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DEUSA DA LUZ - Parte III
Series & Trilogias Literarias
Capítulo 18
— Eu não faço a menor ideia do que vestir. — Pamela suspirou ao celular.
— Alguma coisa quente , mas não muito — sugeriu Ve. — Ele tem algumas explicações a dar antes de você cair de costas e abrir as pernas outra vez...
— Eu não abri as pernas assim!
O silêncio de Ve pesou na consciência já pesada de Pamela.
— Está bem, talvez eu tenha aberto um pouco — admitiu.
— Pammy, não existe abrir as pernas “um pouco”. É como estar um pouco grávida, ou se engajar em uma pequena guerra nuclear.
— Ah, Deus! Eu sou uma vagabunda! — Ela cobriu os olhos com a mão.
— Ora, por favor... Você teve relações sexuais com dois homens num período de... o quê? Oito, nove anos? Isso está longe de qualificá-la como uma prostituta.
— Mas eu dormi com Febo no nosso segundo encontro! — ela cochichou.
— Ei, não tem que cochichar! Está sozinha. Sem dizer que está se justificando para a pessoa errada, você sabe. Vamos rever aquela velha piada... O que uma lésbica leva com ela em um segundo encontro? — Ve fez uma pausa, na expectativa.
— Um reboque com a mudança — respondeu Pamela.
— Certo. Então, como pode ver, do meu ponto de vista tem se mostrado criteriosa até demais.
— Tem razão. Estou falando com a pessoa errada — Pamela concluiu.
Ve a ignorou.
— O que não significa que não deva fazer um pouco de doce ... Ao menos por uma noite, até que o jovem Jedi, Febo, explique por que resolveu abandoná-la pela manhã e, mais importante, por que deixou de mencionar esse fato antes, durante e depois de você ter aberto as pernas.
— Será que pode parar de chamá-lo desse jeito?
— Por quê? Falo como um elogio. Além disso, de acordo com suas incansáveis descrições, ele se encaixa perfeitamente na imagem.
— Febo não é nenhum Jedi . Se quer a verdade, ele parece mais um deus.
— Ah, controle-se! Nada é melhor do que um cavaleiro Jedi ... Exceto a princesa Leia.
— Vernelle! Não está ajudando em nada assim.
— Desculpe. Está bem, o que pode vestir?... Que tal aquele seu lindo vestido de seda creme? Você sabe, aquele com alças finas. Está na última moda de primavera e sempre faz sucesso com as massas. Você o levou, não levou?
— Sim. Mas não se lembra de como é decotado? Hello!... Tem alças finas! Ombros nus e decote profundo não entram na categoria “quente, mas não muito” — lembrou Pamela.
— Verdade. Muito bem. Levou as calças pretas? Aquela com as fendas que mostram uma boa parte das panturrilhas?
— Sim, acho que sim.
— Use-as com um dos seus tops sem mangas. Mas um com um decote alto. Assim ele consegue ver um pouco de suas pernas, um pouco dos seus braços, e apenas o contorno de tudo o mais. Se for um bom menino, poderá abrir o restante do pacote depois que vocês fizerem as pazes.
— Ve, você é incorrigível! — exclamou Pamela.
— Sim, eu sei. Mas também sei o que cai bem em mulheres.
— Agora me pegou. Está bem, vou usar as calças. E não vou dormir com ele de novo.
— Dormir? Você não me contou nada sobre ter dormido com o Jedi ! Eu posso não ser hetero, mas até eu sei que ninguém dorme com cavaleiros Jedi .
— Pare com isso. Sabe muito bem que estou falando de sexo.
— Pammy, você pode ter relações sexuais com ele. Basta judiar de Febo um pouco primeiro.
Pamela fez menção de dizer algo, depois mudou de ideia.
— Está bem. Talvez.
— Não me venha com “está bem, talvez”. Conheço esse seu tom. O que há de errado? Desembuche, criatura!
— Eu gosto dele — Pamela murmurou.
— Sim, deixou isso mais do que claro. E qual é o problema?
— Quero dizer que realmente gosto dele. E não quero isso. Não é muito inteligente da minha parte.
— Pammy, escute-me... O que não é muito inteligente é deixar Duane, aquele manipulador obsessivo, envenenar o seu futuro. Esse tal de Febo pode não ser o cara . Ele pode ser apenas alguém com quem está tendo um “casinho” em Vegas, e de quem vai se lembrar sempre como o homem que a tirou do limbo. De qualquer modo, nunca vai descobrir quem ele é realmente, ou o que qualquer outro cara seja, se não estiver disposta a lhe dar uma chance. Amor é assim. Precisa se arriscar a perder ou ganhar.
— Eu não sei se consigo — choramingou Pamela. — Nós já concluímos que não sou uma jogadora muito boa.
— Mas pode ser — Ve replicou com firmeza.
— Como pode ter tanta certeza?
— Se estivesse destinada a ficar sozinha, não estaria agonizando com essa história de “devo ou não devo”. Já teria aceitado o “não devo” como o melhor para você e seguido em frente com a sua vida. Seja franca. Pode afirmar com convicção que se sentia melhor antes de conhecer Febo?
— Era mais fácil — ela respondeu, seca.
— Bem, boneca, é mais fácil fazer as cortinas do quarto do mesmo tecido da colcha... Mas isso garante um melhor resultado?
Pamela fez uma careta ao notar as estampas florais combinando perfeitamente na suíte.
— Definitivamente, não.
— Por favor, dê uma chance a si mesma, Pammy. Você merece viver de verdade outra vez.
— Eu te amo, Ve — ela falou.
— Isso é o que todas as garotas dizem. Divirta-se esta noite. E tente não ser muito dura com o pobre trípode. Lembre-se de que pode ser esperta sem ser mala .
— Ahn?
— Esqueça. Vá se arrumar.
— Está bem, eu ligo amanhã — resolveu Pamela.
— Por falar nisso, percebeu que este é o segundo telefonema de uma série em que não mencionou trabalho uma só vez, não é?
— Maldição dos infernos! Estou perdendo a cabeça. Como foi com a sra... — ela recomeçou, mas a risada de Ve a interrompeu.
— Pammy! Pare!... É ótimo que tenha algo na cabeça além da Ruby Slipper.
— Sim, mas...
— Está tudo bem. Como de costume. Não tem que se preocupar. Telefone amanhã, depois da reunião com Faust. E lembre-se: diversão e fantasia, Pamela. Diversão e fantasia.
— Está linda esta noite... e muito sedutora — Apolo afirmou, beijando a pele da mão de Pamela com lábios tão persistentes e sugestivos como seu olhar.
Que maravilha! , ela pensou, sentindo o estômago se contrair com a visão dele. O oposto do que eu queria.
— Aposto que diz isso para todas — falou com cinismo, tomando emprestado o bordão de Ve.
— Não nos últimos tempos — ele replicou, os olhos azuis, da cor do céu, de repente muito sérios. — E nunca com tanta sinceridade.
— Então, muito obrigada — Pamela agradeceu, tentando, sem sucesso, não se deixar enfeitiçar pelo azul dos olhos de Febo. Como um gato se livrando da água, ela se sacudiu mentalmente e tratou de mudar de assunto. — Como está a sua irmã?
— Está bem. Ainda incomodada, mas bem. — Apolo manteve a mão na dela enquanto apoiava um pé no degrau inferior da cadeira alta, a seu lado. Queria puxá-la para os braços e beijá-la ali, na frente do café, mas a linguagem corporal de Pamela lhe dizia que ele precisava ir com calma. — Diana não quis ofendê-la esta tarde. Como ela mesma falou, não tem estado muito bem.
Pamela se preparou para soltar um improvisado “tudo bem”, porém se conteve. Em vez disso, endireitou os ombros e o fitou nos olhos.
— Não vou fingir que descobrir que iria partir tão cedo, e que não dissera nada a respeito, não feriu meus sentimentos. Para falar a verdade, isso fez que eu quisesse distância de você.
— Ah, a verdade. — Apolo acenou com a cabeça, pensando como apreciava a honestidade de Pamela e, ao mesmo tempo, percebendo quão poucas mulheres haviam sido sinceras com ele. Elas o tinham adorado, idolatrado, competido por sua atenção... Contudo, ele não achava que alguma houvesse sido honesta com ele. — Ficou magoada ao pensar que eu iria deixá-la sem explicação, e sinto muito por isso. — Acariciou-a no rosto. — A última coisa que desejo é que sinta vontade de fugir de mim para se proteger. — Tocou com o dedo a medalha dourada que pendia em torno do pescoço delicado. — Por favor, acredite que seus sentimentos estão seguros comigo.
Mais uma vez, Pamela retrucou com total franqueza:
— Vou tentar confiar em você, mas não posso prometer nada ainda.
Ele levou sua mão aos lábios outra vez.
— E eu vou me contentar com a sua honestidade e com a oportunidade de ganhar sua confiança.
— Pode me dizer por que está indo embora?
— Você se importaria muito se falássemos sobre isso durante o jantar? Planejei algo especial para nós esta noite.
— Ah, claro — Pamela sentiu uma onda de prazer que desejou poder controlar melhor. — Estou faminta. — Levantou-se, muito consciente de que Febo ainda a segurava pela mão, e sem coragem de se livrar dos dedos quentes. — Para onde vamos?
— Para o Monte Olimpo — ele declarou com os olhos brilhando.
— Parece um restaurante que se encaixaria muito bem por aqui... Mas não me lembro de tê-lo visto enquanto passeava pelo Fórum. Fica no Caesars Palace?
— Há uma passagem para ele no hotel, mas é exclusiva. Poucas pessoas sabem disso.
— É só para os deuses, certo? — Pamela falou brincando.
— Só para os deuses — Apolo concordou, sorrindo.
Caminharam de mãos dadas, do Fórum até o cassino. Seus braços se tocavam intimamente, e Pamela se lembrou de como fora maravilhoso estar no meio destes, pressionada contra o peito nu. Podia até sentir seu aroma único. Não era como o daqueles perfumes masculinos de loja de departamento. O dele era natural. Febo cheirava a limpeza. A homem.
A ponto de ela ter vontade de cheirá-lo.
— Terminou o esboço das salas de banho? — ele quis saber.
— Sim, terminei. — Pamela tratou de afastar as lembranças de sua pele nua. — E gostei. Nunca tinha desenhado nada semelhante. É emocionante fazer algo novo. Isso se eu convencer Eddie a usar o projeto.
— Vai convencer.
— Eu espero que sim... OH, MEU DEUS! — Pamela estacou, como se tivesse trombado com uma parede invisível, ao deparar com uma vitrine iluminada, bem na frente de uma pequena loja de acessórios da moda. Nesta, pequenas bolsas, cuidadosamente dispostas sobre um pilar de mármore, se encontravam dentro de uma caixa de vidro fechada. — Não acredito como são perfeitas! — Entorpecida, Pamela largou a mão de Febo e se aproximou do vidro. Havia três bolsinhas forradas de pedras nas caixas transparentes. Uma delas imitava um cofre de porquinho, desses de criança, a outra era uma encantadora libélula, e a terceira, aquela pela qual ela enlouqueceu: uma réplica exata de um dos sapatinhos de rubi de Dorothy. Cintilava com contas vermelhas e pedras semipreciosas sob o spot , parecendo mágica, familiar e muito... Mágico de Oz. — Preciso comprar essa bolsa! — exclamou, chamando o atencioso vendedor que aguardava no interior da loja com o dedo.
Apolo observou enquanto Pamela, encantada com a bolsa em forma de sapato vermelho — que também continha aquele pino cortante que ela tanto apreciava —, aguardava, impaciente, que o servo abrisse a caixa de vidro e retirasse o objeto com cuidado.
Pamela o tratou com reverência, virando a etiqueta dourada que pendia do fecho.
Seu rosto empalideceu.
— Deixe-me ter certeza de que estou lendo direito... São 4 mil dólares ou 400 dólares?... — perguntou ao funcionário.
— É isso mesmo, senhora. Trata-se de uma Judith Leiber original. — O tom do rapaz dizia que aquela era explicação suficiente para o preço.
— É linda. — Relutante, Pamela devolveu a bolsa para o vendedor, que a colocou de volta na vitrine.
— Posso lhe mostrar mais alguma coisa, madame?
— Não, obrigada.
O empregado fechou e trancou a caixa de vidro.
— Pode me chamar se precisar de ajuda. — Ele fez um movimento afetado com o rosto e rumou para o interior da elegante loja.
— Não vai comprá-la? — Apolo perguntou, odiando o ar de desamparo no rosto de Pamela.
— Está brincando? Custa 4 mil dólares. Não posso gastar esse dinheiro em uma bolsa.
— Mas disse que ela era perfeita.
— E é!... Quatro mil dólares de perfeição. — Ela suspirou e deslizou o braço pelo dele, conduzindo-o para longe da fachada da loja.
— Vamos embora antes que eu chore.
— Não tem 4 mil dólares? — Apolo perguntou enquanto caminhavam.
— Sim, tenho. Mas não sobrando. Ou melhor, não que justifique uma extravagância dessas. Mesmo que seja uma bolsa-joia, sapatinho de rubi!... — Ela suspirou, pensativa. — Quem sabe um dia?
Apolo pensou no pacote de dinheiro que carregava no bolso. Não se lembrava exatamente do quanto havia trazido com ele. Tinha apanhado apenas algumas notas do topo da pilha que Zeus mandara Baco deixar numa tigela dourada, próxima do portal. Fez uma conta rápida e teve a certeza de que não contava com 4 mil dólares.
De qualquer maneira, Pamela parecia considerar aquilo uma grande quantia em dinheiro; decerto mais do que aceitaria como presente.
Olhou para a medalha de ouro que se aninhava pouco acima do vale entre seus seios. Ela quase não a aceitara, e não fazia ideia nem mesmo de uma fração de seu valor.
Não. Pamela não permitiria que ele a presenteasse com a bolsa.
O chão de pedra deu lugar a um tapete opulento quando eles deixaram as lojas do Fórum e adentraram o Caesars Palace.
— É por aqui — orientou Apolo, virando à direita e passando por várias fileiras de máquinas caça-níqueis que piscavam. Em seguida, diminuiu o passo e parou.
— Caminho errado? — Pamela inquiriu.
Ele sorriu.
— Não, mas eu estava pensando... Por que não se arrisca um pouco no jogo?
O rosto bonito de Pamela se transformou em um ponto de interrogação.
— Quer a bolsa, mas não pretende gastar 4 mil dos seus dólares. E se ganhasse esse dinheiro? Você compraria a bolsa?
— Acho que sim, eu...
Apolo fez um gesto de cabeça em direção à fileira de caça-níqueis mais próxima.
— Estou sentindo que a sorte está conosco esta noite.
Pamela mordeu o lábio.
— Não sou muito boa jogadora. Gosto de saber que estou recebendo algo em troca quando entrego o meu dinheiro.
— Então, permita-me entrar com o meu dinheiro. — Ele enfiou a mão no bolso e tirou o pequeno pacote, lidando com habilidade com a dúzia de notas, cuja maioria era de 50 ou 100 dólares.
— Minha Nossa, Febo, nunca ouviu falar em cartões de crédito?
Ele tentou não se mostrar confuso. Baco havia mencionado algo sobre outras formas com as quais os mortais modernos pagavam por suas aquisições, mas não se lembrava exatamente do que o deus dissera.
— Prefiro isto. — Fez uma pausa, tentando decidir o que mais poderia dizer. — Não é muito colorido, mas interessante de se olhar. — Entregou-lhe uma nota de 100 dólares. — Aceite uma destas, use-a para alimentar uma das máquinas, e vamos ver o que acontece.
Pamela franziu a testa, olhando-o como se ele fosse louco.
— Não posso torrar 100 dólares assim, mesmo que sejam dos seus! E, estou falando sério, eu nunca jogo. Não sei se tenho a atitude certa para dar sorte.
— Pois eu penso o contrário. Você traz sorte para mim.
O comentário arrancou um sorriso relutante de Pamela.
— Não vou conseguir gastar 100 dólares assim.
— Se é assim, leve uma desta. — Apolo mexeu no dinheiro até encontrar uma nota de cinquenta. — Lembre-se de que poderá ganhar dinheiro suficiente para comprar a sua bolsa-sapato.
À menção do cobiçado objeto, os olhos castanhos de Pamela cintilaram, e ele soube que tinha vencido.
— Está bem, vamos fazer um acordo. — Ela não pegou a nota de cinquenta. Em vez disso, remexeu o maço de dinheiro até encontrar 20 dólares. — Eu aposto com isto, e apenas isto. Se eu ganhar, você recebe a metade. Se eu perder, fico lhe devendo 10 dólares.
— Aceito — concordou Apolo. — Em que máquina vamos tentar?
Pamela estudou a fileira de caça-níqueis piscando, ressoando, retinindo, e sentiu-se um pouco intimidada por sua aparência. Já passava das oito da noite do domingo, mas pelo menos metade das máquinas continuava ocupada por jogadores, os quais apertavam botões e puxavam alavancas com admirável intensidade.
— É você quem está se sentindo com sorte. Você escolhe — resolveu.
Apolo coçou o queixo, fingindo considerar os aparelhos com cuidado.
— Gostei desta aqui. — Ele a puxou pela mão até um caça-níqueis não muito longe de onde eles estavam. Havia apenas mais duas pessoas naquela fileira, e estas se encontravam sentadas bem além da máquina que ele escolhera.
— “Roda da Fortuna”. Tem certeza de que quer esta? Pode ser um mau presságio... Eu nunca gostei muito desse programa de TV. Não costumo soletrar bem. — Pamela encolheu os ombros. — Aliás, sempre odiei fazer isso.
— Está nervosa.
Apolo não compreendeu o que ela dizia, mas reconheceu o tom de sua voz e sua linguagem corporal.
— Sim — admitiu Pamela, sentindo-se uma tola. — Tem razão, estou mesmo. Eu já disse que nunca joguei antes.
— Não pense nisto como um jogo de azar. Pense nisso como a compra de uma bolsa.
Pamela se animou visivelmente.
— Acho que comprar uma bolsa é algo que eu consigo fazer. — Ela se acomodou no assento estofado e estudou a frente do extravagante caça-níqueis. — Acho que o dinheiro vai aqui... — concluiu, deslizando-o para dentro de uma fenda. A nota desapareceu, e a máquina clicou e retiniu, exibindo um crédito de 20 dólares no visor digital. Pamela olhou para Febo. — Pronto?
— Pronto.
Ela agarrou a bola vermelha na extremidade do braço de metal e puxou. Tinha a atenção voltada para as três pequenas janelas do aparelho, e não percebeu o pequeno gesto de comando que Apolo fez com a mão.
— Bar... — Pamela murmurou quando o primeiro rolo parou no visor. — Bar... — repetiu na parada seguinte, com crescente excitação na voz. — BAR! — gritou quando a terceira imagem preta estacou.
A máquina explodiu em luzes e sirenes, e começou a vomitar dinheiro pela boca mecânica enquanto Pamela gritava e saltava, atirando-se nos braços de Apolo, que a abraçou de volta, rindo.
Às vezes era muito bom ser um deus.
Capítulo 19
A alça da bolsa de sapatinho de rubi era uma corrente de filigrana de ouro que podia muito bem ser usada como um colar sensual por uma daquelas mulheres rebeldes dos anos vinte. Pamela a deslizou sobre o ombro e sentiu uma vontade louca e infantil de saltitar como a Dorothy pela Yellow Brick Road abaixo. Não podia acreditar que aquela bolsa era sua! Ve ia ter um ataque quando a visse.
— Ainda não acredito que o prêmio era de exatamente 8 mil dólares! — falou, emocionada, fazendo uma voltinha enquanto observava a bolsa cintilar no reflexo das vitrines pelas quais passavam.
— Eu disse que estava me sentindo com sorte — lembrou Apolo, ainda encantado com a exuberância da reação de Pamela ao ganhar o dinheiro.
— Eu jamais teria me permitido comprar algo tão caro! — Ela apertou a mão dele e baixou a voz. — Nem mesmo um par de sapatos de grife fabulosos, de coleção nova. Não por 4 mil dólares.
— Mas você adorou essa bolsa. — Apolo sorriu para ela, satisfeito por ter sido capaz de ter orquestrado tal alegria. Curiosamente, não se importava por não poder contar que ele mesmo comandara a máquina, de modo a fazê-la expelir o dinheiro necessário. Não se importava em não receber o crédito. O principal era que Pamela se encontrava radiante, e isso tornava seu coração leve e despreocupado.
— Amo esta bolsa. Adoro esta bolsa. Estou apaixonada por esta bolsa! — Ela riu. — Não me importo o quanto isso soe superficial e materialista. Só vou usá-la em ocasiões especiais. Quando eu voltar à minha loja, vou colocá-la em um vidro, na vitrine da frente, onde tenho nosso logotipo pintado em vermelho com os dizeres: “Ruby Slipper Design Studio... A certeza de que não existe lugar melhor do que a nossa própria casa”.
Fizeram o caminho de volta através do Caesars Palace enquanto Apolo ouvia a animada conversa de Pamela. Ele acreditava no slogan de seu estúdio de design . Sem Pamela, não havia casa alguma. Sabia que isso era verdade — já experimentara a sensação. O Reino de Vegas era um lugar estranho e bizarro, mas quando ele passara pelo portal, naquela noite, e rumara na direção da Adega Perdida e de Pamela, sentira como se estivesse voltando para casa. Por mais improvável que fosse, Apolo, o Deus da Luz, um dos Doze Olímpicos originais, estava se apaixonando por Pamela Gray, uma mortal moderna.
— Ei! O que vai fazer com os seus 4 mil dólares?
Apolo levou a mão delicada aos lábios.
— Não faço ideia. Talvez você me ajude a decidir. Lembro-me de ouvi-la dizendo que nunca comprou um par de sapatos de grife por 4 mil dólares... — Sua voz foi sumindo conforme seu olhar percorria o corpo esbelto, até as perigosas sandálias pretas de salto que Pamela usava. — E descobri que gosto muito desses seus sapatos que parecem uma adaga.
— Você sabe mesmo o caminho para o coração de uma mulher! — Pamela sorriu.
— Por todos os deuses, espero que sim — Apolo falou, sincero.
Em seguida, virou em um pequeno corredor lateral e, após apenas alguns metros, parou diante de uma porta branca e simples.
— Não pode ser aqui. — Pamela duvidou, olhando em volta. — Não há nenhuma indicação. Não é nem mesmo próximo dos outros res taurantes. — Ela lançou à porta, depois a Febo, um olhar desconfiado. — Acho que se confundiu em algum lugar.
Apolo sorriu de lado.
— Eu disse que era um local exclusivo.
— Mas... — ela recomeçou, confusa.
Apolo fez que ela o encarasse. Teria que resolver tudo depressa. Não gostava da ideia de usar seus poderes para hipnotizá-la, contudo precisava convencer Pamela a atravessar o portal. Depois iria transportá-la de imediato até seu templo, sem que ela estivesse ciente do que acontecia.
— Prometo que o jantar desta noite será como nenhum outro. — Ele não se preocupou em inspecionar a área ao redor; o pequeno corredor de serviço já se encontrava encantado pelo poder do Olimpo. Não haveria intrusos mortais para vê-lo usar sua magia imortal em Pamela. — Mas, antes de irmos, preciso fazer algo que estou com vontade desde que minha irmã nos interrompeu esta manhã... — Puxou-a para os braços. Enquanto deslizava as mãos pelas curvas suaves de seu corpo, e seus lábios encontravam os dela, concentrou-se em enviar para a mente de Pamela uma bruma de seu poder dourado. Ordenou que a névoa iluminada lhe obliterasse os pensamentos para que, por apenas alguns momentos, a preciosa alma mortal de Pamela ficasse tonta e desorientada.
Ela gemeu baixinho, oscilando ligeiramente.
Com um movimento rápido, Apolo a ergueu nos braços, abriu a porta e atravessou o portal. Teve apenas um vislumbre do Salão Nobre do Olimpo, mas foi o bastante para perceber que Ártemis fizera o que tinha prometido. O local estava deserto. Não havia um único imortal para testemunhar o Deus da Luz readentrando o Olimpo com uma mortal moderna nos braços.
Em silêncio, ordenou que fossem transportados até seu templo, e ambos desapareceram em um facho de luz.
O sorriso de Baco era malévolo quando ele deixou a boca do corredor e se aproximou da porta que disfarçava o portal olímpico. Aquilo iria ser ridículo de tão fácil. Como sempre, Apolo se mostrava muito arrogante e seguro de si, e não percebera que ele, Baco, o seguia desde quando ele encontrara a mortal no bar. Na verdade, Apolo não notara coisa nenhuma, exceto a mortal moderna por quem estava obcecado. Tinha bancado o herói oculto, manipulando a máquina caça-níqueis, e presenteado a moça com os meios necessários para a compra de um objeto de seu desejo...
Mal podia esperar até que a mulher testemunhasse como o deus dourado se tornaria impotente e patético sem seus poderes. Estava ansioso por ver a arrogância do Deus da Luz se extinguir, mesmo que fosse por um período de apenas cinco dias.
Baco caminhou através do portal. Assim como tinha previsto, o Salão Nobre do Olimpo se encontrava vazio. Se conhecia bem os gêmeos dourados, estes se certificariam de que o local permanecesse assim, de modo que o encontro de Apolo com a mortal passasse despercebido pelos outros imortais.
Que conveniente!...
Ele quase riu em voz alta, mas, com um esforço, se controlou. Teria muito tempo para se regozijar depois. No momento, precisava se concentrar.
O Deus do Vinho encarou o portal e ergueu os braços sobre a cabeça, invocando o poder inebriante de seu reino e dando início ao ritual mágico:
Ricos e inebriantes poderes do vinho,
reúnam-se neste portal.
Preparem-no para que possa, serena,
passar por ele a mortal.
Se ela voltar, todavia,
transforme-a naquilo em que foi nomeada.
Perdurem por apenas um momento, delicados poderes,
em seguida, esvaeçam,
como esvaece a luz de Apolo que pela manhã se alastra...
Baco fez uma pausa para reprimir a alegria que sentiu ao se referir ao Deus da Luz em seu feitiço. Tornou a se concentrar no que fazia, e completou as palavras de sua armadilha:
Há mais de uma maneira de se queimar...
Eis a lição que o Deus do Sol deve assimilar!
O deus ergueu as mãos diante do portal e, por um instante, este flamejou com a cor de um vinho rosé gelado. Em seguida, a cor desbotou, e tudo voltou ao normal.
— Primeiro passo concluído — Baco murmurou para si mesmo. — Segundo passo: espera.
O Deus do Vinho soltou um comando suave. Seu corpo desapareceu e se rematerializou no jardim dos fundos do templo de Apolo.
Baco espiou por trás de um arbusto bem cortado. Assim como ele havia previsto, a propriedade se encontrava deserta. Normalmente, exuberantes ninfas se reuniam em torno do templo de seu deus favorito, disputando a atenção de Apolo.
— A adoração de ninfas não pode ser conveniente quando se está cortejando uma mortal moderna... — Baco ironizou. — Melhor para mim.
Para um deus de seu tamanho, ele se movia com surpreendente discrição. Entrou por uma das portas traseiras do templo e se deslocou em silêncio pelo corredor de mármore até alcançar uma sala cavernosa, onde uma dúzia de servas virgens de Ártemis dava risadinhas e se divertia ajeitando jarros de vinho e comida em travessas. Sim, ele chegara a tempo. Aguardou, impaciente, que a serva encarregada do vinho virasse a cabeça para responder a uma pergunta cochichada de uma das colegas e, em seguida, com movimento rápido e seguro, moveu os dedos em direção aos jarros, sussurrando:
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O vinho cintilou com uma luz sobrenatural rosa-pálido.
Invisível para quem quer que fosse, Baco deixou a sala e se mesclou à noite.
Agora, tudo o que lhe restava era esperar e observar. Esperar e observar...
A risada satisfeita do Deus do Vinho ecoou, sinistra, pelos jardins desertos.
Ártemis correu para o salão, e suas criadas silenciaram respeitosamente.
— Eles chegaram!
Sussurros excitados cessaram com um só movimento da mão da deusa.
— Esta noite, servindo ao meu irmão, estarão servindo a mim mesma. Façam-no com competência.
As servas inclinaram as cabeças.
— Sim, deusa — entoaram com suas vozes doces.
— Levem vinho a eles — ordenou Ártemis, e duas das criadas se apressaram em obedecê-la.
Tão logo estas saíram, a deusa se debruçou sobre as travessas repletas de iguarias e olhou para as amas.
— Devo ajudar o Deus da Luz a alcançar seu desejo? — indagou, maliciosa.
As virgens riram e assentiram com um gesto de cabeça.
Ártemis estendeu as mãos sobre o banquete do irmão.
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O poder derramou das mãos da deusa por sobre os alimentos, cintilou por um instante, depois os fez voltar à sua aparência normal.
— Sirvam aos dois, e depois os deixem sozinhos. Privacidade é o que Apolo deseja esta noite.
Satisfeita, Ártemis deixou o templo do irmão e caminhou devagar na direção do Salão Nobre, o qual deveria estar deserto, pois ela se certificara disso. Afrodite e Eros haviam retornado mais cedo de sua incursão de fim de semana ao Reino de Las Vegas e agora descansavam em seus templos. Ela deixara claro para as ninfas que ainda perambulavam por Vegas que já era hora de elas voltarem para o Olimpo e, com poucas e afiadas palavras, mandara todas de volta para as florestas e os vales aos quais estas pertenciam.
Criaturas tolas...
O restante dos Doze Imortais tinha desaparecido, afinal, ela começara um boato de que Hera e Zeus estavam se desentendendo de novo, e nenhum mortal ou divindade gostava de testemunhar isso.
Em seguida, ela esperaria pelo irmão no salão vazio e torceria para que, antes do amanhecer, pudesse sentir o vínculo entre ela e a mortal se dissolver. Sem dúvida havia feito tudo o que podia. O restante era com Apolo.
— Absolutamente espetacular! — Pamela olhou ao redor, admirada. — Não acredito que aquela porta sem-graça estava escondendo isto tudo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Está brincando? Este lugar é magnífico! — Ela inclinou a cabeça para trás, tentando ver a parte superior do teto abobadado, e deparou com um tipo de afresco fabuloso. A vertigem que a acometera pouco antes, porém, a fez tropeçar para trás.
O braço forte de Febo estava lá para segurá-la.
— Talvez seja melhor sentar-se — ele sugeriu, guiando-a para uma das duas requintadas espreguiçadeiras que descansavam em ambos os lados de uma mesa de mármore.
Pamela se deixou afundar na chaise longue e esfregou a testa.
— Devo ter ficado no sol por muito tempo hoje. Minha cabeça está girando.
Como se sob sua sugestão, duas moças entraram na sala. Vestiam túnicas curtas e diáfanas, feitas de seda branca, onde se viam criaturas da floresta bordadas com fio prata. Uma delas carregava uma bandeja com um jarro dourado e duas taças da mesma cor.
As mulheres sorriram, tímidas, para Febo e Pamela.
— Vinho? — indagaram em uníssono.
— Claro — concordou Apolo.
Com movimentos graciosos, lindos de se observar, as moças serviram a bebida.
— Seu jantar está pronto — uma delas anunciou com voz melodiosa.
— Podemos servi-lo? — perguntou a outra.
— Sim.
As duas mulheres fizeram uma profunda reverência e saíram, apressadas, por onde tinham vindo.
— Mas nós nem mesmo fizemos o pedido — lembrou Pamela. Estava com uma terrível dor de cabeça. Sentia-se desorientada e nem um pouco confortável.
— Eu já havia especificado alguns pratos com antecedência. — Apolo pensou por um momento. — Chamam isso de “encomenda”, certo? — Quando a expressão perplexa de Pamela mudou para uma carranca, ele acrescentou: — Espero que não se importe. Eu queria surpreendê-la com iguarias gregas.
— Iguarias gregas? Intrigante. Quase tão intrigante quanto este restaurante. — Ela passou a mão pela lateral da chaise . — Veludo de seda... Meu tecido favorito para estofamento. — Como se o toque familiar do veludo fosse um bálsamo, a névoa em sua mente começou a se dissipar. — Veludo de seda me lembra água. É tão liso e macio!... Adoro. — Seus dedos permaneceram sobre o bonito tecido.
— Fico feliz por ter aprovado — disse Apolo, aliviado por ela estar se recuperando do poder que ele lhe lançara.
Pamela olhou ao redor da sala mal iluminada. Eles não apenas eram os únicos clientes ali, mas sua mesa também era a única posta no lugar. Era um espaço enorme, claro, mas, ao contrário do restante do Caesars Palace e do Fórum, alguém com bom gosto e estilo o tinha decorado... o que significava que este não era forrado do chão ao teto com a exagerada pseudo-opulência romana.
E o piso era incrível. Parecia feito de uma única peça de mármore, embora ela soubesse que aquilo não era possível.
— Este chão é inacreditável. Parece muito com mármore de Carrara, mas nunca vi Carrara com veios dourados como este. — Seus olhos viajaram do piso para as paredes, e então se arregalaram. — Usaram o mesmo mármore para as paredes e as colunas! Adoro esse estilo minimalista. E o decorador acertou em cheio: esse mármore é bonito demais para ser coberto por uma porção de quadros. Aquela tapeçaria é o toque perfeito. — Apontou para o enorme trabalho que se estendia pela maior parte da parede à sua frente. Era de um homem nu. Um lindo e jovem homem nu.
Pamela apertou os olhos, tentando enxergar melhor à luz fraca. Ele se encontrava de pé, ao lado de uma biga, e segurava uma harpa.
— Ele me parece familiar — comentou, intrigada.
— Provavelmente porque o está usando na imagem que leva em torno do pescoço — Apolo justificou depressa.
Ela tocou a medalha dourada e sorriu.
— É verdade. Você disse que o nome do restaurante era Monte Olimpo, portanto é provável que seja Apolo outra vez. Incrível essa semelhança entre vocês dois. Principalmente com este da tapeçaria. Estranho...
— Coincidência — ele falou, fingindo indiferença. — Vamos beber? — Entregou-lhe um dos cálices e ergueu o seu próprio. — À nossa sorte.
Pamela sorriu e deu um tapinha na bolsa cintilante que descansava a seu lado.
— À nossa. — Tomou um gole. — Este vinho é uma delícia!... E eu não costumo gostar muito de vinho branco. — Olhou para a taça. — Mas este não é branco. — A cor do vinho era tão incomum quanto seu sabor. Se ela fosse convidada a descrevê-lo para uma daquelas revistas sobre degustação, diria que era leve e fresco, como o cheiro de peras ou melões, e da cor da luz solar. — O que é, um Pinot Gris ?
Apolo encolheu os ombros.
— Não tenho certeza. Pedi para que nos servissem o melhor da casa.
Quanto a isso ele estava dizendo a verdade. Ártemis tinha planejado o jantar e escolhido o vinho.
Bebeu outro longo gole. Teria que perguntar à irmã sobre o vinho. Era mesmo delicioso e incomum. Estava gelado, mas, conforme bebia, podia sentir o corpo sendo preenchido por um calor que parecia irradiar de seu âmago.
Olhou para Pamela. Ela estava com as faces coradas, parara de examinar o design da sala e agora sorria para ele, os lábios ligeiramente separados parecendo ainda mais cheios e convidativos.
— Não gostei de ficar longe de você esta noite — ele falou, rouco.
— Eu também senti a sua falta.
— Como vou suportar ficar distante nos próximos cinco dias?
— Cinco dias?
Então ele só voltaria para Vegas no outro fim de semana, quando ela estava pensando em voar de volta para o Colorado? Aquele trabalho deveria durar apenas uma semana, lembrou Pamela. E passaria cinco dias sem Febo!...
De repente, percebeu os pensamentos lentos e deslocados, e o tempo lhe pareceu interminável e sem importância. Ela não queria que ele fosse embora — claro que não — e Febo estava ali naquele momento. Perto o suficiente para ser tocado.
Como podia ser tão bonito?, perguntou-se.
E precisou se obrigar a permanecer na própria chaise quando o que queria era se juntar a ele, tirar aquela camisa... e começar a lambê-lo corpo abaixo.
— Sim, eu... — Apolo vacilou. O que ele e Ártemis tinham decidido dizer a Pamela sobre sua suposta “viagem”? Estava difícil se concentrar em qualquer coisa além daqueles lábios.
Uma série de virgens carregando travessas de comida impediu seu impulso de empurrar a mesa e devorar a boca de Pamela.
Pouco depois, eles eram servidos com os alimentos dos deuses em pratos de ouro.
— Folhas das mais finas uvas, recheadas com carne e queijo — explicou uma das servas de Ártemis em uma voz suave e hipnótica, conforme Pamela provava o aromático charutinho.
— Cordeiro criado à base de mel e leite — murmurou outra.
Apolo provou a carne, depois sorriu, comendo com prazer. Sua irmã não costumava ser tão dedicada a assuntos domésticos, mas, naquela noite, havia se superado.
— Queijo de cabra, animais dos quais as ninfas cuidam como se fossem seus filhos...
— Azeitonas e figos colhidos no Monte Olimpo pelas mãos macias e hábeis das sacerdotisas de Afrodite...
Aquelas moças eram, sem dúvida, as melhores garçonetes que ela já conhecera!, refletiu Pamela. Precisava perguntar a Febo como ele conseguira aquela reserva. Ele devia ter mandado fechar o restaurante, o que significava, entre outras coisas, que devia ser um médico bastante bem-sucedido.
E parecia tão jovem!... Ela precisava perguntar quantos anos ele tinha, quando era seu aniversário e onde ele nascera.
Não que isso importasse muito. Estava apenas curiosa.
Também precisava perguntar a ele sobre... o que, mesmo? Não conseguia se concentrar! Aquela comida era tão absurdamente deliciosa!... Seu gosto preenchia os sentidos.
Aquilo era mais do que comida. Lembrava a luz de um sol de verão, calor, desejo...
Ergueu o olhar do prato e encontrou os olhos cor de safira de Febo observando-a com uma intensidade que a fez prender a respiração.
— Vamos deixá-los a sós agora. Nossa noite está no fim — as servas entoaram. E conforme suas vozes doces se desvaneciam, elas sussurraram uma prece quase inaudível: — Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
Apolo e Pamela mal notaram a partida das servas. Olharam um para o outro, e tudo o mais na sala, tudo o mais no mundo, desapareceu. Sua pele formigava com o calor crescente da luxúria.
— Preciso que você me ame — a voz de Apolo saiu densa de desejo.
Em algum lugar nos recônditos de sua mente, onde o bom-senso ainda espreitava, ele sabia que sua reação a Pamela estava sendo muito rude, atrevida; entretanto não conseguia se conter. Não queria parar.
— Sim... — ela balbuciou a palavra.
Com um movimento selvagem, fluido, que lembrou o de um leão enorme e pardo, Apolo se levantou e arrastou a mesa que os separava para longe. Pamela percebeu que a mesa foi lançada com uma força desumana, porém tal pensamento foi vago, e ela o registrou apenas em parte. Quando ele rasgou a camisa e quase arrancou as calças, tudo o que ela conseguiu pensar foi na reação de seu corpo ao ouvir o som gutural de seu próprio nome nos lábios de Febo, e como ele estava magnífico olhando para ela enquanto se aproximava completamente nu.
— Sim! — gemeu de novo, saindo da chaise direto para seus braços.
A boca de Febo a devorou. Enlevada, ela deslizou uma das mãos pelo ombro largo, sentindo seus músculos tremerem com a força do desejo. Com a mão livre, puxou a própria camisa sobre a cabeça e abriu o zíper das calças, que deslizaram com fluidez por seu corpo abaixo. Febo encontrou o gancho do sutiã e lutou para abri-lo.
— Eu não consigo... Eu preciso... — rosnou, frustrado. — Tenho que sentir você contra mim! — Rasgou a faixa de renda em suas costas, e os seios de Pamela se libertaram, roçando o peito largo enquanto ela abria um caminho de beijos quentes pela lateral de seu pescoço.
Apolo deixou escapar uma imprecação na tentativa de controlar a própria luxúria.
— Aqui também... — Pamela segurou a mão com que ele apertava seu seio e a guiou para a calcinha. Mordeu o lábio inferior de Febo, puxando-o para dentro da boca e sugando-o, sedutora. — Quero que a tire também!...
Todos os pensamentos de Apolo desapareceram. Com um grunhido, ele a obedeceu. Em seguida, suas mãos se espalmaram ao redor da cintura delgada e, com a força de um deus, ele a levantou e empalou em seu membro.
Pamela se encontrava pronta para ele. Envolveu-o com as pernas em torno da cintura e cravou as unhas em seus ombros. Pendendo a cabeça para trás, arqueou-se, consumida pela esmagadora necessidade de se saciar com seu toque... com seu fogo.
Febo era o fogo. Sob as mãos dela, seu corpo literalmente brilhava.
Seus sentidos atestavam aquilo, contudo Pamela não conseguia atinar com o pensamento. Era como se a luz que brotava da pele úmida de suor fosse parte de sua excitação: ela a seduzia, brincava com ela, instigava sua própria paixão. O cabelo de Febo pendia, cacheado, em volta de seu rosto: espesso, dourado, glorioso. E seus olhos... seus olhos a incendiavam.
E ela queria ser incendiada por eles. Queria ser varrida pelas chamas de sua luxúria. Sentia-se gloriosa, maravilhosamente sem controle.
— Mais forte!... — ofegou na boca de Febo, mal reconhecendo a própria voz. Ele arremeteu, e ela sentiu a fria suavidade de uma das colunas de mármore contra as costas nuas. Usou a rigidez da pilastra para se firmar, de modo a ir de encontro às estocadas com sua própria paixão. — Não pare... Ainda não... Não pare! — arquejou, sentindo-se dobrar sobre a borda de um abismo.
Seu orgasmo foi algo que ela jamais experimentara. Envolveu-a, ondeando por seu corpo com uma intensidade que beirava a dor.
De repente já não estava mais sendo pressionada contra a coluna. Com o corpo ainda dentro do dela, Febo a carregou dali. Passaram por uma porta em arco que dava em um cômodo adjacente à sala de jantar. No centro do espaço, havia uma enorme cama de dossel.
Pamela se deu conta de que tinham entrado em um quarto, e aquilo não fez qualquer sentido.
Mas sua mente e corpo estavam tão repletos de Febo que nada parecia real, exceto seu gosto, sua pele e seu cheiro.
— O que está acontecendo? — murmurou enquanto ele a deitava na cama, sob ele.
— Estou amando você. Para sempre, Pamela... Isso é o que é ser amada por mim.
Apolo começou a se mover contra ela na antiga dança do amor, recuando o membro rijo de seu corpo para depois mergulhá-lo nela outra vez.
Pamela passou as mãos pelo peito liso conforme este se avultava sobre ela. A pele de Febo tinha um brilho dourado!
Perplexa, e ainda ultrassensível, olhou para baixo, onde seus corpos se uniam. Eles estavam ambos brilhando, em chamas... Chamas varriam sua pele, conduzindo-os, engolindo-os!...
— Olhe para mim, Pamela!
A voz de Febo soou rouca, e ela fixou os olhos nos dele.
— Enxergue-me — ele pediu. — Desta vez, veja quem sou de verdade.
Conforme eles se uniam, ela obedeceu. Febo era o poder, a beleza e o amor, tudo se fundindo em um único ser. Como ela pudera acreditar que ele era um homem comum?
Sua mente se esforçou para compreender a verdade fugidia do que estava vendo conforme seus corpos se inflamavam naquela luz ofuscante e sobrenatural. O que ele era? O que estava acontecendo com ela?!
Apolo viu o pânico cintilar em seus olhos e a segurou pelo rosto, obrigando seu olhar a permanecer preso ao dele. Com um enorme esforço, controlou o próprio corpo.
— Olhe mais fundo — pediu baixinho. — Olhe além da estranheza que você teme... Não pode ver o seu reflexo na minha alma?
O azul de seus olhos a manteve ainda mais cativa do que seus corpos unidos. Pamela estremeceu com a intensidade das emoções que a sacudiam.
E ali, sob o poder que irradiava dele, encontrou a essência do homem que ela conhecia. Nesta, viu o reflexo de seu próprio desejo, de sua necessidade e de seu vazio, e de repente soube que, ao preencher Febo, ela também se completava.
— O que você é? — indagou num sussurro.
— Sua alma gêmea.
A voz dele tremeu e, apesar do impressionante poder que irradiava de Febo, Pamela pensou, de repente, que ele parecia muito jovem e vulnerável.
— Sim — murmurou, sentindo o fogo começar a reacender em seu âmago. — É minha alma gêmea.
Ela o puxou mais para si e, com um doloroso gemido, Febo mergulhou nela, incapaz de se conter por mais tempo.
Quando o mundo começou a explodir, Pamela afundou o rosto no ombro largo e se agarrou a ele.
No Salão Nobre, Ártemis, se levantou de repente e respirou fundo. Estava acabado! O vínculo com a mortal fora embora. Pelo visto, sua magia tinha feito a balança pender em favor de seu irmão.
Já não era sem tempo.
Espreguiçou-se, langorosa, apreciando a ausência do irritante incômodo que fora o desejo de amor de Pamela, então se recostou em sua bem estofada chaise longue . Gostaria de ir para a floresta — uma corrida ao luar seria revigorante —, mas não podia. Apolo ainda precisava dela para garantir que nenhuma ninfa o vislumbrasse devolvendo a mortal para seu próprio mundo.
Mas isso era de pouca importância. Seu relacionamento com a mortal estava quase concluído. Agora que Apolo havia ganhado o coração de Pamela, previu Ártemis, ele logo iria se cansar da moça. Logo tudo voltaria ao normal, e sua aventura no Reino de Las Vegas não seria nada mais do que uma quase divertida lembrança.
Ártemis ignorou a ponta de dúvida que surgiu em sua mente conforme ela se lembrou da fervorosa declaração de amor do irmão. A alma gêmea de Apolo era uma mortal?... Impossível.
Escondido nas sombras, Baco sorriu e esperou.
Capítulo 20
Alguma coisa estava errada. Apolo soube disso da mesma forma que conhecia as muitas linguagens do homem ou as vozes de instrumentos musicais: naturalmente, no nível mais elementar de seu ser.
O corpo quente em seus braços se agitou e, no mesmo momento, ele o abraçou com mais força.
Pamela...
Abriu os olhos. O que tinha acontecido na noite anterior? Eles estavam nus em sua cama.
Pense!, ordenou a seu cérebro entorpecido. Lembre-se!
E os acontecimentos da noite lhe assomaram à memória.
Apolo abafou um gemido. Ele perdera todo o controle. Como? Por que não fora capaz de...
Soube a resposta antes de completar o pensamento. O banquete fora impregnado com o poder inebriante de uma deusa. E ele sabia qual delas: Ártemis!
— Apolo!
Como se seus pensamentos a houvessem invocado, o sussurro impaciente da deidade chiou no quarto.
Ele virou a cabeça e a fulminou com o olhar.
— O que está fazendo? — cochichou Ártemis. — Sabe que o amanhecer está próximo. Quer que a mortal fique presa aqui?
Chocado, ele sentou-se. Era isso o que estava errado. Como sempre, o Deus da Luz sentira a vinda da carruagem em chamas que introduzia a aurora no firmamento. Por instinto, ele soubera que já passara da hora de Pamela ser devolvida a seu mundo.
Na noite anterior, ele se revelara em demasia. Como a mente mortal de Pamela poderia compreender o que decorrera do amor sem amarras que haviam feito, assim como aceitar que ela se encontrava presa no Monte Olimpo?...
Lembrou-se do medo que tremeluzira em seus olhos quando ele tinha se revelado. Pamela não seria capaz de apreender tudo aquilo; não de verdade. E, se fosse, ele podia imaginar como isso mudaria seus sentimentos por ele.
Não. Ainda era cedo. Ele precisava tirá-la do Olimpo. No momento em que o portal fosse reaberto, teria uma explicação para aquela noite incomum. Passaria mais tempo com ela e a faria solidificar seus sentimentos por ele; sentimentos que Pamela só admitira sob a influência da magia de Ártemis.
Apolo tornou a fazer uma carranca para a irmã.
— Vá! — sussurrou para ela. — Certifique-se de que o Salão Nobre esteja vazio. Vou com Pamela em seguida.
— Depressa! — aconselhou a deusa enquanto seu corpo se esvaecia.
— Febo? — A voz de Pamela soou grogue. Ela piscou, sonolenta, e esfregou os olhos. — Onde...
Ele apertou os lábios e, relutante, passou a mão sobre o rosto delicado, obliterando seus pensamentos e lhe entorpecendo os sentidos.
— Precisa se vestir. Temos que ir embora — falou, conduzindo-a com delicadeza pela mão até o cômodo ao lado, onde encontrou suas roupas jogadas.
Hipnotizada, Pamela obedeceu.
Apolo odiou a si mesmo enquanto vestia as próprias calças e a observava fazer o mesmo mecanicamente. Suas roupas de baixo, assim como a camisa dele, estavam arruinadas.
A lembrança da paixão que o inundara ao rasgar as peças de seus corpos o fez estremecer, e suas entranhas se agitaram. Como poderia sobreviver sem o toque de Pamela por cinco dias?
Sua determinação vacilou. Ele contava com uma escolha. Poderia enfeitiçá-la e mantê-la consigo até que o portal se abrisse de novo.
Tocou seu rosto e, mesmo com os pensamentos embotados pela magia, Pamela oscilou em sua direção.
Seria apenas uma semana...
Não!, Apolo repreendeu a si mesmo. Ela ficaria enojada se ele fizesse tal coisa. Como não poderia?
Ele odiou a si mesmo só de pensar.
— Venha, minha doce Pamela. Vou levá-la pra casa.
Passou os braços ao seu redor, e eles desapareceram, rematerializando-se quase que no mesmo instante ao lado do portal, no Salão Nobre.
Ártemis estava lá, com os braços cruzados, batendo o pé, impaciente. Observou o peito nu do irmão, a expressão zumbi de Pamela, e balançou a cabeça. Quanto mais cedo eles se livrassem do Mundo Moderno dos mortais, melhor!
— Ande logo, o sol está nascendo! — ralhou.
— Eu sei! — devolveu Apolo com raiva. — Principalmente agora que meus sentidos não estão mais entorpecidos pela magia de uma deusa...
Ártemis teve a decência de parecer sem-graça.
— Vou levá-la e voltar em seguida — avisou o Deus da Luz.
Ela suspirou, porém não discutiu.
Apolo colocou o braço em torno de Pamela e atravessou com ela o portal. Adentraram Vegas, e ele abriu a porta para o pequeno armá rio. No corredor deserto, ajeitou suas roupas, então tocou seu rosto delicadamente.
Sentia-se como um meliante. Havia roubado seu amor, e agora iria bater em retirada antes que a luz do dia revelasse seu crime. Não tinha escolha, mas, mesmo assim, odiou a si mesmo por permitir que as coisas tivessem acontecido daquela maneira.
— Eu te amo, minha doce Pamela. Lembre-se disso. E lembre-se de confiar em mim. Eu voltarei para você... Mas, desta vez, farei isso do modo certo. — Inclinou-se para ela e ordenou em pensamento: Desperte com o meu beijo.
Beijou-a com paixão e, enquanto Pamela piscava e sua expressão aturdida começava a se iluminar, voltou para o armário, fechou a porta e retornou ao Olimpo.
Pamela esfregou os olhos. Urgh... Estava tonta e um pouco enjoada. O quanto bebera no jantar?
Olhou ao redor. Onde, diabos, ela se encontrava?
Seu cérebro atordoado registrou a porta pequena e simples, e o corredor vazio. Onde estava Febo?
Passou a mão pelo cabelo, e o movimento de levantar o braço fez balançar seus seios.
Seus peitos estavam balançando?... Aonde fora parar seu sutiã?!
Sentiu um arrepio de pânico descer pela espinha.
Pense! Do que ela se lembrava?
Febo a encontrara no café. Eles haviam ido jantar em um restaurante maravilhoso, exclusivo...
A lembrança da refeição em si estava embaçada, contudo. Estranhas imagens de peles quentes e escorregadias, e do gosto salgado da paixão, a atormentavam. Tinha uma vaga lembrança de roupas sendo rasgadas e, depois, de Febo levando-a para um quarto onde ela pudera se vestir... com apenas algumas de suas roupas!
Pamela sentiu o pânico invadi-la e a dor na cabeça aumentar. Respire , ordenou a si mesma. Estava bem; apenas bebera demais.
Mas onde, diabos, estava Febo?!
Sua felicidade ao comprar aquela bolsa maravilhosa de sapatinho de rubi era sua última lembrança mais nítida.
— Maldição dos infernos !... Minha bolsa!
Olhou para a porta branca. O que acontecera naquele jantar? Não conseguia concatenar as ideias, mesmo sabendo que alguma coisa havia acontecido. Por algum motivo, a memória fugia do seu alcance. Febo a drogara? Mas por que ele o faria?!
Na tentativa de manter o medo sob controle, Pamela apelou para o bom-senso. Deixara sua bolsa nova de sapatinho de rubi, de 4 mil dólares, no restaurante. E, com ou sem Febo, iria voltar lá para pegá-la.
Abriu a porta e entrou. Aquilo era um closet ?...
No meio do armário, deparou com uma passagem em forma de disco que cintilava e brilhava.
Alguma coisa se agitou em sua memória. Ela atravessara aquele círculo com Febo! Era a entrada para o restaurante.
Pamela endireitou os ombros e cruzou a bizarra entrada. Experimentou uma sensação engraçada, como penas lhe roçando a pele, e a luz mudou, da lâmpada amarela e fraca do closet para uma luminescência rosada.
Entretanto, ela não adentrou o fabuloso restaurante de que se lembrava. Em vez disso, viu-se no meio de um magnífico salão de baile.
O lugar era imenso e de uma beleza indescritível. O enorme espaço se encontrava vazio, exceto pela presença de duas pessoas que gritavam uma com a outra.
Conforme ela surgiu na entrada, estas se viraram em sua direção. Febo, sem camisa, olhou para ela em choque. Sua irmã pareceu furiosa a princípio, em seguida sua expressão mudou e...
Uma dor lancinante cortou Pamela dos pés à cabeça. Ela abriu a boca para gritar, mas, conforme a dor ondulou por seu corpo, o grito ecoou em sua cabeça. Era como se ela não tivesse mais boca para lhe dar voz. Desamparada, estendeu a mão para Febo conforme se sentia dobrar e se transformar em algo não humano.
No mesmo instante, a dor dissipou a bruma em sua cabeça, e as lembranças a assaltaram de uma só vez. Febo... Sua pele brilhando com uma paixão sobrenatural enquanto ele a tomava nos braços e a fazia sua... Ele não era humano. Nenhum homem comum podia ser feito de fogo.
O que ele havia feito com ela? O que estava fazendo com ela agora?!
Lembrou-se de seu fogo varrendo-a inteira, acariciando-a e...
Outro grito rasgou sua mente.
Apolo estava de costas para o portal, repreendendo a irmã por sua indesejada interferência, quando sentiu sua alma gêmea adentrando o Olimpo, e seu fogo de barragem foi interrompido. No momento em que os pés mortais de Pamela ultrapassaram o portal, o restante de seu corpo começou a se transformar.
Impotente, Apolo assistiu a Pamela diminuir de tamanho, se liquefazer, depois se transmutar em um belo jasmim perfumado.
— Leve-a de volta antes que o sol nasça! — sua irmã gritou. — Quando o portal se fechar, o feitiço vai desaparecer!
E, então, ela seria Pamela mais uma vez.
As palavras tiveram o efeito de uma cotovelada em Apolo. Ele saltou para a frente, sentindo Ártemis logo atrás dele.
Agarrou a flor de jasmim delicada e a puxou de onde esta já começava a fincar raízes, no chão de mármore. Sussurrando um alquebrado pedido de desculpas, pulou através do portal com o corpo transformado de Pamela nas mãos.
Ártemis hesitou em frente ao portal, lançando um olhar rápido sobre o ombro na direção das janelas que iam do chão ao teto, e que mostravam o amanhecer iluminando o céu, o qual, por sua vez, já se tingia de vermelho.
— Não, seu tolo! — gritou dentro do disco que girava. — Não era para ir junto com ela! — A deusa se inclinou para a frente, tentando enxergar através da fulgurante passagem.
Das sombras, Baco se aproximou rápida e silenciosamente e, com um único movimento, bateu o ombro no centro das costas da Deusa da Caça. Ártemis gritou e caiu no disco apenas alguns segundos antes de o portal se apagar, desaparecendo por completo conforme o amanhecer se espalhava pelo Monte Olimpo.
A risada de Baco ressoou, então, com malévolo triunfo.
Capítulo 21
Pamela estava de quatro. Sua respiração saía em espasmos, e seus dentes batiam em uníssono com o tremor que lhe sacudia o corpo.
Seu corpo!
Apalpou braços e rosto freneticamente. Ela havia se transformado em alguma coisa!... Algo verde, que crescia e que, sem sombra de dúvida, não era natural.
Mas agora voltara ao normal de novo. Voltara a ser humana.
— Está tudo bem, meu doce — falou Apolo, estendendo-lhe a mão.
Pamela se encolheu para longe de seu toque.
— Você! — exclamou, mas, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a irmã de Febo caiu de cabeça no pequeno cômodo, pouco antes de o disco perolado e colorido que girava desaparecer.
Ártemis soltou uma praga ininteligível conforme se levantava do solo, e o irmão a fitou, pasmado.
— Vou fazer Baco se arrepender de ter sido salvo por Zeus quando aquela mãe humana dele... — A deusa interrompeu o discurso ao se dar conta de que o portal se fechara. — Não!... — sussurrou, lívida. — Não podemos ficar presos aqui!
— Que diabo é você?! — As palavras explodiram de Pamela.
Apolo e Ártemis se viraram para a pequena mortal ainda agachada no chão. Ela foi recuando, até se ver pressionada contra a porta fechada. Tinha os olhos arregalados e escuros em contraste com a brancura de seu rosto.
— Pamela... — Apolo falou em um tom suave, estendendo-lhe a mão outra vez. — Sabe quem eu sou.
— Não! — ela gritou de volta, se esquivando de seu toque. — Eu não perguntei quem você é. Perguntei o que você é!
— Vai ter de fazê-la esquecer — declarou Ártemis, ignorando Pamela. — Ela já viu muito. Olhe para ela: Pamela se lembra! — A deusa levantou a mão esguia. — Está bem, eu mesma faço isso. Sei o quanto ficou apegado a ela... Durma e esqueça! — Sacudiu os dedos na direção de Pamela, que recuou instintivamente.
— Pare! — gritou Apolo. — Não quero que mexa com ela.
— Que diabo está acontecendo?! — As pernas de Pamela funcionaram bem o bastante para que ela se levantasse; contudo ela permaneceu de costas para a porta, pressionando as mãos contra a madeira maciça na tentativa de atenuar o tremor que a sacudia.
— Por que ela não dormiu? — Ártemis indagou ao irmão. Então balançou a mão e olhou os dedos.
— O portal está fechado — lembrou Apolo.
A deusa fez uma careta de desdém.
— Estou vendo!
Apolo apenas a encarou, e Ártemis arregalou os olhos.
— Quer dizer que quando o portal se fecha... — Suas palavras foram morrendo.
— Quando o portal se fecha, ele corta os nossos poderes — seu irmão terminou por ela.
Ártemis levou a mão à boca, soltando uma exclamação abafada.
— Está bem, é isso aí... Estou indo embora. — Pamela empurrou a porta do armário e saiu, sentindo como se as pernas fossem de borracha.
— Olhe o que você fez! — Apolo rosnou para a irmã antes de correr atrás de Pamela.
— O que eu fiz? — Ártemis bufou, indignada, mas, relutante, o seguiu. Não queria fazer aquilo. Queria que o portal reabrisse. Queria voltar para o Olimpo e tomar um longo banho de imersão em sua fonte de água mineral. Queria que seus poderes imortais retornassem e...
Suspirou, saindo para o corredor.
Apolo tinha segurado Pamela pelo cotovelo a poucos metros da porta do armário e tentava se justificar, enquanto a mortal fazia força para puxar o braço.
Ártemis balançou a cabeça. Como haviam decaído os poderosos!...
Marchou até os dois.
— Fique quieta, mortal! — ralhou com desgosto. — É mesmo muito simples. — Apontou para o irmão. — O nome verdadeiro dele é Febo Apolo, Deus da Música, da Luz e da Cura. Meu nome é Diana, mas apenas se for de descendência romana. Do contrário, prefiro ser chamada de Ártemis, a Deusa da Caça. Também tenho uma afinidade com a Lua, assim como meu irmão está aliado ao Sol... mas decerto não desejo lhe passar tantas informações a ponto de atordoá-la — terminou com sarcasmo.
— Vocês são deuses?... — Pamela rezou fervorosamente para acordar logo.
— Sim. Imortais. Ou ao menos éramos antes que o portal nos aprisionasse neste mundo miserável. Agora suspeito de que somos apenas atraentes mortais — ela falou, seca.
— Apolo e Ártemis... — Pamela olhou os gêmeos.
— Eu disse que era simples.
— Você é maluca ! — ela exclamou.
— Eu não queria que descobrisse desta forma — interveio Apolo —, mas Ártemis está dizendo a verdade. — Ele franziu a testa para a irmã. — Ainda que esteja fazendo um péssimo trabalho.
— O quê? — exigiu a deusa. — Se queria música suave e perfume de flores, sinto muito, mas não serei capaz de atender seu desejo. Pelo menos enquanto o portal não reabrir.
— Não está ajudando — Apolo falou à irmã.
— Mas não existem deuses! Isso não passa de mitologia! — interveio Pamela.
— Pensei que havia dito que ela era inteligente — Ártemis zombou.
Pamela estudou a bela jovem, tão parecida com seu amante, e sentiu a entorpecedora onda de horror que a vinha assolando degelar.
E, conforme esse degelo acontecia, começou a ficar irada.
— Não precisa ser tão rude! — acusou.
— Rude? — Ártemis estreitou os olhos. — Está me chamando de rude quando você é quem nega a minha existência? E isso porque está bem no meio de uma estrutura que foi construída justamente porque povos antigos honravam a mim e aos outros onze deuses tão bem que tenho sido lembrada por milhares de anos... Isso soa inteligente?
— Nem inteligente nem pouco inteligente. Soa apenas absurdo... Isto tudo é absurdo. Não pode ser verdade!
Apolo a segurou pelo outro cotovelo e a fez encará-lo, tentando ignorar o modo como Pamela continuava a se afastar dele.
— Sabe que é verdade, Pamela — falou numa voz calma e tranquila. — Teve uma experiência. Tudo o que tem de fazer agora é aceitar.
Pamela olhou para ele. Olhou para ele de verdade . Febo continuava o mesmo homem alto e estonteante da noite anterior; no entanto, não era o mesmo homem.
Alguma coisa estava faltando nele. Febo continuava extraordinariamente bonito, mas o azul espetacular de seus olhos parecia ter assumido um tom mais... — ela engoliu em seco — ... um tom mais humano.
E havia outra coisa: Febo contava com menos presença agora. Essa era a única maneira que poderia descrever o que sentia. Ele parecia o mesmo, mas não era.
Os detalhes não tinham mudado. Seus ombros não pareciam menos amplos; seu peito, não menos musculoso... o que podia constatar com facilidade, uma vez que ele estava sem camisa.
No entanto, Febo mudara, se transformara... em menos.
E Ártemis estava com a razão; ela se lembrava. De pequenas coisas, como do fato de ele poder ficar ao sol do deserto durante toda a tarde e nem mesmo suar. E de grandes coisas, como ele ter ficado em chamas na noite anterior, enquanto faziam amor.
Somado a tudo isso havia ainda o inegável fato de que ela atravessara um portal reluzente e se transformara em algo que, definitivamente, não era humano.
Não podia ser. Não era possível... Mas, no fundo, ela sabia que eles estavam dizendo a verdade. Aqueles dois eram mesmo deuses.
— O que era aquela coisa no armário? — indagou em um sussurro.
— Um portal que Zeus abriu, do Olimpo para o Reino de Las Vegas — explicou Apolo.
— Por quê?
Ele deu de ombros e tentou sorrir.
— Quem entende as vontades do Supremo Governante do Olimpo?
— Se eu me lembro bem, ele disse algo sobre desejar que nós observássemos e nos divertíssemos com seu mundo — falou Ártemis.
Pamela desviou o olhar para a deusa.
— Quer dizer, num tipo de experiência? Como num daqueles episódios patéticos de Jornada nas Estrelas ?
— Sabe o que ela quer dizer? — Ártemis perguntou ao irmão.
— Não, mas sei que, mais uma vez, não está ajudando em nada — ele falou por entre os dentes.
Pamela o fitou, atordoada.
— O que aconteceu comigo quando atravessei aquele portal? Algo terrível aconteceu com o meu corpo... O que fez comigo?
— Não! Não fui eu. Não pode acreditar que eu faria qualquer coisa para feri-la.
Pamela virou o rosto.
— Já me feriu.
— Foi aquele cretino do Baco! Ele deve ter lançado algum feitiço sobre o portal. —Ártemis fez uma pausa enquanto pensava sobre o que tinha acontecido com Pamela.
— Estava se transformando em uma flor.
— Em um jasmim, como seu próprio nome sugere — completou Apolo. — A mais doce de todas as flores.
Ártemis bufou.
— Muito romântico. Isso mostra que Baco enfeitiçou o portal de modo que, se Pamela o atravessasse sem você, ela reverteria para sua forma mais básica: a de seu próprio nome.
Pamela sentiu o coração entorpecido.
— É como nas lendas!... Vocês usam os seres humanos e, quando os descartam, transformam-nos em algo não humano!
— Eu não diria que está sendo muito precisa. — Ártemis pareceu ofendida.
Apolo deu as costas para a irmã.
— Deixe-me explicar — disse a Pamela. — Não é nada disso em se tratando de nós dois.
— Não!... Estou farta de ser usada como uma cobaia. — Ela lançou um olhar de desgosto a Ártemis. — Não quero que explique mais nada. Só quero que vão embora para o lugar de onde vieram e me deixem em paz!
— Nós adoraríamos, mas parece que estamos presos aqui até o seu próximo fim de semana — anunciou Ártemis.
Apolo balançou a cabeça.
— Ela adoraria. O que eu mais quero é ficar com você e lhe explicar tudo.
— Não estou interessada. — Pamela recomeçou, tentando se livrar dos braços fortes de Apolo, porém uma voz os interrompeu.
— Algum problema aqui? — Um segurança de uniforme azul parou na entrada do corredor. Era baixinho e gordinho, mas possuía um distintivo, uma arma e a expressão de quem levava seu trabalho muito a sério.
— Ah, vá embora! — reclamou Ártemis, sacudindo os dedos em sua direção. Em seguida parou, e sua expressão de desdém se desfez quando ela se lembrou de que estava sem seus poderes.
— O que disse?... — O guarda inquiriu, estreitando os olhos para a linda mulher vestida com uma túnica curta.
Apolo deixou cair os braços e se pôs diante de Pamela e da irmã.
Pamela observou o modo como seu semblante se fechou e percebeu que, com ou sem poderes imortais, ele tinha potencial para ser um homem muito perigoso.
— Não há problema algum, senhor — interveio rapidamente, pondo-se ao lado do deus. — É que meu... — Fez uma pausa, olhou para o peito nu de Apolo e descartou palavras banais como “namorado” e “paquera”, as quais, estava certa, iria fazê-la soar como uma candidata ao Jerry Springer Show , um daqueles programas que tratam de casos de família. — ... meu noivo e eu tivemos uma briguinha e, bem... — Ela encolheu os ombros e sorriu, tímida.
O homem não estava olhando para ela ou para o jovem seminu a seu lado, no entanto. Estava olhando para Ártemis.
— Espere um pouco — disse, os olhos pequenos brilhando. — Não é uma das estrelas do Zumanity ?
Pamela prendeu a respiração enquanto Ártemis erguia uma sobrancelha fina.
— Eu sou a estrela de Zumanity — confirmou a deusa, arrogante.
— Esta é Diana, irmã de meu noivo — elaborou Pamela. Não olhou para Apolo, porém podia sentir a tensão em seu corpo conforme ele aguardava em silêncio a seu lado.
— Que coincidência! Assisti a esse show pela primeira vez há poucos dias. — O segurança balançou o corpo para trás e para a frente, o suor banhando o lábio superior. — Foi incrível. Você foi incrível...
— Suponho que seja gratificante saber que proporcionei prazer às massas — respondeu Ártemis.
Pamela a segurou pelo cotovelo, puxou Apolo pela mão e começou a passar com ambos pelo guarda.
— Bem, precisamos voltar para os nossos quartos. Não entendo como tomamos o rumo errado e viemos parar aqui...
— Da próxima vez, vista-se adequadamente antes de deixar seus aposentos! — O oficial repreendeu Apolo enquanto Pamela o arrastava às pressas. Então tirou o chapéu para Ártemis. — Muito prazer em conhecê-la, Diana. Mal posso esperar para ver seu show de novo.
Pamela pôde sentir o rosnado que brotou de dentro do corpo de Apolo.
Nenhum deles falou mais, porém, até dobrarem a esquina e se verem caminhando pelo saguão do cassino.
Pamela soltou o braço de Ártemis. Tentou largar a mão de Apolo, contudo ele apertou a dela ainda mais.
Pamela franziu o cenho.
— Deixe-me ir! — Baixou a voz de maneira que as pessoas próximas não a ouvissem.
— Não pretendo deixá-la ir nunca — Apolo replicou.
Ártemis suspirou, dramática.
— Fique fora disso! — o deus ordenou à irmã. — Não entende o que é estar apaixonado.
— Apaixonado! Ora, por favor... Sei que sou apenas uma mera mortal, mas não sou nenhuma idiota. Não importa o que sua irmã pensa. — Pamela fulminou Ártemis com o olhar, e esta curvou os lábios em um sorriso cínico.
Pamela encontrou o olhar de Apolo novamente. Seus olhos já não estavam mais vidrados, em choque. Em vez disso, faiscavam com indignação.
— Como pode dizer que está apaixonado por mim? Fingiu ser alguém que não é! Você me usou como uma verdadeira cobaia! E ainda suspeito de que tenha me lançado algum tipo de feitiço!
Várias pessoas se viraram e olharam, curiosas, em sua direção.
— Deixe-me explicar — recomeçou Apolo.
Pamela começou a sacudir a cabeça, porém o deus a tocou na lateral do rosto, e ela sentiu-se congelar.
— Por favor — ele sussurrou, odiando perceber que, quando ele a tocava, o medo sobrepujava a raiva em seus olhos. — Precisa me deixar explicar. Eu já disse que não vou deixá-la ir. Quando faço um juramento não o quebro jamais. — Apolo deixou seu rosto e tocou de leve a medalha que ela ainda usava no pescoço. — Prometi que lhe daria a minha proteção. Não precisa ter medo de mim.
— Com licença, senhor... — Um funcionário do cassino se aproximou deles. — Desculpe, mas preciso pedir que vista sua camisa.
— Já estamos a caminho do nosso quarto — respondeu Pamela, puxando Apolo em direção aos elevadores do hotel.
— Não sei por que tanta celeuma por conta de um pouco de carne exposta! — resmungou Ártemis, seguindo o irmão.
— Quero isso tudo muito bem explicado — alertou Pamela, tão logo eles adentraram o elevador.
— Assim será — assegurou Apolo, ainda segurando a mão dela.
— Isso vai ser muito aborrecido — rezingou Ártemis.
— Continua não ajudando! — Apolo e Pamela reclamaram em uníssono.
Capítulo 22
— Está me dizendo que tudo não passou de um feitiço mal direcionado? — indagou Pamela, sentada em uma das cadeiras da sala de estar de sua suíte.
Ártemis descansava deitada no sofá e Apolo, que não conseguia ficar quieto, andava de um lado para o outro diante da janela.
— Tecnicamente, não é um feitiço. É um ritual de invocação. Muito antigo e muito poderoso — falou a deusa. — Como explicou Apolo, não devia ter sido possível, até por necessitar reunir muitos elementos... o que acabou acontecendo.
— Tivemos um dedo de Baco nessa história, sem dúvida. Ele deve ter manipulado as coisas — Apolo terminou pela irmã.
— Manipulação. Excelente maneira de descrever tudo isso. — A expressão de Pamela dizia claramente que ela não estava se referindo à invocação.
— Não! Não foi assim. Nossos sentimentos não foram manipulados, apenas os acontecimentos que nos aproximaram.
— Mentiu para mim — acusou Pamela.
— Não. Sou mesmo uma espécie de médico e músico.
— Na verdade, ele é o curandeiro e o músico do Mundo Antigo — Ártemis interrompeu a conversa.
Pamela soltou uma exclamação.
— Meu tornozelo! Fez alguma coisa para curá-lo naquela noite da chuva!
— Estava quebrado. Eu apenas o fiz sarar.
Pamela fitou Apolo como se nele houvessem brotado chifres e um rabo.
— E quanto ao prêmio no caça-níqueis? — perguntou, tensa.
— Sua vontade de ter a bolsa era comovente... Agradou-me lhe conceder esse desejo.
O sorriso do deus foi como o de um menino apanhado com a mão em um pote de biscoitos, concluiu Pamela, e quis sorrir de volta para Febo. Ele parecia tão... normal.
Então se lembrou de como havia sido sentir a própria carne derretendo para se transformar em algo não humano.
Sua determinação voltou, e sua pergunta seguinte apagou o sorriso travesso do rosto do deus.
— E quanto ao sexo? Que tipo de magia usou para me levar para a cama?
— Nenhuma — ele respondeu de pronto. — Eu não a cortejei como o deus Apolo. Eu a cortejei e fiz amor com você como Febo, um mortal como qualquer outro.
Foi a vez de Pamela bufar.
— Por favor! Eu estava lá... Foi muito diferente com você. Não costumo ir para a cama com um caso de fim de semana, mas deve ter feito algo comigo.
Apolo parou de andar e foi até onde ela estava.
— Não usei nenhum poder imortal para seduzi-la, e o que tivemos não foi uma aventura de fim de semana.
Pamela sentiu a boca seca e o estômago se apertar com sua proximidade.
— Está fazendo de novo — sussurrou, contrariada. — Pare com isso.
O sorriso cativante de Apolo voltou com força total.
— Impossível, doce Pamela. Como minha irmã já afirmou, quando o portal se fecha perdemos nossos poderes imortais. Até o anoitecer de sexta-feira, terei tanta energia para conquistá-la como qualquer outro mortal.
— Se quer ficar com raiva de alguém por tê-la enfeitiçado, fique com raiva de mim — declarou Ártemis, estudando as unhas. — Eu aspergi um pouco da minha magia em você na noite da minha apresentação. Também lancei meu feitiço de sedução no banquete de ontem à noite.
— Por que faria isso?! — Pamela indagou.
— Já lhe explicamos a respeito do ritual de invocação. Até que Apolo satisfizesse o seu desejo mais sincero, nós estaríamos vinculadas; e eu estava mais do que cansada disso. — A deusa afastou uma mecha dourada do rosto. — Precisava de um estímulo para admitir a si mesma que Apolo era o seu desejo mais profundo, então... Agradeça às nove Musas por ter funcionado.
— Não é uma pessoa muito agradável, é? — Pamela indagou à deusa.
— Agradável? — Ártemis não pareceu nem um pouco ofendida com a pergunta. — Por que eu precisaria ser agradável?
O telefone tocou.
Balançando a cabeça para Ártemis, Pamela atendeu.
— Pamela? Aqui é o assistente do sr. Faust, James — falou uma voz masculina.
— Ah, sim. Olá, James. — Ela sentiu o estômago afundar. Era manhã de segunda-feira! Já devia ter começado a trabalhar, mas havia se esquecido completamente de E. D. Faust e do trabalho que ela precisava concluir.
— Eu só queria lembrá-la de que Robert estará aí para apanhá-la com o carro, na entrada do Caesars Palace, em exatos trinta minutos.
— ... Obrigada pelo telefonema, James. Estarei pronta.
— Ótimo! O sr. Faust está ansioso por que comece o trabalho em sua casa.
Pamela aquiesceu, dando uma resposta adequada. Desligou o telefone e olhou para Apolo e Ártemis que, por sua vez, a observavam.
— Preciso ir trabalhar.
— Claro. Para o autor. O da casa de banhos romana e da fonte — lembrou Apolo.
— Sim, ele está mandando um carro vir me buscar. — Pamela olhou-se no espelho e fez uma careta diante de sua terrível aparência. — Em exatos trinta minutos! Tenho que me aprontar. — Começou a correr em direção ao quarto.
— Excelente! — exclamou Ártemis. — Para onde vamos?
Pamela estacou.
— Nós não vamos a lugar nenhum.
— Não espera que eu permaneça aqui, neste casebre? É aborrecido demais.
— Bem, certamente não virá comigo! — ela imitou o tom afetado da deusa.
Ártemis estreitou os olhos.
— Não se esqueça de com quem está falando, mortal.
Pamela plantou as mãos nos quadris e ergueu o queixo.
— Escute aqui. Deusa ou não, vai ter que aprender a não agir como uma vadia. E pode me ameaçar quanto quiser. — Apontou para a medalha dourada que lhe pendia do pescoço. — Apolo jurou que estou sob sua proteção.
Ela ouviu a risada satisfeita do deus, mas se recusou a encará-lo.
— Fiquem aqui, peçam o serviço de quarto, assistam a um filme, aprendam a lidar com a internet, sei lá! Inferno... Quando eu voltar, pensarei no que fazer com vocês.
— Pamela?
A voz de Apolo a impediu de ir para o quarto, e ela se voltou para ele.
— Nós poderíamos ajudá-la.
— Ajudar-me no quê?
— Eu poderia ajudá-la a convencer Faust a construir o balneário. E quem sabe Ártemis possa persuadi-lo a usá-la como modelo para a estátua do centro da fonte? — o deus acrescentou, sorrindo.
Pamela lançou um olhar duvidoso na direção da deusa.
— Não se esqueça de que os homens vêm adorando a minha beleza há eras — Ártemis falou alegremente. — Eles ficam encantados comigo.
— Isso até pode ser verdade, mas apenas porque veem suas estátuas e pinturas, e não precisam se submeter à sua odiosa presença.
Ártemis abriu a boca para retrucar, contudo Apolo a impediu.
— Minha irmã pode dar seu juramento de que será educada.
— Eu, não!
— Faust é um bardo moderno, e quer que a estátua do centro de sua fonte seja uma homenagem a Baco. Pense nas histórias do Deus do Vinho que ele vai contar... — Apolo falou à irmã.
— Aquele sapo gordo não devia ser idolatrado no mundo moderno! — protestou Ártemis.
Ele encolheu os ombros.
— Você é quem sabe.
A deusa limpou a garganta e, relutante, encontrou o olhar de Pamela.
— Eu lhe dou o meu juramento de que serei educada. Hoje.
— Eu não sei...
— Por favor, Pamela — insistiu Apolo. — Deixe-me mostrar que não estou diferente hoje do que fui ontem. Apolo, o deus, e Febo, o mortal, são o mesmo homem.
Ela não deveria. Sabia que não deveria. Não queria ser amada por um deus. Gostava das coisas como eram antes de ele se tornar um imortal todo-poderoso. Queria seu Febo de volta.
— Está bem — concordou de súbito. — Mas temos que lhe comprar outra camisa no caminho. — Olhou para Ártemis. — Pelo menos está bem com esse traje. Podemos dizer que está vestida a caráter. — Pamela vacilou, então. — Fiquem aí. Preciso me apressar.
Fechou a porta do quarto e descansou a cabeça na madeira. Febo era Apolo!...
Sentiu as entranhas revolver conforme a realidade se instalava dentro dela. Ela era amante de Apolo, o deus grego!...
E ele existia havia eras. Templos foram construídos para homenageá-lo, faziam músicas para ele!... Aquelas mãos que tinham acariciado cada parte de seu corpo eram as mesmas mãos que levaram música ao Mundo Antigo.
E ele dizia que a amava!...
Pamela levou a mão trêmula à boca, dominada por uma súbita onda de choque, incredulidade e espanto. Era melhor dizer a Faust que não poderia aceitar o trabalho, pegar um avião e voar de volta para o Colorado. Deveria esquecer que aquele fim de semana havia acontecido. Era a coisa mais inteligente a fazer.
Mas sabia que não iria fazer a coisa certa. O Deus da Luz dissera estar apaixonado por ela.
— Na certa estou cometendo o erro mais ginorme da minha vida — falou baixinho.
Exatamente vinte e cinco minutos mais tarde, eles se encontravam do lado de fora das portas giratórias que davam para o Caesars Palace; Pamela sentindo o estômago apertado como se estivesse se preparando para saltar de bungee jump .
— Lembre-se, você é Febo Delos, especialista em arquitetura romana, e eu o chamei para me aconselhar nesse projeto. E você é a irmã dele, Diana, que...
— ... tem a beleza de uma deusa! — Ártemis a interrompeu, repetindo suas instruções. — Sim, sim, já decoramos nossas falas. Somos imortais, não imbecis.
— Eu ia dizer que precisa se lembrar de ser agradável — Pamela completou.
— Minhas palavras serão tão doces que eles poderiam fazer mel na minha boca, como as abelhas marrons da Grécia — elaborou Ártemis com um bater inocente dos longos cílios.
— Já está me deixando com dor de cabeça — resmungou Pamela. — Basta ser normal, está bem? É pedir muito?
— Ela vai manter seu juramento. Não precisa se preocupar, doce Pamela — garantiu Apolo.
— Não me chame assim. Supõe-se que seja meu funcionário! — ela o repreendeu, e em seguida odiou a mágoa que viu no rosto estonteante do deus.
Um deus!... Como, diabos, chegara àquela situação? Estava namorando Apolo!
Estava condenada, isso sim. Já havia estudado literatura. Mesmo não conseguindo se lembrar muito bem, sabia o que acontecia a mortais que chamavam a atenção dos deuses. Ainda mais a mortais do sexo feminino. Seu final nunca era feliz.
Além do mais, o que faria com ele a semana inteira? Nenhum dos irmãos tinha dinheiro. Descobrira isso quando Febo enfiara a mão no bolso para pagar pela camisa que comprara em uma loja e percebera que, de alguma forma (decerto quando ele arrancara as roupas atabalhoadamente, na noite anterior, pouco antes de prensá-la na coluna de mármore), ele perdera os 4 mil dólares que furtara do caça-níqueis.
Assim, Febo não contava com um centavo. Nem Ártemis.
E o portal não seria reaberto durante longos cinco dias.
— Bom dia, srta. Gray.
Pamela deu um pulo. Não tinha notado a limusine vintage e prateada que estacionara à sua frente.
— Ah, bom dia, Robert. — O homem lhe abriu a porta, e ela fez uma pausa. Pigarreou, então desenhou no rosto seu sorriso mais profissional. — Estas duas pessoas vão se juntar a nós, hoje. Eles são meus assistentes.
Robert analisou os dois gêmeos loiros por cima do nariz afilado e fungou de leve.
— Muito bem, senhora — falou, segurando a porta aberta e ajudando primeiro Pamela a entrar na limusine, em seguida, a mulher fantasiada.
Quando o homem alto hesitou, Robert lançou-lhe um olhar muito britânico (direto e polido, sem se preocupar em demasia).
— Algo errado, senhor?
Se Apolo ainda tivesse seus poderes, ele o teria usado para abrir o chão sob seus pés, de modo a ser engolido e sumir de vista. Do interior da besta de metal, Pamela e Ártemis o observaram com curiosidade.
Sua irmã, de repente, pareceu compreender.
— É muito bom aqui — disse a ele. — Não precisa ficar preocupado. — Deu um tapinha no assento ao lado.
— Não estou preocupado — Apolo afirmou, controlado. Respirou, então, e entrou na boca da coisa .
— Por favor, sirvam-se com a mimosa. A viagem até a propriedade do sr. Faust, em Red Rock Canyon, levará aproximadamente trinta minutos. — Robert fechou a porta.
Para Apolo, foi como se ele houvesse apenas tomado um gole de ar, e eles já avançavam, deslizando como um réptil ágil e rasteiro pela rua. Experimentou uma sensação terrível no estômago, e o sangue bombeou mais forte em seus ouvidos. Não conseguia parar de olhar para o mundo lá fora, conforme este passava zunindo, a um ritmo vertiginoso.
— Você está bem? Está pálido — comentou Pamela.
— Ela tem razão, está mesmo — concordou Ártemis. — Talvez ajude se beber alguma coisa. — Ela se aproximou do balde de gelo que continha uma garrafa de champanhe e um jarro de vidro fino com suco de laranja.
— Não! Não quero nada para beber — afirmou Apolo, com a mais estranha das sensações. Temia que, se tentasse beber alguma coisa, fosse devolver tudo em seguida.
— Acho que está com náuseas por causa do carro — concluiu Pamela. — Pode se sentir melhor se for lá na frente, com Robert. Minha amiga, Ve, fica muito enjoada se viaja no banco traseiro. Quer que eu peça para que Robert estacione, para que possa mudar de lugar?
— Eu sou um deus — ele falou por entre os dentes. — Não fico doente.
— Faça como quiser, mas, se vomitar no carro de Eddie, juro que, como sua empregadora, vou ficar muito aborrecida!...
Apolo fechou os olhos e tentou ignorar o fato de estarem cruzando a Terra dentro de um monstro de metal que poderia se espatifar contra alguma coisa e se desintegrar a qualquer momento.
— O que é uma “mimosa”? — indagou Ártemis.
— Champanhe e suco de laranja misturados. Uma delícia.
— Bem... — a deusa olhou para o rosto estranhamente pálido do irmão, então encolheu os ombros bem-feitos — ... vou experimentar uma taça. Você me acompanha, Pamela?
— Não, obrigada — ela agradeceu.
Ártemis serviu-se em uma das taças de champanhe.
— Viu como estou sendo educada?
— Milagre — Pamela murmurou.
— Aguarde... O melhor ainda está por vir — prometeu a deusa, bebendo um gole da mimosa e lançando-lhe um sorrisinho travesso.
Pamela decidiu que Apolo havia tido melhor ideia ali. Fechou os olhos assim como ele, e rezou para que a viagem, o dia... — inferno , a semana! — ... passassem logo.
Mas não antes de deslizar a mão para a dele e apertá-la.
Capítulo 23
A casa de veraneio de E. D. Faust fora construída para se parecer com uma charmosa villa toscana, e Pamela estava aliviada. Sim, ela vira as plantas e lera as anotações sobre a arquitetura que James lhe entregara, mas, depois do pedido bizarro de Eddie para que ela fizesse o interior da residência parecido com o Fórum, vira-se receosa quanto ao que esperar.
Claro que, conforme eles saíram da limusine e se aproximaram da impressionante porta dupla de ferro forjado, com vidros escandalosamente caros — feitos a mão, jateados e chanfrados —, ela se lembrou de ter pensado que o exterior do Fórum indicava que seu interior era decorado com modéstia e com um clássico bom gosto...
Engano seu.
Olhou para Ártemis, que parecia fresca e linda na manhã ensolarada. A deusa tinha as faces coradas, e uma longa mecha de cabelo loiro e brilhante escapara de seu elaborado penteado.
Ártemis alisou a saia da túnica curta, soltou um soluço e, então, riu baixinho.
Pamela a examinou com mais atenção. Merda!... Ela parecia embriagada! Por que, maldição dos infernos , não havia ficado de olho na deusa? Quantas mimosas a deidade engolira em trinta minutos — e com o estômago vazio! — enquanto ela, Pamela, segurava, distraída, a mão do pobre Apolo?
— Está bêbada? — cochichou, tensa.
Ártemis lançou-lhe um olhar severo.
— Imortais não ficam bêbados. Apenas os mortais se embriagam. Não seja boba... — A deusa balançou o dedo para ela.
Pamela revirou os olhos.
— Não é mais imortal, lembra-se? — Reprimiu uma súbita vontade de gritar. Em vez disso, olhou para Apolo em busca de ajuda, porém seu rosto estava com uma cor estranha, entre o branco e o verde. Observou-o limpar o suor da testa com as costas da mão, preocupada. — Você está bem?
Ele assentiu com um vigoroso gesto de cabeça.
— Melhor agora que estamos fora dessa... — Estremeceu e olhou na direção do automóvel que os trouxera.
— Limusine — completou Pamela. — É uma limusine. — Céus! , ela estava presa em um pesadelo sem fim! — Tudo bem. Vamos fazer o seguinte... Vocês dois, tentem não falar, a menos que alguém lhes faça uma pergunta direta. Mesmo assim, sou eu quem vai responder à maior parte. Agora vamos. Precisamos acabar logo com isto. — Ajustou a alça da bolsa larga e começou a subir a linda escada de mármore curva com determinação.
Os gêmeos a seguiram com menos propósito.
Pouco antes de tocar a campainha antiga, ela ouviu um som abafado às suas costas, e então a risadinha — completamente alterada — de Ártemis. Olhou por cima do ombro e viu Apolo segurando a irmã pelo cotovelo.
— Ela quase caiu — ele explicou baixinho.
— Impossível! — Ártemis falou com voz arrastada.
— Oh, Deus!... — Pamela murmurou.
As portas duplas se abriram, e o rosto sorridente de James os recebeu.
— Entre, Pamela, por favor. Eddie se encontra no pátio, esperando por você. — Seu sorriso mudou para educada curiosidade quando Apolo e Ártemis a seguiram para dentro do saguão.
— São meus assistentes... Eu os contratei. São especialistas, na verdade — Pamela acrescentou depressa.
— Tenho certeza de que Eddie ficará satisfeito com sua iniciativa. Ele esteve ansioso por esta reunião a semana inteira. Venham por aqui, por favor.
James os conduziu através do hall de entrada, um espaço gigantesco, a partir do qual duas escadas em curva, ladeadas por parapeitos de mármore antigos, levavam ao segundo andar da villa .
As balaustradas de mármore, contudo, eram o único detalhe acabado do recinto. Todo o restante estava nu. As paredes ainda se encontravam no reboco, e o piso era de cimento. A parede inteira dos fundos, da qual eles se aproximavam, era adornada por janelas que iam do chão ao teto; tão novas que ainda continham os adesivos de fábrica cor de laranja.
Enquanto caminhava lentamente pelo espaço inacabado, contudo, Pamela nem sequer viu sua crueza. Olhava tudo à sua volta, enxergando apenas o ilimitado potencial do lugar.
— Está horrível — Apolo cochichou. — Não há piso, nem paredes, muito menos decoração.
— Não! Está perfeito! — ela contrapôs num sussurro. — A estrutura se encontra pronta, mas os pisos e paredes estão todos inacabados. A maioria dos dispositivos nem sequer foi instalada. É como uma tela em branco. É meu trabalho escolher com sabedoria e me certificar de que esta casa seja transformada em uma obra-prima.
James os aguardou, paciente, ao lado da porta de vidro que — Pamela já sabia pelas plantas — levava à parte central da mansão: o incrível pátio em torno do qual o restante da vila fora construído na forma de quadrado aberto em um dos lados.
Tão logo eles chegaram a este, James abriu a porta e sinalizou para que eles passassem.
Foi apenas nesse momento que Pamela notou a verdadeira multidão reunida no pátio.
Em resposta a seu olhar interrogativo, James apenas sorriu e apontou para o meio das pessoas, onde E. D. Faust se encontrava sentado em uma bancada de mármore repleta de amostras de material.
— Ah, Pamela! — ele gritou quando a viu.
Ao se por de pé, lembrou-a uma montanha se movendo. Também naquele dia estava todo vestido em preto, desde as calças bem-cortadas até a camisa de seda, cujas mangas tinham o modelo amplo da de um pintor.
Ou então , ela pensou, observando o brilho em seus olhos escuros, da camisa de um pirata .
— Bom dia, Eddie — saudou. — Tem bastante gente aqui, hoje...
— Por sua causa, Pamela. — Ele riu com gosto, a barriga chacoalhando como num estrondoso terremoto. — Mandei todos os trabalhadores virem para cá. Imaginei que economizaríamos tempo se os tivéssemos à disposição. Eles estão apenas aguardando as nossas ordens.
Pamela não podia acreditar. Olhou o grupo e arregalou os olhos ao notar que cada pequena equipe possuía a seu lado pilhas de materiais — amostras, claro — de tudo o se podia imaginar: retalhos de tecido, pedaços de mármore, de pedras brutas, placas com texturas, tintas e revestimentos. Eddie transformara seu pátio em um minimercado para designers de interiores. Era estarrecedor e mais do que intimidante. De repente se lembrou de que havia trazido seu próprio séquito. Bem... ao menos era assim que eles se apresentavam.
— Que bom. — Recuperou o controle das cordas vocais com dificuldade. — Está certo. Isso vai nos economizar algum tempo. Deixe-me apresentar os assistentes que eu trouxe comigo, hoje... — E inclinou o corpo para que Apolo avançasse um passo.
Ártemis, que se encontrava de pé atrás do irmão, fitando, embriagada, um fiapo em sua camisa, de repente percebeu que tinha uma plateia para a qual se apresentar, e se colocou, lânguida, do outro lado de Pamela.
Diante da aparência dos gêmeos dourados, o grupo deixou escapar um suspiro coletivo de apreciação.
— Este é Delos Febo, especialista em arquitetura romana. — Pamela ficou satisfeita ao ver que Apolo inclinava a cabeça polidamente para Faust.
O autor, contudo, mal olhou em sua direção. Seus olhos estavam cegos para tudo o mais, exceto para a bela deusa a seu lado.
Pamela respirou fundo, cruzando os dedos.
— E esta é sua irmã, Diana. Ela é modelo, muito conhecida por sua beleza em toda a Grécia e Itália. Sei que queria manter Baco como a figura central em sua fonte, mas pensei que, talvez...
Suas palavras foram interrompidas quando Ártemis avançou com um andar lânguido e gingado até ficar a meio metro do volumoso autor. Então parou, ergueu a mão delicada até a elaborada coroa de cabelos e, com um leve puxão, libertou os fios longos e dourados, que se derramaram em uma onda espessa ao redor de sua cintura. Balançou a cabeça, e seus cabelos cintilaram, hipnóticos, à luz da manhã.
— Pamela imaginou que talvez preferisse a estátua de uma deusa — ela ronronou.
Pamela precisava admitir: Ártemis era uma atriz excelente. Assim como durante sua performance em Zumanity , ela ganhara a atenção do grupo.
Faust pareceu ter levado uma pancada na cabeça, depois piscou, e seu rosto se iluminou em um largo sorriso enquanto ele se curvava com incrível graça e um floreio.
— Quanta satisfação, Diana! — falou com seu vozeirão. — É uma honra ser agraciado pela presença da Deusa da Lua, das Florestas e dos Vales... — Concedeu um olhar a Apolo. — E você, meu bom companheiro, deve ser o Deus da Luz. Que divertido o fato de sua mãe tê-los nomeado segundo os gêmeos imortais.
Pamela sentiu o estômago se apertar. Era claro que um homem que fizera carreira escrevendo ficção reconheceria instantaneamente a mal ocultada verdade em seus nomes. Que diabo ela poderia dizer agora? Seria possível que Faust houvesse percebido quem eles eram de verdade?
Apolo sorriu.
— Descobriu nosso segredo, senhor.
— Por favor, não há nenhum senhor aqui. Pode me chamar de Eddie. — Seus olhos se desviaram para a beldade ainda parada à sua frente. — Pamela, saiba que já provou ser tão genial quanto imaginei que fosse. Agora que estou face a face com uma deusa, concordo com seu ponto de vista. Precisamos mudar a estátua central da minha fonte. Esqueça Baco. A beleza da deusa Diana será exaltada em seu lugar.
Pamela deu um suspiro de alívio, e Ártemis se curvou com graça.
— Não! Uma deusa nunca deve se curvar. — Faust se apressou em fazer Ártemis se erguer de sua profunda reverência.
— Até que enfim um mortal que sabe como tratar uma deusa... — comentou a diva.
Pamela mordeu o lábio, contudo Eddie sorriu com bom humor e levou a mão de Ártemis aos lábios.
— Mas é claro que sei. — Olhou para a multidão de trabalhadores reunida em torno deles. — Qual de vocês tem talento para esboçar esta linda deusa, de modo que um artista possa esculpir sua imagem imortal no mármore?
— Não seria mais fácil se ela tirasse algumas fotos digitais em diversas poses e, em seguida, o escultor começasse a trabalhar com base nelas? — Pamela indagou, aflita.
— Mais fácil, talvez. Mas não me parece certo. Soa muito frio. Muito impessoal.
— Mas Diana só estará disponível até sexta-feira. Depois tem um... ahn... compromisso a que não pode faltar — justificou Pamela.
— Então temos que trabalhar depressa. Eu gostaria de ter a minha deusa imortalizada à moda antiga. Febo, você é o expert na antiga Roma. Como isso costumava ser feito?
— Tem toda a razão. O escultor teria desenhado sua musa e, em seguida, começado a trabalhar com base em seus próprios esboços. — Apolo fez uma pausa e ergueu uma sobrancelha. — A menos que tivesse contratado Pigmalião. Acredito que ele trabalhava baseando-se na imagem da mulher que via apenas em seu coração... — Lançou um olhar ardente para Pamela. — O problema é que poucos de nós têm a sorte de ver seu mais profundo desejo concedido.
Pamela se obrigou a não se retesar. Apolo afirmava ter sido privado de seus poderes imortais, mas, quando olhava para ela daquela maneira, fazia com que sentisse calor, frio, excitação... tudo de uma vez.
Faust não pareceu notar o byplay acontecendo entre a designer e seu assistente, pois tinha a atenção voltada para sua própria imortal.
— Ah, mas temos Diana, não Galateia. Por isso mesmo a modelo merece um esboço.
— Galateia não era deusa. Era apenas uma pedra que foi trazida à vida — corrigiu Ártemis, um pouco irritada.
— Verdade! Tem toda a razão! — exclamou Eddie. — Pigmalião não teve a mesma sorte que eu.
— Posso desenhar sua deusa, senhor. — Um jovem se destacou do grupo.
— Excelente — concordou Eddie. — Temos o nosso artista e a nossa musa. E creio ter algumas fotos da fonte original do Fórum. Suponho que nossos artesãos possam usá-las como base para seu trabalho enquanto a nossa deusa estiver sendo desenhada.
— Na verdade — Pamela começou, enquanto abria a pasta e retirava, apressada, seu bloco de desenho —, imaginei que poderia gostar de algo exclusivo, por isso trabalhei em alguns esboços preliminares de uma nova fonte... baseada, claro, naquilo que tanto aprecia na do Fórum. Eu só não quis desenhar a estátua central sem a sua aprovação, mas acho que vai ficar muito satisfeita com isto.
— Pamela discutiu comigo os esboços, e eu posso lhe assegurar que a fonte que ela criou seria apreciada até pelos deuses do Monte Olimpo — afirmou Apolo.
— Que maravilha, Pamela! — Eddie tomou o caderno das mãos dela e acenou com a cabeça em aprovação. — Monte Olimpo... — Ele riu. — Eu não poderia esperar nada melhor para uma fonte que ostenta uma escultura de Diana. Por favor, mostre esses esboços ao nosso artista. — Faust lançou um olhar interrogativo na direção do rapaz.
— Mateus — esclareceu o jovem. — Meu nome é Mateus Land.
— Venham, Mateus, Pamela, Febo e Diana, minha linda. Vamos nos sentar e decidir sobre os detalhes da minha casa. — Eddie ofereceu o braço a Ártemis. Ela sorriu docemente e descansou a mão na parte superior de sua manga de seda. — Deseja algo, querida? — ele perguntou enquanto a conduzia em volta de um banco de mármore.
— Sim. Recentemente desenvolvi um gosto especial por uma bebida chamada mimosa .
Pamela tentou não gemer quando Eddie gritou para James pedir ao chef que preparasse mimosas para todos.
Pamela olhou para o relógio. Ela mal podia acreditar que já passava das quatro da tarde. O dia havia voado.
E fora bem melhor do que ela previra. De um modo irritante e irônico, sabia que precisava agradecer a Ártemis por isso.
Ergueu os olhos da página brilhante do catálogo que o representante da Shonbeck lhe mostrava, e que continha luminárias ao estilo do velho mundo. Eddie fingia prestar atenção, enquanto Apolo e o arquiteto se debruçavam sobre a última versão do esboço da sala de banhos, na qual haviam trabalhado pela maior parte do dia.
Na verdade, Eddie fazia o que ele não parara de fazer nas últimas horas: olhava com adoração para Ártemis.
Mas a deusa era, realmente, muito linda. Até mesmo os espalhafatosos representantes de tecidos gays suspiravam, melancólicos, diante da perfeição de seu cabelo, de seus seios e das linhas delgadas de suas pernas. No momento, ela se encontrava em pé sobre a plataforma elevada que Eddie mandara erguer, segurando um enorme vaso contra um quadril, do qual água iria verter quando o esboço fosse transformado em uma escultura para a fonte.
Pamela ficava tonta só de pensar. E isso sem levar em conta a despesa em que Eddie iria incorrer com aquela obra de arte original!...
Seu cliente parecia feliz, porém, e a fonte iria ficar mesmo muito bonita. Além do mais, esta não teria aquela animação medonha do Fórum. Uma só exclamação horrorizada de Ártemis em resposta à menção de movimento na fonte, e Eddie, mais do que depressa, vetara a ideia. Da mesma forma, uma simples carranca da deusa fora suficiente para que ele desistisse da construção daquela ginorme e horrível piscina, e optasse pela ideia de bom gosto do balneário romano.
Com esses dois problemas resolvidos, todo o restante correu como uma brisa. O gosto de Eddie não era tão lamentável quanto ela pensara a princípio. A questão era apenas que sua aura era enorme. Suas ideias eram grandiosas, e não apenas em seus épicos best-sellers. E. D. Faust preenchia o mundo ao seu redor com a grandeza da vida. Sim, ele era excêntrico. Na verdade, Pamela refletiu, ele parecia um personagem de um de seus romances: maior do que a própria vida e sempre pronto para uma nova aventura.
Sorriu para si mesma. Demorara um pouco a se acostumar com sua exuberância, mas compreendia por que as pessoas se sentiam atraídas por ele. Eddie era tão generoso quanto seu tamanho. A verdade era que E. D. Faust era mesmo um sujeito decente.
Ela havia tido um pouco de trabalho, mas, com a ajuda de Ártemis e Apolo, convencera Eddie a mudar o design de sua casa: do românico brega do Fórum para algo que começava a lembrar do cenário de Cleópatra , de Elizabeth Taylor. O estilo que emergia não era menos opulento do que o do Caesars Palace e do Fórum, porém bem mais chique.
Desviou o olhar do corpanzil de Eddie para Apolo. Ele inclinara a cabeça loira e a balançava com uma expressão atenta diante de algo que o arquiteto acabara de traçar no papel.
Como se pressentisse que estava sendo observado, ele levantou os olhos para os dela. Pamela desviou o olhar, mas não antes de ver seus lábios se curvar na sugestão de um sorriso. Apolo a apanhara em flagrante de novo.
E não fora algo difícil de ele fazer. Ela o fitara com o rabo dos olhos o dia todo, e ele sabia disso. Ela sabia disso.
E não conseguia evitar. Apolo fora tão maravilhoso!... Descrevera o funcionamento dos antigos balneários de Roma em detalhes para Eddie e seu arquiteto. Tinha sido mais do que paciente com suas intermináveis perguntas, respondendo-as com inteligência e concentração, de tal forma que até mesmo para ela Febo soara como um entusiasmado especialista. E nem uma vez exibira a detestável arrogância que ela imaginara ser inerente ao Deus da Luz.
Pamela suspirou. Já não podia dizer o mesmo de Ártemis. Mesmo que a diva estivesse adotando seu melhor comportamento naquele dia, continuava irritantemente exigente e vaidosa. Por sorte, Eddie parecia estar gostando de entrar no jogo de sua deusa...
Outra coisa boa, lembrou-se Pamela, era que Faust insistira para que a cozinha ficasse pronta antes de ele chamá-la para projetar o restante da villa , pois Ártemis mantivera o chef ocupado o dia inteiro com suas exigências por bebidas e iguarias. E Eddie, que, sem dúvida, muito apreciava os prazeres da boa mesa, havia se deliciado em atender a todos os caprichos de “sua deusa”.
Apolo era tão diferente da irmã!, Pamela teve que admitir para si mesma. Continuava o mesmo homem atento e inteligente que fora durante todo o fim de semana.
Mas ele não era um homem de verdade. Era um deus. E nenhuma mulher de bom-senso iria complicar a própria vida se envolvendo com um antigo deus...
Pamela suspirou e se obrigou a voltar a atenção para a página de lustres.
— Eddie... — Ártemis soou como uma menininha mimada. — Meu braço já está doendo de tanto eu segurar este vaso bobo! E estou com tanto calor que vou desmaiar se não me sentar.
— Claro, claro, minha deusa! — Ele se pôs de pé e correu para tomar o vaso das mãos dela. Empurrou de lado o jovem artista, quando este tentou ajudar sua musa a sair da plataforma, e segurou Ártemis pelo cotovelo, amparando-a enquanto ela descia com graça do altar improvisado. — Olhem só a hora! Que insensibilidade a minha!... Estamos nisto há séculos. Tempo demais para uma deusa trabalhar. — Ele ergueu a manzarrona, e sua voz grave silenciou até mesmo os trabalhadores que se encontravam ocupados no interior da vila. — Já chega por hoje! — bradou. — Nós nos encontraremos outra vez amanhã, à mesma hora!
Vários suspiros se fizeram ouvir ao seu comando. Tinha sido um dia difícil, porém produtivo.
Pamela detestava admitir, mas, pela milésima vez, viu-se contente por ter permitido que Apolo a convencesse de trazê-lo com a irmã até ali.
Estava esfregando a parte de trás do pescoço, e tentando desfazer um nó de tensão que se instalara neste, quando o “Pamela!” de Eddie ribombou, fazendo-a ir até o banco onde ele estava.
— Ah, aí está você, minha cara. — Ele fez um sinal para que ela se sentasse ao lado de Apolo, à sua frente.
Ártemis estava, obviamente, acomodada a seu lado. Abanava-se com um leque de penas que Eddie havia lhe arrumado, e Pamela notou que ela bebia champanhe de uma taça de cristal gelada. Graças aos Céus, Ártemis seria imortal de novo em poucos dias. Ao ritmo que estava indo, seria a imortalidade ou o alcoolismo!
— Andei discutindo os nossos novos planos com a linda Diana e seu irmão, e creio que estamos todos de acordo.
Pamela sentiu um familiar aperto no estômago.
— Planos? Que planos?
— Muito simples. Não há necessidade de vocês três viajarem de volta para Las Vegas quando podem muito bem ficar aqui comigo — declarou Eddie, sorrindo.
— Mas o único cômodo que está terminado é a cozinha!
Eddie riu.
— Não aqui... Aluguei uma casa de campo no parque Spring Mountain Ranch, no Red Rock Canyon. Tem acomodações bastante modestas, porém é muito mais próxima da minha villa do que o Caesars Palace. Até porque não há mais motivo para voltarem para lá, uma vez que o Fórum não mais servirá de modelo para a nossa Roma antiga. Agora temos Febo.
— Mas as minhas roupas e... ahn... Diana e Febo não trouxeram nada.
Os olhos de Pamela pousaram em Ártemis. A deusa tomou um gole do champanhe, tranquila, e, em seguida, piscou, maliciosa, para ela.
Eddie ignorou suas preocupações.
— James pode ir buscar suas coisas. Diana me contou que ela e o irmão planejavam apenas passar o dia por aqui, contudo ambos já aceitaram o meu convite para que prolonguem sua estada por uma semana. Eu ficarei honrado em comprar no resort qualquer coisa de que nossa deusa precise.
— Jantar, Eddie, jantar! — Ártemis lembrou com um suspiro. — Mal posso acreditar no quanto estou faminta.
— Claro. — Ele lhe afagou a mão. — Foi um dia cansativo. Vamos embora para o rancho, comer e ser feliz. — Eddie se ergueu pesadamente do banco, e Ártemis estendeu a mão para que ele pudesse ajudá-la a fazer o mesmo.
Em seguida, movendo-se com muito mais instabilidade do que com sua habitual graça, ela se agarrou ao braço gordo do homem enquanto ele se deslocava devagar pelo pátio, gritando para que Robert trouxesse o carro.
— Acho que não temos muita escolha — murmurou Pamela, não querendo encarar Apolo, agora que se encontravam sozinhos pela primeira vez naquele dia.
— Eu já fiz a minha escolha, doce Pamela — ele respondeu baixinho.
Ela o fitou, então. Apolo abriu seu sorriso encantador, tão familiar, e ela sentiu o peito se apertar.
— Às vezes é fácil esquecer quem você é de verdade — falou baixinho.
Ele a tocou no rosto.
— Já sabe quem eu sou realmente. Sabe desde a noite em que nos conhecemos.
— Mas não é um homem comum.
— Serei, ao menos pelos próximos cinco dias. — Ele imitou o gesto de Eddie: pôs-se de pé, tomou-lhe a mão e a ajudou a se levantar.
Pamela se permitiu dar o braço a Apolo conforme caminhavam pelo pátio deserto. Ele parecia tão quente, normal e certo a seu lado!...
Isso a assustou tanto que ela fez menção de puxar o braço; contudo, Apolo parou no meio do saguão de repente.
Pamela sentiu um tremor percorrer o corpo e olhou para ele. Seu rosto moreno empalidecera.
Ela seguiu seu olhar. James segurava as portas da frente da casa aberta para eles, e, por meio destas, ela podia ver Robert ajudando primeiro Ártemis, depois Eddie, a entrar na limusine.
— Eu havia me esquecido dessa criatura de metal — ofegou o deus.
— Venha. Vou fazer você se sentar na frente desta vez. — Pamela o segurou pelo braço com força e o puxou.
Ele era Apolo, Deus da Luz, da Música e da Cura. Um imortal que tinha vivido por eras, tema de muitas histórias, poemas e canções...
... Mas uma criatura que enjoava demais ao andar de carro.
Capítulo 24
A ideia de Eddie de “acomodações bastante modestas” era alugar todos os nove quartos da mansão de tijolos, que fora construída nos anos vinte e que, depois, tinha sido adoravelmente restaurada com antiguidades, canalização e parte elétrica modernas, em 2003. Ficava à margem do Red Rock Canyon spa e Resort , um adorável oásis de fontes naturais e matas verdejantes, que parecia bizarro e deslocado, ainda que lindo, em meio ao afloramento de rochas cor de ferrugem e da intrigante paisagem desértica do Red Rock Canyon.
Pamela parou diante do conjunto de três portas duplas que separava os alojamentos do enorme deque de madeira, onde, apressados, garçons uniformizados davam os últimos retoques na mesa de jantar com flores frescas e velas, enquanto um trio de músicos afinava seus instrumentos.
Música, velas, flores e porcelana fina, avaliou, aliviada por ter escolhido o tubinho preto em vez de algo mais casual.
A iluminação externa foi acesa de repente, tingindo a noite clara de Nevada com suaves nuanças, e Pamela respirou o ar fresco do deserto. Sentar-se ao lado do enjoado Apolo no banco da frente fora muito esclarecedor. Ele insistira para que ela ficasse junto dele, e parecera tão desamparado que ela havia suspirado e se espremido a seu lado, para o desgosto de Robert. Decididamente, ela amava o Colorado. Embora tivesse nascido e crescido lá, nunca se cansara da majestade de Pikes Peak e da beleza montanhosa de seu lar. Considerava-se bastante “viajada”, sobretudo em se tratando dos Estados Unidos, e já conhecera muitos estados encantadores, mas nenhum lugar preenchia seus sentidos e acalmava sua alma como o de sua própria casa.
Por isso mesmo era uma surpresa sentir-se tão atraída pelo deserto. A curta viagem da propriedade de Eddie, à margem do Red Rock Canyon, até aquele rancho fora repleta de cenários ao mesmo tempo austeros e espetaculares. Havia algo de misterioso e maravilhoso no deserto. Ele fazia sua imaginação correr solta, evocando fantasias infantis com caubóis do Velho Oeste, couro e suor.
Sorriu para si mesma diante de ideias tão tolas e românticas.
— Adoro o seu sorriso.
A voz profunda de Apolo a surpreendeu.
Pamela se virou. Ele estava tão próximo que ela pôde sentir seu calor. Era apenas o calor de um corpo normal, não o poder imortal do Deus da Luz, mas a fez se lembrar da noite anterior, e de como chamas tinham varrido seu próprio corpo em uníssono com seus impulsos...
Passou a mão pelo cabelo curto, nervosa.
— Não o percebi chegando.
— Eu não queria assustá-la.
Se Apolo soubesse!... Apenas a presença dele já fazia seu estômago se contrair e seu rosto corar. E isso antes de ela descobrir que ele era o bendito Deus da Luz!...
Céus!, estava sendo cercada e cortejada pelo imortal Apolo! Era um pouco como se ver bem no meio de um velho episódio de Jornada nas Estrelas , sem nenhuma possibilidade de ser teletransportada para longe de uma situação difícil.
Mas ela não queria ser teletransportada para longe de Apolo, e isso a estava deixando louca.
Ele era Apolo! Não conseguia conter o arrepio de emoção que a percorria cada vez que pensava nisso. Era inebriante, enlouquecedor e terrivelmente assustador.
Em vez de gaguejar como a louca em que ela pensava estar se tornando, Pamela apontou a noite do deserto com a cabeça, em um gesto que, ela esperava, parecesse indiferente.
— Não foi culpa sua. Eu estava distraída com o cenário. É muito mais bonito aqui do que eu esperava.
— Sim, sei bem o que quer dizer. O Reino de Las Vegas também me surpreendeu com sua beleza. — Ele sorriu e lhe afastou uma mecha de cabelo escuro da testa. Seus olhos capturaram e refletiram a iluminação do terraço e, por um momento, pareceram brilhar de novo com aquele azul imortal.
Pamela recuou um passo.
— Por quê? — ele indagou, magoado. — Por que está me evitando?
Um dos garçons ergueu a cabeça com óbvia curiosidade diante da pergunta, e Pamela acenou para que Apolo a seguisse até a borda mais distante da varanda, onde era menos provável que sua conversa fosse ouvida. Baixou a voz e tentou não se preocupar.
— Não estou desprezando você. Estou sendo apenas... c-cuidadosa — ela gaguejou, sem fitá-lo nos olhos.
— Não compreendo. — Ele passou a mão por seu rosto e suspirou. — Sabe, Pamela, isso nunca aconteceu comigo antes. Precisa me explicar quais são as regras do amor.
Ela sentiu o coração bater na garganta e engoliu em seco antes de responder.
— Não conheço as regras. Não sei como amar um deus. — Encontrou os olhos dele, relutante. — A verdade é que era diferente quando eu achava que você era apenas Febo.
— Eu sou Febo, Pamela.
— Não, não é! Meu Deus, Apolo... — Ela se interrompeu, apertando os lábios. — Veja! Nem consigo dizer coisas normais perto de você. “Meu Deus...” Você é um deus! Eu não sei o que dizer, o que fazer. — Pamela esfregou a testa.
Os músicos começaram a tocar uma valsa que só fez aumentar o clima surreal da noite. Era como se Apolo houvesse conspirado para adicionar uma trilha sonora à conversa.
— Eu não quero me apaixonar — ela disse baixinho. — Eu já não queria antes de te conhecer, e agora isso só me parece ainda mais impossível.
Ele balançou a cabeça.
— Não, não é impossível. O problema foi a forma como descobriu tudo. Eu devia ter lhe dito antes; tornado mais fácil para você aceitar.
— Como poderia ser mais fácil? Você é um deus antigo, e eu sou apenas uma mortal. Não estamos destinados a ficar juntos.
Dizer as palavras que a haviam assombrado o dia todo deixaram Pamela enjoada.
— Eu atendi ao seu desejo mais sincero — Apolo replicou numa voz baixa e firme.
— Claro que atendeu! Não é que eu não o deseje... Desejo muito. Você é perfeito. Eu pedi por romance, e você é, definitivamente, um sonho romântico que se tornou realidade.
Pamela queria ficar quieta, segurar as palavras que derramavam de sua boca, mas não conseguia. Tinha medo de que, fazendo isso, fosse se jogar nos braços de Apolo e pedir que ele ficasse lá para sempre.
Se fosse assim, o que seria dela? O que aconteceria com seu coração quando ele deixasse aquele mundo e voltasse para o seu próprio?
Apolo franziu a testa e tornou a sacudir a cabeça.
— Eu sou mais do que um sonho romântico, e você pediu por mais do que um simples namoro com um deus.
— Apolo, eu sei pelo que pedi — ela falou com firmeza.
— Sabe mesmo? Então talvez esteja interessada em saber que o vínculo da invocação entre você e minha irmã não se rompeu até ter admitido, ontem à noite, que sou sua alma gêmea.
— Sua alma gêmea... — ela sussurrou as palavras, negando com um gesto de cabeça. — Não! — Ele não podia ser. Se Apolo era sua alma gêmea, como ela sobreviveria sem ele?
O belo rosto do deus ficou lívido.
— Talvez eu tenha tido sorte, por todas estas eras, em não ter conhecido o amor... Parece que é um sentimento bastante doloroso.
Dizendo isso, curvou-se para ela de leve, fez meia-volta e se afastou.
Em vez de passar pelas portas e rumar para o quarto, como tivera a intenção de fazer, Apolo quase atropelou a irmã e Eddie quando estes saíam para o pátio, seguidos de perto pelo onipresente James.
— Que bom que já veio para cá! — saudou o escritor, dando-lhe um tapinha no ombro. Logo depois, avistou Pamela. — Excelente! Estamos todos aqui. James, já pode pedir que sirvam o jantar. Venha, minha deusa... A comida aqui pode ser simples, mas juro que não vai se decepcionar com sua qualidade.
— Eddie, eu quero mais daquele champanhe maravilhoso!
— Claro, claro... — ele murmurou, ajudando-a a se acomodar em uma das cadeiras.
Pamela observou o homenzarrão cercar a deusa de cuidados e mimos tal qual uma gimensa galinha, enquanto Apolo permanecia de pé, do lado oposto da mesa. Podia sentir seu olhar sobre ela.
Piscou, combatendo as lágrimas que lhe haviam assomado aos olhos, endireitou os ombros, desenhou um sorriso cordial e profissional no rosto, e se juntou ao pequeno grupo. Eddie, claro, insistiu para que ela se sentasse ao lado de “Febo”.
Por sorte, assim que ela pôs o traseiro na cadeira, uma nuvem de garçons convergiu para a mesa.
Eddie descrevera o jantar como “simples”, o que a fez se perguntar o que ele considerava extravagante. A comida não foi trazida aos poucos, como se poderia esperar de uma refeição cara, servida em um resort exclusivo. Em vez disso, o escritor ordenou que tudo viesse de uma só vez.
Foi como uma explosão de alimentos. As saladas individuais, de verduras frescas, cogumelos exóticos e uma série de tomates maduros e pequenos, eram montadas tal qual pequenos ninhos de pássaros. A massa do tipo farfalle parecia divina e cheirava a alho fresco e vinho branco. Espessas postas de salmão tinham sido grelhadas à perfeição, assim como compridas fatias de abobrinha cobertas de queijo provolone derretido e polvilhado com pimenta moída e sal. Durante toda a refeição, garçons atenciosos serviam as taças com champanhe gelado.
Tudo estava delicioso, e Pamela sentiu-se relaxar enquanto Eddie e Apolo conversavam amigavelmente a respeito da tradição dos banhos diários na antiga Roma. Na verdade, ela se viu intrigada com os detalhes vívidos que o deus fornecia sobre um mundo considerado morto havia muito tempo.
— Então, o banho se tornou uma atividade social... — concluiu Eddie enquanto mastigava o salmão.
Apolo concordou.
— Não era apenas o ato de se lavar. Os banhos romanos eram muito mais do que isso. No mesmo balneário não era incomum que houvesse espaços para exercícios, massagistas, barbeiros, restaurantes, lojas e bibliotecas. Era um centro de convivência; o centro nervoso do que acontecia na cidade. Em suas salas privadas, questões que não deviam se tornar públicas eram discutidas. Alguns dizem que até mesmo os deuses frequentavam os balneários de Roma para se inteirar das intrigas do dia.
— Ha! Sabe-se lá se o plano para matar César não começou em um desses balneários de Roma...? — conjeturou o autor.
— César! — zombou Ártemis. — Proclamar-se um deus foi apenas um de seus muitos erros. Ele devia ter escutado a esposa. Calpúrnia bem que o advertiu... Roma não ouviu muitas vezes as vozes de suas mulheres — completou, irritada.
Os olhos de Eddie se arregalaram.
— Eu tenho feito isso, minha linda! Venho pensando no assunto desde esta manhã, quando nos conhecemos. Alguma coisa parecia fora de lugar, não exatamente onde devia estar, e agora compreendo o quê... Você não é Diana. Reconheço agora a sua verdadeira natureza.
Ártemis ergueu uma sobrancelha dourada para o escritor e mordiscou seu segundo pedaço de salmão.
— É mesmo?
— Sim! Você é muito ardente para ser a pálida e etérea Diana. Você brilha e ofusca, não apenas como a luz da lua cheia. Carrega dentro de você a natureza de uma caçadora. Amanhã iremos descartar aquele vaso sem sentido, que segurou esta tarde, e substituí-lo por um arco e uma aljava repleta de flechas. A brandura de Diana feneceu, e a deusa Ártemis surgiu em seu lugar.
Pamela engasgou ao engolir, e um garçom correu para lhe trazer um copo de água. Tossindo, ela compartilhou um olhar de surpresa com Apolo; entretanto Eddie não havia terminado. Colocou a mão sobre o coração e deu início a uma cappella , a voz profunda e ressonante de barítono se elevando, depois abrandando — como a de um dos Três Tenores —, e preenchendo a noite no deserto:
Eu canto Ártemis das setas de ouro,
que a grande bulha da caça adora,
e que nos cervos suas flechas lança.
Ártemis que na caçada exulta,
curvando seu arco dourado
que cospe setas tão amargas.
Tão poderoso é o seu coração
quando pelas matas ela vaga
exterminando das feras as ninhadas...
Ártemis parou de comer quando Eddie se pôs a cantar, fitando-o com evidente espanto. O enorme homem fez uma pausa, gesticulou para o trio de mulheres que vinha dedilhando uma música de fundo suave durante todo jantar e estas pararam de tocar. Quando ele recomeçou a cantar, a harpista capturou a melodia e um som mágico de cordas o acompanhou:
Quando da caça a deusa das flechas se vê saciada,
deixa o tenso arco e visita o irmão, Febo Apolo,
no distrito de Delfos, sua rica morada...
Ele balançou a cabeça na direção de Apolo, que ergueu a sua em régio reconhecimento.
Comanda, então, o coro das Musas e das Graças,
deixando de lado seu arco e flechas.
Cobrindo-se com suas belas joias,
a bela dança das divas ela conduz.
Divino é a canto que estas entoam
louvando a brandura com que Leto
seus dois filhos deu à luz.
Filhos esses que, entre os deuses,
tão elevados e justos são
nos seus desígnios e na ação.
Saúdo a ti, filha de Zeus e da Leto de lindos cabelos!
A ti louvarei, e lembrarei também a tua canção...
A voz de Eddie segurou a última nota, enquanto a harpista improvisou um acorde fantástico. Conforme a canção se desvaneceu, a noite ficou muito quieta.
O olhar de Pamela se desviou de Eddie para Ártemis, e sobre esta ficou. Chocada, ela viu os olhos claros da deusa se encher de lágrimas. Em seguida, Ártemis se inclinou e beijou Eddie demoradamente nos lábios.
— Você conhece os Hinos Homéricos... — sussurrou, a apenas alguns centímetros do rosto do homem.
— Conheço os Hinos Homéricos — ele respondeu, solene.
— Você me surpreendeu, Eddie.
O sorriso de prazer da deusa fez Pamela prender a respiração, tal era sua beleza.
— Irmão — falou Ártemis sem tirar os olhos de Eddie —, desejo recompensar nosso anfitrião por seus aguçados poderes de observação. Você tocaria para mim?
— Claro — concordou Apolo. — Mas não tenho nenhum instrumento.
A voz inconfundível de Eddie retumbou pelo terraço.
— Já chega de música esta noite! Podem ir embora... — ele falou às musicistas — ... mas deixem os instrumentos. Meu assistente cuidará para que estes lhes sejam devolvidos amanhã.
As três mulheres saíram rápida e discretamente, e Pamela se perguntou quanto Eddie lhes pagara para que elas nem mesmo piscassem antes de deixar para trás suas ferramentas de trabalho.
Apolo tomou o assento desocupado da harpista e colocou as mãos sobre o instrumento sem demostrar nem um pouco da emoção que sentia. Era o Deus da Música. Harpistas o tinham adorado e louvado durante incontáveis séculos. As Musas o reverenciavam. Desde o dia em que havia convencido o recém-nascido Hermes a presenteá-lo com a primeira lira conhecida pela humanidade, considerava sua habilidade imortal com o instrumento mais do que garantida. Era como o ar que respirava e o vinho que bebia... sempre ali, com ele.
Mas, naquele dia, não era o imortal Apolo. Era apenas um homem comum.
Ele conhecia as notas. A sensação da harpa lhe era familiar... Ainda assim, sentiu o estômago se apertar. E se seu talento houvesse desaparecido com seus poderes? E se ele tocasse as notas erradas? Ou pior, tocasse as notas certas tão mal que estas parecessem erradas?
Ergueu a cabeça. Ártemis se levantara e recuara com graça para longe da mesa, de modo a ter espaço para iniciar sua dança.
Os olhos de Eddie estavam colados em seu rosto. O autor parecia completamente encantado por sua irmã.
Apolo pressionou a mão contra as cordas esticadas. Compreendia bem como se sentia o homenzarrão...
Relutante, ele desviou o olhar para Pamela. Ela o observava com atenção, sem dúvida à espera de ouvir o brilhantismo com que o Deus da Luz tocava.
Nesse instante, ele desejou estar de posse de seus poderes imortais. Ou então que fosse o mortal Febo de verdade. De repente, quis muito ser um ou outro. Estar preso entre dois mundos era como ser empurrado para um campo de batalha com apenas a lembrança das armas.
— Toque a música favorita de Terpsícore — pediu sua irmã, num tom imperioso.
Apolo sabia a melodia. Estava lá quando a Musa da Dança a criara, e tocara para ela quando esta a executara em um dos grandes banquetes de Zeus.
Fechou os olhos e se concentrou. Suas primeiras notas foram um teste: suaves, quase inaudíveis, porém seus dedos pareciam mais confiantes do que ele, o próprio deus. Eles conheciam as cordas prateadas, e viajaram para cima e para baixo, ao longo de todo o instrumento, como velhos amigos saudando um ao outro.
Apolo abriu os olhos. Ártemis flutuava pelo terraço, recriando a obra-prima de Terpsícore.
Ele sorriu com carinho para a irmã. Naquela noite ela não contava com poderes imortais, mas nem precisava. A seda do vestido que Eddie lhe comprara girava graciosamente em torno de seu corpo. Seus movimentos eram lânguidos e cheios de uma flexibilidade única, hipnótica.
Seus dedos voaram sobre as cordas, aumentando o ritmo da melodia. Ártemis o acompanhou, girando e ondulando em perfeito ritmo com a música, até o crescendo , depois do qual ela terminou em uma pose elegante aos pés de Eddie.
— Não! — gritou Eddie, puxando-a, de modo que a deusa ficou de pé a seu lado, respirando pesadamente. — Era eu quem deveria estar a seus pés, minha deusa!
Ártemis riu, sem fôlego.
— E então?... Gostou da sua recompensa?
— Guardarei essa sua dança na memória até a dia da minha morte!
A expressão da deusa ficou séria.
— Não quero pensar na sua morte.
Foi a vez de Eddie rir, e ele o fez com vontade.
— Não pense, pois esse dia ainda está longe, minha diva!
O sorriso de Ártemis retornou.
— Eddie, caminharia comigo? Sei que está escuro, a noite já caiu, mas...
— Seu desejo é uma ordem — proclamou o escritor. — Venha, os arredores estão bem iluminados, e é uma grande honra escoltá-la.
Sem lançar um só olhar na direção de Pamela ou de Apolo, os dois deixaram o deque, as cabeças próximas, enquanto Eddie perguntava à deusa sobre as origens de sua dança.
Ainda deslumbrada com a incrível performance de Ártemis, Pamela os observou partir. Não podia acreditar. Ártemis tinha dançado para Eddie como se desejasse aquilo; como se realmente se importasse com ele e quisesse agradecê-lo.
Que diferença um único dia havia feito!... Naquela mesma manhã, a deusa estivera arrogante e intratável.
Verdade que Ártemis continuava aguerrida, mimada, autoindulgente e fútil. Mas, quando olhava para Eddie, não deixava dúvida sobre o carinho que lhe transbordava no olhar. Seria possível que a deusa tivesse mesmo coração?...
Dois acordes suaves e mágicos, um seguido do outro, chamou sua atenção de volta para o seu imortal.
Seu imortal!...
O pensamento a fez estremecer. Antes daquela noite, ela teria imaginado que um homem tocando uma harpa seria, no mínimo, efeminado e, no máximo, muito gay !
E Apolo não era nenhuma das duas coisas. Era másculo e magnífico. Não tocava a harpa apenas; ele a acariciava como a uma amante, fazendo que a música brotasse dela. Era como se sua carícia trouxesse vida ao instrumento. Com aquele corpo dourado e musculoso, o cabelo colorido pelo sol, parecia um antigo guerreiro fazendo uma pausa entre as batalhas para descansar e recitar seus feitos heroicos.
Quando Apolo começou a cantar, e seus dedos extraíram um som ritmado e sensual das cordas, ela encontrou seus olhos.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
A voz de Apolo era tão perfeita que era quase indescritível.
Pamela tentou imaginar como ele devia soar quando podia usar seus poderes imortais. Não admirava que várias gerações tivessem construído templos e esculpido estátuas em sua homenagem.
E agora ali estava ele, cantando só para ela.
Nesse momento, ela o desejou tanto que a força do sentimento quase a sufocou.
Sem pensar com muita clareza, Pamela se levantou e caminhou até ele.
Quando olho para ti, perco a fala,
minha língua congela e cala
e chamas sob minha pele se alastram.
Já não vejo com meus olhos,
em meus ouvidos ressoa um zunido,
um frio suor me cobre inteiro,
um arrepio me faz cativo...
Mais verde do que a erva fico,
perto da morte eu me sinto.
Pamela parou diante dele. O único poder que Apolo tinha sob seu comando era o de um homem apaixonado. Mesmo assim ele a encantava.
Estremeceu conforme ele repetia o refrão e a cobria com o calor de suas emoções.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
Quando a brisa da noite varreu a última nota, ela estendeu a mão, tímida e, com um dedo, acariciou as costas da mão que descansava nas cordas da harpa.
— Você compôs isso?
Apolo sorriu e segurou a mão dela.
— Não. Foi escrito por Safo. Ela era uma poetisa grega, e uma amante apaixonada de mulheres. Peguei emprestadas as palavras... Safo era dona de um senso de humor cáustico e de uma inteligência afiada. Creio que consideraria a nossa situação um tanto divertida. Não acho que se importaria com a pequena mudança que fiz em seus versos.
— Foi muito bonito. Sua voz é... — Ela fez uma pausa, tentando encontrar palavras para descrever o que tinha ouvido. — Sua voz é como um sonho quase esquecido. Algo fantástico demais para ser real.
— Mas é real. Eu sou real. — Apolo a puxou para si. Pamela hesitou, e ele passou o braço em volta de sua cintura, trazendo-a para mais perto. — O que sente por mim é verdadeiro...
O deus pressionou os lábios suavemente contra os dela. Precisava sentir seu gosto e calor, contudo Pamela estava tão rígida e inflexível que ele se contentou com um beijo quase casto. Primeiro na boca, depois no rosto.
Por fim, ela relaxou o bastante para descansar a cabeça em seu ombro, e Apolo respirou o perfume de seu cabelo. Quando se inclinou para beijá-la outra vez, Pamela levantou a mão e o impediu com um dedo.
— Vou pedir que me dê algum tempo.
— Tempo?
— Preciso de tempo para pensar sobre o que está acontecendo entre nós, e não consigo pensar quando me toca e me beija... Por isso mesmo estou pedindo algum tempo. Vai fazer isso por mim?
Ele queria dizer “não”, atirar a harpa para o lado, tomá-la nos braços e fazer amor com ela lenta e apaixonadamente, até que Pamela não conseguisse pensar em nada. Sabia que podia convencê-la a se entregar; sentia isso no modo como seu corpo gravitava para ele e na maneira como seus olhos fitavam os seus. Tinha consciência da paixão que ardia dentro dela, e sabia como despertá-la e usá-la.
Mas e depois? Na manhã seguinte, Pamela se afastaria de novo. E ele queria que ela viesse até ele por livre e espontânea vontade, sem arrependimentos.
Tirou o braço de seu corpo. Em vez de tentar beijá-la outra vez, afastou a mecha de cabelo escuro que vivia lhe caindo sobre a testa.
— Vou lhe dar esse tempo para que possa pensar. — Sorriu, tristonho, beijou-lhe a mão, então caminhou devagar para longe do terraço.
Sozinho.
Capítulo 25
O telefonema, às sete e meia, de uma jovem alegre, anunciando que o café seria servido no terraço às oito, veio cedo demais para Pamela. Que diabo estava acontecendo com ela? Seu relógio interno normalmente a despertava bem próximo ao amanhecer. Para sua rotina normal, sete e meia da manhã já era tarde.
Naquela manhã, porém, ela esfregou os olhos, sentiu a cabeça pesada e desejou poder se aninhar e dormir por pelo menos mais umas duas horas.
Culpa de Apolo. Saber que o Deus da Luz dormia sozinho no final do corredor a fizera rolar e se virar na cama pela maior parte da noite. Assim como aquela voz maravilhosa dele, que continuava soando em sua cabeça.
E seu toque... A cada vez que fechava os olhos, podia sentir aqueles lábios ardendo contra os dela.
Pelo visto, não importava que ele estivesse sem os seus poderes imortais. Para ela, seu toque ainda era como fogo, luz, suor e...
Maldição dos infernos! Ela precisava controlar os próprios hormônios.
Esfregou os olhos e se lembrou de que, na certa, Eddie mandara preparar um excelente café, que devia estar prontinho, esperando por eles.
O que a fez se lembrar de que — tinha certeza —, ouvira Eddie e Ártemis rindo no caminho de volta a um dos quartos, lá pelas duas da madrugada. Talvez os dois até houvessem tido relações sexuais, por mais grosseiro que fosse pensar naquilo.
Ártemis faria aquilo? Não se esperava que fosse uma das deusas virgens?...
Pamela pensou na temporada erótica da diva com Zumanity e no modo sexy como ela andava e falava. Ártemis parecia tão virgem como a Madonna (a cantora, não a outra). Exatamente o oposto de uma deusa casta, inacessível e intocável.
Pamela gemeu de novo ao sair da cama. Lavou o rosto e escovou os dentes, lembrando-se de que era terça-feira. Sem contar aquele dia, haveria apenas mais três até que o portal fosse reaberto, Ártemis e Apolo voltassem ao Mundo Antigo, e ela pudesse retornar ao seu próprio.
Sentiu o estômago revirar. Não. Não era tão ingênua a ponto de esperar que Apolo fosse ficar por ali por tempo suficiente para ter um relacionamento de verdade com ela. Ele iria embora. E ela retornaria à sua vida normal, aborrecida e sem emoção...
Não. Ela já havia resolvido aquilo. Não iria rastejar de volta para sua concha, assexuada, sem companhia, sem romance. Precisava pensar em Apolo como sua porta de entrada para o mundo do namoro. Fora uma missão de reconhecimento bem-sucedida. Iria mudar de missão quando voltasse para casa. Não seria mais apenas trabalho e nada de diversão. Ela — iria — namorar!
— Maldição dos infernos ... — disse ao reflexo desgrenhado no espelho do banheiro. — Estou parecendo uma sócia excêntrica daquelas milícias pelo namoro! Ve vai ficar com tanta vergonha de mim!... — Pamela se interrompeu e deu um tapa na testa. — Ve! Não tenho nem mesmo checado as coisas com ela!... — Vasculhou a bolsa até encontrar o celular e digitou o número da amiga sem muita delicadeza.
— Está cansada de mim? Não me ligou mais... Diga que não é verdade — dramatizou Ve em vez de dizer “Olá”.
— Não é verdade — afirmou Pamela. — Deus, Ve, estou tão envergonhada por não ter telefonado!... As coisas aqui têm sido mais do que gimensamente insanas.
— O escritor está louco e “nas últimas”...?
— Não. Na verdade, Eddie é um sujeito excepcional, e o trabalho está em vias de se tornar quase de bom gosto. Você sabe... Algo que Elizabeth Taylor e Richard Burton teriam gostado.
— Está brincando! Não me diga que o convenceu a recriar o palácio de Cleópatra !
— Bem... quase.
— Como assim?!
— Sim, estou criando algo como o cenário de Cleópatra . Mas não sou eu a responsável pela parte do convencimento.
— Ele tem alguma assistente lésbica com obsessão por Elizabeth Taylor, também? Deus, esse mundo é mesmo um lugar pequeno e inacreditável!... — Ve suspirou, feliz. — Vai me arrumar algum lance , por acaso?
— Mais uma vez, não. O assistente dele é homem, e tenho certeza de que ele é hetero. São os meus assistentes que o estão persuadindo a mudar de foco. E foi apenas por um feliz acidente que o lugar está ficando parecido com um complexo do MGM.
— Espere um pouco! Você só tem uma assistente, que sou eu. E eu não estou aí, porque estou aqui, às voltas com aquela louca do gato velho, a sra. Graham... Que, a propósito, se convenceu a esquecer aquele sofá de veludo cor de ameixa. Vamos procurar pelo chintz hoje. Eu disse a ela que o tecido iria disfarçar mais os pelos de gato. Independentemente da história da “Mulher Gato”, ainda há o importantíssimo detalhe de que a sua assistente cést moi , e eu estou aqui. Explique-se.
O que ela poderia dizer? , perguntou-se Pamela. Se admitisse acreditar que Apolo e a irmã eram imortais presos em Vegas, Ve pegaria o primeiro avião com uma bolsa cheia de Valium e faria uma reserva para que ela passasse agradáveis “férias” na primeira clínica psiquiátrica que encontrasse pela frente.
Sem dizer que ela, Pamela, iria deixar sua melhor amiga preocupada à toa.
Não. Não podia dizer a verdade.
Respirou fundo. Não pensaria naquilo como uma mentira. Iria considerar tudo como uma ficção. Era o que Eddie fazia para viver, e ninguém o chamava de louco.
Bem, pelo menos não abertamente.
— Eu contratei Febo e sua irmã para serem meus assistentes até sexta-feira. Febo é especialista em arquitetura romana antiga. Já a irmã dele é tão sexy que Eddie mudou de ideia sobre fazer daquele horroroso deus Baco a estátua central da fonte, e está fazendo a moça posar como modelo de deusa — ela completou, respirou, então aguardou pela explosão.
— Você contratou o seu namorado?
— Ele não é meu namorado.
— E a irmã dele?... — Ve continuou como se Pamela não tivesse dito nada.
— Sim, bem, a irmã veio apenas como brinde. Febo é mesmo um expert em Roma antiga. Ele me ajudou a convencer Eddie a construir um autêntico balneário romano em vez de uma réplica cafona da piscina do Caesars Palace. Você sabia que os antigos romanos usavam seus balneários como clubes?
— Ok... foco! Ainda não terminei as perguntas sobre o seu namorado.
— Ele não é meu namorado.
— Seja lá o que for. Pensei tê-la ouvido dizer que ele era médico e músico — lembrou Ve. — E ele não devia ter zarpado de Vegas na segunda de manhã?
— Ele é médico e músico. E também especialista em Roma antiga. E, sim, ele devia ter ido embora, mas... ahn... perdeu o voo, por isso decidiu ficar — elaborou Pamela, tentando manter a voz leve, e de um modo que não soasse mentirosa.
— Parece tudo muito conveniente para mim. E eu achando que ele era um jovem cavaleiro Jedi!.. . Quantos anos ele tem, afinal?
— É mais velho do que eu pensava no início — admitiu Pamela, grata por poder responder a uma das perguntas da amiga com sinceridade.
— Ainda está transando com ele?
— Não! Pelo menos não na noite passada.
— Foi sua ideia ou dele não transar ? — Ve insistiu.
— Minha — confessou Pamela, desgostosa.
— Ô-ô... Está completamente amarrada . Por favor, diga que não o contratou apenas para mantê-lo por perto e se torturar com sua crescente obsessão! É o tipo de coisa que estabelece um daqueles cenários doentios de ópera, Pammy.
— Não é nada disso. Eu o contratei — e àquela infeliz da irmã dele — porque precisava de ajuda.
— Quer dizer que a bonitinha é uma bela bisca ...?
Pamela sorriu. Sabia que usar Ártemis como bode expiatório iria funcionar.
— Ela é horrível! Linda, altiva, do tipo que tem complexo de deusa. Você iria adorá-la.
— Você é tão engraçadinha... — Ve suspirou.
— Também sou um gênio do design . Contratar Febo e Diana tirou por completo a pressão de cima de mim para que eu transformasse algo totalmente brega em algo de bom gosto. Eddie está apaixonado por Diana. Um sorriso ou beicinho dela, e ele muda de ideia.
— E você, claro, a informou sobre o que Eddie deve gostar ou não...? — concluiu Ve.
— Claro — Pamela mentiu mais uma vez. Não se podia obrigar Ártemis a fazer muita coisa. Sorte que a deusa tinha excelente gosto... ainda que este fosse meio extravagante.
— E então, o que o seu trípode faz além de ficar por perto, bancando o macho?
— Ele não é meu trípode. E está trabalhando com os arquitetos, no balneário. É superinteressante saber mais sobre... — Uma batida na porta a interrompeu. — Espere um pouco, tem alguém na porta.
— Pamela? — A voz profunda de Apolo fluiu através da madeira. — Eu preciso de ajuda!
— Ahn, Ve, tenho que desligar.
— Ok, ligue mais tarde. E lembre-se: não fique se preocupando com tudo, mas tenha cuidado.
Pamela resmungou um adeus e fechou o telefone flip-top pouco antes de abrir a porta. Ela a escancarou e seus olhos fizeram o mesmo ao pousar em Apolo. Ele estava nu da cintura para cima! Tinha o cabelo ondulado todo desgrenhado, e seu queixo e faces estavam cobertos de sangue.
— Ah, meu Deus!... O que aconteceu?
— Fiz a barba — ele explicou. — E estou sangrando!
— ... Venha aqui. — Pamela o puxou para dentro do quarto e fechou a porta. Sob as manchas de sangue que salpicavam seu rosto, Apolo tinha a pele pálida. Ela balançou a cabeça e apontou para uma cadeira. — Sente-se antes que desmaie. Você não me parece bem.
Ele se deixou cair na cadeira. Tocou uma das gotas de sangue, olhou para o dedo avermelhado e engoliu em seco.
— É o meu sangue...
Pamela franziu a testa.
— Claro que é. Tirou sangue de si mesmo ao se barbear. — Rumou para o banheiro a fim de apanhar uma toalha molhada, olhando-o por cima do ombro. — Já fez a barba antes?
Ele negou com um gesto de cabeça, sem-graça.
— Não.
Pamela voltou ao quarto com a toalha molhada, lembrando-se de como o rosto de Apolo lhe parecera suave e sem pelos na manhã em que haviam acordado juntos.
— Nunca fez a barba?...
Ele a fitou.
— Nunca precisei fazer. Nunca tive barba.
Ela se inclinou diante dele e lhe examinou o rosto, tocando-o na face.
— Não está tão ruim. Você só se cortou algumas vezes. É que o rosto sangra muito facilmente.
— Eu não sabia — Apolo murmurou, parecendo ainda mais pálido.
Pamela se endireitou.
— Nunca viu sangue antes?
— Não — ele concordou, em seguida franziu a testa. — Quero dizer... sim. Mas nunca aconteceu de eu sangrar.
Pamela abriu a boca, depois fechou. Ele era um deus. Deuses não morriam, por isso era lógico que também não sangrassem.
Não soube o que dizer. Antes que pudesse formular uma resposta inteligente, ouviu duas batidas fracas, seguidas pelo som fraco de seu nome.
— Espere aí — disse a Apolo. — Quem é?... — perguntou através da porta.
— Eu! — A palavra soou como um gemido.
— Ártemis? — indagou Pamela, abrindo a porta.
Vestida com a túnica curta mais uma vez, a deusa se arrastou para dentro do quarto como se reeditando uma antiga tragédia grega, com uma das mãos estendida à sua frente e a outra segurando o pescoço.
— Pamela! Alguma coisa está muito errada comig... — Ao avistar o irmão sentado na cadeira, com o rosto salpicado de sangue, Ártemis levou a mão da garganta para a boca.
Pamela bateu a porta e segurou o cotovelo da deusa.
— Nem pense em gritar! — falou devagar e claramente.
— Oh!... — Ártemis oscilou, e Pamela a guiou para a cama, onde a diva se deixou sentar, ainda com os enormes olhos vidrados em Apolo.
— Ele está morrendo?! — indagou, em pânico.
— Ah, meu bom Senhor... Claro que não! Ele só se cortou no barbear. — Pamela esfregou a têmpora direita, sentindo a pontada que marcava o início de uma forte dor de cabeça.
— Apolo!? — Ártemis perguntou com voz trêmula.
— Não sou muito bom com a... — Ele fez um movimento, simulando a lâmina.
— Navalha — completou Pamela. — Não, você não é bom com a navalha. — Ela caminhou até ele e se abaixou de novo. — Isso pode doer um pouco... — Tocou os cortes com a toalha molhada.
O único movimento de Apolo foi uma puxada de ar.
Sua irmã assistiu a tudo, horrorizada.
— Ele está sangrando! — exclamou Ártemis.
— Sim, é isso o que acontece quando você se corta com uma navalha. Você sangra. — Pamela revirou os olhos para a deusa antes de se concentrar outra vez em Apolo. — Ok. Agora é só pegar um lenço de papel e pressionar uns pedacinhos nesses cortes. Muito em breve eles vão coagular e parar de sangrar, então estará novo em folha.
— Lenço de papel? — inquiriu Apolo.
— Coagular? — indagou Ártemis com voz estridente.
— Esqueçam... Eu mesma faço isso.
Pamela suspirou, foi até o banheiro, apanhou dois lenços de papel e tornou a se agachar ao lado da cadeira de Apolo.
Os gêmeos observaram, admirados, enquanto ela rasgava pedacinhos redondos e os pressionava nos cortes.
— Pronto — Pamela anunciou e se endireitou a fim de avaliar seu trabalho. — Isso deve parar o sangramento. Quando estiver pondo a camisa e penteando o cabelo, já poderá tirar os papéis sem que os cortes se abram novamente.
— Eles se abrem de novo? — ele perguntou, agoniado.
— Apolo, não é o Deus da Cura ou sei lá mais do quê? Como esse tipo de coisa pode ser tão chocante para você? — Pamela indagou, exasperada, sem saber se queria abraçá-lo ou chacoalhá-lo.
O deus se levantou de um salto.
— Tem toda a razão. Eu... Eu estou me sentindo um tolo. Vou me vestir e já volto — informou, batendo em retirada.
— Isso não foi muito gentil — observou Ártemis.
Pamela colocou as mãos nos quadris e se virou para a deusa.
— Olhe só quem está, de repente, toda preocupada com bons modos!... Preciso lembrá-la de que já deixou claro que me considera apenas uma experiência mortal que deu errado? Parece que me lembro de ter dito algo sobre estar farta de ficar algemada a mim como desculpa para ter me lançado algum tipo de magia sexual e fazer que eu me interessasse pelo seu irmão...
Ártemis se encolheu toda.
— Está piorando a minha dor de cabeça!
— Que bom!
— Mais uma vez, isso não está sendo muito agradável da sua parte! Até porque eu posso estar morrendo!
— E por que acha isso?
— Basta olhar para mim! Alguma coisa está muito errada. Meus olhos estão vermelhos, inchados e, sob eles, estou com essas manchas escuras horríveis. Estou com o estômago embrulhado e acho que a minha cabeça vai arrebentar a qualquer momento — choramingou a deusa, caindo dramaticamente sobre os travesseiros de Pamela.
— Por favor... Não há nada de errado com você, exceto uma enorme ressaca! — esclareceu Pamela, tentando não rir.
— E isso vai me matar? — Ártemis perguntou, endireitando o corpo para, em seguida, fazer uma careta de dor e segurar a cabeça.
— Não. Mas eu deixaria de lado as mimosas e o champanhe hoje.
A deusa empalideceu.
— Nem sequer mencione aquelas bebidas!
Pamela não pôde deixar de sorrir para ela.
— Aposto que está morrendo de sede.
— Estou seca! Como sabe? Já teve esta doença?
Pamela foi até o frigobar e apanhou uma garrafa de água. Rompeu o lacre, então a entregou a Ártemis. — Mais vezes do que estou disposta a admitir. Você ingeriu muito álcool ontem, e seu corpo temporariamente mortal está lhe dizendo que não foi uma boa ideia. — Pamela observou Ártemis entornar a garrafa de água. — Espere, não beba tudo. Vai precisar de um pouco para tomar com o Tylenol — explicou, vasculhando a bolsa até encontrar sua caixinha. Revirou as cartelas de Benadryl e Xanax até encontrar dois comprimidos do remédio. — Engula isto e depois tome um café da manhã leve: talvez apenas algumas torradas ou bolinhos. — Ao observar a expressão vazia de Ártemis, ela acrescentou: — Ah, está bem... Eu mostro o que poderá comer. Mas trate de beber café e um pouco mais de água. Vai se sentir melhor em breve.
— Vou ficar com uma aparência melhor também? Mal pude acreditar na imagem horrorosa que vi no espelho!...
Pamela estudou o rosto da deusa, assim como tinha feito antes com seu irmão. Ártemis continuava, como sempre, incrivelmente bela, mas, naquela manhã, a deusa se encontrava mesmo muito abatida.
— Vamos até o banheiro. Talvez eu possa dar um jeito nessas olheiras. — Ela fez uma pausa e lançou a Ártemis um olhar avaliador. — Espere... Faremos um trato. Vou melhorar sua aparência se prometer ser boazinha com Eddie outra vez.
À menção do nome do autor, a expressão de Ártemis mudou. Seu rosto pareceu suavizar, e suas faces se tingiram de um rosa delicado.
— Ah, meu Deus!... Está mesmo gostando dele! — exclamou Pamela.
— Ele... ele me lembra alguém — Ártemis sussurrou.
— Gosta de Eddie porque ele a faz se lembrar de alguém? Quem?
Os olhos da deusa faiscaram, e ela reassumiu sua habitual arrogância.
— É problema meu, não seu, quem Eddie me lembra. E não estou gostando dele apenas por causa disso. Ele me reconheceu. É um mortal de um Mundo Moderno que já não honra os deuses e as deusas, mas Eddie me conhece e me adora. E isso me agrada.
— Sei — resmungou Pamela. Em seguida, fez sinal para Ártemis se sentar no balcão do banheiro enquanto revirava seu estojo de maquiagem em busca de um corretivo.
Por algum tempo, trabalhou em silêncio no rosto da deusa, cobrindo os círculos escuros sob os olhos enormes e espalhando um pouco de pó bronzeador em suas faces, de modo a trazer de volta sua cor natural. Então, como se Ártemis já não fosse naturalmente maravilhosa, destacou seus olhos com uma sombra cintilante. Era como retocar uma pintura feita por um mestre, concluiu.
— Hipólito — murmurou Ártemis.
— O quê? — Pamela perguntou.
— Quem. Hipólito não era uma coisa. Era uma pessoa. Eddie faz que eu me lembre dele.
— Hipólito também era escritor? — Pamela quis saber, acrescentando apenas um toque de blush nas maçãs salientes do rosto da deusa.
— Não. Ele era guerreiro. Filho de Teseu. Era alto, forte e quase tão bonito como um deus. Não é o corpo de Eddie que lembra o do meu Hipólito. É em sua devoção que vejo muita semelhança.
— Você fala de Hipólito no pretérito... Ele está morto?
— Sim — admitiu Ártemis. — Assassinado por engano, por conta de sua devoção a mim. Fui a única mulher que ele amou.
— Eu sinto muito — sussurrou Pamela.
Ártemis encontrou o olhar da mortal, surpresa por identificar nele tanta compreensão.
— Você também perdeu um amor.
— Ele não morreu fisicamente... Mas descobri que o homem em que eu acreditava, na verdade, não existe.
Ártemis assentiu com um gesto de cabeça, pensativa.
— De certa forma, isso me parece até mais difícil de suportar. Pelo menos Hipólito já não caminha sobre a Terra antiga. Seria muito doloroso vê-lo, sabendo que ele é apenas a imagem do que eu acreditava que ele fosse...
— Então me entende — murmurou Pamela.
— Sim. — Ártemis sorriu, tristonha. Em seguida, virou-se. Ao se ver no espelho, seu sorriso se ampliou e se transformou em um sorriso de verdade. — Você realizou um milagre!
Pamela riu.
— Com certeza. E esses milagres têm nome: Borghese, Mac e um pouco de Chanel para completar. São milagres da mulher moderna que trabalha.
— Obrigada, Pamela! — a deusa falou com sinceridade.
— Foi um prazer, Ártemis. — Ela olhou para o próprio reflexo com um suspiro. — Agora vou ter que operar o mesmo milagre em mim. E depressa.
Ártemis deslizou do balcão.
— Eu digo a Eddie que fui a responsável pelo seu atraso. Ele não vai ficar nem um pouco aborrecido se tiver algum tempo a sós comigo antes que você venha ao nosso encontro...
— Ártemis! — Pamela chamou e, com a mão na maçaneta da porta, a deusa se virou para encará-la. — Posso fazer uma pergunta? Mesmo sendo meio pessoal?
A diva encolheu um ombro.
— Merece até uma bênção pelo milagre que fez. Não tenho poderes para lhe agradecer, assim terei prazer em responder à sua pergunta.
— Não entendo muita coisa de mitologia, mas lembro-me de ter lido que você, a deusa Ártemis, era uma deusa virgem, intocada por qualquer homem ou deus. Fico me perguntando se isso é verdade...?
Por um momento, Ártemis pareceu chocada. Depois, perplexa. Então começou a rir.
— Desculpe, eu não tive a intenção de que isso fosse engraçado — Pamela murmurou, meio envergonhada pela reação da deusa à sua pergunta.
— É da imaginação dos homens que estou rindo, não de você. Eles me denominaram a “Deusa Virgem” porque me recusei a ficar presa a um parceiro. Eu levo o amor aonde vou. Decido quem, onde e quando... Meu verdadeiro prazer vem da minha liberdade. Minha amante favorita é a floresta; minhas antigas companheiras, as ninfas que me servem. Mas posso lhe assegurar... não sou virgem — afirmou Ártemis, saindo do banheiro e deixando sua risada melodiosa como rastro.
C O N T I N U A
Capítulo 18
— Eu não faço a menor ideia do que vestir. — Pamela suspirou ao celular.
— Alguma coisa quente , mas não muito — sugeriu Ve. — Ele tem algumas explicações a dar antes de você cair de costas e abrir as pernas outra vez...
— Eu não abri as pernas assim!
O silêncio de Ve pesou na consciência já pesada de Pamela.
— Está bem, talvez eu tenha aberto um pouco — admitiu.
— Pammy, não existe abrir as pernas “um pouco”. É como estar um pouco grávida, ou se engajar em uma pequena guerra nuclear.
— Ah, Deus! Eu sou uma vagabunda! — Ela cobriu os olhos com a mão.
— Ora, por favor... Você teve relações sexuais com dois homens num período de... o quê? Oito, nove anos? Isso está longe de qualificá-la como uma prostituta.
— Mas eu dormi com Febo no nosso segundo encontro! — ela cochichou.
— Ei, não tem que cochichar! Está sozinha. Sem dizer que está se justificando para a pessoa errada, você sabe. Vamos rever aquela velha piada... O que uma lésbica leva com ela em um segundo encontro? — Ve fez uma pausa, na expectativa.
— Um reboque com a mudança — respondeu Pamela.
— Certo. Então, como pode ver, do meu ponto de vista tem se mostrado criteriosa até demais.
— Tem razão. Estou falando com a pessoa errada — Pamela concluiu.
Ve a ignorou.
— O que não significa que não deva fazer um pouco de doce ... Ao menos por uma noite, até que o jovem Jedi, Febo, explique por que resolveu abandoná-la pela manhã e, mais importante, por que deixou de mencionar esse fato antes, durante e depois de você ter aberto as pernas.
— Será que pode parar de chamá-lo desse jeito?
— Por quê? Falo como um elogio. Além disso, de acordo com suas incansáveis descrições, ele se encaixa perfeitamente na imagem.
— Febo não é nenhum Jedi . Se quer a verdade, ele parece mais um deus.
— Ah, controle-se! Nada é melhor do que um cavaleiro Jedi ... Exceto a princesa Leia.
— Vernelle! Não está ajudando em nada assim.
— Desculpe. Está bem, o que pode vestir?... Que tal aquele seu lindo vestido de seda creme? Você sabe, aquele com alças finas. Está na última moda de primavera e sempre faz sucesso com as massas. Você o levou, não levou?
— Sim. Mas não se lembra de como é decotado? Hello!... Tem alças finas! Ombros nus e decote profundo não entram na categoria “quente, mas não muito” — lembrou Pamela.
— Verdade. Muito bem. Levou as calças pretas? Aquela com as fendas que mostram uma boa parte das panturrilhas?
— Sim, acho que sim.
— Use-as com um dos seus tops sem mangas. Mas um com um decote alto. Assim ele consegue ver um pouco de suas pernas, um pouco dos seus braços, e apenas o contorno de tudo o mais. Se for um bom menino, poderá abrir o restante do pacote depois que vocês fizerem as pazes.
— Ve, você é incorrigível! — exclamou Pamela.
— Sim, eu sei. Mas também sei o que cai bem em mulheres.
— Agora me pegou. Está bem, vou usar as calças. E não vou dormir com ele de novo.
— Dormir? Você não me contou nada sobre ter dormido com o Jedi ! Eu posso não ser hetero, mas até eu sei que ninguém dorme com cavaleiros Jedi .
— Pare com isso. Sabe muito bem que estou falando de sexo.
— Pammy, você pode ter relações sexuais com ele. Basta judiar de Febo um pouco primeiro.
Pamela fez menção de dizer algo, depois mudou de ideia.
— Está bem. Talvez.
— Não me venha com “está bem, talvez”. Conheço esse seu tom. O que há de errado? Desembuche, criatura!
— Eu gosto dele — Pamela murmurou.
— Sim, deixou isso mais do que claro. E qual é o problema?
— Quero dizer que realmente gosto dele. E não quero isso. Não é muito inteligente da minha parte.
— Pammy, escute-me... O que não é muito inteligente é deixar Duane, aquele manipulador obsessivo, envenenar o seu futuro. Esse tal de Febo pode não ser o cara . Ele pode ser apenas alguém com quem está tendo um “casinho” em Vegas, e de quem vai se lembrar sempre como o homem que a tirou do limbo. De qualquer modo, nunca vai descobrir quem ele é realmente, ou o que qualquer outro cara seja, se não estiver disposta a lhe dar uma chance. Amor é assim. Precisa se arriscar a perder ou ganhar.
— Eu não sei se consigo — choramingou Pamela. — Nós já concluímos que não sou uma jogadora muito boa.
— Mas pode ser — Ve replicou com firmeza.
— Como pode ter tanta certeza?
— Se estivesse destinada a ficar sozinha, não estaria agonizando com essa história de “devo ou não devo”. Já teria aceitado o “não devo” como o melhor para você e seguido em frente com a sua vida. Seja franca. Pode afirmar com convicção que se sentia melhor antes de conhecer Febo?
— Era mais fácil — ela respondeu, seca.
— Bem, boneca, é mais fácil fazer as cortinas do quarto do mesmo tecido da colcha... Mas isso garante um melhor resultado?
Pamela fez uma careta ao notar as estampas florais combinando perfeitamente na suíte.
— Definitivamente, não.
— Por favor, dê uma chance a si mesma, Pammy. Você merece viver de verdade outra vez.
— Eu te amo, Ve — ela falou.
— Isso é o que todas as garotas dizem. Divirta-se esta noite. E tente não ser muito dura com o pobre trípode. Lembre-se de que pode ser esperta sem ser mala .
— Ahn?
— Esqueça. Vá se arrumar.
— Está bem, eu ligo amanhã — resolveu Pamela.
— Por falar nisso, percebeu que este é o segundo telefonema de uma série em que não mencionou trabalho uma só vez, não é?
— Maldição dos infernos! Estou perdendo a cabeça. Como foi com a sra... — ela recomeçou, mas a risada de Ve a interrompeu.
— Pammy! Pare!... É ótimo que tenha algo na cabeça além da Ruby Slipper.
— Sim, mas...
— Está tudo bem. Como de costume. Não tem que se preocupar. Telefone amanhã, depois da reunião com Faust. E lembre-se: diversão e fantasia, Pamela. Diversão e fantasia.
— Está linda esta noite... e muito sedutora — Apolo afirmou, beijando a pele da mão de Pamela com lábios tão persistentes e sugestivos como seu olhar.
Que maravilha! , ela pensou, sentindo o estômago se contrair com a visão dele. O oposto do que eu queria.
— Aposto que diz isso para todas — falou com cinismo, tomando emprestado o bordão de Ve.
— Não nos últimos tempos — ele replicou, os olhos azuis, da cor do céu, de repente muito sérios. — E nunca com tanta sinceridade.
— Então, muito obrigada — Pamela agradeceu, tentando, sem sucesso, não se deixar enfeitiçar pelo azul dos olhos de Febo. Como um gato se livrando da água, ela se sacudiu mentalmente e tratou de mudar de assunto. — Como está a sua irmã?
— Está bem. Ainda incomodada, mas bem. — Apolo manteve a mão na dela enquanto apoiava um pé no degrau inferior da cadeira alta, a seu lado. Queria puxá-la para os braços e beijá-la ali, na frente do café, mas a linguagem corporal de Pamela lhe dizia que ele precisava ir com calma. — Diana não quis ofendê-la esta tarde. Como ela mesma falou, não tem estado muito bem.
Pamela se preparou para soltar um improvisado “tudo bem”, porém se conteve. Em vez disso, endireitou os ombros e o fitou nos olhos.
— Não vou fingir que descobrir que iria partir tão cedo, e que não dissera nada a respeito, não feriu meus sentimentos. Para falar a verdade, isso fez que eu quisesse distância de você.
— Ah, a verdade. — Apolo acenou com a cabeça, pensando como apreciava a honestidade de Pamela e, ao mesmo tempo, percebendo quão poucas mulheres haviam sido sinceras com ele. Elas o tinham adorado, idolatrado, competido por sua atenção... Contudo, ele não achava que alguma houvesse sido honesta com ele. — Ficou magoada ao pensar que eu iria deixá-la sem explicação, e sinto muito por isso. — Acariciou-a no rosto. — A última coisa que desejo é que sinta vontade de fugir de mim para se proteger. — Tocou com o dedo a medalha dourada que pendia em torno do pescoço delicado. — Por favor, acredite que seus sentimentos estão seguros comigo.
Mais uma vez, Pamela retrucou com total franqueza:
— Vou tentar confiar em você, mas não posso prometer nada ainda.
Ele levou sua mão aos lábios outra vez.
— E eu vou me contentar com a sua honestidade e com a oportunidade de ganhar sua confiança.
— Pode me dizer por que está indo embora?
— Você se importaria muito se falássemos sobre isso durante o jantar? Planejei algo especial para nós esta noite.
— Ah, claro — Pamela sentiu uma onda de prazer que desejou poder controlar melhor. — Estou faminta. — Levantou-se, muito consciente de que Febo ainda a segurava pela mão, e sem coragem de se livrar dos dedos quentes. — Para onde vamos?
— Para o Monte Olimpo — ele declarou com os olhos brilhando.
— Parece um restaurante que se encaixaria muito bem por aqui... Mas não me lembro de tê-lo visto enquanto passeava pelo Fórum. Fica no Caesars Palace?
— Há uma passagem para ele no hotel, mas é exclusiva. Poucas pessoas sabem disso.
— É só para os deuses, certo? — Pamela falou brincando.
— Só para os deuses — Apolo concordou, sorrindo.
Caminharam de mãos dadas, do Fórum até o cassino. Seus braços se tocavam intimamente, e Pamela se lembrou de como fora maravilhoso estar no meio destes, pressionada contra o peito nu. Podia até sentir seu aroma único. Não era como o daqueles perfumes masculinos de loja de departamento. O dele era natural. Febo cheirava a limpeza. A homem.
A ponto de ela ter vontade de cheirá-lo.
— Terminou o esboço das salas de banho? — ele quis saber.
— Sim, terminei. — Pamela tratou de afastar as lembranças de sua pele nua. — E gostei. Nunca tinha desenhado nada semelhante. É emocionante fazer algo novo. Isso se eu convencer Eddie a usar o projeto.
— Vai convencer.
— Eu espero que sim... OH, MEU DEUS! — Pamela estacou, como se tivesse trombado com uma parede invisível, ao deparar com uma vitrine iluminada, bem na frente de uma pequena loja de acessórios da moda. Nesta, pequenas bolsas, cuidadosamente dispostas sobre um pilar de mármore, se encontravam dentro de uma caixa de vidro fechada. — Não acredito como são perfeitas! — Entorpecida, Pamela largou a mão de Febo e se aproximou do vidro. Havia três bolsinhas forradas de pedras nas caixas transparentes. Uma delas imitava um cofre de porquinho, desses de criança, a outra era uma encantadora libélula, e a terceira, aquela pela qual ela enlouqueceu: uma réplica exata de um dos sapatinhos de rubi de Dorothy. Cintilava com contas vermelhas e pedras semipreciosas sob o spot , parecendo mágica, familiar e muito... Mágico de Oz. — Preciso comprar essa bolsa! — exclamou, chamando o atencioso vendedor que aguardava no interior da loja com o dedo.
Apolo observou enquanto Pamela, encantada com a bolsa em forma de sapato vermelho — que também continha aquele pino cortante que ela tanto apreciava —, aguardava, impaciente, que o servo abrisse a caixa de vidro e retirasse o objeto com cuidado.
Pamela o tratou com reverência, virando a etiqueta dourada que pendia do fecho.
Seu rosto empalideceu.
— Deixe-me ter certeza de que estou lendo direito... São 4 mil dólares ou 400 dólares?... — perguntou ao funcionário.
— É isso mesmo, senhora. Trata-se de uma Judith Leiber original. — O tom do rapaz dizia que aquela era explicação suficiente para o preço.
— É linda. — Relutante, Pamela devolveu a bolsa para o vendedor, que a colocou de volta na vitrine.
— Posso lhe mostrar mais alguma coisa, madame?
— Não, obrigada.
O empregado fechou e trancou a caixa de vidro.
— Pode me chamar se precisar de ajuda. — Ele fez um movimento afetado com o rosto e rumou para o interior da elegante loja.
— Não vai comprá-la? — Apolo perguntou, odiando o ar de desamparo no rosto de Pamela.
— Está brincando? Custa 4 mil dólares. Não posso gastar esse dinheiro em uma bolsa.
— Mas disse que ela era perfeita.
— E é!... Quatro mil dólares de perfeição. — Ela suspirou e deslizou o braço pelo dele, conduzindo-o para longe da fachada da loja.
— Vamos embora antes que eu chore.
— Não tem 4 mil dólares? — Apolo perguntou enquanto caminhavam.
— Sim, tenho. Mas não sobrando. Ou melhor, não que justifique uma extravagância dessas. Mesmo que seja uma bolsa-joia, sapatinho de rubi!... — Ela suspirou, pensativa. — Quem sabe um dia?
Apolo pensou no pacote de dinheiro que carregava no bolso. Não se lembrava exatamente do quanto havia trazido com ele. Tinha apanhado apenas algumas notas do topo da pilha que Zeus mandara Baco deixar numa tigela dourada, próxima do portal. Fez uma conta rápida e teve a certeza de que não contava com 4 mil dólares.
De qualquer maneira, Pamela parecia considerar aquilo uma grande quantia em dinheiro; decerto mais do que aceitaria como presente.
Olhou para a medalha de ouro que se aninhava pouco acima do vale entre seus seios. Ela quase não a aceitara, e não fazia ideia nem mesmo de uma fração de seu valor.
Não. Pamela não permitiria que ele a presenteasse com a bolsa.
O chão de pedra deu lugar a um tapete opulento quando eles deixaram as lojas do Fórum e adentraram o Caesars Palace.
— É por aqui — orientou Apolo, virando à direita e passando por várias fileiras de máquinas caça-níqueis que piscavam. Em seguida, diminuiu o passo e parou.
— Caminho errado? — Pamela inquiriu.
Ele sorriu.
— Não, mas eu estava pensando... Por que não se arrisca um pouco no jogo?
O rosto bonito de Pamela se transformou em um ponto de interrogação.
— Quer a bolsa, mas não pretende gastar 4 mil dos seus dólares. E se ganhasse esse dinheiro? Você compraria a bolsa?
— Acho que sim, eu...
Apolo fez um gesto de cabeça em direção à fileira de caça-níqueis mais próxima.
— Estou sentindo que a sorte está conosco esta noite.
Pamela mordeu o lábio.
— Não sou muito boa jogadora. Gosto de saber que estou recebendo algo em troca quando entrego o meu dinheiro.
— Então, permita-me entrar com o meu dinheiro. — Ele enfiou a mão no bolso e tirou o pequeno pacote, lidando com habilidade com a dúzia de notas, cuja maioria era de 50 ou 100 dólares.
— Minha Nossa, Febo, nunca ouviu falar em cartões de crédito?
Ele tentou não se mostrar confuso. Baco havia mencionado algo sobre outras formas com as quais os mortais modernos pagavam por suas aquisições, mas não se lembrava exatamente do que o deus dissera.
— Prefiro isto. — Fez uma pausa, tentando decidir o que mais poderia dizer. — Não é muito colorido, mas interessante de se olhar. — Entregou-lhe uma nota de 100 dólares. — Aceite uma destas, use-a para alimentar uma das máquinas, e vamos ver o que acontece.
Pamela franziu a testa, olhando-o como se ele fosse louco.
— Não posso torrar 100 dólares assim, mesmo que sejam dos seus! E, estou falando sério, eu nunca jogo. Não sei se tenho a atitude certa para dar sorte.
— Pois eu penso o contrário. Você traz sorte para mim.
O comentário arrancou um sorriso relutante de Pamela.
— Não vou conseguir gastar 100 dólares assim.
— Se é assim, leve uma desta. — Apolo mexeu no dinheiro até encontrar uma nota de cinquenta. — Lembre-se de que poderá ganhar dinheiro suficiente para comprar a sua bolsa-sapato.
À menção do cobiçado objeto, os olhos castanhos de Pamela cintilaram, e ele soube que tinha vencido.
— Está bem, vamos fazer um acordo. — Ela não pegou a nota de cinquenta. Em vez disso, remexeu o maço de dinheiro até encontrar 20 dólares. — Eu aposto com isto, e apenas isto. Se eu ganhar, você recebe a metade. Se eu perder, fico lhe devendo 10 dólares.
— Aceito — concordou Apolo. — Em que máquina vamos tentar?
Pamela estudou a fileira de caça-níqueis piscando, ressoando, retinindo, e sentiu-se um pouco intimidada por sua aparência. Já passava das oito da noite do domingo, mas pelo menos metade das máquinas continuava ocupada por jogadores, os quais apertavam botões e puxavam alavancas com admirável intensidade.
— É você quem está se sentindo com sorte. Você escolhe — resolveu.
Apolo coçou o queixo, fingindo considerar os aparelhos com cuidado.
— Gostei desta aqui. — Ele a puxou pela mão até um caça-níqueis não muito longe de onde eles estavam. Havia apenas mais duas pessoas naquela fileira, e estas se encontravam sentadas bem além da máquina que ele escolhera.
— “Roda da Fortuna”. Tem certeza de que quer esta? Pode ser um mau presságio... Eu nunca gostei muito desse programa de TV. Não costumo soletrar bem. — Pamela encolheu os ombros. — Aliás, sempre odiei fazer isso.
— Está nervosa.
Apolo não compreendeu o que ela dizia, mas reconheceu o tom de sua voz e sua linguagem corporal.
— Sim — admitiu Pamela, sentindo-se uma tola. — Tem razão, estou mesmo. Eu já disse que nunca joguei antes.
— Não pense nisto como um jogo de azar. Pense nisso como a compra de uma bolsa.
Pamela se animou visivelmente.
— Acho que comprar uma bolsa é algo que eu consigo fazer. — Ela se acomodou no assento estofado e estudou a frente do extravagante caça-níqueis. — Acho que o dinheiro vai aqui... — concluiu, deslizando-o para dentro de uma fenda. A nota desapareceu, e a máquina clicou e retiniu, exibindo um crédito de 20 dólares no visor digital. Pamela olhou para Febo. — Pronto?
— Pronto.
Ela agarrou a bola vermelha na extremidade do braço de metal e puxou. Tinha a atenção voltada para as três pequenas janelas do aparelho, e não percebeu o pequeno gesto de comando que Apolo fez com a mão.
— Bar... — Pamela murmurou quando o primeiro rolo parou no visor. — Bar... — repetiu na parada seguinte, com crescente excitação na voz. — BAR! — gritou quando a terceira imagem preta estacou.
A máquina explodiu em luzes e sirenes, e começou a vomitar dinheiro pela boca mecânica enquanto Pamela gritava e saltava, atirando-se nos braços de Apolo, que a abraçou de volta, rindo.
Às vezes era muito bom ser um deus.
Capítulo 19
A alça da bolsa de sapatinho de rubi era uma corrente de filigrana de ouro que podia muito bem ser usada como um colar sensual por uma daquelas mulheres rebeldes dos anos vinte. Pamela a deslizou sobre o ombro e sentiu uma vontade louca e infantil de saltitar como a Dorothy pela Yellow Brick Road abaixo. Não podia acreditar que aquela bolsa era sua! Ve ia ter um ataque quando a visse.
— Ainda não acredito que o prêmio era de exatamente 8 mil dólares! — falou, emocionada, fazendo uma voltinha enquanto observava a bolsa cintilar no reflexo das vitrines pelas quais passavam.
