspondeu bem a você?

O deus fitou a irmã por cima da taça.

— Claro que correspondeu! Não sou nenhum jovenzinho inexperiente.

— Então a satisfez...?

Apolo fez uma careta.

— Claro que sim!

— Tem certeza? Você sabe, às vezes os homens acreditam que levaram a mulher ao orgasmo, mas...

— Ela não fingiu comigo! — Apolo berrou.

As paredes do templo cintilaram como a luz ofuscante da explosão de uma estrela. Ártemis cobriu os olhos às pressas, esperando que a ira do deus passasse.

— Bem, alguma coisa deu errado. — Espiou com cuidado por entre os dedos antes de abaixar a mão. Odiava quando a luz do irmão se expandia. — Talvez não tenha aplacado o desejo da mortal fazendo amor com ela apenas uma vez.

— Mas não foi apenas uma vez — contrapôs Apolo, passando a mão pelo rosto. — Fizemos amor a noite toda e também pela manhã. Pamela parecia tão satisfeita como eu.

— Há outra possibilidade. E se o verdadeiro desejo de Pamela não tem a ver com sexo? — Ártemis caminhou, inquieta, enquanto elaborava o problema em voz alta. — Apesar de que este permanece vinculado ao ato de fazer amor... Senti o vínculo entre nós se atenuar durante a noite. De qualquer modo, a conexão forjada pela invocação continua muito presente entre nós. Sendo assim, a mortal deseja mais do que sexo. — A deusa fez uma pausa, pensativa, enquanto se servia de um pouco de vinho. — Pude captar seus sentimentos, principalmente quando ela estava tentando deixá-lo, na piscina.

Os olhos de Apolo se fixaram na irmã.

— O que ela estava sentindo?

— Estava magoada, confusa e envergonhada.

Ele afundou em uma cadeira com um gemido.

Ártemis o observou, atenta.

— Você se importa com ela, não é? — perguntou em voz baixa.

Apolo ergueu a cabeça e encontrou seu olhar.

— Acho que estou apaixonado por Pamela.

— Apaixonado? — Ártemis balançou a cabeça. — Impossível. Ela é mortal! E, como se isso já não fosse o suficiente, é uma mortal do Mundo Moderno.

— Estou ciente disso — ele replicou por entre os dentes.

— Como pode saber? — zombou Ártemis. — Você nunca se apaixonou.

— Por isso mesmo acredito que eu esteja apaixonado! Já vivi por eras e nunca experimentei esta sensação.

— O quê...? Que sentimento tão forte é esse que está atribuindo ao amor? — Ártemis quis saber.

— Eu me preocupo mais com ela do que comigo. Sua felicidade é a minha felicidade, e sua dor me causa desespero.

A deusa o fitou como se ele estivesse com uma súbita e incompreensível erupção cutânea.

— Talvez isso passe, ou ao menos diminua com o tempo.

— O problema, minha querida irmã, é que eu não quero que isso aconteça. — Apolo sorriu, porém não havia humor em sua expressão. — Esta manhã eu estava tão seguro de mim. Pensei que o amor fosse simples, que eu houvesse encontrado minha alma gêmea. Que eu tinha feito amor com Pamela, e que ela devia sentir o mesmo por mim... Fui um arrogante, imbecil.

— Acredita que ela seja sua alma gêmea?

— Receio que Pamela possa ser, sim, minha companheira de alma.

— Se ela for, pela própria natureza desse vínculo, também deve amá-lo — concluiu Ártemis, tentando dar sentido à bizarra declaração do irmão.

— Talvez — ele murmurou, desanimado.

Ártemis bateu com os dedos no queixo.

— Bem, ela é mortal. Não devíamos estar tão surpresos com esta confusão. Talvez seja isso!

O verdadeiro desejo do coração de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida. Ela apenas chamou isso de romance, mas não pode ser tudo a mesma coisa? Romance, amor, desejo verdadeiro, almas gêmeas... Não são todas palavras que poderiam ser usadas para descrever o mesmo fenômeno? Se eu estiver certa, faz sentido que a invocação não tenha sido cumprida.

— Por que faz sentido? Se o verdadeiro desejo de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida, e eu sou sua alma gêmea, então por que a invocação não se cumpriu?

— Porque ela tem que reconhecê-lo e aceitá-lo como seu companheiro de alma, o que, obviamente, não aconteceu. — Ártemis descansou a mão em seu ombro. — As emoções que senti por meio do nosso vínculo não eram de amor e contentamento. Pamela estava magoada e confusa; não estava se sentindo amada.

Uma sombra desceu sobre os olhos de Apolo.

— Ela me contou que foi muito magoada por um homem no passado. E eu, muito arrogante, acreditei que apenas um toque do meu poder imortal e da paixão do meu corpo a curariam.

— Pois estava equivocado, meu irmão. Pamela precisa de mais do que isso.

— O amor é mais complicado do que eu imaginava — ele murmurou.

Ártemis deu-lhe um tapinha nas costas.

— Esse seu sofrimento me faz dar graças por eu não tê-lo experimentado ainda.

— Acho que estou começando a entender... O amor é um misto de sofrimento e enlevo, encerrado na pele macia de uma mulher — devaneou Apolo com o olhar perdido na distância.

— Por que não revela de uma vez quem você é? Traga-a para o Olimpo esta noite. Use seus poderes imortais para fazer o amor de Pamela vir à tona.

Apolo a fitou, contrariado.

— Isso não seria amor! Seria apenas um culto abjeto, ou uma mistura de medo e adoração.

— Aí está um exemplo perfeito de como você e eu discordamos. Não precisa usar seus poderes para conquistá-la, mas faz sentido. Que mortal não gostaria de ganhar o amor de um deus?

Pensando na arrogância de sua declaração anterior, Apolo sentiu desgosto por si mesmo. Não admirava que Pamela estivesse relutante em reconhecê-lo como sua alma gêmea.

— Algo me diz que Pamela não ficaria muito feliz em saber da minha verdadeira identidade.

Ártemis bufou.

— Os mortais modernos não são como as pessoas do Mundo Antigo — ponderou Apolo. — Eles fazem criaturas de metal obedecerem à sua vontade. Passam informações por intermédio de máquinas, não de magia e rituais. E nós estamos mortos para eles... Não. Pamela deve me amar primeiro como homem. Apenas depois disso poderei convencê-la a aceitar o deus.

— E como pretende fazer isso?

— Preciso amá-la como um homem ama uma mulher.

Ártemis ergueu as sobrancelhas numa indagação.

— Com o meu coração, e não com os meus poderes — ele explicou.

— E isso significa o quê?

— Quando eu souber lidar com tudo isso, terei obtido algo de valor inestimável: o amor de Pamela — declarou o Deus da Luz.

— Acha que consegue conquistar o amor dela até o amanhecer?

— Duvido.

Ártemis suspirou.

— Acho que eu deveria ficar grata por o vínculo entre Pamela e eu ter se atenuado. Agora é mais como uma coceira difícil de dar conta do que um incômodo constante me amolando. Baco sem dúvida se esmerou na dose de maldade com essa sua pequena travessura.

— Falou com ele?

— Não, ele tem se mantido conspicuamente ausente do Olimpo nestes últimos dias... — Ela encolheu os ombros. — ... Embora nunca tenha passado muito tempo por aqui. Baco há muito prefere a companhia dos mortais. Quando esta provação tiver terminado, precisamos nos lembrar de lhe dar uma lição por essa impertinência.

Apolo ficou em silêncio. Como poderia dizer à irmã que aquela “provação” nunca iria ter fim? Ele sabia muito pouco de amor, mas já tinha certeza de uma coisa. O amor não podia ser controlado. Não começava ou terminava sob a exigência de ninguém. Infelizmente.

— Apolo? Preste atenção! Eu perguntei quais são seus planos para esta noite!

— Eu não sei! — As paredes coruscaram, e o Deus da Luz refreou sua frustração. — Um jantar. Pamela pediu que eu a levasse para jantar. Você mesma ouviu.

A testa lisa de Ártemis se enrugou quando ela parou para pensar no que Pamela havia dito:

— Snackus Maximus ? Que tipo de nome é esse?

— Um péssimo nome.

— Eu ainda acho que deveria trazê-la para cá esta noite. Corteje-a no Olimpo, em seu próprio templo. O que poderia ser mais romântico?

— Ártemis, eu já expliquei a você que me recuso a utilizar meus poderes para ganhar o amor de Pamela.

— Então não use seus poderes, seu teimoso! Esta é a sua casa. Sem dúvida nenhuma, ela é muito mais bonita do que qualquer coisa que o Reino de Vegas tenha para oferecer.

Apolo considerou as palavras da irmã.

— Ela aprecia arquitetura antiga...

— Traga-a aqui, ora! Diga a ela que é uma parte exclusiva do Caesars Palace. Ao menos, assim, garantirá a privacidade de vocês.

— Acho que consigo usar meus poderes apenas o suficiente para disfarçar suas sensações conforme atravessamos o portal.

— Em seguida, traga-a para cá depressa, antes que qualquer outro dos Doze vislumbre sua presença.

Apolo estava começando a gostar da ideia.

— Eu não teria que me preocupar com acidentes, monstros de metal, ou com nenhuma outra daquelas distrações do Mundo Moderno. Poderia me concentrar em assegurar Pamela do meu amor. — Sem dizer que ele queria muito mostrar sua casa a ela e testemunhar sua reação à beleza do lugar. Mesmo que este não fosse apenas dele.

— Vou planejar o jantar eu mesma e colocar minhas próprias servas à sua disposição. As ninfas não são confiáveis.

— Excelente — concordou Apolo. — E lembre-se de pedir a elas que não me chamem de Apolo.

— Sim, sim... As meninas vão dar continuidade à sua pequena farsa, Febo .

— Estou em dívida com você, Diana — ele afirmou, sorrindo.

Ártemis devolveu o sorriso, pensando em como o irmão era charmoso e bonito. Pamela não seria capaz de resistir a ele. Não se ela, Ártemis, pudesse agir... O que decerto ela faria.

— Já que estamos acordados, temos muito que fazer. O tempo urge. Ao amanhecer Pamela precisa voltar ao Reino de Vegas. E, tomara, completamente encantada com Febo — completou a diva. Em seguida bateu as mãos duas vezes e, no tom autoritário da Deusa da Caça do Olimpo, chamou: — Servas, venham me assistir!

Em um piscar de olhos, doze belas moças se materializaram em uma nuvem de poeira prateada e cintilante que parecia ter se originado na luz da lua.

— Senhoras, meu irmão precisa da nossa ajuda. O que precisamos fazer é o seguinte...

Apolo observou o turbilhão de atividades até que a irmã o enxotou do quarto, lembrando-o de que era quase hora de ele se encontrar com sua amante. O Deus da Luz sorriu enquanto se preparava. Iria trazer seu verdadeiro amor para casa. Iria cortejar Pamela e amá-la ali, onde podiam ficar mais à vontade. Pamela veria que não precisava ter medo de se magoar outra vez.

Sentindo-se seguro dentro de seu próprio reino, Apolo teve a certeza de que nada poderia dar errado.

 


C O N T I N U A

Capítulo 9


Violinos encheram o ar em torno deles, música atraiu a água rumo ao céu e luzes antes ocultas destacaram a dança fluida.

Em seguida, um tenor começou a cantar. Pamela estremeceu conforme seu corpo correspondia à magnificência de sua voz. Era tudo tão inesperado, tão espantoso!... Os arcos de água se deslocavam em uníssono com os altos e baixos da orquestra, como se guiados pela mão de um competente mágico. Era inacreditável e maravilhoso... Assim como o beijo que parecia ter dado início a tudo aquilo.

Ao som da primeira nota, eles haviam se virado para as fontes e, enquanto suas emoções disparavam com a música, Pamela se deixou ficar, muito quieta, nos braços de Febo.

— O cantor é italiano, não é? — Recostou-se nele, inclinando a cabeça de modo a fazê-lo ouvir sua pergunta, mas sem tirar os olhos da água.

— Sim — assentiu Apolo. Seus olhos também não se desviavam do inacreditável espetáculo diante deles. — Ele está cantando algo sobre La Rondine ou “a andorinha” — murmurou, a voz grave soando como pano de fundo para a linda música, em vez de distraí-la. — Conta a história de uma pequena andorinha que migra para muito, muito longe, a fim de encontrar o amor em uma terra distante. Mas é evidente que a canção não se refere a um pássaro, e sim a uma amante, que o cantor teme ter perdido para sempre.

— Eu gostaria tanto de entender Italiano! — Pamela sussurrou.

Apolo a abraçou com mais força.

— Será que precisa? Tente ouvir a música com o coração, e irá captar sua alma.

Pamela tentou fazer o que ele dizia e, no crescendo, sentiu os olhos rasos de água. Entendeu realmente. Compreendeu a dor do amor perdido, dos arrependimentos e o medo da eterna solidão.

Quando a música terminou e a água ficou quieta e escura, permaneceu de costas para Febo, sentindo as batidas de seu coração, o calor do corpo sólido a envolvê-la.

— Eu não esperava encontrar tanta beleza aqui — ele falou baixinho, não querendo quebrar o feitiço que aquelas águas mágicas haviam lançado.

— Nem eu. — Pamela respirou fundo. — Aconteceu muita coisa nesta noite que eu não esperava.

Apolo a virou, de modo a deixá-la de frente para ele, porém a manteve solta no círculo de seus braços. Relutava em deixá-la se afastar, contudo não queria assustá-la. A noite também fora cheia de surpresas para ele. Naquele momento, pela primeira vez em todas as suas eras de existência, queria que uma mulher viesse até ele por vontade própria, não como uma donzela deslumbrada, arrebatada pela presença de Apolo, o Deus da Luz; tampouco como uma deusa sedutora, procurando um parceiro temporário com quem se divertir. Queria que Pamela o escolhesse como uma mortal escolhia seu homem.

— Eu não estava falando apenas das águas dançantes — sussurrou.

— Nem eu.

Quando ele se inclinou para beijá-la, não pôde evitar segurá-la pela nuca e mergulhar os dedos nos cabelos curtos e desgrenhados que tanto desejara tocar desde que a tinha vislumbrado. Pamela não se afastou dele, mas também não se entregou ao beijo. Seus lábios se provaram quentes e dóceis sob os dele, porém ela não os abriu num convite. Em vez disso, era como se fizesse uma pergunta e exigisse resposta antes de lhe dar permissão para continuar.

Pense! , Apolo ordenou a si mesmo. O que desejam as mulheres?

Percebeu, chocado, que, apesar de toda a sua experiência, não tinha certeza de como responder a tal pergunta. Concentrou-se, tentando ler o corpo frágil e, por intermédio deste, compreender o que Pamela buscava nele.

Com movimentos lentos, obrigou-se a ignorar o desejo inebriante que tocar Pamela evocava e, em vez de se comportar como um deus grosseiro e arrogante, manteve-se firme no controle. Beijou-lhe o lábio inferior com carinho, em seguida o prendeu com os dentes e o puxou, provocante, mas só por um momento. Mudou dos lábios carnudos para um beijo rápido na ponta do nariz, e foi recompensado por um sorriso que ele beijou nos cantos. Acariciou os cabelos curtos com os dedos enquanto roçava o rosto em seu ouvido e sussurrava:

— Gosto muito do seu cabelo. Ele faz que eu me lembre da cavalgada livre e cheia de orgulho das Amazonas. — Desceu os lábios um pouco mais. — E deixa seu pescoço tão mais sedutor...

Sentiu que ela estremecia e levantou a cabeça de maneira a fitá-la nos olhos, os quais ainda estavam preenchidos pela emoção que a música os fizera sentir.

— Eu quero que você seja exatamente o que parece — ela falou baixinho. — Não quero outro homem que finge ser uma coisa enquanto é outra.

Apolo sentiu o coração congelar.

— No início desta noite, admiti algo para mim mesma que eu vinha escondendo por muito tempo. Admiti que, embora satisfeita, não sou muito feliz. Eu me fechei, desisti até mesmo de tentar buscar a felicidade. — Um breve sorriso iluminou a expressão séria de Pamela. — Então fiz um desejo bobo... Em voz alta. Acho que eu estava desejando, na verdade, ser capaz de confiar nos meus instintos outra vez.

— E o que seus instintos lhe dizem sobre mim? — ele perguntou.

Ela inclinou a cabeça e o fitou.

— Eles me dizem que você é mesmo diferente. Nunca conheci um homem assim.

— Posso assegurar que os seus instintos estão corretos.

Ele se inclinou para beijá-la outra vez, desta vez com toda a paixão que sentia, mas, antes que seus lábios tocassem os dela, a céu se abriu, e uma chuva constante começou a cair.

Pamela soltou um gritinho e segurou a minúscula bolsa sobre a cabeça em uma tentativa inútil de se proteger.

Apolo fez uma careta e olhou ao redor. Chuva no meio de uma noite no deserto? Não importava o quanto o mundo moderno se tornara estranho, não podia haver alteração nos padrões climáticos.

Os deuses, entretanto, podiam fazê-lo. Aquela chuva era muito suspeita, pois tinha a marca da interferência dos imortais. Provavelmente era Baco, aquele infeliz, aprontando de novo.

As pessoas ao redor deles correram em direção aos edifícios e, com habilidade, Apolo guiou Pamela em meio aos mortais até a árvore mais próxima. Com um movimento quase imperceptível da mão, solidificou as folhas acima deles, transformando-as em uma massa única que os abrigou da chuva. Abraçou-a, e juntos eles ficaram observando o aguaceiro.

— Que tempo esquisito! — comentou Pamela, enxugando a água do rosto. — Pensei que quase nunca chovesse aqui. Ah!... — Franziu a testa ao olhar para os sapatos. — Acho que arruinei os meus maravilhosos Jimmy Choo!

Apolo sorriu de lado.

— Como consegue andar sobre essas lâminas?

Pamela chacoalhou um pé, analisando o sapato encharcado enquanto ele admirava a panturrilha bem-torneada.

— Andar sobre um salto dez é a marca registrada de uma mulher de verdade. — Passou a mão pelos cabelos, fazendo-os ficar ainda mais desgrenhados. — Quem iria imaginar que uma árvore tão pequena ofereceria tanta proteção? — Olhou para cima. — É como um guarda-chuva verde!

— Nem tanta assim — ele replicou, apontando para cima em um movimento rápido que fez uma ou duas gotas vazar de sua divina proteção. — Pelo menos a chuva afugentou aquela multidão.

Sem dar à árvore outro olhar, Pamela sorriu e acenou com a cabeça.

— É como se estivéssemos no nosso mundinho.

Apolo tocou uma mecha do cabelo curto.

— Pois acho que estamos, mesmo.

Em seguida, em meio ao véu de chuva e intimidade, as fontes ganharam vida mais uma vez, e a voz sexy de Faith Hill soou ao redor deles como se brotasse da água:


I don’t want another heartbreak, I don’t need another turn to cry.

I don’t want to learn the hard way, baby, hello, oh no, good-bye...


Desta vez, eles não prestaram muita atenção ao show.

— É você quem está fazendo isso? — Pamela indagou num sussurro. — Pagou a eles para tocarem essas músicas?

Apolo balançou a cabeça e emoldurou o rosto delicado com as mãos.

— Mas elas têm tudo a ver com você, não têm? É a andorinha, assim como a mulher que não quer chorar outra vez.

Pamela só pôde concordar.


This kiss, this kiss!...


Como se a música tocasse só para eles, Apolo a puxou para os braços e a beijou. Beijou-a como um homem que queria manter sua amada afastada da dor, da mágoa e da tristeza. Os lábios de Pamela se apartaram, e ela o aceitou. Conforme o fez, Apolo sentiu que algo se abria dentro dele, como se uma trava tivesse sido desbloqueada e um alçapão fosse escancarado, permitindo a entrada do que faltava para preencher sua alma.

Os braços de Pamela subiram para segurá-lo, e ele se esqueceu do monte Olimpo, esqueceu-se do Mundo Moderno dos mortais. Sua realidade se resumiu no gosto, no toque, no cheiro de Pamela.

Ela gemeu e estremeceu, e o mundo se interpôs entre eles novamente. As fontes voltaram a se apagar, e o vento e a chuva se intensificaram.

— Está gelada! — Apolo a esfregou nos braços, condenando a própria insensibilidade. Enquanto ele se deixara perder pelos encantos de Pamela, ela ficara encharcada. — Precisamos voltar. Pode ficar doente se continuar assim.

— Febo. — Ela o puxou pelo braço, mantendo-o sob a pequena árvore. — É verdade que talvez devêssemos voltar para o hotel, mas eu não estava tremendo por causa da chuva. Mesmo que eu pareça meio... — limpou uma gota de chuva que lhe escorria pela testa e sorriu — ... ensopada , não sou nenhuma florzinha de estufa. Não derreto, e amei cada segundo deste nosso beijo na chuva.

Apolo sentiu o aperto no peito se dissolver conforme seu coração reconheceu o calor no olhar dela. Não era o único que sentia aquela conexão entre eles.

E, bem lá no fundo, seus instintos lhe diziam que era aquilo o que homens e mulheres buscavam. Era aquela a dança de amor dos mortais.

— De qualquer forma, estou mesmo encharcada, e parece que essa chuva não vai melhorar tão cedo — Pamela prosseguiu, olhando o aguaceiro que os rodeava.

Apolo acompanhou seu olhar. Ele poderia, claro, impedir que as gotas os tocassem durante todo o caminho de volta ao Caesars Palace, mas não teria como explicar tal façanha.

— Quer saber? Vamos correr de volta para o Palace — decidiu Pamela, sorrindo para ele.

— Não pode correr com esses sapatos — ele lembrou, apontando-lhe os pés.

— Estamos em Las Vegas... Quer apostar? — E, sem esperar por resposta, ela disparou para o meio da chuva, gritando.

Rindo, Apolo a seguiu, permanecendo pouco atrás dela; o suficiente para que pudesse assistir os quadris redondos se movendo com graça enquanto ela corria com passos pequenos e femininos. Não se lembrava da última vez em que se sentira tão jovem ou feliz.

Nenhum deles prestou muita atenção à rua. Apolo não tirava os olhos de Pamela, e ela corria, lançando-lhe olhares por cima do ombro.

— Estou ganhando a aposta! — gritou a certa altura.

Um barulho a fez olhar para a frente, e Pamela soltou uma exclamação. A rua! Tinha se esquecido do quanto esta se encontrava próxima dela!

Tentou parar, porém o salto agulha ficou preso em uma rachadura na beira da calçada. Desequilibrando-se, ela agitou os braços na tentativa de endireitar o corpo, porém sentiu uma dor horrível e lancinante no tornozelo, tombando para a frente.

Sempre antes que coisas terríveis acontecessem , pensou Apolo, como a morte de Heitor, ou quando Ártemis perdera a paciência com Acteão, o tempo parecia diminuir de ritmo, prolongando o evento, desdobrando-se diante dele como resina de pinheiro pingando e descendo por uma tediosa trilha através da casca áspera de uma árvore .

Não foi assim com o acidente de Pamela, contudo. Tudo ao redor pareceu se acelerar com força sobre-humana. Em um instante ela sorria para ele por cima do ombro, no outro balançava perigosamente na beirada da rua, projetando-se bem na frente dos monstros de metal.

Apolo sentiu a morte pairar no ar em torno deles e não perdeu tempo sendo racional. Agiu por impulso, guiado por seu coração imortal que, de repente, se afligira com a ideia de perdê-la.

— Não! — Ele pulou na direção de Pamela com uma velocidade impossível de ser acompanhada pelos mortais. Estendeu a mão, a palma aberta, o grito causando uma explosão sônica que repeliu os carros para longe do corpo em queda de Pamela.

Ela não chegou a aterrissar no concreto molhado. Apolo não podia permitir isso.

Com sobrenatural rapidez, ele a segurou e puxou de volta para a calçada.

Pneus guincharam e ouviu-se o som de carros batendo. Buzinas cortaram a noite, mas, em meio à chuva e ao vento, ninguém pareceu notar o deus que causara tudo isso. O deus que agora se ajoelhava na calçada alagada, amparando uma mortal junto ao peito.

— Meu tornozelo... — A voz de Pamela falhou com a dor e o choque. — Acho que está quebrado!

Apolo puxou o sapato do pé delicado. Conforme o fez, sentiu através da pele o osso que havia torcido até partir e se encolheu, imaginando a dor. Rapidamente, passou a mão sobre o local, ordenando em pensamento que suas terminações nervosas cessassem a agonia de Pamela.

Quase no mesmo instante, sentiu sua respiração normalizar conforme ela relaxava. Em um movimento suave, ele a ergueu nos braços.

E o Deus da Luz avançou como um raio de sol escaldante através da chuva e dos carros destruídos.

Mais tarde, testemunhas do engavetamento bizarro na esquina da Las Vegas e Flamingo falavam de um homem alto que tinham vislumbrado em meio à chuva naquela noite. Diziam que ele carregava uma mulher, mas não podiam afirmar com certeza, pois tudo de que podiam se lembrar era da forma estranha como seus olhos cintilavam. Também não podiam dizer bem como ele era porque seu corpo parecia cercado por uma luz... como se ele brilhasse com o fogo do Sol.


Capítulo 10


— Ela precisa ser levada para o quarto! — Apolo berrou para o porteiro do hotel, o qual fitava com os olhos arregalados o espectro dourado que parecia ter surgido do nada na noite chuvosa. A aparição carregava o corpo úmido de uma pequena mulher calçando apenas um sapato.

— Os elevadores ficam ali no canto, senhor.

A confusão de Apolo diante das palavras estranhas se transformou em raiva. O que era, exatamente, um elevador?!

— Mostre-me onde fica o quarto dela ou vou esfolá-lo vivo! — rosnou, irado.

— Qual o número do quarto? — guinchou o rapaz.

— Mil cento e vinte e um — Pamela falou contra o ombro de Apolo.

Apolo olhou para o porteiro, e o rapaz assentiu, saindo em disparada à sua frente, através das portas giratórias.

O Deus da Luz apertou os dentes quando a caixa de metal em que entraram se fechou. O menino apertou um botão redondo onde se lia “11”, e este se iluminou conforme a caixa começou a se mover.

Apolo sentiu o estômago se contrair e segurou Pamela com mais força contra o corpo. Baco não explicara nada sobre aquela forma de transporte mecânica, e ele não estava gostando nem um pouco da experiência.

Por sorte, a jornada foi curta, e as portas se apartaram sem problemas.

Ele seguiu o rapaz por um corredor coberto por um tapete macio. Estatuetas decoravam nichos, e lustres pendiam do teto trabalhado.

Pararam em frente a uma porta que ostentava o número “1121” em metal dourado, e o porteiro olhou para Apolo. Apolo devolveu o olhar e o rapaz pigarreou, nervoso. Pamela entregou a pequena bolsa que ainda segurava junto ao peito ao menino.

— Está aí dentro.

Engolindo em seco, o rapaz abriu a bolsinha, extraiu dela o cartão-chave e o passou pela fechadura, abrindo a porta. Apolo entrou e bateu a porta atrás deles apenas com o pensamento.

— Devia ter dado uma gorjeta para ele — Pamela disse baixinho.

— Eu devia tê-lo esfolado, isso sim — murmurou o deus.

Hesitou na entrada da suíte, avaliando os arredores. Havia um quarto enorme com um divã, duas poltronas laterais, forradas de seda, e um imenso armário. Portas com pintura imitando mármore se encontravam semiabertas, revelando parte de uma cama gigantesca.

Decidido, ele rumou naquela direção.

Pamela gemeu quando ele a deitou em cima do grosso edredon de seda. Sentiu um arrepio no corpo e seus dentes começarem a bater.

— N-não sei por que estou d-de repente com tanto frio! — gaguejou, confusa.

Apolo sabia o porquê. Ela estava em choque. E ele não tinha curado seu tornozelo; apenas bloqueara temporariamente parte da dor.

Sentou-se na borda da cama devagar e tocou-lhe o rosto, querendo que ela relaxasse.

— Precisa descansar. Confie em mim. Vou dar um jeito nessa dor.

Ele observou conforme sua hipnótica sugestão fez as pálpebras dos olhos enormes e cor de âmbar começarem a pesar.

— Eu não... — Pamela começou, sonolenta, perdendo o fio do raciocínio em seguida. Ainda lutando contra a estranha letargia que tomara conta dela, piscou. — Estou molhada... Há toalhas ali... — Fez um gesto fraco na direção do banheiro.

— Primeiro o tornozelo.

Quando ela fechou os olhos e não mais os abriu, Apolo se ajeitou melhor na extremidade da cama.

Balançou a cabeça. Pamela se encontrava bastante ferida. Seu tornozelo estava com o dobro do tamanho normal e muito branco. Ele podia ver onde o osso se partira, fazendo que o pé delicado pendesse em um ângulo estranho.

Segurou o pé de Pamela entre as mãos e fechou os olhos, concentrando-se. Mapeou seu esqueleto mentalmente, sem pressa, revendo a posição de cada osso, músculo e nervo, e então viu a fratura.

Suas mãos começaram a se aquecer.

Que se faça a cura! , ordenou o Deus da Luz. Que todo o sofrimento seja cessado e seu bem-estar retorne , livrando-a da dor.

A intensidade do brilho entre as mãos de Apolo teria cegado Pamela caso estivesse ela consciente para testemunhar seu esplendor.

Porém, ela continuava desacordada. Dormiu durante o tempo todo em que Apolo reuniu seus vastos poderes para emendar seus ossos quebrados e pôr um fim à sua dor.

Muito mais tarde, quando ele terminou, enfim, levantou-se e foi para a pequena sala ao lado do quarto de dormir. Lá encontrou várias toalhas e um roupão branco e grosso.

Trouxe-os para junto de Pamela e hesitou. Ele poderia despi-la com facilidade, e ela não iria despertar. Estava certo disso.

O tecido molhado do vestido moldava o corpo esbelto, revelando as curvas suaves e os seios redondos. Ela era como uma terra exuberante aguardando por sua exploração...

Não . Sua mente se esquivou da ideia de ver o corpo nu sem seu consentimento ou conhecimento.

— Pamela? — chamou baixinho.

O chamado a fez despertar do transe induzido.

— Ahn?... — ela indagou, sentando-se e olhando ao redor. — O que aconteceu? Meu tornozelo... — Inclinou-se para a frente e depois parou, franzindo a testa. — Mas... ele estava péssimo, como se estivesse quebrado! Eu podia jurar que já estava inchado. Agora parece normal. — Num teste, flexionou e girou o pé em um movimento circular. — Está ótimo!

— Você só precisava descansar. Foi apenas uma entorse. — Apolo entregou-lhe uma toalha, e Pamela secou o rosto, distraída.

— Estou me sentindo uma idiota. Você me carregou até aqui, e debaixo de chuva.

— Eu sou médico. Apenas fiz meu trabalho.

Pamela o fitou. Febo estava ensopado, a camisa grudada aos músculos do peito como seda líquida, o cabelo se enrolando em gavinhas úmidas em torno da testa.

E aqueles olhos!... A letra da música de Faith Hill os descrevia com perfeição: impossíveis, irrefreáveis, inimagináveis, insondáveis.

— Pelo visto foi sorte minha tê-lo por perto. — Com um esforço, ela desviou o olhar do dele e, apanhando uma toalha, começou a secar o cabelo com mais entusiasmo do que o necessário.

Apolo a observou. Pamela estava molhada, desgrenhada; o cabelo, uma verdadeira bagunça. Tinha as roupas encharcadas e continuava apenas com um sapato, que agora manchava o edredon cor de marfim.

Sentiu o coração se apertar. Nunca se sentira tão atraído por uma mulher, mortal ou deusa, em toda a sua existência.

— É melhor eu ir embora — falou de súbito.

Pamela espiou através de uma dobra na toalha.

— Já? — Olhou para o relógio molhado que, por sorte, era à prova de água. Já passava das quatro da madrugada. — Nossa, eu não sabia que era tão tarde!... — comentou, lembrando a si mesma que Febo era um estranho e que, embora as chances de ele ser um estuprador ou um serial killer fossem mínimas — principalmente depois de ele tê-la “salvado” —, estavam sozinhos naquele quarto de hotel, no meio da noite. A situação tinha todos os ingredientes daqueles filmes baratos que nunca acabavam bem.

— Sim, já é tarde. — Ele não queria ir; por isso mesmo sua consciência lhe dizia o contrário.

— Sua irmã deve estar preocupada e se perguntando o que aconteceu com você.

Apolo empalideceu.

— Nem imagina o quanto.

Sua expressão fez Pamela sorrir.

— Ah, imagino, sim. Meu irmão costumava ficar andando de um lado para o outro e berrar comigo feito um alucinado por eu ficar fora até tarde e deixá-lo preocupado.

Ele torceu os lábios.

— Ela certamente vai querer saber o que me tomou tanto tempo.

Pamela inclinou a cabeça para o lado, num gesto que Apolo aprendera a gostar, pois já se tornara familiar.

— E o que vai dizer?

— Vou dizer que me atrasei por conta de um incidente. — Ele caminhou até ela e, com um movimento fluido, ajoelhou-se a seu lado, na cama, tocando-lhe o tornozelo com cuidado. Acariciou-o, então, deixando os dedos avançar um pouco mais, até a panturrilha, e sentiu, mais do que viu, Pamela respirar fundo. — Um delicioso e inesperado incidente...

Pamela engoliu em seco. Ela mal podia respirar quando Febo a fitava e tocava daquela maneira. Queria tanto pedir que ele não fosse embora, que passasse o restante da noite ali com ela!...

Sentiu o estômago se apertar. Não devia desejá-lo tanto, nem tão depressa. Afinal, Febo era um estranho. Um estranho lindo, sexy ... maravilhoso.

Apolo reconheceu as emoções desfilando, claras, em seu rosto. Era óbvio o que Pamela queria. Via o desejo em seus olhos. Poderia tê-la, poderia tomá-la nos braços e completar sua sedução. Era isso o que ele deveria fazer. Era o que Ártemis esperava e o que ele tinha planejado. Pamela não havia dito que desejava fazer amor ao expressar seu desejo em voz alta e completar a invocação, porém tal necessidade se encontrava patente em suas palavras. Ele a reconhecera, assim como Ártemis. Dessa forma, de modo a cumprir a invocação, ele precisava fazer amor com ela.

Mas e depois?

O súbito pensamento soprou em sua mente como uma inesperada tempestade de inverno. Talvez a invocação tivesse lançado algum tipo de feitiço sobre Pamela, e o desejo que ele via em seus olhos fosse apenas o resultado de uma poderosa magia das ninfas. Se isso fosse verdade, tão logo eles fizessem amor, o feitiço seria quebrado e ela não mais o desejaria. Deixaria de olhar para ele com aqueles olhos inteligentes, expressivos, que se tornavam da rica cor do mel quando ele despertava sua paixão terrena.

O pensamento o abalou a ponto de deixá-lo perdido e enjoado, e Apolo se pôs de pé.

— Preciso ir. Não... — Fez sinal para que Pamela continuasse na cama quando ela fez menção de se levantar. — Precisa poupar esse tornozelo. Durma com o pé elevado esta noite, e amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido.

Pamela sentiu o peito se apertar quando Febo virou-se para a porta. Ele havia dito que explicaria sua ausência para a irmã como um acidente. Estaria dizendo que o encontro deles fora isso?... Que, após aquela noite, não iriam se ver outra vez?

— Então, amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido com você, também?

Só percebeu que expressara seu pensamento em voz alta quando as palavras o detiveram. Febo se voltou, e seus brilhantes olhos azuis pareceram cintilar ainda mais. Ele levantou a mão que pouco tempo antes acariciara seu tornozelo e a exibiu para ela com a palma aberta.

— Amanhã eu ainda vou sentir sua pele contra a minha. Vou continuar com o seu gosto na boca. Amanhã o vento ainda vai trazer seu perfume até mim... Como eu poderia me esquecer?

— Então eu o verei de novo — ela concluiu, meio sem fôlego.

— Eu não ficaria longe de você nem mesmo se quisesse. E eu não quero. Estarei no nosso café outra vez, amanhã, na mesma hora em que nos encontramos esta noite. Até lá, minha doce Pamela, só vou pensar em você.

Quando Febo deixou a suíte, Pamela sentiu como se, de repente, o Sol tivesse caído do céu. Olhou para o relógio e começou a contar as horas até o momento em que o veria novamente.


Ártemis esperou no corredor escuro que se originava de uma discreta entrada de serviço do Caesars Palace. Aguardou ao lado da porta de um suposto armário que, na verdade, era o portal que conduzia a outro mundo.

Cruzou os braços e suspirou. Havia dito a Apolo que esperaria por ele no Olimpo, mas, conforme a noite minguara, fora ficando cada vez mais inquieta. Era tarde, já estava quase amanhecendo, e ela ainda sentia as amarras que a atrelavam à mortal.

Por que o Deus da Luz estava demorando tanto tempo para seduzi-la?

Um homem alto, vestido com roupas encharcadas, dobrou uma esquina e se aproximou dela. Sem pensar duas vezes, Ártemis levantou o dedo a fim de forçá-lo a fazer meia-volta e usar outra saída, mas o estranho a surpreendeu, caindo na risada.

— Seus truques não funcionam comigo, minha irmã — declarou Apolo.

Ártemis arregalou os olhos ao reconhecê-lo.

— Apolo? Pelas barbas de Zeus! O que aconteceu com você?

Ele deu de ombros e tirou a camisa molhada.

— Um acidente.

— Acidente!? Mas... e quanto aos seus planos de sedução?

— Vão bem, obrigado.

— Bem! — Ártemis quase gritou de frustração. — Como podem estar indo bem se eu ainda sinto o vínculo da invocação?

— Essas coisas levam tempo, Ártemis. Pamela não é uma cidade para ser dizimada, ou uma fortaleza a ser atacada e saqueada. É uma mortal que deseja romance.

— Sei muito bem disso. O que não entendo é por que ainda não a levou para a cama.

— Porque não é o que ela deseja verdadeiramente — respondeu Apolo.

Os olhos de Ártemis se estreitaram diante do tom estranho e contido na voz do irmão.

— Ter o Deus da Luz em sua cama não é o que ela deseja de verdade? Acho difícil de acreditar.

Apolo suspirou.

— O que diria se eu lhe dissesse que dormir com Pamela esta noite também não é o que eu desejo?

Diria que isso era mais fácil de compreender , pensou Ártemis. Ela havia imaginado que Apolo achara a mortal atraente, mas, pelo visto, ele mudara de ideia.

— Bem — ela recomeçou devagar —, isso tudo é culpa de Baco, portanto ele vai ter que dar um jeito nessa história. Talvez possa usar o mais potente de seus vinhos para induzi-la a um estado de desejo. Ele também é um deus, e suponho que já tenha seduzido mortais antes, por mais repulsivo que possa ser imaginá-lo envolvido em tal ato.

— Não! — a palavra pareceu explodir de Apolo. — Aquele infeliz não vai tocá-la!

Ártemis franziu as sobrancelhas finas, confusa.

— Apolo, seja claro! Em um momento diz que não deseja a mortal, e, no seguinte, está pronto a defendê-la de outro deus, como se fosse aquele tolo do Paris, e ela, sua Helena!

— Eu disse apenas que não queria ir para a cama com Pamela esta noite; não que eu não a deseje. A moça se feriu — ele deixou escapar quando a irmã o fitou em silêncio. — E, logicamente, eu a curei... Sem seu conhecimento — acrescentou depressa, antes que Ártemis falasse alguma coisa. — Levá-la para a cama em seguida seria abominável.

Os olhos penetrantes da deusa viram o desconforto velado no rosto de seu irmão. Apolo não estava sendo honesto. Não com ela e, talvez, nem mesmo consigo.

De qualquer forma, ela poderia afirmar, apenas pelo modo como ele cerrava o maxilar, que o deus não lhe revelaria mais nada.

— Amanhã?

Apolo assentiu com firmeza.

— Amanhã.

— Muito bem. Então vamos para o Olimpo. Creio que eu já esteja cansada do mundo mortal.

Apolo abriu a porta do armário e fez um sinal para que ela o precedesse através do portal brilhante, que cintilava com as cores de uma concha. Estava voltando para o mundo deles, contudo não tinha a menor intenção de se retirar para o Olimpo.

Assim, deu um boa-noite distraído para a irmã e se transportou para o único lugar em que, sabia, poderia encontrar ajuda.


Capítulo 11


Fora uma surpresa, tanto para Apolo como para o restante dos olímpicos, descobrir que a deusa que havia ganhado o coração supostamente frio de Hades não era uma deusa. Que Deméter trocara a alma de sua filha, Perséfone, pela de Carolina Francesca Santoro, uma mortal do mundo moderno. Deméter quisera domar sua despreocupada filha, e a troca lhe parecera uma excelente oportunidade para amadurecer Perséfone, assim como apresentara outro excelente benefício secundário: o de a empresária mortal, muito mais madura, trazer ao Submundo sua presença calma e feminina.

Já o senhor do Submundo cair de amores pela mortal disfarçada de deusa fora um desfecho inesperado.

Apesar de que, pensou Apolo, tão logo ele conhecera Carolina ou Lina, como Hades a chamava, não demorara muito a compreender por que o Deus do Submundo ficara tão apaixonado pela moça. Lina era sábia e dona de uma exuberância única que brilhava como um farol de dentro dela.

Apolo sorriu. Ele sempre se sentira atraído pela risada de Lina, e agora entendia por quê. Seu riso carregava o som de sua alma mortal na voz do corpo que ela habitara por algum tempo: o da deusa Perséfone. E, dentro dessa alma mortal, ele escutava o eco da alegria terrena de Pamela.

— Quer dizer que a mortal já o conduziu para o inferno...

— Carolina, não o perturbe. — Hades sorriu com carinho para sua alma gêmea.

— Está exibindo o seu lado sensível de novo, meu amor — provocou Lina no tom zombeteiro que apenas ela poderia usar com o Deus do Submundo.

Hades bufou.

— Não é que eu seja sensível. Simplesmente compreendo muito bem o caos que uma mortal moderna pode causar na vida de um deus...

Lina ignorou de propósito as palavras do marido e voltou a atenção para Apolo. O deus dourado tinha descartado a roupa molhada com que chegara e agora vestia uma das confortáveis vestes de seu marido. Ela e Hades, por sua vez, descansavam em seu cômodo particular e bebiam ambrosia.

Apolo os visitava com frequência desde que se tornara do conhecimento de todos que uma mortal se transformara na Rainha do Submundo; e os três haviam se tornado grandes amigos. O Deus da Luz devia estar relaxado e se sentindo em casa na companhia deles, mas, ao contrário, seus nervos pareciam estar à flor da pele. Ele não conseguia ficar sentado. Andava, inquieto, diante da imensa janela que dava para os belos jardins da parte de trás do palácio, sem prestar atenção à bela vista.

— Não sei com o que está tão preocupado. Pelo que nos disse, Pamela me parece muito interessada em você — concluiu Lina.

— É exatamente disso que não tenho certeza! É em mim que ela está interessada, ou se trata apenas desse maldito poder da invocação?

— Isso é fácil de descobrir — opinou Hades. — Basta fazer amor com Pamela. Se ela sumir da sua vista depois, era o feitiço que a atraía. Do contrário é você mesmo.

Apolo fez uma careta, sem saber por que estava tão pouco disposto a testar o carinho de Pamela. Não seria mesmo simples? Por que a ideia fazia seu estômago se contrair?

— É assustador, não é? — A voz suave de Lina interrompeu seu turbilhão interior. — Trata-se de algo que nós, mortais, conhecemos muito bem: o medo da rejeição. No entanto, para conhecer o amor verdadeiro, precisa estar disposto a se abrir para a possibilidade de ser magoado. Eu gostaria de ter uma solução menos difícil, mas não tenho.

— Então é sempre difícil assim.

Lina sorriu, compreensiva, diante da expressão sofrida do deus dourado.

Sentado a seu lado, Hades deslizou a mão para a dela e, por um momento, eles partilharam um olhar.

— Só é difícil assim quando gosta mesmo da pessoa — ela enfatizou.

O rosto de Apolo empalideceu.

— Posso me apaixonar por ela? — Ele articulou as palavras como se tivesse acabado de dar nome a uma nova praga.

Lina assentiu com um gesto de cabeça, tomando o cuidado de segurar a risada que ameaçava escapar. Pobre Apolo!... Ele estava tão arrasado!

— Receio que sim.

— Anime-se! — incitou Hades. — Amar uma mortal não é tão terrível assim.

— Que bom que disse isso — Lina emendou, travessa.

Hades apenas riu e a beijou no topo da cabeça.

— Ela não sabe quem eu sou — Apolo prosseguiu, tenso. — Pamela pensa que sou um médico e músico mortal. Talvez não seja o feitiço. Talvez ela possa se apaixonar por mim também... Mas isso não vai mudar quando ela descobrir que estou fingindo ser alguém que não sou?

— Não permita que ela fuja de você. — A voz de Hades tornou-se grave, e sua mão apertou a de Lina conforme ele se lembrava de como quase a tinha perdido por conta do próprio orgulho.

— Apolo, precisa ter certeza de que está mostrando a ela seu verdadeiro “eu” — aconselhou Lina, escolhendo cuidadosamente as palavras. — Essa é a parte mais difícil quando se ama alguém. Tem que se desnudar para que dê certo. Se conseguir fazer isso, de repente vai perceber que não é um deus, um médico ou um músico, mas apenas um homem apaixonado. E se ela corresponder ao seu amor, também vai se dar conta disso.

— E se não corresponder? — Apolo perguntou.

Lina respondeu com sinceridade:

— Se não corresponder, vai ficar magoado.

— Vale a pena arriscar — afirmou Hades, encontrando o olhar da amante. — A chance de se conhecer o verdadeiro amor vale qualquer coisa.

Em resposta, Lina lhe tocou o rosto em uma carícia suave.

Apolo observou o casal. Às vezes Lina e Hades pareciam se falar numa linguagem secreta. Eles se entendiam como se tivessem sido feitos um para o outro.

Por todos os deuses! , Hades havia mudado muito desde que Lina entrara em sua vida. Era como se amá-la tivesse descortinado um mundo novo para ele. Se uma vez o Deus da Escuridão fora ensimesmado e retraído, agora parecia em paz, até mesmo afável. Lina tinha transformado Hades em um ser mais completo.

E ele, Apolo, desejava aquela mesma completude.

— Vou dar um fim a essa história — proclamou, decidido. — Farei amor com Pamela. Se for apenas o feitiço o que a faz se sentir atraída por mim, preciso saber.

Apolo parecia disposto a aceitar o desafio, concluiu Lina.

Então seu rosto mudou mais uma vez, e ele passou a mão pela testa como se pudesse, com isso, afastar suas preocupações.

— Mas, se não é um feitiço, como faço para manter o afeto de Pamela? — Ele piscou, confuso, voltando-se para ela. — O que desejam as mortais modernas, afinal?

— Isso não é mistério nenhum, Apolo. — Lina sorriu. — Desejamos a mesma coisa que você deseja, o mesmo que Hades quer: alguém que nos ame como somos realmente, sem disfarces, sem fingimentos, sem nenhum tipo de jogo. — Ela se levantou e aproximou-se do deus dourado, colocando a mão em seu braço. — Consegue fazer isso, amigo? Não é como correr atrás de ninfas e deusas. Aliás, é bem menos encantador.

Apolo pensou sobre como o mundo tinha desaparecido quando Pamela relaxara em seus braços, e como a crescente confiança em seus olhos o fizera sentir-se mais divino do que todas as glórias do Olimpo. Em seguida, pensou no terror que experimentara ao vê-la desabar bem na frente das máquinas de metal. Se ele não tivesse usado seus poderes, Pamela teria sido esmagada, morta...

Passou a mão pela testa outra vez.

— Estou cansado de encantamentos. Acredito que prefiro o amor — falou baixinho.

— Boa escolha, querido. — Na ponta dos pés, Lina deu-lhe um rápido e fraterno beijo. — Ah... Creio que deva dizer a Pamela quem você é o mais breve possível. — Lançou um olhar de soslaio para Hades. — Acredite, é melhor partir logo para a verdade.

— Sim, sim, farei isso. — Distraído, Apolo não parecia ouvi-la. — Obrigado, meus amigos. — Ele lhe afagou a mão e, depois, se afastou dela, preparando-se para se transportar de volta a seu palácio olímpico. — Talvez eu devesse levar um presente para ela... — Suas palavras flutuaram através da câmara conforme seu corpo oscilou e, em seguida, desapareceu.

— Creio que o coração do Deus da Luz já será um bom presente — Lina murmurou, soltando um pesado suspiro.

Hades encolheu um ombro.

— Uma joia nunca foi má ideia.


Pamela acordou aos poucos. Esticou-se e, em seguida, abraçou o travesseiro, sonolenta, pensando que algo maravilhoso estava para acontecer naquele dia. Em meio ao estado de vigília e o sono, entretanto, não conseguia se lembrar muito bem do que era.

Sentia-se maravilhosa. Tinha o corpo descansado, mas, ainda assim, encontrava-se cheia de ansiedade.

Um facho de luz irrompeu por entre as cortinas de brocado que estavam quase cerradas, brincando em suas pálpebras e fazendo-a se lembrar de raios dourados de sol, de calor... e de olhos brilhantes, da cor da água-marinha.

Em seguida, ela recordou a noite anterior, beijos na chuva... Febo!

Seus olhos se abriram.

Merda! Como podia ter se esquecido? Iria encontrá-lo naquela noite, às oito horas.

Olhou para o relógio de cabeceira e sentou-se na cama. Era quase meio-dia! Ela, uma madrugadora, dormindo até a hora do almoço?...

Bem, também fora uma mulher que tinha evitado homens e romance por vários anos, e se lembrava bem de, na noite anterior, ter derretido nos braços de um estranho.

Abraçou os joelhos contra o peito, sentindo o coração bater de emoção. Não era nenhuma bruxa velha. Era jovem e estava viva! Aproveitara uma oportunidade e se dera bem. E que oportunidade!...

Um arrepio delicioso lhe percorreu o corpo conforme se lembrava de como se sentira quando Febo a envolvera nos braços. E aquela boca!... O beijo dele ficara gravado nela, desde seus lábios até os dedos dos pés.

E se ele era tão bom beijando, como não seria fazendo outras coisas?...

O telefone tocou, arrancando-a do sonho erótico.

— Olá, Ve — falou, sem olhar para o número de identificação no visor.

— Está sozinha? — Ve quis saber num calculado sussurro.

— Sim. — Pamela mordeu o lábio, e acrescentou: — Infelizmente.

— Oh-Oh . Olhe só como está a mulher!

— Ve, estou me sentindo viva outra vez! É como se eu houvesse me transformado em um deserto, e ele fosse uma chuva morna de primavera... E vou lhe dizer, estou pronta para me entregar. — Pamela suspirou, feliz.

— Está boba pelo homem.

— Completamente. Tem razão. Estou encantada, inebriada de paixão! E, caramba , como isso é bom!... Ah, deixe-me tirar isso da frente de uma vez. Preciso admitir em voz alta e sem qualquer pressão... Você estava certa — ela cantarolou, alegre.

— Espere, estou me beliscando... Sim, está doendo! Eu não estou sonhando! Claro que eu estava certa! E não está mais bêbada, está?

Pamela riu.

— Eu nunca estive assim, tão alcoolizada. Fiquei alegre apenas o suficiente para fazer o que me aconselhou. E, ah... foi maravilhoso!

— Detalhes sórdidos, por favor! Conte-me tudo.

— Fomos para as fontes do Bellagio. Primeiro eles tocaram uma música romântica de uma ópera que Febo...

— Febo? — Ve a interrompeu.

— É o nome dele. Ele é grego, romano, latino... sei lá. Sabia que Pamela significa “tudo o que é doce” na língua grega?

— Pammy, está perdendo o foco. Comece de novo. O nome dele é Febo e...?

— Ah, sim... Primeiro tocaram essa música de ópera. Ele sabia a letra e, Deus! , foi muito romântico. — Ela suspirou.

— Você já disse isso. Conte mais!

— Começou a chover e nós corremos para debaixo de uma árvore. Não vai acreditar nessa parte... Estávamos ali e... Ve, eu já disse como ele é lindo?

— Concentre-se, por favor!

— Desculpe. De qualquer forma, estávamos ali de pé e a fonte começou a jorrar de novo, com Faith Hill cantando This Kiss !

— Está brincando.

— É sério! E então aconteceu.

— Transaram ali mesmo, na rua?

— Não! Estávamos na calçada, e não transamos coisa nenhuma, apenas nos beijamos.

— Em seguida foram para o seu quarto e copularam como dois coelhinhos heterossexuais tarados?

— Não! — Pamela limpou a garganta e teve o desejo insano de sussurrar o restante da história. — Mas ele me carregou até o quarto.

— Quer dizer como Rhett e aquela gostosa da Scarlett?

— Exatamente assim. Só que eu torci o tornozelo, e estava chovendo.

— Caiu dos scarpins .

— O que prova como esse cara me tira do prumo porque, como você mesma sabe, eu poderia correr em uma pista de gelo com um salto sete! — afirmou Pamela, presunçosa.

— Ele bancou o cavaleiro numa armadura reluzente — um clichê, a propósito, que vocês, meninas hetero , adoram — e ainda não dormiu com o pobre trípode?

— Ainda não — Pamela concordou sem fôlego.

— Ainda? Entregue o restante da história!

— Temos um encontro esta noite. Tcharam!... — ela terminou com o floreio verbal.

— Não brinque...

— Brinco.

Ve, uma namoradeira contumaz, foi direto ao assunto:

— Está bem. Qual é o plano?

— Acho que poderíamos ir jantar — ponderou Pamela.

— Pammy, está em Las Vegas. Pode fazer melhor do que isso.

— Por favor, não me diga que temos que jogar primeiro...

O suspiro da outra moça foi longo e sofrido.

— Claro que não! Vegas é a Meca dos shows fabulosos. Vão assistir a algum, de preferência um bem sexy .

— É uma boa ideia, mas... Eu não deveria esperar para ver o que ele planejou?

— Pammy, sabe que eu sou sua amiga, então, por favor, não leve isso para o lado errado... Está disposta a entrar em outro relacionamento em que o homem sempre assume a liderança?

— Não! — a palavra saiu em um lampejo de raiva. — Não quero nada parecido com o que Duane e eu tivemos. Não sou mais aquela menina boba com quem ele se casou.

— Você não era boba, Pamela. Era apenas imatura e estava apaixonada. Cometeu um erro, e isso acontece com todo o mundo.

— Pois não vai acontecer comigo de novo — Pamela declarou com firmeza.

— O quê? Apaixonar-se ou ser imatura?

Pamela abriu a boca para dizer “as duas coisas”, mas depois se lembrou do azul suave dos olhos de Febo e do interesse e desejo com que ele a fitava. Também se recordou de outra coisa que tinha quase certeza de ter visto em seus olhos, em sua voz e na maneira como ele a tocara: uma busca familiar que chegara a seu coração, assim como à sua alma.

Almas gêmeas.

O pensamento pairou como o perfume das flores de primavera em sua mente.

— Eu não sou mais tão jovem — lembrou, contida. — Não há como eu me apaixonar em um fim de semana.

Vernelle riu.

— Continue a dizer isso para si mesma, Pammy.

Pamela franziu a testa.

— Preciso desligar. Tenho muito que fazer antes desta noite.

— Por exemplo...?

— Desenhar essa fonte horrorosa, de modo a ter algo para enviar aos Meninos das Fontes .

“Meninos das Fontes” era como Pamela e Ve chamavam os irmãos que possuíam um enorme atacado de fontes, o qual a Ruby Slipper usara diversas vezes para atender a pedidos contendo todos os tipos de aparato envolvendo água. — Estou aqui para trabalhar, lembra-se?

— Pensei que Faust tivesse dito para aproveitar o fim de semana e estudar o ambiente do Fórum.

— Isso não significa que eu possa ignorar o trabalho. O que me fez lembrar: vai se encontrar com a sra. Graham hoje?

— Sim, claro. A mulher dos gatos e eu temos uma reunião esta tarde. Vamos discutir a cor de suas janelas. Reze por mim.

Pamela riu.

— Vou ver se consigo encontrar uma vela para acender.

— Muito bem, já chega de falar sobre trabalho a ser feito. Devia estar à toa, não trabalhando.

— Verdade. Acho que já absorvi o suficiente desta breguice romana. Quanto antes eu começar este trabalho, mais cedo me livrarei dele.

— Fantasia e diversão, lembra-se?

— Vernelle, esta noite vou sair com um lindo estranho chamado Febo. Isso não é fantasia e diversão suficiente para você?

— Misture um pouco dessa sua arrogância com o trabalho, sem perder o senso de humor, e creio que terá a receita perfeita para ter sucesso tanto com E. D. Faust, como com Febo. Divirta-se com ambos, Pammy.

Diversão, Pamela repetiu em pensamento. Sua vida pessoal tinha definitivamente deixado de ser divertida. Era confortável, segura, mas divertida, feliz, alegre?... Não.

Seu trabalho também deixara de ser prazeroso? Ela gostava do que fazia e estava satisfeita. Mas qual fora a última vez em que havia sentido uma onda de alegria na conclusão de um projeto?... Não conseguia se lembrar.

O pensamento a fez sair do ar.

— Pammy? Ainda está aí? — Ve perguntou.

— Sim. Eu só estava pensando.

— Que tal reservar à fonte uma hora de seu tempo, depois chamar a concierge e pedir que ela providencie as entradas para um espetáculo?

— Ok, ok. Tem razão — ela anuiu.

— E amanhã eu quero um relatório completo!

— Você o terá.

— Ótimo. Bye-bye , passarinha — Ve brincou antes de desligar.

Pamela esfregou o sono dos olhos. Tomara ela tivesse algo para relatar no dia seguinte.

Antes que mudasse de ideia, discou nove para a recepção, e uma mulher de tom eficiente atendeu ao segundo toque.

— Sim, srta. Gray. Como posso ajudá-la?

— Eu gostaria de assistir a um show esta noite. — Pamela fez uma pausa e respirou fundo. — Um espetáculo erótico. Mas nada muito desagradável — completou depressa.

— Claro que não, senhora. Recomendo um show que está no hotel New York, New York. É da mesma empresa que produz o Cirque du Soleil . Já ouviu falar deles?

— Sim, eu assisti a um espetáculo do Cirque du Soleil quando eles foram a Denver.

— Excelente. Essa produção se chama Zumanity . É bem erótica, mas de muito bom gosto.

Eu mesma vi e gostei muito. Na verdade, as entradas devem estar esgotadas, mas o hotel tem acesso a alguns tickets extras.

— Perfeito. — Pamela suspirou, aliviada por tudo estar se encaixando tão facilmente.

— De quantos ingressos vai precisar?

O sorriso de Pamela telegrafou através da linha telefônica.

— De dois, por favor.


Capítulo 12


Pamela mudou o peso do corpo e sentou-se sobre os pés, concentrada em desenhar a fonte.

Ou melhor, a sua versão da fonte. Manteve a forma de trevo desta, porém diminuiu seu tamanho e ignorou as horríveis estátuas de Ártemis, Apolo e César, substituindo-as por lindas espirais que pareciam ondas, do meio das quais peixes jorravam água.

Olhou para a estátua gorducha no centro e suspirou. Não importava o quanto ela “consertasse” aquela coisa gimensa ; não havia como transformar Baco em algo aceitável. Muito menos com Eddie insistindo para que a escultura fosse animada.

Sentiu os dedos, que antes voavam sobre a página do bloco, diminuírem o ritmo. Desenhou um pedestal central, porém deixou o espaço onde o Deus do Vinho se sentava vazio. Decerto poderia convencer Eddie a aceitar algo menos... — franziu a testa para a estátua — ... menos gordo e hediondo.

Olhou para o relógio. Três e meia. Ainda tinha quatro horas e meia até o encontro.

Precisava pegar a câmera e tirar fotos das colunas, bem como fazer anotações sobre cores e texturas. Todo esse trabalho preliminar seria necessário na segunda-feira, quando ela se encontraria com Eddie na casa dele, enfim.

Deveria se concentrar na tarefa, contudo, sua mente insistia em vagar por coisas mais prazerosas. O dourado das colunas ornamentadas lembrava o brilho do cabelo de Febo. Agora que não que precisava mais se preocupar com o esboço da fonte, seus pensamentos, volta e meia, se concentravam nele. Mesmo o céu de mentira, com nuvens macias revolvendo, lembravam seus olhos.

Inferno , até aquela estátua cafona de Apolo se parecia com ele de alguma forma! Era como se Febo fosse uma daquelas luzes brilhantes que atraíam insetos, e ela, uma mariposa apaixonada!

Estava obcecada. Sabia disso. E mais do que decepcionada por perceber que, na verdade, não se importava com seu estado. Pelo contrário, sentia-se como quando lia um livro maravilhoso: como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa e desfrutando cada segundo.

Seu sorriso foi lento e muito, muito sensual. Talvez ela devesse mesmo jogar. Sentia-se, sem dúvida, com muita sorte.

Como se ecoando seus pensamentos, uma moça esbelta se aproximou da fonte, falando, excitada, com uma amiga.

— Acredita na nossa sorte? Meu Deus! Tropeçar na liquidação anual da Chanel !

Liquidação da Chanel ? Os ouvidos de Pamela se aguçaram.

— Pensei que eu fosse desmaiar quando vi o preço daquele vestido! — Carregando sacolas abarrotadas de compras, as duas mulheres passaram, rindo, por seu banco.

Pamela lançou à fonte um último olhar de desprezo e quase riu alto. Devia ser o destino... ou talvez um presente dos deuses. Ela iria comprar um novo e fabuloso vestido Chanel para usar naquela noite, iria a um show erótico com um pedaço de mau caminho , e podia até mesmo fazer sexo com ele depois!

Sentiu o estômago se apertar.

Esqueça isso, está se precipitando!

Respirou fundo.

Ora... Poderia, mesmo, ficar com Febo depois. Um bom amasso não estava fora de questão. Fechou o bloco e o guardou na pasta de couro.

Vermelho. Iria comprar um vestido vermelho que deixasse as pernas de fora. Podia até mesmo ir a uma pedicure.

Sim, iria fazer isso. Esmalte vermelho nos pés era uma necessidade numa situação daquelas.

Decidida, Pamela rumou para o paraíso da alta-costura, cantarolando baixinho.


Baco tamborilou os dedos na mesa do restaurante. As coisas não estavam indo como ele planejara.

— Traga-me outra tequila! — rosnou para uma garçonete que passava, arrependendo-se em seguida quando ela se encolheu sob o calor de sua ira e quase derrubou várias cadeiras na pressa para chegar ao balcão e fazer o pedido. Já era ruim o bastante que os jovens olímpicos o estivessem aborrecendo. Fazer que ele descarregasse sua irritação em pessoas inocentes de seu reino era inaceitável.

Afinal, aquele ainda era o seu reino.

A atendente voltou correndo para a mesa, trazendo a tequila.

— Sinto muito, eu devia ter prestado mais atenção ao senhor. Não foi minha intenção fazê-lo esperar tanto pelo seu drinque.

Baco sorriu e tocou a garçonete no braço, transmitindo-lhe uma dose de magia. No mesmo momento, o olhar aterrorizado da moça desapareceu, suas faces coraram e seus lábios se entreabriram, sedutores. Como ela podia tê-lo considerado um estranho assustador e obeso? A raiva do homem não era tão palpável, e ele não era assim, tão gordo. Era apenas grande, e ela gostava daquele tipo. De verdade.

Um estranho calor emanou dos dedos dele, fluindo por seu braço e percorrendo seu corpo. Sentiu os nervos formigarem e suas partes mais íntimas ficarem úmidas.

Fitou os olhos escuros e se inclinou para mais perto do homem, desejando que ele tirasse a mão de seu braço e a deslizasse para o meio de suas pernas...

Baco riu e acariciou a carne firme do braço da menina.

— Mais tarde, esta noite, irá à minha suíte. Apenas pense em mim, e seu desejo a levará ao quarto certo.

Apenas após ter a certeza de que seu comando fora plantado no subconsciente da moça, o deus rompeu o contato com sua pele.

A garçonete estremeceu com um intenso prazer.

— Sim! — gemeu, enlevada.

— Agora, caia fora. — Ele gesticulou, e um véu pareceu se erguer dos olhos dela.

A moça piscou e sorriu para ele, hesitante.

— Há mais alguma coisa em que eu possa servi-lo, senhor?

— Mais tarde, talvez.

Ela se afastou devagar, parecendo ainda meio atordoada.

Baco estudou com atenção as nádegas arredondadas, imaginando como seria senti-la sob ele naquela noite. Ela era deliciosa, jovem, tenra... e agora estava apaixonada. Afinal ele era um deus; podia facilmente ter certeza de sua adoração.

Mortais modernos precisavam adorá-lo. Ele estaria fazendo à jovem um favor ao adicionar a inebriante magia do vinho e da fertilidade à sua vida mundana.

No entanto, ele era o único deus que tinha o direito de usar seu poder em meio a eles. Las Vegas fora descoberta sua, portanto ELE NÃO PARTILHARIA SEU REINO! Muito menos com os gêmeos dourados. Ele sempre os desprezara por sua perfeição e sua displicente arrogância sobre tudo. Apolo e Ártemis não haviam se contentado em permanecer no Caesars Palace e em jogar ao lado dos mortais. Tinham encontrado o caminho para seu lugar predileto: a fonte do Fórum.

Sim , pensou Baco. Ele usara seu poder imortal por meio das ninfas com a intenção de chocar os gêmeos. Visara de propósito àquela mortal reprimida e a levara a beber o suficiente de seu vinho para dar sequência aos eventos que permitiriam a conclusão da invocação.

Conhecia o temperamento de Ártemis. Todos no Olimpo conheciam. E tinha certeza de que a diva iria fazer algo para impedir a evocação, principalmente quando ele usara sua caricatura de Deusa da Caça de um modo tão desrespeitoso. Agindo contra ele, aqueles dois deuses inferiores acabariam por trair a si mesmos no mundo moderno.

Que espetáculo inebriante não teria sido!

Claro que testemunhar a ira de Zeus também teria sido ótimo. Depois que as nuvens de tempestade houvessem se dissipado do Olimpo, ele, Baco, poderia ter deslizado pelo portal esquecido e, mais uma vez, ficado sozinho em sua magnífica Las Vegas para reinar sem restrições ou regras que limitassem seus desejos.

Mas nenhum dos gêmeos havia interrompido a invocação, e a mortal invocara Ártemis para cumprir seu desejo mais sincero de verdade.

E Apolo começara a cortejá-la! Ele os vira namorando pelo restante da noite. Tinha certeza de que o Deus da Luz não estava usando nenhum de seus poderes imortais para seduzir a mulher.

A raiva se avolumou dentro de Baco. Apolo nem precisava usar seus poderes e seduzir com magia. Era dono de um corpo musculoso e dourado que denotava uma beleza masculina muito acima dos padrões mortais. Não era justo que o Deus da Luz fosse tão bem-dotado!

Cerrou o maxilar. Persuadira o céu do deserto a enviar uma tempestade para arruinar o encontro daqueles dois, mas também não dera certo. Por isso cutucara a desavisada mortal, fazendo-a prender o salto na calçada. Ela devia ter ido parar no meio do tráfego, e o deus dourado ter traído sua presença na tentativa de salvá-la. Porém, Apolo conseguira frustrar o acidente que ele orquestrara sem que os mortais de Las Vegas percebessem que havia um poderoso imortal entre eles.

Aquele insuportável!

Mas ele não toleraria outro deus usurpando seu lugar.

Lembrou-se do beijo apaixonado que Apolo e a mortal tinham trocado, e da forma como este a carregara em meio à chuva, como se fosse um herói. A moça era o que mantinha o interesse do Deus da Luz em Las Vegas. Mas quem poderia adivinhar por quanto tempo ele ficaria brincando com a mortal? E se, depois que Apolo se cansasse dela, o deus descobrisse que adquirira um gosto especial pelas mulheres modernas?, questionou Baco. Afinal, ele mesmo desenvolvera tal gosto.

Engoliu um último trago da potente bebida. Não. Isso jamais aconteceria. Ele não iria suportar ver Apolo seduzindo suas mortais.

Mas como poderia se livrar do Deus da Luz? Não era tarefa fácil. Apolo, decerto, não iria trair a si próprio e se revelar uma divindade, atraindo a ira de Zeus. E nem ele nem sua irmã gêmea aparentavam estar com pressa de contar ao senhor dos deuses a respeito da invocação que ele, Baco, havia provocado. Infelizmente, era óbvio que, após ter dado início à sedução da mortal, Apolo parecia, de fato, estar se divertindo.

Baco apertou os dentes. Só podia culpar a si próprio por aquilo, portanto era problema seu descobrir uma maneira de neutralizar o gosto que o Deus da Luz adquirira por Las Vegas.

Queria gritar de raiva. Como Apolo podia não desfrutar Vegas? A cidade era um verdadeiro playground para os deuses, e o outro tinha o poder de dar vida à sua magia, assim como ele.

O desprezo desenhou um sorriso de escárnio no rosto do Deus do Vinho. Ele gostaria muito de ver o Deus da Luz sobreviver em Las Vegas sem seus poderes sobrenaturais. Apolo seria como uma criança perdida em uma floresta escura. Julgava-se superior a ele, Baco, mas não conhecia nada do mundo dos mortais modernos. Não possuía as mesmas reservas de dinheiro nem as suítes de luxo, muito menos o vasto conhecimento de como manipular os mortais a seu bel-prazer.

De repente, Baco endireitou-se sobre o assento que mal lhe comportava o corpo. Era isso! Se ele conseguisse um modo de fazer Apolo perder o fechamento do portal na noite seguinte, o grande Deus da Luz ficaria aprisionado no mundo mortal por um período de cinco dias, sem nenhum de seus formidáveis poderes. Ficaria fraco, desamparado... miserável. Quando o portal fosse reaberto, ficaria feliz em partir para o Olimpo e nunca mais voltar.

E seria apenas uma questão de tempo antes que a antipatia do Deus da Luz por Las Vegas se alastrasse pelo restante daqueles esnobes olímpicos.

Ele faria isso, decidiu Baco, sorrindo com horrível malícia. Apolo ficaria preso em Las Vegas sem nenhum poder.


Capítulo 13


— As roupas são mesmo muito estranhas, senhor, mas ainda o consideramos bastante atraente com elas — declarou a ninfa loira em uma voz melodiosa e sedutora.

O restante do grupo de divindades que se reunira em torno de Apolo após ele ter saído do closet murmurou sua concordância.

Apolo estudou o próprio reflexo no enorme espelho com moldura entalhada. Na noite anterior estivera tão distraído, após deixar Pamela, que havia se esquecido de recuperar as próprias roupas na loja de Armani.

Naquela manhã, seu encontro com Pamela fora a primeira coisa a lhe vir à cabeça e, por consequência, tinham surgido as dúvidas quanto ao que ele deveria usar e aonde poderiam ir. Seu traje moderno fora arruinado pela chuva, e Apolo se perguntou, ao inspecionar a camisa amarrotada, como os mortais daqueles tempos faziam para atender à constante necessidade de novas roupas.

Ao menos aquilo explicava a proliferação de lojas oferecendo todos os tipos de vestimenta. Devia-se perder muito tempo tentando se trajar devidamente no Reino de Las Vegas.

Ele era um deus, contudo. Não queria desperdiçar tempo adquirindo uma quantidade interminável de roupas. Por isso fizera o que muitos dos imortais faziam: enviara ninfas para comprá-las por ele.

Tirou um fiapo da manga da camisa creme que era do mesmo estilo da que ele estragara na chuva, mas que possuía linhas azuis quase imperceptíveis trabalhadas no tecido. As calças eram feitas de um linho de qualidade, num tom mais escuro do que a camisa.

Era sempre sábio evocar o auxílio de ninfas em se tratando de cores e estética. Os tons sutis que elas tinham escolhido pareciam os dos primeiros raios de sol mesclados com o azul e coral do amanhecer.

— Fizeram uma excelente escolha. — Sorriu para as ninfas, que sorriram de volta e se alvoroçaram em seu louvor.

A mais ousada do grupo, uma dríade de cabelos castanhos com quem ele se lembrava de ter tido um caso apaixonado vários séculos antes, chegou mais perto. Jogou os cabelos compridos até a cintura para trás, exibindo o corpo sob a túnica diáfana e quase inexistente.

Conforme os olhos de Apolo se voltaram naturalmente para os mamilos escuros, estes se contraíram em uma resposta instantânea.

— Por que não fica conosco, Deus da Luz? — ela ronronou, correndo as mãos pelo próprio corpo. — Podemos entretê-lo muito melhor do que qualquer mortal.

— Sim — concordou outra ninfa, aproximando-se. — E não vai precisar usar nenhuma roupa para o que estamos oferecendo...

As outras divindades riram, sedutoras, e se puseram a dançar de improviso em torno de seu deus favorito. Sorriam num claro convite, fascinando-o com sua estonteante beleza e sensualidade.

Apolo as observou, divertido e lisonjeado pela demonstração de carinho. Ele sempre fora muito querido pelas pequenas semideusas. Elas eram como flores lindas e eróticas que ele poderia colher sempre que quisesse, e cujo néctar podia apreciar a qualquer momento.

Mas, desta vez, não ficou tentado a provar dos seus encantos. Se as ninfas eram como flores, Pamela era como a Terra — fértil e sensual. E o que ele mais desejava no momento era mergulhar em sua exuberância.

— Talvez em outra hora, minhas queridas.

— Vão embora!... — Uma voz forte, a versão feminina da sua própria, veio da porta. — O Deus da Luz vai estar ocupado esta noite.

As ninfas desapareceram da sala, lançando olhares nervosos na direção de Ártemis.

— Não precisava ofendê-las — ralhou Apolo, passando os dedos pelo cabelo.

— Digamos que eu esteja um pouco aborrecida, e que tenha coisas mais importantes na cabeça do que esse seu afeto por ninfas... Por exemplo, estou me sentindo acorrentada a uma mortal de um modo que até Prometeu iria achar difícil suportar!

Apolo riu.

— Não pode ser tão ruim assim.

O rosto de sua irmã permaneceu tenso e sério.

— Sinto o peso da vontade e do desejo de Pamela, e ambos são consideráveis.

As palavras fizeram cessar o riso de Apolo.

— Aconteceu alguma coisa com Pamela? Ela está bem?

— A tolinha está ótima. Está apenas cheia de desejo e expectativa. Chega a ser opressivo.

— Pamela não é nenhuma tola — contestou Apolo após o enorme alívio que o inundou. Então ela estava segura. Não havia nada de errado com ela... além de um forte desejo por ele.

— Espero que esse sorriso ridículo no seu rosto seja porque vai levar a mortal para a cama esta noite e me livrará do fardo de sua invocação.

— É a minha intenção — ele concordou, e não se preocupou em parar de sorrir. Por tudo o que era sagrado, estava feliz!

— Fico muito contente em ouvir isso. — Ártemis lançou-lhe um olhar de enfado.

Apolo deu o braço à irmã enquanto caminhavam em direção ao Salão Nobre do Olimpo e ao portal para o Mundo Moderno.

— Eu já disse “obrigado” por me fazer visitar o Reino de Las Vegas com você?

— Eu nunca pretendi que isso tudo acontecesse — contrapôs Ártemis, porém teve que retribuir o sorriso do irmão. — Embora eu tenha pressentido que precisava de um pouco de diversão.

Apolo permaneceu em silêncio até ficarem frente a frente com o portal. Então fitou a deusa com uma expressão no olhar que Ártemis não conseguiu definir.

— Acredito que tenha me proporcionado muito mais do que uma simples diversão, irmã.

— Basta se certificar de que estarei livre em breve — ela proclamou, escondendo o leve mal-estar que o comportamento estranho de Apolo lhe despertava.

— Não se aflija, Ártemis — ele pediu, a voz e o corpo se desvanecendo conforme passava através do portal.

Ártemis o observou partir, a testa enrugada pela preocupação.

Suspirou, desgostosa. Teria que tomar conta de Apolo. Definitivamente, ele estava com a cabeça nas nuvens. Precisaria de um empurrão para fazer o que deveria ser feito. Balançou a cabeça e olhou para o portal. Às vezes ela não compreendia o irmão.


Pamela não o tinha visto ainda, e Apolo ficou à sombra da grande coluna de propósito, de modo a poder devorá-la com os olhos. Ela se encontrava sentada à mesma mesa em que estivera na noite anterior, tomando um gole de vinho da taça de cristal.

E estava magnífica. Seu vestido era de um tom rico de vermelho que combinava com o cabelo escuro e a pele clara. O modelo era simples e elegante: sem mangas e feito de um tecido leve que abraçava seu corpo como uma segunda pele, deixando parte da perna longa e sedutora exposta.

Ele sorriu e balançou a cabeça. Pamela calçava aqueles sapatos outra vez. Não o mesmo par da noite anterior, claro. Os que ela escolhera para se equilibrar naquela noite eram sandálias douradas que pareciam encarapitadas em adagas. Mal podia esperar para ver o que andar sobre elas faria para aquelas pernas e nádegas bem-feitas...

Sentiu as entranhas se revolverem e pesarem enquanto a observava. Tinha vontade de pegá-la e carregá-la para longe da multidão, direto para o quarto, onde poderia lhe mostrar o que era ser amada por um deus.

Deu meio passo em sua direção e então se deteve.

Não. Não queria apenas violá-la. Queria mais, e, para que pudesse ter mais, Pamela precisava conhecê-lo. Precisava saber quem ele era. Se ela fora enfeitiçada pelo ritual de invocação ou não, se tudo o que existia entre eles era sexo, sua relação com Pamela seguiria o rumo das que tivera com todas as suas outras amantes: eles iriam se separar tão logo seus corpos estivessem saciados.

Apolo pensou em Hades, em Lina e na alegria que eles haviam encontrado juntos. Queria ser feliz também, e nunca iria encontrar a felicidade se a luxúria fosse seu único objetivo.

Saiu das sombras em que estivera se escondendo, movendo-se na direção de sua futura amante com passos fortes e decididos. Percebeu o instante em que ela o viu. Seus olhos se arregalaram de leve, e sua boca deliciosa se curvou em um sorriso doce de boas-vindas.

O coração de Apolo disparou. O que Pamela o fazia sentir além daquela expectativa e desejo insanos? Nervosismo?... Aquela pequena mortal moderna conseguia deixar o Deus da Luz nervoso!

Conforme Febo chegou mais perto dela, Pamela sentiu uma onda de tensão e excitação. Estava mais do que feliz por ter comprado o vestido Chanel novo e, naquele momento, nem se importou mais que este não fosse da liquidação. Ao menos tinha certeza de que estava bem.

Agora, tudo com o que precisava se preocupar era em não abrir a boca e ficar gaguejando como uma idiota.

Os olhos dele pareciam ainda mais lindos do que ela se lembrava. Eram como os de Paul Newman multiplicados por cinco!

E, nossa , Febo era alto!... Tão deliciosamente alto.

— Boa noite, doce Pamela. — Apolo pegou sua mão e a levou aos lábios, fazendo que estes permanecessem em contato com a pele macia por mais tempo do que o necessário, porém não o suficiente para fazê-la sentir-se desconfortável.

Ficou satisfeito ao vê-la corar em resposta. Ele podia ser inexperiente em se apaixonar, mas o Deus da Luz não era inexperiente em seduzir.

— Está tão linda que alguém deveria pintar um retrato seu, ou então escrever um poema em homenagem a essa sua graciosidade.

— Obrigada... acho — ela agradeceu, tentando recuperar o equilíbrio. — Quero dizer, se “graciosidade” é um elogio.

— Claro que é. — Ele ainda segurava a mão dela.

— Obrigada. Agora para valer.

— De nada. — Relutante, Apolo soltou-lhe a mão e sentou-se a seu lado. — Não saiu dos meus pensamentos hoje, Pamela. — Deixou o olhar deslizar pelo rosto perfeito, depois pelo restante do corpo esbelto até as longas pernas que ela cruzara de lado, exibindo a pele perfeita. — Seu tornozelo deve estar recuperado se esta noite decidiu se equilibrar de novo nessas lâminas.

Ela sorriu e moveu o pé.

— Está perfeito. E não estou calçando “lâminas”. São meus sapatos novos, da última coleção Prada, que me custaram uma fortuna. Fiquei apaixonada por eles, então não tive escolha senão levá-los para casa comigo.

— Sapatos de sorte — ele replicou com voz rouca, antes de se curvar e lhe segurar o tornozelo. Passou o polegar por toda a sua extensão, enquanto sentia os ossos e tendões que havia curado na noite anterior, a fim de se certificar de que tudo estava bem.

Mas foi difícil para ele se concentrar na cura. O tornozelo de Pamela estava muito sensual no pequeno sapato, e ela pintara as unhas com um vermelho brilhante que combinava com o vestido, o que tornava os pés semidescalços indescritivelmente sexy .

Pamela sentiu o calor do toque viajar do tornozelo até as coxas, indo parar, inebriante, na boca do estômago, tal qual um uísque caro. Ficou desapontada quando Febo soltou seu pé.

Apolo fez sinal para que o servo lhe trouxesse uma taça de vinho antes de voltar a atenção para ela de novo.

— Já sabe o que fiz hoje: pensei em você. Agora me diga o que fez aqui, em Las Vegas, já que o tempo demorou a passar até que pudéssemos nos encontrar outra vez.

Maravilha , ela pensou. A conversa tinha começado bem. Eles precisavam conversar porque ela necessitava de tempo, e de jogar conversa fora, a fim de manter os hormônios sob controle.

Por favor, por favor, por favor!... Não me deixe falar nenhuma besteira!

— Primeiro fiz algo que quase nunca faço: dormi até tarde.

Ele levantou uma sobrancelha dourada, divertido.

— Sou, decididamente, uma madrugadora. Costumo levantar a tempo de beber uma xícara de café enquanto vejo o lindo nascer do sol no Colorado.

— Gosta do amanhecer?

— Adoro! — Ela sorriu, relaxando diante do assunto familiar. — Na verdade, o nascer do sol é um dos meus momentos favoritos.

A resposta veio do fundo da alma de Pamela e, de repente, Apolo desejou se abrir, dizer quem era e compartilhar seu mundo e sua vida com ela. Pamela adorava ver o sol nascer. Não era razoável supor que poderia adorar o Deus da Luz?...

Ele abriu a boca para lhe dizer seu verdadeiro nome, contudo seu lado mais racional freou o impulso. Não queria que ela o adorasse como a um deus. Queria que ela se apaixonasse por Febo, o homem dentro de Apolo.

Ainda assim, mal pôde mascarar o intenso desejo que lhe permeou a voz:

— O amanhecer também é muito importante para mim. Talvez, em breve, você e eu possamos ver o sol subindo no céu juntos...

Pamela corou e não soube o que dizer. Não pôde nem mesmo gaguejar.

Droga , aquilo era muito mais do que apenas estar sem prática em termos de namoro e paquera! Febo a deixava sem fôlego. Ela queria... queria...

Maldição dos infernos! Queria tantas coisas quando ele a fitava daquela maneira!

Mas também desejara tantas coisas quando conhecera Duane. Ele parecera deter a chave de sua felicidade e, no fim, a realidade mostrara que a única coisa que o ex-marido tinha nas mãos eram os cordames emocionais com os quais ele pretendia mantê-la sob controle, sufocar seu espírito e a transformá-la em algo que ela não era: seu ideal de uma mulher perfeita. E ela ainda podia sentir as feridas causadas pelos cordames daquele relacionamento sufocante.

Portanto o melhor era ir com calma. Precisava ir devagar com Febo. Ele parecia maravilhoso, porém sua intuição lhe gritava que as coisas quase nunca eram o que aparentavam. Divertir-se naquele fim de semana era uma coisa. Emaranhar-se nos fios de outro relacionamento era outra.

Apolo leu o conflito nos olhos expressivos de Pamela e, em seguida, percebeu o modo como ela se esquivou.

E isso doeu nele mais do que poderia imaginar.

Mas não pretendia desistir tão facilmente, e seu sorriso foi quente e aberto.

— Bem — falou, como se não houvesse tido seu convite ignorado —, agrada-me saber que ambos gostamos do nascer do sol. Mas você disse que dormiu demais, então perdeu o amanhecer hoje. O que mais aconteceu no seu dia?

Pamela encontrou seus olhos. Eles eram tão calorosos e tão azuis!... Faziam que se lembrasse do céu de verão sobre o mar Mediterrâneo.

Inferno! Estava fazendo de novo: deixando-se encantar pela boa aparência de Febo como uma m... de adolescente!

— Pamela?

— Ah, desculpe. — Ela tomou um gole do vinho. — Eu estava divagando. Às vezes me falta concentração. Não com o meu trabalho — emendou, apressada. — Nesse ponto sou bastante focada. Aliás, como nesta tarde... Comecei a esboçar a minha versão dessa fonte horrível. Imaginei que tivesse ficado lá por uns vinte minutos, mas, quando fiz uma pausa e olhei no relógio, duas horas tinham se passado! — Pamela parou de falar e estreitou os olhos. — Fiz isso de novo, não foi?

— Isso o quê?

— Perder o foco, trocar os assuntos... — ... Falar bobagem , completou em pensamento.

— Com certeza.

— Desculpe, Febo.

Apolo sorriu. Ele gostava do raciocínio brilhante de Pamela, das expressões que desfilavam por seu rosto, principalmente quando ela falava sobre trabalho. Pamela não agia com interesses escusos, tentando seduzir o Deus da Luz, nem se mostrava como uma donzela deslumbrada com seus poderes imortais. Ela era real. Suas reações eram genuínas e honestas... Um afrodisíaco que ele jamais poderia ter imaginado.

— Eu não me importo. Gosto de ouvi-la divagando.

— Nossa, que estranho. — Ela fez uma pausa, tentando ver se ele estava sendo sarcástico ou zombeteiro. — A maioria dos homens acha isso aborrecido.

— Verdade? — Ele balançou a cabeça. — Acho que eu já disse antes: muitas vezes os homens são uns tolos.

— E eu já concordei com você nesse ponto!

Sorriram um para o outro.

Num impulso, Pamela ergueu a taça.

— A um homem que não é bobo.

— Aí está um brinde ao qual tenho o prazer de me juntar. — Ele riu e tocou a taça com a dele. — Agora me fale sobre esse esboço que fez. É artista também? Ou é como entender de arquitetura, algo essencial para que desempenhe bem o seu trabalho?

A pergunta a agradou. Mostrava que Febo a tinha escutado no dia anterior. Assim como a agradou a atenção com que ele esperou pela resposta.

— Gosto de desenhar, e sou bem razoável com aquarelas; mas não sou boa o suficiente para ser considerada uma artista. Mas está certo... É como ter que compreender os rudimentos da arquitetura no meu trabalho. Também é importante que eu seja competente em artes a fim de que eu possa criar maquetes para carpinteiros ou estofadores, ou até mesmo para escultores, de modo que eles possam ter uma ideia concreta do que meus clientes querem.

Apolo levantou ambas as sobrancelhas devagar, e seu olhar se voltou para a horrorosa fonte no pátio à sua frente.

Pamela acompanhou seu olhar, deu um longo e dolorido suspiro e balançou a cabeça.

— É isso mesmo, você adivinhou. Esse cliente, em particular, quer uma reprodução dessa coisa no pátio de sua casa de veraneio.

— Tem certeza de que compreendeu bem o que ele quer? — Apolo fitou o monólito jorrando, os olhos se fixando na reprodução medonha dele mesmo.

— Infelizmente, sim. Na verdade, o que eu estava tentando fazer hoje era chegar a uma solução de mais bom gosto, porém ele insiste que eu mantenha Baco como o centro da estátua. — Pamela estremeceu. — Vou ter que descobrir uma forma de fazê-lo mudar de ideia. Pelo menos consegui me livrar dessas duas esculturas laterais terríveis.

Apolo lançou-lhe um breve olhar.

— Quer dizer as estátuas de César, Ártemis e... — Sua voz vacilou antes de seu próprio nome.

— Apolo — completou Pamela. — Aquele com a cabeça grande e a harpa é, supostamente, o Deus do Sol.

Ele teve o cuidado de manter a expressão neutra.

— Na verdade, Apolo é chamado mais de Deus da Luz, e o instrumento que carrega é uma lira, não uma harpa.

— Ah — disse Pamela, estudando a estátua. — Eu não sabia que existia essa diferença. Mas você é músico, não é?... Tudo o que sei é que a lira fica verde-néon quando aquela coisa horrível se movimenta.

— Sim. — Ele tentou não fazer uma careta. — Foi o que ouvi dizer.

— Eu não sabia que Apolo era chamado de Deus da Luz. Pensei que fosse apenas o Deus do Sol. — comentou Pamela, com os olhos ainda voltados para a estátua.

— Essa é a forma como os romanos insistiam em chamá-lo. Para os gregos, ele sempre será o seu Deus da Luz, da medicina, da música, da poesia e da verdade.

— Da verdade?

— Sim, a verdade era muito importante para Apolo. Ele era um dos poucos olímpicos que consideravam a dissimulação e o subterfúgio uma ofensa.

— Eu não fazia ideia. Pensei que todos os deuses mitológicos fossem impulsivos e interesseiros. Lembro-me de um dos meus professores de Inglês descrevendo-os como playboys e mulherengos.

Apolo pigarreou e se moveu na cadeira, pouco à vontade.

— Os deuses são... eram muito apaixonados; e a paixão pode, por vezes, levar a atitudes impulsivas e interesseiras. Além disso, deve se lembrar de que no Mundo Antigo era considerado um privilégio para uma mulher ser amada por um deus. Particularmente pelo Deus da Luz.

— Quer dizer que o fato de Apolo dizer a verdade não significava que ele fosse fiel.

Apolo franziu a testa e não soube o que dizer. Queria se defender, mas não tinha como.

Pamela estava certa. Ele sempre fora verdadeiro, mas nunca fiel. Nunca havia tido qualquer desejo de ser fiel.

— Por acaso mitologia é um dos seus hobbies ?

— Pode-se dizer que é mais uma paixão do que um hobby — ele corrigiu com um leve sorriso. — Entendo o suficiente sobre o assunto para lhe garantir que a lira do Deus da Luz não ficava verde quando ele a tocava, e sua cabeça não era tão grande.

Pamela sorriu.

— Fico feliz em ouvir isso. Não imagino como ele poderia ser mulherengo com essa aparência!

— Sabia que alguns textos antigos relatam que Apolo encontrou o amor? — ele falou depressa, antes que o bom-senso lhe chegasse à voz. — E que, depois, ele foi fiel à sua amada?

— Eu não fazia ideia. Quem era ela? Alguma deusa fabulosa?

— Não, ele encontrou sua companheira de alma em uma mortal.

— Uma mortal?... — Pamela bufou. — Acho que é por isso que chamam isso de mitologia. Não imagino que uma mortal seria estúpida o bastante para se arriscar a amar um deus.

Apolo sentiu o peito se apertar.

— Mas, pense bem: ela se arriscou e conquistou sua alma gêmea.

O sorriso de Pamela foi lento e doce.

— Você é mesmo um romântico.

— Sim! — ele concordou com mais ênfase do que pretendia e teve de parar e tomar fôlego a fim de controlar as próprias emoções. — Mas não fui sempre assim. Na verdade, tenho agido muito como Apolo: satisfazendo-me em encontrar o amor onde é conveniente ou agradável, para depois nem pensar mais nele. Entretanto, sinto que estou mudando. — Ele deu de ombros e baixou a voz. — Talvez por isso eu compreenda tão bem as histórias em torno do Deus da Luz.

Pamela estudou a taça de vinho em silêncio. Não sabia o que dizer. Sentia-se definitivamente atraída por Febo, e o que ele dizia tocava seu coração. Febo parecia tão aberto e honesto!... Mas estava com medo. Pensar em ter uma aventura de fim de semana a deixava nervosa e confusa. Pensar em começar um relacionamento a aterrorizava.

Olhou para o rosto bonito e viu que ele a fitava, atento. Respirou fundo, mas, em vez de lançar mão de alguma piada improvisada sobre românticos ex-playboys, ouviu a verdade brotando:

— Estou divorciada. Tive um casamento ruim. Não... apague isso. Tive um casamento terrível. E não namorei mais desde então. Está sendo honesto comigo, portanto preciso ser honesta com você. Apenas pensar na possibilidade de um novo relacionamento me assusta. Não creio que eu esteja pronta para qualquer coisa além de... — Ela hesitou, não querendo soar como uma vagabunda ou uma idiota.

— Precisa superar o que aconteceu — interveio Apolo diante de sua hesitação.

— Verdade — Pamela concordou, agradecida por ele ter colocado em palavras o que ela não conseguira dizer.

— E vai superar, doce Pamela.

— Obrigada pela compreensão — ela murmurou, apoiando a mão sobre a dele. — Eu sei que parece loucura, afinal eu só o conheço há dois dias... Mas há algo em você que me faz sentir como se compreendesse o que quero dizer.

— É verdade, doce Pamela. E não tem ideia de como é raro duas pessoas encontrarem essa conexão. — Ele tinha vivido eras, literalmente, sem aquele tipo de coisa.

Pamela passou o polegar pela mão morena e se perdeu no azul espetacular dos olhos de Febo.

— Acho que posso imaginar.

O nó que se formara no peito de Apolo de repente se soltou. Pamela não resistia à ideia de se entregar ao amor; ela havia sido magoada. Muito magoada. Precisava se curar, e aquilo era algo que Apolo, o Deus da Luz, poderia fazer por ela.

— Eu lhe trouxe algo esta noite. Acho que agora é o momento perfeito para presenteá-la com isto... — Enfiou a mão no bolso e tirou dele uma delicada corrente dourada. Ergueu-a, de modo a permitir que a luz ilumi nasse a pequena medalha emoldurada por um estreito círculo dourado que pendia do fio. Em uma das faces, via-se o forte perfil de um deus grego.

— Nossa, que linda!... — suspirou Pamela. A moeda era de ouro, porém não era uma medalha comum. Seu formato era irregular, como se o círculo houvesse sido forjado, o que a fazia parecer muito antiga. — Mas não posso aceitá-la. Deve ser caríssima.

— Posso lhe assegurar que não me custou nada. Eu a tenho há muito tempo. Por favor, eu ficaria muito feliz se ficasse com ela. Afinal de contas, estivemos conversando sobre o deus que está representado na medalha.

— Verdade? Este é Apolo? — Intrigada, Pamela se inclinou para segurar a peça de ouro nas mãos, e estudou o bonito perfil.

— Garanto que a semelhança com o deus é maior do que a da estátua da fonte — afirmou Apolo, irônico.

— Engraçado. — Pamela olhou da medalha para Febo. — Ele se parece com você. Quero dizer, não exatamente... Mas o perfil é semelhante.

— Isso sim é um elogio. — O sorriso dele se alargou. — Pelo menos enquanto não diz que eu me assemelho àquela estátua também. — Ele apontou com o queixo na direção do Apolo cabeçudo da fonte.

— Não! — Pamela riu. — Não se parece nem um pouco com essa estátua.

Ele riu, apreciando a ironia da situação.

— Se usar a medalha, pode pensar em Apolo como seu deus particular — incitou. — Apolo poderia ser seu talismã. Talvez o Deus da Luz a ajude a resolver os problemas que vem tendo com o pedido incomum do seu cliente.

Pamela olhou da moeda para Febo, pronta a dizer “não, obrigada”, mas hesitou. Era assim tão errado aceitar um presente de um homem bonito? Gostava dele, e ele gostava dela.

Verdade que ela não acreditava nem por um instante que aquilo não havia custado nada a Febo. Mas ele era médico, devia ter condições para comprá-lo.

O fato de eles terem acabado de falar sobre Apolo, o deus que supostamente se apaixonara por uma mortal, era uma coincidência interessante. Mas também era muito tolo e romântico de sua parte e...

— Obrigada, Febo. Eu aceito.

Antes que Pamela mudasse de ideia, Apolo se levantou e se postou atrás dela, de modo a prender a joia em torno de seu pescoço longo e esguio. Primeiro, porém, segurou o talismã na palma da mão e concentrou seus vastos poderes de imortal na pequena peça de ouro.

— Que isto possa lhe trazer tudo o que Apolo representa: luz e verdade, música e poesia, e, acima de tudo, a cura. — Em seguida, colocou a corrente dourada em seu pescoço.

— Lindas palavras. — Pamela o fitou, tocando a medalha. E pôde jurar que a sentiu se aquecer em contato com seu corpo.

Apolo sorriu e se inclinou para roçar os lábios nos dela. Não tinha a intenção de que o beijo fosse mais do que uma breve demonstração de afeto; contudo, Pamela entreabriu a boca sob a dele e uma de suas mãos subiu para tocá-lo no peito.

No mesmo momento, Apolo aprofundou o beijo. A boca de Pamela era doce e macia, e ele queria provar mais dela. Queria prová-la inteira. Queria...

Alguém limpou a garganta.

— Com licença?

A voz do garçom rompeu a onda de luxúria que o envolvera, e o deus praticamente rosnou para o infeliz servo, que recuou e se desculpou:

— Perdão, senhor. É que está meio lotado aqui, e eu estava tentando contornar a mesa.

— Encontre outro caminho, ora! — explodiu Apolo.

O servo balançou a cabeça e se retirou, apressado.

Quando ele se voltou para Pamela, seu rosto estava em chamas.

Ela o cobriu com ambas as mãos.

— Não acredito que estou namorando em público. Sou uma mulher adulta!

— Então vamos a algum lugar mais sossegado — ele murmurou, acariciando-a em uma das mãos.

Pamela abriu a boca e olhou para ele. Resmungou algo incompreensível, depois fechou a boca e olhou para o relógio.

— Maldição dos infernos! — exclamou, frustrada.

— O que foi?

— São quase nove horas. — Ela apanhou a bolsinha dourada e se levantou da mesa. — Ah, Deus... Eu me esqueci! Qual o caminho para a entrada do Caesars Palace?

Apolo apontou na direção correta, perguntando-se o que havia de errado com Pamela. Ela começou a caminhar, apressada, depois parou, respirou fundo e voltou para onde ele continuava parado. Correu a mão pelo cabelo curto, nervosa.

— Desculpe. É que foi tão estranho eu beijá-lo assim, na frente de todo o mundo!... — Ela corou de novo enquanto se lembrava de como tivera vontade de devorá-lo e corresponder à sua paixão. — Isso me assustou. Então, de repente, eu me lembrei de que consegui dois lugares em um show cujas entradas já estavam esgotadas, e que começa em... — Olhou para o relógio novamente — ... quinze minutos! Por isso saí correndo sozinha, feito uma idiota. — Que coisa mais sem sentido!, acrescentou para si mesma em silêncio.

— Um show? — perguntou Apolo.

— Sim, chama-se Zumanity . Ouvi dizer que é erótico... mas de muito bom gosto. — Pamela desviou o olhar, tímida. — É do mesmo pessoal que faz o Cirque du Soleil .

Quando voltou a fitá-lo nos olhos, estes sorriam.

— Um circo erótico do sol? Fascinante. — Apolo pegou a mão dela e a prendeu no braço. — É melhor nos apressarmos.


Capítulo 14


Apolo não conseguia acreditar que os artistas de Zumanity eram mortais. As mulheres se moviam com a graça e a sedução das ninfas. Os homens eram todos belos de corpo e de rosto.

E a música!... A música era etérea; o cenário perfeito para o desfile de sensualidade feito sobre o palco e acima deste.

Ele e Pamela haviam sido calmamente conduzidos a um balcão particular para se acomodarem em um luxuoso sofá estofado, que parecia uma chaise longue . O show já tivera início. No meio do palco arredondado via-se um vidro enorme, como se fosse uma taça de vinho cheia de água; dentro do vidro, duas jovens mulheres vestiam quase nada: apenas tangas da cor da pele. Ao ritmo da música sedutora, as moças executavam uma dança de sedução inocente, personificando o despertar da paixão e do desejo femininos.

Embora o deus dourado estivesse muito mais interessado na mulher a seu lado, seu corpo agitou-se em resposta. Ele olhou de soslaio para Pamela, avaliando sua reação, e viu que ela assistia a tudo com os olhos muito abertos e redondos. Quando a cena acabou, aplaudiu com entusiasmo.

