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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ENCANTADO / Linda Winstead Jones
ENCANTADO / Linda Winstead Jones

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Série Raintree - Livro 2

E N C A N T A D O

 

 

 

É mais do que um sobrenome, mais do que uma anotação na árvore genealógica. É uma marca do destino. Cada membro da família tem um presente especial, um dom de outro mundo.

Gideon Raintree, um detetive de homicídios, pode controlar a eletricidade e falar com fantasmas. Ele precisava controlar seus talentos, mantê-los escondidos para resolver seu recente caso – um implacável assassino em série comandado pelos obscuros magos Ansara. Mas primeiro, deve enfrentar sua reação a Hope Malory sua atrante nova parceira. Nunca planejou se apaixonar no meio da batalha. Com malvados os espreitando em cada canto, Gideon e Hope estão em uma corrida contra o tempo para salvar seu amor, sua família e o filho que acabam de conceber.

Sou um Raintree. É mais do que um sobrenome, mais do que uma anotação em uma árvore genealógica. É uma peculiaridade no meu DNA.

É uma marca do destino.

Abreviando uma longa história, a magia é real. Não somente é real, existe ao nosso redor, mas a maioria das pessoas nunca abre os olhos o suficiente para vê-la. Meus olhos sempre estiveram abertos. A magia está em meu sangue. Meus ancestrais foram chamados feiticeiros, magos e bruxas. Também foram chamados de demônios e diabos. É surpreendente que a família decidisse há muitos anos esconder nossos dons? Esconder, disse, não sepultar. Há uma diferença. O poder é uma responsabilidade, não para ser rejeitado a fim de fazer a vida mais fácil.

Cada membro da família tem um presente específico. Alguns são fortes e alguns fracos; alguns têm dons que são mais úteis do que outros. Cada Raintree tem um talento extraordinário. O meu é a energia elétrica. Posso aproveitar a eletricidade que existe ao nosso redor. Posso inclusive criar minha onda especial de voltagem. Sim, eu tenho a tendência fritar computadores e destruir as luzes fluorescentes, mas isso vem com o entorno e eu aprendi a lidar com ele.

Também falo com os fantasmas, que simplesmente são uma forma de energia elétrica que ainda não compreendemos totalmente. Este talento é muito útil em minha profissão atual.

Eu sou Gideon Raintree, e eu estou em Wilmington, o único e solitário detetive de homicídios da Carolina do Norte.

 

Domingo, meia-noite

A adrenalina estava batendo tão forte e rápida que Tabby não poderia permanecer completamente quieta. Inclusive a rápida subida a pé a este terceiro andar não tinha diminuído sua excitação. Enrugou o nariz com desdém quando estudou a porta verde do apartamento e ficou ansiosamente nas pontas dos pés, depois desceu de novo. A pintura da porta estava muito lascada; a madeira descascada; o número estava torcido. Que Raintree com amor próprio poderia viver em uma pocilga como esta?

Tabby esteva esperando este momento durante um longo tempo. Demasiado, pareceu certas vezes. Não tinha esperado pacientemente, mas tinha esperado. Tudo tinha que ser perfeito antes que o ataque começasse; isso a havia estressado em mais de uma ocasião. Finalmente era o momento. Equilibrou a caixa de pizza na mão direita enquanto batia outra vez com a esquerda, mais forte e rápido do que tinha feito antes. Uma vertigem cresceu nela e saboreou. Tinha treinado para este momento, tinha praticado durante quase um ano, mas finalmente o momento tinha chegado.

— Quem é? — perguntou uma mulher obviamente desconfiada do outro lado da porta verde deteriorada.

— Entrega da pizza — respondeu Tabby.

Escutou como a corrente de segurança era tirada com o deslizamento do metal sobre o metal e a batida das correntes contínuas. Uma trava girou, e finalmente — finalmente a maçaneta estalou e a porta se abriu.

Tabby avaliou rapidamente à mulher a sua frente. Vinte e dois anos, um metro e sessenta e quatro, olhos verdes, cabelo curto cor cor-de-rosa. Ela.

— Eu acredito que houve um engano, a não ser… — a mulher do cabelo cor-de-rosa começou. Não teve a oportunidade de dizer outra palavra.

Tabby entrou a força no apartamento, empurrando a mulher Raintree de volta a sala bagunçada e fechou a porta a suas costas. Deixou cair a caixa vazia de pizza, descobrindo a faca que mantinha na mão direita.

— Grite e eu te matarei — disse antes que Echo tivesse a oportunidade de emitir algum som.

Os olhos da garota se ampliaram. Bonitos, mas Tabby esperava que os olhos dos Raintree fossem mais chamativos. Tinha ouvido muito sobre neles. Os olhos de Echo era de um comum e insosso azul-cinzento-esverdeado, mas nada de especial.

Um golpe e este trabalho estaria feito, mas Tabby não quis que terminasse tão rápido. Seu dom era de empatia, mas mais do que experimentar as emoções dos outros, ansiava por seus medos. Ódio e medo pareciam doces quando Tabby se permitia dar rédea frouxa ao dom. A obscura sensação que bebeu a deixou mais forte. Neste momento alimentava o terror de Echo Raintree, e isso parecia bom. A deixou mais forte, física e mentalmente. Esse terror alimentou a vertigem.

— Eu não tenho muito dinheiro — disse uma Echo patética e chorosa, e se pondo cada vez mais assustada com cada segundo que passava. — Tudo o que quiser…

— Tudo o que quiser — repetiu Tabby enquanto forçava Echo recuar até que esteve com as costas contra a parede. Literalmente.

O que realmente queria era o poder desta garota. Profetizar. Havia poder em profetizar, usado corretamente, embora julgando por este miserável apartamento, Echo não tinha tirado o benefício máximo de seus talentos. Que vergonha que algo tão extraordinário tivesse que ser desperdiçado nesta trêmula João ninguém.

Tabby às vezes sonhava que quando assassinava, absorvia os poderes da vítima. Deveria ser possível, deveria ser uma extensão de seu dom, mas até o momento não havia sido capaz de fazer com que acontecesse. Um dia, quando o poder estivesse alimentado corretamente como devia estar, encontraria a magia negra para receber o passo seguinte em sua própria evolução.

Desejando que o dom de profetizar pudesse de algum modo voar desta alma Raintree a sua própria, Tabby tocou a suave e pálida garganta da garota com a extremidade da faca. Fez um corte pequeno, e a garota ofegou, e oh! , a rajada de medo que encheu o ar foi saborosa, e muito, muito forte.

Poderia brincar com Echo Raintree toda a noite, mas Cael queria o trabalho terminado rápida e eficientemente. Ele havia insistido nisso a Tabby mais de uma vez, quando tinha recebido sua ordem. Este não era o momento de brincar e sim de ser um soldado. Um guerreiro. Por mais que gostasse da idéia de permanecer aqui mais um momento e se divertir com a Raintree, Tabby definitivamente não queria terminar na lista negra de Cael.

Sorriu e retirou muito lentamente a gota de sangue da garganta pálida da garota. Echo parecia ligeiramente aliviada, e Tabby deixou a assustada mulher acreditar, nesse momento, que isto era um roubo simples que logo terminaria.

Nada tinha terminado. Acabava de começar.

 

Capítulo 1

 

Segunda-feira, 3:37 a.m.

 

Quando o telefone de Gideon soava no meio da noite, era sinal de que alguém estava morto.

— Raintree — respondeu com voz cavernosa pelos resquícios do sono.

— Lamento te acordar.

Surpreso ao escutar a voz de seu irmão Dante, acordou instantaneamente.

— O que?

— Há um incêndio no casino. Poderia ser pior — adicionou Dante antes que Gideon pudesse perguntar. Mas é suficientemente mau, não quis que você visse no noticiário da manhã sem saber. Ligue para Mercy em algumas horas e diga que estou bem. Eu mesmo ligaria, mas vou estar muito ocupado durante os próximos dias.

Gideon se sentou, totalmente acordado.

— Se precisar de mim, estarei aí.

— Não obrigado, você deve tentar não subir em um avião esta semana, e tudo está bem por aqui. Quis somente telefonar antes que ficasse tão enrolado na burocracia que não pudesse telefonar.

Gideon passou os dedos pelo cabelo. Fora da janela, as ondas do Atlântico, batiam e se chocavam. Se ofereceu novamente para ir a Reno e ajudar. Poderia dirigir se fosse necessário. Mas Dante disse-lhe outra vez que tudo estava bem e então terminaram a ligação. Gideon reajustou seu alarme para cinco e meia. Poderia ligar para Mercy antes que ela começasse seu dia. O incêndio devia ter sido sério para que Dante estivesse tão seguro que sairia no noticiário nacional.

Com o alarme reajustado, Gideon caiu na cama. Talvez conseguisse dormir, talvez não. Escutou as ondas e deixou sua mente vagar. Com o solstício chegando em apenas uma semana, suas habituais anormalidades elétricas estavam realmente fora de controle. As ondas geralmente saiam de controle somente quando um fantasma estava próximo, mas nos últimos dias e na semana seguinte, não teria que adicionar um espírito carregado eletricamente para fazer com que os eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos ficassem loucos. Não havia nada pudesse fazer, exceto ser cauteloso. Talvez devesse tirar uns dias de folga, afastar-se totalmente da central de polícia e descansar um pouco. Fechou os olhos e sentiu o sono retornar.

Ela apareceu sem aviso, flutuando sobre os pés da cama e sorrindo para ele, sempre fazia isso. Essa noite usava um vestido branco transparente que chegava até os tornozelos nus, e seu longo cabelo preto estava solto. Emma, como disse que gostaria de um dia ser chamada, sempre vinha a ele na forma de uma menina. Era muito diferente dos fantasmas que o encantavam. Esta menina vinha somente em sonhos e não estava contaminada pela dor das privações da vida. Não carregava a necessidade de justiça, nenhum coração partido, nenhum remorso por algo não feito.

Em vez disso, ela lhe trazia sua luz, seu amor e a sensação de paz. E insistia em chamá-lo de papai.

— Bom dia, papai.

Gideon suspirou e sentou. Tinha visto pela primeira vez este peculiar espírito há três meses, mas ultimamente as visitas haviam se tornado cada vez mais freqüentes, cada vez mais reais. Quem sabe? Talvez havia sido seu pai em uma outra vida, mas nesta não seria o papai de ninguém.

— Bom dia, Emma.

O espírito da menina flutuou até parar aos pés da cama.

— Eu estou muito feliz — ela riu e o som era estranhamente familiar.

Gideon gostava dessa risada. Fazia coisas estranhas em seu coração. Se convenceu de que essa sensação de cálida familiaridade, não significava nada, absolutamente nada.

— Por que você está tão feliz?

— Virei logo para você, Papai.

Fechou os olhos e suspirou.

— Emma, querida, já disse a você centenas de vezes, eu não vou ter filhos nesta vida, então deixe de me chamar de papai.

Ela apenas riu novamente.

— Não seja bobo, papai. Você me terá para sempre .

O espírito que disse que seu nome seria Emma nesta vida tinha os olhos dos Raintree, seu próprio cabelo da cor de café e um toque de mel na pele. Mas ele não confiava em tudo o que via. Apesar de tudo, ela somente lhe aparecia em sonhos. Ia ter que deixar de comer nachos antes de ir para a cama.

— Odeio dizer isso a você, coração, mas para fazer um bebê tem que haver tanto uma mamãe quanto um papai. Não vou me casar e não terei filhos, por isso você terá que escolher algum outro para ser seu papi neste caso.

Emma não estava em absoluto preocupada.

— Você é sempre tão obstinado. Estou vindo para você, Papai. Estou vindo. Estou chegando a você em um raio de lua.

Gideon tinha tentado se relacionar romanticamente antes, e nunca tinha funcionado. Escondia tanto de si mesmo das mulheres em sua vida, que isso fazia com que nunca se aproximasse muito por alguém. E uma esposa e filhos? Esquece. De fato teria que responder diante do novo chefe, sua família e diante um interminável desfile de fantasmas.

Nunca se colocaria em uma posição em que se veria obrigado a responder diante alguém mais. As mulheres iam e vinham, mas se assegurava de que nenhuma, jamais se aproximasse muito ou ficasse demais.

Era trabalho de Dante se reproduzir, não dele. Gideon olhou para o armário, onde o último encantamento da fertilidade estava pronto para ser embalado e enviado. Uma vez que Dante tivesse seus próprios filhos, Gideon não seria mais o seguinte na linha sucessória para a posição de Dranir, o cabeça da família Raintree. Não pudia pensar em qualquer coisa pior do que em ser Dranir, exceto talvez casar e ter seus prórpios filhos. Seu irmão mais velho estava neste momento muito ocupado, por isso talvez poderia esperar alguns dias antes de enviar esse feitiço. Talvez.

— Tenha cuidado — disse Emma enquanto flutuava um pouco mais perto. É muito má, Papai. Muito má. Terá que ser cuidadoso.

— Não me chame de Papai — Gideon disse por acaso adicionou. — Quem é muito má?

— Você saberá logo. Cuida do meu raio de lua, Papai.

— Em um raio de lua —disse suavemente. — Que monte de…

— É somente o princípio — disse Emma, sua voz e seu corpo desaparecendo.

O alarme tocou, e Gideon acordou com um sobressalto. Odiava esse sonho estranho. Olhou para o armário onde o feitiço de fertilidade de Dante esperava, e então olhou para cima, quase esperando ver Emma flutuando ali. Os sonhos que estavam em contato com a realidade eram sempre os mais difíceis de se desprender.

Deixou a cama e os sonhos para trás, sentindo seu corpo e mente despertarem enquanto caminhava lentamente para as portas francesas que se abriam a uma pequena varanda privativa. Puxou as cortinas para mostrar o oceano, tirando forças da água como sempre fazia. Houve uma época em que tinha a certeza que o quebrar das ondas ocorria ao mesmo tempo das batidas de seu coração, havia tanta eletricidade no oceano que poderia sentir seu cheiro, saboreá-la.

Precisava ligar para Mercy e dizer o que tinha acontecido ao casino de Dante, e se encarregaria de fazer isso assim que estivesse com o café pronto. Temia dizer-lhe o que tinha acontecido. Mesmo que Dante estivesse bem, ela se preocuparia.

Depois de telefonar, iria ao escritório. Sabia sem dúvidas que Frank Stiles tinha assassinado Johnny Ray Black, mas ainda não tinha provas. As teria, pensou, com tempo. Pensou de novo sobre em tirar uns dias de folga, somente até que o solstício de verão passasse. Se tudo estivese quieto na central de polícia, poderia trazer as informações do caso para casa e de trabalhar aí.

As palavras finais de Emma resoavam em seus ouvidos, como se ainda estava lhe sussurrando.

- É somente o princípio.        

 

Capítulo 2

 

Segunda-feira, 10:46 a.m.

 

O pequeno apartamento tinha sido destruído. Os vidros quebrados brilhavam em um tapete bege impessoal; livros e enfeites cuidadosamente escolhidos tinham sido jogados da estante para o chão; uma caixa vazia de pizza estava jogada no chão; e alguém tinha passado uma faca através do velho sofá de couro vermelho situado no centro da sala. Teria sido o sofá cortado com a mesma faca que havia matado Sherry Bishop? Não sabia. Ainda não.

Gideon manteve os olhos no corpo de Bishop enquanto a mulher que estava atrás dele falava com voz rápida e alta.

— Pensei que talvez Echo tinha chegado mais cedo em casa e que tinha pedido pizza pelo celular, sabe? Ela gosta de comer tarde da noite, por isso nem sequer pensei… — ofegou. — Estúpida. Minha mãe vai me matar quando souber que deixei essa louca entrar no apartamento.

Gideon levantou os olhos e voltou a abaixá-lo. Essa era uma expressão que Sherry Bishop tinha usado centenas de vezes antes e que usava automaticamente agora? Ou ainda não tinha se dado conta que estava morta? Minha mãe vai me matar…

Parecia quase sólida, sentanda na cadeira atrás dele. Como era habitual, usava calças gastas justas na cintura, e uma camiseta de mangas curtas com a bainha curta para destacar o umbigo e o piercing usava ali. O penteado era novo.

Echo tinha encontrado o corpo essa manhã cedo, depois de voltar de uma viagem de fim de semana para Charlotte. Imediatamente o havia chamado, em vez de ligar para o 911. Até ali tinha considerado sua idéia de tirar uma semana livre. Gideon tinha feito os telefonemas necessários com seu celular, enquanto ia a caminho da cena. Depois de chegar, tinha falado com Echo no vestíbulo. Tinha acalmado-a o melhor que podia, e tinha estado lá para evitar que os primeiros policiais que chegaram entrassem e pudessem contaminar a cena do crime. Os agentes uniformizados ainda estavam no vestíbulo, tentando espiar o apartamento como crianças a quem não se permitia entrar na loja de doces. Ele alguma vez tinha sido tão jovem?

Todos estavam olhando, mas não podia se preocupar com isso. Já tinha a reputação de ser estranho; essa era a menor de suas preocupações.

— Você o conhecia? — perguntou suavemente.

— Ela — Sherry disse.

Uma mulher? Gideon voltou a olhar o corpo, e depois a desordem que a atacante tinha feito no apartamento. É muito má, papai. Muito má. Quando Emma tinha aparecido em seu sonho, Sherry Bishop estava morta há várias horas. Não somente morta, mas mutilada. Faltava o dedo indicador de sua mão direita, cortado depois de sua morte, a julgar pela pequena quantidade de sangue que tinha sido derramado. Um quadrado limpo em seu couro cabeludo, assim como uma parcela do cabelo loiro e rosa, também tinha sido removido. Custava-lhe muito aceitar que uma mulher tivesse feito aquilo, mas já deveria saber que tudo era possível.

— Você a conhecia?

O espectro negou com a cabeça. Parecia quase real, exceto que não era de todo sólida. Era como se fosse feita totalmente por uma névoa grossa. Seu cabelo loiro e rosa pontiagudo, as calças e a camiseta que usava, sua pele pálida. Tudo era ligeiramente menos que corpóreo.

— Abri a porta, ela avançou sobre mim e disse que não me machucaria se não gritasse, e então me golpeou na garganta e… — pôs uma mão e olhou atrás de Gideon para o corpo. Seu corpo. — Essa cadela me matou, não é?

— Temo que sim. Qualquer coisar que puder me dizer sobre ela será útil.

Sherry olhou o corpo e xingou.

— Me cortou um dedo? Como acha que vou tocar bateria… — O fantasma deixou-se cair contra o sofa. — Sim, já sei — suspirou. — Morta.

— Detetive Raintree? — Um dos policiais colocou a cabeça na sala. Está… eh bem…?

Gideon levantou uma mão sem olhar para o oficial.

— Estou bem.

— Eu o escutei… eh… falando.

Desta vez Gideon olhou para o rapaz. Com dureza.

— Estou falando comigo mesmo. Me avise quando chegarem os técnicos da unidade científica .

Escutou Echo começar a chorar de novo, e os oficiais se voltaram para confortá-la. Sua prima estava distraindo-os, por que sabia que poderia trabalhar em paz. Não havia nenhum homem vivo que não se importasse em confortar a Echo Raintree.

O fantasma de Sherry Bishop voltou a suspirar, e sua forma vibrou.

— Não podem me ver, não é?

— Não — sussurrou Gideon.

— Mas você pode.

Ele assentiu.

— E isso por quê?

Sangue. Genetica. Uma maldição. Um dom. Elétrons.

— Não temos tempo para falar de mim. — Não sabia quanto tempo Sherry Bishop permaneceria presa à terra. Talvez alguns poucos minutos mais, talvez uma hora, talvez algumas horas. Talvez exigiria que se fizesse justiça permaneceria até que seu trabalho terminasse, mas não tinha certeza. Nunca podia ter certeza. Os fantasmas eram pouco confiáveis.

— Me diga tudo o que você lembra da mulher que a atacou.

 

***

A detetive Hope Malory se apressou pelas escadas do velho edifício de apartamentos, reduzindo a velocidade de seus passos enquanto se aproximava do terceiro andar. Meia dúzia de tiras e um punhado de vizinhos se apinhavam pelo corredor na frente do apartamento da vítima, todos tentando espiar o interior como se estivesse acontecendo um grande espetáculo. Todos menos uma mulher baixinha com cabelo curto loiro com mechas rosa. Mantinha-se afastada, como se temesse ver o que acontecia no interior.