— Eu disse que estava me sentindo com sorte — lembrou Apolo, ainda encantado com a exuberância da reação de Pamela ao ganhar o dinheiro.
— Eu jamais teria me permitido comprar algo tão caro! — Ela apertou a mão dele e baixou a voz. — Nem mesmo um par de sapatos de grife fabulosos, de coleção nova. Não por 4 mil dólares.
— Mas você adorou essa bolsa. — Apolo sorriu para ela, satisfeito por ter sido capaz de ter orquestrado tal alegria. Curiosamente, não se importava por não poder contar que ele mesmo comandara a máquina, de modo a fazê-la expelir o dinheiro necessário. Não se importava em não receber o crédito. O principal era que Pamela se encontrava radiante, e isso tornava seu coração leve e despreocupado.
— Amo esta bolsa. Adoro esta bolsa. Estou apaixonada por esta bolsa! — Ela riu. — Não me importo o quanto isso soe superficial e materialista. Só vou usá-la em ocasiões especiais. Quando eu voltar à minha loja, vou colocá-la em um vidro, na vitrine da frente, onde tenho nosso logotipo pintado em vermelho com os dizeres: “Ruby Slipper Design Studio... A certeza de que não existe lugar melhor do que a nossa própria casa”.
Fizeram o caminho de volta através do Caesars Palace enquanto Apolo ouvia a animada conversa de Pamela. Ele acreditava no slogan de seu estúdio de design . Sem Pamela, não havia casa alguma. Sabia que isso era verdade — já experimentara a sensação. O Reino de Vegas era um lugar estranho e bizarro, mas quando ele passara pelo portal, naquela noite, e rumara na direção da Adega Perdida e de Pamela, sentira como se estivesse voltando para casa. Por mais improvável que fosse, Apolo, o Deus da Luz, um dos Doze Olímpicos originais, estava se apaixonando por Pamela Gray, uma mortal moderna.
— Ei! O que vai fazer com os seus 4 mil dólares?
Apolo levou a mão delicada aos lábios.
— Não faço ideia. Talvez você me ajude a decidir. Lembro-me de ouvi-la dizendo que nunca comprou um par de sapatos de grife por 4 mil dólares... — Sua voz foi sumindo conforme seu olhar percorria o corpo esbelto, até as perigosas sandálias pretas de salto que Pamela usava. — E descobri que gosto muito desses seus sapatos que parecem uma adaga.
— Você sabe mesmo o caminho para o coração de uma mulher! — Pamela sorriu.
— Por todos os deuses, espero que sim — Apolo falou, sincero.
Em seguida, virou em um pequeno corredor lateral e, após apenas alguns metros, parou diante de uma porta branca e simples.
— Não pode ser aqui. — Pamela duvidou, olhando em volta. — Não há nenhuma indicação. Não é nem mesmo próximo dos outros res taurantes. — Ela lançou à porta, depois a Febo, um olhar desconfiado. — Acho que se confundiu em algum lugar.
Apolo sorriu de lado.
— Eu disse que era um local exclusivo.
— Mas... — ela recomeçou, confusa.
Apolo fez que ela o encarasse. Teria que resolver tudo depressa. Não gostava da ideia de usar seus poderes para hipnotizá-la, contudo precisava convencer Pamela a atravessar o portal. Depois iria transportá-la de imediato até seu templo, sem que ela estivesse ciente do que acontecia.
— Prometo que o jantar desta noite será como nenhum outro. — Ele não se preocupou em inspecionar a área ao redor; o pequeno corredor de serviço já se encontrava encantado pelo poder do Olimpo. Não haveria intrusos mortais para vê-lo usar sua magia imortal em Pamela. — Mas, antes de irmos, preciso fazer algo que estou com vontade desde que minha irmã nos interrompeu esta manhã... — Puxou-a para os braços. Enquanto deslizava as mãos pelas curvas suaves de seu corpo, e seus lábios encontravam os dela, concentrou-se em enviar para a mente de Pamela uma bruma de seu poder dourado. Ordenou que a névoa iluminada lhe obliterasse os pensamentos para que, por apenas alguns momentos, a preciosa alma mortal de Pamela ficasse tonta e desorientada.
Ela gemeu baixinho, oscilando ligeiramente.
Com um movimento rápido, Apolo a ergueu nos braços, abriu a porta e atravessou o portal. Teve apenas um vislumbre do Salão Nobre do Olimpo, mas foi o bastante para perceber que Ártemis fizera o que tinha prometido. O local estava deserto. Não havia um único imortal para testemunhar o Deus da Luz readentrando o Olimpo com uma mortal moderna nos braços.
Em silêncio, ordenou que fossem transportados até seu templo, e ambos desapareceram em um facho de luz.
O sorriso de Baco era malévolo quando ele deixou a boca do corredor e se aproximou da porta que disfarçava o portal olímpico. Aquilo iria ser ridículo de tão fácil. Como sempre, Apolo se mostrava muito arrogante e seguro de si, e não percebera que ele, Baco, o seguia desde quando ele encontrara a mortal no bar. Na verdade, Apolo não notara coisa nenhuma, exceto a mortal moderna por quem estava obcecado. Tinha bancado o herói oculto, manipulando a máquina caça-níqueis, e presenteado a moça com os meios necessários para a compra de um objeto de seu desejo...
Mal podia esperar até que a mulher testemunhasse como o deus dourado se tornaria impotente e patético sem seus poderes. Estava ansioso por ver a arrogância do Deus da Luz se extinguir, mesmo que fosse por um período de apenas cinco dias.
Baco caminhou através do portal. Assim como tinha previsto, o Salão Nobre do Olimpo se encontrava vazio. Se conhecia bem os gêmeos dourados, estes se certificariam de que o local permanecesse assim, de modo que o encontro de Apolo com a mortal passasse despercebido pelos outros imortais.
Que conveniente!...
Ele quase riu em voz alta, mas, com um esforço, se controlou. Teria muito tempo para se regozijar depois. No momento, precisava se concentrar.
O Deus do Vinho encarou o portal e ergueu os braços sobre a cabeça, invocando o poder inebriante de seu reino e dando início ao ritual mágico:
Ricos e inebriantes poderes do vinho,
reúnam-se neste portal.
Preparem-no para que possa, serena,
passar por ele a mortal.
Se ela voltar, todavia,
transforme-a naquilo em que foi nomeada.
Perdurem por apenas um momento, delicados poderes,
em seguida, esvaeçam,
como esvaece a luz de Apolo que pela manhã se alastra...
Baco fez uma pausa para reprimir a alegria que sentiu ao se referir ao Deus da Luz em seu feitiço. Tornou a se concentrar no que fazia, e completou as palavras de sua armadilha:
Há mais de uma maneira de se queimar...
Eis a lição que o Deus do Sol deve assimilar!
O deus ergueu as mãos diante do portal e, por um instante, este flamejou com a cor de um vinho rosé gelado. Em seguida, a cor desbotou, e tudo voltou ao normal.
— Primeiro passo concluído — Baco murmurou para si mesmo. — Segundo passo: espera.
O Deus do Vinho soltou um comando suave. Seu corpo desapareceu e se rematerializou no jardim dos fundos do templo de Apolo.
Baco espiou por trás de um arbusto bem cortado. Assim como ele havia previsto, a propriedade se encontrava deserta. Normalmente, exuberantes ninfas se reuniam em torno do templo de seu deus favorito, disputando a atenção de Apolo.
— A adoração de ninfas não pode ser conveniente quando se está cortejando uma mortal moderna... — Baco ironizou. — Melhor para mim.
Para um deus de seu tamanho, ele se movia com surpreendente discrição. Entrou por uma das portas traseiras do templo e se deslocou em silêncio pelo corredor de mármore até alcançar uma sala cavernosa, onde uma dúzia de servas virgens de Ártemis dava risadinhas e se divertia ajeitando jarros de vinho e comida em travessas. Sim, ele chegara a tempo. Aguardou, impaciente, que a serva encarregada do vinho virasse a cabeça para responder a uma pergunta cochichada de uma das colegas e, em seguida, com movimento rápido e seguro, moveu os dedos em direção aos jarros, sussurrando:
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O vinho cintilou com uma luz sobrenatural rosa-pálido.
Invisível para quem quer que fosse, Baco deixou a sala e se mesclou à noite.
Agora, tudo o que lhe restava era esperar e observar. Esperar e observar...
A risada satisfeita do Deus do Vinho ecoou, sinistra, pelos jardins desertos.
Ártemis correu para o salão, e suas criadas silenciaram respeitosamente.
— Eles chegaram!
Sussurros excitados cessaram com um só movimento da mão da deusa.
— Esta noite, servindo ao meu irmão, estarão servindo a mim mesma. Façam-no com competência.
As servas inclinaram as cabeças.
— Sim, deusa — entoaram com suas vozes doces.
— Levem vinho a eles — ordenou Ártemis, e duas das criadas se apressaram em obedecê-la.
Tão logo estas saíram, a deusa se debruçou sobre as travessas repletas de iguarias e olhou para as amas.
— Devo ajudar o Deus da Luz a alcançar seu desejo? — indagou, maliciosa.
As virgens riram e assentiram com um gesto de cabeça.
Ártemis estendeu as mãos sobre o banquete do irmão.
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O poder derramou das mãos da deusa por sobre os alimentos, cintilou por um instante, depois os fez voltar à sua aparência normal.
— Sirvam aos dois, e depois os deixem sozinhos. Privacidade é o que Apolo deseja esta noite.
Satisfeita, Ártemis deixou o templo do irmão e caminhou devagar na direção do Salão Nobre, o qual deveria estar deserto, pois ela se certificara disso. Afrodite e Eros haviam retornado mais cedo de sua incursão de fim de semana ao Reino de Las Vegas e agora descansavam em seus templos. Ela deixara claro para as ninfas que ainda perambulavam por Vegas que já era hora de elas voltarem para o Olimpo e, com poucas e afiadas palavras, mandara todas de volta para as florestas e os vales aos quais estas pertenciam.
Criaturas tolas...
O restante dos Doze Imortais tinha desaparecido, afinal, ela começara um boato de que Hera e Zeus estavam se desentendendo de novo, e nenhum mortal ou divindade gostava de testemunhar isso.
Em seguida, ela esperaria pelo irmão no salão vazio e torceria para que, antes do amanhecer, pudesse sentir o vínculo entre ela e a mortal se dissolver. Sem dúvida havia feito tudo o que podia. O restante era com Apolo.
— Absolutamente espetacular! — Pamela olhou ao redor, admirada. — Não acredito que aquela porta sem-graça estava escondendo isto tudo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Está brincando? Este lugar é magnífico! — Ela inclinou a cabeça para trás, tentando ver a parte superior do teto abobadado, e deparou com um tipo de afresco fabuloso. A vertigem que a acometera pouco antes, porém, a fez tropeçar para trás.
O braço forte de Febo estava lá para segurá-la.
— Talvez seja melhor sentar-se — ele sugeriu, guiando-a para uma das duas requintadas espreguiçadeiras que descansavam em ambos os lados de uma mesa de mármore.
Pamela se deixou afundar na chaise longue e esfregou a testa.
— Devo ter ficado no sol por muito tempo hoje. Minha cabeça está girando.
Como se sob sua sugestão, duas moças entraram na sala. Vestiam túnicas curtas e diáfanas, feitas de seda branca, onde se viam criaturas da floresta bordadas com fio prata. Uma delas carregava uma bandeja com um jarro dourado e duas taças da mesma cor.
As mulheres sorriram, tímidas, para Febo e Pamela.
— Vinho? — indagaram em uníssono.
— Claro — concordou Apolo.
Com movimentos graciosos, lindos de se observar, as moças serviram a bebida.
— Seu jantar está pronto — uma delas anunciou com voz melodiosa.
— Podemos servi-lo? — perguntou a outra.
— Sim.
As duas mulheres fizeram uma profunda reverência e saíram, apressadas, por onde tinham vindo.
— Mas nós nem mesmo fizemos o pedido — lembrou Pamela. Estava com uma terrível dor de cabeça. Sentia-se desorientada e nem um pouco confortável.
— Eu já havia especificado alguns pratos com antecedência. — Apolo pensou por um momento. — Chamam isso de “encomenda”, certo? — Quando a expressão perplexa de Pamela mudou para uma carranca, ele acrescentou: — Espero que não se importe. Eu queria surpreendê-la com iguarias gregas.
— Iguarias gregas? Intrigante. Quase tão intrigante quanto este restaurante. — Ela passou a mão pela lateral da chaise . — Veludo de seda... Meu tecido favorito para estofamento. — Como se o toque familiar do veludo fosse um bálsamo, a névoa em sua mente começou a se dissipar. — Veludo de seda me lembra água. É tão liso e macio!... Adoro. — Seus dedos permaneceram sobre o bonito tecido.
— Fico feliz por ter aprovado — disse Apolo, aliviado por ela estar se recuperando do poder que ele lhe lançara.
Pamela olhou ao redor da sala mal iluminada. Eles não apenas eram os únicos clientes ali, mas sua mesa também era a única posta no lugar. Era um espaço enorme, claro, mas, ao contrário do restante do Caesars Palace e do Fórum, alguém com bom gosto e estilo o tinha decorado... o que significava que este não era forrado do chão ao teto com a exagerada pseudo-opulência romana.
E o piso era incrível. Parecia feito de uma única peça de mármore, embora ela soubesse que aquilo não era possível.
— Este chão é inacreditável. Parece muito com mármore de Carrara, mas nunca vi Carrara com veios dourados como este. — Seus olhos viajaram do piso para as paredes, e então se arregalaram. — Usaram o mesmo mármore para as paredes e as colunas! Adoro esse estilo minimalista. E o decorador acertou em cheio: esse mármore é bonito demais para ser coberto por uma porção de quadros. Aquela tapeçaria é o toque perfeito. — Apontou para o enorme trabalho que se estendia pela maior parte da parede à sua frente. Era de um homem nu. Um lindo e jovem homem nu.
Pamela apertou os olhos, tentando enxergar melhor à luz fraca. Ele se encontrava de pé, ao lado de uma biga, e segurava uma harpa.
— Ele me parece familiar — comentou, intrigada.
— Provavelmente porque o está usando na imagem que leva em torno do pescoço — Apolo justificou depressa.
Ela tocou a medalha dourada e sorriu.
— É verdade. Você disse que o nome do restaurante era Monte Olimpo, portanto é provável que seja Apolo outra vez. Incrível essa semelhança entre vocês dois. Principalmente com este da tapeçaria. Estranho...
— Coincidência — ele falou, fingindo indiferença. — Vamos beber? — Entregou-lhe um dos cálices e ergueu o seu próprio. — À nossa sorte.
Pamela sorriu e deu um tapinha na bolsa cintilante que descansava a seu lado.
— À nossa. — Tomou um gole. — Este vinho é uma delícia!... E eu não costumo gostar muito de vinho branco. — Olhou para a taça. — Mas este não é branco. — A cor do vinho era tão incomum quanto seu sabor. Se ela fosse convidada a descrevê-lo para uma daquelas revistas sobre degustação, diria que era leve e fresco, como o cheiro de peras ou melões, e da cor da luz solar. — O que é, um Pinot Gris ?
Apolo encolheu os ombros.
— Não tenho certeza. Pedi para que nos servissem o melhor da casa.
Quanto a isso ele estava dizendo a verdade. Ártemis tinha planejado o jantar e escolhido o vinho.
Bebeu outro longo gole. Teria que perguntar à irmã sobre o vinho. Era mesmo delicioso e incomum. Estava gelado, mas, conforme bebia, podia sentir o corpo sendo preenchido por um calor que parecia irradiar de seu âmago.
Olhou para Pamela. Ela estava com as faces coradas, parara de examinar o design da sala e agora sorria para ele, os lábios ligeiramente separados parecendo ainda mais cheios e convidativos.
— Não gostei de ficar longe de você esta noite — ele falou, rouco.
— Eu também senti a sua falta.
— Como vou suportar ficar distante nos próximos cinco dias?
— Cinco dias?
Então ele só voltaria para Vegas no outro fim de semana, quando ela estava pensando em voar de volta para o Colorado? Aquele trabalho deveria durar apenas uma semana, lembrou Pamela. E passaria cinco dias sem Febo!...
De repente, percebeu os pensamentos lentos e deslocados, e o tempo lhe pareceu interminável e sem importância. Ela não queria que ele fosse embora — claro que não — e Febo estava ali naquele momento. Perto o suficiente para ser tocado.
Como podia ser tão bonito?, perguntou-se.
E precisou se obrigar a permanecer na própria chaise quando o que queria era se juntar a ele, tirar aquela camisa... e começar a lambê-lo corpo abaixo.
— Sim, eu... — Apolo vacilou. O que ele e Ártemis tinham decidido dizer a Pamela sobre sua suposta “viagem”? Estava difícil se concentrar em qualquer coisa além daqueles lábios.
Uma série de virgens carregando travessas de comida impediu seu impulso de empurrar a mesa e devorar a boca de Pamela.
Pouco depois, eles eram servidos com os alimentos dos deuses em pratos de ouro.
— Folhas das mais finas uvas, recheadas com carne e queijo — explicou uma das servas de Ártemis em uma voz suave e hipnótica, conforme Pamela provava o aromático charutinho.
— Cordeiro criado à base de mel e leite — murmurou outra.
Apolo provou a carne, depois sorriu, comendo com prazer. Sua irmã não costumava ser tão dedicada a assuntos domésticos, mas, naquela noite, havia se superado.
— Queijo de cabra, animais dos quais as ninfas cuidam como se fossem seus filhos...
— Azeitonas e figos colhidos no Monte Olimpo pelas mãos macias e hábeis das sacerdotisas de Afrodite...
Aquelas moças eram, sem dúvida, as melhores garçonetes que ela já conhecera!, refletiu Pamela. Precisava perguntar a Febo como ele conseguira aquela reserva. Ele devia ter mandado fechar o restaurante, o que significava, entre outras coisas, que devia ser um médico bastante bem-sucedido.
E parecia tão jovem!... Ela precisava perguntar quantos anos ele tinha, quando era seu aniversário e onde ele nascera.
Não que isso importasse muito. Estava apenas curiosa.
Também precisava perguntar a ele sobre... o que, mesmo? Não conseguia se concentrar! Aquela comida era tão absurdamente deliciosa!... Seu gosto preenchia os sentidos.
Aquilo era mais do que comida. Lembrava a luz de um sol de verão, calor, desejo...
Ergueu o olhar do prato e encontrou os olhos cor de safira de Febo observando-a com uma intensidade que a fez prender a respiração.
— Vamos deixá-los a sós agora. Nossa noite está no fim — as servas entoaram. E conforme suas vozes doces se desvaneciam, elas sussurraram uma prece quase inaudível: — Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
Apolo e Pamela mal notaram a partida das servas. Olharam um para o outro, e tudo o mais na sala, tudo o mais no mundo, desapareceu. Sua pele formigava com o calor crescente da luxúria.
— Preciso que você me ame — a voz de Apolo saiu densa de desejo.
Em algum lugar nos recônditos de sua mente, onde o bom-senso ainda espreitava, ele sabia que sua reação a Pamela estava sendo muito rude, atrevida; entretanto não conseguia se conter. Não queria parar.
— Sim... — ela balbuciou a palavra.
Com um movimento selvagem, fluido, que lembrou o de um leão enorme e pardo, Apolo se levantou e arrastou a mesa que os separava para longe. Pamela percebeu que a mesa foi lançada com uma força desumana, porém tal pensamento foi vago, e ela o registrou apenas em parte. Quando ele rasgou a camisa e quase arrancou as calças, tudo o que ela conseguiu pensar foi na reação de seu corpo ao ouvir o som gutural de seu próprio nome nos lábios de Febo, e como ele estava magnífico olhando para ela enquanto se aproximava completamente nu.
— Sim! — gemeu de novo, saindo da chaise direto para seus braços.
A boca de Febo a devorou. Enlevada, ela deslizou uma das mãos pelo ombro largo, sentindo seus músculos tremerem com a força do desejo. Com a mão livre, puxou a própria camisa sobre a cabeça e abriu o zíper das calças, que deslizaram com fluidez por seu corpo abaixo. Febo encontrou o gancho do sutiã e lutou para abri-lo.
— Eu não consigo... Eu preciso... — rosnou, frustrado. — Tenho que sentir você contra mim! — Rasgou a faixa de renda em suas costas, e os seios de Pamela se libertaram, roçando o peito largo enquanto ela abria um caminho de beijos quentes pela lateral de seu pescoço.
Apolo deixou escapar uma imprecação na tentativa de controlar a própria luxúria.
— Aqui também... — Pamela segurou a mão com que ele apertava seu seio e a guiou para a calcinha. Mordeu o lábio inferior de Febo, puxando-o para dentro da boca e sugando-o, sedutora. — Quero que a tire também!...
Todos os pensamentos de Apolo desapareceram. Com um grunhido, ele a obedeceu. Em seguida, suas mãos se espalmaram ao redor da cintura delgada e, com a força de um deus, ele a levantou e empalou em seu membro.
Pamela se encontrava pronta para ele. Envolveu-o com as pernas em torno da cintura e cravou as unhas em seus ombros. Pendendo a cabeça para trás, arqueou-se, consumida pela esmagadora necessidade de se saciar com seu toque... com seu fogo.
Febo era o fogo. Sob as mãos dela, seu corpo literalmente brilhava.
Seus sentidos atestavam aquilo, contudo Pamela não conseguia atinar com o pensamento. Era como se a luz que brotava da pele úmida de suor fosse parte de sua excitação: ela a seduzia, brincava com ela, instigava sua própria paixão. O cabelo de Febo pendia, cacheado, em volta de seu rosto: espesso, dourado, glorioso. E seus olhos... seus olhos a incendiavam.
E ela queria ser incendiada por eles. Queria ser varrida pelas chamas de sua luxúria. Sentia-se gloriosa, maravilhosamente sem controle.
— Mais forte!... — ofegou na boca de Febo, mal reconhecendo a própria voz. Ele arremeteu, e ela sentiu a fria suavidade de uma das colunas de mármore contra as costas nuas. Usou a rigidez da pilastra para se firmar, de modo a ir de encontro às estocadas com sua própria paixão. — Não pare... Ainda não... Não pare! — arquejou, sentindo-se dobrar sobre a borda de um abismo.
Seu orgasmo foi algo que ela jamais experimentara. Envolveu-a, ondeando por seu corpo com uma intensidade que beirava a dor.
De repente já não estava mais sendo pressionada contra a coluna. Com o corpo ainda dentro do dela, Febo a carregou dali. Passaram por uma porta em arco que dava em um cômodo adjacente à sala de jantar. No centro do espaço, havia uma enorme cama de dossel.
Pamela se deu conta de que tinham entrado em um quarto, e aquilo não fez qualquer sentido.
Mas sua mente e corpo estavam tão repletos de Febo que nada parecia real, exceto seu gosto, sua pele e seu cheiro.
— O que está acontecendo? — murmurou enquanto ele a deitava na cama, sob ele.
— Estou amando você. Para sempre, Pamela... Isso é o que é ser amada por mim.
Apolo começou a se mover contra ela na antiga dança do amor, recuando o membro rijo de seu corpo para depois mergulhá-lo nela outra vez.
Pamela passou as mãos pelo peito liso conforme este se avultava sobre ela. A pele de Febo tinha um brilho dourado!
Perplexa, e ainda ultrassensível, olhou para baixo, onde seus corpos se uniam. Eles estavam ambos brilhando, em chamas... Chamas varriam sua pele, conduzindo-os, engolindo-os!...
— Olhe para mim, Pamela!
A voz de Febo soou rouca, e ela fixou os olhos nos dele.
— Enxergue-me — ele pediu. — Desta vez, veja quem sou de verdade.
Conforme eles se uniam, ela obedeceu. Febo era o poder, a beleza e o amor, tudo se fundindo em um único ser. Como ela pudera acreditar que ele era um homem comum?
Sua mente se esforçou para compreender a verdade fugidia do que estava vendo conforme seus corpos se inflamavam naquela luz ofuscante e sobrenatural. O que ele era? O que estava acontecendo com ela?!
Apolo viu o pânico cintilar em seus olhos e a segurou pelo rosto, obrigando seu olhar a permanecer preso ao dele. Com um enorme esforço, controlou o próprio corpo.
— Olhe mais fundo — pediu baixinho. — Olhe além da estranheza que você teme... Não pode ver o seu reflexo na minha alma?
O azul de seus olhos a manteve ainda mais cativa do que seus corpos unidos. Pamela estremeceu com a intensidade das emoções que a sacudiam.
E ali, sob o poder que irradiava dele, encontrou a essência do homem que ela conhecia. Nesta, viu o reflexo de seu próprio desejo, de sua necessidade e de seu vazio, e de repente soube que, ao preencher Febo, ela também se completava.
— O que você é? — indagou num sussurro.
— Sua alma gêmea.
A voz dele tremeu e, apesar do impressionante poder que irradiava de Febo, Pamela pensou, de repente, que ele parecia muito jovem e vulnerável.
— Sim — murmurou, sentindo o fogo começar a reacender em seu âmago. — É minha alma gêmea.
Ela o puxou mais para si e, com um doloroso gemido, Febo mergulhou nela, incapaz de se conter por mais tempo.
Quando o mundo começou a explodir, Pamela afundou o rosto no ombro largo e se agarrou a ele.
No Salão Nobre, Ártemis, se levantou de repente e respirou fundo. Estava acabado! O vínculo com a mortal fora embora. Pelo visto, sua magia tinha feito a balança pender em favor de seu irmão.
Já não era sem tempo.
Espreguiçou-se, langorosa, apreciando a ausência do irritante incômodo que fora o desejo de amor de Pamela, então se recostou em sua bem estofada chaise longue . Gostaria de ir para a floresta — uma corrida ao luar seria revigorante —, mas não podia. Apolo ainda precisava dela para garantir que nenhuma ninfa o vislumbrasse devolvendo a mortal para seu próprio mundo.
Mas isso era de pouca importância. Seu relacionamento com a mortal estava quase concluído. Agora que Apolo havia ganhado o coração de Pamela, previu Ártemis, ele logo iria se cansar da moça. Logo tudo voltaria ao normal, e sua aventura no Reino de Las Vegas não seria nada mais do que uma quase divertida lembrança.
Ártemis ignorou a ponta de dúvida que surgiu em sua mente conforme ela se lembrou da fervorosa declaração de amor do irmão. A alma gêmea de Apolo era uma mortal?... Impossível.
Escondido nas sombras, Baco sorriu e esperou.
Capítulo 20
Alguma coisa estava errada. Apolo soube disso da mesma forma que conhecia as muitas linguagens do homem ou as vozes de instrumentos musicais: naturalmente, no nível mais elementar de seu ser.
O corpo quente em seus braços se agitou e, no mesmo momento, ele o abraçou com mais força.
Pamela...
Abriu os olhos. O que tinha acontecido na noite anterior? Eles estavam nus em sua cama.
Pense!, ordenou a seu cérebro entorpecido. Lembre-se!
E os acontecimentos da noite lhe assomaram à memória.
Apolo abafou um gemido. Ele perdera todo o controle. Como? Por que não fora capaz de...
Soube a resposta antes de completar o pensamento. O banquete fora impregnado com o poder inebriante de uma deusa. E ele sabia qual delas: Ártemis!
— Apolo!
Como se seus pensamentos a houvessem invocado, o sussurro impaciente da deidade chiou no quarto.
Ele virou a cabeça e a fulminou com o olhar.
— O que está fazendo? — cochichou Ártemis. — Sabe que o amanhecer está próximo. Quer que a mortal fique presa aqui?
Chocado, ele sentou-se. Era isso o que estava errado. Como sempre, o Deus da Luz sentira a vinda da carruagem em chamas que introduzia a aurora no firmamento. Por instinto, ele soubera que já passara da hora de Pamela ser devolvida a seu mundo.
Na noite anterior, ele se revelara em demasia. Como a mente mortal de Pamela poderia compreender o que decorrera do amor sem amarras que haviam feito, assim como aceitar que ela se encontrava presa no Monte Olimpo?...
Lembrou-se do medo que tremeluzira em seus olhos quando ele tinha se revelado. Pamela não seria capaz de apreender tudo aquilo; não de verdade. E, se fosse, ele podia imaginar como isso mudaria seus sentimentos por ele.
Não. Ainda era cedo. Ele precisava tirá-la do Olimpo. No momento em que o portal fosse reaberto, teria uma explicação para aquela noite incomum. Passaria mais tempo com ela e a faria solidificar seus sentimentos por ele; sentimentos que Pamela só admitira sob a influência da magia de Ártemis.
Apolo tornou a fazer uma carranca para a irmã.
— Vá! — sussurrou para ela. — Certifique-se de que o Salão Nobre esteja vazio. Vou com Pamela em seguida.
— Depressa! — aconselhou a deusa enquanto seu corpo se esvaecia.
— Febo? — A voz de Pamela soou grogue. Ela piscou, sonolenta, e esfregou os olhos. — Onde...
Ele apertou os lábios e, relutante, passou a mão sobre o rosto delicado, obliterando seus pensamentos e lhe entorpecendo os sentidos.
— Precisa se vestir. Temos que ir embora — falou, conduzindo-a com delicadeza pela mão até o cômodo ao lado, onde encontrou suas roupas jogadas.
Hipnotizada, Pamela obedeceu.
Apolo odiou a si mesmo enquanto vestia as próprias calças e a observava fazer o mesmo mecanicamente. Suas roupas de baixo, assim como a camisa dele, estavam arruinadas.
A lembrança da paixão que o inundara ao rasgar as peças de seus corpos o fez estremecer, e suas entranhas se agitaram. Como poderia sobreviver sem o toque de Pamela por cinco dias?
Sua determinação vacilou. Ele contava com uma escolha. Poderia enfeitiçá-la e mantê-la consigo até que o portal se abrisse de novo.
Tocou seu rosto e, mesmo com os pensamentos embotados pela magia, Pamela oscilou em sua direção.
Seria apenas uma semana...
Não!, Apolo repreendeu a si mesmo. Ela ficaria enojada se ele fizesse tal coisa. Como não poderia?
Ele odiou a si mesmo só de pensar.
— Venha, minha doce Pamela. Vou levá-la pra casa.
Passou os braços ao seu redor, e eles desapareceram, rematerializando-se quase que no mesmo instante ao lado do portal, no Salão Nobre.
Ártemis estava lá, com os braços cruzados, batendo o pé, impaciente. Observou o peito nu do irmão, a expressão zumbi de Pamela, e balançou a cabeça. Quanto mais cedo eles se livrassem do Mundo Moderno dos mortais, melhor!
— Ande logo, o sol está nascendo! — ralhou.
— Eu sei! — devolveu Apolo com raiva. — Principalmente agora que meus sentidos não estão mais entorpecidos pela magia de uma deusa...
Ártemis teve a decência de parecer sem-graça.
— Vou levá-la e voltar em seguida — avisou o Deus da Luz.
Ela suspirou, porém não discutiu.
Apolo colocou o braço em torno de Pamela e atravessou com ela o portal. Adentraram Vegas, e ele abriu a porta para o pequeno armá rio. No corredor deserto, ajeitou suas roupas, então tocou seu rosto delicadamente.
Sentia-se como um meliante. Havia roubado seu amor, e agora iria bater em retirada antes que a luz do dia revelasse seu crime. Não tinha escolha, mas, mesmo assim, odiou a si mesmo por permitir que as coisas tivessem acontecido daquela maneira.
— Eu te amo, minha doce Pamela. Lembre-se disso. E lembre-se de confiar em mim. Eu voltarei para você... Mas, desta vez, farei isso do modo certo. — Inclinou-se para ela e ordenou em pensamento: Desperte com o meu beijo.
Beijou-a com paixão e, enquanto Pamela piscava e sua expressão aturdida começava a se iluminar, voltou para o armário, fechou a porta e retornou ao Olimpo.
Pamela esfregou os olhos. Urgh... Estava tonta e um pouco enjoada. O quanto bebera no jantar?
Olhou ao redor. Onde, diabos, ela se encontrava?
Seu cérebro atordoado registrou a porta pequena e simples, e o corredor vazio. Onde estava Febo?
Passou a mão pelo cabelo, e o movimento de levantar o braço fez balançar seus seios.
Seus peitos estavam balançando?... Aonde fora parar seu sutiã?!
Sentiu um arrepio de pânico descer pela espinha.
Pense! Do que ela se lembrava?
Febo a encontrara no café. Eles haviam ido jantar em um restaurante maravilhoso, exclusivo...
A lembrança da refeição em si estava embaçada, contudo. Estranhas imagens de peles quentes e escorregadias, e do gosto salgado da paixão, a atormentavam. Tinha uma vaga lembrança de roupas sendo rasgadas e, depois, de Febo levando-a para um quarto onde ela pudera se vestir... com apenas algumas de suas roupas!
Pamela sentiu o pânico invadi-la e a dor na cabeça aumentar. Respire , ordenou a si mesma. Estava bem; apenas bebera demais.
Mas onde, diabos, estava Febo?!
Sua felicidade ao comprar aquela bolsa maravilhosa de sapatinho de rubi era sua última lembrança mais nítida.
— Maldição dos infernos !... Minha bolsa!
Olhou para a porta branca. O que acontecera naquele jantar? Não conseguia concatenar as ideias, mesmo sabendo que alguma coisa havia acontecido. Por algum motivo, a memória fugia do seu alcance. Febo a drogara? Mas por que ele o faria?!
Na tentativa de manter o medo sob controle, Pamela apelou para o bom-senso. Deixara sua bolsa nova de sapatinho de rubi, de 4 mil dólares, no restaurante. E, com ou sem Febo, iria voltar lá para pegá-la.
Abriu a porta e entrou. Aquilo era um closet ?...
No meio do armário, deparou com uma passagem em forma de disco que cintilava e brilhava.
Alguma coisa se agitou em sua memória. Ela atravessara aquele círculo com Febo! Era a entrada para o restaurante.
Pamela endireitou os ombros e cruzou a bizarra entrada. Experimentou uma sensação engraçada, como penas lhe roçando a pele, e a luz mudou, da lâmpada amarela e fraca do closet para uma luminescência rosada.
Entretanto, ela não adentrou o fabuloso restaurante de que se lembrava. Em vez disso, viu-se no meio de um magnífico salão de baile.
O lugar era imenso e de uma beleza indescritível. O enorme espaço se encontrava vazio, exceto pela presença de duas pessoas que gritavam uma com a outra.
Conforme ela surgiu na entrada, estas se viraram em sua direção. Febo, sem camisa, olhou para ela em choque. Sua irmã pareceu furiosa a princípio, em seguida sua expressão mudou e...
Uma dor lancinante cortou Pamela dos pés à cabeça. Ela abriu a boca para gritar, mas, conforme a dor ondulou por seu corpo, o grito ecoou em sua cabeça. Era como se ela não tivesse mais boca para lhe dar voz. Desamparada, estendeu a mão para Febo conforme se sentia dobrar e se transformar em algo não humano.
No mesmo instante, a dor dissipou a bruma em sua cabeça, e as lembranças a assaltaram de uma só vez. Febo... Sua pele brilhando com uma paixão sobrenatural enquanto ele a tomava nos braços e a fazia sua... Ele não era humano. Nenhum homem comum podia ser feito de fogo.
O que ele havia feito com ela? O que estava fazendo com ela agora?!
Lembrou-se de seu fogo varrendo-a inteira, acariciando-a e...
Outro grito rasgou sua mente.
Apolo estava de costas para o portal, repreendendo a irmã por sua indesejada interferência, quando sentiu sua alma gêmea adentrando o Olimpo, e seu fogo de barragem foi interrompido. No momento em que os pés mortais de Pamela ultrapassaram o portal, o restante de seu corpo começou a se transformar.
Impotente, Apolo assistiu a Pamela diminuir de tamanho, se liquefazer, depois se transmutar em um belo jasmim perfumado.
— Leve-a de volta antes que o sol nasça! — sua irmã gritou. — Quando o portal se fechar, o feitiço vai desaparecer!
E, então, ela seria Pamela mais uma vez.
As palavras tiveram o efeito de uma cotovelada em Apolo. Ele saltou para a frente, sentindo Ártemis logo atrás dele.
Agarrou a flor de jasmim delicada e a puxou de onde esta já começava a fincar raízes, no chão de mármore. Sussurrando um alquebrado pedido de desculpas, pulou através do portal com o corpo transformado de Pamela nas mãos.
Ártemis hesitou em frente ao portal, lançando um olhar rápido sobre o ombro na direção das janelas que iam do chão ao teto, e que mostravam o amanhecer iluminando o céu, o qual, por sua vez, já se tingia de vermelho.
— Não, seu tolo! — gritou dentro do disco que girava. — Não era para ir junto com ela! — A deusa se inclinou para a frente, tentando enxergar através da fulgurante passagem.
Das sombras, Baco se aproximou rápida e silenciosamente e, com um único movimento, bateu o ombro no centro das costas da Deusa da Caça. Ártemis gritou e caiu no disco apenas alguns segundos antes de o portal se apagar, desaparecendo por completo conforme o amanhecer se espalhava pelo Monte Olimpo.
A risada de Baco ressoou, então, com malévolo triunfo.
Capítulo 21
Pamela estava de quatro. Sua respiração saía em espasmos, e seus dentes batiam em uníssono com o tremor que lhe sacudia o corpo.
Seu corpo!
Apalpou braços e rosto freneticamente. Ela havia se transformado em alguma coisa!... Algo verde, que crescia e que, sem sombra de dúvida, não era natural.
Mas agora voltara ao normal de novo. Voltara a ser humana.
— Está tudo bem, meu doce — falou Apolo, estendendo-lhe a mão.
Pamela se encolheu para longe de seu toque.
— Você! — exclamou, mas, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a irmã de Febo caiu de cabeça no pequeno cômodo, pouco antes de o disco perolado e colorido que girava desaparecer.
Ártemis soltou uma praga ininteligível conforme se levantava do solo, e o irmão a fitou, pasmado.
— Vou fazer Baco se arrepender de ter sido salvo por Zeus quando aquela mãe humana dele... — A deusa interrompeu o discurso ao se dar conta de que o portal se fechara. — Não!... — sussurrou, lívida. — Não podemos ficar presos aqui!
— Que diabo é você?! — As palavras explodiram de Pamela.
Apolo e Ártemis se viraram para a pequena mortal ainda agachada no chão. Ela foi recuando, até se ver pressionada contra a porta fechada. Tinha os olhos arregalados e escuros em contraste com a brancura de seu rosto.
— Pamela... — Apolo falou em um tom suave, estendendo-lhe a mão outra vez. — Sabe quem eu sou.
— Não! — ela gritou de volta, se esquivando de seu toque. — Eu não perguntei quem você é. Perguntei o que você é!
— Vai ter de fazê-la esquecer — declarou Ártemis, ignorando Pamela. — Ela já viu muito. Olhe para ela: Pamela se lembra! — A deusa levantou a mão esguia. — Está bem, eu mesma faço isso. Sei o quanto ficou apegado a ela... Durma e esqueça! — Sacudiu os dedos na direção de Pamela, que recuou instintivamente.
— Pare! — gritou Apolo. — Não quero que mexa com ela.
— Que diabo está acontecendo?! — As pernas de Pamela funcionaram bem o bastante para que ela se levantasse; contudo ela permaneceu de costas para a porta, pressionando as mãos contra a madeira maciça na tentativa de atenuar o tremor que a sacudia.
— Por que ela não dormiu? — Ártemis indagou ao irmão. Então balançou a mão e olhou os dedos.
— O portal está fechado — lembrou Apolo.
A deusa fez uma careta de desdém.
— Estou vendo!
Apolo apenas a encarou, e Ártemis arregalou os olhos.
— Quer dizer que quando o portal se fecha... — Suas palavras foram morrendo.
— Quando o portal se fecha, ele corta os nossos poderes — seu irmão terminou por ela.
Ártemis levou a mão à boca, soltando uma exclamação abafada.
— Está bem, é isso aí... Estou indo embora. — Pamela empurrou a porta do armário e saiu, sentindo como se as pernas fossem de borracha.
— Olhe o que você fez! — Apolo rosnou para a irmã antes de correr atrás de Pamela.
— O que eu fiz? — Ártemis bufou, indignada, mas, relutante, o seguiu. Não queria fazer aquilo. Queria que o portal reabrisse. Queria voltar para o Olimpo e tomar um longo banho de imersão em sua fonte de água mineral. Queria que seus poderes imortais retornassem e...
Suspirou, saindo para o corredor.
Apolo tinha segurado Pamela pelo cotovelo a poucos metros da porta do armário e tentava se justificar, enquanto a mortal fazia força para puxar o braço.
Ártemis balançou a cabeça. Como haviam decaído os poderosos!...
Marchou até os dois.
— Fique quieta, mortal! — ralhou com desgosto. — É mesmo muito simples. — Apontou para o irmão. — O nome verdadeiro dele é Febo Apolo, Deus da Música, da Luz e da Cura. Meu nome é Diana, mas apenas se for de descendência romana. Do contrário, prefiro ser chamada de Ártemis, a Deusa da Caça. Também tenho uma afinidade com a Lua, assim como meu irmão está aliado ao Sol... mas decerto não desejo lhe passar tantas informações a ponto de atordoá-la — terminou com sarcasmo.
— Vocês são deuses?... — Pamela rezou fervorosamente para acordar logo.
— Sim. Imortais. Ou ao menos éramos antes que o portal nos aprisionasse neste mundo miserável. Agora suspeito de que somos apenas atraentes mortais — ela falou, seca.
— Apolo e Ártemis... — Pamela olhou os gêmeos.
— Eu disse que era simples.
— Você é maluca ! — ela exclamou.
— Eu não queria que descobrisse desta forma — interveio Apolo —, mas Ártemis está dizendo a verdade. — Ele franziu a testa para a irmã. — Ainda que esteja fazendo um péssimo trabalho.
— O quê? — exigiu a deusa. — Se queria música suave e perfume de flores, sinto muito, mas não serei capaz de atender seu desejo. Pelo menos enquanto o portal não reabrir.
— Não está ajudando — Apolo falou à irmã.
— Mas não existem deuses! Isso não passa de mitologia! — interveio Pamela.
— Pensei que havia dito que ela era inteligente — Ártemis zombou.
Pamela estudou a bela jovem, tão parecida com seu amante, e sentiu a entorpecedora onda de horror que a vinha assolando degelar.
E, conforme esse degelo acontecia, começou a ficar irada.
— Não precisa ser tão rude! — acusou.
— Rude? — Ártemis estreitou os olhos. — Está me chamando de rude quando você é quem nega a minha existência? E isso porque está bem no meio de uma estrutura que foi construída justamente porque povos antigos honravam a mim e aos outros onze deuses tão bem que tenho sido lembrada por milhares de anos... Isso soa inteligente?
— Nem inteligente nem pouco inteligente. Soa apenas absurdo... Isto tudo é absurdo. Não pode ser verdade!
Apolo a segurou pelo outro cotovelo e a fez encará-lo, tentando ignorar o modo como Pamela continuava a se afastar dele.
— Sabe que é verdade, Pamela — falou numa voz calma e tranquila. — Teve uma experiência. Tudo o que tem de fazer agora é aceitar.
Pamela olhou para ele. Olhou para ele de verdade . Febo continuava o mesmo homem alto e estonteante da noite anterior; no entanto, não era o mesmo homem.
Alguma coisa estava faltando nele. Febo continuava extraordinariamente bonito, mas o azul espetacular de seus olhos parecia ter assumido um tom mais... — ela engoliu em seco — ... um tom mais humano.
E havia outra coisa: Febo contava com menos presença agora. Essa era a única maneira que poderia descrever o que sentia. Ele parecia o mesmo, mas não era.
Os detalhes não tinham mudado. Seus ombros não pareciam menos amplos; seu peito, não menos musculoso... o que podia constatar com facilidade, uma vez que ele estava sem camisa.
No entanto, Febo mudara, se transformara... em menos.
E Ártemis estava com a razão; ela se lembrava. De pequenas coisas, como do fato de ele poder ficar ao sol do deserto durante toda a tarde e nem mesmo suar. E de grandes coisas, como ele ter ficado em chamas na noite anterior, enquanto faziam amor.
Somado a tudo isso havia ainda o inegável fato de que ela atravessara um portal reluzente e se transformara em algo que, definitivamente, não era humano.
Não podia ser. Não era possível... Mas, no fundo, ela sabia que eles estavam dizendo a verdade. Aqueles dois eram mesmo deuses.
— O que era aquela coisa no armário? — indagou em um sussurro.
— Um portal que Zeus abriu, do Olimpo para o Reino de Las Vegas — explicou Apolo.
— Por quê?
Ele deu de ombros e tentou sorrir.
— Quem entende as vontades do Supremo Governante do Olimpo?
— Se eu me lembro bem, ele disse algo sobre desejar que nós observássemos e nos divertíssemos com seu mundo — falou Ártemis.
Pamela desviou o olhar para a deusa.
— Quer dizer, num tipo de experiência? Como num daqueles episódios patéticos de Jornada nas Estrelas ?
— Sabe o que ela quer dizer? — Ártemis perguntou ao irmão.
— Não, mas sei que, mais uma vez, não está ajudando em nada — ele falou por entre os dentes.
Pamela o fitou, atordoada.
— O que aconteceu comigo quando atravessei aquele portal? Algo terrível aconteceu com o meu corpo... O que fez comigo?
— Não! Não fui eu. Não pode acreditar que eu faria qualquer coisa para feri-la.
Pamela virou o rosto.
— Já me feriu.
— Foi aquele cretino do Baco! Ele deve ter lançado algum feitiço sobre o portal. —Ártemis fez uma pausa enquanto pensava sobre o que tinha acontecido com Pamela.
— Estava se transformando em uma flor.
— Em um jasmim, como seu próprio nome sugere — completou Apolo. — A mais doce de todas as flores.
Ártemis bufou.
— Muito romântico. Isso mostra que Baco enfeitiçou o portal de modo que, se Pamela o atravessasse sem você, ela reverteria para sua forma mais básica: a de seu próprio nome.
Pamela sentiu o coração entorpecido.
— É como nas lendas!... Vocês usam os seres humanos e, quando os descartam, transformam-nos em algo não humano!
— Eu não diria que está sendo muito precisa. — Ártemis pareceu ofendida.
Apolo deu as costas para a irmã.
— Deixe-me explicar — disse a Pamela. — Não é nada disso em se tratando de nós dois.
— Não!... Estou farta de ser usada como uma cobaia. — Ela lançou um olhar de desgosto a Ártemis. — Não quero que explique mais nada. Só quero que vão embora para o lugar de onde vieram e me deixem em paz!
— Nós adoraríamos, mas parece que estamos presos aqui até o seu próximo fim de semana — anunciou Ártemis.
Apolo balançou a cabeça.
— Ela adoraria. O que eu mais quero é ficar com você e lhe explicar tudo.
— Não estou interessada. — Pamela recomeçou, tentando se livrar dos braços fortes de Apolo, porém uma voz os interrompeu.
— Algum problema aqui? — Um segurança de uniforme azul parou na entrada do corredor. Era baixinho e gordinho, mas possuía um distintivo, uma arma e a expressão de quem levava seu trabalho muito a sério.
— Ah, vá embora! — reclamou Ártemis, sacudindo os dedos em sua direção. Em seguida parou, e sua expressão de desdém se desfez quando ela se lembrou de que estava sem seus poderes.
— O que disse?... — O guarda inquiriu, estreitando os olhos para a linda mulher vestida com uma túnica curta.
Apolo deixou cair os braços e se pôs diante de Pamela e da irmã.
Pamela observou o modo como seu semblante se fechou e percebeu que, com ou sem poderes imortais, ele tinha potencial para ser um homem muito perigoso.
— Não há problema algum, senhor — interveio rapidamente, pondo-se ao lado do deus. — É que meu... — Fez uma pausa, olhou para o peito nu de Apolo e descartou palavras banais como “namorado” e “paquera”, as quais, estava certa, iria fazê-la soar como uma candidata ao Jerry Springer Show , um daqueles programas que tratam de casos de família. — ... meu noivo e eu tivemos uma briguinha e, bem... — Ela encolheu os ombros e sorriu, tímida.
O homem não estava olhando para ela ou para o jovem seminu a seu lado, no entanto. Estava olhando para Ártemis.
— Espere um pouco — disse, os olhos pequenos brilhando. — Não é uma das estrelas do Zumanity ?
Pamela prendeu a respiração enquanto Ártemis erguia uma sobrancelha fina.
— Eu sou a estrela de Zumanity — confirmou a deusa, arrogante.
— Esta é Diana, irmã de meu noivo — elaborou Pamela. Não olhou para Apolo, porém podia sentir a tensão em seu corpo conforme ele aguardava em silêncio a seu lado.
— Que coincidência! Assisti a esse show pela primeira vez há poucos dias. — O segurança balançou o corpo para trás e para a frente, o suor banhando o lábio superior. — Foi incrível. Você foi incrível...
— Suponho que seja gratificante saber que proporcionei prazer às massas — respondeu Ártemis.
Pamela a segurou pelo cotovelo, puxou Apolo pela mão e começou a passar com ambos pelo guarda.
— Bem, precisamos voltar para os nossos quartos. Não entendo como tomamos o rumo errado e viemos parar aqui...
— Da próxima vez, vista-se adequadamente antes de deixar seus aposentos! — O oficial repreendeu Apolo enquanto Pamela o arrastava às pressas. Então tirou o chapéu para Ártemis. — Muito prazer em conhecê-la, Diana. Mal posso esperar para ver seu show de novo.
Pamela pôde sentir o rosnado que brotou de dentro do corpo de Apolo.
Nenhum deles falou mais, porém, até dobrarem a esquina e se verem caminhando pelo saguão do cassino.
Pamela soltou o braço de Ártemis. Tentou largar a mão de Apolo, contudo ele apertou a dela ainda mais.
Pamela franziu o cenho.
— Deixe-me ir! — Baixou a voz de maneira que as pessoas próximas não a ouvissem.
— Não pretendo deixá-la ir nunca — Apolo replicou.
Ártemis suspirou, dramática.
— Fique fora disso! — o deus ordenou à irmã. — Não entende o que é estar apaixonado.
— Apaixonado! Ora, por favor... Sei que sou apenas uma mera mortal, mas não sou nenhuma idiota. Não importa o que sua irmã pensa. — Pamela fulminou Ártemis com o olhar, e esta curvou os lábios em um sorriso cínico.
Pamela encontrou o olhar de Apolo novamente. Seus olhos já não estavam mais vidrados, em choque. Em vez disso, faiscavam com indignação.
— Como pode dizer que está apaixonado por mim? Fingiu ser alguém que não é! Você me usou como uma verdadeira cobaia! E ainda suspeito de que tenha me lançado algum tipo de feitiço!
Várias pessoas se viraram e olharam, curiosas, em sua direção.
— Deixe-me explicar — recomeçou Apolo.
Pamela começou a sacudir a cabeça, porém o deus a tocou na lateral do rosto, e ela sentiu-se congelar.
— Por favor — ele sussurrou, odiando perceber que, quando ele a tocava, o medo sobrepujava a raiva em seus olhos. — Precisa me deixar explicar. Eu já disse que não vou deixá-la ir. Quando faço um juramento não o quebro jamais. — Apolo deixou seu rosto e tocou de leve a medalha que ela ainda usava no pescoço. — Prometi que lhe daria a minha proteção. Não precisa ter medo de mim.
— Com licença, senhor... — Um funcionário do cassino se aproximou deles. — Desculpe, mas preciso pedir que vista sua camisa.
— Já estamos a caminho do nosso quarto — respondeu Pamela, puxando Apolo em direção aos elevadores do hotel.
— Não sei por que tanta celeuma por conta de um pouco de carne exposta! — resmungou Ártemis, seguindo o irmão.
— Quero isso tudo muito bem explicado — alertou Pamela, tão logo eles adentraram o elevador.
— Assim será — assegurou Apolo, ainda segurando a mão dela.
— Isso vai ser muito aborrecido — rezingou Ártemis.
— Continua não ajudando! — Apolo e Pamela reclamaram em uníssono.
Capítulo 22
— Está me dizendo que tudo não passou de um feitiço mal direcionado? — indagou Pamela, sentada em uma das cadeiras da sala de estar de sua suíte.
Ártemis descansava deitada no sofá e Apolo, que não conseguia ficar quieto, andava de um lado para o outro diante da janela.
— Tecnicamente, não é um feitiço. É um ritual de invocação. Muito antigo e muito poderoso — falou a deusa. — Como explicou Apolo, não devia ter sido possível, até por necessitar reunir muitos elementos... o que acabou acontecendo.
— Tivemos um dedo de Baco nessa história, sem dúvida. Ele deve ter manipulado as coisas — Apolo terminou pela irmã.
— Manipulação. Excelente maneira de descrever tudo isso. — A expressão de Pamela dizia claramente que ela não estava se referindo à invocação.
— Não! Não foi assim. Nossos sentimentos não foram manipulados, apenas os acontecimentos que nos aproximaram.
— Mentiu para mim — acusou Pamela.
— Não. Sou mesmo uma espécie de médico e músico.
— Na verdade, ele é o curandeiro e o músico do Mundo Antigo — Ártemis interrompeu a conversa.
Pamela soltou uma exclamação.
— Meu tornozelo! Fez alguma coisa para curá-lo naquela noite da chuva!
— Estava quebrado. Eu apenas o fiz sarar.
Pamela fitou Apolo como se nele houvessem brotado chifres e um rabo.
— E quanto ao prêmio no caça-níqueis? — perguntou, tensa.
— Sua vontade de ter a bolsa era comovente... Agradou-me lhe conceder esse desejo.
O sorriso do deus foi como o de um menino apanhado com a mão em um pote de biscoitos, concluiu Pamela, e quis sorrir de volta para Febo. Ele parecia tão... normal.
Então se lembrou de como havia sido sentir a própria carne derretendo para se transformar em algo não humano.
Sua determinação voltou, e sua pergunta seguinte apagou o sorriso travesso do rosto do deus.
— E quanto ao sexo? Que tipo de magia usou para me levar para a cama?
— Nenhuma — ele respondeu de pronto. — Eu não a cortejei como o deus Apolo. Eu a cortejei e fiz amor com você como Febo, um mortal como qualquer outro.
Foi a vez de Pamela bufar.
— Por favor! Eu estava lá... Foi muito diferente com você. Não costumo ir para a cama com um caso de fim de semana, mas deve ter feito algo comigo.
Apolo parou de andar e foi até onde ela estava.
— Não usei nenhum poder imortal para seduzi-la, e o que tivemos não foi uma aventura de fim de semana.
Pamela sentiu a boca seca e o estômago se apertar com sua proximidade.
— Está fazendo de novo — sussurrou, contrariada. — Pare com isso.
O sorriso cativante de Apolo voltou com força total.
— Impossível, doce Pamela. Como minha irmã já afirmou, quando o portal se fecha perdemos nossos poderes imortais. Até o anoitecer de sexta-feira, terei tanta energia para conquistá-la como qualquer outro mortal.
— Se quer ficar com raiva de alguém por tê-la enfeitiçado, fique com raiva de mim — declarou Ártemis, estudando as unhas. — Eu aspergi um pouco da minha magia em você na noite da minha apresentação. Também lancei meu feitiço de sedução no banquete de ontem à noite.
— Por que faria isso?! — Pamela indagou.
— Já lhe explicamos a respeito do ritual de invocação. Até que Apolo satisfizesse o seu desejo mais sincero, nós estaríamos vinculadas; e eu estava mais do que cansada disso. — A deusa afastou uma mecha dourada do rosto. — Precisava de um estímulo para admitir a si mesma que Apolo era o seu desejo mais profundo, então... Agradeça às nove Musas por ter funcionado.
— Não é uma pessoa muito agradável, é? — Pamela indagou à deusa.
— Agradável? — Ártemis não pareceu nem um pouco ofendida com a pergunta. — Por que eu precisaria ser agradável?
O telefone tocou.
Balançando a cabeça para Ártemis, Pamela atendeu.
— Pamela? Aqui é o assistente do sr. Faust, James — falou uma voz masculina.
— Ah, sim. Olá, James. — Ela sentiu o estômago afundar. Era manhã de segunda-feira! Já devia ter começado a trabalhar, mas havia se esquecido completamente de E. D. Faust e do trabalho que ela precisava concluir.
— Eu só queria lembrá-la de que Robert estará aí para apanhá-la com o carro, na entrada do Caesars Palace, em exatos trinta minutos.
— ... Obrigada pelo telefonema, James. Estarei pronta.
— Ótimo! O sr. Faust está ansioso por que comece o trabalho em sua casa.
Pamela aquiesceu, dando uma resposta adequada. Desligou o telefone e olhou para Apolo e Ártemis que, por sua vez, a observavam.
— Preciso ir trabalhar.
— Claro. Para o autor. O da casa de banhos romana e da fonte — lembrou Apolo.
— Sim, ele está mandando um carro vir me buscar. — Pamela olhou-se no espelho e fez uma careta diante de sua terrível aparência. — Em exatos trinta minutos! Tenho que me aprontar. — Começou a correr em direção ao quarto.
— Excelente! — exclamou Ártemis. — Para onde vamos?
Pamela estacou.
— Nós não vamos a lugar nenhum.
— Não espera que eu permaneça aqui, neste casebre? É aborrecido demais.
— Bem, certamente não virá comigo! — ela imitou o tom afetado da deusa.
Ártemis estreitou os olhos.
— Não se esqueça de com quem está falando, mortal.
Pamela plantou as mãos nos quadris e ergueu o queixo.
— Escute aqui. Deusa ou não, vai ter que aprender a não agir como uma vadia. E pode me ameaçar quanto quiser. — Apontou para a medalha dourada que lhe pendia do pescoço. — Apolo jurou que estou sob sua proteção.
Ela ouviu a risada satisfeita do deus, mas se recusou a encará-lo.
— Fiquem aqui, peçam o serviço de quarto, assistam a um filme, aprendam a lidar com a internet, sei lá! Inferno... Quando eu voltar, pensarei no que fazer com vocês.
— Pamela?
A voz de Apolo a impediu de ir para o quarto, e ela se voltou para ele.
— Nós poderíamos ajudá-la.
— Ajudar-me no quê?
— Eu poderia ajudá-la a convencer Faust a construir o balneário. E quem sabe Ártemis possa persuadi-lo a usá-la como modelo para a estátua do centro da fonte? — o deus acrescentou, sorrindo.
Pamela lançou um olhar duvidoso na direção da deusa.
— Não se esqueça de que os homens vêm adorando a minha beleza há eras — Ártemis falou alegremente. — Eles ficam encantados comigo.
— Isso até pode ser verdade, mas apenas porque veem suas estátuas e pinturas, e não precisam se submeter à sua odiosa presença.
Ártemis abriu a boca para retrucar, contudo Apolo a impediu.
— Minha irmã pode dar seu juramento de que será educada.
— Eu, não!
— Faust é um bardo moderno, e quer que a estátua do centro de sua fonte seja uma homenagem a Baco. Pense nas histórias do Deus do Vinho que ele vai contar... — Apolo falou à irmã.
— Aquele sapo gordo não devia ser idolatrado no mundo moderno! — protestou Ártemis.
Ele encolheu os ombros.
— Você é quem sabe.
A deusa limpou a garganta e, relutante, encontrou o olhar de Pamela.
— Eu lhe dou o meu juramento de que serei educada. Hoje.
— Eu não sei...
— Por favor, Pamela — insistiu Apolo. — Deixe-me mostrar que não estou diferente hoje do que fui ontem. Apolo, o deus, e Febo, o mortal, são o mesmo homem.
Ela não deveria. Sabia que não deveria. Não queria ser amada por um deus. Gostava das coisas como eram antes de ele se tornar um imortal todo-poderoso. Queria seu Febo de volta.
— Está bem — concordou de súbito. — Mas temos que lhe comprar outra camisa no caminho. — Olhou para Ártemis. — Pelo menos está bem com esse traje. Podemos dizer que está vestida a caráter. — Pamela vacilou, então. — Fiquem aí. Preciso me apressar.
Fechou a porta do quarto e descansou a cabeça na madeira. Febo era Apolo!...
Sentiu as entranhas revolver conforme a realidade se instalava dentro dela. Ela era amante de Apolo, o deus grego!...
E ele existia havia eras. Templos foram construídos para homenageá-lo, faziam músicas para ele!... Aquelas mãos que tinham acariciado cada parte de seu corpo eram as mesmas mãos que levaram música ao Mundo Antigo.
E ele dizia que a amava!...
Pamela levou a mão trêmula à boca, dominada por uma súbita onda de choque, incredulidade e espanto. Era melhor dizer a Faust que não poderia aceitar o trabalho, pegar um avião e voar de volta para o Colorado. Deveria esquecer que aquele fim de semana havia acontecido. Era a coisa mais inteligente a fazer.
Mas sabia que não iria fazer a coisa certa. O Deus da Luz dissera estar apaixonado por ela.
— Na certa estou cometendo o erro mais ginorme da minha vida — falou baixinho.
Exatamente vinte e cinco minutos mais tarde, eles se encontravam do lado de fora das portas giratórias que davam para o Caesars Palace; Pamela sentindo o estômago apertado como se estivesse se preparando para saltar de bungee jump .
— Lembre-se, você é Febo Delos, especialista em arquitetura romana, e eu o chamei para me aconselhar nesse projeto. E você é a irmã dele, Diana, que...
— ... tem a beleza de uma deusa! — Ártemis a interrompeu, repetindo suas instruções. — Sim, sim, já decoramos nossas falas. Somos imortais, não imbecis.
— Eu ia dizer que precisa se lembrar de ser agradável — Pamela completou.
— Minhas palavras serão tão doces que eles poderiam fazer mel na minha boca, como as abelhas marrons da Grécia — elaborou Ártemis com um bater inocente dos longos cílios.
— Já está me deixando com dor de cabeça — resmungou Pamela. — Basta ser normal, está bem? É pedir muito?
— Ela vai manter seu juramento. Não precisa se preocupar, doce Pamela — garantiu Apolo.
— Não me chame assim. Supõe-se que seja meu funcionário! — ela o repreendeu, e em seguida odiou a mágoa que viu no rosto estonteante do deus.
Um deus!... Como, diabos, chegara àquela situação? Estava namorando Apolo!
Estava condenada, isso sim. Já havia estudado literatura. Mesmo não conseguindo se lembrar muito bem, sabia o que acontecia a mortais que chamavam a atenção dos deuses. Ainda mais a mortais do sexo feminino. Seu final nunca era feliz.
Além do mais, o que faria com ele a semana inteira? Nenhum dos irmãos tinha dinheiro. Descobrira isso quando Febo enfiara a mão no bolso para pagar pela camisa que comprara em uma loja e percebera que, de alguma forma (decerto quando ele arrancara as roupas atabalhoadamente, na noite anterior, pouco antes de prensá-la na coluna de mármore), ele perdera os 4 mil dólares que furtara do caça-níqueis.
Assim, Febo não contava com um centavo. Nem Ártemis.
E o portal não seria reaberto durante longos cinco dias.
— Bom dia, srta. Gray.
Pamela deu um pulo. Não tinha notado a limusine vintage e prateada que estacionara à sua frente.
— Ah, bom dia, Robert. — O homem lhe abriu a porta, e ela fez uma pausa. Pigarreou, então desenhou no rosto seu sorriso mais profissional. — Estas duas pessoas vão se juntar a nós, hoje. Eles são meus assistentes.
Robert analisou os dois gêmeos loiros por cima do nariz afilado e fungou de leve.
— Muito bem, senhora — falou, segurando a porta aberta e ajudando primeiro Pamela a entrar na limusine, em seguida, a mulher fantasiada.
Quando o homem alto hesitou, Robert lançou-lhe um olhar muito britânico (direto e polido, sem se preocupar em demasia).
— Algo errado, senhor?
Se Apolo ainda tivesse seus poderes, ele o teria usado para abrir o chão sob seus pés, de modo a ser engolido e sumir de vista. Do interior da besta de metal, Pamela e Ártemis o observaram com curiosidade.
Sua irmã, de repente, pareceu compreender.
— É muito bom aqui — disse a ele. — Não precisa ficar preocupado. — Deu um tapinha no assento ao lado.
— Não estou preocupado — Apolo afirmou, controlado. Respirou, então, e entrou na boca da coisa .
— Por favor, sirvam-se com a mimosa. A viagem até a propriedade do sr. Faust, em Red Rock Canyon, levará aproximadamente trinta minutos. — Robert fechou a porta.
Para Apolo, foi como se ele houvesse apenas tomado um gole de ar, e eles já avançavam, deslizando como um réptil ágil e rasteiro pela rua. Experimentou uma sensação terrível no estômago, e o sangue bombeou mais forte em seus ouvidos. Não conseguia parar de olhar para o mundo lá fora, conforme este passava zunindo, a um ritmo vertiginoso.
— Você está bem? Está pálido — comentou Pamela.
— Ela tem razão, está mesmo — concordou Ártemis. — Talvez ajude se beber alguma coisa. — Ela se aproximou do balde de gelo que continha uma garrafa de champanhe e um jarro de vidro fino com suco de laranja.
— Não! Não quero nada para beber — afirmou Apolo, com a mais estranha das sensações. Temia que, se tentasse beber alguma coisa, fosse devolver tudo em seguida.
— Acho que está com náuseas por causa do carro — concluiu Pamela. — Pode se sentir melhor se for lá na frente, com Robert. Minha amiga, Ve, fica muito enjoada se viaja no banco traseiro. Quer que eu peça para que Robert estacione, para que possa mudar de lugar?
— Eu sou um deus — ele falou por entre os dentes. — Não fico doente.
— Faça como quiser, mas, se vomitar no carro de Eddie, juro que, como sua empregadora, vou ficar muito aborrecida!...
Apolo fechou os olhos e tentou ignorar o fato de estarem cruzando a Terra dentro de um monstro de metal que poderia se espatifar contra alguma coisa e se desintegrar a qualquer momento.
— O que é uma “mimosa”? — indagou Ártemis.
— Champanhe e suco de laranja misturados. Uma delícia.
— Bem... — a deusa olhou para o rosto estranhamente pálido do irmão, então encolheu os ombros bem-feitos — ... vou experimentar uma taça. Você me acompanha, Pamela?
— Não, obrigada — ela agradeceu.
Ártemis serviu-se em uma das taças de champanhe.
— Viu como estou sendo educada?
— Milagre — Pamela murmurou.
— Aguarde... O melhor ainda está por vir — prometeu a deusa, bebendo um gole da mimosa e lançando-lhe um sorrisinho travesso.
Pamela decidiu que Apolo havia tido melhor ideia ali. Fechou os olhos assim como ele, e rezou para que a viagem, o dia... — inferno , a semana! — ... passassem logo.
Mas não antes de deslizar a mão para a dele e apertá-la.
Capítulo 23
A casa de veraneio de E. D. Faust fora construída para se parecer com uma charmosa villa toscana, e Pamela estava aliviada. Sim, ela vira as plantas e lera as anotações sobre a arquitetura que James lhe entregara, mas, depois do pedido bizarro de Eddie para que ela fizesse o interior da residência parecido com o Fórum, vira-se receosa quanto ao que esperar.
Claro que, conforme eles saíram da limusine e se aproximaram da impressionante porta dupla de ferro forjado, com vidros escandalosamente caros — feitos a mão, jateados e chanfrados —, ela se lembrou de ter pensado que o exterior do Fórum indicava que seu interior era decorado com modéstia e com um clássico bom gosto...
Engano seu.
Olhou para Ártemis, que parecia fresca e linda na manhã ensolarada. A deusa tinha as faces coradas, e uma longa mecha de cabelo loiro e brilhante escapara de seu elaborado penteado.
Ártemis alisou a saia da túnica curta, soltou um soluço e, então, riu baixinho.
Pamela a examinou com mais atenção. Merda!... Ela parecia embriagada! Por que, maldição dos infernos , não havia ficado de olho na deusa? Quantas mimosas a deidade engolira em trinta minutos — e com o estômago vazio! — enquanto ela, Pamela, segurava, distraída, a mão do pobre Apolo?
— Está bêbada? — cochichou, tensa.
Ártemis lançou-lhe um olhar severo.
— Imortais não ficam bêbados. Apenas os mortais se embriagam. Não seja boba... — A deusa balançou o dedo para ela.
Pamela revirou os olhos.
— Não é mais imortal, lembra-se? — Reprimiu uma súbita vontade de gritar. Em vez disso, olhou para Apolo em busca de ajuda, porém seu rosto estava com uma cor estranha, entre o branco e o verde. Observou-o limpar o suor da testa com as costas da mão, preocupada. — Você está bem?
Ele assentiu com um vigoroso gesto de cabeça.
— Melhor agora que estamos fora dessa... — Estremeceu e olhou na direção do automóvel que os trouxera.
— Limusine — completou Pamela. — É uma limusine. — Céus! , ela estava presa em um pesadelo sem fim! — Tudo bem. Vamos fazer o seguinte... Vocês dois, tentem não falar, a menos que alguém lhes faça uma pergunta direta. Mesmo assim, sou eu quem vai responder à maior parte. Agora vamos. Precisamos acabar logo com isto. — Ajustou a alça da bolsa larga e começou a subir a linda escada de mármore curva com determinação.
Os gêmeos a seguiram com menos propósito.
Pouco antes de tocar a campainha antiga, ela ouviu um som abafado às suas costas, e então a risadinha — completamente alterada — de Ártemis. Olhou por cima do ombro e viu Apolo segurando a irmã pelo cotovelo.
— Ela quase caiu — ele explicou baixinho.
— Impossível! — Ártemis falou com voz arrastada.
— Oh, Deus!... — Pamela murmurou.
As portas duplas se abriram, e o rosto sorridente de James os recebeu.
— Entre, Pamela, por favor. Eddie se encontra no pátio, esperando por você. — Seu sorriso mudou para educada curiosidade quando Apolo e Ártemis a seguiram para dentro do saguão.
— São meus assistentes... Eu os contratei. São especialistas, na verdade — Pamela acrescentou depressa.
— Tenho certeza de que Eddie ficará satisfeito com sua iniciativa. Ele esteve ansioso por esta reunião a semana inteira. Venham por aqui, por favor.
James os conduziu através do hall de entrada, um espaço gigantesco, a partir do qual duas escadas em curva, ladeadas por parapeitos de mármore antigos, levavam ao segundo andar da villa .
As balaustradas de mármore, contudo, eram o único detalhe acabado do recinto. Todo o restante estava nu. As paredes ainda se encontravam no reboco, e o piso era de cimento. A parede inteira dos fundos, da qual eles se aproximavam, era adornada por janelas que iam do chão ao teto; tão novas que ainda continham os adesivos de fábrica cor de laranja.
Enquanto caminhava lentamente pelo espaço inacabado, contudo, Pamela nem sequer viu sua crueza. Olhava tudo à sua volta, enxergando apenas o ilimitado potencial do lugar.
— Está horrível — Apolo cochichou. — Não há piso, nem paredes, muito menos decoração.
— Não! Está perfeito! — ela contrapôs num sussurro. — A estrutura se encontra pronta, mas os pisos e paredes estão todos inacabados. A maioria dos dispositivos nem sequer foi instalada. É como uma tela em branco. É meu trabalho escolher com sabedoria e me certificar de que esta casa seja transformada em uma obra-prima.
James os aguardou, paciente, ao lado da porta de vidro que — Pamela já sabia pelas plantas — levava à parte central da mansão: o incrível pátio em torno do qual o restante da vila fora construído na forma de quadrado aberto em um dos lados.
Tão logo eles chegaram a este, James abriu a porta e sinalizou para que eles passassem.
Foi apenas nesse momento que Pamela notou a verdadeira multidão reunida no pátio.
Em resposta a seu olhar interrogativo, James apenas sorriu e apontou para o meio das pessoas, onde E. D. Faust se encontrava sentado em uma bancada de mármore repleta de amostras de material.
— Ah, Pamela! — ele gritou quando a viu.
Ao se por de pé, lembrou-a uma montanha se movendo. Também naquele dia estava todo vestido em preto, desde as calças bem-cortadas até a camisa de seda, cujas mangas tinham o modelo amplo da de um pintor.
Ou então , ela pensou, observando o brilho em seus olhos escuros, da camisa de um pirata .
— Bom dia, Eddie — saudou. — Tem bastante gente aqui, hoje...
— Por sua causa, Pamela. — Ele riu com gosto, a barriga chacoalhando como num estrondoso terremoto. — Mandei todos os trabalhadores virem para cá. Imaginei que economizaríamos tempo se os tivéssemos à disposição. Eles estão apenas aguardando as nossas ordens.
Pamela não podia acreditar. Olhou o grupo e arregalou os olhos ao notar que cada pequena equipe possuía a seu lado pilhas de materiais — amostras, claro — de tudo o se podia imaginar: retalhos de tecido, pedaços de mármore, de pedras brutas, placas com texturas, tintas e revestimentos. Eddie transformara seu pátio em um minimercado para designers de interiores. Era estarrecedor e mais do que intimidante. De repente se lembrou de que havia trazido seu próprio séquito. Bem... ao menos era assim que eles se apresentavam.
— Que bom. — Recuperou o controle das cordas vocais com dificuldade. — Está certo. Isso vai nos economizar algum tempo. Deixe-me apresentar os assistentes que eu trouxe comigo, hoje... — E inclinou o corpo para que Apolo avançasse um passo.
Ártemis, que se encontrava de pé atrás do irmão, fitando, embriagada, um fiapo em sua camisa, de repente percebeu que tinha uma plateia para a qual se apresentar, e se colocou, lânguida, do outro lado de Pamela.
Diante da aparência dos gêmeos dourados, o grupo deixou escapar um suspiro coletivo de apreciação.
— Este é Delos Febo, especialista em arquitetura romana. — Pamela ficou satisfeita ao ver que Apolo inclinava a cabeça polidamente para Faust.
O autor, contudo, mal olhou em sua direção. Seus olhos estavam cegos para tudo o mais, exceto para a bela deusa a seu lado.
Pamela respirou fundo, cruzando os dedos.
— E esta é sua irmã, Diana. Ela é modelo, muito conhecida por sua beleza em toda a Grécia e Itália. Sei que queria manter Baco como a figura central em sua fonte, mas pensei que, talvez...
Suas palavras foram interrompidas quando Ártemis avançou com um andar lânguido e gingado até ficar a meio metro do volumoso autor. Então parou, ergueu a mão delicada até a elaborada coroa de cabelos e, com um leve puxão, libertou os fios longos e dourados, que se derramaram em uma onda espessa ao redor de sua cintura. Balançou a cabeça, e seus cabelos cintilaram, hipnóticos, à luz da manhã.
— Pamela imaginou que talvez preferisse a estátua de uma deusa — ela ronronou.
Pamela precisava admitir: Ártemis era uma atriz excelente. Assim como durante sua performance em Zumanity , ela ganhara a atenção do grupo.
Faust pareceu ter levado uma pancada na cabeça, depois piscou, e seu rosto se iluminou em um largo sorriso enquanto ele se curvava com incrível graça e um floreio.
— Quanta satisfação, Diana! — falou com seu vozeirão. — É uma honra ser agraciado pela presença da Deusa da Lua, das Florestas e dos Vales... — Concedeu um olhar a Apolo. — E você, meu bom companheiro, deve ser o Deus da Luz. Que divertido o fato de sua mãe tê-los nomeado segundo os gêmeos imortais.
Pamela sentiu o estômago se apertar. Era claro que um homem que fizera carreira escrevendo ficção reconheceria instantaneamente a mal ocultada verdade em seus nomes. Que diabo ela poderia dizer agora? Seria possível que Faust houvesse percebido quem eles eram de verdade?
Apolo sorriu.
— Descobriu nosso segredo, senhor.
— Por favor, não há nenhum senhor aqui. Pode me chamar de Eddie. — Seus olhos se desviaram para a beldade ainda parada à sua frente. — Pamela, saiba que já provou ser tão genial quanto imaginei que fosse. Agora que estou face a face com uma deusa, concordo com seu ponto de vista. Precisamos mudar a estátua central da minha fonte. Esqueça Baco. A beleza da deusa Diana será exaltada em seu lugar.
Pamela deu um suspiro de alívio, e Ártemis se curvou com graça.
— Não! Uma deusa nunca deve se curvar. — Faust se apressou em fazer Ártemis se erguer de sua profunda reverência.
— Até que enfim um mortal que sabe como tratar uma deusa... — comentou a diva.
Pamela mordeu o lábio, contudo Eddie sorriu com bom humor e levou a mão de Ártemis aos lábios.
— Mas é claro que sei. — Olhou para a multidão de trabalhadores reunida em torno deles. — Qual de vocês tem talento para esboçar esta linda deusa, de modo que um artista possa esculpir sua imagem imortal no mármore?
— Não seria mais fácil se ela tirasse algumas fotos digitais em diversas poses e, em seguida, o escultor começasse a trabalhar com base nelas? — Pamela indagou, aflita.
— Mais fácil, talvez. Mas não me parece certo. Soa muito frio. Muito impessoal.
— Mas Diana só estará disponível até sexta-feira. Depois tem um... ahn... compromisso a que não pode faltar — justificou Pamela.
— Então temos que trabalhar depressa. Eu gostaria de ter a minha deusa imortalizada à moda antiga. Febo, você é o expert na antiga Roma. Como isso costumava ser feito?
— Tem toda a razão. O escultor teria desenhado sua musa e, em seguida, começado a trabalhar com base em seus próprios esboços. — Apolo fez uma pausa e ergueu uma sobrancelha. — A menos que tivesse contratado Pigmalião. Acredito que ele trabalhava baseando-se na imagem da mulher que via apenas em seu coração... — Lançou um olhar ardente para Pamela. — O problema é que poucos de nós têm a sorte de ver seu mais profundo desejo concedido.
Pamela se obrigou a não se retesar. Apolo afirmava ter sido privado de seus poderes imortais, mas, quando olhava para ela daquela maneira, fazia com que sentisse calor, frio, excitação... tudo de uma vez.
Faust não pareceu notar o byplay acontecendo entre a designer e seu assistente, pois tinha a atenção voltada para sua própria imortal.
— Ah, mas temos Diana, não Galateia. Por isso mesmo a modelo merece um esboço.
— Galateia não era deusa. Era apenas uma pedra que foi trazida à vida — corrigiu Ártemis, um pouco irritada.
— Verdade! Tem toda a razão! — exclamou Eddie. — Pigmalião não teve a mesma sorte que eu.
— Posso desenhar sua deusa, senhor. — Um jovem se destacou do grupo.
— Excelente — concordou Eddie. — Temos o nosso artista e a nossa musa. E creio ter algumas fotos da fonte original do Fórum. Suponho que nossos artesãos possam usá-las como base para seu trabalho enquanto a nossa deusa estiver sendo desenhada.
— Na verdade — Pamela começou, enquanto abria a pasta e retirava, apressada, seu bloco de desenho —, imaginei que poderia gostar de algo exclusivo, por isso trabalhei em alguns esboços preliminares de uma nova fonte... baseada, claro, naquilo que tanto aprecia na do Fórum. Eu só não quis desenhar a estátua central sem a sua aprovação, mas acho que vai ficar muito satisfeita com isto.
— Pamela discutiu comigo os esboços, e eu posso lhe assegurar que a fonte que ela criou seria apreciada até pelos deuses do Monte Olimpo — afirmou Apolo.
— Que maravilha, Pamela! — Eddie tomou o caderno das mãos dela e acenou com a cabeça em aprovação. — Monte Olimpo... — Ele riu. — Eu não poderia esperar nada melhor para uma fonte que ostenta uma escultura de Diana. Por favor, mostre esses esboços ao nosso artista. — Faust lançou um olhar interrogativo na direção do rapaz.
— Mateus — esclareceu o jovem. — Meu nome é Mateus Land.
— Venham, Mateus, Pamela, Febo e Diana, minha linda. Vamos nos sentar e decidir sobre os detalhes da minha casa. — Eddie ofereceu o braço a Ártemis. Ela sorriu docemente e descansou a mão na parte superior de sua manga de seda. — Deseja algo, querida? — ele perguntou enquanto a conduzia em volta de um banco de mármore.
— Sim. Recentemente desenvolvi um gosto especial por uma bebida chamada mimosa .
Pamela tentou não gemer quando Eddie gritou para James pedir ao chef que preparasse mimosas para todos.
Pamela olhou para o relógio. Ela mal podia acreditar que já passava das quatro da tarde. O dia havia voado.
E fora bem melhor do que ela previra. De um modo irritante e irônico, sabia que precisava agradecer a Ártemis por isso.
Ergueu os olhos da página brilhante do catálogo que o representante da Shonbeck lhe mostrava, e que continha luminárias ao estilo do velho mundo. Eddie fingia prestar atenção, enquanto Apolo e o arquiteto se debruçavam sobre a última versão do esboço da sala de banhos, na qual haviam trabalhado pela maior parte do dia.
Na verdade, Eddie fazia o que ele não parara de fazer nas últimas horas: olhava com adoração para Ártemis.
Mas a deusa era, realmente, muito linda. Até mesmo os espalhafatosos representantes de tecidos gays suspiravam, melancólicos, diante da perfeição de seu cabelo, de seus seios e das linhas delgadas de suas pernas. No momento, ela se encontrava em pé sobre a plataforma elevada que Eddie mandara erguer, segurando um enorme vaso contra um quadril, do qual água iria verter quando o esboço fosse transformado em uma escultura para a fonte.
Pamela ficava tonta só de pensar. E isso sem levar em conta a despesa em que Eddie iria incorrer com aquela obra de arte original!...
Seu cliente parecia feliz, porém, e a fonte iria ficar mesmo muito bonita. Além do mais, esta não teria aquela animação medonha do Fórum. Uma só exclamação horrorizada de Ártemis em resposta à menção de movimento na fonte, e Eddie, mais do que depressa, vetara a ideia. Da mesma forma, uma simples carranca da deusa fora suficiente para que ele desistisse da construção daquela ginorme e horrível piscina, e optasse pela ideia de bom gosto do balneário romano.
Com esses dois problemas resolvidos, todo o restante correu como uma brisa. O gosto de Eddie não era tão lamentável quanto ela pensara a princípio. A questão era apenas que sua aura era enorme. Suas ideias eram grandiosas, e não apenas em seus épicos best-sellers. E. D. Faust preenchia o mundo ao seu redor com a grandeza da vida. Sim, ele era excêntrico. Na verdade, Pamela refletiu, ele parecia um personagem de um de seus romances: maior do que a própria vida e sempre pronto para uma nova aventura.
Sorriu para si mesma. Demorara um pouco a se acostumar com sua exuberância, mas compreendia por que as pessoas se sentiam atraídas por ele. Eddie era tão generoso quanto seu tamanho. A verdade era que E. D. Faust era mesmo um sujeito decente.
Ela havia tido um pouco de trabalho, mas, com a ajuda de Ártemis e Apolo, convencera Eddie a mudar o design de sua casa: do românico brega do Fórum para algo que começava a lembrar do cenário de Cleópatra , de Elizabeth Taylor. O estilo que emergia não era menos opulento do que o do Caesars Palace e do Fórum, porém bem mais chique.
Desviou o olhar do corpanzil de Eddie para Apolo. Ele inclinara a cabeça loira e a balançava com uma expressão atenta diante de algo que o arquiteto acabara de traçar no papel.
Como se pressentisse que estava sendo observado, ele levantou os olhos para os dela. Pamela desviou o olhar, mas não antes de ver seus lábios se curvar na sugestão de um sorriso. Apolo a apanhara em flagrante de novo.
E não fora algo difícil de ele fazer. Ela o fitara com o rabo dos olhos o dia todo, e ele sabia disso. Ela sabia disso.
E não conseguia evitar. Apolo fora tão maravilhoso!... Descrevera o funcionamento dos antigos balneários de Roma em detalhes para Eddie e seu arquiteto. Tinha sido mais do que paciente com suas intermináveis perguntas, respondendo-as com inteligência e concentração, de tal forma que até mesmo para ela Febo soara como um entusiasmado especialista. E nem uma vez exibira a detestável arrogância que ela imaginara ser inerente ao Deus da Luz.
Pamela suspirou. Já não podia dizer o mesmo de Ártemis. Mesmo que a diva estivesse adotando seu melhor comportamento naquele dia, continuava irritantemente exigente e vaidosa. Por sorte, Eddie parecia estar gostando de entrar no jogo de sua deusa...
Outra coisa boa, lembrou-se Pamela, era que Faust insistira para que a cozinha ficasse pronta antes de ele chamá-la para projetar o restante da villa , pois Ártemis mantivera o chef ocupado o dia inteiro com suas exigências por bebidas e iguarias. E Eddie, que, sem dúvida, muito apreciava os prazeres da boa mesa, havia se deliciado em atender a todos os caprichos de “sua deusa”.
Apolo era tão diferente da irmã!, Pamela teve que admitir para si mesma. Continuava o mesmo homem atento e inteligente que fora durante todo o fim de semana.
Mas ele não era um homem de verdade. Era um deus. E nenhuma mulher de bom-senso iria complicar a própria vida se envolvendo com um antigo deus...
Pamela suspirou e se obrigou a voltar a atenção para a página de lustres.
— Eddie... — Ártemis soou como uma menininha mimada. — Meu braço já está doendo de tanto eu segurar este vaso bobo! E estou com tanto calor que vou desmaiar se não me sentar.
— Claro, claro, minha deusa! — Ele se pôs de pé e correu para tomar o vaso das mãos dela. Empurrou de lado o jovem artista, quando este tentou ajudar sua musa a sair da plataforma, e segurou Ártemis pelo cotovelo, amparando-a enquanto ela descia com graça do altar improvisado. — Olhem só a hora! Que insensibilidade a minha!... Estamos nisto há séculos. Tempo demais para uma deusa trabalhar. — Ele ergueu a manzarrona, e sua voz grave silenciou até mesmo os trabalhadores que se encontravam ocupados no interior da vila. — Já chega por hoje! — bradou. — Nós nos encontraremos outra vez amanhã, à mesma hora!
Vários suspiros se fizeram ouvir ao seu comando. Tinha sido um dia difícil, porém produtivo.
Pamela detestava admitir, mas, pela milésima vez, viu-se contente por ter permitido que Apolo a convencesse de trazê-lo com a irmã até ali.
Estava esfregando a parte de trás do pescoço, e tentando desfazer um nó de tensão que se instalara neste, quando o “Pamela!” de Eddie ribombou, fazendo-a ir até o banco onde ele estava.
— Ah, aí está você, minha cara. — Ele fez um sinal para que ela se sentasse ao lado de Apolo, à sua frente.
Ártemis estava, obviamente, acomodada a seu lado. Abanava-se com um leque de penas que Eddie havia lhe arrumado, e Pamela notou que ela bebia champanhe de uma taça de cristal gelada. Graças aos Céus, Ártemis seria imortal de novo em poucos dias. Ao ritmo que estava indo, seria a imortalidade ou o alcoolismo!
— Andei discutindo os nossos novos planos com a linda Diana e seu irmão, e creio que estamos todos de acordo.
Pamela sentiu um familiar aperto no estômago.
— Planos? Que planos?
— Muito simples. Não há necessidade de vocês três viajarem de volta para Las Vegas quando podem muito bem ficar aqui comigo — declarou Eddie, sorrindo.
— Mas o único cômodo que está terminado é a cozinha!
Eddie riu.
— Não aqui... Aluguei uma casa de campo no parque Spring Mountain Ranch, no Red Rock Canyon. Tem acomodações bastante modestas, porém é muito mais próxima da minha villa do que o Caesars Palace. Até porque não há mais motivo para voltarem para lá, uma vez que o Fórum não mais servirá de modelo para a nossa Roma antiga. Agora temos Febo.
— Mas as minhas roupas e... ahn... Diana e Febo não trouxeram nada.
Os olhos de Pamela pousaram em Ártemis. A deusa tomou um gole do champanhe, tranquila, e, em seguida, piscou, maliciosa, para ela.
Eddie ignorou suas preocupações.
— James pode ir buscar suas coisas. Diana me contou que ela e o irmão planejavam apenas passar o dia por aqui, contudo ambos já aceitaram o meu convite para que prolonguem sua estada por uma semana. Eu ficarei honrado em comprar no resort qualquer coisa de que nossa deusa precise.
— Jantar, Eddie, jantar! — Ártemis lembrou com um suspiro. — Mal posso acreditar no quanto estou faminta.
— Claro. — Ele lhe afagou a mão. — Foi um dia cansativo. Vamos embora para o rancho, comer e ser feliz. — Eddie se ergueu pesadamente do banco, e Ártemis estendeu a mão para que ele pudesse ajudá-la a fazer o mesmo.
Em seguida, movendo-se com muito mais instabilidade do que com sua habitual graça, ela se agarrou ao braço gordo do homem enquanto ele se deslocava devagar pelo pátio, gritando para que Robert trouxesse o carro.
— Acho que não temos muita escolha — murmurou Pamela, não querendo encarar Apolo, agora que se encontravam sozinhos pela primeira vez naquele dia.
— Eu já fiz a minha escolha, doce Pamela — ele respondeu baixinho.
Ela o fitou, então. Apolo abriu seu sorriso encantador, tão familiar, e ela sentiu o peito se apertar.
— Às vezes é fácil esquecer quem você é de verdade — falou baixinho.
Ele a tocou no rosto.
— Já sabe quem eu sou realmente. Sabe desde a noite em que nos conhecemos.
— Mas não é um homem comum.
— Serei, ao menos pelos próximos cinco dias. — Ele imitou o gesto de Eddie: pôs-se de pé, tomou-lhe a mão e a ajudou a se levantar.
Pamela se permitiu dar o braço a Apolo conforme caminhavam pelo pátio deserto. Ele parecia tão quente, normal e certo a seu lado!...
Isso a assustou tanto que ela fez menção de puxar o braço; contudo, Apolo parou no meio do saguão de repente.
Pamela sentiu um tremor percorrer o corpo e olhou para ele. Seu rosto moreno empalidecera.
Ela seguiu seu olhar. James segurava as portas da frente da casa aberta para eles, e, por meio destas, ela podia ver Robert ajudando primeiro Ártemis, depois Eddie, a entrar na limusine.
— Eu havia me esquecido dessa criatura de metal — ofegou o deus.
— Venha. Vou fazer você se sentar na frente desta vez. — Pamela o segurou pelo braço com força e o puxou.
Ele era Apolo, Deus da Luz, da Música e da Cura. Um imortal que tinha vivido por eras, tema de muitas histórias, poemas e canções...
... Mas uma criatura que enjoava demais ao andar de carro.
Capítulo 24
A ideia de Eddie de “acomodações bastante modestas” era alugar todos os nove quartos da mansão de tijolos, que fora construída nos anos vinte e que, depois, tinha sido adoravelmente restaurada com antiguidades, canalização e parte elétrica modernas, em 2003. Ficava à margem do Red Rock Canyon spa e Resort , um adorável oásis de fontes naturais e matas verdejantes, que parecia bizarro e deslocado, ainda que lindo, em meio ao afloramento de rochas cor de ferrugem e da intrigante paisagem desértica do Red Rock Canyon.
Pamela parou diante do conjunto de três portas duplas que separava os alojamentos do enorme deque de madeira, onde, apressados, garçons uniformizados davam os últimos retoques na mesa de jantar com flores frescas e velas, enquanto um trio de músicos afinava seus instrumentos.
Música, velas, flores e porcelana fina, avaliou, aliviada por ter escolhido o tubinho preto em vez de algo mais casual.
A iluminação externa foi acesa de repente, tingindo a noite clara de Nevada com suaves nuanças, e Pamela respirou o ar fresco do deserto. Sentar-se ao lado do enjoado Apolo no banco da frente fora muito esclarecedor. Ele insistira para que ela ficasse junto dele, e parecera tão desamparado que ela havia suspirado e se espremido a seu lado, para o desgosto de Robert. Decididamente, ela amava o Colorado. Embora tivesse nascido e crescido lá, nunca se cansara da majestade de Pikes Peak e da beleza montanhosa de seu lar. Considerava-se bastante “viajada”, sobretudo em se tratando dos Estados Unidos, e já conhecera muitos estados encantadores, mas nenhum lugar preenchia seus sentidos e acalmava sua alma como o de sua própria casa.
Por isso mesmo era uma surpresa sentir-se tão atraída pelo deserto. A curta viagem da propriedade de Eddie, à margem do Red Rock Canyon, até aquele rancho fora repleta de cenários ao mesmo tempo austeros e espetaculares. Havia algo de misterioso e maravilhoso no deserto. Ele fazia sua imaginação correr solta, evocando fantasias infantis com caubóis do Velho Oeste, couro e suor.
Sorriu para si mesma diante de ideias tão tolas e românticas.
— Adoro o seu sorriso.
A voz profunda de Apolo a surpreendeu.
Pamela se virou. Ele estava tão próximo que ela pôde sentir seu calor. Era apenas o calor de um corpo normal, não o poder imortal do Deus da Luz, mas a fez se lembrar da noite anterior, e de como chamas tinham varrido seu próprio corpo em uníssono com seus impulsos...
Passou a mão pelo cabelo curto, nervosa.
— Não o percebi chegando.
— Eu não queria assustá-la.
Se Apolo soubesse!... Apenas a presença dele já fazia seu estômago se contrair e seu rosto corar. E isso antes de ela descobrir que ele era o bendito Deus da Luz!...
Céus!, estava sendo cercada e cortejada pelo imortal Apolo! Era um pouco como se ver bem no meio de um velho episódio de Jornada nas Estrelas , sem nenhuma possibilidade de ser teletransportada para longe de uma situação difícil.
Mas ela não queria ser teletransportada para longe de Apolo, e isso a estava deixando louca.
Ele era Apolo! Não conseguia conter o arrepio de emoção que a percorria cada vez que pensava nisso. Era inebriante, enlouquecedor e terrivelmente assustador.
Em vez de gaguejar como a louca em que ela pensava estar se tornando, Pamela apontou a noite do deserto com a cabeça, em um gesto que, ela esperava, parecesse indiferente.
— Não foi culpa sua. Eu estava distraída com o cenário. É muito mais bonito aqui do que eu esperava.
— Sim, sei bem o que quer dizer. O Reino de Las Vegas também me surpreendeu com sua beleza. — Ele sorriu e lhe afastou uma mecha de cabelo escuro da testa. Seus olhos capturaram e refletiram a iluminação do terraço e, por um momento, pareceram brilhar de novo com aquele azul imortal.
Pamela recuou um passo.
— Por quê? — ele indagou, magoado. — Por que está me evitando?
Um dos garçons ergueu a cabeça com óbvia curiosidade diante da pergunta, e Pamela acenou para que Apolo a seguisse até a borda mais distante da varanda, onde era menos provável que sua conversa fosse ouvida. Baixou a voz e tentou não se preocupar.
— Não estou desprezando você. Estou sendo apenas... c-cuidadosa — ela gaguejou, sem fitá-lo nos olhos.
— Não compreendo. — Ele passou a mão por seu rosto e suspirou. — Sabe, Pamela, isso nunca aconteceu comigo antes. Precisa me explicar quais são as regras do amor.
Ela sentiu o coração bater na garganta e engoliu em seco antes de responder.
— Não conheço as regras. Não sei como amar um deus. — Encontrou os olhos dele, relutante. — A verdade é que era diferente quando eu achava que você era apenas Febo.
— Eu sou Febo, Pamela.
— Não, não é! Meu Deus, Apolo... — Ela se interrompeu, apertando os lábios. — Veja! Nem consigo dizer coisas normais perto de você. “Meu Deus...” Você é um deus! Eu não sei o que dizer, o que fazer. — Pamela esfregou a testa.
Os músicos começaram a tocar uma valsa que só fez aumentar o clima surreal da noite. Era como se Apolo houvesse conspirado para adicionar uma trilha sonora à conversa.
— Eu não quero me apaixonar — ela disse baixinho. — Eu já não queria antes de te conhecer, e agora isso só me parece ainda mais impossível.
Ele balançou a cabeça.
— Não, não é impossível. O problema foi a forma como descobriu tudo. Eu devia ter lhe dito antes; tornado mais fácil para você aceitar.
— Como poderia ser mais fácil? Você é um deus antigo, e eu sou apenas uma mortal. Não estamos destinados a ficar juntos.
Dizer as palavras que a haviam assombrado o dia todo deixaram Pamela enjoada.
— Eu atendi ao seu desejo mais sincero — Apolo replicou numa voz baixa e firme.
— Claro que atendeu! Não é que eu não o deseje... Desejo muito. Você é perfeito. Eu pedi por romance, e você é, definitivamente, um sonho romântico que se tornou realidade.
Pamela queria ficar quieta, segurar as palavras que derramavam de sua boca, mas não conseguia. Tinha medo de que, fazendo isso, fosse se jogar nos braços de Apolo e pedir que ele ficasse lá para sempre.
Se fosse assim, o que seria dela? O que aconteceria com seu coração quando ele deixasse aquele mundo e voltasse para o seu próprio?
Apolo franziu a testa e tornou a sacudir a cabeça.
— Eu sou mais do que um sonho romântico, e você pediu por mais do que um simples namoro com um deus.
— Apolo, eu sei pelo que pedi — ela falou com firmeza.
— Sabe mesmo? Então talvez esteja interessada em saber que o vínculo da invocação entre você e minha irmã não se rompeu até ter admitido, ontem à noite, que sou sua alma gêmea.
— Sua alma gêmea... — ela sussurrou as palavras, negando com um gesto de cabeça. — Não! — Ele não podia ser. Se Apolo era sua alma gêmea, como ela sobreviveria sem ele?
O belo rosto do deus ficou lívido.
— Talvez eu tenha tido sorte, por todas estas eras, em não ter conhecido o amor... Parece que é um sentimento bastante doloroso.
Dizendo isso, curvou-se para ela de leve, fez meia-volta e se afastou.
Em vez de passar pelas portas e rumar para o quarto, como tivera a intenção de fazer, Apolo quase atropelou a irmã e Eddie quando estes saíam para o pátio, seguidos de perto pelo onipresente James.
— Que bom que já veio para cá! — saudou o escritor, dando-lhe um tapinha no ombro. Logo depois, avistou Pamela. — Excelente! Estamos todos aqui. James, já pode pedir que sirvam o jantar. Venha, minha deusa... A comida aqui pode ser simples, mas juro que não vai se decepcionar com sua qualidade.
— Eddie, eu quero mais daquele champanhe maravilhoso!
— Claro, claro... — ele murmurou, ajudando-a a se acomodar em uma das cadeiras.
Pamela observou o homenzarrão cercar a deusa de cuidados e mimos tal qual uma gimensa galinha, enquanto Apolo permanecia de pé, do lado oposto da mesa. Podia sentir seu olhar sobre ela.
Piscou, combatendo as lágrimas que lhe haviam assomado aos olhos, endireitou os ombros, desenhou um sorriso cordial e profissional no rosto, e se juntou ao pequeno grupo. Eddie, claro, insistiu para que ela se sentasse ao lado de “Febo”.
Por sorte, assim que ela pôs o traseiro na cadeira, uma nuvem de garçons convergiu para a mesa.
Eddie descrevera o jantar como “simples”, o que a fez se perguntar o que ele considerava extravagante. A comida não foi trazida aos poucos, como se poderia esperar de uma refeição cara, servida em um resort exclusivo. Em vez disso, o escritor ordenou que tudo viesse de uma só vez.
Foi como uma explosão de alimentos. As saladas individuais, de verduras frescas, cogumelos exóticos e uma série de tomates maduros e pequenos, eram montadas tal qual pequenos ninhos de pássaros. A massa do tipo farfalle parecia divina e cheirava a alho fresco e vinho branco. Espessas postas de salmão tinham sido grelhadas à perfeição, assim como compridas fatias de abobrinha cobertas de queijo provolone derretido e polvilhado com pimenta moída e sal. Durante toda a refeição, garçons atenciosos serviam as taças com champanhe gelado.
Tudo estava delicioso, e Pamela sentiu-se relaxar enquanto Eddie e Apolo conversavam amigavelmente a respeito da tradição dos banhos diários na antiga Roma. Na verdade, ela se viu intrigada com os detalhes vívidos que o deus fornecia sobre um mundo considerado morto havia muito tempo.
— Então, o banho se tornou uma atividade social... — concluiu Eddie enquanto mastigava o salmão.
Apolo concordou.
— Não era apenas o ato de se lavar. Os banhos romanos eram muito mais do que isso. No mesmo balneário não era incomum que houvesse espaços para exercícios, massagistas, barbeiros, restaurantes, lojas e bibliotecas. Era um centro de convivência; o centro nervoso do que acontecia na cidade. Em suas salas privadas, questões que não deviam se tornar públicas eram discutidas. Alguns dizem que até mesmo os deuses frequentavam os balneários de Roma para se inteirar das intrigas do dia.
— Ha! Sabe-se lá se o plano para matar César não começou em um desses balneários de Roma...? — conjeturou o autor.
— César! — zombou Ártemis. — Proclamar-se um deus foi apenas um de seus muitos erros. Ele devia ter escutado a esposa. Calpúrnia bem que o advertiu... Roma não ouviu muitas vezes as vozes de suas mulheres — completou, irritada.
Os olhos de Eddie se arregalaram.
— Eu tenho feito isso, minha linda! Venho pensando no assunto desde esta manhã, quando nos conhecemos. Alguma coisa parecia fora de lugar, não exatamente onde devia estar, e agora compreendo o quê... Você não é Diana. Reconheço agora a sua verdadeira natureza.
Ártemis ergueu uma sobrancelha dourada para o escritor e mordiscou seu segundo pedaço de salmão.
— É mesmo?
— Sim! Você é muito ardente para ser a pálida e etérea Diana. Você brilha e ofusca, não apenas como a luz da lua cheia. Carrega dentro de você a natureza de uma caçadora. Amanhã iremos descartar aquele vaso sem sentido, que segurou esta tarde, e substituí-lo por um arco e uma aljava repleta de flechas. A brandura de Diana feneceu, e a deusa Ártemis surgiu em seu lugar.
Pamela engasgou ao engolir, e um garçom correu para lhe trazer um copo de água. Tossindo, ela compartilhou um olhar de surpresa com Apolo; entretanto Eddie não havia terminado. Colocou a mão sobre o coração e deu início a uma cappella , a voz profunda e ressonante de barítono se elevando, depois abrandando — como a de um dos Três Tenores —, e preenchendo a noite no deserto:
Eu canto Ártemis das setas de ouro,
que a grande bulha da caça adora,
e que nos cervos suas flechas lança.
Ártemis que na caçada exulta,
curvando seu arco dourado
que cospe setas tão amargas.
Tão poderoso é o seu coração
quando pelas matas ela vaga
exterminando das feras as ninhadas...
Ártemis parou de comer quando Eddie se pôs a cantar, fitando-o com evidente espanto. O enorme homem fez uma pausa, gesticulou para o trio de mulheres que vinha dedilhando uma música de fundo suave durante todo jantar e estas pararam de tocar. Quando ele recomeçou a cantar, a harpista capturou a melodia e um som mágico de cordas o acompanhou:
Quando da caça a deusa das flechas se vê saciada,
deixa o tenso arco e visita o irmão, Febo Apolo,
no distrito de Delfos, sua rica morada...
Ele balançou a cabeça na direção de Apolo, que ergueu a sua em régio reconhecimento.
Comanda, então, o coro das Musas e das Graças,
deixando de lado seu arco e flechas.
Cobrindo-se com suas belas joias,
a bela dança das divas ela conduz.
Divino é a canto que estas entoam
louvando a brandura com que Leto
seus dois filhos deu à luz.
Filhos esses que, entre os deuses,
tão elevados e justos são
nos seus desígnios e na ação.
Saúdo a ti, filha de Zeus e da Leto de lindos cabelos!
A ti louvarei, e lembrarei também a tua canção...
A voz de Eddie segurou a última nota, enquanto a harpista improvisou um acorde fantástico. Conforme a canção se desvaneceu, a noite ficou muito quieta.
O olhar de Pamela se desviou de Eddie para Ártemis, e sobre esta ficou. Chocada, ela viu os olhos claros da deusa se encher de lágrimas. Em seguida, Ártemis se inclinou e beijou Eddie demoradamente nos lábios.
— Você conhece os Hinos Homéricos... — sussurrou, a apenas alguns centímetros do rosto do homem.
— Conheço os Hinos Homéricos — ele respondeu, solene.
— Você me surpreendeu, Eddie.
O sorriso de prazer da deusa fez Pamela prender a respiração, tal era sua beleza.
— Irmão — falou Ártemis sem tirar os olhos de Eddie —, desejo recompensar nosso anfitrião por seus aguçados poderes de observação. Você tocaria para mim?
— Claro — concordou Apolo. — Mas não tenho nenhum instrumento.
A voz inconfundível de Eddie retumbou pelo terraço.
— Já chega de música esta noite! Podem ir embora... — ele falou às musicistas — ... mas deixem os instrumentos. Meu assistente cuidará para que estes lhes sejam devolvidos amanhã.
As três mulheres saíram rápida e discretamente, e Pamela se perguntou quanto Eddie lhes pagara para que elas nem mesmo piscassem antes de deixar para trás suas ferramentas de trabalho.
Apolo tomou o assento desocupado da harpista e colocou as mãos sobre o instrumento sem demostrar nem um pouco da emoção que sentia. Era o Deus da Música. Harpistas o tinham adorado e louvado durante incontáveis séculos. As Musas o reverenciavam. Desde o dia em que havia convencido o recém-nascido Hermes a presenteá-lo com a primeira lira conhecida pela humanidade, considerava sua habilidade imortal com o instrumento mais do que garantida. Era como o ar que respirava e o vinho que bebia... sempre ali, com ele.
Mas, naquele dia, não era o imortal Apolo. Era apenas um homem comum.
Ele conhecia as notas. A sensação da harpa lhe era familiar... Ainda assim, sentiu o estômago se apertar. E se seu talento houvesse desaparecido com seus poderes? E se ele tocasse as notas erradas? Ou pior, tocasse as notas certas tão mal que estas parecessem erradas?
Ergueu a cabeça. Ártemis se levantara e recuara com graça para longe da mesa, de modo a ter espaço para iniciar sua dança.
Os olhos de Eddie estavam colados em seu rosto. O autor parecia completamente encantado por sua irmã.
Apolo pressionou a mão contra as cordas esticadas. Compreendia bem como se sentia o homenzarrão...
Relutante, ele desviou o olhar para Pamela. Ela o observava com atenção, sem dúvida à espera de ouvir o brilhantismo com que o Deus da Luz tocava.
Nesse instante, ele desejou estar de posse de seus poderes imortais. Ou então que fosse o mortal Febo de verdade. De repente, quis muito ser um ou outro. Estar preso entre dois mundos era como ser empurrado para um campo de batalha com apenas a lembrança das armas.
— Toque a música favorita de Terpsícore — pediu sua irmã, num tom imperioso.
Apolo sabia a melodia. Estava lá quando a Musa da Dança a criara, e tocara para ela quando esta a executara em um dos grandes banquetes de Zeus.
Fechou os olhos e se concentrou. Suas primeiras notas foram um teste: suaves, quase inaudíveis, porém seus dedos pareciam mais confiantes do que ele, o próprio deus. Eles conheciam as cordas prateadas, e viajaram para cima e para baixo, ao longo de todo o instrumento, como velhos amigos saudando um ao outro.
Apolo abriu os olhos. Ártemis flutuava pelo terraço, recriando a obra-prima de Terpsícore.
Ele sorriu com carinho para a irmã. Naquela noite ela não contava com poderes imortais, mas nem precisava. A seda do vestido que Eddie lhe comprara girava graciosamente em torno de seu corpo. Seus movimentos eram lânguidos e cheios de uma flexibilidade única, hipnótica.
Seus dedos voaram sobre as cordas, aumentando o ritmo da melodia. Ártemis o acompanhou, girando e ondulando em perfeito ritmo com a música, até o crescendo , depois do qual ela terminou em uma pose elegante aos pés de Eddie.
— Não! — gritou Eddie, puxando-a, de modo que a deusa ficou de pé a seu lado, respirando pesadamente. — Era eu quem deveria estar a seus pés, minha deusa!
Ártemis riu, sem fôlego.
— E então?... Gostou da sua recompensa?
— Guardarei essa sua dança na memória até a dia da minha morte!
A expressão da deusa ficou séria.
— Não quero pensar na sua morte.
Foi a vez de Eddie rir, e ele o fez com vontade.
— Não pense, pois esse dia ainda está longe, minha diva!
O sorriso de Ártemis retornou.
— Eddie, caminharia comigo? Sei que está escuro, a noite já caiu, mas...
— Seu desejo é uma ordem — proclamou o escritor. — Venha, os arredores estão bem iluminados, e é uma grande honra escoltá-la.
Sem lançar um só olhar na direção de Pamela ou de Apolo, os dois deixaram o deque, as cabeças próximas, enquanto Eddie perguntava à deusa sobre as origens de sua dança.
Ainda deslumbrada com a incrível performance de Ártemis, Pamela os observou partir. Não podia acreditar. Ártemis tinha dançado para Eddie como se desejasse aquilo; como se realmente se importasse com ele e quisesse agradecê-lo.
Que diferença um único dia havia feito!... Naquela mesma manhã, a deusa estivera arrogante e intratável.
Verdade que Ártemis continuava aguerrida, mimada, autoindulgente e fútil. Mas, quando olhava para Eddie, não deixava dúvida sobre o carinho que lhe transbordava no olhar. Seria possível que a deusa tivesse mesmo coração?...
Dois acordes suaves e mágicos, um seguido do outro, chamou sua atenção de volta para o seu imortal.
Seu imortal!...
O pensamento a fez estremecer. Antes daquela noite, ela teria imaginado que um homem tocando uma harpa seria, no mínimo, efeminado e, no máximo, muito gay !
E Apolo não era nenhuma das duas coisas. Era másculo e magnífico. Não tocava a harpa apenas; ele a acariciava como a uma amante, fazendo que a música brotasse dela. Era como se sua carícia trouxesse vida ao instrumento. Com aquele corpo dourado e musculoso, o cabelo colorido pelo sol, parecia um antigo guerreiro fazendo uma pausa entre as batalhas para descansar e recitar seus feitos heroicos.
Quando Apolo começou a cantar, e seus dedos extraíram um som ritmado e sensual das cordas, ela encontrou seus olhos.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
A voz de Apolo era tão perfeita que era quase indescritível.
Pamela tentou imaginar como ele devia soar quando podia usar seus poderes imortais. Não admirava que várias gerações tivessem construído templos e esculpido estátuas em sua homenagem.
E agora ali estava ele, cantando só para ela.
Nesse momento, ela o desejou tanto que a força do sentimento quase a sufocou.
Sem pensar com muita clareza, Pamela se levantou e caminhou até ele.
Quando olho para ti, perco a fala,
minha língua congela e cala
e chamas sob minha pele se alastram.
Já não vejo com meus olhos,
em meus ouvidos ressoa um zunido,
um frio suor me cobre inteiro,
um arrepio me faz cativo...
Mais verde do que a erva fico,
perto da morte eu me sinto.
Pamela parou diante dele. O único poder que Apolo tinha sob seu comando era o de um homem apaixonado. Mesmo assim ele a encantava.
Estremeceu conforme ele repetia o refrão e a cobria com o calor de suas emoções.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
Quando a brisa da noite varreu a última nota, ela estendeu a mão, tímida e, com um dedo, acariciou as costas da mão que descansava nas cordas da harpa.
— Você compôs isso?
Apolo sorriu e segurou a mão dela.
— Não. Foi escrito por Safo. Ela era uma poetisa grega, e uma amante apaixonada de mulheres. Peguei emprestadas as palavras... Safo era dona de um senso de humor cáustico e de uma inteligência afiada. Creio que consideraria a nossa situação um tanto divertida. Não acho que se importaria com a pequena mudança que fiz em seus versos.
— Foi muito bonito. Sua voz é... — Ela fez uma pausa, tentando encontrar palavras para descrever o que tinha ouvido. — Sua voz é como um sonho quase esquecido. Algo fantástico demais para ser real.
— Mas é real. Eu sou real. — Apolo a puxou para si. Pamela hesitou, e ele passou o braço em volta de sua cintura, trazendo-a para mais perto. — O que sente por mim é verdadeiro...
O deus pressionou os lábios suavemente contra os dela. Precisava sentir seu gosto e calor, contudo Pamela estava tão rígida e inflexível que ele se contentou com um beijo quase casto. Primeiro na boca, depois no rosto.
Por fim, ela relaxou o bastante para descansar a cabeça em seu ombro, e Apolo respirou o perfume de seu cabelo. Quando se inclinou para beijá-la outra vez, Pamela levantou a mão e o impediu com um dedo.
— Vou pedir que me dê algum tempo.
— Tempo?
— Preciso de tempo para pensar sobre o que está acontecendo entre nós, e não consigo pensar quando me toca e me beija... Por isso mesmo estou pedindo algum tempo. Vai fazer isso por mim?
Ele queria dizer “não”, atirar a harpa para o lado, tomá-la nos braços e fazer amor com ela lenta e apaixonadamente, até que Pamela não conseguisse pensar em nada. Sabia que podia convencê-la a se entregar; sentia isso no modo como seu corpo gravitava para ele e na maneira como seus olhos fitavam os seus. Tinha consciência da paixão que ardia dentro dela, e sabia como despertá-la e usá-la.
Mas e depois? Na manhã seguinte, Pamela se afastaria de novo. E ele queria que ela viesse até ele por livre e espontânea vontade, sem arrependimentos.
Tirou o braço de seu corpo. Em vez de tentar beijá-la outra vez, afastou a mecha de cabelo escuro que vivia lhe caindo sobre a testa.
— Vou lhe dar esse tempo para que possa pensar. — Sorriu, tristonho, beijou-lhe a mão, então caminhou devagar para longe do terraço.
Sozinho.
Capítulo 25
O telefonema, às sete e meia, de uma jovem alegre, anunciando que o café seria servido no terraço às oito, veio cedo demais para Pamela. Que diabo estava acontecendo com ela? Seu relógio interno normalmente a despertava bem próximo ao amanhecer. Para sua rotina normal, sete e meia da manhã já era tarde.
Naquela manhã, porém, ela esfregou os olhos, sentiu a cabeça pesada e desejou poder se aninhar e dormir por pelo menos mais umas duas horas.
Culpa de Apolo. Saber que o Deus da Luz dormia sozinho no final do corredor a fizera rolar e se virar na cama pela maior parte da noite. Assim como aquela voz maravilhosa dele, que continuava soando em sua cabeça.
E seu toque... A cada vez que fechava os olhos, podia sentir aqueles lábios ardendo contra os dela.
Pelo visto, não importava que ele estivesse sem os seus poderes imortais. Para ela, seu toque ainda era como fogo, luz, suor e...
Maldição dos infernos! Ela precisava controlar os próprios hormônios.
Esfregou os olhos e se lembrou de que, na certa, Eddie mandara preparar um excelente café, que devia estar prontinho, esperando por eles.
O que a fez se lembrar de que — tinha certeza —, ouvira Eddie e Ártemis rindo no caminho de volta a um dos quartos, lá pelas duas da madrugada. Talvez os dois até houvessem tido relações sexuais, por mais grosseiro que fosse pensar naquilo.
Ártemis faria aquilo? Não se esperava que fosse uma das deusas virgens?...
Pamela pensou na temporada erótica da diva com Zumanity e no modo sexy como ela andava e falava. Ártemis parecia tão virgem como a Madonna (a cantora, não a outra). Exatamente o oposto de uma deusa casta, inacessível e intocável.
Pamela gemeu de novo ao sair da cama. Lavou o rosto e escovou os dentes, lembrando-se de que era terça-feira. Sem contar aquele dia, haveria apenas mais três até que o portal fosse reaberto, Ártemis e Apolo voltassem ao Mundo Antigo, e ela pudesse retornar ao seu próprio.
Sentiu o estômago revirar. Não. Não era tão ingênua a ponto de esperar que Apolo fosse ficar por ali por tempo suficiente para ter um relacionamento de verdade com ela. Ele iria embora. E ela retornaria à sua vida normal, aborrecida e sem emoção...
Não. Ela já havia resolvido aquilo. Não iria rastejar de volta para sua concha, assexuada, sem companhia, sem romance. Precisava pensar em Apolo como sua porta de entrada para o mundo do namoro. Fora uma missão de reconhecimento bem-sucedida. Iria mudar de missão quando voltasse para casa. Não seria mais apenas trabalho e nada de diversão. Ela — iria — namorar!
— Maldição dos infernos ... — disse ao reflexo desgrenhado no espelho do banheiro. — Estou parecendo uma sócia excêntrica daquelas milícias pelo namoro! Ve vai ficar com tanta vergonha de mim!... — Pamela se interrompeu e deu um tapa na testa. — Ve! Não tenho nem mesmo checado as coisas com ela!... — Vasculhou a bolsa até encontrar o celular e digitou o número da amiga sem muita delicadeza.
— Está cansada de mim? Não me ligou mais... Diga que não é verdade — dramatizou Ve em vez de dizer “Olá”.
— Não é verdade — afirmou Pamela. — Deus, Ve, estou tão envergonhada por não ter telefonado!... As coisas aqui têm sido mais do que gimensamente insanas.
— O escritor está louco e “nas últimas”...?
— Não. Na verdade, Eddie é um sujeito excepcional, e o trabalho está em vias de se tornar quase de bom gosto. Você sabe... Algo que Elizabeth Taylor e Richard Burton teriam gostado.
— Está brincando! Não me diga que o convenceu a recriar o palácio de Cleópatra !
— Bem... quase.
— Como assim?!
— Sim, estou criando algo como o cenário de Cleópatra . Mas não sou eu a responsável pela parte do convencimento.
— Ele tem alguma assistente lésbica com obsessão por Elizabeth Taylor, também? Deus, esse mundo é mesmo um lugar pequeno e inacreditável!... — Ve suspirou, feliz. — Vai me arrumar algum lance , por acaso?
— Mais uma vez, não. O assistente dele é homem, e tenho certeza de que ele é hetero. São os meus assistentes que o estão persuadindo a mudar de foco. E foi apenas por um feliz acidente que o lugar está ficando parecido com um complexo do MGM.
— Espere um pouco! Você só tem uma assistente, que sou eu. E eu não estou aí, porque estou aqui, às voltas com aquela louca do gato velho, a sra. Graham... Que, a propósito, se convenceu a esquecer aquele sofá de veludo cor de ameixa. Vamos procurar pelo chintz hoje. Eu disse a ela que o tecido iria disfarçar mais os pelos de gato. Independentemente da história da “Mulher Gato”, ainda há o importantíssimo detalhe de que a sua assistente cést moi , e eu estou aqui. Explique-se.
O que ela poderia dizer? , perguntou-se Pamela. Se admitisse acreditar que Apolo e a irmã eram imortais presos em Vegas, Ve pegaria o primeiro avião com uma bolsa cheia de Valium e faria uma reserva para que ela passasse agradáveis “férias” na primeira clínica psiquiátrica que encontrasse pela frente.
Sem dizer que ela, Pamela, iria deixar sua melhor amiga preocupada à toa.
Não. Não podia dizer a verdade.
Respirou fundo. Não pensaria naquilo como uma mentira. Iria considerar tudo como uma ficção. Era o que Eddie fazia para viver, e ninguém o chamava de louco.
Bem, pelo menos não abertamente.
— Eu contratei Febo e sua irmã para serem meus assistentes até sexta-feira. Febo é especialista em arquitetura romana antiga. Já a irmã dele é tão sexy que Eddie mudou de ideia sobre fazer daquele horroroso deus Baco a estátua central da fonte, e está fazendo a moça posar como modelo de deusa — ela completou, respirou, então aguardou pela explosão.
— Você contratou o seu namorado?
— Ele não é meu namorado.
— E a irmã dele?... — Ve continuou como se Pamela não tivesse dito nada.
— Sim, bem, a irmã veio apenas como brinde. Febo é mesmo um expert em Roma antiga. Ele me ajudou a convencer Eddie a construir um autêntico balneário romano em vez de uma réplica cafona da piscina do Caesars Palace. Você sabia que os antigos romanos usavam seus balneários como clubes?
— Ok... foco! Ainda não terminei as perguntas sobre o seu namorado.
— Ele não é meu namorado.
— Seja lá o que for. Pensei tê-la ouvido dizer que ele era médico e músico — lembrou Ve. — E ele não devia ter zarpado de Vegas na segunda de manhã?
— Ele é médico e músico. E também especialista em Roma antiga. E, sim, ele devia ter ido embora, mas... ahn... perdeu o voo, por isso decidiu ficar — elaborou Pamela, tentando manter a voz leve, e de um modo que não soasse mentirosa.
— Parece tudo muito conveniente para mim. E eu achando que ele era um jovem cavaleiro Jedi!.. . Quantos anos ele tem, afinal?
— É mais velho do que eu pensava no início — admitiu Pamela, grata por poder responder a uma das perguntas da amiga com sinceridade.
— Ainda está transando com ele?
— Não! Pelo menos não na noite passada.
— Foi sua ideia ou dele não transar ? — Ve insistiu.
— Minha — confessou Pamela, desgostosa.
— Ô-ô... Está completamente amarrada . Por favor, diga que não o contratou apenas para mantê-lo por perto e se torturar com sua crescente obsessão! É o tipo de coisa que estabelece um daqueles cenários doentios de ópera, Pammy.
— Não é nada disso. Eu o contratei — e àquela infeliz da irmã dele — porque precisava de ajuda.
— Quer dizer que a bonitinha é uma bela bisca ...?
Pamela sorriu. Sabia que usar Ártemis como bode expiatório iria funcionar.
— Ela é horrível! Linda, altiva, do tipo que tem complexo de deusa. Você iria adorá-la.
— Você é tão engraçadinha... — Ve suspirou.
— Também sou um gênio do design . Contratar Febo e Diana tirou por completo a pressão de cima de mim para que eu transformasse algo totalmente brega em algo de bom gosto. Eddie está apaixonado por Diana. Um sorriso ou beicinho dela, e ele muda de ideia.
— E você, claro, a informou sobre o que Eddie deve gostar ou não...? — concluiu Ve.
— Claro — Pamela mentiu mais uma vez. Não se podia obrigar Ártemis a fazer muita coisa. Sorte que a deusa tinha excelente gosto... ainda que este fosse meio extravagante.
— E então, o que o seu trípode faz além de ficar por perto, bancando o macho?
— Ele não é meu trípode. E está trabalhando com os arquitetos, no balneário. É superinteressante saber mais sobre... — Uma batida na porta a interrompeu. — Espere um pouco, tem alguém na porta.
— Pamela? — A voz profunda de Apolo fluiu através da madeira. — Eu preciso de ajuda!
— Ahn, Ve, tenho que desligar.
— Ok, ligue mais tarde. E lembre-se: não fique se preocupando com tudo, mas tenha cuidado.
Pamela resmungou um adeus e fechou o telefone flip-top pouco antes de abrir a porta. Ela a escancarou e seus olhos fizeram o mesmo ao pousar em Apolo. Ele estava nu da cintura para cima! Tinha o cabelo ondulado todo desgrenhado, e seu queixo e faces estavam cobertos de sangue.
— Ah, meu Deus!... O que aconteceu?
— Fiz a barba — ele explicou. — E estou sangrando!
— ... Venha aqui. — Pamela o puxou para dentro do quarto e fechou a porta. Sob as manchas de sangue que salpicavam seu rosto, Apolo tinha a pele pálida. Ela balançou a cabeça e apontou para uma cadeira. — Sente-se antes que desmaie. Você não me parece bem.
Ele se deixou cair na cadeira. Tocou uma das gotas de sangue, olhou para o dedo avermelhado e engoliu em seco.
— É o meu sangue...
Pamela franziu a testa.
— Claro que é. Tirou sangue de si mesmo ao se barbear. — Rumou para o banheiro a fim de apanhar uma toalha molhada, olhando-o por cima do ombro. — Já fez a barba antes?
Ele negou com um gesto de cabeça, sem-graça.
— Não.
Pamela voltou ao quarto com a toalha molhada, lembrando-se de como o rosto de Apolo lhe parecera suave e sem pelos na manhã em que haviam acordado juntos.
— Nunca fez a barba?...
Ele a fitou.
— Nunca precisei fazer. Nunca tive barba.
Ela se inclinou diante dele e lhe examinou o rosto, tocando-o na face.
— Não está tão ruim. Você só se cortou algumas vezes. É que o rosto sangra muito facilmente.
— Eu não sabia — Apolo murmurou, parecendo ainda mais pálido.
Pamela se endireitou.
— Nunca viu sangue antes?
— Não — ele concordou, em seguida franziu a testa. — Quero dizer... sim. Mas nunca aconteceu de eu sangrar.
Pamela abriu a boca, depois fechou. Ele era um deus. Deuses não morriam, por isso era lógico que também não sangrassem.
Não soube o que dizer. Antes que pudesse formular uma resposta inteligente, ouviu duas batidas fracas, seguidas pelo som fraco de seu nome.
— Espere aí — disse a Apolo. — Quem é?... — perguntou através da porta.
— Eu! — A palavra soou como um gemido.
— Ártemis? — indagou Pamela, abrindo a porta.
Vestida com a túnica curta mais uma vez, a deusa se arrastou para dentro do quarto como se reeditando uma antiga tragédia grega, com uma das mãos estendida à sua frente e a outra segurando o pescoço.
— Pamela! Alguma coisa está muito errada comig... — Ao avistar o irmão sentado na cadeira, com o rosto salpicado de sangue, Ártemis levou a mão da garganta para a boca.
Pamela bateu a porta e segurou o cotovelo da deusa.
— Nem pense em gritar! — falou devagar e claramente.
— Oh!... — Ártemis oscilou, e Pamela a guiou para a cama, onde a diva se deixou sentar, ainda com os enormes olhos vidrados em Apolo.
— Ele está morrendo?! — indagou, em pânico.
— Ah, meu bom Senhor... Claro que não! Ele só se cortou no barbear. — Pamela esfregou a têmpora direita, sentindo a pontada que marcava o início de uma forte dor de cabeça.
— Apolo!? — Ártemis perguntou com voz trêmula.
— Não sou muito bom com a... — Ele fez um movimento, simulando a lâmina.
— Navalha — completou Pamela. — Não, você não é bom com a navalha. — Ela caminhou até ele e se abaixou de novo. — Isso pode doer um pouco... — Tocou os cortes com a toalha molhada.
O único movimento de Apolo foi uma puxada de ar.
Sua irmã assistiu a tudo, horrorizada.
— Ele está sangrando! — exclamou Ártemis.
— Sim, é isso o que acontece quando você se corta com uma navalha. Você sangra. — Pamela revirou os olhos para a deusa antes de se concentrar outra vez em Apolo. — Ok. Agora é só pegar um lenço de papel e pressionar uns pedacinhos nesses cortes. Muito em breve eles vão coagular e parar de sangrar, então estará novo em folha.
— Lenço de papel? — inquiriu Apolo.
— Coagular? — indagou Ártemis com voz estridente.
— Esqueçam... Eu mesma faço isso.
Pamela suspirou, foi até o banheiro, apanhou dois lenços de papel e tornou a se agachar ao lado da cadeira de Apolo.
Os gêmeos observaram, admirados, enquanto ela rasgava pedacinhos redondos e os pressionava nos cortes.
— Pronto — Pamela anunciou e se endireitou a fim de avaliar seu trabalho. — Isso deve parar o sangramento. Quando estiver pondo a camisa e penteando o cabelo, já poderá tirar os papéis sem que os cortes se abram novamente.
— Eles se abrem de novo? — ele perguntou, agoniado.
— Apolo, não é o Deus da Cura ou sei lá mais do quê? Como esse tipo de coisa pode ser tão chocante para você? — Pamela indagou, exasperada, sem saber se queria abraçá-lo ou chacoalhá-lo.
O deus se levantou de um salto.
— Tem toda a razão. Eu... Eu estou me sentindo um tolo. Vou me vestir e já volto — informou, batendo em retirada.
— Isso não foi muito gentil — observou Ártemis.
Pamela colocou as mãos nos quadris e se virou para a deusa.
— Olhe só quem está, de repente, toda preocupada com bons modos!... Preciso lembrá-la de que já deixou claro que me considera apenas uma experiência mortal que deu errado? Parece que me lembro de ter dito algo sobre estar farta de ficar algemada a mim como desculpa para ter me lançado algum tipo de magia sexual e fazer que eu me interessasse pelo seu irmão...
Ártemis se encolheu toda.
— Está piorando a minha dor de cabeça!
— Que bom!
— Mais uma vez, isso não está sendo muito agradável da sua parte! Até porque eu posso estar morrendo!
— E por que acha isso?
— Basta olhar para mim! Alguma coisa está muito errada. Meus olhos estão vermelhos, inchados e, sob eles, estou com essas manchas escuras horríveis. Estou com o estômago embrulhado e acho que a minha cabeça vai arrebentar a qualquer momento — choramingou a deusa, caindo dramaticamente sobre os travesseiros de Pamela.
— Por favor... Não há nada de errado com você, exceto uma enorme ressaca! — esclareceu Pamela, tentando não rir.
— E isso vai me matar? — Ártemis perguntou, endireitando o corpo para, em seguida, fazer uma careta de dor e segurar a cabeça.
— Não. Mas eu deixaria de lado as mimosas e o champanhe hoje.
A deusa empalideceu.
— Nem sequer mencione aquelas bebidas!
Pamela não pôde deixar de sorrir para ela.
— Aposto que está morrendo de sede.
— Estou seca! Como sabe? Já teve esta doença?
Pamela foi até o frigobar e apanhou uma garrafa de água. Rompeu o lacre, então a entregou a Ártemis. — Mais vezes do que estou disposta a admitir. Você ingeriu muito álcool ontem, e seu corpo temporariamente mortal está lhe dizendo que não foi uma boa ideia. — Pamela observou Ártemis entornar a garrafa de água. — Espere, não beba tudo. Vai precisar de um pouco para tomar com o Tylenol — explicou, vasculhando a bolsa até encontrar sua caixinha. Revirou as cartelas de Benadryl e Xanax até encontrar dois comprimidos do remédio. — Engula isto e depois tome um café da manhã leve: talvez apenas algumas torradas ou bolinhos. — Ao observar a expressão vazia de Ártemis, ela acrescentou: — Ah, está bem... Eu mostro o que poderá comer. Mas trate de beber café e um pouco mais de água. Vai se sentir melhor em breve.
— Vou ficar com uma aparência melhor também? Mal pude acreditar na imagem horrorosa que vi no espelho!...
Pamela estudou o rosto da deusa, assim como tinha feito antes com seu irmão. Ártemis continuava, como sempre, incrivelmente bela, mas, naquela manhã, a deusa se encontrava mesmo muito abatida.
— Vamos até o banheiro. Talvez eu possa dar um jeito nessas olheiras. — Ela fez uma pausa e lançou a Ártemis um olhar avaliador. — Espere... Faremos um trato. Vou melhorar sua aparência se prometer ser boazinha com Eddie outra vez.
À menção do nome do autor, a expressão de Ártemis mudou. Seu rosto pareceu suavizar, e suas faces se tingiram de um rosa delicado.
— Ah, meu Deus!... Está mesmo gostando dele! — exclamou Pamela.
— Ele... ele me lembra alguém — Ártemis sussurrou.
— Gosta de Eddie porque ele a faz se lembrar de alguém? Quem?
Os olhos da deusa faiscaram, e ela reassumiu sua habitual arrogância.
— É problema meu, não seu, quem Eddie me lembra. E não estou gostando dele apenas por causa disso. Ele me reconheceu. É um mortal de um Mundo Moderno que já não honra os deuses e as deusas, mas Eddie me conhece e me adora. E isso me agrada.
— Sei — resmungou Pamela. Em seguida, fez sinal para Ártemis se sentar no balcão do banheiro enquanto revirava seu estojo de maquiagem em busca de um corretivo.
Por algum tempo, trabalhou em silêncio no rosto da deusa, cobrindo os círculos escuros sob os olhos enormes e espalhando um pouco de pó bronzeador em suas faces, de modo a trazer de volta sua cor natural. Então, como se Ártemis já não fosse naturalmente maravilhosa, destacou seus olhos com uma sombra cintilante. Era como retocar uma pintura feita por um mestre, concluiu.
— Hipólito — murmurou Ártemis.
— O quê? — Pamela perguntou.
— Quem. Hipólito não era uma coisa. Era uma pessoa. Eddie faz que eu me lembre dele.
— Hipólito também era escritor? — Pamela quis saber, acrescentando apenas um toque de blush nas maçãs salientes do rosto da deusa.
— Não. Ele era guerreiro. Filho de Teseu. Era alto, forte e quase tão bonito como um deus. Não é o corpo de Eddie que lembra o do meu Hipólito. É em sua devoção que vejo muita semelhança.
— Você fala de Hipólito no pretérito... Ele está morto?
— Sim — admitiu Ártemis. — Assassinado por engano, por conta de sua devoção a mim. Fui a única mulher que ele amou.
— Eu sinto muito — sussurrou Pamela.
Ártemis encontrou o olhar da mortal, surpresa por identificar nele tanta compreensão.
— Você também perdeu um amor.
— Ele não morreu fisicamente... Mas descobri que o homem em que eu acreditava, na verdade, não existe.
Ártemis assentiu com um gesto de cabeça, pensativa.
— De certa forma, isso me parece até mais difícil de suportar. Pelo menos Hipólito já não caminha sobre a Terra antiga. Seria muito doloroso vê-lo, sabendo que ele é apenas a imagem do que eu acreditava que ele fosse...
— Então me entende — murmurou Pamela.
— Sim. — Ártemis sorriu, tristonha. Em seguida, virou-se. Ao se ver no espelho, seu sorriso se ampliou e se transformou em um sorriso de verdade. — Você realizou um milagre!
Pamela riu.
— Com certeza. E esses milagres têm nome: Borghese, Mac e um pouco de Chanel para completar. São milagres da mulher moderna que trabalha.
— Obrigada, Pamela! — a deusa falou com sinceridade.
— Foi um prazer, Ártemis. — Ela olhou para o próprio reflexo com um suspiro. — Agora vou ter que operar o mesmo milagre em mim. E depressa.
Ártemis deslizou do balcão.
— Eu digo a Eddie que fui a responsável pelo seu atraso. Ele não vai ficar nem um pouco aborrecido se tiver algum tempo a sós comigo antes que você venha ao nosso encontro...
— Ártemis! — Pamela chamou e, com a mão na maçaneta da porta, a deusa se virou para encará-la. — Posso fazer uma pergunta? Mesmo sendo meio pessoal?
A diva encolheu um ombro.
— Merece até uma bênção pelo milagre que fez. Não tenho poderes para lhe agradecer, assim terei prazer em responder à sua pergunta.
— Não entendo muita coisa de mitologia, mas lembro-me de ter lido que você, a deusa Ártemis, era uma deusa virgem, intocada por qualquer homem ou deus. Fico me perguntando se isso é verdade...?
Por um momento, Ártemis pareceu chocada. Depois, perplexa. Então começou a rir.
— Desculpe, eu não tive a intenção de que isso fosse engraçado — Pamela murmurou, meio envergonhada pela reação da deusa à sua pergunta.
— É da imaginação dos homens que estou rindo, não de você. Eles me denominaram a “Deusa Virgem” porque me recusei a ficar presa a um parceiro. Eu levo o amor aonde vou. Decido quem, onde e quando... Meu verdadeiro prazer vem da minha liberdade. Minha amante favorita é a floresta; minhas antigas companheiras, as ninfas que me servem. Mas posso lhe assegurar... não sou virgem — afirmou Ártemis, saindo do banheiro e deixando sua risada melodiosa como rastro.
C O N T I N U A
Capítulo 18
— Eu não faço a menor ideia do que vestir. — Pamela suspirou ao celular.
— Alguma coisa quente , mas não muito — sugeriu Ve. — Ele tem algumas explicações a dar antes de você cair de costas e abrir as pernas outra vez...
— Eu não abri as pernas assim!
O silêncio de Ve pesou na consciência já pesada de Pamela.
— Está bem, talvez eu tenha aberto um pouco — admitiu.
— Pammy, não existe abrir as pernas “um pouco”. É como estar um pouco grávida, ou se engajar em uma pequena guerra nuclear.
— Ah, Deus! Eu sou uma vagabunda! — Ela cobriu os olhos com a mão.
— Ora, por favor... Você teve relações sexuais com dois homens num período de... o quê? Oito, nove anos? Isso está longe de qualificá-la como uma prostituta.
— Mas eu dormi com Febo no nosso segundo encontro! — ela cochichou.
— Ei, não tem que cochichar! Está sozinha. Sem dizer que está se justificando para a pessoa errada, você sabe. Vamos rever aquela velha piada... O que uma lésbica leva com ela em um segundo encontro? — Ve fez uma pausa, na expectativa.
— Um reboque com a mudança — respondeu Pamela.
— Certo. Então, como pode ver, do meu ponto de vista tem se mostrado criteriosa até demais.
— Tem razão. Estou falando com a pessoa errada — Pamela concluiu.
Ve a ignorou.
— O que não significa que não deva fazer um pouco de doce ... Ao menos por uma noite, até que o jovem Jedi, Febo, explique por que resolveu abandoná-la pela manhã e, mais importante, por que deixou de mencionar esse fato antes, durante e depois de você ter aberto as pernas.
— Será que pode parar de chamá-lo desse jeito?
— Por quê? Falo como um elogio. Além disso, de acordo com suas incansáveis descrições, ele se encaixa perfeitamente na imagem.
— Febo não é nenhum Jedi . Se quer a verdade, ele parece mais um deus.
— Ah, controle-se! Nada é melhor do que um cavaleiro Jedi ... Exceto a princesa Leia.
— Vernelle! Não está ajudando em nada assim.
— Desculpe. Está bem, o que pode vestir?... Que tal aquele seu lindo vestido de seda creme? Você sabe, aquele com alças finas. Está na última moda de primavera e sempre faz sucesso com as massas. Você o levou, não levou?
— Sim. Mas não se lembra de como é decotado? Hello!... Tem alças finas! Ombros nus e decote profundo não entram na categoria “quente, mas não muito” — lembrou Pamela.
— Verdade. Muito bem. Levou as calças pretas? Aquela com as fendas que mostram uma boa parte das panturrilhas?
— Sim, acho que sim.
— Use-as com um dos seus tops sem mangas. Mas um com um decote alto. Assim ele consegue ver um pouco de suas pernas, um pouco dos seus braços, e apenas o contorno de tudo o mais. Se for um bom menino, poderá abrir o restante do pacote depois que vocês fizerem as pazes.
— Ve, você é incorrigível! — exclamou Pamela.
— Sim, eu sei. Mas também sei o que cai bem em mulheres.
— Agora me pegou. Está bem, vou usar as calças. E não vou dormir com ele de novo.
— Dormir? Você não me contou nada sobre ter dormido com o Jedi ! Eu posso não ser hetero, mas até eu sei que ninguém dorme com cavaleiros Jedi .
— Pare com isso. Sabe muito bem que estou falando de sexo.
— Pammy, você pode ter relações sexuais com ele. Basta judiar de Febo um pouco primeiro.
Pamela fez menção de dizer algo, depois mudou de ideia.
— Está bem. Talvez.
— Não me venha com “está bem, talvez”. Conheço esse seu tom. O que há de errado? Desembuche, criatura!
— Eu gosto dele — Pamela murmurou.
— Sim, deixou isso mais do que claro. E qual é o problema?
— Quero dizer que realmente gosto dele. E não quero isso. Não é muito inteligente da minha parte.
— Pammy, escute-me... O que não é muito inteligente é deixar Duane, aquele manipulador obsessivo, envenenar o seu futuro. Esse tal de Febo pode não ser o cara . Ele pode ser apenas alguém com quem está tendo um “casinho” em Vegas, e de quem vai se lembrar sempre como o homem que a tirou do limbo. De qualquer modo, nunca vai descobrir quem ele é realmente, ou o que qualquer outro cara seja, se não estiver disposta a lhe dar uma chance. Amor é assim. Precisa se arriscar a perder ou ganhar.
— Eu não sei se consigo — choramingou Pamela. — Nós já concluímos que não sou uma jogadora muito boa.
— Mas pode ser — Ve replicou com firmeza.
— Como pode ter tanta certeza?
— Se estivesse destinada a ficar sozinha, não estaria agonizando com essa história de “devo ou não devo”. Já teria aceitado o “não devo” como o melhor para você e seguido em frente com a sua vida. Seja franca. Pode afirmar com convicção que se sentia melhor antes de conhecer Febo?
— Era mais fácil — ela respondeu, seca.
— Bem, boneca, é mais fácil fazer as cortinas do quarto do mesmo tecido da colcha... Mas isso garante um melhor resultado?
Pamela fez uma careta ao notar as estampas florais combinando perfeitamente na suíte.
— Definitivamente, não.
— Por favor, dê uma chance a si mesma, Pammy. Você merece viver de verdade outra vez.
— Eu te amo, Ve — ela falou.
— Isso é o que todas as garotas dizem. Divirta-se esta noite. E tente não ser muito dura com o pobre trípode. Lembre-se de que pode ser esperta sem ser mala .
— Ahn?
— Esqueça. Vá se arrumar.
— Está bem, eu ligo amanhã — resolveu Pamela.
— Por falar nisso, percebeu que este é o segundo telefonema de uma série em que não mencionou trabalho uma só vez, não é?
— Maldição dos infernos! Estou perdendo a cabeça. Como foi com a sra... — ela recomeçou, mas a risada de Ve a interrompeu.
— Pammy! Pare!... É ótimo que tenha algo na cabeça além da Ruby Slipper.
— Sim, mas...
— Está tudo bem. Como de costume. Não tem que se preocupar. Telefone amanhã, depois da reunião com Faust. E lembre-se: diversão e fantasia, Pamela. Diversão e fantasia.
— Está linda esta noite... e muito sedutora — Apolo afirmou, beijando a pele da mão de Pamela com lábios tão persistentes e sugestivos como seu olhar.
Que maravilha! , ela pensou, sentindo o estômago se contrair com a visão dele. O oposto do que eu queria.
— Aposto que diz isso para todas — falou com cinismo, tomando emprestado o bordão de Ve.
— Não nos últimos tempos — ele replicou, os olhos azuis, da cor do céu, de repente muito sérios. — E nunca com tanta sinceridade.
— Então, muito obrigada — Pamela agradeceu, tentando, sem sucesso, não se deixar enfeitiçar pelo azul dos olhos de Febo. Como um gato se livrando da água, ela se sacudiu mentalmente e tratou de mudar de assunto. — Como está a sua irmã?
— Está bem. Ainda incomodada, mas bem. — Apolo manteve a mão na dela enquanto apoiava um pé no degrau inferior da cadeira alta, a seu lado. Queria puxá-la para os braços e beijá-la ali, na frente do café, mas a linguagem corporal de Pamela lhe dizia que ele precisava ir com calma. — Diana não quis ofendê-la esta tarde. Como ela mesma falou, não tem estado muito bem.
Pamela se preparou para soltar um improvisado “tudo bem”, porém se conteve. Em vez disso, endireitou os ombros e o fitou nos olhos.
— Não vou fingir que descobrir que iria partir tão cedo, e que não dissera nada a respeito, não feriu meus sentimentos. Para falar a verdade, isso fez que eu quisesse distância de você.
— Ah, a verdade. — Apolo acenou com a cabeça, pensando como apreciava a honestidade de Pamela e, ao mesmo tempo, percebendo quão poucas mulheres haviam sido sinceras com ele. Elas o tinham adorado, idolatrado, competido por sua atenção... Contudo, ele não achava que alguma houvesse sido honesta com ele. — Ficou magoada ao pensar que eu iria deixá-la sem explicação, e sinto muito por isso. — Acariciou-a no rosto. — A última coisa que desejo é que sinta vontade de fugir de mim para se proteger. — Tocou com o dedo a medalha dourada que pendia em torno do pescoço delicado. — Por favor, acredite que seus sentimentos estão seguros comigo.
Mais uma vez, Pamela retrucou com total franqueza:
— Vou tentar confiar em você, mas não posso prometer nada ainda.
Ele levou sua mão aos lábios outra vez.
— E eu vou me contentar com a sua honestidade e com a oportunidade de ganhar sua confiança.
— Pode me dizer por que está indo embora?
— Você se importaria muito se falássemos sobre isso durante o jantar? Planejei algo especial para nós esta noite.
— Ah, claro — Pamela sentiu uma onda de prazer que desejou poder controlar melhor. — Estou faminta. — Levantou-se, muito consciente de que Febo ainda a segurava pela mão, e sem coragem de se livrar dos dedos quentes. — Para onde vamos?
— Para o Monte Olimpo — ele declarou com os olhos brilhando.
— Parece um restaurante que se encaixaria muito bem por aqui... Mas não me lembro de tê-lo visto enquanto passeava pelo Fórum. Fica no Caesars Palace?
— Há uma passagem para ele no hotel, mas é exclusiva. Poucas pessoas sabem disso.
— É só para os deuses, certo? — Pamela falou brincando.
— Só para os deuses — Apolo concordou, sorrindo.
Caminharam de mãos dadas, do Fórum até o cassino. Seus braços se tocavam intimamente, e Pamela se lembrou de como fora maravilhoso estar no meio destes, pressionada contra o peito nu. Podia até sentir seu aroma único. Não era como o daqueles perfumes masculinos de loja de departamento. O dele era natural. Febo cheirava a limpeza. A homem.
A ponto de ela ter vontade de cheirá-lo.
— Terminou o esboço das salas de banho? — ele quis saber.
— Sim, terminei. — Pamela tratou de afastar as lembranças de sua pele nua. — E gostei. Nunca tinha desenhado nada semelhante. É emocionante fazer algo novo. Isso se eu convencer Eddie a usar o projeto.
— Vai convencer.
— Eu espero que sim... OH, MEU DEUS! — Pamela estacou, como se tivesse trombado com uma parede invisível, ao deparar com uma vitrine iluminada, bem na frente de uma pequena loja de acessórios da moda. Nesta, pequenas bolsas, cuidadosamente dispostas sobre um pilar de mármore, se encontravam dentro de uma caixa de vidro fechada. — Não acredito como são perfeitas! — Entorpecida, Pamela largou a mão de Febo e se aproximou do vidro. Havia três bolsinhas forradas de pedras nas caixas transparentes. Uma delas imitava um cofre de porquinho, desses de criança, a outra era uma encantadora libélula, e a terceira, aquela pela qual ela enlouqueceu: uma réplica exata de um dos sapatinhos de rubi de Dorothy. Cintilava com contas vermelhas e pedras semipreciosas sob o spot , parecendo mágica, familiar e muito... Mágico de Oz. — Preciso comprar essa bolsa! — exclamou, chamando o atencioso vendedor que aguardava no interior da loja com o dedo.
Apolo observou enquanto Pamela, encantada com a bolsa em forma de sapato vermelho — que também continha aquele pino cortante que ela tanto apreciava —, aguardava, impaciente, que o servo abrisse a caixa de vidro e retirasse o objeto com cuidado.
Pamela o tratou com reverência, virando a etiqueta dourada que pendia do fecho.
Seu rosto empalideceu.
— Deixe-me ter certeza de que estou lendo direito... São 4 mil dólares ou 400 dólares?... — perguntou ao funcionário.
— É isso mesmo, senhora. Trata-se de uma Judith Leiber original. — O tom do rapaz dizia que aquela era explicação suficiente para o preço.
— É linda. — Relutante, Pamela devolveu a bolsa para o vendedor, que a colocou de volta na vitrine.
— Posso lhe mostrar mais alguma coisa, madame?
— Não, obrigada.
O empregado fechou e trancou a caixa de vidro.
— Pode me chamar se precisar de ajuda. — Ele fez um movimento afetado com o rosto e rumou para o interior da elegante loja.
— Não vai comprá-la? — Apolo perguntou, odiando o ar de desamparo no rosto de Pamela.
— Está brincando? Custa 4 mil dólares. Não posso gastar esse dinheiro em uma bolsa.
— Mas disse que ela era perfeita.
— E é!... Quatro mil dólares de perfeição. — Ela suspirou e deslizou o braço pelo dele, conduzindo-o para longe da fachada da loja.
— Vamos embora antes que eu chore.
— Não tem 4 mil dólares? — Apolo perguntou enquanto caminhavam.
— Sim, tenho. Mas não sobrando. Ou melhor, não que justifique uma extravagância dessas. Mesmo que seja uma bolsa-joia, sapatinho de rubi!... — Ela suspirou, pensativa. — Quem sabe um dia?
Apolo pensou no pacote de dinheiro que carregava no bolso. Não se lembrava exatamente do quanto havia trazido com ele. Tinha apanhado apenas algumas notas do topo da pilha que Zeus mandara Baco deixar numa tigela dourada, próxima do portal. Fez uma conta rápida e teve a certeza de que não contava com 4 mil dólares.
De qualquer maneira, Pamela parecia considerar aquilo uma grande quantia em dinheiro; decerto mais do que aceitaria como presente.
Olhou para a medalha de ouro que se aninhava pouco acima do vale entre seus seios. Ela quase não a aceitara, e não fazia ideia nem mesmo de uma fração de seu valor.
Não. Pamela não permitiria que ele a presenteasse com a bolsa.
O chão de pedra deu lugar a um tapete opulento quando eles deixaram as lojas do Fórum e adentraram o Caesars Palace.
— É por aqui — orientou Apolo, virando à direita e passando por várias fileiras de máquinas caça-níqueis que piscavam. Em seguida, diminuiu o passo e parou.
— Caminho errado? — Pamela inquiriu.
Ele sorriu.
— Não, mas eu estava pensando... Por que não se arrisca um pouco no jogo?
O rosto bonito de Pamela se transformou em um ponto de interrogação.
— Quer a bolsa, mas não pretende gastar 4 mil dos seus dólares. E se ganhasse esse dinheiro? Você compraria a bolsa?
— Acho que sim, eu...
Apolo fez um gesto de cabeça em direção à fileira de caça-níqueis mais próxima.
— Estou sentindo que a sorte está conosco esta noite.
Pamela mordeu o lábio.
— Não sou muito boa jogadora. Gosto de saber que estou recebendo algo em troca quando entrego o meu dinheiro.
— Então, permita-me entrar com o meu dinheiro. — Ele enfiou a mão no bolso e tirou o pequeno pacote, lidando com habilidade com a dúzia de notas, cuja maioria era de 50 ou 100 dólares.
— Minha Nossa, Febo, nunca ouviu falar em cartões de crédito?
Ele tentou não se mostrar confuso. Baco havia mencionado algo sobre outras formas com as quais os mortais modernos pagavam por suas aquisições, mas não se lembrava exatamente do que o deus dissera.
— Prefiro isto. — Fez uma pausa, tentando decidir o que mais poderia dizer. — Não é muito colorido, mas interessante de se olhar. — Entregou-lhe uma nota de 100 dólares. — Aceite uma destas, use-a para alimentar uma das máquinas, e vamos ver o que acontece.
Pamela franziu a testa, olhando-o como se ele fosse louco.
— Não posso torrar 100 dólares assim, mesmo que sejam dos seus! E, estou falando sério, eu nunca jogo. Não sei se tenho a atitude certa para dar sorte.
— Pois eu penso o contrário. Você traz sorte para mim.
O comentário arrancou um sorriso relutante de Pamela.
— Não vou conseguir gastar 100 dólares assim.
— Se é assim, leve uma desta. — Apolo mexeu no dinheiro até encontrar uma nota de cinquenta. — Lembre-se de que poderá ganhar dinheiro suficiente para comprar a sua bolsa-sapato.
À menção do cobiçado objeto, os olhos castanhos de Pamela cintilaram, e ele soube que tinha vencido.
— Está bem, vamos fazer um acordo. — Ela não pegou a nota de cinquenta. Em vez disso, remexeu o maço de dinheiro até encontrar 20 dólares. — Eu aposto com isto, e apenas isto. Se eu ganhar, você recebe a metade. Se eu perder, fico lhe devendo 10 dólares.
— Aceito — concordou Apolo. — Em que máquina vamos tentar?
Pamela estudou a fileira de caça-níqueis piscando, ressoando, retinindo, e sentiu-se um pouco intimidada por sua aparência. Já passava das oito da noite do domingo, mas pelo menos metade das máquinas continuava ocupada por jogadores, os quais apertavam botões e puxavam alavancas com admirável intensidade.
— É você quem está se sentindo com sorte. Você escolhe — resolveu.
Apolo coçou o queixo, fingindo considerar os aparelhos com cuidado.
— Gostei desta aqui. — Ele a puxou pela mão até um caça-níqueis não muito longe de onde eles estavam. Havia apenas mais duas pessoas naquela fileira, e estas se encontravam sentadas bem além da máquina que ele escolhera.
— “Roda da Fortuna”. Tem certeza de que quer esta? Pode ser um mau presságio... Eu nunca gostei muito desse programa de TV. Não costumo soletrar bem. — Pamela encolheu os ombros. — Aliás, sempre odiei fazer isso.
— Está nervosa.
Apolo não compreendeu o que ela dizia, mas reconheceu o tom de sua voz e sua linguagem corporal.
— Sim — admitiu Pamela, sentindo-se uma tola. — Tem razão, estou mesmo. Eu já disse que nunca joguei antes.
— Não pense nisto como um jogo de azar. Pense nisso como a compra de uma bolsa.
Pamela se animou visivelmente.
— Acho que comprar uma bolsa é algo que eu consigo fazer. — Ela se acomodou no assento estofado e estudou a frente do extravagante caça-níqueis. — Acho que o dinheiro vai aqui... — concluiu, deslizando-o para dentro de uma fenda. A nota desapareceu, e a máquina clicou e retiniu, exibindo um crédito de 20 dólares no visor digital. Pamela olhou para Febo. — Pronto?
— Pronto.
Ela agarrou a bola vermelha na extremidade do braço de metal e puxou. Tinha a atenção voltada para as três pequenas janelas do aparelho, e não percebeu o pequeno gesto de comando que Apolo fez com a mão.
— Bar... — Pamela murmurou quando o primeiro rolo parou no visor. — Bar... — repetiu na parada seguinte, com crescente excitação na voz. — BAR! — gritou quando a terceira imagem preta estacou.
A máquina explodiu em luzes e sirenes, e começou a vomitar dinheiro pela boca mecânica enquanto Pamela gritava e saltava, atirando-se nos braços de Apolo, que a abraçou de volta, rindo.
Às vezes era muito bom ser um deus.
Capítulo 19
A alça da bolsa de sapatinho de rubi era uma corrente de filigrana de ouro que podia muito bem ser usada como um colar sensual por uma daquelas mulheres rebeldes dos anos vinte. Pamela a deslizou sobre o ombro e sentiu uma vontade louca e infantil de saltitar como a Dorothy pela Yellow Brick Road abaixo. Não podia acreditar que aquela bolsa era sua! Ve ia ter um ataque quando a visse.
— Ainda não acredito que o prêmio era de exatamente 8 mil dólares! — falou, emocionada, fazendo uma voltinha enquanto observava a bolsa cintilar no reflexo das vitrines pelas quais passavam.
— Eu disse que estava me sentindo com sorte — lembrou Apolo, ainda encantado com a exuberância da reação de Pamela ao ganhar o dinheiro.
— Eu jamais teria me permitido comprar algo tão caro! — Ela apertou a mão dele e baixou a voz. — Nem mesmo um par de sapatos de grife fabulosos, de coleção nova. Não por 4 mil dólares.
— Mas você adorou essa bolsa. — Apolo sorriu para ela, satisfeito por ter sido capaz de ter orquestrado tal alegria. Curiosamente, não se importava por não poder contar que ele mesmo comandara a máquina, de modo a fazê-la expelir o dinheiro necessário. Não se importava em não receber o crédito. O principal era que Pamela se encontrava radiante, e isso tornava seu coração leve e despreocupado.
— Amo esta bolsa. Adoro esta bolsa. Estou apaixonada por esta bolsa! — Ela riu. — Não me importo o quanto isso soe superficial e materialista. Só vou usá-la em ocasiões especiais. Quando eu voltar à minha loja, vou colocá-la em um vidro, na vitrine da frente, onde tenho nosso logotipo pintado em vermelho com os dizeres: “Ruby Slipper Design Studio... A certeza de que não existe lugar melhor do que a nossa própria casa”.
Fizeram o caminho de volta através do Caesars Palace enquanto Apolo ouvia a animada conversa de Pamela. Ele acreditava no slogan de seu estúdio de design . Sem Pamela, não havia casa alguma. Sabia que isso era verdade — já experimentara a sensação. O Reino de Vegas era um lugar estranho e bizarro, mas quando ele passara pelo portal, naquela noite, e rumara na direção da Adega Perdida e de Pamela, sentira como se estivesse voltando para casa. Por mais improvável que fosse, Apolo, o Deus da Luz, um dos Doze Olímpicos originais, estava se apaixonando por Pamela Gray, uma mortal moderna.
— Ei! O que vai fazer com os seus 4 mil dólares?
Apolo levou a mão delicada aos lábios.
— Não faço ideia. Talvez você me ajude a decidir. Lembro-me de ouvi-la dizendo que nunca comprou um par de sapatos de grife por 4 mil dólares... — Sua voz foi sumindo conforme seu olhar percorria o corpo esbelto, até as perigosas sandálias pretas de salto que Pamela usava. — E descobri que gosto muito desses seus sapatos que parecem uma adaga.
— Você sabe mesmo o caminho para o coração de uma mulher! — Pamela sorriu.
— Por todos os deuses, espero que sim — Apolo falou, sincero.
Em seguida, virou em um pequeno corredor lateral e, após apenas alguns metros, parou diante de uma porta branca e simples.
— Não pode ser aqui. — Pamela duvidou, olhando em volta. — Não há nenhuma indicação. Não é nem mesmo próximo dos outros res taurantes. — Ela lançou à porta, depois a Febo, um olhar desconfiado. — Acho que se confundiu em algum lugar.
Apolo sorriu de lado.
— Eu disse que era um local exclusivo.
— Mas... — ela recomeçou, confusa.
Apolo fez que ela o encarasse. Teria que resolver tudo depressa. Não gostava da ideia de usar seus poderes para hipnotizá-la, contudo precisava convencer Pamela a atravessar o portal. Depois iria transportá-la de imediato até seu templo, sem que ela estivesse ciente do que acontecia.
— Prometo que o jantar desta noite será como nenhum outro. — Ele não se preocupou em inspecionar a área ao redor; o pequeno corredor de serviço já se encontrava encantado pelo poder do Olimpo. Não haveria intrusos mortais para vê-lo usar sua magia imortal em Pamela. — Mas, antes de irmos, preciso fazer algo que estou com vontade desde que minha irmã nos interrompeu esta manhã... — Puxou-a para os braços. Enquanto deslizava as mãos pelas curvas suaves de seu corpo, e seus lábios encontravam os dela, concentrou-se em enviar para a mente de Pamela uma bruma de seu poder dourado. Ordenou que a névoa iluminada lhe obliterasse os pensamentos para que, por apenas alguns momentos, a preciosa alma mortal de Pamela ficasse tonta e desorientada.
Ela gemeu baixinho, oscilando ligeiramente.
Com um movimento rápido, Apolo a ergueu nos braços, abriu a porta e atravessou o portal. Teve apenas um vislumbre do Salão Nobre do Olimpo, mas foi o bastante para perceber que Ártemis fizera o que tinha prometido. O local estava deserto. Não havia um único imortal para testemunhar o Deus da Luz readentrando o Olimpo com uma mortal moderna nos braços.
Em silêncio, ordenou que fossem transportados até seu templo, e ambos desapareceram em um facho de luz.
O sorriso de Baco era malévolo quando ele deixou a boca do corredor e se aproximou da porta que disfarçava o portal olímpico. Aquilo iria ser ridículo de tão fácil. Como sempre, Apolo se mostrava muito arrogante e seguro de si, e não percebera que ele, Baco, o seguia desde quando ele encontrara a mortal no bar. Na verdade, Apolo não notara coisa nenhuma, exceto a mortal moderna por quem estava obcecado. Tinha bancado o herói oculto, manipulando a máquina caça-níqueis, e presenteado a moça com os meios necessários para a compra de um objeto de seu desejo...
Mal podia esperar até que a mulher testemunhasse como o deus dourado se tornaria impotente e patético sem seus poderes. Estava ansioso por ver a arrogância do Deus da Luz se extinguir, mesmo que fosse por um período de apenas cinco dias.
Baco caminhou através do portal. Assim como tinha previsto, o Salão Nobre do Olimpo se encontrava vazio. Se conhecia bem os gêmeos dourados, estes se certificariam de que o local permanecesse assim, de modo que o encontro de Apolo com a mortal passasse despercebido pelos outros imortais.
Que conveniente!...
Ele quase riu em voz alta, mas, com um esforço, se controlou. Teria muito tempo para se regozijar depois. No momento, precisava se concentrar.
O Deus do Vinho encarou o portal e ergueu os braços sobre a cabeça, invocando o poder inebriante de seu reino e dando início ao ritual mágico:
Ricos e inebriantes poderes do vinho,
reúnam-se neste portal.
Preparem-no para que possa, serena,
passar por ele a mortal.
Se ela voltar, todavia,
transforme-a naquilo em que foi nomeada.
Perdurem por apenas um momento, delicados poderes,
em seguida, esvaeçam,
como esvaece a luz de Apolo que pela manhã se alastra...
Baco fez uma pausa para reprimir a alegria que sentiu ao se referir ao Deus da Luz em seu feitiço. Tornou a se concentrar no que fazia, e completou as palavras de sua armadilha:
Há mais de uma maneira de se queimar...
Eis a lição que o Deus do Sol deve assimilar!
O deus ergueu as mãos diante do portal e, por um instante, este flamejou com a cor de um vinho rosé gelado. Em seguida, a cor desbotou, e tudo voltou ao normal.
— Primeiro passo concluído — Baco murmurou para si mesmo. — Segundo passo: espera.
O Deus do Vinho soltou um comando suave. Seu corpo desapareceu e se rematerializou no jardim dos fundos do templo de Apolo.
Baco espiou por trás de um arbusto bem cortado. Assim como ele havia previsto, a propriedade se encontrava deserta. Normalmente, exuberantes ninfas se reuniam em torno do templo de seu deus favorito, disputando a atenção de Apolo.
— A adoração de ninfas não pode ser conveniente quando se está cortejando uma mortal moderna... — Baco ironizou. — Melhor para mim.
Para um deus de seu tamanho, ele se movia com surpreendente discrição. Entrou por uma das portas traseiras do templo e se deslocou em silêncio pelo corredor de mármore até alcançar uma sala cavernosa, onde uma dúzia de servas virgens de Ártemis dava risadinhas e se divertia ajeitando jarros de vinho e comida em travessas. Sim, ele chegara a tempo. Aguardou, impaciente, que a serva encarregada do vinho virasse a cabeça para responder a uma pergunta cochichada de uma das colegas e, em seguida, com movimento rápido e seguro, moveu os dedos em direção aos jarros, sussurrando:
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O vinho cintilou com uma luz sobrenatural rosa-pálido.
Invisível para quem quer que fosse, Baco deixou a sala e se mesclou à noite.
Agora, tudo o que lhe restava era esperar e observar. Esperar e observar...
A risada satisfeita do Deus do Vinho ecoou, sinistra, pelos jardins desertos.
Ártemis correu para o salão, e suas criadas silenciaram respeitosamente.
— Eles chegaram!
Sussurros excitados cessaram com um só movimento da mão da deusa.
— Esta noite, servindo ao meu irmão, estarão servindo a mim mesma. Façam-no com competência.
As servas inclinaram as cabeças.
— Sim, deusa — entoaram com suas vozes doces.
— Levem vinho a eles — ordenou Ártemis, e duas das criadas se apressaram em obedecê-la.
Tão logo estas saíram, a deusa se debruçou sobre as travessas repletas de iguarias e olhou para as amas.
— Devo ajudar o Deus da Luz a alcançar seu desejo? — indagou, maliciosa.
As virgens riram e assentiram com um gesto de cabeça.
Ártemis estendeu as mãos sobre o banquete do irmão.
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O poder derramou das mãos da deusa por sobre os alimentos, cintilou por um instante, depois os fez voltar à sua aparência normal.
— Sirvam aos dois, e depois os deixem sozinhos. Privacidade é o que Apolo deseja esta noite.
Satisfeita, Ártemis deixou o templo do irmão e caminhou devagar na direção do Salão Nobre, o qual deveria estar deserto, pois ela se certificara disso. Afrodite e Eros haviam retornado mais cedo de sua incursão de fim de semana ao Reino de Las Vegas e agora descansavam em seus templos. Ela deixara claro para as ninfas que ainda perambulavam por Vegas que já era hora de elas voltarem para o Olimpo e, com poucas e afiadas palavras, mandara todas de volta para as florestas e os vales aos quais estas pertenciam.
Criaturas tolas...
O restante dos Doze Imortais tinha desaparecido, afinal, ela começara um boato de que Hera e Zeus estavam se desentendendo de novo, e nenhum mortal ou divindade gostava de testemunhar isso.
Em seguida, ela esperaria pelo irmão no salão vazio e torceria para que, antes do amanhecer, pudesse sentir o vínculo entre ela e a mortal se dissolver. Sem dúvida havia feito tudo o que podia. O restante era com Apolo.
— Absolutamente espetacular! — Pamela olhou ao redor, admirada. — Não acredito que aquela porta sem-graça estava escondendo isto tudo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Está brincando? Este lugar é magnífico! — Ela inclinou a cabeça para trás, tentando ver a parte superior do teto abobadado, e deparou com um tipo de afresco fabuloso. A vertigem que a acometera pouco antes, porém, a fez tropeçar para trás.
O braço forte de Febo estava lá para segurá-la.
— Talvez seja melhor sentar-se — ele sugeriu, guiando-a para uma das duas requintadas espreguiçadeiras que descansavam em ambos os lados de uma mesa de mármore.
Pamela se deixou afundar na chaise longue e esfregou a testa.
— Devo ter ficado no sol por muito tempo hoje. Minha cabeça está girando.
Como se sob sua sugestão, duas moças entraram na sala. Vestiam túnicas curtas e diáfanas, feitas de seda branca, onde se viam criaturas da floresta bordadas com fio prata. Uma delas carregava uma bandeja com um jarro dourado e duas taças da mesma cor.
As mulheres sorriram, tímidas, para Febo e Pamela.
— Vinho? — indagaram em uníssono.
— Claro — concordou Apolo.
Com movimentos graciosos, lindos de se observar, as moças serviram a bebida.
— Seu jantar está pronto — uma delas anunciou com voz melodiosa.
— Podemos servi-lo? — perguntou a outra.
— Sim.
As duas mulheres fizeram uma profunda reverência e saíram, apressadas, por onde tinham vindo.
— Mas nós nem mesmo fizemos o pedido — lembrou Pamela. Estava com uma terrível dor de cabeça. Sentia-se desorientada e nem um pouco confortável.
— Eu já havia especificado alguns pratos com antecedência. — Apolo pensou por um momento. — Chamam isso de “encomenda”, certo? — Quando a expressão perplexa de Pamela mudou para uma carranca, ele acrescentou: — Espero que não se importe. Eu queria surpreendê-la com iguarias gregas.
— Iguarias gregas? Intrigante. Quase tão intrigante quanto este restaurante. — Ela passou a mão pela lateral da chaise . — Veludo de seda... Meu tecido favorito para estofamento. — Como se o toque familiar do veludo fosse um bálsamo, a névoa em sua mente começou a se dissipar. — Veludo de seda me lembra água. É tão liso e macio!... Adoro. — Seus dedos permaneceram sobre o bonito tecido.
— Fico feliz por ter aprovado — disse Apolo, aliviado por ela estar se recuperando do poder que ele lhe lançara.
Pamela olhou ao redor da sala mal iluminada. Eles não apenas eram os únicos clientes ali, mas sua mesa também era a única posta no lugar. Era um espaço enorme, claro, mas, ao contrário do restante do Caesars Palace e do Fórum, alguém com bom gosto e estilo o tinha decorado... o que significava que este não era forrado do chão ao teto com a exagerada pseudo-opulência romana.
E o piso era incrível. Parecia feito de uma única peça de mármore, embora ela soubesse que aquilo não era possível.
— Este chão é inacreditável. Parece muito com mármore de Carrara, mas nunca vi Carrara com veios dourados como este. — Seus olhos viajaram do piso para as paredes, e então se arregalaram. — Usaram o mesmo mármore para as paredes e as colunas! Adoro esse estilo minimalista. E o decorador acertou em cheio: esse mármore é bonito demais para ser coberto por uma porção de quadros. Aquela tapeçaria é o toque perfeito. — Apontou para o enorme trabalho que se estendia pela maior parte da parede à sua frente. Era de um homem nu. Um lindo e jovem homem nu.
Pamela apertou os olhos, tentando enxergar melhor à luz fraca. Ele se encontrava de pé, ao lado de uma biga, e segurava uma harpa.
— Ele me parece familiar — comentou, intrigada.
— Provavelmente porque o está usando na imagem que leva em torno do pescoço — Apolo justificou depressa.
Ela tocou a medalha dourada e sorriu.
— É verdade. Você disse que o nome do restaurante era Monte Olimpo, portanto é provável que seja Apolo outra vez. Incrível essa semelhança entre vocês dois. Principalmente com este da tapeçaria. Estranho...
— Coincidência — ele falou, fingindo indiferença. — Vamos beber? — Entregou-lhe um dos cálices e ergueu o seu próprio. — À nossa sorte.
Pamela sorriu e deu um tapinha na bolsa cintilante que descansava a seu lado.
— À nossa. — Tomou um gole. — Este vinho é uma delícia!... E eu não costumo gostar muito de vinho branco. — Olhou para a taça. — Mas este não é branco. — A cor do vinho era tão incomum quanto seu sabor. Se ela fosse convidada a descrevê-lo para uma daquelas revistas sobre degustação, diria que era leve e fresco, como o cheiro de peras ou melões, e da cor da luz solar. — O que é, um Pinot Gris ?
Apolo encolheu os ombros.
— Não tenho certeza. Pedi para que nos servissem o melhor da casa.
Quanto a isso ele estava dizendo a verdade. Ártemis tinha planejado o jantar e escolhido o vinho.
Bebeu outro longo gole. Teria que perguntar à irmã sobre o vinho. Era mesmo delicioso e incomum. Estava gelado, mas, conforme bebia, podia sentir o corpo sendo preenchido por um calor que parecia irradiar de seu âmago.
Olhou para Pamela. Ela estava com as faces coradas, parara de examinar o design da sala e agora sorria para ele, os lábios ligeiramente separados parecendo ainda mais cheios e convidativos.
— Não gostei de ficar longe de você esta noite — ele falou, rouco.
— Eu também senti a sua falta.
— Como vou suportar ficar distante nos próximos cinco dias?
— Cinco dias?
Então ele só voltaria para Vegas no outro fim de semana, quando ela estava pensando em voar de volta para o Colorado? Aquele trabalho deveria durar apenas uma semana, lembrou Pamela. E passaria cinco dias sem Febo!...
De repente, percebeu os pensamentos lentos e deslocados, e o tempo lhe pareceu interminável e sem importância. Ela não queria que ele fosse embora — claro que não — e Febo estava ali naquele momento. Perto o suficiente para ser tocado.
Como podia ser tão bonito?, perguntou-se.
E precisou se obrigar a permanecer na própria chaise quando o que queria era se juntar a ele, tirar aquela camisa... e começar a lambê-lo corpo abaixo.
— Sim, eu... — Apolo vacilou. O que ele e Ártemis tinham decidido dizer a Pamela sobre sua suposta “viagem”? Estava difícil se concentrar em qualquer coisa além daqueles lábios.
Uma série de virgens carregando travessas de comida impediu seu impulso de empurrar a mesa e devorar a boca de Pamela.
Pouco depois, eles eram servidos com os alimentos dos deuses em pratos de ouro.
— Folhas das mais finas uvas, recheadas com carne e queijo — explicou uma das servas de Ártemis em uma voz suave e hipnótica, conforme Pamela provava o aromático charutinho.
— Cordeiro criado à base de mel e leite — murmurou outra.
Apolo provou a carne, depois sorriu, comendo com prazer. Sua irmã não costumava ser tão dedicada a assuntos domésticos, mas, naquela noite, havia se superado.
— Queijo de cabra, animais dos quais as ninfas cuidam como se fossem seus filhos...
— Azeitonas e figos colhidos no Monte Olimpo pelas mãos macias e hábeis das sacerdotisas de Afrodite...
Aquelas moças eram, sem dúvida, as melhores garçonetes que ela já conhecera!, refletiu Pamela. Precisava perguntar a Febo como ele conseguira aquela reserva. Ele devia ter mandado fechar o restaurante, o que significava, entre outras coisas, que devia ser um médico bastante bem-sucedido.
E parecia tão jovem!... Ela precisava perguntar quantos anos ele tinha, quando era seu aniversário e onde ele nascera.
Não que isso importasse muito. Estava apenas curiosa.
Também precisava perguntar a ele sobre... o que, mesmo? Não conseguia se concentrar! Aquela comida era tão absurdamente deliciosa!... Seu gosto preenchia os sentidos.
Aquilo era mais do que comida. Lembrava a luz de um sol de verão, calor, desejo...
Ergueu o olhar do prato e encontrou os olhos cor de safira de Febo observando-a com uma intensidade que a fez prender a respiração.
— Vamos deixá-los a sós agora. Nossa noite está no fim — as servas entoaram. E conforme suas vozes doces se desvaneciam, elas sussurraram uma prece quase inaudível: — Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
Apolo e Pamela mal notaram a partida das servas. Olharam um para o outro, e tudo o mais na sala, tudo o mais no mundo, desapareceu. Sua pele formigava com o calor crescente da luxúria.
— Preciso que você me ame — a voz de Apolo saiu densa de desejo.
Em algum lugar nos recônditos de sua mente, onde o bom-senso ainda espreitava, ele sabia que sua reação a Pamela estava sendo muito rude, atrevida; entretanto não conseguia se conter. Não queria parar.
— Sim... — ela balbuciou a palavra.
Com um movimento selvagem, fluido, que lembrou o de um leão enorme e pardo, Apolo se levantou e arrastou a mesa que os separava para longe. Pamela percebeu que a mesa foi lançada com uma força desumana, porém tal pensamento foi vago, e ela o registrou apenas em parte. Quando ele rasgou a camisa e quase arrancou as calças, tudo o que ela conseguiu pensar foi na reação de seu corpo ao ouvir o som gutural de seu próprio nome nos lábios de Febo, e como ele estava magnífico olhando para ela enquanto se aproximava completamente nu.
