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Series & Trilogias Literarias
15
O ESTOPIM
Ao lado da mesa de Ryan havia um aparelho chamado UTS-6. A sigla provavelmente significava “Unidade Telefônica Segura”, mas nunca se dera ao trabalho de verificar. Tinha cerca de cinquenta centímetros de lado e ficava em um móvel de madeira feito à mão pelos detentos de uma penitenciária federal. No interior havia meia dúzia de placas de circuito impresso equipadas com vários circuitos integrados cuja função era codificar e decodificar sinais telefônicos. Ter um aparelho daqueles no escritório era um dos maiores símbolos de status dos funcionários do governo.
— Alô — disse Jack, atendendo ao telefone.
— Aqui é MP. A Operação SÂNDALO mandou algo interessante — afirmou a Sra. Foley, com a voz um pouco diferente por causa do processamento adicional. — Quer ligar seu fax?
— Pode mandar. — A UTS-6 também funcionava com sinais de fax.
Ryan tinha apenas de conectar o fio do telefone à impressora. — Já avisaram a eles para...
— Sim, já avisamos.
— Certo, espere um minuto... — Jack pegou a primeira folha e começou a ler.
— Foi Clark que escreveu isso? — perguntou.
— Exatamente. Foi por isso que não perdi tempo para avisá-lo. Conhece o homem tão bem quanto eu.
— Vi a notícia na televisão. A CNN disse que a multidão ficou um pouco exaltada... — comentou Ryan, acabando de ler a primeira folha.
— Alguém jogou uma lata de refrigerante na cabeça de um repórter. Nada mais sério do que uma dor de cabeça, mas é a primeira vez que algo assim acontece no Japão... ao menos, pelo que eu e Ed sabemos.
— Minha nossa! — exclamou Ryan, em seguida.
— Achei que você gostaria dessa parte.
— Obrigado pelas informações, Mary Pat.
— Não há de quê — disse a moça, antes de desligar.
Ryan resolveu pensar um pouco antes de agir. Sabia que o temperamento impulsivo era seu pior inimigo. Levantou-se, saiu do escritório e foi até o bebedouro mais próximo, que ficava no escritório da secretária. Alguém lhe contara que a sede do FBI fora construída no lugar de um antigo pântano. Pena que o Sierra Club não existisse na época para impugnar a obra, alegando possíveis danos ao ambiente. Eles eram ótimos para emperrar as coisas, mas não pareciam muito interessados em saber se as obras que paravam eram úteis ou não. Ocasionalmente, prestavam bons serviços à comunidade. Mas não desta vez, pensou Ryan, voltando ao escritório. Tirou a UTS-6 do gancho e apertou o botão de discagem rápida do Departamento de Estado.
— Bom dia, senhor secretário — disse o conselheiro de Segurança Nacional, em tom cordial. — O que sabe sobre a manifestação em frente à nossa embaixada em Tóquio, ontem à noite?
— Deve ter assistido à mesma transmissão da CNN que eu — respondeu Hanson, como se não fosse obrigação do Departamento de Estado dispor de informações mais completas do que um cidadão comum.
— Pode ser, mas gostaria de conhecer a opinião do pessoal da embaixada, como talvez o adido político ou mesmo o SCM — afirmou Ryan, deixando transparecer um pouco da sua irritação. O embaixador Chuck Whiting era uma nomeação recente, um ex-senador que montara um escritório de advocacia em Washington e na verdade representava alguns interesses comerciais japoneses, mas o subchefe da missão era um homem experiente e conhecia muito bem a cultura japonesa.
— Walt achou melhor que seu pessoal não se envolvesse. Não queria se arriscar a provocar um tumulto. Não vou censurá-lo por isso.
— Nem eu, mas tenho em mãos um relato pessoal de um agente de confiança que...
— Eu também, Ryan. Achei um tanto alarmista. Quem é o sujeito?
— Como eu disse, é um agente de confiança.
— Hum-hum, estou vendo que trabalhou no Irã. — Ryan ouviu o barulho do papel do outro lado. — Isso o torna um espião. Talvez tenha exagerado um pouco. Qual a sua experiência no Japão?
— Não é muito grande, mas...
— Está vendo? Alarmista, como eu disse. Mesmo assim, quer que eu investigue mais a fundo?
— Gostaria, senhor secretário.
— Está bem, vou falar com Walt. Mais alguma coisa? Estou me preparando para a viagem a Moscou.
— Descubra tudo que puder, está bem?
— Está bem, Ryan, mas lembre-se de que já é noite no Japão.
— Certo.
Ryan repôs o fone no gancho e disse um palavrão. Não posso acordar o embaixador. Tinha várias opções. Como de hábito, escolheu a mais direta.
Pegou o telefone comum e ligou para a secretária pessoal do presidente.
— Preciso falar com o chefe.
— Daqui a meia hora está bem?
— Está, obrigado.
A demora se devia a uma cerimônia na Sala Leste que estava na agenda de Ryan, mas da qual se esquecera por completo. Era simplesmente grande demais para a Sala Oval, onde o presidente se reunia com os secretários.
Dez câmaras de TV e cento e poucos jornalistas registraram o momento em que Roger Durling colocou sua assinatura na Lei de Reforma do Comércio. A natureza da legislação determinava o uso de várias canetas, uma para cada letra do seu nome, o que fez da assinatura um processo longo e complicado. A primeira caneta, naturalmente, foi para Al Trent, o autor da lei. As outras foram distribuídas aos presidentes das comissões do Senado e da Câmara dos Deputados, e também a membros influentes da minoria, sem o apoio dos quais a lei não teria tramitado tão rápido nas duas casas. A cerimônia foi encerrada com os aplausos e apertos de mão de praxe.
A Lei de Reforma do Comércio agora estava em vigor.
Uma das estações de TV presentes era a NHK. Seus repórteres estavam mal-humorados. Iriam em seguida ao Departamento de Comércio, para entrevistar a equipe de especialistas que estava analisando as leis de regulamentos japoneses com o objetivo de incluir dispositivos semelhantes na legislação americana. Seria uma experiência interessante para os jornalistas estrangeiros.
Como a maior parte dos funcionários graduados do governo, Chris Cook tinha um aparelho de TV no escritório. Assistiu à assinatura da lei pelo C-SPAN e, com ela, ao adiamento de seu ingresso do setor “privado” por um tempo indefinido. Não se sentia à vontade recebendo pagamentos de grupos particulares enquanto ainda trabalhava para o governo. Eles eram depositados em uma conta secreta, mas eram ilegais, não eram? Não pretendia fazer nada de ilegal. A amizade entre os Estados Unidos e o Japão era muito importante para ele. Estava agora ameaçada; a menos que pudesse ser restaurada rapidamente, sua carreira iria por terra. Além disso, precisava do dinheiro. Tinha um jantar com Seiji marcado para aquela noite.
Precisavam discutir a melhor forma de fazer as coisas voltarem aos eixos, pensou o assistente do subsecretário de Estado, voltando ao seu trabalho.
Na Massachusetts Avenue, Seiji Nagumo estava vendo o mesmo canal de TV e se sentia também contrariado. Nada seria como antes, pensou. Talvez o novo governo... não, Goto era um demagogo idiota. Sua postura agressiva só serviria para piorar as coisas. O que precisava era de... de quê? Pela primeira vez na vida, Nagumo não sabia o que fazer. Os diplomatas tinham fracassado. Os lobistas tinham fracassado. Até mesmo os espiões, se é que se podia chamá-los assim, tinham fracassado. Espiões? Seria esse o termo correto? Sim, talvez fosse, admitiu. Agora estava pagando pelas informações que recebia. Cook e outros. Pelo menos pudera prevenir o governo. Pelo menos o Ministério do Exterior sabia que fizera o possível para ajudar. E continuaria tentando, trabalhando através de Cook, para influir na forma como os americanos interpretavam as leis japonesas. Mas os americanos tinham um termo para isso: mudar a disposição das cadeiras no convés do Titanic.
Pensar no assunto só o fazia sentir-se pior, e logo a única palavra para descrever o que estava sentindo era angústia. Seus conterrâneos seriam prejudicados. Os Estados Unidos, também. O mundo inteiro. Tudo porque seis pessoas tinham morrido em um estúpido acidente. Que loucura! Loucura ou não, era assim que o mundo funcionava. Um mensageiro entrou no escritório e entregou-lhe um envelope fechado, pedindo-lhe que assinasse um recibo. Esperou o mensageiro ir embora para abrir o envelope.
A primeira folha era reveladora. O despacho só poderia ser lido apenas por ele. Nem o embaixador devia conhecer o que dizia. As instruções das duas folhas seguintes o deixaram com as mãos trêmulas.
Nagumo conhecia história. Francisco Ferdinando, 28 de junho de 1914, na cidade maldita de Sarajevo, um nobre inexpressivo, tanto assim que nenhuma personalidade se dera ao trabalho de comparecer ao funeral, mas seu assassinato fora o “estopim” que desencadeara a Primeira Guerra Mundial.
Naquele caso, o estopim tinha sido a morte de um policial e algumas mulheres.
Por causa de um acidente trivial, quanto sofrimento estava para acontecer... Nagumo podia não concordar com o rumo que a situação tomara, mas nada podia fazer, porque sua vida era comandada pelas mesmas forças que faziam o mundo girar.
O exercício PARCEIROS NO MAR começou na hora marcada. Como a maioria dos jogos de guerra, era uma combinação de movimentos livres e regras estritas. Os cenário seria um trecho do oceano Pacífico entre a ilha Marcus, uma possessão japonesa, e Midway. A ideia era simular um conflito entre a Marinha dos Estados Unidos e uma força menor mas bem equipada, representada pela Marinha do Japão. A última estava em desvantagem, mas poderia aprontar algumas surpresas. A ilha Marcus, que nos mapas aparecia como Minami Torishima, seria considerada um continente, para os objetivos do exercício. Na verdade, não passava de um atol de trezentos hectares, grande o suficiente para ser usado, na melhor das hipóteses, como estação meteorológica. Dali decolariam três aviões de patrulha P-3C. Eles poderiam ser ”derrubados” por caças americanos, mas tinham direito de ressuscitar no dia seguinte. Os pescadores profissionais que mantinham um posto na ilha para pescar lulas, colher algas e pescar um ou outro peixe-espada receberam os visitantes de braços abertos, pois os pilotos traziam engradados de cerveja para trocar por peixe fresco, o que já se tornara uma tradição local.
Dois dos três Orion decolaram antes do amanhecer, dirigindo-se para o norte e para o sul à procura da esquadra americana. Os tripulantes, cientes dos problemas comerciais entre os dois países, procuraram concentrar-se na missão que tinham pela frente. Não se tratava de uma missão desconhecida para a Marinha do Japão. Seus ancestrais tinham feito a mesma coisa havia duas gerações, decolando em aviões Kawasaki H8K2 (construídos na mesma fábrica onde os Orion tinham sido montados) para procurar os porta-aviões comandados alternadamente por Halsey e Spruance. Muitas das táticas que pretendiam usar seriam baseadas na experiência daquele conflito. Os próprios P-3C eram modelos japoneses de um projeto americano que começara com a produção de aviões de passageiros movidos a turboélice e acabara gerando aeronaves de patrulha marítima resistentes e confiáveis, embora um pouco lentas. Como acontecia com a maioria das aeronaves militares japonesas, o produto americano tinha sido bastante aperfeiçoado. Os motores tinham sido substituídos por unidades maiores e mais possantes, que permitiam que os Orion tivessem uma velocidade de cruzeiro de 350 nós. Os sistemas eletrônicos eram particularmente avançados, especialmente os sensores destinados a detectar transmissões de navios e aeronaves. Aquela era a missão no momento, varrer a área em grandes segmentos, à escuta de sinais de radar e de rádio que anunciassem a presença de navios e aviões americanos. Reconhecimento: localizar o inimigo. Aquela era a missão, e depois das notícias recentes na imprensa e de conversas com os familiares que trabalhavam no setor econômico, não era muito difícil pensarem nos americanos como inimigos.
A bordo do John Stennis, o comandante Sanchez observou a patrulha da madrugada (uma expressão que todos os pilotos de caça adoravam) partir para estabelecer uma Patrulha Aérea de Combate. Depois que os Tomcat decolaram, foi a vez dos V-3 Viking, caças antissubmarino encarregados de vasculhar a área por onde passaria a esquadra naquele dia. Os últimos foram os Prowler, os pássaros eletrônicos, destinados a detectar e interferir nos sinais de radar do inimigo. Era sempre emocionante observar as decolagens da ponte do navio. Quase tão emocionante quanto decolar ele próprio, mas agora era o comandante do grupo aéreo e devia permanecer a bordo. A força de ataque Alfa, constituída por caças Hornet, estava preparada para entrar em ação, com os mísseis azuis de treinamento já instalados e os pilotos de prontidão nas salas das esquadrilhas, lendo revistas e contando piadas, porque todos os detalhes da missão já tinham sido discutidos.
O almirante Sato observou a nau capitânia separar-se do petroleiro Homana, um dos quatro que apoiavam sua esquadra. O comandante do navio de apoio jogou o quepe para o alto e acenou, desejando-lhe boa sorte. Sato retribuiu o gesto, enquanto o petroleiro se afastava. Agora dispunha de combustível suficiente para muito tempo. Era uma competição interessante, baseada principalmente no uso da perspicácia contra a força bruta, algo que não era novidade para a Marinha do seu país, e pretendia recorrer a táticas japonesas tradicionais. O dezesseis navios de guerra estavam divididos em três grupos, um de oito e dois de quatro, separados por grandes distâncias. Semelhante ao plano de Yamamoto para a batalha de Midway, sua ideia era muito mais exequível nos tempos modernos, porque, com o sistema de navegação GPS, podia conhecer a posição exata dos navios a qualquer instante; além disso, usando comunicações via satélite, podia trocar mensagens com os outros navios em relativa segurança. Os americanos decerto esperavam que mantivesse os navios nas proximidades de “casa”, mas faria exatamente o contrário. Não hesitaria em assumir a iniciativa, pois a defesa passiva não estava de acordo com as tradições de sua raça, algo que os americanos tinham descoberto e depois esquecido, não é mesmo? A ideia o fez sorrir.
— Sim, Jack? O presidente estava de bom humor; afinal, acabara de assinar uma lei que, esperava, resolveria um problema importante para seu país, aumentando bastante suas chances de reeleger-se. Seria uma pena estragar-lhe o dia, pensou Ryan, mas seu trabalho não era político, ou pelo menos não chegava a ser político a tal ponto.
— Talvez o senhor devesse ler isso — disse Ryan, entregando ao presidente o fax e continuando de pé.
— Nosso amigo Clark, de novo? — perguntou Durling, inclinando-se na cadeira para pegar os óculos de perto. Tinha de usá-los apenas para ler as cartas normais; seus discursos e o teleprompter da televisão eram preparados em letras bem grandes, em prol da vaidade presidencial.
— Imagino que o Departamento de Estado já tenha sido informado. O que eles acham? — perguntou o presidente, quando acabou de ler.
— Hanson disse que Clark está sendo alarmista — informou Jack. — Por outro lado, o embaixador manteve todo mundo do lado de dentro do prédio para evitar um possível “incidente”. Este é o único relato em primeira mão de que dispomos, a não ser pelas equipes de TV.
— Ainda não li o texto do discurso de Goto. Está aqui, em algum lugar — afirmou Durling, apontando para a escrivaninha.
— Talvez devesse. Eu já li.
O presidente fez que sim com a cabeça. — O que mais? Sei que não é só isso.
— Eu disse a Mary Pat que ativasse a Operação CARDO. Explicou rapidamente ao presidente do que se tratava.
— Devia ter pedido a minha permissão.
— E para isso que estou aqui, presidente. O senhor já ouviu falar de Clark. Ele não se assusta com facilidade. A Operação CARDO inclui alguns funcionários do Ministério do Exterior e do MCII. Acho que devemos saber o que estão pensando.
— Eles não são inimigos — observou Durling.
— Provavelmente não — respondeu Jack, deixando de lado a resposta óbvia, que seria claro que não, um fato que o presidente registrou com um levantar de sobrancelhas. — Mesmo assim, precisamos saber, presidente. E a minha recomendação.
— Está bem. Concordo. O que mais? Também disse a ela que tirasse Kimberly Norton de lá o mais cedo possível. Isso deve acontecer nas próximas vinte e quatro horas.
— A ideia é mandar um recado a Goto? Mais do que isso. Afinal, ela é uma cidadã americana, não passa de uma criança e...
— Eu também tenho filhos, lembra-se? Aprovado. Guarde a piedade para a igreja, Jack — recomendou Durling com um sorriso. — Como vão fazer?
— Se concordar em cair fora, pretendemos levá-la para Seul. Os agentes vão procurá-la com roupas ocidentais, um passaporte e passagens de primeira classe para ela e um acompanhante. Em Seul, será transferida para um voo da KAL para Nova York. Chegando lá, será instalada em um hotel e interrogada. Vamos também trazer os pais de Seattle, explicando a eles que o assunto é sigiloso. A garota provavelmente vai precisar de tratamento psicológico. Tentaremos manter o caso afastado da imprensa. O FBI nos ajudará no que puder. O pai dela é da polícia e certamente vai cooperar.
O presidente pareceu satisfeito. — Está bem, mas o que digo a Goto?
— A decisão é sua, presidente. Minha recomendação é de que não diga nada no momento. Deixe-nos interrogar a moça primeiro. Daqui a uma semana, quando nosso embaixador fizer a visita de praxe para cumprimentá-lo como novo chefe de governo...
— ...poderá perguntar-lhe discretamente qual seria a reação do povo se soubesse que o senhor nacionalista anda afogando o ganso em carne estrangeira. Então estará na hora de lhe oferecermos um pequeno ramo de oliveira, certo?
Durling pegava as coisas depressa, pensou Jack. — Essa é a minha recomendação, presidente.
— Deve ser um ramo bem pequeno — observou o presidente, franzindo a testa.
— Com apenas uma azeitona, por enquanto — concordou Ryan.
— Aprovado — disse Durling, acrescentando a seguir, em tom sarcástico: — Não vai me dizer qual é o ramo de oliveira que devo oferecer a Goto?
— Não, senhor. Acha que me excedi? — perguntou Jack, imaginando que talvez tivesse passado dos limites.
Durling pareceu arrependido por ter falado daquela forma com o conselheiro de Segurança Nacional. — Sabe de uma coisa? Bob estava certo a seu respeito.
— O que disse?
— Bob Fowler — explicou Durling, convidando Ryan a sentar-se com um gesto. — Você se lembra do jeito como falou comigo a primeira vez que esteve aqui?
— Presidente, eu estava exausto — desculpou-se Jack.
— Os pesadelos ainda o perseguiam. Via a si próprio no Centro Nacional de Comando Militar dizendo às pessoas o que fazer, mas no pesadelo ninguém podia vê-lo ou ouvi-lo, enquanto as mensagens continuavam a chegar pela Linha Quente, levando o país cada vez para mais perto de uma guerra que, afinal, conseguira evitar. A história completa jamais chegara a ser divulgada pela imprensa. Melhor assim. Todos os envolvidos se lembravam muito bem.— Eu não sabia disso na ocasião. Seja como for — prosseguiu Durling, levantando os braços para espreguiçar-se —, quando as coisas começaram a dar errado, no verão passado, eu e Bob tivemos uma conversa em Camp David e ele recomendou você para o cargo. Está surpreso? — perguntou o presidente, com um sorriso malicioso.
— Muito surpreso — admitiu Jack. Arnie van Damm jamais lhe contara aquela história. Gostaria de saber por quê.
— Bob me disse que você é um filho da mãe frio como o gelo, que consegue manter a cabeça no lugar quando a merda atinge o ventilador. Disse também que é um filho da mãe prepotente e arrogante o resto do tempo. Muito observador, o Bob Fowler. — Durling deu-lhe um momento para digerir aquilo.— Você funciona muito bem em emergências, Jack. Faça a nós dois um favor e lembre-se de que apenas nessas ocasiões deve agir sem meu consentimento. Já andou se estranhando de novo com Brett, não é?
— Sim, senhor — concordou Jack, balançando a cabeça para cima e para baixo, como um colegial. — Mas não foi nada de sério.
— Não vá forçar a barra. Ele é meu secretário de Estado.
— Compreendo, presidente.
— Tudo pronto para a viagem a Moscou?
— Cathy está contando os dias — respondeu Ryan, aliviado com a mudança de assunto e observando que Durling fora bastante razoável em seus comentários.
— Vai ser bom tornar a vê-la. Anne simpatiza muito com ela. Mais alguma coisa?
— No momento, não.
— Jack, obrigado pelas dicas — disse Durling, para concluir a conversa em um tom jovial.
Ryan saiu pela porta oeste. Observou que Ed Kealty estava no seu escritório, trabalhando. Imaginou quando o caso iria estourar. Apesar de o presidente estar satisfeito com os acontecimentos do dia, ainda havia aquele escândalo pendente. Aquela espada, de novo, pensou. Tinha ido um pouquinho longe demais dessa vez, e sua tarefa era tornar mais fácil o trabalho do presidente, e não mais difícil. Seu cargo, afinal, envolvia mais do que cuidar de relações externas... e a política, da qual sempre tentara manter distância, era uma realidade insofismável.
Fowler? Droga.
Era uma hora segura para agir. Goto programara um discurso pela TV naquela noite, o primeiro desde que subira ao governo, de modo que, independentemente do que dissesse, era certo que não estaria com a jovem amante. Talvez a missão fosse uma resposta interessante dos Estados Unidos ao que os políticos tinham a dizer. Ambos gostaram dessa ideia.
Na hora marcada, John Clark e Ding Chávez estavam do outro lado da rua, olhando para o prédio discreto. Eram sempre discretos, pensou John.
Talvez alguém não acreditasse que um edifício de luxo seria na verdade uma camuflagem melhor. Mais provável que fosse pura falta de imaginação. Um homem saiu do edifício e tirou os óculos escuros com a mão esquerda.
Passou a mão no cabelo, bateu duas vezes na nuca com a mão esquerda e foi embora. Até aquele dia, Nomuri não sabia exatamente onde ficava o apartamento de Kim Norton. Ir até lá era um risco, mas recebera ordens para correr esse risco, e agora, depois de sinalizar para os outros, começou a caminhar em direção ao local onde estacionara o carro. Dez segundos depois, desaparecia no meio dos pedestres. Para ele, isso era fácil; todos eram como ele. Para Ding, também não era difícil. Por ser moreno e relativamente baixo, Chávez não chamava atenção. O corte de cabelo que impusera ao amigo ajudava ainda mais. Visto de costas, era apenas mais um transeunte. Aquilo podia ser útil, pensou Clark, sentindo-se um peixe fora d’água, especialmente em um momento como aquele.
— Vamos — murmurou Ding. Os dois atravessaram a rua, procurando comportar-se com naturalidade.
Clark estava vestido como homem de negócios, mas nunca se sentira tão inadequado. Nem ele nem Ding dispunham de qualquer tipo de arma, nem mesmo um simples canivete. Embora os dois fossem muito bem treinados em artes marciais, preferiam lutar com armas, pois elas permitiam manter o inimigo afastado.
A sorte estava do lado deles; não havia ninguém no pequeno saguão de entrada do edifício. Os dois subiram pela escada. Segundo andar, nos fundos, do lado esquerdo.
Nomuri fizera bem sua parte. O corredor estava vazio. Clark foi na frente, atravessando com passos rápidos a passagem mal iluminada. A fechadura era simples. Abriu-a com facilidade, usando suas ferramentas de arrombador, enquanto Ding montava guarda. No momento em que entraram no apartamento, perceberam que a missão fracassara.
Kimberly Norton estava morta. A moça jazia em um sofá, vestida com um quimono de seda que estava levantado até o joelho, deixando as pernas à mostra. O rubor post mortem estava começando a colorir a parte inferior do corpo, à medida que a gravidade puxava o sangue para baixo. Em breve a parte de cima do cadáver estaria cor de cera e a parte de baixo, marrom.
A morte podia ser muito cruel, pensou John. Não se contentava em roubar a vida; também roubava a beleza da vítima. A jovem tinha sido bonita... melhor não pensar nisso! Comparou o corpo com a jovem da fotografia, que lembrava de longe sua filha mais moça, Patsy. Passou o retrato a Ding. Imaginou se o rapaz estaria pensando a mesma coisa.
— É ela.
— Também acho — observou Chávez, com voz rouca. — É ela. — Pausa.
— Que merda! — exclamou, observando o rosto da morta, com a fisionomia crispada de raiva. Acho que ele também percebeu a semelhança, pensou Clark.
— Trouxe a câmara?
— Claro — disse Ding, tirando uma câmara compacta de 35mm do bolso do casaco. — Vamos dar uma de detetives?
— Isso mesmo.
Clark curvou-se para examinar o corpo. Sentia-se frustrado. Não era médico, e embora estivesse familiarizado com a morte, não tinha conhecimentos suficientes para fazer aquele serviço direito. Ali... na veia do peito do pé, uma única picada. Nada mais do que isso. Será que a jovem era viciada em drogas? Em caso afirmativo, era uma viciada cuidadosa, pensou John. Usava agulhas limpas e... Olhou em volta. Lá estava. Uma garrafa de álcool, chumaços de algodão e um saco cheio de seringas descartáveis.
— Não vejo nenhuma outra marca de injeção.
— Elas nem sempre deixam marcas — observou Chávez.
Clark suspirou, desatou o quimono e abriu-o. A jovem não usava nada por baixo.
— Que porra é essa? — exclamou Chávez. A parte interna das coxas estava úmida.
— Esse seu comentário foi particularmente infeliz — resmungou Clark de volta, irritado. — Tire as fotos! Ding não respondeu; limitou-se a tirar as fotografias, procurando imitar um funcionário da polícia. Em seguida, Clark colocou o quimono no lugar, procurando em vão restituir à jovem um pouco da dignidade que a morte e os homens lhe haviam roubado.
— Um minuto... olhe para a mão direita.
Clark examinou-a. Uma das unhas estava quebrada. Todas as outras eram relativamente compridas e estavam pintadas com esmalte incolor.
Examinou as outras. Havia alguma coisa debaixo delas.
— Será que ela arranhou alguém? — perguntou Clark.
— Vê algum lugar onde se tenha arranhado? — perguntou Ding.
— Não.
— Então não estava sozinha quando isso aconteceu, cara. Examine de novo os tornozelos.
No pé esquerdo, o mesmo onde havia a marca de injeção, a parte inferior do tornozelo apresentava hematomas que o rubor começava a esconder.
Chávez tirou a última foto.
— Eu já esperava.
— Depois você me explica. Vamos dar o fora — disse John, levantando-se.
Em menos de um minuto os dois saíam pela porta dos fundos. Depois de atravessar um beco tortuoso, chegaram à rua onde o carro os pegaria.
— Escapamos por pouco — observou Chávez, quando um carro de polícia estacionou em frente ao número 18. Logo atrás vinha um caminhão da TV.
— Não é ótimo? Eles vão cuidar de tudo... o que foi, Ding?
— Alguma coisa está errada. Ela supostamente morreu de overdose, certo?
— Certo. Por quê?
— Quando alguém morre de overdose, a coisa acontece de repente. É tiro e queda. Vi um cara morrer assim, nos velhos tempos, e ele não teve tempo nem de arrancar a agulha do braço. O coração para, os pulmões param, e pronto. Você não tem tempo de se levantar, guardar a seringa e se deitar para morrer, entende? Viu os hematomas no pé? Alguém injetou a droga à força. Ela foi assassinada, John. Provavelmente foi estuprada, também.
— Examinei a parafernália. Tudo Made in USA. Um bom plano. Eles queimam o arquivo, põem a culpa na garota e deixam os outros políticos com as barbas de molho.
Clark viu o carro dobrar a esquina e olhou em volta. — Você é muito observador, Ding.
— Obrigado, chefe. — Chávez fez uma pausa, e sua revolta recrudesceu. — Sabe de uma coisa? Gostaria de me ver frente a frente com o cara que fez isso.
— Não vai ter essa oportunidade.
— Eu sei, mas já fui um ninja, lembra-se? Seria mais divertido fazer o serviço com as próprias mãos.
— Não vejo a graça de quebrar ossos, entre eles provavelmente alguns dos seus.
— Eu queria olhar nos olhos dele quando ele estivesse morrendo.
— Nesse caso, seria melhor colocar uma boa mira telescópica no seu rifle — sugeriu Clark Tem razão — admitiu Chávez. — Que tipo de homem seria capaz de fazer uma coisa dessas?
— Um tarado, Domingo. O mundo está cheio deles.
No momento em que entravam no carro, Ding olhou para Clark, muito sério, e disse: — Talvez um dia eu encontre esse miserável, John. O destino pode ser caprichoso.
— Onde está a moça? — perguntou Nomuri.
— Dirija — ordenou Clark.
— Vocês deviam ter ouvido o discurso — comentou Chet, colocando o carro em movimento e imaginando o que teria dado errado.
— A garota está morta — contou Ryan ao presidente duas horas depois, à uma da manhã, hora de Washington.
— Qual foi a causa da morte? — perguntou Durling.
— Overdose, provavelmente provocada por alguém. Eles tiraram fotos. Devemos recebê-las daqui a trinta e seis horas. Nossos agentes mal conseguiram escapar. A polícia japonesa apareceu logo depois.
— Espere um momento. Devagar. Está falando em assassinato?
— É o que nossos homens acham, presidente.
— Eles têm indícios suficientes?
Ryan sentou-se e achou que precisava explicar melhor. — Presidente, o assunto não é propriamente novidade para um dos agentes.
— Escolheu bem as palavras — observou Durling, secamente. — Não preciso saber mais nada a respeito, preciso?
— Não, senhor. Não vejo razão para isso.
— Foi Goto?
— Um dos seus homens, provavelmente. Nossa melhor pista vai ser a reação da polícia. Se a versão oficial foi muito diferente da que os nossos agentes nos enviaram, é porque estão tentando esconder alguma coisa, e nem todo mundo tem poder suficiente para mudar um relatório policial. — Jack ficou pensativo por um momento. — Presidente, tenho informações de uma fonte independente a respeito do caráter de Goto.
Repetiu o que Kim Hunter lhe contara.
— Está me dizendo que acha que essa jovem foi assassinada e a polícia vai encobrir o crime? Que já sabia que Goto é capaz desse tipo de coisa? — Durling estava vermelho. — E quer que eu ofereça um ramo de oliveira ao filho da puta? Quem pensa que eu sou? Jack respirou fundo.
— Está certo, presidente, eu mereço. A questão é a seguinte: o que vamos fazer?
Durling mudou de expressão. — Desculpe. Acho que me excedi.
— Não, presidente, a culpa foi minha. Poderia ter dito a Mary Pat que tirasse a garota de lá há mais tempo, mas preferi esperar. Cometi uma imprudência.
— Isso acontece, Jack. O que sugere? — Não podemos nos comunicar ainda com o adido jurídico da embaixada porque ainda não fomos oficialmente notificados, mas acho que devemos preparar o FBI para entrar em ação assim que chegar a mensagem oficial. Posso ligar para Dan Murray.
— O braço direito de Shaw? Ryan fez que sim com a cabeça.
— Dan e eu nos conhecemos há muito tempo. Para cuidar do lado político, não sei quem recomendar. A transcrição do discurso de Goto na TV já chegou. Antes de lê-lo, precisa saber com que tipo de pessoa está lidando.
— Diga-me: como é que criminosos como esse Goto chegam ao poder?
— O senhor pode responder a essa pergunta melhor do que eu, presidente.
Jack ficou pensativo por um momento. — Isso tem suas vantagens. Pessoas assim tendem a ser fracas. Covardes, na verdade. Se você tem inimigos, quanto mais fraquezas eles tiverem, melhor. Ele pode querer fazer uma visita oficial, pensou Durling. Vamos ter de hospedá-lo na Casa Blair, do outro lado da rua. Vamos ter de oferecer-lhe um banquete. Vamos entrar na Sala Leste, fazer belos discursos, brindar ao futuro dos nossos países e trocar um aperto de mão como se fôssemos velhos amigos. Que droga! Pegou a pasta com o discurso de Goto e começou a folheá-la.
— Que filho da puta! “Os Estados Unidos terão de entender”, um caralho!
— A raiva não é uma forma eficaz de lidar com problemas, presidente.
— Tem razão — admitiu Durling. Ficou em silêncio por um momento e depois sorriu com malícia. — Pelo que me lembro, você sempre foi um pouco impulsivo.
Ryan assentiu. — Já me acusaram disso, presidente.
— A verdade é que temos dois abacaxis para descascar quando voltarmos de Moscou.
— Três, presidente. Precisamos decidir o que fazer com relação à Índia e ao Sri Lanka.
Jack pôde ver pela expressão do presidente que ele se esquecera totalmente daquele problema.
Durling também quase se esquecera de outro problema.
— Por quanto tempo, afinal, terei de esperar? — perguntou a Sra. Linders, indignada.
Murray podia entender como a moça estava se sentindo, mas como explicar isso aos outros? Depois de ser vítima de um crime odioso, concordara em denunciá-lo, expondo a alma a estranhos de todos os tipos. O processo não fora divertido para ninguém, muito menos para ela. Murray era um investigador habilidoso e experiente. Sabia como consolar, encorajar, arrancar informações das pessoas. Tinha sido o primeiro agente do FBI a escutar a história e se tornara tão importante para a saúde mental da moça quanto a Dra. Golden.
Depois tinham vindo mais dois agentes, um homem e uma mulher que se especializaram naquele tipo de caso. Em seguida tinham vindo dois psiquiatras, cujo interrogatório fora propositalmente um pouco agressivo, tanto para garantir que a história era verdadeira em todos os detalhes como para preparar a moça para a hostilidade que teria de enfrentar no futuro.
Durante o processo, Barbara Linders fora submetida a vários sofrimentos. Primeiro, tivera de usar de toda a coragem para revelar os fatos a Clarice; depois, fizera o mesmo com Murray e com seus dois colegas.
Agora, tinha pela frente uma prova ainda mais severa, porque alguns dos membros da Comissão de Justiça eram aliados políticos de Ed Kealty e outros fariam questão de bombardeá-la com perguntas embaraçosas para se exibir diante das câmaras ou para demonstrar sua imparcialidade e competência como advogados. Bárbara tinha ideia do que a esperava. O próprio Murray fizera o possível para lhe dar uma amostra, chegando a fazer algumas perguntas particularmente cruéis, sempre precedidas por um preâmbulo como: “Uma das coisas que talvez eles perguntem é...” Tudo aquilo tivera seu preço, e um preço bastante elevado. Bárbara (agora eram tão íntimos, que Murray não conseguia mais pensar na moça como a Sra. Linders) mostrara toda a coragem que se poderia esperar da vítima de um crime como aquele. Entretanto, a coragem tinha um limite. Parecia com uma conta bancária; só era possível retirar uma certa quantidade, e então estava na hora de parar, de aguardar até que fossem feitos novos depósitos. A simples espera, o fato de não saber quando teria de comparecer perante a comissão e prestar seu testemunho diante das câmaras de TV, na certeza de que seria forçada a desnudar a alma para o mundo inteiro... era como um ladrão entrando no banco noite após noite para roubar-lhe um depósito de determinação acumulado com grande dificuldade.
Estava sendo também difícil para Murray. Preparara o processo, instruíra o advogado de acusação, mas, de todos eles, era o que estava mais próximo da vítima. O caso era dele, pensou. Cabia a ele mostrar àquela moça que nem todos os homens eram como Ed Kealty, que os homens podiam sentir tanta repulsa quanto as mulheres por aquele tipo de comportamento. Ele era o cavaleiro andante de Barbara. Sua missão na vida era prender e castigar aquele criminoso.
— Barb, você precisa aguentar firme. Vamos pegar o desgraçado, mas não devemos forçar a barra...
As palavras soaram vazias. Desde quando a política tinha a ver com um caso de polícia? A lei fora violada. Tinham uma testemunha, dispunham de provas, mas agora estavam em um compasso de espera que fazia tanto mal à vítima quanto ao mais agressivo advogado de defesa.
— Está demorando demais! Mais duas semanas, talvez três, e o jogo vai começar, Barb.
— Escute, sei que alguma coisa está acontecendo, certo? Pensa que sou boba? Ele não está fazendo discursos e inaugurando pontes, está? Alguém lhe contou e ele está preparando a defesa, não é? Acho que o que está acontecendo é que o presidente está evitando que ele apareça para que, quando a coisa estourar, não se prevaleça da imagem de homem público.
— O presidente está do nosso lado, Barb. Conversei pessoalmente com ele a respeito do caso e ele me disse: “Um crime é um crime”. E exatamente o que eu teria dito! A moça levantou os olhos. Estavam úmidos e desesperados.
— Não posso mais, Dan.
— Eu sei que você pode, Barb — mentiu Murray. — Você é uma moça forte, inteligente e corajosa. Vai aguentar até o fim. Ele é que não vai aguentar.
Daniel E. Murray, vice-diretor assistente do FBI, estendeu a mão. Bárbara segurou-a entre as suas e apertou-a como uma criança faria com a mão do pai, forçando-se a acreditar e a confiar e deixando-o envergonhado com o fato de que estava pagando um preço tão alto porque o presidente dos Estados Unidos tinha de subordinar um caso de polícia a questões políticas. Talvez isso fizesse sentido dentro de um contexto mais amplo, mas para um policial esse contexto frequentemente se resumia a um crime e uma vítima.
16
OGIVAS
O passo final para armar os mísseis H-ll/SS-19 teve de ser autorizado pelo primeiro-ministro. De certa forma, os engenheiros ficaram desapontados.
O plano original era instalar seis ogivas no nariz de cada míssil, mas para fazer isso teriam de testar o último estágio completo em voo, o que podia ser arriscado. As autoridades tinham decidido que manter o sigilo do projeto era mais importante do que trabalhar com ogivas múltiplas. Além disso, sempre seria possível instalar mais ogivas no futuro. Tinham mantido inalterado o projeto russo para aquela parte do míssil exatamente por essa razão. No momento, entretanto, contentar-se-iam com um total de dez ogivas de um megaton cada.
Um por um, os silos foram abertos pelos operários, e uma por uma as ogivas foram removidas do vagão, colocadas no lugar e cobertas com uma capa aerodinâmica. Mais uma vez, o projeto russo revelou-se perfeitamente adequado. Cada instalação levou pouco mais de uma hora, o que permitiu que a operação fosse executada em uma única noite, por uma equipe de vinte homens. Os silos foram novamente fechados e estava feito: o Japão agora era uma potência nuclear.
— E espantoso — observou Goto.
— Pelo contrário; é muito simples — replicou Yamata. — O governo financiou a fabricação e os testes dos veículos de lançamento como parte do nosso programa espacial. O plutônio veio do complexo de reatores de Monju. Projetar e construir as ogivas foi brincadeira de criança. Se um bando de árabes ignorantes é capaz de montar uma ogiva improvisada em uma caverna no Líbano, qual a dificuldade para nossos técnicos? Na verdade, todas as etapas do projeto, a não ser a fabricação das ogivas, tinham sido, de uma forma ou de outra, financiadas pelo governo, e Yamata tinha certeza de que o consórcio informal responsável pelas ogivas também seria reembolsado mais tarde. Afinal, não estavam trabalhando para o bem do país? — Vamos começar já o treinamento do pessoal da Força de Defesa... assim que colocá-los à nossa disposição, Goto-san.
— E os americanos e russos? Yamata deu um muxoxo.
— Estão reduzidos a um míssil cada um, que serão inutilizados esta semana, em uma cerimônia a ser exibida ao vivo na televisão. Como sabe, todos os submarinos equipados com mísseis foram desativados. Os mísseis Trident não existem mais, e os submarinos estão esperando para serem desmontados. A posse de dez ICBM nos confere uma vantagem estratégica decisiva.
— E se decidirem construir novos mísseis? Não podem... ou por outra, não é fácil para eles — corrigiu Yamata. — As linhas de produção foram desativadas e, de acordo com o tratado, todas as ferramentas destruídas na presença de observadores. Levariam vários meses para iniciar de novo a produção, e não poderiam fazê-lo sem nosso conhecimento. O próximo passo importante será lançar um grande programa de construção naval — para o qual os estaleiros de Yamata estavam prontos —, de modo que nossa supremacia no Pacífico Ocidental seja inquestionável. No momento, com um pouco de sorte e a ajuda de nossos amigos, temos recursos suficientes para prosseguir. Antes que se disponham a nos enfrentar, nossa posição estratégica terá melhorado a tal ponto, que serão forçados a nos tratar como iguais.
— Então acha que devo dar a ordem? Acho, primeiro-ministro — respondeu Yamata, lembrando mais uma vez ao homem qual era o cargo que ocupava.
Goto esfregou as mãos e baixou os olhos para a mesa trabalhada que acabara de herdar. Fraco como sempre, procurou contemporizar.
— É verdade que minha Kimba era viciada em drogas? Yamata concordou com a cabeça, disfarçando a irritação que o comentário provocara.
— É muito triste, não é? Meu chefe de segurança, Kaneda, encontrou-a morta e chamou a polícia. Ela conseguiu ocultar o vício por muito tempo, mas aparentemente cometeu um erro fatal.
Goto suspirou.
— Criança tola. Sabia que o pai é da polícia? Um homem muito severo. Kimba me disse que ele não a compreendia. Eu, sim. Era uma moça doce e sensível. Teria dado uma gueixa e tanto.
Era espantoso como a morte transformava as pessoas, pensou Yamata, friamente. Aquela garota idiota, sem-vergonha, desafiara os pais e tentara vencer sozinha na vida apenas para descobrir que o mundo não perdoava os despreparados. Entretanto, apenas porque tivera a habilidade de dar a Goto a ilusão de que era um homem, agora fora promovida a uma moça doce e sensível.
— Goto-san, podemos permitir que o destino da nossa nação seja decidido por estrangeiros?
— Não. — O novo primeiro-ministro pegou o telefone. Teve de procurar o número em uma folha de papel que estava sobre a mesa. — Suba o monte Niitaka — disse à pessoa que atendeu, repetindo uma ordem que fora dada mais de cinquenta anos antes.
O aeroplano era único em alguns aspectos, mas bastante comum em outros.
O VC-25B era na verdade a versão da Força Aérea do venerável avião comercial Boeing 747, projetado há mais de trinta anos mas ainda produzido em série em uma fábrica perto de Seattle. Aquele modelo tinha sido pintado em cores escolhidas por um presidente, que se propusera a dar uma impressão adequada em qualquer país estrangeiro, se é que aquilo era possível. Estava sozinho na rampa de concreto, cercado por agentes de segurança uniformizados, “autorizados”, no jargão lacônico do Pentágono, a usar os rifles Ml6 com mais liberalidade do que os guardas que vigiavam outras instalações federais. Era uma forma polida de dizer: “Atire primeiro e depois faça perguntas.” Não havia nenhum túnel de acesso. As pessoas tinham de subir uma escada para entrar no avião, como na década de 1950, mas os passageiros eram submetidos a um detector de metais, e a bagagem passava por uma revista minuciosa executada por elementos da Força Aérea e do Serviço Secreto, que radiografavam tudo e abriam boa parte das malas para uma inspeção visual.
— Espero que tenha deixado em casa aquelas calcinhas provocantes da Victoria’s Secret — brincou Jack, enquanto colocava a última mala no balcão.
— Vai descobrir quando chegarmos a Moscou — respondeu a Dra. Ryan, piscando o olho. Era a sua primeira viagem oficial, e tudo na Base Aérea de Andrews era novo para ela.
— Olá, Dra. Ryan! Afinal nos conhecemos! — disse Helen D’Agustino, aproximando-se e estendendo a mão.
— Cathy, esta é a guarda-costas mais bonita do mundo — disse Jack, apresentando a agente do Serviço Secreto à esposa.
— Não pude comparecer ao último jantar oficial — explicou Cathy. — Havia um seminário em Harvard.
— Vai achar esta viagem interessante — observou Helen, afastando-se discretamente para cuidar dos seus deveres.
Não tão interessante quanto a minha última, pensou Jack, lembrando-se de mais uma história que não podia contar a ninguém.
— Onde ela usa o revólver? — perguntou Cathy.
— Nunca tive oportunidade de revistá-la, querida — respondeu Jack, com um sorriso malicioso.
— Já podemos subir a bordo?
— Posso subir a bordo quando quiser — respondeu o marido. — Sou um homem importante.
Era melhor entrar logo e mostrar a Cathy o interior do avião, pensou, conduzindo-a para a porta. Projetado para transportar até trezentos passageiros em sua versão civil, o 747 particular do presidente (havia outra aeronave de reserva, é claro) fora equipado para abrigar um terço desse número com o máximo de conforto. Jack mostrou primeiro à esposa os lugares que ocupariam, explicando que a ordem dos assentos era muito clara. Quanto mais próximo do nariz da aeronave, mais importante a posição da pessoa. As acomodações do presidente ficavam bem na frente, onde dois sofás podiam ser transformados em camas. O casal Ryan e o casal van Damm viajariam logo atrás, a uns seis metros dc distância, em um espaço que comportaria oito pessoas, mas naquele caso seria ocupado apenas por cinco, já que ao lado deles estaria a diretora de Comunicações do presidente, uma ex-executiva da TV recém-divorciada chamada Tish Brown, que parecia estar sempre com pressa. Outros membros menos importantes da equipe ocupavam os outros lugares, e os assentos da popa tinham sido destinados à imprensa.
— Aí fica a cozinha? — quis saber Cathy.
— Isso mesmo — confirmou Jack.
Era uma cozinha de verdade, onde as refeições eram realmente preparadas a partir de ingredientes frescos e não simplesmente aquecidas, como nos voos comerciais.
— É maior do que a nossa! — observou Cathy, fazendo rir o cozinheiro-chefe, um segundo-sargento da Força Aérea.
— Maior não digo, mas a comida é melhor, não acha, sargento?
— Finja que não estou aqui. Pode bater nele à vontade, madame, que não conto a ninguém.
Cathy pareceu não se ofender com a brincadeira. — Por que ele não está lá em cima, na sala de estar?
— A sala de estar foi quase toda tomada por equipamentos de comunicações. O presidente de vez em quando vai lá em cima conversar com a tripulação, mas quem passa mais tempo lá são os cryppies.
— Cryppies?!
— Especialistas em comunicações — explicou Jack, conduzindo a mulher de volta a seus lugares.
Os assentos eram de couro bege, muito amplos e macios, com monitores de TV, telefones pessoais e outros requintes, que Cathy começou a catalogar e que incluíam o selo presidencial nas fivelas dos cintos de segurança.
— Agora sei o que é viajar de primeira classe.
— Ainda temos pela frente um voo de doze horas, meu bem — observou Jack, acomodando-se na poltrona, enquanto os outros começavam a subir a bordo. Com sorte, passaria a maior parte da viagem dormindo.
O discurso de despedida do presidente, mostrado na TV, obedeceu a um elaborado ritual. O microfone foi colocado de tal forma que o Força Aérea Um estava sempre visível ao fundo para lembrar a todos como o presidente era poderoso, a ponto de se dar ao luxo de ter um 747 particular. Roy Newton se preocupava mais com a duração do programa do que com qualquer outra coisa. Aparentemente, Durling não tinha nada de importante a declarar; por isso, a partida só seria exibida ao vivo pelo canal C-SPAN, embora os repórteres das redes estivessem presentes com suas câmaras para a eventualidade de o avião explodir na decolagem. Depois de terminar o discurso, o presidente tomou a esposa, Anne, pelo braço e caminhou em direção à escada, onde um sargento lhe prestou continência. Quando chegaram à porta da aeronave, o presidente e a primeira dama se voltaram para um último aceno, como se já estivessem em campanha (de certo modo, aquela viagem fazia parte da campanha de reeleição), e depois entraram. A C-SPAN voltou a falar do plenário da Câmara, onde vários deputados sem expressão, obedecendo a ordens especiais, estavam fazendo pequenos discursos. O presidente ficaria no ar durante onze horas, pensou Newton, mais tempo do que precisava.
Estava na hora de começar o trabalho.
O velho ditado estava muito certo, pensou, colocando as notas em ordem. Se mais de uma pessoa sabia, não era mais segredo. Menos ainda se você sabia parte do segredo e conhecia quem sabia o restante, porque nesse caso podia se sentar com a pessoa para jantar e contar a parte que sabia; a outra pessoa ficaria com a impressão de que você sabia o segredo completo e lhe contaria as partes que você não conhecia ainda. Alguns sorrisos, movimentos de cabeça, muxoxos e palavras cuidadosamente escolhidas manteriam seu amigo falando até que tudo estivesse esclarecido.
Newton imaginava que as coisas não eram muito diferentes para os espiões.
Talvez tivesse futuro como espião, mas não ganharia mais do que no Congresso (talvez, na verdade, ganhasse muito menos), e havia muito tempo decidira dedicar a vida a algo que lhe permitisse levar uma vida decente.
O restante do jogo era muito mais fácil. Bastava escolher a pessoa certa a quem passar a informação, o que podia ser feito simplesmente através de uma leitura atenta dos jornais. Todo repórter tinha seu assunto preferido; sob esse aspecto, eram como qualquer ser humano. Era fácil manipular qualquer um quando você sabia que botões devia apertar. Que pena que isso não tivesse funcionado muito bem com as pessoas do seu distrito, pensou Newton, tirando o fone do gancho e apertando os botões.
Libby Holtzman.
— Olá, Libby. Aqui é Roy. Como vão as coisas?
— Um pouco devagar — admitiu a moça, imaginando se o marido, Bob, conseguiria algo interessante na viagem a Moscou com o presidente.
— Quer jantar comigo? — perguntou Roy, que sabia que o marido viajara.
— Para quê? Libby sabia que não era uma cantada ou coisa parecida. Newton era um jogador e em geral tinha algo interessante para contar.
— Não vai se arrepender — prometeu o rapaz. — No Jockey Club, às sete e meia?
— Combinado.
Newton sorriu. Tinha direito, não tinha? Perdera sua cadeira na Câmara por causa de uma acusação de tráfico de influências. Não havia provas suficientes para um processo (alguém cuidara para que não houvesse), mas 50,7% dos eleitores naquele ano tinham se convencido de que outra pessoa deveria representá-los. Se fosse um ano de eleição presidencial, pensou Newton, provavelmente teria conseguido arrancar mais um mandato, mas quando se perde uma cadeira no Congresso, raramente se consegue recuperá-la.
Poderia ter sido muito pior. Aquela vida não era tão ruim, era? Continuara a morar na mesma casa; mantivera os filhos do mesmo colégio e depois conseguira mandá-los para boas universidades; continuava sócio do mesmo clube. A única diferença era que agora trabalhava para um público diferente, que não lhe cobrava posições éticas que nunca tivera, e além disso pagava muito melhor.
A Operação PARCEIROS NO MAR era assistida por três satélites de comunicações. Um era usado para manter os navios japoneses em contato permanente com o centro de operações de Yokohama; outro, para as comunicações entre os navios americanos e o centro de operações de Pearl Harbor. Os dois centros de operações usavam o terceiro satélite para trocar informações entre si. Assim, os árbitros que acompanhavam o exercício nos dois centros de operações tinham acesso a todos os dados, mas o mesmo não acontecia com os comandantes das duas esquadras. O objetivo do jogo era treinar os dois lados da forma mais realista possível; por isso, não se esperava que trapaceassem, embora “trapacear” fosse, naturalmente, um recurso relativamente comum nas guerras de verdade.
Os almirantes americanos encarregados das forças de navios, aviões, submarinos e serviços acompanhavam o jogo de suas cadeiras, imaginando como seus comandados se sairiam.
— Sato não é nada bobo — observou o comandante Chambers.
— Ele fez algumas manobras interessantes — concordou o Dr. Jones.
Representante de uma empreiteira, com uma “licença especial” para assistir ao exercício, estava ali no centro sob a responsabilidade de Mancuso. — Isso, porém, não vai ajudá-lo quando estiver mais ao norte.
— Ah, é? — O SubPac olhou para ele e sorriu. — Você sabe alguma coisa que eu não sei? Os operadores de sonar do Charlotte e do Asheville são muito bons, comandante. Meus homens trabalharam com eles quando instalamos o novo software de rastreamento, lembra-se? Os comandantes também são muito competentes — lembrou Mancuso.
Jones concordou com a cabeça.
— Exatamente. Sabem ouvir, como o senhor.
— Meu Deus — suspirou Chambers, do alto de suas divisas recém-conquistadas. — Almirante, como foi que conseguimos sobreviver antes de conhecermos o Jones?
— Tínhamos o chefe Lavai conosco, lembra-se? — observou Mancuso.
— O filho do francês é o operador principal de sonar do Asheville, Sr. Chambers. — Para Jones, Mancuso seria sempre “comandante” e Chambers seria sempre um tenente. Nenhum dos dois oficiais protestava. Era uma das tradições da Marinha que ligavam os oficiais aos marinheiros (no caso, um ex-marinheiro).
— Eu não sabia — admitiu o SubPac.
— Acaba de assumir o posto. Antes, trabalhava no Tennessee. E um garoto muito esperto. Chegou a segundo-sargento no terceiro ano da escola.
— Saiu-se melhor do que você — observou Chambers. — Ele é mesmo bom?
— Pode apostar. Estou tentando contratá-lo para minha empresa. Casou-se o ano passado. A mulher está grávida. Não deve ser difícil convencê-lo a passar para a vida civil.
— Muito obrigado, Jones — falou Mancuso. — Eu devia expulsá-lo daqui a pontapés.
— Oh, deixe disso, comandante. Qual foi a última vez em que saímos para nos divertir de verdade? — Além de tudo, o novo programa de Jones, desenvolvido inicialmente para rastrear baleias, fora incorporado ao que restava do sistema SOSUS do Pacífico. — Precisamos fazer isso de novo.
O fato de que os dois lados tinham observadores no centro de operações da outra força era um inconveniente, especialmente porque havia certos recursos e equipamentos que nenhum dos dois estava disposto a partilhar.
Naquele caso, por exemplo, os sinais gerados pelo sistema SOSUS, revelando o que poderiam ser submarinos japoneses a noroeste de Kure, eram na realidade mais precisos do que estava sendo mostrado no monitor principal. Os sinais de verdade eram enviados apenas para Mancuso e Chambers. Cada lado dispunha de dois submarinos. Os submarinos americanos não apareciam na tela, mas os japoneses eram do tipo convencional e tinham que se aproximar periodicamente da superfície para fazer funcionar os motores diesel e recarregar as baterias. Embora os submarinos japoneses dispusessem de uma versão de sistema americano Prairie-Masker, o novo software desenvolvido por Jones era capaz de detectá-los assim mesmo. Mancuso e os outros foram até a sala de mapas da SubPac para examinar os dados mais recentes.
— Muito bem, Jones, diga-me o que está vendo — ordenou Mancuso, olhando para as folhas impressas mostrando o que fora captado pelos hidrofones espalhados no fundo do Pacífico.
Os dados podiam ser mostrados em um terminal de vídeo ou impressos, para uma análise mais detalhada, em um formulário contínuo do tipo usado nas impressoras de computador. Para trabalhos como aquele, o segundo método era melhor, e tinham sido impressas duas cópias. Uma delas já tinha sido analisada e marcada por técnicos em oceanografia da divisão local do SOSUS. Para garantir que a interpretação estava correta e verificar se Jones ainda se lembrava das lições que aprendera, Mancuso deixou de mostrar a cópia que já analisara.
Embora Jones ainda não tivesse quarenta anos, seus cabelos fartos e escuros estavam começando a ficar grisalhos e passara a mascar goma em vez de fumar. Entretanto, conservava o mesmo entusiasmo de sempre, pensou Mancuso. O Dr. Ron Jones folheou as páginas como um contador à procura de um desfalque, o dedo acompanhando as linhas verticais nas quais eram registradas as frequências.
— Podemos supor que vão subir à superfície mais ou menos a cada oito horas? — perguntou.
— É a coisa mais sensata a fazer, para manter as baterias carregadas — concordou Chambers.
— Com que hora eles estão trabalhando? — perguntou Jones. Os submarinos americanos costumavam ajustar os relógios para a Hora Média de Greenwich, cujo nome tinha sido recentemente mudado para “Hora Universal”, uma indicação da perda de prestígio da Marinha Real, outrora tão poderosa, que o meridiano de referência fora definido pelos ingleses.
— A de Tóquio, provavelmente — respondeu Mancuso. — Cinco horas a menos do que a nossa.
— Nesse caso, vamos procurar padrões regulares começando à meia-noite ou nas horas pares, hora de Tóquio. Havia cinco séries de dados. Jones examinou uma série de cada vez, prestando atenção nas referências de tempo assinaladas nas margens. O processo inteiro levou dez minutos.
“Aqui está um e aqui está outro. Estes dois são possíveis. Aquele ali também é possível, mas pouco provável. Eu apostaria neste aqui — concluiu, apontando uma série de pontos aparentemente dispostos ao acaso.
— Wally? Chambers desdobrou a outra listagem e verificou as anotações.
— Jones, seu sacana! — exclamou.
Uma equipe de especialistas levara mais de duas horas para chegar aos mesmos resultados que Jones obtivera em poucos minutos. O empreiteiro civil pegou uma lata de coca na geladeira e abriu-a.
— Senhores, quem é o campeão de todos os tempos? — perguntou.
A coisa não parava ali, é claro. As listagens revelavam apenas uma fonte de ruído suspeita, mas havia vários conjuntos de hidrofones, e os técnicos há haviam realizado uma triangulação, determinando a posição do alvo dentro de um círculo de quinze milhas náuticas de raio. Mesmo com os melhoramentos introduzidos por Jones no sistema, ainda tinham uma área muito grande para vasculhar.
O telefone tocou. Era o comandante-em-chefe da Esquadra do Pacífico.
Mancuso atendeu e recomendou que o Charlotte e o Asheville fossem enviados para examinar a área onde o possível submarino fora detectado.
Jones escutou a conversa e concordou com a cabeça. — Está vendo, comandante? O senhor sempre soube ouvir.
Murray saíra para discutir alguns problemas orçamentários com o diretor assistente em exercício do escritório de Washington e por isso não foi encontrado para atender ao telefonema. O despacho secreto da Casa Branca foi guardado em local seguro, e sua secretária teve de sair mais cedo para pegar uma criança doente na escola. Em consequência, a mensagem manuscrita de Ryan levou um tempo absurdo para chegar às mãos do vice-diretor assistente.
— Notícias sobre a garota — disse Murray, entrando no escritório do diretor.
— O que aconteceu? — perguntou Shaw.
— Ela está morta — explicou Murray, passando-lhe o papel.
O diretor do FBI examinou-o rapidamente. — Que merda! Existe algum registro de que ela fosse viciada em drogas?
— Não que eu me lembre.
— O que Tóquio acha?
— Anda não tive tempo para falar com o legista. Isso aconteceu numa péssima hora, Bill.
Shaw concordou com a cabeça, e era muito fácil deduzir o que estava pensando. Os casos dos quais os agentes do FBI mais se orgulhavam eram os de sequestro. Na verdade, fora assim que o FBI conquistara sua fama na década de 1930. A Lei Lindbergh dera poderes ao FBI para ajudar a polícia local sempre que houvesse a possibilidade de a vítima ter sido conduzida para outro estado. Bastava essa possibilidade (raramente as vítimas eram transportadas para tão longe) para que os agentes do principal órgão americano de combate ao crime atacassem o caso como um bando de lobos famintos. O objetivo principal, que fora atingido na grande maioria das investigações, era sempre o mesmo: recuperar a vítima com vida. O objetivo secundário era prender, processar e condenar os responsáveis pelo crime, e nesse caso os resultados, estatisticamente falando, eram ainda melhores.
Eles ainda não sabiam se Kimberly Norton tinha sido vítima de um sequestro; sabiam apenas que voltaria morta para casa. Esse simples fato, para qualquer agente do FBI, equivalia a um fracasso profissional.
— O pai dela é da polícia.
— Eu sei, Dan.
— Acho melhor eu ir até lá conversar a respeito com O’Keefe.
Murray tinha três motivos para viajar. Em primeiro lugar, achava que a triste notícia deveria ser comunicada ao capitão Norton por um colega antes que ele ficasse sabendo do fato através da imprensa. Segundo, os agentes envolvidos no caso deviam-lhe uma satisfação. Terceiro, Murray queria dar uma olhada nos arquivos para se certificar de que tinham feito tudo que era possível fazer.
— Posso passar sem você por um ou dois dias — afirmou Shaw. — O caso Linders terá mesmo de esperar até que o presidente volte da viagem.
— Está bem, pode fazer as malas.
— Aqui é melhor do que no Concorde! — exclamou Cathy, quando o cabo da Força Aérea chegou com o jantar.
O marido teve vontade de rir. Fazia muito tempo que não via Caroline Ryan tão entusiasmada. Então, lembrou-se de que a esposa não estava acostumada como ele àquele tipo de serviço. Além disso, a comida era realmente muito melhor do que no refeitório dos médicos do Hopkins. Isso sem falar no fato de que os pratos do hospital não eram decorados com ouro de verdade, uma das razões pelas quais os serviços de bordo do Força Aérea Um estavam sempre desfalcados.
— A madame deseja vinho? — perguntou Ryan, com a garrafa de chardonnay Russian River na mão, enquanto o cabo servia o casal.
— Não estamos acostumados a tomar vinho das refeições — explicou Cathy, pouco à vontade.
— Todo mundo se sente assim da primeira vez, Dra. Ryan — disse o cabo. — Se precisar de alguma coisa, é só tocar a campainha — acrescentou, dirigindo-se de volta para a cozinha.
— Está vendo, Cathy? Eu lhe disse que ia adorar.
— Sempre tive curiosidade de saber por que você não se importava de viajar tanto — comentou a esposa, provando o brócolos. — Hum... está fresquinho.
— O piloto também é ótimo — declarou Ryan, apontando para os copos de vinho, cujo conteúdo estava firme como uma rocha.
— O salário pode não ser grande coisa, mas adoro essas mordomias — observou Arnie Van Damm, do outro lado do compartimento.
— O peixe está uma delícia.
— Nosso cozinheiro roubou a receita do Jockey Club. O melhor peixe à francesa da cidade — explicou van Damm. — Acho que teve de oferecer em troca sua receita de sopa de batata. Foi um bom negócio.
— A crosta está no ponto exato, não está?
Um dos poucos restaurantes cinco estrelas de Washington, o Jockey Club ficava no porão do Ritz Carlton Hotel, na Massachusetts Avenue.
Discreto, pouco iluminado, era havia muitos anos o lugar onde os “poderosos” se encontravam.
A comida daqui é excelente, pensou Libby Holtzman, especialmente quando não era ela que estava pagando. A primeira hora do jantar fora gasta com trivialidades, a troca de informações e mexericos que era ainda mais importante em Washington do que nas outras cidades americanas. Agora, chegara a hora da verdade. O vinho fora servido, o garçom levara os pratos de salada, e o prato principal estava sobre a mesa.
— Então, Roy, o que você queria me contar?
— É sobre Ed Kealty — explicou Newton, olhando-a nos olhos.
— Não diga que a mulher finalmente resolveu deixar o canalha.
— Na verdade, é ele que provavelmente vai deixá-la.
— Quem é a infeliz? — perguntou a moça, com um sorriso sarcástico.
— Não é o que você está pensando, Libby. Ed simplesmente não estará disponível.
Newton gostava de fazer suspense. — Roy, são oito e meia, tá? — observou Libby, tornando bem clara sua posição.
— O FBI está investigando Kealty. A acusação é estupro. Mais de um. Uma das vítimas se matou.
— Lisa Beringer? Os motivos do suicídio da funcionária jamais tinham sido esclarecidos.
— Ela deixou uma carta. Está com o FBI. Várias outras mulheres prontificaram-se a testemunhar.
— Puxa vida! — exclamou Libby Holtzman. Pousou o garfo no prato. — Acha que ele vai ser condenado?
— O encarregado do caso é Dan Murray, o braço direito de Shaw.
— Conheço Dan. Sei que vai se recusar a discutir o caso. — Era difícil convencer um agente do FBI a falar sobre um caso em andamento. Em geral, este tipo de informação era conseguido através de um advogado ou de um funcionário do foro. — Ele não só faz as coisas de acordo como o regulamento, mas escreveu o regulamento.
Era a mais pura verdade. Murray ajudara a redigir muitas normas internas do FBI.
— Desta vez, pode ser diferente.
— Por quê, Roy?
— Porque Durling está segurando o processo. Ele precisa de Kealty para fortalecer sua posição no Congresso. Já reparou que Eddie tem frequentado a Casa Branca com muita assiduidade, ultimamente? Durling alertou-o para que possa preparar sua defesa. Pelo menos, foi isso que me contaram — acrescentou Newton, para proteger-se. — Parece um pouco irregular, não é mesmo? Obstrução da justiça? É esse o termo jurídico, Libby. Tecnicamente falando, acho esse tipo de procedimento não pode ser considerado correto.
Agora o anzol tinha sido lançado, e a minhoca estava se agitando na água.
— Não acha que ele pode estar esperando apenas até que a lei do comércio seja aprovada? O peixe tinha visto a isca, mas ficara preocupado com um objeto brilhante atrás da minhoca...
— O caso é anterior à lei do comércio, Libby. Pelo que me consta, faz tempo que é mantido em banho-maria. Mas pode ser uma boa desculpa, não é mesmo? Por outro lado, a minhoca era gorda e suculenta.
— Para quem acha que a política tem precedência sobre um caso de agressão sexual. Acha que ele vai ser condenado? Se chegar a ser julgado, é praticamente certo que Ed Kealty vai passar alguns anos em uma penitenciária federal.
— É mesmo? Hum... a minhoca parecia cada vez mais apetitosa.
— Como você mesma disse, Murray é um tira honesto.
— Quem é o promotor? — Anne Cooper. Está trabalhando no caso há várias semanas.
— Uma das minhocas mais bonitas de todos os tempos. Pensando melhor, o objeto brilhante atrás da minhoca devia ser inofensivo...
Newton tirou um envelope do bolso e colocou-o sobre a mesa.
— Aqui estão todos os nomes, números e detalhes. Mas não mencione meu nome, certo? A minhoca parecia dançar na água; não dava mais para ver que o que estava se mexendo era o anzol.
— E se eu não conseguir confirmar as suas alegações?
— Nesse caso, minhas fontes me enganaram, fica o dito por não dito, e espero que tenha gostado do jantar. Naturalmente, a minhoca podia fugir na última hora.
— Por quê, Roy? Por que você? Por que está me contando? Como a minhoca foi parar ali?
— Nunca fui com a cara dele. Batemos de frente em duas leis sobre irrigação, e ele sabotou um projeto militar no meu estado. Mas quer saber o motivo real? Tenho duas filhas, Libby. Uma está no último ano da Universidade da Pensilvânia e a outra é caloura na Escola de Direito da Universidade de Chicago. As duas querem seguir as pegadas do pai, e detestaria ver minhas filhas circulando no Congresso com canalhas como Ed Kealty por perto.
Afinal, que diferença fazia como a minhoca tinha ido parar ali? Libby Holtzman pegou o envelope, que guardou na bolsa sem abrir. Era interessante como eles só viam o anzol quando era tarde demais. Se é que chegavam a vê-lo. O garçom ficou desapontado quando os dois desistiram da sobremesa e pediram apenas um café expresso e a conta.
— Alô.
— Barbara Linders? — perguntou uma voz feminina.
— Ela mesma. Quem está falando?
— Libby Holtzman, do Post. Somos quase vizinhas. Posso passar aí para a gente conversar?
— Sobre o quê?
— Sobre Ed Kealty e por que desistiram de acusá-lo.
— Eles fizeram o quê?.
— Pelo menos, é o que estão dizendo.
— Espere aí. Fui prevenida contra esse tipo de coisa — disse Linders, desconfiada, sem perceber que estava se denunciando.
— Eles sempre previnem as testemunhas contra as pessoas erradas. Não se lembra da reportagem que escrevi no ano passado sobre o deputado Grant e as coisas que fazia no seu escritório? Não fui eu que denunciei aquele subsecretário do Interior? Não gosto de que gente assim fique impune, Barbara — disse a voz, falando de mulher para mulher.
Era verdade. Libby Holtzman quase ganhara um prêmio Pulitzer por sua campanha contra abusos sexuais na política.
— Como vou saber se é realmente você?
— Você já me viu na TV, certo? Convide-me para visitá-la e poderá constatar pessoalmente. Posso estar aí em cinco minutos.
— Vou ligar para o Sr. Murray.
— Pode ligar. Só quero que me prometa uma coisa.
— O quê? Se ele confirmar que resolveram não acusar Kealty por enquanto, você concorda em conversar comigo. — A voz fez uma pausa. — Pensando melhor, que tal eu visitá-la de qualquer maneira? Se Dan não confirmar o que eu disse, podemos simplesmente tomar uma xícara de café juntas. Concorda?
— Está bem... acho que assim está bem. Agora tenho de ligar para o Sr. Murray.
Bárbara Linders desligou e digitou um número que sabia de cor.
— Alô. Aqui é Dan...
— Sr. Murray! — exclamou Barbara, em tom aflito.
... e aqui é Liz — disse outra voz, no que obviamente era uma gravação.
— No momento não podemos atender... — disseram juntas as duas vozes.
— Onde você está quando preciso de você? — perguntou a moça à secretária eletrônica, desligando, irritada, antes que uma das vozes lhe pedisse para deixar o recado. Seria possível? Seria verdade? Estou em Washington, pensou. Aqui, tudo é possível.
Bárbara Linders olhou em volta. Fazia onze anos que morava em Washington. O que conseguira? Um apartamento de quarto e sala com gravuras na parede. Uma mobília bonita, que usava sozinha. Memórias que ameaçavam sua sanidade mental. Sentia-se tão solitária, tão sozinha com elas, e tinha de libertá-las, desfazer-se delas para se vingar do homem que arruinara sua vida. E agora até isso lhe seria negado? Seria possível? O mais assustador era que Lisa pensara da mesma forma. Sabia disso por causa da carta que encontrara, da qual ainda guardava uma fotocópia na caixa de joias. Guardava a carta tanto como uma lembrança da amiga como para se lembrar de que seria um erro entregar-se ao mesmo tipo de desespero. A leitura daquela carta, havia alguns meses, a convencera a se abrir com a ginecologista, que por sua vez a encaminhara a Clarice Golden, dando início ao processo que a levara... até onde? Nesse momento, a campainha tocou, e Barbara foi abrir a porta.
— Olá! Está me reconhecendo? A pergunta foi acompanhada por um sorriso simpático. Libby Holtzman era uma mulher alta, de cabelos pretos, rosto pálido e olhos castanhos.
— Entre, por favor — disse Barbara, recuando para deixá-la passar.
— Ligou para Dan? Ele não estava em casa... ou talvez simplesmente tenha deixado a secretária eletrônica ligada — refletiu Barbara. — Você o conhece?
— Conheço, sim. Somos amigos — respondeu Libby, dirigindo-se para o sofá.
— Posso confiar nele? Quero dizer, confiar nele de verdade?
— Se fosse você, eu confiaria. Dan é um bom homem. Estou falando sério.
— Mas depende dos outros, não é?
— Infelizmente — concordou Libby, sacudindo a cabeça. — Este caso é muito grande, envolve muita política. Outra característica de Dan é que ele é uma pessoa muito leal. Faz o que lhe mandam fazer. Posso me sentar, Barbara? — Por favor.
Ambas se sentaram no sofá.
— Sabe qual é o dever da imprensa? Manter os olhos abertos. Gosto de Dan. Tenho admiração por ele. E um homem bom, um homem honesto. Aposto que desde o início se portou como se fosse seu irmão mais velho...
— Exatamente — confirmou Barbara. — Tem sido meu melhor amigo desde que isso começou.
— Está sendo sincero. Conheço a mulher dele, também. O nome dela é Liz. O problema é que nem todo mundo é como Dan, e é aí que nós entramos.
— Como assim?
— Quando alguém diz a um sujeito como Dan o que fazer, ele obedece. Faz isso porque respeita as regras do jogo. Mas sabe de uma coisa? Detesta o que está fazendo, tanto quanto nós. Meu trabalho, Barbara, é ajudar pessoas como Dan, porque posso impedir que os canalhas levem vantagem sobre eles.
— Não posso... simplesmente não posso...
Libby interrompeu-a com um gesto.
— Não vou lhe pedir para me contar nada oficialmente, Barbara. Isso poderia prejudicar o caso. Sabe que desejo tanto quanto você que este processo seja conduzido como manda o figurino. Por outro lado, não gostaria de conversar comigo extraoficialmente? — Sim! Quer dizer... acho que sim.
— Importa-se se eu gravar a conversa? — perguntou a repórter, tirando da bolsa um pequeno gravador.
— Quem vai ouvir a gravação? — A única pessoa além de nós duas será meu chefe. Preciso convencê-lo de que não inventei nada. Afora isso, é como se estivesse falando com um padre ou um médico. São essas as regras da nossa profissão.
Na teoria, Barbara sabia disso, mas na prática a ética do jornalismo não lhe parecia tão confiável assim. Libby Holtzman parecia ver isso nos seus olhos.
— Se preferir, posso simplesmente ir embora, ou podemos conversar sem o gravador, mas detesto tomar notas — afirmou, com um sorriso inocente. Se quiser pensar um pouco, tudo bem. Não quero que se sinta pressionada. Sei como deve estar se sentindo.
— E isso que Dan costuma me dizer, mas ele não sabei Não pode saber! Libby Holtzman olhou para a moça. Imaginou se Dan Murray tinha visto naqueles olhos o mesmo sofrimento que estava vendo agora. Provavelmente, pensou. Talvez de uma forma um pouco diferente, porque era homem, para Dan era um bom profissional e devia estar tão preocupado quanto ela com a forma como aquele caso estava sendo conduzido.
— Barbara, se quiser conversar sobre... sobre outros assuntos, não me importo nem um pouco. Às vezes precisamos de uma amiga para desabafar. Não preciso ser uma repórter o tempo todo.
— Sabe o que aconteceu com Lisa? Sua morte jamais foi explicada, não é mesmo? Éramos muito amigas. Quando ele fez aquilo...
— Tem certeza de que Kealty se envolveu com ela?
— Fui eu que encontrei a carta, Libby.
— Quer me contar o que havia na carta? — pediu Libby, não conseguindo mais controlar seu instinto jornalístico.
— Posso fazer mais do que isso.
Barbara levantou-se e foi até o quarto. Voltou com as fotocópias e entregou-as à repórter.
Libby levou apenas dois minutos para ler a carta duas vezes. Data, lugar, método. Uma mensagem de além-túmulo, pensou. O que podia ser mais perigoso do que tinta no papel?
— Pelo que está escrito aqui e pelo que você sabe, Barbara, ele poderia ir para a cadeia.
— Foi o que Dan me disse. Disse isso com um sorriso. É exatamente o que ele quer.
— É também o que você quer? — perguntou Libby.
— É! Nesse caso, deixe-me ajudá-la.
17
O PRIMEIRO GOLPE
O nome mais usado para isso é milagre das comunicações, porque nada que seja moderno deve ser chamado de praga. Entretanto, as pessoas que recebem as informações nem sempre ficam satisfeitas.
Tinha sido um voo tranquilo, mesmo pelos padrões do Força Aérea Um, no qual muitos passageiros, especialmente os funcionários mais jovens e mais tolos da Casa Branca, tinham se recusado a afivelar os cintos, para mostrar...
para mostrar alguma coisa, pensou Ryan. A tripulação era de primeira, ele sabia, mas isso não evitara um acidente quando estavam se aproximando de Andrews; um raio arrancara o nariz da aeronave com o secretário de Defesa e a esposa a bordo, deixando todos muito constrangidos. Por isso, ele agora mantinha o cinto afivelado o tempo todo, embora mais frouxo do que no pouso e na decolagem. Era o que a própria tripulação costumava fazer.
— Dr. Ryan? — sussurrou alguém, sacudindo-o pelos ombros.
— O que foi, sargento? O Sr. van Damm quer falar com o senhor lá em cima.
Jack fez que sim com a cabeça e colocou o encosto na posição vertical.
O sargento entregou-lhe uma caneca de café. O relógio dizia que eram nove da manhã, mas não dizia onde eram nove da manhã, e Ryan não conseguiu se lembrar para que fuso horário acertara o relógio. Não fazia diferença; ainda tinham muitos fusos horários para cruzar.
O convés superior do VC-25B era muito diferente do inferior. Em vez de móveis de luxo, o espaço estava tomado por equipamentos eletrônicos no estilo militar, com barras cromadas para facilitar o transporte. Um grupo de especialistas em comunicações trabalhava ativamente, utilizando todos os tipos de informação imagináveis: rádio digital, TV, fax, até mesmo transmissões em código. Arnie van Damm estava ali, no meio da confusão, e passou-lhe um pedaço de papel. Era uma cópia da primeira página da última edição do Washington Post, que estava chegando às bancas naquele momento, a 6.500 quilômetros e seis horas de distância.
VICE-PRESIDENTE IMPLICADO EM SUICÍDIO, dizia a manchete de quatro colunas.
CINCO MULHERES ACUSAM EDWARD KEALTY DE ABUSO SEXUAL
Foi por isso que vocês me acordaram? — perguntou Ryan. Afinal, não era sua área de responsabilidade.
— Seu nome é mencionado na reportagem — informou Arnie.
— O quê? — Jack começou a ler o artigo. — “O conselheiro de Segurança Nacional Ryan é uma das pessoas que foram informadas a respeito”
— Certo, isso é verdade, não é?
— Continue a ler.
“Há quatro semanas, a Casa Branca impediu o FBI de apresentar o caso à Comissão de Justiça da Câmara de Deputados.”
— Isso não é verdade.
— É uma bela combinação de verdades e mentiras, não é? — comentou o chefe de gabinete, que parecia ainda mais irritado do que Ryan.
— Quem foi que deu com a língua nos dentes? Não sei, mas quem escreveu a reportagem foi Libby Holtzman, e o marido dela está dormindo lá embaixo. Ele gosta de você. Vá falar com ele.