Hope inspirou profundamente e alisou o blazer azul marinho ao se aproximar. Esta manhã havia se vestido de forma profissional, como sempre, com calça e um blazer como qualquer outro detetive. Sua pistola estava guardada em um coldre em sua cintura, e usava o distintivo pendurado no pescoço, para que qualquer um pudesse ver claramente.

As únicas concessões que fazia a sua feminilidade eram um toque de maquiagem e os saltos de cinco centímetros. Quis passar uma boa impressão, já que era seu primeiro dia de trabalho. Depois de tudo o que tinha ouvido, sem importar o que dissesse ou fizesse, seu parceiro não ia se alegrar em vê-la.

Abriu caminho entre dois oficiais até a porta. Um deles sussurrou-lhe:

— Não pode entrar aí. — Ela parou um momento e observou o detetive Gideon Raintree trabalhar.

Havia estudado extensivamente sua ficha, como preparação para este trabalho. O homem era não apenas um bom policial, como também tinha uma porcentagem de casos resolvidos que aturdia a mente. Agora estava agachado, estudando o corpo e falando consigo mesmo em voz baixa. Atrás dele, uma lâmpada em uma mesinha auxiliar dirigia luz sobre seu corpo firme de forma curiosa, quase como se estivesse preso no foco. Todas as cortinas estavam fechadas, razão por qual a sala estava quase às escuras. Sabia que tudo estava como ele havia encontrado.

A fotografia na ficha de Gideon Raintree não lhe fazia justiça. Hope podia dizer isso de onde estava, a pesar de não ter uma vista clara de seu rosto. Era um homem muito bonito com um excelente corpo — o terno perfeitamente confeccionado não podia esconder isso — e o fato de que precisasse de um corte de cabelo não o deixava menos atraente. Nunca tinha sido capaz de resistir um cabelo longo em um homem, e este cabelo castanho muito escuro com uma ligeira ondulação chegava apenas um pouco mais abaixo do pescoço de Raintree. Sem importar a forma conservadora que se vestia, nunca poderia conseguir parecer convencional.

O terno que usava era caro; não o tinha comprado com o salário de policial, não a menos que houvesse vivido a base de macarrão e queijo durante o ano anterior. Era cinza escuro, perfeitamente à medida, e nunca atreveria a se enrugar. Os sapatos também eram caros, feitos com couro de qualidade. Tinha um bigode cuidadosamente aparado e cavanhaque, muito na moda, muito sagaz. Se não fosse pelo distintivo e pela arma, Raintree não se pareceria em nada com um policial.

Entrou na sala, contra o aviso sussurrado pelo oficial atrás dela. A cabeça de Raintree levantou-se de um golpe.

— Eu disse a você… — começou, mas não terminou a frase. A olhou com uns olhos intensamente verdes surpresos e inteligentes, e Hope pode olhar realmente pela primeira vez o rosto de Gideon Raintree. Faces e cílios como aqueles em um homem realmente deveriam ser ilegais, e a maneira em que a olhava, com esses olhoe semicerrados…

A lâmpada atrás dele explodiu.

— Sinto muito — disse ele, como se de alguma maneira tivesse feito a lâmpada explodir. — Eu não estou preparado para a unidade científica. Me dê alguns poucos minutos e sairei do seu caminho. — Seu tom era desdenhoso, e aquele a incomodou.

— Não estou com a unidade científica — Hope disse enquanto dava um cuidadoso passo a frente.

Ele levantou a cabeça de um golpe, e voltou a fulminá-la com o olhar, desta vez não tão cortesmente.

— Então vá embora.

Hope negou com a cabeça. Normalmente teria estendido a mão para um cumprimento profissional quandou houvesse se aproximado o suficiente, mas Raintree usava luvas brancas, por isso teria que manter a mão para si mesma. O firme e formal aperto de mãos que normalmente oferecia aos homens com quem trabalhava teria que esperar.

— Sou a detective Hope Malory — disse. — Sua nova parceira.

Ele não titubeou antes de responder com segurança.

— Meu parceiro aposentou-se há cinco meses, e eu não preciso de outro. Não toque em nada ao sair.

Estava demitindo-a. Raintree voltou sua atenção ao corpo no chão, embora agora tivesse menos luz para estudá-lo. A luz do teto era fraca, mas ela achava que dava a iluminação suficiente sobre a cena. Hope tinha tentado não olhar realmente o corpo, mas enquanto continuava ali de pé, se obrigou a assimilar a cena que tinha diante de si. Foi o cabelo que primeiro atraiu sua atenção. Como o da mulher do corredor, o cabelo da vítima era uma mistura de loiro e rosa brilhante. Estava vestida com jeans azuis gastos e uma camiseta que uma vez tinham sido branca, que anunciava um festival de música local. Tinha quatro brincos de ouro em uma orelha, e um na outra, e usava cinco anéis no total —uma combinação de ouro e prata — em seus dedos esbeltos. Nos nove. O estômago de Hope saltou. Haviam arrancado um dedo, e havia um ferimento na parte superior da cabeça da vítima, como se alguém tivesse tentado arrancar seu couro cabeludo.

Esse mesmo alguém que havia cortado sua garganta.

Hope inspirou profundamente para se acalmar, e então decidiu que não tinha sido uma boa idéia. A morte não era bonita, e tampouco cheirava bem. Ele, é claro, tinha visto cadáveres antes. Mas não tinham estado assim tão frescos, ou tão destruídos. Era impossível não ser afetado pela visão.

Raintree suspirou.

— Você não vai embora, não é?

Hope negou com a cabeça, e tentou cobrir cuidadosamente o nariz e a boca com uma mão.

— Bem — disse Raintree abruptamente. — Sherry Bishop, vinte e dois anos. Era solteira e não tinha nenhum relacionamente significativo no momento de sua morte. Estava curta de dinheiro, por isso roubo é pouco provável. Bishop era baterista em uma banda local, e também garçonete em uma cafeteria do centro, para chegar ao fim do mês.

— Se estava em uma banda, talvez um fã se fixou nela — Hope sugeriu.

O homem que continuou agachado no chão negou com a cabeça.

— Foi assassinada por uma mulher canhota com cabelo longo e loiro.

— Como você adivinhou essa informação ns últimos, o que, vinte minutos?

— Quinze. — Gideon Raintree pôs-se lentamente de pé.

Media mais de um metro e oitenta e três centímetros — um e oitenta e cinco, para ser exato, de acordo com sua ficha — por isso Hope teve que inclinar o pescoço para o olhar nos olhos. Sua pele era cálida, beijada pelo sol, e estando tão próximo, o verde de seus olhos era francamente extraordinário. O cavanhaque e o bigode lhe davam uma aparência quase diabólica, e de alguma forma lhe caia bem. Quando seus olhos se semicerravam e ficavam alertas, como agora, ele tinha, um aspecto realmente duro, como se não possuísse mais coração que os assassinos que perseguia. Sentindo-se mais do que pouco intimidada, Hpe baixou os olhos para sua gravata azul da seda.

— Pelo ângulo do ferimento, parece que o atacante suspendia a arma na mão esquerda — explicou. — O forense confirmará isso, estou certo disso.

Pelo que tinha ouvido, Gideon Raintree sempre estava seguro de si mesmo. E sempre tinha razão.

— Você disse ela. Como pode saber que a assassino é uma mulher?

Gideon concordou com a cabeça.

— Há um único cabelo loiro longo na roupa da vítima. Um cabelo tão longo em um homem é possível, mas pouco provável. Outra vez, o forense terá que confirmar.

Muito bem, era observador. Tinha feito isso antes. Era bom.

— Como você pode saber todos os detalhes pessoais de sua vida? — perguntou Hope. Bateria. Sem namorado. Garçonete em uma cafeteria. Rapidamente repassou a sala em busca de pistas e não encontrou nenhuma.

— Sherry Bishop era companheira de apartamento de minha prima Echo.

Hope concordou. Tentou permanecer impassível, mas o odor a estava enjoando.

Raintree a olhou atravessando-a com aqueles seus olhos estranhos.

— Este é seu primeiro homicídio, não?

Outra vez Hope concordou.

— Se você vai vomitar, faça isso no vestíbulo. Eu não quero que você contamine minha cena do crime.

Que consideração.

— Não vou contaminar sua cena do crime.

— Bom. Se você insiste em ficar por aqui, interrogue os vizinhos e preste atenção para ver se escutaram algo na noite passada, ou esta manhã cedo.

Com muito prazer. Hope voltou a assentir outra vez e girou para escapar da sala, deixando Gideon Raintree sozinho com o corpo. Estava completamente certa que estava mais confortável com a mulher morta que com ela.

 

***

Sua nova parceira estava interrogando amavelmente vizinho enxerido, e os técnicos da unidade científica estavam fazendo seu trabalho dentro do apartamento. Gideon sentou ao lado de Echo nas escadas que levavam ao quarto andar.

— Está aqui? — perguntou Echo suavemente.

Ninguém prestava atenção a eles nesse momento. Gideon não esperava que isso durasse muito.

— Está sentada atrás de nós.

Embora Echo soubesse que não poderia ver nada, olhou por cima do ombro as para os degraus vazios.

— Sinto muito. Deveria ter sabido.

Como Bishop, Echo tinha vinte e dois. Tinha um talento incrível — como guitarista e como adivinha — mas tinha pouco controle ou nenhum sobre seu dom de profecias. Chamá-la psíquica não era totalmente correto. Não poderia dizer onde você tinha deixado a carteira ou se você casaria no ano seguinte, mas via disastres. Sonhava com inundações e terremotos. Seus pesadelos transformavam-se em realidade.

Gideon tinha um toque de habilidade precognitiva, mas não o suficiente para que fosse uma diferença significativa. Simplesmente seus instintos eram um pouco mais apurados que o normal, mas não sonhava com catástrofes nem as experimentou como se estavesse lá…, lá e incapaz de fazer algo para parar o que se aproximava. Comparado ao poder de Echo, considerava que falar com os mortos era um paseio no parque.

— Foi indolor — disse Gideon enquanto rodeava com o braço os ombros de Echo. — Nem soube o que aconteceu.

— Que monte de besteiras — guaguejou Sherry, com voz amarga. Doeu como o inferno!

Afortunadamente, ninguém salvo Gideon a escutou.

— Por que alguém mataria Sherry? — perguntou Echo. As lágrimas não tinham parado, mas agora eram mais suaves. Constantes, mas calmas. — Todos gostavam dela.

— Não sei. — Algo que Gideon não gostava incomodava sua mente. Bishop não tinha reconhecido sua assassina. Nunca havia suspeitado que sua vida estivesse em perigo. Não havia nenhuma razão lógica para que estivesse morta, e muito menos selvagemente mutilada. Em cada caso que tinha tido desde que tinha se mudado para Wilmington há quatro anos, a vítima sabia o nome de seu assassino. As drogas eram o motivo habitual, mas tinha havido alguns crimes de paixão mal resolvidas. Um homicídio por parte de um desconhecido era algo raro. Com algumas notáveis exceções, era preciso uma conexão pessoal para que acontecesse um assassinato.

Não queria assustar sua prima, mas havia uma possibilidade que não podia ignorar.

— Você tem tido alguma visão ultimamente em estivese em perigo?

Echo não precisou que perguntasse duas vezes.

— Você acha que a pessoa que matou Sherry estava atrás de mim?

— Filha de uma cadela! — Sherry disse suavemente. — Nunca deveria ter tingido o cabelo de loiro e rosa como o de Echo. Pensamos que seriam uma coisa muito boa para a banda, sabe? Uma marca pessoal. Uma… uma coisa… — Fez um biquinho. Eu achei que era muito fofo.

— É só uma possibilidade — disse Gideon suavemente. — Olhe, você não vai ser capaz de ficar lá durante um tempo, por isso eu quero que você procure um lugar onde você possa ficar, e eu quero que fique lá até que resolva isso. Onde estão os seus pais?

— Em St. Moritz.

Lógico.

— Não quero que você vá tão longe. — Além disso, os pais de Echo eram praticamente inúteis em uma crise. — Você pode ficar na minha casa durante alguns dias.

Echo suspirou e apoiou a cabeça nas mãos.

— Nós temos uma apresentação no próximo fim de semana, estão estou livre até então. Posso ligar para a cafeteria e dizer que não irei esta semana, e depois poso ir para Charlotte e ficar com Dewey até sexta-feira.

Dewey. Genial. O sujeito era um saxofonista e com um aspecto bobão que Echo gostava, embora ela insistisse que eram simplesmente amigos. Mesmo assim, poucos dias com Dewey seriam melhores que ficar por aqui, se houvesse alguma possibilidade que o assassino tivesse ido atrás de Echo, e não de Sherry.

— Me ligue antes de voltar à cidade. Pode ser que tenha que cancelar a apresentação.

Echo não protesteu, como ele pensou que talvez faria.

— Talvez devêssemos cancelar tudo. Nunca encontraremos uma baterista para ocupar o lugar de Sherry. E se nós o fizermos , não será o mesmo.

Gideon não via Echo com freqüência. Era doze anos mais velho que ela, e não tiveram interesses em comum. De fato, sua prima tinha uma veia selvagem que o fazia ranger os dentes. E não é que houvesse sido sempre um santo. Mas eram uma família, a vigiava de vez em quando. Inclusive tinha ido a um clube cheio de fumaça para ver sua banda tocar algumas vezes. A música era muito barulhenta e colérica para seu gosto, mas as meninas pareciam estar completamente bem.

Ela tinha razão. Nunca seria igual.

— Você parece cansada.

Echo encolheu os ombros.

— Se supõe que tenho que trabalhar a tarde, já sabe, na cafeteria, por isso fiquei acordada toda a noite em vez de voltar para casa ontem a noite ou tentar me levantar cedo esta manhã para dirigir de volta. Você sabe quanto detesto me levantar cedo.

— Sim, eu sei.

— Simplesmente tinha mais sentido ficar acordada e dirigir de volta para arranjar algo para comer antes de… — Sua voz se apagou. Acho que deveria telefonar para Mark e dizer que não irei hoje, e que Sherry não… já sabe.

Era difícil dizer em voz alta. Sherry Bishop não retornaria ao trabalho. Nunca.

Gideon tirou a chave de sua casa de um bolso e a estregou a Echo.

— Durma algumas horas em minha casa antes de ir para Charlotte. Você não deveria sair para a estrada em seu estado. — Ela concordou e deslizou a chave em seu bolso dianteiro. — Deixe o celular ligado — Gideon adicionou.

Nenhum dos Raintree anunciava seus presentes, mas talvez alguém que havia descoberto a habilidade de Echo quisesse silenciá-la. Por algo que tinha visto ou que talvez veria? E por que levar um dedo e um fragmento de couro cabeludo? So isso já levava o caso além de qualquer outro com que tivese trabalhado, mas não o ajudava. Tudo o que tinha eram perguntas. Teorias. Mais perguntas.

Quando abaixou as escadas, Sherry Bishop o seguiu.

— Você vai encontrar que me fez isso, não é?

— Vou tentar.

— É tão merdamente injusto. Tinha planos para minha vida, sabe. Grandes planos. Estava esperando que alguma vez me convidasse para sair. Quero dizer, você é mais velho e tudo isso, mas de qualquer forma está realmente bem.

— Certo, obrigado — Gideon murmurou.

Sherry preguejou.

— Não tive oportunidade de usar minhas botas novas! Eram realmente bacanas, e as comprei em promoção — suspirou. — Merda. Diga a Echo que pode ficar com elas.

— Eu direi.

Gideon parou no pé das escadas e olhou sua nova parceira enquanto interrogava uma anciã com cabelo cinzento encaracolado. Gostava de trabalhar só. Fazia com que fosse muito mais fácil falar com as vítimas. Seu último parceiro tinha decidido finalmente acreditar que Gideon falava consigo mesmo e que tinha grandes pressentimentos com regularidade. Hope Malory não parecia que ia fazer as coisas as mais fáceis. Não parecia ser daquelas que aceitavam as coisas que não entendiam.

Ele apreciava as mulheres. Não tinha planos de se casar ou de inclusive se envolver em uma relação séria, nunca, mas isso não significava que vivesse como um monje. A maioria das mulheres eram atraentes de algum modo; todas tinham uma característica ou duas que poderiam captar e prender a atenção de um homem por um tempo. Hope Malory era muito mais que atraente. Era uma beleza clássica. Cabelo negro, aquele lhe chegava o queixo, e caia sobre seu rosto, espesso e sedoso. Sua pele era cremosa e pálida, e perfeita, seus olhos de um sereno azul escuro, seus lábios cheios rosados. Era alta, de pernas compidas e esbelta, mas com curvas em todos os lugares certos. Tinha o rosto de um anjo, um corpo que ele não abandonaria e usava uma pistola como se soube usa-la. Isso a transfrmava na mulher perfeita?

Um brilho de pura eletricidade cruzou-lhe o corpo. As luzes do vestíbulo piscaram, fazendo com todos os que permaneciam ali olhassem para cima. Pelo menos, desta vez não explodiu nada.

— Vai prendê-la, não é? — Sherry Bishop insistiu.

Gideon observou Hope tomar umas notas rápidas, e depois fazer outra pergunta a vizinha.

— Prende-la? Agora mesmo nem sequer estou planejando persegui-la. É bonita, mas não é meu tipo, e nunca é uma boa idéia misturar os negócios com o prazer.

— Tira sua mente das calças, Raintree — Sherry disse abruptamente. Não estou falando de sua nova parceira, mas da mulher que me assassinou.

Não tirou os olhos de Malory enquanto respondia.

— Vou tentar.

— Echo diz que você é o melhor — Sherry disse mais amavelmente.

— Ela diz isso? — Hope Malory olhou para ele, encontrando seu olhar, e rapidamente retornou sua atenção a vizinha.

— Sim, e é o melhor seja rápido, Raintree.

 

Gideon girou para olhar para Sherry Bishop. Ela havia se desvanecido consideravelmente desde que sairam do apartamento. Logo teria que seguir adiante, ir para casa, estar em paz. Assim é como deveria ser, mas quando isso acontecesse seria muito mais difícil para ele se comunicar com ela. Poderia ser possível, mas naturalmente não seria tão fácil quanto agora.

Malory se dirigiu para ele com passadas longas e relaxadas, que falavam de canfiança e graça. Havia tomado notas obedientemente, e estava certo que seriam meticulosas.

— Nada — disse suavemente quando estava mais perto. — A Sra. Tarleton, que vive na porta logo ao lado, está praticamente surda, e o outro vizinho esteve fora até até esta manhã. Ninguém escutou nada. Todos gostavam da vítima e sua prima, embora fossem, como disse a Sra. Tarleton, jovens e um pouco selvagens. — Olhou atrás de Gideon, o espaço nas escadas. — Talvez deveria falar com sua prima.

— Não.

Ela o olhou nos olhos e elevou as sobrancelhas ligeiramente.

— Não?

— Eu já falei com Echo.

— É sua prima, o que significa que você está muito próximo dela para ser objetivo. Além disso, você é um homem.

— Faz com que pareça como se fosse algo mau.

— Pode ser. O fato é que pode ser que ela me diga coisas que não diria a você.

— Duvido.

A mulher eriçou-se.

— Você pelo menos deveria trabalhar neste caso? Apesar de tudo, você tem uma conexão pessoal aqui.

— Vi Sherry Bishop apenas uma vez. Talvez duas. Não há nenhuma razão…

— Não estou falando de sua relação com a vítima, Raintree. Até que nós a eliminemos, sua prima é a suspeita natural.

— Echo não machucaria ninguém.

— Isso, diga a ela, Gideon — disse Sherry com voz irritada. — Como se atreve a insinuar que Echo me faria isso?

— Você não é objetivo — insistiu Malory.

Gideon fez todo o possível para ignorar as divagações de Sherry, que não tinham nada a ver com sua morte.

— Estabeleceremos primeiro o álibi de minha prima, se a faz se sentir melhor. Uma vez que seja eliminada de sua lista dos suspeitos, talvez esteja de acordo com você se eu fizer meu trabalho.

— Não há nenhuma razão ficar sarcástico.

Gideon se inclinou ligeiramente e baixou a voz.