— Sim! — gemeu de novo, saindo da chaise direto para seus braços.
A boca de Febo a devorou. Enlevada, ela deslizou uma das mãos pelo ombro largo, sentindo seus músculos tremerem com a força do desejo. Com a mão livre, puxou a própria camisa sobre a cabeça e abriu o zíper das calças, que deslizaram com fluidez por seu corpo abaixo. Febo encontrou o gancho do sutiã e lutou para abri-lo.
— Eu não consigo... Eu preciso... — rosnou, frustrado. — Tenho que sentir você contra mim! — Rasgou a faixa de renda em suas costas, e os seios de Pamela se libertaram, roçando o peito largo enquanto ela abria um caminho de beijos quentes pela lateral de seu pescoço.
Apolo deixou escapar uma imprecação na tentativa de controlar a própria luxúria.
— Aqui também... — Pamela segurou a mão com que ele apertava seu seio e a guiou para a calcinha. Mordeu o lábio inferior de Febo, puxando-o para dentro da boca e sugando-o, sedutora. — Quero que a tire também!...
Todos os pensamentos de Apolo desapareceram. Com um grunhido, ele a obedeceu. Em seguida, suas mãos se espalmaram ao redor da cintura delgada e, com a força de um deus, ele a levantou e empalou em seu membro.
Pamela se encontrava pronta para ele. Envolveu-o com as pernas em torno da cintura e cravou as unhas em seus ombros. Pendendo a cabeça para trás, arqueou-se, consumida pela esmagadora necessidade de se saciar com seu toque... com seu fogo.
Febo era o fogo. Sob as mãos dela, seu corpo literalmente brilhava.
Seus sentidos atestavam aquilo, contudo Pamela não conseguia atinar com o pensamento. Era como se a luz que brotava da pele úmida de suor fosse parte de sua excitação: ela a seduzia, brincava com ela, instigava sua própria paixão. O cabelo de Febo pendia, cacheado, em volta de seu rosto: espesso, dourado, glorioso. E seus olhos... seus olhos a incendiavam.
E ela queria ser incendiada por eles. Queria ser varrida pelas chamas de sua luxúria. Sentia-se gloriosa, maravilhosamente sem controle.
— Mais forte!... — ofegou na boca de Febo, mal reconhecendo a própria voz. Ele arremeteu, e ela sentiu a fria suavidade de uma das colunas de mármore contra as costas nuas. Usou a rigidez da pilastra para se firmar, de modo a ir de encontro às estocadas com sua própria paixão. — Não pare... Ainda não... Não pare! — arquejou, sentindo-se dobrar sobre a borda de um abismo.
Seu orgasmo foi algo que ela jamais experimentara. Envolveu-a, ondeando por seu corpo com uma intensidade que beirava a dor.
De repente já não estava mais sendo pressionada contra a coluna. Com o corpo ainda dentro do dela, Febo a carregou dali. Passaram por uma porta em arco que dava em um cômodo adjacente à sala de jantar. No centro do espaço, havia uma enorme cama de dossel.
Pamela se deu conta de que tinham entrado em um quarto, e aquilo não fez qualquer sentido.
Mas sua mente e corpo estavam tão repletos de Febo que nada parecia real, exceto seu gosto, sua pele e seu cheiro.
— O que está acontecendo? — murmurou enquanto ele a deitava na cama, sob ele.
— Estou amando você. Para sempre, Pamela... Isso é o que é ser amada por mim.
Apolo começou a se mover contra ela na antiga dança do amor, recuando o membro rijo de seu corpo para depois mergulhá-lo nela outra vez.
Pamela passou as mãos pelo peito liso conforme este se avultava sobre ela. A pele de Febo tinha um brilho dourado!
Perplexa, e ainda ultrassensível, olhou para baixo, onde seus corpos se uniam. Eles estavam ambos brilhando, em chamas... Chamas varriam sua pele, conduzindo-os, engolindo-os!...
— Olhe para mim, Pamela!
A voz de Febo soou rouca, e ela fixou os olhos nos dele.
— Enxergue-me — ele pediu. — Desta vez, veja quem sou de verdade.
Conforme eles se uniam, ela obedeceu. Febo era o poder, a beleza e o amor, tudo se fundindo em um único ser. Como ela pudera acreditar que ele era um homem comum?
Sua mente se esforçou para compreender a verdade fugidia do que estava vendo conforme seus corpos se inflamavam naquela luz ofuscante e sobrenatural. O que ele era? O que estava acontecendo com ela?!
Apolo viu o pânico cintilar em seus olhos e a segurou pelo rosto, obrigando seu olhar a permanecer preso ao dele. Com um enorme esforço, controlou o próprio corpo.
— Olhe mais fundo — pediu baixinho. — Olhe além da estranheza que você teme... Não pode ver o seu reflexo na minha alma?
O azul de seus olhos a manteve ainda mais cativa do que seus corpos unidos. Pamela estremeceu com a intensidade das emoções que a sacudiam.
E ali, sob o poder que irradiava dele, encontrou a essência do homem que ela conhecia. Nesta, viu o reflexo de seu próprio desejo, de sua necessidade e de seu vazio, e de repente soube que, ao preencher Febo, ela também se completava.
— O que você é? — indagou num sussurro.
— Sua alma gêmea.
A voz dele tremeu e, apesar do impressionante poder que irradiava de Febo, Pamela pensou, de repente, que ele parecia muito jovem e vulnerável.
— Sim — murmurou, sentindo o fogo começar a reacender em seu âmago. — É minha alma gêmea.
Ela o puxou mais para si e, com um doloroso gemido, Febo mergulhou nela, incapaz de se conter por mais tempo.
Quando o mundo começou a explodir, Pamela afundou o rosto no ombro largo e se agarrou a ele.
No Salão Nobre, Ártemis, se levantou de repente e respirou fundo. Estava acabado! O vínculo com a mortal fora embora. Pelo visto, sua magia tinha feito a balança pender em favor de seu irmão.
Já não era sem tempo.
Espreguiçou-se, langorosa, apreciando a ausência do irritante incômodo que fora o desejo de amor de Pamela, então se recostou em sua bem estofada chaise longue . Gostaria de ir para a floresta — uma corrida ao luar seria revigorante —, mas não podia. Apolo ainda precisava dela para garantir que nenhuma ninfa o vislumbrasse devolvendo a mortal para seu próprio mundo.
Mas isso era de pouca importância. Seu relacionamento com a mortal estava quase concluído. Agora que Apolo havia ganhado o coração de Pamela, previu Ártemis, ele logo iria se cansar da moça. Logo tudo voltaria ao normal, e sua aventura no Reino de Las Vegas não seria nada mais do que uma quase divertida lembrança.
Ártemis ignorou a ponta de dúvida que surgiu em sua mente conforme ela se lembrou da fervorosa declaração de amor do irmão. A alma gêmea de Apolo era uma mortal?... Impossível.
Escondido nas sombras, Baco sorriu e esperou.
Capítulo 20
Alguma coisa estava errada. Apolo soube disso da mesma forma que conhecia as muitas linguagens do homem ou as vozes de instrumentos musicais: naturalmente, no nível mais elementar de seu ser.
O corpo quente em seus braços se agitou e, no mesmo momento, ele o abraçou com mais força.
Pamela...
Abriu os olhos. O que tinha acontecido na noite anterior? Eles estavam nus em sua cama.
Pense!, ordenou a seu cérebro entorpecido. Lembre-se!
E os acontecimentos da noite lhe assomaram à memória.
Apolo abafou um gemido. Ele perdera todo o controle. Como? Por que não fora capaz de...
Soube a resposta antes de completar o pensamento. O banquete fora impregnado com o poder inebriante de uma deusa. E ele sabia qual delas: Ártemis!
— Apolo!
Como se seus pensamentos a houvessem invocado, o sussurro impaciente da deidade chiou no quarto.
Ele virou a cabeça e a fulminou com o olhar.
— O que está fazendo? — cochichou Ártemis. — Sabe que o amanhecer está próximo. Quer que a mortal fique presa aqui?
Chocado, ele sentou-se. Era isso o que estava errado. Como sempre, o Deus da Luz sentira a vinda da carruagem em chamas que introduzia a aurora no firmamento. Por instinto, ele soubera que já passara da hora de Pamela ser devolvida a seu mundo.
Na noite anterior, ele se revelara em demasia. Como a mente mortal de Pamela poderia compreender o que decorrera do amor sem amarras que haviam feito, assim como aceitar que ela se encontrava presa no Monte Olimpo?...
Lembrou-se do medo que tremeluzira em seus olhos quando ele tinha se revelado. Pamela não seria capaz de apreender tudo aquilo; não de verdade. E, se fosse, ele podia imaginar como isso mudaria seus sentimentos por ele.
Não. Ainda era cedo. Ele precisava tirá-la do Olimpo. No momento em que o portal fosse reaberto, teria uma explicação para aquela noite incomum. Passaria mais tempo com ela e a faria solidificar seus sentimentos por ele; sentimentos que Pamela só admitira sob a influência da magia de Ártemis.
Apolo tornou a fazer uma carranca para a irmã.
— Vá! — sussurrou para ela. — Certifique-se de que o Salão Nobre esteja vazio. Vou com Pamela em seguida.
— Depressa! — aconselhou a deusa enquanto seu corpo se esvaecia.
— Febo? — A voz de Pamela soou grogue. Ela piscou, sonolenta, e esfregou os olhos. — Onde...
Ele apertou os lábios e, relutante, passou a mão sobre o rosto delicado, obliterando seus pensamentos e lhe entorpecendo os sentidos.
— Precisa se vestir. Temos que ir embora — falou, conduzindo-a com delicadeza pela mão até o cômodo ao lado, onde encontrou suas roupas jogadas.
Hipnotizada, Pamela obedeceu.
Apolo odiou a si mesmo enquanto vestia as próprias calças e a observava fazer o mesmo mecanicamente. Suas roupas de baixo, assim como a camisa dele, estavam arruinadas.
A lembrança da paixão que o inundara ao rasgar as peças de seus corpos o fez estremecer, e suas entranhas se agitaram. Como poderia sobreviver sem o toque de Pamela por cinco dias?
Sua determinação vacilou. Ele contava com uma escolha. Poderia enfeitiçá-la e mantê-la consigo até que o portal se abrisse de novo.
Tocou seu rosto e, mesmo com os pensamentos embotados pela magia, Pamela oscilou em sua direção.
Seria apenas uma semana...
Não!, Apolo repreendeu a si mesmo. Ela ficaria enojada se ele fizesse tal coisa. Como não poderia?
Ele odiou a si mesmo só de pensar.
— Venha, minha doce Pamela. Vou levá-la pra casa.
Passou os braços ao seu redor, e eles desapareceram, rematerializando-se quase que no mesmo instante ao lado do portal, no Salão Nobre.
Ártemis estava lá, com os braços cruzados, batendo o pé, impaciente. Observou o peito nu do irmão, a expressão zumbi de Pamela, e balançou a cabeça. Quanto mais cedo eles se livrassem do Mundo Moderno dos mortais, melhor!
— Ande logo, o sol está nascendo! — ralhou.
— Eu sei! — devolveu Apolo com raiva. — Principalmente agora que meus sentidos não estão mais entorpecidos pela magia de uma deusa...
Ártemis teve a decência de parecer sem-graça.
— Vou levá-la e voltar em seguida — avisou o Deus da Luz.
Ela suspirou, porém não discutiu.
Apolo colocou o braço em torno de Pamela e atravessou com ela o portal. Adentraram Vegas, e ele abriu a porta para o pequeno armá rio. No corredor deserto, ajeitou suas roupas, então tocou seu rosto delicadamente.
Sentia-se como um meliante. Havia roubado seu amor, e agora iria bater em retirada antes que a luz do dia revelasse seu crime. Não tinha escolha, mas, mesmo assim, odiou a si mesmo por permitir que as coisas tivessem acontecido daquela maneira.
— Eu te amo, minha doce Pamela. Lembre-se disso. E lembre-se de confiar em mim. Eu voltarei para você... Mas, desta vez, farei isso do modo certo. — Inclinou-se para ela e ordenou em pensamento: Desperte com o meu beijo.
Beijou-a com paixão e, enquanto Pamela piscava e sua expressão aturdida começava a se iluminar, voltou para o armário, fechou a porta e retornou ao Olimpo.
Pamela esfregou os olhos. Urgh... Estava tonta e um pouco enjoada. O quanto bebera no jantar?
Olhou ao redor. Onde, diabos, ela se encontrava?
Seu cérebro atordoado registrou a porta pequena e simples, e o corredor vazio. Onde estava Febo?
Passou a mão pelo cabelo, e o movimento de levantar o braço fez balançar seus seios.
Seus peitos estavam balançando?... Aonde fora parar seu sutiã?!
Sentiu um arrepio de pânico descer pela espinha.
Pense! Do que ela se lembrava?
Febo a encontrara no café. Eles haviam ido jantar em um restaurante maravilhoso, exclusivo...
A lembrança da refeição em si estava embaçada, contudo. Estranhas imagens de peles quentes e escorregadias, e do gosto salgado da paixão, a atormentavam. Tinha uma vaga lembrança de roupas sendo rasgadas e, depois, de Febo levando-a para um quarto onde ela pudera se vestir... com apenas algumas de suas roupas!
Pamela sentiu o pânico invadi-la e a dor na cabeça aumentar. Respire , ordenou a si mesma. Estava bem; apenas bebera demais.
Mas onde, diabos, estava Febo?!
Sua felicidade ao comprar aquela bolsa maravilhosa de sapatinho de rubi era sua última lembrança mais nítida.
— Maldição dos infernos !... Minha bolsa!
Olhou para a porta branca. O que acontecera naquele jantar? Não conseguia concatenar as ideias, mesmo sabendo que alguma coisa havia acontecido. Por algum motivo, a memória fugia do seu alcance. Febo a drogara? Mas por que ele o faria?!
Na tentativa de manter o medo sob controle, Pamela apelou para o bom-senso. Deixara sua bolsa nova de sapatinho de rubi, de 4 mil dólares, no restaurante. E, com ou sem Febo, iria voltar lá para pegá-la.
Abriu a porta e entrou. Aquilo era um closet ?...
No meio do armário, deparou com uma passagem em forma de disco que cintilava e brilhava.
Alguma coisa se agitou em sua memória. Ela atravessara aquele círculo com Febo! Era a entrada para o restaurante.
Pamela endireitou os ombros e cruzou a bizarra entrada. Experimentou uma sensação engraçada, como penas lhe roçando a pele, e a luz mudou, da lâmpada amarela e fraca do closet para uma luminescência rosada.
Entretanto, ela não adentrou o fabuloso restaurante de que se lembrava. Em vez disso, viu-se no meio de um magnífico salão de baile.
O lugar era imenso e de uma beleza indescritível. O enorme espaço se encontrava vazio, exceto pela presença de duas pessoas que gritavam uma com a outra.
Conforme ela surgiu na entrada, estas se viraram em sua direção. Febo, sem camisa, olhou para ela em choque. Sua irmã pareceu furiosa a princípio, em seguida sua expressão mudou e...
Uma dor lancinante cortou Pamela dos pés à cabeça. Ela abriu a boca para gritar, mas, conforme a dor ondulou por seu corpo, o grito ecoou em sua cabeça. Era como se ela não tivesse mais boca para lhe dar voz. Desamparada, estendeu a mão para Febo conforme se sentia dobrar e se transformar em algo não humano.
No mesmo instante, a dor dissipou a bruma em sua cabeça, e as lembranças a assaltaram de uma só vez. Febo... Sua pele brilhando com uma paixão sobrenatural enquanto ele a tomava nos braços e a fazia sua... Ele não era humano. Nenhum homem comum podia ser feito de fogo.
O que ele havia feito com ela? O que estava fazendo com ela agora?!
Lembrou-se de seu fogo varrendo-a inteira, acariciando-a e...
Outro grito rasgou sua mente.
Apolo estava de costas para o portal, repreendendo a irmã por sua indesejada interferência, quando sentiu sua alma gêmea adentrando o Olimpo, e seu fogo de barragem foi interrompido. No momento em que os pés mortais de Pamela ultrapassaram o portal, o restante de seu corpo começou a se transformar.
Impotente, Apolo assistiu a Pamela diminuir de tamanho, se liquefazer, depois se transmutar em um belo jasmim perfumado.
— Leve-a de volta antes que o sol nasça! — sua irmã gritou. — Quando o portal se fechar, o feitiço vai desaparecer!
E, então, ela seria Pamela mais uma vez.
As palavras tiveram o efeito de uma cotovelada em Apolo. Ele saltou para a frente, sentindo Ártemis logo atrás dele.
Agarrou a flor de jasmim delicada e a puxou de onde esta já começava a fincar raízes, no chão de mármore. Sussurrando um alquebrado pedido de desculpas, pulou através do portal com o corpo transformado de Pamela nas mãos.
Ártemis hesitou em frente ao portal, lançando um olhar rápido sobre o ombro na direção das janelas que iam do chão ao teto, e que mostravam o amanhecer iluminando o céu, o qual, por sua vez, já se tingia de vermelho.
— Não, seu tolo! — gritou dentro do disco que girava. — Não era para ir junto com ela! — A deusa se inclinou para a frente, tentando enxergar através da fulgurante passagem.
Das sombras, Baco se aproximou rápida e silenciosamente e, com um único movimento, bateu o ombro no centro das costas da Deusa da Caça. Ártemis gritou e caiu no disco apenas alguns segundos antes de o portal se apagar, desaparecendo por completo conforme o amanhecer se espalhava pelo Monte Olimpo.
A risada de Baco ressoou, então, com malévolo triunfo.
Capítulo 21
Pamela estava de quatro. Sua respiração saía em espasmos, e seus dentes batiam em uníssono com o tremor que lhe sacudia o corpo.
Seu corpo!
Apalpou braços e rosto freneticamente. Ela havia se transformado em alguma coisa!... Algo verde, que crescia e que, sem sombra de dúvida, não era natural.
Mas agora voltara ao normal de novo. Voltara a ser humana.
— Está tudo bem, meu doce — falou Apolo, estendendo-lhe a mão.
Pamela se encolheu para longe de seu toque.
— Você! — exclamou, mas, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a irmã de Febo caiu de cabeça no pequeno cômodo, pouco antes de o disco perolado e colorido que girava desaparecer.
Ártemis soltou uma praga ininteligível conforme se levantava do solo, e o irmão a fitou, pasmado.
— Vou fazer Baco se arrepender de ter sido salvo por Zeus quando aquela mãe humana dele... — A deusa interrompeu o discurso ao se dar conta de que o portal se fechara. — Não!... — sussurrou, lívida. — Não podemos ficar presos aqui!
— Que diabo é você?! — As palavras explodiram de Pamela.
Apolo e Ártemis se viraram para a pequena mortal ainda agachada no chão. Ela foi recuando, até se ver pressionada contra a porta fechada. Tinha os olhos arregalados e escuros em contraste com a brancura de seu rosto.
— Pamela... — Apolo falou em um tom suave, estendendo-lhe a mão outra vez. — Sabe quem eu sou.
— Não! — ela gritou de volta, se esquivando de seu toque. — Eu não perguntei quem você é. Perguntei o que você é!
— Vai ter de fazê-la esquecer — declarou Ártemis, ignorando Pamela. — Ela já viu muito. Olhe para ela: Pamela se lembra! — A deusa levantou a mão esguia. — Está bem, eu mesma faço isso. Sei o quanto ficou apegado a ela... Durma e esqueça! — Sacudiu os dedos na direção de Pamela, que recuou instintivamente.
— Pare! — gritou Apolo. — Não quero que mexa com ela.
— Que diabo está acontecendo?! — As pernas de Pamela funcionaram bem o bastante para que ela se levantasse; contudo ela permaneceu de costas para a porta, pressionando as mãos contra a madeira maciça na tentativa de atenuar o tremor que a sacudia.
— Por que ela não dormiu? — Ártemis indagou ao irmão. Então balançou a mão e olhou os dedos.
— O portal está fechado — lembrou Apolo.
A deusa fez uma careta de desdém.
— Estou vendo!
Apolo apenas a encarou, e Ártemis arregalou os olhos.
— Quer dizer que quando o portal se fecha... — Suas palavras foram morrendo.
— Quando o portal se fecha, ele corta os nossos poderes — seu irmão terminou por ela.
Ártemis levou a mão à boca, soltando uma exclamação abafada.
— Está bem, é isso aí... Estou indo embora. — Pamela empurrou a porta do armário e saiu, sentindo como se as pernas fossem de borracha.
— Olhe o que você fez! — Apolo rosnou para a irmã antes de correr atrás de Pamela.
— O que eu fiz? — Ártemis bufou, indignada, mas, relutante, o seguiu. Não queria fazer aquilo. Queria que o portal reabrisse. Queria voltar para o Olimpo e tomar um longo banho de imersão em sua fonte de água mineral. Queria que seus poderes imortais retornassem e...
Suspirou, saindo para o corredor.
Apolo tinha segurado Pamela pelo cotovelo a poucos metros da porta do armário e tentava se justificar, enquanto a mortal fazia força para puxar o braço.
Ártemis balançou a cabeça. Como haviam decaído os poderosos!...
Marchou até os dois.
— Fique quieta, mortal! — ralhou com desgosto. — É mesmo muito simples. — Apontou para o irmão. — O nome verdadeiro dele é Febo Apolo, Deus da Música, da Luz e da Cura. Meu nome é Diana, mas apenas se for de descendência romana. Do contrário, prefiro ser chamada de Ártemis, a Deusa da Caça. Também tenho uma afinidade com a Lua, assim como meu irmão está aliado ao Sol... mas decerto não desejo lhe passar tantas informações a ponto de atordoá-la — terminou com sarcasmo.
— Vocês são deuses?... — Pamela rezou fervorosamente para acordar logo.
— Sim. Imortais. Ou ao menos éramos antes que o portal nos aprisionasse neste mundo miserável. Agora suspeito de que somos apenas atraentes mortais — ela falou, seca.
— Apolo e Ártemis... — Pamela olhou os gêmeos.
— Eu disse que era simples.
— Você é maluca ! — ela exclamou.
— Eu não queria que descobrisse desta forma — interveio Apolo —, mas Ártemis está dizendo a verdade. — Ele franziu a testa para a irmã. — Ainda que esteja fazendo um péssimo trabalho.
— O quê? — exigiu a deusa. — Se queria música suave e perfume de flores, sinto muito, mas não serei capaz de atender seu desejo. Pelo menos enquanto o portal não reabrir.
— Não está ajudando — Apolo falou à irmã.
— Mas não existem deuses! Isso não passa de mitologia! — interveio Pamela.
— Pensei que havia dito que ela era inteligente — Ártemis zombou.
Pamela estudou a bela jovem, tão parecida com seu amante, e sentiu a entorpecedora onda de horror que a vinha assolando degelar.
E, conforme esse degelo acontecia, começou a ficar irada.
— Não precisa ser tão rude! — acusou.
— Rude? — Ártemis estreitou os olhos. — Está me chamando de rude quando você é quem nega a minha existência? E isso porque está bem no meio de uma estrutura que foi construída justamente porque povos antigos honravam a mim e aos outros onze deuses tão bem que tenho sido lembrada por milhares de anos... Isso soa inteligente?
— Nem inteligente nem pouco inteligente. Soa apenas absurdo... Isto tudo é absurdo. Não pode ser verdade!
Apolo a segurou pelo outro cotovelo e a fez encará-lo, tentando ignorar o modo como Pamela continuava a se afastar dele.
— Sabe que é verdade, Pamela — falou numa voz calma e tranquila. — Teve uma experiência. Tudo o que tem de fazer agora é aceitar.
Pamela olhou para ele. Olhou para ele de verdade . Febo continuava o mesmo homem alto e estonteante da noite anterior; no entanto, não era o mesmo homem.
Alguma coisa estava faltando nele. Febo continuava extraordinariamente bonito, mas o azul espetacular de seus olhos parecia ter assumido um tom mais... — ela engoliu em seco — ... um tom mais humano.
E havia outra coisa: Febo contava com menos presença agora. Essa era a única maneira que poderia descrever o que sentia. Ele parecia o mesmo, mas não era.
Os detalhes não tinham mudado. Seus ombros não pareciam menos amplos; seu peito, não menos musculoso... o que podia constatar com facilidade, uma vez que ele estava sem camisa.
No entanto, Febo mudara, se transformara... em menos.
E Ártemis estava com a razão; ela se lembrava. De pequenas coisas, como do fato de ele poder ficar ao sol do deserto durante toda a tarde e nem mesmo suar. E de grandes coisas, como ele ter ficado em chamas na noite anterior, enquanto faziam amor.
Somado a tudo isso havia ainda o inegável fato de que ela atravessara um portal reluzente e se transformara em algo que, definitivamente, não era humano.
Não podia ser. Não era possível... Mas, no fundo, ela sabia que eles estavam dizendo a verdade. Aqueles dois eram mesmo deuses.
— O que era aquela coisa no armário? — indagou em um sussurro.
— Um portal que Zeus abriu, do Olimpo para o Reino de Las Vegas — explicou Apolo.
— Por quê?
Ele deu de ombros e tentou sorrir.
— Quem entende as vontades do Supremo Governante do Olimpo?
— Se eu me lembro bem, ele disse algo sobre desejar que nós observássemos e nos divertíssemos com seu mundo — falou Ártemis.
Pamela desviou o olhar para a deusa.
— Quer dizer, num tipo de experiência? Como num daqueles episódios patéticos de Jornada nas Estrelas ?
— Sabe o que ela quer dizer? — Ártemis perguntou ao irmão.
— Não, mas sei que, mais uma vez, não está ajudando em nada — ele falou por entre os dentes.
Pamela o fitou, atordoada.
— O que aconteceu comigo quando atravessei aquele portal? Algo terrível aconteceu com o meu corpo... O que fez comigo?
— Não! Não fui eu. Não pode acreditar que eu faria qualquer coisa para feri-la.
Pamela virou o rosto.
— Já me feriu.
— Foi aquele cretino do Baco! Ele deve ter lançado algum feitiço sobre o portal. —Ártemis fez uma pausa enquanto pensava sobre o que tinha acontecido com Pamela.
— Estava se transformando em uma flor.
— Em um jasmim, como seu próprio nome sugere — completou Apolo. — A mais doce de todas as flores.
Ártemis bufou.
— Muito romântico. Isso mostra que Baco enfeitiçou o portal de modo que, se Pamela o atravessasse sem você, ela reverteria para sua forma mais básica: a de seu próprio nome.
Pamela sentiu o coração entorpecido.
— É como nas lendas!... Vocês usam os seres humanos e, quando os descartam, transformam-nos em algo não humano!
— Eu não diria que está sendo muito precisa. — Ártemis pareceu ofendida.
Apolo deu as costas para a irmã.
— Deixe-me explicar — disse a Pamela. — Não é nada disso em se tratando de nós dois.
— Não!... Estou farta de ser usada como uma cobaia. — Ela lançou um olhar de desgosto a Ártemis. — Não quero que explique mais nada. Só quero que vão embora para o lugar de onde vieram e me deixem em paz!
— Nós adoraríamos, mas parece que estamos presos aqui até o seu próximo fim de semana — anunciou Ártemis.
Apolo balançou a cabeça.
— Ela adoraria. O que eu mais quero é ficar com você e lhe explicar tudo.
— Não estou interessada. — Pamela recomeçou, tentando se livrar dos braços fortes de Apolo, porém uma voz os interrompeu.
— Algum problema aqui? — Um segurança de uniforme azul parou na entrada do corredor. Era baixinho e gordinho, mas possuía um distintivo, uma arma e a expressão de quem levava seu trabalho muito a sério.
— Ah, vá embora! — reclamou Ártemis, sacudindo os dedos em sua direção. Em seguida parou, e sua expressão de desdém se desfez quando ela se lembrou de que estava sem seus poderes.
— O que disse?... — O guarda inquiriu, estreitando os olhos para a linda mulher vestida com uma túnica curta.
Apolo deixou cair os braços e se pôs diante de Pamela e da irmã.
Pamela observou o modo como seu semblante se fechou e percebeu que, com ou sem poderes imortais, ele tinha potencial para ser um homem muito perigoso.
— Não há problema algum, senhor — interveio rapidamente, pondo-se ao lado do deus. — É que meu... — Fez uma pausa, olhou para o peito nu de Apolo e descartou palavras banais como “namorado” e “paquera”, as quais, estava certa, iria fazê-la soar como uma candidata ao Jerry Springer Show , um daqueles programas que tratam de casos de família. — ... meu noivo e eu tivemos uma briguinha e, bem... — Ela encolheu os ombros e sorriu, tímida.
O homem não estava olhando para ela ou para o jovem seminu a seu lado, no entanto. Estava olhando para Ártemis.
— Espere um pouco — disse, os olhos pequenos brilhando. — Não é uma das estrelas do Zumanity ?
Pamela prendeu a respiração enquanto Ártemis erguia uma sobrancelha fina.
— Eu sou a estrela de Zumanity — confirmou a deusa, arrogante.
— Esta é Diana, irmã de meu noivo — elaborou Pamela. Não olhou para Apolo, porém podia sentir a tensão em seu corpo conforme ele aguardava em silêncio a seu lado.
— Que coincidência! Assisti a esse show pela primeira vez há poucos dias. — O segurança balançou o corpo para trás e para a frente, o suor banhando o lábio superior. — Foi incrível. Você foi incrível...
— Suponho que seja gratificante saber que proporcionei prazer às massas — respondeu Ártemis.
Pamela a segurou pelo cotovelo, puxou Apolo pela mão e começou a passar com ambos pelo guarda.
— Bem, precisamos voltar para os nossos quartos. Não entendo como tomamos o rumo errado e viemos parar aqui...
— Da próxima vez, vista-se adequadamente antes de deixar seus aposentos! — O oficial repreendeu Apolo enquanto Pamela o arrastava às pressas. Então tirou o chapéu para Ártemis. — Muito prazer em conhecê-la, Diana. Mal posso esperar para ver seu show de novo.
Pamela pôde sentir o rosnado que brotou de dentro do corpo de Apolo.
Nenhum deles falou mais, porém, até dobrarem a esquina e se verem caminhando pelo saguão do cassino.
Pamela soltou o braço de Ártemis. Tentou largar a mão de Apolo, contudo ele apertou a dela ainda mais.
Pamela franziu o cenho.
— Deixe-me ir! — Baixou a voz de maneira que as pessoas próximas não a ouvissem.
— Não pretendo deixá-la ir nunca — Apolo replicou.
Ártemis suspirou, dramática.
— Fique fora disso! — o deus ordenou à irmã. — Não entende o que é estar apaixonado.
— Apaixonado! Ora, por favor... Sei que sou apenas uma mera mortal, mas não sou nenhuma idiota. Não importa o que sua irmã pensa. — Pamela fulminou Ártemis com o olhar, e esta curvou os lábios em um sorriso cínico.
Pamela encontrou o olhar de Apolo novamente. Seus olhos já não estavam mais vidrados, em choque. Em vez disso, faiscavam com indignação.
— Como pode dizer que está apaixonado por mim? Fingiu ser alguém que não é! Você me usou como uma verdadeira cobaia! E ainda suspeito de que tenha me lançado algum tipo de feitiço!
Várias pessoas se viraram e olharam, curiosas, em sua direção.
— Deixe-me explicar — recomeçou Apolo.
Pamela começou a sacudir a cabeça, porém o deus a tocou na lateral do rosto, e ela sentiu-se congelar.
— Por favor — ele sussurrou, odiando perceber que, quando ele a tocava, o medo sobrepujava a raiva em seus olhos. — Precisa me deixar explicar. Eu já disse que não vou deixá-la ir. Quando faço um juramento não o quebro jamais. — Apolo deixou seu rosto e tocou de leve a medalha que ela ainda usava no pescoço. — Prometi que lhe daria a minha proteção. Não precisa ter medo de mim.
— Com licença, senhor... — Um funcionário do cassino se aproximou deles. — Desculpe, mas preciso pedir que vista sua camisa.
— Já estamos a caminho do nosso quarto — respondeu Pamela, puxando Apolo em direção aos elevadores do hotel.
— Não sei por que tanta celeuma por conta de um pouco de carne exposta! — resmungou Ártemis, seguindo o irmão.
— Quero isso tudo muito bem explicado — alertou Pamela, tão logo eles adentraram o elevador.
— Assim será — assegurou Apolo, ainda segurando a mão dela.
— Isso vai ser muito aborrecido — rezingou Ártemis.
— Continua não ajudando! — Apolo e Pamela reclamaram em uníssono.
Capítulo 22
— Está me dizendo que tudo não passou de um feitiço mal direcionado? — indagou Pamela, sentada em uma das cadeiras da sala de estar de sua suíte.
Ártemis descansava deitada no sofá e Apolo, que não conseguia ficar quieto, andava de um lado para o outro diante da janela.
— Tecnicamente, não é um feitiço. É um ritual de invocação. Muito antigo e muito poderoso — falou a deusa. — Como explicou Apolo, não devia ter sido possível, até por necessitar reunir muitos elementos... o que acabou acontecendo.
— Tivemos um dedo de Baco nessa história, sem dúvida. Ele deve ter manipulado as coisas — Apolo terminou pela irmã.
— Manipulação. Excelente maneira de descrever tudo isso. — A expressão de Pamela dizia claramente que ela não estava se referindo à invocação.
— Não! Não foi assim. Nossos sentimentos não foram manipulados, apenas os acontecimentos que nos aproximaram.
— Mentiu para mim — acusou Pamela.
— Não. Sou mesmo uma espécie de médico e músico.
— Na verdade, ele é o curandeiro e o músico do Mundo Antigo — Ártemis interrompeu a conversa.
Pamela soltou uma exclamação.
— Meu tornozelo! Fez alguma coisa para curá-lo naquela noite da chuva!
— Estava quebrado. Eu apenas o fiz sarar.
Pamela fitou Apolo como se nele houvessem brotado chifres e um rabo.
— E quanto ao prêmio no caça-níqueis? — perguntou, tensa.
— Sua vontade de ter a bolsa era comovente... Agradou-me lhe conceder esse desejo.
O sorriso do deus foi como o de um menino apanhado com a mão em um pote de biscoitos, concluiu Pamela, e quis sorrir de volta para Febo. Ele parecia tão... normal.
Então se lembrou de como havia sido sentir a própria carne derretendo para se transformar em algo não humano.
Sua determinação voltou, e sua pergunta seguinte apagou o sorriso travesso do rosto do deus.
— E quanto ao sexo? Que tipo de magia usou para me levar para a cama?
— Nenhuma — ele respondeu de pronto. — Eu não a cortejei como o deus Apolo. Eu a cortejei e fiz amor com você como Febo, um mortal como qualquer outro.
Foi a vez de Pamela bufar.
— Por favor! Eu estava lá... Foi muito diferente com você. Não costumo ir para a cama com um caso de fim de semana, mas deve ter feito algo comigo.
Apolo parou de andar e foi até onde ela estava.
— Não usei nenhum poder imortal para seduzi-la, e o que tivemos não foi uma aventura de fim de semana.
Pamela sentiu a boca seca e o estômago se apertar com sua proximidade.
— Está fazendo de novo — sussurrou, contrariada. — Pare com isso.
O sorriso cativante de Apolo voltou com força total.
— Impossível, doce Pamela. Como minha irmã já afirmou, quando o portal se fecha perdemos nossos poderes imortais. Até o anoitecer de sexta-feira, terei tanta energia para conquistá-la como qualquer outro mortal.
— Se quer ficar com raiva de alguém por tê-la enfeitiçado, fique com raiva de mim — declarou Ártemis, estudando as unhas. — Eu aspergi um pouco da minha magia em você na noite da minha apresentação. Também lancei meu feitiço de sedução no banquete de ontem à noite.
— Por que faria isso?! — Pamela indagou.
— Já lhe explicamos a respeito do ritual de invocação. Até que Apolo satisfizesse o seu desejo mais sincero, nós estaríamos vinculadas; e eu estava mais do que cansada disso. — A deusa afastou uma mecha dourada do rosto. — Precisava de um estímulo para admitir a si mesma que Apolo era o seu desejo mais profundo, então... Agradeça às nove Musas por ter funcionado.
— Não é uma pessoa muito agradável, é? — Pamela indagou à deusa.
— Agradável? — Ártemis não pareceu nem um pouco ofendida com a pergunta. — Por que eu precisaria ser agradável?
O telefone tocou.
Balançando a cabeça para Ártemis, Pamela atendeu.
— Pamela? Aqui é o assistente do sr. Faust, James — falou uma voz masculina.
— Ah, sim. Olá, James. — Ela sentiu o estômago afundar. Era manhã de segunda-feira! Já devia ter começado a trabalhar, mas havia se esquecido completamente de E. D. Faust e do trabalho que ela precisava concluir.
— Eu só queria lembrá-la de que Robert estará aí para apanhá-la com o carro, na entrada do Caesars Palace, em exatos trinta minutos.
— ... Obrigada pelo telefonema, James. Estarei pronta.
— Ótimo! O sr. Faust está ansioso por que comece o trabalho em sua casa.
Pamela aquiesceu, dando uma resposta adequada. Desligou o telefone e olhou para Apolo e Ártemis que, por sua vez, a observavam.
— Preciso ir trabalhar.
— Claro. Para o autor. O da casa de banhos romana e da fonte — lembrou Apolo.
— Sim, ele está mandando um carro vir me buscar. — Pamela olhou-se no espelho e fez uma careta diante de sua terrível aparência. — Em exatos trinta minutos! Tenho que me aprontar. — Começou a correr em direção ao quarto.
— Excelente! — exclamou Ártemis. — Para onde vamos?
Pamela estacou.
— Nós não vamos a lugar nenhum.
— Não espera que eu permaneça aqui, neste casebre? É aborrecido demais.
— Bem, certamente não virá comigo! — ela imitou o tom afetado da deusa.
Ártemis estreitou os olhos.
— Não se esqueça de com quem está falando, mortal.
Pamela plantou as mãos nos quadris e ergueu o queixo.
— Escute aqui. Deusa ou não, vai ter que aprender a não agir como uma vadia. E pode me ameaçar quanto quiser. — Apontou para a medalha dourada que lhe pendia do pescoço. — Apolo jurou que estou sob sua proteção.
Ela ouviu a risada satisfeita do deus, mas se recusou a encará-lo.
— Fiquem aqui, peçam o serviço de quarto, assistam a um filme, aprendam a lidar com a internet, sei lá! Inferno... Quando eu voltar, pensarei no que fazer com vocês.
— Pamela?
A voz de Apolo a impediu de ir para o quarto, e ela se voltou para ele.
— Nós poderíamos ajudá-la.
— Ajudar-me no quê?
— Eu poderia ajudá-la a convencer Faust a construir o balneário. E quem sabe Ártemis possa persuadi-lo a usá-la como modelo para a estátua do centro da fonte? — o deus acrescentou, sorrindo.
Pamela lançou um olhar duvidoso na direção da deusa.
— Não se esqueça de que os homens vêm adorando a minha beleza há eras — Ártemis falou alegremente. — Eles ficam encantados comigo.
— Isso até pode ser verdade, mas apenas porque veem suas estátuas e pinturas, e não precisam se submeter à sua odiosa presença.
Ártemis abriu a boca para retrucar, contudo Apolo a impediu.
— Minha irmã pode dar seu juramento de que será educada.
— Eu, não!
— Faust é um bardo moderno, e quer que a estátua do centro de sua fonte seja uma homenagem a Baco. Pense nas histórias do Deus do Vinho que ele vai contar... — Apolo falou à irmã.
— Aquele sapo gordo não devia ser idolatrado no mundo moderno! — protestou Ártemis.
Ele encolheu os ombros.
— Você é quem sabe.
A deusa limpou a garganta e, relutante, encontrou o olhar de Pamela.
— Eu lhe dou o meu juramento de que serei educada. Hoje.
— Eu não sei...
— Por favor, Pamela — insistiu Apolo. — Deixe-me mostrar que não estou diferente hoje do que fui ontem. Apolo, o deus, e Febo, o mortal, são o mesmo homem.
Ela não deveria. Sabia que não deveria. Não queria ser amada por um deus. Gostava das coisas como eram antes de ele se tornar um imortal todo-poderoso. Queria seu Febo de volta.
— Está bem — concordou de súbito. — Mas temos que lhe comprar outra camisa no caminho. — Olhou para Ártemis. — Pelo menos está bem com esse traje. Podemos dizer que está vestida a caráter. — Pamela vacilou, então. — Fiquem aí. Preciso me apressar.
Fechou a porta do quarto e descansou a cabeça na madeira. Febo era Apolo!...
Sentiu as entranhas revolver conforme a realidade se instalava dentro dela. Ela era amante de Apolo, o deus grego!...
E ele existia havia eras. Templos foram construídos para homenageá-lo, faziam músicas para ele!... Aquelas mãos que tinham acariciado cada parte de seu corpo eram as mesmas mãos que levaram música ao Mundo Antigo.
E ele dizia que a amava!...
Pamela levou a mão trêmula à boca, dominada por uma súbita onda de choque, incredulidade e espanto. Era melhor dizer a Faust que não poderia aceitar o trabalho, pegar um avião e voar de volta para o Colorado. Deveria esquecer que aquele fim de semana havia acontecido. Era a coisa mais inteligente a fazer.
Mas sabia que não iria fazer a coisa certa. O Deus da Luz dissera estar apaixonado por ela.
— Na certa estou cometendo o erro mais ginorme da minha vida — falou baixinho.
Exatamente vinte e cinco minutos mais tarde, eles se encontravam do lado de fora das portas giratórias que davam para o Caesars Palace; Pamela sentindo o estômago apertado como se estivesse se preparando para saltar de bungee jump .
— Lembre-se, você é Febo Delos, especialista em arquitetura romana, e eu o chamei para me aconselhar nesse projeto. E você é a irmã dele, Diana, que...
— ... tem a beleza de uma deusa! — Ártemis a interrompeu, repetindo suas instruções. — Sim, sim, já decoramos nossas falas. Somos imortais, não imbecis.
— Eu ia dizer que precisa se lembrar de ser agradável — Pamela completou.
— Minhas palavras serão tão doces que eles poderiam fazer mel na minha boca, como as abelhas marrons da Grécia — elaborou Ártemis com um bater inocente dos longos cílios.
— Já está me deixando com dor de cabeça — resmungou Pamela. — Basta ser normal, está bem? É pedir muito?
— Ela vai manter seu juramento. Não precisa se preocupar, doce Pamela — garantiu Apolo.
— Não me chame assim. Supõe-se que seja meu funcionário! — ela o repreendeu, e em seguida odiou a mágoa que viu no rosto estonteante do deus.
Um deus!... Como, diabos, chegara àquela situação? Estava namorando Apolo!
Estava condenada, isso sim. Já havia estudado literatura. Mesmo não conseguindo se lembrar muito bem, sabia o que acontecia a mortais que chamavam a atenção dos deuses. Ainda mais a mortais do sexo feminino. Seu final nunca era feliz.
Além do mais, o que faria com ele a semana inteira? Nenhum dos irmãos tinha dinheiro. Descobrira isso quando Febo enfiara a mão no bolso para pagar pela camisa que comprara em uma loja e percebera que, de alguma forma (decerto quando ele arrancara as roupas atabalhoadamente, na noite anterior, pouco antes de prensá-la na coluna de mármore), ele perdera os 4 mil dólares que furtara do caça-níqueis.
Assim, Febo não contava com um centavo. Nem Ártemis.
E o portal não seria reaberto durante longos cinco dias.
— Bom dia, srta. Gray.
Pamela deu um pulo. Não tinha notado a limusine vintage e prateada que estacionara à sua frente.
— Ah, bom dia, Robert. — O homem lhe abriu a porta, e ela fez uma pausa. Pigarreou, então desenhou no rosto seu sorriso mais profissional. — Estas duas pessoas vão se juntar a nós, hoje. Eles são meus assistentes.
Robert analisou os dois gêmeos loiros por cima do nariz afilado e fungou de leve.
— Muito bem, senhora — falou, segurando a porta aberta e ajudando primeiro Pamela a entrar na limusine, em seguida, a mulher fantasiada.
Quando o homem alto hesitou, Robert lançou-lhe um olhar muito britânico (direto e polido, sem se preocupar em demasia).
— Algo errado, senhor?
Se Apolo ainda tivesse seus poderes, ele o teria usado para abrir o chão sob seus pés, de modo a ser engolido e sumir de vista. Do interior da besta de metal, Pamela e Ártemis o observaram com curiosidade.
Sua irmã, de repente, pareceu compreender.
— É muito bom aqui — disse a ele. — Não precisa ficar preocupado. — Deu um tapinha no assento ao lado.
— Não estou preocupado — Apolo afirmou, controlado. Respirou, então, e entrou na boca da coisa .
— Por favor, sirvam-se com a mimosa. A viagem até a propriedade do sr. Faust, em Red Rock Canyon, levará aproximadamente trinta minutos. — Robert fechou a porta.
Para Apolo, foi como se ele houvesse apenas tomado um gole de ar, e eles já avançavam, deslizando como um réptil ágil e rasteiro pela rua. Experimentou uma sensação terrível no estômago, e o sangue bombeou mais forte em seus ouvidos. Não conseguia parar de olhar para o mundo lá fora, conforme este passava zunindo, a um ritmo vertiginoso.
— Você está bem? Está pálido — comentou Pamela.
— Ela tem razão, está mesmo — concordou Ártemis. — Talvez ajude se beber alguma coisa. — Ela se aproximou do balde de gelo que continha uma garrafa de champanhe e um jarro de vidro fino com suco de laranja.
— Não! Não quero nada para beber — afirmou Apolo, com a mais estranha das sensações. Temia que, se tentasse beber alguma coisa, fosse devolver tudo em seguida.
— Acho que está com náuseas por causa do carro — concluiu Pamela. — Pode se sentir melhor se for lá na frente, com Robert. Minha amiga, Ve, fica muito enjoada se viaja no banco traseiro. Quer que eu peça para que Robert estacione, para que possa mudar de lugar?
— Eu sou um deus — ele falou por entre os dentes. — Não fico doente.
— Faça como quiser, mas, se vomitar no carro de Eddie, juro que, como sua empregadora, vou ficar muito aborrecida!...
Apolo fechou os olhos e tentou ignorar o fato de estarem cruzando a Terra dentro de um monstro de metal que poderia se espatifar contra alguma coisa e se desintegrar a qualquer momento.
— O que é uma “mimosa”? — indagou Ártemis.
— Champanhe e suco de laranja misturados. Uma delícia.
— Bem... — a deusa olhou para o rosto estranhamente pálido do irmão, então encolheu os ombros bem-feitos — ... vou experimentar uma taça. Você me acompanha, Pamela?
— Não, obrigada — ela agradeceu.
Ártemis serviu-se em uma das taças de champanhe.
— Viu como estou sendo educada?
— Milagre — Pamela murmurou.
— Aguarde... O melhor ainda está por vir — prometeu a deusa, bebendo um gole da mimosa e lançando-lhe um sorrisinho travesso.
Pamela decidiu que Apolo havia tido melhor ideia ali. Fechou os olhos assim como ele, e rezou para que a viagem, o dia... — inferno , a semana! — ... passassem logo.
Mas não antes de deslizar a mão para a dele e apertá-la.
Capítulo 23
A casa de veraneio de E. D. Faust fora construída para se parecer com uma charmosa villa toscana, e Pamela estava aliviada. Sim, ela vira as plantas e lera as anotações sobre a arquitetura que James lhe entregara, mas, depois do pedido bizarro de Eddie para que ela fizesse o interior da residência parecido com o Fórum, vira-se receosa quanto ao que esperar.
Claro que, conforme eles saíram da limusine e se aproximaram da impressionante porta dupla de ferro forjado, com vidros escandalosamente caros — feitos a mão, jateados e chanfrados —, ela se lembrou de ter pensado que o exterior do Fórum indicava que seu interior era decorado com modéstia e com um clássico bom gosto...
Engano seu.
Olhou para Ártemis, que parecia fresca e linda na manhã ensolarada. A deusa tinha as faces coradas, e uma longa mecha de cabelo loiro e brilhante escapara de seu elaborado penteado.
Ártemis alisou a saia da túnica curta, soltou um soluço e, então, riu baixinho.
Pamela a examinou com mais atenção. Merda!... Ela parecia embriagada! Por que, maldição dos infernos , não havia ficado de olho na deusa? Quantas mimosas a deidade engolira em trinta minutos — e com o estômago vazio! — enquanto ela, Pamela, segurava, distraída, a mão do pobre Apolo?
— Está bêbada? — cochichou, tensa.
Ártemis lançou-lhe um olhar severo.
— Imortais não ficam bêbados. Apenas os mortais se embriagam. Não seja boba... — A deusa balançou o dedo para ela.
Pamela revirou os olhos.
— Não é mais imortal, lembra-se? — Reprimiu uma súbita vontade de gritar. Em vez disso, olhou para Apolo em busca de ajuda, porém seu rosto estava com uma cor estranha, entre o branco e o verde. Observou-o limpar o suor da testa com as costas da mão, preocupada. — Você está bem?
Ele assentiu com um vigoroso gesto de cabeça.
— Melhor agora que estamos fora dessa... — Estremeceu e olhou na direção do automóvel que os trouxera.
— Limusine — completou Pamela. — É uma limusine. — Céus! , ela estava presa em um pesadelo sem fim! — Tudo bem. Vamos fazer o seguinte... Vocês dois, tentem não falar, a menos que alguém lhes faça uma pergunta direta. Mesmo assim, sou eu quem vai responder à maior parte. Agora vamos. Precisamos acabar logo com isto. — Ajustou a alça da bolsa larga e começou a subir a linda escada de mármore curva com determinação.
Os gêmeos a seguiram com menos propósito.
Pouco antes de tocar a campainha antiga, ela ouviu um som abafado às suas costas, e então a risadinha — completamente alterada — de Ártemis. Olhou por cima do ombro e viu Apolo segurando a irmã pelo cotovelo.
— Ela quase caiu — ele explicou baixinho.
— Impossível! — Ártemis falou com voz arrastada.
— Oh, Deus!... — Pamela murmurou.
As portas duplas se abriram, e o rosto sorridente de James os recebeu.
— Entre, Pamela, por favor. Eddie se encontra no pátio, esperando por você. — Seu sorriso mudou para educada curiosidade quando Apolo e Ártemis a seguiram para dentro do saguão.
— São meus assistentes... Eu os contratei. São especialistas, na verdade — Pamela acrescentou depressa.
— Tenho certeza de que Eddie ficará satisfeito com sua iniciativa. Ele esteve ansioso por esta reunião a semana inteira. Venham por aqui, por favor.
James os conduziu através do hall de entrada, um espaço gigantesco, a partir do qual duas escadas em curva, ladeadas por parapeitos de mármore antigos, levavam ao segundo andar da villa .
As balaustradas de mármore, contudo, eram o único detalhe acabado do recinto. Todo o restante estava nu. As paredes ainda se encontravam no reboco, e o piso era de cimento. A parede inteira dos fundos, da qual eles se aproximavam, era adornada por janelas que iam do chão ao teto; tão novas que ainda continham os adesivos de fábrica cor de laranja.
Enquanto caminhava lentamente pelo espaço inacabado, contudo, Pamela nem sequer viu sua crueza. Olhava tudo à sua volta, enxergando apenas o ilimitado potencial do lugar.
— Está horrível — Apolo cochichou. — Não há piso, nem paredes, muito menos decoração.
— Não! Está perfeito! — ela contrapôs num sussurro. — A estrutura se encontra pronta, mas os pisos e paredes estão todos inacabados. A maioria dos dispositivos nem sequer foi instalada. É como uma tela em branco. É meu trabalho escolher com sabedoria e me certificar de que esta casa seja transformada em uma obra-prima.
James os aguardou, paciente, ao lado da porta de vidro que — Pamela já sabia pelas plantas — levava à parte central da mansão: o incrível pátio em torno do qual o restante da vila fora construído na forma de quadrado aberto em um dos lados.
Tão logo eles chegaram a este, James abriu a porta e sinalizou para que eles passassem.
Foi apenas nesse momento que Pamela notou a verdadeira multidão reunida no pátio.
Em resposta a seu olhar interrogativo, James apenas sorriu e apontou para o meio das pessoas, onde E. D. Faust se encontrava sentado em uma bancada de mármore repleta de amostras de material.
— Ah, Pamela! — ele gritou quando a viu.
Ao se por de pé, lembrou-a uma montanha se movendo. Também naquele dia estava todo vestido em preto, desde as calças bem-cortadas até a camisa de seda, cujas mangas tinham o modelo amplo da de um pintor.
Ou então , ela pensou, observando o brilho em seus olhos escuros, da camisa de um pirata .
— Bom dia, Eddie — saudou. — Tem bastante gente aqui, hoje...
— Por sua causa, Pamela. — Ele riu com gosto, a barriga chacoalhando como num estrondoso terremoto. — Mandei todos os trabalhadores virem para cá. Imaginei que economizaríamos tempo se os tivéssemos à disposição. Eles estão apenas aguardando as nossas ordens.
Pamela não podia acreditar. Olhou o grupo e arregalou os olhos ao notar que cada pequena equipe possuía a seu lado pilhas de materiais — amostras, claro — de tudo o se podia imaginar: retalhos de tecido, pedaços de mármore, de pedras brutas, placas com texturas, tintas e revestimentos. Eddie transformara seu pátio em um minimercado para designers de interiores. Era estarrecedor e mais do que intimidante. De repente se lembrou de que havia trazido seu próprio séquito. Bem... ao menos era assim que eles se apresentavam.
— Que bom. — Recuperou o controle das cordas vocais com dificuldade. — Está certo. Isso vai nos economizar algum tempo. Deixe-me apresentar os assistentes que eu trouxe comigo, hoje... — E inclinou o corpo para que Apolo avançasse um passo.
Ártemis, que se encontrava de pé atrás do irmão, fitando, embriagada, um fiapo em sua camisa, de repente percebeu que tinha uma plateia para a qual se apresentar, e se colocou, lânguida, do outro lado de Pamela.
Diante da aparência dos gêmeos dourados, o grupo deixou escapar um suspiro coletivo de apreciação.
— Este é Delos Febo, especialista em arquitetura romana. — Pamela ficou satisfeita ao ver que Apolo inclinava a cabeça polidamente para Faust.
O autor, contudo, mal olhou em sua direção. Seus olhos estavam cegos para tudo o mais, exceto para a bela deusa a seu lado.
Pamela respirou fundo, cruzando os dedos.
— E esta é sua irmã, Diana. Ela é modelo, muito conhecida por sua beleza em toda a Grécia e Itália. Sei que queria manter Baco como a figura central em sua fonte, mas pensei que, talvez...
Suas palavras foram interrompidas quando Ártemis avançou com um andar lânguido e gingado até ficar a meio metro do volumoso autor. Então parou, ergueu a mão delicada até a elaborada coroa de cabelos e, com um leve puxão, libertou os fios longos e dourados, que se derramaram em uma onda espessa ao redor de sua cintura. Balançou a cabeça, e seus cabelos cintilaram, hipnóticos, à luz da manhã.
— Pamela imaginou que talvez preferisse a estátua de uma deusa — ela ronronou.
Pamela precisava admitir: Ártemis era uma atriz excelente. Assim como durante sua performance em Zumanity , ela ganhara a atenção do grupo.
Faust pareceu ter levado uma pancada na cabeça, depois piscou, e seu rosto se iluminou em um largo sorriso enquanto ele se curvava com incrível graça e um floreio.
— Quanta satisfação, Diana! — falou com seu vozeirão. — É uma honra ser agraciado pela presença da Deusa da Lua, das Florestas e dos Vales... — Concedeu um olhar a Apolo. — E você, meu bom companheiro, deve ser o Deus da Luz. Que divertido o fato de sua mãe tê-los nomeado segundo os gêmeos imortais.
Pamela sentiu o estômago se apertar. Era claro que um homem que fizera carreira escrevendo ficção reconheceria instantaneamente a mal ocultada verdade em seus nomes. Que diabo ela poderia dizer agora? Seria possível que Faust houvesse percebido quem eles eram de verdade?
Apolo sorriu.
— Descobriu nosso segredo, senhor.
— Por favor, não há nenhum senhor aqui. Pode me chamar de Eddie. — Seus olhos se desviaram para a beldade ainda parada à sua frente. — Pamela, saiba que já provou ser tão genial quanto imaginei que fosse. Agora que estou face a face com uma deusa, concordo com seu ponto de vista. Precisamos mudar a estátua central da minha fonte. Esqueça Baco. A beleza da deusa Diana será exaltada em seu lugar.
Pamela deu um suspiro de alívio, e Ártemis se curvou com graça.
— Não! Uma deusa nunca deve se curvar. — Faust se apressou em fazer Ártemis se erguer de sua profunda reverência.
— Até que enfim um mortal que sabe como tratar uma deusa... — comentou a diva.
Pamela mordeu o lábio, contudo Eddie sorriu com bom humor e levou a mão de Ártemis aos lábios.
— Mas é claro que sei. — Olhou para a multidão de trabalhadores reunida em torno deles. — Qual de vocês tem talento para esboçar esta linda deusa, de modo que um artista possa esculpir sua imagem imortal no mármore?
— Não seria mais fácil se ela tirasse algumas fotos digitais em diversas poses e, em seguida, o escultor começasse a trabalhar com base nelas? — Pamela indagou, aflita.
— Mais fácil, talvez. Mas não me parece certo. Soa muito frio. Muito impessoal.
— Mas Diana só estará disponível até sexta-feira. Depois tem um... ahn... compromisso a que não pode faltar — justificou Pamela.
— Então temos que trabalhar depressa. Eu gostaria de ter a minha deusa imortalizada à moda antiga. Febo, você é o expert na antiga Roma. Como isso costumava ser feito?
— Tem toda a razão. O escultor teria desenhado sua musa e, em seguida, começado a trabalhar com base em seus próprios esboços. — Apolo fez uma pausa e ergueu uma sobrancelha. — A menos que tivesse contratado Pigmalião. Acredito que ele trabalhava baseando-se na imagem da mulher que via apenas em seu coração... — Lançou um olhar ardente para Pamela. — O problema é que poucos de nós têm a sorte de ver seu mais profundo desejo concedido.
Pamela se obrigou a não se retesar. Apolo afirmava ter sido privado de seus poderes imortais, mas, quando olhava para ela daquela maneira, fazia com que sentisse calor, frio, excitação... tudo de uma vez.
Faust não pareceu notar o byplay acontecendo entre a designer e seu assistente, pois tinha a atenção voltada para sua própria imortal.
— Ah, mas temos Diana, não Galateia. Por isso mesmo a modelo merece um esboço.
— Galateia não era deusa. Era apenas uma pedra que foi trazida à vida — corrigiu Ártemis, um pouco irritada.
— Verdade! Tem toda a razão! — exclamou Eddie. — Pigmalião não teve a mesma sorte que eu.
— Posso desenhar sua deusa, senhor. — Um jovem se destacou do grupo.
— Excelente — concordou Eddie. — Temos o nosso artista e a nossa musa. E creio ter algumas fotos da fonte original do Fórum. Suponho que nossos artesãos possam usá-las como base para seu trabalho enquanto a nossa deusa estiver sendo desenhada.
— Na verdade — Pamela começou, enquanto abria a pasta e retirava, apressada, seu bloco de desenho —, imaginei que poderia gostar de algo exclusivo, por isso trabalhei em alguns esboços preliminares de uma nova fonte... baseada, claro, naquilo que tanto aprecia na do Fórum. Eu só não quis desenhar a estátua central sem a sua aprovação, mas acho que vai ficar muito satisfeita com isto.
— Pamela discutiu comigo os esboços, e eu posso lhe assegurar que a fonte que ela criou seria apreciada até pelos deuses do Monte Olimpo — afirmou Apolo.
— Que maravilha, Pamela! — Eddie tomou o caderno das mãos dela e acenou com a cabeça em aprovação. — Monte Olimpo... — Ele riu. — Eu não poderia esperar nada melhor para uma fonte que ostenta uma escultura de Diana. Por favor, mostre esses esboços ao nosso artista. — Faust lançou um olhar interrogativo na direção do rapaz.
— Mateus — esclareceu o jovem. — Meu nome é Mateus Land.
— Venham, Mateus, Pamela, Febo e Diana, minha linda. Vamos nos sentar e decidir sobre os detalhes da minha casa. — Eddie ofereceu o braço a Ártemis. Ela sorriu docemente e descansou a mão na parte superior de sua manga de seda. — Deseja algo, querida? — ele perguntou enquanto a conduzia em volta de um banco de mármore.
— Sim. Recentemente desenvolvi um gosto especial por uma bebida chamada mimosa .
Pamela tentou não gemer quando Eddie gritou para James pedir ao chef que preparasse mimosas para todos.
Pamela olhou para o relógio. Ela mal podia acreditar que já passava das quatro da tarde. O dia havia voado.
E fora bem melhor do que ela previra. De um modo irritante e irônico, sabia que precisava agradecer a Ártemis por isso.
Ergueu os olhos da página brilhante do catálogo que o representante da Shonbeck lhe mostrava, e que continha luminárias ao estilo do velho mundo. Eddie fingia prestar atenção, enquanto Apolo e o arquiteto se debruçavam sobre a última versão do esboço da sala de banhos, na qual haviam trabalhado pela maior parte do dia.
Na verdade, Eddie fazia o que ele não parara de fazer nas últimas horas: olhava com adoração para Ártemis.
Mas a deusa era, realmente, muito linda. Até mesmo os espalhafatosos representantes de tecidos gays suspiravam, melancólicos, diante da perfeição de seu cabelo, de seus seios e das linhas delgadas de suas pernas. No momento, ela se encontrava em pé sobre a plataforma elevada que Eddie mandara erguer, segurando um enorme vaso contra um quadril, do qual água iria verter quando o esboço fosse transformado em uma escultura para a fonte.
Pamela ficava tonta só de pensar. E isso sem levar em conta a despesa em que Eddie iria incorrer com aquela obra de arte original!...
Seu cliente parecia feliz, porém, e a fonte iria ficar mesmo muito bonita. Além do mais, esta não teria aquela animação medonha do Fórum. Uma só exclamação horrorizada de Ártemis em resposta à menção de movimento na fonte, e Eddie, mais do que depressa, vetara a ideia. Da mesma forma, uma simples carranca da deusa fora suficiente para que ele desistisse da construção daquela ginorme e horrível piscina, e optasse pela ideia de bom gosto do balneário romano.
Com esses dois problemas resolvidos, todo o restante correu como uma brisa. O gosto de Eddie não era tão lamentável quanto ela pensara a princípio. A questão era apenas que sua aura era enorme. Suas ideias eram grandiosas, e não apenas em seus épicos best-sellers. E. D. Faust preenchia o mundo ao seu redor com a grandeza da vida. Sim, ele era excêntrico. Na verdade, Pamela refletiu, ele parecia um personagem de um de seus romances: maior do que a própria vida e sempre pronto para uma nova aventura.
Sorriu para si mesma. Demorara um pouco a se acostumar com sua exuberância, mas compreendia por que as pessoas se sentiam atraídas por ele. Eddie era tão generoso quanto seu tamanho. A verdade era que E. D. Faust era mesmo um sujeito decente.
Ela havia tido um pouco de trabalho, mas, com a ajuda de Ártemis e Apolo, convencera Eddie a mudar o design de sua casa: do românico brega do Fórum para algo que começava a lembrar do cenário de Cleópatra , de Elizabeth Taylor. O estilo que emergia não era menos opulento do que o do Caesars Palace e do Fórum, porém bem mais chique.
Desviou o olhar do corpanzil de Eddie para Apolo. Ele inclinara a cabeça loira e a balançava com uma expressão atenta diante de algo que o arquiteto acabara de traçar no papel.
Como se pressentisse que estava sendo observado, ele levantou os olhos para os dela. Pamela desviou o olhar, mas não antes de ver seus lábios se curvar na sugestão de um sorriso. Apolo a apanhara em flagrante de novo.
E não fora algo difícil de ele fazer. Ela o fitara com o rabo dos olhos o dia todo, e ele sabia disso. Ela sabia disso.
E não conseguia evitar. Apolo fora tão maravilhoso!... Descrevera o funcionamento dos antigos balneários de Roma em detalhes para Eddie e seu arquiteto. Tinha sido mais do que paciente com suas intermináveis perguntas, respondendo-as com inteligência e concentração, de tal forma que até mesmo para ela Febo soara como um entusiasmado especialista. E nem uma vez exibira a detestável arrogância que ela imaginara ser inerente ao Deus da Luz.
Pamela suspirou. Já não podia dizer o mesmo de Ártemis. Mesmo que a diva estivesse adotando seu melhor comportamento naquele dia, continuava irritantemente exigente e vaidosa. Por sorte, Eddie parecia estar gostando de entrar no jogo de sua deusa...
Outra coisa boa, lembrou-se Pamela, era que Faust insistira para que a cozinha ficasse pronta antes de ele chamá-la para projetar o restante da villa , pois Ártemis mantivera o chef ocupado o dia inteiro com suas exigências por bebidas e iguarias. E Eddie, que, sem dúvida, muito apreciava os prazeres da boa mesa, havia se deliciado em atender a todos os caprichos de “sua deusa”.
Apolo era tão diferente da irmã!, Pamela teve que admitir para si mesma. Continuava o mesmo homem atento e inteligente que fora durante todo o fim de semana.
Mas ele não era um homem de verdade. Era um deus. E nenhuma mulher de bom-senso iria complicar a própria vida se envolvendo com um antigo deus...
Pamela suspirou e se obrigou a voltar a atenção para a página de lustres.
— Eddie... — Ártemis soou como uma menininha mimada. — Meu braço já está doendo de tanto eu segurar este vaso bobo! E estou com tanto calor que vou desmaiar se não me sentar.
— Claro, claro, minha deusa! — Ele se pôs de pé e correu para tomar o vaso das mãos dela. Empurrou de lado o jovem artista, quando este tentou ajudar sua musa a sair da plataforma, e segurou Ártemis pelo cotovelo, amparando-a enquanto ela descia com graça do altar improvisado. — Olhem só a hora! Que insensibilidade a minha!... Estamos nisto há séculos. Tempo demais para uma deusa trabalhar. — Ele ergueu a manzarrona, e sua voz grave silenciou até mesmo os trabalhadores que se encontravam ocupados no interior da vila. — Já chega por hoje! — bradou. — Nós nos encontraremos outra vez amanhã, à mesma hora!
Vários suspiros se fizeram ouvir ao seu comando. Tinha sido um dia difícil, porém produtivo.
Pamela detestava admitir, mas, pela milésima vez, viu-se contente por ter permitido que Apolo a convencesse de trazê-lo com a irmã até ali.
Estava esfregando a parte de trás do pescoço, e tentando desfazer um nó de tensão que se instalara neste, quando o “Pamela!” de Eddie ribombou, fazendo-a ir até o banco onde ele estava.
— Ah, aí está você, minha cara. — Ele fez um sinal para que ela se sentasse ao lado de Apolo, à sua frente.
Ártemis estava, obviamente, acomodada a seu lado. Abanava-se com um leque de penas que Eddie havia lhe arrumado, e Pamela notou que ela bebia champanhe de uma taça de cristal gelada. Graças aos Céus, Ártemis seria imortal de novo em poucos dias. Ao ritmo que estava indo, seria a imortalidade ou o alcoolismo!
— Andei discutindo os nossos novos planos com a linda Diana e seu irmão, e creio que estamos todos de acordo.
Pamela sentiu um familiar aperto no estômago.
— Planos? Que planos?
— Muito simples. Não há necessidade de vocês três viajarem de volta para Las Vegas quando podem muito bem ficar aqui comigo — declarou Eddie, sorrindo.
— Mas o único cômodo que está terminado é a cozinha!
Eddie riu.
— Não aqui... Aluguei uma casa de campo no parque Spring Mountain Ranch, no Red Rock Canyon. Tem acomodações bastante modestas, porém é muito mais próxima da minha villa do que o Caesars Palace. Até porque não há mais motivo para voltarem para lá, uma vez que o Fórum não mais servirá de modelo para a nossa Roma antiga. Agora temos Febo.
— Mas as minhas roupas e... ahn... Diana e Febo não trouxeram nada.
Os olhos de Pamela pousaram em Ártemis. A deusa tomou um gole do champanhe, tranquila, e, em seguida, piscou, maliciosa, para ela.
Eddie ignorou suas preocupações.
— James pode ir buscar suas coisas. Diana me contou que ela e o irmão planejavam apenas passar o dia por aqui, contudo ambos já aceitaram o meu convite para que prolonguem sua estada por uma semana. Eu ficarei honrado em comprar no resort qualquer coisa de que nossa deusa precise.
— Jantar, Eddie, jantar! — Ártemis lembrou com um suspiro. — Mal posso acreditar no quanto estou faminta.
— Claro. — Ele lhe afagou a mão. — Foi um dia cansativo. Vamos embora para o rancho, comer e ser feliz. — Eddie se ergueu pesadamente do banco, e Ártemis estendeu a mão para que ele pudesse ajudá-la a fazer o mesmo.
Em seguida, movendo-se com muito mais instabilidade do que com sua habitual graça, ela se agarrou ao braço gordo do homem enquanto ele se deslocava devagar pelo pátio, gritando para que Robert trouxesse o carro.
— Acho que não temos muita escolha — murmurou Pamela, não querendo encarar Apolo, agora que se encontravam sozinhos pela primeira vez naquele dia.
— Eu já fiz a minha escolha, doce Pamela — ele respondeu baixinho.
Ela o fitou, então. Apolo abriu seu sorriso encantador, tão familiar, e ela sentiu o peito se apertar.
— Às vezes é fácil esquecer quem você é de verdade — falou baixinho.
Ele a tocou no rosto.
— Já sabe quem eu sou realmente. Sabe desde a noite em que nos conhecemos.
— Mas não é um homem comum.
— Serei, ao menos pelos próximos cinco dias. — Ele imitou o gesto de Eddie: pôs-se de pé, tomou-lhe a mão e a ajudou a se levantar.
Pamela se permitiu dar o braço a Apolo conforme caminhavam pelo pátio deserto. Ele parecia tão quente, normal e certo a seu lado!...
Isso a assustou tanto que ela fez menção de puxar o braço; contudo, Apolo parou no meio do saguão de repente.
Pamela sentiu um tremor percorrer o corpo e olhou para ele. Seu rosto moreno empalidecera.
Ela seguiu seu olhar. James segurava as portas da frente da casa aberta para eles, e, por meio destas, ela podia ver Robert ajudando primeiro Ártemis, depois Eddie, a entrar na limusine.
— Eu havia me esquecido dessa criatura de metal — ofegou o deus.
— Venha. Vou fazer você se sentar na frente desta vez. — Pamela o segurou pelo braço com força e o puxou.
Ele era Apolo, Deus da Luz, da Música e da Cura. Um imortal que tinha vivido por eras, tema de muitas histórias, poemas e canções...
... Mas uma criatura que enjoava demais ao andar de carro.
Capítulo 24
A ideia de Eddie de “acomodações bastante modestas” era alugar todos os nove quartos da mansão de tijolos, que fora construída nos anos vinte e que, depois, tinha sido adoravelmente restaurada com antiguidades, canalização e parte elétrica modernas, em 2003. Ficava à margem do Red Rock Canyon spa e Resort , um adorável oásis de fontes naturais e matas verdejantes, que parecia bizarro e deslocado, ainda que lindo, em meio ao afloramento de rochas cor de ferrugem e da intrigante paisagem desértica do Red Rock Canyon.
Pamela parou diante do conjunto de três portas duplas que separava os alojamentos do enorme deque de madeira, onde, apressados, garçons uniformizados davam os últimos retoques na mesa de jantar com flores frescas e velas, enquanto um trio de músicos afinava seus instrumentos.
Música, velas, flores e porcelana fina, avaliou, aliviada por ter escolhido o tubinho preto em vez de algo mais casual.
A iluminação externa foi acesa de repente, tingindo a noite clara de Nevada com suaves nuanças, e Pamela respirou o ar fresco do deserto. Sentar-se ao lado do enjoado Apolo no banco da frente fora muito esclarecedor. Ele insistira para que ela ficasse junto dele, e parecera tão desamparado que ela havia suspirado e se espremido a seu lado, para o desgosto de Robert. Decididamente, ela amava o Colorado. Embora tivesse nascido e crescido lá, nunca se cansara da majestade de Pikes Peak e da beleza montanhosa de seu lar. Considerava-se bastante “viajada”, sobretudo em se tratando dos Estados Unidos, e já conhecera muitos estados encantadores, mas nenhum lugar preenchia seus sentidos e acalmava sua alma como o de sua própria casa.
Por isso mesmo era uma surpresa sentir-se tão atraída pelo deserto. A curta viagem da propriedade de Eddie, à margem do Red Rock Canyon, até aquele rancho fora repleta de cenários ao mesmo tempo austeros e espetaculares. Havia algo de misterioso e maravilhoso no deserto. Ele fazia sua imaginação correr solta, evocando fantasias infantis com caubóis do Velho Oeste, couro e suor.
Sorriu para si mesma diante de ideias tão tolas e românticas.
— Adoro o seu sorriso.
A voz profunda de Apolo a surpreendeu.
Pamela se virou. Ele estava tão próximo que ela pôde sentir seu calor. Era apenas o calor de um corpo normal, não o poder imortal do Deus da Luz, mas a fez se lembrar da noite anterior, e de como chamas tinham varrido seu próprio corpo em uníssono com seus impulsos...
Passou a mão pelo cabelo curto, nervosa.
— Não o percebi chegando.
— Eu não queria assustá-la.
Se Apolo soubesse!... Apenas a presença dele já fazia seu estômago se contrair e seu rosto corar. E isso antes de ela descobrir que ele era o bendito Deus da Luz!...
Céus!, estava sendo cercada e cortejada pelo imortal Apolo! Era um pouco como se ver bem no meio de um velho episódio de Jornada nas Estrelas , sem nenhuma possibilidade de ser teletransportada para longe de uma situação difícil.
Mas ela não queria ser teletransportada para longe de Apolo, e isso a estava deixando louca.
Ele era Apolo! Não conseguia conter o arrepio de emoção que a percorria cada vez que pensava nisso. Era inebriante, enlouquecedor e terrivelmente assustador.
Em vez de gaguejar como a louca em que ela pensava estar se tornando, Pamela apontou a noite do deserto com a cabeça, em um gesto que, ela esperava, parecesse indiferente.
— Não foi culpa sua. Eu estava distraída com o cenário. É muito mais bonito aqui do que eu esperava.
— Sim, sei bem o que quer dizer. O Reino de Las Vegas também me surpreendeu com sua beleza. — Ele sorriu e lhe afastou uma mecha de cabelo escuro da testa. Seus olhos capturaram e refletiram a iluminação do terraço e, por um momento, pareceram brilhar de novo com aquele azul imortal.
Pamela recuou um passo.
— Por quê? — ele indagou, magoado. — Por que está me evitando?
Um dos garçons ergueu a cabeça com óbvia curiosidade diante da pergunta, e Pamela acenou para que Apolo a seguisse até a borda mais distante da varanda, onde era menos provável que sua conversa fosse ouvida. Baixou a voz e tentou não se preocupar.
— Não estou desprezando você. Estou sendo apenas... c-cuidadosa — ela gaguejou, sem fitá-lo nos olhos.
— Não compreendo. — Ele passou a mão por seu rosto e suspirou. — Sabe, Pamela, isso nunca aconteceu comigo antes. Precisa me explicar quais são as regras do amor.
Ela sentiu o coração bater na garganta e engoliu em seco antes de responder.
— Não conheço as regras. Não sei como amar um deus. — Encontrou os olhos dele, relutante. — A verdade é que era diferente quando eu achava que você era apenas Febo.
— Eu sou Febo, Pamela.
— Não, não é! Meu Deus, Apolo... — Ela se interrompeu, apertando os lábios. — Veja! Nem consigo dizer coisas normais perto de você. “Meu Deus...” Você é um deus! Eu não sei o que dizer, o que fazer. — Pamela esfregou a testa.
Os músicos começaram a tocar uma valsa que só fez aumentar o clima surreal da noite. Era como se Apolo houvesse conspirado para adicionar uma trilha sonora à conversa.
— Eu não quero me apaixonar — ela disse baixinho. — Eu já não queria antes de te conhecer, e agora isso só me parece ainda mais impossível.
Ele balançou a cabeça.
— Não, não é impossível. O problema foi a forma como descobriu tudo. Eu devia ter lhe dito antes; tornado mais fácil para você aceitar.
— Como poderia ser mais fácil? Você é um deus antigo, e eu sou apenas uma mortal. Não estamos destinados a ficar juntos.
Dizer as palavras que a haviam assombrado o dia todo deixaram Pamela enjoada.
— Eu atendi ao seu desejo mais sincero — Apolo replicou numa voz baixa e firme.
— Claro que atendeu! Não é que eu não o deseje... Desejo muito. Você é perfeito. Eu pedi por romance, e você é, definitivamente, um sonho romântico que se tornou realidade.
Pamela queria ficar quieta, segurar as palavras que derramavam de sua boca, mas não conseguia. Tinha medo de que, fazendo isso, fosse se jogar nos braços de Apolo e pedir que ele ficasse lá para sempre.
Se fosse assim, o que seria dela? O que aconteceria com seu coração quando ele deixasse aquele mundo e voltasse para o seu próprio?
Apolo franziu a testa e tornou a sacudir a cabeça.
— Eu sou mais do que um sonho romântico, e você pediu por mais do que um simples namoro com um deus.
— Apolo, eu sei pelo que pedi — ela falou com firmeza.
— Sabe mesmo? Então talvez esteja interessada em saber que o vínculo da invocação entre você e minha irmã não se rompeu até ter admitido, ontem à noite, que sou sua alma gêmea.
— Sua alma gêmea... — ela sussurrou as palavras, negando com um gesto de cabeça. — Não! — Ele não podia ser. Se Apolo era sua alma gêmea, como ela sobreviveria sem ele?
O belo rosto do deus ficou lívido.
— Talvez eu tenha tido sorte, por todas estas eras, em não ter conhecido o amor... Parece que é um sentimento bastante doloroso.
Dizendo isso, curvou-se para ela de leve, fez meia-volta e se afastou.
Em vez de passar pelas portas e rumar para o quarto, como tivera a intenção de fazer, Apolo quase atropelou a irmã e Eddie quando estes saíam para o pátio, seguidos de perto pelo onipresente James.
— Que bom que já veio para cá! — saudou o escritor, dando-lhe um tapinha no ombro. Logo depois, avistou Pamela. — Excelente! Estamos todos aqui. James, já pode pedir que sirvam o jantar. Venha, minha deusa... A comida aqui pode ser simples, mas juro que não vai se decepcionar com sua qualidade.
— Eddie, eu quero mais daquele champanhe maravilhoso!
— Claro, claro... — ele murmurou, ajudando-a a se acomodar em uma das cadeiras.
Pamela observou o homenzarrão cercar a deusa de cuidados e mimos tal qual uma gimensa galinha, enquanto Apolo permanecia de pé, do lado oposto da mesa. Podia sentir seu olhar sobre ela.
Piscou, combatendo as lágrimas que lhe haviam assomado aos olhos, endireitou os ombros, desenhou um sorriso cordial e profissional no rosto, e se juntou ao pequeno grupo. Eddie, claro, insistiu para que ela se sentasse ao lado de “Febo”.
Por sorte, assim que ela pôs o traseiro na cadeira, uma nuvem de garçons convergiu para a mesa.
Eddie descrevera o jantar como “simples”, o que a fez se perguntar o que ele considerava extravagante. A comida não foi trazida aos poucos, como se poderia esperar de uma refeição cara, servida em um resort exclusivo. Em vez disso, o escritor ordenou que tudo viesse de uma só vez.
Foi como uma explosão de alimentos. As saladas individuais, de verduras frescas, cogumelos exóticos e uma série de tomates maduros e pequenos, eram montadas tal qual pequenos ninhos de pássaros. A massa do tipo farfalle parecia divina e cheirava a alho fresco e vinho branco. Espessas postas de salmão tinham sido grelhadas à perfeição, assim como compridas fatias de abobrinha cobertas de queijo provolone derretido e polvilhado com pimenta moída e sal. Durante toda a refeição, garçons atenciosos serviam as taças com champanhe gelado.
Tudo estava delicioso, e Pamela sentiu-se relaxar enquanto Eddie e Apolo conversavam amigavelmente a respeito da tradição dos banhos diários na antiga Roma. Na verdade, ela se viu intrigada com os detalhes vívidos que o deus fornecia sobre um mundo considerado morto havia muito tempo.
— Então, o banho se tornou uma atividade social... — concluiu Eddie enquanto mastigava o salmão.
Apolo concordou.
— Não era apenas o ato de se lavar. Os banhos romanos eram muito mais do que isso. No mesmo balneário não era incomum que houvesse espaços para exercícios, massagistas, barbeiros, restaurantes, lojas e bibliotecas. Era um centro de convivência; o centro nervoso do que acontecia na cidade. Em suas salas privadas, questões que não deviam se tornar públicas eram discutidas. Alguns dizem que até mesmo os deuses frequentavam os balneários de Roma para se inteirar das intrigas do dia.
— Ha! Sabe-se lá se o plano para matar César não começou em um desses balneários de Roma...? — conjeturou o autor.
— César! — zombou Ártemis. — Proclamar-se um deus foi apenas um de seus muitos erros. Ele devia ter escutado a esposa. Calpúrnia bem que o advertiu... Roma não ouviu muitas vezes as vozes de suas mulheres — completou, irritada.
Os olhos de Eddie se arregalaram.
— Eu tenho feito isso, minha linda! Venho pensando no assunto desde esta manhã, quando nos conhecemos. Alguma coisa parecia fora de lugar, não exatamente onde devia estar, e agora compreendo o quê... Você não é Diana. Reconheço agora a sua verdadeira natureza.
Ártemis ergueu uma sobrancelha dourada para o escritor e mordiscou seu segundo pedaço de salmão.
— É mesmo?
— Sim! Você é muito ardente para ser a pálida e etérea Diana. Você brilha e ofusca, não apenas como a luz da lua cheia. Carrega dentro de você a natureza de uma caçadora. Amanhã iremos descartar aquele vaso sem sentido, que segurou esta tarde, e substituí-lo por um arco e uma aljava repleta de flechas. A brandura de Diana feneceu, e a deusa Ártemis surgiu em seu lugar.
Pamela engasgou ao engolir, e um garçom correu para lhe trazer um copo de água. Tossindo, ela compartilhou um olhar de surpresa com Apolo; entretanto Eddie não havia terminado. Colocou a mão sobre o coração e deu início a uma cappella , a voz profunda e ressonante de barítono se elevando, depois abrandando — como a de um dos Três Tenores —, e preenchendo a noite no deserto:
Eu canto Ártemis das setas de ouro,
que a grande bulha da caça adora,
e que nos cervos suas flechas lança.
Ártemis que na caçada exulta,
curvando seu arco dourado
que cospe setas tão amargas.
Tão poderoso é o seu coração
quando pelas matas ela vaga
exterminando das feras as ninhadas...
Ártemis parou de comer quando Eddie se pôs a cantar, fitando-o com evidente espanto. O enorme homem fez uma pausa, gesticulou para o trio de mulheres que vinha dedilhando uma música de fundo suave durante todo jantar e estas pararam de tocar. Quando ele recomeçou a cantar, a harpista capturou a melodia e um som mágico de cordas o acompanhou:
Quando da caça a deusa das flechas se vê saciada,
deixa o tenso arco e visita o irmão, Febo Apolo,
no distrito de Delfos, sua rica morada...
Ele balançou a cabeça na direção de Apolo, que ergueu a sua em régio reconhecimento.
Comanda, então, o coro das Musas e das Graças,
deixando de lado seu arco e flechas.
Cobrindo-se com suas belas joias,
a bela dança das divas ela conduz.
Divino é a canto que estas entoam
louvando a brandura com que Leto
seus dois filhos deu à luz.
Filhos esses que, entre os deuses,
tão elevados e justos são
nos seus desígnios e na ação.
Saúdo a ti, filha de Zeus e da Leto de lindos cabelos!
A ti louvarei, e lembrarei também a tua canção...
A voz de Eddie segurou a última nota, enquanto a harpista improvisou um acorde fantástico. Conforme a canção se desvaneceu, a noite ficou muito quieta.
O olhar de Pamela se desviou de Eddie para Ártemis, e sobre esta ficou. Chocada, ela viu os olhos claros da deusa se encher de lágrimas. Em seguida, Ártemis se inclinou e beijou Eddie demoradamente nos lábios.
— Você conhece os Hinos Homéricos... — sussurrou, a apenas alguns centímetros do rosto do homem.
— Conheço os Hinos Homéricos — ele respondeu, solene.
— Você me surpreendeu, Eddie.
O sorriso de prazer da deusa fez Pamela prender a respiração, tal era sua beleza.
— Irmão — falou Ártemis sem tirar os olhos de Eddie —, desejo recompensar nosso anfitrião por seus aguçados poderes de observação. Você tocaria para mim?
— Claro — concordou Apolo. — Mas não tenho nenhum instrumento.
A voz inconfundível de Eddie retumbou pelo terraço.
— Já chega de música esta noite! Podem ir embora... — ele falou às musicistas — ... mas deixem os instrumentos. Meu assistente cuidará para que estes lhes sejam devolvidos amanhã.
As três mulheres saíram rápida e discretamente, e Pamela se perguntou quanto Eddie lhes pagara para que elas nem mesmo piscassem antes de deixar para trás suas ferramentas de trabalho.
Apolo tomou o assento desocupado da harpista e colocou as mãos sobre o instrumento sem demostrar nem um pouco da emoção que sentia. Era o Deus da Música. Harpistas o tinham adorado e louvado durante incontáveis séculos. As Musas o reverenciavam. Desde o dia em que havia convencido o recém-nascido Hermes a presenteá-lo com a primeira lira conhecida pela humanidade, considerava sua habilidade imortal com o instrumento mais do que garantida. Era como o ar que respirava e o vinho que bebia... sempre ali, com ele.
Mas, naquele dia, não era o imortal Apolo. Era apenas um homem comum.
Ele conhecia as notas. A sensação da harpa lhe era familiar... Ainda assim, sentiu o estômago se apertar. E se seu talento houvesse desaparecido com seus poderes? E se ele tocasse as notas erradas? Ou pior, tocasse as notas certas tão mal que estas parecessem erradas?
Ergueu a cabeça. Ártemis se levantara e recuara com graça para longe da mesa, de modo a ter espaço para iniciar sua dança.
Os olhos de Eddie estavam colados em seu rosto. O autor parecia completamente encantado por sua irmã.
Apolo pressionou a mão contra as cordas esticadas. Compreendia bem como se sentia o homenzarrão...
Relutante, ele desviou o olhar para Pamela. Ela o observava com atenção, sem dúvida à espera de ouvir o brilhantismo com que o Deus da Luz tocava.
Nesse instante, ele desejou estar de posse de seus poderes imortais. Ou então que fosse o mortal Febo de verdade. De repente, quis muito ser um ou outro. Estar preso entre dois mundos era como ser empurrado para um campo de batalha com apenas a lembrança das armas.
— Toque a música favorita de Terpsícore — pediu sua irmã, num tom imperioso.
Apolo sabia a melodia. Estava lá quando a Musa da Dança a criara, e tocara para ela quando esta a executara em um dos grandes banquetes de Zeus.
Fechou os olhos e se concentrou. Suas primeiras notas foram um teste: suaves, quase inaudíveis, porém seus dedos pareciam mais confiantes do que ele, o próprio deus. Eles conheciam as cordas prateadas, e viajaram para cima e para baixo, ao longo de todo o instrumento, como velhos amigos saudando um ao outro.
Apolo abriu os olhos. Ártemis flutuava pelo terraço, recriando a obra-prima de Terpsícore.
Ele sorriu com carinho para a irmã. Naquela noite ela não contava com poderes imortais, mas nem precisava. A seda do vestido que Eddie lhe comprara girava graciosamente em torno de seu corpo. Seus movimentos eram lânguidos e cheios de uma flexibilidade única, hipnótica.
Seus dedos voaram sobre as cordas, aumentando o ritmo da melodia. Ártemis o acompanhou, girando e ondulando em perfeito ritmo com a música, até o crescendo , depois do qual ela terminou em uma pose elegante aos pés de Eddie.
— Não! — gritou Eddie, puxando-a, de modo que a deusa ficou de pé a seu lado, respirando pesadamente. — Era eu quem deveria estar a seus pés, minha deusa!
Ártemis riu, sem fôlego.
— E então?... Gostou da sua recompensa?
— Guardarei essa sua dança na memória até a dia da minha morte!
A expressão da deusa ficou séria.
— Não quero pensar na sua morte.
Foi a vez de Eddie rir, e ele o fez com vontade.
— Não pense, pois esse dia ainda está longe, minha diva!
O sorriso de Ártemis retornou.
— Eddie, caminharia comigo? Sei que está escuro, a noite já caiu, mas...
— Seu desejo é uma ordem — proclamou o escritor. — Venha, os arredores estão bem iluminados, e é uma grande honra escoltá-la.
Sem lançar um só olhar na direção de Pamela ou de Apolo, os dois deixaram o deque, as cabeças próximas, enquanto Eddie perguntava à deusa sobre as origens de sua dança.
Ainda deslumbrada com a incrível performance de Ártemis, Pamela os observou partir. Não podia acreditar. Ártemis tinha dançado para Eddie como se desejasse aquilo; como se realmente se importasse com ele e quisesse agradecê-lo.
Que diferença um único dia havia feito!... Naquela mesma manhã, a deusa estivera arrogante e intratável.
Verdade que Ártemis continuava aguerrida, mimada, autoindulgente e fútil. Mas, quando olhava para Eddie, não deixava dúvida sobre o carinho que lhe transbordava no olhar. Seria possível que a deusa tivesse mesmo coração?...
Dois acordes suaves e mágicos, um seguido do outro, chamou sua atenção de volta para o seu imortal.
Seu imortal!...
O pensamento a fez estremecer. Antes daquela noite, ela teria imaginado que um homem tocando uma harpa seria, no mínimo, efeminado e, no máximo, muito gay !
E Apolo não era nenhuma das duas coisas. Era másculo e magnífico. Não tocava a harpa apenas; ele a acariciava como a uma amante, fazendo que a música brotasse dela. Era como se sua carícia trouxesse vida ao instrumento. Com aquele corpo dourado e musculoso, o cabelo colorido pelo sol, parecia um antigo guerreiro fazendo uma pausa entre as batalhas para descansar e recitar seus feitos heroicos.
Quando Apolo começou a cantar, e seus dedos extraíram um som ritmado e sensual das cordas, ela encontrou seus olhos.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
A voz de Apolo era tão perfeita que era quase indescritível.
Pamela tentou imaginar como ele devia soar quando podia usar seus poderes imortais. Não admirava que várias gerações tivessem construído templos e esculpido estátuas em sua homenagem.
E agora ali estava ele, cantando só para ela.
Nesse momento, ela o desejou tanto que a força do sentimento quase a sufocou.
Sem pensar com muita clareza, Pamela se levantou e caminhou até ele.
Quando olho para ti, perco a fala,
minha língua congela e cala
e chamas sob minha pele se alastram.
Já não vejo com meus olhos,
em meus ouvidos ressoa um zunido,
um frio suor me cobre inteiro,
um arrepio me faz cativo...
Mais verde do que a erva fico,
perto da morte eu me sinto.
Pamela parou diante dele. O único poder que Apolo tinha sob seu comando era o de um homem apaixonado. Mesmo assim ele a encantava.
Estremeceu conforme ele repetia o refrão e a cobria com o calor de suas emoções.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
Quando a brisa da noite varreu a última nota, ela estendeu a mão, tímida e, com um dedo, acariciou as costas da mão que descansava nas cordas da harpa.
— Você compôs isso?
Apolo sorriu e segurou a mão dela.
— Não. Foi escrito por Safo. Ela era uma poetisa grega, e uma amante apaixonada de mulheres. Peguei emprestadas as palavras... Safo era dona de um senso de humor cáustico e de uma inteligência afiada. Creio que consideraria a nossa situação um tanto divertida. Não acho que se importaria com a pequena mudança que fiz em seus versos.
— Foi muito bonito. Sua voz é... — Ela fez uma pausa, tentando encontrar palavras para descrever o que tinha ouvido. — Sua voz é como um sonho quase esquecido. Algo fantástico demais para ser real.
— Mas é real. Eu sou real. — Apolo a puxou para si. Pamela hesitou, e ele passou o braço em volta de sua cintura, trazendo-a para mais perto. — O que sente por mim é verdadeiro...
O deus pressionou os lábios suavemente contra os dela. Precisava sentir seu gosto e calor, contudo Pamela estava tão rígida e inflexível que ele se contentou com um beijo quase casto. Primeiro na boca, depois no rosto.
Por fim, ela relaxou o bastante para descansar a cabeça em seu ombro, e Apolo respirou o perfume de seu cabelo. Quando se inclinou para beijá-la outra vez, Pamela levantou a mão e o impediu com um dedo.
— Vou pedir que me dê algum tempo.
— Tempo?
— Preciso de tempo para pensar sobre o que está acontecendo entre nós, e não consigo pensar quando me toca e me beija... Por isso mesmo estou pedindo algum tempo. Vai fazer isso por mim?
Ele queria dizer “não”, atirar a harpa para o lado, tomá-la nos braços e fazer amor com ela lenta e apaixonadamente, até que Pamela não conseguisse pensar em nada. Sabia que podia convencê-la a se entregar; sentia isso no modo como seu corpo gravitava para ele e na maneira como seus olhos fitavam os seus. Tinha consciência da paixão que ardia dentro dela, e sabia como despertá-la e usá-la.
Mas e depois? Na manhã seguinte, Pamela se afastaria de novo. E ele queria que ela viesse até ele por livre e espontânea vontade, sem arrependimentos.
Tirou o braço de seu corpo. Em vez de tentar beijá-la outra vez, afastou a mecha de cabelo escuro que vivia lhe caindo sobre a testa.
— Vou lhe dar esse tempo para que possa pensar. — Sorriu, tristonho, beijou-lhe a mão, então caminhou devagar para longe do terraço.
Sozinho.
Capítulo 25
O telefonema, às sete e meia, de uma jovem alegre, anunciando que o café seria servido no terraço às oito, veio cedo demais para Pamela. Que diabo estava acontecendo com ela? Seu relógio interno normalmente a despertava bem próximo ao amanhecer. Para sua rotina normal, sete e meia da manhã já era tarde.
Naquela manhã, porém, ela esfregou os olhos, sentiu a cabeça pesada e desejou poder se aninhar e dormir por pelo menos mais umas duas horas.
Culpa de Apolo. Saber que o Deus da Luz dormia sozinho no final do corredor a fizera rolar e se virar na cama pela maior parte da noite. Assim como aquela voz maravilhosa dele, que continuava soando em sua cabeça.
E seu toque... A cada vez que fechava os olhos, podia sentir aqueles lábios ardendo contra os dela.
Pelo visto, não importava que ele estivesse sem os seus poderes imortais. Para ela, seu toque ainda era como fogo, luz, suor e...
Maldição dos infernos! Ela precisava controlar os próprios hormônios.
Esfregou os olhos e se lembrou de que, na certa, Eddie mandara preparar um excelente café, que devia estar prontinho, esperando por eles.
O que a fez se lembrar de que — tinha certeza —, ouvira Eddie e Ártemis rindo no caminho de volta a um dos quartos, lá pelas duas da madrugada. Talvez os dois até houvessem tido relações sexuais, por mais grosseiro que fosse pensar naquilo.
Ártemis faria aquilo? Não se esperava que fosse uma das deusas virgens?...
Pamela pensou na temporada erótica da diva com Zumanity e no modo sexy como ela andava e falava. Ártemis parecia tão virgem como a Madonna (a cantora, não a outra). Exatamente o oposto de uma deusa casta, inacessível e intocável.
Pamela gemeu de novo ao sair da cama. Lavou o rosto e escovou os dentes, lembrando-se de que era terça-feira. Sem contar aquele dia, haveria apenas mais três até que o portal fosse reaberto, Ártemis e Apolo voltassem ao Mundo Antigo, e ela pudesse retornar ao seu próprio.
Sentiu o estômago revirar. Não. Não era tão ingênua a ponto de esperar que Apolo fosse ficar por ali por tempo suficiente para ter um relacionamento de verdade com ela. Ele iria embora. E ela retornaria à sua vida normal, aborrecida e sem emoção...
Não. Ela já havia resolvido aquilo. Não iria rastejar de volta para sua concha, assexuada, sem companhia, sem romance. Precisava pensar em Apolo como sua porta de entrada para o mundo do namoro. Fora uma missão de reconhecimento bem-sucedida. Iria mudar de missão quando voltasse para casa. Não seria mais apenas trabalho e nada de diversão. Ela — iria — namorar!
— Maldição dos infernos ... — disse ao reflexo desgrenhado no espelho do banheiro. — Estou parecendo uma sócia excêntrica daquelas milícias pelo namoro! Ve vai ficar com tanta vergonha de mim!... — Pamela se interrompeu e deu um tapa na testa. — Ve! Não tenho nem mesmo checado as coisas com ela!... — Vasculhou a bolsa até encontrar o celular e digitou o número da amiga sem muita delicadeza.
— Está cansada de mim? Não me ligou mais... Diga que não é verdade — dramatizou Ve em vez de dizer “Olá”.
— Não é verdade — afirmou Pamela. — Deus, Ve, estou tão envergonhada por não ter telefonado!... As coisas aqui têm sido mais do que gimensamente insanas.
— O escritor está louco e “nas últimas”...?
— Não. Na verdade, Eddie é um sujeito excepcional, e o trabalho está em vias de se tornar quase de bom gosto. Você sabe... Algo que Elizabeth Taylor e Richard Burton teriam gostado.
— Está brincando! Não me diga que o convenceu a recriar o palácio de Cleópatra !
— Bem... quase.
— Como assim?!
— Sim, estou criando algo como o cenário de Cleópatra . Mas não sou eu a responsável pela parte do convencimento.
— Ele tem alguma assistente lésbica com obsessão por Elizabeth Taylor, também? Deus, esse mundo é mesmo um lugar pequeno e inacreditável!... — Ve suspirou, feliz. — Vai me arrumar algum lance , por acaso?
— Mais uma vez, não. O assistente dele é homem, e tenho certeza de que ele é hetero. São os meus assistentes que o estão persuadindo a mudar de foco. E foi apenas por um feliz acidente que o lugar está ficando parecido com um complexo do MGM.
— Espere um pouco! Você só tem uma assistente, que sou eu. E eu não estou aí, porque estou aqui, às voltas com aquela louca do gato velho, a sra. Graham... Que, a propósito, se convenceu a esquecer aquele sofá de veludo cor de ameixa. Vamos procurar pelo chintz hoje. Eu disse a ela que o tecido iria disfarçar mais os pelos de gato. Independentemente da história da “Mulher Gato”, ainda há o importantíssimo detalhe de que a sua assistente cést moi , e eu estou aqui. Explique-se.
O que ela poderia dizer? , perguntou-se Pamela. Se admitisse acreditar que Apolo e a irmã eram imortais presos em Vegas, Ve pegaria o primeiro avião com uma bolsa cheia de Valium e faria uma reserva para que ela passasse agradáveis “férias” na primeira clínica psiquiátrica que encontrasse pela frente.
Sem dizer que ela, Pamela, iria deixar sua melhor amiga preocupada à toa.
Não. Não podia dizer a verdade.
Respirou fundo. Não pensaria naquilo como uma mentira. Iria considerar tudo como uma ficção. Era o que Eddie fazia para viver, e ninguém o chamava de louco.
Bem, pelo menos não abertamente.
— Eu contratei Febo e sua irmã para serem meus assistentes até sexta-feira. Febo é especialista em arquitetura romana antiga. Já a irmã dele é tão sexy que Eddie mudou de ideia sobre fazer daquele horroroso deus Baco a estátua central da fonte, e está fazendo a moça posar como modelo de deusa — ela completou, respirou, então aguardou pela explosão.
— Você contratou o seu namorado?
— Ele não é meu namorado.
— E a irmã dele?... — Ve continuou como se Pamela não tivesse dito nada.
— Sim, bem, a irmã veio apenas como brinde. Febo é mesmo um expert em Roma antiga. Ele me ajudou a convencer Eddie a construir um autêntico balneário romano em vez de uma réplica cafona da piscina do Caesars Palace. Você sabia que os antigos romanos usavam seus balneários como clubes?
— Ok... foco! Ainda não terminei as perguntas sobre o seu namorado.
— Ele não é meu namorado.
— Seja lá o que for. Pensei tê-la ouvido dizer que ele era médico e músico — lembrou Ve. — E ele não devia ter zarpado de Vegas na segunda de manhã?
— Ele é médico e músico. E também especialista em Roma antiga. E, sim, ele devia ter ido embora, mas... ahn... perdeu o voo, por isso decidiu ficar — elaborou Pamela, tentando manter a voz leve, e de um modo que não soasse mentirosa.
— Parece tudo muito conveniente para mim. E eu achando que ele era um jovem cavaleiro Jedi!.. . Quantos anos ele tem, afinal?
— É mais velho do que eu pensava no início — admitiu Pamela, grata por poder responder a uma das perguntas da amiga com sinceridade.
— Ainda está transando com ele?
— Não! Pelo menos não na noite passada.
— Foi sua ideia ou dele não transar ? — Ve insistiu.
— Minha — confessou Pamela, desgostosa.
— Ô-ô... Está completamente amarrada . Por favor, diga que não o contratou apenas para mantê-lo por perto e se torturar com sua crescente obsessão! É o tipo de coisa que estabelece um daqueles cenários doentios de ópera, Pammy.
— Não é nada disso. Eu o contratei — e àquela infeliz da irmã dele — porque precisava de ajuda.
— Quer dizer que a bonitinha é uma bela bisca ...?
Pamela sorriu. Sabia que usar Ártemis como bode expiatório iria funcionar.
— Ela é horrível! Linda, altiva, do tipo que tem complexo de deusa. Você iria adorá-la.
— Você é tão engraçadinha... — Ve suspirou.
— Também sou um gênio do design . Contratar Febo e Diana tirou por completo a pressão de cima de mim para que eu transformasse algo totalmente brega em algo de bom gosto. Eddie está apaixonado por Diana. Um sorriso ou beicinho dela, e ele muda de ideia.
— E você, claro, a informou sobre o que Eddie deve gostar ou não...? — concluiu Ve.
— Claro — Pamela mentiu mais uma vez. Não se podia obrigar Ártemis a fazer muita coisa. Sorte que a deusa tinha excelente gosto... ainda que este fosse meio extravagante.
— E então, o que o seu trípode faz além de ficar por perto, bancando o macho?
— Ele não é meu trípode. E está trabalhando com os arquitetos, no balneário. É superinteressante saber mais sobre... — Uma batida na porta a interrompeu. — Espere um pouco, tem alguém na porta.
— Pamela? — A voz profunda de Apolo fluiu através da madeira. — Eu preciso de ajuda!
— Ahn, Ve, tenho que desligar.
— Ok, ligue mais tarde. E lembre-se: não fique se preocupando com tudo, mas tenha cuidado.
Pamela resmungou um adeus e fechou o telefone flip-top pouco antes de abrir a porta. Ela a escancarou e seus olhos fizeram o mesmo ao pousar em Apolo. Ele estava nu da cintura para cima! Tinha o cabelo ondulado todo desgrenhado, e seu queixo e faces estavam cobertos de sangue.
— Ah, meu Deus!... O que aconteceu?
— Fiz a barba — ele explicou. — E estou sangrando!
— ... Venha aqui. — Pamela o puxou para dentro do quarto e fechou a porta. Sob as manchas de sangue que salpicavam seu rosto, Apolo tinha a pele pálida. Ela balançou a cabeça e apontou para uma cadeira. — Sente-se antes que desmaie. Você não me parece bem.
Ele se deixou cair na cadeira. Tocou uma das gotas de sangue, olhou para o dedo avermelhado e engoliu em seco.
— É o meu sangue...
Pamela franziu a testa.
— Claro que é. Tirou sangue de si mesmo ao se barbear. — Rumou para o banheiro a fim de apanhar uma toalha molhada, olhando-o por cima do ombro. — Já fez a barba antes?
Ele negou com um gesto de cabeça, sem-graça.
— Não.
Pamela voltou ao quarto com a toalha molhada, lembrando-se de como o rosto de Apolo lhe parecera suave e sem pelos na manhã em que haviam acordado juntos.
— Nunca fez a barba?...
Ele a fitou.
— Nunca precisei fazer. Nunca tive barba.
Ela se inclinou diante dele e lhe examinou o rosto, tocando-o na face.
— Não está tão ruim. Você só se cortou algumas vezes. É que o rosto sangra muito facilmente.
— Eu não sabia — Apolo murmurou, parecendo ainda mais pálido.
Pamela se endireitou.
— Nunca viu sangue antes?
— Não — ele concordou, em seguida franziu a testa. — Quero dizer... sim. Mas nunca aconteceu de eu sangrar.
Pamela abriu a boca, depois fechou. Ele era um deus. Deuses não morriam, por isso era lógico que também não sangrassem.
Não soube o que dizer. Antes que pudesse formular uma resposta inteligente, ouviu duas batidas fracas, seguidas pelo som fraco de seu nome.
— Espere aí — disse a Apolo. — Quem é?... — perguntou através da porta.
— Eu! — A palavra soou como um gemido.
— Ártemis? — indagou Pamela, abrindo a porta.
Vestida com a túnica curta mais uma vez, a deusa se arrastou para dentro do quarto como se reeditando uma antiga tragédia grega, com uma das mãos estendida à sua frente e a outra segurando o pescoço.
— Pamela! Alguma coisa está muito errada comig... — Ao avistar o irmão sentado na cadeira, com o rosto salpicado de sangue, Ártemis levou a mão da garganta para a boca.
Pamela bateu a porta e segurou o cotovelo da deusa.
— Nem pense em gritar! — falou devagar e claramente.
— Oh!... — Ártemis oscilou, e Pamela a guiou para a cama, onde a diva se deixou sentar, ainda com os enormes olhos vidrados em Apolo.
— Ele está morrendo?! — indagou, em pânico.
— Ah, meu bom Senhor... Claro que não! Ele só se cortou no barbear. — Pamela esfregou a têmpora direita, sentindo a pontada que marcava o início de uma forte dor de cabeça.
— Apolo!? — Ártemis perguntou com voz trêmula.
— Não sou muito bom com a... — Ele fez um movimento, simulando a lâmina.
— Navalha — completou Pamela. — Não, você não é bom com a navalha. — Ela caminhou até ele e se abaixou de novo. — Isso pode doer um pouco... — Tocou os cortes com a toalha molhada.
O único movimento de Apolo foi uma puxada de ar.
Sua irmã assistiu a tudo, horrorizada.
— Ele está sangrando! — exclamou Ártemis.
— Sim, é isso o que acontece quando você se corta com uma navalha. Você sangra. — Pamela revirou os olhos para a deusa antes de se concentrar outra vez em Apolo. — Ok. Agora é só pegar um lenço de papel e pressionar uns pedacinhos nesses cortes. Muito em breve eles vão coagular e parar de sangrar, então estará novo em folha.
— Lenço de papel? — inquiriu Apolo.
— Coagular? — indagou Ártemis com voz estridente.
— Esqueçam... Eu mesma faço isso.
Pamela suspirou, foi até o banheiro, apanhou dois lenços de papel e tornou a se agachar ao lado da cadeira de Apolo.
Os gêmeos observaram, admirados, enquanto ela rasgava pedacinhos redondos e os pressionava nos cortes.
— Pronto — Pamela anunciou e se endireitou a fim de avaliar seu trabalho. — Isso deve parar o sangramento. Quando estiver pondo a camisa e penteando o cabelo, já poderá tirar os papéis sem que os cortes se abram novamente.
— Eles se abrem de novo? — ele perguntou, agoniado.
— Apolo, não é o Deus da Cura ou sei lá mais do quê? Como esse tipo de coisa pode ser tão chocante para você? — Pamela indagou, exasperada, sem saber se queria abraçá-lo ou chacoalhá-lo.
O deus se levantou de um salto.
— Tem toda a razão. Eu... Eu estou me sentindo um tolo. Vou me vestir e já volto — informou, batendo em retirada.
— Isso não foi muito gentil — observou Ártemis.
Pamela colocou as mãos nos quadris e se virou para a deusa.
— Olhe só quem está, de repente, toda preocupada com bons modos!... Preciso lembrá-la de que já deixou claro que me considera apenas uma experiência mortal que deu errado? Parece que me lembro de ter dito algo sobre estar farta de ficar algemada a mim como desculpa para ter me lançado algum tipo de magia sexual e fazer que eu me interessasse pelo seu irmão...
Ártemis se encolheu toda.
— Está piorando a minha dor de cabeça!
— Que bom!
— Mais uma vez, isso não está sendo muito agradável da sua parte! Até porque eu posso estar morrendo!
— E por que acha isso?
— Basta olhar para mim! Alguma coisa está muito errada. Meus olhos estão vermelhos, inchados e, sob eles, estou com essas manchas escuras horríveis. Estou com o estômago embrulhado e acho que a minha cabeça vai arrebentar a qualquer momento — choramingou a deusa, caindo dramaticamente sobre os travesseiros de Pamela.
— Por favor... Não há nada de errado com você, exceto uma enorme ressaca! — esclareceu Pamela, tentando não rir.
— E isso vai me matar? — Ártemis perguntou, endireitando o corpo para, em seguida, fazer uma careta de dor e segurar a cabeça.
— Não. Mas eu deixaria de lado as mimosas e o champanhe hoje.
A deusa empalideceu.
— Nem sequer mencione aquelas bebidas!
Pamela não pôde deixar de sorrir para ela.
— Aposto que está morrendo de sede.
— Estou seca! Como sabe? Já teve esta doença?
Pamela foi até o frigobar e apanhou uma garrafa de água. Rompeu o lacre, então a entregou a Ártemis. — Mais vezes do que estou disposta a admitir. Você ingeriu muito álcool ontem, e seu corpo temporariamente mortal está lhe dizendo que não foi uma boa ideia. — Pamela observou Ártemis entornar a garrafa de água. — Espere, não beba tudo. Vai precisar de um pouco para tomar com o Tylenol — explicou, vasculhando a bolsa até encontrar sua caixinha. Revirou as cartelas de Benadryl e Xanax até encontrar dois comprimidos do remédio. — Engula isto e depois tome um café da manhã leve: talvez apenas algumas torradas ou bolinhos. — Ao observar a expressão vazia de Ártemis, ela acrescentou: — Ah, está bem... Eu mostro o que poderá comer. Mas trate de beber café e um pouco mais de água. Vai se sentir melhor em breve.
— Vou ficar com uma aparência melhor também? Mal pude acreditar na imagem horrorosa que vi no espelho!...
Pamela estudou o rosto da deusa, assim como tinha feito antes com seu irmão. Ártemis continuava, como sempre, incrivelmente bela, mas, naquela manhã, a deusa se encontrava mesmo muito abatida.
— Vamos até o banheiro. Talvez eu possa dar um jeito nessas olheiras. — Ela fez uma pausa e lançou a Ártemis um olhar avaliador. — Espere... Faremos um trato. Vou melhorar sua aparência se prometer ser boazinha com Eddie outra vez.
À menção do nome do autor, a expressão de Ártemis mudou. Seu rosto pareceu suavizar, e suas faces se tingiram de um rosa delicado.
— Ah, meu Deus!... Está mesmo gostando dele! — exclamou Pamela.
— Ele... ele me lembra alguém — Ártemis sussurrou.
— Gosta de Eddie porque ele a faz se lembrar de alguém? Quem?
Os olhos da deusa faiscaram, e ela reassumiu sua habitual arrogância.
— É problema meu, não seu, quem Eddie me lembra. E não estou gostando dele apenas por causa disso. Ele me reconheceu. É um mortal de um Mundo Moderno que já não honra os deuses e as deusas, mas Eddie me conhece e me adora. E isso me agrada.
— Sei — resmungou Pamela. Em seguida, fez sinal para Ártemis se sentar no balcão do banheiro enquanto revirava seu estojo de maquiagem em busca de um corretivo.
Por algum tempo, trabalhou em silêncio no rosto da deusa, cobrindo os círculos escuros sob os olhos enormes e espalhando um pouco de pó bronzeador em suas faces, de modo a trazer de volta sua cor natural. Então, como se Ártemis já não fosse naturalmente maravilhosa, destacou seus olhos com uma sombra cintilante. Era como retocar uma pintura feita por um mestre, concluiu.
— Hipólito — murmurou Ártemis.
— O quê? — Pamela perguntou.
— Quem. Hipólito não era uma coisa. Era uma pessoa. Eddie faz que eu me lembre dele.
— Hipólito também era escritor? — Pamela quis saber, acrescentando apenas um toque de blush nas maçãs salientes do rosto da deusa.
— Não. Ele era guerreiro. Filho de Teseu. Era alto, forte e quase tão bonito como um deus. Não é o corpo de Eddie que lembra o do meu Hipólito. É em sua devoção que vejo muita semelhança.
— Você fala de Hipólito no pretérito... Ele está morto?
— Sim — admitiu Ártemis. — Assassinado por engano, por conta de sua devoção a mim. Fui a única mulher que ele amou.
— Eu sinto muito — sussurrou Pamela.
Ártemis encontrou o olhar da mortal, surpresa por identificar nele tanta compreensão.
— Você também perdeu um amor.
— Ele não morreu fisicamente... Mas descobri que o homem em que eu acreditava, na verdade, não existe.
Ártemis assentiu com um gesto de cabeça, pensativa.
— De certa forma, isso me parece até mais difícil de suportar. Pelo menos Hipólito já não caminha sobre a Terra antiga. Seria muito doloroso vê-lo, sabendo que ele é apenas a imagem do que eu acreditava que ele fosse...
— Então me entende — murmurou Pamela.
— Sim. — Ártemis sorriu, tristonha. Em seguida, virou-se. Ao se ver no espelho, seu sorriso se ampliou e se transformou em um sorriso de verdade. — Você realizou um milagre!
Pamela riu.
— Com certeza. E esses milagres têm nome: Borghese, Mac e um pouco de Chanel para completar. São milagres da mulher moderna que trabalha.
— Obrigada, Pamela! — a deusa falou com sinceridade.
— Foi um prazer, Ártemis. — Ela olhou para o próprio reflexo com um suspiro. — Agora vou ter que operar o mesmo milagre em mim. E depressa.
Ártemis deslizou do balcão.
— Eu digo a Eddie que fui a responsável pelo seu atraso. Ele não vai ficar nem um pouco aborrecido se tiver algum tempo a sós comigo antes que você venha ao nosso encontro...
— Ártemis! — Pamela chamou e, com a mão na maçaneta da porta, a deusa se virou para encará-la. — Posso fazer uma pergunta? Mesmo sendo meio pessoal?
A diva encolheu um ombro.
— Merece até uma bênção pelo milagre que fez. Não tenho poderes para lhe agradecer, assim terei prazer em responder à sua pergunta.
— Não entendo muita coisa de mitologia, mas lembro-me de ter lido que você, a deusa Ártemis, era uma deusa virgem, intocada por qualquer homem ou deus. Fico me perguntando se isso é verdade...?
Por um momento, Ártemis pareceu chocada. Depois, perplexa. Então começou a rir.
— Desculpe, eu não tive a intenção de que isso fosse engraçado — Pamela murmurou, meio envergonhada pela reação da deusa à sua pergunta.
— É da imaginação dos homens que estou rindo, não de você. Eles me denominaram a “Deusa Virgem” porque me recusei a ficar presa a um parceiro. Eu levo o amor aonde vou. Decido quem, onde e quando... Meu verdadeiro prazer vem da minha liberdade. Minha amante favorita é a floresta; minhas antigas companheiras, as ninfas que me servem. Mas posso lhe assegurar... não sou virgem — afirmou Ártemis, saindo do banheiro e deixando sua risada melodiosa como rastro.
C O N T I N U A
Capítulo 18
— Eu não faço a menor ideia do que vestir. — Pamela suspirou ao celular.
— Alguma coisa quente , mas não muito — sugeriu Ve. — Ele tem algumas explicações a dar antes de você cair de costas e abrir as pernas outra vez...
— Eu não abri as pernas assim!
O silêncio de Ve pesou na consciência já pesada de Pamela.
— Está bem, talvez eu tenha aberto um pouco — admitiu.
— Pammy, não existe abrir as pernas “um pouco”. É como estar um pouco grávida, ou se engajar em uma pequena guerra nuclear.
— Ah, Deus! Eu sou uma vagabunda! — Ela cobriu os olhos com a mão.
— Ora, por favor... Você teve relações sexuais com dois homens num período de... o quê? Oito, nove anos? Isso está longe de qualificá-la como uma prostituta.
— Mas eu dormi com Febo no nosso segundo encontro! — ela cochichou.
— Ei, não tem que cochichar! Está sozinha. Sem dizer que está se justificando para a pessoa errada, você sabe. Vamos rever aquela velha piada... O que uma lésbica leva com ela em um segundo encontro? — Ve fez uma pausa, na expectativa.
— Um reboque com a mudança — respondeu Pamela.
— Certo. Então, como pode ver, do meu ponto de vista tem se mostrado criteriosa até demais.
— Tem razão. Estou falando com a pessoa errada — Pamela concluiu.
Ve a ignorou.
— O que não significa que não deva fazer um pouco de doce ... Ao menos por uma noite, até que o jovem Jedi, Febo, explique por que resolveu abandoná-la pela manhã e, mais importante, por que deixou de mencionar esse fato antes, durante e depois de você ter aberto as pernas.
— Será que pode parar de chamá-lo desse jeito?
— Por quê? Falo como um elogio. Além disso, de acordo com suas incansáveis descrições, ele se encaixa perfeitamente na imagem.
— Febo não é nenhum Jedi . Se quer a verdade, ele parece mais um deus.
— Ah, controle-se! Nada é melhor do que um cavaleiro Jedi ... Exceto a princesa Leia.
— Vernelle! Não está ajudando em nada assim.
— Desculpe. Está bem, o que pode vestir?... Que tal aquele seu lindo vestido de seda creme? Você sabe, aquele com alças finas. Está na última moda de primavera e sempre faz sucesso com as massas. Você o levou, não levou?
— Sim. Mas não se lembra de como é decotado? Hello!... Tem alças finas! Ombros nus e decote profundo não entram na categoria “quente, mas não muito” — lembrou Pamela.
— Verdade. Muito bem. Levou as calças pretas? Aquela com as fendas que mostram uma boa parte das panturrilhas?
— Sim, acho que sim.
— Use-as com um dos seus tops sem mangas. Mas um com um decote alto. Assim ele consegue ver um pouco de suas pernas, um pouco dos seus braços, e apenas o contorno de tudo o mais. Se for um bom menino, poderá abrir o restante do pacote depois que vocês fizerem as pazes.
— Ve, você é incorrigível! — exclamou Pamela.
— Sim, eu sei. Mas também sei o que cai bem em mulheres.
— Agora me pegou. Está bem, vou usar as calças. E não vou dormir com ele de novo.
— Dormir? Você não me contou nada sobre ter dormido com o Jedi ! Eu posso não ser hetero, mas até eu sei que ninguém dorme com cavaleiros Jedi .
— Pare com isso. Sabe muito bem que estou falando de sexo.
— Pammy, você pode ter relações sexuais com ele. Basta judiar de Febo um pouco primeiro.
Pamela fez menção de dizer algo, depois mudou de ideia.
— Está bem. Talvez.
— Não me venha com “está bem, talvez”. Conheço esse seu tom. O que há de errado? Desembuche, criatura!
— Eu gosto dele — Pamela murmurou.
— Sim, deixou isso mais do que claro. E qual é o problema?
— Quero dizer que realmente gosto dele. E não quero isso. Não é muito inteligente da minha parte.
— Pammy, escute-me... O que não é muito inteligente é deixar Duane, aquele manipulador obsessivo, envenenar o seu futuro. Esse tal de Febo pode não ser o cara . Ele pode ser apenas alguém com quem está tendo um “casinho” em Vegas, e de quem vai se lembrar sempre como o homem que a tirou do limbo. De qualquer modo, nunca vai descobrir quem ele é realmente, ou o que qualquer outro cara seja, se não estiver disposta a lhe dar uma chance. Amor é assim. Precisa se arriscar a perder ou ganhar.
— Eu não sei se consigo — choramingou Pamela. — Nós já concluímos que não sou uma jogadora muito boa.
— Mas pode ser — Ve replicou com firmeza.
— Como pode ter tanta certeza?
— Se estivesse destinada a ficar sozinha, não estaria agonizando com essa história de “devo ou não devo”. Já teria aceitado o “não devo” como o melhor para você e seguido em frente com a sua vida. Seja franca. Pode afirmar com convicção que se sentia melhor antes de conhecer Febo?
— Era mais fácil — ela respondeu, seca.
— Bem, boneca, é mais fácil fazer as cortinas do quarto do mesmo tecido da colcha... Mas isso garante um melhor resultado?
Pamela fez uma careta ao notar as estampas florais combinando perfeitamente na suíte.
— Definitivamente, não.
— Por favor, dê uma chance a si mesma, Pammy. Você merece viver de verdade outra vez.
— Eu te amo, Ve — ela falou.
— Isso é o que todas as garotas dizem. Divirta-se esta noite. E tente não ser muito dura com o pobre trípode. Lembre-se de que pode ser esperta sem ser mala .
— Ahn?
— Esqueça. Vá se arrumar.
— Está bem, eu ligo amanhã — resolveu Pamela.
— Por falar nisso, percebeu que este é o segundo telefonema de uma série em que não mencionou trabalho uma só vez, não é?
— Maldição dos infernos! Estou perdendo a cabeça. Como foi com a sra... — ela recomeçou, mas a risada de Ve a interrompeu.
— Pammy! Pare!... É ótimo que tenha algo na cabeça além da Ruby Slipper.
— Sim, mas...
— Está tudo bem. Como de costume. Não tem que se preocupar. Telefone amanhã, depois da reunião com Faust. E lembre-se: diversão e fantasia, Pamela. Diversão e fantasia.
— Está linda esta noite... e muito sedutora — Apolo afirmou, beijando a pele da mão de Pamela com lábios tão persistentes e sugestivos como seu olhar.
Que maravilha! , ela pensou, sentindo o estômago se contrair com a visão dele. O oposto do que eu queria.
— Aposto que diz isso para todas — falou com cinismo, tomando emprestado o bordão de Ve.
— Não nos últimos tempos — ele replicou, os olhos azuis, da cor do céu, de repente muito sérios. — E nunca com tanta sinceridade.
— Então, muito obrigada — Pamela agradeceu, tentando, sem sucesso, não se deixar enfeitiçar pelo azul dos olhos de Febo. Como um gato se livrando da água, ela se sacudiu mentalmente e tratou de mudar de assunto. — Como está a sua irmã?
— Está bem. Ainda incomodada, mas bem. — Apolo manteve a mão na dela enquanto apoiava um pé no degrau inferior da cadeira alta, a seu lado. Queria puxá-la para os braços e beijá-la ali, na frente do café, mas a linguagem corporal de Pamela lhe dizia que ele precisava ir com calma. — Diana não quis ofendê-la esta tarde. Como ela mesma falou, não tem estado muito bem.
Pamela se preparou para soltar um improvisado “tudo bem”, porém se conteve. Em vez disso, endireitou os ombros e o fitou nos olhos.
— Não vou fingir que descobrir que iria partir tão cedo, e que não dissera nada a respeito, não feriu meus sentimentos. Para falar a verdade, isso fez que eu quisesse distância de você.
— Ah, a verdade. — Apolo acenou com a cabeça, pensando como apreciava a honestidade de Pamela e, ao mesmo tempo, percebendo quão poucas mulheres haviam sido sinceras com ele. Elas o tinham adorado, idolatrado, competido por sua atenção... Contudo, ele não achava que alguma houvesse sido honesta com ele. — Ficou magoada ao pensar que eu iria deixá-la sem explicação, e sinto muito por isso. — Acariciou-a no rosto. — A última coisa que desejo é que sinta vontade de fugir de mim para se proteger. — Tocou com o dedo a medalha dourada que pendia em torno do pescoço delicado. — Por favor, acredite que seus sentimentos estão seguros comigo.
Mais uma vez, Pamela retrucou com total franqueza:
— Vou tentar confiar em você, mas não posso prometer nada ainda.
Ele levou sua mão aos lábios outra vez.
— E eu vou me contentar com a sua honestidade e com a oportunidade de ganhar sua confiança.
— Pode me dizer por que está indo embora?
— Você se importaria muito se falássemos sobre isso durante o jantar? Planejei algo especial para nós esta noite.
— Ah, claro — Pamela sentiu uma onda de prazer que desejou poder controlar melhor. — Estou faminta. — Levantou-se, muito consciente de que Febo ainda a segurava pela mão, e sem coragem de se livrar dos dedos quentes. — Para onde vamos?
— Para o Monte Olimpo — ele declarou com os olhos brilhando.
— Parece um restaurante que se encaixaria muito bem por aqui... Mas não me lembro de tê-lo visto enquanto passeava pelo Fórum. Fica no Caesars Palace?
— Há uma passagem para ele no hotel, mas é exclusiva. Poucas pessoas sabem disso.
— É só para os deuses, certo? — Pamela falou brincando.
— Só para os deuses — Apolo concordou, sorrindo.
Caminharam de mãos dadas, do Fórum até o cassino. Seus braços se tocavam intimamente, e Pamela se lembrou de como fora maravilhoso estar no meio destes, pressionada contra o peito nu. Podia até sentir seu aroma único. Não era como o daqueles perfumes masculinos de loja de departamento. O dele era natural. Febo cheirava a limpeza. A homem.
A ponto de ela ter vontade de cheirá-lo.
— Terminou o esboço das salas de banho? — ele quis saber.
— Sim, terminei. — Pamela tratou de afastar as lembranças de sua pele nua. — E gostei. Nunca tinha desenhado nada semelhante. É emocionante fazer algo novo. Isso se eu convencer Eddie a usar o projeto.
— Vai convencer.
— Eu espero que sim... OH, MEU DEUS! — Pamela estacou, como se tivesse trombado com uma parede invisível, ao deparar com uma vitrine iluminada, bem na frente de uma pequena loja de acessórios da moda. Nesta, pequenas bolsas, cuidadosamente dispostas sobre um pilar de mármore, se encontravam dentro de uma caixa de vidro fechada. — Não acredito como são perfeitas! — Entorpecida, Pamela largou a mão de Febo e se aproximou do vidro. Havia três bolsinhas forradas de pedras nas caixas transparentes. Uma delas imitava um cofre de porquinho, desses de criança, a outra era uma encantadora libélula, e a terceira, aquela pela qual ela enlouqueceu: uma réplica exata de um dos sapatinhos de rubi de Dorothy. Cintilava com contas vermelhas e pedras semipreciosas sob o spot , parecendo mágica, familiar e muito... Mágico de Oz. — Preciso comprar essa bolsa! — exclamou, chamando o atencioso vendedor que aguardava no interior da loja com o dedo.
Apolo observou enquanto Pamela, encantada com a bolsa em forma de sapato vermelho — que também continha aquele pino cortante que ela tanto apreciava —, aguardava, impaciente, que o servo abrisse a caixa de vidro e retirasse o objeto com cuidado.
Pamela o tratou com reverência, virando a etiqueta dourada que pendia do fecho.
Seu rosto empalideceu.
— Deixe-me ter certeza de que estou lendo direito... São 4 mil dólares ou 400 dólares?... — perguntou ao funcionário.
— É isso mesmo, senhora. Trata-se de uma Judith Leiber original. — O tom do rapaz dizia que aquela era explicação suficiente para o preço.
— É linda. — Relutante, Pamela devolveu a bolsa para o vendedor, que a colocou de volta na vitrine.
— Posso lhe mostrar mais alguma coisa, madame?
— Não, obrigada.
O empregado fechou e trancou a caixa de vidro.
— Pode me chamar se precisar de ajuda. — Ele fez um movimento afetado com o rosto e rumou para o interior da elegante loja.
— Não vai comprá-la? — Apolo perguntou, odiando o ar de desamparo no rosto de Pamela.
— Está brincando? Custa 4 mil dólares. Não posso gastar esse dinheiro em uma bolsa.
— Mas disse que ela era perfeita.
— E é!... Quatro mil dólares de perfeição. — Ela suspirou e deslizou o braço pelo dele, conduzindo-o para longe da fachada da loja.
— Vamos embora antes que eu chore.
— Não tem 4 mil dólares? — Apolo perguntou enquanto caminhavam.
— Sim, tenho. Mas não sobrando. Ou melhor, não que justifique uma extravagância dessas. Mesmo que seja uma bolsa-joia, sapatinho de rubi!... — Ela suspirou, pensativa. — Quem sabe um dia?
Apolo pensou no pacote de dinheiro que carregava no bolso. Não se lembrava exatamente do quanto havia trazido com ele. Tinha apanhado apenas algumas notas do topo da pilha que Zeus mandara Baco deixar numa tigela dourada, próxima do portal. Fez uma conta rápida e teve a certeza de que não contava com 4 mil dólares.
De qualquer maneira, Pamela parecia considerar aquilo uma grande quantia em dinheiro; decerto mais do que aceitaria como presente.
Olhou para a medalha de ouro que se aninhava pouco acima do vale entre seus seios. Ela quase não a aceitara, e não fazia ideia nem mesmo de uma fração de seu valor.
Não. Pamela não permitiria que ele a presenteasse com a bolsa.
O chão de pedra deu lugar a um tapete opulento quando eles deixaram as lojas do Fórum e adentraram o Caesars Palace.
— É por aqui — orientou Apolo, virando à direita e passando por várias fileiras de máquinas caça-níqueis que piscavam. Em seguida, diminuiu o passo e parou.
— Caminho errado? — Pamela inquiriu.
Ele sorriu.
— Não, mas eu estava pensando... Por que não se arrisca um pouco no jogo?
O rosto bonito de Pamela se transformou em um ponto de interrogação.
— Quer a bolsa, mas não pretende gastar 4 mil dos seus dólares. E se ganhasse esse dinheiro? Você compraria a bolsa?
— Acho que sim, eu...
Apolo fez um gesto de cabeça em direção à fileira de caça-níqueis mais próxima.
— Estou sentindo que a sorte está conosco esta noite.
Pamela mordeu o lábio.
— Não sou muito boa jogadora. Gosto de saber que estou recebendo algo em troca quando entrego o meu dinheiro.
— Então, permita-me entrar com o meu dinheiro. — Ele enfiou a mão no bolso e tirou o pequeno pacote, lidando com habilidade com a dúzia de notas, cuja maioria era de 50 ou 100 dólares.
— Minha Nossa, Febo, nunca ouviu falar em cartões de crédito?
Ele tentou não se mostrar confuso. Baco havia mencionado algo sobre outras formas com as quais os mortais modernos pagavam por suas aquisições, mas não se lembrava exatamente do que o deus dissera.
— Prefiro isto. — Fez uma pausa, tentando decidir o que mais poderia dizer. — Não é muito colorido, mas interessante de se olhar. — Entregou-lhe uma nota de 100 dólares. — Aceite uma destas, use-a para alimentar uma das máquinas, e vamos ver o que acontece.
Pamela franziu a testa, olhando-o como se ele fosse louco.
— Não posso torrar 100 dólares assim, mesmo que sejam dos seus! E, estou falando sério, eu nunca jogo. Não sei se tenho a atitude certa para dar sorte.
— Pois eu penso o contrário. Você traz sorte para mim.
O comentário arrancou um sorriso relutante de Pamela.
— Não vou conseguir gastar 100 dólares assim.
— Se é assim, leve uma desta. — Apolo mexeu no dinheiro até encontrar uma nota de cinquenta. — Lembre-se de que poderá ganhar dinheiro suficiente para comprar a sua bolsa-sapato.
À menção do cobiçado objeto, os olhos castanhos de Pamela cintilaram, e ele soube que tinha vencido.
— Está bem, vamos fazer um acordo. — Ela não pegou a nota de cinquenta. Em vez disso, remexeu o maço de dinheiro até encontrar 20 dólares. — Eu aposto com isto, e apenas isto. Se eu ganhar, você recebe a metade. Se eu perder, fico lhe devendo 10 dólares.
— Aceito — concordou Apolo. — Em que máquina vamos tentar?
Pamela estudou a fileira de caça-níqueis piscando, ressoando, retinindo, e sentiu-se um pouco intimidada por sua aparência. Já passava das oito da noite do domingo, mas pelo menos metade das máquinas continuava ocupada por jogadores, os quais apertavam botões e puxavam alavancas com admirável intensidade.
— É você quem está se sentindo com sorte. Você escolhe — resolveu.
Apolo coçou o queixo, fingindo considerar os aparelhos com cuidado.
— Gostei desta aqui. — Ele a puxou pela mão até um caça-níqueis não muito longe de onde eles estavam. Havia apenas mais duas pessoas naquela fileira, e estas se encontravam sentadas bem além da máquina que ele escolhera.
— “Roda da Fortuna”. Tem certeza de que quer esta? Pode ser um mau presságio... Eu nunca gostei muito desse programa de TV. Não costumo soletrar bem. — Pamela encolheu os ombros. — Aliás, sempre odiei fazer isso.
— Está nervosa.
Apolo não compreendeu o que ela dizia, mas reconheceu o tom de sua voz e sua linguagem corporal.
— Sim — admitiu Pamela, sentindo-se uma tola. — Tem razão, estou mesmo. Eu já disse que nunca joguei antes.
— Não pense nisto como um jogo de azar. Pense nisso como a compra de uma bolsa.
Pamela se animou visivelmente.
— Acho que comprar uma bolsa é algo que eu consigo fazer. — Ela se acomodou no assento estofado e estudou a frente do extravagante caça-níqueis. — Acho que o dinheiro vai aqui... — concluiu, deslizando-o para dentro de uma fenda. A nota desapareceu, e a máquina clicou e retiniu, exibindo um crédito de 20 dólares no visor digital. Pamela olhou para Febo. — Pronto?
— Pronto.
Ela agarrou a bola vermelha na extremidade do braço de metal e puxou. Tinha a atenção voltada para as três pequenas janelas do aparelho, e não percebeu o pequeno gesto de comando que Apolo fez com a mão.
— Bar... — Pamela murmurou quando o primeiro rolo parou no visor. — Bar... — repetiu na parada seguinte, com crescente excitação na voz. — BAR! — gritou quando a terceira imagem preta estacou.
A máquina explodiu em luzes e sirenes, e começou a vomitar dinheiro pela boca mecânica enquanto Pamela gritava e saltava, atirando-se nos braços de Apolo, que a abraçou de volta, rindo.
Às vezes era muito bom ser um deus.
Capítulo 19
A alça da bolsa de sapatinho de rubi era uma corrente de filigrana de ouro que podia muito bem ser usada como um colar sensual por uma daquelas mulheres rebeldes dos anos vinte. Pamela a deslizou sobre o ombro e sentiu uma vontade louca e infantil de saltitar como a Dorothy pela Yellow Brick Road abaixo. Não podia acreditar que aquela bolsa era sua! Ve ia ter um ataque quando a visse.
— Ainda não acredito que o prêmio era de exatamente 8 mil dólares! — falou, emocionada, fazendo uma voltinha enquanto observava a bolsa cintilar no reflexo das vitrines pelas quais passavam.
— Eu disse que estava me sentindo com sorte — lembrou Apolo, ainda encantado com a exuberância da reação de Pamela ao ganhar o dinheiro.
— Eu jamais teria me permitido comprar algo tão caro! — Ela apertou a mão dele e baixou a voz. — Nem mesmo um par de sapatos de grife fabulosos, de coleção nova. Não por 4 mil dólares.
— Mas você adorou essa bolsa. — Apolo sorriu para ela, satisfeito por ter sido capaz de ter orquestrado tal alegria. Curiosamente, não se importava por não poder contar que ele mesmo comandara a máquina, de modo a fazê-la expelir o dinheiro necessário. Não se importava em não receber o crédito. O principal era que Pamela se encontrava radiante, e isso tornava seu coração leve e despreocupado.
— Amo esta bolsa. Adoro esta bolsa. Estou apaixonada por esta bolsa! — Ela riu. — Não me importo o quanto isso soe superficial e materialista. Só vou usá-la em ocasiões especiais. Quando eu voltar à minha loja, vou colocá-la em um vidro, na vitrine da frente, onde tenho nosso logotipo pintado em vermelho com os dizeres: “Ruby Slipper Design Studio... A certeza de que não existe lugar melhor do que a nossa própria casa”.
Fizeram o caminho de volta através do Caesars Palace enquanto Apolo ouvia a animada conversa de Pamela. Ele acreditava no slogan de seu estúdio de design . Sem Pamela, não havia casa alguma. Sabia que isso era verdade — já experimentara a sensação. O Reino de Vegas era um lugar estranho e bizarro, mas quando ele passara pelo portal, naquela noite, e rumara na direção da Adega Perdida e de Pamela, sentira como se estivesse voltando para casa. Por mais improvável que fosse, Apolo, o Deus da Luz, um dos Doze Olímpicos originais, estava se apaixonando por Pamela Gray, uma mortal moderna.
— Ei! O que vai fazer com os seus 4 mil dólares?
Apolo levou a mão delicada aos lábios.
— Não faço ideia. Talvez você me ajude a decidir. Lembro-me de ouvi-la dizendo que nunca comprou um par de sapatos de grife por 4 mil dólares... — Sua voz foi sumindo conforme seu olhar percorria o corpo esbelto, até as perigosas sandálias pretas de salto que Pamela usava. — E descobri que gosto muito desses seus sapatos que parecem uma adaga.
— Você sabe mesmo o caminho para o coração de uma mulher! — Pamela sorriu.
— Por todos os deuses, espero que sim — Apolo falou, sincero.
Em seguida, virou em um pequeno corredor lateral e, após apenas alguns metros, parou diante de uma porta branca e simples.
— Não pode ser aqui. — Pamela duvidou, olhando em volta. — Não há nenhuma indicação. Não é nem mesmo próximo dos outros res taurantes. — Ela lançou à porta, depois a Febo, um olhar desconfiado. — Acho que se confundiu em algum lugar.
Apolo sorriu de lado.
— Eu disse que era um local exclusivo.
— Mas... — ela recomeçou, confusa.
Apolo fez que ela o encarasse. Teria que resolver tudo depressa. Não gostava da ideia de usar seus poderes para hipnotizá-la, contudo precisava convencer Pamela a atravessar o portal. Depois iria transportá-la de imediato até seu templo, sem que ela estivesse ciente do que acontecia.
— Prometo que o jantar desta noite será como nenhum outro. — Ele não se preocupou em inspecionar a área ao redor; o pequeno corredor de serviço já se encontrava encantado pelo poder do Olimpo. Não haveria intrusos mortais para vê-lo usar sua magia imortal em Pamela. — Mas, antes de irmos, preciso fazer algo que estou com vontade desde que minha irmã nos interrompeu esta manhã... — Puxou-a para os braços. Enquanto deslizava as mãos pelas curvas suaves de seu corpo, e seus lábios encontravam os dela, concentrou-se em enviar para a mente de Pamela uma bruma de seu poder dourado. Ordenou que a névoa iluminada lhe obliterasse os pensamentos para que, por apenas alguns momentos, a preciosa alma mortal de Pamela ficasse tonta e desorientada.
Ela gemeu baixinho, oscilando ligeiramente.
Com um movimento rápido, Apolo a ergueu nos braços, abriu a porta e atravessou o portal. Teve apenas um vislumbre do Salão Nobre do Olimpo, mas foi o bastante para perceber que Ártemis fizera o que tinha prometido. O local estava deserto. Não havia um único imortal para testemunhar o Deus da Luz readentrando o Olimpo com uma mortal moderna nos braços.
Em silêncio, ordenou que fossem transportados até seu templo, e ambos desapareceram em um facho de luz.
O sorriso de Baco era malévolo quando ele deixou a boca do corredor e se aproximou da porta que disfarçava o portal olímpico. Aquilo iria ser ridículo de tão fácil. Como sempre, Apolo se mostrava muito arrogante e seguro de si, e não percebera que ele, Baco, o seguia desde quando ele encontrara a mortal no bar. Na verdade, Apolo não notara coisa nenhuma, exceto a mortal moderna por quem estava obcecado. Tinha bancado o herói oculto, manipulando a máquina caça-níqueis, e presenteado a moça com os meios necessários para a compra de um objeto de seu desejo...
Mal podia esperar até que a mulher testemunhasse como o deus dourado se tornaria impotente e patético sem seus poderes. Estava ansioso por ver a arrogância do Deus da Luz se extinguir, mesmo que fosse por um período de apenas cinco dias.
Baco caminhou através do portal. Assim como tinha previsto, o Salão Nobre do Olimpo se encontrava vazio. Se conhecia bem os gêmeos dourados, estes se certificariam de que o local permanecesse assim, de modo que o encontro de Apolo com a mortal passasse despercebido pelos outros imortais.
Que conveniente!...
Ele quase riu em voz alta, mas, com um esforço, se controlou. Teria muito tempo para se regozijar depois. No momento, precisava se concentrar.
O Deus do Vinho encarou o portal e ergueu os braços sobre a cabeça, invocando o poder inebriante de seu reino e dando início ao ritual mágico:
Ricos e inebriantes poderes do vinho,
reúnam-se neste portal.
Preparem-no para que possa, serena,
passar por ele a mortal.
Se ela voltar, todavia,
transforme-a naquilo em que foi nomeada.
Perdurem por apenas um momento, delicados poderes,
em seguida, esvaeçam,
como esvaece a luz de Apolo que pela manhã se alastra...
Baco fez uma pausa para reprimir a alegria que sentiu ao se referir ao Deus da Luz em seu feitiço. Tornou a se concentrar no que fazia, e completou as palavras de sua armadilha:
Há mais de uma maneira de se queimar...
Eis a lição que o Deus do Sol deve assimilar!
O deus ergueu as mãos diante do portal e, por um instante, este flamejou com a cor de um vinho rosé gelado. Em seguida, a cor desbotou, e tudo voltou ao normal.
— Primeiro passo concluído — Baco murmurou para si mesmo. — Segundo passo: espera.
O Deus do Vinho soltou um comando suave. Seu corpo desapareceu e se rematerializou no jardim dos fundos do templo de Apolo.
Baco espiou por trás de um arbusto bem cortado. Assim como ele havia previsto, a propriedade se encontrava deserta. Normalmente, exuberantes ninfas se reuniam em torno do templo de seu deus favorito, disputando a atenção de Apolo.
— A adoração de ninfas não pode ser conveniente quando se está cortejando uma mortal moderna... — Baco ironizou. — Melhor para mim.
Para um deus de seu tamanho, ele se movia com surpreendente discrição. Entrou por uma das portas traseiras do templo e se deslocou em silêncio pelo corredor de mármore até alcançar uma sala cavernosa, onde uma dúzia de servas virgens de Ártemis dava risadinhas e se divertia ajeitando jarros de vinho e comida em travessas. Sim, ele chegara a tempo. Aguardou, impaciente, que a serva encarregada do vinho virasse a cabeça para responder a uma pergunta cochichada de uma das colegas e, em seguida, com movimento rápido e seguro, moveu os dedos em direção aos jarros, sussurrando:
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O vinho cintilou com uma luz sobrenatural rosa-pálido.
Invisível para quem quer que fosse, Baco deixou a sala e se mesclou à noite.
Agora, tudo o que lhe restava era esperar e observar. Esperar e observar...
A risada satisfeita do Deus do Vinho ecoou, sinistra, pelos jardins desertos.
Ártemis correu para o salão, e suas criadas silenciaram respeitosamente.
— Eles chegaram!
Sussurros excitados cessaram com um só movimento da mão da deusa.
— Esta noite, servindo ao meu irmão, estarão servindo a mim mesma. Façam-no com competência.
As servas inclinaram as cabeças.
— Sim, deusa — entoaram com suas vozes doces.
— Levem vinho a eles — ordenou Ártemis, e duas das criadas se apressaram em obedecê-la.
Tão logo estas saíram, a deusa se debruçou sobre as travessas repletas de iguarias e olhou para as amas.
— Devo ajudar o Deus da Luz a alcançar seu desejo? — indagou, maliciosa.
As virgens riram e assentiram com um gesto de cabeça.
Ártemis estendeu as mãos sobre o banquete do irmão.
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O poder derramou das mãos da deusa por sobre os alimentos, cintilou por um instante, depois os fez voltar à sua aparência normal.
— Sirvam aos dois, e depois os deixem sozinhos. Privacidade é o que Apolo deseja esta noite.
Satisfeita, Ártemis deixou o templo do irmão e caminhou devagar na direção do Salão Nobre, o qual deveria estar deserto, pois ela se certificara disso. Afrodite e Eros haviam retornado mais cedo de sua incursão de fim de semana ao Reino de Las Vegas e agora descansavam em seus templos. Ela deixara claro para as ninfas que ainda perambulavam por Vegas que já era hora de elas voltarem para o Olimpo e, com poucas e afiadas palavras, mandara todas de volta para as florestas e os vales aos quais estas pertenciam.
Criaturas tolas...
O restante dos Doze Imortais tinha desaparecido, afinal, ela começara um boato de que Hera e Zeus estavam se desentendendo de novo, e nenhum mortal ou divindade gostava de testemunhar isso.
Em seguida, ela esperaria pelo irmão no salão vazio e torceria para que, antes do amanhecer, pudesse sentir o vínculo entre ela e a mortal se dissolver. Sem dúvida havia feito tudo o que podia. O restante era com Apolo.
— Absolutamente espetacular! — Pamela olhou ao redor, admirada. — Não acredito que aquela porta sem-graça estava escondendo isto tudo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Está brincando? Este lugar é magnífico! — Ela inclinou a cabeça para trás, tentando ver a parte superior do teto abobadado, e deparou com um tipo de afresco fabuloso. A vertigem que a acometera pouco antes, porém, a fez tropeçar para trás.
O braço forte de Febo estava lá para segurá-la.
— Talvez seja melhor sentar-se — ele sugeriu, guiando-a para uma das duas requintadas espreguiçadeiras que descansavam em ambos os lados de uma mesa de mármore.
Pamela se deixou afundar na chaise longue e esfregou a testa.
— Devo ter ficado no sol por muito tempo hoje. Minha cabeça está girando.
Como se sob sua sugestão, duas moças entraram na sala. Vestiam túnicas curtas e diáfanas, feitas de seda branca, onde se viam criaturas da floresta bordadas com fio prata. Uma delas carregava uma bandeja com um jarro dourado e duas taças da mesma cor.
As mulheres sorriram, tímidas, para Febo e Pamela.
— Vinho? — indagaram em uníssono.
— Claro — concordou Apolo.
Com movimentos graciosos, lindos de se observar, as moças serviram a bebida.
— Seu jantar está pronto — uma delas anunciou com voz melodiosa.
— Podemos servi-lo? — perguntou a outra.
— Sim.
As duas mulheres fizeram uma profunda reverência e saíram, apressadas, por onde tinham vindo.
— Mas nós nem mesmo fizemos o pedido — lembrou Pamela. Estava com uma terrível dor de cabeça. Sentia-se desorientada e nem um pouco confortável.
— Eu já havia especificado alguns pratos com antecedência. — Apolo pensou por um momento. — Chamam isso de “encomenda”, certo? — Quando a expressão perplexa de Pamela mudou para uma carranca, ele acrescentou: — Espero que não se importe. Eu queria surpreendê-la com iguarias gregas.
— Iguarias gregas? Intrigante. Quase tão intrigante quanto este restaurante. — Ela passou a mão pela lateral da chaise . — Veludo de seda... Meu tecido favorito para estofamento. — Como se o toque familiar do veludo fosse um bálsamo, a névoa em sua mente começou a se dissipar. — Veludo de seda me lembra água. É tão liso e macio!... Adoro. — Seus dedos permaneceram sobre o bonito tecido.
— Fico feliz por ter aprovado — disse Apolo, aliviado por ela estar se recuperando do poder que ele lhe lançara.
Pamela olhou ao redor da sala mal iluminada. Eles não apenas eram os únicos clientes ali, mas sua mesa também era a única posta no lugar. Era um espaço enorme, claro, mas, ao contrário do restante do Caesars Palace e do Fórum, alguém com bom gosto e estilo o tinha decorado... o que significava que este não era forrado do chão ao teto com a exagerada pseudo-opulência romana.
E o piso era incrível. Parecia feito de uma única peça de mármore, embora ela soubesse que aquilo não era possível.
— Este chão é inacreditável. Parece muito com mármore de Carrara, mas nunca vi Carrara com veios dourados como este. — Seus olhos viajaram do piso para as paredes, e então se arregalaram. — Usaram o mesmo mármore para as paredes e as colunas! Adoro esse estilo minimalista. E o decorador acertou em cheio: esse mármore é bonito demais para ser coberto por uma porção de quadros. Aquela tapeçaria é o toque perfeito. — Apontou para o enorme trabalho que se estendia pela maior parte da parede à sua frente. Era de um homem nu. Um lindo e jovem homem nu.
Pamela apertou os olhos, tentando enxergar melhor à luz fraca. Ele se encontrava de pé, ao lado de uma biga, e segurava uma harpa.
— Ele me parece familiar — comentou, intrigada.
— Provavelmente porque o está usando na imagem que leva em torno do pescoço — Apolo justificou depressa.
Ela tocou a medalha dourada e sorriu.
— É verdade. Você disse que o nome do restaurante era Monte Olimpo, portanto é provável que seja Apolo outra vez. Incrível essa semelhança entre vocês dois. Principalmente com este da tapeçaria. Estranho...
— Coincidência — ele falou, fingindo indiferença. — Vamos beber? — Entregou-lhe um dos cálices e ergueu o seu próprio. — À nossa sorte.
Pamela sorriu e deu um tapinha na bolsa cintilante que descansava a seu lado.
— À nossa. — Tomou um gole. — Este vinho é uma delícia!... E eu não costumo gostar muito de vinho branco. — Olhou para a taça. — Mas este não é branco. — A cor do vinho era tão incomum quanto seu sabor. Se ela fosse convidada a descrevê-lo para uma daquelas revistas sobre degustação, diria que era leve e fresco, como o cheiro de peras ou melões, e da cor da luz solar. — O que é, um Pinot Gris ?
Apolo encolheu os ombros.
— Não tenho certeza. Pedi para que nos servissem o melhor da casa.
Quanto a isso ele estava dizendo a verdade. Ártemis tinha planejado o jantar e escolhido o vinho.
Bebeu outro longo gole. Teria que perguntar à irmã sobre o vinho. Era mesmo delicioso e incomum. Estava gelado, mas, conforme bebia, podia sentir o corpo sendo preenchido por um calor que parecia irradiar de seu âmago.
Olhou para Pamela. Ela estava com as faces coradas, parara de examinar o design da sala e agora sorria para ele, os lábios ligeiramente separados parecendo ainda mais cheios e convidativos.
— Não gostei de ficar longe de você esta noite — ele falou, rouco.
— Eu também senti a sua falta.
— Como vou suportar ficar distante nos próximos cinco dias?
— Cinco dias?
Então ele só voltaria para Vegas no outro fim de semana, quando ela estava pensando em voar de volta para o Colorado? Aquele trabalho deveria durar apenas uma semana, lembrou Pamela. E passaria cinco dias sem Febo!...
De repente, percebeu os pensamentos lentos e deslocados, e o tempo lhe pareceu interminável e sem importância. Ela não queria que ele fosse embora — claro que não — e Febo estava ali naquele momento. Perto o suficiente para ser tocado.
Como podia ser tão bonito?, perguntou-se.
E precisou se obrigar a permanecer na própria chaise quando o que queria era se juntar a ele, tirar aquela camisa... e começar a lambê-lo corpo abaixo.
— Sim, eu... — Apolo vacilou. O que ele e Ártemis tinham decidido dizer a Pamela sobre sua suposta “viagem”? Estava difícil se concentrar em qualquer coisa além daqueles lábios.
Uma série de virgens carregando travessas de comida impediu seu impulso de empurrar a mesa e devorar a boca de Pamela.
Pouco depois, eles eram servidos com os alimentos dos deuses em pratos de ouro.
— Folhas das mais finas uvas, recheadas com carne e queijo — explicou uma das servas de Ártemis em uma voz suave e hipnótica, conforme Pamela provava o aromático charutinho.
— Cordeiro criado à base de mel e leite — murmurou outra.
Apolo provou a carne, depois sorriu, comendo com prazer. Sua irmã não costumava ser tão dedicada a assuntos domésticos, mas, naquela noite, havia se superado.
— Queijo de cabra, animais dos quais as ninfas cuidam como se fossem seus filhos...
— Azeitonas e figos colhidos no Monte Olimpo pelas mãos macias e hábeis das sacerdotisas de Afrodite...
Aquelas moças eram, sem dúvida, as melhores garçonetes que ela já conhecera!, refletiu Pamela. Precisava perguntar a Febo como ele conseguira aquela reserva. Ele devia ter mandado fechar o restaurante, o que significava, entre outras coisas, que devia ser um médico bastante bem-sucedido.
E parecia tão jovem!... Ela precisava perguntar quantos anos ele tinha, quando era seu aniversário e onde ele nascera.
Não que isso importasse muito. Estava apenas curiosa.
Também precisava perguntar a ele sobre... o que, mesmo? Não conseguia se concentrar! Aquela comida era tão absurdamente deliciosa!... Seu gosto preenchia os sentidos.
Aquilo era mais do que comida. Lembrava a luz de um sol de verão, calor, desejo...
Ergueu o olhar do prato e encontrou os olhos cor de safira de Febo observando-a com uma intensidade que a fez prender a respiração.
— Vamos deixá-los a sós agora. Nossa noite está no fim — as servas entoaram. E conforme suas vozes doces se desvaneciam, elas sussurraram uma prece quase inaudível: — Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
Apolo e Pamela mal notaram a partida das servas. Olharam um para o outro, e tudo o mais na sala, tudo o mais no mundo, desapareceu. Sua pele formigava com o calor crescente da luxúria.
— Preciso que você me ame — a voz de Apolo saiu densa de desejo.
Em algum lugar nos recônditos de sua mente, onde o bom-senso ainda espreitava, ele sabia que sua reação a Pamela estava sendo muito rude, atrevida; entretanto não conseguia se conter. Não queria parar.
— Sim... — ela balbuciou a palavra.
Com um movimento selvagem, fluido, que lembrou o de um leão enorme e pardo, Apolo se levantou e arrastou a mesa que os separava para longe. Pamela percebeu que a mesa foi lançada com uma força desumana, porém tal pensamento foi vago, e ela o registrou apenas em parte. Quando ele rasgou a camisa e quase arrancou as calças, tudo o que ela conseguiu pensar foi na reação de seu corpo ao ouvir o som gutural de seu próprio nome nos lábios de Febo, e como ele estava magnífico olhando para ela enquanto se aproximava completamente nu.
— Sim! — gemeu de novo, saindo da chaise direto para seus braços.
A boca de Febo a devorou. Enlevada, ela deslizou uma das mãos pelo ombro largo, sentindo seus músculos tremerem com a força do desejo. Com a mão livre, puxou a própria camisa sobre a cabeça e abriu o zíper das calças, que deslizaram com fluidez por seu corpo abaixo. Febo encontrou o gancho do sutiã e lutou para abri-lo.
— Eu não consigo... Eu preciso... — rosnou, frustrado. — Tenho que sentir você contra mim! — Rasgou a faixa de renda em suas costas, e os seios de Pamela se libertaram, roçando o peito largo enquanto ela abria um caminho de beijos quentes pela lateral de seu pescoço.
Apolo deixou escapar uma imprecação na tentativa de controlar a própria luxúria.
— Aqui também... — Pamela segurou a mão com que ele apertava seu seio e a guiou para a calcinha. Mordeu o lábio inferior de Febo, puxando-o para dentro da boca e sugando-o, sedutora. — Quero que a tire também!...
Todos os pensamentos de Apolo desapareceram. Com um grunhido, ele a obedeceu. Em seguida, suas mãos se espalmaram ao redor da cintura delgada e, com a força de um deus, ele a levantou e empalou em seu membro.
Pamela se encontrava pronta para ele. Envolveu-o com as pernas em torno da cintura e cravou as unhas em seus ombros. Pendendo a cabeça para trás, arqueou-se, consumida pela esmagadora necessidade de se saciar com seu toque... com seu fogo.
Febo era o fogo. Sob as mãos dela, seu corpo literalmente brilhava.
Seus sentidos atestavam aquilo, contudo Pamela não conseguia atinar com o pensamento. Era como se a luz que brotava da pele úmida de suor fosse parte de sua excitação: ela a seduzia, brincava com ela, instigava sua própria paixão. O cabelo de Febo pendia, cacheado, em volta de seu rosto: espesso, dourado, glorioso. E seus olhos... seus olhos a incendiavam.
E ela queria ser incendiada por eles. Queria ser varrida pelas chamas de sua luxúria. Sentia-se gloriosa, maravilhosamente sem controle.
— Mais forte!... — ofegou na boca de Febo, mal reconhecendo a própria voz. Ele arremeteu, e ela sentiu a fria suavidade de uma das colunas de mármore contra as costas nuas. Usou a rigidez da pilastra para se firmar, de modo a ir de encontro às estocadas com sua própria paixão. — Não pare... Ainda não... Não pare! — arquejou, sentindo-se dobrar sobre a borda de um abismo.
Seu orgasmo foi algo que ela jamais experimentara. Envolveu-a, ondeando por seu corpo com uma intensidade que beirava a dor.
De repente já não estava mais sendo pressionada contra a coluna. Com o corpo ainda dentro do dela, Febo a carregou dali. Passaram por uma porta em arco que dava em um cômodo adjacente à sala de jantar. No centro do espaço, havia uma enorme cama de dossel.
Pamela se deu conta de que tinham entrado em um quarto, e aquilo não fez qualquer sentido.
Mas sua mente e corpo estavam tão repletos de Febo que nada parecia real, exceto seu gosto, sua pele e seu cheiro.
— O que está acontecendo? — murmurou enquanto ele a deitava na cama, sob ele.
— Estou amando você. Para sempre, Pamela... Isso é o que é ser amada por mim.
Apolo começou a se mover contra ela na antiga dança do amor, recuando o membro rijo de seu corpo para depois mergulhá-lo nela outra vez.
Pamela passou as mãos pelo peito liso conforme este se avultava sobre ela. A pele de Febo tinha um brilho dourado!
Perplexa, e ainda ultrassensível, olhou para baixo, onde seus corpos se uniam. Eles estavam ambos brilhando, em chamas... Chamas varriam sua pele, conduzindo-os, engolindo-os!...
— Olhe para mim, Pamela!
A voz de Febo soou rouca, e ela fixou os olhos nos dele.
— Enxergue-me — ele pediu. — Desta vez, veja quem sou de verdade.
Conforme eles se uniam, ela obedeceu. Febo era o poder, a beleza e o amor, tudo se fundindo em um único ser. Como ela pudera acreditar que ele era um homem comum?
Sua mente se esforçou para compreender a verdade fugidia do que estava vendo conforme seus corpos se inflamavam naquela luz ofuscante e sobrenatural. O que ele era? O que estava acontecendo com ela?!
Apolo viu o pânico cintilar em seus olhos e a segurou pelo rosto, obrigando seu olhar a permanecer preso ao dele. Com um enorme esforço, controlou o próprio corpo.
— Olhe mais fundo — pediu baixinho. — Olhe além da estranheza que você teme... Não pode ver o seu reflexo na minha alma?
O azul de seus olhos a manteve ainda mais cativa do que seus corpos unidos. Pamela estremeceu com a intensidade das emoções que a sacudiam.
E ali, sob o poder que irradiava dele, encontrou a essência do homem que ela conhecia. Nesta, viu o reflexo de seu próprio desejo, de sua necessidade e de seu vazio, e de repente soube que, ao preencher Febo, ela também se completava.
— O que você é? — indagou num sussurro.
— Sua alma gêmea.
A voz dele tremeu e, apesar do impressionante poder que irradiava de Febo, Pamela pensou, de repente, que ele parecia muito jovem e vulnerável.
— Sim — murmurou, sentindo o fogo começar a reacender em seu âmago. — É minha alma gêmea.
Ela o puxou mais para si e, com um doloroso gemido, Febo mergulhou nela, incapaz de se conter por mais tempo.
Quando o mundo começou a explodir, Pamela afundou o rosto no ombro largo e se agarrou a ele.
No Salão Nobre, Ártemis, se levantou de repente e respirou fundo. Estava acabado! O vínculo com a mortal fora embora. Pelo visto, sua magia tinha feito a balança pender em favor de seu irmão.
Já não era sem tempo.
Espreguiçou-se, langorosa, apreciando a ausência do irritante incômodo que fora o desejo de amor de Pamela, então se recostou em sua bem estofada chaise longue . Gostaria de ir para a floresta — uma corrida ao luar seria revigorante —, mas não podia. Apolo ainda precisava dela para garantir que nenhuma ninfa o vislumbrasse devolvendo a mortal para seu próprio mundo.
Mas isso era de pouca importância. Seu relacionamento com a mortal estava quase concluído. Agora que Apolo havia ganhado o coração de Pamela, previu Ártemis, ele logo iria se cansar da moça. Logo tudo voltaria ao normal, e sua aventura no Reino de Las Vegas não seria nada mais do que uma quase divertida lembrança.
Ártemis ignorou a ponta de dúvida que surgiu em sua mente conforme ela se lembrou da fervorosa declaração de amor do irmão. A alma gêmea de Apolo era uma mortal?... Impossível.
Escondido nas sombras, Baco sorriu e esperou.
Capítulo 20
Alguma coisa estava errada. Apolo soube disso da mesma forma que conhecia as muitas linguagens do homem ou as vozes de instrumentos musicais: naturalmente, no nível mais elementar de seu ser.
O corpo quente em seus braços se agitou e, no mesmo momento, ele o abraçou com mais força.
Pamela...
Abriu os olhos. O que tinha acontecido na noite anterior? Eles estavam nus em sua cama.
Pense!, ordenou a seu cérebro entorpecido. Lembre-se!
E os acontecimentos da noite lhe assomaram à memória.
Apolo abafou um gemido. Ele perdera todo o controle. Como? Por que não fora capaz de...
Soube a resposta antes de completar o pensamento. O banquete fora impregnado com o poder inebriante de uma deusa. E ele sabia qual delas: Ártemis!
— Apolo!
Como se seus pensamentos a houvessem invocado, o sussurro impaciente da deidade chiou no quarto.
Ele virou a cabeça e a fulminou com o olhar.
— O que está fazendo? — cochichou Ártemis. — Sabe que o amanhecer está próximo. Quer que a mortal fique presa aqui?
Chocado, ele sentou-se. Era isso o que estava errado. Como sempre, o Deus da Luz sentira a vinda da carruagem em chamas que introduzia a aurora no firmamento. Por instinto, ele soubera que já passara da hora de Pamela ser devolvida a seu mundo.
Na noite anterior, ele se revelara em demasia. Como a mente mortal de Pamela poderia compreender o que decorrera do amor sem amarras que haviam feito, assim como aceitar que ela se encontrava presa no Monte Olimpo?...
Lembrou-se do medo que tremeluzira em seus olhos quando ele tinha se revelado. Pamela não seria capaz de apreender tudo aquilo; não de verdade. E, se fosse, ele podia imaginar como isso mudaria seus sentimentos por ele.
Não. Ainda era cedo. Ele precisava tirá-la do Olimpo. No momento em que o portal fosse reaberto, teria uma explicação para aquela noite incomum. Passaria mais tempo com ela e a faria solidificar seus sentimentos por ele; sentimentos que Pamela só admitira sob a influência da magia de Ártemis.
Apolo tornou a fazer uma carranca para a irmã.
— Vá! — sussurrou para ela. — Certifique-se de que o Salão Nobre esteja vazio. Vou com Pamela em seguida.
— Depressa! — aconselhou a deusa enquanto seu corpo se esvaecia.
— Febo? — A voz de Pamela soou grogue. Ela piscou, sonolenta, e esfregou os olhos. — Onde...
Ele apertou os lábios e, relutante, passou a mão sobre o rosto delicado, obliterando seus pensamentos e lhe entorpecendo os sentidos.
— Precisa se vestir. Temos que ir embora — falou, conduzindo-a com delicadeza pela mão até o cômodo ao lado, onde encontrou suas roupas jogadas.
Hipnotizada, Pamela obedeceu.
Apolo odiou a si mesmo enquanto vestia as próprias calças e a observava fazer o mesmo mecanicamente. Suas roupas de baixo, assim como a camisa dele, estavam arruinadas.
A lembrança da paixão que o inundara ao rasgar as peças de seus corpos o fez estremecer, e suas entranhas se agitaram. Como poderia sobreviver sem o toque de Pamela por cinco dias?
Sua determinação vacilou. Ele contava com uma escolha. Poderia enfeitiçá-la e mantê-la consigo até que o portal se abrisse de novo.
Tocou seu rosto e, mesmo com os pensamentos embotados pela magia, Pamela oscilou em sua direção.
Seria apenas uma semana...
Não!, Apolo repreendeu a si mesmo. Ela ficaria enojada se ele fizesse tal coisa. Como não poderia?
Ele odiou a si mesmo só de pensar.
— Venha, minha doce Pamela. Vou levá-la pra casa.
Passou os braços ao seu redor, e eles desapareceram, rematerializando-se quase que no mesmo instante ao lado do portal, no Salão Nobre.
Ártemis estava lá, com os braços cruzados, batendo o pé, impaciente. Observou o peito nu do irmão, a expressão zumbi de Pamela, e balançou a cabeça. Quanto mais cedo eles se livrassem do Mundo Moderno dos mortais, melhor!
— Ande logo, o sol está nascendo! — ralhou.
— Eu sei! — devolveu Apolo com raiva. — Principalmente agora que meus sentidos não estão mais entorpecidos pela magia de uma deusa...
Ártemis teve a decência de parecer sem-graça.
— Vou levá-la e voltar em seguida — avisou o Deus da Luz.
Ela suspirou, porém não discutiu.
Apolo colocou o braço em torno de Pamela e atravessou com ela o portal. Adentraram Vegas, e ele abriu a porta para o pequeno armá rio. No corredor deserto, ajeitou suas roupas, então tocou seu rosto delicadamente.
Sentia-se como um meliante. Havia roubado seu amor, e agora iria bater em retirada antes que a luz do dia revelasse seu crime. Não tinha escolha, mas, mesmo assim, odiou a si mesmo por permitir que as coisas tivessem acontecido daquela maneira.
— Eu te amo, minha doce Pamela. Lembre-se disso. E lembre-se de confiar em mim. Eu voltarei para você... Mas, desta vez, farei isso do modo certo. — Inclinou-se para ela e ordenou em pensamento: Desperte com o meu beijo.
Beijou-a com paixão e, enquanto Pamela piscava e sua expressão aturdida começava a se iluminar, voltou para o armário, fechou a porta e retornou ao Olimpo.
Pamela esfregou os olhos. Urgh... Estava tonta e um pouco enjoada. O quanto bebera no jantar?
Olhou ao redor. Onde, diabos, ela se encontrava?
Seu cérebro atordoado registrou a porta pequena e simples, e o corredor vazio. Onde estava Febo?
Passou a mão pelo cabelo, e o movimento de levantar o braço fez balançar seus seios.
Seus peitos estavam balançando?... Aonde fora parar seu sutiã?!
Sentiu um arrepio de pânico descer pela espinha.
Pense! Do que ela se lembrava?
Febo a encontrara no café. Eles haviam ido jantar em um restaurante maravilhoso, exclusivo...
A lembrança da refeição em si estava embaçada, contudo. Estranhas imagens de peles quentes e escorregadias, e do gosto salgado da paixão, a atormentavam. Tinha uma vaga lembrança de roupas sendo rasgadas e, depois, de Febo levando-a para um quarto onde ela pudera se vestir... com apenas algumas de suas roupas!
Pamela sentiu o pânico invadi-la e a dor na cabeça aumentar. Respire , ordenou a si mesma. Estava bem; apenas bebera demais.
Mas onde, diabos, estava Febo?!
Sua felicidade ao comprar aquela bolsa maravilhosa de sapatinho de rubi era sua última lembrança mais nítida.
— Maldição dos infernos !... Minha bolsa!
Olhou para a porta branca. O que acontecera naquele jantar? Não conseguia concatenar as ideias, mesmo sabendo que alguma coisa havia acontecido. Por algum motivo, a memória fugia do seu alcance. Febo a drogara? Mas por que ele o faria?!
Na tentativa de manter o medo sob controle, Pamela apelou para o bom-senso. Deixara sua bolsa nova de sapatinho de rubi, de 4 mil dólares, no restaurante. E, com ou sem Febo, iria voltar lá para pegá-la.
Abriu a porta e entrou. Aquilo era um closet ?...
No meio do armário, deparou com uma passagem em forma de disco que cintilava e brilhava.
Alguma coisa se agitou em sua memória. Ela atravessara aquele círculo com Febo! Era a entrada para o restaurante.
Pamela endireitou os ombros e cruzou a bizarra entrada. Experimentou uma sensação engraçada, como penas lhe roçando a pele, e a luz mudou, da lâmpada amarela e fraca do closet para uma luminescência rosada.
Entretanto, ela não adentrou o fabuloso restaurante de que se lembrava. Em vez disso, viu-se no meio de um magnífico salão de baile.
O lugar era imenso e de uma beleza indescritível. O enorme espaço se encontrava vazio, exceto pela presença de duas pessoas que gritavam uma com a outra.
Conforme ela surgiu na entrada, estas se viraram em sua direção. Febo, sem camisa, olhou para ela em choque. Sua irmã pareceu furiosa a princípio, em seguida sua expressão mudou e...
Uma dor lancinante cortou Pamela dos pés à cabeça. Ela abriu a boca para gritar, mas, conforme a dor ondulou por seu corpo, o grito ecoou em sua cabeça. Era como se ela não tivesse mais boca para lhe dar voz. Desamparada, estendeu a mão para Febo conforme se sentia dobrar e se transformar em algo não humano.
No mesmo instante, a dor dissipou a bruma em sua cabeça, e as lembranças a assaltaram de uma só vez. Febo... Sua pele brilhando com uma paixão sobrenatural enquanto ele a tomava nos braços e a fazia sua... Ele não era humano. Nenhum homem comum podia ser feito de fogo.
O que ele havia feito com ela? O que estava fazendo com ela agora?!
Lembrou-se de seu fogo varrendo-a inteira, acariciando-a e...
Outro grito rasgou sua mente.
Apolo estava de costas para o portal, repreendendo a irmã por sua indesejada interferência, quando sentiu sua alma gêmea adentrando o Olimpo, e seu fogo de barragem foi interrompido. No momento em que os pés mortais de Pamela ultrapassaram o portal, o restante de seu corpo começou a se transformar.
Impotente, Apolo assistiu a Pamela diminuir de tamanho, se liquefazer, depois se transmutar em um belo jasmim perfumado.
— Leve-a de volta antes que o sol nasça! — sua irmã gritou. — Quando o portal se fechar, o feitiço vai desaparecer!
E, então, ela seria Pamela mais uma vez.
As palavras tiveram o efeito de uma cotovelada em Apolo. Ele saltou para a frente, sentindo Ártemis logo atrás dele.
Agarrou a flor de jasmim delicada e a puxou de onde esta já começava a fincar raízes, no chão de mármore. Sussurrando um alquebrado pedido de desculpas, pulou através do portal com o corpo transformado de Pamela nas mãos.
Ártemis hesitou em frente ao portal, lançando um olhar rápido sobre o ombro na direção das janelas que iam do chão ao teto, e que mostravam o amanhecer iluminando o céu, o qual, por sua vez, já se tingia de vermelho.
— Não, seu tolo! — gritou dentro do disco que girava. — Não era para ir junto com ela! — A deusa se inclinou para a frente, tentando enxergar através da fulgurante passagem.
Das sombras, Baco se aproximou rápida e silenciosamente e, com um único movimento, bateu o ombro no centro das costas da Deusa da Caça. Ártemis gritou e caiu no disco apenas alguns segundos antes de o portal se apagar, desaparecendo por completo conforme o amanhecer se espalhava pelo Monte Olimpo.
A risada de Baco ressoou, então, com malévolo triunfo.
Capítulo 21
Pamela estava de quatro. Sua respiração saía em espasmos, e seus dentes batiam em uníssono com o tremor que lhe sacudia o corpo.
Seu corpo!
Apalpou braços e rosto freneticamente. Ela havia se transformado em alguma coisa!... Algo verde, que crescia e que, sem sombra de dúvida, não era natural.
Mas agora voltara ao normal de novo. Voltara a ser humana.
— Está tudo bem, meu doce — falou Apolo, estendendo-lhe a mão.
Pamela se encolheu para longe de seu toque.
— Você! — exclamou, mas, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a irmã de Febo caiu de cabeça no pequeno cômodo, pouco antes de o disco perolado e colorido que girava desaparecer.
Ártemis soltou uma praga ininteligível conforme se levantava do solo, e o irmão a fitou, pasmado.
— Vou fazer Baco se arrepender de ter sido salvo por Zeus quando aquela mãe humana dele... — A deusa interrompeu o discurso ao se dar conta de que o portal se fechara. — Não!... — sussurrou, lívida. — Não podemos ficar presos aqui!
— Que diabo é você?! — As palavras explodiram de Pamela.
Apolo e Ártemis se viraram para a pequena mortal ainda agachada no chão. Ela foi recuando, até se ver pressionada contra a porta fechada. Tinha os olhos arregalados e escuros em contraste com a brancura de seu rosto.
— Pamela... — Apolo falou em um tom suave, estendendo-lhe a mão outra vez. — Sabe quem eu sou.
— Não! — ela gritou de volta, se esquivando de seu toque. — Eu não perguntei quem você é. Perguntei o que você é!
— Vai ter de fazê-la esquecer — declarou Ártemis, ignorando Pamela. — Ela já viu muito. Olhe para ela: Pamela se lembra! — A deusa levantou a mão esguia. — Está bem, eu mesma faço isso. Sei o quanto ficou apegado a ela... Durma e esqueça! — Sacudiu os dedos na direção de Pamela, que recuou instintivamente.