— Espere aí. Essa acusação é ridícula, Arnie. O presidente não fez nada de errado.
— Seus inimigos políticos podem chamar o adiamento do processo de obstrução da justiça.
— Absurdo — protestou Jack, sacudindo a cabeça. — Não podem acusá-lo de nada concreto.
— Não precisam, droga! Estamos falando de política, e não de fatos, e as eleições vêm aí! Vá falar com Bob Holtzman. Agora — ordenou van Damm.
— O chefe já sabe? — perguntou Jack, dobrando a folha de papel.
— Vamos esperar que ele acorde. Peça a Tish para vir aqui, está bem?
— Certo. — Ryan desceu para o convés inferior, sacudiu Tish Brown até acordá-la, apontou para cima e foi falar com um comissário... membro da tripulação, corrigiu-se. — Quer pedir a Bob Holtzman que venha até aqui? Do lado de fora do avião já era dia claro. Será que eram nove horas no lugar para onde estavam indo? Sim, pretendiam chegar a Moscou às duas da tarde, hora local. O cozinheiro-chefe estava sentado na cozinha, lendo um exemplar do Time, quando Ryan entrou para tomar café.
— Não conseguiu dormir, Dr. Ryan?
— Perdi o sono. O dever me chama.
— Estou esquentando uns pãezinhos. Que tal?
— Boa ideia.
— O que foi? — perguntou Bob Holtzman, enfiando a cabeça para dentro da cozinha.
Como todos os homens a bordo, estava com a barba por fazer. Jack passou-lhe a folha de papel.
— O que acha? Holtzman leu rapidamente a notícia.
— Minha nossa! É verdade?
— Há quanto tempo Libby está trabalhando nesta reportagem?
— É novidade para mim... oh, que merda, sinto muito, Jack.
Ryan fez que sim com a cabeça, aparentando mais descontração do que sentia.
— Eu também acabei de acordar.
— É verdade ou não é?
— Isto ficará entre nós?
— Concordo.
— O FBI vem investigando o caso há algum tempo. As datas citadas por Libby parecem corretas. Fui informado a respeito mais ou menos na época em que a lei do comércio estava sendo discutida, por causa da situação de Kealty em termos de segurança nacional: o que ele podia saber, o que não podia, entende? Entendo. E como está o caso? O presidente da Comissão de Justiça já sabe. Al Trent e Sam Fellows, da Inteligência, também. Ninguém está pensando em ocultar nada, Bob. Pelo que sei, o presidente agiu corretamente o tempo todo. Kealty será acusado formalmente, e depois do processo de impeachment, se as coisas chegarem a esse ponto...
— Elas têm de chegar — interrompeu Holtzman.
— Duvido muito. — Ryan sacudiu a cabeça. — Se tiver um pingo de juízo na cabeça, arranjará um bom advogado e conseguirá algum tipo de acordo, como fez Agnew. Ele sabe que se for submetido a um processo de impeachment e condenado, será crucificado pela justiça comum.
— Faz sentido — concordou Holtzman. — Então você está me dizendo que as acusações da reportagem são falsas.
— Isso mesmo. Se está ocorrendo algum tipo de obstrução, é sem meu conhecimento, e estou acompanhando o caso.
— Já falou com Kealty?
— Não. No que diz respeito a assuntos de segurança nacional, falo com um dos seus assessores e ele fala com o chefe. Não me sentiria muito bem conversando com ele sobre este assunto, entende? Tenho duas filhas.
— Então está a par dos detalhes?
— Não, não é bem assim. Não me contaram muita coisa, mas, por outro lado, conheço Murray muito bem. Se Dan diz que as provas são irrefutáveis, acredito nele. — Ryan bebeu o último gole de café e pegou um pãozinho. — O presidente não está obstruindo a justiça. Só pediu que o processo fosse adiado por alguns dias, por razões políticas. Isso é tudo.
— Isso também é irregular, você sabe — observou Holtzman, tomando a defesa da mulher.
— O que é isso, Bob! Os promotores também colocam os casos em ordem de prioridade, não é mesmo? Tudo se resume a isso: prioridades.
Holtzman olhou para Jack e fez que sim com a cabeça.
— Vou passar essa informação adiante.
Já era tarde demais para apagar o incêndio. A maioria dos políticos influentes de Washington acorda cedo. Eles tomam café, leem os jornais com muita atenção, dão uma olhada no fax para ver se chegou alguma coisa importante, recebem telefonemas e, mais recentemente, ligam o computador para consultar o correio eletrônico, tudo isso em um esforço para sair de casa com uma boa ideia do que os espera naquele dia. Muitos políticos encontraram nos fax uma cópia da reportagem de Liz Holtzman, publicada na véspera, acompanhada por uma breve introdução explicando que se tratava de um assunto de grande interesse. Diferentes palavras de código eram usadas, dependendo da empresa de relações públicas responsável pela mensagem, mas o sentido era o mesmo. Os políticos em questão tinham sido pressionados para calar sua oposição à LRC; ali estava a oportunidade para se vingarem. Poucos deixariam passar essa oportunidade em branco.
Os comentários eram quase sempre extraoficiais. “Esta é uma acusação muito séria”, observavam, por exemplo, ou “o presidente não devia ter se envolvido em um processo criminal”. Quem ligou para William Shaw, o diretor do FBI, recebeu a resposta “sem comentários”, em geral acompanhada pela explicação de que o FBI tinha como princípio não fazer nenhum comentário a respeito dos casos que estava investigando para evitar processos legais e preservar a intimidade dos envolvidos. O público raramente tomava conhecimento dessa explicação; assim, “sem comentários” adquiria um significado especial.
Quando o acusado acordou em sua casa, situada no terreno do Observatório Naval, na Massachusetts Avenue, North West, os assessores já estavam de pé, à sua espera.
— Que merda! — exclamou Ed Kealty. Não havia mais nada a dizer. Seria inútil negar. Todos conheciam sua personalidade. Era um homem amoroso, racionalizavam todos, um traço relativamente comum entre os políticos, mas em geral se comportava com discrição.
“Lisa Beringer , murmurou o vice-presidente, lendo a reportagem. Não podem deixar a pobre moça repousar em paz? Lembrou-se do choque que sentira com a notícia, da forma como a jovem morrera, soltando o cinto de segurança e chocando-se contra a pilastra de uma ponte a 150 quilômetros por hora, dos comentários do legista sobre a ineficácia do método escolhido. Levara alguns minutos para morrer; ainda estava viva, gemendo, quando os paramédicos chegaram. Uma moça tão doce, tão boazinha. Pena que tivesse entendido a situação de forma errônea.
Esperara dele o que não podia dar. Talvez se considerasse diferente das outras. Na verdade, pensou Kealty, a maioria das mulheres era assim.
— Ele vai jogá-lo às feras — observou o principal assessor de Kealty.
O mais importante de tudo aquilo, afinal, era a vulnerabilidade política do chefe.
— Claro que vai. — Aquele filho de uma puta, pensou o vice-presidente. Depois de tudo que fiz por ele. — Muito bem... alguma ideia?
— É evidente que vamos negar tudo, com a maior indignação — começou o chefe de gabinete, passando-lhe uma folha de papel. — Preparei um comunicado à imprensa, para começar, e marquei uma entrevista coletiva. — Já ligara para meia dúzia de mulheres que tinham trabalhado ou estavam trabalhando para Kealty e que se mostravam dispostas a depor a seu favor. Todas elas tinham dormido com o vice-presidente e se lembravam da experiência com um sorriso. Grandes homens também tinham suas fraquezas. No caso de Edward Kealty, essas fraquezas eram mais do que compensadas por sua dedicação às coisas que realmente importavam.
Kealty leu rapidamente. A única defesa contra uma acusação totalmente falsa é a verdade... não existe absolutamente nenhum fundamento nessas acusações... minha vida pública é bem conhecida... sempre apoiei os direitos das mulheres e das minorias... peço (o chefe de gabinete tinha achado a palavra ”exijo” forte demais) que as alegadas acusações sejam imediatamente formuladas, para que eu tenha oportunidade de me defender... não é coincidência que as eleições sejam no ano que vem... lastimo profundamente qualquer transtorno que essas falsas acusações possam causar ao nosso grande presidente, Roger Durling...
— Ligue imediatamente para aquele filho da puta! — É melhor ir com calma. O senhor “espera contar com o apoio irrestrito do presidente”, lembra-se? — Ah, é isso mesmo, não é? Aquela parte da declaração seria uma advertência, pensou Kealty. Ou Durling o apoiava ou não conseguia nem ser o candidato do partido nas próximas eleições.
O que mais aconteceria naquele ano? Embora não houvesse tempo para a reportagem ser comentada pelos jornais matutinos, incluindo o USA Today, ela ocupara um lugar de destaque nos noticiários do rádio e TV.
Para boa parte da comunidade de investimentos, isso queria dizer a ”Edição da Manhã” da National Public Radio, um noticiário que as pessoas escutavam no rádio do carro a caminho do trabalho. “Uma reportagem publicada esta manhã no Washington Post...” A notícia foi apresentada no início dos dois segmentos de uma hora do programa, com um preâmbulo para atrair a atenção dos ouvintes, e embora os mexericos políticos fossem tão comuns quanto as previsões de tempo, palavras como “estupro” e “suicídio” convenceram a todos de que se tratava de algo muito sério.
“Que merda!”, exclamaram mil vozes ao mesmo tempo, em mil automóveis de luxo. O que mais vai acontecer? A instabilidade do mercado ainda não terminara, e uma notícia como aquela certamente provocaria o tipo de pressão para baixo que não fazia o menor sentido em termos econômicos mas era tão real, que todos a consideravam inevitável; por isso, tratavam de vender enquanto era tempo; por isso, a bolsa caía, no que os engenheiros eletrônicos chamavam de realimentação positiva. A queda do mercado era certa. Caíra em onze dos últimos quatorze dias, e embora houvesse dezenas de ações cotadas abaixo do preço, por qualquer medida razoável, o público mandaria vender, e os fundos de investimentos, forçados a acompanhar o público, venderiam também, acrescentando o impulso institucional a uma situação totalmente artificial. O sistema era chamado de democracia, mas se isso era verdade, então uma boiada pronta para estourar a qualquer momento também era uma democracia.
— Muito bem, Arnie. — O presidente não se deu ao trabalho de perguntar quem dera com a língua nos dentes. Tinha experiência suficiente no ramo para saber que isso não era importante. — O que vamos fazer? — Conversei com Bob Holtzman — explicou Ryan, estimulado por um olhar do chefe de gabinete.
— E daí? — Acho que acreditou em mim. Afinal, eu estava dizendo a verdade, não estava? Era uma pergunta de verdade, e não uma simples figura de expressão.
— Sim, você estava, Jack. Ed terá de segurar a barra sozinho. — O alívio de Ryan foi tão óbvio, que o chefe do Executivo se sentiu ofendido. — Por quê? Estava desconfiando de mim? — Claro que não — respondeu Ryan, sem pestanejar.
— Quem sabe? A bordo? — perguntou van Damm. — Bob deve ter contado para algumas pessoas.
— Vamos cuidar disso agora mesmo, Tish — disse Durling para a diretora de comunicações. — Precisamos preparar uma declaração pública.
— A Comissão de Justiça está a par do assunto; não há necessidade de nos entendermos com eles.
— Como vamos explicar o atraso? — quis saber Tish Brown.
— Decidimos, de comum acordo com a liderança no Congresso, que o assunto merecia... merecia o quê? — O presidente olhou para o teto. — Merecia atenção exclusiva...
— Era suficientemente sério... não, era suficientemente importante para merecer a atenção exclusiva do Congresso, depois que outras questões pendentes fossem resolvidas? — propôs Ryan. Nada mau, pensou.
— Ainda vou fazer de você um político — afirmou Durling, com um sorriso relutante.
— Não deve fazer nenhuma declaração direta a respeito do caso — disse van Damm ao presidente, dando ao conselho o tom de uma ordem.
— Eu sei, eu sei. Não posso me pronunciar a respeito porque não devo interferir no processo contra Kealty, a não ser para lembrar que todo cidadão é inocente até prova em contrário. Tish, comece a escrever. Vou transmitir a mensagem antes de chegarmos a Moscou e então poderemos continuar nossa missão. Mais alguma coisa? — perguntou Durling.
— O secretário Hanson comunicou que está tudo correndo conforme o previsto. Nenhuma novidade — informou Ryan, chegando finalmente a sua esfera de competência. — O secretário Fiedler está com o acordo de apoio financeiro pronto para ser assinado. Sob esse aspecto, presidente, será uma viagem muito produtiva.
Fico satisfeito de ouvir isso — observou o presidente, secamente. — Certo, vou lavar o rosto.
Força Aérea Um ou não, viajar por tanto tempo com outras pessoas em um espaço tão limitado não era nada confortável. A privacidade do presidente não era muito grande, mesmo em circunstâncias normais, mas na Casa Branca pelo menos havia paredes para separá-lo dos demais. Ali, não. Um sargento da Força Aérea foi correndo buscar o aparelho de barba.
O homem já passara duas horas engraxando os sapatos presidenciais e seria uma indelicadeza dispensar seus serviços. As pessoas eram tão ansiosas para mostrar sua lealdade! A não ser as que realmente faziam diferença, pensou Durling, entrando no minúsculo banheiro.
— Pegamos mais alguns deles.
Sanchez saiu do banheiro ao lado do CIC para ver os colegas reunidos em torno do monitor. Havia agora três grupos de losangos indicando os navios inimigos. Além disso, o Charlotte estava rastreando um objeto em forma de “V” que indicava um submarino inimigo, e o Asheville fazia o mesmo com outro submarino. O melhor de tudo, porém, era que os aviões S-3 Viking, trezentos quilômetros à frente do grupo de combate, tinham localizado o que parecia ser uma formação de patrulha composta por outros submarinos. Dois tinham sido pegos recarregando as baterias, um no sonar e outro por boias sônicas; usando uma linha definida por essas duas posições, mais dois tinham sido encontrados. Agora dispunham até mesmo de um intervalo previsível entre os submarinos para os aviões se concentrarem.
— Ao pôr do sol, amanhã? — perguntou o comandante do grupo.
— Eles gostam do sol nascente, não gostam? Pois vamos pegá-los na hora do jantar.
— Por mim, está ótimo — disse Sanchez, pegando o telefone para avisar ao oficial de operações.
— Está demorando demais — murmurou Jones.
— Lembro-me do tempo em que você era mais paciente — disse Wally Chambers ao civil.
— Naquela época, eu era jovem e idealista. — E fumava, também, pensou.
Todos esses fatores ajudavam a combater a monotonia. Entretanto, era proibido fumar na maioria dos submarinos. Era surpreendente que as tripulações não se amotinassem. A que ponto chegara a Marinha! — Sabe o que eu lhe disse a respeito do meu software! Está insinuando que até você pode ser substituído por um computador? O empreiteiro virou a cabeça.
— Sabe, Sr. Chambers, as pessoas mais velhas devem diminuir o consumo de café.
— Vocês dois vão começar de novo? — perguntou o almirante Mancuso, juntando-se a eles depois de fazer a barba no banheiro ao lado.
— Acho que Jones pretendia tomar banho na praia Banzai, no Havaí, hoje à tarde — brincou Chambers, tomando um gole do seu café sem cafeína.
— Está farto deste exercício.
— Eles são mesmo muito demorados — confirmou o SubPac.
— Vocês vão recomendar o meu produto, não vão? — perguntou Jones.
— Eu não devia revelar isso antes da hora, mas vamos, sim.
Uma das razões era que Jones pedira 20% a menos que a IBM pelo contrato.
— Acabo de contratar dois caras do Woods Hole. Aposto que isso jamais ocorreu aos executivos da IBM.
— Explique melhor.
— Agora que é possível detectar a conversa das baleias, estamos interessados em decifrá-la. O Greenpeace vai adorar. A missão submarina da próxima década: tornar os mares mais seguros para os mamíferos aquáticos. Podemos também rastrear esses japoneses filhos da mãe que não têm o menor escrúpulo em caçá-los.
— Fala sério? — perguntou Chambers.
— Não estão precisando de fundos? Tenho uma ideia de como poderão consegui-los.
— Como, Jones? — perguntou Mancuso.
— Os caras do Woods Hole já identificaram as mensagens de alerta de três espécies de baleia: jubarte, rorqual e sei. Fizeram isso captando os sons com hidrofones quando os animais estavam sendo caçados por baleeiros. Posso programar um alto-falante para emitir os mesmos sons; estão na faixa de frequências dos nossos aparelhos de sonar. Assim, tudo que temos a fazer é mandar os submarinos acompanharem os baleeiros e transmitirem o sinal de alerta. Sabem o que vai acontecer? Os desgraçados não vão conseguir caçar uma única baleia! Nenhuma baleia em seu juízo perfeito chegaria a menos de trinta quilômetros do lugar onde uma colega está sendo assassinada. A solidariedade na comunidade dos cetáceos não chega a este ponto.
— Agora você virou ecologista? — perguntou Chambers. Depois de pensar um pouco, porém, fez que sim com a cabeça.
— Tudo que aquele pessoal tem de dizer aos amigos no Congresso é que estamos fazendo um bom trabalho científico, entendem? Não que eles nos adoram, nem que aprovam nossos motores nucleares, apenas que estamos fazendo um bom trabalho. O que estou oferecendo a vocês é uma missão para os próximos dez anos. — Jones estava também garantindo trabalho para sua empresa para os próximos dez anos, mas isso não vinha ao caso. Mancuso e a comunidade que lidava com submarinos precisavam do trabalho. — Além do mais, eu adorava ouvir a conversa das baleias quando estava a bordo do Dallas.
— Mensagem do Asheville — informou da porta um especialista em comunicações. — Eles localizaram o alvo.
Isso é ótimo — observou Jones, olhando para o monitor. — Entretanto, ainda somos o menino mais forte das vizinhanças.
O Força Aérea Um pousou no Aeroporto Sheremetyevo, suavemente, como sempre, um minuto antes da hora prevista. Houve um suspiro coletivo quando os reversores de empuxo entraram em ação, freando rapidamente a aeronave. Logo se ouviu o ruído dos cintos de segurança sendo desafivelados.
— O que o fez acordar tão cedo? — perguntou Cathy ao marido.
— Problemas políticos. Acho que já posso contar a você.
Ryan começou a explicar, mas lembrou-se de que ainda estava com o fax no bolso. Entregou-o à mulher, fazendo a ressalva de que nem tudo era verdade.
— Sempre achei que ele era um sujeito nojento — comentou Cathy, devolvendo o papel.
— Então não se lembra do tempo em que o chamavam de Consciência do Congresso? — perguntou Jack.
— Talvez ele fosse, mas nunca achei que tivesse uma.
— Só lhe peço para não...
— Se alguém me perguntar, sou uma médica que veio se encontrar com colegas russos e fazer um pouco de turismo.
O que não deixava de ser verdade. Os aspectos oficiais da viagem tomariam boa parte do tempo de Ryan, que estava ali como conselheiro do presidente. Por outro lado, não seria muito diferente do que acontecia com a maioria dos casais de férias. Os dois tinham gostos parecidos, mas não exatamente iguais. Por exemplo: Cathy sabia que o marido detestava qualquer tipo de compras. Era uma característica estranha dos homens em geral e do seu marido em particular.
A aeronave taxiou na pista, e as coisas começaram a acontecer. O presidente e Sra. Durling saíram do compartimento, prontos para se apresentar como corporificação dos Estados Unidos. Os outros continuaram sentados para deixá-los passar, intimidados pela presença de seguranças do Serviço Secreto e da Força Aérea.
— Que trabalho desgraçado — murmurou Ryan, vendo o presidente estampar um sorriso no rosto e sabendo que estava fingindo, pelo menos em parte.
Tinha muitas coisas para fazer e ao mesmo tempo precisava dar a impressão de que cada uma delas era única. Enquanto estava se dedicando a uma tarefa, devia fingir que as outras não existiam. Talvez Cathy fosse assim com seus pacientes. Não era uma ideia interessante? Quando a porta foi aberta, ouviram uma banda de música, que tocava um exórdio.
— Acho que já podemos nos levantar.
O protocolo já estava estabelecido. Os passageiros acotovelaram-se nas janelas para ver o presidente descer a escada e apertar as mãos do novo presidente russo e do embaixador dos Estados Unidos na Rússia. Em seguida, o restante da comitiva desceu pela escada principal, enquanto os repórteres usavam a saída traseira.
Ryan recordou-se da última viagem que fizera a Moscou. O aeroporto podia ser o mesmo, mas a hora do dia, o tempo, até mesmo a atmosfera não podiam ser mais diferentes. Bastou um rosto para deixar isso evidente, o de Sergey Nikolayevich Golovko, chefe do Serviço de Inteligência Externa da Rússia, na segunda fila de autoridades locais. Nos velhos tempos, nem compareceria à cerimônia. Agora, seus olhos azuis estavam concentrados em Ryan e brilharam de contentamento quando Jack desceu a escada com a esposa.
Os primeiros sinais foram um pouco tímidos, como era de esperar quando fatores políticos interferiam em forças econômicas. Os sindicatos estavam experimentando seu novo poder, agindo com prudência pela primeira vez em muitos anos. Apenas no setor de automóveis e autopeças era possível que milhares de novos empregos fossem criados a curto prazo. A matemática era simples: quase noventa bilhões de dólares de produtos importados no último ano agora teriam de ser produzidos internamente. Depois de conferenciar com os empresários, os sindicatos chegaram à conclusão de que faltava apenas a garantia do governo de que a LRC não seria um tigre de papel, uma lei prestes a ser revogada em nome da amizade internacional. Para obter essa garantia, porém, precisavam contar com o apoio do Congresso. Assim, iniciaram imediatamente um trabalho para convencer os deputados e senadores, facilitado pelo fato de que o ano eleitoral estava próximo. O Congresso não podia dar com uma das mãos e tirar com a outra. Promessas foram arrancadas, acordos foram fechados, e parecia que, daquela vez, os dois partidos estariam do mesmo lado. A imprensa já estava comentando que os resultados pareciam extremamente positivos.
Não se tratava apenas de uma questão de contratar operários; teria de haver um grande aumento da produção. Seria preciso remodelar fábricas antigas, reativar fábricas ociosas. Assim, houve muitas encomendas de máquinas e materiais. Esse aumento súbito da demanda foi recebido com surpresa, o que mostrou que até mesmo os especialistas não tinham percebido que a nova lei representava uma verdadeira revolução.
Entretanto, o pico nas estatísticas era inconfundível. O Federal Reserve recorria a vários indicadores para avaliar o estado da economia americana, entre eles a demanda de produtos como o aço e máquinas-ferramentas.
Durante o período em que a LRC tramitara no Congresso, o aumento tinha sido tão grande, que o gráfico saíra da escala. Ao mesmo tempo, ocorrera um salto nos empréstimos de curto prazo, especialmente as indústrias de autopeças, que precisavam financiar as aquisições de componentes e matérias-primas. O aumento da demanda era inflacionário, e a inflação era uma preocupação antiga do Federal Reserve. Com o aumento do número de empréstimos, o dinheiro ficaria escasso, e isso tinha de ser evitado a todo custo. Os diretores resolveram que em vez do aumento de um quarto de ponto percentual na taxa de juros, já decidido e que já fora vazado para a imprensa, o aumento seria de meio ponto, a ser anunciado no dia seguinte, no fechamento dos negócios.
O comandante Ugaki estava na sala de controle do submarino, fumando como sempre um cigarro atrás do outro e bebendo grandes quantidades de chá, o que resultava em visitas frequentes ao banheiro, para não falar de acessos de tosse, que eram exacerbados pelo ar desumidificado, mantido mais seco do que o normal para proteger os delicados equipamentos eletrônicos a bordo. Sabia que eles estavam lá fora, pelo menos um e provavelmente dois submarinos americanos (o Charlotte e o Asheville, de acordo com os relatórios que recebera), mas não eram os submarinos que o preocupavam e sim as tripulações. A força americana de submarinos fora reduzida drasticamente de tamanho, mas não de qualidade. Havia várias horas que deveria ter detectado o adversário na Operação PARCEIROS NO MAR Talvez, pensou Ugaki, ainda não tivessem ideia da sua posição, mas não podia ter certeza, e durante as últimas trinta e seis horas se acostumara pouco a pouco com o fato de que aquilo não era mais um simples jogo de guerra, não desde que recebera a mensagem em código “Suba o monte Niitaka”. Sentia-se muito mais confiante na semana anterior, mas agora estava no mar, e debaixo d’água. A passagem da teoria para a prática podia produzir grandes mudanças no estado de espírito de uma pessoa.
— Alguma coisa? — perguntou ao técnico de sonar, recebendo um não como resposta.
Normalmente, os submarinos americanos que participavam de exercícios como aquele eram “aumentados”, isto é, ligavam uma fonte sonora que se somava ao ruído natural produzido pelo submarino. Usado para simular a tarefa de detectar submarinos russos, este artifício era ao mesmo tempo arrogante e extremamente engenhoso. Os americanos lutavam tão raramente contra os aliados ou mesmo contra as próprias forças usando toda sua capacidade que se acostumavam a operar em situação desvantajosa, como um corredor usando pesos de chumbo. Em consequência, quando se dispunham a operar para valer, eram adversários quase imbatíveis.
Bem, aqui estou eu!, murmurou Ugaki consigo mesmo. Não passara vários anos rastreando submarinos russos, como os americanos? Não chegara perto de um Akula russo? Paciência. O verdadeiro samurai é paciente. Afinal, aquela não era uma missão para um comerciante.
— E parecido com rastrear baleias, não é? — observou o comandante Steve Kennedy.
— Muito parecido — concordou o operador de sonar Jacques Yves Lavai, Jr., observando o monitor e esfregando as orelhas, que os fones tinham deixado suadas.
— Está desapontado?
— Meu pai participou de uma guerra de verdade. Ele gostava de me contar histórias a respeito de como era viajar para o norte e brigar com os grandões em seu próprio território.
Lavai era um nome muito conhecido na comunidade dos submarinistas, um grande operador de sonar que treinara outros grandes operadores de sonar. Agora estava aposentado, mas o filho continuara a tradição.
A verdade era que rastrear baleias podia ser um excelente treinamento.
Elas eram criaturas furtivas, não porque tivessem medo de ser detectadas, mas simplesmente porque se movimentavam quase sem fazer barulho; os tripulantes dos submarinos tinham descoberto que se aproximar o suficiente para contar e identificar os membros de uma família de baleias podia ser pelo menos divertido, embora não exatamente emocionante. Pelo menos para os operadores de sonar, pensou Kennedy. Os especialistas em armas pouco tinham a fazer...
Os olhos de Lavai se fixaram no monitor de cascata. Ele se ajeitou na cadeira, pegou um lápis e bateu com ele no braço do operador a seu lado.
— Dois-sete-zero — disse.
— Certo.
— O que foi, garoto? — perguntou o comandante.
— Apenas um traço, senhor, na linha de sessenta hertz. — Trinta segundos depois: — Está ficando mais forte.
Kennedy ficou observando a tela junto com os dois operadores. Havia agora duas linhas pontilhadas, uma em sessenta hertz e outra em uma faixa de frequências mais altas. Os motores elétricos dos submarinos japoneses da classe Harushio trabalhavam com corrente alternada de 60Hz. Uma série irregular de pontos, amarelos na tela escura, começaram a descer por uma coluna rotulada “60” como se fossem gotas pingando de uma torneira, fazendo jus ao apelido de “monitor de cascata”. Lavai esperou mais alguns segundos para ter certeza de que não se tratava de ruído e depois disse: — Comandante, acho que devemos começar a rastreá-lo. Vou chamar o alvo de Sierra-Um, um possível submarino, curso dois-sete-quatro, sinal ainda fraco.
Kennedy transmitiu a informação para o grupo de rastreamento para controle de tiro, a cinco metros de distância. Outro técnico ativou o analisador de trajetórias, um minicomputador Hewlett-Packard programado para examinar as possíveis trajetórias que o sinal acústico poderia ter percorrido na água. Embora sua existência fosse conhecida, aquele software era ainda um dos segredos mais bem guardados da Marinha, um produto, lembrou-se Kennedy, da SonoSystems, uma empresa com sede em Groton dirigida por um dos discípulos de Lavai. O computador processou os dados por uns mil microssegundos e forneceu o resultado.
— Comandante, é uma trajetória direta. Minha estimativa inicial da distância é de oito a doze quilômetros.
— Pode marcar — disse o oficial de aproximação ao controlador de tiro.
— Não é uma baleia — informou Lavai, três minutos depois. — Agora tenho três linhas e posso classificar Sierra-Um como um submarino. — Lembrou-se de que o pai ficara famoso rastreando submarinos russos da classe HEN, que eram tão difíceis de localizar quanto um terremoto. — Curso estável em dois-sete-quatro, recebendo sinais do hélice.
— Solução encontrada — informou o controlador de tiro. — Tenho uma solução válida do tubo três para o alvo Sierra-Um.
Leme dez graus à esquerda, novo curso um-oito-zero — ordenou Kennedy, para obter nova visada com a qual pudesse avaliar melhor a distância, o curso e a velocidade do alvo. — Vamos reduzir a velocidade de cinco em cinco nós.
A perseguição era sempre a parte mais divertida.
— Se fizer isso, estará cortando a garganta com uma faca rombuda — observou Anne Quinlan, com a franqueza costumeira.
Kealty estava sentado no seu escritório. Normalmente, o segundo em comando de qualquer organização assumiria o poder quando o número um estivesse viajando, mas os milagres das comunicações modernas permitiam que Roger continuasse despachando de qualquer lugar do mundo, até mesmo para fazer uma declaração à imprensa insinuando que lavaria as mãos em relação ao vice-presidente.
O primeiro impulso de Kealty fora proclamar ao mundo inteiro que sabia que podia contar com o apoio do presidente. Isso equivalia a uma admissão parcial de culpa e complicava a situação o suficiente para lhe dar algum espaço de manobra, o que mais necessitava no momento.
— O que precisamos saber, Ed, é quem começou isso — comentou a chefe de gabinete, pela milésima vez.
Os repórteres tinham omitido essa informação. Não adiantava perguntar a Kealty quantas mulheres do escritório tinham sido vítimas dos seus encantos. Em primeiro lugar, não se lembraria de todas; em segundo lugar, caso se lembrasse, provavelmente nenhuma ficara de fora.
— Seja quem for, deve ter sido amiga de Lisa — comentou outro funcionário.
Imediatamente, todos pensaram na mesma pessoa.
Barbara.
— É uma boa possibilidade — observou a “chefe” (que era como Quinlan gostava de ser chamada). — Precisamos confirmar isso e conversar com ela.
— Ela fez isso por puro despeito — murmurou Kealty.
— Ed, não quero que repita isso, está bem? — advertiu a chefe. — Quando vai aprender que “não” não quer dizer “talvez”? Está bem, vou falar pessoalmente com Barbara e talvez consiga dissuadi-la, mas, por favor, veja se toma jeito, está bem?
18
OVO DE PÁSCOA
— Era aqui que ficava o armário? — perguntou Ryan.
— Você é mesmo muito bem informado — observou Galovko, mais para agradar ao convidado, já que a história era muito conhecida.
Jack sorriu, sentindo-se como uma Alice-no-País-das-Maravilhas. Agora o que havia ali era uma porta comum, mas até a época de Yuri Andropov, fora coberta por um imenso armário de madeira, porque, desde o tempo de Beria, a entrada do escritório do chefe da KGB tinha de ficar bem escondida. Não havia nenhuma porta de acesso para o corredor principal e nenhuma porta era visível da antessala. O melodrama da situação teria de ser absurdo, pensou Ryan, até mesmo para Lavrenti Beria, cujo medo mórbido de ser assassinado, embora com motivos de sobra, resultara naquela obtusa medida de segurança. Isso não o ajudara a escapar da morte nas mãos de homens que o odiavam ainda mais do que o temiam. Mesmo assim, não era estranho que o conselheiro de Segurança Nacional do presidente estivesse para entrar no escritório do chefe do Serviço de Inteligência Externa da Rússia! As cinzas de Beria deviam estar se contorcendo no esgoto onde tinham jogado a urna, pensou Ryan. Voltou-se para olhar para o anfitrião, ainda pensando no armário de carvalho e lamentando que não tivessem conservado o nome da KGB, Comissão para a Segurança do Estado, nem que fosse apenas em nome da tradição.
— Sergey Nikolayevich, o mundo realmente mudou tanto nos últimos...
— Meu Deus, foram apenas dez anos?
— Menos do que isso, meu amigo. — Golovko convidou Jack com um gesto a sentar-se em uma confortável poltrona de couro que datava do tempo em que o escritório pertencia à Companhia de Seguros Rossiya. — Mas ainda temos muito chão pela frente.
Negócios, pensou Jack. Bem, Sergey nunca fora tímido para tratar de negócios. Ryan lembrou-se do dia em que aquele homem lhe apontara uma arma. Entretanto, isso acontecera antes do chamado fim da história.
— Estou fazendo o que posso, Sergey. Você recebeu os cinco bilhões que pediu pelos mísseis. A propósito: foi um golpe de mestre que você nos pregou. — Ryan consultou o relógio. A cerimônia estava marcada para aquela noite. Restavam apenas um Minuteman-III e um SS-19, sem contar os SS-19 no Japão, que tinham sido adaptados para lançar satélites.
— Temos muitos problemas, Jack.
— Menos do que há alguns anos — observou Ryan, imaginando qual seria o próximo pedido de auxílio. — Sei que você não aconselha o presidente Grushavoy apenas em questões de inteligência. As coisas estão melhorando, Sergey. Você sabe disso.
— Ninguém nos avisou que seria tão difícil praticar a democracia.
— É difícil para nós, também, amigo.
— O pior é que temos tudo que é necessário para nosso país prosperar.
— O problema é fazer as coisas funcionarem.
— É verdade, aconselho o presidente de várias formas...
— Sergey, se você não é um dos homens mais bem informados do seu país, eu ficaria muito surpreso.
— Humm... sou forçado a concordar. No momento, estamos fazendo um levantamento dos recursos da Sibéria Oriental. Tivemos de contratar os japoneses para nos ajudar, mas o que eles estão encontrando... — não terminou a frase.
— Está querendo me dizer alguma coisa, Sergey. O que é?
— Achamos que não nos contaram tudo que sabem. Encontramos alguns levantamentos realizados no início dos anos trinta. Estavam nos arquivos do Ministério do Interior. Há um depósito de gadolínio em um local improvável. Na época, o metal quase não tinha utilidade, e a descoberta ficou esquecida até recentemente. Hoje, porém, o gadolínio tem muitas aplicações e um dos grupos de prospecção dos japoneses acampou a poucos quilômetros do depósito. Sabemos que ele existe; os geólogos dos anos trinta chegaram a recolher algumas amostras para análise. Acontece que o último relatório dos japoneses não diz nada a respeito.
— E daí? — perguntou Jack.
— Daí que achamos curioso que eles tenham omitido a informação — explicou Golovko.
— Estão sendo pagos pelo trabalho?
— Não, mas têm direito a uma participação na exploração dos depósitos que descobrirem.
— Nesse caso, por que mentiriam? — quis saber Ryan.
Golovko sacudiu a cabeça.
— Não sei. Gostaria de saber. Você estudou história, não é? Era uma das coisas que um respeitava no outro. Ryan poderia ter considerado as preocupações de Golovko como mais um exemplo da paranoia dos russos (às vezes achava que a paranoia fora inventada naquele país), mas isso teria sido injusto. A Rússia lutou contra o Japão na época do último czar, entre 1904 e 1905, e perdeu, depois que a Marinha do Japão obteve uma vitória decisiva na batalha do estreito de Tsushima. Essa guerra ajudou a derrubar a dinastia dos Romanov e a elevar o Japão à posição de grande potência, levando o país a se envolver em duas guerras mundiais. Também deixou profundas feridas na alma russa, das quais Stalin se lembrava a ponto de lutar para recuperar os territórios perdidos. Os japoneses também se envolveram em esforços para derrubar os bolcheviques depois da Primeira Guerra Mundial. Eles mandaram um exército pela Sibéria e só o retiraram com muita relutância. O mesmo aconteceu de novo em 1938 e 1939, dessa vez com consequências mais sérias; primeiro nas mãos do marechal Blyukher, e depois nas de um homem chamado Jukov.
Sim, o relacionamento entre a Rússia e o Japão nem sempre tinha sido amistoso.
— Não acha que essas coisas ficaram para trás, Sergey? — perguntou Ryan, com uma expressão superior.
— Sabe, Jack, por mais esperto que você seja, é americano e não tem a nossa experiência em matéria de invasões. Estamos em pânico por causa disso? Não, claro que não. O assunto merece ser investigado de perto? Acreditamos que sim, Ivan Emmetovich.
Estava certamente querendo chegar a algum lugar, e pelo tempo que levara, tinha de ser algo muito importante, pensou Ryan. Estava na hora de descobrir o que era.
— Sergey Nikolayevich, estou começando a entender sua preocupação, mas não há muita coisa que eu possa...
Golovko interrompeu-o com uma única palavra.
— CARDO. A velha rede de Lyalin. O que há com ela? Vocês a reativaram recentemente.
O chefe do RVS observou que Ryan tivera a cortesia de demonstrar sua surpresa. Um homem sério e perspicaz, esse Ryan, mas jamais seria um bom agente; simplesmente não sabia esconder as emoções. Talvez devesse ler um livro sobre a Irlanda para compreender melhor o homem que estava sentado no sofá de couro, pensou Sergey. Ryan tinha virtudes e defeitos, nenhum dos quais entendia perfeitamente.
— De onde tirou essa ideia? — perguntou o americano, o mais inocentemente que pôde, sabendo que se revelara ao morder a isca lançada por aquela raposa da espionagem. Viu o outro sorrir com seu embaraço e imaginou se a liberalização da Rússia permitira que os locais desenvolvessem um senso de humor. Alguns anos antes, Golovko teria permanecido impassível.
— Jack, somos profissionais, não somos? Sei o que vocês fizeram e pronto. Como descobri é problema meu. Não sei quais são seus trunfos, meu amigo, mas antes de prosseguirmos é bom que fique claro se este jogo é amistoso ou não. Como sabe, o verdadeiro órgão japonês de contraespionagem é a Divisão de Investigação de Segurança Pública do Ministério da Justiça.
A declaração não deixava margem a dúvidas e era provavelmente verdadeira. Também definia a natureza do jogo: era amistoso. Golovko acabara de revelar espontaneamente um segredo, embora não fosse dos mais difíceis de adivinhar.
Era impossível deixar de admirar os russos; sua competência no ramo de espionagem era inquestionável. Que melhor maneira de infiltrar agentes em um país estrangeiro do que primeiro estabelecer uma rede dentro dos serviços de contraespionagem do país em questão? Havia indícios de que haviam controlado durante alguns anos o MI-5, o Serviço de Segurança da Inglaterra, e a comprovada existência de espiões russos na divisão de segurança interna da CIA seria para sempre motivo de vergonha para os americanos.
— Prossiga — disse Ryan. Eu dou mesa...
— Vocês têm dois agentes no Japão, disfarçados de jornalistas russos. Eles estão reativando a rede. São muito competentes e muito cautelosos, mas um dos contatos fora investigado pela DISP. Isso pode acontecer com qualquer um — observou Golovko, em tom imparcial. Não estava se vangloriando da descoberta, observou Jack. Entretanto, a implicação era clara: com um simples gesto, Sergey poderia expor Clark e Chávez, criando outro incidente internacional entre dois países que já tinham problemas suficientes para resolver. Talvez fosse por isso que não estava se vangloriando.
Ryan fez que sim com a cabeça. — Certo, amigo. Você venceu. Diga-me o que quer.
— Gostaria de saber por que o Japão está mentindo para nós, e qualquer outra coisa que, na opinião da Sra. Foley, possa nos interessar. Em troca, nos comprometemos a proteger a rede para vocês.
— Quanto eles sabem? — perguntou Jack, estudando a proposta.
Golovko estava propondo que a Rússia desse cobertura a uma operação de espionagem dos americanos. Era algo novo, totalmente imprevisto. Eles pareciam desesperados para obter informações. Por quê! O suficiente para expulsá-los do país, não mais. — Golovko abriu uma gaveta e entregou ao americano uma folha de papel. — Isto é tudo que Foleyeva precisa saber.
Jack leu o papel e guardou-o no bolso.
— Meu país não tem nenhum interesse em que haja um conflito entre a Rússia e o Japão.
— Então estamos de acordo?
— Estamos, Sergey. Vou recomendar que sua sugestão seja aprovada.
— Como sempre, Ivan Emmetovich, é um prazer fazer negócios com você.
— Por que não ativou você mesmo a rede? — perguntou Ryan, imaginando até que ponto o outro estaria blefando.
— Lyalin não nos passou as informações, foi esperto. Não tivemos tempo de... persuadi-lo? Sim, de persuadi-lo a nos contar... antes que fosse para os Estados Unidos.
Um belo jogo de palavras, pensou Jack. Persuadir. Golovko começara a trabalhar no antigo sistema. Seria demais esperar que renunciasse a tudo que aprendera. Jack riu.
— Sabe de uma coisa? Vocês eram nossos melhores inimigos.
E se Golovko estivesse sendo sincero, pensou Jack por trás de olhos clinicamente impassíveis, talvez agora se tornassem algo bem diferente.
Puxa, o mundo estava ficando mesmo maluco! Eram seis horas a mais em Tóquio e oito horas a menos em Nova York. A diferença de quatorze horas e a Linha Internacional de Mudança de Data criavam muitas oportunidades de confusão. Era sábado quatorze em alguns lugares e sexta-feira treze em outros.
Às três horas da madrugada, Chuck Searls saiu de casa pela última vez.
Alugara um carro no dia anterior (como muitos nova-iorquinos, não tinha carro) para a viagem até o aeroporto de La Guardia. O terminal da Delta estava surpreendentemente cheio para o primeiro voo do dia para Atlanta.
Chuck comprara a passagem em uma das muitas agências de viagem da cidade e pagara em dinheiro, fornecendo o nome suposto que pretendia usar de tempos em tempos e que não era o mesmo que constava do passaporte que tirara fazia alguns meses. Sentou-se na poltrona 2-A, um assento da primeira classe que lhe permitia virar ligeiramente o corpo e inclinar a cabeça para trás, e dormiu durante a maior parte da viagem até Atlanta, onde sua bagagem foi transferida para um voo com destino a Miami. Não levava muita coisa: dois ternos, algumas camisas e objetos de uso pessoal, mais o computador laptop. Em Miami, pegaria outro avião, usando outro nome, e voaria para sudeste, em direção ao paraíso.
George Winston, antigo presidente do Columbus Group, não se sentia feliz, apesar do luxo de sua mansão em Aspen. O responsável era um joelho torcido. Embora agora tivesse tempo para se dedicar à recém-descoberta paixão pelo esqui, era muito inexperiente e talvez um pouco velho demais para explorar as encostas mais íngremes. O joelho doía muito. Levantou-se da cama às três da manhã e foi mancando até o banheiro para tomar mais uma dose do analgésico que o médico lhe receitara. Descobriu então que perdera totalmente o sono. Já passava das cinco em Nova York, pensou.
Àquela hora, estaria se levantando. Sempre gostara de acordar cedo para dar uma olhada no computador, no Journal e em outras fontes de informação e assim se preparar para a abertura do mercado.
Sentia falta daquilo, admitiu Winston para si próprio. Era uma confissão e tanto para fazer diante do espelho. Está certo, trabalhara demais, afastara-se da família, chegara a um estado semelhante ao de um viciado em drogas, mas largar tudo fora um... erro? Não, não exatamente um erro, pensou, arrastando-se para o escritório o mais silenciosamente que pôde. Só que era impossível esvaziar um recipiente e depois tentar enchê-lo com coisa nenhuma... Não podia passar o tempo todo navegando no Cristobal, não com as crianças na escola. Na verdade, só havia uma coisa na vida que conseguira fazer o tempo todo, e essa coisa quase o matara.
Mesmo assim...
Ali onde estava, nem mesmo podia ler o Journal em uma hora decente.
E ainda chamavam isso de civilização? Felizmente, havia as linhas telefônicas.
Ligou o computador, só para recordar o passado. Winston assinava todos os serviços de notícias e escolheu seu preferido. Era melhor aproveitar enquanto a mulher não acordava, pois ela começava a reclamar sempre que o via interessar-se por negócios. Em consequência, passara um bom tempo sem saber o que estava acontecendo na Street. Certo, dispunha de algumas horas, e não era como se estivesse querendo voar de helicóptero até o alto da montanha ao amanhecer, era? Nada de esquiar, recomendara o médico.
Ficaria de molho pelo menos uma semana e depois teria de se contentar com as encostas mais fáceis. Que vergonha! Só se fingisse que estava ensinando às crianças... droga! Escolhera a hora errada para sair da Street. Não poderia ter previsto o que estava para acontecer, é claro, mas nas últimas semanas o mercado suplicara de joelhos por uma pessoa com seus talentos para assumir as rédeas do jogo. Teria apostado no aço há três semanas, lucrado uma fortuna e aplicado o dinheiro... na Silicon Alchemy. Sim, jamais deixaria passar uma oportunidade daquelas. Tinham inventado um novo tipo de tela para computadores laptop e agora, com os produtos japoneses praticamente excluídos do mercado, o negócio explodira. Quem era mesmo aquele sujeito que levara a empresa para a frente? Ah, sim, Ryan, um homem com um instinto natural para negócios, que agora perdia tempo trabalhando para o governo. Que desperdício de talento, pensou Winston, sentindo dor na perna e tentando não se lembrar de que ele também estava perdendo tempo no meio da noite em uma estação de esqui que não poderia aproveitar durante uma semana, na melhor das hipóteses.
Tudo na Street parecia tão desnecessariamente instável, pensou, examinando as tendências das ações que considerava mais promissoras. Aquele era um dos segredos: descobrir as tendências antes dos outros. Um dos segredos? Não, o único segredo. Um segredo que dominava, mas que não saberia ensinar a mais ninguém, mesmo que quisesse. Provavelmente o mesmo acontecia em outras atividades. Algumas pessoas sabiam ganhar dinheiro, e ele era uma delas. Outras tentavam fazer o mesmo trapaceando, conseguindo informações por vias escusas ou forçando altas e baixas do mercado para depois explorá-las. Mas isso era... era roubar no jogo, não era? Que graça tinha ganhar dinheiro assim? Ser mais esperto do que os outros, sem violar as regras do jogo; era essa a verdadeira arte dos negócios.
No final do dia, a frase que mais gostava de ouvir era: “Seu filho da mãe!” O tom do comentário fazia toda a diferença do mundo.
Não havia nenhuma razão para que o mercado se mostrasse tão instável, pensou. Aparentemente, as pessoas não tinham entendido direito o que estava acontecendo.
Os Hornets decolaram depois da primeira onda de Tomcats. Sanchez taxiou o caça até a catapulta de boreste, sentindo a barra que fazia parte do mecanismo da roda dianteira encaixar na fenda apropriada do sistema de lançamento. A rotação das turbinas chegou ao máximo, fazendo o caça estremecer, enquanto os tripulantes submetiam a aeronave a uma última inspeção visual. Satisfeito, o encarregado da catapulta fez um sinal com a mão. Sanchez bateu continência e encostou a cabeça no encosto do assento ejetável. Um momento depois, a força do vapor arremessou o caça para fora do convés. O Hornet desceu ligeiramente, uma sensação com a qual os pilotos jamais chegavam a se acostumar, e depois projetou-se para cima, recolhendo o trem de pouso e dirigindo-se para o ponto de encontro com as asas carregadas de tanques de combustível e mísseis de treinamento pintados de azul.
Estavam tentando ser espertos, e quase conseguiram, mas “quase” era a mesma coisa do que nada naquele tipo de jogo. Fotografias tiradas por satélites tinham revelado a presença de três grupos de navios. Sanchez comandaria a Força Alfa no ataque contra o maior deles, composto por oito belonaves. Dois pares de Tomcats se encarregariam dos P-3 que estavam no ar; pela primeira vez, caçariam ativamente com os radares de busca em vez de recorrer ao EMCOM. Seria como uma estocada de surpresa... não, mais como uma paulada, desferida com um objeto muito pesado. Varreduras intermitentes, executadas por aeronaves E-2C Hawkeye equipadas com radar, determinaram que os japoneses não haviam estacionado caças em Marcus, o que teria sido uma estratégia sutil, embora difícil de implementar.
De qualquer forma, não teriam sido suficientes para fazer frente a dois grupos completos de esquadrilhas. Marcus era uma ilha muito pequena, bem menor do que Saipan e Guam, por exemplo. Foi o último pensamento abstrato de Sanchez por um longo tempo. Atendendo a um comando de Bud, transmitido por um circuito de rádio de baixa potência, a formação começou a se dispersar segundo um plano cuidadosamente elaborado.
— Hai — disse Sato, atendendo ao comunicador da ponte do Mutsu.
— Acabamos de detectar comunicações em um circuito de rádio de baixa potência. Dois sinais, nas direções um-cinco-sete e um-nove-cinco.
— Já era tempo — disse Sato ao oficial de operações. Pensei que eles nunca fossem atacar. Em uma situação de guerra de verdade, faria uma coisa.
Naquele caso em particular, faria outra. Não queria que os americanos conhecessem a sensibilidade do seu equipamento de EL1NT. — Continue como se nada tivesse acontecido.
— Muito bem. Ainda temos dois radares no ar. Parecem estar fazendo um rastreamento sistemático. Nenhuma mudança.
— Obrigado.
Sato pendurou o fone e bebeu um gole de chá. Seus melhores técnicos estavam operando os equipamentos de escuta eletrônica; as informações eram gravadas em fita para ser examinadas mais tarde. Aquela era a parte realmente importante do exercício: aprender tudo que fosse possível a respeito dos ataques da Marinha dos Estados Unidos.
— Postos de combate? — perguntou o comandante do Mutsu.
— Não é necessário — respondeu o almirante, olhando pensativamente para o horizonte, como supunha que faria um marinheiro em guerra.
A bordo do Snoopy Um, um EA-6B de observação, a tripulação monitorava todas as frequências de radar e de rádio. Eles encontraram e identificaram seis radares de busca do tipo comercial, nenhum deles nas proximidades da localização conhecida da formação japonesa. Eles não estavam oferecendo muita resistência, pensaram todos. Normalmente, aqueles jogos de guerra eram bem mais divertidos.
O capitão do porto de Tanapag olhou pela janela do escritório e viu um grande navio de transporte de automóveis contornar a extremidade meridional da ilha de Managaha. Ficou surpreso. Folheou os papéis que estavam sobre a mesa, à procura do telex comunicando a chegada no navio. Oh, sim, ali estava. Devia ter chegado durante a noite. Era o Orchid Ace, proveniente de Yokohama. Trazia uma carga de Land Cruisers, da Toyota, para ser vendidos aos japoneses donos de terras. Provavelmente um dos navios que tinham deixado de ir para os Estados Unidos. Agora, os carros seriam desembarcados ali, ajudando a engarrafar um pouco mais as estradas.
Resmungou alguma coisa, levantou os binóculos para dar uma olhada na embarcação e constatou, surpreso, que havia um outro vulto no horizonte, grande e com o formato de um caixote. Outro navio de transporte de automóveis? Era estranho.
O Snoopy Um manteve a posição e a altitude, um pouco além do horizonte visual da formação “inimiga”, a cerca de cento e cinquenta quilômetros de distância. Os guerreiros eletrônicos que ocupavam os dois bancos traseiros estavam prontos para ligar os equipamentos de interferência, mas os japoneses não estavam com os radares ligados, de modo que não tinham o que fazer. O piloto olhou para sudeste e viu alguns clarões, os reflexos dourados das naceles dos caças da Força Alfa, que estavam agora mergulhando em direção ao mar para permanecer fora do alcance do radar durante o maior tempo possível antes de lançarem a primeira “salva” de mísseis administrativos.
— Tango, tango, tango — disse o comandante Steve Kennedy pelo telefone, usando a palavra de código para o lançamento de um torpedo teórico ou ”administrativo”.
Estava seguindo o submarino da classe Harushio fazia nove horas, usando o tempo para familiarizar-se com o contato e permitir que a tripulação praticasse com algo mais substancial do que as batidas do coração de uma baleia grávida. Agora estava na hora de atacar e, com toda a certeza, dar um enorme susto em Sierra-Um, que apesar de tudo ainda não percebera a presença do submarino “inimigo”. Ninguém poderia dizer mais tarde que não oferecera uma oportunidade ao adversário. Não que tivesse obrigação de fazê-lo em um exercício como aquele, mas, afinal, os Estados Unidos e o Japão eram amigos, apesar das coisas que ouvira no rádio nas últimas semanas.
— Ele demorou bastante — comentou o comandante Ugaki.
Estavam rastreando o 688 americano havia quase quarenta minutos.
Os americanos eram bons, mas não tanto assim. Tinha sido tão difícil para eles detectar o Kurushio que decidiram atacar assim que localizaram o submarino. Ugaki decidiu permitir que fizessem o primeiro disparo. O comandante olhou para o painel do sistema de controle de tiro, onde as quatro luzes vermelhas indicativas de uma solução estavam acesas.
Pegou o fone e perguntou, em tom inocente: — De onde vocês apareceram? Os tripulantes que ouviram a pergunta (todos a bordo falavam um inglês excelente) entreolharam-se, surpresos. No momento, Ugaki não tinha tempo de explicar; explicaria depois.
— Eles não responderam ao fogo. Acho que não estavam preparados — observou Kennedy, pegando de novo o fone. — De acordo com as instruções para o exercício, vamos agora nos afastar e ligar o intensificador.
A seu comando, o USS Asheville guinou para a direita e aumentou a velocidade para vinte nós. Recomeçaria o exercício a uma distância de vinte quilômetros, para dar uma nova chance ao “inimigo”.
— Comandante, aqui é o operador de sonar.
— Sim? Novo contato, designado Sierra-Cinco, marcação dois-oito-zero, navio de dois hélices, tipo desconhecido. Velocidade dos hélices indica uma velocidade de cerca de dezoito nós — anunciou Lavai.
— Nenhuma identificação: parece... parece pequeno, comandante, menor do que um navio cargueiro comum.
— Muito bem, vamos rastreá-lo. Mantenha-me informado.
— Sim, senhor.
Era fácil demais, pensou Sanchez. O grupo do Enterprise provavelmente estava tendo mais trabalho com os contratorpedeiros da classe Kongo, mais ao norte. Não tinha nenhuma pressa; manteve sua esquadrilha de quatro aviões a uma altitude de cem metros acima da superfície calma do mar, a uma velocidade de apenas quatrocentos nós. Cada um dos quatro caças da Esquadrilha Demolidor levava quatro mísseis Harpoon de treinamento; o mesmo acontecia com os caças da Esquadrilha Destruidor, que vinham logo atrás. Olhou para o indicador no painel. Os dados carregados no computador fazia apenas uma hora forneciam uma localização provável para a formação e o sistema de navegação GPS de bordo o levara exatamente ao local programado. Estava na hora de verificar se as informações estavam corretas.
— Destruidor, aqui é o líder, começando a subir... agora! — disse Sanchez pelo rádio, puxando o manche para trás. — Ativando... agora! — acrescentou, ligando ao mesmo tempo o radar de busca.
Lá estavam eles, bem visíveis na tela. Sanchez escolheu o navio que ia na frente da formação e apontou para ele as cabeças de rastreamento dos mísseis sem motor que pendiam das asas do caça. Quatro lâmpadas acenderam-se no painel. — Aqui é o Líder Demolidor. Lançar lançar lançar lançar! Tenho quatro vampiros no ar.
— Dois, quatro lançados.
— Três, quatro lançados.
— Quatro, três lançados, um abortado.
Nada mau, pensou Sanchez, embora o encarregado da manutenção dos mísseis merecesse um puxão de orelha.
Em um ataque de verdade, as aeronaves teriam voltado à altitude anterior depois de disparar os mísseis, para não se expor ao contra-ataque. Para continuar o exercício, porém, desceram para sessenta metros e rumaram diretamente para os navios, simulando seus próprios mísseis. Os registradores a bordo colheriam os dados de radar e rastreamento dos navios japoneses para avaliar seu desempenho, que até o momento não tinha nada de notável.
Diante da necessidade incômoda de permitir que as mulheres alistadas na aviação naval participassem de missões de combate de verdade em porta-aviões de verdade, o compromisso inicial consistira em colocá-las a bordo de aeronaves de guerra eletrônica. Assim, o primeiro comandante de esquadrilha do sexo feminino era a comandante Roberta Peach do VAQ137. Ela considerava uma sorte que outra aviadora naval já tivesse escolhido o codinome “Peaches”, permitindo que optasse por “Robber”, nome pelo qual insistia em ser chamada quando estava no ar.
— Recebendo sinais agora, Robber — informou o operador, falando do banco traseiro da aeronave. — Muitos sinais.
— Trate de neutralizá-los — ordenou a comandante.
— São muitos... associando um Harm a um SPG-51. Rastreando.. pronto.
— Lançando — disse Robber.
Disparar era uma prerrogativa do comandante da aeronave. Enquanto o radar de iluminação de mísseis SPG-51 continuasse ligado, seria um alvo fácil para os mísseis antirradar Harm.
Sanchez podia ver os navios, formas cinzentas no horizonte visual. Um ruído desagradável nos fones de ouvido revelou que sua aeronave estava sendo iluminada tanto por um radar de busca como por um radar de controle de tiro, uma notícia nada agradável, mesmo em se tratando de um exercício, ainda mais quando o “inimigo” dispunha de mísseis antiaéreos SM-2 Standard de fabricação americana, cujo desempenho ele conhecia muito bem. Parecia um navio da classe Hatakaze, equipado com dois radares SPG-51 C, mas apenas uma rampa lança-mísseis. O sistema era capaz de guiar dois mísseis de cada vez. Sua aeronave era equivalente a dois mísseis. O Hornet era um alvo maior do que o Harpoon e não voava tão baixo nem tão depressa quanto o míssil. Por outro lado, contava com um dispositivo de interferência, o que compensava parcialmente a desvantagem. Bud guinou para a esquerda. Nas circunstâncias, seria arriscado voar diretamente sobre o navio; alguns segundos mais tarde, passou trezentos metros à frente da proa do contratorpedeiro. Pelo menos um dos seus mísseis teria atingido o alvo, calculou, e a ogiva de um Harpoon faria grandes estragos, tornando o navio uma presa fácil para um ataque subsequente com bombas convencionais.
— Demolidor, aqui é o líder. Sigam-me.
— Dois...
— Três...
— Quatro — confirmou a esquadrilha.
Mais um dia na vida de um aviador naval, pensou o comandante do grupo. Agora podia pensar em pousar no porta-aviões, dirigir-se ao CIC e passar as vinte e quatro horas seguintes examinando os resultados do combate. Não tinha sido um dia muito emocionante. Participara de missões de verdade, e um exercício como aquele não podia ser a mesma coisa. Mesmo assim, voar era voar.
O ruído dos aviões no céu era quase sempre agradável. Sato viu o último caça americano se afastar e levantou o binóculo para verificar que rumo havia tomado. Depois, levantou-se e foi para o CIC.
— E então? — perguntou.
— O curso de retorno correspondeu às previsões — respondeu o chefe de operações, apontando para uma fotografia tirada por um satélite que mostrava os dois grupos de combate americanos, ainda rumando para oeste, contra o vento, para executar operações de voo. A foto fora tirada havia apenas duas horas. O mapa do radar mostrava que as aeronaves americanas estavam se dirigindo para o local esperado.
— Excelente. Meus cumprimentos ao comandante. Curso um-cinco-cinco, velocidade máxima.
Em menos de um minuto, o aumento de potência fez o Mutsu estremecer, enquanto ele enfrentava as ondas moderadas do Pacífico, dirigindo-se ao encontro da força de combate americana. Não havia tempo a perder.
No pregão da Bolsa de Valores de Nova York, um jovem empregado cometeu um erro ao lançar a cotação das ações da Merk, exatamente às 11:43:02, hora local. O valor foi carregado no sistema e apareceu nos monitores como 23 1/8, muito diferente da cotação correta. Trinta segundos mais tarde, ele digitou de novo o mesmo valor. Dessa vez, a grita foi geral. O rapaz explicou que o teclado estava com defeito, desligou-o e substituiu-o por outra unidade. Aquele tipo de acidente ocorria com relativa frequência; o lugar não era muito limpo, e de vez em quando as pessoas derramavam café ou outras coisas nos teclados. A correção foi digitada imediatamente e o mundo voltou ao normal. No mesmo minuto, algo semelhante aconteceu com as ações da General Motors, e alguém apresentou a mesma desculpa. Não havia problema. As pessoas que trabalhavam naquele canto do pregão quase não interagiam com os operadores que cuidavam das ações da Merk.
Nenhuma delas fazia a menor ideia do que estava acontecendo; só sabiam que estavam recebendo cinquenta mil dólares para cometer um erro que seria imediatamente corrigido. Se não tivessem cumprido as instruções (isso elas também não sabiam), outra dupla de operadores recebera a mesma quantia para fazer a mesma coisa dez minutos depois.
Nos computadores de grande porte Stratus da Depository Trust Company (ou, mais corretamente, no software instalado nesses computadores), os valores foram registrados e o Ovo de Páscoa começou a chocar.
As câmaras e luzes já tinham sido instaladas no Salão São Vladimir do Grande Palácio do Kremlin, onde eram assinados os grandes tratados, um lugar que Jack já visitara uma vez, em circunstâncias bem diferentes. Em duas salas separadas, o presidente dos Estados Unidos e o presidente da República Russa recebiam os últimos toques de maquilagem, algo que provavelmente incomodava mais ao russo, pensou Ryan. A boa aparência diante das câmaras não era tradicionalmente considerada um requisito importante pelos políticos locais.
Quase todos os convidados já estavam sentados, mas os membros mais graduados das duas comitivas pareciam inquietos. Os últimos preparativos já estavam quase terminados. Os copos de cristal tinham sido colocados nas bandejas e as rolhas das garrafas de champanha tinham sido desembrulhadas, esperando apenas um sinal para ser arrancadas.
— Isso me lembra uma coisa. Você não me mandou aquela champanha da Geórgia — disse Jack a Sergey.
— Hoje as coisas mudaram. Posso arranjar uma dúzia para você por um ótimo preço.
— As coisas mudaram para nós, também. Nos velhos tempos, eu teria de recusar por uma questão de ética.
— É, eu sei que por trás de cada funcionário do governo americano há um contrabandista em potencial — observou Golovko, olhando em volta para ver se estava tudo em ordem para a cerimônia.
— Você devia ser advogado.
Jack entrou na sala com o chefe do Serviço Secreto e encaminhou-se para o seu lugar.
— Que beleza de palácio, não é, amor? — disse à esposa.
— Os czares levavam um vidão — sussurrou Cathy, no momento em que as luzes da TV foram acesas.
Nos Estados Unidos, todas as redes interromperam a programação normal. A hora era um pouco imprópria, por causa da diferença de onze horas entre Moscou e a Costa Oeste dos Estados Unidos. A própria Rússia tinha nada menos do que dez diferentes fusos horários, graças à sua extensão e, no caso da Sibéria, à proximidade do círculo polar Ártico. Entretanto, aquele era um momento que ninguém queria perder.
Os dois presidentes apareceram, sob os aplausos das trezentas pessoas presentes. Roger Durling e Eduard Grushavoy se encontraram na mesa de mogno e deram um caloroso aperto de mão, como apenas dois ex-inimigos poderiam fazer. Durling era ex-oficial do exército e ex-paraquedista, com uma passagem pelo Vietnã; Grushavoy também tinha sido oficial do exército, um engenheiro militar que estivera entre os primeiros russos a pisar no Afeganistão. Treinados para se odiar mutuamente na juventude, agora estavam dispostos a selar a paz de uma vez por todas. Naquele dia, deixariam de lado os problemas domésticos que os perseguiam todos os dias da semana. Estava na hora de mudarem o mundo.
Grushavoy, o anfitrião, convidou Durling a sentar-se com um gesto e se aproximou do microfone.
— Senhor presidente — disse, através de um intérprete, que na verdade não era necessário —, é um prazer recebê-lo em Moscou pela primeira vez...
Ryan não prestou atenção ao discurso. Era previsível, da primeira à última linha. Seus olhos se fixaram em uma caixa preta de plástico que estava sobre a mesa, exatamente entre as cadeiras dos dois chefes de Estado.
A caixa tinha dois botões vermelhos e dela saía um cabo que corria pelo chão. Em uma mesinha encostada à parede mais próxima havia dois monitores de TV, e nos fundos da sala tinha sido instalado um telão para que todos pudessem assistir.
— Que coisa mais complicada — comentou um major do exército, a trinta quilômetros de Minot, Dakota do Norte. Acabara de instalar o último fio certo, o circuito está completo.
Apenas um interruptor manual impedia que o circuito se fechasse, e era ele que o mantinha aberto. Já verificara pessoalmente toda a instalação e havia uma companhia inteira de policiais militares patrulhando a área, porque os Amigos da Terra estavam ameaçando protestar contra a cerimônia colocando pessoas onde estavam os explosivos, e por mais vontade que tivesse de mandar os desgraçados pelos ares, o oficial teria de desativar o circuito de disparo se isso acontecesse. Por que alguém protestaria contra uma cerimônia como esta?, pensou. Já perdera uma hora tentando explicar isso ao colega russo.
— Aqui é muito parecido com as nossas estepes — observou o russo, todo encolhido por causa do vento frio.
Os dois observavam a tela de um pequeno monitor, à espera do sinal.
— E uma pena que os políticos não estejam aqui para nos dar um pouco de ar quente — observou o major, tirando a mão do interruptor.
O oficial russo conhecia inglês suficientemente bem para rir da brincadeira, enquanto mantinha escondida dentro do sobretudo avantajado a surpresa que trouxera para o americano.
— Senhor presidente, a hospitalidade que experimentamos nesta grande cidade é uma prova decisiva de que pode existir, existe e existirá uma amizade entre nossas populações, tão forte quanto eram nossos antigos sentimentos, mas muito mais produtiva. Hoje, estamos pondo um fim à guerra de uma vez por todas — concluiu Durling, em meio a aplausos entusiásticos, voltando para apertar novamente a mão de Grushavoy.
Os dois presidentes se sentaram. Curiosamente, agora tinham de obedecer a um diretor de TV americano, que pegou um microfone e falou rápido.
— Agora — disse o homem, em duas línguas —, se observarem os monitores...
— Quando eu era tenente — sussurrou o presidente russo —, adorava explodir coisas.
Durling sorriu e aproximou os lábios do ouvido do outro. Algumas coisas não podiam ser ditas em público.
— Sabe o que eu queria ser quando criança?
— O que, Roger?
— O sujeito que opera aquela enorme bola de ferro usada para demolir edifícios. Deve ser um trabalho muito divertido! Especialmente se deixarem você colocar todos os políticos da oposição no edifício antes de derrubá-lo! Aquele era um ponto em que concordavam integralmente.
— Está na hora — informou o diretor de TV.
Os dois presidentes colocaram a mão nos botões.
— Vamos contar até três, Ed? — sugeriu Durling.
— Vamos, Roger!
— Um — disse Durling.
— Dois — prosseguiu Grushavoy.
— Três! — exclamaram os dois em uníssono, apertando os botões.
Os dois botões fecharam um circuito elétrico simples que levava a um transmissor fora do edifício, apontado para um satélite. O sinal levou cerca de um terço de segundo para chegar ao satélite e voltar à terra e mais um terço para que o resultado refizesse o mesmo caminho. Por um momento, muitos tiveram a impressão de que alguma coisa dera errado, mas não era verdade.
— Puxa! — exclamou o major, quando os cinquenta quilos de explosivos foram detonados.
O ruído foi impressionante, mesmo a um quilômetro de distância, e logo apareceram as chamas produzidas pela ignição do motor de combustível sólido.
Aquela parte da cerimônia tinha sido delicada. Eles tinham que se certificar de que o combustível queimaria de cima para baixo, caso contrário, o míssil poderia tentar voar para fora do silo, o que seria inadmissível. Na verdade, todo o processo era desnecessariamente complicado e perigoso. O vento frio levaria a fumaça tóxica para leste, e quando chegasse a algum lugar habitado, seria apenas um cheiro desagradável, o que era o mesmo que se podia dizer das condições políticas que haviam favorecido a construção do míssil, não era? Entretanto, havia algo de mágico naquilo. O maior fogo de artifício do mundo, queimando ao contrário durante três minutos, até que nada mais restasse a não ser fumaça. Um sargento acionou o sistema de combate a incêndios do silo, que funcionou perfeitamente, para surpresa do major.
— Sabe de uma coisa? Fizemos um sorteio para decidir quem viria, e eu ganhei — afirmou o oficial americano, levantando-se.
— Eu estou aqui cumprindo ordens, mas é o tipo de ordem a que obedeço com prazer. Já podemos sair?
— Acho que sim. Venha comigo, Valentin. Temos mais um trabalho para fazer, não temos?
Os dois entraram em um HMMWV, uma versão moderna de jipe do Exército, e o major pôs o veículo em movimento, dirigindo-se para o silo. Agora ele era apenas um buraco no solo, de onde saía fumaça. Uma equipe da CNN os seguiu, ainda transmitindo imagens ao vivo enquanto o veículo seguia aos solavancos pelo terreno irregular. Os militares pararam o jipe a duzentos metros de distância do silo e saltaram com máscaras contra gases, prevenindo-se contra a remota possibilidade de que ainda houvesse fumaça suficiente no local para tornar o ar perigoso. Não havia. Restava apenas mau cheiro. O major americano acenou para que a equipe de TV se aproximasse e esperou até que estivessem preparados, o que levou apenas dois minutos.
— Pronto! — informou o diretor da unidade.
— Estamos de acordo quanto ao fato de que o silo e o míssil foram destruídos?
— Sim, estamos — respondeu o russo, com uma continência. Em seguida, tirou do bolso dois copos de cristal. — Quer segurar esses copos para mim, camarada major? Em seguida, foi a vez de uma garrafa de champanha da Geórgia. O russo arrancou a rolha com um largo sorriso e encheu os copos.
— Agora vou lhe ensinar como é a tradição russa. Primeiro, beba.
A equipe de TV estava adorando.
— Acho que conheço esta parte — disse o americano, bebendo o champanha. — E agora?
— Os copos jamais devem ser usados outra vez. Faça como eu.
O russo girou o corpo e se colocou em posição de arremessar o copo no buraco. O americano riu e imitou-o.
— Agora! Os dois copos mergulharam ao mesmo tempo no último silo americano para mísseis Minuteman. Eles desapareceram no meio do vapor, mas os dois homens puderam ouvir quando se despedaçaram nas paredes calcinadas.
— Felizmente, eu trouxe mais dois copos — afirmou Valentin, tirando-os do bolso.
— Que filho da mãe! — exclamou Ryan.
Acontece que o americano que estava no silo russo tivera uma ideia semelhante e estava agora explicando o significado da expressão “era Miller”. Infelizmente, as latas de cerveja de alumínio eram inquebráveis.
— Achei muito teatral — comentou Cathy.
— Não é exatamente Shakespeare, mas está bem o que acaba bem, querida.
Ouviram o espocar das rolhas das garrafas de champanha, em meio a aplausos gerais.
— A parte dos cinco bilhões de dólares é verdade?
— É.
— Então, Ivan Emmetovich, agora podemos ser realmente amigos? — perguntou Golovko, pegando dois copos. — Finalmente nos conhecemos, Caroline – disse, de forma cavalheiresca, dirigindo-se a Cathy.
— Sergey e eu somos velhos conhecidos — explicou Jack, pegando um dos copos e brindando ao anfitrião.
— Ao dia em que eu estive com uma arma encostada na sua cabeça — disse o russo.
Ryan ficou na dúvida se aquilo era uma referência histórica... ou um brinde ao evento.
— O quê? — perguntou Cathy, quase engasgando com a bebida.
— Você não contou a ela?
— Que é isso, Sergey!
— Do que é que vocês dois estão falando?
— Dra. Ryan, uma vez seu marido e eu tivemos uma... divergência profissional durante a qual encostei uma arma na cabeça dele. O que você não sabia, Jack, era que a pistola estava descarregada.
— Ora, eu não ia mesmo a lugar nenhum, ia?
— Do que é que vocês dois estão falando? É alguma piada? — insistiu Cathy, começando a se irritar.
— Não deixa de ser um tipo de piada, querida. Como vai, Andrey Ilich?
— Vai bem. Na verdade, se quiser se encontrar com ele, isso pode ser arranjado.
Jack fez que sim com a cabeça. — Eu gostaria.
— Desculpe, mas quem exatamente é o senhor?
— Querida, este é Sergey Nikolayevich Golovko, chefe do Serviço de Inteligência Externa da Rússia — interveio Jack
— Chefe da KGB? E vocês dois se conhecem?
— Não da KGB, senhora. Hoje nossa importância é muito menor. Seu marido e eu somos... somos antigos rivais.
— Está bem, e quem ganhou no final? — quis saber Cathy.
Os dois pensaram a mesma coisa, mas Golovko falou primeiro: — Ambos, é claro. Agora, com sua permissão, gostaria de apresentá-la a minha esposa, Yelena. Ela é pediatra.
Aquilo era uma coisa que a CIA jamais se dera ao trabalho de investigar, pensou Jack. Voltou-se para olhar para os dois presidentes, apreciando o momento, apesar de estar cercado de repórteres. Era a primeira vez que comparecia a uma cerimônia daquele porte, mas tinha certeza de que raramente o clima era tão festivo. Talvez fosse a liberação da tensão acumulada, a certeza de que finalmente tudo acabara. Viu novas garrafas serem abertas. Era champanha de primeira, e pretendia beber tudo a que tinha direito. Logo a CNN se cansaria da festa, mas não os outros. Todos os militares, políticos, espiões, diplomatas... que diabo, talvez pudessem todos se tornar amigos de verdade.
19
O SEGUNDO GOLPE
Embora a escolha do momento tivesse sido aleatória, o plano que estava por trás de tudo era extremamente sofisticado, resultado de anos de estudos, modelagens e simulações. Na verdade, a operação já começara quando seis grandes bancos comerciais em Hong Kong começaram a se desfazer de obrigações do Tesouro dos Estados Unidos. Essas obrigações tinham sido compradas havia poucas semanas, como parte de uma transação complexa envolvendo a redução das reservas em ienes, executada como uma garantia clássica contra flutuações monetárias. Os próprios bancos estavam prestes a sofrer uma grande mudança, que envolvia a perda de soberania do próprio território onde estavam instalados, e dois fatores faziam suas compras maciças parecerem uma medida perfeitamente normal, com o objetivo de maximizar simultaneamente sua liquidez e flexibilidade. Ao venderem as obrigações, estavam apenas se beneficiando, embora em uma escala extraordinariamente elevada, da variação relativa dos valores do dólar e do iene.
Na verdade, teriam um lucro de 17% com a transação, e aplicariam o capital em ienes, que, de acordo com a maioria dos especialistas em câmbio, tinham chegado ao fundo do poço e logo começariam a reagir. Entretanto, isso queria dizer que duzentos e noventa bilhões de dólares em obrigações americana s foram oferecidos no mercado, por um preço bastante convidativo. Em pouco tempo, foram todas adquiridas por bancos europeus.
Os banqueiros de Hong Kong fizeram os lançamentos eletrônicos apropriados, e a transação foi concluída. Logo depois, comunicaram o acontecido a Pequim, satisfeitos por mostrar que tinham obedecido às instruções dos futuros senhores políticos. Melhor ainda, pensaram todos, que o negócio resultara em um lucro considerável.
No Japão, a transação foi registrada. Com quatorze horas de diferença em relação à hora local da cidade de Nova York, ainda considerada o centro do comércio mundial, não era raro que os japoneses envolvidos no mercado financeiro trabalhassem em horas normalmente associadas à profissão de vigia noturno, e de qualquer forma os serviços de notícias que divulgavam informações financeiras transmitiam dados vinte e quatro horas por dia.
Algumas pessoas ficariam surpresas ao saber que entre os analistas financeiros japoneses havia alguns homens extremamente poderosos e que uma sala especial fora instalada no último andar de um grande edifício de escritórios na última semana. Chamada de Sala de Guerra pelos ocupantes, estava ligada por telefone aos grandes centros financeiros do globo e dispunha de monitores que mostravam o que se passava em cada um deles.
Outros bancos asiáticos entraram em ação, repetindo o que haviam feito os colegas de Hong Kong, enquanto os ocupantes da Sala de Guerra observavam seus monitores. Pouco depois do meio-dia de sexta-feira, hora de Nova York, o que equivalia da 2:03 da madrugada de sábado em Tóquio, eles viram mais trezentos milhões de dólares em obrigações do Tesouro dos Estados Unidos serem colocados à venda no mercado por um preço ainda mais atraente do que tinha sido oferecido em Hong Kong. Essas obrigações também foram logo adquiridas por bancos europeus, cujo dia e semana de trabalho estavam terminando. Até aquela altura, nada de visivelmente anormal acontecera. Só então os bancos japoneses começaram a agir, bem cobertos pela atividade dos outros. Os bancos de Tóquio também passaram a vender todas as suas obrigações americana s, com o propósito ostensivo de sustentar a cotação do iene. No processo, porém, todo o excesso de dólares do mundo tinha sido consumido em poucos minutos. O fato poderia ser considerado como mera coincidência, mas os analistas do mercado de câmbio (pelo menos os que não estavam almoçando em Nova York) agora sabiam que qualquer outro movimento no mesmo sentido poderia desestabilizar o dólar, por mais improvável que isso pudesse parecer algumas horas atrás.
O jantar oficial fez jus à tradicional hospitalidade russa, tornada ainda mais efusiva pelo fato de estar sendo comemorado o final de duas gerações de terror nuclear. O Metropolitano da Igreja Ortodoxa Russa fez uma longa e solene oração. Prisioneiro político por duas vezes, seu agradecimento a Deus foi comovente, levando alguns dos presentes às lágrimas, que logo foram enxugadas pelo início do banquete. Havia sopa, caviar, aves, carnes finas e grandes quantidades de álcool, que, para variar, todos se sentiram livres para ingerir. Os objetivos da viagem tinham sido cumpridos. Não havia mais segredos para esconder. O dia seguinte era sábado, e todo mundo poderia dormir até tarde.
