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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DEUSA DO AMOR / P. C. Cast
DEUSA DO AMOR / P. C. Cast

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Vênus estava inquieta.
Não. Estava pior do que inquieta. Uma simples inquietação poderia ser acalmada por uma deliciosa taça gelada de ambrosia, e se ordenasse que uma ninfa a divertisse.
(O que poderia significar desde ter o cabelo de deusa arrumado em uma coroa intrincada de tranças loiras até receber uma massagem de corpo inteiro de alguma ninfa da água – uma experiência sensual, que sempre era melhor se vivida na praia. Nua.) Ela, no entanto, não estava com vontade de convocar nenhuma ninfa. E já estava bebendo uma taça da ambrosia excelente daquela temporada, recém-colhida nos Campos Elísios.
Vênus suspirou e bateu o pé contra o suave e elegante piso de mármore de seus aposentos, no palácio subterrâneo de Vulcano. Havia deixado seu próprio templo de ouro, localizado no topo do monte Olimpo (de onde tinha uma vista espetacular), e descido para o palácio do marido pela mesma razão de séculos: ter um pouco de sossego e tirar uma folga dos cansativos deveres de ser a pessoa mais bela e desejável já criada. Literalmente, o amor personificado. Em geral dava certo se esconder das demandas de ser a deusa do Amor nas profundezas do reino de Vulcano. Afinal, não existia muita coisa interessante acontecendo entre eles... O pensamento deixou uma risadinha seca escapar dos lábios perfeitos da deusa. Por isso mesmo ela se casara com o deus do Fogo.
Bem, não apenas por isso. Para ela, casar-se com Vulcano também lhe proporcionara uma fuga do exaustivo trabalho de personificar o amor. Já para o deus, casar-se fora uma autoafirmação, uma tentativa de mostrar ao restante dos deuses do Olimpo que ele poderia, sim, ser um deles.
Mas seu casamento sem paixão e sem amor, pelo visto, tinha dado mais certo na teoria do que na prática.
Vênus colocou a taça de cristal cheia de ambrosia em cima da mesa. De onde vinha aquele pensamento cínico, afinal? Não existia nada de errado com o arranjo que ela fizera com Vulcano. Este vinha dando certo fazia séculos, e ainda continuaria a funcionar por muitos deles.
Com uma súbita inspiração, ela se levantou e correu do luxuoso aposento. Era isso! Precisava encontrar Vulcano. Afinal, eles eram amigos. Talvez ele pudesse ajudá-la a descobrir uma boa parceira para Hermes. Já era hora de o deus Mensageiro pôr aquelas asas em suas sandálias douradas para voar. Além do mais, nada como um amorzinho proibido para agitar as coisas.
Vulcano não era difícil de encontrar (como se ele pudesse proporcionar alguma surpresa, fosse esta grande ou pequena...). Estava, como de costume, no centro de seu reino, onde ficavam a forja e o grande pilar de fogo do Olimpo.
Vênus entrou na sala em silêncio. Vulcano se encontrava de pé, com os braços erguidos diante da coluna em chamas, e ela o estudou com especial interesse. Embora não fosse loiro, era mesmo um deus esplêndido, ágil e gracioso como a maioria dos olímpicos. Vulcano era forte e moreno, porém os deuses o evitavam por conta de sua imperfeição: ele mancava havia eras. Sua claudicação, entretanto, não era das maiores. Dificilmente seria notada se ele não vivesse em meio à perfeição dos deuses dourados.
Sim, Vulcano era muito atraente. Não que ela já o houvesse desejado (ou ele a ela, até onde sabia – se houvesse, sendo o Amor, ela já saberia).
Pendeu a cabeça para o lado, pensando em como era verdadeira a afirmação de que o desejo e a paixão muitas vezes tinham pouco a ver com o físico e muito mais com a misteriosa faísca que se dava entre dois espíritos. E aquela centelha, definitivamente, não acontecera entre eles.
Vênus sacudiu a cabeça. Tais pensamentos eram um desperdício de tempo, afinal, ela era o Amor. Poderia comandar tal faísca sempre que desejasse.
Então por que não arrumava um pouco de diversão e entretenimento para o vistoso Hermes? Seria uma boa diversão para Vulcano, também, que era sério demais e, muitas vezes, não fazia nada a não ser trabalhar, trabalhar, trabalhar...
Vênus se aproximou do deus moreno a fim de espiar um pouco sobre seu ombro largo, onde as chamas amarelas e laranjas do pilar de fogo sagrado giravam em resposta à magia que invocava... fosse ela qual fosse. Dentro das chamas, vislumbrou algo que se parecia com o céu noturno, repleto de constelações brilhantes, o que era estranho, mas não muito interessante.
Ela nunca tinha entendido o que havia de tão fascinante naquela coluna de fogo. Talvez porque Vulcano nunca houvesse compartilhado detalhes sobre sua magia com ela.
Vênus mordeu o lábio. Ela nunca pensara naquilo antes.
Deu de ombros. Que diferença faria?
– Vulcano? – chamou, às suas costas.
Ele olhou por cima do ombro e deu-lhe um sorriso distraído.
– Descansou?
– Na verdade, querido, estou muito entediada hoje. – Vênus caminhou, langorosa, para o banco de pedra ao pé do pilar de fogo e se reclinou com graça. – Que tal você e eu inventarmos alguma coisa interessante entre Hermes e, vamos dizer... – Ela hesitou, pensativa. – Entre Hermes e Éolo?
Com a atenção ainda voltada para as chamas que revolviam, Vulcano respondeu em um tom não muito preocupado:
– Éolo? Mas o deus dos Ventos não prefere jovens ninfas do sexo feminino a outros imortais?
Vênus fez um gesto de desprezo.
– Isso é apenas um detalhe. Eu escolho a magia, você decide qual chama vai lançar e...
– Perdoe-me, Vênus, mas estou no meio de uma... – o deus hesitou, escolhendo as palavras com cuidado – ... pesquisa muito importante. – Olhou para ela, porém apenas o suficiente para lhe dar um breve sorriso. – Talvez em outro momento.
Vênus o fulminou com o olhar, embora Vulcano nem sequer notasse sua irritação.
Pelo tridente em forma de falo de Netuno, Vulcano era insuportável! Ele nunca fora selvagem, apaixonado e divertido como Apolo ou seu irmão gêmeo, Artemis... O que, na verdade, fora parte da razão pela qual se casara com ele. Para estar a salvo da paixão. Então por que de repente achava aquele arranjo (assim como o próprio deus) tão aborrecido?
– Está bem. Não quero interromper a sua preciosa... – ela agitou os dedos benfeitos na direção da coluna em chamas – ... “pesquisa ignescente”. Como de costume, está terrivelmente maçante. Quem sabe outra hora? – entoou, no mesmo tom sarcástico que ele usara. Em seguida, levantou-se e, mal lançando um olhar na direção de Vulcano, desapareceu em uma nuvem de poeira brilhante, da cor da ambrosia.
Pelas barbas de Zeus!, pensou Vulcano, feliz, quando Vênus finalmente foi embora. Não que ele não gostasse da deusa. Na verdade, ela era sua amiga por séculos. O
problema era que, nos últimos tempos, a amizade entre eles começara a azedar.
Suspirou e esfregou a testa. Não era culpa de Vênus. Ultimamente, tudo andava dando errado. Sua maior insatisfação era com sua própria vida.
E ela estava certa. Ele andava mesmo muito aborrecido.
Quando perdera a paixão pela vida? Pela aventura? Pelo amor?
A última pergunta flutuou por sua cabeça, surpreendendo-o.
Amor?
Vulcano bufou. Até onde sabia, ele se casara com a personificação do Amor. Nem por isso houvera algo além de respeito e amizade entre Vênus e ele. É claro que ela
havia tido inúmeros flertes, porém isso nunca o incomodara. Eles tinham um acordo, não um casamento.
Não, não era seu relacionamento com Vênus o que o incomodava. Era a sua vida em geral.
Seu olhar se voltou para as visões de constelações que evocara dentro do pilar de fogo. Pareciam tão pacíficas, tão majestosas... tão livres!
Uma onda de frustração se abateu sobre o deus do Fogo. Se ao menos pudesse escapar para os céus e deixar o tédio de sua vida para trás...
E por que não poderia? Ele era um atleta olímpico. Um deus poderoso. Nada lhe era impossível.
Mas, obviamente, não poderia deixar seu reino abandonado.
Vulcano esfregou o rosto e começou a andar de um lado para o outro em frente ao pilar em chamas. Quem poderia governar o lugar se ele o abandonasse para sempre?
Nenhum dos outros deuses se daria ao trabalho de assumir seu posto, que era mesmo muito baixo para eles... Ele não vivia cercado de paisagens encantadoras, ninfas
brincalhonas, muito menos do resplendor da decadência. Apenas controlava os fogos da Terra e do Olimpo. Era um trabalho importante, mas, com certeza, não tão chamativo
como, digamos, puxar o Sol pelo firmamento ou levar a primavera à Terra.
Vulcano suspirou. Andar de um lado para o outro não estava fazendo nada para aliviar sua frustração. Iria caminhar. Isso o ajudaria a clarear as ideias.
Enquanto subia os degraus de pedra que levavam à superfície, tentou se concentrar nos pontos positivos: ele era um deus, e, embora fosse necessário um milagre para
que pudesse se retirar para os Céus, os olímpicos eram conhecidos por sua capacidade de operar milagres.
O deus do Fogo atravessou devagar o Salão Nobre do palácio de Zeus e Hera. Podia se movimentar mais depressa, pois sua claudicação não limitava sua velocidade, apenas
sua graça. Por eras ele aprendera a ser lento e constante, de modo a se poupar dos olhares desdenhosos e insultos murmurados. Como ele odiava os imortais e sua busca
incessante pela perfeição! Eram tão superficiais e egoístas! A maioria não tinha noção do que eram dor, sacrifício e solidão.
Vulcano praguejou baixinho. Devia ter ido para a Terra antiga e caminhado por uma floresta deserta a fim de pensar. O que o fizera vir ao templo de seus pais? Fora
muito estúpido de sua parte. A perfeição que o cercava só fazia destacar seus defeitos.
– Vulcano? Eu o invoquei várias vezes, mas não me ouviu... Sente-se bem, meu filho?
Vulcano parou e se virou para Hera, que corria atrás dele. Instantaneamente, relaxou a expressão e sorriu para a mãe.
– Sim. Eu estava apenas perdido em pensamentos. Perdoe-me se fui rude. – Beijou-lhe a face delicada.
– Você nunca seria rude, meu querido. – Olhos atentos o estudaram. – Parece triste. Tem certeza de que está tudo bem?
– Mãe, por favor, não se preocupe comigo. – Vulcano se obrigou a dar outro sorriso.
Hera respirou fundo.
– Sabe que eu me preocupo.
– Sem necessidade. Agora tenho que voltar para o meu reino. Foi bom vê-la, mamãe. – Ele tornou a beijá-la na face e, antes que aqueles olhos enxergassem sua alma,
afastou-se, apressado. A última coisa de que precisava era que a mãe ou, que os deuses o livrassem, o pai bisbilhotassem sua vida muito de perto. Seguia seu próprio
caminho, escolhia seu próprio destino, e definitivamente não desejava a interferência do rei e da rainha dos deuses.
Se Vulcano tivesse hesitado e olhado para Hera por cima do ombro, teria ficado surpreso ao vê-la circulando os dedos no ar e fazendo-os cintilar. E, se tivesse sido
ouvido com atenção, poderia tê-la ouvido sussurrar:
– Receba, ó meu filho, uma dose única de amor maternal, para ajudá-lo em tudo o que estiver tornando pesado o seu coração...
Vulcano não se virou, no entanto, e não escutou o murmúrio da mãe. Tampouco notou o fio quase invisível de poder que o seguiu. Apenas continuou pelo palácio com
a firme intenção de sair antes que deparasse com algum outro olímpico. Ainda se movia devagar, porém não com dificuldade ou vergonha. Na verdade, deslocava-se em
silêncio, e com uma força inerente a seu ritmo.
Tinha acabado de chegar à saída do salão de baile quando ouviu uma risada tão solta, alegre e musical que não teve dúvida de a quem pertencia.
Não... Não queria encará-la outra vez naquele dia!
Parou e deslizou para as sombras, escondendo-se conforme Vênus se aproximava. Ela continuava rindo enquanto conversava, animada, com a deusa da Primavera. Obviamente,
deixar o reino dele havia curado de pronto seu tédio.
– Está certa, Perséfone, eu admito. Depois de um vislumbre daquelas botas divinas, estou disposta a reconhecer que fui muito dura ao julgar seu pequeno reino – concedeu
Vênus, rindo.
– Quantas vezes tenho que lhe explicar? Tulsa, em Oklahoma, não é um reino, e muito menos é meu! – O riso de Perséfone soou leve, despreocupado e belo a seu modo,
embora não tão sedutor quanto o da deusa do Amor. – Pense em Tulsa como uma cidade antiga, assim como Pompeia e Mediolano... Ou Milão, como é chamada hoje em dia.
A única diferença é que os sistemas de esgoto em Tulsa são melhores. – A deusa fez uma pausa e franziu a testa. – Não posso dizer que o tráfego tenha melhorado,
contudo.
– Está me dizendo que passa seis meses do ano em uma cidade com banheiros em mármore fabulosos como os de Pompeia? – Vênus indagou, ansiosa.
– Não. Sinto muito, mas Tulsa não tem casas de banho como as de Pompeia.
– Mas tem aquele vinho tinto delicioso de Mediolano...? – A deusa do Amor gemeu de prazer ao se lembrar. – O vinho tinto daquela região da Itália é um pecado!
– Ah, não. Tulsa não é uma região vinícola, embora eles importem vinhos de todo o mundo. – Perséfone mordeu o lábio enquanto parava para pensar por um momento. –
Na verdade eu acabei me apaixonando por uma bebida chamada coquetel de Martini, que é feita lá mesmo na cidade.
– Isso soa vagamente interessante. Mas não o suficiente para explicar essa sua obsessão pelo lugar.
– Não estou obcecada!
– É claro que está! – afirmou Vênus. – Você passa seis meses por ano em Tulsa. Nem é primavera ou verão lá, agora, e acabou de voltar de outra visita... Não pode
enganar o Amor, Perséfone. Reconheço uma obsessão quando deparo com uma.
Vulcano imaginou que a deusa da Primavera fosse ficar irritada com as palavras de Vênus, por isso ficou surpreso ao ouvi-la responder com uma gostosa risada.
– Talvez eu esteja, mesmo, obcecada. E por que não? Adoro Tulsa. Há algo muito especial em caminhar pelas ruas de uma cidade moderna onde ninguém sabe que sou imortal,
o que é maravilhosamente libertador. Pense bem, Vênus... Lá ninguém a critica pelo que você fez ou deixou de fazer durante séculos. Ninguém sabe quem são seus pais.
Ninguém se encolhe, com medo, se fica irritada... E o melhor de tudo: ninguém a adora por ser uma deusa. Se for adorada – ela sorriu, sedutora –, é porque é uma
mulher desejável, inteligente e fascinante. Consegue imaginar como isso é bom? – Perséfone não deu chance para a deusa responder, no entanto. – E os homens! Os homens
modernos são diferentes dos antigos mortais. Não são alienados.
Vênus enrugou a testa, confusa.
– Quero dizer, eles não são arcaicos, bárbaros ou tolos. Bem, ao menos a maioria deles... – A deusa da Primavera riu. – Os homens modernos não têm preconceitos como
os antigos, pois consideram as mulheres como suas iguais, e que é muito, muito sexy.
Das sombras, Vulcano viu o belo rosto de Vênus suavizar com a compreensão. No mesmo instante, sentiu algo com as palavras de Perséfone que nem sequer reconheceu
no início, pois lhe era estranho demais: uma súbita e doce esperança.
– Eu não seria reconhecida como o Amor? – Vênus indagou, no mesmo momento em que Vulcano se deu conta de que também ele não seria reconhecido – ou julgado, ou evitado
– como o deus do Fogo.
Perséfone sorriu, maliciosa.
– Lá você pode praticar à vontade suas habilidades de sedução, sem ninguém saber que é a encarnação do amor. – A deusa suspirou, romântica. – Intrigante, não é?
– De fato.
Sim, Vulcano concordou em silêncio. Não ser reconhecido soava mesmo intrigante.
– Sem contar as excelentes opções de compras – Perséfone acrescentou, apontando as botas de caubói pretas, de couro de jacaré.
– Perséfone, minha amiga, não quer me mostrar um pouco desse seu divertido reino?
– Seria um prazer!
As duas deusas, de braços dados e rindo, saíram em direção ao templo da mãe de Perséfone, onde Vulcano sabia que Deméter mantinha aberto um portal para a moderna
cidade de Tulsa.
– Maravilha – murmurou para si mesmo. Deixando o templo dos pais, correu para a escada que o faria regressar às entranhas do monte Olimpo e a seu próprio reino de fogo.
No momento em que chegou ao Salão Nobre, sua mente se encontrava tão agitada como as abelhas marrons da Grécia. Os homens modernos não tinham preconceitos como os
antigos... E nem sequer reconheciam a divina Vênus como a encarnação física do amor! Assim, não era impossível que um homem moderno do fascinante reino de Tulsa
se interessasse por assumir seu lugar como imortal. Muito menos se o próprio Amor inadvertidamente se envolvesse no assunto...
Sentindo uma onda de determinação, Vulcano caminhou até o centro do reino, livrando-se da túnica enquanto isso, de modo que, no momento em que encarou o pilar de
fogo que aquecia o mundo, seu corpo musculoso e nu já brilhava com suor.
Ergueu as mãos, as palmas abertas. Em reconhecimento à presença do deus do Fogo, as chamas alaranjadas ondularam e estalaram. Vulcano fechou os olhos e se concentrou.
Então deu início ao encantamento.
Arde, fogo, e queima, vivo e forte
Segue pelo caminho de Deméter, através do portal
Como a paixão faz de Vênus o amor ficar perto
E busca, testa, procura, encontra um mortal...
O fogo dançou em torno das palmas de Vulcano tal como uma criança irrequieta, espelhando a excitação incomum que, de repente, ardia em seu âmago. E tão concentrado
estava o deus do Fogo em seu feitiço que não percebeu o fio da magia de Hera serpenteando em torno de seu corpo, juntando-se ao pilar, fazendo-o reluzir com mais
força e ganhar volume com a magia da rainha do Olimpo.
Vulcano bateu palmas e completou o encantamento:
Com o poder inquebrantável da fé de um deus do Olimpo
Busca um mortal que me conceda alívio!
O pilar ardente explodiu com um estrondo que teria ensurdecido qualquer pessoa normal. Incólume, o deus do Fogo viu quando uma chama dourada, invisível para todos,
exceto para ele, se formou dentro da coluna e depois pairou, livre, no ar à sua frente.
– Vai! Obedece ao meu comando! – ordenou o deus.
Rápida como um dos infames raios de seu pai, ela correu do coração do monte Olimpo.
Vulcano conhecia seu caminho. A chama seguiria Vênus por toda a trilha através do portal de Deméter e para o reino de Tulsa. Lá iria procurar por algo que ele nunca
poderia encontrar no mundo antigo: um homem moderno, um mortal que poderia tomar seu lugar como deus do Fogo.
Vulcano sorriu, satisfeito, e esperou.
Hera sentiu o empuxo de seu poder sendo utilizado e lançou um olhar sub-reptício na direção de Zeus. Ele estava ocupado com Deméter. Os dois discutiam, bem-humorados,
sobre a qualidade da safra de ambrosia.
– Querido, preciso verificar alguns detalhes de última hora para o banquete desta noite. Pode me dar licença?
Zeus concordou com um gesto de cabeça e acenou, distraído, em sua direção. Deméter percebeu sua expressão, e Hera piscou para ela, discreta. A deusa da Colheita
aquiesceu disfarçadamente, e lançou-se à discussão a respeito da ambrosia com nova disposição.
Hera se apressou a deixar o Salão Nobre, certa de que Zeus se manteria ocupado ao menos por alguns momentos. Entrou em um vão escuro do palácio e fechou os olhos,
concentrando-se no poder que tinha dado ao filho.
Lá estava! Sob as pálpebras fechadas, podia avistar a linha invisível do fogo que Vulcano havia lançado. Viu quando esta serpenteou pelo Olimpo em direção ao templo
de Deméter e depois desapareceu no portal que levava à moderna cidade de Tulsa. Surpresa, Hera se concentrou mais, e sua consciência se expandiu, engatando-se na
chama por meio de seus poderes de rainha do Olimpo.
Por intermédio dessa centelha de conexão, Hera assistiu a Vênus e Perséfone entrarem no mundo moderno, e pôde sentir o peso da magia de Vulcano conforme ela seguia
a deusa do Amor.
Por que Vulcano seguia Vênus e Perséfone? Teria se cansado daquela farsa que era seu casamento?
Hera sorriu. Tomara que sim. Seu filho merecia mais do que a prisão de uma união como aquela.
Com a determinação de uma mãe, estendeu a mão para o fio de fogo que carregava o dom de seu poder e falou a ele:
Faz a minha vontade divina, ouve o meu comando
De meu filho desejo preencher o coração vazio
Sozinho por muito tempo foi o deus do Fogo
Então busca o que, entre os deuses, não pode ser achado
Aquela que o complete em qualquer ensejo
E com seu amor lhe desperte o desejo...
Hera ergueu as mãos, e uma nova onda de magia contendo suas palavras voou, invisível, através do Olimpo, juntando-se à linha de fogo de Vulcano e aumentando sua força incandescente.
Ela sorriu, satisfeita, e refez os passos de volta para a sala do trono.

 

 

 


 

 

 


Capítulo 1
Pea sentiu uma onda de alívio, que foi rapidamente seguida por constrangimento quando escutou a sirene se aproximando.
Droga, droga, droga! Que maneira de começar a manhã de sábado...
– Eles estão quase aqui, Chloe! – gritou para cima da árvore.
O ganido que soou do meio dos galhos desnudos pelo inverno fez seu coração apertar, porém Pea balançou a cabeça com firmeza para a cadela, recusando-se a ceder à
sua manipulação.
– OK, escute!... Quantas vezes tenho que lhe dizer? Você... não... é... um... gato!
Um nariz preto apareceu em um galho alto da árvore. Por trás deste, Pea pôde ver o brilho de um par de olhos inteligentes fixos nela.
– Hrumph! – Chloe soltou o rosnado estranho e profundo de quando estava muito estressada.
– Que seja, criatura! Pode até amar gatos, mas não pode ser um!
Indignada, a cadela havia acabado de grunhir para ela de novo quando o ruído de um motor silenciou no meio-fio. Pea suspirou e lançou a Chloe mais um olhar de comando.
Em seguida, começou a andar em direção aos homens que saíam do tradicional caminhão de bombeiros vermelho-vivo.
No mesmo instante, a cadela deu início a uma série de latidos e ganidos.
Esquecendo-se de qualquer constrangimento ou técnicas de adestramento, Pea apressou-se de volta para a árvore.
– Chloezinha!... Está tudo bem, querida. Eu estou aqui!
– Traga a escada, Steve! – Uma voz masculina chamou atrás dela. – É esta a árvore.
– Depressa! – Pea gritou, sem tirar os olhos da cadelinha assustada. – Ela está apavorada e, se cair, vai se quebrar inteira!
– Senhorita, gatos raramente se machucam quando pulam de árvores. Quando se diz que eles têm sete vidas, não é de todo brincadeira – afirmou a voz profunda.
Chloe ganiu outra vez.
– Ei, mas isso não é um gato!...
Pea virou-se para o bombeiro com uma carranca, levando as mãos à cintura e deixando a preocupação que sentia por Chloe se transformar em irritação.
– Eu disse ao atendente que era uma cadela e... – Parou. Um só olhar para o homem fez sua raiva se esvair e seus lábios se entreabrir.
Pea sentiu o rosto se aquecer como se ao calor de uma chama. Maldição!... Era ele! Griffin DeAngelo. O homem mais lindo que já tinha visto na vida ou na TV. Era
também o cara por quem ela havia passado o ano anterior inteirinho apaixonada, desde o dia em que caminhara com Chloe até a casa dele (que era em sua mesma rua)
e o vira cuidando do jardim. Sem camisa.
E ali estava ele. Em pé, bem na frente do seu jardim, como se saído de um de seus muitos sonhos.
Por sorte ele pareceu não notar sua camiseta e as calças de moletom largas; tampouco sua súbita incapacidade de falar. Olhava para cima, mirando Chloe com um sorriso
divertido nos deliciosos lábios.
– Como diabos ele foi parar lá em cima?
– Não é ele, é ela... E Chloe simplesmente subiu – Pea explicou com um suspiro.
– Ah, perdão pelo palavreado, senhorita. Eu me esqueci de que estava aí. Sou Griffin DeAngelo, capitão da estação de Midtown. – Ele tocou o capacete em um gesto
arcaico e adorável, como um cavalheiro cumprimentando uma dama.
– Eu sei.
– Sabe? – Griffin levantou uma sobrancelha, enfatizando a questão.
– Sim, você mora lá embaixo. – Pea apontou para a casa no quarteirão seguinte, tal qual um cão de caça. – Lembra-se? Nós nos encontramos na última festa de Quatro
de Julho da rua, depois na do cachorro- -quente, no verão, e de novo na reunião dos vizinhos para enfeitar o bairro para o Natal – ela tagarelou feito uma matraca.
Ele enrugou a testa, confuso.
– Sinto muito, senhorita, não me recordo.
Claro que não. Ninguém se lembrava de conhecê-la.
– Não há problema, eu... – Pea parou de falar. Os olhos de Griffin eram tão grandes e azuis, e os cílios escuros tão longos, que ela se esqueceu até do próprio nome.
– Senhorita?
– Dorreth Chamberlain – falou de uma vez, estendendo a mão como uma idiota. – E a cadela presa na árvore é Chloe.
Ele pegou sua mão delicadamente, como se temendo que ela fosse explodir com seu toque.
E como não temeria? Ela acabara de contar que eles haviam se encontrado três vezes, nenhuma de que ele se lembrasse, e continuava de pé, fitando-o de boca aberta
como uma criança de jardim da infância em uma fábrica de chicletes.
Deus, e o cabelo dela?!
Pea se obrigou a não soltar um gemido e ajeitou os fios desgrenhados que prendera com um de seus elásticos favoritos.
– Olhem só para isso... É um cachorro! – exclamou um jovem bombeiro que se juntara a eles, junto com outros dois homens carregando uma escada de extensão.
– Como diabos ele foi parar lá em cima? – indagou o outro, rindo.
Griffin limpou a garganta e gesticulou na direção de Pea.
– Perdão outra vez, senhorita – resmungou.
Pea riu, alegre, apontando para a árvore e se esforçando para soar bem-humorada e interessante.
– Ela subiu!
Como de costume, nenhum dos homens olhou para ela.
– Subiu? Mas deve estar a uns seis metros de altura nesse carvalho velho – um dos rapazes comentou.
– Chloe é uma boa escaladora... Só não é boa descedora – comentou Pea, e então quis afundar no chão de tanta vergonha. “Descedora”? Deus, ela era realmente uma imbecil.
– Bem, vamos trazê-la para baixo – decidiu Griffin.
Os homens se puseram a estender a escada, e Chloe começou a rosnar.
– De que raça ela é, senhorita? – Griffin quis saber.
– Ela é uma Scottish Terrier, mas pensa que é um gato. Eu tenho um gato chamado Max, e Chloe é apaixonada por ele... Por isso não faz ideia de que é uma cadela.
Acho que está atravessando uma fase de negação. Não sei se compro outro cachorro, arrumo uns comprimidos de Prozac para ela ou a levo a um psiquiatra de animais.
Griffin riu, um som profundo e contagiante que fez a pele de Pea formigar de prazer.
– Talvez deva apenas investir em uma rede de segurança.
Pea riu também e tentou ter um daqueles momentos mágicos com aquele deus em forma de bombeiro, em que um homem e uma mulher compartilham um olhar longo, sexy, persistente
e cheio de promessas.
Naturalmente, o momento não aconteceu.
Para começar, sua risada se transformou, horror dos horrores!, numa espécie de bufo. Em seguida, uma loira bonita e gostosa entrou em cena.
– Pea! Não me diga que Chloe ficou presa na árvore de novo!
No mesmo momento, Griffin voltou a atenção para sua vizinha, que corria até eles com a filha de seis anos logo atrás.
– Olá, Griffin – saudou Stacy.
– Que bom vê-la de novo – ele respondeu ao cumprimento, inclinando o chapéu da mesma forma que para ela.
Pea suspirou. Era claro que Griffin se lembrava da linda, alta e sempre elegante Stacy, embora, com toda certeza, ela só houvesse participado de uma das reuniões
do bairro no ano anterior. Com Stacy por perto, não havia a menor chance de ele lhe dar mais atenção.
Se era que isso já tinha acontecido... Mesmo com uma criança nos calcanhares, Stacy era muito atraente.
Para sua surpresa, contudo, os olhos do bombeiro deslizaram de volta para ela.
– Pea? – Griffin repetiu, com uma sobrancelha levantada.
– Sim – ela aquiesceu, dando de ombros antes de soltar a versão mais curta de sua velha explicação para a alcunha que lhe haviam dado1..
– Pea é um apelido de infância infeliz que pegou... infelizmente.
– Ora, por quê? Não há nada de errado com o seu apelido.
– Pea é uma gracinha – concordou Stacy, sorrindo para ela.
– Também acho! – A filha de Stacy, Emili, interveio. – Eu gosto do seu nome. É bonito. Mas não tão bonito quanto ele... – completou, apontando para Griffin. – Você
é casado? Pea não é casada. Você poderia se casar com Pea! Ela nem tem namorado, e minha mãe diz que isso é uma pena porque ela é mais bonita do que as pessoas pensam
que ela é.
Pea prendeu o ar nos pulmões e sentiu o rosto arder quando Stacy pôs a mão sobre a boca da filha e tentou, sem sucesso, não rir.
Graças aos céus, Chloe escolheu esse exato momento para rosnar um aviso para o jovem bombeiro que posicionava a escada contra a árvore.
– Chloe! Está tudo bem! – Pea correu para o tronco, procurando o focinho preto e os olhos brilhantes.
A cadela tornou a ganir.
– Desculpe, ela não gosta de estranhos – Pea explicou ao rapaz. – Não acho que ela vá mordê-lo, mas vai avançar, sem dúvida.
– Deixem comigo – ofereceu-se Griffin.
– Ela é toda sua, capitão...
Griffin começou a subir a escada, e o rosnado baixo de Chloe se intensificou.
– Chloe! Olhe os modos! – Pea ralhou com a nervosa terrier.
Por favor, meu Deus, faça com que ela não avance nele!, rezou em silêncio.
Isso até Griffin fazer algo que fez os pensamentos de Pea, assim como o rosnado de Chloe, pararem. Ele chamou a cadela, claro, mas não como chamaria um cachorro,
e sim um gato.
– Pssss-pssss... Venha, Chloe. Venha, menina, está tudo bem... Pssss-pssss.
Estupefata, Pea viu sua cadela levantar as orelhas e inclinar a cabeça para o homem que se aproximava.
– Pssss-pssss... Boa menina – murmurou Griffin, estendendo a mão devagar e deixando Chloe cheirá-la. – Veja, está sentindo o cheiro dela, não é? Isso mesmo. Pssss-pssss...
Venha aqui. Isso...
Pea só pôde ficar parada, olhando enquanto Griffin chegava até a fenda na árvore e puxava Chloe, que continuou a cheirá-lo, curiosa. Uma vez com a cadela no braço,
ele começou a descer a escada.
– Inacreditável! – exclamou Stacy com um suspiro. – Como ele fez isso? Chloe odeia estranhos!
– Ele é bonito demais para se odiar, mamãe – comentou Emili.
– Querida, vamos fazer disso um segredo nosso, está bem? – cochichou a moça. Em seguida, olhou para Pea e sussurrou: – Mesmo que seja a pura verdade!
Pea fingiu não ouvir nenhuma delas, o que foi fácil, pois tinha toda a concentração voltada para o homem de seus sonhos, que caminhava agora em sua direção com Chloe
abanando o rabo.
– Aqui está sua cadelinha, senhorita. – Griffin a entregou.
– O-Obrigada – gaguejou, Pea. – Como sabia?
– O quê?
– Aquele modo de chamá-la... Como adivinhou?
– Fazia sentido. Você disse que tem um gato, e que ela pensa que é um gato, certo?
Pea aquiesceu.
– Não é assim que chama seu gato?
Ela assentiu com um gesto de cabeça.
– Pois então. Imaginei que ela fosse reconhecer esse método.
Griffin afagou Chloe no topo da cabeça, e Pea assistiu, abismada, quando sua cadelinha que detestava estranhos fechou os olhos e suspirou, feliz.
– Mas isso foi apenas parte da minha estratégia – confessou Griffin. – Eu estava contando que Chloe sentisse o cheiro de Cali.
– Seu gato? – Pea compreendeu, de repente.
– Exatamente. – Griffin fez um último carinho em Chloe, depois se virou para os outros homens. – Muito bem, rapazes, vamos pôr a escada no lugar. Tenham um bom dia,
senhoras... – Ele a cumprimentou, educado, depois Stacy. Piscou para Emili e, em seguida, se foi.
– Emili, querida, vá para dentro e espere pela mamãe. Eu estarei lá em um minuto – Stacy prometeu à filha.
– Você e Pea vão falar como o bombeiro é bonito?
– Claro que não, Emili! Agora vá.
– Tá bem! Tchau, Pea! – Emili saiu pulando para casa enquanto cantava uma canção sobre gotas de limão e unicórnios.
– Pea, eu tinha me esquecido de como esse bombeiro é maravilhoso! – exclamou Stacy. – Não é à toa que sempre teve uma queda por ele.
Pea pôs Chloe no chão, e esta trotou até a árvore, pondo-se a farejar ao redor do tronco.
– Nem pense em subir aí de novo, hein!? – Pea ralhou, severa.
Chloe olhou para ela e bufou.
– Eu poderia jurar que essa cadela entende cada palavra que digo – ela murmurou, inconformada.
– Hellooo! Estamos falando daquele homem divino e sexy, não da sua cadela maluquinha.
– Ela não é maluquinha – protestou Pea. – Mas tem razão, ele é divino. Talvez eu tenha mesmo uma queda por Griffin.
Stacy revirou os olhos, o que Pea optou por ignorar.
– De qualquer modo, ele se foi. Não há por que ficarmos falando sobre esse assunto.
– Como se não tivesse falado sobre esse “assunto” antes...
Pea se condenou em silêncio pelas poucas vezes – ou melhor, pelas dez ou doze vezes – em que comentara com Stacy como achava seu vizinho interessante.
– Que seja – replicou, tentando parecer indiferente. – Griffin foi embora, e não há sentido em continuarmos falando sobre como ele é lindo.
– A questão é, senhorita descompromissada, que ele me pareceu bastante interessado em você.
– Sem essa, Stacy! Griffin não estava interessado coisa nenhuma, ele só foi educado. É muito diferente.
– Sei.
– Stacy, ele nem sequer se lembra de mim, e esta foi a quarta vez que nos encontramos! Homens como Griffin não se interessam por mulheres como eu.
– Então ele tem uma memória de merda, pois muitos caras se interessam por você. E, o que quer dizer com “mulheres como eu”?
Pea suspirou. Não queria contar que a memória de Griffin não havia falhado quando ela se aproximara.
– Mulheres como eu: baixinhas, simples, sem graça... Griffin poderia se interessar por uma modelo ou deusa, não por mim.
– Quer saber? É esse o seu problema! Age como uma derrotada antes mesmo de tentar. Eu já lhe disse antes que tudo o que precisa é de um pouco de autoestima. Você
tem uma aparência ótima, Pea!
Uma aparência ótima. Aquilo não resumia tudo? Ali estava a linda Stacy, dando-lhe o que ela imaginava ser uma boa dose de encorajamento, e o melhor que pudera articular
tinha sido “uma aparência ótima”.
Pea estudou a loira alta e cheia de curvas, com seios fartos e um rosto tão perfeito que parecia esculpido em mármore. Como ela poderia compreender o que era ser
comum, sendo que passara a vida sendo quase invisível? Stacy nunca entraria em algum lugar sem que várias cabeças se voltassem para ela.
Suspirou. Poderia apostar que o lindo Griffin já se esquecera dela. Os homens sempre se esqueciam. E também poderia apostar que os bombeiros iriam comentar sobre
sua vizinha loira e gostosa por todo o caminho de volta para a estação. Alguém até poderia dizer algo como: “Ah, sim, aquela outra moça também estava lá...”.
Ela sempre fora “a outra moça”. Da qual era mais fácil esquecer.
– Vai fazer o que eu disse?
– Ahn? – Pea piscou, só então se dando conta de que Stacy continuara falando, e que ela não tinha ouvido uma só palavra.
Stacy suspirou, exasperada.
– Eu disse que não é nem meio-dia ainda, ou seja, tem tempo de sobra para ir para aquela sua cozinha fabulosa assar uma assadeira inteira daqueles seus brownies
divinos e entregá-los para Griffin na estação como agradecimento!
– Deixe-me pensar... – Pea fingiu parar por um instante. – Não.
– E por que não? – Stacy não lhe deu tempo para continuar. – Porque vai estar cheio de homens batendo à sua porta para sair com você esta noite? Porque está em um
relacionamento incrível com o homem dos seus sonhos? Hein?... Quem é ele?