— Detetive Malory, se você tem a intenção de ser minha nova parceira, suponho que não há muito que possa fazer a respeito. Não neste momento, em todo caso. Mas nos faça um favor a ambos e aja como uma detetive, não como uma criança pequena.

Suas fossas nasais se alargaram. Ah, havia tocado em um ponto fraco.

— Eu não sou uma criança, Raintree, você…

— Selvagem — interrompeu ele. — Uma palavra que um homem de verdade não usa em nenhum momento.

— Bem — disse ela com brusquidão desnecessária. — Simplesmente grunhirei um bocado e coçarei o traseiro de vez em quando, e então talvez eu me encaixe.

Sherry fez uma careta.

— Aposto que uma garota como ela nunca coça o traseiro.

A verdade do assunto é que Gideon sabia que não importava que Hope Malory fizesse ou dissesse. Ia pegar no seu pé. Gostasse ele ou não, estava ali, e ia ficar, até que encontrasse uma maneira de se livrar dela. Fora de vista, fora da mente, correto? Não é como se fosse a única mulher bonita de Wilmington.

Não precisa de uma parceira; não queria uma; nunca funcionaria. E ao final, não teria importância.

Malory não duraria muito tempo.

 

Capítulo 3

 

Segunda-feira, 2:50 p.m.

 

— Vamos Almoçar? — Gideon lançou um breve olhar a sua nova parceira, enquanto girava na estrada. O vento fazia voar o cuidadosamente penteado e lustroso cabelo de Malory para seu rosto. Poderia ter colocado a capota do carro, supôs. Mas por que facilitar-lhe as coisas? Havia insistido em vir e ele em dirigir. Ela não precisava saber o que poderia acontecer a seu novo e desvantajoso carro elétrico, se ele estivesse muito perto no momento errado.

— Eu acho que você queria falar com o dono do clube — gritou para que a ouvisse por cima do vento.

— Não chegará dentro de até quatro horas ou mais tarde.

Já haviam falado com o proprietário da cafeteria onde Bishop e Echo haviam trabalhado nos últimos sete meses. Mark Nelson não sabia nada de interessante, mas Gideon desejou retornar essa noite e dar uma olhada por lá. Talvez o assassino estaria lá, observando a reação à notícia da morte de Sherry Bishop.

— De acordo — disse Malory a contragosto. — Poderia comer algo, eu acho.

Ela soava desprovida de entusiasmo, mas Gideon imaginou que nunca admitiria que a cena do assassinato tinha diminuído seu apetite.

Deu algumas voltas pelas ruas estreitas do centro e entrou no estacionamento do café de Mamãe Tanya. Era muito tarde, o movimento do almoço havia terminado. O estacionamento de cascalhos estava praticamente deserto.

— Onde estamos, Raintree? — perguntou Malory desconfiadamente. Dando uma olhada para a pequena construção de blocos de concreto que poderia precisar de uma pintura, um balde de spackle e talvez uma janela ou duas.

— Mamãe Tanya — disse, abrindo sua porta e saindo. O melhor alimento espiritual da cidade.

Ela o seguiu, seus saltos rangendo no cascalho.

—Se está tentando me assustar… — murmurou.

Gideon a ignorou e entrou no fracamente iluminado restaurante sem janelas. Não havia brincado quando disse que era o melhor lugar na cidade para alimentar o espírito. Também era um bom lugar, cheio de boas pessoas, mesmo os fantasmas que se deixavam cair por aí eram felizes.

— Detetive Raintree. — A própria Tanya o recepcionou com um sorriso que aprofundava as rugas de seu rosto calmo. — O de sempre?

— Sim — ocupou seu lugar habitual.

Tanya olhou para Malory e levantou as sobrancelhas ligeiramente

— E para você, jovenzinha?

— Quero apenas uma salada, com vinagrete separado.

O pedido foi recebido com uma surpresa silenciosa. Gideon olhou para Tanya enquanto Malory se unia ele.

— Simplesmente traga-lhe o mesmo que o meu.

Malory começou a discutir, mas pareceu pensar melhor.

— E se eu não gostar do que você pediu? — perguntou quando Tanya estava longe para poder escutá-los.

— Você gostará — disse ele.

Era a primeira vez em todo o dia em que estavam sozinhos em um lugar tranqüilo, e tinha a oportunidade de estudar Hope Malory criticamente. Seu cabelo estava revolto pelo paseio no conversível. Havia tentado alisá-lo com as mãos mas não tinha tido tempo de ir toalete para se arrumar melhor. Suas faces estavam rosadas, tinha olhos perspicazes. Perspicazes do tipo “não faço prisioneiros”. Homem. Era bonita.

E era um incômodo.

— Então. O que você faz aqui?

— Exatamente, espero uma salada — disse calmamente.

— Em Wilmington — esclareceu ele. Este é um departamento relativamente pequeno. Eu conheço os detetives de outras divisões e conheço os uniformes. E você não é um deles, então como você terminou nesta imprudente provisória designação como minha parceira?

Ela não mordeu a isca.

— Me transferi de Raleigh, trabalhei na antidrogas dois anos.

Estava surpreso, ela parecia tão jovem para ter sido detective durante dois anos.

— Que idade tem?

Ela não pareceu se ofender pela pergunta como fariam algumas mulheres.

— Vinte e nove.

Estão ia pela via rápida. Ambiciosa, inteligente, talvez um pouco egoísta.

— Por que a mudança?

— Minha mãe vive em Wilmington, precisa da família perto, então decidi que era hora de voltar para casa.

— Está doente?

— Não. — Malory se retorceu um pouco, obviamente se sentindo incômoda com a natureza pessoal da conversa. — Caiu no ano passado, não foi nada sério, teve uma torção no tornozelo e mancou durante algumas semanas.

— Mas você se preocupou — disse ele. Claro que sim. Malory era tão séria, tão implacavelmente dedicada e responsável. Se algo tivesse aconteciso a sua mãe, veria isso, de alguma maneira, como responsabilidade dela. Estão estava ali.

— Me preocupou um pouco— confessou. — E você? — perguntou rapidamente mudando o assunto da conversa. — Tem familiares próximos? Com exceção de Echo.

As pessoas que faziam muitas perguntas sempre o deixavam nervoso. Por que precisava saber de sua família? Claro, ele havia começado a conversa pessoal. Uma mudança de rumo, era justo, supôs.

— Eu tenho uma irmã e um sobrinho que vivem a oeste do estado a algumas horas de distância. Um irmão em Nevada e primos por aí onde olhar.

Esse último produziu um sorriso pequeno nela. Bonita, talvez não fosse completamente séria, depois de tudo.

— O que aconteceu com seus pais? — perguntou ela.

— Mortos.

Seu sorriso diminuiu rapidamente.

— Sinto muito.

— Assassinados quando eu tinha dezessete anos — disse ele sem emoção. — Algo mais que você deseja saber?

— Não queria ser curiosa.

Claro que ela não queria, mas sua resposta afiada tinha cortado toda a conversa, exatamente como havia esperado. Essa mulher poderia fazer um inferno de sua vida em muitos níveis fazendo somente metade do esforço. Um conceito aterrorizante.

Tanya colocou dois pratos abarrotados sobre a mesa junto com dois grandes copos de chá gelado.

— Raintree — disse Malory com voz baixa depois que Tanya se afastou. — Tudo no meu prato exceto os nabos verdes está frito.

— Sim — respondeu ele enquanto começava a comer com entusiasmo. — Boa matéria.

Ambos se concentraram em comer. Hope ligeiramente menos entusiasmada que Gideon, apesar de que depois de algumas colheradas relaxou e começou a apreciar a comida. Gideon estava agradecido pelo silêncio, mas também o deixava um pouco nervoso, porque havia um grau de bem estar nisto.

Não desejava ou precisava de um parceiro, tinha tolerado León durante três anos e meio, ao final haviam formado uma equipe bastante boa. Gideon resolvia os casos e o León fazia a pepelada e se encarregava das besteiras. No fim do dia ambos estavam bem e todos felizes. Hope Malory não parecia uma pessoa feliz.

— Acho que já matou antes - disse com uma voz suave.

Gideon voltou a cabeça e olhou o lugar desocupado atrás dele. Bem, havia estado desocupado desde que Sherry Bishop chegou, parecia menos sólida do que havia estado no apartamento, mas era definitivamente ela.

— O que? — perguntou suavemente.

— Raintree você está… — Malory começou.

Fez calar sua nova parceira com um ligero movimento de mão mas não separou os olhos de Sherry

— A mulher que me assassinou — disse o fantasma. — Não estava assustada ou nervosa, apenas impaciente. Excitada, da mesma forma em que Echo e eu ficavámos antes de uma apresentação, acredito que gostou, acredito que se divertiu me assassinando.

— Raintree — disse novamente Malory, com voz mais aguda do que antes.

Gideon voltou a mover a mão, desta vez com um dedo levantado para indicar silêncio.

— Sacuda esse dedo de novo para mim e o quebro.

Sherry Bishop desapareceu, e Gideon girou para enfrentar uma aborrecida e confusa Detetive Malory.

— Sinto muito — disse ele. Estava apenas pensando.

— Você tem uma maneira estranha de pensar.

— Já escutei isto antes.

Algo em sua expressão mudou. Os olhos se suavizaram, seus lábios se alargaram, e algo pior que o enfado apareceu. Curiosidade.

— Mas aparentemente funciona — disse ela. Como faz isso?

— Pensar? — Sabia o que estava perguntando, simplesmente não desejava seguir por aí.

— Nunca conheci um detetive com uma ficha como a sua, exceto por esse caso do ano passado, seu histórico é impecável.

— Sei que Stiles fez isso, somente não posso provar. Ainda.

— Como? — murmurou ela. — Como você sabe?

Era mas fácil fingir que era como os demais quando a pergunta aparecia. Tinha um dom para ver as pequenas coisas que os outros não notavam. Tinha um olho para os detalhes; podia ver padrões, estava dedicado a todos e cada um dos casos. Todas essas coisas eram certas, mas não o motivo de seu histórico impecável.

— Falo com os mortos.

A resposta de Malory foi imediata e não de todo inesperada, riu as gargalhadas. A risada fez maravilhas em seu rosto. Seus olhos piscaram, suas faces ficaram rosadas, seus lábios se curvaram nos cantos. Isto atingiu Gideon tão bruscamente que se sentiu muito relaxado com Hope Malory. Essa risada era agradavelmente familiar. Poderia se acostumar a ela… E não podia permitir que isso acontecesse.

 

***

Hope conduziu lentamente em frente a casa de Raintree, e a visão da casa não aliviou suas suspeitas em absoluto.

A casa de três andares da cor cinza pálido de estilo Carolina situada em Wrighstville Beach não havia sido comprada com o salário de policial, isso era certo. Esta era uma das áreas ao longo da orla e ele possuia uma das casas mais bonitas. Já havia feito algumas indagações e sabia o quanto tinha pago pelo lugar quando havia se mudado quatro anos antes.

Tinha uma garagem para três carros no final de um caminho curto e pavimentado. Sabia, mesmo que as portas da garagem estivessem fechadas, que cada vaga estava ocupada. Raintree possuiu um Mustang 66 preto, o conversível que havia dirigido hoje; um Chevy de 57 Bel Air, turquesa e creme; e um Dodge Challenger de 74 em vermelho-rally, o que quer que isso significava.

Dinheiro a parte, ninguém era tão bom policial quanto Gideon Raintree parecia ser. A maior parte dos assassinatos que tinha resolvido eram os assuntos de drogas, o que podia muito bem significar que ele estava em contato com alguém no entorno dos traficantes. Alguém suficientemente importante para ter seu próprio tira. Seu novo companheiro estava envolvido com os elementos criminosos em Wilmington?

Eu falo com os mortos, era um merda.

As casas nessa parte da praia eram impressionantes, mas o espaço era mais caro que seu preço real, e estavam construídas muito próximas. Uma casa colorida depois de outra se enfileiravam nessa rua e o bom gosto de Raintree havia pintado de cinza uma das melhores. Por que ninguém havia questionado seu estilo de vida?

Cada detetive que conhecia havia procurado trabalhar com homicídios. Este era perfil elevado, era importante. E cinco meses depois de seu companheiro se aposentar, Raintree ainda trabalhava sozinho, ou havia feito, até que ela chegou. O novo chefe havia lhe dito que os outros detetives não estavam interessados em trabalhar com Raintree. Não queriam ser deixados de lado, ser sempre o segundo homem na equipe, ou seja, que sabiam que Raintree gostava de trabalhar sozinho e não desejaram ser ele a criar problemas. Em outras palavras, se não está quebrado, não o conserte.

Hope nunca havia se importado em criar problemas.

Talvez existiam respostas completamente razoáveis para suas perguntas sobre Raintree. Mas talvez não. Ela tinha que saber antes de se envolver profundamente. Antes de confiar nele, antes de aceita-lo.

Sabia em seu interior que Raintree era um mentiroso. Claro que mentia por uma razão básica. Possuia um pênis, a pergunta era O quanto mentiroso era?

Hope estacionou seu Toyota azul no final da rua, onde alguém realizava uma reunião e um carro extra não se notaria e retrocedeu até a casa de Raintree. Era improvável que pudesse ver algo a tão altas horas da noite, mas era curiosa e estava excitada, o que não a deixaria dormir. Já que sua mãe nunca ia para a cama antes das 2:00 da manhã e o apartamento em cima da loja era pequeno, conseguir dormir não era tão fácil, em todo o caso.

A casa, os ternos caros, os carros… Raintree estava metido em algo.

O recém aposentado companheiro, León Franklin, saiu tão limpo quanto um assobio quando olhou em seu passado. Franklin tinha um pouco de dinheiro no banco, mas não muito. Uma boa casa, mas não tão boa. E todos com quem havia falado tinham dito que Gideon Raintree era o cérebro da operação. Cuidava de cada caso de homicídio em Wilmington e resolvia todos. Não era natural.

Hope deslizou na escuridão entre a casa de Raintree e a, de um amarelo menos subtle, ao lado desta. Havia se vestido de negro para esta saída, por isso se mistou com as sombras. Não ia entrar pela janela e apanhar Raintree em flagrante, mas quanto mais soubesse deste sujeito melhor seria. Não havia nada de mal em bisbilhotar um pouco.

O movimento na praia capturou sua atenção e voltou a cabeça nessa direção. Falando no do diabo. Gideon Raintree voltava de um nado. Seu longo cabelo preto alisado para trás, água gotejando do peito. Andou pela areia até seu próprio caminho particular iluminado. Quando a luz que iluminava a passarela de tábuas bateu sobre ele, conteve a respiração por um momento. Usava um jeans velho cheio de buracos que haviam sido cortados sobre o joelho e que se situavam muito abaixo de sua cintura graças ao peso da água. Não usava nada mais exceto um pequeno amuleto de prata pendiam de um cordão negro em torno de seu pescoço.

— Gideon. — Uma voz melodiosa o chamou da casa amarela próxima a sua. Ele parou no assoalho de madeira e levantou a cabeça enquanto sorria para a loira que se inclinava sobre a varanda. Hope não tinha visto, entretanto, uma amostra de um sorriso como aquele durante todo o dia. Sim o sujeito era definitivamente um problema.

— Oi Honey. — Raintree se apoiou de encontro a grade da passarela e elevou o olhar.

— Faremos uma festa sábado a noite — disse Honey. — Quer vir?

— Obrigado mas provavelmente não, estou trabalhando em um caso.

— A garota que vi no noticiário? — disse Honey diminuido seu sorriso.

— Sim.

Outra mulher, uma morena desta vez se juntou a Honey na grade da varanda.

— Você resolverá o caso até sábado — disse com segurança.

— Se conseguir eu comparecerei.

Ambas as mulheres se apoiaram de encontro a grade, as duas usavam escassos trajes de banho, como faria qualquer habitante da praia que se prezasse, em uma noite morna de junho. Praticamente pavoneavam em benefício de seu vizinho.

Raintree era o tipo de homem que atraia uma mulher superficial. Imaginou Hope. Era bem apresentável e possuia contas bancárias e o tipo de encanto que nascia da auto-estima. Com esses olhos e face e como se viam as calças cortadas poderia fazer uma mulher idiota perder o coração.

Hope nunca havia sido idiota.

— Por que não sobe e toma algo conosco? — perguntou Honey como se a idéia houvesse surgido de repente na cabeça embora provavelmente esteve plenejando dizer isso a seu vizinho desde o momento em que o tinha visto na praia.

— Sinto muito, não posso. — Raintree se voltou para sua casa e para Hope e olhou para ela como se realmente a visse. — Tenho companhia.

Hope conteve a respiração. Não era possível que podesse ve-la. Alguém mais estava para chegar, ou talvez procurava uma desculpa para ser educado. Como se qualquer homem com sangue nas veias rejeitaria um “drinque” com Honey e a morena idiota.

— Companhia? — se lamentou Honey.

— Sim. — Raintree se apoiou novemente contra a grade da pasarela e olhou o lugar escuro entre as duas casas. — Meu novo parceiro está para chegar.

Hope murmurou algumas maldições em voz baixa que quase nunca usava e Raintree sorriu como se podesse escuta-la. Era impossivel, claro, tão impossível como se pudesse vê-la de pé entre as sombras.

— Traga ele aqui acima — disse a morena. — Quanto mais melhor.

— Ela — repondeu Raintree sem olhar para suas vizinhas. — Meu novo parceiro é uma garota.

Ele havia dito “garota” somente para chatea-la, Hope sabia e por essa razão fez seu melhor esforço para não reagir a brincadeira.

— Oh — suspirou Honey. — Bem, pode trazê-la. Eu acho.

Soou decididamente menos excitada de repente.

— Obrigado, mas vamos passar dessa vez. Temos que conversar sobre o trabalho, não é detetive Malory?

Apanhada. Hope deu alguns passos até ficar sob a luz suave que provinha de ambos os terraços. Aparentemente era muito tarde para se esconder. Raintree era perigoso? Talvez fosse. Parecia o suficientemente perigoso. Mas estava armada e soubia como se defender, se tivesse que fazer isso. De alguma maneira não tinha pensado que tivesse.

— Está correto — disse ela enquanto caminhava através da areia e da grama da praia para a pasarela.

— Há quanto tempo está aí? — perguntou Honey.

— Somente alguns minutos.

— Definitivamente não disse nada.

— Somente admirava a vista.

A morena suspirou.

— Estamos certas que entedemos isso.

Hope se sentiu enrubescer. Havia querido dizer a praia, naturalmente, mas pelo tom da voz das idiotas, talvez pensaram que queria dizer… Oh não! Não queria que Raintree pensasse que desfrutava em admirar a ele. Ainda que fizesse isso.

— Gosto de água.

— Eu também — disse Gideon.

Hope saltou facilmente sobre a grade e uniu a ele.

— Vamos entrar — disse ele dando as costas e começando a andar pelo caminho. — Suponho que você esta aqui para falar do caso Bishop.

— Sim — disse ela alegremente. — Eu espero que não se importe que tenha vindo desta maneira.

Ele a olhou por sobre o ombro e sorriu peversamente divertido.

— Por nada detetive Malory, por nada.

 

***

Ela estava atrás de algo. A bela detetive Hope Malory estava tão tensa, tão cheia de seu próprio tipo de eletricidade, que se ele pusesse as mãos sobre ela, provavelmente ambos explodiriam. Não era necessariamente uma idéia má.

— Vou me trocar. — Gideon fez um gesto para a cozinha. — Se sirva de algo para beber, volto em um instante.

Echo havia dormido lá por algumas horas e depois havia dirigido até Charlotte. Havia falado com ela pelo telefone, antes de sair para dar um mergulho rápido. Ela ainda estava alterada, mas o pânico tinha cedido um pouco. Gostasse ou não, Dewey estava realmente ajudando na situação difícil.

Gideon não levou nem cinco minutos para colocar uma roupa seca e secar o cabelo, e todo o tempo continuou se perguntando o mesmo, Por qué Malory está aqui? O que quer? Se houvesse resultados preliminares dos estudos feitos na cena de crime, chamariam ele, não ela. Se tivesse uma teoria — e era tudo o que possivelmente poderia ter neste ponto — poderia hazer dito pelo telefone. O proprietário do clube tocava frequentemente na banda de Echo não tinha ajudado em nada. Então por quê Malory esta ali?