— Até você, Cathy? — perguntou Jack.
A esposa não era de beber muito, mas naquela noite estava entornando para valer.
— Esta champanha é uma delícia.
Era o primeiro banquete oficial de que participava no exterior. Tivera um dia muito agradável com cirurgiões oftálmicos locais e convidara dois dos melhores, ambos professores titulares, a visitar o Instituto Wilmer e se familiarizar com seu campo de especialização. Cathy estava cotada para o prêmio Lasker pelas suas pesquisas de cirurgia a laser, fruto de onze anos de trabalho, e razão pela qual não aceitara uma posição de chefe de departamento oferecida duas vezes pela Universidade de Virgínia. O artigo científico em que relataria as principais descobertas estava para ser publicado no New England Journal of Medicine; para ela, aquela noite e aquela viagem também representavam muito.
— Você vai pagar o preço amanhã de manhã — advertiu o marido.
Jack estava procurando ir devagar, embora já tivesse excedido o limite normal, que era um único drinque. Os brindes é que eram o problema, pensou, pois já estivera em outros banquetes russos. Era um fenômeno cultural. Os russos eram capazes de superar qualquer irlandês em matéria de bebida, algo que aprendera do modo mais difícil, mas a maior parte da delegação americana ou ainda não aprendera a lição ou realmente não estava ligando. O conselheiro de Segurança Nacional sacudiu a cabeça. Eles veriam o que era bom na manhã seguinte. Nesse momento, chegou o prato principal, e as taças foram enchidas com vinho tinto.
— Oh, meu Deus, se eu continuar comendo desse jeito a costura do meu vestido vai abrir!
— Isso pode tornar o banquete ainda mais animado — observou o marido, fazendo com que Cathy o fuzilasse com os olhos.
— Você é magra demais — comentou Golovko, que estava sentado ao lado dela, revelando outro preconceito dos russos.
— Quantos anos têm os seus filhos? — perguntou Yelena Golovko.
Também magra pelos padrões russos, era professora de pediatria e estava se revelando uma excelente companhia.
— Um costume americano — replicou Jack, tirando a carteira do bolso e mostrando as fotografias dos filhos. — Esta aqui é a Olívia. Nós a chamamos de Sally. Este é o pequeno Jack, e esta é a caçula.
— O menino é parecido com você, mas as meninas são a cara da mãe.
— É melhor que seja assim — observou Jack, com um sorriso.
As grandes corretoras são exatamente o que o nome indica, mas os acionistas comuns ficariam surpresos se soubessem como elas operam. A Wall Street era uma grande coleção de equívocos, a começar pela própria rua, que tem a largura aproximada de um beco de qualquer bairro residencial; até mesmo as calçadas são muito estreitas para o movimento usual de pedestres. Quando uma ordem de compra chegava a uma grande corretora, como a maior delas, a Merrill Lynch, os empregados não saíam à procura, física ou eletronicamente, de alguém disposto a vender essa ação.
O que a firma fazia era comprar diariamente quantidades estratégicas das ações mais negociadas e esperar para ver se os clientes se interessavam por elas. Comprando em grandes quantidades, conseguiam em geral um desconto, podendo vendê-las, mais tarde, por um preço maior. Dessa forma, as corretoras ganhavam dinheiro na chamada posição de “meio”, que em geral correspondia a cerca de um oitavo de ponto. Um ponto era um dólar, de modo que um oitavo de ponto equivalia a doze centavos e meio.
Aparentemente, uma pequena margem de lucro para uma ação cujo valor podia ser medido em centenas de dólares no caso de algumas blue chips, era uma margem que, repetida diariamente em centenas de operações, podia representar um lucro considerável quando as coisas corriam bem. Entretanto, nem sempre isso acontecia, de modo que uma corretora também podia perder grandes quantias, caso as cotações caíssem mais depressa que o esperado. Existiam muitos ditados a respeito. No mercado de Hong Kong, um dos maiores e mais ativos, costumava-se dizer que “o mercado sobe como uma escada rolante e desce como um elevador”, mas um provérbio ainda mais básico era oferecido a todos os novos “cientistas de foguetes” que se propunham a trabalhar na sede da Merrill Lynch: “Jamais presuma que existe um comprador para o que você pretende vender.” Naturalmente, todos presumiam isso na prática, porque sempre aparecera um comprador, pelo menos até onde ia a memória coletiva da firma, e essa memória ia longe.
Entretanto, a maior parte dos negócios não envolvia acionistas individuais. Desde a década de 1960, os fundos de investimentos tinham assumido um papel cada vez mais importante no mercado. Chamados de ”instituições financeiras”, da mesma forma que os bancos, companhias de seguros e fundos de pensões, havia na verdade um número muito maior dessas “instituições” do que diferentes ações na Bolsa de Valores de Nova York. Era como se o número de caçadores fosse maior do que o número de animais a serem caçados, e os fundos controlavam imensos volumes de dinheiro. Eram tão poderosos, na verdade, que sua atuação podia influenciar as cotações de ações individuais ou mesmo, por curtos períodos, o comportamento do mercado como um todo. Além disso, em muitos casos, as “instituições” eram controladas por um pequeno número de pessoas, ou mesmo por uma única pessoa.
A terceira e maior onda de vendas de obrigações do Tesouro surpreendeu a todos, principalmente os técnicos do Federal Reserve Bank, em Washington, que já haviam tomado conhecimento das transações em Hong Kong e Tóquio, as primeiras com interesse e a segunda com uma certa apreensão. O mercado do eurodólar consertara as coisas, mas esse mercado agora já estava praticamente fechado. Restavam os bancos asiáticos, cujos técnicos haviam observado a tendência e consultado suas bases. Essas consultas tinham ido parar em uma sala no último andar de um edifício comercial, onde analistas de peso afirmaram que a situação era séria e recomendaram que se livrassem discretamente de todas as suas reservas em dólar.
As obrigações do Tesouro eram os instrumentos de endividamento do governo dos Estados Unidos e também o principal sustentáculo na moeda americana. Consideradas durante cinquenta anos como o investimento mais seguro do planeta, essas obrigações permitiam que os cidadãos americanos e também os estrangeiros aplicassem seu capital em um papel garantido pela maior economia do mundo, protegida por sua vez pelo maior poder militar do planeta e regulamentada por um sistema político que garantia direitos e oportunidades através de uma Constituição que todos admiravam, embora poucos chegassem a compreender totalmente. Independentemente de quais fossem os defeitos dos Estados Unidos (nenhum deles desconhecido dos investidores internacionais mais sofisticados), desde 1945 que o país vinha sendo o lugar do mundo onde o dinheiro era mais seguro.
Havia uma vitalidade intrínseca nos Estados Unidos. Mesmo imperfeitos, os americanos eram o povo mais otimista do planeta, um povo ainda jovem pelos parâmetros do restante do mundo, com todas as qualidades da juventude. Assim, quando as pessoas tinham riquezas a proteger e se sentiam inseguras, em geral compravam notas do Tesouro dos Estados Unidos. Os juros não podiam ser os maiores do mercado, mas a segurança certamente era.
Naquele dia, porém, a situação era outra. Os banqueiros do mundo inteiro sabiam que Hong Kong e Tóquio tinham se desfeito de todas as suas obrigações, e a desculpa de que estavam transferindo suas reservas de dólares para ienes não parecia satisfatória. Logo depois chegou a notícia de que outros bancos japoneses estavam vendendo suas obrigações em movimento cauteloso, rápido e bem planejado. Com isso, os bancos de toda a Ásia começaram a fazer o mesmo. A terceira onda de vendas chegou a cerca de seiscentos bilhões de dólares, o que correspondia a quase todas as notas de curto prazo que o governo americano lançara no mercado para financiar o déficit orçamentário.
O dólar já estava caindo, e com o início da terceira onda vendedora, tudo em um período de menos de noventa minutos, a queda acentuou-se.
Na Europa, os corretores a caminho de casa receberam mensagens pelos telefones celulares para que voltassem aos escritórios. Algo totalmente inesperado estava acontecendo. Os analistas imaginaram se teria algo a ver com o escândalo sexual no governo americano. A preocupação americana com as orgias sexuais dos políticos sempre divertira os europeus. Era uma coisa tola, puritana, irracional, mas tinha uma grande influência no cenário político americano, o que a tornava um fator relevante nas análises econômicas. O valor das obrigações do Tesouro para três meses já caíra 19/32 de um ponto e em consequência o dólar caíra quatro centavos em relação à libra, mais ainda em relação ao marco e mais ainda em relação ao iene.
— Que diabo está acontecendo? — perguntou um dos membros do conselho diretor do Fed.
Todo o conselho, cujo nome técnico era Comissão do Open Market, estava reunido em torno de um terminal de computador, observando incredulamente a queda constante das cotações do dólar. Não havia nenhuma razão conhecida para aquele caos. Muito bem, houvera o escândalo do vice-presidente Kealty, mas ele era apenas o vice-presidente. O mercado de ações vinha sofrendo algumas flutuações por causa de interpretações conflitantes com relação aos efeitos da Lei de Reforma do Comércio, mas que tipo de sinergia malévola era aquele? O problema, como sabiam muito bem, era que talvez jamais viessem a saber o que acontecera.
As vezes não havia nenhuma explicação razoável. As coisas simplesmente aconteciam, como uma boiada resolvendo estourar por razões ignoradas pelos vaqueiros. Quando o dólar caiu 100%, eles entraram na sala de reuniões e se sentaram em torno da mesa. A discussão foi rápida e incisiva.
Estava havendo uma corrida para vender dólares. Tinham que fazer alguma coisa. Em vez do aumento de meio ponto percentual da Taxa Básica de Juros que pretendiam anunciar no final do dia, anunciariam um aumento de um ponto. Alguns achavam aconselhável um aumento ainda maior, mas concordaram com a opinião da maioria. A notícia seria divulgada de imediato. O chefe do departamento de relações públicas do Fed preparou uma declaração para ser lida pelo presidente do conselho.
Quando os corretores voltaram do almoço, o que até então tinha sido uma sexta-feira relativamente calma era algo totalmente diferente. Todos os escritórios dispunham de um quadro de avisos onde eram colocadas as principais notícias nacionais e internacionais, já que esses acontecimentos podiam influir no mercado. O aviso de que o Fed decidira aumentar a taxa de juros em um ponto percentual provocou de quinze a trinta segundos de silêncio na maioria dos escritórios, interrompidos por alguns “Que merda!”.
Os corretores mais atualizados, usando seus programas de análise em computador, constataram que o mercado já estava reagindo. Um aumento da taxa de juros era prenúncio seguro de uma queda no Dow, assim como nuvens escuras eram sinal de chuva. A tempestade que estava chegando não seria nada agradável.
As grandes corretoras, como a Merrill Lynch, a Lehman Brothers e a Prudential-Bache, eram altamente automatizadas e obedeciam aos mesmos padrões de organização. Quase sempre havia uma sala muito grande, cheia de terminais de computador. O tamanho do aposento era invariavelmente ditado pela configuração do edifício, e os técnicos regiamente pagos trabalhavam em escritórios tão apinhados quanto os japoneses, exceto pelo fato de que nos escritórios americanos não era permitido fumar. Poucos dos homens trabalhavam de paletó, e a maioria das mulheres usava tênis.
Eram todos muito inteligentes, embora sua educação pudesse surpreender um observador casual. Em vez de serem diplomados em administração por Harvard ou Wharton, como os que os haviam precedido, os novos ”cientistas de foguetes” eram exatamente o que o nome indicava: jovens de formação científica, principalmente matemáticos e físicos. O MIT era no momento a escola mais popular. A razão era simples: todas as corretoras estavam usando computadores, e os computadores usavam modelos matemáticos extremamente complexos tanto para analisar o mercado como para prever seu comportamento futuro. Os modelos baseavam-se em meticulosas análises históricas que remontavam ao tempo em que a Bolsa de Valores de Nova York era um ponto de encontro à sombra de um plátano. Equipes de historiadores e matemáticos haviam levantado todas as flutuações do mercado. Esses registros tinham sido analisados, comparados com todos os fatores externos passíveis de identificação e recebido um tratamento matemático apropriado; o resultado era uma série de modelos muito precisos e quase irremediavelmente complicados da forma como o mercado funcionara no passado, funcionava no presente e deveria funcionar no futuro. Todos esses modelos, porém, baseavam-se na ideia de que os resultados passados influenciavam o futuro, uma ideia muito comum entre os jogadores, mas manifestamente errônea.
Era preciso ser um gênio da matemática, diziam todos (principalmente os gênios da matemática) para compreender como a coisa funcionava. Os mais velhos não gostavam nem de se envolver. Pessoas que tinham aprendido a fazer negócios nas escolas de administração, ou mesmo funcionários que haviam começado como office boys e subido na empresa à custa de muito esforço e experiência, estavam cedendo lugar à nova geração... e sem muito ressentimento. A meia-vida de um operador de computador era da ordem de oito anos. O ritmo de trabalho era febril; para sobreviver naquele ambiente, era preciso ser jovem e tolo, além de jovem e brilhante. Os mais velhos, que haviam aprendido da maneira mais difícil, deixavam os mais jovens cuidar dos computadores, já que eles próprios não se sentiam à vontade com o equipamento, e assumiam as tarefas de supervisão, análise de tendências, planejamento, comportando-se como tios bondosos dos jovens, que os encaravam como tipos ultrapassados, a quem só recorriam em casos de emergência.
Como resultado, ninguém era na realidade responsável por nada, com exceção, talvez, dos modelos matemáticos implantados nos computadores, e todo mundo usava os mesmos modelos. Eles eram fornecidos em sabores ligeiramente diferentes, pois os consultores que os haviam gerado tinham sido instruídos pelas corretoras para produzir alguma coisa original. Quem mais lucrava com isso eram os consultores, que vendiam praticamente o mesmo trabalho para vários clientes mas cobravam de cada um pelo que afirmavam ser um produto exclusivo.
A consequência, para usar a terminologia militar, era uma doutrina operacional uniforme e inflexível para todo o mercado. Além do mais, era uma filosofia operacional que poucos conheciam e compreendiam em profundidade.
O Columbus Group, um dos maiores conglomerados de fundos de investimentos, também usava modelos matemáticos. Controlando bilhões de dólares, seus três principais fundos de investimentos, Santa Maria, Pinta e Nina, conseguiam comprar grandes lotes de ações por preços abaixo do mercado e através dessas transações afetavam diretamente as cotações da bolsa. Esse vasto poder sobre o mercado era controlado por sua vez por não mais do que três indivíduos, e esse trio prestava contas a um quarto homem, que era quem tomava as decisões realmente importantes. Os outros cientistas de foguetes da firma eram pagos, avaliados e promovidos em termos da capacidade de fazer recomendações aos superiores. Eles não tinham nenhum poder autônomo. A palavra do chefe era lei, e todos aceitavam isso com naturalidade. O chefe era sempre um homem com uma fortuna pessoal investida no grupo. Cada um dos seus dólares tinha o mesmo valor que os dólares dos milhares de pequenos investidores. Ele corria os mesmos riscos, colhia os mesmos benefícios e ocasionalmente amargava os mesmos prejuízos que os investidores comuns. Essa, na verdade, era a única segurança de todo o sistema de aplicações financeiras.
O maior pecado do negócio era colocar o interesse pessoal na frente do interesse dos investidores. O fato de o dinheiro do dono estar investido nas mesmas aplicações que o dos clientes era uma garantia de que estavam todos no mesmo barco; os pequenos investidores, que não tinham a menor ideia de como o mercado funcionava, tranquilizavam-se com a ideia de que os mandachuvas, que entendiam do assunto, estavam trabalhando para defender os interesses de todos. Não era muito diferente do faroeste americano no século XIX, quando pequenos criadores de gado confiavam suas cabeças aos grandes fazendeiros para a viagem até a estação mais próxima da estrada de ferro.
Era 1:50 da tarde quando o Columbus entrou em cena. Depois de reunir os assessores imediatos, o lugar-tenente de Raizo Yamata discutiu rapidamente a súbita desvalorização do dólar. Todos concordaram com a cabeça.
Parecia sério. Pinta, o fundo de aplicações de médio risco, tinha uma reserva considerável de notas do Tesouro, sempre uma aplicação segura para manter o capital à espera de uma oportunidade melhor. O valor dessas obrigações estava caindo. Ele anunciou que decidira convertê-las de imediato em marcos, a moeda mais estável da Europa. O gerente do Pinta concordou, pegou o telefone, deu a ordem e outra grande transação foi executada, a primeira por parte de uma corretora americana.
— Não gosto do rumo que as coisas estão tomando — comentou em seguida o vice-presidente. — Quero que se mantenham em contato comigo. — Todos os presentes assentiram novamente. As nuvens de tempestade estavam se aproximando, e os primeiros relâmpagos tinham deixado a boiada nervosa.
— Quais as ações de bancos mais vulneráveis à queda do dólar? — perguntou. Já sabia a resposta, mas era mais educado perguntar primeiro.
— As do Citibank — respondeu o gerente do Nina. Ele era o responsável pelas blue chips do fundo. — Estamos abarrotados delas.
— Livre-se delas — ordenou o vice-presidente. — E mais seguro.
— Quer que venda todas? — perguntou o gerente, incrédulo. O Citibank acabara de publicar um balancete trimestral bastante favorável.
— Todas — confirmou o chefe.
— Mas...
— Todas — insistiu o vice-presidente. — Já.
Na Depository Trust Company, o aumento de movimento na bolsa de valores foi observado por funcionários cuja tarefa era registrar todas as transações. Todo dia, assim que o pregão era encerrado, eles reuniam todos os dados, anotavam que comprador tinha adquirido que ações de que vendedor e executavam as transferências de dinheiro entre as contas correspondentes, fazendo a contabilidade geral do mercado acionário. Seus monitores mostravam um aumento acentuado do movimento, mas todos os computadores Stratus estavam rodando o programa Electra-Clerk 2.3.1 instalado por Chuck Searls e conseguiam acompanhar o ritmo das transações. Cada máquina dispunha de três saídas. Um cabo ia para os monitores, outro para as unidades de fita magnética e um terceiro para uma impressora, o instrumento mais confiável mas ao mesmo tempo menos conveniente para registrar informações. A natureza das interfaces exigia que cada sinal de saída viesse de uma placa diferente dos computadores, mas todos representavam as mesmas informações, e em consequência ninguém se preocupava com os registros permanentes. Afinal, os dados eram processados em paralelo por seis computadores, instalados em dois edifícios diferentes. Parecia um sistema à prova de falhas.
As coisas poderiam ser feitas de outra forma. Seria possível processar imediatamente cada ordem de compra ou venda, mas isso exigiria o uso de máquinas muito mais potentes, pois o número de transações simultâneas era elevado. Na verdade, o DTC tinha a função de organizar o caos. No final de cada dia, as transações eram classificadas por corretora, por ação e por cliente, de modo a reduzir ao mínimo o número de cheques que cada corretora tinha de emitir. Na verdade, quase todas as transferências de fundos eram feitas eletronicamente, mas o princípio era o mesmo. Agindo assim, as corretoras tinham menos trabalho e ao mesmo tempo acumulavam informações que podiam usar em auditorias internas e também para aperfeiçoar seus modelos matemáticos do mercado como um todo. Embora se tratasse aparentemente de uma operação de complexidade inimaginável, o uso de computadores tornava o processo rotineiro e muito mais eficiente do que o ato de calcular manualmente o saldo de uma conta bancária.
— Puxa, alguém está inundando o mercado com ações do Citibank — comentou o controlador do sistema.
O pregão da Bolsa de Valores de Nova York era dividido em três partes, a maior das quais tinha sido anteriormente uma garagem. Havia uma quarta sala de negociações em construção, e os alarmistas já estavam comentando que toda vez que a Bolsa fora ampliada alguma coisa ruim acontecera.
Apesar de envolver alguns dos indivíduos mais racionais e intransigentes do mundo dos negócios, aquela comunidade também tinha as suas superstições institucionais. O pregão era na realidade um conjunto de firmas individuais, cada uma das quais se responsabilizava por um certo grupo de ações. Uma firma podia negociar ações da indústria farmacêutica, por exemplo. Outra se especializava em ações de bancos. A função real da Bolsa era oferecer liquidez e um ponto de referência. As pessoas podiam comprar e vender ações em qualquer lugar, desde o escritório de um advogado até o restaurante de um clube de campo. A maior parte das negociações ocorria em Nova York porque... ocorria em Nova York, e pronto. A Bolsa de Valores de Nova York, ou NYSE, era a mais antiga. Havia também a Bolsa de Valores Americana, ou Amex, e a mais recente Cotação Automática da Associação Nacional de Corretores de Ações, cujo nome complicado era compensado por uma sigla fácil de lembrar, NASDAQ. A NYSE era a mais tradicional de todas; dizia-se que entrara no mundo da automação com extrema relutância. Algo arrogante (encarava as outras bolsas como uma espécie de segunda divisão), era frequentada por profissionais que passavam a maior parte do dia em seus quiosques, observando os vários monitores, comprando e vendendo e, como as corretoras, ganhando dinheiro com as posições de “meio” ou de spread. Se o mercado de ações e seus investidores eram a boiada, eles eram os caubóis, e seu trabalho era estabelecer os preços de referência e manter o rebanho organizado e contido, serviço pelo qual os melhores deles recebiam uma generosa remuneração capaz de compensar o ambiente de trabalho, que nos dias melhores era caótico e desagradável e nos piores se parecia muito com o estouro de uma boiada.
Aquele estouro da boiada já começara. A venda maciça de obrigações do Tesouro foi devidamente noticiada no pregão, e os presentes trocaram olhares nervosos e sacudiram as cabeças diante do infausto acontecimento.
Logo depois, foram informados de que o Fed reagira imediatamente. Ao comunicar a posição do Federal Reserve, o presidente do conselho, embora procurando mostrar-se firme, foi incapaz de disfarçar sua preocupação; entretanto, isso não fazia muita diferença. Poucas pessoas prestaram atenção no que estava dizendo, a não ser para se inteirar de que houvera mais um aumento na Taxa Básica de Juros. Era essa a notícia importante. O restante era apenas uma tentativa de evitar o pânico no mercado, e os investidores preferiam confiar na sua própria análise.
As ordens de venda começaram a chegar. O operador que se especializava em ações de bancos ficou surpreso com um telefonema do Columbus, mas teve de obedecer. Anunciou que tinha “quinhentas Citi a três , o que significava quinhentas mil ações, do First National City Bank of New York a oitenta e três dólares, dois pontos inteiros abaixo do valor de mercado, evidentemente uma tentativa de vender as ações sem demora. Era um preço muito atraente, mas mesmo assim o mercado hesitou antes de absorver as ações e a cotação caiu para “dois e meio”.
Os computadores também acompanhavam o movimento do pregão, porque os operadores não confiavam plenamente na própria capacidade e análise. Afinal, qualquer um deles podia estar ao telefone na hora errada e perder alguma informação importante. Assim, cada vez mais, as grandes instituições financeiras estavam sendo guiadas pelos computadores, ou melhor, pelo software instalado nos computadores, que por sua vez fora instruído para se basear em certos critérios. Naturalmente, os computadores não sabiam nada sobre o mercado financeiro, mas eram capazes de seguir instruções do tipo: Se “A” acontecer, então faça “B”. Os programas de nova geração, que atendiam coletivamente pelo nome de “sistemas especialistas” (um termo mais feliz do que “inteligência artificial”) pelo seu alto grau de sofisticação, eram atualizados diariamente com os valores de certos parâmetros, a partir dos quais extrapolavam eletronicamente o estado de segmentos inteiros do mercado. Balancetes trimestrais, tendências da indústria, mudanças em cargos de direção, tudo isso recebia valores numéricos e era incorporado a bancos de dados dinâmicos que os sistemas especialistas consultavam para tomar suas decisões, sem nenhuma intervenção humana.
Naquele caso, a queda brusca e violenta da cotação das ações do Citibank foi interpretada pelos computadores como um sinal de que deviam se desfazer de ações de outros bancos. Os computadores lembraram-se de que as ações do Chemical Bank também tinham caído alguns pontos na semana anterior; nas três instituições que usavam o mesmo programa, essas ações logo caíram um ponto e meio. Essa queda das ações do Chemical Bank, combinada com a queda das ações do Citibank, atraiu a atenção de outros sistemas especialistas que usavam as mesmas rotinas mas diferentes bancos de dados, fazendo com que o efeito se espalhasse por todo o sistema.
Entre os grandes bancos, o Manufacturers Hanover foi a vítima seguinte.
Agora, os programas estavam consultando seus protocolos internos para saber qual seria a provável reação do mercado depois que todas as ações de bancos tivessem desabado.
Com o dinheiro conseguido com a venda das obrigações do Tesouro, o Columbus começou a comprar ouro, tanto sob a forma de ações como no mercado futuro, iniciando uma tendência geral para vender papel-moeda e comprar metais preciosos. Essa tendência também foi detectada pelos analistas, tanto humanos quanto eletrônicos. Em todos os casos, o panorama observado foi o mesmo: uma tendência de venda de obrigações de governo, um aumento brusco da Taxa Básica de Juros, uma tendência de queda do dólar e das ações de bancos e uma tendência de alta dos metais preciosos. No conjunto, esses indicadores anunciavam um aumento da taxa de inflação, e a inflação tinha um efeito funesto sobre o mercado acionário; não era preciso ter inteligência artificial para saber disso. A situação ainda não parecia muito grave, nem para os programas de computador nem para os analistas humanos, mas todos acompanhavam com atenção as tendências do mercado, e todos queriam estar um passo à frente para proteger os investimentos pessoais e os dos clientes.
Aquela altura, o mercado de ações já fora seriamente afetado. Meio bilhão de dólares, despejados na hora certa, haviam abalado outros dez. Os gerenciadores do eurodólar que tinham sido chamados de volta a seus escritórios não estavam em condições de tomar decisões racionais. A situação do mercado internacional nos últimos tempos andara muito confusa, e agora, de volta aos escritórios, cada um perguntou aos outros o que estava acontecendo, apenas para descobrir que grande quantidade de obrigações do Tesouro dos Estados Unidos tinha sido vendida por um valor muito abaixo do mercado, e que a tendência estava continuando, agora apoiada por uma das maiores instituições americanas. Mas por quê?, perguntavam todos. Precisavam de mais informações, e se concentraram nas notícias procedentes dos Estados Unidos. Depois de franzir a testa e sacudir a cabeça várias vezes, esses analistas, ainda muito confusos, decidiram recorrer aos sistemas especialistas para saber o que fazer, porque simplesmente não conseguiam entender a razão por trás das últimas tendências.
Mas isso na verdade era secundário, não era? O que havia de concreto era que as obrigações do Tesouro estavam caindo, e o Fed acabara de aumentar a Taxa Básica de Juros. No momento, decidiram, na falta de uma orientação por parte dos seus governos e bancos centrais, o melhor era não comprar obrigações do Tesouro dos Estados Unidos. Também começaram a examinar a possibilidade de vender parte das suas reservas em ações, porque tudo indicava que a tendência era de baixa em todas as bolsas de valores.
— ... entre o povo da Rússia e o povo dos Estados Unidos — concluiu o presidente Grushavoy, respondendo ao discurso do presidente Durling, como exigia o protocolo. Todos brindaram à amizade entre as duas nações.
Ryan se contentou com dois goles de vodca. Mesmo com aqueles cálices minúsculos, era possível se embebedar, já que havia garçons em toda parte para tornar a enchê-los, e a festa mal começara. Jamais comparecera a uma cerimônia oficial tão... descontraída. Toda a comunidade diplomática estava ali... ou pelo menos os embaixadores de todos os países importantes tinham comparecido. O embaixador do Japão, em particular, parecia muito contente, circulando de mesa em mesa para trocar amenidades com os convidados.
O próximo a falar foi Henson, o secretário de Estado, que brindou ao Ministério do Exterior da Rússia, comemorando a cooperação dos russos não só com os Estados Unidos, mas também com a Europa Ocidental. Jack consultou o relógio: eram 10:03, hora local. Já bebera três drinques e meio, mas mesmo assim se considerava a pessoa mais sóbria da festa. Cathy parecia um pouco alta. Isso não acontecia fazia muito tempo, e sabia que seria motivo para gozá-la durante muito tempo.
— Jack, você não gosta de vodca? — perguntou Golovko.
Ele também estava bebendo muito, mas parecia acostumado.
— Não quero dar nenhum vexame — explicou Ryan.
— Duvido que você seja capaz — replicou o russo.
— Você diz isso porque não é casado com ele — observou Cathy, piscando o olho.
— Você deve estar maluco — disse um corretor para o seu computador em Nova York.
Sua firma gerenciava vários fundos de pensão, responsáveis pela poupança de mais de um milhão de operários. Depois de almoçar na sua delicatessen favorita, estava oferecendo obrigações do Tesouro a preço de banana, obedecendo a ordens de cima, e não apareciam interessados. Por quê? Apareceu um pedido cauteloso de um banco francês, aparentemente para se garantir contra a pressão inflacionária sobre o franco. Era um negócio de apenas um bilhão, por 17/32 a menos que a cotação de abertura, o equivalente internacional a um assalto a mão armada. Entretanto, o Columbus, como ele pôde constatar no computador, aceitara a oferta, comprando os francos e transformando-os quase de imediato em marcos.
Ainda digerindo um sanduíche de presunto, o homem sentiu como se o conteúdo do seu estômago tivesse se transformado em uma bola de chumbo.
— O pessoal está se livrando dos dólares? — perguntou à operadora a seu lado.
— É o que parece — respondeu a moça.
Em uma hora, as opções do dólar no mercado futuro tinham caído da porcentagem máxima permitida para o dia, depois de terem subido durante toda a manhã.
— Quem foi?
— Não, sei, mas certamente ferrou o Citibank. O Chemical está caindo, também.
— Algum tipo de correção? — especulou. Correção do quê? Para quê? O que devo fazer? Vender? Esperar? Ele tinha que tomar alguma decisão. Precisava proteger a poupança dos clientes, mas o mercado estava se comportando de uma forma que não conseguia compreender. A Bolsa entrara pelo cano, e ele não sabia por quê. Para fazer o seu trabalho, precisava saber.
— Anda rumando para oeste a nosso encontro, Shoho — disse o comandante de operações da esquadra ao almirante Sato. — Devem aparecer no nosso radar a qualquer momento.
— Hai. Obrigado, Issa — respondeu Sato, com um ar de contrariedade na voz.
Queria dar essa impressão. Os americanos tinham sido os vencedores do exercício, o que não era nenhuma surpresa. Nem era de espantar que os tripulantes o vissem deprimido. Depois de todos os ensaios e treinamentos, tinham sido teoricamente dizimados, e o ressentimento que sentiam, embora não fosse muito correto, era perfeitamente humano. Mais uma vez, pensaram. Mais uma vez os americanos derrotaram-nos. Isso era algo que deixava o comandante da esquadra muito satisfeito. O moral dos comandados era uma das coisas mais importantes da operação, que, sem que os tripulantes soubessem, não terminara, mas na verdade ainda estava para começar.
O movimento que começara com as obrigações do Tesouro estava agora afetando todas as ações de bancos negociadas na Bolsa, o suficiente para que o presidente do Citibank convocasse uma entrevista coletiva para protestar contra o colapso das ações do banco, chamando atenção para o último balancete e para a excelente situação financeira em que se encontrava um dos maiores bancos do país. Ninguém lhe deu ouvidos. Teria sido melhor se desse alguns telefonemas a alguns financistas influentes, mas provavelmente isso também não adiantaria muito.
O único banqueiro que poderia salvar a situação estava fazendo um discurso em um clube no centro da cidade quando seu bip começou a tocar.
Era Walter Hildebrand, presidente da filial de Nova York do Federal Reserve Bank e segundo em importância para o homem que dirigia a matriz em Washington. Um homem de grande fortuna pessoal, obtida por herança, mas que mesmo assim começara de baixo no mercado financeiro (embora morasse em um confortável apartamento de doze cômodos), Hildebrand também fizera por merecer o cargo atual, que considerava como uma excelente oportunidade para servir ao público. Depois de concluir o discurso sobre as consequências da Reforma do Comércio, olhou para o bip, que avisava que ligasse para o escritório. Entretanto, o escritório ficava a apenas alguns quarteirões de distância e decidiu voltar a pé para lá em vez de telefonar. Se tivesse telefonado, receberia instruções para se dirigir imediatamente à Bolsa de Valores. Entretanto, isso não teria feito nenhuma diferença.
Hildebrand saiu sozinho do prédio. Estava um dia lindo de sol, ideal para caminhar. Não se dera ao trabalho de contratar um guarda-costas, como muitos dos antecessores, mas tinha licença para andar armado, e às vezes levava uma pistola no bolso.
As ruas da parte sul de Manhattan são estreitas e movimentadas, tomadas principalmente por caminhões de entrega e táxis pintados de amarelo que se projetam de esquina em esquina como carros de corrida.
As calçadas também eram estreitas e apinhadas. Os pedestres eram forçados a seguir um caminho tortuoso, com muitos desvios. A parte mais livre da calçada quase sempre era a mais próxima do meio-fio e foi por ali que Hildebrand seguiu, caminhando o mais depressa que as circunstâncias permitiam, pois estava ansioso para chegar ao escritório. Não notou que estava sendo seguido por um homem bem vestido, de cabelos escuros e rosto inexpressivo. Era apenas uma questão de esperar pelo momento certo, que, dado o tráfego intenso, teria de ocorrer mais cedo ou mais tarde. O homem moreno sentiu-se aliviado, pois preferia não usar a pistola para o serviço. Não gostava de fazer barulho. O barulho chamava a atenção.
Alguém podia se lembrar do seu rosto, e embora pretendesse estar em um avião a caminho da Europa em pouco mais de duas horas, sempre era melhor agir com prudência. Assim, olhou para um lado e para o outro, observando os veículos e escolhendo cuidadosamente a ocasião.
Estavam chegando à esquina de Rector com Trinity. O sinal à frente ficou verde, permitindo que os automóveis avançassem mais cinquenta metros. Em seguida, o sinal de trás também abriu, liberando a energia represada de uma quantidade razoável de veículos. Alguns eram táxis, que arrancaram mais depressa do que os outros, porque adoravam mudar de pista. Um táxi amarelo adiantou-se aos demais e tomou a pista da direita.
Uma situação perfeita. O homem moreno apressou o passo até se colocar logo atrás de Hildebrand, e tudo que teve a fazer foi empurrá-lo. O presidente do Fed de Nova York tropeçou no meio-fio e caiu na rua. O motorista do táxi pisou fundo no freio e tentou desviar-se, mas não havia tempo. Apesar de tudo, o banqueiro teve sorte. Os freios do táxi tinham sido regulados fazia pouco tempo, e ele estava a menos de trinta quilômetros por hora quando atropelou Walter Hildebrand, o suficiente apenas para arremessá-lo contra um poste de luz, quebrando-lhe a coluna. Um policial do outro lado da rua assistiu à cena e chamou uma ambulância pelo rádio portátil.
O homem moreno misturou-se à multidão e dirigiu-se para a estação de metrô mais próxima. Não sabia se o homem estava morto ou não. A pessoa que encomendara o serviço dissera-lhe que não havia necessidade de matá-lo, o que lhe parecera muito estranho. Era o primeiro banqueiro que alguém estava interessado apenas em ferir, não em matar.
Quando o guarda se aproximou do homem caído, notou que o bip estava tocando. Decidiu ligar para o número indicado assim que a ambulância chegasse. Sua preocupação no momento era acalmar o motorista de táxi, que insistia em que não tivera culpa nenhuma no acidente.
Os sistemas especialistas “sabiam” que sempre que as ações dos bancos caíam bruscamente, as pessoas perdiam a confiança no sistema e tratavam de retirar o dinheiro dos bancos que lhes pareciam mais vulneráveis. Isso forçava os bancos a aumentar a pressão sobre os devedores ou, o que era mais importante para os sistemas especialistas e sua capacidade de prever as tendências do mercado antes dos concorrentes, a liquidar seus ativos financeiros para atender aos depositantes que queriam seus depósitos de volta. Os bancos em geral investiam com cautela no mercado de ações, limitando-se a blue chips e a ações de outros bancos; por isso, de acordo com os computadores, era de esperar que a próxima onda de baixas atingisse as ações mais negociadas, especialmente as trinta cujas cotações eram usadas para calcular a Média Industrial Dow Jones. Como sempre, o importante para as instituições financeiras era detectar a tendência e agir bem rápido, preservando assim o patrimônio dos fundos que administravam. Entretanto, como todas as instituições usavam praticamente os mesmos sistemas especialistas, era inevitável que chegassem às mesmas conclusões e agissem praticamente ao mesmo tempo. Ao avistarem um relâmpago relativamente próximo da manada, todos os bois começavam a se mover na direção oposta, devagar a princípio, mas sempre na mesma direção.
Os operadores da Bolsa sabiam o que estava para acontecer. Acostumados a receber ordens de compra e venda geradas por computadores, podiam prever com exatidão o que os computadores fariam no momento seguinte.
A coisa está preta, foi o que se murmurou o tempo todo nas três salas de operação. A própria previsibilidade do fenômeno deveria ter sido uma indicação da sua gravidade, mas era difícil para os caubóis manter-se afastados da boiada para tentar encontrar um meio de dirigi-la, contê-la, acalmá-la, em vez de serem pisoteados por ela. Se houvesse uma queda considerável, todos sairiam perdendo, pois suas firmas operavam com uma margem de lucro muito estreita.
O presidente da NYSE estava agora na galeria, olhando para baixo, imaginando por que Walt Hildebrand ainda não chegara. Era dele que estavam precisando; todos ouviam o que Walt tinha a dizer. Pegou o telefone celular e ligou novamente para o escritório do homem, mas a secretária informou-lhe que Walt ainda não voltara da sua palestra. Sim, chamara pelo bip, mas não recebera nenhuma resposta.
Pôde ver a coisa começar. Os operadores corriam de um lado para outro; o ruído no pregão atingia níveis ensurdecedores. Quando as pessoas começavam a gritar, era sempre mau sinal. As blue chips, cujas abreviações de três letras conhecia tão bem quanto os nomes dos filhos, eram responsáveis no momento por mais de um terço dos negócios, e suas cotações estavam caindo rapidamente. Foram necessários apenas vinte minutos para que o Dow caísse cinquenta pontos; por mais brusca que fosse a queda, foi encarada com um certo alívio. Automaticamente, os computadores da Bolsa de Valores de Nova York pararam de aceitar ordens de venda geradas por computadores. O limite de cinquenta pontos era chamado de “quebra-molas”. Estabelecido após a crise de 1987, tinha por objetivo reduzir a velocidade das negociações ao ritmo humano. Entretanto, os responsáveis pela medida tinham-se esquecido de que nada impedia os corretores de receber instruções dos computadores (já não se davam ao trabalho de chamá-las de recomendações) e enviar as ordens de venda por telefone, telex ou correio eletrônico. Assim, tudo que o quebra-molas conseguiu foi interromper as transações por um curto período de tempo. Depois de um hiato de não mais que um minuto, o movimento voltou aos níveis anteriores, com a mesma tendência de baixa.
Àquela altura, o pânico já atingira toda a comunidade financeira, refletindo-se na atmosfera tensa e nas conversas em voz baixa que estavam ocorrendo em todas as empresas de investimentos. A CNN colocou no ar uma transmissão ao vivo a partir da galeria que dava para a antiga garagem da NYSE. O mapa das cotações, mostrado no programa “Headline News”, contou a história para investidores que também gostavam de acompanhar acontecimentos mais mundanos. Para outros, havia agora um ser humano de verdade para informar que a Média Industrial Dow Jones caíra cinquenta pontos em um piscar de olhos e acabava de cair mais vinte pontos, sem nenhuma previsão de recuperação. Seguiram-se perguntas do âncora de Atlanta, e especulações quanto às possíveis causas do fenômeno. A repórter, que não tivera tempo para fazer uma boa pesquisa, decidiu improvisar. O dólar estava caindo no mundo inteiro, apesar dos esforços do Fed para sustentar a cotação. Agora todos sabiam o que estava acontecendo, ou pensavam que sabiam, e o público fora envolvido no estouro da boiada.
Embora os especialistas em investimentos se considerassem superiores ao público em geral por conhecer as minúcias do sistema financeiro, a verdade era que reagiam basicamente da mesma forma. Os leigos aceitavam sem discussão o fato de que a alta do Dow era sinal de que as coisas iam bem, e a queda do Dow era sinal de que as coisas iam mal. Os especialistas, que julgavam compreender o sistema, na prática faziam a mesma coisa.
Podiam conhecer melhor como funcionava o mercado, mas tinham se esquecido dos valores em que se baseava. Para eles, como para o público em geral, a realidade eram as tendências, e cada vez mais expressavam suas previsões em termos de indicadores numéricos que, com o passar dos anos, tinham se tornado cada vez mais divorciados das ações que se propunham representar. Cautelas de ações não eram, afinal, uma abstração teórica, mas certificados de cotas de propriedade de empresas que tinham existência material. Com o tempo, os “cientistas de foguetes” que frequentavam o pregão tinham se esquecido desse fato, e por mais competentes que se mostrassem no uso de modelos matemáticos e nas análises de tendências, o valor real das entidades que negociavam era totalmente irrelevante para eles. Na verdade, os fatos tinham se tornado mais teóricos do que a teoria que agora estava desmoronando diante dos seus olhos. Na falta de um fundamento para o que estavam fazendo, na ausência de uma âncora a que se pudessem agarrar para resistir à tempestade que varria o pregão e todo o sistema financeiro, simplesmente não sabiam o que fazer, e os poucos funcionários graduados que podiam fazer alguma coisa não tinham tempo nem argumentos para acalmar os jovens operadores.
Nada daquilo fazia o menor sentido. O dólar deveria ser suficientemente forte para resistir a qualquer queda momentânea. O Citibank acabara de divulgar um balancete que, se não era maravilhoso, podia ser considerado satisfatório, e o Chemical Bank recuperara a saúde financeira depois de algumas mudanças estruturais, mas as ações dos dois bancos estavam caindo muito rápido. Os programas dos computadores diziam que, de acordo com os indicadores, as coisas iam muito mal, e os sistemas especialistas não podiam errar, podiam? Eles se baseavam em informações concretas e sempre tinham sido capazes de prever o futuro melhor do que as pessoas.
Os analistas financeiros acreditavam nos modelos, apesar de não compreenderem as razões que os tinham levado a conclusões tão pessimistas; exatamente da mesma forma, os cidadãos comuns assistiam aos noticiários da TV e sabiam que o mercado estava passando por uma grave crise, embora não entendessem o que provocara a crise, nem o que poderiam fazer para se proteger.
Os “profissionais” do ramo não estavam muito melhor do que os cidadãos comuns que acompanhavam os acontecimentos pelo rádio ou pela TV. Na verdade, sua situação era ainda pior. Conhecer os modelos matemáticos tornara-se para eles uma desvantagem. Para os cidadãos comuns, a situação era incompreensível, e não havia nada que pudessem fazer, de modo que se comportavam como meros espectadores. A maioria dava de ombros, pensando que não tinha nada com o assunto, já que não especulava com ações. Na verdade, não era bem assim. Os bancos, companhias de seguros e fundos de pensões, que aplicavam o dinheiro do público, mantinham imensas carteiras de ações. Essas instituições eram administradas por ”profissionais”, que, com base em sua formação e experiência, sabiam que a situação era grave. Por isso, entraram em pânico, iniciando um processo que logo chegaria ao conhecimento dos cidadãos comuns. Foi então que começaram os telefonemas dos acionistas individuais, acentuando ainda mais a crise.
A situação, que já era séria, tornou-se desesperadora. Os primeiros telefonemas foram de pessoas idosas, que tinham assistido aos noticiários diurnos de TV e estavam assustadas com as últimas notícias. Muitos tinham investido todas as economias em fundos de ações, porque rendiam mais do que as cadernetas de poupança. (Era exatamente por isso que os bancos também tinham entrado no mercado de ações.) Os fundos de ações estavam tendo grandes prejuízos, e embora as quedas no início estivessem limitadas praticamente às blue chips, quando os clientes começaram a se desfazer de suas cotas, as instituições tiveram que vender outras ações para compensar as perdas sofridas. Basicamente, o que estavam fazendo era liquidar as ações cujas cotações ainda não tinham despencado até aquela altura, um processo conhecido como “jogar fora dinheiro bom depois do dinheiro podre”. Era uma descrição quase perfeita do que tinham de fazer.
A consequência inevitável foi uma corrida generalizada, que resultou em uma queda nas cotações de todas as ações negociadas em todas as bolsas do país. As três horas da tarde daquele dia, o Dow tinha caído cento e setenta pontos. Os piores resultados eram os das quinhentas empresas cujas ações entravam no índice Standard and Poor, mas o índice Composto da NASDAQ era o que apresentava a maior queda, uma consequência da venda maciça de cotas de fundos de ações por parte do público em geral.
Os presidentes das bolsas realizaram uma conferência por telefone com a diretoria da Securities and Exchange Commission em Washington, e durante os primeiros dez minutos de confusão todas as vozes exigiam respostas às mesmas perguntas que os outros estavam fazendo. Nada de concreto resultou da conferência. Os funcionários do governo pediram informações atualizadas; estavam interessados em saber a que distância a boiada se encontrava da beira do abismo e com que rapidez se aproximava do precipício, mas não se mostraram dispostos a contribuir para salvar o rebanho. O presidente da NYSE teve de se conter para não suspender o pregão. Durante o tempo que levou a conferência, apenas vinte minutos, o Dow caiu mais noventa pontos, passando rápido pela marca dos duzentos pontos de queda e aproximando-se dos trezentos. Depois que os diretores da SEC se despediram para realizar uma conferência interna, os presidentes das bolsas violaram os regulamentos e mantiveram uma conversa reservada para tentar encontrar alguma solução para a emergência, mas, apesar de toda a experiência que possuíam, nenhuma ideia viável foi proposta.
Em todo o país, os investidores estavam agora esperando ao telefone.
Aqueles cujos fundos eram administrados por bancos tiveram uma notícia desagradável. Sim, seu dinheiro estava aplicado em bancos. Sim, o dinheiro depositado nesses bancos estava protegido por um seguro federal. Não, o seguro não incluía os fundos de ações desses bancos. Não eram apenas os juros das aplicações que estavam em perigo, mas o próprio capital. Ao ouvir isso, as pessoas, em geral, ficavam uns dez segundos em silêncio; muitas desligavam e corriam aos bancos para raspar suas contas.
As cotações da NYSE já estavam sendo divulgadas com quatorze minutos de atraso, apesar dos computadores de alta velocidade usados para processar as transações. Poucas ações tinham valorizado, mas apenas as associadas a metais preciosos. Todas as outras apresentavam quedas acentuadas. A Cummings, Cantor e Cárter, uma firma com mais de cento e vinte anos de existência, ficou totalmente sem reservas, forçando o presidente da empresa a ligar para a Merrill Lynch em busca de socorro. Isso colocou o presidente da Merryl Lynch em uma posição delicada. Como um dos mais sagazes e experientes profissionais do ramo, quase quebrara a mão fazia meia hora de tanto socar a mesa exigindo respostas que ninguém podia lhe fornecer. Milhares de pessoas compravam ações, não só através da sua empresa, mas também da sua empresa, porque ela possuía uma reputação de solidez e integridade. O presidente podia ajudar um colega a se proteger contra uma onda de pânico sem nenhum fundamento ou podia se recusar, alegando que seria impróprio colocar em risco o dinheiro dos acionistas.
Era uma decisão difícil. Se não ajudasse a CC&.C, esta deixaria de honrar seus compromissos, o que contribuiria para aumentar o pânico que já dominava o mercado, fazendo com que perdesse rapidamente o dinheiro que poupara deixando de emprestar ao concorrente. Por outro lado, estender a mão à CC&.C seria apenas um gesto paliativo, que não resolveria coisa alguma e implicaria emprestar um dinheiro que na verdade não lhe pertencia.
— Que merda! — suspirou o presidente, olhando pela janela do escritório.
Um dos apelidos da empresa era “Manada em Disparada”. Pois a manada tinha mesmo disparado, e não havia como detê-la... Pesou sua responsabilidade para com os acionistas contra a responsabilidade para com o sistema financeiro em geral, do qual sua firma e todas as demais dependiam. Os acionistas vinham em primeiro lugar. Não podia ser de outra forma. Foi assim que uma das figuras mais importantes do setor financeiro ajudou a derrubá-lo no abismo.
O pregão da NYSE foi interrompido às 3:23 da tarde, quando a queda do Dow atingiu o máximo permitido de quinhentos pontos. Esse número refletia apenas as cotações de trinta ações; outras ações tinham caído ainda mais do que as blue chips. O painel levou trinta minutos para mostrar as cotações de fechamento. Durante esse tempo, manteve a ilusão de atividade, enquanto os operadores se entreolhavam em silêncio, pisando em um assoalho tão coberto de papéis, que parecia haver nevado. Era sexta-feira, pensavam. O dia seguinte era sábado. Estariam em casa. Teriam tempo para respirar fundo e pensar. Talvez fosse isso que estava faltando; pensar um pouco. Nada parecia fazer sentido. Muita gente fora prejudicada, mas o mercado reagiria; com o tempo, os que tivessem coragem de se manter no sistema recuperariam o que haviam perdido. Isso, repetiam para si mesmos, se as pessoas conservassem a serenidade e não acontecesse mais nenhuma loucura.
Estavam certos.
Na Depository Trust Company, os empregados estavam exaustos, com as gravatas frouxas nos colarinhos, e visitavam frequentemente os banheiros por causa das doses cavalares de café e refrigerante que tinham ingerido durante a mais frenética das tardes, mas havia alguns consolos. Como o pregão fora encerrado de forma prematura, podiam começar logo o trabalho e ir mais cedo para casa. Com as bolsas fechadas, os computadores tinham passado para outro modo de operação. As gravações em fita das transações do dia começaram a ser lidas e processadas. Eram quase seis horas da tarde quando um alarma soou em uma das estações de trabalho.
— Rick, estou com um problema! Rick Bernard, o controlador do sistema, aproximou-se e examinou a tela do monitor para verificar o que acontecera.
A última transação que puderam identificar, executada exatamente ao meio-dia, envolvia ações da Adas Milacron, uma firma de máquinas-ferramentas que recebia muitas encomendas das fábricas de automóveis: seis mil ações a 48 ½. Como a Atlas era negociada na Bolsa de Valores de Nova York, suas ações eram identificadas por uma abreviação de três letras, AMN.
A NASDAQ usava abreviações de quatro letras.
Os lançamentos que se seguiam à AMN 6000 48 ½ eram AAA 4000 67 1/8 e AAA 9000 51 ¼. Na verdade, fazendo rolar a tela, o controlador constatou que todos os lançamentos realizados depois de 12:00:01 mostravam a mesma abreviação, AAA, que não correspondia a nenhuma empresa registrada na bolsa.
— Vamos mudar para Beta. — Sugeriu Bernard. O sistema começou a ler a primeira fita do computador de reserva.
— Que droga!
Em cinco minutos, os seis computadores tinham sido testados. Em nenhum deles as transações realizadas depois de meio-dia tinham sido registradas corretamente. Nenhuma corretora, instituição financeira ou investidor privado podia saber o que comprara ou vendera, a quem ou de quem, e por quanto, e portanto ninguém podia saber de quanto dinheiro dispunha para outras transações ou mesmo para as compras de supermercado do fim de semana.
20
O TERCEIRO GOLPE
A festa terminou depois da meia-noite. A atração oficial era uma exibição de balé. O Bolshoi não perdera sua magia, e os convidados tinham a oportunidade de ver os bailarinos muito mais de perto do que no teatro, mas finalmente todos ficaram com a mão vermelha de tanto aplaudir, e os seguranças começaram a acompanhar as personalidades até a porta. Quase todos caminhavam com dificuldade. Ryan constatou, sem muita surpresa, que era a pessoa mais sóbria em toda a festa, incluindo a esposa.
— O que achou, Daga? — perguntou Ryan à agente especial Helen D’Agustino, enquanto seu guarda-costas ia buscar os casacos.
— Pelo menos desta vez, podiam ter me deixado participar da festa — observou a moça, com ar desapontado.
— Oh, Jack, amanhã vou acordar com uma dor de cabeça horrível! — queixou-se Cathy.
— Não foi por falta de aviso, querida. Além do mais, já é amanhã — acrescentou Ryan, piscando o olho.
— Com licença. Preciso cuidar do SALTADOR — disse Helen, usando o nome de código do presidente, uma homenagem aos seus dias de paraquedista.
Ryan ficou surpreso ao ver um americano de terno e gravata à espera do lado de fora (o traje para o jantar tinha sido smoking, uma mudança recente na etiqueta russa).
— O que deseja?
— Dr. Ryan, preciso falar com urgência com o presidente.
— Cathy, quer esperar aqui um minuto? Siga-me — acrescentou, dirigindo-se ao funcionário da embaixada.
— Oh, Jack... — protestou a esposa.
— Trouxe a mensagem por escrito? — perguntou Ryan, estendendo a mão.
— Aqui está.
Ryan leu o que estava escrito no fax sem parar de andar.
— Minha nossa! Vamos logo! O presidente Durling ainda estava conversando com o presidente Grushavoy quando Ryan apareceu, acompanhado de perto pelo funcionário da embaixada.
— Uma festa e tanto, Jack — comentou Roger Durling, satisfeito. De repente, sua expressão mudou. — Problemas? Ryan fez que sim com a cabeça, assumindo o papel de conselheiro.
— Precisamos de Brett e Buzz, presidente, sem perda de tempo.
— Ali estão.
O radar SPY-1D do Mutsu mostrava na tela os primeiros navios da formação americana. O contra-almirante (Shoho) Sato olhou para o chefe de operações com uma expressão que não significava nada para os outros ocupantes da ponte mas queria dizer muita coisa para o comandante (Issa), que também estava a par do real propósito da operação PARCEIROS NO MAR Agora estava na hora de discutir o assunto com o comandante do contratorpedeiro. As duas formações se encontravam a uma distância de 140 milhas náuticas e se encontrariam no final da tarde, pensaram os dois oficiais, imaginando como o comandante do Mutsu reagiria à novidade.
Não que tivesse alguma escolha.
Dez minutos depois, um socho, ou suboficial, foi até o convés verificar o lançador de torpedos Mark 68 instalado a bombordo. Depois de abrir uma janela de inspeção, testou eletronicamente os três “peixes” alojados nos tubos. Satisfeito com os resultados, fechou a janela de inspeção, abriu as janelas de popa dos três tubos e removeu as travas de segurança dos hélices dos três torpedos Mark 50. O socho era um veterano com mais de vinte anos de serviço e completou a tarefa em menos de dez minutos. Em seguida, recolheu as ferramentas e foi até a amurada de boreste repetir o trabalho no outro lançador de torpedos. Não sabia por que estava fazendo aquilo, nem lhe ocorrera perguntar.
Mais dez minutos, e o Mutsu entrou em prontidão de voo. Graças a uma modificação do projeto original, o contratorpedeiro contava agora com um hangar telescópico que lhe permitia transportar um helicóptero antissubmarino SH-60J, que podia ser usado também em missões de observação.
A tripulação teve de ser acordada e a aeronave preparada para voar, o que levou quase quarenta minutos, mas finalmente o helicóptero decolou.
Depois de sobrevoar os navios japoneses por alguns minutos, dirigiu-se para a formação americana, que ainda rumava para oeste a dezoito nós. A imagem de radar era transmitida para o Mutsu, a nau capitânia.
— Ali estão os dois porta-aviões, a três quilômetros um do outro — observou o comandante, mostrando os pontos na tela.
— Já conhece suas ordens, comandante — disse Sato.
— Hai — respondeu o comandante do Mutsu, guardando sua opinião para si próprio.
— O que houve, afinal? — perguntou Durling.
Estavam reunidos em um canto, protegidos por seguranças russos e americanos.
— Parece que aconteceu um grande tumulto na Street — respondeu Ryan, o único que tivera algum tempo para refletir sobre os acontecimentos. Não era exatamente uma análise sutil.
— Qual foi a causa? — quis saber Fiedler.
— Anda não sabemos — respondeu Jack, olhando em volta para ver se o café, que encomendara já estava chegando. Precisava de café e os outros três mais ainda.
— Jack, entre nós, você é o que tem mais experiência no mercado financeiro — lembrou Fiedler, o secretário do Tesouro.
— Trabalhei apenas com pequenas empresas, Buzz. — O conselheiro de Segurança Nacional fez uma pausa e apontou para as folhas de fax. — Ainda não temos muitas informações. Parece que alguém ficou nervoso com as obrigações do Tesouro. Ao mesmo tempo, tinha gente ganhando dinheiro com as flutuações relativas do dólar e do iene, e as coisas saíram um pouco de controle.
— Um pouco? — repetiu Brett Henson, apenas para que os outros tomassem conhecimento da sua presença.
— Escute, o Dow sofreu uma grande queda, mas as pessoas têm dois dias para se recuperar do golpe. Isso já aconteceu antes. Vamos voltar para casa amanhã à noite, certo?
— Precisamos fazer alguma coisa já — afirmou Fiedler.
— Que tal uma declaração oficial? Algo bem geral e tranquilizador — sugeriu Ryan. — O mercado é como um avião. Pode voar praticamente sozinho, se ninguém atrapalhar.
O secretário Bosley Fiedler (o apelido Buzz remontava ao tempo em que jogara beisebol na Little League) era um teórico. Escrevera vários livros a respeito do sistema financeiro americano sem jamais ter trabalhado nele.
A vantagem era que estava em condições de abordar os problemas econômicos com uma visão histórica, abrangente. Sua especialidade era política monetária. A desvantagem, pensou Ryan, era que Fiedler não conhecia de perto o mercado acionário e por isso não confiava na sua reação, o que explicava o fato de haver pedido imediatamente a opinião de Ryan. Mas isso era um bom sinal, não era? Ele era capaz de reconhecer o que não sabia. Por isso, todos o consideravam uma pessoa inteligente.
— Depois da última crise, introduzimos quebra-molas e outras salvaguardas no sistema, mas parece que foram insuficientes. Esta crise derrubou todas elas em menos de três horas — acrescentou o secretário do Tesouro, em tom preocupado, admirando-se, como bom teórico, do fato de as medidas não terem funcionado como deveriam.
E verdade. Vai ser interessante descobrir por quê. Não se esqueça, Buzz, de que isso já aconteceu antes.
Declaração — ordenou Durling, em tom lacônico.
Fiedler fez que sim com a cabeça e pensou por um momento antes de começar.
— Vamos dizer que o sistema é basicamente seguro. Dispomos de salvaguardas para todas as eventualidades. Não existe nenhum problema sério com o mercado nem com a economia americana. Afinal, estamos crescendo, não estamos? A LRC vai gerar pelo menos meio milhão de empregos na indústria no próximo ano. Isso é muita coisa, presidente. O que acha?
— Não tomamos mais nenhuma providência até chegarmos em casa? — perguntou Durling.
— É o que acho — respondeu Fiedler.
Ryan concordou com a cabeça.
— Está certo. Vá falar com Tish e mande a declaração o mais rápido possível.
Havia um número incomum de voos fretados, mas o Aeroporto Internacional de Saipan não era dos mais movimentados, apesar das longas pistas, e o crescimento dos negócios representava um aumento da receita. Além do mais, tratava-se de um fim de semana. Era provavelmente algum tipo de associação, pensou o chefe da torre de controle quando o primeiro dos 747 vindos de Tóquio se preparou para pousar. Ultimamente, Saipan se tornara um local muito mais popular entre os homens de negócios japoneses. Uma recente decisão judiciária derrubara um dispositivo constitucional que proibia os estrangeiros de comprar terras na ilha. Em consequência, mais da metade das propriedades já pertencia a estrangeiros, o que deixava irritados muitos dos nativos chamorros, mas não o suficiente para impedir que a maioria aceitasse o dinheiro e vendesse a terra. A situação estava piorando. Nos fins de semana, o número de japoneses em Saipan era maior que o de locais, e eles tratavam os donos da ilha como... nativos.
Muitos também devem estar indo para Guam — observou o operador de radar, examinando o tráfego aéreo.
Fim de semana. Golfe e pescarias — comentou o controlador da torre, ansioso para que terminasse seu turno. Os japoneses (não gostava muito deles) já não iam tanto à Tailândia para seus passeios sexuais. Muitos tinham voltado para casa com presentes desagradáveis daquele país. Bem, gastavam muito dinheiro em Saipan, e para o privilégio de fazê-lo naquele fim de semana tinham embarcado nos jumbos às duas da manhã...
O primeiro charter da JAL pousou às 4:30, hora local. Quando chegou ao final da pista, outro avião já se preparava para descer. O comandante Torajiro Sato fez uma curva para a direita e olhou em volta para ver se tudo estava em ordem. Não esperava nada fora do comum, mas em uma missão como aquela... Missão.7, perguntou-se. Era uma palavra que não usava desde o tempo em que pilotava um F-86 da Força de Autodefesa Aérea. Se tivesse ficado, certamente já seria um sho; talvez estivesse no comando de toda a Força Aérea. Não teria sido maravilhoso? Em vez disso..., em vez disso voltara à vida civil e conseguira um emprego na Japan Air Lines, na época muito mais respeitada. Odiara esse fato na ocasião, e agora esperava que mudasse para sempre. A aviação militar do seu país tinha de ser uma Força Aérea, mesmo que comandada por alguém menos experiente do que ele.
Sua vocação ainda era de piloto de caça. Não havia oportunidades para fazer muita coisa interessante com um 747. Passara por uma séria emergência oito anos antes, uma falha hidráulica parcial, e soubera contorná-la com tanta habilidade, que os passageiros nem ficaram sabendo. Seu feito agora fazia parte da rotina do treinamento em simulador dos comandantes dos 747. No restante do tempo, lutava pela perfeição. Tornara-se uma espécie de símbolo em uma linha aérea conhecida internacionalmente pela qualidade dos seus serviços. Podia interpretar os mapas do tempo como uma cartomante, escolher a faixa de piche da pista onde os pneus do trem de pouso tocariam o solo e nunca chegara com um atraso maior do que três minutos.
Mesmo taxiando na pista, dirigia a gigantesca aeronave como se fosse um carro esporte. Foi o que aconteceu naquele dia, quando se aproximou do edifício do aeroporto, reduziu a potência dos motores, freou e parou exatamente no local assinalado.
— Boa sorte, Nisa — disse ao tenente-coronel Seigo Sasaki, que se sentara a seu lado durante o pouso, observando o solo em busca de algo incomum.
O comandante do grupo de operações especiais dirigiu-se para a parte traseira do avião. Seus homens eram da Primeira Brigada Aerotransportada, originalmente baseada em Narashino. Havia duas empresas a bordo do 747, com um total de trezentos e oitenta homens. Sua primeira missão era assumir o controle do aeroporto. Esperava não encontrar resistência.
Os funcionários da JAL que esperavam no portão não sabiam de nada e ficaram surpresos ao constatar que todas as pessoas que saltaram do voo fretado eram homens, tinham mais ou menos a mesma idade e carregavam mochilas idênticas. Alguns levavam pranchetas com diagramas do aeroporto, pois não fora possível ensaiar a operação tão bem quanto gostariam.
Enquanto os encarregados da bagagem removiam os containers do bojo da aeronave, outros soldados dirigiram-se para o armazém e, ignorando os sinais de EMPLOYEES ONLY, começaram a desembalar os armamentos pesados. Ali perto, outro avião começou a ser descarregado.
O coronel Sasaki agora estava no meio do aeroporto, olhando para a direita e para a esquerda, observando os grupos de dez a quinze homens se dispersarem para realizar seu trabalho da forma mais discreta e ordeira possível.
— Com licença — disse um sargento, com toda a educação, a um sonolento guarda de segurança. O homem levantou os olhos e viu um sorriso; baixou os olhos e viu uma pistola. A boca do guarda se abriu comicamente, e o soldado desarmou-o sem luta. Em menos de dois minutos, os outros seis guardas que estavam de serviço no aeroporto foram também neutralizados. Um tenente comandou um pelotão até o escritório da segurança, onde mais três homens foram desarmados e algemados. Durante todo esse tempo, o coronel recebia mensagens lacônicas pelo rádio que o mantinham informado sobre o andamento da operação.
O chefe da torre voltou-se quando a porta foi aberta (não tinha sido muito difícil persuadir um guarda a entregar o cartão magnético e digitar a senha) e deparou com três homens armados com rifles automáticos.
— Que droga...
— Continue a trabalhar como se nada tivesse acontecido — disse um capitão, ou ishii. — Meu inglês é muito bom. Não tente nenhuma tolice — acrescentou, pegando o microfone e dizendo algumas palavras em japonês.
A primeira fase da Operação CABUL foi completada trinta segundos antes do previsto, sem uso de violência.
A segunda leva de soldados encarregou-se da segurança do aeroporto.
Esses homens usavam uniforme para que todos soubessem o que estava acontecendo, e tomaram posição em todas as entradas e pontos de controle, usando veículos oficiais para estabelecer pontos de segurança adicionais nas estradas de acesso ao aeroporto. Isso não era muito difícil, porque o aeroporto ficava na extremidade meridional da ilha e todas as estradas vinham do norte. O comandante do segundo destacamento substituiu o coronel Sasaki. Sua função seria controlar a chegada dos elementos restantes da Primeira Brigada Aerotransportada. Quanto ao coronel, tinha outras tarefas para cumprir.
Três ônibus do aeroporto aproximaram-se do edifício e o coronel Sasaki embarcou no último, depois de se certificar de que seus homens estavam em posição. Os ônibus dirigiram-se para o norte, passando pelo Dan Dan Golf Club, que ficava ao lado do aeroporto, e dobraram à esquerda para tomar a Cross Island Road, o que os levou a poucos metros da Praia da Invasão. A ilha de Saipan não é grande, e estava escuro (as lâmpadas de rua eram escassas), mas isso não foi suficiente para tranquilizar Sasaki. Ele precisava executar sua missão à risca para evitar uma catástrofe. O coronel consultou o relógio. Naquele momento, a primeira aeronave devia estar pousando em Guam, onde a possibilidade de uma resistência organizada era muito maior. Bem, isso era trabalho para a Primeira Divisão. Ele tinha seu próprio trabalho para fazer, e teria de ser feito antes de nascer o dia.
Rick Bernard telefonou primeiro ao presidente da Bolsa de Valores de Nova York, para expor o problema e pedir uma orientação. Depois de saber que não se tratava de um acidente, o homem recomendou que ele ligasse para o FBI, que ficava perto da Wall Street, no Javits Federal Office Building.
O funcionário mais antigo ali era um vice-diretor, que despachou um grupo de três agentes ao escritório principal da DTC.
— Qual é o problema? — perguntou um dos agentes.
A resposta levou dez minutos e foi seguida por uma ligação urgente ao vice-diretor.
O Orchid Ace já estava atracado por tempo suficiente para descarregar cem carros. Todos eles eram Toyota Land Cruiser. Tomar o escritório de segurança e seu único e sonolento guarda tinha sido mais uma operação sem derramamento de sangue, que permitiu que os ônibus entrassem no estacionamento do cais. O coronel Sasaki dispunha de homens suficientes nos três ônibus para colocar três soldados em cada veículo, e todos sabiam exatamente o que fazer. Agora que seus homens dispunham de meios de transporte apropriados, os postos de polícia em Koblerville e no Capitólio seriam os primeiros lugares a serem tomados. O coronel tinha uma missão particular no segundo local, na casa do governador.
Foi realmente uma coincidência Nomuri ter passado a noite na cidade. Ele se concedera uma noite de folga, o que era raro, e descobrira que o melhor meio de se recuperar de uma noite na cidade era dar uma passada na casa de banhos, algo que os ancestrais já sabiam havia mais ou menos mil anos.
Depois de se lavar, pegou uma toalha e se dirigiu para a piscina de água quente, onde a atmosfera saturada de umidade faria mais para curar sua ressaca do que várias aspirinas.
— Kazuo, o que faz aqui a essa hora? — observou o agente da CIA.
Estive trabalhando até agora — respondeu o homem, com um sorriso cansado.
Yamata-san deve ser um patrão muito exigente — observou Nomuri, escorregando lentamente para dentro da piscina.
O comentário tinha sido inocente, mas a resposta deixou-o de orelhas em pé.
— Nunca tinha visto a história acontecer diante dos meus olhos — disse Taoka, esfregando os olhos, sentindo os músculos relaxarem, mas ainda muito excitado depois de dez horas na Sala de Guerra.
— Pois minha história esta noite foi uma garota muito simpática — declarou Nomuri, levantando uma sobrancelha.
Uma garota de vinte e um anos, lembrou. Uma garota muito inteligente e requisitada, mas Nomuri era jovem como ela e talvez por isso preferisse conversar com ele. Não tinha nada a ver com dinheiro, pensou Chet, de olhos fechados, com um sorriso no rosto.
— Minha noite foi um pouco mais emocionante.
— É mesmo? Pensei que você tivesse dito que estava trabalhando.
Nomuri abriu os olhos com relutância. Kazuo encontrara algo mais interessante do que o sexo? — E estava.
Era algo no modo como dissera aquelas palavras.
— Kazuo, você começa a contar uma história, deve ir até o fim.
O outro riu e sacudiu a cabeça. — Eu não devia, mas logo vai estar em todos os jornais.
— O quê?
— Que esta noite o sistema financeiro americano entrou em colapso.
— É mesmo? O que aconteceu? O homem olhou para ele e disse, orgulhoso: — Fui um dos responsáveis.
Apesar de estar mergulhado em água a quarenta e dois graus, Nomuri sentiu um arrepio.
— Wakaremasen.
— Vai entender daqui a alguns dias. No momento, não posso dizer mais nada.
O japonês levantou-se e foi embora, muito satisfeito por ter compartilhado o segredo com o amigo. De que valia um segredo, afinal, se não se podia contá-lo a ninguém? Um segredo podia ser uma coisa maravilhosa, e um segredo tão importante, em uma sociedade como aquela, era uma coisa preciosa.
Que diabo está acontecendo?, perguntou-se Nomuri.
— Lá estão eles.
O vigia apontou e o almirante Sato levantou os binóculos para olhar.
Recortadas contra o céu azul do Pacífico, podia ver as pontas dos mastros dos primeiros navios. Fragatas FFG-7, provavelmente. A imagem no radar agora era bem clara: uma formação circular clássica, com fragatas na periferia, seguidas por contratorpedeiros, e no centro dois ou três cruzadores da classe Aegis, não muito diferentes da sua nau capitânia. Consultou o relógio. Os americanos tinham acabado de começar o turno da manhã.
Embora os navios de guerra sempre tivessem gente de serviço, os detalhes de trabalho eram sincronizados com a luz do sol; naquele momento, os marinheiros deviam estar se levantando, tomando banho e se preparando para o desjejum.
O horizonte visual estava a umas doze milhas náuticas de distância. Seu grupo de quatro navios rumava para leste a trinta e dois nós, a maior velocidade que eram capazes de manter por um tempo apreciável. Os americanos estavam viajando para oeste a dezoito nós.
— Mande uma mensagem luminosa para a formação: preparar navios.
A principal estação transmissora de Saipan ficava na Beach Road, perto do Motel Sun Inn, e era operada pela MTC Micro Telecom. Era uma instalação civil que não tinha absolutamente nada de especial; a única preocupação ao construir o edifício fora protegê-lo contra os tufões outonais que regularmente assolavam a ilha. Dez soldados, comandados por um major, entraram pela porta principal e se dirigiram ao guarda de segurança, que não tinha a menor ideia do que estava acontecendo e, mais uma vez, nem chegou a opor resistência. O detalhe de trabalho contava com um capitão especialista em sinais e comunicações. Tudo que teve a fazer foi apontar para os vários instrumentos da sala de controle. As transmissões para os satélites do Pacífico, que levavam mensagens de Saipan para os Estados Unidos, foram interrompidas, sem interferir com os outros sinais. Àquela hora, a ausência total de chamadas telefônicas do Japão para os Estados Unidos não chegou a causar surpresa. Levaria muito tempo para que as comunicações voltassem ao normal.
— Quem é o senhor? — perguntou a esposa do governador.
— Preciso falar com o seu marido — respondeu o coronel Sasaki. — É uma emergência.
As palavras do militar foram sublinhadas pelo primeiro tiro da noite, disparado por um dos guardas do edifício do Legislativo. Ele não atirou de novo (um sargento dos paraquedistas cuidou para que não repetisse a proeza) mas foi o suficiente para Sasaki franzir a testa, empurrar a mulher para o lado e entrar na casa. Viu o governador Comacho, vestido com um roupão.
— O que deseja? O senhor é meu prisioneiro — anunciou Sasaki, com três outros homens a seu lado para deixar claro que não era nenhum assaltante.
O coronel estava envergonhado. Nunca fizera nada parecido; embora fosse um soldado profissional, sua cultura, como muitas outras, não aprovava invadir a casa de outro homem, fosse qual fosse o motivo. Torceu para que os tiros que ouvira não tivessem matado ninguém. Seus homens tinham ordens para evitar ao máximo o derramamento de sangue.
— O quê? — perguntou Comacho, atônito.
Sasaki limitou-se a apontar para o sofá. — Sentem-se, por favor. Não temos intenção de machucá-los.
— O que está acontecendo? — perguntou o homem, mais aliviado ao perceber que ele e a esposa não estavam em perigo, pelo menos no momento.
— Esta ilha agora pertence ao meu país — explicou o coronel Sasaki.
Não era uma mudança muito grande, era? O governador tinha mais de sessenta anos; devia se lembrar do tempo em que a ilha pertencera ao Japão.
— Ele veio de longe — observou o comandante Kennedy, depois de receber a mensagem.
Tinham descoberto que o navio detectado pelo sonar era o Muroto, um cutter da Guarda Costeira do Japão que ocasionalmente participava de operações da esquadra, em geral servindo de alvo de treinamento. Uma magnânima embarcação, mas com o pequeno bordo livre que era típica dos vasos de guerra japoneses, dispunha de um guindaste na popa para recuperar torpedos de treinamento. Tudo indicava que o Kurushio pretendia aproveitar a operação PARCEIROS NO MAR para disparar alguns torpedos. Por que o Asheville não fora avisado? E novidade para mim, comandante — declarou o navegador, folheando o volumoso roteiro da operação. Não seria a primeira vez que alguém cometeu um engano. Kennedy se permitiu um sorriso. — Está bem, eles já foram massacrados. — Ligou o microfone. — Comandante, vamos repetir as últimas manobras, começando exatamente daqui a vinte minutos.
— Obrigado, comandante — foi a resposta que chegou pelo circuito de VHF.
— Desligo.
Kennedy colocou o microfone no lugar.
— Leme dez graus à esquerda, à frente um terço. Profundidade cem metros.
A tripulação obedeceu à ordem, fazendo com que o Asheville se deslocasse oito quilômetros para leste. Oitenta quilômetros a oeste, o USS Charlotte estava fazendo quase a mesma coisa, exatamente ao mesmo tempo.
A parte mais difícil da Operação CABUL seria em Guam. Aproximando-se do centésimo ano como possessão americana, era a maior ilha do arquipélago das Marianas e possuía um porto e instalações militares. Apenas dez anos antes, uma missão como aquela teria sido impossível. Naquela época, a ilha abrigava uma base de bombardeiros nucleares pertencentes ao extinto Comando Aéreo Estratégico. A Marinha dos Estados Unidos mantivera ali uma base de submarinos lança-mísseis, e as defesas das duas bases eram suficientes para garantir a segurança da ilha. Entretanto, as armas nucleares não existiam mais. Agora, a Base Aérea de Andersen, três quilômetros ao norte de Yigo, era pouco mais do que um aeroporto comercial, apoiando voos da Força Aérea Americana através do Pacífico. Não havia mais aeronaves sediadas na ilha, a não ser o jato executivo usado pelo comandante da base, uma relíquia do tempo em que o quartel-general da 13a Força Aérea ficava na ilha. Aviões-tanques que antes permaneciam estacionados em Guam agora eram formações transitórias que iam e vinham de acordo com as necessidades. O comandante da base era um coronel prestes a se reformar e que tinha apenas quinhentos homens e mulheres sob seu comando, técnicos em sua maioria. Havia apenas cinquenta homens armados da Polícia de Segurança da Força Aérea. A mesma coisa acontecera com a base da Marinha, cujo campo de pouso agora era o mesmo da Força Aérea. Os fuzileiros navais, que antes cuidavam da segurança por causa das armas nucleares, tinham sido substituídos por guardas civis, e o porto estava quase vazio. Mesmo assim, aquela era a parte mais delicada de toda a missão. As pistas de pouso da base de Andersen seriam essenciais para o restante da operação.
— Eles são muito bonitos — pensou Sanchez em voz alta, olhando de binóculo para os navios japoneses. — E mantêm uma formação perfeita.
Os quatro Kongo estavam a doze quilômetros de distância, rumando diretamente na direção dos americanos, observou o comandante do grupo de esquadrilhas.
— Enfeitaram as amuradas? — perguntou o controlador de tráfego aéreo.
Parecia haver uma linha branca no costado dos quatro contratorpedeiros.
— Estão nos prestando homenagem. — Sanchez pegou o fone e apertou o botão da ponte. — Comandante? Aqui é Bud. Parece que nossos amigos estão ficando cada vez mais formais.
— Obrigado, Bud.
O comandante do Johnnie Reb resolveu comunicar-se com o comandante do grupo de combate, a bordo do Enterprise.
— O quê? — perguntou Ryan, atendendo ao telefone.
— Vamos decolar daqui a duas horas e meia — repetiu a secretária do presidente. — O senhor deve estar pronto para partir em noventa minutos.
— Por causa de Wall Street7 Isso mesmo, Dr. Ryan. O presidente acha que quanto mais cedo voltarmos, melhor. Os russos já foram informados. O presidente Grushavoy compreendeu.