– Sabe que não estou namorando ninguém, e obrigada por me lembrar disso – Pea replicou por entre os dentes. Depois parou para pensar pela enésima vez.
– É porque não acha Griffin atraente?
– Sabe muito bem que não é esse o caso.
– Então é porque você é detestável, rude, e não se importa em agradecer ao homem que acabou de salvar a vida de gato da sua cadelinha esquisita?
– Chloe não é esquisita e não estava prestes a morrer – protestou Pea.
– Mas podia ter se quebrado se houvesse caído dessa árvore.
– Stacy, é uma idiotice assar brownies como desculpa para ver um homem que não tem o menor interesse em mim!
– Griffin sorriu para você e perguntou sobre o seu apelido – lembrou a loira.
– Ele estava sendo educado.
– Talvez sim, talvez não... Se não assar os brownies, nunca vai saber.
Pea abriu a boca para dizer “não” outra vez, porém Stacy tornou a interrompê-la.
– Dê-lhe uma chance, Pea! Apenas uma! O pior que pode acontecer é um grupo de bombeiros com excesso de trabalho se deliciar com os seus dotes culinários. Por outro
lado, talvez os seus brownies operem alguma magia e você possa viver um daqueles momentos que a gente só tem em sonho... – Stacy balançou as sobrancelhas significativamente.
– Está bem! – Pea surpreendeu a si mesma dizendo. – A minha aula de dança é à tarde. Posso assar os benditos brownies e deixá-los na estação no caminho para a academia.
– Até que enfim marquei um ponto no jogo “Pea contra os homens”! Escute, não se esqueça de escrever um bilhetinho de agradecimento. De preferência naquele seu papel
de carta novo, timbrado com o nome da empresa.
– Ahn?...
Stacy revirou os olhos mais uma vez.
– Isso vai servir a dois propósitos: em primeiro lugar, Griffin vai saber como é bem-sucedida e, em segundo, também vai saber como entrar em contato!
– Ah, claro... Está bem. Que seja. – Pea chamou Chloe, pensativa, e começou a recuar para sua aconchegante varanda.
– Vai escrever o bilhete ou não? – cobrou Stacy.
– Eu vou escrever o bilhete!
Capítulo 2
Ela nunca sabia o que vestir. Como a maioria das mulheres fazia aquilo? Como colocavam a roupa certa com o cabelo certo e sapatos combinando?
Sapatos! Esse assunto, então, era um verdadeiro pesadelo! Não conseguia escolher modelos que não fossem um misto do que uma avó usava com os calçados de uma menininha
de dois anos...
Pea puxou o suéter (por que este parecia tão estranho? Seus seios eram bonitos. Bonitos mesmo!) e se olhou no retrovisor de seu lindo carro novo.
Gemeu. A maquiagem também parecia estranha. Não sabia o que havia de errado nela, mas estava simplesmente... não era nada! Nem um pouco bonita, sofisticada ou sexy.
E por que a sombra que ela se convencera a comprar no dia anterior de repente parecia alaranjada em vez da linda cor de pêssego da loja? Claro que agora não combinava
nada com o batom violeta que, para piorar as coisas, se espalhara por seus dentes.
Pea os esfregou com força, depois examinou o cabelo. O céu podia estar claro e haver zero umidade em Oklahoma, mas seus fios continuavam arrepiados como os de um
dente-de-leão. O que tinha na cabeça quando o deixara solto?
Com um suspiro de resignação, tirou um elástico da bolsa e o prendeu. Então pegou o prato de brownies e atravessou o estacionamento em direção à porta de entrada
do corpo de bombeiros.
Ela não se abriu. Não estavam trabalhando? Era sábado, mas, mesmo assim, bombeiros viviam à disposição. Ou não? Eles haviam estado em sua casa pouco antes, e os
incêndios aconteciam 24 horas por dia. Era impossível que o prédio estivesse fechado!
Mas e se ela estivesse na entrada errada?
Pea continuou parada no lugar, mordendo o lábio e analisando o que imaginava ser a porta da frente do antigo prédio de tijolos. Talvez devesse apenas deixar o prato
com os brownies em algum lugar, afinal, estes se encontravam embrulhados em papel alumínio e nada iria acontecer. Ela escrevera um pequeno bilhete de agradecimento,
“assinado” também por Chloe, portanto os homens iriam saber quem os tinha trazido e, provavelmente, não ficariam preocupados em morrer envenenados.
Mas bombeiros se preocupavam em morrer envenenados?
Talvez aquilo não tivesse sido uma boa ideia.
Pea mordeu o lábio com mais força.
Era sobre aquele tipo de coisa que Stacy havia lhe falado mais de uma vez. Sua vizinha não iria ficar ali, como uma idiota, com zilhões de perguntas pipocando na
cabeça. Stacy teria ido para a porta da direita ou qualquer outra.
Mas quem ela estava tentando enganar? Um só vislumbre da linda loira através do vidro escuro da porta (Deus, os bombeiros estariam ali dentro, observando-a? ) e
teria havido uma corrida em massa para abrir a porta antes de...
– Senhorita? – A porta se abriu, e um homem que ela reconheceu como um dos que tinham levado a escada para a árvore a fitou.
– Oh, olá... A porta estava trancada.
– Sim, senhorita, fica sempre assim. Basta tocar o sino aí do lado.
– Ah – Pea murmurou, sentindo o rosto arder ao ver a placa pouco abaixo: POR FAVOR, TOQUE A SINETA. – Eu trouxe isto para Griffin... Para agradecer por ele ter tirado
a minha cadelinha da árvore – falou de uma vez e ergueu o prato.
– Ei, você é a dona da terrier que pratica arvorismo! – Ele a reconheceu, rindo.
– A própria.
– Vamos lá para dentro. Vou chamar o capitão.
O rapaz segurou a porta para ela e, em seguida, fez sinal para que se sentasse em um banco junto à parede do pequeno saguão.
Pea se acomodou e tentou não parecer muito surpresa com a sede do corpo de bombeiros. Mais ou menos a três metros, à sua frente, viu uma porta em arco que levava
à área da garagem onde ficavam os caminhões. Podia ver o piso de cimento liso e o para-choque dianteiro do veículo mais próximo. À sua direita havia um balcão separando
um espaço que, aparentemente, servia como uma área de comunicação com complexos equipamentos de rádio e telefonia. O rapaz ali sentado a cumprimentou com um aceno
de cabeça e depois voltou a se concentrar em seu livro, que Pea reconheceu como o mais recente de Christopher Moore.
– Adoro os livros de Chris Moore – comentou, simpática.
Ele olhou por cima do volume e soltou uma espécie de grunhido.
– Eu o acho hilário.
– Hum-hum – resmungou o sujeito, desta vez sem olhar para ela.
– Bloodsucking Fiends é o meu favorito, mas adorei O Cordeiro também – Pea completou.
Até ali conhecia o roteiro. Ela tentava puxar papo, e ele fazia ruídos como se a estivesse escutando. Homens faziam isso o tempo todo. Tanto que ela até elaborara
uma teoria: eles só paravam para prestar atenção em mulheres bonitas. E a maioria apenas para tentar levá-las para a cama. Mulheres comuns, como ela, nem sequer
fingiam ouvir.
– Hum-hum – o rapaz repetiu, distraído, enquanto ela comprovava sua doutrina mais uma vez.
Pea suspirou e começou a morder o lábio de novo. Depois parou.
Olhou para o bombeiro. Na verdade, ele também era apenas um sujeito comum. Muito jovem, com cerca de vinte anos, devia ser provavelmente apenas um ou dois anos mais
moço do que ela. Tinha cabelos castanhos, de corte não definido, e um rosto e corpo normais. Usava a camiseta azul-marinho com a insígnia dourada do Corpo de Bombeiros
de Tulsa e calças azul-marinho, o que, de certa forma, o tornava um pouco mais interessante. Mas, ainda assim, o sujeito era para lá de comum.
Como ela mesma.
De repente, Pea se viu irritada por ele se achar no direito de ignorá-la. Que todos se achassem no direito de ignorá-la.
– Chris Moore é um grande contador de histórias – insistiu, cerrando o maxilar. – Sempre que leio os livros dele, rio tanto que chego a dar à luz uma ninhada daqueles
macacos voadores de O Mágico de Oz...
– Hum-hum – respondeu o sujeito.
– Também fico me perguntando se há algo que se possa tomar para curar isto... – Soltou um arroto que provavelmente a fez soar como Chloe.
Foi então que seu olhar desviou do sujeito para a porta da garagem, onde Griffin estava de pé, com os braços cruzados, sorrindo para ela.
– Curar o quê? – o bombeiro atrás do balcão perguntou.
– Nada, Honeyman. Não se preocupe – descartou Griffin, ainda sorrindo.
Pea engoliu em seco, desejando que seu rosto não estivesse da cor que ela imaginava: um vermelho que nem de longe lembraria uma aparência saudável.
– Eu estava só... – Perdeu a voz. O que poderia dizer? “Eu estava fazendo papel de idiota porque o seu colega de trabalho decidiu me ignorar?”
Jamais.
Levantou o prato de brownies como se fazendo uma oferenda a um deus.
– Eu trouxe uns brownies. Como forma de agradecimento.
Griffin franziu a testa, e Pea percebeu que ele não a reconhecera.
Diacho! Três horas e meia tinham se passado desde que ele tirara Chloe da árvore, e já se esquecera dela. E pela quarta vez!
Que maravilha... Quase nada constrangedor.
Levantou-se de um salto e colocou o prato no balcão, o que ela devia ter feito havia muito tempo. Devia ter deixado os brownies ali com o maldito bilhete e ido para
a aula de dança antes que...
– Ah, sim – Griffin falou, o rosto moreno suavizando com o reconhecimento. – Você é a minha vizinha. A dona de Chloe, a terrier que pensa que é um gato. – Ele fez
uma pausa e depois adicionou, rindo: – Pea.
– Isso mesmo. Chloe e eu só queríamos agradecer. – Ela apontou o prato embrulhado em papel-alumínio e tentou não corar de novo, desta vez de prazer por ele finalmente
ter se lembrado dela. – Fizemos brownies. Bem, na verdade, fui eu que fiz... Chloe e Max só imploraram por um pedaço.
– Max, o gato de verdade da família?
Pea sentiu outra ridícula onda de prazer por Griffin se recordar de tal detalhe.
– Isso mesmo. A diferença é que Max é tão bom escalador quanto descedor...
Essa não! Ela havia mesmo acabado de fazer a mesma piadinha infame outra vez?!
Sorriu, esperando que, de alguma forma, ele não percebesse que ela era o maior idiota do Universo.
– Você jamais vai ter que salvar Max.
– Não seria problema nenhum, senhorita – Griffin garantiu, fingindo tocar um capacete imaginário. – Faz parte do meu trabalho.
– N-Nós só queríamos dizer “obrigada” – gaguejou Pea, sentindo-se presa nas profundezas dos olhos azuis.
– Eu é que agradeço. Foi muita gentileza sua. Não imagina como é bom quando temos comida diferente por aqui.
– Obrigada – Pea repetiu, e então percebeu que agradecera várias vezes, desta vez por ele tê-la agradecido. Um horror! – Está bem... Vou deixar os brownies, mas
não se preocupe com o prato, pois é muito velho. Pode jogar fora quando tiverem terminado. Ou ficar com ele, você é que sabe... – Oh, Deus! Ela estava tagarelando
de novo! – Bem, obrigada... mais uma vez. Cuidem-se, rapazes. – Num impulso, bateu continência, depois saiu correndo.
Seu Thunderbird de edição limitada era um santuário de cor creme que Pea decidiu ser uma perfeita analogia para ela, já que tinha uma vida social tão intensa quanto
Quasímodo, de O Corcunda de Notre Dame. Agoniada, fechou a porta e encostou a testa no volante.
– Eu bati continência para ele! – choramingou para si mesma. – Eu não devia poder andar em público sem supervisão!
***
A aula de dança, que vinha sendo a válvula de escape semanal de Pea para os aborrecimentos e decepções do mundo por 25 de seus quase trinta anos, não operou sua
magia naquele dia. Ela se sentia lenta, e a sra. Ringwater, sua antiga, porém mais do que competente instrutora de balé, teve que repreendê-la pela falta de movimentos
básicos.
Duas vezes.
Mas ela não conseguia parar de pensar em Griffin.
Sabia que era uma tolice, uma infantilidade, uma ilusão, contudo estava magoada. Sua paixão a distância de um ano tinha se transformado em um encontro devastador.
Ela era uma idiota.
– Dorreth! Concentração, merci! Pedi um battement tendu jeté e não o battement dégagé que executou com tanta displicência! – a sra. Ringwater falou, áspera, com
seu forte sotaque francês, batendo com a vara prática contra o piso de madeira perfeito da sala.
– Faites-l’encore! Faça de novo!
Pea apertou os lábios e começou a levantar delicadamente o dedo do pé, tentando se concentrar e se mover em sincronia com a música clássica. Griffin sorrira para
ela e encontrara seu olhar. Duas vezes. Stacy dissera até que ele estava interessado nela, e sua amiga devia entender do assunto, afinal, estava casada e feliz com
Matt, uma verdadeira cópia do boneco Ken, e os homens continuavam se mostrando encantados ao vê-la.
Talvez Stacy estivesse certa. Talvez Griffin tivesse, mesmo, se interessado por ela.
Lembrou-se, então, de que Griffin não a havia reconhecido, pela quarta vez, quando a vira no corpo de bombeiros, e sentiu o estômago se apertar. Não. Ele estivera
apenas sendo simpático e educado como um bombeiro devia ser. O que tinha dito mesmo? Era parte do trabalho.
Mas e se ela ficasse linda ou, de alguma forma, inolvidável? Seu pouco interesse nela se transformaria em algo mais consistente?
E como isso poderia acontecer? Como ela podia se tornar memorável? Já se esquecera de como fora desastrosa sua tentativa de fingir ser algo que não era?
Tudo o que Pea precisou fazer foi recordar seu primeiro ano do ensino médio como se este houvesse acontecido no dia anterior, em vez de há uma década ou mais. Ainda
se recordava muito bem da humilhação, do constrangimento... da sensação de fracasso.
Não. O passado era o passado. E ela, uma mulher adulta agora. Não podia permitir que coisas tão infantis ainda mexessem com suas emoções.
Mas permitia.
Com um esforço sobre-humano, afastou as lembranças e se concentrou em seu reflexo na parede espelhada do estúdio. Viu o que sempre via: a Pea comum e sem graça.
Vestia suas calças de dança cinza, que sobravam em torno dos quadris. (Se é que estes podiam ser chamados de quadris... Ela era franzina demais para ter as curvas
sensuais que sempre invejara nas outras mulheres). Seu top de mangas compridas se encontrava bem amarrado sob as costelas, expondo mais da pele do que normalmente
ela acharia confortável.
Mas aquela era uma aula de dança, disse a si mesma, e aquele tipo de aula adotava um padrão diferente em se tratando de exposição.
Quisera ela ter seios grandes para preencher a parte superior da blusa, mas não. Tinha o que a filha de Stacy uma vez chamara de “montinhos”. E seus cabelos estavam,
como sempre, escapando da escravidão do elástico, com os fios castanhos grudando em seu rosto corado e suado.
Odiava aquele cabelo. Do fundo do coração.
Mas pelo menos não estava gorda, flácida e fora de forma. Na verdade, talvez nunca fosse ficar assim.
Seu “editor interno” sussurrou, malévolo, que era por não existir nada ali que pudesse ficar flácido, porém Pea se obrigou a ignorar a voz em sua cabeça, que sempre
fora tão negativa.
Não importava o porquê de nada nela despencar. O que importava era que isso não iria acontecer, certo?
Não se deu tempo para responder à questão. Em vez disso, fez os pensamentos enveredar por um caminho em que raramente se aventurava. Talvez tivesse algo que poderia
ser trabalhado para se tornar original ou memorável. Talvez houvesse alguma coisa atraente nela, como Stacy vivia dizendo. Talvez só precisasse de alguma orientação
para desenvolver a autoestima. Não estava mais no colégio, e não havia mais meninas do grupo de dança para lhe colocar apelidos e humilhá-la. Era uma adulta bem-sucedida
agora. Na verdade, conseguira se sobressair em várias coisas: no balé, na culinária, em seu trabalho como diretora de programa da Faculdade Comunitária de Tulsa...
E tinha autoconfiança o bastante quanto à própria capacidade de criar um lar perfeito.
Olhou-se no espelho enquanto fazia com perfeição um battement tendu jeté. Por que era tão difícil para ela transferir a autoconfiança que permeava o restante de
sua vida a seu estilo pessoal e aparência? Era apenas seu passado o que a impedia de fazer aquilo? Seu medo de que, se tentasse, e desta vez falhasse como adulta,
estaria condenada a frequentar um grupo de solteironas rejeitadas?
– Basta! C´estfini por hoje, Dorreth! – decidiu a sra. Ringwater, desgostosa. – Você não pode concentre sur le ballet quando sua mente está no boudoir!
Pea prendeu o ar e congelou na metade do movimento.
– Mas, sra. Ringwater, eu não estou...
A velha instrutora de dança levantou a mão bem cuidada, silenciando-a.
– L’amour fait des imbéciles de nous tous... Agora vá. Na próxima vez vai trabalhar dobrado, oui?
– Sim. Sinto muito, madam, eu... – Pea deu de ombros, sem saber ao certo se ficava constrangida ou aliviada.
Num impulso, abraçou a velha senhora antes de apanhar a toalha e correr para fora do estúdio. Ninguém nunca lhe dissera nada parecido antes! Nunca tinha sequer insinuado
que ela poderia estar preocupada com o que se passava em seu quarto...
Talvez sua vida estivesse mesmo mudando.
Pois muito bem. Ela estava disposta a aceitar qualquer mudança. De verdade! Ela iria... iria...
Mordeu o lábio enquanto entrava no carro e deixava o estacionamento da academia. Não permitiria que aquilo, fosse o que fosse que de repente se apossara dela, terminasse.
Pea dirigiu sem rumo por algum tempo, então seus olhos se arregalaram diante da enorme placa vermelha e branca da livraria Borders da 21st Street. Era aquilo! Iria
para a livraria e faria uma pesquisa sobre como adquirir algum estilo e evitar a “sem-gracice”. Poderia descobrir como preparar um prato gourmet, como mudar a pintura
da casa, ou rasgar aquele papel de parede antigo e fora de moda e fazer um cômodo ficar magnífico.
Poderia até mesmo planejar as aulas para todo o Departamento de Educação Continuada da faculdade. Ou, no mínimo, aprender como ser menos estúpida.
Por que não pensara naquilo antes?
Sabia a resposta muito bem. Tinha deixado o passado governar o presente.
Pea teve vontade de dar um tapa na própria testa. Pois bem, não iria deixá-lo mais controlar seu futuro! Estilo pessoal não podia ser um território feminino tão
obscuro, misterioso e desconhecido que estivesse fora de seus limites. Era apenas algo que ela precisava aprender.
Sem falar que não estava mais naquele maldito colégio. Após o ensino médio e a faculdade, ela aprendera a fazer muitas coisas difíceis. E com sucesso. Estilo devia
ser apenas mais uma habilidade a ser adquirida.
Sem dúvida, era muito embaraçoso se informar sobre estilo pessoal com alguém tão perfeita como sua amiga “Barbie” Stacy, mas não podia apenas ler a respeito? Caramba,
ela era mesmo uma imbecil! Afinal, já havia chamado um pouco da atenção daquele homem incrivelmente bonito pelo qual estivera apaixonada por um ano. Isso não significava
que ao menos tinha potencial para tentar?
Pea apertou os lábios. Iria se obrigar a acreditar que sim.
Estacionou em frente à Borders e, determinada, marchou para a livraria.
Capítulo 3
Apenas quando viu uma mulher já madura soluçando, quase histérica, no corredor de livros de autoajuda, Pea parou para pensar na tradução do que a sra. Ringwater
lhe dissera. L’amour fait dês imbéciles de nous tous, percebeu, significava: “O amor faz de todos nós uns tolos”.
Tentou, então, não olhar para a moça que segurava uma cópia de um livro intitulado Por Que os Homens Amam as Mulheres Poderosas?, concluindo que talvez estivesse
na seção errada.
Deixou o corredor de autoajuda para mulheres e cruzou a seção de estudos para gays e lésbicas. Não havia sentido em parar ali... A menos que quisesse mudar de lado.
Fez uma pausa, analisando se estaria interessada em ter relações sexuais com uma mulher. Não.
Bem, ao menos tinha certeza sobre aquilo.
Pea saiu do departamento e se deslocou até as prateleiras adjacentes, intituladas “Nova Era”, onde lombadas coloridas prenderam sua atenção. O primeiro livro que
puxou levava o título Magia & Rituais da Lua e, curiosa, ela o folheou. Capítulos como “Esbat da Lua Cheia” e “A Magia das Luas Crescente e Minguante” lhe eram tão
estranhos quanto intrigantes.
Colocou o volume de volta e deixou os olhos vaguear ao longo dos outros títulos. O Poder da Terra, Magia de Proteção Poderosa e Ritos Mágicos da Fonte de Cristal
continuaram a despertar seu interesse.
Nossa! Ela nunca tinha ouvido falar de nenhum daqueles livros ou de qualquer uma daquelas ideias. Aquilo era feitiçaria?
Notou um volume intitulado A Wicca Desmistificada, de Bryan Lankford. Hum... Devia ser bruxaria mesmo.
Deu de ombros. Ao menos não havia mulheres chorando naquele corredor.
Foi então que algo cintilou na borda de sua visão. Algo como a vibração das asas de uma borboleta, ou talvez como o bruxulear de uma vela sob a brisa.
Virou-se e sentiu uma espécie de sopro tocá-la, como se alguém lhe tivesse sussurrado um segredo. A lombada do livro de capa dura era cor de creme, e chamava a atenção
por seu luxo. Em prata, o título parecia cintilar: Descubra a Deusa em Você – Liberte Vênus e Abra Sua Vida para o Amor.
Pea estendeu a mão, hesitante, embora sua atenção tivesse sido totalmente capturada. Com um ruído suave, o volume deslizou para longe dos outros dois entre os quais
se encontrava preso.
Ela correu os dedos sobre a capa. O título se destacava em relevo prata, assim como o nome da autora, Juno Panhellenius, que podia soar estranho, mas embora Pea
o tenha considerado adequado, uma vez que lembrava magia antiga e mistério. O único desenho era a silhueta também prateada de uma deusa atemporal (e bastante curvilínea),
que tinha os braços erguidos e a lua cheia descansando entre as mãos. A diva parecia tão sexy, misteriosa e desejável!
Franziu o rosto. O livro parecia muito frio sob seus dedos.
Abriu-o e estudou o índice: “Encontre Vênus e Adquira Confiança”, “Encontre Vênus e Conheça a Beleza”, “Encontre Vênus e Adquira Sex Appeal”, e assim por diante
até o último capítulo: “Encontre Vênus – Invoque a Deusa!”.
Pea sentiu uma ponta de excitação atravessar o corpo. Era aquilo! Se conseguisse adquirir a confiança de uma deusa, com certeza deixaria de ser invisível.
E que divindade seria melhor do que a própria Vênus, a deusa do Amor? Quem poderia ignorar Vênus? Se uma mulher tivesse o fascínio de uma deusa, o que não poderia
fazer? (Ou quem ela não poderia conquistar?)
Rindo discretamente, apertou o livro contra o peito e correu em direção à fila do caixa.
Sentia-se leve, feliz e esperançosa ao sair do estacionamento da Borders e, num impulso, dirigiu para o centro. Verificou as horas: 17h35. Isso! Seu restaurante
favorito, o Lola’s, na Bowery, já devia estar aberto, mas ainda era cedo para que estivesse muito lotado. Pegaria aquela mesa de canto, perfeita para leitura, e
pediria seu aperitivo favorito: o prato de antepastos italianos.
Ah! Podia até mesmo se dar de presente um dos coquetéis de Martini do Lola’s. Seria como se estivesse de férias!
Que melhor maneira haveria de virar a página?
– Admita, Vênus. Eu estava certa – declarou Perséfone.
– Estava mesmo, e não me importo em reconhecer: Tulsa é maravilhosa! Não acredito que tenha guardado segredo quanto a este reino tão moderno por todo esse tempo!
– protestou a deusa do Amor.
– Eu não estava guardando segredo! Contei a você sobre Tulsa.
– Ha! Só depois que eu vi aquelas botas divinas.
– Das quais agora também possui um par.
– Junto com estes brincos incríveis! – Vênus sacudiu a cabeça, de modo que os pingentes feitos à mão dançassem em torno de seu gracioso pescoço. – Como se chamava
aquele lugar maravilhoso, cheio de contas, mesmo?
– The Bead Gallery. A mulher moderna de que sou amiga, Lina Santoro, apresentou-me à Donna Prigmore, proprietária da loja, em uma das minhas viagens por aqui. Como
diz Lina, Donna fabrica joias dignas de uma deusa.
– Verdade. Que surpresa maravilhosa! Eu também sou obrigada a admitir que estava certa sobre estas bebidas. – Vênus tomou um gole da taça de Martini gelado e gemeu
com um prazer quase sexual. – Como chamam esta criação inspirada?
– É um dos coquetéis de Martini do Lola’s. Está bebendo o Nupcial, uma mistura de vodka Skyy sabor baunilha e schnapps, uma espécie de aguardente sabor caramelo.
O cardápio diz que vai amar esse drinque até que a morte os separe!
– Muito apropriado para a deusa do Amor... Opa! – Vênus comentou, rindo, depois baixou a voz. – Pelos mamilos arrepiados de Hera, é difícil lembrar de que ninguém
sabe quem eu sou aqui! Preciso ter cuidado com o que digo.
– Vênus, querida... Chamar a si mesma de deusa não fará com que os mortais modernos acreditem que é realmente uma divindade, mas usar essas exclamações arcaicas
irá causar estranheza, sem dúvida. Isso para não dizer que Hera vai ficar louca se ouvir você! – Perséfone sorriu. – Como sabe que os mamilos dela são arrepiados?
– Bem, devem ser. Ela está sempre... – parou e procurou a palavra certa – ... acesa. E sabe que estou dizendo a verdade. Hera vive com aqueles quitões brancos e
transparentes. Quem não nota seus mamilos? Estão sempre enrugados e eretos. Isso me faz pensar que Zeus pode não estar cuidando muito bem de suas necessidades. Como
deusa do Amor, talvez eu devesse falar com ele.
Perséfone engasgou com o Martini, cuspindo-o.
– Isso eu quero ver! Você perguntando ao todo-poderoso Zeus se ele é bom amante ou não!
– É prerrogativa minha questionar até mesmo Zeus – Vênus se defendeu, altiva. – O Amor é a minha área de atuação. – Seus olhos se arregalaram, então, e ela sorriu,
maliciosa. – Por isso mesmo comprei... – a deusa se abaixou e puxou uma caixa comprida e em forma de cilindro de uma das sacolas de compras a seus pés. – ... isto!
– Levantou a caixa com um floreio.
Perséfone balançou a cabeça e tentou, sem sucesso, abafar uma risadinha.
– Não acredito que comprou aquela coisa!
– Como eu poderia não comprar depois de ver o nome? – Ela apontou a caixa preta e brilhante com as palavras “O Deleite de Vênus” escritas em brilhantes letras carmesins.
– Como se abre esta coisa?
– Vai abri-la? Aqui?
Os olhos cor de violeta de Vênus se voltaram para Perséfone, confusos.
– Por que não?
– Porque parece um...
Vênus conseguiu abrir a tampa e deslizou para fora seu conteúdo.
– ... um pênis grande e preto! – exclamou, completando a frase por Perséfone.
– E não é que é mesmo? – Perséfone olhou o aparato, curiosa. – E parece tão real! Qual é a textura?
Vênus acariciou o eixo longo e escuro, correndo os dedos delgados pela cabeça arredondada e pelas saliências e veias perfeitas.
– É agradável! E muito mais realista do que os falos que os antigos esculpem. Verdade! Nem mesmo o pênis de um deus fica tão rijo como este, por mais que Apolo se
vanglorie... Como isto funciona? – Vênus sacudiu o enorme vibrador, entusiasmada, chamando a atenção de vários homens sentados no bar, aos quais ela optou simplesmente
por ignorar. – A mocinha disse que ele vibra, mas não está vibrando – reclamou, franzindo a testa.
– Dê-me essa coisa aqui. Tem que colocar as baterias.
– Baterias?
– Uma magia moderna. Faz com que funcione.
– Ah. – Vênus tomou um gole do Martini enquanto assistia a Perséfone inserir as pilhas no eixo do vibrador. – Essas coisas vão fazê-lo vibrar?
– Pelo menos foi o que a garota da Pricilla’s Toy Box disse.
– Estranhos aqueles brincos e alfinetes que ela usava. Não parecia uma amazona guerreira? – comentou Vênus.
– Agora que mencionou, havia mesmo algo de selvagem na vendedora. Ela pode não ser amazona, mas acho que Artemis a aprovaria – concordou Perséfone. – Tome. Tente
ligar agora. – Passou o pênis por cima da mesa e apontou para o interruptor escondido na base. Vênus deslizou o botão, e o membro enorme ganhou vida, vibrando alegremente.
A deusa do Amor soltou uma exclamação.
– Pelos testículos pendurados de Zeus! Isto é mágico!
– Vênus... – Perséfone olhou ao redor do restaurante fino, fazendo uma carranca para os homens no bar que agora se divertiam com a demonstração desinibida da deusa.
Determinada, tomou o vibrador das mãos da amiga, desligou-o e o colocou de volta na caixa. – Definitivamente precisa parar com essas imprecações.
– O quê?
– Os mamilos e testículos dos olímpicos não podem ser usados como maldições aqui. – Ela guardou o Deleite de Vênus na sacola de compras e a chutou para baixo da
mesa.
– Perséfone, eu sou a deusa do Amor! – Vênus manteve a voz baixa, porém firme. – Por que não me seria apropriado praguejar, fazendo referência à genitália de alguém?
– Quer se adaptar a este reino ou não?
– Claro! Adorei os mortais modernos! Já pude perceber, inclusive, que os homens são galanteadores sem ser bajuladores, e que as mulheres se movem com uma liberdade
e um poder... Planejo ficar muitos dias explorando este lugar maravilhoso.
– Então deixe os genitais dos deuses e das deusas fora dele!
Vênus franziu a testa, absorta.
– Não sei se consigo. Sabe que me refiro ao amor sempre que posso.
– Amor? – Perséfone levantou uma sobrancelha delicada.
– É óbvio. Genitais têm a ver com amor, amor tem a ver com genitais. Perséfone, querida, precisamos ter uma conversa mais particular? Como anda sua vida sexual?
Tem tido orgasmos múltiplos? E, quando está sem parceiro, tem se dado prazer adequadamente?
Perséfone ergueu as mãos espalmadas.
– Pare! Está bem, você venceu. Use as imprecações que quiser. Basta estar preparada para ser questionada sobre elas.
– Estou sempre preparada para responder a perguntas sobre o amor. – Vênus sorriu. – Mas antes quero... – Ela acenou para a jovem garçonete, apontando para as duas
taças quase vazias de Martini.
– Outra rodada, senhoras?
– Querida, disse que seu nome era Jenny, não disse? – Vênus perguntou.
– Isso mesmo. – A garçonete sorriu. – Mais dois Martinis?
– Sim, mas desta vez vamos tentar o Despertar – decidiu Perséfone.
– Excelente! Vão adorar. Vou trazê-los agora mesmo.
– Despertar? – Vênus perguntou a Perséfone tão logo Jenny se afastou.
– É uma delícia: licor de chocolate, café expresso, vodka e gelo picado. – A deusa da Primavera lambeu os lábios e estremeceu de prazer. – Confie em mim.
– Ah, mas eu confio! Parece... decadente. Tenho certeza de que vou adorar. Amei tudo neste reino.
– Está bem, mas também terá de parar de chamar o lugar assim. Não se diz “reino de Tulsa”. É apenas Tulsa. Como Roma é apenas Roma, e não “o reino de Roma”.
– Tente dizer àqueles romanos antigos e obsessivamente patrióticos que Roma não é um reino!... – Vênus zombou.
– Tem razão. Não fui feliz no exemplo. A coisa é que aqui você pode ser excêntrica e diferente, não há problema. Mas é bonita demais e...
– Ah, obrigada, querida! – Vênus interrompeu.
– Só estou dizendo a verdade. Como eu dizia, o que diz pode causar estranheza nos mortais modernos por conta de sua beleza.
– Estranheza? Mas eu não sou estranha.
– Pela bunda gigante de Atena, claro que é! – Perséfone exclamou, imitando a voz da amiga e usando uma de suas frases favoritas.
Os olhos cor de violeta de Vênus brilharam.
– Mas o traseiro de Atena está ficando grande, mesmo! Vamos, admita... E ela anda muito aborrecida! Vive dizendo: “Olhem para mim! Sou a deusa dos olhos cinzentos,
da Guerra, da Sabedoria e das Artes...” – Vênus exagerou num bocejo. – Atena precisa se soltar mais, e em mais de um sentido. Alguns alongamentos e uma boa corrida
iriam ajudá-la tanto quanto arrumar um amante ou dois.
– Você é incorrigível – Perséfone riu. – Mas não vai me fazer mudar de assunto tão fácil. Escute, pode soltar as suas imprecações, pode até mesmo dar palpite na
vida amorosa das pessoas, mas não pode sair por aí chamando Tulsa de reino.
– Está bem... Não é um reino, então, é uma cidade. Entendi. Vou me lembrar disso, pode deixar. Mas que estou me divertindo muito, estou! Adoro Tulsa e essa mistura
de homens modernos e descarados com mulheres confiantes, ainda mais porque nenhum deles faz ideia de quem eu sou.
– Eu disse que seria uma experiência incrível visitar o mundo moderno.
– Bem, eu sou o Amor, portanto posso afirmar que o Amor está apaixonado por Tulsa!
A garçonete colocou mais dois Martinis na mesa, junto com duas fatias finas de um bolo branco, requintadamente decorado.
– Aqui estão os seus coquetéis, senhoras. E como a proprietária, Lola, está testando uma nova sobremesa, um bolo de casamento, por favor, aceitem uma amostra com
os nossos cumprimentos.
– Bolo de casamento! – Vênus riu e bateu palmas em uma exibição de prazer tão espontânea quanto a de uma menina. – Perfeito!
– Vai se casar? – perguntou a jovem garçonete.
– Eu? Não! Já estou casada há tempo demais. Não é por isso que é perfeito. É que eu sou o Amor, e bolos de casamento são meus favoritos.
A garçonete continuou a sorrir, educada, porém seu semblante era um ponto de interrogação.
– Ela já uniu vários casais, por isso vivemos dizendo que é um amor – Perséfone tentou justificar, apressada.
– Ela é tão boa assim nisso? Que maravilha!
– Nem faz ideia! – Vênus murmurou em meio a uma enorme mordida no doce. – Paris e Helen, Pigmaleão e...
– Obrigada pelo bolo, Jenny! – Perséfone interrompeu, aflita. – E fique de olho nos nossos Martinis. Vamos querer pelo menos mais uma rodada.
– Podem deixar.
Quando a moça se afastou, Perséfone mordeu sua própria fatia, balançando a cabeça para Vênus.
– O que foi? Não gostou do bolo? Achei maravilhoso!
– O bolo está uma delícia. Em compensação, você não tem jeito.
Vênus tomou um gole do novo coquetel e gemeu baixinho.
– Pelo falo de ouro de Apolo, isto é delicioso!
– Vênus, será que poderia, por favor, se lembrar de que, para os mortais modernos, Troia existiu há milhares de anos, e que Pigmaleão ter esculpido Galateia no mármore
é apenas um mito?
– Pigmaleão, um mito? Impossível. Ele detestava as mulheres antes de eu bancar a casamenteira e fazê-lo se apaixonar por uma estátua. – Vênus sorriu, maliciosa.
– Devo dizer que, daquela vez, eu me superei. Como podem dizer que essa história de amor é uma fábula?
– Você os conhecia! – sibilou Perséfone. – E está acostumada a magia, ao contrário dos mortais modernos.
Vênus pendeu a cabeça para o lado e estudou Perséfone.
– Parece muito tensa. Qual foi a última vez em que teve um orgasmo?
– Isso não tem nada a ver com o assunto!
– Claro que tem. Quando foi?
– Há cinco dias.
– A-ha! – Vênus assentiu, como se provando mais um ponto para uma plateia atenta. – Viu só? Aí está o problema.
– Não há problema nenhum.
– Não haverá se dermos um jeito nisso. – A deusa do Amor correu os olhos pelo restaurante, estudando os homens no bar.
– Vênus, francamente... Eu estou bem! E se não estiver, tenho uma boa lista de mortais que posso chamar – declarou Perséfone, presunçosa.
– Que bom, então faça isso! Cinco dias sem um orgasmo é tempo demais. Tem certeza de que não quer que eu lance um pouco de magia? – Vênus agitou os dedos longos
e benfeitos, e um brilho começou a se formar no ar em torno deles.
– Não! – Perséfone gritou, segurando a mão da amiga, e o pó mágico caiu em uma pilha pequena e borbulhante sobre a mesa. Aflita, ela soprou a substância e acabou
espirrando, o que fez a poeira cintilante dançar no ar ao seu redor antes de desaparecer de volta nos dedos da deusa do Amor.