Ele soube rapidamente, imediatamente depois de pôr um pé dentro da sala encontrou sua nova sócia sentada em uma poltrona de couro com um copo de refresco frio na mão.

— Lugar bonito, Raintree. — Enquanto seus olhos percorriam as paredem de maneira quase despreocupada. — Como conseguiu isto com o salário de policial?

Então era aquilo. Ela pensava que era desonesto, e estava ali para averiguar quão desonesto era. Desejava se unir na rentável corrupção ou por seu traseiro na cadeia? Queria acreditar no negocio do traseiro na cadeia, mas já tinha se enganado antes.

— Minha família tem dinheiro. — Se dirigiu a cozinha. — Vou buscar algo para beber.

Ela negou com a cabeça do outro lado da sala, onde havia um copo de refresco igual ao seu em um porta copos.

— Na realidade coloquei um para você.

— Como sabe o que quero? Você é psíquica?

De novo um fugaz mas brilhante sorriso.

— Sua geladeira está cheia desta coisa, tome um pouco.

Gideon deixou-se cair em uma cadeira. Era coincidência que houvesse colocado o copo o mais distante possível de sua cadeira? Não. Não era coincidência em absoluto. Malory gostava de parecer dura, mas de vez em quando ele via um vislumbre de insegurança sob sua pele. Quando havia falado da queda de sua mãe e porque poderia precisar de sua filha, quando a tinha olhado nos olhos… tinha visto vulnerabilidade.

Certamente fazia verdadeiros esforços para parecer dura essa noite com jeans negro, camiseta preta e a pistola.

— Fortuna familiar — disse ela incitando-o a continuar.

— Sim.

— Que tipo de fortuna familiar?

— Meus pais e meus avós, assim como os pais e os avós destes, todos eram prósperos e tiveram sorte.

Ela o olhou nos olhos dessa estraha e fustigante manera em que fazia.

— Eu vi o apartamento de Echo esta manhã, ela é a parte pobre da família?

— Echo é uma rebelde — explicou ele. Seus pais vivem felizmente do dinheiro familiar. Viajam, dormem, bebem, desfutam dele. Echo quer encontrar seu próprio caminho. Admiro isso nela mesmo se algumas vezes joga pedras contra seu próprio telhado.

— Você tem sorte?

Ele a olhou com reconhecimento e sorriu.

— Suponho que esta noite não.

Ela não desejava responder ao comentário, inclusive nem se resentir.

— Você é definitivamente afortunado como detetive. Eu vi sua ficha.

— Bom para você. Eu gostaria de dar uma olhada na sua.

— Verei o que posso fazer.

Ela tomou um gole do refresco e ele brincou com a condensação de seu copo com um dedo. Se Malory se tornasse irritante, se fizesse muitas malditas perguntas, teria que ser transferida. Demônios, gostava do lugar. Gostava da casa e a maioria dos homens com quem trabalhava e amava estar perto do oceano. Precisava daquelas coisas de uma maneira que nunca havia esperado. Durante anos tinha sido transferido de departamento em departamento, sempre se movendo para o lugar onde pensava que fazia mais falta. Era bastante triste que seus talentos fizessem faltam em toda parte, por isso tinha se decidido finalmente se assentar aqui.

Se a detetive Malory começasse a investiga-lo e destampasse mais do que devia, não poderia permanecer por ali muito tempo. Demasiado para se assentar, demasiado para um lugar.

Teria que se tornar amigo de Hope Malory ou se desfazer dela. Não parecia ser o tipo de mulher de alguém se desfizesse facilmente depois que se empenhava em algo. E não estava seguro de poder se tornar seu amigo. Não parecia ser do tipo amigável.

Novamente Malory estudou a sala com olhos críticos.

— Há algo estranho neste lugar — disse pensativamente. — Não me interprete mal é muito agradável. Você tem móveis muito confortáveis e boas pinturas nas paredes. Tudo combina bastante bem, e as lâmpadas não vem de uma loja de desconto ou de uma venda do jardim…

— Mas? — Gideon apontou.

Ela o olhou, com aqueles seus curiosos olhos azuis.

— A televisão é pequena e barata. O telefone é um modelo velho com cabo. A maioria dos homens de determinada idade tem dinheiro o suficiente para ter um estéreo decente. Você tem um radiocassete portátil que qualquer adolescente de com autoestima se envergonharia de levar para a praia. Um sopro de má sorte?

Outra vez sorte. Como poderia lhe explicar que os dispositivos eletrônicos tinham o desagradavel hábito de explodir sem aviso. Tinha mais dois televisores pequenos de reposição, armazenados em um quarto, preparados para o momento que fosse, e nunca tinha sorte com os telefones sem fio ou relógios digitais. Não podia se aproximar dos automóveis que tinham computador a bordo por isso dirigia modelos antigos. Em uma das raras ocasiões em que havia subido em um avião usou um poderoso encantamento protetor que somente Dante podia fazer. Pensava nos celulares da mesma forma que as demais pessoas pensavam nos Kleenex.

— Não assito muito a televisão, tampouco escuto muita música. E o telefone se fio não é seguro.

— E você precisa que suas chamadas de telefone sejam seguras porque…

Era suficiente. Gideon se pôs suavemente de pé. Deixou sua bebida para trás e cruzou a sala parar perto dela.

— Por que não me pergunta?

— Perguntar a você o que?

— Perguntar se eu sou corrupto.

O alarme em seus olhos era intenso, e quase pode ve-la avaliar a situação. Não estava armado, ao menos pelo que poderia supor. Ela sim. Tinha a pequena vantagem de estar em pé em frente a ela, mas ela tinha uma arma ao alcance.

— Pergunta — disse outra vez.

Seus olhos procuraram e sustentaram o olhar.

— Você é?

— Não.

Seu alarme dimiuiu gradualmente.

— Algo aqui fede até o céu, só não imagino o que é, ainda.

— É o dinheiro, as pessoas não imaginam que alguém queira ser policial se tem outras opções.

— É mais do que o dinheiro, Raintree. Você é bom, muito bom.

Inclinou-se ligeiramente para frente, e ela não se afastou. Cheirava bem. Cheirava a limpeza e doce, a tentação. Cheirava acolhedora e familiar. Seus dedos curvaram enquanto resistia a tentação de estender a mão e toca-la. Somente traçar com um dedo sua face ou deslizá-lo sobre seu maxilar, era tudo o que desejava. Guardou as mãos para si mesmo.

— Tomei uma decisão faz muito tempo. Eu não faço este trabalho porque tenho que faze-lo. Tenho dinheiro suficiente no banco para ser um habitante da praia se quiser. Poderia ter um trabalho no casino de meu irmão. — Contanto que possa permanecer longe das máquinas caça-niqueis. — Ou viver em casa ou simplesmente não fazer absolutamente nada. Mas quando assassinaram meus pais, foram um par de detetives e um punhado de ajundantes do sheriff que capturaram o assassino e o prenderam. Este trabalho é importante e eu o faço porque posso.

Fazia este trabalho porque não tinha opção.

A expressão dela não lhe disse qualquer coisa, nada absolutamente.

É má, Papai, muito, muito má. Emma teria lhe avisado sobre o assassino de Sherry Bishop? Ou sobre sua nova parceira?

 

Capítulo 4

 

Segunda-feira, 10:45 p.m.

 

Tinha assassinado à mulher errada.

Tabby estava sentada no canto mais afastado da cafeteria, não podia ver a beira do rio através das amplas janelas, porque nesta noite quente de verão o lugar estava cheio; em vez disso não perdeu de vista os clientes e os garçons. Não teria pensado que um lugar onde se vendiam café e massas estaria tão lotado com a noite tão avançada, mas as pequenas mesas estavam cheias com uma mistura de turistas e clientes habituais, que bebiam descafeinados e mastigavam biscoitos extragrandes. Muitos dos clientes habituais e duas das jovens garçonetes de serviço choramingavam enquanto lembravam da falecida Sherry Bishop. Certo, então tinha cometido um engano. Ao menos tinha tido o prazer de encher-se da dor e do medo na cafeteria, devido a sua aflição. O exercício da noite anterior não tinha sido uma perda total de tempo.

Até que Tabby não visse os noticiários da noite, não tinha idéia de que havia matado a mulher errada. Satisfeita e desprendendo-se da euforia natural, dormiu a maior parte do dia. Quando despertou, passou algum tempo analisando sua mais nova lembrança. Um dia aprenderia a maneira de usar essas lembranças em uma poderosa magia que lhe daria os poderes daqueles a quem tinha assassinado. Nesse momento achava que sua última vítima era um Raintree e por isso mais poderosa que os demais, por isso, havia tocado com reverencia o que havia subtraído, e, sim, inclusive com regozijo. Todo mundo possuía algum talento que podia ser subtraído, algum dom que estava desperdiçado, ignorado ou sem descobrir, mas este era Raintree.

E depois havia ligado a televisão para ver as notícias da noite, só para descobrir que o roubo não havia sido, absolutamente, Raintree. Como poderia ter imaginado que haveria duas mulheres com o cabelo rosa vivendo no mesmo apartamento? Sorveu o relaxante café. Cael ia mata-la quando descobrisse isso, a menos que consertasse o erro, pronto . Tinha esperado que Echo Raintree estivesse aqui esta noite, assim poderia seguir a garota onde quer que ficasse e acabar o trabalho. Mas não tinha tido sorte, ao menos até agora. O assassinato de ambas as garotas levantaria algumas suspeitas, sabia, mas que escolha tinha? Nenhuma.

Até agora, Echo não havia se deixado ver. Não esta noite. Talvez estiva longe em algum lugar chorando pela morte de sua companheira de apartamento, mas certamente não poderia permanecer afastada toda a semana. Ao menos, o funeral ocorreria em questão de dias. Tabby não conhecia os detalhes, mas essa informação se tornaria pública em seu momento. Não havia forma de que Echo se mantivesse afastada do funeral de sua companheira de quarto. Tinha que ser esta semana.

Se Echo Raintree tivesse uma visão sobre o que havia acontecido e avisasse a família, as coisas não seriam tão fáceis como estava planejado.

A porta se abriu, e Tabby automaticamente girou a cabeça para ver o casal que entrava na cafeteria. Seu coração parou. Que merda. Gideon Raintree. Praticamente sua boca se encheu de água. Desejava Gideon muito mais do que havia querido Echo, mas as ordens eram para esperar. Matar um tira, disse Cael, provocaria muita comoção; muitas perguntas seriam feitas. Ao final da semana, quando fosse quase a hora, logo poderia matar Gideon. Mas não esta noite.

Tabby não acreditava que alguém a tivesse visto perto da cena do crime na noite anterior, mas se alegrou duplamente de ter decidido usar esta noite a peruca morena de cabelo curto. Tinha a cabeça ardendo, e já lhe incomodava, mas ao menos não tinha que se preocupar porque alguém a reconhecia. Podia relaxar, ficar confortável e observar.

Gideon e a mulher que estava com ele se sentaram no canto, de onde podiam ver tudo e a todos no restaurante. Se vestiam de modo informal, a mulher toda de negro, Raintree com jeans e uma camiseta desbotada. Os dois estavam armados, embora não abertamente. Coldre de tornozelo para ambos; sem os distintivos visíveis. Era uma visita oficial? É obvio que era. Estavam procurando o assassino de Sherry Bishop.

Com o canto do olho, Tabby estudou à mulher que estava com Raintree. Cael havia lhe ordenado não matar ainda Gideon, mas e a mulher? Era sua namorada? Tira? A julgar pelo coldre de tornozelo, diria que era tira, mas talvez a mulher era ambas as coisas colega de trabalho e de cama. Algo estava acontecendo. Nem medo nem tristeza irradiavam do casal do outro lado do salão, mas havia energia. Energia sexual, ligeiramente cáustica e incerta. Fosse o que fosse essa relação, matar a mulher poderia definitivamente afastar Raintree de seu propósito se ele se aproximasse muito cedo. Embora se meteria em uma enrascada, o que Cael definitivamente não queria precisamente agora.

Tabby inquieta ficou sentada e observando. Mesmo sabendo que tinha cometido um erro lhe restou um pouco de prazer com a saída da noite anterior, e queria mais. Ela sempre queria mais. Já havia estragado este trabalho, então o que importava se matava um tira que não fazia parte da missão original? Desfazer-se da mulher poderia distrair Gideon, e precisava que estivesse distraído. Precisava de sua atenção desviada para algo além de Echo e a maldita e errada mulher morta.

Dado que tudo tinha saído errado, Tabby não se atrevia se contatar com Cael até que o trabalho estivesse terminado, suas instruções não importavam muito. Contanto que Echo e Gideon estivessem mortos ao final da semana, seria perdoada por qualquer erro ocorrido durante o caminho. Podia atirar em um tira e em Gideon à distancia em quase qualquer momento, mas isso não era o que queria. Tabby não se importava muito em matar a mulher, mas Gideon era outra coisa diferente.

Gideon Raintree era membro da família real, o seguinte na linha para Dranir, poderoso de uma forma que não podia imaginar totalmente. Quando o matasse, queria estar perto. Queria tocá-lo quando cravasse a faca nele, com o que havia tirado a vida de Sherry Bishop, em seu coração. Queria seu sangue nas mãos, e uma lembrança ou duas para sua coleção.

Embora ainda não tivesse descoberto a forma de assumir os dons, desejava roubá-los, tirava energia das lembranças que colecionava. Adequadamente tratados e dissecados, armazenados em uma bolsa especial de pele que se tornava mais pesada a cada ano que passava, essas lembranças alimentavam seu poder quando era dominada pela necessidade. Cael insistia que reprimisse o entusiasmo, que fosse cautelosa e não atraísse a atenção para ela ou seus dons. Ainda não. Não até que tivessem tomado o que era legitimamente dele. Tinha sido muito sutil e cautelosa nas brincadeiras em que havia participado, mas tudo estava a ponto de mudar.

Sim, podia atirar no alvo de longe, mas matar Gideon Raintree poderia ser um impactante e delicioso momento, e não estava preparada para perder este momento em nome da conveniência.

 

***

Terça-feira, 7:40 a.m.

 

Café da manhã no bufê de Hilton, Raintree tinha lhe comunicado na noite anterior. Era uma tradição das terças-feiras pela manhã entre os detetives do Departamento de Polícia de Wilmington. Hope estacionou o Toyota no estacionamento e caminhou até o restaurante, alisando inconscientemente uma ruga das calças negras e ajustando o blazer sobre os ombros enquanto caminhava rapidamente para a entrada. Chegava dez minutos atrasada, mas sua mãe a havia retido falando sem cessar desde que deixou a loja, e não tinha sido fácil escapar.

O grupo a que tinha sido convidada foi fácil de reconhecer. Uma mesa redonda no centro do restaurante estava ocupada por nove homens, todos eles com paletó, todos eles detetives de Wilmington. Raintree se destacava, inclusive entre esta multidão, vestindo-se de modo semelhante aos que tinham trabalhos similares ao seu. Bem poderia ter um foco dirigido para ele, pelo modo em que atraía o olhar. Os homens conversavam entre eles enquanto bebiam café, e comiam ovos, bacom e pãozinhos. Hope manteve a cabeça elevada enquanto caminhava em sua direção. Não tinha avançado muito antes que algumas cabeças se voltassem. Elevaram as sobrancelhas e as mandíbulas caíram.

Hope estava acostumada à reação inicial que normalmente despertava. Não parecia um tira, e a princípio havia sempre um ressentimento, junto com uma pergunta tácita. Com quem havia se deitado para chegar a esse posto? E se não havia feito isso, faria? Tinha que ser mais séria, mais distante, mais dedicada, que outro homem em sua profissão. Nunca teria abandonado Raleigh e começado este processo mais uma vez se não fosse por sua mãe. Nada mais poderia havê-la feito agüentar este incômodo período de iniciação pela segunda vez.

A única cadeira vazia na mesa estava ao lado de Raintree. Sentou-se, e se apresentou aos outros detetives. Depois da rodada inicial de perguntas e aberto interesse, os homens voltaram ao debate: Onde se encontrariam para comer amanhã.

Ao final a conversa se desviou da comida aos casos atuais sob investigação, incluindo — mas não exclusivamente — a morte de Sherry Bishop. Através de várias fontes, do estado e federais, Raintree tinha pedido os arquivos de todos os assassinatos sem resolver do mesmo tipo dos últimos seis meses, e esta tarde teriam a maioria desses arquivos em suas mesas. Enquanto falavam do caso, algumas coisas importantes rapidamente se esclareceram. Gideon Raintree era um bom policial, e os homens que trabalham com ele o respeitavam e gostavam dele.

Hope se permitiu relaxar um pouco. Certamente se Raintree fosse desonesto, os outros saberiam ou ao menos suspeitariam que algo estava errado, e seriam desconfiados, distantes ou curiosos. Não viu nada disso na mesa. Na noite anterior tinha estado tão segura que Raintree estava envolvido de algum jeito nos crimes que havia resolvido. Agora não estava tão segura. Não queria ser tão superficial; não queria ser como essas mulheres que julgavam um homem por sua aparência e suas belas palavras, sem olhar o interior para ver o que era real. Era impossível dizer como era um homem pela aparência, e chegar a conhecê-lo depois o bastante para aprender que a verdade era muito dolorosa. Ao menos, assim tinha sido para ela.

Finalmente os detetives acabaram de comer e se afastaram da mesa para começar o dia. Hope e Raintree partiram juntos, saíram do restaurante para uma ensolarada e morna amanhã.

— Qual é o plano? — perguntou Hope enquanto caminhavam para o estacionamento lotado. Andando sobre o asfalto. Os passos de Gideon eram lentos, constantes e rítmicos.

— Quero retornar ao apartamento e dar uma olhada. Talvez você possa continuar trabalhando organizando a papelada antes que os arquivos dos casos que pedi comecem a chegar. As entrevistas dos vizinhos precisam ser transcritas. Passará um dia ou dois antes que tenhamos o relatório do laboratório criminal, mas pode dar um toque neles e tentar de que terminem mais depressa.

Hope tentou, com dificuldade, não se irritar.

—Não sou sua secretária, Raintree.

— Não disse que era.

— Quer que me ocupe da papelada enquanto você investiga.

— León não se importava.

— Eu não sou León.

Deteve-se a alguns passos do carro e a olhou sem rodeios.

— Estou muito consciente disso, Detetive Malory.

— Hoje eu dirijo — disse ela.

— Eu faço isso melhor…

—Eu dirijo — disse de novo, mais devagar desta vez. Negava-se a permitir-lhe dominar esta sociedade. Melhor lhe mostrar agora que não ia se deixar intimidar.

Houve um brilho nos olhos verdes de Raintree. Diversão, talvez Definitivamente não foi rendição. Calmo, tudo o que disse foi:

— Está certo. Se insiste.

O Toyota dela estava estacionado a algumas vagas depois de seu Mustang.

— Quer colocar a capota? — perguntou ela, indicando seu conversível.

— Estará bem — respondeu despreocupadamente.

Tirou as chaves do bolso lateral da bolsa e abriu as portas com o controle remoto de sua chave. Abriu a porta do condutor enquanto Raintree se detinha olhando dentro do veículo.

Despreocupadamente colocou uma mão sobre o capô e disse:

— Belo carro. Consegue uma boa quilometragem com gasolina?

Quase riu.

— Consideralvelmente melhor que seu chupagasolina.

Ele se endireitou se afastando do carro e com tranqüilidade tomou seu lugar no assento do passageiro, parecendo perfeitamente contente. Ontem tinha sido insistente sobre dirigir, mas hoje parecia aceitar seu papel como passageiro bastante bem. Talvez sua associação funcionasse depois de tudo. Hope pendeu o cinto e ligou o motor. Não aconteceu nada.

Fez outra tentativa. Houve um estalo seco e nada mais.

— Soa como se sua partida estivesse quebrada — disse Raintree sem alterar-se enquanto abria a porta do passageiro e saía. — Conheço um rapaz — disse enquanto agarrava as chaves de seu carro do bolso e se encaminhava para seu conversível. —Darei a você o número dele, e pode me alcançar quando...

— Oh não! — Hope fechou o carro e seguiu Raintree, seus passos eram mais curtos mas não menos firmes. — Me ocuparei do carro mais tarde. Não vai me deixar aqui.

Olhou-a por cima do ombro.