Está bem. Obrigado — disse Ryan, desapontado. Agora não teria mais tempo para se encontrar com Narmonov. Estendeu a mão para sacudir a esposa.
— Não quero nem saber — gemeu Cathy.
— Você pode dormir durante o voo. Precisamos estar prontos daqui a uma hora e meia.
— O quê? Por quê? — Vamos partir mais cedo — explicou Jack. — Problemas em casa. Mais uma crise em Wall Street — A coisa é séria? Cathy abriu os olhos, esfregou a testa e pareceu surpresa ao constatar que ainda estava escuro do lado de fora.
Parece que sim.
Que horas são? Hora de arrumar as malas.
— Precisamos de espaço para manobrar — declarou o comandante Harrison.
— Ele não é nenhum bobo — observou o almirante Dubro, desnecessariamente.
O adversário, o almirante Chandraskatta, rumara para oeste na noite anterior, provavelmente após perceber, afinal, que a força de combate Eisenhower/Lincoln não estava onde ele pensava. Isso lhe deixava apenas uma alternativa e portanto seguira para oeste, empurrando os americanos na direção de um arquipélago controlado quase que exclusivamente pelos indianos. Metade da Sétima Esquadra dos Estados Unidos era uma coleção respeitável de navios, mas seu poderio ficaria reduzido à metade se sua localização fosse conhecida com precisão. Até aquele momento, as operações de Dubro tinham por objetivo manter o adversário no escuro. Agora, tinha de pensar em outra coisa.
— Como estamos de combustível? — perguntou, referindo-se aos navios da escolta. Os cruzadores podiam navegar até acabar a comida; o combustível nuclear que levavam a bordo era suficiente para vários anos.
— Os tanques estão praticamente cheios. O tempo deverá continuar bom durante pelo menos dois dias. Podemos ir muito longe, se quisermos.
— Está pensando o mesmo que eu? Ele não vai permitir que seus aviões se aproximem muito da costa do Sri Lanka. Podem ser detectados pelos radares de controle de tráfego aéreo, e as pessoas vão começar a fazer perguntas. Se rumarmos para nordeste e depois para leste, temos chance de contornar o cabo Dondra durante a noite. Aposto um para um como não seremos vistos.
O almirante não gostava de apostas um para um. Isso queria dizer que havia uma probabilidade de cinquenta por cento de que fossem vistos, e nesse caso os indianos poderiam rumar para nordeste, obrigando os americanos a se afastar da costa do Sri Lanka... ou a enfrentá-los. Era impossível jogar aquele tipo de jogo por muito tempo sem que alguém pagasse para ver, pensou Dubro.
— Podemos usar os aviões para aumentar nossas chances...
Harrison não precisou perguntar ao almirante o que fazer. Os aviões da formação se colocariam exatamente ao sul dos indianos antes de se dirigir ao encontro deles. Se o plano funcionasse, conseguiriam atraí-los para o sul.
— É uma boa ideia.
Uma campainha tocou oito vezes no sistema de alto-falantes do navio. Eram quatro horas. O turno da tarde foi substituído pelo turno da noite. Os pilotos do Johnnie Reb se encontravam todos a bordo, alguns descansando, outros examinando os resultados do exercício recém-concluído. Metade das aeronaves estava estacionada no convés de voo e a outra metade no hangar.
Algumas precisavam de reparos, mas a maior parte da equipe de manutenção também estava de folga, desfrutando de um passatempo chamado Praia de Aço. As coisas tinham mudado muito na Marinha, pensou Sanchez, olhando para as placas de aço. Agora, também havia mulheres tomando banho de sol, o que aumentara o uso de binóculos por parte dos tripulantes e gerara alguns problemas administrativos para a Marinha. Qual o traje de banho mais apropriado para os marinheiros do sexo feminino? Para decepção de algumas, mas alívio de muitas, tinham escolhido o maio.
Mesmo assim, valia a pena observar a paisagem, pensou o comandante do grupo, tornando a apontar os binóculos para os navios japoneses.
Os quatro contratorpedeiros aproximavam-se rápido; deviam estar a mais de trinta nós. Provavelmente queriam causar uma boa impressão nos parceiros de exercício e antigos inimigos. As bandeirolas tremulavam ao vento, e a tripulação estava perfilada nos conveses.
— Atenção! — berraram os alto-falantes. — Guarnecer postos de continência a bombordo! Pronto para prestar honras! Os tripulantes que estavam em uniforme de serviço usaram os corredores de bombordo para se dirigir ao convés de voo, divididos em grupos.
Era uma manobra complicada para um porta-aviões e levava um tempo considerável, especialmente em um dia de Praia de Aço. O fato de a convocação ter sido feita durante uma mudança de turno tornava as coisas um pouco mais fáceis. Havia um número razoável de marinheiros em uniforme de serviço para prestar a homenagem aos japoneses antes de correrem aos alojamentos para trocar o calção.
A última medida importante tomada por Sato foi enviar uma transmissão via satélite. Quando chegou ao quartel-general da esquadra, foi imediatamente retransmitida através de um circuito diferente. A última chance de interromper a operação tinha passado. Agora a sorte estava lançada. O almirante deixou o CIC do Mutsu e encaminhou-se para a ponte, deixando o chefe de operações no comando enquanto dirigia a frota.
O contratorpedeiro passou entre os porta-aviões americanos Enterprise e John Stennis, a menos de duzentos metros de distância de cada um. Viajava a trinta nós, e todos os postos de combate estavam guarnecidos, a não ser os dos homens perfilados no convés. No momento em que a ponte cruzou a linha invisível que ligava os dois porta-aviões, os marinheiros bateram continência a bombordo e boreste, em uma demonstração bem ensaiada de cortesia no mar.
Os alto-falantes reproduziram o apito do contramestre.
— Em continência! — comandaram os alto-falantes, e os marinheiros perfilados na amurada bateram continência. Logo depois, foram dispensados com três notas de apito do segundo contramestre.
— Agora podemos ir para casa? — perguntou o controlador de tráfego aéreo, rindo.
A Operação PARCEIROS NO MAR estava encerrada, e a força de combate podia voltar a Pearl Harbor para mais uma semana de manutenção e licença em terra antes de os navios serem reincorporados à esquadra.
Sanchez decidiu continuar na confortável poltrona de couro e ler alguns documentos, enquanto apreciava a brisa. A velocidade combinada das duas formações fazia com que a passagem fosse muito rápida.
— Oh! — exclamou um vigia.
A manobra tinha sido inventada pelos alemães e por isso era chamada de Gefechtskehrtwendung, ou “curva de combate”. A um sinal das bandeirolas, todos os contratorpedeiros deram uma guinada para a direita, começando pelo último. Assim que ele começou a mudar de direção, o navio seguinte acionou o leme, seguido pelo terceiro e finalmente pelo capitânia.
Era um movimento calculado para despertar a admiração dos americanos, algo difícil de fazer no espaço exíguo entre os dois porta-aviões. Em questão de segundos, os contratorpedeiros japoneses tinham invertido o curso e agora estavam rumando para oeste a trinta nós, ultrapassando os porta-aviões pelos quais tinham passado momentos antes, vindo da direção oposta. Alguns dos oficiais que estavam na ponte assoviaram, surpresos com a perfeição da manobra. Àquela altura, já não havia mais ninguém na amurada dos quatro contratorpedeiros japoneses.
— Isso foi bem ensaiado — comentou Sanchez, voltando a se concentrar nos documentos.
O USS John Stennis estava navegando normalmente, com os quatro hélices girando a 70rpm, e a Condição Três em vigor. Isso queria dizer que todos os postos estavam guarnecidos, a não ser a aviação embarcada, que gozava de um merecido descanso, depois de vários dias de atividade quase ininterrupta. Havia vigias distribuídos em volta da superestrutura, que na maior parte observavam suas áreas de responsabilidade, embora a maioria tivesse arriscado pelo menos uma olhada nos navios japoneses, porque, afinal, eles eram bem diferentes das belonaves americanas. Alguns usaram binóculos marítimos portáteis 7 x 50, muitos dos quais de fabricação japonesa. Outros preferiram os mais potentes binóculos fixos 20 x 120, montados em vários pontos do navio.
O almirante Sato não estava sentado na sua poltrona de comando, mas tinha nas mãos um par de binóculos. No fundo, era uma pena. Navios tão bonitos, tão elegantes! Então se lembrou que o que estava a bombordo era o Enterprise, um nome muito usado pela Marinha dos Estados Unidos, e que um navio com o mesmo nome atormentara seu país, escoltando Jimmy Doolittle [Aviador e general americano que comandou um bombardeio da cidade de Tóquio em 18 de abril de 1942. (N. do T.)] até a costa japonesa, lutando em Midway, Eastern Solomons, Santa Cruz e muitas outras batalhas importantes, atingido muitas vezes, mas sem sofrer danos consideráveis. Decidiu observá-lo. Não fazia ideia de quem fora John Stennis.
O Mutsu passara muito além dos porta-aviões, quase chegando aos contratorpedeiros da retaguarda da escolta antes de fazer a volta, e agora a ultrapassagem parecia irritantemente lenta. O almirante estava usando luvas brancas e olhava de binóculo por baixo da amurada, vendo mudar o ângulo de visada do porta-aviões.
— A marcação do Alvo Um é três-cinco-zero. A marcação do Alvo Dois é zero-um-zero. A luz de solução está acesa — informou o suboficial.
O Isso imaginou o que estaria acontecendo e por que, mas mais do que tudo imaginou se sobreviveria para contar a história. Chegou à conclusão de que isso era pouco provável.
— Deixe comigo — disse o oficial de quarto, sentando-se diante dos controles.
Conhecia muito bem o sistema de direção dos torpedos. A trajetória tinha sido estabelecida; só faltava dar a ordem. Girou a chave da tranca de segurança, removeu a cobertura do botão de disparo do sistema de bombordo e apertou o botão. Depois, fez a mesma coisa para o sistema de boreste.
Os lançadores de torpedos dos dois lados do navio projetaram-se bruscamente para fora do costado, fazendo um ângulo de quarenta graus com o eixo menor da belonave. As coberturas hemisféricas dos seis tubos de foguetes saltaram para fora. Em seguida, os “peixes” foram lançados por ar comprimido, mergulhando na água, à esquerda e à direita, com um intervalo de dez segundos. Os hélices já estavam girando quando foram ejetados no mar; cada um estava ligado por um cabo de controle ao Centro de Informações de Combate do Matsu. Os tubos, agora vazios, giraram de volta para a posição normal.
— Droga! — exclamou uma vigia do Johnnie Reb.
— O que foi, Cindy? Eles acabam de lançar uma porra de um torpedo! — explicou. Era uma moça miúda, de apenas dezoito anos, em sua primeira viagem, mas já se acostumara a usar a mesma linguagem que os colegas. Apontou com a mão. — Vi quando caiu no mar... ali! Tem certeza? — perguntou o outro vigia, fazendo girar seu binóculo fixo. Cindy dispunha apenas de binóculos portáteis.
A jovem hesitou. Nunca se vira em uma situação semelhante e imaginou o que o chefe faria com ela se estivesse enganada.
— Ponte, aqui é Vigia Seis, o último navio japonês acaba da lançar um torpedo! Do modo como as coisas funcionavam no porta-aviões, o aviso da moça foi transmitido pelos alto-falantes da ponte.
Um convés abaixo, Bud Sanchez levantou os olhos.
— O que foi isso? Repita, Vigia Seis! — ordenou o oficial de serviço.
— Eu disse que vi aquele contratorpedeiro japonês lançar um torpedo pelo costado de boreste!
— Aqui é Vigia Cinco. Não vi nada, senhor — declarou uma voz masculina.
— Eu sei que vi, porra! — gritou a moça, tão alto, que Sanchez a escutou diretamente, sem a ajuda do alto-falante da ponte.
O comandante levantou-se de um salto e saiu correndo pela passagem que levava ao posto de vigia. Tropeçou na escada de metal, rasgando a calça e tirando sangue de um joelho, e estava ofegante quando chegou ao posto.
— Fale comigo, meu bem!
— Eu vi, senhor, juro que vil Cindy não sabia quem era Sanchez, e as águias de prata que ele usava na lapela a deixaram ainda mais assustada que os torpedos, mas tinha certeza do que vira e não voltaria atrás.
— Eu não vi nada, senhor — anunciou o outro vigia.
Sanchez apontou os binóculos para o contratorpedeiro, que agora estava a apenas dois quilômetros de distância. Quê...? Empurrou o outro vigia para o lado, colocou-se atrás dos binóculos fixos e apontou-os para o convés do navio japonês. Lá estava o lançador de torpedos, na posição normal...
... mas as extremidades dos três tubos estavam pretas, e não cinzentas. Faltavam as coberturas... Sem olhar, o comandante Rafael Sanchez arrancou os fones do outro vigia.
— Ponte, aqui é o comandante. Torpedos na água! Torpedos a bombordo! Dirigiu os binóculos para a proa, à procura de rastros na superfície da água, mas não viu nenhum. Não que fizesse alguma diferença. Soltou um palavrão e recuou para olhar para a aprendiz de marinheiro Cynthia Smithers. — Certa ou errada, marinheira, você agiu como devia — declarou, enquanto alarmes começavam a soar em todo o navio.
Um momento depois, o capitânia japonês começou a enviar uma mensagem luminosa para o Johnnie Reb.
— Cuidado, cuidado, houve um acidente, lançamos vários torpedos — disse o comandante do Matsu pelo rádio, envergonhado por estar mentindo, enquanto escutava a conversa no circuito aberto de FM.
— Enterprise, aqui é Fife, temos torpedos na água — anunciou outra voz, ainda mais alto.
— Torpedos? Onde?
— São nossos. Houve um incêndio no CIC — explicou o Mutsu logo depois. — Eles podem estar armados.
O Stennis já estava mudando de rumo, fazendo a água borbulhar na popa com o aumento da rotação dos hélices. Não adiantaria muita coisa, mas, se tivessem sorte, não haveria vítimas fatais.
— O que fazemos agora, senhor? — perguntou Smithers.
— Podemos rezar uma Ave-Maria — respondeu Sanchez, de mau humor. Eram torpedos antissubmarino, não eram? Tinham ogivas pequenas. Não podiam fazer grandes estragos em um navio tão grande como o Johnnie Reb, podiam? No convés, os marinheiros começaram a correr em direção aos postos de combate, a maioria ainda carregando as toalhas que usavam para tomar banho de sol.
— Senhor, preciso me apresentar ao Grupo Nove de Controle de Avarias, no convés do hangar.
— Não, fique aqui — ordenou Sanchez. — Você pode ir — disse ao outro vigia.
O John Stennis agora estava adernando para bombordo, por causa da guinada para boreste, e o aumento súbito de potência fez o navio estremecer.
Os porta-aviões nucleares tinham muitos cavalos, mas eram também muito pesados (mais de noventa mil toneladas) e portanto levavam um certo tempo para ganhar velocidade. O Enterprise, a menos de três quilômetros de distância, reagira mais devagar e só agora estava começando a mudar de curso. Que merda...
— Lançar o Nixie! — gritou o oficial de serviço pelos alto-falantes.
Os três torpedos antissubmarino Mark 50 que se dirigiam para o Stennis eram pequenos instrumentos de destruição destinados a abrir buracos em cascos de submarinos. Não podiam causar grandes danos a um navio de noventa mil toneladas, mas era relativamente fácil escolher o tipo de dano.
Navegavam a uma distância de cem metros um do outro, a uma velocidade de sessenta nós, cada um guiado por um cabo delgado. A velocidade bem maior do que a do alvo e a pequena distância praticamente garantiam um impacto, e a manobra evasiva do porta-aviões americano na verdade facilitou as coisas, porque os três torpedos tinham sido apontados para os hélices.
Depois de um percurso de mil metros, a cabeça rastreadora do primeiro peixe” foi ativada. A imagem de sonar gerada por ela foi transmitida para o CIC do Matsu na forma de um alvo amarelo vivo em fundo negro, e o oficial que controlava o sistema de direção ajustou o curso, enquanto outros dois torpedos seguiam automaticamente o primeiro. O alvo aumentou progressivamente de tamanho na tela. Oitocentos metros, setecentos, seiscentos...
— Esse não escapa — murmurou o oficial.
Logo depois, a imagem do sonar começou a mostrar a interferência do chamariz americano Nixie, que imitava as frequências ultrassônicas das cabeças rastreadoras dos torpedos. Os modelos mais modernos dispunham também de um campo magnético pulsado para acionar prematuramente as espoletas magnéticas de proximidade desenvolvidas pelos russos. Entretanto, o Mark 50 era disparado por contato, e controlando-o através de um cabo, o operador podia forçá-lo a ignorar a interferência acústica. Não era correto, não era bonito, mas quem disse que a guerra tinha de ser bonita? Foi um conjunto estranho de sons, imagens e sensações. O navio mal estremeceu quando o primeiro jorro d’água se projetou em direção ao céu.
O ruído porém, foi muito forte e pegou Sanchez de surpresa, fazendo-o dar um pulo. Sua impressão inicial foi de que talvez o navio não tivesse sido atingido, de que talvez o torpedo tivesse explodido na esteira do Johnnie Reb. Estava enganado. A versão japonesa do Mark 50 tinha uma ogiva pequena, de apenas sessenta quilogramas, mas era uma carga ajustada, e a primeira delas explodiu no núcleo do hélice número dois, o hélice interno de bombordo.
O choque arrancou três das cinco pás, desequilibrando um mecanismo que no momento estava girando a 130rpm. As forças envolvidas foram gigantescas, o suficiente para arrancar os mancais que mantinham no lugar todo o sistema de propulsão. Em poucos instantes, a parte traseira da casa de eixos foi inundada e a água começou a entrar no navio pelo ponto mais vulnerável. O que aconteceu mais à frente foi ainda pior.
Como a maioria dos navios de guerra de grande porte, o John Stennis era movido a vapor. No seu caso, dois reatores nucleares eram usados para gerá-lo. Esse vapor ia para um permutador de calor, onde era usado para aquecer a água de um circuito independente (não radiativo), transformando-a em vapor, que era dirigido contra as lâminas de uma turbina de alta pressão, fazendo-as girar como as pás de um moinho. Em seguida, ia para uma turbina de baixa pressão, onde sua energia residual era aproveitada.
Para funcionar com eficiência, as turbinas tinham de girar muito mais depressa do que os hélices; assim, entre as turbinas e os hélices havia uma série de engrenagens redutoras, a versão naval do sistema de transmissão de um automóvel. Essas engrenagens eram a parte mais delicada do sistema de propulsão; a explosão da ogiva deixou-as empenadas. A torção assimétrica do eixo desequilibrado completou rapidamente a destruição de todo o sistema de propulsão Número Dois. Marinheiros estavam correndo, assustados com o barulho, antes mesmo que o segundo torpedo atingisse o sistema de propulsão Número Três.
Essa explosão ocorreu no lado de fora do hélice interno de boreste, arrancando também uma lâmina do hélice Número Quatro. Os danos sofridos pelo Número Três foram semelhantes aos do Número Dois. O Número Quatro foi mais afortunado. Os tripulantes daquela casa de máquinas inverteram a rotação da turbina assim que o conjunto começou a vibrar, paralisando o eixo antes que as engrenagens do sistema de transmissão fossem danificadas, no mesmo momento em que o terceiro torpedo completava a destruição do hélice externo de boreste.
O alarma de Parada Total começou a tocar, e os tripulantes das quatro casas de máquinas iniciaram a rotina para desligar os motores. Outros alarmas estavam tocando. Grupos de controle de avarias correram para a popa, enquanto o porta-aviões deslizava até parar meio de lado, porque um dos lemes também fora danificado.
— Que foi isso? — perguntou um dos maquinistas para o colega mais próximo.
— Meu Deus! — exclamou Sanchez, no convés.
O Enterprise, que agora estava a três quilômetros de distância, parecia ter sofrido danos ainda maiores. Vários alarmes ainda estavam tocando; na ponte de navegação, os oficiais gritavam tão alto, que não havia necessidade de usar circuitos telefônicos. Todos os navios da formação manobravam freneticamente. O Fife, um dos navios da escolta, invertera o curso e estava saindo de perto dos porta-aviões o mais depressa possível; seu comandante certamente se preocupava com a possibilidade de haver outros torpedos na água. Sanchez, porém, sabia que essa possibilidade era remota; tinha visto três explosões na popa do Johnnie Reb e três na popa do Enterprise.
— Smithers, venha comigo.
— Senhor, meu posto de combate...
— Eles não vão precisar de você; não há muita coisa que se possa fazer no momento. Quero que você conte o que viu ao comandante.
— Minha Nossa Senhora! A exclamação não foi tanto uma praga como uma prece para que aquela provação lhe fosse poupada.
O comandante do grupo olhou para ela.
— Respire fundo e preste atenção nas minhas palavras: você pode ser a única pessoa neste maldito navio que fez alguma coisa que prestasse nos últimos dez minutos. Venha comigo, Smithers.
— Os eixos dois e três são irrecuperáveis, comandante — ouviram alguém dizer na ponte, momentos depois. O comandante do navio estava de pé no meio do recinto, parecendo alguém que se envolveu em um acidente de trânsito. — O eixo quatro também foi danificado... o eixo um está aparentemente intacto.
— Muito bem — murmurou o comandante. Depois, acrescentou em voz baixa: — Que droga...
— Fomos atingidos por três torpedos antissubmarino, senhor — informou Sanchez. — A marinheira Smithers viu os torpedos serem lançados.
— É mesmo? — O comandante olhou para a jovem. — Menina, não vá embora. Quando eu acabar o que estou fazendo, quero falar com você.
Estava na hora da pior parte. O comandante do USS John Stennis se voltou para o oficial de comunicações e começou a preparar uma mensagem para o comandante-em-chefe da Esquadra do Pacífico. A mensagem teria o prefixo AZUL-MARINHO.
— Aqui é o operador de sonar. Torpedo na água, marcação dois-oito-zero, parece um modelo 89 — informou Lavai, em tom de voz quase normal. Era comum os submarinos dispararem torpedos em exercícios.
— Toda a força à frente! — ordenou o comandante Kennedy. Exercício ou não, havia um torpedo nas vizinhanças, o que podia ser perigoso. — Aumentar a profundidade para duzentos metros.
— Duzentos metros — repetiu o oficial de mergulho. — Lemes de profundidade dez graus para baixo.
O timoneiro empurrou a meia-lua para a frente, fazendo com que o USS Asheville mergulhasse mais fundo, atravessando a camada térmica.
— Distância estimada do torpedo? — perguntou o comandante ao grupo de rastreamento.
— Três mil metros.
— Aqui é o operador de sonar. Perdemos o sinal quando atravessamos a camada térmica. Ainda no modo de busca. Velocidade estimada do torpedo, quarenta a quarenta e cinco nós.
— Devo desligar o intensificador, comandante? — perguntou o imediato.
Kennedy se sentiu tentado a responder que sim, para verificar se o torpedo japonês era realmente bom. Até onde sabia, nenhum submarino americano enfrentara aquele modelo, supostamente a versão japonesa do Mark 48 americano.
— Lá está ele — anunciou o operador de sonar. — Acaba de atravessar a camada térmica. Marcação dois-oito-zero, intensidade do sinal quase suficiente para aquisição.
— Leme vinte graus à direita — ordenou Kennedy. — Preparar sala de cinco polegadas.
— Velocidade aumentando para trinta nós — comunicou um tripulante.
— Leme vinte graus à direita — confirmou o timoneiro.
— Muito bem — disse Kennedy. — Sala de cinco polegadas, lançar chamariz! Diminuir a profundidade para sessenta metros.
— Lemes de profundidade dez graus para cima! — anunciou o oficial de mergulho.
— Vai complicar as coisas para os japoneses? — perguntou o imediato.
— É o que pretendo.
Uma pequena caixa de metal foi lançada do compartimento dos chamarizes, chamado de sala de cinco polegadas por causa do diâmetro do dispositivo de lançamento. Imediatamente, começou a desprender bolhas como se fosse um comprimido efervescente, criando um novo alvo para o radar de rastreamento do torpedo. Ao mesmo tempo, a guinada do submarino criou uma “dobra” na água que serviria para confundir ainda mais o modelo 89.
— Atravessando a camada térmica — comunicou o operador do batitermógrafo.
— Marcar posição! — ordenou Kennedy.
— Curso um-nove-zero, leme vinte graus à direita.
— Leme a meia-nau, curso dois-zero-zero.
— Leme a meia-nau, curso dois-zero-zero.
— Um terço à frente.
— Um terço à frente.
O submarino diminuiu de velocidade. Agora estava de volta à profundidade de sessenta metros, acima da camada térmica, e deixara um belo alvo falso para trás.
— Muito bem. — Kennedy sorriu. — Vamos ver se esse peixe é mesmo esperto.
— Aqui é o operador de sonar. O torpedo passou pelo lugar onde mudamos de curso.
Kennedy achou que o operador parecia um pouco tenso. Aproximou-se de Lavai. — Algum problema?
— Comandante, o torpedo passou pela dobra como se ela não existisse.
— Deve ser um torpedo inteligente. Será que foi programado para ignorar chamarizes, como o ADCAP?
— Está usando um sonar Doppler — observou outro operador. — A taxa de repetição acaba de mudar... deve ter nos pegado de novo.
— Através da camada térmica? Interessante. — A coisa estava parecendo cada vez mais um combate de verdade, pensou Kennedy. Aquele novo torpedo japonês devia ser muito bem projetado, para ignorar a dobra e o chamariz. — Estamos gravando tudo isso?
— Sim senhor — confirmou Lavai, apontando para o gravador. Uma fita magnética nova registrava os dados, enquanto um sistema de vídeo gravava o que era mostrado nos monitores. — Está acelerando. Mudou de direção... está atrás de nós; o ruído do motor acaba de desaparecer. Isso queria dizer que o ruído do motor do torpedo agora estava sendo bloqueado pela carcaça. Ele estava rumando diretamente para o submarino.
Kennedy voltou-se para o grupo de rastreamento. — Distância do torpedo? Menos de dois mil metros, senhor, e diminuindo rapidamente. Velocidade estimada do torpedo, sessenta nós. Vai levar menos de dois minutos para nos alcançar.
— Olhe para isto, senhor — disse Lavai, apontando para o monitor.
A tela mostrava o rastro do torpedo e também o ruído produzido pelo chamariz, que continuava a gerar bolhas. O modelo 89 passara bem pelo centro da nuvem de bolhas.
— O que foi isso? — exclamou Lavai, surpreso. Um novo ruído de baixa frequência acabara de aparecer na tela, na marcação três-zero-cinco. — Parece uma explosão muito distante. Aquilo foi um sinal de zona de convergência, não um sinal direto. — Um sinal de zona de convergência significava uma distância muito grande, maior do que cinquenta quilômetros.
A notícia fez o sangue de Kennedy gelar. Ele se dirigiu novamente ao imediato.
— Onde estão o Charlotte e o outro submarino japonês?
— Noventa ou cem quilômetros a noroeste, comandante.
— Toda a força à frente! — ordenou o comandante, automaticamente.
— Toda a força à frente — repetiu o timoneiro, ajustando o ponteiro do instrumento. Aqueles exercícios eram emocionantes. Antes que o aumento de velocidade fosse confirmado, o comandante deu outra ordem: — Sala de cinco polegadas, lançar chamariz! O sonar ultrassônico dos torpedos usa uma frequência alta demais para ser detectada pelo ouvido humano. Kennedy sabia que as ondas estavam atingindo o casco do submarino, que as refletia de volta ao transmissor.
— Não podia estar acontecendo. Se estivesse, outros já teriam percebido, não é mesmo? Olhou em volta. A tripulação estava nos postos de combate. Todas as escotilhas tinham sido fechadas e trancadas, como se fosse uma guerra de verdade. O Kurushio lançara um torpedo de treinamento, idêntico aos torpedos comuns exceto pela ogiva, no lugar da qual havia um conjunto de instrumentos. Os torpedos de treinamento eram projetados para não se chocar com os alvos, mas sim desviar-se deles no último momento, porque o choque poderia danificar algum equipamento, e o conserto das avarias geralmente era caro.
— Continua se aproximando, senhor.
Mas o torpedo passara por dentro da dobra...
— Vamos descer! — ordenou Kennedy, mesmo sabendo que era tarde demais.
O USS Asheville inclinou-se para baixo e acelerou para trinta nós. A sala de chamarizes lançou outra caixa de metal. O aumento de velocidade tornou o sonar mais ruidoso, mas mesmo assim a imagem mostrou claramente que o modelo 89 mais uma vez ignorara o falso alvo e continuava perseguindo o submarino.
— Distância, menos de quinhentos metros — anunciou o grupo de rastreamento. Um dos seus membros notou que o comandante estava pálido e imaginou por que seria. Bem, ninguém gosta de perder, mesmo que seja apenas um exercício.
No momento em que o Asheville atravessou novamente a camada térmica, Kennedy pensou se adiantaria alguma coisa mudar novamente de curso. Não tinha mais tempo para se desviar do torpedo e todas as tentativas de confundi-lo tinham fracassado. Suas ideias tinham se esgotado.
— Ah! — exclamou Lavai, livrando-se dos fones. O modelo 89 estava agora tão próximo dos hidrofones do submarino, que o ruído se tornara ensurdecedor. — Ele vai se desviar a qualquer momento...
O comandante olhou em volta. Estaria ficando louco? Seria o único que desconfiava...
No último momento, o operador de sonar Lavai olhou para o comandante e disse: — Senhor, ele não está se desviando!
21
AZUL-MARINHO
O Força Aérea Um decolou alguns minutos antes da hora prevista, ajudado pela hora de pouco movimento. Quando o VC-25B atingiu a altitude de cruzeiro, os repórteres já tinham entrado em ação, pedindo que o presidente se pronunciasse a respeito da volta prematura. Interromper uma viagem oficial podia ser interpretado como uma reação de pânico, não podia? Tish Brown se encarregou dos jornalistas, explicando que os recentes acontecimentos em Wall Street exigiam que o presidente voltasse para casa para tranquilizar o povo americano... e assim por diante. No momento, prosseguiu, era melhor todos colocarem o sono em dia. Afinal, seria um voo de quatorze horas até Washington, com os ventos de frente que sopravam no Atlântico naquela época do ano, e Roger Durling também estava cansado.
O plano funcionou por várias razões. Uma das principais foi que os repórteres estavam sofrendo de excesso de álcool e falta de sono, como todos a bordo, exceto, presumivelmente, a tripulação. Além disso, havia agentes do Serviço Secreto e guardas armados da Força Aérea entre eles e os aposentos de presidente. O bom senso prevaleceu, e todos voltaram a seus lugares. Em pouco tempo, as coisas se aquietaram e praticamente todos os passageiros estavam dormindo ou fingiam.
O comandante do Johnnie Reb era, por lei, um aviador. Essa lei datava da década de 1930 e fora aprovada para impedir que os marujos de carreira tomassem conta do mais novo e glamouroso setor da Marinha. Por essa razão, o comandante tinha mais experiência de pilotar aviões do que de dirigir navios; como era seu primeiro comando no mar, seu conhecimento dos sistemas navais era constituído principalmente por coisas que aprendera mais ou menos por acaso e não fruto de estudos sistemáticos.
Felizmente, o engenheiro-chefe era um marinheiro experiente, que passara muitos anos a bordo de contratorpedeiro. O comandante sabia, porém, que a água devia ficar do lado de fora do casco e não do lado de dentro.
— Os estragos foram muito grandes, engenheiro-chefe? — Foram. — O oficial apontou para as placas do convés, ainda cobertas por dois centímetros de água que as bombas estavam lentamente jogando de volta no mar. Pelo menos todos os furos já tinham sido tapados. O trabalho levara três horas. — Os eixos dois e três foram inutilizados. Rolamentos em pedaços, eixos tortos e rachados, engrenagens transformadas em sucata. As turbinas nada sofreram; o sistema de transmissão absorveu todos os choques. O eixo Número Um está em bom estado. Alguns rolamentos foram danificados, mas podemos consertá-los sem muito problema. O hélice número quatro sofreu alguns danos. Ainda não sabemos até que ponto foi afetada, mas de qualquer maneira não podemos acioná-la sem pôr em risco os rolamentos. O leme de boreste está empenado, mas pretendemos colocá-lo a meia-nau daqui a mais ou menos uma hora. Dependendo do estado em que se encontra, talvez tenha de ser trocado. Estamos reduzidos a um eixo. Podemos fazer dez ou onze nós e dirigir o navio, com dificuldade.
— Tempo previsto para os reparos?
— Vários meses... cinco ou seis, no mínimo, comandante. O engenheiro-chefe teria de passar o tempo todo no estaleiro, supervisionando os trabalhos, que consistiriam em praticamente reconstruir o sistema de propulsão do porta-aviões. Ainda não tinha avaliado totalmente os danos do Número Quatro; podiam ser mais sérios do que pensava. Foi nesse momento que o comandante perdeu a paciência. Já era tempo, pensou o engenheiro-chefe.
— Se eu pudesse lançar meus aviões, colocaria a pique esses filhos da puta! Era impossível lançar aviões de uma belonave se movendo a apenas dez nós. Mesmo que fosse possível, porém, o comandante não estava falando sério; ele sabia que tinha sido um acidente.
— Pode contar com meu apoio, comandante! — assegurou-lhe o engenheiro-chefe, também sem falar sério, porque acrescentou: — Talvez pelo menos eles paguem o conserto...
O comandante concordou com a cabeça e perguntou: — Estamos em condições de iniciar a viagem de volta?
— O eixo Número Um ficou um pouco empenado, mas acho que vai dar para o gasto. Sim, senhor, quando quiser.
— Está bem. Vamos partir o mais cedo possível. Estou ansioso para levar esta banheira para Pearl.
— Sim, senhor.
O almirante Mancuso estava no escritório, examinando os dados preliminares a respeito do exercício, quando seu ordenança entrou com uma folha de papel na mão.
— Senhor, parece que os dois porta-aviões estão com problemas.
— O que aconteceu? Eles se chocaram? — perguntou Jones, que estava sentado no canto, examinando outros dados.
— Pior — disse o ordenança ao civil.
O ComSubPac leu o despacho. — Oh, isso é ótimo. — Nesse momento, o telefone tocou. Era a linha segura que vinha diretamente da central de Operações da Esquadra do Pacífico.
— Aqui é o almirante Mancuso.
— Almirante, aqui é o tenente Copps, das Comunicações da Esquadra. Estamos recebendo uma transmissão submarina de emergência, localizada aproximadamente em 31-Norte, 175-Leste. No momento estamos trabalhando para determinar as coordenadas com maior precisão. O número de código é o do Asheville. Não recebemos nenhuma transmissão de voz, apenas o sinal de emergência. Vou pedir uma busca de SUBMARINO DESAPARECIDO/SUBMARINO AFUNDADO. As aeronaves mais próximas são as dos dois porta-aviões...
— Deus do céu! — O último submarino que a Marinha dos Estados Unidos perdera tinha sido o Scorpion, no tempo em que Mancuso ainda estava no ginásio. O almirante sacudiu a cabeça. Tinha muito trabalho pela frente. — Esses dois porta-aviões provavelmente não estão em condições de lançar nenhuma aeronave, filho.
— Ah, é? Curiosamente, o tenente Copps ainda não ouvira falar do acidente.
— Chame os P-3. Estou muito ocupado.
— Sim, senhor.
Mancuso não precisava consultar o mapa. Naquela parte do oceano Pacífico, a profundidade era da ordem de cinco quilômetros e nenhum submarino da esquadra resistiria a uma profundidade maior do que dois quilômetros. Se houvesse sobreviventes, teriam de ser resgatados rapidamente, antes que a água gelada os matasse.
— Ron, recebemos um sinal. O Asheville pode ter descido.
— Descido? Era uma palavra que nenhum submarinista gostava de ouvir, embora fosse mais suave que afundado. — O filho de Lavai...
— E outros cento e vinte homens.
— Posso ajudar em alguma coisa, almirante?
— Vá até o SOSUS e dê uma olhada nos dados.
— Sim, senhor.
Jones saiu do escritório enquanto o SubPac pegava o telefone e começava a apertar botões. Ele já sabia que não adiantaria nada. Todos os submarinos da Esquadra do Pacífico estavam equipados com um transmissor de emergência AN/BST-3 que se desprendia automaticamente do casco quando o submarino era esmagado por uma pressão excessiva ou o contramestre de quarto se esquecia de dar corda no mecanismo do aparelho. A segunda hipótese, porém, era improvável, porque, antes de se soltar, o BST fazia um ruído ensurdecedor para advertir o marinheiro negligente... Não, o mais provável era que o Asheville estivesse no fundo do mar, mas mesmo assim tinha de continuar a procurá-lo, à espera de um milagre. Talvez alguns tripulantes tivessem escapado.
Apesar da advertência de Mancuso, o grupo de porta-aviões recebeu o chamado. Uma fragata, a USS Gary, rumou imediatamente para o norte, respondendo de forma apropriada às leis do homem e do mar. Dali a noventa minutos, estaria em condições de lançar um helicóptero para uma busca de superfície e de servir de base para que outros helicópteros continuassem a operação de salvamento, em caso de necessidade. O John Stennis se colocou de frente para o vento e conseguiu lançar uma única aeronave de observação S-3 Viking, cujos instrumentos de bordo seriam úteis para uma busca de superfície. Em menos de uma hora, o Viking estava chegando ao lugar de onde vinham as transmissões. Não havia nada no radar a não ser um cutter da Guarda Costeira do Japão a cerca de quinze quilômetros do transmissor. O navio japonês comunicou pelo rádio que captara o sinal de emergência e pretendia vasculhar a área à procura de sobreviventes. Finalmente, o Viking encontrou o transmissor. O túmulo do submarino estava assinalado por uma mancha de óleo diesel e alguns destroços, mas mesmo depois de sobrevoar várias vezes o local a baixa altitude, nem o piloto nem o copiloto viram nada que merecesse ser resgatado.
O prefixo “Azul-Marinho” em uma transmissão indicava que as informações eram de interesse de toda a esquadra, talvez de natureza confidencial, com menor frequência altamente secretas; naquele caso, porém, era uma coisa grande demais para ser mantida em segredo. Dois dos quatro porta-aviões da Esquadra do Pacífico ficariam por muito tempo no estaleiro. Os outros dois, o Eisenhower e o Lincoln, estavam no oceano Índico e deveriam permanecer por lá. As notícias circulavam depressa nos navios; antes mesmo que o almirante Dubro recebesse sua cópia do despacho, os tripulantes da nau capitânia já estavam comentando o que ocorrera.
Nenhum deles disse mais palavrões do que o comandante da força de combate, que já tinha preocupações suficientes. O mensageiro que levou a notícia aos oficiais superiores da Marinha que estavam de serviço no Pentágono presenciou uma reação semelhante.
Como a maioria dos agentes que se encontram no estrangeiro em um momento de crise, Clark e Chavez não dispunham de muitas informações. Se soubessem o que estava acontecendo, provavelmente teriam apanhado o primeiro avião para qualquer lugar. Os espiões nunca foram uma classe muito querida. A Convenção de Genebra estabelecia uma regra para eles apenas em tempo de guerra; caso fossem apanhados, podiam ser executados sumariamente, por fuzilamento, de preferência.
As regras para tempo de paz eram um pouco mais civilizadas, mas frequentemente o caso tinha o mesmo desfecho. Não era algo que a CIA enfatizasse quando estava selecionando novos recrutas. As regras internacionais de espionagem procuravam diminuir esse risco oferecendo ao maior número possível de agentes uma falsa identidade diplomática, que vinha acompanhada de uma imunidade quase total. Esses eram os chamados agentes “legais”, protegidos por tratados internacionais como se exercessem a profissão que constava do passaporte. Clark e Chavez eram agentes ”ilegais” e portanto não contavam com nenhum tipo de imunidade. Na verdade, John Clark jamais recebera uma proteção “legal”. A importância desse fato tornou-se clara quando deixaram o hotel barato para um encontro com Isamu Kimura.
Era uma tarde agradável, apesar dos olhares que recebiam como gaijin; a atitude de curiosidade e estranheza fora substituída por expressões francamente hostis. A atmosfera mudara consideravelmente desde sua chegada ao Japão. Curiosamente, os locais se tornavam logo muito mais simpáticos quando eles se identificavam como russos, o que levou Ding a especular se não poderiam arranjar uma forma de tornar mais visível sua falsa identidade. Infelizmente, os trajes civis não ofereciam muitas opções, de modo que eram forçados a conviver com o problema, sentindo-se da mesma forma que um americano rico poderia se sentir em um bairro com um alto índice de assaltos.
Kimura estava à espera no local combinado, um bar da classe média. Quando chegaram, já havia bebido alguns drinques.
— Boa tarde — disse Clark em inglês, com um sorriso. O japonês parecia preocupado. — Aconteceu alguma coisa? Não sei — declarou Kimura, quando a bebida chegou. Aquela expressão podia ser interpretada de várias maneiras. Dita daquela forma, significava que Kimura sabia de algo. — Goto convocou uma reunião do Ministério. Ainda não terminou. Um amigo meu da Agência de Defesa me disse que ele não sai do escritório desde quinta-feira à noite.
— Da... é mesmo?
— Vocês não ouviram nenhum discurso de Goto, ouviram? Ele não tem falado nada bem dos Estados Unidos. — O funcionário do MCII esvaziou o copo e levantou a mão para pedir outro drinque; o serviço ali era rápido. Os americanos podiam ter explicado que conheciam o primeiro discurso de Goto quase de cor, mas em vez disso ”Klerk” pediu que Kimura o colocasse a par da situação.
— Não sei — repetiu o homem, enquanto os olhos e o tom de voz diziam outra coisa. — Nunca vi nada parecido. No meu ministério, passamos a semana inteira à espera de instruções. Precisamos reiniciar as conversações com os americanos sobre o comércio entre os dois países, mas não recebemos nenhuma orientação por parte do governo. Nossos representantes em Washington estão parados. Goto tem passado a maior parte do tempo com a Defesa e com seus amigos zaibatsu. Não estou acostumado a trabalhar assim.
— Meu amigo, você fala como se houvesse algo muito sério no ar — disse Clark, deixando o copo na mesa depois de beber apenas um gole.
— Você não entende. Não há nada no ar. Seja o que for que está acontecendo, é sem o conhecimento do MCII.
— E daí?
— Daí que o MCII está envolvido em quase tudo que se faz no país.
— Meu ministro se encontrou com Goto, mas não nos disse nada. — Kimura fez uma pausa. Será que aqueles dois estavam completamente por fora? — Quem vocês pensam que formula nossa política externa? Aqueles incompetentes do Ministério do Exterior? Eles fazem o que nós mandamos. E quem se importa com o que pensa a Agência de Defesa? Somos nós que definimos as políticas que o Japão deve seguir. Somos apoiados pelos zaibatsu.
— Representamos os interesses dos empresários em nossas relações com os outros países. Escrevemos os discursos do primeiro-ministro. Foi por isso que entrei para o Ministério em primeiro lugar.
— E agora? A situação mudou? — quis saber Clark.
— Agora? Goto toma decisões sem nos consultar, passa a maior parte do tempo reunido com pessoas sem importância e só hoje manda chamar meu ministro... hoje, não, ontem — corrigiu Kimura. — E ele ainda não voltou.
O homem parecia muito abalado, pensou Chavez, por causa do que parecia ser um mero jogo de interesses. O Ministério de Comércio e Indústria Internacional estava perdendo influência no governo.
— E daí? Você ficou aborrecido porque os líderes do setor industrial se encontraram pessoalmente com o primeiro-ministro? — perguntou.
— Claro que sim. Eles deviam recorrer a nós, mas Goto sempre foi um boneco nas mãos de Yamata. — Kimura deu de ombros. — Talvez estejam querendo formular diretamente a política do comércio exterior, mas como vão fazer isso sem nossa ajuda?
Sem minha ajuda, é isso que ele quer dizer, pensou Chavez, com um sorriso. Burocrata de merda. A CIA também estava cheia deles.
Não foi exatamente como ele planejara. A maioria dos turistas que visitavam Saipan era de japoneses, mas nem todos. A ilha do Pacífico podia ser um lugar excelente para várias coisas, entre elas a pescaria em alto-mar; a concorrência ali não era tão grande como na Flórida e no golfo da Califórnia.
Pete Burroughs estava queimado de sol, exausto e extremamente satisfeito depois de onze horas no mar. Pescar e beber cerveja era a melhor maneira de uma pessoa se recuperar de um divórcio, pensou o engenheiro de computadores. Passara duas horas se afastando da ilha, três horas vagando em alto-mar e depois quatro horas lutando contra a maior albacora que jamais tivera o prazer de conhecer. O problema seria convencer os colegas de trabalho de que não estava exagerando. O bicho era grande demais para ser colocado sobre a lareira, e de qualquer maneira a ex-esposa ficara com a casa e a lareira. Teria de se contentar com uma fotografia e depois que o processamento de imagens em computador se tornara um lugar-comum, ninguém mais acreditava em fotografias. Por qualquer trocado podia-se pendurar qualquer monstro marinho eletrônico na ponta do seu anzol. Se tivesse pescado um tubarão, pelo menos poderia levar para casa a mandíbula e os dentes, mas uma albacora era apenas um atum avantajado. Mas que droga, a mulher também não acreditava quando dizia que tinha de trabalhar até mais tarde no escritório. Ela era uma chata. Também não gostava de pescarias, mas agora podia pescar todo dia, se quisesse. Talvez estivesse na hora de pescar uma garota. Abriu mais uma lata de cerveja.
A marina não parecia muito movimentada para um fim de semana. Por outro lado, o porto estava ocupado por três grandes navios comerciais, muito feios, pensou, embora não conseguisse identificá-los à primeira vista.
Sua empresa ficava na Califórnia, mas não muito próximo da costa; em geral, pescava em rios e lagos. Aquela viagem representava o sonho de uma vida. No dia seguinte, talvez pescasse outra coisa. No momento, era melhor apreciar a albacora. Devia pesar trezentos quilos, no mínimo. Não chegava a ser um recorde, mas era bem maior do que o salmão que pescara no ano anterior, com o seu fiel caniço Ted Williams. Um ruído desagradável interrompeu seus devaneios. A sombra no céu anunciou que outro 747 estava decolando do aeroporto. Não levaria muito tempo para que estragassem aquele lugar, também. Aliás, já haviam estragado. A única vantagem era que os japoneses que chegavam à ilha para passar o fim de semana e trepar com as garçonetes filipinas não gostavam muito de pescar.
O piloto era muito habilidoso. Chamava-se Oreza. Fora primeiro-sargento da Guarda Costeira, mas agora estava reformado. Burroughs deixou a cadeira de pescar e foi se sentar ao lado do homem.
— Cansou-se de conversar com seus peixes?
— Não gosto de beber sozinho.
Oreza sacudiu a cabeça. Não bebo quando estou trabalhando.
— Um mau hábito dos velhos tempos?
Oreza fez que sim com a cabeça. — Acho que sim. Mas eu pago um para você no clube. Pegou um peixão. Você disse que era a primeira vez?
— A primeira vez em alto-mar — afirmou Burroughs, orgulhoso.
— Pois eu jamais suspeitaria, Sr. Burroughs.
— Pete — corrigiu o engenheiro.
— Pete — confirmou Oreza. — Pode me chamar de Portuga.
— Você não é daqui, é?
— Morei muitos anos em New Bedford, Massachusetts. Os invernos lá são muito frios. Trabalhava em uma estação da Guarda Costeira em Punta Arenas, que não existe mais. Eu e minha mulher gostamos do clima e das pessoas. Além disso, a competição lá nos Estados Unidos estava me matando — explicou Oreza. — Que droga, agora, que os filhos já estão criados, mereço um pouco de sossego. De modo que acabamos nos mudando para cá.
— Gostei do modo como você dirige um barco.
Portuga concordou com a cabeça. — Não é nenhuma vantagem. Há trinta e cinco anos que faço isso, mais ainda se contar o tempo em que saía com meu pai. — Fez uma curva para bombordo, contornando a ilha Managaha. — Além de tudo, quase não há mais peixes em New Bedford.
— Quem são aqueles caras? — perguntou Burroughs, apontando para o porto comercial.
— Navios para transportar automóveis. De manhã, quando cheguei, estavam descarregando jipes daquele ali. — O piloto deu de ombros. — Mais carros. Sabe de uma coisa? Quando cheguei aqui, achei que lembrava o cabo Cod no inverno. Agora está mais parecido com o cabo Cod no verão. Cada vez mais apinhado. — Por outro lado, pensou Oreza, mais turistas também queria dizer mais fregueses...
— A vida aqui é cara?
— Está ficando — respondeu Oreza. Outro 747 deixou a ilha.
— Engraçado...
— O quê? Aquele ali não decolou do aeroporto.
— Como assim?
— Ele decolou de Kobler. E uma velha pista do Comando Aéreo Estratégico, onde ficavam os B-52. Existem cinco ou seis pistas nas ilhas, lembrança dos velhos tempos. A de Kobler fica ao lado da minha antiga estação de LORAN. Não sabia que ainda estava em funcionamento.
— Não compreendo.
— Havia uma base do Comando Aéreo Estratégico em Guam. Ataques nucleares, aquela coisa toda, sabe? Caso a merda atingisse o ventilador, eles queriam estar certos de que todos os bombardeiros não seriam destruídos por um único míssil. Existem duas pistas em Saipan: a do aeroporto e a de Kobler; duas em Tinian, que datam da Segunda Guerra Mundial; e mais duas em Guam.
— Todas estão em condições de uso?
— Por que não? Aqui não faz frio suficiente para rachar o concreto.
Mais um 747 decolou do Aeroporto Internacional de Saipan e logo depois outro apareceu no céu sem nuvens, vindo do leste da ilha.
— E sempre assim?
— Não. Nunca vi tanto movimento. Os hotéis devem estar lotados. Vai ser fácil vender seu peixe.
— Quanto vale?
— O suficiente para pagar o aluguel do barco, Pete. Vamos ver se tem a mesma sorte amanhã.
— Se você me conseguir outro igual a este, pode me cobrar o que quiser.
— Adoro quando as pessoas dizem isso.
Oreza diminuiu a velocidade ao se aproximar da marina. Dirigiu-se para o cais principal; precisava do guindaste para descarregar o peixe. Até aquele dia, tinha visto apenas duas albacoras maiores do que aquela, e o tal de Burroughs até que era simpático.
— É assim que você ganha a vida? Portuga assentiu. — E ainda tenho minha pensão. Não posso me queixar. Depois de passar trinta e tantos anos pilotando os barcos de Tio Sam, agora tenho o meu... e está totalmente pago.
Agora Burroughs estava olhando para os navios comerciais. Estendeu a mão para o binóculo do piloto.
— Posso?
— É melhor pendurá-lo no pescoço.
Engraçado como a maioria das pessoas parecia pensar que a correia do binóculo estava ali apenas como enfeite.
— Claro. — Burroughs fez o que o outro pedira, ajustou o foco e começou a examinar o Orchid Ace. — Como são feios...
— Não precisam ser bonitos. Servem apenas para o transporte de carros — observou Oreza, manobrando para atracar no cais.
— Não são carros. Parecem mais máquinas de estrada...
— Ah, é? Portuga chamou o ajudante, um rapaz nascido na ilha, para auxiliá-lo com as amarras. Um bom garoto. Tinha apenas quinze anos. Se entrasse para a Guarda Costeira, poderia aprender bem o ofício. Oreza procurava convencê-lo a tentar.
— O Exército tem uma base aqui?
— Negativo. A Força Aérea e a Marinha ainda conservam um pequeno efetivo em Guam, mas mesmo isso está acabando.
Pronto. Desligou o motor e o Springer deslizou até parar, exatamente onde ele queria. Perfeito. Mais uma vez, pensou Oreza, orgulhando-se por um serviço bem-feito. Um homem que estava no cais começou a manobrar o guindaste, fazendo um gesto com o polegar para cima ao ver o tamanho do peixe. Depois de se assegurar de que o barco estava bem amarrado, Oreza recostou-se no assento e começou a pensar na primeira cerveja da noite.
— Dê um olhada — disse Burroughs, passando-lhe o binóculo.
Portuga voltou-se na cadeira e tornou a focalizar o binóculo antes de apontá-lo para o navio. Conhecia bem aquele tipo de embarcação, do tempo em que trabalhava como inspetor para a Guarda Costeira. Na verdade, estivera a bordo daquele mesmo navio, um dos primeiros a serem projetados para transportar automóveis ou mesmo caminhões e outros veículos pesados, pois alguns conveses tinham um pé direito respeitável e...
— O quê? Sabe o que é?
— Não.
Era um veículo com lagartas. Estava na sombra, porque o sol já ia baixo no céu, mas não havia dúvida de que fora pintado com uma cor escura e tinha uma espécie de caixa quadrada na parte traseira. De repente, teve um estalo. Era algum tipo de veículo lança-mísseis. Lembrava-se de ter visto algo parecido na TV durante a guerra do golfo Pérsico, pouco antes de se reformar. Oreza se levantou para conseguir um ângulo melhor. Havia outros dois no estacionamento do cais...
— Já sei: é algum tipo de exercício — afirmou Burroughs, descendo a escada que dava para o convés principal. — Veja aquele caça. Meu primo pilotou um igualzinho antes de ir trabalhar na American. É um F-l 5 Eagle da Força Aérea.
Oreza voltou os binóculos na direção do caça. Sim, eram dois, voando em uma clássica formação militar. Caças F-l 5 Eagle, voando em círculos no centro da ilha, como quem protege um território... só que havia um pequeno detalhe. O símbolo pintado nas asas era um círculo vermelho.
Mais uma vez, Jones preferiu usar as listagens em vez de observar os dados na tela de um monitor. O segundo método era mais rápido, mas também mais cansativo, e seu trabalho era delicado. Se fosse bem-sucedido, poderia salvar vidas, pensou. Ou será que estava tentando enganar a si próprio? Dois técnicos experientes trabalhavam com ele. Começaram com os dados da meia-noite e tinham de prosseguir com toda a atenção. A área para exercícios de submarinos perto do atol de Kure tinha sido escolhida porque ficava nas proximidades de uma série de hidrofones que fazia parte do sistema SOSUS do Pacífico. O conjunto mais próximo fora um dos últimos a ser instalados e era do tamanho de uma garagem ou de uma casa pequena.
Estava ligado eletronicamente a outra instalação a cinquenta milhas náuticas de distância, mas este segundo conjunto era mais antigo, menor e menos sensível. Um cabo ligado a ambos levava os sinais até Kure e daí a Midway, que estava ligada a Pearl Harbor, tanto por satélite como por um cabo submarino. O oceano estava cheio daqueles cabos. Durante a Guerra Fria, a Marinha dos Estados Unidos instalara quase tantos cabos submarinos quanto a Bell Telephone, contratando ocasionalmente os navios da empresa para essa tarefa.
— Muito bem, lá está o Kurushio, usando o respiradouro — afirmou Jones, fazendo um círculo vermelho nas marcas impressas em preto.
— Como conseguiu derrotar o Masker? — perguntou um dos técnicos, surpreso.
— É um bom sistema, mas já prestou atenção para ver como funciona?
— Não saio para o mar há mais de dez anos — respondeu o técnico.
— Quando eu estava no Dallas, tivemos uma boa disputa com o Moosbrugger nas Bahamas.
— O Moose tem uma reputação e tanto.
— E merecida. Não conseguíamos localizá-los e eles não conseguiam nos localizar. Estávamos num impasse — contou Jones, falando não como um empreiteiro civil com doutorado, mas como o operador de sonar que tinha sido e, agora percebia, continuava a ser. — Eles tinham um piloto de helicóptero que estava nos deixando loucos. Foi então — prosseguiu, enquanto virava outra página — que tive uma ideia. O Masker faz um ruído parecido com o da chuva. Não é muito forte, mas as frequências são bem definidas. O que percebi foi que tudo que você tem a fazer é verificar como está o tempo na superfície. Se o céu está azul e você ouve barulho de chuva, só pode ser uma coisa. Ontem o tempo estava ótimo a noroeste de Kure. Verifiquei com o Serviço de Meteorologia da Esquadra antes de vir para cá.
O técnico fez que sim com a cabeça e sorriu. — Não vou me esquecer, senhor.
— Muito bem, temos o japonês aqui à meia-noite. Vamos ver o que mais podemos encontrar. — Passou para a folha seguinte do formulário contínuo. Se as circunstâncias fossem diferentes, poderia estar usando as listagens de uma impressora laser, um dos brinquedos preferidos do filho.
— Este aqui tem de ser o Asheville, provavelmente se preparando para repetir um exercício. Está usando um hélice de velocidade, não está?
— Não sei.
— Está, sim. Não teríamos um sinal tão forte se estivesse usando um hélice de patrulha. Vamos plotar o que temos até agora.
— Plotagem em andamento — anunciou o outro técnico. Boa parte do trabalho agora era executada por um computador. No passado, tinha sido uma verdadeira arte.
— Qual a posição? — perguntou Jones.
— Bem aqui, quase no mesmo lugar que o transmissor de emergência, senhor — mostrou o técnico, com toda a paciência, fazendo uma marca preta no mapa de parede coberto com plástico. — Sabemos onde está. É para lá que devemos mandar a equipe de salvamento...
— Não haverá nenhum salvamento — disse Jones, levantando-se e pedindo um cigarro a um marinheiro que passava.
Pronto, finalmente consegui dizer isso em voz alta.
— Não pode fumar aqui — protestou um dos técnicos. — Se quiser, vamos lá para fora.
— Empreste-me o isqueiro e vamos continuar — ordenou Jones. Virou outra página, acompanhando a linha de 60Hz. — Nada... nada. Esses submarinos a diesel são muito bons, mas se ficam quietos, não estão respirando e se não estão respirando não podem ir muito longe. O Asheville se afastou nesta direção e provavelmente voltou pelo mesmo caminho — concluiu, virando outra página.
— Não haverá salvamento? O técnico levara mais de trinta segundos para fazer a pergunta.
— Já viu qual é a profundidade da água?
— Já, mas as saídas de emergência... quero dizer... esse modelo de submarino tem três saídas.
Jones nem levantou os olhos. Soltou uma baforada. Era o primeiro cigarro que fumava em vários anos.
— Eu sei. No Dallas, eram chamadas de saídas da mamãe. “Olhe, mamãe, se alguma coisa der errado, podemos sair por aqui.” Só que essas coisas não foram feitas para funcionar, certo? O submarino está morto, e com ele toda a tripulação. Nosso trabalho é descobrir por quê.
— Mas já temos os ruídos do desastre.
— Eu sei. Sei também que dois dos nossos porta-aviões sofreram um pequeno acidente hoje. Aqueles ruídos também estavam nas listagens do SOSUS.
— O que está insinuando?
— Não estou insinuando nada. Mais uma página. Na parte de baixo havia uma grande mancha escura que assinalava a morte do USS Asheville e todos...
— Que merda é essa?
— Parece um alvo plotado duas vezes, senhor. A posição é praticamente a mesma do Asheville. Achamos que o computador...
— A diferença é grande, quase quatro minutos! — Jones voltou três páginas.
— Está vendo? Há um segundo alvo.
— Acha que é o Charlotte?
Nesse momento, Jones sentiu um arrepio. Estava um pouco tonto, por causa do cigarro, e se lembrou de por que deixara de fumar. Os mesmos sinais no papel: um submarino diesel usando o respirador, e, mais tarde, um classe 688 a toda velocidade. Os sons eram quase idênticos, e a coincidência das posições poderia fazer qualquer um pensar que...
— Ligue para o almirante Mancuso e descubra se o Charlotte se comunicou recentemente com a base.
— Mas...
— É para já, meu amigo! O Dr. Ron Jones se levantou e olhou em volta. Era como se tivesse voltado ao passado... quase isso. As pessoas eram as mesmas, fazendo o mesmo trabalho, mostrando a mesma competência, mas algo estava faltando. O que estava faltando era... o quê? Havia um grande mapa do oceano Pacífico na parede da sala. Antigamente, o mapa estava cheio de pontinhos vermelhos que indicavam os submarinos soviéticos, muitas vezes acompanhados por pontos pretos para mostrar que o SOSUS do Pacífico estava rastreando os submarinos “inimigos”, para facilitar o trabalho dos submarinos e aviões americanos encarregados de segui-los e ocasionalmente acossá-los para mostrar quem mandava nos oceanos do mundo. Agora, as marcas no mapa eram de baleias, algumas das quais tinham nomes, como os submarinos russos, mas os nomes eram coisas como “Moby e Mabel”, para designar um casal em particular. Não havia mais um inimigo, e a urgência era coisa do passado. Não estavam mais pensando como ele pensara quando ia “para o norte” no Dallas, rastreando pessoas que um dia talvez tivesse de matar. Jones jamais esperara que aquilo acontecesse, não para valer, mas a possibilidade não podia ser totalmente esquecida.
Com aqueles homens e mulheres, porém, era diferente. Era só ver o modo como o técnico estava falando com o SubPac ao telefone.
Jones atravessou a sala e tirou o telefone das mãos do homem.
— Bart, aqui é Ron. O Charlotte se comunicou recentemente com a base?
— Estamos tentando falar com ele neste momento.
— Acho que não vão conseguir, comandante — observou o civil, em tom compungido.
— Acha mesmo? O tom da pergunta mostrou que o almirante compreendera. Os dois sempre tinham tido uma grande facilidade para se comunicar.
— Bart, é melhor vir até aqui. Não estou brincando.
— Estarei aí em dez minutos — prometeu Mancuso.
Jones apagou o cigarro em uma cesta de papéis e voltou a examinar os gráficos a partir do ponto onde parara. Eles eram feitos por canetas, acopladas a cursores de metal, que recebiam ruídos em diferentes faixas de frequência. As marcas eram dispostas com as frequências mais baixas à esquerda e as frequências mais altas à direita. A posição dentro de cada coluna indicava a localização. As marcas eram sinuosas; um leigo as tomaria por fotografias aéreas de dunas de areia no deserto, mas, para os técnicos, cada uma daquelas linhas tinha um significado. Jones começou a analisá-las mais devagar, tomando cada minuto de dados e esquadrinhando-os da esquerda para a direita, fazendo anotações. Os técnicos recuaram, sabendo que estavam assistindo ao trabalho de um mestre, que ele era capaz de ver coisas que eles podiam ter visto, mas tinham deixado passar, e compreendendo por que alguém mais novo que eles podia chamar um almirante pelo primeiro nome.
— Sentido — disse uma voz, afinal. — Força de Submarinos, Pacífico, chegando.
Mancuso entrou, acompanhado pelo comandante Chambers, seu oficial de operações, e um ajudante de ordens. O almirante limitou-se a olhar para Jones.
— Já conseguiu se comunicar com o Charlotte, Bart?
— Não.
— Venha cá.
— O que conseguiu descobrir, Jones? Jones apontou com a caneta vermelha para um ponto na parte inferior da página.
— Isso aqui é o casco sendo esmagado pela pressão.
Mancuso fez que sim com a cabeça e suspirou.
— Eu sei, Ron.
— Olhe aqui. Ele acelerou ao máximo...
— Quando alguma coisa dá errado em um submarino, você acelera ao máximo e tenta chegar à superfície — comentou o comandante Chambers, ainda sem compreender.
— Mas ele não estava indo direto para a superfície, Sr. Chambers.
— Temos mudanças na taxa de subida, aqui e aqui — afirmou Jones, fazendo deslizar a caneta sobre a página, andando para trás no tempo e mostrando onde a largura dos traços variava e a orientação mudava sutilmente. — Estava também fazendo uma curva, em velocidade máxima. Isto é provavelmente um chamariz. E isto... — mostrou, apontando com a caneta para a extremidade direita da folha — isto é um torpedo. Muito silencioso, mas observem seu movimento. Também fez uma curva, perseguindo o Asheville. Quando acompanhamos sua trajetória no sentido inverso, chegamos a este ponto aqui. — Ron mostrou os dois traços, e embora a distância entre eles no papel fosse de trinta e cinco centímetros, as ondulações eram quase idênticas.
Moveu novamente a caneta, subindo pela folha, e depois mostrou a coluna correspondente a outra faixa de frequências. — E o ponto de lançamento.
— Bem aqui.
— Caralho — murmurou Chambers.
Mancuso, ao lado de Jones, se inclinou para ver a folha mais de perto. Agora estava compreendendo.
— E este aqui?
— É provavelmente o Charlotte, também tentando uma manobra evasiva. Veja, aqui e aqui, as mudanças na taxa de subida. Não podemos ver a implosão porque ela ocorreu muito longe dos hidrofones. Pela mesma razão, não temos um rastro do torpedo. — Jones apontou de novo para o sinal do USS Asheville. — Aqui. Foi aqui que o submarino japonês lançou o torpedo.
— Neste trecho aqui, o Asheville tentou escapar, mas não conseguiu. Aqui está a explosão do torpedo. O ruído do motor para aqui; o submarino foi atingido na popa. E aqui podemos ver a implosão do casco. Almirante, o Asheville foi afundado por um torpedo, provavelmente um Modelo 89, quase no mesmo momento em que nossos dois porta-aviões sofreram um pequeno acidente.
— Não é possível! — protestou Chambers.
Quando Jones virou a cabeça, seus olhos pareciam os botões no rosto de uma boneca.
— Se não acredita, então me explique o que significam esses sinais.
Alguém tinha de fazê-lo aceitar a verdade.
— Minha nossa, Ron!
— Calma, Wally — disse o ComSubPac, olhando para os dados e procurando outra explicação plausível.
— Está perdendo seu tempo, comandante. — Jones apontou para o sinal da USS Gary. — E melhor alguém avisar a essa fragata que ela não está envolvida em nenhuma missão de salvamento. Ela está é desafiando o perigo, isso sim. Existem dois submarinos japoneses aí fora com torpedos de verdade, e eles já os usaram duas vezes. — Jones se aproximou do mapa da parede. Pegou uma caneta vermelha e desenhou duas circunferências, ambas com cerca de cinquenta quilômetros de diâmetro. — Estão em algum lugar destas áreas. Teremos informações mais precisas quando subirem para respirar. A propósito: o que é este sinal na superfície? Um cutter da guarda costeira japonesa, a caminho do local do desastre — explicou o SubPac.
— Talvez fosse melhor afundá-lo — sugeriu Jones, fazendo uma marca vermelha no sinal antes de pôr a caneta de lado.
Acabara de dar o último passo. A marca que fizera representava um navio inimigo. Um alvo.
— Precisamos falar com o CINCPAC — afirmou Mancuso.
Jones concordou com a cabeça.
— Sim, senhor. Acho que sim.
22
A DIMENSÃO GLOBAL
O efeito da bomba foi impressionante. Ela explodiu do lado de fora do Trincomalee Tradewinds, um novo hotel cinco estrelas construído principalmente com dinheiro indiano. Poucas pessoas, nenhuma a menos de meio quarteirão de distância, lembravam-se do veículo, um pequeno caminhão branco de entregas que era suficientemente grande para conter meia tonelada de AMFO, uma mistura explosiva composta de fertilizante nitrogenado e óleo diesel. Era uma receita fácil de preparar em uma banheira ou bacia grande, e naquele caso fora suficiente para arrancar a fachada do hotel de dez andares, matando vinte e sete pessoas e ferindo mais de cem. Pouco depois, o escritório local da Reuters recebeu um telefonema.
— Começou a fase final da libertação — afirmou a voz, provavelmente lendo uma declaração por escrito, como os terroristas costumavam fazer. — Enquanto os Tigres do Tâmil não tiverem de volta sua terra natal e sua autonomia, não haverá paz no Sri Lanka. Este é apenas o começo do fim de nossa luta. Vamos explodir uma bomba por dia até atingirmos nosso objetivo.
Clic.
Havia mais de cem anos a Reuters era considerada um dos serviços de notícias mais eficientes do mundo, e o escritório de Colombo não constituía uma exceção, mesmo em fins de semana. Dez minutos depois, a informação foi enviada via satélite para a sede da empresa em Londres, de onde foi transmitida para o mundo inteiro, como “notícia urgente”.
Muitos órgãos do governo americano, entre eles o FBI, o Serviço Secreto e o Pentágono, acompanham rotineiramente as notícias jornalísticas. Isso também se aplicava ao Escritório de Imprensa da Casa Branca, e assim, vinte e cinco minutos depois que a bomba explodiu, uma sargento da Força Aérea colocou a mão no ombro de Jack Ryan. Os olhos do Conselheiro de Segurança Nacional se abriram para ver um dedo apontando para cima.
— Notícia urgente, senhor — sussurrou a voz.
Ryan fez que sim com a cabeça, soltou o cinto e agradeceu a Deus por não ter bebido demais em Moscou. Na penumbra da cabina, pôde ver que todos estavam adormecidos. Para não acordar a mulher, tinha de pular por cima da mesa. Quase caiu, mas a sargento segurou-o pelo braço.
— Obrigado.
— De nada, senhor.
Ryan subiu com ela pela escada em espiral até a sala de comunicações do convés superior.
— O que houve? Resistiu à tentação de perguntar que horas eram porque a pergunta seria ambígua: hora de Washington? Hora local? Hora do lugar onde explodira a bomba? Sinal dos tempos, pensou Ryan, aproximando-se na impressora térmica; agora era preciso saber a que lugar o “agora” se referia.
A oficial de comunicações era uma primeiro-tenente da Força Aérea, negra, esbelta e muito bonita.
— Bom dia, Dr. Ryan. O Escritório de Segurança Nacional mandou esta mensagem para o senhor.
Passou-lhe o papel de fax que Jack odiava. Entretanto, as impressoras térmicas eram silenciosas, e a sala de comunicações, como todas as outras, já era suficientemente barulhenta. Jack leu o despacho da Reuters, ainda muito recente para ser acompanhado por uma análise da CIA.
— É o indicador que estávamos aguardando. Muito bem, arranje-me um telefone seguro.
— Isto aqui acaba de chegar — disse um oficial da Força Aérea, passando-lhe mais alguns papéis. — A Marinha teve um dia ruim.
— Ah, é? — Ryan sentou-se em uma cadeira acolchoada e acendeu uma lâmpada de leitura. — Que merda! — exclamou. Levantou os olhos. — Pode me arranjar um café, por favor, tenente? O oficial mandou um soldado ir buscar um copo descartável.
— Com quem deseja falar?
— Com o almirante Jackson, do NMCC.
O conselheiro de Segurança Nacional consultou o relógio, fez os cálculos e concluiu que conseguira dormir umas cinco horas. Era pouco provável que tivesse oportunidade de dormir de novo até chegarem a Washington.
— Linha três, Dr. Ryan. O almirante Jackson está no aparelho.
— Aqui é ESPADACHIM — disse Ryan, usando seu nome de código.
Tinham tentado impingir-lhe PISTOLEIRO, uma homenagem duvidosa ao seu passado.
— Aqui é PAINEL DE CONTROLE. Está fazendo boa viagem, Jack? Ryan sempre se admirava com a qualidade do som nas comunicações digitais em linha protegida. Podia reconhecer a voz do amigo e até mesmo o seu tom bem-humorado. Podia perceber também que esse tom era um pouco forçado.
— Os pilotos da Força Aérea são excelentes. Talvez devesse tomar algumas aulas com eles. Certo, o que está acontecendo? O que conseguiu apurar?
— A Esquadra do Pacífico teve um pequeno acidente.
— Eu sei. Vamos falar primeiro do Sri Lanka — pediu ESPADACHIM.
— Não temos muita coisa. O despacho original, algumas fotos, e estou esperando um vídeo para daqui a meia hora. Nosso consulado em Trincomalee acaba de entrar em contato conosco. Eles confirmaram o incidente. Um cidadão americano foi ferido, apenas um, e não ficou muito machucado, mas quer voltar para casa o mais cedo possível. Mike está sendo imprensado. Tentará escapar assim que anoitecer. Nossos amigos estão começando a se mexer. Os anfíbios continuam onde estavam, mas perdemos a pista daquela brigada. A região que vinham usando para os exercícios parece deserta. Não encontramos nada nas fotografias aéreas tiradas há três horas.
Ryan fez que sim com a cabeça. Levantou a cobertura de plástico da janela ao lado da sua cadeira. Estava escuro lá fora. Olhou para baixo e não viu nenhuma luz. Ou estavam sobrevoando o oceano ou o céu estava nublado. Tudo que via era uma luz piscando na ponta da asa.
— Algum perigo imediato?
— Negativo — respondeu o almirante Jackson. — Calculamos que eles levarão uma semana no mínimo para agir, mas também calculamos que é provável que o façam antes. Jack — acrescentou Robby —, o almirante Dubro precisa urgentemente de instruções.
— Entendido. — Ryan estava fazendo anotações em um bloco do Força Aérea Um que os jornalistas ainda não tinham apanhado. — Espere um momento. — Olhou para o tenente. — Quanto tempo vamos levar para chegar a Andrews?
— Sete horas e meia, senhor. Pegamos um vento de frente. No momento, estamos chegando à costa da Islândia.
Jack fez que sim com a cabeça. — Obrigado. Robby, chegaremos daqui a sete horas e meia. Pretendo falar com o chefe antes de pousarmos. Gostaria que preparasse um relatório sobre a situação para mais ou menos duas horas depois da nossa chegada.
— Entendido.
— Certo. Agora me diga: o que aconteceu com aqueles porta-aviões?
— Aparentemente, um dos contratorpedeiros japoneses lançou acidentalmente seus torpedos. Eles acertaram no rabo dos dois porta-aviões. Os quatro eixos do Enterprise foram danificados. O Stennis ainda está com um eixo funcionando. Não houve vítimas fatais; apenas alguns ferimentos leves.
— Robby, como uma coisa dessas foi...
— Ei, ESPADACHIM, não se esqueça de que eu apenas trabalho aqui.
— Quanto tempo vai levar o reparo?
— De quatro a seis meses. Um momento, Jack. — O almirante parou de falar, mas Ryan ouviu o barulho de vozes e de papéis sendo folheados.
— Espere um instante... acaba de chegar uma mensagem.
— Estou esperando.
Ryan bebeu um gole de café e voltou à tarefa de calcular que horas eram.
— Más notícias, Jack. Temos um SUBMARINO DESAPARECIDO/SUBMARINO AFUNDADO na Esquadra do Pacífico.
— Como é?
— O BST-3 do USS Asheville começou a tocar. É um dos novos 688.
Uma aeronave decolou do Stennis para investigar e uma fragata também está indo para lá. Estão todos muito preocupados.
— Qual é a tripulação? Uns cem homens?
— Mais. Cento e vinte ou centro e trinta. Que droga! Da última vez que isso aconteceu, eu era um garoto.
— Estávamos participando de um exercício com os japoneses, não estávamos?
— Isso mesmo. Operação PARCEIROS NO MAR Terminou ontem. Até agora, parecia que tudo tinha corrido muito bem. De repente... — Jackson interrompeu o que estava dizendo. — Outra mensagem. Vem do Hoover que decolou do Stennis...
— O quê?
— Um S-3 Viking, aeronave antissubmarino. Tripulação de quatro homens. Eles não conseguiram encontrar sobreviventes do submarino. Que merda — acrescentou Jackson, embora não fosse propriamente uma surpresa. — Jack, tenho muito trabalho me esperando, está bem?
— Entendido. Ligue-me se houver alguma novidade.
— Está certo. Desligo.
Ryan acabou de beber o café e jogou o copo descartável em uma cesta aparafusada no piso do avião. Era melhor esperar mais um pouco para acordar o presidente. Durling precisaria do descanso. Estava voltando para casa para enfrentar uma crise financeira, um escândalo político, uma possível guerra com os indianos e agora as relações com o Japão ficariam ainda mais difíceis por causa daquele maldito acidente. Quanto tempo ainda duraria aquela fase de azar?
Por coincidência, o carro de Oreza era um Toyota Land Cruiser branco, um modelo muito popular na ilha. Ele e o engenheiro estavam se aproximando do carro quando dois veículos da mesma marca entraram no estacionamento da marina. Seis homens saltaram e se encaminharam diretamente para eles. O primeiro-sargento reformado sentiu um frio na espinha. Deixara Saipan pouco antes do amanhecer, depois de pegar Burroughs no hotel, para chegar em alto-mar na hora em que os cardumes de atum estavam procurando comida. Embora o trânsito no caminho para o cais estivesse um pouco mais intenso do que de costume, o mundo parecera normal. Agora, era diferente. Havia caças japoneses sobrevoando a ilha; seis homens armados, usando uniforme de faxina, preparavam-se para abordá-lo. Era como uma cena de filme, pensou, uma daquelas minisséries da TV passadas no tempo em que os russos eram de verdade.
— Olá. Como foi a pescaria? — perguntou o homem. Oreza observou que era um capitão e usava um emblema de paraquedista no bolso esquerdo da camisa. Estava sorrindo, procurando mostrar-se o mais amável possível.
— Peguei uma beleza de albacora — respondeu Peter Burroughs, seu orgulho amplificado pelas quatro cervejas que tomara no caminho.
— Ah, é? Posso vê-lo?
— Claro! Burroughs deu meia-volta e se dirigiu para o cais, onde o peixe ainda estava pendurado de cabeça para baixo no guindaste.
— O barco é seu, comandante Oreza? — perguntou o militar.
Apenas outro homem seguiu o capitão. Os outros ficaram para trás, observando-os com atenção, como se tivesse recebido ordens para não se comportarem muito... muito alguma coisa, pensou Portuga. Também reparou que o oficial se dera ao trabalho de descobrir seu nome.
— Sim, senhor. Está interessado em uma boa pescaria? — perguntou, com um sorriso inocente.
— Meu avô era pescador — afirmou o ishii.
— O meu também. É tradição de família — declarou Portuga.
— Uma antiga tradição? Oreza fez que sim com a cabeça, no momento em que chegavam ao local onde o Springer estava atracado. — Mais de cem anos.
— Ah, é uma bela embarcação. Posso examiná-la por dentro?
— Claro. Vamos entrando.
Portuga entrou primeiro e acenou para que o homem o seguisse.
Observou que o sargento que os acompanhara ficara mais atrás. Viram também outro Toyota Land Cruiser na entrada do estacionamento da marina, com três homens no interior, todos de uniforme.