Ao desviar o olhar do palco e perceber Apolo olhando para ela, as faces já coradas de Pamela ficaram ainda mais cor-de-rosa.

— Gostou das meninas? — ele indagou num sussurro, assim que o palco escureceu por algum tempo.

— Gostei. Quero dizer, não sou lésbica, mas elas eram muito bonitas — explicou Pamela meio ofegante, o riso saindo como um sensual ronronar. Precisava se lembrar de dizer a Ve que compreendia sua atração pelas mulheres enfim.

Apolo se inclinou para ela, atraído por sua inusitada reação ao espetáculo.

— Não há nada de errado em apreciar a beleza do corpo de uma mulher. Teria de ser de pedra para não se sentir abalada por aquelas duas.

Pamela estava prestes a sussurrar de volta que nem de longe era feita de pedra, quando os holofotes iluminaram o palco de novo e a plateia se calou. Desta vez, um homem absurdamente musculoso, de pele negra e aveludada, surgiu no cenário por meio de um alçapão, no chão. Ele também não usava quase nada. Movimentou-se ao ritmo da música conforme era cercado por uma mulher tão loira como ele era escuro, e que estava vestida com várias camadas de um tecido diáfano. Os dois se encontraram no centro do palco e começaram a executar uma versão erótica da cena do balé de Romeu e Julieta . O homem foi tirando camada por camada da veste da companheira, até que ambos ficaram vestidos apenas com minúsculos “fios-dentais”. Moviam-se com uma graça fluida e sensual, e uma paixão um pelo outro que Pamela não acreditava ser fictícia.

A cena terminou e, desta vez, ela encontrou o olhar de Febo no mesmo instante.

— Eles devem estar apaixonados de verdade. Ninguém pode atuar tão bem assim. Juro que consegui sentir a tensão sexual entre eles!

— Agora, quem é a pessoa mais romântica aqui?... — ele provocou, colocando o braço em torno dela e puxando-a para perto.

Pelo restante da apresentação, foi onde Pamela ficou: recostada no corpo de Febo. No meio do espetáculo, pousou a mão na coxa firme, sobre o tecido macio de suas calças, por meio da qual ela podia sentir o calor e a rigidez da perna musculosa. Os dedos dele traçaram um caminho preguiçoso na pele nua de seu braço, acariciando o recuo suave do lado de dentro do cotovelo e provocando-lhe arrepios por todo o corpo.

Zumanity era, de fato, uma aventura em termos de erotismo. Excitava e provocava, seduzia e sensibilizava.

Quando a mão de Febo traçou o caminho por seu braço até acariciar seu pescoço devagar, Pamela teve que morder o lábio para não gemer alto.

Uma ruiva alta e impressionante, que lembrava muito Nicole Kidman, deixou o palco após uma performance sensual de autoerotismo e, antes que os aplausos da plateia morressem, luzes focaram num pedaço comprido de seda vermelha que caiu do teto escurecido do teatro, como se um gigante desatento tivesse lançado um lenço a esmo da janela do quarto. Este se desenrolou, expondo uma mulher cujo cabelo dourado até a cintura cintilou sob os holofotes. Seus braços permaneceram habilmente torcidos no lenço, de modo que apenas a ponta de seus pés descalços tocou o palco com graça. Abaixo dela, o final do tecido se amontoava como vinho no tablado negro. Sua beleza era hipnotizante e, conforme o público a viu, o teatro se dissolveu em um murmúrio coletivo de admiração. Num primeiro momento ela pareceu estar nua, exceto por um brilho que lhe cobria o corpo, mas, conforme as luzes piscaram e mudaram, Pamela percebeu que a mulher vestia um collant da cor da pele, coberto com minúsculas pedras que brilhavam como diamantes. A música começou, e o lenço foi alçado para o alto junto com a diva dourada. Ela começou a se movimentar e girar numa dança sensual, o tempo todo pendurada sobre a plateia. Era de tirar o fôlego.

— Ela parece uma deusa! — Pamela cochichou para Febo.

— Verdade — Apolo murmurou de volta, contente por Pamela estar tão hipnotizada pelo desempenho da moça que nem sequer registrara o choque em seu rosto. Permaneceu sentado e imóvel, tentando manter uma máscara de apreciação diante do show que sua irmã, Ártemis, realizava. Ele a reconhecera de pronto. Sua performance inteira estava permeada pelo erotismo do Olimpo.

Agora compreendia por que os mortais modernos pareciam tão encantados pela presença da própria Deusa da Caça. Embora ela preferisse sua floresta e liberdade, os boatos que haviam proliferado por conta de sua maneira independente de ser eram falsos. Ártemis não era uma deusa virgem. Ela era, sempre que queria, uma fêmea extraordinariamente sedutora.

E o que pretendia naquela noite era óbvio. Queria ter a certeza de que ele cumpriria a invocação, por isso, com seu beijo imortal de poder, abençoara os atores mortais com generosidade. Seu fascínio fora, portanto, aumentado, assim como a tensão sexual em meio ao público.

Ele tinha que admitir: fora muito inteligente da parte de Ártemis. Irritante, mas inteligente.

De repente, o público soltou nova exclamação quando uma figura pequena e musculosa adentrou o palco correndo. Os olhos de Apolo se arregalaram de surpresa. Um sátiro! Embora seus cascos fendidos estivessem camuflados por botas e pela magia da deusa, e os pelos que lhe cobriam as pernas permanecessem invisíveis sob as calças de seda que usava, para ele, Apolo, sua identidade era óbvia. A cabeça loira da criatura quase não passava da cintura de Ártemis, porém seu peito e braços nus eram tão musculosos que, conforme ele acenava para a diva, era como se fosse um dos Titãs.

O sátiro movimentou os braços em torno do final do lenço escarlate, e ele também foi alçado ao ar. Acima do palco, começou uma erótica perseguição, que não aconteceu apenas sobre o tablado. Ambas as personagens oscilavam sobre o público que assistia, extasiado, enquanto a excêntrica criatura atraía e persuadia, acariciando e seduzindo, até que, por fim, a deusa se dignou a ser “capturada”, e os dois foram suavemente baixados para o palco.

Chocado, Apolo viu a irmã permitir que o ente da floresta a envolvesse nos braços. Em seguida, a Deusa da Caça se deixou derreter com o beijo do sátiro em uma exibição pública de sensualidade que, ele sabia, Ártemis jamais permitiria se eles estivessem no Olimpo.

Os dois insólitos imortais saíram, os braços ainda em torno um do outro, e o público permaneceu em silêncio, com os olhos ainda voltados para o ponto onde a deusa fora vista pela última vez.

Apolo foi o primeiro a quebrar o feitiço sedutor da irmã, mas seu aplauso foi logo acompanhado por gritos e mais aplausos.

As luzes se acenderam, mas, antes que a plateia começasse a se levantar, o elenco de atores liderado por Ártemis voltou ao palco. A Deusa da Caça se dirigiu ao público:

— Saudamo-vos, amantes e amigos. Espero que tenham gostado da nossa pequena homenagem ao amor. — Sua voz soou doce como mel, atraindo os mortais com sua doce torrente de palavras. — Antes de irem embora, eu gostaria de conhecer alguns de vocês... se não se importarem.

Um alerta soou no íntimo de Apolo, contudo um murmúrio de excitação percorreu a multidão atenta, como o vento soprando uma floresta. A deusa sorriu com inocência, como se se dirigisse a multidões de mortais modernos todos os dias. Então começou a falar com eles, perguntando seus nomes, escolhendo jovens e tímidos casais e recém-casados, espalhando a magia de sua voz sedutora por todo o teatro.

Apenas uma vez Ártemis olhou para o camarote onde Apolo se encontrava sentado com Pamela. Fixou o olhar no do irmão somente por um breve momento, porém foi o bastante para que ele vislumbrasse a diversão na profundidade de seus olhos azuis. Quase imperceptivelmente, ela fez um movimento com os dedos e Apolo sentiu o calor de sua magia cascateando sobre ele, penetrando em sua pele e fazendo seu corpo intumescer e pesar.

A reação de Pamela foi mais simples. Como se em transe, ela pousou a mão em sua coxa, inclinou-se mais em sua direção e o fitou nos olhos. Sua respiração se acelerou e seus lábios se entreabriram em um gemido que foi mais do que um convite.

Apolo praguejou baixinho, apertou os ombros delicados com o braço e tentou se concentrar no palco mais uma vez. Não podia beijá-la. Sob o feitiço da magia imortal de Ártemis, nenhum deles seria capaz de se deter.

Vai passar , lembrou a si mesmo e, com o pensamento, sentiu a força da magia da irmã diminuir. Fulminou Ártemis com o olhar, porém esta o ignorou por completo. No círculo de seu abraço, sentiu Pamela se arrepiar. Soube que o intenso feitiço havia começado a deixar sua pele também, e respirou, aliviado.

Não estava usando seus poderes para seduzir Pamela. Queria que sua reação a ele fosse genuína. As loucuras de Ártemis eram tão bem-vindas quanto sua magia... Nenhuma delas trazia amor; apenas luxúria. Um desejo passageiro, que podia ser facilmente saciado.

E ele queria mais.

— Nossa, olhe! — exclamou Pamela, apontando para o palco enquanto tentava normalizar a respiração. Devia estar mais carente do que imaginava, porque aquele show a estava deixando louca! Poucos minutos antes, quando Febo sorrira para ela, teria subido nele ali mesmo!... Sem dúvida Ve estava certa: ficar sem sexo por muito tempo fazia uma mulher perder a cabeça. — Aquele casal acabou de dizer que veio aqui comemorar seu quinquagésimo aniversário de casamento.

— Cinquenta anos! — a linda Ártemis repetiu, e a multidão aplaudiu, educada. Um dos atores correu para a deusa e sussurrou em seu ouvido. Ártemis sorriu, assentiu com um gesto de cabeça e se dirigiu ao casal outra vez.

— Vocês subiriam ao palco para encerrarmos o nosso espetáculo com uma dança especial em sua homenagem?

Apolo se inclinou para a frente, de modo a enxergar melhor o casal de idosos que se ergueu devagar. Ao som de aplausos encorajadores, eles subiram a escada para o palco. As luzes diminuíram e uma valsa suave começou a tocar.

No início, o casal se moveu, desajeitado, até assumir um ritmo mais fluido e familiar. De repente, o homem grisalho virou a esposa, segurando o vestido em estilo capa que ela usava, e o público prendeu a respiração, surpreso. A mulher girou e o traje se desenrolou até que ela ficou de pé no palco, usando apenas um collant de dança e uma saia rodada. Fez uma reverência para o teatro, tal qual uma graciosa bailarina, e, em seguida, ela e o marido retomaram a valsa, movendo-se, desta vez, com a graça de dançarinos profissionais. Sem esforço, o homem ergueu o corpo ainda vibrante da esposa para o ombro, virou-se, mergulhou e, com um floreio, ela girou em seus braços mais uma vez.

A dança terminou como os dois se beijando no meio do palco.

— E, assim, celebramos o amor! Em qualquer idade, de qualquer forma. O amor é mágico e traz consigo um toque de imortalidade. Vão com a minha bênção esta noite, amantes, e busquem o prazer aonde forem. Amem, riam e sejam felizes! — proclamou a deusa, e, em uma explosão de faíscas, todo o elenco desapareceu pelo alçapão no chão do palco.

Os aplausos continuaram por muito tempo, mas, quando nenhum dos artistas retornou para o bis, o teatro começou a se esvaziar. O público era formado quase exclusivamente por casais e, enquanto estes saíam, viam-se muitas mãos dadas, conversas íntimas e toques sutis.

Quando os outros casais sentados à volta deles no balcão começaram a deixá-lo, Pamela hesitou. Ela e Febo se encontravam em pé, ao lado dos assentos e, por um momento, ficaram sozinhos, como se tivessem descoberto uma gruta dentro do teatro escuro. Um pouco como na noite anterior , Pamela pensou. Quando eles tinham se beijado na chuva.

Olhou para ele, dominada pelo misto de luxúria e desejo que lhe corria pelo corpo em uníssono com o bater de seu coração. Nesse momento, soube que iriam fazer amor. Estava cansada de se contentar com pouco. Queria alegria e satisfação.

Por isso mesmo falou em uma torrente, como se as palavras tivessem sido obrigadas a romper uma parede de cautela e inibições:

— Estou me sentindo como se estivéssemos sozinhos no mundo. Às vezes, quando olho para você, vejo um mar de possibilidades...

— Então continue vendo — ele respondeu, rouco. — E, acredite: eu jamais faria nada para feri-la. Pense em mim como no seu talismã de Apolo... Eu também quero que supere tudo e fique inteira, de modo que possa amar e confiar de novo.

Febo tocou a medalha que ela usava em volta do pescoço e, mais uma vez, Pamela sentiu um estranho calor atravessar o metal e seguir direto para seu coração. Cansada de hesitar, deslizou as mãos pelo peito largo e colou o corpo ao dele.

— Faria uma coisa por mim?

— Qualquer coisa que estiver ao meu alcance — ele prometeu, solene.

— Você me levaria de volta ao meu quarto e faria amor comigo? — ela quis saber, meio sem fôlego.

— Seria uma grande honra, doce Pamela... — Apolo disse baixinho, inclinando-se para beijá-la nos lábios.


Capítulo 15


Envolvidos em uma nuvem de ansiedade, eles caminharam de volta à suíte. Falavam pouco, porém tocavam um ao outro constantemente. Apolo já estava se familiarizando com as curvas e linhas do corpo de Pamela, e parou muitas vezes a fim de puxá-la para uma sombra e beijá-la com uma ternura que nada fez para mascarar seu crescente desejo. Queria Pamela com uma intensidade que era como um fogo se avolumando dentro dele e, para seu profundo deleite, Pamela correspondia com paixão. Era tão bom tê-la pressionada contra o corpo, como se sempre tivesse estado ali!...

Conforme caminhavam, pensou no casal de idosos que havia encerrado a produção no teatro. Sem dúvida eram atores plantados no meio da multidão, mas isso não significava que eles não tinham sido amantes de verdade. Ainda se lembrava de como os olhos do homem irradiavam amor e orgulho enquanto ele conduzia sua companheira de uma vida naquela valsa especial.

Suspirou. Sabia que nunca iria envelhecer ao lado de Pamela, mas a queria a seu lado. E queria isso com uma intensidade que o encheu de propósito.

Eles ficariam juntos, prometeu a si mesmo.

Pamela deslizou o cartão-chave na porta e, após uma luz verde e um clique, entrou na suíte à frente dele.

Sua hesitação se foi, então. Ela sabia o que queria. Queria Febo. Queria esquecer os erros do passado; não se importar sobre o que poderia ou não acontecer no futuro.

Algo lhe acontecera naquela noite enquanto assistia à mágica sensualidade de Zumanity . Percebera que estava errada. Duane não matara o romance, a diversão, nem mesmo o sexo dentro ela. Apenas fizera aquele seu lado hibernar.

E agora que este despertara, ela se sentia esfaimada.

Quando Apolo fechou a porta, Pamela se virou e caiu em seus braços. Ele a beijou demoradamente, querendo saboreá-la por inteiro agora que se encontravam sozinhos.

Quando ela gemeu em sua boca, Apolo se inclinou, segurou-a pelas nádegas redondas e a ergueu, de modo a pressionar-lhe o centro de seu corpo contra a própria ereção. Inquieta, ela se moveu de encontro a ele e, com um suspiro, Apolo interrompeu o beijo, lutando por controle.

— Estou perdendo a cabeça de tanto desejo que sinto por você! — gemeu quando a língua e os lábios carnudos deixaram um rastro quente na lateral de seu pescoço.

— Ponha-me no chão e eu me livrarei destas roupas! — O hálito quente de Pamela soprou em sua pele.

Apolo quase a derrubou, e a risada dela foi profunda e rouca.

Travessa, Pamela recuou para longe dele e começou a andar para trás, na direção da cama, enquanto alcançava a parte de trás do vestido vermelho e descia o zíper. Encolheu um ombro, a roupa deslizou, livre, e ela saiu do pequeno monte carmesim agora em seus calcanhares.

Os olhos de Apolo devoraram o corpo esbelto. Pamela usava algo preto e rendado que quase não lhe cobria os seios, mas que os levantava e os fazia apontar, sedutores, em sua direção. Outra peça parecida, também de renda, mal ocultava o triângulo escuro entre suas pernas. As sandálias douradas, com duas pontas parecidas com punhais, deixavam suas pernas longas e nuas incrivelmente sensuais.

Enquanto Pamela levava as mãos às costas outra vez, a fim de desabotoar a lingerie , ele cobriu a distância que os separava e a beijou com paixão.

— Eu o quero nu contra mim — ela sussurrou em sua boca.

Respirando com dificuldade, Apolo interrompeu o beijo longo apenas o suficiente para arrancar a camisa sobre a cabeça. Enquanto se atrapalhava com o estranho fechamento das próprias calças, Pamela deslizou para a cama, observando-o com olhos cintilantes.

E ainda calçava aqueles sapatos sexy !...

Apolo conseguiu ficar nu, por fim, mas, antes que pudesse se juntar a ela na cama, Pamela se ergueu sobre um cotovelo e o deteve com a mão.

— Espere. Fique assim... Deixe-me olhar para você. — Seu olhar viajou dos olhos cor de safira para o restante do corpo másculo, então ela passou a língua sobre os lábios antes de falar outra vez. — Febo, é o homem mais lindo que já vi. Deus, olhe só essa pele!... Cobre seus músculos como ouro líquido. — Balançou a cabeça e deu uma risada, meio sem fôlego. — Você deveria ser pintado por artistas. Escultores deveriam esculpi-lo. Como pode ser de verdade?

Apolo sentou-se na cama, a seu lado.

— Eu sou de verdade, e o que está acontecendo entre nós é real. Minha aparência não é nem pouco incomum ou extraordinária para mim.

Ele fez uma pausa, pensativo. Fizera amor com inúmeras mulheres, deusas e mortais. Antes, contudo, sempre havia usado a magia do seu poder imortal para aumentar o próprio prazer durante o ato.

Daquela vez seria diferente. Pamela era diferente. Ele não quisera usar seus poderes para atraí-la ou seduzi-la, mas queria muito que ela sentisse a profundidade de sua paixão. Queria que ela o conhecesse de uma maneira que nenhuma outra mulher tinha conhecido.

Tocou-a enquanto continuava falando.

— O que está acontecendo aqui dentro é novo e maravilhoso para mim. E a única forma que conheço de compartilhar esse sentimento é amando você. — Ele acariciou-lhe o pescoço longo com delicadeza e deixou os dedos se mover por entre as mechas curtas de seu cabelo. Quando a tocou, permitiu que parte de seu poder imortal escapasse de seus dedos e a varresse por inteiro, fazendo-a estremecer sob o toque. — Deixe-me amá-la, doce Pamela. Deixe-me tornar isso real para você.

— Sim! — ela sussurrou a palavra em sua boca.

As mãos de Febo deslizaram pelo corpo macio conforme seus lábios se encontravam novamente.

A pele de Pamela vibrou sob seu toque. Nunca antes ela se sentira tão sensível. Era como se houvesse se tornado um conduto vivo para todas as sensações ardentes, intensas, enlouquecedoras e eróticas de que sentia falta havia tantos anos.

As mãos de Apolo desceram por sua perna até chegarem ao pé. Olhos azuis cintilaram para ela; em seguida, ele beijou o tornozelo que ela ferira na noite anterior.

— Eu queria ter feito isso ontem, você sabe — sua voz soou rouca de desejo.

— Devia ter feito — ela ofegou. — Eu queria que fizesse.

Febo desafivelou a tira dourada da sandália e a retirou. Beijou o arco delicado de seu pé, e uma onda de eletricidade subiu pela perna de Pamela, indo parar bem no fundo de seu âmago já úmido.

— Que bom que gosta — ele sussurrou, indo para o outro pé. — Esta noite quero que acredite que é uma deusa sendo amada por um deus.

Pamela gemeu e mordeu o lábio enquanto ele deslizava a boca do arco de seu pé para a panturrilha. Febo tinha que ser mesmo um músico , pensou, quando ele lhe acariciou o interior da coxa, e seus lábios encontraram o vale atrás de seu joelho. Apenas um músico podia ter mãos tão habilidosas. Seu toque era quente, e ela se sentia derreter sob suas carícias.

Quando os lábios de Febo seguiram o caminho que ele traçara com as mãos até o interior de sua coxa, Pamela arqueou o corpo para encontrá-lo, soltando uma exclamação de prazer ao sentir a língua quente mergulhando em seu âmago. Seu orgasmo foi tão rápido e explosivo que seu corpo inteiro estremeceu em resposta.

Em algum lugar em meio à névoa de paixão, Pamela reconheceu que aquilo nunca lhe acontecera antes... Nunca fora tão rápido ou tão intenso.

Ainda tonta, estendeu os braços e Febo se juntou a ela.

— Estou aqui, minha doce Pamela — murmurou.

Ela sentiu o coração batendo contra o peito. O ritmo irregular de sua pulsação se igualava ao dele. Abriu a boca e as línguas se encontraram, fazendo-a provar em Febo o gosto do próprio sexo: salgado e doce ao mesmo tempo.

Aprofundou o beijo e arqueou o corpo, de modo que seu calor úmido ficasse pressionado ao membro rijo, então deslizou a mão entre ambos a fim de guiá-lo para ela.

Mas não o fez.

Não ainda , pensou. Em vez disso, manteve-o lugar, esfregando a ponta ingurgitada nas próprias dobras aveludadas, enquanto o afagava com a mão.

Até Pamela começar a acariciá-lo, Apolo se encontrava em pleno controle de si mesmo. Deleitara-se com a maneira desinibida como ela reagira a seus avanços, e usara seu poder imortal com cuidado, a fim de aumentar sua sensibilidade. Fizera amor com ela com seu corpo e sua magia, e, quando ela chegara ao clímax, bebera o mel de seu êxtase.

Mas Pamela possuía sua própria magia; e a sedução de uma mulher intensificada por um desejo sincero, além da alma de um deus.

— Não posso esperar mais! — A voz dele saiu rouca de paixão.

— Febo!... — ela sussurrou seu nome e, enfim, o guiou para dentro dela. Em seguida, arqueou o corpo de forma a receber seus impulsos.

Apolo mergulhou nela repetidas vezes. Em seguida se levantou, de modo a fitá-la nos olhos.

Cure-se! , a alma do Deus da Luz falou à de Pamela. Acredite que pode amar outra vez!

Seus olhos capturaram os dela, e Pamela não pôde mais desviar o olhar. Fora consumida pelo toque de Febo, por seu cheiro e pelo calor do corpo sólido em seu âmago. Correspondia a ele em um nível mais profundo do que o físico. Febo a tocava não apenas com o corpo, mas também com a mente, o coração... Talvez até mesmo com a alma.

Quando seu orgasmo teve início, seu enlevo a carregou com ele. Pamela fechou os olhos contra a intensidade do prazer que a varreu, e um flash de luz dourada explodiu em suas pálpebras fechadas quando Febo gritou seu nome.


Ártemis congelou em meio a um gole do delicioso Martini que compartilhava com o sátiro, o qual tão bem a servira mais cedo, naquela noite. Assim como na lenda do nó Górdio, sentiu que os laços que a atavam à mortal se desfaziam.

Apolo tinha conseguido. O ritual fora concluído!

A deusa sorriu e respirou fundo, satisfeita por se encontrar livre das emoções de uma...

— Não — pronunciou a palavra por entre os dentes. — Não é possível!

— Há algo errado, senhora? — Os olhos do sátiro ficaram redondos com preocupação.

— Quieto! — ordenou Ártemis.

A criatura da floresta pareceu magoada, mas, de imediato, obedeceu à sua deusa.

Ártemis estreitou os olhos e se concentrou. Não! Ela jamais poderia imaginar! A pressão avassaladora que a prendia à mortal suavizara, mas, em seu lugar, restara um fio fino, quase insubstancial.

O que era aquilo? O que acontecera? Apolo devia ter feito amor com a mortal, o que devia ter posto um fim à invocação. A mortal pedira para ter mais romance em sua vida. Como fazer amor com o Deus da Luz podia não ter satisfeito o ideal de romance da mulher? Ainda mais depois de esta ter sido preparada para ele pela magia que ela mesma, Ártemis, usara durante aquela apresentação erótica no teatro?...

Ter escutado a conversa de Pamela com a concierge do hotel fora muito útil, e aderir ao show erótico fora uma ideia inspiradora.

Os lábios carnudos da Deusa da Caça se curvaram para cima. Existiam coisas no Mundo Moderno de que vinha gostando um bocado. Não fazia ideia do quanto seria divertido se fazer passar por uma adorada estrela de teatro. Precisava repetir a experiência em breve.

Ártemis se encolheu quando o fio que ainda a vinculava à mortal pareceu puxá-la. Era apenas uma leve pressão, como uma farpa minúscula na sola de sua chinela. A princípio, tratava-se apenas de um pequeno incômodo, mas, com o tempo, poderia causar muita irritação.

A deusa suspirou, frustrada. Não havia nada que pudesse fazer a respeito, no momento. Não poderia ir atrás do irmão, interromper seu encontro amoroso e exigir saber por que sua performance parecia ter deixado a desejar. Isso não ajudaria em nada.

Girou a haste fina e fria da taça de Martini entre os dedos. Ainda era cedo. Talvez, pela manhã, Apolo tivesse conseguido satisfazer os desejos românticos daquela ridícula mortal. Até então era inútil ficar elucubrando sobre o assunto. Ela precisava mais era de uma distração.

Olhou com malícia para o jovem sátiro que continuava sentado a seu lado. Ele era uma criatura interessante...

— Querido? — ronronou, e as orelhas do ser literalmente se levantaram em sua direção. — Lembra-se de como foi emocionante quando me perseguiu pelo ar esta noite?

— Claro que me lembro, minha deusa — a voz dele soou ansiosa. — Uma eternidade pode passar, e eu jamais me esquecerei.

— Ainda não estou com vontade de voltar para o Olimpo. Pague por nossas bebidas, assim poderemos voltar para aquele lindo teatro. Precisa praticar melhor a sua cena de perseguição e, desta vez, quem sabe seja mais bem recompensado quando me capturar por fim?... — Ela correu um dedo pelo braço musculoso, e os olhos do semideus se dilataram como os de um corço em resposta.

— Eu vivo para atender às suas necessidades, minha deusa.

— É com isso o que estou contando — Ártemis murmurou para si mesma, enquanto o sátiro corria para pagar o servo.


Capítulo 16


Ah, maldição dos infernos! Ela havia se esquecido de usar um preservativo! E não apenas na primeira vez. Na segunda e na terceira também!

Pamela revirou os olhos. Que i-di-o-ta!... Como podia ter se esquecido? Principalmente depois de ter encarado a vergonha que ameaçara sufocá-la ao comprar uma caixa nova da marca Trojan na loja de souvenirs do hotel, após a pedicure.

E graças a Deus fora à pedicure. Febo a beijara, acariciara e até mesmo lhe sugara os dedos dos pés!

Só de pensar nisso ficava vermelha e com os joelhos fracos outra vez.

Concentre-se!, seu guia interno a repreendeu. Não usar preservativos nada tinha a ver com dedos dos pés.

Ou tinha?

Um movimento à direita chamou sua atenção. Pamela virou a cabeça e olhou para Febo. Ele era tão lindo!... Quando não estava olhando para ele, podia até pensar em Febo como apenas um sujeito de boa aparência. Mas bastava vê-lo para perceber que não existia nada comum nele. Nada mesmo.

Ainda sentia o corpo vibrar com seu toque. Devia estar dolorida, cansada e, na certa, lutando contra uma infecção do trato urinário depois de tanto sexo!... Em vez disso, sentia-se maravilhosa. Preguiçosa, letárgica e muito, muito satisfeita.

Mas se esquecera de usar uma proteção.

— Sinto que está franzindo a testa — declarou Febo sem abrir os olhos.

— Impossível! — ela exclamou, forçando um sorriso. — Até porque não estou franzindo a testa.

— Agora não mais — ele concordou ainda de olhos fechados. Então os abriu e virou a cabeça loira, de modo a encará-la com um sorriso terno. — Bom dia, minha doce Pamela.

— Eu me esqueci de usar um preservativo na noite passada. — Ela corou. — E também nesta manhã.

Apolo franziu o cenho.

— Preservativo? — ele repetiu a palavra desconhecida.

— Sim — ela aquiesceu, o rosto ficando mais quente a cada instante. Agarrou o lençol, que havia se soltado completamente do colchão graças à sua aeróbica da noite anterior, enrolou em torno do corpo nu e se retirou para o banheiro.

— Você sabe, preservativo, preventivo, camisa de Vênus... — falou por cima do ombro. — Não estou tomando pílula nem nada. Você é o médico. Eu não devia ter de explicar como seria fácil para eu ficar grávida.

Uma camisa de Vênus era algo que impedia uma mortal de ficar grávida? , perguntou-se Apolo. Muito interessante. Mesmo assim, duvidava de que esta pudesse impedir um deus de engravidar uma mortal, caso este decidisse ter um filho com Pamela...

De qualquer modo, isso não tinha acontecido.

Apolo se espreguiçou e sorriu. Até gostava da ideia. Mas não até que Pamela soubesse quem ele era, e concordasse em passar a vida a seu lado.

— Não pode ter engravidado neste nosso encontro, Pamela.

Ela pôs a cabeça para fora do banheiro, segurando a escova de dentes.

— Por acaso fez vasectomia?

Apolo não fazia ideia do que ela estava falando, mas Pamela pareceu aliviada, então ele balançou a cabeça e sorriu.

— Ah, bom. Maravilha. — Ela desapareceu por um momento, depois ressurgiu ainda com a escova na mão. — Mas e quanto a... ahn... — Hesitou, sentindo-se ridícula. Tivera mais intimidades com aquele homem do que com qualquer pessoa — incluindo seu “ex” — e perguntar sobre DST a fazia gaguejar? Além do mais, Febo era médico, pelo amor de Deus!... — Mas e quanto a doenças sexualmente transmissíveis? — Tentou outra vez.

Apolo reuniu as sobrancelhas douradas.

— Não tenho nenhuma doença.

— Ah, sim, claro. Que bom. Nem eu!... Que bom — ela repetiu pela terceira vez, sentindo-se como uma completa idiota.

Voltou para o banheiro, ligou o chuveiro e fechou a porta.

Apolo a escutou se ocupando no outro cômodo e precisou fazer um grande esforço para não se juntar a ela. Tinha vontade de arrancar aquele lençol e erguê-la sobre o balcão da pia, depois mergulhar nela enquanto fitava aqueles olhos cor de mel, até que, uma vez mais, pudesse ver o reflexo da própria alma em suas profundezas.

Sentiu o corpo reagir e se tornar pesado e rijo apenas de pensar em Pamela.

Mas teriam todo o tempo do mundo para fazer amor nos muitos anos em que ficariam juntos.

Fechou os olhos e deu um longo suspiro de alívio. Não fora o ritual de invocação o que fizera Pamela desejá-lo. Se fosse esse o caso, seu desejo por ele teria diminuído após sua primeira vez, o que, definitivamente, não havia acontecido. Na verdade, a paixão de Pamela parecia aumentar a cada vez que se amavam. Ela dormira em seus braços, os dedos entrelaçados aos seus. Mesmo durante o sono se aninhara mais junto a ele.

E ele adorava isso nela. Era outra coisa que o surpreendera. Ele nunca tinha trocado carícias e ficado abraçado com uma amante antes. Se fizera isso, fora apenas como um incentivo para dar início a uma nova rodada de sexo.

Sentia-se tão diferente com Pamela!... Na verdade, ele a queria por perto mesmo quando não estavam fazendo amor.

Agora compreendia por que Hades e Lina muitas vezes se sentavam perto o suficiente um do outro para que seus corpos roçassem, e por que seus dedos se tocavam durante as tarefas mais simples e banais, como passar uma taça ou um prato de frutas. Eles também queriam aquela conexão.

Não, Apolo corrigiu a si mesmo. Eles ansiavam por aquela conexão. Assim como ele ansiava por Pamela.

Ela saiu do banheiro com o lençol ainda enrolado no corpo, o rosto recém-lavado e o cabelo úmido.

— O que vamos fazer hoje? — ele quis saber, estendendo-lhe a mão.

Pamela a aceitou e se aconchegou em seu peito. Que prazer incrível palavras tão simples podiam proporcionar! Febo queria saber o que “eles” fariam naquele dia.

— Bem, já que perdemos o café da manhã... — ela olhou para o relógio digital cujos números vermelhos exibiam “2:05 p.m.” — ... e o almoço, creio que comer precisa entrar nos nossos planos. — Beijou a linha forte do queixo de Febo, perguntando-se por que não sentia nos lábios nenhuma barba incipiente. — E eu odeio dizer, mas preciso trabalhar um pouco para ter o que apresentar na reunião de amanhã com o meu cliente.

Apolo tocou o cabelo úmido que lhe adornava a cabeça em adoráveis e confusas mechas.

— Que tipo de trabalho?

— Eddie quer uma piscina construída com base na do hotel e eu, claro, nem conheci a piscina do Caesars Palace ainda! Preciso ir até lá vê-la e, talvez, fazer alguns esboços para ter alguma ideia preliminar do que fazer para Eddie. — Pamela franziu a testa. — Já li por alto algumas anotações que ele fez, mas elas eram muito confusas. Eddie quer uma piscina externa, porém coberta, “como um genuíno banho romano no nível inferior”. Só espero que menos autêntica do que aquela maldita fonte.

— Talvez eu possa ajudar. Tenho alguma noção do que seja um autêntico banho romano.

— Eu me esqueço de que sabe tudo sobre essas coisas antigas de mitologia! É um sujeito bem útil para se ter por perto, não? — ela falou brincando e se inclinando para ele.

— Você não faz ideia... — Apolo sorriu e a beijou.


— Gimensa ? — Apolo perguntou, balançando a cabeça.

— Imorme! — elaborou Pamela. — Como, maldição dos infernos, vou poder reproduzir isto em um pátio?!

— Depende do tamanho do terreno do seu cliente.

Ela soltou um gemido.

— Tem razão — admitiu Apolo, sem tirar os olhos da vasta extensão de água, mármore e fontes que se estendia à sua frente. — Este... — Parou, sem saber que palavra usar.

— Lago artificial? — arriscou Pamela.

Apolo tentou esconder o sorriso perante o tom horrorizado de Pamela.

— Sim, “lago artificial” o descreve razoavelmente bem. Este “lago artificial” pareceria portentoso demais até mesmo no Monte Olimpo.

— Ha! Aposto que os deuses teriam mais bom gosto.

O Deus da Luz pensou no palácio rosa e dourado de Afrodite, com a fonte que vertia ambrosia rosada em vez de água.

— ... Talvez — murmurou.

Pamela continuava de queixo caído com os seus arredores.

— Ao menos agora eu sei o que Eddie quis dizer com aquelas anotações. Ele quer uma piscina externa, mas com uma cobertura como esta. — Apontou para o centro da piscina colossal: uma plataforma de mármore circular gigantesca se erguendo a vários centímetros acima da água. Colunas de mármore, com pelo menos quinze metros de altura, apoiavam uma cúpula de cobre, a qual fazia sombra aos muitos banhistas que nadavam — e, em seguida, descansavam sob esta —, bem como para a estátua em tamanho maior do que o natural de César. — O problema é que, nas anotações, Eddie diz que quer toda a piscina coberta pela cúpula. E quer que os tronos sejam copiados na íntegra também. Imagino que seja aquilo... — Pamela apontou com um gesto de cabeça na direção da estação de salva-vidas não muito distante de onde eles se encontravam. Era de mármore e fora construída na forma de um grande trono flanqueado por dois leões alados.

— Será que ele vai querer os cavalos-marinhos também? — Apolo perguntou, divertindo-se com toda a situação.

Pamela olhou de soslaio para as enormes estátuas de mármore, cujas metades traseiras se transformavam em caudas de sereia.

— Ah, Deus! Espero que não. — Passou a mão pelo cabelo. — Isto tudo, somado àquela fonte, vai acabar comigo. É horrível. Brega demais! Esse tipo de coisa chega a gritar: “Tenho rios de dinheiro, mas gosto nenhum!”...

— Sem dizer que não tem nada a ver com um genuíno banho romano — afirmou Apolo, estudando os leões alados, montados sobre os pilares retangulares que ladeavam a piscina menor e destinada às crianças, um pouco mais além.

Pamela estremeceu.

— Espero que não. Qualquer lugar que governasse o mundo por tanto tempo como Roma faria algo melhor do que isto.

— A diferença não se dá apenas na decoração. Os antigos banhos romanos não eram piscinas como esta. Eram uma série de salas aquecidas, construídas uma atrás da outra, a começar por uma área onde os banhistas eram massageados com óleos. Os cômodos iam ficando mais quentes e, muitas vezes, ficavam cheios de vapores calmantes. — Apolo sorriu para ela. — Eles não continham essas piscinas enormes. Eram construídos em torno de pequenas fontes, as quais os banhistas usavam para se refrescar. Claro que esses cômodos acabavam em piscinas. Geralmente uma era aquecida e a outra, mantida fria e refrescante.

A expressão de Pamela mudou de horrorizada para esperançosa.

— Acha que poderia me descrever os banhos romanos bem o bastante para eu fazer alguns esboços? Eu teria de incorporar algumas destas coisas, claro — ela apontou o ambiente a esmo —, mas talvez eu possa amenizá-las e torná-las mais autênticas a fim de vender a ideia para Eddie. Ele já disse que quer uma piscina coberta. Posso projetar uma série de belas salas, cada uma com algum componente aquático, e tudo em torno de uma piscina com um pouco menos de pompa.

— É uma ideia interessante — concordou Apolo.

— Ótimo! Vamos começar. — Ela marchou para uma das linhas menos ocupadas de espreguiçadeiras brancas, então parou.

— Comida — lembrou. — Preciso comer para conseguir trabalhar. — Deslizou o olhar para uma construção de mármore na frente da qual havia uma pequena fileira de pessoas. Leu as letras românicas douradas e revirou os olhos.

Desta vez, Apolo não tentou disfarçar seu divertimento. Pendeu a cabeça para trás e caiu na gargalhada.

Pamela fez uma careta para ele, em seguida rumou em direção ao prédio.

— Snackus Maximus não é assim, tão engraçado!... — resmungou por cima do ombro.

Apolo fechou os olhos e inalou o ar aquecido pelo sol do deserto que acariciava sua pele e o enchia de poder e contentamento. Sentia-se indescritivelmente bem. E o som suave do inquieto lápis de carvão de Pamela era um fundo perfeito para seus pensamentos.

Ele e sua doce Pamela se davam muito bem. O raciocínio rápido de Pamela e aquele seu sorriso travesso tinham transformado a tarde que passara trabalhando a seu lado numa maravilhosa e agradável experiência. Pamela brincava o tempo todo com ele e provocava-o nas menores coisas: como seu cabelo ficara encaracolado após um dos mergulhos na piscina, diante de sua surpreendente obsessão por um delicioso lanche salgado chamado batatas fritas (das quais ele pedira três porções)...

Mulheres não zombavam do Deus da Luz. Pamela, sim. E, quando ele a fazia rir, seus olhos brilhantes o faziam se sentir mais do que divino.

Apolo logo descobriu que ela era muito mais talentosa como artista do que imaginava. Podia até vislumbrar seu futuro juntos. Pamela nunca mais teria que trabalhar para ricos inconvenientes como aquele escritor que, sem dúvida, se considerava um deus mortal.

Talvez ele construísse para ela uma enorme galeria em seu templo, em Delfos. Pamela poderia passar os dias desenhando as maravilhas do Olimpo... e as noites dividindo a cama com ele.

O amor era muito mais fácil do que ele imaginava. Mal podia se lembrar do que o perturbava tanto ao correr em busca dos conselhos de Lina e Hades. Por que estivera tão preocupado? Ele encontrara sua alma gêmea e, agora, tudo o que tinha a fazer era adorá-la.

E amar Pamela era uma delícia. Verdade que ele ainda precisava revelar a ela sua verdadeira identidade, mas aquilo não era apenas um detalhe? Ela já o conhecera bem, e ele era o homem que a amava.

E algo lhe dizia que Pamela sentiria um enorme prazer em descobrir que ganhara o amor de um imortal.

Seus lábios se curvaram, e sua mente derivou, preguiçosa. A vida era boa.

— Não fica com medo de se queimar demais? — Pamela o fitou por cima da lente dos óculos escuros. Apolo estava deitado a seu lado, em uma espreguiçadeira como a dela, porém a cadeira se encontrava voltada para o sol escaldante do fim de tarde do deserto.

Já ela puxara a espreguiçadeira para a sombra proporcionada por um guarda-sol da piscina. Mesmo suas pernas nuas, no momento dobradas para que ela pudesse usá-las como apoio para o bloco de desenho, estavam distantes da luz direta do sol.

Mesmo assim, ela ainda se sentia acalorada. Vinha trabalhando naquele esboço da casa de banhos havia horas, e Febo se mantivera o tempo todo descansando a seu lado, explicando-lhe detalhes dos antigos banhos romanos, dando dicas perspicazes quanto às pequenas salas individuais e quanto à disposição geral enquanto permanecia em pleno sol.

— De eu me queimar? — Ele enrugou a testa.

— Sim, está deitado aí, usando quase nada, o dia inteiro. Eu já estaria como uma batata frita.

Febo nem sequer parecia acalorado. Pelo contrário, estava escandalosamente bonito com aquele calção de banho adquirido às pressas e nada mais. Um verdadeiro monumento de pele dourada e deliciosos músculos.

— Quer dizer queimado pelo sol? — Ele riu, como se achasse a ideia nova e divertida. — Claro que não. Não me preocupo com isso. O sol e eu somos velhos amigos. — Apoiou-se sobre um cotovelo e se virou para ela.

— Já terminou?

Pamela mordeu o lábio conforme estudava o esboço.

— Acho que sim. E gostei do resultado, embora eu não tenha certeza se Eddie vai abraçar a ideia. O que acha? — Entregou-lhe o bloco.

Apolo o estudou com cuidado, então balançou a cabeça.

— Foi uma escolha sábia fazer as pequenas fontes em cada um dos quartos aquecidos mais ornamentadas do que tinha previsto no início.

— Sim, a ideia é manter as paredes de mármore lisas. Dessa forma o efeito não será tão avassalador. Se ele quiser uma decoração mais vistosa, posso tentar convencê-lo a aceitar o piso de mosaico que você sugeriu.

— Disse que seu cliente vive mencionando a importância da autenticidade. Pois pode assegurar a ele que este esboço se baseia nos antigos projetos de um banho romano. Claro que o trono à beira da piscina central não é muito... — Apolo fez uma pausa enquanto a fitava, e o sorriso em seus olhos morreu quando algo atrás dela lhe chamou a atenção.

— Aqui está você. Até que enfim!

A voz da mulher, cheia de frustração, soou por cima do ombro de Pamela.

Antes que ela pudesse se virar para ver quem estava falando, Febo havia se posto de pé.

— Que inesperado prazer — ele resmungou.

Prazer?

Ele soava muito mais irritado do que satisfeito, refletiu Pamela. Olhou por cima do ombro e teve que segurar a mão para proteger os olhos da luz alaranjada e ofuscante do sol que se punha, a qual demarcava a silhueta curvilínea de uma mulher alta. Conseguiu distinguir vagamente as linhas de um vestido curto e esvoaçante, e o fato de que o cabelo da estranha se encontrava preso no alto da cabeça, em um estilo que lembrava muito uma coroa. A mulher não lançou um só olhar em sua direção. Em vez disso, pôs-se a repreender Febo.

— Esperei por você até agora e não se dignou a aparecer! Por isso fui obrigada a vir lhe procurar.

Febo franziu a testa.

— Não acredito que especificou um tempo para a minha volta!

— Achei que voltaria depois de...

— Perdoe minha grosseria, Pamela — Febo interrompeu a moça, agarrou-a pelo pulso e a puxou para a frente da espreguiçadeira, obrigando-a a encará-la. — Permita-me lhe apresentar a minha irmã. Pamela Gray, esta é minha irmã gêmea... — ele hesitou, lançando à mulher um olhar penetrante — ... Diana.

Pamela se levantou e abriu um sorriso, com a mão estendida.

— É um prazer conhecê-la, Diana. E, por favor, não culpe Febo se ele se atrasou para alguma coisa. Foi por minha culpa. Quando eu descobri o quanto ele sabe sobre a Roma antiga, não parei de solicitar sua ajuda.

Ártemis olhou da simpática mortal para sua mão estendida. Podia sentir o olhar de censura do irmão, tanto quanto o vínculo da invocação que ainda a prendia à moça.

Relutante, aceitou a mão de Pamela e se surpreendeu com a firmeza do cumprimento.

— Espere! — exclamou Pamela, os olhos se arregalando. — Eu sei quem você é! É aquela mulher linda do show Zumanity! — Seus olhos se desviaram para Apolo. — Não acredito que não me contou que ela era sua irmã!

— Talvez ele estivesse envergonhado com a minha performance — elaborou Ártemis, erguendo o queixo com uma ponta de arrogância.

— Mas isso seria ridículo! — concluiu Pamela, fitando-o com perplexidade. — Seu desempenho foi incrível... Vigoroso, sedutor e incrivelmente romântico.

Uma das sobrancelhas perfeitas de Ártemis se arqueou.

— Achou romântico?

— Sem dúvida — afirmou Pamela, balançando a cabeça com entusiasmo.

— Diana sabe que sua performance não me envergonha — Apolo se defendeu depressa. — Eu só não sabia que ela ia se apresentar na noite passada, por isso fiquei surpreso. Eu gostaria de ter mencionado seu trabalho antes, mas, depois do show, estava com coisas mais interessantes na cabeça... — Ele compartilhou um sorriso íntimo com Pamela.

— Diga-me uma coisa... — recomeçou Ártemis, como se seu irmão não tivesse falado. — ... Febo está sabendo como seduzi-la?

O rosto de Pamela foi do rosa ao vermelho, e ela abriu e fechou a boca.

— Diana! — rosnou Apolo. — Essa pergunta não apenas foi desnecessária como inconveniente!

— Foi mesmo? — ela devolveu, cínica. — Não creio, Febo — ela enunciou o nome devagar. — O vínculo continua! Mais fraco do que antes, mas continua.

As palavras de Diana não fizeram sentido para Pamela, porém ela viu a expressão de Febo mudar instantaneamente da raiva para o choque.

— Quero acabar logo com isso — Diana prosseguiu num tom áspero. — Preciso lembrá-lo de que a nossa estada aqui é apenas temporária? Temos que ir embora antes do amanhecer.

Pamela sentiu um aperto no estômago. O que eles estavam discutindo podia não fazer sentido para ela, mas a palavra “temporária” falava por si só.

Eles iriam embora. Em breve. Claro que ela mesma só ficaria em Las Vegas apenas por uma semana, mas fora honesta quanto a isso, avisando Febo de antemão que se encontrava ali apenas por conta de um trabalho. Ele tinha feito amor com ela e passado o dia todo em sua companhia, não mencionando nenhuma vez que teria de ir embora na manhã seguinte.

Ela era mesmo uma m... de uma cretina. O que imaginava estar fazendo?! Brincando de casinha?

Merda, merda... MERDA! Devia ter imaginado. Sua inexperiência naquele mundo das conquistas devia ser óbvia. Não podia ter esperado mais do que um pouco de diversão de um encontro como aquele.

— Escutem. — Pamela interrompeu o entrevero entre irmãos, usando seu tom mais firme e profissional. — Se há uma coisa de que entendo, e entendo bem, é que, às vezes, irmãos e irmãs precisam discutir. Em particular. — Apanhou o bloco de notas na espreguiçadeira, onde Febo o havia deixado, e o enfiou na bolsa de couro enquanto calçava as rasteirinhas Mizrahi . — Na verdade, Diana, o seu timing é excelente. Eu estava justamente pensando que preciso voltar para o quarto e fazer mais alguns trabalhos para amanhã.

— Não, Pamela! Por favor, não... — Febo apressou-se em dizer.

Ela mal olhou para ele.

— Para falar a verdade, já perdi muito tempo me divertindo neste fim de semana... Adeus, Febo.

Ártemis ficou chocada. A mortal estava mesmo se afastando de seu irmão! Por meio de sua conexão invisível, podia sentir muito do que se passava com a moça. E ela estava... A deusa se concentrou, filtrando as emoções que fluíam por meio do elo entre elas. Pamela estava muito amargurada. Envergonhada. Magoada. Tinha certeza de que Apolo a usara. Sentia-se arrasada por dentro, mas se mostrava apenas aborrecida. Se elas não estivessem unidas pela invocação, ela, Ártemis, nunca imaginaria o turbilhão de emoções vivido pela mortal.

Que coisa estranha!... Seria possível que a força oculta daquela mulher tivesse algo a ver com o fato de a invocação não ter se completado? Seria possível que aquela jovem mortal enxergasse o que se passava?

Diana enxergou Pamela com outros olhos. Apolo estava com a razão em uma coisa: ela não era mesmo uma mulher tola e comum.

— Pamela, meu irmão está certo. Fui rude demais.

A voz de Diana impediu Pamela de prosseguir. Ela se voltou para a irmã de seu amante, esta lhe sorriu, e ela vislumbrou a deslumbrante beleza de Febo refletida no rosto da moça.

— Eu andei tendo alguns... — Ártemis hesitou e olhou para o irmão antes de continuar — ... contratempos de natureza pessoal. Não tenho sido eu mesma. Por favor, acredite que a última coisa que desejo é afastá-la de meu irmão.

Pamela encontrou os olhos da cor de água-marinha de Diana.

— Mas se eu for embora agora ou mais tarde não vai fazer tanta diferença, vai? Acabou de dizer que vocês vão partir amanhã cedo.

— Mas não para sempre — emendou Apolo às pressas, aproximando-se para lhe tomar a mão. — Não pode acreditar que eu iria me afastar de você e nunca mais voltar.

Pamela puxou a mão. Balançou a cabeça e até conseguiu sorrir.

— Escute, nós nos divertimos bastante juntos. Vamos deixar tudo por isso mesmo... Não precisa se incomodar.

Ártemis olhou para o rosto chocado do irmão. Por que ele não dizia nada? A mortal o estava deixando! E, com certeza, não desejava aquilo... Ela não apenas sentia a dor de Pamela, mas isso era evidente na maneira rígida e mecânica com que a moça se portava. Pamela estava magoada e aborrecida. Queria conforto, não aquela inépcia!

Apolo, no entanto, parecia estranhamente impotente.

— Eu não quis ofendê-la — Ártemis argumentou, aflita. — Foi apenas um mal-entendido. Por favor. Não vá embora assim, magoada.

— Não estou magoada — Pamela respondeu.

— Eu estaria assim no seu lugar — Apolo reencontrou a voz por fim. Desta vez, ele não a tocou, contudo. Permaneceu muito quieto e tentou transmitir tudo o que sentia por meio das palavras. — Eu ficaria aborrecido e zangado se soubesse que estava planejando me deixar antes do amanhecer sem ter dito nada. Eu devia ter lhe contado. Eu pretendia contar... Mas precisa compreender, minha doce Pamela: eu sabia que iria voltar. Estragar o nosso dia contando que eu precisaria partir em breve me pareceu algo muito cruel. Mas agora vejo que me equivoquei. Consegue me perdoar?

Ela deveria dizer a Febo que aquilo não era nada. Deveria dizer que não esperava nada dele e seguir adiante. Poderia telefonar para Ve, e elas passariam horas conversando sobre como os homens eram uns cretinos...

Então, no dia seguinte, poderia voltar a trabalhar e esquecê-lo.

Tinha acabado de dormir com Febo. Nunca fora casada com ele ou coisa do gênero.

Uma vez mais, seus olhos capturaram os dela, porém. E Pamela pôde jurar que viu um reflexo de si mesma bem no fundo deles. Febo possuía a mesma “ausência” que ela, e tocara seu corpo, seu coração e sua alma. Se Duane a havia sepultado emocionalmente, Febo a trouxera de volta à vida.

E ela não queria voltar para aquele seu túmulo de complacência. Ela se conhecia bem o suficiente para compreender que aquele fim de semana fora um ponto de virada. Não mais se satisfaria com a segurança de sua vida. Iria permanecer do lado de fora, iria flertar e correr mais riscos... com ou sem Febo.

O problema era que, bem lá no fundo, queria correr todos os riscos com ele.

— Está bem — respondeu por fim, engolindo o que ia dizer. — Eu o perdoo.

Cruzou os braços e esperou. No momento, a bola estava no campo de Febo.

Para sua surpresa, foi a irmã dele quem a devolveu:

— Meu irmão e eu precisamos conversar. É um assunto de família, e eu...

— Sem problemas — Pamela a interrompeu. — Já estou indo embora.

— Pamela, não é verdade que também tem um irmão? — O olhar de Ártemis foi perspicaz.

Mais uma vez apanhada no processo de se afastar, Pamela assentiu com um gesto de cabeça.

— Se é assim, compreende que, muitas vezes, problemas familiares podem nos obrigar a sacrificar nossas vontades. Nós precisamos ir para casa, então, por favor, não condene meu irmão por isso.

Pamela replicou com igual franqueza:

— Não estou condenando Febo por nada. Estou apenas me protegendo.

— Não precisa se proteger de mim — afirmou Apolo. E, sem resistir, acariciou-a no pescoço com a ponta dos dedos. Quando Pamela estremeceu, porém, não soube dizer se fora por desejo ou repulsa. — Encontre-me esta noite. Deixe-me vê-la novamente antes de eu ir embora. Eu juro que vou voltar.

Ela não deveria fazer aquilo. Febo mexia demais com ela.

Pamela abriu a boca para dizer “não”, depois pensou em como seria passar a noite sem ele. Seria como o céu da manhã sem sol. Desolador. Vazio...

... Assim como sua vida havia se tornado.

Não queria mais aquilo. Mesmo correndo o risco de ter o coração partido outra vez. Bem, pelo menos agora sabia que continuava com um coração dentro do peito!

— Está bem — falou, mantendo a voz neutra. — Pode me levar para jantar. Comer no Snackus Maximus não contou mesmo como uma refeição de verdade.

— Ele vai escolher o lugar — Ártemis declarou com um sorriso satisfeito.

— Muito bem — Pamela repetiu. — Se nos encontrarmos às oito horas, terão tempo suficiente para resolverem o seu assunto de família?

Ártemis assentiu ligeiramente com um gesto de cabeça, na direção do irmão.

— Sim — ele confirmou. — Vou buscá-la no seu quarto.

— Não! — contrapôs Pamela rápido demais. Limpou a garganta, então, e tossiu como se a explosão tivesse sido motivada por cócegas na laringe, e não pelo pavor.

— Posso encontrá-lo naquele bar, como da última vez.

Arrependeu-se do “como a última vez”. Isso fora na noite anterior, quando eles acabaram na cama, fazendo amor até meio-dia...

O sorriso de Febo foi como uma carícia enquanto ele também se lembrava de tudo o que acontecera.

— Eu a encontrarei no nosso bar, doce Pamela. Como ontem.

Desta vez, nada impediu que ela batesse em retirada.


Capítulo 17


O tom opaco e insubstancial do portal cintilou quando as divindades gêmeas deixaram o mundo moderno de volta ao Olimpo. Apolo tinha o maxilar cerrado, e seus olhos brilhavam com uma raiva silenciosa. Com um gesto brusco, ele fez sinal para que a irmã o seguisse para fora do salão de banquetes lotado.

— Eu não tive a intenção — sussurrou Ártemis, contudo o olhar enviesado do irmão foi suficiente para fazê-la segurar a língua.

— Não até que estejamos em meu templo. Sozinhos — ele falou por entre os dentes, sorrindo e balançando a cabeça em um “não” educado para Afrodite, que acenou, tentando fazê-lo ir até a chaise em que ela se reclinava. A Deusa do Amor estava cercada por um grupo de ninfas Napeias que havia se livrado de sua já pouca roupa e praticava uma dança da fertilidade envolvendo complicadas ondulações do ventre.

— As Napeias são mesmo muito fofoqueiras — resmungou Ártemis, num tom conspirador.

Apolo lançou-lhe um olhar desgostoso.

— Todas as ninfas são fofoqueiras. Vocês todas são fofoqueiras.

— O que está querendo dizer com isso?

Ele a segurou pelo cotovelo.

— Não aqui. Não agora.

Os dois irmãos continuaram a abrir caminho pelos jardins olímpicos, respondendo com educadas saudações e declinando, pesarosos, dos convites para uma miríade de diversões e brincadeiras que lhes era oferecida, até alcançarem as portas douradas do templo de Apolo.

Tão logo se encontravam dentro dos aposentos particulares do deus, este se avultou sobre a irmã.

— Não acredito na cena estúpida que armou diante de Pamela! O que estava pensando? Se é que estava pensando!... Você quase estragou tudo!

— Quase estraguei tudo? — ela repetiu, irônica. — De que “tudo” está falando? Do caso tórrido que estão tendo? O vínculo continua, Apolo! Ainda posso sentir as correntes da invocação! Ainda estou ligada a ela. O que está acontecendo, afinal? Por que ainda não fez amor com ela?

Apolo desviou os olhos do olhar penetrante da irmã, e os olhos da Deusa da Caça se arregalaram.

— Você já fez amor com ela — concluiu Ártemis. — E não funcionou! Não atendeu aos desejos de seu coração.

Apolo assentiu, tenso. Caminhou até uma mesa com tampo de vidro, cuja base era esculpida na forma de sua carruagem de luz, e serviu-se de uma taça do vinho eternamente pronto para ser consumido.

— Você não fazia ideia de que não tinha cumprido o ritual de invocação.

Não era uma pergunta.

Após tomar um gole da bebida, Apolo respondeu:

— Não, nenhuma.

— Não compreendo o que está acontecendo — gemeu Ártemis. — Como anda seu desempenho? Ela correspondeu bem a você?

O deus fitou a irmã por cima da taça.

— Claro que correspondeu! Não sou nenhum jovenzinho inexperiente.

— Então a satisfez...?

Apolo fez uma careta.

— Claro que sim!

— Tem certeza? Você sabe, às vezes os homens acreditam que levaram a mulher ao orgasmo, mas...

— Ela não fingiu comigo! — Apolo berrou.

As paredes do templo cintilaram como a luz ofuscante da explosão de uma estrela. Ártemis cobriu os olhos às pressas, esperando que a ira do deus passasse.

— Bem, alguma coisa deu errado. — Espiou com cuidado por entre os dedos antes de abaixar a mão. Odiava quando a luz do irmão se expandia. — Talvez não tenha aplacado o desejo da mortal fazendo amor com ela apenas uma vez.

— Mas não foi apenas uma vez — contrapôs Apolo, passando a mão pelo rosto. — Fizemos amor a noite toda e também pela manhã. Pamela parecia tão satisfeita como eu.

— Há outra possibilidade. E se o verdadeiro desejo de Pamela não tem a ver com sexo? — Ártemis caminhou, inquieta, enquanto elaborava o problema em voz alta. — Apesar de que este permanece vinculado ao ato de fazer amor... Senti o vínculo entre nós se atenuar durante a noite. De qualquer modo, a conexão forjada pela invocação continua muito presente entre nós. Sendo assim, a mortal deseja mais do que sexo. — A deusa fez uma pausa, pensativa, enquanto se servia de um pouco de vinho. — Pude captar seus sentimentos, principalmente quando ela estava tentando deixá-lo, na piscina.

Os olhos de Apolo se fixaram na irmã.

— O que ela estava sentindo?

— Estava magoada, confusa e envergonhada.

Ele afundou em uma cadeira com um gemido.

Ártemis o observou, atenta.

— Você se importa com ela, não é? — perguntou em voz baixa.

Apolo ergueu a cabeça e encontrou seu olhar.

— Acho que estou apaixonado por Pamela.

— Apaixonado? — Ártemis balançou a cabeça. — Impossível. Ela é mortal! E, como se isso já não fosse o suficiente, é uma mortal do Mundo Moderno.

— Estou ciente disso — ele replicou por entre os dentes.

— Como pode saber? — zombou Ártemis. — Você nunca se apaixonou.

— Por isso mesmo acredito que eu esteja apaixonado! Já vivi por eras e nunca experimentei esta sensação.

— O quê...? Que sentimento tão forte é esse que está atribuindo ao amor? — Ártemis quis saber.

— Eu me preocupo mais com ela do que comigo. Sua felicidade é a minha felicidade, e sua dor me causa desespero.

A deusa o fitou como se ele estivesse com uma súbita e incompreensível erupção cutânea.

— Talvez isso passe, ou ao menos diminua com o tempo.

— O problema, minha querida irmã, é que eu não quero que isso aconteça. — Apolo sorriu, porém não havia humor em sua expressão. — Esta manhã eu estava tão seguro de mim. Pensei que o amor fosse simples, que eu houvesse encontrado minha alma gêmea. Que eu tinha feito amor com Pamela, e que ela devia sentir o mesmo por mim... Fui um arrogante, imbecil.

— Acredita que ela seja sua alma gêmea?

— Receio que Pamela possa ser, sim, minha companheira de alma.

— Se ela for, pela própria natureza desse vínculo, também deve amá-lo — concluiu Ártemis, tentando dar sentido à bizarra declaração do irmão.

— Talvez — ele murmurou, desanimado.

Ártemis bateu com os dedos no queixo.

— Bem, ela é mortal. Não devíamos estar tão surpresos com esta confusão. Talvez seja isso!

O verdadeiro desejo do coração de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida. Ela apenas chamou isso de romance, mas não pode ser tudo a mesma coisa? Romance, amor, desejo verdadeiro, almas gêmeas... Não são todas palavras que poderiam ser usadas para descrever o mesmo fenômeno? Se eu estiver certa, faz sentido que a invocação não tenha sido cumprida.

— Por que faz sentido? Se o verdadeiro desejo de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida, e eu sou sua alma gêmea, então por que a invocação não se cumpriu?

— Porque ela tem que reconhecê-lo e aceitá-lo como seu companheiro de alma, o que, obviamente, não aconteceu. — Ártemis descansou a mão em seu ombro. — As emoções que senti por meio do nosso vínculo não eram de amor e contentamento. Pamela estava magoada e confusa; não estava se sentindo amada.

Uma sombra desceu sobre os olhos de Apolo.

— Ela me contou que foi muito magoada por um homem no passado. E eu, muito arrogante, acreditei que apenas um toque do meu poder imortal e da paixão do meu corpo a curariam.

— Pois estava equivocado, meu irmão. Pamela precisa de mais do que isso.

— O amor é mais complicado do que eu imaginava — ele murmurou.

Ártemis deu-lhe um tapinha nas costas.

— Esse seu sofrimento me faz dar graças por eu não tê-lo experimentado ainda.

— Acho que estou começando a entender... O amor é um misto de sofrimento e enlevo, encerrado na pele macia de uma mulher — devaneou Apolo com o olhar perdido na distância.

— Por que não revela de uma vez quem você é? Traga-a para o Olimpo esta noite. Use seus poderes imortais para fazer o amor de Pamela vir à tona.

Apolo a fitou, contrariado.

— Isso não seria amor! Seria apenas um culto abjeto, ou uma mistura de medo e adoração.

— Aí está um exemplo perfeito de como você e eu discordamos. Não precisa usar seus poderes para conquistá-la, mas faz sentido. Que mortal não gostaria de ganhar o amor de um deus?

Pensando na arrogância de sua declaração anterior, Apolo sentiu desgosto por si mesmo. Não admirava que Pamela estivesse relutante em reconhecê-lo como sua alma gêmea.

— Algo me diz que Pamela não ficaria muito feliz em saber da minha verdadeira identidade.

Ártemis bufou.

— Os mortais modernos não são como as pessoas do Mundo Antigo — ponderou Apolo. — Eles fazem criaturas de metal obedecerem à sua vontade. Passam informações por intermédio de máquinas, não de magia e rituais. E nós estamos mortos para eles... Não. Pamela deve me amar primeiro como homem. Apenas depois disso poderei convencê-la a aceitar o deus.

— E como pretende fazer isso?

— Preciso amá-la como um homem ama uma mulher.

Ártemis ergueu as sobrancelhas numa indagação.

— Com o meu coração, e não com os meus poderes — ele explicou.

— E isso significa o quê?

— Quando eu souber lidar com tudo isso, terei obtido algo de valor inestimável: o amor de Pamela — declarou o Deus da Luz.

— Acha que consegue conquistar o amor dela até o amanhecer?

— Duvido.

Ártemis suspirou.

— Acho que eu deveria ficar grata por o vínculo entre Pamela e eu ter se atenuado. Agora é mais como uma coceira difícil de dar conta do que um incômodo constante me amolando. Baco sem dúvida se esmerou na dose de maldade com essa sua pequena travessura.

— Falou com ele?

— Não, ele tem se mantido conspicuamente ausente do Olimpo nestes últimos dias... — Ela encolheu os ombros. — ... Embora nunca tenha passado muito tempo por aqui. Baco há muito prefere a companhia dos mortais. Quando esta provação tiver terminado, precisamos nos lembrar de lhe dar uma lição por essa impertinência.

Apolo ficou em silêncio. Como poderia dizer à irmã que aquela “provação” nunca iria ter fim? Ele sabia muito pouco de amor, mas já tinha certeza de uma coisa. O amor não podia ser controlado. Não começava ou terminava sob a exigência de ninguém. Infelizmente.

— Apolo? Preste atenção! Eu perguntei quais são seus planos para esta noite!

— Eu não sei! — As paredes coruscaram, e o Deus da Luz refreou sua frustração. — Um jantar. Pamela pediu que eu a levasse para jantar. Você mesma ouviu.

A testa lisa de Ártemis se enrugou quando ela parou para pensar no que Pamela havia dito:

— Snackus Maximus ? Que tipo de nome é esse?

— Um péssimo nome.

— Eu ainda acho que deveria trazê-la para cá esta noite. Corteje-a no Olimpo, em seu próprio templo. O que poderia ser mais romântico?

— Ártemis, eu já expliquei a você que me recuso a utilizar meus poderes para ganhar o amor de Pamela.

— Então não use seus poderes, seu teimoso! Esta é a sua casa. Sem dúvida nenhuma, ela é muito mais bonita do que qualquer coisa que o Reino de Vegas tenha para oferecer.

Apolo considerou as palavras da irmã.

— Ela aprecia arquitetura antiga...

— Traga-a aqui, ora! Diga a ela que é uma parte exclusiva do Caesars Palace. Ao menos, assim, garantirá a privacidade de vocês.

— Acho que consigo usar meus poderes apenas o suficiente para disfarçar suas sensações conforme atravessamos o portal.

— Em seguida, traga-a para cá depressa, antes que qualquer outro dos Doze vislumbre sua presença.

Apolo estava começando a gostar da ideia.

— Eu não teria que me preocupar com acidentes, monstros de metal, ou com nenhuma outra daquelas distrações do Mundo Moderno. Poderia me concentrar em assegurar Pamela do meu amor. — Sem dizer que ele queria muito mostrar sua casa a ela e testemunhar sua reação à beleza do lugar. Mesmo que este não fosse apenas dele.

— Vou planejar o jantar eu mesma e colocar minhas próprias servas à sua disposição. As ninfas não são confiáveis.

— Excelente — concordou Apolo. — E lembre-se de pedir a elas que não me chamem de Apolo.

— Sim, sim... As meninas vão dar continuidade à sua pequena farsa, Febo .

— Estou em dívida com você, Diana — ele afirmou, sorrindo.

Ártemis devolveu o sorriso, pensando em como o irmão era charmoso e bonito. Pamela não seria capaz de resistir a ele. Não se ela, Ártemis, pudesse agir... O que decerto ela faria.

— Já que estamos acordados, temos muito que fazer. O tempo urge. Ao amanhecer Pamela precisa voltar ao Reino de Vegas. E, tomara, completamente encantada com Febo — completou a diva. Em seguida bateu as mãos duas vezes e, no tom autoritário da Deusa da Caça do Olimpo, chamou: — Servas, venham me assistir!

Em um piscar de olhos, doze belas moças se materializaram em uma nuvem de poeira prateada e cintilante que parecia ter se originado na luz da lua.

— Senhoras, meu irmão precisa da nossa ajuda. O que precisamos fazer é o seguinte...

Apolo observou o turbilhão de atividades até que a irmã o enxotou do quarto, lembrando-o de que era quase hora de ele se encontrar com sua amante. O Deus da Luz sorriu enquanto se preparava. Iria trazer seu verdadeiro amor para casa. Iria cortejar Pamela e amá-la ali, onde podiam ficar mais à vontade. Pamela veria que não precisava ter medo de se magoar outra vez.

Sentindo-se seguro dentro de seu próprio reino, Apolo teve a certeza de que nada poderia dar errado.

 


C O N T I N U A

Capítulo 9


Violinos encheram o ar em torno deles, música atraiu a água rumo ao céu e luzes antes ocultas destacaram a dança fluida.

Em seguida, um tenor começou a cantar. Pamela estremeceu conforme seu corpo correspondia à magnificência de sua voz. Era tudo tão inesperado, tão espantoso!... Os arcos de água se deslocavam em uníssono com os altos e baixos da orquestra, como se guiados pela mão de um competente mágico. Era inacreditável e maravilhoso... Assim como o beijo que parecia ter dado início a tudo aquilo.

Ao som da primeira nota, eles haviam se virado para as fontes e, enquanto suas emoções disparavam com a música, Pamela se deixou ficar, muito quieta, nos braços de Febo.

— O cantor é italiano, não é? — Recostou-se nele, inclinando a cabeça de modo a fazê-lo ouvir sua pergunta, mas sem tirar os olhos da água.

— Sim — assentiu Apolo. Seus olhos também não se desviavam do inacreditável espetáculo diante deles. — Ele está cantando algo sobre La Rondine ou “a andorinha” — murmurou, a voz grave soando como pano de fundo para a linda música, em vez de distraí-la. — Conta a história de uma pequena andorinha que migra para muito, muito longe, a fim de encontrar o amor em uma terra distante. Mas é evidente que a canção não se refere a um pássaro, e sim a uma amante, que o cantor teme ter perdido para sempre.

— Eu gostaria tanto de entender Italiano! — Pamela sussurrou.

Apolo a abraçou com mais força.

— Será que precisa? Tente ouvir a música com o coração, e irá captar sua alma.

Pamela tentou fazer o que ele dizia e, no crescendo, sentiu os olhos rasos de água. Entendeu realmente. Compreendeu a dor do amor perdido, dos arrependimentos e o medo da eterna solidão.

Quando a música terminou e a água ficou quieta e escura, permaneceu de costas para Febo, sentindo as batidas de seu coração, o calor do corpo sólido a envolvê-la.

— Eu não esperava encontrar tanta beleza aqui — ele falou baixinho, não querendo quebrar o feitiço que aquelas águas mágicas haviam lançado.

— Nem eu. — Pamela respirou fundo. — Aconteceu muita coisa nesta noite que eu não esperava.

Apolo a virou, de modo a deixá-la de frente para ele, porém a manteve solta no círculo de seus braços. Relutava em deixá-la se afastar, contudo não queria assustá-la. A noite também fora cheia de surpresas para ele. Naquele momento, pela primeira vez em todas as suas eras de existência, queria que uma mulher viesse até ele por vontade própria, não como uma donzela deslumbrada, arrebatada pela presença de Apolo, o Deus da Luz; tampouco como uma deusa sedutora, procurando um parceiro temporário com quem se divertir. Queria que Pamela o escolhesse como uma mortal escolhia seu homem.

— Eu não estava falando apenas das águas dançantes — sussurrou.

— Nem eu.

Quando ele se inclinou para beijá-la, não pôde evitar segurá-la pela nuca e mergulhar os dedos nos cabelos curtos e desgrenhados que tanto desejara tocar desde que a tinha vislumbrado. Pamela não se afastou dele, mas também não se entregou ao beijo. Seus lábios se provaram quentes e dóceis sob os dele, porém ela não os abriu num convite. Em vez disso, era como se fizesse uma pergunta e exigisse resposta antes de lhe dar permissão para continuar.

Pense! , Apolo ordenou a si mesmo. O que desejam as mulheres?

Percebeu, chocado, que, apesar de toda a sua experiência, não tinha certeza de como responder a tal pergunta. Concentrou-se, tentando ler o corpo frágil e, por intermédio deste, compreender o que Pamela buscava nele.

Com movimentos lentos, obrigou-se a ignorar o desejo inebriante que tocar Pamela evocava e, em vez de se comportar como um deus grosseiro e arrogante, manteve-se firme no controle. Beijou-lhe o lábio inferior com carinho, em seguida o prendeu com os dentes e o puxou, provocante, mas só por um momento. Mudou dos lábios carnudos para um beijo rápido na ponta do nariz, e foi recompensado por um sorriso que ele beijou nos cantos. Acariciou os cabelos curtos com os dedos enquanto roçava o rosto em seu ouvido e sussurrava:

— Gosto muito do seu cabelo. Ele faz que eu me lembre da cavalgada livre e cheia de orgulho das Amazonas. — Desceu os lábios um pouco mais. — E deixa seu pescoço tão mais sedutor...

Sentiu que ela estremecia e levantou a cabeça de maneira a fitá-la nos olhos, os quais ainda estavam preenchidos pela emoção que a música os fizera sentir.

— Eu quero que você seja exatamente o que parece — ela falou baixinho. — Não quero outro homem que finge ser uma coisa enquanto é outra.

Apolo sentiu o coração congelar.

— No início desta noite, admiti algo para mim mesma que eu vinha escondendo por muito tempo. Admiti que, embora satisfeita, não sou muito feliz. Eu me fechei, desisti até mesmo de tentar buscar a felicidade. — Um breve sorriso iluminou a expressão séria de Pamela. — Então fiz um desejo bobo... Em voz alta. Acho que eu estava desejando, na verdade, ser capaz de confiar nos meus instintos outra vez.

— E o que seus instintos lhe dizem sobre mim? — ele perguntou.

Ela inclinou a cabeça e o fitou.

— Eles me dizem que você é mesmo diferente. Nunca conheci um homem assim.

— Posso assegurar que os seus instintos estão corretos.

Ele se inclinou para beijá-la outra vez, desta vez com toda a paixão que sentia, mas, antes que seus lábios tocassem os dela, a céu se abriu, e uma chuva constante começou a cair.

Pamela soltou um gritinho e segurou a minúscula bolsa sobre a cabeça em uma tentativa inútil de se proteger.

Apolo fez uma careta e olhou ao redor. Chuva no meio de uma noite no deserto? Não importava o quanto o mundo moderno se tornara estranho, não podia haver alteração nos padrões climáticos.

Os deuses, entretanto, podiam fazê-lo. Aquela chuva era muito suspeita, pois tinha a marca da interferência dos imortais. Provavelmente era Baco, aquele infeliz, aprontando de novo.

As pessoas ao redor deles correram em direção aos edifícios e, com habilidade, Apolo guiou Pamela em meio aos mortais até a árvore mais próxima. Com um movimento quase imperceptível da mão, solidificou as folhas acima deles, transformando-as em uma massa única que os abrigou da chuva. Abraçou-a, e juntos eles ficaram observando o aguaceiro.

— Que tempo esquisito! — comentou Pamela, enxugando a água do rosto. — Pensei que quase nunca chovesse aqui. Ah!... — Franziu a testa ao olhar para os sapatos. — Acho que arruinei os meus maravilhosos Jimmy Choo!

Apolo sorriu de lado.

— Como consegue andar sobre essas lâminas?

Pamela chacoalhou um pé, analisando o sapato encharcado enquanto ele admirava a panturrilha bem-torneada.

— Andar sobre um salto dez é a marca registrada de uma mulher de verdade. — Passou a mão pelos cabelos, fazendo-os ficar ainda mais desgrenhados. — Quem iria imaginar que uma árvore tão pequena ofereceria tanta proteção? — Olhou para cima. — É como um guarda-chuva verde!

— Nem tanta assim — ele replicou, apontando para cima em um movimento rápido que fez uma ou duas gotas vazar de sua divina proteção. — Pelo menos a chuva afugentou aquela multidão.

Sem dar à árvore outro olhar, Pamela sorriu e acenou com a cabeça.

— É como se estivéssemos no nosso mundinho.

Apolo tocou uma mecha do cabelo curto.

— Pois acho que estamos, mesmo.

Em seguida, em meio ao véu de chuva e intimidade, as fontes ganharam vida mais uma vez, e a voz sexy de Faith Hill soou ao redor deles como se brotasse da água:


I don’t want another heartbreak, I don’t need another turn to cry.

I don’t want to learn the hard way, baby, hello, oh no, good-bye...


Desta vez, eles não prestaram muita atenção ao show.

— É você quem está fazendo isso? — Pamela indagou num sussurro. — Pagou a eles para tocarem essas músicas?

Apolo balançou a cabeça e emoldurou o rosto delicado com as mãos.

— Mas elas têm tudo a ver com você, não têm? É a andorinha, assim como a mulher que não quer chorar outra vez.

Pamela só pôde concordar.


This kiss, this kiss!...


Como se a música tocasse só para eles, Apolo a puxou para os braços e a beijou. Beijou-a como um homem que queria manter sua amada afastada da dor, da mágoa e da tristeza. Os lábios de Pamela se apartaram, e ela o aceitou. Conforme o fez, Apolo sentiu que algo se abria dentro dele, como se uma trava tivesse sido desbloqueada e um alçapão fosse escancarado, permitindo a entrada do que faltava para preencher sua alma.

Os braços de Pamela subiram para segurá-lo, e ele se esqueceu do monte Olimpo, esqueceu-se do Mundo Moderno dos mortais. Sua realidade se resumiu no gosto, no toque, no cheiro de Pamela.

Ela gemeu e estremeceu, e o mundo se interpôs entre eles novamente. As fontes voltaram a se apagar, e o vento e a chuva se intensificaram.

— Está gelada! — Apolo a esfregou nos braços, condenando a própria insensibilidade. Enquanto ele se deixara perder pelos encantos de Pamela, ela ficara encharcada. — Precisamos voltar. Pode ficar doente se continuar assim.

— Febo. — Ela o puxou pelo braço, mantendo-o sob a pequena árvore. — É verdade que talvez devêssemos voltar para o hotel, mas eu não estava tremendo por causa da chuva. Mesmo que eu pareça meio... — limpou uma gota de chuva que lhe escorria pela testa e sorriu — ... ensopada , não sou nenhuma florzinha de estufa. Não derreto, e amei cada segundo deste nosso beijo na chuva.

Apolo sentiu o aperto no peito se dissolver conforme seu coração reconheceu o calor no olhar dela. Não era o único que sentia aquela conexão entre eles.

E, bem lá no fundo, seus instintos lhe diziam que era aquilo o que homens e mulheres buscavam. Era aquela a dança de amor dos mortais.

— De qualquer forma, estou mesmo encharcada, e parece que essa chuva não vai melhorar tão cedo — Pamela prosseguiu, olhando o aguaceiro que os rodeava.

Apolo acompanhou seu olhar. Ele poderia, claro, impedir que as gotas os tocassem durante todo o caminho de volta ao Caesars Palace, mas não teria como explicar tal façanha.

— Quer saber? Vamos correr de volta para o Palace — decidiu Pamela, sorrindo para ele.

— Não pode correr com esses sapatos — ele lembrou, apontando-lhe os pés.

— Estamos em Las Vegas... Quer apostar? — E, sem esperar por resposta, ela disparou para o meio da chuva, gritando.

Rindo, Apolo a seguiu, permanecendo pouco atrás dela; o suficiente para que pudesse assistir os quadris redondos se movendo com graça enquanto ela corria com passos pequenos e femininos. Não se lembrava da última vez em que se sentira tão jovem ou feliz.

Nenhum deles prestou muita atenção à rua. Apolo não tirava os olhos de Pamela, e ela corria, lançando-lhe olhares por cima do ombro.

— Estou ganhando a aposta! — gritou a certa altura.

Um barulho a fez olhar para a frente, e Pamela soltou uma exclamação. A rua! Tinha se esquecido do quanto esta se encontrava próxima dela!

Tentou parar, porém o salto agulha ficou preso em uma rachadura na beira da calçada. Desequilibrando-se, ela agitou os braços na tentativa de endireitar o corpo, porém sentiu uma dor horrível e lancinante no tornozelo, tombando para a frente.

Sempre antes que coisas terríveis acontecessem , pensou Apolo, como a morte de Heitor, ou quando Ártemis perdera a paciência com Acteão, o tempo parecia diminuir de ritmo, prolongando o evento, desdobrando-se diante dele como resina de pinheiro pingando e descendo por uma tediosa trilha através da casca áspera de uma árvore .

Não foi assim com o acidente de Pamela, contudo. Tudo ao redor pareceu se acelerar com força sobre-humana. Em um instante ela sorria para ele por cima do ombro, no outro balançava perigosamente na beirada da rua, projetando-se bem na frente dos monstros de metal.

Apolo sentiu a morte pairar no ar em torno deles e não perdeu tempo sendo racional. Agiu por impulso, guiado por seu coração imortal que, de repente, se afligira com a ideia de perdê-la.

— Não! — Ele pulou na direção de Pamela com uma velocidade impossível de ser acompanhada pelos mortais. Estendeu a mão, a palma aberta, o grito causando uma explosão sônica que repeliu os carros para longe do corpo em queda de Pamela.

Ela não chegou a aterrissar no concreto molhado. Apolo não podia permitir isso.

Com sobrenatural rapidez, ele a segurou e puxou de volta para a calçada.

Pneus guincharam e ouviu-se o som de carros batendo. Buzinas cortaram a noite, mas, em meio à chuva e ao vento, ninguém pareceu notar o deus que causara tudo isso. O deus que agora se ajoelhava na calçada alagada, amparando uma mortal junto ao peito.

— Meu tornozelo... — A voz de Pamela falhou com a dor e o choque. — Acho que está quebrado!

Apolo puxou o sapato do pé delicado. Conforme o fez, sentiu através da pele o osso que havia torcido até partir e se encolheu, imaginando a dor. Rapidamente, passou a mão sobre o local, ordenando em pensamento que suas terminações nervosas cessassem a agonia de Pamela.

Quase no mesmo instante, sentiu sua respiração normalizar conforme ela relaxava. Em um movimento suave, ele a ergueu nos braços.

E o Deus da Luz avançou como um raio de sol escaldante através da chuva e dos carros destruídos.

Mais tarde, testemunhas do engavetamento bizarro na esquina da Las Vegas e Flamingo falavam de um homem alto que tinham vislumbrado em meio à chuva naquela noite. Diziam que ele carregava uma mulher, mas não podiam afirmar com certeza, pois tudo de que podiam se lembrar era da forma estranha como seus olhos cintilavam. Também não podiam dizer bem como ele era porque seu corpo parecia cercado por uma luz... como se ele brilhasse com o fogo do Sol.


Capítulo 10


— Ela precisa ser levada para o quarto! — Apolo berrou para o porteiro do hotel, o qual fitava com os olhos arregalados o espectro dourado que parecia ter surgido do nada na noite chuvosa. A aparição carregava o corpo úmido de uma pequena mulher calçando apenas um sapato.

— Os elevadores ficam ali no canto, senhor.

A confusão de Apolo diante das palavras estranhas se transformou em raiva. O que era, exatamente, um elevador?!

— Mostre-me onde fica o quarto dela ou vou esfolá-lo vivo! — rosnou, irado.

— Qual o número do quarto? — guinchou o rapaz.

— Mil cento e vinte e um — Pamela falou contra o ombro de Apolo.

Apolo olhou para o porteiro, e o rapaz assentiu, saindo em disparada à sua frente, através das portas giratórias.

O Deus da Luz apertou os dentes quando a caixa de metal em que entraram se fechou. O menino apertou um botão redondo onde se lia “11”, e este se iluminou conforme a caixa começou a se mover.

Apolo sentiu o estômago se contrair e segurou Pamela com mais força contra o corpo. Baco não explicara nada sobre aquela forma de transporte mecânica, e ele não estava gostando nem um pouco da experiência.

Por sorte, a jornada foi curta, e as portas se apartaram sem problemas.

Ele seguiu o rapaz por um corredor coberto por um tapete macio. Estatuetas decoravam nichos, e lustres pendiam do teto trabalhado.

Pararam em frente a uma porta que ostentava o número “1121” em metal dourado, e o porteiro olhou para Apolo. Apolo devolveu o olhar e o rapaz pigarreou, nervoso. Pamela entregou a pequena bolsa que ainda segurava junto ao peito ao menino.

— Está aí dentro.

Engolindo em seco, o rapaz abriu a bolsinha, extraiu dela o cartão-chave e o passou pela fechadura, abrindo a porta. Apolo entrou e bateu a porta atrás deles apenas com o pensamento.

— Devia ter dado uma gorjeta para ele — Pamela disse baixinho.

— Eu devia tê-lo esfolado, isso sim — murmurou o deus.

Hesitou na entrada da suíte, avaliando os arredores. Havia um quarto enorme com um divã, duas poltronas laterais, forradas de seda, e um imenso armário. Portas com pintura imitando mármore se encontravam semiabertas, revelando parte de uma cama gigantesca.

Decidido, ele rumou naquela direção.

Pamela gemeu quando ele a deitou em cima do grosso edredon de seda. Sentiu um arrepio no corpo e seus dentes começarem a bater.

— N-não sei por que estou d-de repente com tanto frio! — gaguejou, confusa.

Apolo sabia o porquê. Ela estava em choque. E ele não tinha curado seu tornozelo; apenas bloqueara temporariamente parte da dor.

Sentou-se na borda da cama devagar e tocou-lhe o rosto, querendo que ela relaxasse.

— Precisa descansar. Confie em mim. Vou dar um jeito nessa dor.

Ele observou conforme sua hipnótica sugestão fez as pálpebras dos olhos enormes e cor de âmbar começarem a pesar.

— Eu não... — Pamela começou, sonolenta, perdendo o fio do raciocínio em seguida. Ainda lutando contra a estranha letargia que tomara conta dela, piscou. — Estou molhada... Há toalhas ali... — Fez um gesto fraco na direção do banheiro.

— Primeiro o tornozelo.

Quando ela fechou os olhos e não mais os abriu, Apolo se ajeitou melhor na extremidade da cama.

Balançou a cabeça. Pamela se encontrava bastante ferida. Seu tornozelo estava com o dobro do tamanho normal e muito branco. Ele podia ver onde o osso se partira, fazendo que o pé delicado pendesse em um ângulo estranho.

Segurou o pé de Pamela entre as mãos e fechou os olhos, concentrando-se. Mapeou seu esqueleto mentalmente, sem pressa, revendo a posição de cada osso, músculo e nervo, e então viu a fratura.

Suas mãos começaram a se aquecer.

Que se faça a cura! , ordenou o Deus da Luz. Que todo o sofrimento seja cessado e seu bem-estar retorne , livrando-a da dor.

A intensidade do brilho entre as mãos de Apolo teria cegado Pamela caso estivesse ela consciente para testemunhar seu esplendor.

Porém, ela continuava desacordada. Dormiu durante o tempo todo em que Apolo reuniu seus vastos poderes para emendar seus ossos quebrados e pôr um fim à sua dor.

Muito mais tarde, quando ele terminou, enfim, levantou-se e foi para a pequena sala ao lado do quarto de dormir. Lá encontrou várias toalhas e um roupão branco e grosso.

Trouxe-os para junto de Pamela e hesitou. Ele poderia despi-la com facilidade, e ela não iria despertar. Estava certo disso.

O tecido molhado do vestido moldava o corpo esbelto, revelando as curvas suaves e os seios redondos. Ela era como uma terra exuberante aguardando por sua exploração...

Não . Sua mente se esquivou da ideia de ver o corpo nu sem seu consentimento ou conhecimento.

— Pamela? — chamou baixinho.

O chamado a fez despertar do transe induzido.

— Ahn?... — ela indagou, sentando-se e olhando ao redor. — O que aconteceu? Meu tornozelo... — Inclinou-se para a frente e depois parou, franzindo a testa. — Mas... ele estava péssimo, como se estivesse quebrado! Eu podia jurar que já estava inchado. Agora parece normal. — Num teste, flexionou e girou o pé em um movimento circular. — Está ótimo!

— Você só precisava descansar. Foi apenas uma entorse. — Apolo entregou-lhe uma toalha, e Pamela secou o rosto, distraída.

— Estou me sentindo uma idiota. Você me carregou até aqui, e debaixo de chuva.

— Eu sou médico. Apenas fiz meu trabalho.

Pamela o fitou. Febo estava ensopado, a camisa grudada aos músculos do peito como seda líquida, o cabelo se enrolando em gavinhas úmidas em torno da testa.

E aqueles olhos!... A letra da música de Faith Hill os descrevia com perfeição: impossíveis, irrefreáveis, inimagináveis, insondáveis.

— Pelo visto foi sorte minha tê-lo por perto. — Com um esforço, ela desviou o olhar do dele e, apanhando uma toalha, começou a secar o cabelo com mais entusiasmo do que o necessário.

Apolo a observou. Pamela estava molhada, desgrenhada; o cabelo, uma verdadeira bagunça. Tinha as roupas encharcadas e continuava apenas com um sapato, que agora manchava o edredon cor de marfim.

Sentiu o coração se apertar. Nunca se sentira tão atraído por uma mulher, mortal ou deusa, em toda a sua existência.

— É melhor eu ir embora — falou de súbito.

Pamela espiou através de uma dobra na toalha.

— Já? — Olhou para o relógio molhado que, por sorte, era à prova de água. Já passava das quatro da madrugada. — Nossa, eu não sabia que era tão tarde!... — comentou, lembrando a si mesma que Febo era um estranho e que, embora as chances de ele ser um estuprador ou um serial killer fossem mínimas — principalmente depois de ele tê-la “salvado” —, estavam sozinhos naquele quarto de hotel, no meio da noite. A situação tinha todos os ingredientes daqueles filmes baratos que nunca acabavam bem.

— Sim, já é tarde. — Ele não queria ir; por isso mesmo sua consciência lhe dizia o contrário.

— Sua irmã deve estar preocupada e se perguntando o que aconteceu com você.

Apolo empalideceu.

— Nem imagina o quanto.

Sua expressão fez Pamela sorrir.

— Ah, imagino, sim. Meu irmão costumava ficar andando de um lado para o outro e berrar comigo feito um alucinado por eu ficar fora até tarde e deixá-lo preocupado.

Ele torceu os lábios.

— Ela certamente vai querer saber o que me tomou tanto tempo.

Pamela inclinou a cabeça para o lado, num gesto que Apolo aprendera a gostar, pois já se tornara familiar.

— E o que vai dizer?

— Vou dizer que me atrasei por conta de um incidente. — Ele caminhou até ela e, com um movimento fluido, ajoelhou-se a seu lado, na cama, tocando-lhe o tornozelo com cuidado. Acariciou-o, então, deixando os dedos avançar um pouco mais, até a panturrilha, e sentiu, mais do que viu, Pamela respirar fundo. — Um delicioso e inesperado incidente...

Pamela engoliu em seco. Ela mal podia respirar quando Febo a fitava e tocava daquela maneira. Queria tanto pedir que ele não fosse embora, que passasse o restante da noite ali com ela!...

Sentiu o estômago se apertar. Não devia desejá-lo tanto, nem tão depressa. Afinal, Febo era um estranho. Um estranho lindo, sexy ... maravilhoso.

Apolo reconheceu as emoções desfilando, claras, em seu rosto. Era óbvio o que Pamela queria. Via o desejo em seus olhos. Poderia tê-la, poderia tomá-la nos braços e completar sua sedução. Era isso o que ele deveria fazer. Era o que Ártemis esperava e o que ele tinha planejado. Pamela não havia dito que desejava fazer amor ao expressar seu desejo em voz alta e completar a invocação, porém tal necessidade se encontrava patente em suas palavras. Ele a reconhecera, assim como Ártemis. Dessa forma, de modo a cumprir a invocação, ele precisava fazer amor com ela.

Mas e depois?

O súbito pensamento soprou em sua mente como uma inesperada tempestade de inverno. Talvez a invocação tivesse lançado algum tipo de feitiço sobre Pamela, e o desejo que ele via em seus olhos fosse apenas o resultado de uma poderosa magia das ninfas. Se isso fosse verdade, tão logo eles fizessem amor, o feitiço seria quebrado e ela não mais o desejaria. Deixaria de olhar para ele com aqueles olhos inteligentes, expressivos, que se tornavam da rica cor do mel quando ele despertava sua paixão terrena.

O pensamento o abalou a ponto de deixá-lo perdido e enjoado, e Apolo se pôs de pé.

— Preciso ir. Não... — Fez sinal para que Pamela continuasse na cama quando ela fez menção de se levantar. — Precisa poupar esse tornozelo. Durma com o pé elevado esta noite, e amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido.

Pamela sentiu o peito se apertar quando Febo virou-se para a porta. Ele havia dito que explicaria sua ausência para a irmã como um acidente. Estaria dizendo que o encontro deles fora isso?... Que, após aquela noite, não iriam se ver outra vez?

— Então, amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido com você, também?

Só percebeu que expressara seu pensamento em voz alta quando as palavras o detiveram. Febo se voltou, e seus brilhantes olhos azuis pareceram cintilar ainda mais. Ele levantou a mão que pouco tempo antes acariciara seu tornozelo e a exibiu para ela com a palma aberta.

— Amanhã eu ainda vou sentir sua pele contra a minha. Vou continuar com o seu gosto na boca. Amanhã o vento ainda vai trazer seu perfume até mim... Como eu poderia me esquecer?

— Então eu o verei de novo — ela concluiu, meio sem fôlego.

— Eu não ficaria longe de você nem mesmo se quisesse. E eu não quero. Estarei no nosso café outra vez, amanhã, na mesma hora em que nos encontramos esta noite. Até lá, minha doce Pamela, só vou pensar em você.

Quando Febo deixou a suíte, Pamela sentiu como se, de repente, o Sol tivesse caído do céu. Olhou para o relógio e começou a contar as horas até o momento em que o veria novamente.


Ártemis esperou no corredor escuro que se originava de uma discreta entrada de serviço do Caesars Palace. Aguardou ao lado da porta de um suposto armário que, na verdade, era o portal que conduzia a outro mundo.

Cruzou os braços e suspirou. Havia dito a Apolo que esperaria por ele no Olimpo, mas, conforme a noite minguara, fora ficando cada vez mais inquieta. Era tarde, já estava quase amanhecendo, e ela ainda sentia as amarras que a atrelavam à mortal.

Por que o Deus da Luz estava demorando tanto tempo para seduzi-la?

Um homem alto, vestido com roupas encharcadas, dobrou uma esquina e se aproximou dela. Sem pensar duas vezes, Ártemis levantou o dedo a fim de forçá-lo a fazer meia-volta e usar outra saída, mas o estranho a surpreendeu, caindo na risada.

— Seus truques não funcionam comigo, minha irmã — declarou Apolo.

Ártemis arregalou os olhos ao reconhecê-lo.

— Apolo? Pelas barbas de Zeus! O que aconteceu com você?

Ele deu de ombros e tirou a camisa molhada.

— Um acidente.

— Acidente!? Mas... e quanto aos seus planos de sedução?

— Vão bem, obrigado.

— Bem! — Ártemis quase gritou de frustração. — Como podem estar indo bem se eu ainda sinto o vínculo da invocação?

— Essas coisas levam tempo, Ártemis. Pamela não é uma cidade para ser dizimada, ou uma fortaleza a ser atacada e saqueada. É uma mortal que deseja romance.

— Sei muito bem disso. O que não entendo é por que ainda não a levou para a cama.

— Porque não é o que ela deseja verdadeiramente — respondeu Apolo.

Os olhos de Ártemis se estreitaram diante do tom estranho e contido na voz do irmão.

— Ter o Deus da Luz em sua cama não é o que ela deseja de verdade? Acho difícil de acreditar.

Apolo suspirou.

— O que diria se eu lhe dissesse que dormir com Pamela esta noite também não é o que eu desejo?

Diria que isso era mais fácil de compreender , pensou Ártemis. Ela havia imaginado que Apolo achara a mortal atraente, mas, pelo visto, ele mudara de ideia.

— Bem — ela recomeçou devagar —, isso tudo é culpa de Baco, portanto ele vai ter que dar um jeito nessa história. Talvez possa usar o mais potente de seus vinhos para induzi-la a um estado de desejo. Ele também é um deus, e suponho que já tenha seduzido mortais antes, por mais repulsivo que possa ser imaginá-lo envolvido em tal ato.

— Não! — a palavra pareceu explodir de Apolo. — Aquele infeliz não vai tocá-la!

Ártemis franziu as sobrancelhas finas, confusa.

— Apolo, seja claro! Em um momento diz que não deseja a mortal, e, no seguinte, está pronto a defendê-la de outro deus, como se fosse aquele tolo do Paris, e ela, sua Helena!

— Eu disse apenas que não queria ir para a cama com Pamela esta noite; não que eu não a deseje. A moça se feriu — ele deixou escapar quando a irmã o fitou em silêncio. — E, logicamente, eu a curei... Sem seu conhecimento — acrescentou depressa, antes que Ártemis falasse alguma coisa. — Levá-la para a cama em seguida seria abominável.

Os olhos penetrantes da deusa viram o desconforto velado no rosto de seu irmão. Apolo não estava sendo honesto. Não com ela e, talvez, nem mesmo consigo.

De qualquer forma, ela poderia afirmar, apenas pelo modo como ele cerrava o maxilar, que o deus não lhe revelaria mais nada.

— Amanhã?

Apolo assentiu com firmeza.

— Amanhã.

— Muito bem. Então vamos para o Olimpo. Creio que eu já esteja cansada do mundo mortal.

Apolo abriu a porta do armário e fez um sinal para que ela o precedesse através do portal brilhante, que cintilava com as cores de uma concha. Estava voltando para o mundo deles, contudo não tinha a menor intenção de se retirar para o Olimpo.

Assim, deu um boa-noite distraído para a irmã e se transportou para o único lugar em que, sabia, poderia encontrar ajuda.


Capítulo 11


Fora uma surpresa, tanto para Apolo como para o restante dos olímpicos, descobrir que a deusa que havia ganhado o coração supostamente frio de Hades não era uma deusa. Que Deméter trocara a alma de sua filha, Perséfone, pela de Carolina Francesca Santoro, uma mortal do mundo moderno. Deméter quisera domar sua despreocupada filha, e a troca lhe parecera uma excelente oportunidade para amadurecer Perséfone, assim como apresentara outro excelente benefício secundário: o de a empresária mortal, muito mais madura, trazer ao Submundo sua presença calma e feminina.

Já o senhor do Submundo cair de amores pela mortal disfarçada de deusa fora um desfecho inesperado.

Apesar de que, pensou Apolo, tão logo ele conhecera Carolina ou Lina, como Hades a chamava, não demorara muito a compreender por que o Deus do Submundo ficara tão apaixonado pela moça. Lina era sábia e dona de uma exuberância única que brilhava como um farol de dentro dela.

Apolo sorriu. Ele sempre se sentira atraído pela risada de Lina, e agora entendia por quê. Seu riso carregava o som de sua alma mortal na voz do corpo que ela habitara por algum tempo: o da deusa Perséfone. E, dentro dessa alma mortal, ele escutava o eco da alegria terrena de Pamela.

— Quer dizer que a mortal já o conduziu para o inferno...

— Carolina, não o perturbe. — Hades sorriu com carinho para sua alma gêmea.

— Está exibindo o seu lado sensível de novo, meu amor — provocou Lina no tom zombeteiro que apenas ela poderia usar com o Deus do Submundo.

Hades bufou.

— Não é que eu seja sensível. Simplesmente compreendo muito bem o caos que uma mortal moderna pode causar na vida de um deus...

Lina ignorou de propósito as palavras do marido e voltou a atenção para Apolo. O deus dourado tinha descartado a roupa molhada com que chegara e agora vestia uma das confortáveis vestes de seu marido. Ela e Hades, por sua vez, descansavam em seu cômodo particular e bebiam ambrosia.