— Pare! — gritou Apolo. — Não quero que mexa com ela.
— Que diabo está acontecendo?! — As pernas de Pamela funcionaram bem o bastante para que ela se levantasse; contudo ela permaneceu de costas para a porta, pressionando as mãos contra a madeira maciça na tentativa de atenuar o tremor que a sacudia.
— Por que ela não dormiu? — Ártemis indagou ao irmão. Então balançou a mão e olhou os dedos.
— O portal está fechado — lembrou Apolo.
A deusa fez uma careta de desdém.
— Estou vendo!
Apolo apenas a encarou, e Ártemis arregalou os olhos.
— Quer dizer que quando o portal se fecha... — Suas palavras foram morrendo.
— Quando o portal se fecha, ele corta os nossos poderes — seu irmão terminou por ela.
Ártemis levou a mão à boca, soltando uma exclamação abafada.
— Está bem, é isso aí... Estou indo embora. — Pamela empurrou a porta do armário e saiu, sentindo como se as pernas fossem de borracha.
— Olhe o que você fez! — Apolo rosnou para a irmã antes de correr atrás de Pamela.
— O que eu fiz? — Ártemis bufou, indignada, mas, relutante, o seguiu. Não queria fazer aquilo. Queria que o portal reabrisse. Queria voltar para o Olimpo e tomar um longo banho de imersão em sua fonte de água mineral. Queria que seus poderes imortais retornassem e...
Suspirou, saindo para o corredor.
Apolo tinha segurado Pamela pelo cotovelo a poucos metros da porta do armário e tentava se justificar, enquanto a mortal fazia força para puxar o braço.
Ártemis balançou a cabeça. Como haviam decaído os poderosos!...
Marchou até os dois.
— Fique quieta, mortal! — ralhou com desgosto. — É mesmo muito simples. — Apontou para o irmão. — O nome verdadeiro dele é Febo Apolo, Deus da Música, da Luz e da Cura. Meu nome é Diana, mas apenas se for de descendência romana. Do contrário, prefiro ser chamada de Ártemis, a Deusa da Caça. Também tenho uma afinidade com a Lua, assim como meu irmão está aliado ao Sol... mas decerto não desejo lhe passar tantas informações a ponto de atordoá-la — terminou com sarcasmo.
— Vocês são deuses?... — Pamela rezou fervorosamente para acordar logo.
— Sim. Imortais. Ou ao menos éramos antes que o portal nos aprisionasse neste mundo miserável. Agora suspeito de que somos apenas atraentes mortais — ela falou, seca.
— Apolo e Ártemis... — Pamela olhou os gêmeos.
— Eu disse que era simples.
— Você é maluca ! — ela exclamou.
— Eu não queria que descobrisse desta forma — interveio Apolo —, mas Ártemis está dizendo a verdade. — Ele franziu a testa para a irmã. — Ainda que esteja fazendo um péssimo trabalho.
— O quê? — exigiu a deusa. — Se queria música suave e perfume de flores, sinto muito, mas não serei capaz de atender seu desejo. Pelo menos enquanto o portal não reabrir.
— Não está ajudando — Apolo falou à irmã.
— Mas não existem deuses! Isso não passa de mitologia! — interveio Pamela.
— Pensei que havia dito que ela era inteligente — Ártemis zombou.
Pamela estudou a bela jovem, tão parecida com seu amante, e sentiu a entorpecedora onda de horror que a vinha assolando degelar.
E, conforme esse degelo acontecia, começou a ficar irada.
— Não precisa ser tão rude! — acusou.
— Rude? — Ártemis estreitou os olhos. — Está me chamando de rude quando você é quem nega a minha existência? E isso porque está bem no meio de uma estrutura que foi construída justamente porque povos antigos honravam a mim e aos outros onze deuses tão bem que tenho sido lembrada por milhares de anos... Isso soa inteligente?
— Nem inteligente nem pouco inteligente. Soa apenas absurdo... Isto tudo é absurdo. Não pode ser verdade!
Apolo a segurou pelo outro cotovelo e a fez encará-lo, tentando ignorar o modo como Pamela continuava a se afastar dele.
— Sabe que é verdade, Pamela — falou numa voz calma e tranquila. — Teve uma experiência. Tudo o que tem de fazer agora é aceitar.
Pamela olhou para ele. Olhou para ele de verdade . Febo continuava o mesmo homem alto e estonteante da noite anterior; no entanto, não era o mesmo homem.
Alguma coisa estava faltando nele. Febo continuava extraordinariamente bonito, mas o azul espetacular de seus olhos parecia ter assumido um tom mais... — ela engoliu em seco — ... um tom mais humano.
E havia outra coisa: Febo contava com menos presença agora. Essa era a única maneira que poderia descrever o que sentia. Ele parecia o mesmo, mas não era.
Os detalhes não tinham mudado. Seus ombros não pareciam menos amplos; seu peito, não menos musculoso... o que podia constatar com facilidade, uma vez que ele estava sem camisa.
No entanto, Febo mudara, se transformara... em menos.
E Ártemis estava com a razão; ela se lembrava. De pequenas coisas, como do fato de ele poder ficar ao sol do deserto durante toda a tarde e nem mesmo suar. E de grandes coisas, como ele ter ficado em chamas na noite anterior, enquanto faziam amor.
Somado a tudo isso havia ainda o inegável fato de que ela atravessara um portal reluzente e se transformara em algo que, definitivamente, não era humano.
Não podia ser. Não era possível... Mas, no fundo, ela sabia que eles estavam dizendo a verdade. Aqueles dois eram mesmo deuses.
— O que era aquela coisa no armário? — indagou em um sussurro.
— Um portal que Zeus abriu, do Olimpo para o Reino de Las Vegas — explicou Apolo.
— Por quê?
Ele deu de ombros e tentou sorrir.
— Quem entende as vontades do Supremo Governante do Olimpo?
— Se eu me lembro bem, ele disse algo sobre desejar que nós observássemos e nos divertíssemos com seu mundo — falou Ártemis.
Pamela desviou o olhar para a deusa.
— Quer dizer, num tipo de experiência? Como num daqueles episódios patéticos de Jornada nas Estrelas ?
— Sabe o que ela quer dizer? — Ártemis perguntou ao irmão.
— Não, mas sei que, mais uma vez, não está ajudando em nada — ele falou por entre os dentes.
Pamela o fitou, atordoada.
— O que aconteceu comigo quando atravessei aquele portal? Algo terrível aconteceu com o meu corpo... O que fez comigo?
— Não! Não fui eu. Não pode acreditar que eu faria qualquer coisa para feri-la.
Pamela virou o rosto.
— Já me feriu.
— Foi aquele cretino do Baco! Ele deve ter lançado algum feitiço sobre o portal. —Ártemis fez uma pausa enquanto pensava sobre o que tinha acontecido com Pamela.
— Estava se transformando em uma flor.
— Em um jasmim, como seu próprio nome sugere — completou Apolo. — A mais doce de todas as flores.
Ártemis bufou.
— Muito romântico. Isso mostra que Baco enfeitiçou o portal de modo que, se Pamela o atravessasse sem você, ela reverteria para sua forma mais básica: a de seu próprio nome.
Pamela sentiu o coração entorpecido.
— É como nas lendas!... Vocês usam os seres humanos e, quando os descartam, transformam-nos em algo não humano!
— Eu não diria que está sendo muito precisa. — Ártemis pareceu ofendida.
Apolo deu as costas para a irmã.
— Deixe-me explicar — disse a Pamela. — Não é nada disso em se tratando de nós dois.
— Não!... Estou farta de ser usada como uma cobaia. — Ela lançou um olhar de desgosto a Ártemis. — Não quero que explique mais nada. Só quero que vão embora para o lugar de onde vieram e me deixem em paz!
— Nós adoraríamos, mas parece que estamos presos aqui até o seu próximo fim de semana — anunciou Ártemis.
Apolo balançou a cabeça.
— Ela adoraria. O que eu mais quero é ficar com você e lhe explicar tudo.
— Não estou interessada. — Pamela recomeçou, tentando se livrar dos braços fortes de Apolo, porém uma voz os interrompeu.
— Algum problema aqui? — Um segurança de uniforme azul parou na entrada do corredor. Era baixinho e gordinho, mas possuía um distintivo, uma arma e a expressão de quem levava seu trabalho muito a sério.
— Ah, vá embora! — reclamou Ártemis, sacudindo os dedos em sua direção. Em seguida parou, e sua expressão de desdém se desfez quando ela se lembrou de que estava sem seus poderes.
— O que disse?... — O guarda inquiriu, estreitando os olhos para a linda mulher vestida com uma túnica curta.
Apolo deixou cair os braços e se pôs diante de Pamela e da irmã.
Pamela observou o modo como seu semblante se fechou e percebeu que, com ou sem poderes imortais, ele tinha potencial para ser um homem muito perigoso.
— Não há problema algum, senhor — interveio rapidamente, pondo-se ao lado do deus. — É que meu... — Fez uma pausa, olhou para o peito nu de Apolo e descartou palavras banais como “namorado” e “paquera”, as quais, estava certa, iria fazê-la soar como uma candidata ao Jerry Springer Show , um daqueles programas que tratam de casos de família. — ... meu noivo e eu tivemos uma briguinha e, bem... — Ela encolheu os ombros e sorriu, tímida.
O homem não estava olhando para ela ou para o jovem seminu a seu lado, no entanto. Estava olhando para Ártemis.
— Espere um pouco — disse, os olhos pequenos brilhando. — Não é uma das estrelas do Zumanity ?
Pamela prendeu a respiração enquanto Ártemis erguia uma sobrancelha fina.
— Eu sou a estrela de Zumanity — confirmou a deusa, arrogante.
— Esta é Diana, irmã de meu noivo — elaborou Pamela. Não olhou para Apolo, porém podia sentir a tensão em seu corpo conforme ele aguardava em silêncio a seu lado.
— Que coincidência! Assisti a esse show pela primeira vez há poucos dias. — O segurança balançou o corpo para trás e para a frente, o suor banhando o lábio superior. — Foi incrível. Você foi incrível...
— Suponho que seja gratificante saber que proporcionei prazer às massas — respondeu Ártemis.
Pamela a segurou pelo cotovelo, puxou Apolo pela mão e começou a passar com ambos pelo guarda.
— Bem, precisamos voltar para os nossos quartos. Não entendo como tomamos o rumo errado e viemos parar aqui...
— Da próxima vez, vista-se adequadamente antes de deixar seus aposentos! — O oficial repreendeu Apolo enquanto Pamela o arrastava às pressas. Então tirou o chapéu para Ártemis. — Muito prazer em conhecê-la, Diana. Mal posso esperar para ver seu show de novo.
Pamela pôde sentir o rosnado que brotou de dentro do corpo de Apolo.
Nenhum deles falou mais, porém, até dobrarem a esquina e se verem caminhando pelo saguão do cassino.
Pamela soltou o braço de Ártemis. Tentou largar a mão de Apolo, contudo ele apertou a dela ainda mais.
Pamela franziu o cenho.
— Deixe-me ir! — Baixou a voz de maneira que as pessoas próximas não a ouvissem.
— Não pretendo deixá-la ir nunca — Apolo replicou.
Ártemis suspirou, dramática.
— Fique fora disso! — o deus ordenou à irmã. — Não entende o que é estar apaixonado.
— Apaixonado! Ora, por favor... Sei que sou apenas uma mera mortal, mas não sou nenhuma idiota. Não importa o que sua irmã pensa. — Pamela fulminou Ártemis com o olhar, e esta curvou os lábios em um sorriso cínico.
Pamela encontrou o olhar de Apolo novamente. Seus olhos já não estavam mais vidrados, em choque. Em vez disso, faiscavam com indignação.
— Como pode dizer que está apaixonado por mim? Fingiu ser alguém que não é! Você me usou como uma verdadeira cobaia! E ainda suspeito de que tenha me lançado algum tipo de feitiço!
Várias pessoas se viraram e olharam, curiosas, em sua direção.
— Deixe-me explicar — recomeçou Apolo.
Pamela começou a sacudir a cabeça, porém o deus a tocou na lateral do rosto, e ela sentiu-se congelar.
— Por favor — ele sussurrou, odiando perceber que, quando ele a tocava, o medo sobrepujava a raiva em seus olhos. — Precisa me deixar explicar. Eu já disse que não vou deixá-la ir. Quando faço um juramento não o quebro jamais. — Apolo deixou seu rosto e tocou de leve a medalha que ela ainda usava no pescoço. — Prometi que lhe daria a minha proteção. Não precisa ter medo de mim.
— Com licença, senhor... — Um funcionário do cassino se aproximou deles. — Desculpe, mas preciso pedir que vista sua camisa.
— Já estamos a caminho do nosso quarto — respondeu Pamela, puxando Apolo em direção aos elevadores do hotel.
— Não sei por que tanta celeuma por conta de um pouco de carne exposta! — resmungou Ártemis, seguindo o irmão.
— Quero isso tudo muito bem explicado — alertou Pamela, tão logo eles adentraram o elevador.
— Assim será — assegurou Apolo, ainda segurando a mão dela.
— Isso vai ser muito aborrecido — rezingou Ártemis.
— Continua não ajudando! — Apolo e Pamela reclamaram em uníssono.
Capítulo 22
— Está me dizendo que tudo não passou de um feitiço mal direcionado? — indagou Pamela, sentada em uma das cadeiras da sala de estar de sua suíte.
Ártemis descansava deitada no sofá e Apolo, que não conseguia ficar quieto, andava de um lado para o outro diante da janela.
— Tecnicamente, não é um feitiço. É um ritual de invocação. Muito antigo e muito poderoso — falou a deusa. — Como explicou Apolo, não devia ter sido possível, até por necessitar reunir muitos elementos... o que acabou acontecendo.
— Tivemos um dedo de Baco nessa história, sem dúvida. Ele deve ter manipulado as coisas — Apolo terminou pela irmã.
— Manipulação. Excelente maneira de descrever tudo isso. — A expressão de Pamela dizia claramente que ela não estava se referindo à invocação.
— Não! Não foi assim. Nossos sentimentos não foram manipulados, apenas os acontecimentos que nos aproximaram.
— Mentiu para mim — acusou Pamela.
— Não. Sou mesmo uma espécie de médico e músico.
— Na verdade, ele é o curandeiro e o músico do Mundo Antigo — Ártemis interrompeu a conversa.
Pamela soltou uma exclamação.
— Meu tornozelo! Fez alguma coisa para curá-lo naquela noite da chuva!
— Estava quebrado. Eu apenas o fiz sarar.
Pamela fitou Apolo como se nele houvessem brotado chifres e um rabo.
— E quanto ao prêmio no caça-níqueis? — perguntou, tensa.
— Sua vontade de ter a bolsa era comovente... Agradou-me lhe conceder esse desejo.
O sorriso do deus foi como o de um menino apanhado com a mão em um pote de biscoitos, concluiu Pamela, e quis sorrir de volta para Febo. Ele parecia tão... normal.
Então se lembrou de como havia sido sentir a própria carne derretendo para se transformar em algo não humano.
Sua determinação voltou, e sua pergunta seguinte apagou o sorriso travesso do rosto do deus.
— E quanto ao sexo? Que tipo de magia usou para me levar para a cama?
— Nenhuma — ele respondeu de pronto. — Eu não a cortejei como o deus Apolo. Eu a cortejei e fiz amor com você como Febo, um mortal como qualquer outro.
Foi a vez de Pamela bufar.
— Por favor! Eu estava lá... Foi muito diferente com você. Não costumo ir para a cama com um caso de fim de semana, mas deve ter feito algo comigo.
Apolo parou de andar e foi até onde ela estava.
— Não usei nenhum poder imortal para seduzi-la, e o que tivemos não foi uma aventura de fim de semana.
Pamela sentiu a boca seca e o estômago se apertar com sua proximidade.
— Está fazendo de novo — sussurrou, contrariada. — Pare com isso.
O sorriso cativante de Apolo voltou com força total.
— Impossível, doce Pamela. Como minha irmã já afirmou, quando o portal se fecha perdemos nossos poderes imortais. Até o anoitecer de sexta-feira, terei tanta energia para conquistá-la como qualquer outro mortal.
— Se quer ficar com raiva de alguém por tê-la enfeitiçado, fique com raiva de mim — declarou Ártemis, estudando as unhas. — Eu aspergi um pouco da minha magia em você na noite da minha apresentação. Também lancei meu feitiço de sedução no banquete de ontem à noite.
— Por que faria isso?! — Pamela indagou.
— Já lhe explicamos a respeito do ritual de invocação. Até que Apolo satisfizesse o seu desejo mais sincero, nós estaríamos vinculadas; e eu estava mais do que cansada disso. — A deusa afastou uma mecha dourada do rosto. — Precisava de um estímulo para admitir a si mesma que Apolo era o seu desejo mais profundo, então... Agradeça às nove Musas por ter funcionado.
— Não é uma pessoa muito agradável, é? — Pamela indagou à deusa.
— Agradável? — Ártemis não pareceu nem um pouco ofendida com a pergunta. — Por que eu precisaria ser agradável?
O telefone tocou.
Balançando a cabeça para Ártemis, Pamela atendeu.
— Pamela? Aqui é o assistente do sr. Faust, James — falou uma voz masculina.
— Ah, sim. Olá, James. — Ela sentiu o estômago afundar. Era manhã de segunda-feira! Já devia ter começado a trabalhar, mas havia se esquecido completamente de E. D. Faust e do trabalho que ela precisava concluir.
— Eu só queria lembrá-la de que Robert estará aí para apanhá-la com o carro, na entrada do Caesars Palace, em exatos trinta minutos.
— ... Obrigada pelo telefonema, James. Estarei pronta.
— Ótimo! O sr. Faust está ansioso por que comece o trabalho em sua casa.
Pamela aquiesceu, dando uma resposta adequada. Desligou o telefone e olhou para Apolo e Ártemis que, por sua vez, a observavam.
— Preciso ir trabalhar.
— Claro. Para o autor. O da casa de banhos romana e da fonte — lembrou Apolo.
— Sim, ele está mandando um carro vir me buscar. — Pamela olhou-se no espelho e fez uma careta diante de sua terrível aparência. — Em exatos trinta minutos! Tenho que me aprontar. — Começou a correr em direção ao quarto.
— Excelente! — exclamou Ártemis. — Para onde vamos?
Pamela estacou.
— Nós não vamos a lugar nenhum.
— Não espera que eu permaneça aqui, neste casebre? É aborrecido demais.
— Bem, certamente não virá comigo! — ela imitou o tom afetado da deusa.
Ártemis estreitou os olhos.
— Não se esqueça de com quem está falando, mortal.
Pamela plantou as mãos nos quadris e ergueu o queixo.
— Escute aqui. Deusa ou não, vai ter que aprender a não agir como uma vadia. E pode me ameaçar quanto quiser. — Apontou para a medalha dourada que lhe pendia do pescoço. — Apolo jurou que estou sob sua proteção.
Ela ouviu a risada satisfeita do deus, mas se recusou a encará-lo.
— Fiquem aqui, peçam o serviço de quarto, assistam a um filme, aprendam a lidar com a internet, sei lá! Inferno... Quando eu voltar, pensarei no que fazer com vocês.
— Pamela?
A voz de Apolo a impediu de ir para o quarto, e ela se voltou para ele.
— Nós poderíamos ajudá-la.
— Ajudar-me no quê?
— Eu poderia ajudá-la a convencer Faust a construir o balneário. E quem sabe Ártemis possa persuadi-lo a usá-la como modelo para a estátua do centro da fonte? — o deus acrescentou, sorrindo.
Pamela lançou um olhar duvidoso na direção da deusa.
— Não se esqueça de que os homens vêm adorando a minha beleza há eras — Ártemis falou alegremente. — Eles ficam encantados comigo.
— Isso até pode ser verdade, mas apenas porque veem suas estátuas e pinturas, e não precisam se submeter à sua odiosa presença.
Ártemis abriu a boca para retrucar, contudo Apolo a impediu.
— Minha irmã pode dar seu juramento de que será educada.
— Eu, não!
— Faust é um bardo moderno, e quer que a estátua do centro de sua fonte seja uma homenagem a Baco. Pense nas histórias do Deus do Vinho que ele vai contar... — Apolo falou à irmã.
— Aquele sapo gordo não devia ser idolatrado no mundo moderno! — protestou Ártemis.
Ele encolheu os ombros.
— Você é quem sabe.
A deusa limpou a garganta e, relutante, encontrou o olhar de Pamela.
— Eu lhe dou o meu juramento de que serei educada. Hoje.
— Eu não sei...
— Por favor, Pamela — insistiu Apolo. — Deixe-me mostrar que não estou diferente hoje do que fui ontem. Apolo, o deus, e Febo, o mortal, são o mesmo homem.
Ela não deveria. Sabia que não deveria. Não queria ser amada por um deus. Gostava das coisas como eram antes de ele se tornar um imortal todo-poderoso. Queria seu Febo de volta.
— Está bem — concordou de súbito. — Mas temos que lhe comprar outra camisa no caminho. — Olhou para Ártemis. — Pelo menos está bem com esse traje. Podemos dizer que está vestida a caráter. — Pamela vacilou, então. — Fiquem aí. Preciso me apressar.
Fechou a porta do quarto e descansou a cabeça na madeira. Febo era Apolo!...
Sentiu as entranhas revolver conforme a realidade se instalava dentro dela. Ela era amante de Apolo, o deus grego!...
E ele existia havia eras. Templos foram construídos para homenageá-lo, faziam músicas para ele!... Aquelas mãos que tinham acariciado cada parte de seu corpo eram as mesmas mãos que levaram música ao Mundo Antigo.
E ele dizia que a amava!...
Pamela levou a mão trêmula à boca, dominada por uma súbita onda de choque, incredulidade e espanto. Era melhor dizer a Faust que não poderia aceitar o trabalho, pegar um avião e voar de volta para o Colorado. Deveria esquecer que aquele fim de semana havia acontecido. Era a coisa mais inteligente a fazer.
Mas sabia que não iria fazer a coisa certa. O Deus da Luz dissera estar apaixonado por ela.
— Na certa estou cometendo o erro mais ginorme da minha vida — falou baixinho.
Exatamente vinte e cinco minutos mais tarde, eles se encontravam do lado de fora das portas giratórias que davam para o Caesars Palace; Pamela sentindo o estômago apertado como se estivesse se preparando para saltar de bungee jump .
— Lembre-se, você é Febo Delos, especialista em arquitetura romana, e eu o chamei para me aconselhar nesse projeto. E você é a irmã dele, Diana, que...
— ... tem a beleza de uma deusa! — Ártemis a interrompeu, repetindo suas instruções. — Sim, sim, já decoramos nossas falas. Somos imortais, não imbecis.
— Eu ia dizer que precisa se lembrar de ser agradável — Pamela completou.
— Minhas palavras serão tão doces que eles poderiam fazer mel na minha boca, como as abelhas marrons da Grécia — elaborou Ártemis com um bater inocente dos longos cílios.
— Já está me deixando com dor de cabeça — resmungou Pamela. — Basta ser normal, está bem? É pedir muito?
— Ela vai manter seu juramento. Não precisa se preocupar, doce Pamela — garantiu Apolo.
— Não me chame assim. Supõe-se que seja meu funcionário! — ela o repreendeu, e em seguida odiou a mágoa que viu no rosto estonteante do deus.
Um deus!... Como, diabos, chegara àquela situação? Estava namorando Apolo!
Estava condenada, isso sim. Já havia estudado literatura. Mesmo não conseguindo se lembrar muito bem, sabia o que acontecia a mortais que chamavam a atenção dos deuses. Ainda mais a mortais do sexo feminino. Seu final nunca era feliz.
Além do mais, o que faria com ele a semana inteira? Nenhum dos irmãos tinha dinheiro. Descobrira isso quando Febo enfiara a mão no bolso para pagar pela camisa que comprara em uma loja e percebera que, de alguma forma (decerto quando ele arrancara as roupas atabalhoadamente, na noite anterior, pouco antes de prensá-la na coluna de mármore), ele perdera os 4 mil dólares que furtara do caça-níqueis.
Assim, Febo não contava com um centavo. Nem Ártemis.
E o portal não seria reaberto durante longos cinco dias.
— Bom dia, srta. Gray.
Pamela deu um pulo. Não tinha notado a limusine vintage e prateada que estacionara à sua frente.
— Ah, bom dia, Robert. — O homem lhe abriu a porta, e ela fez uma pausa. Pigarreou, então desenhou no rosto seu sorriso mais profissional. — Estas duas pessoas vão se juntar a nós, hoje. Eles são meus assistentes.
Robert analisou os dois gêmeos loiros por cima do nariz afilado e fungou de leve.
— Muito bem, senhora — falou, segurando a porta aberta e ajudando primeiro Pamela a entrar na limusine, em seguida, a mulher fantasiada.
Quando o homem alto hesitou, Robert lançou-lhe um olhar muito britânico (direto e polido, sem se preocupar em demasia).
— Algo errado, senhor?
Se Apolo ainda tivesse seus poderes, ele o teria usado para abrir o chão sob seus pés, de modo a ser engolido e sumir de vista. Do interior da besta de metal, Pamela e Ártemis o observaram com curiosidade.
Sua irmã, de repente, pareceu compreender.
— É muito bom aqui — disse a ele. — Não precisa ficar preocupado. — Deu um tapinha no assento ao lado.
— Não estou preocupado — Apolo afirmou, controlado. Respirou, então, e entrou na boca da coisa .
— Por favor, sirvam-se com a mimosa. A viagem até a propriedade do sr. Faust, em Red Rock Canyon, levará aproximadamente trinta minutos. — Robert fechou a porta.
Para Apolo, foi como se ele houvesse apenas tomado um gole de ar, e eles já avançavam, deslizando como um réptil ágil e rasteiro pela rua. Experimentou uma sensação terrível no estômago, e o sangue bombeou mais forte em seus ouvidos. Não conseguia parar de olhar para o mundo lá fora, conforme este passava zunindo, a um ritmo vertiginoso.
— Você está bem? Está pálido — comentou Pamela.
— Ela tem razão, está mesmo — concordou Ártemis. — Talvez ajude se beber alguma coisa. — Ela se aproximou do balde de gelo que continha uma garrafa de champanhe e um jarro de vidro fino com suco de laranja.
— Não! Não quero nada para beber — afirmou Apolo, com a mais estranha das sensações. Temia que, se tentasse beber alguma coisa, fosse devolver tudo em seguida.
— Acho que está com náuseas por causa do carro — concluiu Pamela. — Pode se sentir melhor se for lá na frente, com Robert. Minha amiga, Ve, fica muito enjoada se viaja no banco traseiro. Quer que eu peça para que Robert estacione, para que possa mudar de lugar?
— Eu sou um deus — ele falou por entre os dentes. — Não fico doente.
— Faça como quiser, mas, se vomitar no carro de Eddie, juro que, como sua empregadora, vou ficar muito aborrecida!...
Apolo fechou os olhos e tentou ignorar o fato de estarem cruzando a Terra dentro de um monstro de metal que poderia se espatifar contra alguma coisa e se desintegrar a qualquer momento.
— O que é uma “mimosa”? — indagou Ártemis.
— Champanhe e suco de laranja misturados. Uma delícia.
— Bem... — a deusa olhou para o rosto estranhamente pálido do irmão, então encolheu os ombros bem-feitos — ... vou experimentar uma taça. Você me acompanha, Pamela?
— Não, obrigada — ela agradeceu.
Ártemis serviu-se em uma das taças de champanhe.
— Viu como estou sendo educada?
— Milagre — Pamela murmurou.
— Aguarde... O melhor ainda está por vir — prometeu a deusa, bebendo um gole da mimosa e lançando-lhe um sorrisinho travesso.
Pamela decidiu que Apolo havia tido melhor ideia ali. Fechou os olhos assim como ele, e rezou para que a viagem, o dia... — inferno , a semana! — ... passassem logo.
Mas não antes de deslizar a mão para a dele e apertá-la.
Capítulo 23
A casa de veraneio de E. D. Faust fora construída para se parecer com uma charmosa villa toscana, e Pamela estava aliviada. Sim, ela vira as plantas e lera as anotações sobre a arquitetura que James lhe entregara, mas, depois do pedido bizarro de Eddie para que ela fizesse o interior da residência parecido com o Fórum, vira-se receosa quanto ao que esperar.
Claro que, conforme eles saíram da limusine e se aproximaram da impressionante porta dupla de ferro forjado, com vidros escandalosamente caros — feitos a mão, jateados e chanfrados —, ela se lembrou de ter pensado que o exterior do Fórum indicava que seu interior era decorado com modéstia e com um clássico bom gosto...
Engano seu.
Olhou para Ártemis, que parecia fresca e linda na manhã ensolarada. A deusa tinha as faces coradas, e uma longa mecha de cabelo loiro e brilhante escapara de seu elaborado penteado.
Ártemis alisou a saia da túnica curta, soltou um soluço e, então, riu baixinho.
Pamela a examinou com mais atenção. Merda!... Ela parecia embriagada! Por que, maldição dos infernos , não havia ficado de olho na deusa? Quantas mimosas a deidade engolira em trinta minutos — e com o estômago vazio! — enquanto ela, Pamela, segurava, distraída, a mão do pobre Apolo?
— Está bêbada? — cochichou, tensa.
Ártemis lançou-lhe um olhar severo.
— Imortais não ficam bêbados. Apenas os mortais se embriagam. Não seja boba... — A deusa balançou o dedo para ela.
Pamela revirou os olhos.
— Não é mais imortal, lembra-se? — Reprimiu uma súbita vontade de gritar. Em vez disso, olhou para Apolo em busca de ajuda, porém seu rosto estava com uma cor estranha, entre o branco e o verde. Observou-o limpar o suor da testa com as costas da mão, preocupada. — Você está bem?
Ele assentiu com um vigoroso gesto de cabeça.
— Melhor agora que estamos fora dessa... — Estremeceu e olhou na direção do automóvel que os trouxera.
— Limusine — completou Pamela. — É uma limusine. — Céus! , ela estava presa em um pesadelo sem fim! — Tudo bem. Vamos fazer o seguinte... Vocês dois, tentem não falar, a menos que alguém lhes faça uma pergunta direta. Mesmo assim, sou eu quem vai responder à maior parte. Agora vamos. Precisamos acabar logo com isto. — Ajustou a alça da bolsa larga e começou a subir a linda escada de mármore curva com determinação.
Os gêmeos a seguiram com menos propósito.
Pouco antes de tocar a campainha antiga, ela ouviu um som abafado às suas costas, e então a risadinha — completamente alterada — de Ártemis. Olhou por cima do ombro e viu Apolo segurando a irmã pelo cotovelo.
— Ela quase caiu — ele explicou baixinho.
— Impossível! — Ártemis falou com voz arrastada.
— Oh, Deus!... — Pamela murmurou.
As portas duplas se abriram, e o rosto sorridente de James os recebeu.
— Entre, Pamela, por favor. Eddie se encontra no pátio, esperando por você. — Seu sorriso mudou para educada curiosidade quando Apolo e Ártemis a seguiram para dentro do saguão.
— São meus assistentes... Eu os contratei. São especialistas, na verdade — Pamela acrescentou depressa.
— Tenho certeza de que Eddie ficará satisfeito com sua iniciativa. Ele esteve ansioso por esta reunião a semana inteira. Venham por aqui, por favor.
James os conduziu através do hall de entrada, um espaço gigantesco, a partir do qual duas escadas em curva, ladeadas por parapeitos de mármore antigos, levavam ao segundo andar da villa .
As balaustradas de mármore, contudo, eram o único detalhe acabado do recinto. Todo o restante estava nu. As paredes ainda se encontravam no reboco, e o piso era de cimento. A parede inteira dos fundos, da qual eles se aproximavam, era adornada por janelas que iam do chão ao teto; tão novas que ainda continham os adesivos de fábrica cor de laranja.
Enquanto caminhava lentamente pelo espaço inacabado, contudo, Pamela nem sequer viu sua crueza. Olhava tudo à sua volta, enxergando apenas o ilimitado potencial do lugar.
— Está horrível — Apolo cochichou. — Não há piso, nem paredes, muito menos decoração.
— Não! Está perfeito! — ela contrapôs num sussurro. — A estrutura se encontra pronta, mas os pisos e paredes estão todos inacabados. A maioria dos dispositivos nem sequer foi instalada. É como uma tela em branco. É meu trabalho escolher com sabedoria e me certificar de que esta casa seja transformada em uma obra-prima.
James os aguardou, paciente, ao lado da porta de vidro que — Pamela já sabia pelas plantas — levava à parte central da mansão: o incrível pátio em torno do qual o restante da vila fora construído na forma de quadrado aberto em um dos lados.
Tão logo eles chegaram a este, James abriu a porta e sinalizou para que eles passassem.
Foi apenas nesse momento que Pamela notou a verdadeira multidão reunida no pátio.
Em resposta a seu olhar interrogativo, James apenas sorriu e apontou para o meio das pessoas, onde E. D. Faust se encontrava sentado em uma bancada de mármore repleta de amostras de material.
— Ah, Pamela! — ele gritou quando a viu.
Ao se por de pé, lembrou-a uma montanha se movendo. Também naquele dia estava todo vestido em preto, desde as calças bem-cortadas até a camisa de seda, cujas mangas tinham o modelo amplo da de um pintor.
Ou então , ela pensou, observando o brilho em seus olhos escuros, da camisa de um pirata .
— Bom dia, Eddie — saudou. — Tem bastante gente aqui, hoje...
— Por sua causa, Pamela. — Ele riu com gosto, a barriga chacoalhando como num estrondoso terremoto. — Mandei todos os trabalhadores virem para cá. Imaginei que economizaríamos tempo se os tivéssemos à disposição. Eles estão apenas aguardando as nossas ordens.
Pamela não podia acreditar. Olhou o grupo e arregalou os olhos ao notar que cada pequena equipe possuía a seu lado pilhas de materiais — amostras, claro — de tudo o se podia imaginar: retalhos de tecido, pedaços de mármore, de pedras brutas, placas com texturas, tintas e revestimentos. Eddie transformara seu pátio em um minimercado para designers de interiores. Era estarrecedor e mais do que intimidante. De repente se lembrou de que havia trazido seu próprio séquito. Bem... ao menos era assim que eles se apresentavam.
— Que bom. — Recuperou o controle das cordas vocais com dificuldade. — Está certo. Isso vai nos economizar algum tempo. Deixe-me apresentar os assistentes que eu trouxe comigo, hoje... — E inclinou o corpo para que Apolo avançasse um passo.
Ártemis, que se encontrava de pé atrás do irmão, fitando, embriagada, um fiapo em sua camisa, de repente percebeu que tinha uma plateia para a qual se apresentar, e se colocou, lânguida, do outro lado de Pamela.
Diante da aparência dos gêmeos dourados, o grupo deixou escapar um suspiro coletivo de apreciação.
— Este é Delos Febo, especialista em arquitetura romana. — Pamela ficou satisfeita ao ver que Apolo inclinava a cabeça polidamente para Faust.
O autor, contudo, mal olhou em sua direção. Seus olhos estavam cegos para tudo o mais, exceto para a bela deusa a seu lado.
Pamela respirou fundo, cruzando os dedos.
— E esta é sua irmã, Diana. Ela é modelo, muito conhecida por sua beleza em toda a Grécia e Itália. Sei que queria manter Baco como a figura central em sua fonte, mas pensei que, talvez...
Suas palavras foram interrompidas quando Ártemis avançou com um andar lânguido e gingado até ficar a meio metro do volumoso autor. Então parou, ergueu a mão delicada até a elaborada coroa de cabelos e, com um leve puxão, libertou os fios longos e dourados, que se derramaram em uma onda espessa ao redor de sua cintura. Balançou a cabeça, e seus cabelos cintilaram, hipnóticos, à luz da manhã.
— Pamela imaginou que talvez preferisse a estátua de uma deusa — ela ronronou.
Pamela precisava admitir: Ártemis era uma atriz excelente. Assim como durante sua performance em Zumanity , ela ganhara a atenção do grupo.
Faust pareceu ter levado uma pancada na cabeça, depois piscou, e seu rosto se iluminou em um largo sorriso enquanto ele se curvava com incrível graça e um floreio.
— Quanta satisfação, Diana! — falou com seu vozeirão. — É uma honra ser agraciado pela presença da Deusa da Lua, das Florestas e dos Vales... — Concedeu um olhar a Apolo. — E você, meu bom companheiro, deve ser o Deus da Luz. Que divertido o fato de sua mãe tê-los nomeado segundo os gêmeos imortais.
Pamela sentiu o estômago se apertar. Era claro que um homem que fizera carreira escrevendo ficção reconheceria instantaneamente a mal ocultada verdade em seus nomes. Que diabo ela poderia dizer agora? Seria possível que Faust houvesse percebido quem eles eram de verdade?
Apolo sorriu.
— Descobriu nosso segredo, senhor.
— Por favor, não há nenhum senhor aqui. Pode me chamar de Eddie. — Seus olhos se desviaram para a beldade ainda parada à sua frente. — Pamela, saiba que já provou ser tão genial quanto imaginei que fosse. Agora que estou face a face com uma deusa, concordo com seu ponto de vista. Precisamos mudar a estátua central da minha fonte. Esqueça Baco. A beleza da deusa Diana será exaltada em seu lugar.
Pamela deu um suspiro de alívio, e Ártemis se curvou com graça.
— Não! Uma deusa nunca deve se curvar. — Faust se apressou em fazer Ártemis se erguer de sua profunda reverência.
— Até que enfim um mortal que sabe como tratar uma deusa... — comentou a diva.
Pamela mordeu o lábio, contudo Eddie sorriu com bom humor e levou a mão de Ártemis aos lábios.
— Mas é claro que sei. — Olhou para a multidão de trabalhadores reunida em torno deles. — Qual de vocês tem talento para esboçar esta linda deusa, de modo que um artista possa esculpir sua imagem imortal no mármore?
— Não seria mais fácil se ela tirasse algumas fotos digitais em diversas poses e, em seguida, o escultor começasse a trabalhar com base nelas? — Pamela indagou, aflita.
— Mais fácil, talvez. Mas não me parece certo. Soa muito frio. Muito impessoal.
— Mas Diana só estará disponível até sexta-feira. Depois tem um... ahn... compromisso a que não pode faltar — justificou Pamela.
— Então temos que trabalhar depressa. Eu gostaria de ter a minha deusa imortalizada à moda antiga. Febo, você é o expert na antiga Roma. Como isso costumava ser feito?
— Tem toda a razão. O escultor teria desenhado sua musa e, em seguida, começado a trabalhar com base em seus próprios esboços. — Apolo fez uma pausa e ergueu uma sobrancelha. — A menos que tivesse contratado Pigmalião. Acredito que ele trabalhava baseando-se na imagem da mulher que via apenas em seu coração... — Lançou um olhar ardente para Pamela. — O problema é que poucos de nós têm a sorte de ver seu mais profundo desejo concedido.
Pamela se obrigou a não se retesar. Apolo afirmava ter sido privado de seus poderes imortais, mas, quando olhava para ela daquela maneira, fazia com que sentisse calor, frio, excitação... tudo de uma vez.
Faust não pareceu notar o byplay acontecendo entre a designer e seu assistente, pois tinha a atenção voltada para sua própria imortal.
— Ah, mas temos Diana, não Galateia. Por isso mesmo a modelo merece um esboço.
— Galateia não era deusa. Era apenas uma pedra que foi trazida à vida — corrigiu Ártemis, um pouco irritada.
— Verdade! Tem toda a razão! — exclamou Eddie. — Pigmalião não teve a mesma sorte que eu.
— Posso desenhar sua deusa, senhor. — Um jovem se destacou do grupo.
— Excelente — concordou Eddie. — Temos o nosso artista e a nossa musa. E creio ter algumas fotos da fonte original do Fórum. Suponho que nossos artesãos possam usá-las como base para seu trabalho enquanto a nossa deusa estiver sendo desenhada.
— Na verdade — Pamela começou, enquanto abria a pasta e retirava, apressada, seu bloco de desenho —, imaginei que poderia gostar de algo exclusivo, por isso trabalhei em alguns esboços preliminares de uma nova fonte... baseada, claro, naquilo que tanto aprecia na do Fórum. Eu só não quis desenhar a estátua central sem a sua aprovação, mas acho que vai ficar muito satisfeita com isto.
— Pamela discutiu comigo os esboços, e eu posso lhe assegurar que a fonte que ela criou seria apreciada até pelos deuses do Monte Olimpo — afirmou Apolo.
— Que maravilha, Pamela! — Eddie tomou o caderno das mãos dela e acenou com a cabeça em aprovação. — Monte Olimpo... — Ele riu. — Eu não poderia esperar nada melhor para uma fonte que ostenta uma escultura de Diana. Por favor, mostre esses esboços ao nosso artista. — Faust lançou um olhar interrogativo na direção do rapaz.
— Mateus — esclareceu o jovem. — Meu nome é Mateus Land.
— Venham, Mateus, Pamela, Febo e Diana, minha linda. Vamos nos sentar e decidir sobre os detalhes da minha casa. — Eddie ofereceu o braço a Ártemis. Ela sorriu docemente e descansou a mão na parte superior de sua manga de seda. — Deseja algo, querida? — ele perguntou enquanto a conduzia em volta de um banco de mármore.
— Sim. Recentemente desenvolvi um gosto especial por uma bebida chamada mimosa .
Pamela tentou não gemer quando Eddie gritou para James pedir ao chef que preparasse mimosas para todos.
Pamela olhou para o relógio. Ela mal podia acreditar que já passava das quatro da tarde. O dia havia voado.
E fora bem melhor do que ela previra. De um modo irritante e irônico, sabia que precisava agradecer a Ártemis por isso.
Ergueu os olhos da página brilhante do catálogo que o representante da Shonbeck lhe mostrava, e que continha luminárias ao estilo do velho mundo. Eddie fingia prestar atenção, enquanto Apolo e o arquiteto se debruçavam sobre a última versão do esboço da sala de banhos, na qual haviam trabalhado pela maior parte do dia.
Na verdade, Eddie fazia o que ele não parara de fazer nas últimas horas: olhava com adoração para Ártemis.
Mas a deusa era, realmente, muito linda. Até mesmo os espalhafatosos representantes de tecidos gays suspiravam, melancólicos, diante da perfeição de seu cabelo, de seus seios e das linhas delgadas de suas pernas. No momento, ela se encontrava em pé sobre a plataforma elevada que Eddie mandara erguer, segurando um enorme vaso contra um quadril, do qual água iria verter quando o esboço fosse transformado em uma escultura para a fonte.
Pamela ficava tonta só de pensar. E isso sem levar em conta a despesa em que Eddie iria incorrer com aquela obra de arte original!...
Seu cliente parecia feliz, porém, e a fonte iria ficar mesmo muito bonita. Além do mais, esta não teria aquela animação medonha do Fórum. Uma só exclamação horrorizada de Ártemis em resposta à menção de movimento na fonte, e Eddie, mais do que depressa, vetara a ideia. Da mesma forma, uma simples carranca da deusa fora suficiente para que ele desistisse da construção daquela ginorme e horrível piscina, e optasse pela ideia de bom gosto do balneário romano.
Com esses dois problemas resolvidos, todo o restante correu como uma brisa. O gosto de Eddie não era tão lamentável quanto ela pensara a princípio. A questão era apenas que sua aura era enorme. Suas ideias eram grandiosas, e não apenas em seus épicos best-sellers. E. D. Faust preenchia o mundo ao seu redor com a grandeza da vida. Sim, ele era excêntrico. Na verdade, Pamela refletiu, ele parecia um personagem de um de seus romances: maior do que a própria vida e sempre pronto para uma nova aventura.
Sorriu para si mesma. Demorara um pouco a se acostumar com sua exuberância, mas compreendia por que as pessoas se sentiam atraídas por ele. Eddie era tão generoso quanto seu tamanho. A verdade era que E. D. Faust era mesmo um sujeito decente.
Ela havia tido um pouco de trabalho, mas, com a ajuda de Ártemis e Apolo, convencera Eddie a mudar o design de sua casa: do românico brega do Fórum para algo que começava a lembrar do cenário de Cleópatra , de Elizabeth Taylor. O estilo que emergia não era menos opulento do que o do Caesars Palace e do Fórum, porém bem mais chique.
Desviou o olhar do corpanzil de Eddie para Apolo. Ele inclinara a cabeça loira e a balançava com uma expressão atenta diante de algo que o arquiteto acabara de traçar no papel.
Como se pressentisse que estava sendo observado, ele levantou os olhos para os dela. Pamela desviou o olhar, mas não antes de ver seus lábios se curvar na sugestão de um sorriso. Apolo a apanhara em flagrante de novo.
E não fora algo difícil de ele fazer. Ela o fitara com o rabo dos olhos o dia todo, e ele sabia disso. Ela sabia disso.
E não conseguia evitar. Apolo fora tão maravilhoso!... Descrevera o funcionamento dos antigos balneários de Roma em detalhes para Eddie e seu arquiteto. Tinha sido mais do que paciente com suas intermináveis perguntas, respondendo-as com inteligência e concentração, de tal forma que até mesmo para ela Febo soara como um entusiasmado especialista. E nem uma vez exibira a detestável arrogância que ela imaginara ser inerente ao Deus da Luz.
Pamela suspirou. Já não podia dizer o mesmo de Ártemis. Mesmo que a diva estivesse adotando seu melhor comportamento naquele dia, continuava irritantemente exigente e vaidosa. Por sorte, Eddie parecia estar gostando de entrar no jogo de sua deusa...
Outra coisa boa, lembrou-se Pamela, era que Faust insistira para que a cozinha ficasse pronta antes de ele chamá-la para projetar o restante da villa , pois Ártemis mantivera o chef ocupado o dia inteiro com suas exigências por bebidas e iguarias. E Eddie, que, sem dúvida, muito apreciava os prazeres da boa mesa, havia se deliciado em atender a todos os caprichos de “sua deusa”.
Apolo era tão diferente da irmã!, Pamela teve que admitir para si mesma. Continuava o mesmo homem atento e inteligente que fora durante todo o fim de semana.
Mas ele não era um homem de verdade. Era um deus. E nenhuma mulher de bom-senso iria complicar a própria vida se envolvendo com um antigo deus...
Pamela suspirou e se obrigou a voltar a atenção para a página de lustres.
— Eddie... — Ártemis soou como uma menininha mimada. — Meu braço já está doendo de tanto eu segurar este vaso bobo! E estou com tanto calor que vou desmaiar se não me sentar.
— Claro, claro, minha deusa! — Ele se pôs de pé e correu para tomar o vaso das mãos dela. Empurrou de lado o jovem artista, quando este tentou ajudar sua musa a sair da plataforma, e segurou Ártemis pelo cotovelo, amparando-a enquanto ela descia com graça do altar improvisado. — Olhem só a hora! Que insensibilidade a minha!... Estamos nisto há séculos. Tempo demais para uma deusa trabalhar. — Ele ergueu a manzarrona, e sua voz grave silenciou até mesmo os trabalhadores que se encontravam ocupados no interior da vila. — Já chega por hoje! — bradou. — Nós nos encontraremos outra vez amanhã, à mesma hora!
Vários suspiros se fizeram ouvir ao seu comando. Tinha sido um dia difícil, porém produtivo.
Pamela detestava admitir, mas, pela milésima vez, viu-se contente por ter permitido que Apolo a convencesse de trazê-lo com a irmã até ali.
Estava esfregando a parte de trás do pescoço, e tentando desfazer um nó de tensão que se instalara neste, quando o “Pamela!” de Eddie ribombou, fazendo-a ir até o banco onde ele estava.
— Ah, aí está você, minha cara. — Ele fez um sinal para que ela se sentasse ao lado de Apolo, à sua frente.
Ártemis estava, obviamente, acomodada a seu lado. Abanava-se com um leque de penas que Eddie havia lhe arrumado, e Pamela notou que ela bebia champanhe de uma taça de cristal gelada. Graças aos Céus, Ártemis seria imortal de novo em poucos dias. Ao ritmo que estava indo, seria a imortalidade ou o alcoolismo!
— Andei discutindo os nossos novos planos com a linda Diana e seu irmão, e creio que estamos todos de acordo.
Pamela sentiu um familiar aperto no estômago.
— Planos? Que planos?
— Muito simples. Não há necessidade de vocês três viajarem de volta para Las Vegas quando podem muito bem ficar aqui comigo — declarou Eddie, sorrindo.
— Mas o único cômodo que está terminado é a cozinha!
Eddie riu.
— Não aqui... Aluguei uma casa de campo no parque Spring Mountain Ranch, no Red Rock Canyon. Tem acomodações bastante modestas, porém é muito mais próxima da minha villa do que o Caesars Palace. Até porque não há mais motivo para voltarem para lá, uma vez que o Fórum não mais servirá de modelo para a nossa Roma antiga. Agora temos Febo.
— Mas as minhas roupas e... ahn... Diana e Febo não trouxeram nada.
Os olhos de Pamela pousaram em Ártemis. A deusa tomou um gole do champanhe, tranquila, e, em seguida, piscou, maliciosa, para ela.
Eddie ignorou suas preocupações.
— James pode ir buscar suas coisas. Diana me contou que ela e o irmão planejavam apenas passar o dia por aqui, contudo ambos já aceitaram o meu convite para que prolonguem sua estada por uma semana. Eu ficarei honrado em comprar no resort qualquer coisa de que nossa deusa precise.
— Jantar, Eddie, jantar! — Ártemis lembrou com um suspiro. — Mal posso acreditar no quanto estou faminta.
— Claro. — Ele lhe afagou a mão. — Foi um dia cansativo. Vamos embora para o rancho, comer e ser feliz. — Eddie se ergueu pesadamente do banco, e Ártemis estendeu a mão para que ele pudesse ajudá-la a fazer o mesmo.
Em seguida, movendo-se com muito mais instabilidade do que com sua habitual graça, ela se agarrou ao braço gordo do homem enquanto ele se deslocava devagar pelo pátio, gritando para que Robert trouxesse o carro.
— Acho que não temos muita escolha — murmurou Pamela, não querendo encarar Apolo, agora que se encontravam sozinhos pela primeira vez naquele dia.
— Eu já fiz a minha escolha, doce Pamela — ele respondeu baixinho.
Ela o fitou, então. Apolo abriu seu sorriso encantador, tão familiar, e ela sentiu o peito se apertar.
— Às vezes é fácil esquecer quem você é de verdade — falou baixinho.
Ele a tocou no rosto.
— Já sabe quem eu sou realmente. Sabe desde a noite em que nos conhecemos.
— Mas não é um homem comum.
— Serei, ao menos pelos próximos cinco dias. — Ele imitou o gesto de Eddie: pôs-se de pé, tomou-lhe a mão e a ajudou a se levantar.
Pamela se permitiu dar o braço a Apolo conforme caminhavam pelo pátio deserto. Ele parecia tão quente, normal e certo a seu lado!...
Isso a assustou tanto que ela fez menção de puxar o braço; contudo, Apolo parou no meio do saguão de repente.
Pamela sentiu um tremor percorrer o corpo e olhou para ele. Seu rosto moreno empalidecera.
Ela seguiu seu olhar. James segurava as portas da frente da casa aberta para eles, e, por meio destas, ela podia ver Robert ajudando primeiro Ártemis, depois Eddie, a entrar na limusine.
— Eu havia me esquecido dessa criatura de metal — ofegou o deus.
— Venha. Vou fazer você se sentar na frente desta vez. — Pamela o segurou pelo braço com força e o puxou.
Ele era Apolo, Deus da Luz, da Música e da Cura. Um imortal que tinha vivido por eras, tema de muitas histórias, poemas e canções...
... Mas uma criatura que enjoava demais ao andar de carro.
Capítulo 24
A ideia de Eddie de “acomodações bastante modestas” era alugar todos os nove quartos da mansão de tijolos, que fora construída nos anos vinte e que, depois, tinha sido adoravelmente restaurada com antiguidades, canalização e parte elétrica modernas, em 2003. Ficava à margem do Red Rock Canyon spa e Resort , um adorável oásis de fontes naturais e matas verdejantes, que parecia bizarro e deslocado, ainda que lindo, em meio ao afloramento de rochas cor de ferrugem e da intrigante paisagem desértica do Red Rock Canyon.
Pamela parou diante do conjunto de três portas duplas que separava os alojamentos do enorme deque de madeira, onde, apressados, garçons uniformizados davam os últimos retoques na mesa de jantar com flores frescas e velas, enquanto um trio de músicos afinava seus instrumentos.
Música, velas, flores e porcelana fina, avaliou, aliviada por ter escolhido o tubinho preto em vez de algo mais casual.
A iluminação externa foi acesa de repente, tingindo a noite clara de Nevada com suaves nuanças, e Pamela respirou o ar fresco do deserto. Sentar-se ao lado do enjoado Apolo no banco da frente fora muito esclarecedor. Ele insistira para que ela ficasse junto dele, e parecera tão desamparado que ela havia suspirado e se espremido a seu lado, para o desgosto de Robert. Decididamente, ela amava o Colorado. Embora tivesse nascido e crescido lá, nunca se cansara da majestade de Pikes Peak e da beleza montanhosa de seu lar. Considerava-se bastante “viajada”, sobretudo em se tratando dos Estados Unidos, e já conhecera muitos estados encantadores, mas nenhum lugar preenchia seus sentidos e acalmava sua alma como o de sua própria casa.
Por isso mesmo era uma surpresa sentir-se tão atraída pelo deserto. A curta viagem da propriedade de Eddie, à margem do Red Rock Canyon, até aquele rancho fora repleta de cenários ao mesmo tempo austeros e espetaculares. Havia algo de misterioso e maravilhoso no deserto. Ele fazia sua imaginação correr solta, evocando fantasias infantis com caubóis do Velho Oeste, couro e suor.
Sorriu para si mesma diante de ideias tão tolas e românticas.
— Adoro o seu sorriso.
A voz profunda de Apolo a surpreendeu.
Pamela se virou. Ele estava tão próximo que ela pôde sentir seu calor. Era apenas o calor de um corpo normal, não o poder imortal do Deus da Luz, mas a fez se lembrar da noite anterior, e de como chamas tinham varrido seu próprio corpo em uníssono com seus impulsos...
Passou a mão pelo cabelo curto, nervosa.
— Não o percebi chegando.
— Eu não queria assustá-la.
Se Apolo soubesse!... Apenas a presença dele já fazia seu estômago se contrair e seu rosto corar. E isso antes de ela descobrir que ele era o bendito Deus da Luz!...
Céus!, estava sendo cercada e cortejada pelo imortal Apolo! Era um pouco como se ver bem no meio de um velho episódio de Jornada nas Estrelas , sem nenhuma possibilidade de ser teletransportada para longe de uma situação difícil.
Mas ela não queria ser teletransportada para longe de Apolo, e isso a estava deixando louca.
Ele era Apolo! Não conseguia conter o arrepio de emoção que a percorria cada vez que pensava nisso. Era inebriante, enlouquecedor e terrivelmente assustador.
Em vez de gaguejar como a louca em que ela pensava estar se tornando, Pamela apontou a noite do deserto com a cabeça, em um gesto que, ela esperava, parecesse indiferente.
— Não foi culpa sua. Eu estava distraída com o cenário. É muito mais bonito aqui do que eu esperava.
— Sim, sei bem o que quer dizer. O Reino de Las Vegas também me surpreendeu com sua beleza. — Ele sorriu e lhe afastou uma mecha de cabelo escuro da testa. Seus olhos capturaram e refletiram a iluminação do terraço e, por um momento, pareceram brilhar de novo com aquele azul imortal.
Pamela recuou um passo.
— Por quê? — ele indagou, magoado. — Por que está me evitando?
Um dos garçons ergueu a cabeça com óbvia curiosidade diante da pergunta, e Pamela acenou para que Apolo a seguisse até a borda mais distante da varanda, onde era menos provável que sua conversa fosse ouvida. Baixou a voz e tentou não se preocupar.
— Não estou desprezando você. Estou sendo apenas... c-cuidadosa — ela gaguejou, sem fitá-lo nos olhos.
— Não compreendo. — Ele passou a mão por seu rosto e suspirou. — Sabe, Pamela, isso nunca aconteceu comigo antes. Precisa me explicar quais são as regras do amor.
Ela sentiu o coração bater na garganta e engoliu em seco antes de responder.
— Não conheço as regras. Não sei como amar um deus. — Encontrou os olhos dele, relutante. — A verdade é que era diferente quando eu achava que você era apenas Febo.
— Eu sou Febo, Pamela.
— Não, não é! Meu Deus, Apolo... — Ela se interrompeu, apertando os lábios. — Veja! Nem consigo dizer coisas normais perto de você. “Meu Deus...” Você é um deus! Eu não sei o que dizer, o que fazer. — Pamela esfregou a testa.
Os músicos começaram a tocar uma valsa que só fez aumentar o clima surreal da noite. Era como se Apolo houvesse conspirado para adicionar uma trilha sonora à conversa.
— Eu não quero me apaixonar — ela disse baixinho. — Eu já não queria antes de te conhecer, e agora isso só me parece ainda mais impossível.
Ele balançou a cabeça.
— Não, não é impossível. O problema foi a forma como descobriu tudo. Eu devia ter lhe dito antes; tornado mais fácil para você aceitar.
— Como poderia ser mais fácil? Você é um deus antigo, e eu sou apenas uma mortal. Não estamos destinados a ficar juntos.
Dizer as palavras que a haviam assombrado o dia todo deixaram Pamela enjoada.
— Eu atendi ao seu desejo mais sincero — Apolo replicou numa voz baixa e firme.
— Claro que atendeu! Não é que eu não o deseje... Desejo muito. Você é perfeito. Eu pedi por romance, e você é, definitivamente, um sonho romântico que se tornou realidade.
Pamela queria ficar quieta, segurar as palavras que derramavam de sua boca, mas não conseguia. Tinha medo de que, fazendo isso, fosse se jogar nos braços de Apolo e pedir que ele ficasse lá para sempre.
Se fosse assim, o que seria dela? O que aconteceria com seu coração quando ele deixasse aquele mundo e voltasse para o seu próprio?
Apolo franziu a testa e tornou a sacudir a cabeça.
— Eu sou mais do que um sonho romântico, e você pediu por mais do que um simples namoro com um deus.
— Apolo, eu sei pelo que pedi — ela falou com firmeza.
— Sabe mesmo? Então talvez esteja interessada em saber que o vínculo da invocação entre você e minha irmã não se rompeu até ter admitido, ontem à noite, que sou sua alma gêmea.
— Sua alma gêmea... — ela sussurrou as palavras, negando com um gesto de cabeça. — Não! — Ele não podia ser. Se Apolo era sua alma gêmea, como ela sobreviveria sem ele?
O belo rosto do deus ficou lívido.
— Talvez eu tenha tido sorte, por todas estas eras, em não ter conhecido o amor... Parece que é um sentimento bastante doloroso.
Dizendo isso, curvou-se para ela de leve, fez meia-volta e se afastou.
Em vez de passar pelas portas e rumar para o quarto, como tivera a intenção de fazer, Apolo quase atropelou a irmã e Eddie quando estes saíam para o pátio, seguidos de perto pelo onipresente James.
— Que bom que já veio para cá! — saudou o escritor, dando-lhe um tapinha no ombro. Logo depois, avistou Pamela. — Excelente! Estamos todos aqui. James, já pode pedir que sirvam o jantar. Venha, minha deusa... A comida aqui pode ser simples, mas juro que não vai se decepcionar com sua qualidade.
— Eddie, eu quero mais daquele champanhe maravilhoso!
— Claro, claro... — ele murmurou, ajudando-a a se acomodar em uma das cadeiras.
Pamela observou o homenzarrão cercar a deusa de cuidados e mimos tal qual uma gimensa galinha, enquanto Apolo permanecia de pé, do lado oposto da mesa. Podia sentir seu olhar sobre ela.
Piscou, combatendo as lágrimas que lhe haviam assomado aos olhos, endireitou os ombros, desenhou um sorriso cordial e profissional no rosto, e se juntou ao pequeno grupo. Eddie, claro, insistiu para que ela se sentasse ao lado de “Febo”.
Por sorte, assim que ela pôs o traseiro na cadeira, uma nuvem de garçons convergiu para a mesa.
Eddie descrevera o jantar como “simples”, o que a fez se perguntar o que ele considerava extravagante. A comida não foi trazida aos poucos, como se poderia esperar de uma refeição cara, servida em um resort exclusivo. Em vez disso, o escritor ordenou que tudo viesse de uma só vez.
Foi como uma explosão de alimentos. As saladas individuais, de verduras frescas, cogumelos exóticos e uma série de tomates maduros e pequenos, eram montadas tal qual pequenos ninhos de pássaros. A massa do tipo farfalle parecia divina e cheirava a alho fresco e vinho branco. Espessas postas de salmão tinham sido grelhadas à perfeição, assim como compridas fatias de abobrinha cobertas de queijo provolone derretido e polvilhado com pimenta moída e sal. Durante toda a refeição, garçons atenciosos serviam as taças com champanhe gelado.
Tudo estava delicioso, e Pamela sentiu-se relaxar enquanto Eddie e Apolo conversavam amigavelmente a respeito da tradição dos banhos diários na antiga Roma. Na verdade, ela se viu intrigada com os detalhes vívidos que o deus fornecia sobre um mundo considerado morto havia muito tempo.
— Então, o banho se tornou uma atividade social... — concluiu Eddie enquanto mastigava o salmão.
Apolo concordou.
— Não era apenas o ato de se lavar. Os banhos romanos eram muito mais do que isso. No mesmo balneário não era incomum que houvesse espaços para exercícios, massagistas, barbeiros, restaurantes, lojas e bibliotecas. Era um centro de convivência; o centro nervoso do que acontecia na cidade. Em suas salas privadas, questões que não deviam se tornar públicas eram discutidas. Alguns dizem que até mesmo os deuses frequentavam os balneários de Roma para se inteirar das intrigas do dia.
— Ha! Sabe-se lá se o plano para matar César não começou em um desses balneários de Roma...? — conjeturou o autor.
— César! — zombou Ártemis. — Proclamar-se um deus foi apenas um de seus muitos erros. Ele devia ter escutado a esposa. Calpúrnia bem que o advertiu... Roma não ouviu muitas vezes as vozes de suas mulheres — completou, irritada.
Os olhos de Eddie se arregalaram.
— Eu tenho feito isso, minha linda! Venho pensando no assunto desde esta manhã, quando nos conhecemos. Alguma coisa parecia fora de lugar, não exatamente onde devia estar, e agora compreendo o quê... Você não é Diana. Reconheço agora a sua verdadeira natureza.
Ártemis ergueu uma sobrancelha dourada para o escritor e mordiscou seu segundo pedaço de salmão.
— É mesmo?
— Sim! Você é muito ardente para ser a pálida e etérea Diana. Você brilha e ofusca, não apenas como a luz da lua cheia. Carrega dentro de você a natureza de uma caçadora. Amanhã iremos descartar aquele vaso sem sentido, que segurou esta tarde, e substituí-lo por um arco e uma aljava repleta de flechas. A brandura de Diana feneceu, e a deusa Ártemis surgiu em seu lugar.
Pamela engasgou ao engolir, e um garçom correu para lhe trazer um copo de água. Tossindo, ela compartilhou um olhar de surpresa com Apolo; entretanto Eddie não havia terminado. Colocou a mão sobre o coração e deu início a uma cappella , a voz profunda e ressonante de barítono se elevando, depois abrandando — como a de um dos Três Tenores —, e preenchendo a noite no deserto:
Eu canto Ártemis das setas de ouro,
que a grande bulha da caça adora,
e que nos cervos suas flechas lança.
Ártemis que na caçada exulta,
curvando seu arco dourado
que cospe setas tão amargas.
Tão poderoso é o seu coração
quando pelas matas ela vaga
exterminando das feras as ninhadas...
Ártemis parou de comer quando Eddie se pôs a cantar, fitando-o com evidente espanto. O enorme homem fez uma pausa, gesticulou para o trio de mulheres que vinha dedilhando uma música de fundo suave durante todo jantar e estas pararam de tocar. Quando ele recomeçou a cantar, a harpista capturou a melodia e um som mágico de cordas o acompanhou:
Quando da caça a deusa das flechas se vê saciada,
deixa o tenso arco e visita o irmão, Febo Apolo,
no distrito de Delfos, sua rica morada...
Ele balançou a cabeça na direção de Apolo, que ergueu a sua em régio reconhecimento.
Comanda, então, o coro das Musas e das Graças,
deixando de lado seu arco e flechas.
Cobrindo-se com suas belas joias,
a bela dança das divas ela conduz.
Divino é a canto que estas entoam
louvando a brandura com que Leto
seus dois filhos deu à luz.
Filhos esses que, entre os deuses,
tão elevados e justos são
nos seus desígnios e na ação.
Saúdo a ti, filha de Zeus e da Leto de lindos cabelos!
A ti louvarei, e lembrarei também a tua canção...
A voz de Eddie segurou a última nota, enquanto a harpista improvisou um acorde fantástico. Conforme a canção se desvaneceu, a noite ficou muito quieta.
O olhar de Pamela se desviou de Eddie para Ártemis, e sobre esta ficou. Chocada, ela viu os olhos claros da deusa se encher de lágrimas. Em seguida, Ártemis se inclinou e beijou Eddie demoradamente nos lábios.
— Você conhece os Hinos Homéricos... — sussurrou, a apenas alguns centímetros do rosto do homem.
— Conheço os Hinos Homéricos — ele respondeu, solene.
— Você me surpreendeu, Eddie.
O sorriso de prazer da deusa fez Pamela prender a respiração, tal era sua beleza.
— Irmão — falou Ártemis sem tirar os olhos de Eddie —, desejo recompensar nosso anfitrião por seus aguçados poderes de observação. Você tocaria para mim?
— Claro — concordou Apolo. — Mas não tenho nenhum instrumento.
A voz inconfundível de Eddie retumbou pelo terraço.
— Já chega de música esta noite! Podem ir embora... — ele falou às musicistas — ... mas deixem os instrumentos. Meu assistente cuidará para que estes lhes sejam devolvidos amanhã.
As três mulheres saíram rápida e discretamente, e Pamela se perguntou quanto Eddie lhes pagara para que elas nem mesmo piscassem antes de deixar para trás suas ferramentas de trabalho.
Apolo tomou o assento desocupado da harpista e colocou as mãos sobre o instrumento sem demostrar nem um pouco da emoção que sentia. Era o Deus da Música. Harpistas o tinham adorado e louvado durante incontáveis séculos. As Musas o reverenciavam. Desde o dia em que havia convencido o recém-nascido Hermes a presenteá-lo com a primeira lira conhecida pela humanidade, considerava sua habilidade imortal com o instrumento mais do que garantida. Era como o ar que respirava e o vinho que bebia... sempre ali, com ele.
Mas, naquele dia, não era o imortal Apolo. Era apenas um homem comum.
Ele conhecia as notas. A sensação da harpa lhe era familiar... Ainda assim, sentiu o estômago se apertar. E se seu talento houvesse desaparecido com seus poderes? E se ele tocasse as notas erradas? Ou pior, tocasse as notas certas tão mal que estas parecessem erradas?
Ergueu a cabeça. Ártemis se levantara e recuara com graça para longe da mesa, de modo a ter espaço para iniciar sua dança.
Os olhos de Eddie estavam colados em seu rosto. O autor parecia completamente encantado por sua irmã.
Apolo pressionou a mão contra as cordas esticadas. Compreendia bem como se sentia o homenzarrão...
Relutante, ele desviou o olhar para Pamela. Ela o observava com atenção, sem dúvida à espera de ouvir o brilhantismo com que o Deus da Luz tocava.
Nesse instante, ele desejou estar de posse de seus poderes imortais. Ou então que fosse o mortal Febo de verdade. De repente, quis muito ser um ou outro. Estar preso entre dois mundos era como ser empurrado para um campo de batalha com apenas a lembrança das armas.
— Toque a música favorita de Terpsícore — pediu sua irmã, num tom imperioso.
Apolo sabia a melodia. Estava lá quando a Musa da Dança a criara, e tocara para ela quando esta a executara em um dos grandes banquetes de Zeus.
Fechou os olhos e se concentrou. Suas primeiras notas foram um teste: suaves, quase inaudíveis, porém seus dedos pareciam mais confiantes do que ele, o próprio deus. Eles conheciam as cordas prateadas, e viajaram para cima e para baixo, ao longo de todo o instrumento, como velhos amigos saudando um ao outro.
Apolo abriu os olhos. Ártemis flutuava pelo terraço, recriando a obra-prima de Terpsícore.
Ele sorriu com carinho para a irmã. Naquela noite ela não contava com poderes imortais, mas nem precisava. A seda do vestido que Eddie lhe comprara girava graciosamente em torno de seu corpo. Seus movimentos eram lânguidos e cheios de uma flexibilidade única, hipnótica.
Seus dedos voaram sobre as cordas, aumentando o ritmo da melodia. Ártemis o acompanhou, girando e ondulando em perfeito ritmo com a música, até o crescendo , depois do qual ela terminou em uma pose elegante aos pés de Eddie.
— Não! — gritou Eddie, puxando-a, de modo que a deusa ficou de pé a seu lado, respirando pesadamente. — Era eu quem deveria estar a seus pés, minha deusa!
Ártemis riu, sem fôlego.
— E então?... Gostou da sua recompensa?
— Guardarei essa sua dança na memória até a dia da minha morte!
A expressão da deusa ficou séria.
— Não quero pensar na sua morte.
Foi a vez de Eddie rir, e ele o fez com vontade.
— Não pense, pois esse dia ainda está longe, minha diva!
O sorriso de Ártemis retornou.
— Eddie, caminharia comigo? Sei que está escuro, a noite já caiu, mas...
— Seu desejo é uma ordem — proclamou o escritor. — Venha, os arredores estão bem iluminados, e é uma grande honra escoltá-la.
Sem lançar um só olhar na direção de Pamela ou de Apolo, os dois deixaram o deque, as cabeças próximas, enquanto Eddie perguntava à deusa sobre as origens de sua dança.
Ainda deslumbrada com a incrível performance de Ártemis, Pamela os observou partir. Não podia acreditar. Ártemis tinha dançado para Eddie como se desejasse aquilo; como se realmente se importasse com ele e quisesse agradecê-lo.
Que diferença um único dia havia feito!... Naquela mesma manhã, a deusa estivera arrogante e intratável.
Verdade que Ártemis continuava aguerrida, mimada, autoindulgente e fútil. Mas, quando olhava para Eddie, não deixava dúvida sobre o carinho que lhe transbordava no olhar. Seria possível que a deusa tivesse mesmo coração?...
Dois acordes suaves e mágicos, um seguido do outro, chamou sua atenção de volta para o seu imortal.
Seu imortal!...
O pensamento a fez estremecer. Antes daquela noite, ela teria imaginado que um homem tocando uma harpa seria, no mínimo, efeminado e, no máximo, muito gay !
E Apolo não era nenhuma das duas coisas. Era másculo e magnífico. Não tocava a harpa apenas; ele a acariciava como a uma amante, fazendo que a música brotasse dela. Era como se sua carícia trouxesse vida ao instrumento. Com aquele corpo dourado e musculoso, o cabelo colorido pelo sol, parecia um antigo guerreiro fazendo uma pausa entre as batalhas para descansar e recitar seus feitos heroicos.
Quando Apolo começou a cantar, e seus dedos extraíram um som ritmado e sensual das cordas, ela encontrou seus olhos.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
A voz de Apolo era tão perfeita que era quase indescritível.
Pamela tentou imaginar como ele devia soar quando podia usar seus poderes imortais. Não admirava que várias gerações tivessem construído templos e esculpido estátuas em sua homenagem.
E agora ali estava ele, cantando só para ela.
Nesse momento, ela o desejou tanto que a força do sentimento quase a sufocou.
Sem pensar com muita clareza, Pamela se levantou e caminhou até ele.
Quando olho para ti, perco a fala,
minha língua congela e cala
e chamas sob minha pele se alastram.
Já não vejo com meus olhos,
em meus ouvidos ressoa um zunido,
um frio suor me cobre inteiro,
um arrepio me faz cativo...
Mais verde do que a erva fico,
perto da morte eu me sinto.
Pamela parou diante dele. O único poder que Apolo tinha sob seu comando era o de um homem apaixonado. Mesmo assim ele a encantava.
Estremeceu conforme ele repetia o refrão e a cobria com o calor de suas emoções.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
Quando a brisa da noite varreu a última nota, ela estendeu a mão, tímida e, com um dedo, acariciou as costas da mão que descansava nas cordas da harpa.
— Você compôs isso?
Apolo sorriu e segurou a mão dela.
— Não. Foi escrito por Safo. Ela era uma poetisa grega, e uma amante apaixonada de mulheres. Peguei emprestadas as palavras... Safo era dona de um senso de humor cáustico e de uma inteligência afiada. Creio que consideraria a nossa situação um tanto divertida. Não acho que se importaria com a pequena mudança que fiz em seus versos.
— Foi muito bonito. Sua voz é... — Ela fez uma pausa, tentando encontrar palavras para descrever o que tinha ouvido. — Sua voz é como um sonho quase esquecido. Algo fantástico demais para ser real.
— Mas é real. Eu sou real. — Apolo a puxou para si. Pamela hesitou, e ele passou o braço em volta de sua cintura, trazendo-a para mais perto. — O que sente por mim é verdadeiro...
O deus pressionou os lábios suavemente contra os dela. Precisava sentir seu gosto e calor, contudo Pamela estava tão rígida e inflexível que ele se contentou com um beijo quase casto. Primeiro na boca, depois no rosto.
Por fim, ela relaxou o bastante para descansar a cabeça em seu ombro, e Apolo respirou o perfume de seu cabelo. Quando se inclinou para beijá-la outra vez, Pamela levantou a mão e o impediu com um dedo.
— Vou pedir que me dê algum tempo.
— Tempo?
— Preciso de tempo para pensar sobre o que está acontecendo entre nós, e não consigo pensar quando me toca e me beija... Por isso mesmo estou pedindo algum tempo. Vai fazer isso por mim?
Ele queria dizer “não”, atirar a harpa para o lado, tomá-la nos braços e fazer amor com ela lenta e apaixonadamente, até que Pamela não conseguisse pensar em nada. Sabia que podia convencê-la a se entregar; sentia isso no modo como seu corpo gravitava para ele e na maneira como seus olhos fitavam os seus. Tinha consciência da paixão que ardia dentro dela, e sabia como despertá-la e usá-la.
Mas e depois? Na manhã seguinte, Pamela se afastaria de novo. E ele queria que ela viesse até ele por livre e espontânea vontade, sem arrependimentos.
Tirou o braço de seu corpo. Em vez de tentar beijá-la outra vez, afastou a mecha de cabelo escuro que vivia lhe caindo sobre a testa.
— Vou lhe dar esse tempo para que possa pensar. — Sorriu, tristonho, beijou-lhe a mão, então caminhou devagar para longe do terraço.
Sozinho.
Capítulo 25
O telefonema, às sete e meia, de uma jovem alegre, anunciando que o café seria servido no terraço às oito, veio cedo demais para Pamela. Que diabo estava acontecendo com ela? Seu relógio interno normalmente a despertava bem próximo ao amanhecer. Para sua rotina normal, sete e meia da manhã já era tarde.
Naquela manhã, porém, ela esfregou os olhos, sentiu a cabeça pesada e desejou poder se aninhar e dormir por pelo menos mais umas duas horas.
Culpa de Apolo. Saber que o Deus da Luz dormia sozinho no final do corredor a fizera rolar e se virar na cama pela maior parte da noite. Assim como aquela voz maravilhosa dele, que continuava soando em sua cabeça.
E seu toque... A cada vez que fechava os olhos, podia sentir aqueles lábios ardendo contra os dela.
Pelo visto, não importava que ele estivesse sem os seus poderes imortais. Para ela, seu toque ainda era como fogo, luz, suor e...
Maldição dos infernos! Ela precisava controlar os próprios hormônios.
Esfregou os olhos e se lembrou de que, na certa, Eddie mandara preparar um excelente café, que devia estar prontinho, esperando por eles.
O que a fez se lembrar de que — tinha certeza —, ouvira Eddie e Ártemis rindo no caminho de volta a um dos quartos, lá pelas duas da madrugada. Talvez os dois até houvessem tido relações sexuais, por mais grosseiro que fosse pensar naquilo.
Ártemis faria aquilo? Não se esperava que fosse uma das deusas virgens?...
Pamela pensou na temporada erótica da diva com Zumanity e no modo sexy como ela andava e falava. Ártemis parecia tão virgem como a Madonna (a cantora, não a outra). Exatamente o oposto de uma deusa casta, inacessível e intocável.
Pamela gemeu de novo ao sair da cama. Lavou o rosto e escovou os dentes, lembrando-se de que era terça-feira. Sem contar aquele dia, haveria apenas mais três até que o portal fosse reaberto, Ártemis e Apolo voltassem ao Mundo Antigo, e ela pudesse retornar ao seu próprio.
Sentiu o estômago revirar. Não. Não era tão ingênua a ponto de esperar que Apolo fosse ficar por ali por tempo suficiente para ter um relacionamento de verdade com ela. Ele iria embora. E ela retornaria à sua vida normal, aborrecida e sem emoção...
Não. Ela já havia resolvido aquilo. Não iria rastejar de volta para sua concha, assexuada, sem companhia, sem romance. Precisava pensar em Apolo como sua porta de entrada para o mundo do namoro. Fora uma missão de reconhecimento bem-sucedida. Iria mudar de missão quando voltasse para casa. Não seria mais apenas trabalho e nada de diversão. Ela — iria — namorar!
— Maldição dos infernos ... — disse ao reflexo desgrenhado no espelho do banheiro. — Estou parecendo uma sócia excêntrica daquelas milícias pelo namoro! Ve vai ficar com tanta vergonha de mim!... — Pamela se interrompeu e deu um tapa na testa. — Ve! Não tenho nem mesmo checado as coisas com ela!... — Vasculhou a bolsa até encontrar o celular e digitou o número da amiga sem muita delicadeza.
— Está cansada de mim? Não me ligou mais... Diga que não é verdade — dramatizou Ve em vez de dizer “Olá”.
— Não é verdade — afirmou Pamela. — Deus, Ve, estou tão envergonhada por não ter telefonado!... As coisas aqui têm sido mais do que gimensamente insanas.
— O escritor está louco e “nas últimas”...?
— Não. Na verdade, Eddie é um sujeito excepcional, e o trabalho está em vias de se tornar quase de bom gosto. Você sabe... Algo que Elizabeth Taylor e Richard Burton teriam gostado.
— Está brincando! Não me diga que o convenceu a recriar o palácio de Cleópatra !
— Bem... quase.
— Como assim?!
— Sim, estou criando algo como o cenário de Cleópatra . Mas não sou eu a responsável pela parte do convencimento.
— Ele tem alguma assistente lésbica com obsessão por Elizabeth Taylor, também? Deus, esse mundo é mesmo um lugar pequeno e inacreditável!... — Ve suspirou, feliz. — Vai me arrumar algum lance , por acaso?
— Mais uma vez, não. O assistente dele é homem, e tenho certeza de que ele é hetero. São os meus assistentes que o estão persuadindo a mudar de foco. E foi apenas por um feliz acidente que o lugar está ficando parecido com um complexo do MGM.
— Espere um pouco! Você só tem uma assistente, que sou eu. E eu não estou aí, porque estou aqui, às voltas com aquela louca do gato velho, a sra. Graham... Que, a propósito, se convenceu a esquecer aquele sofá de veludo cor de ameixa. Vamos procurar pelo chintz hoje. Eu disse a ela que o tecido iria disfarçar mais os pelos de gato. Independentemente da história da “Mulher Gato”, ainda há o importantíssimo detalhe de que a sua assistente cést moi , e eu estou aqui. Explique-se.
O que ela poderia dizer? , perguntou-se Pamela. Se admitisse acreditar que Apolo e a irmã eram imortais presos em Vegas, Ve pegaria o primeiro avião com uma bolsa cheia de Valium e faria uma reserva para que ela passasse agradáveis “férias” na primeira clínica psiquiátrica que encontrasse pela frente.
Sem dizer que ela, Pamela, iria deixar sua melhor amiga preocupada à toa.
Não. Não podia dizer a verdade.
Respirou fundo. Não pensaria naquilo como uma mentira. Iria considerar tudo como uma ficção. Era o que Eddie fazia para viver, e ninguém o chamava de louco.
Bem, pelo menos não abertamente.
— Eu contratei Febo e sua irmã para serem meus assistentes até sexta-feira. Febo é especialista em arquitetura romana antiga. Já a irmã dele é tão sexy que Eddie mudou de ideia sobre fazer daquele horroroso deus Baco a estátua central da fonte, e está fazendo a moça posar como modelo de deusa — ela completou, respirou, então aguardou pela explosão.
— Você contratou o seu namorado?
— Ele não é meu namorado.
— E a irmã dele?... — Ve continuou como se Pamela não tivesse dito nada.
— Sim, bem, a irmã veio apenas como brinde. Febo é mesmo um expert em Roma antiga. Ele me ajudou a convencer Eddie a construir um autêntico balneário romano em vez de uma réplica cafona da piscina do Caesars Palace. Você sabia que os antigos romanos usavam seus balneários como clubes?
— Ok... foco! Ainda não terminei as perguntas sobre o seu namorado.
— Ele não é meu namorado.
— Seja lá o que for. Pensei tê-la ouvido dizer que ele era médico e músico — lembrou Ve. — E ele não devia ter zarpado de Vegas na segunda de manhã?
— Ele é médico e músico. E também especialista em Roma antiga. E, sim, ele devia ter ido embora, mas... ahn... perdeu o voo, por isso decidiu ficar — elaborou Pamela, tentando manter a voz leve, e de um modo que não soasse mentirosa.
— Parece tudo muito conveniente para mim. E eu achando que ele era um jovem cavaleiro Jedi!.. . Quantos anos ele tem, afinal?
— É mais velho do que eu pensava no início — admitiu Pamela, grata por poder responder a uma das perguntas da amiga com sinceridade.
— Ainda está transando com ele?
— Não! Pelo menos não na noite passada.
— Foi sua ideia ou dele não transar ? — Ve insistiu.
— Minha — confessou Pamela, desgostosa.
— Ô-ô... Está completamente amarrada . Por favor, diga que não o contratou apenas para mantê-lo por perto e se torturar com sua crescente obsessão! É o tipo de coisa que estabelece um daqueles cenários doentios de ópera, Pammy.
— Não é nada disso. Eu o contratei — e àquela infeliz da irmã dele — porque precisava de ajuda.
— Quer dizer que a bonitinha é uma bela bisca ...?
Pamela sorriu. Sabia que usar Ártemis como bode expiatório iria funcionar.
— Ela é horrível! Linda, altiva, do tipo que tem complexo de deusa. Você iria adorá-la.
— Você é tão engraçadinha... — Ve suspirou.
— Também sou um gênio do design . Contratar Febo e Diana tirou por completo a pressão de cima de mim para que eu transformasse algo totalmente brega em algo de bom gosto. Eddie está apaixonado por Diana. Um sorriso ou beicinho dela, e ele muda de ideia.
— E você, claro, a informou sobre o que Eddie deve gostar ou não...? — concluiu Ve.
— Claro — Pamela mentiu mais uma vez. Não se podia obrigar Ártemis a fazer muita coisa. Sorte que a deusa tinha excelente gosto... ainda que este fosse meio extravagante.
— E então, o que o seu trípode faz além de ficar por perto, bancando o macho?
— Ele não é meu trípode. E está trabalhando com os arquitetos, no balneário. É superinteressante saber mais sobre... — Uma batida na porta a interrompeu. — Espere um pouco, tem alguém na porta.
— Pamela? — A voz profunda de Apolo fluiu através da madeira. — Eu preciso de ajuda!
— Ahn, Ve, tenho que desligar.
— Ok, ligue mais tarde. E lembre-se: não fique se preocupando com tudo, mas tenha cuidado.
Pamela resmungou um adeus e fechou o telefone flip-top pouco antes de abrir a porta. Ela a escancarou e seus olhos fizeram o mesmo ao pousar em Apolo. Ele estava nu da cintura para cima! Tinha o cabelo ondulado todo desgrenhado, e seu queixo e faces estavam cobertos de sangue.
— Ah, meu Deus!... O que aconteceu?
— Fiz a barba — ele explicou. — E estou sangrando!
— ... Venha aqui. — Pamela o puxou para dentro do quarto e fechou a porta. Sob as manchas de sangue que salpicavam seu rosto, Apolo tinha a pele pálida. Ela balançou a cabeça e apontou para uma cadeira. — Sente-se antes que desmaie. Você não me parece bem.
Ele se deixou cair na cadeira. Tocou uma das gotas de sangue, olhou para o dedo avermelhado e engoliu em seco.
— É o meu sangue...
Pamela franziu a testa.
— Claro que é. Tirou sangue de si mesmo ao se barbear. — Rumou para o banheiro a fim de apanhar uma toalha molhada, olhando-o por cima do ombro. — Já fez a barba antes?
Ele negou com um gesto de cabeça, sem-graça.
— Não.
Pamela voltou ao quarto com a toalha molhada, lembrando-se de como o rosto de Apolo lhe parecera suave e sem pelos na manhã em que haviam acordado juntos.
— Nunca fez a barba?...
Ele a fitou.
— Nunca precisei fazer. Nunca tive barba.
Ela se inclinou diante dele e lhe examinou o rosto, tocando-o na face.
— Não está tão ruim. Você só se cortou algumas vezes. É que o rosto sangra muito facilmente.
— Eu não sabia — Apolo murmurou, parecendo ainda mais pálido.
Pamela se endireitou.
— Nunca viu sangue antes?
— Não — ele concordou, em seguida franziu a testa. — Quero dizer... sim. Mas nunca aconteceu de eu sangrar.
Pamela abriu a boca, depois fechou. Ele era um deus. Deuses não morriam, por isso era lógico que também não sangrassem.
Não soube o que dizer. Antes que pudesse formular uma resposta inteligente, ouviu duas batidas fracas, seguidas pelo som fraco de seu nome.
— Espere aí — disse a Apolo. — Quem é?... — perguntou através da porta.
— Eu! — A palavra soou como um gemido.
— Ártemis? — indagou Pamela, abrindo a porta.
Vestida com a túnica curta mais uma vez, a deusa se arrastou para dentro do quarto como se reeditando uma antiga tragédia grega, com uma das mãos estendida à sua frente e a outra segurando o pescoço.
— Pamela! Alguma coisa está muito errada comig... — Ao avistar o irmão sentado na cadeira, com o rosto salpicado de sangue, Ártemis levou a mão da garganta para a boca.
Pamela bateu a porta e segurou o cotovelo da deusa.
— Nem pense em gritar! — falou devagar e claramente.
— Oh!... — Ártemis oscilou, e Pamela a guiou para a cama, onde a diva se deixou sentar, ainda com os enormes olhos vidrados em Apolo.
— Ele está morrendo?! — indagou, em pânico.
— Ah, meu bom Senhor... Claro que não! Ele só se cortou no barbear. — Pamela esfregou a têmpora direita, sentindo a pontada que marcava o início de uma forte dor de cabeça.
— Apolo!? — Ártemis perguntou com voz trêmula.
— Não sou muito bom com a... — Ele fez um movimento, simulando a lâmina.
— Navalha — completou Pamela. — Não, você não é bom com a navalha. — Ela caminhou até ele e se abaixou de novo. — Isso pode doer um pouco... — Tocou os cortes com a toalha molhada.
O único movimento de Apolo foi uma puxada de ar.
Sua irmã assistiu a tudo, horrorizada.
— Ele está sangrando! — exclamou Ártemis.
— Sim, é isso o que acontece quando você se corta com uma navalha. Você sangra. — Pamela revirou os olhos para a deusa antes de se concentrar outra vez em Apolo. — Ok. Agora é só pegar um lenço de papel e pressionar uns pedacinhos nesses cortes. Muito em breve eles vão coagular e parar de sangrar, então estará novo em folha.
— Lenço de papel? — inquiriu Apolo.
— Coagular? — indagou Ártemis com voz estridente.
— Esqueçam... Eu mesma faço isso.
Pamela suspirou, foi até o banheiro, apanhou dois lenços de papel e tornou a se agachar ao lado da cadeira de Apolo.
Os gêmeos observaram, admirados, enquanto ela rasgava pedacinhos redondos e os pressionava nos cortes.
— Pronto — Pamela anunciou e se endireitou a fim de avaliar seu trabalho. — Isso deve parar o sangramento. Quando estiver pondo a camisa e penteando o cabelo, já poderá tirar os papéis sem que os cortes se abram novamente.
— Eles se abrem de novo? — ele perguntou, agoniado.
— Apolo, não é o Deus da Cura ou sei lá mais do quê? Como esse tipo de coisa pode ser tão chocante para você? — Pamela indagou, exasperada, sem saber se queria abraçá-lo ou chacoalhá-lo.
O deus se levantou de um salto.
— Tem toda a razão. Eu... Eu estou me sentindo um tolo. Vou me vestir e já volto — informou, batendo em retirada.
— Isso não foi muito gentil — observou Ártemis.
Pamela colocou as mãos nos quadris e se virou para a deusa.
— Olhe só quem está, de repente, toda preocupada com bons modos!... Preciso lembrá-la de que já deixou claro que me considera apenas uma experiência mortal que deu errado? Parece que me lembro de ter dito algo sobre estar farta de ficar algemada a mim como desculpa para ter me lançado algum tipo de magia sexual e fazer que eu me interessasse pelo seu irmão...
Ártemis se encolheu toda.
— Está piorando a minha dor de cabeça!
— Que bom!
— Mais uma vez, isso não está sendo muito agradável da sua parte! Até porque eu posso estar morrendo!
— E por que acha isso?
— Basta olhar para mim! Alguma coisa está muito errada. Meus olhos estão vermelhos, inchados e, sob eles, estou com essas manchas escuras horríveis. Estou com o estômago embrulhado e acho que a minha cabeça vai arrebentar a qualquer momento — choramingou a deusa, caindo dramaticamente sobre os travesseiros de Pamela.
— Por favor... Não há nada de errado com você, exceto uma enorme ressaca! — esclareceu Pamela, tentando não rir.
— E isso vai me matar? — Ártemis perguntou, endireitando o corpo para, em seguida, fazer uma careta de dor e segurar a cabeça.
— Não. Mas eu deixaria de lado as mimosas e o champanhe hoje.
A deusa empalideceu.
— Nem sequer mencione aquelas bebidas!
Pamela não pôde deixar de sorrir para ela.
— Aposto que está morrendo de sede.
— Estou seca! Como sabe? Já teve esta doença?
Pamela foi até o frigobar e apanhou uma garrafa de água. Rompeu o lacre, então a entregou a Ártemis. — Mais vezes do que estou disposta a admitir. Você ingeriu muito álcool ontem, e seu corpo temporariamente mortal está lhe dizendo que não foi uma boa ideia. — Pamela observou Ártemis entornar a garrafa de água. — Espere, não beba tudo. Vai precisar de um pouco para tomar com o Tylenol — explicou, vasculhando a bolsa até encontrar sua caixinha. Revirou as cartelas de Benadryl e Xanax até encontrar dois comprimidos do remédio. — Engula isto e depois tome um café da manhã leve: talvez apenas algumas torradas ou bolinhos. — Ao observar a expressão vazia de Ártemis, ela acrescentou: — Ah, está bem... Eu mostro o que poderá comer. Mas trate de beber café e um pouco mais de água. Vai se sentir melhor em breve.
— Vou ficar com uma aparência melhor também? Mal pude acreditar na imagem horrorosa que vi no espelho!...
Pamela estudou o rosto da deusa, assim como tinha feito antes com seu irmão. Ártemis continuava, como sempre, incrivelmente bela, mas, naquela manhã, a deusa se encontrava mesmo muito abatida.
— Vamos até o banheiro. Talvez eu possa dar um jeito nessas olheiras. — Ela fez uma pausa e lançou a Ártemis um olhar avaliador. — Espere... Faremos um trato. Vou melhorar sua aparência se prometer ser boazinha com Eddie outra vez.
À menção do nome do autor, a expressão de Ártemis mudou. Seu rosto pareceu suavizar, e suas faces se tingiram de um rosa delicado.
— Ah, meu Deus!... Está mesmo gostando dele! — exclamou Pamela.
— Ele... ele me lembra alguém — Ártemis sussurrou.
— Gosta de Eddie porque ele a faz se lembrar de alguém? Quem?
Os olhos da deusa faiscaram, e ela reassumiu sua habitual arrogância.
— É problema meu, não seu, quem Eddie me lembra. E não estou gostando dele apenas por causa disso. Ele me reconheceu. É um mortal de um Mundo Moderno que já não honra os deuses e as deusas, mas Eddie me conhece e me adora. E isso me agrada.
— Sei — resmungou Pamela. Em seguida, fez sinal para Ártemis se sentar no balcão do banheiro enquanto revirava seu estojo de maquiagem em busca de um corretivo.
Por algum tempo, trabalhou em silêncio no rosto da deusa, cobrindo os círculos escuros sob os olhos enormes e espalhando um pouco de pó bronzeador em suas faces, de modo a trazer de volta sua cor natural. Então, como se Ártemis já não fosse naturalmente maravilhosa, destacou seus olhos com uma sombra cintilante. Era como retocar uma pintura feita por um mestre, concluiu.
— Hipólito — murmurou Ártemis.
— O quê? — Pamela perguntou.
— Quem. Hipólito não era uma coisa. Era uma pessoa. Eddie faz que eu me lembre dele.
— Hipólito também era escritor? — Pamela quis saber, acrescentando apenas um toque de blush nas maçãs salientes do rosto da deusa.
— Não. Ele era guerreiro. Filho de Teseu. Era alto, forte e quase tão bonito como um deus. Não é o corpo de Eddie que lembra o do meu Hipólito. É em sua devoção que vejo muita semelhança.
— Você fala de Hipólito no pretérito... Ele está morto?
— Sim — admitiu Ártemis. — Assassinado por engano, por conta de sua devoção a mim. Fui a única mulher que ele amou.
— Eu sinto muito — sussurrou Pamela.
Ártemis encontrou o olhar da mortal, surpresa por identificar nele tanta compreensão.
— Você também perdeu um amor.
— Ele não morreu fisicamente... Mas descobri que o homem em que eu acreditava, na verdade, não existe.
Ártemis assentiu com um gesto de cabeça, pensativa.
— De certa forma, isso me parece até mais difícil de suportar. Pelo menos Hipólito já não caminha sobre a Terra antiga. Seria muito doloroso vê-lo, sabendo que ele é apenas a imagem do que eu acreditava que ele fosse...
— Então me entende — murmurou Pamela.
— Sim. — Ártemis sorriu, tristonha. Em seguida, virou-se. Ao se ver no espelho, seu sorriso se ampliou e se transformou em um sorriso de verdade. — Você realizou um milagre!
Pamela riu.
— Com certeza. E esses milagres têm nome: Borghese, Mac e um pouco de Chanel para completar. São milagres da mulher moderna que trabalha.
— Obrigada, Pamela! — a deusa falou com sinceridade.
— Foi um prazer, Ártemis. — Ela olhou para o próprio reflexo com um suspiro. — Agora vou ter que operar o mesmo milagre em mim. E depressa.
Ártemis deslizou do balcão.
— Eu digo a Eddie que fui a responsável pelo seu atraso. Ele não vai ficar nem um pouco aborrecido se tiver algum tempo a sós comigo antes que você venha ao nosso encontro...
— Ártemis! — Pamela chamou e, com a mão na maçaneta da porta, a deusa se virou para encará-la. — Posso fazer uma pergunta? Mesmo sendo meio pessoal?
A diva encolheu um ombro.
— Merece até uma bênção pelo milagre que fez. Não tenho poderes para lhe agradecer, assim terei prazer em responder à sua pergunta.
— Não entendo muita coisa de mitologia, mas lembro-me de ter lido que você, a deusa Ártemis, era uma deusa virgem, intocada por qualquer homem ou deus. Fico me perguntando se isso é verdade...?
Por um momento, Ártemis pareceu chocada. Depois, perplexa. Então começou a rir.
— Desculpe, eu não tive a intenção de que isso fosse engraçado — Pamela murmurou, meio envergonhada pela reação da deusa à sua pergunta.
— É da imaginação dos homens que estou rindo, não de você. Eles me denominaram a “Deusa Virgem” porque me recusei a ficar presa a um parceiro. Eu levo o amor aonde vou. Decido quem, onde e quando... Meu verdadeiro prazer vem da minha liberdade. Minha amante favorita é a floresta; minhas antigas companheiras, as ninfas que me servem. Mas posso lhe assegurar... não sou virgem — afirmou Ártemis, saindo do banheiro e deixando sua risada melodiosa como rastro.
C O N T I N U A
Capítulo 18
— Eu não faço a menor ideia do que vestir. — Pamela suspirou ao celular.
— Alguma coisa quente , mas não muito — sugeriu Ve. — Ele tem algumas explicações a dar antes de você cair de costas e abrir as pernas outra vez...
— Eu não abri as pernas assim!
O silêncio de Ve pesou na consciência já pesada de Pamela.
— Está bem, talvez eu tenha aberto um pouco — admitiu.
— Pammy, não existe abrir as pernas “um pouco”. É como estar um pouco grávida, ou se engajar em uma pequena guerra nuclear.
— Ah, Deus! Eu sou uma vagabunda! — Ela cobriu os olhos com a mão.
— Ora, por favor... Você teve relações sexuais com dois homens num período de... o quê? Oito, nove anos? Isso está longe de qualificá-la como uma prostituta.
— Mas eu dormi com Febo no nosso segundo encontro! — ela cochichou.
— Ei, não tem que cochichar! Está sozinha. Sem dizer que está se justificando para a pessoa errada, você sabe. Vamos rever aquela velha piada... O que uma lésbica leva com ela em um segundo encontro? — Ve fez uma pausa, na expectativa.
— Um reboque com a mudança — respondeu Pamela.
— Certo. Então, como pode ver, do meu ponto de vista tem se mostrado criteriosa até demais.
— Tem razão. Estou falando com a pessoa errada — Pamela concluiu.
Ve a ignorou.
— O que não significa que não deva fazer um pouco de doce ... Ao menos por uma noite, até que o jovem Jedi, Febo, explique por que resolveu abandoná-la pela manhã e, mais importante, por que deixou de mencionar esse fato antes, durante e depois de você ter aberto as pernas.
— Será que pode parar de chamá-lo desse jeito?
— Por quê? Falo como um elogio. Além disso, de acordo com suas incansáveis descrições, ele se encaixa perfeitamente na imagem.
— Febo não é nenhum Jedi . Se quer a verdade, ele parece mais um deus.
— Ah, controle-se! Nada é melhor do que um cavaleiro Jedi ... Exceto a princesa Leia.
— Vernelle! Não está ajudando em nada assim.
— Desculpe. Está bem, o que pode vestir?... Que tal aquele seu lindo vestido de seda creme? Você sabe, aquele com alças finas. Está na última moda de primavera e sempre faz sucesso com as massas. Você o levou, não levou?
— Sim. Mas não se lembra de como é decotado? Hello!... Tem alças finas! Ombros nus e decote profundo não entram na categoria “quente, mas não muito” — lembrou Pamela.
— Verdade. Muito bem. Levou as calças pretas? Aquela com as fendas que mostram uma boa parte das panturrilhas?
— Sim, acho que sim.
— Use-as com um dos seus tops sem mangas. Mas um com um decote alto. Assim ele consegue ver um pouco de suas pernas, um pouco dos seus braços, e apenas o contorno de tudo o mais. Se for um bom menino, poderá abrir o restante do pacote depois que vocês fizerem as pazes.
— Ve, você é incorrigível! — exclamou Pamela.
— Sim, eu sei. Mas também sei o que cai bem em mulheres.
— Agora me pegou. Está bem, vou usar as calças. E não vou dormir com ele de novo.
— Dormir? Você não me contou nada sobre ter dormido com o Jedi ! Eu posso não ser hetero, mas até eu sei que ninguém dorme com cavaleiros Jedi .
— Pare com isso. Sabe muito bem que estou falando de sexo.
— Pammy, você pode ter relações sexuais com ele. Basta judiar de Febo um pouco primeiro.
Pamela fez menção de dizer algo, depois mudou de ideia.
— Está bem. Talvez.
— Não me venha com “está bem, talvez”. Conheço esse seu tom. O que há de errado? Desembuche, criatura!
— Eu gosto dele — Pamela murmurou.
— Sim, deixou isso mais do que claro. E qual é o problema?
— Quero dizer que realmente gosto dele. E não quero isso. Não é muito inteligente da minha parte.
— Pammy, escute-me... O que não é muito inteligente é deixar Duane, aquele manipulador obsessivo, envenenar o seu futuro. Esse tal de Febo pode não ser o cara . Ele pode ser apenas alguém com quem está tendo um “casinho” em Vegas, e de quem vai se lembrar sempre como o homem que a tirou do limbo. De qualquer modo, nunca vai descobrir quem ele é realmente, ou o que qualquer outro cara seja, se não estiver disposta a lhe dar uma chance. Amor é assim. Precisa se arriscar a perder ou ganhar.
— Eu não sei se consigo — choramingou Pamela. — Nós já concluímos que não sou uma jogadora muito boa.
— Mas pode ser — Ve replicou com firmeza.
— Como pode ter tanta certeza?
— Se estivesse destinada a ficar sozinha, não estaria agonizando com essa história de “devo ou não devo”. Já teria aceitado o “não devo” como o melhor para você e seguido em frente com a sua vida. Seja franca. Pode afirmar com convicção que se sentia melhor antes de conhecer Febo?
— Era mais fácil — ela respondeu, seca.
— Bem, boneca, é mais fácil fazer as cortinas do quarto do mesmo tecido da colcha... Mas isso garante um melhor resultado?
Pamela fez uma careta ao notar as estampas florais combinando perfeitamente na suíte.
— Definitivamente, não.
— Por favor, dê uma chance a si mesma, Pammy. Você merece viver de verdade outra vez.
— Eu te amo, Ve — ela falou.
— Isso é o que todas as garotas dizem. Divirta-se esta noite. E tente não ser muito dura com o pobre trípode. Lembre-se de que pode ser esperta sem ser mala .
— Ahn?
— Esqueça. Vá se arrumar.
— Está bem, eu ligo amanhã — resolveu Pamela.
— Por falar nisso, percebeu que este é o segundo telefonema de uma série em que não mencionou trabalho uma só vez, não é?
— Maldição dos infernos! Estou perdendo a cabeça. Como foi com a sra... — ela recomeçou, mas a risada de Ve a interrompeu.
— Pammy! Pare!... É ótimo que tenha algo na cabeça além da Ruby Slipper.
— Sim, mas...
— Está tudo bem. Como de costume. Não tem que se preocupar. Telefone amanhã, depois da reunião com Faust. E lembre-se: diversão e fantasia, Pamela. Diversão e fantasia.
— Está linda esta noite... e muito sedutora — Apolo afirmou, beijando a pele da mão de Pamela com lábios tão persistentes e sugestivos como seu olhar.
Que maravilha! , ela pensou, sentindo o estômago se contrair com a visão dele. O oposto do que eu queria.
— Aposto que diz isso para todas — falou com cinismo, tomando emprestado o bordão de Ve.
— Não nos últimos tempos — ele replicou, os olhos azuis, da cor do céu, de repente muito sérios. — E nunca com tanta sinceridade.
— Então, muito obrigada — Pamela agradeceu, tentando, sem sucesso, não se deixar enfeitiçar pelo azul dos olhos de Febo. Como um gato se livrando da água, ela se sacudiu mentalmente e tratou de mudar de assunto. — Como está a sua irmã?
— Está bem. Ainda incomodada, mas bem. — Apolo manteve a mão na dela enquanto apoiava um pé no degrau inferior da cadeira alta, a seu lado. Queria puxá-la para os braços e beijá-la ali, na frente do café, mas a linguagem corporal de Pamela lhe dizia que ele precisava ir com calma. — Diana não quis ofendê-la esta tarde. Como ela mesma falou, não tem estado muito bem.
Pamela se preparou para soltar um improvisado “tudo bem”, porém se conteve. Em vez disso, endireitou os ombros e o fitou nos olhos.
— Não vou fingir que descobrir que iria partir tão cedo, e que não dissera nada a respeito, não feriu meus sentimentos. Para falar a verdade, isso fez que eu quisesse distância de você.
— Ah, a verdade. — Apolo acenou com a cabeça, pensando como apreciava a honestidade de Pamela e, ao mesmo tempo, percebendo quão poucas mulheres haviam sido sinceras com ele. Elas o tinham adorado, idolatrado, competido por sua atenção... Contudo, ele não achava que alguma houvesse sido honesta com ele. — Ficou magoada ao pensar que eu iria deixá-la sem explicação, e sinto muito por isso. — Acariciou-a no rosto. — A última coisa que desejo é que sinta vontade de fugir de mim para se proteger. — Tocou com o dedo a medalha dourada que pendia em torno do pescoço delicado. — Por favor, acredite que seus sentimentos estão seguros comigo.
Mais uma vez, Pamela retrucou com total franqueza:
— Vou tentar confiar em você, mas não posso prometer nada ainda.
Ele levou sua mão aos lábios outra vez.
— E eu vou me contentar com a sua honestidade e com a oportunidade de ganhar sua confiança.
— Pode me dizer por que está indo embora?
— Você se importaria muito se falássemos sobre isso durante o jantar? Planejei algo especial para nós esta noite.
— Ah, claro — Pamela sentiu uma onda de prazer que desejou poder controlar melhor. — Estou faminta. — Levantou-se, muito consciente de que Febo ainda a segurava pela mão, e sem coragem de se livrar dos dedos quentes. — Para onde vamos?
— Para o Monte Olimpo — ele declarou com os olhos brilhando.
— Parece um restaurante que se encaixaria muito bem por aqui... Mas não me lembro de tê-lo visto enquanto passeava pelo Fórum. Fica no Caesars Palace?
— Há uma passagem para ele no hotel, mas é exclusiva. Poucas pessoas sabem disso.
— É só para os deuses, certo? — Pamela falou brincando.
— Só para os deuses — Apolo concordou, sorrindo.
Caminharam de mãos dadas, do Fórum até o cassino. Seus braços se tocavam intimamente, e Pamela se lembrou de como fora maravilhoso estar no meio destes, pressionada contra o peito nu. Podia até sentir seu aroma único. Não era como o daqueles perfumes masculinos de loja de departamento. O dele era natural. Febo cheirava a limpeza. A homem.
A ponto de ela ter vontade de cheirá-lo.
— Terminou o esboço das salas de banho? — ele quis saber.
— Sim, terminei. — Pamela tratou de afastar as lembranças de sua pele nua. — E gostei. Nunca tinha desenhado nada semelhante. É emocionante fazer algo novo. Isso se eu convencer Eddie a usar o projeto.
— Vai convencer.
— Eu espero que sim... OH, MEU DEUS! — Pamela estacou, como se tivesse trombado com uma parede invisível, ao deparar com uma vitrine iluminada, bem na frente de uma pequena loja de acessórios da moda. Nesta, pequenas bolsas, cuidadosamente dispostas sobre um pilar de mármore, se encontravam dentro de uma caixa de vidro fechada. — Não acredito como são perfeitas! — Entorpecida, Pamela largou a mão de Febo e se aproximou do vidro. Havia três bolsinhas forradas de pedras nas caixas transparentes. Uma delas imitava um cofre de porquinho, desses de criança, a outra era uma encantadora libélula, e a terceira, aquela pela qual ela enlouqueceu: uma réplica exata de um dos sapatinhos de rubi de Dorothy. Cintilava com contas vermelhas e pedras semipreciosas sob o spot , parecendo mágica, familiar e muito... Mágico de Oz. — Preciso comprar essa bolsa! — exclamou, chamando o atencioso vendedor que aguardava no interior da loja com o dedo.
Apolo observou enquanto Pamela, encantada com a bolsa em forma de sapato vermelho — que também continha aquele pino cortante que ela tanto apreciava —, aguardava, impaciente, que o servo abrisse a caixa de vidro e retirasse o objeto com cuidado.
Pamela o tratou com reverência, virando a etiqueta dourada que pendia do fecho.
Seu rosto empalideceu.
— Deixe-me ter certeza de que estou lendo direito... São 4 mil dólares ou 400 dólares?... — perguntou ao funcionário.
— É isso mesmo, senhora. Trata-se de uma Judith Leiber original. — O tom do rapaz dizia que aquela era explicação suficiente para o preço.
— É linda. — Relutante, Pamela devolveu a bolsa para o vendedor, que a colocou de volta na vitrine.
— Posso lhe mostrar mais alguma coisa, madame?
— Não, obrigada.
O empregado fechou e trancou a caixa de vidro.
— Pode me chamar se precisar de ajuda. — Ele fez um movimento afetado com o rosto e rumou para o interior da elegante loja.
— Não vai comprá-la? — Apolo perguntou, odiando o ar de desamparo no rosto de Pamela.
— Está brincando? Custa 4 mil dólares. Não posso gastar esse dinheiro em uma bolsa.
— Mas disse que ela era perfeita.
— E é!... Quatro mil dólares de perfeição. — Ela suspirou e deslizou o braço pelo dele, conduzindo-o para longe da fachada da loja.
— Vamos embora antes que eu chore.
— Não tem 4 mil dólares? — Apolo perguntou enquanto caminhavam.
— Sim, tenho. Mas não sobrando. Ou melhor, não que justifique uma extravagância dessas. Mesmo que seja uma bolsa-joia, sapatinho de rubi!... — Ela suspirou, pensativa. — Quem sabe um dia?
Apolo pensou no pacote de dinheiro que carregava no bolso. Não se lembrava exatamente do quanto havia trazido com ele. Tinha apanhado apenas algumas notas do topo da pilha que Zeus mandara Baco deixar numa tigela dourada, próxima do portal. Fez uma conta rápida e teve a certeza de que não contava com 4 mil dólares.
De qualquer maneira, Pamela parecia considerar aquilo uma grande quantia em dinheiro; decerto mais do que aceitaria como presente.
Olhou para a medalha de ouro que se aninhava pouco acima do vale entre seus seios. Ela quase não a aceitara, e não fazia ideia nem mesmo de uma fração de seu valor.
Não. Pamela não permitiria que ele a presenteasse com a bolsa.
O chão de pedra deu lugar a um tapete opulento quando eles deixaram as lojas do Fórum e adentraram o Caesars Palace.
— É por aqui — orientou Apolo, virando à direita e passando por várias fileiras de máquinas caça-níqueis que piscavam. Em seguida, diminuiu o passo e parou.
— Caminho errado? — Pamela inquiriu.
Ele sorriu.
— Não, mas eu estava pensando... Por que não se arrisca um pouco no jogo?
O rosto bonito de Pamela se transformou em um ponto de interrogação.
— Quer a bolsa, mas não pretende gastar 4 mil dos seus dólares. E se ganhasse esse dinheiro? Você compraria a bolsa?
— Acho que sim, eu...
Apolo fez um gesto de cabeça em direção à fileira de caça-níqueis mais próxima.
— Estou sentindo que a sorte está conosco esta noite.
Pamela mordeu o lábio.
— Não sou muito boa jogadora. Gosto de saber que estou recebendo algo em troca quando entrego o meu dinheiro.
— Então, permita-me entrar com o meu dinheiro. — Ele enfiou a mão no bolso e tirou o pequeno pacote, lidando com habilidade com a dúzia de notas, cuja maioria era de 50 ou 100 dólares.
— Minha Nossa, Febo, nunca ouviu falar em cartões de crédito?
Ele tentou não se mostrar confuso. Baco havia mencionado algo sobre outras formas com as quais os mortais modernos pagavam por suas aquisições, mas não se lembrava exatamente do que o deus dissera.
— Prefiro isto. — Fez uma pausa, tentando decidir o que mais poderia dizer. — Não é muito colorido, mas interessante de se olhar. — Entregou-lhe uma nota de 100 dólares. — Aceite uma destas, use-a para alimentar uma das máquinas, e vamos ver o que acontece.
Pamela franziu a testa, olhando-o como se ele fosse louco.
— Não posso torrar 100 dólares assim, mesmo que sejam dos seus! E, estou falando sério, eu nunca jogo. Não sei se tenho a atitude certa para dar sorte.
— Pois eu penso o contrário. Você traz sorte para mim.
O comentário arrancou um sorriso relutante de Pamela.
— Não vou conseguir gastar 100 dólares assim.
— Se é assim, leve uma desta. — Apolo mexeu no dinheiro até encontrar uma nota de cinquenta. — Lembre-se de que poderá ganhar dinheiro suficiente para comprar a sua bolsa-sapato.
À menção do cobiçado objeto, os olhos castanhos de Pamela cintilaram, e ele soube que tinha vencido.
— Está bem, vamos fazer um acordo. — Ela não pegou a nota de cinquenta. Em vez disso, remexeu o maço de dinheiro até encontrar 20 dólares. — Eu aposto com isto, e apenas isto. Se eu ganhar, você recebe a metade. Se eu perder, fico lhe devendo 10 dólares.
— Aceito — concordou Apolo. — Em que máquina vamos tentar?
Pamela estudou a fileira de caça-níqueis piscando, ressoando, retinindo, e sentiu-se um pouco intimidada por sua aparência. Já passava das oito da noite do domingo, mas pelo menos metade das máquinas continuava ocupada por jogadores, os quais apertavam botões e puxavam alavancas com admirável intensidade.
— É você quem está se sentindo com sorte. Você escolhe — resolveu.
Apolo coçou o queixo, fingindo considerar os aparelhos com cuidado.
— Gostei desta aqui. — Ele a puxou pela mão até um caça-níqueis não muito longe de onde eles estavam. Havia apenas mais duas pessoas naquela fileira, e estas se encontravam sentadas bem além da máquina que ele escolhera.
— “Roda da Fortuna”. Tem certeza de que quer esta? Pode ser um mau presságio... Eu nunca gostei muito desse programa de TV. Não costumo soletrar bem. — Pamela encolheu os ombros. — Aliás, sempre odiei fazer isso.
— Está nervosa.
Apolo não compreendeu o que ela dizia, mas reconheceu o tom de sua voz e sua linguagem corporal.
— Sim — admitiu Pamela, sentindo-se uma tola. — Tem razão, estou mesmo. Eu já disse que nunca joguei antes.
— Não pense nisto como um jogo de azar. Pense nisso como a compra de uma bolsa.
Pamela se animou visivelmente.
— Acho que comprar uma bolsa é algo que eu consigo fazer. — Ela se acomodou no assento estofado e estudou a frente do extravagante caça-níqueis. — Acho que o dinheiro vai aqui... — concluiu, deslizando-o para dentro de uma fenda. A nota desapareceu, e a máquina clicou e retiniu, exibindo um crédito de 20 dólares no visor digital. Pamela olhou para Febo. — Pronto?
— Pronto.
Ela agarrou a bola vermelha na extremidade do braço de metal e puxou. Tinha a atenção voltada para as três pequenas janelas do aparelho, e não percebeu o pequeno gesto de comando que Apolo fez com a mão.
— Bar... — Pamela murmurou quando o primeiro rolo parou no visor. — Bar... — repetiu na parada seguinte, com crescente excitação na voz. — BAR! — gritou quando a terceira imagem preta estacou.
A máquina explodiu em luzes e sirenes, e começou a vomitar dinheiro pela boca mecânica enquanto Pamela gritava e saltava, atirando-se nos braços de Apolo, que a abraçou de volta, rindo.
Às vezes era muito bom ser um deus.
Capítulo 19
A alça da bolsa de sapatinho de rubi era uma corrente de filigrana de ouro que podia muito bem ser usada como um colar sensual por uma daquelas mulheres rebeldes dos anos vinte. Pamela a deslizou sobre o ombro e sentiu uma vontade louca e infantil de saltitar como a Dorothy pela Yellow Brick Road abaixo. Não podia acreditar que aquela bolsa era sua! Ve ia ter um ataque quando a visse.
— Ainda não acredito que o prêmio era de exatamente 8 mil dólares! — falou, emocionada, fazendo uma voltinha enquanto observava a bolsa cintilar no reflexo das vitrines pelas quais passavam.
— Eu disse que estava me sentindo com sorte — lembrou Apolo, ainda encantado com a exuberância da reação de Pamela ao ganhar o dinheiro.
— Eu jamais teria me permitido comprar algo tão caro! — Ela apertou a mão dele e baixou a voz. — Nem mesmo um par de sapatos de grife fabulosos, de coleção nova. Não por 4 mil dólares.
— Mas você adorou essa bolsa. — Apolo sorriu para ela, satisfeito por ter sido capaz de ter orquestrado tal alegria. Curiosamente, não se importava por não poder contar que ele mesmo comandara a máquina, de modo a fazê-la expelir o dinheiro necessário. Não se importava em não receber o crédito. O principal era que Pamela se encontrava radiante, e isso tornava seu coração leve e despreocupado.
— Amo esta bolsa. Adoro esta bolsa. Estou apaixonada por esta bolsa! — Ela riu. — Não me importo o quanto isso soe superficial e materialista. Só vou usá-la em ocasiões especiais. Quando eu voltar à minha loja, vou colocá-la em um vidro, na vitrine da frente, onde tenho nosso logotipo pintado em vermelho com os dizeres: “Ruby Slipper Design Studio... A certeza de que não existe lugar melhor do que a nossa própria casa”.
Fizeram o caminho de volta através do Caesars Palace enquanto Apolo ouvia a animada conversa de Pamela. Ele acreditava no slogan de seu estúdio de design . Sem Pamela, não havia casa alguma. Sabia que isso era verdade — já experimentara a sensação. O Reino de Vegas era um lugar estranho e bizarro, mas quando ele passara pelo portal, naquela noite, e rumara na direção da Adega Perdida e de Pamela, sentira como se estivesse voltando para casa. Por mais improvável que fosse, Apolo, o Deus da Luz, um dos Doze Olímpicos originais, estava se apaixonando por Pamela Gray, uma mortal moderna.
— Ei! O que vai fazer com os seus 4 mil dólares?
Apolo levou a mão delicada aos lábios.
— Não faço ideia. Talvez você me ajude a decidir. Lembro-me de ouvi-la dizendo que nunca comprou um par de sapatos de grife por 4 mil dólares... — Sua voz foi sumindo conforme seu olhar percorria o corpo esbelto, até as perigosas sandálias pretas de salto que Pamela usava. — E descobri que gosto muito desses seus sapatos que parecem uma adaga.
— Você sabe mesmo o caminho para o coração de uma mulher! — Pamela sorriu.
— Por todos os deuses, espero que sim — Apolo falou, sincero.
Em seguida, virou em um pequeno corredor lateral e, após apenas alguns metros, parou diante de uma porta branca e simples.
— Não pode ser aqui. — Pamela duvidou, olhando em volta. — Não há nenhuma indicação. Não é nem mesmo próximo dos outros res taurantes. — Ela lançou à porta, depois a Febo, um olhar desconfiado. — Acho que se confundiu em algum lugar.
Apolo sorriu de lado.
— Eu disse que era um local exclusivo.
— Mas... — ela recomeçou, confusa.
Apolo fez que ela o encarasse. Teria que resolver tudo depressa. Não gostava da ideia de usar seus poderes para hipnotizá-la, contudo precisava convencer Pamela a atravessar o portal. Depois iria transportá-la de imediato até seu templo, sem que ela estivesse ciente do que acontecia.
— Prometo que o jantar desta noite será como nenhum outro. — Ele não se preocupou em inspecionar a área ao redor; o pequeno corredor de serviço já se encontrava encantado pelo poder do Olimpo. Não haveria intrusos mortais para vê-lo usar sua magia imortal em Pamela. — Mas, antes de irmos, preciso fazer algo que estou com vontade desde que minha irmã nos interrompeu esta manhã... — Puxou-a para os braços. Enquanto deslizava as mãos pelas curvas suaves de seu corpo, e seus lábios encontravam os dela, concentrou-se em enviar para a mente de Pamela uma bruma de seu poder dourado. Ordenou que a névoa iluminada lhe obliterasse os pensamentos para que, por apenas alguns momentos, a preciosa alma mortal de Pamela ficasse tonta e desorientada.
Ela gemeu baixinho, oscilando ligeiramente.
Com um movimento rápido, Apolo a ergueu nos braços, abriu a porta e atravessou o portal. Teve apenas um vislumbre do Salão Nobre do Olimpo, mas foi o bastante para perceber que Ártemis fizera o que tinha prometido. O local estava deserto. Não havia um único imortal para testemunhar o Deus da Luz readentrando o Olimpo com uma mortal moderna nos braços.
Em silêncio, ordenou que fossem transportados até seu templo, e ambos desapareceram em um facho de luz.
O sorriso de Baco era malévolo quando ele deixou a boca do corredor e se aproximou da porta que disfarçava o portal olímpico. Aquilo iria ser ridículo de tão fácil. Como sempre, Apolo se mostrava muito arrogante e seguro de si, e não percebera que ele, Baco, o seguia desde quando ele encontrara a mortal no bar. Na verdade, Apolo não notara coisa nenhuma, exceto a mortal moderna por quem estava obcecado. Tinha bancado o herói oculto, manipulando a máquina caça-níqueis, e presenteado a moça com os meios necessários para a compra de um objeto de seu desejo...
Mal podia esperar até que a mulher testemunhasse como o deus dourado se tornaria impotente e patético sem seus poderes. Estava ansioso por ver a arrogância do Deus da Luz se extinguir, mesmo que fosse por um período de apenas cinco dias.
Baco caminhou através do portal. Assim como tinha previsto, o Salão Nobre do Olimpo se encontrava vazio. Se conhecia bem os gêmeos dourados, estes se certificariam de que o local permanecesse assim, de modo que o encontro de Apolo com a mortal passasse despercebido pelos outros imortais.
Que conveniente!...
Ele quase riu em voz alta, mas, com um esforço, se controlou. Teria muito tempo para se regozijar depois. No momento, precisava se concentrar.
O Deus do Vinho encarou o portal e ergueu os braços sobre a cabeça, invocando o poder inebriante de seu reino e dando início ao ritual mágico:
Ricos e inebriantes poderes do vinho,
reúnam-se neste portal.
Preparem-no para que possa, serena,
passar por ele a mortal.
Se ela voltar, todavia,
transforme-a naquilo em que foi nomeada.
Perdurem por apenas um momento, delicados poderes,
em seguida, esvaeçam,
como esvaece a luz de Apolo que pela manhã se alastra...
Baco fez uma pausa para reprimir a alegria que sentiu ao se referir ao Deus da Luz em seu feitiço. Tornou a se concentrar no que fazia, e completou as palavras de sua armadilha:
Há mais de uma maneira de se queimar...
Eis a lição que o Deus do Sol deve assimilar!
O deus ergueu as mãos diante do portal e, por um instante, este flamejou com a cor de um vinho rosé gelado. Em seguida, a cor desbotou, e tudo voltou ao normal.
— Primeiro passo concluído — Baco murmurou para si mesmo. — Segundo passo: espera.
O Deus do Vinho soltou um comando suave. Seu corpo desapareceu e se rematerializou no jardim dos fundos do templo de Apolo.
Baco espiou por trás de um arbusto bem cortado. Assim como ele havia previsto, a propriedade se encontrava deserta. Normalmente, exuberantes ninfas se reuniam em torno do templo de seu deus favorito, disputando a atenção de Apolo.
— A adoração de ninfas não pode ser conveniente quando se está cortejando uma mortal moderna... — Baco ironizou. — Melhor para mim.
Para um deus de seu tamanho, ele se movia com surpreendente discrição. Entrou por uma das portas traseiras do templo e se deslocou em silêncio pelo corredor de mármore até alcançar uma sala cavernosa, onde uma dúzia de servas virgens de Ártemis dava risadinhas e se divertia ajeitando jarros de vinho e comida em travessas. Sim, ele chegara a tempo. Aguardou, impaciente, que a serva encarregada do vinho virasse a cabeça para responder a uma pergunta cochichada de uma das colegas e, em seguida, com movimento rápido e seguro, moveu os dedos em direção aos jarros, sussurrando:
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O vinho cintilou com uma luz sobrenatural rosa-pálido.
Invisível para quem quer que fosse, Baco deixou a sala e se mesclou à noite.
Agora, tudo o que lhe restava era esperar e observar. Esperar e observar...
A risada satisfeita do Deus do Vinho ecoou, sinistra, pelos jardins desertos.
Ártemis correu para o salão, e suas criadas silenciaram respeitosamente.
— Eles chegaram!
Sussurros excitados cessaram com um só movimento da mão da deusa.
— Esta noite, servindo ao meu irmão, estarão servindo a mim mesma. Façam-no com competência.
As servas inclinaram as cabeças.
— Sim, deusa — entoaram com suas vozes doces.
— Levem vinho a eles — ordenou Ártemis, e duas das criadas se apressaram em obedecê-la.
Tão logo estas saíram, a deusa se debruçou sobre as travessas repletas de iguarias e olhou para as amas.
— Devo ajudar o Deus da Luz a alcançar seu desejo? — indagou, maliciosa.
As virgens riram e assentiram com um gesto de cabeça.
Ártemis estendeu as mãos sobre o banquete do irmão.
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O poder derramou das mãos da deusa por sobre os alimentos, cintilou por um instante, depois os fez voltar à sua aparência normal.
— Sirvam aos dois, e depois os deixem sozinhos. Privacidade é o que Apolo deseja esta noite.
Satisfeita, Ártemis deixou o templo do irmão e caminhou devagar na direção do Salão Nobre, o qual deveria estar deserto, pois ela se certificara disso. Afrodite e Eros haviam retornado mais cedo de sua incursão de fim de semana ao Reino de Las Vegas e agora descansavam em seus templos. Ela deixara claro para as ninfas que ainda perambulavam por Vegas que já era hora de elas voltarem para o Olimpo e, com poucas e afiadas palavras, mandara todas de volta para as florestas e os vales aos quais estas pertenciam.
Criaturas tolas...
O restante dos Doze Imortais tinha desaparecido, afinal, ela começara um boato de que Hera e Zeus estavam se desentendendo de novo, e nenhum mortal ou divindade gostava de testemunhar isso.
Em seguida, ela esperaria pelo irmão no salão vazio e torceria para que, antes do amanhecer, pudesse sentir o vínculo entre ela e a mortal se dissolver. Sem dúvida havia feito tudo o que podia. O restante era com Apolo.
— Absolutamente espetacular! — Pamela olhou ao redor, admirada. — Não acredito que aquela porta sem-graça estava escondendo isto tudo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Está brincando? Este lugar é magnífico! — Ela inclinou a cabeça para trás, tentando ver a parte superior do teto abobadado, e deparou com um tipo de afresco fabuloso. A vertigem que a acometera pouco antes, porém, a fez tropeçar para trás.
O braço forte de Febo estava lá para segurá-la.
— Talvez seja melhor sentar-se — ele sugeriu, guiando-a para uma das duas requintadas espreguiçadeiras que descansavam em ambos os lados de uma mesa de mármore.
Pamela se deixou afundar na chaise longue e esfregou a testa.
— Devo ter ficado no sol por muito tempo hoje. Minha cabeça está girando.
Como se sob sua sugestão, duas moças entraram na sala. Vestiam túnicas curtas e diáfanas, feitas de seda branca, onde se viam criaturas da floresta bordadas com fio prata. Uma delas carregava uma bandeja com um jarro dourado e duas taças da mesma cor.
As mulheres sorriram, tímidas, para Febo e Pamela.
— Vinho? — indagaram em uníssono.
— Claro — concordou Apolo.
Com movimentos graciosos, lindos de se observar, as moças serviram a bebida.
— Seu jantar está pronto — uma delas anunciou com voz melodiosa.
— Podemos servi-lo? — perguntou a outra.
— Sim.
As duas mulheres fizeram uma profunda reverência e saíram, apressadas, por onde tinham vindo.
— Mas nós nem mesmo fizemos o pedido — lembrou Pamela. Estava com uma terrível dor de cabeça. Sentia-se desorientada e nem um pouco confortável.
— Eu já havia especificado alguns pratos com antecedência. — Apolo pensou por um momento. — Chamam isso de “encomenda”, certo? — Quando a expressão perplexa de Pamela mudou para uma carranca, ele acrescentou: — Espero que não se importe. Eu queria surpreendê-la com iguarias gregas.
— Iguarias gregas? Intrigante. Quase tão intrigante quanto este restaurante. — Ela passou a mão pela lateral da chaise . — Veludo de seda... Meu tecido favorito para estofamento. — Como se o toque familiar do veludo fosse um bálsamo, a névoa em sua mente começou a se dissipar. — Veludo de seda me lembra água. É tão liso e macio!... Adoro. — Seus dedos permaneceram sobre o bonito tecido.
— Fico feliz por ter aprovado — disse Apolo, aliviado por ela estar se recuperando do poder que ele lhe lançara.
Pamela olhou ao redor da sala mal iluminada. Eles não apenas eram os únicos clientes ali, mas sua mesa também era a única posta no lugar. Era um espaço enorme, claro, mas, ao contrário do restante do Caesars Palace e do Fórum, alguém com bom gosto e estilo o tinha decorado... o que significava que este não era forrado do chão ao teto com a exagerada pseudo-opulência romana.
E o piso era incrível. Parecia feito de uma única peça de mármore, embora ela soubesse que aquilo não era possível.
— Este chão é inacreditável. Parece muito com mármore de Carrara, mas nunca vi Carrara com veios dourados como este. — Seus olhos viajaram do piso para as paredes, e então se arregalaram. — Usaram o mesmo mármore para as paredes e as colunas! Adoro esse estilo minimalista. E o decorador acertou em cheio: esse mármore é bonito demais para ser coberto por uma porção de quadros. Aquela tapeçaria é o toque perfeito. — Apontou para o enorme trabalho que se estendia pela maior parte da parede à sua frente. Era de um homem nu. Um lindo e jovem homem nu.
Pamela apertou os olhos, tentando enxergar melhor à luz fraca. Ele se encontrava de pé, ao lado de uma biga, e segurava uma harpa.
— Ele me parece familiar — comentou, intrigada.
— Provavelmente porque o está usando na imagem que leva em torno do pescoço — Apolo justificou depressa.
Ela tocou a medalha dourada e sorriu.
— É verdade. Você disse que o nome do restaurante era Monte Olimpo, portanto é provável que seja Apolo outra vez. Incrível essa semelhança entre vocês dois. Principalmente com este da tapeçaria. Estranho...
— Coincidência — ele falou, fingindo indiferença. — Vamos beber? — Entregou-lhe um dos cálices e ergueu o seu próprio. — À nossa sorte.
Pamela sorriu e deu um tapinha na bolsa cintilante que descansava a seu lado.
— À nossa. — Tomou um gole. — Este vinho é uma delícia!... E eu não costumo gostar muito de vinho branco. — Olhou para a taça. — Mas este não é branco. — A cor do vinho era tão incomum quanto seu sabor. Se ela fosse convidada a descrevê-lo para uma daquelas revistas sobre degustação, diria que era leve e fresco, como o cheiro de peras ou melões, e da cor da luz solar. — O que é, um Pinot Gris ?
Apolo encolheu os ombros.
— Não tenho certeza. Pedi para que nos servissem o melhor da casa.
Quanto a isso ele estava dizendo a verdade. Ártemis tinha planejado o jantar e escolhido o vinho.
Bebeu outro longo gole. Teria que perguntar à irmã sobre o vinho. Era mesmo delicioso e incomum. Estava gelado, mas, conforme bebia, podia sentir o corpo sendo preenchido por um calor que parecia irradiar de seu âmago.
Olhou para Pamela. Ela estava com as faces coradas, parara de examinar o design da sala e agora sorria para ele, os lábios ligeiramente separados parecendo ainda mais cheios e convidativos.
— Não gostei de ficar longe de você esta noite — ele falou, rouco.
— Eu também senti a sua falta.
— Como vou suportar ficar distante nos próximos cinco dias?
— Cinco dias?
Então ele só voltaria para Vegas no outro fim de semana, quando ela estava pensando em voar de volta para o Colorado? Aquele trabalho deveria durar apenas uma semana, lembrou Pamela. E passaria cinco dias sem Febo!...
De repente, percebeu os pensamentos lentos e deslocados, e o tempo lhe pareceu interminável e sem importância. Ela não queria que ele fosse embora — claro que não — e Febo estava ali naquele momento. Perto o suficiente para ser tocado.
Como podia ser tão bonito?, perguntou-se.
E precisou se obrigar a permanecer na própria chaise quando o que queria era se juntar a ele, tirar aquela camisa... e começar a lambê-lo corpo abaixo.
— Sim, eu... — Apolo vacilou. O que ele e Ártemis tinham decidido dizer a Pamela sobre sua suposta “viagem”? Estava difícil se concentrar em qualquer coisa além daqueles lábios.
Uma série de virgens carregando travessas de comida impediu seu impulso de empurrar a mesa e devorar a boca de Pamela.
Pouco depois, eles eram servidos com os alimentos dos deuses em pratos de ouro.
— Folhas das mais finas uvas, recheadas com carne e queijo — explicou uma das servas de Ártemis em uma voz suave e hipnótica, conforme Pamela provava o aromático charutinho.
— Cordeiro criado à base de mel e leite — murmurou outra.
Apolo provou a carne, depois sorriu, comendo com prazer. Sua irmã não costumava ser tão dedicada a assuntos domésticos, mas, naquela noite, havia se superado.
— Queijo de cabra, animais dos quais as ninfas cuidam como se fossem seus filhos...
— Azeitonas e figos colhidos no Monte Olimpo pelas mãos macias e hábeis das sacerdotisas de Afrodite...
Aquelas moças eram, sem dúvida, as melhores garçonetes que ela já conhecera!, refletiu Pamela. Precisava perguntar a Febo como ele conseguira aquela reserva. Ele devia ter mandado fechar o restaurante, o que significava, entre outras coisas, que devia ser um médico bastante bem-sucedido.
E parecia tão jovem!... Ela precisava perguntar quantos anos ele tinha, quando era seu aniversário e onde ele nascera.
Não que isso importasse muito. Estava apenas curiosa.
Também precisava perguntar a ele sobre... o que, mesmo? Não conseguia se concentrar! Aquela comida era tão absurdamente deliciosa!... Seu gosto preenchia os sentidos.
Aquilo era mais do que comida. Lembrava a luz de um sol de verão, calor, desejo...
Ergueu o olhar do prato e encontrou os olhos cor de safira de Febo observando-a com uma intensidade que a fez prender a respiração.
— Vamos deixá-los a sós agora. Nossa noite está no fim — as servas entoaram. E conforme suas vozes doces se desvaneciam, elas sussurraram uma prece quase inaudível: — Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
Apolo e Pamela mal notaram a partida das servas. Olharam um para o outro, e tudo o mais na sala, tudo o mais no mundo, desapareceu. Sua pele formigava com o calor crescente da luxúria.
— Preciso que você me ame — a voz de Apolo saiu densa de desejo.
Em algum lugar nos recônditos de sua mente, onde o bom-senso ainda espreitava, ele sabia que sua reação a Pamela estava sendo muito rude, atrevida; entretanto não conseguia se conter. Não queria parar.
— Sim... — ela balbuciou a palavra.
Com um movimento selvagem, fluido, que lembrou o de um leão enorme e pardo, Apolo se levantou e arrastou a mesa que os separava para longe. Pamela percebeu que a mesa foi lançada com uma força desumana, porém tal pensamento foi vago, e ela o registrou apenas em parte. Quando ele rasgou a camisa e quase arrancou as calças, tudo o que ela conseguiu pensar foi na reação de seu corpo ao ouvir o som gutural de seu próprio nome nos lábios de Febo, e como ele estava magnífico olhando para ela enquanto se aproximava completamente nu.
— Sim! — gemeu de novo, saindo da chaise direto para seus braços.
A boca de Febo a devorou. Enlevada, ela deslizou uma das mãos pelo ombro largo, sentindo seus músculos tremerem com a força do desejo. Com a mão livre, puxou a própria camisa sobre a cabeça e abriu o zíper das calças, que deslizaram com fluidez por seu corpo abaixo. Febo encontrou o gancho do sutiã e lutou para abri-lo.
— Eu não consigo... Eu preciso... — rosnou, frustrado. — Tenho que sentir você contra mim! — Rasgou a faixa de renda em suas costas, e os seios de Pamela se libertaram, roçando o peito largo enquanto ela abria um caminho de beijos quentes pela lateral de seu pescoço.
Apolo deixou escapar uma imprecação na tentativa de controlar a própria luxúria.
— Aqui também... — Pamela segurou a mão com que ele apertava seu seio e a guiou para a calcinha. Mordeu o lábio inferior de Febo, puxando-o para dentro da boca e sugando-o, sedutora. — Quero que a tire também!...
Todos os pensamentos de Apolo desapareceram. Com um grunhido, ele a obedeceu. Em seguida, suas mãos se espalmaram ao redor da cintura delgada e, com a força de um deus, ele a levantou e empalou em seu membro.
Pamela se encontrava pronta para ele. Envolveu-o com as pernas em torno da cintura e cravou as unhas em seus ombros. Pendendo a cabeça para trás, arqueou-se, consumida pela esmagadora necessidade de se saciar com seu toque... com seu fogo.
Febo era o fogo. Sob as mãos dela, seu corpo literalmente brilhava.
Seus sentidos atestavam aquilo, contudo Pamela não conseguia atinar com o pensamento. Era como se a luz que brotava da pele úmida de suor fosse parte de sua excitação: ela a seduzia, brincava com ela, instigava sua própria paixão. O cabelo de Febo pendia, cacheado, em volta de seu rosto: espesso, dourado, glorioso. E seus olhos... seus olhos a incendiavam.
E ela queria ser incendiada por eles. Queria ser varrida pelas chamas de sua luxúria. Sentia-se gloriosa, maravilhosamente sem controle.
— Mais forte!... — ofegou na boca de Febo, mal reconhecendo a própria voz. Ele arremeteu, e ela sentiu a fria suavidade de uma das colunas de mármore contra as costas nuas. Usou a rigidez da pilastra para se firmar, de modo a ir de encontro às estocadas com sua própria paixão. — Não pare... Ainda não... Não pare! — arquejou, sentindo-se dobrar sobre a borda de um abismo.
Seu orgasmo foi algo que ela jamais experimentara. Envolveu-a, ondeando por seu corpo com uma intensidade que beirava a dor.
De repente já não estava mais sendo pressionada contra a coluna. Com o corpo ainda dentro do dela, Febo a carregou dali. Passaram por uma porta em arco que dava em um cômodo adjacente à sala de jantar. No centro do espaço, havia uma enorme cama de dossel.
Pamela se deu conta de que tinham entrado em um quarto, e aquilo não fez qualquer sentido.
Mas sua mente e corpo estavam tão repletos de Febo que nada parecia real, exceto seu gosto, sua pele e seu cheiro.
— O que está acontecendo? — murmurou enquanto ele a deitava na cama, sob ele.
— Estou amando você. Para sempre, Pamela... Isso é o que é ser amada por mim.
Apolo começou a se mover contra ela na antiga dança do amor, recuando o membro rijo de seu corpo para depois mergulhá-lo nela outra vez.
Pamela passou as mãos pelo peito liso conforme este se avultava sobre ela. A pele de Febo tinha um brilho dourado!
Perplexa, e ainda ultrassensível, olhou para baixo, onde seus corpos se uniam. Eles estavam ambos brilhando, em chamas... Chamas varriam sua pele, conduzindo-os, engolindo-os!...
— Olhe para mim, Pamela!
A voz de Febo soou rouca, e ela fixou os olhos nos dele.
— Enxergue-me — ele pediu. — Desta vez, veja quem sou de verdade.
Conforme eles se uniam, ela obedeceu. Febo era o poder, a beleza e o amor, tudo se fundindo em um único ser. Como ela pudera acreditar que ele era um homem comum?
Sua mente se esforçou para compreender a verdade fugidia do que estava vendo conforme seus corpos se inflamavam naquela luz ofuscante e sobrenatural. O que ele era? O que estava acontecendo com ela?!
Apolo viu o pânico cintilar em seus olhos e a segurou pelo rosto, obrigando seu olhar a permanecer preso ao dele. Com um enorme esforço, controlou o próprio corpo.
— Olhe mais fundo — pediu baixinho. — Olhe além da estranheza que você teme... Não pode ver o seu reflexo na minha alma?
O azul de seus olhos a manteve ainda mais cativa do que seus corpos unidos. Pamela estremeceu com a intensidade das emoções que a sacudiam.
E ali, sob o poder que irradiava dele, encontrou a essência do homem que ela conhecia. Nesta, viu o reflexo de seu próprio desejo, de sua necessidade e de seu vazio, e de repente soube que, ao preencher Febo, ela também se completava.
— O que você é? — indagou num sussurro.
— Sua alma gêmea.
A voz dele tremeu e, apesar do impressionante poder que irradiava de Febo, Pamela pensou, de repente, que ele parecia muito jovem e vulnerável.
— Sim — murmurou, sentindo o fogo começar a reacender em seu âmago. — É minha alma gêmea.
Ela o puxou mais para si e, com um doloroso gemido, Febo mergulhou nela, incapaz de se conter por mais tempo.
Quando o mundo começou a explodir, Pamela afundou o rosto no ombro largo e se agarrou a ele.
No Salão Nobre, Ártemis, se levantou de repente e respirou fundo. Estava acabado! O vínculo com a mortal fora embora. Pelo visto, sua magia tinha feito a balança pender em favor de seu irmão.
Já não era sem tempo.
Espreguiçou-se, langorosa, apreciando a ausência do irritante incômodo que fora o desejo de amor de Pamela, então se recostou em sua bem estofada chaise longue . Gostaria de ir para a floresta — uma corrida ao luar seria revigorante —, mas não podia. Apolo ainda precisava dela para garantir que nenhuma ninfa o vislumbrasse devolvendo a mortal para seu próprio mundo.
Mas isso era de pouca importância. Seu relacionamento com a mortal estava quase concluído. Agora que Apolo havia ganhado o coração de Pamela, previu Ártemis, ele logo iria se cansar da moça. Logo tudo voltaria ao normal, e sua aventura no Reino de Las Vegas não seria nada mais do que uma quase divertida lembrança.
Ártemis ignorou a ponta de dúvida que surgiu em sua mente conforme ela se lembrou da fervorosa declaração de amor do irmão. A alma gêmea de Apolo era uma mortal?... Impossível.
Escondido nas sombras, Baco sorriu e esperou.
Capítulo 20
Alguma coisa estava errada. Apolo soube disso da mesma forma que conhecia as muitas linguagens do homem ou as vozes de instrumentos musicais: naturalmente, no nível mais elementar de seu ser.
O corpo quente em seus braços se agitou e, no mesmo momento, ele o abraçou com mais força.
Pamela...
Abriu os olhos. O que tinha acontecido na noite anterior? Eles estavam nus em sua cama.
Pense!, ordenou a seu cérebro entorpecido. Lembre-se!
E os acontecimentos da noite lhe assomaram à memória.
Apolo abafou um gemido. Ele perdera todo o controle. Como? Por que não fora capaz de...
Soube a resposta antes de completar o pensamento. O banquete fora impregnado com o poder inebriante de uma deusa. E ele sabia qual delas: Ártemis!
— Apolo!
Como se seus pensamentos a houvessem invocado, o sussurro impaciente da deidade chiou no quarto.
Ele virou a cabeça e a fulminou com o olhar.
— O que está fazendo? — cochichou Ártemis. — Sabe que o amanhecer está próximo. Quer que a mortal fique presa aqui?
Chocado, ele sentou-se. Era isso o que estava errado. Como sempre, o Deus da Luz sentira a vinda da carruagem em chamas que introduzia a aurora no firmamento. Por instinto, ele soubera que já passara da hora de Pamela ser devolvida a seu mundo.
Na noite anterior, ele se revelara em demasia. Como a mente mortal de Pamela poderia compreender o que decorrera do amor sem amarras que haviam feito, assim como aceitar que ela se encontrava presa no Monte Olimpo?...
Lembrou-se do medo que tremeluzira em seus olhos quando ele tinha se revelado. Pamela não seria capaz de apreender tudo aquilo; não de verdade. E, se fosse, ele podia imaginar como isso mudaria seus sentimentos por ele.
Não. Ainda era cedo. Ele precisava tirá-la do Olimpo. No momento em que o portal fosse reaberto, teria uma explicação para aquela noite incomum. Passaria mais tempo com ela e a faria solidificar seus sentimentos por ele; sentimentos que Pamela só admitira sob a influência da magia de Ártemis.
Apolo tornou a fazer uma carranca para a irmã.
— Vá! — sussurrou para ela. — Certifique-se de que o Salão Nobre esteja vazio. Vou com Pamela em seguida.
— Depressa! — aconselhou a deusa enquanto seu corpo se esvaecia.
— Febo? — A voz de Pamela soou grogue. Ela piscou, sonolenta, e esfregou os olhos. — Onde...
Ele apertou os lábios e, relutante, passou a mão sobre o rosto delicado, obliterando seus pensamentos e lhe entorpecendo os sentidos.
— Precisa se vestir. Temos que ir embora — falou, conduzindo-a com delicadeza pela mão até o cômodo ao lado, onde encontrou suas roupas jogadas.
Hipnotizada, Pamela obedeceu.
Apolo odiou a si mesmo enquanto vestia as próprias calças e a observava fazer o mesmo mecanicamente. Suas roupas de baixo, assim como a camisa dele, estavam arruinadas.
A lembrança da paixão que o inundara ao rasgar as peças de seus corpos o fez estremecer, e suas entranhas se agitaram. Como poderia sobreviver sem o toque de Pamela por cinco dias?
Sua determinação vacilou. Ele contava com uma escolha. Poderia enfeitiçá-la e mantê-la consigo até que o portal se abrisse de novo.
Tocou seu rosto e, mesmo com os pensamentos embotados pela magia, Pamela oscilou em sua direção.
Seria apenas uma semana...
Não!, Apolo repreendeu a si mesmo. Ela ficaria enojada se ele fizesse tal coisa. Como não poderia?
Ele odiou a si mesmo só de pensar.
— Venha, minha doce Pamela. Vou levá-la pra casa.
Passou os braços ao seu redor, e eles desapareceram, rematerializando-se quase que no mesmo instante ao lado do portal, no Salão Nobre.
Ártemis estava lá, com os braços cruzados, batendo o pé, impaciente. Observou o peito nu do irmão, a expressão zumbi de Pamela, e balançou a cabeça. Quanto mais cedo eles se livrassem do Mundo Moderno dos mortais, melhor!
— Ande logo, o sol está nascendo! — ralhou.
— Eu sei! — devolveu Apolo com raiva. — Principalmente agora que meus sentidos não estão mais entorpecidos pela magia de uma deusa...
Ártemis teve a decência de parecer sem-graça.
— Vou levá-la e voltar em seguida — avisou o Deus da Luz.
Ela suspirou, porém não discutiu.
Apolo colocou o braço em torno de Pamela e atravessou com ela o portal. Adentraram Vegas, e ele abriu a porta para o pequeno armá rio. No corredor deserto, ajeitou suas roupas, então tocou seu rosto delicadamente.
Sentia-se como um meliante. Havia roubado seu amor, e agora iria bater em retirada antes que a luz do dia revelasse seu crime. Não tinha escolha, mas, mesmo assim, odiou a si mesmo por permitir que as coisas tivessem acontecido daquela maneira.
— Eu te amo, minha doce Pamela. Lembre-se disso. E lembre-se de confiar em mim. Eu voltarei para você... Mas, desta vez, farei isso do modo certo. — Inclinou-se para ela e ordenou em pensamento: Desperte com o meu beijo.
Beijou-a com paixão e, enquanto Pamela piscava e sua expressão aturdida começava a se iluminar, voltou para o armário, fechou a porta e retornou ao Olimpo.
Pamela esfregou os olhos. Urgh... Estava tonta e um pouco enjoada. O quanto bebera no jantar?
Olhou ao redor. Onde, diabos, ela se encontrava?
Seu cérebro atordoado registrou a porta pequena e simples, e o corredor vazio. Onde estava Febo?
Passou a mão pelo cabelo, e o movimento de levantar o braço fez balançar seus seios.
Seus peitos estavam balançando?... Aonde fora parar seu sutiã?!
Sentiu um arrepio de pânico descer pela espinha.
Pense! Do que ela se lembrava?
Febo a encontrara no café. Eles haviam ido jantar em um restaurante maravilhoso, exclusivo...
A lembrança da refeição em si estava embaçada, contudo. Estranhas imagens de peles quentes e escorregadias, e do gosto salgado da paixão, a atormentavam. Tinha uma vaga lembrança de roupas sendo rasgadas e, depois, de Febo levando-a para um quarto onde ela pudera se vestir... com apenas algumas de suas roupas!
Pamela sentiu o pânico invadi-la e a dor na cabeça aumentar. Respire , ordenou a si mesma. Estava bem; apenas bebera demais.
Mas onde, diabos, estava Febo?!
Sua felicidade ao comprar aquela bolsa maravilhosa de sapatinho de rubi era sua última lembrança mais nítida.
— Maldição dos infernos !... Minha bolsa!
Olhou para a porta branca. O que acontecera naquele jantar? Não conseguia concatenar as ideias, mesmo sabendo que alguma coisa havia acontecido. Por algum motivo, a memória fugia do seu alcance. Febo a drogara? Mas por que ele o faria?!
Na tentativa de manter o medo sob controle, Pamela apelou para o bom-senso. Deixara sua bolsa nova de sapatinho de rubi, de 4 mil dólares, no restaurante. E, com ou sem Febo, iria voltar lá para pegá-la.
Abriu a porta e entrou. Aquilo era um closet ?...
No meio do armário, deparou com uma passagem em forma de disco que cintilava e brilhava.
Alguma coisa se agitou em sua memória. Ela atravessara aquele círculo com Febo! Era a entrada para o restaurante.
Pamela endireitou os ombros e cruzou a bizarra entrada. Experimentou uma sensação engraçada, como penas lhe roçando a pele, e a luz mudou, da lâmpada amarela e fraca do closet para uma luminescência rosada.
Entretanto, ela não adentrou o fabuloso restaurante de que se lembrava. Em vez disso, viu-se no meio de um magnífico salão de baile.
O lugar era imenso e de uma beleza indescritível. O enorme espaço se encontrava vazio, exceto pela presença de duas pessoas que gritavam uma com a outra.
Conforme ela surgiu na entrada, estas se viraram em sua direção. Febo, sem camisa, olhou para ela em choque. Sua irmã pareceu furiosa a princípio, em seguida sua expressão mudou e...
Uma dor lancinante cortou Pamela dos pés à cabeça. Ela abriu a boca para gritar, mas, conforme a dor ondulou por seu corpo, o grito ecoou em sua cabeça. Era como se ela não tivesse mais boca para lhe dar voz. Desamparada, estendeu a mão para Febo conforme se sentia dobrar e se transformar em algo não humano.
No mesmo instante, a dor dissipou a bruma em sua cabeça, e as lembranças a assaltaram de uma só vez. Febo... Sua pele brilhando com uma paixão sobrenatural enquanto ele a tomava nos braços e a fazia sua... Ele não era humano. Nenhum homem comum podia ser feito de fogo.
O que ele havia feito com ela? O que estava fazendo com ela agora?!
Lembrou-se de seu fogo varrendo-a inteira, acariciando-a e...
Outro grito rasgou sua mente.
Apolo estava de costas para o portal, repreendendo a irmã por sua indesejada interferência, quando sentiu sua alma gêmea adentrando o Olimpo, e seu fogo de barragem foi interrompido. No momento em que os pés mortais de Pamela ultrapassaram o portal, o restante de seu corpo começou a se transformar.
Impotente, Apolo assistiu a Pamela diminuir de tamanho, se liquefazer, depois se transmutar em um belo jasmim perfumado.
— Leve-a de volta antes que o sol nasça! — sua irmã gritou. — Quando o portal se fechar, o feitiço vai desaparecer!
E, então, ela seria Pamela mais uma vez.
As palavras tiveram o efeito de uma cotovelada em Apolo. Ele saltou para a frente, sentindo Ártemis logo atrás dele.
Agarrou a flor de jasmim delicada e a puxou de onde esta já começava a fincar raízes, no chão de mármore. Sussurrando um alquebrado pedido de desculpas, pulou através do portal com o corpo transformado de Pamela nas mãos.
Ártemis hesitou em frente ao portal, lançando um olhar rápido sobre o ombro na direção das janelas que iam do chão ao teto, e que mostravam o amanhecer iluminando o céu, o qual, por sua vez, já se tingia de vermelho.
— Não, seu tolo! — gritou dentro do disco que girava. — Não era para ir junto com ela! — A deusa se inclinou para a frente, tentando enxergar através da fulgurante passagem.
Das sombras, Baco se aproximou rápida e silenciosamente e, com um único movimento, bateu o ombro no centro das costas da Deusa da Caça. Ártemis gritou e caiu no disco apenas alguns segundos antes de o portal se apagar, desaparecendo por completo conforme o amanhecer se espalhava pelo Monte Olimpo.
A risada de Baco ressoou, então, com malévolo triunfo.
Capítulo 21
Pamela estava de quatro. Sua respiração saía em espasmos, e seus dentes batiam em uníssono com o tremor que lhe sacudia o corpo.
Seu corpo!
Apalpou braços e rosto freneticamente. Ela havia se transformado em alguma coisa!... Algo verde, que crescia e que, sem sombra de dúvida, não era natural.
Mas agora voltara ao normal de novo. Voltara a ser humana.
— Está tudo bem, meu doce — falou Apolo, estendendo-lhe a mão.
Pamela se encolheu para longe de seu toque.
— Você! — exclamou, mas, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a irmã de Febo caiu de cabeça no pequeno cômodo, pouco antes de o disco perolado e colorido que girava desaparecer.
Ártemis soltou uma praga ininteligível conforme se levantava do solo, e o irmão a fitou, pasmado.
— Vou fazer Baco se arrepender de ter sido salvo por Zeus quando aquela mãe humana dele... — A deusa interrompeu o discurso ao se dar conta de que o portal se fechara. — Não!... — sussurrou, lívida. — Não podemos ficar presos aqui!
— Que diabo é você?! — As palavras explodiram de Pamela.
Apolo e Ártemis se viraram para a pequena mortal ainda agachada no chão. Ela foi recuando, até se ver pressionada contra a porta fechada. Tinha os olhos arregalados e escuros em contraste com a brancura de seu rosto.
— Pamela... — Apolo falou em um tom suave, estendendo-lhe a mão outra vez. — Sabe quem eu sou.
— Não! — ela gritou de volta, se esquivando de seu toque. — Eu não perguntei quem você é. Perguntei o que você é!
— Vai ter de fazê-la esquecer — declarou Ártemis, ignorando Pamela. — Ela já viu muito. Olhe para ela: Pamela se lembra! — A deusa levantou a mão esguia. — Está bem, eu mesma faço isso. Sei o quanto ficou apegado a ela... Durma e esqueça! — Sacudiu os dedos na direção de Pamela, que recuou instintivamente.
— Pare! — gritou Apolo. — Não quero que mexa com ela.
— Que diabo está acontecendo?! — As pernas de Pamela funcionaram bem o bastante para que ela se levantasse; contudo ela permaneceu de costas para a porta, pressionando as mãos contra a madeira maciça na tentativa de atenuar o tremor que a sacudia.
— Por que ela não dormiu? — Ártemis indagou ao irmão. Então balançou a mão e olhou os dedos.
— O portal está fechado — lembrou Apolo.
A deusa fez uma careta de desdém.
— Estou vendo!
Apolo apenas a encarou, e Ártemis arregalou os olhos.
— Quer dizer que quando o portal se fecha... — Suas palavras foram morrendo.
— Quando o portal se fecha, ele corta os nossos poderes — seu irmão terminou por ela.
Ártemis levou a mão à boca, soltando uma exclamação abafada.
— Está bem, é isso aí... Estou indo embora. — Pamela empurrou a porta do armário e saiu, sentindo como se as pernas fossem de borracha.
— Olhe o que você fez! — Apolo rosnou para a irmã antes de correr atrás de Pamela.
— O que eu fiz? — Ártemis bufou, indignada, mas, relutante, o seguiu. Não queria fazer aquilo. Queria que o portal reabrisse. Queria voltar para o Olimpo e tomar um longo banho de imersão em sua fonte de água mineral. Queria que seus poderes imortais retornassem e...
Suspirou, saindo para o corredor.
Apolo tinha segurado Pamela pelo cotovelo a poucos metros da porta do armário e tentava se justificar, enquanto a mortal fazia força para puxar o braço.
Ártemis balançou a cabeça. Como haviam decaído os poderosos!...
Marchou até os dois.
— Fique quieta, mortal! — ralhou com desgosto. — É mesmo muito simples. — Apontou para o irmão. — O nome verdadeiro dele é Febo Apolo, Deus da Música, da Luz e da Cura. Meu nome é Diana, mas apenas se for de descendência romana. Do contrário, prefiro ser chamada de Ártemis, a Deusa da Caça. Também tenho uma afinidade com a Lua, assim como meu irmão está aliado ao Sol... mas decerto não desejo lhe passar tantas informações a ponto de atordoá-la — terminou com sarcasmo.
— Vocês são deuses?... — Pamela rezou fervorosamente para acordar logo.
— Sim. Imortais. Ou ao menos éramos antes que o portal nos aprisionasse neste mundo miserável. Agora suspeito de que somos apenas atraentes mortais — ela falou, seca.
— Apolo e Ártemis... — Pamela olhou os gêmeos.
— Eu disse que era simples.
— Você é maluca ! — ela exclamou.
— Eu não queria que descobrisse desta forma — interveio Apolo —, mas Ártemis está dizendo a verdade. — Ele franziu a testa para a irmã. — Ainda que esteja fazendo um péssimo trabalho.
— O quê? — exigiu a deusa. — Se queria música suave e perfume de flores, sinto muito, mas não serei capaz de atender seu desejo. Pelo menos enquanto o portal não reabrir.
— Não está ajudando — Apolo falou à irmã.
— Mas não existem deuses! Isso não passa de mitologia! — interveio Pamela.
— Pensei que havia dito que ela era inteligente — Ártemis zombou.
Pamela estudou a bela jovem, tão parecida com seu amante, e sentiu a entorpecedora onda de horror que a vinha assolando degelar.
E, conforme esse degelo acontecia, começou a ficar irada.
— Não precisa ser tão rude! — acusou.
— Rude? — Ártemis estreitou os olhos. — Está me chamando de rude quando você é quem nega a minha existência? E isso porque está bem no meio de uma estrutura que foi construída justamente porque povos antigos honravam a mim e aos outros onze deuses tão bem que tenho sido lembrada por milhares de anos... Isso soa inteligente?
— Nem inteligente nem pouco inteligente. Soa apenas absurdo... Isto tudo é absurdo. Não pode ser verdade!
Apolo a segurou pelo outro cotovelo e a fez encará-lo, tentando ignorar o modo como Pamela continuava a se afastar dele.
— Sabe que é verdade, Pamela — falou numa voz calma e tranquila. — Teve uma experiência. Tudo o que tem de fazer agora é aceitar.
Pamela olhou para ele. Olhou para ele de verdade . Febo continuava o mesmo homem alto e estonteante da noite anterior; no entanto, não era o mesmo homem.
Alguma coisa estava faltando nele. Febo continuava extraordinariamente bonito, mas o azul espetacular de seus olhos parecia ter assumido um tom mais... — ela engoliu em seco — ... um tom mais humano.
E havia outra coisa: Febo contava com menos presença agora. Essa era a única maneira que poderia descrever o que sentia. Ele parecia o mesmo, mas não era.
Os detalhes não tinham mudado. Seus ombros não pareciam menos amplos; seu peito, não menos musculoso... o que podia constatar com facilidade, uma vez que ele estava sem camisa.
No entanto, Febo mudara, se transformara... em menos.
E Ártemis estava com a razão; ela se lembrava. De pequenas coisas, como do fato de ele poder ficar ao sol do deserto durante toda a tarde e nem mesmo suar. E de grandes coisas, como ele ter ficado em chamas na noite anterior, enquanto faziam amor.
Somado a tudo isso havia ainda o inegável fato de que ela atravessara um portal reluzente e se transformara em algo que, definitivamente, não era humano.
Não podia ser. Não era possível... Mas, no fundo, ela sabia que eles estavam dizendo a verdade. Aqueles dois eram mesmo deuses.
— O que era aquela coisa no armário? — indagou em um sussurro.
— Um portal que Zeus abriu, do Olimpo para o Reino de Las Vegas — explicou Apolo.
— Por quê?
Ele deu de ombros e tentou sorrir.
— Quem entende as vontades do Supremo Governante do Olimpo?
— Se eu me lembro bem, ele disse algo sobre desejar que nós observássemos e nos divertíssemos com seu mundo — falou Ártemis.
Pamela desviou o olhar para a deusa.
— Quer dizer, num tipo de experiência? Como num daqueles episódios patéticos de Jornada nas Estrelas ?
— Sabe o que ela quer dizer? — Ártemis perguntou ao irmão.
— Não, mas sei que, mais uma vez, não está ajudando em nada — ele falou por entre os dentes.
Pamela o fitou, atordoada.
— O que aconteceu comigo quando atravessei aquele portal? Algo terrível aconteceu com o meu corpo... O que fez comigo?
— Não! Não fui eu. Não pode acreditar que eu faria qualquer coisa para feri-la.
Pamela virou o rosto.
— Já me feriu.
— Foi aquele cretino do Baco! Ele deve ter lançado algum feitiço sobre o portal. —Ártemis fez uma pausa enquanto pensava sobre o que tinha acontecido com Pamela.
— Estava se transformando em uma flor.
— Em um jasmim, como seu próprio nome sugere — completou Apolo. — A mais doce de todas as flores.
Ártemis bufou.
— Muito romântico. Isso mostra que Baco enfeitiçou o portal de modo que, se Pamela o atravessasse sem você, ela reverteria para sua forma mais básica: a de seu próprio nome.
Pamela sentiu o coração entorpecido.
— É como nas lendas!... Vocês usam os seres humanos e, quando os descartam, transformam-nos em algo não humano!
— Eu não diria que está sendo muito precisa. — Ártemis pareceu ofendida.
Apolo deu as costas para a irmã.
— Deixe-me explicar — disse a Pamela. — Não é nada disso em se tratando de nós dois.
— Não!... Estou farta de ser usada como uma cobaia. — Ela lançou um olhar de desgosto a Ártemis. — Não quero que explique mais nada. Só quero que vão embora para o lugar de onde vieram e me deixem em paz!
— Nós adoraríamos, mas parece que estamos presos aqui até o seu próximo fim de semana — anunciou Ártemis.
Apolo balançou a cabeça.
— Ela adoraria. O que eu mais quero é ficar com você e lhe explicar tudo.
— Não estou interessada. — Pamela recomeçou, tentando se livrar dos braços fortes de Apolo, porém uma voz os interrompeu.
— Algum problema aqui? — Um segurança de uniforme azul parou na entrada do corredor. Era baixinho e gordinho, mas possuía um distintivo, uma arma e a expressão de quem levava seu trabalho muito a sério.
— Ah, vá embora! — reclamou Ártemis, sacudindo os dedos em sua direção. Em seguida parou, e sua expressão de desdém se desfez quando ela se lembrou de que estava sem seus poderes.
— O que disse?... — O guarda inquiriu, estreitando os olhos para a linda mulher vestida com uma túnica curta.
Apolo deixou cair os braços e se pôs diante de Pamela e da irmã.
Pamela observou o modo como seu semblante se fechou e percebeu que, com ou sem poderes imortais, ele tinha potencial para ser um homem muito perigoso.
— Não há problema algum, senhor — interveio rapidamente, pondo-se ao lado do deus. — É que meu... — Fez uma pausa, olhou para o peito nu de Apolo e descartou palavras banais como “namorado” e “paquera”, as quais, estava certa, iria fazê-la soar como uma candidata ao Jerry Springer Show , um daqueles programas que tratam de casos de família. — ... meu noivo e eu tivemos uma briguinha e, bem... — Ela encolheu os ombros e sorriu, tímida.
O homem não estava olhando para ela ou para o jovem seminu a seu lado, no entanto. Estava olhando para Ártemis.
— Espere um pouco — disse, os olhos pequenos brilhando. — Não é uma das estrelas do Zumanity ?
Pamela prendeu a respiração enquanto Ártemis erguia uma sobrancelha fina.
— Eu sou a estrela de Zumanity — confirmou a deusa, arrogante.
— Esta é Diana, irmã de meu noivo — elaborou Pamela. Não olhou para Apolo, porém podia sentir a tensão em seu corpo conforme ele aguardava em silêncio a seu lado.
— Que coincidência! Assisti a esse show pela primeira vez há poucos dias. — O segurança balançou o corpo para trás e para a frente, o suor banhando o lábio superior. — Foi incrível. Você foi incrível...
— Suponho que seja gratificante saber que proporcionei prazer às massas — respondeu Ártemis.
Pamela a segurou pelo cotovelo, puxou Apolo pela mão e começou a passar com ambos pelo guarda.
— Bem, precisamos voltar para os nossos quartos. Não entendo como tomamos o rumo errado e viemos parar aqui...
— Da próxima vez, vista-se adequadamente antes de deixar seus aposentos! — O oficial repreendeu Apolo enquanto Pamela o arrastava às pressas. Então tirou o chapéu para Ártemis. — Muito prazer em conhecê-la, Diana. Mal posso esperar para ver seu show de novo.
Pamela pôde sentir o rosnado que brotou de dentro do corpo de Apolo.
Nenhum deles falou mais, porém, até dobrarem a esquina e se verem caminhando pelo saguão do cassino.
Pamela soltou o braço de Ártemis. Tentou largar a mão de Apolo, contudo ele apertou a dela ainda mais.
Pamela franziu o cenho.
— Deixe-me ir! — Baixou a voz de maneira que as pessoas próximas não a ouvissem.
— Não pretendo deixá-la ir nunca — Apolo replicou.
Ártemis suspirou, dramática.
— Fique fora disso! — o deus ordenou à irmã. — Não entende o que é estar apaixonado.
— Apaixonado! Ora, por favor... Sei que sou apenas uma mera mortal, mas não sou nenhuma idiota. Não importa o que sua irmã pensa. — Pamela fulminou Ártemis com o olhar, e esta curvou os lábios em um sorriso cínico.
Pamela encontrou o olhar de Apolo novamente. Seus olhos já não estavam mais vidrados, em choque. Em vez disso, faiscavam com indignação.
— Como pode dizer que está apaixonado por mim? Fingiu ser alguém que não é! Você me usou como uma verdadeira cobaia! E ainda suspeito de que tenha me lançado algum tipo de feitiço!
Várias pessoas se viraram e olharam, curiosas, em sua direção.
— Deixe-me explicar — recomeçou Apolo.
Pamela começou a sacudir a cabeça, porém o deus a tocou na lateral do rosto, e ela sentiu-se congelar.
— Por favor — ele sussurrou, odiando perceber que, quando ele a tocava, o medo sobrepujava a raiva em seus olhos. — Precisa me deixar explicar. Eu já disse que não vou deixá-la ir. Quando faço um juramento não o quebro jamais. — Apolo deixou seu rosto e tocou de leve a medalha que ela ainda usava no pescoço. — Prometi que lhe daria a minha proteção. Não precisa ter medo de mim.
— Com licença, senhor... — Um funcionário do cassino se aproximou deles. — Desculpe, mas preciso pedir que vista sua camisa.
— Já estamos a caminho do nosso quarto — respondeu Pamela, puxando Apolo em direção aos elevadores do hotel.
— Não sei por que tanta celeuma por conta de um pouco de carne exposta! — resmungou Ártemis, seguindo o irmão.
— Quero isso tudo muito bem explicado — alertou Pamela, tão logo eles adentraram o elevador.
— Assim será — assegurou Apolo, ainda segurando a mão dela.
— Isso vai ser muito aborrecido — rezingou Ártemis.
— Continua não ajudando! — Apolo e Pamela reclamaram em uníssono.
Capítulo 22
— Está me dizendo que tudo não passou de um feitiço mal direcionado? — indagou Pamela, sentada em uma das cadeiras da sala de estar de sua suíte.
Ártemis descansava deitada no sofá e Apolo, que não conseguia ficar quieto, andava de um lado para o outro diante da janela.
— Tecnicamente, não é um feitiço. É um ritual de invocação. Muito antigo e muito poderoso — falou a deusa. — Como explicou Apolo, não devia ter sido possível, até por necessitar reunir muitos elementos... o que acabou acontecendo.
— Tivemos um dedo de Baco nessa história, sem dúvida. Ele deve ter manipulado as coisas — Apolo terminou pela irmã.
— Manipulação. Excelente maneira de descrever tudo isso. — A expressão de Pamela dizia claramente que ela não estava se referindo à invocação.
— Não! Não foi assim. Nossos sentimentos não foram manipulados, apenas os acontecimentos que nos aproximaram.
— Mentiu para mim — acusou Pamela.
— Não. Sou mesmo uma espécie de médico e músico.
— Na verdade, ele é o curandeiro e o músico do Mundo Antigo — Ártemis interrompeu a conversa.
Pamela soltou uma exclamação.
— Meu tornozelo! Fez alguma coisa para curá-lo naquela noite da chuva!
— Estava quebrado. Eu apenas o fiz sarar.
Pamela fitou Apolo como se nele houvessem brotado chifres e um rabo.
— E quanto ao prêmio no caça-níqueis? — perguntou, tensa.
— Sua vontade de ter a bolsa era comovente... Agradou-me lhe conceder esse desejo.
O sorriso do deus foi como o de um menino apanhado com a mão em um pote de biscoitos, concluiu Pamela, e quis sorrir de volta para Febo. Ele parecia tão... normal.
Então se lembrou de como havia sido sentir a própria carne derretendo para se transformar em algo não humano.
Sua determinação voltou, e sua pergunta seguinte apagou o sorriso travesso do rosto do deus.
— E quanto ao sexo? Que tipo de magia usou para me levar para a cama?
— Nenhuma — ele respondeu de pronto. — Eu não a cortejei como o deus Apolo. Eu a cortejei e fiz amor com você como Febo, um mortal como qualquer outro.
Foi a vez de Pamela bufar.
— Por favor! Eu estava lá... Foi muito diferente com você. Não costumo ir para a cama com um caso de fim de semana, mas deve ter feito algo comigo.
Apolo parou de andar e foi até onde ela estava.
— Não usei nenhum poder imortal para seduzi-la, e o que tivemos não foi uma aventura de fim de semana.
Pamela sentiu a boca seca e o estômago se apertar com sua proximidade.
— Está fazendo de novo — sussurrou, contrariada. — Pare com isso.
O sorriso cativante de Apolo voltou com força total.
— Impossível, doce Pamela. Como minha irmã já afirmou, quando o portal se fecha perdemos nossos poderes imortais. Até o anoitecer de sexta-feira, terei tanta energia para conquistá-la como qualquer outro mortal.
— Se quer ficar com raiva de alguém por tê-la enfeitiçado, fique com raiva de mim — declarou Ártemis, estudando as unhas. — Eu aspergi um pouco da minha magia em você na noite da minha apresentação. Também lancei meu feitiço de sedução no banquete de ontem à noite.
— Por que faria isso?! — Pamela indagou.
— Já lhe explicamos a respeito do ritual de invocação. Até que Apolo satisfizesse o seu desejo mais sincero, nós estaríamos vinculadas; e eu estava mais do que cansada disso. — A deusa afastou uma mecha dourada do rosto. — Precisava de um estímulo para admitir a si mesma que Apolo era o seu desejo mais profundo, então... Agradeça às nove Musas por ter funcionado.
— Não é uma pessoa muito agradável, é? — Pamela indagou à deusa.
— Agradável? — Ártemis não pareceu nem um pouco ofendida com a pergunta. — Por que eu precisaria ser agradável?
O telefone tocou.
Balançando a cabeça para Ártemis, Pamela atendeu.
— Pamela? Aqui é o assistente do sr. Faust, James — falou uma voz masculina.
— Ah, sim. Olá, James. — Ela sentiu o estômago afundar. Era manhã de segunda-feira! Já devia ter começado a trabalhar, mas havia se esquecido completamente de E. D. Faust e do trabalho que ela precisava concluir.
— Eu só queria lembrá-la de que Robert estará aí para apanhá-la com o carro, na entrada do Caesars Palace, em exatos trinta minutos.
— ... Obrigada pelo telefonema, James. Estarei pronta.
— Ótimo! O sr. Faust está ansioso por que comece o trabalho em sua casa.
Pamela aquiesceu, dando uma resposta adequada. Desligou o telefone e olhou para Apolo e Ártemis que, por sua vez, a observavam.
— Preciso ir trabalhar.
— Claro. Para o autor. O da casa de banhos romana e da fonte — lembrou Apolo.
— Sim, ele está mandando um carro vir me buscar. — Pamela olhou-se no espelho e fez uma careta diante de sua terrível aparência. — Em exatos trinta minutos! Tenho que me aprontar. — Começou a correr em direção ao quarto.
— Excelente! — exclamou Ártemis. — Para onde vamos?
Pamela estacou.
— Nós não vamos a lugar nenhum.
— Não espera que eu permaneça aqui, neste casebre? É aborrecido demais.
— Bem, certamente não virá comigo! — ela imitou o tom afetado da deusa.
Ártemis estreitou os olhos.
— Não se esqueça de com quem está falando, mortal.
Pamela plantou as mãos nos quadris e ergueu o queixo.
— Escute aqui. Deusa ou não, vai ter que aprender a não agir como uma vadia. E pode me ameaçar quanto quiser. — Apontou para a medalha dourada que lhe pendia do pescoço. — Apolo jurou que estou sob sua proteção.
Ela ouviu a risada satisfeita do deus, mas se recusou a encará-lo.
— Fiquem aqui, peçam o serviço de quarto, assistam a um filme, aprendam a lidar com a internet, sei lá! Inferno... Quando eu voltar, pensarei no que fazer com vocês.
— Pamela?
A voz de Apolo a impediu de ir para o quarto, e ela se voltou para ele.
— Nós poderíamos ajudá-la.
— Ajudar-me no quê?
— Eu poderia ajudá-la a convencer Faust a construir o balneário. E quem sabe Ártemis possa persuadi-lo a usá-la como modelo para a estátua do centro da fonte? — o deus acrescentou, sorrindo.