Àquela altura, vários alarmes estavam soando no cérebro de Oreza.
— O que significa “Springer”?
— É uma espécie de cão de caça.
— Ah, sim, muito bem. — O oficial olhou em volta. — Que tipo de aparelhos de rádio você usa? São muito caros?
— Vou lhe mostrar. — Oreza foi com ele até a sala de controle. — São todos fabricados pelos seus compatriotas. Dois transmissores-receptores de VHF, um sistema de navegação por GPS, um batímetro, um sonar para localizar cardumes e um aparelho de radar — explicou, apontando para os instrumentos enquanto falava.
Eram realmente todos de fabricação japonesa, aparelhos de alta qualidade, relativamente baratos e extremamente confiáveis.
— Você tem armas a bordo?
Clic.
— Armas? Para quê?
— Existem muitas armas na ilha?
— Não que eu saiba. — Oreza sacudiu a cabeça. — Seja como for, nunca fui atacado por um peixe. Não, não tenho armas, nem no barco nem em casa.
O oficial pareceu satisfeito.
— Oreza... que tipo de sobrenome é esse?
— Minha família é de Portugal.
— Sua família está aqui há muito tempo?
— Está — concordou Oreza. Cinco anos era muito tempo, não era? Marido e mulher formavam uma família, não formavam?
— O alcance desses rádios de VHF é muito grande?
— Apenas até o horizonte, senhor.
O capitão assentiu.
— Muito bem. Obrigado. Tem um lindo barco. Orgulha-se dele, não é?
— Sim, senhor.
— Obrigado por tudo. Pode ir agora — disse o homem, sem perceber o absurdo da última frase.
Oreza acompanhou-o até o cais e esperou até que se afastasse sem dizer mais nada.
— O que foi...
— Pete, deixe para depois, está bem?
Entraram no carro, bateram as portas.
— É algum tipo de exercício? Jogos de guerra? O que está acontecendo? — perguntou Burroughs.
— Não estou entendendo porra nenhuma, Pete — respondeu Portuga.
Ligou o motor, saiu do estacionamento e dobrou à direita para entrar na South Road. Em poucos minutos estavam passando pelas docas comerciais. Portuga dirigia devagar, respeitando todos os regulamentos e limites e dando graças a Deus por ter um carro da mesma cor e modelo que os usados pelos soldados.
Ou quase. Os veículos que agora estavam sendo descarregados do Orchid Ace eram quase todos verde-oliva. Uma fila de ônibus do aeroporto despejava soldados usando uniformes da mesma cor. Eles marchavam imediatamente para um ponto central, de onde se dirigiam para veículos militares ou para o interior do navio, presumivelmente para ajudar nas manobras de descarga.
— O que são esses pequenos caminhões quadrados?
— É o Sistema de Lançamento Múltiplo de Foguetes — explicou Oreza, observando que já haviam desembarcado seis deles.
— Para que servem? — perguntou Burroughs.
— Para matar — respondeu Portuga, em tom lacônico.
Quando passavam pela estrada de acesso às docas, um soldado acenou vigorosamente para que se apressassem. Mais caminhões, um número indefinido deles. Mais soldados, uns quinhentos ou seiscentos. Oreza continuou na direção sul. Em todos os cruzamentos importantes havia um Land Cruiser parado com no mínimo três soldados no interior, alguns armados com pistolas, um ou outro com um rifle na mão. Levou algum tempo para perceber que ainda não tinha visto um único carro da polícia.
Dobrou à esquerda na Wallace Highway.
— Vamos para meu hotel?
— Que tal jantarmos na minha casa? Oreza subiu a colina, passou pelo hospital e dobrou à esquerda, para entrar no seu terreno. Embora fosse um homem do mar, preferia uma casa situada em uma colina; assim, podia ter uma bela vista da parte sul da ilha. Era uma casa de tamanho modesto, mas com muitas janelas. A esposa, Isabel, trabalhava na administração do hospital e morava tão perto do trabalho que podia ir a pé, se tivesse vontade. Naquela noite, não parecia estar de muito bom humor.
Assim que ouviu o barulho do carro, apareceu na porta.
— Querido, o que está acontecendo? A mulher de Oreza era baixa, gorducha, morena e parecia muito agitada.
— Vamos entrar, certo, querida? Este aqui é Pete Burroughs. Passamos o dia pescando.
Sua voz era calma, mas os olhos não paravam. Os faróis de aterrissagem de quatro aeronaves eram visíveis a leste, aproximando-se das duas pistas de pouso da ilha. Os três entraram na casa, e Portuga fechou a porta.
— Os telefones não funcionam. Tentei chamar Rachel e tudo que ouvi foi uma gravação. As linhas para o exterior estão mudas. Quando fui ao shopping...
— Viu soldados? — perguntou Portuga.
— Soldados aos montes, e são todos...
— Japonas — completou o primeiro-sargento da Reserva Manuel Oreza, da Guarda Costeira dos Estados Unidos.
— Ei, não é educado falar desse jeito!
— Nem invadir o país dos outros, Sr. Burroughs.
— O quê?
Oreza pegou o telefone da cozinha e apertou o botão da memória com o número do telefone da filha em Massachusetts.
Infelizmente, os serviços telefônicos com o exterior estão interrompidos temporariamente por causa de problemas no cabo submarino. Nossos técnicos estão trabalhando para consertar o defeito. Desculpe o incômodo...
— Uma ova! — disse Oreza para a gravação. — Cabo submarino! Não podiam usar um satélite?
— Não consegue se comunicar com os Estados Unidos? Burroughs podia ser lento para captar as coisas, mas ali estava algo que entendia.
— Não, acho que não.
— Experimente isto — disse o engenheiro de computadores, tirando do bolso um telefone celular.
— Eu tenho um — disse Isabel. — Também não funciona. Quero dizer: faz ligações locais, mas...
— Qual é o número?
— O código de área é 617 — informou Portuga, fornecendo o restante do número.
— Espere, preciso do prefixo dos Estados Unidos.
— Não vai funcionar — insistiu a Sra. Oreza.
— Anda não têm telefones via satélite aqui na ilha, não é? — Burroughs sorriu. — Minha firma acabou de receber esse tipo de aparelhos. Com eles, posso carregar dados no meu laptop, mandar mensagens de fax, fazer tudo.
— Tome. — Passou o aparelho a Oreza. — Está chamando.
O sistema era muito recente, e aparelhos daquele tipo ainda não eram vendidos nas ilhas, algo que os militares japoneses tinham se dado ao trabalho de verificar na semana anterior, mas o serviço estava disponível, mesmo que a população local ainda não pudesse utilizá-lo. O sinal transmitido pelo pequeno aparelho foi captado por um dos trinta e cinco satélites em órbita de baixa altitude e retransmitido para a estação de terra mais próxima. A estação mais próxima ficava em Manila, à frente da de Tóquio apenas cinquenta quilômetros. Na verdade, apenas um quilômetro de diferença teria sido suficiente para o programa de computador que controlava o sistema. A estação de terra de Luzon, que estava funcionando havia apenas oito semanas, retransmitiu imediatamente a chamada para outro satélite, dessa vez um satélite da Hughes em órbita estacionária sobre o Pacífico, que o enviou a uma estação de terra na Califórnia, de onde foi enviado por fibra óptica para Cambridge, Massachusetts.
— Alô — disse uma voz sonolenta, já que eram cinco horas na manhã na costa leste dos Estados Unidos.
— Rachel?
— Papai?
— Sou eu, querida.
— Vocês estão bem? — perguntou a filha, preocupada.
— Como assim?
— Tentei ligar para mamãe, mas uma gravação disse que houvera uma grande tempestade e as comunicações estavam interrompidas.
— Não houve nenhuma tempestade, Rach — disse Oreza, sem pensar.
— O que aconteceu, então?
— E agora, por onde começo?, perguntou-se Portuga. Será que ninguém...
— Portuga — interveio Burroughs.
— O que foi? — perguntou Oreza.
— O que foi? — perguntou também a filha, naturalmente.
— Espere um minuto, querida. O que você quer, Pete? — perguntou, tapando o fone com a mão.
— O que você quis dizer com invadir o país dos outros? Guerra, conquista, essas coisas? Portuga fez que sim com a cabeça.
— E o que parece.
— Desligue esse telefone! Já! — ordenou Burroughs.
Nenhum dos dois tivera tempo para refletir, mas estavam chegando à mesma conclusão.
— Minha filha, ligo depois, está bem? Até logo — concluiu Oreza, apertando o botão OFF.
— Qual é o problema, Pete?
— Isso não é nenhuma brincadeira, certo? Você não está fazendo uma encenação para me divertir, um desses espetáculos para turistas, está? Acho que estou precisando de uma cerveja. — Oreza abriu a geladeira e pegou duas latas de cerveja. Eram japonesas. Não que isso fizesse alguma diferença. Jogou uma para Burroughs.
— Pete, isso não é nenhuma encenação. Caso não tenha notado, vimos pelo menos um batalhão de soldados, veículos mecanizados, caças. E aquele babaca no cais estava interessado no rádio do meu barco.
— Certo. — Burroughs abriu a lata e bebeu um gole. — Digamos que seja a sério. É possível rastrear um telefone desse tipo.
— Como assim? — Uma pausa, enquanto tirava a poeira de memórias distantes. — Ah... entendi.
O movimento era muito grande no quartel-general do comandante-em-chefe do Pacífico. O CINCPAC era um comando da Marinha, uma tradição que remontava ao tempo do almirante Chester Nimitz. No momento, as pessoas corriam de um lado para o outro, quase todas de uniforme. Os empregados civis raramente compareciam nos fins de semana, e com raras exceções era tarde demais para chamá-los. Mancuso pôde sentir o clima reinante quando passou pela segurança. Todos olharam para ele com a testa franzida, andando depressa para evitar a atmosfera carregada do escritório. Ninguém queria ser apanhado pela tempestade.
— Onde está o almirante Seaton? — perguntou o ComSubPac ao ordenança mais próximo. O homem limitou-se a apontar para a porta do escritório. Mancuso se dirigiu para lá, acompanhado pelos outros dois.
— Onde você estava? — perguntou o CINCPAC, assim que eles entraram.
— No SOSUS, almirante. Conhece o capitão Chambers, meu oficial de operações. Este é o Dr. Ron Jones...
— O especialista em sonar que você vivia elogiando? — perguntou o almirante David Seaton, permitindo-se um leve sorriso.
— Ele mesmo, almirante. Estivemos no SOSUS examinando os dados sobre o...
— Não houve nenhum sobrevivente, Bart. A tripulação dos S-3 nos informou que...
— Eles foram assassinados, general — interrompeu Jones, cansado das preliminares. Sua declaração caiu como uma bomba.
— O que quer dizer com isso, Dr. Jones? — perguntou o CINCPAC, depois de se recuperar da surpresa.
— Quero dizer que o Asheville e o Charlotte foram torpedeados e afundados por submarinos japoneses, almirante.
— Um momento. Está dizendo que o Charlotte também foi afundado? — Seaton voltou-se para Mancuso. — Bart, o que é isso? O SubPac não teve tempo de responder.
— Posso provar, almirante. — James mostrou o maço de papéis que levava debaixo do braço. — Preciso de uma mesa bem iluminada.
— Acho que Jones está certo — confirmou Mancuso, muito sério. — Não foram acidentes.
— Senhores, tenho quinze oficiais japoneses neste momento na sala de operações tentando explicar como funciona o sistema de controle de tiro dos contratorpedeiros e...
— O senhor tem fuzileiros navais, não tem? — perguntou Jones, friamente. — Eles andam armados, não andam?
— Mostre-me as provas — ordenou Dave Seaton, apontando para sua escrivaninha.
Jones mostrou os gráficos ao CINCPAC. Se Seaton não era a plateia ideal, pelo menos sabia ouvir em silêncio. Quando examinados com mais atenção, os dados do SOSUS chegavam a mostrar os navios e os torpedos Mark 50 que haviam avariado metade dos porta-aviões da Esquadra do Pacífico. O novo sistema de hidrofones era realmente fantástico, pensou Jones.
— Preste atenção no tempo, almirante. Tudo isso aconteceu em um período de menos de vinte minutos. Duzentos e cinquenta marinheiros morreram, e não por acidente.
Seaton sacudiu a cabeça, como um cavalo tentando se livrar de insetos desagradáveis. — Espere um minuto. Ainda não houve nenhuma ameaça ou exigência. Não temos nenhuma indicação de que...
— Temos, droga, almirante — interrompeu Jones, mais uma vez.
— Mas...
— Que diabo, almirante! — exclamou Jones. — Aqui está, claro como água. Há outras cópias destes registros no edifício do SOSUS, existem gravações em fita e posso lhe mostrar tudo em uma tela de TV. Quer perguntar aos seus especialistas? Eles estão aqui, não estão? — O empreiteiro apontou para Mancuso e Chambers. — Nós fomos atacados, almirante.
— Qual é a probabilidade de que tudo isso seja apenas um mal-entendido? — perguntou Seaton, tão branco quanto seu uniforme.
— Praticamente zero. Será que pretende esperar até que eles confirmem suas intenções em um anúncio no New York Times? — A diplomacia nunca tinha sido o forte de Jones, e agora ele estava zangado demais para medir suas palavras.
— Veja como fala... — começou Seaton, mas mudou de ideia e voltou-se para Mancuso. — Bart?
— Os dados são incontestáveis, almirante. Se houvesse alguma outra interpretação possível, eu e Wally já a teríamos encontrado. O pessoal do SOSUS é da mesma opinião. Também acho difícil de acreditar — admitiu Mancuso. — Mas o Charlotte está desaparecido e...
— Por que o transmissor de emergência não funcionou? — perguntou o CINCPAC.
— O aparelho fica na popa. Alguns dos meus comandantes preferem soldá-lo. Houve muita resistência quando começamos a instalá-los no ano passado, lembra-se? Seja como for, o torpedo pode ter destruído o BST ou por alguma razão ele não tenha sido lançado como devia. Temos aquele sinal de ruído na posição aproximada do Charlotte e ele não respondeu a uma ordem de emergência para se comunicar conosco. Não há razão para supormos que ainda esteja vivo.
Agora que Mancuso dissera com todas as letras, era oficial. Porém mais uma coisa precisava ser dita.
— Nesse caso, estamos em guerra — afirmou Seaton, estranhamente calmo.
O ComSubPac fez que sim com a cabeça.
— É isso mesmo, almirante.
— Não houve nenhum aviso — protestou Seaton.
— É verdade. Mas não é a primeira vez que eles fazem isso, não é mesmo? — observou Jones, esquecendo-se de que da vez anterior houvera vários avisos, todos eles ignorados.
Pete Burroughs não terminou a quinta cerveja do dia. A noite não trouxera a paz. Embora o céu estivesse limpo e coalhado de estrelas, luzes mais fortes continuavam a se aproximar de Saipan vindas do leste, aproveitando os ventos alísios para facilitar o pouso em uma das duas pistas construídas pelos americanos. Cada jato devia estar carregando no mínimo duzentos soldados, provavelmente quase trezentos. Podiam ver os dois aeródromos.
O binóculo de Oreza era mais do que suficiente para mostrar as aeronaves e os caminhões-tanques que chegavam para abastecer os jatos a fim de que pudessem voltar para buscar mais soldados. Quando se lembraram de contar o número de viagens, várias horas tinham-se passado.
— Está chegando um carro — avisou Burroughs, alertado pela luz dos faróis. Ele e Oreza recuaram para o lado da casa, esperando que as sombras os ocultassem. Tratava-se de outro Toyota Land Cruiser, que desceu a rua, fez a volta no final e foi embora, sem fazer praticamente nada a não ser dar uma olhada geral e contar os carros nas várias casas, provavelmente para ver se havia muitas pessoas reunidas em alguma delas. — Tem alguma ideia do que fazer? — perguntou a Oreza, depois que o carro se afastou.
— Eu pertencia à Guarda Costeira, lembra-se? Isto é trabalho para a Marinha. Não, acho que é coisa para os Fuzileiros. Estamos numa fria, cara.
— Acha que muita gente já sabe?
— Alguém tem de saber — afirmou Portuga, baixando o binóculo e dirigindo-se de volta para casa. — Podemos observar do nosso quarto de dormir. Na verdade, dormimos com a janela aberta. — As noites agradáveis, sempre acompanhadas por uma brisa marinha, tinham sido uma das razões pelas quais se mudara para Saipan.
— O que você faz, exatamente, Pete?
— Trabalho na indústria de computadores. Faço muitas coisas ao mesmo tempo. Tenho um mestrado em engenharia elétrica. Minha especialidade é comunicações, o modo como os computadores conversam entre si. Já trabalhei para o governo. Minha empresa é relativamente grande, mas seu forte encontra-se em outras áreas. — Burroughs olhou em volta na cozinha. A Sra. Oreza preparara um jantar leve. Parecia muito bom, embora estivesse esfriando.
— Você estava preocupado com a possibilidade de rastrearem seu telefone.
— Talvez esteja exagerando, mas minha empresa fabrica os circuitos integrados para os aparelhos que o Exército usa exatamente para este fim.
Oreza sentou-se e começou a se servir da comida preparada à moda chinesa.
— Não acho que esteja exagerando.
— Nem eu. — Burroughs imitou o anfitrião e olhou para a comida com aprovação.
— Estão tentando emagrecer? Oreza fez que sim.
— Nós dois estamos precisando. Bebei está tomando aulas de nutrição.
Burroughs olhou em torno. Embora a casa tivesse uma sala de jantar, como a maioria dos casais de aposentados (o engenheiro pensava neles nesses termos, embora obviamente não fosse verdade) eles faziam as refeições na cozinha. A pia e a bancada estavam muito bem arrumadas e ele viu as tigelas de aço para preparar e servir a refeição. O aço inoxidável estava reluzente. Isabel Oreza parecia ser uma dona de casa caprichosa.
— Devo ir trabalhar amanhã? — perguntou a mulher, tentando assimilar os fatos recentes.
— Não sei, amor — respondeu o marido, que estava pensando no mesmo assunto. O que deveria fazer no dia seguinte? Sair para pescar, como se nada tivesse acontecido?
— Um momento — disse Pete, ainda olhando para as tigelas. Levantou-se, deu dois passos em direção à bancada e pegou a tigela maior. Tinha quarenta centímetros de diâmetro e uns quinze de profundidade. O fundo era plano, um círculo de uns oito centímetros, mas o restante tinha uma forma esférica, quase parabólica. Tirou o telefone do bolso da camisa. Nunca medira o comprimento da antena, mas agora, estendendo-a, viu que tinha menos de dez centímetros. Olhou para Oreza. — Você tem uma furadeira?
— Tenho. Por quê?
— Descobri uma forma de não sermos rastreados!
— Não entendi, Pete.
— Vamos fazer um furo no fundo da tigela e enfiar a antena no furo. A tigela é feita de aço; vai refletir as ondas de rádio como se fosse uma antena de micro-ondas. Basta dirigirmos a antena para cima. Puxa, deve até aumentar a eficiência do transmissor!
— Como no filme do ET?
— Isso mesmo, capitão. Temos que ligar para casa e contar o que está acontecendo.
Burroughs ainda estava analisando os últimos acontecimentos, mas suas primeiras conclusões eram assustadoras. “Invasão” significava “guerra”. Guerra, no caso, era entre Estados Unidos e Japão, e por mais impossível que isso parecesse, era a única explicação para os acontecimentos que presenciara. Se estavam em guerra, encontrava-se no momento em território inimigo. O mesmo podia dizer do casal.
— Vou buscar a furadeira. Qual o tamanho do furo? Burroughs passou-lhe o telefone. Teve o impulso de jogá-lo de longe, mas desistiu ao se dar conta de que talvez fosse o objeto mais valioso de que dispunham no momento. Oreza mediu o diâmetro da antena e foi buscar o estojo de ferramentas.
— Alô.
— Rachel? É seu pai.
— Tem certeza de que está bem? Pode falar agora?
— Querida, estamos bem, mas há um pequeno problema. — Como iria explicar? Rachel Oreza Chandler era promotora em Boston, mas pretendia deixar o governo em breve para se tornar advogada criminalista. A realização profissional podia não ser a mesma, mas a remuneração e o horário de trabalho eram bem melhores. Com quase trinta anos, estava chegando a uma fase em que se preocupava com os pais tanto quanto eles tinham se preocupado com ela. Não havia necessidade de deixá-la preocupada. — Poderia arranjar um número de telefone para mim? Claro. Qual? O da sede da Guarda Costeira. Fica no Distrito de Columbia, em Buzzard’s Point. Quero o do Centro de Vigilância. Eu espero.
A advogada deixou a chamada em suspenso e ligou para o número de informações do Distrito de Columbia. Um minuto depois, ditou o número para o pai, esperando que ele repetisse cada algarismo.
— É isso aí. Tem certeza de que está tudo bem? Você parece um pouco tenso.
— Sua mãe e eu estamos muito bem. Falando sério, neném.
A moça detestava quando o pai a chamava assim, mas era tarde demais para fazer alguma coisa. Ele jamais seria politicamente correto.
— Está bem, eu acredito. Ouvi falar que aquela tempestade não foi fácil. A luz já voltou? — perguntou, esquecendo-se de que o pai afirmara que não houvera nenhuma tempestade.
— Ainda não, querida, mas provavelmente logo vai voltar — mentiu Oreza. — Até logo, neném.
— Centro de Vigilância da Guarda Costeira, segundo-sargento Obrecki, esta é uma linha pública — disse o homem, falando muito depressa, como se estivesse interessado em que a pessoa do outro lado da linha não entendesse uma única palavra.
— Está me dizendo que aquele garoto imberbe que navegou no Panache comigo conseguiu chegar a sargento! — perguntou Oreza, não resistindo à tentação de mexer com o ex-subordinado.
A reação foi compreensível.
— Aqui é o sargento Obrecki. Quem está falando?
— Primeiro-tenente Oreza.
— Ora, ora! Como está você, Portuga? Ouvi dizer que se reformara. — O homem recostou-se na cadeira. Agora que também era sargento, podia chamar o outro pelo apelido.
— Estou em Saipan. Escute com atenção, menino: preciso falar com seu superior com a máxima urgência.
— Qual é o assunto, sargento?
— Não tenho tempo para explicar, está bem? Faça o que estou pedindo.
— Está certo. — Obrecki deixou a chamada em suspenso. — Comandante, pode atender na linha um?
— CNCM, aqui é o contra-almirante Jackson — disse Robby, cansado e de muito mau humor. Só levantara o fone com relutância, por recomendação de um jovem major da Força Aérea.
— Almirante, aqui é o capitão de corveta Powers, da Guarda Costeira, em Buzzard’s Point. Recebi um telefonema de Saipan, de um primeiro-sargento reformado. Um dos nossos.
— E daí? Meus dois porta-aviões estão avariados, pensou o almirante.
— Isso é ótimo, comandante. Pode me dizer o que deseja? Estou muito ocupado.
— Almirante, ele afirma que muitos soldados japoneses desembarcaram na ilha de Saipan.
Jackson finalmente levantou os olhos dos despachos que estavam sobre a mesa.
— O quê?
— Posso transferir a chamada para o senhor.
— Está bem — concordou Robby.
— Quem fala? — perguntou outra voz, que parecia pertencer a um homem velho e autoritário. A voz de um sargento, pensou Robby.
— Aqui é o contra-almirante Jackson, do Centro de Comando Militar Nacional.
Não precisava pedir para gravarem a conversa; ali, todas as conversas eram gravadas.
— Almirante, aqui é o primeiro-sargento reformado Manuel Oreza, da Guarda Costeira dos Estados Unidos, número de série três-dois-oito-meia-um-quatro-zero-três-zero. Faz três anos que me reformei e me mudei para Saipan. Tenho um barco de pesca. Almirante, uma porrada de soldados japoneses, armados e uniformizados, desembarcou na ilha nas últimas horas.
Jackson mudou a posição da mão no telefone e fez um gesto para que outro oficial tomasse nota da conversa.
— Sargento, acho que compreende que essa história é um pouco difícil de acreditar.
— O senhor diz isso porque não está aqui. No momento, estou olhando pela janela da minha casa. Posso ver o aeroporto e a pista de Kobler. Seis jatos 747 estão pousando, quatro no aeroporto e dois em Kobler. Observei dois caças Eagle F-15 com círculos vermelhos nas asas sobrevoarem a ilha faz algumas horas. Estamos executando algum tipo de manobra conjunta com os japoneses, almirante? O homem parecia estar sóbrio, pensou Jackson. Além disso, soava exatamente como um primeiro-sargento. Um major da Força Aérea estava anotando toda a conversa, embora um convite para o Jurassic Park talvez parecesse mais realista.
— Acabamos de terminar um exercício conjunto, mas Saipan não tinha nada a ver com ele.
— Nesse caso, almirante, não é uma porra de um exercício. Existem três navios de transporte de carros atracados no porto. Um deles se chama Orchid Ace. Observei pessoalmente seis veículos militares, provavelmente MLRS, Mike Lima Romeo Sierra, no estacionamento do cais. Almirante, pode verificar minha ficha na Guarda Costeira. Trabalhei trinta anos lá. Não estou inventando nada. As comunicações telefônicas com Saipan foram interrompidas. A desculpa é que houve uma grande tempestade. Acontece que o tempo estava ótimo. Passei o dia inteiro pescando, entende? Pode confirmar isso com o serviço de meteorologia. A ilha foi invadida por tropas japonesas.
— Tem uma estimativa do número de soldados, sargento? A melhor confirmação daquela história insana, pensou Robby, foi a frustração do sargento diante da pergunta.
— Não, senhor. Sinto muito. Só me lembrei de contar os aviões quando era tarde demais. Calculo uns seis pousos por hora durante as últimas seis horas, mas isso é apenas um palpite, almirante. Espere... em Kobler, um dos aviões está se mexendo, como se estivesse para decolar. É um 747, mas não consigo ver as marcas na fuselagem.
— Espere. Se os telefones estão mudos, como pode estar falando comigo? — Oreza explicou, fornecendo a Jackson um número convencional para o outro chamá-lo de volta.
— Está bem, sargento. Vou verificar. Volto a chamá-lo em menos de uma hora. Está bem assim?
— Sim, senhor. Acho que fizemos nossa parte — disse Oreza, desligando.
— Major! — chamou Jackson, sem levantar os olhos. Quando o fez, viu que o homem estava ao seu lado.
— Almirante, eu sei que ele parecia perfeitamente normal, mas...
— Mas ligue imediatamente para a Base Aérea de Andersen.
— Entendido.
O jovem piloto foi até sua mesa e procurou o número na lista. Trinta segundos depois, sacudiu a cabeça, com uma expressão curiosa no rosto.
— Você está me dizendo — perguntou Jackson, olhando para o teto — que uma base da Força Aérea dos Estados Unidos saiu da rede e ninguém notou?
— Almirante, temos um chamado do CINCPAC. Está classificado como CRÍTICO.
CRÍTICO era uma classificação de prioridade ainda mais alta do que URGENTÍSSIMO, e raramente usada, mesmo por um comandante em chefe. Que droga, pensou Jackson. O que custa perguntar?
— Almirante Seaton, aqui é Robby Jackson. Por acaso estamos em guerra?
Sua parte parecia muito simples, pensou Zhang Han San. Apenas voar para um certo local, falar com uma pessoa, depois com outra, e pronto. Na prática, tinha sido ainda mais fácil do que esperava.
Na verdade, não devia surpreender-se com isso, pensou, enquanto voltava para o aeroporto no banco traseiro de um carro da embaixada. A Coreia se manteria isolada por um período de alguns meses, no mínimo, e talvez por um tempo muito maior. Agir de outra forma seria um grande risco para um país cujos efetivos militares tinham sido reduzidos e cujo vizinho era o país com o maior exército do mundo, além de ser um inimigo histórico. Han não fora forçado a tocar nesse ponto delicado; simplesmente transmitira um ponto de vista. Parecia haver divergências entre os Estados Unidos e o Japão. Essas dificuldades não diziam respeito diretamente à República da Coreia. A Coreia também não se sentia em condições de contribuir para que essas divergências fossem superadas, exceto, talvez, como um mediador de boa-fé quando as negociações diplomáticas fossem iniciadas, caso em que os bons ofícios da República da Coreia certamente seriam recebidos com agrado por todos os envolvidos, especialmente o Japão.
Não extraíra nenhum prazer particular do desconforto que suas palavras haviam causado. Os coreanos tinham muitas virtudes, um fato que o Japão, em seu racismo cego, parecia haver esquecido, pensou Zhang. Com sorte, poderia consolidar as relações comerciais entre a China e a Coreia e eles também tirariam proveito da situação... e por que não? Os coreanos não tinham motivos para gostar dos russos e muito menos dos japoneses.
Bastava que abrissem mão de sua lamentável amizade com os americanos e se integrassem à nova realidade. Por enquanto, era suficiente que tivessem concordado com seus argumentos e que o único aliado que restava para os Estados Unidos naquela parte do mundo estivesse fora da liça, depois que o presidente e o ministro do Exterior viram a luz da razão. Com sorte, a guerra, para todos os efeitos práticos, talvez já estivesse terminada àquela altura.
— Senhoras e senhores! — A voz vinha da sala de visitas, onde a Sra. Oreza deixara a TV ligada. — Daqui a dez minutos haverá um pronunciamento especial. Aguardem, por favor.
— Querido?
— Eu ouvi, amor.
— Você tem uma fita virgem para o videocassete? — perguntou Burroughs.
23
VOLTANDO PARA CASA
O dia de Robby Jackson começara mal. Isso já acontecera outras vezes, como no tempo em que era vice-comandante do Centro de Testes da Aviação Naval, em Patuxent River, Maryland, e um caça a jato decidira ejetá-lo sem nenhuma razão, quebrando-lhe a perna e deixando-o de molho durante vários meses.
Presenciara a morte de amigos em desastres de vários tipos e participara de buscas que raramente acabam bem; na maioria das vezes, tudo que encontravam era uma mancha de querosene e talvez alguns destroços. Como comandante de esquadrilha, e mais tarde como comandante de grupo, tinha a missão de escrever cartas aos pais e esposas, comunicando que seu homem e, mais recentemente, sua menina morrera a serviço da pátria, todas as vezes se perguntando o que poderia ter feito para evitar a tragédia. A vida de um aviador naval estava cheia daqueles dias.
Aquilo, porém, era pior; seu único consolo era pertencer ao J-3, encarregado dos planos e operações militares. Se fosse do J-2, responsável pelas informações, estaria arrasado.
— É isso aí, general, Yakota, Misawa e Kadena estão fora da rede. Não conseguimos nos comunicar com eles.
— Quantas pessoas estão envolvidas? — quis saber Jackson.
— Cerca de duas mil, na maioria mecânicos, controladores de radar, outros técnicos. Talvez um aeroplano ou dois em trânsito, não mais do que isso. Ainda estamos fazendo um levantamento — respondeu o major.
— E na Marinha?
— Temos homens em Guam, que dividem a base de Andersen com vocês. No porto, também. Uns mil, no total. Muito menos do que alguns anos atrás. — Jackson pegou o telefone seguro e digitou o número do CINCPAC.
— Almirante Seaton? Aqui é Jackson, de novo. Alguma novidade?
— Não conseguimos falar com ninguém a leste de Midway, Rob. Parece que a coisa é séria.
— Como esse aparelho funciona? — perguntou Oreza.
— Infelizmente, não posso responder. Tive preguiça de ler o manual — admitiu Burroughs. O telefone estava na mesinha do canto, com a antena passando por um furo no fundo do objeto côncavo, que por sua vez estava equilibrada em duas pilhas de livros. — Não sei se ele transmite periodicamente sua posição para os satélites. Era por isso que achava necessário manter aquele arranjo cômico.
— Quando quero desligar o meu, recolho a antena — observou Isabel Oreza, fazendo os dois homens olharem para ela, surpresos. — Também pode tirar as pilhas, certo?
— É claro — Burroughs conseguiu dizer primeiro, mas por pouco.
Levantou o objeto côncavo, enfiou a antena de volta no buraco, removeu a tampa do compartimento de pilhas e tirou as duas pilhas. O telefone agora estava totalmente desligado. — Se a senhora um dia quiser fazer o mestrado em Stanford, pode me pedir uma carta de recomendação, certo?
“Senhoras e senhores”. — Os três olharam para a sala de estar e viram um homem sorridente de uniforme verde, que falava um inglês muito explicado.
“Sou o general Tokikichi Arima, das Forças Japonesas de Autodefesa Terrestre. Gostaria de explicar o que aconteceu hoje. Em primeiro lugar, quero assegurar que não há razão para se preocuparem. Infelizmente, houve um tiroteio no posto policial ao lado do edifício do Parlamento, mas os dois guardas feridos foram levados para o hospital e passam bem. Se ouviram falar de mortes e atos violentos, trata-se de boatos sem fundamento” — disse o general aos vinte e nove mil cidadãos de Saipan.
“Devem estar curiosos para saber o que aconteceu — prosseguiu. — No início do dia, forças sob o meu comando começaram a desembarcar em Saipan e Guam. Como aprenderam nos livros de história, e como alguns dos residentes mais antigos da ilha devem se lembrar, até 1944 o arquipélago das Marianas pertencia ao Japão. Talvez muitos não saibam, mas depois que uma decisão judicial, há alguns anos, permitiu que cidadãos japoneses comprassem terras nas ilhas, meus compatriotas adquiriram mais de metade das terras de Saipan e Guam. Nosso amor e afeição por essas ilhas e seus habitantes também são notórios. Investimos bilhões de dólares aqui e revigoramos a economia local depois de anos de abandono pelo governo americano. Assim, não podemos ser considerados estrangeiros, não é mesmo?”
“Provavelmente, também sabem que têm havido sérias divergências entre o Japão e os Estados Unidos. Essas divergências forçaram meu país a reformular nossas estratégias de defesa. Assim, decidimos restabelecer nosso domínio sobre o arquipélago das Marianas como medida puramente defensiva, de modo a garantir nossas praias contra uma possível invasão americana. Em outras palavras, precisamos manter forças defensivas nas Marianas e portanto restabelecer nossa soberania sobre o arquipélago.
“O que significa tudo isso para vocês, cidadãos de Saipan?” — perguntou o general Arima, com um sorriso. “Na verdade, não significa absolutamente nada. Todos os negócios permanecerão abertos; também acreditamos na livre empresa. Continuarão a administrar a ilha através de representantes eleitos por voto popular, com a vantagem adicional de que passarão a ser a quadragésima oitava prefeitura do Japão, com direito a representação na Dieta. Esse era um direito que não possuíam como comunidade americana, que é apenas outra palavra para colônia, não é? Todos terão dupla cidadania. Sua cultura e sua língua serão respeitadas. Sua liberdade de ir e vir não será violada. Suas liberdades de expressão, de imprensa, de religião e de associação serão as mesmas de que desfrutam todos os cidadãos japoneses e exatamente iguais aos direitos civis hoje em vigor. Em resumo: não haverá nenhuma mudança em sua vida cotidiana” — assegurou Arima aos espectadores. — Todas as mudanças serão para melhor; para isso, podem contar com a palavra do meu governo.
“Talvez muitos pensem que é mais fácil falar do que agir, e estão perfeitamente corretos. Amanhã verão pessoas nas ruas e estradas de Saipan fazendo levantamentos topográficos e entrevistando os residentes. Nossa primeira tarefa será melhorar o sistema de transportes da ilha, que os americanos permitiram que se deteriorasse. Para isso, precisaremos da sua colaboração”.
“Por outro lado — disse Arima, inclinando-se para a frente —, sei que alguns de vocês não aprovam o que estamos fazendo, e peço sinceras desculpas por qualquer inconveniente que possamos causar. Não desejamos mal a ninguém, mas precisam compreender que qualquer ataque a meus homens ou a um cidadão japonês será considerado como violação da lei. Sou também forçado a tomar certas medidas de segurança para proteger minhas tropas e adequar esta ilha à legislação japonesa”.
“Todas as armas de fogo devem ser entregues às autoridades nos próximos dias. Podem levá-las aos postos de polícia. Se tiverem a nota fiscal das armas ou puderem demonstrar que possuem algum valor comercial, receberão um valor justo por elas. Da mesma forma, devemos pedir aos donos de transmissores de rádio que nos entreguem os aparelhos por um curto período de tempo e que, por favor, se abstenham de usá-los enquanto não o fizerem. Neste caso, também serão indenizados em dinheiro e, no caso dos rádios, quando forem devolvidos, poderão conservar o dinheiro como sinal de agradecimento pela cooperação”.
“Afora isso — outro sorriso —, dificilmente notarão que estamos aqui. Meus soldados receberam ordens de tratar todos os habitantes desta ilha como compatriotas. Se souberem que um soldado japonês foi indelicado com um cidadão local, gostaria que o fato fosse comunicado imediatamente ao meu quartel-general. Como podem ver, nossa lei se aplica a nós, também”.
“Por enquanto, tudo que têm a fazer é continuar a levar uma vida normal. — Um número de telefone apareceu na tela. — Se tiverem alguma pergunta, podem telefonar para este número ou visitar-nos pessoalmente no edifício do Parlamento. Teremos prazer em ajudá-los no que for possível.
Obrigado pela atenção. Boa noite.”
— Esta mensagem será repetida a cada quinze minutos no Canal Seis — disse outra voz.
— Que filho da puta! — exclamou Oreza.
— Qual será sua agência de propaganda? — perguntou Burroughs, apertando o botão para rebobinar a fita de videocassete.
— Será que ele está falando a verdade? — perguntou Isabel.
— Quem sabe? Vocês têm alguma arma em casa? Portuga sacudiu a cabeça.
— Não. Nem mesmo sei se é preciso um registro. Mas alguém teria de ser maluco para atacar os soldados, não é mesmo? Eles se sentirão muito mais tranquilos se não tiverem que vigiar a retaguarda — disse Burroughs, colocando as pilhas de volta no telefone. Pode me dar o telefone daquele almirante?
— Jackson.
— Primeiro-sargento Oreza. Está gravando esta conversa?
— Estou. Alguma novidade?
— Sim, senhor. Agora é oficial — declarou Oreza, secamente.— Acabam de anunciar na TV. Gravamos tudo em fita. Vou ligar o videocassete e segurar o fone perto do alto-falante.
— General Tokikichi Arima, escreveu Jackson em um pedaço de papel. Passou-o a um sargento do Exército. Peça aos rapazes da inteligência que identifiquem este nome.
— Sim, senhor — disse o sargento, afastando-se.
— Major! — chamou Robby em seguida.
— Sim, almirante? A qualidade do som é bem razoável. Passe uma cópia da fita para o pessoal do FBI. Quero uma análise do nível de nervosismo na voz. Em seguida, prepare uma transcrição da fita que possa ser mandada por fax a meio milhão de lugares.
— Certo.
Durante o restante do tempo, Jackson limitou-se a escutar, uma ilha de tranquilidade em um mar de loucura, ou assim parecia.
— E isso aí — disse Oreza, quando a fita terminou. — Quer o número de telefone que apareceu na tela?
— Não será necessário. Bom trabalho, sargento. Mais alguma coisa?
— Os aviões continuam a chegar. Contei quatorze desde nossa última conversa.
— Está bem. Acha que está em perigo?
— Não vejo ninguém correndo por aí com uma arma na mão, almirante. Reparou que ele não disse nada a respeito dos americanos na ilha?
— Eu não tinha reparado. Tem razão.
— Toda esta história está me deixando muito preocupado, senhor. — Oreza contou-lhe rapidamente o incidente no barco.
— Não posso censurá-lo, sargento. Seu país está examinando o problema, está bem?
— Está certo, almirante. Agora vou desligar.
— Está bem. Aguente firme — ordenou Jackson.
Era uma instrução vazia, e ambos sabiam disso.
— Entendido. Desligo.
Robby colocou o fone de volta no gancho.
— Opiniões?
— O senhor quer dizer além de “É uma situação absurda?” — perguntou uma oficial.
— Pode ser absurda para nós, mas deve ser lógica para alguém. — Não adiantava repreendê-la pelo comentário, pensou Jackson. Levaria algum tempo até todos aceitarem a situação. — Alguém não acredita nas informações que recebemos até agora? Olhou em volta. Havia sete oficiais presentes, e os militares não eram escolhidos para servir no NMCC por causa de sua burrice.
— A situação pode parecer absurda, senhor, mas até o momento os fatos que conseguimos apurar são coerentes. Todas as bases daquela região estão mudas. Devia haver um oficial de plantão, mas ninguém atende ao telefone. As ligações via satélite não funcionam. No total, perdemos o contato com quatro bases da Força Aérea e uma base do Exército. O problema é real, almirante — concluiu a oficial, procurando redimir-se do comentário anterior.
— Alguma informação do Departamento de Estado? Da CIA?
— Nada — respondeu um coronel do J-2. — Daqui a uma hora teremos fotografias das Marianas tiradas por satélite. Já me comuniquei com o Escritório Nacional de Reconhecimento e o I-TAC a respeito.
— Vão usar o KH-11?
— Sim, senhor. Todas as câmaras estão funcionando, e faz bom tempo.
— As fotos vão ficar excelentes — assegurou o oficial de inteligência.
— Ontem não houve nenhuma tempestade naquela região?
— Negativo — respondeu outro oficial. — Não há nenhum motivo para que os telefones não funcionem. Estão ligados a nós por cabo submarino e por satélite. Liguei para a empresa que opera as antenas. Eles me disseram que não houve nenhum aviso. Estão tentando comunicar-se com os técnicos locais, mas sem sucesso.
Jackson fez que sim com a cabeça. Esperara até aquele momento apenas para obter a confirmação de que precisava para dar o passo seguinte.
— Está bem, vamos escrever uma mensagem de alerta e enviá-la a todos os comandantes-em-chefe. Avisem ao secretário de Defesa e aos chefes do Estado-Maior. Está na hora de ligar para o presidente.
— Dr. Ryan, chamado do NMCC, classificado como CRÍTICO. E o almirante Robert Jackson, de novo.
A palavra “CRÍTICO” fez com que todos olhassem para Ryan quando ele pegou o telefone.
— Robby, aqui é Jack.
— O que está acontecendo? — Todos na sala de comunicações viram o conselheiro de Segurança Nacional empalidecer.
— Robby, está falando sério? — Ryan olhou para o oficial de comunicações. — Onde estamos neste momento? Perto de Goose Bay, no Labrador, senhor. Faltam umas três horas de viagem.
— Quer pedir à agente especial d’Agustino que venha até aqui, por favor? — Ryan tirou a mão do fone. — Robby, vou precisar disso por escrito... certo... ele ainda está dormindo, acho. Dê-me trinta minutos para organizar as coisas. Ligue de novo se houver alguma novidade.
Jack levantou-se da cadeira e foi até o banheiro, evitando olhar para o espelho enquanto lavava as mãos. Quando saiu, a agente do Serviço Secreto estava à sua espera.
— Não o deixaram dormir, hein?
— O chefe já se levantou?
— Ele deixou ordens para ser acordado quando faltasse uma hora para pousarmos. Acabo de falar com o piloto e...
— Trate de acordá-lo, Daga, e depois peça aos secretários Hanson e Fiedler que venham aqui em cima. Arnie, também.
— O que aconteceu?
— Você vai saber junto com os outros. — Ryan tirou o rolo de papel da máquina de fax e começou a ler a mensagem que acabara de chegar. Levantou os olhos. — Não estou brincando, Daga. Vá logo.
— O presidente está em perigo?
— Vamos supor que esteja — respondeu Jack. Pensou por um momento. — Qual é a base de caças mais próxima, tenente? A expressão de surpresa no rosto da oficial foi inconfundível.
— Temos caças F-l 5 na base de Otis, no cabo Cod, e F-l 6 em Burligton, Vermont Ambos são grupos da Guarda Aérea Nacional, encarregados da defesa aérea continental.
— Entre em contato com eles e diga que o presidente gostaria de ter uma escolta o mais breve possível.
A vantagem de lidar com tenentes era que eles não estavam acostumados a discutir uma ordem dada, mesmo que ela fosse aparentemente sem sentido. O mesmo não se podia dizer dos agentes do Serviço Secreto.
— Se acha isso necessário, então preciso saber imediatamente o que está acontecendo.
— Acho que você tem razão, Daga.
Ryan rasgou a parte superior do papel do fax quando chegou à segunda página da transmissão.
— Que merda! — exclamou a agente, devolvendo a folha. — Vou acordar o presidente. É bom avisar o piloto. Eles fazem as coisas diferentes em situações como esta.
— Boa ideia. Quinze minutos, Daga, certo?
— Sim, senhor.
A agente desceu a escada em espiral, enquanto Jack ia falar com o piloto.
— Faltam um-meia-zero minutos, Dr. Ryan. Viagem comprida, não é mesmo? — perguntou o coronel que estava nos controles.
O sorriso desapareceu quando ele viu a expressão no rosto de Ryan.
Foi por mero acaso que passaram na porta da embaixada americana. Talvez ele apenas quisesse ver a bandeira, pensou Clark. Era sempre uma visão agradável em território estrangeiro, mesmo que tremulasse em um edifício projetado por um burocrata sem nenhum senso de...
— Alguém está preocupado com a segurança — observou Chavez.
— Yevgeniy Pavlovich, sei que seu inglês é excelente. Não precisa praticá-lo comigo.
— Desculpe. Os japoneses estão com medo de novas arruaças, Vanya? A não ser por aquele incidente, não houve muitas manifestações populares...
Interrompeu a frase no meio. O edifício estava cercado por policiais armados. Aquilo era estranho. Aparentemente, um ou dois guardas seriam suficientes para...
— Yob’tvoyu mat.
Clark sentiu orgulho do rapaz. Podia ser um palavrão, mas era exatamente o que um russo diria nas circunstâncias. O motivo era claro. Os guardas que cercavam a embaixada estavam olhando tanto para fora como para dentro, e não havia nenhum fuzileiro americano à vista.
— Ivan Sergeyevich, algo muito estranho está acontecendo.
— É verdade, Yevgeniy Pavlovich — concordou John Clark.
Ele não diminuiu a marcha e torceu para que os policiais não reparassem nos dois gaijin e anotassem a placa do carro. Talvez estivesse na hora de devolver o carro e alugar outro.
— O sobrenome é Arima, primeiro nome Tokikichi, general de divisão, cinquenta e três anos de idade. — O sargento do Exército era um especialista em inteligência. — Formou-se na Academia de Defesa Nacional, escolheu a arma de infantaria, obteve notas excelentes durante toda a carreira. Fez o curso avançado no Quartel de Carlisle há oito anos, com bom aproveitamento. A ficha diz que é “politicamente astuto”. Bem relacionado. É general-comandante do Exército do Leste, o equivalente de uma região militar do Exército americano, mas com menos recursos, especialmente de artilharia. Conta com duas divisões de infantaria, a Primeira e a Décima Segunda, a Primeira Brigada Aerotransportada, a Primeira Brigada de Engenharia, o Segundo Grupo Antiaéreo e algumas unidades administrativas.
O sargento passou a pasta, que também continha duas fotografias. O inimigo agora tem um rosto, pensou Jackson. Pelo menos um rosto. Jackson examinou-o por alguns segundos antes de fechar a pasta. O Pentágono estava prestes a entrar em pânico. O primeiro dos chefes do Estado-Maior se encontrava no estacionamento, e Jackson era o felizardo encarregado de colocá-lo a par do que estava acontecendo. Jackson juntou seus documentos e dirigiu-se para o Tanque, uma sala muito bonita situada na periferia do edifício.
Chet Nomuri passara o dia em encontros sucessivos com três dos seus contatos, mas sem descobrir grande coisa, a não ser que algo muito estranho estava acontecendo. O melhor a fazer, decidiu, era voltar à casa de banhos e torcer para que Kazuo Taoka aparecesse. Quando ele finalmente chegou, Nomuri estava havia tanto tempo na água quente que se sentia como um macarrão que tivesse passado um mês na panela.
— Você está com cara de quem teve um dia como o meu — conseguiu dizer, com um sorriso malicioso.
— Como foi seu dia? — perguntou Kazuo, com ar cansado mas animado.
— Conheço uma garota muito bonita, que frequenta um certo barzinho. Estou trabalhando nela há quase três meses. Tivemos uma tarde muito agitada. — Nomuri colocou a mão debaixo d’água, fingindo estar sentindo dor em um certo lugar. — Não sei se ele vai funcionar de novo.
— Seria ótimo se ainda pudéssemos contar com a garota americana — afirmou Taoka, mergulhando na piscina com um prolongado Ahhhhh. — É exatamente do que estou precisando agora.
— Ela foi embora? — perguntou Nomuri, com ar inocente.
— Morreu — afirmou Taoka, sem emoção.
— O que aconteceu? Eles iam mandá-la para casa. Yamata mandou Kaneda, seu guarda-costas, para arrumar as coisas. Mas parece que ela era viciada em drogas e morreu de overdose. Uma pena — comentou Taoka, como se estivesse se referindo à morte do gato do vizinho. — Mas existem outras no lugar de onde ela veio.
Nomuri assentiu sem demonstrar interesse, pensando consigo mesmo que aquela era uma faceta do homem que não conhecia. Kazuo era um típico assalariado japonês. Entrara para a empresa logo depois de sair da universidade, começando em uma posição subalterna. Depois de cinco anos na empresa, fora mandado para uma escola de administração, o equivalente japonês de Parris Island, com um toque de Buchenwald. Havia algo de revoltante na forma como aquele país funcionava. Estava preparado para algumas diferenças. Afinal, era um país estrangeiro, e cada país tinha suas peculiaridades, o que no fundo era bom. Os Estados Unidos eram prova disso. O país beneficiava-se da diversidade dos que chegavam a suas fronteiras, cada comunidade étnica contribuindo de alguma forma para o cadinho cultural, criando uma mistura frequentemente explosiva mas sempre criativa e dinâmica. Agora, porém, compreendia por que tantas pessoas preferiam emigrar para os Estados Unidos, especialmente cidadãos japoneses.
O Japão exigia demais dos seus habitantes. No fundo, a culpa não era do governo, mas da cultura. O chefe tinha sempre razão. Um bom empregado era aquele que fazia tudo que lhe mandavam fazer. Para subir na vida, era preciso bajular os superiores, vestir a camisa da empresa, chegar ao trabalho uma hora mais cedo para demonstrar lealdade. O mais surpreendente era que os japoneses conseguissem ser criativos. Provavelmente os mais bem-dotados conseguiam chegar no topo, apesar de todos os obstáculos, ou talvez fossem suficientemente espertos para ocultar seus verdadeiros sentimentos até atingir uma posição de destaque, mas àquela altura tinham acumulado rancores suficientes para fazer Hitler parecer um maricás. Enquanto isso, extravasavam esses sentimentos em bebedeiras e orgias sexuais do tipo que ouvia falar na casa de banhos. As histórias de passeios à Tailândia, a Formosa e, mais recentemente, às ilhas Marianas eram especialmente interessantes, episódios que fariam corar seus colegas da UCLA. Tudo isso eram sintomas de uma sociedade que cultivava a repressão psicológica, cuja fachada suave e gentil era como uma represa atrás da qual se acumulavam ódios e frustrações de todos os tipos. O reservatório ocasionalmente tinha de ser sangrado, em geral de forma ordeira e controlada, mas a pressão sobre a represa era constante, e um dos resultados dessa pressão era uma forma de encarar os outros, principalmente os gaijin, de uma forma que ofendia os sentimentos igualitários de Nomuri, cultivados na América. Não levaria muito tempo para começar a odiar aquele país, pensou. Seria uma atitude indesejável e pouco profissional, pensou o agente da CIA, lembrando-se das lições que recebera na Fazenda: um bom agente procurava se identificar ao máximo com a cultura local. Entretanto, estava caminhando na outra direção, e o mais irônico era que a maior razão para sua crescente antipatia estava no fato de que descendia diretamente daquela raça.
— Você está mesmo interessado em moças como ela? — perguntou Nomuri, de olhos fechados.
— Estou, sim. Foder os americanos vai ser em breve nosso esporte nacional — disse Taoka, rindo. — Foi o que fizemos nos últimos dois dias. E eu estava lá para assistir — concluiu, satisfeito.
No final, valera a pena. Vinte anos sem sair da linha, e ali estava a recompensa: estar presente na Sala de Guerra, acompanhando os acontecimentos, vendo a história se desenrolar diante dos seus olhos. O assalariado tivera sua vingança e, mais importante ainda, tinha sido notado. Por Yamata-san em pessoa.
— Afinal, quais foram as grandes coisas que aconteceram enquanto eu estava me divertindo? — perguntou Nomuri, abrindo os olhos e dando um sorriso lúbrico.
— Entramos em guerra com os Estados Unidos, e vencemos! — proclamou Taoka.
— Guerra? Nan já? Conseguimos conquistar a General Motors?
— Guerra de verdade, meu amigo. Neutralizamos a Esquadra do Pacífico e o arquipélago das Marianas pertence novamente ao Japão.
— Acho que anda exagerando na bebida, meu amigo — observou Nomuri, acreditando realmente que aquilo não passava de uma bravata.
— Há quatro dias que não bebo uma gota de álcool! — protestou Taoka. — O que estou dizendo é verdade!
— Kazuo — insistiu Chet, pacientemente, como se estivesse falando com uma criança precoce —, você sabe contar histórias como ninguém. Quando fala das mulheres, fico de pau duro como se estivesse lá. — Nomuri sorriu. — Desta vez, porém, acho que exagerou um pouco.
— Não estou exagerando! Juro! — exclamou Taoka. No afã de convencer o amigo, entrou em detalhes.
Nomuri não tinha nenhum treinamento militar. Quase tudo que sabia sobre o assunto aprendera nos livros ou em filmes de cinema. Não estava no Japão para colher informações sobre as Forças Japonesas de Autodefesa, mas sobre questões de comércio e relações exteriores. Entretanto, Kazuo Taoka era realmente um ótimo contador de histórias, com uma atenção incomum para detalhes, e logo Nomuri voltou a fechar os olhos, com um sorriso fixo nos lábios. As duas coisas eram resultado do seu treinamento em Yorktown, Virgínia; estava empenhado em registrar cada palavra na memória, enquanto outra parte da consciência imaginava como poderia transmitir a informação para fora do país. Sua outra reação foi uma que Taoka não podia ver nem ouvir, um americanismo puro, que não deixou os limites do cérebro do agente da CIA: Seus filhos da puta.
— Está bem, o SALTADOR já está de pé e mais ou menos acordado — informou Helen d’Agustino. — JASMIM (o nome de código de Anne Durling) estará em outra cabina. O secretário de Estado e o secretário do Tesouro já se levantaram e foram tomar café. Arnie van Damm é provavelmente quem se encontra em melhor forma no momento. Hora de começar o espetáculo.
— E os caças?
— Vão se juntar a nós daqui a uns quinze minutos. Optamos pelos F-l 5 baseados em Otis. Têm um alcance maior; podem nos seguir até pousarmos.
— Não estou sendo muito paranoico, estou?
— Sabe de uma coisa que sempre apreciei no senhor, Dr. Ryan? — perguntou Daga, com um sorriso nos lábios.
— O quê?
— Não preciso explicar-lhe como funciona a segurança, como tenho de fazer com quase todo mundo. O senhor pensa muito parecido comigo. — Era um elogio e tanto, partindo de uma agente do Serviço Secreto. — O presidente está à sua espera — concluiu, descendo a escada na frente de Jack.
Ryan esbarrou na esposa quando se dirigia para a proa do avião. Bela como sempre, não parecia estar sofrendo dos males com os quais o marido a ameaçara na véspera. Ao ver Jack, começou a dizer que era ele que parecia estar de ressa...
— O que houve?
— Problemas, Cathy.
— É sério? O marido limitou-se a concordar com a cabeça antes de seguir caminho, passando por um agente do Serviço Secreto e um segurança armado da Força Aérea. As duas poltronas conversíveis em camas já tinham sido arrumadas. O presidente estava sentado em uma delas, vestindo uma calça de terno e camisa social. O paletó e a gravata não estavam à vista. A sua frente, sobre a mesinha, havia um bule de prata com café. Como se encontravam no nariz do avião, Ryan podia ver o lado de fora pelas janelas dos dois lados. Estavam voando uns trezentos metros acima de um tapete de cúmulos que se estendia a perder de vista.
— Soube que você passou a noite inteira acordado — comentou Durling.
— Não é bem assim. Quando me acordaram, estávamos passando pela Islândia — afirmou Ryan.
Não tinha lavado o rosto, não fizera a barba e o cabelo provavelmente estava parecido com o de Cathy ao tirar a touca cirúrgica após uma operação complicada. Pior ainda era o olhar nos seus olhos quando se preparou para dar ao presidente a triste notícia.
— Você está com uma cara horrível. Qual é o problema?
— Senhor presidente, com base nas informações que recebemos nas últimas horas, acredito que os Estados Unidos estejam em guerra com o Japão.
— O que você precisa é de um bom sargento para cuidar do assunto — observou Jones.
— Ron, mais uma dessas e mando expulsá-lo da sala, certo? Já está passando dos limites — replicou Mancuso, com voz cansada. — Aqueles homens estavam sob o meu comando, lembra-se?
— Acha que fui muito inconveniente?
— Foi sim, Jones — respondeu Chambers, entrando na conversa. — Talvez Seaton estivesse precisando de uma sacudidela, mas você exagerou. Estamos precisando de soluções, não de gracinhas.
Jones fez que sim com a cabeça, mas não se deu por achado. — Está bem, comandante. Qual é a situação atual?
— De acordo com as últimas estimativas, eles dispõem de dezoito submarinos. Dois estão sendo reformados e só estarão disponíveis daqui a alguns meses — respondeu Chambers, começando pelos efetivos do inimigo.
— Com o Charlotte e o Asheville fora de combate, temos um total de dezessete.
— Quatro estão sendo reformados. Outros quatro estão passando por uma revisão aqui ou em San Diego. Quatro se encontram no oceano Indico. Talvez seja possível trazê-los de volta, mas não temos certeza. Isso nos deixa com cinco. Três saíram com os porta-aviões para o “exercício” e um está atracado ali embaixo no cais. O último está no mar, no golfo do Alasca, em missão de treinamento. O comandante é inexperiente... faz apenas três semanas que assumiu o posto.
— É verdade — concordou Mancuso. — Ele ainda está aprendendo.
— Puxa, estamos tão mal assim? — observou Jones, arrependendo-se do comentário anterior. A grande Esquadra do Pacífico dos Estados Unidos, que há apenas cinco anos tinha sido a mais poderosa força naval da história da civilização, estava reduzida a uma marinha de fragatas.
— Cinco dos nossos contra dezoito dos deles, e eles estão mais bem preparados. Passaram os últimos dois meses treinando sem parar. — Chambers olhou para o mapa na parede e franziu a testa. — É um oceano muito grande, Jones.
Foi a forma como disse a última frase que deixou o empreiteiro preocupado.
— E os quatro que estão na revisão?
— A ordem já foi enviada. “Concluir a revisão o mais cedo possível.” Com isso, poderemos aumentar o número para nove daqui a duas semanas, se tudo correr bem.
— Comandante Chambers? Chambers olhou para ele.
— Sim, suboficial Jones?
— Lembra-se de quando íamos para o norte, sozinhos, rastreando quatro ou cinco inimigos ao mesmo tempo? O chefe de operações assentiu nostalgicamente e respondeu: — Isso faz muito tempo, Jones. Agora estamos lidando com submarinos SSK, no território deles, e...
— Você trocou suas bolas por essa quarta lista no ombro?
— Escute uma coisa, garoto, eu... — começou Chambers, furioso.
— Escute você. — exclamou Ron Jones, mais furioso ainda. — Quando o conheci, era um Oficial com “O” maiúsculo! Sabia que podia confiar em você, como sabia que podia confiar nele — afirmou, apontando para Mancuso. — Quando trabalhei com vocês dois, éramos os melhores do mundo. E se você trabalhou direito como comandante, e se está trabalhando direito como comandante da força, Bart, esses rapazes que estão aí fora ainda são os melhores do mundo. Que droga! Quando joguei minha mochila para dentro da escotilha do Dallas pela primeira vez, achei que vocês sabiam o que estavam fazendo. Será que estava enganado? Lembram-se do lema do Dallas? “O Primeiro a Entrar na Briga.” O que está acontecendo com vocês? A pergunta ficou no ar durante alguns segundos. Chambers estava zangado demais para argumentar, mas o ComSubPac, não.
— Estamos tão mal assim? — perguntou Mancuso.
— É o que eu acho. Está certo, esses filhos da puta meteram no nosso rabo. Está na hora de pensarmos na forra. Nós somos a elite, não somos? Se não cuidarmos disso, quem vai cuidar?
— Jones, você sempre falou demais — disse Chambers. Olhou novamente para o mapa. — Mas acho que talvez esteja mesmo na hora de fazermos alguma coisa.
Um suboficial enfiou a cabeça para dentro da sala. — Almirante, o Pasadena acaba de sair do estaleiro. Está preparado para entrar em ação. O comandante pede instruções.
— Como está armado? — quis saber Mancuso, percebendo que se tivesse feito direito seu trabalho nos últimos dias, a pergunta seria desnecessária.
— Vinte e dois ADCAP, seis Harpoon e doze T-LAM-C. Todos de verdade, não de treinamento — respondeu o homem. — Pode fazer um bom estrago, almirante.
Mancuso fez que sim com a cabeça. — Diga-lhe que aguarde instruções.
— Sim, senhor.
— É um bom comandante? — perguntou Jones.
— Foi condecorado o ano passado — afirmou Chambers. — O nome dele é Tim Parry. Foi meu imediato no Key West. Confio nele.
— Agora, tudo de que necessita é uma missão.
— É isso mesmo — concordou Mancuso, pegando o telefone seguro para chamar o CINCPAC.
— Mensagem do Departamento de Estado — anunciou o oficial de comunicações da Força Aérea, entrando no compartimento. — O embaixador japonês solicitou uma entrevista urgente com o presidente.
— Brett? Vamos ouvir o que ele tem a dizer — sugeriu o secretário de Estado.
Ryan concordou com a cabeça.
— Alguma chance de que tudo isto seja algum tipo de mal-entendido? — perguntou Durling.
— Esperamos receber informações a qualquer momento de um satélite que está passando por cima das Marianas. Está escuro na região, mas isso não fará muita diferença.
Ryan terminara sua exposição sem conseguir apresentar muitos fatos concretos. Os acontecimentos tinham sido tão inesperados, que só se daria por satisfeito quando pudesse ver pessoalmente as fotografias do satélite.
— E se for tudo verdade, o que faremos?
— Teremos de decidir o que fazer — admitiu Ryan. — Por enquanto, vamos ouvir o embaixador.
— O que eles realmente pretendem? — perguntou Fiedler, o secretário do Tesouro.
— É difícil dizer. Não se dariam a esse trabalho todo só para nos sacanear. Temos armas nucleares; eles, não. Não faz sentido... não faz nenhum sentido — afirmou Ryan. Então se lembrou de que em 1939 o maior parceiro comercial da Alemanha era... a França. Uma das lições mais frequentes da história era a de que a lógica não representava uma constante no comportamento das nações. O estudo de história nem sempre era bilateral, e as lições aprendidas da história dependiam muito da qualidade do estudante. Valia a pena guardar essas lições na memória, pensou Jack, porque o outro lado poderia esquecê-las.
— Tem de ser algum tipo de mal-entendido — afirmou Hanson. — Dois acidentes isolados. Talvez nossos dois submarinos tenham colidido debaixo d’água e talvez a população de Saipan tenha armado uma tempestade em copo d água. Não há outra explicação razoável.
— Concordo que os fatos conhecidos não formam um todo coerente, mas os dados de que dispomos... que droga, conheço Robby Jackson! Conheço Bart Mancuso! — protestou Ryan.
— Quem é ele?
— ComSubPac. É quem cuida dos nossos submarinos na região. Servimos juntos, uma vez. Jackson é do J-3, e somos amigos desde o tempo em que ensinávamos em Annapolis. Puxa, fazia tanto tempo!
— Certo — disse Durling. — Já nos contou tudo que sabe?
— Já, senhor Presidente. Relatei todos os fatos conhecidos, sem nenhuma análise.
— Porque ainda não dispõe de uma? A pergunta era um pouco agressiva, mas não era hora de suscetibilidades. Ryan assentiu.
— Exatamente.
— Nesse caso, só nos resta esperar. Quanto tempo para chegarmos a Andrews? Fiedler olhou pela janela.
— Estamos sobrevoando a baía de Chesapeake. Não vai demorar.
— Jornalistas no aeroporto? — perguntou a Arnie van Damm.
— Apenas os que estão a bordo, presidente.
— Ryan? Precisamos confirmar nossas informações.
— Os serviços de inteligência estão todos de prontidão.
— O que esses caças estão fazendo lá fora? — perguntou Fiedler. O Força Aérea Um agora estava sendo escoltado por dois caças, um de cada lado.
Ryan imaginou se os repórteres notariam o fato. Por quanto tempo conseguiriam manter tudo aquilo em segredo? A ideia foi minha, Buzz — respondeu Ryan. Era melhor assumir logo a responsabilidade.
— Um pouco dramático, não acha? — perguntou o secretário de Estado.
— Também não esperávamos que nossa esquadra fosse atacada.
— Senhoras e senhores, aqui é o coronel Evans. Estamos nos aproximando da Base Aérea de Andrews. Esperamos que tenham feito uma boa viagem. Por favor, coloquem os assentos das poltronas na posição vertical e...
Na parte de trás do avião, os jovens assessores da Casa Branca fizeram questão de não colocar os cintos de segurança. Os tripulantes seguiram o regulamento à risca, naturalmente.
Ryan sentiu o trem de aterrissagem tocar a pista de pouso Zero-Um Direita. Para a maioria dos passageiros, que pertenciam à imprensa, era o fim. Para ele, era apenas o começo. O primeiro sinal foi o número incomum de seguranças que os aguardavam, acompanhados por alguns agentes do Serviço Secreto que não disfarçavam seu nervosismo. De certa forma, foi um alívio para o conselheiro de Segurança Nacional. Nem todos achavam que fosse um mal-entendido, mas seria muito melhor, pensou Ryan, se daquela vez estivesse enganado. Porque se fosse verdade o que estava pensando, achavam-se diante da crise mais complexa da história do país.
24
CORRENDO NO MESMO LUGAR
Se havia uma sensação pior do que aquela, Clark não saberia dizer qual era.
Estava ali para cumprir uma missão aparentemente muito simples: resgatar uma cidadã americana que se metera em encrencas e verificar a possibilidade de reativar uma antiga rede de espionagem.
Bem, era essa a ideia original, pensou o agente consigo mesmo, voltando para o quarto de hotel. Chavez fora estacionar o carro. Haviam decidido alugar outro carro, e mais uma vez o funcionário da agência mudara de expressão ao descobrir que os dizeres do cartão de crédito estavam escritos em caracteres romanos e cirílicos. Estava sendo uma experiência diferente.
Mesmo no auge da Guerra Fria, os russos tinham tratado os cidadãos americanos com maior deferência que os próprios conterrâneos, e quer isso fosse causado pela curiosidade ou não, o privilégio de ser americano sempre fora uma referência segura para um homem solitário em uma terra hostil.
Jamais Clark se sentira tão amedrontado; o fato de que Ding Chavez não tinha experiência suficiente para perceber que se encontravam em uma posição extremamente delicada não lhe servia absolutamente de consolo.
Foi portanto com alívio que constatou que havia uma fita adesiva colada na parte interna da maçaneta. Talvez Nomuri pudesse lhe fornecer algumas informações úteis. Clark permaneceu no quarto apenas tempo suficiente para ir ao banheiro e depois tornou a descer. Viu Chavez no saguão e fez um gesto para ele: Fique onde está. Notou com um sorriso que o parceiro I comprara um exemplar de um jornal em russo, que levava ostensivamente debaixo do braço como uma espécie de medida defensiva. Dois minutos depois, Clark estava de novo olhando a vitrina da loja de fotografia. Não havia muito movimento na calçada, mas era suficiente para que não fosse o único nas vizinhanças. Enquanto admirava a última maravilha automática da Nikon, sentiu um esbarrão.
— Olhe por onde anda — disse uma voz em inglês, antes de se afastar.
Clark esperou alguns segundos e tomou a direção oposta, dobrando a esquina e entrando em um beco. Um minuto depois, encontrou um lugar sombrio e esperou. Nomuri não demorou a aparecer.
— Isto é perigoso, garoto.
— Por que acha que deixei aquele sinal? — perguntou Nomuri, com voz trêmula.
A cena parecia copiada de uma série de TV, tão realista e profissional quanto dois meninos fumando escondido no banheiro da escola. O mais curioso foi que, embora importante, a mensagem de Nomuri tomou apenas um minuto. O restante do tempo foi gasto combinando o que fazer dali em diante.
— Muito bem. Número um, evite seus contatos habituais. Mesmo que se encontre com eles na rua, finja que não os conhece. Não chegue perto deles. Seu trabalho terminou, entendeu, garoto? No momento, a mente de Clark estava funcionando com a velocidade da luz sem conseguir sair do lugar, mas a prioridade imediata era a sobrevivência. Para fazer alguma coisa, precisavam estar vivos; tanto Nomuri como Chavez e ele próprio eram “ilegais”, sem direito a qualquer tipo de clemência caso fossem presos e totalmente privados de qualquer apoio por parte do governo americano.
Chet Nomuri fez que sim com a cabeça.
— O senhor será meu único contato daqui por diante.
— Isso mesmo. Se eu sumir, assuma sua falsa identidade e não faça mais nada. Entendeu? Absolutamente nada. Você é um súdito japonês que nada tem a temer.
— Mas...
— Nada de “mas”, garoto. Agora está sob minhas ordens, e ai de você se me desobedecer! — Clark abrandou um pouco a voz. — Nossa primeira prioridade é sempre sobreviver. Não distribuímos pílulas de veneno e não esperamos que nossos agentes se comportem como no cinema. Um agente morto é um agente burro.
Que droga, pensou Clark, se soubessem que a coisa iria se complicar, poderiam ter estabelecido uma rotina: pontos de entrega, sinais de código...
Agora, porém, era tarde demais para isso, e cada segundo que passavam juntos naquele beco aumentava o risco de que alguém os visse e estranhasse o fato de um japonês estar conversando com um gaijin. A paranoia estava aumentando depressa e só tendia a piorar.
— Está bem, se é isso que quer...
— Evite qualquer coisa que fuja à rotina. Aja como todo mundo. Um prego que fica com a cabeça de fora está pedindo para ser martelado. As marteladas podem ser muito doídas, garoto. Agora vou lhe dizer exatamente o que deve fazer. — Clark falou durante um minuto. — Entendeu?
— Sim, senhor.
— Agora dê o fora.
Clark voltou ao hotel e entrou pela entrada de serviço, deserta àquela hora da noite. Ainda bem, pensou, que a violência em Tóquio praticamente inexistia. Se fosse nos Estados Unidos, a porta estaria trancada, teria um alarme ou seria vigiada por um segurança armado. Mesmo no meio de uma guerra, Tóquio era um lugar mais seguro do que Washington, D.C.
— Por que não compra uma garrafa em vez de sair para beber? — perguntou “Chekov”, mais uma vez, quando Clark entrou no quarto.
— Talvez fosse melhor — respondeu, fazendo o parceiro levantar os olhos do jornal em russo.
Clark apontou para a TV, ligou-a e encontrou um noticiário da CNN em inglês.
E agora, como vou comunicar as novidades aos meus superiores?, pensou.
Não tinha coragem de mandar um fax para os Estados Unidos. O escritório da Interfax em Washington podia estar sendo vigiado, o de Moscou não dispunha de equipamentos de criptografia, e também não podia recorrer ao seu contato na embaixada. Havia um conjunto de regras para operar em um país amigo e outro para operar em um país inimigo, e ninguém pensara na possibilidade de que as regras tivessem de ser mudadas de repente. Essa omissão era apenas uma das falhas gritantes da operação; seria interessante acompanhar os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito que seria certamente instaurada para apurar os fatos, se vivesse o suficiente para isso.
A única boa notícia era que agora tinha o nome de um suspeito do assassinato de Kimberly Norton. Isso, pelo menos, lhe dava algo para fantasiar, e no momento tinha muito pouco em que pensar. Depois de assistir ao noticiário, convenceu-se de que a CNN não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. Se a CNN não sabia, então ninguém sabia. Não era incrível?, pensou Clark Lembrou-se da história de Cassandra, a filha do rei Príamo, de Troia, que sempre sabia o que estava acontecendo e que era sempre ignorada. Mas Clark nem ao menos estava em condições de contar aos outros o que sabia... estava? Quem sabe se eu...? Não. Sacudiu a cabeça. Era loucura demais.
— Toda a força à frente — ordenou o comandante do Eisenhower.
— Toda a força à frente — repetiu o contramestre, empurrando a alavanca do sinalizador. Um momento depois, o ponteiro de dentro se moveu para a mesma posição. — Senhor, a casa de máquinas confirma toda a força à frente.
— Muito bem. — O comandante olhou para o almirante Dubro. — Quer dar um palpite? Curiosamente, a melhor informação foi a do sonar. Dois dos contratorpedeiros da escolta rebocavam um conjunto de hidrofones apelidado de ”rabo” e os dados colhidos por esses aparelhos, combinados com os dos dois submarinos nucleares que navegavam a boreste da formação, indicaram que a frota indiana se encontrava mais ao sul, a uma distância considerável.
Era um daqueles casos, mais comuns do que seria de esperar, em que o sonar superava o radar, cujas ondas eletromagnéticas tinham um alcance limitado pela curvatura da terra, enquanto as ondas sonoras encontravam seus próprios caminhos nas profundezas do oceano. A frota indiana estava a quase duzentos e cinquenta quilômetros de distância. Embora essa distância fosse pequena para um avião a jato, os indianos estavam viajando para o sul, e não para o norte, e além disso parecia que o almirante Chandraskatta não apreciava operações aéreas noturnas e os riscos que representavam para seu limitado suprimento de Harriers. Na verdade, pensaram os dois homens, pousar à noite em um porta-aviões não era propriamente divertido.
— Mais de cinquenta por cento — respondeu o almirante Dubro, depois de pensar por um momento.
— Acho que tem razão.
A formação estava em silêncio, uma situação relativamente comum para navios de guerra, com todos os radares desligados; os únicos transmissores em uso eram unidades de curto alcance, que transmitiam por centésimos de segundo de cada vez. Mesmo as antenas apontadas para os satélites geravam lobos secundários que poderiam denunciar a posição da frota, e era essencial que passassem ao sul do Sri Lanka sem ser detectados.
— Era assim na Segunda Guerra Mundial — observou o comandante, dando vazão ao seu nervosismo.
Agora dependiam do elemento humano. Havia vários vigias a postos, que usavam tanto binóculos comuns como dispositivos de “visão noturna” para varrer o horizonte em busca de silhuetas e pontas de mastros, enquanto outros, nos conveses inferiores, procuravam o rastro característico do periscópio de um submarino. Os indianos contavam com dois submarinos, cuja localização Dubro não conhecia nem de perto. Estavam provavelmente se dirigindo para o sul, também, mas se Chandraskatta era de fato tão esperto quanto temia, teria deixado um deles mais ao norte, só para se garantir. Talvez. A operação de despistamento armada por Dubro fora bem feita.
— Almirante? — Dubro olhou da direção da voz. Era um mensageiro.
— Mensagem URGENTÍSSIMA do CINCPAC.
O suboficial passou-lhe a prancheta e iluminou o despacho com uma lanterna vermelha para que o comandante do grupo de combate pudesse lê-la.
— Acusou o recebimento? — perguntou o almirante, antes de começar a ler.
— Não, senhor. Temos ordens para manter silêncio no rádio.
— Muito bem. — Dubro começou a ler. Um segundo depois estava segurando ao mesmo tempo a prancheta e a lanterna. — Filho de uma puta!
O agente especial Robberton levaria Cathy para casa e com aquela notificação Ryan se tornou de novo um funcionário do governo em vez de um ser humano com mulher e filhos. Foi uma curta caminhada até o Fuzileiros Um, que já estava com o motor ligado. O presidente e a Sra. Durling, SALTADOR e JASMIM, tinham sorrido para os repórteres e usado o pretexto da longa viagem para se furtar a qualquer declaração. Ryan os seguiu como uma espécie de escudeiro.
— Vou levar uma hora para pôr tudo em dia — disse Durling, quando o helicóptero pousou no gramado sul da Casa Branca. — A que horas vai chegar o embaixador?
— Onze e meia — respondeu Brett Hanson.
— Quero que você, Arnie e Jack estejam presentes ao encontro.
— Sim, senhor presidente — disse o secretário de Estado.
Os fotógrafos de costume tinham comparecido, mas a maioria dos repórteres da Casa Branca, cujas perguntas gritadas tanto incomodavam a todos ainda se encontravam em Andrews, recolhendo sua bagagem. Na entrada do andar térreo, o número de agentes do Serviço Secreto era maior que o normal. Ryan se dirigiu para oeste e dois minutos depois estava no seu escritório. Tirou o paletó e sentou-se atrás de uma mesa cheia de bilhetes. Ignorando-os por um momento, pegou o telefone e ligou para a CIA.
— Prazer em tê-lo de volta, Jack — disse Mary Pat Foley.
Ryan não se deu ao trabalho de perguntar como sabia que era ele. Poucos conheciam seu número particular.
— Como está a situação em Tóquio?
— Os funcionários da embaixada não correm perigo. A embaixada ainda não foi invadida e estamos apagando todos os documentos confidenciais. — A divisão de Tóquio, como todas as divisões da CIA nos últimos dez anos, era totalmente eletrônica. Apagar arquivos levava apenas alguns segundos. — A essa altura, já devem ter acabado o trabalho.
O processo era simples. Os discos de computador eram apagados, formatados, apagados novamente e submetidos ao campo magnético de um ímã permanente. O mais desagradável era que alguns daqueles dados eram insubstituíveis, embora nem tanto quanto as pessoas que os haviam criado.