– Tome cuidado! – ralhou Vênus enquanto terminava um último pedaço do bolo. – Esse material não faz bem para os pulmões.
– Obrigada por me lembrar – Perséfone disse, sarcástica, enquanto fungava, discreta. – E não se preocupe em lançar nenhuma magia do amor. Estou me virando muito
bem sozinha. Além do mais, sabe o que acontece quando começa a se envolver muito na vida amorosa dos deuses...
– Do que está falando? Fiz incontáveis arranjos. E muito bem-sucedidos!
– Sim, fez. Entre os mortais. Mas, quando mexe com os imortais, como comigo, por exemplo, as coisas tendem a dar erradas. Muito erradas!
– Está exagerando.
– Exemplo 1: Atena e Ulisses. Você decidiu que Atena precisava amar um mortal. Olhe-me nos olhos e diga se a sua intromissão não fez com que o homem se distanciasse
da esposa e da família por vinte anos.
Vênus deu de ombros, parecendo desconfortável.
– Se Atena não tivesse sido tão obsessiva, esse pequeno caso não teria sido tão ruim.
– Então está admitindo que não foi bom?
– Talvez.
– Muito bem. Exemplo 2: o fracasso Cila / Glauco / Circe.
– Não é justo! Eu não fazia ideia de que Circe era tão ligada a Glauco. Imaginei que ele e Cila fossem fazer um lindo par. Sabe que eu achei Glauco delicioso depois
que ele se tornou uma divindade da água. Como eu ia saber que o fato de Cila rejeitá-lo faria com que Circe ficasse com tanta raiva? – Vênus fez beicinho. – Não
sei como pode colocar a culpa disso em mim.
– Está bem. E quanto ao Exemplo 3: Zeus e...
– Você venceu. Apesar de que jamais irei compreender como pode me culpar por qualquer um dos casos de Zeus! – defendeu-se Vênus. – Não vou me intrometer na sua vida
amorosa... Por enquanto – ela acrescentou em voz baixa. – De qualquer forma, tenho necessidade de, não sei, fazer algo por esses fabulosos mortais. Como recompensa
por essa estada maravilhosa na cidade. – Vênus deu ênfase à palavra, arrancando um sorriso de Perséfone.
– Pois então se meta com os mortais. Por mim, está bem. Conscientes disso ou não, eles têm sorte por a deusa do Amor estar tão interessada em suas vidas.
– Verdade! – Vênus se entusiasmou. – Ah! Formar casais sempre me deixa excitada.
– Vênus, ID!
– ID?
– Informações Demais! Guarde suas sensações para si mesma, por favor!
– Sabe de uma coisa? Para a deusa da Primavera, você é muito puritana. – Ela estreitou os olhos para Perséfone. – Quando foi a última vez em que olhou a beleza de
sua flor de lótus sagrada em um espelho?
Perséfone engasgou com o Martini.
– Como eu pensava. Precisa gastar mais tempo com o núcleo da sua feminilidade – declarou Vênus.
– Concentre-se nos mortais, Vênus! – Perséfone implorou em meio a um acesso de tosse.
– Já que insiste... – A deusa do Amor suspirou, voltando a atenção para as pessoas ao redor delas, enquanto pensava que daria a Perséfone um espelho especial assim
que voltassem para o monte Olimpo.
Quando, logo em seguida, um grupo de homens entrou no restaurante rindo, todos os pensamentos a respeito de Perséfone e espelhos fugiram da mente de Vênus. Eles
se sentaram no reluzente bar de carvalho e começaram um flerte bem-humorado com a própria Lola, que surgira da cozinha mostrando ser uma daquelas mulheres sempre
atraentes, que poderia estar em qualquer ponto entre os 35 e 55 anos, e continuaria confiante e sexy entre os 65 e 75. Sem dúvida, os homens eram clientes assíduos,
assim como os favoritos de Lola e sua equipe.
– Quem são eles? – Vênus perguntou à deusa da Primavera.
– Os bombeiros... – Perséfone ronronou a palavra.
Capítulo 4
Com um marcador de texto na mão, Pea se debruçou sobre seu novo livro. Descubra a Deusa em Você – Liberte Vênus e Abra Sua Vida para o Amor foi mantido aberto com
duas espátulas, de modo que ela pudesse beliscar o delicioso prato de antepastos e continuar lendo ao mesmo tempo. Já havia passado os olhos por todos os capítulos
sobre confiança, beleza e bom sexo, destacando as seções para as quais precisava voltar, a fim de estudá-las mais a fundo.
Nossa... Ler aquele livro era como abrir os olhos! Tinha passado a vida ouvindo falar em profecias para satisfação própria, e em como se podia fazê-las acontecer,
e acreditava totalmente naquele tipo de coisa em se tratando de progredir na carreira. Essa fora uma das razões pelas quais obtivera uma promoção incrível de diretora
de programa assistente do Departamento de Educação Continuada da Faculdade Comunitária de Tulsa para honrada diretora principal. Era agora sua própria chefe, respondendo
apenas ao presidente da faculdade e sua diretoria, além de a mais jovem dirigente.
Contudo, sempre acreditara em suas habilidades de administração e sabia que, sem sombra de dúvida, era especialista em escolher professores e aulas adequados para
os adultos da comunidade. Sob sua influência, o departamento para adultos se tornara popular e bem-sucedido, agregando muito ao currículo da faculdade.
Ela nunca havia pensado que poderia utilizar o mesmo processo de pensamento lógico e positivo para aparar as arestas de sua vida pessoal.
Não. Era mais do que isso. Enquanto lia o livro e pensava com fervor sobre prognósticos pessoais, percebeu que acabara realizando a inépcia que tivera início na
escola.
E como isso lhe pareceu tolo! Era como se adolescentes idiotas ainda a estivessem influenciando: uma mulher adulta.
Mas o livro iria ajudá-la a mudar tudo aquilo; iria lhe proporcionar uma perspectiva totalmente nova.
Quanto mais lia, mais intrigada Pea ficava. O texto parecia recheado de crenças matriarcais, as quais, no fim, se concentravam no valor das mulheres daqueles tempos
e no que, pelo visto, se resumia a uma antiga crença na divindade do feminino.
Que coisa mágica pensar que ela era especial e digna de amor por conter parte da Energia Divina Feminina dentro dela!... Era tão ou mais inebriante do que o maravilhoso
coquetel de Martini com romã que estava saboreando.
Pea devorou o livro e até mesmo pediu outro coquetel. Por que não esbanjar um pouco? Ela era, afinal, uma mulher fabulosa, que merecia ser tocada pela faísca poderosa
e sexy do Divino Feminino!
Ansiosa, virou a página para o capítulo final: “Encontre Vênus – Invoque a Deusa!” e, surpresa, correu os olhos pelo trecho relativamente curto. Dizia que ela deveria
memorizar a oração de invocação a Vênus e, enquanto dava prazer a si mesma até atingir o orgasmo, recitar o chamamento em voz alta. A deusa do Amor iria ouvi-la,
então, e abençoá-la com o poder do amor, da beleza, da confiança e do desejo. Em outras palavras, todas as coisas que ela tanto desejava!
Com certeza soava muito estranho se masturbar enquanto recitava uma invocação a uma deusa, e a antiga Pea jamais teria feito uma coisa daquelas. Na verdade, a antiga
Pea nunca ficara muito à vontade com aquela questão de masturbação. Claro que costumava fazer isso, mas não com muita frequência, e sempre se sentia envergonhada
depois.
Mas isso acontecia com a antiga Pea. E a antiga Pea era uma idiota insegura.
A nova Pea virou a página e começou a memorizar a invocação:
Deleite, prazer, bem-aventurança e alegria
Ah, querida Vênus, me concedas!
Com amor e esperança a ti invoco
Opera em mim a tua magia.
Por felicidade e êxtase, eu imploro
Bela Vênus, bendita sejas!
E então se esperava que atingisse um orgasmo.
Pea suspirou. Iria demorar a memorizar aquela invocação e fazer tudo direito.
Retomou a tarefa, decorando linha por linha enquanto roía os vegetais crus da bandeja de antepastos, tentando não engolir o segundo Martini de uma vez.
De repente, um ruído seguido por uma gostosa risada interrompeu sua concentração. Pea ergueu a cabeça e teve que reprimir, ela própria, uma risada. Duas mulheres
absolutamente maravilhosas bebiam Martinis enquanto estudavam, divertidas, um enorme pênis negro que agora vibrava com força. Pea não acreditou que não as houvesse
notado antes. Elas eram o tipo de mulher que até mesmo as outras mulheres encaravam.
De sua mesa escondida a um canto, foi fácil para ela observá-las, discreta. Como era possível que tivessem cabelos tão perfeitos?
Uma delas, que parecia a mais jovem das duas – embora nenhuma parecesse ter mais de trinta anos –, tinha cabelos longos e espessos, da cor da terra fértil ou de
um caro móvel de mogno. Os cabelos da outra também eram compridos, batendo bem abaixo dos ombros em abundantes ondas da cor do sol.
Não, não era bem assim. Era mais prateado do que dourado, mais para a cor do luar do que para a da luz solar, e cintilava como um metal precioso.
Num impulso, Pea levou a mão ao próprio cabelo. Mesmo estando este ainda fortemente preso pelo rabo de cavalo que ela fizera para a aula de balé, podia sentir os
fios castanhos e rebeldes escapando. Seus cabelos eram compridos demais. Mas era claro que ninguém poderia afirmar isso, exceto quando estes se encontravam molhados.
Quando secavam, eles se encolhiam em uma massa disforme e marrom. Não importava o quanto ela os escovasse; os fios nunca endireitavam ou ficavam no lugar. Nunca.
Ela tentara até mesmo ir a um daqueles salões repletos de lindas mulheres negras e exóticas com cabelos incríveis, pedindo ajuda. O cabeleireiro trabalhara com competência,
mas o produto que ele usara acabara deixando os fios gordurosos e ainda mais crespos.
E ela voltara a ficar com aquela coisa.
Não! Pea sacudiu a cabeça, determinada, e tornou a enfiar o nariz no livro da deusa. Já bastava daquela atitude derrotista. O Divino Feminino de Vênus não poderia
prosperar com uma atitude tão negativa e derrotista.
Mas era difícil memorizar qualquer coisa quando aquelas duas mulheres fantásticas pareciam estar tendo uma conversa tão divertida. Não conseguia ouvir exatamente
o que diziam, mas adorou observá-las.
Mastigou um pedaço de brócolis cru, desejando já não ter comido todo o queijo importado e o prosciutto, um tipo de presunto curado a seco, envelhecido e temperado.
Talvez devesse mandar tudo para o inferno e pedir outro aperitivo...
Vozes masculinas chamaram a atenção das duas mulheres, e Pea sentiu uma onda de choque ao reconhecer o primeiro deles na entrada.
Era Griffin! Na verdade, eram todos os bombeiros que haviam atendido ao chamado para o resgate de Chloe. Ainda usavam seus uniformes casuais, azul-marinhos, com
a insígnia dourada do Corpo de Bombeiros de Tulsa no peito e nas costas. Encheram o balcão comprido do bar, brincando e flertando com a mulher elegante que ela sabia
ser Lola, a proprietária do restaurante.
Relutante, Pea desviou a atenção dos bombeiros, de Griffin em particular, e se concentrou nas duas lindas mulheres.
E sentiu o coração afundar no peito como uma rocha. Era claro que as duas tinham notado a entrada de um turno inteiro de homens bonitos. E era apenas uma questão
de tempo antes que os bombeiros, por sua vez, notassem sua presença. O que iria acontecer era mais do que previsível: as mulheres se juntariam aos homens, e eles
iriam flertar, conversar, rir e, sem dúvida, marcar encontros.
A loira era a mais impressionante das duas e, em termos de beleza, Griffin seria seu par, sem sombra de dúvida. E era óbvio que tinham notado um ao outro. Como não
podiam? Pessoas bonitas como eles eram feitas para ficar juntas. Iriam se apaixonar, casar e ter uma porção de filhos maravilhosos.
Que deprimente!
E, nesse meio tempo, nenhum infeliz a notaria.
– Pea, quer mais alguma coisa?
A pergunta da garçonete a fez saltar, e Pea sentiu as faces arder ao ser pega encarando as duas mulheres. Devia estar parecendo uma daquelas crianças que ficavam
acordadas até tarde para espiar a vida dos adultos.
Nervosa, ela se levantou e pegou a bolsa, disposta a encobrir a ridícula gafe indo para o banheiro das mulheres. Abriu a boca para dizer à garçonete “não, obrigada”,
afirmar que estava satisfeita e que já ia pedir a conta, quando, para sua completa humilhação, o que saiu em vez das palavras foi o maior, mais alto e malcheiroso
arroto na história conhecida do Universo. O maldito pareceu ecoar nas prateleiras de vidro repletas de bebidas que cobriam a parede atrás do bar e lançou uma nuvem
com cheiro de brócolis ao seu redor.
Para variar, em vez de se sentir invisível como de costume, Pea viu o restaurante inteiro se voltar para fitá-la.
– Caramba, garota! Esse estava bem maduro... – comentou um bombeiro de cabelos grisalhos e barriga de cerveja incipiente. Então bateu na coxa grossa e gargalhou.
Pea quis morrer. Quis derreter no chão e deslizar sob a porta, de modo a se reestruturar do lado de fora, no estacionamento, longe de todos que ainda a olhavam e,
uma vez sozinha... morrer.
Naturalmente, em vez de agir com calma e frieza, colocando duas notas de vinte sobre a mesa e caminhando porta afora, Pea desabafou:
– Perdão! Desculpem, mas vegetais crus sempre me dão gases.
Ouviu uma risada histérica e percebeu que esta vinha de sua própria boca. Por que não conseguia parar?
Enfim, foi capaz de dizer para a garçonete com um suspiro:
– Vou pagar a conta depois de ir à toalete...
Mantendo a cabeça baixa, passou correndo pelos homens e pelas duas mulheres lindas no bar. Pôde sentir seus olhares e soube que, ironicamente, seu rosto estava tão
vermelho e brilhante como um caminhão de bombeiros.
Uma vez abrigada no banheiro, lançou-se em uma cabine e afundou o rosto quente nas mãos. Vênus, ou qualquer outra pessoa, iria ter muito trabalho para transformá-la
numa mulher decente.
Enquanto, discreta, Hera via Vulcano estudar as imagens em seu fogo sagrado, lembrou a si mesma de que deveria sempre seguir a própria intuição.
E seus instintos lhe diziam para observar o filho em silêncio.
E lá estava Vulcano, parecendo encantado com a cena que se desenrolava diante dele.
Hera também sentiu-se intrigada ao observar a imagem refletida no fogo. O fio mágico que seu filho mandara seguir Vênus e Perséfone funcionava quase como um oráculo.
Era uma passagem para outro tempo ou lugar – e, naquele caso, para outro mundo.
Perséfone e Vênus podiam ser vistas claramente, sentadas à mesa de um lugar luxuoso. Como era típico das deusas, estavam rindo e, como de costume, se divertindo.
Então, de súbito, o foco do fio mágico mudou, e Hera concluiu que a risadinha tímida de outra moça era que devia ter chamado a atenção de Vulcano. Surpresa, teve
que cobrir a boca com a mão e sufocar o próprio riso, o qual, de qualquer forma, não teria sido ouvido em meio ao bufar do deus do Fogo. Mãe e filho tinham notado
o título do livro que a mortal estava lendo.
– Descubra a Deusa em Você – Liberte Vênus e Abra Sua Vida para o Amor... Como não? – Vulcano murmurou com sua voz grave cheia de sarcasmo. – É sempre Vênus. Apenas
ela fica com os créditos da criação do amor.
Hera ficou muito quieta. Sempre ouvira o filho falar de Vênus com gentileza e respeito, embora todos no Olimpo soubessem que o casamento deles fora uma farsa desde
o princípio. Dizia-se, embora ela não tivesse ouvido as palavras do próprio filho, que Vênus e Vulcano mantinham um casamento de conveniência, pois unir-se à deusa
do Amor fizera o deus do Fogo parecer mais poderoso, mais “olímpico”, mais aceito pelo restante dos deuses. Vênus, por sua vez, teria a desculpa de que precisava
para quando quisesse se ausentar do assédio constante daqueles que desejavam amor.
Hera suspirou. Sempre achara que o arranjo servira melhor a Vênus do que a seu filho. Quando estava esgotada, a deusa do Amor deixava o reino do marido, nas entranhas
do Olimpo, e ressurgia cada vez mais revigorada. Mas ser casado com o Amor não tornara Vulcano mais aceito. Ficara claro, desde o começo, que aquele casamento acabara
agindo contra ele. A opinião geral dos imortais era marcada pelo ceticismo. Como alguém poderia se casar com o Amor e permanecer intocado por ele?
– Pea? – indagou Vulcano, e então riu de verdade. – Que tipo de nome é Pea?
Hera permaneceu no lugar e balançou a cabeça em silêncio, ainda surpresa com o aparente interesse do filho pela pequena mortal de aparência tão comum.
Um som terrível emanando do oráculo incandescente fez Hera voltar a atenção para a cena do mundo moderno. A tímida jovem chamada Pea havia soltado gases! E ruidosamente,
diante de todos!
Penalizada, a deusa a observou fugir do local.
– Eles deveriam deixá-la em paz! A pobre já está se sentindo humilhada o bastante sem que eles piorem as coisas – opinou Vulcano com um rosnado.
Que intrigante era ver seu filho demostrando tanto interesse!
O fio invisível de fogo seguiu Pea, de modo que a deusa pôde ver seu embaraço. Vulcano a observou, também, deixando escapar outro resmungo.
Hum... Então ele estava se identificando com a mortal.
Um súbito pensamento atingiu Hera. Talvez fosse aquilo! Talvez Vulcano parecesse incapaz de amar porque sempre fora cercado pela perfeição do Olimpo; perfeição que
sempre o rejeitara. Talvez necessitasse de alguém com quem pudesse se identificar, alguém que realmente precisasse dele.
Hera estudou a mortal de nome estranho mais de perto. Ela parecia mesmo necessitar de algo.
E se fosse do amor do deus do Fogo?
– O que ela está fazendo? – Vulcano continuou a murmurar diante da cena em meio às chamas.
Hera viu Pea em pé diante de uma pia, olhando para si mesma em um espelho, enquanto recitava uma...
A deusa sorriu. A menina era uma leitora atenta. Estava recitando sem parar uma invocação que só poderia ter vindo do livro ainda aberto sobre a mesa onde o havia
deixado. Aquilo era uma bela reviravolta em uma situação já muito interessante.
Hera sentiu a cabeça borbulhar com ideias, planos... Não seria irônico se a invocação fizesse Vênus ajudar Vulcano a assistir a mortal que tão inesperadamente tinha
capturado a atenção de seu filho? Afinal, era a Vênus que o fio mágico do deus do Fogo seguia.
Sim, aquilo estava tudo estava se encaixando!
Quando a mortal começou a recitar a invocação outra vez, Hera se prontificou a terminar aquilo a que já dera início. Das sombras, por trás de Vulcano, ela se concentrou,
invocando seu poder de rainha dos deuses.
– Deleite, prazer, bem-aventurança e alegria... Ah, querida Vênus, me concedas! – entoou Pea.
Hera ergueu a mão e sentiu o calor divino se concentrar em sua palma enquanto sussurrava:
– Com minha magia divina, do coração do lar eu clamo... Seja este rito a tua sina.
– Com amor e esperança a ti invoco... Opera em mim a tua magia!
– Abre os olhos de Vulcano, renova seu coração – Hera prosseguiu, evocando cada vez mais o poder que era seu direito de primogenitura. – E que o Amor pague sua dívida,
então.
Fechando os olhos, Pea proferiu as últimas palavras da invocação:
– Por felicidade e êxtase, eu imploro... Bela Vênus, bendita sejas!
Quase no mesmo instante, Hera concluiu a conexão, lançando seu poder invisível diretamente sobre o fio, de modo que apenas ela tivesse ciência de sua ação enquanto
este chiava, indo do Olimpo para Tulsa.
– Sob o meu comando, de Pea escuta o clamor. Vincula o auxílio de Vênus, e que em Tulsa esta apresada fique, até que à mortal liberte o verdadeiro amor!
A evasão de poder foi tão violenta que Hera tropeçou. Vulcano olhou por cima do ombro, e a imagem no fogo oscilou, desaparecendo em seguida.
– Mãe? Não a ouvi entrar aqui.
Hera disfarçou seu deslize, assim como sua bisbilhotice, franzindo a testa e olhando para a parte de baixo de sua veste diáfana.
– Acho que pisei na barra da minha túnica nova e a rasguei... Vulcano, querido, será que não pode tornar a escada até seu reino um pouco menos rudimentar e íngreme?
– A descida é mesmo escarpada, minha mãe. Devia ter pedido a alguma ninfa que me chamasse.
O deus do Fogo sorriu com indulgência enquanto conduzia Hera da sala das chamas para aquela onde raramente recepcionava convidados. Serviu-lhe um copo de vinho,
ocupado demais em sossegá-la para perceber seu sorriso malicioso, e tampouco notar que não havia rasgo algum em suas vestes.
Capítulo 5
– Pobre mortal! Sinto-me péssima por ela – lamentou Vênus, olhando para a moça que soltara um tremendo arroto e que agora fugia para a sala de banho.
– E aquele cabelo! – Perséfone comentou, penalizada.
– Não é tão ruim assim. É apenas pesado e encaracolado, e ela ainda não conseguiu domá-lo.
– Ora, vamos, é crespo e terrível! E o que não dizer sobre aquelas roupas? – Perséfone estremeceu. – Não compreendo como uma mulher pode usar calças largas e uma
blusa medonha com um desenho na frente.
– Ela só precisa de uma orientação. – Vênus tomou um gole do Martini, em seguida arregalou os olhos. – Ei, eu poderia fazer algo por ela!
– Do que está falando?
– Essa pobre mortal com cabelo ruim. Eu poderia ajudá-la! – Vênus repetiu, entusiasmada, em meio aos protestos de Perséfone. – Adoro este reino... Quero dizer, esta
cidade – ela se corrigiu depressa. – É muito menos deprimente e banal do que Troia, por exemplo – comentou, revirando os olhos cor de violeta. – Seria divertido
fazer de uma mortal meu projeto especial.
– Isso se chama serviço comunitário aqui. Se quiser ajudar a população, posso colocá-la em contato com a Associação Cristã Feminina local e...
– Não é nada disso! – Vênus interrompeu Perséfone. – Não seria pessoal o suficiente. Pense bem... Essa moça pode ser aconselhada, ajudada e treinada pela própria
deusa do Amor! Essa sim seria uma mortal de sorte!
– O problema é que ninguém aqui sabe invocar a sua ajuda, o que é parte da beleza do mundo moderno. Lembra-se?
– Não seja tão negativa.
– Eu não estou sendo negativa, estou sendo honesta – explicou Perséfone, paciente. – Aqui você não é uma deusa. É apenas uma mulher bela e desejável. Iria até ofender
aquela pobre infeliz caso se oferecesse espontaneamente para orientá-la.
Vênus suspirou.
– Está bem, eu compreendo. – Em seguida, seu semblante tornou a se iluminar. – Mas, se alguém pedisse pelos meus conselhos, eu ficaria muito feliz em ajudar. Seria
divertido! Muito mais do que lidar com o coração de pedra de Anaxarete, ou com Psiquê, aquela criatura irritante...
Perséfone deu de ombros.
– Se alguém aqui pedir por um conselho seu, não vejo nenhum mal em dá-lo.
– Como se o Amor fosse se intrometer onde não é chamado... Então estamos de acordo.
Perséfone revirou os olhos.
– Parece que vi um banheiro em algum lugar nesta direção – Vênus comentou com ar inocente, apontando para além do bar.
– É por ali, atrás daquela cortina de veludo. Mas ande depressa, pois precisamos ir embora. Acabei de me lembrar: prometi à minha mãe que iria para Elêusis esta
noite. Sabe como é: “não se pode perder o grande festival de Mistérios de Elêusis...” – Perséfone imitou o tom régio de Deméter, em seguida secou a taça de Martini
e sinalizou para que Jenny trouxesse a conta.
– Eu sei. – Vênus compartilhou o olhar de enfado da amiga. – Deméter leva tão a sério esses festivais! Mas, não se preocupe, não vou demorar. Ah! Não posso me esquecer
disso... – Agarrou a sacola de compras da Pricilla’s Toy Box e passou depressa pelo bar, quase ignorando os belos homens que a fitavam, embasbacados. Mesmo distraída
como se encontrava, lançou-lhes um breve sorriso e diminuiu o ritmo, de modo que seus quadris passaram a se mover lenta e sedutoramente. Os bombeiros silenciaram,
hipnotizados por sua beleza.
Vênus quase não percebeu sua reação. Quase.
Abriu a cortina e seguiu a placa que apontava para a esquerda. O banheiro não era grande, porém agradável e muito limpo. Cabines fechadas por cortinas de veludo
alinhavam-se na parede à sua frente.
Estava admirando a forma como o tecido cor de vinho parecia brilhar à luz do lustre antigo que pendia do teto quando ouviu uma coisa estranha. Alguém chamava o seu
nome!
Não, era mais do que isso. Alguém estava invocando sua ajuda! Que coisa extraordinária...
Em silêncio, avançou um passo. A pobre mortal do cabelo despenteado, a que soltara o arroto, se encontrava de pé diante de uma das pias antigas. Olhando para o espelho,
recitava uma antiga invocação.
As palavras envolveram Vênus como um lindo manto de seda, acariciando sua pele e preenchendo-a com o que parecia o calor de uma magia.
– Deleite, prazer, bem-aventurança e alegria... Ah, querida Vênus, me concedas! Com amor e esperança a ti invoco... Opera em mim a tua magia. Por felicidade e êxtase,
eu imploro... Bela Vênus, bendita sejas!
Terminada a invocação, Vênus sentiu um empuxo dentro dela, como se algo convencesse sua própria alma a ouvir o apelo da mortal. Precipitou-se para a frente e, ainda
segurando a sacola da Pricilla’s Toy Box, abriu os braços.
– Claro que vou ajudá-la!
Pea soltou uma exclamação e fez meia-volta, levando a mão ao pescoço.
– Merda! Você me assustou!... Pensei que estivesse sozinha aqui.
Vênus franziu a testa.
– Essa não é bem a recepção que eu costumo ter quando atendo a um chamado pessoalmente.
– Como assim? Quem é você?
– Vênus, é claro. E seu nome é...?
– Pea – ela respondeu de pronto.
– Pea? Que nome estranho! Tem certeza?
– Claro que tenho! É o meu nome. Bem, na verdade, esse é o meu apelido, mas é assim que todo mundo me chama. – Pea piscou, balançando a cabeça na tentativa de clarear
a mente e assimilar melhor as palavras. – Quem disse que era?
– Vênus, a deusa do Amor Sensual, da Beleza e das Artes Eróticas – a outra respondeu com pompa, usando o mais formal de seus títulos.
Pea deixou cair o queixo.
– Você suplicou pela minha ajuda, e de bom grado eu a ofereço – anunciou Vênus, com um floreio que fez o papel de seda em suas compras farfalhar na sacola.
Pea fechou a boca, abriu-a e depois a fechou outra vez.
– Eu compreendo... Deve estar em choque de tanto prazer. – Vênus caminhou ao seu redor, estalando a língua suavemente. – Temos muito trabalho pela frente! – Estendeu
a mão e tocou o casaquinho de balé como se fosse um inseto raro que ela tivera a infelicidade de descobrir. Então, desviou a atenção para o cabelo de Pea, balançando
a cabeça. – Pelo ânus gasoso de Éolo, temos que dar um jeito nisto!
– O quê?
– No seu cabelo, claro. Não o escova nunca?
– Claro que o escovo. O que mais eu... – Pea se interrompeu, passando a mão pela testa, confusa. – Escute, não quero ser rude, mas por que o meu cabelo seria da
sua conta?
– Porque invocou a minha ajuda, ora. Lembro-me exatamente do que entoou: “Felicidade e êxtase, eu te peço...” Eu já disse que estou respondendo à sua súplica. Estou
aqui para ajudá-la a encontrar a felicidade e o êxtase. Mas é óbvio que não poderá encontrar nenhum deles com esse cabelo.
– Está certo, eu... Bem, é muita gentileza sua... acho. Sou grata pelo seu, ahn, interesse, mas estou bem. Verdade. – Pea começou a se mover com cuidado em torno
de Vênus, como se temesse que a mulher fosse ter um ataque ou algo assim.
– Vi quando correu para cá, morrendo de vergonha – Vênus explicou, delicada. – Não acho que esteja bem.
Pea sentiu o rosto pegar fogo, porém conseguiu esboçar um sorriso.
– Ah, eu sou assim mesmo. Vivo passando vergonha... Já estou acostumada.
– Se isso é verdade, por que seu sorriso não alcança os seus olhos?
– É que... Eu... – Os argumentos de Pea fracassaram. – Tenho que ir – decidiu, correndo para a porta.
– Se você lavá-lo e, em seguida, aplicar uma pequena quantidade de óleo de coco, penteando-o apenas com os dedos e deixando que seque naturalmente, acredito que
vá conseguir domar o seu cabelo.
Pea estacou. Virando-se, encontrou o olhar benevolente da deusa.
– Óleo de coco?
Vênus assentiu com um gesto de cabeça.
– Óleo de coco puro, da mais alta qualidade que puder adquirir. E é de extrema importância que pare de pentear os fios. Faça apenas assim... – Ela passou os dedos
por suas próprias madeixas, partindo do couro cabeludo. – Isso fará com que os cachos fiquem mais definidos em vez de... – fez uma pausa, procurando as palavras
certas – ... em vez de rebeldes e indisciplinados como a juba de um leão. – Amassou um punhado do próprio cabelo, fingindo ter cachos desgrenhados em vez de ondas
brilhantes.
– Dá certo mesmo? – Pea indagou, hesitante. – Está falando sério?
– O Amor iria mentir para quem invocou sua ajuda? – Vênus sorriu, afável.
Pea mordeu o lábio, sem saber se ficava intrigada ou se estava conversando com uma louca. – Obrigada – agradeceu, por fim, permitindo que as boas maneiras prevalecessem.
– Vou tentar.
Vênus inclinou a cabeça para o lado, pensativa.
– Agora, antes de começamos a dar um jeito nesse seu modo infeliz de se vestir, preciso saber se tem gozado regularmente.
– Ah, meu Deus! Você não me perguntou uma coisa dessas!
– É claro que perguntei, minha querida. – Franzindo o rosto, Vênus tentou não demonstrar sua frustração com a aparente falta de inteligência da mortal. – É uma pergunta
mais do que natural. Se não está dando prazer a si mesma, como pode esperar que...
– Chega! Não vou aguentar isso depois do dia que tive.
– Só estou tentando ajudar.
– É estranho, mas quase acredito em você.
Numa súbita inspiração, Vênus pôs a sacola de compras nas mãos de Pea.
– Considere isto como um presente da sua deusa.
Desajeitada, Pea segurou o pacote e começou a recuar em direção à saída, obviamente decidindo que era mais fácil concordar com a mulher e fugir do que discutir com
ela sobre presentes e masturbação.
– Está bem. Mais uma vez, obrigada. Prometo seguir seu conselho quanto aos cuidados com o meu cabelo se também aceitar um conselho meu.
– Que coisa mais incomum! Uma mortal aconselhando uma deusa... Tulsa é mesmo um lugar fascinante. – Vênus a fitou, ansiosa e cheia de curiosidade. – Por favor, prossiga!
– De agora em diante, tente pegar leve nos Martinis. – Pea sorriu, nervosa, e desapareceu por detrás da cortina.
– Definitivamente não era o que eu esperava – Vênus resmungou para si mesma.
Ainda tentando compreender como uma mortal poderia implorar e depois rejeitar sua ajuda, ela atravessou a cortina espessa e adentrou o restaurante a tempo de ver
Pea tropeçar na barra ao longo do balcão do bar e deixar cair a sacola bem diante dos bombeiros. O enorme falo rolou para fora da caixa, vibrando aos pés de um homem
tão excepcionalmente bonito que Vênus se perguntou como não o havia notado antes.
Ele se inclinou para apanhar o objeto. Segurando-o com cuidado, ofereceu-o de volta para a mortificada Pea.
– Parece que deixou cair isto...
Emudecida e aterrorizada, Pea continuou apenas olhando do vibrador para o lindo bombeiro.
– Senhorita...
Os homens ao redor começaram a rir, porém ele conseguiu manter uma expressão séria.
Então seus olhos se arregalaram em reconhecimento.
– Ei, você não é a Pea? A minha vizinha, cuja terrier pensa que é um gato? Os brownies que deixou na estação estavam ótimos.
Pea tomou o falo das mãos dele, desligou-o e o jogou de volta na sacola de compras. Vênus percebeu que seu rosto estava vermelho como fogo e que ela parecia prestes
a chorar, mas, quando falou, por fim, sua voz soou cheia de uma alegria forçada.
– Isso mesmo... Pea! Sua vizinha, mãe da terrier que pensa que é um gato, arrotadora de primeira, dona de um enorme vibrador negro e excelente fazedora de brownies...
Eu adoraria ficar e conversar, Griffin, mas pretendo passar vergonha em outro lugar agora. Já cheguei ao meu limite aqui. – Em seguida, com as gargalhadas dos homens
soando às suas costas, Pea largou algumas notas sobre a mesa, pegou o livro e fugiu.
– Patético. Simplesmente patético – comentou Perséfone.
– Eu deveria lançar um feitiço neles para fazê-los calar a boca! – resmungou Vênus, sentindo os dedos formigarem enquanto estreitava os olhos para o grupo de homens
viris que continuavam rindo.
– Vênus, não...
Ela ignorou Perséfone e continuou a encarar os bombeiros. O mais bonito deles, o que fora um pouco mais educado com Pea, encontrou seu olhar, e Vênus se viu aprisionada
pelo azul de seus olhos sombreados por longos cílios. Ele a cumprimentou com um gesto de cabeça e um leve sorriso curvando os lábios.
Contrariada, a deusa se lembrou com firmeza que não importava o quanto ele parecesse cavalheiro; ainda fazia parte do grupo de homens que tinham rido de Pea, e portanto
deveria ignorá-lo.
Mas havia algo no brilho de seus olhos, no modo como seus lábios se inclinavam... E, principalmente, na maneira com que ele a fitava: tão cheio de confiança e admiração,
tão diferente da forma como os antigos guerreiros mortais ousavam olhar para ela, que não desviou o olhar. Não podia.
Foi então que aconteceu. Aquela centelha. Aquela maravilhosa e inexplicável fagulha que às vezes brotava entre as pessoas, e que nem mesmo o próprio Amor podia prever.
– Vênus, quer prestar atenção?! Estou dizendo para não fazer nada com eles. Não deveria puni-los. A mortal é, sem dúvida, uma pirralha ridícula.
– Não, não é! – Com relutância, Vênus desviou o olhar do intrigante espécime masculino e virou-se para Perséfone num acesso incomum de mau humor, sentindo como se
ela própria estivesse prestes a chorar. – Ela apenas precisa de ajuda. Na verdade é um doce de pessoa. Confusa, talvez, mas muito boa.
– Vênus, o que andou aprontando? – Perséfone indagou, conforme segurava a deusa do Amor pelo braço e a levava para fora do restaurante.
– Eu só fiz o que falou que eu devia fazer.
– O quê?
– Você mesma disse que se uma mortal pedisse a minha ajuda, eu deveria concedê-la.
– Eu não disse isso!
– Disse, sim.
– Não, eu não disse!
– Claro que sim!
– Vênus! – Perséfone fez meia-volta à sua frente. – O - que - você - fez?
– Fui até a sala de banho das senhoras e Pea...
– Pea?
– A mortal que acha patética. Agora pare de me interromper.
– Perdão. Vá em frente.
– Pea estava recitando uma invocação. – Vênus lançou à deusa da Primavera um olhar de “Eu não falei?”. Quando Perséfone nada disse, acrescentou: – Uma das minhas
invocações. Ela estava pedindo a minha ajuda e invocando o meu nome. O meu. E sabe que a pobre menina definitivamente precisa do meu auxílio.
– Está me dizendo que contou a ela quem você é?
– Claro! Ela estava me invocando.
– Disse que era Vênus, a deusa do Amor?
– É óbvio que sim. Sou eu mesma.
Perséfone começou a esfregar a têmpora direita.
– E essa pessoa, Pea, falou o que em resposta à sua declaração?
– Ficou surpresa e me pareceu um pouco lenta em sua capacidade de compreensão.
– Quer dizer que ela não acreditou em você.
– Pode-se dizer que não.
– Ótimo. Então o estrago foi mínimo. Agora, vamos... Vamos voltar para casa antes que acabe saindo no noticiário desta noite.
– No quê?
– Esqueça. Explico tudo isso mais tarde. Vamos voltar. Deméter vai ficar insuportável se eu chegar atrasada de novo. – Elas deixaram o restaurante, e Perséfone notou
o escurecimento prematuro do céu. – Sem dizer que o momento é excelente... Ninguém, mortal ou imortal, gosta de ser apanhado em uma dessas tempestades desagradáveis
de Oklahoma, e parece que uma delas já está quase aqui.
Vênus suspirou e não disse mais nada, acelerando o passo para acompanhar a deusa da Primavera. Sentia-se estranha, meio desnorteada, como se parte dela estivesse
triste, envergonhada e muito, muito cansada.