Apolo os visitava com frequência desde que se tornara do conhecimento de todos que uma mortal se transformara na Rainha do Submundo; e os três haviam se tornado grandes amigos. O Deus da Luz devia estar relaxado e se sentindo em casa na companhia deles, mas, ao contrário, seus nervos pareciam estar à flor da pele. Ele não conseguia ficar sentado. Andava, inquieto, diante da imensa janela que dava para os belos jardins da parte de trás do palácio, sem prestar atenção à bela vista.

— Não sei com o que está tão preocupado. Pelo que nos disse, Pamela me parece muito interessada em você — concluiu Lina.

— É exatamente disso que não tenho certeza! É em mim que ela está interessada, ou se trata apenas desse maldito poder da invocação?

— Isso é fácil de descobrir — opinou Hades. — Basta fazer amor com Pamela. Se ela sumir da sua vista depois, era o feitiço que a atraía. Do contrário é você mesmo.

Apolo fez uma careta, sem saber por que estava tão pouco disposto a testar o carinho de Pamela. Não seria mesmo simples? Por que a ideia fazia seu estômago se contrair?

— É assustador, não é? — A voz suave de Lina interrompeu seu turbilhão interior. — Trata-se de algo que nós, mortais, conhecemos muito bem: o medo da rejeição. No entanto, para conhecer o amor verdadeiro, precisa estar disposto a se abrir para a possibilidade de ser magoado. Eu gostaria de ter uma solução menos difícil, mas não tenho.

— Então é sempre difícil assim.

Lina sorriu, compreensiva, diante da expressão sofrida do deus dourado.

Sentado a seu lado, Hades deslizou a mão para a dela e, por um momento, eles partilharam um olhar.

— Só é difícil assim quando gosta mesmo da pessoa — ela enfatizou.

O rosto de Apolo empalideceu.

— Posso me apaixonar por ela? — Ele articulou as palavras como se tivesse acabado de dar nome a uma nova praga.

Lina assentiu com um gesto de cabeça, tomando o cuidado de segurar a risada que ameaçava escapar. Pobre Apolo!... Ele estava tão arrasado!

— Receio que sim.

— Anime-se! — incitou Hades. — Amar uma mortal não é tão terrível assim.

— Que bom que disse isso — Lina emendou, travessa.

Hades apenas riu e a beijou no topo da cabeça.

— Ela não sabe quem eu sou — Apolo prosseguiu, tenso. — Pamela pensa que sou um médico e músico mortal. Talvez não seja o feitiço. Talvez ela possa se apaixonar por mim também... Mas isso não vai mudar quando ela descobrir que estou fingindo ser alguém que não sou?

— Não permita que ela fuja de você. — A voz de Hades tornou-se grave, e sua mão apertou a de Lina conforme ele se lembrava de como quase a tinha perdido por conta do próprio orgulho.

— Apolo, precisa ter certeza de que está mostrando a ela seu verdadeiro “eu” — aconselhou Lina, escolhendo cuidadosamente as palavras. — Essa é a parte mais difícil quando se ama alguém. Tem que se desnudar para que dê certo. Se conseguir fazer isso, de repente vai perceber que não é um deus, um médico ou um músico, mas apenas um homem apaixonado. E se ela corresponder ao seu amor, também vai se dar conta disso.

— E se não corresponder? — Apolo perguntou.

Lina respondeu com sinceridade:

— Se não corresponder, vai ficar magoado.

— Vale a pena arriscar — afirmou Hades, encontrando o olhar da amante. — A chance de se conhecer o verdadeiro amor vale qualquer coisa.

Em resposta, Lina lhe tocou o rosto em uma carícia suave.

Apolo observou o casal. Às vezes Lina e Hades pareciam se falar numa linguagem secreta. Eles se entendiam como se tivessem sido feitos um para o outro.

Por todos os deuses! , Hades havia mudado muito desde que Lina entrara em sua vida. Era como se amá-la tivesse descortinado um mundo novo para ele. Se uma vez o Deus da Escuridão fora ensimesmado e retraído, agora parecia em paz, até mesmo afável. Lina tinha transformado Hades em um ser mais completo.

E ele, Apolo, desejava aquela mesma completude.

— Vou dar um fim a essa história — proclamou, decidido. — Farei amor com Pamela. Se for apenas o feitiço o que a faz se sentir atraída por mim, preciso saber.

Apolo parecia disposto a aceitar o desafio, concluiu Lina.

Então seu rosto mudou mais uma vez, e ele passou a mão pela testa como se pudesse, com isso, afastar suas preocupações.

— Mas, se não é um feitiço, como faço para manter o afeto de Pamela? — Ele piscou, confuso, voltando-se para ela. — O que desejam as mortais modernas, afinal?

— Isso não é mistério nenhum, Apolo. — Lina sorriu. — Desejamos a mesma coisa que você deseja, o mesmo que Hades quer: alguém que nos ame como somos realmente, sem disfarces, sem fingimentos, sem nenhum tipo de jogo. — Ela se levantou e aproximou-se do deus dourado, colocando a mão em seu braço. — Consegue fazer isso, amigo? Não é como correr atrás de ninfas e deusas. Aliás, é bem menos encantador.

Apolo pensou sobre como o mundo tinha desaparecido quando Pamela relaxara em seus braços, e como a crescente confiança em seus olhos o fizera sentir-se mais divino do que todas as glórias do Olimpo. Em seguida, pensou no terror que experimentara ao vê-la desabar bem na frente das máquinas de metal. Se ele não tivesse usado seus poderes, Pamela teria sido esmagada, morta...

Passou a mão pela testa outra vez.

— Estou cansado de encantamentos. Acredito que prefiro o amor — falou baixinho.

— Boa escolha, querido. — Na ponta dos pés, Lina deu-lhe um rápido e fraterno beijo. — Ah... Creio que deva dizer a Pamela quem você é o mais breve possível. — Lançou um olhar de soslaio para Hades. — Acredite, é melhor partir logo para a verdade.

— Sim, sim, farei isso. — Distraído, Apolo não parecia ouvi-la. — Obrigado, meus amigos. — Ele lhe afagou a mão e, depois, se afastou dela, preparando-se para se transportar de volta a seu palácio olímpico. — Talvez eu devesse levar um presente para ela... — Suas palavras flutuaram através da câmara conforme seu corpo oscilou e, em seguida, desapareceu.

— Creio que o coração do Deus da Luz já será um bom presente — Lina murmurou, soltando um pesado suspiro.

Hades encolheu um ombro.

— Uma joia nunca foi má ideia.


Pamela acordou aos poucos. Esticou-se e, em seguida, abraçou o travesseiro, sonolenta, pensando que algo maravilhoso estava para acontecer naquele dia. Em meio ao estado de vigília e o sono, entretanto, não conseguia se lembrar muito bem do que era.

Sentia-se maravilhosa. Tinha o corpo descansado, mas, ainda assim, encontrava-se cheia de ansiedade.

Um facho de luz irrompeu por entre as cortinas de brocado que estavam quase cerradas, brincando em suas pálpebras e fazendo-a se lembrar de raios dourados de sol, de calor... e de olhos brilhantes, da cor da água-marinha.

Em seguida, ela recordou a noite anterior, beijos na chuva... Febo!

Seus olhos se abriram.

Merda! Como podia ter se esquecido? Iria encontrá-lo naquela noite, às oito horas.

Olhou para o relógio de cabeceira e sentou-se na cama. Era quase meio-dia! Ela, uma madrugadora, dormindo até a hora do almoço?...

Bem, também fora uma mulher que tinha evitado homens e romance por vários anos, e se lembrava bem de, na noite anterior, ter derretido nos braços de um estranho.

Abraçou os joelhos contra o peito, sentindo o coração bater de emoção. Não era nenhuma bruxa velha. Era jovem e estava viva! Aproveitara uma oportunidade e se dera bem. E que oportunidade!...

Um arrepio delicioso lhe percorreu o corpo conforme se lembrava de como se sentira quando Febo a envolvera nos braços. E aquela boca!... O beijo dele ficara gravado nela, desde seus lábios até os dedos dos pés.

E se ele era tão bom beijando, como não seria fazendo outras coisas?...

O telefone tocou, arrancando-a do sonho erótico.

— Olá, Ve — falou, sem olhar para o número de identificação no visor.

— Está sozinha? — Ve quis saber num calculado sussurro.

— Sim. — Pamela mordeu o lábio, e acrescentou: — Infelizmente.

— Oh-Oh . Olhe só como está a mulher!

— Ve, estou me sentindo viva outra vez! É como se eu houvesse me transformado em um deserto, e ele fosse uma chuva morna de primavera... E vou lhe dizer, estou pronta para me entregar. — Pamela suspirou, feliz.

— Está boba pelo homem.

— Completamente. Tem razão. Estou encantada, inebriada de paixão! E, caramba , como isso é bom!... Ah, deixe-me tirar isso da frente de uma vez. Preciso admitir em voz alta e sem qualquer pressão... Você estava certa — ela cantarolou, alegre.

— Espere, estou me beliscando... Sim, está doendo! Eu não estou sonhando! Claro que eu estava certa! E não está mais bêbada, está?

Pamela riu.

— Eu nunca estive assim, tão alcoolizada. Fiquei alegre apenas o suficiente para fazer o que me aconselhou. E, ah... foi maravilhoso!

— Detalhes sórdidos, por favor! Conte-me tudo.

— Fomos para as fontes do Bellagio. Primeiro eles tocaram uma música romântica de uma ópera que Febo...

— Febo? — Ve a interrompeu.

— É o nome dele. Ele é grego, romano, latino... sei lá. Sabia que Pamela significa “tudo o que é doce” na língua grega?

— Pammy, está perdendo o foco. Comece de novo. O nome dele é Febo e...?

— Ah, sim... Primeiro tocaram essa música de ópera. Ele sabia a letra e, Deus! , foi muito romântico. — Ela suspirou.

— Você já disse isso. Conte mais!

— Começou a chover e nós corremos para debaixo de uma árvore. Não vai acreditar nessa parte... Estávamos ali e... Ve, eu já disse como ele é lindo?

— Concentre-se, por favor!

— Desculpe. De qualquer forma, estávamos ali de pé e a fonte começou a jorrar de novo, com Faith Hill cantando This Kiss !

— Está brincando.

— É sério! E então aconteceu.

— Transaram ali mesmo, na rua?

— Não! Estávamos na calçada, e não transamos coisa nenhuma, apenas nos beijamos.

— Em seguida foram para o seu quarto e copularam como dois coelhinhos heterossexuais tarados?

— Não! — Pamela limpou a garganta e teve o desejo insano de sussurrar o restante da história. — Mas ele me carregou até o quarto.

— Quer dizer como Rhett e aquela gostosa da Scarlett?

— Exatamente assim. Só que eu torci o tornozelo, e estava chovendo.

— Caiu dos scarpins .

— O que prova como esse cara me tira do prumo porque, como você mesma sabe, eu poderia correr em uma pista de gelo com um salto sete! — afirmou Pamela, presunçosa.

— Ele bancou o cavaleiro numa armadura reluzente — um clichê, a propósito, que vocês, meninas hetero , adoram — e ainda não dormiu com o pobre trípode?

— Ainda não — Pamela concordou sem fôlego.

— Ainda? Entregue o restante da história!

— Temos um encontro esta noite. Tcharam!... — ela terminou com o floreio verbal.

— Não brinque...

— Brinco.

Ve, uma namoradeira contumaz, foi direto ao assunto:

— Está bem. Qual é o plano?

— Acho que poderíamos ir jantar — ponderou Pamela.

— Pammy, está em Las Vegas. Pode fazer melhor do que isso.

— Por favor, não me diga que temos que jogar primeiro...

O suspiro da outra moça foi longo e sofrido.

— Claro que não! Vegas é a Meca dos shows fabulosos. Vão assistir a algum, de preferência um bem sexy .

— É uma boa ideia, mas... Eu não deveria esperar para ver o que ele planejou?

— Pammy, sabe que eu sou sua amiga, então, por favor, não leve isso para o lado errado... Está disposta a entrar em outro relacionamento em que o homem sempre assume a liderança?

— Não! — a palavra saiu em um lampejo de raiva. — Não quero nada parecido com o que Duane e eu tivemos. Não sou mais aquela menina boba com quem ele se casou.

— Você não era boba, Pamela. Era apenas imatura e estava apaixonada. Cometeu um erro, e isso acontece com todo o mundo.

— Pois não vai acontecer comigo de novo — Pamela declarou com firmeza.

— O quê? Apaixonar-se ou ser imatura?

Pamela abriu a boca para dizer “as duas coisas”, mas depois se lembrou do azul suave dos olhos de Febo e do interesse e desejo com que ele a fitava. Também se recordou de outra coisa que tinha quase certeza de ter visto em seus olhos, em sua voz e na maneira como ele a tocara: uma busca familiar que chegara a seu coração, assim como à sua alma.

Almas gêmeas.

O pensamento pairou como o perfume das flores de primavera em sua mente.

— Eu não sou mais tão jovem — lembrou, contida. — Não há como eu me apaixonar em um fim de semana.

Vernelle riu.

— Continue a dizer isso para si mesma, Pammy.

Pamela franziu a testa.

— Preciso desligar. Tenho muito que fazer antes desta noite.

— Por exemplo...?

— Desenhar essa fonte horrorosa, de modo a ter algo para enviar aos Meninos das Fontes .

“Meninos das Fontes” era como Pamela e Ve chamavam os irmãos que possuíam um enorme atacado de fontes, o qual a Ruby Slipper usara diversas vezes para atender a pedidos contendo todos os tipos de aparato envolvendo água. — Estou aqui para trabalhar, lembra-se?

— Pensei que Faust tivesse dito para aproveitar o fim de semana e estudar o ambiente do Fórum.

— Isso não significa que eu possa ignorar o trabalho. O que me fez lembrar: vai se encontrar com a sra. Graham hoje?

— Sim, claro. A mulher dos gatos e eu temos uma reunião esta tarde. Vamos discutir a cor de suas janelas. Reze por mim.

Pamela riu.

— Vou ver se consigo encontrar uma vela para acender.

— Muito bem, já chega de falar sobre trabalho a ser feito. Devia estar à toa, não trabalhando.

— Verdade. Acho que já absorvi o suficiente desta breguice romana. Quanto antes eu começar este trabalho, mais cedo me livrarei dele.

— Fantasia e diversão, lembra-se?

— Vernelle, esta noite vou sair com um lindo estranho chamado Febo. Isso não é fantasia e diversão suficiente para você?

— Misture um pouco dessa sua arrogância com o trabalho, sem perder o senso de humor, e creio que terá a receita perfeita para ter sucesso tanto com E. D. Faust, como com Febo. Divirta-se com ambos, Pammy.

Diversão, Pamela repetiu em pensamento. Sua vida pessoal tinha definitivamente deixado de ser divertida. Era confortável, segura, mas divertida, feliz, alegre?... Não.

Seu trabalho também deixara de ser prazeroso? Ela gostava do que fazia e estava satisfeita. Mas qual fora a última vez em que havia sentido uma onda de alegria na conclusão de um projeto?... Não conseguia se lembrar.

O pensamento a fez sair do ar.

— Pammy? Ainda está aí? — Ve perguntou.

— Sim. Eu só estava pensando.

— Que tal reservar à fonte uma hora de seu tempo, depois chamar a concierge e pedir que ela providencie as entradas para um espetáculo?

— Ok, ok. Tem razão — ela anuiu.

— E amanhã eu quero um relatório completo!

— Você o terá.

— Ótimo. Bye-bye , passarinha — Ve brincou antes de desligar.

Pamela esfregou o sono dos olhos. Tomara ela tivesse algo para relatar no dia seguinte.

Antes que mudasse de ideia, discou nove para a recepção, e uma mulher de tom eficiente atendeu ao segundo toque.

— Sim, srta. Gray. Como posso ajudá-la?

— Eu gostaria de assistir a um show esta noite. — Pamela fez uma pausa e respirou fundo. — Um espetáculo erótico. Mas nada muito desagradável — completou depressa.

— Claro que não, senhora. Recomendo um show que está no hotel New York, New York. É da mesma empresa que produz o Cirque du Soleil . Já ouviu falar deles?

— Sim, eu assisti a um espetáculo do Cirque du Soleil quando eles foram a Denver.

— Excelente. Essa produção se chama Zumanity . É bem erótica, mas de muito bom gosto.

Eu mesma vi e gostei muito. Na verdade, as entradas devem estar esgotadas, mas o hotel tem acesso a alguns tickets extras.

— Perfeito. — Pamela suspirou, aliviada por tudo estar se encaixando tão facilmente.

— De quantos ingressos vai precisar?

O sorriso de Pamela telegrafou através da linha telefônica.

— De dois, por favor.


Capítulo 12


Pamela mudou o peso do corpo e sentou-se sobre os pés, concentrada em desenhar a fonte.

Ou melhor, a sua versão da fonte. Manteve a forma de trevo desta, porém diminuiu seu tamanho e ignorou as horríveis estátuas de Ártemis, Apolo e César, substituindo-as por lindas espirais que pareciam ondas, do meio das quais peixes jorravam água.

Olhou para a estátua gorducha no centro e suspirou. Não importava o quanto ela “consertasse” aquela coisa gimensa ; não havia como transformar Baco em algo aceitável. Muito menos com Eddie insistindo para que a escultura fosse animada.

Sentiu os dedos, que antes voavam sobre a página do bloco, diminuírem o ritmo. Desenhou um pedestal central, porém deixou o espaço onde o Deus do Vinho se sentava vazio. Decerto poderia convencer Eddie a aceitar algo menos... — franziu a testa para a estátua — ... menos gordo e hediondo.

Olhou para o relógio. Três e meia. Ainda tinha quatro horas e meia até o encontro.

Precisava pegar a câmera e tirar fotos das colunas, bem como fazer anotações sobre cores e texturas. Todo esse trabalho preliminar seria necessário na segunda-feira, quando ela se encontraria com Eddie na casa dele, enfim.

Deveria se concentrar na tarefa, contudo, sua mente insistia em vagar por coisas mais prazerosas. O dourado das colunas ornamentadas lembrava o brilho do cabelo de Febo. Agora que não que precisava mais se preocupar com o esboço da fonte, seus pensamentos, volta e meia, se concentravam nele. Mesmo o céu de mentira, com nuvens macias revolvendo, lembravam seus olhos.

Inferno , até aquela estátua cafona de Apolo se parecia com ele de alguma forma! Era como se Febo fosse uma daquelas luzes brilhantes que atraíam insetos, e ela, uma mariposa apaixonada!

Estava obcecada. Sabia disso. E mais do que decepcionada por perceber que, na verdade, não se importava com seu estado. Pelo contrário, sentia-se como quando lia um livro maravilhoso: como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa e desfrutando cada segundo.

Seu sorriso foi lento e muito, muito sensual. Talvez ela devesse mesmo jogar. Sentia-se, sem dúvida, com muita sorte.

Como se ecoando seus pensamentos, uma moça esbelta se aproximou da fonte, falando, excitada, com uma amiga.

— Acredita na nossa sorte? Meu Deus! Tropeçar na liquidação anual da Chanel !

Liquidação da Chanel ? Os ouvidos de Pamela se aguçaram.

— Pensei que eu fosse desmaiar quando vi o preço daquele vestido! — Carregando sacolas abarrotadas de compras, as duas mulheres passaram, rindo, por seu banco.

Pamela lançou à fonte um último olhar de desprezo e quase riu alto. Devia ser o destino... ou talvez um presente dos deuses. Ela iria comprar um novo e fabuloso vestido Chanel para usar naquela noite, iria a um show erótico com um pedaço de mau caminho , e podia até mesmo fazer sexo com ele depois!

Sentiu o estômago se apertar.

Esqueça isso, está se precipitando!

Respirou fundo.

Ora... Poderia, mesmo, ficar com Febo depois. Um bom amasso não estava fora de questão. Fechou o bloco e o guardou na pasta de couro.

Vermelho. Iria comprar um vestido vermelho que deixasse as pernas de fora. Podia até mesmo ir a uma pedicure.

Sim, iria fazer isso. Esmalte vermelho nos pés era uma necessidade numa situação daquelas.

Decidida, Pamela rumou para o paraíso da alta-costura, cantarolando baixinho.


Baco tamborilou os dedos na mesa do restaurante. As coisas não estavam indo como ele planejara.

— Traga-me outra tequila! — rosnou para uma garçonete que passava, arrependendo-se em seguida quando ela se encolheu sob o calor de sua ira e quase derrubou várias cadeiras na pressa para chegar ao balcão e fazer o pedido. Já era ruim o bastante que os jovens olímpicos o estivessem aborrecendo. Fazer que ele descarregasse sua irritação em pessoas inocentes de seu reino era inaceitável.

Afinal, aquele ainda era o seu reino.

A atendente voltou correndo para a mesa, trazendo a tequila.

— Sinto muito, eu devia ter prestado mais atenção ao senhor. Não foi minha intenção fazê-lo esperar tanto pelo seu drinque.

Baco sorriu e tocou a garçonete no braço, transmitindo-lhe uma dose de magia. No mesmo momento, o olhar aterrorizado da moça desapareceu, suas faces coraram e seus lábios se entreabriram, sedutores. Como ela podia tê-lo considerado um estranho assustador e obeso? A raiva do homem não era tão palpável, e ele não era assim, tão gordo. Era apenas grande, e ela gostava daquele tipo. De verdade.

Um estranho calor emanou dos dedos dele, fluindo por seu braço e percorrendo seu corpo. Sentiu os nervos formigarem e suas partes mais íntimas ficarem úmidas.

Fitou os olhos escuros e se inclinou para mais perto do homem, desejando que ele tirasse a mão de seu braço e a deslizasse para o meio de suas pernas...

Baco riu e acariciou a carne firme do braço da menina.

— Mais tarde, esta noite, irá à minha suíte. Apenas pense em mim, e seu desejo a levará ao quarto certo.

Apenas após ter a certeza de que seu comando fora plantado no subconsciente da moça, o deus rompeu o contato com sua pele.

A garçonete estremeceu com um intenso prazer.

— Sim! — gemeu, enlevada.

— Agora, caia fora. — Ele gesticulou, e um véu pareceu se erguer dos olhos dela.

A moça piscou e sorriu para ele, hesitante.

— Há mais alguma coisa em que eu possa servi-lo, senhor?

— Mais tarde, talvez.

Ela se afastou devagar, parecendo ainda meio atordoada.

Baco estudou com atenção as nádegas arredondadas, imaginando como seria senti-la sob ele naquela noite. Ela era deliciosa, jovem, tenra... e agora estava apaixonada. Afinal ele era um deus; podia facilmente ter certeza de sua adoração.

Mortais modernos precisavam adorá-lo. Ele estaria fazendo à jovem um favor ao adicionar a inebriante magia do vinho e da fertilidade à sua vida mundana.

No entanto, ele era o único deus que tinha o direito de usar seu poder em meio a eles. Las Vegas fora descoberta sua, portanto ELE NÃO PARTILHARIA SEU REINO! Muito menos com os gêmeos dourados. Ele sempre os desprezara por sua perfeição e sua displicente arrogância sobre tudo. Apolo e Ártemis não haviam se contentado em permanecer no Caesars Palace e em jogar ao lado dos mortais. Tinham encontrado o caminho para seu lugar predileto: a fonte do Fórum.

Sim , pensou Baco. Ele usara seu poder imortal por meio das ninfas com a intenção de chocar os gêmeos. Visara de propósito àquela mortal reprimida e a levara a beber o suficiente de seu vinho para dar sequência aos eventos que permitiriam a conclusão da invocação.

Conhecia o temperamento de Ártemis. Todos no Olimpo conheciam. E tinha certeza de que a diva iria fazer algo para impedir a evocação, principalmente quando ele usara sua caricatura de Deusa da Caça de um modo tão desrespeitoso. Agindo contra ele, aqueles dois deuses inferiores acabariam por trair a si mesmos no mundo moderno.

Que espetáculo inebriante não teria sido!

Claro que testemunhar a ira de Zeus também teria sido ótimo. Depois que as nuvens de tempestade houvessem se dissipado do Olimpo, ele, Baco, poderia ter deslizado pelo portal esquecido e, mais uma vez, ficado sozinho em sua magnífica Las Vegas para reinar sem restrições ou regras que limitassem seus desejos.

Mas nenhum dos gêmeos havia interrompido a invocação, e a mortal invocara Ártemis para cumprir seu desejo mais sincero de verdade.

E Apolo começara a cortejá-la! Ele os vira namorando pelo restante da noite. Tinha certeza de que o Deus da Luz não estava usando nenhum de seus poderes imortais para seduzir a mulher.

A raiva se avolumou dentro de Baco. Apolo nem precisava usar seus poderes e seduzir com magia. Era dono de um corpo musculoso e dourado que denotava uma beleza masculina muito acima dos padrões mortais. Não era justo que o Deus da Luz fosse tão bem-dotado!

Cerrou o maxilar. Persuadira o céu do deserto a enviar uma tempestade para arruinar o encontro daqueles dois, mas também não dera certo. Por isso cutucara a desavisada mortal, fazendo-a prender o salto na calçada. Ela devia ter ido parar no meio do tráfego, e o deus dourado ter traído sua presença na tentativa de salvá-la. Porém, Apolo conseguira frustrar o acidente que ele orquestrara sem que os mortais de Las Vegas percebessem que havia um poderoso imortal entre eles.

Aquele insuportável!

Mas ele não toleraria outro deus usurpando seu lugar.

Lembrou-se do beijo apaixonado que Apolo e a mortal tinham trocado, e da forma como este a carregara em meio à chuva, como se fosse um herói. A moça era o que mantinha o interesse do Deus da Luz em Las Vegas. Mas quem poderia adivinhar por quanto tempo ele ficaria brincando com a mortal? E se, depois que Apolo se cansasse dela, o deus descobrisse que adquirira um gosto especial pelas mulheres modernas?, questionou Baco. Afinal, ele mesmo desenvolvera tal gosto.

Engoliu um último trago da potente bebida. Não. Isso jamais aconteceria. Ele não iria suportar ver Apolo seduzindo suas mortais.

Mas como poderia se livrar do Deus da Luz? Não era tarefa fácil. Apolo, decerto, não iria trair a si próprio e se revelar uma divindade, atraindo a ira de Zeus. E nem ele nem sua irmã gêmea aparentavam estar com pressa de contar ao senhor dos deuses a respeito da invocação que ele, Baco, havia provocado. Infelizmente, era óbvio que, após ter dado início à sedução da mortal, Apolo parecia, de fato, estar se divertindo.

Baco apertou os dentes. Só podia culpar a si próprio por aquilo, portanto era problema seu descobrir uma maneira de neutralizar o gosto que o Deus da Luz adquirira por Las Vegas.

Queria gritar de raiva. Como Apolo podia não desfrutar Vegas? A cidade era um verdadeiro playground para os deuses, e o outro tinha o poder de dar vida à sua magia, assim como ele.

O desprezo desenhou um sorriso de escárnio no rosto do Deus do Vinho. Ele gostaria muito de ver o Deus da Luz sobreviver em Las Vegas sem seus poderes sobrenaturais. Apolo seria como uma criança perdida em uma floresta escura. Julgava-se superior a ele, Baco, mas não conhecia nada do mundo dos mortais modernos. Não possuía as mesmas reservas de dinheiro nem as suítes de luxo, muito menos o vasto conhecimento de como manipular os mortais a seu bel-prazer.

De repente, Baco endireitou-se sobre o assento que mal lhe comportava o corpo. Era isso! Se ele conseguisse um modo de fazer Apolo perder o fechamento do portal na noite seguinte, o grande Deus da Luz ficaria aprisionado no mundo mortal por um período de cinco dias, sem nenhum de seus formidáveis poderes. Ficaria fraco, desamparado... miserável. Quando o portal fosse reaberto, ficaria feliz em partir para o Olimpo e nunca mais voltar.

E seria apenas uma questão de tempo antes que a antipatia do Deus da Luz por Las Vegas se alastrasse pelo restante daqueles esnobes olímpicos.

Ele faria isso, decidiu Baco, sorrindo com horrível malícia. Apolo ficaria preso em Las Vegas sem nenhum poder.


Capítulo 13


— As roupas são mesmo muito estranhas, senhor, mas ainda o consideramos bastante atraente com elas — declarou a ninfa loira em uma voz melodiosa e sedutora.

O restante do grupo de divindades que se reunira em torno de Apolo após ele ter saído do closet murmurou sua concordância.

Apolo estudou o próprio reflexo no enorme espelho com moldura entalhada. Na noite anterior estivera tão distraído, após deixar Pamela, que havia se esquecido de recuperar as próprias roupas na loja de Armani.

Naquela manhã, seu encontro com Pamela fora a primeira coisa a lhe vir à cabeça e, por consequência, tinham surgido as dúvidas quanto ao que ele deveria usar e aonde poderiam ir. Seu traje moderno fora arruinado pela chuva, e Apolo se perguntou, ao inspecionar a camisa amarrotada, como os mortais daqueles tempos faziam para atender à constante necessidade de novas roupas.

Ao menos aquilo explicava a proliferação de lojas oferecendo todos os tipos de vestimenta. Devia-se perder muito tempo tentando se trajar devidamente no Reino de Las Vegas.

Ele era um deus, contudo. Não queria desperdiçar tempo adquirindo uma quantidade interminável de roupas. Por isso fizera o que muitos dos imortais faziam: enviara ninfas para comprá-las por ele.

Tirou um fiapo da manga da camisa creme que era do mesmo estilo da que ele estragara na chuva, mas que possuía linhas azuis quase imperceptíveis trabalhadas no tecido. As calças eram feitas de um linho de qualidade, num tom mais escuro do que a camisa.

Era sempre sábio evocar o auxílio de ninfas em se tratando de cores e estética. Os tons sutis que elas tinham escolhido pareciam os dos primeiros raios de sol mesclados com o azul e coral do amanhecer.

— Fizeram uma excelente escolha. — Sorriu para as ninfas, que sorriram de volta e se alvoroçaram em seu louvor.

A mais ousada do grupo, uma dríade de cabelos castanhos com quem ele se lembrava de ter tido um caso apaixonado vários séculos antes, chegou mais perto. Jogou os cabelos compridos até a cintura para trás, exibindo o corpo sob a túnica diáfana e quase inexistente.

Conforme os olhos de Apolo se voltaram naturalmente para os mamilos escuros, estes se contraíram em uma resposta instantânea.

— Por que não fica conosco, Deus da Luz? — ela ronronou, correndo as mãos pelo próprio corpo. — Podemos entretê-lo muito melhor do que qualquer mortal.

— Sim — concordou outra ninfa, aproximando-se. — E não vai precisar usar nenhuma roupa para o que estamos oferecendo...

As outras divindades riram, sedutoras, e se puseram a dançar de improviso em torno de seu deus favorito. Sorriam num claro convite, fascinando-o com sua estonteante beleza e sensualidade.

Apolo as observou, divertido e lisonjeado pela demonstração de carinho. Ele sempre fora muito querido pelas pequenas semideusas. Elas eram como flores lindas e eróticas que ele poderia colher sempre que quisesse, e cujo néctar podia apreciar a qualquer momento.

Mas, desta vez, não ficou tentado a provar dos seus encantos. Se as ninfas eram como flores, Pamela era como a Terra — fértil e sensual. E o que ele mais desejava no momento era mergulhar em sua exuberância.

— Talvez em outra hora, minhas queridas.

— Vão embora!... — Uma voz forte, a versão feminina da sua própria, veio da porta. — O Deus da Luz vai estar ocupado esta noite.

As ninfas desapareceram da sala, lançando olhares nervosos na direção de Ártemis.

— Não precisava ofendê-las — ralhou Apolo, passando os dedos pelo cabelo.

— Digamos que eu esteja um pouco aborrecida, e que tenha coisas mais importantes na cabeça do que esse seu afeto por ninfas... Por exemplo, estou me sentindo acorrentada a uma mortal de um modo que até Prometeu iria achar difícil suportar!

Apolo riu.

— Não pode ser tão ruim assim.

O rosto de sua irmã permaneceu tenso e sério.

— Sinto o peso da vontade e do desejo de Pamela, e ambos são consideráveis.

As palavras fizeram cessar o riso de Apolo.

— Aconteceu alguma coisa com Pamela? Ela está bem?

— A tolinha está ótima. Está apenas cheia de desejo e expectativa. Chega a ser opressivo.

— Pamela não é nenhuma tola — contestou Apolo após o enorme alívio que o inundou. Então ela estava segura. Não havia nada de errado com ela... além de um forte desejo por ele.

— Espero que esse sorriso ridículo no seu rosto seja porque vai levar a mortal para a cama esta noite e me livrará do fardo de sua invocação.

— É a minha intenção — ele concordou, e não se preocupou em parar de sorrir. Por tudo o que era sagrado, estava feliz!

— Fico muito contente em ouvir isso. — Ártemis lançou-lhe um olhar de enfado.

Apolo deu o braço à irmã enquanto caminhavam em direção ao Salão Nobre do Olimpo e ao portal para o Mundo Moderno.

— Eu já disse “obrigado” por me fazer visitar o Reino de Las Vegas com você?

— Eu nunca pretendi que isso tudo acontecesse — contrapôs Ártemis, porém teve que retribuir o sorriso do irmão. — Embora eu tenha pressentido que precisava de um pouco de diversão.

Apolo permaneceu em silêncio até ficarem frente a frente com o portal. Então fitou a deusa com uma expressão no olhar que Ártemis não conseguiu definir.

— Acredito que tenha me proporcionado muito mais do que uma simples diversão, irmã.

— Basta se certificar de que estarei livre em breve — ela proclamou, escondendo o leve mal-estar que o comportamento estranho de Apolo lhe despertava.

— Não se aflija, Ártemis — ele pediu, a voz e o corpo se desvanecendo conforme passava através do portal.

Ártemis o observou partir, a testa enrugada pela preocupação.

Suspirou, desgostosa. Teria que tomar conta de Apolo. Definitivamente, ele estava com a cabeça nas nuvens. Precisaria de um empurrão para fazer o que deveria ser feito. Balançou a cabeça e olhou para o portal. Às vezes ela não compreendia o irmão.


Pamela não o tinha visto ainda, e Apolo ficou à sombra da grande coluna de propósito, de modo a poder devorá-la com os olhos. Ela se encontrava sentada à mesma mesa em que estivera na noite anterior, tomando um gole de vinho da taça de cristal.

E estava magnífica. Seu vestido era de um tom rico de vermelho que combinava com o cabelo escuro e a pele clara. O modelo era simples e elegante: sem mangas e feito de um tecido leve que abraçava seu corpo como uma segunda pele, deixando parte da perna longa e sedutora exposta.

Ele sorriu e balançou a cabeça. Pamela calçava aqueles sapatos outra vez. Não o mesmo par da noite anterior, claro. Os que ela escolhera para se equilibrar naquela noite eram sandálias douradas que pareciam encarapitadas em adagas. Mal podia esperar para ver o que andar sobre elas faria para aquelas pernas e nádegas bem-feitas...

Sentiu as entranhas se revolverem e pesarem enquanto a observava. Tinha vontade de pegá-la e carregá-la para longe da multidão, direto para o quarto, onde poderia lhe mostrar o que era ser amada por um deus.

Deu meio passo em sua direção e então se deteve.

Não. Não queria apenas violá-la. Queria mais, e, para que pudesse ter mais, Pamela precisava conhecê-lo. Precisava saber quem ele era. Se ela fora enfeitiçada pelo ritual de invocação ou não, se tudo o que existia entre eles era sexo, sua relação com Pamela seguiria o rumo das que tivera com todas as suas outras amantes: eles iriam se separar tão logo seus corpos estivessem saciados.

Apolo pensou em Hades, em Lina e na alegria que eles haviam encontrado juntos. Queria ser feliz também, e nunca iria encontrar a felicidade se a luxúria fosse seu único objetivo.

Saiu das sombras em que estivera se escondendo, movendo-se na direção de sua futura amante com passos fortes e decididos. Percebeu o instante em que ela o viu. Seus olhos se arregalaram de leve, e sua boca deliciosa se curvou em um sorriso doce de boas-vindas.

O coração de Apolo disparou. O que Pamela o fazia sentir além daquela expectativa e desejo insanos? Nervosismo?... Aquela pequena mortal moderna conseguia deixar o Deus da Luz nervoso!

Conforme Febo chegou mais perto dela, Pamela sentiu uma onda de tensão e excitação. Estava mais do que feliz por ter comprado o vestido Chanel novo e, naquele momento, nem se importou mais que este não fosse da liquidação. Ao menos tinha certeza de que estava bem.

Agora, tudo com o que precisava se preocupar era em não abrir a boca e ficar gaguejando como uma idiota.

Os olhos dele pareciam ainda mais lindos do que ela se lembrava. Eram como os de Paul Newman multiplicados por cinco!

E, nossa , Febo era alto!... Tão deliciosamente alto.

— Boa noite, doce Pamela. — Apolo pegou sua mão e a levou aos lábios, fazendo que estes permanecessem em contato com a pele macia por mais tempo do que o necessário, porém não o suficiente para fazê-la sentir-se desconfortável.

Ficou satisfeito ao vê-la corar em resposta. Ele podia ser inexperiente em se apaixonar, mas o Deus da Luz não era inexperiente em seduzir.

— Está tão linda que alguém deveria pintar um retrato seu, ou então escrever um poema em homenagem a essa sua graciosidade.

— Obrigada... acho — ela agradeceu, tentando recuperar o equilíbrio. — Quero dizer, se “graciosidade” é um elogio.

— Claro que é. — Ele ainda segurava a mão dela.

— Obrigada. Agora para valer.

— De nada. — Relutante, Apolo soltou-lhe a mão e sentou-se a seu lado. — Não saiu dos meus pensamentos hoje, Pamela. — Deixou o olhar deslizar pelo rosto perfeito, depois pelo restante do corpo esbelto até as longas pernas que ela cruzara de lado, exibindo a pele perfeita. — Seu tornozelo deve estar recuperado se esta noite decidiu se equilibrar de novo nessas lâminas.

Ela sorriu e moveu o pé.

— Está perfeito. E não estou calçando “lâminas”. São meus sapatos novos, da última coleção Prada, que me custaram uma fortuna. Fiquei apaixonada por eles, então não tive escolha senão levá-los para casa comigo.

— Sapatos de sorte — ele replicou com voz rouca, antes de se curvar e lhe segurar o tornozelo. Passou o polegar por toda a sua extensão, enquanto sentia os ossos e tendões que havia curado na noite anterior, a fim de se certificar de que tudo estava bem.

Mas foi difícil para ele se concentrar na cura. O tornozelo de Pamela estava muito sensual no pequeno sapato, e ela pintara as unhas com um vermelho brilhante que combinava com o vestido, o que tornava os pés semidescalços indescritivelmente sexy .

Pamela sentiu o calor do toque viajar do tornozelo até as coxas, indo parar, inebriante, na boca do estômago, tal qual um uísque caro. Ficou desapontada quando Febo soltou seu pé.

Apolo fez sinal para que o servo lhe trouxesse uma taça de vinho antes de voltar a atenção para ela de novo.

— Já sabe o que fiz hoje: pensei em você. Agora me diga o que fez aqui, em Las Vegas, já que o tempo demorou a passar até que pudéssemos nos encontrar outra vez.

Maravilha , ela pensou. A conversa tinha começado bem. Eles precisavam conversar porque ela necessitava de tempo, e de jogar conversa fora, a fim de manter os hormônios sob controle.

Por favor, por favor, por favor!... Não me deixe falar nenhuma besteira!

— Primeiro fiz algo que quase nunca faço: dormi até tarde.

Ele levantou uma sobrancelha dourada, divertido.

— Sou, decididamente, uma madrugadora. Costumo levantar a tempo de beber uma xícara de café enquanto vejo o lindo nascer do sol no Colorado.

— Gosta do amanhecer?

— Adoro! — Ela sorriu, relaxando diante do assunto familiar. — Na verdade, o nascer do sol é um dos meus momentos favoritos.

A resposta veio do fundo da alma de Pamela e, de repente, Apolo desejou se abrir, dizer quem era e compartilhar seu mundo e sua vida com ela. Pamela adorava ver o sol nascer. Não era razoável supor que poderia adorar o Deus da Luz?...

Ele abriu a boca para lhe dizer seu verdadeiro nome, contudo seu lado mais racional freou o impulso. Não queria que ela o adorasse como a um deus. Queria que ela se apaixonasse por Febo, o homem dentro de Apolo.

Ainda assim, mal pôde mascarar o intenso desejo que lhe permeou a voz:

— O amanhecer também é muito importante para mim. Talvez, em breve, você e eu possamos ver o sol subindo no céu juntos...

Pamela corou e não soube o que dizer. Não pôde nem mesmo gaguejar.

Droga , aquilo era muito mais do que apenas estar sem prática em termos de namoro e paquera! Febo a deixava sem fôlego. Ela queria... queria...

Maldição dos infernos! Queria tantas coisas quando ele a fitava daquela maneira!

Mas também desejara tantas coisas quando conhecera Duane. Ele parecera deter a chave de sua felicidade e, no fim, a realidade mostrara que a única coisa que o ex-marido tinha nas mãos eram os cordames emocionais com os quais ele pretendia mantê-la sob controle, sufocar seu espírito e a transformá-la em algo que ela não era: seu ideal de uma mulher perfeita. E ela ainda podia sentir as feridas causadas pelos cordames daquele relacionamento sufocante.

Portanto o melhor era ir com calma. Precisava ir devagar com Febo. Ele parecia maravilhoso, porém sua intuição lhe gritava que as coisas quase nunca eram o que aparentavam. Divertir-se naquele fim de semana era uma coisa. Emaranhar-se nos fios de outro relacionamento era outra.

Apolo leu o conflito nos olhos expressivos de Pamela e, em seguida, percebeu o modo como ela se esquivou.

E isso doeu nele mais do que poderia imaginar.

Mas não pretendia desistir tão facilmente, e seu sorriso foi quente e aberto.

— Bem — falou, como se não houvesse tido seu convite ignorado —, agrada-me saber que ambos gostamos do nascer do sol. Mas você disse que dormiu demais, então perdeu o amanhecer hoje. O que mais aconteceu no seu dia?

Pamela encontrou seus olhos. Eles eram tão calorosos e tão azuis!... Faziam que se lembrasse do céu de verão sobre o mar Mediterrâneo.

Inferno! Estava fazendo de novo: deixando-se encantar pela boa aparência de Febo como uma m... de adolescente!

— Pamela?

— Ah, desculpe. — Ela tomou um gole do vinho. — Eu estava divagando. Às vezes me falta concentração. Não com o meu trabalho — emendou, apressada. — Nesse ponto sou bastante focada. Aliás, como nesta tarde... Comecei a esboçar a minha versão dessa fonte horrível. Imaginei que tivesse ficado lá por uns vinte minutos, mas, quando fiz uma pausa e olhei no relógio, duas horas tinham se passado! — Pamela parou de falar e estreitou os olhos. — Fiz isso de novo, não foi?

— Isso o quê?

— Perder o foco, trocar os assuntos... — ... Falar bobagem , completou em pensamento.

— Com certeza.

— Desculpe, Febo.

Apolo sorriu. Ele gostava do raciocínio brilhante de Pamela, das expressões que desfilavam por seu rosto, principalmente quando ela falava sobre trabalho. Pamela não agia com interesses escusos, tentando seduzir o Deus da Luz, nem se mostrava como uma donzela deslumbrada com seus poderes imortais. Ela era real. Suas reações eram genuínas e honestas... Um afrodisíaco que ele jamais poderia ter imaginado.

— Eu não me importo. Gosto de ouvi-la divagando.

— Nossa, que estranho. — Ela fez uma pausa, tentando ver se ele estava sendo sarcástico ou zombeteiro. — A maioria dos homens acha isso aborrecido.

— Verdade? — Ele balançou a cabeça. — Acho que eu já disse antes: muitas vezes os homens são uns tolos.

— E eu já concordei com você nesse ponto!

Sorriram um para o outro.

Num impulso, Pamela ergueu a taça.

— A um homem que não é bobo.

— Aí está um brinde ao qual tenho o prazer de me juntar. — Ele riu e tocou a taça com a dele. — Agora me fale sobre esse esboço que fez. É artista também? Ou é como entender de arquitetura, algo essencial para que desempenhe bem o seu trabalho?

A pergunta a agradou. Mostrava que Febo a tinha escutado no dia anterior. Assim como a agradou a atenção com que ele esperou pela resposta.

— Gosto de desenhar, e sou bem razoável com aquarelas; mas não sou boa o suficiente para ser considerada uma artista. Mas está certo... É como ter que compreender os rudimentos da arquitetura no meu trabalho. Também é importante que eu seja competente em artes a fim de que eu possa criar maquetes para carpinteiros ou estofadores, ou até mesmo para escultores, de modo que eles possam ter uma ideia concreta do que meus clientes querem.

Apolo levantou ambas as sobrancelhas devagar, e seu olhar se voltou para a horrorosa fonte no pátio à sua frente.

Pamela acompanhou seu olhar, deu um longo e dolorido suspiro e balançou a cabeça.

— É isso mesmo, você adivinhou. Esse cliente, em particular, quer uma reprodução dessa coisa no pátio de sua casa de veraneio.

— Tem certeza de que compreendeu bem o que ele quer? — Apolo fitou o monólito jorrando, os olhos se fixando na reprodução medonha dele mesmo.

— Infelizmente, sim. Na verdade, o que eu estava tentando fazer hoje era chegar a uma solução de mais bom gosto, porém ele insiste que eu mantenha Baco como o centro da estátua. — Pamela estremeceu. — Vou ter que descobrir uma forma de fazê-lo mudar de ideia. Pelo menos consegui me livrar dessas duas esculturas laterais terríveis.

Apolo lançou-lhe um breve olhar.

— Quer dizer as estátuas de César, Ártemis e... — Sua voz vacilou antes de seu próprio nome.

— Apolo — completou Pamela. — Aquele com a cabeça grande e a harpa é, supostamente, o Deus do Sol.

Ele teve o cuidado de manter a expressão neutra.

— Na verdade, Apolo é chamado mais de Deus da Luz, e o instrumento que carrega é uma lira, não uma harpa.

— Ah — disse Pamela, estudando a estátua. — Eu não sabia que existia essa diferença. Mas você é músico, não é?... Tudo o que sei é que a lira fica verde-néon quando aquela coisa horrível se movimenta.

— Sim. — Ele tentou não fazer uma careta. — Foi o que ouvi dizer.

— Eu não sabia que Apolo era chamado de Deus da Luz. Pensei que fosse apenas o Deus do Sol. — comentou Pamela, com os olhos ainda voltados para a estátua.

— Essa é a forma como os romanos insistiam em chamá-lo. Para os gregos, ele sempre será o seu Deus da Luz, da medicina, da música, da poesia e da verdade.

— Da verdade?

— Sim, a verdade era muito importante para Apolo. Ele era um dos poucos olímpicos que consideravam a dissimulação e o subterfúgio uma ofensa.

— Eu não fazia ideia. Pensei que todos os deuses mitológicos fossem impulsivos e interesseiros. Lembro-me de um dos meus professores de Inglês descrevendo-os como playboys e mulherengos.

Apolo pigarreou e se moveu na cadeira, pouco à vontade.

— Os deuses são... eram muito apaixonados; e a paixão pode, por vezes, levar a atitudes impulsivas e interesseiras. Além disso, deve se lembrar de que no Mundo Antigo era considerado um privilégio para uma mulher ser amada por um deus. Particularmente pelo Deus da Luz.

— Quer dizer que o fato de Apolo dizer a verdade não significava que ele fosse fiel.

Apolo franziu a testa e não soube o que dizer. Queria se defender, mas não tinha como.

Pamela estava certa. Ele sempre fora verdadeiro, mas nunca fiel. Nunca havia tido qualquer desejo de ser fiel.

— Por acaso mitologia é um dos seus hobbies ?

— Pode-se dizer que é mais uma paixão do que um hobby — ele corrigiu com um leve sorriso. — Entendo o suficiente sobre o assunto para lhe garantir que a lira do Deus da Luz não ficava verde quando ele a tocava, e sua cabeça não era tão grande.

Pamela sorriu.

— Fico feliz em ouvir isso. Não imagino como ele poderia ser mulherengo com essa aparência!

— Sabia que alguns textos antigos relatam que Apolo encontrou o amor? — ele falou depressa, antes que o bom-senso lhe chegasse à voz. — E que, depois, ele foi fiel à sua amada?

— Eu não fazia ideia. Quem era ela? Alguma deusa fabulosa?

— Não, ele encontrou sua companheira de alma em uma mortal.

— Uma mortal?... — Pamela bufou. — Acho que é por isso que chamam isso de mitologia. Não imagino que uma mortal seria estúpida o bastante para se arriscar a amar um deus.

Apolo sentiu o peito se apertar.

— Mas, pense bem: ela se arriscou e conquistou sua alma gêmea.

O sorriso de Pamela foi lento e doce.

— Você é mesmo um romântico.

— Sim! — ele concordou com mais ênfase do que pretendia e teve de parar e tomar fôlego a fim de controlar as próprias emoções. — Mas não fui sempre assim. Na verdade, tenho agido muito como Apolo: satisfazendo-me em encontrar o amor onde é conveniente ou agradável, para depois nem pensar mais nele. Entretanto, sinto que estou mudando. — Ele deu de ombros e baixou a voz. — Talvez por isso eu compreenda tão bem as histórias em torno do Deus da Luz.

Pamela estudou a taça de vinho em silêncio. Não sabia o que dizer. Sentia-se definitivamente atraída por Febo, e o que ele dizia tocava seu coração. Febo parecia tão aberto e honesto!... Mas estava com medo. Pensar em ter uma aventura de fim de semana a deixava nervosa e confusa. Pensar em começar um relacionamento a aterrorizava.

Olhou para o rosto bonito e viu que ele a fitava, atento. Respirou fundo, mas, em vez de lançar mão de alguma piada improvisada sobre românticos ex-playboys, ouviu a verdade brotando:

— Estou divorciada. Tive um casamento ruim. Não... apague isso. Tive um casamento terrível. E não namorei mais desde então. Está sendo honesto comigo, portanto preciso ser honesta com você. Apenas pensar na possibilidade de um novo relacionamento me assusta. Não creio que eu esteja pronta para qualquer coisa além de... — Ela hesitou, não querendo soar como uma vagabunda ou uma idiota.

— Precisa superar o que aconteceu — interveio Apolo diante de sua hesitação.

— Verdade — Pamela concordou, agradecida por ele ter colocado em palavras o que ela não conseguira dizer.

— E vai superar, doce Pamela.

— Obrigada pela compreensão — ela murmurou, apoiando a mão sobre a dele. — Eu sei que parece loucura, afinal eu só o conheço há dois dias... Mas há algo em você que me faz sentir como se compreendesse o que quero dizer.

— É verdade, doce Pamela. E não tem ideia de como é raro duas pessoas encontrarem essa conexão. — Ele tinha vivido eras, literalmente, sem aquele tipo de coisa.

Pamela passou o polegar pela mão morena e se perdeu no azul espetacular dos olhos de Febo.

— Acho que posso imaginar.

O nó que se formara no peito de Apolo de repente se soltou. Pamela não resistia à ideia de se entregar ao amor; ela havia sido magoada. Muito magoada. Precisava se curar, e aquilo era algo que Apolo, o Deus da Luz, poderia fazer por ela.

— Eu lhe trouxe algo esta noite. Acho que agora é o momento perfeito para presenteá-la com isto... — Enfiou a mão no bolso e tirou dele uma delicada corrente dourada. Ergueu-a, de modo a permitir que a luz ilumi nasse a pequena medalha emoldurada por um estreito círculo dourado que pendia do fio. Em uma das faces, via-se o forte perfil de um deus grego.

— Nossa, que linda!... — suspirou Pamela. A moeda era de ouro, porém não era uma medalha comum. Seu formato era irregular, como se o círculo houvesse sido forjado, o que a fazia parecer muito antiga. — Mas não posso aceitá-la. Deve ser caríssima.

— Posso lhe assegurar que não me custou nada. Eu a tenho há muito tempo. Por favor, eu ficaria muito feliz se ficasse com ela. Afinal de contas, estivemos conversando sobre o deus que está representado na medalha.

— Verdade? Este é Apolo? — Intrigada, Pamela se inclinou para segurar a peça de ouro nas mãos, e estudou o bonito perfil.

— Garanto que a semelhança com o deus é maior do que a da estátua da fonte — afirmou Apolo, irônico.

— Engraçado. — Pamela olhou da medalha para Febo. — Ele se parece com você. Quero dizer, não exatamente... Mas o perfil é semelhante.

— Isso sim é um elogio. — O sorriso dele se alargou. — Pelo menos enquanto não diz que eu me assemelho àquela estátua também. — Ele apontou com o queixo na direção do Apolo cabeçudo da fonte.

— Não! — Pamela riu. — Não se parece nem um pouco com essa estátua.

Ele riu, apreciando a ironia da situação.

— Se usar a medalha, pode pensar em Apolo como seu deus particular — incitou. — Apolo poderia ser seu talismã. Talvez o Deus da Luz a ajude a resolver os problemas que vem tendo com o pedido incomum do seu cliente.

Pamela olhou da moeda para Febo, pronta a dizer “não, obrigada”, mas hesitou. Era assim tão errado aceitar um presente de um homem bonito? Gostava dele, e ele gostava dela.

Verdade que ela não acreditava nem por um instante que aquilo não havia custado nada a Febo. Mas ele era médico, devia ter condições para comprá-lo.

O fato de eles terem acabado de falar sobre Apolo, o deus que supostamente se apaixonara por uma mortal, era uma coincidência interessante. Mas também era muito tolo e romântico de sua parte e...

— Obrigada, Febo. Eu aceito.

Antes que Pamela mudasse de ideia, Apolo se levantou e se postou atrás dela, de modo a prender a joia em torno de seu pescoço longo e esguio. Primeiro, porém, segurou o talismã na palma da mão e concentrou seus vastos poderes de imortal na pequena peça de ouro.

— Que isto possa lhe trazer tudo o que Apolo representa: luz e verdade, música e poesia, e, acima de tudo, a cura. — Em seguida, colocou a corrente dourada em seu pescoço.

— Lindas palavras. — Pamela o fitou, tocando a medalha. E pôde jurar que a sentiu se aquecer em contato com seu corpo.

Apolo sorriu e se inclinou para roçar os lábios nos dela. Não tinha a intenção de que o beijo fosse mais do que uma breve demonstração de afeto; contudo, Pamela entreabriu a boca sob a dele e uma de suas mãos subiu para tocá-lo no peito.

No mesmo momento, Apolo aprofundou o beijo. A boca de Pamela era doce e macia, e ele queria provar mais dela. Queria prová-la inteira. Queria...

Alguém limpou a garganta.

— Com licença?

A voz do garçom rompeu a onda de luxúria que o envolvera, e o deus praticamente rosnou para o infeliz servo, que recuou e se desculpou:

— Perdão, senhor. É que está meio lotado aqui, e eu estava tentando contornar a mesa.

— Encontre outro caminho, ora! — explodiu Apolo.

O servo balançou a cabeça e se retirou, apressado.

Quando ele se voltou para Pamela, seu rosto estava em chamas.

Ela o cobriu com ambas as mãos.

— Não acredito que estou namorando em público. Sou uma mulher adulta!

— Então vamos a algum lugar mais sossegado — ele murmurou, acariciando-a em uma das mãos.

Pamela abriu a boca e olhou para ele. Resmungou algo incompreensível, depois fechou a boca e olhou para o relógio.

— Maldição dos infernos! — exclamou, frustrada.

— O que foi?

— São quase nove horas. — Ela apanhou a bolsinha dourada e se levantou da mesa. — Ah, Deus... Eu me esqueci! Qual o caminho para a entrada do Caesars Palace?

Apolo apontou na direção correta, perguntando-se o que havia de errado com Pamela. Ela começou a caminhar, apressada, depois parou, respirou fundo e voltou para onde ele continuava parado. Correu a mão pelo cabelo curto, nervosa.

— Desculpe. É que foi tão estranho eu beijá-lo assim, na frente de todo o mundo!... — Ela corou de novo enquanto se lembrava de como tivera vontade de devorá-lo e corresponder à sua paixão. — Isso me assustou. Então, de repente, eu me lembrei de que consegui dois lugares em um show cujas entradas já estavam esgotadas, e que começa em... — Olhou para o relógio novamente — ... quinze minutos! Por isso saí correndo sozinha, feito uma idiota. — Que coisa mais sem sentido!, acrescentou para si mesma em silêncio.

— Um show? — perguntou Apolo.

— Sim, chama-se Zumanity . Ouvi dizer que é erótico... mas de muito bom gosto. — Pamela desviou o olhar, tímida. — É do mesmo pessoal que faz o Cirque du Soleil .

Quando voltou a fitá-lo nos olhos, estes sorriam.

— Um circo erótico do sol? Fascinante. — Apolo pegou a mão dela e a prendeu no braço. — É melhor nos apressarmos.


Capítulo 14


Apolo não conseguia acreditar que os artistas de Zumanity eram mortais. As mulheres se moviam com a graça e a sedução das ninfas. Os homens eram todos belos de corpo e de rosto.

E a música!... A música era etérea; o cenário perfeito para o desfile de sensualidade feito sobre o palco e acima deste.

Ele e Pamela haviam sido calmamente conduzidos a um balcão particular para se acomodarem em um luxuoso sofá estofado, que parecia uma chaise longue . O show já tivera início. No meio do palco arredondado via-se um vidro enorme, como se fosse uma taça de vinho cheia de água; dentro do vidro, duas jovens mulheres vestiam quase nada: apenas tangas da cor da pele. Ao ritmo da música sedutora, as moças executavam uma dança de sedução inocente, personificando o despertar da paixão e do desejo femininos.

Embora o deus dourado estivesse muito mais interessado na mulher a seu lado, seu corpo agitou-se em resposta. Ele olhou de soslaio para Pamela, avaliando sua reação, e viu que ela assistia a tudo com os olhos muito abertos e redondos. Quando a cena acabou, aplaudiu com entusiasmo.

Ao desviar o olhar do palco e perceber Apolo olhando para ela, as faces já coradas de Pamela ficaram ainda mais cor-de-rosa.

— Gostou das meninas? — ele indagou num sussurro, assim que o palco escureceu por algum tempo.

— Gostei. Quero dizer, não sou lésbica, mas elas eram muito bonitas — explicou Pamela meio ofegante, o riso saindo como um sensual ronronar. Precisava se lembrar de dizer a Ve que compreendia sua atração pelas mulheres enfim.

Apolo se inclinou para ela, atraído por sua inusitada reação ao espetáculo.

— Não há nada de errado em apreciar a beleza do corpo de uma mulher. Teria de ser de pedra para não se sentir abalada por aquelas duas.

Pamela estava prestes a sussurrar de volta que nem de longe era feita de pedra, quando os holofotes iluminaram o palco de novo e a plateia se calou. Desta vez, um homem absurdamente musculoso, de pele negra e aveludada, surgiu no cenário por meio de um alçapão, no chão. Ele também não usava quase nada. Movimentou-se ao ritmo da música conforme era cercado por uma mulher tão loira como ele era escuro, e que estava vestida com várias camadas de um tecido diáfano. Os dois se encontraram no centro do palco e começaram a executar uma versão erótica da cena do balé de Romeu e Julieta . O homem foi tirando camada por camada da veste da companheira, até que ambos ficaram vestidos apenas com minúsculos “fios-dentais”. Moviam-se com uma graça fluida e sensual, e uma paixão um pelo outro que Pamela não acreditava ser fictícia.

A cena terminou e, desta vez, ela encontrou o olhar de Febo no mesmo instante.

— Eles devem estar apaixonados de verdade. Ninguém pode atuar tão bem assim. Juro que consegui sentir a tensão sexual entre eles!

— Agora, quem é a pessoa mais romântica aqui?... — ele provocou, colocando o braço em torno dela e puxando-a para perto.

Pelo restante da apresentação, foi onde Pamela ficou: recostada no corpo de Febo. No meio do espetáculo, pousou a mão na coxa firme, sobre o tecido macio de suas calças, por meio da qual ela podia sentir o calor e a rigidez da perna musculosa. Os dedos dele traçaram um caminho preguiçoso na pele nua de seu braço, acariciando o recuo suave do lado de dentro do cotovelo e provocando-lhe arrepios por todo o corpo.

Zumanity era, de fato, uma aventura em termos de erotismo. Excitava e provocava, seduzia e sensibilizava.

Quando a mão de Febo traçou o caminho por seu braço até acariciar seu pescoço devagar, Pamela teve que morder o lábio para não gemer alto.

Uma ruiva alta e impressionante, que lembrava muito Nicole Kidman, deixou o palco após uma performance sensual de autoerotismo e, antes que os aplausos da plateia morressem, luzes focaram num pedaço comprido de seda vermelha que caiu do teto escurecido do teatro, como se um gigante desatento tivesse lançado um lenço a esmo da janela do quarto. Este se desenrolou, expondo uma mulher cujo cabelo dourado até a cintura cintilou sob os holofotes. Seus braços permaneceram habilmente torcidos no lenço, de modo que apenas a ponta de seus pés descalços tocou o palco com graça. Abaixo dela, o final do tecido se amontoava como vinho no tablado negro. Sua beleza era hipnotizante e, conforme o público a viu, o teatro se dissolveu em um murmúrio coletivo de admiração. Num primeiro momento ela pareceu estar nua, exceto por um brilho que lhe cobria o corpo, mas, conforme as luzes piscaram e mudaram, Pamela percebeu que a mulher vestia um collant da cor da pele, coberto com minúsculas pedras que brilhavam como diamantes. A música começou, e o lenço foi alçado para o alto junto com a diva dourada. Ela começou a se movimentar e girar numa dança sensual, o tempo todo pendurada sobre a plateia. Era de tirar o fôlego.

— Ela parece uma deusa! — Pamela cochichou para Febo.

— Verdade — Apolo murmurou de volta, contente por Pamela estar tão hipnotizada pelo desempenho da moça que nem sequer registrara o choque em seu rosto. Permaneceu sentado e imóvel, tentando manter uma máscara de apreciação diante do show que sua irmã, Ártemis, realizava. Ele a reconhecera de pronto. Sua performance inteira estava permeada pelo erotismo do Olimpo.

Agora compreendia por que os mortais modernos pareciam tão encantados pela presença da própria Deusa da Caça. Embora ela preferisse sua floresta e liberdade, os boatos que haviam proliferado por conta de sua maneira independente de ser eram falsos. Ártemis não era uma deusa virgem. Ela era, sempre que queria, uma fêmea extraordinariamente sedutora.

E o que pretendia naquela noite era óbvio. Queria ter a certeza de que ele cumpriria a invocação, por isso, com seu beijo imortal de poder, abençoara os atores mortais com generosidade. Seu fascínio fora, portanto, aumentado, assim como a tensão sexual em meio ao público.

Ele tinha que admitir: fora muito inteligente da parte de Ártemis. Irritante, mas inteligente.

De repente, o público soltou nova exclamação quando uma figura pequena e musculosa adentrou o palco correndo. Os olhos de Apolo se arregalaram de surpresa. Um sátiro! Embora seus cascos fendidos estivessem camuflados por botas e pela magia da deusa, e os pelos que lhe cobriam as pernas permanecessem invisíveis sob as calças de seda que usava, para ele, Apolo, sua identidade era óbvia. A cabeça loira da criatura quase não passava da cintura de Ártemis, porém seu peito e braços nus eram tão musculosos que, conforme ele acenava para a diva, era como se fosse um dos Titãs.

O sátiro movimentou os braços em torno do final do lenço escarlate, e ele também foi alçado ao ar. Acima do palco, começou uma erótica perseguição, que não aconteceu apenas sobre o tablado. Ambas as personagens oscilavam sobre o público que assistia, extasiado, enquanto a excêntrica criatura atraía e persuadia, acariciando e seduzindo, até que, por fim, a deusa se dignou a ser “capturada”, e os dois foram suavemente baixados para o palco.

Chocado, Apolo viu a irmã permitir que o ente da floresta a envolvesse nos braços. Em seguida, a Deusa da Caça se deixou derreter com o beijo do sátiro em uma exibição pública de sensualidade que, ele sabia, Ártemis jamais permitiria se eles estivessem no Olimpo.

Os dois insólitos imortais saíram, os braços ainda em torno um do outro, e o público permaneceu em silêncio, com os olhos ainda voltados para o ponto onde a deusa fora vista pela última vez.

Apolo foi o primeiro a quebrar o feitiço sedutor da irmã, mas seu aplauso foi logo acompanhado por gritos e mais aplausos.

As luzes se acenderam, mas, antes que a plateia começasse a se levantar, o elenco de atores liderado por Ártemis voltou ao palco. A Deusa da Caça se dirigiu ao público:

— Saudamo-vos, amantes e amigos. Espero que tenham gostado da nossa pequena homenagem ao amor. — Sua voz soou doce como mel, atraindo os mortais com sua doce torrente de palavras. — Antes de irem embora, eu gostaria de conhecer alguns de vocês... se não se importarem.

Um alerta soou no íntimo de Apolo, contudo um murmúrio de excitação percorreu a multidão atenta, como o vento soprando uma floresta. A deusa sorriu com inocência, como se se dirigisse a multidões de mortais modernos todos os dias. Então começou a falar com eles, perguntando seus nomes, escolhendo jovens e tímidos casais e recém-casados, espalhando a magia de sua voz sedutora por todo o teatro.

Apenas uma vez Ártemis olhou para o camarote onde Apolo se encontrava sentado com Pamela. Fixou o olhar no do irmão somente por um breve momento, porém foi o bastante para que ele vislumbrasse a diversão na profundidade de seus olhos azuis. Quase imperceptivelmente, ela fez um movimento com os dedos e Apolo sentiu o calor de sua magia cascateando sobre ele, penetrando em sua pele e fazendo seu corpo intumescer e pesar.

A reação de Pamela foi mais simples. Como se em transe, ela pousou a mão em sua coxa, inclinou-se mais em sua direção e o fitou nos olhos. Sua respiração se acelerou e seus lábios se entreabriram em um gemido que foi mais do que um convite.

Apolo praguejou baixinho, apertou os ombros delicados com o braço e tentou se concentrar no palco mais uma vez. Não podia beijá-la. Sob o feitiço da magia imortal de Ártemis, nenhum deles seria capaz de se deter.

Vai passar , lembrou a si mesmo e, com o pensamento, sentiu a força da magia da irmã diminuir. Fulminou Ártemis com o olhar, porém esta o ignorou por completo. No círculo de seu abraço, sentiu Pamela se arrepiar. Soube que o intenso feitiço havia começado a deixar sua pele também, e respirou, aliviado.

Não estava usando seus poderes para seduzir Pamela. Queria que sua reação a ele fosse genuína. As loucuras de Ártemis eram tão bem-vindas quanto sua magia... Nenhuma delas trazia amor; apenas luxúria. Um desejo passageiro, que podia ser facilmente saciado.

E ele queria mais.

— Nossa, olhe! — exclamou Pamela, apontando para o palco enquanto tentava normalizar a respiração. Devia estar mais carente do que imaginava, porque aquele show a estava deixando louca! Poucos minutos antes, quando Febo sorrira para ela, teria subido nele ali mesmo!... Sem dúvida Ve estava certa: ficar sem sexo por muito tempo fazia uma mulher perder a cabeça. — Aquele casal acabou de dizer que veio aqui comemorar seu quinquagésimo aniversário de casamento.

— Cinquenta anos! — a linda Ártemis repetiu, e a multidão aplaudiu, educada. Um dos atores correu para a deusa e sussurrou em seu ouvido. Ártemis sorriu, assentiu com um gesto de cabeça e se dirigiu ao casal outra vez.

— Vocês subiriam ao palco para encerrarmos o nosso espetáculo com uma dança especial em sua homenagem?

Apolo se inclinou para a frente, de modo a enxergar melhor o casal de idosos que se ergueu devagar. Ao som de aplausos encorajadores, eles subiram a escada para o palco. As luzes diminuíram e uma valsa suave começou a tocar.

No início, o casal se moveu, desajeitado, até assumir um ritmo mais fluido e familiar. De repente, o homem grisalho virou a esposa, segurando o vestido em estilo capa que ela usava, e o público prendeu a respiração, surpreso. A mulher girou e o traje se desenrolou até que ela ficou de pé no palco, usando apenas um collant de dança e uma saia rodada. Fez uma reverência para o teatro, tal qual uma graciosa bailarina, e, em seguida, ela e o marido retomaram a valsa, movendo-se, desta vez, com a graça de dançarinos profissionais. Sem esforço, o homem ergueu o corpo ainda vibrante da esposa para o ombro, virou-se, mergulhou e, com um floreio, ela girou em seus braços mais uma vez.

A dança terminou como os dois se beijando no meio do palco.

— E, assim, celebramos o amor! Em qualquer idade, de qualquer forma. O amor é mágico e traz consigo um toque de imortalidade. Vão com a minha bênção esta noite, amantes, e busquem o prazer aonde forem. Amem, riam e sejam felizes! — proclamou a deusa, e, em uma explosão de faíscas, todo o elenco desapareceu pelo alçapão no chão do palco.

Os aplausos continuaram por muito tempo, mas, quando nenhum dos artistas retornou para o bis, o teatro começou a se esvaziar. O público era formado quase exclusivamente por casais e, enquanto estes saíam, viam-se muitas mãos dadas, conversas íntimas e toques sutis.

Quando os outros casais sentados à volta deles no balcão começaram a deixá-lo, Pamela hesitou. Ela e Febo se encontravam em pé, ao lado dos assentos e, por um momento, ficaram sozinhos, como se tivessem descoberto uma gruta dentro do teatro escuro. Um pouco como na noite anterior , Pamela pensou. Quando eles tinham se beijado na chuva.

Olhou para ele, dominada pelo misto de luxúria e desejo que lhe corria pelo corpo em uníssono com o bater de seu coração. Nesse momento, soube que iriam fazer amor. Estava cansada de se contentar com pouco. Queria alegria e satisfação.

Por isso mesmo falou em uma torrente, como se as palavras tivessem sido obrigadas a romper uma parede de cautela e inibições:

— Estou me sentindo como se estivéssemos sozinhos no mundo. Às vezes, quando olho para você, vejo um mar de possibilidades...

— Então continue vendo — ele respondeu, rouco. — E, acredite: eu jamais faria nada para feri-la. Pense em mim como no seu talismã de Apolo... Eu também quero que supere tudo e fique inteira, de modo que possa amar e confiar de novo.

Febo tocou a medalha que ela usava em volta do pescoço e, mais uma vez, Pamela sentiu um estranho calor atravessar o metal e seguir direto para seu coração. Cansada de hesitar, deslizou as mãos pelo peito largo e colou o corpo ao dele.

— Faria uma coisa por mim?

— Qualquer coisa que estiver ao meu alcance — ele prometeu, solene.

— Você me levaria de volta ao meu quarto e faria amor comigo? — ela quis saber, meio sem fôlego.

— Seria uma grande honra, doce Pamela... — Apolo disse baixinho, inclinando-se para beijá-la nos lábios.


Capítulo 15


Envolvidos em uma nuvem de ansiedade, eles caminharam de volta à suíte. Falavam pouco, porém tocavam um ao outro constantemente. Apolo já estava se familiarizando com as curvas e linhas do corpo de Pamela, e parou muitas vezes a fim de puxá-la para uma sombra e beijá-la com uma ternura que nada fez para mascarar seu crescente desejo. Queria Pamela com uma intensidade que era como um fogo se avolumando dentro dele e, para seu profundo deleite, Pamela correspondia com paixão. Era tão bom tê-la pressionada contra o corpo, como se sempre tivesse estado ali!...

Conforme caminhavam, pensou no casal de idosos que havia encerrado a produção no teatro. Sem dúvida eram atores plantados no meio da multidão, mas isso não significava que eles não tinham sido amantes de verdade. Ainda se lembrava de como os olhos do homem irradiavam amor e orgulho enquanto ele conduzia sua companheira de uma vida naquela valsa especial.

Suspirou. Sabia que nunca iria envelhecer ao lado de Pamela, mas a queria a seu lado. E queria isso com uma intensidade que o encheu de propósito.

Eles ficariam juntos, prometeu a si mesmo.

Pamela deslizou o cartão-chave na porta e, após uma luz verde e um clique, entrou na suíte à frente dele.

Sua hesitação se foi, então. Ela sabia o que queria. Queria Febo. Queria esquecer os erros do passado; não se importar sobre o que poderia ou não acontecer no futuro.

Algo lhe acontecera naquela noite enquanto assistia à mágica sensualidade de Zumanity . Percebera que estava errada. Duane não matara o romance, a diversão, nem mesmo o sexo dentro ela. Apenas fizera aquele seu lado hibernar.

E agora que este despertara, ela se sentia esfaimada.

Quando Apolo fechou a porta, Pamela se virou e caiu em seus braços. Ele a beijou demoradamente, querendo saboreá-la por inteiro agora que se encontravam sozinhos.

Quando ela gemeu em sua boca, Apolo se inclinou, segurou-a pelas nádegas redondas e a ergueu, de modo a pressionar-lhe o centro de seu corpo contra a própria ereção. Inquieta, ela se moveu de encontro a ele e, com um suspiro, Apolo interrompeu o beijo, lutando por controle.

— Estou perdendo a cabeça de tanto desejo que sinto por você! — gemeu quando a língua e os lábios carnudos deixaram um rastro quente na lateral de seu pescoço.

— Ponha-me no chão e eu me livrarei destas roupas! — O hálito quente de Pamela soprou em sua pele.

Apolo quase a derrubou, e a risada dela foi profunda e rouca.

Travessa, Pamela recuou para longe dele e começou a andar para trás, na direção da cama, enquanto alcançava a parte de trás do vestido vermelho e descia o zíper. Encolheu um ombro, a roupa deslizou, livre, e ela saiu do pequeno monte carmesim agora em seus calcanhares.

Os olhos de Apolo devoraram o corpo esbelto. Pamela usava algo preto e rendado que quase não lhe cobria os seios, mas que os levantava e os fazia apontar, sedutores, em sua direção. Outra peça parecida, também de renda, mal ocultava o triângulo escuro entre suas pernas. As sandálias douradas, com duas pontas parecidas com punhais, deixavam suas pernas longas e nuas incrivelmente sensuais.

Enquanto Pamela levava as mãos às costas outra vez, a fim de desabotoar a lingerie , ele cobriu a distância que os separava e a beijou com paixão.

— Eu o quero nu contra mim — ela sussurrou em sua boca.

Respirando com dificuldade, Apolo interrompeu o beijo longo apenas o suficiente para arrancar a camisa sobre a cabeça. Enquanto se atrapalhava com o estranho fechamento das próprias calças, Pamela deslizou para a cama, observando-o com olhos cintilantes.

E ainda calçava aqueles sapatos sexy !...

Apolo conseguiu ficar nu, por fim, mas, antes que pudesse se juntar a ela na cama, Pamela se ergueu sobre um cotovelo e o deteve com a mão.

— Espere. Fique assim... Deixe-me olhar para você. — Seu olhar viajou dos olhos cor de safira para o restante do corpo másculo, então ela passou a língua sobre os lábios antes de falar outra vez. — Febo, é o homem mais lindo que já vi. Deus, olhe só essa pele!... Cobre seus músculos como ouro líquido. — Balançou a cabeça e deu uma risada, meio sem fôlego. — Você deveria ser pintado por artistas. Escultores deveriam esculpi-lo. Como pode ser de verdade?

Apolo sentou-se na cama, a seu lado.

— Eu sou de verdade, e o que está acontecendo entre nós é real. Minha aparência não é nem pouco incomum ou extraordinária para mim.

Ele fez uma pausa, pensativo. Fizera amor com inúmeras mulheres, deusas e mortais. Antes, contudo, sempre havia usado a magia do seu poder imortal para aumentar o próprio prazer durante o ato.

Daquela vez seria diferente. Pamela era diferente. Ele não quisera usar seus poderes para atraí-la ou seduzi-la, mas queria muito que ela sentisse a profundidade de sua paixão. Queria que ela o conhecesse de uma maneira que nenhuma outra mulher tinha conhecido.

Tocou-a enquanto continuava falando.

— O que está acontecendo aqui dentro é novo e maravilhoso para mim. E a única forma que conheço de compartilhar esse sentimento é amando você. — Ele acariciou-lhe o pescoço longo com delicadeza e deixou os dedos se mover por entre as mechas curtas de seu cabelo. Quando a tocou, permitiu que parte de seu poder imortal escapasse de seus dedos e a varresse por inteiro, fazendo-a estremecer sob o toque. — Deixe-me amá-la, doce Pamela. Deixe-me tornar isso real para você.

— Sim! — ela sussurrou a palavra em sua boca.

As mãos de Febo deslizaram pelo corpo macio conforme seus lábios se encontravam novamente.

A pele de Pamela vibrou sob seu toque. Nunca antes ela se sentira tão sensível. Era como se houvesse se tornado um conduto vivo para todas as sensações ardentes, intensas, enlouquecedoras e eróticas de que sentia falta havia tantos anos.

As mãos de Apolo desceram por sua perna até chegarem ao pé. Olhos azuis cintilaram para ela; em seguida, ele beijou o tornozelo que ela ferira na noite anterior.

— Eu queria ter feito isso ontem, você sabe — sua voz soou rouca de desejo.

— Devia ter feito — ela ofegou. — Eu queria que fizesse.

Febo desafivelou a tira dourada da sandália e a retirou. Beijou o arco delicado de seu pé, e uma onda de eletricidade subiu pela perna de Pamela, indo parar bem no fundo de seu âmago já úmido.

— Que bom que gosta — ele sussurrou, indo para o outro pé. — Esta noite quero que acredite que é uma deusa sendo amada por um deus.

Pamela gemeu e mordeu o lábio enquanto ele deslizava a boca do arco de seu pé para a panturrilha. Febo tinha que ser mesmo um músico , pensou, quando ele lhe acariciou o interior da coxa, e seus lábios encontraram o vale atrás de seu joelho. Apenas um músico podia ter mãos tão habilidosas. Seu toque era quente, e ela se sentia derreter sob suas carícias.

Quando os lábios de Febo seguiram o caminho que ele traçara com as mãos até o interior de sua coxa, Pamela arqueou o corpo para encontrá-lo, soltando uma exclamação de prazer ao sentir a língua quente mergulhando em seu âmago. Seu orgasmo foi tão rápido e explosivo que seu corpo inteiro estremeceu em resposta.

Em algum lugar em meio à névoa de paixão, Pamela reconheceu que aquilo nunca lhe acontecera antes... Nunca fora tão rápido ou tão intenso.

Ainda tonta, estendeu os braços e Febo se juntou a ela.

— Estou aqui, minha doce Pamela — murmurou.

Ela sentiu o coração batendo contra o peito. O ritmo irregular de sua pulsação se igualava ao dele. Abriu a boca e as línguas se encontraram, fazendo-a provar em Febo o gosto do próprio sexo: salgado e doce ao mesmo tempo.

Aprofundou o beijo e arqueou o corpo, de modo que seu calor úmido ficasse pressionado ao membro rijo, então deslizou a mão entre ambos a fim de guiá-lo para ela.

Mas não o fez.

Não ainda , pensou. Em vez disso, manteve-o lugar, esfregando a ponta ingurgitada nas próprias dobras aveludadas, enquanto o afagava com a mão.

Até Pamela começar a acariciá-lo, Apolo se encontrava em pleno controle de si mesmo. Deleitara-se com a maneira desinibida como ela reagira a seus avanços, e usara seu poder imortal com cuidado, a fim de aumentar sua sensibilidade. Fizera amor com ela com seu corpo e sua magia, e, quando ela chegara ao clímax, bebera o mel de seu êxtase.

Mas Pamela possuía sua própria magia; e a sedução de uma mulher intensificada por um desejo sincero, além da alma de um deus.

— Não posso esperar mais! — A voz dele saiu rouca de paixão.

— Febo!... — ela sussurrou seu nome e, enfim, o guiou para dentro dela. Em seguida, arqueou o corpo de forma a receber seus impulsos.

Apolo mergulhou nela repetidas vezes. Em seguida se levantou, de modo a fitá-la nos olhos.

Cure-se! , a alma do Deus da Luz falou à de Pamela. Acredite que pode amar outra vez!

Seus olhos capturaram os dela, e Pamela não pôde mais desviar o olhar. Fora consumida pelo toque de Febo, por seu cheiro e pelo calor do corpo sólido em seu âmago. Correspondia a ele em um nível mais profundo do que o físico. Febo a tocava não apenas com o corpo, mas também com a mente, o coração... Talvez até mesmo com a alma.

Quando seu orgasmo teve início, seu enlevo a carregou com ele. Pamela fechou os olhos contra a intensidade do prazer que a varreu, e um flash de luz dourada explodiu em suas pálpebras fechadas quando Febo gritou seu nome.


Ártemis congelou em meio a um gole do delicioso Martini que compartilhava com o sátiro, o qual tão bem a servira mais cedo, naquela noite. Assim como na lenda do nó Górdio, sentiu que os laços que a atavam à mortal se desfaziam.

Apolo tinha conseguido. O ritual fora concluído!

A deusa sorriu e respirou fundo, satisfeita por se encontrar livre das emoções de uma...

— Não — pronunciou a palavra por entre os dentes. — Não é possível!

— Há algo errado, senhora? — Os olhos do sátiro ficaram redondos com preocupação.

— Quieto! — ordenou Ártemis.

A criatura da floresta pareceu magoada, mas, de imediato, obedeceu à sua deusa.

Ártemis estreitou os olhos e se concentrou. Não! Ela jamais poderia imaginar! A pressão avassaladora que a prendia à mortal suavizara, mas, em seu lugar, restara um fio fino, quase insubstancial.

O que era aquilo? O que acontecera? Apolo devia ter feito amor com a mortal, o que devia ter posto um fim à invocação. A mortal pedira para ter mais romance em sua vida. Como fazer amor com o Deus da Luz podia não ter satisfeito o ideal de romance da mulher? Ainda mais depois de esta ter sido preparada para ele pela magia que ela mesma, Ártemis, usara durante aquela apresentação erótica no teatro?...

Ter escutado a conversa de Pamela com a concierge do hotel fora muito útil, e aderir ao show erótico fora uma ideia inspiradora.

Os lábios carnudos da Deusa da Caça se curvaram para cima. Existiam coisas no Mundo Moderno de que vinha gostando um bocado. Não fazia ideia do quanto seria divertido se fazer passar por uma adorada estrela de teatro. Precisava repetir a experiência em breve.

Ártemis se encolheu quando o fio que ainda a vinculava à mortal pareceu puxá-la. Era apenas uma leve pressão, como uma farpa minúscula na sola de sua chinela. A princípio, tratava-se apenas de um pequeno incômodo, mas, com o tempo, poderia causar muita irritação.

A deusa suspirou, frustrada. Não havia nada que pudesse fazer a respeito, no momento. Não poderia ir atrás do irmão, interromper seu encontro amoroso e exigir saber por que sua performance parecia ter deixado a desejar. Isso não ajudaria em nada.

Girou a haste fina e fria da taça de Martini entre os dedos. Ainda era cedo. Talvez, pela manhã, Apolo tivesse conseguido satisfazer os desejos românticos daquela ridícula mortal. Até então era inútil ficar elucubrando sobre o assunto. Ela precisava mais era de uma distração.

Olhou com malícia para o jovem sátiro que continuava sentado a seu lado. Ele era uma criatura interessante...

— Querido? — ronronou, e as orelhas do ser literalmente se levantaram em sua direção. — Lembra-se de como foi emocionante quando me perseguiu pelo ar esta noite?

— Claro que me lembro, minha deusa — a voz dele soou ansiosa. — Uma eternidade pode passar, e eu jamais me esquecerei.

— Ainda não estou com vontade de voltar para o Olimpo. Pague por nossas bebidas, assim poderemos voltar para aquele lindo teatro. Precisa praticar melhor a sua cena de perseguição e, desta vez, quem sabe seja mais bem recompensado quando me capturar por fim?... — Ela correu um dedo pelo braço musculoso, e os olhos do semideus se dilataram como os de um corço em resposta.

— Eu vivo para atender às suas necessidades, minha deusa.

— É com isso o que estou contando — Ártemis murmurou para si mesma, enquanto o sátiro corria para pagar o servo.


Capítulo 16


Ah, maldição dos infernos! Ela havia se esquecido de usar um preservativo! E não apenas na primeira vez. Na segunda e na terceira também!

Pamela revirou os olhos. Que i-di-o-ta!... Como podia ter se esquecido? Principalmente depois de ter encarado a vergonha que ameaçara sufocá-la ao comprar uma caixa nova da marca Trojan na loja de souvenirs do hotel, após a pedicure.

E graças a Deus fora à pedicure. Febo a beijara, acariciara e até mesmo lhe sugara os dedos dos pés!

Só de pensar nisso ficava vermelha e com os joelhos fracos outra vez.

Concentre-se!, seu guia interno a repreendeu. Não usar preservativos nada tinha a ver com dedos dos pés.

Ou tinha?

Um movimento à direita chamou sua atenção. Pamela virou a cabeça e olhou para Febo. Ele era tão lindo!... Quando não estava olhando para ele, podia até pensar em Febo como apenas um sujeito de boa aparência. Mas bastava vê-lo para perceber que não existia nada comum nele. Nada mesmo.

Ainda sentia o corpo vibrar com seu toque. Devia estar dolorida, cansada e, na certa, lutando contra uma infecção do trato urinário depois de tanto sexo!... Em vez disso, sentia-se maravilhosa. Preguiçosa, letárgica e muito, muito satisfeita.

Mas se esquecera de usar uma proteção.

— Sinto que está franzindo a testa — declarou Febo sem abrir os olhos.

— Impossível! — ela exclamou, forçando um sorriso. — Até porque não estou franzindo a testa.

— Agora não mais — ele concordou ainda de olhos fechados. Então os abriu e virou a cabeça loira, de modo a encará-la com um sorriso terno. — Bom dia, minha doce Pamela.

— Eu me esqueci de usar um preservativo na noite passada. — Ela corou. — E também nesta manhã.

Apolo franziu o cenho.

— Preservativo? — ele repetiu a palavra desconhecida.

— Sim — ela aquiesceu, o rosto ficando mais quente a cada instante. Agarrou o lençol, que havia se soltado completamente do colchão graças à sua aeróbica da noite anterior, enrolou em torno do corpo nu e se retirou para o banheiro.

— Você sabe, preservativo, preventivo, camisa de Vênus... — falou por cima do ombro. — Não estou tomando pílula nem nada. Você é o médico. Eu não devia ter de explicar como seria fácil para eu ficar grávida.

Uma camisa de Vênus era algo que impedia uma mortal de ficar grávida? , perguntou-se Apolo. Muito interessante. Mesmo assim, duvidava de que esta pudesse impedir um deus de engravidar uma mortal, caso este decidisse ter um filho com Pamela...

De qualquer modo, isso não tinha acontecido.

Apolo se espreguiçou e sorriu. Até gostava da ideia. Mas não até que Pamela soubesse quem ele era, e concordasse em passar a vida a seu lado.

— Não pode ter engravidado neste nosso encontro, Pamela.

Ela pôs a cabeça para fora do banheiro, segurando a escova de dentes.

— Por acaso fez vasectomia?

Apolo não fazia ideia do que ela estava falando, mas Pamela pareceu aliviada, então ele balançou a cabeça e sorriu.

— Ah, bom. Maravilha. — Ela desapareceu por um momento, depois ressurgiu ainda com a escova na mão. — Mas e quanto a... ahn... — Hesitou, sentindo-se ridícula. Tivera mais intimidades com aquele homem do que com qualquer pessoa — incluindo seu “ex” — e perguntar sobre DST a fazia gaguejar? Além do mais, Febo era médico, pelo amor de Deus!... — Mas e quanto a doenças sexualmente transmissíveis? — Tentou outra vez.

Apolo reuniu as sobrancelhas douradas.

— Não tenho nenhuma doença.

— Ah, sim, claro. Que bom. Nem eu!... Que bom — ela repetiu pela terceira vez, sentindo-se como uma completa idiota.

Voltou para o banheiro, ligou o chuveiro e fechou a porta.

Apolo a escutou se ocupando no outro cômodo e precisou fazer um grande esforço para não se juntar a ela. Tinha vontade de arrancar aquele lençol e erguê-la sobre o balcão da pia, depois mergulhar nela enquanto fitava aqueles olhos cor de mel, até que, uma vez mais, pudesse ver o reflexo da própria alma em suas profundezas.

Sentiu o corpo reagir e se tornar pesado e rijo apenas de pensar em Pamela.

Mas teriam todo o tempo do mundo para fazer amor nos muitos anos em que ficariam juntos.

Fechou os olhos e deu um longo suspiro de alívio. Não fora o ritual de invocação o que fizera Pamela desejá-lo. Se fosse esse o caso, seu desejo por ele teria diminuído após sua primeira vez, o que, definitivamente, não havia acontecido. Na verdade, a paixão de Pamela parecia aumentar a cada vez que se amavam. Ela dormira em seus braços, os dedos entrelaçados aos seus. Mesmo durante o sono se aninhara mais junto a ele.

E ele adorava isso nela. Era outra coisa que o surpreendera. Ele nunca tinha trocado carícias e ficado abraçado com uma amante antes. Se fizera isso, fora apenas como um incentivo para dar início a uma nova rodada de sexo.

Sentia-se tão diferente com Pamela!... Na verdade, ele a queria por perto mesmo quando não estavam fazendo amor.

Agora compreendia por que Hades e Lina muitas vezes se sentavam perto o suficiente um do outro para que seus corpos roçassem, e por que seus dedos se tocavam durante as tarefas mais simples e banais, como passar uma taça ou um prato de frutas. Eles também queriam aquela conexão.

Não, Apolo corrigiu a si mesmo. Eles ansiavam por aquela conexão. Assim como ele ansiava por Pamela.

Ela saiu do banheiro com o lençol ainda enrolado no corpo, o rosto recém-lavado e o cabelo úmido.

— O que vamos fazer hoje? — ele quis saber, estendendo-lhe a mão.

Pamela a aceitou e se aconchegou em seu peito. Que prazer incrível palavras tão simples podiam proporcionar! Febo queria saber o que “eles” fariam naquele dia.

— Bem, já que perdemos o café da manhã... — ela olhou para o relógio digital cujos números vermelhos exibiam “2:05 p.m.” — ... e o almoço, creio que comer precisa entrar nos nossos planos. — Beijou a linha forte do queixo de Febo, perguntando-se por que não sentia nos lábios nenhuma barba incipiente. — E eu odeio dizer, mas preciso trabalhar um pouco para ter o que apresentar na reunião de amanhã com o meu cliente.

Apolo tocou o cabelo úmido que lhe adornava a cabeça em adoráveis e confusas mechas.

— Que tipo de trabalho?

— Eddie quer uma piscina construída com base na do hotel e eu, claro, nem conheci a piscina do Caesars Palace ainda! Preciso ir até lá vê-la e, talvez, fazer alguns esboços para ter alguma ideia preliminar do que fazer para Eddie. — Pamela franziu a testa. — Já li por alto algumas anotações que ele fez, mas elas eram muito confusas. Eddie quer uma piscina externa, porém coberta, “como um genuíno banho romano no nível inferior”. Só espero que menos autêntica do que aquela maldita fonte.

— Talvez eu possa ajudar. Tenho alguma noção do que seja um autêntico banho romano.

— Eu me esqueço de que sabe tudo sobre essas coisas antigas de mitologia! É um sujeito bem útil para se ter por perto, não? — ela falou brincando e se inclinando para ele.

— Você não faz ideia... — Apolo sorriu e a beijou.


— Gimensa ? — Apolo perguntou, balançando a cabeça.

— Imorme! — elaborou Pamela. — Como, maldição dos infernos, vou poder reproduzir isto em um pátio?!

— Depende do tamanho do terreno do seu cliente.

Ela soltou um gemido.

— Tem razão — admitiu Apolo, sem tirar os olhos da vasta extensão de água, mármore e fontes que se estendia à sua frente. — Este... — Parou, sem saber que palavra usar.

— Lago artificial? — arriscou Pamela.

Apolo tentou esconder o sorriso perante o tom horrorizado de Pamela.

— Sim, “lago artificial” o descreve razoavelmente bem. Este “lago artificial” pareceria portentoso demais até mesmo no Monte Olimpo.

— Ha! Aposto que os deuses teriam mais bom gosto.

O Deus da Luz pensou no palácio rosa e dourado de Afrodite, com a fonte que vertia ambrosia rosada em vez de água.

— ... Talvez — murmurou.

Pamela continuava de queixo caído com os seus arredores.

— Ao menos agora eu sei o que Eddie quis dizer com aquelas anotações. Ele quer uma piscina externa, mas com uma cobertura como esta. — Apontou para o centro da piscina colossal: uma plataforma de mármore circular gigantesca se erguendo a vários centímetros acima da água. Colunas de mármore, com pelo menos quinze metros de altura, apoiavam uma cúpula de cobre, a qual fazia sombra aos muitos banhistas que nadavam — e, em seguida, descansavam sob esta —, bem como para a estátua em tamanho maior do que o natural de César. — O problema é que, nas anotações, Eddie diz que quer toda a piscina coberta pela cúpula. E quer que os tronos sejam copiados na íntegra também. Imagino que seja aquilo... — Pamela apontou com um gesto de cabeça na direção da estação de salva-vidas não muito distante de onde eles se encontravam. Era de mármore e fora construída na forma de um grande trono flanqueado por dois leões alados.

— Será que ele vai querer os cavalos-marinhos também? — Apolo perguntou, divertindo-se com toda a situação.

Pamela olhou de soslaio para as enormes estátuas de mármore, cujas metades traseiras se transformavam em caudas de sereia.

— Ah, Deus! Espero que não. — Passou a mão pelo cabelo. — Isto tudo, somado àquela fonte, vai acabar comigo. É horrível. Brega demais! Esse tipo de coisa chega a gritar: “Tenho rios de dinheiro, mas gosto nenhum!”...

— Sem dizer que não tem nada a ver com um genuíno banho romano — afirmou Apolo, estudando os leões alados, montados sobre os pilares retangulares que ladeavam a piscina menor e destinada às crianças, um pouco mais além.

Pamela estremeceu.

— Espero que não. Qualquer lugar que governasse o mundo por tanto tempo como Roma faria algo melhor do que isto.

— A diferença não se dá apenas na decoração. Os antigos banhos romanos não eram piscinas como esta. Eram uma série de salas aquecidas, construídas uma atrás da outra, a começar por uma área onde os banhistas eram massageados com óleos. Os cômodos iam ficando mais quentes e, muitas vezes, ficavam cheios de vapores calmantes. — Apolo sorriu para ela. — Eles não continham essas piscinas enormes. Eram construídos em torno de pequenas fontes, as quais os banhistas usavam para se refrescar. Claro que esses cômodos acabavam em piscinas. Geralmente uma era aquecida e a outra, mantida fria e refrescante.

A expressão de Pamela mudou de horrorizada para esperançosa.

— Acha que poderia me descrever os banhos romanos bem o bastante para eu fazer alguns esboços? Eu teria de incorporar algumas destas coisas, claro — ela apontou o ambiente a esmo —, mas talvez eu possa amenizá-las e torná-las mais autênticas a fim de vender a ideia para Eddie. Ele já disse que quer uma piscina coberta. Posso projetar uma série de belas salas, cada uma com algum componente aquático, e tudo em torno de uma piscina com um pouco menos de pompa.

— É uma ideia interessante — concordou Apolo.

— Ótimo! Vamos começar. — Ela marchou para uma das linhas menos ocupadas de espreguiçadeiras brancas, então parou.

— Comida — lembrou. — Preciso comer para conseguir trabalhar. — Deslizou o olhar para uma construção de mármore na frente da qual havia uma pequena fileira de pessoas. Leu as letras românicas douradas e revirou os olhos.

Desta vez, Apolo não tentou disfarçar seu divertimento. Pendeu a cabeça para trás e caiu na gargalhada.

Pamela fez uma careta para ele, em seguida rumou em direção ao prédio.

— Snackus Maximus não é assim, tão engraçado!... — resmungou por cima do ombro.

Apolo fechou os olhos e inalou o ar aquecido pelo sol do deserto que acariciava sua pele e o enchia de poder e contentamento. Sentia-se indescritivelmente bem. E o som suave do inquieto lápis de carvão de Pamela era um fundo perfeito para seus pensamentos.

Ele e sua doce Pamela se davam muito bem. O raciocínio rápido de Pamela e aquele seu sorriso travesso tinham transformado a tarde que passara trabalhando a seu lado numa maravilhosa e agradável experiência. Pamela brincava o tempo todo com ele e provocava-o nas menores coisas: como seu cabelo ficara encaracolado após um dos mergulhos na piscina, diante de sua surpreendente obsessão por um delicioso lanche salgado chamado batatas fritas (das quais ele pedira três porções)...

Mulheres não zombavam do Deus da Luz. Pamela, sim. E, quando ele a fazia rir, seus olhos brilhantes o faziam se sentir mais do que divino.

Apolo logo descobriu que ela era muito mais talentosa como artista do que imaginava. Podia até vislumbrar seu futuro juntos. Pamela nunca mais teria que trabalhar para ricos inconvenientes como aquele escritor que, sem dúvida, se considerava um deus mortal.

Talvez ele construísse para ela uma enorme galeria em seu templo, em Delfos. Pamela poderia passar os dias desenhando as maravilhas do Olimpo... e as noites dividindo a cama com ele.

O amor era muito mais fácil do que ele imaginava. Mal podia se lembrar do que o perturbava tanto ao correr em busca dos conselhos de Lina e Hades. Por que estivera tão preocupado? Ele encontrara sua alma gêmea e, agora, tudo o que tinha a fazer era adorá-la.

E amar Pamela era uma delícia. Verdade que ele ainda precisava revelar a ela sua verdadeira identidade, mas aquilo não era apenas um detalhe? Ela já o conhecera bem, e ele era o homem que a amava.

E algo lhe dizia que Pamela sentiria um enorme prazer em descobrir que ganhara o amor de um imortal.

Seus lábios se curvaram, e sua mente derivou, preguiçosa. A vida era boa.

— Não fica com medo de se queimar demais? — Pamela o fitou por cima da lente dos óculos escuros. Apolo estava deitado a seu lado, em uma espreguiçadeira como a dela, porém a cadeira se encontrava voltada para o sol escaldante do fim de tarde do deserto.

Já ela puxara a espreguiçadeira para a sombra proporcionada por um guarda-sol da piscina. Mesmo suas pernas nuas, no momento dobradas para que ela pudesse usá-las como apoio para o bloco de desenho, estavam distantes da luz direta do sol.

Mesmo assim, ela ainda se sentia acalorada. Vinha trabalhando naquele esboço da casa de banhos havia horas, e Febo se mantivera o tempo todo descansando a seu lado, explicando-lhe detalhes dos antigos banhos romanos, dando dicas perspicazes quanto às pequenas salas individuais e quanto à disposição geral enquanto permanecia em pleno sol.

— De eu me queimar? — Ele enrugou a testa.

— Sim, está deitado aí, usando quase nada, o dia inteiro. Eu já estaria como uma batata frita.

Febo nem sequer parecia acalorado. Pelo contrário, estava escandalosamente bonito com aquele calção de banho adquirido às pressas e nada mais. Um verdadeiro monumento de pele dourada e deliciosos músculos.

— Quer dizer queimado pelo sol? — Ele riu, como se achasse a ideia nova e divertida. — Claro que não. Não me preocupo com isso. O sol e eu somos velhos amigos. — Apoiou-se sobre um cotovelo e se virou para ela.

— Já terminou?

Pamela mordeu o lábio conforme estudava o esboço.

— Acho que sim. E gostei do resultado, embora eu não tenha certeza se Eddie vai abraçar a ideia. O que acha? — Entregou-lhe o bloco.

Apolo o estudou com cuidado, então balançou a cabeça.

— Foi uma escolha sábia fazer as pequenas fontes em cada um dos quartos aquecidos mais ornamentadas do que tinha previsto no início.