No momento havia três agentes “ilegais” em Tóquio; eram todos os espiões de que os Estados Unidos dispunham no que era agora (provavelmente) um país inimigo.
— O que mais?
— Estão deixando as pessoas ir e vir de suas casas, acompanhadas. Na verdade, a situação está relativamente calma — relatou a Sra. Foley, sem demonstrar a surpresa que estava sentindo. — Não é como, por exemplo, Teerã em 1979. Estão nos deixando usar as comunicações via satélite, mas nossas transmissões estão sendo monitoradas. A embaixada tem um STU-6 em funcionamento. Os outros foram desativados. Ainda podemos usar o SAPATEADO — concluiu, referindo-se ao código aleatório que todas as embaixadas agora usavam quando estavam na rede de comunicações da Agência de Segurança Nacional.
— Outros recursos? — perguntou Ryan, torcendo para que sua linha segura não estivesse sendo monitorada, mas mesmo assim evitando falar abertamente.
— Sem os legais, estamos praticamente no escuro.
A resposta deixou clara a preocupação de Mary Pat, junto com um pouco de autocensura. A CIA ainda operava em vários países sem utilizar funcionários da embaixada. Entretanto, o Japão não era um deles, e nem Mary Pat podia mudar o passado.
— Eles pelo menos sabem o que está acontecendo?
Era uma pergunta astuta, pensou a vice-diretora de Operações, e outra alfinetada.
— Não sabemos — admitiu a Sra. Foley. — Há muito tempo que não se comunicam conosco. Ou não sabem ou estão em dificuldades.
O que era outra forma de dizer que tinham sido presos.
— Outras divisões?
— Jack, fomos apanhados com as calças na mão. — Apesar de tudo, pensou Ryan, ela estava relatando os fatos com a frieza de um cirurgião. Era lamentável que o Congresso fosse censurá-la sem compaixão pela falha do serviço de inteligência. — Tenho agentes em Seul e Pequim fazendo o possível, mas não espero receber notícias deles tão cedo.
Ryan estava examinando os bilhetes.
— Tenho um aqui, datado de uma hora atrás, de Golovko...
— Ligue para o filho da mãe — disse Mary Pat, sem pestanejar. — E depois me conte o que ele disse.
— Vou fazer isso. — Jack sacudiu a cabeça, lembrando-se da conversa que haviam tido em Moscou. — Venha para cá assim que puder. Traga Ed.
— Preciso conversar com vocês pessoalmente.
— Estarei aí em meia hora — disse a Sra. Foley.
Jack espalhou vários fax sobre a mesa e examinou-os rapidamente. A equipe de operações do Pentágono agira mais depressa que os outros órgãos, mas agora a CIA estava tentando alcançá-los, seguida de perto pelo Departamento de Estado. O governo estava acordado — nada como uma agressão para conseguir isso, pensou Jack, cinicamente —, mas as informações eram quase todas repetitivas, diferentes órgãos descobrindo a mesma coisa em diferentes ocasiões e comunicando-a como se fosse novidade.
Examinou novamente os bilhetes, e era evidente que a maioria diria a mesma coisa. Seus olhos detiveram-se no recado do chefe do Serviço de Inteligência Externa da Rússia. Jack pegou o telefone e fez o chamado, imaginando qual dos telefones da mesa de Golovko começaria a tocar. Anotou a hora em um pedaço de papel. Sabia que a conversa estava sendo gravada, mas queria ter suas próprias anotações.
— Olá, Jack.
— Sua linha particular, Sergey Nikolayevich?
— Tudo por um velho amigo... — O russo fez uma pausa, dando por encerrada a fase de amabilidades. — Acho que você já sabe.
— Sei, sim. — Ryan pensou por um momento antes de continuar. — Fomos apanhados de surpresa — admitiu.
Jack ouviu uma exclamação muito russa de simpatia.
— Nós também. Totalmente. Faz alguma ideia do que os malucos pretendem? — perguntou o chefe do RVS, com uma mistura de mágoa e preocupação.
— Não, não há nada no momento que faça sentido para mim.
E talvez isso fosse o mais preocupante de tudo.
— Quais são seus planos?
— No momento? Não tenho planos — afirmou Ryan. — Tenho uma entrevista marcada com o embaixador japonês para daqui a menos de uma hora.
— Eles já fizeram isso com vocês uma vez — comentou o russo.
— Com vocês também — replicou Ryan, lembrando-se de como começara a guerra russo-japonesa. — Eles são traiçoeiros.
— É verdade, Ryan, eles fizeram isso conosco, também.
E tinha sido por isso, pensou Jack, que Sergey ligara antes, e era por isso que sua voz demonstrava uma preocupação sincera. Não eram apenas as crianças que tinham medo do desconhecido...
— Pode me dizer como pretendem lidar com a crise?
— Ainda não sabemos, Sergey — mentiu Ryan. — Se sua rezidentura em Washington está funcionando bem, você sabe que acabo de chegar. Preciso de tempo para me atualizar. Daqui a pouco vou me encontrar com Mary Pat
— Ah! — exclamou o russo do outro lado da linha. Jack estava obviamente mentindo, e Sergey era experiente demais para se deixar enganar. — Você devia ter ativado a operação CARDO mais cedo, meu amigo.
— Esta é uma linha pública, Sergey Nikolayevich.
Era verdade, pelo menos em parte. O telefonema estava chegando até a embaixada americana em Moscou por uma linha secreta, mas dali em diante tinham de usar uma linha comercial, sujeita a uma possível escuta.
— Não precisa se preocupar, Ivan Emmetovich. Lembra-se da conversa que tivemos no meu escritório?
— Oh, sim. Talvez os russos realmente tivessem algum tipo de controle sobre o chefe da contraespionagem japonesa. Nesse caso, Sergey estaria em condições de saber se o telefonema era seguro ou não. Sendo assim, era provável que tivesse outros trunfos na manga. Estaria oferecendo ajuda? Pense depressa, Jack, disse Ryan para si mesmo. Muito bem, os russos dispõem de outra rede de espionagem...
— Sergey, isto é importante: vocês foram avisados com antecedência?
— Jack, tem a minha palavra de espião — Ryan quase pôde ouvir o sorriso inocente que devia estar sublinhando a resposta — de que acabei de dizer ao meu presidente que fomos todos apanhados de surpresa, e que me sinto envergonhado por não...
Jack parou de prestar atenção. Muito bem. Os russos tinham outra rede de espionagem operando no Japão, mas era provável que não tivessem sido prevenidos. Fato seguinte: a segunda rede estava infiltrada no governo japonês; tinha de estar, pois dispunham de informações da DISP. Entretanto, CARDO era uma rede de espionagem comercial, sempre fora, e Sergey acabara de lhe dizer que os Estados Unidos deveriam tê-la ativado mais cedo.
A novidade distraiu Jack de uma implicação mais sutil da admissão de culpa por parte de Moscou.
— Sergey Nikolayevich, tenho muita coisa para fazer aqui. Está querendo propor algo. O que é?
— Quero propor uma cooperação entre nós. Estou autorizado pelo presidente Grushavoy.
Jack observou que ele não se referira a uma cooperação total, mas mesmo assim a proposta era surpreendente.
Nunca, jamais, a não ser em filmes de terceira, a KGB e a CIA haviam colaborado em algo realmente importante. Claro que o mundo mudara, mas a KGB, mesmo em sua nova encarnação, ainda tentava se infiltrar nas instituições americanas, e com relativo sucesso. Por isso não se podia confiar neles. Mesmo assim, acabara de ouvir uma proposta de cooperação. Por quê? Os russos estão com medo. Medo de quê?
— Vou transmitir sua proposta ao presidente, depois de conversar com Mary Pat.
Ryan ainda não sabia exatamente de que forma apresentaria a proposta.
Golovko, porém, sabia o valor daquilo que acabara de oferecer ao americano. Não era preciso muita perspicácia para imaginar qual seria a resposta. Mais uma vez, Ryan quase pôde ouvir o sorriso do outro lado da linha.
— Se Foleyeva não concordar, ficarei muito surpreso. Pretendo permanecer no escritório mais algumas horas.
— Eu também. Obrigado, Sergey.
— Tenha um bom-dia, Dr. Ryan.
— Foi uma proposta interessante — comentou Robby Jackson, da porta. — Parece que você também teve uma noite agitada.
— Além de tudo, estava viajando de avião. Quer café? — perguntou Ryan.
O almirante sacudiu a cabeça. — Mais uma xícara e farei um furo no estômago.
Entrou no escritório e sentou-se.
— As coisas vão mal?
— Cada vez pior. Ainda estamos tentando descobrir quantos soldados nossos estão no Japão... havia alguns em trânsito. Faz uma hora, um C-141 pousou em Yakota e logo depois saiu do ar. A maldita aeronave foi direto para lá — afirmou Robby. — Talvez tenha sido um problema com o rádio, porém o mais provável é que não tivessem combustível suficiente para seguir viagem. Havia quatro tripulantes a bordo, ou cinco... não me lembro mais. O Departamento de Estado está fazendo um levantamento dos homens de negócios. Deve conseguir um número aproximado nas próximas horas, mas precisamos pensar também nos turistas.
— Reféns — observou Ryan, com a testa franzida.
O almirante assentiu. — Dez mil, no mínimo.
— E os dois submarinos? Jackson sacudiu a cabeça.
— Perda total. Sem sobreviventes. O Stennis recolheu de volta sua aeronave e está se dirigindo para Pearl a uma velocidade de quinze nós. O Enterprise está tentando se virar com um único eixo, e está sendo rebocado, mas provavelmente não conseguirá passar de seis nós. Talvez nem isso, se os danos na casa de máquinas foram tão extensos quanto o comandante relatou. Mandaram para lá um barco de salvamento para ajudar. Enviamos alguns P-3 a Midway para fazer patrulhas antissubmarino. Se eu fosse eles, trataria de acabar o serviço já. O Johnnie Reb está relativamente seguro, mas o Enterprise pode ser um alvo fácil. O CINCPAC está preocupado. Não amedrontamos mais ninguém, Jack.
— E Guam?
— Perdemos todas as comunicações com as Marianas, com uma única exceção. — Jackson contou a respeito dos telefonemas de Oreza. — De acordo com as informações que ele nos passou, a situação é preocupante.
— Alguma recomendação?
— Temos algumas ideias, mas, para começar, precisamos saber se o presidente quer que façamos alguma coisa. Ele quer? — perguntou Robby.
— Daqui a pouco vamos nos encontrar com o embaixador japonês.
— Isso é ótimo. Não respondeu à minha pergunta, Dr. Ryan.
— Ainda não conheço a resposta.
— Isso é muito animador.
Para o comandante Bud Sanchez, foi uma experiência diferente. Entretanto, não achou tão difícil assim pousar com o S-3 Viking no porta-aviões avariado. O “Hoover” era uma aeronave fácil de manobrar, e felizmente um vento de vinte nós estava soprando na ocasião. Agora todos os aviões encontravam-se a bordo e podiam começar a fugir.
Fugir. Em vez de entrar na briga, como sempre fora a política da Marinha dos Estados Unidos, arrastar-se de volta a Pearl. As cinco esquadrilhas de caças e aviões de ataque do John Stennis estavam todas ali, estacionadas no convés de voo, prontas para qualquer operação de combate, mas incapazes de decolar, a não ser em caso de absoluta necessidade. Era uma questão de vento e de peso. Os porta-aviões navegavam contra o vento no momento de lançar e recuperar aeronaves e usavam os motores mais possantes de toda a Marinha justamente para conseguir a maior velocidade do ar possível acima do convés. O ar em movimento aumentava a sustentação das aeronaves durante a decolagem, facilitando a tarefa das catapultas a vapor usadas para lançá-las. A capacidade das aeronaves de decolar dependia diretamente da velocidade do ar. Mais importante, do ponto de vista tático, era o fato de que quanto maior a velocidade do ar, maior o peso, como combustível e armas, que as aeronaves eram capazes de transportar.
Avariado como estava, o porta-aviões podia lançar aviões, mas sem o combustível necessário para permanecerem no ar por muito tempo ou sobrevoarem o oceano em busca de alvos e sem as armas necessárias para atacarem esses alvos. O comandante achava que poderia usar os caças para defender a belonave de um ataque aéreo até uma distância de cerca de cento e cinquenta quilômetros. Entretanto, não estava sendo atacado no momento, e embora conhecesse a posição das formações japonesas, não seria capaz de alcançá-la com os aviões. Na verdade, isso não fazia muita diferença, pois não tinha ordens para atacar os japoneses.
A noite no mar costuma ser bonita, mas não era o que os tripulantes do Stennis estavam achando no momento. As estrelas e a lua quase cheia refletiam-se na calma superfície do oceano, deixando todos nervosos. Havia luz suficiente para que qualquer um pudesse localizar os navios, com ou sem blackout. As únicas aeronaves em atividade eram os helicópteros antissubmarino, que patrulhavam as águas à frente dos porta-aviões, auxiliados pelos helicópteros de alguns dos navios da escolta do Johnnie Reb. O único consolo era que a baixa velocidade com que a frota estava se deslocando facilitava o trabalho dos sistemas de sonar instalados a bordo dos contratorpedeiros e fragatas, cujas redes de grande abertura espalhavam-se na esteira dos navios. Não eram muitos; a maioria dos navios da escolta tinha ficado para trás com o Enterprise, envolvendo-o em dois círculos, como os guarda-costas de um chefe de Estado, enquanto um deles, um cruzador da classe Aegis, tentava ajudá-lo com um cabo de reboque, aumentando sua velocidade para seis nós e meio. Mesmo assim, se não soprasse um vento muito forte, nenhum avião poderia decolar do Enterprise.
Não estava descartada a possibilidade de que houvesse submarinos na área, que historicamente eram os maiores inimigos dos porta-aviões. De acordo com Pearl Harbor, não havia nenhum sinal nas proximidades da agora dividida força de combate, mas era fácil dizer isso em uma base de terra. Os operadores de sonar, instados por oficiais nervosos a não perder nenhum detalhe, estavam começando a ver fantasmas: turbulências na água, cardumes de peixe, coisas assim. O estado de nervos da formação ficou claro no modo como uma fragata, oito quilômetros à frente, aumentou de velocidade e deu uma guinada brusca para a esquerda, graças à imaginação excitada de um operador de sonar de terceira classe que poderia ou não ter ouvido o peido de uma baleia. Dois peidos, talvez, pensou o capitão Sanchez.
Um dos seus Seahawk voava a baixa altura, sondando as águas com o sonar.
Dois mil e cem quilômetros até Pearl Harbor, pensou Sanchez. Doze nós.
Levariam quatro dias e meio, o tempo todo sob ameaça de um ataque de submarinos.
A outra pergunta era a seguinte: que gênio achara que retirar-se do Pacífico Ocidental era uma boa ideia? Os Estados Unidos eram ou não uma potência global? Mostrar seu poder para o mundo era importante, não era? Certamente tinha sido, pensou Sanchez, lembrando-se das aulas da Escola de Guerra. Newport fora seu último “passeio” antes de assumir o ponto de comandante do Grupo de Esquadrilhas. A Marinha dos Estados Unidos vinha sendo o fiel da balança havia duas gerações, capaz de intimidar possíveis inimigos pela sua simples existência, simplesmente pelas fotografias publicadas na edição mais recente do Jane’s Fighting Ships. Nunca se sabia onde aqueles navios estavam; aos adversários, restava apenas contar os espaços vazios nas grandes bases navais e dar asas à imaginação. Bem, agora eles não precisariam usar muito a imaginação. As duas maiores docas secas de Pearl Harbor estariam ocupadas por muito tempo, e se as últimas notícias chegadas das Marianas estavam corretas, os Estados Unidos não tinham poder de fogo suficiente para recuperá-las, mesmo que Mike Dubro decidisse agir como a Sétima Cavalaria e voltar para casa correndo.
— Olá, Chris. Obrigado pela presença.
O embaixador chegaria à Casa Branca dentro de alguns minutos. A hora tinha sido mal escolhida, mas, independentemente de quem tomava as decisões em Tóquio certamente não estava preocupado com a conveniência de Nagumo, pensou o funcionário da embaixada. Havia outra razão para que se sentisse constrangido com o encontro. Embora Washington fosse uma cidade acostumada à presença de estrangeiros, a situação mudara, e agora, pela primeira vez, Nagumo era um gaijin.
— Seiji, o que está acontecendo? — perguntou Chris.
Os dois eram sócios do University Club, um estabelecimento de luxo situado ao lado da embaixada da Rússia e que se orgulhava de possuir uma das melhores salas de musculação da cidade, sendo por isso considerado o lugar ideal para uma boa ginástica e uma refeição rápida. Uma empresa japonesa tinha alguns quartos no clube, e embora não pudessem usar aquele local de encontro no futuro, no momento ainda se mostrava relativamente seguro.
— O que contaram a você, Chris?
— Que um dos navios de guerra japoneses sofreu um pequeno acidente.
— Seiji, as coisas já não estavam correndo mal sem esse tipo de falha? O caso dos malditos tanques de gasolina já não era suficiente? Nagumo levou um segundo para responder. De certa forma, era uma boa notícia. A maior parte dos acontecimentos estava sendo mantida em segredo, como ele previra, e o embaixador torcera para que acontecesse. No momento, estava nervoso, mas procurava não demonstrar.
— Chris, não foi nenhum acidente.
— Como assim?
— Na verdade, foi uma espécie de batalha. Meu país sentiu-se ameaçado e tomamos certas medidas defensivas para nos protegermos.
Cook não estava entendendo nada. Embora fizesse parte do quadro de especialistas no Japão do Departamento de Estado, ainda não fora colocado a par da situação e sabia apenas o que ouvira no rádio do carro, o que era muito pouco. Estava além da imaginação de Chris, compreendeu Nagumo, aceitar o fato de que seu país pudesse ser atacado. Afinal, os soviéticos eram coisa do passado, não eram? Seiji Nagumo estava satisfeito. Embora preocupado com os riscos que seu país estava correndo e ignorando as razões para as últimas medidas, era um patriota. Amava a pátria. Também era parte de sua cultura. Tinha ordens e instruções para cumprir. Podia não concordar com elas, mas se sentia como um soldado, de quem se espera apenas obediência. O verdadeiro gaijin não era ele e sim Cook, repetiu para si próprio.
— Chris, nossas nações estão em guerra. Vocês nos forçaram a isso. Sinto muito.
— Espere um momento. — Chris Cook sacudiu a cabeça, com uma expressão de surpresa no rosto.—Você falou em guerra? Guerra de verdade? Nagumo assentiu e falou em tom sério, pesaroso: — Ocupamos o arquipélago das Marianas. Felizmente, isso foi conseguido sem perda de vidas. O breve encontro entre nossas marinhas pode ter sido um pouco mais grave, mas não muito. No momento, os dois lados estão recuando, o que é um bom sinal.
— Vocês mataram americanos?
— Sim, é pena, mas pode ter havido algumas baixas dos dois lados. — Nagumo fez uma pausa e baixou os olhos, como se não pudesse encarar o amigo. Já vira nele as emoções que esperava. — Por favor, não me culpe por isso, Chris — prosseguiu, em voz baixa, visivelmente emocionado mas tentando controlar-se. — Essas coisas simplesmente aconteceram. Ninguém pediu a minha opinião. Sabe o que eu teria dito. Sabe qual teria sido meu conselho.
Estava sendo sincero, e Cook sabia disso.
— Meu Deus, Seiji, o que podemos fazer? A pergunta era uma manifestação da sua amizade e apoio e, como tal, extremamente previsível. Também previsivelmente, ofereceu a Nagumo a oportunidade esperada.
— Temos de descobrir um meio de manter a situação sob controle. Não quero ver meu país novamente destruído. Precisamos acabar bem rápido com esta loucura. — Esse era o objetivo do seu país e portanto o seu. — Não há lugar no mundo para esta... para esta loucura. Existem cabeças mais frias em meu país. Goto é um idiota. — Pronto... — prosseguiu Nagumo, levantando os braços — está dito. Ele é um idiota. Vamos permitir que nossos países se destruam mutuamente por causa de idiotas? Veja o Congresso de vocês. Veja aquele maluco do Trent com sua Lei de Reforma do Comércio. Veja que tipo de reforma ele conseguiu! — Agora, parecia realmente entusiasmado. Capaz de disfarçar seus sentimentos mais íntimos, como a maioria dos diplomatas, estava descobrindo talentos dramáticos que no caso eram ainda mais eficazes porque realmente acreditava no que dizia. — Chris, se pessoas como nós não mantiverem as coisas sob controle... meu Deus, o que acontecerá? O trabalho de gerações, posto por terra. Seu país e o meu seriamente prejudicados, pessoas mortas, o progresso interrompido, e tudo isso por quê? Porque os idiotas que governam o meu país e o seu não conseguem chegar a um acordo sobre as normas do comércio! Christopher, tem de me ajudar a parar com essa loucura!
Mercenário e traidor ou não, Christopher Cook era um diplomata, e o principal objetivo da sua profissão era evitar a guerra. Tinha de reagir à exortação do colega japonês, como realmente reagiu.
— Será que podemos fazer alguma coisa?
— Chris, sabe que minha posição é na verdade mais importante do que o posto que ocupo oficialmente — observou Nagumo. — Se não fosse assim, como teria podido fazer tudo que fiz por você? Cook fez que sim com a cabeça. Ele já suspeitava disso.
— Tenho amigos influentes em Tóquio, mas preciso de tempo e de espaço para negociar. Com isso, poderei abrandar nossa posição, fornecer material aos adversários políticos de Goto. Precisamos trancafiar esse homem em um asilo de lunáticos... ou acabar com ele de vez. Ele pode destruir o meu país, Chris! Pelo amor de Deus, ajude-me a detê-lo! — exclamou, em tom emocionado.
— Que espera que eu faça, Seiji? Sou apenas assistente do subsecretário de Estado, lembra-se? Um simples índio em uma terra de caciques.
— Você é uma das poucas pessoas do Departamento de Estado que nos conhecem direito. Eles considerarão sua opinião.
Um pouco de lisonja não fazia mal nenhum. Cook fez que sim com a cabeça.
— Farão isso, se tiverem juízo — observou. — Scott Adler me conhece. Ele concordará em conversar comigo a respeito.
— Se me disser exatamente o que o Departamento de Estado deseja, posso passar a Tóquio essa informação. Se tivermos sorte, meus homens no Ministério do Exterior farão a proposta primeiro. Nesse caso, ficará parecendo que as ideias de vocês foram nossas e poderemos acomodar com mais facilidade suas exigências.
A tática que Nagumo estava usando chamava judô, “a arte suave”, que consistia principalmente em usar a força e os movimentos do adversário contra ele próprio. Cook tinha de se sentir envaidecido com a possibilidade de influenciar a política externa do seu país.
O rosto de Cook refletiu novamente uma certa incredulidade.
— Se estamos em guerra, como é que...
— Goto não é totalmente louco. Ele vai manter as embaixadas abertas como uma linha de comunicação. Oferecerá a vocês as Marianas de volta. Duvido que a oferta seja sincera, mas será colocada na mesa das negociações como sinal de boa-fé. Pronto! — exclamou Seiji, em tom compungido. — Traí meu país.
Como planejara.
— O que seu governo aceitaria para interromper as hostilidades?
— Em minha opinião? Total independência da parte norte do arquipélago das Marianas; sua exclusão da comunidade americana. Por razões geográficas e econômicas, essas ilhas de qualquer maneira teriam de ser incluídas na nossa esfera de influência. Parece um reivindicação justa. Na verdade, já possuímos a maior parte das propriedades — observou Nagumo. — Repare que se trata apenas de um palpite meu, mas com base em informações concretas.
— E Guam?
— Contanto que permaneça desmilitarizada, continuará a ser território americano. Esta é minha opinião. Será necessário algum tempo para que todas as questões sejam resolvidas, mas acho que podemos acabar com essa guerra antes que a situação se agrave.
— E se não concordarmos?
— Nesse caso, muita gente morrerá. Nós dois somos diplomatas, Chris. Nossa missão na vida é evitar a guerra. Se me ajudar, simplesmente descobrindo o que querem de nós, para que eu possa influenciar nossas autoridades no mesmo sentido, eu e você poderemos acabar com essa guerra, Chris. Por favor, quer me ajudar?
— Não vou aceitar dinheiro para fazer isso — declarou Cook, à guisa de resposta.
— Incrível. Afinal, o homem tinha princípios. Felizmente, eles não eram acompanhados de um mínimo de discernimento.
O embaixador japonês chegou, como combinado, na entrada da Ala Leste.
Um funcionário da Casa Branca abriu a porta, e o fuzileiro naval que estava de sentinela bateu continência. O homem entrou sozinho, passou pelos detectores de metais sem incidentes e virou para oeste, atravessando um comprido corredor que incluía, entre outros compartimentos, a entrada para o cinema particular do presidente. Havia retratos de outros presidentes, esculturas de Frederic Remington e outras lembranças da história americana. A caminhada tinha por objetivo dar ao homem uma ideia do tamanho do país onde se encontrava. Um trio de agentes do Serviço Secreto acompanhou-o escada acima até o Andar do Estado, um setor que conhecia bem, e depois mais para oeste até a ala da qual os Estados Unidos eram governados. Os olhares que recebeu não pareciam inamistosos, apenas corretos, mas bem diferentes da cordialidade com que geralmente era recebido naquele lugar. Como toque final, o encontro ocorreu na Sala Roosevelt, onde estava o prêmio Nobel recebido por Theodore por negociar o fim da guerra russo-japonesa.
Se o caminho de entrada fora escolhido com o objetivo de impressioná-lo, pensou o embaixador, o ato final foi contraproducente. Os americanos, como alguns outros povos, eram conhecidos por suas tendências exibicionistas. A Sala do Tratado com os índios, no Velho Edifício de Escritórios do Executivo, que ficava ao lado, fora projetado para impressionar os indígenas. Esta, por outro lado, fazia-o lembrar-se do primeiro grande conflito que seu país tivera de enfrentar e que promovera o Japão ao grupo das grandes nações por haver derrotado um membro desse clube, a Rússia czarista, um país bem menos poderoso do que aparentava, internamente corrupto, dilacerado por facções rivais, dado a bravatas e bazófias. Na verdade, muito parecido com os Estados Unidos, pensou o embaixador.
Precisava de ideias como aquela para evitar que as pernas tremessem. O presidente Durling estava de pé e apertou-lhe a mão.
— Senhor embaixador, já conhece todos os presentes. Sente-se, por favor.
— Obrigado, senhor presidente, e obrigado por me receber tão rápido.
Esquadrinhou a mesa de conferências, enquanto Durling se sentava na extremidade oposta, e cumprimentou a todos com uma mesura. Brett Hanson, secretário de Estado; Arnold van Damm, chefe de Gabinete; John Ryan, conselheiro de Segurança Nacional. Sabia que o secretário de Defesa também se encontrava no edifício, mas ele não estava presente ao encontro.
Interessante. O embaixador servia havia muitos anos em Washington e conhecia bem os americanos. Estavam todos com raiva. Embora o presidente controlasse admiravelmente bem as emoções, seu olhar, como o dos seguranças que vigiavam as portas, era o de um soldado. A raiva de Hanson era causada pelo orgulho. Ele não podia acreditar que outro país ousasse ameaçar os Estados Unidos; era como uma criança mimada que se aborrecesse ao ser reprovada por um professor justo e escrupuloso. Van Damm era um político e o encarava como um gaijin: um homenzinho engraçado.
Ryan era o que menos demonstrava sua raiva, embora ela estivesse presente, indicada mais pelo modo como segurava a caneta do que pelo olhar fixo daqueles olhos azuis. O embaixador nunca tivera um contato mais íntimo com Ryan; só o conhecia de encontros fortuitos em cerimônias oficiais. O mesmo se podia dizer da maioria dos funcionários da embaixada, e embora seu passado fosse bem conhecido em Washington, Ryan era considerado um especialista em problemas europeus e portanto relativamente ignorante em relação ao Japão. Isso era bom, pensou o embaixador. Se conhecesse mais, poderia ser um inimigo perigoso.
— Senhor embaixador, este encontro foi proposto pelo senhor — disse Hanson. — O que tem a nos dizer?
Ryan suportou como pôde o discurso de abertura. Era longo, ensaiado e previsível, o que qualquer país diria nas circunstâncias, apenas com um pouco de tempero nacional. O Japão não tinha culpa; fora pressionado, tratado como potência de segunda classe, apesar de anos de amizade fiel e produtiva. Eles também lamentavam a situação, e assim por diante. Tudo conversa fiada diplomática. Jack deixou seus olhos fazerem o trabalho, enquanto os ouvidos ignoravam o ruído.
Muito mais interessante era a postura do presidente. Quando bem recebidos, os diplomatas tendiam a ser exuberantes; quando o clima se mostrara hostil, falavam mecanicamente, como se tivessem vergonha de pronunciar as palavras. Daquela vez, porém, era diferente. O embaixador japonês falava com orgulho do seu país e das medidas tomadas. Não era um tom de desafio, mas também não revelava nenhum embaraço. Até o embaixador alemão que comunicara a Molotov a invasão de Hitler demonstrara um certo constrangimento, lembrou-se Jack.
O presidente manteve-se impassível o tempo todo, deixando Arnie demonstrar sua raiva e Hanson expressar sua indignação. Melhor para ele.
— Senhor embaixador, declarar guerra aos Estados Unidos da América não é um ato trivial — declarou o secretário de Estado, quando o embaixador concluiu o discurso.
O homem nem pestanejou.
— Será uma guerra apenas se não houver outra opção. Não queremos destruir os Estados Unidos, mas precisamos defender nossos interesses a qualquer custo.
Aproveitou a oportunidade para explicar o ponto de vista do seu país com relação às Marianas. Elas já haviam pertencido ao Japão e este se limitara a recuperá-las, de modo a estabelecer um perímetro defensivo. Ponto final.
— Está ciente de que temos poder suficiente para destruir o Japão?
O embaixador fez que sim com a cabeça. — Estou. Nós nos lembramos muito bem de que os Estados Unidos usaram armas nucleares contra nosso país.
A resposta fez Jack arregalar os olhos. Armas nucleares?, escreveu, no bloco de notas.
— Acho que tem mais alguma coisa a dizer a respeito deste assunto — observou Durling, entrando na conversa.
— Senhor presidente... nosso país também dispõe de artefatos nucleares.
— E dos meios para lançá-los? — perguntou Arnie, com um sorriso sarcástico.
Ryan aplaudiu-o em silêncio pela observação. Havia ocasiões em que alguém mais ignorante tinha seu lugar.
— Meu país possui alguns mísseis intercontinentais com ogivas nucleares. A fábrica foi visitada por americanos. Pode verificar com a NASA.
O embaixador leu os nomes e datas em tom impessoal, observando que Ryan tratou de anotá-los, como um bom funcionário. A sala ficou tão silenciosa, que ele podia ouvir o som da caneta no papel. Mais interessantes ainda eram as expressões no rosto dos presentes.
— Está nos ameaçando? — perguntou Durling, muito sério.
O embaixador encarou-o, de uma distância de cinco metros.
— Não, senhor presidente, não estou. Limito-me a expor a situação. Como já disse, haverá uma guerra apenas se os Estados Unidos quiserem. Sim, sabemos que podem nos destruir e que não podemos destruí-los, mas podemos causar prejuízos consideráveis. Mas por que insistir nas hostilidades, senhor presidente? Por causa de umas pobres ilhas que historicamente sempre nos pertenceram? E que há vários anos voltaram a ser japonesas em tudo, exceto no nome?
— E as pessoas que vocês mataram? — perguntou van Damm.
— Lamento sinceramente o que aconteceu e asseguro que as famílias serão indenizadas. Espero que possamos chegar a um acordo satisfatório para ambas as partes. Não pretendemos intervir na embaixada dos Estados Unidos no Japão e esperamos que nos tratem da mesma forma, para mantermos abertas as comunicações entre nossos governos. E tão difícil pensar em nós como iguais? — perguntou.
— Por que sentiram necessidade de nos agredir? Em um único desastre de avião, devido a um erro cometido por americanos da Boeing, morreram mais japoneses do que os americanos que agora perderam a vida no Pacífico. O que fizemos nós? Esbravejamos com vocês? Ameaçamos sua segurança econômica, sua própria sobrevivência como nação? Não, não fizemos nada disso. Chegou a hora de meu país assumir o lugar que lhe cabe no mundo. Os Estados Unidos se retiraram do Pacífico ocidental. Devemos organizar nossas próprias defesas. Para isso, precisamos tomar certas medidas. Como podemos estar certos de que, depois de mutilar nossa nação em termos econômicos, não tentarão destruir-nos com seu poderio militar?
— Jamais faríamos uma coisa dessas! — protestou Hanson.
— E fácil dizer isso, senhor secretário. Já fizeram isso uma vez, e, como o senhor foi o primeiro a apontar, poderiam fazê-lo de novo.
— Não fomos nós que começamos aquela guerra — observou van Damm.
— Não mesmo? — perguntou o embaixador. — Bloqueando nosso petróleo e nosso comércio, colocaram nosso país à beira da falência econômica, e o resultado foi uma guerra. No mês passado, levaram nossa economia ao caos e achavam que não haveria nenhuma reação... porque não tínhamos meios de nos defender. Pois fiquem sabendo que temos esses meios. Talvez agora possamos ser tratados como iguais.
“No que diz respeito ao meu governo, o conflito já terminou. Não vamos mais tomar nenhuma medida contra os Estados Unidos. Os cidadãos americanos são bem-vindos em meu país. Mudaremos nossas práticas comerciais para adaptá-las à legislação americana. Todo este episódio pode ser apresentado ao público como um acidente lamentável, e podemos chegar a um acordo sobre as Marianas. Estamos prontos para negociar um acordo que atenda aos interesses dos dois países. Essa é a posição do meu governo.
Ao dizer essas palavras, o embaixador abriu sua pasta e tirou a “nota” que as regras diplomáticas exigiam. Levantou-se e entregou-a ao secretário de Estado.
— Se necessitar da minha presença, estarei a seu dispor. Tenham todos um bom dia. Dirigiu-se para a porta, passando pelo conselheiro de Segurança Nacional, que não seguiu o embaixador com os olhos, como os outros.
Ryan não fez absolutamente nada. Isso poderia ter sido estranho em um japonês, mas não em um americano. Ele simplesmente não tinha nada a dizer. Afinal, sua especialidade era a Europa, não era? A porta fechou-se, e Ryan esperou mais alguns segundos antes de falar.
— Interessante, não acham? — comentou, olhando para as anotações que fizera. — Ele só nos disse uma coisa importante.
— Como assim? — perguntou Hanson.
— Que eles dispõem de armas nucleares e foguetes para lançá-las. O restante foi conversa fiada. Ainda não sabemos o que eles realmente pretendem.
25
TODOS OS CAVALOS DO REI
A notícia ainda não chegara aos jornais, mas isso não demoraria. O FBI já estava à procura de Chuck Searls. Sabiam que não seria fácil; na verdade, tudo que poderiam fazer, com base no que já sabiam, seria interrogá-lo. Os seis programadores que tinham trabalhado em maior ou menor grau com o programa Electra-Clerk 2.4.0 tinham sido todos consultados, e todos negavam qualquer conhecimento do que chamavam de “Ovo da Páscoa”, sempre com uma mistura de indignação pelo que alguém fizera e admiração pelo método usado para conseguir seu objetivo. Eram apenas três linhas de código, em locais distintos do programa, e os seis juntos tinham levado vinte e sete horas de trabalho para encontrá-las. Em seguida, vinham as más notícias: todos os seis, mais o próprio Searls, tinham tido acesso ao programa completo. Eles eram, afinal, os programadores mais antigos da firma e tinham pleno acesso ao programa até o momento em que este deixara o escritório em um disco de torradeira. Além disso, embora houvesse registros de acesso, não seria difícil para qualquer deles apagar esses registros ou misturá-los com outros do mesmo tipo. Na verdade, o Ovo da Páscoa era tão sutil que podia ter sido instalado muitos meses antes que o programa fosse concluído. Finalmente, como um deles admitiu com toda a franqueza, qualquer um poderia ser o culpado. Era impossível encontrar impressões digitais em programas de computador. O mais importante de tudo, porém, pelo menos no momento, era que não havia como desfazer o problema causado pelo Electra-Clerk 2.4.0.
O problema era suficientemente sério para os agentes do FBI encarregados do caso comentarem, brincando, que o fato de as janelas dos edifícios de escritórios da Wall Street não poderem ser abertas provavelmente tinha salvado milhares de vidas. A última venda de ações fora registrada às 12:00:00. A partir de 12:00:01, todos os registros estavam ilegíveis. Centenas de bilhões de dólares em transações tinham desaparecido, irremediavelmente apagados das fitas da Depository Trust Company.
O mundo ainda não sabia do acontecido. O desastre estava sendo mantido em segredo, uma tática sugerida pela cúpula da DTC e aprovada pelas diretorias da Securities and Exchange Commission e da Bolsa de Valores de Nova York. Eles tinham explicado ao FBI o motivo para isso.
Além de todo o dinheiro perdido em um colapso como o que ocorrera na sexta-feira, uma quantidade muito grande de dinheiro fora investida em opções no mercado futuro, uma forma de investimento que permitia obter lucros com o mercado em baixa. Além disso, cada corretora mantinha um registro particular das transações, e portanto, teoricamente, era possível reconstituir as informações que tinham sido apagadas pelo Ovo da Páscoa.
Entretanto, se o desastre ocorrido na DTC fosse divulgado, era possível que corretores desonestos ou simplesmente desesperados falsificassem seus próprios registros. Isso era improvável no caso das corretoras maiores, mas praticamente inevitável no caso das pequenas, e manipulações desse tipo seriam praticamente impossíveis de provar; seria o caso clássico da palavra de um homem contra a de outro, o pior tipo possível de pendência judicial.
Mesmo as corretoras mais tradicionais tinham seus patifes, reais ou em potencial. Havia simplesmente dinheiro demais envolvido; para complicar ainda mais a situação, as corretoras tinham a obrigação de proteger o dinheiro dos clientes.
Por esse motivo, mais de duzentos agentes tinham visitado as casas e escritórios dos executivos de primeiro escalão de todas as corretoras em um raio de duzentos quilômetros da cidade de Nova York. Isso foi mais fácil do que a maioria pensava, mais muitos executivos estavam usando o fim de semana para tentar pôr o trabalho em dia, e quase todos se mostraram dispostos a cooperar, fornecendo seus registros computadorizados. Foi calculado que 80% das transações ocorridas depois do meio-dia de sexta-feira já estavam de posse das autoridades federais. Essa foi a parte fácil. A parte difícil, como os agentes tinham acabado de descobrir, seria analisar essas informações, associar a transação realizada por uma corretora à transação correspondente de outra corretora. Por ironia, um programador da empresa de Searls tinha, por conta própria, especificado os requisitos mínimos para a tarefa: uma estação de trabalho para cada conjunto de registros, todas ligadas a um computador de grande porte com a capacidade de um Cray Y-MP (havia um na CIA e três na NASA, de acordo com o programador), e um programa muito esperto, feito especialmente para a ocasião. Havia milhares de corretoras, algumas das quais tinham executado milhões de transações. As permutações, como ele dissera aos dois agentes que conseguiram acompanhar seu discurso acelerado, eram provavelmente da ordem de dez elevado à décima sexta potência... talvez à décima oitava.
O último número, como teve de explicar, equivalia a um milhão ao cubo, ou seja, um milhão multiplicado por um milhão multiplicado por um milhão. Era um número muito grande. Ah, mais uma coisa: era melhor eles se certificarem de que dispunham dos registros de todas as transações ou todo o esforço poderia dar em nada. Tempo necessário para reconstituir todas as transações? O programador recusara-se a fornecer até mesmo uma estimativa, o que deixou os agentes muito frustrados, porque agora teriam de voltar ao escritório no Javits Federal Office Building e explicar tudo aquilo ao chefe, que se recusava a usar o computador do escritório até mesmo para escrever cartas. A expressão Missão Impossível veio várias vezes à sua mente durante a viagem de volta.
Entretanto, teria de ser feito. Afinal, não era apenas uma questão de ações trocando de mãos. Cada transação também tinha um valor monetário, dinheiro de verdade que mudara de dono, passando de uma conta para outra; embora eletrônico, esse fluxo de dinheiro tinha de ser equilibrado.
Até que todas as transações fossem reconstituídas, a quantidade de dinheiro nas contas das corretoras, das instituições financeiras, dos bancos e mesmo dos cidadãos americanos, mesmo aqueles que não especulavam na bolsa, permaneceria desconhecida. Além de paralisar Wall Street, o incidente congelara todo o sistema bancário do país, uma conclusão a que os especialistas haviam chegado mais ou menos na mesma hora em que o Força Aérea Um estava pousando na Base Aérea de Andrews.
— Que merda! — exclamou o vice-diretor em Exercício da Divisão de Nova York do FBI.
Estava sendo mais prolixo do que os investigadores de outros órgãos federais que usavam seu escritório, no canto noroeste do prédio, como sala de conferências. Os outros se limitaram a olhar para o carpete barato e engolir em seco.
A situação só podia piorar e foi realmente o que aconteceu. Um dos empregados da DTC contou o caso a um vizinho, um advogado, que contou a um conhecido, um repórter, que deu alguns telefonemas e rascunhou uma reportagem para o New York Times. O jornal ligou para o secretário do Tesouro que, recém-chegado de Moscou e ainda desconhecendo a gravidade da situação, recusou-se a comentar o assunto mas se esqueceu de pedir ao Times que se abstivesse de publicar a notícia. Antes que pudesse corrigir a omissão, a reportagem foi para as bancas.
Bosley Fiedler, o secretário do Tesouro, atravessou praticamente correndo o túnel que ligava o Edifício do Tesouro à Casa Branca. Como não estava acostumado a exercícios físicos, respirava com dificuldade quando chegou à Sala Roosevelt, logo depois da saída do embaixador japonês.
— O que foi, Buzz? — perguntou o presidente Durling.
Depois de recuperar o fôlego, Fiedler resumiu em cinco minutos o que acabara de descobrir através de uma teleconferência com Nova York.
— Não podemos deixar as bolsas abrirem — concluiu. — Ou melhor: elas não podem abrir. Ninguém pode fazer negócios. Ninguém sabe quanto dinheiro possui. Ninguém sabe quem é dono de quê. E os bancos...
— Presidente, estamos com um problema de grandes proporções. Nunca aconteceu nada parecido.
— Buzz, não é só o dinheiro, é? — perguntou Arnie van Damm, imaginando por que tinha de acontecer tudo aquilo em apenas um dia depois de alguns meses relativamente calmos.
— Não, não é só o dinheiro. — Todos olharam para Ryan, que se encarregara de responder à pergunta. — Trata-se também de uma questão de confiança. Buzz escreveu um livro a respeito disso quando eu estava trabalhando para a Merrill Lynch.
Talvez uma referência amigável acalmasse um pouco o homem, pensou.
— Obrigado, Jack — disse Fiedler, sentando-se e bebendo um gole d’água. — Vamos tomar como exemplo a crise de 1929. O que realmente foi perdido? A resposta, em termos monetários, é a seguinte: nada se perdeu.
Muitos investidores perderam tudo que tinham, mas o que as pessoas não compreendem é que o dinheiro que perderam foi o que já tinham entregado a outras pessoas.
— Não estou entendendo — protestou Arnie.
— A maioria não entende. É uma dessas coisas que são simples demais para serem compreendidas. No mercado financeiro, as pessoas esperam complexidade, esquecendo-se de que a floresta é feita de árvores. Todos os investidores que perderam dinheiro tinham dado esse dinheiro a alguém, recebendo ações em troca. Em outras palavras, trocaram o dinheiro por uma mercadoria do mesmo valor, mas o valor dessa mercadoria desabou, e por isso a bolsa entrou em crise. Entretanto, o primeiro sujeito, aquele que recebeu o dinheiro e forneceu as ações antes da crise, ele não perdeu nada, perdeu? A verdade é que a quantidade de dinheiro circulante na economia permaneceu exatamente a mesma depois da crise de 1929.
— O dinheiro não evapora, Arnie — explicou Ryan. — Apenas é transferido de um lugar para outro.
Pela cara de van Damm, porém, era evidente que ele ainda não compreendera.
— Nesse caso, então, o que foi a Grande Depressão?
— Uma crise de confiança — respondeu Fiedler. — Em 1929, um grande número de pessoas realmente perdeu tudo que tinha na Bolsa por causa do mercado de opções. Eles compraram ações desembolsando uma quantia menor do que o valor da transação. Quando tiveram de vender essas ações, elas estavam valendo muito menos, e o dinheiro não foi suficiente para pagar as dívidas. Os bancos e outras instituições foram os maiores prejudicados, porque tiveram de cobrir as diferenças. No final, havia milhares de pequenos investidores no vermelho, e os bancos tinham ficado descapitalizados. Quando isso acontece, os negócios param. As pessoas têm medo de arriscar o pouco que sobrou. Os felizardos que saíram a tempo e não tiveram nenhum prejuízo observam o que está acontecendo e também não fazem nada; limitam-se a esperar que a situação se acalme. E aí que está o problema, Arnie.
“O que faz uma economia funcionar não é o dinheiro, mas o uso do dinheiro, as transações que acontecem todo dia, do garoto que corta a grama do seu jardim por um dólar à venda de uma grande empresa. Quando isso para, tudo para.
Ryan fez que sim com a cabeça em sinal de aprovação. Fiedler estava sendo muito didático.
— Ainda não sei se entendi — comentou o chefe de gabinete.
Até o momento, o presidente limitara-se a escutar. Está na minha vez, pensou Ryan.
— Nem todas as pessoas entendem — afirmou. — Como disse Buzz, é simples demais. Os leigos prestam mais atenção nos sinais de atividade, mas o verdadeiro perigo está na inatividade. Se resolvo ficar parado e não fazer nada, meu dinheiro não circula. Não compro nada, e as pessoas que fabricam o que eu teria comprado perdem o emprego. Para elas, é algo trágico. Os vizinhos ficam tão assustados que também param de comprar e começam a economizar cada centavo. Afinal, quem garante que não serão os próximos a ser demitidos? A coisa cresce como uma bola de neve. Estamos com um problema dos grandes, senhores — concluiu Jack. — Segunda-feira de manhã, os banqueiros descobrirão que não sabem de quanto dinheiro dispõem. A crise do setor bancário só começou em 1932, anos depois que a Bolsa entrou em colapso. Desta vez, o efeito será imediato.
— Então é mesmo sério? — perguntou o presidente.
— Não sei — respondeu Fiedler. — Nunca aconteceu antes.
— “Não sei” não é resposta, Buzz — insistiu Durling.
— Prefere que eu minta? — perguntou o secretário do Tesouro. — Precisamos do chairman do Fed aqui conosco. Teremos de enfrentar uma série de problemas. O maior deles parece ser uma crise de liquidez de proporções nunca vistas.
— Para não falar da guerra com o Japão — lembrou Ryan.
— Qual dos dois problemas é mais grave? — quis saber o presidente Durling.
Ryan pensou por um momento.
— Em termos de prejuízos reais para nosso país? Dois dos nossos submarinos foram afundados e duzentos e cinquenta tripulantes morreram. Dois porta-aviões foram avariados, mas podem ser consertados. As Marianas estão ocupadas pelos japoneses. Todos esses são fatos desagradáveis — afirmou Jack, com voz pausada, pensando enquanto falava. — Entretanto, não afetam profundamente a segurança nacional, porque não abalam a força do nosso país. Os Estados Unidos são uma ideia compartilhada por muitos. Somos pessoas que pensam de uma certa forma, que acreditam que podem fazer as coisas de uma certa forma. Todo o restante é consequência. Nossa força está na confiança, está no otimismo. Sem isso, seríamos como qualquer outra nação. Para responder à sua pergunta, presidente, o problema econômico é muito mais sério do que tudo que os japoneses fizeram.
— Você me surpreende, Jack — observou Durling.
— Presidente, como disse Buzz, prefere que eu minta?
— Qual é o problema, afinal? — perguntou Ron Jones.
O sol já nascera, e o USS Pasadena estava bem visível, ainda amarrado no cais, o pavilhão nacional pendendo melancolicamente no ar parado. Um navio de guerra da Marinha dos Estados Unidos ali parado, mesmo depois de o filho do seu mentor morrer nas mãos do inimigo. O que esperavam?
— Ele ainda não recebeu ordens para partir — explicou Mancuso —, porque não recebi nenhuma ordem, porque o CINCPAC não recebeu nenhuma ordem, porque o presidente não deu nenhuma ordem.
— Ele está acordado?
— O secretário de Defesa deve estar na Casa Branca neste momento.
— Provavelmente já colocou o presidente a par do que aconteceu — afirmou o ComSubPac.
— Mas ele não fez nada — observou Jones.
— Ele é o presidente, Ron. Temos de obedecer.
— Como meu pai obedeceu quando Johnson o mandou para o Vietnã — comentou Jones, voltando-se para observar o mapa na parede. No final do dia, os navios japoneses estariam fora do alcance dos porta-aviões, que de qualquer maneira não se encontravam em condições de lançar nenhuma aeronave. O USS Gar dera por encerrada a busca de sobreviventes, supostamente para não se expor a um possível ataque por parte de submarinos japoneses, mas a impressão que deixara era de que fora afugentado por um cutter da Guarda Costeira. As informações de que dispunham tinham sido obtidas através de satélites, porque os almirantes não achavam prudente enviar nem mesmo um P-3C para acompanhar a força de superfície, que dizer de rastrear os submarinos.
— O primeiro a sair da briga, heim? Mancuso resolveu não se aborrecer daquela vez. Era um oficial superior, pago para pensar como um estrategista.
— Uma coisa de cada vez. Nossos bens mais preciosos em risco no momento são aqueles dois porta-aviões. Temos de trazê-los de volta e consertá-los. Encarreguei Wally de planejar as operações. Temos de conseguir informações, analisá-las e decidir o que fazer.
— E depois pedir permissão ao homem? Mancuso fez que sim com a cabeça. — É assim que o sistema funciona.
— Formidável.
O amanhecer foi muito agradável. Sentado no convés superior do 747, em um assento do lado esquerdo, perto da janela, Yamata apreciava a vista, ignorando o burburinho da conversa. Dormira muito pouco nos últimos três dias e sentia pulsar nas veias a emoção do poder e da vitória. Aquele era o último voo programado. Os passageiros eram quase todos militares com funções administrativas, além de alguns engenheiros e civis que ajudariam a implantar o novo governo. Naturalmente, todos os habitantes de Saipan teriam direito de votar, e as eleições seriam submetidas a fiscalização internacional, o que era uma necessidade política. Havia cerca de vinte e nove mil locais, isso sem contar os japoneses, muitos dos quais agora eram donos de terras, hotéis e pequenos negócios. O número também não incluía os soldados e os hóspedes dos hotéis. Os hotéis (os maiores pertenciam a japoneses, é claro) seriam considerados condomínios e os hóspedes, residentes. Como cidadãos japoneses, todos teriam direito a voto.
Os soldados também eram cidadãos; como seu domicílio era indeterminado, também seriam considerados residentes. Entre soldados e civis, havia trinta e um mil japoneses na ilha, e quando chegasse o dia das eleições, bem, eles fariam questão de exercer seus direitos cívicos, certo? A fiscalização internacional que se dane, pensou, olhando pela janela na direção do nascente.
Foi especialmente agradável observar de uma altura de onze mil metros a primeira luminosidade difusa no horizonte, que parecia um enfeite para um buquê de estrelas ainda visíveis. A claridade aumentou e se expandiu, passando do roxo para o vermelho, cor-de-rosa, laranja, e logo apareceu a primeira fimbria do sol, ainda invisível da superfície escura do mar, como se o alvorecer fosse apenas para ele, pensou Yamata, muito antes que os outros homens lá embaixo pudessem apreciá-lo. A aeronave fez uma curva suave para a direita e começou a descida no momento certo para manter o sol exatamente na mesma posição, apenas aquela réstia prateada, preservando o momento mágico por alguns minutos. A beleza do espetáculo deixou Yamata à beira das lágrimas. Ainda se lembrava muito bem dos pais e da casa modesta onde viviam em Saipan. O pai fora um pequeno comerciante, não especialmente próspero, que vivia da venda de quinquilharias aos soldados que guarneciam a ilha. Era sempre educado com os militares, recordou Raizo, sorrindo para eles, fazendo mesuras, aceitando sem rancor as piadas de mau gosto a respeito da sua perna atrofiada pela poliomielite. Quando criança, o filho sempre achara normal tratar com respeito os homens que portavam armas, que vestiam o uniforme da pátria.
Mais tarde, é claro, mudara de opinião. Eles não passavam de servos. Quer respeitassem ou não a tradição dos samurais (o próprio nome samurai vinha do verbo “servir”, não vinha?), sua missão era defender e proteger os superiores, e eram esses superiores que os contratavam, que os pagavam e lhes diziam o que fazer. Era necessário tratá-los com mais respeito do que realmente mereciam, mas o interessante era que quanto mais subiam na carreira, melhor compreendiam qual era realmente seu lugar.
— Pousaremos em cinco minutos — informou um coronel.
— Dozo.
Yamata agradeceu com um aceno de cabeça e não com uma mesura, porque estava sentado, mas mesmo assim o aceno foi cuidadosamente calculado, do tipo que reconhece o serviço de um inferior, demonstrando educação e superioridade no mesmo gesto elegante. Com o tempo, se aquele coronel fosse competente e conseguisse chegar a general, o gesto mudaria, e se ele subisse mais ainda, então um dia, se tivesse muita sorte, Yamata-san poderia chamá-lo pelo nome de batismo, sorrir para ele, contar-lhe uma piada, convidá-lo para um drinque. Então teria oportunidade de descobrir quem era realmente seu superior. O coronel provavelmente aguardava ansiosamente esse dia, pensou Yamata, apertando o cinto e alisando o cabelo.
O comandante Sato estava exausto. Passara um tempo excessivo no ar, não só desrespeitando mas deixando totalmente de lado o regulamento da companhia aérea com relação ao repouso dos tripulantes, mas ele, também, tinha uma missão importante a cumprir. Olhou para a esquerda e viu no céu da manhã as luzes piscantes de dois caças, F-15, provavelmente, um deles talvez pilotado pelo filho, circulando para proteger o solo que pertencia de novo ao seu país. Vá com calma, disse para si próprio. Havia soldados a bordo e eles mereciam o melhor. Com uma das mãos nos aceleradores e outra no manche, guiou o jato de passageiros da Boeing por uma linha invisível no ar em direção a um ponto que seus olhos já haviam escolhido.
Uma palavra ao copiloto, e os grandes flaps foram baixados. Sato puxou o manche para trás, levantando o nariz e deixando a aeronave planar suavemente até que apenas o chiar dos pneus revelou que haviam tocado o solo.
— Você é um poeta — disse o copiloto, mais uma vez impressionado com a perícia do companheiro.
Sato se permitiu um sorriso enquanto revertia os motores.
— Você se encarrega do restante — disse, enquanto ligava o sistema de som. — Bem-vindos ao Japão — anunciou aos passageiros.
Yamata só não gritou porque a surpresa deixou-o sem fala. Não esperou que o avião parasse para soltar o cinto. A porta para a cabine de controle estava bem ali, e ele tinha de dizer alguma coisa.
— Comandante?
— Sim, Yamata-san?
— Você compreende, não é mesmo?
O outro assentiu como um profissional orgulhoso; naquele momento, o zaibatsu sentiu que estava diante de um igual.
— Hai.
Foi recompensado com uma reverência de admiração. O veterano piloto ficou comovido com o respeito demonstrado por Yamata-san.
O empresário não estava com pressa. Os burocratas e soldados saltaram do avião e entraram nos ônibus que os levariam para o moderno Hotel Nikko Saipan, situado na costa ocidental da ilha, que seria o quartel-general temporário das forças de ocupa... do novo governo, corrigiu-se Yamata.
Foram necessários mais de cinco minutos para que todos desembarcassem.
Logo depois, Yamata se dirigiu para um Toyota Land Cruiser, cujo motorista, dessa vez, era um dos seus empregados que sabia exatamente o que fazer e compreendia que aquele era um momento que o patrão preferia saborear em silêncio.
Yamata mal notou o movimento. Embora fosse o responsável direto por tudo aquilo, o que estava acontecendo era menos importante do que os meses de expectativa. Oh, talvez um breve sorriso ao avistar os veículos militares, mas o cansaço agora era real, e as pálpebras começavam a pesar, a despeito da vontade férrea que procurava manter os olhos bem vivos e abertos. O motorista planejara cuidadosamente o trajeto e conseguiu evitar os maiores congestionamentos. Logo estavam passando pelo Marianas Country Club, e embora fizesse um dia muito bonito, não viram nenhum golfista. Também não viram veículos militares, com exceção de dois caminhões com antenas parabólicas recém-pintados de verde, depois de serem confiscados da NHK, que estavam parados no estacionamento do clube.
Não, não era preciso mexer com o campo de golfe, agora sem dúvida o terreno mais valioso de toda a ilha.
Era bem ali, pensou Yamata, reconhecendo a forma das colinas. A lojinha do pai ficava ao lado da pista de pouso do norte e ainda se lembrava dos caças A6M Tipo Zero, dos aviadores empertigados e dos soldados quase sempre altivos. Logo adiante ficava a usina de processamento de cana de açúcar da Nanyo Kohatsu Kaisha, de onde roubava pedaços de cana para chupar. Como a vida era despreocupada naquela época! Mas estavam chegando ao seu terreno. Yamata voltou ao presente, saltou do carro e caminhou na direção norte.
Era o caminho que o pai, a mãe e os dois irmãos deviam ter tomado; podia ver o pai com os olhos da imaginação, mancando por causa da perna aleijada, lutando por uma dignidade que a doença de infância sempre lhe negara. Teria ajudado os soldados naqueles últimos dias, oferecendo-lhes qualquer coisa que pudesse ser útil? Será que naqueles últimos dias os soldados tinham deixado de lado as brincadeiras grosseiras e lhe agradecido com a sinceridade de homens para os quais a morte parecia próxima? Yamata preferia acreditar que a resposta para as duas perguntas fosse afirmativa.
Eles deviam ter chegado até aquela ravina, a retirada em direção à morte protegida pela última ação de retaguarda de soldados em seu último momento de perfeição.
O local era chamado de pedra Banzai pelos locais, pedra do Suicídio pelos menos racistas. Yamata cuidaria para que o pessoal de relações públicas escolhesse um nome mais respeitável. A resistência organizada cessara no dia 9 de julho de 1944, o dia em que a ilha de Saipan foi considerada “segura” pelos americanos.
Eram na verdade dois rochedos curvos, que ofereciam ao mar as faces convexas; o topo do mais alto ficava duzentos e quarenta metros acima da superfície do mar. Havia figuras de mármore para marcar o lugar, esculpidas fazia alguns anos por estudantes japoneses, que mostravam crianças de joelhos, como se estivessem rezando. Devia ser ali onde eles se aproximaram da borda, de mãos dadas. Ainda se lembrava das mãos fortes do pai. Será que o irmão e a irmã tinham sentido muito medo? Provavelmente estavam mais desnorteados do que assustados, pensou, depois de vinte e um dias de barulho, horror e caos. A mãe provavelmente olhara para o pai. Uma mulher pequena, roliça, muito viva, cujo riso musical tornou a soar nos ouvidos do filho. Os soldados às vezes eram ásperos com o pai, mas nunca com ela. E nunca com as crianças. O último serviço que os soldados haviam prestado fora manter os americanos a distância naquele último momento, quando saltaram do rochedo. De mãos dadas, imaginou Yamata, segurando as crianças em um abraço final, recusando-se orgulhosamente a aceitar o cativeiro nas mãos dos bárbaros, deixando órfão seu outro filho. Yamata podia fechar os olhos e enxergar a cena; pela primeira vez, a memória e a visão imaginária fizeram seu corpo estremecer de emoção. Nas outras vezes que estivera ali, jamais se permitira outro sentimento além do ódio. Agora, porém, podia dar vazão às emoções e chorar de orgulho, pois pagara a dívida de honra para com aqueles que lhe haviam dado a vida e a dívida de honra para com aqueles que os haviam condenado à morte. Estava quites com todos.
O motorista observava a cena sem conhecer bem o passado de Yamata mas compreendendo o que sentia, porque ouvira falar daquela pedra; a visão de um homem de sessenta e tantos anos batendo palmas para chamar os parentes adormecidos lhe trouxe lágrimas aos olhos. De uma distância de cem metros, viu o corpo do empresário ser sacudido por soluços. Depois de algum tempo, Yamata deitou-se de lado, ainda de terno e gravata, e adormeceu. Talvez sonhasse com eles. Talvez os espíritos dos parentes viessem visitá-lo no sonho e lhe dissessem as coisas que precisava ouvir.
Mas a verdadeira surpresa, pensou o motorista, era que o velho filho da puta tinha uma alma, afinal. Talvez tivesse julgado mal o patrão.
— Isso é que é organização — murmurou Oreza consigo mesmo, observando a cena através de um binóculo, o barato, que guardava em casa.
Da janela da sala de estar era possível divisar os dois aeroportos, e a janela da cozinha oferecia uma boa visão do porto. O Orchid Ace já partira havia muito tempo; outro navio de transporte de carros, o Century Highway No. 5, tomara seu lugar no cais e estava desembarcando jipes e caminhões.
Portuga estava exausto, depois de passar a noite toda acordado. Estava havia vinte e sete horas sem dormir, sendo que algumas dessas horas tinham sido passadas no oceano, a oeste da ilha. Já estava velho demais para tanta atividade, pensou o primeiro-sargento. Burroughs, mais moço e mais instruído, deitara-se no tapete da sala e estava roncando havia muito tempo.
Oreza sentiu vontade de fumar um cigarro pela primeira vez em muitos anos. Eram bons para manter as pessoas acordadas. Eram necessários em situações como aquela. Eram o complemento perfeito para os soldados... pelos menos, era o que proclamavam os filmes da Segunda Guerra Mundial.
Entretanto, aquilo não era a Segunda Guerra Mundial e ele não era um soldado. Em mais de trinta anos de serviço na Guarda Costeira dos Estados Unidos, jamais disparara um tiro, mesmo quando estivera no Vietnã.
Sempre havia outros para fazer esse serviço. Nem mesmo sabia como lutar.
— Ficou a noite toda acordado? — perguntou Isabel, vestida para trabalhar. Era segunda-feira daquele lado da Linha Internacional de Mudança de Data, um dia útil. Olhou para baixo e reparou que o bloco de anotações ao lado do telefone estava cheio de rabiscos e números. — Fez alguma diferença?
— Não sei, Bebei.
— Querem comer alguma coisa?
— Boa ideia — disse Pete Burroughs, entrando na cozinha com cara de sono. — Acho que apaguei por volta das três. — Ficou pensativo por um momento. — Estou me sentindo... péssimo — concluiu, respeitando a senhora presente.
— Bem, tenho de estar no trabalho daqui a cerca de uma hora, — observou a Sra. Oreza, abrindo a geladeira.
O café da manhã do casal consistia em cereais frios e leite desnatado, observou Burroughs, junto com uma torrada feita de pão integral. Bastava acrescentar alguma fruta, pensou, e seria como se estivesse de volta a San Jose. Já sentia o cheiro do café. Pegou uma xícara e se serviu.
— Este café está delicioso.
Foi o Oreza que fez — afirmou Isabel.
Oreza sorriu pela primeira vez em muitas horas.
— Aprendi com meu primeiro chefe. A mistura certa, as proporções certas, e uma pitada de sal.
Provavelmente à sombra da lua e depois de sacrificar uma cabra, pensou Burroughs. Se fosse esse o caso, a cabra morrera por uma causa justa. Bebeu um gole e aproximou-se para examinar as anotações de Oreza.
— Tudo isso?
— E calculei por baixo. São duas horas de voo daqui até o Japão, ou seja, a viagem de ida e volta leva umas quatro horas. Sejamos exagerados e imaginemos que passem noventa minutos no solo em cada extremidade do percurso. Nesse caso, temos um ciclo de sete horas. Três viagens e meia por aeroplano por dia. Cada voo leva trezentos, talvez trezentos e cinquenta soldados. Isso quer dizer que cada avião traz mil homens por dia. Quinze aviões operando durante um dia podem trazer uma divisão inteira. Não acha que os japoneses dispõem de mais de quinze 747? — perguntou Portuga.
— Como eu disse, calculei por baixo. Agora eles só têm de trazer os veículos e suprimentos.
— De quantos navios precisam para isso? Oreza franziu a testa.
— Não tenho certeza. Durante a guerra do Golfo... estive lá, fazendo a segurança do porto... droga. Depende do tipo de navio. Vou calcular por baixo de novo. Vinte navios dos grandes só para trazer os veículos. Caminhões, jipes, máquinas estranhas de que você nunca ouviu falar. Vão precisar também de combustível. Esta ilha não é autossuficiente em matéria de comida; a maior parte dos alimentos vem de fora, e a população local acaba de duplicar. Água, por outro lado, não deve ser problema. — Oreza baixou os olhos e fez uma anotação. — Seja como for, eles vieram para ficar. Isso é evidente — afirmou, dirigindo-se para a mesa e para o cereal, morrendo de saudade dos três ovos fritos, bacon, torrada de pão branco com manteiga e todo o colesterol associado. Malditos cinquenta anos!
— E eu? — perguntou o engenheiro. — Já vi você se fazer passar por local. Não posso fazer a mesma coisa.
— Pete, você contratou meus serviços, certo? Sou responsável pela sua segurança. E a lei do mar.
— Não estamos mais no mar — protestou Burroughs.
Oreza pareceu irritado com a observação.
— A advogada é a minha filha. Procuro manter as coisas simples. Coma seu desjejum. Preciso dormir um pouco, e você terá de me substituir no turno da manhã.
— E eu? — quis saber a Sra. Oreza.
— Se você não aparecer no trabalho...
—... alguém vai querer saber por quê.
— Também precisamos descobrir se eles disseram a verdade a respeito dos guardas feridos — acrescentou o marido. — Passei a noite acordado, Bebei, e não ouvi um único tiro. Todos os cruzamentos parecem estar vigiados, mas eles não estão fazendo nada contra ninguém. — Fez uma pausa. — O que não quer dizer que esteja conformado, meu bem. De uma forma ou de outra, teremos de agir.
— Você fez isso, Ed? — perguntou Durling abruptamente, olhando o vice-presidente nos olhos.
Estava furioso porque o homem o forçara a lidar com mais um problema quando tantas crises exigiam sua atenção naquele momento. Entretanto, o artigo do Post não lhe deixava escolha.
— Por que está me atirando às feras? Por que ao menos não me avisou do que estavam tramando? O presidente fez um gesto vago que abarcava toda a Sala Oval.
— Existem coisas que se pode fazer aqui e outras que não se pode. Uma delas é interferir com uma investigação criminal.
— Não me venha com essa! Muita gente já...
— É verdade, e pagaram um preço por isso. — Não é do meu pescoço que estão atrás, pensou Roger Durling. Não vou arriscá-lo para salvar o seu. — Você não respondeu à minha pergunta.
— Escute uma coisa, Roger! — começou Ed Kealty.
O presidente levantou a mão para interrompê-lo.
— Ed, a economia está desmoronando. Marinheiros americanos foram mortos no Pacifico. Não posso perder tempo com este caso. Não posso me desgastar politicamente com este caso. Responda à minha pergunta — insistiu Durling.
O vice-presidente enrubesceu.
— Está certo, eu gosto de mulheres. Nunca escondi isso de ninguém. Minha esposa e eu temos um acordo. Mas eu jamais, JAMAIS molestei, ataquei, estuprei ou possuí alguém contra a vontade em toda a minha vida. Nunca. Não preciso fazer isso.
— E Lisa Beringer? — perguntou Durling, consultando suas anotações.
— Era uma moça muito simpática, muito inteligente, muito sincera, que me pediu para... bem, você já deve ter adivinhado o que ela me pediu. Expliquei que era impossível. Estava me candidatando à reeleição, e além disso era jovem demais para mim. Merecia alguém da sua idade, alguém com quem pudesse se casar e ter filhos. Ela ficou muito frustrada, começou a beber... talvez tenha usado alguma coisa mais forte, mas acho que não. Seja como for, uma noite saiu de carro sozinha e bateu de frente no pilar de uma ponte, Roger. Fui ao enterro. Ainda me dou com os pais dela. Ou por outra, ainda me dava até recentemente — emendou Kealty.
— Ela deixou uma carta.
— Mais de uma — afirmou Kealty, enfiando a mão no bolso do paletó e tirando dois envelopes. — Estou surpreso por ninguém ter reparado na data do envelope que está em poder do FBI. Dez dias antes da sua morte. Esta foi escrita uma semana depois e esta no dia em que morreu. Foram encontradas pelos meus assessores. Imagino que Barbara Linders tenha achado a outra. Nenhuma foi colocada no correio. Acho que vai descobrir algumas diferenças entre as duas. Entre as três, na verdade.
— Barbara Linders afirma que você...
— Que eu a droguei? — Kealty sacudiu a cabeça. — Sabe do meu problema com a bebida, sabia disso quando me convidou para a sua chapa. Sim, fui um alcoólatra, mas larguei a bebida há mais de dois anos. — Kealty deu um sorriso malicioso. — Depois disso, minha vida sexual ficou ainda melhor. Mas vamos falar de Barbara. Ela estava doente naquele dia, muito gripada. Foi à farmácia do Congresso, comprou um remédio e...
— Como sabe disso?
— Talvez eu tenha um diário. Talvez tenha apenas boa memória. De qualquer maneira, sei exatamente em que dia isso aconteceu. Talvez um dos meus assessores tenha consultado os registros da farmácia e o remédio que ela tomou tivesse um aviso no frasco, daqueles que dizem para não beber enquanto estiver usando estas cápsulas. Eu não poderia saber, Roger. Quando estou resfriado... quero dizer, naquela época, quando estava resfriado, bebia uma dose de conhaque. Que diabo, naquela época eu usava o álcool para muita coisa — admitiu Kealty. — De modo que dei um pouco de conhaque à moça e ela se tornou muito receptiva. Um pouco receptiva demais, suponho, mas eu próprio já bebera umas e outras e achei que estava apenas se rendendo aos meus conhecidos encantos.
— O que está tentando me dizer? Que é inocente?
— Quer que eu admita que sou um promíscuo, que não consigo me conter quando vejo uma mulher bonita? Está certo, admito. Já conversei com padres, com médicos, cheguei a frequentar uma clínica psiquiátrica. Foi difícil evitar que isso chegasse aos ouvidos da imprensa. Finalmente, fui procurar o chefe do departamento de neurociência da Escola de Medicina de Harvard. Ele acha que há uma região do cérebro que regula nossos impulsos. Até o momento, é apenas uma teoria, mas pode muito bem ser verdade. Tem algo a ver com hiperatividade. Fui uma criança hiperativa. Até hoje não durmo mais do que seis horas por noite. Roger, posso ser muita coisa, mas não sou um estuprador.
Ali estava, pensou Durling. Embora não fosse formado em direito, tinha nomeado, consultado e ouvido um número suficiente de advogados para interpretar corretamente as palavras de Kealty. O vice-presidente podia se defender de duas formas: alegando que as provas contra ele eram menos concludentes do que os investigadores imaginavam e que não fora na verdade culpa sua. Imaginou qual das defesas seria verdadeira. Nenhuma das duas? Uma? Ambas? — O que pretende fazer? — perguntou ao vice-presidente, praticamente no mesmo tom que usara algumas horas antes na conversa com o embaixador japonês.
Apesar de tudo, estava disposto a ficar do lado de Kealty. E se o homem estivesse falando a verdade? Como poderia saber? E era isso que os jurados iriam pensar, afinal, se o caso chegasse tão longe; e se os jurados pensariam assim, como se comportariam os membros da Comissão de Justiça? Kealty ainda tinha muitos aliados em Washington.
— Estou começando a desconfiar que ninguém vai imprimir adesivos com os dizeres DURLING/KEALTY no próximo verão, certo? — perguntou o vice-presidente, com um sorriso amargo.
— Não se depender de mim — confirmou o presidente, muito sério.
Não era hora para brincadeiras.
— Não quero prejudicá-lo, Roger. Posso ter feito isso anteontem. Se tivesse me avisado, eu lhe contaria tudo mais cedo, poupando tempo e trabalho a muita gente. Como Barbara, por exemplo. Nunca mais a vi. Sua especialidade era direitos civis. Tinha uma boa cabeça e um bom coração. Foi só uma vez, entenda. E ela ficou no meu escritório depois que aconteceu—observou Kealty.
— Já falamos sobre isso, Ed. Diga-me o que pretende fazer.
— Caio fora. Renuncio ao cargo. O processo é encerrado.
— Acho que não vai ser suficiente — afirmou Durling, em tom neutro.
— Oh, mas pretendo admitir minhas fraquezas. Pedirei desculpas a você publicamente por qualquer transtorno que possa ter causado com meu comportamento irresponsável. Meus advogados se encontrarão com os advogados das moças e chegarão a um acordo fora dos tribunais. Deixarei a vida pública.
— E se não for suficiente?
— Tem de ser — declarou Kealty, em tom confiante. — Não posso ir a julgamento até que as questões constitucionais sejam resolvidas, o que levará meses, Roger. Até o verão, provavelmente. Talvez o caso se arraste até a data da convenção. Você não pode permitir que isso aconteça. Imagine se a Comissão de Justiça mandar o processo de impeachment para o plenário da Câmara e o plenário da Câmara votar contra o processo ou aprová-lo por uma pequena margem. Nesse caso, o Senado ficará com uma batata quente nas mãos. Faz ideia de quantos senadores me devem algum tipo de favor? — Kealty sacudiu a cabeça. — Por que você correria um risco político tão grande? Além disso, este processo está desviando sua atenção e a do Congresso de outros assuntos mais importantes. Você já tem problemas suficientes para se preocupar. — Kealty levantou-se e dirigiu-se para a porta à direita do presidente, a que combinava perfeitamente com as paredes brancas com frisos dourados. Disse as últimas palavras sem olhar para trás: — Agora, só depende de você.
O presidente Roger Durling estava irritado com a ideia de que, no final, a saída mais fácil talvez fosse a saída mais justa... embora esse fato jamais chegasse ao conhecimento do público. Eles saberiam apenas que sua decisão tinha sido política em um momento histórico que exigia decisões políticas. Uma economia potencialmente em ruínas, uma guerra em curso... não, não tinha tempo para perder com acusações como aquela. Uma jovem estava morta. Outras se queixavam de ter sido violentadas. E se a primeira jovem tivesse morrido por outras razões? E se as outras... Que diabo, pensou. Isso era algo para ser decidido por um júri. Entretanto, seria preciso que o processo vencesse três barreiras jurídicas para que o caso chegasse a julgamento, e qualquer advogado de defesa com um mínimo de competência poderia alegar que um julgamento justo era impossível depois que o GSPAN mostrara as acusações ao mundo inteiro, distorcendo os fatos e negando a Kealty o direito constitucional de ser julgado por um júri imparcial. Era provável que a justiça desse razão aos advogados de defesa se o caso fosse a julgamento na justiça federal, e mais provável ainda se a defesa apelasse de uma possível condenação. As vítimas não ganhariam nada com isso. E se o filho da mãe fosse inocente? Ser mulherengo, por mais desagradável que fosse, não constituía um crime.
Além de tudo, tanto ele como o país tinham problemas mais importantes com que se preocupar. Roger Durling apertou o botão para chamar a secretária.
— Sim, presidente?
— Ligue-me com o secretário de Justiça.
Não dissera a verdade ao vice-presidente, pensou Durling. Claro que podia interferir com uma investigação criminal. Tinha que fazê-lo. E era muito fácil. Droga.
26
OS SÍMBOLOS
— Ele realmente disse isso? — perguntou Ed Foley, inclinando-se para a frente. — Para ele era difícil acreditar, mas o mesmo não acontecia com Mary Pat.
— Isso mesmo. E acrescentou que eu tinha a sua palavra de espião — confirmou Jack, repetindo as palavras do russo.
— Sempre gostei do senso de humor de Sergey — observou a vice-diretora de operações, dando a primeira risada do dia e provavelmente a última.
— Ele nos estudou tanto que é mais americano do que russo.
Ah, pensou Jack, então é isso. Ali estava a explicação do comportamento de Ed. Ele era exatamente o oposto: como especialista em assuntos soviéticos durante toda a sua carreira, acabara se tornando mais russo do que americano. A ideia o fez sorrir.
— O que acham? — perguntou o conselheiro de Segurança Nacional.
— Jack, eles conhecem a identidade dos únicos três agentes de que dispomos no Japão. E um duro golpe para nós — afirmou Edward Foley.
— Este é um aspecto da questão — admitiu Mary Patricia Foley. — Mas existe outro. Aqueles três agentes estão isolados. A menos que consigam entrar em contato conosco, é como se não existissem. Jack, a situação é mesmo séria?
— Para todos os propósitos práticos, estamos em guerra, MP.
Jack já lhes contara o teor da conversa com o embaixador japonês, chamando atenção para seu último comentário. Mary Pat assentiu.
— Entendi. Eles estão dando uma guerra. Vamos comparecer?
— Não sei — afirmou Ryan. — Militares americanos foram mortos. Um território americano foi invadido. Entretanto, nossa capacidade de reação está seriamente comprometida... e ainda temos este pequeno problema doméstico. Amanhã, as bolsas e o sistema bancário depararão com alguns fatos bem desagradáveis.
— É uma coincidência interessante — observou Ed. Ele trabalhava havia muito tempo no ramo para acreditar em coincidências. — O que vai acontecer daqui para a frente com o mercado, Jack? Sei que entende do assunto.
— Não faço a menor ideia. A situação ficará complicada; afora isso, é difícil prever o que acontecerá. Esta situação não tem precedentes. O único consolo é que não pode ficar pior do que já está. O que mais me preocupa é que os investidores se sentirão como se estivessem em um edifício em chamas. Você pode estar seguro onde se encontra, mas não pode sair.
— Quais são os órgãos do governo envolvidos? — perguntou Ed Foley.