De braços dados com Perséfone e em silêncio, Vênus correu pela calçada enquanto nuvens de chuva revolviam o céu cinzento. Atravessaram a rua em frente ao Tribune
Lofts, um antigo edifício de apartamentos reformado, e seguiram pela ponte para pedestres sobre os trilhos da ferrovia. Chegaram ao ponto central da ponte, que os
moradores chamavam de “o centro do Universo” por conta do estranho fenômeno acústico que experimentavam quando se postavam bem no meio da calçada redonda, feita
de tijolos e concreto, a qual, na verdade, era um portal para o Olimpo no mundo moderno.
Perséfone olhou ao redor.
– Bem, no fim essa tempestade está tornando as coisas mais fáceis para nós. Não há mais ninguém na rua. – Ela agitou a mão no espaço à sua frente e o ar ondulou.
Uma abertura esférica, do tamanho de uma porta comum, se materializou e, sem hesitação, a deusa da Primavera passou por ela, desaparecendo no mesmo instante.
Vênus suspirou outra vez e deu um passo adiante. Ao bater o rosto em algo duro e impenetrável, soltou um gritinho e saltou para trás, esfregando o nariz.
A cabeça de Perséfone surgiu do meio da esfera, como se ela estivesse espiando de uma alcova com cortinas.
– Por que está demorando tanto?
– Eu não sei. Eu... – Hesitante, Vênus avançou, desta vez com as mãos estendidas diante do corpo. Quando se aproximou da área brilhante, próxima ao rosto de Perséfone,
o ar solidificou de repente, impedindo sua entrada. – Não consigo passar! – reclamou baixinho.
– Não seja ridícula. Claro que consegue passar e... – Perséfone se interrompeu ao tentar agarrar a mão da amiga e puxá-la através do portal. Embora seu próprio braço
deslizasse facilmente para a frente e para trás, de um mundo para o outro, Vênus parecia isolada por uma barreira invisível.
– Será que aconteceu alguma coisa e eu perdi os meus poderes? – ela perguntou conforme Perséfone retornava para o mundo moderno.
– Não importa. Até mesmo um mortal seria capaz de passar pelo portal de Deméter. Por isso mesmo tomo tanto cuidado para não ser vista indo e vindo.
Enquanto a deusa da Primavera falava, Vênus se voltou para uma bela árvore que crescia não muito distante dali. Lançou os dedos na direção de seus galhos desnudos
pelo inverno e, de repente, a pereira Bradford desabrochou em delicadas flores brancas, bem no meio da primavera.
– Meus poderes estão normais – concluiu, aliviada.
– Vamos tentar de novo. Talvez seja o portal, e este já tenha se corrigido. Vamos passar juntas. – Perséfone tornou a lhe dar o braço. – Pronta? Um, dois... três!
As deusas avançaram para a esfera brilhante. Perséfone se deslocou por ela com facilidade, mas o braço de Vênus foi arrancado do seu quando a deusa do Amor, mais
uma vez, pareceu trombar com uma parede de vidro.
– Pelos sátiros fornicadores e suas bolas peludas! – Vênus gritou, frustrada. – O que, por todos os níveis do Submundo, está errado com esse maldito portal destruidor
de deusas? – Mesmo enquanto praguejava, entretanto, uma lembrança se infiltrou por sua mente. Um pensamento que a levou de volta para o banheiro feminino do restaurante
de Lola e a um simples chamado que atraíra sua alma. – A invocação! Eu respondi àquela invocação e concordei em dar a Pea o meu auxílio – contou a Perséfone, conforme
a outra deusa reaparecia no portal.
– E daí? Há eras atendemos a invocações, e elas nunca nos impediram de voltar ao Olimpo.
– Eu sei, mas há algo diferente acontecendo aqui. Não sei ao certo, porém aquele chamado me tocou de uma maneira que eu nunca fui tocada antes. – Vênus fez uma pausa,
concentrando-se. – Estou ligada a ela!
– A ela, quem?
– A Pea! Por isso tenho me sentido tão estranha. Eu não sou assim. Estou conectada à mortal!
– Essa não... Vênus, o que dizia, exatamente, a invocação da mortal?
– Pea pediu que eu lhe desse felicidade e êxtase – ela recordou, combalida.
– E você concordou? Em voz alta?
Vênus assentiu.
– E lembro-me de que senti algo durante seu chamado. Uma espécie de empuxo dentro de mim que me levou a responder a ela de pronto. – A deusa fechou os olhos e balançou
a cabeça. – Pensei que estivesse apenas experimentando os efeitos daqueles deliciosos Martinis, mas não era nada disso. Era a invocação em si. E ela foi literal
e vinculativa.
Perséfone deixou escapar uma exclamação.
– O que significa que não será capaz de deixar este mundo até que traga felicidade e êxtase para aquela mortal patética!
Capítulo 6
– Não diga que ela é patética, Pea só precisa de ajuda! – protestou Vênus de pronto.
– Bem, certamente ela a tem agora.
– Tem, sim! – Vênus se empertigou, endireitando a elegante espinha e levantando o queixo perfeito. – Eu sou a deusa do Amor. Posso muito bem trazer felicidade e
êxtase a uma mortal, seja ela moderna ou não.
– Vênus, você não sabe nada sobre os mortais modernos.
– Que diferença isso faz? Conheço o amor, e o amor é intemporal.
– O que vai fazer?
– Ir até Pea, é claro. – Vênus pensou por um momento, então seu semblante começou a se iluminar.
– Ela vai precisar de uma reforma completa: roupas, cabelo, atitude, tudo novo! Na verdade, vai ser divertido, e eu ainda vou fazer uma boa ação.
Perséfone pareceu em dúvida.
– Assim que eu realizar sua transformação, vou tirá-la de casa e lhe dar algumas lições simples de como seduzir os homens – completou Vênus. – Só assim Pea será
capaz de experimentar toda a felicidade e o êxtase que deseja.
– E como pretende encontrá-la?
Vênus parou e pensou por um momento, depois sorriu.
– Estamos ligadas, lembra-se? Eu sei onde ela está agora. – A deusa apontou para o centro de Tulsa. – Pea está lá.
Perséfone deixou escapar um resmungo nada digno de uma deusa.
– É claro que ela está lá. Mas é uma área bem grande.
– Não seja cínica. Eu quis dizer que posso sentir exatamente onde Pea se encontra. Posso bater à sua porta se quiser. – Vênus riu, leve. – Não estou sem poderes
aqui.
– Não, mas se eu não lhe der isto, será o mesmo que não ter nada... – Perséfone revirou a bolsa e tirou uma carteira recheada, abrindo-a. – Muito bem, reparou no
modo como eu paguei pelas coisas hoje? Isto... – ela correu a unha bem pintada por uma fileira de pequenos plásticos guardados com cuidado – ... são cartões de crédito.
Pense neles como barras de ouro, com a diferença de que estes não terão fim. Eles não têm limite. Lembre-se apenas de assinar o pedaço de papel que o funcionário
irá lhe dar e de se certificar que receberá o cartão de volta depois que fizer a compra. Ah, espere... Deixe-me corrigi-los primeiro. – Perséfone estalou os dedos,
e o nome nos cartões passou de Perséfone Santoro para Vênus Smith.
– Por que eu tenho que ter um nome tão comum?
Perséfone revirou os olhos.
– Que tal este? – Estalou os dedos outra vez, e o nome em relevo se alterou para Vênus Pontia, que significava “nascida no mar”.
– Bem melhor.
– Agora, por favor, preste atenção e pare de reclamar. Isto... – Perséfone abriu um compartimento, expondo um maço de notas bem organizadas – ... é dinheiro.
– Eu sei como utilizar moedas – Vênus falou com um suspiro.
Um trovão ribombou acima de suas cabeças, e ambas as deusas olharam para cima.
– É Zeus? – questionou a deusa do Amor.
– Não, e nem precisa se preocupar com ele. O que está ouvindo é o prenúncio de uma autêntica tempestade de Oklahoma, que, na verdade, não devia estar acontecendo
em fevereiro. Mas nunca se sabe o que esperar por aqui.
– É melhor ir antes que comece a chover – decidiu Vênus.
– Não sei. Não gosto da ideia de deixá-la sozinha.
– Eu vou ficar bem. Já percorri todo o mundo antigo, lembra-se? Posso muito bem me virar no reino de Tulsa.
– Não é um reino!
– Eu só queria saber se estava me ouvindo.
Perséfone revirou os olhos de novo.
– Não diga a ninguém, além de Pea, quem você realmente é. Na certa terá que inventar alguma mágica para convencer a moça de que não está delirando feito uma louca.
Vênus franziu o rosto.
– Não está mais no mundo antigo, Vênus. Ninguém acredita em nós aqui, o que não deixa de ser uma coisa boa. Mas, uma vez que se encontra presa neste plano, isso
pode ser muito ruim se agir com muita excentricidade.
– Pelos mamilos arrepiados de Hera, eu não sou excêntrica! – Diante da expressão condescendente de Perséfone, Vênus ergueu as mãos em sinal de rendição. – O que
foi agora? A imprecação? Continua condenando as minhas pragas?
– Precisa parar de usá-las. É sério.
– Não vejo por quê – ela resmungou.
– Confie em mim, está bem? Tem que se adaptar, pois não vai poder cumprir o juramento feito na invocação da ala psiquiátrica de algum hospital!
A testa lisa de Vênus se enrugou em franca confusão.
– Apenas tente ser discreta – Perséfone aconselhou com um suspiro. – Siga o exemplo de Pea. Ela vai ajudá-la.
– Eu vou ficar bem – Vênus repetiu, dando-lhe um empurrãozinho em direção ao portal. – Vá em frente. Não quer deixar Deméter nervosa, quer?
– Está bem. – A deusa da Primavera retornou ao portal, relutante.
– Se alguém perguntar por mim, prefiro que diga a eles que estou de férias no mundo moderno.
– Não se preocupe. Isso não é da conta de ninguém, a não ser da sua. Ah... – lembrou-se Perséfone antes de atravessar a esfera brilhante.– Tente não ficar questionando
as pessoas sobre quantas vezes elas se masturbam, e se olham para seus órgãos genitais. Mortais modernos geralmente não compartilham esse tipo de informação com
estranhos.
– Eles não falam sobre masturbação e seus órgãos genitais? – Vênus murmurou enquanto Perséfone desaparecia na esfera cintilante. – Não admira que este mundo precise
da minha ajuda.
E, nesse exato momento, o céu se abriu, derramando a chuva fria de fevereiro sobre a deusa do Amor.
Vênus se materializou à sombra do carvalho grande em frente ao quintal de Pea. Tinha razão quando dissera a Perséfone que não teria problema algum para encontrar
a moça. Era como se a pequena mortal a estivesse puxando por uma corrente indestrutível, o que era bom, pois a poupara de procurar por toda Tulsa em meio a uma desagradável
tempestade.
De qualquer modo, sentia-se um trapo: molhada, tremendo e completamente infeliz.
Pensando bem, Vênus percebeu, poderia ter ordenado às gotas de chuva que não a tocassem. Mas isso não seria exercer o comportamento excêntrico contra o qual Perséfone
lhe havia advertido? Ou a advertência se aplicava apenas às questões genitais?
Era tudo tão confuso! A única coisa que sabia com certeza era que a pequena casa de Pea parecia acolhedora e convidativa, com sua ampla varanda frontal e as luzes
lá dentro brilhando.
Bem, lembrou a si mesma, esta é a minha mortal. A mulher que invocou meu auxílio. Não tenho por que ficar hesitante. Ela deve ficar muito feliz em me receber aqui.
Agarrando-se ao pensamento, correu através das poças de lama até a varanda de Pea, grata pelo generoso telhado mantê-la fora daquela chuva gelada e terrível. Levou
um instante para lançar o cabelo para trás, sabendo que, apesar de encharcada, ele continuava liso e muito sexy. Fez uma breve careta ao olhar para o suéter de lã
de seda, respingado por gotas pouco atraentes, e para suas novas e requintadas botas pretas de crocodilo, agora enlameadas e molhadas. Pelo menos a peça que Perséfone
chamara de calças jeans resistira bem à chuva torrencial.
A deusa do Amor beliscou as bochechas, afastando a palidez que se instalara em seu rosto, e tratou de colocar um brilhante sorriso no rosto. Então bateu à porta
de Pea.
Um latido estridente vibrou pelas paredes. Que tipo de besta Pea criava? Um Cérbero?, imaginou, preocupada.
Uma fresta se abriu na porta, e Vênus reconheceu os tufos rebeldes do cabelo de sua protegida. A menina ainda não tinha seguido seu conselho e comprado óleo de coco?
– Sim? Posso ajudar?
– Ei, sou eu! – ela proclamou. Quando a mortal não respondeu, acrescentou: – Vênus, a deusa do Amor... – Pea continuou emudecida, e Vênus deu um suspiro. – Sua deusa,
lembra-se? Você me invocou no restaurante.
– Estou com o celular na mão e o dedo na discagem rápida da polícia, que posso acionar a qualquer momento!
– Que bom... – Vênus franziu as sobrancelhas. – Mas, querida, será que poderia fazer isso enquanto eu estiver aí dentro? Está um pouco molhado aqui fora.
– O que quer aqui?
Vênus reprimiu um suspiro de frustração.
– Satisfazer o seu desejo de felicidade e êxtase, é claro. Já não discutimos o assunto?
– Como me encontrou?
– Ah, essa é uma história interessante. Creio que a sua invocação e a minha pronta aceitação, de alguma forma, nos uniu. Você me atraiu para cá, então, aqui estou!
– Eu sinto muito, mas acho que deveria ir embora.
De repente, Vênus sentiu-se à beira das lágrimas novamente, e suas palavras saíram em meio a um inesperado soluço.
– Mas está frio aqui fora, e eu não sei mais para onde ir!
A abertura na porta ficou maior, e Vênus pôde ver que Pea soltara o cabelo, o qual agora caía em desordem por seus ombros. Pior: ela estava usando uma peça única
de roupa de dormir cor-de-rosa que acompanhava, inclusive, o formato dos pés. Parecia uma pré-adolescente vestida daquele modo!
– Não chore – pediu Pea.
– Não estou chorando. – Vênus fungou e enxugou os olhos. – É que nada saiu como planejei hoje, inclusive você.
– Está bem... Pode vir para dentro se jura que não vai me assaltar nem me matar.
– Eu não sei o que significa “assaltar”, mas não soa educado. E não quero prejudicá-la, muito menos matá-la.
– Pode entrar, então – concordou Pea com relutância. Pondo-se de lado, recebeu-a no vestíbulo do pequeno bangalô.
Aliviada, Vênus entrou no ambiente aconchegante que cheirava a algo parecido com ambrosia cozida. Em seguida, uma bola de pelo preto rosnou furiosamente para ela.
– Quieta, Chloe! – Pea ralhou, severa.
A cadela rosnou outra vez, latiu num aviso, e Vênus riu.
– Com toda essa braveza, deve ser tão poderosa quanto o Cérbero!
Ao som da risada musical da deusa, Chloe parou de rosnar.
– Que bichinho mais passional! – Vênus se agachou em frente à cadela, e olhou para Pea. – Disse que o nome dela é Chloe?
– Sim, mas tenha cuidado. Ela não gosta de estranhos.
– Não há problema. O Amor nunca é estranho. Estou certa, Chloe, querida? – Vênus arrulhou, esticando a mão na direção da cadelinha. Chloe a cheirou e começou a abanar
a cauda.
Nesse momento, um gato enorme e cinzento entrou na sala.
– Ah, que bicho bonito você é! – exclamou a deusa.
– Este é Max – apresentou Pea quando o gato começou a roçar o corpo em torno da inesperada visita. – Ele adora todo mundo.
– Nem precisa dizer – Vênus riu, feliz, correndo a mão pela pelagem macia em uma longa carícia, enquanto afagava as orelhas de Chloe com a outra. – O Amor reconhece
um dos seus.
Quando finalmente se levantou para encarar sua protegida, tinha ambos os animais enroscados a seus pés.
– Boa noite, Pea. Obrigada por me receber aqui na sua casa.
– Está perdida? Quer que eu telefone para alguém vir buscá-la?
– Não, mas isso é muito gentil da sua parte. Você é mesmo uma pessoa muito boa, não é?
– Mas, se não está perdida...
– Eu não estou perdida, Pea. Estou presa aqui.
– Presa? Quer dizer, aqui na minha casa?
– Não, quero dizer no seu mundo – Vênus tentou explicar diante de seu olhar vazio. – O mundo dos mortais modernos. Eu costumava chamá-lo de reino de Tulsa, mas Perséfone
me explicou que este não é um reino, é uma cidade.
– Perséfone? A deusa?
– Claro.
– E ela está lá fora, na chuva, também?
– Não... Perséfone conseguiu voltar ao Olimpo. Só eu não consegui passar pelo portal.
– Então não vive aqui?
Vênus franziu o rosto.
– Claro que não, querida. Tenho um templo adorável no monte Olimpo. Eu estava na cidade apenas de passagem. Até comprei estas botas maravilhosas. – Ergueu um pé
para que Pea pudesse admirar sua nova aquisição. – Elas estavam melhores antes de ficarem molhadas e enlameadas...
Pea se agarrou à única coisa normal que a mulher havia dito.
– Por que não as tira e as deixa secar? Vou lhe arrumar uma toalha e algo quente para beber. Depois podemos descobrir o que... – fez uma pausa, obviamente lutando
para encontrar a coisa certa a dizer – ... o que fazer para ajudá-la.
– Isso mesmo! E não apenas o que você pode fazer para me ajudar, mas também o que eu posso fazer para ajudá-la. Só assim serei capaz de retornar ao Olimpo e ao antigo
mundo dos deuses.
– Que tal começarmos com uma toalha e um chocolate quente?
– Parece divino! – Vênus tirou as botas, enquanto Chloe e Max a observavam com evidente adoração, e Pea lhe trouxe uma toalha grossa e rosa que cheirava a lavanda.
Em seguida, levou-a a uma cozinha aconchegante, bem iluminada e limpa, onde ela se sentou a uma antiga mesa de café com flores silvestres pintadas à mão.
– Eu já estava preparando chocolate quente para mim. Vai levar só um instante para eu aumentar a quantidade.
Vênus secou o cabelo com a toalha enquanto observava Pea se mover com confiança ao redor do cômodo.
– É excelente cozinheira, não é?
Surpresa com a observação, Pea sorriu por cima do ombro enquanto continuava a mexer a mistura de leite e chocolate amargo.
– Sou, sim.
– E sua casa é muito bonita e confortável. Já percebi que usa as cores sabiamente, de modo a torná-la ampla e acolhedora.
– Obrigada. – Pea corou de leve.
– O que torna sua aparência pessoal ainda mais difícil de entender.
Pea endireitou a espinha e parou de encher a caneca, deixando-a pela metade.
– Não quero insultá-la, pelo contrário – Vênus se apressou em explicar. – O que quero dizer é que talvez nem precisasse ter invocado a minha ajuda. Parece entender
muito bem de estilo e estética.
– Apenas quando tem a ver com a minha casa ou com o trabalho. Quando se trata de mim é outra história... Ou pelo menos era, desde os meus tempos de colégio.
– Muito interessante – refletiu Vênus. Em seguida, abriu um grande sorriso. – Mas agora estou aqui, e o Amor vai ajudá-la a alcançar seus sonhos!
Pea juntou-se a Vênus na mesa, entregando-lhe uma caneca amarela e um guardanapo vintage de linho azul bordado à mão. Então se ergueu novamente e apanhou uma lata
decorada com fotos de cães terrier no balcão de granito, abriu-a e ofereceu a Vênus um dos biscoitos feitos com fermento importado que sempre mantinha ali.
A deusa aceitou um e o mordeu com delicadeza; em seguida, tomou um gole de chocolate quente.
– Pea, isto é delicioso!
– Obrigada.
Comeram e beberam em silêncio por alguns instantes. Vênus estudou a casa adorável ao redor com evidente curiosidade, e Pea tentou não encarar muito sua bela, misteriosa
– e mentalmente instável – convidada.
– O amarelo das paredes é da mesma cor que a das canecas em que estamos bebendo – comentou Vênus. – Que detalhe adorável!
– Muito bem... Quem é você, afinal? De verdade?
– Mas eu já lhe disse!
– É impossível que seja a deusa Vênus.
– Se acredita mesmo nisso, então por que invocou a minha ajuda com tanta convicção?
Pea brincou com um cookie. Depois fitou os olhos cor de violeta incomuns da mulher à sua frente, vendo apenas bondade neles.
– Eu estava cansada de ser invisível.
Vênus não precisaria estar ligada a Pea por um juramento para reconhecer a dor e a honestidade nas palavras. Segurou sua mão.
– Fale-me sobre isso.
– É que eu sou muito pior do que apenas uma mulher comum no que se refere aos homens. – Pea fez uma pausa, pensando com uma careta nos sujeitos sem graça que costumavam
assediá-la. – Pelo menos no que se refere aos homens que eu considero atraentes. É como se eu não existisse.
Vênus apertou a mão dela.
– Continue.
– Como você já percebeu, não tenho estilo. Meu cabelo e roupas nunca estão bons. – Pea moveu os ombros, inquieta. – Tudo começou quando eu tinha uns catorze anos
e entrei para um grande grupo de dança na escola. Um grupo em que era difícil entrar. Eu nunca havia me preocupado com a minha aparência, em saber como devia me
vestir ou qualquer coisa do gênero antes disso. – Ela sorriu timidamente. – Acho que era uma idiota, mas estava mais interessada em tirar boas notas e ter zilhões
de aulas de dança. De qualquer forma, pensei que me daria bem com o restante das meninas. – Pea hesitou, e uma sombra de dor escureceu seus olhos. – Eu estava enganada.
Era uma boa dançarina, tirei boas notas, tentei ser agradável com todo mundo, porém nunca fui boa o suficiente.
– Oh, querida, é claro que é boa o bastante! – Vênus sentiu-se à beira das lágrimas outra vez.
– Bem, eu sou inteligente. – Pea sorriu, corajosa. – Então aprendi sozinha a manter a casa em ordem, a cozinhar como uma gourmet, a me destacar no trabalho. E agora
decidi que, talvez, com, ahn, a sua ajuda e a de um livro, eu poderia aprender a ser uma mulher melhor.
– Oh, minha criança! Já posso dizer que é uma mulher maravilhosa. Não precisa aprender a ser melhor. Tudo o que precisa fazer é mostrar ao mundo a verdade do que
você já é, e deixar o passado para trás.
– Eu gostaria que isso fosse possível.
– Claro que é possível!
Pea sorriu.
– Com a ajuda de Vênus, a deusa do Amor.
– Então acredita que eu sou Vênus?
Ela corou de novo.
– Bem, não. Mas acho que é linda o suficiente para ser a deusa do Amor.
– Na verdade, sou a deusa do Amor Sensual, da Beleza e das Artes Eróticas – Vênus a corrigiu, depois suspirou. – O que posso fazer para convencê-la? Tem algo que
gostaria que eu transformasse em ouro? Uma árvore que gostaria que desse frutos? – Bateu com o dedo no queixo, pensativa. – Ainda estamos no meio do inverno... Não
que isso importe muito, mas Perséfone diria que fazer uma árvore frutificar no inverno seria muito imprudente da minha parte.
Apesar da loucura das circunstâncias, Pea se viu sorrindo.
– Por que não transforma Chloe em um gato? Ela vive com Max desde pequena e cresceu acreditando que é uma gata, e não uma terrier.
Vênus olhou para Chloe, que se sentou ao pé de Pea.
– Você pensa que é um gato? – Chloe bateu o rabo alegremente contra o chão, e a deusa sorriu para a precoce cadelinha preta. – Bem, então deve ser mesmo... – Com
um gesto pequeno e simples, tocou Chloe de leve.
O ar em torno da cadela começou a cintilar feito um diamante e, com um pequeno estalido, a terrier desapareceu, dando lugar a uma enorme gata preta, com grandes
orelhas e fartos tufos de pelo ao redor do rosto, que faziam com que ela parecesse ter barba.
Cada milímetro de cor foi drenado do rosto de Pea.
– Chloe?! – ela indagou, quase engasgando com a palavra.
A gata abanou o rabo de leve no chão da cozinha.
Pea estendeu a mão trêmula e tocou aquela que costumava ser sua cadelinha. Chloe ronronou sediciosamente, e sua cauda se moveu com mais ímpeto. Pea arregalou os
olhos para Vênus.
– Você é Vênus, a deusa do Amor! – Pôs a mão na cabeça. – Devo estar doente.
Preocupada com sua súbita palidez, Vênus a abanou com o guardanapo de linho.
– Quer beber alguma coisa? Posso fazer surgir uma deliciosa taça de ambrosia. É muito refrescante.
– Não! Eu só preciso respirar. – Pea engoliu o ar.
Max entrou na cozinha, viu Chloe, soltou um miado e se afastou tão rápido que suas garras e patas deslizaram como se no gelo em vez de no ladrilho. Chloe apenas
inclinou a cabeça para o lado e miou.
– Será que pode, por favor, trazê-la de volta? – Pea implorou baixinho.
– Claro. – A deusa deu de ombros.
Com um só movimento de seu pulso e mais brilho no ar, Chloe recuperou sua forma de cão terrier. Como se tivesse acabado de sair da chuva, a cadela se sacudiu e,
em seguida, espirrou antes de correr para fora da cozinha em busca de Max.
– Pronto! Aí está ela de novo – declarou Vênus.
Pea continuou a fitá-la, perplexa.
– O que foi? – indagou a deusa.
– Bem, ahn, senhora... quero dizer, Sua Majestade... Não, isso é para rainha, e não para uma deusa... – Pea murmurou, nervosa. – Eu não sei como chamá-la!
A deusa sorriu.
– Querida, Vênus é perfeito.
Capítulo 7
– Conte-me sobre sua vida amorosa – pediu Vênus.
– É inexistente – declarou Pea.
– Você é virgem?
– Ah, Deus, não! – Ela levou a mão à boca. – Quero dizer, deusa... Acho.
– Acha que deveria dizer “deusa”, ou acha que não é virgem?
– Vênus, conversar com uma deusa de verdade já é estressante o suficiente sem que me confunda mais ainda!
Vênus sorriu, satisfeita pela mortal ter começado a relaxar.
– Quando irritada, fique à vontade para usar os órgãos genitais dos deuses como palavrões. Eu faço isso.
– Obrigada... Acho.
– Então não é virgem.
– Não.
– Mas também não é muito experiente sexualmente.
– Não.
– Você se masturba com frequência?
Pea corou.
– Temos que falar sobre isso?
– Quer mudar ou não?
Pea respirou fundo.
– Eu não me masturbo com muita frequência.
– Por que não?
– Pela mesma razão de eu não gostar de falar sobre isso. Esse assunto não me deixa à vontade; faz com que eu me sinta embaraçada e meio culpada.
– Que despropósito! – Vênus bufou, descrente, então a fitou de soslaio. – Antes de mudarmos seu cabelo, roupas e de corrigir a sua maquiagem, ou melhor, a falta
desta, temos que mudar a sua atitude quanto ao prazer.
– Está bem – concordou Pea, insegura.
– Sente-se culpada e envergonhada quando prepara uma lauta refeição?
– Claro que não.
– Mesmo se for a única a comer?
– Não, isso é bobagem. Só porque estou sozinha não significa que eu não possa... – A compreensão iluminou o rosto de Pea. – Ah! Entendo o que quer dizer.
– O prazer, assim como esta excelente caneca de chocolate quente, é para ser saboreado e apreciado, não negado.
– Está certa – Pea concordou, desta vez com mais segurança.
– Se não conhece seu próprio corpo e o que lhe agrada, como espera que um homem saiba como lhe dar prazer?
– Isso é lógico.
– Claro que é. O Amor nem sempre é ilógico, não importa o que diga Perséfone. – Em resposta ao olhar interrogativo de Pea, Vênus completou: – A deusa da Primavera
pode ser muito pouco romântica. Tenho que me lembrar de trabalhar essa questão no futuro... Mas um problema de cada vez. – Vênus sacudiu a cabeça e tratou de se
concentrar de novo em Pea. – Pois então, para começar, quero que comece a se dar prazer regularmente. Seja mais desinibida. – Com um sorriso travesso, ela fez um
gesto gracioso e, em meio a uma nuvem cintilante, uma garrafa de cristal com um líquido da cor do sol apareceu em cima da mesa, fazendo Pea pular de susto. – Tem
taças de vinho ou vou precisar materializá-las também?
– Não! Eu tenho taças. – Ainda olhando para o líquido dourado, Pea recuou até um armário e tirou dele duas taças de vinho branco, trazendo-as para a mesa. – Pode
fazer qualquer coisa aparecer assim?
– Claro que posso. Sou uma deusa. – Vênus serviu a bebida. – Isto vai ajudá-la a vencer suas inibições. – Ergueu a taça e Pea fez o mesmo. – Ao prazer! – ronronou
num brinde.
– Ao prazer... – Pea tomou um gole, hesitante. Mal engoliu, seu semblante se transformou, repleto de alegria. – Este vinho é incrível! Nunca provei nada parecido.
– É ambrosia, o néctar dos deuses. – Vênus deu um gole longo e voluptuoso. – É feito de flores colhidas por ninfas, encontradas apenas nos Campos Elíseos. É simplesmente
divino. – Deu outro gole. – Pois então, Pea, meu plano para trazer felicidade e êxtase à sua vida é bastante simples. Em primeiro lugar, precisa aprender a aceitar
o prazer. – Vênus franziu as sobrancelhas benfeitas. – Em que pensa quando está se masturbando?
– N-Não sei. Não em muita coisa, acho.
A deusa balançou a cabeça devagar.
– Isso é triste. Muito triste. E também deve mudar. Na próxima vez em que for se dar prazer – o que deve acontecer esta noite – quero que fantasie.
– Sobre o quê?
– Ah, querida! Como é trágico ter que perguntar! Embora eu seja, é óbvio, a deusa perfeita para se fazer tal pergunta. – Ela deu um tapinha na mão da mortal. – Pea,
fantasias são muito pessoais. Deixe sua mente viajar sem culpa. Por exemplo, há um homem especial, que você considere atraente?
Pea sentiu as faces arder com mais do que apenas o potente vinho dos deuses, e Vênus sorriu, perspicaz.
– Vejo que sim. Conte-me sobre ele – ordenou, servindo-a com mais ambrosia.
– O nome dele é Griffin. Pode-se dizer que tenho uma queda por ele já faz algum tempo, mas acho que nos encontramos formalmente apenas hoje. Na verdade, foi Griffin
que me levou a começar a ler seu livro. É o homem mais lindo que já vi, e parece ser muito bom, também. – O sorriso já meio alcoolizado de Pea desapareceu. – Mas
ele mal sabe que eu existo. Ou melhor, agora sabe... Na saída do restaurante, tropecei e deixei cair a sacola que você me deu. O pênis de borracha rolou e começou
a vibrar a seus pés. Tenho certeza de que agora Griffin vai se lembrar de mim como “a garota do vibrador”.
Vênus tomou um gole de ambrosia, recordando-se do lindo homem que tinha apanhado o falo de borracha... e se obrigando a esquecer a centelha que brotara entre eles.
Pea era a principal questão ali, e não seu próprio prazer. E aquele belo espécime masculino sem dúvida poderia ajudar a trazer felicidade e êxtase à sua protegida.
– Vamos ter que mudar a maneira como ele pensa em você – declarou com determinação.
– Pena que não seja tão simples.
– Querida, com o Amor a seu lado, tudo se torna simples.
– E você – Pea apontou para ela, já não muito firme – é o Amor!
Vênus riu.
– Pelo visto, já deu conta da ambrosia – comentou, tirando a garrafa do alcance de Pea ao se recordar de que os mortais eram muito suscetíveis ao rico vinho dos
deuses.
– Agora, preste atenção no que quero que faça...
– Lição de casa?
– Bem, está em casa, mas não creio que dar prazer a si mesma possa ser qualificado de lição.
Pea riu.
– Preste atenção. Quando for se dar prazer esta noite, quero que pense em Griffin.
– Está bem... Posso fazer isso.
– Ótimo. Quero que fantasie bastante.
Pea franziu o rosto, e Vênus suspirou.
– Imagine como seria ter as mãos dele em seu corpo, sua língua quente explorando a fenda úmida entre suas pernas, lambendo e provocando o seu centro de prazer até
não poder aguentar mais. Depois imagine Griffin penetrando-a com seu membro túrgido, acariciando-a e afagando-a até que ambos estremeçam com a força de seus orgasmos...
– Eu posso fazer isso! – Pea disse sem fôlego. – Bem, boa noite! – Ela se ergueu da mesa e partiu, cambaleante, para fora da cozinha.
– Querida!
Pea parou e sorriu de volta para sua deusa.
– Embora este cômodo da casa seja muito confortável e bonito, não parece ter uma cama...
– Ops! – Pea riu. – Venha por aqui. – Tentou fazer um gesto amplo, porém estava tão instável que Vênus precisou segurá-la pelo braço a fim de mantê-la na posição
vertical.
– Preciso me lembrar de colocar um pouco de água na ambrosia da próxima vez... – comentou com um suspiro conforme amparava sua risonha pupila corredor afora.
– Este é o quarto de hóspedes – declarou Pea, conseguindo se manter em pé e cambalear apenas ligeiramente. – O banheiro é na outra porta, fique à vontade. Há um
roupão de banho no armário. Podemos cuidar das suas roupas e de outras coisas amanhã.
Vênus olhou o cômodo arrumado e confortável, decorado em diferentes tons de branco, creme e champanhe, antigos vestidos brancos e rendados adornando uma parede como
arte tridimensional, e uma enorme foto emoldurada de um prado cheio de flores silvestres decorando a outra. A cama era de ferro forjado branco, adornada com um espesso
edredom e almofadas feitas de renda vintage na cor creme.
– Obrigada, Pea. Este cômodo também é adorável!
– Que bom. Então... Vou deixá-la para fazer a minha lição de casa. – Rindo, ela cambaleou para longe.
Vênus a observou se afastar sorrindo. Pea era uma moça encantadora. Atender a seu desejo de felicidade e êxtase não poderia ser tão complicado.
Vulcano disse a si mesmo que estava tomando conta de Vênus. Sabia que, ao contrário de Perséfone, ela não tinha voltado ao Olimpo. Afinal, ele deveria prestar atenção
aos homens que a deusa conhecia, tendo em mente que um deles poderia ter potencial para assumir seu lugar.
Mas estava curioso quanto à pequena mortal que observara no restaurante. E, sim, não parava de pensar nela.
De qualquer modo, esse não fora o único motivo pelo qual ele abrira a linha de fogo e olhara em sua janela para o mundo moderno.
– Eu não me masturbo com muita frequência...
Vulcano sentiu o choque pelo comentário inesperado de Pea refletir em suas entranhas. Vênus estava na casa da moça e, como de costume, preocupada com a vida sexual
de alguém!
Mas por que teria ido até lá?
Continuou a ouvir, intrigado com a doce e tímida mortal. Pelo visto, a deusa do Amor fora até sua casa para lhe dar orientação e ajudar Pea a encontrar a felicidade
e o êxtase.
– É bem típico de Vênus se intrometer na vida pessoal de um mortal – disse num resmungo.
Mas, quanto mais Vulcano ouvia, mais ele entendia que Pea pedira pela ajuda de Vênus; que a pequena desejava se tornar algo mais, o que ele, como deus do Fogo, compreendia
perfeitamente.
Estudou Pea. Sim, ela era bastante simples e se vestia de uma forma pouco atraente, porém ele conseguia enxergar a mulher sensível por trás de seu desalinho. Podia
ver também que a maioria das pessoas não se incomodaria em olhar o que existia sob sua aparência, assim como os imortais não enxergavam o que havia sob a dele.
Pea comentou a respeito de um homem bonito do restaurante, e Vulcano se enfureceu ao lembrar-se de como os mortais tinham rido de seu embaraço. Um homem como aquele
não merecia uma criatura rara como Pea!
Não que ele estivesse com ciúme. (Como poderia? ) Estava apenas preocupado. Ele também era sensível, mas ninguém parecia compreender aquele seu lado.
Sua expressão dura se transformou em uma inusitada risada quando a ambrosia operou sua magia na moça. Surpreso, ele constatou que Vênus iria passar a noite na casa
de Pea. Que estranho!
Sua admiração se multiplicou por dez, entretanto, quando o fio que devia ter ficado com Vênus tomou novo rumo, permitindo-lhe acompanhar Pea de forma invisível conforme
ela oscilava alegremente pelo corredor.
Intrigado, Vulcano a viu entrar em seu confortável quarto, e franziu a testa, cheio de curiosidade, quando a mortal fez soar uma música suave e lenta, para em seguida
começar a acender as velas que repousavam em sua cabeceira. Cantarolando baixinho, ela puxou a espessa roupa de cama e apagou a luz brilhante do teto, deixando que
apenas as velas iluminassem o cômodo. Obviamente estava se preparando para dormir, mas não parecia cansada.
Os olhos dele se arregalaram quando Pea começou a dançar. De modo lento e sensual, ela levantou os braços acima da cabeça, girando-os com graça conforme se movia
ao ritmo da música.
Vulcano piscou, atarantado. Até então a mortal não deixara transparecer sua graça ou – ele admitia agora – sua beleza. Enquanto dançava, no entanto, ela pareceu
despir a capa de timidez e se tornou uma nova pessoa.