— Está muito determinada, Detetive Malory.

Com a rigorosa luz do sol sobre a face de Raintree, podia ver as tênues linhas ao redor de seus olhos. Tinha sido provavelmente um rapaz bonito em sua juventude, e lhe restava beleza o suficiente para fazê-lo interessante. Entretanto já não era um garoto. Nem ela.

— Sou teimosa — disse. — Se acostume.

Ele sorriu abertamente enquanto lhe abria a porta do passageiro e esperava que entrasse em seu interior. Fez isso, e em seguida ela levantou o olhar para ele.

— Não volte a fazer isso — disse a ele suavemente.

— Fazer o que?

— Me tratar como se tivessemos um encontro. Sou sua parceira, Raintree. Alguma vez abriu a porta para León?

— Não, mas ele era feio como o pecado e tinha as pernas gordas e peludas.

Olhou-o furiosa e não respondeu.

— Bem — disse ele enquanto rodeava o carro. —É um dos rapazes. Só outro tira, só outro parceiro.

— Isso mesmo. — Ainda estava aborrecida pelo carro, mas não queria ficar ali esperando um mecânico enquanto Raintree ia para a cena do crime e tentava reconstruir algumas pistas que podiam ter passado por cima ontem.

Hope já não acreditava no mais profundo de sua alma que Gideon Raintree fosse corrupto, mas não tinha nenhuma prova em um sentido ou outro, e não o conhecia bem o bastante para confiar completamente no que lhe diziam seus instintos. Havia se queimado mais de uma vez com um homem que não havia sido o que tinha afirmado ser. Não aconteceria de novo.

Enquanto tirava o carro do estacionamento, Raintree disse:

— León me chamava de Gideon. Se está empenhada em grudar em mim até que esclarecermos toda esta coisa de parceiro, pode fazer o mesmo.

Chamá-lo por seu primeiro nome era muito pessoal. Muito amistoso. Como podia ser amistosa com Raintree quando ainda suspeitava, embora com dúvidas, que podia ser corrupto?

Talvez realmente fosse um bom tira. Talvez descobrisse que era um detetive tão estupendo como parecia ser, e seus motivos não fossem nada além de nobres. Se esse fosse o caso, poderia trabalhar com ele, e aprender como e por que era tão bom.

Na realidade, a causa de sua vacilação era mais que isso. Apesar da personalidade prática e da dedicação a sua carreira, tinha a pior das sortes com os homens. Sempre escolhia o tipo errado. Se havia vinte tipos maravilhiosos em uma sala e um canalha, escolhia sempre o canalha. Sentia uma atração não desejada mas inegável por Gideon Raintree desde o momento em que pousou seus olhos nele, e a última coisa que precisava agora era se envolver com outro canalha.

— De acordo, então Gideon — disse. —Suponho que pode me chamar de Hope.

O meio sorriso que lhe cruzou o rosto o fez parecer como se soubesse algo que ela não sabia, como se soubesse uma brincadeira secreta que ela não conhecia.

—Soa tão entusiasmada com a perspectiva, como posso me negar?

***

O apartamento não parecia em nada diferente do que de ontem. Simplesmente mais silencioso. Morto. Sherry Bishop não estava grudada sobre seu ombro, lamentando-se sobre a injustiça de estar morta e não poder usar suas botas novas. Não havia tiras nem vizinhos perambulando pelo corredor, espiando. Estavam apenas Malory e ele tentando reconstruir um crime muito estranho.

Sua nova parceira estava de pé perto da porta, estudando a cena do crime através de seus olhos astutos. Estava quieta, como se entendesse que precisava de silêncio e espaço para fazer isto. A princípio tinha sido uma distração, mas já estava se acostumado a sua presença. Tinha demorado quase um ano em conseguir tal comodidade com León.

As persianas estavam levantadas para deixar entrar a suave luz natural da manhã no apartamento. O sofá quebrado, as manchas de sangue e a destruição sem sentido pareciam indecentes à luz do dia, fora de lugar, malvada e incorreta.

De pé no apartamento silencioso, Gideon quase podia ver o desenvolvimento dos acontecimentos. A campainha tinha tocado na última hora da tarde. Uma voz feminina tinha informado a Sherry Bishop que era o entragador de pizzas. Abriu a porta, a mulher entrou rapidamente e...

— Havia algo estranho na faca.

Gideon deu a volta e viu uma tênue imagem de Sherry sentada no sofá como quando estava com vida. Só que agora o sofá parecia em migalhas e ela estava morta.

— A faca — sussurrou enquanto ficava de cócoras ficando cara a cara com ela. Desta posição de vantagem, parecia um pouco mais sólida.

— O que? — Hope deu um único passo até ele.

Sossegou a sua nova companheira elevando a mão. Ela odiava isso, sabia, mas não queria assustar Sherry. Não podia se permitir o luxo de afastar o olhar, porque se o fazia, podia perdê-la. O fantasma em frente a ele não duraria o bastante, não em seu estado atual.

— Estou pensando em voz alta — disse Gideon sem olhar para Hope.

— Oh!

—O que é tinha com a faca? — perguntou suavemente.

— Parecia antiga, sabe? — disse Bishop. — Acredito que podia ser de prata, e o punho era um pouco elaborado.

— Elaborado como?

— Não consegui ver o punho todo, porque essa cadela psicopata estava agarrando ele, mas havia uma gravura. Palavras, acredito.

— O que diziam?

— O fantasma encolheu os ombros.

— Não sei. Não era inglês, não acho que era. Nessa hora não estava exatamente tentando ler. — Já estava começando a desvanecer. — Ela estava realmente zangada. Por que estava tão zangada? Nunca lhe fiz nada...

Sherry não se desvaneceu; desapareceu em um instante. Gideon permaneceu ali em frente ao sofá, agachado e pensativo. Parecia certa que a assassina já tinha feito isso antes. Esta tarde, quando se sentasse com os arquivos que havia pedido, talvez fosse capaz de resolver se estava no caminho certo ou não. Não só tinham o tipo de arma e o tipo de ferimento, mas também havia o assunto do dedo desaparecido e a parte de couro cabeludo. Esta assassina levava lembranças, e isso era a chave que o conduziria às vítimas anteriores, se as havia.

Era incomum que um assassino em série fosse uma mulher, mas não impossível. O que havia atraído a assassina para Sherry Bishop? O que tinha lhe chamado a atenção e trazido aqui?

Ouviu e sentiu Hope cruzando a sala. Movia-se suave e silenciosamente, mas estava em harmonia com sua energia e por isso a sentiu aproximar-se.

— Certo, me assuste um pouco — disse ela quando parou atrás dele.

— Sinto muito. — Gideon se levantou e se voltou para ela. — Quero que os uniformizados revistem a área ao redor em busca da faca.

— Fizeram isso no ontem.

— Quero que façam de novo. A probabilidade de que a assassina ainda a tenha, mas não podemos deixar nenhum fio solto. Precisamos da arma do crime.

— Pelo que sabemos, poderia estar no rio — argumentou ela.

— Espero que esteja errada. — Sherry não tinha reconhecido sua assassina, por isso não havia um nome a que se prender, só uma vaga descrição, a mutilação... E essa faca.

Os olhos de Hope suavizaram um pouco.

— Está levando este caso de maneira pessoal. Conhecia Sherry Bishop mais do que contou?

— Levo todos os meus casos de forma pessoal — disse.

Hope o estudou cuidadosamente, como se estivesse tentando descobrirr o que o motivava. Boa sorte.

De repente Emma, a que aspirava ser sua filha em seus sonhos, apareceu, flutuando difusamente atrás de Hope. Com os olhos completamente abertos e com o olhar para a janela e parecia bater em Hope com um agitar de mãos, como se estivesse tentando empurrá-la.

— Para baixo!

Sem titubear, sem sequer parar para perguntar pelo fato de que Emma tivesse aparecido enquanto estava acordado, Gideon empurrou Hope e jogou ambos no chão. Caíram em cima da imagem de Emma, antes que a garota desaparecesse. Por uma fração de segundo ficou gelado pelo contato direto com a menina que alegava ser sua filha. Hope e ele aterrissaram com força, no mesmo momento que a janela se fez em pedaços e uma bala se chocou contra a parede. Permaneceram ali por um momento, seu corpo cobria e esmagava o dela.

Uma corrente de eletricidade brilhou através de seus braços, pernas e torso. Não em todas as partes, somente onde tocou Hope houve sem dúvida um brilho de uma voltagem incomum que não pôde controlar. Ela também a sentiu; ele sabia, por certo, que ela reagiria com uma sacudida.

Depois do disparo houve um silêncio total, até que ouviram os gritos de um vizinho alarmado dois andares mais abaixo.

Gideon girou por cima de Hope, tirando a arma e avançando para a janela em pedaços. Ela estava atrás dele, pistola em mãos. Esforçou-se por olhar com cautela através da janela, tentando ver de onde se originou o disparo. Uma janela no edifício ao lado estava aberta as cortinas descoloridas ondeavam suavemente com a brisa.

— Fique aqui e permaneça agachada — ordenou ele enquanto se levantava e corria para a porta.

— Nem de brincadeira.

Hope estava logo atrás dele, e não tinha tempo para se deter e discutir com ela. Não agora. Ela queria que a tratasse como um parceiro de verdade? Está bem.

— Terceiro andar, quarta janela ao sul. Subo. Faz a chamada e vigia a porta principal. Ninguém pode sair.

Desta vez não discutiu com ele.

 

***

Hope ficou na porta principal do edifício de apartamentos enquanto Gideon corria pelas escadas. Ninguém tampouco sairia por esta porta ou por este lado do edifício, afastando-se alguns passos. A menos que o atirador já tivesse abandonado o edifício, estava preso. Deu um telefonema informando sobre os disparos e sua localização, e depois esperou. Esperar nunca tinha sido seu forte, mas algumas vezes era necessário. Desgraçadamente, lhe deu tempo para pensar sobre o que acabava de acontecer, e no momento não queria pensar.

Raintree tinha visto o reflexo do sol no canhão do revólver? Tinha ouvido algo fora do normal que o tinha alertado? Tinha empurrado ela uma fração de segundo antes do disparo, então devia ter visto ou ouvido algo. O problema era, que estava olhando para a parede todo o tempo, não para a janela, por isso não podia ver nada. A janela estava fechada, assim ouvir algo através do beco teria sido quase impossível. Instinto? Não, o instinto se parecia muito com a habilidade psíquica, e evitava tomar esse caminho. Duas malucas na família era suficiente.

A intuição extraordinária não era em tudo o que pensava. Quando Gideon Raintree tinha aterrissado em cima dela, algo estranho tinha acontecido. Tinha ouvido a respeito da química, é obvio; inclusive a tinha experimentado uma ou duas vezes. Certamente tinha ouvido antes sobre a atração sexual referida como uma faísca.

Mas nunca antes havia sentido uma faísca real. Uma explosiva e carregada faísca. Quando Gideon tinha aterrissado em cima dela, foi como se tivesse colocado o dedo em uma tomada. Uma descarga elétrica tinha lhe percorrido o corpo literalmente, desde os dedos dos pés até a parte superior da cabeça. Havia sentido, como se um relâmpago tivesse dançado através de seu sangue. Por um momento teve que brigar contra o desejo de agarrar-se ao homem com tudo o que tinha, não para repelir a eletricidade e sim para pedir mais.

Tratou de ignorar as lembranças como se as tivesse imaginado, mas sua imaginação não era tão potente. Havia sentido algo; só que não sabia como chamar.

Hope desejava ardentemente seguir Gideon ao terceiro andar, mas até que houvesse outro oficial disponível para vigiar esta entrada, não podia ir a lugar nenhum. Não podia evitar se perguntar o que Raintree queria encontrar. Estaria o atirador ainda ali, simplesmente esperando?

Um homem com uma percentagem de casos resolvidos como ele que tinha, certamente com isto tinha feito inimigos ao longo dos anos. Houve um caso aberto que ele continuava investigado, vários meses depois do fato. Havia Frank Stiles, o suspeito de Gideon, disparado? Gideon estava se aproximando? Ou o atirador estava ligado com o assassinato de Bishop? Havia muitas possibilidades, e agora não era o momento para teorias sem base.

Chegou um carro patrulha, e Hope designou os dois oficiais uniformizados para libera-la da guarda. Entrou correndo no edifício de apartamentos e no espaço da escada, igual Gideon fez minutos antes. Tinha tido companheiros antes, e alguns deles se transformaram em amigos. Tinha perdido alguns por aposentadoria ou promoção, mas nunca tinha perdido um por uma bala. Não ia começar agora.

Encontrou-se com o Gideon no patamar do segundo andar.

— O apartamento está vazio — disse. — Ninguém respondeu a minha chamada nos outros. Quem está na porta?

—Dois uniformizados, com ordens de não deixar entrar nem sair ninguém.

Chegaram ao segundo andar de apartamentos, Gideon começou em uma ponta e Hope na outra. Ninguém tinha visto nada, entretanto todos tinham ouvido os disparos. Muitos apartamentos estavam vazios com as portas fechadas. Chegaram outros oficiais, localizaram o administrador do edifício, e em menos de quarenta e cinco minutos tinham revistado todo o edifício, andar por andar, apartamento por apartamento. Revistaram o estreito beco traseiro. Duas vezes. No caso do atirador ter escapado antes que chegassem ao edifício, ou fosse um inquilino habitual e o tivessem olhado nos olhos sem saber quem era.

Uma vez terminada a revista, Gideon se sentou na entrada principal e olhou fixamente para a rua, pensando. Ela odiava interrompê-lo quando estava tão concentrado, mas havia muitas perguntas para deixa-las sem resposta. Além disso, já tinha esperado o bastante.

Sentou-se a seu lado, perto mas não muito.

— Então, quem quer você morto?

Girou a cabeça para olhá-la.

— O que faz você pensar que não era você o alvo?

Controlou um sorriso tenso.

— Estou neste trabalho menos de dois dias. Não tive tempo ainda para fazer inimigos. Você, por outro lado...

Gideon voltou o olhar outra vez para a rua.

— Sim.

Hope se recostou ligeiramente.

— Então como soube?

— Como soube o que?

— Empurrou-me antes que disparassem, Raintree — disse ela. — Não é por nada, mas de certa forma sabia.

Ficou quieto por um momento.

— Está se queixando?

— Não, mas sem dúvida tenho curiosidade.

— Uma coisa perigosa, a curiosidade.

Queria lhe perguntar sobre as faíscas que havia sentido, mas o que aconteceria se essa resposta tivesse sido unilateral? Talvez tivesse imaginado de verdade o relâmpago, e tinha sido só a surpresa e talvez sua reação a atração física que a tinha feito formigar da cabeça aos pés. Não obstante, talvez havia sentido faíscas quando Gideon aterrissou sobre ela porque havia passado dois anos desde que um homem a tocasse.

— Vivo para o perigo — disse ela, meio a sério e meio em brincadeira.

— Deixemos esta conversa para mais tarde.

Embora ela odiasse deixar algo para mais tarde, assentiu e o deixou sozinho. Devia isso a ele, supunha.

— Certo. Agora o que?

Gideon olhou a calçada de cima abaixo.

— Alguém viu algo. Em plena luz, é meio-dia, e se o atirador escapou, tem que ter saído daqui correndo. Alguém o viu. — Olhou-a, e maldição se ela não sentiu de novo esse relâmpago, embora não estivessem perto nem se tocando. — Descobriremos quem.

 

Capítulo 5

 

Gideon andou pelo quarteirão do edifício de apartamentos onde se produziram os disparos, sua nova parceira ao seu lado pela calçada. Hoje tinha sido a primeira vez que tinha visto Emma fora de um sonho. Sua aparência havia lhe dito que era inclusive mais que uma fantasia. O pequeno fantasma tinha salvo sua vida, ou a de Hope, ou ambas. Não estava certo de quem teria saído ferido se Emma não tivesse lhe avisado que se agachassem e sacudisse Hope inutilmente, como se ela estivesse tentando empurrar a mulher para fora do caminho.

Não era um fantasma. Estava convencido de que era o que tinha afirmado ser todo o tempo: uma entidade que ainda não tinha chegado a este mundo, um espírito entre os vivos. A quantidade de energia que a tinha levado a aparecer ante ele como havia feito era considerável, e não podia mais descartar Emma aos sonhos ruins de uma vida que não havia se atrevido a pedir. Era uma Raintree, com certeza, ou um dia seria.

Passaram junto à porta de uma livraria na esquina. Uma mulher mais velha estava atrás da vitrine perto da janela, olhava curiosa para a rua. Se o franco-atirador tinha vindo por este lado, poderia te-lo visto. Gideon indicou com a cabeça à bisbilhoteira de atrás do vidro.

— Por que não pergunta a essa vendedora se viu alguma coisa?

Hope, que esteve pensativamente silenciosa desde que tinham deixado o edifício, disse:

— Não quer perguntar você mesmo?

— Preciso fazer uma ligação. Assuntos familiares — acrescentou, assim esta parceira que não queria saberia que não estava tentando deixá-la de fora. Ela vacilou, mas finalmente entrou na livraria e o deixou sozinho, imóvel na calçada. Ele agarrou o celular e acionou a discagem rápida.

Dante respondeu ao segundo toque.

— Como vão as coisas? — perguntou Gideon com voz muito alta, pois havia um um monte de estática para falar. Malditos celulares.

— Magnificamente fodido — respondeu seu irmão.

— Posso compreender você, acredite em mim. Não quero atrapalhar você, mas tenho que saber. Faz três meses me mandou uma peça de turquesa.

— Lembro.

—A maldita coisa tem poder, não é? — Inconscientemente, apalpou o cordão que pendia do pescoço. Estava oculto pela camisa e a gravata, nesse momento, mas sempre soube do poder do talismã. O amuleto prateado que pendia dali levava o dom da proteção. O irmão mais velho tinha insistido, posto que o trabalho de Gideon era potencialmente perigoso. A turquesa que estava colocada na cômoda de seu dormitório obviamente tinha outro tipo de poder.

Dante sorriu.

— Me surpreende que tenha levado tanto tempo para imaginar isso

— Qual era seu dom, exatamente?

— Vislumbrar o futuro.

— Futuro próximo ou longínquo?

— Não era específico.

Gideon se apoiou contra o muro de tijolo da livraria e amaldiçoou brevemente. Dante tinha feito um dom conhecedor do tempo sem especificar, mas Emma era uma entidade esperando vir a este mundo, e disse que ia vir logo.

Não necessariamente. Ele tinha o controle aqui. Tomava suas próprias decisões. Se não queria uma família, então não teria uma. Apesar de tudo o que tinham lhe ensinado na vida, não podia acreditar que não tivesse escolha em um assunto tão importante.

— O que viu? — perguntou Dante.

— Nada que seja da sua conta.

Dante riu novamente, então a conversa terminou abruptamente, como se alguém a tivesse interrompido.

Hope abriu a porta da livraria e colocou a cabeça para fora.

— Raintree, acho que você ia querer ouvir isto.

  

Tabby passeou pelo apartamento recentemente alugado, a adrenalina ainda bombeava entre o velho e empoeirado mobiliário. Havia tido a mulher na mira, e deveria ter sido um disparo suficientemente fácil do apartamento vazio para o outro lado do beco do andar de Echo Raintree. Apontar. Apertar o gatilho. Ver o alvo cair. Correr. Era bom, um plano simples. Não do modo em que preferia trabalhar, mas ainda assim, um plano suficientemente bom para deixar Raintree de fora.

E então Gideon tinha atirado o alvo no chão, e tinha desperdiçado uma bala. Tabby não sabia qual de todos os talentos tinha sido, mas aparentemente tinha algum tipo de poder físico junto à habilidade de ver fantasmas. Havia atirado sua companheira ao chão uma fração de segundo antes que tivesse apertado o gatilho.

Tabby odiava os quartos de hotel. Não havia privacidade em tais lugares, e precisava saber que ninguém mais tinha acesso a suas coisas. Sem importar onde fosse, era capaz de localizar um apartamento de aluguel barato, como este. Pagava um mês adiantado e sempre estava fora antes que o mês acabasse. Evitava os vizinhos e jamais levava o trabalho para casa.