— Todos, praticamente. O principal é o FBI, porque dispõe de agentes em profusão. A SEC seria a mais qualificada, mas eles não têm pessoal suficiente para cuidar de um caso destas proporções.
— Jack, em um período de menos de vinte e quatro horas, alguém revelou à imprensa que o vice-presidente estava sendo acusado de estupro — no momento ele estava na Sala Oval, como todos sabiam —, o mercado desabou e os japoneses nos atacaram. Está nos dizendo que, na sua opinião, o problema mais sério é o econômico. Se eu fosse você...
— Sei aonde quer chegar — afirmou Ryan, interrompendo Ed antes que ele revelasse totalmente o que estava pensando. Mesmo que fosse verdade, seria difícil provar alguma coisa.—Acha que alguém poderia ser tão esperto?
— Existe muita gente esperta no mundo, Jack. Nem todas gostam de nós. — Era como conversar com Sergey Nikolayevich, pensou Ryan. E como Golovko, Ed Foley era um profissional experiente para quem a paranoia era um meio de vida e às vezes uma realidade palpável. — Mas temos um problema mais imediato para considerar.
— Aqueles três homens são bons agentes — afirmou Mary Pat, continuando o que o marido começara. — Nomuri já está bem entrosado na sociedade japonesa e desenvolveu uma boa rede de contatos. Clark e Chavez são talvez a nossa melhor dupla de agentes. Eles devem estar seguros em suas identidades falsas.
— Só há um problema — argumentou Jack.
— Qual é? — perguntou Ed Foley, antecipando-se à esposa.
— A DISP sabe que eles estão no país.
— Golovko? — perguntou Mary Pat. Jack fez que sim com a cabeça. — O filho da mãe — acrescentou a moça. — Sabe de uma coisa? Eles ainda são os melhores do mundo. — Era um grande reconhecimento, partindo da vice-diretora de operações da CIA.
— Não vá me dizer que eles têm nas mãos o chefe da contraespionagem japonesa... — observou o marido, com ar delicado.
— Por que não, querido? Eles fazem isso com muita gente. Às vezes acho que devíamos contratar alguns deles só para nos ensinar alguns truques. — Fez uma pausa. — Se é assim, não temos escolha.
— Sergey não chegou a me dizer isso diretamente, mas não sei de que outra forma poderia ter descoberto. É verdade — acrescentou, concordando com Mary Pat — Acho que não temos escolha.
Até Ed foi forçado a concordar, o que não queria dizer que gostasse.
— O que eles querem de nós para ficar calados?
— Todas as informações que conseguirmos com a Operação CARDO. Estão preocupados com a situação. De acordo com Sergey, também foram apanhados de surpresa.
— Mas Sergey também disse que eles dispõem de outra rede — observou MP. — E deve ser muito boa.
— Fornecer a eles os resultados da Operação CARDO já é muita coisa, mas acho que não se contentarão com isso. Já pensou no que vai acontecer, Jack? Eles estarão praticamente com nossos agentes nas mãos.
Ed não estava satisfeito com a situação, mas era evidente que não tinha nenhuma alternativa a propor.
— Eles estão com a faca e o queijo na mão, mas Sergey afirma que não sabia o que estava para acontecer — disse Ryan, de cenho franzido, imaginando mais uma vez como era possível que três dos mais bem informados profissionais de espionagem do país não conseguissem fazer sentido das informações de que dispunham.
— Será que estava mentindo? — indagou Ed. — O que ele disse não faz muito sentido.
— O que teria a ganhar com uma mentira? — protestou Mary Pat. — Oh, adoro esses quebra-cabeças estilo matryoshka. Muito bem, pelo menos sabemos que há fatos que ainda não sabemos. Isso quer dizer que temos muita coisa para descobrir, e quanto mais depressa melhor. Se deixarmos o RVS controlar nossos agentes... é arriscado, Jack, mas... acho que não temos escolha.
— Digo a ele que sim? — perguntou Jack. Ainda tinha de conseguir a aprovação do presidente, mas isso seria mais fácil. Os Foley trocaram um olhar e fizeram que sim com a cabeça.
Num golpe de sorte, um rebocador oceânico comercial foi localizado por um helicóptero a oitenta quilômetros da formação do Enterprise. A fragata Gary confiscou a barcaça e despachou o rebocador na direção do porta-aviões. Ele poderia substituir com vantagem o cruzador Aegis, aumentando a velocidade do Enterprise para nove nós. O capitão do rebocador ficou radiante só de pensar na comissão que receberia de acordo com o contrato de salvamento no mar, que o comandante do porta-aviões assinara e despachara de helicóptero. A porcentagem normalmente estabelecida pelos tribunais equivalia de 10% a 15% do valor da propriedade salva. Um porta-aviões, um grupo de esquadrilhas e seis mil pessoas, pensou o capitão. Quanto eram 10% de três bilhões de dólares? Talvez eles fossem generosos e deixassem por 5%.
Como sempre, foi uma mistura de coisas simples e complexas. Havia algumas aeronaves de patrulha P-3C Orion operando a partir de Midway para apoiar a força de combate em retirada. Tinham levado o dia inteiro para reativar as operações no atol, o que só fora possível porque havia um grupo de ornitólogos na ilha estudando os albatrozes. Os Orion eram por sua vez apoiados pelos C-l 30 da Guarda Aérea Nacional do Havaí. Apesar de tudo, o almirante cuja bandeira ainda tremulava no porta-aviões avariado podia olhar para as imagens de radar colhidas por quatro aeronaves antissubmarino dispostas em volta da frota e se sentir um pouco mais seguro. Os contratorpedeiros da escolta estavam sondando o oceano com sonares ativos e, depois de um período inicial de quase pânico, não tinham observado nenhum sinal suspeito. Chegariam a Pearl Harbor na noite de sexta-feira; se o vento ajudasse, poderia lançar alguns dos seus aviões, aumentando ainda mais a segurança.
A tripulação agora estava sorrindo, observou o almirante Sato ao atravessar o corredor. Dois dias antes, estavam todos compungidos com o “erro” cometido. Agora, não. Usara o helicóptero do navio para visitar os quatro Kongo e instruir pessoalmente as tripulações. A dois dias de viagem das Marianas, agora estavam a par do que realmente acontecera. Ou pelo menos parte do que acontecera. Os incidentes com os submarinos ainda eram informação reservada, mas sabiam que uma grande injustiça sofrida pelo Japão fora reparada e que isso fora feito com habilidade, permitindo que o país reclamasse uma terra que era sua desde tempos imemoriais... e sem que houvesse derramamento de sangue, pensavam. A princípio, todos ficaram chocados. Declarar guerra aos Estados Unidos? O almirante explicara que não seria exatamente uma guerra, a menos que os americanos fizessem pé firme, o que considerava improvável, mas uma possibilidade, advertiu, para a qual todos deviam estar preparados. A formação agora estava dispersa, com pelo menos três mil metros de distância entre os navios, e rumava para oeste a toda velocidade. Estavam gastando muito combustível, mas haveria um navio-tanque em Guam para reabastecê-los, e Sato queria poder contar com a proteção das aeronaves de patrulha o mais cedo possível. Uma vez em Guam, começaria a planejar novas operações.
A primeira fora bem-sucedida. Com sorte, não haveria necessidade de uma segunda, mas se houvesse, queria estar preparado.
— Algum contato? — perguntou o almirante, entrando no Centro de Informações de Combate.
— Apenas aviões comerciais — respondeu o oficial de guerra aérea.
— Todos os aviões militares usam transponders — lembrou Sato. — Podem perfeitamente se fazer passar por aviões comerciais.
— Nenhum deles está se aproximando de nós.
A formação estava seguindo um curso deliberadamente afastado das rotas aéreas comerciais; olhando para o monitor, o almirante podia ver que todo o tráfego aéreo estava concentrado nessas rotas. É verdade que uma aeronave militar podia espioná-los de uma rota comercial, mas os americanos não precisavam fazer isso, pois dispunham dos satélites espiões. Até o momento, todas as previsões tinham-se revelado corretas. A única coisa que realmente o preocupava eram os submarinos, mas mesmo assim havia meios de se precaver contra eles. Os mísseis Harpoon ou Tomahawk, lançados por submarinos, eram um bom exemplo. Todos os contratorpedeiros da sua frota dispunham de um radar SPY-1D varrendo a superfície do mar vinte e quatro horas por dia. Todos os diretores de controle de tiro estavam guarnecidos. Qualquer míssil de cruzeiro que os ameaçasse seria detectado e atacado, primeiro por mísseis SM-2MR construídos nos Estados unidos (e aperfeiçoados no Japão) e depois por canhões CIWS. Isso seria suficiente para deter a grande maioria dos “vampiros”, o termo genérico usado para designar os mísseis de cruzeiro. Era possível que um submarino se aproximasse e lançasse torpedos; um dos grandes seria suficiente para afundar qualquer navio da frota. Entretanto, não podiam deixar de ouvir o torpedo, e os helicópteros antissubmarino fariam o possível para atacar qualquer submarino que se aproximasse, evitando que lançasse seus torpedos e talvez mesmo conseguindo afundá-lo. Os americanos não tinham tantos submarinos assim, e seus comandantes agiriam com cautela, especialmente se conseguissem acrescentar um terceiro submarino aos dois que já haviam liquidado.
O que fariam os americanos? Ora, o que podiam fazer?, perguntou-se.
Era uma pergunta que não se cansava de fazer e sempre encontrava a mesma resposta. Eles tinham reduzido excessivamente seus efetivos. Confiavam no poder de intimidação, esquecendo-se de que todo poder de intimidação baseava-se na possibilidade real de agir caso a intimidação não funcionasse: a velha equação do não-quero-fazer-isso-mas-posso. Infelizmente para eles, os americanos tinham confiado demais no primeiro termo e se esquecido do segundo. De acordo com as informações de que Sato dispunha, quando os americanos pudessem de novo, seu adversário estaria em condições de detê-los. O plano estratégico que ajudara a executar não era novo; apenas fora mais bem executado que da última vez, pensou, aproximando-se do monitor e observando os símbolos que representavam os aviões comerciais seguirem as rotas de costume, mostrando, com sua presença, que o mundo estava voltando ao normal.
Ryan sabia que a parte difícil sempre parecia chegar depois que as decisões estavam tomadas. O pior não era tomar decisões e sim conviver com elas.
Será que agira corretamente? Não havia como saber, a não ser em retrospecto, e então seria tarde demais para fazer alguma coisa. Pior ainda: a visão em retrospecto era sempre negativa, porque raramente alguém remexia o passado para investigar as coisas que tinham dado certo. Em um dado nível de complexidade, as coisas deixavam de ser bem definidas. Você procurava considerar todas as opções, procurava considerar todos os fatores, mas quase sempre sabia que, independentemente do que fizesse, alguém sairia prejudicado. Nesses casos, a ideia era prejudicar o menor número possível de pessoas, mas mesmo assim pessoas de verdade tinham de sofrer, e se estava escolhendo, na verdade, quem iria sofrer ou mesmo perder a vida, como se fosse um deus da mitologia. Era pior ainda quando se conhecia alguns dos envolvidos, porque eles tinham rostos que sua imaginação podia ver e vozes que ela podia ouvir. A disposição de tomar esse tipo de decisões era chamada de coragem moral pelos que não tinham de fazê-lo e de capacidade de agir sob tensão pelos que tinham.
Ryan estava no segundo caso. Aceitara o cargo com plena consciência de que haveria momentos como aquele. Colocara em risco as vidas de Clark e Chavez no leste da África e se lembrava vagamente de se preocupar com isso, mas a missão fora bem-sucedida e, depois de concluída, parecera brincadeira de criança, um golpe de esperteza desfechado com maestria. O fato de que um ser humano de verdade, na pessoa de Mohammed Abdul Corp, perdera a vida em consequência da operação... bem, era fácil dizer, agora, que merecera a sorte que tivera. Ryan se permitira arquivar todas as lembranças do incidente em algum canto recôndito do cérebro, para serem desenterradas anos mais tarde, se algum dia sucumbisse à tentação de escrever suas memórias. Agora, porém, essas lembranças estavam de volta, retiradas dos arquivos pela necessidade de pôr de novo em risco as vidas de homens de verdade. Jack trancou os papéis confidenciais em uma gaveta antes de se dirigir para a Sala Oval.
— Vou me encontrar com o chefe — informou a um agente do Serviço Secreto no corredor norte-sul.
— ESPADACHIM está indo se encontrar com SALTADOR — disse o agente no microfone, porque para aqueles que protegiam os ocupantes da Casa Branca, eles eram mais símbolos do que homens, representações abstratas das funções que exerciam.
Não sou um símbolo, sentiu Jack vontade de dizer. Sou um homem, um homem cheio de dúvidas. Passou por mais quatro agentes no caminho e viu que olhavam para ele com confiança e respeito, como se esperassem que soubesse o que fazer, o que dizer ao chefe como se fosse de alguma forma mais sábio do que eles, e apenas Ryan sabia que não era. Fora suficientemente tolo para aceitar um trabalho com mais responsabilidade do que o deles, isso era tudo.
— A situação não vai nada bem, não é mesmo? — disse Durling, quando ele entrou no escritório.
— E verdade — concordou Jack, sentando-se.
O presidente leu o rosto e a mente do conselheiro ao mesmo tempo e sorriu.
— Vejamos... eu devia dizer a você que não perdesse a calma e você devia me dizer a mesma coisa, certo?
— É difícil tomar decisões corretas quando se está sob tensão — observou Ryan.
— Pode ser, mas há um porém. Quando não estou sob tensão, é porque o caso não é importante e pode ficar por conta dos escalões inferiores. São os casos difíceis que vêm parar aqui. Muita gente já comentou isso.
Era uma observação generosa, pensou Jack, porque tirava parte do peso dos seus ombros, lembrando que, afinal, apenas aconselhava o presidente. O homem que ocupava aquela escrivaninha de carvalho tinha sua grandeza. Jack imaginou quão pesada era a carga que ele tinha de suportar e se encarava essa carga como uma surpresa desagradável... ou, talvez, simplesmente como mais uma necessidade com a qual tinha de lidar.
— Muito bem, do que se trata?
— Preciso da sua permissão para fazer uma coisa. — Ryan explicou as propostas de Golovko, a primeira feita em Moscou e a segunda algumas horas antes, e suas implicações.
— Isto nos ajudará a compreender melhor a situação? — perguntou Durling.
— Possivelmente, mas não é certo.
— E então?
— Uma decisão deste tipo deve ser tomada pelo senhor — afirmou Ryan.
— Por que eu?
— Presidente, se concordarmos, estaremos revelando a identidade dos nossos agentes e nossos métodos de operação. Suponho que tecnicamente a decisão não tenha de ser sua, mas é algo que deve conhecer e aprovar.
— Você recomenda que eu aprove? — perguntou Durling, desnecessariamente.
— Sim, senhor.
— Podemos confiar nos russos?
— Não falei em confiar, presidente. O que temos é uma convergência de interesses, com uma chantagem em potencial para acompanhar.
— Vá em frente — disse o presidente, com firmeza. Talvez fosse uma prova da sua confiança em Ryan, devolvendo assim o peso da responsabilidade ao visitante. Durling pensou um pouco antes de fazer a pergunta seguinte.
— O que eles pretendem, Jack?
— Os japoneses? O que fizeram é ilógico. Para que afundar os submarinos? Para que matar nossos homens? Não havia necessidade de chegarem a esse extremo.
— Para que fazer isso com seu maior parceiro comercial? — acrescentou Durling, fazendo a observação mais óbvia. — Ainda não tivemos tempo de pensar a respeito, não é mesmo? Ryan concordou com a cabeça.
— Fomos atropelados pelos acontecimentos. Não sabemos nem mesmo o que ainda não sabemos.
O presidente olhou para ele, surpreso.
— O que disse?
Jack sorriu levemente. — Isso é algo que minha mulher costuma dizer a respeito da medicina. O importante é saber o que não se sabe. Antes de começar a buscar as respostas, procure saber quais são as perguntas certas.
— E como vamos conseguir isso?
— Mary Pat tem vários agentes fazendo perguntas por aí. Estamos tentando analisar todas as informações disponíveis. Temos de procurar correlações. É possível deduzir muita coisa a partir das ações do adversário.
— Minha maior dúvida no momento é a seguinte: por que eles afundaram os dois submarinos? — Ryan olhou pela janela para o monumento a Washington, para aquele obelisco fixo, estável, de mármore branco. — Eles fizeram a coisa de modo a nos deixar uma saída honrosa. Podemos alegar que foi uma colisão ou coisa parecida... Esperam realmente que nos conformemos com as mortes e... Pelo menos, nos ofereceram a oportunidade. Talvez não esperem propriamente, mas seria uma possibilidade. — Ryan ficou meio minuto em silêncio. — Não. Não, não poderiam se enganar tanto a nosso respeito.
— Pare de pensar em voz alta — ordenou Durling.
— Reduzimos excessivamente nossos efetivos...
— Não quero falar sobre isso — interrompeu o presidente, irritado.
Ryan assentiu e levantou a mão, pedindo que tivesse paciência. — Sei que é tarde demais para nos lamentarmos. Acontece que eles também sabem disso. Todo mundo sabe o que temos e o que não temos. Com um pouco de imaginação, podem deduzir o que podemos fazer. Nesse caso, estão em condições de planejar suas operações com base tanto no que estão em condições de fazer quanto na reação que esperam de nós.
— Faz sentido. Prossiga.
— Com o fim da ameaça russa, a força de submarinos praticamente não tem mais o que fazer. No fundo, um submarino serve apenas para duas coisas. Do ponto de vista tático, os submarinos são úteis para perseguir e destruir outros submarinos. Do ponto de vista estratégico, porém, os submarinos são extremamente limitados. Não podem controlar o mar da mesma forma que os navios. Não podem transportar tropas ou suprimentos de um lugar para outro, e é isso que o controle dos oceanos realmente representa. — Jack estalou os dedos. — Mas eles podem impedir que outras nações usem os mares, e o Japão é uma ilha-nação. Estes têm medo de ser impedidos de usar os mares. — Por outro lado, pensou Jack, talvez tivessem feito simplesmente o que estava a seu alcance. Tinham avariado os porta-aviões porque não podiam fazer muito mais do que isso. Ou será que podiam? Que droga, era tudo tão complicado...
— Quer dizer que poderíamos estrangulá-los com nossos submarinos?
— Talvez. Fizemos isso no passado. Agora, porém, nossas forças estão muito reduzidas, o que torna mais fácil vencer nosso bloqueio. Entretanto, o maior trunfo de que dispõem contra esse tipo de ameaça é sua capacidade nuclear. Eles opõem uma ameaça estratégica a outra ameaça estratégica, de uma forma que não podiam fazer em 1941. Está faltando alguma coisa, senhor. — Ryan sacudiu a cabeça, ainda olhando para o monumento através do vidro à prova de balas. — Existe algo importante que ainda não conhecemos.
— O porquê?
— Talvez, mas antes estou interessado no quê. O que eles querem? Qual o seu objetivo final?
— Isso é mais importante do que o porquê?
Ryan virou a cabeça para encarar o presidente.
— Presidente, a decisão de iniciar uma guerra nunca é racional. Na Primeira Guerra Mundial, que começou quando um idiota qualquer matou outro idiota qualquer, os acontecimentos foram habilmente manipulados por Leopold não-sei-o-que, “Poldi”, para os íntimos, o ministro do Exterior da Áustria. Podia ser um excelente estrategista, mas não considerou o fato de que seu país não tinha força suficiente para conseguir o que queria. O Império Austro-húngaro e a Alemanha começaram a guerra; ambos foram derrotados. Na Segunda Guerra Mundial, o Japão e a Alemanha enfrentaram o restante do mundo, sem imaginar que o restante do mundo pudesse ser mais forte do que eles. Isso se aplica especialmente ao Japão — prosseguiu Ryan. — Eles não tinham um plano para nos derrotar. Guarde isso por um momento. A Guerra de Secessão foi iniciada pelo Sul; o Sul perdeu. A Guerra Franco-Prussiana foi iniciada pela França; a França perdeu. Quase todas as guerras que ocorreram depois da Revolução Industrial foram iniciadas pela nação que no final foi derrotada. Conclusão: ir à guerra não é um ato racional. Consequentemente, os motivos para a guerra, ou seja, o porquê, não são necessariamente importantes, porque provavelmente estão errados para começar.
— Nunca tinha pensado nisso, Jack.
Ryan deu de ombros.
— Como disse Buzz Fiedler hoje mesmo, algumas coisas são óbvias demais.
— Mas se o porquê não é importante, então o quê também não é!
— É, sim, porque se você descobrir qual é o objetivo final, pode impedir que eles o atinjam. É assim que se começa a derrotar um inimigo. Sabe de uma coisa? Quando alguém deseja demais alguma coisa, chega a esquecer o que é certo e o que é errado.
— Como um criminoso pensando em assaltar uma loja de bebidas? — perguntou Durling, fascinado com o discurso de Ryan.
— A guerra é um ato criminoso por definição, um assalto à mão armada em grande escala. E o motivo é a cobiça; é sempre iniciada por uma nação que deseja o que outra nação possui. Para derrotar o agressor, é preciso descobrir o que ele deseja e impedir a qualquer custo que ele consiga seus objetivos. As raízes da derrota são geralmente encontradas nas raízes do desejo.
— O Japão, na Segunda Guerra Mundial?
— Eles queriam ter um império de verdade. Em última análise, estavam atrás de algo muito parecido com o Império Britânico. Infelizmente, começaram com um atraso de um ou dois séculos. Eles não pretendiam nos conquistar, mas simplesmente... — Interrompeu o que estava dizendo por um momento, enquanto uma ideia se formava. — Simplesmente conseguir seus objetivos e nos forçar a aceitá-los. Minha nossa! — exclamou Ryan. — É isso! Estão fazendo a mesma coisa outra vez. Usando a mesma metodologia. Será que o objetivo é o mesmo? Está tudo aí, pensou o conselheiro de Segurança Nacional. Esta tudo aí, diante dos nossos olhos.
— Mas temos de descobrir. Temos de descobrir enquanto é tempo.
— Mas nossos objetivos também importam — observou o presidente.
— Eu sei.
George Winston achava que, como um velho cavalo do Corpo de Bombeiros, tinha de atender ao chamado dos sinos. Depois de deixar a mulher e os filhos no Colorado, estava passando por Ohio, sentado no compartimento traseiro do Gulfstream, olhando para as luzes de uma cidade. Provavelmente se tratava de Cincinatti, mas não tinha certeza, porque não se lembrara de perguntar ao piloto que percurso seguiria para chegar a Newark.
Os motivos eram em parte pessoais. Sua própria fortuna diminuíra consideravelmente depois dos acontecimentos da última sexta-feira, quando perdera centenas de milhões de dólares. A natureza do colapso e a forma como seu dinheiro estava distribuído por várias instituições tinham contribuído para aumentar o prejuízo. Entretanto, o mais importante não era o dinheiro. Está certo, pensou consigo mesmo, acabo de perder duzentos milhões, mas posso viver muito bem sem eles. Não, o que aborrecia eram os prejuízos sofridos pelo sistema como um todo e pelo Columbus Group em particular. Sua cria sofrerá um grande golpe; como um pai que se dispõe a apoiar a filha casada em um momento de crise, sabia que ela sempre seria sua. Eu devia estar lá, pensou. Teria visto o que estava para acontecer e tomaria alguma providência. Pelo menos, teria protegido meus investidores. Os efeitos do colapso ainda não eram totalmente conhecidos, mas sabia que eram tão graves que chegavam a desafiar a compreensão. Winston tinha de fazer alguma coisa, tinha de oferecer sua experiência e seus conhecimentos.
Aqueles investidores ainda eram responsabilidade sua.
A viagem até Newark foi tranquila. O Gulfstream pousou suavemente e taxiou até o terminal para aviões particulares, onde havia um carro à espera, com um dos seus antigos empregados. Não estava de gravata, o que era incomum para alguém formado pela Wharton School.
Mark Gant não dormia fazia mais de cinquenta horas e tinha de se apoiar no carro para não cair, porque o mundo parecia girar à sua volta, acompanhado por uma dor de cabeça que poderia ser medida na escala Richter. Apesar de tudo, sentia-se otimista. Se havia alguém capaz de consertar as coisas, era o antigo patrão. Assim que o jatinho executivo parou, caminhou até a pista e ficou esperando que a escada baixasse.
— A coisa é mesmo séria? — foi a primeira coisa que George Winston perguntou.
Os dois tinham sido bons amigos, mas os negócios vinham em primeiro lugar.
— Ainda não sabemos — respondeu Gant, conduzindo-o até o carro.
— Não sabem? A explicação teve de esperar até entrarem no carro. Gant passou-lhe o primeiro caderno do Times sem comentários.
— É tudo verdade? Um adepto da leitura rápida, Winston passou os olhos nas duas colunas na primeira página e foi procurar o final da reportagem na página 21, onde aparecia entre dois anúncios de lingerie.
Gant revelou então que o gerente nomeado por Raizo Yamata tinha ido embora. Ele voou para o Japão na sexta-feira à noite. Disse que ia pedir a Yamata-san que viesse a Nova York para ajudar a estabilizar a situação. Mas talvez tenha viajado para praticar o haraquiri na frente do chefe. Quem sabe? Nesse caso, quem está à testa da empresa, Mark?
— Ninguém — respondeu Gant.
— Que diabo, Mark, alguém deve estar dando as ordens! Não sabemos o que fazer — afirmou o executivo.
— Já cansei de ligar para o cara. Ele não está no escritório. Deixei recados, tentei a casa dele, a casa de Yamata, a casa de todo mundo. Nada, George. Nem sinal dele. Por tudo que sei, talvez tenha pulado do edifício mais alto da cidade.
— Certo. Vou precisar de um escritório e de todos os dados disponíveis.
— Que dados? — perguntou Gant. — Não temos nada. O sistema inteiro caiu, lembra-se?
— Você tem os registros das nossas transações, não tem?
— Tenho sim, tenho as fitas... uma cópia delas, pelo menos — corrigiu Gant — O FBI levou as fitas originais.
Um técnico brilhante, o primeiro amor de Gant fora a matemática. Era só fornecer a Mark Gant as instruções corretas e ele era capaz de agir no mercado como um jogador profissional com um baralho de cartas marcadas. Entretanto, como a maioria dos operadores de Wall Street, precisava de alguém que lhe dissesse o que fazer. Bem, ninguém era perfeito, e Gant, afinal, era um homem honesto, inteligente e conhecia suas limitações. Sabia quando precisava de ajuda. Essa última qualidade o colocava entre os 3% ou 4% mais competentes.
— Ele deve ter procurado Yamata e seus homens em busca de orientação... Quando tudo isso estava acontecendo, quais eram as suas instruções?
— Instruções? Gant passou a mão no rosto com a barba por fazer e sacudiu a cabeça. — Fizemos o possível para não perder dinheiro. Se a DTC conseguir destrinchar esse caos, vamos sair quase intactos. Livrei-me das ações da GM, fiz um grande negócio com certificados de ouro e...
— Não foi isso que eu quis dizer.
— Minhas instruções eram para continuar os negócios. Ele nos aconselhou a nos livrarmos das ações dos bancos o mais depressa possível.
— Graças a Deus. Tenho certeza que ele sabia o que estava para acontecer.
— Quando o mercado desabou, estávamos em uma posição relativamente confortável. Se não fossem os apavorados... George, a situação ficou complicada! Todo mundo queria vender ao mesmo tempo! Se pelo menos tivessem mantido a calma... — suspirou. — Mas eles se apavoraram e agora, com a confusão da DTC... George, não sei o que vai acontecer amanhã. Simplesmente não sei — afirmou Gant, quanto entravam no Lincoln Tunnel.
A história completa de Wall Street em um parágrafo compacto, pensou Winston, olhando para os ladrilhos brilhantes que revestiam o interior do túnel. Na verdade, parecia-se com aquele túnel. Podia-se ver o que estava à frente, podia ver o que estava atrás, mas não podia ver nada para os lados.
Não podia ver nada que estivesse fora de sua perspectiva limitada.
Mas era preciso.
— Mark, ainda sou diretor da firma.
— Certo. E daí?
— Você, também — observou Winston.
— Sei disso, mas...
— Nós dois podemos convocar uma reunião da diretoria. Comece a dar os telefonemas assim que sairmos deste maldito buraco — ordenou George Winston.
— Para quando? — quis saber Gant.
— Para já, droga! — exclamou Winston. — Mando meu jato buscar os que estiverem fora da cidade.
— A maioria dos rapazes não saiu de casa neste fim de semana. — Era a primeira notícia boa que ouvia desde a tarde de sexta-feira, pensou George, fazendo um gesto para que prosseguisse. — Acho que não têm para onde ir.
Nesse momento, saíram do túnel. Winston tirou do cinto o telefone celular e passou-o ao ex-empregado.
— Ligue para eles.
Winston imaginou se Gant sabia o que ele pretendia propor na reunião.
Era provável que não. Podia ser eficiente dentro de um túnel, mas jamais superara suas limitações.
— Por que eu tinha de ir embora?, lamentou-se Winston. Simplesmente não era seguro deixar a economia americana nas mãos de pessoas que não sabiam como ela funcionava.
— Deu certo — afirmou o almirante Dubro.
A velocidade da frota diminuiu para vinte nós. Estavam agora trezentos quilômetros a leste do cabo Dondra. Precisavam de mais espaço para manobrar, mas o simples fato de terem chegado até ali podia ser considerado um sucesso. Os porta-aviões separaram-se, acompanhados pelas respectivas formações, que formavam anéis protetores em torno das duas belonaves, o Abraham Lincoln e o Dwight D. Eisenhower. Em mais uma hora, as formações estariam fora de contato visual, o que era bom, mas a corrida deixara os tanques de combustível quase vazios, o que era péssimo. Os porta-aviões movidos a energia nuclear também funcionavam como navios-tanque: transportavam toneladas de óleo combustível para os navios da escolta e podiam reabastecê-los em caso de necessidade. Logo seriam forçados a fazê-lo. Os navios-tanque da frota, o Yukon e o Rappahannok, estavam voltando de Diego Garcia com oitenta mil toneladas de combustível, mas provavelmente não chegariam a tempo. A possibilidade de um confronto obrigava Dubro a manter cheios os tanques de todos os navios. Confronto significava possíveis combates; combates consumiam muito combustível, tanto para entrar na briga como para sair dela.
— Alguma mensagem de Washington? — perguntou o almirante.
— Não, senhor — respondeu o comandante Harrison, sacudindo a cabeça.
— Muito bem — disse o comandante da força de combate, com uma calma perigosa. Depois, dirigiu-se para o centro de comunicações. Resolvera um complexo problema operacional, pelo menos temporariamente. Agora, estava na hora de gritar com alguém.
27
A VOLTA DO BANQUEIRO
Embora a atividade fosse frenética, estava tudo atrasado. Uma cidade ao mesmo tempo acostumada e dedicada à prevenção do vazamento de informações, Washington e seus funcionários públicos estavam ocupados demais com quatro crises simultâneas para lidar satisfatoriamente com qualquer uma delas. Não chegava a ser uma novidade, fato que deveria ser deprimente para os que estavam tentando administrar a situação. Isso se tivessem tempo para refletir sobre o assunto, o que não era o caso. A única coisa boa, pensou Ryan, era que o problema principal ainda não chegara ao conhecimento público. Ainda não.
— Scott, quem são seus melhores especialistas no Japão? Adler ainda era fumante ou comprara um maço no caminho. Ryan teve de usar de toda a sua força de vontade para não pedir um cigarro, mas não impediu que o visitante acendesse o seu. Cada um lidava com a tensão à sua maneira. O fato de a forma que Adler escolhera ser a mesma que Ryan abandonara fazia algum tempo era apenas mais um incômodo em um fim de semana que passara mais depressa do que imaginara que fosse possível.
— Posso reunir um grupo de trabalho. Quem vai chefiá-lo?
— Você — respondeu Jack.
— O que Brett vai pensar?
— Ele vai dizer “sim, senhor” quando o presidente lhe contar — replicou Ryan, cansado demais para ser diplomático.
— Estamos nas mãos deles, Jack.
— Quantos reféns em potencial? — quis saber Jack. Não eram apenas os militares. Devia haver milhares de turistas, empresários, repórteres, estudantes...
— Não há como saber, Jack — admitiu Adler. — Pelo menos, não temos notícias de que estejam sendo hostilizados. Não é uma repetição de 1941. Pelo menos, penso que não.
— Se começarem a agir de outra forma... — A maioria dos americanos esquecera-se do modo como os japoneses haviam tratado os prisioneiros.
— Ryan, não.
— Vamos virar feras. Eles precisam saber disso. Eles nos conhecem muito melhor do que naquela época. Nossa convivência tem sido estreita. Além disso, os Estados Unidos estão cheios de japoneses, também. Não se esqueça, Scott, de que a cultura japonesa é fundamentalmente diferente da nossa. A religião é diferente. O modo como encaram o papel do homem na natureza é diferente. O valor que atribuem à vida humana é diferente — afirmou o conselheiro de Segurança Nacional, em tom sombrio.
— Acho que não está na hora de sermos racistas, Jack— observou Adler, timidamente.
— Esses são fatos. Não disse que são inferiores a nós. Disse apenas que estaremos cometendo um grave engano se pensarmos que eles têm as mesmas motivações que nós. Certo?
— Tem razão — admitiu o subsecretário de Estado.
— É por isso que preciso dos conselhos de quem conhece de perto a cultura japonesa. Quero pessoas que pensem como eles.
O problema seria arranjar espaço para todos, mas havia escritórios no andar de baixo cujos ocupantes podiam ser despejados, mesmo que reclamassem um pouco.
— Posso encontrar alguns — prometeu Adler.
— O que as embaixadas estão dizendo?
— Ninguém sabe de nada. Mas aconteceu uma coisa curiosa na Coreia.
— O que foi?
— O adido militar em Seul aconselhou alguns amigos a providenciarem para que certas bases militares fossem colocadas em estado de alerta. Eles se recusaram. É a primeira vez que a Coreia deixa de atender a um pedido nosso. Acho que o governo coreano ainda está tentando entender o que aconteceu.
— Nós também.
— Vamos fazer alguma coisa a respeito? Ryan sacudiu a cabeça.
— Ainda não sei.
Nesse momento, o telefone tocou.
— NMCC na UTS, Dr. Ryan.
— Aqui é Ryan — disse Jack, pegando o telefone.
— Sim, pode falar. Que merda — murmurou tão baixo, que Adler mal conseguiu ouvir. — Almirante, ligo para o senhor mais tarde.
— O que foi agora?
— Os indianos — informou Ryan.
— Está aberta a reunião—declarou Mark Gant, batendo com a caneta sobre a mesa. Apenas metade dos lugares mais dois estavam ocupados, mas esse número era suficiente para garantir o quorum. — George, a palavra é sua.
George Winston ficou preocupado com as expressões que viu no rosto dos presentes. Em primeiro lugar, os homens e mulheres que determinavam a política do Columbus Group pareciam exaustos. Segundo, pareciam em pânico. Entretanto, foi a terceira expressão que o deixou mais aflito: a esperança que depositavam nele, como se fosse Jesus chegando para sanear o templo. Não devia ser assim. Nenhum homem devia possuir tanto poder.
A economia americana era muito vasta. Muitas pessoas dependiam dela.
Mais importante ainda: era complexa demais para que um único homem, ou mesmo vinte, pudesse compreendê-la em sua totalidade. Era esse o problema dos modelos nos quais todos pareciam se apoiar. Mais cedo ou mais tarde, se surpreendiam tentando avaliar, medir e regulamentar algo que simplesmente existia. Todos precisavam dela, mas ninguém sabia realmente como funcionava. A ilusão dos marxistas de que compreendiam os princípios da economia fora seu maior erro. Os soviéticos haviam passado três gerações tentando fazer a economia funcionar do jeito que queriam, em vez de deixá-la à vontade, e tinham acabado como mendigos na nação mais rica do planeta. Nos Estados Unidos, não era muito diferente.
Em vez de controlar a economia, as pessoas tentavam ganhar dinheiro com ela, mas nos dois casos havia a ilusão de que seus princípios eram bem conhecidos, quando na verdade ninguém sabia como funcionavam, a não ser em termos extremamente vagos.
Em última análise, tudo se resumia a necessidades e tempo. As pessoas tinham necessidades. Alimentação e moradia eram as mais importantes.
Assim, outras pessoas plantavam gêneros alimentícios e construíam casas.
Para fazer isso, gastavam tempo, e como este era o bem mais precioso do homem, deviam ser compensadas. Outro bom exemplo era um carro. As pessoas também necessitavam de transporte. Ao comprar-se um carro, pagava-se às pessoas pelo tempo gasto para montá-lo, pelo tempo gasto para fabricar todos os componentes; pagava-se até pelo tempo necessário para extrair do solo o minério de ferro e a bauxita. Essa parte era simples. A complexidade começava com as opções disponíveis. Podiam-se escolher várias marcas e modelos diferentes de automóvel. Cada fornecedor de bens e serviços envolvidos na fabricação de um carro tinha a opção de conseguir o que precisava em várias fontes diferentes, e como o tempo era precioso, a pessoa que usava seu tempo com mais eficiência obtinha uma compensação maior. Isso era chamado de competição; uma corrida sem fim de todos contra todos. Na verdade, todas as empresas, e até mesmo todos os cidadãos da economia americana, estavam em perpétua competição uns com os outros. Todos eram produtores. Todos também eram consumidores. Todos trabalhavam para servir a outros. Todos escolhiam produtos e serviços em um imenso cardápio oferecido pela economia. Essa era a ideia básica.
A verdadeira complexidade resultava do número de interações possíveis.
Quem comprava o que e de quem. Quem trabalhava com mais eficiência, beneficiando ao mesmo tempo aos consumidores e a si próprio. Com todos participando simultaneamente do jogo, era como uma imensa multidão em que todos falassem entre si ao mesmo tempo. Era simplesmente impossível acompanhar todas as conversas.
No entanto, Wall Street cultivava a ilusão de que isso era possível, de que os programas de computador podiam prever, em termos gerais, o que aconteceria no dia seguinte. Essa ideia era falsa. Podia-se analisar individualmente as empresas, verificar o que estavam fazendo de certo e de errado.
Através dessas análises, podia-se identificar certas tendências e lucrar com elas. Entretanto, o uso de computadores e técnicas de modelagem tinha ido longe demais, afastando-se aos poucos da realidade. O fato de que esses modelos tinham funcionado durante alguns anos de forma mais ou menos satisfatória contribuíra para aumentar a ilusão. Com o colapso ocorrido fazia três dias, a ilusão fora desfeita, e agora não tinham nada a que se agarrar. Nada, exceto eu, pensou George, olhando para eles.
O ex-presidente do Columbus Group conhecia suas limitações. Sabia até que ponto compreendia o sistema e em que ponto essa compreensão terminava. Sabia que ninguém era capaz de controlar o sistema como um todo, e essa linha de pensamento o levou quase até onde precisava ir naquela noite escura em Nova York.
— Parece que não temos um líder. O que vai acontecer amanhã? — perguntou.
Todos os “cientistas de foguetes” evitaram encará-lo, baixando os olhos ou, em alguns casos, trocando olhares com os vizinhos. Apenas três dias antes, alguém teria pedido a palavra, oferecido uma opinião com um grau maior ou menor de otimismo. Agora era diferente, porque ninguém sabia o que fazer. Por isso, ninguém disse nada.
— Vocês têm um presidente. Ele lhes forneceu alguma orientação? — perguntou Winston em seguida.
Todos sacudiram a cabeça.
Como Winston esperava, foi Mark Gant que fez a pergunta seguinte.
— Senhoras e senhores, é a diretoria que escolhe nosso presidente e nosso diretor executivo, não é? Precisamos de um líder, e já.
— George, você está de volta? — perguntou outro homem.
— Ou estou de volta ou vocês estão presenciando uma experiência extracorpórea sem precedentes nesta empresa.
A piada era fraca mas suscitou alguns sorrisos, sinal de que o ambiente estava ficando menos carregado.
— Nesse caso, proponho que os cargos de presidente e diretor-executivo sejam considerados vagos.
— Apoiado.
— Vou colocar a proposta em votação — disse Mark Gant — Quem é a favor? Houve um coro de “sim”.
— Quem é contra? Silêncio.
A proposta foi aprovada. A presidência do Columbus Group está vaga. Alguém deseja propor mais alguma coisa? Gostaria de indicar George Winston para os cargos de presidente e diretor-executivo — disse outra voz.
— Apoiado.
— Quem é a favor? — perguntou Gant A proposta foi aprovada por unanimidade, com entusiasmo ainda maior do que a primeira.
— George, bem-vindo de volta ao Columbus Group.
Todos aplaudiram.
— Obrigado — disse Winston, levantando-se. O comentário seguinte foi inesperado: — Alguém precisa contar a Yamata. — Começou a andar de um lado para outro da sala. — Para começar, quero ver tudo que temos sobre as transações de sexta-feira. Para podermos consertar o estrago, precisamos saber o que aconteceu de errado. Vai ser uma longa semana, amigos, mas temos de proteger nossos clientes a qualquer custo.
Winston não sabia se ainda seria possível remediar a situação, mas o ponto de partida era investigar as causas do colapso. Sabia que se encontrava no limiar de uma revelação importante. Sentia a inquietação que dele se apossava sempre que estava prestes a conseguir todas as informações necessárias para tomar uma medida importante. Parte da sensação se devia ao instinto, algo que encarava com reservas até que pudesse se apoiar em fatos sólidos. Entretanto, havia outra coisa, e não sabia exatamente o quê.
Mas tinha de descobrir.
Até mesmo as boas notícias podiam ser desagradáveis. O general Arima estava passando um bom tempo na TV e parecia ter um talento natural para isso. A última notícia era de que qualquer cidadão que quisesse deixar Saipan teria direito a transporte aéreo gratuito até Tóquio, onde poderia comprar uma passagem para os Estados Unidos. O general acrescentou, pela milésima vez, que nada de importante mudara na vida dos habitantes da ilha.
— Uma ova! — rugiu Pete Burroughs para o rosto sorridente na tela.
— Simplesmente não acredito que isto esteja acontecendo — observou Oreza, outra vez de pé depois de cinco horas de sono.
— Pois eu, sim. Observe aquela colina a sudeste daqui.
Portuga cofiou a barba farta e olhou. A um quilômetro de distância, no alto de uma colina recém-desmatada para a construção de mais um hotel de turismo (não havia mais espaço perto das praias), cerca de oitenta homens estavam montando uma bateria de mísseis Patriot. Os painéis de radar já tinham sido levantados; enquanto ele observava, o primeiro de quatro containers foi transportado para o lugar.
— O que vamos fazer? — perguntou o engenheiro.
— Sou apenas um piloto de lancha, lembra-se?
— Você já usou uniforme, não é mesmo?
— Da Guarda Costeira — protestou Oreza. — Nunca matei ninguém. E aquele negócio... — apontou para a bateria de mísseis —, droga, você entende disso muito mais do que eu! São fabricados em Massachusetts. Pela Raytheon, se não me engano.
— Minha empresa faz alguns circuitos para eles. — Era só até onde chegava o conhecimento de Burroughs. — Parece que pretendem ficar aqui muito tempo, não é?
— Parece.
Oreza pegou o binóculo e olhou de novo pela janela. De onde estava, podia ver seis cruzamentos. Todos estavam sendo vigiados por grupos de dez homens, com uma mistura de Toyota Land Cruisers e alguns jipes.
Embora muitos estivessem usando pistolas na cintura, não havia fuzis à vista, como se não quisessem parecer uma tropa sul-americana dos velhos tempos. Todos os veículos que passavam (não viu ninguém ser parado) recebiam um aceno amistoso. Relações públicas, pensou Oreza. A velha RP.
— Eles estão muito bonzinhos — resmungou o primeiro-sargento.
Isso não seria possível se não estivessem extremamente confiantes. A equipe que estava montando aquela bateria de mísseis se comportava da mesma forma, pensou. Não pareciam ter pressa. Faziam o trabalho de forma ordeira, profissional, e isso era ótimo, mas quando se pretende usar uma arma, age-se com mais presteza. Havia uma diferença entre atividade em tempo de paz e atividade em tempo de guerra, por mais que se dissesse que o objetivo do treinamento era justamente acabar com essa diferença. Portuga voltou sua atenção para o cruzamento mais próximo. Os soldados que o guarneciam não pareciam nem um pouco nervosos. Agiam como soldados, mas não olhavam em torno com frequência, como se estivessem em território inimigo.
Poderia ter sido uma boa notícia. Nada de prisões em massa, como costumava acontecer quando um país era invadido. Nenhuma demonstração de força, além da mera presença dos soldados. Faziam o possível para que a população se esquecesse de sua presença ali, mas não havia como negar isso, pensou Oreza, com irritação. Estavam ali e pretendiam ficar.
Não achavam que fosse possível expulsá-los, e certamente ele, Oreza, não se encontrava em posição de fazê-los mudar de ideia.
— Certo, aqui estão as primeiras fotos — disse Jackson. — Não tivemos muito tempo para examiná-las, mas...
— Mas teremos agora — completou Ryan. — Sou registrado como Oficial da Inteligência Nacional, lembra-se?
— Estou autorizado a ver este material? — perguntou Adler.
— Agora, está. — Ryan acendeu a lâmpada de mesa, enquanto Robby abria sua maleta de executivo.
— Quando é a próxima passagem sobre o Japão? Deve estar acontecendo agora, mas na maioria das ilhas o céu está nublado.
— Estão procurando mísseis nucleares? — perguntou Adler.
O almirante Jackson se encarregou de responder.
— Pode apostar — disse, colocando sobre a mesa a primeira foto de Saipan.
Havia dois navios de transporte de automóveis no cais. O estacionamento próximo estava cheio de veículos militares, quase todos caminhões, dispostos em filas.
— O que acha? — perguntou Ryan.
— Uma divisão aumentada — respondeu o almirante. — Apontou com a caneta para um grupo de veículos. — Esta aqui é uma bateria de mísseis Patriot. Artilharia rebocada. Isto parece um grande radar de defesa aérea, que foi desmontado para transporte. Aqui existe uma colina de quase quatrocentos metros. Do alto, o horizonte visual pode chegar a oitenta quilômetros. — Outra foto. — Os aeroportos. Esses aqui são cinco caças F-15; se você observar com atenção, verá que pegamos dois F-3 no ar, preparando-se para pousar.
— F-3? — repetiu Adler.
— A versão de produção do FS-X — explicou Jackson. — Um avião razoavelmente moderno, mas na verdade um F-l 6 melhorado. Os Eagle são para defesa aérea. Este aqui é uma arma ofensiva.
— Precisamos de mais fotos — disse Ryan, em um tom de voz subitamente sério. De certa forma, as coisas agora eram reais. Realmente reais, como gostava de dizer; reais do ponto de vista metafísico. Não se tratava mais de acreditar em análises teóricas ou em relatórios verbais. Agora existiam provas fotográficas. O país estava em guerra e ponto final.
Jackson fez que sim com a cabeça.
— As fotografias que já temos ainda serão analisadas por profissionais, mas você está certo. Os satélites passam por lá quatro vezes por dia e se o tempo permitir vamos examinar cada centímetro quadrado daquela ilha, além de Tinian, Rota, Guam e todas as outras.
— Minha nossa, Robby, será que podemos com eles? — perguntou Jack.
A pergunta, embora colocada nos termos mais simples, tinha implicações que nenhum deles estava em condições de apreciar. O almirante Jackson levantou os olhos lentamente das fotografias e sua voz perdeu o rancor quando o soldado profissional entrou em cena.
— Anda é cedo para dizer. — Fez uma pausa e depois formulou outra pergunta. — Acha que devemos tentar?
— Também é cedo para dizer — respondeu o conselheiro de Segurança Nacional. — Robby?
— Sim, Jack?
— Só tentaremos se tivermos condições.
— Tem razão — concordou o almirante Jackson.
Passara a maior parte da noite acordado, ouvindo o outro roncar. O que há com este sujeito? perguntou-se Chavez, irritado. Como consegue dormir tão bem? Lá fora, o sol já estava alto no céu, e os ruídos da manhã de Tóquio invadiam as janelas e paredes, mas mesmo assim John continuava adormecido. Bem, pensou Ding, ele é mais velho do que eu e talvez esteja precisando do descanso. Foi então que aconteceu um fato insólito. O telefone começou a tocar. John logo abriu os olhos, mas Ding chegou primeiro.
— Tovarishi — disse uma voz. — Todo este tempo no país e não ligou para mim?
— Quem está falando? — perguntou Chavez. Por mais que tivesse estudado russo, ouvi-lo daquele jeito, naquelas circunstâncias, fazia a língua soar como se fosse marciano. Não foi difícil para ele falar em um tom sonolento; difícil foi evitar, um momento mais tarde, que os olhos saltassem das órbitas.
Uma risada alegre, que tinha de ser sincera, ecoou na linha.
— Yevgeniy Pavlovich, quem mais poderia ser? Faça a barba e venha tomar café comigo. Estou aqui embaixo.
Domingo Chavez sentiu o coração parar. Não fora uma interrupção de uma ou duas batidas; podia jurar que ele parara totalmente por vários segundos e depois voltara a funcionar a uma velocidade de dobra três.
— Vamos precisar de alguns minutos.
— Ivan Sergeyevich exagerou de novo na bebida, da?— perguntou a voz, com outra gargalhada. — Diga a ele que está ficando velho demais para essas coisas. Está bem, vou pedir um chá e esperar por vocês.
Os olhos de Clark primeiro se fixaram no parceiro e depois começaram a vagar pelo quarto em busca de perigos que tinham de estar presentes, pois nunca vira Ding tão pálido. John sabia que ele não se assustava facilmente, mas o que ouvira no telefone o deixara quase em pânico.
John se levantou e ligou a TV. Se havia algum perigo do lado de fora, era tarde demais. Não podiam fugir pela janela. O corredor podia estar cheio de guardas armados e a primeira coisa a fazer era ir ao banheiro.
Depois de dar a descarga, Clark olhou-se no espelho. Chavez entrou correndo.
— A pessoa que estava ao telefone me chamou de “Yevgeniy”. Está me esperando lá embaixo.
— Como era a voz dele? — perguntou Clark.
— Falava russo sem sotaque.
A água parou de correr no vaso e não puderam mais falar.
Que merda, pensou Clark, olhando para o espelho em busca de uma resposta mas encontrando apenas dois rostos muito confusos. O agente começou a lavar o rosto e examinar as possibilidades. Pense. Se fosse a polícia japonesa, eles teriam se dado ao trabalho de...? Não. Era pouco provável.
Todos consideravam os espiões uma classe perigosa, o que parecia ser um legado curioso dos filmes de James Bond. Na vida real, a probabilidade de um agente secreto iniciar um tiroteio era a mesma de criar asas e voar. Sua qualidade mais importante era a discrição, mas aparentemente ninguém sabia disso, de modo que se a polícia local os tivesse descoberto, então... então teria acordado com uma arma a milímetros do rosto. E isso não acontecera. Certo. Não estavam em perigo imediato. Provavelmente.
Chavez ficou olhando, surpreso, enquanto Clark lavava as mãos e o rosto, fazia a barba e escovava os dentes com toda a calma antes de sair do banheiro. Chegou a sorrir quando terminou, porque a expressão combinava com o tom da sua voz.
— Yevgeniy Pavlovich, precisamos parecer kulturny ao nosso amigo, não acha? Faz tantos meses que não nos vemos...
O talento para representar tinha uma importância tão grande para os agentes secretos quanto para os atores de teatro, já que, como no palco, nas atividades de espionagem as cenas não podiam ser refeitas. O major Boris Ilich Scherenko, vice-resident do RVS em Tóquio, fora acordado quatro horas antes por um telefonema aparentemente inócuo da embaixada.
Disfarçado de adido cultural, estivera cuidando recentemente dos detalhes de uma excursão ao Japão do Balé de São Petersburgo. Depois de trabalhar durante quinze anos como agente da diretoria da KGB, exercia agora a mesma função na filial japonesa. Seu trabalho agora era ainda mais importante, pensou Scherenko. Como a capacidade do país de reagir a ameaças externas tinha sido reduzida, ele precisava mais do que nunca de informações. Talvez fosse essa a razão para aquela loucura. Ou talvez o pessoal de Moscou tivesse perdido o juízo; não havia como saber. Pelo menos, o chá era bom.
Na embaixada havia uma mensagem em código à sua espera (isso, pelo menos, não mudara) com nomes e descrições detalhadas. Seria fácil identificá-los; muito mais do que compreender as instruções que recebera.
— Vanya! — exclamou Scherenko, levantando-se para apertar efusivamente a mão do homem mais velho, mas deixando de lado o beijo tradicional dos russos. Fazia isso em parte para não chocar os japoneses e em parte por medo de que o americano o esmurrasse. Loucura ou não, era um momento a ser saboreado. Aqueles dois eram agentes graduados da CIA, e seria divertido mexer com eles em público. — Faz tanto tempo! O mais moço, observou Scherenko, estava se esforçando ao máximo para esconder suas emoções, mas sem muito sucesso. A KGB/RVS nada sabia sobre ele. Entretanto, já ouvira falar de John Clark. Era apenas um nome e uma descrição sucinta que se aplicaria a um homem branco de qualquer nacionalidade. Um metro e oitenta e cinco a um metro e noventa centímetros de altura. Noventa quilos. Cabelos escuros. Em boa forma física. Scherenko acrescentou mentalmente: olhos azuis, um aperto de mão firme, bom controle dos nervos. Excelente controle dos nervos, pensou o major.
— É mesmo. Como vai a família, meu amigo? É um russo fluente, pensou Scherenko, notando o sotaque de São Petersburgo. Enquanto catalogava as características físicas do americano percebeu que dois pares de olhos, azuis e pretos, faziam a mesma coisa com ele.
— Natalia está sentindo sua falta. Venham! Estou faminto! — exclamou, conduzindo os outros para sua mesa de canto.
“CLARK, JOHN (?)”, era o rótulo da fina pasta em Moscou. Um nome tão impessoal, que os outros nomes falsos eram desconhecidos e talvez nem existissem. Agente do tipo paramilitar, que provavelmente participava de operações especiais. Mais de duas Estrelas de Inteligência por coragem e/ou eficiência em operações de espionagem. Servira por um curto período como agente de Segurança e Proteção, mas ninguém se dera ao trabalho de conseguir uma fotografia, pensou Scherenko. Típico. Olhando para Clark agora, o que viu foi um homem totalmente à vontade com o velho amigo que conhecera não fazia cinco minutos. Bem, sempre soubera que a CIA tinha bons agentes.
— Podemos conversar aqui — disse Scherenko, em tom mais baixo, continuando a falar em russo.
— É mesmo...?
— Scherenko, Boris Ilich, major, vice-resident — afirmou, apresentando-se, afinal. Depois, apontou para os americanos. — Você é John Clark... e você é Domingo Chavez.
— E este é um episódio da série Além da Imaginação — resmungou Ding.
— “Flores das ameixa desabrocham e mulheres bonitas compram xales novos na sala de um bordel.” Não é exatamente Pushkin, não acham? Nem mesmo Pasternak. Pequenos bárbaros arrogantes! Estava no Japão havia três anos. Chegara esperando encontrar um país interessante e agradável para fazer negócios, mas implicara com muitos aspectos da cultura japonesa, particularmente o modo como se consideravam superiores aos outros povos do mundo, algo particularmente ofensivo para um russo que pensava exatamente da mesma forma.
— Poderia nos explicar do que se trata, camarada major? — perguntou Clark.
Scherenko agora estava mais sério. O lado cômico do encontro ficara para trás. Não que os americanos o tivessem percebido.
— Uma americana chamada Maria Patricia Foleyeva ligou para o nosso chefe, Sergey Nikolayevich Golovko, pedindo ajuda. Sei que estão trabalhando com outro agente aqui em Tóquio, mas não conheço seu nome. Estou autorizado a informar-lhe, camarada Klerk, que sua esposa e filhas estão bem. Sua filha mais moça foi novamente uma das primeiras da turma e tem boa chance de ser aceita na escola de medicina. Se essas provas de minha boa-fé não o satisfizerem, infelizmente não disponho de outras. — O major observou que o homem mais jovem parecia satisfeito com alguma coisa mas era difícil saber o quê.
Bem, isso esclarece tudo, pensou John. Quase tudo.
— Boris, você realmente sabe atrair a atenção de um homem. Agora talvez possa nos dizer o que está acontecendo.
— Também não sabemos ao certo — começou Scherenko, fazendo um resumo da situação. Suas informações eram um pouco melhores do que as que Clark conseguira através de Chet Nomuri, mas ainda deixavam muitas perguntas sem resposta. A espionagem era sempre assim. Jamais se podia contar com uma visão global, e as partes que faltavam eram sempre as mais importantes.
— Como tem certeza de que podemos operar em segurança?
— Sabe que não posso...
— Boris Ilich, minha vida está em suas mãos. Sabe que tenho esposa e dois filhos. Minha vida é importante para mim e para eles — explicou John, calmamente, deixando o russo impressionado. Não era uma questão de medo. John se considerava um bom agente, e Scherenko lhe dera a mesma impressão. “Confiança” era um conceito que tinha que estar presente nas operações de espionagem mas não podia ser levado a extremos. Era preciso confiar nas pessoas, mas não se podia confiar totalmente nelas em uma atividade em que a dissimulação era um meio de vida.
— O disfarce de vocês está funcionando melhor do que esperavam. Os japoneses pensam que são russos. Graças a isso, não serão incomodados. Podemos garantir isso — afirmou o vice-rezident.
— Por quanto tempo? — perguntou Clark.
— Bom, fica sempre essa dúvida, não fica?
— Como vamos nos comunicar? — quis saber John.
— Fui informado de que necessitam de um circuito telefônico de alta qualidade. — Passou-lhes um cartão por baixo da mesa. — Toda a cidade de Tóquio agora está ligada por fibra óptica. Temos várias linhas semelhantes em Moscou. Neste momento, o equipamento especial de comunicações está sendo enviado. Ouvi dizer que é excelente. Gostaria de vê-lo — afirmou Boris, levantando uma sobrancelha.
— É apenas um circuito integrado, cara — afirmou Chavez. — Não dá para ver nada.
— Muito esperto — observou Scherenko.
— Acha que os japoneses estão falando sério? Parece que já transportaram três divisões para as Marianas. A marinha deles atacou a de vocês. — Scherenko contou o que sabia. — Devo informar que, de acordo com nossas estimativas, vocês encontrarão grandes dificuldades para recuperar as ilhas.
— Pode ser mais claro? — pediu Clark.
O russo deu de ombros, não sem uma certa simpatia.
— Moscou acha que não conseguirão retomá-las. O poder militar de vocês se tornou quase tão frágil quanto o nosso.
É por isso que os japoneses estão colocando as mangas de fora, pensou Clark. Era por isso também que tinha um novo amigo em território estrangeiro.
Repetira para Chavez, no dia em que se conheceram, uma frase de Henry Kissinger: “Mesmo os paranoicos têm inimigos.” As vezes imaginava por que os russos não imprimiam a frase nas suas notas, como o E pluribus unum dos americanos. A verdade era que tinham muitas histórias para confirmá-la. Os americanos, também.
— Prossiga.
— Temos espiões infiltrados nos órgãos de inteligência e também em alguns setores do exército, mas CARDO é uma rede comercial e deve ter obtido outro tipo de informações. Ainda não sei exatamente aonde os japoneses querem chegar. — Isso não era exatamente verdade, mas Scherenko estava separando o que sabia do que pensava e, como bom espião, limitando-se, por enquanto, às informações do primeiro tipo. — Nesse caso, nós dois temos muito trabalho pela frente.
Scherenko assentiu.
— Apareça na embaixada quando quiser.
— Avise quando o equipamento de comunicações chegar a Moscou.
Clark poderia ter continuado a conversa, mas decidiu encerrá-la. Não confiaria integralmente no russo até receber uma confirmação eletrônica.
Ironicamente, pensou, se Scherenko estivesse dizendo a verdade a respeito do grau de infiltração dos russos no governo japonês, poderia facilmente ter falsificado a própria identidade. Além disso, os velhos hábitos eram difíceis de abandonar, especialmente naquela profissão. O único consolo era que o interlocutor sabia que ele estava encarando toda aquela trama com reservas e parecia não se importar.
— Farei isso.
Não eram necessárias muitas pessoas para lotar a Sala Oval. O lugar mais importante no que Ryan esperava que ainda fosse o país mais poderoso do mundo era menor do que seu escritório que ocupara durante o breve retorno ao mundo dos negócios... e menor, na verdade, do que o seu escritório de esquina na ala ocidental no prédio, percebeu Jack pela primeira vez.
Estavam todos muito cansados. Um dos mais abatidos era Brett Hanson. Apenas Arnie van Damm parecia quase normal, mas isso não era vantagem, porque sempre dava a impressão de ter saído de uma farra. Buzz Fiedler parecia estar à beira de um colapso. O pior de todos, porém, era o secretário de Defesa. Fora o responsável pela supervisão dos cortes nas forças militares americanas, e que informara ao Congresso, quase toda semana, que a capacidade do país naquele setor era muito maior do que as necessidades. Ryan recordou seu depoimento na TV, os memorandos internos, as objeções quase desesperadas dos chefes militares, que não tinham chegado ao conhecimento do público. Não era difícil adivinhar o que o SecDef estava pensando agora. Aquele brilhante burocrata, tão confiante em sua visão e poder de análise, acabara de bater de frente em uma muralha chamada realidade.
— Vamos discutir o problema econômico — disse o presidente Durling, para alívio do SecDef.
— A parte mais difícil são os bancos. Eles não vão sossegar enquanto não consertarmos o problema da DTC. Quase todos estão envolvidos com o mercado acionário e não têm a menor ideia de quais são suas reservas. O público tentará resgatar as cotas dos fundos de investimentos mantidos por esses bancos. O Federal Reserve quer obrigá-los a honrar seus compromissos.
— Alegando o quê? — perguntou Jack.
— Alegando que dispõem de crédito ilimitado. Alegando que podem pedir emprestado quanto dinheiro quiserem.
— Isso é inflacionário — observou van Damm. — Pode ser perigoso.
— Não penso assim — protestou Ryan. — A curto prazo, a inflação é como um resfriado: pode ser tratada com aspirina e canja de galinha. O que aconteceu na sexta-feira é como um ataque cardíaco. E algo muito mais urgente. Se os bancos não funcionarem normalmente amanhã... Buzz tem razão, é a confiança do sistema que está em jogo.
Mais uma vez, Roger Durling pensou que fora uma sorte Ryan ter passado algum tempo trabalhando no setor financeiro.
— E os mercados de ações? — perguntou o presidente ao secretário do Tesouro.
— Estão fechados. Falei com os presidentes de todas as bolsas. Não haverá negócios até que todos os registros da DTC tenham sido refeitos.
— O que significa isso? — perguntou Hanson.
Ryan notou que o secretário de Defesa estava muito calado. Normalmente, era o primeiro a dar sua opinião. Em outras circunstâncias, teria dado graças a Deus pela nova atitude do colega.
— Ninguém é obrigado a negociar suas ações no pregão da NYSE — explicou Fiedler. — Se quiser, pode fazer isso no banheiro dos homens de um clube de campo.
— E é o que alguns vão fazer — acrescentou Ryan. — Não muitos, mas alguns.
— E as bolsas no exterior? — quis saber Durling. — Nossas ações são negociadas em muitos países.
— O movimento é muito pequeno, em comparação com o do país — respondeu Fiedler. — Além disso, as cotações são baseadas nas de Nova York. Sem elas, ninguém vai saber quanto valem as ações.
— Eles têm registros das cotações de sexta-feira, não têm? Sim, mas essas cotações estão sob suspeita, e ninguém aplica milhões com base em informações duvidosas. Na verdade, não é de todo mau que o problema da DTC tenha chegado ao conhecimento do público. Isso nos dá um motivo para manter tudo parado por um dia ou dois — afirmou Ryan.
— As pessoas podem entender o fato de que houve uma falha no sistema que precisa ser corrigida. Isso evitará que entrem em pânico. Quanto tempo vamos levar para reconstituir os registros?
— Eles ainda não sabem — admitiu Fiedler. — Provavelmente teremos de esperar até quarta-feira.
Ryan esfregou os olhos. Queria se levantar e andar um pouco, só para fazer o sangue circular, mas apenas o presidente podia fazer isso na Sala Oval.
— Tive uma conferência telefônica com os presidentes das bolsas. Estão chamando todo mundo para trabalhar, como em um dia normal. Eles têm ordens para proceder como se estivessem ocupados.
— Boa ideia, Buzz — disse o presidente. Ryan fez um sinal para o secretário do Tesouro com os polegares para cima.
— Temos de encontrar uma solução sem perda de tempo — prosseguiu Fiedler. — Jack provavelmente está certo. O pânico só vai começar na quarta-feira à tarde, mas a partir daí a situação fugirá de controle — concluiu, em tom sombrio. Na verdade, naquela noite a situação não parecia tão grave como na véspera. Pelo menos, tinham algum tempo para respirar.
— Próximo assunto — disse van Damm. — Ed Kealty vai renunciar discretamente. Pretende fazer um acordo com a Comissão de Justiça. Pelo menos deste problema estamos livres. Naturalmente, teremos de encontrar alguém para o cargo — acrescentou o chefe de gabinete, olhando para o presidente.
— Prefiro esperar — afirmou Durling. — Brett, fale sobre a Índia.
— O embaixador Williams tem ouvido alguns boatos preocupantes. A análise da Marinha provavelmente estava certa. Parece que os indianos pretendem invadir o Sri Lanka EM futuro próximo.
— Escolheram uma boa hora — ouviu Ryan, antes de falar.
— A Marinha está necessitando de instruções detalhadas. Temos uma força de combate de dois porta-aviões na região. Se houver um confronto direto, eles precisam saber o que estão autorizados a fazer.
Ryan teve de dizer isso por causa da promessa que fizera a Robby Jackson, mas não sabia qual seria a resposta. Aquela panela ainda não começara a ferver.
— Há muitos fatores em jogo. Vamos deixar essa resposta para mais tarde — disse o presidente. — Brett, peça a Dave Williams que se encontre com a primeira-ministra e deixe claro que os Estados Unidos não veem com bons olhos atos de agressão em qualquer parte do mundo. Nada de ameaças. Apenas uma declaração firme, e diga que espere até receber uma resposta.
— Há muito tempo que não falamos com eles neste tom — advertiu Hanson.
— Acho que está na hora de fazê-lo, Brett — observou Durling.
— Sim, senhor presidente.
E agora, pensou Ryan, aquilo que todos estamos esperando. Os olhos se voltaram para o secretário de Defesa. Ele falou mecanicamente, quase sem levantar os olhos das anotações.
— Os dois porta-aviões devem chegar de volta a Pearl Harbor na sexta-feira. Temos duas docas secas disponíveis, mas os reparos levarão vários meses. Como sabem, perdemos os dois submarinos. A esquadra japonesa está recuando na direção das Marianas. Não houve mais nenhum contato hostil entre as duas esquadras. Calculamos que cerca de três divisões foram transportadas de avião para as Marianas, uma para Saipan e boa parte das outras duas para Guam. Usaram pistas de pouso construídas e mantidas por nós... — Continuou no mesmo tom monótono, fornecendo detalhes que Ryan já conhecia e chegando a uma conclusão que o conselheiro de Segurança Nacional já temia.
Todos os recursos de que dispunham eram insuficientes. A Marinha dos Estados Unidos representava metade do que fora apenas dez anos antes. Eram capazes de transportar por mar apenas uma divisão de tropas de assalto. Apenas uma, e para isso teriam de fazer todos os navios da Esquadra do Atlântico passarem pelo canal do Panamá e convocar navios de outros oceanos do mundo. Necessitariam de apoio para desembarcar as tropas, mas a maioria das fragatas contava apenas com um canhão de três polegadas. Os contratorpedeiros e cruzadores tinham apenas dois canhões de cinco polegadas, um poder de fogo muito menor que o dos encouraçados e cruzadores usados para tomar as Marianas em 1944. Não havia nenhum porta-aviões disponível a curto prazo; os dois mais próximos estavam no oceano Índico e mesmo assim não poderiam enfrentar o poderio aéreo que os japoneses haviam instalado em Guam e Saipan, pensou Ryan, irritando-se pela primeira vez com a situação. Levara muito tempo para superar a incredulidade, pensou Jack consigo mesmo.
— Acho que não estamos em condições de retomar o arquipélago — concluiu o SecDef. Era uma avaliação que nenhum dos presentes se encontrava em condições de contestar. Estavam cansados demais para recriminações. O presidente Durling agradeceu a todos e se retirou para os aposentos particulares, para tentar dormir um pouco antes de enfrentar a imprensa na manhã seguinte.
Em vez de usar o elevador, subiu pela escada, pensativo, escoltado por agentes do Serviço Secreto. Era uma pena que seu mandato terminasse daquela forma. Embora jamais tivesse desejado a presidência, tentara fazer um bom trabalho e até que não estava se saindo mal antes das últimas crises.
28
TRANSMISSÕES
O 747 400 da United pousou no Aeroporto de Scheremetyevo, em Moscou, trinta minutos antes da hora prevista. O vento ainda soprava forte sobre o Atlântico. Um correio diplomático foi o primeiro a saltar, ajudado por uma aeromoça. Ao entrar no terminal, mostrou o passaporte diplomático a um empregado da alfândega, que o encaminhou a um funcionário da embaixada americana. O homem apertou-lhe a mão e levou-o para a saída.
— Venha comigo. Temos uma escolta para nos acompanhar até a cidade — disse o funcionário, sorrindo com o absurdo da situação.
— Não conheço você — protestou o correio, desconfiado.
Normalmente, sua identidade e sua mala diplomática eram invioláveis, mas tudo naquela viagem tinha sido fora do comum.
— Existe um laptop na sua bagagem. Está fechado com uma fita adesiva amarela. E a única coisa que você trouxe — afirmou o chefe da filial da CIA em Moscou. Era por isso que o correio não o conhecia. — O nome de código da sua viagem é ROLO COMPRESSOR.
— Está certo — concordou o correio, tranquilizando-se.
Um carro da embaixada esperava-os. Era um Lincoln de três bancos, que parecia ser o carro pessoal do embaixador. Em seguida apareceu um veículo de escolta que, depois que saíram do aeroporto, ligou uma luz rotativa, para apressar a viagem até a cidade. O correio considerou aquilo um grande erro. Teria sido melhor usarem um carro russo. Na verdade, tinha muitas perguntas não respondidas. Por que fora convocado em casa para levar um computador portátil até Moscou? Se era uma missão altamente secreta, como os russos sabiam? Se a missão era tão importante, porque tinham usado um voo comercial? Depois de trabalhar tantos anos no Departamento de Estado, sabia que era tolice questionar a lógica das operações do governo; a questão era que ainda conservava um certo idealismo.
O restante da viagem transcorreu sem incidentes. Foram direto para a embaixada, localizada no centro de Moscou, à margem do rio. Depois de entrarem no edifício, os dois homens dirigiram-se à sala de comunicações, onde o correio abriu a mala, entregou o conteúdo e foi para o hotel tomar um banho e dormir um pouco, certo de que suas perguntas jamais seriam respondidas.
O restante do trabalho foi executado pelos russos com notável presteza.
A linha telefônica para a Interfax levava por sua vez ao RVS e daí, por fibra óptica, até Vladivostok, onde uma linha semelhante, instalada pela Nippon Telephone &. Telegraph, conduzia à ilha japonesa de Honshu. O laptop dispunha de um modem interno, que foi conectado à linha recém-instalada.
Uma vez ligado o computador, não havia mais nada a fazer a não ser esperar.
Era uma e meia quando Ryan chegou em casa. Dispensara o motorista dos Serviços Gerais e deixara que o Agente Especial Robberton o levasse para casa. Mostrou ao agente do Serviço Secreto onde ficava o quarto de hóspedes antes de se dirigir ao seu quarto onde constatou, sem surpresa, que Cathy ainda estava acordada.
— Jack, o que está acontecendo?
— Você não tem que trabalhar amanhã? — replicou o marido, esquivando-se à pergunta.
Voltar para casa tinha sido uma necessidade. Mais do que tudo, precisava melhorar seu aspecto. A crise já era grave. Se os altos funcionários da Administração começassem a aparecer em público com as roupas amarrotadas e a barba por fazer, a imprensa não tardaria a tirar conclusões. Além do mais, era uma coisa que saltava aos olhos. O cidadão comum que visse a fita na TV a cabo ficaria logo sabendo que algo ia mal e oficiais preocupados levavam a soldados preocupados, uma lição que Ryan aprendera no Curso Básico para Agentes, em Quântico. Por isso, tivera de passar duas horas viajando de carro, tempo que aproveitaria melhor no sofá do escritório.
Cathy esfregou os olhos no escuro.
— Não tenho nada para fazer de manhã. A tarde, vou dar um seminário para alguns visitantes estrangeiros a respeito do novo sistema a laser.
— Visitantes de onde?
— Do Japão e Formosa. Estamos cedendo os direitos do sistema de calibração que desenvolvemos e... o que houve? — perguntou, quando o marido olhou para ela, surpreso.
Estou ficando paranoico, pensou Ryan. E uma simples coincidência, nada mais. Mesmo assim, saiu do quarto sem dizer mais nada. Quando chegou ao quarto de hóspedes, Robberton estava se despindo, o coldre com a arma pendurado na cabeceira da cama. A explicação levou apenas alguns segundos. Robberton pegou o telefone e digitou o número do centro de operações do Serviço Secreto, que ficava a apenas dois quarteirões da Casa Branca.
Ryan nem sabia que a esposa tinha um nome de código.
— A CIRURGIÃ — aquela escolha era óbvia, pensou Ryan — precisa de uma amiga amanhã... no Johns Hopkins... oh, sim, não há problema. Tchau. — Robberton desligou. — Andrea Price é uma funcionária muito competente. Solteira, esguia, cabelos castanhos. Acaba de se juntar a nós, depois de passar oito anos nas ruas. Trabalhei com o pai dela logo depois de entrar para o serviço. Obrigado pela informação.
— Vejo você por volta das seis e meia, Paul.
— Está bem.
Robberton deitou-se na cama, mostrando claramente que era capaz de dormir na hora que quisesse. Um talento útil, pensou Ryan.
— O que houve, afinal? — perguntou Caroline Ryan, quando o marido voltou para o quarto.
Jack sentou-se na beira da cama para explicar.
— Cathy, hum, amanhã no Hopkins vai haver alguém com você. O nome dela é Andrea Price. Trabalha no Serviço Secreto. Vai ficar com você o tempo todo.
— Por quê?
— Cathy, estamos com muitos problemas. Os japoneses atacaram nossos navios e ocuparam algumas ilhas. Mas você não deve...
— Eles fizeram o quê?
— Não deve contar a ninguém — prosseguiu o marido. — Entendeu? Não deve contar a ninguém, mas como vai se encontrar com alguns japoneses amanhã, e por causa da posição que ocupo, o Serviço Secreto quer que haja alguém com você o tempo todo, apenas para se certificar de que está tudo bem.
Havia mais. O Serviço Secreto estava com falta de pessoal e não tinha escrúpulos em pedir ajuda à polícia em caso de necessidade. A Polícia da Cidade de Baltimore, que normalmente zelava pela segurança do Johns Hopkins — o complexo do hospital ficava em um bairro não muito recomendável — provavelmente destacaria um detetive para acompanhar a Srta. Price.
— Jack, estamos correndo perigo? — perguntou Cathy, lembrando-se de tempos distantes e terrores distantes, como na época em que estava grávida do pequeno Jack e o Exército de Libertação do Ulster invadira sua casa.
Lembrou-se do alívio que sentira quando o último deles foi executado por assassinato, o que colocou um ponto final no episódio mais desagradável de toda a sua vida.
Jack, por sua vez, estava chegando à conclusão de que aquilo era mais uma coisa que não haviam se lembrado de levar em consideração. Se os Estados Unidos estavam em guerra e ele era o conselheiro de Segurança Nacional, isso o tornava automaticamente um alvo estratégico. Ele e a esposa. Os três filhos, também. Irracional? Todas as guerras não eram irracionais? — Acho que não — respondeu, depois de pensar por um momento. — Mesmo assim, talvez fosse melhor... bem... convidar alguém para passar uns dias conosco. Ainda não sei. Preciso pensar.
— Você disse que eles atacaram nossos navios?
— É verdade, meu bem, mas não deve...
— Isso significa que estamos em guerra, não é?
— Não sei, querida.
Ryan estava tão cansado que adormeceu trinta segundos depois de encostar a cabeça no travesseiro. Seu último pensamento consciente foi uma admissão de que sabia muito pouco do que precisava saber para responder às perguntas de Cathy, ou mesmo a suas próprias perguntas.
Ninguém estava dormindo no sul de Manhattan, pelo menos ninguém que os outros pudessem considerar importante. Ocorreu a mais de um executivo cansado observar que agora estavam realmente fazendo por merecer o dinheiro que ganhavam, mas na verdade estavam conseguindo muito pouco.
Orgulhosos executivos, todos eles, varriam com os olhos os escritórios de corretagem cheios de computadores cujo valor global era conhecido apenas pelo departamento de finanças e cuja utilidade no momento era praticamente nula. Logo os mercados europeus começariam a funcionar. O que fariam? Havia normalmente um plantão noturno encarregado de negociar as ações europeias e acompanhar os mercados do eurodólar, de commodities e de metais preciosos, além de todas as atividades econômicas a leste do Atlântico. Quase sempre, era como o prólogo de um livro, um preparativo para a ação, interessante mas não essencial, já que as transações importantes eram executadas em Nova York.
Naquele dia, porém, era diferente. Não havia como prever o que estava para acontecer; o centro das ações estava na Europa e todas as regras tinham sido suspensas momentaneamente. Os funcionários que operavam os computadores naquele turno eram considerados de segunda classe pelos que chegavam para trabalhar às oito da manhã, o que era ao mesmo tempo falso e injusto, mas em toda comunidade tinha de haver uma competição interna. Quando apareceram naquela hora tardia, os empregados notaram com surpresa a presença dos altos executivos e se sentiram ao mesmo tempo prestigiados e pouco à vontade. Ali estava a oportunidade para demonstrarem seu valor. Ali estava também a oportunidade de desgraçarem suas carreiras, ao vivo e em cores.