Hipnotizado, ele mal respirou quando Pea se desfez da peça única e disforme de dormir e continuou a dançar, girando, mergulhando e se alongando, vestida apenas com
uma calcinha justa e sem adorno.
Algo o lembrou de que ele não deveria observá-la, que não era muito correto espionar tão íntima cena.
Mas não conseguia parar de assisti-la. Ignorando sua consciência, pela primeira vez na vida ele permitiu que seu desejo e seu coração o governassem.
O corpo de Pea era outra surpresa. Ela parecia tão pequena e frágil nas roupas largas que usava! Porém agora ele podia ver que ela era esbelta sem ser muito magra,
e também musculosa, embora não de modo grosseiro.
Olhou os seios. Não eram grandes, mas eram muito bem-conformados.
Não. Eram mais do que bem-conformados. Eram como dois frutos maduros: firmes e convidativos. E as nádegas...
Vulcano se viu hipnotizado pela visão dos montes redondos e empinados se movendo de modo tão sedutor. Eles pareciam clamar por seu toque, pedir que ele a tomasse
nas mãos, a erguesse e...
Não pôde suportar por mais tempo. Pea era como uma droga que invadira suas veias. Excitado, sucumbiu ao impulso irresistível de tocá-la. Apenas por um instante,
enviou um único fio de sua essência divina por meio da linha de fogo e permitiu que este lhe acariciasse o corpo.
Ela se contorceu.
Com um suspiro, Vulcano soltou a amarra do curto envoltório de linho que usava sobre os quadris, e sua ereção se ergueu, poderosa, contra o abdômen.
Como se pudesse sentir seu desejo, Pea parou de dançar. Com a pele brilhando com uma fina camada de suor que cintilou à luz das velas, deitou-se na cama, fechou
os olhos e deixou as mãos deslizar sobre o próprio corpo. Hesitante no início, depois com crescente paixão, segurou os seios e, esfregando os mamilos, pendeu a cabeça
para trás, de encontro aos travesseiros.
Vulcano viu sua boca delicada se abrir num gemido e percebeu quando suas carícias tímidas se tornaram mais urgentes.
A respiração do deus se acelerou junto com a dela, e seu batimento cardíaco aumentou.
Com um grunhido baixo, ele cobriu o pênis com a mão e começou a bombear lentamente enquanto continuava a observá-la.
Pea deslizou as mãos dos seios para o ventre, depois mais para baixo, tirando a calcinha em um movimento suave. Então ergueu os joelhos e deixou a ponta dos dedos
brincar sobre a pele sedosa entre as coxas. Suas pernas se abriram, enquanto ela gemia outra vez. Seu corpo nu se encontrava exposto agora, e Vulcano pôde ver o
centro rosado e úmido em meio ao triângulo escuro. Pea deslizou a ponta dos dedos de ambas as mãos sobre as ondas macias, afagando-as lenta, eroticamente, antes
de afundar dois deles em seu núcleo.
Vulcano deixou escapar uma exclamação e se permitiu outra ousadia. Seguindo a linha de fogo de seu ser, sua essência cobriu o monte rosado, acariciando-a com seu
calor e magia enquanto inalava seu cheiro e sentia seu gosto.
Vulcano aumentou a velocidade dos golpes. Com uma intensidade que nunca experimentara antes, desejou mergulhar o corpo entre as pernas de Pea, acariciá-la cada vez
mais, sentir seu calor úmido e tomá-la para si.
Com os olhos ainda fechados, Pea começou a mover os dedos mais depressa, mais fundo, acariciando-se até que seus quadris assumiram um ritmo próprio.
A mão de Vulcano trabalhou mais rápido, também, e seu desejo a engolfou como uma nuvem clara e quente, passeando pelo corpo curvilíneo como se tivesse vida própria.
De repente, seu mundo inteiro se resumia àquela sereia sedutora em meio ao fogo.
Quando Pea se retesou e, em seguida, gritou em êxtase, seu próprio desejo espiralou dentro dele, fazendo-o cair de joelhos e estremecer, impotente, diante de um
orgasmo poderoso que o deixou fisicamente exausto, mas ainda querendo mais... muito mais.
Vulcano olhou Pea até que, saciada, ela caiu num sono pesado. Continuou a observá-la e a sonhar.
E se...?
Capítulo 8
Um delicioso aroma despertou Vênus, e ela olhou para o céu através da janela do quarto. Por sorte, a chuva tinha parado. O dia estava claro e bonito e, a julgar
pela posição do sol, metade da manhã já se passara.
Definitivamente, já era hora de a deusa do Amor começar a trabalhar.
Tomou um banho e se vestiu depressa, admirada com o banheiro de hóspedes bem equipado de Pea, que contava com uma generosa seleção de sabonetes perfumados e loções.
Em seguida, cantarolando uma antiga canção sobre fertilidade, seguiu o aroma maravilhoso que a despertara até a cozinha, onde foi recebida com festa pela terrier
e pelo gato. Dando bom-dia a Chloe e Max, acariciou os adoráveis animais.
– Bom dia, deusa do Amor! – Pea cantarolou. – Não sei como gosta do seu café, mas há creme e açúcar na mesa. Sente-se! Nossas omeletes estarão prontas num instante.
Vênus observou Pea, atenta, então sorriu.
– Eu disse que se dar prazer adequadamente era ótimo.
Pea olhou para a deusa por cima do ombro. Tinha o rosto corado, porém seus olhos brilhavam. – Deve ter sido a ambrosia. Juro que quase peguei fogo, Vênus... Estava
certa.
– Claro que estava! Precisa aprender a confiar em mim nesses assuntos. Eu não só conheço, como sou o Amor. – Vênus serviu-se do líquido escuro que Pea chamava de
café, depois acrescentou um pouco de creme e açúcar. Tomou um gole, e seus olhos cor de violeta se arregalaram. – Pelas nádegas duras de Ares, que bebida deliciosa!
– Ares? – Pea indagou, virando as omeletes e adicionando uma boa pitada de queijo ralado.
– O deus da Guerra. Ele é um tédio... Sempre preocupado com armas, estratégias de batalha e exercícios, mas seu traseiro é perfeito. – Vênus bebeu o café e mordiscou
um pedaço de torrada com geleia. – O que me faz lembrar: que tipo de homem acha mais atraente? Musculoso ou magro? Alto ou baixo? Qual a sua preferência?
Pea deslizou uma omelete para o prato de Vênus e um para o dela, pensando com cuidado antes de responder à deusa.
– Seria um clichê idiota dizer que prefiro os altos e musculosos?
O sorriso de Vênus foi como o de um gato lambendo creme de leite.
– Querida, não há nada idiota em desfrutar um homem alto e bem-proporcionado.
– Não que ele tenha de ter tudo no lugar e ficar horas malhando, mas...
– Ares é assim – comentou a deusa, concordando.
– Quero um homem menos fútil. Como Griffin – Pea acrescentou, tímida.
– Claro. E vamos arrumar um desses para você. Quem sabe até mesmo esse Griffin, de quem gosta tanto – prometeu Vênus com naturalidade, congratulando-se mentalmente
por não estar mais tão interessada no bombeiro. – Mas primeiro temos que tomar providências a respeito disso tudo. – Acenou com o garfo na direção de Pea.
– Está bem. Estou pronta. – Pea olhou ao redor, nervosa. – Mas, se vai começar a fazer as coisas aparecem de repente, gostaria que esperasse até eu terminar de comer.
Eu sei que parece bobagem para você, mas coisas surgindo do nada fazem meu estômago doer.
– Claro que eu poderia invocar o que desejasse, mas seria apenas uma correção temporária para os seus problemas. – Vênus fez uma pausa e lançou um olhar de desdém
para o pijama inteiriço de Pea. – Querida, onde compra suas roupas?
– Em lojas de desconto. – Pea encolheu os ombros. – Onde quer que haja uma liquidação.
– Certo. Agora sei onde não compraremos nada. Diga-me, onde jamais faria compras porque acredita que só os muito bonitos e elegantes iriam?
– Na Saks Fifth Avenue da Utica Square – Pea respondeu, enquanto mastigava a omelete.
– Então é na Saks Fifth Avenue da Utica Square que iremos. Mas, primeiro... o seu cabelo.
Pea suspirou.
– Acho que não tem jeito.
– Querida, tudo tem jeito quando o Amor toma conta!
Pea estacionou o Thunderbird diante da Saks, e não pôde resistir a se olhar no espelho mais uma vez.
– Eu disse que o óleo de coco iria funcionar – comentou Vênus, presunçosa.
– É impressionante. Eu não sabia que tinha estes cachos! Achava que tinha apenas fios arrepiados. Milhões deles!
– Isso porque os estava escovando e não usava o produto correto.
– Nunca mais vou escovar o cabelo novamente. Juro!
– Basta lavá-lo – lembrou Vênus.
– A cada três dias, certo? E usando shampoo neutro e condicionador extraforte.
– Excelente. – Vênus assentiu. Mas ainda não terminei de cuidar do seu cabelo.
– Não?
– Confie em mim. Agora, vamos às compras.
Pea suspirou e, relutante, saiu do carro.
Vênus olhou os tênis surrados com uma careta.
– Nossa primeira parada será no departamento de sapatos.
– Querida, está divina nesses saltos altos! – Vênus se acomodou com graça em um banco almofadado e assistiu a Pea caminhar pelo departamento com os scarpins de couro
prata, de saltos pretos tamanho dez.
– É óbvio que ela é bailarina – comentou o vendedor efeminado que se apresentara como Fábio.
– É bailarina, querida? – Vênus perguntou.
– Bem, sim... Tenho aulas de balé desde os cinco anos.
– Então não é de admirar que seu corpo tenha tanta elasticidade e graça. As ninfas das florestas bem que poderiam aprender uma coisa ou outra com você... Aqueles
saltinhos já estão ficando muito sem graça.
– Ah, mas é tão difícil encontrar uma boa ninfa hoje em dia! Nem mesmo o show de drags do Holiday Inn tem uma decente – comentou Fábio, com um floreio das mãos bem
cuidadas.
– Fábio, querido, onde conseguiu essa cor de lábios maravilhosa? – Vênus quis saber.
O rapaz corou.
– No balcão da Bobbi Brown. Eu amo este tom natural.
– Pea, precisamos nos lembrar de comprar um desses antes de irmos embora. – A deusa voltou seu sorriso divino para Fábio. – Vamos ficar com os sapatos que ela está
usando e com os outros quatro pares que escolhi.
Pea soltou uma exclamação.
– E como pretende pagar, madame? – indagou o vendedor.
Vênus puxou o cartão dourado da bolsa carteira e piscou para sua pupila.
– Com isto.
Fábio olhou para o cartão e sorriu, o gloss cintilando à luz do candelabro de cristal do departamento.
– Vênus Pontia... Eu sabia que você era uma deusa no momento que vi esse seu cabelo fabuloso! – elogiou com afetação.
– É claro que sim, querido. Agora seja bonzinho e embrulhe os sapatos. – Vênus parou ao observar a aparência bem cuidada do vendedor e suas roupas impecáveis. –
Fábio, será que não poderia ir até o departamento de roupas conosco e levar nossas compras? Eu gostaria muito que me ajudasse a vestir a minha amiga.
– Diga-me uma coisa, minha deusa... – O rapaz baixou a voz e fez sinal para que Vênus se aproximasse. – Quanto, exatamente, pretende gastar em nosso humilde estabelecimento
hoje? Uma boa quantia ou uma quantia obscena?
O sorriso de Vênus foi manhoso.
– Uma quantia mais do que obscena. Isto... – levantou o cartão de crédito como se fosse a chave do paraíso – ... não tem nenhum limite.
– Ah! – Fábio e Pea exclamaram em uníssono. Em seguida, o vendedor se inclinou, afetado, para a deusa. – Vamos em frente, minha diva. Sou todinho seu!
O sorriso de Vênus se alargou.
– É claro que é, meu querido.
– E então, quais são as duas coisas de que vai se lembrar para sempre ao comprar roupas? – Fábio exigiu de Pea, parecendo um professor de Educação Física.
– Cor e corte – ela respondeu de pronto, incapaz de parar de se olhar no espelho do provador.
– Percebe a diferença que faz prestar atenção a esses dois itens? – prosseguiu o vendedor, satisfeito.
– Sim – Pea assentiu com entusiasmo.
– E você, minha deusa, aprovou? – Fábio recuou drasticamente, de forma que Vênus pôde ter uma visão completa de Pea.
Vênus se aproximou de sua pupila, estudando-a com cuidado, e acariciou a manga do suéter de caxemira, que parava um pouco acima do cós das calças, deixando apenas
o mínimo de pele à mostra quando ela se movia.
– Deveria usar esse tom cor de malva mais vezes, pois ele faz com que sua pele se destaque. E lembre-se, você se esforçou muito para ter essa cinturinha... Não tenha
medo de exibi-la.
Pea puxou o suéter para baixo, incomodada.
– Pense nisso tudo como faz com o carro maravilhoso que dirige – prosseguiu Vênus, com súbita inspiração.
– Como assim?
– Disse que pagou caro por ele.
– Sim, mas ele valeu cada centavo.
– E não trabalhou muito por cada uma desses centavos?
– Sem dúvida.
– Depois de trabalhar tanto e de adquirir algo tão bonito, não iria escondê-lo na casa de carros, iria?
– Na garagem – corrigiu Pea, apressada, lançando um olhar na direção de Fábio; porém ele estava distraído, vasculhando a arara de blusas.
– Que seja – Vênus falou com um suspiro. – A questão é que não iria escondê-lo.
– Não, eu nem mesmo pensaria nisso.
– Então pense em seu corpo como pensa no seu carro. Você se esforçou muito para obter ambos. E os dois são bonitos. Não podem ficar escondidos.
– Nunca pensei dessa forma.
– Assim como o prazer, a beleza deve ser saboreada e apreciada.
– Divino! – Fábio entoou, afastando-se da seção de blusas. – “Assim como o prazer, a beleza deve ser saboreada e apreciada...” – Suspirou, dramático, depois tomou
a mão de Vênus nas suas. – Saiba que colocou toda a minha filosofia da vida em uma frase primorosa! Não imagina como gostei de ajudar vocês duas esta tarde. Foi...
– Fábio se interrompeu, comovido, e enxugou os olhos, respirando fundo. – Foi uma experiência transformadora!
– Ah, querido... – Vênus o acariciou no rosto gentilmente. – O amor e a beleza foram criados para transformar vidas. – Ela inclinou a cabeça e o estudou, atenta,
antes de continuar: – E, sim, deve abrir o negócio em que está pensando.
Fábio arfou e agarrou suas pérolas.
– Oh, meu Deus! Como sabia que eu estava pensando em abrir minha própria loja?
Vênus fez um gesto de desdém com a mão.
– Vamos chamar isso de intuição, está bem? E eu também sinto que a sua boutique será um sucesso.
– Própria de uma deusa? – o rapaz perguntou, ofegante.
– Sem dúvida, meu anjo.
Enquanto Fábio tornava a enxugar os olhos e reaplicava brilho nos lábios, Vênus voltou a atenção para Pea, e seus olhos atentos percorreram o comprimento das calças
de tweed cinza, cujo corte impecável marcava as pernas bem torneadas de Pea.
– Maravilha. Perfeito! Agora vista aquela jaqueta de couro preta, e estará elegante o suficiente para o trabalho e, ao mesmo tempo, muito sedutora. – Vênus sorriu
para o reflexo de Pea no espelho. – Porque parecer sedutora é sempre bem-vindo...
– É o que diz a deusa do Amor. – Pea sorriu de volta para ela.
A vendedora baixinha e gordinha, em cujo crachá se lia o nome “Donna Vivian” em dourado, enfiou a cabeça para dentro do enorme provador.
– Fábio, como está se saindo com as suas duas clientes?
Ainda se recuperando de sua explosão emocional, o rapaz fez um floreio na direção de Pea.
– Divinamente! Acho que atingimos a perfeição.
– Ótimo. Se as senhoras precisarem de mais alguma coisa, estou arrumando a coleção Marc Jacobs. – Donna Vivian começou a se retirar, porém Vênus fez um sinal para
que ela se juntasse a eles no provador.
– Querida, seu cabelo é impecável!
Donna Vivian inclinou a cabeça, aceitando o elogio com a graça especial daqueles que atendem aos muito ricos.
– Obrigada, senhorita.
Vênus continuou a estudar os cabelos da moça.
– A cor está perfeita, não acha, Fábio?
– Sem dúvida – o rapaz concordou de pronto. – Donna Vivian é conhecida por seu extremo bom gosto. Aliás... – ele fungou, acrescentando: – Ela e eu frequentamos o
mesmo cabeleireiro.
Vênus abriu um enorme sorriso.
– E posso perguntar quem é que faz o cabelo de vocês?
– Claro, senhora. Farah, o cabeleireiro e colorista do salão Cypress Avenue, especialista em corte e tintura – indicou Donna Vivian.
– Aquele salão bonitinho, ao sul da Utica? – Pea perguntou.
– Exatamente – concordou Fábio.
– Ótimo. Vamos para lá, então – decidiu Vênus.
– Oh, querida... – Fábio pareceu aborrecido, enquanto Donna Vivian balançava a cabeça, consternada. – Sinto muitíssimo lhe dizer isso, mas receio que vá levar semanas
para conseguir um horário com Farah. O Cypress Avenue é um dos poucos salões de luxo em Tulsa que abrem aos domingos, por isso deve estar lotado. Impossível conseguir
uma vaga hoje. O melhor que posso fazer é lhe dar um cartão de Farah, assim poderá agendar um horário. – Fábio apertou o braço de Vênus num gesto de desculpas. –
Sinto muito. Mesmo.
Vênus sorriu com doçura.
– O cartão já está ótimo. Não se preocupe por não podermos ir até lá hoje. Ah, vamos levar tudo.
– Tudo?! – Donna Vivian e Fábio repetiram em uníssono.
– Tudinho. – O gesto de Vênus incluía todos os trajes pendurados na meia dúzia de ganchos de marfim. – E Pea vai com a roupa que está usando. Ah, Fábio, querido,
não acha que esses scarpins prateados que acabamos de comprar combinam com o que Pea está vestindo?
– Divinamente!
Tal qual duas borboletas, os vendedores passaram a recolher os montes de roupas espalhados pelo provador.
Quando saíram, Pea virou-se para Vênus, as lágrimas fazendo seus olhos cor de mel mais brilhantes.
– Não sei como lhe agradecer por tudo isto!
Vênus tocou seu rosto.
– Não pediu por felicidade e êxtase?
Num impulso, Pea a abraçou.
– Você é a melhor deusa do mundo!
– É claro que sou, querida – concordou Vênus, fungando e enxugando os olhos. – Agora vamos ver o que podemos fazer pelo seu cabelo, e depois creio que seja hora
de uma lauta e divertida refeição.
– Pode arrumar mais um pouco de ambrosia?
A deusa do Amor levantou as sobrancelhas.
– Só se misturada a um pouco de água...
– Minha amiga gostaria que Farah tingisse e cortasse seu cabelo – Vênus explicou. – Creio que o ideal seriam algumas mechas cor de mel escuras para ressaltar a cor
de seus olhos, e uma aparada rápida, que não tire muito do comprimento.
A recepcionista extremamente jovem e loira franziu a testa.
– Sinto muito, mas Farah está com a agenda cheia até... – Checou os registros no computador. – Até o final do próximo mês. E, mesmo assim, só tem um horário livre.
– Receio que não possamos esperar tanto – lamentou Vênus, educada.
A expressão da recepcionista se tornou mais grave, porém, antes que ela pudesse responder, o telefone em sua estação de trabalho branca e impecável tocou.
– Cypress Avenue Salon, boa tarde. – Ela fez uma pausa. – Oh, eu sinto muito, sra. Rowland. – A loira apertou os lábios. – Não, eu não fazia ideia de que dobermanns
poderiam fazer tal estrago em suas almofadas de penas... É claro que vou avisar Farah de que sua desistência é uma emergência e reservarei seu horário para o próximo
mês. Até mais.
– Parece que Farah vai ter uma brecha – comentou Vênus.
– Bem, sim, mas tenho que chamar a primeira pessoa da lista de nossos clientes que estão à espera de um cancelamento. Sinto muito, senhora. Não tenho como encaixá-la
sem um agendamento prévio – a moça falou com firmeza, e começou a clicar na lista de espera do computador.
– É mesmo? – Vênus respondeu com um suspiro.
– É melhor irmos – Pea interveio, discreta.
Vênus apenas sorriu e balançou a cabeça de leve.
O telefone celular na bolsa de Pea tocou.
– Alô?
– Olá, posso falar com Pea Chamberlain, por favor? – indagou a recepcionista do outro lado do balcão. Aqui é Mindi, do Cypress Avenue.
Pea sorriu, e, em vez de falar ao telefone, chamou a atenção da moça.
– Ahn, Mindi, eu sou Pea Chamberlain.
Mindi piscou, confusa.
– Ah! Bem... Parece que você é a próxima na lista de espera de Farah! Sinto muito, senhora. Eu não a reconheci como uma de nossas clientes.
– Ela fez uma transformação recentemente – explicou Vênus.
– E está maravilhosa – elogiou a moça.
– De fato... Por falar em maravilhoso, enquanto espero pelo corte e tintura de Pea, eu gostaria muito de uma pedicure.
A loira tornou a franzir o cenho, preocupada.
– Sinto muito, senhora, mas Cheryl está ocup...
– Mindi, minha cliente das três horas acabou de ligar e cancelou a pedicure!
A recepcionista balançou a cabeça, meio em estado de choque.
– Cheryl, esta senhora acabou de pedir para fazer os pés.
– Então eu posso encaixá-la! – A moça sorriu.
– Que sorte a minha! – comentou Vênus. – Ah, e eu adoraria uma taça daquele champanhe especial que vocês mantêm no congelador lá do fundo.
– Claro, madame.
– Como sabia que elas tinham champanhe? – Pea cochichou, conforme eram conduzidas para o interior do salão.
– Querida, o Amor sempre pode sentir a presença de champanhe!
Capítulo 9
– Farah é um gênio! – Parando no sinal vermelho da Utica Street, Pea virou a cabeça de um lado para o outro, de forma que suas novas luzes pegassem os raios do sol
que começavam a desaparecer no retrovisor do carro.
– Ela fez um trabalho maravilhoso, mas precisa se lembrar de que tinha um cabelo incrível mesmo antes de Farah operar sua magia, assim como era dona de um corpo
maravilhoso mesmo antes de nossa visita à Saks.
Uma batidinha na janela do carro fez ambas as mulheres pular, surpresas. Pea olhou para cima e suspirou.
– Ah, meu Deus! É Griffin!
– Abra a janela! – Vênus falou por entre os dentes, sentindo o estômago se apertar ao ver o bonito bombeiro. Isso porque ele era para Pea!
Pea apertou o botão para descer o vidro.
– Boa noite, senhoras. Estariam interessadas em doar seu troco para a unidade do corpo de bombeiros e ajudar as crianças de Jerry? – O olhar de Griffin passou de
Pea a Vênus, e seu sorriso mudou de educado para sexy. – Que bom vê-la de novo...
Vênus tentou balbuciar um “olá” indiferente, e ficou mortificada quando a palavra mal saiu de seus lábios.
– Olá, Griffin! – Pea o cumprimentou efusivamente. – Claro que vou doar. – Sua mão tremeu de leve quando vasculhou a bolsa em busca de moedas.
Griffin ergueu a sacola de coleta e desviou o olhar de Vênus apenas por tempo suficiente para sorrir para Pea.
– Já nos conhecemos, senhorita?
– Sim, eu sou sua vizinha, lembra-se? Você tirou a minha terrier da árvore e depois me devolveu o pênis de borracha – tagarelou Pea, corando até a raiz dos cabelos
em seguida.
Vênus suspirou e revirou os olhos.
Griffin franziu o cenho como se tivesse levado uma pancada na cabeça.
– Pea?!
– Eu mesma! – O sinal mudou, e alguém buzinou atrás delas. – A gente se vê! – ela gritou, acelerando.
– Da próxima vez é melhor não mencionar o pênis de borracha. Tanto os mortais quanto os deuses tendem a se sentir intimidados por mulheres que possuem pênis maiores
do que os deles.
– Eu sou uma idiota – Pea respondeu com um gemido.
– É claro que não. Só ficou nervosa. Deixe-me contar mais algumas coisas sobre os homens que a ajudarão muito quando for conversar com eles... Eles nos desejam muito
mais do que nós os desejamos.
– Como isso pode ser verdade?
– Tem tudo a ver com essa coisa de pênis.
– Mas eu conheço mulheres que vivem correndo atrás dos homens. Elas me parecem muito mais interessadas neles do que eles nelas.
– Isso não é desejo, é carência. E você não é uma mulher carente. Estou falando sobre desejo de verdade. Essa coisa visceral, quente e apaixonada.
– Está falando sério?
– Claro que estou.
Pea balançou a cabeça.
– Não pode ser verdade. Pelo menos não era para mim até agora. Não vejo a menor possibilidade de Griffin me desejar mais do que eu o desejo. E, de qualquer maneira,
ele me pareceu bem mais interessado em você.
Apesar de seu esforço, o ressentimento na voz de Pea ficou claro.
– Querida, eu tenho certeza de que foi a sua imaginação – refutou Vênus, recusando-se a reconhecer a conexão instantânea que tinha, mais uma vez, vibrado entre Griffin
e ela. – Notou como ele pareceu satisfeito quando percebeu que era você?
Pea mordeu o lábio.
– Bem, suponho que sim, mas ainda não consigo acreditar que Griffin possa me querer mais do que eu o quero. Ele simplesmente não me parece interessado.
– Teria se interessado se a tivesse tocado, sentido a suavidade da sua pele, sentido o calor da sua paixão... Você o faria enlouquecer, mesmo antes de seu próprio
corpo começar a arder por ele.
– Acha mesmo?
– Confie em mim. – Vênus apontou para uma vaga de que estavam se aproximando. – Pare ali.
– Mas o restaurante fica do outro lado da Utica Square. Vamos ter que andar quase um quarteirão para chegar lá.
– Exatamente – cantarolou a deusa.
– Aquele homem assobiou para nós! – Pea cochichou para Vênus, surpresa.
– Claro que assobiou. Olhe ao redor, querida. Todos eles estão olhando para nós. – Ela se inclinou junto à orelha de Pea e acrescentou com uma risadinha: – E eu
disse “nós”. Também está sexy, confiante, bonita, e eles percebem isso.
Pea fitou Vênus, os olhos enormes e atordoados, então olhou à sua volta.
– Pelo traseiro perfeito de Ares, tem razão! – ela falou com um suspiro.
O riso de Vênus atraiu ainda mais atenção pelo caminho.
– Oh, não! Não vá pegar a minha mania de praguejar! Perséfone dirá que estou exercendo péssima influência sobre você – a deusa do Amor pediu, porém sorrindo.
Estava tão orgulhosa de Pea! Elas não estavam apenas atravessando a luxuosa área de compras; estavam desfilando. Pea estava desfilando. Podia ver sua autoconfiança
crescer a cada momento.
A pequena mortal jogou os lindos cabelos encaracolados para trás e ergueu o queixo de leve enquanto caminhava a seu lado, igualando-se a ela em postura.
Vênus sorriu. Não poderia estar mais feliz.
O jantar só fez reforçar a confiança recém-descoberta de Pea. O garçom, um jovem muito bonito, flertara com elas abertamente – com ambas –, e um homem no bar lhes
enviara uma garrafa de um vinho delicioso.
No final das contas, a tarde inteira fora um excelente lustro no ego de sua pupila, refletiu Vênus.
No momento elas estavam de volta à mesa da aconchegante cozinha de Pea, entregando-se ao que ela agora considerava uma nova e maravilhosa tradição: beber seu excelente
chocolate quente e conversar como se elas fossem velhas amigas.
Naquela noite, entretanto, Pea não estava usando aquela coisa terrível que ela chamava de “pijama de pezinho”. Usava a camisola de seda cor de malva que ela insistira
em lhe comprar no departamento de lingerie de luxo da Saks, e um robe no mesmo tom. Com os cabelos caindo em volta dos ombros em grandes cachos brilhantes, e o rosto
corado pela excitação e o vinho do jantar, Pea poderia facilmente ser confundida com uma deusa.
A deusa da Bondade, Vênus decidiu. Pea poderia ser a deusa da Bondade.
– Acha que ele vai estar lá amanhã? – perguntou a mortal, arrancando Vênus de seu devaneio.
– Ele, quem?
– Griffin.
Vênus sentiu uma ridícula pontada no estômago, porém disfarçou.
– Lá onde?
– Naquela esquina. Ei, não está prestando atenção em mim...
A deusa sorriu.
– Desculpe, na verdade eu estava pensando em como está bonita.
Pea sorriu de volta, satisfeita.
– E eu não tenho ideia se ele vai estar lá amanhã ou não. De qualquer forma, Pea, querida, a esquina de uma rua movimentada não é o lugar mais oportuno para que
você o seduza.
– Não pretendo ir até lá para seduzi-lo! – Pea se indignou.
– É claro que pretende seduzi-lo. Só não vai fazer isso em uma esquina.
Vênus ignorou a estranha excitação que ouvir o nome de Griffin tinha lhe causado. Aquilo era ridículo. Mesmo se Pea não estivesse apaixonada pelo rapaz, fazia séculos
que ela, Vênus, não se envolvia com um mortal. Na verdade, fazia séculos que ela não flertava com quem quer que fosse.
– Vênus?
– Perdão, Pea. Eu estava divagando outra vez. O que disse?
– Perguntei como vou seduzir Griffin... – Pea parou e riu, como se chocada por estar pensando naquilo – ... se nunca o vejo?
– Deixe isso comigo.
– Não vai provocar nenhum incêndio, vai?
Vênus ergueu as sobrancelhas repetidas vezes.
– O Amor provocando um incêndio?
– Prometa que não vai queimar minha casa!
– Eu jamais pensaria em incendiar esta casa maravilhosa.
– Nem as casas dos meus vizinhos!
Vênus fez um beicinho.
– A ideia não é de todo ruim, mas acho que podemos pensar em outra coisa.
– Espero que sim! – Pea bocejou e olhou para o relógio. – Ah, Deus! É quase meia-noite. Tenho que levantar cedo para trabalhar amanhã. – Ela franziu a testa, preocupada.
– O que vai fazer enquanto eu estiver fora?
– Pesquisa – Vênus respondeu sem hesitar.
– Pesquisa?
A deusa assentiu.
– Tem um computador, não tem?
– Claro, mas como...
Vênus dispensou a pergunta com um gesto.
– Perséfone me explicou tudo. Os computadores são como mágica. Pode-se descobrir qualquer coisa sobre o mundo mortal moderno por intermédio deles, principalmente
se usar uma magia especial chamada Google.
Pea riu.
– Está certa. Sem problemas, então. Vou lhe dar uma lição rápida antes de ir trabalhar amanhã.
– Que tipo de trabalho você faz?
– Eu acabei de ser promovida. Sou a mais jovem diretora da Faculdade Comunitária de Tulsa. Estou no comando do currículo para o nosso Departamento de Educação Continuada.
– Pea pensou por um instante e acrescentou: – Pode-se dizer que eu decido que tipo de aulas oferecemos aos adultos, a fim de que eles aprendam coisas novas e expandam
seus horizontes.
– Parece uma grande responsabilidade.
– É mesmo. E amanhã será um longo dia. Estou entrevistando instrutores para várias aulas novas que vamos oferecer neste verão.
– Se é assim, precisa descansar.
As duas mulheres desejaram boa-noite uma para a outra e se recolheram.
Pea considerou se comprazer outra vez, mas estava exausta e caiu em um sono abençoado assim que sua cabeça tocou no travesseiro.
Ironicamente, Vênus nem sequer considerou a hipótese de dar prazer a si mesma. Em vez disso, ficou acordada por muito tempo, e quando caiu em um sono inquieto, sonhou
com um mortal de olhos azuis cintilantes e cabelos escuros...
Vulcano tentou ficar longe do fio que abria uma janela para o mundo dos mortais – uma janela para Pea –, e conseguiu, na maior parte do dia.
Mas, no fim, estava tão cheio de pensamentos e dúvidas sobre a pequena mortal que não pôde aguentar mais. Invocou a linha e consultou o pilar de fogo.
Prendeu a respiração ao sentir emoções que julgara adormecidas cortá-lo dos pés à cabeça. Pea estava radiante! Atravessava um parque de compras ao lado de Vênus,
vaidosa, graciosa e confiante. Exatamente como a mulher em que ela se transformara na noite anterior, quando começara a dançar.
E suas roupas, seu cabelo! Estava diferente, porém continuava a ser Pea: a criatura doce e única que ele passara a desejar com tanta paixão e de forma tão inesperada.
Na verdade, ela parecia ainda melhor agora. Vênus a transformara, operando nela sua magia.
Vulcano a estudou com cuidado. Sua primeira impressão estava errada... Não conseguia detectar a magia da deusa na mortal. Vênus conseguira transformá-la sem utilizar
seus poderes divinos. Conseguira tornar visível o que a moça mantinha escondido.
Sentiu o peito se apertar e engoliu em seco. Não era o único a notar sua beleza. Que tormento ver os homens olharem para Pea durante todo o jantar! Tinha vontade
de explodir aquele garçom imbecil que sorria demais e não parava de elogiá-la.
E o homem no bar! Vulcano quis alcançá-lo por meio do fio e lhe dar uma razão abrasadora para sair do restaurante e sair correndo.
Mas isso não era o pior. Pea continuava falando daquele maldito Griffin! E Vênus ainda se dispunha a pensar numa maneira de unir os dois.
Não!, quis gritar por meio da linha de fogo. Ele não é a pessoa certa para você, Pea!
Mas não fez isso, claro. Afinal, como poderia impedir Pea de querer seduzir o tal Griffin? Ele estava no Olimpo e o mortal se encontrava lá, no mundo moderno.
Mas e daí se eles estavam em mundos diferentes?
Vulcano endireitou o corpo e parou de passar a mão pelo cabelo denso num gesto contínuo de frustração. Perséfone visitava o mundo moderno dos mortais. Vênus visitava
o mundo moderno dos mortais. Ele também era um dos deuses do Olimpo. Tinha o poder dos deuses nas mãos, assim como a magia do fogo, caso decidisse utilizá-los.
Pois bem, já era hora de ele fazer isso. Não havia nada, além dele mesmo, impedindo-o de seguir seu coração.
Sim. Já era tempo de o deus do Fogo fazer uma visita ao mundo moderno...
Vênus se viu encantada com a magia da internet. Após Pea ter lhe dado uma breve lição e saído para o trabalho (usando a blusa de seda castanho-avermelhada, suas
elegantes calças pretas novas e as maravilhosas botas de salto da mesma cor), a primeira coisa que a deusa do Amor fez foi pesquisar sobre si mesma no Google.
– Novente e um milhões de entradas! – praticamente gritou. E então, só por curiosidade, pesquisou “Perséfone”. – Três milhões novecentos e vinte mil entradas. Que
interessante!
Mal podia esperar para contar à deusa da Primavera. E Perséfone ainda se achava especialista no mundo moderno!
Bem, talvez fosse mesmo, mas era óbvio que o mundo contemporâneo estava mais interessado em amor do que na primavera.
Vênus navegou por algum tempo. Por muito mais do que isso, aliás. Estava fascinada pelas diferentes interpretações artísticas que encontrara ao filtrar sua busca
no Google de “Vênus” para “a arte de Vênus”. Sem dúvida estava familiarizada com Botticelli, mas, embora conhecesse seus quadros, nunca havia gostado deles. O homem
a retratara como uma ninfa fútil. A Vênus de Milo era mais fiel aos seus sentidos estéticos, contudo não se parecia em nada com ela.
Encontrou uma escultura linda em alabastro verde de si mesma de que gostou muito, feita por uma artista moderna chamada Kelly Borsheim; em seguida descobriu a arte
de fantasia de Michael Parkes, e ficou tão encantada que encomendou cinco das estampas de edição limitada.
– Vou levá-las comigo. Não que Perséfone vá me ajudar a carregá-las... – murmurou para Chloe, que se encontrava toda satisfeita, deitada a seus pés.
Começou a navegar, então, usando palavras e frases aleatórias, como: “romance”, “amor”, “sexo”, “erótica”, e descobriu um site fabuloso chamado Smart Bitches Trashy
Books, algo como “Literatura Barata da Mulher Inteligente”, que a fez rir e ler os artigos por horas. Gostou principalmente das observações atiladas de como os homens
tantas vezes subestimavam ou desprezavam coisas rotuladas de “apenas para mulheres”.
E, claro, adorou os xingamentos criativos do Smart Bitches, decidindo de imediato acrescentar vários de seus favoritos – como “cripentolha”, “heliodoro”, “bitetas”
e “galdéria” – para sua já formidável seleção de palavrões.
E, enfim, dedicou-se à tarefa mais séria de descobrir uma maneira de continuar ajudando Pea. Ao pesquisar “Faculdade Comunitária de Tulsa”, instruiu-se a respeito
do empregador de sua protegida antes de digitar seu cargo e saber exatamente o que ela fazia para viver.
Uma vez informada, bem como impressionada com as responsabilidades da moça, Vênus digitou no Google “Bombeiros de Tulsa” e se acomodou, acompanhada de uma caneca
de café, a fim de navegar pelas 113 mil entradas.
Quase engasgou com o cookie ao clicar em “Calendário dos Bombeiros” e ver Griffin seminu na capa da última edição.