Sobre a pequena mesa da cozinha deste desmantelado apartamento mobiliado, o dedo recentemente extirpado e a mecha de cabelo ensangüentado tinham sido tratados e estavam secando. Sentou-se diante deles e se embebeu das sensações que a recordavam tão vividamente. Desejava mais, desejava ser capaz de absorver o poder vital de suas vítimas, mas de algum jeito estava satisfeita que essas coisas agora fossem suas. Havia tanta maravilha no mojo escuro das lembranças; tranqüilizavam-na inclusive quando todo o resto estava indo mal. E no momento parecia que tudo ia realmente mal.

Echo ainda estava ilocalizavel, e isso era um problema. As ordens de Cael tinham sido específicas. Echo tinha que morrer primeiro. Tabby sabia que se chamasse seu primo e contasse o que tinha acontecido, a mandaria para casa, e então enviaria outro para que terminasse o trabalho que não tinha conseguido terminar. Se isso acontecesse sua vida não valeria nem a saliva gasta. Tinha que finalizar a tarefa que tinham lhe encomendado, e a tinha que terminar ela mesma. Primeiro Echo, Gideon ao final da semana, e preferivelmente em uma hora e lugar onde pudesse se aproximar o suficiente para apreciar a experiência. Meditando sobre as possibilidades, estirou a mão e tocou levemente em um cabelo do pontiagudo e ensangüentado cabelo rosa. Se deparou com alguns buracos no caminho, mas logo os Raintree que haviam lhe designado para executar estariam mortos, e isso era tudo o que importava. E em relação a mulher policial, Tabby agora a queria morta por orgulho. Odiava perder.

 

***

A senhora anciã da livraria tinha visto uma mulher com comprido cabelo loiro andando muito rapidamente quase fugindo de um edifício de apartamentos justamente nessa hora. O comprido cabelo loiro e o momento eram suficientes para ao menos vincular indiretamente o tiroteio com o assassinato de Sherry Bishop. Mas o que se escondia por trás dos crimes? Era uma pergunta que Hope não tinha resposta.

— Sinto pelo seu carro — disse Gideon. — Estará mais seguro no estacionamento do Hilton até manhã. Então mandaremos alguém lá.

O tiroteio e a investigação resultante, e além disso algumas horas passadas no escritório dividindo a busca de assassinatos sem solução fora da área de Wilmington que tivessem semelhanças com o de Sherry Bishop, os tinha atrasado até o ponto de que era muito tarde para chamar um mecânico. Gideon Raintree a levava até sua mãe. Tinha uma pequena pilha de arquivos que levava para casa com ele para dar uma olhada mais tarde. Tinha a esperança de encontrar algo novo se desse uma nova olhada.

Hope tinha que admitir que Raintree certamente parecia estar motivado por algo além da ambição. Era possível que estivesse tão dedicado a seu trabalho como parecia estar? Talvez o assassinato de seus pais o tinha motivado e não havia segredos esperando para ser descobertos. Nenhuma traição esperando para surpreendê-la.

Por outro lado, estava exausta e feliz de estar se dirigindo para casa, o que no momento era o apartamento de sua mãe em cima do O Cálice de Prata, uma loja New Age que pertencia o Rainbow Malory e que o dirigia no centro de Wilmington. É obvio, Rainbow não era o nome que haviam dado à mãe de Hope ao nascer. Seu nome real era Mary. Um bonito, sólido, nome normal, Mary. Mas aos dezesseis anos Mary se transformou em Rainbow, e ficou com o Rainbow.

Para o horror de Hope, Gideon estacionou perto do meio-fio e desligou o motor.

— Obrigado — disse Hope, saindo do Mustang rapidamente e despachando o melhor que pode seu parceiro. Gideon Raintree não se despachava facilmente. Abandonou o assento do motorista e a seguiu. Felizmente O Cálice de Prata estava a dois quateirões da vaga de estacionamento que Gideon tinha encontrado. —Já tivemos esta discussão, Raintree — disse cortante. —Teria acompanhado León em casa?

— Se alguém disparasse nele, sim — respondeu.

—Alguém disparou em você, não em mim.

— Prove isso.

Certamente, não podia provar nada. Enquanto se aproximavam da loja de sua mãe, endireitou a coluna e suspirou.

— Está bem. Obrigado.

— A loja ainda está aberta?

Hope olhou o relógio. No verão, as horas de abertura da loja se ampliavam para se ajustar aos turistas.

— Sim, mas não posso imaginar que haja algo na loja que possa te interessar.

— Não tem nem idéia do que pode me interessar.

Deu-se conta de que tinha passado dois dias na companhia deste homem, e não o conhecia absolutamente. Hope se esticou para a porta de entrada e pôs a mão no ponteiro.

— Não diga a minha mãe que alguém disparou em nós — disse suavemente enquanto abria a porta e a campainha sobre sua cabeça tocava.

O Cálice de Prata vendia cristais e incenso e jóias feitas por artesãos locais. Havia uma exposição de cartas de tarot e runas a venda, como também uma coleção de coloridos lenços de seda e caixas de madeira esculpidas à mão. A joalheria mantinha o negócio do Cálice de Prata, mas eram as coisas da New Age que Rainbow se dedicava agora. Estranha, a música ligeiramente desafinada — dos cânticos de meditação, como sua mãe os chamava — fluía do alto-falante sobre suas cabeças enquanto Hope entrava.

Rainbow elevou o olhar do seu lugar no balcão e sorriu amplamente. Ainda parecia muito atraente aos cinqüenta e sete, apesar de que as mechas cinza em seu cabelo escuro traíam sua idade, como faziam as suaves linhas do sorriso em seu rosto. Não tingia o cabelo nem usava maquiagem alguma. Ou sutiã.

— Quem é seu amigo? — perguntou Rainbow enquanto saía de trás do balcão. Sua ampla e colorida saia chegava até o chão, a bainha dançava ao redor das sandálias confortáveis.

— Este é meu parceiro, Gideon Raintree — disse Hope. — Quis dar uma olhada, mas não pode ficar.

Hope olhava enquanto sua mãe se aproximava como em transe, como cada mulher que via Gideon pela primeira vez. Suas costas se esticaram um pouco. Seu sorriso se iluminou. E então disse:

— Tem a aura mais bonita que já vi.

Hope fechou os olhos completamente envergonhada. Nunca escutaria o fim disto. Gideon contaria aos outros detetives no café da manhã que a mãe de Hope agora estava metida com aura e cristais e cartas de tarot. Esperou a que a risada começasse, mas em vez rir, Gideon disse:

— Obrigado.

Hope abriu os olhos e levantou o olhar. Não parecia que estivesse brincando. De fato, parecia realmente sério e como em sua própria casa, como se começasse a estudar a mercadoria nas prateleiras.

— Isto é bonito — disse. — Produtos interessantes, ambiente agradável…

— O ambiente é tão importante. Trato de encher minha loja com energia positiva em todo momento — disse Rainbow.

De novo Hope quis se encolher, mas seu parceiro não parecia aborrecido ou divertido.

— Apostaria que os turistas adoram esta loja — disse. — É um lugar tranqüilo.

— Está certo, obrigado — respondeu Rainbow — Isso é muito perspicaz de sua parte. É obvio, soube logo que vi sua aura…

A aura de novo não.

— Mamãe, não gaste a orelha de Raintree. De toda forma tem que ir. Tem coisas para fazer nesta noite.

— Na realidade não — disse ele despreocupadamente. — Quero dar outra olhada naqueles processos, mas primeiro preciso me distanciar deles.

Olhou para ele, mas a ignorou enquanto continuava estudando a mercadoria. Se fossem ser parceiros, tinha que aprender a pegar uma indireta.

— Se junte a nós para jantar — disse Rainbow, sua voz novamente animada. — Fecharei dentro de vinte minutos, e há ensopado na panela de barro. Há mais que o suficiente para nós três. Parece faminto — acrescentou com um tom maternal na voz.

Para o absoluto horror do Hope, Gideon aceitou o convite de sua mãe.

 

***

Nunca duas mulheres poderiam ser mais diferentes. Onde Hope era abertamente cautelosa e freqüentemente muito estresada, sua mãe era aberta e relaxada. Pareciam-se um pouco fisicamente, como as mães e as filhas eram com freqüência, mas fora isso, era difícil de acreditar que alguma vez tivessem vivido na mesma casa, muito menos que compartilhassem o DNA. O jantar foi um espesso guisado de carne e pão caseiro. Simples, mas saboroso. Gideon se afastou do televisor na sala, e ficou com uma cadeira que o deixava o mais longe possível da cozinha e do microondas. Fez tudo o que pôde para manter qualquer onda elétrica no mínimo e controlada.

Obviamente Hope queria que comesse e partisse o mais rapidamente possível. Se remexia; lançava olhares decididamente desconfortáveis em sua direção. Estava claramente envergonhada das crenças e a mente aberta de sua mãe. O que diria sua nova parceira se soubesse que Gideon acreditava em todas as coisas que sua mãe abraçava? E mais. Poderia fazê-la sofrer e ficar depois do jantar, mas Gideon fez um favor a Hope e declinou a sobremesa ou café quando os ofereceram. Agradeceu e deu boa noite, para o alívio óbvio de sua parceira.

Rainbow ficou no pequeno apartamento, cantarolando e limpando a cozinha, e Hope desceu as escadas com Gideon.

— Perdão — disse suavemente quando estavam na metade da escada. — Mamãe é um pouco excêntrica, eu sei. Tem boas intenções, mas nunca superou sua fase hippie.

— Não se desculpe. Eu gosto. É diferente, mas também está muito bem. —cara, sabia como era ser diferente. — Ser diferente não é sempre algo mau.

— Sim —disse Hope com uma audível ironia. — Tente acreditar isso quando sua mãe aparece no dia das profissões para falar de vender cristais e incenso, e termina vaiando o papai CGF por destruir o meio ambiente e se vender aos homens da empresa.

Gideon não conseguiu evitar. Riu.

— Acredite, não pensaria que era tão engraçado se contasse ao seu primeiro namorado formal que tinha um aura turva e realmente precisava meditar para estimular sua energia positiva.

— A energia positiva é uma coisa boa — disse Gideon enquanto chegavam à loja, onde as luzes tinham sido diminuidas quando Rainbow trancou a porta para a noite.

— Não tem que me tratar com condescendência — disse Hope com dureza. — Sei que minha mãe é estranha e excêntrica e simplesmente… estranha.

Gideon não se dirigiu diretamente à porta. Não estava preparado para ir para casa… não ainda. Estudou os cristais e a joalheria na vitrine, então olhou uma coleção de amuletos de prata que pendiam de um mostrador. Escolheu um… um simples nó Celta suspenso em uma corda de cetim negro e o deslizou pelo balcão com um dedo.

Ficou de costas para Hope, sustentou o amuleto com ambas as mãos e sussurrou umas poucas palavras. Um suave resplendor de luz verde escapou de entre seus dedos. A luz não durou muito; Tampouco as palavras que disse.

— O que está fazendo? — perguntou Hope, rodeando ele para o encarar justo quando o resplendor desaparecia.

Deslizou o amuleto sobre sua cabeça antes que soubesse o que estava planejando fazer.

— Me faça um favor e usa isto por uns dias.

Ela elevou o amuleto e o olhou.

—Por quê?

Gideon tinha dotado o amuleto com proteção. Só membros da família real — Dante e Mercy fora ele mesmo — podiam dotar amuletos, e usavam o poder em pouca quantidade. Não podiam dar dons a si mesmos, só aos outros, e não era uma habilidade que divulgassem. Como todo o resto, era um talento oculto que tinha que ser cuidadosamente guardado. Não sabia se a bala desta manhã era destinada a Hope ou a ele, mas em qualquer caso, descansaria melhor se ela estivesse protegida. Nada podia defendê-la de tudo, mas o amuleto dotado de poder poderia dar-lhe vantagem. A defenderia com a energia positiva, da qual brincava, ao menos por uns dias. Nove dias, para ser precisos.

— Me agrade — disse calmamente.

Hope estudou o amuleto com ceticismo.

— Não o conheço o suficiente para considerar que sequer deveria agradar suas excentricidades.

— Dispararam em nós. Isso significa um rápido vínculo como parceiros e que você me agrada em todas minhas excentricidades.

Ainda vacilava, cética e tão nervosa que estava a ponto de pular. A mulher precisava ter um pouco de diversão mais que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

Enquanto Hope estava estudando o nó Celta, Gideon o fechou. Fez ela recuar contra o balcão deixando-a desta forma presa entre seus braços e a vitrine. Assim de perto, recordou de quanto ela era pequena, frágil. Tentava tão duramente ser um dos meninos, ser forte e independente e dura. Mas era uma mulher, em primeiro lugar, e não era dura. Era suave, e não ia a lugar nenhum, não até que estivesse preparado para deixá-la ir.

— Use-o por mim — disse em voz baixa. — Use-o porquê me faz sentir melhor saber que tem esta prata da sorte pendendo de seu pescoço.

— É uma tolice — protestou ela, obviamente aborrecida pelo fato de que estava presa. — Por outro lado, você não usa este tipo de…

Ele introduziu um dedo abaixo do pescoço de sua camisa, enganchou o cordão de couro e tirou o talismã que Dante tinha lhe enviado no fim de semana. Na luz projetada pelos postes de fora da loja de sua mãe e a luz azul piscante do café do outro lado da rua, viu claramente o amuleto que usava ao redor do pescoço.

— Oh! — disse suavemente. — Vi isso… uma vez.

— Só porque não possa ver ou sentir ou tocar algo, isso não significa que não exista. — Nunca havia tentado definir a si mesmo diante ninguém, muito menos diante uma mulher que nem sequer conhecia até dois dias atrás. A vida era muito curta, e não se importava o que pensasse dele as pessoas que mal o conhecia. Mas Hope estava rodeada pela magia cada dia, através de sua mãe, e ainda assim a rejeitava. Isso o incomodava.

— Então — disse, a voz não mais cálida do que tinha sido antes, — vê auras, também? Estou brilhando na escuridão, Raintree?

— Não vejo auras.

Foi uma ilusão luminosa, ou parecia aliviada?

— Isso não significa que não acredita que tenho uma.

Queria que a transferissem, pelo bem dela tanto como pelo seu próprio. Era mais seguro para ele trabalhar sozinho, e Hope era mais indicada para roubos ou fraude ou crimes juvenis. Qualquer coisa salvo homicídio. Qualquer parceiro salvo ele. Ela girou a cabeça, e sua garganta captou a luz da rua. Seu pescoço era pálido, esbelto e o suficientemente longo para faze-lo se perguntar que gosto tinha. Se Hope tivesse uma casa alugada na praia por uma semana ou duas, se fosse uma turista ou uma secretária ou uma vendedora, gostosamente a agarraria e a levaria a sua casa por uma tarde ou duas.

Mas era a merda da sua paceira, pelo amor de Deus.

Não por muito tempo.

Inclinou-se e pressionou a boca contra seu pescoço. Ela ofegou enquanto ele introduzia a mão entre os corpos e apoiava a palma da mão contra sua barriga, mais abaixo do que era apropriado entre parceiros, conhecidos ou amigos. O corpo dela se esticou; estava a ponto de se defender. Ia empurra-lo, ou lhe dar um joelhada onde mais doía.

A maior parte das respostas de um corpo eram de tipo elétrico, embora poucas pessoas pareciam notar esse simples fato. Gideon entendia o poder da eletricidade muito bem. Tinha vivido com ele toda a vida. Inclusive agora, com o solstício se aproximando e as habilidades ligeiramente descontroladas, tinha o suficiente controle para fazer o que tinha que fazer.

A mão se encaixava comodamente contra o quente ventre de Hope, pressionou-a ali como se tivesse o direito de toca-la de tal forma. Estendeu-se dentro de Hope com a carga elétrica que tinha aproveitado. Através do grosso tecido das calças conservadoras, através do que provavelmente era uma roupa interior do dia-a-dia —ou o surpreenderia com uma combinação de seda e renda vermelha? — através de sua pele, tocou-a e fez com que suas entranhas se acelerassem e pulsassem. Construiu seu orgasmo com um toque da mão e compartilhou sua energia.

Hope ofegou, se contraiu e estremeceu. A mão que esteve a ponto de lhe empurrar em vez disso, agarrou seu paletó e apertou o tecido fortemente em um pequeno e forte punho. Fez um involuntário som profundo em sua garganta e deixou de respirar por um momento. Só por um momento. Suas coxas se separaram ligeiramente; seu coração pulsava com um ritmo irregular. Ele teve que sustentá-la para evitar que caísse ao chão quando seus joelhos cambalearam. A resposta à eletricidade fluindo através do corpo de Hope não foi comum ou convencional. Gemeu; cambaleou. E então ficou quieta.

Estava duro, sem surpresas, e estavam de pé tão agarrados que sem dúvida ela era consciente desse fato. Se lhe desse um joelhada agora, faria-lhe mal seriamente. Lentamente deixou cair as mãos e recuou.

— O que foi…? —Hope não terminou a pergunta. Gideon levou a mão ao bolso traseiro da calça, tirando a carteira e deslizando para fora uma nota de dez dólares.

— Pelo amuleto — disse, deixando a nota sobre o balcão e ignorando o que acabava de acontecer. — Quer que que pegue você amanhã pela manhã? Tomo café da manhã no Hilton de novo? Nos ocuparemos que alguém vá até lá dar uma olhada no seu carro.

Esperava que dissesse que fosse para o inferno. Poderia dar queixa dele por perseguição sexual, mas quem acreditaria? Estávamos os dois completamente vestidos. Aconteceu tão rápido. Ele pôs uma mão em cima de mim, e eu gozei como uma mulher que não esteve com um homem durante dez anos.

Não podia fazer isso. Ninguém jamais acreditaria. Sua única opção era dizer que fosse para o inferno e pedir outro parceiro, solicitar outra, atribuição, mais apropriada.

— Acho que vou pular o café da manhã — disse ela, a voz ainda manifestava a ofegante evidencia de seu orgasmo.

Gideon sorriu. Talvez fosse ser mais fácil assusta-la do que tinha pensado que seria. Essa esperança não durou muito. Ainda sem fôlego, disse:

— Me apanhe quando tiver terminado.

Depois de trancar a porta atrás de Raintree, Hope se precipitou para a escada e se sentou no degrau inferior, tudo menos desmaiar. Tinha os joelhos fracos; as coxas tremulas; ainda não conseguia respirar; a mente a estava dando voltas. O que tinha acontecido exatamente?

Sabia, que tinha passado muito tempo desde que qualquer homem a havia tocado. E achava Gideon atraente. Tinha esse encanto pícaro que tanto a intrigava e a exasperava. Mas ter um orgasmo simplesmente porque colocou sua mão nela e a beijou no pescoço? Era impossível. Não era?

Improvável, sem precedentes, mas aparentemente não impossível.

Apoiou-se contra a parede, escondendo-se nas sombras, seu interior ainda tremendo um pouco. Os joelhos continuavam tremendo, e sentia uma crescente umidade que a dizia que não tinha terminado com o homem que a tinha excitado e feito gozar em questão de segundos. Bem, mentalmente tinha terminado definitivamente com ele, mas o corpo se sentia de outra maneira.

Gideon poderia feri-la muito. Podia ser de novo o homem errado. Não podia fazer isso; simplesmente não podia aceitar essa possibilidade. Então por que ainda lembrava do modo em que o bigode a tinha feito cócegas no pescoço e se perguntava como se sentiria contra a boca?

Começou a brincar com os adornos de prata que pendiam de seu pescoço. O que deveria fazer era quebrar a maldita coisa e atirá-la longe. O que deveria fazer era dar queixa contra o FDP por se atrever a por as mãos em cima dela. É obvio, isso era provavelmente o que ele queria e esperava que fizesse.

O que ia fazer era se encontrar com ele manhã pela manhã e aparentar que nada tinha acontecido. Havia mais de Gideon Raintree do que captavam os olhos, e ia descobrir o que era esse mais.

 

***

Neste momento do ano as tempestades eram freqüentes. Gideon amava as tempestades. Mais que isso, amava os relâmpagos. A meia-noite tinha passado. Permanecia na praia usando o short e o amuleto protetor de Dante, e elevou o rosto e palmas das mãos para as nuvens. Os elétrons encheram o ar. Podia saboreá-los; podia senti-los.