As coisas começaram a acontecer exatamente às quatro da manhã, hora de Nova York — Obrigações do Tesouro.
A expressão foi repetida simultaneamente em vinte línguas quando os bancos europeus, que ainda tinham em seu poder enormes quantidades de Obrigações do Tesouro dos Estados Unidos para se garantir contra flutuações das moedas europeias, de repente chegaram à conclusão de que era mais seguro se desfazer delas. Pareceu estranho a alguns que as notícias tivessem levado tanto tempo para chegar aos primos europeus na sexta-feira, mas era sempre assim, na verdade, e os movimentos iniciais, acompanhados atentamente por Nova York, foram relativamente tímidos. A razão logo se tornou evidente. Havia muitos vendedores, mas poucos compradores. Em consequência, os preços despencaram tão depressa quanto a confiança dos europeus no dólar.
— Isto é um roubo! O que podemos fazer? Essa pergunta também foi feita em mais de um lugar, mas a resposta era sempre a mesma: — Nada.
A palavra era pronunciada em tom de irritação, geralmente seguida por uma expressão como europeus filhos da puta ou coisa mais elaborada, dependendo dos pendores literários do executivo em questão. Estava havendo de novo uma corrida para vender dólares, e a maior arma de que os Estados Unidos dispunham para combatê-la estava fora de ação, graças a um programa de computador em que todos confiavam. Os sinais de É Proibido Fumar em vários escritórios foram ignorados. Afinal, não precisavam se preocupar com o efeito da fumaça sobre os equipamentos, já que os computadores estavam todos desligados. Era um bom dia para fazer a manutenção dos sistemas, observou ironicamente um dos executivos.
Felizmente nem todos pensavam da mesma forma.
— Certo, então foi aqui que tudo começou, hein? — comentou George Winston.
Mark Gant fez o dedo deslizar sobre a tela do monitor.
— Banco da China, Banco de Hong Kong, Banco Imperial de Cathay. Eles compraram essas obrigações há quatro meses, para se precaver contra as flutuações do iene, ao que parece com muito sucesso. Na sexta-feira, venderam tudo e compraram um monte de ienes. Depois do que aconteceu aqui, tiveram um lucro de vinte e dois por cento na transação. Eles tinham sido os primeiros, e por serem os primeiros, tinham ganhado muito dinheiro. Era um sucesso que merecia ser comemorado com mais do que alguns jantares de luxo em Hong Kong, uma cidade bem apropriada para a comemoração.
— Acha que foi por acaso? — perguntou a Gant, abafando um bocejo.
O executivo deu de ombros. Estava cansado, mas o fato de estar ao lado do antigo chefe emprestava-lhe novas energias.
— Por acaso uma ova! Foi uma manobra brilhante. Ou tiveram informações de fora ou alguém teve um palpite e deu sorte.
Sorte, pensou Winston. A sorte era uma coisa real, algo que qualquer corretor veterano acabava por admitir depois de alguns drinques, geralmente dois ou três, o número necessário para acabar com aquela história de ”esperteza”. Muitas vezes, eles agiam com base em um mero palpite.
Quando tinham sorte, ganhavam dinheiro; quando não tinham, partiam para outra.
— Prossiga — disse Winston.
— Logo depois, outros bancos começaram a fazer o mesmo.
O Columbus Group tinha alguns dos computadores mais sofisticados de Wall Street, capazes de rastrear os negócios realizados com qualquer ação ou grupo de ações, e Gant era o protótipo do especialista em computadores.
Passaram a acompanhar a venda de Obrigações do Tesouro por outros bancos asiáticos. Curiosamente, os bancos japoneses levaram mais tempo para acompanhar a tendência do que seria de esperar. Não era nenhuma desgraça ficar um pouco atrás de Hong Kong. Os chineses eram muito bons naquele tipo de negócio, especialmente os que tinham sido treinados pelos ingleses, os inventores do moderno sistema financeiro. Entretanto, em geral os japoneses eram mais ágeis que os tailandeses, pensou Winston.
Era o instinto de novo em ação, apenas a intuição de um homem que conhecia de perto o mercado.
— Verifique a cotação do iene, Mark.
Gant digitou um comando, e a valorização rápida do iene ficou óbvia. Tão óbvia, na verdade, que não precisavam nem acompanhá-la no computador.
— Foi isso que você pediu? Winston recostou-se na cadeira, sem tirar os olhos da tela.
— Mostre-me o que o Banco da China fez quando vendeu as obrigações.
— Ora, eles venderam tudo para o mercado de eurodólares e usaram o dinheiro para comprar ienes. Era a coisa mais sensata que eles...
— Sim, mas observe de quem compraram os ienes — sugeriu Winston.
— E o que pagaram por eles... — murmurou Gant, olhando para o patrão.
— Sabe por que sempre fui honesto, Mark? Sabe por que nunca saí da linha, nem mesmo uma única vez, nem mesmo quando tinha uma informação absolutamente segura? — perguntou George. Havia mais de uma razão, é claro, mas para que complicar as coisas? Encostou o indicador na tela, deixando no vidro uma impressão digital. O simbolismo quase o fez rir. — Foi por isso! Isso não quer dizer absolutamente nada. Os japoneses sabiam que podiam forçar um pouco a barra e...
Winston percebeu que Gant ainda não entendera. Precisava colocar a coisa em termos mais simples.
— Observe a tendência, Mark. Observe a tendência.
Que filhos da mãe, pensou consigo mesmo, dirigindo-se ao banheiro.
Mas a tendência é minha amiga. Depois pensou outra coisa: Vocês se danaram com meu mercado financeiro.
Não era um grande consolo. Agora sabia que vendera o negócio a um predador, mas o estrago já estava feito. Os investidores confiavam nele e traíra essa confiança. Enquanto lavava as mãos, olhou para o espelho acima da pia e viu os olhos de um homem que abandonara o posto, os olhos de um desertor.
Mas agora estou de volta e tenho muito trabalho a fazer.
O Pasadena finalmente deixara o cais, mais de vergonha do que por qualquer outro motivo, pensou Jones. Escutara a conversa que Bart Mancuso mantivera ao telefone com o CINCPAC, explicando que o submarino estava carregado de armas e tão cheio de comida, que os corredores estavam totalmente tomados por caixas de enlatados, o suficiente para sessenta dias ou mais no mar. Aquilo era sinal dos tempos, pensou Jones, lembrando-se das mordomias de que desfrutara em missões mais demoradas. De modo que o USS Pasadena, na Marinha dos Estados Unidos, estava agora no mar, rumando para oeste a cerca de vinte nós, usando um hélice silencioso, ao que tudo indicava, e não um hélice de velocidade. Se não fosse assim, provavelmente já o teria detectado no sonar. O submarino acabara de passar a menos de quinze milhas náuticas de uma unidade do SOSUS, uma das novas, capazes de captar as batidas do coração de um feto de baleia. O Pasadena ainda não recebera suas ordens, mas estaria no lugar certo quando elas fossem transmitidas, com a tripulação treinada, em boa forma física e adaptada às condições do mar. Isso representava alguma coisa.
Parte dele queria muito estar lá, mas essa parte pertencia ao passado.
— Não vejo nada, senhor.
Jones piscou os olhos e olhou para o gráfico impresso que estavam examinando.
— Você precisa prestar atenção a pequenos detalhes — disse Jones.
Apenas um fuzileiro com uma pistola carregada o tiraria do SOSUS naquele momento. Deixara isso bem claro para o almirante Mancuso, que por sua vez deixara isso claro para os outros. Tinham discutido rapidamente a possibilidade de reconvocar Jones para uma missão especial, talvez no posto de comandante, mas o próprio Ron rejeitara a ideia. Deixara a Marinha como Operador de Sonar de Primeira Classe e não pretendia tornar-se oficial depois de velho. Além de tudo, não se sentiria bem com os suboficiais que realmente faziam o trabalho e o consideravam como um igual.
O técnico oceanográfico de segunda classe Mike Boomer fora designado assistente pessoal de Jones. O rapaz era esperto e tinha futuro, pensou o Dr. Jones, apesar de ter sido forçado a abandonar o trabalho nos P-3 por causa de um enjoo crônico.
— Todos esses sujeitos estão usando sistemas Pairie-Masker quando começam a usar os respiradouros, lembra-se? A chuva na superfície da água produz um sinal na linha de mil hertz. O que nós fazemos é procurar sinais de chuva — Jones mostrou uma fotografia meteorológica que estava sobre a mesa — quando não está chovendo. Depois, procuramos sinais em sessenta hertz, sinais fracos, de curta duração, que normalmente seriam ignorados, mas que coincidam em localização com os sinais de chuva. Eles usam motores e geradores de sessenta hertz, certo? Em seguida, procuramos transitórios, pontinhos que parecem ruído de fundo, também nas proximidades da chuva. Como este aqui.
Marcou a folha com uma caneta vermelha e olhou para o chefe do sonar, que olhava para ele do outro lado da mesa como se fosse um deus.
— Ouvi falar do senhor quando estava operando o Ref-Tra em Dam Neck. Pensei que fossem histórias do mar.
— Tem um cigarro? — perguntou o único civil presente. O chefe do sonar passou-lhe um. Os sinais de NÃO FUME tinham desaparecido, e havia cinzeiros espalhados pela sala. O SOSUS estava envolvido em uma guerra; em breve, o restante da Esquadra do Pacífico entraria no mesmo clima. Agora estou me sentindo em casa, pensou Jones. —Você sabe a diferença entre uma história do mar e um conto de fadas, não sabe?
— Qual é a diferença? — perguntou Boomer.
— Os contos de fadas começam com “Era uma vez...” — começou Jones, com um sorriso, marcando na folha outro sinal de 60Hz.
... e as histórias do mar começam com “sem sacanagem” — concluiu o chefe do sonar. Piadas à parte, o cara era tão bom quanto diziam. — Acho que já temos o suficiente para fazer uma avaliação, Dr. Jones.
— Acho que é um submarino inimigo, sargento.
— Pena que não podemos ir atrás dele.
Ron concordou lentamente com a cabeça.
— Eu também, mas agora sabemos que é possível detectar os filhos da mãe. Mesmo assim, os P-3 terão muito trabalho para localizá-los. E inegável que são embarcações de primeira.
Não havia razão para se sentirem muito confiantes. Tudo que o SOSUS fazia era determinar direções no oceano. Se mais de um hidrofone recebesse sinais da mesma fonte, poderiam fazer uma rápida triangulação, mas o resultado final seriam círculos e não pontos, e esses círculos podiam ter até trinta quilômetros de diâmetro. Era uma questão de física. Os sons que podiam ser captados com facilidade a grandes distâncias eram os de baixa frequência, enquanto que, como para qualquer tipo de onda, os que permitiam maior resolução eram os de alta frequência.
— Pelo menos, sabemos onde procurá-lo da próxima vez que usar o respiradouro. Vou ligar para Operações da Esquadra e avisar que não há ninguém perto dos porta-aviões. Aqui, aqui e aqui, grupos de superfície. — Fez algumas marcas no papel. — Também rumando para oeste com boa velocidade, sem fazer muita questão de esconder o fato. Todos os rastros são divergentes. Estão desfazendo a formação. Não pretendem nos atacar de novo.
— Talvez isso seja um bom sinal.
Jones apagou o cigarro.
— É verdade, sargento, talvez seja um bom sinal. Espero que os comandantes saibam o que fazer com essa informação.
O curioso foi que as coisas na verdade tinham-se acalmado. Na manhã de segunda-feira, as notícias na TV a respeito da crise de Wall Street foram clinicamente precisas e as análises surpreendentemente sofisticadas, melhores, talvez, que as dos canais americanos, pensou Clark, com professores de economia narrando o jogo e um banqueiro experiente se encarregando dos comentários. Talvez os Estados Unidos fossem forçados a reformular sua posição diante do Japão, dizia o editorial de um jornal. Não era evidente que os países precisavam um do outro, em especial agora, e que um Japão fortalecido atenderia aos interesses americanos? Ao primeiro-ministro Goto eram atribuídas palavras conciliatórias, embora não diante das câmaras, em uma linguagem que não costumava usar e que por isso mesmo receberam grande publicidade.
— Maldito Além da Imaginação — murmurou Chavez em um momento de silêncio, abandonando temporariamente seu disfarce. Que droga, pensou, agora estavam sendo controlados pelos russos. Que diferença fazia? — Em russo — advertiu o chefe, em tom tolerante.
— Da, tovarisch — foi a resposta irritada. — Gostaria de saber o que está acontecendo. Estamos ou não em guerra?
— É difícil dizer—respondeu Clark, em inglês. Estou ficando descuidado, também, pensou.
Havia outros gaijin de volta às ruas, quase todos com jeito de americanos. Os olhares que despertavam tinham voltado à mistura habitual de desconfiança e curiosidade; a hostilidade demonstrada na última semana parecia ter diminuído de forma considerável.
— O que vamos fazer?
— Experimentar o número da Interfax que eles nos deram.
Clark já havia digitado um relatório completo. Era a única coisa que tinha para fazer, além de manter seus contatos ativos e procurar informações. Provavelmente Washington já sabia de tudo que estava no relatório, pensou, no caminho de volta para o hotel. Quando se dirigiram para o elevador, o recepcionista sorriu e fez uma reverência um pouco mais caprichada do que de costume. Dois minutos depois, estavam no quarto.
Clark pegou o laptop, ligou o fio do telefone no conector apropriado e ligou o computador. Mais um minuto e o modem estava discando o número que lhe haviam passado durante o café da manhã, que supostamente o colocaria em contato com Moscou através do mar do Japão e de toda a Sibéria. Ouviu o ruído eletrônico de um telefone chamando e esperou que a ligação fosse completada.
O chefe da filial já superara a aflição associada ao fato de haver um agente russo na sala de comunicações da embaixada mas ainda não chegara ao ponto de encarar a situação com naturalidade. O ruído do computador assustou-o.
— É um método muito interessante — observou o russo.
— Obrigado.
Qualquer um que já tivesse usado um modem poderia reconhecer o som, um ruído de água corrente ou talvez de uma lixa, na verdade apenas o chiado digital produzido por dois aparelhos eletrônicos tentando se sincronizar para trocar informações. As vezes o processo era quase instantâneo; às vezes, levava quase dez segundos. Naquele caso, levou pouco mais de um segundo; o chiado que veio a seguir foi produzido pelo sinal codificado correspondente a 19.200 caracteres por segundo atravessando a linha de fibra óptica, primeiro em um sentido, depois no outro. Quando a segunda transmissão terminou, os dois sistemas estavam formalmente interligados, e o operador do outro lado enviou um artigo de jornal. Só para garantir, os russos publicariam o artigo no dia seguinte em dois jornais, em ambos os casos na página 3. Não queriam chamar a atenção sem necessidade.
Foi então que chegou a parte mais difícil para o chefe da filial da CIA.
No momento apropriado, imprimiu duas cópias do mesmo relatório, uma das quais foi entregue ao agente do RVS. Será que Mary Pat está perdendo o juízo?
— O russo dele é muito literário, quase clássico. Quem lhe ensinou minha língua?
— Sinceramente, não sei — mentiu o chefe da filial. O pior era que o russo tinha toda razão. Sua resposta o fez franzir a testa.
— Quer que eu ajude na tradução?
— Que merda!
Ele sorriu.
— Claro, por que não?
— Ryan.
Cinco horas de sono, resmungou Jack, pegando o telefone seguro. Pelo menos, não tinha de dirigir.
— Aqui é Mary Pat. Temos uma novidade. Estará na sua mesa quando chegar.
— Boas notícias?
— É um começo — declarou a moça.
Estava sendo deliberadamente lacônica. Ninguém confiava nos radiofones, mesmo quando transmitiam em código.
— Olá, Dra. Ryan. Sou Andrea Price. — A agente já estava usando um guarda-pó e um crachá na lapela com seu retrato. — Meu tio é médico. Clínico geral em Wisconsin. Acho que gostaria de me ver assim — acrescentou, com um sorriso.
— Tenho algum motivo para me preocupar?
— Acho que não — afirmou a agente Price, ainda sorrindo. Sabia que as pessoas a serem protegidas não gostavam de ver os protetores preocupados.
— E meus filhos? — Colocamos dois agentes em frente à escola e mais um na casa ao lado da creche do neném — explicou a agente. — Não se preocupe. Eles nos pagam para ser paranoicos e quase sempre exageramos nas precauções, mas é como na sua profissão. E melhor pecar por excesso do que por falta, certo?
— E meus visitantes? — perguntou Cathy.
— Posso dar uma sugestão?
— Claro.
— Ofereça a eles guarda-pós do Hopkins como lembrança. Posso observá-los enquanto trocam de roupa.
Era uma tática inteligente, pensou Cathy.
— Você está armada?
— Sempre ando armada — confirmou Andrea Price. — Mas nunca tive de usar meu revólver nem tirá-lo do coldre. Pense em mim como uma mosca na parede.
Parece mais um falcão, pensou Cathy, mas pelo menos um falcão de boa paz.
— O que vamos fazer, John? — perguntou Chavez, em inglês.
O chuveiro estava ligado. Ding estava sentado no chão e John, no vaso sanitário.
— Já vimos como eles são, não vimos? — observou o agente mais velho.
— Claro, naquela maldita fábrica! Agora só precisamos descobrir para onde foram levados.
Kelly achou sua sugestão bastante razoável. Tinham apenas que averiguar onde estavam os mísseis e se realmente dispunham de ogivas nucleares, nada mais do que isso. Sabiam que se tratava de mísseis SS-19 adaptados e que haviam deixado a fábrica por via férrea. Naturalmente, o país tinha mais de vinte e oito mil quilômetros de trilhos; por isso, era melhor deixarem para o dia seguinte. Em certas ocasiões os espiões preferiam adotar o horário bancário, e essa era uma delas. Decidiu tomar um bom banho antes de ir para a cama. Ainda não sabia o que fazer, mas preocupar-se com isso até a morte não adiantaria de nada e aprendera havia muito tempo que pensava melhor depois de uma boa noite de sono. Uma vez ou outra, também, tinha uma boa ideia quando estava debaixo do chuveiro. Mais cedo ou mais tarde, Ding aprenderia aqueles truques, pensou, vendo a expressão de desânimo do rosto do rapaz.
— Olá, Betsy — disse Jack à moça que estava à sua espera na antessala do escritório. — Levantou cedo hoje. Quem é seu amigo?
— Meu nome é Chris Scott — disse o rapaz que estava com ela. — Betsy e eu trabalhamos juntos.
Jack convidou-os com um gesto a entrar no escritório e foi direto até o aparelho de fax para ver se Mary Pat transmitira a informação enviada por Clark e Chavez. Verificou que a mensagem chegara e decidiu que podia esperar. Conhecia Betsy Fleming do tempo da CIA como uma autodidata especialista em armas estratégicas. Imaginou que Chris Scott fosse um dos garotos recrutados nas universidades com um diploma nos assuntos que Betsy aprendera da maneira mais difícil. Pelo menos era humilde, dizendo que trabalhava com Betsy. Ryan fizera o mesmo, no passado, quando estava envolvido nas negociações de desarmamento.
— Certo, o que nós temos?
— Aqui está o que eles chamam de foguete de lançamento H-l 1 — disse Scott, abrindo a pasta e tirando algumas fotos.
Ryan observou imediatamente que eram fotografias de excelente qualidade, tiradas de perto com filme de verdade, e não do tipo eletrônico, obtidas através de um buraco no bolso de alguém. Reconheceu sem dificuldade um velho amigo que julgara morto e enterrado fazia apenas uma semana.
— Claro que é um SS-19, mas ficou bem mais bonito deste jeito. — Outra foto mostrava uma fila deles na linha de montagem. Jack contou-os e fez uma careta. — O que mais preciso saber?
— Aqui — apontou Betsy. — Observe a extremidade.
— Parece normal — comentou Ryan.
— Aí é que está. A montagem do nariz é a normal — afirmou Scott. — Normal para sustentar uma ogiva nuclear, não um satélite de comunicações.
— Já mencionamos este fato há algum tempo, mas ninguém nos deu atenção — acrescentou o técnico. — O restante do foguete foi totalmente remodelado. Temos estimativas das melhoras introduzidas.
— Quais são?
— Podem transportar seis ou sete MIRV cada um e têm um alcance de pouco mais de dez mil quilômetros — respondeu a Sra. Fleming.
— É muita coisa. O míssil já foi testado? — perguntou o conselheiro de Segurança Nacional.
— Não sabemos. Temos alguns dados dos voos de teste do foguete de lançamento, captados por uma das nossas estações de rastreamento no Pacífico com o auxílio da Bola Âmbar, mas são muito imprecisos — explicou Scott.
— Quantos mísseis existem, no total?
— Vinte e cinco, pelo menos. Desses, três foram usados em voos de teste e dois estão na base de lançamento, recebendo suas cargas. Restam vinte.
— Que cargas? — perguntou Ryan, de forma impulsiva.
O pessoal da NASA acha que são satélites espiões, capazes de tirar fotos e transmiti-las em tempo real. Provavelmente estão certos — acrescentou Betsy, em tom ameaçador.
Então eles decidiram entrar no negócio da espionagem via satélite.
— Isso faz sentido, não é? — Ryan fez algumas anotações. — Muito bem, na pior das hipóteses teremos de enfrentar vinte mísseis com sete MIRV cada um, ou seja, um total de cento e quarenta artefatos nucleares, certo?
— Certo, Dr. Ryan.
Os dois eram suficientemente tarimbados para não se deixarem impressionar pelo perigo. O Japão tinha a capacidade teórica de arrasar cento e quarenta cidades americanas. É claro que os Estados Unidos poderiam reconstituir logo sua capacidade de reduzir o Japão a cinzas, mas isso não seria um grande consolo, seria? Quarenta e tantos anos desse jogo tinham terminado há apenas sete dias, e agora estava começando tudo de novo, pensou Ryan. Não era maravilhoso?
— Sabe quem tirou essas fotografias?
— Jack, você sabe que eu nunca pergunto. Uma coisa é certa: foram feitas abertamente. A gente pode ver pela qualidade das fotos. Não foram tiradas com uma Minox. Aposto que foi alguém disfarçado de repórter. Não se preocupe; não vou contar a ninguém — prometeu Betsy, com um sorriso malicioso. Estava na profissão por tempo suficiente para conhecer todos os truques.
— São evidentemente fotos de alta qualidade — prosseguiu Chris Scott, imaginando como Betsy tinha coragem de chamar aquele homem pelo primeiro nome. — Filme de baixa velocidade e alta resolução, como o que os repórteres gostam de usar. Eles também deixaram os engenheiros da NASA entrar na fábrica. Queriam que soubéssemos.
— Isso é óbvio — concordou a Sra. Fleming.
E os russos também, lembrou-se Ryan. Por que eles?
— Mais alguma coisa?
— Sim, isto aqui. — Scott passou-lhe algumas fotos onde apareciam dois vagões ferroviários, um deles com um guindaste. — Eles evidentemente pretendem transportar os mísseis de trem e não de caminhão. Pedi a um especialista que analise o vagão. Parece que a bitola é padrão.
— Como assim? — perguntou Ryan.
Estou falando da distância entre os trilhos. A bitola padrão é que usamos neste país e que é usada em quase todo o mundo. No Japão, quase todas as estradas de ferro usam bitola estreita. Não sei por que não copiaram os caminhões de transporte usados pelos russos — observou Scott. — Talvez as estradas do Japão sejam excessivamente estreitas ou eles simplesmente prefiram o transporte ferroviário. Existe uma linha de bitola padrão deste ponto até Yoshinobu. Fiquei um pouco surpreso com os equipamentos. Os suportes no vagão parecem corresponder às dimensões do casulo de transporte que os russos desenvolveram para o míssil. Assim, parece que eles copiaram todo o sistema, exceto o caminhão. Isso é tudo que temos, senhor.
— O que pretendem fazer agora?
— Vamos nos reunir do outro lado do rio com o pessoal do NRO — respondeu Chris Scott.
— Ótimo — disse Ryan. Apontou para os dois. — Digam a eles que a coisa é séria. Esses mísseis devem ser localizados sem perda de tempo.
— Sabe que eles vão se esforçar ao máximo, Jack. Os japoneses podem ter nos feito um favor quando colocaram essas coisas sobre trilhos — afirmou Betsy Fleming, levantando-se.
Jack organizou as fotografias e pediu outro conjunto completo antes de se despedir dos visitantes. Em seguida, consultou o relógio e ligou para Moscou. Ryan imaginou que Sergey devia estar fazendo hora extra, também.
— Por que vocês foram vender a eles o projeto do SS-19? — perguntou, sem rodeios.
A resposta foi igualmente direta. Provavelmente Golovko também estava dormindo menos do que deveria.
— Por causa do dinheiro, é claro. Pela mesma razão pela qual vocês venderam a eles o projeto do Aegis, do F-15 e de todos...
Ryan fez uma careta. O outro tinha toda razão.
— Obrigado, amigo. Eu mereci ouvir isso. Calculamos que eles dispõem de vinte mísseis.
— Pode ser. Ainda não conseguimos visitar a fábrica.
— Nós conseguimos — informou Ryan.
— Quer ver as fotos? É claro, Ivan Emmetovich.
— Estarão na sua mesa amanhã de manhã — prometeu Jack. — Já temos nossa estimativa. Gostaria de saber o que vocês pensam. — Fez uma pausa antes de prosseguir. — Estamos calculando um total de sete MIRV por veículo, o que daria um total de cento e quarenta.
— O suficiente para nossos dois países — observou Golovko. — Lembra-se de quando nos conhecemos? Estávamos empenhados em acabar com essas porras.
Ouviu Ryan bufar do outro lado da linha, mas não podia saber o que o americano estava pensando.
Lembro-me muito bem da primeira vez que cheguei perto dessas coisas. Foi a bordo do submarino russo Outubro Vermelho. Senti um arrepio na pele como se estivesse na presença de Lúcifer em pessoa. Ryan jamais tivera a menor afeição por armas balísticas. Oh, claro, tinham contribuído para manter a paz durante os últimos quarenta anos. Talvez apenas o medo dos mísseis nucleares tivesse impedido os líderes mundiais de tomar as mesmas decisões irrefletidas que os chefes de estado vinham tomando durante toda a história da humanidade. Por outro lado, podia ser também que fosse apenas uma questão de sorte.
— Jack, a situação está ficando séria — afirmou Golovko. — A propósito: nosso agente se encontrou com os agentes de vocês. Teve boa impressão deles. E obrigado pela cópia do relatório que eles lhe mandaram. Continha alguns fatos novos para nós. Não eram essenciais, mas mesmo assim eram interessantes. Eles foram instruídos para procurar aqueles foguetes?
— Foram, sim — confirmou Ryan.
— Os nossos agentes receberam a mesma missão, Ivan Emmetovich.
— Não se preocupe; vamos encontrá-los — Golovko se deu ao trabalho de acrescentar.
O russo tinha de estar pensando a mesma coisa: os mísseis não tinham sido usados pelos Estados Unidos e pela Rússia porque o outro lado certamente retaliaria. Agora, porém, apenas um país possuía mísseis nucleares... Essa foi a razão da pergunta seguinte de Ryan: — O que vamos fazer quando os encontrarmos?
— Como vocês americanos gostam de dizer, uma coisa de cada vez, meu amigo.
Era só o que faltava... um russo tentando me animar!
— Obrigado, Sergey Nikolayevich. Acho que mereci ouvir isso.
— Por que vendemos as ações do Citibank? — perguntou George Winston.
— Ele nos disse para tomar cuidado com bancos que fossem vulneráveis a flutuações da taxa de câmbio — explicou Gant — E estava certo. Saímos bem a tempo, como pode ver. — O operador digitou uma instrução no teclado do terminal e foi recompensado com um gráfico do comportamento das ações do First National City Bank na sexta-feira anterior. As ações tinham sofrido uma queda violenta, especialmente depois que o Columbus, que vinha adquirindo a ação em grandes quantidades durante as últimas cinco semanas, começara a vendê-la, abalando a confiança dos outros acionistas. — Na verdade, o que fizemos foi obedecer a um sinal de alerta do nosso programa...
— Mark, as ações do Citibank estão entre as ações de referência do modelo, não estão? — perguntou Winston, calmamente. Àquela altura, não adiantava se irritar com o subordinado.
Foi nesse momento que uma luz brilhou nos olhos de Winston. Poucas pessoas sabiam como os “sistemas especialistas” acompanhavam o desempenho do mercado. Esses programas operavam de várias formas interativas, observando o mercado como um todo mas prestando mais atenção a certas ações de referência, consideradas como boas indicadoras das tendências gerais do mercado. As ações escolhidas para esse papel eram aquelas que a longo prazo tinham se mantido relativamente estáveis, subindo e descendo mais lentamente do que as ações mais especulativas. Havia uma razão para essa escolha, mas ela se baseava em uma premissa totalmente falsa. Embora o mercado flutuasse todo dia, mesmo nas circunstâncias mais favoráveis, a ideia não era conseguir lucros rápidos com ações que se valorizassem da noite para o dia, mas investir em ações seguras (não que houvesse ações totalmente seguras, como ficara provado na sexta-feira anterior), que se mantivessem estáveis nos tempos de crise. Essa era a razão para tomar como referência das ações que constituíam um porto seguro. A premissa falsa era a de que os dados possuem memória. As ações de referência eram estáveis porque as empresas que representavam tinham sido bem administradas no passado. Entretanto, a direção de uma empresa podia mudar. Não eram as ações que eram confiáveis, e sim a diretoria da empresa, cuja competência, além do mais, deveria ser reavaliada periodicamente. Apesar de tudo isso, o preço dessas ações era usado para avaliar as tendências. Ora, uma tendência era uma tendência apenas porque as pessoas acreditavam nela, tornando-a verdadeira. Winston encarava as ações de referência apenas como uma forma de prever o que as pessoas fariam no futuro próximo; para ele, as tendências eram sempre psicológicas, indicadores da forma como as pessoas estavam encarando um modelo artificial e não do desempenho do próprio modelo. Gant e outros operadores, agora percebia, tinham uma visão muito menos crítica das ações de referência.
Ao vender ações do Citibank, o Columbus fizera disparar um alarma no seu próprio programa de computador. Até mesmo um técnico inteligente como Mark se esquecera de que o Citibank fazia parte do maldito modelo! — Mostre-me as ações de outros bancos — ordenou Winston.
— O Chemical foi o segundo a cair—explicou Gant, mostrando o gráfico na tela. — Depois foi a vez do Manny-Hanny e de outros. Ainda bem que vimos o que estava para acontecer e apostamos em ouro e outros metais. Quando a poeira assentar, não estaremos em má situação. Nada de encher os olhos, mas pelo menos bem melhor do que muita gente — afirmou Gant, chamando o programa novamente, ansioso para mostrar que fizera tudo direito. — Vendi tudo que tínhamos da Silicon Alchemy e apostei na GM. Depois...
Winston deu-lhe um tapinha no ombro.
— Deixe isso para depois, Mark. Estou vendo que fez bons negócios.
— A verdade é que conseguimos escapar da maioria das tendências de baixa. E claro que no final do dia não houve mais jeito, porque todo mundo queria vender, mas isso aconteceu com todo mundo...
— Você ainda não entendeu, não é mesmo?
— Entendi o que, George?
— Nós iniciamos as tendências.
Mark Gant piscou os olhos e Winston teve certeza.
Ele ainda não entendera.
29
ADIANDO A CRISE
Tudo correu bem durante a apresentação, e no final Cathy Ryan recebeu uma caixa embrulhada em papel de presente das mãos do professor de cirurgia oftalmológica da Universidade de Chiba, que era o chefe da delegação japonesa. Continha uma echarpe de seda azul com bordados em fio de ouro. Parecia ter mais de cem anos.
— O azul combina muito bem com seus olhos, professora Ryan — disse o colega, com um sorriso de admiração sincera.
— Temo que não seja um presente à altura do que aprendemos hoje. Temos centenas de pacientes diabéticos no meu hospital. Com sua técnica, esperamos restituir a visão de muitos deles. Trata-se de uma grande descoberta, professora — concluiu, com uma reverência formal.
— Os lasers são fabricados no Japão — replicou Cathy.
Não sabia como lidar com a situação. O presente era lindo. O homem fora extremamente gentil, mas talvez seu país estivesse em guerra com os Estados Unidos. Se era esse o caso, porém, por que a notícia ainda não estava nos jornais? E se havia uma guerra em curso, por que aquele estrangeiro não estava preso? Deveria tratá-lo com deferência, por ser um colega, ou com hostilidade, por seu um inimigo? O que estava acontecendo? Olhou na direção de Andrea Price, que estava encostada na parede dos fundos da sala, com os braços cruzados no peito e um sorriso no rosto.
— E a senhora nos ensinou a usá-los de forma mais eficiente. Trata-se de um excelente trabalho de pesquisa aplicada.
O professor japonês voltou-se para a plateia e levantou as mãos. A plateia aplaudiu com entusiasmo. Caroline Ryan enrubesceu e começou a achar que, no final das contas, talvez ganhasse a estatueta do prêmio Lasker para colocar em cima da lareira. Todos fizeram questão de apertar-lhe a mão antes de sair do auditório. Lá fora, um ônibus esperava-os para levá-los de volta ao Stouffer’s, na Pratt Street.
— Posso ver? — Perguntou a agente especial Andrea Price depois que todos foram embora.
Cathy passou-lhe a echarpe.
— É linda. Terá de comprar um vestido novo para usar com ela.
— Afinal, não havia motivos para nos preocuparmos — comentou a Dra. Ryan.
Na verdade, menos de quinze segundos depois de iniciada a palestra, esquecera-se totalmente do perigo. Não era interessante?
— Eu lhe disse que não esperava que acontecesse nada — observou Andrea, devolvendo-lhe a echarpe com uma certa relutância. O professor japonês tinha razão, pensou. A cor combinava bem com os olhos da doutora.
Ao chegar ali, considerava-a apenas como “a mulher de Jack Ryan”.
— Há quanto tempo vem trabalhando nisso? Cirurgia da retina? — Cathy fechou o livro de anotações.
— Comecei pela parte da frente do olho, mais ou menos até a época em que Jack Júnior nasceu. Depois, tive uma ideia a respeito da forma como a retina adere naturalmente aos tecidos vizinhos e de como poderíamos consertar retinas em processo de descolamento. O principal problema parecia estar nos capilares. Barnie me deu autorização para ir em frente, consegui um auxílio do Instituto Nacional de Saúde e uma coisa levou a outra...
— E agora é a melhor do mundo nesta área — concluiu Andrea.
— Até que alguém com mãos mais firmes que as minhas aprenda a técnica — concordou Cathy, com um sorriso.
— Como vai a campeã? — perguntou Bernie Katz, entrando no auditório e vendo Andrea pela primeira vez. O crachá que usava na lapela deixou-o intrigado.
— Eu conheço você?
— Meu nome é Andrea Price. — A agente examinou Katz com os olhos dos pés a cabeça antes de apertar-lhe a mão. O médico sentiu-se lisonjeado até a jovem acrescentar: — Trabalho para o Serviço Secreto.
— Onde estavam as agentes como você quando eu era mais moço? — perguntou Bernie, em tom de galanteio.
— Bernie foi um dos meus primeiros mentores aqui. Hoje é chefe do departamento — explicou Cathy.
— Prestes a ser superado em prestígio pela colega. Venho trazer boas notícias. Tenho um espião na Comissão do Lasker. Você é uma das finalistas, Cathy.
— O que é o Lasker? — perguntou Andrea.
— Só há um prêmio mais importante que o Lasker, mas você tem que ir a Estocolmo para recebê-lo — explicou Bernie.
— Para mim, um Lasker é mais do que suficiente.
— Não sei, não. Continue pesquisando, garota! — disse Bernie, abraçando-a antes de sair do auditório.
Quero ganhar, quero ganhar, quero ganhar!, repetiu Cathy para si mesma, em silêncio. Não precisava falar em voz alta; a agente especial podia ler seus pensamentos. Puxa, isso era muito melhor do que tomar conta de políticos! — Posso vê-la trabalhar?
— Claro que sim. Agora vamos.
Cathy conduziu-a de volta ao escritório, sem lhe dar atenção. No caminho, passaram pela clínica e por um dos laboratórios. No meio de um corredor, a Dra. Ryan parou bruscamente, enfiou a mão no bolso e tirou um caderno de notas.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Andrea.
Sabia que estava falando demais, mas precisava conhecer os hábitos das pessoas a quem protegia. Também percebera que Cathy Ryan era o tipo de pessoa que não gostava de ser protegida e talvez se sentisse mais à vontade depois de uma conversa franca.
— Precisa se acostumar comigo — disse a Dra. Ryan, sorrindo enquanto fazia algumas anotações no caderno. — Quando tenho uma ideia, faço questão de escrevê-la imediatamente.
— Não confia na memória?
— Jamais. Não se pode confiar na memória em questões que podem afetar a vida dos pacientes. É uma das primeiras coisas que se aprende na escola de medicina. — Cathy sacudiu a cabeça e prosseguiu: — Não no nosso ramo. Não devemos deixar passar nenhuma oportunidade. Quando você não escreve uma coisa, é como se não tivesse acontecido.
Isso parecia uma boa lição para qualquer pessoa, pensou Andrea Price, continuando a seguir a médica. O nome de código, CIRURGIA, era perfeito para ela. Precisa, inteligente, minuciosa. Poderia ser uma ótima agente, se não fosse sua óbvia repulsa por armas de fogo.
Era uma rotina antiga. Há uma geração que a Força Japonesa de Autodefesa Aérea reagia à atividade dos caças russos da base avançada de Dolinsk Sokol, a princípio em cooperação com a Força Aérea dos Estados Unidos, e uma das rotas regulares usadas pela Força Aérea Soviética recebera o apelido de ”Expresso de Tóquio”, provavelmente uma referência involuntária a um termo inventado em 1942 pelos fuzileiros navais americanos em Guadalcanal.
Por razões de segurança, a base do E-767 ficava no Sexto Grupo Aéreo, em Komatsu, perto de Tóquio, mas os dois F-15J que operavam sob o controle dos E-767 que no momento sobrevoavam a cidade de Nemuro, na extremidade nordeste da ilha de Hokkaido, tinham sua base em Chitose e estavam a cento e cinquenta quilômetros do litoral. Cada um deles transportava oito mísseis, quatro equipados com sensores de calor e quatro com sensores de radar.
Passava da meia-noite. Os pilotos estavam descansados e vigilantes, confortavelmente atados a seus assentos ejetáveis, os olhos penetrantes explorando a escuridão, enquanto os dedos faziam pequenas correções de curso. Os radares dos caças estavam desligados; embora as luzes anticolisão ainda piscassem na ponta das asas, podiam ser desligadas em caso de necessidades, tornando as aeronaves praticamente invisíveis.
— Águia Um-Cinco — disse o rádio digital ao líder da dupla. — Investigue tráfego comercial a cinquenta quilômetros, posição zero-três-cinco, curso dois-um-cinco, ângulo três-meia.
— Entendido, Kami — respondeu o piloto.
Kami, o nome de código das aeronaves de observação, era uma palavra com muitos significados, a maioria deles sobrenaturais, como “alma” e ”espírito”. Assim, tinham-se tornado a manifestação moderna dos espíritos que protegiam o Japão, com os F-15J como os instrumentos da vontade desses espíritos. Os dois caças guinaram simultaneamente para a direita e subiram bem devagar para doze mil metros, afastando-se do litoral a uma velocidade de quinhentos nós. Os radares ainda estavam desligados, mas começaram a receber uma transmissão digital do Kami que aparecia nos seus monitores, uma novidade de que os americanos ainda não dispunham.
O líder começou a olhar alternadamente para cima e para baixo. Uma pena, pensou, que a transmissão do Kami não fosse mostrada na mesma tela que as indicações do seu sensor de radar. Talvez a próxima versão fosse assim.
— Lá está ele — disse, no rádio de baixa potência.
— Já vi — respondeu o outro piloto.
Os dois caças fizeram uma curva para a esquerda e desceram lentamente até se colocar atrás do que parecia ser um 767-ER da Air Canada. Sim, a cauda mostrava o logotipo daquela empresa aérea, uma folha de bordo.
Provavelmente estava fazendo a rota transpolar Toronto-Narita. Aproximaram-se quase pela popa (não exatamente, para não correr o risco de uma colisão), e a turbulência mostrou que estavam seguindo um avião comercial de grande porte. O líder chegou tão perto que podia ver as luzes das janelas, os grandes motores debaixo de cada asa e o nariz rombudo que caracterizava os produtos da Boeing. Ligou novamente o rádio.
— Kami, aqui é Água Um-Cinco.
— Pode falar, Águia.
— Identificação positiva. Sete-Meia-Sete Echo Romeo da Air Canada no curso indicado.
Curiosamente, os pilotos da PAC, Patrulha Aérea de Combate, tinham instruções para se comunicarem em inglês, a língua internacional da aviação.
— Entendido.
Obedecendo a um novo comando, os caças mudaram de rumo e voltaram a sua área de patrulhamento. O piloto canadense do avião comercial jamais saberia que dois caças armados tinham estado a menos de trezentos metros da sua aeronave. Na verdade, não havia motivo para esperar que isso acontecesse, porque, até onde sabia, aquela parte do mundo estava em paz.
Por seu lado, os pilotos dos caças tinham aceitado de forma impassível os novos deveres, juntamente com a modificação da rotina diária. Durante um tempo indefinido, pelo menos dois caças patrulhariam aquela área, como outros dois em prontidão de cinco minutos em Chitose e mais quatro em prontidão de meia hora. O comandante do grupo de esquadrilhas estava insistindo para que o prazo de prontidão fosse reduzido ainda mais, porque, independentemente do que Tóquio dissesse, o país estava em guerra e era isso que dissera a seus homens. Os americanos eram um adversário de respeito, afirmara em sua primeira palestra aos pilotos e ao pessoal graduado de terra. Espertos, traiçoeiros e perigosamente agressivos. Pior ainda: podiam ser totalmente imprevisíveis, ao contrário dos japoneses, que, em geral, tendiam a ser altamente previsíveis. Talvez fosse por isso que ele tinha sido designado para aquele comando, pensaram os pilotos. Se as coisas se complicassem, o primeiro contato com forças americanas hostis provavelmente ocorreria ali. O comandante queria estar preparado para essa possibilidade, apesar do alto custo envolvido em termos de dinheiro, combustível e fadiga. Os pilotos estavam de pleno acordo. A guerra era uma coisa séria; ninguém estava disposto a fugir de suas responsabilidades.
O fator tempo logo se tornaria sua maior frustração, pensou Ryan. Tóquio estava quatorze horas à frente de Washington. Era madrugada no Japão e qualquer ideia brilhante que ele tivesse levaria várias horas para ser implementada. O mesmo se aplicava ao oceano Índico, mas pelo menos estava em comunicação direta com a força de combate do almirante Dubro.
Para falar com Clark e Chavez, tinha de enviar a mensagem a Moscou, e daí para um agente do RVS em Tóquio (o que não podia ser feito com muita frequência) ou via modem para o laptop de Clark, quando este fosse ligado para enviar um despacho para a Agência de Notícias Interfax. Haveria um retardo inevitável e perigoso em qualquer dos dois caminhos.
Tudo se centrava na informação. Sempre fora assim, sempre seria. O problema era descobrir o que estava acontecendo. O que o outro lado estava fazendo? O que estavam pensando? O que eles pretendem?, perguntou-se pela milésima vez.
As guerras sempre ocorriam por razões econômicas; essa era uma das poucas afirmações corretas de Marx. Tratava-se simplesmente de uma questão de cobiça, explicara ao presidente; um assalto à mão armada em grande escala. Em termos de nação, a explicação vinha em termos como Destino Manifesto, Lebensraum ou qualquer outro slogan político capaz de capturar a atenção e o ardor das massas, que, trocado em miúdos, significava simplesmente: Eles têm o que nós queremos. Vamos tomar deles.
Entretanto, o arquipélago das Marianas não valia grande coisa. O custo político e econômico associado à invasão estava simplesmente fora de proporção com o objetivo atingido. A aventura custaria ao Japão seu maior parceiro comercial. Não haveria como reparar os danos causados, pelo menos a curto prazo. Posições no mercado cuidadosamente estabelecidas e exploradas desde a década de 1960 seriam postas por terra por algo chamado ressentimento coletivo, mas muito mais profundo do que isso.
Por que um país tão habituado às transações comerciais voltaria as costas a todas as considerações de ordem prática? Acontece que a guerra nunca é racional, Jack. Você mesmo explicou isso ao presidente.
— Só quero que vocês me digam: o que eles pretendem? — perguntou Ryan, arrependendo-se imediatamente por ter usado uma linguagem tão informal.
Estavam em uma sala de conferências no subsolo. Naquela primeira reunião do grupo de trabalho, Scott Adler estava ausente, pois tinha um compromisso com o secretário Hansen. Havia dois agentes da Inteligência Nacional e quatro funcionários do Departamento de Estado e todos pareciam tão intrigados quanto ele, pensou Ryan. Que beleza! Durante alguns segundos, nada aconteceu. Já era de esperar. Sempre que pedia a opinião sincera de um grupo de burocratas, as pessoas custavam a se pronunciar.
— Eles estão zangados e assustados — afirmou Chris Cook, funcionário do Departamento de Estado, especialista em questões de comércio.
Trabalhara na embaixada em Tóquio, falava um japonês razoável e participara de várias rodadas de negociações comerciais, sempre assessorando homens e mulheres mais graduados, mas em geral fazendo a maior parte do trabalho. Era assim que as coisas funcionavam, e Jack se lembrou de que às vezes ficava aborrecido quando outros recebiam o crédito por suas ideias.
Concordou com a cabeça, observando que outros faziam o mesmo, agradecidos por alguém ter tomado a iniciativa.
— Sei que estão zangados. Explique por que estão assustados.
— Ora, seus vizinhos são os russos e os chineses, que continuam a ser grandes potências, mas nós nos retiramos do Pacífico Ocidental, certo? Do seu ponto de vista, primeiro os abandonamos à própria sorte e depois nos voltamos contra eles. Isso nos torna inimigos em potencial, também, não é mesmo? Como é que eles ficam? Com quem podem contar?
— Mas por que invadiram as Marianas? — perguntou Jack, lembrando-se de que o Japão não tinha sido atacado pelos países mencionados no passado recente, mas atacara todos eles. Cook chamara atenção, sem querer, para um ponto importante. Como o Japão reagia a ameaças externas? Atacando primeiro.
— Com isso, alargam seu perímetro de defesa, estabelecendo bases fora do arquipélago japonês.
Certo, isso faz sentido, pensou Jack. Fotos tiradas por satélites fazia menos de uma hora estavam penduradas na parede. Agora havia caças nas pistas de pouso de Saipan e Guam, juntamente com aviões de observação E-2C Hawkeye como os que equipavam os porta-aviões americanos. Isso criava uma barreira defensiva que se estendia dois mil quilômetros ao sul de Tóquio. Ela podia ser considerada uma muralha contra os ataques americanos, e era na verdade uma versão reduzida da estratégia adotada pelo Japão na Segunda Guerra Mundial. Mais uma vez, Cook fizera um comentário muito interessante.
— Somos realmente uma ameaça para eles? — perguntou.
— Agora, somos — respondeu Cook.
— Mas só porque nos forçaram a isso — argumentou um dos agentes, entrando na discussão. Cook se inclinou por cima da mesa na direção dele.
— Por que um país começa uma guerra? Porque tem medo de alguma coisa! Pelo amor de Deus, eles tiveram mais governos nos últimos cinco anos do que os italianos! O país está politicamente instável. Os problemas econômicos se multiplicam. Até recentemente, o iene vinha enfrentando grandes dificuldades. O mercado de ações despencou por causa das nossas novas leis de comércio. Nós os ameaçamos com o caos financeiro e vocês perguntam por que eles estão assustados? Se algo parecido acontecesse conosco, o que faríamos? — perguntou o assistente do subsecretário de Estado em tom inflamado, intimidando o agente, observou Ryan.
Ótimo, pensou. Uma discussão animada podia trazer bons resultados, da mesma forma como o fogo mais quente fazia o aço mais forte.
— Minha simpatia pelo outro lado é atenuada pelo fato de que eles invadiram território americano e violaram os direitos humanos de cidadãos americanos.
Ryan gostou da resposta. Lembrava a reação de um cão de caça ao sentir o cheiro de uma raposa ferida; podia se dar ao luxo de brincar com a presa antes de desferir o golpe mortal. Era sempre uma sensação agradável.
— Acontece que nossas restrições ao comércio já provocaram a demissão de centenas de milhares de japoneses. Onde estão os direitos humanos dessas pessoas?
— Os japoneses que se fodam! De que lado você está, afinal, Cook? Cook se recostou na cadeira e sorriu antes de prosseguir.
— Pensei que estivesse aqui para tentar entender o que eles pretendem. Não é esse o objetivo da reunião? Os japoneses acham que abusamos deles, que os fizemos de palhaços e mostramos claramente que nunca os consideramos como iguais. Sabe de uma coisa? Não os censuro por isso — afirmou Cook. — Está certo, agora eles resolveram nos agredir de volta. Claro que é uma atitude deplorável, mas precisamos reconhecer que procuraram atingir seus objetivos estratégicos causando o mínimo possível de danos.
— Isso deve ser considerado, não acham? O embaixador japonês afirmou que não haverá novos atos de agressão — informou Ryan, olhando para Cook. — Acha que está falando a verdade?
Acabara de fazer outra pergunta difícil, algo que as pessoas reunidas em torno daquela mesa temiam como a praga. Perguntas difíceis exigiam respostas definidas e essas respostas podiam estar erradas. A situação era especialmente delicada para os agentes da Inteligência Nacional. Em geral, eram agentes veteranos da CIA, da DIA ou da NSA. Um deles estava sempre com o presidente para aconselhá-lo em momentos de crise. Eram supostamente especialistas em seus campos; o próprio Ryan tinha sido um AIN.
Entretanto, havia um problema com esse tipo de assessores. Um AIN era geralmente uma pessoa séria e responsável, sem medo da morte, mas temia fornecer a resposta errada para uma pergunta difícil. Por essa razão, era quase impossível extrair deles uma resposta concreta. Percorreu com os olhos todos os presentes e percebeu que Cook fazia o mesmo, com uma expressão de desdém.
— Sim, senhor, acho que não praticarão novos atos hostis. Também acho que vão nos oferecer algum tipo de compensação. Sabem que precisamos salvar as aparências. Podemos contar com isso, se decidirmos negociar com eles.
— Acha que devemos negociar? Cook sorriu e fez que sim com a cabeça.
— Não há mal nenhum em conversar, seja qual for a situação, certo? Sou um funcionário do Departamento de Estado, lembra-se? É essa a minha recomendação. Não entendo de assuntos militares. Não sei se estamos em condições de retaliar ou não. Acho que sim, e acho que eles sabem disso e por isso estão ainda mais assustados do que nós. Podemos usar isso como um trunfo.
— O que acha que devemos exigir? — perguntou Ryan, mordiscando a caneta.
— O status quo ante — respondeu Cook, sem pestanejar. — Retirada completa das Marianas, indenizações para as famílias dos mortos e punição dos responsáveis pelas mortes.
Ryan percebeu que até os agentes fizeram que sim com a cabeça. Estava começando a gostar de Cook. Dizia o que pensava e suas palavras eram lógicas.
— O que vamos conseguir? A resposta foi novamente clara e concisa: — Menos do que isso.
Onde Scott Adler tem mantido este cara escondido?, pensou Ryan. Ele fala a minha língua.
— Eles têm que nos devolver alguma coisa, mas não tudo.
— E se insistirmos? — perguntou o conselheiro de Segurança Nacional.
— Se quisermos tudo de volta, teremos de lutar — afirmou Cook. — Em minha opinião, isso pode ser perigoso.
Ryan desculpou-o pela conclusão apressada. Afinal, trabalhava para o Departamento de Estado.
— O embaixador está autorizado a negociar conosco?
— Penso que sim — respondeu Cook, depois de refletir um pouco. — E um diplomata muito experiente e conta com uma boa equipe. Conhece Washington e está acostumado às altas-rodas. Foi por isso que o mandaram para cá.
Conversa, conversa é melhor do que guerra, guerra. Jack lembrou-se das palavras de Winston Churchill. E era verdade, especialmente se a primeira não implicava renunciar totalmente à segunda.
— Certo — disse Ryan. — Tenho outros assuntos para tratar. Vocês fiquem aqui. Quero um relatório completo da situação. Quero saber quais são as opções disponíveis. Quero conhecer a posição atual dos dois lados. Quero saber quais as consequências prováveis de um confronto armado. Quero que me digam de que forma os japoneses reagiriam, em tese, a um ataque militar. Principalmente — acrescentou, dirigindo-se aos AIN —, quero que avaliem a capacidade nuclear dos japoneses e verifiquem em que circunstâncias eles poderiam se ver tentados a usá-la.
— De que meios dispomos para detectar um ataque nuclear? A pergunta, surpreendentemente, partiu de Cook. A resposta, surpreendentemente, foi dada pelo outro AIN, que sentiu necessidade de mostrar que sabia alguma coisa.
— O radar Cobra Dane, em Shemya, ainda está funcionando. Os satélites DSPS, também. Seremos informados a respeito de qualquer lançamento e do ponto provável de impacto. Dr. Ryan, fizemos alguma coisa... A Força Aérea dispõe de mísseis de cruzeiro lançados do ar em seu arsenal. Eles seriam transportados por bombardeiros B-l. Também temos a opção de armar novamente os mísseis de cruzeiro Tomahawk com ogivas W-80 e lançá-los de submarinos ou navios. Os russos sabem que podemos exercer essa opção e não têm objeções a fazer, contanto que sejamos discretos.
— Isso agravaria o conflito — advertiu Cook. — Precisamos tomar cuidado com nossas atitudes.
— E os SS-19? — perguntou timidamente o segundo AIN.
— Os japoneses consideram-nos necessários. Não será fácil convencê-los a se desfazer deles. — Cook olhou em volta. — Não se esqueçam de que jogamos duas bombas nucleares no Japão. É um assunto muito delicado e estamos lidando com pessoas motivadas pela paranoia. Recomendo extrema cautela a respeito deste assunto.
— Anotado — disse Ryan, levantando-se. — Vocês sabem o que quero. Comecem a trabalhar.
Não se sentia de todo mal ao dar uma ordem como aquela, mas era desagradável ter de fazê-lo e mais ainda imaginar que tipo de respostas receberia. Entretanto, era preciso começar de alguma forma.
— Mais um dia difícil? — perguntou Nomuri.
— Pensei que as coisas ficariam mais tranquilas na ausência de Yamata, disse Kazuo. Sacudiu a cabeça e apoiou-se na borda de madeira da piscina. Estava completamente enganado.
Os outros fizeram que sim com a cabeça. Todos sentiam falta das histórias sexuais de Taoka, mas apenas Nomuri sabia por que elas haviam parado.
— O que está acontecendo? Agora Goto diz que precisamos dos americanos. Na semana passada eles eram nossos inimigos, e agora são nossos amigos de novo? Tudo isso é muito confuso para uma pessoa simples como eu — afirmou Chet, esfregando os olhos fechados e imaginando até onde a isca o levaria.
Tornar-se íntimo daqueles homens não fora nada fácil, porque era muito diferente deles; o normal era que os invejasse e eles, por sua vez, o invejassem. Para eles, Nomuri era um pequeno empresário, dono do seu próprio negócio, enquanto eles eram altos executivos de grandes empresas. Eles tinham segurança; Chet tinha independência. Eles trabalhavam em excesso; Chet podia escolher seu próprio ritmo. Eles tinham mais dinheiro; Chet levava uma vida mais calma. Agora, sabiam de muita coisa que Chet ignorava.
— Enfrentamos os Estados Unidos — afirmou um deles.
— Foi o que ouvi falar. Isso não é perigoso?
— A curto prazo, sim — declarou Taoka, deixando a água quente relaxar seus músculos tensos. — Mas acho que já conseguimos a vitória.
— Que tipo de vitória, meu amigo? Sinto como se tivesse começado a assistir a um filme de mistério pela metade e tudo que sei é que existe uma linda jovem no trem para Osaka — disse Nomuri, referindo-se a uma prática comum no Japão, histórias de suspense baseadas na eficiência dos trens de passageiros.
— De acordo com meu chefe, vitória significa uma independência real para o nosso país — explicou outro executivo.
— Mas já não somos independentes? — perguntou Nomuri, com uma expressão intrigada. — Não existem praticamente mais soldados americanos no país para nos perturbar.
— Você não entende — observou Taoka. — Independência significa mais do que independência política. Também significa independência econômica. Significa não depender dos outros para obter o que necessitamos para nossa sobrevivência. Significa a Área de Recursos do Norte, Kazuo — disse um executivo, indo longe demais e percebendo isso pela maneira como os outros olharam para ele.
— Gostaria que significasse ter menos horas de trabalho e poder ir para casa todo dia em vez de ter de dormir em um cubículo duas ou três noites por semana — comentou um dos mais espertos, para mudar o rumo da conversa.
Taoka resmungou: — Não cabe nem uma garota lá dentro! As risadas que se seguiram foram forçadas, pensou Nomuri.
— Vocês executivos e seus segredos! Ah! — exclamou o agente da CIA. — Espero que se saiam melhor com suas mulheres. — Fez uma pausa. — Tudo isso vai afetar meu negócio? Tinha sido uma boa ideia, pensou, fazer aquele tipo de pergunta.
— Para melhor, penso eu — afirmou Kazuo.
Os outros concordaram com a cabeça.
— Precisamos ser pacientes. Vamos passar por tempos difíceis antes que tudo se resolva.
— Mas as coisas vão se resolver — declarou um deles, com convicção.
— A parte realmente difícil já ficou para trás.
Não se eu puder evitar, pensou Nomuri. Mas o que queria dizer “Área de Recursos do Norte”? Sabia que acabara de ouvir algo importante, mas não fazia a menor ideia do que significava. Teve de contar uma história comprida a respeito do seu relacionamento com a senhoria para ter certeza, mais uma vez, de que eles se lembrariam mais das suas aventuras sexuais do que das suas perguntas.
Ficara com pena de chegar no escuro, mas isso era apenas um detalhe.
Metade da esquadra rumara para Guam, que dispunha de um porto natural muito melhor, porque toda a população daquelas ilhas tinha de ver a Marinha do Japão. O almirante Sato estava farto do nome “Força de Autodefesa”. Agora comandava uma marinha, composta por navios de guerra e marinheiros que tinham provado o gosto do combate, e se os historiadores mais tarde comentassem que não se tratara de uma luta justa, ora, qual o livro de estratégia militar que não chamava a atenção para a importância do elemento surpresa nas operações ofensivas? Praticamente nenhum, pensou o almirante, observando de binóculo o vulto do monte Takpochao. Fazia uma hora, os técnicos de eletrônica haviam informado que um potente aparelho de radar já estava funcionando no alto da montanha. Mais um elemento importante para defender o que era novamente solo pátrio.
Estava sozinho na ponte de boreste, na escuridão da noite. Havia uma imensa paz a ser desfrutada; bastava ignorar os sons que o cercavam. Acima da sua cabeça havia o leve zumbido dos equipamentos eletrônicos, como uma colmeia de abelhas sonolentas; esse ruído logo foi descartado. Havia também o ronco distante dos sistemas do navio, principalmente os motores e os ventiladores do sistema de ar condicionado, mas isso não era difícil de ignorar. Não havia ruídos humanos para incomodá-lo. O capitão do Mutsu impunha uma disciplina rígida na ponte; os marinheiros não falavam, a menos que tivessem motivo para fazê-lo. Um por um, o almirante Sato foi eliminando os ruídos estranhos. Restou apenas o barulho do mar, o chiado maravilhoso do casco de aço partindo as ondas. Baixou os olhos para apreciar o leque de espuma branca, que era ao mesmo tempo tênue e luminosa; na esteira do navio, a água apresentava uma agradável fluorescência verde por causa do fitoplancto, pequenas criaturas que subiam à superfície durante a noite por razões que Sato jamais compreendera perfeitamente. Talvez para admirar a lua e as estrelas, disse para si próprio com um sorriso. À frente estava a ilha de Saipan, apenas um espaço no horizonte mais escuro do que a própria escuridão; parecia assim porque ocultava as estrelas a oeste. Um marinheiro experiente sabia que onde não havia estrelas em uma noite clara era porque havia terra. Os vigias em seus postos, no alto da superestrutura de vante, tinham avistado a ilha muito antes, mas isso não diminuía o prazer da descoberta; como acontecia com os marinheiros de todos os tempos, havia algo de especial em chegar à terra, porque toda viagem terminava com algum tipo de descoberta. Aquela não seria uma exceção.
Mais ruídos. Primeiro, o som dos motores elétricos que acionavam os sistemas de radar, mas depois algo mais. Sabia que tinha levado algum tempo para notá-lo, um ronco surdo a boreste, como o som de alguma coisa sendo rasgada, que aumentou rápido de intensidade até que se deu conta de que só podia ser o ruído de um avião. Baixou o binóculo e olhou para a direita, sem ver nada até o último momento, quando dois vultos esguios cruzaram o céu. O Mutsu estremeceu ligeiramente, dando um susto no almirante Sato, que logo se transformou em irritação. Abriu a porta da casa do leme.
— O que foi isso?
— Dois F-3 em missão de treinamento — respondeu o oficial de quarto.
— O CIC está rastreando os dois há algum tempo. Foram iluminados pelos nossos rastreadores de mísseis.
— Pois que alguém diga a eles que voar diretamente sobre um navio no escuro é um risco absolutamente desnecessário!
— Mas almirante... — tentou dizer o OD.
— Mas não quero que um dos meus navios tenha de passar um mês no estaleiro consertando um mastro quebrado só porque um piloto idiota não nos viu no escuro!
— Hai. Vou falar com eles imediatamente.
— Estragaram minha manhã, pensou Sato, furioso, sentando-se na poltrona de couro para tirar um cochilo.
Seria ele o primeiro a perceber?, perguntou-se Winston. Depois perguntou-se o que havia de estranho nisso. O FBI e os outros estavam evidentemente tentando juntar os pedaços e sua preocupação principal era provavelmente evitar tentativas de fraude. Pior ainda: tinham que examinar todos os registros, não apenas os do Columbus Group. Era um verdadeiro oceano virtual de dados, eles estavam pouco familiarizados com o assunto, e não era uma boa hora para aprender fazendo.
O TV contou toda a história. O presidente do Federal Reserve Bank (FRB) apareceu em vários programas matutinos de entrevistas, fez um pronunciamento à nação na Sala de Imprensa da Casa Branca e concedeu uma longa entrevista à CNN. A coisa estava funcionando da forma prevista. Muita gente foi aos bancos antes do almoço e se surpreendeu ao encontrar pilhas de dinheiro reunidas às pressas na noite anterior para fazer o que em termos militares seria chamado de uma demonstração de força. Embora o presidente do FRB tivesse evidentemente pedido a todos os grandes banqueiros do país para manterem suas posições, o oposto ocorria na boca do caixa: Ah, o senhor deseja sacar? Não há problema. Pode sacar quanto quiser. Muita gente, ao voltar para casa, começou a sentir outro tipo de preocupação. Será que é seguro guardar todo esse dinheiro em casa? A tarde, alguns já tinham depositado novamente o dinheiro nos bancos.
Aquilo também era trabalho de Buzz Fiedler, e até que para um teórico, pensou Winston, ele vinha se revelando uma pessoa competente. O secretário do Tesouro estava apenas ganhando tempo e investindo dinheiro para isso, mas era uma boa tática, suficiente para convencer o público de que as coisas não andavam tão mal assim.
Os investidores sérios, porém, eram mais difíceis de enganar. As coisas estavam indo muito mal, e a política adotada pelos bancos não poderia durar por muito tempo. O Fed estava injetando dinheiro no sistema. Embora isso fosse uma boa ideia por um dia ou dois, após uma semana o efeito enfraqueceria ainda mais o dólar; no momento, as Obrigações do Tesouro Americano estavam tão populares na comunidade financeira internacional quanto a peste bubônica. Pior ainda: embora Fiedler tivesse conseguido evitar temporariamente uma corrida aos bancos, isso seria inevitável a médio prazo, caso não fosse possível restaurar a confiança dos investidores através de mudanças concretas; na verdade, quanto mais tempo fosse gasto com medidas paliativas, maior seria a corrida quando essas medidas deixassem de surtir efeito. Era isso que Winston receava.
Na verdade, o nó górdio que estrangulava o sistema de investimentos tão cedo não seria desatado.
Winston achava que descobrira a causa do colapso, mas isso não o ajudava a encontrar um remédio. A sabotagem da DTC tinha sido um golpe de mestre. No momento, ninguém sabia quantas ações possuía, quanto sabiam. As instituições financeiras não sabiam. As corretoras não sabiam. Ninguém sabia.
Como começaria a nova corrida aos bancos? Em pouco tempo, os fundos de pensão teriam de emitir os cheques mensais... mas será que os bancos os pagariam? O Fed faria o que estivesse ao seu alcance para que os bancos honrassem todos os compromissos, mas era inevitável que pelo menos um banco não pudesse fazê-lo, por problemas particulares (bastava um, porque essas coisas, afinal, começavam sempre em algum lugar), e isso provocaria uma nova corrida. O Fed teria de intervir, injetando ainda mais dinheiro no mercado, e isso poderia iniciar um ciclo de hiperinflação. Aquele era o maior perigo. Winston lembrava-se muito bem da forma como a inflação afetara o mercado e o país no final da década de 1970, da "doença" que infestara a nação, da perda de confiança que se tornara evidente quando os mais neuróticos começaram a construir cabanas nas montanhas do noroeste e Hollywood lançou vários filmes de terceira sobre a vida depois do apocalipse. Mesmo naquela época, a inflação chegara a quanto? Não mais de 13%. A taxa de juros não passara de 20%. Isso em um país em plena crise de petróleo e governado por um presidente indeciso. Winston chegou a sentir saudade daquele tempo.
A nova crise seria muito pior. Aconteceria com os Estados Unidos algo semelhante ao que ocorrera na República de Weimar, na Argentina em sua pior fase e no Brasil sob a ditadura militar. E os problemas não ficariam restritos à América. Como em 1929, as consequências da crise seriam sentidas no mundo inteiro, com resultados que nem Winston se atrevia a prever. George sabia que, pessoalmente, não tinha muito a temer. Mesmo que sua fortuna pessoal fosse reduzida em 90%, ainda poderia levar uma vida confortável. Sempre tivera como política aplicar parte dos lucros em bens palpáveis, como petróleo ou ouro; na verdade, possuía uma quantidade considerável de barras de ouro, como os usurários do passado. Como as grandes depressões eram, a longo prazo, deflacionárias, o valor relativo dos seus bens tendia a aumentar com o tempo. Sabia que ele e a família sobreviveriam praticamente ilesos, mas o custo para outras pessoas menos afortunadas seria o caos econômico e social. E não estava no mercado apenas para defender seus interesses, estava? Com o tempo, começara a pensar cada vez mais nos pequenos investidores que tinham visto seus anúncios na TV e lhe confiado toda a sua poupança. Confiança era uma palavra mágica. O fato de as pessoas confiarem em você gerava automaticamente uma obrigação. Queria dizer que acreditavam no que você dizia a respeito de si próprio, e você tinha de provar que estava dizendo a verdade, não apenas para os que haviam confiado em você, mas também para você mesmo. Porque se você falhasse, casas não seriam compradas, crianças não poderiam ser educadas e os sonhos de pessoas de verdade, não muito diferentes de você, morreriam no nascedouro. Já seria muito ruim se apenas os Estados Unidos fossem afetados, pensou Winston, mas na verdade era quase certo que a crise se estenderia a todo o planeta.
E agora sabia perfeitamente como tudo começara. Não tinha sido um acidente e sim um plano bem elaborado e executado com perfeição. Yamata. O filho de uma puta, pensou Winston. Talvez o primeiro investidor japonês digno de respeito. O primeiro que realmente compreendia o jogo, tanto no plano tático quanto no estratégico. Aquela expressão arrogante, aquele sorriso superior enquanto bebia um gole de champanha. Por que você não percebeu o que ele estava para fazer? Agora estava claro o que Yamata queria, não estava? Não, não. Aquilo não podia ser tudo. Uma parte do jogo, talvez, uma tática destinada a alcançar outro objetivo. Qual? Que objetivo poderia ser tão importante que para atingi-lo Raizo Yamata estava disposto a dar adeus a sua fortuna pessoal e ao mesmo tempo destruir os mercados globais dos quais dependiam suas outras empresas e a própria economia do seu país? Não era algo que um homem de negócios, muito menos um especialista de Wall Street, pudesse compreender com facilidade.
Era estranho conhecer o responsável pela crise e ao mesmo tempo não fazer ideia da sua motivação. Winston olhou pela janela para o sol que estava se pondo no Porto de Nova York. Tinha de contar a alguém, alguém que estivesse em condições de entender o que acontecera. Fiedler? Talvez. Melhor alguém que conhecesse Wall Street., e conhecesse outras coisas, também. Mas quem?
— São nossos? Os quatro navios estavam a sotavento na baía de Laolao. Um deles estava colado a um navio-tanque, certamente recebendo combustível. Oreza sacudiu a cabeça.
— A cor é diferente. O cinza que a Marinha usa é mais escuro, mais azulado.
— Parecem navios sérios, cara — afirmou Burroughs, devolvendo-lhe o binóculo.
— Antenas de radar, plataformas de lançamento vertical para mísseis, helicópteros antissubmarino. Contratorpedeiros da classe Aegis, semelhantes aos nossos Burke. São navios sérios, sim. Os aviões morrem de medo deles.
Enquanto Portuga olhava, um helicóptero decolou de um dos navios e rumou para a praia.
— Vamos informar ao comando?
— Boa ideia.
Burroughs entrou na sala de estar e colocou as baterias de volta no telefone. Provavelmente não era necessário manter o telefone sem alimentação quando não estava sendo usado, mas era mais seguro; nenhum dos dois estava interessado em saber como os japoneses tratavam os espiões, pois era isso que se haviam tornado. Também era complicado enfiar a antena no furo da parte côncava e segurar o conjunto perto da cabeça, mas emprestava um certo elemento de humor à operação e bem que estavam precisando de um motivo para rir e relaxar um pouco.
— CNCM, almirante Jackson.
— Está de novo de serviço, almirante?
— Acho que nós dois estamos, sargento. O que tem a informar?
— Quatro contratorpedeiros Aegis no litoral, do lado leste da ilha. Um deles está recebendo combustível de um pequeno navio-tanque. Eles apareceram pouco depois do amanhecer. Mais dois navios de transporte de veículos estão no cais. Outro acaba de partir. Vimos vinte caças faz algumas horas. Metade são El 5 de cauda dupla. Os outros têm cauda simples, mas não conheço o modelo. Afora isso, não há novidades.
Jackson estava examinando uma foto tirada por um satélite havia menos de uma hora, que mostrava quatro navios em formação e caças dispersos nos dois aeródromos. Anotou alguma coisa e fez que sim com a cabeça.
— Como estão as coisas por aí? — perguntou. — Quero dizer: eles prenderam ou ameaçaram alguém, esse tipo de coisa? Ouviu um muxoxo do outro lado da linha.
— Negativo, almirante. Estão dando uma de bonzinhos. Passam o tempo todo na TV dizendo que pretendem investir muito dinheiro aqui e que nossa vida será maravilhosa daqui para a frente.
Jackson podia perceber a irritação na voz do homem.
— Está bem. Pode ser que não me encontre aqui da próxima vez que ligar. De vez em quando, preciso dormir um pouco, mas esta linha está reservada daqui em diante para seu uso exclusivo, certo?
— Entendido, almirante.
— Vá com calma, sargento. Nada de bancar o herói, certo?
— Isso é coisa para novatos. Tenho muito juízo — tranquilizou-o Oreza.
— Por enquanto é só, Oreza. Bom trabalho. — Jackson esperou que o outro desligasse antes de pousar o telefone. — Antes você do que eu — disse consigo mesmo, antes de olhar para a mesa vizinha.
— Gravei tudo — informou um oficial de inteligência da Força Aérea.
— Ele confirma os dados do satélite. Acho que ainda não esteja correndo perigo.
— Vamos mantê-lo assim. Não quero que ninguém ligue para eles sem minha autorização — ordenou Jackson.
— Sim, senhor — disse o oficial, abstendo-se de comentar que mesmo que tentassem, provavelmente não conseguiriam se comunicar com o sargento.
— Foi um dia duro? — perguntou Paul Robberton.
— Já tive piores — respondeu Ryan. Entretanto, a crise era recente demais para uma avaliação tão otimista.
— Sua mulher se importa se...?
— Ela está acostumada com minhas ausências e vamos estabelecer uma nova rotina, se necessário. — O agente do Serviço Secreto fez uma pausa.
— Como vai o chefe?
— Como sempre, o pior sobra para ele. Todos nós desapertamos para cima dele, certo? — comentou Jack, olhando pela janela quando saíam da Estrada 50. — Ele é um bom homem, Paul.
— Você também. Estamos felizes em tê-lo de volta. — Fez uma pausa. — A situação é mesmo grave? O Serviço Secreto tinha a vantagem de precisar saber de quase tudo, mas isso na prática não fazia muita diferença, porque eles acabavam descobrindo quase tudo por conta própria.
— Não lhe contaram? Os japoneses construíram bombas nucleares e dispõem de mísseis para lançá-las.
As mãos de Paul se crisparam no volante.
— Que beleza. Mas duvido que sejam loucos a esse ponto.
— Na noite de 7 de dezembro de 1941, o USS Enterprise entrou em Pearl Harbor para se reabastecer e remuniciar. O almirante Bill Halsey estava na ponte, como de costume; olhou para os estragos causados pelo ataque da manhã e comentou: "Quando esta guerra terminar, a língua japonesa será falada apenas no inferno." O próprio Ryan não sabia por que dissera aquilo.
— Então é isso que você pensa? Os tripulantes devem ter adorado.
— Imagino que sim. Se lançarem os mísseis, é o que vai acontecer com eles. Sim, não podem deixar de saber disso — afirmou Ryan, em tom cansado.
— Está precisando de oito horas de sono, Dr. Ryan, talvez nove — afirmou Robberton, muito sério. — Também acontece conosco. A fadiga prejudica os processos mentais. O chefe precisa de toda a sua inteligência, certo? — Concordo plenamente. Talvez eu até beba um drinque esta noite — pensou Ryan em voz alta.
Havia um carro a mais na porta da garagem, observou Jack, e um rosto diferente olhou pela janela quando o carro oficial se aproximou da casa.
— É Andrea. Já falei com ela. A propósito: sua esposa proferiu uma excelente palestra esta tarde. Correu tudo bem.
— Ainda bem que temos dois quartos de hóspedes — murmurou Jack, entrando na casa.
O clima parecia bom; a impressão que teve foi de que Cathy e Angela haviam simpatizado uma com a outra. Os dois agentes ficaram conversando, enquanto Ryan fazia uma refeição rápida.
— Querido, o que está acontecendo? — perguntou Cathy.
— Estamos envolvidos em uma crise muito séria com o Japão, mais aquele problema em Wall Street — Mas como é que ninguém...
— Até agora, tudo aconteceu no mar. O público ainda não ficou sabendo, mas isso não deve demorar.
— Estamos em guerra? Jack olhou para a esposa e fez que sim com a cabeça.
— Pode ser.
— Mas os japoneses que estiveram em Wilmer esta tarde me trataram como se... quer dizer que eles também não sabem? — Isso mesmo.
— Mas isso não faz o menor sentido!
— Concordo com você — disse Ryan. Nesse momento tocou o telefone, o telefone normal da casa. Jack estava mais próximo e atendeu.
— Alô.
— É o Dr. John Ryan? — perguntou uma voz.
— Ele mesmo. Quem está falando?
— George Winston. Talvez não se lembre, mas fomos apresentados ano passado no Harvard Club. Proferi uma pequena palestra sobre o mercado futuro. O senhor estava na mesa ao lado da minha. A propósito: fez um bom trabalho na Silicon Alchemy.
— Parece que foi em outra encarnação — afirmou Ryan. — Escute, estou muito ocupado, de modo que...
— Preciso vê-lo. É muito importante — disse Winston.
— Qual o assunto?
— Eu precisaria de quinze ou vinte minutos para explicar. Estou com meu jato em Newark. Posso encontrá-lo onde quiser. — A voz fez uma pausa. — Dr. Ryan, não estaria insistindo se não fosse realmente muito importante.
Jack pensou rápido. George Winston era considerado uma pessoa séria. Desfrutava de uma sólida reputação em Wall Street: duro, perspicaz, honesto. Além disso, lembrou-se Ryan, vendera o controle de suas empresas para um japonês chamado Yamata... um nome que já surgira em outro contexto.
— Muito bem, acho que posso encaixá-lo na minha agenda. Ligue para meu escritório amanhã por volta das oito para marcar uma hora.
— Está bem. Obrigado pela atenção — disse a voz, antes de desligar. Quando Ryan olhou para a mulher, ela estava de volta ao trabalho, copiando anotações do caderno para o Laptop, um Apple Powerbook 800.
— Pensei que você tivesse uma secretária para fazer este tipo de serviço — observou, com um sorriso tolerante.
— Minha secretária não pensa em nada enquanto está copiando. Eu penso. — Cathy evitou contar ao marido que Bernie achava que ela era uma séria candidata ao Lasker. Adquirira vários maus hábitos com o marido. Um deles era acreditar que falar sobre alguma coisa boa podia dar azar. — Tive uma ideia interessante hoje, logo depois da palestra.
— E fez questão de anotá-la no seu caderno — observou o marido. Cathy olhou para ele com um sorriso malicioso.
— Jack, quando você não escreve uma coisa...
— E como se não tivesse acontecido.