– Puta merda!... – ofegou, testando uma de suas novas imprecações e se abanando com o biscoito já consumido pela metade.
Griffin era, sem dúvida, uma delícia. Como ela gostaria de devorá-lo inteiro!
Na verdade, queria que ele a devorasse.
– Não! Pea quer Griffin, então Pea vai tê-lo!
Fechou o perigoso calendário, depois de salvar uma cópia para sua pupila, claro.
Três sites depois, ergueu os braços e soltou um gritinho de felicidade, acordando Chloe, que se pôs a latir freneticamente.
Vênus pegou a terrier e a abraçou.
– É isso, Chloe! Descobri como vou fazer Griffin e Pea ficarem juntos. E será esta noite!
Em seguida, percebendo quantas coisas ainda tinha de providenciar nas três horas que lhe restavam antes que a mortal chegasse do trabalho, Vênus saltou da cadeira.
Capítulo 10
– Querida, cheguei! – Pea gritou brincando, conforme passava pela porta da frente.
Chloe correu para ela, bufando feliz, enquanto Max se esfregava em torno de suas pernas.
– Até que enfim! Precisa se apressar. Atrasar-se um pouco pode até ser de bom-tom, mas esta noite eu não quero que perca um só momento com Griffin – Vênus falou
rapidamente, fazendo um sinal para que Pea a seguisse até o quarto.
Quando ela não se moveu, a deusa voltou e colocou as mãos nos quadris, aborrecida.
– Pea, não fique parada aí feito uma boba e comece a se mexer! Eu já disse que está atrasada.
– Você... – Pea engoliu em seco, os olhos enormes. – Meu Deus! Olhe só para você!
O aborrecimento de Vênus se desvaneceu.
– Gostou da minha roupa? – Ela se virou devagar para que a moça pudesse avaliar seu visual.
– É incrível. Quero dizer, você é linda de qualquer jeito, mas nesse, ahn, seja lá o que for, está de tirar o fôlego.
– Isto... – Vênus fez um gesto grandioso, exibindo a mistura de tecidos semitransparentes que cascateavam sedutoramente ao redor de seu corpo, acompanhando suas
curvas perfeitas – ... é o que uma deusa romana usa quando quer ser admirada em toda a sua glória: uma túnica. – Apontou para a bainha mais curta, de cor creme,
que deixava parte de suas lindas pernas nuas. – A estola... – Estendeu a parte do tecido drapeado, de um branco perolado, que atravessava seu dorso de um lado para
o outro e combinava com seus cabelos. – E, por fim, a pala. – Com um floreio, Vênus girou com graça, fazendo o pedaço de seda violeta (da cor exata de seus olhos),
preso à parte traseira dos ombros delicados com broches de prata, se agitar como uma capa diáfana.
– Lindo! – exclamou Pea. – Está vestida assim porque vai voltar para o Olimpo? O portal se abriu para você outra vez? – Ela sorriu, porém seu sorriso não ocultou
uma ponta de tristeza. – Não imaginei que fosse embora tão cedo. Não pode ficar pelo menos para o jantar e, talvez, por mais uma noite?
– Querida, já está cheia de felicidade e êxtase?
Pea enrugou a testa ao pensar na pergunta de Vênus.
– Bem, eu estou feliz. Quero dizer, o trabalho foi ótimo hoje. Precisava ter visto a maneira como todos olharam para mim. Todo mundo olhou para mim! Como se eu não
fosse mais invisível. E perdi a conta de quantos elogios recebi pelo meu cabelo.
Vênus sorriu diante da exuberância de Pea.
– Sim, você está feliz. Mas já preencheu seu vazio com um sedutor, apaixonado e delicioso êxtase?
– Acho que não.
– Eu também não. E, enquanto não conseguir isso, não vou embora.
– Então, por que está vestida assim?
Vênus revirou os olhos.
– Toda essa conversa me fez esquecer. Siga-me, e eu vou lhe contar enquanto se troca.
– Por que tenho de me trocar?
– Vai colocar o seu próprio traje de deusa – Vênus informou com um suspiro.
– Eu? Por quê? – Pea indagou, porém a seguiu, ansiosa.
– Pea, querida, estamos indo a um baile de máscaras.
Pea estacou no corredor, do lado de fora do quarto.
– Vênus, do que está falando?
– Eu me informei enquanto estava na internet esta tarde. Que, por sinal, é uma magia maravilhosa... Sabia que há 91 milhões de sites sobre mim? Noventa e um milhões!
E só quatro milhões de Perséfone. E ela é sempre tão presunçosa quanto a is... Ah, não importa. Estou fugindo do assunto. Enquanto eu estava procurando informações
interessantes acerca do seu bombeiro, acabei encontrando o anúncio de um baile de máscaras naquele restaurante fabuloso onde você e eu nos encontramos.
– No Lola’s?
– Exatamente! O anúncio diz que eles estão tentando levantar verba para um novo equipamento, ou algo assim, para o Corpo de Bombeiros Central de Tulsa, que é a estação
de Griffin!
– Desfibriladores – corrigiu Pea.
Vênus levantou uma sobrancelha, e Pea encolheu os ombros.
– Deu no noticiário. O corpo de bombeiros quer dois desfibriladores novos para suas unidades paramédicas. O baile de máscaras é mesmo para angariar fundos.
– Já estava sabendo sobre ele?
– Estava. Mas não dei muita importância. Não é bem um lugar aonde eu gostaria de ir.
– Pois é aonde está indo! Aonde estamos indo, melhor dizendo.
– Mas temos de ter fantasias... – A voz de Pea foi diminuindo e seus olhos se arregalaram conforme ela compreendeu.
– Nós temos fantasias, minha querida. – Vênus a segurou pelo braço e a puxou para o quarto. – Depressa! Passei a tarde toda conjurando coisas do Olimpo, e mal posso
esperar para lhe mostrar como é se vestir como uma deusa de verdade!
– Tem certeza de que eu não devia estar vestindo calcinha? – Pea passou as mãos pela frente da veste, nervosa, como se temendo que um vento pudesse soprar de repente
e levantá-la acima de sua cabeça.
– Claro que tenho certeza. Nada deve aprisionar sua flor delicada de mulher sob as sedas das vestes de uma deusa. Além disso, ficar sem roupas íntimas é uma experiência
libertadora, você vai ver. E sossegue, criatura! – Vênus amassou um pouco mais os cachos de Pea. – Teria sido muito mais fácil aprontá-la com a ajuda de um grupo
de ninfas, mas estou satisfeita com o nosso resultado final. – Deu um passo atrás a fim de examinar seu trabalho. – Pronto. Pode virar agora e se olhar.
Juntas, elas estudaram a deusa no espelho. A túnica de Pea era da mesma cor creme e sedutora da de Vênus, porém deixava suas pernas mais expostas. Vênus as examinou,
aprovando com um gesto de cabeça ao ver como eram fortes e bem torneadas. A estola que usava era de um tom rosa-escuro; uma cor que poderia parecer inocente, mas
que envolvia o corpo de Pea com suavidade, acentuando o recuo da cintura delgada e o formato de seus seios com perfeição, evocando imagens das partes escondidas
de seu corpo e tornando-a ainda mais atraente e sedutora. Sua pala era de um dourado intenso e brilhava ao menor movimento.
– Simplesmente lindo! Eu sabia que a estola iria combinar com a... – Vênus se interrompeu ao ver as lágrimas nos olhos de Pea. – O que foi, querida?
Pea assentiu com um gesto de cabeça.
– É uma roupa linda e, sim, é digna de uma deusa... Mas eu pareço um pardal tentando vestir as penas de um pavão.
Vênus piscou, surpresa.
– Isso não é verdade, Pea!
– É, sim! – ela afirmou em meio a um soluço. – Eu sei que é... Sempre foi verdade.
Vênus a tomou pela mão e a levou até a cama.
– Sente-se – pediu, antes de apanhar a caixa de lenços no banheiro e entregá-la a Pea. – Vamos, assoe o nariz.
Ainda soluçando, Pea obedeceu. Em seguida, Vênus sentou-se a seu lado e segurou sua mão.
– Agora, conte-me o que aconteceu para que tenha uma visão tão distorcida de sua aparência.
Pea fungou.
– Não foi apenas uma coisa...
– Então me conte tudo – a deusa pediu suavemente.
– Lembra-se de quando eu falei sobre o grupo de dança do qual eu fazia parte no colegial, e de como eu pensava que era aceita, mas não era?
Vênus aquiesceu.
– Bem... – Pea suspirou. – Não foi só isso. Eu sei que parece bobagem, mas eu não percebia que era tão esquisita em termos de aparência. Verdade. Eu achava que era
normal, como todo mundo. Quero dizer, eu tinha amigos; não do grupo de dança, mas tinha. Não pensava que seria um problema fazer amizade com uma nova turma.
– O que aconteceu, afinal?
Pea deixou escapar um suspiro trêmulo.
– Entrei para o grupo sem nenhum problema. Fazia aulas de dança desde os cinco anos, portanto sabia o que estava fazendo. O fato é que entrei para a equipe no primeiro
ano em que tentei. Fui a única novata que conseguiu.
Vênus notou, com estranheza, que Pea não parecia ter nenhum orgulho de ter feito algo tão difícil.
– No dia em que fui para a primeira aula do novo grupo, estava toda animada, feliz da vida; louca para fazer novos amigos e dançar muito. Atrapalhada como sempre,
derrubei um monte de coisas da minha bolsa na porta do vestiário das meninas e, enquanto estava juntando tudo, ouvi que elas falavam de mim. – Pea engoliu com dificuldade,
lutando contra as lágrimas. – Elas estavam fazendo piada, dizendo que não importava o quanto eu dançasse bem, pois nunca iria me livrar da minha feiura. E ainda
me chamaram de “cabeça de brócolis”, por causa do meu cabelo.
Vênus balançou a cabeça, inconformada.
– Adolescentes podem ser muito cruéis, principalmente ao se sentirem intimidadas pelo talento de alguém.
– Mas elas não se deixaram intimidar por mim! – discordou Pea.
– Não? Há quanto tempo isso aconteceu?
– Começou há uns dez anos. Mas continuou por todo o ensino médio. Eu sei que é uma idiotice deixar algo que me aconteceu há tanto tempo me incomodar, mas...
Vênus ergueu a mão para impedir as palavras.
– Não é nenhuma idiotice ser afetada por algo que aconteceu durante seus anos de formação. Não foi por isso que perguntei há quanto tempo aconteceu. Perguntei porque
quero que perceba: agora é uma adulta de sucesso, independente, analisando coisas que aconteceram a uma criança. Agora pode vê-las por meio dos olhos de uma mulher
e, como tal, perceber claramente o ciúme e a insegurança das outras meninas.
Pea mordeu o lábio.
– Acho que nunca pensei sob esse ponto de vista.
Vênus tomou Pea pela mão e a levou de volta para o espelho.
– Então pense.
– Vou tentar – ela murmurou, em dúvida.
Vênus suspirou.
– Eu gostaria que pudesse se ver como os outros a veem... – De repente, os olhos da deusa se arregalaram. – É isso!
Pea franziu o cenho.
– O quê?
– Eu simplesmente posso lhe dar a capacidade de ver a si mesma como os outros a veem!
Pea deu um passo para trás ao notar os dedos da deusa já cintilando.
– Vênus, não gosto muito quando começa a fazer aparecer coisas!
– Querida, eu não vou fazer aparecer nada. Vou apenas lançar um pouco de magia sobre você. – E, enquanto Pea abria a boca para protestar, entoou: – Permita que ela
enxergue a beleza que tem, como se com os olhos de outrem! – E lançou sobre ela uma nuvem de poeira cintilante.
Ao ver a pequena mortal espirrando com força, Vênus suspirou e entregou-lhe outro lenço. Então segurou Pea pelos ombros e a fez olhar para si mesma no espelho.
– Oh, meu Deus! – Pea respirou fundo, levantando a mão como se quisesse tocar a mulher no espelho. – Nunca imaginei que pudesse ficar tão linda! Mas isso é magia,
não é? Vai desaparecer.
– É claro que não é!
– Mas acabou de... – Pea agitou os dedos, imitando Vênus.
– Querida, eu não mudei nada na sua aparência. Apenas pedi que se enxergasse como os outros a veem. Esta mulher... – apontou para Pea no reflexo – ... é absolutamente
real.
– Tem certeza de que não usou magia para me fazer parecer assim?
– É isso o que estou tentando lhe dizer. Tem a sua própria magia, Pea. Sua beleza, bondade e inteligência são suficientes para escravizar qualquer homem.
– Mas eu não quero escravizar Griffin.
– Não?
Pea corou.
– Bem, talvez um pouco. Mas não desejo que ele me queira por conta de algum feitiço.
– Não se preocupe, meu anjo. A única magia que vai utilizar esta noite é aquela a que todas as mulheres confiantes têm acesso. Basta acreditar em si mesma. Relaxe
e perca suas inibições. Entregue-se à paixão e ao êxtase, Pea, ao menos por esta noite.
– Está bem, vou tentar. Mas talvez precise de um ou dois dos Martinis de romã do Lola’s.
– Faça como quiser. Estou levando aquele cartão de crédito maravilhoso. – Vênus bufou. – Quem diz que não se pode viver de amor está absolutamente equivocado. Eu
jamais diria uma blasfêmia dessas!
– Nem eu. Pelo menos não nos dois últimos dias. – Pea sorriu para seu incrível reflexo. – Estou pronta. Vamos, antes que eu me esqueça de que estou bonita assim.
– Espere, eu quase me esqueci! – Vênus remexeu as pilhas de tecidos e coisas sobre a cama. – Tome... Esta é para você, e esta é para mim – explicou, entregando-lhe
uma meia-máscara espetacular, coberta com minúsculas lascas de cristais de ouro, e que se podia amarrar com uma fita de veludo rosa. A que escolheu para si própria
era muito semelhante, exceto por ser recoberta com o que pareciam minúsculos brilhantes, e amarrada com uma fita prateada. – O anúncio na internet dizia que qualquer
traje era bem-vindo. A única exigência era que todos usassem algum tipo de máscara.
As duas mulheres se ajudaram a colocar os aparatos e, em seguida, olharam-se no espelho.
Pea estendeu a mão e segurou a de Vênus.
– Você me transformou em uma deusa.
Vênus apertou seus dedos e sorriu.
– Não, minha pequena amiga mortal. Tudo o que fiz foi lhe mostrar como liberar a deusa que sempre existiu dentro de você. Agora, vamos naquele seu carro maravilhoso
direto para o baile de máscaras do Lola’s, aproveitá-lo como se estivéssemos no paraíso!
– Ei, e quem eu vou ser? – Pea perguntou, rindo. – Quero dizer, você já é Vênus... Que deusa eu vou representar?
– Será a minha encarnação grega: Afrodite. As pessoas tendem a descrever Afrodite como sendo mais baixa e delicada, assim se encaixa perfeitamente no papel.
– Quer dizer que você e Afrodite são a mesma deusa?
Vênus suspirou.
– Não imagina como isso é desagradável para mim, ainda mais depois que encontrei tantas referências irritantes na internet, dando a entender que somos duas divindades
diferentes.
– Confesso que eu também achava que fossem. Nunca tinha parado para pensar nisso.
– Pea, caso se mudasse para a Europa, e as pessoas de lá começassem a lhe chamar por outro nome, apenas por este se encaixar melhor na sua cultura, isso a tornaria
uma pessoa diferente?
– Claro que não.
– Pois então. Na Itália, eles me chamam de Vênus. Na Grécia, meu nome é Afrodite. Mas em qualquer um desses lugares ainda sou eu!
– Ei, esta noite eu também vou ser você...
– Claro que sim. Portanto, deixe-me orgulhosa, e aproveite-a como uma verdadeira deusa do Amor!
– Estou prontinha para isso, se também estiver.
– Querida, o Amor está sempre pronto para qualquer coisa...
Rindo juntas, elas deixaram a casa.
Um baile de máscaras... Vulcano coçou o queixo, pensativo. Todos deveriam usar uma máscara, e Vênus havia dito que era um evento de gala. O local estaria lotado
com mortais, todos usando fantasias que iam desde as mais comuns até as mais extravagantes.
Não que houvesse estado em muitas festas de mortais ou do Olimpo. Mas não era totalmente ignorante quanto à forma como o mundo funcionava, fosse ele mortal ou imortal.
Tinha apenas preferido observar a participar delas.
Até aquele momento.
Vênus estava indo ao baile de máscaras como ela mesma, então ele também iria como ele mesmo. Usaria apenas uma máscara e teria o cuidado de se manter longe da deusa.
Afinal, era a última pessoa, mortal ou imortal, que ela esperava ver. Contanto que sua claudicação não chamasse a atenção, não havia como ela reconhecê-lo. Permaneceria
fora de sua vista, misturado à multidão, e talvez conseguisse encontrar um modo de levar Pea para longe.
– Estou me sentindo um idiota – Griffin confessou ao colega do corpo de bombeiros, o tenente Robert Thomas.
– Ah, sem essa. Está ótimo.
– É fácil para você dizer. Seu traje não é tão curto a ponto de mostrar sua bunda.
Robert riu.
– Pois, para mim, é uma das poucas ocasiões em que ser baixinho está ajudando. – Robert ajustou uma parte da túnica. – Não sei por que o chefe exigiu que todo mundo
viesse vestido como na Roma antiga.
– Deve estar assistindo demais ao History Channel. Mas não teria sido tão ruim se ele não tivesse tido a brilhante ideia de que eu precisava vir como deus do Fogo!
– Griffin olhou para o próprio crachá com os dizeres “Olá, sou o deus do Fogo” e balançou a cabeça. – Em que diabo ele estava pensando?
– Que, como nosso capitão e líder destemido, fazia sentido que viesse com o melhor traje...
– Pois, por mim, pode ficar com esta coisa. – Griffin fez um gesto desolado para a armadura romana com músculos forjados, e a túnica curta e plissada que terminava
pouco acima dos joelhos. – Se eu quiser ir lá para fora e me livrar um pouco desta multidão, vou congelar.
– Não, o Lola’s tem aqueles aquecedores a gás propano espalhados pelo passeio. As pessoas estão dançando lá fora, não congelando. Vai ficar bem, capitão.
Griffin bufou, lembrando a si mesmo para não se sentar com as pernas muito abertas no banco do bar.
Droga, odiava aquele tipo de evento. Não que angariar fundos para a estação fosse ruim, mas toda aquela bajulação e politicagem lhe davam nos nervos. Era a única
coisa de que ele não gostava em sua promoção a capitão. Queria mais era que seus chefes o deixassem fazer seu trabalho em paz.
E seu trabalho, decididamente, não era vestir saia e ficar desfilando em público. Já tinha passado vergonha suficiente ao posar para aquele calendário idiota. Jamais
teria feito aquilo se suas irmãs não tivessem insistido. Elas haviam adorado a ideia de ver o irmão mais velho na capa do calendário nacional dos bombeiros.
Mulheres... Griffin deu um longo e profundo suspiro. Elas o levavam à loucura. Claro que gostava delas e, por ter sido criado com quatro irmãs, até mesmo as compreendia...
Às vezes.
Inferno. Ter sido criado no meio de quatro mulheres era a razão pela qual ele continuava solteiro, embora nunca fosse dizer isso para Alicia, Kathy, Stephanie ou
Sherry. Elas ficariam loucas e o atormentariam ainda mais para que ele se casasse e sossegasse.
Mas, não, obrigado. Já vira três das quatro passarem por divórcios infernais e, no fundo, achava que era apenas uma questão de tempo antes que Alicia, a mais jovem
e recém-casada de suas irmãs, dispensasse Mike. O sujeito não passava de um idiota controlador.
Não. Enquanto não tomasse conhecimento de pelo menos uma estatística favorável ao amor duradouro, ele continuaria solteiro.
– Caraca! – Robert deu-lhe um tapa na armadura, quase fazendo-o derramar a cerveja. – Pode me bater e me chamar de otário, mas acho que estou apaixonado!
– Que diabo deu em você?
O rapaz apontou para a entrada do restaurante lotado, e Griffin sentiu a boca seca.
– ... Que deusas são essas? – murmurou, perplexo.
Duas mulheres tinham parado a fim de deixar sua contribuição na entrada e preencher seus crachás.
E Robert estava certo. Eram duas deusas. Deusas familiares, inclusive. Não que fosse possível dizer com certeza quem estava por detrás daquelas malditas máscaras,
porém seus olhos se viram atraídos para a mais alta delas.
Griffin sentiu o choque do reconhecimento se refletir na virilha. Era a mulher do bar, a mesma que ele vira no carro de Pea, no dia anterior! Não conseguia ver seus
olhos cor de violeta através da máscara, do outro lado do salão, mas aquele cabelo... Não havia como confundi-lo com o de outra pessoa. Era de um tom extraordinariamente
claro de loiro, longo e espesso, e se derramava bem abaixo de seus ombros.
Deus, ele amava o cabelo dela! Tinha vontade de passar as mãos pelos fios e de movê-los para fora do caminho a fim de sentir o gosto do ponto suave e doce entre
seu ombro e pescoço, e...
O celular tocou, arrancando-o de seu devaneio.
– O que é? – rosnou em resposta.
– Griffin, que mau humor!
– Alicia, estou meio ocupado aqui, no baile beneficente.
– Eu sei, mas eu só queria lembrá-lo de que prometeu trocar o óleo do meu carro – resmungou a irmã.
– Alicia, não pode pedir ao seu marido para assumir essa tarefa? Já está casada há um ano!
– Sabe que Michael é um inútil em se tratando de carros. E eu não sabia que se incomodava tanto.
Griffin teve vontade de dizer que Michael era inútil quando se tratava de qualquer coisa, e que, definitivamente, não era bom o suficiente para ela.
– Eu não me incomodo – viu-se dizendo, porém, diante do tom magoado da irmã caçula. – Que tal eu ir até aí depois do meu próximo turno? Eu levo a pizza.
– Legal! Vou providenciar a cerveja. Não vai se esquecer?
– Só se continuar me atormentando.
– Está certo, Zangado. Vejo você em alguns dias. Tchauzinho.
Griffin resmungou um adeus ao telefone e o fechou.
– Uma de suas irmãs? – Robert quis saber.
Ele assentiu com um gesto de cabeça.
– Stephanie?
– Não. Alicia.
– Alicia, é? Ei, ela está solteira outra vez?
– Ainda não, mas estou torcendo para que caia em si em breve. De qualquer forma, pode esquecê-la.
– Por quê? O que há de tão errado comigo?
– E quanto àquela... Como é mesmo o nome dela? Melissa? Pensei que ainda estivessem juntos – comentou Griffin.
Robert deu de ombros.
– Mais ou menos. Mas não é nada demais.
– É isso o que há de errado com você. – Griffin deu-lhe um soco no ombro e começou a descer do banco do bar com cuidado, de modo que a maldita saia não subisse demais.
– Ei! Com sua irmã eu seria diferente – protestou Robert.
– Como eu disse antes, pode esquecer.
Griffin deixou Robert ainda resmungando no bar e tratou de abrir caminho em meio à multidão de foliões mascarados, mantendo o olhar fixo na cabeleira platinada da
mulher cujo traje quase diáfano era típico de uma deusa. Ele iria lhe pagar uma bebida.
Ou duas. Que mal poderia haver? Não iria cair de amores por ela ou algo estúpido do gênero.
Capítulo 11
– O que quer escrito no seu crachá?
A moça olhou para ele, na expectativa, porém Vulcano apenas devolveu o olhar em silêncio.
– É que precisa fingir ser alguém esta noite – ela explicou, ansiosa.
– Eu sou Vulcano.
– Vamos ver... – A recepcionista bateu a ponta da caneta no balcão. – Vulcano era o deus do Fogo, certo?
– Correto.
– Ah, bem que eu arrasei na aula de mitologia, no semestre passado. Xii... Acho que há outro deus do Fogo aqui. Tomara que não estejam com a mesma fantasia. – Ela
riu. – De qualquer forma, tentem não se cruzar. Vocês poderiam incendiar o restaurante, o que seria embaraçoso com todos esses bombeiros por perto...
A moça riu da própria piada e lhe entregou um crachá com os dizeres “Olá, eu sou o deus do Fogo” escritos com marcador preto.
Copiando o que faziam os outros, Vulcano o colocou no peito e então se deslocou devagar pelo restaurante amplo e lotado, aliviado por a iluminação ser fraca o bastante
para que ninguém notasse sua claudicação caso ele se distraísse.
Não Vênus, pelo menos. Havia esperado até que ela e Pea tivessem encontrado uma mesa perto da pista de dança do salão antes de entrar, embora tivesse sido difícil
ficar atento às duas, em meio àquela porção de gente fantasiada. Normalmente iria odiar uma multidão como aquela, mas naquela noite era diferente.
Continuou lembrando a si mesmo de que ali ninguém sabia quem ele era. Pelo visto era verdade, pois nenhuma pessoa o olhava ou apontava. Não existiam deuses ou deusas
rindo dele pelas costas, tampouco mortais se afastando, com medo. Ao menos por aquela noite parecia estar sendo aceito; não era diferente de nenhum outro.
E aquela estava sendo, assim como Vênus e Perséfone já tinham comentado, uma experiência incrivelmente libertadora.
Vulcano relaxou a postura tensa, soltando os braços e permitindo que seu corpo se movesse com uma facilidade que quase nunca experimentava fora de seu próprio reino.
Até mesmo sua claudicação tornou-se mais suave. Se fosse capaz de observar a si mesmo, teria ficado chocado ao ver um homem alto, de ombros largos, emanando poder.
Seu cabelo espesso e escuro, que ele usava curto por conta do calor em seu mundo, costumava evocar olhares desdenhosos dos platinados Olímpicos. Ali, entretanto,
ele se encaixava muito bem aos bombeiros e seus cortes militares de cabelo. Usava uma meia-máscara no tom da chama de uma vela, e apenas o azul de seus olhos, os
lábios e a linha quadrada do queixo ficavam à mostra.
– Ei, bonitão... – ronronou uma mulher, passando um dedo pela couraça de bronze. Vestia uma saia curta e preta, combinando com um suéter também preto, que brilhava
com minúsculas tramas prateadas. Usava o suéter parcialmente desabotoado no decote, deixando entrever um sutiã vermelho e uma porção generosa dos seios fartos. Sua
máscara também era vermelha, assim como os chifres em sua cabeça e os cabelos longos que lhe iam até os ombros. No crachá estava escrito “Olá, eu sou Satanás”.
Vulcano teve que se controlar para não pular de surpresa com seu toque.
– Deus do Fogo, hein?... Pois você pode acender o meu fogo a qualquer hora, baby... – ela disse com voz rouca.
– Não vou me esquecer disso, Satanás – ele se surpreendeu dizendo com um sorriso.
A mulher umedeceu os lábios vermelhos e sorriu, coquete, permitindo que a multidão a carregasse para longe conforme avançava para a pista de dança.
A mortal havia flertado com ele! Então ninguém sabia mesmo quem ele era.
Claro que ele já percebera isso antes, tanto que ficara afirmando aquilo para si mesmo enquanto se movia pelo restaurante. Mas não internalizara a coisa até o momento
em que a desconhecida o abordara.
Foi o suficiente para que Vulcano jogasse a cabeça para trás e gritasse, feliz, pela primeira vez em sua longa existência.
Com crescente confiança, encarou várias outras mortais. Nenhuma delas se desviou dele com desprezo. Nenhuma delas se encolheu com medo. Na verdade, uma até piscou,
e outras tantas sorriram num convite. Mesmo através de suas máscaras ele percebeu seu interesse.
Vulcano sentiu o coração bater mais forte. Se aquelas mulheres – mortais com as quais ele nunca tinha falado, mas que claramente se mostravam atraídas por ele –
o consideravam desejável, talvez Pea pudesse desejá-lo também.
Recostou-se na parede, ao lado de uma fila de outros homens fantasiados e viris. Quando a garçonete veio anotar seu pedido, ordenou o mesmo que o rapaz mais próximo
a ele: uma cerveja Boulevard.
Enquanto tomava a bebida, que era mesmo bastante saborosa – apenas um pouco menos doce do que a cerveja de inverno dos sátiros –, concentrou a atenção em Pea e Vênus.
Usando o fio invisível de fogo para ampliar sua já divina audição, ouviu e esperou.
– Deus do Céu! Isto está tão divertido! – Pea tomou um gole do Martini de romã e mordiscou a noz-pecã assada com chili que a garçonete, Jenny, havia trazido.
– Deusa do Céu seria bem mais apropriado – reclamou Vênus.
– Desculpe, está certa. Somos deusas... Preciso começar as palavras corretamente.
Vênus sorriu com indulgência para sua pequena amiga mortal.
– Não seja tão rígida com você mesma. Eu tive uma eternidade para me acostumar com isso. Está se saindo muito bem para sua primeira noite como divindade. – Ergueu
o drinque. – A nós, deusas por dentro e por fora!
Vênus e Pea bateram as taças geladas de Martini.
– Que música divina é essa? Nunca ouvi nada parecido!
– É uma banda chamada Full Flava Kings. Eles são especializados em flashbacks. Estão cantando um clássico da era Motown, superdançante! – Pea começou a balançar
ao som de The Way You Do Things You Do, cantando junto com o coro.
– Deveria ir dançar – comentou Vênus, sorrindo diante dos movimentos fluidos da pupila ao som da música.
– Ah, não. Eu não danço.
Vênus riu.
– Claro que dança! Pois não faz aulas desde criança?
– É diferente. – Pea baixou o tom de voz e olhou em volta, sem graça. – Aquilo é aula de dança.
– Então não gosta de dançar?
– Eu adoro dançar! – Pea respondeu depressa. – Mas esse tipo de dança... – apontou a pista lotada usando o queixo – ... é muito diferente.
– Precisa relaxar e confiar no seu corpo. Acredite em mim. O Amor é especialista no físico. Esse tipo de dança é exatamente do que precisa.
Pea abriu a boca para discutir com Vênus, contudo uma voz masculina a interrompeu.
– Você me honraria com uma dança, bela deusa?
Pea e Vênus olharam para o homem mascarado diante da mesa. Estava todo vestido de negro: calças de couro pretas, camisa de seda preta, capa preta, máscara, e levava
um florete na bainha da cintura. Seu crachá dizia “Olá, eu sou o Zorro”.
Vênus arqueou uma sobrancelha, um movimento que se perdeu por trás da máscara, mas a ligeira curva em seus lábios carnudos foi inconfundível. O rapaz era, sem dúvida,
muito alto e musculoso, com um maxilar forte. Seus modos também eram educados. Sim, para começar, ele poderia ser bem interessante.
– Olá, Zorro – Pea o cumprimentou, entusiasmada.
O homem mal olhou em sua direção. Só tinha olhos para Vênus.
A deusa franziu o cenho.
– Dance comigo, linda Vênus – ele insistiu.
Não. De maneira nenhuma. Ela queria que Pea dançasse. Já flertava com homens havia séculos e fazia isso com a maior naturalidade do mundo. Aquela noite era da sua
protegida.
– Vá, Vênus! – incentivou Pea com excesso de entusiasmo. – Eu fico esperando aqui.
Vênus a fitou, enxergando por detrás da máscara; tanto a material, que ela usava naquela noite, quanto a emocional, da qual Pea lançara mão quase a vida toda. Ela
estava habituada a permanecer nas sombras enquanto os outros dançavam, se amavam... viviam.
Mas não naquela, Vênus prometeu a si mesma.
E, com uma inspiração súbita, a deusa do Amor abriu a boca e soltou um arroto típico de um marinheiro grego.
O homem mascarado recuou meio passo, e ela levou a mão à boca.
– Nossa! Acho que bebi demais! E essas nozes-pecã devem estar fazendo efeito...
Enquanto o homem fantasiado e Pea trocavam olhares constrangidos, Vênus moveu os dedos sub-repticiamente na direção do Zorro. Não o enfeitiçou; não faria isso com
Pea. A pequena mortal estava certa em não querer um homem sob efeito de magia. Ela merecia atrair alguém que se interessasse por ela por seu próprio mérito.
Tudo o que fez foi apagar qualquer interesse que o sujeito pudesse ter em sua pessoa, permitindo assim que sua atenção se voltasse para a outra “deusa”.
Ele piscou, desconcertado por um momento, contudo se recuperou.
Com um floreio da capa, curvou-se para Pea.
– Afrodite, a outra deusa não me parece interessada em dançar comigo... Não parta meu coração recusando o meu convite.
– Ela não faria isso – Vênus respondeu por Pea, cutucando-a por debaixo da mesa.
– Mas, eu...
– Você é uma deusa – lembrou Vênus. – A deusa da dança. – Seus olhares se encontraram por trás das máscaras cintilantes. – Confie em mim... e em você mesma.
– Está bem... Eu adoraria dançar, obrigada. – Pea tomou a mão que o mascarado lhe oferecia e se deixou levar para a pista de dança lotada.
Vênus sorriu, feliz, enquanto observava sua pupila começar a se mover ao ritmo da música. A pequena mortal era realmente muito graciosa.
E, claro, estava com a razão. Tão logo começou a dançar, a habilidade natural de Pea e anos de treinamento se fizeram notar. Mesmo ali, da mesa, pôde perceber que
ela também cantava e se divertia a valer.
A música mudou para outra, chamada Brick House, e mais pessoas entraram na pista de dança. Vênus percebeu que Pea começou a dançar de volta para a mesa, através
da multidão, e tratou de lançar um pouco mais da magia do desejo em um dos homens vestidos com túnica que ladeavam a parede atrás dela. Instantaneamente, ele interceptou
sua protegida.
Satisfeita, a deusa encontrou o olhar da moça e fez um gesto entusiasmado para que ela continuasse dançando. Entretanto, mesmo depois que Pea voltou para a pista
e continuou girando ao som da nova canção, Vênus pôde sentir sua reticência.
Foi então que percebeu o que se passava. Pea estava preocupada com ela! Sabia o que era ser deixada para trás, ser a única sem par. Na certa só dançaria mais aquela
vez, e insistiria em voltar à mesa.
A solução parecia simples. Ela, Vênus, também deveria dançar. Tudo o que precisava fazer era encarar qualquer um dos muitos homens que a haviam cobiçado, e este
se prontificaria a acompanhá-la até a pista de dança.
Mas, se fizesse isso, sabia o que iria acontecer, pensou com um suspiro. O mesmo que acontecera por incontáveis eras. Ela atrairia a atenção de todos os espécimes
masculinos ali presentes, assim como a luz de velas atraía mariposas. As outras mulheres na sala, incluindo Pea, pareceriam completamente sem graça se comparadas
ao Amor encarnado e, então, aonde aquilo iria dar?
Pea não receberia atenção suficiente, e elas estariam de volta à estaca zero.
Talvez pudesse espalhar um pouco de sua magia divina em volta, de modo a diminuir seu poder de sedução, mas sabia como era difícil camuflar o Amor. E, se fosse embora
e voltasse para a casa de Pea, a moça sem dúvida iria atrás dela.
Bateu as unhas longas contra a taça de Martini, inquieta. O que, pelas nádegas brancas e firmes de Diana, ela deveria fazer?
– Foi muito gentil o que fez por sua amiga.
A voz profunda devolveu a atenção a Vênus. O homem estava vestido com o que pensava ser a cópia de um antigo uniforme de soldado romano. A fantasia era muito bonita,
verdade. Mesmo quando observava os detalhes nada autênticos, porém, ela não pôde deixar de notar as pernas fortes e longas, os ombros largos e os lábios sensuais
que se curvavam apenas ligeiramente sob a máscara.
Vênus leu seu crachá e não conseguiu conter um sorriso.
– Eu sinto muito, deus do Fogo, não tenho ideia de a que está se referindo.
– O arroto. Fez isso de propósito para que o Zorro dançasse com sua amiga em vez de você, não fez?
Vênus tirou o olhar dos bonitos lábios e fitou os olhos azuis sob a máscara vermelha, amarrada sobre o cabelo farto e escuro.
Aqueles olhos...
Sentiu um choque de reconhecimento cortá-la dos pés à cabeça. Era Griffin!
Olhou para a pista de dança antes de responder. Por sorte, Pea se encontrava de costas para ela. Precisava mandá-lo embora antes que a moça o reconhecesse também.
Voltou-se para Griffin. Havia tanto calor em seus olhos azuis e cintilantes que ele parecia um predador por trás da máscara. E era óbvio quem era sua presa...
Os homens não costumavam olhar para a deusa do Amor daquela maneira. Costumavam demonstrar mais respeito, mais medo. Praticamente a adoravam. Aquilo não estava sendo
muito adequado da parte de Griffin.
Mas era muito excitante.
Vênus não respondeu. Em vez disso, jogou os longos cabelos para trás do ombro. Tomou um gole do Martini, esperando que ele usasse o equivalente masculino da estratégia
feminina para preencher o silêncio que se instalara: passasse a desenvolver aqueles monólogos intermináveis que tantos deles utilizavam para cobrir qualquer indício
de constrangimento. Aquilo sem dúvida diminuiria a atração que estava sentindo.
Mas Griffin não incorreu em nenhum monólogo autoindulgente. Continuou a aprisioná-la com seu olhar inabalável e seu silêncio paciente e confiante.
– Você é muito perspicaz – Vênus cedeu por fim.
– Talvez porque eu tenha quatro irmãs. Mas não respondeu à minha pergunta.
– Não. Quatro irmãs e quantos irmãos?
– Nenhum. Apenas irmãs.
Vênus sorriu.
– É o mais velho?