Ainda podia senti-la e saboreá-la, também. Normalmente nada o distraía quando havia eletricidade no ar, mas ainda sentia Hope cambaleando-se contra ele, agarrando sua roupa, gemendo e tremendo e gozando mais intensamente do que tinha esperado. Ainda podia saborear sua garganta na língua. Tinha sido um exercício pensado para distrai-la, e em vez disso aqui estava ele, desesperançadamente distraído, horas depois de ter ido embora e a deixasse trêmula e confusa.

Não podia confrontar estar distraído. Não agora, nem nunca. Essa era a razão pela que sempre despachava Emma, a razão pela qual enviava a Dante amuletos de fertilidade de maneira habitual. Alguém teria que continuar o nome Raintree, e não seria ele.

Que mulher normal aceitaria quem e o que era? Gostasse ou não, havia momentos em que isso era o que queria mais que tudo. Não ser normal, não negar quem e o que era e renunciar seus dons. Não isso, nunca. Mas alguns dias ansiava um toque de normalidade na vida. Só um pingo. E não podia te-lo. Nada em sua vida jamais tinha sido ou seria normal.

Hope era normal. Se soubesse o que ele era e o que podia fazer, nunca poderia se aproximar de novo o suficiente para tocá-la.

O primeiro estalo do relâmpago rasgou o céu e iluminou a noite. Uma descarada dança através do céu negro, formoso e brilhante e poderoso, rasgando o céu como veias de poder. Sentia-o sob a pele, no sangue. A descarga seguinte foi mais próxima e mais poderosa. Estava atraindo-o, como ele a estava atraindo. Ele e os relâmpagos se alimentavam mutuamente. Atraiu a energia para mais perto; embebeu-se dela.

A descarrega seguinte de relâmpagos foi até ele. Disparou através de seu corpo, dançou em seu sangue. Seus olhos rodaram para cima e para baixo, e os pés abandonaram a areia de maneira que flutuava a poucos centímetros do chão. Nunca sentia tanto poder como o que sentia em momentos como estes, com a noite o encobrindo, as ondas lambendo próximas, e os relâmpagos correndo pelo seu sangue.

Gideon não apenas amava a tempestade, ele era a tempestade. Preso no espetáculo de relâmpagos, uma parte íntegra nele, se embebedou do poder e a beleza. Também devolveu, alimentando à tempestade como ele o alimentava. Com o solstício do verão se aproximando, não precisava da dose extra de poder que a tempestade lhe proporcionava, mas a queria. Ansiava por ela. De pé na praia sozinho, fortalecendo o corpo com o poder que compartilhava com a explosiva natureza, não podia negar quem era.

Raintree.

A descarrega seguinte de energia golpeou Gideon diretamente e o lançou voando vários metros. Não se sentiu como se tivesse sido atingido mas sim como se estivesse voando. Voando ou não, aterrissou de bunda na areia, sem fôlego e energizado e revitalizado. Seu batimento se acelerou; sua respiração se tornou pesada. Enquanto a tempestade avançava, pequenas lascas de relâmpagos permaneciam com Gideon, estalando a pele de um modo que era espantosamente óbvio na escuridão da noite. Branco e verde e azul, a eletricidade dançava através e dentro dele. Elevou uma mão ao céu noturno e olhou as tênues faíscas que a pele criava.

O normal não era seu, e nunca seria. Melhor não perder tempo desejando coisas que nunca aconteceriam, coisas impossíveis como estar dentro de Hope na próxima vez que se sacudisse e tremesse.

Se ela zombava da aura e dos cristais e os símbolos da sorte, o que é o que pensaria dele?

 

Capítulo 6

 

Quarta-feira, 8:40 a.m.

 

Gideon meio esperava que Hope estivesse longe, longe da loja de sua mãe quando chegasse ao Cálice de Prata para apanhá-la. Ela tinha tido tempo de pensar sobre a outra noite. Podia estar na delegacia apresentando um relatório contra ele ou pedindo ums transferência. Talvez estivesse voltando para Raleigh, entretanto, para ser honesto, não parecia das que fogem. Ainda assim, era pouco provável que quisesse continuar como se nada tivesse acontecido.

De novo o surpreendeu. Estava esperando em frente, aparentemente tranqüila com uma xícara de café na mão. Como de costume, vestia-se de forma conservadora, com um traje de calça cinza e uma blusa branca bem cortada que pareceria singela em qualquer outra mulher mas parecia incrivelmente sexy em Hope Malory. Sabia que essas calças sociais que acreditava que a faziam parecer profissional só expunham quanto suas pernas eram longas e esbeltas? E com esses saltos que usava e que provavelmente desejava que a fizessem parecer mais alta do que realmente era, estava alucinante. Usava o amuleto que lhe tinha dado ontem à noite, estava bem escondido, como o seu.

— Não deveria permanecer ao ar livre — disse enquanto estendia a mão e abria a porta do passageiro.

— Bom dia para você também — disse Hope friamente enquanto se sentava. — Qual é o plano? — Se tivesse tido peito para realmente olhá-lo no rosto, ele não teria acreditado que era humana.

— Selecionei quatro homicídios, todos eles no sudeste. Compartilham algumas semelhanças com o assassinato de Bishop.

— Todas são mulheres?

Negou com a cabeça.

— Três mulheres e um homem.

— Coisas em comum?

— Arma similar e levou recordações. Nem sempre dedos e cabelo, mas lembranças que em si mesmos são suficientemente estranhos para fazer que valha a pena examiná-los. Não houve testemunhas, e nenhuma prova em especial. Todas as vítimas eram solteiras. Não apenas solteiras, como também sem companheiro e sem família próxima. Essa poderia ser a coincidência, mas...

— Não acredito nas coincidências — disse Hope friamente.

— Eu tampouco.

Não havia visto o fantasma de Sherry Bishop desde ontem, o que não significava nada. Poderia aparecer a qualquer momento para lhe dar outra fofoca útil — ou não tão útil — de informação. Ou poderia não vê-la nunca mais, em cujo caso agiria sem ajuda.

Deu uma olhada em Hope. Não tanto como uma das suas como queria. Bonita, fascinante e inteligente como era Hope Malory, ele não precisava ou queria uma companheira. Por que ainda estava ali? Em quarenta e oito horas tinha tratado de contrariá-la e em seguida se fazer de seu amigo. Tinha inutilizado seu carro, salvo sua vida e a tinha feito gozar. Deveria ama-lo ou odia-lo, e ainda estava aqui, fria como sempre.

O que a faria perder a calma?

— Chamei um mecânico para seu carro. Encontrará-se conosco no Hilton em dez minutos.

— Obrigado — disse serenamente.

— As análises do laboratório sobre Sherry Bishop devem estar prontas na primeira hora da tarde. Ao menos a maior parte delas. Assim que seu carro seja socorrido, acho que podemos ir ao escritório e fazer algumas chamadas sobre esses outros assassinatos enquanto esperamos que chegue o relatório.

— Por mim está bem. Se tivermos tempo gostaria de dar uma olhada no arquivo de Stiles, se não se importar. Poderia estar por trás do tiroteio de ontem, e o que a empregada loira da livraria viu poderia não ter nada a ver com o caso.

— É possível — concordou Gideon. — Se tivermos em nossas mãos um assassino em série, não tinha feito isto antes. Nunca tinha ficado e fixado o objetivo nos investigadores.

— Talvez tenha medo porque é muito bom.

— Detecto um indício de sarcasmo?

— Ah, seriamente é um detetive estrela.

Então … não estava exatamente tão fria e distante como pretendia.

Quando chegaram ao estacionamento do Hilton, o mecânico já estava ali, esperando. Gideon estacionou perto do Toyota de Hope e desligou o motor. Enquanto ele começava a sair do carro, ela disse baixinho:

— Mais uma coisa, Raintree, antes que comece o dia. Ponha uma mão em cima de mim outra vez e atirarei em você.

Ele vacilou com a mão no puxador da porta.

— Quer dizer que apresentará uma queixa contra mim, não?

Olhando-o diretamente aos olhos, fixa e firmemente. Sim, era completamente humana, não estava de todo satisfeita com ele, e um algo mais que um pouco aturdida.

— Não, significa que atirarei em você. Soluciono meus próprios problemas, então se pensa que vou ao chefe chorando pedindo justiça e uma transferência, está enganado.

E de que maneira.

— Não sei como fez e não me importa — continuou, em voz baixa mas firme. —Está certo, não muito. Sou curiosa, mas não o suficientemente curiosa para deixar isso passar. A partir de agora, mantenha as mãos quietas se quer conservá-las. — Abriu a porta e saiu, deixando-o de lado, e de fato dando por finalizada a conversa.

Maldição. Pelo visto tinha conseguido uma nova parceira.

 

***

Tabby caminhava com passos largos pela borda do rio, inquieta, nervosa e infeliz. O funeral de Sherry Bishop não se celebraria até sábado, e ainda assim, seria em Indiana. Merda de Indiana! O que se supunha que tinha que fazer, viajar todo o trajeto com a esperança de que Echo estivesse ali? Não, tinha que estar aqui no domingo. Aqui e acabar com sua parte nos preparativos.

Hora de ser realista. Hora de olhar além do que queria e concentrar-se no que tinha que fazer. Era muito tarde para conseguir primeiro a Echo. Se a profeta Raintree fosse ver algo do que ia acontecer, já teria visto. Talvez Echo não era tão poderosa como anunciaram.

Tabby estava concentrada no que podia fazer aqui e agora, e descartar o que não podia fazer. Echo não estava em nenhum lugar onde pudesse ser encontrada, ao menos não neste momento, mas Gideon Raintree estava aqui em Wilmington, tão perto que quase podia saboreá-lo.

Os vizinhos de Raintree estavam muito perto e eram muito barulhentos. Havia sempre alguém na praia ou na varanda vizinha. Pega-lo em casa não funcionaria. Precisava de intimidade para o que tinha planejado. Intimidade e um pouco de tempo. Não teria todo o tempo que queria, mas sem dúvida tinha planejado ter minutos com o Raintree em vez de segundos. Horas seria melhor, mas aceitaria o que pudesse conseguir.

Raintree e sua companheira estiveram na delegacia a maior parte do dia, e não era tão estúpida para tentar pega-los ali. Além disso, não queria se apressar. Queria olhar diretamente nos olhos verdes Raintree de Gideon enquanto o matava. Queria estar perto o bastante para absorver qualquer energia emitida quando exalasse seu último suspiro, e certamente queria uma lembrança ou dois.

Felizmente, sabia exatamente como o tiraria da segurança da delegacia e bem longe de sua casa.

A ponte sobre o rio estava repleta de turistas e uns poucos vizinhos. Deu uma olhada em todos, um a um. Alguém daqui tinha que estar sozinho. Não só nesse momento, mas também verdadeiramente e completamente sozinho. Tristemente sozinho. Tabby examinou as pessoas rapidamente, descartando um após o outro como inadequados para seus propósitos. E logo seu olhar se posou na pessoa que estava procurando.

Sozinha, amedrontada, separada de seus seres queridos. Insegura, vulnerável, necessitada. Perfeita.

Taby Ansara sorriu enquanto se concentrava nas costas da ruiva bem proporcionada e se perguntava se a mulher tinha alguma pista de que estava a ponto de morrer.

 

***

Quarta-feira, 3:29 p.m.

— O que quer dizer com o chip está frito? —Hope quase gritou ao telefone. — O carro é virtualmente novo! — De fato a garantia acabava de terminar.

Escutou a explicação do mecânico, o que na realidade não tinha nenhuma explicação. Não sabia o que tinha ocorrido. Só sabia que um chip muito caro tinha que ser reposto. Naturalmente, não o tinha em estoque. Demoraria alguns dias para conseguir o novo chip e instalá-lo.

Desligou o telefone com um golpe vingativo, e Raintree levantou a cabeça lentamente para olhá-la.

— Más notícias?

— Estarei sem carro alguns dias. — Começou a folhear as páginas amarelas de sua mesa. — Quem me recomendaria que chamasse para alugar um carro?

— Não precisa alugar um carro — disse Raintree.

— Não vou deixar que me faça de chofer pela cidade durante dias — discutiu. E o meio de transporte de sua mãe era uma vergonha. O carro gastava pouco, mas era pouco maior que uma caixa de charutos, e tinha o desagradável hábito de morrer nos pare e nos semáforos.

— Como é com uma alavanca?

— Perdão?

— Câmbio manual — disse, olhando-a fixamente outra vez. — Sabe usa-lo?

— Sim — disse brevemente.

Raintree a tinha levado a sério esta manhã, supôs, já que não a havia tocado o dia todo. Nem inadequadamente, nem casualmente, nem de modo algum. Isso era o que queria, não? Então por que estava tão nervosa em sua presença que queria gritar?

— Emprestarei meu Challenger a você — disse. — Iremos para minha casa esta noite e darei um jogo de chaves a você. — Quando ela hesitou, acrescentou: — Se León estivesse sem carro, faria-lhe a mesma oferta.

Uma parte dela queria recusar, mas não fez. Depois de tudo, seria por poucos dias.

— Claro. Obrigado.

Raintree se sentou longe do computador, estudando o grosso arquivo em suas mãos. Tinham o relatório inicial da cena do crime do caso Sherry Bishop, tal como aconteceu, e estavam esperando o relatório do forense a qualquer momento. Outro detetive, Charlie Newsom, colocou a cabeça no escritório, compartilhado no momento por Raintree e Hope. Olhou para Hope, abertamente interessado nesses brilhantes olhos e esse sorriso assassino. Charlie era provavelmente um rapaz maravilhoso, não um canalha. Ao menos não a deixava nervosa.

— Chequei o do Stiles. O prenderam na semana passada na prisão do condado por embriaguez e pertubar a ordem pública.

— Está livre? — perguntou Gideon.

Charlie negou com a cabeça.

—Não. Ainda está lá.

O que significava que não pode ter sido quem disparou em Raintree —ou nela— ontem.

 

***

Gideon passou os dedos sobre a foto de cima, uma mulher assassinada em uma zona rural do estado, quatro meses atrás. Havia outras como esta abaixo, algumas com pouca luz, algumas de ângulos menos horripilantes, mas esta era a foto que tinha lhe chamado atenção.

Marcia Cordell tinha muito pouco em comum com Sherry Bishop. Marcia era uma professora de trinta e seis anos em uma pequena escola do condado. No momento de sua morte usava um vestido frouxo marrom que certamente tinha sido escolhido para esconder a aparência que tinha. Não teria sido pega morta — ou viva — com o cabelo rosa ou com um piercing no umbigo. Não vivia em um apartamento e sim em uma casinha nos subúrbios, em um caminho secundário, uma casa que tinha herdado de seu pai quando morreu cinco anos atrás.

O que tinham em comum Sherry e ela era que ambas eram solteiras. Em lugar de encher suas solitárias noites com música e um trabalho em um café, Marcia Cordell tinha preenchia seu vazio com as crianças de outras pessoas, dois gatos gordos, e — a julgar pela foto em sua mesa — uma impressionante coleção de bolas de neve de lugares em que nunca tinha estado. Ambas tinham sido assassinadas com uma faca que tinha deixado uma marca similar. Sherry tinha sido assassinada com um corte na garganta, mas Marcia tinha sido apunhalada uma meia dúzia de vezes antes de lhe cortar a garganta. Entretanto, o ângulo e a profundidade da marca final eram as mesmas em ambos os casos, e havia destroços em ambas as cenas, como se o assassino tivesse entrado em frenesi uma vez consumado os assassinatos.

E uma das orelhas do Marcia tinha sido amputada e subtraída.

As investigações em jurisdições com falta de pessoal eram freqüentemente de muito má qualidade e incompletas, mas o escritório do xerife tinha feito um trabalho bastante bom. O arquivo do caso era pequeno, mas o xerife ainda seguia ativamente o caso e havia sido muito cooperativo pelo telefone. Tinha convidado Gideon para visitar a cena do crime, a qual estava bem conservada, já que Cordell não tinha família direta e não tinha deixado mantimentos na casinha. Não é que alguém, presumivelmente a quisesse depois do que tinha acontecido ali.

Talvez por isso o fantasma de Marcia Cordell ainda estava ali nessa casa, esperando justiça? Era possível, mas não necessariamente provável. Entretanto, este tinha sido um assassinato particularmente horripilante, o bastante para manter o espírito de Marcia um tempo pelos arredores. Se Marcia Cordell sabia que ele estava decidido a encontrar a mulher que a tinha assassinado, poderia descansar em paz?

A pilha de arquivos no escritório de Gideon era desalentadora. Se tivesse tempo, poderia resolver todos. Poderia encontrar os rapazes maus, prende-los, enviar os espíritos dos que tinham matado a um lugar melhor. Mas maldita seja, havia tanta maldade que não poderia com toda ela. Um homem não podia arrumar todos os males do mundo. Era um mundo em que não podia trazer uma criança. Não podia consertar tudo, não para uma criança... não para Sherry Bishop e Marcia Cordell.

— Está bem, Raintree?

Nem tinha ouvido Hope entrar no escritório.

— Não — disse. — Não estou bem. Acho que temos um assassino em série.

 

***

Quarta-feira, 11:17 p.m.

 

Gideon se agachou junto ao corpo que jazia em cima de um tapete barato em um meio respeitável quarto de hotel. O cabelo vermelho da vítima cobria a maior parte de seu rosto, mas podia ver mais que suficiente. Como Sherry Bishop, esta mulher tinha sido assassinada com uma faca. A diferença de Sherry Bishop, a morte desta mulher não tinha sido rápida. A cena se parecia mais às fotos do homicídio de Marcia Cordell.

Lily Clark. Segundo sua carteira de motorista tinha trinta e um anos e tinha viajado para ali vindo de um pequeno povoado da Georgia para uma semana de férias. Registrou-se com um amigo no sábado, mas segundo o homem da recepção, esse homem não tinha sido visto desde domingo a tarde. Tinham visto Clark com lágrimas mais de uma vez depois. Hope, é obvio, tinha vinculado imediatamente o namorado como suspeito. Gideon não acreditava.

Duas vítimas de assassinato em três dias não era normal em Wilmington. O fato de que esta fosse uma turista ia lhe causar problemas.

— Disse que minha vida não valia nem um centavo — disse o fantasma em voz baixa. — E tinha razão. Não vivia da maneira que deveria. Vivia, atemorizada por uma coisa ou outra a maioria das vezes. Nunca pensei em ter medo de algo assim.

— Estava tentando atormentar você, Lily — disse Gideon docemente. — Não deixe que continue lhe machucando. Deixa passar tudo o que disse.

O fantasma de Lily Clark negou com a cabeça, incapaz de soltar nada.

— Não, tinha razão. Disse que era feia inclusive antes de me cortar a cara, e disse que a morte era o melhor para mim porque nenhum homem nunca seria capaz de me amar. —O espírito da mulher morta estava sentado ao lado da cama, as mãos juntas delicadamente no regaço, o lábio inferior tremendo. Sua forma era mais sólida que a que Sherry Bishop tinha tido. Provavelmente ficaria durante um tempo. — Tinha razão —sussurrou o fantasma.

Hope estava interrogando o diretor do hotel, e os oficiais uniformizados não deixavam ninguém entrar. No momento, ao menos, Gideon e o fantasma estavam sozinhos.

— Não, Lily, não tinha razão. Agora quero que se esqueça de tudo o que te disse e que se concentre no que possa me contar que me ajude a encontrá-la. Conte-me sobre a mulher que fez isto a você, assim poderei tira-la das ruas. Alta e loira você disse. O que pode me dizer sobre a faca que usou?

— Era antiga, acredito. A lâmina estava afiada, e o punho era de prata. Sabe? — assinalou. — Me cortou o dedo mindinho!

E desta vez não esperou que estivesse morta.

— Havia algo gravado no punho?

— Sim — disse Clark, com um vago toque de entusiasmo em sua voz. — Embora, não pude ver o que dizia. Não era inglês. Quando se sentou sobre meu peito e me apontou com a ponta da faca no nariz, vi algumas letras antigas rabiscadas. —Seu vermelho cabelo se balançou levemente. — Não tinham sentido.

— E nunca a tinha visto antes? — disse Gideon, repetindo algo que Lily havia dito antes quando tinha chegado à cena.