Pamela lançou um olhar duvidoso na direção da deusa.
— Não se esqueça de que os homens vêm adorando a minha beleza há eras — Ártemis falou alegremente. — Eles ficam encantados comigo.
— Isso até pode ser verdade, mas apenas porque veem suas estátuas e pinturas, e não precisam se submeter à sua odiosa presença.
Ártemis abriu a boca para retrucar, contudo Apolo a impediu.
— Minha irmã pode dar seu juramento de que será educada.
— Eu, não!
— Faust é um bardo moderno, e quer que a estátua do centro de sua fonte seja uma homenagem a Baco. Pense nas histórias do Deus do Vinho que ele vai contar... — Apolo falou à irmã.
— Aquele sapo gordo não devia ser idolatrado no mundo moderno! — protestou Ártemis.
Ele encolheu os ombros.
— Você é quem sabe.
A deusa limpou a garganta e, relutante, encontrou o olhar de Pamela.
— Eu lhe dou o meu juramento de que serei educada. Hoje.
— Eu não sei...
— Por favor, Pamela — insistiu Apolo. — Deixe-me mostrar que não estou diferente hoje do que fui ontem. Apolo, o deus, e Febo, o mortal, são o mesmo homem.
Ela não deveria. Sabia que não deveria. Não queria ser amada por um deus. Gostava das coisas como eram antes de ele se tornar um imortal todo-poderoso. Queria seu Febo de volta.
— Está bem — concordou de súbito. — Mas temos que lhe comprar outra camisa no caminho. — Olhou para Ártemis. — Pelo menos está bem com esse traje. Podemos dizer que está vestida a caráter. — Pamela vacilou, então. — Fiquem aí. Preciso me apressar.
Fechou a porta do quarto e descansou a cabeça na madeira. Febo era Apolo!...
Sentiu as entranhas revolver conforme a realidade se instalava dentro dela. Ela era amante de Apolo, o deus grego!...
E ele existia havia eras. Templos foram construídos para homenageá-lo, faziam músicas para ele!... Aquelas mãos que tinham acariciado cada parte de seu corpo eram as mesmas mãos que levaram música ao Mundo Antigo.
E ele dizia que a amava!...
Pamela levou a mão trêmula à boca, dominada por uma súbita onda de choque, incredulidade e espanto. Era melhor dizer a Faust que não poderia aceitar o trabalho, pegar um avião e voar de volta para o Colorado. Deveria esquecer que aquele fim de semana havia acontecido. Era a coisa mais inteligente a fazer.
Mas sabia que não iria fazer a coisa certa. O Deus da Luz dissera estar apaixonado por ela.
— Na certa estou cometendo o erro mais ginorme da minha vida — falou baixinho.
Exatamente vinte e cinco minutos mais tarde, eles se encontravam do lado de fora das portas giratórias que davam para o Caesars Palace; Pamela sentindo o estômago apertado como se estivesse se preparando para saltar de bungee jump .
— Lembre-se, você é Febo Delos, especialista em arquitetura romana, e eu o chamei para me aconselhar nesse projeto. E você é a irmã dele, Diana, que...
— ... tem a beleza de uma deusa! — Ártemis a interrompeu, repetindo suas instruções. — Sim, sim, já decoramos nossas falas. Somos imortais, não imbecis.
— Eu ia dizer que precisa se lembrar de ser agradável — Pamela completou.
— Minhas palavras serão tão doces que eles poderiam fazer mel na minha boca, como as abelhas marrons da Grécia — elaborou Ártemis com um bater inocente dos longos cílios.
— Já está me deixando com dor de cabeça — resmungou Pamela. — Basta ser normal, está bem? É pedir muito?
— Ela vai manter seu juramento. Não precisa se preocupar, doce Pamela — garantiu Apolo.
— Não me chame assim. Supõe-se que seja meu funcionário! — ela o repreendeu, e em seguida odiou a mágoa que viu no rosto estonteante do deus.
Um deus!... Como, diabos, chegara àquela situação? Estava namorando Apolo!
Estava condenada, isso sim. Já havia estudado literatura. Mesmo não conseguindo se lembrar muito bem, sabia o que acontecia a mortais que chamavam a atenção dos deuses. Ainda mais a mortais do sexo feminino. Seu final nunca era feliz.
Além do mais, o que faria com ele a semana inteira? Nenhum dos irmãos tinha dinheiro. Descobrira isso quando Febo enfiara a mão no bolso para pagar pela camisa que comprara em uma loja e percebera que, de alguma forma (decerto quando ele arrancara as roupas atabalhoadamente, na noite anterior, pouco antes de prensá-la na coluna de mármore), ele perdera os 4 mil dólares que furtara do caça-níqueis.
Assim, Febo não contava com um centavo. Nem Ártemis.
E o portal não seria reaberto durante longos cinco dias.
— Bom dia, srta. Gray.
Pamela deu um pulo. Não tinha notado a limusine vintage e prateada que estacionara à sua frente.
— Ah, bom dia, Robert. — O homem lhe abriu a porta, e ela fez uma pausa. Pigarreou, então desenhou no rosto seu sorriso mais profissional. — Estas duas pessoas vão se juntar a nós, hoje. Eles são meus assistentes.
Robert analisou os dois gêmeos loiros por cima do nariz afilado e fungou de leve.
— Muito bem, senhora — falou, segurando a porta aberta e ajudando primeiro Pamela a entrar na limusine, em seguida, a mulher fantasiada.
Quando o homem alto hesitou, Robert lançou-lhe um olhar muito britânico (direto e polido, sem se preocupar em demasia).
— Algo errado, senhor?
Se Apolo ainda tivesse seus poderes, ele o teria usado para abrir o chão sob seus pés, de modo a ser engolido e sumir de vista. Do interior da besta de metal, Pamela e Ártemis o observaram com curiosidade.
Sua irmã, de repente, pareceu compreender.
— É muito bom aqui — disse a ele. — Não precisa ficar preocupado. — Deu um tapinha no assento ao lado.
— Não estou preocupado — Apolo afirmou, controlado. Respirou, então, e entrou na boca da coisa .
— Por favor, sirvam-se com a mimosa. A viagem até a propriedade do sr. Faust, em Red Rock Canyon, levará aproximadamente trinta minutos. — Robert fechou a porta.
Para Apolo, foi como se ele houvesse apenas tomado um gole de ar, e eles já avançavam, deslizando como um réptil ágil e rasteiro pela rua. Experimentou uma sensação terrível no estômago, e o sangue bombeou mais forte em seus ouvidos. Não conseguia parar de olhar para o mundo lá fora, conforme este passava zunindo, a um ritmo vertiginoso.
— Você está bem? Está pálido — comentou Pamela.
— Ela tem razão, está mesmo — concordou Ártemis. — Talvez ajude se beber alguma coisa. — Ela se aproximou do balde de gelo que continha uma garrafa de champanhe e um jarro de vidro fino com suco de laranja.
— Não! Não quero nada para beber — afirmou Apolo, com a mais estranha das sensações. Temia que, se tentasse beber alguma coisa, fosse devolver tudo em seguida.
— Acho que está com náuseas por causa do carro — concluiu Pamela. — Pode se sentir melhor se for lá na frente, com Robert. Minha amiga, Ve, fica muito enjoada se viaja no banco traseiro. Quer que eu peça para que Robert estacione, para que possa mudar de lugar?
— Eu sou um deus — ele falou por entre os dentes. — Não fico doente.
— Faça como quiser, mas, se vomitar no carro de Eddie, juro que, como sua empregadora, vou ficar muito aborrecida!...
Apolo fechou os olhos e tentou ignorar o fato de estarem cruzando a Terra dentro de um monstro de metal que poderia se espatifar contra alguma coisa e se desintegrar a qualquer momento.
— O que é uma “mimosa”? — indagou Ártemis.
— Champanhe e suco de laranja misturados. Uma delícia.
— Bem... — a deusa olhou para o rosto estranhamente pálido do irmão, então encolheu os ombros bem-feitos — ... vou experimentar uma taça. Você me acompanha, Pamela?
— Não, obrigada — ela agradeceu.
Ártemis serviu-se em uma das taças de champanhe.
— Viu como estou sendo educada?
— Milagre — Pamela murmurou.
— Aguarde... O melhor ainda está por vir — prometeu a deusa, bebendo um gole da mimosa e lançando-lhe um sorrisinho travesso.
Pamela decidiu que Apolo havia tido melhor ideia ali. Fechou os olhos assim como ele, e rezou para que a viagem, o dia... — inferno , a semana! — ... passassem logo.
Mas não antes de deslizar a mão para a dele e apertá-la.
Capítulo 23
A casa de veraneio de E. D. Faust fora construída para se parecer com uma charmosa villa toscana, e Pamela estava aliviada. Sim, ela vira as plantas e lera as anotações sobre a arquitetura que James lhe entregara, mas, depois do pedido bizarro de Eddie para que ela fizesse o interior da residência parecido com o Fórum, vira-se receosa quanto ao que esperar.
Claro que, conforme eles saíram da limusine e se aproximaram da impressionante porta dupla de ferro forjado, com vidros escandalosamente caros — feitos a mão, jateados e chanfrados —, ela se lembrou de ter pensado que o exterior do Fórum indicava que seu interior era decorado com modéstia e com um clássico bom gosto...
Engano seu.
Olhou para Ártemis, que parecia fresca e linda na manhã ensolarada. A deusa tinha as faces coradas, e uma longa mecha de cabelo loiro e brilhante escapara de seu elaborado penteado.
Ártemis alisou a saia da túnica curta, soltou um soluço e, então, riu baixinho.
Pamela a examinou com mais atenção. Merda!... Ela parecia embriagada! Por que, maldição dos infernos , não havia ficado de olho na deusa? Quantas mimosas a deidade engolira em trinta minutos — e com o estômago vazio! — enquanto ela, Pamela, segurava, distraída, a mão do pobre Apolo?
— Está bêbada? — cochichou, tensa.
Ártemis lançou-lhe um olhar severo.
— Imortais não ficam bêbados. Apenas os mortais se embriagam. Não seja boba... — A deusa balançou o dedo para ela.
Pamela revirou os olhos.
— Não é mais imortal, lembra-se? — Reprimiu uma súbita vontade de gritar. Em vez disso, olhou para Apolo em busca de ajuda, porém seu rosto estava com uma cor estranha, entre o branco e o verde. Observou-o limpar o suor da testa com as costas da mão, preocupada. — Você está bem?
Ele assentiu com um vigoroso gesto de cabeça.
— Melhor agora que estamos fora dessa... — Estremeceu e olhou na direção do automóvel que os trouxera.
— Limusine — completou Pamela. — É uma limusine. — Céus! , ela estava presa em um pesadelo sem fim! — Tudo bem. Vamos fazer o seguinte... Vocês dois, tentem não falar, a menos que alguém lhes faça uma pergunta direta. Mesmo assim, sou eu quem vai responder à maior parte. Agora vamos. Precisamos acabar logo com isto. — Ajustou a alça da bolsa larga e começou a subir a linda escada de mármore curva com determinação.
Os gêmeos a seguiram com menos propósito.
Pouco antes de tocar a campainha antiga, ela ouviu um som abafado às suas costas, e então a risadinha — completamente alterada — de Ártemis. Olhou por cima do ombro e viu Apolo segurando a irmã pelo cotovelo.
— Ela quase caiu — ele explicou baixinho.
— Impossível! — Ártemis falou com voz arrastada.
— Oh, Deus!... — Pamela murmurou.
As portas duplas se abriram, e o rosto sorridente de James os recebeu.
— Entre, Pamela, por favor. Eddie se encontra no pátio, esperando por você. — Seu sorriso mudou para educada curiosidade quando Apolo e Ártemis a seguiram para dentro do saguão.
— São meus assistentes... Eu os contratei. São especialistas, na verdade — Pamela acrescentou depressa.
— Tenho certeza de que Eddie ficará satisfeito com sua iniciativa. Ele esteve ansioso por esta reunião a semana inteira. Venham por aqui, por favor.
James os conduziu através do hall de entrada, um espaço gigantesco, a partir do qual duas escadas em curva, ladeadas por parapeitos de mármore antigos, levavam ao segundo andar da villa .
As balaustradas de mármore, contudo, eram o único detalhe acabado do recinto. Todo o restante estava nu. As paredes ainda se encontravam no reboco, e o piso era de cimento. A parede inteira dos fundos, da qual eles se aproximavam, era adornada por janelas que iam do chão ao teto; tão novas que ainda continham os adesivos de fábrica cor de laranja.
Enquanto caminhava lentamente pelo espaço inacabado, contudo, Pamela nem sequer viu sua crueza. Olhava tudo à sua volta, enxergando apenas o ilimitado potencial do lugar.
— Está horrível — Apolo cochichou. — Não há piso, nem paredes, muito menos decoração.
— Não! Está perfeito! — ela contrapôs num sussurro. — A estrutura se encontra pronta, mas os pisos e paredes estão todos inacabados. A maioria dos dispositivos nem sequer foi instalada. É como uma tela em branco. É meu trabalho escolher com sabedoria e me certificar de que esta casa seja transformada em uma obra-prima.
James os aguardou, paciente, ao lado da porta de vidro que — Pamela já sabia pelas plantas — levava à parte central da mansão: o incrível pátio em torno do qual o restante da vila fora construído na forma de quadrado aberto em um dos lados.
Tão logo eles chegaram a este, James abriu a porta e sinalizou para que eles passassem.
Foi apenas nesse momento que Pamela notou a verdadeira multidão reunida no pátio.
Em resposta a seu olhar interrogativo, James apenas sorriu e apontou para o meio das pessoas, onde E. D. Faust se encontrava sentado em uma bancada de mármore repleta de amostras de material.
— Ah, Pamela! — ele gritou quando a viu.
Ao se por de pé, lembrou-a uma montanha se movendo. Também naquele dia estava todo vestido em preto, desde as calças bem-cortadas até a camisa de seda, cujas mangas tinham o modelo amplo da de um pintor.
Ou então , ela pensou, observando o brilho em seus olhos escuros, da camisa de um pirata .
— Bom dia, Eddie — saudou. — Tem bastante gente aqui, hoje...
— Por sua causa, Pamela. — Ele riu com gosto, a barriga chacoalhando como num estrondoso terremoto. — Mandei todos os trabalhadores virem para cá. Imaginei que economizaríamos tempo se os tivéssemos à disposição. Eles estão apenas aguardando as nossas ordens.
Pamela não podia acreditar. Olhou o grupo e arregalou os olhos ao notar que cada pequena equipe possuía a seu lado pilhas de materiais — amostras, claro — de tudo o se podia imaginar: retalhos de tecido, pedaços de mármore, de pedras brutas, placas com texturas, tintas e revestimentos. Eddie transformara seu pátio em um minimercado para designers de interiores. Era estarrecedor e mais do que intimidante. De repente se lembrou de que havia trazido seu próprio séquito. Bem... ao menos era assim que eles se apresentavam.
— Que bom. — Recuperou o controle das cordas vocais com dificuldade. — Está certo. Isso vai nos economizar algum tempo. Deixe-me apresentar os assistentes que eu trouxe comigo, hoje... — E inclinou o corpo para que Apolo avançasse um passo.
Ártemis, que se encontrava de pé atrás do irmão, fitando, embriagada, um fiapo em sua camisa, de repente percebeu que tinha uma plateia para a qual se apresentar, e se colocou, lânguida, do outro lado de Pamela.
Diante da aparência dos gêmeos dourados, o grupo deixou escapar um suspiro coletivo de apreciação.
— Este é Delos Febo, especialista em arquitetura romana. — Pamela ficou satisfeita ao ver que Apolo inclinava a cabeça polidamente para Faust.
O autor, contudo, mal olhou em sua direção. Seus olhos estavam cegos para tudo o mais, exceto para a bela deusa a seu lado.
Pamela respirou fundo, cruzando os dedos.
— E esta é sua irmã, Diana. Ela é modelo, muito conhecida por sua beleza em toda a Grécia e Itália. Sei que queria manter Baco como a figura central em sua fonte, mas pensei que, talvez...
Suas palavras foram interrompidas quando Ártemis avançou com um andar lânguido e gingado até ficar a meio metro do volumoso autor. Então parou, ergueu a mão delicada até a elaborada coroa de cabelos e, com um leve puxão, libertou os fios longos e dourados, que se derramaram em uma onda espessa ao redor de sua cintura. Balançou a cabeça, e seus cabelos cintilaram, hipnóticos, à luz da manhã.
— Pamela imaginou que talvez preferisse a estátua de uma deusa — ela ronronou.
Pamela precisava admitir: Ártemis era uma atriz excelente. Assim como durante sua performance em Zumanity , ela ganhara a atenção do grupo.
Faust pareceu ter levado uma pancada na cabeça, depois piscou, e seu rosto se iluminou em um largo sorriso enquanto ele se curvava com incrível graça e um floreio.
— Quanta satisfação, Diana! — falou com seu vozeirão. — É uma honra ser agraciado pela presença da Deusa da Lua, das Florestas e dos Vales... — Concedeu um olhar a Apolo. — E você, meu bom companheiro, deve ser o Deus da Luz. Que divertido o fato de sua mãe tê-los nomeado segundo os gêmeos imortais.
Pamela sentiu o estômago se apertar. Era claro que um homem que fizera carreira escrevendo ficção reconheceria instantaneamente a mal ocultada verdade em seus nomes. Que diabo ela poderia dizer agora? Seria possível que Faust houvesse percebido quem eles eram de verdade?
Apolo sorriu.
— Descobriu nosso segredo, senhor.
— Por favor, não há nenhum senhor aqui. Pode me chamar de Eddie. — Seus olhos se desviaram para a beldade ainda parada à sua frente. — Pamela, saiba que já provou ser tão genial quanto imaginei que fosse. Agora que estou face a face com uma deusa, concordo com seu ponto de vista. Precisamos mudar a estátua central da minha fonte. Esqueça Baco. A beleza da deusa Diana será exaltada em seu lugar.
Pamela deu um suspiro de alívio, e Ártemis se curvou com graça.
— Não! Uma deusa nunca deve se curvar. — Faust se apressou em fazer Ártemis se erguer de sua profunda reverência.
— Até que enfim um mortal que sabe como tratar uma deusa... — comentou a diva.
Pamela mordeu o lábio, contudo Eddie sorriu com bom humor e levou a mão de Ártemis aos lábios.
— Mas é claro que sei. — Olhou para a multidão de trabalhadores reunida em torno deles. — Qual de vocês tem talento para esboçar esta linda deusa, de modo que um artista possa esculpir sua imagem imortal no mármore?
— Não seria mais fácil se ela tirasse algumas fotos digitais em diversas poses e, em seguida, o escultor começasse a trabalhar com base nelas? — Pamela indagou, aflita.
— Mais fácil, talvez. Mas não me parece certo. Soa muito frio. Muito impessoal.
— Mas Diana só estará disponível até sexta-feira. Depois tem um... ahn... compromisso a que não pode faltar — justificou Pamela.
— Então temos que trabalhar depressa. Eu gostaria de ter a minha deusa imortalizada à moda antiga. Febo, você é o expert na antiga Roma. Como isso costumava ser feito?
— Tem toda a razão. O escultor teria desenhado sua musa e, em seguida, começado a trabalhar com base em seus próprios esboços. — Apolo fez uma pausa e ergueu uma sobrancelha. — A menos que tivesse contratado Pigmalião. Acredito que ele trabalhava baseando-se na imagem da mulher que via apenas em seu coração... — Lançou um olhar ardente para Pamela. — O problema é que poucos de nós têm a sorte de ver seu mais profundo desejo concedido.
Pamela se obrigou a não se retesar. Apolo afirmava ter sido privado de seus poderes imortais, mas, quando olhava para ela daquela maneira, fazia com que sentisse calor, frio, excitação... tudo de uma vez.
Faust não pareceu notar o byplay acontecendo entre a designer e seu assistente, pois tinha a atenção voltada para sua própria imortal.
— Ah, mas temos Diana, não Galateia. Por isso mesmo a modelo merece um esboço.
— Galateia não era deusa. Era apenas uma pedra que foi trazida à vida — corrigiu Ártemis, um pouco irritada.
— Verdade! Tem toda a razão! — exclamou Eddie. — Pigmalião não teve a mesma sorte que eu.
— Posso desenhar sua deusa, senhor. — Um jovem se destacou do grupo.
— Excelente — concordou Eddie. — Temos o nosso artista e a nossa musa. E creio ter algumas fotos da fonte original do Fórum. Suponho que nossos artesãos possam usá-las como base para seu trabalho enquanto a nossa deusa estiver sendo desenhada.
— Na verdade — Pamela começou, enquanto abria a pasta e retirava, apressada, seu bloco de desenho —, imaginei que poderia gostar de algo exclusivo, por isso trabalhei em alguns esboços preliminares de uma nova fonte... baseada, claro, naquilo que tanto aprecia na do Fórum. Eu só não quis desenhar a estátua central sem a sua aprovação, mas acho que vai ficar muito satisfeita com isto.
— Pamela discutiu comigo os esboços, e eu posso lhe assegurar que a fonte que ela criou seria apreciada até pelos deuses do Monte Olimpo — afirmou Apolo.
— Que maravilha, Pamela! — Eddie tomou o caderno das mãos dela e acenou com a cabeça em aprovação. — Monte Olimpo... — Ele riu. — Eu não poderia esperar nada melhor para uma fonte que ostenta uma escultura de Diana. Por favor, mostre esses esboços ao nosso artista. — Faust lançou um olhar interrogativo na direção do rapaz.
— Mateus — esclareceu o jovem. — Meu nome é Mateus Land.
— Venham, Mateus, Pamela, Febo e Diana, minha linda. Vamos nos sentar e decidir sobre os detalhes da minha casa. — Eddie ofereceu o braço a Ártemis. Ela sorriu docemente e descansou a mão na parte superior de sua manga de seda. — Deseja algo, querida? — ele perguntou enquanto a conduzia em volta de um banco de mármore.
— Sim. Recentemente desenvolvi um gosto especial por uma bebida chamada mimosa .
Pamela tentou não gemer quando Eddie gritou para James pedir ao chef que preparasse mimosas para todos.
Pamela olhou para o relógio. Ela mal podia acreditar que já passava das quatro da tarde. O dia havia voado.
E fora bem melhor do que ela previra. De um modo irritante e irônico, sabia que precisava agradecer a Ártemis por isso.
Ergueu os olhos da página brilhante do catálogo que o representante da Shonbeck lhe mostrava, e que continha luminárias ao estilo do velho mundo. Eddie fingia prestar atenção, enquanto Apolo e o arquiteto se debruçavam sobre a última versão do esboço da sala de banhos, na qual haviam trabalhado pela maior parte do dia.
Na verdade, Eddie fazia o que ele não parara de fazer nas últimas horas: olhava com adoração para Ártemis.
Mas a deusa era, realmente, muito linda. Até mesmo os espalhafatosos representantes de tecidos gays suspiravam, melancólicos, diante da perfeição de seu cabelo, de seus seios e das linhas delgadas de suas pernas. No momento, ela se encontrava em pé sobre a plataforma elevada que Eddie mandara erguer, segurando um enorme vaso contra um quadril, do qual água iria verter quando o esboço fosse transformado em uma escultura para a fonte.
Pamela ficava tonta só de pensar. E isso sem levar em conta a despesa em que Eddie iria incorrer com aquela obra de arte original!...
Seu cliente parecia feliz, porém, e a fonte iria ficar mesmo muito bonita. Além do mais, esta não teria aquela animação medonha do Fórum. Uma só exclamação horrorizada de Ártemis em resposta à menção de movimento na fonte, e Eddie, mais do que depressa, vetara a ideia. Da mesma forma, uma simples carranca da deusa fora suficiente para que ele desistisse da construção daquela ginorme e horrível piscina, e optasse pela ideia de bom gosto do balneário romano.
Com esses dois problemas resolvidos, todo o restante correu como uma brisa. O gosto de Eddie não era tão lamentável quanto ela pensara a princípio. A questão era apenas que sua aura era enorme. Suas ideias eram grandiosas, e não apenas em seus épicos best-sellers. E. D. Faust preenchia o mundo ao seu redor com a grandeza da vida. Sim, ele era excêntrico. Na verdade, Pamela refletiu, ele parecia um personagem de um de seus romances: maior do que a própria vida e sempre pronto para uma nova aventura.
Sorriu para si mesma. Demorara um pouco a se acostumar com sua exuberância, mas compreendia por que as pessoas se sentiam atraídas por ele. Eddie era tão generoso quanto seu tamanho. A verdade era que E. D. Faust era mesmo um sujeito decente.
Ela havia tido um pouco de trabalho, mas, com a ajuda de Ártemis e Apolo, convencera Eddie a mudar o design de sua casa: do românico brega do Fórum para algo que começava a lembrar do cenário de Cleópatra , de Elizabeth Taylor. O estilo que emergia não era menos opulento do que o do Caesars Palace e do Fórum, porém bem mais chique.
Desviou o olhar do corpanzil de Eddie para Apolo. Ele inclinara a cabeça loira e a balançava com uma expressão atenta diante de algo que o arquiteto acabara de traçar no papel.
Como se pressentisse que estava sendo observado, ele levantou os olhos para os dela. Pamela desviou o olhar, mas não antes de ver seus lábios se curvar na sugestão de um sorriso. Apolo a apanhara em flagrante de novo.
E não fora algo difícil de ele fazer. Ela o fitara com o rabo dos olhos o dia todo, e ele sabia disso. Ela sabia disso.
E não conseguia evitar. Apolo fora tão maravilhoso!... Descrevera o funcionamento dos antigos balneários de Roma em detalhes para Eddie e seu arquiteto. Tinha sido mais do que paciente com suas intermináveis perguntas, respondendo-as com inteligência e concentração, de tal forma que até mesmo para ela Febo soara como um entusiasmado especialista. E nem uma vez exibira a detestável arrogância que ela imaginara ser inerente ao Deus da Luz.
Pamela suspirou. Já não podia dizer o mesmo de Ártemis. Mesmo que a diva estivesse adotando seu melhor comportamento naquele dia, continuava irritantemente exigente e vaidosa. Por sorte, Eddie parecia estar gostando de entrar no jogo de sua deusa...
Outra coisa boa, lembrou-se Pamela, era que Faust insistira para que a cozinha ficasse pronta antes de ele chamá-la para projetar o restante da villa , pois Ártemis mantivera o chef ocupado o dia inteiro com suas exigências por bebidas e iguarias. E Eddie, que, sem dúvida, muito apreciava os prazeres da boa mesa, havia se deliciado em atender a todos os caprichos de “sua deusa”.
Apolo era tão diferente da irmã!, Pamela teve que admitir para si mesma. Continuava o mesmo homem atento e inteligente que fora durante todo o fim de semana.
Mas ele não era um homem de verdade. Era um deus. E nenhuma mulher de bom-senso iria complicar a própria vida se envolvendo com um antigo deus...
Pamela suspirou e se obrigou a voltar a atenção para a página de lustres.
— Eddie... — Ártemis soou como uma menininha mimada. — Meu braço já está doendo de tanto eu segurar este vaso bobo! E estou com tanto calor que vou desmaiar se não me sentar.
— Claro, claro, minha deusa! — Ele se pôs de pé e correu para tomar o vaso das mãos dela. Empurrou de lado o jovem artista, quando este tentou ajudar sua musa a sair da plataforma, e segurou Ártemis pelo cotovelo, amparando-a enquanto ela descia com graça do altar improvisado. — Olhem só a hora! Que insensibilidade a minha!... Estamos nisto há séculos. Tempo demais para uma deusa trabalhar. — Ele ergueu a manzarrona, e sua voz grave silenciou até mesmo os trabalhadores que se encontravam ocupados no interior da vila. — Já chega por hoje! — bradou. — Nós nos encontraremos outra vez amanhã, à mesma hora!
Vários suspiros se fizeram ouvir ao seu comando. Tinha sido um dia difícil, porém produtivo.
Pamela detestava admitir, mas, pela milésima vez, viu-se contente por ter permitido que Apolo a convencesse de trazê-lo com a irmã até ali.
Estava esfregando a parte de trás do pescoço, e tentando desfazer um nó de tensão que se instalara neste, quando o “Pamela!” de Eddie ribombou, fazendo-a ir até o banco onde ele estava.
— Ah, aí está você, minha cara. — Ele fez um sinal para que ela se sentasse ao lado de Apolo, à sua frente.
Ártemis estava, obviamente, acomodada a seu lado. Abanava-se com um leque de penas que Eddie havia lhe arrumado, e Pamela notou que ela bebia champanhe de uma taça de cristal gelada. Graças aos Céus, Ártemis seria imortal de novo em poucos dias. Ao ritmo que estava indo, seria a imortalidade ou o alcoolismo!
— Andei discutindo os nossos novos planos com a linda Diana e seu irmão, e creio que estamos todos de acordo.
Pamela sentiu um familiar aperto no estômago.
— Planos? Que planos?
— Muito simples. Não há necessidade de vocês três viajarem de volta para Las Vegas quando podem muito bem ficar aqui comigo — declarou Eddie, sorrindo.
— Mas o único cômodo que está terminado é a cozinha!
Eddie riu.
— Não aqui... Aluguei uma casa de campo no parque Spring Mountain Ranch, no Red Rock Canyon. Tem acomodações bastante modestas, porém é muito mais próxima da minha villa do que o Caesars Palace. Até porque não há mais motivo para voltarem para lá, uma vez que o Fórum não mais servirá de modelo para a nossa Roma antiga. Agora temos Febo.
— Mas as minhas roupas e... ahn... Diana e Febo não trouxeram nada.
Os olhos de Pamela pousaram em Ártemis. A deusa tomou um gole do champanhe, tranquila, e, em seguida, piscou, maliciosa, para ela.
Eddie ignorou suas preocupações.
— James pode ir buscar suas coisas. Diana me contou que ela e o irmão planejavam apenas passar o dia por aqui, contudo ambos já aceitaram o meu convite para que prolonguem sua estada por uma semana. Eu ficarei honrado em comprar no resort qualquer coisa de que nossa deusa precise.
— Jantar, Eddie, jantar! — Ártemis lembrou com um suspiro. — Mal posso acreditar no quanto estou faminta.
— Claro. — Ele lhe afagou a mão. — Foi um dia cansativo. Vamos embora para o rancho, comer e ser feliz. — Eddie se ergueu pesadamente do banco, e Ártemis estendeu a mão para que ele pudesse ajudá-la a fazer o mesmo.
Em seguida, movendo-se com muito mais instabilidade do que com sua habitual graça, ela se agarrou ao braço gordo do homem enquanto ele se deslocava devagar pelo pátio, gritando para que Robert trouxesse o carro.
— Acho que não temos muita escolha — murmurou Pamela, não querendo encarar Apolo, agora que se encontravam sozinhos pela primeira vez naquele dia.
— Eu já fiz a minha escolha, doce Pamela — ele respondeu baixinho.
Ela o fitou, então. Apolo abriu seu sorriso encantador, tão familiar, e ela sentiu o peito se apertar.
— Às vezes é fácil esquecer quem você é de verdade — falou baixinho.
Ele a tocou no rosto.
— Já sabe quem eu sou realmente. Sabe desde a noite em que nos conhecemos.
— Mas não é um homem comum.
— Serei, ao menos pelos próximos cinco dias. — Ele imitou o gesto de Eddie: pôs-se de pé, tomou-lhe a mão e a ajudou a se levantar.
Pamela se permitiu dar o braço a Apolo conforme caminhavam pelo pátio deserto. Ele parecia tão quente, normal e certo a seu lado!...
Isso a assustou tanto que ela fez menção de puxar o braço; contudo, Apolo parou no meio do saguão de repente.
Pamela sentiu um tremor percorrer o corpo e olhou para ele. Seu rosto moreno empalidecera.
Ela seguiu seu olhar. James segurava as portas da frente da casa aberta para eles, e, por meio destas, ela podia ver Robert ajudando primeiro Ártemis, depois Eddie, a entrar na limusine.
— Eu havia me esquecido dessa criatura de metal — ofegou o deus.
— Venha. Vou fazer você se sentar na frente desta vez. — Pamela o segurou pelo braço com força e o puxou.
Ele era Apolo, Deus da Luz, da Música e da Cura. Um imortal que tinha vivido por eras, tema de muitas histórias, poemas e canções...
... Mas uma criatura que enjoava demais ao andar de carro.
Capítulo 24
A ideia de Eddie de “acomodações bastante modestas” era alugar todos os nove quartos da mansão de tijolos, que fora construída nos anos vinte e que, depois, tinha sido adoravelmente restaurada com antiguidades, canalização e parte elétrica modernas, em 2003. Ficava à margem do Red Rock Canyon spa e Resort , um adorável oásis de fontes naturais e matas verdejantes, que parecia bizarro e deslocado, ainda que lindo, em meio ao afloramento de rochas cor de ferrugem e da intrigante paisagem desértica do Red Rock Canyon.
Pamela parou diante do conjunto de três portas duplas que separava os alojamentos do enorme deque de madeira, onde, apressados, garçons uniformizados davam os últimos retoques na mesa de jantar com flores frescas e velas, enquanto um trio de músicos afinava seus instrumentos.
Música, velas, flores e porcelana fina, avaliou, aliviada por ter escolhido o tubinho preto em vez de algo mais casual.
A iluminação externa foi acesa de repente, tingindo a noite clara de Nevada com suaves nuanças, e Pamela respirou o ar fresco do deserto. Sentar-se ao lado do enjoado Apolo no banco da frente fora muito esclarecedor. Ele insistira para que ela ficasse junto dele, e parecera tão desamparado que ela havia suspirado e se espremido a seu lado, para o desgosto de Robert. Decididamente, ela amava o Colorado. Embora tivesse nascido e crescido lá, nunca se cansara da majestade de Pikes Peak e da beleza montanhosa de seu lar. Considerava-se bastante “viajada”, sobretudo em se tratando dos Estados Unidos, e já conhecera muitos estados encantadores, mas nenhum lugar preenchia seus sentidos e acalmava sua alma como o de sua própria casa.
Por isso mesmo era uma surpresa sentir-se tão atraída pelo deserto. A curta viagem da propriedade de Eddie, à margem do Red Rock Canyon, até aquele rancho fora repleta de cenários ao mesmo tempo austeros e espetaculares. Havia algo de misterioso e maravilhoso no deserto. Ele fazia sua imaginação correr solta, evocando fantasias infantis com caubóis do Velho Oeste, couro e suor.
Sorriu para si mesma diante de ideias tão tolas e românticas.
— Adoro o seu sorriso.
A voz profunda de Apolo a surpreendeu.
Pamela se virou. Ele estava tão próximo que ela pôde sentir seu calor. Era apenas o calor de um corpo normal, não o poder imortal do Deus da Luz, mas a fez se lembrar da noite anterior, e de como chamas tinham varrido seu próprio corpo em uníssono com seus impulsos...
Passou a mão pelo cabelo curto, nervosa.
— Não o percebi chegando.
— Eu não queria assustá-la.
Se Apolo soubesse!... Apenas a presença dele já fazia seu estômago se contrair e seu rosto corar. E isso antes de ela descobrir que ele era o bendito Deus da Luz!...
Céus!, estava sendo cercada e cortejada pelo imortal Apolo! Era um pouco como se ver bem no meio de um velho episódio de Jornada nas Estrelas , sem nenhuma possibilidade de ser teletransportada para longe de uma situação difícil.
Mas ela não queria ser teletransportada para longe de Apolo, e isso a estava deixando louca.
Ele era Apolo! Não conseguia conter o arrepio de emoção que a percorria cada vez que pensava nisso. Era inebriante, enlouquecedor e terrivelmente assustador.
Em vez de gaguejar como a louca em que ela pensava estar se tornando, Pamela apontou a noite do deserto com a cabeça, em um gesto que, ela esperava, parecesse indiferente.
— Não foi culpa sua. Eu estava distraída com o cenário. É muito mais bonito aqui do que eu esperava.
— Sim, sei bem o que quer dizer. O Reino de Las Vegas também me surpreendeu com sua beleza. — Ele sorriu e lhe afastou uma mecha de cabelo escuro da testa. Seus olhos capturaram e refletiram a iluminação do terraço e, por um momento, pareceram brilhar de novo com aquele azul imortal.
Pamela recuou um passo.
— Por quê? — ele indagou, magoado. — Por que está me evitando?
Um dos garçons ergueu a cabeça com óbvia curiosidade diante da pergunta, e Pamela acenou para que Apolo a seguisse até a borda mais distante da varanda, onde era menos provável que sua conversa fosse ouvida. Baixou a voz e tentou não se preocupar.
— Não estou desprezando você. Estou sendo apenas... c-cuidadosa — ela gaguejou, sem fitá-lo nos olhos.
— Não compreendo. — Ele passou a mão por seu rosto e suspirou. — Sabe, Pamela, isso nunca aconteceu comigo antes. Precisa me explicar quais são as regras do amor.
Ela sentiu o coração bater na garganta e engoliu em seco antes de responder.
— Não conheço as regras. Não sei como amar um deus. — Encontrou os olhos dele, relutante. — A verdade é que era diferente quando eu achava que você era apenas Febo.
— Eu sou Febo, Pamela.
— Não, não é! Meu Deus, Apolo... — Ela se interrompeu, apertando os lábios. — Veja! Nem consigo dizer coisas normais perto de você. “Meu Deus...” Você é um deus! Eu não sei o que dizer, o que fazer. — Pamela esfregou a testa.
Os músicos começaram a tocar uma valsa que só fez aumentar o clima surreal da noite. Era como se Apolo houvesse conspirado para adicionar uma trilha sonora à conversa.
— Eu não quero me apaixonar — ela disse baixinho. — Eu já não queria antes de te conhecer, e agora isso só me parece ainda mais impossível.
Ele balançou a cabeça.
— Não, não é impossível. O problema foi a forma como descobriu tudo. Eu devia ter lhe dito antes; tornado mais fácil para você aceitar.
— Como poderia ser mais fácil? Você é um deus antigo, e eu sou apenas uma mortal. Não estamos destinados a ficar juntos.
Dizer as palavras que a haviam assombrado o dia todo deixaram Pamela enjoada.
— Eu atendi ao seu desejo mais sincero — Apolo replicou numa voz baixa e firme.
— Claro que atendeu! Não é que eu não o deseje... Desejo muito. Você é perfeito. Eu pedi por romance, e você é, definitivamente, um sonho romântico que se tornou realidade.
Pamela queria ficar quieta, segurar as palavras que derramavam de sua boca, mas não conseguia. Tinha medo de que, fazendo isso, fosse se jogar nos braços de Apolo e pedir que ele ficasse lá para sempre.
Se fosse assim, o que seria dela? O que aconteceria com seu coração quando ele deixasse aquele mundo e voltasse para o seu próprio?
Apolo franziu a testa e tornou a sacudir a cabeça.
— Eu sou mais do que um sonho romântico, e você pediu por mais do que um simples namoro com um deus.
— Apolo, eu sei pelo que pedi — ela falou com firmeza.
— Sabe mesmo? Então talvez esteja interessada em saber que o vínculo da invocação entre você e minha irmã não se rompeu até ter admitido, ontem à noite, que sou sua alma gêmea.
— Sua alma gêmea... — ela sussurrou as palavras, negando com um gesto de cabeça. — Não! — Ele não podia ser. Se Apolo era sua alma gêmea, como ela sobreviveria sem ele?
O belo rosto do deus ficou lívido.
— Talvez eu tenha tido sorte, por todas estas eras, em não ter conhecido o amor... Parece que é um sentimento bastante doloroso.
Dizendo isso, curvou-se para ela de leve, fez meia-volta e se afastou.
Em vez de passar pelas portas e rumar para o quarto, como tivera a intenção de fazer, Apolo quase atropelou a irmã e Eddie quando estes saíam para o pátio, seguidos de perto pelo onipresente James.
— Que bom que já veio para cá! — saudou o escritor, dando-lhe um tapinha no ombro. Logo depois, avistou Pamela. — Excelente! Estamos todos aqui. James, já pode pedir que sirvam o jantar. Venha, minha deusa... A comida aqui pode ser simples, mas juro que não vai se decepcionar com sua qualidade.
— Eddie, eu quero mais daquele champanhe maravilhoso!
— Claro, claro... — ele murmurou, ajudando-a a se acomodar em uma das cadeiras.
Pamela observou o homenzarrão cercar a deusa de cuidados e mimos tal qual uma gimensa galinha, enquanto Apolo permanecia de pé, do lado oposto da mesa. Podia sentir seu olhar sobre ela.
Piscou, combatendo as lágrimas que lhe haviam assomado aos olhos, endireitou os ombros, desenhou um sorriso cordial e profissional no rosto, e se juntou ao pequeno grupo. Eddie, claro, insistiu para que ela se sentasse ao lado de “Febo”.
Por sorte, assim que ela pôs o traseiro na cadeira, uma nuvem de garçons convergiu para a mesa.
Eddie descrevera o jantar como “simples”, o que a fez se perguntar o que ele considerava extravagante. A comida não foi trazida aos poucos, como se poderia esperar de uma refeição cara, servida em um resort exclusivo. Em vez disso, o escritor ordenou que tudo viesse de uma só vez.
Foi como uma explosão de alimentos. As saladas individuais, de verduras frescas, cogumelos exóticos e uma série de tomates maduros e pequenos, eram montadas tal qual pequenos ninhos de pássaros. A massa do tipo farfalle parecia divina e cheirava a alho fresco e vinho branco. Espessas postas de salmão tinham sido grelhadas à perfeição, assim como compridas fatias de abobrinha cobertas de queijo provolone derretido e polvilhado com pimenta moída e sal. Durante toda a refeição, garçons atenciosos serviam as taças com champanhe gelado.
Tudo estava delicioso, e Pamela sentiu-se relaxar enquanto Eddie e Apolo conversavam amigavelmente a respeito da tradição dos banhos diários na antiga Roma. Na verdade, ela se viu intrigada com os detalhes vívidos que o deus fornecia sobre um mundo considerado morto havia muito tempo.
— Então, o banho se tornou uma atividade social... — concluiu Eddie enquanto mastigava o salmão.
Apolo concordou.
— Não era apenas o ato de se lavar. Os banhos romanos eram muito mais do que isso. No mesmo balneário não era incomum que houvesse espaços para exercícios, massagistas, barbeiros, restaurantes, lojas e bibliotecas. Era um centro de convivência; o centro nervoso do que acontecia na cidade. Em suas salas privadas, questões que não deviam se tornar públicas eram discutidas. Alguns dizem que até mesmo os deuses frequentavam os balneários de Roma para se inteirar das intrigas do dia.
— Ha! Sabe-se lá se o plano para matar César não começou em um desses balneários de Roma...? — conjeturou o autor.
— César! — zombou Ártemis. — Proclamar-se um deus foi apenas um de seus muitos erros. Ele devia ter escutado a esposa. Calpúrnia bem que o advertiu... Roma não ouviu muitas vezes as vozes de suas mulheres — completou, irritada.
Os olhos de Eddie se arregalaram.
— Eu tenho feito isso, minha linda! Venho pensando no assunto desde esta manhã, quando nos conhecemos. Alguma coisa parecia fora de lugar, não exatamente onde devia estar, e agora compreendo o quê... Você não é Diana. Reconheço agora a sua verdadeira natureza.
Ártemis ergueu uma sobrancelha dourada para o escritor e mordiscou seu segundo pedaço de salmão.
— É mesmo?
— Sim! Você é muito ardente para ser a pálida e etérea Diana. Você brilha e ofusca, não apenas como a luz da lua cheia. Carrega dentro de você a natureza de uma caçadora. Amanhã iremos descartar aquele vaso sem sentido, que segurou esta tarde, e substituí-lo por um arco e uma aljava repleta de flechas. A brandura de Diana feneceu, e a deusa Ártemis surgiu em seu lugar.
Pamela engasgou ao engolir, e um garçom correu para lhe trazer um copo de água. Tossindo, ela compartilhou um olhar de surpresa com Apolo; entretanto Eddie não havia terminado. Colocou a mão sobre o coração e deu início a uma cappella , a voz profunda e ressonante de barítono se elevando, depois abrandando — como a de um dos Três Tenores —, e preenchendo a noite no deserto:
Eu canto Ártemis das setas de ouro,
que a grande bulha da caça adora,
e que nos cervos suas flechas lança.
Ártemis que na caçada exulta,
curvando seu arco dourado
que cospe setas tão amargas.
Tão poderoso é o seu coração
quando pelas matas ela vaga
exterminando das feras as ninhadas...
Ártemis parou de comer quando Eddie se pôs a cantar, fitando-o com evidente espanto. O enorme homem fez uma pausa, gesticulou para o trio de mulheres que vinha dedilhando uma música de fundo suave durante todo jantar e estas pararam de tocar. Quando ele recomeçou a cantar, a harpista capturou a melodia e um som mágico de cordas o acompanhou:
Quando da caça a deusa das flechas se vê saciada,
deixa o tenso arco e visita o irmão, Febo Apolo,
no distrito de Delfos, sua rica morada...
Ele balançou a cabeça na direção de Apolo, que ergueu a sua em régio reconhecimento.
Comanda, então, o coro das Musas e das Graças,
deixando de lado seu arco e flechas.
Cobrindo-se com suas belas joias,
a bela dança das divas ela conduz.
Divino é a canto que estas entoam
louvando a brandura com que Leto
seus dois filhos deu à luz.
Filhos esses que, entre os deuses,
tão elevados e justos são
nos seus desígnios e na ação.
Saúdo a ti, filha de Zeus e da Leto de lindos cabelos!
A ti louvarei, e lembrarei também a tua canção...
A voz de Eddie segurou a última nota, enquanto a harpista improvisou um acorde fantástico. Conforme a canção se desvaneceu, a noite ficou muito quieta.
O olhar de Pamela se desviou de Eddie para Ártemis, e sobre esta ficou. Chocada, ela viu os olhos claros da deusa se encher de lágrimas. Em seguida, Ártemis se inclinou e beijou Eddie demoradamente nos lábios.
— Você conhece os Hinos Homéricos... — sussurrou, a apenas alguns centímetros do rosto do homem.
— Conheço os Hinos Homéricos — ele respondeu, solene.
— Você me surpreendeu, Eddie.
O sorriso de prazer da deusa fez Pamela prender a respiração, tal era sua beleza.
— Irmão — falou Ártemis sem tirar os olhos de Eddie —, desejo recompensar nosso anfitrião por seus aguçados poderes de observação. Você tocaria para mim?
— Claro — concordou Apolo. — Mas não tenho nenhum instrumento.
A voz inconfundível de Eddie retumbou pelo terraço.
— Já chega de música esta noite! Podem ir embora... — ele falou às musicistas — ... mas deixem os instrumentos. Meu assistente cuidará para que estes lhes sejam devolvidos amanhã.
As três mulheres saíram rápida e discretamente, e Pamela se perguntou quanto Eddie lhes pagara para que elas nem mesmo piscassem antes de deixar para trás suas ferramentas de trabalho.
Apolo tomou o assento desocupado da harpista e colocou as mãos sobre o instrumento sem demostrar nem um pouco da emoção que sentia. Era o Deus da Música. Harpistas o tinham adorado e louvado durante incontáveis séculos. As Musas o reverenciavam. Desde o dia em que havia convencido o recém-nascido Hermes a presenteá-lo com a primeira lira conhecida pela humanidade, considerava sua habilidade imortal com o instrumento mais do que garantida. Era como o ar que respirava e o vinho que bebia... sempre ali, com ele.
Mas, naquele dia, não era o imortal Apolo. Era apenas um homem comum.
Ele conhecia as notas. A sensação da harpa lhe era familiar... Ainda assim, sentiu o estômago se apertar. E se seu talento houvesse desaparecido com seus poderes? E se ele tocasse as notas erradas? Ou pior, tocasse as notas certas tão mal que estas parecessem erradas?
Ergueu a cabeça. Ártemis se levantara e recuara com graça para longe da mesa, de modo a ter espaço para iniciar sua dança.
Os olhos de Eddie estavam colados em seu rosto. O autor parecia completamente encantado por sua irmã.
Apolo pressionou a mão contra as cordas esticadas. Compreendia bem como se sentia o homenzarrão...
Relutante, ele desviou o olhar para Pamela. Ela o observava com atenção, sem dúvida à espera de ouvir o brilhantismo com que o Deus da Luz tocava.
Nesse instante, ele desejou estar de posse de seus poderes imortais. Ou então que fosse o mortal Febo de verdade. De repente, quis muito ser um ou outro. Estar preso entre dois mundos era como ser empurrado para um campo de batalha com apenas a lembrança das armas.
— Toque a música favorita de Terpsícore — pediu sua irmã, num tom imperioso.
Apolo sabia a melodia. Estava lá quando a Musa da Dança a criara, e tocara para ela quando esta a executara em um dos grandes banquetes de Zeus.
Fechou os olhos e se concentrou. Suas primeiras notas foram um teste: suaves, quase inaudíveis, porém seus dedos pareciam mais confiantes do que ele, o próprio deus. Eles conheciam as cordas prateadas, e viajaram para cima e para baixo, ao longo de todo o instrumento, como velhos amigos saudando um ao outro.
Apolo abriu os olhos. Ártemis flutuava pelo terraço, recriando a obra-prima de Terpsícore.
Ele sorriu com carinho para a irmã. Naquela noite ela não contava com poderes imortais, mas nem precisava. A seda do vestido que Eddie lhe comprara girava graciosamente em torno de seu corpo. Seus movimentos eram lânguidos e cheios de uma flexibilidade única, hipnótica.
Seus dedos voaram sobre as cordas, aumentando o ritmo da melodia. Ártemis o acompanhou, girando e ondulando em perfeito ritmo com a música, até o crescendo , depois do qual ela terminou em uma pose elegante aos pés de Eddie.
— Não! — gritou Eddie, puxando-a, de modo que a deusa ficou de pé a seu lado, respirando pesadamente. — Era eu quem deveria estar a seus pés, minha deusa!
Ártemis riu, sem fôlego.
— E então?... Gostou da sua recompensa?
— Guardarei essa sua dança na memória até a dia da minha morte!
A expressão da deusa ficou séria.
— Não quero pensar na sua morte.
Foi a vez de Eddie rir, e ele o fez com vontade.
— Não pense, pois esse dia ainda está longe, minha diva!
O sorriso de Ártemis retornou.
— Eddie, caminharia comigo? Sei que está escuro, a noite já caiu, mas...
— Seu desejo é uma ordem — proclamou o escritor. — Venha, os arredores estão bem iluminados, e é uma grande honra escoltá-la.
Sem lançar um só olhar na direção de Pamela ou de Apolo, os dois deixaram o deque, as cabeças próximas, enquanto Eddie perguntava à deusa sobre as origens de sua dança.
Ainda deslumbrada com a incrível performance de Ártemis, Pamela os observou partir. Não podia acreditar. Ártemis tinha dançado para Eddie como se desejasse aquilo; como se realmente se importasse com ele e quisesse agradecê-lo.
Que diferença um único dia havia feito!... Naquela mesma manhã, a deusa estivera arrogante e intratável.
Verdade que Ártemis continuava aguerrida, mimada, autoindulgente e fútil. Mas, quando olhava para Eddie, não deixava dúvida sobre o carinho que lhe transbordava no olhar. Seria possível que a deusa tivesse mesmo coração?...
Dois acordes suaves e mágicos, um seguido do outro, chamou sua atenção de volta para o seu imortal.
Seu imortal!...
O pensamento a fez estremecer. Antes daquela noite, ela teria imaginado que um homem tocando uma harpa seria, no mínimo, efeminado e, no máximo, muito gay !
E Apolo não era nenhuma das duas coisas. Era másculo e magnífico. Não tocava a harpa apenas; ele a acariciava como a uma amante, fazendo que a música brotasse dela. Era como se sua carícia trouxesse vida ao instrumento. Com aquele corpo dourado e musculoso, o cabelo colorido pelo sol, parecia um antigo guerreiro fazendo uma pausa entre as batalhas para descansar e recitar seus feitos heroicos.
Quando Apolo começou a cantar, e seus dedos extraíram um som ritmado e sensual das cordas, ela encontrou seus olhos.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
A voz de Apolo era tão perfeita que era quase indescritível.
Pamela tentou imaginar como ele devia soar quando podia usar seus poderes imortais. Não admirava que várias gerações tivessem construído templos e esculpido estátuas em sua homenagem.
E agora ali estava ele, cantando só para ela.
Nesse momento, ela o desejou tanto que a força do sentimento quase a sufocou.
Sem pensar com muita clareza, Pamela se levantou e caminhou até ele.
Quando olho para ti, perco a fala,
minha língua congela e cala
e chamas sob minha pele se alastram.
Já não vejo com meus olhos,
em meus ouvidos ressoa um zunido,
um frio suor me cobre inteiro,
um arrepio me faz cativo...
Mais verde do que a erva fico,
perto da morte eu me sinto.
Pamela parou diante dele. O único poder que Apolo tinha sob seu comando era o de um homem apaixonado. Mesmo assim ele a encantava.
Estremeceu conforme ele repetia o refrão e a cobria com o calor de suas emoções.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
Quando a brisa da noite varreu a última nota, ela estendeu a mão, tímida e, com um dedo, acariciou as costas da mão que descansava nas cordas da harpa.
— Você compôs isso?
Apolo sorriu e segurou a mão dela.
— Não. Foi escrito por Safo. Ela era uma poetisa grega, e uma amante apaixonada de mulheres. Peguei emprestadas as palavras... Safo era dona de um senso de humor cáustico e de uma inteligência afiada. Creio que consideraria a nossa situação um tanto divertida. Não acho que se importaria com a pequena mudança que fiz em seus versos.
— Foi muito bonito. Sua voz é... — Ela fez uma pausa, tentando encontrar palavras para descrever o que tinha ouvido. — Sua voz é como um sonho quase esquecido. Algo fantástico demais para ser real.
— Mas é real. Eu sou real. — Apolo a puxou para si. Pamela hesitou, e ele passou o braço em volta de sua cintura, trazendo-a para mais perto. — O que sente por mim é verdadeiro...
O deus pressionou os lábios suavemente contra os dela. Precisava sentir seu gosto e calor, contudo Pamela estava tão rígida e inflexível que ele se contentou com um beijo quase casto. Primeiro na boca, depois no rosto.
Por fim, ela relaxou o bastante para descansar a cabeça em seu ombro, e Apolo respirou o perfume de seu cabelo. Quando se inclinou para beijá-la outra vez, Pamela levantou a mão e o impediu com um dedo.
— Vou pedir que me dê algum tempo.
— Tempo?
— Preciso de tempo para pensar sobre o que está acontecendo entre nós, e não consigo pensar quando me toca e me beija... Por isso mesmo estou pedindo algum tempo. Vai fazer isso por mim?
Ele queria dizer “não”, atirar a harpa para o lado, tomá-la nos braços e fazer amor com ela lenta e apaixonadamente, até que Pamela não conseguisse pensar em nada. Sabia que podia convencê-la a se entregar; sentia isso no modo como seu corpo gravitava para ele e na maneira como seus olhos fitavam os seus. Tinha consciência da paixão que ardia dentro dela, e sabia como despertá-la e usá-la.
Mas e depois? Na manhã seguinte, Pamela se afastaria de novo. E ele queria que ela viesse até ele por livre e espontânea vontade, sem arrependimentos.
Tirou o braço de seu corpo. Em vez de tentar beijá-la outra vez, afastou a mecha de cabelo escuro que vivia lhe caindo sobre a testa.
— Vou lhe dar esse tempo para que possa pensar. — Sorriu, tristonho, beijou-lhe a mão, então caminhou devagar para longe do terraço.
Sozinho.
Capítulo 25
O telefonema, às sete e meia, de uma jovem alegre, anunciando que o café seria servido no terraço às oito, veio cedo demais para Pamela. Que diabo estava acontecendo com ela? Seu relógio interno normalmente a despertava bem próximo ao amanhecer. Para sua rotina normal, sete e meia da manhã já era tarde.
Naquela manhã, porém, ela esfregou os olhos, sentiu a cabeça pesada e desejou poder se aninhar e dormir por pelo menos mais umas duas horas.
Culpa de Apolo. Saber que o Deus da Luz dormia sozinho no final do corredor a fizera rolar e se virar na cama pela maior parte da noite. Assim como aquela voz maravilhosa dele, que continuava soando em sua cabeça.
E seu toque... A cada vez que fechava os olhos, podia sentir aqueles lábios ardendo contra os dela.
Pelo visto, não importava que ele estivesse sem os seus poderes imortais. Para ela, seu toque ainda era como fogo, luz, suor e...
Maldição dos infernos! Ela precisava controlar os próprios hormônios.
Esfregou os olhos e se lembrou de que, na certa, Eddie mandara preparar um excelente café, que devia estar prontinho, esperando por eles.
O que a fez se lembrar de que — tinha certeza —, ouvira Eddie e Ártemis rindo no caminho de volta a um dos quartos, lá pelas duas da madrugada. Talvez os dois até houvessem tido relações sexuais, por mais grosseiro que fosse pensar naquilo.
Ártemis faria aquilo? Não se esperava que fosse uma das deusas virgens?...
Pamela pensou na temporada erótica da diva com Zumanity e no modo sexy como ela andava e falava. Ártemis parecia tão virgem como a Madonna (a cantora, não a outra). Exatamente o oposto de uma deusa casta, inacessível e intocável.
Pamela gemeu de novo ao sair da cama. Lavou o rosto e escovou os dentes, lembrando-se de que era terça-feira. Sem contar aquele dia, haveria apenas mais três até que o portal fosse reaberto, Ártemis e Apolo voltassem ao Mundo Antigo, e ela pudesse retornar ao seu próprio.
Sentiu o estômago revirar. Não. Não era tão ingênua a ponto de esperar que Apolo fosse ficar por ali por tempo suficiente para ter um relacionamento de verdade com ela. Ele iria embora. E ela retornaria à sua vida normal, aborrecida e sem emoção...
Não. Ela já havia resolvido aquilo. Não iria rastejar de volta para sua concha, assexuada, sem companhia, sem romance. Precisava pensar em Apolo como sua porta de entrada para o mundo do namoro. Fora uma missão de reconhecimento bem-sucedida. Iria mudar de missão quando voltasse para casa. Não seria mais apenas trabalho e nada de diversão. Ela — iria — namorar!
— Maldição dos infernos ... — disse ao reflexo desgrenhado no espelho do banheiro. — Estou parecendo uma sócia excêntrica daquelas milícias pelo namoro! Ve vai ficar com tanta vergonha de mim!... — Pamela se interrompeu e deu um tapa na testa. — Ve! Não tenho nem mesmo checado as coisas com ela!... — Vasculhou a bolsa até encontrar o celular e digitou o número da amiga sem muita delicadeza.
— Está cansada de mim? Não me ligou mais... Diga que não é verdade — dramatizou Ve em vez de dizer “Olá”.
— Não é verdade — afirmou Pamela. — Deus, Ve, estou tão envergonhada por não ter telefonado!... As coisas aqui têm sido mais do que gimensamente insanas.
— O escritor está louco e “nas últimas”...?
— Não. Na verdade, Eddie é um sujeito excepcional, e o trabalho está em vias de se tornar quase de bom gosto. Você sabe... Algo que Elizabeth Taylor e Richard Burton teriam gostado.
— Está brincando! Não me diga que o convenceu a recriar o palácio de Cleópatra !
— Bem... quase.
— Como assim?!
— Sim, estou criando algo como o cenário de Cleópatra . Mas não sou eu a responsável pela parte do convencimento.
— Ele tem alguma assistente lésbica com obsessão por Elizabeth Taylor, também? Deus, esse mundo é mesmo um lugar pequeno e inacreditável!... — Ve suspirou, feliz. — Vai me arrumar algum lance , por acaso?
— Mais uma vez, não. O assistente dele é homem, e tenho certeza de que ele é hetero. São os meus assistentes que o estão persuadindo a mudar de foco. E foi apenas por um feliz acidente que o lugar está ficando parecido com um complexo do MGM.
— Espere um pouco! Você só tem uma assistente, que sou eu. E eu não estou aí, porque estou aqui, às voltas com aquela louca do gato velho, a sra. Graham... Que, a propósito, se convenceu a esquecer aquele sofá de veludo cor de ameixa. Vamos procurar pelo chintz hoje. Eu disse a ela que o tecido iria disfarçar mais os pelos de gato. Independentemente da história da “Mulher Gato”, ainda há o importantíssimo detalhe de que a sua assistente cést moi , e eu estou aqui. Explique-se.
O que ela poderia dizer? , perguntou-se Pamela. Se admitisse acreditar que Apolo e a irmã eram imortais presos em Vegas, Ve pegaria o primeiro avião com uma bolsa cheia de Valium e faria uma reserva para que ela passasse agradáveis “férias” na primeira clínica psiquiátrica que encontrasse pela frente.
Sem dizer que ela, Pamela, iria deixar sua melhor amiga preocupada à toa.
Não. Não podia dizer a verdade.
Respirou fundo. Não pensaria naquilo como uma mentira. Iria considerar tudo como uma ficção. Era o que Eddie fazia para viver, e ninguém o chamava de louco.
Bem, pelo menos não abertamente.
— Eu contratei Febo e sua irmã para serem meus assistentes até sexta-feira. Febo é especialista em arquitetura romana antiga. Já a irmã dele é tão sexy que Eddie mudou de ideia sobre fazer daquele horroroso deus Baco a estátua central da fonte, e está fazendo a moça posar como modelo de deusa — ela completou, respirou, então aguardou pela explosão.
— Você contratou o seu namorado?
— Ele não é meu namorado.
— E a irmã dele?... — Ve continuou como se Pamela não tivesse dito nada.
— Sim, bem, a irmã veio apenas como brinde. Febo é mesmo um expert em Roma antiga. Ele me ajudou a convencer Eddie a construir um autêntico balneário romano em vez de uma réplica cafona da piscina do Caesars Palace. Você sabia que os antigos romanos usavam seus balneários como clubes?
— Ok... foco! Ainda não terminei as perguntas sobre o seu namorado.
— Ele não é meu namorado.
— Seja lá o que for. Pensei tê-la ouvido dizer que ele era médico e músico — lembrou Ve. — E ele não devia ter zarpado de Vegas na segunda de manhã?
— Ele é médico e músico. E também especialista em Roma antiga. E, sim, ele devia ter ido embora, mas... ahn... perdeu o voo, por isso decidiu ficar — elaborou Pamela, tentando manter a voz leve, e de um modo que não soasse mentirosa.
— Parece tudo muito conveniente para mim. E eu achando que ele era um jovem cavaleiro Jedi!.. . Quantos anos ele tem, afinal?
— É mais velho do que eu pensava no início — admitiu Pamela, grata por poder responder a uma das perguntas da amiga com sinceridade.
— Ainda está transando com ele?
— Não! Pelo menos não na noite passada.
— Foi sua ideia ou dele não transar ? — Ve insistiu.
— Minha — confessou Pamela, desgostosa.
— Ô-ô... Está completamente amarrada . Por favor, diga que não o contratou apenas para mantê-lo por perto e se torturar com sua crescente obsessão! É o tipo de coisa que estabelece um daqueles cenários doentios de ópera, Pammy.
— Não é nada disso. Eu o contratei — e àquela infeliz da irmã dele — porque precisava de ajuda.
— Quer dizer que a bonitinha é uma bela bisca ...?
Pamela sorriu. Sabia que usar Ártemis como bode expiatório iria funcionar.
— Ela é horrível! Linda, altiva, do tipo que tem complexo de deusa. Você iria adorá-la.
— Você é tão engraçadinha... — Ve suspirou.
— Também sou um gênio do design . Contratar Febo e Diana tirou por completo a pressão de cima de mim para que eu transformasse algo totalmente brega em algo de bom gosto. Eddie está apaixonado por Diana. Um sorriso ou beicinho dela, e ele muda de ideia.
— E você, claro, a informou sobre o que Eddie deve gostar ou não...? — concluiu Ve.
— Claro — Pamela mentiu mais uma vez. Não se podia obrigar Ártemis a fazer muita coisa. Sorte que a deusa tinha excelente gosto... ainda que este fosse meio extravagante.
— E então, o que o seu trípode faz além de ficar por perto, bancando o macho?
— Ele não é meu trípode. E está trabalhando com os arquitetos, no balneário. É superinteressante saber mais sobre... — Uma batida na porta a interrompeu. — Espere um pouco, tem alguém na porta.
— Pamela? — A voz profunda de Apolo fluiu através da madeira. — Eu preciso de ajuda!
— Ahn, Ve, tenho que desligar.
— Ok, ligue mais tarde. E lembre-se: não fique se preocupando com tudo, mas tenha cuidado.
Pamela resmungou um adeus e fechou o telefone flip-top pouco antes de abrir a porta. Ela a escancarou e seus olhos fizeram o mesmo ao pousar em Apolo. Ele estava nu da cintura para cima! Tinha o cabelo ondulado todo desgrenhado, e seu queixo e faces estavam cobertos de sangue.
— Ah, meu Deus!... O que aconteceu?
— Fiz a barba — ele explicou. — E estou sangrando!
— ... Venha aqui. — Pamela o puxou para dentro do quarto e fechou a porta. Sob as manchas de sangue que salpicavam seu rosto, Apolo tinha a pele pálida. Ela balançou a cabeça e apontou para uma cadeira. — Sente-se antes que desmaie. Você não me parece bem.
Ele se deixou cair na cadeira. Tocou uma das gotas de sangue, olhou para o dedo avermelhado e engoliu em seco.
— É o meu sangue...
Pamela franziu a testa.
— Claro que é. Tirou sangue de si mesmo ao se barbear. — Rumou para o banheiro a fim de apanhar uma toalha molhada, olhando-o por cima do ombro. — Já fez a barba antes?
Ele negou com um gesto de cabeça, sem-graça.
— Não.
Pamela voltou ao quarto com a toalha molhada, lembrando-se de como o rosto de Apolo lhe parecera suave e sem pelos na manhã em que haviam acordado juntos.
— Nunca fez a barba?...
Ele a fitou.
— Nunca precisei fazer. Nunca tive barba.
Ela se inclinou diante dele e lhe examinou o rosto, tocando-o na face.
— Não está tão ruim. Você só se cortou algumas vezes. É que o rosto sangra muito facilmente.
— Eu não sabia — Apolo murmurou, parecendo ainda mais pálido.
Pamela se endireitou.
— Nunca viu sangue antes?
— Não — ele concordou, em seguida franziu a testa. — Quero dizer... sim. Mas nunca aconteceu de eu sangrar.
Pamela abriu a boca, depois fechou. Ele era um deus. Deuses não morriam, por isso era lógico que também não sangrassem.
Não soube o que dizer. Antes que pudesse formular uma resposta inteligente, ouviu duas batidas fracas, seguidas pelo som fraco de seu nome.
— Espere aí — disse a Apolo. — Quem é?... — perguntou através da porta.
— Eu! — A palavra soou como um gemido.
— Ártemis? — indagou Pamela, abrindo a porta.
Vestida com a túnica curta mais uma vez, a deusa se arrastou para dentro do quarto como se reeditando uma antiga tragédia grega, com uma das mãos estendida à sua frente e a outra segurando o pescoço.
— Pamela! Alguma coisa está muito errada comig... — Ao avistar o irmão sentado na cadeira, com o rosto salpicado de sangue, Ártemis levou a mão da garganta para a boca.
Pamela bateu a porta e segurou o cotovelo da deusa.
— Nem pense em gritar! — falou devagar e claramente.
— Oh!... — Ártemis oscilou, e Pamela a guiou para a cama, onde a diva se deixou sentar, ainda com os enormes olhos vidrados em Apolo.
— Ele está morrendo?! — indagou, em pânico.
— Ah, meu bom Senhor... Claro que não! Ele só se cortou no barbear. — Pamela esfregou a têmpora direita, sentindo a pontada que marcava o início de uma forte dor de cabeça.
— Apolo!? — Ártemis perguntou com voz trêmula.
— Não sou muito bom com a... — Ele fez um movimento, simulando a lâmina.
— Navalha — completou Pamela. — Não, você não é bom com a navalha. — Ela caminhou até ele e se abaixou de novo. — Isso pode doer um pouco... — Tocou os cortes com a toalha molhada.
O único movimento de Apolo foi uma puxada de ar.
Sua irmã assistiu a tudo, horrorizada.
— Ele está sangrando! — exclamou Ártemis.
— Sim, é isso o que acontece quando você se corta com uma navalha. Você sangra. — Pamela revirou os olhos para a deusa antes de se concentrar outra vez em Apolo. — Ok. Agora é só pegar um lenço de papel e pressionar uns pedacinhos nesses cortes. Muito em breve eles vão coagular e parar de sangrar, então estará novo em folha.
— Lenço de papel? — inquiriu Apolo.
— Coagular? — indagou Ártemis com voz estridente.
— Esqueçam... Eu mesma faço isso.
Pamela suspirou, foi até o banheiro, apanhou dois lenços de papel e tornou a se agachar ao lado da cadeira de Apolo.
Os gêmeos observaram, admirados, enquanto ela rasgava pedacinhos redondos e os pressionava nos cortes.
— Pronto — Pamela anunciou e se endireitou a fim de avaliar seu trabalho. — Isso deve parar o sangramento. Quando estiver pondo a camisa e penteando o cabelo, já poderá tirar os papéis sem que os cortes se abram novamente.
— Eles se abrem de novo? — ele perguntou, agoniado.
— Apolo, não é o Deus da Cura ou sei lá mais do quê? Como esse tipo de coisa pode ser tão chocante para você? — Pamela indagou, exasperada, sem saber se queria abraçá-lo ou chacoalhá-lo.
O deus se levantou de um salto.
— Tem toda a razão. Eu... Eu estou me sentindo um tolo. Vou me vestir e já volto — informou, batendo em retirada.
— Isso não foi muito gentil — observou Ártemis.
Pamela colocou as mãos nos quadris e se virou para a deusa.
— Olhe só quem está, de repente, toda preocupada com bons modos!... Preciso lembrá-la de que já deixou claro que me considera apenas uma experiência mortal que deu errado? Parece que me lembro de ter dito algo sobre estar farta de ficar algemada a mim como desculpa para ter me lançado algum tipo de magia sexual e fazer que eu me interessasse pelo seu irmão...
Ártemis se encolheu toda.
— Está piorando a minha dor de cabeça!
— Que bom!
— Mais uma vez, isso não está sendo muito agradável da sua parte! Até porque eu posso estar morrendo!
— E por que acha isso?
— Basta olhar para mim! Alguma coisa está muito errada. Meus olhos estão vermelhos, inchados e, sob eles, estou com essas manchas escuras horríveis. Estou com o estômago embrulhado e acho que a minha cabeça vai arrebentar a qualquer momento — choramingou a deusa, caindo dramaticamente sobre os travesseiros de Pamela.
— Por favor... Não há nada de errado com você, exceto uma enorme ressaca! — esclareceu Pamela, tentando não rir.
— E isso vai me matar? — Ártemis perguntou, endireitando o corpo para, em seguida, fazer uma careta de dor e segurar a cabeça.
— Não. Mas eu deixaria de lado as mimosas e o champanhe hoje.
A deusa empalideceu.
— Nem sequer mencione aquelas bebidas!
Pamela não pôde deixar de sorrir para ela.
— Aposto que está morrendo de sede.
— Estou seca! Como sabe? Já teve esta doença?
Pamela foi até o frigobar e apanhou uma garrafa de água. Rompeu o lacre, então a entregou a Ártemis. — Mais vezes do que estou disposta a admitir. Você ingeriu muito álcool ontem, e seu corpo temporariamente mortal está lhe dizendo que não foi uma boa ideia. — Pamela observou Ártemis entornar a garrafa de água. — Espere, não beba tudo. Vai precisar de um pouco para tomar com o Tylenol — explicou, vasculhando a bolsa até encontrar sua caixinha. Revirou as cartelas de Benadryl e Xanax até encontrar dois comprimidos do remédio. — Engula isto e depois tome um café da manhã leve: talvez apenas algumas torradas ou bolinhos. — Ao observar a expressão vazia de Ártemis, ela acrescentou: — Ah, está bem... Eu mostro o que poderá comer. Mas trate de beber café e um pouco mais de água. Vai se sentir melhor em breve.
— Vou ficar com uma aparência melhor também? Mal pude acreditar na imagem horrorosa que vi no espelho!...
Pamela estudou o rosto da deusa, assim como tinha feito antes com seu irmão. Ártemis continuava, como sempre, incrivelmente bela, mas, naquela manhã, a deusa se encontrava mesmo muito abatida.
— Vamos até o banheiro. Talvez eu possa dar um jeito nessas olheiras. — Ela fez uma pausa e lançou a Ártemis um olhar avaliador. — Espere... Faremos um trato. Vou melhorar sua aparência se prometer ser boazinha com Eddie outra vez.
À menção do nome do autor, a expressão de Ártemis mudou. Seu rosto pareceu suavizar, e suas faces se tingiram de um rosa delicado.
— Ah, meu Deus!... Está mesmo gostando dele! — exclamou Pamela.
— Ele... ele me lembra alguém — Ártemis sussurrou.
— Gosta de Eddie porque ele a faz se lembrar de alguém? Quem?
Os olhos da deusa faiscaram, e ela reassumiu sua habitual arrogância.
— É problema meu, não seu, quem Eddie me lembra. E não estou gostando dele apenas por causa disso. Ele me reconheceu. É um mortal de um Mundo Moderno que já não honra os deuses e as deusas, mas Eddie me conhece e me adora. E isso me agrada.
— Sei — resmungou Pamela. Em seguida, fez sinal para Ártemis se sentar no balcão do banheiro enquanto revirava seu estojo de maquiagem em busca de um corretivo.
Por algum tempo, trabalhou em silêncio no rosto da deusa, cobrindo os círculos escuros sob os olhos enormes e espalhando um pouco de pó bronzeador em suas faces, de modo a trazer de volta sua cor natural. Então, como se Ártemis já não fosse naturalmente maravilhosa, destacou seus olhos com uma sombra cintilante. Era como retocar uma pintura feita por um mestre, concluiu.
— Hipólito — murmurou Ártemis.
— O quê? — Pamela perguntou.
— Quem. Hipólito não era uma coisa. Era uma pessoa. Eddie faz que eu me lembre dele.
— Hipólito também era escritor? — Pamela quis saber, acrescentando apenas um toque de blush nas maçãs salientes do rosto da deusa.
— Não. Ele era guerreiro. Filho de Teseu. Era alto, forte e quase tão bonito como um deus. Não é o corpo de Eddie que lembra o do meu Hipólito. É em sua devoção que vejo muita semelhança.
— Você fala de Hipólito no pretérito... Ele está morto?
— Sim — admitiu Ártemis. — Assassinado por engano, por conta de sua devoção a mim. Fui a única mulher que ele amou.
— Eu sinto muito — sussurrou Pamela.
Ártemis encontrou o olhar da mortal, surpresa por identificar nele tanta compreensão.
— Você também perdeu um amor.
— Ele não morreu fisicamente... Mas descobri que o homem em que eu acreditava, na verdade, não existe.
Ártemis assentiu com um gesto de cabeça, pensativa.
— De certa forma, isso me parece até mais difícil de suportar. Pelo menos Hipólito já não caminha sobre a Terra antiga. Seria muito doloroso vê-lo, sabendo que ele é apenas a imagem do que eu acreditava que ele fosse...
— Então me entende — murmurou Pamela.
— Sim. — Ártemis sorriu, tristonha. Em seguida, virou-se. Ao se ver no espelho, seu sorriso se ampliou e se transformou em um sorriso de verdade. — Você realizou um milagre!
Pamela riu.
— Com certeza. E esses milagres têm nome: Borghese, Mac e um pouco de Chanel para completar. São milagres da mulher moderna que trabalha.
— Obrigada, Pamela! — a deusa falou com sinceridade.
— Foi um prazer, Ártemis. — Ela olhou para o próprio reflexo com um suspiro. — Agora vou ter que operar o mesmo milagre em mim. E depressa.
Ártemis deslizou do balcão.
— Eu digo a Eddie que fui a responsável pelo seu atraso. Ele não vai ficar nem um pouco aborrecido se tiver algum tempo a sós comigo antes que você venha ao nosso encontro...
— Ártemis! — Pamela chamou e, com a mão na maçaneta da porta, a deusa se virou para encará-la. — Posso fazer uma pergunta? Mesmo sendo meio pessoal?
A diva encolheu um ombro.
— Merece até uma bênção pelo milagre que fez. Não tenho poderes para lhe agradecer, assim terei prazer em responder à sua pergunta.
— Não entendo muita coisa de mitologia, mas lembro-me de ter lido que você, a deusa Ártemis, era uma deusa virgem, intocada por qualquer homem ou deus. Fico me perguntando se isso é verdade...?
Por um momento, Ártemis pareceu chocada. Depois, perplexa. Então começou a rir.
— Desculpe, eu não tive a intenção de que isso fosse engraçado — Pamela murmurou, meio envergonhada pela reação da deusa à sua pergunta.
— É da imaginação dos homens que estou rindo, não de você. Eles me denominaram a “Deusa Virgem” porque me recusei a ficar presa a um parceiro. Eu levo o amor aonde vou. Decido quem, onde e quando... Meu verdadeiro prazer vem da minha liberdade. Minha amante favorita é a floresta; minhas antigas companheiras, as ninfas que me servem. Mas posso lhe assegurar... não sou virgem — afirmou Ártemis, saindo do banheiro e deixando sua risada melodiosa como rastro.
C O N T I N U A
Capítulo 18
— Eu não faço a menor ideia do que vestir. — Pamela suspirou ao celular.
— Alguma coisa quente , mas não muito — sugeriu Ve. — Ele tem algumas explicações a dar antes de você cair de costas e abrir as pernas outra vez...
— Eu não abri as pernas assim!
O silêncio de Ve pesou na consciência já pesada de Pamela.
— Está bem, talvez eu tenha aberto um pouco — admitiu.
— Pammy, não existe abrir as pernas “um pouco”. É como estar um pouco grávida, ou se engajar em uma pequena guerra nuclear.
— Ah, Deus! Eu sou uma vagabunda! — Ela cobriu os olhos com a mão.
— Ora, por favor... Você teve relações sexuais com dois homens num período de... o quê? Oito, nove anos? Isso está longe de qualificá-la como uma prostituta.
— Mas eu dormi com Febo no nosso segundo encontro! — ela cochichou.
— Ei, não tem que cochichar! Está sozinha. Sem dizer que está se justificando para a pessoa errada, você sabe. Vamos rever aquela velha piada... O que uma lésbica leva com ela em um segundo encontro? — Ve fez uma pausa, na expectativa.
— Um reboque com a mudança — respondeu Pamela.
— Certo. Então, como pode ver, do meu ponto de vista tem se mostrado criteriosa até demais.
— Tem razão. Estou falando com a pessoa errada — Pamela concluiu.
Ve a ignorou.
— O que não significa que não deva fazer um pouco de doce ... Ao menos por uma noite, até que o jovem Jedi, Febo, explique por que resolveu abandoná-la pela manhã e, mais importante, por que deixou de mencionar esse fato antes, durante e depois de você ter aberto as pernas.
— Será que pode parar de chamá-lo desse jeito?
— Por quê? Falo como um elogio. Além disso, de acordo com suas incansáveis descrições, ele se encaixa perfeitamente na imagem.
— Febo não é nenhum Jedi . Se quer a verdade, ele parece mais um deus.
— Ah, controle-se! Nada é melhor do que um cavaleiro Jedi ... Exceto a princesa Leia.
— Vernelle! Não está ajudando em nada assim.
— Desculpe. Está bem, o que pode vestir?... Que tal aquele seu lindo vestido de seda creme? Você sabe, aquele com alças finas. Está na última moda de primavera e sempre faz sucesso com as massas. Você o levou, não levou?
— Sim. Mas não se lembra de como é decotado? Hello!... Tem alças finas! Ombros nus e decote profundo não entram na categoria “quente, mas não muito” — lembrou Pamela.
— Verdade. Muito bem. Levou as calças pretas? Aquela com as fendas que mostram uma boa parte das panturrilhas?
— Sim, acho que sim.
— Use-as com um dos seus tops sem mangas. Mas um com um decote alto. Assim ele consegue ver um pouco de suas pernas, um pouco dos seus braços, e apenas o contorno de tudo o mais. Se for um bom menino, poderá abrir o restante do pacote depois que vocês fizerem as pazes.
— Ve, você é incorrigível! — exclamou Pamela.
— Sim, eu sei. Mas também sei o que cai bem em mulheres.
— Agora me pegou. Está bem, vou usar as calças. E não vou dormir com ele de novo.
— Dormir? Você não me contou nada sobre ter dormido com o Jedi ! Eu posso não ser hetero, mas até eu sei que ninguém dorme com cavaleiros Jedi .
— Pare com isso. Sabe muito bem que estou falando de sexo.
— Pammy, você pode ter relações sexuais com ele. Basta judiar de Febo um pouco primeiro.
Pamela fez menção de dizer algo, depois mudou de ideia.
— Está bem. Talvez.
— Não me venha com “está bem, talvez”. Conheço esse seu tom. O que há de errado? Desembuche, criatura!
— Eu gosto dele — Pamela murmurou.
— Sim, deixou isso mais do que claro. E qual é o problema?
— Quero dizer que realmente gosto dele. E não quero isso. Não é muito inteligente da minha parte.
— Pammy, escute-me... O que não é muito inteligente é deixar Duane, aquele manipulador obsessivo, envenenar o seu futuro. Esse tal de Febo pode não ser o cara . Ele pode ser apenas alguém com quem está tendo um “casinho” em Vegas, e de quem vai se lembrar sempre como o homem que a tirou do limbo. De qualquer modo, nunca vai descobrir quem ele é realmente, ou o que qualquer outro cara seja, se não estiver disposta a lhe dar uma chance. Amor é assim. Precisa se arriscar a perder ou ganhar.
— Eu não sei se consigo — choramingou Pamela. — Nós já concluímos que não sou uma jogadora muito boa.
— Mas pode ser — Ve replicou com firmeza.
— Como pode ter tanta certeza?
— Se estivesse destinada a ficar sozinha, não estaria agonizando com essa história de “devo ou não devo”. Já teria aceitado o “não devo” como o melhor para você e seguido em frente com a sua vida. Seja franca. Pode afirmar com convicção que se sentia melhor antes de conhecer Febo?
— Era mais fácil — ela respondeu, seca.
— Bem, boneca, é mais fácil fazer as cortinas do quarto do mesmo tecido da colcha... Mas isso garante um melhor resultado?
Pamela fez uma careta ao notar as estampas florais combinando perfeitamente na suíte.
— Definitivamente, não.
— Por favor, dê uma chance a si mesma, Pammy. Você merece viver de verdade outra vez.
— Eu te amo, Ve — ela falou.
— Isso é o que todas as garotas dizem. Divirta-se esta noite. E tente não ser muito dura com o pobre trípode. Lembre-se de que pode ser esperta sem ser mala .
— Ahn?
— Esqueça. Vá se arrumar.
— Está bem, eu ligo amanhã — resolveu Pamela.
— Por falar nisso, percebeu que este é o segundo telefonema de uma série em que não mencionou trabalho uma só vez, não é?
— Maldição dos infernos! Estou perdendo a cabeça. Como foi com a sra... — ela recomeçou, mas a risada de Ve a interrompeu.
— Pammy! Pare!... É ótimo que tenha algo na cabeça além da Ruby Slipper.
— Sim, mas...
— Está tudo bem. Como de costume. Não tem que se preocupar. Telefone amanhã, depois da reunião com Faust. E lembre-se: diversão e fantasia, Pamela. Diversão e fantasia.
— Está linda esta noite... e muito sedutora — Apolo afirmou, beijando a pele da mão de Pamela com lábios tão persistentes e sugestivos como seu olhar.
Que maravilha! , ela pensou, sentindo o estômago se contrair com a visão dele. O oposto do que eu queria.
— Aposto que diz isso para todas — falou com cinismo, tomando emprestado o bordão de Ve.
— Não nos últimos tempos — ele replicou, os olhos azuis, da cor do céu, de repente muito sérios. — E nunca com tanta sinceridade.
— Então, muito obrigada — Pamela agradeceu, tentando, sem sucesso, não se deixar enfeitiçar pelo azul dos olhos de Febo. Como um gato se livrando da água, ela se sacudiu mentalmente e tratou de mudar de assunto. — Como está a sua irmã?
— Está bem. Ainda incomodada, mas bem. — Apolo manteve a mão na dela enquanto apoiava um pé no degrau inferior da cadeira alta, a seu lado. Queria puxá-la para os braços e beijá-la ali, na frente do café, mas a linguagem corporal de Pamela lhe dizia que ele precisava ir com calma. — Diana não quis ofendê-la esta tarde. Como ela mesma falou, não tem estado muito bem.
Pamela se preparou para soltar um improvisado “tudo bem”, porém se conteve. Em vez disso, endireitou os ombros e o fitou nos olhos.
— Não vou fingir que descobrir que iria partir tão cedo, e que não dissera nada a respeito, não feriu meus sentimentos. Para falar a verdade, isso fez que eu quisesse distância de você.
— Ah, a verdade. — Apolo acenou com a cabeça, pensando como apreciava a honestidade de Pamela e, ao mesmo tempo, percebendo quão poucas mulheres haviam sido sinceras com ele. Elas o tinham adorado, idolatrado, competido por sua atenção... Contudo, ele não achava que alguma houvesse sido honesta com ele. — Ficou magoada ao pensar que eu iria deixá-la sem explicação, e sinto muito por isso. — Acariciou-a no rosto. — A última coisa que desejo é que sinta vontade de fugir de mim para se proteger. — Tocou com o dedo a medalha dourada que pendia em torno do pescoço delicado. — Por favor, acredite que seus sentimentos estão seguros comigo.
Mais uma vez, Pamela retrucou com total franqueza:
— Vou tentar confiar em você, mas não posso prometer nada ainda.
Ele levou sua mão aos lábios outra vez.
— E eu vou me contentar com a sua honestidade e com a oportunidade de ganhar sua confiança.
— Pode me dizer por que está indo embora?
— Você se importaria muito se falássemos sobre isso durante o jantar? Planejei algo especial para nós esta noite.
— Ah, claro — Pamela sentiu uma onda de prazer que desejou poder controlar melhor. — Estou faminta. — Levantou-se, muito consciente de que Febo ainda a segurava pela mão, e sem coragem de se livrar dos dedos quentes. — Para onde vamos?
— Para o Monte Olimpo — ele declarou com os olhos brilhando.
— Parece um restaurante que se encaixaria muito bem por aqui... Mas não me lembro de tê-lo visto enquanto passeava pelo Fórum. Fica no Caesars Palace?
— Há uma passagem para ele no hotel, mas é exclusiva. Poucas pessoas sabem disso.
— É só para os deuses, certo? — Pamela falou brincando.
— Só para os deuses — Apolo concordou, sorrindo.
Caminharam de mãos dadas, do Fórum até o cassino. Seus braços se tocavam intimamente, e Pamela se lembrou de como fora maravilhoso estar no meio destes, pressionada contra o peito nu. Podia até sentir seu aroma único. Não era como o daqueles perfumes masculinos de loja de departamento. O dele era natural. Febo cheirava a limpeza. A homem.
A ponto de ela ter vontade de cheirá-lo.
— Terminou o esboço das salas de banho? — ele quis saber.
— Sim, terminei. — Pamela tratou de afastar as lembranças de sua pele nua. — E gostei. Nunca tinha desenhado nada semelhante. É emocionante fazer algo novo. Isso se eu convencer Eddie a usar o projeto.
— Vai convencer.
— Eu espero que sim... OH, MEU DEUS! — Pamela estacou, como se tivesse trombado com uma parede invisível, ao deparar com uma vitrine iluminada, bem na frente de uma pequena loja de acessórios da moda. Nesta, pequenas bolsas, cuidadosamente dispostas sobre um pilar de mármore, se encontravam dentro de uma caixa de vidro fechada. — Não acredito como são perfeitas! — Entorpecida, Pamela largou a mão de Febo e se aproximou do vidro. Havia três bolsinhas forradas de pedras nas caixas transparentes. Uma delas imitava um cofre de porquinho, desses de criança, a outra era uma encantadora libélula, e a terceira, aquela pela qual ela enlouqueceu: uma réplica exata de um dos sapatinhos de rubi de Dorothy. Cintilava com contas vermelhas e pedras semipreciosas sob o spot , parecendo mágica, familiar e muito... Mágico de Oz. — Preciso comprar essa bolsa! — exclamou, chamando o atencioso vendedor que aguardava no interior da loja com o dedo.
Apolo observou enquanto Pamela, encantada com a bolsa em forma de sapato vermelho — que também continha aquele pino cortante que ela tanto apreciava —, aguardava, impaciente, que o servo abrisse a caixa de vidro e retirasse o objeto com cuidado.
Pamela o tratou com reverência, virando a etiqueta dourada que pendia do fecho.
Seu rosto empalideceu.
— Deixe-me ter certeza de que estou lendo direito... São 4 mil dólares ou 400 dólares?... — perguntou ao funcionário.
— É isso mesmo, senhora. Trata-se de uma Judith Leiber original. — O tom do rapaz dizia que aquela era explicação suficiente para o preço.
— É linda. — Relutante, Pamela devolveu a bolsa para o vendedor, que a colocou de volta na vitrine.
— Posso lhe mostrar mais alguma coisa, madame?
— Não, obrigada.
O empregado fechou e trancou a caixa de vidro.
— Pode me chamar se precisar de ajuda. — Ele fez um movimento afetado com o rosto e rumou para o interior da elegante loja.
— Não vai comprá-la? — Apolo perguntou, odiando o ar de desamparo no rosto de Pamela.
— Está brincando? Custa 4 mil dólares. Não posso gastar esse dinheiro em uma bolsa.
— Mas disse que ela era perfeita.
— E é!... Quatro mil dólares de perfeição. — Ela suspirou e deslizou o braço pelo dele, conduzindo-o para longe da fachada da loja.
— Vamos embora antes que eu chore.
— Não tem 4 mil dólares? — Apolo perguntou enquanto caminhavam.
— Sim, tenho. Mas não sobrando. Ou melhor, não que justifique uma extravagância dessas. Mesmo que seja uma bolsa-joia, sapatinho de rubi!... — Ela suspirou, pensativa. — Quem sabe um dia?
Apolo pensou no pacote de dinheiro que carregava no bolso. Não se lembrava exatamente do quanto havia trazido com ele. Tinha apanhado apenas algumas notas do topo da pilha que Zeus mandara Baco deixar numa tigela dourada, próxima do portal. Fez uma conta rápida e teve a certeza de que não contava com 4 mil dólares.
De qualquer maneira, Pamela parecia considerar aquilo uma grande quantia em dinheiro; decerto mais do que aceitaria como presente.
Olhou para a medalha de ouro que se aninhava pouco acima do vale entre seus seios. Ela quase não a aceitara, e não fazia ideia nem mesmo de uma fração de seu valor.
Não. Pamela não permitiria que ele a presenteasse com a bolsa.
O chão de pedra deu lugar a um tapete opulento quando eles deixaram as lojas do Fórum e adentraram o Caesars Palace.
— É por aqui — orientou Apolo, virando à direita e passando por várias fileiras de máquinas caça-níqueis que piscavam. Em seguida, diminuiu o passo e parou.
— Caminho errado? — Pamela inquiriu.
Ele sorriu.
— Não, mas eu estava pensando... Por que não se arrisca um pouco no jogo?
O rosto bonito de Pamela se transformou em um ponto de interrogação.
— Quer a bolsa, mas não pretende gastar 4 mil dos seus dólares. E se ganhasse esse dinheiro? Você compraria a bolsa?
— Acho que sim, eu...
Apolo fez um gesto de cabeça em direção à fileira de caça-níqueis mais próxima.
— Estou sentindo que a sorte está conosco esta noite.
Pamela mordeu o lábio.
— Não sou muito boa jogadora. Gosto de saber que estou recebendo algo em troca quando entrego o meu dinheiro.
— Então, permita-me entrar com o meu dinheiro. — Ele enfiou a mão no bolso e tirou o pequeno pacote, lidando com habilidade com a dúzia de notas, cuja maioria era de 50 ou 100 dólares.
— Minha Nossa, Febo, nunca ouviu falar em cartões de crédito?
Ele tentou não se mostrar confuso. Baco havia mencionado algo sobre outras formas com as quais os mortais modernos pagavam por suas aquisições, mas não se lembrava exatamente do que o deus dissera.
— Prefiro isto. — Fez uma pausa, tentando decidir o que mais poderia dizer. — Não é muito colorido, mas interessante de se olhar. — Entregou-lhe uma nota de 100 dólares. — Aceite uma destas, use-a para alimentar uma das máquinas, e vamos ver o que acontece.
Pamela franziu a testa, olhando-o como se ele fosse louco.
— Não posso torrar 100 dólares assim, mesmo que sejam dos seus! E, estou falando sério, eu nunca jogo. Não sei se tenho a atitude certa para dar sorte.
— Pois eu penso o contrário. Você traz sorte para mim.
O comentário arrancou um sorriso relutante de Pamela.
— Não vou conseguir gastar 100 dólares assim.
— Se é assim, leve uma desta. — Apolo mexeu no dinheiro até encontrar uma nota de cinquenta. — Lembre-se de que poderá ganhar dinheiro suficiente para comprar a sua bolsa-sapato.
À menção do cobiçado objeto, os olhos castanhos de Pamela cintilaram, e ele soube que tinha vencido.
— Está bem, vamos fazer um acordo. — Ela não pegou a nota de cinquenta. Em vez disso, remexeu o maço de dinheiro até encontrar 20 dólares. — Eu aposto com isto, e apenas isto. Se eu ganhar, você recebe a metade. Se eu perder, fico lhe devendo 10 dólares.
— Aceito — concordou Apolo. — Em que máquina vamos tentar?
Pamela estudou a fileira de caça-níqueis piscando, ressoando, retinindo, e sentiu-se um pouco intimidada por sua aparência. Já passava das oito da noite do domingo, mas pelo menos metade das máquinas continuava ocupada por jogadores, os quais apertavam botões e puxavam alavancas com admirável intensidade.
— É você quem está se sentindo com sorte. Você escolhe — resolveu.
Apolo coçou o queixo, fingindo considerar os aparelhos com cuidado.
— Gostei desta aqui. — Ele a puxou pela mão até um caça-níqueis não muito longe de onde eles estavam. Havia apenas mais duas pessoas naquela fileira, e estas se encontravam sentadas bem além da máquina que ele escolhera.
— “Roda da Fortuna”. Tem certeza de que quer esta? Pode ser um mau presságio... Eu nunca gostei muito desse programa de TV. Não costumo soletrar bem. — Pamela encolheu os ombros. — Aliás, sempre odiei fazer isso.
— Está nervosa.
Apolo não compreendeu o que ela dizia, mas reconheceu o tom de sua voz e sua linguagem corporal.
— Sim — admitiu Pamela, sentindo-se uma tola. — Tem razão, estou mesmo. Eu já disse que nunca joguei antes.
— Não pense nisto como um jogo de azar. Pense nisso como a compra de uma bolsa.
Pamela se animou visivelmente.
— Acho que comprar uma bolsa é algo que eu consigo fazer. — Ela se acomodou no assento estofado e estudou a frente do extravagante caça-níqueis. — Acho que o dinheiro vai aqui... — concluiu, deslizando-o para dentro de uma fenda. A nota desapareceu, e a máquina clicou e retiniu, exibindo um crédito de 20 dólares no visor digital. Pamela olhou para Febo. — Pronto?
— Pronto.
Ela agarrou a bola vermelha na extremidade do braço de metal e puxou. Tinha a atenção voltada para as três pequenas janelas do aparelho, e não percebeu o pequeno gesto de comando que Apolo fez com a mão.
— Bar... — Pamela murmurou quando o primeiro rolo parou no visor. — Bar... — repetiu na parada seguinte, com crescente excitação na voz. — BAR! — gritou quando a terceira imagem preta estacou.
A máquina explodiu em luzes e sirenes, e começou a vomitar dinheiro pela boca mecânica enquanto Pamela gritava e saltava, atirando-se nos braços de Apolo, que a abraçou de volta, rindo.
Às vezes era muito bom ser um deus.
Capítulo 19
A alça da bolsa de sapatinho de rubi era uma corrente de filigrana de ouro que podia muito bem ser usada como um colar sensual por uma daquelas mulheres rebeldes dos anos vinte. Pamela a deslizou sobre o ombro e sentiu uma vontade louca e infantil de saltitar como a Dorothy pela Yellow Brick Road abaixo. Não podia acreditar que aquela bolsa era sua! Ve ia ter um ataque quando a visse.
— Ainda não acredito que o prêmio era de exatamente 8 mil dólares! — falou, emocionada, fazendo uma voltinha enquanto observava a bolsa cintilar no reflexo das vitrines pelas quais passavam.
— Eu disse que estava me sentindo com sorte — lembrou Apolo, ainda encantado com a exuberância da reação de Pamela ao ganhar o dinheiro.
— Eu jamais teria me permitido comprar algo tão caro! — Ela apertou a mão dele e baixou a voz. — Nem mesmo um par de sapatos de grife fabulosos, de coleção nova. Não por 4 mil dólares.
— Mas você adorou essa bolsa. — Apolo sorriu para ela, satisfeito por ter sido capaz de ter orquestrado tal alegria. Curiosamente, não se importava por não poder contar que ele mesmo comandara a máquina, de modo a fazê-la expelir o dinheiro necessário. Não se importava em não receber o crédito. O principal era que Pamela se encontrava radiante, e isso tornava seu coração leve e despreocupado.
— Amo esta bolsa. Adoro esta bolsa. Estou apaixonada por esta bolsa! — Ela riu. — Não me importo o quanto isso soe superficial e materialista. Só vou usá-la em ocasiões especiais. Quando eu voltar à minha loja, vou colocá-la em um vidro, na vitrine da frente, onde tenho nosso logotipo pintado em vermelho com os dizeres: “Ruby Slipper Design Studio... A certeza de que não existe lugar melhor do que a nossa própria casa”.
Fizeram o caminho de volta através do Caesars Palace enquanto Apolo ouvia a animada conversa de Pamela. Ele acreditava no slogan de seu estúdio de design . Sem Pamela, não havia casa alguma. Sabia que isso era verdade — já experimentara a sensação. O Reino de Vegas era um lugar estranho e bizarro, mas quando ele passara pelo portal, naquela noite, e rumara na direção da Adega Perdida e de Pamela, sentira como se estivesse voltando para casa. Por mais improvável que fosse, Apolo, o Deus da Luz, um dos Doze Olímpicos originais, estava se apaixonando por Pamela Gray, uma mortal moderna.
— Ei! O que vai fazer com os seus 4 mil dólares?
Apolo levou a mão delicada aos lábios.
— Não faço ideia. Talvez você me ajude a decidir. Lembro-me de ouvi-la dizendo que nunca comprou um par de sapatos de grife por 4 mil dólares... — Sua voz foi sumindo conforme seu olhar percorria o corpo esbelto, até as perigosas sandálias pretas de salto que Pamela usava. — E descobri que gosto muito desses seus sapatos que parecem uma adaga.
— Você sabe mesmo o caminho para o coração de uma mulher! — Pamela sorriu.
— Por todos os deuses, espero que sim — Apolo falou, sincero.
Em seguida, virou em um pequeno corredor lateral e, após apenas alguns metros, parou diante de uma porta branca e simples.
— Não pode ser aqui. — Pamela duvidou, olhando em volta. — Não há nenhuma indicação. Não é nem mesmo próximo dos outros res taurantes. — Ela lançou à porta, depois a Febo, um olhar desconfiado. — Acho que se confundiu em algum lugar.
Apolo sorriu de lado.
— Eu disse que era um local exclusivo.
— Mas... — ela recomeçou, confusa.
Apolo fez que ela o encarasse. Teria que resolver tudo depressa. Não gostava da ideia de usar seus poderes para hipnotizá-la, contudo precisava convencer Pamela a atravessar o portal. Depois iria transportá-la de imediato até seu templo, sem que ela estivesse ciente do que acontecia.
— Prometo que o jantar desta noite será como nenhum outro. — Ele não se preocupou em inspecionar a área ao redor; o pequeno corredor de serviço já se encontrava encantado pelo poder do Olimpo. Não haveria intrusos mortais para vê-lo usar sua magia imortal em Pamela. — Mas, antes de irmos, preciso fazer algo que estou com vontade desde que minha irmã nos interrompeu esta manhã... — Puxou-a para os braços. Enquanto deslizava as mãos pelas curvas suaves de seu corpo, e seus lábios encontravam os dela, concentrou-se em enviar para a mente de Pamela uma bruma de seu poder dourado. Ordenou que a névoa iluminada lhe obliterasse os pensamentos para que, por apenas alguns momentos, a preciosa alma mortal de Pamela ficasse tonta e desorientada.
Ela gemeu baixinho, oscilando ligeiramente.
Com um movimento rápido, Apolo a ergueu nos braços, abriu a porta e atravessou o portal. Teve apenas um vislumbre do Salão Nobre do Olimpo, mas foi o bastante para perceber que Ártemis fizera o que tinha prometido. O local estava deserto. Não havia um único imortal para testemunhar o Deus da Luz readentrando o Olimpo com uma mortal moderna nos braços.
Em silêncio, ordenou que fossem transportados até seu templo, e ambos desapareceram em um facho de luz.
O sorriso de Baco era malévolo quando ele deixou a boca do corredor e se aproximou da porta que disfarçava o portal olímpico. Aquilo iria ser ridículo de tão fácil. Como sempre, Apolo se mostrava muito arrogante e seguro de si, e não percebera que ele, Baco, o seguia desde quando ele encontrara a mortal no bar. Na verdade, Apolo não notara coisa nenhuma, exceto a mortal moderna por quem estava obcecado. Tinha bancado o herói oculto, manipulando a máquina caça-níqueis, e presenteado a moça com os meios necessários para a compra de um objeto de seu desejo...
Mal podia esperar até que a mulher testemunhasse como o deus dourado se tornaria impotente e patético sem seus poderes. Estava ansioso por ver a arrogância do Deus da Luz se extinguir, mesmo que fosse por um período de apenas cinco dias.
Baco caminhou através do portal. Assim como tinha previsto, o Salão Nobre do Olimpo se encontrava vazio. Se conhecia bem os gêmeos dourados, estes se certificariam de que o local permanecesse assim, de modo que o encontro de Apolo com a mortal passasse despercebido pelos outros imortais.
Que conveniente!...
Ele quase riu em voz alta, mas, com um esforço, se controlou. Teria muito tempo para se regozijar depois. No momento, precisava se concentrar.
O Deus do Vinho encarou o portal e ergueu os braços sobre a cabeça, invocando o poder inebriante de seu reino e dando início ao ritual mágico:
Ricos e inebriantes poderes do vinho,
reúnam-se neste portal.
Preparem-no para que possa, serena,
passar por ele a mortal.
Se ela voltar, todavia,
transforme-a naquilo em que foi nomeada.
Perdurem por apenas um momento, delicados poderes,
em seguida, esvaeçam,
como esvaece a luz de Apolo que pela manhã se alastra...
Baco fez uma pausa para reprimir a alegria que sentiu ao se referir ao Deus da Luz em seu feitiço. Tornou a se concentrar no que fazia, e completou as palavras de sua armadilha:
Há mais de uma maneira de se queimar...
Eis a lição que o Deus do Sol deve assimilar!
O deus ergueu as mãos diante do portal e, por um instante, este flamejou com a cor de um vinho rosé gelado. Em seguida, a cor desbotou, e tudo voltou ao normal.
— Primeiro passo concluído — Baco murmurou para si mesmo. — Segundo passo: espera.
O Deus do Vinho soltou um comando suave. Seu corpo desapareceu e se rematerializou no jardim dos fundos do templo de Apolo.
Baco espiou por trás de um arbusto bem cortado. Assim como ele havia previsto, a propriedade se encontrava deserta. Normalmente, exuberantes ninfas se reuniam em torno do templo de seu deus favorito, disputando a atenção de Apolo.
— A adoração de ninfas não pode ser conveniente quando se está cortejando uma mortal moderna... — Baco ironizou. — Melhor para mim.
Para um deus de seu tamanho, ele se movia com surpreendente discrição. Entrou por uma das portas traseiras do templo e se deslocou em silêncio pelo corredor de mármore até alcançar uma sala cavernosa, onde uma dúzia de servas virgens de Ártemis dava risadinhas e se divertia ajeitando jarros de vinho e comida em travessas. Sim, ele chegara a tempo. Aguardou, impaciente, que a serva encarregada do vinho virasse a cabeça para responder a uma pergunta cochichada de uma das colegas e, em seguida, com movimento rápido e seguro, moveu os dedos em direção aos jarros, sussurrando:
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O vinho cintilou com uma luz sobrenatural rosa-pálido.
Invisível para quem quer que fosse, Baco deixou a sala e se mesclou à noite.
Agora, tudo o que lhe restava era esperar e observar. Esperar e observar...
A risada satisfeita do Deus do Vinho ecoou, sinistra, pelos jardins desertos.
Ártemis correu para o salão, e suas criadas silenciaram respeitosamente.
— Eles chegaram!
Sussurros excitados cessaram com um só movimento da mão da deusa.
— Esta noite, servindo ao meu irmão, estarão servindo a mim mesma. Façam-no com competência.
As servas inclinaram as cabeças.
— Sim, deusa — entoaram com suas vozes doces.
— Levem vinho a eles — ordenou Ártemis, e duas das criadas se apressaram em obedecê-la.
Tão logo estas saíram, a deusa se debruçou sobre as travessas repletas de iguarias e olhou para as amas.
— Devo ajudar o Deus da Luz a alcançar seu desejo? — indagou, maliciosa.
As virgens riram e assentiram com um gesto de cabeça.
Ártemis estendeu as mãos sobre o banquete do irmão.
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O poder derramou das mãos da deusa por sobre os alimentos, cintilou por um instante, depois os fez voltar à sua aparência normal.
— Sirvam aos dois, e depois os deixem sozinhos. Privacidade é o que Apolo deseja esta noite.
Satisfeita, Ártemis deixou o templo do irmão e caminhou devagar na direção do Salão Nobre, o qual deveria estar deserto, pois ela se certificara disso. Afrodite e Eros haviam retornado mais cedo de sua incursão de fim de semana ao Reino de Las Vegas e agora descansavam em seus templos. Ela deixara claro para as ninfas que ainda perambulavam por Vegas que já era hora de elas voltarem para o Olimpo e, com poucas e afiadas palavras, mandara todas de volta para as florestas e os vales aos quais estas pertenciam.
Criaturas tolas...
O restante dos Doze Imortais tinha desaparecido, afinal, ela começara um boato de que Hera e Zeus estavam se desentendendo de novo, e nenhum mortal ou divindade gostava de testemunhar isso.
Em seguida, ela esperaria pelo irmão no salão vazio e torceria para que, antes do amanhecer, pudesse sentir o vínculo entre ela e a mortal se dissolver. Sem dúvida havia feito tudo o que podia. O restante era com Apolo.
— Absolutamente espetacular! — Pamela olhou ao redor, admirada. — Não acredito que aquela porta sem-graça estava escondendo isto tudo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Está brincando? Este lugar é magnífico! — Ela inclinou a cabeça para trás, tentando ver a parte superior do teto abobadado, e deparou com um tipo de afresco fabuloso. A vertigem que a acometera pouco antes, porém, a fez tropeçar para trás.
O braço forte de Febo estava lá para segurá-la.
— Talvez seja melhor sentar-se — ele sugeriu, guiando-a para uma das duas requintadas espreguiçadeiras que descansavam em ambos os lados de uma mesa de mármore.
Pamela se deixou afundar na chaise longue e esfregou a testa.
— Devo ter ficado no sol por muito tempo hoje. Minha cabeça está girando.
Como se sob sua sugestão, duas moças entraram na sala. Vestiam túnicas curtas e diáfanas, feitas de seda branca, onde se viam criaturas da floresta bordadas com fio prata. Uma delas carregava uma bandeja com um jarro dourado e duas taças da mesma cor.
As mulheres sorriram, tímidas, para Febo e Pamela.
— Vinho? — indagaram em uníssono.
— Claro — concordou Apolo.
Com movimentos graciosos, lindos de se observar, as moças serviram a bebida.
— Seu jantar está pronto — uma delas anunciou com voz melodiosa.
— Podemos servi-lo? — perguntou a outra.
— Sim.
As duas mulheres fizeram uma profunda reverência e saíram, apressadas, por onde tinham vindo.
— Mas nós nem mesmo fizemos o pedido — lembrou Pamela. Estava com uma terrível dor de cabeça. Sentia-se desorientada e nem um pouco confortável.
— Eu já havia especificado alguns pratos com antecedência. — Apolo pensou por um momento. — Chamam isso de “encomenda”, certo? — Quando a expressão perplexa de Pamela mudou para uma carranca, ele acrescentou: — Espero que não se importe. Eu queria surpreendê-la com iguarias gregas.
— Iguarias gregas? Intrigante. Quase tão intrigante quanto este restaurante. — Ela passou a mão pela lateral da chaise . — Veludo de seda... Meu tecido favorito para estofamento. — Como se o toque familiar do veludo fosse um bálsamo, a névoa em sua mente começou a se dissipar. — Veludo de seda me lembra água. É tão liso e macio!... Adoro. — Seus dedos permaneceram sobre o bonito tecido.
— Fico feliz por ter aprovado — disse Apolo, aliviado por ela estar se recuperando do poder que ele lhe lançara.
Pamela olhou ao redor da sala mal iluminada. Eles não apenas eram os únicos clientes ali, mas sua mesa também era a única posta no lugar. Era um espaço enorme, claro, mas, ao contrário do restante do Caesars Palace e do Fórum, alguém com bom gosto e estilo o tinha decorado... o que significava que este não era forrado do chão ao teto com a exagerada pseudo-opulência romana.
E o piso era incrível. Parecia feito de uma única peça de mármore, embora ela soubesse que aquilo não era possível.
— Este chão é inacreditável. Parece muito com mármore de Carrara, mas nunca vi Carrara com veios dourados como este. — Seus olhos viajaram do piso para as paredes, e então se arregalaram. — Usaram o mesmo mármore para as paredes e as colunas! Adoro esse estilo minimalista. E o decorador acertou em cheio: esse mármore é bonito demais para ser coberto por uma porção de quadros. Aquela tapeçaria é o toque perfeito. — Apontou para o enorme trabalho que se estendia pela maior parte da parede à sua frente. Era de um homem nu. Um lindo e jovem homem nu.
Pamela apertou os olhos, tentando enxergar melhor à luz fraca. Ele se encontrava de pé, ao lado de uma biga, e segurava uma harpa.
— Ele me parece familiar — comentou, intrigada.
— Provavelmente porque o está usando na imagem que leva em torno do pescoço — Apolo justificou depressa.
Ela tocou a medalha dourada e sorriu.
— É verdade. Você disse que o nome do restaurante era Monte Olimpo, portanto é provável que seja Apolo outra vez. Incrível essa semelhança entre vocês dois. Principalmente com este da tapeçaria. Estranho...
— Coincidência — ele falou, fingindo indiferença. — Vamos beber? — Entregou-lhe um dos cálices e ergueu o seu próprio. — À nossa sorte.
Pamela sorriu e deu um tapinha na bolsa cintilante que descansava a seu lado.
— À nossa. — Tomou um gole. — Este vinho é uma delícia!... E eu não costumo gostar muito de vinho branco. — Olhou para a taça. — Mas este não é branco. — A cor do vinho era tão incomum quanto seu sabor. Se ela fosse convidada a descrevê-lo para uma daquelas revistas sobre degustação, diria que era leve e fresco, como o cheiro de peras ou melões, e da cor da luz solar. — O que é, um Pinot Gris ?
Apolo encolheu os ombros.
— Não tenho certeza. Pedi para que nos servissem o melhor da casa.
Quanto a isso ele estava dizendo a verdade. Ártemis tinha planejado o jantar e escolhido o vinho.
Bebeu outro longo gole. Teria que perguntar à irmã sobre o vinho. Era mesmo delicioso e incomum. Estava gelado, mas, conforme bebia, podia sentir o corpo sendo preenchido por um calor que parecia irradiar de seu âmago.
Olhou para Pamela. Ela estava com as faces coradas, parara de examinar o design da sala e agora sorria para ele, os lábios ligeiramente separados parecendo ainda mais cheios e convidativos.
— Não gostei de ficar longe de você esta noite — ele falou, rouco.
— Eu também senti a sua falta.
— Como vou suportar ficar distante nos próximos cinco dias?
— Cinco dias?
Então ele só voltaria para Vegas no outro fim de semana, quando ela estava pensando em voar de volta para o Colorado? Aquele trabalho deveria durar apenas uma semana, lembrou Pamela. E passaria cinco dias sem Febo!...
De repente, percebeu os pensamentos lentos e deslocados, e o tempo lhe pareceu interminável e sem importância. Ela não queria que ele fosse embora — claro que não — e Febo estava ali naquele momento. Perto o suficiente para ser tocado.
Como podia ser tão bonito?, perguntou-se.
E precisou se obrigar a permanecer na própria chaise quando o que queria era se juntar a ele, tirar aquela camisa... e começar a lambê-lo corpo abaixo.
— Sim, eu... — Apolo vacilou. O que ele e Ártemis tinham decidido dizer a Pamela sobre sua suposta “viagem”? Estava difícil se concentrar em qualquer coisa além daqueles lábios.
Uma série de virgens carregando travessas de comida impediu seu impulso de empurrar a mesa e devorar a boca de Pamela.
Pouco depois, eles eram servidos com os alimentos dos deuses em pratos de ouro.
— Folhas das mais finas uvas, recheadas com carne e queijo — explicou uma das servas de Ártemis em uma voz suave e hipnótica, conforme Pamela provava o aromático charutinho.
— Cordeiro criado à base de mel e leite — murmurou outra.
Apolo provou a carne, depois sorriu, comendo com prazer. Sua irmã não costumava ser tão dedicada a assuntos domésticos, mas, naquela noite, havia se superado.
— Queijo de cabra, animais dos quais as ninfas cuidam como se fossem seus filhos...
— Azeitonas e figos colhidos no Monte Olimpo pelas mãos macias e hábeis das sacerdotisas de Afrodite...
Aquelas moças eram, sem dúvida, as melhores garçonetes que ela já conhecera!, refletiu Pamela. Precisava perguntar a Febo como ele conseguira aquela reserva. Ele devia ter mandado fechar o restaurante, o que significava, entre outras coisas, que devia ser um médico bastante bem-sucedido.
E parecia tão jovem!... Ela precisava perguntar quantos anos ele tinha, quando era seu aniversário e onde ele nascera.
Não que isso importasse muito. Estava apenas curiosa.
Também precisava perguntar a ele sobre... o que, mesmo? Não conseguia se concentrar! Aquela comida era tão absurdamente deliciosa!... Seu gosto preenchia os sentidos.
Aquilo era mais do que comida. Lembrava a luz de um sol de verão, calor, desejo...
Ergueu o olhar do prato e encontrou os olhos cor de safira de Febo observando-a com uma intensidade que a fez prender a respiração.
— Vamos deixá-los a sós agora. Nossa noite está no fim — as servas entoaram. E conforme suas vozes doces se desvaneciam, elas sussurraram uma prece quase inaudível: — Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
Apolo e Pamela mal notaram a partida das servas. Olharam um para o outro, e tudo o mais na sala, tudo o mais no mundo, desapareceu. Sua pele formigava com o calor crescente da luxúria.
— Preciso que você me ame — a voz de Apolo saiu densa de desejo.
Em algum lugar nos recônditos de sua mente, onde o bom-senso ainda espreitava, ele sabia que sua reação a Pamela estava sendo muito rude, atrevida; entretanto não conseguia se conter. Não queria parar.
— Sim... — ela balbuciou a palavra.
Com um movimento selvagem, fluido, que lembrou o de um leão enorme e pardo, Apolo se levantou e arrastou a mesa que os separava para longe. Pamela percebeu que a mesa foi lançada com uma força desumana, porém tal pensamento foi vago, e ela o registrou apenas em parte. Quando ele rasgou a camisa e quase arrancou as calças, tudo o que ela conseguiu pensar foi na reação de seu corpo ao ouvir o som gutural de seu próprio nome nos lábios de Febo, e como ele estava magnífico olhando para ela enquanto se aproximava completamente nu.
— Sim! — gemeu de novo, saindo da chaise direto para seus braços.
A boca de Febo a devorou. Enlevada, ela deslizou uma das mãos pelo ombro largo, sentindo seus músculos tremerem com a força do desejo. Com a mão livre, puxou a própria camisa sobre a cabeça e abriu o zíper das calças, que deslizaram com fluidez por seu corpo abaixo. Febo encontrou o gancho do sutiã e lutou para abri-lo.
— Eu não consigo... Eu preciso... — rosnou, frustrado. — Tenho que sentir você contra mim! — Rasgou a faixa de renda em suas costas, e os seios de Pamela se libertaram, roçando o peito largo enquanto ela abria um caminho de beijos quentes pela lateral de seu pescoço.
Apolo deixou escapar uma imprecação na tentativa de controlar a própria luxúria.
— Aqui também... — Pamela segurou a mão com que ele apertava seu seio e a guiou para a calcinha. Mordeu o lábio inferior de Febo, puxando-o para dentro da boca e sugando-o, sedutora. — Quero que a tire também!...
Todos os pensamentos de Apolo desapareceram. Com um grunhido, ele a obedeceu. Em seguida, suas mãos se espalmaram ao redor da cintura delgada e, com a força de um deus, ele a levantou e empalou em seu membro.
Pamela se encontrava pronta para ele. Envolveu-o com as pernas em torno da cintura e cravou as unhas em seus ombros. Pendendo a cabeça para trás, arqueou-se, consumida pela esmagadora necessidade de se saciar com seu toque... com seu fogo.
Febo era o fogo. Sob as mãos dela, seu corpo literalmente brilhava.
Seus sentidos atestavam aquilo, contudo Pamela não conseguia atinar com o pensamento. Era como se a luz que brotava da pele úmida de suor fosse parte de sua excitação: ela a seduzia, brincava com ela, instigava sua própria paixão. O cabelo de Febo pendia, cacheado, em volta de seu rosto: espesso, dourado, glorioso. E seus olhos... seus olhos a incendiavam.
E ela queria ser incendiada por eles. Queria ser varrida pelas chamas de sua luxúria. Sentia-se gloriosa, maravilhosamente sem controle.
— Mais forte!... — ofegou na boca de Febo, mal reconhecendo a própria voz. Ele arremeteu, e ela sentiu a fria suavidade de uma das colunas de mármore contra as costas nuas. Usou a rigidez da pilastra para se firmar, de modo a ir de encontro às estocadas com sua própria paixão. — Não pare... Ainda não... Não pare! — arquejou, sentindo-se dobrar sobre a borda de um abismo.
Seu orgasmo foi algo que ela jamais experimentara. Envolveu-a, ondeando por seu corpo com uma intensidade que beirava a dor.
De repente já não estava mais sendo pressionada contra a coluna. Com o corpo ainda dentro do dela, Febo a carregou dali. Passaram por uma porta em arco que dava em um cômodo adjacente à sala de jantar. No centro do espaço, havia uma enorme cama de dossel.
Pamela se deu conta de que tinham entrado em um quarto, e aquilo não fez qualquer sentido.
Mas sua mente e corpo estavam tão repletos de Febo que nada parecia real, exceto seu gosto, sua pele e seu cheiro.
— O que está acontecendo? — murmurou enquanto ele a deitava na cama, sob ele.
— Estou amando você. Para sempre, Pamela... Isso é o que é ser amada por mim.
Apolo começou a se mover contra ela na antiga dança do amor, recuando o membro rijo de seu corpo para depois mergulhá-lo nela outra vez.
Pamela passou as mãos pelo peito liso conforme este se avultava sobre ela. A pele de Febo tinha um brilho dourado!
Perplexa, e ainda ultrassensível, olhou para baixo, onde seus corpos se uniam. Eles estavam ambos brilhando, em chamas... Chamas varriam sua pele, conduzindo-os, engolindo-os!...
— Olhe para mim, Pamela!
A voz de Febo soou rouca, e ela fixou os olhos nos dele.
— Enxergue-me — ele pediu. — Desta vez, veja quem sou de verdade.
Conforme eles se uniam, ela obedeceu. Febo era o poder, a beleza e o amor, tudo se fundindo em um único ser. Como ela pudera acreditar que ele era um homem comum?
Sua mente se esforçou para compreender a verdade fugidia do que estava vendo conforme seus corpos se inflamavam naquela luz ofuscante e sobrenatural. O que ele era? O que estava acontecendo com ela?!
Apolo viu o pânico cintilar em seus olhos e a segurou pelo rosto, obrigando seu olhar a permanecer preso ao dele. Com um enorme esforço, controlou o próprio corpo.
— Olhe mais fundo — pediu baixinho. — Olhe além da estranheza que você teme... Não pode ver o seu reflexo na minha alma?
O azul de seus olhos a manteve ainda mais cativa do que seus corpos unidos. Pamela estremeceu com a intensidade das emoções que a sacudiam.
E ali, sob o poder que irradiava dele, encontrou a essência do homem que ela conhecia. Nesta, viu o reflexo de seu próprio desejo, de sua necessidade e de seu vazio, e de repente soube que, ao preencher Febo, ela também se completava.
— O que você é? — indagou num sussurro.
— Sua alma gêmea.
A voz dele tremeu e, apesar do impressionante poder que irradiava de Febo, Pamela pensou, de repente, que ele parecia muito jovem e vulnerável.
— Sim — murmurou, sentindo o fogo começar a reacender em seu âmago. — É minha alma gêmea.
Ela o puxou mais para si e, com um doloroso gemido, Febo mergulhou nela, incapaz de se conter por mais tempo.
Quando o mundo começou a explodir, Pamela afundou o rosto no ombro largo e se agarrou a ele.
No Salão Nobre, Ártemis, se levantou de repente e respirou fundo. Estava acabado! O vínculo com a mortal fora embora. Pelo visto, sua magia tinha feito a balança pender em favor de seu irmão.
Já não era sem tempo.
Espreguiçou-se, langorosa, apreciando a ausência do irritante incômodo que fora o desejo de amor de Pamela, então se recostou em sua bem estofada chaise longue . Gostaria de ir para a floresta — uma corrida ao luar seria revigorante —, mas não podia. Apolo ainda precisava dela para garantir que nenhuma ninfa o vislumbrasse devolvendo a mortal para seu próprio mundo.
Mas isso era de pouca importância. Seu relacionamento com a mortal estava quase concluído. Agora que Apolo havia ganhado o coração de Pamela, previu Ártemis, ele logo iria se cansar da moça. Logo tudo voltaria ao normal, e sua aventura no Reino de Las Vegas não seria nada mais do que uma quase divertida lembrança.
Ártemis ignorou a ponta de dúvida que surgiu em sua mente conforme ela se lembrou da fervorosa declaração de amor do irmão. A alma gêmea de Apolo era uma mortal?... Impossível.
Escondido nas sombras, Baco sorriu e esperou.
Capítulo 20
Alguma coisa estava errada. Apolo soube disso da mesma forma que conhecia as muitas linguagens do homem ou as vozes de instrumentos musicais: naturalmente, no nível mais elementar de seu ser.
O corpo quente em seus braços se agitou e, no mesmo momento, ele o abraçou com mais força.
Pamela...
Abriu os olhos. O que tinha acontecido na noite anterior? Eles estavam nus em sua cama.
Pense!, ordenou a seu cérebro entorpecido. Lembre-se!
E os acontecimentos da noite lhe assomaram à memória.
Apolo abafou um gemido. Ele perdera todo o controle. Como? Por que não fora capaz de...
Soube a resposta antes de completar o pensamento. O banquete fora impregnado com o poder inebriante de uma deusa. E ele sabia qual delas: Ártemis!
— Apolo!
Como se seus pensamentos a houvessem invocado, o sussurro impaciente da deidade chiou no quarto.
Ele virou a cabeça e a fulminou com o olhar.
— O que está fazendo? — cochichou Ártemis. — Sabe que o amanhecer está próximo. Quer que a mortal fique presa aqui?
Chocado, ele sentou-se. Era isso o que estava errado. Como sempre, o Deus da Luz sentira a vinda da carruagem em chamas que introduzia a aurora no firmamento. Por instinto, ele soubera que já passara da hora de Pamela ser devolvida a seu mundo.
Na noite anterior, ele se revelara em demasia. Como a mente mortal de Pamela poderia compreender o que decorrera do amor sem amarras que haviam feito, assim como aceitar que ela se encontrava presa no Monte Olimpo?...
Lembrou-se do medo que tremeluzira em seus olhos quando ele tinha se revelado. Pamela não seria capaz de apreender tudo aquilo; não de verdade. E, se fosse, ele podia imaginar como isso mudaria seus sentimentos por ele.
Não. Ainda era cedo. Ele precisava tirá-la do Olimpo. No momento em que o portal fosse reaberto, teria uma explicação para aquela noite incomum. Passaria mais tempo com ela e a faria solidificar seus sentimentos por ele; sentimentos que Pamela só admitira sob a influência da magia de Ártemis.
Apolo tornou a fazer uma carranca para a irmã.
— Vá! — sussurrou para ela. — Certifique-se de que o Salão Nobre esteja vazio. Vou com Pamela em seguida.
— Depressa! — aconselhou a deusa enquanto seu corpo se esvaecia.
— Febo? — A voz de Pamela soou grogue. Ela piscou, sonolenta, e esfregou os olhos. — Onde...
Ele apertou os lábios e, relutante, passou a mão sobre o rosto delicado, obliterando seus pensamentos e lhe entorpecendo os sentidos.
— Precisa se vestir. Temos que ir embora — falou, conduzindo-a com delicadeza pela mão até o cômodo ao lado, onde encontrou suas roupas jogadas.
Hipnotizada, Pamela obedeceu.
Apolo odiou a si mesmo enquanto vestia as próprias calças e a observava fazer o mesmo mecanicamente. Suas roupas de baixo, assim como a camisa dele, estavam arruinadas.
A lembrança da paixão que o inundara ao rasgar as peças de seus corpos o fez estremecer, e suas entranhas se agitaram. Como poderia sobreviver sem o toque de Pamela por cinco dias?
Sua determinação vacilou. Ele contava com uma escolha. Poderia enfeitiçá-la e mantê-la consigo até que o portal se abrisse de novo.
Tocou seu rosto e, mesmo com os pensamentos embotados pela magia, Pamela oscilou em sua direção.
Seria apenas uma semana...
Não!, Apolo repreendeu a si mesmo. Ela ficaria enojada se ele fizesse tal coisa. Como não poderia?
Ele odiou a si mesmo só de pensar.
— Venha, minha doce Pamela. Vou levá-la pra casa.
Passou os braços ao seu redor, e eles desapareceram, rematerializando-se quase que no mesmo instante ao lado do portal, no Salão Nobre.
Ártemis estava lá, com os braços cruzados, batendo o pé, impaciente. Observou o peito nu do irmão, a expressão zumbi de Pamela, e balançou a cabeça. Quanto mais cedo eles se livrassem do Mundo Moderno dos mortais, melhor!
— Ande logo, o sol está nascendo! — ralhou.
— Eu sei! — devolveu Apolo com raiva. — Principalmente agora que meus sentidos não estão mais entorpecidos pela magia de uma deusa...
Ártemis teve a decência de parecer sem-graça.
— Vou levá-la e voltar em seguida — avisou o Deus da Luz.
Ela suspirou, porém não discutiu.
Apolo colocou o braço em torno de Pamela e atravessou com ela o portal. Adentraram Vegas, e ele abriu a porta para o pequeno armá rio. No corredor deserto, ajeitou suas roupas, então tocou seu rosto delicadamente.
Sentia-se como um meliante. Havia roubado seu amor, e agora iria bater em retirada antes que a luz do dia revelasse seu crime. Não tinha escolha, mas, mesmo assim, odiou a si mesmo por permitir que as coisas tivessem acontecido daquela maneira.
— Eu te amo, minha doce Pamela. Lembre-se disso. E lembre-se de confiar em mim. Eu voltarei para você... Mas, desta vez, farei isso do modo certo. — Inclinou-se para ela e ordenou em pensamento: Desperte com o meu beijo.
Beijou-a com paixão e, enquanto Pamela piscava e sua expressão aturdida começava a se iluminar, voltou para o armário, fechou a porta e retornou ao Olimpo.
Pamela esfregou os olhos. Urgh... Estava tonta e um pouco enjoada. O quanto bebera no jantar?
Olhou ao redor. Onde, diabos, ela se encontrava?
Seu cérebro atordoado registrou a porta pequena e simples, e o corredor vazio. Onde estava Febo?
Passou a mão pelo cabelo, e o movimento de levantar o braço fez balançar seus seios.
Seus peitos estavam balançando?... Aonde fora parar seu sutiã?!
Sentiu um arrepio de pânico descer pela espinha.
Pense! Do que ela se lembrava?
Febo a encontrara no café. Eles haviam ido jantar em um restaurante maravilhoso, exclusivo...
A lembrança da refeição em si estava embaçada, contudo. Estranhas imagens de peles quentes e escorregadias, e do gosto salgado da paixão, a atormentavam. Tinha uma vaga lembrança de roupas sendo rasgadas e, depois, de Febo levando-a para um quarto onde ela pudera se vestir... com apenas algumas de suas roupas!
Pamela sentiu o pânico invadi-la e a dor na cabeça aumentar. Respire , ordenou a si mesma. Estava bem; apenas bebera demais.
Mas onde, diabos, estava Febo?!
Sua felicidade ao comprar aquela bolsa maravilhosa de sapatinho de rubi era sua última lembrança mais nítida.
— Maldição dos infernos !... Minha bolsa!
Olhou para a porta branca. O que acontecera naquele jantar? Não conseguia concatenar as ideias, mesmo sabendo que alguma coisa havia acontecido. Por algum motivo, a memória fugia do seu alcance. Febo a drogara? Mas por que ele o faria?!
Na tentativa de manter o medo sob controle, Pamela apelou para o bom-senso. Deixara sua bolsa nova de sapatinho de rubi, de 4 mil dólares, no restaurante. E, com ou sem Febo, iria voltar lá para pegá-la.
Abriu a porta e entrou. Aquilo era um closet ?...
No meio do armário, deparou com uma passagem em forma de disco que cintilava e brilhava.
Alguma coisa se agitou em sua memória. Ela atravessara aquele círculo com Febo! Era a entrada para o restaurante.
Pamela endireitou os ombros e cruzou a bizarra entrada. Experimentou uma sensação engraçada, como penas lhe roçando a pele, e a luz mudou, da lâmpada amarela e fraca do closet para uma luminescência rosada.
Entretanto, ela não adentrou o fabuloso restaurante de que se lembrava. Em vez disso, viu-se no meio de um magnífico salão de baile.
O lugar era imenso e de uma beleza indescritível. O enorme espaço se encontrava vazio, exceto pela presença de duas pessoas que gritavam uma com a outra.
Conforme ela surgiu na entrada, estas se viraram em sua direção. Febo, sem camisa, olhou para ela em choque. Sua irmã pareceu furiosa a princípio, em seguida sua expressão mudou e...
Uma dor lancinante cortou Pamela dos pés à cabeça. Ela abriu a boca para gritar, mas, conforme a dor ondulou por seu corpo, o grito ecoou em sua cabeça. Era como se ela não tivesse mais boca para lhe dar voz. Desamparada, estendeu a mão para Febo conforme se sentia dobrar e se transformar em algo não humano.
No mesmo instante, a dor dissipou a bruma em sua cabeça, e as lembranças a assaltaram de uma só vez. Febo... Sua pele brilhando com uma paixão sobrenatural enquanto ele a tomava nos braços e a fazia sua... Ele não era humano. Nenhum homem comum podia ser feito de fogo.
O que ele havia feito com ela? O que estava fazendo com ela agora?!
Lembrou-se de seu fogo varrendo-a inteira, acariciando-a e...
Outro grito rasgou sua mente.
Apolo estava de costas para o portal, repreendendo a irmã por sua indesejada interferência, quando sentiu sua alma gêmea adentrando o Olimpo, e seu fogo de barragem foi interrompido. No momento em que os pés mortais de Pamela ultrapassaram o portal, o restante de seu corpo começou a se transformar.
Impotente, Apolo assistiu a Pamela diminuir de tamanho, se liquefazer, depois se transmutar em um belo jasmim perfumado.
— Leve-a de volta antes que o sol nasça! — sua irmã gritou. — Quando o portal se fechar, o feitiço vai desaparecer!
E, então, ela seria Pamela mais uma vez.
As palavras tiveram o efeito de uma cotovelada em Apolo. Ele saltou para a frente, sentindo Ártemis logo atrás dele.
Agarrou a flor de jasmim delicada e a puxou de onde esta já começava a fincar raízes, no chão de mármore. Sussurrando um alquebrado pedido de desculpas, pulou através do portal com o corpo transformado de Pamela nas mãos.
Ártemis hesitou em frente ao portal, lançando um olhar rápido sobre o ombro na direção das janelas que iam do chão ao teto, e que mostravam o amanhecer iluminando o céu, o qual, por sua vez, já se tingia de vermelho.
— Não, seu tolo! — gritou dentro do disco que girava. — Não era para ir junto com ela! — A deusa se inclinou para a frente, tentando enxergar através da fulgurante passagem.
Das sombras, Baco se aproximou rápida e silenciosamente e, com um único movimento, bateu o ombro no centro das costas da Deusa da Caça. Ártemis gritou e caiu no disco apenas alguns segundos antes de o portal se apagar, desaparecendo por completo conforme o amanhecer se espalhava pelo Monte Olimpo.
A risada de Baco ressoou, então, com malévolo triunfo.
Capítulo 21
Pamela estava de quatro. Sua respiração saía em espasmos, e seus dentes batiam em uníssono com o tremor que lhe sacudia o corpo.
Seu corpo!
Apalpou braços e rosto freneticamente. Ela havia se transformado em alguma coisa!... Algo verde, que crescia e que, sem sombra de dúvida, não era natural.
Mas agora voltara ao normal de novo. Voltara a ser humana.
— Está tudo bem, meu doce — falou Apolo, estendendo-lhe a mão.
Pamela se encolheu para longe de seu toque.
— Você! — exclamou, mas, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a irmã de Febo caiu de cabeça no pequeno cômodo, pouco antes de o disco perolado e colorido que girava desaparecer.
Ártemis soltou uma praga ininteligível conforme se levantava do solo, e o irmão a fitou, pasmado.
— Vou fazer Baco se arrepender de ter sido salvo por Zeus quando aquela mãe humana dele... — A deusa interrompeu o discurso ao se dar conta de que o portal se fechara. — Não!... — sussurrou, lívida. — Não podemos ficar presos aqui!
— Que diabo é você?! — As palavras explodiram de Pamela.
Apolo e Ártemis se viraram para a pequena mortal ainda agachada no chão. Ela foi recuando, até se ver pressionada contra a porta fechada. Tinha os olhos arregalados e escuros em contraste com a brancura de seu rosto.
— Pamela... — Apolo falou em um tom suave, estendendo-lhe a mão outra vez. — Sabe quem eu sou.
— Não! — ela gritou de volta, se esquivando de seu toque. — Eu não perguntei quem você é. Perguntei o que você é!
— Vai ter de fazê-la esquecer — declarou Ártemis, ignorando Pamela. — Ela já viu muito. Olhe para ela: Pamela se lembra! — A deusa levantou a mão esguia. — Está bem, eu mesma faço isso. Sei o quanto ficou apegado a ela... Durma e esqueça! — Sacudiu os dedos na direção de Pamela, que recuou instintivamente.
— Pare! — gritou Apolo. — Não quero que mexa com ela.
— Que diabo está acontecendo?! — As pernas de Pamela funcionaram bem o bastante para que ela se levantasse; contudo ela permaneceu de costas para a porta, pressionando as mãos contra a madeira maciça na tentativa de atenuar o tremor que a sacudia.
— Por que ela não dormiu? — Ártemis indagou ao irmão. Então balançou a mão e olhou os dedos.
— O portal está fechado — lembrou Apolo.
A deusa fez uma careta de desdém.
— Estou vendo!
Apolo apenas a encarou, e Ártemis arregalou os olhos.
— Quer dizer que quando o portal se fecha... — Suas palavras foram morrendo.
— Quando o portal se fecha, ele corta os nossos poderes — seu irmão terminou por ela.
Ártemis levou a mão à boca, soltando uma exclamação abafada.
— Está bem, é isso aí... Estou indo embora. — Pamela empurrou a porta do armário e saiu, sentindo como se as pernas fossem de borracha.
— Olhe o que você fez! — Apolo rosnou para a irmã antes de correr atrás de Pamela.
— O que eu fiz? — Ártemis bufou, indignada, mas, relutante, o seguiu. Não queria fazer aquilo. Queria que o portal reabrisse. Queria voltar para o Olimpo e tomar um longo banho de imersão em sua fonte de água mineral. Queria que seus poderes imortais retornassem e...
Suspirou, saindo para o corredor.
Apolo tinha segurado Pamela pelo cotovelo a poucos metros da porta do armário e tentava se justificar, enquanto a mortal fazia força para puxar o braço.
Ártemis balançou a cabeça. Como haviam decaído os poderosos!...
Marchou até os dois.
— Fique quieta, mortal! — ralhou com desgosto. — É mesmo muito simples. — Apontou para o irmão. — O nome verdadeiro dele é Febo Apolo, Deus da Música, da Luz e da Cura. Meu nome é Diana, mas apenas se for de descendência romana. Do contrário, prefiro ser chamada de Ártemis, a Deusa da Caça. Também tenho uma afinidade com a Lua, assim como meu irmão está aliado ao Sol... mas decerto não desejo lhe passar tantas informações a ponto de atordoá-la — terminou com sarcasmo.
— Vocês são deuses?... — Pamela rezou fervorosamente para acordar logo.
— Sim. Imortais. Ou ao menos éramos antes que o portal nos aprisionasse neste mundo miserável. Agora suspeito de que somos apenas atraentes mortais — ela falou, seca.
— Apolo e Ártemis... — Pamela olhou os gêmeos.
— Eu disse que era simples.
— Você é maluca ! — ela exclamou.
— Eu não queria que descobrisse desta forma — interveio Apolo —, mas Ártemis está dizendo a verdade. — Ele franziu a testa para a irmã. — Ainda que esteja fazendo um péssimo trabalho.
— O quê? — exigiu a deusa. — Se queria música suave e perfume de flores, sinto muito, mas não serei capaz de atender seu desejo. Pelo menos enquanto o portal não reabrir.
— Não está ajudando — Apolo falou à irmã.
— Mas não existem deuses! Isso não passa de mitologia! — interveio Pamela.
— Pensei que havia dito que ela era inteligente — Ártemis zombou.
Pamela estudou a bela jovem, tão parecida com seu amante, e sentiu a entorpecedora onda de horror que a vinha assolando degelar.
E, conforme esse degelo acontecia, começou a ficar irada.
— Não precisa ser tão rude! — acusou.
— Rude? — Ártemis estreitou os olhos. — Está me chamando de rude quando você é quem nega a minha existência? E isso porque está bem no meio de uma estrutura que foi construída justamente porque povos antigos honravam a mim e aos outros onze deuses tão bem que tenho sido lembrada por milhares de anos... Isso soa inteligente?
— Nem inteligente nem pouco inteligente. Soa apenas absurdo... Isto tudo é absurdo. Não pode ser verdade!
Apolo a segurou pelo outro cotovelo e a fez encará-lo, tentando ignorar o modo como Pamela continuava a se afastar dele.
— Sabe que é verdade, Pamela — falou numa voz calma e tranquila. — Teve uma experiência. Tudo o que tem de fazer agora é aceitar.
Pamela olhou para ele. Olhou para ele de verdade . Febo continuava o mesmo homem alto e estonteante da noite anterior; no entanto, não era o mesmo homem.
Alguma coisa estava faltando nele. Febo continuava extraordinariamente bonito, mas o azul espetacular de seus olhos parecia ter assumido um tom mais... — ela engoliu em seco — ... um tom mais humano.
E havia outra coisa: Febo contava com menos presença agora. Essa era a única maneira que poderia descrever o que sentia. Ele parecia o mesmo, mas não era.
Os detalhes não tinham mudado. Seus ombros não pareciam menos amplos; seu peito, não menos musculoso... o que podia constatar com facilidade, uma vez que ele estava sem camisa.
No entanto, Febo mudara, se transformara... em menos.
E Ártemis estava com a razão; ela se lembrava. De pequenas coisas, como do fato de ele poder ficar ao sol do deserto durante toda a tarde e nem mesmo suar. E de grandes coisas, como ele ter ficado em chamas na noite anterior, enquanto faziam amor.
Somado a tudo isso havia ainda o inegável fato de que ela atravessara um portal reluzente e se transformara em algo que, definitivamente, não era humano.
Não podia ser. Não era possível... Mas, no fundo, ela sabia que eles estavam dizendo a verdade. Aqueles dois eram mesmo deuses.
— O que era aquela coisa no armário? — indagou em um sussurro.
— Um portal que Zeus abriu, do Olimpo para o Reino de Las Vegas — explicou Apolo.
— Por quê?
Ele deu de ombros e tentou sorrir.
— Quem entende as vontades do Supremo Governante do Olimpo?
— Se eu me lembro bem, ele disse algo sobre desejar que nós observássemos e nos divertíssemos com seu mundo — falou Ártemis.
Pamela desviou o olhar para a deusa.
— Quer dizer, num tipo de experiência? Como num daqueles episódios patéticos de Jornada nas Estrelas ?
— Sabe o que ela quer dizer? — Ártemis perguntou ao irmão.
— Não, mas sei que, mais uma vez, não está ajudando em nada — ele falou por entre os dentes.
Pamela o fitou, atordoada.
— O que aconteceu comigo quando atravessei aquele portal? Algo terrível aconteceu com o meu corpo... O que fez comigo?
— Não! Não fui eu. Não pode acreditar que eu faria qualquer coisa para feri-la.
Pamela virou o rosto.
— Já me feriu.
— Foi aquele cretino do Baco! Ele deve ter lançado algum feitiço sobre o portal. —Ártemis fez uma pausa enquanto pensava sobre o que tinha acontecido com Pamela.
— Estava se transformando em uma flor.
— Em um jasmim, como seu próprio nome sugere — completou Apolo. — A mais doce de todas as flores.
Ártemis bufou.
— Muito romântico. Isso mostra que Baco enfeitiçou o portal de modo que, se Pamela o atravessasse sem você, ela reverteria para sua forma mais básica: a de seu próprio nome.
Pamela sentiu o coração entorpecido.
— É como nas lendas!... Vocês usam os seres humanos e, quando os descartam, transformam-nos em algo não humano!
— Eu não diria que está sendo muito precisa. — Ártemis pareceu ofendida.
Apolo deu as costas para a irmã.
— Deixe-me explicar — disse a Pamela. — Não é nada disso em se tratando de nós dois.
— Não!... Estou farta de ser usada como uma cobaia. — Ela lançou um olhar de desgosto a Ártemis. — Não quero que explique mais nada. Só quero que vão embora para o lugar de onde vieram e me deixem em paz!
— Nós adoraríamos, mas parece que estamos presos aqui até o seu próximo fim de semana — anunciou Ártemis.
Apolo balançou a cabeça.
— Ela adoraria. O que eu mais quero é ficar com você e lhe explicar tudo.
— Não estou interessada. — Pamela recomeçou, tentando se livrar dos braços fortes de Apolo, porém uma voz os interrompeu.
— Algum problema aqui? — Um segurança de uniforme azul parou na entrada do corredor. Era baixinho e gordinho, mas possuía um distintivo, uma arma e a expressão de quem levava seu trabalho muito a sério.
— Ah, vá embora! — reclamou Ártemis, sacudindo os dedos em sua direção. Em seguida parou, e sua expressão de desdém se desfez quando ela se lembrou de que estava sem seus poderes.
— O que disse?... — O guarda inquiriu, estreitando os olhos para a linda mulher vestida com uma túnica curta.
Apolo deixou cair os braços e se pôs diante de Pamela e da irmã.
Pamela observou o modo como seu semblante se fechou e percebeu que, com ou sem poderes imortais, ele tinha potencial para ser um homem muito perigoso.
— Não há problema algum, senhor — interveio rapidamente, pondo-se ao lado do deus. — É que meu... — Fez uma pausa, olhou para o peito nu de Apolo e descartou palavras banais como “namorado” e “paquera”, as quais, estava certa, iria fazê-la soar como uma candidata ao Jerry Springer Show , um daqueles programas que tratam de casos de família. — ... meu noivo e eu tivemos uma briguinha e, bem... — Ela encolheu os ombros e sorriu, tímida.
O homem não estava olhando para ela ou para o jovem seminu a seu lado, no entanto. Estava olhando para Ártemis.
— Espere um pouco — disse, os olhos pequenos brilhando. — Não é uma das estrelas do Zumanity ?
Pamela prendeu a respiração enquanto Ártemis erguia uma sobrancelha fina.
— Eu sou a estrela de Zumanity — confirmou a deusa, arrogante.
— Esta é Diana, irmã de meu noivo — elaborou Pamela. Não olhou para Apolo, porém podia sentir a tensão em seu corpo conforme ele aguardava em silêncio a seu lado.
— Que coincidência! Assisti a esse show pela primeira vez há poucos dias. — O segurança balançou o corpo para trás e para a frente, o suor banhando o lábio superior. — Foi incrível. Você foi incrível...
— Suponho que seja gratificante saber que proporcionei prazer às massas — respondeu Ártemis.
Pamela a segurou pelo cotovelo, puxou Apolo pela mão e começou a passar com ambos pelo guarda.
— Bem, precisamos voltar para os nossos quartos. Não entendo como tomamos o rumo errado e viemos parar aqui...
— Da próxima vez, vista-se adequadamente antes de deixar seus aposentos! — O oficial repreendeu Apolo enquanto Pamela o arrastava às pressas. Então tirou o chapéu para Ártemis. — Muito prazer em conhecê-la, Diana. Mal posso esperar para ver seu show de novo.
Pamela pôde sentir o rosnado que brotou de dentro do corpo de Apolo.
Nenhum deles falou mais, porém, até dobrarem a esquina e se verem caminhando pelo saguão do cassino.
Pamela soltou o braço de Ártemis. Tentou largar a mão de Apolo, contudo ele apertou a dela ainda mais.
Pamela franziu o cenho.
— Deixe-me ir! — Baixou a voz de maneira que as pessoas próximas não a ouvissem.
— Não pretendo deixá-la ir nunca — Apolo replicou.
Ártemis suspirou, dramática.
— Fique fora disso! — o deus ordenou à irmã. — Não entende o que é estar apaixonado.
— Apaixonado! Ora, por favor... Sei que sou apenas uma mera mortal, mas não sou nenhuma idiota. Não importa o que sua irmã pensa. — Pamela fulminou Ártemis com o olhar, e esta curvou os lábios em um sorriso cínico.
Pamela encontrou o olhar de Apolo novamente. Seus olhos já não estavam mais vidrados, em choque. Em vez disso, faiscavam com indignação.
— Como pode dizer que está apaixonado por mim? Fingiu ser alguém que não é! Você me usou como uma verdadeira cobaia! E ainda suspeito de que tenha me lançado algum tipo de feitiço!
Várias pessoas se viraram e olharam, curiosas, em sua direção.
— Deixe-me explicar — recomeçou Apolo.
Pamela começou a sacudir a cabeça, porém o deus a tocou na lateral do rosto, e ela sentiu-se congelar.
— Por favor — ele sussurrou, odiando perceber que, quando ele a tocava, o medo sobrepujava a raiva em seus olhos. — Precisa me deixar explicar. Eu já disse que não vou deixá-la ir. Quando faço um juramento não o quebro jamais. — Apolo deixou seu rosto e tocou de leve a medalha que ela ainda usava no pescoço. — Prometi que lhe daria a minha proteção. Não precisa ter medo de mim.
— Com licença, senhor... — Um funcionário do cassino se aproximou deles. — Desculpe, mas preciso pedir que vista sua camisa.
— Já estamos a caminho do nosso quarto — respondeu Pamela, puxando Apolo em direção aos elevadores do hotel.
— Não sei por que tanta celeuma por conta de um pouco de carne exposta! — resmungou Ártemis, seguindo o irmão.
— Quero isso tudo muito bem explicado — alertou Pamela, tão logo eles adentraram o elevador.
— Assim será — assegurou Apolo, ainda segurando a mão dela.
— Isso vai ser muito aborrecido — rezingou Ártemis.
— Continua não ajudando! — Apolo e Pamela reclamaram em uníssono.
Capítulo 22
— Está me dizendo que tudo não passou de um feitiço mal direcionado? — indagou Pamela, sentada em uma das cadeiras da sala de estar de sua suíte.
Ártemis descansava deitada no sofá e Apolo, que não conseguia ficar quieto, andava de um lado para o outro diante da janela.
— Tecnicamente, não é um feitiço. É um ritual de invocação. Muito antigo e muito poderoso — falou a deusa. — Como explicou Apolo, não devia ter sido possível, até por necessitar reunir muitos elementos... o que acabou acontecendo.
— Tivemos um dedo de Baco nessa história, sem dúvida. Ele deve ter manipulado as coisas — Apolo terminou pela irmã.
— Manipulação. Excelente maneira de descrever tudo isso. — A expressão de Pamela dizia claramente que ela não estava se referindo à invocação.
— Não! Não foi assim. Nossos sentimentos não foram manipulados, apenas os acontecimentos que nos aproximaram.
— Mentiu para mim — acusou Pamela.
— Não. Sou mesmo uma espécie de médico e músico.
— Na verdade, ele é o curandeiro e o músico do Mundo Antigo — Ártemis interrompeu a conversa.
Pamela soltou uma exclamação.
— Meu tornozelo! Fez alguma coisa para curá-lo naquela noite da chuva!
— Estava quebrado. Eu apenas o fiz sarar.
Pamela fitou Apolo como se nele houvessem brotado chifres e um rabo.
— E quanto ao prêmio no caça-níqueis? — perguntou, tensa.
— Sua vontade de ter a bolsa era comovente... Agradou-me lhe conceder esse desejo.
O sorriso do deus foi como o de um menino apanhado com a mão em um pote de biscoitos, concluiu Pamela, e quis sorrir de volta para Febo. Ele parecia tão... normal.
Então se lembrou de como havia sido sentir a própria carne derretendo para se transformar em algo não humano.
Sua determinação voltou, e sua pergunta seguinte apagou o sorriso travesso do rosto do deus.
— E quanto ao sexo? Que tipo de magia usou para me levar para a cama?
— Nenhuma — ele respondeu de pronto. — Eu não a cortejei como o deus Apolo. Eu a cortejei e fiz amor com você como Febo, um mortal como qualquer outro.
Foi a vez de Pamela bufar.
— Por favor! Eu estava lá... Foi muito diferente com você. Não costumo ir para a cama com um caso de fim de semana, mas deve ter feito algo comigo.
Apolo parou de andar e foi até onde ela estava.
— Não usei nenhum poder imortal para seduzi-la, e o que tivemos não foi uma aventura de fim de semana.
Pamela sentiu a boca seca e o estômago se apertar com sua proximidade.
— Está fazendo de novo — sussurrou, contrariada. — Pare com isso.
O sorriso cativante de Apolo voltou com força total.
— Impossível, doce Pamela. Como minha irmã já afirmou, quando o portal se fecha perdemos nossos poderes imortais. Até o anoitecer de sexta-feira, terei tanta energia para conquistá-la como qualquer outro mortal.
— Se quer ficar com raiva de alguém por tê-la enfeitiçado, fique com raiva de mim — declarou Ártemis, estudando as unhas. — Eu aspergi um pouco da minha magia em você na noite da minha apresentação. Também lancei meu feitiço de sedução no banquete de ontem à noite.
— Por que faria isso?! — Pamela indagou.
— Já lhe explicamos a respeito do ritual de invocação. Até que Apolo satisfizesse o seu desejo mais sincero, nós estaríamos vinculadas; e eu estava mais do que cansada disso. — A deusa afastou uma mecha dourada do rosto. — Precisava de um estímulo para admitir a si mesma que Apolo era o seu desejo mais profundo, então... Agradeça às nove Musas por ter funcionado.
— Não é uma pessoa muito agradável, é? — Pamela indagou à deusa.
— Agradável? — Ártemis não pareceu nem um pouco ofendida com a pergunta. — Por que eu precisaria ser agradável?
O telefone tocou.
Balançando a cabeça para Ártemis, Pamela atendeu.
— Pamela? Aqui é o assistente do sr. Faust, James — falou uma voz masculina.
— Ah, sim. Olá, James. — Ela sentiu o estômago afundar. Era manhã de segunda-feira! Já devia ter começado a trabalhar, mas havia se esquecido completamente de E. D. Faust e do trabalho que ela precisava concluir.
— Eu só queria lembrá-la de que Robert estará aí para apanhá-la com o carro, na entrada do Caesars Palace, em exatos trinta minutos.
— ... Obrigada pelo telefonema, James. Estarei pronta.
— Ótimo! O sr. Faust está ansioso por que comece o trabalho em sua casa.
Pamela aquiesceu, dando uma resposta adequada. Desligou o telefone e olhou para Apolo e Ártemis que, por sua vez, a observavam.
— Preciso ir trabalhar.
— Claro. Para o autor. O da casa de banhos romana e da fonte — lembrou Apolo.
— Sim, ele está mandando um carro vir me buscar. — Pamela olhou-se no espelho e fez uma careta diante de sua terrível aparência. — Em exatos trinta minutos! Tenho que me aprontar. — Começou a correr em direção ao quarto.
— Excelente! — exclamou Ártemis. — Para onde vamos?
Pamela estacou.
— Nós não vamos a lugar nenhum.
— Não espera que eu permaneça aqui, neste casebre? É aborrecido demais.
— Bem, certamente não virá comigo! — ela imitou o tom afetado da deusa.
Ártemis estreitou os olhos.
— Não se esqueça de com quem está falando, mortal.
Pamela plantou as mãos nos quadris e ergueu o queixo.
— Escute aqui. Deusa ou não, vai ter que aprender a não agir como uma vadia. E pode me ameaçar quanto quiser. — Apontou para a medalha dourada que lhe pendia do pescoço. — Apolo jurou que estou sob sua proteção.
Ela ouviu a risada satisfeita do deus, mas se recusou a encará-lo.
— Fiquem aqui, peçam o serviço de quarto, assistam a um filme, aprendam a lidar com a internet, sei lá! Inferno... Quando eu voltar, pensarei no que fazer com vocês.
— Pamela?
A voz de Apolo a impediu de ir para o quarto, e ela se voltou para ele.
— Nós poderíamos ajudá-la.
— Ajudar-me no quê?
— Eu poderia ajudá-la a convencer Faust a construir o balneário. E quem sabe Ártemis possa persuadi-lo a usá-la como modelo para a estátua do centro da fonte? — o deus acrescentou, sorrindo.
Pamela lançou um olhar duvidoso na direção da deusa.
— Não se esqueça de que os homens vêm adorando a minha beleza há eras — Ártemis falou alegremente. — Eles ficam encantados comigo.
— Isso até pode ser verdade, mas apenas porque veem suas estátuas e pinturas, e não precisam se submeter à sua odiosa presença.
Ártemis abriu a boca para retrucar, contudo Apolo a impediu.
— Minha irmã pode dar seu juramento de que será educada.
— Eu, não!
— Faust é um bardo moderno, e quer que a estátua do centro de sua fonte seja uma homenagem a Baco. Pense nas histórias do Deus do Vinho que ele vai contar... — Apolo falou à irmã.
— Aquele sapo gordo não devia ser idolatrado no mundo moderno! — protestou Ártemis.
Ele encolheu os ombros.
— Você é quem sabe.
A deusa limpou a garganta e, relutante, encontrou o olhar de Pamela.
— Eu lhe dou o meu juramento de que serei educada. Hoje.
— Eu não sei...
— Por favor, Pamela — insistiu Apolo. — Deixe-me mostrar que não estou diferente hoje do que fui ontem. Apolo, o deus, e Febo, o mortal, são o mesmo homem.
Ela não deveria. Sabia que não deveria. Não queria ser amada por um deus. Gostava das coisas como eram antes de ele se tornar um imortal todo-poderoso. Queria seu Febo de volta.
— Está bem — concordou de súbito. — Mas temos que lhe comprar outra camisa no caminho. — Olhou para Ártemis. — Pelo menos está bem com esse traje. Podemos dizer que está vestida a caráter. — Pamela vacilou, então. — Fiquem aí. Preciso me apressar.
Fechou a porta do quarto e descansou a cabeça na madeira. Febo era Apolo!...
Sentiu as entranhas revolver conforme a realidade se instalava dentro dela. Ela era amante de Apolo, o deus grego!...
E ele existia havia eras. Templos foram construídos para homenageá-lo, faziam músicas para ele!... Aquelas mãos que tinham acariciado cada parte de seu corpo eram as mesmas mãos que levaram música ao Mundo Antigo.
E ele dizia que a amava!...
Pamela levou a mão trêmula à boca, dominada por uma súbita onda de choque, incredulidade e espanto. Era melhor dizer a Faust que não poderia aceitar o trabalho, pegar um avião e voar de volta para o Colorado. Deveria esquecer que aquele fim de semana havia acontecido. Era a coisa mais inteligente a fazer.
Mas sabia que não iria fazer a coisa certa. O Deus da Luz dissera estar apaixonado por ela.
— Na certa estou cometendo o erro mais ginorme da minha vida — falou baixinho.
Exatamente vinte e cinco minutos mais tarde, eles se encontravam do lado de fora das portas giratórias que davam para o Caesars Palace; Pamela sentindo o estômago apertado como se estivesse se preparando para saltar de bungee jump .
— Lembre-se, você é Febo Delos, especialista em arquitetura romana, e eu o chamei para me aconselhar nesse projeto. E você é a irmã dele, Diana, que...
— ... tem a beleza de uma deusa! — Ártemis a interrompeu, repetindo suas instruções. — Sim, sim, já decoramos nossas falas. Somos imortais, não imbecis.
— Eu ia dizer que precisa se lembrar de ser agradável — Pamela completou.
— Minhas palavras serão tão doces que eles poderiam fazer mel na minha boca, como as abelhas marrons da Grécia — elaborou Ártemis com um bater inocente dos longos cílios.
— Já está me deixando com dor de cabeça — resmungou Pamela. — Basta ser normal, está bem? É pedir muito?
— Ela vai manter seu juramento. Não precisa se preocupar, doce Pamela — garantiu Apolo.
— Não me chame assim. Supõe-se que seja meu funcionário! — ela o repreendeu, e em seguida odiou a mágoa que viu no rosto estonteante do deus.
Um deus!... Como, diabos, chegara àquela situação? Estava namorando Apolo!
Estava condenada, isso sim. Já havia estudado literatura. Mesmo não conseguindo se lembrar muito bem, sabia o que acontecia a mortais que chamavam a atenção dos deuses. Ainda mais a mortais do sexo feminino. Seu final nunca era feliz.
Além do mais, o que faria com ele a semana inteira? Nenhum dos irmãos tinha dinheiro. Descobrira isso quando Febo enfiara a mão no bolso para pagar pela camisa que comprara em uma loja e percebera que, de alguma forma (decerto quando ele arrancara as roupas atabalhoadamente, na noite anterior, pouco antes de prensá-la na coluna de mármore), ele perdera os 4 mil dólares que furtara do caça-níqueis.
Assim, Febo não contava com um centavo. Nem Ártemis.
E o portal não seria reaberto durante longos cinco dias.
— Bom dia, srta. Gray.
Pamela deu um pulo. Não tinha notado a limusine vintage e prateada que estacionara à sua frente.
— Ah, bom dia, Robert. — O homem lhe abriu a porta, e ela fez uma pausa. Pigarreou, então desenhou no rosto seu sorriso mais profissional. — Estas duas pessoas vão se juntar a nós, hoje. Eles são meus assistentes.
Robert analisou os dois gêmeos loiros por cima do nariz afilado e fungou de leve.
— Muito bem, senhora — falou, segurando a porta aberta e ajudando primeiro Pamela a entrar na limusine, em seguida, a mulher fantasiada.
Quando o homem alto hesitou, Robert lançou-lhe um olhar muito britânico (direto e polido, sem se preocupar em demasia).
— Algo errado, senhor?
Se Apolo ainda tivesse seus poderes, ele o teria usado para abrir o chão sob seus pés, de modo a ser engolido e sumir de vista. Do interior da besta de metal, Pamela e Ártemis o observaram com curiosidade.
Sua irmã, de repente, pareceu compreender.
— É muito bom aqui — disse a ele. — Não precisa ficar preocupado. — Deu um tapinha no assento ao lado.
— Não estou preocupado — Apolo afirmou, controlado. Respirou, então, e entrou na boca da coisa .
— Por favor, sirvam-se com a mimosa. A viagem até a propriedade do sr. Faust, em Red Rock Canyon, levará aproximadamente trinta minutos. — Robert fechou a porta.
Para Apolo, foi como se ele houvesse apenas tomado um gole de ar, e eles já avançavam, deslizando como um réptil ágil e rasteiro pela rua. Experimentou uma sensação terrível no estômago, e o sangue bombeou mais forte em seus ouvidos. Não conseguia parar de olhar para o mundo lá fora, conforme este passava zunindo, a um ritmo vertiginoso.
— Você está bem? Está pálido — comentou Pamela.
— Ela tem razão, está mesmo — concordou Ártemis. — Talvez ajude se beber alguma coisa. — Ela se aproximou do balde de gelo que continha uma garrafa de champanhe e um jarro de vidro fino com suco de laranja.
— Não! Não quero nada para beber — afirmou Apolo, com a mais estranha das sensações. Temia que, se tentasse beber alguma coisa, fosse devolver tudo em seguida.
— Acho que está com náuseas por causa do carro — concluiu Pamela. — Pode se sentir melhor se for lá na frente, com Robert. Minha amiga, Ve, fica muito enjoada se viaja no banco traseiro. Quer que eu peça para que Robert estacione, para que possa mudar de lugar?
— Eu sou um deus — ele falou por entre os dentes. — Não fico doente.
— Faça como quiser, mas, se vomitar no carro de Eddie, juro que, como sua empregadora, vou ficar muito aborrecida!...
Apolo fechou os olhos e tentou ignorar o fato de estarem cruzando a Terra dentro de um monstro de metal que poderia se espatifar contra alguma coisa e se desintegrar a qualquer momento.
— O que é uma “mimosa”? — indagou Ártemis.
— Champanhe e suco de laranja misturados. Uma delícia.
— Bem... — a deusa olhou para o rosto estranhamente pálido do irmão, então encolheu os ombros bem-feitos — ... vou experimentar uma taça. Você me acompanha, Pamela?
— Não, obrigada — ela agradeceu.
Ártemis serviu-se em uma das taças de champanhe.
— Viu como estou sendo educada?
— Milagre — Pamela murmurou.
— Aguarde... O melhor ainda está por vir — prometeu a deusa, bebendo um gole da mimosa e lançando-lhe um sorrisinho travesso.
Pamela decidiu que Apolo havia tido melhor ideia ali. Fechou os olhos assim como ele, e rezou para que a viagem, o dia... — inferno , a semana! — ... passassem logo.
Mas não antes de deslizar a mão para a dele e apertá-la.
Capítulo 23
A casa de veraneio de E. D. Faust fora construída para se parecer com uma charmosa villa toscana, e Pamela estava aliviada. Sim, ela vira as plantas e lera as anotações sobre a arquitetura que James lhe entregara, mas, depois do pedido bizarro de Eddie para que ela fizesse o interior da residência parecido com o Fórum, vira-se receosa quanto ao que esperar.
Claro que, conforme eles saíram da limusine e se aproximaram da impressionante porta dupla de ferro forjado, com vidros escandalosamente caros — feitos a mão, jateados e chanfrados —, ela se lembrou de ter pensado que o exterior do Fórum indicava que seu interior era decorado com modéstia e com um clássico bom gosto...
Engano seu.
Olhou para Ártemis, que parecia fresca e linda na manhã ensolarada. A deusa tinha as faces coradas, e uma longa mecha de cabelo loiro e brilhante escapara de seu elaborado penteado.
Ártemis alisou a saia da túnica curta, soltou um soluço e, então, riu baixinho.
Pamela a examinou com mais atenção. Merda!... Ela parecia embriagada! Por que, maldição dos infernos , não havia ficado de olho na deusa? Quantas mimosas a deidade engolira em trinta minutos — e com o estômago vazio! — enquanto ela, Pamela, segurava, distraída, a mão do pobre Apolo?
— Está bêbada? — cochichou, tensa.
Ártemis lançou-lhe um olhar severo.
— Imortais não ficam bêbados. Apenas os mortais se embriagam. Não seja boba... — A deusa balançou o dedo para ela.
Pamela revirou os olhos.
— Não é mais imortal, lembra-se? — Reprimiu uma súbita vontade de gritar. Em vez disso, olhou para Apolo em busca de ajuda, porém seu rosto estava com uma cor estranha, entre o branco e o verde. Observou-o limpar o suor da testa com as costas da mão, preocupada. — Você está bem?
Ele assentiu com um vigoroso gesto de cabeça.
— Melhor agora que estamos fora dessa... — Estremeceu e olhou na direção do automóvel que os trouxera.
— Limusine — completou Pamela. — É uma limusine. — Céus! , ela estava presa em um pesadelo sem fim! — Tudo bem. Vamos fazer o seguinte... Vocês dois, tentem não falar, a menos que alguém lhes faça uma pergunta direta. Mesmo assim, sou eu quem vai responder à maior parte. Agora vamos. Precisamos acabar logo com isto. — Ajustou a alça da bolsa larga e começou a subir a linda escada de mármore curva com determinação.
Os gêmeos a seguiram com menos propósito.
Pouco antes de tocar a campainha antiga, ela ouviu um som abafado às suas costas, e então a risadinha — completamente alterada — de Ártemis. Olhou por cima do ombro e viu Apolo segurando a irmã pelo cotovelo.
— Ela quase caiu — ele explicou baixinho.
— Impossível! — Ártemis falou com voz arrastada.
— Oh, Deus!... — Pamela murmurou.
As portas duplas se abriram, e o rosto sorridente de James os recebeu.
— Entre, Pamela, por favor. Eddie se encontra no pátio, esperando por você. — Seu sorriso mudou para educada curiosidade quando Apolo e Ártemis a seguiram para dentro do saguão.
— São meus assistentes... Eu os contratei. São especialistas, na verdade — Pamela acrescentou depressa.
— Tenho certeza de que Eddie ficará satisfeito com sua iniciativa. Ele esteve ansioso por esta reunião a semana inteira. Venham por aqui, por favor.
James os conduziu através do hall de entrada, um espaço gigantesco, a partir do qual duas escadas em curva, ladeadas por parapeitos de mármore antigos, levavam ao segundo andar da villa .
As balaustradas de mármore, contudo, eram o único detalhe acabado do recinto. Todo o restante estava nu. As paredes ainda se encontravam no reboco, e o piso era de cimento. A parede inteira dos fundos, da qual eles se aproximavam, era adornada por janelas que iam do chão ao teto; tão novas que ainda continham os adesivos de fábrica cor de laranja.
Enquanto caminhava lentamente pelo espaço inacabado, contudo, Pamela nem sequer viu sua crueza. Olhava tudo à sua volta, enxergando apenas o ilimitado potencial do lugar.
— Está horrível — Apolo cochichou. — Não há piso, nem paredes, muito menos decoração.
— Não! Está perfeito! — ela contrapôs num sussurro. — A estrutura se encontra pronta, mas os pisos e paredes estão todos inacabados. A maioria dos dispositivos nem sequer foi instalada. É como uma tela em branco. É meu trabalho escolher com sabedoria e me certificar de que esta casa seja transformada em uma obra-prima.
James os aguardou, paciente, ao lado da porta de vidro que — Pamela já sabia pelas plantas — levava à parte central da mansão: o incrível pátio em torno do qual o restante da vila fora construído na forma de quadrado aberto em um dos lados.
Tão logo eles chegaram a este, James abriu a porta e sinalizou para que eles passassem.
Foi apenas nesse momento que Pamela notou a verdadeira multidão reunida no pátio.
Em resposta a seu olhar interrogativo, James apenas sorriu e apontou para o meio das pessoas, onde E. D. Faust se encontrava sentado em uma bancada de mármore repleta de amostras de material.
— Ah, Pamela! — ele gritou quando a viu.
Ao se por de pé, lembrou-a uma montanha se movendo. Também naquele dia estava todo vestido em preto, desde as calças bem-cortadas até a camisa de seda, cujas mangas tinham o modelo amplo da de um pintor.
Ou então , ela pensou, observando o brilho em seus olhos escuros, da camisa de um pirata .
— Bom dia, Eddie — saudou. — Tem bastante gente aqui, hoje...
— Por sua causa, Pamela. — Ele riu com gosto, a barriga chacoalhando como num estrondoso terremoto. — Mandei todos os trabalhadores virem para cá. Imaginei que economizaríamos tempo se os tivéssemos à disposição. Eles estão apenas aguardando as nossas ordens.
Pamela não podia acreditar. Olhou o grupo e arregalou os olhos ao notar que cada pequena equipe possuía a seu lado pilhas de materiais — amostras, claro — de tudo o se podia imaginar: retalhos de tecido, pedaços de mármore, de pedras brutas, placas com texturas, tintas e revestimentos. Eddie transformara seu pátio em um minimercado para designers de interiores. Era estarrecedor e mais do que intimidante. De repente se lembrou de que havia trazido seu próprio séquito. Bem... ao menos era assim que eles se apresentavam.
— Que bom. — Recuperou o controle das cordas vocais com dificuldade. — Está certo. Isso vai nos economizar algum tempo. Deixe-me apresentar os assistentes que eu trouxe comigo, hoje... — E inclinou o corpo para que Apolo avançasse um passo.
Ártemis, que se encontrava de pé atrás do irmão, fitando, embriagada, um fiapo em sua camisa, de repente percebeu que tinha uma plateia para a qual se apresentar, e se colocou, lânguida, do outro lado de Pamela.
Diante da aparência dos gêmeos dourados, o grupo deixou escapar um suspiro coletivo de apreciação.
— Este é Delos Febo, especialista em arquitetura romana. — Pamela ficou satisfeita ao ver que Apolo inclinava a cabeça polidamente para Faust.
O autor, contudo, mal olhou em sua direção. Seus olhos estavam cegos para tudo o mais, exceto para a bela deusa a seu lado.
Pamela respirou fundo, cruzando os dedos.
— E esta é sua irmã, Diana. Ela é modelo, muito conhecida por sua beleza em toda a Grécia e Itália. Sei que queria manter Baco como a figura central em sua fonte, mas pensei que, talvez...
Suas palavras foram interrompidas quando Ártemis avançou com um andar lânguido e gingado até ficar a meio metro do volumoso autor. Então parou, ergueu a mão delicada até a elaborada coroa de cabelos e, com um leve puxão, libertou os fios longos e dourados, que se derramaram em uma onda espessa ao redor de sua cintura. Balançou a cabeça, e seus cabelos cintilaram, hipnóticos, à luz da manhã.
— Pamela imaginou que talvez preferisse a estátua de uma deusa — ela ronronou.
Pamela precisava admitir: Ártemis era uma atriz excelente. Assim como durante sua performance em Zumanity , ela ganhara a atenção do grupo.
Faust pareceu ter levado uma pancada na cabeça, depois piscou, e seu rosto se iluminou em um largo sorriso enquanto ele se curvava com incrível graça e um floreio.
— Quanta satisfação, Diana! — falou com seu vozeirão. — É uma honra ser agraciado pela presença da Deusa da Lua, das Florestas e dos Vales... — Concedeu um olhar a Apolo. — E você, meu bom companheiro, deve ser o Deus da Luz. Que divertido o fato de sua mãe tê-los nomeado segundo os gêmeos imortais.
Pamela sentiu o estômago se apertar. Era claro que um homem que fizera carreira escrevendo ficção reconheceria instantaneamente a mal ocultada verdade em seus nomes. Que diabo ela poderia dizer agora? Seria possível que Faust houvesse percebido quem eles eram de verdade?
Apolo sorriu.
— Descobriu nosso segredo, senhor.
— Por favor, não há nenhum senhor aqui. Pode me chamar de Eddie. — Seus olhos se desviaram para a beldade ainda parada à sua frente. — Pamela, saiba que já provou ser tão genial quanto imaginei que fosse. Agora que estou face a face com uma deusa, concordo com seu ponto de vista. Precisamos mudar a estátua central da minha fonte. Esqueça Baco. A beleza da deusa Diana será exaltada em seu lugar.
Pamela deu um suspiro de alívio, e Ártemis se curvou com graça.
— Não! Uma deusa nunca deve se curvar. — Faust se apressou em fazer Ártemis se erguer de sua profunda reverência.
— Até que enfim um mortal que sabe como tratar uma deusa... — comentou a diva.
Pamela mordeu o lábio, contudo Eddie sorriu com bom humor e levou a mão de Ártemis aos lábios.
— Mas é claro que sei. — Olhou para a multidão de trabalhadores reunida em torno deles. — Qual de vocês tem talento para esboçar esta linda deusa, de modo que um artista possa esculpir sua imagem imortal no mármore?
— Não seria mais fácil se ela tirasse algumas fotos digitais em diversas poses e, em seguida, o escultor começasse a trabalhar com base nelas? — Pamela indagou, aflita.
— Mais fácil, talvez. Mas não me parece certo. Soa muito frio. Muito impessoal.
— Mas Diana só estará disponível até sexta-feira. Depois tem um... ahn... compromisso a que não pode faltar — justificou Pamela.
— Então temos que trabalhar depressa. Eu gostaria de ter a minha deusa imortalizada à moda antiga. Febo, você é o expert na antiga Roma. Como isso costumava ser feito?
— Tem toda a razão. O escultor teria desenhado sua musa e, em seguida, começado a trabalhar com base em seus próprios esboços. — Apolo fez uma pausa e ergueu uma sobrancelha. — A menos que tivesse contratado Pigmalião. Acredito que ele trabalhava baseando-se na imagem da mulher que via apenas em seu coração... — Lançou um olhar ardente para Pamela. — O problema é que poucos de nós têm a sorte de ver seu mais profundo desejo concedido.