– Infelizmente.
Seu tom a fez rir e, como se seu divertimento houvesse determinado, Brick House mudou para uma canção sobre um sedutor lugar chamado Baker Street. Por cima do ombro
de Griffin, Vênus pôde ver Peã, com uma expressão de resolução no rosto atraente e corado, começar a caminhar de volta pela pista de dança em direção à mesa, embora
o rapaz em sua companhia estivesse claramente tentando persuadi-la a ficar.
– Vamos, minha deusa. Precisa de um pouco de ar. – Griffin segurou Vênus pelo cotovelo e, antes que ela pudesse fazer qualquer tipo de protesto por ter sido coagida,
ou pela maneira presunçosa com que ele a chamara de “minha deusa”, ele se pôs a conduzi-la pelo salão.
Vênus olhou para trás e, ao perceber o olhar surpreso de Pea, acenou, tentando explicar que iria lá para fora, e se abanou como se com muito calor. Com um gesto,
deixou bem claro para Pea que ela deveria continuar dançando.
O parceiro de Pea testemunhou a comunicação entre elas e aproveitou a oportunidade para puxá-la de volta para a pista, enquanto Griffin manobrava Vênus através da
porta da frente do restaurante.
Lá fora, a noite estava calma e fria, e a lua, cheia e linda. Grandes aquecedores em forma de poste emanavam calor em meio às mesas e cadeiras de ferro forjado que
haviam sido colocadas por toda a calçada em frente ao Lola’s. Um enorme forno ao ar livre perfumava o ar com fumaça de pinhão. Pequenas luzes brancas decoravam as
árvores ornamentais, lançando um brilho mágico de seus ramos desnudos pelo inverno. A música da banda podia ser ouvida dali, e alguns casais fantasiados dançavam
na calçada.
Era uma cena adorável, romântica, e Vênus se encontrava muito consciente do homem alto que ainda a segurava. Verdade que não tinha tentado se desvencilhar dele,
o que era (disse a si mesma com firmeza) mais pela surpresa de ter sido tocada sem permissão do que por conta da atração que sentia por Griffin.
Claro que deveria se soltar daquela mão quente, daquele braço musculoso...
– Por aqui – Griffin orientou e, não lhe dando nenhuma chance de se afastar, guiou-a para uma mesa vazia. Puxou uma cadeira para ela e só então a soltou de modo
que ela pudesse se acomodar. – Agora me diga. Por que quis que Pea fosse dançar em vez de você? – indagou, enquanto sentava-se à sua frente.
– Reconheceu Pea? – Vênus odiou a ponta de ciúme que a aguilhoou.
Ridículo. Afinal, sua intenção fora justamente fazer com que ele notasse a moça naquela noite.
– É claro. Assim que vi você, percebi que devia ser ela em sua companhia. Vocês duas estavam aqui no Lola’s, outro dia, e anteontem também estavam juntas naquele
T-Bird.
– Mais uma vez, é muito observador. É óbvio que está interessado em minha amiga. – Vênus se obrigou a acrescentar uma mentira. Em nenhum momento Griffin ficara olhando
para Pea na pista de dança. Sua atenção estivera focada nela. – Portanto, devemos voltar lá para dentro, assim você e Pea poderão...
A mão de Griffin cobrindo a dela interrompeu as palavras.
– Não estou interessado na sua amiguinha.
– Não? – Vênus sentiu a boca seca.
– Não. – Ele fez um círculo preguiçoso com o polegar em sua mão macia. – E fiquei feliz por ter se livrado do Zorro. Abordá-los em uma pista de dança lotada podia
ter causado constrangimentos, e eu teria feito isso de qualquer forma.
Vênus sentiu a mão formigar e o estômago se contrair.
Tirou a mão da dele.
– Não estou com vontade de dançar esta noite – defendeu-se, seca.
– Por que não? – Griffin não perdeu a serenidade quando ela se afastou. Ao contrário, deu-lhe outro sorriso, lento e seguro.
Vênus abriu a boca para fazer uma observação leviana, porém se viu desconcertada pelo modo como ele a olhava.
Foi então que se deu conta. Griffin não fazia ideia de que estava com a deusa do Amor.
Está tentando me seduzir como se eu fosse uma mortal!
O pensamento calou tão fundo que Vênus acabou deixando escapar a verdade.
– É importante que minha amiga se destaque esta noite. Quando danço, costumo chamar muito a atenção, principalmente do sexo masculino, de modo que achei melhor deixar
a dança para Pea.
Mesmo através da máscara, ela viu a expressão de surpresa no rosto moreno.
– É generoso demais da sua parte.
– Acha que não sou generosa?
Como já acontecera antes, ele levou algum tempo para responder.
– Diz minha experiência que mulheres muito bonitas podem ser insensíveis quanto aos sentimentos alheios.
– É um ponto de vista um tanto cínico.
Griffin encolheu os ombros.
– Eu acho que é realista.
– Suas irmãs são bonitas?
Os lábios benfeitos se curvaram num sorriso.
– Bastante.
– E insensíveis?
Ele ergueu as mãos em sinal de rendição e riu.
O som sensual fez um arrepio correr pela espinha de Vênus.
– Eu jamais diria uma coisa dessas. Em vez disso, prefiro afirmar que minhas belas irmãs são complicadas como todas as mulheres.
Foi a vez de Vênus sorrir.
– Excelente resposta. Mas você deve saber que eu sou a deusa do Amor... – Ela apontou o crachá, adorando a liberdade de poder proclamar a verdade e, ao mesmo tempo,
permanecer incógnita. – Assim, falo com autoridade quando digo que o amor pode parecer insensível, mas apenas para os que não foram tocados por ele.
– Eu a reconheci imediatamente, minha deusa. Na verdade, Vênus é a minha divindade favorita.
Ela arqueou uma sobrancelha.
– É mesmo?
Griffin deu de ombros.
– Bem, é a única deusa sobre a qual eu sei alguma coisa.
– E o que sabe sobre ela? – Vênus perguntou, intrigada.
– As coisas mais simples: que nasceu do mar, que é a deusa do Amor e da Beleza... Isso. De qualquer forma, estou mais interessado no que estava falando antes. Quis
dizer que o verdadeiro amor é generoso, ao contrário de suas máscaras, como o desejo e a paixão?
Vênus sorriu, encantada. Ele não apenas sabia sua origem como também conseguia acompanhar sua conversa. Muitas vezes os homens, mortais ou imortais, não faziam nada
além de fitar seus olhos, ou então seus seios, apenas se imaginando entre suas pernas enquanto falavam com ela. Griffin, ao contrário, era sexy, confiante e inteligente.
Uma combinação letal.
– Sim, foi exatamente isso o que quis dizer. O verdadeiro amor pode ser diferenciado de seus impostores pela generosidade. É sempre tão perspicaz quanto às mulheres
e ao amor?
– Muita gente diria que eu não costumo prestar muita atenção a nenhum deles.
– Não acredito. Não em se tratando do irmão de quatro lindas mulheres.
– Generoso e sábio da sua parte – ele falou com um sorriso, apreciando o claro elogio. – Mas acontece que estou na presença de uma deusa.
– De fato. – Vênus inclinou a cabeça com graça, desfrutando a brincadeira quase tanto quanto estava gostando da maneira tranquila com que Griffin conversava.
Assim como do modo fascinante com que ele continuava a encará-la. Não havia submissão ou adoração em seu olhar. E aquilo era muito animador... bem como sedutor.
Um garçom tatuado limpou a garganta e indagou por seu pedido.
– Quero outro daqueles maravilhosos Martinis de romã, querido – Vênus decidiu.
– Um scotch Macallan. Puro.
O garçom assentiu e se afastou, apressado, ao mesmo tempo que a música mudava outra vez. Vênus, então, se viu incapaz de parar de se mover ao ritmo da canção que
proclamava “It´s raining men!”. Riu quando todas as mulheres na calçada começaram a dançar juntas, erguendo os braços e cantando em voz alta, num só coro.
– Vá em frente... Dance com elas.
Olhando pela janela de vidro do restaurante, ela avistou Pea ainda embrenhada na pista de dança.
– Pea está bem. Dance para mim, deusa do Amor. Vou protegê-la, caso alguém comece a se engraçar com você.
O tom de Griffin era um claro desafio. Talvez ele devesse experimentar um pouco da paixão que o Amor poderia evocar.
– Depois não diga que não avisei.
Griffin sorriu, malicioso.
– Por que não ver do que o Amor é capaz?
– Sim, querido... – ela volveu num ronronar. – Por que não?
Sentindo-se sexy e deliciosamente decadente, Vênus se juntou às outras mulheres. A música entrou em seu corpo, como sempre acontecia, e ela se deixou levar. Dançou
para Griffin, esquecendo-se da paixão de Pea, esquecendo-se das outras pessoas na calçada, esquecendo-se de tudo, exceto do ritmo, da gloriosa magia da noite...
e dele.
Jogando os cabelos e movendo-se em perfeita harmonia com a música moderna, mostrou-se graciosa e sedutora, fascinante e habilidosa. As mulheres que dançavam ao seu
redor bem que tentaram concorrer com a deusa envolta em sedas, com sua máscara cintilante, atraídas por seu riso e beleza. Os homens, por sua vez, a fitavam, cheios
de desejo.
Principalmente Griffin. Vênus podia sentir o calor de seu olhar como se suas mãos estivessem sobre ela, e isso a fez se aquecer com emoção e ansiedade.
Continuou dançando e, pela primeira vez em eras de existência, deliciou-se com o fato de ninguém saber que ela estava longe de ser apenas uma bela e sedutora mortal.
Não precisou considerar o que o Amor liberto significaria para Griffin. Ele não estava adorando uma divindade. Estava apenas apreciando uma mulher bonita.
Quando a música terminou, Vênus caiu contra as outras, e todas riram, sem fôlego.
A música mudou de novo, e o vocalista da banda começou a entoar:
Thanks for the times that you’ve given me
The memories are all in my mind...
– Dance comigo.
Ela ergueu a cabeça e encontrou o olhar de Griffin. Seus olhos azuis pareciam flamejar com a mesma intensidade do brilho de sua máscara de fogo.
Porém, ele não esperou por resposta. Sem mais palavras, puxou-a para os braços, uma das mãos segurado a dela, a outra pressionando a base de suas costas, o corpo
colado ao seu.
Vênus não se opôs. Nunca se permitira tomar por qualquer homem, mas Griffin a guiou magistralmente para longe dos outros, moldando o corpo ao dela enquanto os fazia
se mover ao ritmo sedutor da música, até que se viram dançando sozinhos sob uma árvore, em meio às sombras, iluminados apenas pelo piscar de luzes.
Nunca alguém a tinha tomado nos braços sem sua permissão ou sem sua ordem expressa, pensou Vênus. Ninguém. Nenhum homem ou deus, em todas as eras de sua existência,
a havia tocado sem sua aprovação.
Até aquele momento.
E ela mal podia acreditar em como aquilo era sedutor.
Encontrou o olhar de Griffin e deixou que a intensa química sexual entre eles crepitasse. Ela o desejava.
O pensamento a surpreendeu. Em seguida, Vênus ficou chocada com a própria surpresa.
Pelo falo desproporcional de Netuno! Por que não se permitia amar aquele homem delicioso? Por que não se entregava àquele jogo sedutor de fingir ser mortal?
Porque Pea também o desejava.
Mas Griffin deixara claro que não sentia o mesmo por ela. Então, por que negar a si mesma um amante tão viril? Não fazia sentido. Certamente, Pea iria compreender.
Não continuaria interessada em um homem que não se mostrava nem um pouco interessado nela. Além do mais, havia quanto tempo ela, Vênus, não dava atenção a seus próprios
desejos?
Sabia a resposta. Durante séculos adotara o hábito de acolher as necessidades dos outros, de atender às vontades alheias – e ignorar as suas próprias. Sabia até
mesmo quando essa prática começara: por ocasião de seu casamento com o pobre e solitário Vulcano.
Que erro absurdo fora aquele!
De repente, Vênus se deu conta de que talvez Pea não fosse a única cuja vida precisava de uma transformação.
Capítulo 12
A partir do instante em que Vênus começou a dançar, Griffin sentiu como se alguém tivesse lhe dado um soco no estômago. Ele nunca tinha visto nada tão bonito.
Não, não era bem assim. Ela não era apenas bonita. Bonita era uma palavra simples demais para descrevê-la. Se o amor pudesse encarnar, aquela mulher, em cujo crachá
tão adequadamente se lia “Vênus, deusa do Amor”, seria a escolha perfeita.
E não era apenas em termos de sexo, ainda que ele tivesse a maldita certeza: todos os homem ali fora, incluindo ele próprio, tinham se excitado ao vê-la se mover.
Havia algo mais no modo como ela ria, desinibida, na maneira alegre como jogava os cabelos para trás e se entregava à música; como se fosse mesmo uma antiga deusa
pagã diante de quem eles deveriam cair de joelhos para adorar.
Agora compreendia por que ela não queria dançar lá dentro. Depois de observá-la, concluiu: como um homem poderia se interessar por qualquer outra mulher?
– Que coisa estranha!... – murmurou para si mesmo, sem tirar os olhos dela. Não conseguia se lembrar da última vez em que uma mulher o abalara tanto.
Merda, as mulheres o perseguiam desde que ele superara as espinhas e as tolices da adolescência. Sempre ficara feliz por corresponder ao interesse delas, entretanto
nunca havia tido o desejo de assentar com nenhuma. Duas de suas irmãs até diziam que ele era um “compromissofóbico”. As outras duas afirmavam que ele mantinha padrões
altos demais, e por isso não se envolvia com ninguém. A verdade, provavelmente, ficava no meio-termo.
Até que aquela loira surgira em sua vida.
A dança terminou, e Griffin se viu de pé, indo na direção da sua deusa do Amor. Vários dos outros homens tiveram a mesma ideia, e ele se ouviu praticamente rosnando
para eles.
Ele a queria. Mais do que quisera qualquer mulher na vida.
– Dance comigo.
Não esperou por resposta. Apenas a tomou nos braços e começou a rodopiar com ela para longe dos olhos dos outros. Ela era macia, quente e emanava um perfume exótico
que ele nunca havia sentido.
Dançaram devagar sob a árvore, ainda sem se falar, até que ele começou a se perguntar se fizera algo errado. Teria apenas imaginado que ela era tão amável e inteligente
quanto bonita? Ou talvez não estivesse falando nada porque não tinha o que dizer.
Tentou enxergar através da máscara, mas tudo o que podia ver eram aqueles olhos cor de violeta. Os lábios deliciosos, que antes tinham sorrido tão facilmente, agora
pareciam apertados em uma expressão meio distante e triste.
– Estava certa – murmurou, utilizando-se do truque que sempre funcionara com suas irmãs. Bastava deixá-las seguras, e tudo ficava melhor.
– Sobre o quê?
– Sobre não poder dançar lá dentro, no restaurante.
– Sim – ela concordou, distraída.
“Once, twice, three times a lady...” Era tudo o que preenchia o silêncio entre eles, e Griffin começou a ficar aflito.
Desnorteado, deixou escapar a verdade:
– Você me parece triste.
Ela pareceu acordar e, por fim, se concentrou nele.
– Não triste. Apenas pensativa.
– Há algo em que eu possa ajudá-la?
– Está tomando conta de mim como se eu fosse uma de suas irmãs?
Ele espalmou a mão intimamente na curva das costas delgadas, consciente de que tudo o que o separava da pele quente eram duas camadas de seda fina. Sustentou seu
olhar, então.
– Eu não me sinto nem um pouco fraternal a seu respeito.
– Que bom – ela respondeu, meio sem fôlego.
Griffin a puxou para mais perto e sentiu o corpo reagir a seu calor.
– Eu nem sei o seu nome! – lembrou com voz rouca.
Ela abriu um sorriso travesso.
– Pois deveria. Está dançando com a sua esposa.
As palavras o tiraram do prumo.
Ela riu, e o som foi tão fantástico que a vontade de vê-la rir e sorrir mais de repente superou seu desejo físico.
– Não fique tão chocado – ela falou, ainda rindo. – Você é Vulcano, o deus do Fogo, e eu sou Vênus, a deusa do Amor. Vulcano e Vênus são casados.
Griffin deixou a mão passear em círculo por suas costas.
– Desculpe, Vênus, meus conhecimentos em mitologia estão mais do que enferrujados. Tem certeza de que o deus do Fogo é Vulcano? Pensei que fosse Ares.
Então se divertiu ainda mais ao perceber que era um total ignorante no assunto. Seu comentário a fez pender a cabeça para trás e soltar uma gargalhada.
– Ah, disso eu tenho certeza!
Ele sorriu.
– Quer dizer que somos casados.
– Pode apostar. – Ela baixou a voz para um sussurro e se inclinou ainda mais para perto dele. – À boca pequena, porém, dizem que é apenas um casamento de conveniência,
estritamente de fachada.
– Uma ova! – ele exclamou, fingindo-se ofendido, o que lhe pareceu surpreendentemente fácil. Apenas imaginar manter um casamento de fachada com aquela mulher era
suficiente para fazê-lo cerrar os dentes. – Não é à toa que eu nunca me deixei levar por esses mitos. São absurdos demais para se acreditar.
– Não acredita que o nosso casamento é de fachada?
– Nem por um instante.
Vênus encolheu os ombros, os olhos cintilantes ainda risonhos.
– Quem sou eu para discutir com meu marido?
Foi a vez de Griffin rir.
– Eu não acredito que a deusa do Amor seja uma esposa submissa, assim como duvido que ela viva sem paixão.
– Fico contente em ver que estamos nos entendendo, marido. – Vênus fez uma pausa, depois acrescentou com uma voz hesitante e um pouco tímida: – Pode se surpreender,
no entanto. Mesmo uma deusa pode cometer erros... Além do mais, quem iria imaginar que o Amor pudesse se sentir solitário?
– Sente-se solitária, esposa? – A intenção de Griffin foi soar provocante, contudo a evidente sinceridade na expressão dela fez seu tom sério.
Vênus o fitou nos olhos, e ele sentiu o coração se apertar. Quem tornara aquela mulher incrível tão triste?
Não fazia ideia. Só sabia que, se o sujeito em questão estivesse ali, ele o faria se arrepender de ter nascido!
– Sinto-me, sim – ela admitiu em voz baixa. – Nós nunca deveríamos ter nos casado. Temos vivido, ambos, insuportavelmente tristes. A amizade pode ser uma bênção,
mas não substitui o amor verdadeiro.
Griffin sentiu as palavras calarem fundo dentro dele. E, como se houvessem aberto uma cortina, percebeu como sua própria vida era vazia de amor.
– E nenhum de nós o espera ou busca mais? – Ele respirou fundo, sem ter certeza de aonde aquilo os levaria, porém sem querer romper o feitiço gerado por tanta intimidade.
Inclinou-se para mais perto dela e sussurrou: – Existe alguma forma de podermos nos reconciliar? Como podemos tornar este relacionamento melhor para nós dois?
Vênus ergueu o olhar violeta para o dele, procurando seu rosto.
– Quem sabe, apenas por esta noite, possamos nos tornar pessoas diferentes?
– Qualquer coisa por você, minha deusa.
– ... Queria lhe falar sobre esse seu modo de me chamar de “sua deusa”. Não acha que é muito presunçoso da sua parte? – A preocupação dela desapareceu, e seus lábios
carnudos se curvaram num sorriso.
Griffin viu-se irremediavelmente atraído pela suavidade convidativa da boca carnuda.
– Bem, já que sou seu marido, e que estamos recém-reconciliados com esse fato, creio que eu tenha direito a um pouco de presunção... – Ele se inclinou e, antes que
ela dissesse alguma coisa, beijou-a.
Vênus enrijeceu apenas por um momento. Griffin manteve o beijo suave, permitindo que ela tivesse tempo para interrompê-lo e se afastar dele.
Isso não aconteceu, porém. No instante seguinte, sua deusa relaxou e praticamente derreteu em seus braços.
O que começou quase como uma interrogação, ou uma doce provocação, se aprofundou. Griffin sentiu que ela deslizava as mãos por seus ombros e se perdeu nela, que
abriu a boca, permitindo-lhe beber de seu néctar.
E a mulher tinha gosto de tempero, de sexo. Tanto que sua resposta foi primitiva e feroz. Mesmo com os pensamentos enevoados pela luxúria, Griffin concluiu que ela
o incendiara de tal modo que ele poderia muito bem ser o deus do Fogo...
Então não conseguiu pensar em mais nada. A única coisa que pôde fazer foi tocá-la, prová-la e desejá-la ainda mais.
Puxou-a mais para a sombra da árvore, de modo que o tronco largo os protegesse da vista das pessoas que se encontravam do lado de fora do restaurante, e se posicionou
de forma que seu próprio corpo ficasse entre ela e a rua. Então, em seu pequeno oásis de privacidade, devorou-a.
Vênus se inclinou para ele, moldando as coxas às suas. Gemeu em sua boca, e Griffin a segurou pelas nádegas, levantando-a de modo a esfregar sua ereção nela.
– Está bom? Gosta?
– Sim! – ela soprou contra seus lábios.
Ele puxou a alça do ombro macio, expondo um seio. O mamilo rosa estava contraído e pronto para sua boca. Griffin se inclinou para prová-lo, circundando-o com a língua
antes de sugá-lo com volúpia.
O suspiro de Vênus o fez levantar a cabeça. Ela estava ofegante, os lábios entreabertos e úmidos.
– Tem um gosto tão bom! – conseguiu dizer, atordoado.
Abrindo as pernas, Vênus moveu os quadris, dando-lhe mais acesso, e ele a pressionou com o próprio corpo.
– Deixe-me sentir você!
Ela gemeu e assentiu, afoita.
O sangue correu mais rápido pelo corpo de Griffin, deixando-o ainda mais ingurgitado e insuportavelmente rijo. Afoito, ele encontrou uma fenda no vestido de seda.
– Ah, Deus! Não tem nada por baixo! – Sua voz soou rouca e estranha até para ele próprio, tal foi a luxúria que o acometeu quando seus dedos deslizaram pelo calor
úmido.
Vênus não falou. Em vez disso, levantou uma perna, enroscando-a no topo do seu quadril. Em seguida, moveu-se de modo que a ponta do pênis se juntou aos dedos de
Griffin, que lhe roçaram sem penetrá-la.
– Se não quer isto, tem que dizer agora! – ele ofegou, sabendo que logo seria incapaz de agir com a razão. – Mas, por favor, não me peça para parar!
– Não pare! – ela ordenou num sussurro.
Com um grunhido, Griffin a ergueu mais pelas nádegas e a prensou contra a árvore. Vênus se apoiou em seus ombros e ele projetou o corpo, deslizando para dentro com
torturante lentidão enquanto ela o envolvia com ambas as pernas até que ele a ocupasse com firmeza.
– Meu Deus, você é incrível!
Em meio ao ruído de sua própria pulsação, Griffin ouviu seu suspiro e cobriu-lhe a boca novamente, bebendo seus gemidos e abafando seus gritos conforme ia mais fundo.
Quando espasmos sacudiram o corpo quente sob ele, inclinou a pélvis ainda mais, de modo a mergulhar dentro dela, sentindo seu próprio orgasmo espiralar...
– Capitão, é o senhor que está aí?
Griffin não fazia ideia de como a voz do tenente conseguiu se infiltrar na paixão avassaladora que o consumia, mas depois ficou grato por isso. Jamais se perdoaria
se alguém o visse perder o controle daquela maneira.
– Capitão?
Griffin levantou a cabeça e viu Robert acenando e vindo em sua direção.
– O que foi!? – rugiu, transtornado, ao mesmo tempo que se afastava de Vênus e a ocultava melhor, de modo que ela pudesse se pôr de pé e ajeitar a roupa.
Robert parou onde estava, claramente surpreso com o tom usado pelo amigo.
– Ahn, o chefe está à sua procura. Ele quer que explique para o prefeito o plano que elaborou para treinar a comunidade no uso dos minidesfibriladores. Parece que
a prefeitura tem um financiamento que poderíamos usar.
Griffin lutou para colocar o cérebro em funcionamento enquanto acalmava a respiração.
– Vá, Griffin.
Ele a fitou, atordoado, vendo-a ajeitar o traje. Nem sequer olhava para ele.
– Vá de uma vez! – ela repetiu, impaciente.
Vênus tentou se afastar dos braços fortes, contudo estes só a apertaram mais.
– Diga ao chefe que já vou – Griffin pediu a Robert.
O rapaz acenou com a cabeça, lançou mais um olhar curioso em sua direção, depois desapareceu no meio do restaurante.
– Está tudo bem. Ele já foi.
– Precisa ir, também.
Griffin sentiu uma onda de frustração apertar o estômago. Aquilo não poderia terminar daquela maneira. Não terminaria assim.
Estendeu a mão e puxou a fita de seda que ainda segurava a máscara de sua deusa no lugar. Esta se soltou como um pássaro, deixando o rosto delicado à vista. Ela
era tão linda que as palavras que ele planejara dizer simplesmente não saíram.
O silêncio entre eles cresceu e, em um gesto que era um misto de orgulho e vulnerabilidade, Vênus ergueu o queixo e encontrou seus olhos.
– Eu disse que é melhor ir também.
– Não faça isso – Griffin respondeu, rouco, reencontrando a voz.
Ela desviou o olhar, tentando esconder a própria mágoa, e ele segurou seu rosto com ambas as mãos, obrigando-a a fitá-lo.
– Não me conhece, então vai ter que acreditar no que eu digo até que eu possa lhe provar. Não sou o tipo de homem que usa uma mulher e depois se afasta. Isto...
– apontou para a árvore – ... nunca aconteceu comigo antes. Eu deveria lhe pedir desculpas, mas estaria mentindo se dissesse que sinto muito. Não vou mentir para
você. – Fez uma pausa, acariciando as faces macias com os polegares. – Vou pedir desculpas apenas por ter que me afastar.
Ela o fitou por muito tempo com seus expressivos olhos cor de violeta.
– Isso também nunca aconteceu comigo antes – confessou numa voz tão baixa que ele teve de se esforçar para ouvi-la. – Geralmente sou eu quem fica no controle.
– Deixe-me cuidar desse assunto com o prefeito. Vou tentar ser breve e voltar em seguida. Diga que vai esperar por mim na mesa.
– Vou esperar por você.
– Maravilha. – Ele a beijou com ímpeto, depois se afastou, relutantemente indo atrás de Robert no restaurante.
Capítulo 13
O que, em todos os níveis sem sexo do Submundo, acabara de acontecer com ela? Tudo parecia bem. Estava brincando de ser mortal e aproveitando o momento como nunca
na vida, ainda mais ao desfrutar a volúpia com que Griffin a abordara. Tinha adorado dançar para ele, e o modo como ele a tomara nos braços sem sua permissão, levando-a
para longe da multidão.
Então tinham começado aquela conversa estranha sobre Vulcano.
Pelas coxas flácidas de Baco! Por que ela abrira aquela caixa de Pandora? Ou, mais precisamente, por que admitira tanta intimidade com alguém que lhe era desconhecido,
sem dizer um mortal?
Tudo acontecera quando Griffin a beijara. Ela havia perdido o controle.
Com mãos trêmulas, Vênus recolocou a máscara, grata pelo disfarce, e caminhou depressa para a mesa, onde seu Martini de romã a esperava. Tomou um longo gole, deixando
a bebida gelada aliviar o calor que ainda pulsava por seu corpo.
Um mortal a fizera gozar!
Não que ela não fosse capaz de ter um orgasmo. Era a deusa do Amor, e esse tipo de coisa era tão natural quanto respirar para ela. O que a chocava era o fato de
o orgasmo ter sido absurdo.
E não tinha planejado nada daquilo. Griffin fizera acontecer.
Outro pensamento se abateu sobre Vênus, e ela praguejou em voz alta. Pea era louca por ele, e ela, Vênus, fornicara com o homem apoiada em uma árvore! Pior, desejara
o amado de sua amiga como nunca desejara nenhum outro!
Deveria mais era ir atrás dele e fulminá-lo com seu poder divino. Poderia fazer isso num piscar de olhos, e nenhum mortal nem sequer tomaria conhecimento.
Também poderia repreendê-lo. Colocá-lo em seu devido lugar. E depois apagar o encontro que haviam tido da memória de Griffin, plantando nesta um desejo avassalador
por Pea.
Vênus não se moveu, no entanto. Ele afirmara não ter nenhum interesse por sua protegida, e Pea também já deixara claro que não desejava nenhum tipo de magia que
o convencesse a amá-la. Se ela, Vênus, modificasse algo na mente de Griffin e a enchesse de paixão por Pea, estaria indo contra a vontade da amiga.
Além do mais, seria hipócrita demais de sua parte acusá-lo de assédio quando fora justamente a maneira ousada como Griffin a tratara que ela achara mais excitante.
Bufou e deu mais um longo gole no Martini. Mal podia acreditar que seus joelhos continuavam fracos, e que ainda se sentia quente e com a respiração acelerada. Era
óbvio que fazia muito tempo que não se regalava com uma boa dose de paixão, e uma sensualidade reprimida ardeu dentro dela, até que o toque de um homem qualquer
a levara a pegar fogo.
Francamente! Deveria ter vergonha.
Vênus tamborilou os dedos na haste da taça de Martini, tentando se lembrar de qual fora a última vez em que havia se masturbado.
De qualquer modo, não tinha sido excitante como ser violada atrás de uma árvore, e por um homem tão irreverente, contrapôs uma voz dentro dela.
– Garçom! – Ergueu o braço, e o rapaz tatuado correu até ela.
– Quero outro Martini e também algo doce. De preferência com bastante chocolate.
– O Lola’s tem uma mousse de chocolate excelente no menu desta noite.
– Pode ser. Aliás, melhor trazer duas de uma vez. – Diante do olhar surpreso do rapaz, Vênus acrescentou, distraída: – Estou esperando por uma pessoa.
Ele assentiu e se afastou, apressado.
– Não deixa de ser verdade – Vênus resmungou dentro da taça de Martini já meio vazia. Ou ao menos imaginava que fosse. Griffin lhe pedira para esperar por ele. Prometera
voltar. Mas se não fizesse isso...
Vênus se desesperou. Não fazia ideia do que ela poderia fazer naquele caso! A deusa do Amor não possuía nenhuma experiência com a rejeição.
Pea estava vivendo o melhor momento de sua vida! Nunca tinha dançado tanto (exceto nas aulas de balé), e decerto nunca se sentira tão bela.
E estava flertando!
Até agora, entretanto, nenhum homem em especial lhe chamara muito a atenção. E, infelizmente, não havia encontrado Griffin.
Não que não tivesse procurado por ele. Tinha, sim! Mas dançar uma música atrás da outra e, ao mesmo tempo, tentar descobrir quem estava por trás de cada máscara...
Griffin poderia ficar a seu lado e ela nem iria saber.
O Full Flava Kings terminou de cantar Do You Love Me e, rindo, quase sem fôlego, Pea agradeceu ao soldado romano com quem dançara as duas últimas músicas.
– Que tal a próxima? – ele convidou, segurando-a pela mão na tentativa de mantê-la na pista de dança quando a vocalista do conjunto começou a cantar You Can’t Hurry
Love.
– Obrigada, mas preciso de uma pausa. Estou morrendo de sede.
Ele continuou a prendê-la pela mão.
– Vamos lá, só mais uma...
– Obrigada, mas não – Pea repetiu enquanto tentava se livrar do rapaz, não gostando de sua insistência.
– Não pode abandonar um sujeito assim. Não depois da maneira como dançou.
– Desculpe, mas não sei o que está querendo dizer. Era apenas uma dança – Pea rebateu com a testa franzida, tentando não deixá-lo estragar seu bom humor.
Os olhos do desconhecido se estreitaram por trás dos buracos da máscara.
– Pelo modo como se moveu, não foi apenas uma dança. Não adianta fingir outra coisa – acrescentou em voz baixa.
Pea o encarou, sem saber se ria ou gritava. Ter um homem tão interessado nela não era algo com que estivesse acostumada.
Talvez devesse arrotar perto dele!
– Uma deusa só é tocada quando dá sua permissão, caso contrário irá evocar sua ira. E a ira de uma deusa é uma coisa terrível de se ver... Até mesmo os deuses tremem
só de pensar – uma voz profunda ribombou de algum lugar atrás dela.
Pea começou a se virar para ver quem estava falando, porém se viu perplexa com a expressão de seu ex-parceiro. Sob a máscara bege, seu rosto perdeu a cor e, através
dos dois buracos, ela pôde ver que o medo havia substituído a raiva em seu olhar.
– O que é isso, irmão... Eu não quis dizer nada.
– Então deveria pedir desculpas – interveio Pea, sentindo a necessidade de se defender por conta própria. – Mas não porque sou uma deusa. Deveria pedir desculpas
por ter sido rude e agressivo. Quando uma mulher diz “não”, ela quer dizer não.
– Perdão – o rapaz se desculpou depressa, em seguida se embrenhou na multidão que agitava a pista de dança.
Ainda de cenho franzido, Pea o observou se afastar rapidamente. Em seguida, voltou-se para olhar quem era seu salvador.
– Agradeço por ter agido como um cavalheiro e interferido, mas não era nada demais. Eu podia ter lidado com isso soz... – As palavras morreram em sua garganta. O
homem atrás dela era magnífico!
Não foi apenas seu tamanho o que a fez prender a respiração, ainda que ele fosse alto: devia ter no mínimo um metro e noventa e cinco. Não foi o cabelo escuro e
farto, e de alguma forma meio rebelde apesar do corte militar. Não foi pela fantasia que ele usava: uma couraça moldada no peito que parecia autêntica, além de uma
túnica de couro pregueada que deixava grande parte das pernas musculosas descobertas. Nada disso a deixou sem palavras...
O que a deixou emudecida foi a expressão em seus escuros e expressivos olhos castanhos. Seu olhar parecia brilhar através da máscara cor de fogo, tocando-a com tanto
desejo que a fez estremecer.
Nenhum deles falou por um momento. Um momento estranhamente íntimo.
Então ele se manifestou, por fim.
E sua voz profunda soou tão suave que ela mal pôde acreditar que fosse do mesmo homem rígido e ameaçador de poucos minutos antes.
– Disse que estava com sede... Eu ficaria muito honrado se me permitisse lhe oferecer algo.
Pea percebeu que tinha a boca entreaberta e a fechou depressa.
– E-Está bem – gaguejou, enquanto sua voz interior gritava: Não é hora de agir como uma idiota! Respirou fundo e se obrigou a evitar aquele balbuciar ridículo. Ela
era uma deusa! E deusas eram capazes de conversar de uma forma racional com homens bonitos.
Até porque era bom praticar com alguém que lhe tirasse o fôlego, de modo a ser coerente caso tivesse outra chance de conversar com Griffin.
– Está bem – repetiu em um tom mais razoável, recompondo-se. – É justo que eu lhe deixe me pagar uma bebida. Afinal, veio em meu socorro, embora eu pudesse ter lidado
muito bem com ele sozinha.
– Claro que podia. – Ele olhou seu crachá, e seus lábios se curvaram ligeiramente. – Afrodite, deusa do Amor.
– É – Pea respondeu, e em seguida se deu conta de que soara como se tivesse dezesseis anos. – Mesmo assim, eu lhe devo um favor pelo gesto tão cavalheiresco – completou
depressa.
– Não falemos em dívidas, minha deusa. Quero que beba comigo apenas se desejar.
Ela sentiu um arrepio. A voz profunda parecia vibrar ao longo de seu corpo como uma música lenta e sensual.
– Bem... estou com sede mesmo.
O leve sorriso do estranho se alargou, fazendo seu estômago se apertar. Ele a levou de volta para a mesa, e Pea percebeu que ele mancava um pouco, o que não o impediu
de afastar sua cadeira e, como um cavaleiro da Idade Média, inclinar-se para ela.
– Obrigada – murmurou, tensa.
Por sorte, a garçonete estava passando, e ela pediu um Martini de romã, além de uma garrafa grande de água mineral Pellegrino que poderia ajudá-la a se manter sóbria.
Já havia algo inebriante o bastante naquele homem sem que ela precisasse se embriagar.
Ele pediu o mesmo à atendente.
– Quer dizer, então, que é... – Pea apertou os olhos para enxergar o nome no crachá – ... o deus do Fogo. Nossa! É uma responsabilidade e tanto.
O estranho deu de ombros, parecendo pouco à vontade com o comentário.
– Não tenho como escapar dela.
– Eu diria que não. Quero dizer, sem você, como teríamos luz e calor na Terra? – ela respondeu, orgulhosa do comentário expressivo.
Infelizmente, ele pareceu ainda mais desconfortável, e seus ombros largos se moveram, inquietos.
– Desculpe – Pea acrescentou depressa, querendo deixá-lo à vontade. – Imagino o quanto vocês, bombeiros, estão constrangidos por terem sido obrigados a se vestir
como deuses esta noite. Quero dizer, verdade seja dita, eu também não tenho nada de deusa... Sou apenas eu.
Os olhos cor de chocolate escureceram ainda mais, e ele se inclinou para a frente.
– Eu sei quem você é. E é muito melhor do que a deusa perfeita do Amor.
Pea sorriu, pensando na beleza de Vênus.
– Quem poderia ser melhor do que a deusa do Amor?
– Você, Pea – ele respondeu, sincero. – Não precisa da magia dos imortais. Você é única, honesta e real, o que supera a perfeição fria dos deuses.
As palavras fizeram o batimento cardíaco dela se acelerar.