— Sim, a ideia é manter as paredes de mármore lisas. Dessa forma o efeito não será tão avassalador. Se ele quiser uma decoração mais vistosa, posso tentar convencê-lo a aceitar o piso de mosaico que você sugeriu.

— Disse que seu cliente vive mencionando a importância da autenticidade. Pois pode assegurar a ele que este esboço se baseia nos antigos projetos de um banho romano. Claro que o trono à beira da piscina central não é muito... — Apolo fez uma pausa enquanto a fitava, e o sorriso em seus olhos morreu quando algo atrás dela lhe chamou a atenção.

— Aqui está você. Até que enfim!

A voz da mulher, cheia de frustração, soou por cima do ombro de Pamela.

Antes que ela pudesse se virar para ver quem estava falando, Febo havia se posto de pé.

— Que inesperado prazer — ele resmungou.

Prazer?

Ele soava muito mais irritado do que satisfeito, refletiu Pamela. Olhou por cima do ombro e teve que segurar a mão para proteger os olhos da luz alaranjada e ofuscante do sol que se punha, a qual demarcava a silhueta curvilínea de uma mulher alta. Conseguiu distinguir vagamente as linhas de um vestido curto e esvoaçante, e o fato de que o cabelo da estranha se encontrava preso no alto da cabeça, em um estilo que lembrava muito uma coroa. A mulher não lançou um só olhar em sua direção. Em vez disso, pôs-se a repreender Febo.

— Esperei por você até agora e não se dignou a aparecer! Por isso fui obrigada a vir lhe procurar.

Febo franziu a testa.

— Não acredito que especificou um tempo para a minha volta!

— Achei que voltaria depois de...

— Perdoe minha grosseria, Pamela — Febo interrompeu a moça, agarrou-a pelo pulso e a puxou para a frente da espreguiçadeira, obrigando-a a encará-la. — Permita-me lhe apresentar a minha irmã. Pamela Gray, esta é minha irmã gêmea... — ele hesitou, lançando à mulher um olhar penetrante — ... Diana.

Pamela se levantou e abriu um sorriso, com a mão estendida.

— É um prazer conhecê-la, Diana. E, por favor, não culpe Febo se ele se atrasou para alguma coisa. Foi por minha culpa. Quando eu descobri o quanto ele sabe sobre a Roma antiga, não parei de solicitar sua ajuda.

Ártemis olhou da simpática mortal para sua mão estendida. Podia sentir o olhar de censura do irmão, tanto quanto o vínculo da invocação que ainda a prendia à moça.

Relutante, aceitou a mão de Pamela e se surpreendeu com a firmeza do cumprimento.

— Espere! — exclamou Pamela, os olhos se arregalando. — Eu sei quem você é! É aquela mulher linda do show Zumanity! — Seus olhos se desviaram para Apolo. — Não acredito que não me contou que ela era sua irmã!

— Talvez ele estivesse envergonhado com a minha performance — elaborou Ártemis, erguendo o queixo com uma ponta de arrogância.

— Mas isso seria ridículo! — concluiu Pamela, fitando-o com perplexidade. — Seu desempenho foi incrível... Vigoroso, sedutor e incrivelmente romântico.

Uma das sobrancelhas perfeitas de Ártemis se arqueou.

— Achou romântico?

— Sem dúvida — afirmou Pamela, balançando a cabeça com entusiasmo.

— Diana sabe que sua performance não me envergonha — Apolo se defendeu depressa. — Eu só não sabia que ela ia se apresentar na noite passada, por isso fiquei surpreso. Eu gostaria de ter mencionado seu trabalho antes, mas, depois do show, estava com coisas mais interessantes na cabeça... — Ele compartilhou um sorriso íntimo com Pamela.

— Diga-me uma coisa... — recomeçou Ártemis, como se seu irmão não tivesse falado. — ... Febo está sabendo como seduzi-la?

O rosto de Pamela foi do rosa ao vermelho, e ela abriu e fechou a boca.

— Diana! — rosnou Apolo. — Essa pergunta não apenas foi desnecessária como inconveniente!

— Foi mesmo? — ela devolveu, cínica. — Não creio, Febo — ela enunciou o nome devagar. — O vínculo continua! Mais fraco do que antes, mas continua.

As palavras de Diana não fizeram sentido para Pamela, porém ela viu a expressão de Febo mudar instantaneamente da raiva para o choque.

— Quero acabar logo com isso — Diana prosseguiu num tom áspero. — Preciso lembrá-lo de que a nossa estada aqui é apenas temporária? Temos que ir embora antes do amanhecer.

Pamela sentiu um aperto no estômago. O que eles estavam discutindo podia não fazer sentido para ela, mas a palavra “temporária” falava por si só.

Eles iriam embora. Em breve. Claro que ela mesma só ficaria em Las Vegas apenas por uma semana, mas fora honesta quanto a isso, avisando Febo de antemão que se encontrava ali apenas por conta de um trabalho. Ele tinha feito amor com ela e passado o dia todo em sua companhia, não mencionando nenhuma vez que teria de ir embora na manhã seguinte.

Ela era mesmo uma m... de uma cretina. O que imaginava estar fazendo?! Brincando de casinha?

Merda, merda... MERDA! Devia ter imaginado. Sua inexperiência naquele mundo das conquistas devia ser óbvia. Não podia ter esperado mais do que um pouco de diversão de um encontro como aquele.

— Escutem. — Pamela interrompeu o entrevero entre irmãos, usando seu tom mais firme e profissional. — Se há uma coisa de que entendo, e entendo bem, é que, às vezes, irmãos e irmãs precisam discutir. Em particular. — Apanhou o bloco de notas na espreguiçadeira, onde Febo o havia deixado, e o enfiou na bolsa de couro enquanto calçava as rasteirinhas Mizrahi . — Na verdade, Diana, o seu timing é excelente. Eu estava justamente pensando que preciso voltar para o quarto e fazer mais alguns trabalhos para amanhã.

— Não, Pamela! Por favor, não... — Febo apressou-se em dizer.

Ela mal olhou para ele.

— Para falar a verdade, já perdi muito tempo me divertindo neste fim de semana... Adeus, Febo.

Ártemis ficou chocada. A mortal estava mesmo se afastando de seu irmão! Por meio de sua conexão invisível, podia sentir muito do que se passava com a moça. E ela estava... A deusa se concentrou, filtrando as emoções que fluíam por meio do elo entre elas. Pamela estava muito amargurada. Envergonhada. Magoada. Tinha certeza de que Apolo a usara. Sentia-se arrasada por dentro, mas se mostrava apenas aborrecida. Se elas não estivessem unidas pela invocação, ela, Ártemis, nunca imaginaria o turbilhão de emoções vivido pela mortal.

Que coisa estranha!... Seria possível que a força oculta daquela mulher tivesse algo a ver com o fato de a invocação não ter se completado? Seria possível que aquela jovem mortal enxergasse o que se passava?

Diana enxergou Pamela com outros olhos. Apolo estava com a razão em uma coisa: ela não era mesmo uma mulher tola e comum.

— Pamela, meu irmão está certo. Fui rude demais.

A voz de Diana impediu Pamela de prosseguir. Ela se voltou para a irmã de seu amante, esta lhe sorriu, e ela vislumbrou a deslumbrante beleza de Febo refletida no rosto da moça.

— Eu andei tendo alguns... — Ártemis hesitou e olhou para o irmão antes de continuar — ... contratempos de natureza pessoal. Não tenho sido eu mesma. Por favor, acredite que a última coisa que desejo é afastá-la de meu irmão.

Pamela encontrou os olhos da cor de água-marinha de Diana.

— Mas se eu for embora agora ou mais tarde não vai fazer tanta diferença, vai? Acabou de dizer que vocês vão partir amanhã cedo.

— Mas não para sempre — emendou Apolo às pressas, aproximando-se para lhe tomar a mão. — Não pode acreditar que eu iria me afastar de você e nunca mais voltar.

Pamela puxou a mão. Balançou a cabeça e até conseguiu sorrir.

— Escute, nós nos divertimos bastante juntos. Vamos deixar tudo por isso mesmo... Não precisa se incomodar.

Ártemis olhou para o rosto chocado do irmão. Por que ele não dizia nada? A mortal o estava deixando! E, com certeza, não desejava aquilo... Ela não apenas sentia a dor de Pamela, mas isso era evidente na maneira rígida e mecânica com que a moça se portava. Pamela estava magoada e aborrecida. Queria conforto, não aquela inépcia!

Apolo, no entanto, parecia estranhamente impotente.

— Eu não quis ofendê-la — Ártemis argumentou, aflita. — Foi apenas um mal-entendido. Por favor. Não vá embora assim, magoada.

— Não estou magoada — Pamela respondeu.

— Eu estaria assim no seu lugar — Apolo reencontrou a voz por fim. Desta vez, ele não a tocou, contudo. Permaneceu muito quieto e tentou transmitir tudo o que sentia por meio das palavras. — Eu ficaria aborrecido e zangado se soubesse que estava planejando me deixar antes do amanhecer sem ter dito nada. Eu devia ter lhe contado. Eu pretendia contar... Mas precisa compreender, minha doce Pamela: eu sabia que iria voltar. Estragar o nosso dia contando que eu precisaria partir em breve me pareceu algo muito cruel. Mas agora vejo que me equivoquei. Consegue me perdoar?

Ela deveria dizer a Febo que aquilo não era nada. Deveria dizer que não esperava nada dele e seguir adiante. Poderia telefonar para Ve, e elas passariam horas conversando sobre como os homens eram uns cretinos...

Então, no dia seguinte, poderia voltar a trabalhar e esquecê-lo.

Tinha acabado de dormir com Febo. Nunca fora casada com ele ou coisa do gênero.

Uma vez mais, seus olhos capturaram os dela, porém. E Pamela pôde jurar que viu um reflexo de si mesma bem no fundo deles. Febo possuía a mesma “ausência” que ela, e tocara seu corpo, seu coração e sua alma. Se Duane a havia sepultado emocionalmente, Febo a trouxera de volta à vida.

E ela não queria voltar para aquele seu túmulo de complacência. Ela se conhecia bem o suficiente para compreender que aquele fim de semana fora um ponto de virada. Não mais se satisfaria com a segurança de sua vida. Iria permanecer do lado de fora, iria flertar e correr mais riscos... com ou sem Febo.

O problema era que, bem lá no fundo, queria correr todos os riscos com ele.

— Está bem — respondeu por fim, engolindo o que ia dizer. — Eu o perdoo.

Cruzou os braços e esperou. No momento, a bola estava no campo de Febo.

Para sua surpresa, foi a irmã dele quem a devolveu:

— Meu irmão e eu precisamos conversar. É um assunto de família, e eu...

— Sem problemas — Pamela a interrompeu. — Já estou indo embora.

— Pamela, não é verdade que também tem um irmão? — O olhar de Ártemis foi perspicaz.

Mais uma vez apanhada no processo de se afastar, Pamela assentiu com um gesto de cabeça.

— Se é assim, compreende que, muitas vezes, problemas familiares podem nos obrigar a sacrificar nossas vontades. Nós precisamos ir para casa, então, por favor, não condene meu irmão por isso.

Pamela replicou com igual franqueza:

— Não estou condenando Febo por nada. Estou apenas me protegendo.

— Não precisa se proteger de mim — afirmou Apolo. E, sem resistir, acariciou-a no pescoço com a ponta dos dedos. Quando Pamela estremeceu, porém, não soube dizer se fora por desejo ou repulsa. — Encontre-me esta noite. Deixe-me vê-la novamente antes de eu ir embora. Eu juro que vou voltar.

Ela não deveria fazer aquilo. Febo mexia demais com ela.

Pamela abriu a boca para dizer “não”, depois pensou em como seria passar a noite sem ele. Seria como o céu da manhã sem sol. Desolador. Vazio...

... Assim como sua vida havia se tornado.

Não queria mais aquilo. Mesmo correndo o risco de ter o coração partido outra vez. Bem, pelo menos agora sabia que continuava com um coração dentro do peito!

— Está bem — falou, mantendo a voz neutra. — Pode me levar para jantar. Comer no Snackus Maximus não contou mesmo como uma refeição de verdade.

— Ele vai escolher o lugar — Ártemis declarou com um sorriso satisfeito.

— Muito bem — Pamela repetiu. — Se nos encontrarmos às oito horas, terão tempo suficiente para resolverem o seu assunto de família?

Ártemis assentiu ligeiramente com um gesto de cabeça, na direção do irmão.

— Sim — ele confirmou. — Vou buscá-la no seu quarto.

— Não! — contrapôs Pamela rápido demais. Limpou a garganta, então, e tossiu como se a explosão tivesse sido motivada por cócegas na laringe, e não pelo pavor.

— Posso encontrá-lo naquele bar, como da última vez.

Arrependeu-se do “como a última vez”. Isso fora na noite anterior, quando eles acabaram na cama, fazendo amor até meio-dia...

O sorriso de Febo foi como uma carícia enquanto ele também se lembrava de tudo o que acontecera.

— Eu a encontrarei no nosso bar, doce Pamela. Como ontem.

Desta vez, nada impediu que ela batesse em retirada.


Capítulo 17


O tom opaco e insubstancial do portal cintilou quando as divindades gêmeas deixaram o mundo moderno de volta ao Olimpo. Apolo tinha o maxilar cerrado, e seus olhos brilhavam com uma raiva silenciosa. Com um gesto brusco, ele fez sinal para que a irmã o seguisse para fora do salão de banquetes lotado.

— Eu não tive a intenção — sussurrou Ártemis, contudo o olhar enviesado do irmão foi suficiente para fazê-la segurar a língua.

— Não até que estejamos em meu templo. Sozinhos — ele falou por entre os dentes, sorrindo e balançando a cabeça em um “não” educado para Afrodite, que acenou, tentando fazê-lo ir até a chaise em que ela se reclinava. A Deusa do Amor estava cercada por um grupo de ninfas Napeias que havia se livrado de sua já pouca roupa e praticava uma dança da fertilidade envolvendo complicadas ondulações do ventre.

— As Napeias são mesmo muito fofoqueiras — resmungou Ártemis, num tom conspirador.

Apolo lançou-lhe um olhar desgostoso.

— Todas as ninfas são fofoqueiras. Vocês todas são fofoqueiras.

— O que está querendo dizer com isso?

Ele a segurou pelo cotovelo.

— Não aqui. Não agora.

Os dois irmãos continuaram a abrir caminho pelos jardins olímpicos, respondendo com educadas saudações e declinando, pesarosos, dos convites para uma miríade de diversões e brincadeiras que lhes era oferecida, até alcançarem as portas douradas do templo de Apolo.

Tão logo se encontravam dentro dos aposentos particulares do deus, este se avultou sobre a irmã.

— Não acredito na cena estúpida que armou diante de Pamela! O que estava pensando? Se é que estava pensando!... Você quase estragou tudo!

— Quase estraguei tudo? — ela repetiu, irônica. — De que “tudo” está falando? Do caso tórrido que estão tendo? O vínculo continua, Apolo! Ainda posso sentir as correntes da invocação! Ainda estou ligada a ela. O que está acontecendo, afinal? Por que ainda não fez amor com ela?

Apolo desviou os olhos do olhar penetrante da irmã, e os olhos da Deusa da Caça se arregalaram.

— Você já fez amor com ela — concluiu Ártemis. — E não funcionou! Não atendeu aos desejos de seu coração.

Apolo assentiu, tenso. Caminhou até uma mesa com tampo de vidro, cuja base era esculpida na forma de sua carruagem de luz, e serviu-se de uma taça do vinho eternamente pronto para ser consumido.

— Você não fazia ideia de que não tinha cumprido o ritual de invocação.

Não era uma pergunta.

Após tomar um gole da bebida, Apolo respondeu:

— Não, nenhuma.

— Não compreendo o que está acontecendo — gemeu Ártemis. — Como anda seu desempenho? Ela correspondeu bem a você?

O deus fitou a irmã por cima da taça.

— Claro que correspondeu! Não sou nenhum jovenzinho inexperiente.

— Então a satisfez...?

Apolo fez uma careta.

— Claro que sim!

— Tem certeza? Você sabe, às vezes os homens acreditam que levaram a mulher ao orgasmo, mas...

— Ela não fingiu comigo! — Apolo berrou.

As paredes do templo cintilaram como a luz ofuscante da explosão de uma estrela. Ártemis cobriu os olhos às pressas, esperando que a ira do deus passasse.

— Bem, alguma coisa deu errado. — Espiou com cuidado por entre os dedos antes de abaixar a mão. Odiava quando a luz do irmão se expandia. — Talvez não tenha aplacado o desejo da mortal fazendo amor com ela apenas uma vez.

— Mas não foi apenas uma vez — contrapôs Apolo, passando a mão pelo rosto. — Fizemos amor a noite toda e também pela manhã. Pamela parecia tão satisfeita como eu.

— Há outra possibilidade. E se o verdadeiro desejo de Pamela não tem a ver com sexo? — Ártemis caminhou, inquieta, enquanto elaborava o problema em voz alta. — Apesar de que este permanece vinculado ao ato de fazer amor... Senti o vínculo entre nós se atenuar durante a noite. De qualquer modo, a conexão forjada pela invocação continua muito presente entre nós. Sendo assim, a mortal deseja mais do que sexo. — A deusa fez uma pausa, pensativa, enquanto se servia de um pouco de vinho. — Pude captar seus sentimentos, principalmente quando ela estava tentando deixá-lo, na piscina.

Os olhos de Apolo se fixaram na irmã.

— O que ela estava sentindo?

— Estava magoada, confusa e envergonhada.

Ele afundou em uma cadeira com um gemido.

Ártemis o observou, atenta.

— Você se importa com ela, não é? — perguntou em voz baixa.

Apolo ergueu a cabeça e encontrou seu olhar.

— Acho que estou apaixonado por Pamela.

— Apaixonado? — Ártemis balançou a cabeça. — Impossível. Ela é mortal! E, como se isso já não fosse o suficiente, é uma mortal do Mundo Moderno.

— Estou ciente disso — ele replicou por entre os dentes.

— Como pode saber? — zombou Ártemis. — Você nunca se apaixonou.

— Por isso mesmo acredito que eu esteja apaixonado! Já vivi por eras e nunca experimentei esta sensação.

— O quê...? Que sentimento tão forte é esse que está atribuindo ao amor? — Ártemis quis saber.

— Eu me preocupo mais com ela do que comigo. Sua felicidade é a minha felicidade, e sua dor me causa desespero.

A deusa o fitou como se ele estivesse com uma súbita e incompreensível erupção cutânea.

— Talvez isso passe, ou ao menos diminua com o tempo.

— O problema, minha querida irmã, é que eu não quero que isso aconteça. — Apolo sorriu, porém não havia humor em sua expressão. — Esta manhã eu estava tão seguro de mim. Pensei que o amor fosse simples, que eu houvesse encontrado minha alma gêmea. Que eu tinha feito amor com Pamela, e que ela devia sentir o mesmo por mim... Fui um arrogante, imbecil.

— Acredita que ela seja sua alma gêmea?

— Receio que Pamela possa ser, sim, minha companheira de alma.

— Se ela for, pela própria natureza desse vínculo, também deve amá-lo — concluiu Ártemis, tentando dar sentido à bizarra declaração do irmão.

— Talvez — ele murmurou, desanimado.

Ártemis bateu com os dedos no queixo.

— Bem, ela é mortal. Não devíamos estar tão surpresos com esta confusão. Talvez seja isso!

O verdadeiro desejo do coração de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida. Ela apenas chamou isso de romance, mas não pode ser tudo a mesma coisa? Romance, amor, desejo verdadeiro, almas gêmeas... Não são todas palavras que poderiam ser usadas para descrever o mesmo fenômeno? Se eu estiver certa, faz sentido que a invocação não tenha sido cumprida.

— Por que faz sentido? Se o verdadeiro desejo de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida, e eu sou sua alma gêmea, então por que a invocação não se cumpriu?

— Porque ela tem que reconhecê-lo e aceitá-lo como seu companheiro de alma, o que, obviamente, não aconteceu. — Ártemis descansou a mão em seu ombro. — As emoções que senti por meio do nosso vínculo não eram de amor e contentamento. Pamela estava magoada e confusa; não estava se sentindo amada.

Uma sombra desceu sobre os olhos de Apolo.

— Ela me contou que foi muito magoada por um homem no passado. E eu, muito arrogante, acreditei que apenas um toque do meu poder imortal e da paixão do meu corpo a curariam.

— Pois estava equivocado, meu irmão. Pamela precisa de mais do que isso.

— O amor é mais complicado do que eu imaginava — ele murmurou.

Ártemis deu-lhe um tapinha nas costas.

— Esse seu sofrimento me faz dar graças por eu não tê-lo experimentado ainda.

— Acho que estou começando a entender... O amor é um misto de sofrimento e enlevo, encerrado na pele macia de uma mulher — devaneou Apolo com o olhar perdido na distância.

— Por que não revela de uma vez quem você é? Traga-a para o Olimpo esta noite. Use seus poderes imortais para fazer o amor de Pamela vir à tona.

Apolo a fitou, contrariado.

— Isso não seria amor! Seria apenas um culto abjeto, ou uma mistura de medo e adoração.

— Aí está um exemplo perfeito de como você e eu discordamos. Não precisa usar seus poderes para conquistá-la, mas faz sentido. Que mortal não gostaria de ganhar o amor de um deus?

Pensando na arrogância de sua declaração anterior, Apolo sentiu desgosto por si mesmo. Não admirava que Pamela estivesse relutante em reconhecê-lo como sua alma gêmea.

— Algo me diz que Pamela não ficaria muito feliz em saber da minha verdadeira identidade.

Ártemis bufou.

— Os mortais modernos não são como as pessoas do Mundo Antigo — ponderou Apolo. — Eles fazem criaturas de metal obedecerem à sua vontade. Passam informações por intermédio de máquinas, não de magia e rituais. E nós estamos mortos para eles... Não. Pamela deve me amar primeiro como homem. Apenas depois disso poderei convencê-la a aceitar o deus.

— E como pretende fazer isso?

— Preciso amá-la como um homem ama uma mulher.

Ártemis ergueu as sobrancelhas numa indagação.

— Com o meu coração, e não com os meus poderes — ele explicou.

— E isso significa o quê?

— Quando eu souber lidar com tudo isso, terei obtido algo de valor inestimável: o amor de Pamela — declarou o Deus da Luz.

— Acha que consegue conquistar o amor dela até o amanhecer?

— Duvido.

Ártemis suspirou.

— Acho que eu deveria ficar grata por o vínculo entre Pamela e eu ter se atenuado. Agora é mais como uma coceira difícil de dar conta do que um incômodo constante me amolando. Baco sem dúvida se esmerou na dose de maldade com essa sua pequena travessura.

— Falou com ele?

— Não, ele tem se mantido conspicuamente ausente do Olimpo nestes últimos dias... — Ela encolheu os ombros. — ... Embora nunca tenha passado muito tempo por aqui. Baco há muito prefere a companhia dos mortais. Quando esta provação tiver terminado, precisamos nos lembrar de lhe dar uma lição por essa impertinência.

Apolo ficou em silêncio. Como poderia dizer à irmã que aquela “provação” nunca iria ter fim? Ele sabia muito pouco de amor, mas já tinha certeza de uma coisa. O amor não podia ser controlado. Não começava ou terminava sob a exigência de ninguém. Infelizmente.

— Apolo? Preste atenção! Eu perguntei quais são seus planos para esta noite!

— Eu não sei! — As paredes coruscaram, e o Deus da Luz refreou sua frustração. — Um jantar. Pamela pediu que eu a levasse para jantar. Você mesma ouviu.

A testa lisa de Ártemis se enrugou quando ela parou para pensar no que Pamela havia dito:

— Snackus Maximus ? Que tipo de nome é esse?

— Um péssimo nome.

— Eu ainda acho que deveria trazê-la para cá esta noite. Corteje-a no Olimpo, em seu próprio templo. O que poderia ser mais romântico?

— Ártemis, eu já expliquei a você que me recuso a utilizar meus poderes para ganhar o amor de Pamela.

— Então não use seus poderes, seu teimoso! Esta é a sua casa. Sem dúvida nenhuma, ela é muito mais bonita do que qualquer coisa que o Reino de Vegas tenha para oferecer.

Apolo considerou as palavras da irmã.

— Ela aprecia arquitetura antiga...

— Traga-a aqui, ora! Diga a ela que é uma parte exclusiva do Caesars Palace. Ao menos, assim, garantirá a privacidade de vocês.

— Acho que consigo usar meus poderes apenas o suficiente para disfarçar suas sensações conforme atravessamos o portal.

— Em seguida, traga-a para cá depressa, antes que qualquer outro dos Doze vislumbre sua presença.

Apolo estava começando a gostar da ideia.

— Eu não teria que me preocupar com acidentes, monstros de metal, ou com nenhuma outra daquelas distrações do Mundo Moderno. Poderia me concentrar em assegurar Pamela do meu amor. — Sem dizer que ele queria muito mostrar sua casa a ela e testemunhar sua reação à beleza do lugar. Mesmo que este não fosse apenas dele.

— Vou planejar o jantar eu mesma e colocar minhas próprias servas à sua disposição. As ninfas não são confiáveis.

— Excelente — concordou Apolo. — E lembre-se de pedir a elas que não me chamem de Apolo.

— Sim, sim... As meninas vão dar continuidade à sua pequena farsa, Febo .

— Estou em dívida com você, Diana — ele afirmou, sorrindo.

Ártemis devolveu o sorriso, pensando em como o irmão era charmoso e bonito. Pamela não seria capaz de resistir a ele. Não se ela, Ártemis, pudesse agir... O que decerto ela faria.

— Já que estamos acordados, temos muito que fazer. O tempo urge. Ao amanhecer Pamela precisa voltar ao Reino de Vegas. E, tomara, completamente encantada com Febo — completou a diva. Em seguida bateu as mãos duas vezes e, no tom autoritário da Deusa da Caça do Olimpo, chamou: — Servas, venham me assistir!

Em um piscar de olhos, doze belas moças se materializaram em uma nuvem de poeira prateada e cintilante que parecia ter se originado na luz da lua.

— Senhoras, meu irmão precisa da nossa ajuda. O que precisamos fazer é o seguinte...

Apolo observou o turbilhão de atividades até que a irmã o enxotou do quarto, lembrando-o de que era quase hora de ele se encontrar com sua amante. O Deus da Luz sorriu enquanto se preparava. Iria trazer seu verdadeiro amor para casa. Iria cortejar Pamela e amá-la ali, onde podiam ficar mais à vontade. Pamela veria que não precisava ter medo de se magoar outra vez.

Sentindo-se seguro dentro de seu próprio reino, Apolo teve a certeza de que nada poderia dar errado.

 


C O N T I N U A

Capítulo 9


Violinos encheram o ar em torno deles, música atraiu a água rumo ao céu e luzes antes ocultas destacaram a dança fluida.

Em seguida, um tenor começou a cantar. Pamela estremeceu conforme seu corpo correspondia à magnificência de sua voz. Era tudo tão inesperado, tão espantoso!... Os arcos de água se deslocavam em uníssono com os altos e baixos da orquestra, como se guiados pela mão de um competente mágico. Era inacreditável e maravilhoso... Assim como o beijo que parecia ter dado início a tudo aquilo.

Ao som da primeira nota, eles haviam se virado para as fontes e, enquanto suas emoções disparavam com a música, Pamela se deixou ficar, muito quieta, nos braços de Febo.

— O cantor é italiano, não é? — Recostou-se nele, inclinando a cabeça de modo a fazê-lo ouvir sua pergunta, mas sem tirar os olhos da água.

— Sim — assentiu Apolo. Seus olhos também não se desviavam do inacreditável espetáculo diante deles. — Ele está cantando algo sobre La Rondine ou “a andorinha” — murmurou, a voz grave soando como pano de fundo para a linda música, em vez de distraí-la. — Conta a história de uma pequena andorinha que migra para muito, muito longe, a fim de encontrar o amor em uma terra distante. Mas é evidente que a canção não se refere a um pássaro, e sim a uma amante, que o cantor teme ter perdido para sempre.

— Eu gostaria tanto de entender Italiano! — Pamela sussurrou.

Apolo a abraçou com mais força.

— Será que precisa? Tente ouvir a música com o coração, e irá captar sua alma.

Pamela tentou fazer o que ele dizia e, no crescendo, sentiu os olhos rasos de água. Entendeu realmente. Compreendeu a dor do amor perdido, dos arrependimentos e o medo da eterna solidão.

Quando a música terminou e a água ficou quieta e escura, permaneceu de costas para Febo, sentindo as batidas de seu coração, o calor do corpo sólido a envolvê-la.

— Eu não esperava encontrar tanta beleza aqui — ele falou baixinho, não querendo quebrar o feitiço que aquelas águas mágicas haviam lançado.

— Nem eu. — Pamela respirou fundo. — Aconteceu muita coisa nesta noite que eu não esperava.

Apolo a virou, de modo a deixá-la de frente para ele, porém a manteve solta no círculo de seus braços. Relutava em deixá-la se afastar, contudo não queria assustá-la. A noite também fora cheia de surpresas para ele. Naquele momento, pela primeira vez em todas as suas eras de existência, queria que uma mulher viesse até ele por vontade própria, não como uma donzela deslumbrada, arrebatada pela presença de Apolo, o Deus da Luz; tampouco como uma deusa sedutora, procurando um parceiro temporário com quem se divertir. Queria que Pamela o escolhesse como uma mortal escolhia seu homem.

— Eu não estava falando apenas das águas dançantes — sussurrou.

— Nem eu.

Quando ele se inclinou para beijá-la, não pôde evitar segurá-la pela nuca e mergulhar os dedos nos cabelos curtos e desgrenhados que tanto desejara tocar desde que a tinha vislumbrado. Pamela não se afastou dele, mas também não se entregou ao beijo. Seus lábios se provaram quentes e dóceis sob os dele, porém ela não os abriu num convite. Em vez disso, era como se fizesse uma pergunta e exigisse resposta antes de lhe dar permissão para continuar.

Pense! , Apolo ordenou a si mesmo. O que desejam as mulheres?

Percebeu, chocado, que, apesar de toda a sua experiência, não tinha certeza de como responder a tal pergunta. Concentrou-se, tentando ler o corpo frágil e, por intermédio deste, compreender o que Pamela buscava nele.

Com movimentos lentos, obrigou-se a ignorar o desejo inebriante que tocar Pamela evocava e, em vez de se comportar como um deus grosseiro e arrogante, manteve-se firme no controle. Beijou-lhe o lábio inferior com carinho, em seguida o prendeu com os dentes e o puxou, provocante, mas só por um momento. Mudou dos lábios carnudos para um beijo rápido na ponta do nariz, e foi recompensado por um sorriso que ele beijou nos cantos. Acariciou os cabelos curtos com os dedos enquanto roçava o rosto em seu ouvido e sussurrava:

— Gosto muito do seu cabelo. Ele faz que eu me lembre da cavalgada livre e cheia de orgulho das Amazonas. — Desceu os lábios um pouco mais. — E deixa seu pescoço tão mais sedutor...

Sentiu que ela estremecia e levantou a cabeça de maneira a fitá-la nos olhos, os quais ainda estavam preenchidos pela emoção que a música os fizera sentir.

— Eu quero que você seja exatamente o que parece — ela falou baixinho. — Não quero outro homem que finge ser uma coisa enquanto é outra.

Apolo sentiu o coração congelar.

— No início desta noite, admiti algo para mim mesma que eu vinha escondendo por muito tempo. Admiti que, embora satisfeita, não sou muito feliz. Eu me fechei, desisti até mesmo de tentar buscar a felicidade. — Um breve sorriso iluminou a expressão séria de Pamela. — Então fiz um desejo bobo... Em voz alta. Acho que eu estava desejando, na verdade, ser capaz de confiar nos meus instintos outra vez.

— E o que seus instintos lhe dizem sobre mim? — ele perguntou.

Ela inclinou a cabeça e o fitou.

— Eles me dizem que você é mesmo diferente. Nunca conheci um homem assim.

— Posso assegurar que os seus instintos estão corretos.

Ele se inclinou para beijá-la outra vez, desta vez com toda a paixão que sentia, mas, antes que seus lábios tocassem os dela, a céu se abriu, e uma chuva constante começou a cair.

Pamela soltou um gritinho e segurou a minúscula bolsa sobre a cabeça em uma tentativa inútil de se proteger.

Apolo fez uma careta e olhou ao redor. Chuva no meio de uma noite no deserto? Não importava o quanto o mundo moderno se tornara estranho, não podia haver alteração nos padrões climáticos.

Os deuses, entretanto, podiam fazê-lo. Aquela chuva era muito suspeita, pois tinha a marca da interferência dos imortais. Provavelmente era Baco, aquele infeliz, aprontando de novo.

As pessoas ao redor deles correram em direção aos edifícios e, com habilidade, Apolo guiou Pamela em meio aos mortais até a árvore mais próxima. Com um movimento quase imperceptível da mão, solidificou as folhas acima deles, transformando-as em uma massa única que os abrigou da chuva. Abraçou-a, e juntos eles ficaram observando o aguaceiro.

— Que tempo esquisito! — comentou Pamela, enxugando a água do rosto. — Pensei que quase nunca chovesse aqui. Ah!... — Franziu a testa ao olhar para os sapatos. — Acho que arruinei os meus maravilhosos Jimmy Choo!

Apolo sorriu de lado.

— Como consegue andar sobre essas lâminas?

Pamela chacoalhou um pé, analisando o sapato encharcado enquanto ele admirava a panturrilha bem-torneada.

— Andar sobre um salto dez é a marca registrada de uma mulher de verdade. — Passou a mão pelos cabelos, fazendo-os ficar ainda mais desgrenhados. — Quem iria imaginar que uma árvore tão pequena ofereceria tanta proteção? — Olhou para cima. — É como um guarda-chuva verde!

— Nem tanta assim — ele replicou, apontando para cima em um movimento rápido que fez uma ou duas gotas vazar de sua divina proteção. — Pelo menos a chuva afugentou aquela multidão.

Sem dar à árvore outro olhar, Pamela sorriu e acenou com a cabeça.

— É como se estivéssemos no nosso mundinho.

Apolo tocou uma mecha do cabelo curto.

— Pois acho que estamos, mesmo.

Em seguida, em meio ao véu de chuva e intimidade, as fontes ganharam vida mais uma vez, e a voz sexy de Faith Hill soou ao redor deles como se brotasse da água:


I don’t want another heartbreak, I don’t need another turn to cry.

I don’t want to learn the hard way, baby, hello, oh no, good-bye...


Desta vez, eles não prestaram muita atenção ao show.

— É você quem está fazendo isso? — Pamela indagou num sussurro. — Pagou a eles para tocarem essas músicas?

Apolo balançou a cabeça e emoldurou o rosto delicado com as mãos.

— Mas elas têm tudo a ver com você, não têm? É a andorinha, assim como a mulher que não quer chorar outra vez.

Pamela só pôde concordar.


This kiss, this kiss!...


Como se a música tocasse só para eles, Apolo a puxou para os braços e a beijou. Beijou-a como um homem que queria manter sua amada afastada da dor, da mágoa e da tristeza. Os lábios de Pamela se apartaram, e ela o aceitou. Conforme o fez, Apolo sentiu que algo se abria dentro dele, como se uma trava tivesse sido desbloqueada e um alçapão fosse escancarado, permitindo a entrada do que faltava para preencher sua alma.

Os braços de Pamela subiram para segurá-lo, e ele se esqueceu do monte Olimpo, esqueceu-se do Mundo Moderno dos mortais. Sua realidade se resumiu no gosto, no toque, no cheiro de Pamela.

Ela gemeu e estremeceu, e o mundo se interpôs entre eles novamente. As fontes voltaram a se apagar, e o vento e a chuva se intensificaram.

— Está gelada! — Apolo a esfregou nos braços, condenando a própria insensibilidade. Enquanto ele se deixara perder pelos encantos de Pamela, ela ficara encharcada. — Precisamos voltar. Pode ficar doente se continuar assim.

— Febo. — Ela o puxou pelo braço, mantendo-o sob a pequena árvore. — É verdade que talvez devêssemos voltar para o hotel, mas eu não estava tremendo por causa da chuva. Mesmo que eu pareça meio... — limpou uma gota de chuva que lhe escorria pela testa e sorriu — ... ensopada , não sou nenhuma florzinha de estufa. Não derreto, e amei cada segundo deste nosso beijo na chuva.

Apolo sentiu o aperto no peito se dissolver conforme seu coração reconheceu o calor no olhar dela. Não era o único que sentia aquela conexão entre eles.

E, bem lá no fundo, seus instintos lhe diziam que era aquilo o que homens e mulheres buscavam. Era aquela a dança de amor dos mortais.

— De qualquer forma, estou mesmo encharcada, e parece que essa chuva não vai melhorar tão cedo — Pamela prosseguiu, olhando o aguaceiro que os rodeava.

Apolo acompanhou seu olhar. Ele poderia, claro, impedir que as gotas os tocassem durante todo o caminho de volta ao Caesars Palace, mas não teria como explicar tal façanha.

— Quer saber? Vamos correr de volta para o Palace — decidiu Pamela, sorrindo para ele.

— Não pode correr com esses sapatos — ele lembrou, apontando-lhe os pés.

— Estamos em Las Vegas... Quer apostar? — E, sem esperar por resposta, ela disparou para o meio da chuva, gritando.

Rindo, Apolo a seguiu, permanecendo pouco atrás dela; o suficiente para que pudesse assistir os quadris redondos se movendo com graça enquanto ela corria com passos pequenos e femininos. Não se lembrava da última vez em que se sentira tão jovem ou feliz.

Nenhum deles prestou muita atenção à rua. Apolo não tirava os olhos de Pamela, e ela corria, lançando-lhe olhares por cima do ombro.

— Estou ganhando a aposta! — gritou a certa altura.

Um barulho a fez olhar para a frente, e Pamela soltou uma exclamação. A rua! Tinha se esquecido do quanto esta se encontrava próxima dela!

Tentou parar, porém o salto agulha ficou preso em uma rachadura na beira da calçada. Desequilibrando-se, ela agitou os braços na tentativa de endireitar o corpo, porém sentiu uma dor horrível e lancinante no tornozelo, tombando para a frente.

Sempre antes que coisas terríveis acontecessem , pensou Apolo, como a morte de Heitor, ou quando Ártemis perdera a paciência com Acteão, o tempo parecia diminuir de ritmo, prolongando o evento, desdobrando-se diante dele como resina de pinheiro pingando e descendo por uma tediosa trilha através da casca áspera de uma árvore .

Não foi assim com o acidente de Pamela, contudo. Tudo ao redor pareceu se acelerar com força sobre-humana. Em um instante ela sorria para ele por cima do ombro, no outro balançava perigosamente na beirada da rua, projetando-se bem na frente dos monstros de metal.

Apolo sentiu a morte pairar no ar em torno deles e não perdeu tempo sendo racional. Agiu por impulso, guiado por seu coração imortal que, de repente, se afligira com a ideia de perdê-la.

— Não! — Ele pulou na direção de Pamela com uma velocidade impossível de ser acompanhada pelos mortais. Estendeu a mão, a palma aberta, o grito causando uma explosão sônica que repeliu os carros para longe do corpo em queda de Pamela.

Ela não chegou a aterrissar no concreto molhado. Apolo não podia permitir isso.

Com sobrenatural rapidez, ele a segurou e puxou de volta para a calçada.

Pneus guincharam e ouviu-se o som de carros batendo. Buzinas cortaram a noite, mas, em meio à chuva e ao vento, ninguém pareceu notar o deus que causara tudo isso. O deus que agora se ajoelhava na calçada alagada, amparando uma mortal junto ao peito.

— Meu tornozelo... — A voz de Pamela falhou com a dor e o choque. — Acho que está quebrado!

Apolo puxou o sapato do pé delicado. Conforme o fez, sentiu através da pele o osso que havia torcido até partir e se encolheu, imaginando a dor. Rapidamente, passou a mão sobre o local, ordenando em pensamento que suas terminações nervosas cessassem a agonia de Pamela.

Quase no mesmo instante, sentiu sua respiração normalizar conforme ela relaxava. Em um movimento suave, ele a ergueu nos braços.

E o Deus da Luz avançou como um raio de sol escaldante através da chuva e dos carros destruídos.

Mais tarde, testemunhas do engavetamento bizarro na esquina da Las Vegas e Flamingo falavam de um homem alto que tinham vislumbrado em meio à chuva naquela noite. Diziam que ele carregava uma mulher, mas não podiam afirmar com certeza, pois tudo de que podiam se lembrar era da forma estranha como seus olhos cintilavam. Também não podiam dizer bem como ele era porque seu corpo parecia cercado por uma luz... como se ele brilhasse com o fogo do Sol.


Capítulo 10


— Ela precisa ser levada para o quarto! — Apolo berrou para o porteiro do hotel, o qual fitava com os olhos arregalados o espectro dourado que parecia ter surgido do nada na noite chuvosa. A aparição carregava o corpo úmido de uma pequena mulher calçando apenas um sapato.

— Os elevadores ficam ali no canto, senhor.

A confusão de Apolo diante das palavras estranhas se transformou em raiva. O que era, exatamente, um elevador?!

— Mostre-me onde fica o quarto dela ou vou esfolá-lo vivo! — rosnou, irado.

— Qual o número do quarto? — guinchou o rapaz.

— Mil cento e vinte e um — Pamela falou contra o ombro de Apolo.

Apolo olhou para o porteiro, e o rapaz assentiu, saindo em disparada à sua frente, através das portas giratórias.

O Deus da Luz apertou os dentes quando a caixa de metal em que entraram se fechou. O menino apertou um botão redondo onde se lia “11”, e este se iluminou conforme a caixa começou a se mover.

Apolo sentiu o estômago se contrair e segurou Pamela com mais força contra o corpo. Baco não explicara nada sobre aquela forma de transporte mecânica, e ele não estava gostando nem um pouco da experiência.

Por sorte, a jornada foi curta, e as portas se apartaram sem problemas.

Ele seguiu o rapaz por um corredor coberto por um tapete macio. Estatuetas decoravam nichos, e lustres pendiam do teto trabalhado.

Pararam em frente a uma porta que ostentava o número “1121” em metal dourado, e o porteiro olhou para Apolo. Apolo devolveu o olhar e o rapaz pigarreou, nervoso. Pamela entregou a pequena bolsa que ainda segurava junto ao peito ao menino.

— Está aí dentro.

Engolindo em seco, o rapaz abriu a bolsinha, extraiu dela o cartão-chave e o passou pela fechadura, abrindo a porta. Apolo entrou e bateu a porta atrás deles apenas com o pensamento.

— Devia ter dado uma gorjeta para ele — Pamela disse baixinho.

— Eu devia tê-lo esfolado, isso sim — murmurou o deus.

Hesitou na entrada da suíte, avaliando os arredores. Havia um quarto enorme com um divã, duas poltronas laterais, forradas de seda, e um imenso armário. Portas com pintura imitando mármore se encontravam semiabertas, revelando parte de uma cama gigantesca.

Decidido, ele rumou naquela direção.

Pamela gemeu quando ele a deitou em cima do grosso edredon de seda. Sentiu um arrepio no corpo e seus dentes começarem a bater.

— N-não sei por que estou d-de repente com tanto frio! — gaguejou, confusa.

Apolo sabia o porquê. Ela estava em choque. E ele não tinha curado seu tornozelo; apenas bloqueara temporariamente parte da dor.

Sentou-se na borda da cama devagar e tocou-lhe o rosto, querendo que ela relaxasse.

— Precisa descansar. Confie em mim. Vou dar um jeito nessa dor.

Ele observou conforme sua hipnótica sugestão fez as pálpebras dos olhos enormes e cor de âmbar começarem a pesar.

— Eu não... — Pamela começou, sonolenta, perdendo o fio do raciocínio em seguida. Ainda lutando contra a estranha letargia que tomara conta dela, piscou. — Estou molhada... Há toalhas ali... — Fez um gesto fraco na direção do banheiro.

— Primeiro o tornozelo.

Quando ela fechou os olhos e não mais os abriu, Apolo se ajeitou melhor na extremidade da cama.

Balançou a cabeça. Pamela se encontrava bastante ferida. Seu tornozelo estava com o dobro do tamanho normal e muito branco. Ele podia ver onde o osso se partira, fazendo que o pé delicado pendesse em um ângulo estranho.

Segurou o pé de Pamela entre as mãos e fechou os olhos, concentrando-se. Mapeou seu esqueleto mentalmente, sem pressa, revendo a posição de cada osso, músculo e nervo, e então viu a fratura.

Suas mãos começaram a se aquecer.

Que se faça a cura! , ordenou o Deus da Luz. Que todo o sofrimento seja cessado e seu bem-estar retorne , livrando-a da dor.

A intensidade do brilho entre as mãos de Apolo teria cegado Pamela caso estivesse ela consciente para testemunhar seu esplendor.

Porém, ela continuava desacordada. Dormiu durante o tempo todo em que Apolo reuniu seus vastos poderes para emendar seus ossos quebrados e pôr um fim à sua dor.

Muito mais tarde, quando ele terminou, enfim, levantou-se e foi para a pequena sala ao lado do quarto de dormir. Lá encontrou várias toalhas e um roupão branco e grosso.

Trouxe-os para junto de Pamela e hesitou. Ele poderia despi-la com facilidade, e ela não iria despertar. Estava certo disso.

O tecido molhado do vestido moldava o corpo esbelto, revelando as curvas suaves e os seios redondos. Ela era como uma terra exuberante aguardando por sua exploração...

Não . Sua mente se esquivou da ideia de ver o corpo nu sem seu consentimento ou conhecimento.

— Pamela? — chamou baixinho.

O chamado a fez despertar do transe induzido.

— Ahn?... — ela indagou, sentando-se e olhando ao redor. — O que aconteceu? Meu tornozelo... — Inclinou-se para a frente e depois parou, franzindo a testa. — Mas... ele estava péssimo, como se estivesse quebrado! Eu podia jurar que já estava inchado. Agora parece normal. — Num teste, flexionou e girou o pé em um movimento circular. — Está ótimo!

— Você só precisava descansar. Foi apenas uma entorse. — Apolo entregou-lhe uma toalha, e Pamela secou o rosto, distraída.

— Estou me sentindo uma idiota. Você me carregou até aqui, e debaixo de chuva.

— Eu sou médico. Apenas fiz meu trabalho.

Pamela o fitou. Febo estava ensopado, a camisa grudada aos músculos do peito como seda líquida, o cabelo se enrolando em gavinhas úmidas em torno da testa.

E aqueles olhos!... A letra da música de Faith Hill os descrevia com perfeição: impossíveis, irrefreáveis, inimagináveis, insondáveis.

— Pelo visto foi sorte minha tê-lo por perto. — Com um esforço, ela desviou o olhar do dele e, apanhando uma toalha, começou a secar o cabelo com mais entusiasmo do que o necessário.

Apolo a observou. Pamela estava molhada, desgrenhada; o cabelo, uma verdadeira bagunça. Tinha as roupas encharcadas e continuava apenas com um sapato, que agora manchava o edredon cor de marfim.

Sentiu o coração se apertar. Nunca se sentira tão atraído por uma mulher, mortal ou deusa, em toda a sua existência.

— É melhor eu ir embora — falou de súbito.

Pamela espiou através de uma dobra na toalha.

— Já? — Olhou para o relógio molhado que, por sorte, era à prova de água. Já passava das quatro da madrugada. — Nossa, eu não sabia que era tão tarde!... — comentou, lembrando a si mesma que Febo era um estranho e que, embora as chances de ele ser um estuprador ou um serial killer fossem mínimas — principalmente depois de ele tê-la “salvado” —, estavam sozinhos naquele quarto de hotel, no meio da noite. A situação tinha todos os ingredientes daqueles filmes baratos que nunca acabavam bem.

— Sim, já é tarde. — Ele não queria ir; por isso mesmo sua consciência lhe dizia o contrário.

— Sua irmã deve estar preocupada e se perguntando o que aconteceu com você.

Apolo empalideceu.

— Nem imagina o quanto.

Sua expressão fez Pamela sorrir.

— Ah, imagino, sim. Meu irmão costumava ficar andando de um lado para o outro e berrar comigo feito um alucinado por eu ficar fora até tarde e deixá-lo preocupado.

Ele torceu os lábios.

— Ela certamente vai querer saber o que me tomou tanto tempo.

Pamela inclinou a cabeça para o lado, num gesto que Apolo aprendera a gostar, pois já se tornara familiar.

— E o que vai dizer?

— Vou dizer que me atrasei por conta de um incidente. — Ele caminhou até ela e, com um movimento fluido, ajoelhou-se a seu lado, na cama, tocando-lhe o tornozelo com cuidado. Acariciou-o, então, deixando os dedos avançar um pouco mais, até a panturrilha, e sentiu, mais do que viu, Pamela respirar fundo. — Um delicioso e inesperado incidente...

Pamela engoliu em seco. Ela mal podia respirar quando Febo a fitava e tocava daquela maneira. Queria tanto pedir que ele não fosse embora, que passasse o restante da noite ali com ela!...

Sentiu o estômago se apertar. Não devia desejá-lo tanto, nem tão depressa. Afinal, Febo era um estranho. Um estranho lindo, sexy ... maravilhoso.

Apolo reconheceu as emoções desfilando, claras, em seu rosto. Era óbvio o que Pamela queria. Via o desejo em seus olhos. Poderia tê-la, poderia tomá-la nos braços e completar sua sedução. Era isso o que ele deveria fazer. Era o que Ártemis esperava e o que ele tinha planejado. Pamela não havia dito que desejava fazer amor ao expressar seu desejo em voz alta e completar a invocação, porém tal necessidade se encontrava patente em suas palavras. Ele a reconhecera, assim como Ártemis. Dessa forma, de modo a cumprir a invocação, ele precisava fazer amor com ela.

Mas e depois?

O súbito pensamento soprou em sua mente como uma inesperada tempestade de inverno. Talvez a invocação tivesse lançado algum tipo de feitiço sobre Pamela, e o desejo que ele via em seus olhos fosse apenas o resultado de uma poderosa magia das ninfas. Se isso fosse verdade, tão logo eles fizessem amor, o feitiço seria quebrado e ela não mais o desejaria. Deixaria de olhar para ele com aqueles olhos inteligentes, expressivos, que se tornavam da rica cor do mel quando ele despertava sua paixão terrena.

O pensamento o abalou a ponto de deixá-lo perdido e enjoado, e Apolo se pôs de pé.

— Preciso ir. Não... — Fez sinal para que Pamela continuasse na cama quando ela fez menção de se levantar. — Precisa poupar esse tornozelo. Durma com o pé elevado esta noite, e amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido.

Pamela sentiu o peito se apertar quando Febo virou-se para a porta. Ele havia dito que explicaria sua ausência para a irmã como um acidente. Estaria dizendo que o encontro deles fora isso?... Que, após aquela noite, não iriam se ver outra vez?

— Então, amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido com você, também?

Só percebeu que expressara seu pensamento em voz alta quando as palavras o detiveram. Febo se voltou, e seus brilhantes olhos azuis pareceram cintilar ainda mais. Ele levantou a mão que pouco tempo antes acariciara seu tornozelo e a exibiu para ela com a palma aberta.

— Amanhã eu ainda vou sentir sua pele contra a minha. Vou continuar com o seu gosto na boca. Amanhã o vento ainda vai trazer seu perfume até mim... Como eu poderia me esquecer?

— Então eu o verei de novo — ela concluiu, meio sem fôlego.

— Eu não ficaria longe de você nem mesmo se quisesse. E eu não quero. Estarei no nosso café outra vez, amanhã, na mesma hora em que nos encontramos esta noite. Até lá, minha doce Pamela, só vou pensar em você.

Quando Febo deixou a suíte, Pamela sentiu como se, de repente, o Sol tivesse caído do céu. Olhou para o relógio e começou a contar as horas até o momento em que o veria novamente.


Ártemis esperou no corredor escuro que se originava de uma discreta entrada de serviço do Caesars Palace. Aguardou ao lado da porta de um suposto armário que, na verdade, era o portal que conduzia a outro mundo.

Cruzou os braços e suspirou. Havia dito a Apolo que esperaria por ele no Olimpo, mas, conforme a noite minguara, fora ficando cada vez mais inquieta. Era tarde, já estava quase amanhecendo, e ela ainda sentia as amarras que a atrelavam à mortal.

Por que o Deus da Luz estava demorando tanto tempo para seduzi-la?

Um homem alto, vestido com roupas encharcadas, dobrou uma esquina e se aproximou dela. Sem pensar duas vezes, Ártemis levantou o dedo a fim de forçá-lo a fazer meia-volta e usar outra saída, mas o estranho a surpreendeu, caindo na risada.

— Seus truques não funcionam comigo, minha irmã — declarou Apolo.

Ártemis arregalou os olhos ao reconhecê-lo.

— Apolo? Pelas barbas de Zeus! O que aconteceu com você?

Ele deu de ombros e tirou a camisa molhada.

— Um acidente.

— Acidente!? Mas... e quanto aos seus planos de sedução?

— Vão bem, obrigado.

— Bem! — Ártemis quase gritou de frustração. — Como podem estar indo bem se eu ainda sinto o vínculo da invocação?

— Essas coisas levam tempo, Ártemis. Pamela não é uma cidade para ser dizimada, ou uma fortaleza a ser atacada e saqueada. É uma mortal que deseja romance.

— Sei muito bem disso. O que não entendo é por que ainda não a levou para a cama.

— Porque não é o que ela deseja verdadeiramente — respondeu Apolo.

Os olhos de Ártemis se estreitaram diante do tom estranho e contido na voz do irmão.

— Ter o Deus da Luz em sua cama não é o que ela deseja de verdade? Acho difícil de acreditar.

Apolo suspirou.

— O que diria se eu lhe dissesse que dormir com Pamela esta noite também não é o que eu desejo?

Diria que isso era mais fácil de compreender , pensou Ártemis. Ela havia imaginado que Apolo achara a mortal atraente, mas, pelo visto, ele mudara de ideia.

— Bem — ela recomeçou devagar —, isso tudo é culpa de Baco, portanto ele vai ter que dar um jeito nessa história. Talvez possa usar o mais potente de seus vinhos para induzi-la a um estado de desejo. Ele também é um deus, e suponho que já tenha seduzido mortais antes, por mais repulsivo que possa ser imaginá-lo envolvido em tal ato.

— Não! — a palavra pareceu explodir de Apolo. — Aquele infeliz não vai tocá-la!

Ártemis franziu as sobrancelhas finas, confusa.

— Apolo, seja claro! Em um momento diz que não deseja a mortal, e, no seguinte, está pronto a defendê-la de outro deus, como se fosse aquele tolo do Paris, e ela, sua Helena!

— Eu disse apenas que não queria ir para a cama com Pamela esta noite; não que eu não a deseje. A moça se feriu — ele deixou escapar quando a irmã o fitou em silêncio. — E, logicamente, eu a curei... Sem seu conhecimento — acrescentou depressa, antes que Ártemis falasse alguma coisa. — Levá-la para a cama em seguida seria abominável.

Os olhos penetrantes da deusa viram o desconforto velado no rosto de seu irmão. Apolo não estava sendo honesto. Não com ela e, talvez, nem mesmo consigo.

De qualquer forma, ela poderia afirmar, apenas pelo modo como ele cerrava o maxilar, que o deus não lhe revelaria mais nada.

— Amanhã?

Apolo assentiu com firmeza.

— Amanhã.

— Muito bem. Então vamos para o Olimpo. Creio que eu já esteja cansada do mundo mortal.

Apolo abriu a porta do armário e fez um sinal para que ela o precedesse através do portal brilhante, que cintilava com as cores de uma concha. Estava voltando para o mundo deles, contudo não tinha a menor intenção de se retirar para o Olimpo.

Assim, deu um boa-noite distraído para a irmã e se transportou para o único lugar em que, sabia, poderia encontrar ajuda.


Capítulo 11


Fora uma surpresa, tanto para Apolo como para o restante dos olímpicos, descobrir que a deusa que havia ganhado o coração supostamente frio de Hades não era uma deusa. Que Deméter trocara a alma de sua filha, Perséfone, pela de Carolina Francesca Santoro, uma mortal do mundo moderno. Deméter quisera domar sua despreocupada filha, e a troca lhe parecera uma excelente oportunidade para amadurecer Perséfone, assim como apresentara outro excelente benefício secundário: o de a empresária mortal, muito mais madura, trazer ao Submundo sua presença calma e feminina.

Já o senhor do Submundo cair de amores pela mortal disfarçada de deusa fora um desfecho inesperado.

Apesar de que, pensou Apolo, tão logo ele conhecera Carolina ou Lina, como Hades a chamava, não demorara muito a compreender por que o Deus do Submundo ficara tão apaixonado pela moça. Lina era sábia e dona de uma exuberância única que brilhava como um farol de dentro dela.

Apolo sorriu. Ele sempre se sentira atraído pela risada de Lina, e agora entendia por quê. Seu riso carregava o som de sua alma mortal na voz do corpo que ela habitara por algum tempo: o da deusa Perséfone. E, dentro dessa alma mortal, ele escutava o eco da alegria terrena de Pamela.

— Quer dizer que a mortal já o conduziu para o inferno...

— Carolina, não o perturbe. — Hades sorriu com carinho para sua alma gêmea.

— Está exibindo o seu lado sensível de novo, meu amor — provocou Lina no tom zombeteiro que apenas ela poderia usar com o Deus do Submundo.

Hades bufou.

— Não é que eu seja sensível. Simplesmente compreendo muito bem o caos que uma mortal moderna pode causar na vida de um deus...

Lina ignorou de propósito as palavras do marido e voltou a atenção para Apolo. O deus dourado tinha descartado a roupa molhada com que chegara e agora vestia uma das confortáveis vestes de seu marido. Ela e Hades, por sua vez, descansavam em seu cômodo particular e bebiam ambrosia.

Apolo os visitava com frequência desde que se tornara do conhecimento de todos que uma mortal se transformara na Rainha do Submundo; e os três haviam se tornado grandes amigos. O Deus da Luz devia estar relaxado e se sentindo em casa na companhia deles, mas, ao contrário, seus nervos pareciam estar à flor da pele. Ele não conseguia ficar sentado. Andava, inquieto, diante da imensa janela que dava para os belos jardins da parte de trás do palácio, sem prestar atenção à bela vista.

— Não sei com o que está tão preocupado. Pelo que nos disse, Pamela me parece muito interessada em você — concluiu Lina.

— É exatamente disso que não tenho certeza! É em mim que ela está interessada, ou se trata apenas desse maldito poder da invocação?

— Isso é fácil de descobrir — opinou Hades. — Basta fazer amor com Pamela. Se ela sumir da sua vista depois, era o feitiço que a atraía. Do contrário é você mesmo.

Apolo fez uma careta, sem saber por que estava tão pouco disposto a testar o carinho de Pamela. Não seria mesmo simples? Por que a ideia fazia seu estômago se contrair?

— É assustador, não é? — A voz suave de Lina interrompeu seu turbilhão interior. — Trata-se de algo que nós, mortais, conhecemos muito bem: o medo da rejeição. No entanto, para conhecer o amor verdadeiro, precisa estar disposto a se abrir para a possibilidade de ser magoado. Eu gostaria de ter uma solução menos difícil, mas não tenho.

— Então é sempre difícil assim.

Lina sorriu, compreensiva, diante da expressão sofrida do deus dourado.

Sentado a seu lado, Hades deslizou a mão para a dela e, por um momento, eles partilharam um olhar.

— Só é difícil assim quando gosta mesmo da pessoa — ela enfatizou.

O rosto de Apolo empalideceu.

— Posso me apaixonar por ela? — Ele articulou as palavras como se tivesse acabado de dar nome a uma nova praga.

Lina assentiu com um gesto de cabeça, tomando o cuidado de segurar a risada que ameaçava escapar. Pobre Apolo!... Ele estava tão arrasado!

— Receio que sim.

— Anime-se! — incitou Hades. — Amar uma mortal não é tão terrível assim.

— Que bom que disse isso — Lina emendou, travessa.

Hades apenas riu e a beijou no topo da cabeça.

— Ela não sabe quem eu sou — Apolo prosseguiu, tenso. — Pamela pensa que sou um médico e músico mortal. Talvez não seja o feitiço. Talvez ela possa se apaixonar por mim também... Mas isso não vai mudar quando ela descobrir que estou fingindo ser alguém que não sou?

— Não permita que ela fuja de você. — A voz de Hades tornou-se grave, e sua mão apertou a de Lina conforme ele se lembrava de como quase a tinha perdido por conta do próprio orgulho.

— Apolo, precisa ter certeza de que está mostrando a ela seu verdadeiro “eu” — aconselhou Lina, escolhendo cuidadosamente as palavras. — Essa é a parte mais difícil quando se ama alguém. Tem que se desnudar para que dê certo. Se conseguir fazer isso, de repente vai perceber que não é um deus, um médico ou um músico, mas apenas um homem apaixonado. E se ela corresponder ao seu amor, também vai se dar conta disso.

— E se não corresponder? — Apolo perguntou.

Lina respondeu com sinceridade:

— Se não corresponder, vai ficar magoado.

— Vale a pena arriscar — afirmou Hades, encontrando o olhar da amante. — A chance de se conhecer o verdadeiro amor vale qualquer coisa.

Em resposta, Lina lhe tocou o rosto em uma carícia suave.

Apolo observou o casal. Às vezes Lina e Hades pareciam se falar numa linguagem secreta. Eles se entendiam como se tivessem sido feitos um para o outro.

Por todos os deuses! , Hades havia mudado muito desde que Lina entrara em sua vida. Era como se amá-la tivesse descortinado um mundo novo para ele. Se uma vez o Deus da Escuridão fora ensimesmado e retraído, agora parecia em paz, até mesmo afável. Lina tinha transformado Hades em um ser mais completo.

E ele, Apolo, desejava aquela mesma completude.

— Vou dar um fim a essa história — proclamou, decidido. — Farei amor com Pamela. Se for apenas o feitiço o que a faz se sentir atraída por mim, preciso saber.

Apolo parecia disposto a aceitar o desafio, concluiu Lina.

Então seu rosto mudou mais uma vez, e ele passou a mão pela testa como se pudesse, com isso, afastar suas preocupações.

— Mas, se não é um feitiço, como faço para manter o afeto de Pamela? — Ele piscou, confuso, voltando-se para ela. — O que desejam as mortais modernas, afinal?

— Isso não é mistério nenhum, Apolo. — Lina sorriu. — Desejamos a mesma coisa que você deseja, o mesmo que Hades quer: alguém que nos ame como somos realmente, sem disfarces, sem fingimentos, sem nenhum tipo de jogo. — Ela se levantou e aproximou-se do deus dourado, colocando a mão em seu braço. — Consegue fazer isso, amigo? Não é como correr atrás de ninfas e deusas. Aliás, é bem menos encantador.

Apolo pensou sobre como o mundo tinha desaparecido quando Pamela relaxara em seus braços, e como a crescente confiança em seus olhos o fizera sentir-se mais divino do que todas as glórias do Olimpo. Em seguida, pensou no terror que experimentara ao vê-la desabar bem na frente das máquinas de metal. Se ele não tivesse usado seus poderes, Pamela teria sido esmagada, morta...

Passou a mão pela testa outra vez.

— Estou cansado de encantamentos. Acredito que prefiro o amor — falou baixinho.

— Boa escolha, querido. — Na ponta dos pés, Lina deu-lhe um rápido e fraterno beijo. — Ah... Creio que deva dizer a Pamela quem você é o mais breve possível. — Lançou um olhar de soslaio para Hades. — Acredite, é melhor partir logo para a verdade.

— Sim, sim, farei isso. — Distraído, Apolo não parecia ouvi-la. — Obrigado, meus amigos. — Ele lhe afagou a mão e, depois, se afastou dela, preparando-se para se transportar de volta a seu palácio olímpico. — Talvez eu devesse levar um presente para ela... — Suas palavras flutuaram através da câmara conforme seu corpo oscilou e, em seguida, desapareceu.

— Creio que o coração do Deus da Luz já será um bom presente — Lina murmurou, soltando um pesado suspiro.

Hades encolheu um ombro.

— Uma joia nunca foi má ideia.


Pamela acordou aos poucos. Esticou-se e, em seguida, abraçou o travesseiro, sonolenta, pensando que algo maravilhoso estava para acontecer naquele dia. Em meio ao estado de vigília e o sono, entretanto, não conseguia se lembrar muito bem do que era.

Sentia-se maravilhosa. Tinha o corpo descansado, mas, ainda assim, encontrava-se cheia de ansiedade.

Um facho de luz irrompeu por entre as cortinas de brocado que estavam quase cerradas, brincando em suas pálpebras e fazendo-a se lembrar de raios dourados de sol, de calor... e de olhos brilhantes, da cor da água-marinha.

Em seguida, ela recordou a noite anterior, beijos na chuva... Febo!

Seus olhos se abriram.

Merda! Como podia ter se esquecido? Iria encontrá-lo naquela noite, às oito horas.

Olhou para o relógio de cabeceira e sentou-se na cama. Era quase meio-dia! Ela, uma madrugadora, dormindo até a hora do almoço?...

Bem, também fora uma mulher que tinha evitado homens e romance por vários anos, e se lembrava bem de, na noite anterior, ter derretido nos braços de um estranho.

Abraçou os joelhos contra o peito, sentindo o coração bater de emoção. Não era nenhuma bruxa velha. Era jovem e estava viva! Aproveitara uma oportunidade e se dera bem. E que oportunidade!...

Um arrepio delicioso lhe percorreu o corpo conforme se lembrava de como se sentira quando Febo a envolvera nos braços. E aquela boca!... O beijo dele ficara gravado nela, desde seus lábios até os dedos dos pés.

E se ele era tão bom beijando, como não seria fazendo outras coisas?...

O telefone tocou, arrancando-a do sonho erótico.

— Olá, Ve — falou, sem olhar para o número de identificação no visor.

— Está sozinha? — Ve quis saber num calculado sussurro.

— Sim. — Pamela mordeu o lábio, e acrescentou: — Infelizmente.

— Oh-Oh . Olhe só como está a mulher!

— Ve, estou me sentindo viva outra vez! É como se eu houvesse me transformado em um deserto, e ele fosse uma chuva morna de primavera... E vou lhe dizer, estou pronta para me entregar. — Pamela suspirou, feliz.

— Está boba pelo homem.

— Completamente. Tem razão. Estou encantada, inebriada de paixão! E, caramba , como isso é bom!... Ah, deixe-me tirar isso da frente de uma vez. Preciso admitir em voz alta e sem qualquer pressão... Você estava certa — ela cantarolou, alegre.

— Espere, estou me beliscando... Sim, está doendo! Eu não estou sonhando! Claro que eu estava certa! E não está mais bêbada, está?

Pamela riu.

— Eu nunca estive assim, tão alcoolizada. Fiquei alegre apenas o suficiente para fazer o que me aconselhou. E, ah... foi maravilhoso!

— Detalhes sórdidos, por favor! Conte-me tudo.

— Fomos para as fontes do Bellagio. Primeiro eles tocaram uma música romântica de uma ópera que Febo...

— Febo? — Ve a interrompeu.

— É o nome dele. Ele é grego, romano, latino... sei lá. Sabia que Pamela significa “tudo o que é doce” na língua grega?

— Pammy, está perdendo o foco. Comece de novo. O nome dele é Febo e...?

— Ah, sim... Primeiro tocaram essa música de ópera. Ele sabia a letra e, Deus! , foi muito romântico. — Ela suspirou.

— Você já disse isso. Conte mais!

— Começou a chover e nós corremos para debaixo de uma árvore. Não vai acreditar nessa parte... Estávamos ali e... Ve, eu já disse como ele é lindo?

— Concentre-se, por favor!

— Desculpe. De qualquer forma, estávamos ali de pé e a fonte começou a jorrar de novo, com Faith Hill cantando This Kiss !

— Está brincando.

— É sério! E então aconteceu.

— Transaram ali mesmo, na rua?

— Não! Estávamos na calçada, e não transamos coisa nenhuma, apenas nos beijamos.

— Em seguida foram para o seu quarto e copularam como dois coelhinhos heterossexuais tarados?

— Não! — Pamela limpou a garganta e teve o desejo insano de sussurrar o restante da história. — Mas ele me carregou até o quarto.

— Quer dizer como Rhett e aquela gostosa da Scarlett?

— Exatamente assim. Só que eu torci o tornozelo, e estava chovendo.

— Caiu dos scarpins .

— O que prova como esse cara me tira do prumo porque, como você mesma sabe, eu poderia correr em uma pista de gelo com um salto sete! — afirmou Pamela, presunçosa.

— Ele bancou o cavaleiro numa armadura reluzente — um clichê, a propósito, que vocês, meninas hetero , adoram — e ainda não dormiu com o pobre trípode?

— Ainda não — Pamela concordou sem fôlego.

— Ainda? Entregue o restante da história!

— Temos um encontro esta noite. Tcharam!... — ela terminou com o floreio verbal.

— Não brinque...

— Brinco.

Ve, uma namoradeira contumaz, foi direto ao assunto:

— Está bem. Qual é o plano?

— Acho que poderíamos ir jantar — ponderou Pamela.

— Pammy, está em Las Vegas. Pode fazer melhor do que isso.

— Por favor, não me diga que temos que jogar primeiro...

O suspiro da outra moça foi longo e sofrido.

— Claro que não! Vegas é a Meca dos shows fabulosos. Vão assistir a algum, de preferência um bem sexy .

— É uma boa ideia, mas... Eu não deveria esperar para ver o que ele planejou?

— Pammy, sabe que eu sou sua amiga, então, por favor, não leve isso para o lado errado... Está disposta a entrar em outro relacionamento em que o homem sempre assume a liderança?

— Não! — a palavra saiu em um lampejo de raiva. — Não quero nada parecido com o que Duane e eu tivemos. Não sou mais aquela menina boba com quem ele se casou.

— Você não era boba, Pamela. Era apenas imatura e estava apaixonada. Cometeu um erro, e isso acontece com todo o mundo.

— Pois não vai acontecer comigo de novo — Pamela declarou com firmeza.

— O quê? Apaixonar-se ou ser imatura?

Pamela abriu a boca para dizer “as duas coisas”, mas depois se lembrou do azul suave dos olhos de Febo e do interesse e desejo com que ele a fitava. Também se recordou de outra coisa que tinha quase certeza de ter visto em seus olhos, em sua voz e na maneira como ele a tocara: uma busca familiar que chegara a seu coração, assim como à sua alma.

Almas gêmeas.

O pensamento pairou como o perfume das flores de primavera em sua mente.

— Eu não sou mais tão jovem — lembrou, contida. — Não há como eu me apaixonar em um fim de semana.

Vernelle riu.

— Continue a dizer isso para si mesma, Pammy.

Pamela franziu a testa.

— Preciso desligar. Tenho muito que fazer antes desta noite.

— Por exemplo...?

— Desenhar essa fonte horrorosa, de modo a ter algo para enviar aos Meninos das Fontes .

“Meninos das Fontes” era como Pamela e Ve chamavam os irmãos que possuíam um enorme atacado de fontes, o qual a Ruby Slipper usara diversas vezes para atender a pedidos contendo todos os tipos de aparato envolvendo água. — Estou aqui para trabalhar, lembra-se?

— Pensei que Faust tivesse dito para aproveitar o fim de semana e estudar o ambiente do Fórum.

— Isso não significa que eu possa ignorar o trabalho. O que me fez lembrar: vai se encontrar com a sra. Graham hoje?

— Sim, claro. A mulher dos gatos e eu temos uma reunião esta tarde. Vamos discutir a cor de suas janelas. Reze por mim.

Pamela riu.

— Vou ver se consigo encontrar uma vela para acender.

— Muito bem, já chega de falar sobre trabalho a ser feito. Devia estar à toa, não trabalhando.

— Verdade. Acho que já absorvi o suficiente desta breguice romana. Quanto antes eu começar este trabalho, mais cedo me livrarei dele.

— Fantasia e diversão, lembra-se?

— Vernelle, esta noite vou sair com um lindo estranho chamado Febo. Isso não é fantasia e diversão suficiente para você?

— Misture um pouco dessa sua arrogância com o trabalho, sem perder o senso de humor, e creio que terá a receita perfeita para ter sucesso tanto com E. D. Faust, como com Febo. Divirta-se com ambos, Pammy.

Diversão, Pamela repetiu em pensamento. Sua vida pessoal tinha definitivamente deixado de ser divertida. Era confortável, segura, mas divertida, feliz, alegre?... Não.

Seu trabalho também deixara de ser prazeroso? Ela gostava do que fazia e estava satisfeita. Mas qual fora a última vez em que havia sentido uma onda de alegria na conclusão de um projeto?... Não conseguia se lembrar.

O pensamento a fez sair do ar.

— Pammy? Ainda está aí? — Ve perguntou.

— Sim. Eu só estava pensando.

— Que tal reservar à fonte uma hora de seu tempo, depois chamar a concierge e pedir que ela providencie as entradas para um espetáculo?

— Ok, ok. Tem razão — ela anuiu.

— E amanhã eu quero um relatório completo!

— Você o terá.

— Ótimo. Bye-bye , passarinha — Ve brincou antes de desligar.

Pamela esfregou o sono dos olhos. Tomara ela tivesse algo para relatar no dia seguinte.

Antes que mudasse de ideia, discou nove para a recepção, e uma mulher de tom eficiente atendeu ao segundo toque.

— Sim, srta. Gray. Como posso ajudá-la?

— Eu gostaria de assistir a um show esta noite. — Pamela fez uma pausa e respirou fundo. — Um espetáculo erótico. Mas nada muito desagradável — completou depressa.

— Claro que não, senhora. Recomendo um show que está no hotel New York, New York. É da mesma empresa que produz o Cirque du Soleil . Já ouviu falar deles?

— Sim, eu assisti a um espetáculo do Cirque du Soleil quando eles foram a Denver.

— Excelente. Essa produção se chama Zumanity . É bem erótica, mas de muito bom gosto.

Eu mesma vi e gostei muito. Na verdade, as entradas devem estar esgotadas, mas o hotel tem acesso a alguns tickets extras.

— Perfeito. — Pamela suspirou, aliviada por tudo estar se encaixando tão facilmente.

— De quantos ingressos vai precisar?

O sorriso de Pamela telegrafou através da linha telefônica.

— De dois, por favor.


Capítulo 12


Pamela mudou o peso do corpo e sentou-se sobre os pés, concentrada em desenhar a fonte.

Ou melhor, a sua versão da fonte. Manteve a forma de trevo desta, porém diminuiu seu tamanho e ignorou as horríveis estátuas de Ártemis, Apolo e César, substituindo-as por lindas espirais que pareciam ondas, do meio das quais peixes jorravam água.

Olhou para a estátua gorducha no centro e suspirou. Não importava o quanto ela “consertasse” aquela coisa gimensa ; não havia como transformar Baco em algo aceitável. Muito menos com Eddie insistindo para que a escultura fosse animada.

Sentiu os dedos, que antes voavam sobre a página do bloco, diminuírem o ritmo. Desenhou um pedestal central, porém deixou o espaço onde o Deus do Vinho se sentava vazio. Decerto poderia convencer Eddie a aceitar algo menos... — franziu a testa para a estátua — ... menos gordo e hediondo.

Olhou para o relógio. Três e meia. Ainda tinha quatro horas e meia até o encontro.

Precisava pegar a câmera e tirar fotos das colunas, bem como fazer anotações sobre cores e texturas. Todo esse trabalho preliminar seria necessário na segunda-feira, quando ela se encontraria com Eddie na casa dele, enfim.

Deveria se concentrar na tarefa, contudo, sua mente insistia em vagar por coisas mais prazerosas. O dourado das colunas ornamentadas lembrava o brilho do cabelo de Febo. Agora que não que precisava mais se preocupar com o esboço da fonte, seus pensamentos, volta e meia, se concentravam nele. Mesmo o céu de mentira, com nuvens macias revolvendo, lembravam seus olhos.

Inferno , até aquela estátua cafona de Apolo se parecia com ele de alguma forma! Era como se Febo fosse uma daquelas luzes brilhantes que atraíam insetos, e ela, uma mariposa apaixonada!

Estava obcecada. Sabia disso. E mais do que decepcionada por perceber que, na verdade, não se importava com seu estado. Pelo contrário, sentia-se como quando lia um livro maravilhoso: como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa e desfrutando cada segundo.

Seu sorriso foi lento e muito, muito sensual. Talvez ela devesse mesmo jogar. Sentia-se, sem dúvida, com muita sorte.

Como se ecoando seus pensamentos, uma moça esbelta se aproximou da fonte, falando, excitada, com uma amiga.

— Acredita na nossa sorte? Meu Deus! Tropeçar na liquidação anual da Chanel !

Liquidação da Chanel ? Os ouvidos de Pamela se aguçaram.

— Pensei que eu fosse desmaiar quando vi o preço daquele vestido! — Carregando sacolas abarrotadas de compras, as duas mulheres passaram, rindo, por seu banco.

Pamela lançou à fonte um último olhar de desprezo e quase riu alto. Devia ser o destino... ou talvez um presente dos deuses. Ela iria comprar um novo e fabuloso vestido Chanel para usar naquela noite, iria a um show erótico com um pedaço de mau caminho , e podia até mesmo fazer sexo com ele depois!

Sentiu o estômago se apertar.

Esqueça isso, está se precipitando!

Respirou fundo.

Ora... Poderia, mesmo, ficar com Febo depois. Um bom amasso não estava fora de questão. Fechou o bloco e o guardou na pasta de couro.

Vermelho. Iria comprar um vestido vermelho que deixasse as pernas de fora. Podia até mesmo ir a uma pedicure.

Sim, iria fazer isso. Esmalte vermelho nos pés era uma necessidade numa situação daquelas.

Decidida, Pamela rumou para o paraíso da alta-costura, cantarolando baixinho.


Baco tamborilou os dedos na mesa do restaurante. As coisas não estavam indo como ele planejara.

— Traga-me outra tequila! — rosnou para uma garçonete que passava, arrependendo-se em seguida quando ela se encolheu sob o calor de sua ira e quase derrubou várias cadeiras na pressa para chegar ao balcão e fazer o pedido. Já era ruim o bastante que os jovens olímpicos o estivessem aborrecendo. Fazer que ele descarregasse sua irritação em pessoas inocentes de seu reino era inaceitável.

Afinal, aquele ainda era o seu reino.

A atendente voltou correndo para a mesa, trazendo a tequila.

— Sinto muito, eu devia ter prestado mais atenção ao senhor. Não foi minha intenção fazê-lo esperar tanto pelo seu drinque.

Baco sorriu e tocou a garçonete no braço, transmitindo-lhe uma dose de magia. No mesmo momento, o olhar aterrorizado da moça desapareceu, suas faces coraram e seus lábios se entreabriram, sedutores. Como ela podia tê-lo considerado um estranho assustador e obeso? A raiva do homem não era tão palpável, e ele não era assim, tão gordo. Era apenas grande, e ela gostava daquele tipo. De verdade.

Um estranho calor emanou dos dedos dele, fluindo por seu braço e percorrendo seu corpo. Sentiu os nervos formigarem e suas partes mais íntimas ficarem úmidas.

Fitou os olhos escuros e se inclinou para mais perto do homem, desejando que ele tirasse a mão de seu braço e a deslizasse para o meio de suas pernas...

Baco riu e acariciou a carne firme do braço da menina.

— Mais tarde, esta noite, irá à minha suíte. Apenas pense em mim, e seu desejo a levará ao quarto certo.

Apenas após ter a certeza de que seu comando fora plantado no subconsciente da moça, o deus rompeu o contato com sua pele.

A garçonete estremeceu com um intenso prazer.

— Sim! — gemeu, enlevada.

— Agora, caia fora. — Ele gesticulou, e um véu pareceu se erguer dos olhos dela.

A moça piscou e sorriu para ele, hesitante.

— Há mais alguma coisa em que eu possa servi-lo, senhor?

— Mais tarde, talvez.

Ela se afastou devagar, parecendo ainda meio atordoada.

Baco estudou com atenção as nádegas arredondadas, imaginando como seria senti-la sob ele naquela noite. Ela era deliciosa, jovem, tenra... e agora estava apaixonada. Afinal ele era um deus; podia facilmente ter certeza de sua adoração.

Mortais modernos precisavam adorá-lo. Ele estaria fazendo à jovem um favor ao adicionar a inebriante magia do vinho e da fertilidade à sua vida mundana.

No entanto, ele era o único deus que tinha o direito de usar seu poder em meio a eles. Las Vegas fora descoberta sua, portanto ELE NÃO PARTILHARIA SEU REINO! Muito menos com os gêmeos dourados. Ele sempre os desprezara por sua perfeição e sua displicente arrogância sobre tudo. Apolo e Ártemis não haviam se contentado em permanecer no Caesars Palace e em jogar ao lado dos mortais. Tinham encontrado o caminho para seu lugar predileto: a fonte do Fórum.

Sim , pensou Baco. Ele usara seu poder imortal por meio das ninfas com a intenção de chocar os gêmeos. Visara de propósito àquela mortal reprimida e a levara a beber o suficiente de seu vinho para dar sequência aos eventos que permitiriam a conclusão da invocação.

Conhecia o temperamento de Ártemis. Todos no Olimpo conheciam. E tinha certeza de que a diva iria fazer algo para impedir a evocação, principalmente quando ele usara sua caricatura de Deusa da Caça de um modo tão desrespeitoso. Agindo contra ele, aqueles dois deuses inferiores acabariam por trair a si mesmos no mundo moderno.

Que espetáculo inebriante não teria sido!

Claro que testemunhar a ira de Zeus também teria sido ótimo. Depois que as nuvens de tempestade houvessem se dissipado do Olimpo, ele, Baco, poderia ter deslizado pelo portal esquecido e, mais uma vez, ficado sozinho em sua magnífica Las Vegas para reinar sem restrições ou regras que limitassem seus desejos.

Mas nenhum dos gêmeos havia interrompido a invocação, e a mortal invocara Ártemis para cumprir seu desejo mais sincero de verdade.

E Apolo começara a cortejá-la! Ele os vira namorando pelo restante da noite. Tinha certeza de que o Deus da Luz não estava usando nenhum de seus poderes imortais para seduzir a mulher.

A raiva se avolumou dentro de Baco. Apolo nem precisava usar seus poderes e seduzir com magia. Era dono de um corpo musculoso e dourado que denotava uma beleza masculina muito acima dos padrões mortais. Não era justo que o Deus da Luz fosse tão bem-dotado!

Cerrou o maxilar. Persuadira o céu do deserto a enviar uma tempestade para arruinar o encontro daqueles dois, mas também não dera certo. Por isso cutucara a desavisada mortal, fazendo-a prender o salto na calçada. Ela devia ter ido parar no meio do tráfego, e o deus dourado ter traído sua presença na tentativa de salvá-la. Porém, Apolo conseguira frustrar o acidente que ele orquestrara sem que os mortais de Las Vegas percebessem que havia um poderoso imortal entre eles.

Aquele insuportável!

Mas ele não toleraria outro deus usurpando seu lugar.

Lembrou-se do beijo apaixonado que Apolo e a mortal tinham trocado, e da forma como este a carregara em meio à chuva, como se fosse um herói. A moça era o que mantinha o interesse do Deus da Luz em Las Vegas. Mas quem poderia adivinhar por quanto tempo ele ficaria brincando com a mortal? E se, depois que Apolo se cansasse dela, o deus descobrisse que adquirira um gosto especial pelas mulheres modernas?, questionou Baco. Afinal, ele mesmo desenvolvera tal gosto.

Engoliu um último trago da potente bebida. Não. Isso jamais aconteceria. Ele não iria suportar ver Apolo seduzindo suas mortais.

Mas como poderia se livrar do Deus da Luz? Não era tarefa fácil. Apolo, decerto, não iria trair a si próprio e se revelar uma divindade, atraindo a ira de Zeus. E nem ele nem sua irmã gêmea aparentavam estar com pressa de contar ao senhor dos deuses a respeito da invocação que ele, Baco, havia provocado. Infelizmente, era óbvio que, após ter dado início à sedução da mortal, Apolo parecia, de fato, estar se divertindo.

Baco apertou os dentes. Só podia culpar a si próprio por aquilo, portanto era problema seu descobrir uma maneira de neutralizar o gosto que o Deus da Luz adquirira por Las Vegas.

Queria gritar de raiva. Como Apolo podia não desfrutar Vegas? A cidade era um verdadeiro playground para os deuses, e o outro tinha o poder de dar vida à sua magia, assim como ele.

O desprezo desenhou um sorriso de escárnio no rosto do Deus do Vinho. Ele gostaria muito de ver o Deus da Luz sobreviver em Las Vegas sem seus poderes sobrenaturais. Apolo seria como uma criança perdida em uma floresta escura. Julgava-se superior a ele, Baco, mas não conhecia nada do mundo dos mortais modernos. Não possuía as mesmas reservas de dinheiro nem as suítes de luxo, muito menos o vasto conhecimento de como manipular os mortais a seu bel-prazer.

De repente, Baco endireitou-se sobre o assento que mal lhe comportava o corpo. Era isso! Se ele conseguisse um modo de fazer Apolo perder o fechamento do portal na noite seguinte, o grande Deus da Luz ficaria aprisionado no mundo mortal por um período de cinco dias, sem nenhum de seus formidáveis poderes. Ficaria fraco, desamparado... miserável. Quando o portal fosse reaberto, ficaria feliz em partir para o Olimpo e nunca mais voltar.

E seria apenas uma questão de tempo antes que a antipatia do Deus da Luz por Las Vegas se alastrasse pelo restante daqueles esnobes olímpicos.

Ele faria isso, decidiu Baco, sorrindo com horrível malícia. Apolo ficaria preso em Las Vegas sem nenhum poder.


Capítulo 13


— As roupas são mesmo muito estranhas, senhor, mas ainda o consideramos bastante atraente com elas — declarou a ninfa loira em uma voz melodiosa e sedutora.

O restante do grupo de divindades que se reunira em torno de Apolo após ele ter saído do closet murmurou sua concordância.

Apolo estudou o próprio reflexo no enorme espelho com moldura entalhada. Na noite anterior estivera tão distraído, após deixar Pamela, que havia se esquecido de recuperar as próprias roupas na loja de Armani.

Naquela manhã, seu encontro com Pamela fora a primeira coisa a lhe vir à cabeça e, por consequência, tinham surgido as dúvidas quanto ao que ele deveria usar e aonde poderiam ir. Seu traje moderno fora arruinado pela chuva, e Apolo se perguntou, ao inspecionar a camisa amarrotada, como os mortais daqueles tempos faziam para atender à constante necessidade de novas roupas.

Ao menos aquilo explicava a proliferação de lojas oferecendo todos os tipos de vestimenta. Devia-se perder muito tempo tentando se trajar devidamente no Reino de Las Vegas.

Ele era um deus, contudo. Não queria desperdiçar tempo adquirindo uma quantidade interminável de roupas. Por isso fizera o que muitos dos imortais faziam: enviara ninfas para comprá-las por ele.

Tirou um fiapo da manga da camisa creme que era do mesmo estilo da que ele estragara na chuva, mas que possuía linhas azuis quase imperceptíveis trabalhadas no tecido. As calças eram feitas de um linho de qualidade, num tom mais escuro do que a camisa.

Era sempre sábio evocar o auxílio de ninfas em se tratando de cores e estética. Os tons sutis que elas tinham escolhido pareciam os dos primeiros raios de sol mesclados com o azul e coral do amanhecer.

— Fizeram uma excelente escolha. — Sorriu para as ninfas, que sorriram de volta e se alvoroçaram em seu louvor.

A mais ousada do grupo, uma dríade de cabelos castanhos com quem ele se lembrava de ter tido um caso apaixonado vários séculos antes, chegou mais perto. Jogou os cabelos compridos até a cintura para trás, exibindo o corpo sob a túnica diáfana e quase inexistente.

Conforme os olhos de Apolo se voltaram naturalmente para os mamilos escuros, estes se contraíram em uma resposta instantânea.

— Por que não fica conosco, Deus da Luz? — ela ronronou, correndo as mãos pelo próprio corpo. — Podemos entretê-lo muito melhor do que qualquer mortal.

— Sim — concordou outra ninfa, aproximando-se. — E não vai precisar usar nenhuma roupa para o que estamos oferecendo...

As outras divindades riram, sedutoras, e se puseram a dançar de improviso em torno de seu deus favorito. Sorriam num claro convite, fascinando-o com sua estonteante beleza e sensualidade.

Apolo as observou, divertido e lisonjeado pela demonstração de carinho. Ele sempre fora muito querido pelas pequenas semideusas. Elas eram como flores lindas e eróticas que ele poderia colher sempre que quisesse, e cujo néctar podia apreciar a qualquer momento.

Mas, desta vez, não ficou tentado a provar dos seus encantos. Se as ninfas eram como flores, Pamela era como a Terra — fértil e sensual. E o que ele mais desejava no momento era mergulhar em sua exuberância.

— Talvez em outra hora, minhas queridas.

— Vão embora!... — Uma voz forte, a versão feminina da sua própria, veio da porta. — O Deus da Luz vai estar ocupado esta noite.

As ninfas desapareceram da sala, lançando olhares nervosos na direção de Ártemis.

— Não precisava ofendê-las — ralhou Apolo, passando os dedos pelo cabelo.

— Digamos que eu esteja um pouco aborrecida, e que tenha coisas mais importantes na cabeça do que esse seu afeto por ninfas... Por exemplo, estou me sentindo acorrentada a uma mortal de um modo que até Prometeu iria achar difícil suportar!

Apolo riu.

— Não pode ser tão ruim assim.

O rosto de sua irmã permaneceu tenso e sério.

— Sinto o peso da vontade e do desejo de Pamela, e ambos são consideráveis.

As palavras fizeram cessar o riso de Apolo.

— Aconteceu alguma coisa com Pamela? Ela está bem?

— A tolinha está ótima. Está apenas cheia de desejo e expectativa. Chega a ser opressivo.

— Pamela não é nenhuma tola — contestou Apolo após o enorme alívio que o inundou. Então ela estava segura. Não havia nada de errado com ela... além de um forte desejo por ele.

— Espero que esse sorriso ridículo no seu rosto seja porque vai levar a mortal para a cama esta noite e me livrará do fardo de sua invocação.

— É a minha intenção — ele concordou, e não se preocupou em parar de sorrir. Por tudo o que era sagrado, estava feliz!

— Fico muito contente em ouvir isso. — Ártemis lançou-lhe um olhar de enfado.

Apolo deu o braço à irmã enquanto caminhavam em direção ao Salão Nobre do Olimpo e ao portal para o Mundo Moderno.

— Eu já disse “obrigado” por me fazer visitar o Reino de Las Vegas com você?

— Eu nunca pretendi que isso tudo acontecesse — contrapôs Ártemis, porém teve que retribuir o sorriso do irmão. — Embora eu tenha pressentido que precisava de um pouco de diversão.

Apolo permaneceu em silêncio até ficarem frente a frente com o portal. Então fitou a deusa com uma expressão no olhar que Ártemis não conseguiu definir.

— Acredito que tenha me proporcionado muito mais do que uma simples diversão, irmã.

— Basta se certificar de que estarei livre em breve — ela proclamou, escondendo o leve mal-estar que o comportamento estranho de Apolo lhe despertava.

— Não se aflija, Ártemis — ele pediu, a voz e o corpo se desvanecendo conforme passava através do portal.

Ártemis o observou partir, a testa enrugada pela preocupação.

Suspirou, desgostosa. Teria que tomar conta de Apolo. Definitivamente, ele estava com a cabeça nas nuvens. Precisaria de um empurrão para fazer o que deveria ser feito. Balançou a cabeça e olhou para o portal. Às vezes ela não compreendia o irmão.


Pamela não o tinha visto ainda, e Apolo ficou à sombra da grande coluna de propósito, de modo a poder devorá-la com os olhos. Ela se encontrava sentada à mesma mesa em que estivera na noite anterior, tomando um gole de vinho da taça de cristal.

E estava magnífica. Seu vestido era de um tom rico de vermelho que combinava com o cabelo escuro e a pele clara. O modelo era simples e elegante: sem mangas e feito de um tecido leve que abraçava seu corpo como uma segunda pele, deixando parte da perna longa e sedutora exposta.

Ele sorriu e balançou a cabeça. Pamela calçava aqueles sapatos outra vez. Não o mesmo par da noite anterior, claro. Os que ela escolhera para se equilibrar naquela noite eram sandálias douradas que pareciam encarapitadas em adagas. Mal podia esperar para ver o que andar sobre elas faria para aquelas pernas e nádegas bem-feitas...

Sentiu as entranhas se revolverem e pesarem enquanto a observava. Tinha vontade de pegá-la e carregá-la para longe da multidão, direto para o quarto, onde poderia lhe mostrar o que era ser amada por um deus.

Deu meio passo em sua direção e então se deteve.

Não. Não queria apenas violá-la. Queria mais, e, para que pudesse ter mais, Pamela precisava conhecê-lo. Precisava saber quem ele era. Se ela fora enfeitiçada pelo ritual de invocação ou não, se tudo o que existia entre eles era sexo, sua relação com Pamela seguiria o rumo das que tivera com todas as suas outras amantes: eles iriam se separar tão logo seus corpos estivessem saciados.

Apolo pensou em Hades, em Lina e na alegria que eles haviam encontrado juntos. Queria ser feliz também, e nunca iria encontrar a felicidade se a luxúria fosse seu único objetivo.

Saiu das sombras em que estivera se escondendo, movendo-se na direção de sua futura amante com passos fortes e decididos. Percebeu o instante em que ela o viu. Seus olhos se arregalaram de leve, e sua boca deliciosa se curvou em um sorriso doce de boas-vindas.

O coração de Apolo disparou. O que Pamela o fazia sentir além daquela expectativa e desejo insanos? Nervosismo?... Aquela pequena mortal moderna conseguia deixar o Deus da Luz nervoso!

Conforme Febo chegou mais perto dela, Pamela sentiu uma onda de tensão e excitação. Estava mais do que feliz por ter comprado o vestido Chanel novo e, naquele momento, nem se importou mais que este não fosse da liquidação. Ao menos tinha certeza de que estava bem.

Agora, tudo com o que precisava se preocupar era em não abrir a boca e ficar gaguejando como uma idiota.

Os olhos dele pareciam ainda mais lindos do que ela se lembrava. Eram como os de Paul Newman multiplicados por cinco!

E, nossa , Febo era alto!... Tão deliciosamente alto.

— Boa noite, doce Pamela. — Apolo pegou sua mão e a levou aos lábios, fazendo que estes permanecessem em contato com a pele macia por mais tempo do que o necessário, porém não o suficiente para fazê-la sentir-se desconfortável.

Ficou satisfeito ao vê-la corar em resposta. Ele podia ser inexperiente em se apaixonar, mas o Deus da Luz não era inexperiente em seduzir.

— Está tão linda que alguém deveria pintar um retrato seu, ou então escrever um poema em homenagem a essa sua graciosidade.

— Obrigada... acho — ela agradeceu, tentando recuperar o equilíbrio. — Quero dizer, se “graciosidade” é um elogio.

— Claro que é. — Ele ainda segurava a mão dela.

— Obrigada. Agora para valer.

— De nada. — Relutante, Apolo soltou-lhe a mão e sentou-se a seu lado. — Não saiu dos meus pensamentos hoje, Pamela. — Deixou o olhar deslizar pelo rosto perfeito, depois pelo restante do corpo esbelto até as longas pernas que ela cruzara de lado, exibindo a pele perfeita. — Seu tornozelo deve estar recuperado se esta noite decidiu se equilibrar de novo nessas lâminas.

Ela sorriu e moveu o pé.

— Está perfeito. E não estou calçando “lâminas”. São meus sapatos novos, da última coleção Prada, que me custaram uma fortuna. Fiquei apaixonada por eles, então não tive escolha senão levá-los para casa comigo.

— Sapatos de sorte — ele replicou com voz rouca, antes de se curvar e lhe segurar o tornozelo. Passou o polegar por toda a sua extensão, enquanto sentia os ossos e tendões que havia curado na noite anterior, a fim de se certificar de que tudo estava bem.

Mas foi difícil para ele se concentrar na cura. O tornozelo de Pamela estava muito sensual no pequeno sapato, e ela pintara as unhas com um vermelho brilhante que combinava com o vestido, o que tornava os pés semidescalços indescritivelmente sexy .

Pamela sentiu o calor do toque viajar do tornozelo até as coxas, indo parar, inebriante, na boca do estômago, tal qual um uísque caro. Ficou desapontada quando Febo soltou seu pé.

Apolo fez sinal para que o servo lhe trouxesse uma taça de vinho antes de voltar a atenção para ela de novo.

— Já sabe o que fiz hoje: pensei em você. Agora me diga o que fez aqui, em Las Vegas, já que o tempo demorou a passar até que pudéssemos nos encontrar outra vez.

Maravilha , ela pensou. A conversa tinha começado bem. Eles precisavam conversar porque ela necessitava de tempo, e de jogar conversa fora, a fim de manter os hormônios sob controle.

Por favor, por favor, por favor!... Não me deixe falar nenhuma besteira!

— Primeiro fiz algo que quase nunca faço: dormi até tarde.

Ele levantou uma sobrancelha dourada, divertido.

— Sou, decididamente, uma madrugadora. Costumo levantar a tempo de beber uma xícara de café enquanto vejo o lindo nascer do sol no Colorado.

— Gosta do amanhecer?

— Adoro! — Ela sorriu, relaxando diante do assunto familiar. — Na verdade, o nascer do sol é um dos meus momentos favoritos.

A resposta veio do fundo da alma de Pamela e, de repente, Apolo desejou se abrir, dizer quem era e compartilhar seu mundo e sua vida com ela. Pamela adorava ver o sol nascer. Não era razoável supor que poderia adorar o Deus da Luz?...

Ele abriu a boca para lhe dizer seu verdadeiro nome, contudo seu lado mais racional freou o impulso. Não queria que ela o adorasse como a um deus. Queria que ela se apaixonasse por Febo, o homem dentro de Apolo.

Ainda assim, mal pôde mascarar o intenso desejo que lhe permeou a voz:

— O amanhecer também é muito importante para mim. Talvez, em breve, você e eu possamos ver o sol subindo no céu juntos...

Pamela corou e não soube o que dizer. Não pôde nem mesmo gaguejar.

Droga , aquilo era muito mais do que apenas estar sem prática em termos de namoro e paquera! Febo a deixava sem fôlego. Ela queria... queria...

Maldição dos infernos! Queria tantas coisas quando ele a fitava daquela maneira!

Mas também desejara tantas coisas quando conhecera Duane. Ele parecera deter a chave de sua felicidade e, no fim, a realidade mostrara que a única coisa que o ex-marido tinha nas mãos eram os cordames emocionais com os quais ele pretendia mantê-la sob controle, sufocar seu espírito e a transformá-la em algo que ela não era: seu ideal de uma mulher perfeita. E ela ainda podia sentir as feridas causadas pelos cordames daquele relacionamento sufocante.

Portanto o melhor era ir com calma. Precisava ir devagar com Febo. Ele parecia maravilhoso, porém sua intuição lhe gritava que as coisas quase nunca eram o que aparentavam. Divertir-se naquele fim de semana era uma coisa. Emaranhar-se nos fios de outro relacionamento era outra.

Apolo leu o conflito nos olhos expressivos de Pamela e, em seguida, percebeu o modo como ela se esquivou.

E isso doeu nele mais do que poderia imaginar.

Mas não pretendia desistir tão facilmente, e seu sorriso foi quente e aberto.

— Bem — falou, como se não houvesse tido seu convite ignorado —, agrada-me saber que ambos gostamos do nascer do sol. Mas você disse que dormiu demais, então perdeu o amanhecer hoje. O que mais aconteceu no seu dia?

Pamela encontrou seus olhos. Eles eram tão calorosos e tão azuis!... Faziam que se lembrasse do céu de verão sobre o mar Mediterrâneo.

Inferno! Estava fazendo de novo: deixando-se encantar pela boa aparência de Febo como uma m... de adolescente!