Pamela se obrigou a não se retesar. Apolo afirmava ter sido privado de seus poderes imortais, mas, quando olhava para ela daquela maneira, fazia com que sentisse calor, frio, excitação... tudo de uma vez.
Faust não pareceu notar o byplay acontecendo entre a designer e seu assistente, pois tinha a atenção voltada para sua própria imortal.
— Ah, mas temos Diana, não Galateia. Por isso mesmo a modelo merece um esboço.
— Galateia não era deusa. Era apenas uma pedra que foi trazida à vida — corrigiu Ártemis, um pouco irritada.
— Verdade! Tem toda a razão! — exclamou Eddie. — Pigmalião não teve a mesma sorte que eu.
— Posso desenhar sua deusa, senhor. — Um jovem se destacou do grupo.
— Excelente — concordou Eddie. — Temos o nosso artista e a nossa musa. E creio ter algumas fotos da fonte original do Fórum. Suponho que nossos artesãos possam usá-las como base para seu trabalho enquanto a nossa deusa estiver sendo desenhada.
— Na verdade — Pamela começou, enquanto abria a pasta e retirava, apressada, seu bloco de desenho —, imaginei que poderia gostar de algo exclusivo, por isso trabalhei em alguns esboços preliminares de uma nova fonte... baseada, claro, naquilo que tanto aprecia na do Fórum. Eu só não quis desenhar a estátua central sem a sua aprovação, mas acho que vai ficar muito satisfeita com isto.
— Pamela discutiu comigo os esboços, e eu posso lhe assegurar que a fonte que ela criou seria apreciada até pelos deuses do Monte Olimpo — afirmou Apolo.
— Que maravilha, Pamela! — Eddie tomou o caderno das mãos dela e acenou com a cabeça em aprovação. — Monte Olimpo... — Ele riu. — Eu não poderia esperar nada melhor para uma fonte que ostenta uma escultura de Diana. Por favor, mostre esses esboços ao nosso artista. — Faust lançou um olhar interrogativo na direção do rapaz.
— Mateus — esclareceu o jovem. — Meu nome é Mateus Land.
— Venham, Mateus, Pamela, Febo e Diana, minha linda. Vamos nos sentar e decidir sobre os detalhes da minha casa. — Eddie ofereceu o braço a Ártemis. Ela sorriu docemente e descansou a mão na parte superior de sua manga de seda. — Deseja algo, querida? — ele perguntou enquanto a conduzia em volta de um banco de mármore.
— Sim. Recentemente desenvolvi um gosto especial por uma bebida chamada mimosa .
Pamela tentou não gemer quando Eddie gritou para James pedir ao chef que preparasse mimosas para todos.
Pamela olhou para o relógio. Ela mal podia acreditar que já passava das quatro da tarde. O dia havia voado.
E fora bem melhor do que ela previra. De um modo irritante e irônico, sabia que precisava agradecer a Ártemis por isso.
Ergueu os olhos da página brilhante do catálogo que o representante da Shonbeck lhe mostrava, e que continha luminárias ao estilo do velho mundo. Eddie fingia prestar atenção, enquanto Apolo e o arquiteto se debruçavam sobre a última versão do esboço da sala de banhos, na qual haviam trabalhado pela maior parte do dia.
Na verdade, Eddie fazia o que ele não parara de fazer nas últimas horas: olhava com adoração para Ártemis.
Mas a deusa era, realmente, muito linda. Até mesmo os espalhafatosos representantes de tecidos gays suspiravam, melancólicos, diante da perfeição de seu cabelo, de seus seios e das linhas delgadas de suas pernas. No momento, ela se encontrava em pé sobre a plataforma elevada que Eddie mandara erguer, segurando um enorme vaso contra um quadril, do qual água iria verter quando o esboço fosse transformado em uma escultura para a fonte.
Pamela ficava tonta só de pensar. E isso sem levar em conta a despesa em que Eddie iria incorrer com aquela obra de arte original!...
Seu cliente parecia feliz, porém, e a fonte iria ficar mesmo muito bonita. Além do mais, esta não teria aquela animação medonha do Fórum. Uma só exclamação horrorizada de Ártemis em resposta à menção de movimento na fonte, e Eddie, mais do que depressa, vetara a ideia. Da mesma forma, uma simples carranca da deusa fora suficiente para que ele desistisse da construção daquela ginorme e horrível piscina, e optasse pela ideia de bom gosto do balneário romano.
Com esses dois problemas resolvidos, todo o restante correu como uma brisa. O gosto de Eddie não era tão lamentável quanto ela pensara a princípio. A questão era apenas que sua aura era enorme. Suas ideias eram grandiosas, e não apenas em seus épicos best-sellers. E. D. Faust preenchia o mundo ao seu redor com a grandeza da vida. Sim, ele era excêntrico. Na verdade, Pamela refletiu, ele parecia um personagem de um de seus romances: maior do que a própria vida e sempre pronto para uma nova aventura.
Sorriu para si mesma. Demorara um pouco a se acostumar com sua exuberância, mas compreendia por que as pessoas se sentiam atraídas por ele. Eddie era tão generoso quanto seu tamanho. A verdade era que E. D. Faust era mesmo um sujeito decente.
Ela havia tido um pouco de trabalho, mas, com a ajuda de Ártemis e Apolo, convencera Eddie a mudar o design de sua casa: do românico brega do Fórum para algo que começava a lembrar do cenário de Cleópatra , de Elizabeth Taylor. O estilo que emergia não era menos opulento do que o do Caesars Palace e do Fórum, porém bem mais chique.
Desviou o olhar do corpanzil de Eddie para Apolo. Ele inclinara a cabeça loira e a balançava com uma expressão atenta diante de algo que o arquiteto acabara de traçar no papel.
Como se pressentisse que estava sendo observado, ele levantou os olhos para os dela. Pamela desviou o olhar, mas não antes de ver seus lábios se curvar na sugestão de um sorriso. Apolo a apanhara em flagrante de novo.
E não fora algo difícil de ele fazer. Ela o fitara com o rabo dos olhos o dia todo, e ele sabia disso. Ela sabia disso.
E não conseguia evitar. Apolo fora tão maravilhoso!... Descrevera o funcionamento dos antigos balneários de Roma em detalhes para Eddie e seu arquiteto. Tinha sido mais do que paciente com suas intermináveis perguntas, respondendo-as com inteligência e concentração, de tal forma que até mesmo para ela Febo soara como um entusiasmado especialista. E nem uma vez exibira a detestável arrogância que ela imaginara ser inerente ao Deus da Luz.
Pamela suspirou. Já não podia dizer o mesmo de Ártemis. Mesmo que a diva estivesse adotando seu melhor comportamento naquele dia, continuava irritantemente exigente e vaidosa. Por sorte, Eddie parecia estar gostando de entrar no jogo de sua deusa...
Outra coisa boa, lembrou-se Pamela, era que Faust insistira para que a cozinha ficasse pronta antes de ele chamá-la para projetar o restante da villa , pois Ártemis mantivera o chef ocupado o dia inteiro com suas exigências por bebidas e iguarias. E Eddie, que, sem dúvida, muito apreciava os prazeres da boa mesa, havia se deliciado em atender a todos os caprichos de “sua deusa”.
Apolo era tão diferente da irmã!, Pamela teve que admitir para si mesma. Continuava o mesmo homem atento e inteligente que fora durante todo o fim de semana.
Mas ele não era um homem de verdade. Era um deus. E nenhuma mulher de bom-senso iria complicar a própria vida se envolvendo com um antigo deus...
Pamela suspirou e se obrigou a voltar a atenção para a página de lustres.
— Eddie... — Ártemis soou como uma menininha mimada. — Meu braço já está doendo de tanto eu segurar este vaso bobo! E estou com tanto calor que vou desmaiar se não me sentar.
— Claro, claro, minha deusa! — Ele se pôs de pé e correu para tomar o vaso das mãos dela. Empurrou de lado o jovem artista, quando este tentou ajudar sua musa a sair da plataforma, e segurou Ártemis pelo cotovelo, amparando-a enquanto ela descia com graça do altar improvisado. — Olhem só a hora! Que insensibilidade a minha!... Estamos nisto há séculos. Tempo demais para uma deusa trabalhar. — Ele ergueu a manzarrona, e sua voz grave silenciou até mesmo os trabalhadores que se encontravam ocupados no interior da vila. — Já chega por hoje! — bradou. — Nós nos encontraremos outra vez amanhã, à mesma hora!
Vários suspiros se fizeram ouvir ao seu comando. Tinha sido um dia difícil, porém produtivo.
Pamela detestava admitir, mas, pela milésima vez, viu-se contente por ter permitido que Apolo a convencesse de trazê-lo com a irmã até ali.
Estava esfregando a parte de trás do pescoço, e tentando desfazer um nó de tensão que se instalara neste, quando o “Pamela!” de Eddie ribombou, fazendo-a ir até o banco onde ele estava.
— Ah, aí está você, minha cara. — Ele fez um sinal para que ela se sentasse ao lado de Apolo, à sua frente.
Ártemis estava, obviamente, acomodada a seu lado. Abanava-se com um leque de penas que Eddie havia lhe arrumado, e Pamela notou que ela bebia champanhe de uma taça de cristal gelada. Graças aos Céus, Ártemis seria imortal de novo em poucos dias. Ao ritmo que estava indo, seria a imortalidade ou o alcoolismo!
— Andei discutindo os nossos novos planos com a linda Diana e seu irmão, e creio que estamos todos de acordo.
Pamela sentiu um familiar aperto no estômago.
— Planos? Que planos?
— Muito simples. Não há necessidade de vocês três viajarem de volta para Las Vegas quando podem muito bem ficar aqui comigo — declarou Eddie, sorrindo.
— Mas o único cômodo que está terminado é a cozinha!
Eddie riu.
— Não aqui... Aluguei uma casa de campo no parque Spring Mountain Ranch, no Red Rock Canyon. Tem acomodações bastante modestas, porém é muito mais próxima da minha villa do que o Caesars Palace. Até porque não há mais motivo para voltarem para lá, uma vez que o Fórum não mais servirá de modelo para a nossa Roma antiga. Agora temos Febo.
— Mas as minhas roupas e... ahn... Diana e Febo não trouxeram nada.
Os olhos de Pamela pousaram em Ártemis. A deusa tomou um gole do champanhe, tranquila, e, em seguida, piscou, maliciosa, para ela.
Eddie ignorou suas preocupações.
— James pode ir buscar suas coisas. Diana me contou que ela e o irmão planejavam apenas passar o dia por aqui, contudo ambos já aceitaram o meu convite para que prolonguem sua estada por uma semana. Eu ficarei honrado em comprar no resort qualquer coisa de que nossa deusa precise.
— Jantar, Eddie, jantar! — Ártemis lembrou com um suspiro. — Mal posso acreditar no quanto estou faminta.
— Claro. — Ele lhe afagou a mão. — Foi um dia cansativo. Vamos embora para o rancho, comer e ser feliz. — Eddie se ergueu pesadamente do banco, e Ártemis estendeu a mão para que ele pudesse ajudá-la a fazer o mesmo.
Em seguida, movendo-se com muito mais instabilidade do que com sua habitual graça, ela se agarrou ao braço gordo do homem enquanto ele se deslocava devagar pelo pátio, gritando para que Robert trouxesse o carro.
— Acho que não temos muita escolha — murmurou Pamela, não querendo encarar Apolo, agora que se encontravam sozinhos pela primeira vez naquele dia.
— Eu já fiz a minha escolha, doce Pamela — ele respondeu baixinho.
Ela o fitou, então. Apolo abriu seu sorriso encantador, tão familiar, e ela sentiu o peito se apertar.
— Às vezes é fácil esquecer quem você é de verdade — falou baixinho.
Ele a tocou no rosto.
— Já sabe quem eu sou realmente. Sabe desde a noite em que nos conhecemos.
— Mas não é um homem comum.
— Serei, ao menos pelos próximos cinco dias. — Ele imitou o gesto de Eddie: pôs-se de pé, tomou-lhe a mão e a ajudou a se levantar.
Pamela se permitiu dar o braço a Apolo conforme caminhavam pelo pátio deserto. Ele parecia tão quente, normal e certo a seu lado!...
Isso a assustou tanto que ela fez menção de puxar o braço; contudo, Apolo parou no meio do saguão de repente.
Pamela sentiu um tremor percorrer o corpo e olhou para ele. Seu rosto moreno empalidecera.
Ela seguiu seu olhar. James segurava as portas da frente da casa aberta para eles, e, por meio destas, ela podia ver Robert ajudando primeiro Ártemis, depois Eddie, a entrar na limusine.
— Eu havia me esquecido dessa criatura de metal — ofegou o deus.
— Venha. Vou fazer você se sentar na frente desta vez. — Pamela o segurou pelo braço com força e o puxou.
Ele era Apolo, Deus da Luz, da Música e da Cura. Um imortal que tinha vivido por eras, tema de muitas histórias, poemas e canções...
... Mas uma criatura que enjoava demais ao andar de carro.
Capítulo 24
A ideia de Eddie de “acomodações bastante modestas” era alugar todos os nove quartos da mansão de tijolos, que fora construída nos anos vinte e que, depois, tinha sido adoravelmente restaurada com antiguidades, canalização e parte elétrica modernas, em 2003. Ficava à margem do Red Rock Canyon spa e Resort , um adorável oásis de fontes naturais e matas verdejantes, que parecia bizarro e deslocado, ainda que lindo, em meio ao afloramento de rochas cor de ferrugem e da intrigante paisagem desértica do Red Rock Canyon.
Pamela parou diante do conjunto de três portas duplas que separava os alojamentos do enorme deque de madeira, onde, apressados, garçons uniformizados davam os últimos retoques na mesa de jantar com flores frescas e velas, enquanto um trio de músicos afinava seus instrumentos.
Música, velas, flores e porcelana fina, avaliou, aliviada por ter escolhido o tubinho preto em vez de algo mais casual.
A iluminação externa foi acesa de repente, tingindo a noite clara de Nevada com suaves nuanças, e Pamela respirou o ar fresco do deserto. Sentar-se ao lado do enjoado Apolo no banco da frente fora muito esclarecedor. Ele insistira para que ela ficasse junto dele, e parecera tão desamparado que ela havia suspirado e se espremido a seu lado, para o desgosto de Robert. Decididamente, ela amava o Colorado. Embora tivesse nascido e crescido lá, nunca se cansara da majestade de Pikes Peak e da beleza montanhosa de seu lar. Considerava-se bastante “viajada”, sobretudo em se tratando dos Estados Unidos, e já conhecera muitos estados encantadores, mas nenhum lugar preenchia seus sentidos e acalmava sua alma como o de sua própria casa.
Por isso mesmo era uma surpresa sentir-se tão atraída pelo deserto. A curta viagem da propriedade de Eddie, à margem do Red Rock Canyon, até aquele rancho fora repleta de cenários ao mesmo tempo austeros e espetaculares. Havia algo de misterioso e maravilhoso no deserto. Ele fazia sua imaginação correr solta, evocando fantasias infantis com caubóis do Velho Oeste, couro e suor.
Sorriu para si mesma diante de ideias tão tolas e românticas.
— Adoro o seu sorriso.
A voz profunda de Apolo a surpreendeu.
Pamela se virou. Ele estava tão próximo que ela pôde sentir seu calor. Era apenas o calor de um corpo normal, não o poder imortal do Deus da Luz, mas a fez se lembrar da noite anterior, e de como chamas tinham varrido seu próprio corpo em uníssono com seus impulsos...
Passou a mão pelo cabelo curto, nervosa.
— Não o percebi chegando.
— Eu não queria assustá-la.
Se Apolo soubesse!... Apenas a presença dele já fazia seu estômago se contrair e seu rosto corar. E isso antes de ela descobrir que ele era o bendito Deus da Luz!...
Céus!, estava sendo cercada e cortejada pelo imortal Apolo! Era um pouco como se ver bem no meio de um velho episódio de Jornada nas Estrelas , sem nenhuma possibilidade de ser teletransportada para longe de uma situação difícil.
Mas ela não queria ser teletransportada para longe de Apolo, e isso a estava deixando louca.
Ele era Apolo! Não conseguia conter o arrepio de emoção que a percorria cada vez que pensava nisso. Era inebriante, enlouquecedor e terrivelmente assustador.
Em vez de gaguejar como a louca em que ela pensava estar se tornando, Pamela apontou a noite do deserto com a cabeça, em um gesto que, ela esperava, parecesse indiferente.
— Não foi culpa sua. Eu estava distraída com o cenário. É muito mais bonito aqui do que eu esperava.
— Sim, sei bem o que quer dizer. O Reino de Las Vegas também me surpreendeu com sua beleza. — Ele sorriu e lhe afastou uma mecha de cabelo escuro da testa. Seus olhos capturaram e refletiram a iluminação do terraço e, por um momento, pareceram brilhar de novo com aquele azul imortal.
Pamela recuou um passo.
— Por quê? — ele indagou, magoado. — Por que está me evitando?
Um dos garçons ergueu a cabeça com óbvia curiosidade diante da pergunta, e Pamela acenou para que Apolo a seguisse até a borda mais distante da varanda, onde era menos provável que sua conversa fosse ouvida. Baixou a voz e tentou não se preocupar.
— Não estou desprezando você. Estou sendo apenas... c-cuidadosa — ela gaguejou, sem fitá-lo nos olhos.
— Não compreendo. — Ele passou a mão por seu rosto e suspirou. — Sabe, Pamela, isso nunca aconteceu comigo antes. Precisa me explicar quais são as regras do amor.
Ela sentiu o coração bater na garganta e engoliu em seco antes de responder.
— Não conheço as regras. Não sei como amar um deus. — Encontrou os olhos dele, relutante. — A verdade é que era diferente quando eu achava que você era apenas Febo.
— Eu sou Febo, Pamela.
— Não, não é! Meu Deus, Apolo... — Ela se interrompeu, apertando os lábios. — Veja! Nem consigo dizer coisas normais perto de você. “Meu Deus...” Você é um deus! Eu não sei o que dizer, o que fazer. — Pamela esfregou a testa.
Os músicos começaram a tocar uma valsa que só fez aumentar o clima surreal da noite. Era como se Apolo houvesse conspirado para adicionar uma trilha sonora à conversa.
— Eu não quero me apaixonar — ela disse baixinho. — Eu já não queria antes de te conhecer, e agora isso só me parece ainda mais impossível.
Ele balançou a cabeça.
— Não, não é impossível. O problema foi a forma como descobriu tudo. Eu devia ter lhe dito antes; tornado mais fácil para você aceitar.
— Como poderia ser mais fácil? Você é um deus antigo, e eu sou apenas uma mortal. Não estamos destinados a ficar juntos.
Dizer as palavras que a haviam assombrado o dia todo deixaram Pamela enjoada.
— Eu atendi ao seu desejo mais sincero — Apolo replicou numa voz baixa e firme.
— Claro que atendeu! Não é que eu não o deseje... Desejo muito. Você é perfeito. Eu pedi por romance, e você é, definitivamente, um sonho romântico que se tornou realidade.
Pamela queria ficar quieta, segurar as palavras que derramavam de sua boca, mas não conseguia. Tinha medo de que, fazendo isso, fosse se jogar nos braços de Apolo e pedir que ele ficasse lá para sempre.
Se fosse assim, o que seria dela? O que aconteceria com seu coração quando ele deixasse aquele mundo e voltasse para o seu próprio?
Apolo franziu a testa e tornou a sacudir a cabeça.
— Eu sou mais do que um sonho romântico, e você pediu por mais do que um simples namoro com um deus.
— Apolo, eu sei pelo que pedi — ela falou com firmeza.
— Sabe mesmo? Então talvez esteja interessada em saber que o vínculo da invocação entre você e minha irmã não se rompeu até ter admitido, ontem à noite, que sou sua alma gêmea.
— Sua alma gêmea... — ela sussurrou as palavras, negando com um gesto de cabeça. — Não! — Ele não podia ser. Se Apolo era sua alma gêmea, como ela sobreviveria sem ele?
O belo rosto do deus ficou lívido.
— Talvez eu tenha tido sorte, por todas estas eras, em não ter conhecido o amor... Parece que é um sentimento bastante doloroso.
Dizendo isso, curvou-se para ela de leve, fez meia-volta e se afastou.
Em vez de passar pelas portas e rumar para o quarto, como tivera a intenção de fazer, Apolo quase atropelou a irmã e Eddie quando estes saíam para o pátio, seguidos de perto pelo onipresente James.
— Que bom que já veio para cá! — saudou o escritor, dando-lhe um tapinha no ombro. Logo depois, avistou Pamela. — Excelente! Estamos todos aqui. James, já pode pedir que sirvam o jantar. Venha, minha deusa... A comida aqui pode ser simples, mas juro que não vai se decepcionar com sua qualidade.
— Eddie, eu quero mais daquele champanhe maravilhoso!
— Claro, claro... — ele murmurou, ajudando-a a se acomodar em uma das cadeiras.
Pamela observou o homenzarrão cercar a deusa de cuidados e mimos tal qual uma gimensa galinha, enquanto Apolo permanecia de pé, do lado oposto da mesa. Podia sentir seu olhar sobre ela.
Piscou, combatendo as lágrimas que lhe haviam assomado aos olhos, endireitou os ombros, desenhou um sorriso cordial e profissional no rosto, e se juntou ao pequeno grupo. Eddie, claro, insistiu para que ela se sentasse ao lado de “Febo”.
Por sorte, assim que ela pôs o traseiro na cadeira, uma nuvem de garçons convergiu para a mesa.
Eddie descrevera o jantar como “simples”, o que a fez se perguntar o que ele considerava extravagante. A comida não foi trazida aos poucos, como se poderia esperar de uma refeição cara, servida em um resort exclusivo. Em vez disso, o escritor ordenou que tudo viesse de uma só vez.
Foi como uma explosão de alimentos. As saladas individuais, de verduras frescas, cogumelos exóticos e uma série de tomates maduros e pequenos, eram montadas tal qual pequenos ninhos de pássaros. A massa do tipo farfalle parecia divina e cheirava a alho fresco e vinho branco. Espessas postas de salmão tinham sido grelhadas à perfeição, assim como compridas fatias de abobrinha cobertas de queijo provolone derretido e polvilhado com pimenta moída e sal. Durante toda a refeição, garçons atenciosos serviam as taças com champanhe gelado.
Tudo estava delicioso, e Pamela sentiu-se relaxar enquanto Eddie e Apolo conversavam amigavelmente a respeito da tradição dos banhos diários na antiga Roma. Na verdade, ela se viu intrigada com os detalhes vívidos que o deus fornecia sobre um mundo considerado morto havia muito tempo.
— Então, o banho se tornou uma atividade social... — concluiu Eddie enquanto mastigava o salmão.
Apolo concordou.
— Não era apenas o ato de se lavar. Os banhos romanos eram muito mais do que isso. No mesmo balneário não era incomum que houvesse espaços para exercícios, massagistas, barbeiros, restaurantes, lojas e bibliotecas. Era um centro de convivência; o centro nervoso do que acontecia na cidade. Em suas salas privadas, questões que não deviam se tornar públicas eram discutidas. Alguns dizem que até mesmo os deuses frequentavam os balneários de Roma para se inteirar das intrigas do dia.
— Ha! Sabe-se lá se o plano para matar César não começou em um desses balneários de Roma...? — conjeturou o autor.
— César! — zombou Ártemis. — Proclamar-se um deus foi apenas um de seus muitos erros. Ele devia ter escutado a esposa. Calpúrnia bem que o advertiu... Roma não ouviu muitas vezes as vozes de suas mulheres — completou, irritada.
Os olhos de Eddie se arregalaram.
— Eu tenho feito isso, minha linda! Venho pensando no assunto desde esta manhã, quando nos conhecemos. Alguma coisa parecia fora de lugar, não exatamente onde devia estar, e agora compreendo o quê... Você não é Diana. Reconheço agora a sua verdadeira natureza.
Ártemis ergueu uma sobrancelha dourada para o escritor e mordiscou seu segundo pedaço de salmão.
— É mesmo?
— Sim! Você é muito ardente para ser a pálida e etérea Diana. Você brilha e ofusca, não apenas como a luz da lua cheia. Carrega dentro de você a natureza de uma caçadora. Amanhã iremos descartar aquele vaso sem sentido, que segurou esta tarde, e substituí-lo por um arco e uma aljava repleta de flechas. A brandura de Diana feneceu, e a deusa Ártemis surgiu em seu lugar.
Pamela engasgou ao engolir, e um garçom correu para lhe trazer um copo de água. Tossindo, ela compartilhou um olhar de surpresa com Apolo; entretanto Eddie não havia terminado. Colocou a mão sobre o coração e deu início a uma cappella , a voz profunda e ressonante de barítono se elevando, depois abrandando — como a de um dos Três Tenores —, e preenchendo a noite no deserto:
Eu canto Ártemis das setas de ouro,
que a grande bulha da caça adora,
e que nos cervos suas flechas lança.
Ártemis que na caçada exulta,
curvando seu arco dourado
que cospe setas tão amargas.
Tão poderoso é o seu coração
quando pelas matas ela vaga
exterminando das feras as ninhadas...
Ártemis parou de comer quando Eddie se pôs a cantar, fitando-o com evidente espanto. O enorme homem fez uma pausa, gesticulou para o trio de mulheres que vinha dedilhando uma música de fundo suave durante todo jantar e estas pararam de tocar. Quando ele recomeçou a cantar, a harpista capturou a melodia e um som mágico de cordas o acompanhou:
Quando da caça a deusa das flechas se vê saciada,
deixa o tenso arco e visita o irmão, Febo Apolo,
no distrito de Delfos, sua rica morada...
Ele balançou a cabeça na direção de Apolo, que ergueu a sua em régio reconhecimento.
Comanda, então, o coro das Musas e das Graças,
deixando de lado seu arco e flechas.
Cobrindo-se com suas belas joias,
a bela dança das divas ela conduz.
Divino é a canto que estas entoam
louvando a brandura com que Leto
seus dois filhos deu à luz.
Filhos esses que, entre os deuses,
tão elevados e justos são
nos seus desígnios e na ação.
Saúdo a ti, filha de Zeus e da Leto de lindos cabelos!
A ti louvarei, e lembrarei também a tua canção...
A voz de Eddie segurou a última nota, enquanto a harpista improvisou um acorde fantástico. Conforme a canção se desvaneceu, a noite ficou muito quieta.
O olhar de Pamela se desviou de Eddie para Ártemis, e sobre esta ficou. Chocada, ela viu os olhos claros da deusa se encher de lágrimas. Em seguida, Ártemis se inclinou e beijou Eddie demoradamente nos lábios.
— Você conhece os Hinos Homéricos... — sussurrou, a apenas alguns centímetros do rosto do homem.
— Conheço os Hinos Homéricos — ele respondeu, solene.
— Você me surpreendeu, Eddie.
O sorriso de prazer da deusa fez Pamela prender a respiração, tal era sua beleza.
— Irmão — falou Ártemis sem tirar os olhos de Eddie —, desejo recompensar nosso anfitrião por seus aguçados poderes de observação. Você tocaria para mim?
— Claro — concordou Apolo. — Mas não tenho nenhum instrumento.
A voz inconfundível de Eddie retumbou pelo terraço.
— Já chega de música esta noite! Podem ir embora... — ele falou às musicistas — ... mas deixem os instrumentos. Meu assistente cuidará para que estes lhes sejam devolvidos amanhã.
As três mulheres saíram rápida e discretamente, e Pamela se perguntou quanto Eddie lhes pagara para que elas nem mesmo piscassem antes de deixar para trás suas ferramentas de trabalho.
Apolo tomou o assento desocupado da harpista e colocou as mãos sobre o instrumento sem demostrar nem um pouco da emoção que sentia. Era o Deus da Música. Harpistas o tinham adorado e louvado durante incontáveis séculos. As Musas o reverenciavam. Desde o dia em que havia convencido o recém-nascido Hermes a presenteá-lo com a primeira lira conhecida pela humanidade, considerava sua habilidade imortal com o instrumento mais do que garantida. Era como o ar que respirava e o vinho que bebia... sempre ali, com ele.
Mas, naquele dia, não era o imortal Apolo. Era apenas um homem comum.
Ele conhecia as notas. A sensação da harpa lhe era familiar... Ainda assim, sentiu o estômago se apertar. E se seu talento houvesse desaparecido com seus poderes? E se ele tocasse as notas erradas? Ou pior, tocasse as notas certas tão mal que estas parecessem erradas?
Ergueu a cabeça. Ártemis se levantara e recuara com graça para longe da mesa, de modo a ter espaço para iniciar sua dança.
Os olhos de Eddie estavam colados em seu rosto. O autor parecia completamente encantado por sua irmã.
Apolo pressionou a mão contra as cordas esticadas. Compreendia bem como se sentia o homenzarrão...
Relutante, ele desviou o olhar para Pamela. Ela o observava com atenção, sem dúvida à espera de ouvir o brilhantismo com que o Deus da Luz tocava.
Nesse instante, ele desejou estar de posse de seus poderes imortais. Ou então que fosse o mortal Febo de verdade. De repente, quis muito ser um ou outro. Estar preso entre dois mundos era como ser empurrado para um campo de batalha com apenas a lembrança das armas.
— Toque a música favorita de Terpsícore — pediu sua irmã, num tom imperioso.
Apolo sabia a melodia. Estava lá quando a Musa da Dança a criara, e tocara para ela quando esta a executara em um dos grandes banquetes de Zeus.
Fechou os olhos e se concentrou. Suas primeiras notas foram um teste: suaves, quase inaudíveis, porém seus dedos pareciam mais confiantes do que ele, o próprio deus. Eles conheciam as cordas prateadas, e viajaram para cima e para baixo, ao longo de todo o instrumento, como velhos amigos saudando um ao outro.
Apolo abriu os olhos. Ártemis flutuava pelo terraço, recriando a obra-prima de Terpsícore.
Ele sorriu com carinho para a irmã. Naquela noite ela não contava com poderes imortais, mas nem precisava. A seda do vestido que Eddie lhe comprara girava graciosamente em torno de seu corpo. Seus movimentos eram lânguidos e cheios de uma flexibilidade única, hipnótica.
Seus dedos voaram sobre as cordas, aumentando o ritmo da melodia. Ártemis o acompanhou, girando e ondulando em perfeito ritmo com a música, até o crescendo , depois do qual ela terminou em uma pose elegante aos pés de Eddie.
— Não! — gritou Eddie, puxando-a, de modo que a deusa ficou de pé a seu lado, respirando pesadamente. — Era eu quem deveria estar a seus pés, minha deusa!
Ártemis riu, sem fôlego.
— E então?... Gostou da sua recompensa?
— Guardarei essa sua dança na memória até a dia da minha morte!
A expressão da deusa ficou séria.
— Não quero pensar na sua morte.
Foi a vez de Eddie rir, e ele o fez com vontade.
— Não pense, pois esse dia ainda está longe, minha diva!
O sorriso de Ártemis retornou.
— Eddie, caminharia comigo? Sei que está escuro, a noite já caiu, mas...
— Seu desejo é uma ordem — proclamou o escritor. — Venha, os arredores estão bem iluminados, e é uma grande honra escoltá-la.
Sem lançar um só olhar na direção de Pamela ou de Apolo, os dois deixaram o deque, as cabeças próximas, enquanto Eddie perguntava à deusa sobre as origens de sua dança.
Ainda deslumbrada com a incrível performance de Ártemis, Pamela os observou partir. Não podia acreditar. Ártemis tinha dançado para Eddie como se desejasse aquilo; como se realmente se importasse com ele e quisesse agradecê-lo.
Que diferença um único dia havia feito!... Naquela mesma manhã, a deusa estivera arrogante e intratável.
Verdade que Ártemis continuava aguerrida, mimada, autoindulgente e fútil. Mas, quando olhava para Eddie, não deixava dúvida sobre o carinho que lhe transbordava no olhar. Seria possível que a deusa tivesse mesmo coração?...
Dois acordes suaves e mágicos, um seguido do outro, chamou sua atenção de volta para o seu imortal.
Seu imortal!...
O pensamento a fez estremecer. Antes daquela noite, ela teria imaginado que um homem tocando uma harpa seria, no mínimo, efeminado e, no máximo, muito gay !
E Apolo não era nenhuma das duas coisas. Era másculo e magnífico. Não tocava a harpa apenas; ele a acariciava como a uma amante, fazendo que a música brotasse dela. Era como se sua carícia trouxesse vida ao instrumento. Com aquele corpo dourado e musculoso, o cabelo colorido pelo sol, parecia um antigo guerreiro fazendo uma pausa entre as batalhas para descansar e recitar seus feitos heroicos.
Quando Apolo começou a cantar, e seus dedos extraíram um som ritmado e sensual das cordas, ela encontrou seus olhos.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
A voz de Apolo era tão perfeita que era quase indescritível.
Pamela tentou imaginar como ele devia soar quando podia usar seus poderes imortais. Não admirava que várias gerações tivessem construído templos e esculpido estátuas em sua homenagem.
E agora ali estava ele, cantando só para ela.
Nesse momento, ela o desejou tanto que a força do sentimento quase a sufocou.
Sem pensar com muita clareza, Pamela se levantou e caminhou até ele.
Quando olho para ti, perco a fala,
minha língua congela e cala
e chamas sob minha pele se alastram.
Já não vejo com meus olhos,
em meus ouvidos ressoa um zunido,
um frio suor me cobre inteiro,
um arrepio me faz cativo...
Mais verde do que a erva fico,
perto da morte eu me sinto.
Pamela parou diante dele. O único poder que Apolo tinha sob seu comando era o de um homem apaixonado. Mesmo assim ele a encantava.
Estremeceu conforme ele repetia o refrão e a cobria com o calor de suas emoções.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
Quando a brisa da noite varreu a última nota, ela estendeu a mão, tímida e, com um dedo, acariciou as costas da mão que descansava nas cordas da harpa.
— Você compôs isso?
Apolo sorriu e segurou a mão dela.
— Não. Foi escrito por Safo. Ela era uma poetisa grega, e uma amante apaixonada de mulheres. Peguei emprestadas as palavras... Safo era dona de um senso de humor cáustico e de uma inteligência afiada. Creio que consideraria a nossa situação um tanto divertida. Não acho que se importaria com a pequena mudança que fiz em seus versos.
— Foi muito bonito. Sua voz é... — Ela fez uma pausa, tentando encontrar palavras para descrever o que tinha ouvido. — Sua voz é como um sonho quase esquecido. Algo fantástico demais para ser real.
— Mas é real. Eu sou real. — Apolo a puxou para si. Pamela hesitou, e ele passou o braço em volta de sua cintura, trazendo-a para mais perto. — O que sente por mim é verdadeiro...
O deus pressionou os lábios suavemente contra os dela. Precisava sentir seu gosto e calor, contudo Pamela estava tão rígida e inflexível que ele se contentou com um beijo quase casto. Primeiro na boca, depois no rosto.
Por fim, ela relaxou o bastante para descansar a cabeça em seu ombro, e Apolo respirou o perfume de seu cabelo. Quando se inclinou para beijá-la outra vez, Pamela levantou a mão e o impediu com um dedo.
— Vou pedir que me dê algum tempo.
— Tempo?
— Preciso de tempo para pensar sobre o que está acontecendo entre nós, e não consigo pensar quando me toca e me beija... Por isso mesmo estou pedindo algum tempo. Vai fazer isso por mim?
Ele queria dizer “não”, atirar a harpa para o lado, tomá-la nos braços e fazer amor com ela lenta e apaixonadamente, até que Pamela não conseguisse pensar em nada. Sabia que podia convencê-la a se entregar; sentia isso no modo como seu corpo gravitava para ele e na maneira como seus olhos fitavam os seus. Tinha consciência da paixão que ardia dentro dela, e sabia como despertá-la e usá-la.
Mas e depois? Na manhã seguinte, Pamela se afastaria de novo. E ele queria que ela viesse até ele por livre e espontânea vontade, sem arrependimentos.
Tirou o braço de seu corpo. Em vez de tentar beijá-la outra vez, afastou a mecha de cabelo escuro que vivia lhe caindo sobre a testa.
— Vou lhe dar esse tempo para que possa pensar. — Sorriu, tristonho, beijou-lhe a mão, então caminhou devagar para longe do terraço.
Sozinho.
Capítulo 25
O telefonema, às sete e meia, de uma jovem alegre, anunciando que o café seria servido no terraço às oito, veio cedo demais para Pamela. Que diabo estava acontecendo com ela? Seu relógio interno normalmente a despertava bem próximo ao amanhecer. Para sua rotina normal, sete e meia da manhã já era tarde.
Naquela manhã, porém, ela esfregou os olhos, sentiu a cabeça pesada e desejou poder se aninhar e dormir por pelo menos mais umas duas horas.
Culpa de Apolo. Saber que o Deus da Luz dormia sozinho no final do corredor a fizera rolar e se virar na cama pela maior parte da noite. Assim como aquela voz maravilhosa dele, que continuava soando em sua cabeça.
E seu toque... A cada vez que fechava os olhos, podia sentir aqueles lábios ardendo contra os dela.
Pelo visto, não importava que ele estivesse sem os seus poderes imortais. Para ela, seu toque ainda era como fogo, luz, suor e...
Maldição dos infernos! Ela precisava controlar os próprios hormônios.
Esfregou os olhos e se lembrou de que, na certa, Eddie mandara preparar um excelente café, que devia estar prontinho, esperando por eles.
O que a fez se lembrar de que — tinha certeza —, ouvira Eddie e Ártemis rindo no caminho de volta a um dos quartos, lá pelas duas da madrugada. Talvez os dois até houvessem tido relações sexuais, por mais grosseiro que fosse pensar naquilo.
Ártemis faria aquilo? Não se esperava que fosse uma das deusas virgens?...
Pamela pensou na temporada erótica da diva com Zumanity e no modo sexy como ela andava e falava. Ártemis parecia tão virgem como a Madonna (a cantora, não a outra). Exatamente o oposto de uma deusa casta, inacessível e intocável.
Pamela gemeu de novo ao sair da cama. Lavou o rosto e escovou os dentes, lembrando-se de que era terça-feira. Sem contar aquele dia, haveria apenas mais três até que o portal fosse reaberto, Ártemis e Apolo voltassem ao Mundo Antigo, e ela pudesse retornar ao seu próprio.
Sentiu o estômago revirar. Não. Não era tão ingênua a ponto de esperar que Apolo fosse ficar por ali por tempo suficiente para ter um relacionamento de verdade com ela. Ele iria embora. E ela retornaria à sua vida normal, aborrecida e sem emoção...
Não. Ela já havia resolvido aquilo. Não iria rastejar de volta para sua concha, assexuada, sem companhia, sem romance. Precisava pensar em Apolo como sua porta de entrada para o mundo do namoro. Fora uma missão de reconhecimento bem-sucedida. Iria mudar de missão quando voltasse para casa. Não seria mais apenas trabalho e nada de diversão. Ela — iria — namorar!
— Maldição dos infernos ... — disse ao reflexo desgrenhado no espelho do banheiro. — Estou parecendo uma sócia excêntrica daquelas milícias pelo namoro! Ve vai ficar com tanta vergonha de mim!... — Pamela se interrompeu e deu um tapa na testa. — Ve! Não tenho nem mesmo checado as coisas com ela!... — Vasculhou a bolsa até encontrar o celular e digitou o número da amiga sem muita delicadeza.
— Está cansada de mim? Não me ligou mais... Diga que não é verdade — dramatizou Ve em vez de dizer “Olá”.
— Não é verdade — afirmou Pamela. — Deus, Ve, estou tão envergonhada por não ter telefonado!... As coisas aqui têm sido mais do que gimensamente insanas.
— O escritor está louco e “nas últimas”...?
— Não. Na verdade, Eddie é um sujeito excepcional, e o trabalho está em vias de se tornar quase de bom gosto. Você sabe... Algo que Elizabeth Taylor e Richard Burton teriam gostado.
— Está brincando! Não me diga que o convenceu a recriar o palácio de Cleópatra !
— Bem... quase.
— Como assim?!
— Sim, estou criando algo como o cenário de Cleópatra . Mas não sou eu a responsável pela parte do convencimento.
— Ele tem alguma assistente lésbica com obsessão por Elizabeth Taylor, também? Deus, esse mundo é mesmo um lugar pequeno e inacreditável!... — Ve suspirou, feliz. — Vai me arrumar algum lance , por acaso?
— Mais uma vez, não. O assistente dele é homem, e tenho certeza de que ele é hetero. São os meus assistentes que o estão persuadindo a mudar de foco. E foi apenas por um feliz acidente que o lugar está ficando parecido com um complexo do MGM.
— Espere um pouco! Você só tem uma assistente, que sou eu. E eu não estou aí, porque estou aqui, às voltas com aquela louca do gato velho, a sra. Graham... Que, a propósito, se convenceu a esquecer aquele sofá de veludo cor de ameixa. Vamos procurar pelo chintz hoje. Eu disse a ela que o tecido iria disfarçar mais os pelos de gato. Independentemente da história da “Mulher Gato”, ainda há o importantíssimo detalhe de que a sua assistente cést moi , e eu estou aqui. Explique-se.
O que ela poderia dizer? , perguntou-se Pamela. Se admitisse acreditar que Apolo e a irmã eram imortais presos em Vegas, Ve pegaria o primeiro avião com uma bolsa cheia de Valium e faria uma reserva para que ela passasse agradáveis “férias” na primeira clínica psiquiátrica que encontrasse pela frente.
Sem dizer que ela, Pamela, iria deixar sua melhor amiga preocupada à toa.
Não. Não podia dizer a verdade.
Respirou fundo. Não pensaria naquilo como uma mentira. Iria considerar tudo como uma ficção. Era o que Eddie fazia para viver, e ninguém o chamava de louco.
Bem, pelo menos não abertamente.
— Eu contratei Febo e sua irmã para serem meus assistentes até sexta-feira. Febo é especialista em arquitetura romana antiga. Já a irmã dele é tão sexy que Eddie mudou de ideia sobre fazer daquele horroroso deus Baco a estátua central da fonte, e está fazendo a moça posar como modelo de deusa — ela completou, respirou, então aguardou pela explosão.
— Você contratou o seu namorado?
— Ele não é meu namorado.
— E a irmã dele?... — Ve continuou como se Pamela não tivesse dito nada.
— Sim, bem, a irmã veio apenas como brinde. Febo é mesmo um expert em Roma antiga. Ele me ajudou a convencer Eddie a construir um autêntico balneário romano em vez de uma réplica cafona da piscina do Caesars Palace. Você sabia que os antigos romanos usavam seus balneários como clubes?
— Ok... foco! Ainda não terminei as perguntas sobre o seu namorado.
— Ele não é meu namorado.
— Seja lá o que for. Pensei tê-la ouvido dizer que ele era médico e músico — lembrou Ve. — E ele não devia ter zarpado de Vegas na segunda de manhã?
— Ele é médico e músico. E também especialista em Roma antiga. E, sim, ele devia ter ido embora, mas... ahn... perdeu o voo, por isso decidiu ficar — elaborou Pamela, tentando manter a voz leve, e de um modo que não soasse mentirosa.
— Parece tudo muito conveniente para mim. E eu achando que ele era um jovem cavaleiro Jedi!.. . Quantos anos ele tem, afinal?
— É mais velho do que eu pensava no início — admitiu Pamela, grata por poder responder a uma das perguntas da amiga com sinceridade.
— Ainda está transando com ele?
— Não! Pelo menos não na noite passada.
— Foi sua ideia ou dele não transar ? — Ve insistiu.
— Minha — confessou Pamela, desgostosa.
— Ô-ô... Está completamente amarrada . Por favor, diga que não o contratou apenas para mantê-lo por perto e se torturar com sua crescente obsessão! É o tipo de coisa que estabelece um daqueles cenários doentios de ópera, Pammy.
— Não é nada disso. Eu o contratei — e àquela infeliz da irmã dele — porque precisava de ajuda.
— Quer dizer que a bonitinha é uma bela bisca ...?
Pamela sorriu. Sabia que usar Ártemis como bode expiatório iria funcionar.
— Ela é horrível! Linda, altiva, do tipo que tem complexo de deusa. Você iria adorá-la.
— Você é tão engraçadinha... — Ve suspirou.
— Também sou um gênio do design . Contratar Febo e Diana tirou por completo a pressão de cima de mim para que eu transformasse algo totalmente brega em algo de bom gosto. Eddie está apaixonado por Diana. Um sorriso ou beicinho dela, e ele muda de ideia.
— E você, claro, a informou sobre o que Eddie deve gostar ou não...? — concluiu Ve.
— Claro — Pamela mentiu mais uma vez. Não se podia obrigar Ártemis a fazer muita coisa. Sorte que a deusa tinha excelente gosto... ainda que este fosse meio extravagante.
— E então, o que o seu trípode faz além de ficar por perto, bancando o macho?
— Ele não é meu trípode. E está trabalhando com os arquitetos, no balneário. É superinteressante saber mais sobre... — Uma batida na porta a interrompeu. — Espere um pouco, tem alguém na porta.
— Pamela? — A voz profunda de Apolo fluiu através da madeira. — Eu preciso de ajuda!
— Ahn, Ve, tenho que desligar.
— Ok, ligue mais tarde. E lembre-se: não fique se preocupando com tudo, mas tenha cuidado.
Pamela resmungou um adeus e fechou o telefone flip-top pouco antes de abrir a porta. Ela a escancarou e seus olhos fizeram o mesmo ao pousar em Apolo. Ele estava nu da cintura para cima! Tinha o cabelo ondulado todo desgrenhado, e seu queixo e faces estavam cobertos de sangue.
— Ah, meu Deus!... O que aconteceu?
— Fiz a barba — ele explicou. — E estou sangrando!
— ... Venha aqui. — Pamela o puxou para dentro do quarto e fechou a porta. Sob as manchas de sangue que salpicavam seu rosto, Apolo tinha a pele pálida. Ela balançou a cabeça e apontou para uma cadeira. — Sente-se antes que desmaie. Você não me parece bem.
Ele se deixou cair na cadeira. Tocou uma das gotas de sangue, olhou para o dedo avermelhado e engoliu em seco.
— É o meu sangue...
Pamela franziu a testa.
— Claro que é. Tirou sangue de si mesmo ao se barbear. — Rumou para o banheiro a fim de apanhar uma toalha molhada, olhando-o por cima do ombro. — Já fez a barba antes?
Ele negou com um gesto de cabeça, sem-graça.
— Não.
Pamela voltou ao quarto com a toalha molhada, lembrando-se de como o rosto de Apolo lhe parecera suave e sem pelos na manhã em que haviam acordado juntos.
— Nunca fez a barba?...
Ele a fitou.
— Nunca precisei fazer. Nunca tive barba.
Ela se inclinou diante dele e lhe examinou o rosto, tocando-o na face.
— Não está tão ruim. Você só se cortou algumas vezes. É que o rosto sangra muito facilmente.
— Eu não sabia — Apolo murmurou, parecendo ainda mais pálido.
Pamela se endireitou.
— Nunca viu sangue antes?
— Não — ele concordou, em seguida franziu a testa. — Quero dizer... sim. Mas nunca aconteceu de eu sangrar.
Pamela abriu a boca, depois fechou. Ele era um deus. Deuses não morriam, por isso era lógico que também não sangrassem.
Não soube o que dizer. Antes que pudesse formular uma resposta inteligente, ouviu duas batidas fracas, seguidas pelo som fraco de seu nome.
— Espere aí — disse a Apolo. — Quem é?... — perguntou através da porta.
— Eu! — A palavra soou como um gemido.
— Ártemis? — indagou Pamela, abrindo a porta.
Vestida com a túnica curta mais uma vez, a deusa se arrastou para dentro do quarto como se reeditando uma antiga tragédia grega, com uma das mãos estendida à sua frente e a outra segurando o pescoço.
— Pamela! Alguma coisa está muito errada comig... — Ao avistar o irmão sentado na cadeira, com o rosto salpicado de sangue, Ártemis levou a mão da garganta para a boca.
Pamela bateu a porta e segurou o cotovelo da deusa.
— Nem pense em gritar! — falou devagar e claramente.
— Oh!... — Ártemis oscilou, e Pamela a guiou para a cama, onde a diva se deixou sentar, ainda com os enormes olhos vidrados em Apolo.
— Ele está morrendo?! — indagou, em pânico.
— Ah, meu bom Senhor... Claro que não! Ele só se cortou no barbear. — Pamela esfregou a têmpora direita, sentindo a pontada que marcava o início de uma forte dor de cabeça.
— Apolo!? — Ártemis perguntou com voz trêmula.
— Não sou muito bom com a... — Ele fez um movimento, simulando a lâmina.
— Navalha — completou Pamela. — Não, você não é bom com a navalha. — Ela caminhou até ele e se abaixou de novo. — Isso pode doer um pouco... — Tocou os cortes com a toalha molhada.
O único movimento de Apolo foi uma puxada de ar.
Sua irmã assistiu a tudo, horrorizada.
— Ele está sangrando! — exclamou Ártemis.
— Sim, é isso o que acontece quando você se corta com uma navalha. Você sangra. — Pamela revirou os olhos para a deusa antes de se concentrar outra vez em Apolo. — Ok. Agora é só pegar um lenço de papel e pressionar uns pedacinhos nesses cortes. Muito em breve eles vão coagular e parar de sangrar, então estará novo em folha.
— Lenço de papel? — inquiriu Apolo.
— Coagular? — indagou Ártemis com voz estridente.
— Esqueçam... Eu mesma faço isso.
Pamela suspirou, foi até o banheiro, apanhou dois lenços de papel e tornou a se agachar ao lado da cadeira de Apolo.
Os gêmeos observaram, admirados, enquanto ela rasgava pedacinhos redondos e os pressionava nos cortes.
— Pronto — Pamela anunciou e se endireitou a fim de avaliar seu trabalho. — Isso deve parar o sangramento. Quando estiver pondo a camisa e penteando o cabelo, já poderá tirar os papéis sem que os cortes se abram novamente.
— Eles se abrem de novo? — ele perguntou, agoniado.
— Apolo, não é o Deus da Cura ou sei lá mais do quê? Como esse tipo de coisa pode ser tão chocante para você? — Pamela indagou, exasperada, sem saber se queria abraçá-lo ou chacoalhá-lo.
O deus se levantou de um salto.
— Tem toda a razão. Eu... Eu estou me sentindo um tolo. Vou me vestir e já volto — informou, batendo em retirada.
— Isso não foi muito gentil — observou Ártemis.
Pamela colocou as mãos nos quadris e se virou para a deusa.
— Olhe só quem está, de repente, toda preocupada com bons modos!... Preciso lembrá-la de que já deixou claro que me considera apenas uma experiência mortal que deu errado? Parece que me lembro de ter dito algo sobre estar farta de ficar algemada a mim como desculpa para ter me lançado algum tipo de magia sexual e fazer que eu me interessasse pelo seu irmão...
Ártemis se encolheu toda.
— Está piorando a minha dor de cabeça!
— Que bom!
— Mais uma vez, isso não está sendo muito agradável da sua parte! Até porque eu posso estar morrendo!
— E por que acha isso?
— Basta olhar para mim! Alguma coisa está muito errada. Meus olhos estão vermelhos, inchados e, sob eles, estou com essas manchas escuras horríveis. Estou com o estômago embrulhado e acho que a minha cabeça vai arrebentar a qualquer momento — choramingou a deusa, caindo dramaticamente sobre os travesseiros de Pamela.
— Por favor... Não há nada de errado com você, exceto uma enorme ressaca! — esclareceu Pamela, tentando não rir.
— E isso vai me matar? — Ártemis perguntou, endireitando o corpo para, em seguida, fazer uma careta de dor e segurar a cabeça.
— Não. Mas eu deixaria de lado as mimosas e o champanhe hoje.
A deusa empalideceu.
— Nem sequer mencione aquelas bebidas!
Pamela não pôde deixar de sorrir para ela.
— Aposto que está morrendo de sede.
— Estou seca! Como sabe? Já teve esta doença?
Pamela foi até o frigobar e apanhou uma garrafa de água. Rompeu o lacre, então a entregou a Ártemis. — Mais vezes do que estou disposta a admitir. Você ingeriu muito álcool ontem, e seu corpo temporariamente mortal está lhe dizendo que não foi uma boa ideia. — Pamela observou Ártemis entornar a garrafa de água. — Espere, não beba tudo. Vai precisar de um pouco para tomar com o Tylenol — explicou, vasculhando a bolsa até encontrar sua caixinha. Revirou as cartelas de Benadryl e Xanax até encontrar dois comprimidos do remédio. — Engula isto e depois tome um café da manhã leve: talvez apenas algumas torradas ou bolinhos. — Ao observar a expressão vazia de Ártemis, ela acrescentou: — Ah, está bem... Eu mostro o que poderá comer. Mas trate de beber café e um pouco mais de água. Vai se sentir melhor em breve.
— Vou ficar com uma aparência melhor também? Mal pude acreditar na imagem horrorosa que vi no espelho!...
Pamela estudou o rosto da deusa, assim como tinha feito antes com seu irmão. Ártemis continuava, como sempre, incrivelmente bela, mas, naquela manhã, a deusa se encontrava mesmo muito abatida.
— Vamos até o banheiro. Talvez eu possa dar um jeito nessas olheiras. — Ela fez uma pausa e lançou a Ártemis um olhar avaliador. — Espere... Faremos um trato. Vou melhorar sua aparência se prometer ser boazinha com Eddie outra vez.
À menção do nome do autor, a expressão de Ártemis mudou. Seu rosto pareceu suavizar, e suas faces se tingiram de um rosa delicado.
— Ah, meu Deus!... Está mesmo gostando dele! — exclamou Pamela.
— Ele... ele me lembra alguém — Ártemis sussurrou.
— Gosta de Eddie porque ele a faz se lembrar de alguém? Quem?
Os olhos da deusa faiscaram, e ela reassumiu sua habitual arrogância.
— É problema meu, não seu, quem Eddie me lembra. E não estou gostando dele apenas por causa disso. Ele me reconheceu. É um mortal de um Mundo Moderno que já não honra os deuses e as deusas, mas Eddie me conhece e me adora. E isso me agrada.
— Sei — resmungou Pamela. Em seguida, fez sinal para Ártemis se sentar no balcão do banheiro enquanto revirava seu estojo de maquiagem em busca de um corretivo.
Por algum tempo, trabalhou em silêncio no rosto da deusa, cobrindo os círculos escuros sob os olhos enormes e espalhando um pouco de pó bronzeador em suas faces, de modo a trazer de volta sua cor natural. Então, como se Ártemis já não fosse naturalmente maravilhosa, destacou seus olhos com uma sombra cintilante. Era como retocar uma pintura feita por um mestre, concluiu.
— Hipólito — murmurou Ártemis.
— O quê? — Pamela perguntou.
— Quem. Hipólito não era uma coisa. Era uma pessoa. Eddie faz que eu me lembre dele.
— Hipólito também era escritor? — Pamela quis saber, acrescentando apenas um toque de blush nas maçãs salientes do rosto da deusa.
— Não. Ele era guerreiro. Filho de Teseu. Era alto, forte e quase tão bonito como um deus. Não é o corpo de Eddie que lembra o do meu Hipólito. É em sua devoção que vejo muita semelhança.
— Você fala de Hipólito no pretérito... Ele está morto?
— Sim — admitiu Ártemis. — Assassinado por engano, por conta de sua devoção a mim. Fui a única mulher que ele amou.
— Eu sinto muito — sussurrou Pamela.
Ártemis encontrou o olhar da mortal, surpresa por identificar nele tanta compreensão.
— Você também perdeu um amor.
— Ele não morreu fisicamente... Mas descobri que o homem em que eu acreditava, na verdade, não existe.
Ártemis assentiu com um gesto de cabeça, pensativa.
— De certa forma, isso me parece até mais difícil de suportar. Pelo menos Hipólito já não caminha sobre a Terra antiga. Seria muito doloroso vê-lo, sabendo que ele é apenas a imagem do que eu acreditava que ele fosse...
— Então me entende — murmurou Pamela.
— Sim. — Ártemis sorriu, tristonha. Em seguida, virou-se. Ao se ver no espelho, seu sorriso se ampliou e se transformou em um sorriso de verdade. — Você realizou um milagre!
Pamela riu.
— Com certeza. E esses milagres têm nome: Borghese, Mac e um pouco de Chanel para completar. São milagres da mulher moderna que trabalha.
— Obrigada, Pamela! — a deusa falou com sinceridade.
— Foi um prazer, Ártemis. — Ela olhou para o próprio reflexo com um suspiro. — Agora vou ter que operar o mesmo milagre em mim. E depressa.
Ártemis deslizou do balcão.
— Eu digo a Eddie que fui a responsável pelo seu atraso. Ele não vai ficar nem um pouco aborrecido se tiver algum tempo a sós comigo antes que você venha ao nosso encontro...
— Ártemis! — Pamela chamou e, com a mão na maçaneta da porta, a deusa se virou para encará-la. — Posso fazer uma pergunta? Mesmo sendo meio pessoal?
A diva encolheu um ombro.
— Merece até uma bênção pelo milagre que fez. Não tenho poderes para lhe agradecer, assim terei prazer em responder à sua pergunta.
— Não entendo muita coisa de mitologia, mas lembro-me de ter lido que você, a deusa Ártemis, era uma deusa virgem, intocada por qualquer homem ou deus. Fico me perguntando se isso é verdade...?
Por um momento, Ártemis pareceu chocada. Depois, perplexa. Então começou a rir.
— Desculpe, eu não tive a intenção de que isso fosse engraçado — Pamela murmurou, meio envergonhada pela reação da deusa à sua pergunta.
— É da imaginação dos homens que estou rindo, não de você. Eles me denominaram a “Deusa Virgem” porque me recusei a ficar presa a um parceiro. Eu levo o amor aonde vou. Decido quem, onde e quando... Meu verdadeiro prazer vem da minha liberdade. Minha amante favorita é a floresta; minhas antigas companheiras, as ninfas que me servem. Mas posso lhe assegurar... não sou virgem — afirmou Ártemis, saindo do banheiro e deixando sua risada melodiosa como rastro.
C O N T I N U A
Capítulo 18
— Eu não faço a menor ideia do que vestir. — Pamela suspirou ao celular.
— Alguma coisa quente , mas não muito — sugeriu Ve. — Ele tem algumas explicações a dar antes de você cair de costas e abrir as pernas outra vez...
— Eu não abri as pernas assim!
O silêncio de Ve pesou na consciência já pesada de Pamela.
— Está bem, talvez eu tenha aberto um pouco — admitiu.
— Pammy, não existe abrir as pernas “um pouco”. É como estar um pouco grávida, ou se engajar em uma pequena guerra nuclear.
— Ah, Deus! Eu sou uma vagabunda! — Ela cobriu os olhos com a mão.
— Ora, por favor... Você teve relações sexuais com dois homens num período de... o quê? Oito, nove anos? Isso está longe de qualificá-la como uma prostituta.
— Mas eu dormi com Febo no nosso segundo encontro! — ela cochichou.
— Ei, não tem que cochichar! Está sozinha. Sem dizer que está se justificando para a pessoa errada, você sabe. Vamos rever aquela velha piada... O que uma lésbica leva com ela em um segundo encontro? — Ve fez uma pausa, na expectativa.
— Um reboque com a mudança — respondeu Pamela.
— Certo. Então, como pode ver, do meu ponto de vista tem se mostrado criteriosa até demais.
— Tem razão. Estou falando com a pessoa errada — Pamela concluiu.
Ve a ignorou.
— O que não significa que não deva fazer um pouco de doce ... Ao menos por uma noite, até que o jovem Jedi, Febo, explique por que resolveu abandoná-la pela manhã e, mais importante, por que deixou de mencionar esse fato antes, durante e depois de você ter aberto as pernas.
— Será que pode parar de chamá-lo desse jeito?
— Por quê? Falo como um elogio. Além disso, de acordo com suas incansáveis descrições, ele se encaixa perfeitamente na imagem.
— Febo não é nenhum Jedi . Se quer a verdade, ele parece mais um deus.
— Ah, controle-se! Nada é melhor do que um cavaleiro Jedi ... Exceto a princesa Leia.
— Vernelle! Não está ajudando em nada assim.
— Desculpe. Está bem, o que pode vestir?... Que tal aquele seu lindo vestido de seda creme? Você sabe, aquele com alças finas. Está na última moda de primavera e sempre faz sucesso com as massas. Você o levou, não levou?
— Sim. Mas não se lembra de como é decotado? Hello!... Tem alças finas! Ombros nus e decote profundo não entram na categoria “quente, mas não muito” — lembrou Pamela.
— Verdade. Muito bem. Levou as calças pretas? Aquela com as fendas que mostram uma boa parte das panturrilhas?
— Sim, acho que sim.
— Use-as com um dos seus tops sem mangas. Mas um com um decote alto. Assim ele consegue ver um pouco de suas pernas, um pouco dos seus braços, e apenas o contorno de tudo o mais. Se for um bom menino, poderá abrir o restante do pacote depois que vocês fizerem as pazes.
— Ve, você é incorrigível! — exclamou Pamela.
— Sim, eu sei. Mas também sei o que cai bem em mulheres.
— Agora me pegou. Está bem, vou usar as calças. E não vou dormir com ele de novo.
— Dormir? Você não me contou nada sobre ter dormido com o Jedi ! Eu posso não ser hetero, mas até eu sei que ninguém dorme com cavaleiros Jedi .
— Pare com isso. Sabe muito bem que estou falando de sexo.
— Pammy, você pode ter relações sexuais com ele. Basta judiar de Febo um pouco primeiro.
Pamela fez menção de dizer algo, depois mudou de ideia.
— Está bem. Talvez.
— Não me venha com “está bem, talvez”. Conheço esse seu tom. O que há de errado? Desembuche, criatura!
— Eu gosto dele — Pamela murmurou.
— Sim, deixou isso mais do que claro. E qual é o problema?
— Quero dizer que realmente gosto dele. E não quero isso. Não é muito inteligente da minha parte.
— Pammy, escute-me... O que não é muito inteligente é deixar Duane, aquele manipulador obsessivo, envenenar o seu futuro. Esse tal de Febo pode não ser o cara . Ele pode ser apenas alguém com quem está tendo um “casinho” em Vegas, e de quem vai se lembrar sempre como o homem que a tirou do limbo. De qualquer modo, nunca vai descobrir quem ele é realmente, ou o que qualquer outro cara seja, se não estiver disposta a lhe dar uma chance. Amor é assim. Precisa se arriscar a perder ou ganhar.
— Eu não sei se consigo — choramingou Pamela. — Nós já concluímos que não sou uma jogadora muito boa.
— Mas pode ser — Ve replicou com firmeza.
— Como pode ter tanta certeza?
— Se estivesse destinada a ficar sozinha, não estaria agonizando com essa história de “devo ou não devo”. Já teria aceitado o “não devo” como o melhor para você e seguido em frente com a sua vida. Seja franca. Pode afirmar com convicção que se sentia melhor antes de conhecer Febo?
— Era mais fácil — ela respondeu, seca.
— Bem, boneca, é mais fácil fazer as cortinas do quarto do mesmo tecido da colcha... Mas isso garante um melhor resultado?
Pamela fez uma careta ao notar as estampas florais combinando perfeitamente na suíte.
— Definitivamente, não.
— Por favor, dê uma chance a si mesma, Pammy. Você merece viver de verdade outra vez.
— Eu te amo, Ve — ela falou.
— Isso é o que todas as garotas dizem. Divirta-se esta noite. E tente não ser muito dura com o pobre trípode. Lembre-se de que pode ser esperta sem ser mala .
— Ahn?
— Esqueça. Vá se arrumar.
— Está bem, eu ligo amanhã — resolveu Pamela.
— Por falar nisso, percebeu que este é o segundo telefonema de uma série em que não mencionou trabalho uma só vez, não é?
— Maldição dos infernos! Estou perdendo a cabeça. Como foi com a sra... — ela recomeçou, mas a risada de Ve a interrompeu.
— Pammy! Pare!... É ótimo que tenha algo na cabeça além da Ruby Slipper.
— Sim, mas...
— Está tudo bem. Como de costume. Não tem que se preocupar. Telefone amanhã, depois da reunião com Faust. E lembre-se: diversão e fantasia, Pamela. Diversão e fantasia.
— Está linda esta noite... e muito sedutora — Apolo afirmou, beijando a pele da mão de Pamela com lábios tão persistentes e sugestivos como seu olhar.
Que maravilha! , ela pensou, sentindo o estômago se contrair com a visão dele. O oposto do que eu queria.
— Aposto que diz isso para todas — falou com cinismo, tomando emprestado o bordão de Ve.
— Não nos últimos tempos — ele replicou, os olhos azuis, da cor do céu, de repente muito sérios. — E nunca com tanta sinceridade.
— Então, muito obrigada — Pamela agradeceu, tentando, sem sucesso, não se deixar enfeitiçar pelo azul dos olhos de Febo. Como um gato se livrando da água, ela se sacudiu mentalmente e tratou de mudar de assunto. — Como está a sua irmã?
— Está bem. Ainda incomodada, mas bem. — Apolo manteve a mão na dela enquanto apoiava um pé no degrau inferior da cadeira alta, a seu lado. Queria puxá-la para os braços e beijá-la ali, na frente do café, mas a linguagem corporal de Pamela lhe dizia que ele precisava ir com calma. — Diana não quis ofendê-la esta tarde. Como ela mesma falou, não tem estado muito bem.
Pamela se preparou para soltar um improvisado “tudo bem”, porém se conteve. Em vez disso, endireitou os ombros e o fitou nos olhos.
— Não vou fingir que descobrir que iria partir tão cedo, e que não dissera nada a respeito, não feriu meus sentimentos. Para falar a verdade, isso fez que eu quisesse distância de você.
— Ah, a verdade. — Apolo acenou com a cabeça, pensando como apreciava a honestidade de Pamela e, ao mesmo tempo, percebendo quão poucas mulheres haviam sido sinceras com ele. Elas o tinham adorado, idolatrado, competido por sua atenção... Contudo, ele não achava que alguma houvesse sido honesta com ele. — Ficou magoada ao pensar que eu iria deixá-la sem explicação, e sinto muito por isso. — Acariciou-a no rosto. — A última coisa que desejo é que sinta vontade de fugir de mim para se proteger. — Tocou com o dedo a medalha dourada que pendia em torno do pescoço delicado. — Por favor, acredite que seus sentimentos estão seguros comigo.
Mais uma vez, Pamela retrucou com total franqueza:
— Vou tentar confiar em você, mas não posso prometer nada ainda.
Ele levou sua mão aos lábios outra vez.
— E eu vou me contentar com a sua honestidade e com a oportunidade de ganhar sua confiança.
— Pode me dizer por que está indo embora?
— Você se importaria muito se falássemos sobre isso durante o jantar? Planejei algo especial para nós esta noite.
— Ah, claro — Pamela sentiu uma onda de prazer que desejou poder controlar melhor. — Estou faminta. — Levantou-se, muito consciente de que Febo ainda a segurava pela mão, e sem coragem de se livrar dos dedos quentes. — Para onde vamos?
— Para o Monte Olimpo — ele declarou com os olhos brilhando.
— Parece um restaurante que se encaixaria muito bem por aqui... Mas não me lembro de tê-lo visto enquanto passeava pelo Fórum. Fica no Caesars Palace?
— Há uma passagem para ele no hotel, mas é exclusiva. Poucas pessoas sabem disso.
— É só para os deuses, certo? — Pamela falou brincando.
— Só para os deuses — Apolo concordou, sorrindo.
Caminharam de mãos dadas, do Fórum até o cassino. Seus braços se tocavam intimamente, e Pamela se lembrou de como fora maravilhoso estar no meio destes, pressionada contra o peito nu. Podia até sentir seu aroma único. Não era como o daqueles perfumes masculinos de loja de departamento. O dele era natural. Febo cheirava a limpeza. A homem.
A ponto de ela ter vontade de cheirá-lo.
— Terminou o esboço das salas de banho? — ele quis saber.
— Sim, terminei. — Pamela tratou de afastar as lembranças de sua pele nua. — E gostei. Nunca tinha desenhado nada semelhante. É emocionante fazer algo novo. Isso se eu convencer Eddie a usar o projeto.
— Vai convencer.
— Eu espero que sim... OH, MEU DEUS! — Pamela estacou, como se tivesse trombado com uma parede invisível, ao deparar com uma vitrine iluminada, bem na frente de uma pequena loja de acessórios da moda. Nesta, pequenas bolsas, cuidadosamente dispostas sobre um pilar de mármore, se encontravam dentro de uma caixa de vidro fechada. — Não acredito como são perfeitas! — Entorpecida, Pamela largou a mão de Febo e se aproximou do vidro. Havia três bolsinhas forradas de pedras nas caixas transparentes. Uma delas imitava um cofre de porquinho, desses de criança, a outra era uma encantadora libélula, e a terceira, aquela pela qual ela enlouqueceu: uma réplica exata de um dos sapatinhos de rubi de Dorothy. Cintilava com contas vermelhas e pedras semipreciosas sob o spot , parecendo mágica, familiar e muito... Mágico de Oz. — Preciso comprar essa bolsa! — exclamou, chamando o atencioso vendedor que aguardava no interior da loja com o dedo.
Apolo observou enquanto Pamela, encantada com a bolsa em forma de sapato vermelho — que também continha aquele pino cortante que ela tanto apreciava —, aguardava, impaciente, que o servo abrisse a caixa de vidro e retirasse o objeto com cuidado.
Pamela o tratou com reverência, virando a etiqueta dourada que pendia do fecho.
Seu rosto empalideceu.
— Deixe-me ter certeza de que estou lendo direito... São 4 mil dólares ou 400 dólares?... — perguntou ao funcionário.
— É isso mesmo, senhora. Trata-se de uma Judith Leiber original. — O tom do rapaz dizia que aquela era explicação suficiente para o preço.
— É linda. — Relutante, Pamela devolveu a bolsa para o vendedor, que a colocou de volta na vitrine.
— Posso lhe mostrar mais alguma coisa, madame?
— Não, obrigada.
O empregado fechou e trancou a caixa de vidro.
— Pode me chamar se precisar de ajuda. — Ele fez um movimento afetado com o rosto e rumou para o interior da elegante loja.
— Não vai comprá-la? — Apolo perguntou, odiando o ar de desamparo no rosto de Pamela.
— Está brincando? Custa 4 mil dólares. Não posso gastar esse dinheiro em uma bolsa.
— Mas disse que ela era perfeita.
— E é!... Quatro mil dólares de perfeição. — Ela suspirou e deslizou o braço pelo dele, conduzindo-o para longe da fachada da loja.
— Vamos embora antes que eu chore.
— Não tem 4 mil dólares? — Apolo perguntou enquanto caminhavam.
— Sim, tenho. Mas não sobrando. Ou melhor, não que justifique uma extravagância dessas. Mesmo que seja uma bolsa-joia, sapatinho de rubi!... — Ela suspirou, pensativa. — Quem sabe um dia?
Apolo pensou no pacote de dinheiro que carregava no bolso. Não se lembrava exatamente do quanto havia trazido com ele. Tinha apanhado apenas algumas notas do topo da pilha que Zeus mandara Baco deixar numa tigela dourada, próxima do portal. Fez uma conta rápida e teve a certeza de que não contava com 4 mil dólares.
De qualquer maneira, Pamela parecia considerar aquilo uma grande quantia em dinheiro; decerto mais do que aceitaria como presente.
Olhou para a medalha de ouro que se aninhava pouco acima do vale entre seus seios. Ela quase não a aceitara, e não fazia ideia nem mesmo de uma fração de seu valor.
Não. Pamela não permitiria que ele a presenteasse com a bolsa.
O chão de pedra deu lugar a um tapete opulento quando eles deixaram as lojas do Fórum e adentraram o Caesars Palace.
— É por aqui — orientou Apolo, virando à direita e passando por várias fileiras de máquinas caça-níqueis que piscavam. Em seguida, diminuiu o passo e parou.
— Caminho errado? — Pamela inquiriu.
Ele sorriu.
— Não, mas eu estava pensando... Por que não se arrisca um pouco no jogo?
O rosto bonito de Pamela se transformou em um ponto de interrogação.
— Quer a bolsa, mas não pretende gastar 4 mil dos seus dólares. E se ganhasse esse dinheiro? Você compraria a bolsa?
— Acho que sim, eu...
Apolo fez um gesto de cabeça em direção à fileira de caça-níqueis mais próxima.
— Estou sentindo que a sorte está conosco esta noite.
Pamela mordeu o lábio.
— Não sou muito boa jogadora. Gosto de saber que estou recebendo algo em troca quando entrego o meu dinheiro.
— Então, permita-me entrar com o meu dinheiro. — Ele enfiou a mão no bolso e tirou o pequeno pacote, lidando com habilidade com a dúzia de notas, cuja maioria era de 50 ou 100 dólares.
— Minha Nossa, Febo, nunca ouviu falar em cartões de crédito?
Ele tentou não se mostrar confuso. Baco havia mencionado algo sobre outras formas com as quais os mortais modernos pagavam por suas aquisições, mas não se lembrava exatamente do que o deus dissera.
— Prefiro isto. — Fez uma pausa, tentando decidir o que mais poderia dizer. — Não é muito colorido, mas interessante de se olhar. — Entregou-lhe uma nota de 100 dólares. — Aceite uma destas, use-a para alimentar uma das máquinas, e vamos ver o que acontece.
Pamela franziu a testa, olhando-o como se ele fosse louco.
— Não posso torrar 100 dólares assim, mesmo que sejam dos seus! E, estou falando sério, eu nunca jogo. Não sei se tenho a atitude certa para dar sorte.
— Pois eu penso o contrário. Você traz sorte para mim.
O comentário arrancou um sorriso relutante de Pamela.
— Não vou conseguir gastar 100 dólares assim.
— Se é assim, leve uma desta. — Apolo mexeu no dinheiro até encontrar uma nota de cinquenta. — Lembre-se de que poderá ganhar dinheiro suficiente para comprar a sua bolsa-sapato.
À menção do cobiçado objeto, os olhos castanhos de Pamela cintilaram, e ele soube que tinha vencido.
— Está bem, vamos fazer um acordo. — Ela não pegou a nota de cinquenta. Em vez disso, remexeu o maço de dinheiro até encontrar 20 dólares. — Eu aposto com isto, e apenas isto. Se eu ganhar, você recebe a metade. Se eu perder, fico lhe devendo 10 dólares.
— Aceito — concordou Apolo. — Em que máquina vamos tentar?
Pamela estudou a fileira de caça-níqueis piscando, ressoando, retinindo, e sentiu-se um pouco intimidada por sua aparência. Já passava das oito da noite do domingo, mas pelo menos metade das máquinas continuava ocupada por jogadores, os quais apertavam botões e puxavam alavancas com admirável intensidade.
— É você quem está se sentindo com sorte. Você escolhe — resolveu.
Apolo coçou o queixo, fingindo considerar os aparelhos com cuidado.
— Gostei desta aqui. — Ele a puxou pela mão até um caça-níqueis não muito longe de onde eles estavam. Havia apenas mais duas pessoas naquela fileira, e estas se encontravam sentadas bem além da máquina que ele escolhera.
— “Roda da Fortuna”. Tem certeza de que quer esta? Pode ser um mau presságio... Eu nunca gostei muito desse programa de TV. Não costumo soletrar bem. — Pamela encolheu os ombros. — Aliás, sempre odiei fazer isso.
— Está nervosa.
Apolo não compreendeu o que ela dizia, mas reconheceu o tom de sua voz e sua linguagem corporal.
— Sim — admitiu Pamela, sentindo-se uma tola. — Tem razão, estou mesmo. Eu já disse que nunca joguei antes.
— Não pense nisto como um jogo de azar. Pense nisso como a compra de uma bolsa.
Pamela se animou visivelmente.
— Acho que comprar uma bolsa é algo que eu consigo fazer. — Ela se acomodou no assento estofado e estudou a frente do extravagante caça-níqueis. — Acho que o dinheiro vai aqui... — concluiu, deslizando-o para dentro de uma fenda. A nota desapareceu, e a máquina clicou e retiniu, exibindo um crédito de 20 dólares no visor digital. Pamela olhou para Febo. — Pronto?
— Pronto.
Ela agarrou a bola vermelha na extremidade do braço de metal e puxou. Tinha a atenção voltada para as três pequenas janelas do aparelho, e não percebeu o pequeno gesto de comando que Apolo fez com a mão.
— Bar... — Pamela murmurou quando o primeiro rolo parou no visor. — Bar... — repetiu na parada seguinte, com crescente excitação na voz. — BAR! — gritou quando a terceira imagem preta estacou.
A máquina explodiu em luzes e sirenes, e começou a vomitar dinheiro pela boca mecânica enquanto Pamela gritava e saltava, atirando-se nos braços de Apolo, que a abraçou de volta, rindo.
Às vezes era muito bom ser um deus.
Capítulo 19
A alça da bolsa de sapatinho de rubi era uma corrente de filigrana de ouro que podia muito bem ser usada como um colar sensual por uma daquelas mulheres rebeldes dos anos vinte. Pamela a deslizou sobre o ombro e sentiu uma vontade louca e infantil de saltitar como a Dorothy pela Yellow Brick Road abaixo. Não podia acreditar que aquela bolsa era sua! Ve ia ter um ataque quando a visse.
— Ainda não acredito que o prêmio era de exatamente 8 mil dólares! — falou, emocionada, fazendo uma voltinha enquanto observava a bolsa cintilar no reflexo das vitrines pelas quais passavam.
— Eu disse que estava me sentindo com sorte — lembrou Apolo, ainda encantado com a exuberância da reação de Pamela ao ganhar o dinheiro.
— Eu jamais teria me permitido comprar algo tão caro! — Ela apertou a mão dele e baixou a voz. — Nem mesmo um par de sapatos de grife fabulosos, de coleção nova. Não por 4 mil dólares.
— Mas você adorou essa bolsa. — Apolo sorriu para ela, satisfeito por ter sido capaz de ter orquestrado tal alegria. Curiosamente, não se importava por não poder contar que ele mesmo comandara a máquina, de modo a fazê-la expelir o dinheiro necessário. Não se importava em não receber o crédito. O principal era que Pamela se encontrava radiante, e isso tornava seu coração leve e despreocupado.
— Amo esta bolsa. Adoro esta bolsa. Estou apaixonada por esta bolsa! — Ela riu. — Não me importo o quanto isso soe superficial e materialista. Só vou usá-la em ocasiões especiais. Quando eu voltar à minha loja, vou colocá-la em um vidro, na vitrine da frente, onde tenho nosso logotipo pintado em vermelho com os dizeres: “Ruby Slipper Design Studio... A certeza de que não existe lugar melhor do que a nossa própria casa”.
Fizeram o caminho de volta através do Caesars Palace enquanto Apolo ouvia a animada conversa de Pamela. Ele acreditava no slogan de seu estúdio de design . Sem Pamela, não havia casa alguma. Sabia que isso era verdade — já experimentara a sensação. O Reino de Vegas era um lugar estranho e bizarro, mas quando ele passara pelo portal, naquela noite, e rumara na direção da Adega Perdida e de Pamela, sentira como se estivesse voltando para casa. Por mais improvável que fosse, Apolo, o Deus da Luz, um dos Doze Olímpicos originais, estava se apaixonando por Pamela Gray, uma mortal moderna.
— Ei! O que vai fazer com os seus 4 mil dólares?
Apolo levou a mão delicada aos lábios.
— Não faço ideia. Talvez você me ajude a decidir. Lembro-me de ouvi-la dizendo que nunca comprou um par de sapatos de grife por 4 mil dólares... — Sua voz foi sumindo conforme seu olhar percorria o corpo esbelto, até as perigosas sandálias pretas de salto que Pamela usava. — E descobri que gosto muito desses seus sapatos que parecem uma adaga.
— Você sabe mesmo o caminho para o coração de uma mulher! — Pamela sorriu.
— Por todos os deuses, espero que sim — Apolo falou, sincero.
Em seguida, virou em um pequeno corredor lateral e, após apenas alguns metros, parou diante de uma porta branca e simples.
— Não pode ser aqui. — Pamela duvidou, olhando em volta. — Não há nenhuma indicação. Não é nem mesmo próximo dos outros res taurantes. — Ela lançou à porta, depois a Febo, um olhar desconfiado. — Acho que se confundiu em algum lugar.
Apolo sorriu de lado.
— Eu disse que era um local exclusivo.
— Mas... — ela recomeçou, confusa.
Apolo fez que ela o encarasse. Teria que resolver tudo depressa. Não gostava da ideia de usar seus poderes para hipnotizá-la, contudo precisava convencer Pamela a atravessar o portal. Depois iria transportá-la de imediato até seu templo, sem que ela estivesse ciente do que acontecia.
— Prometo que o jantar desta noite será como nenhum outro. — Ele não se preocupou em inspecionar a área ao redor; o pequeno corredor de serviço já se encontrava encantado pelo poder do Olimpo. Não haveria intrusos mortais para vê-lo usar sua magia imortal em Pamela. — Mas, antes de irmos, preciso fazer algo que estou com vontade desde que minha irmã nos interrompeu esta manhã... — Puxou-a para os braços. Enquanto deslizava as mãos pelas curvas suaves de seu corpo, e seus lábios encontravam os dela, concentrou-se em enviar para a mente de Pamela uma bruma de seu poder dourado. Ordenou que a névoa iluminada lhe obliterasse os pensamentos para que, por apenas alguns momentos, a preciosa alma mortal de Pamela ficasse tonta e desorientada.
Ela gemeu baixinho, oscilando ligeiramente.
Com um movimento rápido, Apolo a ergueu nos braços, abriu a porta e atravessou o portal. Teve apenas um vislumbre do Salão Nobre do Olimpo, mas foi o bastante para perceber que Ártemis fizera o que tinha prometido. O local estava deserto. Não havia um único imortal para testemunhar o Deus da Luz readentrando o Olimpo com uma mortal moderna nos braços.
Em silêncio, ordenou que fossem transportados até seu templo, e ambos desapareceram em um facho de luz.
O sorriso de Baco era malévolo quando ele deixou a boca do corredor e se aproximou da porta que disfarçava o portal olímpico. Aquilo iria ser ridículo de tão fácil. Como sempre, Apolo se mostrava muito arrogante e seguro de si, e não percebera que ele, Baco, o seguia desde quando ele encontrara a mortal no bar. Na verdade, Apolo não notara coisa nenhuma, exceto a mortal moderna por quem estava obcecado. Tinha bancado o herói oculto, manipulando a máquina caça-níqueis, e presenteado a moça com os meios necessários para a compra de um objeto de seu desejo...
Mal podia esperar até que a mulher testemunhasse como o deus dourado se tornaria impotente e patético sem seus poderes. Estava ansioso por ver a arrogância do Deus da Luz se extinguir, mesmo que fosse por um período de apenas cinco dias.
Baco caminhou através do portal. Assim como tinha previsto, o Salão Nobre do Olimpo se encontrava vazio. Se conhecia bem os gêmeos dourados, estes se certificariam de que o local permanecesse assim, de modo que o encontro de Apolo com a mortal passasse despercebido pelos outros imortais.
Que conveniente!...
Ele quase riu em voz alta, mas, com um esforço, se controlou. Teria muito tempo para se regozijar depois. No momento, precisava se concentrar.
O Deus do Vinho encarou o portal e ergueu os braços sobre a cabeça, invocando o poder inebriante de seu reino e dando início ao ritual mágico:
Ricos e inebriantes poderes do vinho,
reúnam-se neste portal.
Preparem-no para que possa, serena,
passar por ele a mortal.
Se ela voltar, todavia,
transforme-a naquilo em que foi nomeada.
Perdurem por apenas um momento, delicados poderes,
em seguida, esvaeçam,
como esvaece a luz de Apolo que pela manhã se alastra...
Baco fez uma pausa para reprimir a alegria que sentiu ao se referir ao Deus da Luz em seu feitiço. Tornou a se concentrar no que fazia, e completou as palavras de sua armadilha:
Há mais de uma maneira de se queimar...
Eis a lição que o Deus do Sol deve assimilar!
O deus ergueu as mãos diante do portal e, por um instante, este flamejou com a cor de um vinho rosé gelado. Em seguida, a cor desbotou, e tudo voltou ao normal.
— Primeiro passo concluído — Baco murmurou para si mesmo. — Segundo passo: espera.
O Deus do Vinho soltou um comando suave. Seu corpo desapareceu e se rematerializou no jardim dos fundos do templo de Apolo.
Baco espiou por trás de um arbusto bem cortado. Assim como ele havia previsto, a propriedade se encontrava deserta. Normalmente, exuberantes ninfas se reuniam em torno do templo de seu deus favorito, disputando a atenção de Apolo.
— A adoração de ninfas não pode ser conveniente quando se está cortejando uma mortal moderna... — Baco ironizou. — Melhor para mim.
Para um deus de seu tamanho, ele se movia com surpreendente discrição. Entrou por uma das portas traseiras do templo e se deslocou em silêncio pelo corredor de mármore até alcançar uma sala cavernosa, onde uma dúzia de servas virgens de Ártemis dava risadinhas e se divertia ajeitando jarros de vinho e comida em travessas. Sim, ele chegara a tempo. Aguardou, impaciente, que a serva encarregada do vinho virasse a cabeça para responder a uma pergunta cochichada de uma das colegas e, em seguida, com movimento rápido e seguro, moveu os dedos em direção aos jarros, sussurrando:
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O vinho cintilou com uma luz sobrenatural rosa-pálido.
Invisível para quem quer que fosse, Baco deixou a sala e se mesclou à noite.
Agora, tudo o que lhe restava era esperar e observar. Esperar e observar...
A risada satisfeita do Deus do Vinho ecoou, sinistra, pelos jardins desertos.
Ártemis correu para o salão, e suas criadas silenciaram respeitosamente.
— Eles chegaram!
Sussurros excitados cessaram com um só movimento da mão da deusa.
— Esta noite, servindo ao meu irmão, estarão servindo a mim mesma. Façam-no com competência.
As servas inclinaram as cabeças.
— Sim, deusa — entoaram com suas vozes doces.
— Levem vinho a eles — ordenou Ártemis, e duas das criadas se apressaram em obedecê-la.
Tão logo estas saíram, a deusa se debruçou sobre as travessas repletas de iguarias e olhou para as amas.
— Devo ajudar o Deus da Luz a alcançar seu desejo? — indagou, maliciosa.
As virgens riram e assentiram com um gesto de cabeça.
Ártemis estendeu as mãos sobre o banquete do irmão.
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O poder derramou das mãos da deusa por sobre os alimentos, cintilou por um instante, depois os fez voltar à sua aparência normal.
— Sirvam aos dois, e depois os deixem sozinhos. Privacidade é o que Apolo deseja esta noite.
Satisfeita, Ártemis deixou o templo do irmão e caminhou devagar na direção do Salão Nobre, o qual deveria estar deserto, pois ela se certificara disso. Afrodite e Eros haviam retornado mais cedo de sua incursão de fim de semana ao Reino de Las Vegas e agora descansavam em seus templos. Ela deixara claro para as ninfas que ainda perambulavam por Vegas que já era hora de elas voltarem para o Olimpo e, com poucas e afiadas palavras, mandara todas de volta para as florestas e os vales aos quais estas pertenciam.
Criaturas tolas...
O restante dos Doze Imortais tinha desaparecido, afinal, ela começara um boato de que Hera e Zeus estavam se desentendendo de novo, e nenhum mortal ou divindade gostava de testemunhar isso.
Em seguida, ela esperaria pelo irmão no salão vazio e torceria para que, antes do amanhecer, pudesse sentir o vínculo entre ela e a mortal se dissolver. Sem dúvida havia feito tudo o que podia. O restante era com Apolo.
— Absolutamente espetacular! — Pamela olhou ao redor, admirada. — Não acredito que aquela porta sem-graça estava escondendo isto tudo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Está brincando? Este lugar é magnífico! — Ela inclinou a cabeça para trás, tentando ver a parte superior do teto abobadado, e deparou com um tipo de afresco fabuloso. A vertigem que a acometera pouco antes, porém, a fez tropeçar para trás.
O braço forte de Febo estava lá para segurá-la.
— Talvez seja melhor sentar-se — ele sugeriu, guiando-a para uma das duas requintadas espreguiçadeiras que descansavam em ambos os lados de uma mesa de mármore.
Pamela se deixou afundar na chaise longue e esfregou a testa.
— Devo ter ficado no sol por muito tempo hoje. Minha cabeça está girando.
Como se sob sua sugestão, duas moças entraram na sala. Vestiam túnicas curtas e diáfanas, feitas de seda branca, onde se viam criaturas da floresta bordadas com fio prata. Uma delas carregava uma bandeja com um jarro dourado e duas taças da mesma cor.
As mulheres sorriram, tímidas, para Febo e Pamela.
— Vinho? — indagaram em uníssono.
— Claro — concordou Apolo.
Com movimentos graciosos, lindos de se observar, as moças serviram a bebida.
— Seu jantar está pronto — uma delas anunciou com voz melodiosa.
— Podemos servi-lo? — perguntou a outra.
— Sim.
As duas mulheres fizeram uma profunda reverência e saíram, apressadas, por onde tinham vindo.
— Mas nós nem mesmo fizemos o pedido — lembrou Pamela. Estava com uma terrível dor de cabeça. Sentia-se desorientada e nem um pouco confortável.
— Eu já havia especificado alguns pratos com antecedência. — Apolo pensou por um momento. — Chamam isso de “encomenda”, certo? — Quando a expressão perplexa de Pamela mudou para uma carranca, ele acrescentou: — Espero que não se importe. Eu queria surpreendê-la com iguarias gregas.
— Iguarias gregas? Intrigante. Quase tão intrigante quanto este restaurante. — Ela passou a mão pela lateral da chaise . — Veludo de seda... Meu tecido favorito para estofamento. — Como se o toque familiar do veludo fosse um bálsamo, a névoa em sua mente começou a se dissipar. — Veludo de seda me lembra água. É tão liso e macio!... Adoro. — Seus dedos permaneceram sobre o bonito tecido.
— Fico feliz por ter aprovado — disse Apolo, aliviado por ela estar se recuperando do poder que ele lhe lançara.
Pamela olhou ao redor da sala mal iluminada. Eles não apenas eram os únicos clientes ali, mas sua mesa também era a única posta no lugar. Era um espaço enorme, claro, mas, ao contrário do restante do Caesars Palace e do Fórum, alguém com bom gosto e estilo o tinha decorado... o que significava que este não era forrado do chão ao teto com a exagerada pseudo-opulência romana.
E o piso era incrível. Parecia feito de uma única peça de mármore, embora ela soubesse que aquilo não era possível.
— Este chão é inacreditável. Parece muito com mármore de Carrara, mas nunca vi Carrara com veios dourados como este. — Seus olhos viajaram do piso para as paredes, e então se arregalaram. — Usaram o mesmo mármore para as paredes e as colunas! Adoro esse estilo minimalista. E o decorador acertou em cheio: esse mármore é bonito demais para ser coberto por uma porção de quadros. Aquela tapeçaria é o toque perfeito. — Apontou para o enorme trabalho que se estendia pela maior parte da parede à sua frente. Era de um homem nu. Um lindo e jovem homem nu.
Pamela apertou os olhos, tentando enxergar melhor à luz fraca. Ele se encontrava de pé, ao lado de uma biga, e segurava uma harpa.
— Ele me parece familiar — comentou, intrigada.
— Provavelmente porque o está usando na imagem que leva em torno do pescoço — Apolo justificou depressa.
Ela tocou a medalha dourada e sorriu.
— É verdade. Você disse que o nome do restaurante era Monte Olimpo, portanto é provável que seja Apolo outra vez. Incrível essa semelhança entre vocês dois. Principalmente com este da tapeçaria. Estranho...
— Coincidência — ele falou, fingindo indiferença. — Vamos beber? — Entregou-lhe um dos cálices e ergueu o seu próprio. — À nossa sorte.
Pamela sorriu e deu um tapinha na bolsa cintilante que descansava a seu lado.
— À nossa. — Tomou um gole. — Este vinho é uma delícia!... E eu não costumo gostar muito de vinho branco. — Olhou para a taça. — Mas este não é branco. — A cor do vinho era tão incomum quanto seu sabor. Se ela fosse convidada a descrevê-lo para uma daquelas revistas sobre degustação, diria que era leve e fresco, como o cheiro de peras ou melões, e da cor da luz solar. — O que é, um Pinot Gris ?
Apolo encolheu os ombros.
— Não tenho certeza. Pedi para que nos servissem o melhor da casa.
Quanto a isso ele estava dizendo a verdade. Ártemis tinha planejado o jantar e escolhido o vinho.
Bebeu outro longo gole. Teria que perguntar à irmã sobre o vinho. Era mesmo delicioso e incomum. Estava gelado, mas, conforme bebia, podia sentir o corpo sendo preenchido por um calor que parecia irradiar de seu âmago.
Olhou para Pamela. Ela estava com as faces coradas, parara de examinar o design da sala e agora sorria para ele, os lábios ligeiramente separados parecendo ainda mais cheios e convidativos.
— Não gostei de ficar longe de você esta noite — ele falou, rouco.
— Eu também senti a sua falta.
— Como vou suportar ficar distante nos próximos cinco dias?
— Cinco dias?
Então ele só voltaria para Vegas no outro fim de semana, quando ela estava pensando em voar de volta para o Colorado? Aquele trabalho deveria durar apenas uma semana, lembrou Pamela. E passaria cinco dias sem Febo!...
De repente, percebeu os pensamentos lentos e deslocados, e o tempo lhe pareceu interminável e sem importância. Ela não queria que ele fosse embora — claro que não — e Febo estava ali naquele momento. Perto o suficiente para ser tocado.
Como podia ser tão bonito?, perguntou-se.
E precisou se obrigar a permanecer na própria chaise quando o que queria era se juntar a ele, tirar aquela camisa... e começar a lambê-lo corpo abaixo.
— Sim, eu... — Apolo vacilou. O que ele e Ártemis tinham decidido dizer a Pamela sobre sua suposta “viagem”? Estava difícil se concentrar em qualquer coisa além daqueles lábios.
Uma série de virgens carregando travessas de comida impediu seu impulso de empurrar a mesa e devorar a boca de Pamela.
Pouco depois, eles eram servidos com os alimentos dos deuses em pratos de ouro.
— Folhas das mais finas uvas, recheadas com carne e queijo — explicou uma das servas de Ártemis em uma voz suave e hipnótica, conforme Pamela provava o aromático charutinho.
— Cordeiro criado à base de mel e leite — murmurou outra.
Apolo provou a carne, depois sorriu, comendo com prazer. Sua irmã não costumava ser tão dedicada a assuntos domésticos, mas, naquela noite, havia se superado.
— Queijo de cabra, animais dos quais as ninfas cuidam como se fossem seus filhos...
— Azeitonas e figos colhidos no Monte Olimpo pelas mãos macias e hábeis das sacerdotisas de Afrodite...
Aquelas moças eram, sem dúvida, as melhores garçonetes que ela já conhecera!, refletiu Pamela. Precisava perguntar a Febo como ele conseguira aquela reserva. Ele devia ter mandado fechar o restaurante, o que significava, entre outras coisas, que devia ser um médico bastante bem-sucedido.
E parecia tão jovem!... Ela precisava perguntar quantos anos ele tinha, quando era seu aniversário e onde ele nascera.
Não que isso importasse muito. Estava apenas curiosa.
Também precisava perguntar a ele sobre... o que, mesmo? Não conseguia se concentrar! Aquela comida era tão absurdamente deliciosa!... Seu gosto preenchia os sentidos.
Aquilo era mais do que comida. Lembrava a luz de um sol de verão, calor, desejo...
Ergueu o olhar do prato e encontrou os olhos cor de safira de Febo observando-a com uma intensidade que a fez prender a respiração.
— Vamos deixá-los a sós agora. Nossa noite está no fim — as servas entoaram. E conforme suas vozes doces se desvaneciam, elas sussurraram uma prece quase inaudível: — Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
Apolo e Pamela mal notaram a partida das servas. Olharam um para o outro, e tudo o mais na sala, tudo o mais no mundo, desapareceu. Sua pele formigava com o calor crescente da luxúria.
— Preciso que você me ame — a voz de Apolo saiu densa de desejo.
Em algum lugar nos recônditos de sua mente, onde o bom-senso ainda espreitava, ele sabia que sua reação a Pamela estava sendo muito rude, atrevida; entretanto não conseguia se conter. Não queria parar.
— Sim... — ela balbuciou a palavra.
Com um movimento selvagem, fluido, que lembrou o de um leão enorme e pardo, Apolo se levantou e arrastou a mesa que os separava para longe. Pamela percebeu que a mesa foi lançada com uma força desumana, porém tal pensamento foi vago, e ela o registrou apenas em parte. Quando ele rasgou a camisa e quase arrancou as calças, tudo o que ela conseguiu pensar foi na reação de seu corpo ao ouvir o som gutural de seu próprio nome nos lábios de Febo, e como ele estava magnífico olhando para ela enquanto se aproximava completamente nu.
— Sim! — gemeu de novo, saindo da chaise direto para seus braços.
A boca de Febo a devorou. Enlevada, ela deslizou uma das mãos pelo ombro largo, sentindo seus músculos tremerem com a força do desejo. Com a mão livre, puxou a própria camisa sobre a cabeça e abriu o zíper das calças, que deslizaram com fluidez por seu corpo abaixo. Febo encontrou o gancho do sutiã e lutou para abri-lo.
— Eu não consigo... Eu preciso... — rosnou, frustrado. — Tenho que sentir você contra mim! — Rasgou a faixa de renda em suas costas, e os seios de Pamela se libertaram, roçando o peito largo enquanto ela abria um caminho de beijos quentes pela lateral de seu pescoço.
Apolo deixou escapar uma imprecação na tentativa de controlar a própria luxúria.
— Aqui também... — Pamela segurou a mão com que ele apertava seu seio e a guiou para a calcinha. Mordeu o lábio inferior de Febo, puxando-o para dentro da boca e sugando-o, sedutora. — Quero que a tire também!...
Todos os pensamentos de Apolo desapareceram. Com um grunhido, ele a obedeceu. Em seguida, suas mãos se espalmaram ao redor da cintura delgada e, com a força de um deus, ele a levantou e empalou em seu membro.
Pamela se encontrava pronta para ele. Envolveu-o com as pernas em torno da cintura e cravou as unhas em seus ombros. Pendendo a cabeça para trás, arqueou-se, consumida pela esmagadora necessidade de se saciar com seu toque... com seu fogo.
Febo era o fogo. Sob as mãos dela, seu corpo literalmente brilhava.
Seus sentidos atestavam aquilo, contudo Pamela não conseguia atinar com o pensamento. Era como se a luz que brotava da pele úmida de suor fosse parte de sua excitação: ela a seduzia, brincava com ela, instigava sua própria paixão. O cabelo de Febo pendia, cacheado, em volta de seu rosto: espesso, dourado, glorioso. E seus olhos... seus olhos a incendiavam.
E ela queria ser incendiada por eles. Queria ser varrida pelas chamas de sua luxúria. Sentia-se gloriosa, maravilhosamente sem controle.
— Mais forte!... — ofegou na boca de Febo, mal reconhecendo a própria voz. Ele arremeteu, e ela sentiu a fria suavidade de uma das colunas de mármore contra as costas nuas. Usou a rigidez da pilastra para se firmar, de modo a ir de encontro às estocadas com sua própria paixão. — Não pare... Ainda não... Não pare! — arquejou, sentindo-se dobrar sobre a borda de um abismo.
Seu orgasmo foi algo que ela jamais experimentara. Envolveu-a, ondeando por seu corpo com uma intensidade que beirava a dor.
De repente já não estava mais sendo pressionada contra a coluna. Com o corpo ainda dentro do dela, Febo a carregou dali. Passaram por uma porta em arco que dava em um cômodo adjacente à sala de jantar. No centro do espaço, havia uma enorme cama de dossel.
Pamela se deu conta de que tinham entrado em um quarto, e aquilo não fez qualquer sentido.
Mas sua mente e corpo estavam tão repletos de Febo que nada parecia real, exceto seu gosto, sua pele e seu cheiro.
— O que está acontecendo? — murmurou enquanto ele a deitava na cama, sob ele.
— Estou amando você. Para sempre, Pamela... Isso é o que é ser amada por mim.
Apolo começou a se mover contra ela na antiga dança do amor, recuando o membro rijo de seu corpo para depois mergulhá-lo nela outra vez.
Pamela passou as mãos pelo peito liso conforme este se avultava sobre ela. A pele de Febo tinha um brilho dourado!
Perplexa, e ainda ultrassensível, olhou para baixo, onde seus corpos se uniam. Eles estavam ambos brilhando, em chamas... Chamas varriam sua pele, conduzindo-os, engolindo-os!...
— Olhe para mim, Pamela!
A voz de Febo soou rouca, e ela fixou os olhos nos dele.
— Enxergue-me — ele pediu. — Desta vez, veja quem sou de verdade.
Conforme eles se uniam, ela obedeceu. Febo era o poder, a beleza e o amor, tudo se fundindo em um único ser. Como ela pudera acreditar que ele era um homem comum?
Sua mente se esforçou para compreender a verdade fugidia do que estava vendo conforme seus corpos se inflamavam naquela luz ofuscante e sobrenatural. O que ele era? O que estava acontecendo com ela?!
Apolo viu o pânico cintilar em seus olhos e a segurou pelo rosto, obrigando seu olhar a permanecer preso ao dele. Com um enorme esforço, controlou o próprio corpo.
— Olhe mais fundo — pediu baixinho. — Olhe além da estranheza que você teme... Não pode ver o seu reflexo na minha alma?
O azul de seus olhos a manteve ainda mais cativa do que seus corpos unidos. Pamela estremeceu com a intensidade das emoções que a sacudiam.
E ali, sob o poder que irradiava dele, encontrou a essência do homem que ela conhecia. Nesta, viu o reflexo de seu próprio desejo, de sua necessidade e de seu vazio, e de repente soube que, ao preencher Febo, ela também se completava.
— O que você é? — indagou num sussurro.
— Sua alma gêmea.
A voz dele tremeu e, apesar do impressionante poder que irradiava de Febo, Pamela pensou, de repente, que ele parecia muito jovem e vulnerável.
— Sim — murmurou, sentindo o fogo começar a reacender em seu âmago. — É minha alma gêmea.
Ela o puxou mais para si e, com um doloroso gemido, Febo mergulhou nela, incapaz de se conter por mais tempo.
Quando o mundo começou a explodir, Pamela afundou o rosto no ombro largo e se agarrou a ele.
No Salão Nobre, Ártemis, se levantou de repente e respirou fundo. Estava acabado! O vínculo com a mortal fora embora. Pelo visto, sua magia tinha feito a balança pender em favor de seu irmão.
Já não era sem tempo.
Espreguiçou-se, langorosa, apreciando a ausência do irritante incômodo que fora o desejo de amor de Pamela, então se recostou em sua bem estofada chaise longue . Gostaria de ir para a floresta — uma corrida ao luar seria revigorante —, mas não podia. Apolo ainda precisava dela para garantir que nenhuma ninfa o vislumbrasse devolvendo a mortal para seu próprio mundo.
Mas isso era de pouca importância. Seu relacionamento com a mortal estava quase concluído. Agora que Apolo havia ganhado o coração de Pamela, previu Ártemis, ele logo iria se cansar da moça. Logo tudo voltaria ao normal, e sua aventura no Reino de Las Vegas não seria nada mais do que uma quase divertida lembrança.
Ártemis ignorou a ponta de dúvida que surgiu em sua mente conforme ela se lembrou da fervorosa declaração de amor do irmão. A alma gêmea de Apolo era uma mortal?... Impossível.
Escondido nas sombras, Baco sorriu e esperou.
Capítulo 20
Alguma coisa estava errada. Apolo soube disso da mesma forma que conhecia as muitas linguagens do homem ou as vozes de instrumentos musicais: naturalmente, no nível mais elementar de seu ser.
O corpo quente em seus braços se agitou e, no mesmo momento, ele o abraçou com mais força.
Pamela...
Abriu os olhos. O que tinha acontecido na noite anterior? Eles estavam nus em sua cama.
Pense!, ordenou a seu cérebro entorpecido. Lembre-se!
E os acontecimentos da noite lhe assomaram à memória.
Apolo abafou um gemido. Ele perdera todo o controle. Como? Por que não fora capaz de...
Soube a resposta antes de completar o pensamento. O banquete fora impregnado com o poder inebriante de uma deusa. E ele sabia qual delas: Ártemis!
— Apolo!
Como se seus pensamentos a houvessem invocado, o sussurro impaciente da deidade chiou no quarto.
Ele virou a cabeça e a fulminou com o olhar.
— O que está fazendo? — cochichou Ártemis. — Sabe que o amanhecer está próximo. Quer que a mortal fique presa aqui?
Chocado, ele sentou-se. Era isso o que estava errado. Como sempre, o Deus da Luz sentira a vinda da carruagem em chamas que introduzia a aurora no firmamento. Por instinto, ele soubera que já passara da hora de Pamela ser devolvida a seu mundo.
Na noite anterior, ele se revelara em demasia. Como a mente mortal de Pamela poderia compreender o que decorrera do amor sem amarras que haviam feito, assim como aceitar que ela se encontrava presa no Monte Olimpo?...
Lembrou-se do medo que tremeluzira em seus olhos quando ele tinha se revelado. Pamela não seria capaz de apreender tudo aquilo; não de verdade. E, se fosse, ele podia imaginar como isso mudaria seus sentimentos por ele.
Não. Ainda era cedo. Ele precisava tirá-la do Olimpo. No momento em que o portal fosse reaberto, teria uma explicação para aquela noite incomum. Passaria mais tempo com ela e a faria solidificar seus sentimentos por ele; sentimentos que Pamela só admitira sob a influência da magia de Ártemis.
Apolo tornou a fazer uma carranca para a irmã.
— Vá! — sussurrou para ela. — Certifique-se de que o Salão Nobre esteja vazio. Vou com Pamela em seguida.
— Depressa! — aconselhou a deusa enquanto seu corpo se esvaecia.
— Febo? — A voz de Pamela soou grogue. Ela piscou, sonolenta, e esfregou os olhos. — Onde...
Ele apertou os lábios e, relutante, passou a mão sobre o rosto delicado, obliterando seus pensamentos e lhe entorpecendo os sentidos.
— Precisa se vestir. Temos que ir embora — falou, conduzindo-a com delicadeza pela mão até o cômodo ao lado, onde encontrou suas roupas jogadas.
Hipnotizada, Pamela obedeceu.
Apolo odiou a si mesmo enquanto vestia as próprias calças e a observava fazer o mesmo mecanicamente. Suas roupas de baixo, assim como a camisa dele, estavam arruinadas.
A lembrança da paixão que o inundara ao rasgar as peças de seus corpos o fez estremecer, e suas entranhas se agitaram. Como poderia sobreviver sem o toque de Pamela por cinco dias?
Sua determinação vacilou. Ele contava com uma escolha. Poderia enfeitiçá-la e mantê-la consigo até que o portal se abrisse de novo.
Tocou seu rosto e, mesmo com os pensamentos embotados pela magia, Pamela oscilou em sua direção.
Seria apenas uma semana...
Não!, Apolo repreendeu a si mesmo. Ela ficaria enojada se ele fizesse tal coisa. Como não poderia?
Ele odiou a si mesmo só de pensar.
— Venha, minha doce Pamela. Vou levá-la pra casa.
Passou os braços ao seu redor, e eles desapareceram, rematerializando-se quase que no mesmo instante ao lado do portal, no Salão Nobre.
Ártemis estava lá, com os braços cruzados, batendo o pé, impaciente. Observou o peito nu do irmão, a expressão zumbi de Pamela, e balançou a cabeça. Quanto mais cedo eles se livrassem do Mundo Moderno dos mortais, melhor!
— Ande logo, o sol está nascendo! — ralhou.
— Eu sei! — devolveu Apolo com raiva. — Principalmente agora que meus sentidos não estão mais entorpecidos pela magia de uma deusa...
Ártemis teve a decência de parecer sem-graça.
— Vou levá-la e voltar em seguida — avisou o Deus da Luz.
Ela suspirou, porém não discutiu.
Apolo colocou o braço em torno de Pamela e atravessou com ela o portal. Adentraram Vegas, e ele abriu a porta para o pequeno armá rio. No corredor deserto, ajeitou suas roupas, então tocou seu rosto delicadamente.
Sentia-se como um meliante. Havia roubado seu amor, e agora iria bater em retirada antes que a luz do dia revelasse seu crime. Não tinha escolha, mas, mesmo assim, odiou a si mesmo por permitir que as coisas tivessem acontecido daquela maneira.
— Eu te amo, minha doce Pamela. Lembre-se disso. E lembre-se de confiar em mim. Eu voltarei para você... Mas, desta vez, farei isso do modo certo. — Inclinou-se para ela e ordenou em pensamento: Desperte com o meu beijo.
Beijou-a com paixão e, enquanto Pamela piscava e sua expressão aturdida começava a se iluminar, voltou para o armário, fechou a porta e retornou ao Olimpo.
Pamela esfregou os olhos. Urgh... Estava tonta e um pouco enjoada. O quanto bebera no jantar?
Olhou ao redor. Onde, diabos, ela se encontrava?
Seu cérebro atordoado registrou a porta pequena e simples, e o corredor vazio. Onde estava Febo?
Passou a mão pelo cabelo, e o movimento de levantar o braço fez balançar seus seios.
Seus peitos estavam balançando?... Aonde fora parar seu sutiã?!
Sentiu um arrepio de pânico descer pela espinha.
Pense! Do que ela se lembrava?
Febo a encontrara no café. Eles haviam ido jantar em um restaurante maravilhoso, exclusivo...
A lembrança da refeição em si estava embaçada, contudo. Estranhas imagens de peles quentes e escorregadias, e do gosto salgado da paixão, a atormentavam. Tinha uma vaga lembrança de roupas sendo rasgadas e, depois, de Febo levando-a para um quarto onde ela pudera se vestir... com apenas algumas de suas roupas!
Pamela sentiu o pânico invadi-la e a dor na cabeça aumentar. Respire , ordenou a si mesma. Estava bem; apenas bebera demais.
Mas onde, diabos, estava Febo?!
Sua felicidade ao comprar aquela bolsa maravilhosa de sapatinho de rubi era sua última lembrança mais nítida.
— Maldição dos infernos !... Minha bolsa!
Olhou para a porta branca. O que acontecera naquele jantar? Não conseguia concatenar as ideias, mesmo sabendo que alguma coisa havia acontecido. Por algum motivo, a memória fugia do seu alcance. Febo a drogara? Mas por que ele o faria?!
Na tentativa de manter o medo sob controle, Pamela apelou para o bom-senso. Deixara sua bolsa nova de sapatinho de rubi, de 4 mil dólares, no restaurante. E, com ou sem Febo, iria voltar lá para pegá-la.
Abriu a porta e entrou. Aquilo era um closet ?...
No meio do armário, deparou com uma passagem em forma de disco que cintilava e brilhava.
Alguma coisa se agitou em sua memória. Ela atravessara aquele círculo com Febo! Era a entrada para o restaurante.
Pamela endireitou os ombros e cruzou a bizarra entrada. Experimentou uma sensação engraçada, como penas lhe roçando a pele, e a luz mudou, da lâmpada amarela e fraca do closet para uma luminescência rosada.
Entretanto, ela não adentrou o fabuloso restaurante de que se lembrava. Em vez disso, viu-se no meio de um magnífico salão de baile.
O lugar era imenso e de uma beleza indescritível. O enorme espaço se encontrava vazio, exceto pela presença de duas pessoas que gritavam uma com a outra.
Conforme ela surgiu na entrada, estas se viraram em sua direção. Febo, sem camisa, olhou para ela em choque. Sua irmã pareceu furiosa a princípio, em seguida sua expressão mudou e...
Uma dor lancinante cortou Pamela dos pés à cabeça. Ela abriu a boca para gritar, mas, conforme a dor ondulou por seu corpo, o grito ecoou em sua cabeça. Era como se ela não tivesse mais boca para lhe dar voz. Desamparada, estendeu a mão para Febo conforme se sentia dobrar e se transformar em algo não humano.
No mesmo instante, a dor dissipou a bruma em sua cabeça, e as lembranças a assaltaram de uma só vez. Febo... Sua pele brilhando com uma paixão sobrenatural enquanto ele a tomava nos braços e a fazia sua... Ele não era humano. Nenhum homem comum podia ser feito de fogo.
O que ele havia feito com ela? O que estava fazendo com ela agora?!
Lembrou-se de seu fogo varrendo-a inteira, acariciando-a e...
Outro grito rasgou sua mente.
Apolo estava de costas para o portal, repreendendo a irmã por sua indesejada interferência, quando sentiu sua alma gêmea adentrando o Olimpo, e seu fogo de barragem foi interrompido. No momento em que os pés mortais de Pamela ultrapassaram o portal, o restante de seu corpo começou a se transformar.
Impotente, Apolo assistiu a Pamela diminuir de tamanho, se liquefazer, depois se transmutar em um belo jasmim perfumado.
— Leve-a de volta antes que o sol nasça! — sua irmã gritou. — Quando o portal se fechar, o feitiço vai desaparecer!
E, então, ela seria Pamela mais uma vez.
As palavras tiveram o efeito de uma cotovelada em Apolo. Ele saltou para a frente, sentindo Ártemis logo atrás dele.
Agarrou a flor de jasmim delicada e a puxou de onde esta já começava a fincar raízes, no chão de mármore. Sussurrando um alquebrado pedido de desculpas, pulou através do portal com o corpo transformado de Pamela nas mãos.
Ártemis hesitou em frente ao portal, lançando um olhar rápido sobre o ombro na direção das janelas que iam do chão ao teto, e que mostravam o amanhecer iluminando o céu, o qual, por sua vez, já se tingia de vermelho.
— Não, seu tolo! — gritou dentro do disco que girava. — Não era para ir junto com ela! — A deusa se inclinou para a frente, tentando enxergar através da fulgurante passagem.
Das sombras, Baco se aproximou rápida e silenciosamente e, com um único movimento, bateu o ombro no centro das costas da Deusa da Caça. Ártemis gritou e caiu no disco apenas alguns segundos antes de o portal se apagar, desaparecendo por completo conforme o amanhecer se espalhava pelo Monte Olimpo.
A risada de Baco ressoou, então, com malévolo triunfo.
Capítulo 21
Pamela estava de quatro. Sua respiração saía em espasmos, e seus dentes batiam em uníssono com o tremor que lhe sacudia o corpo.
Seu corpo!
Apalpou braços e rosto freneticamente. Ela havia se transformado em alguma coisa!... Algo verde, que crescia e que, sem sombra de dúvida, não era natural.
Mas agora voltara ao normal de novo. Voltara a ser humana.
— Está tudo bem, meu doce — falou Apolo, estendendo-lhe a mão.
Pamela se encolheu para longe de seu toque.
— Você! — exclamou, mas, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a irmã de Febo caiu de cabeça no pequeno cômodo, pouco antes de o disco perolado e colorido que girava desaparecer.
Ártemis soltou uma praga ininteligível conforme se levantava do solo, e o irmão a fitou, pasmado.
— Vou fazer Baco se arrepender de ter sido salvo por Zeus quando aquela mãe humana dele... — A deusa interrompeu o discurso ao se dar conta de que o portal se fechara. — Não!... — sussurrou, lívida. — Não podemos ficar presos aqui!
— Que diabo é você?! — As palavras explodiram de Pamela.
Apolo e Ártemis se viraram para a pequena mortal ainda agachada no chão. Ela foi recuando, até se ver pressionada contra a porta fechada. Tinha os olhos arregalados e escuros em contraste com a brancura de seu rosto.
— Pamela... — Apolo falou em um tom suave, estendendo-lhe a mão outra vez. — Sabe quem eu sou.
— Não! — ela gritou de volta, se esquivando de seu toque. — Eu não perguntei quem você é. Perguntei o que você é!
— Vai ter de fazê-la esquecer — declarou Ártemis, ignorando Pamela. — Ela já viu muito. Olhe para ela: Pamela se lembra! — A deusa levantou a mão esguia. — Está bem, eu mesma faço isso. Sei o quanto ficou apegado a ela... Durma e esqueça! — Sacudiu os dedos na direção de Pamela, que recuou instintivamente.
— Pare! — gritou Apolo. — Não quero que mexa com ela.
— Que diabo está acontecendo?! — As pernas de Pamela funcionaram bem o bastante para que ela se levantasse; contudo ela permaneceu de costas para a porta, pressionando as mãos contra a madeira maciça na tentativa de atenuar o tremor que a sacudia.
— Por que ela não dormiu? — Ártemis indagou ao irmão. Então balançou a mão e olhou os dedos.
— O portal está fechado — lembrou Apolo.
A deusa fez uma careta de desdém.
— Estou vendo!
Apolo apenas a encarou, e Ártemis arregalou os olhos.
— Quer dizer que quando o portal se fecha... — Suas palavras foram morrendo.
— Quando o portal se fecha, ele corta os nossos poderes — seu irmão terminou por ela.
Ártemis levou a mão à boca, soltando uma exclamação abafada.
— Está bem, é isso aí... Estou indo embora. — Pamela empurrou a porta do armário e saiu, sentindo como se as pernas fossem de borracha.
— Olhe o que você fez! — Apolo rosnou para a irmã antes de correr atrás de Pamela.
— O que eu fiz? — Ártemis bufou, indignada, mas, relutante, o seguiu. Não queria fazer aquilo. Queria que o portal reabrisse. Queria voltar para o Olimpo e tomar um longo banho de imersão em sua fonte de água mineral. Queria que seus poderes imortais retornassem e...
Suspirou, saindo para o corredor.
Apolo tinha segurado Pamela pelo cotovelo a poucos metros da porta do armário e tentava se justificar, enquanto a mortal fazia força para puxar o braço.
Ártemis balançou a cabeça. Como haviam decaído os poderosos!...
Marchou até os dois.
— Fique quieta, mortal! — ralhou com desgosto. — É mesmo muito simples. — Apontou para o irmão. — O nome verdadeiro dele é Febo Apolo, Deus da Música, da Luz e da Cura. Meu nome é Diana, mas apenas se for de descendência romana. Do contrário, prefiro ser chamada de Ártemis, a Deusa da Caça. Também tenho uma afinidade com a Lua, assim como meu irmão está aliado ao Sol... mas decerto não desejo lhe passar tantas informações a ponto de atordoá-la — terminou com sarcasmo.
— Vocês são deuses?... — Pamela rezou fervorosamente para acordar logo.
— Sim. Imortais. Ou ao menos éramos antes que o portal nos aprisionasse neste mundo miserável. Agora suspeito de que somos apenas atraentes mortais — ela falou, seca.
— Apolo e Ártemis... — Pamela olhou os gêmeos.
— Eu disse que era simples.
— Você é maluca ! — ela exclamou.
— Eu não queria que descobrisse desta forma — interveio Apolo —, mas Ártemis está dizendo a verdade. — Ele franziu a testa para a irmã. — Ainda que esteja fazendo um péssimo trabalho.
— O quê? — exigiu a deusa. — Se queria música suave e perfume de flores, sinto muito, mas não serei capaz de atender seu desejo. Pelo menos enquanto o portal não reabrir.
— Não está ajudando — Apolo falou à irmã.
— Mas não existem deuses! Isso não passa de mitologia! — interveio Pamela.
— Pensei que havia dito que ela era inteligente — Ártemis zombou.
Pamela estudou a bela jovem, tão parecida com seu amante, e sentiu a entorpecedora onda de horror que a vinha assolando degelar.
E, conforme esse degelo acontecia, começou a ficar irada.
— Não precisa ser tão rude! — acusou.
— Rude? — Ártemis estreitou os olhos. — Está me chamando de rude quando você é quem nega a minha existência? E isso porque está bem no meio de uma estrutura que foi construída justamente porque povos antigos honravam a mim e aos outros onze deuses tão bem que tenho sido lembrada por milhares de anos... Isso soa inteligente?
— Nem inteligente nem pouco inteligente. Soa apenas absurdo... Isto tudo é absurdo. Não pode ser verdade!
Apolo a segurou pelo outro cotovelo e a fez encará-lo, tentando ignorar o modo como Pamela continuava a se afastar dele.
— Sabe que é verdade, Pamela — falou numa voz calma e tranquila. — Teve uma experiência. Tudo o que tem de fazer agora é aceitar.
Pamela olhou para ele. Olhou para ele de verdade . Febo continuava o mesmo homem alto e estonteante da noite anterior; no entanto, não era o mesmo homem.
Alguma coisa estava faltando nele. Febo continuava extraordinariamente bonito, mas o azul espetacular de seus olhos parecia ter assumido um tom mais... — ela engoliu em seco — ... um tom mais humano.
E havia outra coisa: Febo contava com menos presença agora. Essa era a única maneira que poderia descrever o que sentia. Ele parecia o mesmo, mas não era.
Os detalhes não tinham mudado. Seus ombros não pareciam menos amplos; seu peito, não menos musculoso... o que podia constatar com facilidade, uma vez que ele estava sem camisa.
No entanto, Febo mudara, se transformara... em menos.
E Ártemis estava com a razão; ela se lembrava. De pequenas coisas, como do fato de ele poder ficar ao sol do deserto durante toda a tarde e nem mesmo suar. E de grandes coisas, como ele ter ficado em chamas na noite anterior, enquanto faziam amor.
Somado a tudo isso havia ainda o inegável fato de que ela atravessara um portal reluzente e se transformara em algo que, definitivamente, não era humano.
Não podia ser. Não era possível... Mas, no fundo, ela sabia que eles estavam dizendo a verdade. Aqueles dois eram mesmo deuses.
— O que era aquela coisa no armário? — indagou em um sussurro.
— Um portal que Zeus abriu, do Olimpo para o Reino de Las Vegas — explicou Apolo.
— Por quê?
Ele deu de ombros e tentou sorrir.
— Quem entende as vontades do Supremo Governante do Olimpo?
— Se eu me lembro bem, ele disse algo sobre desejar que nós observássemos e nos divertíssemos com seu mundo — falou Ártemis.
Pamela desviou o olhar para a deusa.
— Quer dizer, num tipo de experiência? Como num daqueles episódios patéticos de Jornada nas Estrelas ?
— Sabe o que ela quer dizer? — Ártemis perguntou ao irmão.
— Não, mas sei que, mais uma vez, não está ajudando em nada — ele falou por entre os dentes.
Pamela o fitou, atordoada.
— O que aconteceu comigo quando atravessei aquele portal? Algo terrível aconteceu com o meu corpo... O que fez comigo?
— Não! Não fui eu. Não pode acreditar que eu faria qualquer coisa para feri-la.
Pamela virou o rosto.
— Já me feriu.
— Foi aquele cretino do Baco! Ele deve ter lançado algum feitiço sobre o portal. —Ártemis fez uma pausa enquanto pensava sobre o que tinha acontecido com Pamela.
— Estava se transformando em uma flor.
— Em um jasmim, como seu próprio nome sugere — completou Apolo. — A mais doce de todas as flores.
Ártemis bufou.
— Muito romântico. Isso mostra que Baco enfeitiçou o portal de modo que, se Pamela o atravessasse sem você, ela reverteria para sua forma mais básica: a de seu próprio nome.
Pamela sentiu o coração entorpecido.
— É como nas lendas!... Vocês usam os seres humanos e, quando os descartam, transformam-nos em algo não humano!
— Eu não diria que está sendo muito precisa. — Ártemis pareceu ofendida.
Apolo deu as costas para a irmã.
— Deixe-me explicar — disse a Pamela. — Não é nada disso em se tratando de nós dois.
— Não!... Estou farta de ser usada como uma cobaia. — Ela lançou um olhar de desgosto a Ártemis. — Não quero que explique mais nada. Só quero que vão embora para o lugar de onde vieram e me deixem em paz!
— Nós adoraríamos, mas parece que estamos presos aqui até o seu próximo fim de semana — anunciou Ártemis.
Apolo balançou a cabeça.
— Ela adoraria. O que eu mais quero é ficar com você e lhe explicar tudo.
— Não estou interessada. — Pamela recomeçou, tentando se livrar dos braços fortes de Apolo, porém uma voz os interrompeu.
— Algum problema aqui? — Um segurança de uniforme azul parou na entrada do corredor. Era baixinho e gordinho, mas possuía um distintivo, uma arma e a expressão de quem levava seu trabalho muito a sério.
— Ah, vá embora! — reclamou Ártemis, sacudindo os dedos em sua direção. Em seguida parou, e sua expressão de desdém se desfez quando ela se lembrou de que estava sem seus poderes.
— O que disse?... — O guarda inquiriu, estreitando os olhos para a linda mulher vestida com uma túnica curta.
Apolo deixou cair os braços e se pôs diante de Pamela e da irmã.
Pamela observou o modo como seu semblante se fechou e percebeu que, com ou sem poderes imortais, ele tinha potencial para ser um homem muito perigoso.
— Não há problema algum, senhor — interveio rapidamente, pondo-se ao lado do deus. — É que meu... — Fez uma pausa, olhou para o peito nu de Apolo e descartou palavras banais como “namorado” e “paquera”, as quais, estava certa, iria fazê-la soar como uma candidata ao Jerry Springer Show , um daqueles programas que tratam de casos de família. — ... meu noivo e eu tivemos uma briguinha e, bem... — Ela encolheu os ombros e sorriu, tímida.
O homem não estava olhando para ela ou para o jovem seminu a seu lado, no entanto. Estava olhando para Ártemis.
— Espere um pouco — disse, os olhos pequenos brilhando. — Não é uma das estrelas do Zumanity ?
Pamela prendeu a respiração enquanto Ártemis erguia uma sobrancelha fina.
— Eu sou a estrela de Zumanity — confirmou a deusa, arrogante.
— Esta é Diana, irmã de meu noivo — elaborou Pamela. Não olhou para Apolo, porém podia sentir a tensão em seu corpo conforme ele aguardava em silêncio a seu lado.
— Que coincidência! Assisti a esse show pela primeira vez há poucos dias. — O segurança balançou o corpo para trás e para a frente, o suor banhando o lábio superior. — Foi incrível. Você foi incrível...
— Suponho que seja gratificante saber que proporcionei prazer às massas — respondeu Ártemis.
Pamela a segurou pelo cotovelo, puxou Apolo pela mão e começou a passar com ambos pelo guarda.
— Bem, precisamos voltar para os nossos quartos. Não entendo como tomamos o rumo errado e viemos parar aqui...
— Da próxima vez, vista-se adequadamente antes de deixar seus aposentos! — O oficial repreendeu Apolo enquanto Pamela o arrastava às pressas. Então tirou o chapéu para Ártemis. — Muito prazer em conhecê-la, Diana. Mal posso esperar para ver seu show de novo.
Pamela pôde sentir o rosnado que brotou de dentro do corpo de Apolo.
Nenhum deles falou mais, porém, até dobrarem a esquina e se verem caminhando pelo saguão do cassino.
Pamela soltou o braço de Ártemis. Tentou largar a mão de Apolo, contudo ele apertou a dela ainda mais.
Pamela franziu o cenho.
— Deixe-me ir! — Baixou a voz de maneira que as pessoas próximas não a ouvissem.
— Não pretendo deixá-la ir nunca — Apolo replicou.
Ártemis suspirou, dramática.
— Fique fora disso! — o deus ordenou à irmã. — Não entende o que é estar apaixonado.
— Apaixonado! Ora, por favor... Sei que sou apenas uma mera mortal, mas não sou nenhuma idiota. Não importa o que sua irmã pensa. — Pamela fulminou Ártemis com o olhar, e esta curvou os lábios em um sorriso cínico.
Pamela encontrou o olhar de Apolo novamente. Seus olhos já não estavam mais vidrados, em choque. Em vez disso, faiscavam com indignação.
— Como pode dizer que está apaixonado por mim? Fingiu ser alguém que não é! Você me usou como uma verdadeira cobaia! E ainda suspeito de que tenha me lançado algum tipo de feitiço!
Várias pessoas se viraram e olharam, curiosas, em sua direção.
— Deixe-me explicar — recomeçou Apolo.
Pamela começou a sacudir a cabeça, porém o deus a tocou na lateral do rosto, e ela sentiu-se congelar.
— Por favor — ele sussurrou, odiando perceber que, quando ele a tocava, o medo sobrepujava a raiva em seus olhos. — Precisa me deixar explicar. Eu já disse que não vou deixá-la ir. Quando faço um juramento não o quebro jamais. — Apolo deixou seu rosto e tocou de leve a medalha que ela ainda usava no pescoço. — Prometi que lhe daria a minha proteção. Não precisa ter medo de mim.
— Com licença, senhor... — Um funcionário do cassino se aproximou deles. — Desculpe, mas preciso pedir que vista sua camisa.
— Já estamos a caminho do nosso quarto — respondeu Pamela, puxando Apolo em direção aos elevadores do hotel.
— Não sei por que tanta celeuma por conta de um pouco de carne exposta! — resmungou Ártemis, seguindo o irmão.
— Quero isso tudo muito bem explicado — alertou Pamela, tão logo eles adentraram o elevador.
— Assim será — assegurou Apolo, ainda segurando a mão dela.
— Isso vai ser muito aborrecido — rezingou Ártemis.
— Continua não ajudando! — Apolo e Pamela reclamaram em uníssono.
Capítulo 22
— Está me dizendo que tudo não passou de um feitiço mal direcionado? — indagou Pamela, sentada em uma das cadeiras da sala de estar de sua suíte.
Ártemis descansava deitada no sofá e Apolo, que não conseguia ficar quieto, andava de um lado para o outro diante da janela.
— Tecnicamente, não é um feitiço. É um ritual de invocação. Muito antigo e muito poderoso — falou a deusa. — Como explicou Apolo, não devia ter sido possível, até por necessitar reunir muitos elementos... o que acabou acontecendo.
— Tivemos um dedo de Baco nessa história, sem dúvida. Ele deve ter manipulado as coisas — Apolo terminou pela irmã.
— Manipulação. Excelente maneira de descrever tudo isso. — A expressão de Pamela dizia claramente que ela não estava se referindo à invocação.
— Não! Não foi assim. Nossos sentimentos não foram manipulados, apenas os acontecimentos que nos aproximaram.
— Mentiu para mim — acusou Pamela.
— Não. Sou mesmo uma espécie de médico e músico.
— Na verdade, ele é o curandeiro e o músico do Mundo Antigo — Ártemis interrompeu a conversa.
Pamela soltou uma exclamação.
— Meu tornozelo! Fez alguma coisa para curá-lo naquela noite da chuva!
— Estava quebrado. Eu apenas o fiz sarar.
Pamela fitou Apolo como se nele houvessem brotado chifres e um rabo.
— E quanto ao prêmio no caça-níqueis? — perguntou, tensa.
— Sua vontade de ter a bolsa era comovente... Agradou-me lhe conceder esse desejo.
O sorriso do deus foi como o de um menino apanhado com a mão em um pote de biscoitos, concluiu Pamela, e quis sorrir de volta para Febo. Ele parecia tão... normal.
Então se lembrou de como havia sido sentir a própria carne derretendo para se transformar em algo não humano.
Sua determinação voltou, e sua pergunta seguinte apagou o sorriso travesso do rosto do deus.
— E quanto ao sexo? Que tipo de magia usou para me levar para a cama?
— Nenhuma — ele respondeu de pronto. — Eu não a cortejei como o deus Apolo. Eu a cortejei e fiz amor com você como Febo, um mortal como qualquer outro.
Foi a vez de Pamela bufar.
— Por favor! Eu estava lá... Foi muito diferente com você. Não costumo ir para a cama com um caso de fim de semana, mas deve ter feito algo comigo.
Apolo parou de andar e foi até onde ela estava.
— Não usei nenhum poder imortal para seduzi-la, e o que tivemos não foi uma aventura de fim de semana.
Pamela sentiu a boca seca e o estômago se apertar com sua proximidade.
— Está fazendo de novo — sussurrou, contrariada. — Pare com isso.
O sorriso cativante de Apolo voltou com força total.
— Impossível, doce Pamela. Como minha irmã já afirmou, quando o portal se fecha perdemos nossos poderes imortais. Até o anoitecer de sexta-feira, terei tanta energia para conquistá-la como qualquer outro mortal.
— Se quer ficar com raiva de alguém por tê-la enfeitiçado, fique com raiva de mim — declarou Ártemis, estudando as unhas. — Eu aspergi um pouco da minha magia em você na noite da minha apresentação. Também lancei meu feitiço de sedução no banquete de ontem à noite.
— Por que faria isso?! — Pamela indagou.
— Já lhe explicamos a respeito do ritual de invocação. Até que Apolo satisfizesse o seu desejo mais sincero, nós estaríamos vinculadas; e eu estava mais do que cansada disso. — A deusa afastou uma mecha dourada do rosto. — Precisava de um estímulo para admitir a si mesma que Apolo era o seu desejo mais profundo, então... Agradeça às nove Musas por ter funcionado.
— Não é uma pessoa muito agradável, é? — Pamela indagou à deusa.
— Agradável? — Ártemis não pareceu nem um pouco ofendida com a pergunta. — Por que eu precisaria ser agradável?
O telefone tocou.
Balançando a cabeça para Ártemis, Pamela atendeu.
— Pamela? Aqui é o assistente do sr. Faust, James — falou uma voz masculina.
— Ah, sim. Olá, James. — Ela sentiu o estômago afundar. Era manhã de segunda-feira! Já devia ter começado a trabalhar, mas havia se esquecido completamente de E. D. Faust e do trabalho que ela precisava concluir.
— Eu só queria lembrá-la de que Robert estará aí para apanhá-la com o carro, na entrada do Caesars Palace, em exatos trinta minutos.
— ... Obrigada pelo telefonema, James. Estarei pronta.
— Ótimo! O sr. Faust está ansioso por que comece o trabalho em sua casa.
Pamela aquiesceu, dando uma resposta adequada. Desligou o telefone e olhou para Apolo e Ártemis que, por sua vez, a observavam.
— Preciso ir trabalhar.
— Claro. Para o autor. O da casa de banhos romana e da fonte — lembrou Apolo.
— Sim, ele está mandando um carro vir me buscar. — Pamela olhou-se no espelho e fez uma careta diante de sua terrível aparência. — Em exatos trinta minutos! Tenho que me aprontar. — Começou a correr em direção ao quarto.
— Excelente! — exclamou Ártemis. — Para onde vamos?
Pamela estacou.
— Nós não vamos a lugar nenhum.
— Não espera que eu permaneça aqui, neste casebre? É aborrecido demais.
— Bem, certamente não virá comigo! — ela imitou o tom afetado da deusa.
Ártemis estreitou os olhos.
— Não se esqueça de com quem está falando, mortal.
Pamela plantou as mãos nos quadris e ergueu o queixo.
— Escute aqui. Deusa ou não, vai ter que aprender a não agir como uma vadia. E pode me ameaçar quanto quiser. — Apontou para a medalha dourada que lhe pendia do pescoço. — Apolo jurou que estou sob sua proteção.
Ela ouviu a risada satisfeita do deus, mas se recusou a encará-lo.
— Fiquem aqui, peçam o serviço de quarto, assistam a um filme, aprendam a lidar com a internet, sei lá! Inferno... Quando eu voltar, pensarei no que fazer com vocês.
— Pamela?
A voz de Apolo a impediu de ir para o quarto, e ela se voltou para ele.
— Nós poderíamos ajudá-la.
— Ajudar-me no quê?
— Eu poderia ajudá-la a convencer Faust a construir o balneário. E quem sabe Ártemis possa persuadi-lo a usá-la como modelo para a estátua do centro da fonte? — o deus acrescentou, sorrindo.
Pamela lançou um olhar duvidoso na direção da deusa.
— Não se esqueça de que os homens vêm adorando a minha beleza há eras — Ártemis falou alegremente. — Eles ficam encantados comigo.
— Isso até pode ser verdade, mas apenas porque veem suas estátuas e pinturas, e não precisam se submeter à sua odiosa presença.
Ártemis abriu a boca para retrucar, contudo Apolo a impediu.
— Minha irmã pode dar seu juramento de que será educada.
— Eu, não!
— Faust é um bardo moderno, e quer que a estátua do centro de sua fonte seja uma homenagem a Baco. Pense nas histórias do Deus do Vinho que ele vai contar... — Apolo falou à irmã.
— Aquele sapo gordo não devia ser idolatrado no mundo moderno! — protestou Ártemis.
Ele encolheu os ombros.
— Você é quem sabe.
A deusa limpou a garganta e, relutante, encontrou o olhar de Pamela.
— Eu lhe dou o meu juramento de que serei educada. Hoje.
— Eu não sei...
— Por favor, Pamela — insistiu Apolo. — Deixe-me mostrar que não estou diferente hoje do que fui ontem. Apolo, o deus, e Febo, o mortal, são o mesmo homem.
Ela não deveria. Sabia que não deveria. Não queria ser amada por um deus. Gostava das coisas como eram antes de ele se tornar um imortal todo-poderoso. Queria seu Febo de volta.
— Está bem — concordou de súbito. — Mas temos que lhe comprar outra camisa no caminho. — Olhou para Ártemis. — Pelo menos está bem com esse traje. Podemos dizer que está vestida a caráter. — Pamela vacilou, então. — Fiquem aí. Preciso me apressar.
Fechou a porta do quarto e descansou a cabeça na madeira. Febo era Apolo!...
Sentiu as entranhas revolver conforme a realidade se instalava dentro dela. Ela era amante de Apolo, o deus grego!...
E ele existia havia eras. Templos foram construídos para homenageá-lo, faziam músicas para ele!... Aquelas mãos que tinham acariciado cada parte de seu corpo eram as mesmas mãos que levaram música ao Mundo Antigo.
E ele dizia que a amava!...
Pamela levou a mão trêmula à boca, dominada por uma súbita onda de choque, incredulidade e espanto. Era melhor dizer a Faust que não poderia aceitar o trabalho, pegar um avião e voar de volta para o Colorado. Deveria esquecer que aquele fim de semana havia acontecido. Era a coisa mais inteligente a fazer.
Mas sabia que não iria fazer a coisa certa. O Deus da Luz dissera estar apaixonado por ela.
— Na certa estou cometendo o erro mais ginorme da minha vida — falou baixinho.
Exatamente vinte e cinco minutos mais tarde, eles se encontravam do lado de fora das portas giratórias que davam para o Caesars Palace; Pamela sentindo o estômago apertado como se estivesse se preparando para saltar de bungee jump .
— Lembre-se, você é Febo Delos, especialista em arquitetura romana, e eu o chamei para me aconselhar nesse projeto. E você é a irmã dele, Diana, que...
— ... tem a beleza de uma deusa! — Ártemis a interrompeu, repetindo suas instruções. — Sim, sim, já decoramos nossas falas. Somos imortais, não imbecis.
— Eu ia dizer que precisa se lembrar de ser agradável — Pamela completou.
— Minhas palavras serão tão doces que eles poderiam fazer mel na minha boca, como as abelhas marrons da Grécia — elaborou Ártemis com um bater inocente dos longos cílios.
— Já está me deixando com dor de cabeça — resmungou Pamela. — Basta ser normal, está bem? É pedir muito?
— Ela vai manter seu juramento. Não precisa se preocupar, doce Pamela — garantiu Apolo.
— Não me chame assim. Supõe-se que seja meu funcionário! — ela o repreendeu, e em seguida odiou a mágoa que viu no rosto estonteante do deus.
Um deus!... Como, diabos, chegara àquela situação? Estava namorando Apolo!
Estava condenada, isso sim. Já havia estudado literatura. Mesmo não conseguindo se lembrar muito bem, sabia o que acontecia a mortais que chamavam a atenção dos deuses. Ainda mais a mortais do sexo feminino. Seu final nunca era feliz.
Além do mais, o que faria com ele a semana inteira? Nenhum dos irmãos tinha dinheiro. Descobrira isso quando Febo enfiara a mão no bolso para pagar pela camisa que comprara em uma loja e percebera que, de alguma forma (decerto quando ele arrancara as roupas atabalhoadamente, na noite anterior, pouco antes de prensá-la na coluna de mármore), ele perdera os 4 mil dólares que furtara do caça-níqueis.
Assim, Febo não contava com um centavo. Nem Ártemis.
E o portal não seria reaberto durante longos cinco dias.
— Bom dia, srta. Gray.
Pamela deu um pulo. Não tinha notado a limusine vintage e prateada que estacionara à sua frente.
— Ah, bom dia, Robert. — O homem lhe abriu a porta, e ela fez uma pausa. Pigarreou, então desenhou no rosto seu sorriso mais profissional. — Estas duas pessoas vão se juntar a nós, hoje. Eles são meus assistentes.
Robert analisou os dois gêmeos loiros por cima do nariz afilado e fungou de leve.
— Muito bem, senhora — falou, segurando a porta aberta e ajudando primeiro Pamela a entrar na limusine, em seguida, a mulher fantasiada.
Quando o homem alto hesitou, Robert lançou-lhe um olhar muito britânico (direto e polido, sem se preocupar em demasia).
— Algo errado, senhor?
Se Apolo ainda tivesse seus poderes, ele o teria usado para abrir o chão sob seus pés, de modo a ser engolido e sumir de vista. Do interior da besta de metal, Pamela e Ártemis o observaram com curiosidade.
Sua irmã, de repente, pareceu compreender.
— É muito bom aqui — disse a ele. — Não precisa ficar preocupado. — Deu um tapinha no assento ao lado.
— Não estou preocupado — Apolo afirmou, controlado. Respirou, então, e entrou na boca da coisa .
— Por favor, sirvam-se com a mimosa. A viagem até a propriedade do sr. Faust, em Red Rock Canyon, levará aproximadamente trinta minutos. — Robert fechou a porta.
Para Apolo, foi como se ele houvesse apenas tomado um gole de ar, e eles já avançavam, deslizando como um réptil ágil e rasteiro pela rua. Experimentou uma sensação terrível no estômago, e o sangue bombeou mais forte em seus ouvidos. Não conseguia parar de olhar para o mundo lá fora, conforme este passava zunindo, a um ritmo vertiginoso.
— Você está bem? Está pálido — comentou Pamela.
— Ela tem razão, está mesmo — concordou Ártemis. — Talvez ajude se beber alguma coisa. — Ela se aproximou do balde de gelo que continha uma garrafa de champanhe e um jarro de vidro fino com suco de laranja.
— Não! Não quero nada para beber — afirmou Apolo, com a mais estranha das sensações. Temia que, se tentasse beber alguma coisa, fosse devolver tudo em seguida.
— Acho que está com náuseas por causa do carro — concluiu Pamela. — Pode se sentir melhor se for lá na frente, com Robert. Minha amiga, Ve, fica muito enjoada se viaja no banco traseiro. Quer que eu peça para que Robert estacione, para que possa mudar de lugar?
— Eu sou um deus — ele falou por entre os dentes. — Não fico doente.
— Faça como quiser, mas, se vomitar no carro de Eddie, juro que, como sua empregadora, vou ficar muito aborrecida!...
Apolo fechou os olhos e tentou ignorar o fato de estarem cruzando a Terra dentro de um monstro de metal que poderia se espatifar contra alguma coisa e se desintegrar a qualquer momento.
— O que é uma “mimosa”? — indagou Ártemis.
— Champanhe e suco de laranja misturados. Uma delícia.
— Bem... — a deusa olhou para o rosto estranhamente pálido do irmão, então encolheu os ombros bem-feitos — ... vou experimentar uma taça. Você me acompanha, Pamela?
— Não, obrigada — ela agradeceu.
Ártemis serviu-se em uma das taças de champanhe.
— Viu como estou sendo educada?
— Milagre — Pamela murmurou.
— Aguarde... O melhor ainda está por vir — prometeu a deusa, bebendo um gole da mimosa e lançando-lhe um sorrisinho travesso.
Pamela decidiu que Apolo havia tido melhor ideia ali. Fechou os olhos assim como ele, e rezou para que a viagem, o dia... — inferno , a semana! — ... passassem logo.
Mas não antes de deslizar a mão para a dele e apertá-la.
Capítulo 23
A casa de veraneio de E. D. Faust fora construída para se parecer com uma charmosa villa toscana, e Pamela estava aliviada. Sim, ela vira as plantas e lera as anotações sobre a arquitetura que James lhe entregara, mas, depois do pedido bizarro de Eddie para que ela fizesse o interior da residência parecido com o Fórum, vira-se receosa quanto ao que esperar.
Claro que, conforme eles saíram da limusine e se aproximaram da impressionante porta dupla de ferro forjado, com vidros escandalosamente caros — feitos a mão, jateados e chanfrados —, ela se lembrou de ter pensado que o exterior do Fórum indicava que seu interior era decorado com modéstia e com um clássico bom gosto...
Engano seu.
Olhou para Ártemis, que parecia fresca e linda na manhã ensolarada. A deusa tinha as faces coradas, e uma longa mecha de cabelo loiro e brilhante escapara de seu elaborado penteado.
Ártemis alisou a saia da túnica curta, soltou um soluço e, então, riu baixinho.
Pamela a examinou com mais atenção. Merda!... Ela parecia embriagada! Por que, maldição dos infernos , não havia ficado de olho na deusa? Quantas mimosas a deidade engolira em trinta minutos — e com o estômago vazio! — enquanto ela, Pamela, segurava, distraída, a mão do pobre Apolo?
— Está bêbada? — cochichou, tensa.
Ártemis lançou-lhe um olhar severo.
— Imortais não ficam bêbados. Apenas os mortais se embriagam. Não seja boba... — A deusa balançou o dedo para ela.
Pamela revirou os olhos.
— Não é mais imortal, lembra-se? — Reprimiu uma súbita vontade de gritar. Em vez disso, olhou para Apolo em busca de ajuda, porém seu rosto estava com uma cor estranha, entre o branco e o verde. Observou-o limpar o suor da testa com as costas da mão, preocupada. — Você está bem?
Ele assentiu com um vigoroso gesto de cabeça.
— Melhor agora que estamos fora dessa... — Estremeceu e olhou na direção do automóvel que os trouxera.
— Limusine — completou Pamela. — É uma limusine. — Céus! , ela estava presa em um pesadelo sem fim! — Tudo bem. Vamos fazer o seguinte... Vocês dois, tentem não falar, a menos que alguém lhes faça uma pergunta direta. Mesmo assim, sou eu quem vai responder à maior parte. Agora vamos. Precisamos acabar logo com isto. — Ajustou a alça da bolsa larga e começou a subir a linda escada de mármore curva com determinação.
Os gêmeos a seguiram com menos propósito.
Pouco antes de tocar a campainha antiga, ela ouviu um som abafado às suas costas, e então a risadinha — completamente alterada — de Ártemis. Olhou por cima do ombro e viu Apolo segurando a irmã pelo cotovelo.
— Ela quase caiu — ele explicou baixinho.
— Impossível! — Ártemis falou com voz arrastada.
— Oh, Deus!... — Pamela murmurou.
As portas duplas se abriram, e o rosto sorridente de James os recebeu.
— Entre, Pamela, por favor. Eddie se encontra no pátio, esperando por você. — Seu sorriso mudou para educada curiosidade quando Apolo e Ártemis a seguiram para dentro do saguão.
— São meus assistentes... Eu os contratei. São especialistas, na verdade — Pamela acrescentou depressa.
— Tenho certeza de que Eddie ficará satisfeito com sua iniciativa. Ele esteve ansioso por esta reunião a semana inteira. Venham por aqui, por favor.
James os conduziu através do hall de entrada, um espaço gigantesco, a partir do qual duas escadas em curva, ladeadas por parapeitos de mármore antigos, levavam ao segundo andar da villa .
As balaustradas de mármore, contudo, eram o único detalhe acabado do recinto. Todo o restante estava nu. As paredes ainda se encontravam no reboco, e o piso era de cimento. A parede inteira dos fundos, da qual eles se aproximavam, era adornada por janelas que iam do chão ao teto; tão novas que ainda continham os adesivos de fábrica cor de laranja.
Enquanto caminhava lentamente pelo espaço inacabado, contudo, Pamela nem sequer viu sua crueza. Olhava tudo à sua volta, enxergando apenas o ilimitado potencial do lugar.
— Está horrível — Apolo cochichou. — Não há piso, nem paredes, muito menos decoração.
— Não! Está perfeito! — ela contrapôs num sussurro. — A estrutura se encontra pronta, mas os pisos e paredes estão todos inacabados. A maioria dos dispositivos nem sequer foi instalada. É como uma tela em branco. É meu trabalho escolher com sabedoria e me certificar de que esta casa seja transformada em uma obra-prima.
James os aguardou, paciente, ao lado da porta de vidro que — Pamela já sabia pelas plantas — levava à parte central da mansão: o incrível pátio em torno do qual o restante da vila fora construído na forma de quadrado aberto em um dos lados.
Tão logo eles chegaram a este, James abriu a porta e sinalizou para que eles passassem.
Foi apenas nesse momento que Pamela notou a verdadeira multidão reunida no pátio.
Em resposta a seu olhar interrogativo, James apenas sorriu e apontou para o meio das pessoas, onde E. D. Faust se encontrava sentado em uma bancada de mármore repleta de amostras de material.
— Ah, Pamela! — ele gritou quando a viu.
Ao se por de pé, lembrou-a uma montanha se movendo. Também naquele dia estava todo vestido em preto, desde as calças bem-cortadas até a camisa de seda, cujas mangas tinham o modelo amplo da de um pintor.
Ou então , ela pensou, observando o brilho em seus olhos escuros, da camisa de um pirata .
— Bom dia, Eddie — saudou. — Tem bastante gente aqui, hoje...
— Por sua causa, Pamela. — Ele riu com gosto, a barriga chacoalhando como num estrondoso terremoto. — Mandei todos os trabalhadores virem para cá. Imaginei que economizaríamos tempo se os tivéssemos à disposição. Eles estão apenas aguardando as nossas ordens.
Pamela não podia acreditar. Olhou o grupo e arregalou os olhos ao notar que cada pequena equipe possuía a seu lado pilhas de materiais — amostras, claro — de tudo o se podia imaginar: retalhos de tecido, pedaços de mármore, de pedras brutas, placas com texturas, tintas e revestimentos. Eddie transformara seu pátio em um minimercado para designers de interiores. Era estarrecedor e mais do que intimidante. De repente se lembrou de que havia trazido seu próprio séquito. Bem... ao menos era assim que eles se apresentavam.
— Que bom. — Recuperou o controle das cordas vocais com dificuldade. — Está certo. Isso vai nos economizar algum tempo. Deixe-me apresentar os assistentes que eu trouxe comigo, hoje... — E inclinou o corpo para que Apolo avançasse um passo.
Ártemis, que se encontrava de pé atrás do irmão, fitando, embriagada, um fiapo em sua camisa, de repente percebeu que tinha uma plateia para a qual se apresentar, e se colocou, lânguida, do outro lado de Pamela.
Diante da aparência dos gêmeos dourados, o grupo deixou escapar um suspiro coletivo de apreciação.
— Este é Delos Febo, especialista em arquitetura romana. — Pamela ficou satisfeita ao ver que Apolo inclinava a cabeça polidamente para Faust.
O autor, contudo, mal olhou em sua direção. Seus olhos estavam cegos para tudo o mais, exceto para a bela deusa a seu lado.
Pamela respirou fundo, cruzando os dedos.
— E esta é sua irmã, Diana. Ela é modelo, muito conhecida por sua beleza em toda a Grécia e Itália. Sei que queria manter Baco como a figura central em sua fonte, mas pensei que, talvez...
Suas palavras foram interrompidas quando Ártemis avançou com um andar lânguido e gingado até ficar a meio metro do volumoso autor. Então parou, ergueu a mão delicada até a elaborada coroa de cabelos e, com um leve puxão, libertou os fios longos e dourados, que se derramaram em uma onda espessa ao redor de sua cintura. Balançou a cabeça, e seus cabelos cintilaram, hipnóticos, à luz da manhã.
— Pamela imaginou que talvez preferisse a estátua de uma deusa — ela ronronou.
Pamela precisava admitir: Ártemis era uma atriz excelente. Assim como durante sua performance em Zumanity , ela ganhara a atenção do grupo.
Faust pareceu ter levado uma pancada na cabeça, depois piscou, e seu rosto se iluminou em um largo sorriso enquanto ele se curvava com incrível graça e um floreio.
— Quanta satisfação, Diana! — falou com seu vozeirão. — É uma honra ser agraciado pela presença da Deusa da Lua, das Florestas e dos Vales... — Concedeu um olhar a Apolo. — E você, meu bom companheiro, deve ser o Deus da Luz. Que divertido o fato de sua mãe tê-los nomeado segundo os gêmeos imortais.
Pamela sentiu o estômago se apertar. Era claro que um homem que fizera carreira escrevendo ficção reconheceria instantaneamente a mal ocultada verdade em seus nomes. Que diabo ela poderia dizer agora? Seria possível que Faust houvesse percebido quem eles eram de verdade?
Apolo sorriu.
— Descobriu nosso segredo, senhor.
— Por favor, não há nenhum senhor aqui. Pode me chamar de Eddie. — Seus olhos se desviaram para a beldade ainda parada à sua frente. — Pamela, saiba que já provou ser tão genial quanto imaginei que fosse. Agora que estou face a face com uma deusa, concordo com seu ponto de vista. Precisamos mudar a estátua central da minha fonte. Esqueça Baco. A beleza da deusa Diana será exaltada em seu lugar.
Pamela deu um suspiro de alívio, e Ártemis se curvou com graça.
— Não! Uma deusa nunca deve se curvar. — Faust se apressou em fazer Ártemis se erguer de sua profunda reverência.
— Até que enfim um mortal que sabe como tratar uma deusa... — comentou a diva.
Pamela mordeu o lábio, contudo Eddie sorriu com bom humor e levou a mão de Ártemis aos lábios.
— Mas é claro que sei. — Olhou para a multidão de trabalhadores reunida em torno deles. — Qual de vocês tem talento para esboçar esta linda deusa, de modo que um artista possa esculpir sua imagem imortal no mármore?
— Não seria mais fácil se ela tirasse algumas fotos digitais em diversas poses e, em seguida, o escultor começasse a trabalhar com base nelas? — Pamela indagou, aflita.
— Mais fácil, talvez. Mas não me parece certo. Soa muito frio. Muito impessoal.
— Mas Diana só estará disponível até sexta-feira. Depois tem um... ahn... compromisso a que não pode faltar — justificou Pamela.
— Então temos que trabalhar depressa. Eu gostaria de ter a minha deusa imortalizada à moda antiga. Febo, você é o expert na antiga Roma. Como isso costumava ser feito?
— Tem toda a razão. O escultor teria desenhado sua musa e, em seguida, começado a trabalhar com base em seus próprios esboços. — Apolo fez uma pausa e ergueu uma sobrancelha. — A menos que tivesse contratado Pigmalião. Acredito que ele trabalhava baseando-se na imagem da mulher que via apenas em seu coração... — Lançou um olhar ardente para Pamela. — O problema é que poucos de nós têm a sorte de ver seu mais profundo desejo concedido.
Pamela se obrigou a não se retesar. Apolo afirmava ter sido privado de seus poderes imortais, mas, quando olhava para ela daquela maneira, fazia com que sentisse calor, frio, excitação... tudo de uma vez.
Faust não pareceu notar o byplay acontecendo entre a designer e seu assistente, pois tinha a atenção voltada para sua própria imortal.
— Ah, mas temos Diana, não Galateia. Por isso mesmo a modelo merece um esboço.
— Galateia não era deusa. Era apenas uma pedra que foi trazida à vida — corrigiu Ártemis, um pouco irritada.
— Verdade! Tem toda a razão! — exclamou Eddie. — Pigmalião não teve a mesma sorte que eu.
— Posso desenhar sua deusa, senhor. — Um jovem se destacou do grupo.
— Excelente — concordou Eddie. — Temos o nosso artista e a nossa musa. E creio ter algumas fotos da fonte original do Fórum. Suponho que nossos artesãos possam usá-las como base para seu trabalho enquanto a nossa deusa estiver sendo desenhada.
— Na verdade — Pamela começou, enquanto abria a pasta e retirava, apressada, seu bloco de desenho —, imaginei que poderia gostar de algo exclusivo, por isso trabalhei em alguns esboços preliminares de uma nova fonte... baseada, claro, naquilo que tanto aprecia na do Fórum. Eu só não quis desenhar a estátua central sem a sua aprovação, mas acho que vai ficar muito satisfeita com isto.
— Pamela discutiu comigo os esboços, e eu posso lhe assegurar que a fonte que ela criou seria apreciada até pelos deuses do Monte Olimpo — afirmou Apolo.
— Que maravilha, Pamela! — Eddie tomou o caderno das mãos dela e acenou com a cabeça em aprovação. — Monte Olimpo... — Ele riu. — Eu não poderia esperar nada melhor para uma fonte que ostenta uma escultura de Diana. Por favor, mostre esses esboços ao nosso artista. — Faust lançou um olhar interrogativo na direção do rapaz.
— Mateus — esclareceu o jovem. — Meu nome é Mateus Land.
— Venham, Mateus, Pamela, Febo e Diana, minha linda. Vamos nos sentar e decidir sobre os detalhes da minha casa. — Eddie ofereceu o braço a Ártemis. Ela sorriu docemente e descansou a mão na parte superior de sua manga de seda. — Deseja algo, querida? — ele perguntou enquanto a conduzia em volta de um banco de mármore.
— Sim. Recentemente desenvolvi um gosto especial por uma bebida chamada mimosa .
Pamela tentou não gemer quando Eddie gritou para James pedir ao chef que preparasse mimosas para todos.
Pamela olhou para o relógio. Ela mal podia acreditar que já passava das quatro da tarde. O dia havia voado.
E fora bem melhor do que ela previra. De um modo irritante e irônico, sabia que precisava agradecer a Ártemis por isso.
Ergueu os olhos da página brilhante do catálogo que o representante da Shonbeck lhe mostrava, e que continha luminárias ao estilo do velho mundo. Eddie fingia prestar atenção, enquanto Apolo e o arquiteto se debruçavam sobre a última versão do esboço da sala de banhos, na qual haviam trabalhado pela maior parte do dia.
Na verdade, Eddie fazia o que ele não parara de fazer nas últimas horas: olhava com adoração para Ártemis.
Mas a deusa era, realmente, muito linda. Até mesmo os espalhafatosos representantes de tecidos gays suspiravam, melancólicos, diante da perfeição de seu cabelo, de seus seios e das linhas delgadas de suas pernas. No momento, ela se encontrava em pé sobre a plataforma elevada que Eddie mandara erguer, segurando um enorme vaso contra um quadril, do qual água iria verter quando o esboço fosse transformado em uma escultura para a fonte.
Pamela ficava tonta só de pensar. E isso sem levar em conta a despesa em que Eddie iria incorrer com aquela obra de arte original!...
Seu cliente parecia feliz, porém, e a fonte iria ficar mesmo muito bonita. Além do mais, esta não teria aquela animação medonha do Fórum. Uma só exclamação horrorizada de Ártemis em resposta à menção de movimento na fonte, e Eddie, mais do que depressa, vetara a ideia. Da mesma forma, uma simples carranca da deusa fora suficiente para que ele desistisse da construção daquela ginorme e horrível piscina, e optasse pela ideia de bom gosto do balneário romano.
Com esses dois problemas resolvidos, todo o restante correu como uma brisa. O gosto de Eddie não era tão lamentável quanto ela pensara a princípio. A questão era apenas que sua aura era enorme. Suas ideias eram grandiosas, e não apenas em seus épicos best-sellers. E. D. Faust preenchia o mundo ao seu redor com a grandeza da vida. Sim, ele era excêntrico. Na verdade, Pamela refletiu, ele parecia um personagem de um de seus romances: maior do que a própria vida e sempre pronto para uma nova aventura.
Sorriu para si mesma. Demorara um pouco a se acostumar com sua exuberância, mas compreendia por que as pessoas se sentiam atraídas por ele. Eddie era tão generoso quanto seu tamanho. A verdade era que E. D. Faust era mesmo um sujeito decente.
Ela havia tido um pouco de trabalho, mas, com a ajuda de Ártemis e Apolo, convencera Eddie a mudar o design de sua casa: do românico brega do Fórum para algo que começava a lembrar do cenário de Cleópatra , de Elizabeth Taylor. O estilo que emergia não era menos opulento do que o do Caesars Palace e do Fórum, porém bem mais chique.
Desviou o olhar do corpanzil de Eddie para Apolo. Ele inclinara a cabeça loira e a balançava com uma expressão atenta diante de algo que o arquiteto acabara de traçar no papel.
Como se pressentisse que estava sendo observado, ele levantou os olhos para os dela. Pamela desviou o olhar, mas não antes de ver seus lábios se curvar na sugestão de um sorriso. Apolo a apanhara em flagrante de novo.
E não fora algo difícil de ele fazer. Ela o fitara com o rabo dos olhos o dia todo, e ele sabia disso. Ela sabia disso.
E não conseguia evitar. Apolo fora tão maravilhoso!... Descrevera o funcionamento dos antigos balneários de Roma em detalhes para Eddie e seu arquiteto. Tinha sido mais do que paciente com suas intermináveis perguntas, respondendo-as com inteligência e concentração, de tal forma que até mesmo para ela Febo soara como um entusiasmado especialista. E nem uma vez exibira a detestável arrogância que ela imaginara ser inerente ao Deus da Luz.
Pamela suspirou. Já não podia dizer o mesmo de Ártemis. Mesmo que a diva estivesse adotando seu melhor comportamento naquele dia, continuava irritantemente exigente e vaidosa. Por sorte, Eddie parecia estar gostando de entrar no jogo de sua deusa...
Outra coisa boa, lembrou-se Pamela, era que Faust insistira para que a cozinha ficasse pronta antes de ele chamá-la para projetar o restante da villa , pois Ártemis mantivera o chef ocupado o dia inteiro com suas exigências por bebidas e iguarias. E Eddie, que, sem dúvida, muito apreciava os prazeres da boa mesa, havia se deliciado em atender a todos os caprichos de “sua deusa”.
Apolo era tão diferente da irmã!, Pamela teve que admitir para si mesma. Continuava o mesmo homem atento e inteligente que fora durante todo o fim de semana.
Mas ele não era um homem de verdade. Era um deus. E nenhuma mulher de bom-senso iria complicar a própria vida se envolvendo com um antigo deus...
Pamela suspirou e se obrigou a voltar a atenção para a página de lustres.
— Eddie... — Ártemis soou como uma menininha mimada. — Meu braço já está doendo de tanto eu segurar este vaso bobo! E estou com tanto calor que vou desmaiar se não me sentar.
— Claro, claro, minha deusa! — Ele se pôs de pé e correu para tomar o vaso das mãos dela. Empurrou de lado o jovem artista, quando este tentou ajudar sua musa a sair da plataforma, e segurou Ártemis pelo cotovelo, amparando-a enquanto ela descia com graça do altar improvisado. — Olhem só a hora! Que insensibilidade a minha!... Estamos nisto há séculos. Tempo demais para uma deusa trabalhar. — Ele ergueu a manzarrona, e sua voz grave silenciou até mesmo os trabalhadores que se encontravam ocupados no interior da vila. — Já chega por hoje! — bradou. — Nós nos encontraremos outra vez amanhã, à mesma hora!
Vários suspiros se fizeram ouvir ao seu comando. Tinha sido um dia difícil, porém produtivo.
Pamela detestava admitir, mas, pela milésima vez, viu-se contente por ter permitido que Apolo a convencesse de trazê-lo com a irmã até ali.
Estava esfregando a parte de trás do pescoço, e tentando desfazer um nó de tensão que se instalara neste, quando o “Pamela!” de Eddie ribombou, fazendo-a ir até o banco onde ele estava.
— Ah, aí está você, minha cara. — Ele fez um sinal para que ela se sentasse ao lado de Apolo, à sua frente.
Ártemis estava, obviamente, acomodada a seu lado. Abanava-se com um leque de penas que Eddie havia lhe arrumado, e Pamela notou que ela bebia champanhe de uma taça de cristal gelada. Graças aos Céus, Ártemis seria imortal de novo em poucos dias. Ao ritmo que estava indo, seria a imortalidade ou o alcoolismo!
— Andei discutindo os nossos novos planos com a linda Diana e seu irmão, e creio que estamos todos de acordo.
Pamela sentiu um familiar aperto no estômago.
— Planos? Que planos?
— Muito simples. Não há necessidade de vocês três viajarem de volta para Las Vegas quando podem muito bem ficar aqui comigo — declarou Eddie, sorrindo.
— Mas o único cômodo que está terminado é a cozinha!
Eddie riu.
— Não aqui... Aluguei uma casa de campo no parque Spring Mountain Ranch, no Red Rock Canyon. Tem acomodações bastante modestas, porém é muito mais próxima da minha villa do que o Caesars Palace. Até porque não há mais motivo para voltarem para lá, uma vez que o Fórum não mais servirá de modelo para a nossa Roma antiga. Agora temos Febo.
— Mas as minhas roupas e... ahn... Diana e Febo não trouxeram nada.
Os olhos de Pamela pousaram em Ártemis. A deusa tomou um gole do champanhe, tranquila, e, em seguida, piscou, maliciosa, para ela.
Eddie ignorou suas preocupações.
— James pode ir buscar suas coisas. Diana me contou que ela e o irmão planejavam apenas passar o dia por aqui, contudo ambos já aceitaram o meu convite para que prolonguem sua estada por uma semana. Eu ficarei honrado em comprar no resort qualquer coisa de que nossa deusa precise.
— Jantar, Eddie, jantar! — Ártemis lembrou com um suspiro. — Mal posso acreditar no quanto estou faminta.
— Claro. — Ele lhe afagou a mão. — Foi um dia cansativo. Vamos embora para o rancho, comer e ser feliz. — Eddie se ergueu pesadamente do banco, e Ártemis estendeu a mão para que ele pudesse ajudá-la a fazer o mesmo.
Em seguida, movendo-se com muito mais instabilidade do que com sua habitual graça, ela se agarrou ao braço gordo do homem enquanto ele se deslocava devagar pelo pátio, gritando para que Robert trouxesse o carro.
— Acho que não temos muita escolha — murmurou Pamela, não querendo encarar Apolo, agora que se encontravam sozinhos pela primeira vez naquele dia.
— Eu já fiz a minha escolha, doce Pamela — ele respondeu baixinho.
Ela o fitou, então. Apolo abriu seu sorriso encantador, tão familiar, e ela sentiu o peito se apertar.
— Às vezes é fácil esquecer quem você é de verdade — falou baixinho.
Ele a tocou no rosto.
— Já sabe quem eu sou realmente. Sabe desde a noite em que nos conhecemos.
— Mas não é um homem comum.
— Serei, ao menos pelos próximos cinco dias. — Ele imitou o gesto de Eddie: pôs-se de pé, tomou-lhe a mão e a ajudou a se levantar.
Pamela se permitiu dar o braço a Apolo conforme caminhavam pelo pátio deserto. Ele parecia tão quente, normal e certo a seu lado!...
Isso a assustou tanto que ela fez menção de puxar o braço; contudo, Apolo parou no meio do saguão de repente.
Pamela sentiu um tremor percorrer o corpo e olhou para ele. Seu rosto moreno empalidecera.
Ela seguiu seu olhar. James segurava as portas da frente da casa aberta para eles, e, por meio destas, ela podia ver Robert ajudando primeiro Ártemis, depois Eddie, a entrar na limusine.
— Eu havia me esquecido dessa criatura de metal — ofegou o deus.
— Venha. Vou fazer você se sentar na frente desta vez. — Pamela o segurou pelo braço com força e o puxou.
Ele era Apolo, Deus da Luz, da Música e da Cura. Um imortal que tinha vivido por eras, tema de muitas histórias, poemas e canções...
... Mas uma criatura que enjoava demais ao andar de carro.
Capítulo 24
A ideia de Eddie de “acomodações bastante modestas” era alugar todos os nove quartos da mansão de tijolos, que fora construída nos anos vinte e que, depois, tinha sido adoravelmente restaurada com antiguidades, canalização e parte elétrica modernas, em 2003. Ficava à margem do Red Rock Canyon spa e Resort , um adorável oásis de fontes naturais e matas verdejantes, que parecia bizarro e deslocado, ainda que lindo, em meio ao afloramento de rochas cor de ferrugem e da intrigante paisagem desértica do Red Rock Canyon.
Pamela parou diante do conjunto de três portas duplas que separava os alojamentos do enorme deque de madeira, onde, apressados, garçons uniformizados davam os últimos retoques na mesa de jantar com flores frescas e velas, enquanto um trio de músicos afinava seus instrumentos.
Música, velas, flores e porcelana fina, avaliou, aliviada por ter escolhido o tubinho preto em vez de algo mais casual.
A iluminação externa foi acesa de repente, tingindo a noite clara de Nevada com suaves nuanças, e Pamela respirou o ar fresco do deserto. Sentar-se ao lado do enjoado Apolo no banco da frente fora muito esclarecedor. Ele insistira para que ela ficasse junto dele, e parecera tão desamparado que ela havia suspirado e se espremido a seu lado, para o desgosto de Robert. Decididamente, ela amava o Colorado. Embora tivesse nascido e crescido lá, nunca se cansara da majestade de Pikes Peak e da beleza montanhosa de seu lar. Considerava-se bastante “viajada”, sobretudo em se tratando dos Estados Unidos, e já conhecera muitos estados encantadores, mas nenhum lugar preenchia seus sentidos e acalmava sua alma como o de sua própria casa.
Por isso mesmo era uma surpresa sentir-se tão atraída pelo deserto. A curta viagem da propriedade de Eddie, à margem do Red Rock Canyon, até aquele rancho fora repleta de cenários ao mesmo tempo austeros e espetaculares. Havia algo de misterioso e maravilhoso no deserto. Ele fazia sua imaginação correr solta, evocando fantasias infantis com caubóis do Velho Oeste, couro e suor.
Sorriu para si mesma diante de ideias tão tolas e românticas.
— Adoro o seu sorriso.
A voz profunda de Apolo a surpreendeu.
Pamela se virou. Ele estava tão próximo que ela pôde sentir seu calor. Era apenas o calor de um corpo normal, não o poder imortal do Deus da Luz, mas a fez se lembrar da noite anterior, e de como chamas tinham varrido seu próprio corpo em uníssono com seus impulsos...
Passou a mão pelo cabelo curto, nervosa.
— Não o percebi chegando.
— Eu não queria assustá-la.
Se Apolo soubesse!... Apenas a presença dele já fazia seu estômago se contrair e seu rosto corar. E isso antes de ela descobrir que ele era o bendito Deus da Luz!...
Céus!, estava sendo cercada e cortejada pelo imortal Apolo! Era um pouco como se ver bem no meio de um velho episódio de Jornada nas Estrelas , sem nenhuma possibilidade de ser teletransportada para longe de uma situação difícil.
Mas ela não queria ser teletransportada para longe de Apolo, e isso a estava deixando louca.
Ele era Apolo! Não conseguia conter o arrepio de emoção que a percorria cada vez que pensava nisso. Era inebriante, enlouquecedor e terrivelmente assustador.
Em vez de gaguejar como a louca em que ela pensava estar se tornando, Pamela apontou a noite do deserto com a cabeça, em um gesto que, ela esperava, parecesse indiferente.
— Não foi culpa sua. Eu estava distraída com o cenário. É muito mais bonito aqui do que eu esperava.
— Sim, sei bem o que quer dizer. O Reino de Las Vegas também me surpreendeu com sua beleza. — Ele sorriu e lhe afastou uma mecha de cabelo escuro da testa. Seus olhos capturaram e refletiram a iluminação do terraço e, por um momento, pareceram brilhar de novo com aquele azul imortal.
Pamela recuou um passo.
— Por quê? — ele indagou, magoado. — Por que está me evitando?
Um dos garçons ergueu a cabeça com óbvia curiosidade diante da pergunta, e Pamela acenou para que Apolo a seguisse até a borda mais distante da varanda, onde era menos provável que sua conversa fosse ouvida. Baixou a voz e tentou não se preocupar.
— Não estou desprezando você. Estou sendo apenas... c-cuidadosa — ela gaguejou, sem fitá-lo nos olhos.
— Não compreendo. — Ele passou a mão por seu rosto e suspirou. — Sabe, Pamela, isso nunca aconteceu comigo antes. Precisa me explicar quais são as regras do amor.
Ela sentiu o coração bater na garganta e engoliu em seco antes de responder.
— Não conheço as regras. Não sei como amar um deus. — Encontrou os olhos dele, relutante. — A verdade é que era diferente quando eu achava que você era apenas Febo.
— Eu sou Febo, Pamela.
— Não, não é! Meu Deus, Apolo... — Ela se interrompeu, apertando os lábios. — Veja! Nem consigo dizer coisas normais perto de você. “Meu Deus...” Você é um deus! Eu não sei o que dizer, o que fazer. — Pamela esfregou a testa.
Os músicos começaram a tocar uma valsa que só fez aumentar o clima surreal da noite. Era como se Apolo houvesse conspirado para adicionar uma trilha sonora à conversa.
— Eu não quero me apaixonar — ela disse baixinho. — Eu já não queria antes de te conhecer, e agora isso só me parece ainda mais impossível.
Ele balançou a cabeça.
— Não, não é impossível. O problema foi a forma como descobriu tudo. Eu devia ter lhe dito antes; tornado mais fácil para você aceitar.
— Como poderia ser mais fácil? Você é um deus antigo, e eu sou apenas uma mortal. Não estamos destinados a ficar juntos.
Dizer as palavras que a haviam assombrado o dia todo deixaram Pamela enjoada.
— Eu atendi ao seu desejo mais sincero — Apolo replicou numa voz baixa e firme.
— Claro que atendeu! Não é que eu não o deseje... Desejo muito. Você é perfeito. Eu pedi por romance, e você é, definitivamente, um sonho romântico que se tornou realidade.
Pamela queria ficar quieta, segurar as palavras que derramavam de sua boca, mas não conseguia. Tinha medo de que, fazendo isso, fosse se jogar nos braços de Apolo e pedir que ele ficasse lá para sempre.
Se fosse assim, o que seria dela? O que aconteceria com seu coração quando ele deixasse aquele mundo e voltasse para o seu próprio?
Apolo franziu a testa e tornou a sacudir a cabeça.
— Eu sou mais do que um sonho romântico, e você pediu por mais do que um simples namoro com um deus.