– Como sabe o meu nome?
– Eu já a vi aqui antes, no sábado. Você...
– Ah, que maravilha! – Pea levou as mãos ao rosto mascarado. – Você me viu arrotando e deixando cair aquele pênis de borracha enorme!
– Não foi nada disso o que eu vi.
A voz dele soou tão suave que Pea tirou as mãos do rosto, e seus olhares se encontraram.
– O que viu, então? – indagou baixinho.
– A mim mesmo.
Ela piscou, sem ter certeza de que tinha escutado bem.
– A você mesmo? Não compreendo.
O sorriso dele foi tímido desta vez.
– Parece inacreditável, eu sei – murmurou, como se encontrando dificuldade em se expressar. – Mas, no sábado, quando a vi, só consegui pensar que sabia como estava
se sentindo. Eu sabia... – Fez uma pausa, depois recomeçou. – Eu sei o que é se sentir excluído.
– Você? – Pea indagou, incrédula.
– As aparências enganam.
– E eu não sei? Quero dizer, você me viu no sábado. Deve ter reparado que passei por uma grande mudança desde então. Isto – ela fez um gesto, abrangendo a si mesma
– não é o que eu fui a vida toda. Acontece que tive uma ajudazinha recentemente. Mas, já que me viu naquele dia, o que foi antes da minha transformação, já sabe
que não sou bem assim.
Devagar, ele estendeu a mão e cobriu a dela.
– Vi como é autêntica e boa, e isso, sim, acho muito bonito.
A mão dele era quente, grande e forte. Pea pôde sentir a aspereza de seus calos na pele, e se comoveu ao pensar que ele ganhara aquelas calosidades combatendo incêndios
e salvando vidas.
No entanto, o gesto evocou outras coisas também. E coisas que a chocaram: imagens da noite em que a ambrosia afrouxara suas inibições e ela havia se tocado, alcançando
um clímax devastador. Tinha sido tão bom, tão decadente, tão sensual e...
– No que está pensando? – A voz do estranho soou como uma carícia.
– Eu? – Pea forçou os pensamentos de volta ao presente, tentando ignorar o calor que lhe subiu ao rosto. Sentiu-se quente e úmida, e a sensação ficou ainda mais
evidente por não estar usando calcinha. – Não sei... Estava apenas divagando, acho. Sinto muito.
– Não se desculpe. Apenas me conte em que estava pensando.
– Não posso! – ela deixou escapar. Em seguida, limpou a garganta e tentou rir, como se fosse apenas um devaneio adolescente que a fizera corar.
Em vez de aceitar a resposta pouco sincera, ele apertou mais a mão dela.
– Está sentindo também, não está?
Pea fez menção de rir e fazer uma observação cínica, mas algo no olhar dele a impediu.
E foi como se pudesse enxergar seu coração. De repente, inexplicavelmente, sabia o que ele queria dizer.
– Está se referindo a esta nossa... conexão, não é? – respondeu, tão baixo que ele teve de chegar mais perto para ouvir.
Seus ombros roçaram, e ela sentiu o corpo todo formigar.
– Isso mesmo. Há algo entre nós. Senti isso no sábado, e vim aqui esta noite na esperança de vê-la de novo para conversar com você.
Pea pensou como era irônico ela ter ido até ali naquela noite torcendo para encontrar Griffin, e aquele homem maravilhoso ter feito o mesmo na esperança de encontrá-la!
Vulcano se moveu na cadeira, inquieto.
– Não sou bom nessas coisas. Nunca fui bom em falar com as mulheres, mas você me atraiu para cá. Perdoe-me se não sou mais experiente na arte do amor.
– Pois eu acho que está indo bem demais – ela murmurou, sincera.
Capítulo 14
Houve uma pausa na conversa enquanto a garçonete trazia as bebidas, e Pea ficou satisfeita ao notar que ele não havia tirado a mão da dela. Tomaram seus Martinis
em silêncio, apenas olhando um para o outro, meio tímidos, a princípio. Logo ela sentiu a temperatura mudar, no entanto, e os olhos dele pareceram querer devorá-la.
A vocalista do Full Flava King´s passou o microfone para o cantor do grupo, a música abrandou, as luzes diminuíram, e ele começou a cantar uma velha canção de amor
dos anos setenta: Always and Forever.
Pea balançou o corpo com o ritmo suave.
– Dance comigo – pediu, rouca.
Ele estremeceu como se tivesse levado um choque.
– Eu não danço. Não sei fazer isso.
Pea viu algo mais em seus olhos escuros, porém. Não fazia ideia do motivo de ele lhe parecer tão transparente, mas, por mais estranho e impossível que fosse aquilo,
sabia, no fundo da alma, que não era porque ele não queria dançar com ela. Estava mesmo com medo.
E sua transparência deu-lhe a coragem para falar, escolher palavras que nunca tinha sequer considerado proferir a qualquer homem.
– Não é bem dançar. – Sua voz soou suave e persuasiva. – Basta me segurar em seus braços e se mover no ritmo da música.
Ele fechou os olhos.
– Minha perna.
– Dói?
– Um pouco – ele respondeu depressa. Em seguida acrescentou com mais honestidade: – Ela faz com que eu me mova de um modo meio desajeitado, por isso nunca dancei.
– Nunca?
– Nunca.
– Se é assim, deixe-me ensiná-lo. – Ela se levantou e estendeu a mão. – Confie em mim. Prometo que vai dar certo.
Devagar, como se estivesse nadando contra uma grande correnteza, ele se levantou e pôs a mão na dela, permitindo-se levar para a pista de dança.
Pea o orientou a ficar na posição certa: a mão esquerda segurando a sua, a direita apoiada na base de suas costas.
– Agora é só se mover lentamente com a música – murmurou, encarando-o. – Eu vou segui-lo.
No começo, ele não se moveu. Continuaram no meio da pista de dança lotada como duas estátuas vivas, congeladas no tempo. Então, hesitante, ele começou a se movimentar
no ritmo da canção, e Pea o seguiu.
Tão perto dele, viu-se mais uma vez impressionada com sua altura e a largura de seus ombros.
Mas ele não olhava para ela. Ao contrário, mirava algum lugar além de seu ombro com o corpo todo tenso. Era quase como dançar com uma montanha.
– Relaxe, está indo muito bem.
Ele a fitou, por fim, e Pea se viu tocada por sua expressão preocupada. Como era possível que um homem tão grande, musculoso e bonito fosse tão inseguro?
Os homens eram tão engraçados às vezes! Era incrível que uma dança lenta pudesse pegar um másculo bombeiro tão desprevenido.
Apertou sua mão e sorriu.
– Solte um pouco esses ombros ou vai acabar fraturando alguma coisa.
– Estou segurando você com muita força? – ele indagou, afrouxando o abraço e recuando quase meio passo para trás.
– Não! Não há problema em me segurar com firmeza. É uma dança lenta. – Pea tornou a fechar o espaço entre eles. – Quando eu disse que podia fraturar alguma coisa,
quis dizer em você.
– Ah... Agora compreendi. – Ele deu-lhe um sorriso nervoso e tornou a segurá-la, ainda que voltasse a olhar por cima de seu ombro, como se as respostas às questões
mais complexas do Universo estivessem ali, atrás dela.
– Ei...
Ele voltou a fitá-la.
– Poderia ser melhor se olhasse para mim. Esqueça o seu nervosismo e se concentre na música. – E em mim – quis acrescentar. Concentre-se em mim.
Mas não conseguiu proferir as palavras.
– E quanto a você? – ele indagou, como se tivesse lido sua mente. – Posso me concentrar em você?
Pea sorriu, radiante.
– Deve.
– Isso eu posso fazer. – Ele a puxou para mais perto e, desta vez, seu olhar não a deixou.
“Every day love me your own special way...”
Pea ouviu a primeira parte do refrão, mas, quanto mais seus olhares se mesclavam, quanto mais próximo o corpo dele ficava do seu, mais tudo se apagava ao redor:
a música, as pessoas... o mundo. Como podia enxergar tanto em um rosto que se encontrava parcialmente mascarado? Era como se ele fosse um código, e ela houvesse
recebido a chave para compreendê-lo.
E como o entendia!
Chocada, Pea percebeu todo o desejo, o medo, a solidão e saudade em seus olhos.
E também amor. Era incrível, inexplicável, impossível... mas era amor.
– Sim – sussurrou, embora ele não tivesse dito nada em voz alta. – Sim, eu quero... Eu quero.
Então se deu conta de que a música mudara da balada lenta para uma versão entusiasmada de Super Freak, de Rick James, e eles eram as únicas duas pessoas que não
se moviam no ritmo do funk.
– Você quer? – ele perguntou, aturdido.
Ela o desejava. Muito. Quase deixou escapar que queria sentir seu gosto, que queria conhecê-lo e amá-lo.
Que diabo tinha dado nela?
Desconcertada, Pea gaguejou:
– Eu... preciso ir ao banheiro. Vai esperar por mim?
– Sempre. – Ele ergueu a mão que já estava segurando, virou-a, fechou os olhos e pressionou os lábios contra a pele quente.
Pea sentiu um choque quente e violento percorrê-la da palma até a virilha.
Um casal vestido como trajes hippies dos anos sessenta e máscaras pintadas em motivos psicodélicos trombou com eles, rompendo a bolha de intimidade. Relutante, Pea
puxou a mão.
– ... Eu volto já.
Sentindo-se um pouco tonta, Pea abriu caminho através da multidão para o cômodo fechado com cortinas cor de vinho do toalete das mulheres. O banheiro era dividido
em duas partes: do lado direito da entrada ficava uma série de cabines e, em frente à porta, havia um espaço para maquiagem e cabelo. O lugar era típico do anos
vinte, com um balcão de mármore, um lavatório e um enorme espelho.
Ela correu para dentro do toalete e fechou a porta. Encostou-se no balcão e se olhou no espelho de moldura dourada...
... E uma linda desconhecida a fitou de volta por detrás da máscara cintilante.
– No que estou me transformando, afinal?
A maçaneta da porta girou, e ela usou a torneira às pressas, puxando uma das toalhas da prateleira.
– Já estou saindo – falou, desligando a água e tentando não soar tão ofegante e confusa como se sentia.
A porta se abriu e Pea se virou, pronta para lançar à outra mulher um olhar de reprovação.
Mas foi ele quem entrou no banheiro e trancou a porta, bloqueando sua saída.
Entreolharam-se por alguns instantes.
– Eu queria ficar sozinho com você – falou por fim. Em seguida, balançou a cabeça, frustrado. – Não... Eu precisava ficar sozinho com você.
Pea sabia que deveria pedir que ele saísse, passar correndo por ele ou então ameaçar gritar. Mas, quando recuperou a capacidade de falar, sua voz traidora não exigiu
que ele fizesse nada disso.
– Faria algo por mim? – ouviu-se dizendo em vez disso.
– Qualquer coisa ao meu alcance.
– Tire a máscara.
Ele desamarrou a fita de veludo preto que segurava o aparato sobre metade de seu rosto e o deixou cair no chão.
Pea não falou. Apenas ergueu o braço e desatou a própria máscara, deixando-a cair também.
Em seguida, estudou o rosto moreno. Não era lindo como o de Griffin, mas sem dúvida devia fazer cabeças se voltarem e receber olhares persistentes e convidativos.
Seus traços eram fortes e benfeitos, as maçãs do rosto altas, o queixo quadrado. O nariz era quase aquilino, o que, junto com o cabelo e os olhos escuros, davam-lhe
uma aparência de mau.
E a boca...
Os olhos de Pea se fixaram nela. Seus lábios eram cheios e sensuais.
Ergueu o olhar para encontrar o dele e vislumbrou um novo mundo esperando por ela no daquele homem estranho e ao mesmo tempo tão familiar.
– Se eu não tocá-la de novo vou enlouquecer – ele murmurou.
Pea não pensou. Apenas respondeu.
– Então me toque.
Ele cobriu o espaço entre eles tão depressa que Pea prendeu o fôlego e recuou um pouco, assustada. Ele estacou, as mãos já levantadas, prontas para puxá-la para
mais perto.
– Por favor, não tenha medo de mim. Eu não suportaria se tivesse medo de mim.
Aqueles olhos... Eles a capturaram, e ela pôde sentir a dor e a honestidade nas palavras.
– Não tenho medo de você. É que você é tão grande! – Pea riu um pouco, nervosa.
– Perdão por eu não ser menor.
Ela levantou a mão e a fez descansar no peito largo.
– Não se desculpe. Eu não disse que não tinha gostado.
Surpresa, sentiu que ele estremecia sob seus dedos.
E a reação enviou uma faísca de desejo por seu corpo.
Olhando no fundo dos olhos escuros, ela ordenou:
– Beije-me.
Ele se curvou e tomou sua boca na dele.
Não havia nada de hesitante ou delicado no beijo. Apenas calor, desejo, e uma paixão inebriante e avassaladora. Os braços de Pea subiram para se agarrar aos dele,
e ela se viu correspondendo com a mesma ânsia. Seu calor e seu gosto a envolveram, lembrando chamas ardentes de um fogo que não cessava de ser alimentado.
Espremeram-se um contra o outro, e Pea teve a impressão de que ele tentava entrar sob sua pele.
– Sim! – sussurrou contra a boca sedenta. – Mais perto!
Ele gemeu e a ergueu para sentá-la sobre o balcão de mármore. Então seu gemido se transformou em uma grunhido quando ela deslizou as longas pernas nuas em torno
de seus quadris, de modo a encaixar o membro rijo em seu núcleo já úmido.
– Mais perto! – Pea repetiu, e soltou uma exclamação quando mãos ásperas escorregaram pela parte externa de suas coxas, levantando a seda fina das vestes e prendendo-a
pelos quadris. Em seguida, elas deslizaram entre ela e o mármore frio do balcão, segurando-lhe as nádegas.
– Pelos deuses! Acho que me enfeitiçou. É tão doce e macia... Deixe-me prová-la, Pea. Eu quero você! – ele implorou em meio a novo gemido.
Antes que a mente de Pea pudesse alcançar o ritmo de seus próprios hormônios, ele se pôs de joelhos à sua frente e a puxou para ele, segurando-a de modo a lhe manter
as pernas abertas, o que a deixou mais do que exposta.
Ela não conseguia acreditar no que estava acontecendo!
Um pensamento fugaz a assaltou: sem dúvida era algo como aquilo que Vênus tinha em mente quando insistira para que ela não usasse calcinha naquela noite.
O problema era que ela, Pea, não era a deusa do Amor. Seu primeiro instinto foi o de se afastar e fechar as pernas, entretanto ele olhou para cima e encontrou seu
olhar.
– Não se afaste de mim! Deixe-me lhe dar prazer.
Hipnotizada pelo fogo em seus olhos e o calor de seu toque, ela assentiu e, mais uma vez, implorou:
– Mais perto!
Ele beijou primeiro o interior de uma coxa, depois o outro, a língua circulando sua pele e cada vez mais perto de seu âmago. Então suas mãos a apertaram mais, e
os lábios quentes se concentraram nas dobras macias, iniciando um processo lento e constante de carícias por toda a sua intimidade.
A princípio ele apenas a provou, provocando o centro de seu prazer enquanto explorava a pele úmida. Pea moveu-se, inquieta, querendo mais, e afastou ainda mais as
pernas.
A resposta foi instantânea. Com um gemido, ele mergulhou a língua dentro dela, fazendo-a soltar nova exclamação.
– Você tem gosto de ambrosia... só que é mais quente!
Pea sentiu as palavras vibrando no centro do corpo. Em seguida, a língua úmida deslizou sobre ela em movimentos ritmados, circulando seu clitóris, para em seguida
se afastar outra vez.
– Oh, Deus! O que está fazendo comigo? – ela ofegou, entontecida.
– Apenas tornando-a minha!
– Sim! – Pea concordou num sussurro. – Mais perto! – Afundou os dedos nos cabelos espessos e o puxou mais firmemente contra ela.
Com um grunhido, o ritmo da provocação mudou. Agora ele se concentrava no ponto mais sensível, circundando-o com a língua e depois sugando-o. Circundando e sugando...
Pea sentiu o mundo espiralando para baixo. Arqueou as costas e tudo o que sentiu foi a boca quente em seu corpo, a vibração insistente da língua inquieta. Levantou
as coxas e começou a se mover contra ele, mostrando a intensidade de seu prazer.
– Pea! – ele sussurrou contra sua pele. – Entregue-se a mim! – pediu, usando a mão para abrir mais seu sexo e cobri-lo com a boca.
Seu ritmo mudou novamente, desta vez para uma massagem firme e ritmada em seu clitóris. Pea se agarrou a ele, extasiada. A língua quente a atormentava cada vez mais,
e ela ouviu os próprios gritos ecoando ao redor, mesclando-se aos gemidos guturais de prazer do homem à sua frente, criando uma cacofonia de sexo e sons.
Então, quando pensava que não podia mais aguentar, ele acelerou ainda mais. Começou a sugá-la com mais ímpeto, até que a pressão em seu âmago se tornou insuportável
e um fogo explodiu dentro dela num orgasmo que pareceu varrê-la até a alma.
Pea jogou a cabeça para trás e gritou de prazer.
A batida violenta na porta foi dura e insistente.
– Tudo bem aí?! – Uma voz masculina exigiu.
Ela mal conseguia pensar. Sentia como se seu corpo tivesse dissolvido.
Então braços fortes a ancoraram de volta ao mundo real, e ele a beijou suavemente.
– Responda, pequena, ou serei obrigado a me livrar dele.
Pea limpou a garganta e olhou para a porta por cima do ombro largo.
– Sim! – falou em voz alta, tentando não soar muito sem fôlego. – Está tudo ótimo – completou, sorrindo para ele.
– Ah, bom... – respondeu a voz. – É só para avisar: o bar está fechando. E, caso haja algum bombeiro escondido aí, avise que os outros já estão partindo nos caminhões
da estação de Midtown.
– Oh, meu Deus, tem que sair daqui! – Pea corou só de pensar que todos iriam vê-lo e concluir que eles haviam acabado de fazer sexo na toalete feminina.
Viu a compreensão nos olhos castanhos, no entanto. Em seguida, ele a tocou no rosto com a ponta dos dedos.
– Ninguém vai saber sobre isto. O que aconteceu aqui continuará apenas entre nós.
– Não vai contar ao restante do corpo de bombeiros? – Ela sabia que estava agindo como uma adolescente, mas sentia-se vulnerável e perdida diante do que acabara
de acontecer.
– Minha deusa estará sempre segura comigo. – Ele a beijou novamente.
– Saia primeiro. Eu vou em seguida. – Pea colocou os braços em volta do pescoço forte. – Encontre-me em frente ao restaurante. Quero que conheça uma pessoa.
– Vou encontrá-la, pequena – ele assegurou. Tirou-a do balcão e a observou com um olhar possessivo enquanto ela endireitava as vestes. Virou-a, ajudou-a a amarrar
a máscara, depois puxou seus cachos espessos para um só lado a fim de beijá-la no ponto sensível entre pescoço e ombro.
Pea estremeceu e se recostou nele, de modo que o membro ainda ingurgitado lhe pressionasse o vale entre as nádegas.
– Se não for embora agora, eu a manterei aqui comigo pela eternidade! – ele avisou com voz rouca contra sua pele.
Ela se virou e sorriu.
– Isso não soa tão terrível.
Ele a tocou no rosto outra vez.
– Vá, pequena.
Beijaram-se, e Pea correu para a porta, contente por a máscara esconder seu rosto corado enquanto se juntava à multidão que rumava para a porta da frente do restaurante.
Com a mão trêmula, ela tentou ajeitar o cabelo ainda meio despenteado e colocar a túnica no lugar. Que diabo tinha acabado de fazer? Agora que se encontrava sozinha,
sentia-se cheia de dúvidas.
E quem era ele, afinal?
O pensamento a fez estacar. Deus! Ela nem sequer sabia seu nome!
O homem atrás dela trombou com suas costas.
– Ei, tem que continuar andando com esta multidão!
– Ah, desculpe – Pea murmurou e forçou as pernas a se mover de novo. Mortificada, abaixou a cabeça e continuou caminhando em direção à porta. Tomara que Vênus ainda
estivesse lá fora. Não porque quisesse apresentar a deusa a um homem cujo nome ela nem sabia, mas porque acabara de deixar que ele a levasse ao orgasmo no banheiro
feminino...
Céus! Onde estivera com a cabeça?
Ela, definitivamente, precisava do conselho (ou da absolvição) de uma deusa.
Capítulo 15
A porta do banheiro se fechou, e Vulcano começou a andar de um lado para o outro. Emoções que nunca experimentara antes tinham sido despertadas dentro dele. Quando
o arranjo de flores secas sobre a pequena penteadeira pegou fogo, ele respirou fundo várias vezes, tentando se acalmar. Não podia atear fogo ao lugar.
Mas, ah, como gostaria de explodir em chamas e pôr para fora o incêndio que grassava dentro dele!
Havia chocado a si mesmo. Sua intenção, naquela noite, fora simplesmente ficar perto dela; apenas falar com ela. Nunca, nem em suas fantasias e sonhos mais loucos,
ele pensara em violar Pea!
Mas algo lhe acontecera quando aquele imbecil tentara obrigá-la a ficar na pista de dança. De repente todo o desejo e paixão que mantinha latentes dentro dele tinham
entrado em ebulição. Já a desejara antes, porém, naquela noite, encontrara determinação para agir.
E tinha funcionado! Ele a tocara, provara, e lhe dera prazer.
Sentiu o membro túrgido apenas com a lembrança dos sons da satisfação de Pea. Será que nunca se fartaria dela? Ele a queria cada vez mais! Queria levá-la consigo
para casa e lhe mostrar...
Vulcano parou de caminhar. Mostrar o que a Pea? Como fora rejeitado e se tornara um pária em meio à glória do Olimpo? O que ela sentiria por ele? Pena? Desprezo?
Não. Não iria levá-la para o Olimpo. Iria cortejá-la ali mesmo, no mundo moderno, como qualquer mortal faria.
Resoluto, tirou a máscara e caminhou até a porta. Pea havia dito que o encontraria do lado de fora do restaurante e que iria apresentá-lo a...
– Pelos deuses! Onde eu estava com a cabeça? – rosnou para si mesmo. Só existia uma pessoa a quem ela poderia apresentá-lo: Vênus!
Sua mente tinha parado de funcionar? Podia imaginar o choque da deusa se Pea o apresentasse a ela...
Não que a deusa do Amor fosse ficar com raiva por sua infidelidade, pelo contrário. Desde o início, não houvera qualquer pretensão da parte deles a não ser respeito
e uma amizade bastante tênue. Seu casamento fora um acordo destinado apenas a beneficiar a ambos. Nunca tinham estado apaixonados. Na realidade, aquela união sem
paixão fora motivo de muitas piadas no Olimpo.
Se Vênus descobrisse que ele se tornara amante de Pea, iria rir dele?
Apenas o pensamento o fez estremecer.
Não, a deusa do Amor não era cruel. Vênus poderia não rir, mas sem dúvida ficaria chocada. E, sem dúvida, acabaria revelando a Pea sua verdadeira identidade.
E, se isso acontecesse, ele não seria mais seu amante mortal apaixonado. Seria mais uma vez o desprezível deus do Fogo, que fora rejeitado pelo próprio Amor.
– Não! – Vulcano gritou. Seu relacionamento era novo demais. Talvez mais tarde, depois que houvessem tido tempo de construir uma boa base entre eles, pudesse confessar
a Pea seu segredo. No momento, a única coisa que poderia fazer era voltar ao Olimpo e planejar voltar a vê-la num outro dia.
Também iria rezar para que Pea o perdoasse por ele abandoná-la naquela noite.
Com um profundo suspiro, o deus do Fogo fechou os olhos e se transportou de volta para o portal, deixando apenas um brilho no ar e o calor de sua passagem como prova
de que ele já havia estado ali.
Griffin não tinha voltado para ela.
Vênus não podia acreditar! Era ridículo, realmente. Quem desprezava o Amor?
Mais uma vez, considerou a hipótese de ir atrás dele, confrontá-lo e derramar sobre aquele tolo, insolente e arrogante sua ira de deusa, reduzindo-o a nada.
Mas não poderia. Já era humilhante o suficiente que estivesse sentada ali fora, bebendo sozinha (e devorando ambas as musses de chocolate). Se voltasse ao restaurante
em busca dele seria uma prova do que Griffin fizera com ela, e sua própria vergonha já era o bastante.
Quando caminhões vermelhos e brilhantes estacionaram no meio-fio, Vênus os ignorou, assim como os homens fantasiados e mascarados deixando o Lola’s. Se Griffin viesse
falar com ela, iria fingir nem conhecê-lo. Apenas depois iria lançar uma...
– Vênus! Aí está você! Estou tão feliz por ter lhe encontrado! – Pea correu até a mesa.
– Olá, querida. – Vênus sorriu para ela, distraída, tentando eliminar seus pensamentos de vingança. – Espero que tenha tido uma noite deliciosa.
– Bem...
O tom estranho de Pea finalmente chamou a atenção da deusa. Vênus franziu a testa e encarou a mortal. Sim, todos os sinais estavam ali: o rubor nas faces, os lábios
mais rosados do que o normal...
– Pea! – ofegou, surpresa. – Acabou de ter um orgasmo?
– Nossa, é boa mesmo em descobrir essas coisas de amor, não? – A moça corou ainda mais, depois pareceu à beira das lágrimas. – Sim! – sussurrou, movendo então a
boca para pronunciar as palavras “sexo oral”. – Eu sou tão idiota! – Escondeu o rosto mascarado nas mãos.
– Querida!... – Vênus começou a falar, sem saber por que Pea parecia tão aborrecida por algo tão bom. – Não há por que esconder o rosto ou se envergonhar! É maravilhoso
que tenha tido um contato sexual tão delicioso!
O que, pelo mundo antigo, estava errado com aquela menina?
Em seguida, Vênus compreendeu. Não havia nada de errado em ter uma boa relação sexual, a menos que o homem se comportasse de forma grosseira ou inadequada... como
ela bem sabia, infelizmente.
Vênus tirou as mãos de Pea de seu rosto e obrigou a mortal a encará-la.
– Pea, com quem fez sexo?
Ela fungou.
– No crachá dele estava escrito “deus do Fogo”.
Vênus sentiu o coração afundar dentro do peito.
– Pela bunda cor-de-rosa de Cupido! – A maldição explodiu de sua garganta. – Griffin fez um cunilíngua em você?!
– Griffin? Não, estava escrito “deus do Fogo” no crachá, não “Griffin”. Tomara houvesse sido ele! Pelo menos eu o conheço.
– Querida, estou confusa. Está me dizendo que permitiu que um homem, em cujo crachá se lia “deus do Fogo”, mas de quem não sabe nem mesmo o nome, fizesse sexo oral
em você?
Pea mordeu o lábio, assentiu com um gesto de cabeça, então começou a chorar, o tempo todo lançando olhares furtivos por cima dos ombros em direção à multidão que
ainda fluía para fora do Lola’s.
– Eu pedi a ele que viesse me encontrar aqui, mas agora não sei onde estava com a cabeça! – completou com um soluço. – Acho que imaginei essa conexão entre nós dois,
mas... – Pea fez uma pausa, tirou a máscara e enxugou o rosto. – Deus, eu nem sei o nome dele! Como podíamos estar tão ligados? E ele era um dos bombeiros, tenho
certeza. E se Griffin descobrir que deixei um estranho fazer isso comigo no banheiro das mulheres? Ele nunca mais vai olhar para mim! – afirmou com um gemido.
Vênus empalideceu. Era mais provável que Pea nunca mais fosse falar com ela se descobrisse que, enquanto estava fazendo sexo com um estranho, sua amiga e mentora
fornicava sob uma árvore com o homem por quem ela estava apaixonada.
Pela genitália de todos os deuses, como aquela noite fora terminar em tanta confusão?
– Vamos sair daqui – decidiu, agarrando o braço de Pea a fim de conduzi-la ao estacionamento.
Nenhuma delas viu Griffin sair do restaurante e ficar parado com as mãos nos quadris, olhando a multidão, até que, relutante, também foi conduzido até um dos carros
de bombeiro.
– Querida, beba o seu chocolate quente – Vênus pediu. – E enxugue o rosto. Já chorou demais.
– Tem razão. Prostitutas não choram a cada... a cada encontro ilícito que têm. – Pea lutou para utilizar um vocabulário adequado.
Vênus tentou, sem sucesso, esconder um sorriso.
– Pea, ter uma relação sexual com um desconhecido não a torna uma promíscua. Além do mais, é arcaico demais acreditar que mulheres não podem ter prazer como os homens.
Isso é muito restritivo e cheira a hipocrisia. O mundo moderno não permite às mulheres maior liberdade?
– Suponho que sim – Pea murmurou dentro da caneca. Em seguida olhou para Vênus. – Estou me sentindo uma boba.
– Por quê?
Ela suspirou.
– Imaginei essa conexão entre mim e ele, e acabamos ficando íntimos demais. Mas a verdade é que eu não o conheço. Quero dizer, eu fui até lá para tentar me acertar
com Griffin, o homem em quem eu penso há mais de um ano, e acabei com outro no meio das pernas!
– Diga-me por que sentiu que tinha uma ligação com ele – Vênus insistiu, nervosa, querendo desviar a conversa para longe da paixão de Pea por Griffin.
– Vai soar bobo e romântico – avisou Pea.
– O que significa que eu vou ser capaz de entender perfeitamente. Conte de uma vez – Vênus a incitou.
– Bem, apenas senti essa conexão absurda com ele. Foi como se eu pudesse olhar para aqueles olhos escuros e incríveis e enxergar sua alma. De alguma forma, era como
se ele e eu fôssemos a mesma pessoa. Soa idiota agora, mas na hora parecíamos ter muitas coisas em comum. Coisas importantes que normalmente não se encaixam.
Vênus levantou uma sobrancelha diante do comentário.
– Verdade? Como se conheceram?
– Ele apareceu de repente e foi um amor. Achou que precisava me salvar de um idiota que não queria aceitar um “não” como resposta. – Pea sorriu pela primeira vez
desde que havia deixado o restaurante. – Perguntou se podia me pagar uma bebida, e eu disse que sim. Então conversamos por um bom tempo. Ele foi sensível, romântico,
sexy... Uma coisa levou a outra, e, de repente, estávamos sozinhos. Tudo o que conseguia pensar era em como ele era incrível e em quanto eu o desejava – Pea terminou
de uma vez, corando profundamente.
– Querida, não fez nada de errado. Exceto não perguntar o nome dele – completou Vênus.
– Mas e quanto a Griffin e...
– Não foi Griffin que foi atrás de você, e sim esse homem – Vênus a interrompeu devagar, estudando-a. Seria aquele o momento de contar a Pea que seu amado Griffin
tinha fornicado com a própria deusa do Amor e depois a descartado?
– Eu sei que está errado, mas não posso evitar: ainda sinto essa coisa por Griffin.
Mais uma vez, os olhos de Pea começaram a lacrimejar, e Vênus percebeu que não era hora de dizer nada.
– Essa coisa que sente por Griffin é por ele mesmo, ou pela ideia do que Griffin representa para você? – perguntou, gentil.
– Eu não sei.
– Está interessada no homem que conheceu esta noite, não está? – ela redirecionou a conversa.
Pea assentiu.
– Mas nem sei quem ele é.
A deusa sorriu.
– Claro que sabe. Disse que ele é um dos bombeiros.
– Sim, mas há um zilhão de bombeiros em Tulsa.
– Se é assim, querida, é melhor começarmos a trabalhar. – Vênus sentou-se mais ereta, sentindo brotar as sementes de um plano. Talvez tudo o que Pea precisasse era
ver aquele homem misterioso outra vez, de forma a poder comparar seu óbvio interesse nela ao total desinteresse de Griffin.
A menos que o infeliz houvesse fingido gostar de Pea apenas para poder usá-la e descartá-la em seguida!
Vênus apertou os lábios. Se fosse esse o caso, sabia o que fazer com ele. E não seria nada bonito.
– Começar a trabalhar? Como? – indagou Pea.
– Andei pensando... – ela bateu as unhas contra a caneca. – Na batalha, muitas vezes a melhor forma de envolver um inimigo é trazê-lo para seu próprio território.
– Ahn?
– Precisa ver esse bombeiro de novo.
– Griffin? – Pea se entusiasmou.
Vênus franziu o cenho.
– Eu quis dizer o seu outro bombeiro, mas certamente não seria de todo ruim se visse os dois de novo. – Ela tratou de melhorar o próprio tom. – É sempre bom para
uma mulher ter escolhas.
– Isso soa interessante – Pea assentiu. – Mas de que jeito?
– Com o seu trabalho.
– O meu trabalho?
– Isso mesmo. O seu trabalho. Está coordenando as aulas educativas e recreativas da comunidade, certo?
– Sim.
– Os bombeiros que estavam no baile de máscaras eram todos do Corpo de Bombeiros de Midtown. Correto?
– Eram.
– Então, pense: e se esse Corpo de Bombeiros fosse obrigado a fazer aulas na sua universidade?
– Na verdade, é apenas uma faculdade comunitária – corrigiu Pea.
– Isso é irrelevante. – Vênus fez um gesto de desprezo. – O mais importante é que os rapazes devem ir até o seu quartel-general. Apenas lá poderá saber mais sobre
os homens e escolher entre eles. Escute...
Joe Daniels, chefe adjunto de capacitação do Corpo de Bombeiros de Tulsa, pensou que tinha morrido e ido direto para o Céu quando uma loira estonteante entrou em
seu escritório na manhã seguinte. Ele se pôs de pé, mexeu na gravata e encolheu a barriga.
– Chefe Daniels... meu nome é Vênus Pontia.
Quando ele estendeu a mão para que ela a tomasse, Vênus apenas inclinou a cabeça.
Ele limpou a garganta e depois o suor da mão nas calças.
– P-por favor, sente-se.
– Obrigada.
Ela se acomodou na cadeira de couro diante da mesa e cruzou as pernas incrivelmente longas. O homem tentou não olhar ou gaguejar.
– Por favor, pode me chamar de Joe.
O sorriso de Vênus iluminou o lugar.
– E pode me chamar de Vênus.
Daniels concluiu que nunca um nome lhe parecera tão adequado.
– O que posso fazer por você, Vênus?
– Eu sei que é um homem muito ocupado e importante, Joe, então vou direto ao ponto. Estou trabalhando com a srta. Chamberlain no Departamento de Educação Continuada
da Faculdade Comunitária de Tulsa. Chegou ao nosso conhecimento que alguns dos seus homens, especificamente os da estação de Midtown, têm estado sob um bocado de
estresse.
Joe franziu a testa, perguntando-se o que ela sabia e ele não. Não tinha conhecimento de que os homens de Midtown vinham tendo qualquer tipo de problema. Inferno,
o grupo havia acabado de ter uma festa beneficente de sucesso na noite anterior!
Mas, antes que ele dissesse qualquer coisa, o sorriso da loira e um descruzar e cruzar de pernas incríveis o distraíram.
– Por conta desse estresse, a srta. Chamberlain elaborou uma série de aulas para os bombeiros de Midtown que irão ensiná-los a utilizar técnicas de relaxamento.
Joe abriu e fechou a boca. Do que ela estava falando?
– Ah, não precisa agradecer, querido. O resultado das aulas já será uma boa recompensa para nós. – Vênus entregou-lhe um papel. – Aqui estão todos os detalhes. Cuide
apenas para que os rapazes estejam no campus Metro para a primeira aula amanhã, às nove em ponto.
– M-Mas, senhorita... – ele gaguejou. – Não posso...
E perdeu a linha de pensamento no instante em que a sensual Vênus agitou os dedos em sua direção, como se estivesse dizendo um “olá”. Estranho... Muito estranho.
– Desculpe, Joe, o que estava dizendo?
– Quem, eu? – Ele não conseguia parar de sorrir para ela. Santo Deus, a mulher era um espetáculo!
– Sim, sobre as aulas para os bombeiros de Midtown.
Joe piscou e, em seguida, seus pensamentos se organizaram, fazendo com que soubesse exatamente o que estivera prestes a dizer.
– Excelente ideia! Muito boa. Mandarei os homens para lá sem falta, amanhã cedo. Já ouvi relatos de que o corpo de Midtown estava sob profundo estresse, e essa é
a solução perfeita para o problema.
– Ora, Joe, a ideia foi sua. Afinal, foi você quem telefonou para o escritório da srta. Chamberlain e lhe pediu que elaborasse as aulas... Estamos apenas seguindo
seus instintos, os quais são no mínimo louváveis. – A bela Vênus sorriu, em seguida moveu os dedos em sua direção novamente.
Deus!, ele não conseguia se lembrar da última vez em que se sentira tão satisfeito! E, pensando bem, aquele ideia fora mesmo sua.
– Excelente, Vênus! Excelente!
– Obrigada, Joe. Contate-nos sempre que quiser, e nossa faculdade virá em auxílio dos bombeiros. – Ela se pôs de pé, sorriu para ele, e então deixou o escritório.
– Isso sim é mulher! – ele murmurou, assobiando baixinho.
Mas não tinha tempo para ficar sentado ali. Havia muito trabalho a fazer. Cada um dos meninos de Midtown que não estivesse em serviço na parte da manhã precisava
ir para aquela aula de relaxamento na faculdade, e ele era o homem certo para fazer isso acontecer.
Num impulso, ergueu o fone e começou a discar.

 

 

 


C O N T I N U A