— Pamela?

— Ah, desculpe. — Ela tomou um gole do vinho. — Eu estava divagando. Às vezes me falta concentração. Não com o meu trabalho — emendou, apressada. — Nesse ponto sou bastante focada. Aliás, como nesta tarde... Comecei a esboçar a minha versão dessa fonte horrível. Imaginei que tivesse ficado lá por uns vinte minutos, mas, quando fiz uma pausa e olhei no relógio, duas horas tinham se passado! — Pamela parou de falar e estreitou os olhos. — Fiz isso de novo, não foi?

— Isso o quê?

— Perder o foco, trocar os assuntos... — ... Falar bobagem , completou em pensamento.

— Com certeza.

— Desculpe, Febo.

Apolo sorriu. Ele gostava do raciocínio brilhante de Pamela, das expressões que desfilavam por seu rosto, principalmente quando ela falava sobre trabalho. Pamela não agia com interesses escusos, tentando seduzir o Deus da Luz, nem se mostrava como uma donzela deslumbrada com seus poderes imortais. Ela era real. Suas reações eram genuínas e honestas... Um afrodisíaco que ele jamais poderia ter imaginado.

— Eu não me importo. Gosto de ouvi-la divagando.

— Nossa, que estranho. — Ela fez uma pausa, tentando ver se ele estava sendo sarcástico ou zombeteiro. — A maioria dos homens acha isso aborrecido.

— Verdade? — Ele balançou a cabeça. — Acho que eu já disse antes: muitas vezes os homens são uns tolos.

— E eu já concordei com você nesse ponto!

Sorriram um para o outro.

Num impulso, Pamela ergueu a taça.

— A um homem que não é bobo.

— Aí está um brinde ao qual tenho o prazer de me juntar. — Ele riu e tocou a taça com a dele. — Agora me fale sobre esse esboço que fez. É artista também? Ou é como entender de arquitetura, algo essencial para que desempenhe bem o seu trabalho?

A pergunta a agradou. Mostrava que Febo a tinha escutado no dia anterior. Assim como a agradou a atenção com que ele esperou pela resposta.

— Gosto de desenhar, e sou bem razoável com aquarelas; mas não sou boa o suficiente para ser considerada uma artista. Mas está certo... É como ter que compreender os rudimentos da arquitetura no meu trabalho. Também é importante que eu seja competente em artes a fim de que eu possa criar maquetes para carpinteiros ou estofadores, ou até mesmo para escultores, de modo que eles possam ter uma ideia concreta do que meus clientes querem.

Apolo levantou ambas as sobrancelhas devagar, e seu olhar se voltou para a horrorosa fonte no pátio à sua frente.

Pamela acompanhou seu olhar, deu um longo e dolorido suspiro e balançou a cabeça.

— É isso mesmo, você adivinhou. Esse cliente, em particular, quer uma reprodução dessa coisa no pátio de sua casa de veraneio.

— Tem certeza de que compreendeu bem o que ele quer? — Apolo fitou o monólito jorrando, os olhos se fixando na reprodução medonha dele mesmo.

— Infelizmente, sim. Na verdade, o que eu estava tentando fazer hoje era chegar a uma solução de mais bom gosto, porém ele insiste que eu mantenha Baco como o centro da estátua. — Pamela estremeceu. — Vou ter que descobrir uma forma de fazê-lo mudar de ideia. Pelo menos consegui me livrar dessas duas esculturas laterais terríveis.

Apolo lançou-lhe um breve olhar.

— Quer dizer as estátuas de César, Ártemis e... — Sua voz vacilou antes de seu próprio nome.

— Apolo — completou Pamela. — Aquele com a cabeça grande e a harpa é, supostamente, o Deus do Sol.

Ele teve o cuidado de manter a expressão neutra.

— Na verdade, Apolo é chamado mais de Deus da Luz, e o instrumento que carrega é uma lira, não uma harpa.

— Ah — disse Pamela, estudando a estátua. — Eu não sabia que existia essa diferença. Mas você é músico, não é?... Tudo o que sei é que a lira fica verde-néon quando aquela coisa horrível se movimenta.

— Sim. — Ele tentou não fazer uma careta. — Foi o que ouvi dizer.

— Eu não sabia que Apolo era chamado de Deus da Luz. Pensei que fosse apenas o Deus do Sol. — comentou Pamela, com os olhos ainda voltados para a estátua.

— Essa é a forma como os romanos insistiam em chamá-lo. Para os gregos, ele sempre será o seu Deus da Luz, da medicina, da música, da poesia e da verdade.

— Da verdade?

— Sim, a verdade era muito importante para Apolo. Ele era um dos poucos olímpicos que consideravam a dissimulação e o subterfúgio uma ofensa.

— Eu não fazia ideia. Pensei que todos os deuses mitológicos fossem impulsivos e interesseiros. Lembro-me de um dos meus professores de Inglês descrevendo-os como playboys e mulherengos.

Apolo pigarreou e se moveu na cadeira, pouco à vontade.

— Os deuses são... eram muito apaixonados; e a paixão pode, por vezes, levar a atitudes impulsivas e interesseiras. Além disso, deve se lembrar de que no Mundo Antigo era considerado um privilégio para uma mulher ser amada por um deus. Particularmente pelo Deus da Luz.

— Quer dizer que o fato de Apolo dizer a verdade não significava que ele fosse fiel.

Apolo franziu a testa e não soube o que dizer. Queria se defender, mas não tinha como.

Pamela estava certa. Ele sempre fora verdadeiro, mas nunca fiel. Nunca havia tido qualquer desejo de ser fiel.

— Por acaso mitologia é um dos seus hobbies ?

— Pode-se dizer que é mais uma paixão do que um hobby — ele corrigiu com um leve sorriso. — Entendo o suficiente sobre o assunto para lhe garantir que a lira do Deus da Luz não ficava verde quando ele a tocava, e sua cabeça não era tão grande.

Pamela sorriu.

— Fico feliz em ouvir isso. Não imagino como ele poderia ser mulherengo com essa aparência!

— Sabia que alguns textos antigos relatam que Apolo encontrou o amor? — ele falou depressa, antes que o bom-senso lhe chegasse à voz. — E que, depois, ele foi fiel à sua amada?

— Eu não fazia ideia. Quem era ela? Alguma deusa fabulosa?

— Não, ele encontrou sua companheira de alma em uma mortal.

— Uma mortal?... — Pamela bufou. — Acho que é por isso que chamam isso de mitologia. Não imagino que uma mortal seria estúpida o bastante para se arriscar a amar um deus.

Apolo sentiu o peito se apertar.

— Mas, pense bem: ela se arriscou e conquistou sua alma gêmea.

O sorriso de Pamela foi lento e doce.

— Você é mesmo um romântico.

— Sim! — ele concordou com mais ênfase do que pretendia e teve de parar e tomar fôlego a fim de controlar as próprias emoções. — Mas não fui sempre assim. Na verdade, tenho agido muito como Apolo: satisfazendo-me em encontrar o amor onde é conveniente ou agradável, para depois nem pensar mais nele. Entretanto, sinto que estou mudando. — Ele deu de ombros e baixou a voz. — Talvez por isso eu compreenda tão bem as histórias em torno do Deus da Luz.

Pamela estudou a taça de vinho em silêncio. Não sabia o que dizer. Sentia-se definitivamente atraída por Febo, e o que ele dizia tocava seu coração. Febo parecia tão aberto e honesto!... Mas estava com medo. Pensar em ter uma aventura de fim de semana a deixava nervosa e confusa. Pensar em começar um relacionamento a aterrorizava.

Olhou para o rosto bonito e viu que ele a fitava, atento. Respirou fundo, mas, em vez de lançar mão de alguma piada improvisada sobre românticos ex-playboys, ouviu a verdade brotando:

— Estou divorciada. Tive um casamento ruim. Não... apague isso. Tive um casamento terrível. E não namorei mais desde então. Está sendo honesto comigo, portanto preciso ser honesta com você. Apenas pensar na possibilidade de um novo relacionamento me assusta. Não creio que eu esteja pronta para qualquer coisa além de... — Ela hesitou, não querendo soar como uma vagabunda ou uma idiota.

— Precisa superar o que aconteceu — interveio Apolo diante de sua hesitação.

— Verdade — Pamela concordou, agradecida por ele ter colocado em palavras o que ela não conseguira dizer.

— E vai superar, doce Pamela.

— Obrigada pela compreensão — ela murmurou, apoiando a mão sobre a dele. — Eu sei que parece loucura, afinal eu só o conheço há dois dias... Mas há algo em você que me faz sentir como se compreendesse o que quero dizer.

— É verdade, doce Pamela. E não tem ideia de como é raro duas pessoas encontrarem essa conexão. — Ele tinha vivido eras, literalmente, sem aquele tipo de coisa.

Pamela passou o polegar pela mão morena e se perdeu no azul espetacular dos olhos de Febo.

— Acho que posso imaginar.

O nó que se formara no peito de Apolo de repente se soltou. Pamela não resistia à ideia de se entregar ao amor; ela havia sido magoada. Muito magoada. Precisava se curar, e aquilo era algo que Apolo, o Deus da Luz, poderia fazer por ela.

— Eu lhe trouxe algo esta noite. Acho que agora é o momento perfeito para presenteá-la com isto... — Enfiou a mão no bolso e tirou dele uma delicada corrente dourada. Ergueu-a, de modo a permitir que a luz ilumi nasse a pequena medalha emoldurada por um estreito círculo dourado que pendia do fio. Em uma das faces, via-se o forte perfil de um deus grego.

— Nossa, que linda!... — suspirou Pamela. A moeda era de ouro, porém não era uma medalha comum. Seu formato era irregular, como se o círculo houvesse sido forjado, o que a fazia parecer muito antiga. — Mas não posso aceitá-la. Deve ser caríssima.

— Posso lhe assegurar que não me custou nada. Eu a tenho há muito tempo. Por favor, eu ficaria muito feliz se ficasse com ela. Afinal de contas, estivemos conversando sobre o deus que está representado na medalha.

— Verdade? Este é Apolo? — Intrigada, Pamela se inclinou para segurar a peça de ouro nas mãos, e estudou o bonito perfil.

— Garanto que a semelhança com o deus é maior do que a da estátua da fonte — afirmou Apolo, irônico.

— Engraçado. — Pamela olhou da medalha para Febo. — Ele se parece com você. Quero dizer, não exatamente... Mas o perfil é semelhante.

— Isso sim é um elogio. — O sorriso dele se alargou. — Pelo menos enquanto não diz que eu me assemelho àquela estátua também. — Ele apontou com o queixo na direção do Apolo cabeçudo da fonte.

— Não! — Pamela riu. — Não se parece nem um pouco com essa estátua.

Ele riu, apreciando a ironia da situação.

— Se usar a medalha, pode pensar em Apolo como seu deus particular — incitou. — Apolo poderia ser seu talismã. Talvez o Deus da Luz a ajude a resolver os problemas que vem tendo com o pedido incomum do seu cliente.

Pamela olhou da moeda para Febo, pronta a dizer “não, obrigada”, mas hesitou. Era assim tão errado aceitar um presente de um homem bonito? Gostava dele, e ele gostava dela.

Verdade que ela não acreditava nem por um instante que aquilo não havia custado nada a Febo. Mas ele era médico, devia ter condições para comprá-lo.

O fato de eles terem acabado de falar sobre Apolo, o deus que supostamente se apaixonara por uma mortal, era uma coincidência interessante. Mas também era muito tolo e romântico de sua parte e...

— Obrigada, Febo. Eu aceito.

Antes que Pamela mudasse de ideia, Apolo se levantou e se postou atrás dela, de modo a prender a joia em torno de seu pescoço longo e esguio. Primeiro, porém, segurou o talismã na palma da mão e concentrou seus vastos poderes de imortal na pequena peça de ouro.

— Que isto possa lhe trazer tudo o que Apolo representa: luz e verdade, música e poesia, e, acima de tudo, a cura. — Em seguida, colocou a corrente dourada em seu pescoço.

— Lindas palavras. — Pamela o fitou, tocando a medalha. E pôde jurar que a sentiu se aquecer em contato com seu corpo.

Apolo sorriu e se inclinou para roçar os lábios nos dela. Não tinha a intenção de que o beijo fosse mais do que uma breve demonstração de afeto; contudo, Pamela entreabriu a boca sob a dele e uma de suas mãos subiu para tocá-lo no peito.

No mesmo momento, Apolo aprofundou o beijo. A boca de Pamela era doce e macia, e ele queria provar mais dela. Queria prová-la inteira. Queria...

Alguém limpou a garganta.

— Com licença?

A voz do garçom rompeu a onda de luxúria que o envolvera, e o deus praticamente rosnou para o infeliz servo, que recuou e se desculpou:

— Perdão, senhor. É que está meio lotado aqui, e eu estava tentando contornar a mesa.

— Encontre outro caminho, ora! — explodiu Apolo.

O servo balançou a cabeça e se retirou, apressado.

Quando ele se voltou para Pamela, seu rosto estava em chamas.

Ela o cobriu com ambas as mãos.

— Não acredito que estou namorando em público. Sou uma mulher adulta!

— Então vamos a algum lugar mais sossegado — ele murmurou, acariciando-a em uma das mãos.

Pamela abriu a boca e olhou para ele. Resmungou algo incompreensível, depois fechou a boca e olhou para o relógio.

— Maldição dos infernos! — exclamou, frustrada.

— O que foi?

— São quase nove horas. — Ela apanhou a bolsinha dourada e se levantou da mesa. — Ah, Deus... Eu me esqueci! Qual o caminho para a entrada do Caesars Palace?

Apolo apontou na direção correta, perguntando-se o que havia de errado com Pamela. Ela começou a caminhar, apressada, depois parou, respirou fundo e voltou para onde ele continuava parado. Correu a mão pelo cabelo curto, nervosa.

— Desculpe. É que foi tão estranho eu beijá-lo assim, na frente de todo o mundo!... — Ela corou de novo enquanto se lembrava de como tivera vontade de devorá-lo e corresponder à sua paixão. — Isso me assustou. Então, de repente, eu me lembrei de que consegui dois lugares em um show cujas entradas já estavam esgotadas, e que começa em... — Olhou para o relógio novamente — ... quinze minutos! Por isso saí correndo sozinha, feito uma idiota. — Que coisa mais sem sentido!, acrescentou para si mesma em silêncio.

— Um show? — perguntou Apolo.

— Sim, chama-se Zumanity . Ouvi dizer que é erótico... mas de muito bom gosto. — Pamela desviou o olhar, tímida. — É do mesmo pessoal que faz o Cirque du Soleil .

Quando voltou a fitá-lo nos olhos, estes sorriam.

— Um circo erótico do sol? Fascinante. — Apolo pegou a mão dela e a prendeu no braço. — É melhor nos apressarmos.


Capítulo 14


Apolo não conseguia acreditar que os artistas de Zumanity eram mortais. As mulheres se moviam com a graça e a sedução das ninfas. Os homens eram todos belos de corpo e de rosto.

E a música!... A música era etérea; o cenário perfeito para o desfile de sensualidade feito sobre o palco e acima deste.

Ele e Pamela haviam sido calmamente conduzidos a um balcão particular para se acomodarem em um luxuoso sofá estofado, que parecia uma chaise longue . O show já tivera início. No meio do palco arredondado via-se um vidro enorme, como se fosse uma taça de vinho cheia de água; dentro do vidro, duas jovens mulheres vestiam quase nada: apenas tangas da cor da pele. Ao ritmo da música sedutora, as moças executavam uma dança de sedução inocente, personificando o despertar da paixão e do desejo femininos.

Embora o deus dourado estivesse muito mais interessado na mulher a seu lado, seu corpo agitou-se em resposta. Ele olhou de soslaio para Pamela, avaliando sua reação, e viu que ela assistia a tudo com os olhos muito abertos e redondos. Quando a cena acabou, aplaudiu com entusiasmo.

Ao desviar o olhar do palco e perceber Apolo olhando para ela, as faces já coradas de Pamela ficaram ainda mais cor-de-rosa.

— Gostou das meninas? — ele indagou num sussurro, assim que o palco escureceu por algum tempo.

— Gostei. Quero dizer, não sou lésbica, mas elas eram muito bonitas — explicou Pamela meio ofegante, o riso saindo como um sensual ronronar. Precisava se lembrar de dizer a Ve que compreendia sua atração pelas mulheres enfim.

Apolo se inclinou para ela, atraído por sua inusitada reação ao espetáculo.

— Não há nada de errado em apreciar a beleza do corpo de uma mulher. Teria de ser de pedra para não se sentir abalada por aquelas duas.

Pamela estava prestes a sussurrar de volta que nem de longe era feita de pedra, quando os holofotes iluminaram o palco de novo e a plateia se calou. Desta vez, um homem absurdamente musculoso, de pele negra e aveludada, surgiu no cenário por meio de um alçapão, no chão. Ele também não usava quase nada. Movimentou-se ao ritmo da música conforme era cercado por uma mulher tão loira como ele era escuro, e que estava vestida com várias camadas de um tecido diáfano. Os dois se encontraram no centro do palco e começaram a executar uma versão erótica da cena do balé de Romeu e Julieta . O homem foi tirando camada por camada da veste da companheira, até que ambos ficaram vestidos apenas com minúsculos “fios-dentais”. Moviam-se com uma graça fluida e sensual, e uma paixão um pelo outro que Pamela não acreditava ser fictícia.

A cena terminou e, desta vez, ela encontrou o olhar de Febo no mesmo instante.

— Eles devem estar apaixonados de verdade. Ninguém pode atuar tão bem assim. Juro que consegui sentir a tensão sexual entre eles!

— Agora, quem é a pessoa mais romântica aqui?... — ele provocou, colocando o braço em torno dela e puxando-a para perto.

Pelo restante da apresentação, foi onde Pamela ficou: recostada no corpo de Febo. No meio do espetáculo, pousou a mão na coxa firme, sobre o tecido macio de suas calças, por meio da qual ela podia sentir o calor e a rigidez da perna musculosa. Os dedos dele traçaram um caminho preguiçoso na pele nua de seu braço, acariciando o recuo suave do lado de dentro do cotovelo e provocando-lhe arrepios por todo o corpo.

Zumanity era, de fato, uma aventura em termos de erotismo. Excitava e provocava, seduzia e sensibilizava.

Quando a mão de Febo traçou o caminho por seu braço até acariciar seu pescoço devagar, Pamela teve que morder o lábio para não gemer alto.

Uma ruiva alta e impressionante, que lembrava muito Nicole Kidman, deixou o palco após uma performance sensual de autoerotismo e, antes que os aplausos da plateia morressem, luzes focaram num pedaço comprido de seda vermelha que caiu do teto escurecido do teatro, como se um gigante desatento tivesse lançado um lenço a esmo da janela do quarto. Este se desenrolou, expondo uma mulher cujo cabelo dourado até a cintura cintilou sob os holofotes. Seus braços permaneceram habilmente torcidos no lenço, de modo que apenas a ponta de seus pés descalços tocou o palco com graça. Abaixo dela, o final do tecido se amontoava como vinho no tablado negro. Sua beleza era hipnotizante e, conforme o público a viu, o teatro se dissolveu em um murmúrio coletivo de admiração. Num primeiro momento ela pareceu estar nua, exceto por um brilho que lhe cobria o corpo, mas, conforme as luzes piscaram e mudaram, Pamela percebeu que a mulher vestia um collant da cor da pele, coberto com minúsculas pedras que brilhavam como diamantes. A música começou, e o lenço foi alçado para o alto junto com a diva dourada. Ela começou a se movimentar e girar numa dança sensual, o tempo todo pendurada sobre a plateia. Era de tirar o fôlego.

— Ela parece uma deusa! — Pamela cochichou para Febo.

— Verdade — Apolo murmurou de volta, contente por Pamela estar tão hipnotizada pelo desempenho da moça que nem sequer registrara o choque em seu rosto. Permaneceu sentado e imóvel, tentando manter uma máscara de apreciação diante do show que sua irmã, Ártemis, realizava. Ele a reconhecera de pronto. Sua performance inteira estava permeada pelo erotismo do Olimpo.

Agora compreendia por que os mortais modernos pareciam tão encantados pela presença da própria Deusa da Caça. Embora ela preferisse sua floresta e liberdade, os boatos que haviam proliferado por conta de sua maneira independente de ser eram falsos. Ártemis não era uma deusa virgem. Ela era, sempre que queria, uma fêmea extraordinariamente sedutora.

E o que pretendia naquela noite era óbvio. Queria ter a certeza de que ele cumpriria a invocação, por isso, com seu beijo imortal de poder, abençoara os atores mortais com generosidade. Seu fascínio fora, portanto, aumentado, assim como a tensão sexual em meio ao público.

Ele tinha que admitir: fora muito inteligente da parte de Ártemis. Irritante, mas inteligente.

De repente, o público soltou nova exclamação quando uma figura pequena e musculosa adentrou o palco correndo. Os olhos de Apolo se arregalaram de surpresa. Um sátiro! Embora seus cascos fendidos estivessem camuflados por botas e pela magia da deusa, e os pelos que lhe cobriam as pernas permanecessem invisíveis sob as calças de seda que usava, para ele, Apolo, sua identidade era óbvia. A cabeça loira da criatura quase não passava da cintura de Ártemis, porém seu peito e braços nus eram tão musculosos que, conforme ele acenava para a diva, era como se fosse um dos Titãs.

O sátiro movimentou os braços em torno do final do lenço escarlate, e ele também foi alçado ao ar. Acima do palco, começou uma erótica perseguição, que não aconteceu apenas sobre o tablado. Ambas as personagens oscilavam sobre o público que assistia, extasiado, enquanto a excêntrica criatura atraía e persuadia, acariciando e seduzindo, até que, por fim, a deusa se dignou a ser “capturada”, e os dois foram suavemente baixados para o palco.

Chocado, Apolo viu a irmã permitir que o ente da floresta a envolvesse nos braços. Em seguida, a Deusa da Caça se deixou derreter com o beijo do sátiro em uma exibição pública de sensualidade que, ele sabia, Ártemis jamais permitiria se eles estivessem no Olimpo.

Os dois insólitos imortais saíram, os braços ainda em torno um do outro, e o público permaneceu em silêncio, com os olhos ainda voltados para o ponto onde a deusa fora vista pela última vez.

Apolo foi o primeiro a quebrar o feitiço sedutor da irmã, mas seu aplauso foi logo acompanhado por gritos e mais aplausos.

As luzes se acenderam, mas, antes que a plateia começasse a se levantar, o elenco de atores liderado por Ártemis voltou ao palco. A Deusa da Caça se dirigiu ao público:

— Saudamo-vos, amantes e amigos. Espero que tenham gostado da nossa pequena homenagem ao amor. — Sua voz soou doce como mel, atraindo os mortais com sua doce torrente de palavras. — Antes de irem embora, eu gostaria de conhecer alguns de vocês... se não se importarem.

Um alerta soou no íntimo de Apolo, contudo um murmúrio de excitação percorreu a multidão atenta, como o vento soprando uma floresta. A deusa sorriu com inocência, como se se dirigisse a multidões de mortais modernos todos os dias. Então começou a falar com eles, perguntando seus nomes, escolhendo jovens e tímidos casais e recém-casados, espalhando a magia de sua voz sedutora por todo o teatro.

Apenas uma vez Ártemis olhou para o camarote onde Apolo se encontrava sentado com Pamela. Fixou o olhar no do irmão somente por um breve momento, porém foi o bastante para que ele vislumbrasse a diversão na profundidade de seus olhos azuis. Quase imperceptivelmente, ela fez um movimento com os dedos e Apolo sentiu o calor de sua magia cascateando sobre ele, penetrando em sua pele e fazendo seu corpo intumescer e pesar.

A reação de Pamela foi mais simples. Como se em transe, ela pousou a mão em sua coxa, inclinou-se mais em sua direção e o fitou nos olhos. Sua respiração se acelerou e seus lábios se entreabriram em um gemido que foi mais do que um convite.

Apolo praguejou baixinho, apertou os ombros delicados com o braço e tentou se concentrar no palco mais uma vez. Não podia beijá-la. Sob o feitiço da magia imortal de Ártemis, nenhum deles seria capaz de se deter.

Vai passar , lembrou a si mesmo e, com o pensamento, sentiu a força da magia da irmã diminuir. Fulminou Ártemis com o olhar, porém esta o ignorou por completo. No círculo de seu abraço, sentiu Pamela se arrepiar. Soube que o intenso feitiço havia começado a deixar sua pele também, e respirou, aliviado.

Não estava usando seus poderes para seduzir Pamela. Queria que sua reação a ele fosse genuína. As loucuras de Ártemis eram tão bem-vindas quanto sua magia... Nenhuma delas trazia amor; apenas luxúria. Um desejo passageiro, que podia ser facilmente saciado.

E ele queria mais.

— Nossa, olhe! — exclamou Pamela, apontando para o palco enquanto tentava normalizar a respiração. Devia estar mais carente do que imaginava, porque aquele show a estava deixando louca! Poucos minutos antes, quando Febo sorrira para ela, teria subido nele ali mesmo!... Sem dúvida Ve estava certa: ficar sem sexo por muito tempo fazia uma mulher perder a cabeça. — Aquele casal acabou de dizer que veio aqui comemorar seu quinquagésimo aniversário de casamento.

— Cinquenta anos! — a linda Ártemis repetiu, e a multidão aplaudiu, educada. Um dos atores correu para a deusa e sussurrou em seu ouvido. Ártemis sorriu, assentiu com um gesto de cabeça e se dirigiu ao casal outra vez.

— Vocês subiriam ao palco para encerrarmos o nosso espetáculo com uma dança especial em sua homenagem?

Apolo se inclinou para a frente, de modo a enxergar melhor o casal de idosos que se ergueu devagar. Ao som de aplausos encorajadores, eles subiram a escada para o palco. As luzes diminuíram e uma valsa suave começou a tocar.

No início, o casal se moveu, desajeitado, até assumir um ritmo mais fluido e familiar. De repente, o homem grisalho virou a esposa, segurando o vestido em estilo capa que ela usava, e o público prendeu a respiração, surpreso. A mulher girou e o traje se desenrolou até que ela ficou de pé no palco, usando apenas um collant de dança e uma saia rodada. Fez uma reverência para o teatro, tal qual uma graciosa bailarina, e, em seguida, ela e o marido retomaram a valsa, movendo-se, desta vez, com a graça de dançarinos profissionais. Sem esforço, o homem ergueu o corpo ainda vibrante da esposa para o ombro, virou-se, mergulhou e, com um floreio, ela girou em seus braços mais uma vez.

A dança terminou como os dois se beijando no meio do palco.

— E, assim, celebramos o amor! Em qualquer idade, de qualquer forma. O amor é mágico e traz consigo um toque de imortalidade. Vão com a minha bênção esta noite, amantes, e busquem o prazer aonde forem. Amem, riam e sejam felizes! — proclamou a deusa, e, em uma explosão de faíscas, todo o elenco desapareceu pelo alçapão no chão do palco.

Os aplausos continuaram por muito tempo, mas, quando nenhum dos artistas retornou para o bis, o teatro começou a se esvaziar. O público era formado quase exclusivamente por casais e, enquanto estes saíam, viam-se muitas mãos dadas, conversas íntimas e toques sutis.

Quando os outros casais sentados à volta deles no balcão começaram a deixá-lo, Pamela hesitou. Ela e Febo se encontravam em pé, ao lado dos assentos e, por um momento, ficaram sozinhos, como se tivessem descoberto uma gruta dentro do teatro escuro. Um pouco como na noite anterior , Pamela pensou. Quando eles tinham se beijado na chuva.

Olhou para ele, dominada pelo misto de luxúria e desejo que lhe corria pelo corpo em uníssono com o bater de seu coração. Nesse momento, soube que iriam fazer amor. Estava cansada de se contentar com pouco. Queria alegria e satisfação.

Por isso mesmo falou em uma torrente, como se as palavras tivessem sido obrigadas a romper uma parede de cautela e inibições:

— Estou me sentindo como se estivéssemos sozinhos no mundo. Às vezes, quando olho para você, vejo um mar de possibilidades...

— Então continue vendo — ele respondeu, rouco. — E, acredite: eu jamais faria nada para feri-la. Pense em mim como no seu talismã de Apolo... Eu também quero que supere tudo e fique inteira, de modo que possa amar e confiar de novo.

Febo tocou a medalha que ela usava em volta do pescoço e, mais uma vez, Pamela sentiu um estranho calor atravessar o metal e seguir direto para seu coração. Cansada de hesitar, deslizou as mãos pelo peito largo e colou o corpo ao dele.

— Faria uma coisa por mim?

— Qualquer coisa que estiver ao meu alcance — ele prometeu, solene.

— Você me levaria de volta ao meu quarto e faria amor comigo? — ela quis saber, meio sem fôlego.

— Seria uma grande honra, doce Pamela... — Apolo disse baixinho, inclinando-se para beijá-la nos lábios.


Capítulo 15


Envolvidos em uma nuvem de ansiedade, eles caminharam de volta à suíte. Falavam pouco, porém tocavam um ao outro constantemente. Apolo já estava se familiarizando com as curvas e linhas do corpo de Pamela, e parou muitas vezes a fim de puxá-la para uma sombra e beijá-la com uma ternura que nada fez para mascarar seu crescente desejo. Queria Pamela com uma intensidade que era como um fogo se avolumando dentro dele e, para seu profundo deleite, Pamela correspondia com paixão. Era tão bom tê-la pressionada contra o corpo, como se sempre tivesse estado ali!...

Conforme caminhavam, pensou no casal de idosos que havia encerrado a produção no teatro. Sem dúvida eram atores plantados no meio da multidão, mas isso não significava que eles não tinham sido amantes de verdade. Ainda se lembrava de como os olhos do homem irradiavam amor e orgulho enquanto ele conduzia sua companheira de uma vida naquela valsa especial.

Suspirou. Sabia que nunca iria envelhecer ao lado de Pamela, mas a queria a seu lado. E queria isso com uma intensidade que o encheu de propósito.

Eles ficariam juntos, prometeu a si mesmo.

Pamela deslizou o cartão-chave na porta e, após uma luz verde e um clique, entrou na suíte à frente dele.

Sua hesitação se foi, então. Ela sabia o que queria. Queria Febo. Queria esquecer os erros do passado; não se importar sobre o que poderia ou não acontecer no futuro.

Algo lhe acontecera naquela noite enquanto assistia à mágica sensualidade de Zumanity . Percebera que estava errada. Duane não matara o romance, a diversão, nem mesmo o sexo dentro ela. Apenas fizera aquele seu lado hibernar.

E agora que este despertara, ela se sentia esfaimada.

Quando Apolo fechou a porta, Pamela se virou e caiu em seus braços. Ele a beijou demoradamente, querendo saboreá-la por inteiro agora que se encontravam sozinhos.

Quando ela gemeu em sua boca, Apolo se inclinou, segurou-a pelas nádegas redondas e a ergueu, de modo a pressionar-lhe o centro de seu corpo contra a própria ereção. Inquieta, ela se moveu de encontro a ele e, com um suspiro, Apolo interrompeu o beijo, lutando por controle.

— Estou perdendo a cabeça de tanto desejo que sinto por você! — gemeu quando a língua e os lábios carnudos deixaram um rastro quente na lateral de seu pescoço.

— Ponha-me no chão e eu me livrarei destas roupas! — O hálito quente de Pamela soprou em sua pele.

Apolo quase a derrubou, e a risada dela foi profunda e rouca.

Travessa, Pamela recuou para longe dele e começou a andar para trás, na direção da cama, enquanto alcançava a parte de trás do vestido vermelho e descia o zíper. Encolheu um ombro, a roupa deslizou, livre, e ela saiu do pequeno monte carmesim agora em seus calcanhares.

Os olhos de Apolo devoraram o corpo esbelto. Pamela usava algo preto e rendado que quase não lhe cobria os seios, mas que os levantava e os fazia apontar, sedutores, em sua direção. Outra peça parecida, também de renda, mal ocultava o triângulo escuro entre suas pernas. As sandálias douradas, com duas pontas parecidas com punhais, deixavam suas pernas longas e nuas incrivelmente sensuais.

Enquanto Pamela levava as mãos às costas outra vez, a fim de desabotoar a lingerie , ele cobriu a distância que os separava e a beijou com paixão.

— Eu o quero nu contra mim — ela sussurrou em sua boca.

Respirando com dificuldade, Apolo interrompeu o beijo longo apenas o suficiente para arrancar a camisa sobre a cabeça. Enquanto se atrapalhava com o estranho fechamento das próprias calças, Pamela deslizou para a cama, observando-o com olhos cintilantes.

E ainda calçava aqueles sapatos sexy !...

Apolo conseguiu ficar nu, por fim, mas, antes que pudesse se juntar a ela na cama, Pamela se ergueu sobre um cotovelo e o deteve com a mão.

— Espere. Fique assim... Deixe-me olhar para você. — Seu olhar viajou dos olhos cor de safira para o restante do corpo másculo, então ela passou a língua sobre os lábios antes de falar outra vez. — Febo, é o homem mais lindo que já vi. Deus, olhe só essa pele!... Cobre seus músculos como ouro líquido. — Balançou a cabeça e deu uma risada, meio sem fôlego. — Você deveria ser pintado por artistas. Escultores deveriam esculpi-lo. Como pode ser de verdade?

Apolo sentou-se na cama, a seu lado.

— Eu sou de verdade, e o que está acontecendo entre nós é real. Minha aparência não é nem pouco incomum ou extraordinária para mim.

Ele fez uma pausa, pensativo. Fizera amor com inúmeras mulheres, deusas e mortais. Antes, contudo, sempre havia usado a magia do seu poder imortal para aumentar o próprio prazer durante o ato.

Daquela vez seria diferente. Pamela era diferente. Ele não quisera usar seus poderes para atraí-la ou seduzi-la, mas queria muito que ela sentisse a profundidade de sua paixão. Queria que ela o conhecesse de uma maneira que nenhuma outra mulher tinha conhecido.

Tocou-a enquanto continuava falando.

— O que está acontecendo aqui dentro é novo e maravilhoso para mim. E a única forma que conheço de compartilhar esse sentimento é amando você. — Ele acariciou-lhe o pescoço longo com delicadeza e deixou os dedos se mover por entre as mechas curtas de seu cabelo. Quando a tocou, permitiu que parte de seu poder imortal escapasse de seus dedos e a varresse por inteiro, fazendo-a estremecer sob o toque. — Deixe-me amá-la, doce Pamela. Deixe-me tornar isso real para você.

— Sim! — ela sussurrou a palavra em sua boca.

As mãos de Febo deslizaram pelo corpo macio conforme seus lábios se encontravam novamente.

A pele de Pamela vibrou sob seu toque. Nunca antes ela se sentira tão sensível. Era como se houvesse se tornado um conduto vivo para todas as sensações ardentes, intensas, enlouquecedoras e eróticas de que sentia falta havia tantos anos.

As mãos de Apolo desceram por sua perna até chegarem ao pé. Olhos azuis cintilaram para ela; em seguida, ele beijou o tornozelo que ela ferira na noite anterior.

— Eu queria ter feito isso ontem, você sabe — sua voz soou rouca de desejo.

— Devia ter feito — ela ofegou. — Eu queria que fizesse.

Febo desafivelou a tira dourada da sandália e a retirou. Beijou o arco delicado de seu pé, e uma onda de eletricidade subiu pela perna de Pamela, indo parar bem no fundo de seu âmago já úmido.

— Que bom que gosta — ele sussurrou, indo para o outro pé. — Esta noite quero que acredite que é uma deusa sendo amada por um deus.

Pamela gemeu e mordeu o lábio enquanto ele deslizava a boca do arco de seu pé para a panturrilha. Febo tinha que ser mesmo um músico , pensou, quando ele lhe acariciou o interior da coxa, e seus lábios encontraram o vale atrás de seu joelho. Apenas um músico podia ter mãos tão habilidosas. Seu toque era quente, e ela se sentia derreter sob suas carícias.

Quando os lábios de Febo seguiram o caminho que ele traçara com as mãos até o interior de sua coxa, Pamela arqueou o corpo para encontrá-lo, soltando uma exclamação de prazer ao sentir a língua quente mergulhando em seu âmago. Seu orgasmo foi tão rápido e explosivo que seu corpo inteiro estremeceu em resposta.

Em algum lugar em meio à névoa de paixão, Pamela reconheceu que aquilo nunca lhe acontecera antes... Nunca fora tão rápido ou tão intenso.

Ainda tonta, estendeu os braços e Febo se juntou a ela.

— Estou aqui, minha doce Pamela — murmurou.

Ela sentiu o coração batendo contra o peito. O ritmo irregular de sua pulsação se igualava ao dele. Abriu a boca e as línguas se encontraram, fazendo-a provar em Febo o gosto do próprio sexo: salgado e doce ao mesmo tempo.

Aprofundou o beijo e arqueou o corpo, de modo que seu calor úmido ficasse pressionado ao membro rijo, então deslizou a mão entre ambos a fim de guiá-lo para ela.

Mas não o fez.

Não ainda , pensou. Em vez disso, manteve-o lugar, esfregando a ponta ingurgitada nas próprias dobras aveludadas, enquanto o afagava com a mão.

Até Pamela começar a acariciá-lo, Apolo se encontrava em pleno controle de si mesmo. Deleitara-se com a maneira desinibida como ela reagira a seus avanços, e usara seu poder imortal com cuidado, a fim de aumentar sua sensibilidade. Fizera amor com ela com seu corpo e sua magia, e, quando ela chegara ao clímax, bebera o mel de seu êxtase.

Mas Pamela possuía sua própria magia; e a sedução de uma mulher intensificada por um desejo sincero, além da alma de um deus.

— Não posso esperar mais! — A voz dele saiu rouca de paixão.

— Febo!... — ela sussurrou seu nome e, enfim, o guiou para dentro dela. Em seguida, arqueou o corpo de forma a receber seus impulsos.

Apolo mergulhou nela repetidas vezes. Em seguida se levantou, de modo a fitá-la nos olhos.

Cure-se! , a alma do Deus da Luz falou à de Pamela. Acredite que pode amar outra vez!

Seus olhos capturaram os dela, e Pamela não pôde mais desviar o olhar. Fora consumida pelo toque de Febo, por seu cheiro e pelo calor do corpo sólido em seu âmago. Correspondia a ele em um nível mais profundo do que o físico. Febo a tocava não apenas com o corpo, mas também com a mente, o coração... Talvez até mesmo com a alma.

Quando seu orgasmo teve início, seu enlevo a carregou com ele. Pamela fechou os olhos contra a intensidade do prazer que a varreu, e um flash de luz dourada explodiu em suas pálpebras fechadas quando Febo gritou seu nome.


Ártemis congelou em meio a um gole do delicioso Martini que compartilhava com o sátiro, o qual tão bem a servira mais cedo, naquela noite. Assim como na lenda do nó Górdio, sentiu que os laços que a atavam à mortal se desfaziam.

Apolo tinha conseguido. O ritual fora concluído!

A deusa sorriu e respirou fundo, satisfeita por se encontrar livre das emoções de uma...

— Não — pronunciou a palavra por entre os dentes. — Não é possível!

— Há algo errado, senhora? — Os olhos do sátiro ficaram redondos com preocupação.

— Quieto! — ordenou Ártemis.

A criatura da floresta pareceu magoada, mas, de imediato, obedeceu à sua deusa.

Ártemis estreitou os olhos e se concentrou. Não! Ela jamais poderia imaginar! A pressão avassaladora que a prendia à mortal suavizara, mas, em seu lugar, restara um fio fino, quase insubstancial.

O que era aquilo? O que acontecera? Apolo devia ter feito amor com a mortal, o que devia ter posto um fim à invocação. A mortal pedira para ter mais romance em sua vida. Como fazer amor com o Deus da Luz podia não ter satisfeito o ideal de romance da mulher? Ainda mais depois de esta ter sido preparada para ele pela magia que ela mesma, Ártemis, usara durante aquela apresentação erótica no teatro?...

Ter escutado a conversa de Pamela com a concierge do hotel fora muito útil, e aderir ao show erótico fora uma ideia inspiradora.

Os lábios carnudos da Deusa da Caça se curvaram para cima. Existiam coisas no Mundo Moderno de que vinha gostando um bocado. Não fazia ideia do quanto seria divertido se fazer passar por uma adorada estrela de teatro. Precisava repetir a experiência em breve.

Ártemis se encolheu quando o fio que ainda a vinculava à mortal pareceu puxá-la. Era apenas uma leve pressão, como uma farpa minúscula na sola de sua chinela. A princípio, tratava-se apenas de um pequeno incômodo, mas, com o tempo, poderia causar muita irritação.

A deusa suspirou, frustrada. Não havia nada que pudesse fazer a respeito, no momento. Não poderia ir atrás do irmão, interromper seu encontro amoroso e exigir saber por que sua performance parecia ter deixado a desejar. Isso não ajudaria em nada.

Girou a haste fina e fria da taça de Martini entre os dedos. Ainda era cedo. Talvez, pela manhã, Apolo tivesse conseguido satisfazer os desejos românticos daquela ridícula mortal. Até então era inútil ficar elucubrando sobre o assunto. Ela precisava mais era de uma distração.

Olhou com malícia para o jovem sátiro que continuava sentado a seu lado. Ele era uma criatura interessante...

— Querido? — ronronou, e as orelhas do ser literalmente se levantaram em sua direção. — Lembra-se de como foi emocionante quando me perseguiu pelo ar esta noite?

— Claro que me lembro, minha deusa — a voz dele soou ansiosa. — Uma eternidade pode passar, e eu jamais me esquecerei.

— Ainda não estou com vontade de voltar para o Olimpo. Pague por nossas bebidas, assim poderemos voltar para aquele lindo teatro. Precisa praticar melhor a sua cena de perseguição e, desta vez, quem sabe seja mais bem recompensado quando me capturar por fim?... — Ela correu um dedo pelo braço musculoso, e os olhos do semideus se dilataram como os de um corço em resposta.

— Eu vivo para atender às suas necessidades, minha deusa.

— É com isso o que estou contando — Ártemis murmurou para si mesma, enquanto o sátiro corria para pagar o servo.


Capítulo 16


Ah, maldição dos infernos! Ela havia se esquecido de usar um preservativo! E não apenas na primeira vez. Na segunda e na terceira também!

Pamela revirou os olhos. Que i-di-o-ta!... Como podia ter se esquecido? Principalmente depois de ter encarado a vergonha que ameaçara sufocá-la ao comprar uma caixa nova da marca Trojan na loja de souvenirs do hotel, após a pedicure.

E graças a Deus fora à pedicure. Febo a beijara, acariciara e até mesmo lhe sugara os dedos dos pés!

Só de pensar nisso ficava vermelha e com os joelhos fracos outra vez.

Concentre-se!, seu guia interno a repreendeu. Não usar preservativos nada tinha a ver com dedos dos pés.

Ou tinha?

Um movimento à direita chamou sua atenção. Pamela virou a cabeça e olhou para Febo. Ele era tão lindo!... Quando não estava olhando para ele, podia até pensar em Febo como apenas um sujeito de boa aparência. Mas bastava vê-lo para perceber que não existia nada comum nele. Nada mesmo.

Ainda sentia o corpo vibrar com seu toque. Devia estar dolorida, cansada e, na certa, lutando contra uma infecção do trato urinário depois de tanto sexo!... Em vez disso, sentia-se maravilhosa. Preguiçosa, letárgica e muito, muito satisfeita.

Mas se esquecera de usar uma proteção.

— Sinto que está franzindo a testa — declarou Febo sem abrir os olhos.

— Impossível! — ela exclamou, forçando um sorriso. — Até porque não estou franzindo a testa.

— Agora não mais — ele concordou ainda de olhos fechados. Então os abriu e virou a cabeça loira, de modo a encará-la com um sorriso terno. — Bom dia, minha doce Pamela.

— Eu me esqueci de usar um preservativo na noite passada. — Ela corou. — E também nesta manhã.

Apolo franziu o cenho.

— Preservativo? — ele repetiu a palavra desconhecida.

— Sim — ela aquiesceu, o rosto ficando mais quente a cada instante. Agarrou o lençol, que havia se soltado completamente do colchão graças à sua aeróbica da noite anterior, enrolou em torno do corpo nu e se retirou para o banheiro.

— Você sabe, preservativo, preventivo, camisa de Vênus... — falou por cima do ombro. — Não estou tomando pílula nem nada. Você é o médico. Eu não devia ter de explicar como seria fácil para eu ficar grávida.

Uma camisa de Vênus era algo que impedia uma mortal de ficar grávida? , perguntou-se Apolo. Muito interessante. Mesmo assim, duvidava de que esta pudesse impedir um deus de engravidar uma mortal, caso este decidisse ter um filho com Pamela...

De qualquer modo, isso não tinha acontecido.

Apolo se espreguiçou e sorriu. Até gostava da ideia. Mas não até que Pamela soubesse quem ele era, e concordasse em passar a vida a seu lado.

— Não pode ter engravidado neste nosso encontro, Pamela.

Ela pôs a cabeça para fora do banheiro, segurando a escova de dentes.

— Por acaso fez vasectomia?

Apolo não fazia ideia do que ela estava falando, mas Pamela pareceu aliviada, então ele balançou a cabeça e sorriu.

— Ah, bom. Maravilha. — Ela desapareceu por um momento, depois ressurgiu ainda com a escova na mão. — Mas e quanto a... ahn... — Hesitou, sentindo-se ridícula. Tivera mais intimidades com aquele homem do que com qualquer pessoa — incluindo seu “ex” — e perguntar sobre DST a fazia gaguejar? Além do mais, Febo era médico, pelo amor de Deus!... — Mas e quanto a doenças sexualmente transmissíveis? — Tentou outra vez.

Apolo reuniu as sobrancelhas douradas.

— Não tenho nenhuma doença.

— Ah, sim, claro. Que bom. Nem eu!... Que bom — ela repetiu pela terceira vez, sentindo-se como uma completa idiota.

Voltou para o banheiro, ligou o chuveiro e fechou a porta.

Apolo a escutou se ocupando no outro cômodo e precisou fazer um grande esforço para não se juntar a ela. Tinha vontade de arrancar aquele lençol e erguê-la sobre o balcão da pia, depois mergulhar nela enquanto fitava aqueles olhos cor de mel, até que, uma vez mais, pudesse ver o reflexo da própria alma em suas profundezas.

Sentiu o corpo reagir e se tornar pesado e rijo apenas de pensar em Pamela.

Mas teriam todo o tempo do mundo para fazer amor nos muitos anos em que ficariam juntos.

Fechou os olhos e deu um longo suspiro de alívio. Não fora o ritual de invocação o que fizera Pamela desejá-lo. Se fosse esse o caso, seu desejo por ele teria diminuído após sua primeira vez, o que, definitivamente, não havia acontecido. Na verdade, a paixão de Pamela parecia aumentar a cada vez que se amavam. Ela dormira em seus braços, os dedos entrelaçados aos seus. Mesmo durante o sono se aninhara mais junto a ele.

E ele adorava isso nela. Era outra coisa que o surpreendera. Ele nunca tinha trocado carícias e ficado abraçado com uma amante antes. Se fizera isso, fora apenas como um incentivo para dar início a uma nova rodada de sexo.

Sentia-se tão diferente com Pamela!... Na verdade, ele a queria por perto mesmo quando não estavam fazendo amor.

Agora compreendia por que Hades e Lina muitas vezes se sentavam perto o suficiente um do outro para que seus corpos roçassem, e por que seus dedos se tocavam durante as tarefas mais simples e banais, como passar uma taça ou um prato de frutas. Eles também queriam aquela conexão.

Não, Apolo corrigiu a si mesmo. Eles ansiavam por aquela conexão. Assim como ele ansiava por Pamela.

Ela saiu do banheiro com o lençol ainda enrolado no corpo, o rosto recém-lavado e o cabelo úmido.

— O que vamos fazer hoje? — ele quis saber, estendendo-lhe a mão.

Pamela a aceitou e se aconchegou em seu peito. Que prazer incrível palavras tão simples podiam proporcionar! Febo queria saber o que “eles” fariam naquele dia.

— Bem, já que perdemos o café da manhã... — ela olhou para o relógio digital cujos números vermelhos exibiam “2:05 p.m.” — ... e o almoço, creio que comer precisa entrar nos nossos planos. — Beijou a linha forte do queixo de Febo, perguntando-se por que não sentia nos lábios nenhuma barba incipiente. — E eu odeio dizer, mas preciso trabalhar um pouco para ter o que apresentar na reunião de amanhã com o meu cliente.

Apolo tocou o cabelo úmido que lhe adornava a cabeça em adoráveis e confusas mechas.

— Que tipo de trabalho?

— Eddie quer uma piscina construída com base na do hotel e eu, claro, nem conheci a piscina do Caesars Palace ainda! Preciso ir até lá vê-la e, talvez, fazer alguns esboços para ter alguma ideia preliminar do que fazer para Eddie. — Pamela franziu a testa. — Já li por alto algumas anotações que ele fez, mas elas eram muito confusas. Eddie quer uma piscina externa, porém coberta, “como um genuíno banho romano no nível inferior”. Só espero que menos autêntica do que aquela maldita fonte.

— Talvez eu possa ajudar. Tenho alguma noção do que seja um autêntico banho romano.

— Eu me esqueço de que sabe tudo sobre essas coisas antigas de mitologia! É um sujeito bem útil para se ter por perto, não? — ela falou brincando e se inclinando para ele.

— Você não faz ideia... — Apolo sorriu e a beijou.


— Gimensa ? — Apolo perguntou, balançando a cabeça.

— Imorme! — elaborou Pamela. — Como, maldição dos infernos, vou poder reproduzir isto em um pátio?!

— Depende do tamanho do terreno do seu cliente.

Ela soltou um gemido.

— Tem razão — admitiu Apolo, sem tirar os olhos da vasta extensão de água, mármore e fontes que se estendia à sua frente. — Este... — Parou, sem saber que palavra usar.

— Lago artificial? — arriscou Pamela.

Apolo tentou esconder o sorriso perante o tom horrorizado de Pamela.

— Sim, “lago artificial” o descreve razoavelmente bem. Este “lago artificial” pareceria portentoso demais até mesmo no Monte Olimpo.

— Ha! Aposto que os deuses teriam mais bom gosto.

O Deus da Luz pensou no palácio rosa e dourado de Afrodite, com a fonte que vertia ambrosia rosada em vez de água.

— ... Talvez — murmurou.

Pamela continuava de queixo caído com os seus arredores.

— Ao menos agora eu sei o que Eddie quis dizer com aquelas anotações. Ele quer uma piscina externa, mas com uma cobertura como esta. — Apontou para o centro da piscina colossal: uma plataforma de mármore circular gigantesca se erguendo a vários centímetros acima da água. Colunas de mármore, com pelo menos quinze metros de altura, apoiavam uma cúpula de cobre, a qual fazia sombra aos muitos banhistas que nadavam — e, em seguida, descansavam sob esta —, bem como para a estátua em tamanho maior do que o natural de César. — O problema é que, nas anotações, Eddie diz que quer toda a piscina coberta pela cúpula. E quer que os tronos sejam copiados na íntegra também. Imagino que seja aquilo... — Pamela apontou com um gesto de cabeça na direção da estação de salva-vidas não muito distante de onde eles se encontravam. Era de mármore e fora construída na forma de um grande trono flanqueado por dois leões alados.

— Será que ele vai querer os cavalos-marinhos também? — Apolo perguntou, divertindo-se com toda a situação.

Pamela olhou de soslaio para as enormes estátuas de mármore, cujas metades traseiras se transformavam em caudas de sereia.

— Ah, Deus! Espero que não. — Passou a mão pelo cabelo. — Isto tudo, somado àquela fonte, vai acabar comigo. É horrível. Brega demais! Esse tipo de coisa chega a gritar: “Tenho rios de dinheiro, mas gosto nenhum!”...

— Sem dizer que não tem nada a ver com um genuíno banho romano — afirmou Apolo, estudando os leões alados, montados sobre os pilares retangulares que ladeavam a piscina menor e destinada às crianças, um pouco mais além.

Pamela estremeceu.

— Espero que não. Qualquer lugar que governasse o mundo por tanto tempo como Roma faria algo melhor do que isto.

— A diferença não se dá apenas na decoração. Os antigos banhos romanos não eram piscinas como esta. Eram uma série de salas aquecidas, construídas uma atrás da outra, a começar por uma área onde os banhistas eram massageados com óleos. Os cômodos iam ficando mais quentes e, muitas vezes, ficavam cheios de vapores calmantes. — Apolo sorriu para ela. — Eles não continham essas piscinas enormes. Eram construídos em torno de pequenas fontes, as quais os banhistas usavam para se refrescar. Claro que esses cômodos acabavam em piscinas. Geralmente uma era aquecida e a outra, mantida fria e refrescante.

A expressão de Pamela mudou de horrorizada para esperançosa.

— Acha que poderia me descrever os banhos romanos bem o bastante para eu fazer alguns esboços? Eu teria de incorporar algumas destas coisas, claro — ela apontou o ambiente a esmo —, mas talvez eu possa amenizá-las e torná-las mais autênticas a fim de vender a ideia para Eddie. Ele já disse que quer uma piscina coberta. Posso projetar uma série de belas salas, cada uma com algum componente aquático, e tudo em torno de uma piscina com um pouco menos de pompa.

— É uma ideia interessante — concordou Apolo.

— Ótimo! Vamos começar. — Ela marchou para uma das linhas menos ocupadas de espreguiçadeiras brancas, então parou.

— Comida — lembrou. — Preciso comer para conseguir trabalhar. — Deslizou o olhar para uma construção de mármore na frente da qual havia uma pequena fileira de pessoas. Leu as letras românicas douradas e revirou os olhos.

Desta vez, Apolo não tentou disfarçar seu divertimento. Pendeu a cabeça para trás e caiu na gargalhada.

Pamela fez uma careta para ele, em seguida rumou em direção ao prédio.

— Snackus Maximus não é assim, tão engraçado!... — resmungou por cima do ombro.

Apolo fechou os olhos e inalou o ar aquecido pelo sol do deserto que acariciava sua pele e o enchia de poder e contentamento. Sentia-se indescritivelmente bem. E o som suave do inquieto lápis de carvão de Pamela era um fundo perfeito para seus pensamentos.

Ele e sua doce Pamela se davam muito bem. O raciocínio rápido de Pamela e aquele seu sorriso travesso tinham transformado a tarde que passara trabalhando a seu lado numa maravilhosa e agradável experiência. Pamela brincava o tempo todo com ele e provocava-o nas menores coisas: como seu cabelo ficara encaracolado após um dos mergulhos na piscina, diante de sua surpreendente obsessão por um delicioso lanche salgado chamado batatas fritas (das quais ele pedira três porções)...

Mulheres não zombavam do Deus da Luz. Pamela, sim. E, quando ele a fazia rir, seus olhos brilhantes o faziam se sentir mais do que divino.

Apolo logo descobriu que ela era muito mais talentosa como artista do que imaginava. Podia até vislumbrar seu futuro juntos. Pamela nunca mais teria que trabalhar para ricos inconvenientes como aquele escritor que, sem dúvida, se considerava um deus mortal.

Talvez ele construísse para ela uma enorme galeria em seu templo, em Delfos. Pamela poderia passar os dias desenhando as maravilhas do Olimpo... e as noites dividindo a cama com ele.

O amor era muito mais fácil do que ele imaginava. Mal podia se lembrar do que o perturbava tanto ao correr em busca dos conselhos de Lina e Hades. Por que estivera tão preocupado? Ele encontrara sua alma gêmea e, agora, tudo o que tinha a fazer era adorá-la.

E amar Pamela era uma delícia. Verdade que ele ainda precisava revelar a ela sua verdadeira identidade, mas aquilo não era apenas um detalhe? Ela já o conhecera bem, e ele era o homem que a amava.

E algo lhe dizia que Pamela sentiria um enorme prazer em descobrir que ganhara o amor de um imortal.

Seus lábios se curvaram, e sua mente derivou, preguiçosa. A vida era boa.

— Não fica com medo de se queimar demais? — Pamela o fitou por cima da lente dos óculos escuros. Apolo estava deitado a seu lado, em uma espreguiçadeira como a dela, porém a cadeira se encontrava voltada para o sol escaldante do fim de tarde do deserto.

Já ela puxara a espreguiçadeira para a sombra proporcionada por um guarda-sol da piscina. Mesmo suas pernas nuas, no momento dobradas para que ela pudesse usá-las como apoio para o bloco de desenho, estavam distantes da luz direta do sol.

Mesmo assim, ela ainda se sentia acalorada. Vinha trabalhando naquele esboço da casa de banhos havia horas, e Febo se mantivera o tempo todo descansando a seu lado, explicando-lhe detalhes dos antigos banhos romanos, dando dicas perspicazes quanto às pequenas salas individuais e quanto à disposição geral enquanto permanecia em pleno sol.

— De eu me queimar? — Ele enrugou a testa.

— Sim, está deitado aí, usando quase nada, o dia inteiro. Eu já estaria como uma batata frita.

Febo nem sequer parecia acalorado. Pelo contrário, estava escandalosamente bonito com aquele calção de banho adquirido às pressas e nada mais. Um verdadeiro monumento de pele dourada e deliciosos músculos.

— Quer dizer queimado pelo sol? — Ele riu, como se achasse a ideia nova e divertida. — Claro que não. Não me preocupo com isso. O sol e eu somos velhos amigos. — Apoiou-se sobre um cotovelo e se virou para ela.

— Já terminou?

Pamela mordeu o lábio conforme estudava o esboço.

— Acho que sim. E gostei do resultado, embora eu não tenha certeza se Eddie vai abraçar a ideia. O que acha? — Entregou-lhe o bloco.

Apolo o estudou com cuidado, então balançou a cabeça.

— Foi uma escolha sábia fazer as pequenas fontes em cada um dos quartos aquecidos mais ornamentadas do que tinha previsto no início.

— Sim, a ideia é manter as paredes de mármore lisas. Dessa forma o efeito não será tão avassalador. Se ele quiser uma decoração mais vistosa, posso tentar convencê-lo a aceitar o piso de mosaico que você sugeriu.

— Disse que seu cliente vive mencionando a importância da autenticidade. Pois pode assegurar a ele que este esboço se baseia nos antigos projetos de um banho romano. Claro que o trono à beira da piscina central não é muito... — Apolo fez uma pausa enquanto a fitava, e o sorriso em seus olhos morreu quando algo atrás dela lhe chamou a atenção.

— Aqui está você. Até que enfim!

A voz da mulher, cheia de frustração, soou por cima do ombro de Pamela.

Antes que ela pudesse se virar para ver quem estava falando, Febo havia se posto de pé.

— Que inesperado prazer — ele resmungou.

Prazer?

Ele soava muito mais irritado do que satisfeito, refletiu Pamela. Olhou por cima do ombro e teve que segurar a mão para proteger os olhos da luz alaranjada e ofuscante do sol que se punha, a qual demarcava a silhueta curvilínea de uma mulher alta. Conseguiu distinguir vagamente as linhas de um vestido curto e esvoaçante, e o fato de que o cabelo da estranha se encontrava preso no alto da cabeça, em um estilo que lembrava muito uma coroa. A mulher não lançou um só olhar em sua direção. Em vez disso, pôs-se a repreender Febo.

— Esperei por você até agora e não se dignou a aparecer! Por isso fui obrigada a vir lhe procurar.

Febo franziu a testa.

— Não acredito que especificou um tempo para a minha volta!

— Achei que voltaria depois de...

— Perdoe minha grosseria, Pamela — Febo interrompeu a moça, agarrou-a pelo pulso e a puxou para a frente da espreguiçadeira, obrigando-a a encará-la. — Permita-me lhe apresentar a minha irmã. Pamela Gray, esta é minha irmã gêmea... — ele hesitou, lançando à mulher um olhar penetrante — ... Diana.

Pamela se levantou e abriu um sorriso, com a mão estendida.

— É um prazer conhecê-la, Diana. E, por favor, não culpe Febo se ele se atrasou para alguma coisa. Foi por minha culpa. Quando eu descobri o quanto ele sabe sobre a Roma antiga, não parei de solicitar sua ajuda.

Ártemis olhou da simpática mortal para sua mão estendida. Podia sentir o olhar de censura do irmão, tanto quanto o vínculo da invocação que ainda a prendia à moça.

Relutante, aceitou a mão de Pamela e se surpreendeu com a firmeza do cumprimento.

— Espere! — exclamou Pamela, os olhos se arregalando. — Eu sei quem você é! É aquela mulher linda do show Zumanity! — Seus olhos se desviaram para Apolo. — Não acredito que não me contou que ela era sua irmã!

— Talvez ele estivesse envergonhado com a minha performance — elaborou Ártemis, erguendo o queixo com uma ponta de arrogância.

— Mas isso seria ridículo! — concluiu Pamela, fitando-o com perplexidade. — Seu desempenho foi incrível... Vigoroso, sedutor e incrivelmente romântico.

Uma das sobrancelhas perfeitas de Ártemis se arqueou.

— Achou romântico?

— Sem dúvida — afirmou Pamela, balançando a cabeça com entusiasmo.

— Diana sabe que sua performance não me envergonha — Apolo se defendeu depressa. — Eu só não sabia que ela ia se apresentar na noite passada, por isso fiquei surpreso. Eu gostaria de ter mencionado seu trabalho antes, mas, depois do show, estava com coisas mais interessantes na cabeça... — Ele compartilhou um sorriso íntimo com Pamela.

— Diga-me uma coisa... — recomeçou Ártemis, como se seu irmão não tivesse falado. — ... Febo está sabendo como seduzi-la?

O rosto de Pamela foi do rosa ao vermelho, e ela abriu e fechou a boca.

— Diana! — rosnou Apolo. — Essa pergunta não apenas foi desnecessária como inconveniente!

— Foi mesmo? — ela devolveu, cínica. — Não creio, Febo — ela enunciou o nome devagar. — O vínculo continua! Mais fraco do que antes, mas continua.

As palavras de Diana não fizeram sentido para Pamela, porém ela viu a expressão de Febo mudar instantaneamente da raiva para o choque.

— Quero acabar logo com isso — Diana prosseguiu num tom áspero. — Preciso lembrá-lo de que a nossa estada aqui é apenas temporária? Temos que ir embora antes do amanhecer.

Pamela sentiu um aperto no estômago. O que eles estavam discutindo podia não fazer sentido para ela, mas a palavra “temporária” falava por si só.

Eles iriam embora. Em breve. Claro que ela mesma só ficaria em Las Vegas apenas por uma semana, mas fora honesta quanto a isso, avisando Febo de antemão que se encontrava ali apenas por conta de um trabalho. Ele tinha feito amor com ela e passado o dia todo em sua companhia, não mencionando nenhuma vez que teria de ir embora na manhã seguinte.

Ela era mesmo uma m... de uma cretina. O que imaginava estar fazendo?! Brincando de casinha?

Merda, merda... MERDA! Devia ter imaginado. Sua inexperiência naquele mundo das conquistas devia ser óbvia. Não podia ter esperado mais do que um pouco de diversão de um encontro como aquele.

— Escutem. — Pamela interrompeu o entrevero entre irmãos, usando seu tom mais firme e profissional. — Se há uma coisa de que entendo, e entendo bem, é que, às vezes, irmãos e irmãs precisam discutir. Em particular. — Apanhou o bloco de notas na espreguiçadeira, onde Febo o havia deixado, e o enfiou na bolsa de couro enquanto calçava as rasteirinhas Mizrahi . — Na verdade, Diana, o seu timing é excelente. Eu estava justamente pensando que preciso voltar para o quarto e fazer mais alguns trabalhos para amanhã.

— Não, Pamela! Por favor, não... — Febo apressou-se em dizer.

Ela mal olhou para ele.

— Para falar a verdade, já perdi muito tempo me divertindo neste fim de semana... Adeus, Febo.

Ártemis ficou chocada. A mortal estava mesmo se afastando de seu irmão! Por meio de sua conexão invisível, podia sentir muito do que se passava com a moça. E ela estava... A deusa se concentrou, filtrando as emoções que fluíam por meio do elo entre elas. Pamela estava muito amargurada. Envergonhada. Magoada. Tinha certeza de que Apolo a usara. Sentia-se arrasada por dentro, mas se mostrava apenas aborrecida. Se elas não estivessem unidas pela invocação, ela, Ártemis, nunca imaginaria o turbilhão de emoções vivido pela mortal.

Que coisa estranha!... Seria possível que a força oculta daquela mulher tivesse algo a ver com o fato de a invocação não ter se completado? Seria possível que aquela jovem mortal enxergasse o que se passava?

Diana enxergou Pamela com outros olhos. Apolo estava com a razão em uma coisa: ela não era mesmo uma mulher tola e comum.

— Pamela, meu irmão está certo. Fui rude demais.

A voz de Diana impediu Pamela de prosseguir. Ela se voltou para a irmã de seu amante, esta lhe sorriu, e ela vislumbrou a deslumbrante beleza de Febo refletida no rosto da moça.

— Eu andei tendo alguns... — Ártemis hesitou e olhou para o irmão antes de continuar — ... contratempos de natureza pessoal. Não tenho sido eu mesma. Por favor, acredite que a última coisa que desejo é afastá-la de meu irmão.

Pamela encontrou os olhos da cor de água-marinha de Diana.

— Mas se eu for embora agora ou mais tarde não vai fazer tanta diferença, vai? Acabou de dizer que vocês vão partir amanhã cedo.

— Mas não para sempre — emendou Apolo às pressas, aproximando-se para lhe tomar a mão. — Não pode acreditar que eu iria me afastar de você e nunca mais voltar.

Pamela puxou a mão. Balançou a cabeça e até conseguiu sorrir.

— Escute, nós nos divertimos bastante juntos. Vamos deixar tudo por isso mesmo... Não precisa se incomodar.

Ártemis olhou para o rosto chocado do irmão. Por que ele não dizia nada? A mortal o estava deixando! E, com certeza, não desejava aquilo... Ela não apenas sentia a dor de Pamela, mas isso era evidente na maneira rígida e mecânica com que a moça se portava. Pamela estava magoada e aborrecida. Queria conforto, não aquela inépcia!

Apolo, no entanto, parecia estranhamente impotente.

— Eu não quis ofendê-la — Ártemis argumentou, aflita. — Foi apenas um mal-entendido. Por favor. Não vá embora assim, magoada.

— Não estou magoada — Pamela respondeu.

— Eu estaria assim no seu lugar — Apolo reencontrou a voz por fim. Desta vez, ele não a tocou, contudo. Permaneceu muito quieto e tentou transmitir tudo o que sentia por meio das palavras. — Eu ficaria aborrecido e zangado se soubesse que estava planejando me deixar antes do amanhecer sem ter dito nada. Eu devia ter lhe contado. Eu pretendia contar... Mas precisa compreender, minha doce Pamela: eu sabia que iria voltar. Estragar o nosso dia contando que eu precisaria partir em breve me pareceu algo muito cruel. Mas agora vejo que me equivoquei. Consegue me perdoar?

Ela deveria dizer a Febo que aquilo não era nada. Deveria dizer que não esperava nada dele e seguir adiante. Poderia telefonar para Ve, e elas passariam horas conversando sobre como os homens eram uns cretinos...

Então, no dia seguinte, poderia voltar a trabalhar e esquecê-lo.

Tinha acabado de dormir com Febo. Nunca fora casada com ele ou coisa do gênero.

Uma vez mais, seus olhos capturaram os dela, porém. E Pamela pôde jurar que viu um reflexo de si mesma bem no fundo deles. Febo possuía a mesma “ausência” que ela, e tocara seu corpo, seu coração e sua alma. Se Duane a havia sepultado emocionalmente, Febo a trouxera de volta à vida.

E ela não queria voltar para aquele seu túmulo de complacência. Ela se conhecia bem o suficiente para compreender que aquele fim de semana fora um ponto de virada. Não mais se satisfaria com a segurança de sua vida. Iria permanecer do lado de fora, iria flertar e correr mais riscos... com ou sem Febo.

O problema era que, bem lá no fundo, queria correr todos os riscos com ele.

— Está bem — respondeu por fim, engolindo o que ia dizer. — Eu o perdoo.

Cruzou os braços e esperou. No momento, a bola estava no campo de Febo.

Para sua surpresa, foi a irmã dele quem a devolveu:

— Meu irmão e eu precisamos conversar. É um assunto de família, e eu...

— Sem problemas — Pamela a interrompeu. — Já estou indo embora.

— Pamela, não é verdade que também tem um irmão? — O olhar de Ártemis foi perspicaz.

Mais uma vez apanhada no processo de se afastar, Pamela assentiu com um gesto de cabeça.

— Se é assim, compreende que, muitas vezes, problemas familiares podem nos obrigar a sacrificar nossas vontades. Nós precisamos ir para casa, então, por favor, não condene meu irmão por isso.

Pamela replicou com igual franqueza:

— Não estou condenando Febo por nada. Estou apenas me protegendo.

— Não precisa se proteger de mim — afirmou Apolo. E, sem resistir, acariciou-a no pescoço com a ponta dos dedos. Quando Pamela estremeceu, porém, não soube dizer se fora por desejo ou repulsa. — Encontre-me esta noite. Deixe-me vê-la novamente antes de eu ir embora. Eu juro que vou voltar.

Ela não deveria fazer aquilo. Febo mexia demais com ela.

Pamela abriu a boca para dizer “não”, depois pensou em como seria passar a noite sem ele. Seria como o céu da manhã sem sol. Desolador. Vazio...

... Assim como sua vida havia se tornado.

Não queria mais aquilo. Mesmo correndo o risco de ter o coração partido outra vez. Bem, pelo menos agora sabia que continuava com um coração dentro do peito!

— Está bem — falou, mantendo a voz neutra. — Pode me levar para jantar. Comer no Snackus Maximus não contou mesmo como uma refeição de verdade.

— Ele vai escolher o lugar — Ártemis declarou com um sorriso satisfeito.

— Muito bem — Pamela repetiu. — Se nos encontrarmos às oito horas, terão tempo suficiente para resolverem o seu assunto de família?

Ártemis assentiu ligeiramente com um gesto de cabeça, na direção do irmão.

— Sim — ele confirmou. — Vou buscá-la no seu quarto.

— Não! — contrapôs Pamela rápido demais. Limpou a garganta, então, e tossiu como se a explosão tivesse sido motivada por cócegas na laringe, e não pelo pavor.

— Posso encontrá-lo naquele bar, como da última vez.

Arrependeu-se do “como a última vez”. Isso fora na noite anterior, quando eles acabaram na cama, fazendo amor até meio-dia...

O sorriso de Febo foi como uma carícia enquanto ele também se lembrava de tudo o que acontecera.

— Eu a encontrarei no nosso bar, doce Pamela. Como ontem.

Desta vez, nada impediu que ela batesse em retirada.


Capítulo 17


O tom opaco e insubstancial do portal cintilou quando as divindades gêmeas deixaram o mundo moderno de volta ao Olimpo. Apolo tinha o maxilar cerrado, e seus olhos brilhavam com uma raiva silenciosa. Com um gesto brusco, ele fez sinal para que a irmã o seguisse para fora do salão de banquetes lotado.

— Eu não tive a intenção — sussurrou Ártemis, contudo o olhar enviesado do irmão foi suficiente para fazê-la segurar a língua.

— Não até que estejamos em meu templo. Sozinhos — ele falou por entre os dentes, sorrindo e balançando a cabeça em um “não” educado para Afrodite, que acenou, tentando fazê-lo ir até a chaise em que ela se reclinava. A Deusa do Amor estava cercada por um grupo de ninfas Napeias que havia se livrado de sua já pouca roupa e praticava uma dança da fertilidade envolvendo complicadas ondulações do ventre.

— As Napeias são mesmo muito fofoqueiras — resmungou Ártemis, num tom conspirador.

Apolo lançou-lhe um olhar desgostoso.

— Todas as ninfas são fofoqueiras. Vocês todas são fofoqueiras.

— O que está querendo dizer com isso?

Ele a segurou pelo cotovelo.

— Não aqui. Não agora.

Os dois irmãos continuaram a abrir caminho pelos jardins olímpicos, respondendo com educadas saudações e declinando, pesarosos, dos convites para uma miríade de diversões e brincadeiras que lhes era oferecida, até alcançarem as portas douradas do templo de Apolo.

Tão logo se encontravam dentro dos aposentos particulares do deus, este se avultou sobre a irmã.

— Não acredito na cena estúpida que armou diante de Pamela! O que estava pensando? Se é que estava pensando!... Você quase estragou tudo!

— Quase estraguei tudo? — ela repetiu, irônica. — De que “tudo” está falando? Do caso tórrido que estão tendo? O vínculo continua, Apolo! Ainda posso sentir as correntes da invocação! Ainda estou ligada a ela. O que está acontecendo, afinal? Por que ainda não fez amor com ela?

Apolo desviou os olhos do olhar penetrante da irmã, e os olhos da Deusa da Caça se arregalaram.

— Você já fez amor com ela — concluiu Ártemis. — E não funcionou! Não atendeu aos desejos de seu coração.

Apolo assentiu, tenso. Caminhou até uma mesa com tampo de vidro, cuja base era esculpida na forma de sua carruagem de luz, e serviu-se de uma taça do vinho eternamente pronto para ser consumido.

— Você não fazia ideia de que não tinha cumprido o ritual de invocação.

Não era uma pergunta.

Após tomar um gole da bebida, Apolo respondeu:

— Não, nenhuma.

— Não compreendo o que está acontecendo — gemeu Ártemis. — Como anda seu desempenho? Ela correspondeu bem a você?

O deus fitou a irmã por cima da taça.

— Claro que correspondeu! Não sou nenhum jovenzinho inexperiente.

— Então a satisfez...?

Apolo fez uma careta.

— Claro que sim!

— Tem certeza? Você sabe, às vezes os homens acreditam que levaram a mulher ao orgasmo, mas...

— Ela não fingiu comigo! — Apolo berrou.

As paredes do templo cintilaram como a luz ofuscante da explosão de uma estrela. Ártemis cobriu os olhos às pressas, esperando que a ira do deus passasse.

— Bem, alguma coisa deu errado. — Espiou com cuidado por entre os dedos antes de abaixar a mão. Odiava quando a luz do irmão se expandia. — Talvez não tenha aplacado o desejo da mortal fazendo amor com ela apenas uma vez.

— Mas não foi apenas uma vez — contrapôs Apolo, passando a mão pelo rosto. — Fizemos amor a noite toda e também pela manhã. Pamela parecia tão satisfeita como eu.

— Há outra possibilidade. E se o verdadeiro desejo de Pamela não tem a ver com sexo? — Ártemis caminhou, inquieta, enquanto elaborava o problema em voz alta. — Apesar de que este permanece vinculado ao ato de fazer amor... Senti o vínculo entre nós se atenuar durante a noite. De qualquer modo, a conexão forjada pela invocação continua muito presente entre nós. Sendo assim, a mortal deseja mais do que sexo. — A deusa fez uma pausa, pensativa, enquanto se servia de um pouco de vinho. — Pude captar seus sentimentos, principalmente quando ela estava tentando deixá-lo, na piscina.

Os olhos de Apolo se fixaram na irmã.

— O que ela estava sentindo?

— Estava magoada, confusa e envergonhada.

Ele afundou em uma cadeira com um gemido.

Ártemis o observou, atenta.

— Você se importa com ela, não é? — perguntou em voz baixa.

Apolo ergueu a cabeça e encontrou seu olhar.

— Acho que estou apaixonado por Pamela.

— Apaixonado? — Ártemis balançou a cabeça. — Impossível. Ela é mortal! E, como se isso já não fosse o suficiente, é uma mortal do Mundo Moderno.

— Estou ciente disso — ele replicou por entre os dentes.

— Como pode saber? — zombou Ártemis. — Você nunca se apaixonou.

— Por isso mesmo acredito que eu esteja apaixonado! Já vivi por eras e nunca experimentei esta sensação.

— O quê...? Que sentimento tão forte é esse que está atribuindo ao amor? — Ártemis quis saber.

— Eu me preocupo mais com ela do que comigo. Sua felicidade é a minha felicidade, e sua dor me causa desespero.

A deusa o fitou como se ele estivesse com uma súbita e incompreensível erupção cutânea.

— Talvez isso passe, ou ao menos diminua com o tempo.

— O problema, minha querida irmã, é que eu não quero que isso aconteça. — Apolo sorriu, porém não havia humor em sua expressão. — Esta manhã eu estava tão seguro de mim. Pensei que o amor fosse simples, que eu houvesse encontrado minha alma gêmea. Que eu tinha feito amor com Pamela, e que ela devia sentir o mesmo por mim... Fui um arrogante, imbecil.

— Acredita que ela seja sua alma gêmea?

— Receio que Pamela possa ser, sim, minha companheira de alma.

— Se ela for, pela própria natureza desse vínculo, também deve amá-lo — concluiu Ártemis, tentando dar sentido à bizarra declaração do irmão.

— Talvez — ele murmurou, desanimado.

Ártemis bateu com os dedos no queixo.

— Bem, ela é mortal. Não devíamos estar tão surpresos com esta confusão. Talvez seja isso!

O verdadeiro desejo do coração de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida. Ela apenas chamou isso de romance, mas não pode ser tudo a mesma coisa? Romance, amor, desejo verdadeiro, almas gêmeas... Não são todas palavras que poderiam ser usadas para descrever o mesmo fenômeno? Se eu estiver certa, faz sentido que a invocação não tenha sido cumprida.

— Por que faz sentido? Se o verdadeiro desejo de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida, e eu sou sua alma gêmea, então por que a invocação não se cumpriu?

— Porque ela tem que reconhecê-lo e aceitá-lo como seu companheiro de alma, o que, obviamente, não aconteceu. — Ártemis descansou a mão em seu ombro. — As emoções que senti por meio do nosso vínculo não eram de amor e contentamento. Pamela estava magoada e confusa; não estava se sentindo amada.

Uma sombra desceu sobre os olhos de Apolo.

— Ela me contou que foi muito magoada por um homem no passado. E eu, muito arrogante, acreditei que apenas um toque do meu poder imortal e da paixão do meu corpo a curariam.

— Pois estava equivocado, meu irmão. Pamela precisa de mais do que isso.

— O amor é mais complicado do que eu imaginava — ele murmurou.

Ártemis deu-lhe um tapinha nas costas.

— Esse seu sofrimento me faz dar graças por eu não tê-lo experimentado ainda.

— Acho que estou começando a entender... O amor é um misto de sofrimento e enlevo, encerrado na pele macia de uma mulher — devaneou Apolo com o olhar perdido na distância.

— Por que não revela de uma vez quem você é? Traga-a para o Olimpo esta noite. Use seus poderes imortais para fazer o amor de Pamela vir à tona.

Apolo a fitou, contrariado.

— Isso não seria amor! Seria apenas um culto abjeto, ou uma mistura de medo e adoração.

— Aí está um exemplo perfeito de como você e eu discordamos. Não precisa usar seus poderes para conquistá-la, mas faz sentido. Que mortal não gostaria de ganhar o amor de um deus?

Pensando na arrogância de sua declaração anterior, Apolo sentiu desgosto por si mesmo. Não admirava que Pamela estivesse relutante em reconhecê-lo como sua alma gêmea.

— Algo me diz que Pamela não ficaria muito feliz em saber da minha verdadeira identidade.

Ártemis bufou.

— Os mortais modernos não são como as pessoas do Mundo Antigo — ponderou Apolo. — Eles fazem criaturas de metal obedecerem à sua vontade. Passam informações por intermédio de máquinas, não de magia e rituais. E nós estamos mortos para eles... Não. Pamela deve me amar primeiro como homem. Apenas depois disso poderei convencê-la a aceitar o deus.

— E como pretende fazer isso?

— Preciso amá-la como um homem ama uma mulher.

Ártemis ergueu as sobrancelhas numa indagação.

— Com o meu coração, e não com os meus poderes — ele explicou.

— E isso significa o quê?

— Quando eu souber lidar com tudo isso, terei obtido algo de valor inestimável: o amor de Pamela — declarou o Deus da Luz.

— Acha que consegue conquistar o amor dela até o amanhecer?

— Duvido.

Ártemis suspirou.

— Acho que eu deveria ficar grata por o vínculo entre Pamela e eu ter se atenuado. Agora é mais como uma coceira difícil de dar conta do que um incômodo constante me amolando. Baco sem dúvida se esmerou na dose de maldade com essa sua pequena travessura.

— Falou com ele?

— Não, ele tem se mantido conspicuamente ausente do Olimpo nestes últimos dias... — Ela encolheu os ombros. — ... Embora nunca tenha passado muito tempo por aqui. Baco há muito prefere a companhia dos mortais. Quando esta provação tiver terminado, precisamos nos lembrar de lhe dar uma lição por essa impertinência.

Apolo ficou em silêncio. Como poderia dizer à irmã que aquela “provação” nunca iria ter fim? Ele sabia muito pouco de amor, mas já tinha certeza de uma coisa. O amor não podia ser controlado. Não começava ou terminava sob a exigência de ninguém. Infelizmente.

— Apolo? Preste atenção! Eu perguntei quais são seus planos para esta noite!

— Eu não sei! — As paredes coruscaram, e o Deus da Luz refreou sua frustração. — Um jantar. Pamela pediu que eu a levasse para jantar. Você mesma ouviu.

A testa lisa de Ártemis se enrugou quando ela parou para pensar no que Pamela havia dito:

— Snackus Maximus ? Que tipo de nome é esse?

— Um péssimo nome.

— Eu ainda acho que deveria trazê-la para cá esta noite. Corteje-a no Olimpo, em seu próprio templo. O que poderia ser mais romântico?

— Ártemis, eu já expliquei a você que me recuso a utilizar meus poderes para ganhar o amor de Pamela.

— Então não use seus poderes, seu teimoso! Esta é a sua casa. Sem dúvida nenhuma, ela é muito mais bonita do que qualquer coisa que o Reino de Vegas tenha para oferecer.

Apolo considerou as palavras da irmã.

— Ela aprecia arquitetura antiga...

— Traga-a aqui, ora! Diga a ela que é uma parte exclusiva do Caesars Palace. Ao menos, assim, garantirá a privacidade de vocês.

— Acho que consigo usar meus poderes apenas o suficiente para disfarçar suas sensações conforme atravessamos o portal.

— Em seguida, traga-a para cá depressa, antes que qualquer outro dos Doze vislumbre sua presença.

Apolo estava começando a gostar da ideia.

— Eu não teria que me preocupar com acidentes, monstros de metal, ou com nenhuma outra daquelas distrações do Mundo Moderno. Poderia me concentrar em assegurar Pamela do meu amor. — Sem dizer que ele queria muito mostrar sua casa a ela e testemunhar sua reação à beleza do lugar. Mesmo que este não fosse apenas dele.

— Vou planejar o jantar eu mesma e colocar minhas próprias servas à sua disposição. As ninfas não são confiáveis.

— Excelente — concordou Apolo. — E lembre-se de pedir a elas que não me chamem de Apolo.

— Sim, sim... As meninas vão dar continuidade à sua pequena farsa, Febo .

— Estou em dívida com você, Diana — ele afirmou, sorrindo.

Ártemis devolveu o sorriso, pensando em como o irmão era charmoso e bonito. Pamela não seria capaz de resistir a ele. Não se ela, Ártemis, pudesse agir... O que decerto ela faria.

— Já que estamos acordados, temos muito que fazer. O tempo urge. Ao amanhecer Pamela precisa voltar ao Reino de Vegas. E, tomara, completamente encantada com Febo — completou a diva. Em seguida bateu as mãos duas vezes e, no tom autoritário da Deusa da Caça do Olimpo, chamou: — Servas, venham me assistir!

Em um piscar de olhos, doze belas moças se materializaram em uma nuvem de poeira prateada e cintilante que parecia ter se originado na luz da lua.

— Senhoras, meu irmão precisa da nossa ajuda. O que precisamos fazer é o seguinte...

Apolo observou o turbilhão de atividades até que a irmã o enxotou do quarto, lembrando-o de que era quase hora de ele se encontrar com sua amante. O Deus da Luz sorriu enquanto se preparava. Iria trazer seu verdadeiro amor para casa. Iria cortejar Pamela e amá-la ali, onde podiam ficar mais à vontade. Pamela veria que não precisava ter medo de se magoar outra vez.

Sentindo-se seguro dentro de seu próprio reino, Apolo teve a certeza de que nada poderia dar errado.

 


C O N T I N U A

Capítulo 9


Violinos encheram o ar em torno deles, música atraiu a água rumo ao céu e luzes antes ocultas destacaram a dança fluida.

Em seguida, um tenor começou a cantar. Pamela estremeceu conforme seu corpo correspondia à magnificência de sua voz. Era tudo tão inesperado, tão espantoso!... Os arcos de água se deslocavam em uníssono com os altos e baixos da orquestra, como se guiados pela mão de um competente mágico. Era inacreditável e maravilhoso... Assim como o beijo que parecia ter dado início a tudo aquilo.

Ao som da primeira nota, eles haviam se virado para as fontes e, enquanto suas emoções disparavam com a música, Pamela se deixou ficar, muito quieta, nos braços de Febo.

— O cantor é italiano, não é? — Recostou-se nele, inclinando a cabeça de modo a fazê-lo ouvir sua pergunta, mas sem tirar os olhos da água.

— Sim — assentiu Apolo. Seus olhos também não se desviavam do inacreditável espetáculo diante deles. — Ele está cantando algo sobre La Rondine ou “a andorinha” — murmurou, a voz grave soando como pano de fundo para a linda música, em vez de distraí-la. — Conta a história de uma pequena andorinha que migra para muito, muito longe, a fim de encontrar o amor em uma terra distante. Mas é evidente que a canção não se refere a um pássaro, e sim a uma amante, que o cantor teme ter perdido para sempre.

— Eu gostaria tanto de entender Italiano! — Pamela sussurrou.

Apolo a abraçou com mais força.

— Será que precisa? Tente ouvir a música com o coração, e irá captar sua alma.

Pamela tentou fazer o que ele dizia e, no crescendo, sentiu os olhos rasos de água. Entendeu realmente. Compreendeu a dor do amor perdido, dos arrependimentos e o medo da eterna solidão.

Quando a música terminou e a água ficou quieta e escura, permaneceu de costas para Febo, sentindo as batidas de seu coração, o calor do corpo sólido a envolvê-la.

— Eu não esperava encontrar tanta beleza aqui — ele falou baixinho, não querendo quebrar o feitiço que aquelas águas mágicas haviam lançado.

— Nem eu. — Pamela respirou fundo. — Aconteceu muita coisa nesta noite que eu não esperava.

Apolo a virou, de modo a deixá-la de frente para ele, porém a manteve solta no círculo de seus braços. Relutava em deixá-la se afastar, contudo não queria assustá-la. A noite também fora cheia de surpresas para ele. Naquele momento, pela primeira vez em todas as suas eras de existência, queria que uma mulher viesse até ele por vontade própria, não como uma donzela deslumbrada, arrebatada pela presença de Apolo, o Deus da Luz; tampouco como uma deusa sedutora, procurando um parceiro temporário com quem se divertir. Queria que Pamela o escolhesse como uma mortal escolhia seu homem.

— Eu não estava falando apenas das águas dançantes — sussurrou.

— Nem eu.

Quando ele se inclinou para beijá-la, não pôde evitar segurá-la pela nuca e mergulhar os dedos nos cabelos curtos e desgrenhados que tanto desejara tocar desde que a tinha vislumbrado. Pamela não se afastou dele, mas também não se entregou ao beijo. Seus lábios se provaram quentes e dóceis sob os dele, porém ela não os abriu num convite. Em vez disso, era como se fizesse uma pergunta e exigisse resposta antes de lhe dar permissão para continuar.

Pense! , Apolo ordenou a si mesmo. O que desejam as mulheres?

Percebeu, chocado, que, apesar de toda a sua experiência, não tinha certeza de como responder a tal pergunta. Concentrou-se, tentando ler o corpo frágil e, por intermédio deste, compreender o que Pamela buscava nele.

Com movimentos lentos, obrigou-se a ignorar o desejo inebriante que tocar Pamela evocava e, em vez de se comportar como um deus grosseiro e arrogante, manteve-se firme no controle. Beijou-lhe o lábio inferior com carinho, em seguida o prendeu com os dentes e o puxou, provocante, mas só por um momento. Mudou dos lábios carnudos para um beijo rápido na ponta do nariz, e foi recompensado por um sorriso que ele beijou nos cantos. Acariciou os cabelos curtos com os dedos enquanto roçava o rosto em seu ouvido e sussurrava:

— Gosto muito do seu cabelo. Ele faz que eu me lembre da cavalgada livre e cheia de orgulho das Amazonas. — Desceu os lábios um pouco mais. — E deixa seu pescoço tão mais sedutor...

Sentiu que ela estremecia e levantou a cabeça de maneira a fitá-la nos olhos, os quais ainda estavam preenchidos pela emoção que a música os fizera sentir.

— Eu quero que você seja exatamente o que parece — ela falou baixinho. — Não quero outro homem que finge ser uma coisa enquanto é outra.

Apolo sentiu o coração congelar.

— No início desta noite, admiti algo para mim mesma que eu vinha escondendo por muito tempo. Admiti que, embora satisfeita, não sou muito feliz. Eu me fechei, desisti até mesmo de tentar buscar a felicidade. — Um breve sorriso iluminou a expressão séria de Pamela. — Então fiz um desejo bobo... Em voz alta. Acho que eu estava desejando, na verdade, ser capaz de confiar nos meus instintos outra vez.

— E o que seus instintos lhe dizem sobre mim? — ele perguntou.

Ela inclinou a cabeça e o fitou.

— Eles me dizem que você é mesmo diferente. Nunca conheci um homem assim.

— Posso assegurar que os seus instintos estão corretos.

Ele se inclinou para beijá-la outra vez, desta vez com toda a paixão que sentia, mas, antes que seus lábios tocassem os dela, a céu se abriu, e uma chuva constante começou a cair.

Pamela soltou um gritinho e segurou a minúscula bolsa sobre a cabeça em uma tentativa inútil de se proteger.

Apolo fez uma careta e olhou ao redor. Chuva no meio de uma noite no deserto? Não importava o quanto o mundo moderno se tornara estranho, não podia haver alteração nos padrões climáticos.

Os deuses, entretanto, podiam fazê-lo. Aquela chuva era muito suspeita, pois tinha a marca da interferência dos imortais. Provavelmente era Baco, aquele infeliz, aprontando de novo.

As pessoas ao redor deles correram em direção aos edifícios e, com habilidade, Apolo guiou Pamela em meio aos mortais até a árvore mais próxima. Com um movimento quase imperceptível da mão, solidificou as folhas acima deles, transformando-as em uma massa única que os abrigou da chuva. Abraçou-a, e juntos eles ficaram observando o aguaceiro.

— Que tempo esquisito! — comentou Pamela, enxugando a água do rosto. — Pensei que quase nunca chovesse aqui. Ah!... — Franziu a testa ao olhar para os sapatos. — Acho que arruinei os meus maravilhosos Jimmy Choo!

Apolo sorriu de lado.

— Como consegue andar sobre essas lâminas?

Pamela chacoalhou um pé, analisando o sapato encharcado enquanto ele admirava a panturrilha bem-torneada.

— Andar sobre um salto dez é a marca registrada de uma mulher de verdade. — Passou a mão pelos cabelos, fazendo-os ficar ainda mais desgrenhados. — Quem iria imaginar que uma árvore tão pequena ofereceria tanta proteção? — Olhou para cima. — É como um guarda-chuva verde!

— Nem tanta assim — ele replicou, apontando para cima em um movimento rápido que fez uma ou duas gotas vazar de sua divina proteção. — Pelo menos a chuva afugentou aquela multidão.

Sem dar à árvore outro olhar, Pamela sorriu e acenou com a cabeça.

— É como se estivéssemos no nosso mundinho.

Apolo tocou uma mecha do cabelo curto.

— Pois acho que estamos, mesmo.

Em seguida, em meio ao véu de chuva e intimidade, as fontes ganharam vida mais uma vez, e a voz sexy de Faith Hill soou ao redor deles como se brotasse da água:


I don’t want another heartbreak, I don’t need another turn to cry.

I don’t want to learn the hard way, baby, hello, oh no, good-bye...


Desta vez, eles não prestaram muita atenção ao show.

— É você quem está fazendo isso? — Pamela indagou num sussurro. — Pagou a eles para tocarem essas músicas?

Apolo balançou a cabeça e emoldurou o rosto delicado com as mãos.

— Mas elas têm tudo a ver com você, não têm? É a andorinha, assim como a mulher que não quer chorar outra vez.

Pamela só pôde concordar.


This kiss, this kiss!...


Como se a música tocasse só para eles, Apolo a puxou para os braços e a beijou. Beijou-a como um homem que queria manter sua amada afastada da dor, da mágoa e da tristeza. Os lábios de Pamela se apartaram, e ela o aceitou. Conforme o fez, Apolo sentiu que algo se abria dentro dele, como se uma trava tivesse sido desbloqueada e um alçapão fosse escancarado, permitindo a entrada do que faltava para preencher sua alma.

Os braços de Pamela subiram para segurá-lo, e ele se esqueceu do monte Olimpo, esqueceu-se do Mundo Moderno dos mortais. Sua realidade se resumiu no gosto, no toque, no cheiro de Pamela.

Ela gemeu e estremeceu, e o mundo se interpôs entre eles novamente. As fontes voltaram a se apagar, e o vento e a chuva se intensificaram.

— Está gelada! — Apolo a esfregou nos braços, condenando a própria insensibilidade. Enquanto ele se deixara perder pelos encantos de Pamela, ela ficara encharcada. — Precisamos voltar. Pode ficar doente se continuar assim.

— Febo. — Ela o puxou pelo braço, mantendo-o sob a pequena árvore. — É verdade que talvez devêssemos voltar para o hotel, mas eu não estava tremendo por causa da chuva. Mesmo que eu pareça meio... — limpou uma gota de chuva que lhe escorria pela testa e sorriu — ... ensopada , não sou nenhuma florzinha de estufa. Não derreto, e amei cada segundo deste nosso beijo na chuva.

Apolo sentiu o aperto no peito se dissolver conforme seu coração reconheceu o calor no olhar dela. Não era o único que sentia aquela conexão entre eles.

E, bem lá no fundo, seus instintos lhe diziam que era aquilo o que homens e mulheres buscavam. Era aquela a dança de amor dos mortais.

— De qualquer forma, estou mesmo encharcada, e parece que essa chuva não vai melhorar tão cedo — Pamela prosseguiu, olhando o aguaceiro que os rodeava.

Apolo acompanhou seu olhar. Ele poderia, claro, impedir que as gotas os tocassem durante todo o caminho de volta ao Caesars Palace, mas não teria como explicar tal façanha.

— Quer saber? Vamos correr de volta para o Palace — decidiu Pamela, sorrindo para ele.

— Não pode correr com esses sapatos — ele lembrou, apontando-lhe os pés.

— Estamos em Las Vegas... Quer apostar? — E, sem esperar por resposta, ela disparou para o meio da chuva, gritando.

Rindo, Apolo a seguiu, permanecendo pouco atrás dela; o suficiente para que pudesse assistir os quadris redondos se movendo com graça enquanto ela corria com passos pequenos e femininos. Não se lembrava da última vez em que se sentira tão jovem ou feliz.

Nenhum deles prestou muita atenção à rua. Apolo não tirava os olhos de Pamela, e ela corria, lançando-lhe olhares por cima do ombro.

— Estou ganhando a aposta! — gritou a certa altura.

Um barulho a fez olhar para a frente, e Pamela soltou uma exclamação. A rua! Tinha se esquecido do quanto esta se encontrava próxima dela!

Tentou parar, porém o salto agulha ficou preso em uma rachadura na beira da calçada. Desequilibrando-se, ela agitou os braços na tentativa de endireitar o corpo, porém sentiu uma dor horrível e lancinante no tornozelo, tombando para a frente.

Sempre antes que coisas terríveis acontecessem , pensou Apolo, como a morte de Heitor, ou quando Ártemis perdera a paciência com Acteão, o tempo parecia diminuir de ritmo, prolongando o evento, desdobrando-se diante dele como resina de pinheiro pingando e descendo por uma tediosa trilha através da casca áspera de uma árvore .

Não foi assim com o acidente de Pamela, contudo. Tudo ao redor pareceu se acelerar com força sobre-humana. Em um instante ela sorria para ele por cima do ombro, no outro balançava perigosamente na beirada da rua, projetando-se bem na frente dos monstros de metal.

Apolo sentiu a morte pairar no ar em torno deles e não perdeu tempo sendo racional. Agiu por impulso, guiado por seu coração imortal que, de repente, se afligira com a ideia de perdê-la.

— Não! — Ele pulou na direção de Pamela com uma velocidade impossível de ser acompanhada pelos mortais. Estendeu a mão, a palma aberta, o grito causando uma explosão sônica que repeliu os carros para longe do corpo em queda de Pamela.

Ela não chegou a aterrissar no concreto molhado. Apolo não podia permitir isso.

Com sobrenatural rapidez, ele a segurou e puxou de volta para a calçada.

Pneus guincharam e ouviu-se o som de carros batendo. Buzinas cortaram a noite, mas, em meio à chuva e ao vento, ninguém pareceu notar o deus que causara tudo isso. O deus que agora se ajoelhava na calçada alagada, amparando uma mortal junto ao peito.

— Meu tornozelo... — A voz de Pamela falhou com a dor e o choque. — Acho que está quebrado!

Apolo puxou o sapato do pé delicado. Conforme o fez, sentiu através da pele o osso que havia torcido até partir e se encolheu, imaginando a dor. Rapidamente, passou a mão sobre o local, ordenando em pensamento que suas terminações nervosas cessassem a agonia de Pamela.

Quase no mesmo instante, sentiu sua respiração normalizar conforme ela relaxava. Em um movimento suave, ele a ergueu nos braços.

E o Deus da Luz avançou como um raio de sol escaldante através da chuva e dos carros destruídos.

Mais tarde, testemunhas do engavetamento bizarro na esquina da Las Vegas e Flamingo falavam de um homem alto que tinham vislumbrado em meio à chuva naquela noite. Diziam que ele carregava uma mulher, mas não podiam afirmar com certeza, pois tudo de que podiam se lembrar era da forma estranha como seus olhos cintilavam. Também não podiam dizer bem como ele era porque seu corpo parecia cercado por uma luz... como se ele brilhasse com o fogo do Sol.


Capítulo 10


— Ela precisa ser levada para o quarto! — Apolo berrou para o porteiro do hotel, o qual fitava com os olhos arregalados o espectro dourado que parecia ter surgido do nada na noite chuvosa. A aparição carregava o corpo úmido de uma pequena mulher calçando apenas um sapato.

— Os elevadores ficam ali no canto, senhor.

A confusão de Apolo diante das palavras estranhas se transformou em raiva. O que era, exatamente, um elevador?!

— Mostre-me onde fica o quarto dela ou vou esfolá-lo vivo! — rosnou, irado.

— Qual o número do quarto? — guinchou o rapaz.

— Mil cento e vinte e um — Pamela falou contra o ombro de Apolo.

Apolo olhou para o porteiro, e o rapaz assentiu, saindo em disparada à sua frente, através das portas giratórias.

O Deus da Luz apertou os dentes quando a caixa de metal em que entraram se fechou. O menino apertou um botão redondo onde se lia “11”, e este se iluminou conforme a caixa começou a se mover.

Apolo sentiu o estômago se contrair e segurou Pamela com mais força contra o corpo. Baco não explicara nada sobre aquela forma de transporte mecânica, e ele não estava gostando nem um pouco da experiência.

Por sorte, a jornada foi curta, e as portas se apartaram sem problemas.

Ele seguiu o rapaz por um corredor coberto por um tapete macio. Estatuetas decoravam nichos, e lustres pendiam do teto trabalhado.

Pararam em frente a uma porta que ostentava o número “1121” em metal dourado, e o porteiro olhou para Apolo. Apolo devolveu o olhar e o rapaz pigarreou, nervoso. Pamela entregou a pequena bolsa que ainda segurava junto ao peito ao menino.