— Apolo, eu sei pelo que pedi — ela falou com firmeza.
— Sabe mesmo? Então talvez esteja interessada em saber que o vínculo da invocação entre você e minha irmã não se rompeu até ter admitido, ontem à noite, que sou sua alma gêmea.
— Sua alma gêmea... — ela sussurrou as palavras, negando com um gesto de cabeça. — Não! — Ele não podia ser. Se Apolo era sua alma gêmea, como ela sobreviveria sem ele?
O belo rosto do deus ficou lívido.
— Talvez eu tenha tido sorte, por todas estas eras, em não ter conhecido o amor... Parece que é um sentimento bastante doloroso.
Dizendo isso, curvou-se para ela de leve, fez meia-volta e se afastou.
Em vez de passar pelas portas e rumar para o quarto, como tivera a intenção de fazer, Apolo quase atropelou a irmã e Eddie quando estes saíam para o pátio, seguidos de perto pelo onipresente James.
— Que bom que já veio para cá! — saudou o escritor, dando-lhe um tapinha no ombro. Logo depois, avistou Pamela. — Excelente! Estamos todos aqui. James, já pode pedir que sirvam o jantar. Venha, minha deusa... A comida aqui pode ser simples, mas juro que não vai se decepcionar com sua qualidade.
— Eddie, eu quero mais daquele champanhe maravilhoso!
— Claro, claro... — ele murmurou, ajudando-a a se acomodar em uma das cadeiras.
Pamela observou o homenzarrão cercar a deusa de cuidados e mimos tal qual uma gimensa galinha, enquanto Apolo permanecia de pé, do lado oposto da mesa. Podia sentir seu olhar sobre ela.
Piscou, combatendo as lágrimas que lhe haviam assomado aos olhos, endireitou os ombros, desenhou um sorriso cordial e profissional no rosto, e se juntou ao pequeno grupo. Eddie, claro, insistiu para que ela se sentasse ao lado de “Febo”.
Por sorte, assim que ela pôs o traseiro na cadeira, uma nuvem de garçons convergiu para a mesa.
Eddie descrevera o jantar como “simples”, o que a fez se perguntar o que ele considerava extravagante. A comida não foi trazida aos poucos, como se poderia esperar de uma refeição cara, servida em um resort exclusivo. Em vez disso, o escritor ordenou que tudo viesse de uma só vez.
Foi como uma explosão de alimentos. As saladas individuais, de verduras frescas, cogumelos exóticos e uma série de tomates maduros e pequenos, eram montadas tal qual pequenos ninhos de pássaros. A massa do tipo farfalle parecia divina e cheirava a alho fresco e vinho branco. Espessas postas de salmão tinham sido grelhadas à perfeição, assim como compridas fatias de abobrinha cobertas de queijo provolone derretido e polvilhado com pimenta moída e sal. Durante toda a refeição, garçons atenciosos serviam as taças com champanhe gelado.
Tudo estava delicioso, e Pamela sentiu-se relaxar enquanto Eddie e Apolo conversavam amigavelmente a respeito da tradição dos banhos diários na antiga Roma. Na verdade, ela se viu intrigada com os detalhes vívidos que o deus fornecia sobre um mundo considerado morto havia muito tempo.
— Então, o banho se tornou uma atividade social... — concluiu Eddie enquanto mastigava o salmão.
Apolo concordou.
— Não era apenas o ato de se lavar. Os banhos romanos eram muito mais do que isso. No mesmo balneário não era incomum que houvesse espaços para exercícios, massagistas, barbeiros, restaurantes, lojas e bibliotecas. Era um centro de convivência; o centro nervoso do que acontecia na cidade. Em suas salas privadas, questões que não deviam se tornar públicas eram discutidas. Alguns dizem que até mesmo os deuses frequentavam os balneários de Roma para se inteirar das intrigas do dia.
— Ha! Sabe-se lá se o plano para matar César não começou em um desses balneários de Roma...? — conjeturou o autor.
— César! — zombou Ártemis. — Proclamar-se um deus foi apenas um de seus muitos erros. Ele devia ter escutado a esposa. Calpúrnia bem que o advertiu... Roma não ouviu muitas vezes as vozes de suas mulheres — completou, irritada.
Os olhos de Eddie se arregalaram.
— Eu tenho feito isso, minha linda! Venho pensando no assunto desde esta manhã, quando nos conhecemos. Alguma coisa parecia fora de lugar, não exatamente onde devia estar, e agora compreendo o quê... Você não é Diana. Reconheço agora a sua verdadeira natureza.
Ártemis ergueu uma sobrancelha dourada para o escritor e mordiscou seu segundo pedaço de salmão.
— É mesmo?
— Sim! Você é muito ardente para ser a pálida e etérea Diana. Você brilha e ofusca, não apenas como a luz da lua cheia. Carrega dentro de você a natureza de uma caçadora. Amanhã iremos descartar aquele vaso sem sentido, que segurou esta tarde, e substituí-lo por um arco e uma aljava repleta de flechas. A brandura de Diana feneceu, e a deusa Ártemis surgiu em seu lugar.
Pamela engasgou ao engolir, e um garçom correu para lhe trazer um copo de água. Tossindo, ela compartilhou um olhar de surpresa com Apolo; entretanto Eddie não havia terminado. Colocou a mão sobre o coração e deu início a uma cappella , a voz profunda e ressonante de barítono se elevando, depois abrandando — como a de um dos Três Tenores —, e preenchendo a noite no deserto:
Eu canto Ártemis das setas de ouro,
que a grande bulha da caça adora,
e que nos cervos suas flechas lança.
Ártemis que na caçada exulta,
curvando seu arco dourado
que cospe setas tão amargas.
Tão poderoso é o seu coração
quando pelas matas ela vaga
exterminando das feras as ninhadas...
Ártemis parou de comer quando Eddie se pôs a cantar, fitando-o com evidente espanto. O enorme homem fez uma pausa, gesticulou para o trio de mulheres que vinha dedilhando uma música de fundo suave durante todo jantar e estas pararam de tocar. Quando ele recomeçou a cantar, a harpista capturou a melodia e um som mágico de cordas o acompanhou:
Quando da caça a deusa das flechas se vê saciada,
deixa o tenso arco e visita o irmão, Febo Apolo,
no distrito de Delfos, sua rica morada...
Ele balançou a cabeça na direção de Apolo, que ergueu a sua em régio reconhecimento.
Comanda, então, o coro das Musas e das Graças,
deixando de lado seu arco e flechas.
Cobrindo-se com suas belas joias,
a bela dança das divas ela conduz.
Divino é a canto que estas entoam
louvando a brandura com que Leto
seus dois filhos deu à luz.
Filhos esses que, entre os deuses,
tão elevados e justos são
nos seus desígnios e na ação.
Saúdo a ti, filha de Zeus e da Leto de lindos cabelos!
A ti louvarei, e lembrarei também a tua canção...
A voz de Eddie segurou a última nota, enquanto a harpista improvisou um acorde fantástico. Conforme a canção se desvaneceu, a noite ficou muito quieta.
O olhar de Pamela se desviou de Eddie para Ártemis, e sobre esta ficou. Chocada, ela viu os olhos claros da deusa se encher de lágrimas. Em seguida, Ártemis se inclinou e beijou Eddie demoradamente nos lábios.
— Você conhece os Hinos Homéricos... — sussurrou, a apenas alguns centímetros do rosto do homem.
— Conheço os Hinos Homéricos — ele respondeu, solene.
— Você me surpreendeu, Eddie.
O sorriso de prazer da deusa fez Pamela prender a respiração, tal era sua beleza.
— Irmão — falou Ártemis sem tirar os olhos de Eddie —, desejo recompensar nosso anfitrião por seus aguçados poderes de observação. Você tocaria para mim?
— Claro — concordou Apolo. — Mas não tenho nenhum instrumento.
A voz inconfundível de Eddie retumbou pelo terraço.
— Já chega de música esta noite! Podem ir embora... — ele falou às musicistas — ... mas deixem os instrumentos. Meu assistente cuidará para que estes lhes sejam devolvidos amanhã.
As três mulheres saíram rápida e discretamente, e Pamela se perguntou quanto Eddie lhes pagara para que elas nem mesmo piscassem antes de deixar para trás suas ferramentas de trabalho.
Apolo tomou o assento desocupado da harpista e colocou as mãos sobre o instrumento sem demostrar nem um pouco da emoção que sentia. Era o Deus da Música. Harpistas o tinham adorado e louvado durante incontáveis séculos. As Musas o reverenciavam. Desde o dia em que havia convencido o recém-nascido Hermes a presenteá-lo com a primeira lira conhecida pela humanidade, considerava sua habilidade imortal com o instrumento mais do que garantida. Era como o ar que respirava e o vinho que bebia... sempre ali, com ele.
Mas, naquele dia, não era o imortal Apolo. Era apenas um homem comum.
Ele conhecia as notas. A sensação da harpa lhe era familiar... Ainda assim, sentiu o estômago se apertar. E se seu talento houvesse desaparecido com seus poderes? E se ele tocasse as notas erradas? Ou pior, tocasse as notas certas tão mal que estas parecessem erradas?
Ergueu a cabeça. Ártemis se levantara e recuara com graça para longe da mesa, de modo a ter espaço para iniciar sua dança.
Os olhos de Eddie estavam colados em seu rosto. O autor parecia completamente encantado por sua irmã.
Apolo pressionou a mão contra as cordas esticadas. Compreendia bem como se sentia o homenzarrão...
Relutante, ele desviou o olhar para Pamela. Ela o observava com atenção, sem dúvida à espera de ouvir o brilhantismo com que o Deus da Luz tocava.
Nesse instante, ele desejou estar de posse de seus poderes imortais. Ou então que fosse o mortal Febo de verdade. De repente, quis muito ser um ou outro. Estar preso entre dois mundos era como ser empurrado para um campo de batalha com apenas a lembrança das armas.
— Toque a música favorita de Terpsícore — pediu sua irmã, num tom imperioso.
Apolo sabia a melodia. Estava lá quando a Musa da Dança a criara, e tocara para ela quando esta a executara em um dos grandes banquetes de Zeus.
Fechou os olhos e se concentrou. Suas primeiras notas foram um teste: suaves, quase inaudíveis, porém seus dedos pareciam mais confiantes do que ele, o próprio deus. Eles conheciam as cordas prateadas, e viajaram para cima e para baixo, ao longo de todo o instrumento, como velhos amigos saudando um ao outro.
Apolo abriu os olhos. Ártemis flutuava pelo terraço, recriando a obra-prima de Terpsícore.
Ele sorriu com carinho para a irmã. Naquela noite ela não contava com poderes imortais, mas nem precisava. A seda do vestido que Eddie lhe comprara girava graciosamente em torno de seu corpo. Seus movimentos eram lânguidos e cheios de uma flexibilidade única, hipnótica.
Seus dedos voaram sobre as cordas, aumentando o ritmo da melodia. Ártemis o acompanhou, girando e ondulando em perfeito ritmo com a música, até o crescendo , depois do qual ela terminou em uma pose elegante aos pés de Eddie.
— Não! — gritou Eddie, puxando-a, de modo que a deusa ficou de pé a seu lado, respirando pesadamente. — Era eu quem deveria estar a seus pés, minha deusa!
Ártemis riu, sem fôlego.
— E então?... Gostou da sua recompensa?
— Guardarei essa sua dança na memória até a dia da minha morte!
A expressão da deusa ficou séria.
— Não quero pensar na sua morte.
Foi a vez de Eddie rir, e ele o fez com vontade.
— Não pense, pois esse dia ainda está longe, minha diva!
O sorriso de Ártemis retornou.
— Eddie, caminharia comigo? Sei que está escuro, a noite já caiu, mas...
— Seu desejo é uma ordem — proclamou o escritor. — Venha, os arredores estão bem iluminados, e é uma grande honra escoltá-la.
Sem lançar um só olhar na direção de Pamela ou de Apolo, os dois deixaram o deque, as cabeças próximas, enquanto Eddie perguntava à deusa sobre as origens de sua dança.
Ainda deslumbrada com a incrível performance de Ártemis, Pamela os observou partir. Não podia acreditar. Ártemis tinha dançado para Eddie como se desejasse aquilo; como se realmente se importasse com ele e quisesse agradecê-lo.
Que diferença um único dia havia feito!... Naquela mesma manhã, a deusa estivera arrogante e intratável.
Verdade que Ártemis continuava aguerrida, mimada, autoindulgente e fútil. Mas, quando olhava para Eddie, não deixava dúvida sobre o carinho que lhe transbordava no olhar. Seria possível que a deusa tivesse mesmo coração?...
Dois acordes suaves e mágicos, um seguido do outro, chamou sua atenção de volta para o seu imortal.
Seu imortal!...
O pensamento a fez estremecer. Antes daquela noite, ela teria imaginado que um homem tocando uma harpa seria, no mínimo, efeminado e, no máximo, muito gay !
E Apolo não era nenhuma das duas coisas. Era másculo e magnífico. Não tocava a harpa apenas; ele a acariciava como a uma amante, fazendo que a música brotasse dela. Era como se sua carícia trouxesse vida ao instrumento. Com aquele corpo dourado e musculoso, o cabelo colorido pelo sol, parecia um antigo guerreiro fazendo uma pausa entre as batalhas para descansar e recitar seus feitos heroicos.
Quando Apolo começou a cantar, e seus dedos extraíram um som ritmado e sensual das cordas, ela encontrou seus olhos.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
A voz de Apolo era tão perfeita que era quase indescritível.
Pamela tentou imaginar como ele devia soar quando podia usar seus poderes imortais. Não admirava que várias gerações tivessem construído templos e esculpido estátuas em sua homenagem.
E agora ali estava ele, cantando só para ela.
Nesse momento, ela o desejou tanto que a força do sentimento quase a sufocou.
Sem pensar com muita clareza, Pamela se levantou e caminhou até ele.
Quando olho para ti, perco a fala,
minha língua congela e cala
e chamas sob minha pele se alastram.
Já não vejo com meus olhos,
em meus ouvidos ressoa um zunido,
um frio suor me cobre inteiro,
um arrepio me faz cativo...
Mais verde do que a erva fico,
perto da morte eu me sinto.
Pamela parou diante dele. O único poder que Apolo tinha sob seu comando era o de um homem apaixonado. Mesmo assim ele a encantava.
Estremeceu conforme ele repetia o refrão e a cobria com o calor de suas emoções.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
Quando a brisa da noite varreu a última nota, ela estendeu a mão, tímida e, com um dedo, acariciou as costas da mão que descansava nas cordas da harpa.
— Você compôs isso?
Apolo sorriu e segurou a mão dela.
— Não. Foi escrito por Safo. Ela era uma poetisa grega, e uma amante apaixonada de mulheres. Peguei emprestadas as palavras... Safo era dona de um senso de humor cáustico e de uma inteligência afiada. Creio que consideraria a nossa situação um tanto divertida. Não acho que se importaria com a pequena mudança que fiz em seus versos.
— Foi muito bonito. Sua voz é... — Ela fez uma pausa, tentando encontrar palavras para descrever o que tinha ouvido. — Sua voz é como um sonho quase esquecido. Algo fantástico demais para ser real.
— Mas é real. Eu sou real. — Apolo a puxou para si. Pamela hesitou, e ele passou o braço em volta de sua cintura, trazendo-a para mais perto. — O que sente por mim é verdadeiro...
O deus pressionou os lábios suavemente contra os dela. Precisava sentir seu gosto e calor, contudo Pamela estava tão rígida e inflexível que ele se contentou com um beijo quase casto. Primeiro na boca, depois no rosto.
Por fim, ela relaxou o bastante para descansar a cabeça em seu ombro, e Apolo respirou o perfume de seu cabelo. Quando se inclinou para beijá-la outra vez, Pamela levantou a mão e o impediu com um dedo.
— Vou pedir que me dê algum tempo.
— Tempo?
— Preciso de tempo para pensar sobre o que está acontecendo entre nós, e não consigo pensar quando me toca e me beija... Por isso mesmo estou pedindo algum tempo. Vai fazer isso por mim?
Ele queria dizer “não”, atirar a harpa para o lado, tomá-la nos braços e fazer amor com ela lenta e apaixonadamente, até que Pamela não conseguisse pensar em nada. Sabia que podia convencê-la a se entregar; sentia isso no modo como seu corpo gravitava para ele e na maneira como seus olhos fitavam os seus. Tinha consciência da paixão que ardia dentro dela, e sabia como despertá-la e usá-la.
Mas e depois? Na manhã seguinte, Pamela se afastaria de novo. E ele queria que ela viesse até ele por livre e espontânea vontade, sem arrependimentos.
Tirou o braço de seu corpo. Em vez de tentar beijá-la outra vez, afastou a mecha de cabelo escuro que vivia lhe caindo sobre a testa.
— Vou lhe dar esse tempo para que possa pensar. — Sorriu, tristonho, beijou-lhe a mão, então caminhou devagar para longe do terraço.
Sozinho.
Capítulo 25
O telefonema, às sete e meia, de uma jovem alegre, anunciando que o café seria servido no terraço às oito, veio cedo demais para Pamela. Que diabo estava acontecendo com ela? Seu relógio interno normalmente a despertava bem próximo ao amanhecer. Para sua rotina normal, sete e meia da manhã já era tarde.
Naquela manhã, porém, ela esfregou os olhos, sentiu a cabeça pesada e desejou poder se aninhar e dormir por pelo menos mais umas duas horas.
Culpa de Apolo. Saber que o Deus da Luz dormia sozinho no final do corredor a fizera rolar e se virar na cama pela maior parte da noite. Assim como aquela voz maravilhosa dele, que continuava soando em sua cabeça.
E seu toque... A cada vez que fechava os olhos, podia sentir aqueles lábios ardendo contra os dela.
Pelo visto, não importava que ele estivesse sem os seus poderes imortais. Para ela, seu toque ainda era como fogo, luz, suor e...
Maldição dos infernos! Ela precisava controlar os próprios hormônios.
Esfregou os olhos e se lembrou de que, na certa, Eddie mandara preparar um excelente café, que devia estar prontinho, esperando por eles.
O que a fez se lembrar de que — tinha certeza —, ouvira Eddie e Ártemis rindo no caminho de volta a um dos quartos, lá pelas duas da madrugada. Talvez os dois até houvessem tido relações sexuais, por mais grosseiro que fosse pensar naquilo.
Ártemis faria aquilo? Não se esperava que fosse uma das deusas virgens?...
Pamela pensou na temporada erótica da diva com Zumanity e no modo sexy como ela andava e falava. Ártemis parecia tão virgem como a Madonna (a cantora, não a outra). Exatamente o oposto de uma deusa casta, inacessível e intocável.
Pamela gemeu de novo ao sair da cama. Lavou o rosto e escovou os dentes, lembrando-se de que era terça-feira. Sem contar aquele dia, haveria apenas mais três até que o portal fosse reaberto, Ártemis e Apolo voltassem ao Mundo Antigo, e ela pudesse retornar ao seu próprio.
Sentiu o estômago revirar. Não. Não era tão ingênua a ponto de esperar que Apolo fosse ficar por ali por tempo suficiente para ter um relacionamento de verdade com ela. Ele iria embora. E ela retornaria à sua vida normal, aborrecida e sem emoção...
Não. Ela já havia resolvido aquilo. Não iria rastejar de volta para sua concha, assexuada, sem companhia, sem romance. Precisava pensar em Apolo como sua porta de entrada para o mundo do namoro. Fora uma missão de reconhecimento bem-sucedida. Iria mudar de missão quando voltasse para casa. Não seria mais apenas trabalho e nada de diversão. Ela — iria — namorar!
— Maldição dos infernos ... — disse ao reflexo desgrenhado no espelho do banheiro. — Estou parecendo uma sócia excêntrica daquelas milícias pelo namoro! Ve vai ficar com tanta vergonha de mim!... — Pamela se interrompeu e deu um tapa na testa. — Ve! Não tenho nem mesmo checado as coisas com ela!... — Vasculhou a bolsa até encontrar o celular e digitou o número da amiga sem muita delicadeza.
— Está cansada de mim? Não me ligou mais... Diga que não é verdade — dramatizou Ve em vez de dizer “Olá”.
— Não é verdade — afirmou Pamela. — Deus, Ve, estou tão envergonhada por não ter telefonado!... As coisas aqui têm sido mais do que gimensamente insanas.
— O escritor está louco e “nas últimas”...?
— Não. Na verdade, Eddie é um sujeito excepcional, e o trabalho está em vias de se tornar quase de bom gosto. Você sabe... Algo que Elizabeth Taylor e Richard Burton teriam gostado.
— Está brincando! Não me diga que o convenceu a recriar o palácio de Cleópatra !
— Bem... quase.
— Como assim?!
— Sim, estou criando algo como o cenário de Cleópatra . Mas não sou eu a responsável pela parte do convencimento.
— Ele tem alguma assistente lésbica com obsessão por Elizabeth Taylor, também? Deus, esse mundo é mesmo um lugar pequeno e inacreditável!... — Ve suspirou, feliz. — Vai me arrumar algum lance , por acaso?
— Mais uma vez, não. O assistente dele é homem, e tenho certeza de que ele é hetero. São os meus assistentes que o estão persuadindo a mudar de foco. E foi apenas por um feliz acidente que o lugar está ficando parecido com um complexo do MGM.
— Espere um pouco! Você só tem uma assistente, que sou eu. E eu não estou aí, porque estou aqui, às voltas com aquela louca do gato velho, a sra. Graham... Que, a propósito, se convenceu a esquecer aquele sofá de veludo cor de ameixa. Vamos procurar pelo chintz hoje. Eu disse a ela que o tecido iria disfarçar mais os pelos de gato. Independentemente da história da “Mulher Gato”, ainda há o importantíssimo detalhe de que a sua assistente cést moi , e eu estou aqui. Explique-se.
O que ela poderia dizer? , perguntou-se Pamela. Se admitisse acreditar que Apolo e a irmã eram imortais presos em Vegas, Ve pegaria o primeiro avião com uma bolsa cheia de Valium e faria uma reserva para que ela passasse agradáveis “férias” na primeira clínica psiquiátrica que encontrasse pela frente.
Sem dizer que ela, Pamela, iria deixar sua melhor amiga preocupada à toa.
Não. Não podia dizer a verdade.
Respirou fundo. Não pensaria naquilo como uma mentira. Iria considerar tudo como uma ficção. Era o que Eddie fazia para viver, e ninguém o chamava de louco.
Bem, pelo menos não abertamente.
— Eu contratei Febo e sua irmã para serem meus assistentes até sexta-feira. Febo é especialista em arquitetura romana antiga. Já a irmã dele é tão sexy que Eddie mudou de ideia sobre fazer daquele horroroso deus Baco a estátua central da fonte, e está fazendo a moça posar como modelo de deusa — ela completou, respirou, então aguardou pela explosão.
— Você contratou o seu namorado?
— Ele não é meu namorado.
— E a irmã dele?... — Ve continuou como se Pamela não tivesse dito nada.
— Sim, bem, a irmã veio apenas como brinde. Febo é mesmo um expert em Roma antiga. Ele me ajudou a convencer Eddie a construir um autêntico balneário romano em vez de uma réplica cafona da piscina do Caesars Palace. Você sabia que os antigos romanos usavam seus balneários como clubes?
— Ok... foco! Ainda não terminei as perguntas sobre o seu namorado.
— Ele não é meu namorado.
— Seja lá o que for. Pensei tê-la ouvido dizer que ele era médico e músico — lembrou Ve. — E ele não devia ter zarpado de Vegas na segunda de manhã?
— Ele é médico e músico. E também especialista em Roma antiga. E, sim, ele devia ter ido embora, mas... ahn... perdeu o voo, por isso decidiu ficar — elaborou Pamela, tentando manter a voz leve, e de um modo que não soasse mentirosa.
— Parece tudo muito conveniente para mim. E eu achando que ele era um jovem cavaleiro Jedi!.. . Quantos anos ele tem, afinal?
— É mais velho do que eu pensava no início — admitiu Pamela, grata por poder responder a uma das perguntas da amiga com sinceridade.
— Ainda está transando com ele?
— Não! Pelo menos não na noite passada.
— Foi sua ideia ou dele não transar ? — Ve insistiu.
— Minha — confessou Pamela, desgostosa.
— Ô-ô... Está completamente amarrada . Por favor, diga que não o contratou apenas para mantê-lo por perto e se torturar com sua crescente obsessão! É o tipo de coisa que estabelece um daqueles cenários doentios de ópera, Pammy.
— Não é nada disso. Eu o contratei — e àquela infeliz da irmã dele — porque precisava de ajuda.
— Quer dizer que a bonitinha é uma bela bisca ...?
Pamela sorriu. Sabia que usar Ártemis como bode expiatório iria funcionar.
— Ela é horrível! Linda, altiva, do tipo que tem complexo de deusa. Você iria adorá-la.
— Você é tão engraçadinha... — Ve suspirou.
— Também sou um gênio do design . Contratar Febo e Diana tirou por completo a pressão de cima de mim para que eu transformasse algo totalmente brega em algo de bom gosto. Eddie está apaixonado por Diana. Um sorriso ou beicinho dela, e ele muda de ideia.
— E você, claro, a informou sobre o que Eddie deve gostar ou não...? — concluiu Ve.
— Claro — Pamela mentiu mais uma vez. Não se podia obrigar Ártemis a fazer muita coisa. Sorte que a deusa tinha excelente gosto... ainda que este fosse meio extravagante.
— E então, o que o seu trípode faz além de ficar por perto, bancando o macho?
— Ele não é meu trípode. E está trabalhando com os arquitetos, no balneário. É superinteressante saber mais sobre... — Uma batida na porta a interrompeu. — Espere um pouco, tem alguém na porta.
— Pamela? — A voz profunda de Apolo fluiu através da madeira. — Eu preciso de ajuda!
— Ahn, Ve, tenho que desligar.
— Ok, ligue mais tarde. E lembre-se: não fique se preocupando com tudo, mas tenha cuidado.
Pamela resmungou um adeus e fechou o telefone flip-top pouco antes de abrir a porta. Ela a escancarou e seus olhos fizeram o mesmo ao pousar em Apolo. Ele estava nu da cintura para cima! Tinha o cabelo ondulado todo desgrenhado, e seu queixo e faces estavam cobertos de sangue.
— Ah, meu Deus!... O que aconteceu?
— Fiz a barba — ele explicou. — E estou sangrando!
— ... Venha aqui. — Pamela o puxou para dentro do quarto e fechou a porta. Sob as manchas de sangue que salpicavam seu rosto, Apolo tinha a pele pálida. Ela balançou a cabeça e apontou para uma cadeira. — Sente-se antes que desmaie. Você não me parece bem.
Ele se deixou cair na cadeira. Tocou uma das gotas de sangue, olhou para o dedo avermelhado e engoliu em seco.
— É o meu sangue...
Pamela franziu a testa.
— Claro que é. Tirou sangue de si mesmo ao se barbear. — Rumou para o banheiro a fim de apanhar uma toalha molhada, olhando-o por cima do ombro. — Já fez a barba antes?
Ele negou com um gesto de cabeça, sem-graça.
— Não.
Pamela voltou ao quarto com a toalha molhada, lembrando-se de como o rosto de Apolo lhe parecera suave e sem pelos na manhã em que haviam acordado juntos.
— Nunca fez a barba?...
Ele a fitou.
— Nunca precisei fazer. Nunca tive barba.
Ela se inclinou diante dele e lhe examinou o rosto, tocando-o na face.
— Não está tão ruim. Você só se cortou algumas vezes. É que o rosto sangra muito facilmente.
— Eu não sabia — Apolo murmurou, parecendo ainda mais pálido.
Pamela se endireitou.
— Nunca viu sangue antes?
— Não — ele concordou, em seguida franziu a testa. — Quero dizer... sim. Mas nunca aconteceu de eu sangrar.
Pamela abriu a boca, depois fechou. Ele era um deus. Deuses não morriam, por isso era lógico que também não sangrassem.
Não soube o que dizer. Antes que pudesse formular uma resposta inteligente, ouviu duas batidas fracas, seguidas pelo som fraco de seu nome.
— Espere aí — disse a Apolo. — Quem é?... — perguntou através da porta.
— Eu! — A palavra soou como um gemido.
— Ártemis? — indagou Pamela, abrindo a porta.
Vestida com a túnica curta mais uma vez, a deusa se arrastou para dentro do quarto como se reeditando uma antiga tragédia grega, com uma das mãos estendida à sua frente e a outra segurando o pescoço.
— Pamela! Alguma coisa está muito errada comig... — Ao avistar o irmão sentado na cadeira, com o rosto salpicado de sangue, Ártemis levou a mão da garganta para a boca.
Pamela bateu a porta e segurou o cotovelo da deusa.
— Nem pense em gritar! — falou devagar e claramente.
— Oh!... — Ártemis oscilou, e Pamela a guiou para a cama, onde a diva se deixou sentar, ainda com os enormes olhos vidrados em Apolo.
— Ele está morrendo?! — indagou, em pânico.
— Ah, meu bom Senhor... Claro que não! Ele só se cortou no barbear. — Pamela esfregou a têmpora direita, sentindo a pontada que marcava o início de uma forte dor de cabeça.
— Apolo!? — Ártemis perguntou com voz trêmula.
— Não sou muito bom com a... — Ele fez um movimento, simulando a lâmina.
— Navalha — completou Pamela. — Não, você não é bom com a navalha. — Ela caminhou até ele e se abaixou de novo. — Isso pode doer um pouco... — Tocou os cortes com a toalha molhada.
O único movimento de Apolo foi uma puxada de ar.
Sua irmã assistiu a tudo, horrorizada.
— Ele está sangrando! — exclamou Ártemis.
— Sim, é isso o que acontece quando você se corta com uma navalha. Você sangra. — Pamela revirou os olhos para a deusa antes de se concentrar outra vez em Apolo. — Ok. Agora é só pegar um lenço de papel e pressionar uns pedacinhos nesses cortes. Muito em breve eles vão coagular e parar de sangrar, então estará novo em folha.
— Lenço de papel? — inquiriu Apolo.
— Coagular? — indagou Ártemis com voz estridente.
— Esqueçam... Eu mesma faço isso.
Pamela suspirou, foi até o banheiro, apanhou dois lenços de papel e tornou a se agachar ao lado da cadeira de Apolo.
Os gêmeos observaram, admirados, enquanto ela rasgava pedacinhos redondos e os pressionava nos cortes.
— Pronto — Pamela anunciou e se endireitou a fim de avaliar seu trabalho. — Isso deve parar o sangramento. Quando estiver pondo a camisa e penteando o cabelo, já poderá tirar os papéis sem que os cortes se abram novamente.
— Eles se abrem de novo? — ele perguntou, agoniado.
— Apolo, não é o Deus da Cura ou sei lá mais do quê? Como esse tipo de coisa pode ser tão chocante para você? — Pamela indagou, exasperada, sem saber se queria abraçá-lo ou chacoalhá-lo.
O deus se levantou de um salto.
— Tem toda a razão. Eu... Eu estou me sentindo um tolo. Vou me vestir e já volto — informou, batendo em retirada.
— Isso não foi muito gentil — observou Ártemis.
Pamela colocou as mãos nos quadris e se virou para a deusa.
— Olhe só quem está, de repente, toda preocupada com bons modos!... Preciso lembrá-la de que já deixou claro que me considera apenas uma experiência mortal que deu errado? Parece que me lembro de ter dito algo sobre estar farta de ficar algemada a mim como desculpa para ter me lançado algum tipo de magia sexual e fazer que eu me interessasse pelo seu irmão...
Ártemis se encolheu toda.
— Está piorando a minha dor de cabeça!
— Que bom!
— Mais uma vez, isso não está sendo muito agradável da sua parte! Até porque eu posso estar morrendo!
— E por que acha isso?
— Basta olhar para mim! Alguma coisa está muito errada. Meus olhos estão vermelhos, inchados e, sob eles, estou com essas manchas escuras horríveis. Estou com o estômago embrulhado e acho que a minha cabeça vai arrebentar a qualquer momento — choramingou a deusa, caindo dramaticamente sobre os travesseiros de Pamela.
— Por favor... Não há nada de errado com você, exceto uma enorme ressaca! — esclareceu Pamela, tentando não rir.
— E isso vai me matar? — Ártemis perguntou, endireitando o corpo para, em seguida, fazer uma careta de dor e segurar a cabeça.
— Não. Mas eu deixaria de lado as mimosas e o champanhe hoje.
A deusa empalideceu.
— Nem sequer mencione aquelas bebidas!
Pamela não pôde deixar de sorrir para ela.
— Aposto que está morrendo de sede.
— Estou seca! Como sabe? Já teve esta doença?
Pamela foi até o frigobar e apanhou uma garrafa de água. Rompeu o lacre, então a entregou a Ártemis. — Mais vezes do que estou disposta a admitir. Você ingeriu muito álcool ontem, e seu corpo temporariamente mortal está lhe dizendo que não foi uma boa ideia. — Pamela observou Ártemis entornar a garrafa de água. — Espere, não beba tudo. Vai precisar de um pouco para tomar com o Tylenol — explicou, vasculhando a bolsa até encontrar sua caixinha. Revirou as cartelas de Benadryl e Xanax até encontrar dois comprimidos do remédio. — Engula isto e depois tome um café da manhã leve: talvez apenas algumas torradas ou bolinhos. — Ao observar a expressão vazia de Ártemis, ela acrescentou: — Ah, está bem... Eu mostro o que poderá comer. Mas trate de beber café e um pouco mais de água. Vai se sentir melhor em breve.
— Vou ficar com uma aparência melhor também? Mal pude acreditar na imagem horrorosa que vi no espelho!...
Pamela estudou o rosto da deusa, assim como tinha feito antes com seu irmão. Ártemis continuava, como sempre, incrivelmente bela, mas, naquela manhã, a deusa se encontrava mesmo muito abatida.
— Vamos até o banheiro. Talvez eu possa dar um jeito nessas olheiras. — Ela fez uma pausa e lançou a Ártemis um olhar avaliador. — Espere... Faremos um trato. Vou melhorar sua aparência se prometer ser boazinha com Eddie outra vez.
À menção do nome do autor, a expressão de Ártemis mudou. Seu rosto pareceu suavizar, e suas faces se tingiram de um rosa delicado.
— Ah, meu Deus!... Está mesmo gostando dele! — exclamou Pamela.
— Ele... ele me lembra alguém — Ártemis sussurrou.
— Gosta de Eddie porque ele a faz se lembrar de alguém? Quem?
Os olhos da deusa faiscaram, e ela reassumiu sua habitual arrogância.
— É problema meu, não seu, quem Eddie me lembra. E não estou gostando dele apenas por causa disso. Ele me reconheceu. É um mortal de um Mundo Moderno que já não honra os deuses e as deusas, mas Eddie me conhece e me adora. E isso me agrada.
— Sei — resmungou Pamela. Em seguida, fez sinal para Ártemis se sentar no balcão do banheiro enquanto revirava seu estojo de maquiagem em busca de um corretivo.
Por algum tempo, trabalhou em silêncio no rosto da deusa, cobrindo os círculos escuros sob os olhos enormes e espalhando um pouco de pó bronzeador em suas faces, de modo a trazer de volta sua cor natural. Então, como se Ártemis já não fosse naturalmente maravilhosa, destacou seus olhos com uma sombra cintilante. Era como retocar uma pintura feita por um mestre, concluiu.
— Hipólito — murmurou Ártemis.
— O quê? — Pamela perguntou.
— Quem. Hipólito não era uma coisa. Era uma pessoa. Eddie faz que eu me lembre dele.
— Hipólito também era escritor? — Pamela quis saber, acrescentando apenas um toque de blush nas maçãs salientes do rosto da deusa.
— Não. Ele era guerreiro. Filho de Teseu. Era alto, forte e quase tão bonito como um deus. Não é o corpo de Eddie que lembra o do meu Hipólito. É em sua devoção que vejo muita semelhança.
— Você fala de Hipólito no pretérito... Ele está morto?
— Sim — admitiu Ártemis. — Assassinado por engano, por conta de sua devoção a mim. Fui a única mulher que ele amou.
— Eu sinto muito — sussurrou Pamela.
Ártemis encontrou o olhar da mortal, surpresa por identificar nele tanta compreensão.
— Você também perdeu um amor.
— Ele não morreu fisicamente... Mas descobri que o homem em que eu acreditava, na verdade, não existe.
Ártemis assentiu com um gesto de cabeça, pensativa.
— De certa forma, isso me parece até mais difícil de suportar. Pelo menos Hipólito já não caminha sobre a Terra antiga. Seria muito doloroso vê-lo, sabendo que ele é apenas a imagem do que eu acreditava que ele fosse...
— Então me entende — murmurou Pamela.
— Sim. — Ártemis sorriu, tristonha. Em seguida, virou-se. Ao se ver no espelho, seu sorriso se ampliou e se transformou em um sorriso de verdade. — Você realizou um milagre!
Pamela riu.
— Com certeza. E esses milagres têm nome: Borghese, Mac e um pouco de Chanel para completar. São milagres da mulher moderna que trabalha.
— Obrigada, Pamela! — a deusa falou com sinceridade.
— Foi um prazer, Ártemis. — Ela olhou para o próprio reflexo com um suspiro. — Agora vou ter que operar o mesmo milagre em mim. E depressa.
Ártemis deslizou do balcão.
— Eu digo a Eddie que fui a responsável pelo seu atraso. Ele não vai ficar nem um pouco aborrecido se tiver algum tempo a sós comigo antes que você venha ao nosso encontro...
— Ártemis! — Pamela chamou e, com a mão na maçaneta da porta, a deusa se virou para encará-la. — Posso fazer uma pergunta? Mesmo sendo meio pessoal?
A diva encolheu um ombro.
— Merece até uma bênção pelo milagre que fez. Não tenho poderes para lhe agradecer, assim terei prazer em responder à sua pergunta.
— Não entendo muita coisa de mitologia, mas lembro-me de ter lido que você, a deusa Ártemis, era uma deusa virgem, intocada por qualquer homem ou deus. Fico me perguntando se isso é verdade...?
Por um momento, Ártemis pareceu chocada. Depois, perplexa. Então começou a rir.
— Desculpe, eu não tive a intenção de que isso fosse engraçado — Pamela murmurou, meio envergonhada pela reação da deusa à sua pergunta.
— É da imaginação dos homens que estou rindo, não de você. Eles me denominaram a “Deusa Virgem” porque me recusei a ficar presa a um parceiro. Eu levo o amor aonde vou. Decido quem, onde e quando... Meu verdadeiro prazer vem da minha liberdade. Minha amante favorita é a floresta; minhas antigas companheiras, as ninfas que me servem. Mas posso lhe assegurar... não sou virgem — afirmou Ártemis, saindo do banheiro e deixando sua risada melodiosa como rastro.
C O N T I N U A
Capítulo 18
— Eu não faço a menor ideia do que vestir. — Pamela suspirou ao celular.
— Alguma coisa quente , mas não muito — sugeriu Ve. — Ele tem algumas explicações a dar antes de você cair de costas e abrir as pernas outra vez...
— Eu não abri as pernas assim!
O silêncio de Ve pesou na consciência já pesada de Pamela.
— Está bem, talvez eu tenha aberto um pouco — admitiu.
— Pammy, não existe abrir as pernas “um pouco”. É como estar um pouco grávida, ou se engajar em uma pequena guerra nuclear.
— Ah, Deus! Eu sou uma vagabunda! — Ela cobriu os olhos com a mão.
— Ora, por favor... Você teve relações sexuais com dois homens num período de... o quê? Oito, nove anos? Isso está longe de qualificá-la como uma prostituta.
— Mas eu dormi com Febo no nosso segundo encontro! — ela cochichou.
— Ei, não tem que cochichar! Está sozinha. Sem dizer que está se justificando para a pessoa errada, você sabe. Vamos rever aquela velha piada... O que uma lésbica leva com ela em um segundo encontro? — Ve fez uma pausa, na expectativa.
— Um reboque com a mudança — respondeu Pamela.
— Certo. Então, como pode ver, do meu ponto de vista tem se mostrado criteriosa até demais.
— Tem razão. Estou falando com a pessoa errada — Pamela concluiu.
Ve a ignorou.
— O que não significa que não deva fazer um pouco de doce ... Ao menos por uma noite, até que o jovem Jedi, Febo, explique por que resolveu abandoná-la pela manhã e, mais importante, por que deixou de mencionar esse fato antes, durante e depois de você ter aberto as pernas.
— Será que pode parar de chamá-lo desse jeito?
— Por quê? Falo como um elogio. Além disso, de acordo com suas incansáveis descrições, ele se encaixa perfeitamente na imagem.
— Febo não é nenhum Jedi . Se quer a verdade, ele parece mais um deus.
— Ah, controle-se! Nada é melhor do que um cavaleiro Jedi ... Exceto a princesa Leia.
— Vernelle! Não está ajudando em nada assim.
— Desculpe. Está bem, o que pode vestir?... Que tal aquele seu lindo vestido de seda creme? Você sabe, aquele com alças finas. Está na última moda de primavera e sempre faz sucesso com as massas. Você o levou, não levou?
— Sim. Mas não se lembra de como é decotado? Hello!... Tem alças finas! Ombros nus e decote profundo não entram na categoria “quente, mas não muito” — lembrou Pamela.
— Verdade. Muito bem. Levou as calças pretas? Aquela com as fendas que mostram uma boa parte das panturrilhas?
— Sim, acho que sim.
— Use-as com um dos seus tops sem mangas. Mas um com um decote alto. Assim ele consegue ver um pouco de suas pernas, um pouco dos seus braços, e apenas o contorno de tudo o mais. Se for um bom menino, poderá abrir o restante do pacote depois que vocês fizerem as pazes.
— Ve, você é incorrigível! — exclamou Pamela.
— Sim, eu sei. Mas também sei o que cai bem em mulheres.
— Agora me pegou. Está bem, vou usar as calças. E não vou dormir com ele de novo.
— Dormir? Você não me contou nada sobre ter dormido com o Jedi ! Eu posso não ser hetero, mas até eu sei que ninguém dorme com cavaleiros Jedi .
— Pare com isso. Sabe muito bem que estou falando de sexo.
— Pammy, você pode ter relações sexuais com ele. Basta judiar de Febo um pouco primeiro.
Pamela fez menção de dizer algo, depois mudou de ideia.
— Está bem. Talvez.
— Não me venha com “está bem, talvez”. Conheço esse seu tom. O que há de errado? Desembuche, criatura!
— Eu gosto dele — Pamela murmurou.
— Sim, deixou isso mais do que claro. E qual é o problema?
— Quero dizer que realmente gosto dele. E não quero isso. Não é muito inteligente da minha parte.
— Pammy, escute-me... O que não é muito inteligente é deixar Duane, aquele manipulador obsessivo, envenenar o seu futuro. Esse tal de Febo pode não ser o cara . Ele pode ser apenas alguém com quem está tendo um “casinho” em Vegas, e de quem vai se lembrar sempre como o homem que a tirou do limbo. De qualquer modo, nunca vai descobrir quem ele é realmente, ou o que qualquer outro cara seja, se não estiver disposta a lhe dar uma chance. Amor é assim. Precisa se arriscar a perder ou ganhar.
— Eu não sei se consigo — choramingou Pamela. — Nós já concluímos que não sou uma jogadora muito boa.
— Mas pode ser — Ve replicou com firmeza.
— Como pode ter tanta certeza?
— Se estivesse destinada a ficar sozinha, não estaria agonizando com essa história de “devo ou não devo”. Já teria aceitado o “não devo” como o melhor para você e seguido em frente com a sua vida. Seja franca. Pode afirmar com convicção que se sentia melhor antes de conhecer Febo?
— Era mais fácil — ela respondeu, seca.
— Bem, boneca, é mais fácil fazer as cortinas do quarto do mesmo tecido da colcha... Mas isso garante um melhor resultado?
Pamela fez uma careta ao notar as estampas florais combinando perfeitamente na suíte.
— Definitivamente, não.
— Por favor, dê uma chance a si mesma, Pammy. Você merece viver de verdade outra vez.
— Eu te amo, Ve — ela falou.
— Isso é o que todas as garotas dizem. Divirta-se esta noite. E tente não ser muito dura com o pobre trípode. Lembre-se de que pode ser esperta sem ser mala .
— Ahn?
— Esqueça. Vá se arrumar.
— Está bem, eu ligo amanhã — resolveu Pamela.
— Por falar nisso, percebeu que este é o segundo telefonema de uma série em que não mencionou trabalho uma só vez, não é?
— Maldição dos infernos! Estou perdendo a cabeça. Como foi com a sra... — ela recomeçou, mas a risada de Ve a interrompeu.
— Pammy! Pare!... É ótimo que tenha algo na cabeça além da Ruby Slipper.
— Sim, mas...
— Está tudo bem. Como de costume. Não tem que se preocupar. Telefone amanhã, depois da reunião com Faust. E lembre-se: diversão e fantasia, Pamela. Diversão e fantasia.
— Está linda esta noite... e muito sedutora — Apolo afirmou, beijando a pele da mão de Pamela com lábios tão persistentes e sugestivos como seu olhar.
Que maravilha! , ela pensou, sentindo o estômago se contrair com a visão dele. O oposto do que eu queria.
— Aposto que diz isso para todas — falou com cinismo, tomando emprestado o bordão de Ve.
— Não nos últimos tempos — ele replicou, os olhos azuis, da cor do céu, de repente muito sérios. — E nunca com tanta sinceridade.
— Então, muito obrigada — Pamela agradeceu, tentando, sem sucesso, não se deixar enfeitiçar pelo azul dos olhos de Febo. Como um gato se livrando da água, ela se sacudiu mentalmente e tratou de mudar de assunto. — Como está a sua irmã?
— Está bem. Ainda incomodada, mas bem. — Apolo manteve a mão na dela enquanto apoiava um pé no degrau inferior da cadeira alta, a seu lado. Queria puxá-la para os braços e beijá-la ali, na frente do café, mas a linguagem corporal de Pamela lhe dizia que ele precisava ir com calma. — Diana não quis ofendê-la esta tarde. Como ela mesma falou, não tem estado muito bem.
Pamela se preparou para soltar um improvisado “tudo bem”, porém se conteve. Em vez disso, endireitou os ombros e o fitou nos olhos.
— Não vou fingir que descobrir que iria partir tão cedo, e que não dissera nada a respeito, não feriu meus sentimentos. Para falar a verdade, isso fez que eu quisesse distância de você.
— Ah, a verdade. — Apolo acenou com a cabeça, pensando como apreciava a honestidade de Pamela e, ao mesmo tempo, percebendo quão poucas mulheres haviam sido sinceras com ele. Elas o tinham adorado, idolatrado, competido por sua atenção... Contudo, ele não achava que alguma houvesse sido honesta com ele. — Ficou magoada ao pensar que eu iria deixá-la sem explicação, e sinto muito por isso. — Acariciou-a no rosto. — A última coisa que desejo é que sinta vontade de fugir de mim para se proteger. — Tocou com o dedo a medalha dourada que pendia em torno do pescoço delicado. — Por favor, acredite que seus sentimentos estão seguros comigo.
Mais uma vez, Pamela retrucou com total franqueza:
— Vou tentar confiar em você, mas não posso prometer nada ainda.
Ele levou sua mão aos lábios outra vez.
— E eu vou me contentar com a sua honestidade e com a oportunidade de ganhar sua confiança.
— Pode me dizer por que está indo embora?
— Você se importaria muito se falássemos sobre isso durante o jantar? Planejei algo especial para nós esta noite.
— Ah, claro — Pamela sentiu uma onda de prazer que desejou poder controlar melhor. — Estou faminta. — Levantou-se, muito consciente de que Febo ainda a segurava pela mão, e sem coragem de se livrar dos dedos quentes. — Para onde vamos?
— Para o Monte Olimpo — ele declarou com os olhos brilhando.
— Parece um restaurante que se encaixaria muito bem por aqui... Mas não me lembro de tê-lo visto enquanto passeava pelo Fórum. Fica no Caesars Palace?
— Há uma passagem para ele no hotel, mas é exclusiva. Poucas pessoas sabem disso.
— É só para os deuses, certo? — Pamela falou brincando.
— Só para os deuses — Apolo concordou, sorrindo.
Caminharam de mãos dadas, do Fórum até o cassino. Seus braços se tocavam intimamente, e Pamela se lembrou de como fora maravilhoso estar no meio destes, pressionada contra o peito nu. Podia até sentir seu aroma único. Não era como o daqueles perfumes masculinos de loja de departamento. O dele era natural. Febo cheirava a limpeza. A homem.
A ponto de ela ter vontade de cheirá-lo.
— Terminou o esboço das salas de banho? — ele quis saber.
— Sim, terminei. — Pamela tratou de afastar as lembranças de sua pele nua. — E gostei. Nunca tinha desenhado nada semelhante. É emocionante fazer algo novo. Isso se eu convencer Eddie a usar o projeto.
— Vai convencer.
— Eu espero que sim... OH, MEU DEUS! — Pamela estacou, como se tivesse trombado com uma parede invisível, ao deparar com uma vitrine iluminada, bem na frente de uma pequena loja de acessórios da moda. Nesta, pequenas bolsas, cuidadosamente dispostas sobre um pilar de mármore, se encontravam dentro de uma caixa de vidro fechada. — Não acredito como são perfeitas! — Entorpecida, Pamela largou a mão de Febo e se aproximou do vidro. Havia três bolsinhas forradas de pedras nas caixas transparentes. Uma delas imitava um cofre de porquinho, desses de criança, a outra era uma encantadora libélula, e a terceira, aquela pela qual ela enlouqueceu: uma réplica exata de um dos sapatinhos de rubi de Dorothy. Cintilava com contas vermelhas e pedras semipreciosas sob o spot , parecendo mágica, familiar e muito... Mágico de Oz. — Preciso comprar essa bolsa! — exclamou, chamando o atencioso vendedor que aguardava no interior da loja com o dedo.
Apolo observou enquanto Pamela, encantada com a bolsa em forma de sapato vermelho — que também continha aquele pino cortante que ela tanto apreciava —, aguardava, impaciente, que o servo abrisse a caixa de vidro e retirasse o objeto com cuidado.
Pamela o tratou com reverência, virando a etiqueta dourada que pendia do fecho.
Seu rosto empalideceu.
— Deixe-me ter certeza de que estou lendo direito... São 4 mil dólares ou 400 dólares?... — perguntou ao funcionário.
— É isso mesmo, senhora. Trata-se de uma Judith Leiber original. — O tom do rapaz dizia que aquela era explicação suficiente para o preço.
— É linda. — Relutante, Pamela devolveu a bolsa para o vendedor, que a colocou de volta na vitrine.
— Posso lhe mostrar mais alguma coisa, madame?
— Não, obrigada.
O empregado fechou e trancou a caixa de vidro.
— Pode me chamar se precisar de ajuda. — Ele fez um movimento afetado com o rosto e rumou para o interior da elegante loja.
— Não vai comprá-la? — Apolo perguntou, odiando o ar de desamparo no rosto de Pamela.
— Está brincando? Custa 4 mil dólares. Não posso gastar esse dinheiro em uma bolsa.
— Mas disse que ela era perfeita.
— E é!... Quatro mil dólares de perfeição. — Ela suspirou e deslizou o braço pelo dele, conduzindo-o para longe da fachada da loja.
— Vamos embora antes que eu chore.
— Não tem 4 mil dólares? — Apolo perguntou enquanto caminhavam.
— Sim, tenho. Mas não sobrando. Ou melhor, não que justifique uma extravagância dessas. Mesmo que seja uma bolsa-joia, sapatinho de rubi!... — Ela suspirou, pensativa. — Quem sabe um dia?
Apolo pensou no pacote de dinheiro que carregava no bolso. Não se lembrava exatamente do quanto havia trazido com ele. Tinha apanhado apenas algumas notas do topo da pilha que Zeus mandara Baco deixar numa tigela dourada, próxima do portal. Fez uma conta rápida e teve a certeza de que não contava com 4 mil dólares.
De qualquer maneira, Pamela parecia considerar aquilo uma grande quantia em dinheiro; decerto mais do que aceitaria como presente.
Olhou para a medalha de ouro que se aninhava pouco acima do vale entre seus seios. Ela quase não a aceitara, e não fazia ideia nem mesmo de uma fração de seu valor.
Não. Pamela não permitiria que ele a presenteasse com a bolsa.
O chão de pedra deu lugar a um tapete opulento quando eles deixaram as lojas do Fórum e adentraram o Caesars Palace.
— É por aqui — orientou Apolo, virando à direita e passando por várias fileiras de máquinas caça-níqueis que piscavam. Em seguida, diminuiu o passo e parou.
— Caminho errado? — Pamela inquiriu.
Ele sorriu.
— Não, mas eu estava pensando... Por que não se arrisca um pouco no jogo?
O rosto bonito de Pamela se transformou em um ponto de interrogação.
— Quer a bolsa, mas não pretende gastar 4 mil dos seus dólares. E se ganhasse esse dinheiro? Você compraria a bolsa?
— Acho que sim, eu...
Apolo fez um gesto de cabeça em direção à fileira de caça-níqueis mais próxima.
— Estou sentindo que a sorte está conosco esta noite.
Pamela mordeu o lábio.
— Não sou muito boa jogadora. Gosto de saber que estou recebendo algo em troca quando entrego o meu dinheiro.
— Então, permita-me entrar com o meu dinheiro. — Ele enfiou a mão no bolso e tirou o pequeno pacote, lidando com habilidade com a dúzia de notas, cuja maioria era de 50 ou 100 dólares.
— Minha Nossa, Febo, nunca ouviu falar em cartões de crédito?
Ele tentou não se mostrar confuso. Baco havia mencionado algo sobre outras formas com as quais os mortais modernos pagavam por suas aquisições, mas não se lembrava exatamente do que o deus dissera.
— Prefiro isto. — Fez uma pausa, tentando decidir o que mais poderia dizer. — Não é muito colorido, mas interessante de se olhar. — Entregou-lhe uma nota de 100 dólares. — Aceite uma destas, use-a para alimentar uma das máquinas, e vamos ver o que acontece.
Pamela franziu a testa, olhando-o como se ele fosse louco.
— Não posso torrar 100 dólares assim, mesmo que sejam dos seus! E, estou falando sério, eu nunca jogo. Não sei se tenho a atitude certa para dar sorte.
— Pois eu penso o contrário. Você traz sorte para mim.
O comentário arrancou um sorriso relutante de Pamela.
— Não vou conseguir gastar 100 dólares assim.
— Se é assim, leve uma desta. — Apolo mexeu no dinheiro até encontrar uma nota de cinquenta. — Lembre-se de que poderá ganhar dinheiro suficiente para comprar a sua bolsa-sapato.
À menção do cobiçado objeto, os olhos castanhos de Pamela cintilaram, e ele soube que tinha vencido.
— Está bem, vamos fazer um acordo. — Ela não pegou a nota de cinquenta. Em vez disso, remexeu o maço de dinheiro até encontrar 20 dólares. — Eu aposto com isto, e apenas isto. Se eu ganhar, você recebe a metade. Se eu perder, fico lhe devendo 10 dólares.
— Aceito — concordou Apolo. — Em que máquina vamos tentar?
Pamela estudou a fileira de caça-níqueis piscando, ressoando, retinindo, e sentiu-se um pouco intimidada por sua aparência. Já passava das oito da noite do domingo, mas pelo menos metade das máquinas continuava ocupada por jogadores, os quais apertavam botões e puxavam alavancas com admirável intensidade.
— É você quem está se sentindo com sorte. Você escolhe — resolveu.
Apolo coçou o queixo, fingindo considerar os aparelhos com cuidado.
— Gostei desta aqui. — Ele a puxou pela mão até um caça-níqueis não muito longe de onde eles estavam. Havia apenas mais duas pessoas naquela fileira, e estas se encontravam sentadas bem além da máquina que ele escolhera.
— “Roda da Fortuna”. Tem certeza de que quer esta? Pode ser um mau presságio... Eu nunca gostei muito desse programa de TV. Não costumo soletrar bem. — Pamela encolheu os ombros. — Aliás, sempre odiei fazer isso.
— Está nervosa.
Apolo não compreendeu o que ela dizia, mas reconheceu o tom de sua voz e sua linguagem corporal.
— Sim — admitiu Pamela, sentindo-se uma tola. — Tem razão, estou mesmo. Eu já disse que nunca joguei antes.
— Não pense nisto como um jogo de azar. Pense nisso como a compra de uma bolsa.
Pamela se animou visivelmente.
— Acho que comprar uma bolsa é algo que eu consigo fazer. — Ela se acomodou no assento estofado e estudou a frente do extravagante caça-níqueis. — Acho que o dinheiro vai aqui... — concluiu, deslizando-o para dentro de uma fenda. A nota desapareceu, e a máquina clicou e retiniu, exibindo um crédito de 20 dólares no visor digital. Pamela olhou para Febo. — Pronto?
— Pronto.
Ela agarrou a bola vermelha na extremidade do braço de metal e puxou. Tinha a atenção voltada para as três pequenas janelas do aparelho, e não percebeu o pequeno gesto de comando que Apolo fez com a mão.
— Bar... — Pamela murmurou quando o primeiro rolo parou no visor. — Bar... — repetiu na parada seguinte, com crescente excitação na voz. — BAR! — gritou quando a terceira imagem preta estacou.
A máquina explodiu em luzes e sirenes, e começou a vomitar dinheiro pela boca mecânica enquanto Pamela gritava e saltava, atirando-se nos braços de Apolo, que a abraçou de volta, rindo.
Às vezes era muito bom ser um deus.
Capítulo 19
A alça da bolsa de sapatinho de rubi era uma corrente de filigrana de ouro que podia muito bem ser usada como um colar sensual por uma daquelas mulheres rebeldes dos anos vinte. Pamela a deslizou sobre o ombro e sentiu uma vontade louca e infantil de saltitar como a Dorothy pela Yellow Brick Road abaixo. Não podia acreditar que aquela bolsa era sua! Ve ia ter um ataque quando a visse.
— Ainda não acredito que o prêmio era de exatamente 8 mil dólares! — falou, emocionada, fazendo uma voltinha enquanto observava a bolsa cintilar no reflexo das vitrines pelas quais passavam.
— Eu disse que estava me sentindo com sorte — lembrou Apolo, ainda encantado com a exuberância da reação de Pamela ao ganhar o dinheiro.
— Eu jamais teria me permitido comprar algo tão caro! — Ela apertou a mão dele e baixou a voz. — Nem mesmo um par de sapatos de grife fabulosos, de coleção nova. Não por 4 mil dólares.
— Mas você adorou essa bolsa. — Apolo sorriu para ela, satisfeito por ter sido capaz de ter orquestrado tal alegria. Curiosamente, não se importava por não poder contar que ele mesmo comandara a máquina, de modo a fazê-la expelir o dinheiro necessário. Não se importava em não receber o crédito. O principal era que Pamela se encontrava radiante, e isso tornava seu coração leve e despreocupado.
— Amo esta bolsa. Adoro esta bolsa. Estou apaixonada por esta bolsa! — Ela riu. — Não me importo o quanto isso soe superficial e materialista. Só vou usá-la em ocasiões especiais. Quando eu voltar à minha loja, vou colocá-la em um vidro, na vitrine da frente, onde tenho nosso logotipo pintado em vermelho com os dizeres: “Ruby Slipper Design Studio... A certeza de que não existe lugar melhor do que a nossa própria casa”.
Fizeram o caminho de volta através do Caesars Palace enquanto Apolo ouvia a animada conversa de Pamela. Ele acreditava no slogan de seu estúdio de design . Sem Pamela, não havia casa alguma. Sabia que isso era verdade — já experimentara a sensação. O Reino de Vegas era um lugar estranho e bizarro, mas quando ele passara pelo portal, naquela noite, e rumara na direção da Adega Perdida e de Pamela, sentira como se estivesse voltando para casa. Por mais improvável que fosse, Apolo, o Deus da Luz, um dos Doze Olímpicos originais, estava se apaixonando por Pamela Gray, uma mortal moderna.
— Ei! O que vai fazer com os seus 4 mil dólares?
Apolo levou a mão delicada aos lábios.
— Não faço ideia. Talvez você me ajude a decidir. Lembro-me de ouvi-la dizendo que nunca comprou um par de sapatos de grife por 4 mil dólares... — Sua voz foi sumindo conforme seu olhar percorria o corpo esbelto, até as perigosas sandálias pretas de salto que Pamela usava. — E descobri que gosto muito desses seus sapatos que parecem uma adaga.
— Você sabe mesmo o caminho para o coração de uma mulher! — Pamela sorriu.
— Por todos os deuses, espero que sim — Apolo falou, sincero.
Em seguida, virou em um pequeno corredor lateral e, após apenas alguns metros, parou diante de uma porta branca e simples.
— Não pode ser aqui. — Pamela duvidou, olhando em volta. — Não há nenhuma indicação. Não é nem mesmo próximo dos outros res taurantes. — Ela lançou à porta, depois a Febo, um olhar desconfiado. — Acho que se confundiu em algum lugar.
Apolo sorriu de lado.
— Eu disse que era um local exclusivo.
— Mas... — ela recomeçou, confusa.
Apolo fez que ela o encarasse. Teria que resolver tudo depressa. Não gostava da ideia de usar seus poderes para hipnotizá-la, contudo precisava convencer Pamela a atravessar o portal. Depois iria transportá-la de imediato até seu templo, sem que ela estivesse ciente do que acontecia.
— Prometo que o jantar desta noite será como nenhum outro. — Ele não se preocupou em inspecionar a área ao redor; o pequeno corredor de serviço já se encontrava encantado pelo poder do Olimpo. Não haveria intrusos mortais para vê-lo usar sua magia imortal em Pamela. — Mas, antes de irmos, preciso fazer algo que estou com vontade desde que minha irmã nos interrompeu esta manhã... — Puxou-a para os braços. Enquanto deslizava as mãos pelas curvas suaves de seu corpo, e seus lábios encontravam os dela, concentrou-se em enviar para a mente de Pamela uma bruma de seu poder dourado. Ordenou que a névoa iluminada lhe obliterasse os pensamentos para que, por apenas alguns momentos, a preciosa alma mortal de Pamela ficasse tonta e desorientada.
Ela gemeu baixinho, oscilando ligeiramente.
Com um movimento rápido, Apolo a ergueu nos braços, abriu a porta e atravessou o portal. Teve apenas um vislumbre do Salão Nobre do Olimpo, mas foi o bastante para perceber que Ártemis fizera o que tinha prometido. O local estava deserto. Não havia um único imortal para testemunhar o Deus da Luz readentrando o Olimpo com uma mortal moderna nos braços.
Em silêncio, ordenou que fossem transportados até seu templo, e ambos desapareceram em um facho de luz.
O sorriso de Baco era malévolo quando ele deixou a boca do corredor e se aproximou da porta que disfarçava o portal olímpico. Aquilo iria ser ridículo de tão fácil. Como sempre, Apolo se mostrava muito arrogante e seguro de si, e não percebera que ele, Baco, o seguia desde quando ele encontrara a mortal no bar. Na verdade, Apolo não notara coisa nenhuma, exceto a mortal moderna por quem estava obcecado. Tinha bancado o herói oculto, manipulando a máquina caça-níqueis, e presenteado a moça com os meios necessários para a compra de um objeto de seu desejo...
Mal podia esperar até que a mulher testemunhasse como o deus dourado se tornaria impotente e patético sem seus poderes. Estava ansioso por ver a arrogância do Deus da Luz se extinguir, mesmo que fosse por um período de apenas cinco dias.
Baco caminhou através do portal. Assim como tinha previsto, o Salão Nobre do Olimpo se encontrava vazio. Se conhecia bem os gêmeos dourados, estes se certificariam de que o local permanecesse assim, de modo que o encontro de Apolo com a mortal passasse despercebido pelos outros imortais.
Que conveniente!...
Ele quase riu em voz alta, mas, com um esforço, se controlou. Teria muito tempo para se regozijar depois. No momento, precisava se concentrar.
O Deus do Vinho encarou o portal e ergueu os braços sobre a cabeça, invocando o poder inebriante de seu reino e dando início ao ritual mágico:
Ricos e inebriantes poderes do vinho,
reúnam-se neste portal.
Preparem-no para que possa, serena,
passar por ele a mortal.
Se ela voltar, todavia,
transforme-a naquilo em que foi nomeada.
Perdurem por apenas um momento, delicados poderes,
em seguida, esvaeçam,
como esvaece a luz de Apolo que pela manhã se alastra...
Baco fez uma pausa para reprimir a alegria que sentiu ao se referir ao Deus da Luz em seu feitiço. Tornou a se concentrar no que fazia, e completou as palavras de sua armadilha:
Há mais de uma maneira de se queimar...
Eis a lição que o Deus do Sol deve assimilar!
O deus ergueu as mãos diante do portal e, por um instante, este flamejou com a cor de um vinho rosé gelado. Em seguida, a cor desbotou, e tudo voltou ao normal.
— Primeiro passo concluído — Baco murmurou para si mesmo. — Segundo passo: espera.
O Deus do Vinho soltou um comando suave. Seu corpo desapareceu e se rematerializou no jardim dos fundos do templo de Apolo.
Baco espiou por trás de um arbusto bem cortado. Assim como ele havia previsto, a propriedade se encontrava deserta. Normalmente, exuberantes ninfas se reuniam em torno do templo de seu deus favorito, disputando a atenção de Apolo.
— A adoração de ninfas não pode ser conveniente quando se está cortejando uma mortal moderna... — Baco ironizou. — Melhor para mim.
Para um deus de seu tamanho, ele se movia com surpreendente discrição. Entrou por uma das portas traseiras do templo e se deslocou em silêncio pelo corredor de mármore até alcançar uma sala cavernosa, onde uma dúzia de servas virgens de Ártemis dava risadinhas e se divertia ajeitando jarros de vinho e comida em travessas. Sim, ele chegara a tempo. Aguardou, impaciente, que a serva encarregada do vinho virasse a cabeça para responder a uma pergunta cochichada de uma das colegas e, em seguida, com movimento rápido e seguro, moveu os dedos em direção aos jarros, sussurrando:
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O vinho cintilou com uma luz sobrenatural rosa-pálido.
Invisível para quem quer que fosse, Baco deixou a sala e se mesclou à noite.
Agora, tudo o que lhe restava era esperar e observar. Esperar e observar...
A risada satisfeita do Deus do Vinho ecoou, sinistra, pelos jardins desertos.
Ártemis correu para o salão, e suas criadas silenciaram respeitosamente.
— Eles chegaram!
Sussurros excitados cessaram com um só movimento da mão da deusa.
— Esta noite, servindo ao meu irmão, estarão servindo a mim mesma. Façam-no com competência.
As servas inclinaram as cabeças.
— Sim, deusa — entoaram com suas vozes doces.
— Levem vinho a eles — ordenou Ártemis, e duas das criadas se apressaram em obedecê-la.
Tão logo estas saíram, a deusa se debruçou sobre as travessas repletas de iguarias e olhou para as amas.
— Devo ajudar o Deus da Luz a alcançar seu desejo? — indagou, maliciosa.
As virgens riram e assentiram com um gesto de cabeça.
Ártemis estendeu as mãos sobre o banquete do irmão.
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O poder derramou das mãos da deusa por sobre os alimentos, cintilou por um instante, depois os fez voltar à sua aparência normal.
— Sirvam aos dois, e depois os deixem sozinhos. Privacidade é o que Apolo deseja esta noite.
Satisfeita, Ártemis deixou o templo do irmão e caminhou devagar na direção do Salão Nobre, o qual deveria estar deserto, pois ela se certificara disso. Afrodite e Eros haviam retornado mais cedo de sua incursão de fim de semana ao Reino de Las Vegas e agora descansavam em seus templos. Ela deixara claro para as ninfas que ainda perambulavam por Vegas que já era hora de elas voltarem para o Olimpo e, com poucas e afiadas palavras, mandara todas de volta para as florestas e os vales aos quais estas pertenciam.
Criaturas tolas...
O restante dos Doze Imortais tinha desaparecido, afinal, ela começara um boato de que Hera e Zeus estavam se desentendendo de novo, e nenhum mortal ou divindade gostava de testemunhar isso.
Em seguida, ela esperaria pelo irmão no salão vazio e torceria para que, antes do amanhecer, pudesse sentir o vínculo entre ela e a mortal se dissolver. Sem dúvida havia feito tudo o que podia. O restante era com Apolo.
— Absolutamente espetacular! — Pamela olhou ao redor, admirada. — Não acredito que aquela porta sem-graça estava escondendo isto tudo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Está brincando? Este lugar é magnífico! — Ela inclinou a cabeça para trás, tentando ver a parte superior do teto abobadado, e deparou com um tipo de afresco fabuloso. A vertigem que a acometera pouco antes, porém, a fez tropeçar para trás.
O braço forte de Febo estava lá para segurá-la.
— Talvez seja melhor sentar-se — ele sugeriu, guiando-a para uma das duas requintadas espreguiçadeiras que descansavam em ambos os lados de uma mesa de mármore.
Pamela se deixou afundar na chaise longue e esfregou a testa.
— Devo ter ficado no sol por muito tempo hoje. Minha cabeça está girando.
Como se sob sua sugestão, duas moças entraram na sala. Vestiam túnicas curtas e diáfanas, feitas de seda branca, onde se viam criaturas da floresta bordadas com fio prata. Uma delas carregava uma bandeja com um jarro dourado e duas taças da mesma cor.
As mulheres sorriram, tímidas, para Febo e Pamela.
— Vinho? — indagaram em uníssono.
— Claro — concordou Apolo.
Com movimentos graciosos, lindos de se observar, as moças serviram a bebida.
— Seu jantar está pronto — uma delas anunciou com voz melodiosa.
— Podemos servi-lo? — perguntou a outra.
— Sim.
As duas mulheres fizeram uma profunda reverência e saíram, apressadas, por onde tinham vindo.
— Mas nós nem mesmo fizemos o pedido — lembrou Pamela. Estava com uma terrível dor de cabeça. Sentia-se desorientada e nem um pouco confortável.
— Eu já havia especificado alguns pratos com antecedência. — Apolo pensou por um momento. — Chamam isso de “encomenda”, certo? — Quando a expressão perplexa de Pamela mudou para uma carranca, ele acrescentou: — Espero que não se importe. Eu queria surpreendê-la com iguarias gregas.
— Iguarias gregas? Intrigante. Quase tão intrigante quanto este restaurante. — Ela passou a mão pela lateral da chaise . — Veludo de seda... Meu tecido favorito para estofamento. — Como se o toque familiar do veludo fosse um bálsamo, a névoa em sua mente começou a se dissipar. — Veludo de seda me lembra água. É tão liso e macio!... Adoro. — Seus dedos permaneceram sobre o bonito tecido.
— Fico feliz por ter aprovado — disse Apolo, aliviado por ela estar se recuperando do poder que ele lhe lançara.
Pamela olhou ao redor da sala mal iluminada. Eles não apenas eram os únicos clientes ali, mas sua mesa também era a única posta no lugar. Era um espaço enorme, claro, mas, ao contrário do restante do Caesars Palace e do Fórum, alguém com bom gosto e estilo o tinha decorado... o que significava que este não era forrado do chão ao teto com a exagerada pseudo-opulência romana.
E o piso era incrível. Parecia feito de uma única peça de mármore, embora ela soubesse que aquilo não era possível.
— Este chão é inacreditável. Parece muito com mármore de Carrara, mas nunca vi Carrara com veios dourados como este. — Seus olhos viajaram do piso para as paredes, e então se arregalaram. — Usaram o mesmo mármore para as paredes e as colunas! Adoro esse estilo minimalista. E o decorador acertou em cheio: esse mármore é bonito demais para ser coberto por uma porção de quadros. Aquela tapeçaria é o toque perfeito. — Apontou para o enorme trabalho que se estendia pela maior parte da parede à sua frente. Era de um homem nu. Um lindo e jovem homem nu.
Pamela apertou os olhos, tentando enxergar melhor à luz fraca. Ele se encontrava de pé, ao lado de uma biga, e segurava uma harpa.
— Ele me parece familiar — comentou, intrigada.
— Provavelmente porque o está usando na imagem que leva em torno do pescoço — Apolo justificou depressa.
Ela tocou a medalha dourada e sorriu.
— É verdade. Você disse que o nome do restaurante era Monte Olimpo, portanto é provável que seja Apolo outra vez. Incrível essa semelhança entre vocês dois. Principalmente com este da tapeçaria. Estranho...
— Coincidência — ele falou, fingindo indiferença. — Vamos beber? — Entregou-lhe um dos cálices e ergueu o seu próprio. — À nossa sorte.
Pamela sorriu e deu um tapinha na bolsa cintilante que descansava a seu lado.
— À nossa. — Tomou um gole. — Este vinho é uma delícia!... E eu não costumo gostar muito de vinho branco. — Olhou para a taça. — Mas este não é branco. — A cor do vinho era tão incomum quanto seu sabor. Se ela fosse convidada a descrevê-lo para uma daquelas revistas sobre degustação, diria que era leve e fresco, como o cheiro de peras ou melões, e da cor da luz solar. — O que é, um Pinot Gris ?
Apolo encolheu os ombros.
— Não tenho certeza. Pedi para que nos servissem o melhor da casa.
Quanto a isso ele estava dizendo a verdade. Ártemis tinha planejado o jantar e escolhido o vinho.
Bebeu outro longo gole. Teria que perguntar à irmã sobre o vinho. Era mesmo delicioso e incomum. Estava gelado, mas, conforme bebia, podia sentir o corpo sendo preenchido por um calor que parecia irradiar de seu âmago.
Olhou para Pamela. Ela estava com as faces coradas, parara de examinar o design da sala e agora sorria para ele, os lábios ligeiramente separados parecendo ainda mais cheios e convidativos.
— Não gostei de ficar longe de você esta noite — ele falou, rouco.
— Eu também senti a sua falta.
— Como vou suportar ficar distante nos próximos cinco dias?
— Cinco dias?
Então ele só voltaria para Vegas no outro fim de semana, quando ela estava pensando em voar de volta para o Colorado? Aquele trabalho deveria durar apenas uma semana, lembrou Pamela. E passaria cinco dias sem Febo!...
De repente, percebeu os pensamentos lentos e deslocados, e o tempo lhe pareceu interminável e sem importância. Ela não queria que ele fosse embora — claro que não — e Febo estava ali naquele momento. Perto o suficiente para ser tocado.
Como podia ser tão bonito?, perguntou-se.
E precisou se obrigar a permanecer na própria chaise quando o que queria era se juntar a ele, tirar aquela camisa... e começar a lambê-lo corpo abaixo.
— Sim, eu... — Apolo vacilou. O que ele e Ártemis tinham decidido dizer a Pamela sobre sua suposta “viagem”? Estava difícil se concentrar em qualquer coisa além daqueles lábios.
Uma série de virgens carregando travessas de comida impediu seu impulso de empurrar a mesa e devorar a boca de Pamela.
Pouco depois, eles eram servidos com os alimentos dos deuses em pratos de ouro.
— Folhas das mais finas uvas, recheadas com carne e queijo — explicou uma das servas de Ártemis em uma voz suave e hipnótica, conforme Pamela provava o aromático charutinho.
— Cordeiro criado à base de mel e leite — murmurou outra.
Apolo provou a carne, depois sorriu, comendo com prazer. Sua irmã não costumava ser tão dedicada a assuntos domésticos, mas, naquela noite, havia se superado.
— Queijo de cabra, animais dos quais as ninfas cuidam como se fossem seus filhos...
— Azeitonas e figos colhidos no Monte Olimpo pelas mãos macias e hábeis das sacerdotisas de Afrodite...
Aquelas moças eram, sem dúvida, as melhores garçonetes que ela já conhecera!, refletiu Pamela. Precisava perguntar a Febo como ele conseguira aquela reserva. Ele devia ter mandado fechar o restaurante, o que significava, entre outras coisas, que devia ser um médico bastante bem-sucedido.
E parecia tão jovem!... Ela precisava perguntar quantos anos ele tinha, quando era seu aniversário e onde ele nascera.
Não que isso importasse muito. Estava apenas curiosa.
Também precisava perguntar a ele sobre... o que, mesmo? Não conseguia se concentrar! Aquela comida era tão absurdamente deliciosa!... Seu gosto preenchia os sentidos.
Aquilo era mais do que comida. Lembrava a luz de um sol de verão, calor, desejo...
Ergueu o olhar do prato e encontrou os olhos cor de safira de Febo observando-a com uma intensidade que a fez prender a respiração.
— Vamos deixá-los a sós agora. Nossa noite está no fim — as servas entoaram. E conforme suas vozes doces se desvaneciam, elas sussurraram uma prece quase inaudível: — Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
Apolo e Pamela mal notaram a partida das servas. Olharam um para o outro, e tudo o mais na sala, tudo o mais no mundo, desapareceu. Sua pele formigava com o calor crescente da luxúria.
— Preciso que você me ame — a voz de Apolo saiu densa de desejo.
Em algum lugar nos recônditos de sua mente, onde o bom-senso ainda espreitava, ele sabia que sua reação a Pamela estava sendo muito rude, atrevida; entretanto não conseguia se conter. Não queria parar.
— Sim... — ela balbuciou a palavra.
Com um movimento selvagem, fluido, que lembrou o de um leão enorme e pardo, Apolo se levantou e arrastou a mesa que os separava para longe. Pamela percebeu que a mesa foi lançada com uma força desumana, porém tal pensamento foi vago, e ela o registrou apenas em parte. Quando ele rasgou a camisa e quase arrancou as calças, tudo o que ela conseguiu pensar foi na reação de seu corpo ao ouvir o som gutural de seu próprio nome nos lábios de Febo, e como ele estava magnífico olhando para ela enquanto se aproximava completamente nu.
— Sim! — gemeu de novo, saindo da chaise direto para seus braços.
A boca de Febo a devorou. Enlevada, ela deslizou uma das mãos pelo ombro largo, sentindo seus músculos tremerem com a força do desejo. Com a mão livre, puxou a própria camisa sobre a cabeça e abriu o zíper das calças, que deslizaram com fluidez por seu corpo abaixo. Febo encontrou o gancho do sutiã e lutou para abri-lo.
— Eu não consigo... Eu preciso... — rosnou, frustrado. — Tenho que sentir você contra mim! — Rasgou a faixa de renda em suas costas, e os seios de Pamela se libertaram, roçando o peito largo enquanto ela abria um caminho de beijos quentes pela lateral de seu pescoço.
Apolo deixou escapar uma imprecação na tentativa de controlar a própria luxúria.
— Aqui também... — Pamela segurou a mão com que ele apertava seu seio e a guiou para a calcinha. Mordeu o lábio inferior de Febo, puxando-o para dentro da boca e sugando-o, sedutora. — Quero que a tire também!...
Todos os pensamentos de Apolo desapareceram. Com um grunhido, ele a obedeceu. Em seguida, suas mãos se espalmaram ao redor da cintura delgada e, com a força de um deus, ele a levantou e empalou em seu membro.
Pamela se encontrava pronta para ele. Envolveu-o com as pernas em torno da cintura e cravou as unhas em seus ombros. Pendendo a cabeça para trás, arqueou-se, consumida pela esmagadora necessidade de se saciar com seu toque... com seu fogo.
Febo era o fogo. Sob as mãos dela, seu corpo literalmente brilhava.
Seus sentidos atestavam aquilo, contudo Pamela não conseguia atinar com o pensamento. Era como se a luz que brotava da pele úmida de suor fosse parte de sua excitação: ela a seduzia, brincava com ela, instigava sua própria paixão. O cabelo de Febo pendia, cacheado, em volta de seu rosto: espesso, dourado, glorioso. E seus olhos... seus olhos a incendiavam.
E ela queria ser incendiada por eles. Queria ser varrida pelas chamas de sua luxúria. Sentia-se gloriosa, maravilhosamente sem controle.
— Mais forte!... — ofegou na boca de Febo, mal reconhecendo a própria voz. Ele arremeteu, e ela sentiu a fria suavidade de uma das colunas de mármore contra as costas nuas. Usou a rigidez da pilastra para se firmar, de modo a ir de encontro às estocadas com sua própria paixão. — Não pare... Ainda não... Não pare! — arquejou, sentindo-se dobrar sobre a borda de um abismo.
Seu orgasmo foi algo que ela jamais experimentara. Envolveu-a, ondeando por seu corpo com uma intensidade que beirava a dor.
De repente já não estava mais sendo pressionada contra a coluna. Com o corpo ainda dentro do dela, Febo a carregou dali. Passaram por uma porta em arco que dava em um cômodo adjacente à sala de jantar. No centro do espaço, havia uma enorme cama de dossel.
Pamela se deu conta de que tinham entrado em um quarto, e aquilo não fez qualquer sentido.
Mas sua mente e corpo estavam tão repletos de Febo que nada parecia real, exceto seu gosto, sua pele e seu cheiro.
— O que está acontecendo? — murmurou enquanto ele a deitava na cama, sob ele.
— Estou amando você. Para sempre, Pamela... Isso é o que é ser amada por mim.
Apolo começou a se mover contra ela na antiga dança do amor, recuando o membro rijo de seu corpo para depois mergulhá-lo nela outra vez.
Pamela passou as mãos pelo peito liso conforme este se avultava sobre ela. A pele de Febo tinha um brilho dourado!
Perplexa, e ainda ultrassensível, olhou para baixo, onde seus corpos se uniam. Eles estavam ambos brilhando, em chamas... Chamas varriam sua pele, conduzindo-os, engolindo-os!...
— Olhe para mim, Pamela!
A voz de Febo soou rouca, e ela fixou os olhos nos dele.
— Enxergue-me — ele pediu. — Desta vez, veja quem sou de verdade.
Conforme eles se uniam, ela obedeceu. Febo era o poder, a beleza e o amor, tudo se fundindo em um único ser. Como ela pudera acreditar que ele era um homem comum?
Sua mente se esforçou para compreender a verdade fugidia do que estava vendo conforme seus corpos se inflamavam naquela luz ofuscante e sobrenatural. O que ele era? O que estava acontecendo com ela?!
Apolo viu o pânico cintilar em seus olhos e a segurou pelo rosto, obrigando seu olhar a permanecer preso ao dele. Com um enorme esforço, controlou o próprio corpo.
— Olhe mais fundo — pediu baixinho. — Olhe além da estranheza que você teme... Não pode ver o seu reflexo na minha alma?
O azul de seus olhos a manteve ainda mais cativa do que seus corpos unidos. Pamela estremeceu com a intensidade das emoções que a sacudiam.
E ali, sob o poder que irradiava dele, encontrou a essência do homem que ela conhecia. Nesta, viu o reflexo de seu próprio desejo, de sua necessidade e de seu vazio, e de repente soube que, ao preencher Febo, ela também se completava.
— O que você é? — indagou num sussurro.
— Sua alma gêmea.
A voz dele tremeu e, apesar do impressionante poder que irradiava de Febo, Pamela pensou, de repente, que ele parecia muito jovem e vulnerável.
— Sim — murmurou, sentindo o fogo começar a reacender em seu âmago. — É minha alma gêmea.
Ela o puxou mais para si e, com um doloroso gemido, Febo mergulhou nela, incapaz de se conter por mais tempo.
Quando o mundo começou a explodir, Pamela afundou o rosto no ombro largo e se agarrou a ele.
No Salão Nobre, Ártemis, se levantou de repente e respirou fundo. Estava acabado! O vínculo com a mortal fora embora. Pelo visto, sua magia tinha feito a balança pender em favor de seu irmão.
Já não era sem tempo.
Espreguiçou-se, langorosa, apreciando a ausência do irritante incômodo que fora o desejo de amor de Pamela, então se recostou em sua bem estofada chaise longue . Gostaria de ir para a floresta — uma corrida ao luar seria revigorante —, mas não podia. Apolo ainda precisava dela para garantir que nenhuma ninfa o vislumbrasse devolvendo a mortal para seu próprio mundo.
Mas isso era de pouca importância. Seu relacionamento com a mortal estava quase concluído. Agora que Apolo havia ganhado o coração de Pamela, previu Ártemis, ele logo iria se cansar da moça. Logo tudo voltaria ao normal, e sua aventura no Reino de Las Vegas não seria nada mais do que uma quase divertida lembrança.
Ártemis ignorou a ponta de dúvida que surgiu em sua mente conforme ela se lembrou da fervorosa declaração de amor do irmão. A alma gêmea de Apolo era uma mortal?... Impossível.
Escondido nas sombras, Baco sorriu e esperou.
Capítulo 20
Alguma coisa estava errada. Apolo soube disso da mesma forma que conhecia as muitas linguagens do homem ou as vozes de instrumentos musicais: naturalmente, no nível mais elementar de seu ser.
O corpo quente em seus braços se agitou e, no mesmo momento, ele o abraçou com mais força.
Pamela...
Abriu os olhos. O que tinha acontecido na noite anterior? Eles estavam nus em sua cama.
Pense!, ordenou a seu cérebro entorpecido. Lembre-se!
E os acontecimentos da noite lhe assomaram à memória.
Apolo abafou um gemido. Ele perdera todo o controle. Como? Por que não fora capaz de...
Soube a resposta antes de completar o pensamento. O banquete fora impregnado com o poder inebriante de uma deusa. E ele sabia qual delas: Ártemis!
— Apolo!
Como se seus pensamentos a houvessem invocado, o sussurro impaciente da deidade chiou no quarto.
Ele virou a cabeça e a fulminou com o olhar.
— O que está fazendo? — cochichou Ártemis. — Sabe que o amanhecer está próximo. Quer que a mortal fique presa aqui?
Chocado, ele sentou-se. Era isso o que estava errado. Como sempre, o Deus da Luz sentira a vinda da carruagem em chamas que introduzia a aurora no firmamento. Por instinto, ele soubera que já passara da hora de Pamela ser devolvida a seu mundo.
Na noite anterior, ele se revelara em demasia. Como a mente mortal de Pamela poderia compreender o que decorrera do amor sem amarras que haviam feito, assim como aceitar que ela se encontrava presa no Monte Olimpo?...
Lembrou-se do medo que tremeluzira em seus olhos quando ele tinha se revelado. Pamela não seria capaz de apreender tudo aquilo; não de verdade. E, se fosse, ele podia imaginar como isso mudaria seus sentimentos por ele.
Não. Ainda era cedo. Ele precisava tirá-la do Olimpo. No momento em que o portal fosse reaberto, teria uma explicação para aquela noite incomum. Passaria mais tempo com ela e a faria solidificar seus sentimentos por ele; sentimentos que Pamela só admitira sob a influência da magia de Ártemis.
Apolo tornou a fazer uma carranca para a irmã.
— Vá! — sussurrou para ela. — Certifique-se de que o Salão Nobre esteja vazio. Vou com Pamela em seguida.
— Depressa! — aconselhou a deusa enquanto seu corpo se esvaecia.
— Febo? — A voz de Pamela soou grogue. Ela piscou, sonolenta, e esfregou os olhos. — Onde...
Ele apertou os lábios e, relutante, passou a mão sobre o rosto delicado, obliterando seus pensamentos e lhe entorpecendo os sentidos.
— Precisa se vestir. Temos que ir embora — falou, conduzindo-a com delicadeza pela mão até o cômodo ao lado, onde encontrou suas roupas jogadas.
Hipnotizada, Pamela obedeceu.
Apolo odiou a si mesmo enquanto vestia as próprias calças e a observava fazer o mesmo mecanicamente. Suas roupas de baixo, assim como a camisa dele, estavam arruinadas.
A lembrança da paixão que o inundara ao rasgar as peças de seus corpos o fez estremecer, e suas entranhas se agitaram. Como poderia sobreviver sem o toque de Pamela por cinco dias?
Sua determinação vacilou. Ele contava com uma escolha. Poderia enfeitiçá-la e mantê-la consigo até que o portal se abrisse de novo.
Tocou seu rosto e, mesmo com os pensamentos embotados pela magia, Pamela oscilou em sua direção.
Seria apenas uma semana...
Não!, Apolo repreendeu a si mesmo. Ela ficaria enojada se ele fizesse tal coisa. Como não poderia?
Ele odiou a si mesmo só de pensar.
— Venha, minha doce Pamela. Vou levá-la pra casa.
Passou os braços ao seu redor, e eles desapareceram, rematerializando-se quase que no mesmo instante ao lado do portal, no Salão Nobre.
Ártemis estava lá, com os braços cruzados, batendo o pé, impaciente. Observou o peito nu do irmão, a expressão zumbi de Pamela, e balançou a cabeça. Quanto mais cedo eles se livrassem do Mundo Moderno dos mortais, melhor!
— Ande logo, o sol está nascendo! — ralhou.
— Eu sei! — devolveu Apolo com raiva. — Principalmente agora que meus sentidos não estão mais entorpecidos pela magia de uma deusa...
Ártemis teve a decência de parecer sem-graça.
— Vou levá-la e voltar em seguida — avisou o Deus da Luz.
Ela suspirou, porém não discutiu.
Apolo colocou o braço em torno de Pamela e atravessou com ela o portal. Adentraram Vegas, e ele abriu a porta para o pequeno armá rio. No corredor deserto, ajeitou suas roupas, então tocou seu rosto delicadamente.
Sentia-se como um meliante. Havia roubado seu amor, e agora iria bater em retirada antes que a luz do dia revelasse seu crime. Não tinha escolha, mas, mesmo assim, odiou a si mesmo por permitir que as coisas tivessem acontecido daquela maneira.
— Eu te amo, minha doce Pamela. Lembre-se disso. E lembre-se de confiar em mim. Eu voltarei para você... Mas, desta vez, farei isso do modo certo. — Inclinou-se para ela e ordenou em pensamento: Desperte com o meu beijo.
Beijou-a com paixão e, enquanto Pamela piscava e sua expressão aturdida começava a se iluminar, voltou para o armário, fechou a porta e retornou ao Olimpo.
Pamela esfregou os olhos. Urgh... Estava tonta e um pouco enjoada. O quanto bebera no jantar?
Olhou ao redor. Onde, diabos, ela se encontrava?
Seu cérebro atordoado registrou a porta pequena e simples, e o corredor vazio. Onde estava Febo?
Passou a mão pelo cabelo, e o movimento de levantar o braço fez balançar seus seios.
Seus peitos estavam balançando?... Aonde fora parar seu sutiã?!
Sentiu um arrepio de pânico descer pela espinha.
Pense! Do que ela se lembrava?
Febo a encontrara no café. Eles haviam ido jantar em um restaurante maravilhoso, exclusivo...
A lembrança da refeição em si estava embaçada, contudo. Estranhas imagens de peles quentes e escorregadias, e do gosto salgado da paixão, a atormentavam. Tinha uma vaga lembrança de roupas sendo rasgadas e, depois, de Febo levando-a para um quarto onde ela pudera se vestir... com apenas algumas de suas roupas!
Pamela sentiu o pânico invadi-la e a dor na cabeça aumentar. Respire , ordenou a si mesma. Estava bem; apenas bebera demais.
Mas onde, diabos, estava Febo?!
Sua felicidade ao comprar aquela bolsa maravilhosa de sapatinho de rubi era sua última lembrança mais nítida.
— Maldição dos infernos !... Minha bolsa!
Olhou para a porta branca. O que acontecera naquele jantar? Não conseguia concatenar as ideias, mesmo sabendo que alguma coisa havia acontecido. Por algum motivo, a memória fugia do seu alcance. Febo a drogara? Mas por que ele o faria?!
Na tentativa de manter o medo sob controle, Pamela apelou para o bom-senso. Deixara sua bolsa nova de sapatinho de rubi, de 4 mil dólares, no restaurante. E, com ou sem Febo, iria voltar lá para pegá-la.
Abriu a porta e entrou. Aquilo era um closet ?...
No meio do armário, deparou com uma passagem em forma de disco que cintilava e brilhava.
Alguma coisa se agitou em sua memória. Ela atravessara aquele círculo com Febo! Era a entrada para o restaurante.
Pamela endireitou os ombros e cruzou a bizarra entrada. Experimentou uma sensação engraçada, como penas lhe roçando a pele, e a luz mudou, da lâmpada amarela e fraca do closet para uma luminescência rosada.
Entretanto, ela não adentrou o fabuloso restaurante de que se lembrava. Em vez disso, viu-se no meio de um magnífico salão de baile.
O lugar era imenso e de uma beleza indescritível. O enorme espaço se encontrava vazio, exceto pela presença de duas pessoas que gritavam uma com a outra.
Conforme ela surgiu na entrada, estas se viraram em sua direção. Febo, sem camisa, olhou para ela em choque. Sua irmã pareceu furiosa a princípio, em seguida sua expressão mudou e...
Uma dor lancinante cortou Pamela dos pés à cabeça. Ela abriu a boca para gritar, mas, conforme a dor ondulou por seu corpo, o grito ecoou em sua cabeça. Era como se ela não tivesse mais boca para lhe dar voz. Desamparada, estendeu a mão para Febo conforme se sentia dobrar e se transformar em algo não humano.
No mesmo instante, a dor dissipou a bruma em sua cabeça, e as lembranças a assaltaram de uma só vez. Febo... Sua pele brilhando com uma paixão sobrenatural enquanto ele a tomava nos braços e a fazia sua... Ele não era humano. Nenhum homem comum podia ser feito de fogo.
O que ele havia feito com ela? O que estava fazendo com ela agora?!
Lembrou-se de seu fogo varrendo-a inteira, acariciando-a e...
Outro grito rasgou sua mente.
Apolo estava de costas para o portal, repreendendo a irmã por sua indesejada interferência, quando sentiu sua alma gêmea adentrando o Olimpo, e seu fogo de barragem foi interrompido. No momento em que os pés mortais de Pamela ultrapassaram o portal, o restante de seu corpo começou a se transformar.
Impotente, Apolo assistiu a Pamela diminuir de tamanho, se liquefazer, depois se transmutar em um belo jasmim perfumado.
— Leve-a de volta antes que o sol nasça! — sua irmã gritou. — Quando o portal se fechar, o feitiço vai desaparecer!
E, então, ela seria Pamela mais uma vez.
As palavras tiveram o efeito de uma cotovelada em Apolo. Ele saltou para a frente, sentindo Ártemis logo atrás dele.
Agarrou a flor de jasmim delicada e a puxou de onde esta já começava a fincar raízes, no chão de mármore. Sussurrando um alquebrado pedido de desculpas, pulou através do portal com o corpo transformado de Pamela nas mãos.
Ártemis hesitou em frente ao portal, lançando um olhar rápido sobre o ombro na direção das janelas que iam do chão ao teto, e que mostravam o amanhecer iluminando o céu, o qual, por sua vez, já se tingia de vermelho.
— Não, seu tolo! — gritou dentro do disco que girava. — Não era para ir junto com ela! — A deusa se inclinou para a frente, tentando enxergar através da fulgurante passagem.
Das sombras, Baco se aproximou rápida e silenciosamente e, com um único movimento, bateu o ombro no centro das costas da Deusa da Caça. Ártemis gritou e caiu no disco apenas alguns segundos antes de o portal se apagar, desaparecendo por completo conforme o amanhecer se espalhava pelo Monte Olimpo.
A risada de Baco ressoou, então, com malévolo triunfo.
Capítulo 21
Pamela estava de quatro. Sua respiração saía em espasmos, e seus dentes batiam em uníssono com o tremor que lhe sacudia o corpo.
Seu corpo!
Apalpou braços e rosto freneticamente. Ela havia se transformado em alguma coisa!... Algo verde, que crescia e que, sem sombra de dúvida, não era natural.
Mas agora voltara ao normal de novo. Voltara a ser humana.
— Está tudo bem, meu doce — falou Apolo, estendendo-lhe a mão.
Pamela se encolheu para longe de seu toque.
— Você! — exclamou, mas, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a irmã de Febo caiu de cabeça no pequeno cômodo, pouco antes de o disco perolado e colorido que girava desaparecer.
Ártemis soltou uma praga ininteligível conforme se levantava do solo, e o irmão a fitou, pasmado.
— Vou fazer Baco se arrepender de ter sido salvo por Zeus quando aquela mãe humana dele... — A deusa interrompeu o discurso ao se dar conta de que o portal se fechara. — Não!... — sussurrou, lívida. — Não podemos ficar presos aqui!
— Que diabo é você?! — As palavras explodiram de Pamela.
Apolo e Ártemis se viraram para a pequena mortal ainda agachada no chão. Ela foi recuando, até se ver pressionada contra a porta fechada. Tinha os olhos arregalados e escuros em contraste com a brancura de seu rosto.
— Pamela... — Apolo falou em um tom suave, estendendo-lhe a mão outra vez. — Sabe quem eu sou.
— Não! — ela gritou de volta, se esquivando de seu toque. — Eu não perguntei quem você é. Perguntei o que você é!
— Vai ter de fazê-la esquecer — declarou Ártemis, ignorando Pamela. — Ela já viu muito. Olhe para ela: Pamela se lembra! — A deusa levantou a mão esguia. — Está bem, eu mesma faço isso. Sei o quanto ficou apegado a ela... Durma e esqueça! — Sacudiu os dedos na direção de Pamela, que recuou instintivamente.
— Pare! — gritou Apolo. — Não quero que mexa com ela.
— Que diabo está acontecendo?! — As pernas de Pamela funcionaram bem o bastante para que ela se levantasse; contudo ela permaneceu de costas para a porta, pressionando as mãos contra a madeira maciça na tentativa de atenuar o tremor que a sacudia.
— Por que ela não dormiu? — Ártemis indagou ao irmão. Então balançou a mão e olhou os dedos.
— O portal está fechado — lembrou Apolo.
A deusa fez uma careta de desdém.
— Estou vendo!
Apolo apenas a encarou, e Ártemis arregalou os olhos.
— Quer dizer que quando o portal se fecha... — Suas palavras foram morrendo.
— Quando o portal se fecha, ele corta os nossos poderes — seu irmão terminou por ela.
Ártemis levou a mão à boca, soltando uma exclamação abafada.
— Está bem, é isso aí... Estou indo embora. — Pamela empurrou a porta do armário e saiu, sentindo como se as pernas fossem de borracha.
— Olhe o que você fez! — Apolo rosnou para a irmã antes de correr atrás de Pamela.
— O que eu fiz? — Ártemis bufou, indignada, mas, relutante, o seguiu. Não queria fazer aquilo. Queria que o portal reabrisse. Queria voltar para o Olimpo e tomar um longo banho de imersão em sua fonte de água mineral. Queria que seus poderes imortais retornassem e...
Suspirou, saindo para o corredor.
Apolo tinha segurado Pamela pelo cotovelo a poucos metros da porta do armário e tentava se justificar, enquanto a mortal fazia força para puxar o braço.
Ártemis balançou a cabeça. Como haviam decaído os poderosos!...
Marchou até os dois.
— Fique quieta, mortal! — ralhou com desgosto. — É mesmo muito simples. — Apontou para o irmão. — O nome verdadeiro dele é Febo Apolo, Deus da Música, da Luz e da Cura. Meu nome é Diana, mas apenas se for de descendência romana. Do contrário, prefiro ser chamada de Ártemis, a Deusa da Caça. Também tenho uma afinidade com a Lua, assim como meu irmão está aliado ao Sol... mas decerto não desejo lhe passar tantas informações a ponto de atordoá-la — terminou com sarcasmo.
— Vocês são deuses?... — Pamela rezou fervorosamente para acordar logo.
— Sim. Imortais. Ou ao menos éramos antes que o portal nos aprisionasse neste mundo miserável. Agora suspeito de que somos apenas atraentes mortais — ela falou, seca.
— Apolo e Ártemis... — Pamela olhou os gêmeos.
— Eu disse que era simples.
— Você é maluca ! — ela exclamou.
— Eu não queria que descobrisse desta forma — interveio Apolo —, mas Ártemis está dizendo a verdade. — Ele franziu a testa para a irmã. — Ainda que esteja fazendo um péssimo trabalho.
— O quê? — exigiu a deusa. — Se queria música suave e perfume de flores, sinto muito, mas não serei capaz de atender seu desejo. Pelo menos enquanto o portal não reabrir.
— Não está ajudando — Apolo falou à irmã.
— Mas não existem deuses! Isso não passa de mitologia! — interveio Pamela.
— Pensei que havia dito que ela era inteligente — Ártemis zombou.
Pamela estudou a bela jovem, tão parecida com seu amante, e sentiu a entorpecedora onda de horror que a vinha assolando degelar.
E, conforme esse degelo acontecia, começou a ficar irada.
— Não precisa ser tão rude! — acusou.
— Rude? — Ártemis estreitou os olhos. — Está me chamando de rude quando você é quem nega a minha existência? E isso porque está bem no meio de uma estrutura que foi construída justamente porque povos antigos honravam a mim e aos outros onze deuses tão bem que tenho sido lembrada por milhares de anos... Isso soa inteligente?
— Nem inteligente nem pouco inteligente. Soa apenas absurdo... Isto tudo é absurdo. Não pode ser verdade!
Apolo a segurou pelo outro cotovelo e a fez encará-lo, tentando ignorar o modo como Pamela continuava a se afastar dele.
— Sabe que é verdade, Pamela — falou numa voz calma e tranquila. — Teve uma experiência. Tudo o que tem de fazer agora é aceitar.
Pamela olhou para ele. Olhou para ele de verdade . Febo continuava o mesmo homem alto e estonteante da noite anterior; no entanto, não era o mesmo homem.
Alguma coisa estava faltando nele. Febo continuava extraordinariamente bonito, mas o azul espetacular de seus olhos parecia ter assumido um tom mais... — ela engoliu em seco — ... um tom mais humano.
E havia outra coisa: Febo contava com menos presença agora. Essa era a única maneira que poderia descrever o que sentia. Ele parecia o mesmo, mas não era.
Os detalhes não tinham mudado. Seus ombros não pareciam menos amplos; seu peito, não menos musculoso... o que podia constatar com facilidade, uma vez que ele estava sem camisa.
No entanto, Febo mudara, se transformara... em menos.
E Ártemis estava com a razão; ela se lembrava. De pequenas coisas, como do fato de ele poder ficar ao sol do deserto durante toda a tarde e nem mesmo suar. E de grandes coisas, como ele ter ficado em chamas na noite anterior, enquanto faziam amor.
Somado a tudo isso havia ainda o inegável fato de que ela atravessara um portal reluzente e se transformara em algo que, definitivamente, não era humano.
Não podia ser. Não era possível... Mas, no fundo, ela sabia que eles estavam dizendo a verdade. Aqueles dois eram mesmo deuses.
— O que era aquela coisa no armário? — indagou em um sussurro.
— Um portal que Zeus abriu, do Olimpo para o Reino de Las Vegas — explicou Apolo.
— Por quê?
Ele deu de ombros e tentou sorrir.
— Quem entende as vontades do Supremo Governante do Olimpo?
— Se eu me lembro bem, ele disse algo sobre desejar que nós observássemos e nos divertíssemos com seu mundo — falou Ártemis.
Pamela desviou o olhar para a deusa.
— Quer dizer, num tipo de experiência? Como num daqueles episódios patéticos de Jornada nas Estrelas ?
— Sabe o que ela quer dizer? — Ártemis perguntou ao irmão.
— Não, mas sei que, mais uma vez, não está ajudando em nada — ele falou por entre os dentes.
Pamela o fitou, atordoada.
— O que aconteceu comigo quando atravessei aquele portal? Algo terrível aconteceu com o meu corpo... O que fez comigo?
— Não! Não fui eu. Não pode acreditar que eu faria qualquer coisa para feri-la.
Pamela virou o rosto.
— Já me feriu.
— Foi aquele cretino do Baco! Ele deve ter lançado algum feitiço sobre o portal. —Ártemis fez uma pausa enquanto pensava sobre o que tinha acontecido com Pamela.
— Estava se transformando em uma flor.
— Em um jasmim, como seu próprio nome sugere — completou Apolo. — A mais doce de todas as flores.
Ártemis bufou.
— Muito romântico. Isso mostra que Baco enfeitiçou o portal de modo que, se Pamela o atravessasse sem você, ela reverteria para sua forma mais básica: a de seu próprio nome.
Pamela sentiu o coração entorpecido.
— É como nas lendas!... Vocês usam os seres humanos e, quando os descartam, transformam-nos em algo não humano!
— Eu não diria que está sendo muito precisa. — Ártemis pareceu ofendida.
Apolo deu as costas para a irmã.
— Deixe-me explicar — disse a Pamela. — Não é nada disso em se tratando de nós dois.
— Não!... Estou farta de ser usada como uma cobaia. — Ela lançou um olhar de desgosto a Ártemis. — Não quero que explique mais nada. Só quero que vão embora para o lugar de onde vieram e me deixem em paz!
— Nós adoraríamos, mas parece que estamos presos aqui até o seu próximo fim de semana — anunciou Ártemis.
Apolo balançou a cabeça.
— Ela adoraria. O que eu mais quero é ficar com você e lhe explicar tudo.
— Não estou interessada. — Pamela recomeçou, tentando se livrar dos braços fortes de Apolo, porém uma voz os interrompeu.
— Algum problema aqui? — Um segurança de uniforme azul parou na entrada do corredor. Era baixinho e gordinho, mas possuía um distintivo, uma arma e a expressão de quem levava seu trabalho muito a sério.
— Ah, vá embora! — reclamou Ártemis, sacudindo os dedos em sua direção. Em seguida parou, e sua expressão de desdém se desfez quando ela se lembrou de que estava sem seus poderes.
— O que disse?... — O guarda inquiriu, estreitando os olhos para a linda mulher vestida com uma túnica curta.
Apolo deixou cair os braços e se pôs diante de Pamela e da irmã.
Pamela observou o modo como seu semblante se fechou e percebeu que, com ou sem poderes imortais, ele tinha potencial para ser um homem muito perigoso.
— Não há problema algum, senhor — interveio rapidamente, pondo-se ao lado do deus. — É que meu... — Fez uma pausa, olhou para o peito nu de Apolo e descartou palavras banais como “namorado” e “paquera”, as quais, estava certa, iria fazê-la soar como uma candidata ao Jerry Springer Show , um daqueles programas que tratam de casos de família. — ... meu noivo e eu tivemos uma briguinha e, bem... — Ela encolheu os ombros e sorriu, tímida.
O homem não estava olhando para ela ou para o jovem seminu a seu lado, no entanto. Estava olhando para Ártemis.
— Espere um pouco — disse, os olhos pequenos brilhando. — Não é uma das estrelas do Zumanity ?
Pamela prendeu a respiração enquanto Ártemis erguia uma sobrancelha fina.
— Eu sou a estrela de Zumanity — confirmou a deusa, arrogante.
— Esta é Diana, irmã de meu noivo — elaborou Pamela. Não olhou para Apolo, porém podia sentir a tensão em seu corpo conforme ele aguardava em silêncio a seu lado.
— Que coincidência! Assisti a esse show pela primeira vez há poucos dias. — O segurança balançou o corpo para trás e para a frente, o suor banhando o lábio superior. — Foi incrível. Você foi incrível...
— Suponho que seja gratificante saber que proporcionei prazer às massas — respondeu Ártemis.
Pamela a segurou pelo cotovelo, puxou Apolo pela mão e começou a passar com ambos pelo guarda.
— Bem, precisamos voltar para os nossos quartos. Não entendo como tomamos o rumo errado e viemos parar aqui...
— Da próxima vez, vista-se adequadamente antes de deixar seus aposentos! — O oficial repreendeu Apolo enquanto Pamela o arrastava às pressas. Então tirou o chapéu para Ártemis. — Muito prazer em conhecê-la, Diana. Mal posso esperar para ver seu show de novo.
Pamela pôde sentir o rosnado que brotou de dentro do corpo de Apolo.
Nenhum deles falou mais, porém, até dobrarem a esquina e se verem caminhando pelo saguão do cassino.
Pamela soltou o braço de Ártemis. Tentou largar a mão de Apolo, contudo ele apertou a dela ainda mais.
Pamela franziu o cenho.
— Deixe-me ir! — Baixou a voz de maneira que as pessoas próximas não a ouvissem.
— Não pretendo deixá-la ir nunca — Apolo replicou.
Ártemis suspirou, dramática.
— Fique fora disso! — o deus ordenou à irmã. — Não entende o que é estar apaixonado.
— Apaixonado! Ora, por favor... Sei que sou apenas uma mera mortal, mas não sou nenhuma idiota. Não importa o que sua irmã pensa. — Pamela fulminou Ártemis com o olhar, e esta curvou os lábios em um sorriso cínico.
Pamela encontrou o olhar de Apolo novamente. Seus olhos já não estavam mais vidrados, em choque. Em vez disso, faiscavam com indignação.
— Como pode dizer que está apaixonado por mim? Fingiu ser alguém que não é! Você me usou como uma verdadeira cobaia! E ainda suspeito de que tenha me lançado algum tipo de feitiço!
Várias pessoas se viraram e olharam, curiosas, em sua direção.
— Deixe-me explicar — recomeçou Apolo.
Pamela começou a sacudir a cabeça, porém o deus a tocou na lateral do rosto, e ela sentiu-se congelar.
— Por favor — ele sussurrou, odiando perceber que, quando ele a tocava, o medo sobrepujava a raiva em seus olhos. — Precisa me deixar explicar. Eu já disse que não vou deixá-la ir. Quando faço um juramento não o quebro jamais. — Apolo deixou seu rosto e tocou de leve a medalha que ela ainda usava no pescoço. — Prometi que lhe daria a minha proteção. Não precisa ter medo de mim.
— Com licença, senhor... — Um funcionário do cassino se aproximou deles. — Desculpe, mas preciso pedir que vista sua camisa.
— Já estamos a caminho do nosso quarto — respondeu Pamela, puxando Apolo em direção aos elevadores do hotel.
— Não sei por que tanta celeuma por conta de um pouco de carne exposta! — resmungou Ártemis, seguindo o irmão.
— Quero isso tudo muito bem explicado — alertou Pamela, tão logo eles adentraram o elevador.
— Assim será — assegurou Apolo, ainda segurando a mão dela.
— Isso vai ser muito aborrecido — rezingou Ártemis.
— Continua não ajudando! — Apolo e Pamela reclamaram em uníssono.
Capítulo 22
— Está me dizendo que tudo não passou de um feitiço mal direcionado? — indagou Pamela, sentada em uma das cadeiras da sala de estar de sua suíte.
Ártemis descansava deitada no sofá e Apolo, que não conseguia ficar quieto, andava de um lado para o outro diante da janela.
— Tecnicamente, não é um feitiço. É um ritual de invocação. Muito antigo e muito poderoso — falou a deusa. — Como explicou Apolo, não devia ter sido possível, até por necessitar reunir muitos elementos... o que acabou acontecendo.
— Tivemos um dedo de Baco nessa história, sem dúvida. Ele deve ter manipulado as coisas — Apolo terminou pela irmã.
— Manipulação. Excelente maneira de descrever tudo isso. — A expressão de Pamela dizia claramente que ela não estava se referindo à invocação.
— Não! Não foi assim. Nossos sentimentos não foram manipulados, apenas os acontecimentos que nos aproximaram.
— Mentiu para mim — acusou Pamela.
— Não. Sou mesmo uma espécie de médico e músico.
— Na verdade, ele é o curandeiro e o músico do Mundo Antigo — Ártemis interrompeu a conversa.
Pamela soltou uma exclamação.
— Meu tornozelo! Fez alguma coisa para curá-lo naquela noite da chuva!
— Estava quebrado. Eu apenas o fiz sarar.
Pamela fitou Apolo como se nele houvessem brotado chifres e um rabo.
— E quanto ao prêmio no caça-níqueis? — perguntou, tensa.
— Sua vontade de ter a bolsa era comovente... Agradou-me lhe conceder esse desejo.
O sorriso do deus foi como o de um menino apanhado com a mão em um pote de biscoitos, concluiu Pamela, e quis sorrir de volta para Febo. Ele parecia tão... normal.
Então se lembrou de como havia sido sentir a própria carne derretendo para se transformar em algo não humano.
Sua determinação voltou, e sua pergunta seguinte apagou o sorriso travesso do rosto do deus.
— E quanto ao sexo? Que tipo de magia usou para me levar para a cama?
— Nenhuma — ele respondeu de pronto. — Eu não a cortejei como o deus Apolo. Eu a cortejei e fiz amor com você como Febo, um mortal como qualquer outro.
Foi a vez de Pamela bufar.
— Por favor! Eu estava lá... Foi muito diferente com você. Não costumo ir para a cama com um caso de fim de semana, mas deve ter feito algo comigo.
Apolo parou de andar e foi até onde ela estava.
— Não usei nenhum poder imortal para seduzi-la, e o que tivemos não foi uma aventura de fim de semana.
Pamela sentiu a boca seca e o estômago se apertar com sua proximidade.
— Está fazendo de novo — sussurrou, contrariada. — Pare com isso.
O sorriso cativante de Apolo voltou com força total.
— Impossível, doce Pamela. Como minha irmã já afirmou, quando o portal se fecha perdemos nossos poderes imortais. Até o anoitecer de sexta-feira, terei tanta energia para conquistá-la como qualquer outro mortal.
— Se quer ficar com raiva de alguém por tê-la enfeitiçado, fique com raiva de mim — declarou Ártemis, estudando as unhas. — Eu aspergi um pouco da minha magia em você na noite da minha apresentação. Também lancei meu feitiço de sedução no banquete de ontem à noite.
— Por que faria isso?! — Pamela indagou.
— Já lhe explicamos a respeito do ritual de invocação. Até que Apolo satisfizesse o seu desejo mais sincero, nós estaríamos vinculadas; e eu estava mais do que cansada disso. — A deusa afastou uma mecha dourada do rosto. — Precisava de um estímulo para admitir a si mesma que Apolo era o seu desejo mais profundo, então... Agradeça às nove Musas por ter funcionado.
— Não é uma pessoa muito agradável, é? — Pamela indagou à deusa.
— Agradável? — Ártemis não pareceu nem um pouco ofendida com a pergunta. — Por que eu precisaria ser agradável?
O telefone tocou.
Balançando a cabeça para Ártemis, Pamela atendeu.
— Pamela? Aqui é o assistente do sr. Faust, James — falou uma voz masculina.
— Ah, sim. Olá, James. — Ela sentiu o estômago afundar. Era manhã de segunda-feira! Já devia ter começado a trabalhar, mas havia se esquecido completamente de E. D. Faust e do trabalho que ela precisava concluir.
— Eu só queria lembrá-la de que Robert estará aí para apanhá-la com o carro, na entrada do Caesars Palace, em exatos trinta minutos.
— ... Obrigada pelo telefonema, James. Estarei pronta.
— Ótimo! O sr. Faust está ansioso por que comece o trabalho em sua casa.
Pamela aquiesceu, dando uma resposta adequada. Desligou o telefone e olhou para Apolo e Ártemis que, por sua vez, a observavam.
— Preciso ir trabalhar.
— Claro. Para o autor. O da casa de banhos romana e da fonte — lembrou Apolo.
— Sim, ele está mandando um carro vir me buscar. — Pamela olhou-se no espelho e fez uma careta diante de sua terrível aparência. — Em exatos trinta minutos! Tenho que me aprontar. — Começou a correr em direção ao quarto.
— Excelente! — exclamou Ártemis. — Para onde vamos?
Pamela estacou.
— Nós não vamos a lugar nenhum.
— Não espera que eu permaneça aqui, neste casebre? É aborrecido demais.
— Bem, certamente não virá comigo! — ela imitou o tom afetado da deusa.
Ártemis estreitou os olhos.
— Não se esqueça de com quem está falando, mortal.
Pamela plantou as mãos nos quadris e ergueu o queixo.
— Escute aqui. Deusa ou não, vai ter que aprender a não agir como uma vadia. E pode me ameaçar quanto quiser. — Apontou para a medalha dourada que lhe pendia do pescoço. — Apolo jurou que estou sob sua proteção.
Ela ouviu a risada satisfeita do deus, mas se recusou a encará-lo.
— Fiquem aqui, peçam o serviço de quarto, assistam a um filme, aprendam a lidar com a internet, sei lá! Inferno... Quando eu voltar, pensarei no que fazer com vocês.
— Pamela?
A voz de Apolo a impediu de ir para o quarto, e ela se voltou para ele.
— Nós poderíamos ajudá-la.
— Ajudar-me no quê?
— Eu poderia ajudá-la a convencer Faust a construir o balneário. E quem sabe Ártemis possa persuadi-lo a usá-la como modelo para a estátua do centro da fonte? — o deus acrescentou, sorrindo.
Pamela lançou um olhar duvidoso na direção da deusa.
— Não se esqueça de que os homens vêm adorando a minha beleza há eras — Ártemis falou alegremente. — Eles ficam encantados comigo.
— Isso até pode ser verdade, mas apenas porque veem suas estátuas e pinturas, e não precisam se submeter à sua odiosa presença.
Ártemis abriu a boca para retrucar, contudo Apolo a impediu.
— Minha irmã pode dar seu juramento de que será educada.
— Eu, não!
— Faust é um bardo moderno, e quer que a estátua do centro de sua fonte seja uma homenagem a Baco. Pense nas histórias do Deus do Vinho que ele vai contar... — Apolo falou à irmã.
— Aquele sapo gordo não devia ser idolatrado no mundo moderno! — protestou Ártemis.
Ele encolheu os ombros.
— Você é quem sabe.
A deusa limpou a garganta e, relutante, encontrou o olhar de Pamela.
— Eu lhe dou o meu juramento de que serei educada. Hoje.
— Eu não sei...
— Por favor, Pamela — insistiu Apolo. — Deixe-me mostrar que não estou diferente hoje do que fui ontem. Apolo, o deus, e Febo, o mortal, são o mesmo homem.
Ela não deveria. Sabia que não deveria. Não queria ser amada por um deus. Gostava das coisas como eram antes de ele se tornar um imortal todo-poderoso. Queria seu Febo de volta.
— Está bem — concordou de súbito. — Mas temos que lhe comprar outra camisa no caminho. — Olhou para Ártemis. — Pelo menos está bem com esse traje. Podemos dizer que está vestida a caráter. — Pamela vacilou, então. — Fiquem aí. Preciso me apressar.
Fechou a porta do quarto e descansou a cabeça na madeira. Febo era Apolo!...
Sentiu as entranhas revolver conforme a realidade se instalava dentro dela. Ela era amante de Apolo, o deus grego!...
E ele existia havia eras. Templos foram construídos para homenageá-lo, faziam músicas para ele!... Aquelas mãos que tinham acariciado cada parte de seu corpo eram as mesmas mãos que levaram música ao Mundo Antigo.
E ele dizia que a amava!...
Pamela levou a mão trêmula à boca, dominada por uma súbita onda de choque, incredulidade e espanto. Era melhor dizer a Faust que não poderia aceitar o trabalho, pegar um avião e voar de volta para o Colorado. Deveria esquecer que aquele fim de semana havia acontecido. Era a coisa mais inteligente a fazer.
Mas sabia que não iria fazer a coisa certa. O Deus da Luz dissera estar apaixonado por ela.
— Na certa estou cometendo o erro mais ginorme da minha vida — falou baixinho.
Exatamente vinte e cinco minutos mais tarde, eles se encontravam do lado de fora das portas giratórias que davam para o Caesars Palace; Pamela sentindo o estômago apertado como se estivesse se preparando para saltar de bungee jump .
— Lembre-se, você é Febo Delos, especialista em arquitetura romana, e eu o chamei para me aconselhar nesse projeto. E você é a irmã dele, Diana, que...
— ... tem a beleza de uma deusa! — Ártemis a interrompeu, repetindo suas instruções. — Sim, sim, já decoramos nossas falas. Somos imortais, não imbecis.
— Eu ia dizer que precisa se lembrar de ser agradável — Pamela completou.
— Minhas palavras serão tão doces que eles poderiam fazer mel na minha boca, como as abelhas marrons da Grécia — elaborou Ártemis com um bater inocente dos longos cílios.
— Já está me deixando com dor de cabeça — resmungou Pamela. — Basta ser normal, está bem? É pedir muito?
— Ela vai manter seu juramento. Não precisa se preocupar, doce Pamela — garantiu Apolo.
— Não me chame assim. Supõe-se que seja meu funcionário! — ela o repreendeu, e em seguida odiou a mágoa que viu no rosto estonteante do deus.
Um deus!... Como, diabos, chegara àquela situação? Estava namorando Apolo!
Estava condenada, isso sim. Já havia estudado literatura. Mesmo não conseguindo se lembrar muito bem, sabia o que acontecia a mortais que chamavam a atenção dos deuses. Ainda mais a mortais do sexo feminino. Seu final nunca era feliz.
Além do mais, o que faria com ele a semana inteira? Nenhum dos irmãos tinha dinheiro. Descobrira isso quando Febo enfiara a mão no bolso para pagar pela camisa que comprara em uma loja e percebera que, de alguma forma (decerto quando ele arrancara as roupas atabalhoadamente, na noite anterior, pouco antes de prensá-la na coluna de mármore), ele perdera os 4 mil dólares que furtara do caça-níqueis.
Assim, Febo não contava com um centavo. Nem Ártemis.
E o portal não seria reaberto durante longos cinco dias.
— Bom dia, srta. Gray.
Pamela deu um pulo. Não tinha notado a limusine vintage e prateada que estacionara à sua frente.
— Ah, bom dia, Robert. — O homem lhe abriu a porta, e ela fez uma pausa. Pigarreou, então desenhou no rosto seu sorriso mais profissional. — Estas duas pessoas vão se juntar a nós, hoje. Eles são meus assistentes.
Robert analisou os dois gêmeos loiros por cima do nariz afilado e fungou de leve.
— Muito bem, senhora — falou, segurando a porta aberta e ajudando primeiro Pamela a entrar na limusine, em seguida, a mulher fantasiada.
Quando o homem alto hesitou, Robert lançou-lhe um olhar muito britânico (direto e polido, sem se preocupar em demasia).
— Algo errado, senhor?
Se Apolo ainda tivesse seus poderes, ele o teria usado para abrir o chão sob seus pés, de modo a ser engolido e sumir de vista. Do interior da besta de metal, Pamela e Ártemis o observaram com curiosidade.
Sua irmã, de repente, pareceu compreender.
— É muito bom aqui — disse a ele. — Não precisa ficar preocupado. — Deu um tapinha no assento ao lado.
— Não estou preocupado — Apolo afirmou, controlado. Respirou, então, e entrou na boca da coisa .
— Por favor, sirvam-se com a mimosa. A viagem até a propriedade do sr. Faust, em Red Rock Canyon, levará aproximadamente trinta minutos. — Robert fechou a porta.
Para Apolo, foi como se ele houvesse apenas tomado um gole de ar, e eles já avançavam, deslizando como um réptil ágil e rasteiro pela rua. Experimentou uma sensação terrível no estômago, e o sangue bombeou mais forte em seus ouvidos. Não conseguia parar de olhar para o mundo lá fora, conforme este passava zunindo, a um ritmo vertiginoso.
— Você está bem? Está pálido — comentou Pamela.
— Ela tem razão, está mesmo — concordou Ártemis. — Talvez ajude se beber alguma coisa. — Ela se aproximou do balde de gelo que continha uma garrafa de champanhe e um jarro de vidro fino com suco de laranja.
— Não! Não quero nada para beber — afirmou Apolo, com a mais estranha das sensações. Temia que, se tentasse beber alguma coisa, fosse devolver tudo em seguida.
— Acho que está com náuseas por causa do carro — concluiu Pamela. — Pode se sentir melhor se for lá na frente, com Robert. Minha amiga, Ve, fica muito enjoada se viaja no banco traseiro. Quer que eu peça para que Robert estacione, para que possa mudar de lugar?
— Eu sou um deus — ele falou por entre os dentes. — Não fico doente.
— Faça como quiser, mas, se vomitar no carro de Eddie, juro que, como sua empregadora, vou ficar muito aborrecida!...
Apolo fechou os olhos e tentou ignorar o fato de estarem cruzando a Terra dentro de um monstro de metal que poderia se espatifar contra alguma coisa e se desintegrar a qualquer momento.
— O que é uma “mimosa”? — indagou Ártemis.
— Champanhe e suco de laranja misturados. Uma delícia.
— Bem... — a deusa olhou para o rosto estranhamente pálido do irmão, então encolheu os ombros bem-feitos — ... vou experimentar uma taça. Você me acompanha, Pamela?
— Não, obrigada — ela agradeceu.
Ártemis serviu-se em uma das taças de champanhe.
— Viu como estou sendo educada?
— Milagre — Pamela murmurou.
— Aguarde... O melhor ainda está por vir — prometeu a deusa, bebendo um gole da mimosa e lançando-lhe um sorrisinho travesso.
Pamela decidiu que Apolo havia tido melhor ideia ali. Fechou os olhos assim como ele, e rezou para que a viagem, o dia... — inferno , a semana! — ... passassem logo.
Mas não antes de deslizar a mão para a dele e apertá-la.
Capítulo 23
A casa de veraneio de E. D. Faust fora construída para se parecer com uma charmosa villa toscana, e Pamela estava aliviada. Sim, ela vira as plantas e lera as anotações sobre a arquitetura que James lhe entregara, mas, depois do pedido bizarro de Eddie para que ela fizesse o interior da residência parecido com o Fórum, vira-se receosa quanto ao que esperar.
Claro que, conforme eles saíram da limusine e se aproximaram da impressionante porta dupla de ferro forjado, com vidros escandalosamente caros — feitos a mão, jateados e chanfrados —, ela se lembrou de ter pensado que o exterior do Fórum indicava que seu interior era decorado com modéstia e com um clássico bom gosto...
Engano seu.
Olhou para Ártemis, que parecia fresca e linda na manhã ensolarada. A deusa tinha as faces coradas, e uma longa mecha de cabelo loiro e brilhante escapara de seu elaborado penteado.
Ártemis alisou a saia da túnica curta, soltou um soluço e, então, riu baixinho.
Pamela a examinou com mais atenção. Merda!... Ela parecia embriagada! Por que, maldição dos infernos , não havia ficado de olho na deusa? Quantas mimosas a deidade engolira em trinta minutos — e com o estômago vazio! — enquanto ela, Pamela, segurava, distraída, a mão do pobre Apolo?
— Está bêbada? — cochichou, tensa.
Ártemis lançou-lhe um olhar severo.
— Imortais não ficam bêbados. Apenas os mortais se embriagam. Não seja boba... — A deusa balançou o dedo para ela.
Pamela revirou os olhos.
— Não é mais imortal, lembra-se? — Reprimiu uma súbita vontade de gritar. Em vez disso, olhou para Apolo em busca de ajuda, porém seu rosto estava com uma cor estranha, entre o branco e o verde. Observou-o limpar o suor da testa com as costas da mão, preocupada. — Você está bem?
Ele assentiu com um vigoroso gesto de cabeça.
— Melhor agora que estamos fora dessa... — Estremeceu e olhou na direção do automóvel que os trouxera.
— Limusine — completou Pamela. — É uma limusine. — Céus! , ela estava presa em um pesadelo sem fim! — Tudo bem. Vamos fazer o seguinte... Vocês dois, tentem não falar, a menos que alguém lhes faça uma pergunta direta. Mesmo assim, sou eu quem vai responder à maior parte. Agora vamos. Precisamos acabar logo com isto. — Ajustou a alça da bolsa larga e começou a subir a linda escada de mármore curva com determinação.
Os gêmeos a seguiram com menos propósito.
Pouco antes de tocar a campainha antiga, ela ouviu um som abafado às suas costas, e então a risadinha — completamente alterada — de Ártemis. Olhou por cima do ombro e viu Apolo segurando a irmã pelo cotovelo.
— Ela quase caiu — ele explicou baixinho.
— Impossível! — Ártemis falou com voz arrastada.
— Oh, Deus!... — Pamela murmurou.
As portas duplas se abriram, e o rosto sorridente de James os recebeu.
— Entre, Pamela, por favor. Eddie se encontra no pátio, esperando por você. — Seu sorriso mudou para educada curiosidade quando Apolo e Ártemis a seguiram para dentro do saguão.
— São meus assistentes... Eu os contratei. São especialistas, na verdade — Pamela acrescentou depressa.
— Tenho certeza de que Eddie ficará satisfeito com sua iniciativa. Ele esteve ansioso por esta reunião a semana inteira. Venham por aqui, por favor.
James os conduziu através do hall de entrada, um espaço gigantesco, a partir do qual duas escadas em curva, ladeadas por parapeitos de mármore antigos, levavam ao segundo andar da villa .
As balaustradas de mármore, contudo, eram o único detalhe acabado do recinto. Todo o restante estava nu. As paredes ainda se encontravam no reboco, e o piso era de cimento. A parede inteira dos fundos, da qual eles se aproximavam, era adornada por janelas que iam do chão ao teto; tão novas que ainda continham os adesivos de fábrica cor de laranja.
Enquanto caminhava lentamente pelo espaço inacabado, contudo, Pamela nem sequer viu sua crueza. Olhava tudo à sua volta, enxergando apenas o ilimitado potencial do lugar.
— Está horrível — Apolo cochichou. — Não há piso, nem paredes, muito menos decoração.
— Não! Está perfeito! — ela contrapôs num sussurro. — A estrutura se encontra pronta, mas os pisos e paredes estão todos inacabados. A maioria dos dispositivos nem sequer foi instalada. É como uma tela em branco. É meu trabalho escolher com sabedoria e me certificar de que esta casa seja transformada em uma obra-prima.
James os aguardou, paciente, ao lado da porta de vidro que — Pamela já sabia pelas plantas — levava à parte central da mansão: o incrível pátio em torno do qual o restante da vila fora construído na forma de quadrado aberto em um dos lados.
Tão logo eles chegaram a este, James abriu a porta e sinalizou para que eles passassem.
Foi apenas nesse momento que Pamela notou a verdadeira multidão reunida no pátio.
Em resposta a seu olhar interrogativo, James apenas sorriu e apontou para o meio das pessoas, onde E. D. Faust se encontrava sentado em uma bancada de mármore repleta de amostras de material.
— Ah, Pamela! — ele gritou quando a viu.
Ao se por de pé, lembrou-a uma montanha se movendo. Também naquele dia estava todo vestido em preto, desde as calças bem-cortadas até a camisa de seda, cujas mangas tinham o modelo amplo da de um pintor.
Ou então , ela pensou, observando o brilho em seus olhos escuros, da camisa de um pirata .
— Bom dia, Eddie — saudou. — Tem bastante gente aqui, hoje...
— Por sua causa, Pamela. — Ele riu com gosto, a barriga chacoalhando como num estrondoso terremoto. — Mandei todos os trabalhadores virem para cá. Imaginei que economizaríamos tempo se os tivéssemos à disposição. Eles estão apenas aguardando as nossas ordens.
Pamela não podia acreditar. Olhou o grupo e arregalou os olhos ao notar que cada pequena equipe possuía a seu lado pilhas de materiais — amostras, claro — de tudo o se podia imaginar: retalhos de tecido, pedaços de mármore, de pedras brutas, placas com texturas, tintas e revestimentos. Eddie transformara seu pátio em um minimercado para designers de interiores. Era estarrecedor e mais do que intimidante. De repente se lembrou de que havia trazido seu próprio séquito. Bem... ao menos era assim que eles se apresentavam.
— Que bom. — Recuperou o controle das cordas vocais com dificuldade. — Está certo. Isso vai nos economizar algum tempo. Deixe-me apresentar os assistentes que eu trouxe comigo, hoje... — E inclinou o corpo para que Apolo avançasse um passo.
Ártemis, que se encontrava de pé atrás do irmão, fitando, embriagada, um fiapo em sua camisa, de repente percebeu que tinha uma plateia para a qual se apresentar, e se colocou, lânguida, do outro lado de Pamela.
Diante da aparência dos gêmeos dourados, o grupo deixou escapar um suspiro coletivo de apreciação.
— Este é Delos Febo, especialista em arquitetura romana. — Pamela ficou satisfeita ao ver que Apolo inclinava a cabeça polidamente para Faust.
O autor, contudo, mal olhou em sua direção. Seus olhos estavam cegos para tudo o mais, exceto para a bela deusa a seu lado.
Pamela respirou fundo, cruzando os dedos.
— E esta é sua irmã, Diana. Ela é modelo, muito conhecida por sua beleza em toda a Grécia e Itália. Sei que queria manter Baco como a figura central em sua fonte, mas pensei que, talvez...
Suas palavras foram interrompidas quando Ártemis avançou com um andar lânguido e gingado até ficar a meio metro do volumoso autor. Então parou, ergueu a mão delicada até a elaborada coroa de cabelos e, com um leve puxão, libertou os fios longos e dourados, que se derramaram em uma onda espessa ao redor de sua cintura. Balançou a cabeça, e seus cabelos cintilaram, hipnóticos, à luz da manhã.
— Pamela imaginou que talvez preferisse a estátua de uma deusa — ela ronronou.
Pamela precisava admitir: Ártemis era uma atriz excelente. Assim como durante sua performance em Zumanity , ela ganhara a atenção do grupo.
Faust pareceu ter levado uma pancada na cabeça, depois piscou, e seu rosto se iluminou em um largo sorriso enquanto ele se curvava com incrível graça e um floreio.
— Quanta satisfação, Diana! — falou com seu vozeirão. — É uma honra ser agraciado pela presença da Deusa da Lua, das Florestas e dos Vales... — Concedeu um olhar a Apolo. — E você, meu bom companheiro, deve ser o Deus da Luz. Que divertido o fato de sua mãe tê-los nomeado segundo os gêmeos imortais.
Pamela sentiu o estômago se apertar. Era claro que um homem que fizera carreira escrevendo ficção reconheceria instantaneamente a mal ocultada verdade em seus nomes. Que diabo ela poderia dizer agora? Seria possível que Faust houvesse percebido quem eles eram de verdade?
Apolo sorriu.
— Descobriu nosso segredo, senhor.
— Por favor, não há nenhum senhor aqui. Pode me chamar de Eddie. — Seus olhos se desviaram para a beldade ainda parada à sua frente. — Pamela, saiba que já provou ser tão genial quanto imaginei que fosse. Agora que estou face a face com uma deusa, concordo com seu ponto de vista. Precisamos mudar a estátua central da minha fonte. Esqueça Baco. A beleza da deusa Diana será exaltada em seu lugar.
Pamela deu um suspiro de alívio, e Ártemis se curvou com graça.
— Não! Uma deusa nunca deve se curvar. — Faust se apressou em fazer Ártemis se erguer de sua profunda reverência.
— Até que enfim um mortal que sabe como tratar uma deusa... — comentou a diva.
Pamela mordeu o lábio, contudo Eddie sorriu com bom humor e levou a mão de Ártemis aos lábios.
— Mas é claro que sei. — Olhou para a multidão de trabalhadores reunida em torno deles. — Qual de vocês tem talento para esboçar esta linda deusa, de modo que um artista possa esculpir sua imagem imortal no mármore?
— Não seria mais fácil se ela tirasse algumas fotos digitais em diversas poses e, em seguida, o escultor começasse a trabalhar com base nelas? — Pamela indagou, aflita.
— Mais fácil, talvez. Mas não me parece certo. Soa muito frio. Muito impessoal.
— Mas Diana só estará disponível até sexta-feira. Depois tem um... ahn... compromisso a que não pode faltar — justificou Pamela.
— Então temos que trabalhar depressa. Eu gostaria de ter a minha deusa imortalizada à moda antiga. Febo, você é o expert na antiga Roma. Como isso costumava ser feito?
— Tem toda a razão. O escultor teria desenhado sua musa e, em seguida, começado a trabalhar com base em seus próprios esboços. — Apolo fez uma pausa e ergueu uma sobrancelha. — A menos que tivesse contratado Pigmalião. Acredito que ele trabalhava baseando-se na imagem da mulher que via apenas em seu coração... — Lançou um olhar ardente para Pamela. — O problema é que poucos de nós têm a sorte de ver seu mais profundo desejo concedido.
Pamela se obrigou a não se retesar. Apolo afirmava ter sido privado de seus poderes imortais, mas, quando olhava para ela daquela maneira, fazia com que sentisse calor, frio, excitação... tudo de uma vez.
Faust não pareceu notar o byplay acontecendo entre a designer e seu assistente, pois tinha a atenção voltada para sua própria imortal.
— Ah, mas temos Diana, não Galateia. Por isso mesmo a modelo merece um esboço.
— Galateia não era deusa. Era apenas uma pedra que foi trazida à vida — corrigiu Ártemis, um pouco irritada.
— Verdade! Tem toda a razão! — exclamou Eddie. — Pigmalião não teve a mesma sorte que eu.
— Posso desenhar sua deusa, senhor. — Um jovem se destacou do grupo.
— Excelente — concordou Eddie. — Temos o nosso artista e a nossa musa. E creio ter algumas fotos da fonte original do Fórum. Suponho que nossos artesãos possam usá-las como base para seu trabalho enquanto a nossa deusa estiver sendo desenhada.
— Na verdade — Pamela começou, enquanto abria a pasta e retirava, apressada, seu bloco de desenho —, imaginei que poderia gostar de algo exclusivo, por isso trabalhei em alguns esboços preliminares de uma nova fonte... baseada, claro, naquilo que tanto aprecia na do Fórum. Eu só não quis desenhar a estátua central sem a sua aprovação, mas acho que vai ficar muito satisfeita com isto.
— Pamela discutiu comigo os esboços, e eu posso lhe assegurar que a fonte que ela criou seria apreciada até pelos deuses do Monte Olimpo — afirmou Apolo.
— Que maravilha, Pamela! — Eddie tomou o caderno das mãos dela e acenou com a cabeça em aprovação. — Monte Olimpo... — Ele riu. — Eu não poderia esperar nada melhor para uma fonte que ostenta uma escultura de Diana. Por favor, mostre esses esboços ao nosso artista. — Faust lançou um olhar interrogativo na direção do rapaz.
— Mateus — esclareceu o jovem. — Meu nome é Mateus Land.
— Venham, Mateus, Pamela, Febo e Diana, minha linda. Vamos nos sentar e decidir sobre os detalhes da minha casa. — Eddie ofereceu o braço a Ártemis. Ela sorriu docemente e descansou a mão na parte superior de sua manga de seda. — Deseja algo, querida? — ele perguntou enquanto a conduzia em volta de um banco de mármore.
— Sim. Recentemente desenvolvi um gosto especial por uma bebida chamada mimosa .
Pamela tentou não gemer quando Eddie gritou para James pedir ao chef que preparasse mimosas para todos.
Pamela olhou para o relógio. Ela mal podia acreditar que já passava das quatro da tarde. O dia havia voado.
E fora bem melhor do que ela previra. De um modo irritante e irônico, sabia que precisava agradecer a Ártemis por isso.
Ergueu os olhos da página brilhante do catálogo que o representante da Shonbeck lhe mostrava, e que continha luminárias ao estilo do velho mundo. Eddie fingia prestar atenção, enquanto Apolo e o arquiteto se debruçavam sobre a última versão do esboço da sala de banhos, na qual haviam trabalhado pela maior parte do dia.
Na verdade, Eddie fazia o que ele não parara de fazer nas últimas horas: olhava com adoração para Ártemis.
Mas a deusa era, realmente, muito linda. Até mesmo os espalhafatosos representantes de tecidos gays suspiravam, melancólicos, diante da perfeição de seu cabelo, de seus seios e das linhas delgadas de suas pernas. No momento, ela se encontrava em pé sobre a plataforma elevada que Eddie mandara erguer, segurando um enorme vaso contra um quadril, do qual água iria verter quando o esboço fosse transformado em uma escultura para a fonte.
Pamela ficava tonta só de pensar. E isso sem levar em conta a despesa em que Eddie iria incorrer com aquela obra de arte original!...
Seu cliente parecia feliz, porém, e a fonte iria ficar mesmo muito bonita. Além do mais, esta não teria aquela animação medonha do Fórum. Uma só exclamação horrorizada de Ártemis em resposta à menção de movimento na fonte, e Eddie, mais do que depressa, vetara a ideia. Da mesma forma, uma simples carranca da deusa fora suficiente para que ele desistisse da construção daquela ginorme e horrível piscina, e optasse pela ideia de bom gosto do balneário romano.
Com esses dois problemas resolvidos, todo o restante correu como uma brisa. O gosto de Eddie não era tão lamentável quanto ela pensara a princípio. A questão era apenas que sua aura era enorme. Suas ideias eram grandiosas, e não apenas em seus épicos best-sellers. E. D. Faust preenchia o mundo ao seu redor com a grandeza da vida. Sim, ele era excêntrico. Na verdade, Pamela refletiu, ele parecia um personagem de um de seus romances: maior do que a própria vida e sempre pronto para uma nova aventura.
Sorriu para si mesma. Demorara um pouco a se acostumar com sua exuberância, mas compreendia por que as pessoas se sentiam atraídas por ele. Eddie era tão generoso quanto seu tamanho. A verdade era que E. D. Faust era mesmo um sujeito decente.
Ela havia tido um pouco de trabalho, mas, com a ajuda de Ártemis e Apolo, convencera Eddie a mudar o design de sua casa: do românico brega do Fórum para algo que começava a lembrar do cenário de Cleópatra , de Elizabeth Taylor. O estilo que emergia não era menos opulento do que o do Caesars Palace e do Fórum, porém bem mais chique.
Desviou o olhar do corpanzil de Eddie para Apolo. Ele inclinara a cabeça loira e a balançava com uma expressão atenta diante de algo que o arquiteto acabara de traçar no papel.
Como se pressentisse que estava sendo observado, ele levantou os olhos para os dela. Pamela desviou o olhar, mas não antes de ver seus lábios se curvar na sugestão de um sorriso. Apolo a apanhara em flagrante de novo.
E não fora algo difícil de ele fazer. Ela o fitara com o rabo dos olhos o dia todo, e ele sabia disso. Ela sabia disso.
E não conseguia evitar. Apolo fora tão maravilhoso!... Descrevera o funcionamento dos antigos balneários de Roma em detalhes para Eddie e seu arquiteto. Tinha sido mais do que paciente com suas intermináveis perguntas, respondendo-as com inteligência e concentração, de tal forma que até mesmo para ela Febo soara como um entusiasmado especialista. E nem uma vez exibira a detestável arrogância que ela imaginara ser inerente ao Deus da Luz.
Pamela suspirou. Já não podia dizer o mesmo de Ártemis. Mesmo que a diva estivesse adotando seu melhor comportamento naquele dia, continuava irritantemente exigente e vaidosa. Por sorte, Eddie parecia estar gostando de entrar no jogo de sua deusa...
Outra coisa boa, lembrou-se Pamela, era que Faust insistira para que a cozinha ficasse pronta antes de ele chamá-la para projetar o restante da villa , pois Ártemis mantivera o chef ocupado o dia inteiro com suas exigências por bebidas e iguarias. E Eddie, que, sem dúvida, muito apreciava os prazeres da boa mesa, havia se deliciado em atender a todos os caprichos de “sua deusa”.
Apolo era tão diferente da irmã!, Pamela teve que admitir para si mesma. Continuava o mesmo homem atento e inteligente que fora durante todo o fim de semana.
Mas ele não era um homem de verdade. Era um deus. E nenhuma mulher de bom-senso iria complicar a própria vida se envolvendo com um antigo deus...
Pamela suspirou e se obrigou a voltar a atenção para a página de lustres.
— Eddie... — Ártemis soou como uma menininha mimada. — Meu braço já está doendo de tanto eu segurar este vaso bobo! E estou com tanto calor que vou desmaiar se não me sentar.
— Claro, claro, minha deusa! — Ele se pôs de pé e correu para tomar o vaso das mãos dela. Empurrou de lado o jovem artista, quando este tentou ajudar sua musa a sair da plataforma, e segurou Ártemis pelo cotovelo, amparando-a enquanto ela descia com graça do altar improvisado. — Olhem só a hora! Que insensibilidade a minha!... Estamos nisto há séculos. Tempo demais para uma deusa trabalhar. — Ele ergueu a manzarrona, e sua voz grave silenciou até mesmo os trabalhadores que se encontravam ocupados no interior da vila. — Já chega por hoje! — bradou. — Nós nos encontraremos outra vez amanhã, à mesma hora!
Vários suspiros se fizeram ouvir ao seu comando. Tinha sido um dia difícil, porém produtivo.
Pamela detestava admitir, mas, pela milésima vez, viu-se contente por ter permitido que Apolo a convencesse de trazê-lo com a irmã até ali.
Estava esfregando a parte de trás do pescoço, e tentando desfazer um nó de tensão que se instalara neste, quando o “Pamela!” de Eddie ribombou, fazendo-a ir até o banco onde ele estava.
— Ah, aí está você, minha cara. — Ele fez um sinal para que ela se sentasse ao lado de Apolo, à sua frente.
Ártemis estava, obviamente, acomodada a seu lado. Abanava-se com um leque de penas que Eddie havia lhe arrumado, e Pamela notou que ela bebia champanhe de uma taça de cristal gelada. Graças aos Céus, Ártemis seria imortal de novo em poucos dias. Ao ritmo que estava indo, seria a imortalidade ou o alcoolismo!
— Andei discutindo os nossos novos planos com a linda Diana e seu irmão, e creio que estamos todos de acordo.
Pamela sentiu um familiar aperto no estômago.
— Planos? Que planos?
— Muito simples. Não há necessidade de vocês três viajarem de volta para Las Vegas quando podem muito bem ficar aqui comigo — declarou Eddie, sorrindo.
— Mas o único cômodo que está terminado é a cozinha!
Eddie riu.
— Não aqui... Aluguei uma casa de campo no parque Spring Mountain Ranch, no Red Rock Canyon. Tem acomodações bastante modestas, porém é muito mais próxima da minha villa do que o Caesars Palace. Até porque não há mais motivo para voltarem para lá, uma vez que o Fórum não mais servirá de modelo para a nossa Roma antiga. Agora temos Febo.
— Mas as minhas roupas e... ahn... Diana e Febo não trouxeram nada.
Os olhos de Pamela pousaram em Ártemis. A deusa tomou um gole do champanhe, tranquila, e, em seguida, piscou, maliciosa, para ela.
Eddie ignorou suas preocupações.
— James pode ir buscar suas coisas. Diana me contou que ela e o irmão planejavam apenas passar o dia por aqui, contudo ambos já aceitaram o meu convite para que prolonguem sua estada por uma semana. Eu ficarei honrado em comprar no resort qualquer coisa de que nossa deusa precise.
— Jantar, Eddie, jantar! — Ártemis lembrou com um suspiro. — Mal posso acreditar no quanto estou faminta.
— Claro. — Ele lhe afagou a mão. — Foi um dia cansativo. Vamos embora para o rancho, comer e ser feliz. — Eddie se ergueu pesadamente do banco, e Ártemis estendeu a mão para que ele pudesse ajudá-la a fazer o mesmo.
Em seguida, movendo-se com muito mais instabilidade do que com sua habitual graça, ela se agarrou ao braço gordo do homem enquanto ele se deslocava devagar pelo pátio, gritando para que Robert trouxesse o carro.
— Acho que não temos muita escolha — murmurou Pamela, não querendo encarar Apolo, agora que se encontravam sozinhos pela primeira vez naquele dia.
— Eu já fiz a minha escolha, doce Pamela — ele respondeu baixinho.
Ela o fitou, então. Apolo abriu seu sorriso encantador, tão familiar, e ela sentiu o peito se apertar.
— Às vezes é fácil esquecer quem você é de verdade — falou baixinho.
Ele a tocou no rosto.
— Já sabe quem eu sou realmente. Sabe desde a noite em que nos conhecemos.
— Mas não é um homem comum.
— Serei, ao menos pelos próximos cinco dias. — Ele imitou o gesto de Eddie: pôs-se de pé, tomou-lhe a mão e a ajudou a se levantar.
Pamela se permitiu dar o braço a Apolo conforme caminhavam pelo pátio deserto. Ele parecia tão quente, normal e certo a seu lado!...
Isso a assustou tanto que ela fez menção de puxar o braço; contudo, Apolo parou no meio do saguão de repente.
Pamela sentiu um tremor percorrer o corpo e olhou para ele. Seu rosto moreno empalidecera.
Ela seguiu seu olhar. James segurava as portas da frente da casa aberta para eles, e, por meio destas, ela podia ver Robert ajudando primeiro Ártemis, depois Eddie, a entrar na limusine.
— Eu havia me esquecido dessa criatura de metal — ofegou o deus.
— Venha. Vou fazer você se sentar na frente desta vez. — Pamela o segurou pelo braço com força e o puxou.
Ele era Apolo, Deus da Luz, da Música e da Cura. Um imortal que tinha vivido por eras, tema de muitas histórias, poemas e canções...
... Mas uma criatura que enjoava demais ao andar de carro.
Capítulo 24
A ideia de Eddie de “acomodações bastante modestas” era alugar todos os nove quartos da mansão de tijolos, que fora construída nos anos vinte e que, depois, tinha sido adoravelmente restaurada com antiguidades, canalização e parte elétrica modernas, em 2003. Ficava à margem do Red Rock Canyon spa e Resort , um adorável oásis de fontes naturais e matas verdejantes, que parecia bizarro e deslocado, ainda que lindo, em meio ao afloramento de rochas cor de ferrugem e da intrigante paisagem desértica do Red Rock Canyon.
Pamela parou diante do conjunto de três portas duplas que separava os alojamentos do enorme deque de madeira, onde, apressados, garçons uniformizados davam os últimos retoques na mesa de jantar com flores frescas e velas, enquanto um trio de músicos afinava seus instrumentos.
Música, velas, flores e porcelana fina, avaliou, aliviada por ter escolhido o tubinho preto em vez de algo mais casual.
A iluminação externa foi acesa de repente, tingindo a noite clara de Nevada com suaves nuanças, e Pamela respirou o ar fresco do deserto. Sentar-se ao lado do enjoado Apolo no banco da frente fora muito esclarecedor. Ele insistira para que ela ficasse junto dele, e parecera tão desamparado que ela havia suspirado e se espremido a seu lado, para o desgosto de Robert. Decididamente, ela amava o Colorado. Embora tivesse nascido e crescido lá, nunca se cansara da majestade de Pikes Peak e da beleza montanhosa de seu lar. Considerava-se bastante “viajada”, sobretudo em se tratando dos Estados Unidos, e já conhecera muitos estados encantadores, mas nenhum lugar preenchia seus sentidos e acalmava sua alma como o de sua própria casa.
Por isso mesmo era uma surpresa sentir-se tão atraída pelo deserto. A curta viagem da propriedade de Eddie, à margem do Red Rock Canyon, até aquele rancho fora repleta de cenários ao mesmo tempo austeros e espetaculares. Havia algo de misterioso e maravilhoso no deserto. Ele fazia sua imaginação correr solta, evocando fantasias infantis com caubóis do Velho Oeste, couro e suor.
Sorriu para si mesma diante de ideias tão tolas e românticas.
— Adoro o seu sorriso.
A voz profunda de Apolo a surpreendeu.
Pamela se virou. Ele estava tão próximo que ela pôde sentir seu calor. Era apenas o calor de um corpo normal, não o poder imortal do Deus da Luz, mas a fez se lembrar da noite anterior, e de como chamas tinham varrido seu próprio corpo em uníssono com seus impulsos...
Passou a mão pelo cabelo curto, nervosa.
— Não o percebi chegando.
— Eu não queria assustá-la.
Se Apolo soubesse!... Apenas a presença dele já fazia seu estômago se contrair e seu rosto corar. E isso antes de ela descobrir que ele era o bendito Deus da Luz!...
Céus!, estava sendo cercada e cortejada pelo imortal Apolo! Era um pouco como se ver bem no meio de um velho episódio de Jornada nas Estrelas , sem nenhuma possibilidade de ser teletransportada para longe de uma situação difícil.
Mas ela não queria ser teletransportada para longe de Apolo, e isso a estava deixando louca.
Ele era Apolo! Não conseguia conter o arrepio de emoção que a percorria cada vez que pensava nisso. Era inebriante, enlouquecedor e terrivelmente assustador.
Em vez de gaguejar como a louca em que ela pensava estar se tornando, Pamela apontou a noite do deserto com a cabeça, em um gesto que, ela esperava, parecesse indiferente.
— Não foi culpa sua. Eu estava distraída com o cenário. É muito mais bonito aqui do que eu esperava.
— Sim, sei bem o que quer dizer. O Reino de Las Vegas também me surpreendeu com sua beleza. — Ele sorriu e lhe afastou uma mecha de cabelo escuro da testa. Seus olhos capturaram e refletiram a iluminação do terraço e, por um momento, pareceram brilhar de novo com aquele azul imortal.
Pamela recuou um passo.
— Por quê? — ele indagou, magoado. — Por que está me evitando?
Um dos garçons ergueu a cabeça com óbvia curiosidade diante da pergunta, e Pamela acenou para que Apolo a seguisse até a borda mais distante da varanda, onde era menos provável que sua conversa fosse ouvida. Baixou a voz e tentou não se preocupar.
— Não estou desprezando você. Estou sendo apenas... c-cuidadosa — ela gaguejou, sem fitá-lo nos olhos.
— Não compreendo. — Ele passou a mão por seu rosto e suspirou. — Sabe, Pamela, isso nunca aconteceu comigo antes. Precisa me explicar quais são as regras do amor.
Ela sentiu o coração bater na garganta e engoliu em seco antes de responder.
— Não conheço as regras. Não sei como amar um deus. — Encontrou os olhos dele, relutante. — A verdade é que era diferente quando eu achava que você era apenas Febo.
— Eu sou Febo, Pamela.
— Não, não é! Meu Deus, Apolo... — Ela se interrompeu, apertando os lábios. — Veja! Nem consigo dizer coisas normais perto de você. “Meu Deus...” Você é um deus! Eu não sei o que dizer, o que fazer. — Pamela esfregou a testa.
Os músicos começaram a tocar uma valsa que só fez aumentar o clima surreal da noite. Era como se Apolo houvesse conspirado para adicionar uma trilha sonora à conversa.
— Eu não quero me apaixonar — ela disse baixinho. — Eu já não queria antes de te conhecer, e agora isso só me parece ainda mais impossível.
Ele balançou a cabeça.
— Não, não é impossível. O problema foi a forma como descobriu tudo. Eu devia ter lhe dito antes; tornado mais fácil para você aceitar.
— Como poderia ser mais fácil? Você é um deus antigo, e eu sou apenas uma mortal. Não estamos destinados a ficar juntos.
Dizer as palavras que a haviam assombrado o dia todo deixaram Pamela enjoada.
— Eu atendi ao seu desejo mais sincero — Apolo replicou numa voz baixa e firme.
— Claro que atendeu! Não é que eu não o deseje... Desejo muito. Você é perfeito. Eu pedi por romance, e você é, definitivamente, um sonho romântico que se tornou realidade.
Pamela queria ficar quieta, segurar as palavras que derramavam de sua boca, mas não conseguia. Tinha medo de que, fazendo isso, fosse se jogar nos braços de Apolo e pedir que ele ficasse lá para sempre.
Se fosse assim, o que seria dela? O que aconteceria com seu coração quando ele deixasse aquele mundo e voltasse para o seu próprio?
Apolo franziu a testa e tornou a sacudir a cabeça.
— Eu sou mais do que um sonho romântico, e você pediu por mais do que um simples namoro com um deus.
— Apolo, eu sei pelo que pedi — ela falou com firmeza.
— Sabe mesmo? Então talvez esteja interessada em saber que o vínculo da invocação entre você e minha irmã não se rompeu até ter admitido, ontem à noite, que sou sua alma gêmea.
— Sua alma gêmea... — ela sussurrou as palavras, negando com um gesto de cabeça. — Não! — Ele não podia ser. Se Apolo era sua alma gêmea, como ela sobreviveria sem ele?
O belo rosto do deus ficou lívido.
— Talvez eu tenha tido sorte, por todas estas eras, em não ter conhecido o amor... Parece que é um sentimento bastante doloroso.
Dizendo isso, curvou-se para ela de leve, fez meia-volta e se afastou.
Em vez de passar pelas portas e rumar para o quarto, como tivera a intenção de fazer, Apolo quase atropelou a irmã e Eddie quando estes saíam para o pátio, seguidos de perto pelo onipresente James.
— Que bom que já veio para cá! — saudou o escritor, dando-lhe um tapinha no ombro. Logo depois, avistou Pamela. — Excelente! Estamos todos aqui. James, já pode pedir que sirvam o jantar. Venha, minha deusa... A comida aqui pode ser simples, mas juro que não vai se decepcionar com sua qualidade.
— Eddie, eu quero mais daquele champanhe maravilhoso!
— Claro, claro... — ele murmurou, ajudando-a a se acomodar em uma das cadeiras.
Pamela observou o homenzarrão cercar a deusa de cuidados e mimos tal qual uma gimensa galinha, enquanto Apolo permanecia de pé, do lado oposto da mesa. Podia sentir seu olhar sobre ela.
Piscou, combatendo as lágrimas que lhe haviam assomado aos olhos, endireitou os ombros, desenhou um sorriso cordial e profissional no rosto, e se juntou ao pequeno grupo. Eddie, claro, insistiu para que ela se sentasse ao lado de “Febo”.
Por sorte, assim que ela pôs o traseiro na cadeira, uma nuvem de garçons convergiu para a mesa.
Eddie descrevera o jantar como “simples”, o que a fez se perguntar o que ele considerava extravagante. A comida não foi trazida aos poucos, como se poderia esperar de uma refeição cara, servida em um resort exclusivo. Em vez disso, o escritor ordenou que tudo viesse de uma só vez.
Foi como uma explosão de alimentos. As saladas individuais, de verduras frescas, cogumelos exóticos e uma série de tomates maduros e pequenos, eram montadas tal qual pequenos ninhos de pássaros. A massa do tipo farfalle parecia divina e cheirava a alho fresco e vinho branco. Espessas postas de salmão tinham sido grelhadas à perfeição, assim como compridas fatias de abobrinha cobertas de queijo provolone derretido e polvilhado com pimenta moída e sal. Durante toda a refeição, garçons atenciosos serviam as taças com champanhe gelado.
Tudo estava delicioso, e Pamela sentiu-se relaxar enquanto Eddie e Apolo conversavam amigavelmente a respeito da tradição dos banhos diários na antiga Roma. Na verdade, ela se viu intrigada com os detalhes vívidos que o deus fornecia sobre um mundo considerado morto havia muito tempo.
— Então, o banho se tornou uma atividade social... — concluiu Eddie enquanto mastigava o salmão.
Apolo concordou.
— Não era apenas o ato de se lavar. Os banhos romanos eram muito mais do que isso. No mesmo balneário não era incomum que houvesse espaços para exercícios, massagistas, barbeiros, restaurantes, lojas e bibliotecas. Era um centro de convivência; o centro nervoso do que acontecia na cidade. Em suas salas privadas, questões que não deviam se tornar públicas eram discutidas. Alguns dizem que até mesmo os deuses frequentavam os balneários de Roma para se inteirar das intrigas do dia.
— Ha! Sabe-se lá se o plano para matar César não começou em um desses balneários de Roma...? — conjeturou o autor.
— César! — zombou Ártemis. — Proclamar-se um deus foi apenas um de seus muitos erros. Ele devia ter escutado a esposa. Calpúrnia bem que o advertiu... Roma não ouviu muitas vezes as vozes de suas mulheres — completou, irritada.
Os olhos de Eddie se arregalaram.
— Eu tenho feito isso, minha linda! Venho pensando no assunto desde esta manhã, quando nos conhecemos. Alguma coisa parecia fora de lugar, não exatamente onde devia estar, e agora compreendo o quê... Você não é Diana. Reconheço agora a sua verdadeira natureza.
Ártemis ergueu uma sobrancelha dourada para o escritor e mordiscou seu segundo pedaço de salmão.
— É mesmo?
— Sim! Você é muito ardente para ser a pálida e etérea Diana. Você brilha e ofusca, não apenas como a luz da lua cheia. Carrega dentro de você a natureza de uma caçadora. Amanhã iremos descartar aquele vaso sem sentido, que segurou esta tarde, e substituí-lo por um arco e uma aljava repleta de flechas. A brandura de Diana feneceu, e a deusa Ártemis surgiu em seu lugar.
Pamela engasgou ao engolir, e um garçom correu para lhe trazer um copo de água. Tossindo, ela compartilhou um olhar de surpresa com Apolo; entretanto Eddie não havia terminado. Colocou a mão sobre o coração e deu início a uma cappella , a voz profunda e ressonante de barítono se elevando, depois abrandando — como a de um dos Três Tenores —, e preenchendo a noite no deserto:
Eu canto Ártemis das setas de ouro,
que a grande bulha da caça adora,
e que nos cervos suas flechas lança.
Ártemis que na caçada exulta,
curvando seu arco dourado
que cospe setas tão amargas.
Tão poderoso é o seu coração
quando pelas matas ela vaga
exterminando das feras as ninhadas...
Ártemis parou de comer quando Eddie se pôs a cantar, fitando-o com evidente espanto. O enorme homem fez uma pausa, gesticulou para o trio de mulheres que vinha dedilhando uma música de fundo suave durante todo jantar e estas pararam de tocar. Quando ele recomeçou a cantar, a harpista capturou a melodia e um som mágico de cordas o acompanhou:
Quando da caça a deusa das flechas se vê saciada,
deixa o tenso arco e visita o irmão, Febo Apolo,
no distrito de Delfos, sua rica morada...
Ele balançou a cabeça na direção de Apolo, que ergueu a sua em régio reconhecimento.
Comanda, então, o coro das Musas e das Graças,
deixando de lado seu arco e flechas.
Cobrindo-se com suas belas joias,
a bela dança das divas ela conduz.
Divino é a canto que estas entoam
louvando a brandura com que Leto
seus dois filhos deu à luz.
Filhos esses que, entre os deuses,
tão elevados e justos são
nos seus desígnios e na ação.
Saúdo a ti, filha de Zeus e da Leto de lindos cabelos!
A ti louvarei, e lembrarei também a tua canção...
A voz de Eddie segurou a última nota, enquanto a harpista improvisou um acorde fantástico. Conforme a canção se desvaneceu, a noite ficou muito quieta.
O olhar de Pamela se desviou de Eddie para Ártemis, e sobre esta ficou. Chocada, ela viu os olhos claros da deusa se encher de lágrimas. Em seguida, Ártemis se inclinou e beijou Eddie demoradamente nos lábios.
— Você conhece os Hinos Homéricos... — sussurrou, a apenas alguns centímetros do rosto do homem.
— Conheço os Hinos Homéricos — ele respondeu, solene.
— Você me surpreendeu, Eddie.
O sorriso de prazer da deusa fez Pamela prender a respiração, tal era sua beleza.
— Irmão — falou Ártemis sem tirar os olhos de Eddie —, desejo recompensar nosso anfitrião por seus aguçados poderes de observação. Você tocaria para mim?
— Claro — concordou Apolo. — Mas não tenho nenhum instrumento.
A voz inconfundível de Eddie retumbou pelo terraço.
— Já chega de música esta noite! Podem ir embora... — ele falou às musicistas — ... mas deixem os instrumentos. Meu assistente cuidará para que estes lhes sejam devolvidos amanhã.
As três mulheres saíram rápida e discretamente, e Pamela se perguntou quanto Eddie lhes pagara para que elas nem mesmo piscassem antes de deixar para trás suas ferramentas de trabalho.
Apolo tomou o assento desocupado da harpista e colocou as mãos sobre o instrumento sem demostrar nem um pouco da emoção que sentia. Era o Deus da Música. Harpistas o tinham adorado e louvado durante incontáveis séculos. As Musas o reverenciavam. Desde o dia em que havia convencido o recém-nascido Hermes a presenteá-lo com a primeira lira conhecida pela humanidade, considerava sua habilidade imortal com o instrumento mais do que garantida. Era como o ar que respirava e o vinho que bebia... sempre ali, com ele.
Mas, naquele dia, não era o imortal Apolo. Era apenas um homem comum.
Ele conhecia as notas. A sensação da harpa lhe era familiar... Ainda assim, sentiu o estômago se apertar. E se seu talento houvesse desaparecido com seus poderes? E se ele tocasse as notas erradas? Ou pior, tocasse as notas certas tão mal que estas parecessem erradas?
Ergueu a cabeça. Ártemis se levantara e recuara com graça para longe da mesa, de modo a ter espaço para iniciar sua dança.
Os olhos de Eddie estavam colados em seu rosto. O autor parecia completamente encantado por sua irmã.
Apolo pressionou a mão contra as cordas esticadas. Compreendia bem como se sentia o homenzarrão...
Relutante, ele desviou o olhar para Pamela. Ela o observava com atenção, sem dúvida à espera de ouvir o brilhantismo com que o Deus da Luz tocava.
Nesse instante, ele desejou estar de posse de seus poderes imortais. Ou então que fosse o mortal Febo de verdade. De repente, quis muito ser um ou outro. Estar preso entre dois mundos era como ser empurrado para um campo de batalha com apenas a lembrança das armas.
— Toque a música favorita de Terpsícore — pediu sua irmã, num tom imperioso.
Apolo sabia a melodia. Estava lá quando a Musa da Dança a criara, e tocara para ela quando esta a executara em um dos grandes banquetes de Zeus.
Fechou os olhos e se concentrou. Suas primeiras notas foram um teste: suaves, quase inaudíveis, porém seus dedos pareciam mais confiantes do que ele, o próprio deus. Eles conheciam as cordas prateadas, e viajaram para cima e para baixo, ao longo de todo o instrumento, como velhos amigos saudando um ao outro.
Apolo abriu os olhos. Ártemis flutuava pelo terraço, recriando a obra-prima de Terpsícore.
Ele sorriu com carinho para a irmã. Naquela noite ela não contava com poderes imortais, mas nem precisava. A seda do vestido que Eddie lhe comprara girava graciosamente em torno de seu corpo. Seus movimentos eram lânguidos e cheios de uma flexibilidade única, hipnótica.
Seus dedos voaram sobre as cordas, aumentando o ritmo da melodia. Ártemis o acompanhou, girando e ondulando em perfeito ritmo com a música, até o crescendo , depois do qual ela terminou em uma pose elegante aos pés de Eddie.
— Não! — gritou Eddie, puxando-a, de modo que a deusa ficou de pé a seu lado, respirando pesadamente. — Era eu quem deveria estar a seus pés, minha deusa!
Ártemis riu, sem fôlego.
— E então?... Gostou da sua recompensa?
— Guardarei essa sua dança na memória até a dia da minha morte!
A expressão da deusa ficou séria.
— Não quero pensar na sua morte.
Foi a vez de Eddie rir, e ele o fez com vontade.
— Não pense, pois esse dia ainda está longe, minha diva!
O sorriso de Ártemis retornou.
— Eddie, caminharia comigo? Sei que está escuro, a noite já caiu, mas...
— Seu desejo é uma ordem — proclamou o escritor. — Venha, os arredores estão bem iluminados, e é uma grande honra escoltá-la.
Sem lançar um só olhar na direção de Pamela ou de Apolo, os dois deixaram o deque, as cabeças próximas, enquanto Eddie perguntava à deusa sobre as origens de sua dança.
Ainda deslumbrada com a incrível performance de Ártemis, Pamela os observou partir. Não podia acreditar. Ártemis tinha dançado para Eddie como se desejasse aquilo; como se realmente se importasse com ele e quisesse agradecê-lo.
Que diferença um único dia havia feito!... Naquela mesma manhã, a deusa estivera arrogante e intratável.
Verdade que Ártemis continuava aguerrida, mimada, autoindulgente e fútil. Mas, quando olhava para Eddie, não deixava dúvida sobre o carinho que lhe transbordava no olhar. Seria possível que a deusa tivesse mesmo coração?...
Dois acordes suaves e mágicos, um seguido do outro, chamou sua atenção de volta para o seu imortal.
Seu imortal!...
O pensamento a fez estremecer. Antes daquela noite, ela teria imaginado que um homem tocando uma harpa seria, no mínimo, efeminado e, no máximo, muito gay !
E Apolo não era nenhuma das duas coisas. Era másculo e magnífico. Não tocava a harpa apenas; ele a acariciava como a uma amante, fazendo que a música brotasse dela. Era como se sua carícia trouxesse vida ao instrumento. Com aquele corpo dourado e musculoso, o cabelo colorido pelo sol, parecia um antigo guerreiro fazendo uma pausa entre as batalhas para descansar e recitar seus feitos heroicos.
Quando Apolo começou a cantar, e seus dedos extraíram um som ritmado e sensual das cordas, ela encontrou seus olhos.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
A voz de Apolo era tão perfeita que era quase indescritível.
Pamela tentou imaginar como ele devia soar quando podia usar seus poderes imortais. Não admirava que várias gerações tivessem construído templos e esculpido estátuas em sua homenagem.
E agora ali estava ele, cantando só para ela.
Nesse momento, ela o desejou tanto que a força do sentimento quase a sufocou.
Sem pensar com muita clareza, Pamela se levantou e caminhou até ele.
Quando olho para ti, perco a fala,
minha língua congela e cala
e chamas sob minha pele se alastram.
Já não vejo com meus olhos,
em meus ouvidos ressoa um zunido,
um frio suor me cobre inteiro,
um arrepio me faz cativo...
Mais verde do que a erva fico,
perto da morte eu me sinto.
Pamela parou diante dele. O único poder que Apolo tinha sob seu comando era o de um homem apaixonado. Mesmo assim ele a encantava.
Estremeceu conforme ele repetia o refrão e a cobria com o calor de suas emoções.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
Quando a brisa da noite varreu a última nota, ela estendeu a mão, tímida e, com um dedo, acariciou as costas da mão que descansava nas cordas da harpa.
— Você compôs isso?
Apolo sorriu e segurou a mão dela.
— Não. Foi escrito por Safo. Ela era uma poetisa grega, e uma amante apaixonada de mulheres. Peguei emprestadas as palavras... Safo era dona de um senso de humor cáustico e de uma inteligência afiada. Creio que consideraria a nossa situação um tanto divertida. Não acho que se importaria com a pequena mudança que fiz em seus versos.
— Foi muito bonito. Sua voz é... — Ela fez uma pausa, tentando encontrar palavras para descrever o que tinha ouvido. — Sua voz é como um sonho quase esquecido. Algo fantástico demais para ser real.
— Mas é real. Eu sou real. — Apolo a puxou para si. Pamela hesitou, e ele passou o braço em volta de sua cintura, trazendo-a para mais perto. — O que sente por mim é verdadeiro...
O deus pressionou os lábios suavemente contra os dela. Precisava sentir seu gosto e calor, contudo Pamela estava tão rígida e inflexível que ele se contentou com um beijo quase casto. Primeiro na boca, depois no rosto.
Por fim, ela relaxou o bastante para descansar a cabeça em seu ombro, e Apolo respirou o perfume de seu cabelo. Quando se inclinou para beijá-la outra vez, Pamela levantou a mão e o impediu com um dedo.
— Vou pedir que me dê algum tempo.
— Tempo?
— Preciso de tempo para pensar sobre o que está acontecendo entre nós, e não consigo pensar quando me toca e me beija... Por isso mesmo estou pedindo algum tempo. Vai fazer isso por mim?
Ele queria dizer “não”, atirar a harpa para o lado, tomá-la nos braços e fazer amor com ela lenta e apaixonadamente, até que Pamela não conseguisse pensar em nada. Sabia que podia convencê-la a se entregar; sentia isso no modo como seu corpo gravitava para ele e na maneira como seus olhos fitavam os seus. Tinha consciência da paixão que ardia dentro dela, e sabia como despertá-la e usá-la.
Mas e depois? Na manhã seguinte, Pamela se afastaria de novo. E ele queria que ela viesse até ele por livre e espontânea vontade, sem arrependimentos.
Tirou o braço de seu corpo. Em vez de tentar beijá-la outra vez, afastou a mecha de cabelo escuro que vivia lhe caindo sobre a testa.
— Vou lhe dar esse tempo para que possa pensar. — Sorriu, tristonho, beijou-lhe a mão, então caminhou devagar para longe do terraço.
Sozinho.
Capítulo 25
O telefonema, às sete e meia, de uma jovem alegre, anunciando que o café seria servido no terraço às oito, veio cedo demais para Pamela. Que diabo estava acontecendo com ela? Seu relógio interno normalmente a despertava bem próximo ao amanhecer. Para sua rotina normal, sete e meia da manhã já era tarde.
Naquela manhã, porém, ela esfregou os olhos, sentiu a cabeça pesada e desejou poder se aninhar e dormir por pelo menos mais umas duas horas.
Culpa de Apolo. Saber que o Deus da Luz dormia sozinho no final do corredor a fizera rolar e se virar na cama pela maior parte da noite. Assim como aquela voz maravilhosa dele, que continuava soando em sua cabeça.
E seu toque... A cada vez que fechava os olhos, podia sentir aqueles lábios ardendo contra os dela.
Pelo visto, não importava que ele estivesse sem os seus poderes imortais. Para ela, seu toque ainda era como fogo, luz, suor e...
Maldição dos infernos! Ela precisava controlar os próprios hormônios.
Esfregou os olhos e se lembrou de que, na certa, Eddie mandara preparar um excelente café, que devia estar prontinho, esperando por eles.
O que a fez se lembrar de que — tinha certeza —, ouvira Eddie e Ártemis rindo no caminho de volta a um dos quartos, lá pelas duas da madrugada. Talvez os dois até houvessem tido relações sexuais, por mais grosseiro que fosse pensar naquilo.
Ártemis faria aquilo? Não se esperava que fosse uma das deusas virgens?...
Pamela pensou na temporada erótica da diva com Zumanity e no modo sexy como ela andava e falava. Ártemis parecia tão virgem como a Madonna (a cantora, não a outra). Exatamente o oposto de uma deusa casta, inacessível e intocável.
Pamela gemeu de novo ao sair da cama. Lavou o rosto e escovou os dentes, lembrando-se de que era terça-feira. Sem contar aquele dia, haveria apenas mais três até que o portal fosse reaberto, Ártemis e Apolo voltassem ao Mundo Antigo, e ela pudesse retornar ao seu próprio.
Sentiu o estômago revirar. Não. Não era tão ingênua a ponto de esperar que Apolo fosse ficar por ali por tempo suficiente para ter um relacionamento de verdade com ela. Ele iria embora. E ela retornaria à sua vida normal, aborrecida e sem emoção...
Não. Ela já havia resolvido aquilo. Não iria rastejar de volta para sua concha, assexuada, sem companhia, sem romance. Precisava pensar em Apolo como sua porta de entrada para o mundo do namoro. Fora uma missão de reconhecimento bem-sucedida. Iria mudar de missão quando voltasse para casa. Não seria mais apenas trabalho e nada de diversão. Ela — iria — namorar!