— Está aí dentro.

Engolindo em seco, o rapaz abriu a bolsinha, extraiu dela o cartão-chave e o passou pela fechadura, abrindo a porta. Apolo entrou e bateu a porta atrás deles apenas com o pensamento.

— Devia ter dado uma gorjeta para ele — Pamela disse baixinho.

— Eu devia tê-lo esfolado, isso sim — murmurou o deus.

Hesitou na entrada da suíte, avaliando os arredores. Havia um quarto enorme com um divã, duas poltronas laterais, forradas de seda, e um imenso armário. Portas com pintura imitando mármore se encontravam semiabertas, revelando parte de uma cama gigantesca.

Decidido, ele rumou naquela direção.

Pamela gemeu quando ele a deitou em cima do grosso edredon de seda. Sentiu um arrepio no corpo e seus dentes começarem a bater.

— N-não sei por que estou d-de repente com tanto frio! — gaguejou, confusa.

Apolo sabia o porquê. Ela estava em choque. E ele não tinha curado seu tornozelo; apenas bloqueara temporariamente parte da dor.

Sentou-se na borda da cama devagar e tocou-lhe o rosto, querendo que ela relaxasse.

— Precisa descansar. Confie em mim. Vou dar um jeito nessa dor.

Ele observou conforme sua hipnótica sugestão fez as pálpebras dos olhos enormes e cor de âmbar começarem a pesar.

— Eu não... — Pamela começou, sonolenta, perdendo o fio do raciocínio em seguida. Ainda lutando contra a estranha letargia que tomara conta dela, piscou. — Estou molhada... Há toalhas ali... — Fez um gesto fraco na direção do banheiro.

— Primeiro o tornozelo.

Quando ela fechou os olhos e não mais os abriu, Apolo se ajeitou melhor na extremidade da cama.

Balançou a cabeça. Pamela se encontrava bastante ferida. Seu tornozelo estava com o dobro do tamanho normal e muito branco. Ele podia ver onde o osso se partira, fazendo que o pé delicado pendesse em um ângulo estranho.

Segurou o pé de Pamela entre as mãos e fechou os olhos, concentrando-se. Mapeou seu esqueleto mentalmente, sem pressa, revendo a posição de cada osso, músculo e nervo, e então viu a fratura.

Suas mãos começaram a se aquecer.

Que se faça a cura! , ordenou o Deus da Luz. Que todo o sofrimento seja cessado e seu bem-estar retorne , livrando-a da dor.

A intensidade do brilho entre as mãos de Apolo teria cegado Pamela caso estivesse ela consciente para testemunhar seu esplendor.

Porém, ela continuava desacordada. Dormiu durante o tempo todo em que Apolo reuniu seus vastos poderes para emendar seus ossos quebrados e pôr um fim à sua dor.

Muito mais tarde, quando ele terminou, enfim, levantou-se e foi para a pequena sala ao lado do quarto de dormir. Lá encontrou várias toalhas e um roupão branco e grosso.

Trouxe-os para junto de Pamela e hesitou. Ele poderia despi-la com facilidade, e ela não iria despertar. Estava certo disso.

O tecido molhado do vestido moldava o corpo esbelto, revelando as curvas suaves e os seios redondos. Ela era como uma terra exuberante aguardando por sua exploração...

Não . Sua mente se esquivou da ideia de ver o corpo nu sem seu consentimento ou conhecimento.

— Pamela? — chamou baixinho.

O chamado a fez despertar do transe induzido.

— Ahn?... — ela indagou, sentando-se e olhando ao redor. — O que aconteceu? Meu tornozelo... — Inclinou-se para a frente e depois parou, franzindo a testa. — Mas... ele estava péssimo, como se estivesse quebrado! Eu podia jurar que já estava inchado. Agora parece normal. — Num teste, flexionou e girou o pé em um movimento circular. — Está ótimo!

— Você só precisava descansar. Foi apenas uma entorse. — Apolo entregou-lhe uma toalha, e Pamela secou o rosto, distraída.

— Estou me sentindo uma idiota. Você me carregou até aqui, e debaixo de chuva.

— Eu sou médico. Apenas fiz meu trabalho.

Pamela o fitou. Febo estava ensopado, a camisa grudada aos músculos do peito como seda líquida, o cabelo se enrolando em gavinhas úmidas em torno da testa.

E aqueles olhos!... A letra da música de Faith Hill os descrevia com perfeição: impossíveis, irrefreáveis, inimagináveis, insondáveis.

— Pelo visto foi sorte minha tê-lo por perto. — Com um esforço, ela desviou o olhar do dele e, apanhando uma toalha, começou a secar o cabelo com mais entusiasmo do que o necessário.

Apolo a observou. Pamela estava molhada, desgrenhada; o cabelo, uma verdadeira bagunça. Tinha as roupas encharcadas e continuava apenas com um sapato, que agora manchava o edredon cor de marfim.

Sentiu o coração se apertar. Nunca se sentira tão atraído por uma mulher, mortal ou deusa, em toda a sua existência.

— É melhor eu ir embora — falou de súbito.

Pamela espiou através de uma dobra na toalha.

— Já? — Olhou para o relógio molhado que, por sorte, era à prova de água. Já passava das quatro da madrugada. — Nossa, eu não sabia que era tão tarde!... — comentou, lembrando a si mesma que Febo era um estranho e que, embora as chances de ele ser um estuprador ou um serial killer fossem mínimas — principalmente depois de ele tê-la “salvado” —, estavam sozinhos naquele quarto de hotel, no meio da noite. A situação tinha todos os ingredientes daqueles filmes baratos que nunca acabavam bem.

— Sim, já é tarde. — Ele não queria ir; por isso mesmo sua consciência lhe dizia o contrário.

— Sua irmã deve estar preocupada e se perguntando o que aconteceu com você.

Apolo empalideceu.

— Nem imagina o quanto.

Sua expressão fez Pamela sorrir.

— Ah, imagino, sim. Meu irmão costumava ficar andando de um lado para o outro e berrar comigo feito um alucinado por eu ficar fora até tarde e deixá-lo preocupado.

Ele torceu os lábios.

— Ela certamente vai querer saber o que me tomou tanto tempo.

Pamela inclinou a cabeça para o lado, num gesto que Apolo aprendera a gostar, pois já se tornara familiar.

— E o que vai dizer?

— Vou dizer que me atrasei por conta de um incidente. — Ele caminhou até ela e, com um movimento fluido, ajoelhou-se a seu lado, na cama, tocando-lhe o tornozelo com cuidado. Acariciou-o, então, deixando os dedos avançar um pouco mais, até a panturrilha, e sentiu, mais do que viu, Pamela respirar fundo. — Um delicioso e inesperado incidente...

Pamela engoliu em seco. Ela mal podia respirar quando Febo a fitava e tocava daquela maneira. Queria tanto pedir que ele não fosse embora, que passasse o restante da noite ali com ela!...

Sentiu o estômago se apertar. Não devia desejá-lo tanto, nem tão depressa. Afinal, Febo era um estranho. Um estranho lindo, sexy ... maravilhoso.

Apolo reconheceu as emoções desfilando, claras, em seu rosto. Era óbvio o que Pamela queria. Via o desejo em seus olhos. Poderia tê-la, poderia tomá-la nos braços e completar sua sedução. Era isso o que ele deveria fazer. Era o que Ártemis esperava e o que ele tinha planejado. Pamela não havia dito que desejava fazer amor ao expressar seu desejo em voz alta e completar a invocação, porém tal necessidade se encontrava patente em suas palavras. Ele a reconhecera, assim como Ártemis. Dessa forma, de modo a cumprir a invocação, ele precisava fazer amor com ela.

Mas e depois?

O súbito pensamento soprou em sua mente como uma inesperada tempestade de inverno. Talvez a invocação tivesse lançado algum tipo de feitiço sobre Pamela, e o desejo que ele via em seus olhos fosse apenas o resultado de uma poderosa magia das ninfas. Se isso fosse verdade, tão logo eles fizessem amor, o feitiço seria quebrado e ela não mais o desejaria. Deixaria de olhar para ele com aqueles olhos inteligentes, expressivos, que se tornavam da rica cor do mel quando ele despertava sua paixão terrena.

O pensamento o abalou a ponto de deixá-lo perdido e enjoado, e Apolo se pôs de pé.

— Preciso ir. Não... — Fez sinal para que Pamela continuasse na cama quando ela fez menção de se levantar. — Precisa poupar esse tornozelo. Durma com o pé elevado esta noite, e amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido.

Pamela sentiu o peito se apertar quando Febo virou-se para a porta. Ele havia dito que explicaria sua ausência para a irmã como um acidente. Estaria dizendo que o encontro deles fora isso?... Que, após aquela noite, não iriam se ver outra vez?

— Então, amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido com você, também?

Só percebeu que expressara seu pensamento em voz alta quando as palavras o detiveram. Febo se voltou, e seus brilhantes olhos azuis pareceram cintilar ainda mais. Ele levantou a mão que pouco tempo antes acariciara seu tornozelo e a exibiu para ela com a palma aberta.

— Amanhã eu ainda vou sentir sua pele contra a minha. Vou continuar com o seu gosto na boca. Amanhã o vento ainda vai trazer seu perfume até mim... Como eu poderia me esquecer?

— Então eu o verei de novo — ela concluiu, meio sem fôlego.

— Eu não ficaria longe de você nem mesmo se quisesse. E eu não quero. Estarei no nosso café outra vez, amanhã, na mesma hora em que nos encontramos esta noite. Até lá, minha doce Pamela, só vou pensar em você.

Quando Febo deixou a suíte, Pamela sentiu como se, de repente, o Sol tivesse caído do céu. Olhou para o relógio e começou a contar as horas até o momento em que o veria novamente.


Ártemis esperou no corredor escuro que se originava de uma discreta entrada de serviço do Caesars Palace. Aguardou ao lado da porta de um suposto armário que, na verdade, era o portal que conduzia a outro mundo.

Cruzou os braços e suspirou. Havia dito a Apolo que esperaria por ele no Olimpo, mas, conforme a noite minguara, fora ficando cada vez mais inquieta. Era tarde, já estava quase amanhecendo, e ela ainda sentia as amarras que a atrelavam à mortal.

Por que o Deus da Luz estava demorando tanto tempo para seduzi-la?

Um homem alto, vestido com roupas encharcadas, dobrou uma esquina e se aproximou dela. Sem pensar duas vezes, Ártemis levantou o dedo a fim de forçá-lo a fazer meia-volta e usar outra saída, mas o estranho a surpreendeu, caindo na risada.

— Seus truques não funcionam comigo, minha irmã — declarou Apolo.

Ártemis arregalou os olhos ao reconhecê-lo.

— Apolo? Pelas barbas de Zeus! O que aconteceu com você?

Ele deu de ombros e tirou a camisa molhada.

— Um acidente.

— Acidente!? Mas... e quanto aos seus planos de sedução?

— Vão bem, obrigado.

— Bem! — Ártemis quase gritou de frustração. — Como podem estar indo bem se eu ainda sinto o vínculo da invocação?

— Essas coisas levam tempo, Ártemis. Pamela não é uma cidade para ser dizimada, ou uma fortaleza a ser atacada e saqueada. É uma mortal que deseja romance.

— Sei muito bem disso. O que não entendo é por que ainda não a levou para a cama.

— Porque não é o que ela deseja verdadeiramente — respondeu Apolo.

Os olhos de Ártemis se estreitaram diante do tom estranho e contido na voz do irmão.

— Ter o Deus da Luz em sua cama não é o que ela deseja de verdade? Acho difícil de acreditar.

Apolo suspirou.

— O que diria se eu lhe dissesse que dormir com Pamela esta noite também não é o que eu desejo?

Diria que isso era mais fácil de compreender , pensou Ártemis. Ela havia imaginado que Apolo achara a mortal atraente, mas, pelo visto, ele mudara de ideia.

— Bem — ela recomeçou devagar —, isso tudo é culpa de Baco, portanto ele vai ter que dar um jeito nessa história. Talvez possa usar o mais potente de seus vinhos para induzi-la a um estado de desejo. Ele também é um deus, e suponho que já tenha seduzido mortais antes, por mais repulsivo que possa ser imaginá-lo envolvido em tal ato.

— Não! — a palavra pareceu explodir de Apolo. — Aquele infeliz não vai tocá-la!

Ártemis franziu as sobrancelhas finas, confusa.

— Apolo, seja claro! Em um momento diz que não deseja a mortal, e, no seguinte, está pronto a defendê-la de outro deus, como se fosse aquele tolo do Paris, e ela, sua Helena!

— Eu disse apenas que não queria ir para a cama com Pamela esta noite; não que eu não a deseje. A moça se feriu — ele deixou escapar quando a irmã o fitou em silêncio. — E, logicamente, eu a curei... Sem seu conhecimento — acrescentou depressa, antes que Ártemis falasse alguma coisa. — Levá-la para a cama em seguida seria abominável.

Os olhos penetrantes da deusa viram o desconforto velado no rosto de seu irmão. Apolo não estava sendo honesto. Não com ela e, talvez, nem mesmo consigo.

De qualquer forma, ela poderia afirmar, apenas pelo modo como ele cerrava o maxilar, que o deus não lhe revelaria mais nada.

— Amanhã?

Apolo assentiu com firmeza.

— Amanhã.

— Muito bem. Então vamos para o Olimpo. Creio que eu já esteja cansada do mundo mortal.

Apolo abriu a porta do armário e fez um sinal para que ela o precedesse através do portal brilhante, que cintilava com as cores de uma concha. Estava voltando para o mundo deles, contudo não tinha a menor intenção de se retirar para o Olimpo.

Assim, deu um boa-noite distraído para a irmã e se transportou para o único lugar em que, sabia, poderia encontrar ajuda.


Capítulo 11


Fora uma surpresa, tanto para Apolo como para o restante dos olímpicos, descobrir que a deusa que havia ganhado o coração supostamente frio de Hades não era uma deusa. Que Deméter trocara a alma de sua filha, Perséfone, pela de Carolina Francesca Santoro, uma mortal do mundo moderno. Deméter quisera domar sua despreocupada filha, e a troca lhe parecera uma excelente oportunidade para amadurecer Perséfone, assim como apresentara outro excelente benefício secundário: o de a empresária mortal, muito mais madura, trazer ao Submundo sua presença calma e feminina.

Já o senhor do Submundo cair de amores pela mortal disfarçada de deusa fora um desfecho inesperado.

Apesar de que, pensou Apolo, tão logo ele conhecera Carolina ou Lina, como Hades a chamava, não demorara muito a compreender por que o Deus do Submundo ficara tão apaixonado pela moça. Lina era sábia e dona de uma exuberância única que brilhava como um farol de dentro dela.

Apolo sorriu. Ele sempre se sentira atraído pela risada de Lina, e agora entendia por quê. Seu riso carregava o som de sua alma mortal na voz do corpo que ela habitara por algum tempo: o da deusa Perséfone. E, dentro dessa alma mortal, ele escutava o eco da alegria terrena de Pamela.

— Quer dizer que a mortal já o conduziu para o inferno...

— Carolina, não o perturbe. — Hades sorriu com carinho para sua alma gêmea.

— Está exibindo o seu lado sensível de novo, meu amor — provocou Lina no tom zombeteiro que apenas ela poderia usar com o Deus do Submundo.

Hades bufou.

— Não é que eu seja sensível. Simplesmente compreendo muito bem o caos que uma mortal moderna pode causar na vida de um deus...

Lina ignorou de propósito as palavras do marido e voltou a atenção para Apolo. O deus dourado tinha descartado a roupa molhada com que chegara e agora vestia uma das confortáveis vestes de seu marido. Ela e Hades, por sua vez, descansavam em seu cômodo particular e bebiam ambrosia.

Apolo os visitava com frequência desde que se tornara do conhecimento de todos que uma mortal se transformara na Rainha do Submundo; e os três haviam se tornado grandes amigos. O Deus da Luz devia estar relaxado e se sentindo em casa na companhia deles, mas, ao contrário, seus nervos pareciam estar à flor da pele. Ele não conseguia ficar sentado. Andava, inquieto, diante da imensa janela que dava para os belos jardins da parte de trás do palácio, sem prestar atenção à bela vista.

— Não sei com o que está tão preocupado. Pelo que nos disse, Pamela me parece muito interessada em você — concluiu Lina.

— É exatamente disso que não tenho certeza! É em mim que ela está interessada, ou se trata apenas desse maldito poder da invocação?

— Isso é fácil de descobrir — opinou Hades. — Basta fazer amor com Pamela. Se ela sumir da sua vista depois, era o feitiço que a atraía. Do contrário é você mesmo.

Apolo fez uma careta, sem saber por que estava tão pouco disposto a testar o carinho de Pamela. Não seria mesmo simples? Por que a ideia fazia seu estômago se contrair?

— É assustador, não é? — A voz suave de Lina interrompeu seu turbilhão interior. — Trata-se de algo que nós, mortais, conhecemos muito bem: o medo da rejeição. No entanto, para conhecer o amor verdadeiro, precisa estar disposto a se abrir para a possibilidade de ser magoado. Eu gostaria de ter uma solução menos difícil, mas não tenho.

— Então é sempre difícil assim.

Lina sorriu, compreensiva, diante da expressão sofrida do deus dourado.

Sentado a seu lado, Hades deslizou a mão para a dela e, por um momento, eles partilharam um olhar.

— Só é difícil assim quando gosta mesmo da pessoa — ela enfatizou.

O rosto de Apolo empalideceu.

— Posso me apaixonar por ela? — Ele articulou as palavras como se tivesse acabado de dar nome a uma nova praga.

Lina assentiu com um gesto de cabeça, tomando o cuidado de segurar a risada que ameaçava escapar. Pobre Apolo!... Ele estava tão arrasado!

— Receio que sim.

— Anime-se! — incitou Hades. — Amar uma mortal não é tão terrível assim.

— Que bom que disse isso — Lina emendou, travessa.

Hades apenas riu e a beijou no topo da cabeça.

— Ela não sabe quem eu sou — Apolo prosseguiu, tenso. — Pamela pensa que sou um médico e músico mortal. Talvez não seja o feitiço. Talvez ela possa se apaixonar por mim também... Mas isso não vai mudar quando ela descobrir que estou fingindo ser alguém que não sou?

— Não permita que ela fuja de você. — A voz de Hades tornou-se grave, e sua mão apertou a de Lina conforme ele se lembrava de como quase a tinha perdido por conta do próprio orgulho.

— Apolo, precisa ter certeza de que está mostrando a ela seu verdadeiro “eu” — aconselhou Lina, escolhendo cuidadosamente as palavras. — Essa é a parte mais difícil quando se ama alguém. Tem que se desnudar para que dê certo. Se conseguir fazer isso, de repente vai perceber que não é um deus, um médico ou um músico, mas apenas um homem apaixonado. E se ela corresponder ao seu amor, também vai se dar conta disso.

— E se não corresponder? — Apolo perguntou.

Lina respondeu com sinceridade:

— Se não corresponder, vai ficar magoado.

— Vale a pena arriscar — afirmou Hades, encontrando o olhar da amante. — A chance de se conhecer o verdadeiro amor vale qualquer coisa.

Em resposta, Lina lhe tocou o rosto em uma carícia suave.

Apolo observou o casal. Às vezes Lina e Hades pareciam se falar numa linguagem secreta. Eles se entendiam como se tivessem sido feitos um para o outro.

Por todos os deuses! , Hades havia mudado muito desde que Lina entrara em sua vida. Era como se amá-la tivesse descortinado um mundo novo para ele. Se uma vez o Deus da Escuridão fora ensimesmado e retraído, agora parecia em paz, até mesmo afável. Lina tinha transformado Hades em um ser mais completo.

E ele, Apolo, desejava aquela mesma completude.

— Vou dar um fim a essa história — proclamou, decidido. — Farei amor com Pamela. Se for apenas o feitiço o que a faz se sentir atraída por mim, preciso saber.

Apolo parecia disposto a aceitar o desafio, concluiu Lina.

Então seu rosto mudou mais uma vez, e ele passou a mão pela testa como se pudesse, com isso, afastar suas preocupações.

— Mas, se não é um feitiço, como faço para manter o afeto de Pamela? — Ele piscou, confuso, voltando-se para ela. — O que desejam as mortais modernas, afinal?

— Isso não é mistério nenhum, Apolo. — Lina sorriu. — Desejamos a mesma coisa que você deseja, o mesmo que Hades quer: alguém que nos ame como somos realmente, sem disfarces, sem fingimentos, sem nenhum tipo de jogo. — Ela se levantou e aproximou-se do deus dourado, colocando a mão em seu braço. — Consegue fazer isso, amigo? Não é como correr atrás de ninfas e deusas. Aliás, é bem menos encantador.

Apolo pensou sobre como o mundo tinha desaparecido quando Pamela relaxara em seus braços, e como a crescente confiança em seus olhos o fizera sentir-se mais divino do que todas as glórias do Olimpo. Em seguida, pensou no terror que experimentara ao vê-la desabar bem na frente das máquinas de metal. Se ele não tivesse usado seus poderes, Pamela teria sido esmagada, morta...

Passou a mão pela testa outra vez.

— Estou cansado de encantamentos. Acredito que prefiro o amor — falou baixinho.

— Boa escolha, querido. — Na ponta dos pés, Lina deu-lhe um rápido e fraterno beijo. — Ah... Creio que deva dizer a Pamela quem você é o mais breve possível. — Lançou um olhar de soslaio para Hades. — Acredite, é melhor partir logo para a verdade.

— Sim, sim, farei isso. — Distraído, Apolo não parecia ouvi-la. — Obrigado, meus amigos. — Ele lhe afagou a mão e, depois, se afastou dela, preparando-se para se transportar de volta a seu palácio olímpico. — Talvez eu devesse levar um presente para ela... — Suas palavras flutuaram através da câmara conforme seu corpo oscilou e, em seguida, desapareceu.

— Creio que o coração do Deus da Luz já será um bom presente — Lina murmurou, soltando um pesado suspiro.

Hades encolheu um ombro.

— Uma joia nunca foi má ideia.


Pamela acordou aos poucos. Esticou-se e, em seguida, abraçou o travesseiro, sonolenta, pensando que algo maravilhoso estava para acontecer naquele dia. Em meio ao estado de vigília e o sono, entretanto, não conseguia se lembrar muito bem do que era.

Sentia-se maravilhosa. Tinha o corpo descansado, mas, ainda assim, encontrava-se cheia de ansiedade.

Um facho de luz irrompeu por entre as cortinas de brocado que estavam quase cerradas, brincando em suas pálpebras e fazendo-a se lembrar de raios dourados de sol, de calor... e de olhos brilhantes, da cor da água-marinha.

Em seguida, ela recordou a noite anterior, beijos na chuva... Febo!

Seus olhos se abriram.

Merda! Como podia ter se esquecido? Iria encontrá-lo naquela noite, às oito horas.

Olhou para o relógio de cabeceira e sentou-se na cama. Era quase meio-dia! Ela, uma madrugadora, dormindo até a hora do almoço?...

Bem, também fora uma mulher que tinha evitado homens e romance por vários anos, e se lembrava bem de, na noite anterior, ter derretido nos braços de um estranho.

Abraçou os joelhos contra o peito, sentindo o coração bater de emoção. Não era nenhuma bruxa velha. Era jovem e estava viva! Aproveitara uma oportunidade e se dera bem. E que oportunidade!...

Um arrepio delicioso lhe percorreu o corpo conforme se lembrava de como se sentira quando Febo a envolvera nos braços. E aquela boca!... O beijo dele ficara gravado nela, desde seus lábios até os dedos dos pés.

E se ele era tão bom beijando, como não seria fazendo outras coisas?...

O telefone tocou, arrancando-a do sonho erótico.

— Olá, Ve — falou, sem olhar para o número de identificação no visor.

— Está sozinha? — Ve quis saber num calculado sussurro.

— Sim. — Pamela mordeu o lábio, e acrescentou: — Infelizmente.

— Oh-Oh . Olhe só como está a mulher!

— Ve, estou me sentindo viva outra vez! É como se eu houvesse me transformado em um deserto, e ele fosse uma chuva morna de primavera... E vou lhe dizer, estou pronta para me entregar. — Pamela suspirou, feliz.

— Está boba pelo homem.

— Completamente. Tem razão. Estou encantada, inebriada de paixão! E, caramba , como isso é bom!... Ah, deixe-me tirar isso da frente de uma vez. Preciso admitir em voz alta e sem qualquer pressão... Você estava certa — ela cantarolou, alegre.

— Espere, estou me beliscando... Sim, está doendo! Eu não estou sonhando! Claro que eu estava certa! E não está mais bêbada, está?

Pamela riu.

— Eu nunca estive assim, tão alcoolizada. Fiquei alegre apenas o suficiente para fazer o que me aconselhou. E, ah... foi maravilhoso!

— Detalhes sórdidos, por favor! Conte-me tudo.

— Fomos para as fontes do Bellagio. Primeiro eles tocaram uma música romântica de uma ópera que Febo...

— Febo? — Ve a interrompeu.

— É o nome dele. Ele é grego, romano, latino... sei lá. Sabia que Pamela significa “tudo o que é doce” na língua grega?

— Pammy, está perdendo o foco. Comece de novo. O nome dele é Febo e...?

— Ah, sim... Primeiro tocaram essa música de ópera. Ele sabia a letra e, Deus! , foi muito romântico. — Ela suspirou.

— Você já disse isso. Conte mais!

— Começou a chover e nós corremos para debaixo de uma árvore. Não vai acreditar nessa parte... Estávamos ali e... Ve, eu já disse como ele é lindo?

— Concentre-se, por favor!

— Desculpe. De qualquer forma, estávamos ali de pé e a fonte começou a jorrar de novo, com Faith Hill cantando This Kiss !

— Está brincando.

— É sério! E então aconteceu.

— Transaram ali mesmo, na rua?

— Não! Estávamos na calçada, e não transamos coisa nenhuma, apenas nos beijamos.

— Em seguida foram para o seu quarto e copularam como dois coelhinhos heterossexuais tarados?

— Não! — Pamela limpou a garganta e teve o desejo insano de sussurrar o restante da história. — Mas ele me carregou até o quarto.

— Quer dizer como Rhett e aquela gostosa da Scarlett?

— Exatamente assim. Só que eu torci o tornozelo, e estava chovendo.

— Caiu dos scarpins .

— O que prova como esse cara me tira do prumo porque, como você mesma sabe, eu poderia correr em uma pista de gelo com um salto sete! — afirmou Pamela, presunçosa.

— Ele bancou o cavaleiro numa armadura reluzente — um clichê, a propósito, que vocês, meninas hetero , adoram — e ainda não dormiu com o pobre trípode?

— Ainda não — Pamela concordou sem fôlego.

— Ainda? Entregue o restante da história!

— Temos um encontro esta noite. Tcharam!... — ela terminou com o floreio verbal.

— Não brinque...

— Brinco.

Ve, uma namoradeira contumaz, foi direto ao assunto:

— Está bem. Qual é o plano?

— Acho que poderíamos ir jantar — ponderou Pamela.

— Pammy, está em Las Vegas. Pode fazer melhor do que isso.

— Por favor, não me diga que temos que jogar primeiro...

O suspiro da outra moça foi longo e sofrido.

— Claro que não! Vegas é a Meca dos shows fabulosos. Vão assistir a algum, de preferência um bem sexy .

— É uma boa ideia, mas... Eu não deveria esperar para ver o que ele planejou?

— Pammy, sabe que eu sou sua amiga, então, por favor, não leve isso para o lado errado... Está disposta a entrar em outro relacionamento em que o homem sempre assume a liderança?

— Não! — a palavra saiu em um lampejo de raiva. — Não quero nada parecido com o que Duane e eu tivemos. Não sou mais aquela menina boba com quem ele se casou.

— Você não era boba, Pamela. Era apenas imatura e estava apaixonada. Cometeu um erro, e isso acontece com todo o mundo.

— Pois não vai acontecer comigo de novo — Pamela declarou com firmeza.

— O quê? Apaixonar-se ou ser imatura?

Pamela abriu a boca para dizer “as duas coisas”, mas depois se lembrou do azul suave dos olhos de Febo e do interesse e desejo com que ele a fitava. Também se recordou de outra coisa que tinha quase certeza de ter visto em seus olhos, em sua voz e na maneira como ele a tocara: uma busca familiar que chegara a seu coração, assim como à sua alma.

Almas gêmeas.

O pensamento pairou como o perfume das flores de primavera em sua mente.

— Eu não sou mais tão jovem — lembrou, contida. — Não há como eu me apaixonar em um fim de semana.

Vernelle riu.

— Continue a dizer isso para si mesma, Pammy.

Pamela franziu a testa.

— Preciso desligar. Tenho muito que fazer antes desta noite.

— Por exemplo...?

— Desenhar essa fonte horrorosa, de modo a ter algo para enviar aos Meninos das Fontes .

“Meninos das Fontes” era como Pamela e Ve chamavam os irmãos que possuíam um enorme atacado de fontes, o qual a Ruby Slipper usara diversas vezes para atender a pedidos contendo todos os tipos de aparato envolvendo água. — Estou aqui para trabalhar, lembra-se?

— Pensei que Faust tivesse dito para aproveitar o fim de semana e estudar o ambiente do Fórum.

— Isso não significa que eu possa ignorar o trabalho. O que me fez lembrar: vai se encontrar com a sra. Graham hoje?

— Sim, claro. A mulher dos gatos e eu temos uma reunião esta tarde. Vamos discutir a cor de suas janelas. Reze por mim.

Pamela riu.

— Vou ver se consigo encontrar uma vela para acender.

— Muito bem, já chega de falar sobre trabalho a ser feito. Devia estar à toa, não trabalhando.

— Verdade. Acho que já absorvi o suficiente desta breguice romana. Quanto antes eu começar este trabalho, mais cedo me livrarei dele.

— Fantasia e diversão, lembra-se?

— Vernelle, esta noite vou sair com um lindo estranho chamado Febo. Isso não é fantasia e diversão suficiente para você?

— Misture um pouco dessa sua arrogância com o trabalho, sem perder o senso de humor, e creio que terá a receita perfeita para ter sucesso tanto com E. D. Faust, como com Febo. Divirta-se com ambos, Pammy.

Diversão, Pamela repetiu em pensamento. Sua vida pessoal tinha definitivamente deixado de ser divertida. Era confortável, segura, mas divertida, feliz, alegre?... Não.

Seu trabalho também deixara de ser prazeroso? Ela gostava do que fazia e estava satisfeita. Mas qual fora a última vez em que havia sentido uma onda de alegria na conclusão de um projeto?... Não conseguia se lembrar.

O pensamento a fez sair do ar.

— Pammy? Ainda está aí? — Ve perguntou.

— Sim. Eu só estava pensando.

— Que tal reservar à fonte uma hora de seu tempo, depois chamar a concierge e pedir que ela providencie as entradas para um espetáculo?

— Ok, ok. Tem razão — ela anuiu.

— E amanhã eu quero um relatório completo!

— Você o terá.

— Ótimo. Bye-bye , passarinha — Ve brincou antes de desligar.

Pamela esfregou o sono dos olhos. Tomara ela tivesse algo para relatar no dia seguinte.

Antes que mudasse de ideia, discou nove para a recepção, e uma mulher de tom eficiente atendeu ao segundo toque.

— Sim, srta. Gray. Como posso ajudá-la?

— Eu gostaria de assistir a um show esta noite. — Pamela fez uma pausa e respirou fundo. — Um espetáculo erótico. Mas nada muito desagradável — completou depressa.

— Claro que não, senhora. Recomendo um show que está no hotel New York, New York. É da mesma empresa que produz o Cirque du Soleil . Já ouviu falar deles?

— Sim, eu assisti a um espetáculo do Cirque du Soleil quando eles foram a Denver.

— Excelente. Essa produção se chama Zumanity . É bem erótica, mas de muito bom gosto.

Eu mesma vi e gostei muito. Na verdade, as entradas devem estar esgotadas, mas o hotel tem acesso a alguns tickets extras.

— Perfeito. — Pamela suspirou, aliviada por tudo estar se encaixando tão facilmente.

— De quantos ingressos vai precisar?

O sorriso de Pamela telegrafou através da linha telefônica.

— De dois, por favor.


Capítulo 12


Pamela mudou o peso do corpo e sentou-se sobre os pés, concentrada em desenhar a fonte.

Ou melhor, a sua versão da fonte. Manteve a forma de trevo desta, porém diminuiu seu tamanho e ignorou as horríveis estátuas de Ártemis, Apolo e César, substituindo-as por lindas espirais que pareciam ondas, do meio das quais peixes jorravam água.

Olhou para a estátua gorducha no centro e suspirou. Não importava o quanto ela “consertasse” aquela coisa gimensa ; não havia como transformar Baco em algo aceitável. Muito menos com Eddie insistindo para que a escultura fosse animada.

Sentiu os dedos, que antes voavam sobre a página do bloco, diminuírem o ritmo. Desenhou um pedestal central, porém deixou o espaço onde o Deus do Vinho se sentava vazio. Decerto poderia convencer Eddie a aceitar algo menos... — franziu a testa para a estátua — ... menos gordo e hediondo.

Olhou para o relógio. Três e meia. Ainda tinha quatro horas e meia até o encontro.

Precisava pegar a câmera e tirar fotos das colunas, bem como fazer anotações sobre cores e texturas. Todo esse trabalho preliminar seria necessário na segunda-feira, quando ela se encontraria com Eddie na casa dele, enfim.

Deveria se concentrar na tarefa, contudo, sua mente insistia em vagar por coisas mais prazerosas. O dourado das colunas ornamentadas lembrava o brilho do cabelo de Febo. Agora que não que precisava mais se preocupar com o esboço da fonte, seus pensamentos, volta e meia, se concentravam nele. Mesmo o céu de mentira, com nuvens macias revolvendo, lembravam seus olhos.

Inferno , até aquela estátua cafona de Apolo se parecia com ele de alguma forma! Era como se Febo fosse uma daquelas luzes brilhantes que atraíam insetos, e ela, uma mariposa apaixonada!

Estava obcecada. Sabia disso. E mais do que decepcionada por perceber que, na verdade, não se importava com seu estado. Pelo contrário, sentia-se como quando lia um livro maravilhoso: como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa e desfrutando cada segundo.

Seu sorriso foi lento e muito, muito sensual. Talvez ela devesse mesmo jogar. Sentia-se, sem dúvida, com muita sorte.

Como se ecoando seus pensamentos, uma moça esbelta se aproximou da fonte, falando, excitada, com uma amiga.

— Acredita na nossa sorte? Meu Deus! Tropeçar na liquidação anual da Chanel !

Liquidação da Chanel ? Os ouvidos de Pamela se aguçaram.

— Pensei que eu fosse desmaiar quando vi o preço daquele vestido! — Carregando sacolas abarrotadas de compras, as duas mulheres passaram, rindo, por seu banco.

Pamela lançou à fonte um último olhar de desprezo e quase riu alto. Devia ser o destino... ou talvez um presente dos deuses. Ela iria comprar um novo e fabuloso vestido Chanel para usar naquela noite, iria a um show erótico com um pedaço de mau caminho , e podia até mesmo fazer sexo com ele depois!

Sentiu o estômago se apertar.

Esqueça isso, está se precipitando!

Respirou fundo.

Ora... Poderia, mesmo, ficar com Febo depois. Um bom amasso não estava fora de questão. Fechou o bloco e o guardou na pasta de couro.

Vermelho. Iria comprar um vestido vermelho que deixasse as pernas de fora. Podia até mesmo ir a uma pedicure.

Sim, iria fazer isso. Esmalte vermelho nos pés era uma necessidade numa situação daquelas.

Decidida, Pamela rumou para o paraíso da alta-costura, cantarolando baixinho.


Baco tamborilou os dedos na mesa do restaurante. As coisas não estavam indo como ele planejara.

— Traga-me outra tequila! — rosnou para uma garçonete que passava, arrependendo-se em seguida quando ela se encolheu sob o calor de sua ira e quase derrubou várias cadeiras na pressa para chegar ao balcão e fazer o pedido. Já era ruim o bastante que os jovens olímpicos o estivessem aborrecendo. Fazer que ele descarregasse sua irritação em pessoas inocentes de seu reino era inaceitável.

Afinal, aquele ainda era o seu reino.

A atendente voltou correndo para a mesa, trazendo a tequila.

— Sinto muito, eu devia ter prestado mais atenção ao senhor. Não foi minha intenção fazê-lo esperar tanto pelo seu drinque.

Baco sorriu e tocou a garçonete no braço, transmitindo-lhe uma dose de magia. No mesmo momento, o olhar aterrorizado da moça desapareceu, suas faces coraram e seus lábios se entreabriram, sedutores. Como ela podia tê-lo considerado um estranho assustador e obeso? A raiva do homem não era tão palpável, e ele não era assim, tão gordo. Era apenas grande, e ela gostava daquele tipo. De verdade.

Um estranho calor emanou dos dedos dele, fluindo por seu braço e percorrendo seu corpo. Sentiu os nervos formigarem e suas partes mais íntimas ficarem úmidas.

Fitou os olhos escuros e se inclinou para mais perto do homem, desejando que ele tirasse a mão de seu braço e a deslizasse para o meio de suas pernas...

Baco riu e acariciou a carne firme do braço da menina.

— Mais tarde, esta noite, irá à minha suíte. Apenas pense em mim, e seu desejo a levará ao quarto certo.

Apenas após ter a certeza de que seu comando fora plantado no subconsciente da moça, o deus rompeu o contato com sua pele.

A garçonete estremeceu com um intenso prazer.

— Sim! — gemeu, enlevada.

— Agora, caia fora. — Ele gesticulou, e um véu pareceu se erguer dos olhos dela.

A moça piscou e sorriu para ele, hesitante.

— Há mais alguma coisa em que eu possa servi-lo, senhor?

— Mais tarde, talvez.

Ela se afastou devagar, parecendo ainda meio atordoada.

Baco estudou com atenção as nádegas arredondadas, imaginando como seria senti-la sob ele naquela noite. Ela era deliciosa, jovem, tenra... e agora estava apaixonada. Afinal ele era um deus; podia facilmente ter certeza de sua adoração.

Mortais modernos precisavam adorá-lo. Ele estaria fazendo à jovem um favor ao adicionar a inebriante magia do vinho e da fertilidade à sua vida mundana.

No entanto, ele era o único deus que tinha o direito de usar seu poder em meio a eles. Las Vegas fora descoberta sua, portanto ELE NÃO PARTILHARIA SEU REINO! Muito menos com os gêmeos dourados. Ele sempre os desprezara por sua perfeição e sua displicente arrogância sobre tudo. Apolo e Ártemis não haviam se contentado em permanecer no Caesars Palace e em jogar ao lado dos mortais. Tinham encontrado o caminho para seu lugar predileto: a fonte do Fórum.

Sim , pensou Baco. Ele usara seu poder imortal por meio das ninfas com a intenção de chocar os gêmeos. Visara de propósito àquela mortal reprimida e a levara a beber o suficiente de seu vinho para dar sequência aos eventos que permitiriam a conclusão da invocação.

Conhecia o temperamento de Ártemis. Todos no Olimpo conheciam. E tinha certeza de que a diva iria fazer algo para impedir a evocação, principalmente quando ele usara sua caricatura de Deusa da Caça de um modo tão desrespeitoso. Agindo contra ele, aqueles dois deuses inferiores acabariam por trair a si mesmos no mundo moderno.

Que espetáculo inebriante não teria sido!

Claro que testemunhar a ira de Zeus também teria sido ótimo. Depois que as nuvens de tempestade houvessem se dissipado do Olimpo, ele, Baco, poderia ter deslizado pelo portal esquecido e, mais uma vez, ficado sozinho em sua magnífica Las Vegas para reinar sem restrições ou regras que limitassem seus desejos.

Mas nenhum dos gêmeos havia interrompido a invocação, e a mortal invocara Ártemis para cumprir seu desejo mais sincero de verdade.

E Apolo começara a cortejá-la! Ele os vira namorando pelo restante da noite. Tinha certeza de que o Deus da Luz não estava usando nenhum de seus poderes imortais para seduzir a mulher.

A raiva se avolumou dentro de Baco. Apolo nem precisava usar seus poderes e seduzir com magia. Era dono de um corpo musculoso e dourado que denotava uma beleza masculina muito acima dos padrões mortais. Não era justo que o Deus da Luz fosse tão bem-dotado!

Cerrou o maxilar. Persuadira o céu do deserto a enviar uma tempestade para arruinar o encontro daqueles dois, mas também não dera certo. Por isso cutucara a desavisada mortal, fazendo-a prender o salto na calçada. Ela devia ter ido parar no meio do tráfego, e o deus dourado ter traído sua presença na tentativa de salvá-la. Porém, Apolo conseguira frustrar o acidente que ele orquestrara sem que os mortais de Las Vegas percebessem que havia um poderoso imortal entre eles.

Aquele insuportável!

Mas ele não toleraria outro deus usurpando seu lugar.

Lembrou-se do beijo apaixonado que Apolo e a mortal tinham trocado, e da forma como este a carregara em meio à chuva, como se fosse um herói. A moça era o que mantinha o interesse do Deus da Luz em Las Vegas. Mas quem poderia adivinhar por quanto tempo ele ficaria brincando com a mortal? E se, depois que Apolo se cansasse dela, o deus descobrisse que adquirira um gosto especial pelas mulheres modernas?, questionou Baco. Afinal, ele mesmo desenvolvera tal gosto.

Engoliu um último trago da potente bebida. Não. Isso jamais aconteceria. Ele não iria suportar ver Apolo seduzindo suas mortais.

Mas como poderia se livrar do Deus da Luz? Não era tarefa fácil. Apolo, decerto, não iria trair a si próprio e se revelar uma divindade, atraindo a ira de Zeus. E nem ele nem sua irmã gêmea aparentavam estar com pressa de contar ao senhor dos deuses a respeito da invocação que ele, Baco, havia provocado. Infelizmente, era óbvio que, após ter dado início à sedução da mortal, Apolo parecia, de fato, estar se divertindo.

Baco apertou os dentes. Só podia culpar a si próprio por aquilo, portanto era problema seu descobrir uma maneira de neutralizar o gosto que o Deus da Luz adquirira por Las Vegas.

Queria gritar de raiva. Como Apolo podia não desfrutar Vegas? A cidade era um verdadeiro playground para os deuses, e o outro tinha o poder de dar vida à sua magia, assim como ele.

O desprezo desenhou um sorriso de escárnio no rosto do Deus do Vinho. Ele gostaria muito de ver o Deus da Luz sobreviver em Las Vegas sem seus poderes sobrenaturais. Apolo seria como uma criança perdida em uma floresta escura. Julgava-se superior a ele, Baco, mas não conhecia nada do mundo dos mortais modernos. Não possuía as mesmas reservas de dinheiro nem as suítes de luxo, muito menos o vasto conhecimento de como manipular os mortais a seu bel-prazer.

De repente, Baco endireitou-se sobre o assento que mal lhe comportava o corpo. Era isso! Se ele conseguisse um modo de fazer Apolo perder o fechamento do portal na noite seguinte, o grande Deus da Luz ficaria aprisionado no mundo mortal por um período de cinco dias, sem nenhum de seus formidáveis poderes. Ficaria fraco, desamparado... miserável. Quando o portal fosse reaberto, ficaria feliz em partir para o Olimpo e nunca mais voltar.

E seria apenas uma questão de tempo antes que a antipatia do Deus da Luz por Las Vegas se alastrasse pelo restante daqueles esnobes olímpicos.

Ele faria isso, decidiu Baco, sorrindo com horrível malícia. Apolo ficaria preso em Las Vegas sem nenhum poder.


Capítulo 13


— As roupas são mesmo muito estranhas, senhor, mas ainda o consideramos bastante atraente com elas — declarou a ninfa loira em uma voz melodiosa e sedutora.

O restante do grupo de divindades que se reunira em torno de Apolo após ele ter saído do closet murmurou sua concordância.

Apolo estudou o próprio reflexo no enorme espelho com moldura entalhada. Na noite anterior estivera tão distraído, após deixar Pamela, que havia se esquecido de recuperar as próprias roupas na loja de Armani.

Naquela manhã, seu encontro com Pamela fora a primeira coisa a lhe vir à cabeça e, por consequência, tinham surgido as dúvidas quanto ao que ele deveria usar e aonde poderiam ir. Seu traje moderno fora arruinado pela chuva, e Apolo se perguntou, ao inspecionar a camisa amarrotada, como os mortais daqueles tempos faziam para atender à constante necessidade de novas roupas.

Ao menos aquilo explicava a proliferação de lojas oferecendo todos os tipos de vestimenta. Devia-se perder muito tempo tentando se trajar devidamente no Reino de Las Vegas.

Ele era um deus, contudo. Não queria desperdiçar tempo adquirindo uma quantidade interminável de roupas. Por isso fizera o que muitos dos imortais faziam: enviara ninfas para comprá-las por ele.

Tirou um fiapo da manga da camisa creme que era do mesmo estilo da que ele estragara na chuva, mas que possuía linhas azuis quase imperceptíveis trabalhadas no tecido. As calças eram feitas de um linho de qualidade, num tom mais escuro do que a camisa.

Era sempre sábio evocar o auxílio de ninfas em se tratando de cores e estética. Os tons sutis que elas tinham escolhido pareciam os dos primeiros raios de sol mesclados com o azul e coral do amanhecer.

— Fizeram uma excelente escolha. — Sorriu para as ninfas, que sorriram de volta e se alvoroçaram em seu louvor.

A mais ousada do grupo, uma dríade de cabelos castanhos com quem ele se lembrava de ter tido um caso apaixonado vários séculos antes, chegou mais perto. Jogou os cabelos compridos até a cintura para trás, exibindo o corpo sob a túnica diáfana e quase inexistente.

Conforme os olhos de Apolo se voltaram naturalmente para os mamilos escuros, estes se contraíram em uma resposta instantânea.

— Por que não fica conosco, Deus da Luz? — ela ronronou, correndo as mãos pelo próprio corpo. — Podemos entretê-lo muito melhor do que qualquer mortal.

— Sim — concordou outra ninfa, aproximando-se. — E não vai precisar usar nenhuma roupa para o que estamos oferecendo...

As outras divindades riram, sedutoras, e se puseram a dançar de improviso em torno de seu deus favorito. Sorriam num claro convite, fascinando-o com sua estonteante beleza e sensualidade.

Apolo as observou, divertido e lisonjeado pela demonstração de carinho. Ele sempre fora muito querido pelas pequenas semideusas. Elas eram como flores lindas e eróticas que ele poderia colher sempre que quisesse, e cujo néctar podia apreciar a qualquer momento.

Mas, desta vez, não ficou tentado a provar dos seus encantos. Se as ninfas eram como flores, Pamela era como a Terra — fértil e sensual. E o que ele mais desejava no momento era mergulhar em sua exuberância.

— Talvez em outra hora, minhas queridas.

— Vão embora!... — Uma voz forte, a versão feminina da sua própria, veio da porta. — O Deus da Luz vai estar ocupado esta noite.

As ninfas desapareceram da sala, lançando olhares nervosos na direção de Ártemis.

— Não precisava ofendê-las — ralhou Apolo, passando os dedos pelo cabelo.

— Digamos que eu esteja um pouco aborrecida, e que tenha coisas mais importantes na cabeça do que esse seu afeto por ninfas... Por exemplo, estou me sentindo acorrentada a uma mortal de um modo que até Prometeu iria achar difícil suportar!

Apolo riu.

— Não pode ser tão ruim assim.

O rosto de sua irmã permaneceu tenso e sério.

— Sinto o peso da vontade e do desejo de Pamela, e ambos são consideráveis.

As palavras fizeram cessar o riso de Apolo.

— Aconteceu alguma coisa com Pamela? Ela está bem?

— A tolinha está ótima. Está apenas cheia de desejo e expectativa. Chega a ser opressivo.

— Pamela não é nenhuma tola — contestou Apolo após o enorme alívio que o inundou. Então ela estava segura. Não havia nada de errado com ela... além de um forte desejo por ele.

— Espero que esse sorriso ridículo no seu rosto seja porque vai levar a mortal para a cama esta noite e me livrará do fardo de sua invocação.

— É a minha intenção — ele concordou, e não se preocupou em parar de sorrir. Por tudo o que era sagrado, estava feliz!

— Fico muito contente em ouvir isso. — Ártemis lançou-lhe um olhar de enfado.

Apolo deu o braço à irmã enquanto caminhavam em direção ao Salão Nobre do Olimpo e ao portal para o Mundo Moderno.

— Eu já disse “obrigado” por me fazer visitar o Reino de Las Vegas com você?

— Eu nunca pretendi que isso tudo acontecesse — contrapôs Ártemis, porém teve que retribuir o sorriso do irmão. — Embora eu tenha pressentido que precisava de um pouco de diversão.

Apolo permaneceu em silêncio até ficarem frente a frente com o portal. Então fitou a deusa com uma expressão no olhar que Ártemis não conseguiu definir.

— Acredito que tenha me proporcionado muito mais do que uma simples diversão, irmã.

— Basta se certificar de que estarei livre em breve — ela proclamou, escondendo o leve mal-estar que o comportamento estranho de Apolo lhe despertava.

— Não se aflija, Ártemis — ele pediu, a voz e o corpo se desvanecendo conforme passava através do portal.

Ártemis o observou partir, a testa enrugada pela preocupação.

Suspirou, desgostosa. Teria que tomar conta de Apolo. Definitivamente, ele estava com a cabeça nas nuvens. Precisaria de um empurrão para fazer o que deveria ser feito. Balançou a cabeça e olhou para o portal. Às vezes ela não compreendia o irmão.


Pamela não o tinha visto ainda, e Apolo ficou à sombra da grande coluna de propósito, de modo a poder devorá-la com os olhos. Ela se encontrava sentada à mesma mesa em que estivera na noite anterior, tomando um gole de vinho da taça de cristal.

E estava magnífica. Seu vestido era de um tom rico de vermelho que combinava com o cabelo escuro e a pele clara. O modelo era simples e elegante: sem mangas e feito de um tecido leve que abraçava seu corpo como uma segunda pele, deixando parte da perna longa e sedutora exposta.

Ele sorriu e balançou a cabeça. Pamela calçava aqueles sapatos outra vez. Não o mesmo par da noite anterior, claro. Os que ela escolhera para se equilibrar naquela noite eram sandálias douradas que pareciam encarapitadas em adagas. Mal podia esperar para ver o que andar sobre elas faria para aquelas pernas e nádegas bem-feitas...

Sentiu as entranhas se revolverem e pesarem enquanto a observava. Tinha vontade de pegá-la e carregá-la para longe da multidão, direto para o quarto, onde poderia lhe mostrar o que era ser amada por um deus.

Deu meio passo em sua direção e então se deteve.

Não. Não queria apenas violá-la. Queria mais, e, para que pudesse ter mais, Pamela precisava conhecê-lo. Precisava saber quem ele era. Se ela fora enfeitiçada pelo ritual de invocação ou não, se tudo o que existia entre eles era sexo, sua relação com Pamela seguiria o rumo das que tivera com todas as suas outras amantes: eles iriam se separar tão logo seus corpos estivessem saciados.

Apolo pensou em Hades, em Lina e na alegria que eles haviam encontrado juntos. Queria ser feliz também, e nunca iria encontrar a felicidade se a luxúria fosse seu único objetivo.

Saiu das sombras em que estivera se escondendo, movendo-se na direção de sua futura amante com passos fortes e decididos. Percebeu o instante em que ela o viu. Seus olhos se arregalaram de leve, e sua boca deliciosa se curvou em um sorriso doce de boas-vindas.

O coração de Apolo disparou. O que Pamela o fazia sentir além daquela expectativa e desejo insanos? Nervosismo?... Aquela pequena mortal moderna conseguia deixar o Deus da Luz nervoso!

Conforme Febo chegou mais perto dela, Pamela sentiu uma onda de tensão e excitação. Estava mais do que feliz por ter comprado o vestido Chanel novo e, naquele momento, nem se importou mais que este não fosse da liquidação. Ao menos tinha certeza de que estava bem.

Agora, tudo com o que precisava se preocupar era em não abrir a boca e ficar gaguejando como uma idiota.

Os olhos dele pareciam ainda mais lindos do que ela se lembrava. Eram como os de Paul Newman multiplicados por cinco!

E, nossa , Febo era alto!... Tão deliciosamente alto.

— Boa noite, doce Pamela. — Apolo pegou sua mão e a levou aos lábios, fazendo que estes permanecessem em contato com a pele macia por mais tempo do que o necessário, porém não o suficiente para fazê-la sentir-se desconfortável.

Ficou satisfeito ao vê-la corar em resposta. Ele podia ser inexperiente em se apaixonar, mas o Deus da Luz não era inexperiente em seduzir.

— Está tão linda que alguém deveria pintar um retrato seu, ou então escrever um poema em homenagem a essa sua graciosidade.

— Obrigada... acho — ela agradeceu, tentando recuperar o equilíbrio. — Quero dizer, se “graciosidade” é um elogio.

— Claro que é. — Ele ainda segurava a mão dela.

— Obrigada. Agora para valer.

— De nada. — Relutante, Apolo soltou-lhe a mão e sentou-se a seu lado. — Não saiu dos meus pensamentos hoje, Pamela. — Deixou o olhar deslizar pelo rosto perfeito, depois pelo restante do corpo esbelto até as longas pernas que ela cruzara de lado, exibindo a pele perfeita. — Seu tornozelo deve estar recuperado se esta noite decidiu se equilibrar de novo nessas lâminas.

Ela sorriu e moveu o pé.

— Está perfeito. E não estou calçando “lâminas”. São meus sapatos novos, da última coleção Prada, que me custaram uma fortuna. Fiquei apaixonada por eles, então não tive escolha senão levá-los para casa comigo.

— Sapatos de sorte — ele replicou com voz rouca, antes de se curvar e lhe segurar o tornozelo. Passou o polegar por toda a sua extensão, enquanto sentia os ossos e tendões que havia curado na noite anterior, a fim de se certificar de que tudo estava bem.

Mas foi difícil para ele se concentrar na cura. O tornozelo de Pamela estava muito sensual no pequeno sapato, e ela pintara as unhas com um vermelho brilhante que combinava com o vestido, o que tornava os pés semidescalços indescritivelmente sexy .

Pamela sentiu o calor do toque viajar do tornozelo até as coxas, indo parar, inebriante, na boca do estômago, tal qual um uísque caro. Ficou desapontada quando Febo soltou seu pé.

Apolo fez sinal para que o servo lhe trouxesse uma taça de vinho antes de voltar a atenção para ela de novo.

— Já sabe o que fiz hoje: pensei em você. Agora me diga o que fez aqui, em Las Vegas, já que o tempo demorou a passar até que pudéssemos nos encontrar outra vez.

Maravilha , ela pensou. A conversa tinha começado bem. Eles precisavam conversar porque ela necessitava de tempo, e de jogar conversa fora, a fim de manter os hormônios sob controle.

Por favor, por favor, por favor!... Não me deixe falar nenhuma besteira!

— Primeiro fiz algo que quase nunca faço: dormi até tarde.

Ele levantou uma sobrancelha dourada, divertido.

— Sou, decididamente, uma madrugadora. Costumo levantar a tempo de beber uma xícara de café enquanto vejo o lindo nascer do sol no Colorado.

— Gosta do amanhecer?

— Adoro! — Ela sorriu, relaxando diante do assunto familiar. — Na verdade, o nascer do sol é um dos meus momentos favoritos.

A resposta veio do fundo da alma de Pamela e, de repente, Apolo desejou se abrir, dizer quem era e compartilhar seu mundo e sua vida com ela. Pamela adorava ver o sol nascer. Não era razoável supor que poderia adorar o Deus da Luz?...

Ele abriu a boca para lhe dizer seu verdadeiro nome, contudo seu lado mais racional freou o impulso. Não queria que ela o adorasse como a um deus. Queria que ela se apaixonasse por Febo, o homem dentro de Apolo.

Ainda assim, mal pôde mascarar o intenso desejo que lhe permeou a voz:

— O amanhecer também é muito importante para mim. Talvez, em breve, você e eu possamos ver o sol subindo no céu juntos...

Pamela corou e não soube o que dizer. Não pôde nem mesmo gaguejar.

Droga , aquilo era muito mais do que apenas estar sem prática em termos de namoro e paquera! Febo a deixava sem fôlego. Ela queria... queria...

Maldição dos infernos! Queria tantas coisas quando ele a fitava daquela maneira!

Mas também desejara tantas coisas quando conhecera Duane. Ele parecera deter a chave de sua felicidade e, no fim, a realidade mostrara que a única coisa que o ex-marido tinha nas mãos eram os cordames emocionais com os quais ele pretendia mantê-la sob controle, sufocar seu espírito e a transformá-la em algo que ela não era: seu ideal de uma mulher perfeita. E ela ainda podia sentir as feridas causadas pelos cordames daquele relacionamento sufocante.

Portanto o melhor era ir com calma. Precisava ir devagar com Febo. Ele parecia maravilhoso, porém sua intuição lhe gritava que as coisas quase nunca eram o que aparentavam. Divertir-se naquele fim de semana era uma coisa. Emaranhar-se nos fios de outro relacionamento era outra.

Apolo leu o conflito nos olhos expressivos de Pamela e, em seguida, percebeu o modo como ela se esquivou.

E isso doeu nele mais do que poderia imaginar.

Mas não pretendia desistir tão facilmente, e seu sorriso foi quente e aberto.

— Bem — falou, como se não houvesse tido seu convite ignorado —, agrada-me saber que ambos gostamos do nascer do sol. Mas você disse que dormiu demais, então perdeu o amanhecer hoje. O que mais aconteceu no seu dia?

Pamela encontrou seus olhos. Eles eram tão calorosos e tão azuis!... Faziam que se lembrasse do céu de verão sobre o mar Mediterrâneo.

Inferno! Estava fazendo de novo: deixando-se encantar pela boa aparência de Febo como uma m... de adolescente!

— Pamela?

— Ah, desculpe. — Ela tomou um gole do vinho. — Eu estava divagando. Às vezes me falta concentração. Não com o meu trabalho — emendou, apressada. — Nesse ponto sou bastante focada. Aliás, como nesta tarde... Comecei a esboçar a minha versão dessa fonte horrível. Imaginei que tivesse ficado lá por uns vinte minutos, mas, quando fiz uma pausa e olhei no relógio, duas horas tinham se passado! — Pamela parou de falar e estreitou os olhos. — Fiz isso de novo, não foi?

— Isso o quê?

— Perder o foco, trocar os assuntos... — ... Falar bobagem , completou em pensamento.

— Com certeza.

— Desculpe, Febo.

Apolo sorriu. Ele gostava do raciocínio brilhante de Pamela, das expressões que desfilavam por seu rosto, principalmente quando ela falava sobre trabalho. Pamela não agia com interesses escusos, tentando seduzir o Deus da Luz, nem se mostrava como uma donzela deslumbrada com seus poderes imortais. Ela era real. Suas reações eram genuínas e honestas... Um afrodisíaco que ele jamais poderia ter imaginado.

— Eu não me importo. Gosto de ouvi-la divagando.

— Nossa, que estranho. — Ela fez uma pausa, tentando ver se ele estava sendo sarcástico ou zombeteiro. — A maioria dos homens acha isso aborrecido.

— Verdade? — Ele balançou a cabeça. — Acho que eu já disse antes: muitas vezes os homens são uns tolos.

— E eu já concordei com você nesse ponto!

Sorriram um para o outro.

Num impulso, Pamela ergueu a taça.

— A um homem que não é bobo.

— Aí está um brinde ao qual tenho o prazer de me juntar. — Ele riu e tocou a taça com a dele. — Agora me fale sobre esse esboço que fez. É artista também? Ou é como entender de arquitetura, algo essencial para que desempenhe bem o seu trabalho?

A pergunta a agradou. Mostrava que Febo a tinha escutado no dia anterior. Assim como a agradou a atenção com que ele esperou pela resposta.

— Gosto de desenhar, e sou bem razoável com aquarelas; mas não sou boa o suficiente para ser considerada uma artista. Mas está certo... É como ter que compreender os rudimentos da arquitetura no meu trabalho. Também é importante que eu seja competente em artes a fim de que eu possa criar maquetes para carpinteiros ou estofadores, ou até mesmo para escultores, de modo que eles possam ter uma ideia concreta do que meus clientes querem.

Apolo levantou ambas as sobrancelhas devagar, e seu olhar se voltou para a horrorosa fonte no pátio à sua frente.

Pamela acompanhou seu olhar, deu um longo e dolorido suspiro e balançou a cabeça.

— É isso mesmo, você adivinhou. Esse cliente, em particular, quer uma reprodução dessa coisa no pátio de sua casa de veraneio.

— Tem certeza de que compreendeu bem o que ele quer? — Apolo fitou o monólito jorrando, os olhos se fixando na reprodução medonha dele mesmo.

— Infelizmente, sim. Na verdade, o que eu estava tentando fazer hoje era chegar a uma solução de mais bom gosto, porém ele insiste que eu mantenha Baco como o centro da estátua. — Pamela estremeceu. — Vou ter que descobrir uma forma de fazê-lo mudar de ideia. Pelo menos consegui me livrar dessas duas esculturas laterais terríveis.

Apolo lançou-lhe um breve olhar.

— Quer dizer as estátuas de César, Ártemis e... — Sua voz vacilou antes de seu próprio nome.

— Apolo — completou Pamela. — Aquele com a cabeça grande e a harpa é, supostamente, o Deus do Sol.

Ele teve o cuidado de manter a expressão neutra.

— Na verdade, Apolo é chamado mais de Deus da Luz, e o instrumento que carrega é uma lira, não uma harpa.

— Ah — disse Pamela, estudando a estátua. — Eu não sabia que existia essa diferença. Mas você é músico, não é?... Tudo o que sei é que a lira fica verde-néon quando aquela coisa horrível se movimenta.

— Sim. — Ele tentou não fazer uma careta. — Foi o que ouvi dizer.

— Eu não sabia que Apolo era chamado de Deus da Luz. Pensei que fosse apenas o Deus do Sol. — comentou Pamela, com os olhos ainda voltados para a estátua.

— Essa é a forma como os romanos insistiam em chamá-lo. Para os gregos, ele sempre será o seu Deus da Luz, da medicina, da música, da poesia e da verdade.

— Da verdade?

— Sim, a verdade era muito importante para Apolo. Ele era um dos poucos olímpicos que consideravam a dissimulação e o subterfúgio uma ofensa.

— Eu não fazia ideia. Pensei que todos os deuses mitológicos fossem impulsivos e interesseiros. Lembro-me de um dos meus professores de Inglês descrevendo-os como playboys e mulherengos.

Apolo pigarreou e se moveu na cadeira, pouco à vontade.

— Os deuses são... eram muito apaixonados; e a paixão pode, por vezes, levar a atitudes impulsivas e interesseiras. Além disso, deve se lembrar de que no Mundo Antigo era considerado um privilégio para uma mulher ser amada por um deus. Particularmente pelo Deus da Luz.

— Quer dizer que o fato de Apolo dizer a verdade não significava que ele fosse fiel.

Apolo franziu a testa e não soube o que dizer. Queria se defender, mas não tinha como.

Pamela estava certa. Ele sempre fora verdadeiro, mas nunca fiel. Nunca havia tido qualquer desejo de ser fiel.

— Por acaso mitologia é um dos seus hobbies ?

— Pode-se dizer que é mais uma paixão do que um hobby — ele corrigiu com um leve sorriso. — Entendo o suficiente sobre o assunto para lhe garantir que a lira do Deus da Luz não ficava verde quando ele a tocava, e sua cabeça não era tão grande.

Pamela sorriu.

— Fico feliz em ouvir isso. Não imagino como ele poderia ser mulherengo com essa aparência!

— Sabia que alguns textos antigos relatam que Apolo encontrou o amor? — ele falou depressa, antes que o bom-senso lhe chegasse à voz. — E que, depois, ele foi fiel à sua amada?

— Eu não fazia ideia. Quem era ela? Alguma deusa fabulosa?

— Não, ele encontrou sua companheira de alma em uma mortal.

— Uma mortal?... — Pamela bufou. — Acho que é por isso que chamam isso de mitologia. Não imagino que uma mortal seria estúpida o bastante para se arriscar a amar um deus.

Apolo sentiu o peito se apertar.

— Mas, pense bem: ela se arriscou e conquistou sua alma gêmea.

O sorriso de Pamela foi lento e doce.

— Você é mesmo um romântico.

— Sim! — ele concordou com mais ênfase do que pretendia e teve de parar e tomar fôlego a fim de controlar as próprias emoções. — Mas não fui sempre assim. Na verdade, tenho agido muito como Apolo: satisfazendo-me em encontrar o amor onde é conveniente ou agradável, para depois nem pensar mais nele. Entretanto, sinto que estou mudando. — Ele deu de ombros e baixou a voz. — Talvez por isso eu compreenda tão bem as histórias em torno do Deus da Luz.

Pamela estudou a taça de vinho em silêncio. Não sabia o que dizer. Sentia-se definitivamente atraída por Febo, e o que ele dizia tocava seu coração. Febo parecia tão aberto e honesto!... Mas estava com medo. Pensar em ter uma aventura de fim de semana a deixava nervosa e confusa. Pensar em começar um relacionamento a aterrorizava.

Olhou para o rosto bonito e viu que ele a fitava, atento. Respirou fundo, mas, em vez de lançar mão de alguma piada improvisada sobre românticos ex-playboys, ouviu a verdade brotando:

— Estou divorciada. Tive um casamento ruim. Não... apague isso. Tive um casamento terrível. E não namorei mais desde então. Está sendo honesto comigo, portanto preciso ser honesta com você. Apenas pensar na possibilidade de um novo relacionamento me assusta. Não creio que eu esteja pronta para qualquer coisa além de... — Ela hesitou, não querendo soar como uma vagabunda ou uma idiota.

— Precisa superar o que aconteceu — interveio Apolo diante de sua hesitação.

— Verdade — Pamela concordou, agradecida por ele ter colocado em palavras o que ela não conseguira dizer.

— E vai superar, doce Pamela.

— Obrigada pela compreensão — ela murmurou, apoiando a mão sobre a dele. — Eu sei que parece loucura, afinal eu só o conheço há dois dias... Mas há algo em você que me faz sentir como se compreendesse o que quero dizer.

— É verdade, doce Pamela. E não tem ideia de como é raro duas pessoas encontrarem essa conexão. — Ele tinha vivido eras, literalmente, sem aquele tipo de coisa.

Pamela passou o polegar pela mão morena e se perdeu no azul espetacular dos olhos de Febo.

— Acho que posso imaginar.

O nó que se formara no peito de Apolo de repente se soltou. Pamela não resistia à ideia de se entregar ao amor; ela havia sido magoada. Muito magoada. Precisava se curar, e aquilo era algo que Apolo, o Deus da Luz, poderia fazer por ela.

— Eu lhe trouxe algo esta noite. Acho que agora é o momento perfeito para presenteá-la com isto... — Enfiou a mão no bolso e tirou dele uma delicada corrente dourada. Ergueu-a, de modo a permitir que a luz ilumi nasse a pequena medalha emoldurada por um estreito círculo dourado que pendia do fio. Em uma das faces, via-se o forte perfil de um deus grego.

— Nossa, que linda!... — suspirou Pamela. A moeda era de ouro, porém não era uma medalha comum. Seu formato era irregular, como se o círculo houvesse sido forjado, o que a fazia parecer muito antiga. — Mas não posso aceitá-la. Deve ser caríssima.

— Posso lhe assegurar que não me custou nada. Eu a tenho há muito tempo. Por favor, eu ficaria muito feliz se ficasse com ela. Afinal de contas, estivemos conversando sobre o deus que está representado na medalha.

— Verdade? Este é Apolo? — Intrigada, Pamela se inclinou para segurar a peça de ouro nas mãos, e estudou o bonito perfil.

— Garanto que a semelhança com o deus é maior do que a da estátua da fonte — afirmou Apolo, irônico.

— Engraçado. — Pamela olhou da medalha para Febo. — Ele se parece com você. Quero dizer, não exatamente... Mas o perfil é semelhante.

— Isso sim é um elogio. — O sorriso dele se alargou. — Pelo menos enquanto não diz que eu me assemelho àquela estátua também. — Ele apontou com o queixo na direção do Apolo cabeçudo da fonte.

— Não! — Pamela riu. — Não se parece nem um pouco com essa estátua.

Ele riu, apreciando a ironia da situação.

— Se usar a medalha, pode pensar em Apolo como seu deus particular — incitou. — Apolo poderia ser seu talismã. Talvez o Deus da Luz a ajude a resolver os problemas que vem tendo com o pedido incomum do seu cliente.

Pamela olhou da moeda para Febo, pronta a dizer “não, obrigada”, mas hesitou. Era assim tão errado aceitar um presente de um homem bonito? Gostava dele, e ele gostava dela.

Verdade que ela não acreditava nem por um instante que aquilo não havia custado nada a Febo. Mas ele era médico, devia ter condições para comprá-lo.

O fato de eles terem acabado de falar sobre Apolo, o deus que supostamente se apaixonara por uma mortal, era uma coincidência interessante. Mas também era muito tolo e romântico de sua parte e...

— Obrigada, Febo. Eu aceito.

Antes que Pamela mudasse de ideia, Apolo se levantou e se postou atrás dela, de modo a prender a joia em torno de seu pescoço longo e esguio. Primeiro, porém, segurou o talismã na palma da mão e concentrou seus vastos poderes de imortal na pequena peça de ouro.

— Que isto possa lhe trazer tudo o que Apolo representa: luz e verdade, música e poesia, e, acima de tudo, a cura. — Em seguida, colocou a corrente dourada em seu pescoço.

— Lindas palavras. — Pamela o fitou, tocando a medalha. E pôde jurar que a sentiu se aquecer em contato com seu corpo.

Apolo sorriu e se inclinou para roçar os lábios nos dela. Não tinha a intenção de que o beijo fosse mais do que uma breve demonstração de afeto; contudo, Pamela entreabriu a boca sob a dele e uma de suas mãos subiu para tocá-lo no peito.

No mesmo momento, Apolo aprofundou o beijo. A boca de Pamela era doce e macia, e ele queria provar mais dela. Queria prová-la inteira. Queria...

Alguém limpou a garganta.

— Com licença?

A voz do garçom rompeu a onda de luxúria que o envolvera, e o deus praticamente rosnou para o infeliz servo, que recuou e se desculpou:

— Perdão, senhor. É que está meio lotado aqui, e eu estava tentando contornar a mesa.

— Encontre outro caminho, ora! — explodiu Apolo.

O servo balançou a cabeça e se retirou, apressado.

Quando ele se voltou para Pamela, seu rosto estava em chamas.

Ela o cobriu com ambas as mãos.

— Não acredito que estou namorando em público. Sou uma mulher adulta!

— Então vamos a algum lugar mais sossegado — ele murmurou, acariciando-a em uma das mãos.

Pamela abriu a boca e olhou para ele. Resmungou algo incompreensível, depois fechou a boca e olhou para o relógio.

— Maldição dos infernos! — exclamou, frustrada.

— O que foi?

— São quase nove horas. — Ela apanhou a bolsinha dourada e se levantou da mesa. — Ah, Deus... Eu me esqueci! Qual o caminho para a entrada do Caesars Palace?

Apolo apontou na direção correta, perguntando-se o que havia de errado com Pamela. Ela começou a caminhar, apressada, depois parou, respirou fundo e voltou para onde ele continuava parado. Correu a mão pelo cabelo curto, nervosa.

— Desculpe. É que foi tão estranho eu beijá-lo assim, na frente de todo o mundo!... — Ela corou de novo enquanto se lembrava de como tivera vontade de devorá-lo e corresponder à sua paixão. — Isso me assustou. Então, de repente, eu me lembrei de que consegui dois lugares em um show cujas entradas já estavam esgotadas, e que começa em... — Olhou para o relógio novamente — ... quinze minutos! Por isso saí correndo sozinha, feito uma idiota. — Que coisa mais sem sentido!, acrescentou para si mesma em silêncio.

— Um show? — perguntou Apolo.

— Sim, chama-se Zumanity . Ouvi dizer que é erótico... mas de muito bom gosto. — Pamela desviou o olhar, tímida. — É do mesmo pessoal que faz o Cirque du Soleil .

Quando voltou a fitá-lo nos olhos, estes sorriam.

— Um circo erótico do sol? Fascinante. — Apolo pegou a mão dela e a prendeu no braço. — É melhor nos apressarmos.


Capítulo 14


Apolo não conseguia acreditar que os artistas de Zumanity eram mortais. As mulheres se moviam com a graça e a sedução das ninfas. Os homens eram todos belos de corpo e de rosto.

E a música!... A música era etérea; o cenário perfeito para o desfile de sensualidade feito sobre o palco e acima deste.

Ele e Pamela haviam sido calmamente conduzidos a um balcão particular para se acomodarem em um luxuoso sofá estofado, que parecia uma chaise longue . O show já tivera início. No meio do palco arredondado via-se um vidro enorme, como se fosse uma taça de vinho cheia de água; dentro do vidro, duas jovens mulheres vestiam quase nada: apenas tangas da cor da pele. Ao ritmo da música sedutora, as moças executavam uma dança de sedução inocente, personificando o despertar da paixão e do desejo femininos.

Embora o deus dourado estivesse muito mais interessado na mulher a seu lado, seu corpo agitou-se em resposta. Ele olhou de soslaio para Pamela, avaliando sua reação, e viu que ela assistia a tudo com os olhos muito abertos e redondos. Quando a cena acabou, aplaudiu com entusiasmo.

Ao desviar o olhar do palco e perceber Apolo olhando para ela, as faces já coradas de Pamela ficaram ainda mais cor-de-rosa.

— Gostou das meninas? — ele indagou num sussurro, assim que o palco escureceu por algum tempo.

— Gostei. Quero dizer, não sou lésbica, mas elas eram muito bonitas — explicou Pamela meio ofegante, o riso saindo como um sensual ronronar. Precisava se lembrar de dizer a Ve que compreendia sua atração pelas mulheres enfim.

Apolo se inclinou para ela, atraído por sua inusitada reação ao espetáculo.

— Não há nada de errado em apreciar a beleza do corpo de uma mulher. Teria de ser de pedra para não se sentir abalada por aquelas duas.

Pamela estava prestes a sussurrar de volta que nem de longe era feita de pedra, quando os holofotes iluminaram o palco de novo e a plateia se calou. Desta vez, um homem absurdamente musculoso, de pele negra e aveludada, surgiu no cenário por meio de um alçapão, no chão. Ele também não usava quase nada. Movimentou-se ao ritmo da música conforme era cercado por uma mulher tão loira como ele era escuro, e que estava vestida com várias camadas de um tecido diáfano. Os dois se encontraram no centro do palco e começaram a executar uma versão erótica da cena do balé de Romeu e Julieta . O homem foi tirando camada por camada da veste da companheira, até que ambos ficaram vestidos apenas com minúsculos “fios-dentais”. Moviam-se com uma graça fluida e sensual, e uma paixão um pelo outro que Pamela não acreditava ser fictícia.

A cena terminou e, desta vez, ela encontrou o olhar de Febo no mesmo instante.

— Eles devem estar apaixonados de verdade. Ninguém pode atuar tão bem assim. Juro que consegui sentir a tensão sexual entre eles!

— Agora, quem é a pessoa mais romântica aqui?... — ele provocou, colocando o braço em torno dela e puxando-a para perto.

Pelo restante da apresentação, foi onde Pamela ficou: recostada no corpo de Febo. No meio do espetáculo, pousou a mão na coxa firme, sobre o tecido macio de suas calças, por meio da qual ela podia sentir o calor e a rigidez da perna musculosa. Os dedos dele traçaram um caminho preguiçoso na pele nua de seu braço, acariciando o recuo suave do lado de dentro do cotovelo e provocando-lhe arrepios por todo o corpo.

Zumanity era, de fato, uma aventura em termos de erotismo. Excitava e provocava, seduzia e sensibilizava.

Quando a mão de Febo traçou o caminho por seu braço até acariciar seu pescoço devagar, Pamela teve que morder o lábio para não gemer alto.

Uma ruiva alta e impressionante, que lembrava muito Nicole Kidman, deixou o palco após uma performance sensual de autoerotismo e, antes que os aplausos da plateia morressem, luzes focaram num pedaço comprido de seda vermelha que caiu do teto escurecido do teatro, como se um gigante desatento tivesse lançado um lenço a esmo da janela do quarto. Este se desenrolou, expondo uma mulher cujo cabelo dourado até a cintura cintilou sob os holofotes. Seus braços permaneceram habilmente torcidos no lenço, de modo que apenas a ponta de seus pés descalços tocou o palco com graça. Abaixo dela, o final do tecido se amontoava como vinho no tablado negro. Sua beleza era hipnotizante e, conforme o público a viu, o teatro se dissolveu em um murmúrio coletivo de admiração. Num primeiro momento ela pareceu estar nua, exceto por um brilho que lhe cobria o corpo, mas, conforme as luzes piscaram e mudaram, Pamela percebeu que a mulher vestia um collant da cor da pele, coberto com minúsculas pedras que brilhavam como diamantes. A música começou, e o lenço foi alçado para o alto junto com a diva dourada. Ela começou a se movimentar e girar numa dança sensual, o tempo todo pendurada sobre a plateia. Era de tirar o fôlego.

— Ela parece uma deusa! — Pamela cochichou para Febo.

— Verdade — Apolo murmurou de volta, contente por Pamela estar tão hipnotizada pelo desempenho da moça que nem sequer registrara o choque em seu rosto. Permaneceu sentado e imóvel, tentando manter uma máscara de apreciação diante do show que sua irmã, Ártemis, realizava. Ele a reconhecera de pronto. Sua performance inteira estava permeada pelo erotismo do Olimpo.

Agora compreendia por que os mortais modernos pareciam tão encantados pela presença da própria Deusa da Caça. Embora ela preferisse sua floresta e liberdade, os boatos que haviam proliferado por conta de sua maneira independente de ser eram falsos. Ártemis não era uma deusa virgem. Ela era, sempre que queria, uma fêmea extraordinariamente sedutora.

E o que pretendia naquela noite era óbvio. Queria ter a certeza de que ele cumpriria a invocação, por isso, com seu beijo imortal de poder, abençoara os atores mortais com generosidade. Seu fascínio fora, portanto, aumentado, assim como a tensão sexual em meio ao público.

Ele tinha que admitir: fora muito inteligente da parte de Ártemis. Irritante, mas inteligente.

De repente, o público soltou nova exclamação quando uma figura pequena e musculosa adentrou o palco correndo. Os olhos de Apolo se arregalaram de surpresa. Um sátiro! Embora seus cascos fendidos estivessem camuflados por botas e pela magia da deusa, e os pelos que lhe cobriam as pernas permanecessem invisíveis sob as calças de seda que usava, para ele, Apolo, sua identidade era óbvia. A cabeça loira da criatura quase não passava da cintura de Ártemis, porém seu peito e braços nus eram tão musculosos que, conforme ele acenava para a diva, era como se fosse um dos Titãs.

O sátiro movimentou os braços em torno do final do lenço escarlate, e ele também foi alçado ao ar. Acima do palco, começou uma erótica perseguição, que não aconteceu apenas sobre o tablado. Ambas as personagens oscilavam sobre o público que assistia, extasiado, enquanto a excêntrica criatura atraía e persuadia, acariciando e seduzindo, até que, por fim, a deusa se dignou a ser “capturada”, e os dois foram suavemente baixados para o palco.

Chocado, Apolo viu a irmã permitir que o ente da floresta a envolvesse nos braços. Em seguida, a Deusa da Caça se deixou derreter com o beijo do sátiro em uma exibição pública de sensualidade que, ele sabia, Ártemis jamais permitiria se eles estivessem no Olimpo.

Os dois insólitos imortais saíram, os braços ainda em torno um do outro, e o público permaneceu em silêncio, com os olhos ainda voltados para o ponto onde a deusa fora vista pela última vez.

Apolo foi o primeiro a quebrar o feitiço sedutor da irmã, mas seu aplauso foi logo acompanhado por gritos e mais aplausos.

As luzes se acenderam, mas, antes que a plateia começasse a se levantar, o elenco de atores liderado por Ártemis voltou ao palco. A Deusa da Caça se dirigiu ao público:

— Saudamo-vos, amantes e amigos. Espero que tenham gostado da nossa pequena homenagem ao amor. — Sua voz soou doce como mel, atraindo os mortais com sua doce torrente de palavras. — Antes de irem embora, eu gostaria de conhecer alguns de vocês... se não se importarem.

Um alerta soou no íntimo de Apolo, contudo um murmúrio de excitação percorreu a multidão atenta, como o vento soprando uma floresta. A deusa sorriu com inocência, como se se dirigisse a multidões de mortais modernos todos os dias. Então começou a falar com eles, perguntando seus nomes, escolhendo jovens e tímidos casais e recém-casados, espalhando a magia de sua voz sedutora por todo o teatro.

Apenas uma vez Ártemis olhou para o camarote onde Apolo se encontrava sentado com Pamela. Fixou o olhar no do irmão somente por um breve momento, porém foi o bastante para que ele vislumbrasse a diversão na profundidade de seus olhos azuis. Quase imperceptivelmente, ela fez um movimento com os dedos e Apolo sentiu o calor de sua magia cascateando sobre ele, penetrando em sua pele e fazendo seu corpo intumescer e pesar.

A reação de Pamela foi mais simples. Como se em transe, ela pousou a mão em sua coxa, inclinou-se mais em sua direção e o fitou nos olhos. Sua respiração se acelerou e seus lábios se entreabriram em um gemido que foi mais do que um convite.

Apolo praguejou baixinho, apertou os ombros delicados com o braço e tentou se concentrar no palco mais uma vez. Não podia beijá-la. Sob o feitiço da magia imortal de Ártemis, nenhum deles seria capaz de se deter.

Vai passar , lembrou a si mesmo e, com o pensamento, sentiu a força da magia da irmã diminuir. Fulminou Ártemis com o olhar, porém esta o ignorou por completo. No círculo de seu abraço, sentiu Pamela se arrepiar. Soube que o intenso feitiço havia começado a deixar sua pele também, e respirou, aliviado.

Não estava usando seus poderes para seduzir Pamela. Queria que sua reação a ele fosse genuína. As loucuras de Ártemis eram tão bem-vindas quanto sua magia... Nenhuma delas trazia amor; apenas luxúria. Um desejo passageiro, que podia ser facilmente saciado.

E ele queria mais.

— Nossa, olhe! — exclamou Pamela, apontando para o palco enquanto tentava normalizar a respiração. Devia estar mais carente do que imaginava, porque aquele show a estava deixando louca! Poucos minutos antes, quando Febo sorrira para ela, teria subido nele ali mesmo!... Sem dúvida Ve estava certa: ficar sem sexo por muito tempo fazia uma mulher perder a cabeça. — Aquele casal acabou de dizer que veio aqui comemorar seu quinquagésimo aniversário de casamento.

— Cinquenta anos! — a linda Ártemis repetiu, e a multidão aplaudiu, educada. Um dos atores correu para a deusa e sussurrou em seu ouvido. Ártemis sorriu, assentiu com um gesto de cabeça e se dirigiu ao casal outra vez.

— Vocês subiriam ao palco para encerrarmos o nosso espetáculo com uma dança especial em sua homenagem?

Apolo se inclinou para a frente, de modo a enxergar melhor o casal de idosos que se ergueu devagar. Ao som de aplausos encorajadores, eles subiram a escada para o palco. As luzes diminuíram e uma valsa suave começou a tocar.

No início, o casal se moveu, desajeitado, até assumir um ritmo mais fluido e familiar. De repente, o homem grisalho virou a esposa, segurando o vestido em estilo capa que ela usava, e o público prendeu a respiração, surpreso. A mulher girou e o traje se desenrolou até que ela ficou de pé no palco, usando apenas um collant de dança e uma saia rodada. Fez uma reverência para o teatro, tal qual uma graciosa bailarina, e, em seguida, ela e o marido retomaram a valsa, movendo-se, desta vez, com a graça de dançarinos profissionais. Sem esforço, o homem ergueu o corpo ainda vibrante da esposa para o ombro, virou-se, mergulhou e, com um floreio, ela girou em seus braços mais uma vez.

A dança terminou como os dois se beijando no meio do palco.

— E, assim, celebramos o amor! Em qualquer idade, de qualquer forma. O amor é mágico e traz consigo um toque de imortalidade. Vão com a minha bênção esta noite, amantes, e busquem o prazer aonde forem. Amem, riam e sejam felizes! — proclamou a deusa, e, em uma explosão de faíscas, todo o elenco desapareceu pelo alçapão no chão do palco.

Os aplausos continuaram por muito tempo, mas, quando nenhum dos artistas retornou para o bis, o teatro começou a se esvaziar. O público era formado quase exclusivamente por casais e, enquanto estes saíam, viam-se muitas mãos dadas, conversas íntimas e toques sutis.

Quando os outros casais sentados à volta deles no balcão começaram a deixá-lo, Pamela hesitou. Ela e Febo se encontravam em pé, ao lado dos assentos e, por um momento, ficaram sozinhos, como se tivessem descoberto uma gruta dentro do teatro escuro. Um pouco como na noite anterior , Pamela pensou. Quando eles tinham se beijado na chuva.

Olhou para ele, dominada pelo misto de luxúria e desejo que lhe corria pelo corpo em uníssono com o bater de seu coração. Nesse momento, soube que iriam fazer amor. Estava cansada de se contentar com pouco. Queria alegria e satisfação.

Por isso mesmo falou em uma torrente, como se as palavras tivessem sido obrigadas a romper uma parede de cautela e inibições:

— Estou me sentindo como se estivéssemos sozinhos no mundo. Às vezes, quando olho para você, vejo um mar de possibilidades...

— Então continue vendo — ele respondeu, rouco. — E, acredite: eu jamais faria nada para feri-la. Pense em mim como no seu talismã de Apolo... Eu também quero que supere tudo e fique inteira, de modo que possa amar e confiar de novo.

Febo tocou a medalha que ela usava em volta do pescoço e, mais uma vez, Pamela sentiu um estranho calor atravessar o metal e seguir direto para seu coração. Cansada de hesitar, deslizou as mãos pelo peito largo e colou o corpo ao dele.

— Faria uma coisa por mim?

— Qualquer coisa que estiver ao meu alcance — ele prometeu, solene.

— Você me levaria de volta ao meu quarto e faria amor comigo? — ela quis saber, meio sem fôlego.

— Seria uma grande honra, doce Pamela... — Apolo disse baixinho, inclinando-se para beijá-la nos lábios.


Capítulo 15


Envolvidos em uma nuvem de ansiedade, eles caminharam de volta à suíte. Falavam pouco, porém tocavam um ao outro constantemente. Apolo já estava se familiarizando com as curvas e linhas do corpo de Pamela, e parou muitas vezes a fim de puxá-la para uma sombra e beijá-la com uma ternura que nada fez para mascarar seu crescente desejo. Queria Pamela com uma intensidade que era como um fogo se avolumando dentro dele e, para seu profundo deleite, Pamela correspondia com paixão. Era tão bom tê-la pressionada contra o corpo, como se sempre tivesse estado ali!...

Conforme caminhavam, pensou no casal de idosos que havia encerrado a produção no teatro. Sem dúvida eram atores plantados no meio da multidão, mas isso não significava que eles não tinham sido amantes de verdade. Ainda se lembrava de como os olhos do homem irradiavam amor e orgulho enquanto ele conduzia sua companheira de uma vida naquela valsa especial.

Suspirou. Sabia que nunca iria envelhecer ao lado de Pamela, mas a queria a seu lado. E queria isso com uma intensidade que o encheu de propósito.

Eles ficariam juntos, prometeu a si mesmo.

Pamela deslizou o cartão-chave na porta e, após uma luz verde e um clique, entrou na suíte à frente dele.

Sua hesitação se foi, então. Ela sabia o que queria. Queria Febo. Queria esquecer os erros do passado; não se importar sobre o que poderia ou não acontecer no futuro.

Algo lhe acontecera naquela noite enquanto assistia à mágica sensualidade de Zumanity . Percebera que estava errada. Duane não matara o romance, a diversão, nem mesmo o sexo dentro ela. Apenas fizera aquele seu lado hibernar.

E agora que este despertara, ela se sentia esfaimada.

Quando Apolo fechou a porta, Pamela se virou e caiu em seus braços. Ele a beijou demoradamente, querendo saboreá-la por inteiro agora que se encontravam sozinhos.

Quando ela gemeu em sua boca, Apolo se inclinou, segurou-a pelas nádegas redondas e a ergueu, de modo a pressionar-lhe o centro de seu corpo contra a própria ereção. Inquieta, ela se moveu de encontro a ele e, com um suspiro, Apolo interrompeu o beijo, lutando por controle.

— Estou perdendo a cabeça de tanto desejo que sinto por você! — gemeu quando a língua e os lábios carnudos deixaram um rastro quente na lateral de seu pescoço.

— Ponha-me no chão e eu me livrarei destas roupas! — O hálito quente de Pamela soprou em sua pele.

Apolo quase a derrubou, e a risada dela foi profunda e rouca.

Travessa, Pamela recuou para longe dele e começou a andar para trás, na direção da cama, enquanto alcançava a parte de trás do vestido vermelho e descia o zíper. Encolheu um ombro, a roupa deslizou, livre, e ela saiu do pequeno monte carmesim agora em seus calcanhares.

Os olhos de Apolo devoraram o corpo esbelto. Pamela usava algo preto e rendado que quase não lhe cobria os seios, mas que os levantava e os fazia apontar, sedutores, em sua direção. Outra peça parecida, também de renda, mal ocultava o triângulo escuro entre suas pernas. As sandálias douradas, com duas pontas parecidas com punhais, deixavam suas pernas longas e nuas incrivelmente sensuais.

Enquanto Pamela levava as mãos às costas outra vez, a fim de desabotoar a lingerie , ele cobriu a distância que os separava e a beijou com paixão.

— Eu o quero nu contra mim — ela sussurrou em sua boca.

Respirando com dificuldade, Apolo interrompeu o beijo longo apenas o suficiente para arrancar a camisa sobre a cabeça. Enquanto se atrapalhava com o estranho fechamento das próprias calças, Pamela deslizou para a cama, observando-o com olhos cintilantes.

E ainda calçava aqueles sapatos sexy !...

Apolo conseguiu ficar nu, por fim, mas, antes que pudesse se juntar a ela na cama, Pamela se ergueu sobre um cotovelo e o deteve com a mão.

— Espere. Fique assim... Deixe-me olhar para você. — Seu olhar viajou dos olhos cor de safira para o restante do corpo másculo, então ela passou a língua sobre os lábios antes de falar outra vez. — Febo, é o homem mais lindo que já vi. Deus, olhe só essa pele!... Cobre seus músculos como ouro líquido. — Balançou a cabeça e deu uma risada, meio sem fôlego. — Você deveria ser pintado por artistas. Escultores deveriam esculpi-lo. Como pode ser de verdade?

Apolo sentou-se na cama, a seu lado.

— Eu sou de verdade, e o que está acontecendo entre nós é real. Minha aparência não é nem pouco incomum ou extraordinária para mim.

Ele fez uma pausa, pensativo. Fizera amor com inúmeras mulheres, deusas e mortais. Antes, contudo, sempre havia usado a magia do seu poder imortal para aumentar o próprio prazer durante o ato.

Daquela vez seria diferente. Pamela era diferente. Ele não quisera usar seus poderes para atraí-la ou seduzi-la, mas queria muito que ela sentisse a profundidade de sua paixão. Queria que ela o conhecesse de uma maneira que nenhuma outra mulher tinha conhecido.

Tocou-a enquanto continuava falando.

— O que está acontecendo aqui dentro é novo e maravilhoso para mim. E a única forma que conheço de compartilhar esse sentimento é amando você. — Ele acariciou-lhe o pescoço longo com delicadeza e deixou os dedos se mover por entre as mechas curtas de seu cabelo. Quando a tocou, permitiu que parte de seu poder imortal escapasse de seus dedos e a varresse por inteiro, fazendo-a estremecer sob o toque. — Deixe-me amá-la, doce Pamela. Deixe-me tornar isso real para você.

— Sim! — ela sussurrou a palavra em sua boca.

As mãos de Febo deslizaram pelo corpo macio conforme seus lábios se encontravam novamente.

A pele de Pamela vibrou sob seu toque. Nunca antes ela se sentira tão sensível. Era como se houvesse se tornado um conduto vivo para todas as sensações ardentes, intensas, enlouquecedoras e eróticas de que sentia falta havia tantos anos.

As mãos de Apolo desceram por sua perna até chegarem ao pé. Olhos azuis cintilaram para ela; em seguida, ele beijou o tornozelo que ela ferira na noite anterior.

— Eu queria ter feito isso ontem, você sabe — sua voz soou rouca de desejo.

— Devia ter feito — ela ofegou. — Eu queria que fizesse.

Febo desafivelou a tira dourada da sandália e a retirou. Beijou o arco delicado de seu pé, e uma onda de eletricidade subiu pela perna de Pamela, indo parar bem no fundo de seu âmago já úmido.

— Que bom que gosta — ele sussurrou, indo para o outro pé. — Esta noite quero que acredite que é uma deusa sendo amada por um deus.

Pamela gemeu e mordeu o lábio enquanto ele deslizava a boca do arco de seu pé para a panturrilha. Febo tinha que ser mesmo um músico , pensou, quando ele lhe acariciou o interior da coxa, e seus lábios encontraram o vale atrás de seu joelho. Apenas um músico podia ter mãos tão habilidosas. Seu toque era quente, e ela se sentia derreter sob suas carícias.

Quando os lábios de Febo seguiram o caminho que ele traçara com as mãos até o interior de sua coxa, Pamela arqueou o corpo para encontrá-lo, soltando uma exclamação de prazer ao sentir a língua quente mergulhando em seu âmago. Seu orgasmo foi tão rápido e explosivo que seu corpo inteiro estremeceu em resposta.

Em algum lugar em meio à névoa de paixão, Pamela reconheceu que aquilo nunca lhe acontecera antes... Nunca fora tão rápido ou tão intenso.

Ainda tonta, estendeu os braços e Febo se juntou a ela.

— Estou aqui, minha doce Pamela — murmurou.

Ela sentiu o coração batendo contra o peito. O ritmo irregular de sua pulsação se igualava ao dele. Abriu a boca e as línguas se encontraram, fazendo-a provar em Febo o gosto do próprio sexo: salgado e doce ao mesmo tempo.

Aprofundou o beijo e arqueou o corpo, de modo que seu calor úmido ficasse pressionado ao membro rijo, então deslizou a mão entre ambos a fim de guiá-lo para ela.

Mas não o fez.

Não ainda , pensou. Em vez disso, manteve-o lugar, esfregando a ponta ingurgitada nas próprias dobras aveludadas, enquanto o afagava com a mão.

Até Pamela começar a acariciá-lo, Apolo se encontrava em pleno controle de si mesmo. Deleitara-se com a maneira desinibida como ela reagira a seus avanços, e usara seu poder imortal com cuidado, a fim de aumentar sua sensibilidade. Fizera amor com ela com seu corpo e sua magia, e, quando ela chegara ao clímax, bebera o mel de seu êxtase.

Mas Pamela possuía sua própria magia; e a sedução de uma mulher intensificada por um desejo sincero, além da alma de um deus.

— Não posso esperar mais! — A voz dele saiu rouca de paixão.

— Febo!... — ela sussurrou seu nome e, enfim, o guiou para dentro dela. Em seguida, arqueou o corpo de forma a receber seus impulsos.

Apolo mergulhou nela repetidas vezes. Em seguida se levantou, de modo a fitá-la nos olhos.

Cure-se! , a alma do Deus da Luz falou à de Pamela. Acredite que pode amar outra vez!

Seus olhos capturaram os dela, e Pamela não pôde mais desviar o olhar. Fora consumida pelo toque de Febo, por seu cheiro e pelo calor do corpo sólido em seu âmago. Correspondia a ele em um nível mais profundo do que o físico. Febo a tocava não apenas com o corpo, mas também com a mente, o coração... Talvez até mesmo com a alma.

Quando seu orgasmo teve início, seu enlevo a carregou com ele. Pamela fechou os olhos contra a intensidade do prazer que a varreu, e um flash de luz dourada explodiu em suas pálpebras fechadas quando Febo gritou seu nome.


Ártemis congelou em meio a um gole do delicioso Martini que compartilhava com o sátiro, o qual tão bem a servira mais cedo, naquela noite. Assim como na lenda do nó Górdio, sentiu que os laços que a atavam à mortal se desfaziam.

Apolo tinha conseguido. O ritual fora concluído!

A deusa sorriu e respirou fundo, satisfeita por se encontrar livre das emoções de uma...

— Não — pronunciou a palavra por entre os dentes. — Não é possível!

— Há algo errado, senhora? — Os olhos do sátiro ficaram redondos com preocupação.

— Quieto! — ordenou Ártemis.

A criatura da floresta pareceu magoada, mas, de imediato, obedeceu à sua deusa.

Ártemis estreitou os olhos e se concentrou. Não! Ela jamais poderia imaginar! A pressão avassaladora que a prendia à mortal suavizara, mas, em seu lugar, restara um fio fino, quase insubstancial.

O que era aquilo? O que acontecera? Apolo devia ter feito amor com a mortal, o que devia ter posto um fim à invocação. A mortal pedira para ter mais romance em sua vida. Como fazer amor com o Deus da Luz podia não ter satisfeito o ideal de romance da mulher? Ainda mais depois de esta ter sido preparada para ele pela magia que ela mesma, Ártemis, usara durante aquela apresentação erótica no teatro?...

Ter escutado a conversa de Pamela com a concierge do hotel fora muito útil, e aderir ao show erótico fora uma ideia inspiradora.

Os lábios carnudos da Deusa da Caça se curvaram para cima. Existiam coisas no Mundo Moderno de que vinha gostando um bocado. Não fazia ideia do quanto seria divertido se fazer passar por uma adorada estrela de teatro. Precisava repetir a experiência em breve.

Ártemis se encolheu quando o fio que ainda a vinculava à mortal pareceu puxá-la. Era apenas uma leve pressão, como uma farpa minúscula na sola de sua chinela. A princípio, tratava-se apenas de um pequeno incômodo, mas, com o tempo, poderia causar muita irritação.

A deusa suspirou, frustrada. Não havia nada que pudesse fazer a respeito, no momento. Não poderia ir atrás do irmão, interromper seu encontro amoroso e exigir saber por que sua performance parecia ter deixado a desejar. Isso não ajudaria em nada.

Girou a haste fina e fria da taça de Martini entre os dedos. Ainda era cedo. Talvez, pela manhã, Apolo tivesse conseguido satisfazer os desejos românticos daquela ridícula mortal. Até então era inútil ficar elucubrando sobre o assunto. Ela precisava mais era de uma distração.

Olhou com malícia para o jovem sátiro que continuava sentado a seu lado. Ele era uma criatura interessante...

— Querido? — ronronou, e as orelhas do ser literalmente se levantaram em sua direção. — Lembra-se de como foi emocionante quando me perseguiu pelo ar esta noite?

— Claro que me lembro, minha deusa — a voz dele soou ansiosa. — Uma eternidade pode passar, e eu jamais me esquecerei.

— Ainda não estou com vontade de voltar para o Olimpo. Pague por nossas bebidas, assim poderemos voltar para aquele lindo teatro. Precisa praticar melhor a sua cena de perseguição e, desta vez, quem sabe seja mais bem recompensado quando me capturar por fim?... — Ela correu um dedo pelo braço musculoso, e os olhos do semideus se dilataram como os de um corço em resposta.

— Eu vivo para atender às suas necessidades, minha deusa.

— É com isso o que estou contando — Ártemis murmurou para si mesma, enquanto o sátiro corria para pagar o servo.


Capítulo 16


Ah, maldição dos infernos! Ela havia se esquecido de usar um preservativo! E não apenas na primeira vez. Na segunda e na terceira também!

Pamela revirou os olhos. Que i-di-o-ta!... Como podia ter se esquecido? Principalmente depois de ter encarado a vergonha que ameaçara sufocá-la ao comprar uma caixa nova da marca Trojan na loja de souvenirs do hotel, após a pedicure.

E graças a Deus fora à pedicure. Febo a beijara, acariciara e até mesmo lhe sugara os dedos dos pés!

Só de pensar nisso ficava vermelha e com os joelhos fracos outra vez.

Concentre-se!, seu guia interno a repreendeu. Não usar preservativos nada tinha a ver com dedos dos pés.

Ou tinha?

Um movimento à direita chamou sua atenção. Pamela virou a cabeça e olhou para Febo. Ele era tão lindo!... Quando não estava olhando para ele, podia até pensar em Febo como apenas um sujeito de boa aparência. Mas bastava vê-lo para perceber que não existia nada comum nele. Nada mesmo.

Ainda sentia o corpo vibrar com seu toque. Devia estar dolorida, cansada e, na certa, lutando contra uma infecção do trato urinário depois de tanto sexo!... Em vez disso, sentia-se maravilhosa. Preguiçosa, letárgica e muito, muito satisfeita.

Mas se esquecera de usar uma proteção.

— Sinto que está franzindo a testa — declarou Febo sem abrir os olhos.

— Impossível! — ela exclamou, forçando um sorriso. — Até porque não estou franzindo a testa.

— Agora não mais — ele concordou ainda de olhos fechados. Então os abriu e virou a cabeça loira, de modo a encará-la com um sorriso terno. — Bom dia, minha doce Pamela.

— Eu me esqueci de usar um preservativo na noite passada. — Ela corou. — E também nesta manhã.

Apolo franziu o cenho.

— Preservativo? — ele repetiu a palavra desconhecida.

— Sim — ela aquiesceu, o rosto ficando mais quente a cada instante. Agarrou o lençol, que havia se soltado completamente do colchão graças à sua aeróbica da noite anterior, enrolou em torno do corpo nu e se retirou para o banheiro.

— Você sabe, preservativo, preventivo, camisa de Vênus... — falou por cima do ombro. — Não estou tomando pílula nem nada. Você é o médico. Eu não devia ter de explicar como seria fácil para eu ficar grávida.

Uma camisa de Vênus era algo que impedia uma mortal de ficar grávida? , perguntou-se Apolo. Muito interessante. Mesmo assim, duvidava de que esta pudesse impedir um deus de engravidar uma mortal, caso este decidisse ter um filho com Pamela...

De qualquer modo, isso não tinha acontecido.

Apolo se espreguiçou e sorriu. Até gostava da ideia. Mas não até que Pamela soubesse quem ele era, e concordasse em passar a vida a seu lado.

— Não pode ter engravidado neste nosso encontro, Pamela.

Ela pôs a cabeça para fora do banheiro, segurando a escova de dentes.

— Por acaso fez vasectomia?

Apolo não fazia ideia do que ela estava falando, mas Pamela pareceu aliviada, então ele balançou a cabeça e sorriu.

— Ah, bom. Maravilha. — Ela desapareceu por um momento, depois ressurgiu ainda com a escova na mão. — Mas e quanto a... ahn... — Hesitou, sentindo-se ridícula. Tivera mais intimidades com aquele homem do que com qualquer pessoa — incluindo seu “ex” — e perguntar sobre DST a fazia gaguejar? Além do mais, Febo era médico, pelo amor de Deus!... — Mas e quanto a doenças sexualmente transmissíveis? — Tentou outra vez.

Apolo reuniu as sobrancelhas douradas.

— Não tenho nenhuma doença.

— Ah, sim, claro. Que bom. Nem eu!... Que bom — ela repetiu pela terceira vez, sentindo-se como uma completa idiota.

Voltou para o banheiro, ligou o chuveiro e fechou a porta.

Apolo a escutou se ocupando no outro cômodo e precisou fazer um grande esforço para não se juntar a ela. Tinha vontade de arrancar aquele lençol e erguê-la sobre o balcão da pia, depois mergulhar nela enquanto fitava aqueles olhos cor de mel, até que, uma vez mais, pudesse ver o reflexo da própria alma em suas profundezas.

Sentiu o corpo reagir e se tornar pesado e rijo apenas de pensar em Pamela.

Mas teriam todo o tempo do mundo para fazer amor nos muitos anos em que ficariam juntos.

Fechou os olhos e deu um longo suspiro de alívio. Não fora o ritual de invocação o que fizera Pamela desejá-lo. Se fosse esse o caso, seu desejo por ele teria diminuído após sua primeira vez, o que, definitivamente, não havia acontecido. Na verdade, a paixão de Pamela parecia aumentar a cada vez que se amavam. Ela dormira em seus braços, os dedos entrelaçados aos seus. Mesmo durante o sono se aninhara mais junto a ele.

E ele adorava isso nela. Era outra coisa que o surpreendera. Ele nunca tinha trocado carícias e ficado abraçado com uma amante antes. Se fizera isso, fora apenas como um incentivo para dar início a uma nova rodada de sexo.

Sentia-se tão diferente com Pamela!... Na verdade, ele a queria por perto mesmo quando não estavam fazendo amor.

Agora compreendia por que Hades e Lina muitas vezes se sentavam perto o suficiente um do outro para que seus corpos roçassem, e por que seus dedos se tocavam durante as tarefas mais simples e banais, como passar uma taça ou um prato de frutas. Eles também queriam aquela conexão.

Não, Apolo corrigiu a si mesmo. Eles ansiavam por aquela conexão. Assim como ele ansiava por Pamela.

Ela saiu do banheiro com o lençol ainda enrolado no corpo, o rosto recém-lavado e o cabelo úmido.

— O que vamos fazer hoje? — ele quis saber, estendendo-lhe a mão.

Pamela a aceitou e se aconchegou em seu peito. Que prazer incrível palavras tão simples podiam proporcionar! Febo queria saber o que “eles” fariam naquele dia.

— Bem, já que perdemos o café da manhã... — ela olhou para o relógio digital cujos números vermelhos exibiam “2:05 p.m.” — ... e o almoço, creio que comer precisa entrar nos nossos planos. — Beijou a linha forte do queixo de Febo, perguntando-se por que não sentia nos lábios nenhuma barba incipiente. — E eu odeio dizer, mas preciso trabalhar um pouco para ter o que apresentar na reunião de amanhã com o meu cliente.

Apolo tocou o cabelo úmido que lhe adornava a cabeça em adoráveis e confusas mechas.

— Que tipo de trabalho?

— Eddie quer uma piscina construída com base na do hotel e eu, claro, nem conheci a piscina do Caesars Palace ainda! Preciso ir até lá vê-la e, talvez, fazer alguns esboços para ter alguma ideia preliminar do que fazer para Eddie. — Pamela franziu a testa. — Já li por alto algumas anotações que ele fez, mas elas eram muito confusas. Eddie quer uma piscina externa, porém coberta, “como um genuíno banho romano no nível inferior”. Só espero que menos autêntica do que aquela maldita fonte.

— Talvez eu possa ajudar. Tenho alguma noção do que seja um autêntico banho romano.

— Eu me esqueço de que sabe tudo sobre essas coisas antigas de mitologia! É um sujeito bem útil para se ter por perto, não? — ela falou brincando e se inclinando para ele.

— Você não faz ideia... — Apolo sorriu e a beijou.


— Gimensa ? — Apolo perguntou, balançando a cabeça.

— Imorme! — elaborou Pamela. — Como, maldição dos infernos, vou poder reproduzir isto em um pátio?!

— Depende do tamanho do terreno do seu cliente.

Ela soltou um gemido.

— Tem razão — admitiu Apolo, sem tirar os olhos da vasta extensão de água, mármore e fontes que se estendia à sua frente. — Este... — Parou, sem saber que palavra usar.

— Lago artificial? — arriscou Pamela.

Apolo tentou esconder o sorriso perante o tom horrorizado de Pamela.

— Sim, “lago artificial” o descreve razoavelmente bem. Este “lago artificial” pareceria portentoso demais até mesmo no Monte Olimpo.

— Ha! Aposto que os deuses teriam mais bom gosto.

O Deus da Luz pensou no palácio rosa e dourado de Afrodite, com a fonte que vertia ambrosia rosada em vez de água.

— ... Talvez — murmurou.

Pamela continuava de queixo caído com os seus arredores.

— Ao menos agora eu sei o que Eddie quis dizer com aquelas anotações. Ele quer uma piscina externa, mas com uma cobertura como esta. — Apontou para o centro da piscina colossal: uma plataforma de mármore circular gigantesca se erguendo a vários centímetros acima da água. Colunas de mármore, com pelo menos quinze metros de altura, apoiavam uma cúpula de cobre, a qual fazia sombra aos muitos banhistas que nadavam — e, em seguida, descansavam sob esta —, bem como para a estátua em tamanho maior do que o natural de César. — O problema é que, nas anotações, Eddie diz que quer toda a piscina coberta pela cúpula. E quer que os tronos sejam copiados na íntegra também. Imagino que seja aquilo... — Pamela apontou com um gesto de cabeça na direção da estação de salva-vidas não muito distante de onde eles se encontravam. Era de mármore e fora construída na forma de um grande trono flanqueado por dois leões alados.

— Será que ele vai querer os cavalos-marinhos também? — Apolo perguntou, divertindo-se com toda a situação.

Pamela olhou de soslaio para as enormes estátuas de mármore, cujas metades traseiras se transformavam em caudas de sereia.

— Ah, Deus! Espero que não. — Passou a mão pelo cabelo. — Isto tudo, somado àquela fonte, vai acabar comigo. É horrível. Brega demais! Esse tipo de coisa chega a gritar: “Tenho rios de dinheiro, mas gosto nenhum!”...

— Sem dizer que não tem nada a ver com um genuíno banho romano — afirmou Apolo, estudando os leões alados, montados sobre os pilares retangulares que ladeavam a piscina menor e destinada às crianças, um pouco mais além.

Pamela estremeceu.

— Espero que não. Qualquer lugar que governasse o mundo por tanto tempo como Roma faria algo melhor do que isto.

— A diferença não se dá apenas na decoração. Os antigos banhos romanos não eram piscinas como esta. Eram uma série de salas aquecidas, construídas uma atrás da outra, a começar por uma área onde os banhistas eram massageados com óleos. Os cômodos iam ficando mais quentes e, muitas vezes, ficavam cheios de vapores calmantes. — Apolo sorriu para ela. — Eles não continham essas piscinas enormes. Eram construídos em torno de pequenas fontes, as quais os banhistas usavam para se refrescar. Claro que esses cômodos acabavam em piscinas. Geralmente uma era aquecida e a outra, mantida fria e refrescante.

A expressão de Pamela mudou de horrorizada para esperançosa.

— Acha que poderia me descrever os banhos romanos bem o bastante para eu fazer alguns esboços? Eu teria de incorporar algumas destas coisas, claro — ela apontou o ambiente a esmo —, mas talvez eu possa amenizá-las e torná-las mais autênticas a fim de vender a ideia para Eddie. Ele já disse que quer uma piscina coberta. Posso projetar uma série de belas salas, cada uma com algum componente aquático, e tudo em torno de uma piscina com um pouco menos de pompa.

— É uma ideia interessante — concordou Apolo.

— Ótimo! Vamos começar. — Ela marchou para uma das linhas menos ocupadas de espreguiçadeiras brancas, então parou.

— Comida — lembrou. — Preciso comer para conseguir trabalhar. — Deslizou o olhar para uma construção de mármore na frente da qual havia uma pequena fileira de pessoas. Leu as letras românicas douradas e revirou os olhos.

Desta vez, Apolo não tentou disfarçar seu divertimento. Pendeu a cabeça para trás e caiu na gargalhada.

Pamela fez uma careta para ele, em seguida rumou em direção ao prédio.

— Snackus Maximus não é assim, tão engraçado!... — resmungou por cima do ombro.

Apolo fechou os olhos e inalou o ar aquecido pelo sol do deserto que acariciava sua pele e o enchia de poder e contentamento. Sentia-se indescritivelmente bem. E o som suave do inquieto lápis de carvão de Pamela era um fundo perfeito para seus pensamentos.

Ele e sua doce Pamela se davam muito bem. O raciocínio rápido de Pamela e aquele seu sorriso travesso tinham transformado a tarde que passara trabalhando a seu lado numa maravilhosa e agradável experiência. Pamela brincava o tempo todo com ele e provocava-o nas menores coisas: como seu cabelo ficara encaracolado após um dos mergulhos na piscina, diante de sua surpreendente obsessão por um delicioso lanche salgado chamado batatas fritas (das quais ele pedira três porções)...

Mulheres não zombavam do Deus da Luz. Pamela, sim. E, quando ele a fazia rir, seus olhos brilhantes o faziam se sentir mais do que divino.

Apolo logo descobriu que ela era muito mais talentosa como artista do que imaginava. Podia até vislumbrar seu futuro juntos. Pamela nunca mais teria que trabalhar para ricos inconvenientes como aquele escritor que, sem dúvida, se considerava um deus mortal.

Talvez ele construísse para ela uma enorme galeria em seu templo, em Delfos. Pamela poderia passar os dias desenhando as maravilhas do Olimpo... e as noites dividindo a cama com ele.

O amor era muito mais fácil do que ele imaginava. Mal podia se lembrar do que o perturbava tanto ao correr em busca dos conselhos de Lina e Hades. Por que estivera tão preocupado? Ele encontrara sua alma gêmea e, agora, tudo o que tinha a fazer era adorá-la.

E amar Pamela era uma delícia. Verdade que ele ainda precisava revelar a ela sua verdadeira identidade, mas aquilo não era apenas um detalhe? Ela já o conhecera bem, e ele era o homem que a amava.

E algo lhe dizia que Pamela sentiria um enorme prazer em descobrir que ganhara o amor de um imortal.

Seus lábios se curvaram, e sua mente derivou, preguiçosa. A vida era boa.

— Não fica com medo de se queimar demais? — Pamela o fitou por cima da lente dos óculos escuros. Apolo estava deitado a seu lado, em uma espreguiçadeira como a dela, porém a cadeira se encontrava voltada para o sol escaldante do fim de tarde do deserto.

Já ela puxara a espreguiçadeira para a sombra proporcionada por um guarda-sol da piscina. Mesmo suas pernas nuas, no momento dobradas para que ela pudesse usá-las como apoio para o bloco de desenho, estavam distantes da luz direta do sol.

Mesmo assim, ela ainda se sentia acalorada. Vinha trabalhando naquele esboço da casa de banhos havia horas, e Febo se mantivera o tempo todo descansando a seu lado, explicando-lhe detalhes dos antigos banhos romanos, dando dicas perspicazes quanto às pequenas salas individuais e quanto à disposição geral enquanto permanecia em pleno sol.

— De eu me queimar? — Ele enrugou a testa.

— Sim, está deitado aí, usando quase nada, o dia inteiro. Eu já estaria como uma batata frita.

Febo nem sequer parecia acalorado. Pelo contrário, estava escandalosamente bonito com aquele calção de banho adquirido às pressas e nada mais. Um verdadeiro monumento de pele dourada e deliciosos músculos.

— Quer dizer queimado pelo sol? — Ele riu, como se achasse a ideia nova e divertida. — Claro que não. Não me preocupo com isso. O sol e eu somos velhos amigos. — Apoiou-se sobre um cotovelo e se virou para ela.

— Já terminou?

Pamela mordeu o lábio conforme estudava o esboço.

— Acho que sim. E gostei do resultado, embora eu não tenha certeza se Eddie vai abraçar a ideia. O que acha? — Entregou-lhe o bloco.

Apolo o estudou com cuidado, então balançou a cabeça.

— Foi uma escolha sábia fazer as pequenas fontes em cada um dos quartos aquecidos mais ornamentadas do que tinha previsto no início.

— Sim, a ideia é manter as paredes de mármore lisas. Dessa forma o efeito não será tão avassalador. Se ele quiser uma decoração mais vistosa, posso tentar convencê-lo a aceitar o piso de mosaico que você sugeriu.

— Disse que seu cliente vive mencionando a importância da autenticidade. Pois pode assegurar a ele que este esboço se baseia nos antigos projetos de um banho romano. Claro que o trono à beira da piscina central não é muito... — Apolo fez uma pausa enquanto a fitava, e o sorriso em seus olhos morreu quando algo atrás dela lhe chamou a atenção.

— Aqui está você. Até que enfim!

A voz da mulher, cheia de frustração, soou por cima do ombro de Pamela.

Antes que ela pudesse se virar para ver quem estava falando, Febo havia se posto de pé.

— Que inesperado prazer — ele resmungou.

Prazer?

Ele soava muito mais irritado do que satisfeito, refletiu Pamela. Olhou por cima do ombro e teve que segurar a mão para proteger os olhos da luz alaranjada e ofuscante do sol que se punha, a qual demarcava a silhueta curvilínea de uma mulher alta. Conseguiu distinguir vagamente as linhas de um vestido curto e esvoaçante, e o fato de que o cabelo da estranha se encontrava preso no alto da cabeça, em um estilo que lembrava muito uma coroa. A mulher não lançou um só olhar em sua direção. Em vez disso, pôs-se a repreender Febo.

— Esperei por você até agora e não se dignou a aparecer! Por isso fui obrigada a vir lhe procurar.

Febo franziu a testa.

— Não acredito que especificou um tempo para a minha volta!

— Achei que voltaria depois de...

— Perdoe minha grosseria, Pamela — Febo interrompeu a moça, agarrou-a pelo pulso e a puxou para a frente da espreguiçadeira, obrigando-a a encará-la. — Permita-me lhe apresentar a minha irmã. Pamela Gray, esta é minha irmã gêmea... — ele hesitou, lançando à mulher um olhar penetrante — ... Diana.

Pamela se levantou e abriu um sorriso, com a mão estendida.

— É um prazer conhecê-la, Diana. E, por favor, não culpe Febo se ele se atrasou para alguma coisa. Foi por minha culpa. Quando eu descobri o quanto ele sabe sobre a Roma antiga, não parei de solicitar sua ajuda.

Ártemis olhou da simpática mortal para sua mão estendida. Podia sentir o olhar de censura do irmão, tanto quanto o vínculo da invocação que ainda a prendia à moça.

Relutante, aceitou a mão de Pamela e se surpreendeu com a firmeza do cumprimento.

— Espere! — exclamou Pamela, os olhos se arregalando. — Eu sei quem você é! É aquela mulher linda do show Zumanity! — Seus olhos se desviaram para Apolo. — Não acredito que não me contou que ela era sua irmã!

— Talvez ele estivesse envergonhado com a minha performance — elaborou Ártemis, erguendo o queixo com uma ponta de arrogância.

— Mas isso seria ridículo! — concluiu Pamela, fitando-o com perplexidade. — Seu desempenho foi incrível... Vigoroso, sedutor e incrivelmente romântico.

Uma das sobrancelhas perfeitas de Ártemis se arqueou.

— Achou romântico?

— Sem dúvida — afirmou Pamela, balançando a cabeça com entusiasmo.

— Diana sabe que sua performance não me envergonha — Apolo se defendeu depressa. — Eu só não sabia que ela ia se apresentar na noite passada, por isso fiquei surpreso. Eu gostaria de ter mencionado seu trabalho antes, mas, depois do show, estava com coisas mais interessantes na cabeça... — Ele compartilhou um sorriso íntimo com Pamela.

— Diga-me uma coisa... — recomeçou Ártemis, como se seu irmão não tivesse falado. — ... Febo está sabendo como seduzi-la?

O rosto de Pamela foi do rosa ao vermelho, e ela abriu e fechou a boca.

— Diana! — rosnou Apolo. — Essa pergunta não apenas foi desnecessária como inconveniente!

— Foi mesmo? — ela devolveu, cínica. — Não creio, Febo — ela enunciou o nome devagar. — O vínculo continua! Mais fraco do que antes, mas continua.

As palavras de Diana não fizeram sentido para Pamela, porém ela viu a expressão de Febo mudar instantaneamente da raiva para o choque.

— Quero acabar logo com isso — Diana prosseguiu num tom áspero. — Preciso lembrá-lo de que a nossa estada aqui é apenas temporária? Temos que ir embora antes do amanhecer.

Pamela sentiu um aperto no estômago. O que eles estavam discutindo podia não fazer sentido para ela, mas a palavra “temporária” falava por si só.

Eles iriam embora. Em breve. Claro que ela mesma só ficaria em Las Vegas apenas por uma semana, mas fora honesta quanto a isso, avisando Febo de antemão que se encontrava ali apenas por conta de um trabalho. Ele tinha feito amor com ela e passado o dia todo em sua companhia, não mencionando nenhuma vez que teria de ir embora na manhã seguinte.

Ela era mesmo uma m... de uma cretina. O que imaginava estar fazendo?! Brincando de casinha?

Merda, merda... MERDA! Devia ter imaginado. Sua inexperiência naquele mundo das conquistas devia ser óbvia. Não podia ter esperado mais do que um pouco de diversão de um encontro como aquele.

— Escutem. — Pamela interrompeu o entrevero entre irmãos, usando seu tom mais firme e profissional. — Se há uma coisa de que entendo, e entendo bem, é que, às vezes, irmãos e irmãs precisam discutir. Em particular. — Apanhou o bloco de notas na espreguiçadeira, onde Febo o havia deixado, e o enfiou na bolsa de couro enquanto calçava as rasteirinhas Mizrahi . — Na verdade, Diana, o seu timing é excelente. Eu estava justamente pensando que preciso voltar para o quarto e fazer mais alguns trabalhos para amanhã.

— Não, Pamela! Por favor, não... — Febo apressou-se em dizer.

Ela mal olhou para ele.

— Para falar a verdade, já perdi muito tempo me divertindo neste fim de semana... Adeus, Febo.

Ártemis ficou chocada. A mortal estava mesmo se afastando de seu irmão! Por meio de sua conexão invisível, podia sentir muito do que se passava com a moça. E ela estava... A deusa se concentrou, filtrando as emoções que fluíam por meio do elo entre elas. Pamela estava muito amargurada. Envergonhada. Magoada. Tinha certeza de que Apolo a usara. Sentia-se arrasada por dentro, mas se mostrava apenas aborrecida. Se elas não estivessem unidas pela invocação, ela, Ártemis, nunca imaginaria o turbilhão de emoções vivido pela mortal.

Que coisa estranha!... Seria possível que a força oculta daquela mulher tivesse algo a ver com o fato de a invocação não ter se completado? Seria possível que aquela jovem mortal enxergasse o que se passava?

Diana enxergou Pamela com outros olhos. Apolo estava com a razão em uma coisa: ela não era mesmo uma mulher tola e comum.

— Pamela, meu irmão está certo. Fui rude demais.

A voz de Diana impediu Pamela de prosseguir. Ela se voltou para a irmã de seu amante, esta lhe sorriu, e ela vislumbrou a deslumbrante beleza de Febo refletida no rosto da moça.

— Eu andei tendo alguns... — Ártemis hesitou e olhou para o irmão antes de continuar — ... contratempos de natureza pessoal. Não tenho sido eu mesma. Por favor, acredite que a última coisa que desejo é afastá-la de meu irmão.

Pamela encontrou os olhos da cor de água-marinha de Diana.

— Mas se eu for embora agora ou mais tarde não vai fazer tanta diferença, vai? Acabou de dizer que vocês vão partir amanhã cedo.

— Mas não para sempre — emendou Apolo às pressas, aproximando-se para lhe tomar a mão. — Não pode acreditar que eu iria me afastar de você e nunca mais voltar.

Pamela puxou a mão. Balançou a cabeça e até conseguiu sorrir.

— Escute, nós nos divertimos bastante juntos. Vamos deixar tudo por isso mesmo... Não precisa se incomodar.

Ártemis olhou para o rosto chocado do irmão. Por que ele não dizia nada? A mortal o estava deixando! E, com certeza, não desejava aquilo... Ela não apenas sentia a dor de Pamela, mas isso era evidente na maneira rígida e mecânica com que a moça se portava. Pamela estava magoada e aborrecida. Queria conforto, não aquela inépcia!

Apolo, no entanto, parecia estranhamente impotente.

— Eu não quis ofendê-la — Ártemis argumentou, aflita. — Foi apenas um mal-entendido. Por favor. Não vá embora assim, magoada.

— Não estou magoada — Pamela respondeu.

— Eu estaria assim no seu lugar — Apolo reencontrou a voz por fim. Desta vez, ele não a tocou, contudo. Permaneceu muito quieto e tentou transmitir tudo o que sentia por meio das palavras. — Eu ficaria aborrecido e zangado se soubesse que estava planejando me deixar antes do amanhecer sem ter dito nada. Eu devia ter lhe contado. Eu pretendia contar... Mas precisa compreender, minha doce Pamela: eu sabia que iria voltar. Estragar o nosso dia contando que eu precisaria partir em breve me pareceu algo muito cruel. Mas agora vejo que me equivoquei. Consegue me perdoar?

Ela deveria dizer a Febo que aquilo não era nada. Deveria dizer que não esperava nada dele e seguir adiante. Poderia telefonar para Ve, e elas passariam horas conversando sobre como os homens eram uns cretinos...

Então, no dia seguinte, poderia voltar a trabalhar e esquecê-lo.

Tinha acabado de dormir com Febo. Nunca fora casada com ele ou coisa do gênero.

Uma vez mais, seus olhos capturaram os dela, porém. E Pamela pôde jurar que viu um reflexo de si mesma bem no fundo deles. Febo possuía a mesma “ausência” que ela, e tocara seu corpo, seu coração e sua alma. Se Duane a havia sepultado emocionalmente, Febo a trouxera de volta à vida.

E ela não queria voltar para aquele seu túmulo de complacência. Ela se conhecia bem o suficiente para compreender que aquele fim de semana fora um ponto de virada. Não mais se satisfaria com a segurança de sua vida. Iria permanecer do lado de fora, iria flertar e correr mais riscos... com ou sem Febo.

O problema era que, bem lá no fundo, queria correr todos os riscos com ele.

— Está bem — respondeu por fim, engolindo o que ia dizer. — Eu o perdoo.

Cruzou os braços e esperou. No momento, a bola estava no campo de Febo.

Para sua surpresa, foi a irmã dele quem a devolveu:

— Meu irmão e eu precisamos conversar. É um assunto de família, e eu...

— Sem problemas — Pamela a interrompeu. — Já estou indo embora.

— Pamela, não é verdade que também tem um irmão? — O olhar de Ártemis foi perspicaz.

Mais uma vez apanhada no processo de se afastar, Pamela assentiu com um gesto de cabeça.

— Se é assim, compreende que, muitas vezes, problemas familiares podem nos obrigar a sacrificar nossas vontades. Nós precisamos ir para casa, então, por favor, não condene meu irmão por isso.

Pamela replicou com igual franqueza:

— Não estou condenando Febo por nada. Estou apenas me protegendo.

— Não precisa se proteger de mim — afirmou Apolo. E, sem resistir, acariciou-a no pescoço com a ponta dos dedos. Quando Pamela estremeceu, porém, não soube dizer se fora por desejo ou repulsa. — Encontre-me esta noite. Deixe-me vê-la novamente antes de eu ir embora. Eu juro que vou voltar.

Ela não deveria fazer aquilo. Febo mexia demais com ela.

Pamela abriu a boca para dizer “não”, depois pensou em como seria passar a noite sem ele. Seria como o céu da manhã sem sol. Desolador. Vazio...

... Assim como sua vida havia se tornado.

Não queria mais aquilo. Mesmo correndo o risco de ter o coração partido outra vez. Bem, pelo menos agora sabia que continuava com um coração dentro do peito!

— Está bem — falou, mantendo a voz neutra. — Pode me levar para jantar. Comer no Snackus Maximus não contou mesmo como uma refeição de verdade.

— Ele vai escolher o lugar — Ártemis declarou com um sorriso satisfeito.

— Muito bem — Pamela repetiu. — Se nos encontrarmos às oito horas, terão tempo suficiente para resolverem o seu assunto de família?

Ártemis assentiu ligeiramente com um gesto de cabeça, na direção do irmão.

— Sim — ele confirmou. — Vou buscá-la no seu quarto.

— Não! — contrapôs Pamela rápido demais. Limpou a garganta, então, e tossiu como se a explosão tivesse sido motivada por cócegas na laringe, e não pelo pavor.

— Posso encontrá-lo naquele bar, como da última vez.

Arrependeu-se do “como a última vez”. Isso fora na noite anterior, quando eles acabaram na cama, fazendo amor até meio-dia...

O sorriso de Febo foi como uma carícia enquanto ele também se lembrava de tudo o que acontecera.

— Eu a encontrarei no nosso bar, doce Pamela. Como ontem.

Desta vez, nada impediu que ela batesse em retirada.


Capítulo 17


O tom opaco e insubstancial do portal cintilou quando as divindades gêmeas deixaram o mundo moderno de volta ao Olimpo. Apolo tinha o maxilar cerrado, e seus olhos brilhavam com uma raiva silenciosa. Com um gesto brusco, ele fez sinal para que a irmã o seguisse para fora do salão de banquetes lotado.

— Eu não tive a intenção — sussurrou Ártemis, contudo o olhar enviesado do irmão foi suficiente para fazê-la segurar a língua.

— Não até que estejamos em meu templo. Sozinhos — ele falou por entre os dentes, sorrindo e balançando a cabeça em um “não” educado para Afrodite, que acenou, tentando fazê-lo ir até a chaise em que ela se reclinava. A Deusa do Amor estava cercada por um grupo de ninfas Napeias que havia se livrado de sua já pouca roupa e praticava uma dança da fertilidade envolvendo complicadas ondulações do ventre.

— As Napeias são mesmo muito fofoqueiras — resmungou Ártemis, num tom conspirador.

Apolo lançou-lhe um olhar desgostoso.

— Todas as ninfas são fofoqueiras. Vocês todas são fofoqueiras.

— O que está querendo dizer com isso?

Ele a segurou pelo cotovelo.

— Não aqui. Não agora.

Os dois irmãos continuaram a abrir caminho pelos jardins olímpicos, respondendo com educadas saudações e declinando, pesarosos, dos convites para uma miríade de diversões e brincadeiras que lhes era oferecida, até alcançarem as portas douradas do templo de Apolo.

Tão logo se encontravam dentro dos aposentos particulares do deus, este se avultou sobre a irmã.

— Não acredito na cena estúpida que armou diante de Pamela! O que estava pensando? Se é que estava pensando!... Você quase estragou tudo!

— Quase estraguei tudo? — ela repetiu, irônica. — De que “tudo” está falando? Do caso tórrido que estão tendo? O vínculo continua, Apolo! Ainda posso sentir as correntes da invocação! Ainda estou ligada a ela. O que está acontecendo, afinal? Por que ainda não fez amor com ela?

Apolo desviou os olhos do olhar penetrante da irmã, e os olhos da Deusa da Caça se arregalaram.

— Você já fez amor com ela — concluiu Ártemis. — E não funcionou! Não atendeu aos desejos de seu coração.

Apolo assentiu, tenso. Caminhou até uma mesa com tampo de vidro, cuja base era esculpida na forma de sua carruagem de luz, e serviu-se de uma taça do vinho eternamente pronto para ser consumido.

— Você não fazia ideia de que não tinha cumprido o ritual de invocação.

Não era uma pergunta.

Após tomar um gole da bebida, Apolo respondeu:

— Não, nenhuma.

— Não compreendo o que está acontecendo — gemeu Ártemis. — Como anda seu desempenho? Ela correspondeu bem a você?

O deus fitou a irmã por cima da taça.

— Claro que correspondeu! Não sou nenhum jovenzinho inexperiente.

— Então a satisfez...?

Apolo fez uma careta.

— Claro que sim!

— Tem certeza? Você sabe, às vezes os homens acreditam que levaram a mulher ao orgasmo, mas...

— Ela não fingiu comigo! — Apolo berrou.

As paredes do templo cintilaram como a luz ofuscante da explosão de uma estrela. Ártemis cobriu os olhos às pressas, esperando que a ira do deus passasse.

— Bem, alguma coisa deu errado. — Espiou com cuidado por entre os dedos antes de abaixar a mão. Odiava quando a luz do irmão se expandia. — Talvez não tenha aplacado o desejo da mortal fazendo amor com ela apenas uma vez.

— Mas não foi apenas uma vez — contrapôs Apolo, passando a mão pelo rosto. — Fizemos amor a noite toda e também pela manhã. Pamela parecia tão satisfeita como eu.

— Há outra possibilidade. E se o verdadeiro desejo de Pamela não tem a ver com sexo? — Ártemis caminhou, inquieta, enquanto elaborava o problema em voz alta. — Apesar de que este permanece vinculado ao ato de fazer amor... Senti o vínculo entre nós se atenuar durante a noite. De qualquer modo, a conexão forjada pela invocação continua muito presente entre nós. Sendo assim, a mortal deseja mais do que sexo. — A deusa fez uma pausa, pensativa, enquanto se servia de um pouco de vinho. — Pude captar seus sentimentos, principalmente quando ela estava tentando deixá-lo, na piscina.

Os olhos de Apolo se fixaram na irmã.

— O que ela estava sentindo?

— Estava magoada, confusa e envergonhada.

Ele afundou em uma cadeira com um gemido.

Ártemis o observou, atenta.

— Você se importa com ela, não é? — perguntou em voz baixa.

Apolo ergueu a cabeça e encontrou seu olhar.

— Acho que estou apaixonado por Pamela.

— Apaixonado? — Ártemis balançou a cabeça. — Impossível. Ela é mortal! E, como se isso já não fosse o suficiente, é uma mortal do Mundo Moderno.

— Estou ciente disso — ele replicou por entre os dentes.

— Como pode saber? — zombou Ártemis. — Você nunca se apaixonou.

— Por isso mesmo acredito que eu esteja apaixonado! Já vivi por eras e nunca experimentei esta sensação.

— O quê...? Que sentimento tão forte é esse que está atribuindo ao amor? — Ártemis quis saber.

— Eu me preocupo mais com ela do que comigo. Sua felicidade é a minha felicidade, e sua dor me causa desespero.

A deusa o fitou como se ele estivesse com uma súbita e incompreensível erupção cutânea.

— Talvez isso passe, ou ao menos diminua com o tempo.

— O problema, minha querida irmã, é que eu não quero que isso aconteça. — Apolo sorriu, porém não havia humor em sua expressão. — Esta manhã eu estava tão seguro de mim. Pensei que o amor fosse simples, que eu houvesse encontrado minha alma gêmea. Que eu tinha feito amor com Pamela, e que ela devia sentir o mesmo por mim... Fui um arrogante, imbecil.

— Acredita que ela seja sua alma gêmea?

— Receio que Pamela possa ser, sim, minha companheira de alma.

— Se ela for, pela própria natureza desse vínculo, também deve amá-lo — concluiu Ártemis, tentando dar sentido à bizarra declaração do irmão.

— Talvez — ele murmurou, desanimado.

Ártemis bateu com os dedos no queixo.

— Bem, ela é mortal. Não devíamos estar tão surpresos com esta confusão. Talvez seja isso!

O verdadeiro desejo do coração de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida. Ela apenas chamou isso de romance, mas não pode ser tudo a mesma coisa? Romance, amor, desejo verdadeiro, almas gêmeas... Não são todas palavras que poderiam ser usadas para descrever o mesmo fenômeno? Se eu estiver certa, faz sentido que a invocação não tenha sido cumprida.

— Por que faz sentido? Se o verdadeiro desejo de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida, e eu sou sua alma gêmea, então por que a invocação não se cumpriu?

— Porque ela tem que reconhecê-lo e aceitá-lo como seu companheiro de alma, o que, obviamente, não aconteceu. — Ártemis descansou a mão em seu ombro. — As emoções que senti por meio do nosso vínculo não eram de amor e contentamento. Pamela estava magoada e confusa; não estava se sentindo amada.

Uma sombra desceu sobre os olhos de Apolo.

— Ela me contou que foi muito magoada por um homem no passado. E eu, muito arrogante, acreditei que apenas um toque do meu poder imortal e da paixão do meu corpo a curariam.

— Pois estava equivocado, meu irmão. Pamela precisa de mais do que isso.

— O amor é mais complicado do que eu imaginava — ele murmurou.

Ártemis deu-lhe um tapinha nas costas.

— Esse seu sofrimento me faz dar graças por eu não tê-lo experimentado ainda.

— Acho que estou começando a entender... O amor é um misto de sofrimento e enlevo, encerrado na pele macia de uma mulher — devaneou Apolo com o olhar perdido na distância.

— Por que não revela de uma vez quem você é? Traga-a para o Olimpo esta noite. Use seus poderes imortais para fazer o amor de Pamela vir à tona.

Apolo a fitou, contrariado.

— Isso não seria amor! Seria apenas um culto abjeto, ou uma mistura de medo e adoração.

— Aí está um exemplo perfeito de como você e eu discordamos. Não precisa usar seus poderes para conquistá-la, mas faz sentido. Que mortal não gostaria de ganhar o amor de um deus?

Pensando na arrogância de sua declaração anterior, Apolo sentiu desgosto por si mesmo. Não admirava que Pamela estivesse relutante em reconhecê-lo como sua alma gêmea.

— Algo me diz que Pamela não ficaria muito feliz em saber da minha verdadeira identidade.

Ártemis bufou.

— Os mortais modernos não são como as pessoas do Mundo Antigo — ponderou Apolo. — Eles fazem criaturas de metal obedecerem à sua vontade. Passam informações por intermédio de máquinas, não de magia e rituais. E nós estamos mortos para eles... Não. Pamela deve me amar primeiro como homem. Apenas depois disso poderei convencê-la a aceitar o deus.

— E como pretende fazer isso?

— Preciso amá-la como um homem ama uma mulher.

Ártemis ergueu as sobrancelhas numa indagação.

— Com o meu coração, e não com os meus poderes — ele explicou.

— E isso significa o quê?

— Quando eu souber lidar com tudo isso, terei obtido algo de valor inestimável: o amor de Pamela — declarou o Deus da Luz.

— Acha que consegue conquistar o amor dela até o amanhecer?

— Duvido.

Ártemis suspirou.

— Acho que eu deveria ficar grata por o vínculo entre Pamela e eu ter se atenuado. Agora é mais como uma coceira difícil de dar conta do que um incômodo constante me amolando. Baco sem dúvida se esmerou na dose de maldade com essa sua pequena travessura.

— Falou com ele?

— Não, ele tem se mantido conspicuamente ausente do Olimpo nestes últimos dias... — Ela encolheu os ombros. — ... Embora nunca tenha passado muito tempo por aqui. Baco há muito prefere a companhia dos mortais. Quando esta provação tiver terminado, precisamos nos lembrar de lhe dar uma lição por essa impertinência.

Apolo ficou em silêncio. Como poderia dizer à irmã que aquela “provação” nunca iria ter fim? Ele sabia muito pouco de amor, mas já tinha certeza de uma coisa. O amor não podia ser controlado. Não começava ou terminava sob a exigência de ninguém. Infelizmente.

— Apolo? Preste atenção! Eu perguntei quais são seus planos para esta noite!

— Eu não sei! — As paredes coruscaram, e o Deus da Luz refreou sua frustração. — Um jantar. Pamela pediu que eu a levasse para jantar. Você mesma ouviu.

A testa lisa de Ártemis se enrugou quando ela parou para pensar no que Pamela havia dito:

— Snackus Maximus ? Que tipo de nome é esse?

— Um péssimo nome.

— Eu ainda acho que deveria trazê-la para cá esta noite. Corteje-a no Olimpo, em seu próprio templo. O que poderia ser mais romântico?

— Ártemis, eu já expliquei a você que me recuso a utilizar meus poderes para ganhar o amor de Pamela.

— Então não use seus poderes, seu teimoso! Esta é a sua casa. Sem dúvida nenhuma, ela é muito mais bonita do que qualquer coisa que o Reino de Vegas tenha para oferecer.

Apolo considerou as palavras da irmã.

— Ela aprecia arquitetura antiga...

— Traga-a aqui, ora! Diga a ela que é uma parte exclusiva do Caesars Palace. Ao menos, assim, garantirá a privacidade de vocês.

— Acho que consigo usar meus poderes apenas o suficiente para disfarçar suas sensações conforme atravessamos o portal.

— Em seguida, traga-a para cá depressa, antes que qualquer outro dos Doze vislumbre sua presença.

Apolo estava começando a gostar da ideia.

— Eu não teria que me preocupar com acidentes, monstros de metal, ou com nenhuma outra daquelas distrações do Mundo Moderno. Poderia me concentrar em assegurar Pamela do meu amor. — Sem dizer que ele queria muito mostrar sua casa a ela e testemunhar sua reação à beleza do lugar. Mesmo que este não fosse apenas dele.

— Vou planejar o jantar eu mesma e colocar minhas próprias servas à sua disposição. As ninfas não são confiáveis.

— Excelente — concordou Apolo. — E lembre-se de pedir a elas que não me chamem de Apolo.

— Sim, sim... As meninas vão dar continuidade à sua pequena farsa, Febo .

— Estou em dívida com você, Diana — ele afirmou, sorrindo.

Ártemis devolveu o sorriso, pensando em como o irmão era charmoso e bonito. Pamela não seria capaz de resistir a ele. Não se ela, Ártemis, pudesse agir... O que decerto ela faria.

— Já que estamos acordados, temos muito que fazer. O tempo urge. Ao amanhecer Pamela precisa voltar ao Reino de Vegas. E, tomara, completamente encantada com Febo — completou a diva. Em seguida bateu as mãos duas vezes e, no tom autoritário da Deusa da Caça do Olimpo, chamou: — Servas, venham me assistir!

Em um piscar de olhos, doze belas moças se materializaram em uma nuvem de poeira prateada e cintilante que parecia ter se originado na luz da lua.

— Senhoras, meu irmão precisa da nossa ajuda. O que precisamos fazer é o seguinte...

Apolo observou o turbilhão de atividades até que a irmã o enxotou do quarto, lembrando-o de que era quase hora de ele se encontrar com sua amante. O Deus da Luz sorriu enquanto se preparava. Iria trazer seu verdadeiro amor para casa. Iria cortejar Pamela e amá-la ali, onde podiam ficar mais à vontade. Pamela veria que não precisava ter medo de se magoar outra vez.

Sentindo-se seguro dentro de seu próprio reino, Apolo teve a certeza de que nada poderia dar errado.

 


C O N T I N U A

Capítulo 9


Violinos encheram o ar em torno deles, música atraiu a água rumo ao céu e luzes antes ocultas destacaram a dança fluida.

Em seguida, um tenor começou a cantar. Pamela estremeceu conforme seu corpo correspondia à magnificência de sua voz. Era tudo tão inesperado, tão espantoso!... Os arcos de água se deslocavam em uníssono com os altos e baixos da orquestra, como se guiados pela mão de um competente mágico. Era inacreditável e maravilhoso... Assim como o beijo que parecia ter dado início a tudo aquilo.

Ao som da primeira nota, eles haviam se virado para as fontes e, enquanto suas emoções disparavam com a música, Pamela se deixou ficar, muito quieta, nos braços de Febo.

— O cantor é italiano, não é? — Recostou-se nele, inclinando a cabeça de modo a fazê-lo ouvir sua pergunta, mas sem tirar os olhos da água.

— Sim — assentiu Apolo. Seus olhos também não se desviavam do inacreditável espetáculo diante deles. — Ele está cantando algo sobre La Rondine ou “a andorinha” — murmurou, a voz grave soando como pano de fundo para a linda música, em vez de distraí-la. — Conta a história de uma pequena andorinha que migra para muito, muito longe, a fim de encontrar o amor em uma terra distante. Mas é evidente que a canção não se refere a um pássaro, e sim a uma amante, que o cantor teme ter perdido para sempre.

— Eu gostaria tanto de entender Italiano! — Pamela sussurrou.

Apolo a abraçou com mais força.

— Será que precisa? Tente ouvir a música com o coração, e irá captar sua alma.

Pamela tentou fazer o que ele dizia e, no crescendo, sentiu os olhos rasos de água. Entendeu realmente. Compreendeu a dor do amor perdido, dos arrependimentos e o medo da eterna solidão.

Quando a música terminou e a água ficou quieta e escura, permaneceu de costas para Febo, sentindo as batidas de seu coração, o calor do corpo sólido a envolvê-la.

— Eu não esperava encontrar tanta beleza aqui — ele falou baixinho, não querendo quebrar o feitiço que aquelas águas mágicas haviam lançado.

— Nem eu. — Pamela respirou fundo. — Aconteceu muita coisa nesta noite que eu não esperava.

Apolo a virou, de modo a deixá-la de frente para ele, porém a manteve solta no círculo de seus braços. Relutava em deixá-la se afastar, contudo não queria assustá-la. A noite também fora cheia de surpresas para ele. Naquele momento, pela primeira vez em todas as suas eras de existência, queria que uma mulher viesse até ele por vontade própria, não como uma donzela deslumbrada, arrebatada pela presença de Apolo, o Deus da Luz; tampouco como uma deusa sedutora, procurando um parceiro temporário com quem se divertir. Queria que Pamela o escolhesse como uma mortal escolhia seu homem.

— Eu não estava falando apenas das águas dançantes — sussurrou.

— Nem eu.

Quando ele se inclinou para beijá-la, não pôde evitar segurá-la pela nuca e mergulhar os dedos nos cabelos curtos e desgrenhados que tanto desejara tocar desde que a tinha vislumbrado. Pamela não se afastou dele, mas também não se entregou ao beijo. Seus lábios se provaram quentes e dóceis sob os dele, porém ela não os abriu num convite. Em vez disso, era como se fizesse uma pergunta e exigisse resposta antes de lhe dar permissão para continuar.

Pense! , Apolo ordenou a si mesmo. O que desejam as mulheres?

Percebeu, chocado, que, apesar de toda a sua experiência, não tinha certeza de como responder a tal pergunta. Concentrou-se, tentando ler o corpo frágil e, por intermédio deste, compreender o que Pamela buscava nele.

Com movimentos lentos, obrigou-se a ignorar o desejo inebriante que tocar Pamela evocava e, em vez de se comportar como um deus grosseiro e arrogante, manteve-se firme no controle. Beijou-lhe o lábio inferior com carinho, em seguida o prendeu com os dentes e o puxou, provocante, mas só por um momento. Mudou dos lábios carnudos para um beijo rápido na ponta do nariz, e foi recompensado por um sorriso que ele beijou nos cantos. Acariciou os cabelos curtos com os dedos enquanto roçava o rosto em seu ouvido e sussurrava:

— Gosto muito do seu cabelo. Ele faz que eu me lembre da cavalgada livre e cheia de orgulho das Amazonas. — Desceu os lábios um pouco mais. — E deixa seu pescoço tão mais sedutor...

Sentiu que ela estremecia e levantou a cabeça de maneira a fitá-la nos olhos, os quais ainda estavam preenchidos pela emoção que a música os fizera sentir.

— Eu quero que você seja exatamente o que parece — ela falou baixinho. — Não quero outro homem que finge ser uma coisa enquanto é outra.

Apolo sentiu o coração congelar.

— No início desta noite, admiti algo para mim mesma que eu vinha escondendo por muito tempo. Admiti que, embora satisfeita, não sou muito feliz. Eu me fechei, desisti até mesmo de tentar buscar a felicidade. — Um breve sorriso iluminou a expressão séria de Pamela. — Então fiz um desejo bobo... Em voz alta. Acho que eu estava desejando, na verdade, ser capaz de confiar nos meus instintos outra vez.

— E o que seus instintos lhe dizem sobre mim? — ele perguntou.

Ela inclinou a cabeça e o fitou.

— Eles me dizem que você é mesmo diferente. Nunca conheci um homem assim.

— Posso assegurar que os seus instintos estão corretos.

Ele se inclinou para beijá-la outra vez, desta vez com toda a paixão que sentia, mas, antes que seus lábios tocassem os dela, a céu se abriu, e uma chuva constante começou a cair.

Pamela soltou um gritinho e segurou a minúscula bolsa sobre a cabeça em uma tentativa inútil de se proteger.

Apolo fez uma careta e olhou ao redor. Chuva no meio de uma noite no deserto? Não importava o quanto o mundo moderno se tornara estranho, não podia haver alteração nos padrões climáticos.

Os deuses, entretanto, podiam fazê-lo. Aquela chuva era muito suspeita, pois tinha a marca da interferência dos imortais. Provavelmente era Baco, aquele infeliz, aprontando de novo.

As pessoas ao redor deles correram em direção aos edifícios e, com habilidade, Apolo guiou Pamela em meio aos mortais até a árvore mais próxima. Com um movimento quase imperceptível da mão, solidificou as folhas acima deles, transformando-as em uma massa única que os abrigou da chuva. Abraçou-a, e juntos eles ficaram observando o aguaceiro.

— Que tempo esquisito! — comentou Pamela, enxugando a água do rosto. — Pensei que quase nunca chovesse aqui. Ah!... — Franziu a testa ao olhar para os sapatos. — Acho que arruinei os meus maravilhosos Jimmy Choo!

Apolo sorriu de lado.

— Como consegue andar sobre essas lâminas?

Pamela chacoalhou um pé, analisando o sapato encharcado enquanto ele admirava a panturrilha bem-torneada.

— Andar sobre um salto dez é a marca registrada de uma mulher de verdade. — Passou a mão pelos cabelos, fazendo-os ficar ainda mais desgrenhados. — Quem iria imaginar que uma árvore tão pequena ofereceria tanta proteção? — Olhou para cima. — É como um guarda-chuva verde!

— Nem tanta assim — ele replicou, apontando para cima em um movimento rápido que fez uma ou duas gotas vazar de sua divina proteção. — Pelo menos a chuva afugentou aquela multidão.

Sem dar à árvore outro olhar, Pamela sorriu e acenou com a cabeça.

— É como se estivéssemos no nosso mundinho.

Apolo tocou uma mecha do cabelo curto.

— Pois acho que estamos, mesmo.

Em seguida, em meio ao véu de chuva e intimidade, as fontes ganharam vida mais uma vez, e a voz sexy de Faith Hill soou ao redor deles como se brotasse da água:


I don’t want another heartbreak, I don’t need another turn to cry.

I don’t want to learn the hard way, baby, hello, oh no, good-bye...


Desta vez, eles não prestaram muita atenção ao show.

— É você quem está fazendo isso? — Pamela indagou num sussurro. — Pagou a eles para tocarem essas músicas?

Apolo balançou a cabeça e emoldurou o rosto delicado com as mãos.

— Mas elas têm tudo a ver com você, não têm? É a andorinha, assim como a mulher que não quer chorar outra vez.

Pamela só pôde concordar.


This kiss, this kiss!...


Como se a música tocasse só para eles, Apolo a puxou para os braços e a beijou. Beijou-a como um homem que queria manter sua amada afastada da dor, da mágoa e da tristeza. Os lábios de Pamela se apartaram, e ela o aceitou. Conforme o fez, Apolo sentiu que algo se abria dentro dele, como se uma trava tivesse sido desbloqueada e um alçapão fosse escancarado, permitindo a entrada do que faltava para preencher sua alma.

Os braços de Pamela subiram para segurá-lo, e ele se esqueceu do monte Olimpo, esqueceu-se do Mundo Moderno dos mortais. Sua realidade se resumiu no gosto, no toque, no cheiro de Pamela.

Ela gemeu e estremeceu, e o mundo se interpôs entre eles novamente. As fontes voltaram a se apagar, e o vento e a chuva se intensificaram.

— Está gelada! — Apolo a esfregou nos braços, condenando a própria insensibilidade. Enquanto ele se deixara perder pelos encantos de Pamela, ela ficara encharcada. — Precisamos voltar. Pode ficar doente se continuar assim.

— Febo. — Ela o puxou pelo braço, mantendo-o sob a pequena árvore. — É verdade que talvez devêssemos voltar para o hotel, mas eu não estava tremendo por causa da chuva. Mesmo que eu pareça meio... — limpou uma gota de chuva que lhe escorria pela testa e sorriu — ... ensopada , não sou nenhuma florzinha de estufa. Não derreto, e amei cada segundo deste nosso beijo na chuva.

Apolo sentiu o aperto no peito se dissolver conforme seu coração reconheceu o calor no olhar dela. Não era o único que sentia aquela conexão entre eles.

E, bem lá no fundo, seus instintos lhe diziam que era aquilo o que homens e mulheres buscavam. Era aquela a dança de amor dos mortais.

— De qualquer forma, estou mesmo encharcada, e parece que essa chuva não vai melhorar tão cedo — Pamela prosseguiu, olhando o aguaceiro que os rodeava.

Apolo acompanhou seu olhar. Ele poderia, claro, impedir que as gotas os tocassem durante todo o caminho de volta ao Caesars Palace, mas não teria como explicar tal façanha.

— Quer saber? Vamos correr de volta para o Palace — decidiu Pamela, sorrindo para ele.

— Não pode correr com esses sapatos — ele lembrou, apontando-lhe os pés.

— Estamos em Las Vegas... Quer apostar? — E, sem esperar por resposta, ela disparou para o meio da chuva, gritando.

Rindo, Apolo a seguiu, permanecendo pouco atrás dela; o suficiente para que pudesse assistir os quadris redondos se movendo com graça enquanto ela corria com passos pequenos e femininos. Não se lembrava da última vez em que se sentira tão jovem ou feliz.

Nenhum deles prestou muita atenção à rua. Apolo não tirava os olhos de Pamela, e ela corria, lançando-lhe olhares por cima do ombro.

— Estou ganhando a aposta! — gritou a certa altura.

Um barulho a fez olhar para a frente, e Pamela soltou uma exclamação. A rua! Tinha se esquecido do quanto esta se encontrava próxima dela!

Tentou parar, porém o salto agulha ficou preso em uma rachadura na beira da calçada. Desequilibrando-se, ela agitou os braços na tentativa de endireitar o corpo, porém sentiu uma dor horrível e lancinante no tornozelo, tombando para a frente.

Sempre antes que coisas terríveis acontecessem , pensou Apolo, como a morte de Heitor, ou quando Ártemis perdera a paciência com Acteão, o tempo parecia diminuir de ritmo, prolongando o evento, desdobrando-se diante dele como resina de pinheiro pingando e descendo por uma tediosa trilha através da casca áspera de uma árvore .

Não foi assim com o acidente de Pamela, contudo. Tudo ao redor pareceu se acelerar com força sobre-humana. Em um instante ela sorria para ele por cima do ombro, no outro balançava perigosamente na beirada da rua, projetando-se bem na frente dos monstros de metal.

Apolo sentiu a morte pairar no ar em torno deles e não perdeu tempo sendo racional. Agiu por impulso, guiado por seu coração imortal que, de repente, se afligira com a ideia de perdê-la.

— Não! — Ele pulou na direção de Pamela com uma velocidade impossível de ser acompanhada pelos mortais. Estendeu a mão, a palma aberta, o grito causando uma explosão sônica que repeliu os carros para longe do corpo em queda de Pamela.

Ela não chegou a aterrissar no concreto molhado. Apolo não podia permitir isso.

Com sobrenatural rapidez, ele a segurou e puxou de volta para a calçada.

Pneus guincharam e ouviu-se o som de carros batendo. Buzinas cortaram a noite, mas, em meio à chuva e ao vento, ninguém pareceu notar o deus que causara tudo isso. O deus que agora se ajoelhava na calçada alagada, amparando uma mortal junto ao peito.

— Meu tornozelo... — A voz de Pamela falhou com a dor e o choque. — Acho que está quebrado!

Apolo puxou o sapato do pé delicado. Conforme o fez, sentiu através da pele o osso que havia torcido até partir e se encolheu, imaginando a dor. Rapidamente, passou a mão sobre o local, ordenando em pensamento que suas terminações nervosas cessassem a agonia de Pamela.

Quase no mesmo instante, sentiu sua respiração normalizar conforme ela relaxava. Em um movimento suave, ele a ergueu nos braços.

E o Deus da Luz avançou como um raio de sol escaldante através da chuva e dos carros destruídos.

Mais tarde, testemunhas do engavetamento bizarro na esquina da Las Vegas e Flamingo falavam de um homem alto que tinham vislumbrado em meio à chuva naquela noite. Diziam que ele carregava uma mulher, mas não podiam afirmar com certeza, pois tudo de que podiam se lembrar era da forma estranha como seus olhos cintilavam. Também não podiam dizer bem como ele era porque seu corpo parecia cercado por uma luz... como se ele brilhasse com o fogo do Sol.


Capítulo 10


— Ela precisa ser levada para o quarto! — Apolo berrou para o porteiro do hotel, o qual fitava com os olhos arregalados o espectro dourado que parecia ter surgido do nada na noite chuvosa. A aparição carregava o corpo úmido de uma pequena mulher calçando apenas um sapato.

— Os elevadores ficam ali no canto, senhor.

A confusão de Apolo diante das palavras estranhas se transformou em raiva. O que era, exatamente, um elevador?!

— Mostre-me onde fica o quarto dela ou vou esfolá-lo vivo! — rosnou, irado.

— Qual o número do quarto? — guinchou o rapaz.

— Mil cento e vinte e um — Pamela falou contra o ombro de Apolo.

Apolo olhou para o porteiro, e o rapaz assentiu, saindo em disparada à sua frente, através das portas giratórias.

O Deus da Luz apertou os dentes quando a caixa de metal em que entraram se fechou. O menino apertou um botão redondo onde se lia “11”, e este se iluminou conforme a caixa começou a se mover.

Apolo sentiu o estômago se contrair e segurou Pamela com mais força contra o corpo. Baco não explicara nada sobre aquela forma de transporte mecânica, e ele não estava gostando nem um pouco da experiência.

Por sorte, a jornada foi curta, e as portas se apartaram sem problemas.

Ele seguiu o rapaz por um corredor coberto por um tapete macio. Estatuetas decoravam nichos, e lustres pendiam do teto trabalhado.

Pararam em frente a uma porta que ostentava o número “1121” em metal dourado, e o porteiro olhou para Apolo. Apolo devolveu o olhar e o rapaz pigarreou, nervoso. Pamela entregou a pequena bolsa que ainda segurava junto ao peito ao menino.

— Está aí dentro.

Engolindo em seco, o rapaz abriu a bolsinha, extraiu dela o cartão-chave e o passou pela fechadura, abrindo a porta. Apolo entrou e bateu a porta atrás deles apenas com o pensamento.

— Devia ter dado uma gorjeta para ele — Pamela disse baixinho.

— Eu devia tê-lo esfolado, isso sim — murmurou o deus.

Hesitou na entrada da suíte, avaliando os arredores. Havia um quarto enorme com um divã, duas poltronas laterais, forradas de seda, e um imenso armário. Portas com pintura imitando mármore se encontravam semiabertas, revelando parte de uma cama gigantesca.

Decidido, ele rumou naquela direção.

Pamela gemeu quando ele a deitou em cima do grosso edredon de seda. Sentiu um arrepio no corpo e seus dentes começarem a bater.

— N-não sei por que estou d-de repente com tanto frio! — gaguejou, confusa.

Apolo sabia o porquê. Ela estava em choque. E ele não tinha curado seu tornozelo; apenas bloqueara temporariamente parte da dor.

Sentou-se na borda da cama devagar e tocou-lhe o rosto, querendo que ela relaxasse.

— Precisa descansar. Confie em mim. Vou dar um jeito nessa dor.

Ele observou conforme sua hipnótica sugestão fez as pálpebras dos olhos enormes e cor de âmbar começarem a pesar.

— Eu não... — Pamela começou, sonolenta, perdendo o fio do raciocínio em seguida. Ainda lutando contra a estranha letargia que tomara conta dela, piscou. — Estou molhada... Há toalhas ali... — Fez um gesto fraco na direção do banheiro.

— Primeiro o tornozelo.

Quando ela fechou os olhos e não mais os abriu, Apolo se ajeitou melhor na extremidade da cama.

Balançou a cabeça. Pamela se encontrava bastante ferida. Seu tornozelo estava com o dobro do tamanho normal e muito branco. Ele podia ver onde o osso se partira, fazendo que o pé delicado pendesse em um ângulo estranho.

Segurou o pé de Pamela entre as mãos e fechou os olhos, concentrando-se. Mapeou seu esqueleto mentalmente, sem pressa, revendo a posição de cada osso, músculo e nervo, e então viu a fratura.

Suas mãos começaram a se aquecer.

Que se faça a cura! , ordenou o Deus da Luz. Que todo o sofrimento seja cessado e seu bem-estar retorne , livrando-a da dor.

A intensidade do brilho entre as mãos de Apolo teria cegado Pamela caso estivesse ela consciente para testemunhar seu esplendor.

Porém, ela continuava desacordada. Dormiu durante o tempo todo em que Apolo reuniu seus vastos poderes para emendar seus ossos quebrados e pôr um fim à sua dor.

Muito mais tarde, quando ele terminou, enfim, levantou-se e foi para a pequena sala ao lado do quarto de dormir. Lá encontrou várias toalhas e um roupão branco e grosso.

Trouxe-os para junto de Pamela e hesitou. Ele poderia despi-la com facilidade, e ela não iria despertar. Estava certo disso.

O tecido molhado do vestido moldava o corpo esbelto, revelando as curvas suaves e os seios redondos. Ela era como uma terra exuberante aguardando por sua exploração...

Não . Sua mente se esquivou da ideia de ver o corpo nu sem seu consentimento ou conhecimento.

— Pamela? — chamou baixinho.

O chamado a fez despertar do transe induzido.

— Ahn?... — ela indagou, sentando-se e olhando ao redor. — O que aconteceu? Meu tornozelo... — Inclinou-se para a frente e depois parou, franzindo a testa. — Mas... ele estava péssimo, como se estivesse quebrado! Eu podia jurar que já estava inchado. Agora parece normal. — Num teste, flexionou e girou o pé em um movimento circular. — Está ótimo!

— Você só precisava descansar. Foi apenas uma entorse. — Apolo entregou-lhe uma toalha, e Pamela secou o rosto, distraída.

— Estou me sentindo uma idiota. Você me carregou até aqui, e debaixo de chuva.

— Eu sou médico. Apenas fiz meu trabalho.

Pamela o fitou. Febo estava ensopado, a camisa grudada aos músculos do peito como seda líquida, o cabelo se enrolando em gavinhas úmidas em torno da testa.

E aqueles olhos!... A letra da música de Faith Hill os descrevia com perfeição: impossíveis, irrefreáveis, inimagináveis, insondáveis.

— Pelo visto foi sorte minha tê-lo por perto. — Com um esforço, ela desviou o olhar do dele e, apanhando uma toalha, começou a secar o cabelo com mais entusiasmo do que o necessário.

Apolo a observou. Pamela estava molhada, desgrenhada; o cabelo, uma verdadeira bagunça. Tinha as roupas encharcadas e continuava apenas com um sapato, que agora manchava o edredon cor de marfim.

Sentiu o coração se apertar. Nunca se sentira tão atraído por uma mulher, mortal ou deusa, em toda a sua existência.

— É melhor eu ir embora — falou de súbito.

Pamela espiou através de uma dobra na toalha.

— Já? — Olhou para o relógio molhado que, por sorte, era à prova de água. Já passava das quatro da madrugada. — Nossa, eu não sabia que era tão tarde!... — comentou, lembrando a si mesma que Febo era um estranho e que, embora as chances de ele ser um estuprador ou um serial killer fossem mínimas — principalmente depois de ele tê-la “salvado” —, estavam sozinhos naquele quarto de hotel, no meio da noite. A situação tinha todos os ingredientes daqueles filmes baratos que nunca acabavam bem.

— Sim, já é tarde. — Ele não queria ir; por isso mesmo sua consciência lhe dizia o contrário.

— Sua irmã deve estar preocupada e se perguntando o que aconteceu com você.

Apolo empalideceu.

— Nem imagina o quanto.

Sua expressão fez Pamela sorrir.

— Ah, imagino, sim. Meu irmão costumava ficar andando de um lado para o outro e berrar comigo feito um alucinado por eu ficar fora até tarde e deixá-lo preocupado.

Ele torceu os lábios.

— Ela certamente vai querer saber o que me tomou tanto tempo.

Pamela inclinou a cabeça para o lado, num gesto que Apolo aprendera a gostar, pois já se tornara familiar.

— E o que vai dizer?

— Vou dizer que me atrasei por conta de um incidente. — Ele caminhou até ela e, com um movimento fluido, ajoelhou-se a seu lado, na cama, tocando-lhe o tornozelo com cuidado. Acariciou-o, então, deixando os dedos avançar um pouco mais, até a panturrilha, e sentiu, mais do que viu, Pamela respirar fundo. — Um delicioso e inesperado incidente...

Pamela engoliu em seco. Ela mal podia respirar quando Febo a fitava e tocava daquela maneira. Queria tanto pedir que ele não fosse embora, que passasse o restante da noite ali com ela!...

Sentiu o estômago se apertar. Não devia desejá-lo tanto, nem tão depressa. Afinal, Febo era um estranho. Um estranho lindo, sexy ... maravilhoso.

Apolo reconheceu as emoções desfilando, claras, em seu rosto. Era óbvio o que Pamela queria. Via o desejo em seus olhos. Poderia tê-la, poderia tomá-la nos braços e completar sua sedução. Era isso o que ele deveria fazer. Era o que Ártemis esperava e o que ele tinha planejado. Pamela não havia dito que desejava fazer amor ao expressar seu desejo em voz alta e completar a invocação, porém tal necessidade se encontrava patente em suas palavras. Ele a reconhecera, assim como Ártemis. Dessa forma, de modo a cumprir a invocação, ele precisava fazer amor com ela.

Mas e depois?

O súbito pensamento soprou em sua mente como uma inesperada tempestade de inverno. Talvez a invocação tivesse lançado algum tipo de feitiço sobre Pamela, e o desejo que ele via em seus olhos fosse apenas o resultado de uma poderosa magia das ninfas. Se isso fosse verdade, tão logo eles fizessem amor, o feitiço seria quebrado e ela não mais o desejaria. Deixaria de olhar para ele com aqueles olhos inteligentes, expressivos, que se tornavam da rica cor do mel quando ele despertava sua paixão terrena.

O pensamento o abalou a ponto de deixá-lo perdido e enjoado, e Apolo se pôs de pé.

— Preciso ir. Não... — Fez sinal para que Pamela continuasse na cama quando ela fez menção de se levantar. — Precisa poupar esse tornozelo. Durma com o pé elevado esta noite, e amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido.

Pamela sentiu o peito se apertar quando Febo virou-se para a porta. Ele havia dito que explicaria sua ausência para a irmã como um acidente. Estaria dizendo que o encontro deles fora isso?... Que, após aquela noite, não iriam se ver outra vez?

— Então, amanhã será como se esse acidente nunca tivesse acontecido com você, também?

Só percebeu que expressara seu pensamento em voz alta quando as palavras o detiveram. Febo se voltou, e seus brilhantes olhos azuis pareceram cintilar ainda mais. Ele levantou a mão que pouco tempo antes acariciara seu tornozelo e a exibiu para ela com a palma aberta.

— Amanhã eu ainda vou sentir sua pele contra a minha. Vou continuar com o seu gosto na boca. Amanhã o vento ainda vai trazer seu perfume até mim... Como eu poderia me esquecer?

— Então eu o verei de novo — ela concluiu, meio sem fôlego.

— Eu não ficaria longe de você nem mesmo se quisesse. E eu não quero. Estarei no nosso café outra vez, amanhã, na mesma hora em que nos encontramos esta noite. Até lá, minha doce Pamela, só vou pensar em você.

Quando Febo deixou a suíte, Pamela sentiu como se, de repente, o Sol tivesse caído do céu. Olhou para o relógio e começou a contar as horas até o momento em que o veria novamente.


Ártemis esperou no corredor escuro que se originava de uma discreta entrada de serviço do Caesars Palace. Aguardou ao lado da porta de um suposto armário que, na verdade, era o portal que conduzia a outro mundo.

Cruzou os braços e suspirou. Havia dito a Apolo que esperaria por ele no Olimpo, mas, conforme a noite minguara, fora ficando cada vez mais inquieta. Era tarde, já estava quase amanhecendo, e ela ainda sentia as amarras que a atrelavam à mortal.

Por que o Deus da Luz estava demorando tanto tempo para seduzi-la?

Um homem alto, vestido com roupas encharcadas, dobrou uma esquina e se aproximou dela. Sem pensar duas vezes, Ártemis levantou o dedo a fim de forçá-lo a fazer meia-volta e usar outra saída, mas o estranho a surpreendeu, caindo na risada.

— Seus truques não funcionam comigo, minha irmã — declarou Apolo.

Ártemis arregalou os olhos ao reconhecê-lo.

— Apolo? Pelas barbas de Zeus! O que aconteceu com você?

Ele deu de ombros e tirou a camisa molhada.

— Um acidente.

— Acidente!? Mas... e quanto aos seus planos de sedução?

— Vão bem, obrigado.

— Bem! — Ártemis quase gritou de frustração. — Como podem estar indo bem se eu ainda sinto o vínculo da invocação?

— Essas coisas levam tempo, Ártemis. Pamela não é uma cidade para ser dizimada, ou uma fortaleza a ser atacada e saqueada. É uma mortal que deseja romance.

— Sei muito bem disso. O que não entendo é por que ainda não a levou para a cama.

— Porque não é o que ela deseja verdadeiramente — respondeu Apolo.

Os olhos de Ártemis se estreitaram diante do tom estranho e contido na voz do irmão.

— Ter o Deus da Luz em sua cama não é o que ela deseja de verdade? Acho difícil de acreditar.

Apolo suspirou.

— O que diria se eu lhe dissesse que dormir com Pamela esta noite também não é o que eu desejo?

Diria que isso era mais fácil de compreender , pensou Ártemis. Ela havia imaginado que Apolo achara a mortal atraente, mas, pelo visto, ele mudara de ideia.

— Bem — ela recomeçou devagar —, isso tudo é culpa de Baco, portanto ele vai ter que dar um jeito nessa história. Talvez possa usar o mais potente de seus vinhos para induzi-la a um estado de desejo. Ele também é um deus, e suponho que já tenha seduzido mortais antes, por mais repulsivo que possa ser imaginá-lo envolvido em tal ato.

— Não! — a palavra pareceu explodir de Apolo. — Aquele infeliz não vai tocá-la!

Ártemis franziu as sobrancelhas finas, confusa.

— Apolo, seja claro! Em um momento diz que não deseja a mortal, e, no seguinte, está pronto a defendê-la de outro deus, como se fosse aquele tolo do Paris, e ela, sua Helena!

— Eu disse apenas que não queria ir para a cama com Pamela esta noite; não que eu não a deseje. A moça se feriu — ele deixou escapar quando a irmã o fitou em silêncio. — E, logicamente, eu a curei... Sem seu conhecimento — acrescentou depressa, antes que Ártemis falasse alguma coisa. — Levá-la para a cama em seguida seria abominável.

Os olhos penetrantes da deusa viram o desconforto velado no rosto de seu irmão. Apolo não estava sendo honesto. Não com ela e, talvez, nem mesmo consigo.

De qualquer forma, ela poderia afirmar, apenas pelo modo como ele cerrava o maxilar, que o deus não lhe revelaria mais nada.

— Amanhã?

Apolo assentiu com firmeza.

— Amanhã.

— Muito bem. Então vamos para o Olimpo. Creio que eu já esteja cansada do mundo mortal.

Apolo abriu a porta do armário e fez um sinal para que ela o precedesse através do portal brilhante, que cintilava com as cores de uma concha. Estava voltando para o mundo deles, contudo não tinha a menor intenção de se retirar para o Olimpo.

Assim, deu um boa-noite distraído para a irmã e se transportou para o único lugar em que, sabia, poderia encontrar ajuda.


Capítulo 11


Fora uma surpresa, tanto para Apolo como para o restante dos olímpicos, descobrir que a deusa que havia ganhado o coração supostamente frio de Hades não era uma deusa. Que Deméter trocara a alma de sua filha, Perséfone, pela de Carolina Francesca Santoro, uma mortal do mundo moderno. Deméter quisera domar sua despreocupada filha, e a troca lhe parecera uma excelente oportunidade para amadurecer Perséfone, assim como apresentara outro excelente benefício secundário: o de a empresária mortal, muito mais madura, trazer ao Submundo sua presença calma e feminina.

Já o senhor do Submundo cair de amores pela mortal disfarçada de deusa fora um desfecho inesperado.

Apesar de que, pensou Apolo, tão logo ele conhecera Carolina ou Lina, como Hades a chamava, não demorara muito a compreender por que o Deus do Submundo ficara tão apaixonado pela moça. Lina era sábia e dona de uma exuberância única que brilhava como um farol de dentro dela.

Apolo sorriu. Ele sempre se sentira atraído pela risada de Lina, e agora entendia por quê. Seu riso carregava o som de sua alma mortal na voz do corpo que ela habitara por algum tempo: o da deusa Perséfone. E, dentro dessa alma mortal, ele escutava o eco da alegria terrena de Pamela.

— Quer dizer que a mortal já o conduziu para o inferno...

— Carolina, não o perturbe. — Hades sorriu com carinho para sua alma gêmea.

— Está exibindo o seu lado sensível de novo, meu amor — provocou Lina no tom zombeteiro que apenas ela poderia usar com o Deus do Submundo.

Hades bufou.

— Não é que eu seja sensível. Simplesmente compreendo muito bem o caos que uma mortal moderna pode causar na vida de um deus...

Lina ignorou de propósito as palavras do marido e voltou a atenção para Apolo. O deus dourado tinha descartado a roupa molhada com que chegara e agora vestia uma das confortáveis vestes de seu marido. Ela e Hades, por sua vez, descansavam em seu cômodo particular e bebiam ambrosia.

Apolo os visitava com frequência desde que se tornara do conhecimento de todos que uma mortal se transformara na Rainha do Submundo; e os três haviam se tornado grandes amigos. O Deus da Luz devia estar relaxado e se sentindo em casa na companhia deles, mas, ao contrário, seus nervos pareciam estar à flor da pele. Ele não conseguia ficar sentado. Andava, inquieto, diante da imensa janela que dava para os belos jardins da parte de trás do palácio, sem prestar atenção à bela vista.

— Não sei com o que está tão preocupado. Pelo que nos disse, Pamela me parece muito interessada em você — concluiu Lina.

— É exatamente disso que não tenho certeza! É em mim que ela está interessada, ou se trata apenas desse maldito poder da invocação?

— Isso é fácil de descobrir — opinou Hades. — Basta fazer amor com Pamela. Se ela sumir da sua vista depois, era o feitiço que a atraía. Do contrário é você mesmo.

Apolo fez uma careta, sem saber por que estava tão pouco disposto a testar o carinho de Pamela. Não seria mesmo simples? Por que a ideia fazia seu estômago se contrair?

— É assustador, não é? — A voz suave de Lina interrompeu seu turbilhão interior. — Trata-se de algo que nós, mortais, conhecemos muito bem: o medo da rejeição. No entanto, para conhecer o amor verdadeiro, precisa estar disposto a se abrir para a possibilidade de ser magoado. Eu gostaria de ter uma solução menos difícil, mas não tenho.

— Então é sempre difícil assim.

Lina sorriu, compreensiva, diante da expressão sofrida do deus dourado.

Sentado a seu lado, Hades deslizou a mão para a dela e, por um momento, eles partilharam um olhar.

— Só é difícil assim quando gosta mesmo da pessoa — ela enfatizou.

O rosto de Apolo empalideceu.

— Posso me apaixonar por ela? — Ele articulou as palavras como se tivesse acabado de dar nome a uma nova praga.

Lina assentiu com um gesto de cabeça, tomando o cuidado de segurar a risada que ameaçava escapar. Pobre Apolo!... Ele estava tão arrasado!

— Receio que sim.

— Anime-se! — incitou Hades. — Amar uma mortal não é tão terrível assim.

— Que bom que disse isso — Lina emendou, travessa.

Hades apenas riu e a beijou no topo da cabeça.

— Ela não sabe quem eu sou — Apolo prosseguiu, tenso. — Pamela pensa que sou um médico e músico mortal. Talvez não seja o feitiço. Talvez ela possa se apaixonar por mim também... Mas isso não vai mudar quando ela descobrir que estou fingindo ser alguém que não sou?

— Não permita que ela fuja de você. — A voz de Hades tornou-se grave, e sua mão apertou a de Lina conforme ele se lembrava de como quase a tinha perdido por conta do próprio orgulho.

— Apolo, precisa ter certeza de que está mostrando a ela seu verdadeiro “eu” — aconselhou Lina, escolhendo cuidadosamente as palavras. — Essa é a parte mais difícil quando se ama alguém. Tem que se desnudar para que dê certo. Se conseguir fazer isso, de repente vai perceber que não é um deus, um médico ou um músico, mas apenas um homem apaixonado. E se ela corresponder ao seu amor, também vai se dar conta disso.

— E se não corresponder? — Apolo perguntou.

Lina respondeu com sinceridade:

— Se não corresponder, vai ficar magoado.

— Vale a pena arriscar — afirmou Hades, encontrando o olhar da amante. — A chance de se conhecer o verdadeiro amor vale qualquer coisa.

Em resposta, Lina lhe tocou o rosto em uma carícia suave.

Apolo observou o casal. Às vezes Lina e Hades pareciam se falar numa linguagem secreta. Eles se entendiam como se tivessem sido feitos um para o outro.

Por todos os deuses! , Hades havia mudado muito desde que Lina entrara em sua vida. Era como se amá-la tivesse descortinado um mundo novo para ele. Se uma vez o Deus da Escuridão fora ensimesmado e retraído, agora parecia em paz, até mesmo afável. Lina tinha transformado Hades em um ser mais completo.

E ele, Apolo, desejava aquela mesma completude.

— Vou dar um fim a essa história — proclamou, decidido. — Farei amor com Pamela. Se for apenas o feitiço o que a faz se sentir atraída por mim, preciso saber.

Apolo parecia disposto a aceitar o desafio, concluiu Lina.

Então seu rosto mudou mais uma vez, e ele passou a mão pela testa como se pudesse, com isso, afastar suas preocupações.

— Mas, se não é um feitiço, como faço para manter o afeto de Pamela? — Ele piscou, confuso, voltando-se para ela. — O que desejam as mortais modernas, afinal?

— Isso não é mistério nenhum, Apolo. — Lina sorriu. — Desejamos a mesma coisa que você deseja, o mesmo que Hades quer: alguém que nos ame como somos realmente, sem disfarces, sem fingimentos, sem nenhum tipo de jogo. — Ela se levantou e aproximou-se do deus dourado, colocando a mão em seu braço. — Consegue fazer isso, amigo? Não é como correr atrás de ninfas e deusas. Aliás, é bem menos encantador.

Apolo pensou sobre como o mundo tinha desaparecido quando Pamela relaxara em seus braços, e como a crescente confiança em seus olhos o fizera sentir-se mais divino do que todas as glórias do Olimpo. Em seguida, pensou no terror que experimentara ao vê-la desabar bem na frente das máquinas de metal. Se ele não tivesse usado seus poderes, Pamela teria sido esmagada, morta...

Passou a mão pela testa outra vez.

— Estou cansado de encantamentos. Acredito que prefiro o amor — falou baixinho.

— Boa escolha, querido. — Na ponta dos pés, Lina deu-lhe um rápido e fraterno beijo. — Ah... Creio que deva dizer a Pamela quem você é o mais breve possível. — Lançou um olhar de soslaio para Hades. — Acredite, é melhor partir logo para a verdade.

— Sim, sim, farei isso. — Distraído, Apolo não parecia ouvi-la. — Obrigado, meus amigos. — Ele lhe afagou a mão e, depois, se afastou dela, preparando-se para se transportar de volta a seu palácio olímpico. — Talvez eu devesse levar um presente para ela... — Suas palavras flutuaram através da câmara conforme seu corpo oscilou e, em seguida, desapareceu.

— Creio que o coração do Deus da Luz já será um bom presente — Lina murmurou, soltando um pesado suspiro.

Hades encolheu um ombro.

— Uma joia nunca foi má ideia.


Pamela acordou aos poucos. Esticou-se e, em seguida, abraçou o travesseiro, sonolenta, pensando que algo maravilhoso estava para acontecer naquele dia. Em meio ao estado de vigília e o sono, entretanto, não conseguia se lembrar muito bem do que era.

Sentia-se maravilhosa. Tinha o corpo descansado, mas, ainda assim, encontrava-se cheia de ansiedade.

Um facho de luz irrompeu por entre as cortinas de brocado que estavam quase cerradas, brincando em suas pálpebras e fazendo-a se lembrar de raios dourados de sol, de calor... e de olhos brilhantes, da cor da água-marinha.

Em seguida, ela recordou a noite anterior, beijos na chuva... Febo!

Seus olhos se abriram.

Merda! Como podia ter se esquecido? Iria encontrá-lo naquela noite, às oito horas.

Olhou para o relógio de cabeceira e sentou-se na cama. Era quase meio-dia! Ela, uma madrugadora, dormindo até a hora do almoço?...

Bem, também fora uma mulher que tinha evitado homens e romance por vários anos, e se lembrava bem de, na noite anterior, ter derretido nos braços de um estranho.

Abraçou os joelhos contra o peito, sentindo o coração bater de emoção. Não era nenhuma bruxa velha. Era jovem e estava viva! Aproveitara uma oportunidade e se dera bem. E que oportunidade!...

Um arrepio delicioso lhe percorreu o corpo conforme se lembrava de como se sentira quando Febo a envolvera nos braços. E aquela boca!... O beijo dele ficara gravado nela, desde seus lábios até os dedos dos pés.

E se ele era tão bom beijando, como não seria fazendo outras coisas?...

O telefone tocou, arrancando-a do sonho erótico.

— Olá, Ve — falou, sem olhar para o número de identificação no visor.

— Está sozinha? — Ve quis saber num calculado sussurro.

— Sim. — Pamela mordeu o lábio, e acrescentou: — Infelizmente.

— Oh-Oh . Olhe só como está a mulher!

— Ve, estou me sentindo viva outra vez! É como se eu houvesse me transformado em um deserto, e ele fosse uma chuva morna de primavera... E vou lhe dizer, estou pronta para me entregar. — Pamela suspirou, feliz.

— Está boba pelo homem.

— Completamente. Tem razão. Estou encantada, inebriada de paixão! E, caramba , como isso é bom!... Ah, deixe-me tirar isso da frente de uma vez. Preciso admitir em voz alta e sem qualquer pressão... Você estava certa — ela cantarolou, alegre.

— Espere, estou me beliscando... Sim, está doendo! Eu não estou sonhando! Claro que eu estava certa! E não está mais bêbada, está?

Pamela riu.

— Eu nunca estive assim, tão alcoolizada. Fiquei alegre apenas o suficiente para fazer o que me aconselhou. E, ah... foi maravilhoso!

— Detalhes sórdidos, por favor! Conte-me tudo.

— Fomos para as fontes do Bellagio. Primeiro eles tocaram uma música romântica de uma ópera que Febo...

— Febo? — Ve a interrompeu.

— É o nome dele. Ele é grego, romano, latino... sei lá. Sabia que Pamela significa “tudo o que é doce” na língua grega?

— Pammy, está perdendo o foco. Comece de novo. O nome dele é Febo e...?

— Ah, sim... Primeiro tocaram essa música de ópera. Ele sabia a letra e, Deus! , foi muito romântico. — Ela suspirou.

— Você já disse isso. Conte mais!

— Começou a chover e nós corremos para debaixo de uma árvore. Não vai acreditar nessa parte... Estávamos ali e... Ve, eu já disse como ele é lindo?

— Concentre-se, por favor!

— Desculpe. De qualquer forma, estávamos ali de pé e a fonte começou a jorrar de novo, com Faith Hill cantando This Kiss !

— Está brincando.

— É sério! E então aconteceu.

— Transaram ali mesmo, na rua?

— Não! Estávamos na calçada, e não transamos coisa nenhuma, apenas nos beijamos.

— Em seguida foram para o seu quarto e copularam como dois coelhinhos heterossexuais tarados?

— Não! — Pamela limpou a garganta e teve o desejo insano de sussurrar o restante da história. — Mas ele me carregou até o quarto.

— Quer dizer como Rhett e aquela gostosa da Scarlett?

— Exatamente assim. Só que eu torci o tornozelo, e estava chovendo.

— Caiu dos scarpins .

— O que prova como esse cara me tira do prumo porque, como você mesma sabe, eu poderia correr em uma pista de gelo com um salto sete! — afirmou Pamela, presunçosa.

— Ele bancou o cavaleiro numa armadura reluzente — um clichê, a propósito, que vocês, meninas hetero , adoram — e ainda não dormiu com o pobre trípode?

— Ainda não — Pamela concordou sem fôlego.

— Ainda? Entregue o restante da história!

— Temos um encontro esta noite. Tcharam!... — ela terminou com o floreio verbal.

— Não brinque...

— Brinco.

Ve, uma namoradeira contumaz, foi direto ao assunto:

— Está bem. Qual é o plano?

— Acho que poderíamos ir jantar — ponderou Pamela.

— Pammy, está em Las Vegas. Pode fazer melhor do que isso.

— Por favor, não me diga que temos que jogar primeiro...

O suspiro da outra moça foi longo e sofrido.

— Claro que não! Vegas é a Meca dos shows fabulosos. Vão assistir a algum, de preferência um bem sexy .

— É uma boa ideia, mas... Eu não deveria esperar para ver o que ele planejou?

— Pammy, sabe que eu sou sua amiga, então, por favor, não leve isso para o lado errado... Está disposta a entrar em outro relacionamento em que o homem sempre assume a liderança?

— Não! — a palavra saiu em um lampejo de raiva. — Não quero nada parecido com o que Duane e eu tivemos. Não sou mais aquela menina boba com quem ele se casou.

— Você não era boba, Pamela. Era apenas imatura e estava apaixonada. Cometeu um erro, e isso acontece com todo o mundo.

— Pois não vai acontecer comigo de novo — Pamela declarou com firmeza.

— O quê? Apaixonar-se ou ser imatura?

Pamela abriu a boca para dizer “as duas coisas”, mas depois se lembrou do azul suave dos olhos de Febo e do interesse e desejo com que ele a fitava. Também se recordou de outra coisa que tinha quase certeza de ter visto em seus olhos, em sua voz e na maneira como ele a tocara: uma busca familiar que chegara a seu coração, assim como à sua alma.

Almas gêmeas.

O pensamento pairou como o perfume das flores de primavera em sua mente.

— Eu não sou mais tão jovem — lembrou, contida. — Não há como eu me apaixonar em um fim de semana.

Vernelle riu.

— Continue a dizer isso para si mesma, Pammy.

Pamela franziu a testa.

— Preciso desligar. Tenho muito que fazer antes desta noite.

— Por exemplo...?

— Desenhar essa fonte horrorosa, de modo a ter algo para enviar aos Meninos das Fontes .

“Meninos das Fontes” era como Pamela e Ve chamavam os irmãos que possuíam um enorme atacado de fontes, o qual a Ruby Slipper usara diversas vezes para atender a pedidos contendo todos os tipos de aparato envolvendo água. — Estou aqui para trabalhar, lembra-se?

— Pensei que Faust tivesse dito para aproveitar o fim de semana e estudar o ambiente do Fórum.

— Isso não significa que eu possa ignorar o trabalho. O que me fez lembrar: vai se encontrar com a sra. Graham hoje?

— Sim, claro. A mulher dos gatos e eu temos uma reunião esta tarde. Vamos discutir a cor de suas janelas. Reze por mim.

Pamela riu.

— Vou ver se consigo encontrar uma vela para acender.

— Muito bem, já chega de falar sobre trabalho a ser feito. Devia estar à toa, não trabalhando.

— Verdade. Acho que já absorvi o suficiente desta breguice romana. Quanto antes eu começar este trabalho, mais cedo me livrarei dele.

— Fantasia e diversão, lembra-se?

— Vernelle, esta noite vou sair com um lindo estranho chamado Febo. Isso não é fantasia e diversão suficiente para você?

— Misture um pouco dessa sua arrogância com o trabalho, sem perder o senso de humor, e creio que terá a receita perfeita para ter sucesso tanto com E. D. Faust, como com Febo. Divirta-se com ambos, Pammy.

Diversão, Pamela repetiu em pensamento. Sua vida pessoal tinha definitivamente deixado de ser divertida. Era confortável, segura, mas divertida, feliz, alegre?... Não.

Seu trabalho também deixara de ser prazeroso? Ela gostava do que fazia e estava satisfeita. Mas qual fora a última vez em que havia sentido uma onda de alegria na conclusão de um projeto?... Não conseguia se lembrar.

O pensamento a fez sair do ar.

— Pammy? Ainda está aí? — Ve perguntou.

— Sim. Eu só estava pensando.

— Que tal reservar à fonte uma hora de seu tempo, depois chamar a concierge e pedir que ela providencie as entradas para um espetáculo?

— Ok, ok. Tem razão — ela anuiu.

— E amanhã eu quero um relatório completo!

— Você o terá.

— Ótimo. Bye-bye , passarinha — Ve brincou antes de desligar.

Pamela esfregou o sono dos olhos. Tomara ela tivesse algo para relatar no dia seguinte.

Antes que mudasse de ideia, discou nove para a recepção, e uma mulher de tom eficiente atendeu ao segundo toque.

— Sim, srta. Gray. Como posso ajudá-la?

— Eu gostaria de assistir a um show esta noite. — Pamela fez uma pausa e respirou fundo. — Um espetáculo erótico. Mas nada muito desagradável — completou depressa.

— Claro que não, senhora. Recomendo um show que está no hotel New York, New York. É da mesma empresa que produz o Cirque du Soleil . Já ouviu falar deles?

— Sim, eu assisti a um espetáculo do Cirque du Soleil quando eles foram a Denver.

— Excelente. Essa produção se chama Zumanity . É bem erótica, mas de muito bom gosto.

Eu mesma vi e gostei muito. Na verdade, as entradas devem estar esgotadas, mas o hotel tem acesso a alguns tickets extras.

— Perfeito. — Pamela suspirou, aliviada por tudo estar se encaixando tão facilmente.

— De quantos ingressos vai precisar?

O sorriso de Pamela telegrafou através da linha telefônica.

— De dois, por favor.


Capítulo 12


Pamela mudou o peso do corpo e sentou-se sobre os pés, concentrada em desenhar a fonte.

Ou melhor, a sua versão da fonte. Manteve a forma de trevo desta, porém diminuiu seu tamanho e ignorou as horríveis estátuas de Ártemis, Apolo e César, substituindo-as por lindas espirais que pareciam ondas, do meio das quais peixes jorravam água.

Olhou para a estátua gorducha no centro e suspirou. Não importava o quanto ela “consertasse” aquela coisa gimensa ; não havia como transformar Baco em algo aceitável. Muito menos com Eddie insistindo para que a escultura fosse animada.

Sentiu os dedos, que antes voavam sobre a página do bloco, diminuírem o ritmo. Desenhou um pedestal central, porém deixou o espaço onde o Deus do Vinho se sentava vazio. Decerto poderia convencer Eddie a aceitar algo menos... — franziu a testa para a estátua — ... menos gordo e hediondo.

Olhou para o relógio. Três e meia. Ainda tinha quatro horas e meia até o encontro.

Precisava pegar a câmera e tirar fotos das colunas, bem como fazer anotações sobre cores e texturas. Todo esse trabalho preliminar seria necessário na segunda-feira, quando ela se encontraria com Eddie na casa dele, enfim.

Deveria se concentrar na tarefa, contudo, sua mente insistia em vagar por coisas mais prazerosas. O dourado das colunas ornamentadas lembrava o brilho do cabelo de Febo. Agora que não que precisava mais se preocupar com o esboço da fonte, seus pensamentos, volta e meia, se concentravam nele. Mesmo o céu de mentira, com nuvens macias revolvendo, lembravam seus olhos.

Inferno , até aquela estátua cafona de Apolo se parecia com ele de alguma forma! Era como se Febo fosse uma daquelas luzes brilhantes que atraíam insetos, e ela, uma mariposa apaixonada!

Estava obcecada. Sabia disso. E mais do que decepcionada por perceber que, na verdade, não se importava com seu estado. Pelo contrário, sentia-se como quando lia um livro maravilhoso: como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa e desfrutando cada segundo.

Seu sorriso foi lento e muito, muito sensual. Talvez ela devesse mesmo jogar. Sentia-se, sem dúvida, com muita sorte.

Como se ecoando seus pensamentos, uma moça esbelta se aproximou da fonte, falando, excitada, com uma amiga.

— Acredita na nossa sorte? Meu Deus! Tropeçar na liquidação anual da Chanel !

Liquidação da Chanel ? Os ouvidos de Pamela se aguçaram.

— Pensei que eu fosse desmaiar quando vi o preço daquele vestido! — Carregando sacolas abarrotadas de compras, as duas mulheres passaram, rindo, por seu banco.

Pamela lançou à fonte um último olhar de desprezo e quase riu alto. Devia ser o destino... ou talvez um presente dos deuses. Ela iria comprar um novo e fabuloso vestido Chanel para usar naquela noite, iria a um show erótico com um pedaço de mau caminho , e podia até mesmo fazer sexo com ele depois!

Sentiu o estômago se apertar.

Esqueça isso, está se precipitando!

Respirou fundo.

Ora... Poderia, mesmo, ficar com Febo depois. Um bom amasso não estava fora de questão. Fechou o bloco e o guardou na pasta de couro.

Vermelho. Iria comprar um vestido vermelho que deixasse as pernas de fora. Podia até mesmo ir a uma pedicure.

Sim, iria fazer isso. Esmalte vermelho nos pés era uma necessidade numa situação daquelas.

Decidida, Pamela rumou para o paraíso da alta-costura, cantarolando baixinho.


Baco tamborilou os dedos na mesa do restaurante. As coisas não estavam indo como ele planejara.

— Traga-me outra tequila! — rosnou para uma garçonete que passava, arrependendo-se em seguida quando ela se encolheu sob o calor de sua ira e quase derrubou várias cadeiras na pressa para chegar ao balcão e fazer o pedido. Já era ruim o bastante que os jovens olímpicos o estivessem aborrecendo. Fazer que ele descarregasse sua irritação em pessoas inocentes de seu reino era inaceitável.

Afinal, aquele ainda era o seu reino.

A atendente voltou correndo para a mesa, trazendo a tequila.

— Sinto muito, eu devia ter prestado mais atenção ao senhor. Não foi minha intenção fazê-lo esperar tanto pelo seu drinque.

Baco sorriu e tocou a garçonete no braço, transmitindo-lhe uma dose de magia. No mesmo momento, o olhar aterrorizado da moça desapareceu, suas faces coraram e seus lábios se entreabriram, sedutores. Como ela podia tê-lo considerado um estranho assustador e obeso? A raiva do homem não era tão palpável, e ele não era assim, tão gordo. Era apenas grande, e ela gostava daquele tipo. De verdade.

Um estranho calor emanou dos dedos dele, fluindo por seu braço e percorrendo seu corpo. Sentiu os nervos formigarem e suas partes mais íntimas ficarem úmidas.

Fitou os olhos escuros e se inclinou para mais perto do homem, desejando que ele tirasse a mão de seu braço e a deslizasse para o meio de suas pernas...

Baco riu e acariciou a carne firme do braço da menina.

— Mais tarde, esta noite, irá à minha suíte. Apenas pense em mim, e seu desejo a levará ao quarto certo.

Apenas após ter a certeza de que seu comando fora plantado no subconsciente da moça, o deus rompeu o contato com sua pele.

A garçonete estremeceu com um intenso prazer.

— Sim! — gemeu, enlevada.

— Agora, caia fora. — Ele gesticulou, e um véu pareceu se erguer dos olhos dela.

A moça piscou e sorriu para ele, hesitante.

— Há mais alguma coisa em que eu possa servi-lo, senhor?

— Mais tarde, talvez.

Ela se afastou devagar, parecendo ainda meio atordoada.

Baco estudou com atenção as nádegas arredondadas, imaginando como seria senti-la sob ele naquela noite. Ela era deliciosa, jovem, tenra... e agora estava apaixonada. Afinal ele era um deus; podia facilmente ter certeza de sua adoração.

Mortais modernos precisavam adorá-lo. Ele estaria fazendo à jovem um favor ao adicionar a inebriante magia do vinho e da fertilidade à sua vida mundana.

No entanto, ele era o único deus que tinha o direito de usar seu poder em meio a eles. Las Vegas fora descoberta sua, portanto ELE NÃO PARTILHARIA SEU REINO! Muito menos com os gêmeos dourados. Ele sempre os desprezara por sua perfeição e sua displicente arrogância sobre tudo. Apolo e Ártemis não haviam se contentado em permanecer no Caesars Palace e em jogar ao lado dos mortais. Tinham encontrado o caminho para seu lugar predileto: a fonte do Fórum.

Sim , pensou Baco. Ele usara seu poder imortal por meio das ninfas com a intenção de chocar os gêmeos. Visara de propósito àquela mortal reprimida e a levara a beber o suficiente de seu vinho para dar sequência aos eventos que permitiriam a conclusão da invocação.

Conhecia o temperamento de Ártemis. Todos no Olimpo conheciam. E tinha certeza de que a diva iria fazer algo para impedir a evocação, principalmente quando ele usara sua caricatura de Deusa da Caça de um modo tão desrespeitoso. Agindo contra ele, aqueles dois deuses inferiores acabariam por trair a si mesmos no mundo moderno.

Que espetáculo inebriante não teria sido!

Claro que testemunhar a ira de Zeus também teria sido ótimo. Depois que as nuvens de tempestade houvessem se dissipado do Olimpo, ele, Baco, poderia ter deslizado pelo portal esquecido e, mais uma vez, ficado sozinho em sua magnífica Las Vegas para reinar sem restrições ou regras que limitassem seus desejos.

Mas nenhum dos gêmeos havia interrompido a invocação, e a mortal invocara Ártemis para cumprir seu desejo mais sincero de verdade.

E Apolo começara a cortejá-la! Ele os vira namorando pelo restante da noite. Tinha certeza de que o Deus da Luz não estava usando nenhum de seus poderes imortais para seduzir a mulher.

A raiva se avolumou dentro de Baco. Apolo nem precisava usar seus poderes e seduzir com magia. Era dono de um corpo musculoso e dourado que denotava uma beleza masculina muito acima dos padrões mortais. Não era justo que o Deus da Luz fosse tão bem-dotado!

Cerrou o maxilar. Persuadira o céu do deserto a enviar uma tempestade para arruinar o encontro daqueles dois, mas também não dera certo. Por isso cutucara a desavisada mortal, fazendo-a prender o salto na calçada. Ela devia ter ido parar no meio do tráfego, e o deus dourado ter traído sua presença na tentativa de salvá-la. Porém, Apolo conseguira frustrar o acidente que ele orquestrara sem que os mortais de Las Vegas percebessem que havia um poderoso imortal entre eles.

Aquele insuportável!

Mas ele não toleraria outro deus usurpando seu lugar.

Lembrou-se do beijo apaixonado que Apolo e a mortal tinham trocado, e da forma como este a carregara em meio à chuva, como se fosse um herói. A moça era o que mantinha o interesse do Deus da Luz em Las Vegas. Mas quem poderia adivinhar por quanto tempo ele ficaria brincando com a mortal? E se, depois que Apolo se cansasse dela, o deus descobrisse que adquirira um gosto especial pelas mulheres modernas?, questionou Baco. Afinal, ele mesmo desenvolvera tal gosto.

Engoliu um último trago da potente bebida. Não. Isso jamais aconteceria. Ele não iria suportar ver Apolo seduzindo suas mortais.

Mas como poderia se livrar do Deus da Luz? Não era tarefa fácil. Apolo, decerto, não iria trair a si próprio e se revelar uma divindade, atraindo a ira de Zeus. E nem ele nem sua irmã gêmea aparentavam estar com pressa de contar ao senhor dos deuses a respeito da invocação que ele, Baco, havia provocado. Infelizmente, era óbvio que, após ter dado início à sedução da mortal, Apolo parecia, de fato, estar se divertindo.

Baco apertou os dentes. Só podia culpar a si próprio por aquilo, portanto era problema seu descobrir uma maneira de neutralizar o gosto que o Deus da Luz adquirira por Las Vegas.

Queria gritar de raiva. Como Apolo podia não desfrutar Vegas? A cidade era um verdadeiro playground para os deuses, e o outro tinha o poder de dar vida à sua magia, assim como ele.