— Maldição dos infernos ... — disse ao reflexo desgrenhado no espelho do banheiro. — Estou parecendo uma sócia excêntrica daquelas milícias pelo namoro! Ve vai ficar com tanta vergonha de mim!... — Pamela se interrompeu e deu um tapa na testa. — Ve! Não tenho nem mesmo checado as coisas com ela!... — Vasculhou a bolsa até encontrar o celular e digitou o número da amiga sem muita delicadeza.
— Está cansada de mim? Não me ligou mais... Diga que não é verdade — dramatizou Ve em vez de dizer “Olá”.
— Não é verdade — afirmou Pamela. — Deus, Ve, estou tão envergonhada por não ter telefonado!... As coisas aqui têm sido mais do que gimensamente insanas.
— O escritor está louco e “nas últimas”...?
— Não. Na verdade, Eddie é um sujeito excepcional, e o trabalho está em vias de se tornar quase de bom gosto. Você sabe... Algo que Elizabeth Taylor e Richard Burton teriam gostado.
— Está brincando! Não me diga que o convenceu a recriar o palácio de Cleópatra !
— Bem... quase.
— Como assim?!
— Sim, estou criando algo como o cenário de Cleópatra . Mas não sou eu a responsável pela parte do convencimento.
— Ele tem alguma assistente lésbica com obsessão por Elizabeth Taylor, também? Deus, esse mundo é mesmo um lugar pequeno e inacreditável!... — Ve suspirou, feliz. — Vai me arrumar algum lance , por acaso?
— Mais uma vez, não. O assistente dele é homem, e tenho certeza de que ele é hetero. São os meus assistentes que o estão persuadindo a mudar de foco. E foi apenas por um feliz acidente que o lugar está ficando parecido com um complexo do MGM.
— Espere um pouco! Você só tem uma assistente, que sou eu. E eu não estou aí, porque estou aqui, às voltas com aquela louca do gato velho, a sra. Graham... Que, a propósito, se convenceu a esquecer aquele sofá de veludo cor de ameixa. Vamos procurar pelo chintz hoje. Eu disse a ela que o tecido iria disfarçar mais os pelos de gato. Independentemente da história da “Mulher Gato”, ainda há o importantíssimo detalhe de que a sua assistente cést moi , e eu estou aqui. Explique-se.
O que ela poderia dizer? , perguntou-se Pamela. Se admitisse acreditar que Apolo e a irmã eram imortais presos em Vegas, Ve pegaria o primeiro avião com uma bolsa cheia de Valium e faria uma reserva para que ela passasse agradáveis “férias” na primeira clínica psiquiátrica que encontrasse pela frente.
Sem dizer que ela, Pamela, iria deixar sua melhor amiga preocupada à toa.
Não. Não podia dizer a verdade.
Respirou fundo. Não pensaria naquilo como uma mentira. Iria considerar tudo como uma ficção. Era o que Eddie fazia para viver, e ninguém o chamava de louco.
Bem, pelo menos não abertamente.
— Eu contratei Febo e sua irmã para serem meus assistentes até sexta-feira. Febo é especialista em arquitetura romana antiga. Já a irmã dele é tão sexy que Eddie mudou de ideia sobre fazer daquele horroroso deus Baco a estátua central da fonte, e está fazendo a moça posar como modelo de deusa — ela completou, respirou, então aguardou pela explosão.
— Você contratou o seu namorado?
— Ele não é meu namorado.
— E a irmã dele?... — Ve continuou como se Pamela não tivesse dito nada.
— Sim, bem, a irmã veio apenas como brinde. Febo é mesmo um expert em Roma antiga. Ele me ajudou a convencer Eddie a construir um autêntico balneário romano em vez de uma réplica cafona da piscina do Caesars Palace. Você sabia que os antigos romanos usavam seus balneários como clubes?
— Ok... foco! Ainda não terminei as perguntas sobre o seu namorado.
— Ele não é meu namorado.
— Seja lá o que for. Pensei tê-la ouvido dizer que ele era médico e músico — lembrou Ve. — E ele não devia ter zarpado de Vegas na segunda de manhã?
— Ele é médico e músico. E também especialista em Roma antiga. E, sim, ele devia ter ido embora, mas... ahn... perdeu o voo, por isso decidiu ficar — elaborou Pamela, tentando manter a voz leve, e de um modo que não soasse mentirosa.
— Parece tudo muito conveniente para mim. E eu achando que ele era um jovem cavaleiro Jedi!.. . Quantos anos ele tem, afinal?
— É mais velho do que eu pensava no início — admitiu Pamela, grata por poder responder a uma das perguntas da amiga com sinceridade.
— Ainda está transando com ele?
— Não! Pelo menos não na noite passada.
— Foi sua ideia ou dele não transar ? — Ve insistiu.
— Minha — confessou Pamela, desgostosa.
— Ô-ô... Está completamente amarrada . Por favor, diga que não o contratou apenas para mantê-lo por perto e se torturar com sua crescente obsessão! É o tipo de coisa que estabelece um daqueles cenários doentios de ópera, Pammy.
— Não é nada disso. Eu o contratei — e àquela infeliz da irmã dele — porque precisava de ajuda.
— Quer dizer que a bonitinha é uma bela bisca ...?
Pamela sorriu. Sabia que usar Ártemis como bode expiatório iria funcionar.
— Ela é horrível! Linda, altiva, do tipo que tem complexo de deusa. Você iria adorá-la.
— Você é tão engraçadinha... — Ve suspirou.
— Também sou um gênio do design . Contratar Febo e Diana tirou por completo a pressão de cima de mim para que eu transformasse algo totalmente brega em algo de bom gosto. Eddie está apaixonado por Diana. Um sorriso ou beicinho dela, e ele muda de ideia.
— E você, claro, a informou sobre o que Eddie deve gostar ou não...? — concluiu Ve.
— Claro — Pamela mentiu mais uma vez. Não se podia obrigar Ártemis a fazer muita coisa. Sorte que a deusa tinha excelente gosto... ainda que este fosse meio extravagante.
— E então, o que o seu trípode faz além de ficar por perto, bancando o macho?
— Ele não é meu trípode. E está trabalhando com os arquitetos, no balneário. É superinteressante saber mais sobre... — Uma batida na porta a interrompeu. — Espere um pouco, tem alguém na porta.
— Pamela? — A voz profunda de Apolo fluiu através da madeira. — Eu preciso de ajuda!
— Ahn, Ve, tenho que desligar.
— Ok, ligue mais tarde. E lembre-se: não fique se preocupando com tudo, mas tenha cuidado.
Pamela resmungou um adeus e fechou o telefone flip-top pouco antes de abrir a porta. Ela a escancarou e seus olhos fizeram o mesmo ao pousar em Apolo. Ele estava nu da cintura para cima! Tinha o cabelo ondulado todo desgrenhado, e seu queixo e faces estavam cobertos de sangue.
— Ah, meu Deus!... O que aconteceu?
— Fiz a barba — ele explicou. — E estou sangrando!
— ... Venha aqui. — Pamela o puxou para dentro do quarto e fechou a porta. Sob as manchas de sangue que salpicavam seu rosto, Apolo tinha a pele pálida. Ela balançou a cabeça e apontou para uma cadeira. — Sente-se antes que desmaie. Você não me parece bem.
Ele se deixou cair na cadeira. Tocou uma das gotas de sangue, olhou para o dedo avermelhado e engoliu em seco.
— É o meu sangue...
Pamela franziu a testa.
— Claro que é. Tirou sangue de si mesmo ao se barbear. — Rumou para o banheiro a fim de apanhar uma toalha molhada, olhando-o por cima do ombro. — Já fez a barba antes?
Ele negou com um gesto de cabeça, sem-graça.
— Não.
Pamela voltou ao quarto com a toalha molhada, lembrando-se de como o rosto de Apolo lhe parecera suave e sem pelos na manhã em que haviam acordado juntos.
— Nunca fez a barba?...
Ele a fitou.
— Nunca precisei fazer. Nunca tive barba.
Ela se inclinou diante dele e lhe examinou o rosto, tocando-o na face.
— Não está tão ruim. Você só se cortou algumas vezes. É que o rosto sangra muito facilmente.
— Eu não sabia — Apolo murmurou, parecendo ainda mais pálido.
Pamela se endireitou.
— Nunca viu sangue antes?
— Não — ele concordou, em seguida franziu a testa. — Quero dizer... sim. Mas nunca aconteceu de eu sangrar.
Pamela abriu a boca, depois fechou. Ele era um deus. Deuses não morriam, por isso era lógico que também não sangrassem.
Não soube o que dizer. Antes que pudesse formular uma resposta inteligente, ouviu duas batidas fracas, seguidas pelo som fraco de seu nome.
— Espere aí — disse a Apolo. — Quem é?... — perguntou através da porta.
— Eu! — A palavra soou como um gemido.
— Ártemis? — indagou Pamela, abrindo a porta.
Vestida com a túnica curta mais uma vez, a deusa se arrastou para dentro do quarto como se reeditando uma antiga tragédia grega, com uma das mãos estendida à sua frente e a outra segurando o pescoço.
— Pamela! Alguma coisa está muito errada comig... — Ao avistar o irmão sentado na cadeira, com o rosto salpicado de sangue, Ártemis levou a mão da garganta para a boca.
Pamela bateu a porta e segurou o cotovelo da deusa.
— Nem pense em gritar! — falou devagar e claramente.
— Oh!... — Ártemis oscilou, e Pamela a guiou para a cama, onde a diva se deixou sentar, ainda com os enormes olhos vidrados em Apolo.
— Ele está morrendo?! — indagou, em pânico.
— Ah, meu bom Senhor... Claro que não! Ele só se cortou no barbear. — Pamela esfregou a têmpora direita, sentindo a pontada que marcava o início de uma forte dor de cabeça.
— Apolo!? — Ártemis perguntou com voz trêmula.
— Não sou muito bom com a... — Ele fez um movimento, simulando a lâmina.
— Navalha — completou Pamela. — Não, você não é bom com a navalha. — Ela caminhou até ele e se abaixou de novo. — Isso pode doer um pouco... — Tocou os cortes com a toalha molhada.
O único movimento de Apolo foi uma puxada de ar.
Sua irmã assistiu a tudo, horrorizada.
— Ele está sangrando! — exclamou Ártemis.
— Sim, é isso o que acontece quando você se corta com uma navalha. Você sangra. — Pamela revirou os olhos para a deusa antes de se concentrar outra vez em Apolo. — Ok. Agora é só pegar um lenço de papel e pressionar uns pedacinhos nesses cortes. Muito em breve eles vão coagular e parar de sangrar, então estará novo em folha.
— Lenço de papel? — inquiriu Apolo.
— Coagular? — indagou Ártemis com voz estridente.
— Esqueçam... Eu mesma faço isso.
Pamela suspirou, foi até o banheiro, apanhou dois lenços de papel e tornou a se agachar ao lado da cadeira de Apolo.
Os gêmeos observaram, admirados, enquanto ela rasgava pedacinhos redondos e os pressionava nos cortes.
— Pronto — Pamela anunciou e se endireitou a fim de avaliar seu trabalho. — Isso deve parar o sangramento. Quando estiver pondo a camisa e penteando o cabelo, já poderá tirar os papéis sem que os cortes se abram novamente.
— Eles se abrem de novo? — ele perguntou, agoniado.
— Apolo, não é o Deus da Cura ou sei lá mais do quê? Como esse tipo de coisa pode ser tão chocante para você? — Pamela indagou, exasperada, sem saber se queria abraçá-lo ou chacoalhá-lo.
O deus se levantou de um salto.
— Tem toda a razão. Eu... Eu estou me sentindo um tolo. Vou me vestir e já volto — informou, batendo em retirada.
— Isso não foi muito gentil — observou Ártemis.
Pamela colocou as mãos nos quadris e se virou para a deusa.
— Olhe só quem está, de repente, toda preocupada com bons modos!... Preciso lembrá-la de que já deixou claro que me considera apenas uma experiência mortal que deu errado? Parece que me lembro de ter dito algo sobre estar farta de ficar algemada a mim como desculpa para ter me lançado algum tipo de magia sexual e fazer que eu me interessasse pelo seu irmão...
Ártemis se encolheu toda.
— Está piorando a minha dor de cabeça!
— Que bom!
— Mais uma vez, isso não está sendo muito agradável da sua parte! Até porque eu posso estar morrendo!
— E por que acha isso?
— Basta olhar para mim! Alguma coisa está muito errada. Meus olhos estão vermelhos, inchados e, sob eles, estou com essas manchas escuras horríveis. Estou com o estômago embrulhado e acho que a minha cabeça vai arrebentar a qualquer momento — choramingou a deusa, caindo dramaticamente sobre os travesseiros de Pamela.
— Por favor... Não há nada de errado com você, exceto uma enorme ressaca! — esclareceu Pamela, tentando não rir.
— E isso vai me matar? — Ártemis perguntou, endireitando o corpo para, em seguida, fazer uma careta de dor e segurar a cabeça.
— Não. Mas eu deixaria de lado as mimosas e o champanhe hoje.
A deusa empalideceu.
— Nem sequer mencione aquelas bebidas!
Pamela não pôde deixar de sorrir para ela.
— Aposto que está morrendo de sede.
— Estou seca! Como sabe? Já teve esta doença?
Pamela foi até o frigobar e apanhou uma garrafa de água. Rompeu o lacre, então a entregou a Ártemis. — Mais vezes do que estou disposta a admitir. Você ingeriu muito álcool ontem, e seu corpo temporariamente mortal está lhe dizendo que não foi uma boa ideia. — Pamela observou Ártemis entornar a garrafa de água. — Espere, não beba tudo. Vai precisar de um pouco para tomar com o Tylenol — explicou, vasculhando a bolsa até encontrar sua caixinha. Revirou as cartelas de Benadryl e Xanax até encontrar dois comprimidos do remédio. — Engula isto e depois tome um café da manhã leve: talvez apenas algumas torradas ou bolinhos. — Ao observar a expressão vazia de Ártemis, ela acrescentou: — Ah, está bem... Eu mostro o que poderá comer. Mas trate de beber café e um pouco mais de água. Vai se sentir melhor em breve.
— Vou ficar com uma aparência melhor também? Mal pude acreditar na imagem horrorosa que vi no espelho!...
Pamela estudou o rosto da deusa, assim como tinha feito antes com seu irmão. Ártemis continuava, como sempre, incrivelmente bela, mas, naquela manhã, a deusa se encontrava mesmo muito abatida.
— Vamos até o banheiro. Talvez eu possa dar um jeito nessas olheiras. — Ela fez uma pausa e lançou a Ártemis um olhar avaliador. — Espere... Faremos um trato. Vou melhorar sua aparência se prometer ser boazinha com Eddie outra vez.
À menção do nome do autor, a expressão de Ártemis mudou. Seu rosto pareceu suavizar, e suas faces se tingiram de um rosa delicado.
— Ah, meu Deus!... Está mesmo gostando dele! — exclamou Pamela.
— Ele... ele me lembra alguém — Ártemis sussurrou.
— Gosta de Eddie porque ele a faz se lembrar de alguém? Quem?
Os olhos da deusa faiscaram, e ela reassumiu sua habitual arrogância.
— É problema meu, não seu, quem Eddie me lembra. E não estou gostando dele apenas por causa disso. Ele me reconheceu. É um mortal de um Mundo Moderno que já não honra os deuses e as deusas, mas Eddie me conhece e me adora. E isso me agrada.
— Sei — resmungou Pamela. Em seguida, fez sinal para Ártemis se sentar no balcão do banheiro enquanto revirava seu estojo de maquiagem em busca de um corretivo.
Por algum tempo, trabalhou em silêncio no rosto da deusa, cobrindo os círculos escuros sob os olhos enormes e espalhando um pouco de pó bronzeador em suas faces, de modo a trazer de volta sua cor natural. Então, como se Ártemis já não fosse naturalmente maravilhosa, destacou seus olhos com uma sombra cintilante. Era como retocar uma pintura feita por um mestre, concluiu.
— Hipólito — murmurou Ártemis.
— O quê? — Pamela perguntou.
— Quem. Hipólito não era uma coisa. Era uma pessoa. Eddie faz que eu me lembre dele.
— Hipólito também era escritor? — Pamela quis saber, acrescentando apenas um toque de blush nas maçãs salientes do rosto da deusa.
— Não. Ele era guerreiro. Filho de Teseu. Era alto, forte e quase tão bonito como um deus. Não é o corpo de Eddie que lembra o do meu Hipólito. É em sua devoção que vejo muita semelhança.
— Você fala de Hipólito no pretérito... Ele está morto?
— Sim — admitiu Ártemis. — Assassinado por engano, por conta de sua devoção a mim. Fui a única mulher que ele amou.
— Eu sinto muito — sussurrou Pamela.
Ártemis encontrou o olhar da mortal, surpresa por identificar nele tanta compreensão.
— Você também perdeu um amor.
— Ele não morreu fisicamente... Mas descobri que o homem em que eu acreditava, na verdade, não existe.
Ártemis assentiu com um gesto de cabeça, pensativa.
— De certa forma, isso me parece até mais difícil de suportar. Pelo menos Hipólito já não caminha sobre a Terra antiga. Seria muito doloroso vê-lo, sabendo que ele é apenas a imagem do que eu acreditava que ele fosse...
— Então me entende — murmurou Pamela.
— Sim. — Ártemis sorriu, tristonha. Em seguida, virou-se. Ao se ver no espelho, seu sorriso se ampliou e se transformou em um sorriso de verdade. — Você realizou um milagre!
Pamela riu.
— Com certeza. E esses milagres têm nome: Borghese, Mac e um pouco de Chanel para completar. São milagres da mulher moderna que trabalha.
— Obrigada, Pamela! — a deusa falou com sinceridade.
— Foi um prazer, Ártemis. — Ela olhou para o próprio reflexo com um suspiro. — Agora vou ter que operar o mesmo milagre em mim. E depressa.
Ártemis deslizou do balcão.
— Eu digo a Eddie que fui a responsável pelo seu atraso. Ele não vai ficar nem um pouco aborrecido se tiver algum tempo a sós comigo antes que você venha ao nosso encontro...
— Ártemis! — Pamela chamou e, com a mão na maçaneta da porta, a deusa se virou para encará-la. — Posso fazer uma pergunta? Mesmo sendo meio pessoal?
A diva encolheu um ombro.
— Merece até uma bênção pelo milagre que fez. Não tenho poderes para lhe agradecer, assim terei prazer em responder à sua pergunta.
— Não entendo muita coisa de mitologia, mas lembro-me de ter lido que você, a deusa Ártemis, era uma deusa virgem, intocada por qualquer homem ou deus. Fico me perguntando se isso é verdade...?
Por um momento, Ártemis pareceu chocada. Depois, perplexa. Então começou a rir.
— Desculpe, eu não tive a intenção de que isso fosse engraçado — Pamela murmurou, meio envergonhada pela reação da deusa à sua pergunta.
— É da imaginação dos homens que estou rindo, não de você. Eles me denominaram a “Deusa Virgem” porque me recusei a ficar presa a um parceiro. Eu levo o amor aonde vou. Decido quem, onde e quando... Meu verdadeiro prazer vem da minha liberdade. Minha amante favorita é a floresta; minhas antigas companheiras, as ninfas que me servem. Mas posso lhe assegurar... não sou virgem — afirmou Ártemis, saindo do banheiro e deixando sua risada melodiosa como rastro.
C O N T I N U A
Capítulo 18
— Eu não faço a menor ideia do que vestir. — Pamela suspirou ao celular.
— Alguma coisa quente , mas não muito — sugeriu Ve. — Ele tem algumas explicações a dar antes de você cair de costas e abrir as pernas outra vez...
— Eu não abri as pernas assim!
O silêncio de Ve pesou na consciência já pesada de Pamela.
— Está bem, talvez eu tenha aberto um pouco — admitiu.
— Pammy, não existe abrir as pernas “um pouco”. É como estar um pouco grávida, ou se engajar em uma pequena guerra nuclear.
— Ah, Deus! Eu sou uma vagabunda! — Ela cobriu os olhos com a mão.
— Ora, por favor... Você teve relações sexuais com dois homens num período de... o quê? Oito, nove anos? Isso está longe de qualificá-la como uma prostituta.
— Mas eu dormi com Febo no nosso segundo encontro! — ela cochichou.
— Ei, não tem que cochichar! Está sozinha. Sem dizer que está se justificando para a pessoa errada, você sabe. Vamos rever aquela velha piada... O que uma lésbica leva com ela em um segundo encontro? — Ve fez uma pausa, na expectativa.
— Um reboque com a mudança — respondeu Pamela.
— Certo. Então, como pode ver, do meu ponto de vista tem se mostrado criteriosa até demais.
— Tem razão. Estou falando com a pessoa errada — Pamela concluiu.
Ve a ignorou.
— O que não significa que não deva fazer um pouco de doce ... Ao menos por uma noite, até que o jovem Jedi, Febo, explique por que resolveu abandoná-la pela manhã e, mais importante, por que deixou de mencionar esse fato antes, durante e depois de você ter aberto as pernas.
— Será que pode parar de chamá-lo desse jeito?
— Por quê? Falo como um elogio. Além disso, de acordo com suas incansáveis descrições, ele se encaixa perfeitamente na imagem.
— Febo não é nenhum Jedi . Se quer a verdade, ele parece mais um deus.
— Ah, controle-se! Nada é melhor do que um cavaleiro Jedi ... Exceto a princesa Leia.
— Vernelle! Não está ajudando em nada assim.
— Desculpe. Está bem, o que pode vestir?... Que tal aquele seu lindo vestido de seda creme? Você sabe, aquele com alças finas. Está na última moda de primavera e sempre faz sucesso com as massas. Você o levou, não levou?
— Sim. Mas não se lembra de como é decotado? Hello!... Tem alças finas! Ombros nus e decote profundo não entram na categoria “quente, mas não muito” — lembrou Pamela.
— Verdade. Muito bem. Levou as calças pretas? Aquela com as fendas que mostram uma boa parte das panturrilhas?
— Sim, acho que sim.
— Use-as com um dos seus tops sem mangas. Mas um com um decote alto. Assim ele consegue ver um pouco de suas pernas, um pouco dos seus braços, e apenas o contorno de tudo o mais. Se for um bom menino, poderá abrir o restante do pacote depois que vocês fizerem as pazes.
— Ve, você é incorrigível! — exclamou Pamela.
— Sim, eu sei. Mas também sei o que cai bem em mulheres.
— Agora me pegou. Está bem, vou usar as calças. E não vou dormir com ele de novo.
— Dormir? Você não me contou nada sobre ter dormido com o Jedi ! Eu posso não ser hetero, mas até eu sei que ninguém dorme com cavaleiros Jedi .
— Pare com isso. Sabe muito bem que estou falando de sexo.
— Pammy, você pode ter relações sexuais com ele. Basta judiar de Febo um pouco primeiro.
Pamela fez menção de dizer algo, depois mudou de ideia.
— Está bem. Talvez.
— Não me venha com “está bem, talvez”. Conheço esse seu tom. O que há de errado? Desembuche, criatura!
— Eu gosto dele — Pamela murmurou.
— Sim, deixou isso mais do que claro. E qual é o problema?
— Quero dizer que realmente gosto dele. E não quero isso. Não é muito inteligente da minha parte.
— Pammy, escute-me... O que não é muito inteligente é deixar Duane, aquele manipulador obsessivo, envenenar o seu futuro. Esse tal de Febo pode não ser o cara . Ele pode ser apenas alguém com quem está tendo um “casinho” em Vegas, e de quem vai se lembrar sempre como o homem que a tirou do limbo. De qualquer modo, nunca vai descobrir quem ele é realmente, ou o que qualquer outro cara seja, se não estiver disposta a lhe dar uma chance. Amor é assim. Precisa se arriscar a perder ou ganhar.
— Eu não sei se consigo — choramingou Pamela. — Nós já concluímos que não sou uma jogadora muito boa.
— Mas pode ser — Ve replicou com firmeza.
— Como pode ter tanta certeza?
— Se estivesse destinada a ficar sozinha, não estaria agonizando com essa história de “devo ou não devo”. Já teria aceitado o “não devo” como o melhor para você e seguido em frente com a sua vida. Seja franca. Pode afirmar com convicção que se sentia melhor antes de conhecer Febo?
— Era mais fácil — ela respondeu, seca.
— Bem, boneca, é mais fácil fazer as cortinas do quarto do mesmo tecido da colcha... Mas isso garante um melhor resultado?
Pamela fez uma careta ao notar as estampas florais combinando perfeitamente na suíte.
— Definitivamente, não.
— Por favor, dê uma chance a si mesma, Pammy. Você merece viver de verdade outra vez.
— Eu te amo, Ve — ela falou.
— Isso é o que todas as garotas dizem. Divirta-se esta noite. E tente não ser muito dura com o pobre trípode. Lembre-se de que pode ser esperta sem ser mala .
— Ahn?
— Esqueça. Vá se arrumar.
— Está bem, eu ligo amanhã — resolveu Pamela.
— Por falar nisso, percebeu que este é o segundo telefonema de uma série em que não mencionou trabalho uma só vez, não é?
— Maldição dos infernos! Estou perdendo a cabeça. Como foi com a sra... — ela recomeçou, mas a risada de Ve a interrompeu.
— Pammy! Pare!... É ótimo que tenha algo na cabeça além da Ruby Slipper.
— Sim, mas...
— Está tudo bem. Como de costume. Não tem que se preocupar. Telefone amanhã, depois da reunião com Faust. E lembre-se: diversão e fantasia, Pamela. Diversão e fantasia.
— Está linda esta noite... e muito sedutora — Apolo afirmou, beijando a pele da mão de Pamela com lábios tão persistentes e sugestivos como seu olhar.
Que maravilha! , ela pensou, sentindo o estômago se contrair com a visão dele. O oposto do que eu queria.
— Aposto que diz isso para todas — falou com cinismo, tomando emprestado o bordão de Ve.
— Não nos últimos tempos — ele replicou, os olhos azuis, da cor do céu, de repente muito sérios. — E nunca com tanta sinceridade.
— Então, muito obrigada — Pamela agradeceu, tentando, sem sucesso, não se deixar enfeitiçar pelo azul dos olhos de Febo. Como um gato se livrando da água, ela se sacudiu mentalmente e tratou de mudar de assunto. — Como está a sua irmã?
— Está bem. Ainda incomodada, mas bem. — Apolo manteve a mão na dela enquanto apoiava um pé no degrau inferior da cadeira alta, a seu lado. Queria puxá-la para os braços e beijá-la ali, na frente do café, mas a linguagem corporal de Pamela lhe dizia que ele precisava ir com calma. — Diana não quis ofendê-la esta tarde. Como ela mesma falou, não tem estado muito bem.
Pamela se preparou para soltar um improvisado “tudo bem”, porém se conteve. Em vez disso, endireitou os ombros e o fitou nos olhos.
— Não vou fingir que descobrir que iria partir tão cedo, e que não dissera nada a respeito, não feriu meus sentimentos. Para falar a verdade, isso fez que eu quisesse distância de você.
— Ah, a verdade. — Apolo acenou com a cabeça, pensando como apreciava a honestidade de Pamela e, ao mesmo tempo, percebendo quão poucas mulheres haviam sido sinceras com ele. Elas o tinham adorado, idolatrado, competido por sua atenção... Contudo, ele não achava que alguma houvesse sido honesta com ele. — Ficou magoada ao pensar que eu iria deixá-la sem explicação, e sinto muito por isso. — Acariciou-a no rosto. — A última coisa que desejo é que sinta vontade de fugir de mim para se proteger. — Tocou com o dedo a medalha dourada que pendia em torno do pescoço delicado. — Por favor, acredite que seus sentimentos estão seguros comigo.
Mais uma vez, Pamela retrucou com total franqueza:
— Vou tentar confiar em você, mas não posso prometer nada ainda.
Ele levou sua mão aos lábios outra vez.
— E eu vou me contentar com a sua honestidade e com a oportunidade de ganhar sua confiança.
— Pode me dizer por que está indo embora?
— Você se importaria muito se falássemos sobre isso durante o jantar? Planejei algo especial para nós esta noite.
— Ah, claro — Pamela sentiu uma onda de prazer que desejou poder controlar melhor. — Estou faminta. — Levantou-se, muito consciente de que Febo ainda a segurava pela mão, e sem coragem de se livrar dos dedos quentes. — Para onde vamos?
— Para o Monte Olimpo — ele declarou com os olhos brilhando.
— Parece um restaurante que se encaixaria muito bem por aqui... Mas não me lembro de tê-lo visto enquanto passeava pelo Fórum. Fica no Caesars Palace?
— Há uma passagem para ele no hotel, mas é exclusiva. Poucas pessoas sabem disso.
— É só para os deuses, certo? — Pamela falou brincando.
— Só para os deuses — Apolo concordou, sorrindo.
Caminharam de mãos dadas, do Fórum até o cassino. Seus braços se tocavam intimamente, e Pamela se lembrou de como fora maravilhoso estar no meio destes, pressionada contra o peito nu. Podia até sentir seu aroma único. Não era como o daqueles perfumes masculinos de loja de departamento. O dele era natural. Febo cheirava a limpeza. A homem.
A ponto de ela ter vontade de cheirá-lo.
— Terminou o esboço das salas de banho? — ele quis saber.
— Sim, terminei. — Pamela tratou de afastar as lembranças de sua pele nua. — E gostei. Nunca tinha desenhado nada semelhante. É emocionante fazer algo novo. Isso se eu convencer Eddie a usar o projeto.
— Vai convencer.
— Eu espero que sim... OH, MEU DEUS! — Pamela estacou, como se tivesse trombado com uma parede invisível, ao deparar com uma vitrine iluminada, bem na frente de uma pequena loja de acessórios da moda. Nesta, pequenas bolsas, cuidadosamente dispostas sobre um pilar de mármore, se encontravam dentro de uma caixa de vidro fechada. — Não acredito como são perfeitas! — Entorpecida, Pamela largou a mão de Febo e se aproximou do vidro. Havia três bolsinhas forradas de pedras nas caixas transparentes. Uma delas imitava um cofre de porquinho, desses de criança, a outra era uma encantadora libélula, e a terceira, aquela pela qual ela enlouqueceu: uma réplica exata de um dos sapatinhos de rubi de Dorothy. Cintilava com contas vermelhas e pedras semipreciosas sob o spot , parecendo mágica, familiar e muito... Mágico de Oz. — Preciso comprar essa bolsa! — exclamou, chamando o atencioso vendedor que aguardava no interior da loja com o dedo.
Apolo observou enquanto Pamela, encantada com a bolsa em forma de sapato vermelho — que também continha aquele pino cortante que ela tanto apreciava —, aguardava, impaciente, que o servo abrisse a caixa de vidro e retirasse o objeto com cuidado.
Pamela o tratou com reverência, virando a etiqueta dourada que pendia do fecho.
Seu rosto empalideceu.
— Deixe-me ter certeza de que estou lendo direito... São 4 mil dólares ou 400 dólares?... — perguntou ao funcionário.
— É isso mesmo, senhora. Trata-se de uma Judith Leiber original. — O tom do rapaz dizia que aquela era explicação suficiente para o preço.
— É linda. — Relutante, Pamela devolveu a bolsa para o vendedor, que a colocou de volta na vitrine.
— Posso lhe mostrar mais alguma coisa, madame?
— Não, obrigada.
O empregado fechou e trancou a caixa de vidro.
— Pode me chamar se precisar de ajuda. — Ele fez um movimento afetado com o rosto e rumou para o interior da elegante loja.
— Não vai comprá-la? — Apolo perguntou, odiando o ar de desamparo no rosto de Pamela.
— Está brincando? Custa 4 mil dólares. Não posso gastar esse dinheiro em uma bolsa.
— Mas disse que ela era perfeita.
— E é!... Quatro mil dólares de perfeição. — Ela suspirou e deslizou o braço pelo dele, conduzindo-o para longe da fachada da loja.
— Vamos embora antes que eu chore.
— Não tem 4 mil dólares? — Apolo perguntou enquanto caminhavam.
— Sim, tenho. Mas não sobrando. Ou melhor, não que justifique uma extravagância dessas. Mesmo que seja uma bolsa-joia, sapatinho de rubi!... — Ela suspirou, pensativa. — Quem sabe um dia?
Apolo pensou no pacote de dinheiro que carregava no bolso. Não se lembrava exatamente do quanto havia trazido com ele. Tinha apanhado apenas algumas notas do topo da pilha que Zeus mandara Baco deixar numa tigela dourada, próxima do portal. Fez uma conta rápida e teve a certeza de que não contava com 4 mil dólares.
De qualquer maneira, Pamela parecia considerar aquilo uma grande quantia em dinheiro; decerto mais do que aceitaria como presente.
Olhou para a medalha de ouro que se aninhava pouco acima do vale entre seus seios. Ela quase não a aceitara, e não fazia ideia nem mesmo de uma fração de seu valor.
Não. Pamela não permitiria que ele a presenteasse com a bolsa.
O chão de pedra deu lugar a um tapete opulento quando eles deixaram as lojas do Fórum e adentraram o Caesars Palace.
— É por aqui — orientou Apolo, virando à direita e passando por várias fileiras de máquinas caça-níqueis que piscavam. Em seguida, diminuiu o passo e parou.
— Caminho errado? — Pamela inquiriu.
Ele sorriu.
— Não, mas eu estava pensando... Por que não se arrisca um pouco no jogo?
O rosto bonito de Pamela se transformou em um ponto de interrogação.
— Quer a bolsa, mas não pretende gastar 4 mil dos seus dólares. E se ganhasse esse dinheiro? Você compraria a bolsa?
— Acho que sim, eu...
Apolo fez um gesto de cabeça em direção à fileira de caça-níqueis mais próxima.
— Estou sentindo que a sorte está conosco esta noite.
Pamela mordeu o lábio.
— Não sou muito boa jogadora. Gosto de saber que estou recebendo algo em troca quando entrego o meu dinheiro.
— Então, permita-me entrar com o meu dinheiro. — Ele enfiou a mão no bolso e tirou o pequeno pacote, lidando com habilidade com a dúzia de notas, cuja maioria era de 50 ou 100 dólares.
— Minha Nossa, Febo, nunca ouviu falar em cartões de crédito?
Ele tentou não se mostrar confuso. Baco havia mencionado algo sobre outras formas com as quais os mortais modernos pagavam por suas aquisições, mas não se lembrava exatamente do que o deus dissera.
— Prefiro isto. — Fez uma pausa, tentando decidir o que mais poderia dizer. — Não é muito colorido, mas interessante de se olhar. — Entregou-lhe uma nota de 100 dólares. — Aceite uma destas, use-a para alimentar uma das máquinas, e vamos ver o que acontece.
Pamela franziu a testa, olhando-o como se ele fosse louco.
— Não posso torrar 100 dólares assim, mesmo que sejam dos seus! E, estou falando sério, eu nunca jogo. Não sei se tenho a atitude certa para dar sorte.
— Pois eu penso o contrário. Você traz sorte para mim.
O comentário arrancou um sorriso relutante de Pamela.
— Não vou conseguir gastar 100 dólares assim.
— Se é assim, leve uma desta. — Apolo mexeu no dinheiro até encontrar uma nota de cinquenta. — Lembre-se de que poderá ganhar dinheiro suficiente para comprar a sua bolsa-sapato.
À menção do cobiçado objeto, os olhos castanhos de Pamela cintilaram, e ele soube que tinha vencido.
— Está bem, vamos fazer um acordo. — Ela não pegou a nota de cinquenta. Em vez disso, remexeu o maço de dinheiro até encontrar 20 dólares. — Eu aposto com isto, e apenas isto. Se eu ganhar, você recebe a metade. Se eu perder, fico lhe devendo 10 dólares.
— Aceito — concordou Apolo. — Em que máquina vamos tentar?
Pamela estudou a fileira de caça-níqueis piscando, ressoando, retinindo, e sentiu-se um pouco intimidada por sua aparência. Já passava das oito da noite do domingo, mas pelo menos metade das máquinas continuava ocupada por jogadores, os quais apertavam botões e puxavam alavancas com admirável intensidade.
— É você quem está se sentindo com sorte. Você escolhe — resolveu.
Apolo coçou o queixo, fingindo considerar os aparelhos com cuidado.
— Gostei desta aqui. — Ele a puxou pela mão até um caça-níqueis não muito longe de onde eles estavam. Havia apenas mais duas pessoas naquela fileira, e estas se encontravam sentadas bem além da máquina que ele escolhera.
— “Roda da Fortuna”. Tem certeza de que quer esta? Pode ser um mau presságio... Eu nunca gostei muito desse programa de TV. Não costumo soletrar bem. — Pamela encolheu os ombros. — Aliás, sempre odiei fazer isso.
— Está nervosa.
Apolo não compreendeu o que ela dizia, mas reconheceu o tom de sua voz e sua linguagem corporal.
— Sim — admitiu Pamela, sentindo-se uma tola. — Tem razão, estou mesmo. Eu já disse que nunca joguei antes.
— Não pense nisto como um jogo de azar. Pense nisso como a compra de uma bolsa.
Pamela se animou visivelmente.
— Acho que comprar uma bolsa é algo que eu consigo fazer. — Ela se acomodou no assento estofado e estudou a frente do extravagante caça-níqueis. — Acho que o dinheiro vai aqui... — concluiu, deslizando-o para dentro de uma fenda. A nota desapareceu, e a máquina clicou e retiniu, exibindo um crédito de 20 dólares no visor digital. Pamela olhou para Febo. — Pronto?
— Pronto.
Ela agarrou a bola vermelha na extremidade do braço de metal e puxou. Tinha a atenção voltada para as três pequenas janelas do aparelho, e não percebeu o pequeno gesto de comando que Apolo fez com a mão.
— Bar... — Pamela murmurou quando o primeiro rolo parou no visor. — Bar... — repetiu na parada seguinte, com crescente excitação na voz. — BAR! — gritou quando a terceira imagem preta estacou.
A máquina explodiu em luzes e sirenes, e começou a vomitar dinheiro pela boca mecânica enquanto Pamela gritava e saltava, atirando-se nos braços de Apolo, que a abraçou de volta, rindo.
Às vezes era muito bom ser um deus.
Capítulo 19
A alça da bolsa de sapatinho de rubi era uma corrente de filigrana de ouro que podia muito bem ser usada como um colar sensual por uma daquelas mulheres rebeldes dos anos vinte. Pamela a deslizou sobre o ombro e sentiu uma vontade louca e infantil de saltitar como a Dorothy pela Yellow Brick Road abaixo. Não podia acreditar que aquela bolsa era sua! Ve ia ter um ataque quando a visse.
— Ainda não acredito que o prêmio era de exatamente 8 mil dólares! — falou, emocionada, fazendo uma voltinha enquanto observava a bolsa cintilar no reflexo das vitrines pelas quais passavam.
— Eu disse que estava me sentindo com sorte — lembrou Apolo, ainda encantado com a exuberância da reação de Pamela ao ganhar o dinheiro.
— Eu jamais teria me permitido comprar algo tão caro! — Ela apertou a mão dele e baixou a voz. — Nem mesmo um par de sapatos de grife fabulosos, de coleção nova. Não por 4 mil dólares.
— Mas você adorou essa bolsa. — Apolo sorriu para ela, satisfeito por ter sido capaz de ter orquestrado tal alegria. Curiosamente, não se importava por não poder contar que ele mesmo comandara a máquina, de modo a fazê-la expelir o dinheiro necessário. Não se importava em não receber o crédito. O principal era que Pamela se encontrava radiante, e isso tornava seu coração leve e despreocupado.
— Amo esta bolsa. Adoro esta bolsa. Estou apaixonada por esta bolsa! — Ela riu. — Não me importo o quanto isso soe superficial e materialista. Só vou usá-la em ocasiões especiais. Quando eu voltar à minha loja, vou colocá-la em um vidro, na vitrine da frente, onde tenho nosso logotipo pintado em vermelho com os dizeres: “Ruby Slipper Design Studio... A certeza de que não existe lugar melhor do que a nossa própria casa”.
Fizeram o caminho de volta através do Caesars Palace enquanto Apolo ouvia a animada conversa de Pamela. Ele acreditava no slogan de seu estúdio de design . Sem Pamela, não havia casa alguma. Sabia que isso era verdade — já experimentara a sensação. O Reino de Vegas era um lugar estranho e bizarro, mas quando ele passara pelo portal, naquela noite, e rumara na direção da Adega Perdida e de Pamela, sentira como se estivesse voltando para casa. Por mais improvável que fosse, Apolo, o Deus da Luz, um dos Doze Olímpicos originais, estava se apaixonando por Pamela Gray, uma mortal moderna.
— Ei! O que vai fazer com os seus 4 mil dólares?
Apolo levou a mão delicada aos lábios.
— Não faço ideia. Talvez você me ajude a decidir. Lembro-me de ouvi-la dizendo que nunca comprou um par de sapatos de grife por 4 mil dólares... — Sua voz foi sumindo conforme seu olhar percorria o corpo esbelto, até as perigosas sandálias pretas de salto que Pamela usava. — E descobri que gosto muito desses seus sapatos que parecem uma adaga.
— Você sabe mesmo o caminho para o coração de uma mulher! — Pamela sorriu.
— Por todos os deuses, espero que sim — Apolo falou, sincero.
Em seguida, virou em um pequeno corredor lateral e, após apenas alguns metros, parou diante de uma porta branca e simples.
— Não pode ser aqui. — Pamela duvidou, olhando em volta. — Não há nenhuma indicação. Não é nem mesmo próximo dos outros res taurantes. — Ela lançou à porta, depois a Febo, um olhar desconfiado. — Acho que se confundiu em algum lugar.
Apolo sorriu de lado.
— Eu disse que era um local exclusivo.
— Mas... — ela recomeçou, confusa.
Apolo fez que ela o encarasse. Teria que resolver tudo depressa. Não gostava da ideia de usar seus poderes para hipnotizá-la, contudo precisava convencer Pamela a atravessar o portal. Depois iria transportá-la de imediato até seu templo, sem que ela estivesse ciente do que acontecia.
— Prometo que o jantar desta noite será como nenhum outro. — Ele não se preocupou em inspecionar a área ao redor; o pequeno corredor de serviço já se encontrava encantado pelo poder do Olimpo. Não haveria intrusos mortais para vê-lo usar sua magia imortal em Pamela. — Mas, antes de irmos, preciso fazer algo que estou com vontade desde que minha irmã nos interrompeu esta manhã... — Puxou-a para os braços. Enquanto deslizava as mãos pelas curvas suaves de seu corpo, e seus lábios encontravam os dela, concentrou-se em enviar para a mente de Pamela uma bruma de seu poder dourado. Ordenou que a névoa iluminada lhe obliterasse os pensamentos para que, por apenas alguns momentos, a preciosa alma mortal de Pamela ficasse tonta e desorientada.
Ela gemeu baixinho, oscilando ligeiramente.
Com um movimento rápido, Apolo a ergueu nos braços, abriu a porta e atravessou o portal. Teve apenas um vislumbre do Salão Nobre do Olimpo, mas foi o bastante para perceber que Ártemis fizera o que tinha prometido. O local estava deserto. Não havia um único imortal para testemunhar o Deus da Luz readentrando o Olimpo com uma mortal moderna nos braços.
Em silêncio, ordenou que fossem transportados até seu templo, e ambos desapareceram em um facho de luz.
O sorriso de Baco era malévolo quando ele deixou a boca do corredor e se aproximou da porta que disfarçava o portal olímpico. Aquilo iria ser ridículo de tão fácil. Como sempre, Apolo se mostrava muito arrogante e seguro de si, e não percebera que ele, Baco, o seguia desde quando ele encontrara a mortal no bar. Na verdade, Apolo não notara coisa nenhuma, exceto a mortal moderna por quem estava obcecado. Tinha bancado o herói oculto, manipulando a máquina caça-níqueis, e presenteado a moça com os meios necessários para a compra de um objeto de seu desejo...
Mal podia esperar até que a mulher testemunhasse como o deus dourado se tornaria impotente e patético sem seus poderes. Estava ansioso por ver a arrogância do Deus da Luz se extinguir, mesmo que fosse por um período de apenas cinco dias.
Baco caminhou através do portal. Assim como tinha previsto, o Salão Nobre do Olimpo se encontrava vazio. Se conhecia bem os gêmeos dourados, estes se certificariam de que o local permanecesse assim, de modo que o encontro de Apolo com a mortal passasse despercebido pelos outros imortais.
Que conveniente!...
Ele quase riu em voz alta, mas, com um esforço, se controlou. Teria muito tempo para se regozijar depois. No momento, precisava se concentrar.
O Deus do Vinho encarou o portal e ergueu os braços sobre a cabeça, invocando o poder inebriante de seu reino e dando início ao ritual mágico:
Ricos e inebriantes poderes do vinho,
reúnam-se neste portal.
Preparem-no para que possa, serena,
passar por ele a mortal.
Se ela voltar, todavia,
transforme-a naquilo em que foi nomeada.
Perdurem por apenas um momento, delicados poderes,
em seguida, esvaeçam,
como esvaece a luz de Apolo que pela manhã se alastra...
Baco fez uma pausa para reprimir a alegria que sentiu ao se referir ao Deus da Luz em seu feitiço. Tornou a se concentrar no que fazia, e completou as palavras de sua armadilha:
Há mais de uma maneira de se queimar...
Eis a lição que o Deus do Sol deve assimilar!
O deus ergueu as mãos diante do portal e, por um instante, este flamejou com a cor de um vinho rosé gelado. Em seguida, a cor desbotou, e tudo voltou ao normal.
— Primeiro passo concluído — Baco murmurou para si mesmo. — Segundo passo: espera.
O Deus do Vinho soltou um comando suave. Seu corpo desapareceu e se rematerializou no jardim dos fundos do templo de Apolo.
Baco espiou por trás de um arbusto bem cortado. Assim como ele havia previsto, a propriedade se encontrava deserta. Normalmente, exuberantes ninfas se reuniam em torno do templo de seu deus favorito, disputando a atenção de Apolo.
— A adoração de ninfas não pode ser conveniente quando se está cortejando uma mortal moderna... — Baco ironizou. — Melhor para mim.
Para um deus de seu tamanho, ele se movia com surpreendente discrição. Entrou por uma das portas traseiras do templo e se deslocou em silêncio pelo corredor de mármore até alcançar uma sala cavernosa, onde uma dúzia de servas virgens de Ártemis dava risadinhas e se divertia ajeitando jarros de vinho e comida em travessas. Sim, ele chegara a tempo. Aguardou, impaciente, que a serva encarregada do vinho virasse a cabeça para responder a uma pergunta cochichada de uma das colegas e, em seguida, com movimento rápido e seguro, moveu os dedos em direção aos jarros, sussurrando:
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O vinho cintilou com uma luz sobrenatural rosa-pálido.
Invisível para quem quer que fosse, Baco deixou a sala e se mesclou à noite.
Agora, tudo o que lhe restava era esperar e observar. Esperar e observar...
A risada satisfeita do Deus do Vinho ecoou, sinistra, pelos jardins desertos.
Ártemis correu para o salão, e suas criadas silenciaram respeitosamente.
— Eles chegaram!
Sussurros excitados cessaram com um só movimento da mão da deusa.
— Esta noite, servindo ao meu irmão, estarão servindo a mim mesma. Façam-no com competência.
As servas inclinaram as cabeças.
— Sim, deusa — entoaram com suas vozes doces.
— Levem vinho a eles — ordenou Ártemis, e duas das criadas se apressaram em obedecê-la.
Tão logo estas saíram, a deusa se debruçou sobre as travessas repletas de iguarias e olhou para as amas.
— Devo ajudar o Deus da Luz a alcançar seu desejo? — indagou, maliciosa.
As virgens riram e assentiram com um gesto de cabeça.
Ártemis estendeu as mãos sobre o banquete do irmão.
— Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
O poder derramou das mãos da deusa por sobre os alimentos, cintilou por um instante, depois os fez voltar à sua aparência normal.
— Sirvam aos dois, e depois os deixem sozinhos. Privacidade é o que Apolo deseja esta noite.
Satisfeita, Ártemis deixou o templo do irmão e caminhou devagar na direção do Salão Nobre, o qual deveria estar deserto, pois ela se certificara disso. Afrodite e Eros haviam retornado mais cedo de sua incursão de fim de semana ao Reino de Las Vegas e agora descansavam em seus templos. Ela deixara claro para as ninfas que ainda perambulavam por Vegas que já era hora de elas voltarem para o Olimpo e, com poucas e afiadas palavras, mandara todas de volta para as florestas e os vales aos quais estas pertenciam.
Criaturas tolas...
O restante dos Doze Imortais tinha desaparecido, afinal, ela começara um boato de que Hera e Zeus estavam se desentendendo de novo, e nenhum mortal ou divindade gostava de testemunhar isso.
Em seguida, ela esperaria pelo irmão no salão vazio e torceria para que, antes do amanhecer, pudesse sentir o vínculo entre ela e a mortal se dissolver. Sem dúvida havia feito tudo o que podia. O restante era com Apolo.
— Absolutamente espetacular! — Pamela olhou ao redor, admirada. — Não acredito que aquela porta sem-graça estava escondendo isto tudo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Está brincando? Este lugar é magnífico! — Ela inclinou a cabeça para trás, tentando ver a parte superior do teto abobadado, e deparou com um tipo de afresco fabuloso. A vertigem que a acometera pouco antes, porém, a fez tropeçar para trás.
O braço forte de Febo estava lá para segurá-la.
— Talvez seja melhor sentar-se — ele sugeriu, guiando-a para uma das duas requintadas espreguiçadeiras que descansavam em ambos os lados de uma mesa de mármore.
Pamela se deixou afundar na chaise longue e esfregou a testa.
— Devo ter ficado no sol por muito tempo hoje. Minha cabeça está girando.
Como se sob sua sugestão, duas moças entraram na sala. Vestiam túnicas curtas e diáfanas, feitas de seda branca, onde se viam criaturas da floresta bordadas com fio prata. Uma delas carregava uma bandeja com um jarro dourado e duas taças da mesma cor.
As mulheres sorriram, tímidas, para Febo e Pamela.
— Vinho? — indagaram em uníssono.
— Claro — concordou Apolo.
Com movimentos graciosos, lindos de se observar, as moças serviram a bebida.
— Seu jantar está pronto — uma delas anunciou com voz melodiosa.
— Podemos servi-lo? — perguntou a outra.
— Sim.
As duas mulheres fizeram uma profunda reverência e saíram, apressadas, por onde tinham vindo.
— Mas nós nem mesmo fizemos o pedido — lembrou Pamela. Estava com uma terrível dor de cabeça. Sentia-se desorientada e nem um pouco confortável.
— Eu já havia especificado alguns pratos com antecedência. — Apolo pensou por um momento. — Chamam isso de “encomenda”, certo? — Quando a expressão perplexa de Pamela mudou para uma carranca, ele acrescentou: — Espero que não se importe. Eu queria surpreendê-la com iguarias gregas.
— Iguarias gregas? Intrigante. Quase tão intrigante quanto este restaurante. — Ela passou a mão pela lateral da chaise . — Veludo de seda... Meu tecido favorito para estofamento. — Como se o toque familiar do veludo fosse um bálsamo, a névoa em sua mente começou a se dissipar. — Veludo de seda me lembra água. É tão liso e macio!... Adoro. — Seus dedos permaneceram sobre o bonito tecido.
— Fico feliz por ter aprovado — disse Apolo, aliviado por ela estar se recuperando do poder que ele lhe lançara.
Pamela olhou ao redor da sala mal iluminada. Eles não apenas eram os únicos clientes ali, mas sua mesa também era a única posta no lugar. Era um espaço enorme, claro, mas, ao contrário do restante do Caesars Palace e do Fórum, alguém com bom gosto e estilo o tinha decorado... o que significava que este não era forrado do chão ao teto com a exagerada pseudo-opulência romana.
E o piso era incrível. Parecia feito de uma única peça de mármore, embora ela soubesse que aquilo não era possível.
— Este chão é inacreditável. Parece muito com mármore de Carrara, mas nunca vi Carrara com veios dourados como este. — Seus olhos viajaram do piso para as paredes, e então se arregalaram. — Usaram o mesmo mármore para as paredes e as colunas! Adoro esse estilo minimalista. E o decorador acertou em cheio: esse mármore é bonito demais para ser coberto por uma porção de quadros. Aquela tapeçaria é o toque perfeito. — Apontou para o enorme trabalho que se estendia pela maior parte da parede à sua frente. Era de um homem nu. Um lindo e jovem homem nu.
Pamela apertou os olhos, tentando enxergar melhor à luz fraca. Ele se encontrava de pé, ao lado de uma biga, e segurava uma harpa.
— Ele me parece familiar — comentou, intrigada.
— Provavelmente porque o está usando na imagem que leva em torno do pescoço — Apolo justificou depressa.
Ela tocou a medalha dourada e sorriu.
— É verdade. Você disse que o nome do restaurante era Monte Olimpo, portanto é provável que seja Apolo outra vez. Incrível essa semelhança entre vocês dois. Principalmente com este da tapeçaria. Estranho...
— Coincidência — ele falou, fingindo indiferença. — Vamos beber? — Entregou-lhe um dos cálices e ergueu o seu próprio. — À nossa sorte.
Pamela sorriu e deu um tapinha na bolsa cintilante que descansava a seu lado.
— À nossa. — Tomou um gole. — Este vinho é uma delícia!... E eu não costumo gostar muito de vinho branco. — Olhou para a taça. — Mas este não é branco. — A cor do vinho era tão incomum quanto seu sabor. Se ela fosse convidada a descrevê-lo para uma daquelas revistas sobre degustação, diria que era leve e fresco, como o cheiro de peras ou melões, e da cor da luz solar. — O que é, um Pinot Gris ?
Apolo encolheu os ombros.
— Não tenho certeza. Pedi para que nos servissem o melhor da casa.
Quanto a isso ele estava dizendo a verdade. Ártemis tinha planejado o jantar e escolhido o vinho.
Bebeu outro longo gole. Teria que perguntar à irmã sobre o vinho. Era mesmo delicioso e incomum. Estava gelado, mas, conforme bebia, podia sentir o corpo sendo preenchido por um calor que parecia irradiar de seu âmago.
Olhou para Pamela. Ela estava com as faces coradas, parara de examinar o design da sala e agora sorria para ele, os lábios ligeiramente separados parecendo ainda mais cheios e convidativos.
— Não gostei de ficar longe de você esta noite — ele falou, rouco.
— Eu também senti a sua falta.
— Como vou suportar ficar distante nos próximos cinco dias?
— Cinco dias?
Então ele só voltaria para Vegas no outro fim de semana, quando ela estava pensando em voar de volta para o Colorado? Aquele trabalho deveria durar apenas uma semana, lembrou Pamela. E passaria cinco dias sem Febo!...
De repente, percebeu os pensamentos lentos e deslocados, e o tempo lhe pareceu interminável e sem importância. Ela não queria que ele fosse embora — claro que não — e Febo estava ali naquele momento. Perto o suficiente para ser tocado.
Como podia ser tão bonito?, perguntou-se.
E precisou se obrigar a permanecer na própria chaise quando o que queria era se juntar a ele, tirar aquela camisa... e começar a lambê-lo corpo abaixo.
— Sim, eu... — Apolo vacilou. O que ele e Ártemis tinham decidido dizer a Pamela sobre sua suposta “viagem”? Estava difícil se concentrar em qualquer coisa além daqueles lábios.
Uma série de virgens carregando travessas de comida impediu seu impulso de empurrar a mesa e devorar a boca de Pamela.
Pouco depois, eles eram servidos com os alimentos dos deuses em pratos de ouro.
— Folhas das mais finas uvas, recheadas com carne e queijo — explicou uma das servas de Ártemis em uma voz suave e hipnótica, conforme Pamela provava o aromático charutinho.
— Cordeiro criado à base de mel e leite — murmurou outra.
Apolo provou a carne, depois sorriu, comendo com prazer. Sua irmã não costumava ser tão dedicada a assuntos domésticos, mas, naquela noite, havia se superado.
— Queijo de cabra, animais dos quais as ninfas cuidam como se fossem seus filhos...
— Azeitonas e figos colhidos no Monte Olimpo pelas mãos macias e hábeis das sacerdotisas de Afrodite...
Aquelas moças eram, sem dúvida, as melhores garçonetes que ela já conhecera!, refletiu Pamela. Precisava perguntar a Febo como ele conseguira aquela reserva. Ele devia ter mandado fechar o restaurante, o que significava, entre outras coisas, que devia ser um médico bastante bem-sucedido.
E parecia tão jovem!... Ela precisava perguntar quantos anos ele tinha, quando era seu aniversário e onde ele nascera.
Não que isso importasse muito. Estava apenas curiosa.
Também precisava perguntar a ele sobre... o que, mesmo? Não conseguia se concentrar! Aquela comida era tão absurdamente deliciosa!... Seu gosto preenchia os sentidos.
Aquilo era mais do que comida. Lembrava a luz de um sol de verão, calor, desejo...
Ergueu o olhar do prato e encontrou os olhos cor de safira de Febo observando-a com uma intensidade que a fez prender a respiração.
— Vamos deixá-los a sós agora. Nossa noite está no fim — as servas entoaram. E conforme suas vozes doces se desvaneciam, elas sussurraram uma prece quase inaudível: — Embriague... Excite... Instigue o desejo... Abrande suas inibições e deixe-os em chamas.
Apolo e Pamela mal notaram a partida das servas. Olharam um para o outro, e tudo o mais na sala, tudo o mais no mundo, desapareceu. Sua pele formigava com o calor crescente da luxúria.
— Preciso que você me ame — a voz de Apolo saiu densa de desejo.
Em algum lugar nos recônditos de sua mente, onde o bom-senso ainda espreitava, ele sabia que sua reação a Pamela estava sendo muito rude, atrevida; entretanto não conseguia se conter. Não queria parar.
— Sim... — ela balbuciou a palavra.
Com um movimento selvagem, fluido, que lembrou o de um leão enorme e pardo, Apolo se levantou e arrastou a mesa que os separava para longe. Pamela percebeu que a mesa foi lançada com uma força desumana, porém tal pensamento foi vago, e ela o registrou apenas em parte. Quando ele rasgou a camisa e quase arrancou as calças, tudo o que ela conseguiu pensar foi na reação de seu corpo ao ouvir o som gutural de seu próprio nome nos lábios de Febo, e como ele estava magnífico olhando para ela enquanto se aproximava completamente nu.
— Sim! — gemeu de novo, saindo da chaise direto para seus braços.
A boca de Febo a devorou. Enlevada, ela deslizou uma das mãos pelo ombro largo, sentindo seus músculos tremerem com a força do desejo. Com a mão livre, puxou a própria camisa sobre a cabeça e abriu o zíper das calças, que deslizaram com fluidez por seu corpo abaixo. Febo encontrou o gancho do sutiã e lutou para abri-lo.
— Eu não consigo... Eu preciso... — rosnou, frustrado. — Tenho que sentir você contra mim! — Rasgou a faixa de renda em suas costas, e os seios de Pamela se libertaram, roçando o peito largo enquanto ela abria um caminho de beijos quentes pela lateral de seu pescoço.
Apolo deixou escapar uma imprecação na tentativa de controlar a própria luxúria.
— Aqui também... — Pamela segurou a mão com que ele apertava seu seio e a guiou para a calcinha. Mordeu o lábio inferior de Febo, puxando-o para dentro da boca e sugando-o, sedutora. — Quero que a tire também!...
Todos os pensamentos de Apolo desapareceram. Com um grunhido, ele a obedeceu. Em seguida, suas mãos se espalmaram ao redor da cintura delgada e, com a força de um deus, ele a levantou e empalou em seu membro.
Pamela se encontrava pronta para ele. Envolveu-o com as pernas em torno da cintura e cravou as unhas em seus ombros. Pendendo a cabeça para trás, arqueou-se, consumida pela esmagadora necessidade de se saciar com seu toque... com seu fogo.
Febo era o fogo. Sob as mãos dela, seu corpo literalmente brilhava.
Seus sentidos atestavam aquilo, contudo Pamela não conseguia atinar com o pensamento. Era como se a luz que brotava da pele úmida de suor fosse parte de sua excitação: ela a seduzia, brincava com ela, instigava sua própria paixão. O cabelo de Febo pendia, cacheado, em volta de seu rosto: espesso, dourado, glorioso. E seus olhos... seus olhos a incendiavam.
E ela queria ser incendiada por eles. Queria ser varrida pelas chamas de sua luxúria. Sentia-se gloriosa, maravilhosamente sem controle.
— Mais forte!... — ofegou na boca de Febo, mal reconhecendo a própria voz. Ele arremeteu, e ela sentiu a fria suavidade de uma das colunas de mármore contra as costas nuas. Usou a rigidez da pilastra para se firmar, de modo a ir de encontro às estocadas com sua própria paixão. — Não pare... Ainda não... Não pare! — arquejou, sentindo-se dobrar sobre a borda de um abismo.
Seu orgasmo foi algo que ela jamais experimentara. Envolveu-a, ondeando por seu corpo com uma intensidade que beirava a dor.
De repente já não estava mais sendo pressionada contra a coluna. Com o corpo ainda dentro do dela, Febo a carregou dali. Passaram por uma porta em arco que dava em um cômodo adjacente à sala de jantar. No centro do espaço, havia uma enorme cama de dossel.
Pamela se deu conta de que tinham entrado em um quarto, e aquilo não fez qualquer sentido.
Mas sua mente e corpo estavam tão repletos de Febo que nada parecia real, exceto seu gosto, sua pele e seu cheiro.
— O que está acontecendo? — murmurou enquanto ele a deitava na cama, sob ele.
— Estou amando você. Para sempre, Pamela... Isso é o que é ser amada por mim.
Apolo começou a se mover contra ela na antiga dança do amor, recuando o membro rijo de seu corpo para depois mergulhá-lo nela outra vez.
Pamela passou as mãos pelo peito liso conforme este se avultava sobre ela. A pele de Febo tinha um brilho dourado!
Perplexa, e ainda ultrassensível, olhou para baixo, onde seus corpos se uniam. Eles estavam ambos brilhando, em chamas... Chamas varriam sua pele, conduzindo-os, engolindo-os!...
— Olhe para mim, Pamela!
A voz de Febo soou rouca, e ela fixou os olhos nos dele.
— Enxergue-me — ele pediu. — Desta vez, veja quem sou de verdade.
Conforme eles se uniam, ela obedeceu. Febo era o poder, a beleza e o amor, tudo se fundindo em um único ser. Como ela pudera acreditar que ele era um homem comum?
Sua mente se esforçou para compreender a verdade fugidia do que estava vendo conforme seus corpos se inflamavam naquela luz ofuscante e sobrenatural. O que ele era? O que estava acontecendo com ela?!
Apolo viu o pânico cintilar em seus olhos e a segurou pelo rosto, obrigando seu olhar a permanecer preso ao dele. Com um enorme esforço, controlou o próprio corpo.
— Olhe mais fundo — pediu baixinho. — Olhe além da estranheza que você teme... Não pode ver o seu reflexo na minha alma?
O azul de seus olhos a manteve ainda mais cativa do que seus corpos unidos. Pamela estremeceu com a intensidade das emoções que a sacudiam.
E ali, sob o poder que irradiava dele, encontrou a essência do homem que ela conhecia. Nesta, viu o reflexo de seu próprio desejo, de sua necessidade e de seu vazio, e de repente soube que, ao preencher Febo, ela também se completava.
— O que você é? — indagou num sussurro.
— Sua alma gêmea.
A voz dele tremeu e, apesar do impressionante poder que irradiava de Febo, Pamela pensou, de repente, que ele parecia muito jovem e vulnerável.
— Sim — murmurou, sentindo o fogo começar a reacender em seu âmago. — É minha alma gêmea.
Ela o puxou mais para si e, com um doloroso gemido, Febo mergulhou nela, incapaz de se conter por mais tempo.
Quando o mundo começou a explodir, Pamela afundou o rosto no ombro largo e se agarrou a ele.
No Salão Nobre, Ártemis, se levantou de repente e respirou fundo. Estava acabado! O vínculo com a mortal fora embora. Pelo visto, sua magia tinha feito a balança pender em favor de seu irmão.
Já não era sem tempo.
Espreguiçou-se, langorosa, apreciando a ausência do irritante incômodo que fora o desejo de amor de Pamela, então se recostou em sua bem estofada chaise longue . Gostaria de ir para a floresta — uma corrida ao luar seria revigorante —, mas não podia. Apolo ainda precisava dela para garantir que nenhuma ninfa o vislumbrasse devolvendo a mortal para seu próprio mundo.
Mas isso era de pouca importância. Seu relacionamento com a mortal estava quase concluído. Agora que Apolo havia ganhado o coração de Pamela, previu Ártemis, ele logo iria se cansar da moça. Logo tudo voltaria ao normal, e sua aventura no Reino de Las Vegas não seria nada mais do que uma quase divertida lembrança.
Ártemis ignorou a ponta de dúvida que surgiu em sua mente conforme ela se lembrou da fervorosa declaração de amor do irmão. A alma gêmea de Apolo era uma mortal?... Impossível.
Escondido nas sombras, Baco sorriu e esperou.
Capítulo 20
Alguma coisa estava errada. Apolo soube disso da mesma forma que conhecia as muitas linguagens do homem ou as vozes de instrumentos musicais: naturalmente, no nível mais elementar de seu ser.
O corpo quente em seus braços se agitou e, no mesmo momento, ele o abraçou com mais força.
Pamela...
Abriu os olhos. O que tinha acontecido na noite anterior? Eles estavam nus em sua cama.
Pense!, ordenou a seu cérebro entorpecido. Lembre-se!
E os acontecimentos da noite lhe assomaram à memória.
Apolo abafou um gemido. Ele perdera todo o controle. Como? Por que não fora capaz de...
Soube a resposta antes de completar o pensamento. O banquete fora impregnado com o poder inebriante de uma deusa. E ele sabia qual delas: Ártemis!
— Apolo!
Como se seus pensamentos a houvessem invocado, o sussurro impaciente da deidade chiou no quarto.
Ele virou a cabeça e a fulminou com o olhar.
— O que está fazendo? — cochichou Ártemis. — Sabe que o amanhecer está próximo. Quer que a mortal fique presa aqui?
Chocado, ele sentou-se. Era isso o que estava errado. Como sempre, o Deus da Luz sentira a vinda da carruagem em chamas que introduzia a aurora no firmamento. Por instinto, ele soubera que já passara da hora de Pamela ser devolvida a seu mundo.
Na noite anterior, ele se revelara em demasia. Como a mente mortal de Pamela poderia compreender o que decorrera do amor sem amarras que haviam feito, assim como aceitar que ela se encontrava presa no Monte Olimpo?...
Lembrou-se do medo que tremeluzira em seus olhos quando ele tinha se revelado. Pamela não seria capaz de apreender tudo aquilo; não de verdade. E, se fosse, ele podia imaginar como isso mudaria seus sentimentos por ele.
Não. Ainda era cedo. Ele precisava tirá-la do Olimpo. No momento em que o portal fosse reaberto, teria uma explicação para aquela noite incomum. Passaria mais tempo com ela e a faria solidificar seus sentimentos por ele; sentimentos que Pamela só admitira sob a influência da magia de Ártemis.
Apolo tornou a fazer uma carranca para a irmã.
— Vá! — sussurrou para ela. — Certifique-se de que o Salão Nobre esteja vazio. Vou com Pamela em seguida.
— Depressa! — aconselhou a deusa enquanto seu corpo se esvaecia.
— Febo? — A voz de Pamela soou grogue. Ela piscou, sonolenta, e esfregou os olhos. — Onde...
Ele apertou os lábios e, relutante, passou a mão sobre o rosto delicado, obliterando seus pensamentos e lhe entorpecendo os sentidos.
— Precisa se vestir. Temos que ir embora — falou, conduzindo-a com delicadeza pela mão até o cômodo ao lado, onde encontrou suas roupas jogadas.
Hipnotizada, Pamela obedeceu.
Apolo odiou a si mesmo enquanto vestia as próprias calças e a observava fazer o mesmo mecanicamente. Suas roupas de baixo, assim como a camisa dele, estavam arruinadas.
A lembrança da paixão que o inundara ao rasgar as peças de seus corpos o fez estremecer, e suas entranhas se agitaram. Como poderia sobreviver sem o toque de Pamela por cinco dias?
Sua determinação vacilou. Ele contava com uma escolha. Poderia enfeitiçá-la e mantê-la consigo até que o portal se abrisse de novo.
Tocou seu rosto e, mesmo com os pensamentos embotados pela magia, Pamela oscilou em sua direção.
Seria apenas uma semana...
Não!, Apolo repreendeu a si mesmo. Ela ficaria enojada se ele fizesse tal coisa. Como não poderia?
Ele odiou a si mesmo só de pensar.
— Venha, minha doce Pamela. Vou levá-la pra casa.
Passou os braços ao seu redor, e eles desapareceram, rematerializando-se quase que no mesmo instante ao lado do portal, no Salão Nobre.
Ártemis estava lá, com os braços cruzados, batendo o pé, impaciente. Observou o peito nu do irmão, a expressão zumbi de Pamela, e balançou a cabeça. Quanto mais cedo eles se livrassem do Mundo Moderno dos mortais, melhor!
— Ande logo, o sol está nascendo! — ralhou.
— Eu sei! — devolveu Apolo com raiva. — Principalmente agora que meus sentidos não estão mais entorpecidos pela magia de uma deusa...
Ártemis teve a decência de parecer sem-graça.
— Vou levá-la e voltar em seguida — avisou o Deus da Luz.
Ela suspirou, porém não discutiu.
Apolo colocou o braço em torno de Pamela e atravessou com ela o portal. Adentraram Vegas, e ele abriu a porta para o pequeno armá rio. No corredor deserto, ajeitou suas roupas, então tocou seu rosto delicadamente.
Sentia-se como um meliante. Havia roubado seu amor, e agora iria bater em retirada antes que a luz do dia revelasse seu crime. Não tinha escolha, mas, mesmo assim, odiou a si mesmo por permitir que as coisas tivessem acontecido daquela maneira.
— Eu te amo, minha doce Pamela. Lembre-se disso. E lembre-se de confiar em mim. Eu voltarei para você... Mas, desta vez, farei isso do modo certo. — Inclinou-se para ela e ordenou em pensamento: Desperte com o meu beijo.
Beijou-a com paixão e, enquanto Pamela piscava e sua expressão aturdida começava a se iluminar, voltou para o armário, fechou a porta e retornou ao Olimpo.
Pamela esfregou os olhos. Urgh... Estava tonta e um pouco enjoada. O quanto bebera no jantar?
Olhou ao redor. Onde, diabos, ela se encontrava?
Seu cérebro atordoado registrou a porta pequena e simples, e o corredor vazio. Onde estava Febo?
Passou a mão pelo cabelo, e o movimento de levantar o braço fez balançar seus seios.
Seus peitos estavam balançando?... Aonde fora parar seu sutiã?!
Sentiu um arrepio de pânico descer pela espinha.
Pense! Do que ela se lembrava?
Febo a encontrara no café. Eles haviam ido jantar em um restaurante maravilhoso, exclusivo...
A lembrança da refeição em si estava embaçada, contudo. Estranhas imagens de peles quentes e escorregadias, e do gosto salgado da paixão, a atormentavam. Tinha uma vaga lembrança de roupas sendo rasgadas e, depois, de Febo levando-a para um quarto onde ela pudera se vestir... com apenas algumas de suas roupas!
Pamela sentiu o pânico invadi-la e a dor na cabeça aumentar. Respire , ordenou a si mesma. Estava bem; apenas bebera demais.
Mas onde, diabos, estava Febo?!
Sua felicidade ao comprar aquela bolsa maravilhosa de sapatinho de rubi era sua última lembrança mais nítida.
— Maldição dos infernos !... Minha bolsa!
Olhou para a porta branca. O que acontecera naquele jantar? Não conseguia concatenar as ideias, mesmo sabendo que alguma coisa havia acontecido. Por algum motivo, a memória fugia do seu alcance. Febo a drogara? Mas por que ele o faria?!
Na tentativa de manter o medo sob controle, Pamela apelou para o bom-senso. Deixara sua bolsa nova de sapatinho de rubi, de 4 mil dólares, no restaurante. E, com ou sem Febo, iria voltar lá para pegá-la.
Abriu a porta e entrou. Aquilo era um closet ?...
No meio do armário, deparou com uma passagem em forma de disco que cintilava e brilhava.
Alguma coisa se agitou em sua memória. Ela atravessara aquele círculo com Febo! Era a entrada para o restaurante.
Pamela endireitou os ombros e cruzou a bizarra entrada. Experimentou uma sensação engraçada, como penas lhe roçando a pele, e a luz mudou, da lâmpada amarela e fraca do closet para uma luminescência rosada.
Entretanto, ela não adentrou o fabuloso restaurante de que se lembrava. Em vez disso, viu-se no meio de um magnífico salão de baile.
O lugar era imenso e de uma beleza indescritível. O enorme espaço se encontrava vazio, exceto pela presença de duas pessoas que gritavam uma com a outra.
Conforme ela surgiu na entrada, estas se viraram em sua direção. Febo, sem camisa, olhou para ela em choque. Sua irmã pareceu furiosa a princípio, em seguida sua expressão mudou e...
Uma dor lancinante cortou Pamela dos pés à cabeça. Ela abriu a boca para gritar, mas, conforme a dor ondulou por seu corpo, o grito ecoou em sua cabeça. Era como se ela não tivesse mais boca para lhe dar voz. Desamparada, estendeu a mão para Febo conforme se sentia dobrar e se transformar em algo não humano.
No mesmo instante, a dor dissipou a bruma em sua cabeça, e as lembranças a assaltaram de uma só vez. Febo... Sua pele brilhando com uma paixão sobrenatural enquanto ele a tomava nos braços e a fazia sua... Ele não era humano. Nenhum homem comum podia ser feito de fogo.
O que ele havia feito com ela? O que estava fazendo com ela agora?!
Lembrou-se de seu fogo varrendo-a inteira, acariciando-a e...
Outro grito rasgou sua mente.
Apolo estava de costas para o portal, repreendendo a irmã por sua indesejada interferência, quando sentiu sua alma gêmea adentrando o Olimpo, e seu fogo de barragem foi interrompido. No momento em que os pés mortais de Pamela ultrapassaram o portal, o restante de seu corpo começou a se transformar.
Impotente, Apolo assistiu a Pamela diminuir de tamanho, se liquefazer, depois se transmutar em um belo jasmim perfumado.
— Leve-a de volta antes que o sol nasça! — sua irmã gritou. — Quando o portal se fechar, o feitiço vai desaparecer!
E, então, ela seria Pamela mais uma vez.
As palavras tiveram o efeito de uma cotovelada em Apolo. Ele saltou para a frente, sentindo Ártemis logo atrás dele.
Agarrou a flor de jasmim delicada e a puxou de onde esta já começava a fincar raízes, no chão de mármore. Sussurrando um alquebrado pedido de desculpas, pulou através do portal com o corpo transformado de Pamela nas mãos.
Ártemis hesitou em frente ao portal, lançando um olhar rápido sobre o ombro na direção das janelas que iam do chão ao teto, e que mostravam o amanhecer iluminando o céu, o qual, por sua vez, já se tingia de vermelho.
— Não, seu tolo! — gritou dentro do disco que girava. — Não era para ir junto com ela! — A deusa se inclinou para a frente, tentando enxergar através da fulgurante passagem.
Das sombras, Baco se aproximou rápida e silenciosamente e, com um único movimento, bateu o ombro no centro das costas da Deusa da Caça. Ártemis gritou e caiu no disco apenas alguns segundos antes de o portal se apagar, desaparecendo por completo conforme o amanhecer se espalhava pelo Monte Olimpo.
A risada de Baco ressoou, então, com malévolo triunfo.
Capítulo 21
Pamela estava de quatro. Sua respiração saía em espasmos, e seus dentes batiam em uníssono com o tremor que lhe sacudia o corpo.
Seu corpo!
Apalpou braços e rosto freneticamente. Ela havia se transformado em alguma coisa!... Algo verde, que crescia e que, sem sombra de dúvida, não era natural.
Mas agora voltara ao normal de novo. Voltara a ser humana.
— Está tudo bem, meu doce — falou Apolo, estendendo-lhe a mão.
Pamela se encolheu para longe de seu toque.
— Você! — exclamou, mas, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a irmã de Febo caiu de cabeça no pequeno cômodo, pouco antes de o disco perolado e colorido que girava desaparecer.
Ártemis soltou uma praga ininteligível conforme se levantava do solo, e o irmão a fitou, pasmado.
— Vou fazer Baco se arrepender de ter sido salvo por Zeus quando aquela mãe humana dele... — A deusa interrompeu o discurso ao se dar conta de que o portal se fechara. — Não!... — sussurrou, lívida. — Não podemos ficar presos aqui!
— Que diabo é você?! — As palavras explodiram de Pamela.
Apolo e Ártemis se viraram para a pequena mortal ainda agachada no chão. Ela foi recuando, até se ver pressionada contra a porta fechada. Tinha os olhos arregalados e escuros em contraste com a brancura de seu rosto.
— Pamela... — Apolo falou em um tom suave, estendendo-lhe a mão outra vez. — Sabe quem eu sou.
— Não! — ela gritou de volta, se esquivando de seu toque. — Eu não perguntei quem você é. Perguntei o que você é!
— Vai ter de fazê-la esquecer — declarou Ártemis, ignorando Pamela. — Ela já viu muito. Olhe para ela: Pamela se lembra! — A deusa levantou a mão esguia. — Está bem, eu mesma faço isso. Sei o quanto ficou apegado a ela... Durma e esqueça! — Sacudiu os dedos na direção de Pamela, que recuou instintivamente.
— Pare! — gritou Apolo. — Não quero que mexa com ela.
— Que diabo está acontecendo?! — As pernas de Pamela funcionaram bem o bastante para que ela se levantasse; contudo ela permaneceu de costas para a porta, pressionando as mãos contra a madeira maciça na tentativa de atenuar o tremor que a sacudia.
— Por que ela não dormiu? — Ártemis indagou ao irmão. Então balançou a mão e olhou os dedos.
— O portal está fechado — lembrou Apolo.
A deusa fez uma careta de desdém.
— Estou vendo!
Apolo apenas a encarou, e Ártemis arregalou os olhos.
— Quer dizer que quando o portal se fecha... — Suas palavras foram morrendo.
— Quando o portal se fecha, ele corta os nossos poderes — seu irmão terminou por ela.
Ártemis levou a mão à boca, soltando uma exclamação abafada.
— Está bem, é isso aí... Estou indo embora. — Pamela empurrou a porta do armário e saiu, sentindo como se as pernas fossem de borracha.
— Olhe o que você fez! — Apolo rosnou para a irmã antes de correr atrás de Pamela.
— O que eu fiz? — Ártemis bufou, indignada, mas, relutante, o seguiu. Não queria fazer aquilo. Queria que o portal reabrisse. Queria voltar para o Olimpo e tomar um longo banho de imersão em sua fonte de água mineral. Queria que seus poderes imortais retornassem e...
Suspirou, saindo para o corredor.
Apolo tinha segurado Pamela pelo cotovelo a poucos metros da porta do armário e tentava se justificar, enquanto a mortal fazia força para puxar o braço.
Ártemis balançou a cabeça. Como haviam decaído os poderosos!...
Marchou até os dois.
— Fique quieta, mortal! — ralhou com desgosto. — É mesmo muito simples. — Apontou para o irmão. — O nome verdadeiro dele é Febo Apolo, Deus da Música, da Luz e da Cura. Meu nome é Diana, mas apenas se for de descendência romana. Do contrário, prefiro ser chamada de Ártemis, a Deusa da Caça. Também tenho uma afinidade com a Lua, assim como meu irmão está aliado ao Sol... mas decerto não desejo lhe passar tantas informações a ponto de atordoá-la — terminou com sarcasmo.
— Vocês são deuses?... — Pamela rezou fervorosamente para acordar logo.
— Sim. Imortais. Ou ao menos éramos antes que o portal nos aprisionasse neste mundo miserável. Agora suspeito de que somos apenas atraentes mortais — ela falou, seca.
— Apolo e Ártemis... — Pamela olhou os gêmeos.
— Eu disse que era simples.
— Você é maluca ! — ela exclamou.
— Eu não queria que descobrisse desta forma — interveio Apolo —, mas Ártemis está dizendo a verdade. — Ele franziu a testa para a irmã. — Ainda que esteja fazendo um péssimo trabalho.
— O quê? — exigiu a deusa. — Se queria música suave e perfume de flores, sinto muito, mas não serei capaz de atender seu desejo. Pelo menos enquanto o portal não reabrir.
— Não está ajudando — Apolo falou à irmã.
— Mas não existem deuses! Isso não passa de mitologia! — interveio Pamela.
— Pensei que havia dito que ela era inteligente — Ártemis zombou.
Pamela estudou a bela jovem, tão parecida com seu amante, e sentiu a entorpecedora onda de horror que a vinha assolando degelar.
E, conforme esse degelo acontecia, começou a ficar irada.
— Não precisa ser tão rude! — acusou.
— Rude? — Ártemis estreitou os olhos. — Está me chamando de rude quando você é quem nega a minha existência? E isso porque está bem no meio de uma estrutura que foi construída justamente porque povos antigos honravam a mim e aos outros onze deuses tão bem que tenho sido lembrada por milhares de anos... Isso soa inteligente?
— Nem inteligente nem pouco inteligente. Soa apenas absurdo... Isto tudo é absurdo. Não pode ser verdade!
Apolo a segurou pelo outro cotovelo e a fez encará-lo, tentando ignorar o modo como Pamela continuava a se afastar dele.
— Sabe que é verdade, Pamela — falou numa voz calma e tranquila. — Teve uma experiência. Tudo o que tem de fazer agora é aceitar.
Pamela olhou para ele. Olhou para ele de verdade . Febo continuava o mesmo homem alto e estonteante da noite anterior; no entanto, não era o mesmo homem.
Alguma coisa estava faltando nele. Febo continuava extraordinariamente bonito, mas o azul espetacular de seus olhos parecia ter assumido um tom mais... — ela engoliu em seco — ... um tom mais humano.
E havia outra coisa: Febo contava com menos presença agora. Essa era a única maneira que poderia descrever o que sentia. Ele parecia o mesmo, mas não era.
Os detalhes não tinham mudado. Seus ombros não pareciam menos amplos; seu peito, não menos musculoso... o que podia constatar com facilidade, uma vez que ele estava sem camisa.
No entanto, Febo mudara, se transformara... em menos.
E Ártemis estava com a razão; ela se lembrava. De pequenas coisas, como do fato de ele poder ficar ao sol do deserto durante toda a tarde e nem mesmo suar. E de grandes coisas, como ele ter ficado em chamas na noite anterior, enquanto faziam amor.
Somado a tudo isso havia ainda o inegável fato de que ela atravessara um portal reluzente e se transformara em algo que, definitivamente, não era humano.
Não podia ser. Não era possível... Mas, no fundo, ela sabia que eles estavam dizendo a verdade. Aqueles dois eram mesmo deuses.
— O que era aquela coisa no armário? — indagou em um sussurro.
— Um portal que Zeus abriu, do Olimpo para o Reino de Las Vegas — explicou Apolo.
— Por quê?
Ele deu de ombros e tentou sorrir.
— Quem entende as vontades do Supremo Governante do Olimpo?
— Se eu me lembro bem, ele disse algo sobre desejar que nós observássemos e nos divertíssemos com seu mundo — falou Ártemis.
Pamela desviou o olhar para a deusa.
— Quer dizer, num tipo de experiência? Como num daqueles episódios patéticos de Jornada nas Estrelas ?
— Sabe o que ela quer dizer? — Ártemis perguntou ao irmão.
— Não, mas sei que, mais uma vez, não está ajudando em nada — ele falou por entre os dentes.
Pamela o fitou, atordoada.
— O que aconteceu comigo quando atravessei aquele portal? Algo terrível aconteceu com o meu corpo... O que fez comigo?
— Não! Não fui eu. Não pode acreditar que eu faria qualquer coisa para feri-la.
Pamela virou o rosto.
— Já me feriu.
— Foi aquele cretino do Baco! Ele deve ter lançado algum feitiço sobre o portal. —Ártemis fez uma pausa enquanto pensava sobre o que tinha acontecido com Pamela.
— Estava se transformando em uma flor.
— Em um jasmim, como seu próprio nome sugere — completou Apolo. — A mais doce de todas as flores.
Ártemis bufou.
— Muito romântico. Isso mostra que Baco enfeitiçou o portal de modo que, se Pamela o atravessasse sem você, ela reverteria para sua forma mais básica: a de seu próprio nome.
Pamela sentiu o coração entorpecido.
— É como nas lendas!... Vocês usam os seres humanos e, quando os descartam, transformam-nos em algo não humano!
— Eu não diria que está sendo muito precisa. — Ártemis pareceu ofendida.
Apolo deu as costas para a irmã.
— Deixe-me explicar — disse a Pamela. — Não é nada disso em se tratando de nós dois.
— Não!... Estou farta de ser usada como uma cobaia. — Ela lançou um olhar de desgosto a Ártemis. — Não quero que explique mais nada. Só quero que vão embora para o lugar de onde vieram e me deixem em paz!
— Nós adoraríamos, mas parece que estamos presos aqui até o seu próximo fim de semana — anunciou Ártemis.
Apolo balançou a cabeça.
— Ela adoraria. O que eu mais quero é ficar com você e lhe explicar tudo.
— Não estou interessada. — Pamela recomeçou, tentando se livrar dos braços fortes de Apolo, porém uma voz os interrompeu.
— Algum problema aqui? — Um segurança de uniforme azul parou na entrada do corredor. Era baixinho e gordinho, mas possuía um distintivo, uma arma e a expressão de quem levava seu trabalho muito a sério.
— Ah, vá embora! — reclamou Ártemis, sacudindo os dedos em sua direção. Em seguida parou, e sua expressão de desdém se desfez quando ela se lembrou de que estava sem seus poderes.
— O que disse?... — O guarda inquiriu, estreitando os olhos para a linda mulher vestida com uma túnica curta.
Apolo deixou cair os braços e se pôs diante de Pamela e da irmã.
Pamela observou o modo como seu semblante se fechou e percebeu que, com ou sem poderes imortais, ele tinha potencial para ser um homem muito perigoso.
— Não há problema algum, senhor — interveio rapidamente, pondo-se ao lado do deus. — É que meu... — Fez uma pausa, olhou para o peito nu de Apolo e descartou palavras banais como “namorado” e “paquera”, as quais, estava certa, iria fazê-la soar como uma candidata ao Jerry Springer Show , um daqueles programas que tratam de casos de família. — ... meu noivo e eu tivemos uma briguinha e, bem... — Ela encolheu os ombros e sorriu, tímida.
O homem não estava olhando para ela ou para o jovem seminu a seu lado, no entanto. Estava olhando para Ártemis.
— Espere um pouco — disse, os olhos pequenos brilhando. — Não é uma das estrelas do Zumanity ?
Pamela prendeu a respiração enquanto Ártemis erguia uma sobrancelha fina.
— Eu sou a estrela de Zumanity — confirmou a deusa, arrogante.
— Esta é Diana, irmã de meu noivo — elaborou Pamela. Não olhou para Apolo, porém podia sentir a tensão em seu corpo conforme ele aguardava em silêncio a seu lado.
— Que coincidência! Assisti a esse show pela primeira vez há poucos dias. — O segurança balançou o corpo para trás e para a frente, o suor banhando o lábio superior. — Foi incrível. Você foi incrível...
— Suponho que seja gratificante saber que proporcionei prazer às massas — respondeu Ártemis.
Pamela a segurou pelo cotovelo, puxou Apolo pela mão e começou a passar com ambos pelo guarda.
— Bem, precisamos voltar para os nossos quartos. Não entendo como tomamos o rumo errado e viemos parar aqui...
— Da próxima vez, vista-se adequadamente antes de deixar seus aposentos! — O oficial repreendeu Apolo enquanto Pamela o arrastava às pressas. Então tirou o chapéu para Ártemis. — Muito prazer em conhecê-la, Diana. Mal posso esperar para ver seu show de novo.
Pamela pôde sentir o rosnado que brotou de dentro do corpo de Apolo.
Nenhum deles falou mais, porém, até dobrarem a esquina e se verem caminhando pelo saguão do cassino.
Pamela soltou o braço de Ártemis. Tentou largar a mão de Apolo, contudo ele apertou a dela ainda mais.
Pamela franziu o cenho.
— Deixe-me ir! — Baixou a voz de maneira que as pessoas próximas não a ouvissem.
— Não pretendo deixá-la ir nunca — Apolo replicou.
Ártemis suspirou, dramática.
— Fique fora disso! — o deus ordenou à irmã. — Não entende o que é estar apaixonado.
— Apaixonado! Ora, por favor... Sei que sou apenas uma mera mortal, mas não sou nenhuma idiota. Não importa o que sua irmã pensa. — Pamela fulminou Ártemis com o olhar, e esta curvou os lábios em um sorriso cínico.
Pamela encontrou o olhar de Apolo novamente. Seus olhos já não estavam mais vidrados, em choque. Em vez disso, faiscavam com indignação.
— Como pode dizer que está apaixonado por mim? Fingiu ser alguém que não é! Você me usou como uma verdadeira cobaia! E ainda suspeito de que tenha me lançado algum tipo de feitiço!
Várias pessoas se viraram e olharam, curiosas, em sua direção.
— Deixe-me explicar — recomeçou Apolo.
Pamela começou a sacudir a cabeça, porém o deus a tocou na lateral do rosto, e ela sentiu-se congelar.
— Por favor — ele sussurrou, odiando perceber que, quando ele a tocava, o medo sobrepujava a raiva em seus olhos. — Precisa me deixar explicar. Eu já disse que não vou deixá-la ir. Quando faço um juramento não o quebro jamais. — Apolo deixou seu rosto e tocou de leve a medalha que ela ainda usava no pescoço. — Prometi que lhe daria a minha proteção. Não precisa ter medo de mim.
— Com licença, senhor... — Um funcionário do cassino se aproximou deles. — Desculpe, mas preciso pedir que vista sua camisa.
— Já estamos a caminho do nosso quarto — respondeu Pamela, puxando Apolo em direção aos elevadores do hotel.
— Não sei por que tanta celeuma por conta de um pouco de carne exposta! — resmungou Ártemis, seguindo o irmão.
— Quero isso tudo muito bem explicado — alertou Pamela, tão logo eles adentraram o elevador.
— Assim será — assegurou Apolo, ainda segurando a mão dela.
— Isso vai ser muito aborrecido — rezingou Ártemis.
— Continua não ajudando! — Apolo e Pamela reclamaram em uníssono.
Capítulo 22
— Está me dizendo que tudo não passou de um feitiço mal direcionado? — indagou Pamela, sentada em uma das cadeiras da sala de estar de sua suíte.
Ártemis descansava deitada no sofá e Apolo, que não conseguia ficar quieto, andava de um lado para o outro diante da janela.
— Tecnicamente, não é um feitiço. É um ritual de invocação. Muito antigo e muito poderoso — falou a deusa. — Como explicou Apolo, não devia ter sido possível, até por necessitar reunir muitos elementos... o que acabou acontecendo.
— Tivemos um dedo de Baco nessa história, sem dúvida. Ele deve ter manipulado as coisas — Apolo terminou pela irmã.
— Manipulação. Excelente maneira de descrever tudo isso. — A expressão de Pamela dizia claramente que ela não estava se referindo à invocação.
— Não! Não foi assim. Nossos sentimentos não foram manipulados, apenas os acontecimentos que nos aproximaram.
— Mentiu para mim — acusou Pamela.
— Não. Sou mesmo uma espécie de médico e músico.
— Na verdade, ele é o curandeiro e o músico do Mundo Antigo — Ártemis interrompeu a conversa.
Pamela soltou uma exclamação.
— Meu tornozelo! Fez alguma coisa para curá-lo naquela noite da chuva!
— Estava quebrado. Eu apenas o fiz sarar.
Pamela fitou Apolo como se nele houvessem brotado chifres e um rabo.
— E quanto ao prêmio no caça-níqueis? — perguntou, tensa.
— Sua vontade de ter a bolsa era comovente... Agradou-me lhe conceder esse desejo.
O sorriso do deus foi como o de um menino apanhado com a mão em um pote de biscoitos, concluiu Pamela, e quis sorrir de volta para Febo. Ele parecia tão... normal.
Então se lembrou de como havia sido sentir a própria carne derretendo para se transformar em algo não humano.
Sua determinação voltou, e sua pergunta seguinte apagou o sorriso travesso do rosto do deus.
— E quanto ao sexo? Que tipo de magia usou para me levar para a cama?
— Nenhuma — ele respondeu de pronto. — Eu não a cortejei como o deus Apolo. Eu a cortejei e fiz amor com você como Febo, um mortal como qualquer outro.
Foi a vez de Pamela bufar.
— Por favor! Eu estava lá... Foi muito diferente com você. Não costumo ir para a cama com um caso de fim de semana, mas deve ter feito algo comigo.
Apolo parou de andar e foi até onde ela estava.
— Não usei nenhum poder imortal para seduzi-la, e o que tivemos não foi uma aventura de fim de semana.
Pamela sentiu a boca seca e o estômago se apertar com sua proximidade.
— Está fazendo de novo — sussurrou, contrariada. — Pare com isso.
O sorriso cativante de Apolo voltou com força total.
— Impossível, doce Pamela. Como minha irmã já afirmou, quando o portal se fecha perdemos nossos poderes imortais. Até o anoitecer de sexta-feira, terei tanta energia para conquistá-la como qualquer outro mortal.
— Se quer ficar com raiva de alguém por tê-la enfeitiçado, fique com raiva de mim — declarou Ártemis, estudando as unhas. — Eu aspergi um pouco da minha magia em você na noite da minha apresentação. Também lancei meu feitiço de sedução no banquete de ontem à noite.
— Por que faria isso?! — Pamela indagou.
— Já lhe explicamos a respeito do ritual de invocação. Até que Apolo satisfizesse o seu desejo mais sincero, nós estaríamos vinculadas; e eu estava mais do que cansada disso. — A deusa afastou uma mecha dourada do rosto. — Precisava de um estímulo para admitir a si mesma que Apolo era o seu desejo mais profundo, então... Agradeça às nove Musas por ter funcionado.
— Não é uma pessoa muito agradável, é? — Pamela indagou à deusa.
— Agradável? — Ártemis não pareceu nem um pouco ofendida com a pergunta. — Por que eu precisaria ser agradável?
O telefone tocou.
Balançando a cabeça para Ártemis, Pamela atendeu.
— Pamela? Aqui é o assistente do sr. Faust, James — falou uma voz masculina.
— Ah, sim. Olá, James. — Ela sentiu o estômago afundar. Era manhã de segunda-feira! Já devia ter começado a trabalhar, mas havia se esquecido completamente de E. D. Faust e do trabalho que ela precisava concluir.
— Eu só queria lembrá-la de que Robert estará aí para apanhá-la com o carro, na entrada do Caesars Palace, em exatos trinta minutos.
— ... Obrigada pelo telefonema, James. Estarei pronta.
— Ótimo! O sr. Faust está ansioso por que comece o trabalho em sua casa.
Pamela aquiesceu, dando uma resposta adequada. Desligou o telefone e olhou para Apolo e Ártemis que, por sua vez, a observavam.
— Preciso ir trabalhar.
— Claro. Para o autor. O da casa de banhos romana e da fonte — lembrou Apolo.
— Sim, ele está mandando um carro vir me buscar. — Pamela olhou-se no espelho e fez uma careta diante de sua terrível aparência. — Em exatos trinta minutos! Tenho que me aprontar. — Começou a correr em direção ao quarto.
— Excelente! — exclamou Ártemis. — Para onde vamos?
Pamela estacou.
— Nós não vamos a lugar nenhum.
— Não espera que eu permaneça aqui, neste casebre? É aborrecido demais.
— Bem, certamente não virá comigo! — ela imitou o tom afetado da deusa.
Ártemis estreitou os olhos.
— Não se esqueça de com quem está falando, mortal.
Pamela plantou as mãos nos quadris e ergueu o queixo.
— Escute aqui. Deusa ou não, vai ter que aprender a não agir como uma vadia. E pode me ameaçar quanto quiser. — Apontou para a medalha dourada que lhe pendia do pescoço. — Apolo jurou que estou sob sua proteção.
Ela ouviu a risada satisfeita do deus, mas se recusou a encará-lo.
— Fiquem aqui, peçam o serviço de quarto, assistam a um filme, aprendam a lidar com a internet, sei lá! Inferno... Quando eu voltar, pensarei no que fazer com vocês.
— Pamela?
A voz de Apolo a impediu de ir para o quarto, e ela se voltou para ele.
— Nós poderíamos ajudá-la.
— Ajudar-me no quê?
— Eu poderia ajudá-la a convencer Faust a construir o balneário. E quem sabe Ártemis possa persuadi-lo a usá-la como modelo para a estátua do centro da fonte? — o deus acrescentou, sorrindo.
Pamela lançou um olhar duvidoso na direção da deusa.
— Não se esqueça de que os homens vêm adorando a minha beleza há eras — Ártemis falou alegremente. — Eles ficam encantados comigo.
— Isso até pode ser verdade, mas apenas porque veem suas estátuas e pinturas, e não precisam se submeter à sua odiosa presença.
Ártemis abriu a boca para retrucar, contudo Apolo a impediu.
— Minha irmã pode dar seu juramento de que será educada.
— Eu, não!
— Faust é um bardo moderno, e quer que a estátua do centro de sua fonte seja uma homenagem a Baco. Pense nas histórias do Deus do Vinho que ele vai contar... — Apolo falou à irmã.
— Aquele sapo gordo não devia ser idolatrado no mundo moderno! — protestou Ártemis.
Ele encolheu os ombros.
— Você é quem sabe.
A deusa limpou a garganta e, relutante, encontrou o olhar de Pamela.
— Eu lhe dou o meu juramento de que serei educada. Hoje.
— Eu não sei...
— Por favor, Pamela — insistiu Apolo. — Deixe-me mostrar que não estou diferente hoje do que fui ontem. Apolo, o deus, e Febo, o mortal, são o mesmo homem.
Ela não deveria. Sabia que não deveria. Não queria ser amada por um deus. Gostava das coisas como eram antes de ele se tornar um imortal todo-poderoso. Queria seu Febo de volta.
— Está bem — concordou de súbito. — Mas temos que lhe comprar outra camisa no caminho. — Olhou para Ártemis. — Pelo menos está bem com esse traje. Podemos dizer que está vestida a caráter. — Pamela vacilou, então. — Fiquem aí. Preciso me apressar.
Fechou a porta do quarto e descansou a cabeça na madeira. Febo era Apolo!...
Sentiu as entranhas revolver conforme a realidade se instalava dentro dela. Ela era amante de Apolo, o deus grego!...
E ele existia havia eras. Templos foram construídos para homenageá-lo, faziam músicas para ele!... Aquelas mãos que tinham acariciado cada parte de seu corpo eram as mesmas mãos que levaram música ao Mundo Antigo.
E ele dizia que a amava!...
Pamela levou a mão trêmula à boca, dominada por uma súbita onda de choque, incredulidade e espanto. Era melhor dizer a Faust que não poderia aceitar o trabalho, pegar um avião e voar de volta para o Colorado. Deveria esquecer que aquele fim de semana havia acontecido. Era a coisa mais inteligente a fazer.
Mas sabia que não iria fazer a coisa certa. O Deus da Luz dissera estar apaixonado por ela.
— Na certa estou cometendo o erro mais ginorme da minha vida — falou baixinho.
Exatamente vinte e cinco minutos mais tarde, eles se encontravam do lado de fora das portas giratórias que davam para o Caesars Palace; Pamela sentindo o estômago apertado como se estivesse se preparando para saltar de bungee jump .
— Lembre-se, você é Febo Delos, especialista em arquitetura romana, e eu o chamei para me aconselhar nesse projeto. E você é a irmã dele, Diana, que...
— ... tem a beleza de uma deusa! — Ártemis a interrompeu, repetindo suas instruções. — Sim, sim, já decoramos nossas falas. Somos imortais, não imbecis.
— Eu ia dizer que precisa se lembrar de ser agradável — Pamela completou.
— Minhas palavras serão tão doces que eles poderiam fazer mel na minha boca, como as abelhas marrons da Grécia — elaborou Ártemis com um bater inocente dos longos cílios.
— Já está me deixando com dor de cabeça — resmungou Pamela. — Basta ser normal, está bem? É pedir muito?
— Ela vai manter seu juramento. Não precisa se preocupar, doce Pamela — garantiu Apolo.
— Não me chame assim. Supõe-se que seja meu funcionário! — ela o repreendeu, e em seguida odiou a mágoa que viu no rosto estonteante do deus.
Um deus!... Como, diabos, chegara àquela situação? Estava namorando Apolo!
Estava condenada, isso sim. Já havia estudado literatura. Mesmo não conseguindo se lembrar muito bem, sabia o que acontecia a mortais que chamavam a atenção dos deuses. Ainda mais a mortais do sexo feminino. Seu final nunca era feliz.
Além do mais, o que faria com ele a semana inteira? Nenhum dos irmãos tinha dinheiro. Descobrira isso quando Febo enfiara a mão no bolso para pagar pela camisa que comprara em uma loja e percebera que, de alguma forma (decerto quando ele arrancara as roupas atabalhoadamente, na noite anterior, pouco antes de prensá-la na coluna de mármore), ele perdera os 4 mil dólares que furtara do caça-níqueis.
Assim, Febo não contava com um centavo. Nem Ártemis.
E o portal não seria reaberto durante longos cinco dias.
— Bom dia, srta. Gray.
Pamela deu um pulo. Não tinha notado a limusine vintage e prateada que estacionara à sua frente.
— Ah, bom dia, Robert. — O homem lhe abriu a porta, e ela fez uma pausa. Pigarreou, então desenhou no rosto seu sorriso mais profissional. — Estas duas pessoas vão se juntar a nós, hoje. Eles são meus assistentes.
Robert analisou os dois gêmeos loiros por cima do nariz afilado e fungou de leve.
— Muito bem, senhora — falou, segurando a porta aberta e ajudando primeiro Pamela a entrar na limusine, em seguida, a mulher fantasiada.
Quando o homem alto hesitou, Robert lançou-lhe um olhar muito britânico (direto e polido, sem se preocupar em demasia).
— Algo errado, senhor?
Se Apolo ainda tivesse seus poderes, ele o teria usado para abrir o chão sob seus pés, de modo a ser engolido e sumir de vista. Do interior da besta de metal, Pamela e Ártemis o observaram com curiosidade.
Sua irmã, de repente, pareceu compreender.
— É muito bom aqui — disse a ele. — Não precisa ficar preocupado. — Deu um tapinha no assento ao lado.
— Não estou preocupado — Apolo afirmou, controlado. Respirou, então, e entrou na boca da coisa .
— Por favor, sirvam-se com a mimosa. A viagem até a propriedade do sr. Faust, em Red Rock Canyon, levará aproximadamente trinta minutos. — Robert fechou a porta.
Para Apolo, foi como se ele houvesse apenas tomado um gole de ar, e eles já avançavam, deslizando como um réptil ágil e rasteiro pela rua. Experimentou uma sensação terrível no estômago, e o sangue bombeou mais forte em seus ouvidos. Não conseguia parar de olhar para o mundo lá fora, conforme este passava zunindo, a um ritmo vertiginoso.
— Você está bem? Está pálido — comentou Pamela.
— Ela tem razão, está mesmo — concordou Ártemis. — Talvez ajude se beber alguma coisa. — Ela se aproximou do balde de gelo que continha uma garrafa de champanhe e um jarro de vidro fino com suco de laranja.
— Não! Não quero nada para beber — afirmou Apolo, com a mais estranha das sensações. Temia que, se tentasse beber alguma coisa, fosse devolver tudo em seguida.
— Acho que está com náuseas por causa do carro — concluiu Pamela. — Pode se sentir melhor se for lá na frente, com Robert. Minha amiga, Ve, fica muito enjoada se viaja no banco traseiro. Quer que eu peça para que Robert estacione, para que possa mudar de lugar?
— Eu sou um deus — ele falou por entre os dentes. — Não fico doente.
— Faça como quiser, mas, se vomitar no carro de Eddie, juro que, como sua empregadora, vou ficar muito aborrecida!...
Apolo fechou os olhos e tentou ignorar o fato de estarem cruzando a Terra dentro de um monstro de metal que poderia se espatifar contra alguma coisa e se desintegrar a qualquer momento.
— O que é uma “mimosa”? — indagou Ártemis.
— Champanhe e suco de laranja misturados. Uma delícia.
— Bem... — a deusa olhou para o rosto estranhamente pálido do irmão, então encolheu os ombros bem-feitos — ... vou experimentar uma taça. Você me acompanha, Pamela?
— Não, obrigada — ela agradeceu.
Ártemis serviu-se em uma das taças de champanhe.
— Viu como estou sendo educada?
— Milagre — Pamela murmurou.
— Aguarde... O melhor ainda está por vir — prometeu a deusa, bebendo um gole da mimosa e lançando-lhe um sorrisinho travesso.
Pamela decidiu que Apolo havia tido melhor ideia ali. Fechou os olhos assim como ele, e rezou para que a viagem, o dia... — inferno , a semana! — ... passassem logo.
Mas não antes de deslizar a mão para a dele e apertá-la.
Capítulo 23
A casa de veraneio de E. D. Faust fora construída para se parecer com uma charmosa villa toscana, e Pamela estava aliviada. Sim, ela vira as plantas e lera as anotações sobre a arquitetura que James lhe entregara, mas, depois do pedido bizarro de Eddie para que ela fizesse o interior da residência parecido com o Fórum, vira-se receosa quanto ao que esperar.
Claro que, conforme eles saíram da limusine e se aproximaram da impressionante porta dupla de ferro forjado, com vidros escandalosamente caros — feitos a mão, jateados e chanfrados —, ela se lembrou de ter pensado que o exterior do Fórum indicava que seu interior era decorado com modéstia e com um clássico bom gosto...
Engano seu.
Olhou para Ártemis, que parecia fresca e linda na manhã ensolarada. A deusa tinha as faces coradas, e uma longa mecha de cabelo loiro e brilhante escapara de seu elaborado penteado.
Ártemis alisou a saia da túnica curta, soltou um soluço e, então, riu baixinho.
Pamela a examinou com mais atenção. Merda!... Ela parecia embriagada! Por que, maldição dos infernos , não havia ficado de olho na deusa? Quantas mimosas a deidade engolira em trinta minutos — e com o estômago vazio! — enquanto ela, Pamela, segurava, distraída, a mão do pobre Apolo?
— Está bêbada? — cochichou, tensa.
Ártemis lançou-lhe um olhar severo.
— Imortais não ficam bêbados. Apenas os mortais se embriagam. Não seja boba... — A deusa balançou o dedo para ela.
Pamela revirou os olhos.
— Não é mais imortal, lembra-se? — Reprimiu uma súbita vontade de gritar. Em vez disso, olhou para Apolo em busca de ajuda, porém seu rosto estava com uma cor estranha, entre o branco e o verde. Observou-o limpar o suor da testa com as costas da mão, preocupada. — Você está bem?
Ele assentiu com um vigoroso gesto de cabeça.
— Melhor agora que estamos fora dessa... — Estremeceu e olhou na direção do automóvel que os trouxera.
— Limusine — completou Pamela. — É uma limusine. — Céus! , ela estava presa em um pesadelo sem fim! — Tudo bem. Vamos fazer o seguinte... Vocês dois, tentem não falar, a menos que alguém lhes faça uma pergunta direta. Mesmo assim, sou eu quem vai responder à maior parte. Agora vamos. Precisamos acabar logo com isto. — Ajustou a alça da bolsa larga e começou a subir a linda escada de mármore curva com determinação.
Os gêmeos a seguiram com menos propósito.
Pouco antes de tocar a campainha antiga, ela ouviu um som abafado às suas costas, e então a risadinha — completamente alterada — de Ártemis. Olhou por cima do ombro e viu Apolo segurando a irmã pelo cotovelo.
— Ela quase caiu — ele explicou baixinho.
— Impossível! — Ártemis falou com voz arrastada.
— Oh, Deus!... — Pamela murmurou.
As portas duplas se abriram, e o rosto sorridente de James os recebeu.
— Entre, Pamela, por favor. Eddie se encontra no pátio, esperando por você. — Seu sorriso mudou para educada curiosidade quando Apolo e Ártemis a seguiram para dentro do saguão.
— São meus assistentes... Eu os contratei. São especialistas, na verdade — Pamela acrescentou depressa.
— Tenho certeza de que Eddie ficará satisfeito com sua iniciativa. Ele esteve ansioso por esta reunião a semana inteira. Venham por aqui, por favor.
James os conduziu através do hall de entrada, um espaço gigantesco, a partir do qual duas escadas em curva, ladeadas por parapeitos de mármore antigos, levavam ao segundo andar da villa .
As balaustradas de mármore, contudo, eram o único detalhe acabado do recinto. Todo o restante estava nu. As paredes ainda se encontravam no reboco, e o piso era de cimento. A parede inteira dos fundos, da qual eles se aproximavam, era adornada por janelas que iam do chão ao teto; tão novas que ainda continham os adesivos de fábrica cor de laranja.
Enquanto caminhava lentamente pelo espaço inacabado, contudo, Pamela nem sequer viu sua crueza. Olhava tudo à sua volta, enxergando apenas o ilimitado potencial do lugar.
— Está horrível — Apolo cochichou. — Não há piso, nem paredes, muito menos decoração.
— Não! Está perfeito! — ela contrapôs num sussurro. — A estrutura se encontra pronta, mas os pisos e paredes estão todos inacabados. A maioria dos dispositivos nem sequer foi instalada. É como uma tela em branco. É meu trabalho escolher com sabedoria e me certificar de que esta casa seja transformada em uma obra-prima.
James os aguardou, paciente, ao lado da porta de vidro que — Pamela já sabia pelas plantas — levava à parte central da mansão: o incrível pátio em torno do qual o restante da vila fora construído na forma de quadrado aberto em um dos lados.
Tão logo eles chegaram a este, James abriu a porta e sinalizou para que eles passassem.
Foi apenas nesse momento que Pamela notou a verdadeira multidão reunida no pátio.
Em resposta a seu olhar interrogativo, James apenas sorriu e apontou para o meio das pessoas, onde E. D. Faust se encontrava sentado em uma bancada de mármore repleta de amostras de material.
— Ah, Pamela! — ele gritou quando a viu.
Ao se por de pé, lembrou-a uma montanha se movendo. Também naquele dia estava todo vestido em preto, desde as calças bem-cortadas até a camisa de seda, cujas mangas tinham o modelo amplo da de um pintor.
Ou então , ela pensou, observando o brilho em seus olhos escuros, da camisa de um pirata .
— Bom dia, Eddie — saudou. — Tem bastante gente aqui, hoje...
— Por sua causa, Pamela. — Ele riu com gosto, a barriga chacoalhando como num estrondoso terremoto. — Mandei todos os trabalhadores virem para cá. Imaginei que economizaríamos tempo se os tivéssemos à disposição. Eles estão apenas aguardando as nossas ordens.
Pamela não podia acreditar. Olhou o grupo e arregalou os olhos ao notar que cada pequena equipe possuía a seu lado pilhas de materiais — amostras, claro — de tudo o se podia imaginar: retalhos de tecido, pedaços de mármore, de pedras brutas, placas com texturas, tintas e revestimentos. Eddie transformara seu pátio em um minimercado para designers de interiores. Era estarrecedor e mais do que intimidante. De repente se lembrou de que havia trazido seu próprio séquito. Bem... ao menos era assim que eles se apresentavam.
— Que bom. — Recuperou o controle das cordas vocais com dificuldade. — Está certo. Isso vai nos economizar algum tempo. Deixe-me apresentar os assistentes que eu trouxe comigo, hoje... — E inclinou o corpo para que Apolo avançasse um passo.
Ártemis, que se encontrava de pé atrás do irmão, fitando, embriagada, um fiapo em sua camisa, de repente percebeu que tinha uma plateia para a qual se apresentar, e se colocou, lânguida, do outro lado de Pamela.
Diante da aparência dos gêmeos dourados, o grupo deixou escapar um suspiro coletivo de apreciação.
— Este é Delos Febo, especialista em arquitetura romana. — Pamela ficou satisfeita ao ver que Apolo inclinava a cabeça polidamente para Faust.
O autor, contudo, mal olhou em sua direção. Seus olhos estavam cegos para tudo o mais, exceto para a bela deusa a seu lado.
Pamela respirou fundo, cruzando os dedos.
— E esta é sua irmã, Diana. Ela é modelo, muito conhecida por sua beleza em toda a Grécia e Itália. Sei que queria manter Baco como a figura central em sua fonte, mas pensei que, talvez...
Suas palavras foram interrompidas quando Ártemis avançou com um andar lânguido e gingado até ficar a meio metro do volumoso autor. Então parou, ergueu a mão delicada até a elaborada coroa de cabelos e, com um leve puxão, libertou os fios longos e dourados, que se derramaram em uma onda espessa ao redor de sua cintura. Balançou a cabeça, e seus cabelos cintilaram, hipnóticos, à luz da manhã.
— Pamela imaginou que talvez preferisse a estátua de uma deusa — ela ronronou.
Pamela precisava admitir: Ártemis era uma atriz excelente. Assim como durante sua performance em Zumanity , ela ganhara a atenção do grupo.
Faust pareceu ter levado uma pancada na cabeça, depois piscou, e seu rosto se iluminou em um largo sorriso enquanto ele se curvava com incrível graça e um floreio.
— Quanta satisfação, Diana! — falou com seu vozeirão. — É uma honra ser agraciado pela presença da Deusa da Lua, das Florestas e dos Vales... — Concedeu um olhar a Apolo. — E você, meu bom companheiro, deve ser o Deus da Luz. Que divertido o fato de sua mãe tê-los nomeado segundo os gêmeos imortais.
Pamela sentiu o estômago se apertar. Era claro que um homem que fizera carreira escrevendo ficção reconheceria instantaneamente a mal ocultada verdade em seus nomes. Que diabo ela poderia dizer agora? Seria possível que Faust houvesse percebido quem eles eram de verdade?
Apolo sorriu.
— Descobriu nosso segredo, senhor.
— Por favor, não há nenhum senhor aqui. Pode me chamar de Eddie. — Seus olhos se desviaram para a beldade ainda parada à sua frente. — Pamela, saiba que já provou ser tão genial quanto imaginei que fosse. Agora que estou face a face com uma deusa, concordo com seu ponto de vista. Precisamos mudar a estátua central da minha fonte. Esqueça Baco. A beleza da deusa Diana será exaltada em seu lugar.
Pamela deu um suspiro de alívio, e Ártemis se curvou com graça.
— Não! Uma deusa nunca deve se curvar. — Faust se apressou em fazer Ártemis se erguer de sua profunda reverência.
— Até que enfim um mortal que sabe como tratar uma deusa... — comentou a diva.
Pamela mordeu o lábio, contudo Eddie sorriu com bom humor e levou a mão de Ártemis aos lábios.
— Mas é claro que sei. — Olhou para a multidão de trabalhadores reunida em torno deles. — Qual de vocês tem talento para esboçar esta linda deusa, de modo que um artista possa esculpir sua imagem imortal no mármore?
— Não seria mais fácil se ela tirasse algumas fotos digitais em diversas poses e, em seguida, o escultor começasse a trabalhar com base nelas? — Pamela indagou, aflita.
— Mais fácil, talvez. Mas não me parece certo. Soa muito frio. Muito impessoal.
— Mas Diana só estará disponível até sexta-feira. Depois tem um... ahn... compromisso a que não pode faltar — justificou Pamela.
— Então temos que trabalhar depressa. Eu gostaria de ter a minha deusa imortalizada à moda antiga. Febo, você é o expert na antiga Roma. Como isso costumava ser feito?
— Tem toda a razão. O escultor teria desenhado sua musa e, em seguida, começado a trabalhar com base em seus próprios esboços. — Apolo fez uma pausa e ergueu uma sobrancelha. — A menos que tivesse contratado Pigmalião. Acredito que ele trabalhava baseando-se na imagem da mulher que via apenas em seu coração... — Lançou um olhar ardente para Pamela. — O problema é que poucos de nós têm a sorte de ver seu mais profundo desejo concedido.
Pamela se obrigou a não se retesar. Apolo afirmava ter sido privado de seus poderes imortais, mas, quando olhava para ela daquela maneira, fazia com que sentisse calor, frio, excitação... tudo de uma vez.
Faust não pareceu notar o byplay acontecendo entre a designer e seu assistente, pois tinha a atenção voltada para sua própria imortal.
— Ah, mas temos Diana, não Galateia. Por isso mesmo a modelo merece um esboço.
— Galateia não era deusa. Era apenas uma pedra que foi trazida à vida — corrigiu Ártemis, um pouco irritada.
— Verdade! Tem toda a razão! — exclamou Eddie. — Pigmalião não teve a mesma sorte que eu.
— Posso desenhar sua deusa, senhor. — Um jovem se destacou do grupo.
— Excelente — concordou Eddie. — Temos o nosso artista e a nossa musa. E creio ter algumas fotos da fonte original do Fórum. Suponho que nossos artesãos possam usá-las como base para seu trabalho enquanto a nossa deusa estiver sendo desenhada.
— Na verdade — Pamela começou, enquanto abria a pasta e retirava, apressada, seu bloco de desenho —, imaginei que poderia gostar de algo exclusivo, por isso trabalhei em alguns esboços preliminares de uma nova fonte... baseada, claro, naquilo que tanto aprecia na do Fórum. Eu só não quis desenhar a estátua central sem a sua aprovação, mas acho que vai ficar muito satisfeita com isto.
— Pamela discutiu comigo os esboços, e eu posso lhe assegurar que a fonte que ela criou seria apreciada até pelos deuses do Monte Olimpo — afirmou Apolo.
— Que maravilha, Pamela! — Eddie tomou o caderno das mãos dela e acenou com a cabeça em aprovação. — Monte Olimpo... — Ele riu. — Eu não poderia esperar nada melhor para uma fonte que ostenta uma escultura de Diana. Por favor, mostre esses esboços ao nosso artista. — Faust lançou um olhar interrogativo na direção do rapaz.
— Mateus — esclareceu o jovem. — Meu nome é Mateus Land.
— Venham, Mateus, Pamela, Febo e Diana, minha linda. Vamos nos sentar e decidir sobre os detalhes da minha casa. — Eddie ofereceu o braço a Ártemis. Ela sorriu docemente e descansou a mão na parte superior de sua manga de seda. — Deseja algo, querida? — ele perguntou enquanto a conduzia em volta de um banco de mármore.
— Sim. Recentemente desenvolvi um gosto especial por uma bebida chamada mimosa .
Pamela tentou não gemer quando Eddie gritou para James pedir ao chef que preparasse mimosas para todos.
Pamela olhou para o relógio. Ela mal podia acreditar que já passava das quatro da tarde. O dia havia voado.
E fora bem melhor do que ela previra. De um modo irritante e irônico, sabia que precisava agradecer a Ártemis por isso.
Ergueu os olhos da página brilhante do catálogo que o representante da Shonbeck lhe mostrava, e que continha luminárias ao estilo do velho mundo. Eddie fingia prestar atenção, enquanto Apolo e o arquiteto se debruçavam sobre a última versão do esboço da sala de banhos, na qual haviam trabalhado pela maior parte do dia.
Na verdade, Eddie fazia o que ele não parara de fazer nas últimas horas: olhava com adoração para Ártemis.
Mas a deusa era, realmente, muito linda. Até mesmo os espalhafatosos representantes de tecidos gays suspiravam, melancólicos, diante da perfeição de seu cabelo, de seus seios e das linhas delgadas de suas pernas. No momento, ela se encontrava em pé sobre a plataforma elevada que Eddie mandara erguer, segurando um enorme vaso contra um quadril, do qual água iria verter quando o esboço fosse transformado em uma escultura para a fonte.
Pamela ficava tonta só de pensar. E isso sem levar em conta a despesa em que Eddie iria incorrer com aquela obra de arte original!...
Seu cliente parecia feliz, porém, e a fonte iria ficar mesmo muito bonita. Além do mais, esta não teria aquela animação medonha do Fórum. Uma só exclamação horrorizada de Ártemis em resposta à menção de movimento na fonte, e Eddie, mais do que depressa, vetara a ideia. Da mesma forma, uma simples carranca da deusa fora suficiente para que ele desistisse da construção daquela ginorme e horrível piscina, e optasse pela ideia de bom gosto do balneário romano.
Com esses dois problemas resolvidos, todo o restante correu como uma brisa. O gosto de Eddie não era tão lamentável quanto ela pensara a princípio. A questão era apenas que sua aura era enorme. Suas ideias eram grandiosas, e não apenas em seus épicos best-sellers. E. D. Faust preenchia o mundo ao seu redor com a grandeza da vida. Sim, ele era excêntrico. Na verdade, Pamela refletiu, ele parecia um personagem de um de seus romances: maior do que a própria vida e sempre pronto para uma nova aventura.
Sorriu para si mesma. Demorara um pouco a se acostumar com sua exuberância, mas compreendia por que as pessoas se sentiam atraídas por ele. Eddie era tão generoso quanto seu tamanho. A verdade era que E. D. Faust era mesmo um sujeito decente.
Ela havia tido um pouco de trabalho, mas, com a ajuda de Ártemis e Apolo, convencera Eddie a mudar o design de sua casa: do românico brega do Fórum para algo que começava a lembrar do cenário de Cleópatra , de Elizabeth Taylor. O estilo que emergia não era menos opulento do que o do Caesars Palace e do Fórum, porém bem mais chique.
Desviou o olhar do corpanzil de Eddie para Apolo. Ele inclinara a cabeça loira e a balançava com uma expressão atenta diante de algo que o arquiteto acabara de traçar no papel.
Como se pressentisse que estava sendo observado, ele levantou os olhos para os dela. Pamela desviou o olhar, mas não antes de ver seus lábios se curvar na sugestão de um sorriso. Apolo a apanhara em flagrante de novo.
E não fora algo difícil de ele fazer. Ela o fitara com o rabo dos olhos o dia todo, e ele sabia disso. Ela sabia disso.
E não conseguia evitar. Apolo fora tão maravilhoso!... Descrevera o funcionamento dos antigos balneários de Roma em detalhes para Eddie e seu arquiteto. Tinha sido mais do que paciente com suas intermináveis perguntas, respondendo-as com inteligência e concentração, de tal forma que até mesmo para ela Febo soara como um entusiasmado especialista. E nem uma vez exibira a detestável arrogância que ela imaginara ser inerente ao Deus da Luz.
Pamela suspirou. Já não podia dizer o mesmo de Ártemis. Mesmo que a diva estivesse adotando seu melhor comportamento naquele dia, continuava irritantemente exigente e vaidosa. Por sorte, Eddie parecia estar gostando de entrar no jogo de sua deusa...
Outra coisa boa, lembrou-se Pamela, era que Faust insistira para que a cozinha ficasse pronta antes de ele chamá-la para projetar o restante da villa , pois Ártemis mantivera o chef ocupado o dia inteiro com suas exigências por bebidas e iguarias. E Eddie, que, sem dúvida, muito apreciava os prazeres da boa mesa, havia se deliciado em atender a todos os caprichos de “sua deusa”.
Apolo era tão diferente da irmã!, Pamela teve que admitir para si mesma. Continuava o mesmo homem atento e inteligente que fora durante todo o fim de semana.
Mas ele não era um homem de verdade. Era um deus. E nenhuma mulher de bom-senso iria complicar a própria vida se envolvendo com um antigo deus...
Pamela suspirou e se obrigou a voltar a atenção para a página de lustres.
— Eddie... — Ártemis soou como uma menininha mimada. — Meu braço já está doendo de tanto eu segurar este vaso bobo! E estou com tanto calor que vou desmaiar se não me sentar.
— Claro, claro, minha deusa! — Ele se pôs de pé e correu para tomar o vaso das mãos dela. Empurrou de lado o jovem artista, quando este tentou ajudar sua musa a sair da plataforma, e segurou Ártemis pelo cotovelo, amparando-a enquanto ela descia com graça do altar improvisado. — Olhem só a hora! Que insensibilidade a minha!... Estamos nisto há séculos. Tempo demais para uma deusa trabalhar. — Ele ergueu a manzarrona, e sua voz grave silenciou até mesmo os trabalhadores que se encontravam ocupados no interior da vila. — Já chega por hoje! — bradou. — Nós nos encontraremos outra vez amanhã, à mesma hora!
Vários suspiros se fizeram ouvir ao seu comando. Tinha sido um dia difícil, porém produtivo.
Pamela detestava admitir, mas, pela milésima vez, viu-se contente por ter permitido que Apolo a convencesse de trazê-lo com a irmã até ali.
Estava esfregando a parte de trás do pescoço, e tentando desfazer um nó de tensão que se instalara neste, quando o “Pamela!” de Eddie ribombou, fazendo-a ir até o banco onde ele estava.
— Ah, aí está você, minha cara. — Ele fez um sinal para que ela se sentasse ao lado de Apolo, à sua frente.
Ártemis estava, obviamente, acomodada a seu lado. Abanava-se com um leque de penas que Eddie havia lhe arrumado, e Pamela notou que ela bebia champanhe de uma taça de cristal gelada. Graças aos Céus, Ártemis seria imortal de novo em poucos dias. Ao ritmo que estava indo, seria a imortalidade ou o alcoolismo!
— Andei discutindo os nossos novos planos com a linda Diana e seu irmão, e creio que estamos todos de acordo.
Pamela sentiu um familiar aperto no estômago.
— Planos? Que planos?
— Muito simples. Não há necessidade de vocês três viajarem de volta para Las Vegas quando podem muito bem ficar aqui comigo — declarou Eddie, sorrindo.
— Mas o único cômodo que está terminado é a cozinha!
Eddie riu.
— Não aqui... Aluguei uma casa de campo no parque Spring Mountain Ranch, no Red Rock Canyon. Tem acomodações bastante modestas, porém é muito mais próxima da minha villa do que o Caesars Palace. Até porque não há mais motivo para voltarem para lá, uma vez que o Fórum não mais servirá de modelo para a nossa Roma antiga. Agora temos Febo.
— Mas as minhas roupas e... ahn... Diana e Febo não trouxeram nada.
Os olhos de Pamela pousaram em Ártemis. A deusa tomou um gole do champanhe, tranquila, e, em seguida, piscou, maliciosa, para ela.
Eddie ignorou suas preocupações.
— James pode ir buscar suas coisas. Diana me contou que ela e o irmão planejavam apenas passar o dia por aqui, contudo ambos já aceitaram o meu convite para que prolonguem sua estada por uma semana. Eu ficarei honrado em comprar no resort qualquer coisa de que nossa deusa precise.
— Jantar, Eddie, jantar! — Ártemis lembrou com um suspiro. — Mal posso acreditar no quanto estou faminta.
— Claro. — Ele lhe afagou a mão. — Foi um dia cansativo. Vamos embora para o rancho, comer e ser feliz. — Eddie se ergueu pesadamente do banco, e Ártemis estendeu a mão para que ele pudesse ajudá-la a fazer o mesmo.
Em seguida, movendo-se com muito mais instabilidade do que com sua habitual graça, ela se agarrou ao braço gordo do homem enquanto ele se deslocava devagar pelo pátio, gritando para que Robert trouxesse o carro.
— Acho que não temos muita escolha — murmurou Pamela, não querendo encarar Apolo, agora que se encontravam sozinhos pela primeira vez naquele dia.
— Eu já fiz a minha escolha, doce Pamela — ele respondeu baixinho.
Ela o fitou, então. Apolo abriu seu sorriso encantador, tão familiar, e ela sentiu o peito se apertar.
— Às vezes é fácil esquecer quem você é de verdade — falou baixinho.
Ele a tocou no rosto.
— Já sabe quem eu sou realmente. Sabe desde a noite em que nos conhecemos.
— Mas não é um homem comum.
— Serei, ao menos pelos próximos cinco dias. — Ele imitou o gesto de Eddie: pôs-se de pé, tomou-lhe a mão e a ajudou a se levantar.
Pamela se permitiu dar o braço a Apolo conforme caminhavam pelo pátio deserto. Ele parecia tão quente, normal e certo a seu lado!...
Isso a assustou tanto que ela fez menção de puxar o braço; contudo, Apolo parou no meio do saguão de repente.
Pamela sentiu um tremor percorrer o corpo e olhou para ele. Seu rosto moreno empalidecera.
Ela seguiu seu olhar. James segurava as portas da frente da casa aberta para eles, e, por meio destas, ela podia ver Robert ajudando primeiro Ártemis, depois Eddie, a entrar na limusine.
— Eu havia me esquecido dessa criatura de metal — ofegou o deus.
— Venha. Vou fazer você se sentar na frente desta vez. — Pamela o segurou pelo braço com força e o puxou.
Ele era Apolo, Deus da Luz, da Música e da Cura. Um imortal que tinha vivido por eras, tema de muitas histórias, poemas e canções...
... Mas uma criatura que enjoava demais ao andar de carro.
Capítulo 24
A ideia de Eddie de “acomodações bastante modestas” era alugar todos os nove quartos da mansão de tijolos, que fora construída nos anos vinte e que, depois, tinha sido adoravelmente restaurada com antiguidades, canalização e parte elétrica modernas, em 2003. Ficava à margem do Red Rock Canyon spa e Resort , um adorável oásis de fontes naturais e matas verdejantes, que parecia bizarro e deslocado, ainda que lindo, em meio ao afloramento de rochas cor de ferrugem e da intrigante paisagem desértica do Red Rock Canyon.
Pamela parou diante do conjunto de três portas duplas que separava os alojamentos do enorme deque de madeira, onde, apressados, garçons uniformizados davam os últimos retoques na mesa de jantar com flores frescas e velas, enquanto um trio de músicos afinava seus instrumentos.
Música, velas, flores e porcelana fina, avaliou, aliviada por ter escolhido o tubinho preto em vez de algo mais casual.
A iluminação externa foi acesa de repente, tingindo a noite clara de Nevada com suaves nuanças, e Pamela respirou o ar fresco do deserto. Sentar-se ao lado do enjoado Apolo no banco da frente fora muito esclarecedor. Ele insistira para que ela ficasse junto dele, e parecera tão desamparado que ela havia suspirado e se espremido a seu lado, para o desgosto de Robert. Decididamente, ela amava o Colorado. Embora tivesse nascido e crescido lá, nunca se cansara da majestade de Pikes Peak e da beleza montanhosa de seu lar. Considerava-se bastante “viajada”, sobretudo em se tratando dos Estados Unidos, e já conhecera muitos estados encantadores, mas nenhum lugar preenchia seus sentidos e acalmava sua alma como o de sua própria casa.
Por isso mesmo era uma surpresa sentir-se tão atraída pelo deserto. A curta viagem da propriedade de Eddie, à margem do Red Rock Canyon, até aquele rancho fora repleta de cenários ao mesmo tempo austeros e espetaculares. Havia algo de misterioso e maravilhoso no deserto. Ele fazia sua imaginação correr solta, evocando fantasias infantis com caubóis do Velho Oeste, couro e suor.
Sorriu para si mesma diante de ideias tão tolas e românticas.
— Adoro o seu sorriso.
A voz profunda de Apolo a surpreendeu.
Pamela se virou. Ele estava tão próximo que ela pôde sentir seu calor. Era apenas o calor de um corpo normal, não o poder imortal do Deus da Luz, mas a fez se lembrar da noite anterior, e de como chamas tinham varrido seu próprio corpo em uníssono com seus impulsos...
Passou a mão pelo cabelo curto, nervosa.
— Não o percebi chegando.
— Eu não queria assustá-la.
Se Apolo soubesse!... Apenas a presença dele já fazia seu estômago se contrair e seu rosto corar. E isso antes de ela descobrir que ele era o bendito Deus da Luz!...
Céus!, estava sendo cercada e cortejada pelo imortal Apolo! Era um pouco como se ver bem no meio de um velho episódio de Jornada nas Estrelas , sem nenhuma possibilidade de ser teletransportada para longe de uma situação difícil.
Mas ela não queria ser teletransportada para longe de Apolo, e isso a estava deixando louca.
Ele era Apolo! Não conseguia conter o arrepio de emoção que a percorria cada vez que pensava nisso. Era inebriante, enlouquecedor e terrivelmente assustador.
Em vez de gaguejar como a louca em que ela pensava estar se tornando, Pamela apontou a noite do deserto com a cabeça, em um gesto que, ela esperava, parecesse indiferente.
— Não foi culpa sua. Eu estava distraída com o cenário. É muito mais bonito aqui do que eu esperava.
— Sim, sei bem o que quer dizer. O Reino de Las Vegas também me surpreendeu com sua beleza. — Ele sorriu e lhe afastou uma mecha de cabelo escuro da testa. Seus olhos capturaram e refletiram a iluminação do terraço e, por um momento, pareceram brilhar de novo com aquele azul imortal.
Pamela recuou um passo.
— Por quê? — ele indagou, magoado. — Por que está me evitando?
Um dos garçons ergueu a cabeça com óbvia curiosidade diante da pergunta, e Pamela acenou para que Apolo a seguisse até a borda mais distante da varanda, onde era menos provável que sua conversa fosse ouvida. Baixou a voz e tentou não se preocupar.
— Não estou desprezando você. Estou sendo apenas... c-cuidadosa — ela gaguejou, sem fitá-lo nos olhos.
— Não compreendo. — Ele passou a mão por seu rosto e suspirou. — Sabe, Pamela, isso nunca aconteceu comigo antes. Precisa me explicar quais são as regras do amor.
Ela sentiu o coração bater na garganta e engoliu em seco antes de responder.
— Não conheço as regras. Não sei como amar um deus. — Encontrou os olhos dele, relutante. — A verdade é que era diferente quando eu achava que você era apenas Febo.
— Eu sou Febo, Pamela.
— Não, não é! Meu Deus, Apolo... — Ela se interrompeu, apertando os lábios. — Veja! Nem consigo dizer coisas normais perto de você. “Meu Deus...” Você é um deus! Eu não sei o que dizer, o que fazer. — Pamela esfregou a testa.
Os músicos começaram a tocar uma valsa que só fez aumentar o clima surreal da noite. Era como se Apolo houvesse conspirado para adicionar uma trilha sonora à conversa.
— Eu não quero me apaixonar — ela disse baixinho. — Eu já não queria antes de te conhecer, e agora isso só me parece ainda mais impossível.
Ele balançou a cabeça.
— Não, não é impossível. O problema foi a forma como descobriu tudo. Eu devia ter lhe dito antes; tornado mais fácil para você aceitar.
— Como poderia ser mais fácil? Você é um deus antigo, e eu sou apenas uma mortal. Não estamos destinados a ficar juntos.
Dizer as palavras que a haviam assombrado o dia todo deixaram Pamela enjoada.
— Eu atendi ao seu desejo mais sincero — Apolo replicou numa voz baixa e firme.
— Claro que atendeu! Não é que eu não o deseje... Desejo muito. Você é perfeito. Eu pedi por romance, e você é, definitivamente, um sonho romântico que se tornou realidade.
Pamela queria ficar quieta, segurar as palavras que derramavam de sua boca, mas não conseguia. Tinha medo de que, fazendo isso, fosse se jogar nos braços de Apolo e pedir que ele ficasse lá para sempre.
Se fosse assim, o que seria dela? O que aconteceria com seu coração quando ele deixasse aquele mundo e voltasse para o seu próprio?
Apolo franziu a testa e tornou a sacudir a cabeça.
— Eu sou mais do que um sonho romântico, e você pediu por mais do que um simples namoro com um deus.
— Apolo, eu sei pelo que pedi — ela falou com firmeza.
— Sabe mesmo? Então talvez esteja interessada em saber que o vínculo da invocação entre você e minha irmã não se rompeu até ter admitido, ontem à noite, que sou sua alma gêmea.
— Sua alma gêmea... — ela sussurrou as palavras, negando com um gesto de cabeça. — Não! — Ele não podia ser. Se Apolo era sua alma gêmea, como ela sobreviveria sem ele?
O belo rosto do deus ficou lívido.
— Talvez eu tenha tido sorte, por todas estas eras, em não ter conhecido o amor... Parece que é um sentimento bastante doloroso.
Dizendo isso, curvou-se para ela de leve, fez meia-volta e se afastou.
Em vez de passar pelas portas e rumar para o quarto, como tivera a intenção de fazer, Apolo quase atropelou a irmã e Eddie quando estes saíam para o pátio, seguidos de perto pelo onipresente James.
— Que bom que já veio para cá! — saudou o escritor, dando-lhe um tapinha no ombro. Logo depois, avistou Pamela. — Excelente! Estamos todos aqui. James, já pode pedir que sirvam o jantar. Venha, minha deusa... A comida aqui pode ser simples, mas juro que não vai se decepcionar com sua qualidade.
— Eddie, eu quero mais daquele champanhe maravilhoso!
— Claro, claro... — ele murmurou, ajudando-a a se acomodar em uma das cadeiras.
Pamela observou o homenzarrão cercar a deusa de cuidados e mimos tal qual uma gimensa galinha, enquanto Apolo permanecia de pé, do lado oposto da mesa. Podia sentir seu olhar sobre ela.
Piscou, combatendo as lágrimas que lhe haviam assomado aos olhos, endireitou os ombros, desenhou um sorriso cordial e profissional no rosto, e se juntou ao pequeno grupo. Eddie, claro, insistiu para que ela se sentasse ao lado de “Febo”.
Por sorte, assim que ela pôs o traseiro na cadeira, uma nuvem de garçons convergiu para a mesa.
Eddie descrevera o jantar como “simples”, o que a fez se perguntar o que ele considerava extravagante. A comida não foi trazida aos poucos, como se poderia esperar de uma refeição cara, servida em um resort exclusivo. Em vez disso, o escritor ordenou que tudo viesse de uma só vez.
Foi como uma explosão de alimentos. As saladas individuais, de verduras frescas, cogumelos exóticos e uma série de tomates maduros e pequenos, eram montadas tal qual pequenos ninhos de pássaros. A massa do tipo farfalle parecia divina e cheirava a alho fresco e vinho branco. Espessas postas de salmão tinham sido grelhadas à perfeição, assim como compridas fatias de abobrinha cobertas de queijo provolone derretido e polvilhado com pimenta moída e sal. Durante toda a refeição, garçons atenciosos serviam as taças com champanhe gelado.
Tudo estava delicioso, e Pamela sentiu-se relaxar enquanto Eddie e Apolo conversavam amigavelmente a respeito da tradição dos banhos diários na antiga Roma. Na verdade, ela se viu intrigada com os detalhes vívidos que o deus fornecia sobre um mundo considerado morto havia muito tempo.
— Então, o banho se tornou uma atividade social... — concluiu Eddie enquanto mastigava o salmão.
Apolo concordou.
— Não era apenas o ato de se lavar. Os banhos romanos eram muito mais do que isso. No mesmo balneário não era incomum que houvesse espaços para exercícios, massagistas, barbeiros, restaurantes, lojas e bibliotecas. Era um centro de convivência; o centro nervoso do que acontecia na cidade. Em suas salas privadas, questões que não deviam se tornar públicas eram discutidas. Alguns dizem que até mesmo os deuses frequentavam os balneários de Roma para se inteirar das intrigas do dia.
— Ha! Sabe-se lá se o plano para matar César não começou em um desses balneários de Roma...? — conjeturou o autor.
— César! — zombou Ártemis. — Proclamar-se um deus foi apenas um de seus muitos erros. Ele devia ter escutado a esposa. Calpúrnia bem que o advertiu... Roma não ouviu muitas vezes as vozes de suas mulheres — completou, irritada.
Os olhos de Eddie se arregalaram.
— Eu tenho feito isso, minha linda! Venho pensando no assunto desde esta manhã, quando nos conhecemos. Alguma coisa parecia fora de lugar, não exatamente onde devia estar, e agora compreendo o quê... Você não é Diana. Reconheço agora a sua verdadeira natureza.
Ártemis ergueu uma sobrancelha dourada para o escritor e mordiscou seu segundo pedaço de salmão.
— É mesmo?
— Sim! Você é muito ardente para ser a pálida e etérea Diana. Você brilha e ofusca, não apenas como a luz da lua cheia. Carrega dentro de você a natureza de uma caçadora. Amanhã iremos descartar aquele vaso sem sentido, que segurou esta tarde, e substituí-lo por um arco e uma aljava repleta de flechas. A brandura de Diana feneceu, e a deusa Ártemis surgiu em seu lugar.
Pamela engasgou ao engolir, e um garçom correu para lhe trazer um copo de água. Tossindo, ela compartilhou um olhar de surpresa com Apolo; entretanto Eddie não havia terminado. Colocou a mão sobre o coração e deu início a uma cappella , a voz profunda e ressonante de barítono se elevando, depois abrandando — como a de um dos Três Tenores —, e preenchendo a noite no deserto:
Eu canto Ártemis das setas de ouro,
que a grande bulha da caça adora,
e que nos cervos suas flechas lança.
Ártemis que na caçada exulta,
curvando seu arco dourado
que cospe setas tão amargas.
Tão poderoso é o seu coração
quando pelas matas ela vaga
exterminando das feras as ninhadas...
Ártemis parou de comer quando Eddie se pôs a cantar, fitando-o com evidente espanto. O enorme homem fez uma pausa, gesticulou para o trio de mulheres que vinha dedilhando uma música de fundo suave durante todo jantar e estas pararam de tocar. Quando ele recomeçou a cantar, a harpista capturou a melodia e um som mágico de cordas o acompanhou:
Quando da caça a deusa das flechas se vê saciada,
deixa o tenso arco e visita o irmão, Febo Apolo,
no distrito de Delfos, sua rica morada...
Ele balançou a cabeça na direção de Apolo, que ergueu a sua em régio reconhecimento.
Comanda, então, o coro das Musas e das Graças,
deixando de lado seu arco e flechas.
Cobrindo-se com suas belas joias,
a bela dança das divas ela conduz.
Divino é a canto que estas entoam
louvando a brandura com que Leto
seus dois filhos deu à luz.
Filhos esses que, entre os deuses,
tão elevados e justos são
nos seus desígnios e na ação.
Saúdo a ti, filha de Zeus e da Leto de lindos cabelos!
A ti louvarei, e lembrarei também a tua canção...
A voz de Eddie segurou a última nota, enquanto a harpista improvisou um acorde fantástico. Conforme a canção se desvaneceu, a noite ficou muito quieta.
O olhar de Pamela se desviou de Eddie para Ártemis, e sobre esta ficou. Chocada, ela viu os olhos claros da deusa se encher de lágrimas. Em seguida, Ártemis se inclinou e beijou Eddie demoradamente nos lábios.
— Você conhece os Hinos Homéricos... — sussurrou, a apenas alguns centímetros do rosto do homem.
— Conheço os Hinos Homéricos — ele respondeu, solene.
— Você me surpreendeu, Eddie.
O sorriso de prazer da deusa fez Pamela prender a respiração, tal era sua beleza.
— Irmão — falou Ártemis sem tirar os olhos de Eddie —, desejo recompensar nosso anfitrião por seus aguçados poderes de observação. Você tocaria para mim?
— Claro — concordou Apolo. — Mas não tenho nenhum instrumento.
A voz inconfundível de Eddie retumbou pelo terraço.
— Já chega de música esta noite! Podem ir embora... — ele falou às musicistas — ... mas deixem os instrumentos. Meu assistente cuidará para que estes lhes sejam devolvidos amanhã.
As três mulheres saíram rápida e discretamente, e Pamela se perguntou quanto Eddie lhes pagara para que elas nem mesmo piscassem antes de deixar para trás suas ferramentas de trabalho.
Apolo tomou o assento desocupado da harpista e colocou as mãos sobre o instrumento sem demostrar nem um pouco da emoção que sentia. Era o Deus da Música. Harpistas o tinham adorado e louvado durante incontáveis séculos. As Musas o reverenciavam. Desde o dia em que havia convencido o recém-nascido Hermes a presenteá-lo com a primeira lira conhecida pela humanidade, considerava sua habilidade imortal com o instrumento mais do que garantida. Era como o ar que respirava e o vinho que bebia... sempre ali, com ele.
Mas, naquele dia, não era o imortal Apolo. Era apenas um homem comum.
Ele conhecia as notas. A sensação da harpa lhe era familiar... Ainda assim, sentiu o estômago se apertar. E se seu talento houvesse desaparecido com seus poderes? E se ele tocasse as notas erradas? Ou pior, tocasse as notas certas tão mal que estas parecessem erradas?
Ergueu a cabeça. Ártemis se levantara e recuara com graça para longe da mesa, de modo a ter espaço para iniciar sua dança.
Os olhos de Eddie estavam colados em seu rosto. O autor parecia completamente encantado por sua irmã.
Apolo pressionou a mão contra as cordas esticadas. Compreendia bem como se sentia o homenzarrão...
Relutante, ele desviou o olhar para Pamela. Ela o observava com atenção, sem dúvida à espera de ouvir o brilhantismo com que o Deus da Luz tocava.
Nesse instante, ele desejou estar de posse de seus poderes imortais. Ou então que fosse o mortal Febo de verdade. De repente, quis muito ser um ou outro. Estar preso entre dois mundos era como ser empurrado para um campo de batalha com apenas a lembrança das armas.
— Toque a música favorita de Terpsícore — pediu sua irmã, num tom imperioso.
Apolo sabia a melodia. Estava lá quando a Musa da Dança a criara, e tocara para ela quando esta a executara em um dos grandes banquetes de Zeus.
Fechou os olhos e se concentrou. Suas primeiras notas foram um teste: suaves, quase inaudíveis, porém seus dedos pareciam mais confiantes do que ele, o próprio deus. Eles conheciam as cordas prateadas, e viajaram para cima e para baixo, ao longo de todo o instrumento, como velhos amigos saudando um ao outro.
Apolo abriu os olhos. Ártemis flutuava pelo terraço, recriando a obra-prima de Terpsícore.
Ele sorriu com carinho para a irmã. Naquela noite ela não contava com poderes imortais, mas nem precisava. A seda do vestido que Eddie lhe comprara girava graciosamente em torno de seu corpo. Seus movimentos eram lânguidos e cheios de uma flexibilidade única, hipnótica.
Seus dedos voaram sobre as cordas, aumentando o ritmo da melodia. Ártemis o acompanhou, girando e ondulando em perfeito ritmo com a música, até o crescendo , depois do qual ela terminou em uma pose elegante aos pés de Eddie.
— Não! — gritou Eddie, puxando-a, de modo que a deusa ficou de pé a seu lado, respirando pesadamente. — Era eu quem deveria estar a seus pés, minha deusa!
Ártemis riu, sem fôlego.
— E então?... Gostou da sua recompensa?
— Guardarei essa sua dança na memória até a dia da minha morte!
A expressão da deusa ficou séria.
— Não quero pensar na sua morte.
Foi a vez de Eddie rir, e ele o fez com vontade.
— Não pense, pois esse dia ainda está longe, minha diva!
O sorriso de Ártemis retornou.
— Eddie, caminharia comigo? Sei que está escuro, a noite já caiu, mas...
— Seu desejo é uma ordem — proclamou o escritor. — Venha, os arredores estão bem iluminados, e é uma grande honra escoltá-la.
Sem lançar um só olhar na direção de Pamela ou de Apolo, os dois deixaram o deque, as cabeças próximas, enquanto Eddie perguntava à deusa sobre as origens de sua dança.
Ainda deslumbrada com a incrível performance de Ártemis, Pamela os observou partir. Não podia acreditar. Ártemis tinha dançado para Eddie como se desejasse aquilo; como se realmente se importasse com ele e quisesse agradecê-lo.
Que diferença um único dia havia feito!... Naquela mesma manhã, a deusa estivera arrogante e intratável.
Verdade que Ártemis continuava aguerrida, mimada, autoindulgente e fútil. Mas, quando olhava para Eddie, não deixava dúvida sobre o carinho que lhe transbordava no olhar. Seria possível que a deusa tivesse mesmo coração?...
Dois acordes suaves e mágicos, um seguido do outro, chamou sua atenção de volta para o seu imortal.
Seu imortal!...
O pensamento a fez estremecer. Antes daquela noite, ela teria imaginado que um homem tocando uma harpa seria, no mínimo, efeminado e, no máximo, muito gay !
E Apolo não era nenhuma das duas coisas. Era másculo e magnífico. Não tocava a harpa apenas; ele a acariciava como a uma amante, fazendo que a música brotasse dela. Era como se sua carícia trouxesse vida ao instrumento. Com aquele corpo dourado e musculoso, o cabelo colorido pelo sol, parecia um antigo guerreiro fazendo uma pausa entre as batalhas para descansar e recitar seus feitos heroicos.
Quando Apolo começou a cantar, e seus dedos extraíram um som ritmado e sensual das cordas, ela encontrou seus olhos.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
A voz de Apolo era tão perfeita que era quase indescritível.
Pamela tentou imaginar como ele devia soar quando podia usar seus poderes imortais. Não admirava que várias gerações tivessem construído templos e esculpido estátuas em sua homenagem.
E agora ali estava ele, cantando só para ela.
Nesse momento, ela o desejou tanto que a força do sentimento quase a sufocou.
Sem pensar com muita clareza, Pamela se levantou e caminhou até ele.
Quando olho para ti, perco a fala,
minha língua congela e cala
e chamas sob minha pele se alastram.
Já não vejo com meus olhos,
em meus ouvidos ressoa um zunido,
um frio suor me cobre inteiro,
um arrepio me faz cativo...
Mais verde do que a erva fico,
perto da morte eu me sinto.
Pamela parou diante dele. O único poder que Apolo tinha sob seu comando era o de um homem apaixonado. Mesmo assim ele a encantava.
Estremeceu conforme ele repetia o refrão e a cobria com o calor de suas emoções.
Sou aquele que à tua frente senta,
E que, enquanto próximo de ti,
escuta a tua doce fala e bebe com amor o teu riso
sentindo vibrar o coração no peito. ..
Quando a brisa da noite varreu a última nota, ela estendeu a mão, tímida e, com um dedo, acariciou as costas da mão que descansava nas cordas da harpa.
— Você compôs isso?
Apolo sorriu e segurou a mão dela.
— Não. Foi escrito por Safo. Ela era uma poetisa grega, e uma amante apaixonada de mulheres. Peguei emprestadas as palavras... Safo era dona de um senso de humor cáustico e de uma inteligência afiada. Creio que consideraria a nossa situação um tanto divertida. Não acho que se importaria com a pequena mudança que fiz em seus versos.
— Foi muito bonito. Sua voz é... — Ela fez uma pausa, tentando encontrar palavras para descrever o que tinha ouvido. — Sua voz é como um sonho quase esquecido. Algo fantástico demais para ser real.
— Mas é real. Eu sou real. — Apolo a puxou para si. Pamela hesitou, e ele passou o braço em volta de sua cintura, trazendo-a para mais perto. — O que sente por mim é verdadeiro...
O deus pressionou os lábios suavemente contra os dela. Precisava sentir seu gosto e calor, contudo Pamela estava tão rígida e inflexível que ele se contentou com um beijo quase casto. Primeiro na boca, depois no rosto.
Por fim, ela relaxou o bastante para descansar a cabeça em seu ombro, e Apolo respirou o perfume de seu cabelo. Quando se inclinou para beijá-la outra vez, Pamela levantou a mão e o impediu com um dedo.
— Vou pedir que me dê algum tempo.
— Tempo?
— Preciso de tempo para pensar sobre o que está acontecendo entre nós, e não consigo pensar quando me toca e me beija... Por isso mesmo estou pedindo algum tempo. Vai fazer isso por mim?
Ele queria dizer “não”, atirar a harpa para o lado, tomá-la nos braços e fazer amor com ela lenta e apaixonadamente, até que Pamela não conseguisse pensar em nada. Sabia que podia convencê-la a se entregar; sentia isso no modo como seu corpo gravitava para ele e na maneira como seus olhos fitavam os seus. Tinha consciência da paixão que ardia dentro dela, e sabia como despertá-la e usá-la.
Mas e depois? Na manhã seguinte, Pamela se afastaria de novo. E ele queria que ela viesse até ele por livre e espontânea vontade, sem arrependimentos.
Tirou o braço de seu corpo. Em vez de tentar beijá-la outra vez, afastou a mecha de cabelo escuro que vivia lhe caindo sobre a testa.
— Vou lhe dar esse tempo para que possa pensar. — Sorriu, tristonho, beijou-lhe a mão, então caminhou devagar para longe do terraço.
Sozinho.
Capítulo 25
O telefonema, às sete e meia, de uma jovem alegre, anunciando que o café seria servido no terraço às oito, veio cedo demais para Pamela. Que diabo estava acontecendo com ela? Seu relógio interno normalmente a despertava bem próximo ao amanhecer. Para sua rotina normal, sete e meia da manhã já era tarde.
Naquela manhã, porém, ela esfregou os olhos, sentiu a cabeça pesada e desejou poder se aninhar e dormir por pelo menos mais umas duas horas.
Culpa de Apolo. Saber que o Deus da Luz dormia sozinho no final do corredor a fizera rolar e se virar na cama pela maior parte da noite. Assim como aquela voz maravilhosa dele, que continuava soando em sua cabeça.
E seu toque... A cada vez que fechava os olhos, podia sentir aqueles lábios ardendo contra os dela.
Pelo visto, não importava que ele estivesse sem os seus poderes imortais. Para ela, seu toque ainda era como fogo, luz, suor e...
Maldição dos infernos! Ela precisava controlar os próprios hormônios.
Esfregou os olhos e se lembrou de que, na certa, Eddie mandara preparar um excelente café, que devia estar prontinho, esperando por eles.
O que a fez se lembrar de que — tinha certeza —, ouvira Eddie e Ártemis rindo no caminho de volta a um dos quartos, lá pelas duas da madrugada. Talvez os dois até houvessem tido relações sexuais, por mais grosseiro que fosse pensar naquilo.
Ártemis faria aquilo? Não se esperava que fosse uma das deusas virgens?...
Pamela pensou na temporada erótica da diva com Zumanity e no modo sexy como ela andava e falava. Ártemis parecia tão virgem como a Madonna (a cantora, não a outra). Exatamente o oposto de uma deusa casta, inacessível e intocável.
Pamela gemeu de novo ao sair da cama. Lavou o rosto e escovou os dentes, lembrando-se de que era terça-feira. Sem contar aquele dia, haveria apenas mais três até que o portal fosse reaberto, Ártemis e Apolo voltassem ao Mundo Antigo, e ela pudesse retornar ao seu próprio.
Sentiu o estômago revirar. Não. Não era tão ingênua a ponto de esperar que Apolo fosse ficar por ali por tempo suficiente para ter um relacionamento de verdade com ela. Ele iria embora. E ela retornaria à sua vida normal, aborrecida e sem emoção...
Não. Ela já havia resolvido aquilo. Não iria rastejar de volta para sua concha, assexuada, sem companhia, sem romance. Precisava pensar em Apolo como sua porta de entrada para o mundo do namoro. Fora uma missão de reconhecimento bem-sucedida. Iria mudar de missão quando voltasse para casa. Não seria mais apenas trabalho e nada de diversão. Ela — iria — namorar!
— Maldição dos infernos ... — disse ao reflexo desgrenhado no espelho do banheiro. — Estou parecendo uma sócia excêntrica daquelas milícias pelo namoro! Ve vai ficar com tanta vergonha de mim!... — Pamela se interrompeu e deu um tapa na testa. — Ve! Não tenho nem mesmo checado as coisas com ela!... — Vasculhou a bolsa até encontrar o celular e digitou o número da amiga sem muita delicadeza.
— Está cansada de mim? Não me ligou mais... Diga que não é verdade — dramatizou Ve em vez de dizer “Olá”.
— Não é verdade — afirmou Pamela. — Deus, Ve, estou tão envergonhada por não ter telefonado!... As coisas aqui têm sido mais do que gimensamente insanas.
— O escritor está louco e “nas últimas”...?
— Não. Na verdade, Eddie é um sujeito excepcional, e o trabalho está em vias de se tornar quase de bom gosto. Você sabe... Algo que Elizabeth Taylor e Richard Burton teriam gostado.
— Está brincando! Não me diga que o convenceu a recriar o palácio de Cleópatra !
— Bem... quase.
— Como assim?!
— Sim, estou criando algo como o cenário de Cleópatra . Mas não sou eu a responsável pela parte do convencimento.
— Ele tem alguma assistente lésbica com obsessão por Elizabeth Taylor, também? Deus, esse mundo é mesmo um lugar pequeno e inacreditável!... — Ve suspirou, feliz. — Vai me arrumar algum lance , por acaso?
— Mais uma vez, não. O assistente dele é homem, e tenho certeza de que ele é hetero. São os meus assistentes que o estão persuadindo a mudar de foco. E foi apenas por um feliz acidente que o lugar está ficando parecido com um complexo do MGM.
— Espere um pouco! Você só tem uma assistente, que sou eu. E eu não estou aí, porque estou aqui, às voltas com aquela louca do gato velho, a sra. Graham... Que, a propósito, se convenceu a esquecer aquele sofá de veludo cor de ameixa. Vamos procurar pelo chintz hoje. Eu disse a ela que o tecido iria disfarçar mais os pelos de gato. Independentemente da história da “Mulher Gato”, ainda há o importantíssimo detalhe de que a sua assistente cést moi , e eu estou aqui. Explique-se.
O que ela poderia dizer? , perguntou-se Pamela. Se admitisse acreditar que Apolo e a irmã eram imortais presos em Vegas, Ve pegaria o primeiro avião com uma bolsa cheia de Valium e faria uma reserva para que ela passasse agradáveis “férias” na primeira clínica psiquiátrica que encontrasse pela frente.
Sem dizer que ela, Pamela, iria deixar sua melhor amiga preocupada à toa.
Não. Não podia dizer a verdade.
Respirou fundo. Não pensaria naquilo como uma mentira. Iria considerar tudo como uma ficção. Era o que Eddie fazia para viver, e ninguém o chamava de louco.
Bem, pelo menos não abertamente.
— Eu contratei Febo e sua irmã para serem meus assistentes até sexta-feira. Febo é especialista em arquitetura romana antiga. Já a irmã dele é tão sexy que Eddie mudou de ideia sobre fazer daquele horroroso deus Baco a estátua central da fonte, e está fazendo a moça posar como modelo de deusa — ela completou, respirou, então aguardou pela explosão.
— Você contratou o seu namorado?
— Ele não é meu namorado.
— E a irmã dele?... — Ve continuou como se Pamela não tivesse dito nada.
— Sim, bem, a irmã veio apenas como brinde. Febo é mesmo um expert em Roma antiga. Ele me ajudou a convencer Eddie a construir um autêntico balneário romano em vez de uma réplica cafona da piscina do Caesars Palace. Você sabia que os antigos romanos usavam seus balneários como clubes?
— Ok... foco! Ainda não terminei as perguntas sobre o seu namorado.
— Ele não é meu namorado.
— Seja lá o que for. Pensei tê-la ouvido dizer que ele era médico e músico — lembrou Ve. — E ele não devia ter zarpado de Vegas na segunda de manhã?
— Ele é médico e músico. E também especialista em Roma antiga. E, sim, ele devia ter ido embora, mas... ahn... perdeu o voo, por isso decidiu ficar — elaborou Pamela, tentando manter a voz leve, e de um modo que não soasse mentirosa.
— Parece tudo muito conveniente para mim. E eu achando que ele era um jovem cavaleiro Jedi!.. . Quantos anos ele tem, afinal?
— É mais velho do que eu pensava no início — admitiu Pamela, grata por poder responder a uma das perguntas da amiga com sinceridade.
— Ainda está transando com ele?
— Não! Pelo menos não na noite passada.
— Foi sua ideia ou dele não transar ? — Ve insistiu.
— Minha — confessou Pamela, desgostosa.
— Ô-ô... Está completamente amarrada . Por favor, diga que não o contratou apenas para mantê-lo por perto e se torturar com sua crescente obsessão! É o tipo de coisa que estabelece um daqueles cenários doentios de ópera, Pammy.
— Não é nada disso. Eu o contratei — e àquela infeliz da irmã dele — porque precisava de ajuda.
— Quer dizer que a bonitinha é uma bela bisca ...?
Pamela sorriu. Sabia que usar Ártemis como bode expiatório iria funcionar.
— Ela é horrível! Linda, altiva, do tipo que tem complexo de deusa. Você iria adorá-la.
— Você é tão engraçadinha... — Ve suspirou.
— Também sou um gênio do design . Contratar Febo e Diana tirou por completo a pressão de cima de mim para que eu transformasse algo totalmente brega em algo de bom gosto. Eddie está apaixonado por Diana. Um sorriso ou beicinho dela, e ele muda de ideia.
— E você, claro, a informou sobre o que Eddie deve gostar ou não...? — concluiu Ve.
— Claro — Pamela mentiu mais uma vez. Não se podia obrigar Ártemis a fazer muita coisa. Sorte que a deusa tinha excelente gosto... ainda que este fosse meio extravagante.
— E então, o que o seu trípode faz além de ficar por perto, bancando o macho?
— Ele não é meu trípode. E está trabalhando com os arquitetos, no balneário. É superinteressante saber mais sobre... — Uma batida na porta a interrompeu. — Espere um pouco, tem alguém na porta.
— Pamela? — A voz profunda de Apolo fluiu através da madeira. — Eu preciso de ajuda!
— Ahn, Ve, tenho que desligar.
— Ok, ligue mais tarde. E lembre-se: não fique se preocupando com tudo, mas tenha cuidado.
Pamela resmungou um adeus e fechou o telefone flip-top pouco antes de abrir a porta. Ela a escancarou e seus olhos fizeram o mesmo ao pousar em Apolo. Ele estava nu da cintura para cima! Tinha o cabelo ondulado todo desgrenhado, e seu queixo e faces estavam cobertos de sangue.
— Ah, meu Deus!... O que aconteceu?
— Fiz a barba — ele explicou. — E estou sangrando!
— ... Venha aqui. — Pamela o puxou para dentro do quarto e fechou a porta. Sob as manchas de sangue que salpicavam seu rosto, Apolo tinha a pele pálida. Ela balançou a cabeça e apontou para uma cadeira. — Sente-se antes que desmaie. Você não me parece bem.
Ele se deixou cair na cadeira. Tocou uma das gotas de sangue, olhou para o dedo avermelhado e engoliu em seco.
— É o meu sangue...
Pamela franziu a testa.
— Claro que é. Tirou sangue de si mesmo ao se barbear. — Rumou para o banheiro a fim de apanhar uma toalha molhada, olhando-o por cima do ombro. — Já fez a barba antes?
Ele negou com um gesto de cabeça, sem-graça.
— Não.
Pamela voltou ao quarto com a toalha molhada, lembrando-se de como o rosto de Apolo lhe parecera suave e sem pelos na manhã em que haviam acordado juntos.
— Nunca fez a barba?...
Ele a fitou.
— Nunca precisei fazer. Nunca tive barba.
Ela se inclinou diante dele e lhe examinou o rosto, tocando-o na face.
— Não está tão ruim. Você só se cortou algumas vezes. É que o rosto sangra muito facilmente.
— Eu não sabia — Apolo murmurou, parecendo ainda mais pálido.
Pamela se endireitou.
— Nunca viu sangue antes?
— Não — ele concordou, em seguida franziu a testa. — Quero dizer... sim. Mas nunca aconteceu de eu sangrar.
Pamela abriu a boca, depois fechou. Ele era um deus. Deuses não morriam, por isso era lógico que também não sangrassem.
Não soube o que dizer. Antes que pudesse formular uma resposta inteligente, ouviu duas batidas fracas, seguidas pelo som fraco de seu nome.
— Espere aí — disse a Apolo. — Quem é?... — perguntou através da porta.
— Eu! — A palavra soou como um gemido.
— Ártemis? — indagou Pamela, abrindo a porta.
Vestida com a túnica curta mais uma vez, a deusa se arrastou para dentro do quarto como se reeditando uma antiga tragédia grega, com uma das mãos estendida à sua frente e a outra segurando o pescoço.
— Pamela! Alguma coisa está muito errada comig... — Ao avistar o irmão sentado na cadeira, com o rosto salpicado de sangue, Ártemis levou a mão da garganta para a boca.
Pamela bateu a porta e segurou o cotovelo da deusa.
— Nem pense em gritar! — falou devagar e claramente.
— Oh!... — Ártemis oscilou, e Pamela a guiou para a cama, onde a diva se deixou sentar, ainda com os enormes olhos vidrados em Apolo.
— Ele está morrendo?! — indagou, em pânico.
— Ah, meu bom Senhor... Claro que não! Ele só se cortou no barbear. — Pamela esfregou a têmpora direita, sentindo a pontada que marcava o início de uma forte dor de cabeça.
— Apolo!? — Ártemis perguntou com voz trêmula.
— Não sou muito bom com a... — Ele fez um movimento, simulando a lâmina.
— Navalha — completou Pamela. — Não, você não é bom com a navalha. — Ela caminhou até ele e se abaixou de novo. — Isso pode doer um pouco... — Tocou os cortes com a toalha molhada.
O único movimento de Apolo foi uma puxada de ar.
Sua irmã assistiu a tudo, horrorizada.
— Ele está sangrando! — exclamou Ártemis.
— Sim, é isso o que acontece quando você se corta com uma navalha. Você sangra. — Pamela revirou os olhos para a deusa antes de se concentrar outra vez em Apolo. — Ok. Agora é só pegar um lenço de papel e pressionar uns pedacinhos nesses cortes. Muito em breve eles vão coagular e parar de sangrar, então estará novo em folha.
— Lenço de papel? — inquiriu Apolo.
— Coagular? — indagou Ártemis com voz estridente.
— Esqueçam... Eu mesma faço isso.
Pamela suspirou, foi até o banheiro, apanhou dois lenços de papel e tornou a se agachar ao lado da cadeira de Apolo.
Os gêmeos observaram, admirados, enquanto ela rasgava pedacinhos redondos e os pressionava nos cortes.
— Pronto — Pamela anunciou e se endireitou a fim de avaliar seu trabalho. — Isso deve parar o sangramento. Quando estiver pondo a camisa e penteando o cabelo, já poderá tirar os papéis sem que os cortes se abram novamente.
— Eles se abrem de novo? — ele perguntou, agoniado.
— Apolo, não é o Deus da Cura ou sei lá mais do quê? Como esse tipo de coisa pode ser tão chocante para você? — Pamela indagou, exasperada, sem saber se queria abraçá-lo ou chacoalhá-lo.
O deus se levantou de um salto.
— Tem toda a razão. Eu... Eu estou me sentindo um tolo. Vou me vestir e já volto — informou, batendo em retirada.
— Isso não foi muito gentil — observou Ártemis.
Pamela colocou as mãos nos quadris e se virou para a deusa.
— Olhe só quem está, de repente, toda preocupada com bons modos!... Preciso lembrá-la de que já deixou claro que me considera apenas uma experiência mortal que deu errado? Parece que me lembro de ter dito algo sobre estar farta de ficar algemada a mim como desculpa para ter me lançado algum tipo de magia sexual e fazer que eu me interessasse pelo seu irmão...
Ártemis se encolheu toda.
— Está piorando a minha dor de cabeça!
— Que bom!
— Mais uma vez, isso não está sendo muito agradável da sua parte! Até porque eu posso estar morrendo!
— E por que acha isso?
— Basta olhar para mim! Alguma coisa está muito errada. Meus olhos estão vermelhos, inchados e, sob eles, estou com essas manchas escuras horríveis. Estou com o estômago embrulhado e acho que a minha cabeça vai arrebentar a qualquer momento — choramingou a deusa, caindo dramaticamente sobre os travesseiros de Pamela.
— Por favor... Não há nada de errado com você, exceto uma enorme ressaca! — esclareceu Pamela, tentando não rir.
— E isso vai me matar? — Ártemis perguntou, endireitando o corpo para, em seguida, fazer uma careta de dor e segurar a cabeça.
— Não. Mas eu deixaria de lado as mimosas e o champanhe hoje.
A deusa empalideceu.
— Nem sequer mencione aquelas bebidas!
Pamela não pôde deixar de sorrir para ela.
— Aposto que está morrendo de sede.
— Estou seca! Como sabe? Já teve esta doença?
Pamela foi até o frigobar e apanhou uma garrafa de água. Rompeu o lacre, então a entregou a Ártemis. — Mais vezes do que estou disposta a admitir. Você ingeriu muito álcool ontem, e seu corpo temporariamente mortal está lhe dizendo que não foi uma boa ideia. — Pamela observou Ártemis entornar a garrafa de água. — Espere, não beba tudo. Vai precisar de um pouco para tomar com o Tylenol — explicou, vasculhando a bolsa até encontrar sua caixinha. Revirou as cartelas de Benadryl e Xanax até encontrar dois comprimidos do remédio. — Engula isto e depois tome um café da manhã leve: talvez apenas algumas torradas ou bolinhos. — Ao observar a expressão vazia de Ártemis, ela acrescentou: — Ah, está bem... Eu mostro o que poderá comer. Mas trate de beber café e um pouco mais de água. Vai se sentir melhor em breve.
— Vou ficar com uma aparência melhor também? Mal pude acreditar na imagem horrorosa que vi no espelho!...
Pamela estudou o rosto da deusa, assim como tinha feito antes com seu irmão. Ártemis continuava, como sempre, incrivelmente bela, mas, naquela manhã, a deusa se encontrava mesmo muito abatida.
— Vamos até o banheiro. Talvez eu possa dar um jeito nessas olheiras. — Ela fez uma pausa e lançou a Ártemis um olhar avaliador. — Espere... Faremos um trato. Vou melhorar sua aparência se prometer ser boazinha com Eddie outra vez.
À menção do nome do autor, a expressão de Ártemis mudou. Seu rosto pareceu suavizar, e suas faces se tingiram de um rosa delicado.
— Ah, meu Deus!... Está mesmo gostando dele! — exclamou Pamela.
— Ele... ele me lembra alguém — Ártemis sussurrou.
— Gosta de Eddie porque ele a faz se lembrar de alguém? Quem?
Os olhos da deusa faiscaram, e ela reassumiu sua habitual arrogância.
— É problema meu, não seu, quem Eddie me lembra. E não estou gostando dele apenas por causa disso. Ele me reconheceu. É um mortal de um Mundo Moderno que já não honra os deuses e as deusas, mas Eddie me conhece e me adora. E isso me agrada.
— Sei — resmungou Pamela. Em seguida, fez sinal para Ártemis se sentar no balcão do banheiro enquanto revirava seu estojo de maquiagem em busca de um corretivo.
Por algum tempo, trabalhou em silêncio no rosto da deusa, cobrindo os círculos escuros sob os olhos enormes e espalhando um pouco de pó bronzeador em suas faces, de modo a trazer de volta sua cor natural. Então, como se Ártemis já não fosse naturalmente maravilhosa, destacou seus olhos com uma sombra cintilante. Era como retocar uma pintura feita por um mestre, concluiu.
— Hipólito — murmurou Ártemis.
— O quê? — Pamela perguntou.
— Quem. Hipólito não era uma coisa. Era uma pessoa. Eddie faz que eu me lembre dele.
— Hipólito também era escritor? — Pamela quis saber, acrescentando apenas um toque de blush nas maçãs salientes do rosto da deusa.
— Não. Ele era guerreiro. Filho de Teseu. Era alto, forte e quase tão bonito como um deus. Não é o corpo de Eddie que lembra o do meu Hipólito. É em sua devoção que vejo muita semelhança.
— Você fala de Hipólito no pretérito... Ele está morto?
— Sim — admitiu Ártemis. — Assassinado por engano, por conta de sua devoção a mim. Fui a única mulher que ele amou.
— Eu sinto muito — sussurrou Pamela.
Ártemis encontrou o olhar da mortal, surpresa por identificar nele tanta compreensão.
— Você também perdeu um amor.
— Ele não morreu fisicamente... Mas descobri que o homem em que eu acreditava, na verdade, não existe.
Ártemis assentiu com um gesto de cabeça, pensativa.
— De certa forma, isso me parece até mais difícil de suportar. Pelo menos Hipólito já não caminha sobre a Terra antiga. Seria muito doloroso vê-lo, sabendo que ele é apenas a imagem do que eu acreditava que ele fosse...
— Então me entende — murmurou Pamela.
— Sim. — Ártemis sorriu, tristonha. Em seguida, virou-se. Ao se ver no espelho, seu sorriso se ampliou e se transformou em um sorriso de verdade. — Você realizou um milagre!
Pamela riu.
— Com certeza. E esses milagres têm nome: Borghese, Mac e um pouco de Chanel para completar. São milagres da mulher moderna que trabalha.
— Obrigada, Pamela! — a deusa falou com sinceridade.
— Foi um prazer, Ártemis. — Ela olhou para o próprio reflexo com um suspiro. — Agora vou ter que operar o mesmo milagre em mim. E depressa.
Ártemis deslizou do balcão.
— Eu digo a Eddie que fui a responsável pelo seu atraso. Ele não vai ficar nem um pouco aborrecido se tiver algum tempo a sós comigo antes que você venha ao nosso encontro...
— Ártemis! — Pamela chamou e, com a mão na maçaneta da porta, a deusa se virou para encará-la. — Posso fazer uma pergunta? Mesmo sendo meio pessoal?
A diva encolheu um ombro.
— Merece até uma bênção pelo milagre que fez. Não tenho poderes para lhe agradecer, assim terei prazer em responder à sua pergunta.
— Não entendo muita coisa de mitologia, mas lembro-me de ter lido que você, a deusa Ártemis, era uma deusa virgem, intocada por qualquer homem ou deus. Fico me perguntando se isso é verdade...?
Por um momento, Ártemis pareceu chocada. Depois, perplexa. Então começou a rir.
— Desculpe, eu não tive a intenção de que isso fosse engraçado — Pamela murmurou, meio envergonhada pela reação da deusa à sua pergunta.
— É da imaginação dos homens que estou rindo, não de você. Eles me denominaram a “Deusa Virgem” porque me recusei a ficar presa a um parceiro. Eu levo o amor aonde vou. Decido quem, onde e quando... Meu verdadeiro prazer vem da minha liberdade. Minha amante favorita é a floresta; minhas antigas companheiras, as ninfas que me servem. Mas posso lhe assegurar... não sou virgem — afirmou Ártemis, saindo do banheiro e deixando sua risada melodiosa como rastro.