O desprezo desenhou um sorriso de escárnio no rosto do Deus do Vinho. Ele gostaria muito de ver o Deus da Luz sobreviver em Las Vegas sem seus poderes sobrenaturais. Apolo seria como uma criança perdida em uma floresta escura. Julgava-se superior a ele, Baco, mas não conhecia nada do mundo dos mortais modernos. Não possuía as mesmas reservas de dinheiro nem as suítes de luxo, muito menos o vasto conhecimento de como manipular os mortais a seu bel-prazer.

De repente, Baco endireitou-se sobre o assento que mal lhe comportava o corpo. Era isso! Se ele conseguisse um modo de fazer Apolo perder o fechamento do portal na noite seguinte, o grande Deus da Luz ficaria aprisionado no mundo mortal por um período de cinco dias, sem nenhum de seus formidáveis poderes. Ficaria fraco, desamparado... miserável. Quando o portal fosse reaberto, ficaria feliz em partir para o Olimpo e nunca mais voltar.

E seria apenas uma questão de tempo antes que a antipatia do Deus da Luz por Las Vegas se alastrasse pelo restante daqueles esnobes olímpicos.

Ele faria isso, decidiu Baco, sorrindo com horrível malícia. Apolo ficaria preso em Las Vegas sem nenhum poder.


Capítulo 13


— As roupas são mesmo muito estranhas, senhor, mas ainda o consideramos bastante atraente com elas — declarou a ninfa loira em uma voz melodiosa e sedutora.

O restante do grupo de divindades que se reunira em torno de Apolo após ele ter saído do closet murmurou sua concordância.

Apolo estudou o próprio reflexo no enorme espelho com moldura entalhada. Na noite anterior estivera tão distraído, após deixar Pamela, que havia se esquecido de recuperar as próprias roupas na loja de Armani.

Naquela manhã, seu encontro com Pamela fora a primeira coisa a lhe vir à cabeça e, por consequência, tinham surgido as dúvidas quanto ao que ele deveria usar e aonde poderiam ir. Seu traje moderno fora arruinado pela chuva, e Apolo se perguntou, ao inspecionar a camisa amarrotada, como os mortais daqueles tempos faziam para atender à constante necessidade de novas roupas.

Ao menos aquilo explicava a proliferação de lojas oferecendo todos os tipos de vestimenta. Devia-se perder muito tempo tentando se trajar devidamente no Reino de Las Vegas.

Ele era um deus, contudo. Não queria desperdiçar tempo adquirindo uma quantidade interminável de roupas. Por isso fizera o que muitos dos imortais faziam: enviara ninfas para comprá-las por ele.

Tirou um fiapo da manga da camisa creme que era do mesmo estilo da que ele estragara na chuva, mas que possuía linhas azuis quase imperceptíveis trabalhadas no tecido. As calças eram feitas de um linho de qualidade, num tom mais escuro do que a camisa.

Era sempre sábio evocar o auxílio de ninfas em se tratando de cores e estética. Os tons sutis que elas tinham escolhido pareciam os dos primeiros raios de sol mesclados com o azul e coral do amanhecer.

— Fizeram uma excelente escolha. — Sorriu para as ninfas, que sorriram de volta e se alvoroçaram em seu louvor.

A mais ousada do grupo, uma dríade de cabelos castanhos com quem ele se lembrava de ter tido um caso apaixonado vários séculos antes, chegou mais perto. Jogou os cabelos compridos até a cintura para trás, exibindo o corpo sob a túnica diáfana e quase inexistente.

Conforme os olhos de Apolo se voltaram naturalmente para os mamilos escuros, estes se contraíram em uma resposta instantânea.

— Por que não fica conosco, Deus da Luz? — ela ronronou, correndo as mãos pelo próprio corpo. — Podemos entretê-lo muito melhor do que qualquer mortal.

— Sim — concordou outra ninfa, aproximando-se. — E não vai precisar usar nenhuma roupa para o que estamos oferecendo...

As outras divindades riram, sedutoras, e se puseram a dançar de improviso em torno de seu deus favorito. Sorriam num claro convite, fascinando-o com sua estonteante beleza e sensualidade.

Apolo as observou, divertido e lisonjeado pela demonstração de carinho. Ele sempre fora muito querido pelas pequenas semideusas. Elas eram como flores lindas e eróticas que ele poderia colher sempre que quisesse, e cujo néctar podia apreciar a qualquer momento.

Mas, desta vez, não ficou tentado a provar dos seus encantos. Se as ninfas eram como flores, Pamela era como a Terra — fértil e sensual. E o que ele mais desejava no momento era mergulhar em sua exuberância.

— Talvez em outra hora, minhas queridas.

— Vão embora!... — Uma voz forte, a versão feminina da sua própria, veio da porta. — O Deus da Luz vai estar ocupado esta noite.

As ninfas desapareceram da sala, lançando olhares nervosos na direção de Ártemis.

— Não precisava ofendê-las — ralhou Apolo, passando os dedos pelo cabelo.

— Digamos que eu esteja um pouco aborrecida, e que tenha coisas mais importantes na cabeça do que esse seu afeto por ninfas... Por exemplo, estou me sentindo acorrentada a uma mortal de um modo que até Prometeu iria achar difícil suportar!

Apolo riu.

— Não pode ser tão ruim assim.

O rosto de sua irmã permaneceu tenso e sério.

— Sinto o peso da vontade e do desejo de Pamela, e ambos são consideráveis.

As palavras fizeram cessar o riso de Apolo.

— Aconteceu alguma coisa com Pamela? Ela está bem?

— A tolinha está ótima. Está apenas cheia de desejo e expectativa. Chega a ser opressivo.

— Pamela não é nenhuma tola — contestou Apolo após o enorme alívio que o inundou. Então ela estava segura. Não havia nada de errado com ela... além de um forte desejo por ele.

— Espero que esse sorriso ridículo no seu rosto seja porque vai levar a mortal para a cama esta noite e me livrará do fardo de sua invocação.

— É a minha intenção — ele concordou, e não se preocupou em parar de sorrir. Por tudo o que era sagrado, estava feliz!

— Fico muito contente em ouvir isso. — Ártemis lançou-lhe um olhar de enfado.

Apolo deu o braço à irmã enquanto caminhavam em direção ao Salão Nobre do Olimpo e ao portal para o Mundo Moderno.

— Eu já disse “obrigado” por me fazer visitar o Reino de Las Vegas com você?

— Eu nunca pretendi que isso tudo acontecesse — contrapôs Ártemis, porém teve que retribuir o sorriso do irmão. — Embora eu tenha pressentido que precisava de um pouco de diversão.

Apolo permaneceu em silêncio até ficarem frente a frente com o portal. Então fitou a deusa com uma expressão no olhar que Ártemis não conseguiu definir.

— Acredito que tenha me proporcionado muito mais do que uma simples diversão, irmã.

— Basta se certificar de que estarei livre em breve — ela proclamou, escondendo o leve mal-estar que o comportamento estranho de Apolo lhe despertava.

— Não se aflija, Ártemis — ele pediu, a voz e o corpo se desvanecendo conforme passava através do portal.

Ártemis o observou partir, a testa enrugada pela preocupação.

Suspirou, desgostosa. Teria que tomar conta de Apolo. Definitivamente, ele estava com a cabeça nas nuvens. Precisaria de um empurrão para fazer o que deveria ser feito. Balançou a cabeça e olhou para o portal. Às vezes ela não compreendia o irmão.


Pamela não o tinha visto ainda, e Apolo ficou à sombra da grande coluna de propósito, de modo a poder devorá-la com os olhos. Ela se encontrava sentada à mesma mesa em que estivera na noite anterior, tomando um gole de vinho da taça de cristal.

E estava magnífica. Seu vestido era de um tom rico de vermelho que combinava com o cabelo escuro e a pele clara. O modelo era simples e elegante: sem mangas e feito de um tecido leve que abraçava seu corpo como uma segunda pele, deixando parte da perna longa e sedutora exposta.

Ele sorriu e balançou a cabeça. Pamela calçava aqueles sapatos outra vez. Não o mesmo par da noite anterior, claro. Os que ela escolhera para se equilibrar naquela noite eram sandálias douradas que pareciam encarapitadas em adagas. Mal podia esperar para ver o que andar sobre elas faria para aquelas pernas e nádegas bem-feitas...

Sentiu as entranhas se revolverem e pesarem enquanto a observava. Tinha vontade de pegá-la e carregá-la para longe da multidão, direto para o quarto, onde poderia lhe mostrar o que era ser amada por um deus.

Deu meio passo em sua direção e então se deteve.

Não. Não queria apenas violá-la. Queria mais, e, para que pudesse ter mais, Pamela precisava conhecê-lo. Precisava saber quem ele era. Se ela fora enfeitiçada pelo ritual de invocação ou não, se tudo o que existia entre eles era sexo, sua relação com Pamela seguiria o rumo das que tivera com todas as suas outras amantes: eles iriam se separar tão logo seus corpos estivessem saciados.

Apolo pensou em Hades, em Lina e na alegria que eles haviam encontrado juntos. Queria ser feliz também, e nunca iria encontrar a felicidade se a luxúria fosse seu único objetivo.

Saiu das sombras em que estivera se escondendo, movendo-se na direção de sua futura amante com passos fortes e decididos. Percebeu o instante em que ela o viu. Seus olhos se arregalaram de leve, e sua boca deliciosa se curvou em um sorriso doce de boas-vindas.

O coração de Apolo disparou. O que Pamela o fazia sentir além daquela expectativa e desejo insanos? Nervosismo?... Aquela pequena mortal moderna conseguia deixar o Deus da Luz nervoso!

Conforme Febo chegou mais perto dela, Pamela sentiu uma onda de tensão e excitação. Estava mais do que feliz por ter comprado o vestido Chanel novo e, naquele momento, nem se importou mais que este não fosse da liquidação. Ao menos tinha certeza de que estava bem.

Agora, tudo com o que precisava se preocupar era em não abrir a boca e ficar gaguejando como uma idiota.

Os olhos dele pareciam ainda mais lindos do que ela se lembrava. Eram como os de Paul Newman multiplicados por cinco!

E, nossa , Febo era alto!... Tão deliciosamente alto.

— Boa noite, doce Pamela. — Apolo pegou sua mão e a levou aos lábios, fazendo que estes permanecessem em contato com a pele macia por mais tempo do que o necessário, porém não o suficiente para fazê-la sentir-se desconfortável.

Ficou satisfeito ao vê-la corar em resposta. Ele podia ser inexperiente em se apaixonar, mas o Deus da Luz não era inexperiente em seduzir.

— Está tão linda que alguém deveria pintar um retrato seu, ou então escrever um poema em homenagem a essa sua graciosidade.

— Obrigada... acho — ela agradeceu, tentando recuperar o equilíbrio. — Quero dizer, se “graciosidade” é um elogio.

— Claro que é. — Ele ainda segurava a mão dela.

— Obrigada. Agora para valer.

— De nada. — Relutante, Apolo soltou-lhe a mão e sentou-se a seu lado. — Não saiu dos meus pensamentos hoje, Pamela. — Deixou o olhar deslizar pelo rosto perfeito, depois pelo restante do corpo esbelto até as longas pernas que ela cruzara de lado, exibindo a pele perfeita. — Seu tornozelo deve estar recuperado se esta noite decidiu se equilibrar de novo nessas lâminas.

Ela sorriu e moveu o pé.

— Está perfeito. E não estou calçando “lâminas”. São meus sapatos novos, da última coleção Prada, que me custaram uma fortuna. Fiquei apaixonada por eles, então não tive escolha senão levá-los para casa comigo.

— Sapatos de sorte — ele replicou com voz rouca, antes de se curvar e lhe segurar o tornozelo. Passou o polegar por toda a sua extensão, enquanto sentia os ossos e tendões que havia curado na noite anterior, a fim de se certificar de que tudo estava bem.

Mas foi difícil para ele se concentrar na cura. O tornozelo de Pamela estava muito sensual no pequeno sapato, e ela pintara as unhas com um vermelho brilhante que combinava com o vestido, o que tornava os pés semidescalços indescritivelmente sexy .

Pamela sentiu o calor do toque viajar do tornozelo até as coxas, indo parar, inebriante, na boca do estômago, tal qual um uísque caro. Ficou desapontada quando Febo soltou seu pé.

Apolo fez sinal para que o servo lhe trouxesse uma taça de vinho antes de voltar a atenção para ela de novo.

— Já sabe o que fiz hoje: pensei em você. Agora me diga o que fez aqui, em Las Vegas, já que o tempo demorou a passar até que pudéssemos nos encontrar outra vez.

Maravilha , ela pensou. A conversa tinha começado bem. Eles precisavam conversar porque ela necessitava de tempo, e de jogar conversa fora, a fim de manter os hormônios sob controle.

Por favor, por favor, por favor!... Não me deixe falar nenhuma besteira!

— Primeiro fiz algo que quase nunca faço: dormi até tarde.

Ele levantou uma sobrancelha dourada, divertido.

— Sou, decididamente, uma madrugadora. Costumo levantar a tempo de beber uma xícara de café enquanto vejo o lindo nascer do sol no Colorado.

— Gosta do amanhecer?

— Adoro! — Ela sorriu, relaxando diante do assunto familiar. — Na verdade, o nascer do sol é um dos meus momentos favoritos.

A resposta veio do fundo da alma de Pamela e, de repente, Apolo desejou se abrir, dizer quem era e compartilhar seu mundo e sua vida com ela. Pamela adorava ver o sol nascer. Não era razoável supor que poderia adorar o Deus da Luz?...

Ele abriu a boca para lhe dizer seu verdadeiro nome, contudo seu lado mais racional freou o impulso. Não queria que ela o adorasse como a um deus. Queria que ela se apaixonasse por Febo, o homem dentro de Apolo.

Ainda assim, mal pôde mascarar o intenso desejo que lhe permeou a voz:

— O amanhecer também é muito importante para mim. Talvez, em breve, você e eu possamos ver o sol subindo no céu juntos...

Pamela corou e não soube o que dizer. Não pôde nem mesmo gaguejar.

Droga , aquilo era muito mais do que apenas estar sem prática em termos de namoro e paquera! Febo a deixava sem fôlego. Ela queria... queria...

Maldição dos infernos! Queria tantas coisas quando ele a fitava daquela maneira!

Mas também desejara tantas coisas quando conhecera Duane. Ele parecera deter a chave de sua felicidade e, no fim, a realidade mostrara que a única coisa que o ex-marido tinha nas mãos eram os cordames emocionais com os quais ele pretendia mantê-la sob controle, sufocar seu espírito e a transformá-la em algo que ela não era: seu ideal de uma mulher perfeita. E ela ainda podia sentir as feridas causadas pelos cordames daquele relacionamento sufocante.

Portanto o melhor era ir com calma. Precisava ir devagar com Febo. Ele parecia maravilhoso, porém sua intuição lhe gritava que as coisas quase nunca eram o que aparentavam. Divertir-se naquele fim de semana era uma coisa. Emaranhar-se nos fios de outro relacionamento era outra.

Apolo leu o conflito nos olhos expressivos de Pamela e, em seguida, percebeu o modo como ela se esquivou.

E isso doeu nele mais do que poderia imaginar.

Mas não pretendia desistir tão facilmente, e seu sorriso foi quente e aberto.

— Bem — falou, como se não houvesse tido seu convite ignorado —, agrada-me saber que ambos gostamos do nascer do sol. Mas você disse que dormiu demais, então perdeu o amanhecer hoje. O que mais aconteceu no seu dia?

Pamela encontrou seus olhos. Eles eram tão calorosos e tão azuis!... Faziam que se lembrasse do céu de verão sobre o mar Mediterrâneo.

Inferno! Estava fazendo de novo: deixando-se encantar pela boa aparência de Febo como uma m... de adolescente!

— Pamela?

— Ah, desculpe. — Ela tomou um gole do vinho. — Eu estava divagando. Às vezes me falta concentração. Não com o meu trabalho — emendou, apressada. — Nesse ponto sou bastante focada. Aliás, como nesta tarde... Comecei a esboçar a minha versão dessa fonte horrível. Imaginei que tivesse ficado lá por uns vinte minutos, mas, quando fiz uma pausa e olhei no relógio, duas horas tinham se passado! — Pamela parou de falar e estreitou os olhos. — Fiz isso de novo, não foi?

— Isso o quê?

— Perder o foco, trocar os assuntos... — ... Falar bobagem , completou em pensamento.

— Com certeza.

— Desculpe, Febo.

Apolo sorriu. Ele gostava do raciocínio brilhante de Pamela, das expressões que desfilavam por seu rosto, principalmente quando ela falava sobre trabalho. Pamela não agia com interesses escusos, tentando seduzir o Deus da Luz, nem se mostrava como uma donzela deslumbrada com seus poderes imortais. Ela era real. Suas reações eram genuínas e honestas... Um afrodisíaco que ele jamais poderia ter imaginado.

— Eu não me importo. Gosto de ouvi-la divagando.

— Nossa, que estranho. — Ela fez uma pausa, tentando ver se ele estava sendo sarcástico ou zombeteiro. — A maioria dos homens acha isso aborrecido.

— Verdade? — Ele balançou a cabeça. — Acho que eu já disse antes: muitas vezes os homens são uns tolos.

— E eu já concordei com você nesse ponto!

Sorriram um para o outro.

Num impulso, Pamela ergueu a taça.

— A um homem que não é bobo.

— Aí está um brinde ao qual tenho o prazer de me juntar. — Ele riu e tocou a taça com a dele. — Agora me fale sobre esse esboço que fez. É artista também? Ou é como entender de arquitetura, algo essencial para que desempenhe bem o seu trabalho?

A pergunta a agradou. Mostrava que Febo a tinha escutado no dia anterior. Assim como a agradou a atenção com que ele esperou pela resposta.

— Gosto de desenhar, e sou bem razoável com aquarelas; mas não sou boa o suficiente para ser considerada uma artista. Mas está certo... É como ter que compreender os rudimentos da arquitetura no meu trabalho. Também é importante que eu seja competente em artes a fim de que eu possa criar maquetes para carpinteiros ou estofadores, ou até mesmo para escultores, de modo que eles possam ter uma ideia concreta do que meus clientes querem.

Apolo levantou ambas as sobrancelhas devagar, e seu olhar se voltou para a horrorosa fonte no pátio à sua frente.

Pamela acompanhou seu olhar, deu um longo e dolorido suspiro e balançou a cabeça.

— É isso mesmo, você adivinhou. Esse cliente, em particular, quer uma reprodução dessa coisa no pátio de sua casa de veraneio.

— Tem certeza de que compreendeu bem o que ele quer? — Apolo fitou o monólito jorrando, os olhos se fixando na reprodução medonha dele mesmo.

— Infelizmente, sim. Na verdade, o que eu estava tentando fazer hoje era chegar a uma solução de mais bom gosto, porém ele insiste que eu mantenha Baco como o centro da estátua. — Pamela estremeceu. — Vou ter que descobrir uma forma de fazê-lo mudar de ideia. Pelo menos consegui me livrar dessas duas esculturas laterais terríveis.

Apolo lançou-lhe um breve olhar.

— Quer dizer as estátuas de César, Ártemis e... — Sua voz vacilou antes de seu próprio nome.

— Apolo — completou Pamela. — Aquele com a cabeça grande e a harpa é, supostamente, o Deus do Sol.

Ele teve o cuidado de manter a expressão neutra.

— Na verdade, Apolo é chamado mais de Deus da Luz, e o instrumento que carrega é uma lira, não uma harpa.

— Ah — disse Pamela, estudando a estátua. — Eu não sabia que existia essa diferença. Mas você é músico, não é?... Tudo o que sei é que a lira fica verde-néon quando aquela coisa horrível se movimenta.

— Sim. — Ele tentou não fazer uma careta. — Foi o que ouvi dizer.

— Eu não sabia que Apolo era chamado de Deus da Luz. Pensei que fosse apenas o Deus do Sol. — comentou Pamela, com os olhos ainda voltados para a estátua.

— Essa é a forma como os romanos insistiam em chamá-lo. Para os gregos, ele sempre será o seu Deus da Luz, da medicina, da música, da poesia e da verdade.

— Da verdade?

— Sim, a verdade era muito importante para Apolo. Ele era um dos poucos olímpicos que consideravam a dissimulação e o subterfúgio uma ofensa.

— Eu não fazia ideia. Pensei que todos os deuses mitológicos fossem impulsivos e interesseiros. Lembro-me de um dos meus professores de Inglês descrevendo-os como playboys e mulherengos.

Apolo pigarreou e se moveu na cadeira, pouco à vontade.

— Os deuses são... eram muito apaixonados; e a paixão pode, por vezes, levar a atitudes impulsivas e interesseiras. Além disso, deve se lembrar de que no Mundo Antigo era considerado um privilégio para uma mulher ser amada por um deus. Particularmente pelo Deus da Luz.

— Quer dizer que o fato de Apolo dizer a verdade não significava que ele fosse fiel.

Apolo franziu a testa e não soube o que dizer. Queria se defender, mas não tinha como.

Pamela estava certa. Ele sempre fora verdadeiro, mas nunca fiel. Nunca havia tido qualquer desejo de ser fiel.

— Por acaso mitologia é um dos seus hobbies ?

— Pode-se dizer que é mais uma paixão do que um hobby — ele corrigiu com um leve sorriso. — Entendo o suficiente sobre o assunto para lhe garantir que a lira do Deus da Luz não ficava verde quando ele a tocava, e sua cabeça não era tão grande.

Pamela sorriu.

— Fico feliz em ouvir isso. Não imagino como ele poderia ser mulherengo com essa aparência!

— Sabia que alguns textos antigos relatam que Apolo encontrou o amor? — ele falou depressa, antes que o bom-senso lhe chegasse à voz. — E que, depois, ele foi fiel à sua amada?

— Eu não fazia ideia. Quem era ela? Alguma deusa fabulosa?

— Não, ele encontrou sua companheira de alma em uma mortal.

— Uma mortal?... — Pamela bufou. — Acho que é por isso que chamam isso de mitologia. Não imagino que uma mortal seria estúpida o bastante para se arriscar a amar um deus.

Apolo sentiu o peito se apertar.

— Mas, pense bem: ela se arriscou e conquistou sua alma gêmea.

O sorriso de Pamela foi lento e doce.

— Você é mesmo um romântico.

— Sim! — ele concordou com mais ênfase do que pretendia e teve de parar e tomar fôlego a fim de controlar as próprias emoções. — Mas não fui sempre assim. Na verdade, tenho agido muito como Apolo: satisfazendo-me em encontrar o amor onde é conveniente ou agradável, para depois nem pensar mais nele. Entretanto, sinto que estou mudando. — Ele deu de ombros e baixou a voz. — Talvez por isso eu compreenda tão bem as histórias em torno do Deus da Luz.

Pamela estudou a taça de vinho em silêncio. Não sabia o que dizer. Sentia-se definitivamente atraída por Febo, e o que ele dizia tocava seu coração. Febo parecia tão aberto e honesto!... Mas estava com medo. Pensar em ter uma aventura de fim de semana a deixava nervosa e confusa. Pensar em começar um relacionamento a aterrorizava.

Olhou para o rosto bonito e viu que ele a fitava, atento. Respirou fundo, mas, em vez de lançar mão de alguma piada improvisada sobre românticos ex-playboys, ouviu a verdade brotando:

— Estou divorciada. Tive um casamento ruim. Não... apague isso. Tive um casamento terrível. E não namorei mais desde então. Está sendo honesto comigo, portanto preciso ser honesta com você. Apenas pensar na possibilidade de um novo relacionamento me assusta. Não creio que eu esteja pronta para qualquer coisa além de... — Ela hesitou, não querendo soar como uma vagabunda ou uma idiota.

— Precisa superar o que aconteceu — interveio Apolo diante de sua hesitação.

— Verdade — Pamela concordou, agradecida por ele ter colocado em palavras o que ela não conseguira dizer.

— E vai superar, doce Pamela.

— Obrigada pela compreensão — ela murmurou, apoiando a mão sobre a dele. — Eu sei que parece loucura, afinal eu só o conheço há dois dias... Mas há algo em você que me faz sentir como se compreendesse o que quero dizer.

— É verdade, doce Pamela. E não tem ideia de como é raro duas pessoas encontrarem essa conexão. — Ele tinha vivido eras, literalmente, sem aquele tipo de coisa.

Pamela passou o polegar pela mão morena e se perdeu no azul espetacular dos olhos de Febo.

— Acho que posso imaginar.

O nó que se formara no peito de Apolo de repente se soltou. Pamela não resistia à ideia de se entregar ao amor; ela havia sido magoada. Muito magoada. Precisava se curar, e aquilo era algo que Apolo, o Deus da Luz, poderia fazer por ela.

— Eu lhe trouxe algo esta noite. Acho que agora é o momento perfeito para presenteá-la com isto... — Enfiou a mão no bolso e tirou dele uma delicada corrente dourada. Ergueu-a, de modo a permitir que a luz ilumi nasse a pequena medalha emoldurada por um estreito círculo dourado que pendia do fio. Em uma das faces, via-se o forte perfil de um deus grego.

— Nossa, que linda!... — suspirou Pamela. A moeda era de ouro, porém não era uma medalha comum. Seu formato era irregular, como se o círculo houvesse sido forjado, o que a fazia parecer muito antiga. — Mas não posso aceitá-la. Deve ser caríssima.

— Posso lhe assegurar que não me custou nada. Eu a tenho há muito tempo. Por favor, eu ficaria muito feliz se ficasse com ela. Afinal de contas, estivemos conversando sobre o deus que está representado na medalha.

— Verdade? Este é Apolo? — Intrigada, Pamela se inclinou para segurar a peça de ouro nas mãos, e estudou o bonito perfil.

— Garanto que a semelhança com o deus é maior do que a da estátua da fonte — afirmou Apolo, irônico.

— Engraçado. — Pamela olhou da medalha para Febo. — Ele se parece com você. Quero dizer, não exatamente... Mas o perfil é semelhante.

— Isso sim é um elogio. — O sorriso dele se alargou. — Pelo menos enquanto não diz que eu me assemelho àquela estátua também. — Ele apontou com o queixo na direção do Apolo cabeçudo da fonte.

— Não! — Pamela riu. — Não se parece nem um pouco com essa estátua.

Ele riu, apreciando a ironia da situação.

— Se usar a medalha, pode pensar em Apolo como seu deus particular — incitou. — Apolo poderia ser seu talismã. Talvez o Deus da Luz a ajude a resolver os problemas que vem tendo com o pedido incomum do seu cliente.

Pamela olhou da moeda para Febo, pronta a dizer “não, obrigada”, mas hesitou. Era assim tão errado aceitar um presente de um homem bonito? Gostava dele, e ele gostava dela.

Verdade que ela não acreditava nem por um instante que aquilo não havia custado nada a Febo. Mas ele era médico, devia ter condições para comprá-lo.

O fato de eles terem acabado de falar sobre Apolo, o deus que supostamente se apaixonara por uma mortal, era uma coincidência interessante. Mas também era muito tolo e romântico de sua parte e...

— Obrigada, Febo. Eu aceito.

Antes que Pamela mudasse de ideia, Apolo se levantou e se postou atrás dela, de modo a prender a joia em torno de seu pescoço longo e esguio. Primeiro, porém, segurou o talismã na palma da mão e concentrou seus vastos poderes de imortal na pequena peça de ouro.

— Que isto possa lhe trazer tudo o que Apolo representa: luz e verdade, música e poesia, e, acima de tudo, a cura. — Em seguida, colocou a corrente dourada em seu pescoço.

— Lindas palavras. — Pamela o fitou, tocando a medalha. E pôde jurar que a sentiu se aquecer em contato com seu corpo.

Apolo sorriu e se inclinou para roçar os lábios nos dela. Não tinha a intenção de que o beijo fosse mais do que uma breve demonstração de afeto; contudo, Pamela entreabriu a boca sob a dele e uma de suas mãos subiu para tocá-lo no peito.

No mesmo momento, Apolo aprofundou o beijo. A boca de Pamela era doce e macia, e ele queria provar mais dela. Queria prová-la inteira. Queria...

Alguém limpou a garganta.

— Com licença?

A voz do garçom rompeu a onda de luxúria que o envolvera, e o deus praticamente rosnou para o infeliz servo, que recuou e se desculpou:

— Perdão, senhor. É que está meio lotado aqui, e eu estava tentando contornar a mesa.

— Encontre outro caminho, ora! — explodiu Apolo.

O servo balançou a cabeça e se retirou, apressado.

Quando ele se voltou para Pamela, seu rosto estava em chamas.

Ela o cobriu com ambas as mãos.

— Não acredito que estou namorando em público. Sou uma mulher adulta!

— Então vamos a algum lugar mais sossegado — ele murmurou, acariciando-a em uma das mãos.

Pamela abriu a boca e olhou para ele. Resmungou algo incompreensível, depois fechou a boca e olhou para o relógio.

— Maldição dos infernos! — exclamou, frustrada.

— O que foi?

— São quase nove horas. — Ela apanhou a bolsinha dourada e se levantou da mesa. — Ah, Deus... Eu me esqueci! Qual o caminho para a entrada do Caesars Palace?

Apolo apontou na direção correta, perguntando-se o que havia de errado com Pamela. Ela começou a caminhar, apressada, depois parou, respirou fundo e voltou para onde ele continuava parado. Correu a mão pelo cabelo curto, nervosa.

— Desculpe. É que foi tão estranho eu beijá-lo assim, na frente de todo o mundo!... — Ela corou de novo enquanto se lembrava de como tivera vontade de devorá-lo e corresponder à sua paixão. — Isso me assustou. Então, de repente, eu me lembrei de que consegui dois lugares em um show cujas entradas já estavam esgotadas, e que começa em... — Olhou para o relógio novamente — ... quinze minutos! Por isso saí correndo sozinha, feito uma idiota. — Que coisa mais sem sentido!, acrescentou para si mesma em silêncio.

— Um show? — perguntou Apolo.

— Sim, chama-se Zumanity . Ouvi dizer que é erótico... mas de muito bom gosto. — Pamela desviou o olhar, tímida. — É do mesmo pessoal que faz o Cirque du Soleil .

Quando voltou a fitá-lo nos olhos, estes sorriam.

— Um circo erótico do sol? Fascinante. — Apolo pegou a mão dela e a prendeu no braço. — É melhor nos apressarmos.


Capítulo 14


Apolo não conseguia acreditar que os artistas de Zumanity eram mortais. As mulheres se moviam com a graça e a sedução das ninfas. Os homens eram todos belos de corpo e de rosto.

E a música!... A música era etérea; o cenário perfeito para o desfile de sensualidade feito sobre o palco e acima deste.

Ele e Pamela haviam sido calmamente conduzidos a um balcão particular para se acomodarem em um luxuoso sofá estofado, que parecia uma chaise longue . O show já tivera início. No meio do palco arredondado via-se um vidro enorme, como se fosse uma taça de vinho cheia de água; dentro do vidro, duas jovens mulheres vestiam quase nada: apenas tangas da cor da pele. Ao ritmo da música sedutora, as moças executavam uma dança de sedução inocente, personificando o despertar da paixão e do desejo femininos.

Embora o deus dourado estivesse muito mais interessado na mulher a seu lado, seu corpo agitou-se em resposta. Ele olhou de soslaio para Pamela, avaliando sua reação, e viu que ela assistia a tudo com os olhos muito abertos e redondos. Quando a cena acabou, aplaudiu com entusiasmo.

Ao desviar o olhar do palco e perceber Apolo olhando para ela, as faces já coradas de Pamela ficaram ainda mais cor-de-rosa.

— Gostou das meninas? — ele indagou num sussurro, assim que o palco escureceu por algum tempo.

— Gostei. Quero dizer, não sou lésbica, mas elas eram muito bonitas — explicou Pamela meio ofegante, o riso saindo como um sensual ronronar. Precisava se lembrar de dizer a Ve que compreendia sua atração pelas mulheres enfim.

Apolo se inclinou para ela, atraído por sua inusitada reação ao espetáculo.

— Não há nada de errado em apreciar a beleza do corpo de uma mulher. Teria de ser de pedra para não se sentir abalada por aquelas duas.

Pamela estava prestes a sussurrar de volta que nem de longe era feita de pedra, quando os holofotes iluminaram o palco de novo e a plateia se calou. Desta vez, um homem absurdamente musculoso, de pele negra e aveludada, surgiu no cenário por meio de um alçapão, no chão. Ele também não usava quase nada. Movimentou-se ao ritmo da música conforme era cercado por uma mulher tão loira como ele era escuro, e que estava vestida com várias camadas de um tecido diáfano. Os dois se encontraram no centro do palco e começaram a executar uma versão erótica da cena do balé de Romeu e Julieta . O homem foi tirando camada por camada da veste da companheira, até que ambos ficaram vestidos apenas com minúsculos “fios-dentais”. Moviam-se com uma graça fluida e sensual, e uma paixão um pelo outro que Pamela não acreditava ser fictícia.

A cena terminou e, desta vez, ela encontrou o olhar de Febo no mesmo instante.

— Eles devem estar apaixonados de verdade. Ninguém pode atuar tão bem assim. Juro que consegui sentir a tensão sexual entre eles!

— Agora, quem é a pessoa mais romântica aqui?... — ele provocou, colocando o braço em torno dela e puxando-a para perto.

Pelo restante da apresentação, foi onde Pamela ficou: recostada no corpo de Febo. No meio do espetáculo, pousou a mão na coxa firme, sobre o tecido macio de suas calças, por meio da qual ela podia sentir o calor e a rigidez da perna musculosa. Os dedos dele traçaram um caminho preguiçoso na pele nua de seu braço, acariciando o recuo suave do lado de dentro do cotovelo e provocando-lhe arrepios por todo o corpo.

Zumanity era, de fato, uma aventura em termos de erotismo. Excitava e provocava, seduzia e sensibilizava.

Quando a mão de Febo traçou o caminho por seu braço até acariciar seu pescoço devagar, Pamela teve que morder o lábio para não gemer alto.

Uma ruiva alta e impressionante, que lembrava muito Nicole Kidman, deixou o palco após uma performance sensual de autoerotismo e, antes que os aplausos da plateia morressem, luzes focaram num pedaço comprido de seda vermelha que caiu do teto escurecido do teatro, como se um gigante desatento tivesse lançado um lenço a esmo da janela do quarto. Este se desenrolou, expondo uma mulher cujo cabelo dourado até a cintura cintilou sob os holofotes. Seus braços permaneceram habilmente torcidos no lenço, de modo que apenas a ponta de seus pés descalços tocou o palco com graça. Abaixo dela, o final do tecido se amontoava como vinho no tablado negro. Sua beleza era hipnotizante e, conforme o público a viu, o teatro se dissolveu em um murmúrio coletivo de admiração. Num primeiro momento ela pareceu estar nua, exceto por um brilho que lhe cobria o corpo, mas, conforme as luzes piscaram e mudaram, Pamela percebeu que a mulher vestia um collant da cor da pele, coberto com minúsculas pedras que brilhavam como diamantes. A música começou, e o lenço foi alçado para o alto junto com a diva dourada. Ela começou a se movimentar e girar numa dança sensual, o tempo todo pendurada sobre a plateia. Era de tirar o fôlego.

— Ela parece uma deusa! — Pamela cochichou para Febo.

— Verdade — Apolo murmurou de volta, contente por Pamela estar tão hipnotizada pelo desempenho da moça que nem sequer registrara o choque em seu rosto. Permaneceu sentado e imóvel, tentando manter uma máscara de apreciação diante do show que sua irmã, Ártemis, realizava. Ele a reconhecera de pronto. Sua performance inteira estava permeada pelo erotismo do Olimpo.

Agora compreendia por que os mortais modernos pareciam tão encantados pela presença da própria Deusa da Caça. Embora ela preferisse sua floresta e liberdade, os boatos que haviam proliferado por conta de sua maneira independente de ser eram falsos. Ártemis não era uma deusa virgem. Ela era, sempre que queria, uma fêmea extraordinariamente sedutora.

E o que pretendia naquela noite era óbvio. Queria ter a certeza de que ele cumpriria a invocação, por isso, com seu beijo imortal de poder, abençoara os atores mortais com generosidade. Seu fascínio fora, portanto, aumentado, assim como a tensão sexual em meio ao público.

Ele tinha que admitir: fora muito inteligente da parte de Ártemis. Irritante, mas inteligente.

De repente, o público soltou nova exclamação quando uma figura pequena e musculosa adentrou o palco correndo. Os olhos de Apolo se arregalaram de surpresa. Um sátiro! Embora seus cascos fendidos estivessem camuflados por botas e pela magia da deusa, e os pelos que lhe cobriam as pernas permanecessem invisíveis sob as calças de seda que usava, para ele, Apolo, sua identidade era óbvia. A cabeça loira da criatura quase não passava da cintura de Ártemis, porém seu peito e braços nus eram tão musculosos que, conforme ele acenava para a diva, era como se fosse um dos Titãs.

O sátiro movimentou os braços em torno do final do lenço escarlate, e ele também foi alçado ao ar. Acima do palco, começou uma erótica perseguição, que não aconteceu apenas sobre o tablado. Ambas as personagens oscilavam sobre o público que assistia, extasiado, enquanto a excêntrica criatura atraía e persuadia, acariciando e seduzindo, até que, por fim, a deusa se dignou a ser “capturada”, e os dois foram suavemente baixados para o palco.

Chocado, Apolo viu a irmã permitir que o ente da floresta a envolvesse nos braços. Em seguida, a Deusa da Caça se deixou derreter com o beijo do sátiro em uma exibição pública de sensualidade que, ele sabia, Ártemis jamais permitiria se eles estivessem no Olimpo.

Os dois insólitos imortais saíram, os braços ainda em torno um do outro, e o público permaneceu em silêncio, com os olhos ainda voltados para o ponto onde a deusa fora vista pela última vez.

Apolo foi o primeiro a quebrar o feitiço sedutor da irmã, mas seu aplauso foi logo acompanhado por gritos e mais aplausos.

As luzes se acenderam, mas, antes que a plateia começasse a se levantar, o elenco de atores liderado por Ártemis voltou ao palco. A Deusa da Caça se dirigiu ao público:

— Saudamo-vos, amantes e amigos. Espero que tenham gostado da nossa pequena homenagem ao amor. — Sua voz soou doce como mel, atraindo os mortais com sua doce torrente de palavras. — Antes de irem embora, eu gostaria de conhecer alguns de vocês... se não se importarem.

Um alerta soou no íntimo de Apolo, contudo um murmúrio de excitação percorreu a multidão atenta, como o vento soprando uma floresta. A deusa sorriu com inocência, como se se dirigisse a multidões de mortais modernos todos os dias. Então começou a falar com eles, perguntando seus nomes, escolhendo jovens e tímidos casais e recém-casados, espalhando a magia de sua voz sedutora por todo o teatro.

Apenas uma vez Ártemis olhou para o camarote onde Apolo se encontrava sentado com Pamela. Fixou o olhar no do irmão somente por um breve momento, porém foi o bastante para que ele vislumbrasse a diversão na profundidade de seus olhos azuis. Quase imperceptivelmente, ela fez um movimento com os dedos e Apolo sentiu o calor de sua magia cascateando sobre ele, penetrando em sua pele e fazendo seu corpo intumescer e pesar.

A reação de Pamela foi mais simples. Como se em transe, ela pousou a mão em sua coxa, inclinou-se mais em sua direção e o fitou nos olhos. Sua respiração se acelerou e seus lábios se entreabriram em um gemido que foi mais do que um convite.

Apolo praguejou baixinho, apertou os ombros delicados com o braço e tentou se concentrar no palco mais uma vez. Não podia beijá-la. Sob o feitiço da magia imortal de Ártemis, nenhum deles seria capaz de se deter.

Vai passar , lembrou a si mesmo e, com o pensamento, sentiu a força da magia da irmã diminuir. Fulminou Ártemis com o olhar, porém esta o ignorou por completo. No círculo de seu abraço, sentiu Pamela se arrepiar. Soube que o intenso feitiço havia começado a deixar sua pele também, e respirou, aliviado.

Não estava usando seus poderes para seduzir Pamela. Queria que sua reação a ele fosse genuína. As loucuras de Ártemis eram tão bem-vindas quanto sua magia... Nenhuma delas trazia amor; apenas luxúria. Um desejo passageiro, que podia ser facilmente saciado.

E ele queria mais.

— Nossa, olhe! — exclamou Pamela, apontando para o palco enquanto tentava normalizar a respiração. Devia estar mais carente do que imaginava, porque aquele show a estava deixando louca! Poucos minutos antes, quando Febo sorrira para ela, teria subido nele ali mesmo!... Sem dúvida Ve estava certa: ficar sem sexo por muito tempo fazia uma mulher perder a cabeça. — Aquele casal acabou de dizer que veio aqui comemorar seu quinquagésimo aniversário de casamento.

— Cinquenta anos! — a linda Ártemis repetiu, e a multidão aplaudiu, educada. Um dos atores correu para a deusa e sussurrou em seu ouvido. Ártemis sorriu, assentiu com um gesto de cabeça e se dirigiu ao casal outra vez.

— Vocês subiriam ao palco para encerrarmos o nosso espetáculo com uma dança especial em sua homenagem?

Apolo se inclinou para a frente, de modo a enxergar melhor o casal de idosos que se ergueu devagar. Ao som de aplausos encorajadores, eles subiram a escada para o palco. As luzes diminuíram e uma valsa suave começou a tocar.

No início, o casal se moveu, desajeitado, até assumir um ritmo mais fluido e familiar. De repente, o homem grisalho virou a esposa, segurando o vestido em estilo capa que ela usava, e o público prendeu a respiração, surpreso. A mulher girou e o traje se desenrolou até que ela ficou de pé no palco, usando apenas um collant de dança e uma saia rodada. Fez uma reverência para o teatro, tal qual uma graciosa bailarina, e, em seguida, ela e o marido retomaram a valsa, movendo-se, desta vez, com a graça de dançarinos profissionais. Sem esforço, o homem ergueu o corpo ainda vibrante da esposa para o ombro, virou-se, mergulhou e, com um floreio, ela girou em seus braços mais uma vez.

A dança terminou como os dois se beijando no meio do palco.

— E, assim, celebramos o amor! Em qualquer idade, de qualquer forma. O amor é mágico e traz consigo um toque de imortalidade. Vão com a minha bênção esta noite, amantes, e busquem o prazer aonde forem. Amem, riam e sejam felizes! — proclamou a deusa, e, em uma explosão de faíscas, todo o elenco desapareceu pelo alçapão no chão do palco.

Os aplausos continuaram por muito tempo, mas, quando nenhum dos artistas retornou para o bis, o teatro começou a se esvaziar. O público era formado quase exclusivamente por casais e, enquanto estes saíam, viam-se muitas mãos dadas, conversas íntimas e toques sutis.

Quando os outros casais sentados à volta deles no balcão começaram a deixá-lo, Pamela hesitou. Ela e Febo se encontravam em pé, ao lado dos assentos e, por um momento, ficaram sozinhos, como se tivessem descoberto uma gruta dentro do teatro escuro. Um pouco como na noite anterior , Pamela pensou. Quando eles tinham se beijado na chuva.

Olhou para ele, dominada pelo misto de luxúria e desejo que lhe corria pelo corpo em uníssono com o bater de seu coração. Nesse momento, soube que iriam fazer amor. Estava cansada de se contentar com pouco. Queria alegria e satisfação.

Por isso mesmo falou em uma torrente, como se as palavras tivessem sido obrigadas a romper uma parede de cautela e inibições:

— Estou me sentindo como se estivéssemos sozinhos no mundo. Às vezes, quando olho para você, vejo um mar de possibilidades...

— Então continue vendo — ele respondeu, rouco. — E, acredite: eu jamais faria nada para feri-la. Pense em mim como no seu talismã de Apolo... Eu também quero que supere tudo e fique inteira, de modo que possa amar e confiar de novo.

Febo tocou a medalha que ela usava em volta do pescoço e, mais uma vez, Pamela sentiu um estranho calor atravessar o metal e seguir direto para seu coração. Cansada de hesitar, deslizou as mãos pelo peito largo e colou o corpo ao dele.

— Faria uma coisa por mim?

— Qualquer coisa que estiver ao meu alcance — ele prometeu, solene.

— Você me levaria de volta ao meu quarto e faria amor comigo? — ela quis saber, meio sem fôlego.

— Seria uma grande honra, doce Pamela... — Apolo disse baixinho, inclinando-se para beijá-la nos lábios.


Capítulo 15


Envolvidos em uma nuvem de ansiedade, eles caminharam de volta à suíte. Falavam pouco, porém tocavam um ao outro constantemente. Apolo já estava se familiarizando com as curvas e linhas do corpo de Pamela, e parou muitas vezes a fim de puxá-la para uma sombra e beijá-la com uma ternura que nada fez para mascarar seu crescente desejo. Queria Pamela com uma intensidade que era como um fogo se avolumando dentro dele e, para seu profundo deleite, Pamela correspondia com paixão. Era tão bom tê-la pressionada contra o corpo, como se sempre tivesse estado ali!...

Conforme caminhavam, pensou no casal de idosos que havia encerrado a produção no teatro. Sem dúvida eram atores plantados no meio da multidão, mas isso não significava que eles não tinham sido amantes de verdade. Ainda se lembrava de como os olhos do homem irradiavam amor e orgulho enquanto ele conduzia sua companheira de uma vida naquela valsa especial.

Suspirou. Sabia que nunca iria envelhecer ao lado de Pamela, mas a queria a seu lado. E queria isso com uma intensidade que o encheu de propósito.

Eles ficariam juntos, prometeu a si mesmo.

Pamela deslizou o cartão-chave na porta e, após uma luz verde e um clique, entrou na suíte à frente dele.

Sua hesitação se foi, então. Ela sabia o que queria. Queria Febo. Queria esquecer os erros do passado; não se importar sobre o que poderia ou não acontecer no futuro.

Algo lhe acontecera naquela noite enquanto assistia à mágica sensualidade de Zumanity . Percebera que estava errada. Duane não matara o romance, a diversão, nem mesmo o sexo dentro ela. Apenas fizera aquele seu lado hibernar.

E agora que este despertara, ela se sentia esfaimada.

Quando Apolo fechou a porta, Pamela se virou e caiu em seus braços. Ele a beijou demoradamente, querendo saboreá-la por inteiro agora que se encontravam sozinhos.

Quando ela gemeu em sua boca, Apolo se inclinou, segurou-a pelas nádegas redondas e a ergueu, de modo a pressionar-lhe o centro de seu corpo contra a própria ereção. Inquieta, ela se moveu de encontro a ele e, com um suspiro, Apolo interrompeu o beijo, lutando por controle.

— Estou perdendo a cabeça de tanto desejo que sinto por você! — gemeu quando a língua e os lábios carnudos deixaram um rastro quente na lateral de seu pescoço.

— Ponha-me no chão e eu me livrarei destas roupas! — O hálito quente de Pamela soprou em sua pele.

Apolo quase a derrubou, e a risada dela foi profunda e rouca.

Travessa, Pamela recuou para longe dele e começou a andar para trás, na direção da cama, enquanto alcançava a parte de trás do vestido vermelho e descia o zíper. Encolheu um ombro, a roupa deslizou, livre, e ela saiu do pequeno monte carmesim agora em seus calcanhares.

Os olhos de Apolo devoraram o corpo esbelto. Pamela usava algo preto e rendado que quase não lhe cobria os seios, mas que os levantava e os fazia apontar, sedutores, em sua direção. Outra peça parecida, também de renda, mal ocultava o triângulo escuro entre suas pernas. As sandálias douradas, com duas pontas parecidas com punhais, deixavam suas pernas longas e nuas incrivelmente sensuais.

Enquanto Pamela levava as mãos às costas outra vez, a fim de desabotoar a lingerie , ele cobriu a distância que os separava e a beijou com paixão.

— Eu o quero nu contra mim — ela sussurrou em sua boca.

Respirando com dificuldade, Apolo interrompeu o beijo longo apenas o suficiente para arrancar a camisa sobre a cabeça. Enquanto se atrapalhava com o estranho fechamento das próprias calças, Pamela deslizou para a cama, observando-o com olhos cintilantes.

E ainda calçava aqueles sapatos sexy !...

Apolo conseguiu ficar nu, por fim, mas, antes que pudesse se juntar a ela na cama, Pamela se ergueu sobre um cotovelo e o deteve com a mão.

— Espere. Fique assim... Deixe-me olhar para você. — Seu olhar viajou dos olhos cor de safira para o restante do corpo másculo, então ela passou a língua sobre os lábios antes de falar outra vez. — Febo, é o homem mais lindo que já vi. Deus, olhe só essa pele!... Cobre seus músculos como ouro líquido. — Balançou a cabeça e deu uma risada, meio sem fôlego. — Você deveria ser pintado por artistas. Escultores deveriam esculpi-lo. Como pode ser de verdade?

Apolo sentou-se na cama, a seu lado.

— Eu sou de verdade, e o que está acontecendo entre nós é real. Minha aparência não é nem pouco incomum ou extraordinária para mim.

Ele fez uma pausa, pensativo. Fizera amor com inúmeras mulheres, deusas e mortais. Antes, contudo, sempre havia usado a magia do seu poder imortal para aumentar o próprio prazer durante o ato.

Daquela vez seria diferente. Pamela era diferente. Ele não quisera usar seus poderes para atraí-la ou seduzi-la, mas queria muito que ela sentisse a profundidade de sua paixão. Queria que ela o conhecesse de uma maneira que nenhuma outra mulher tinha conhecido.

Tocou-a enquanto continuava falando.

— O que está acontecendo aqui dentro é novo e maravilhoso para mim. E a única forma que conheço de compartilhar esse sentimento é amando você. — Ele acariciou-lhe o pescoço longo com delicadeza e deixou os dedos se mover por entre as mechas curtas de seu cabelo. Quando a tocou, permitiu que parte de seu poder imortal escapasse de seus dedos e a varresse por inteiro, fazendo-a estremecer sob o toque. — Deixe-me amá-la, doce Pamela. Deixe-me tornar isso real para você.

— Sim! — ela sussurrou a palavra em sua boca.

As mãos de Febo deslizaram pelo corpo macio conforme seus lábios se encontravam novamente.

A pele de Pamela vibrou sob seu toque. Nunca antes ela se sentira tão sensível. Era como se houvesse se tornado um conduto vivo para todas as sensações ardentes, intensas, enlouquecedoras e eróticas de que sentia falta havia tantos anos.

As mãos de Apolo desceram por sua perna até chegarem ao pé. Olhos azuis cintilaram para ela; em seguida, ele beijou o tornozelo que ela ferira na noite anterior.

— Eu queria ter feito isso ontem, você sabe — sua voz soou rouca de desejo.

— Devia ter feito — ela ofegou. — Eu queria que fizesse.

Febo desafivelou a tira dourada da sandália e a retirou. Beijou o arco delicado de seu pé, e uma onda de eletricidade subiu pela perna de Pamela, indo parar bem no fundo de seu âmago já úmido.

— Que bom que gosta — ele sussurrou, indo para o outro pé. — Esta noite quero que acredite que é uma deusa sendo amada por um deus.

Pamela gemeu e mordeu o lábio enquanto ele deslizava a boca do arco de seu pé para a panturrilha. Febo tinha que ser mesmo um músico , pensou, quando ele lhe acariciou o interior da coxa, e seus lábios encontraram o vale atrás de seu joelho. Apenas um músico podia ter mãos tão habilidosas. Seu toque era quente, e ela se sentia derreter sob suas carícias.

Quando os lábios de Febo seguiram o caminho que ele traçara com as mãos até o interior de sua coxa, Pamela arqueou o corpo para encontrá-lo, soltando uma exclamação de prazer ao sentir a língua quente mergulhando em seu âmago. Seu orgasmo foi tão rápido e explosivo que seu corpo inteiro estremeceu em resposta.

Em algum lugar em meio à névoa de paixão, Pamela reconheceu que aquilo nunca lhe acontecera antes... Nunca fora tão rápido ou tão intenso.

Ainda tonta, estendeu os braços e Febo se juntou a ela.

— Estou aqui, minha doce Pamela — murmurou.

Ela sentiu o coração batendo contra o peito. O ritmo irregular de sua pulsação se igualava ao dele. Abriu a boca e as línguas se encontraram, fazendo-a provar em Febo o gosto do próprio sexo: salgado e doce ao mesmo tempo.

Aprofundou o beijo e arqueou o corpo, de modo que seu calor úmido ficasse pressionado ao membro rijo, então deslizou a mão entre ambos a fim de guiá-lo para ela.

Mas não o fez.

Não ainda , pensou. Em vez disso, manteve-o lugar, esfregando a ponta ingurgitada nas próprias dobras aveludadas, enquanto o afagava com a mão.

Até Pamela começar a acariciá-lo, Apolo se encontrava em pleno controle de si mesmo. Deleitara-se com a maneira desinibida como ela reagira a seus avanços, e usara seu poder imortal com cuidado, a fim de aumentar sua sensibilidade. Fizera amor com ela com seu corpo e sua magia, e, quando ela chegara ao clímax, bebera o mel de seu êxtase.

Mas Pamela possuía sua própria magia; e a sedução de uma mulher intensificada por um desejo sincero, além da alma de um deus.

— Não posso esperar mais! — A voz dele saiu rouca de paixão.

— Febo!... — ela sussurrou seu nome e, enfim, o guiou para dentro dela. Em seguida, arqueou o corpo de forma a receber seus impulsos.

Apolo mergulhou nela repetidas vezes. Em seguida se levantou, de modo a fitá-la nos olhos.

Cure-se! , a alma do Deus da Luz falou à de Pamela. Acredite que pode amar outra vez!

Seus olhos capturaram os dela, e Pamela não pôde mais desviar o olhar. Fora consumida pelo toque de Febo, por seu cheiro e pelo calor do corpo sólido em seu âmago. Correspondia a ele em um nível mais profundo do que o físico. Febo a tocava não apenas com o corpo, mas também com a mente, o coração... Talvez até mesmo com a alma.

Quando seu orgasmo teve início, seu enlevo a carregou com ele. Pamela fechou os olhos contra a intensidade do prazer que a varreu, e um flash de luz dourada explodiu em suas pálpebras fechadas quando Febo gritou seu nome.


Ártemis congelou em meio a um gole do delicioso Martini que compartilhava com o sátiro, o qual tão bem a servira mais cedo, naquela noite. Assim como na lenda do nó Górdio, sentiu que os laços que a atavam à mortal se desfaziam.

Apolo tinha conseguido. O ritual fora concluído!

A deusa sorriu e respirou fundo, satisfeita por se encontrar livre das emoções de uma...

— Não — pronunciou a palavra por entre os dentes. — Não é possível!

— Há algo errado, senhora? — Os olhos do sátiro ficaram redondos com preocupação.

— Quieto! — ordenou Ártemis.

A criatura da floresta pareceu magoada, mas, de imediato, obedeceu à sua deusa.

Ártemis estreitou os olhos e se concentrou. Não! Ela jamais poderia imaginar! A pressão avassaladora que a prendia à mortal suavizara, mas, em seu lugar, restara um fio fino, quase insubstancial.

O que era aquilo? O que acontecera? Apolo devia ter feito amor com a mortal, o que devia ter posto um fim à invocação. A mortal pedira para ter mais romance em sua vida. Como fazer amor com o Deus da Luz podia não ter satisfeito o ideal de romance da mulher? Ainda mais depois de esta ter sido preparada para ele pela magia que ela mesma, Ártemis, usara durante aquela apresentação erótica no teatro?...

Ter escutado a conversa de Pamela com a concierge do hotel fora muito útil, e aderir ao show erótico fora uma ideia inspiradora.

Os lábios carnudos da Deusa da Caça se curvaram para cima. Existiam coisas no Mundo Moderno de que vinha gostando um bocado. Não fazia ideia do quanto seria divertido se fazer passar por uma adorada estrela de teatro. Precisava repetir a experiência em breve.

Ártemis se encolheu quando o fio que ainda a vinculava à mortal pareceu puxá-la. Era apenas uma leve pressão, como uma farpa minúscula na sola de sua chinela. A princípio, tratava-se apenas de um pequeno incômodo, mas, com o tempo, poderia causar muita irritação.

A deusa suspirou, frustrada. Não havia nada que pudesse fazer a respeito, no momento. Não poderia ir atrás do irmão, interromper seu encontro amoroso e exigir saber por que sua performance parecia ter deixado a desejar. Isso não ajudaria em nada.

Girou a haste fina e fria da taça de Martini entre os dedos. Ainda era cedo. Talvez, pela manhã, Apolo tivesse conseguido satisfazer os desejos românticos daquela ridícula mortal. Até então era inútil ficar elucubrando sobre o assunto. Ela precisava mais era de uma distração.

Olhou com malícia para o jovem sátiro que continuava sentado a seu lado. Ele era uma criatura interessante...

— Querido? — ronronou, e as orelhas do ser literalmente se levantaram em sua direção. — Lembra-se de como foi emocionante quando me perseguiu pelo ar esta noite?

— Claro que me lembro, minha deusa — a voz dele soou ansiosa. — Uma eternidade pode passar, e eu jamais me esquecerei.

— Ainda não estou com vontade de voltar para o Olimpo. Pague por nossas bebidas, assim poderemos voltar para aquele lindo teatro. Precisa praticar melhor a sua cena de perseguição e, desta vez, quem sabe seja mais bem recompensado quando me capturar por fim?... — Ela correu um dedo pelo braço musculoso, e os olhos do semideus se dilataram como os de um corço em resposta.

— Eu vivo para atender às suas necessidades, minha deusa.

— É com isso o que estou contando — Ártemis murmurou para si mesma, enquanto o sátiro corria para pagar o servo.


Capítulo 16


Ah, maldição dos infernos! Ela havia se esquecido de usar um preservativo! E não apenas na primeira vez. Na segunda e na terceira também!

Pamela revirou os olhos. Que i-di-o-ta!... Como podia ter se esquecido? Principalmente depois de ter encarado a vergonha que ameaçara sufocá-la ao comprar uma caixa nova da marca Trojan na loja de souvenirs do hotel, após a pedicure.

E graças a Deus fora à pedicure. Febo a beijara, acariciara e até mesmo lhe sugara os dedos dos pés!

Só de pensar nisso ficava vermelha e com os joelhos fracos outra vez.

Concentre-se!, seu guia interno a repreendeu. Não usar preservativos nada tinha a ver com dedos dos pés.

Ou tinha?

Um movimento à direita chamou sua atenção. Pamela virou a cabeça e olhou para Febo. Ele era tão lindo!... Quando não estava olhando para ele, podia até pensar em Febo como apenas um sujeito de boa aparência. Mas bastava vê-lo para perceber que não existia nada comum nele. Nada mesmo.

Ainda sentia o corpo vibrar com seu toque. Devia estar dolorida, cansada e, na certa, lutando contra uma infecção do trato urinário depois de tanto sexo!... Em vez disso, sentia-se maravilhosa. Preguiçosa, letárgica e muito, muito satisfeita.

Mas se esquecera de usar uma proteção.

— Sinto que está franzindo a testa — declarou Febo sem abrir os olhos.

— Impossível! — ela exclamou, forçando um sorriso. — Até porque não estou franzindo a testa.

— Agora não mais — ele concordou ainda de olhos fechados. Então os abriu e virou a cabeça loira, de modo a encará-la com um sorriso terno. — Bom dia, minha doce Pamela.

— Eu me esqueci de usar um preservativo na noite passada. — Ela corou. — E também nesta manhã.

Apolo franziu o cenho.

— Preservativo? — ele repetiu a palavra desconhecida.

— Sim — ela aquiesceu, o rosto ficando mais quente a cada instante. Agarrou o lençol, que havia se soltado completamente do colchão graças à sua aeróbica da noite anterior, enrolou em torno do corpo nu e se retirou para o banheiro.

— Você sabe, preservativo, preventivo, camisa de Vênus... — falou por cima do ombro. — Não estou tomando pílula nem nada. Você é o médico. Eu não devia ter de explicar como seria fácil para eu ficar grávida.

Uma camisa de Vênus era algo que impedia uma mortal de ficar grávida? , perguntou-se Apolo. Muito interessante. Mesmo assim, duvidava de que esta pudesse impedir um deus de engravidar uma mortal, caso este decidisse ter um filho com Pamela...

De qualquer modo, isso não tinha acontecido.

Apolo se espreguiçou e sorriu. Até gostava da ideia. Mas não até que Pamela soubesse quem ele era, e concordasse em passar a vida a seu lado.

— Não pode ter engravidado neste nosso encontro, Pamela.

Ela pôs a cabeça para fora do banheiro, segurando a escova de dentes.

— Por acaso fez vasectomia?

Apolo não fazia ideia do que ela estava falando, mas Pamela pareceu aliviada, então ele balançou a cabeça e sorriu.

— Ah, bom. Maravilha. — Ela desapareceu por um momento, depois ressurgiu ainda com a escova na mão. — Mas e quanto a... ahn... — Hesitou, sentindo-se ridícula. Tivera mais intimidades com aquele homem do que com qualquer pessoa — incluindo seu “ex” — e perguntar sobre DST a fazia gaguejar? Além do mais, Febo era médico, pelo amor de Deus!... — Mas e quanto a doenças sexualmente transmissíveis? — Tentou outra vez.

Apolo reuniu as sobrancelhas douradas.

— Não tenho nenhuma doença.

— Ah, sim, claro. Que bom. Nem eu!... Que bom — ela repetiu pela terceira vez, sentindo-se como uma completa idiota.

Voltou para o banheiro, ligou o chuveiro e fechou a porta.

Apolo a escutou se ocupando no outro cômodo e precisou fazer um grande esforço para não se juntar a ela. Tinha vontade de arrancar aquele lençol e erguê-la sobre o balcão da pia, depois mergulhar nela enquanto fitava aqueles olhos cor de mel, até que, uma vez mais, pudesse ver o reflexo da própria alma em suas profundezas.

Sentiu o corpo reagir e se tornar pesado e rijo apenas de pensar em Pamela.

Mas teriam todo o tempo do mundo para fazer amor nos muitos anos em que ficariam juntos.

Fechou os olhos e deu um longo suspiro de alívio. Não fora o ritual de invocação o que fizera Pamela desejá-lo. Se fosse esse o caso, seu desejo por ele teria diminuído após sua primeira vez, o que, definitivamente, não havia acontecido. Na verdade, a paixão de Pamela parecia aumentar a cada vez que se amavam. Ela dormira em seus braços, os dedos entrelaçados aos seus. Mesmo durante o sono se aninhara mais junto a ele.

E ele adorava isso nela. Era outra coisa que o surpreendera. Ele nunca tinha trocado carícias e ficado abraçado com uma amante antes. Se fizera isso, fora apenas como um incentivo para dar início a uma nova rodada de sexo.

Sentia-se tão diferente com Pamela!... Na verdade, ele a queria por perto mesmo quando não estavam fazendo amor.

Agora compreendia por que Hades e Lina muitas vezes se sentavam perto o suficiente um do outro para que seus corpos roçassem, e por que seus dedos se tocavam durante as tarefas mais simples e banais, como passar uma taça ou um prato de frutas. Eles também queriam aquela conexão.

Não, Apolo corrigiu a si mesmo. Eles ansiavam por aquela conexão. Assim como ele ansiava por Pamela.

Ela saiu do banheiro com o lençol ainda enrolado no corpo, o rosto recém-lavado e o cabelo úmido.

— O que vamos fazer hoje? — ele quis saber, estendendo-lhe a mão.

Pamela a aceitou e se aconchegou em seu peito. Que prazer incrível palavras tão simples podiam proporcionar! Febo queria saber o que “eles” fariam naquele dia.

— Bem, já que perdemos o café da manhã... — ela olhou para o relógio digital cujos números vermelhos exibiam “2:05 p.m.” — ... e o almoço, creio que comer precisa entrar nos nossos planos. — Beijou a linha forte do queixo de Febo, perguntando-se por que não sentia nos lábios nenhuma barba incipiente. — E eu odeio dizer, mas preciso trabalhar um pouco para ter o que apresentar na reunião de amanhã com o meu cliente.

Apolo tocou o cabelo úmido que lhe adornava a cabeça em adoráveis e confusas mechas.

— Que tipo de trabalho?

— Eddie quer uma piscina construída com base na do hotel e eu, claro, nem conheci a piscina do Caesars Palace ainda! Preciso ir até lá vê-la e, talvez, fazer alguns esboços para ter alguma ideia preliminar do que fazer para Eddie. — Pamela franziu a testa. — Já li por alto algumas anotações que ele fez, mas elas eram muito confusas. Eddie quer uma piscina externa, porém coberta, “como um genuíno banho romano no nível inferior”. Só espero que menos autêntica do que aquela maldita fonte.

— Talvez eu possa ajudar. Tenho alguma noção do que seja um autêntico banho romano.

— Eu me esqueço de que sabe tudo sobre essas coisas antigas de mitologia! É um sujeito bem útil para se ter por perto, não? — ela falou brincando e se inclinando para ele.

— Você não faz ideia... — Apolo sorriu e a beijou.


— Gimensa ? — Apolo perguntou, balançando a cabeça.

— Imorme! — elaborou Pamela. — Como, maldição dos infernos, vou poder reproduzir isto em um pátio?!

— Depende do tamanho do terreno do seu cliente.

Ela soltou um gemido.

— Tem razão — admitiu Apolo, sem tirar os olhos da vasta extensão de água, mármore e fontes que se estendia à sua frente. — Este... — Parou, sem saber que palavra usar.

— Lago artificial? — arriscou Pamela.

Apolo tentou esconder o sorriso perante o tom horrorizado de Pamela.

— Sim, “lago artificial” o descreve razoavelmente bem. Este “lago artificial” pareceria portentoso demais até mesmo no Monte Olimpo.

— Ha! Aposto que os deuses teriam mais bom gosto.

O Deus da Luz pensou no palácio rosa e dourado de Afrodite, com a fonte que vertia ambrosia rosada em vez de água.

— ... Talvez — murmurou.

Pamela continuava de queixo caído com os seus arredores.

— Ao menos agora eu sei o que Eddie quis dizer com aquelas anotações. Ele quer uma piscina externa, mas com uma cobertura como esta. — Apontou para o centro da piscina colossal: uma plataforma de mármore circular gigantesca se erguendo a vários centímetros acima da água. Colunas de mármore, com pelo menos quinze metros de altura, apoiavam uma cúpula de cobre, a qual fazia sombra aos muitos banhistas que nadavam — e, em seguida, descansavam sob esta —, bem como para a estátua em tamanho maior do que o natural de César. — O problema é que, nas anotações, Eddie diz que quer toda a piscina coberta pela cúpula. E quer que os tronos sejam copiados na íntegra também. Imagino que seja aquilo... — Pamela apontou com um gesto de cabeça na direção da estação de salva-vidas não muito distante de onde eles se encontravam. Era de mármore e fora construída na forma de um grande trono flanqueado por dois leões alados.

— Será que ele vai querer os cavalos-marinhos também? — Apolo perguntou, divertindo-se com toda a situação.

Pamela olhou de soslaio para as enormes estátuas de mármore, cujas metades traseiras se transformavam em caudas de sereia.

— Ah, Deus! Espero que não. — Passou a mão pelo cabelo. — Isto tudo, somado àquela fonte, vai acabar comigo. É horrível. Brega demais! Esse tipo de coisa chega a gritar: “Tenho rios de dinheiro, mas gosto nenhum!”...

— Sem dizer que não tem nada a ver com um genuíno banho romano — afirmou Apolo, estudando os leões alados, montados sobre os pilares retangulares que ladeavam a piscina menor e destinada às crianças, um pouco mais além.

Pamela estremeceu.

— Espero que não. Qualquer lugar que governasse o mundo por tanto tempo como Roma faria algo melhor do que isto.

— A diferença não se dá apenas na decoração. Os antigos banhos romanos não eram piscinas como esta. Eram uma série de salas aquecidas, construídas uma atrás da outra, a começar por uma área onde os banhistas eram massageados com óleos. Os cômodos iam ficando mais quentes e, muitas vezes, ficavam cheios de vapores calmantes. — Apolo sorriu para ela. — Eles não continham essas piscinas enormes. Eram construídos em torno de pequenas fontes, as quais os banhistas usavam para se refrescar. Claro que esses cômodos acabavam em piscinas. Geralmente uma era aquecida e a outra, mantida fria e refrescante.

A expressão de Pamela mudou de horrorizada para esperançosa.

— Acha que poderia me descrever os banhos romanos bem o bastante para eu fazer alguns esboços? Eu teria de incorporar algumas destas coisas, claro — ela apontou o ambiente a esmo —, mas talvez eu possa amenizá-las e torná-las mais autênticas a fim de vender a ideia para Eddie. Ele já disse que quer uma piscina coberta. Posso projetar uma série de belas salas, cada uma com algum componente aquático, e tudo em torno de uma piscina com um pouco menos de pompa.

— É uma ideia interessante — concordou Apolo.

— Ótimo! Vamos começar. — Ela marchou para uma das linhas menos ocupadas de espreguiçadeiras brancas, então parou.

— Comida — lembrou. — Preciso comer para conseguir trabalhar. — Deslizou o olhar para uma construção de mármore na frente da qual havia uma pequena fileira de pessoas. Leu as letras românicas douradas e revirou os olhos.

Desta vez, Apolo não tentou disfarçar seu divertimento. Pendeu a cabeça para trás e caiu na gargalhada.

Pamela fez uma careta para ele, em seguida rumou em direção ao prédio.

— Snackus Maximus não é assim, tão engraçado!... — resmungou por cima do ombro.

Apolo fechou os olhos e inalou o ar aquecido pelo sol do deserto que acariciava sua pele e o enchia de poder e contentamento. Sentia-se indescritivelmente bem. E o som suave do inquieto lápis de carvão de Pamela era um fundo perfeito para seus pensamentos.

Ele e sua doce Pamela se davam muito bem. O raciocínio rápido de Pamela e aquele seu sorriso travesso tinham transformado a tarde que passara trabalhando a seu lado numa maravilhosa e agradável experiência. Pamela brincava o tempo todo com ele e provocava-o nas menores coisas: como seu cabelo ficara encaracolado após um dos mergulhos na piscina, diante de sua surpreendente obsessão por um delicioso lanche salgado chamado batatas fritas (das quais ele pedira três porções)...

Mulheres não zombavam do Deus da Luz. Pamela, sim. E, quando ele a fazia rir, seus olhos brilhantes o faziam se sentir mais do que divino.

Apolo logo descobriu que ela era muito mais talentosa como artista do que imaginava. Podia até vislumbrar seu futuro juntos. Pamela nunca mais teria que trabalhar para ricos inconvenientes como aquele escritor que, sem dúvida, se considerava um deus mortal.

Talvez ele construísse para ela uma enorme galeria em seu templo, em Delfos. Pamela poderia passar os dias desenhando as maravilhas do Olimpo... e as noites dividindo a cama com ele.

O amor era muito mais fácil do que ele imaginava. Mal podia se lembrar do que o perturbava tanto ao correr em busca dos conselhos de Lina e Hades. Por que estivera tão preocupado? Ele encontrara sua alma gêmea e, agora, tudo o que tinha a fazer era adorá-la.

E amar Pamela era uma delícia. Verdade que ele ainda precisava revelar a ela sua verdadeira identidade, mas aquilo não era apenas um detalhe? Ela já o conhecera bem, e ele era o homem que a amava.

E algo lhe dizia que Pamela sentiria um enorme prazer em descobrir que ganhara o amor de um imortal.

Seus lábios se curvaram, e sua mente derivou, preguiçosa. A vida era boa.

— Não fica com medo de se queimar demais? — Pamela o fitou por cima da lente dos óculos escuros. Apolo estava deitado a seu lado, em uma espreguiçadeira como a dela, porém a cadeira se encontrava voltada para o sol escaldante do fim de tarde do deserto.

Já ela puxara a espreguiçadeira para a sombra proporcionada por um guarda-sol da piscina. Mesmo suas pernas nuas, no momento dobradas para que ela pudesse usá-las como apoio para o bloco de desenho, estavam distantes da luz direta do sol.

Mesmo assim, ela ainda se sentia acalorada. Vinha trabalhando naquele esboço da casa de banhos havia horas, e Febo se mantivera o tempo todo descansando a seu lado, explicando-lhe detalhes dos antigos banhos romanos, dando dicas perspicazes quanto às pequenas salas individuais e quanto à disposição geral enquanto permanecia em pleno sol.

— De eu me queimar? — Ele enrugou a testa.

— Sim, está deitado aí, usando quase nada, o dia inteiro. Eu já estaria como uma batata frita.

Febo nem sequer parecia acalorado. Pelo contrário, estava escandalosamente bonito com aquele calção de banho adquirido às pressas e nada mais. Um verdadeiro monumento de pele dourada e deliciosos músculos.

— Quer dizer queimado pelo sol? — Ele riu, como se achasse a ideia nova e divertida. — Claro que não. Não me preocupo com isso. O sol e eu somos velhos amigos. — Apoiou-se sobre um cotovelo e se virou para ela.

— Já terminou?

Pamela mordeu o lábio conforme estudava o esboço.

— Acho que sim. E gostei do resultado, embora eu não tenha certeza se Eddie vai abraçar a ideia. O que acha? — Entregou-lhe o bloco.

Apolo o estudou com cuidado, então balançou a cabeça.

— Foi uma escolha sábia fazer as pequenas fontes em cada um dos quartos aquecidos mais ornamentadas do que tinha previsto no início.

— Sim, a ideia é manter as paredes de mármore lisas. Dessa forma o efeito não será tão avassalador. Se ele quiser uma decoração mais vistosa, posso tentar convencê-lo a aceitar o piso de mosaico que você sugeriu.

— Disse que seu cliente vive mencionando a importância da autenticidade. Pois pode assegurar a ele que este esboço se baseia nos antigos projetos de um banho romano. Claro que o trono à beira da piscina central não é muito... — Apolo fez uma pausa enquanto a fitava, e o sorriso em seus olhos morreu quando algo atrás dela lhe chamou a atenção.

— Aqui está você. Até que enfim!

A voz da mulher, cheia de frustração, soou por cima do ombro de Pamela.

Antes que ela pudesse se virar para ver quem estava falando, Febo havia se posto de pé.

— Que inesperado prazer — ele resmungou.

Prazer?

Ele soava muito mais irritado do que satisfeito, refletiu Pamela. Olhou por cima do ombro e teve que segurar a mão para proteger os olhos da luz alaranjada e ofuscante do sol que se punha, a qual demarcava a silhueta curvilínea de uma mulher alta. Conseguiu distinguir vagamente as linhas de um vestido curto e esvoaçante, e o fato de que o cabelo da estranha se encontrava preso no alto da cabeça, em um estilo que lembrava muito uma coroa. A mulher não lançou um só olhar em sua direção. Em vez disso, pôs-se a repreender Febo.

— Esperei por você até agora e não se dignou a aparecer! Por isso fui obrigada a vir lhe procurar.

Febo franziu a testa.

— Não acredito que especificou um tempo para a minha volta!

— Achei que voltaria depois de...

— Perdoe minha grosseria, Pamela — Febo interrompeu a moça, agarrou-a pelo pulso e a puxou para a frente da espreguiçadeira, obrigando-a a encará-la. — Permita-me lhe apresentar a minha irmã. Pamela Gray, esta é minha irmã gêmea... — ele hesitou, lançando à mulher um olhar penetrante — ... Diana.

Pamela se levantou e abriu um sorriso, com a mão estendida.

— É um prazer conhecê-la, Diana. E, por favor, não culpe Febo se ele se atrasou para alguma coisa. Foi por minha culpa. Quando eu descobri o quanto ele sabe sobre a Roma antiga, não parei de solicitar sua ajuda.

Ártemis olhou da simpática mortal para sua mão estendida. Podia sentir o olhar de censura do irmão, tanto quanto o vínculo da invocação que ainda a prendia à moça.

Relutante, aceitou a mão de Pamela e se surpreendeu com a firmeza do cumprimento.

— Espere! — exclamou Pamela, os olhos se arregalando. — Eu sei quem você é! É aquela mulher linda do show Zumanity! — Seus olhos se desviaram para Apolo. — Não acredito que não me contou que ela era sua irmã!

— Talvez ele estivesse envergonhado com a minha performance — elaborou Ártemis, erguendo o queixo com uma ponta de arrogância.

— Mas isso seria ridículo! — concluiu Pamela, fitando-o com perplexidade. — Seu desempenho foi incrível... Vigoroso, sedutor e incrivelmente romântico.

Uma das sobrancelhas perfeitas de Ártemis se arqueou.

— Achou romântico?

— Sem dúvida — afirmou Pamela, balançando a cabeça com entusiasmo.

— Diana sabe que sua performance não me envergonha — Apolo se defendeu depressa. — Eu só não sabia que ela ia se apresentar na noite passada, por isso fiquei surpreso. Eu gostaria de ter mencionado seu trabalho antes, mas, depois do show, estava com coisas mais interessantes na cabeça... — Ele compartilhou um sorriso íntimo com Pamela.

— Diga-me uma coisa... — recomeçou Ártemis, como se seu irmão não tivesse falado. — ... Febo está sabendo como seduzi-la?

O rosto de Pamela foi do rosa ao vermelho, e ela abriu e fechou a boca.

— Diana! — rosnou Apolo. — Essa pergunta não apenas foi desnecessária como inconveniente!

— Foi mesmo? — ela devolveu, cínica. — Não creio, Febo — ela enunciou o nome devagar. — O vínculo continua! Mais fraco do que antes, mas continua.

As palavras de Diana não fizeram sentido para Pamela, porém ela viu a expressão de Febo mudar instantaneamente da raiva para o choque.

— Quero acabar logo com isso — Diana prosseguiu num tom áspero. — Preciso lembrá-lo de que a nossa estada aqui é apenas temporária? Temos que ir embora antes do amanhecer.

Pamela sentiu um aperto no estômago. O que eles estavam discutindo podia não fazer sentido para ela, mas a palavra “temporária” falava por si só.

Eles iriam embora. Em breve. Claro que ela mesma só ficaria em Las Vegas apenas por uma semana, mas fora honesta quanto a isso, avisando Febo de antemão que se encontrava ali apenas por conta de um trabalho. Ele tinha feito amor com ela e passado o dia todo em sua companhia, não mencionando nenhuma vez que teria de ir embora na manhã seguinte.

Ela era mesmo uma m... de uma cretina. O que imaginava estar fazendo?! Brincando de casinha?

Merda, merda... MERDA! Devia ter imaginado. Sua inexperiência naquele mundo das conquistas devia ser óbvia. Não podia ter esperado mais do que um pouco de diversão de um encontro como aquele.

— Escutem. — Pamela interrompeu o entrevero entre irmãos, usando seu tom mais firme e profissional. — Se há uma coisa de que entendo, e entendo bem, é que, às vezes, irmãos e irmãs precisam discutir. Em particular. — Apanhou o bloco de notas na espreguiçadeira, onde Febo o havia deixado, e o enfiou na bolsa de couro enquanto calçava as rasteirinhas Mizrahi . — Na verdade, Diana, o seu timing é excelente. Eu estava justamente pensando que preciso voltar para o quarto e fazer mais alguns trabalhos para amanhã.

— Não, Pamela! Por favor, não... — Febo apressou-se em dizer.

Ela mal olhou para ele.

— Para falar a verdade, já perdi muito tempo me divertindo neste fim de semana... Adeus, Febo.

Ártemis ficou chocada. A mortal estava mesmo se afastando de seu irmão! Por meio de sua conexão invisível, podia sentir muito do que se passava com a moça. E ela estava... A deusa se concentrou, filtrando as emoções que fluíam por meio do elo entre elas. Pamela estava muito amargurada. Envergonhada. Magoada. Tinha certeza de que Apolo a usara. Sentia-se arrasada por dentro, mas se mostrava apenas aborrecida. Se elas não estivessem unidas pela invocação, ela, Ártemis, nunca imaginaria o turbilhão de emoções vivido pela mortal.

Que coisa estranha!... Seria possível que a força oculta daquela mulher tivesse algo a ver com o fato de a invocação não ter se completado? Seria possível que aquela jovem mortal enxergasse o que se passava?

Diana enxergou Pamela com outros olhos. Apolo estava com a razão em uma coisa: ela não era mesmo uma mulher tola e comum.

— Pamela, meu irmão está certo. Fui rude demais.

A voz de Diana impediu Pamela de prosseguir. Ela se voltou para a irmã de seu amante, esta lhe sorriu, e ela vislumbrou a deslumbrante beleza de Febo refletida no rosto da moça.

— Eu andei tendo alguns... — Ártemis hesitou e olhou para o irmão antes de continuar — ... contratempos de natureza pessoal. Não tenho sido eu mesma. Por favor, acredite que a última coisa que desejo é afastá-la de meu irmão.

Pamela encontrou os olhos da cor de água-marinha de Diana.

— Mas se eu for embora agora ou mais tarde não vai fazer tanta diferença, vai? Acabou de dizer que vocês vão partir amanhã cedo.

— Mas não para sempre — emendou Apolo às pressas, aproximando-se para lhe tomar a mão. — Não pode acreditar que eu iria me afastar de você e nunca mais voltar.

Pamela puxou a mão. Balançou a cabeça e até conseguiu sorrir.

— Escute, nós nos divertimos bastante juntos. Vamos deixar tudo por isso mesmo... Não precisa se incomodar.

Ártemis olhou para o rosto chocado do irmão. Por que ele não dizia nada? A mortal o estava deixando! E, com certeza, não desejava aquilo... Ela não apenas sentia a dor de Pamela, mas isso era evidente na maneira rígida e mecânica com que a moça se portava. Pamela estava magoada e aborrecida. Queria conforto, não aquela inépcia!

Apolo, no entanto, parecia estranhamente impotente.

— Eu não quis ofendê-la — Ártemis argumentou, aflita. — Foi apenas um mal-entendido. Por favor. Não vá embora assim, magoada.

— Não estou magoada — Pamela respondeu.

— Eu estaria assim no seu lugar — Apolo reencontrou a voz por fim. Desta vez, ele não a tocou, contudo. Permaneceu muito quieto e tentou transmitir tudo o que sentia por meio das palavras. — Eu ficaria aborrecido e zangado se soubesse que estava planejando me deixar antes do amanhecer sem ter dito nada. Eu devia ter lhe contado. Eu pretendia contar... Mas precisa compreender, minha doce Pamela: eu sabia que iria voltar. Estragar o nosso dia contando que eu precisaria partir em breve me pareceu algo muito cruel. Mas agora vejo que me equivoquei. Consegue me perdoar?

Ela deveria dizer a Febo que aquilo não era nada. Deveria dizer que não esperava nada dele e seguir adiante. Poderia telefonar para Ve, e elas passariam horas conversando sobre como os homens eram uns cretinos...

Então, no dia seguinte, poderia voltar a trabalhar e esquecê-lo.

Tinha acabado de dormir com Febo. Nunca fora casada com ele ou coisa do gênero.

Uma vez mais, seus olhos capturaram os dela, porém. E Pamela pôde jurar que viu um reflexo de si mesma bem no fundo deles. Febo possuía a mesma “ausência” que ela, e tocara seu corpo, seu coração e sua alma. Se Duane a havia sepultado emocionalmente, Febo a trouxera de volta à vida.

E ela não queria voltar para aquele seu túmulo de complacência. Ela se conhecia bem o suficiente para compreender que aquele fim de semana fora um ponto de virada. Não mais se satisfaria com a segurança de sua vida. Iria permanecer do lado de fora, iria flertar e correr mais riscos... com ou sem Febo.

O problema era que, bem lá no fundo, queria correr todos os riscos com ele.

— Está bem — respondeu por fim, engolindo o que ia dizer. — Eu o perdoo.

Cruzou os braços e esperou. No momento, a bola estava no campo de Febo.

Para sua surpresa, foi a irmã dele quem a devolveu:

— Meu irmão e eu precisamos conversar. É um assunto de família, e eu...

— Sem problemas — Pamela a interrompeu. — Já estou indo embora.

— Pamela, não é verdade que também tem um irmão? — O olhar de Ártemis foi perspicaz.

Mais uma vez apanhada no processo de se afastar, Pamela assentiu com um gesto de cabeça.

— Se é assim, compreende que, muitas vezes, problemas familiares podem nos obrigar a sacrificar nossas vontades. Nós precisamos ir para casa, então, por favor, não condene meu irmão por isso.

Pamela replicou com igual franqueza:

— Não estou condenando Febo por nada. Estou apenas me protegendo.

— Não precisa se proteger de mim — afirmou Apolo. E, sem resistir, acariciou-a no pescoço com a ponta dos dedos. Quando Pamela estremeceu, porém, não soube dizer se fora por desejo ou repulsa. — Encontre-me esta noite. Deixe-me vê-la novamente antes de eu ir embora. Eu juro que vou voltar.

Ela não deveria fazer aquilo. Febo mexia demais com ela.

Pamela abriu a boca para dizer “não”, depois pensou em como seria passar a noite sem ele. Seria como o céu da manhã sem sol. Desolador. Vazio...

... Assim como sua vida havia se tornado.

Não queria mais aquilo. Mesmo correndo o risco de ter o coração partido outra vez. Bem, pelo menos agora sabia que continuava com um coração dentro do peito!

— Está bem — falou, mantendo a voz neutra. — Pode me levar para jantar. Comer no Snackus Maximus não contou mesmo como uma refeição de verdade.

— Ele vai escolher o lugar — Ártemis declarou com um sorriso satisfeito.

— Muito bem — Pamela repetiu. — Se nos encontrarmos às oito horas, terão tempo suficiente para resolverem o seu assunto de família?

Ártemis assentiu ligeiramente com um gesto de cabeça, na direção do irmão.

— Sim — ele confirmou. — Vou buscá-la no seu quarto.

— Não! — contrapôs Pamela rápido demais. Limpou a garganta, então, e tossiu como se a explosão tivesse sido motivada por cócegas na laringe, e não pelo pavor.

— Posso encontrá-lo naquele bar, como da última vez.

Arrependeu-se do “como a última vez”. Isso fora na noite anterior, quando eles acabaram na cama, fazendo amor até meio-dia...

O sorriso de Febo foi como uma carícia enquanto ele também se lembrava de tudo o que acontecera.

— Eu a encontrarei no nosso bar, doce Pamela. Como ontem.

Desta vez, nada impediu que ela batesse em retirada.


Capítulo 17


O tom opaco e insubstancial do portal cintilou quando as divindades gêmeas deixaram o mundo moderno de volta ao Olimpo. Apolo tinha o maxilar cerrado, e seus olhos brilhavam com uma raiva silenciosa. Com um gesto brusco, ele fez sinal para que a irmã o seguisse para fora do salão de banquetes lotado.

— Eu não tive a intenção — sussurrou Ártemis, contudo o olhar enviesado do irmão foi suficiente para fazê-la segurar a língua.

— Não até que estejamos em meu templo. Sozinhos — ele falou por entre os dentes, sorrindo e balançando a cabeça em um “não” educado para Afrodite, que acenou, tentando fazê-lo ir até a chaise em que ela se reclinava. A Deusa do Amor estava cercada por um grupo de ninfas Napeias que havia se livrado de sua já pouca roupa e praticava uma dança da fertilidade envolvendo complicadas ondulações do ventre.

— As Napeias são mesmo muito fofoqueiras — resmungou Ártemis, num tom conspirador.

Apolo lançou-lhe um olhar desgostoso.

— Todas as ninfas são fofoqueiras. Vocês todas são fofoqueiras.

— O que está querendo dizer com isso?

Ele a segurou pelo cotovelo.

— Não aqui. Não agora.

Os dois irmãos continuaram a abrir caminho pelos jardins olímpicos, respondendo com educadas saudações e declinando, pesarosos, dos convites para uma miríade de diversões e brincadeiras que lhes era oferecida, até alcançarem as portas douradas do templo de Apolo.

Tão logo se encontravam dentro dos aposentos particulares do deus, este se avultou sobre a irmã.

— Não acredito na cena estúpida que armou diante de Pamela! O que estava pensando? Se é que estava pensando!... Você quase estragou tudo!

— Quase estraguei tudo? — ela repetiu, irônica. — De que “tudo” está falando? Do caso tórrido que estão tendo? O vínculo continua, Apolo! Ainda posso sentir as correntes da invocação! Ainda estou ligada a ela. O que está acontecendo, afinal? Por que ainda não fez amor com ela?

Apolo desviou os olhos do olhar penetrante da irmã, e os olhos da Deusa da Caça se arregalaram.

— Você já fez amor com ela — concluiu Ártemis. — E não funcionou! Não atendeu aos desejos de seu coração.

Apolo assentiu, tenso. Caminhou até uma mesa com tampo de vidro, cuja base era esculpida na forma de sua carruagem de luz, e serviu-se de uma taça do vinho eternamente pronto para ser consumido.

— Você não fazia ideia de que não tinha cumprido o ritual de invocação.

Não era uma pergunta.

Após tomar um gole da bebida, Apolo respondeu:

— Não, nenhuma.

— Não compreendo o que está acontecendo — gemeu Ártemis. — Como anda seu desempenho? Ela correspondeu bem a você?

O deus fitou a irmã por cima da taça.

— Claro que correspondeu! Não sou nenhum jovenzinho inexperiente.

— Então a satisfez...?

Apolo fez uma careta.

— Claro que sim!

— Tem certeza? Você sabe, às vezes os homens acreditam que levaram a mulher ao orgasmo, mas...

— Ela não fingiu comigo! — Apolo berrou.

As paredes do templo cintilaram como a luz ofuscante da explosão de uma estrela. Ártemis cobriu os olhos às pressas, esperando que a ira do deus passasse.

— Bem, alguma coisa deu errado. — Espiou com cuidado por entre os dedos antes de abaixar a mão. Odiava quando a luz do irmão se expandia. — Talvez não tenha aplacado o desejo da mortal fazendo amor com ela apenas uma vez.

— Mas não foi apenas uma vez — contrapôs Apolo, passando a mão pelo rosto. — Fizemos amor a noite toda e também pela manhã. Pamela parecia tão satisfeita como eu.

— Há outra possibilidade. E se o verdadeiro desejo de Pamela não tem a ver com sexo? — Ártemis caminhou, inquieta, enquanto elaborava o problema em voz alta. — Apesar de que este permanece vinculado ao ato de fazer amor... Senti o vínculo entre nós se atenuar durante a noite. De qualquer modo, a conexão forjada pela invocação continua muito presente entre nós. Sendo assim, a mortal deseja mais do que sexo. — A deusa fez uma pausa, pensativa, enquanto se servia de um pouco de vinho. — Pude captar seus sentimentos, principalmente quando ela estava tentando deixá-lo, na piscina.

Os olhos de Apolo se fixaram na irmã.

— O que ela estava sentindo?

— Estava magoada, confusa e envergonhada.

Ele afundou em uma cadeira com um gemido.

Ártemis o observou, atenta.

— Você se importa com ela, não é? — perguntou em voz baixa.

Apolo ergueu a cabeça e encontrou seu olhar.

— Acho que estou apaixonado por Pamela.

— Apaixonado? — Ártemis balançou a cabeça. — Impossível. Ela é mortal! E, como se isso já não fosse o suficiente, é uma mortal do Mundo Moderno.

— Estou ciente disso — ele replicou por entre os dentes.

— Como pode saber? — zombou Ártemis. — Você nunca se apaixonou.

— Por isso mesmo acredito que eu esteja apaixonado! Já vivi por eras e nunca experimentei esta sensação.

— O quê...? Que sentimento tão forte é esse que está atribuindo ao amor? — Ártemis quis saber.

— Eu me preocupo mais com ela do que comigo. Sua felicidade é a minha felicidade, e sua dor me causa desespero.

A deusa o fitou como se ele estivesse com uma súbita e incompreensível erupção cutânea.

— Talvez isso passe, ou ao menos diminua com o tempo.

— O problema, minha querida irmã, é que eu não quero que isso aconteça. — Apolo sorriu, porém não havia humor em sua expressão. — Esta manhã eu estava tão seguro de mim. Pensei que o amor fosse simples, que eu houvesse encontrado minha alma gêmea. Que eu tinha feito amor com Pamela, e que ela devia sentir o mesmo por mim... Fui um arrogante, imbecil.

— Acredita que ela seja sua alma gêmea?

— Receio que Pamela possa ser, sim, minha companheira de alma.

— Se ela for, pela própria natureza desse vínculo, também deve amá-lo — concluiu Ártemis, tentando dar sentido à bizarra declaração do irmão.

— Talvez — ele murmurou, desanimado.

Ártemis bateu com os dedos no queixo.

— Bem, ela é mortal. Não devíamos estar tão surpresos com esta confusão. Talvez seja isso!

O verdadeiro desejo do coração de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida. Ela apenas chamou isso de romance, mas não pode ser tudo a mesma coisa? Romance, amor, desejo verdadeiro, almas gêmeas... Não são todas palavras que poderiam ser usadas para descrever o mesmo fenômeno? Se eu estiver certa, faz sentido que a invocação não tenha sido cumprida.

— Por que faz sentido? Se o verdadeiro desejo de Pamela era que sua alma gêmea entrasse em sua vida, e eu sou sua alma gêmea, então por que a invocação não se cumpriu?

— Porque ela tem que reconhecê-lo e aceitá-lo como seu companheiro de alma, o que, obviamente, não aconteceu. — Ártemis descansou a mão em seu ombro. — As emoções que senti por meio do nosso vínculo não eram de amor e contentamento. Pamela estava magoada e confusa; não estava se sentindo amada.

Uma sombra desceu sobre os olhos de Apolo.

— Ela me contou que foi muito magoada por um homem no passado. E eu, muito arrogante, acreditei que apenas um toque do meu poder imortal e da paixão do meu corpo a curariam.

— Pois estava equivocado, meu irmão. Pamela precisa de mais do que isso.

— O amor é mais complicado do que eu imaginava — ele murmurou.

Ártemis deu-lhe um tapinha nas costas.

— Esse seu sofrimento me faz dar graças por eu não tê-lo experimentado ainda.

— Acho que estou começando a entender... O amor é um misto de sofrimento e enlevo, encerrado na pele macia de uma mulher — devaneou Apolo com o olhar perdido na distância.

— Por que não revela de uma vez quem você é? Traga-a para o Olimpo esta noite. Use seus poderes imortais para fazer o amor de Pamela vir à tona.

Apolo a fitou, contrariado.

— Isso não seria amor! Seria apenas um culto abjeto, ou uma mistura de medo e adoração.

— Aí está um exemplo perfeito de como você e eu discordamos. Não precisa usar seus poderes para conquistá-la, mas faz sentido. Que mortal não gostaria de ganhar o amor de um deus?

Pensando na arrogância de sua declaração anterior, Apolo sentiu desgosto por si mesmo. Não admirava que Pamela estivesse relutante em reconhecê-lo como sua alma gêmea.

— Algo me diz que Pamela não ficaria muito feliz em saber da minha verdadeira identidade.

Ártemis bufou.

— Os mortais modernos não são como as pessoas do Mundo Antigo — ponderou Apolo. — Eles fazem criaturas de metal obedecerem à sua vontade. Passam informações por intermédio de máquinas, não de magia e rituais. E nós estamos mortos para eles... Não. Pamela deve me amar primeiro como homem. Apenas depois disso poderei convencê-la a aceitar o deus.

— E como pretende fazer isso?

— Preciso amá-la como um homem ama uma mulher.

Ártemis ergueu as sobrancelhas numa indagação.

— Com o meu coração, e não com os meus poderes — ele explicou.

— E isso significa o quê?

— Quando eu souber lidar com tudo isso, terei obtido algo de valor inestimável: o amor de Pamela — declarou o Deus da Luz.

— Acha que consegue conquistar o amor dela até o amanhecer?

— Duvido.

Ártemis suspirou.

— Acho que eu deveria ficar grata por o vínculo entre Pamela e eu ter se atenuado. Agora é mais como uma coceira difícil de dar conta do que um incômodo constante me amolando. Baco sem dúvida se esmerou na dose de maldade com essa sua pequena travessura.

— Falou com ele?

— Não, ele tem se mantido conspicuamente ausente do Olimpo nestes últimos dias... — Ela encolheu os ombros. — ... Embora nunca tenha passado muito tempo por aqui. Baco há muito prefere a companhia dos mortais. Quando esta provação tiver terminado, precisamos nos lembrar de lhe dar uma lição por essa impertinência.

Apolo ficou em silêncio. Como poderia dizer à irmã que aquela “provação” nunca iria ter fim? Ele sabia muito pouco de amor, mas já tinha certeza de uma coisa. O amor não podia ser controlado. Não começava ou terminava sob a exigência de ninguém. Infelizmente.

— Apolo? Preste atenção! Eu perguntei quais são seus planos para esta noite!

— Eu não sei! — As paredes coruscaram, e o Deus da Luz refreou sua frustração. — Um jantar. Pamela pediu que eu a levasse para jantar. Você mesma ouviu.

A testa lisa de Ártemis se enrugou quando ela parou para pensar no que Pamela havia dito:

— Snackus Maximus ? Que tipo de nome é esse?

— Um péssimo nome.

— Eu ainda acho que deveria trazê-la para cá esta noite. Corteje-a no Olimpo, em seu próprio templo. O que poderia ser mais romântico?

— Ártemis, eu já expliquei a você que me recuso a utilizar meus poderes para ganhar o amor de Pamela.

— Então não use seus poderes, seu teimoso! Esta é a sua casa. Sem dúvida nenhuma, ela é muito mais bonita do que qualquer coisa que o Reino de Vegas tenha para oferecer.

Apolo considerou as palavras da irmã.

— Ela aprecia arquitetura antiga...

— Traga-a aqui, ora! Diga a ela que é uma parte exclusiva do Caesars Palace. Ao menos, assim, garantirá a privacidade de vocês.

— Acho que consigo usar meus poderes apenas o suficiente para disfarçar suas sensações conforme atravessamos o portal.

— Em seguida, traga-a para cá depressa, antes que qualquer outro dos Doze vislumbre sua presença.

Apolo estava começando a gostar da ideia.

— Eu não teria que me preocupar com acidentes, monstros de metal, ou com nenhuma outra daquelas distrações do Mundo Moderno. Poderia me concentrar em assegurar Pamela do meu amor. — Sem dizer que ele queria muito mostrar sua casa a ela e testemunhar sua reação à beleza do lugar. Mesmo que este não fosse apenas dele.

— Vou planejar o jantar eu mesma e colocar minhas próprias servas à sua disposição. As ninfas não são confiáveis.

— Excelente — concordou Apolo. — E lembre-se de pedir a elas que não me chamem de Apolo.

— Sim, sim... As meninas vão dar continuidade à sua pequena farsa, Febo .

— Estou em dívida com você, Diana — ele afirmou, sorrindo.

Ártemis devolveu o sorriso, pensando em como o irmão era charmoso e bonito. Pamela não seria capaz de resistir a ele. Não se ela, Ártemis, pudesse agir... O que decerto ela faria.

— Já que estamos acordados, temos muito que fazer. O tempo urge. Ao amanhecer Pamela precisa voltar ao Reino de Vegas. E, tomara, completamente encantada com Febo — completou a diva. Em seguida bateu as mãos duas vezes e, no tom autoritário da Deusa da Caça do Olimpo, chamou: — Servas, venham me assistir!

Em um piscar de olhos, doze belas moças se materializaram em uma nuvem de poeira prateada e cintilante que parecia ter se originado na luz da lua.

— Senhoras, meu irmão precisa da nossa ajuda. O que precisamos fazer é o seguinte...

Apolo observou o turbilhão de atividades até que a irmã o enxotou do quarto, lembrando-o de que era quase hora de ele se encontrar com sua amante. O Deus da Luz sorriu enquanto se preparava. Iria trazer seu verdadeiro amor para casa. Iria cortejar Pamela e amá-la ali, onde podiam ficar mais à vontade. Pamela veria que não precisava ter medo de se magoar outra vez.

Sentindo-se seguro dentro de seu próprio reino, Apolo teve a certeza de que nada poderia dar errado.

 

 

 

 


C O N T I N U A