— Fui tão idiota — lamentou. — Primeiro venho aqui com Jerry, só para descobrir que estava casado, e depois deixo entrar essa mulher horrível em meu quarto. É obvio, não sabia que era horrível quando a convidei. Parecia tão encantada quando nos conhecemos na beira do rio. Esbarramos uma com a outra, literalmente, e derramei minha limonada sobre ela. Pensei que estava zangada, mas simplesmente riu. Começamos a conversar. Sabe como é. Também tinha problemas com o namorado, e íamos sair esta noite a tomar uns drinques e... — O fantasma ficou quieto e olhou para Gideon com uma expressão desconcertada. — Espera um minuto. Seu nome é Raintree? Gideon Raintree?

Gideon assentiu, perguntando-se com o estômago encolhido como a mulher sabia seu nome.

— Quase me esqueço. Tenho uma mensagem para você.

Um calafrio desceu pela sua coluna.

— Uma mensagem?

Ela afirmou com a cabeça.

— A mulher que me matou disse que a encontraria a meia-noite à beira do rio, ali mesmo na cafeteria onde costumava trabalhar a outra mulher que assassinou. Disse que sabia onde era. Vá sozinho. Se não o fizer, matará mais alguém. Não acredito que importe quem, apenas alguém como eu. Alguém de quem não sentissem falta.

Seu estômago encolhido não melhorou. De certa forma a assassina sabia o que ele podia fazer. Tinha habilidades psíquicas, ou tinha contratado um fraco vidente que simplesmente tinha tido sorte? O como não importava muito, agora não. A assassina em série que estava procurando tinha torturado e assassinado esta pobre mulher simplesmente porque era suficientemente forte para ficar e lhe dar uma mensagem.

Lily Clark nunca poderia continuar como deveria.

— Todo mundo deixa saudades —disse. Lily sacudiu a cabeça, mas ele continuou. — Todo mundo deixa um vazio no universo quando morre antes do tempo.

Sua forma ondeou, como se houvesse se tornado um pouco menos sólida.

— A mim não — sussurrou. — Meu primeiro marido com certeza não sentirá saudades de mim, e meus pais vão zangar comigo porque nunca lhes dei netos. Trabalho com computadores todo o dia, e sabe, eles não me sentirão saudades.

— Eu sentirei sua falta — disse Gideon, dando uma olhada ao corpo e em seguida elevou a vista para o espírito na cama. Era mais fácil de olhar que sua forma física.

— Por quê?

— Porque se tivesse apanhado à mulher que te fez isto ontem, ainda estaria viva.

Lily estendeu a mão como se quisesse consolá-lo. Seus dedos estavam frios, mas sentiu o toque com clareza.

— Não te culpo.

—Culpo a mim mesmo.

— Sempre faz isto?

A cabeça de Gideon se girou de repente. Hope estava na porta. Quando tempo estava ali, olhando e escutando?

— O que faz?

— Se culpar — disse ela com um inesperado indício de simpatia na voz.

— O assassino não foi o namorado — disse. — É a mesma mulher que assassinou Sherry Bishop.

Hope negou com a cabeça.

— Sei que temos o... Dedo amputado, mas fora isso, é um modus operandi completamente diferente. Bishop foi assassinada com um golpe rápido. Clark foi... —Seu olhar resvalou para o corpo mas não permaneceu muito tempo nele. — Foi torturada, Gideon. Isto foi pessoal.

— Não, foi doentio. — levantou-se. — E muito parecido ao assassinato sem solução do condado de Hale. É a mesma mulher, Hope. Sei. Quero uma análise da arma o mais breve possível. Apostaria meu trabalho que a mesma faca que matou Sherry Bishop e Marcia Cordell foi também usada para matar Lily Clark.

Quando deu um passo para Hope, ela se sobressaltou ligeiramente, mas não recuou. De algum jeito tinha que se desfazer de sua nova parceira antes de ir para o passeio para se encontrar com a assassina. Não podia lhe contar como sabia que a psicopata que tinha matado duas mulheres em três dias estaria ali, e não queria pôr Hope em perigo.

A última coisa que precisava era um parceiro por quem se preocupar.

— É muito tarde para terminar qualquer coisa esta noite — disse, o desânimo em sua voz bastante real. — Deixaremos os técnicos da unidade científica fazer seu trabalho, e depois nós começaremos de novo pela manhã.

Hope inclinou ligeiramente a cabeça, claramente confusa.

— Pela manhã?

— Sim. Pela manhã. Estou cansado. Vamos sair daqui.

Por um momento tudo esteve em silêncio exceto o fantasma da cama, que continuava conversando sobre quão estúpida tinha sido com as pessoas. Não ia a nenhum lugar por agora. Não esta noite, em qualquer caso. Quanto ao que ele sabia, Sherry já tinha seguido adiante, mas esta mulher claramente permaneceria ligada a terra durante um tempo.

— Vá embora —disse Hope. — Ficarei por aqui um momento, no caso de aparecer algo.

Sentiria-se melhor se soubesse que ela estava em casa, com as portas fechadas, mas isso não era de sua conta. Além disso tinha visto o cordão ao redor de seu pescoço aparecendo uma vez ou duas hoje. Usava o amuleto de proteção que tinha lhe dado.

— Nos vemos pela manhã — disse, voltando as costas a Hope e Lily Clark e à equipe da unidade científica que estava esperando para entrar no sangrento quarto de hotel.

Esperar até manhã? De maneira nenhuma. Dois dias — não, três — e já sabia que não era o estilo de Gideon Raintree. Hope abandonou os técnicos de homicídios e seguiu discretamente Gideon. Sua mente estava definitivamente em outro lugar quando subiu no Mustang e ligou o motor.

Se o seguisse nesse enorme e ruidoso Challenger vermelho que havia lhe emprestado, a veria antes de sair do estacionamento. Recorreu à pessoa mais próxima, o diretor de noite do hotel.

— Posso pedir emprestado o seu carro?

— O que? — perguntou, confuso e receoso.

— Seu veículo — disse Hope, abrindo a palma da mão para as chaves. — O devolverei o mais rápido possível, e encherei o tanque.

O homem corpulento ainda estava inseguro.

— O que vou fazer? — disse Hope bruscamente. — Roubá-lo? Sou policial.

Tirou as chaves do bolso da calça e a contra gosto as entregou.

— É a caminhonete cinza.

— Obrigado. — Correu para a caminhonete, observando as luzes traseiras de Raintree enquanto girava para a rua Market. Esse não era o caminho para sua casa.

A estas horas da noite, as ruas estavam quase desertas. Havia alguns poucos turistas dando voltas, desfrutando dos clubes e a música no centro, mas seguir Raintree foi o suficientemente fácil para ser problemático. Tratou de permanecer atrasada assim ele não saberia que o estavam seguindo, mas definitivamente corria um risco.

Havia poucos argumentos possíveis para explicar sua rápida saída do hotel. Realmente podia estar cansado, mas nesse caso teria conduzido em outra direção, para para Wrightsville Beach. Talvez tivesse um encontro. Isso era provável. Tinha um encontro a meia-noite com algum bombom como sua vizinha Honey. Provavelmente era toda encanto com ele. No entanto, talvez era a prova que estava esperando encontrar. Tinha um encontro com um traficante para um pagamento. Talvez a morte de Lily Clark estava conectada com outras mortes por drogas que Gideon havia resolvido durante este tempo no Departamento de Polícia de Wilmington, e encontrou algo na cena que o alertou sobre a identidade do assassino.

Não fazia parte do plano gostar de Raintree, então por que esperava tão desesperadamente que fosse se encontrar com alguma cabeça-oca para tomar uns drinques, dançar e um pouco de sexo prazeiroso? Não gostava muito da idéia, embora não tivesse nenhum direito sobre ele nem nunca teria, mas era preferível a descobrir que seus instintos iniciais sobre ele tinham sido corretos e que não era honrado. Enquanto estacionava o carro na calçada, tentou expor-se outro argumento. Um que o convertesse em desonesto ou brincalhão.

Hope continuou dirigindo passando de lado ao Raintree enquanto ele saía do Mustang, voltando ligeiramente a cabeça, assim não poderia dar uma olhada no seu rosto. Estava muito distraído, nem a tinha visto. Girou na esquina e estacionou em frente de uma loja de presentes fechada, esperando até que viu Gideon pelo espelho retrovisor antes de abandonar a caminhonete.

Encaminhou-se para a beira do rio. Hope permaneceu a uma distância segura atrás dele, mas o bastante perto para poder ver sua nuca. Embora esta zona estava bem iluminada durante a noite, estava cheia de sombras onde se ocultar. Raintree caminhava devagar, mas com resolução e sua especial marca de elegância, e em seguida alcançou uma parte em concreto da ponte, deteve-se e se apoiou sobre o corrimão de madeira, descendo o olhar sobre o rio.

Aqui estava seu melhor argumento: Gideon queria um pouco de tempo a sós para refletir sobre os dois assassinatos. Estava pensando dessa forma estranha que tinha, relaxando-se, juntando as peças do quebra-cabeça e não esperando a uma Honey ou um traficante. Hope permanecia nas sombras e observava. Um casal de idosos passou a seu lado mas não reduziram a marcha nem o saudaram de nenhuma forma salvo por uma rápida olhada. Gideon continuou olhando fixamente o rio, imóvel. Começou a pensar que isto era uma tarde perfeitamente inocente...

E depois ele checou o relógio. Estava esperando algo. Não, a alguém. Seu coração quebrou, se bem sabia que não deveria se importar por que estava ali ou com quem ia se encontrar.

Uns minutos depois uma loira alta saiu das sombras, caminhando para Raintree com determinação. Ele levantou a cabeça como se soubesse que ela estava ali antes que pudesse ouvir seus passos.

Uma mulher. Deveria ter sabido. Os homens como Raintree não ficavam sem companhia, não importava o quanto dedicados estivessem a seu trabalho. Tinha ouvido ele falando com a última vitima no hotel, separando os olhos de seu corpo para dizer a uma mulher que já não podia ouvi-lo, que sua vida importava, lhe prometendo encontrar justiça para ela. E agora estava ali, se esquivando de uma nova investigação para um encontro? Não tinha sentido, mas bem, que homem fazia o que se esperava dele?

Hope estava preparada para escapulir silenciosamente e devolver a caminhonete ao diretor do hotel sem que Raintree nunca soubesse que se rebaixou a espiá-lo de novo quando um inquieto alarme a deteve.

A mulher caminhava para Raintree... Seu cabelo loiro era comprido e liso, combinando com o único fio que tinha sido encontrado no corpo de Sherry Bishop. Era mais alta que a média, e se movia de uma maneira que avisava que tinha músculos e sabia como usá-los.

E estendeu a mão esquerda dentro da jaqueta que usava e tirou uma faca grande e de aspecto horrível.

 

Capítulo 7

 

— É ela! É ela! —Lily Clark saltava para cima e para baixo, apontando com um dedo trêmulo enquanto se sacudia e dava o aviso. O fantasma parecia surpreendentemente sólido aos olhos de Gideon, mas a loira não parecia ver sua última vítima.

— Sei — disse Gideon suavemente.

— Atire nela — instruiu Lily.

— Ainda não. — Queria descobrir o que a loira sabia e como. Por outro lado, embora inclusive soubesse que esta mulher era uma assassina, disparar em um suspeito na beira do rio era definitivamente mal visto.

A loira sorriu e se assegurou de que ele pudesse ver a faca em sua mão. Qualquer pessoa sentada na cafeteria não tão afastada, se olhasse nesta direção não veria nada suspeito, pela maneira em que a mulher sustentava a jaqueta que cobria a arma de sua vista. De qualquer modo, a maioria dos clientes não estava olhando para este lado. Através da janela pôde ver que estavam envolvidos em suas próprias conversas, em suas próprias vidas.

— Estou aqui — disse ele mostrando no alto as palmas das mãos para que pudesse ver que não levava uma arma própria.

— Sabia que estaria, Raintree — disse a que loira brandia a faca enquanto se aproximava.

— Sabe meu nome. Qual é o seu?

Seu sorriso se alargou um pouco.

—Tabby.

Gideon suspeitou que estava dizendo a verdade; não esperava que durasse o suficiente para compartilhar a informação com mais alguém.

— O que quer, Tabby?

— Quero conversar.

— Isso é o que me disse — disse Lily indignadamente. — Não a escute. É um policial. Tem uma arma. Atire nela!

— Ainda não — disse suavemente.

— O que quer dizer...? — começou Tabby, e então vacilou. — Não está falando comigo, não é? Qual delas está aí? — Olhou ao redor, mas seus olhos nunca recaíram sobre Lily. — Ambas, talvez. Não, tem que ser essa manteiga derretida de mulher Clark. Acredite em mim, em breve estará mais que preparado para se liberar dela. Falava tanto que me fartou antes que a amordaçasse.

Coléricamente, Lily se atirou sobre Tabby, passando diretamente através do corpo da mulher alta. Talvez Tabby sentiu algo, um frio, ou um pouco de vento. Seu passo vacilou um pouco; seu sorriso morreu.

Graças à tortura, física ou psicológica, Tabby havia feito Lily mais substancial que a maioria dos espíritos. Estava presa a este plano de uma maneira que a maioria dos espíritos não estavam. Com um pouco de concentração, talvez muita concentração, Lily pudesse repercutir sobre o físico neste mundo que tinha deixado atrás. Possivelmente.

Tabby parou a menos de um metro de distância. O lugar era muito público para que lançasse nela uma descarga de eletricidade, mas quando se aproximasse mais, se pudesse tocá-la e enviar uma descarga a seu coração, o efeito seria o mesmo.

— Tem duas opções, Raintree. Pode vir comigo sem nenhum incidente e assim poderemos discutir a situação em particular por um momento, ou pode dificultar para mim, e depois estará morto, me desforrarei com os inocentes cidadãos e turistas desta cidade que chama de lar. Ainda estará por aqui para olhar, imagino, como um fantasma que não pode elevar nem um dedo para me parar. — Sorriu amplamente — Isso seria muito legal.

— Tenho o pressentimento de que seria perigoso ir a algum lugar com você. Por que não falamos aqui mesmo?

— Seria muito arriscado para você não fazer o que digo — respondeu com voz grave e olhos duros. Mudou a faca da mão direita, estreitando-a e tornando-a mais segura, mais… preparada. Gideon sentiu um formigamento de eletricidade nas gemas dos dedos. Se não tinha outra opção…

Um jovem casal se aproximou de braços dados, alheio ao resto do mundo. Tabby se aproximou mais.

— Faz um movimento e furarei ambos antes que possa dizer buuu.

Gideon ficou quieto, seguro de que Tabby faria exatamente o que ameaçava se tivesse a oportunidade. O casal passou, inconsciente de que o perigo estava tão perto. Quando estivam longe para ouvi-los, Tabby sorriu outra vez.

— Vai vir comigo ou não?

— Vou prender você ou te matar. Você escolhe.

Não parecia nada assustada, nem dele, nem de nada. Seu sorriso se fez mais profundo de novo, por uma fração de segundo, e então girou a cabeça bruscamente e o sorriso desapareceu de todo, com uma rapidez que transformou sua cara.

— Disse a você que viesse sozinho.

Gideon estendeu a mão para ela enquanto estava distraída, tentando agarrar seu pulso e enviar uma descarga para seu coração. Nunca tinha matado ninguém antes, mas sabia que era possível, e se alguma vez um monstro merecia morrer… mas antes que pudesse agarrá-la, levantou a mão que não sustentava a faca e jogou alguns grãos de areia no seu rosto. Caíram em seus olhos, dentro da boca e em outras partes também, e imediatamente ficou meio cego e tonto. A perdeu e ela arremeteu com a faca. Não foi um movimento selvagem e sim uma manobra bem planejada que se deslizou através de sua defesa e o pegou de surpresa. Esbanjando o mínimo de movimentos, Tabby empurrou a faca na coxa profundamente.

A perna do Gideon falhou sob ele, e caiu na ponte com um golpe seco. Tabby dirigiu outro golpe para sua mão, este selvagem e sem planejamento. Gideon moveu as mãos. A ponta da faca apenas rasgou a carne, desenhando um pequeno vergão de sangue em lugar do dedo que ela sem dúvida queria colecionar. Sua cabeça deu um coice, amaldiçoou, e então fugiu.

Meio deitado, meio sentado na ponte, Gideon apontou. Vacilou. Sua visão falhou. Pestanejou com força. Enviar uma descarga de eletricidade para suas costas era possível, mas a confusão tinha chamado a atenção das pessoas na cafeteria? Perguntou-se se poderia detê-la sem matá-la. Se matasse Tabby, nunca saberia como tinha descoberto sua habilidade para falar com os mortos… a quantas pessoas teria matado…? Por que…?

Não podia deixá-la fugir. Elevou a mão, e evocou mais poder do que jamais tinha dirigido para outra pessoa, a uma que não pudesse absorver a energia como ele fazia.

Mas não disparou. Seu raciocínio era normalmente tão claro, tão preciso, mas neste momento não era nada assim. Alguém familiar gritou seu nome. Raintree! Em algum lugar naquelas sombras adiante parou o casal que recentemente tinha passado. Não podia vê-las bem, mas estavam ali. Como era de esperar, o surpreso e curioso jovem se perseguiu Tabby e diretamente dentro do campo de visão de Gideon, e de novo sua vista se escureceu.

Hope, com sua própria pistola na mão, passou ao lado de Gideon durante a perseguição.

— Está bem?

— Sim — disse enquanto passava entre ele e o homem que imprudentemente havia se situado em frente a mira de Gideon.

— Não, na realidade não — acrescentou, ainda quando já estava muito longe para ouvir suas palavras em voz baixa. — Que demônios estava fazendo aqui? — Não deveria se surpreender de ver Hope aqui; não deveria se surpreender do facilmente que o seguiu. A mulher estava em todos os lugares em que não devia estar.

— Pede reforços! — gritou ela enquanto continuava correndo.

Gideon baixou a mão e se apoiou contra a ponte, olhando para baixo a suas calças rasgadas. Se curava rapidamente, mas não imediatamente. O arranhão na mão já tinha desaparecido, mas a coxa era outra questão, e o que fosse que Tabby tinha jogado no rosto ainda o aturdia. A faca tinha entrado profundamente, e continha o fluxo de sangue pressionando a mão sobre a ferida. Em qualquer outro momento do ano iria para a emergência para que lhe suturassem, mas não em uma semana tão próxima a um equinócio ou um solstício. Sua presença faria estragos nos aparelhos do hospital.

Pressionou contra a ferida e fez tudo o que pôde para se concentrar, permanecendo lúcido. Uma assassina em série que sabia o que ele podia fazer. Era um pesadelo. Tabby não iria de cidade em cidade, nunca mais. Enviaria-lhe fantasma atrás fantasma, cada um deles lhe suplicando justiça. Ela jogaria seu jogo até que um deles estivesse morto. O raciocínio de Gideon se tornou mais e mais confuso. Não tinha perdido tanto sangue, ainda assim se sentia mais fraco agora que havia se sentido quando a faca tinha cortadfo sua carne. Não tinha sido areia o que lhe tinha jogado nos olhos, esperando cega-lo, e sim algum tipo de droga que estava lhe roubando a razão.

As luzes da cafeteria deram voltas, e ele pestanejou contra a curiosa luminosidade piscante. As luzes acima dele cresceram retangularmente, apagadas e imprecisas, o coração não estava pulsando corretamente. Estava desacompasado, desafinado. No fundo de sua mente, Gideon sabia que deveria estar tentando se levantar, mas algo mais que a dor na perna o mantinha imóvel. O corpo inteiro estava pesado, e não conseguia se concentrar em nada durante mais de uma milésimo de segundo. Só podia pensar claramente o suficiente para saber que isto estava errado. Muito errado.

Um momento mais tarde Hope estava se encaminhando de volta para ele, movia-se um pouco mais devagar que quando havia perseguido Tabby, mas ainda ia rápido. Ela não mantinha sua forma tão bem como as luzes, e ele piscou contra a brumosa visão. Como diabos era capaz de correr com esses saltos?

— Perdi-a — disse sem fôlego. — Mierda, estava logo ali, e eu… — Sacudiu a frustração e se agachou a seu lado. — Você está horrível. Chamou por reforços e uma ambulância, não é?

— Não. — Sentia os lábios intumescidos e pesados quando respondeu.

Ela estirou a mão até o celular.

— Não chamou? Maldição, Raintree...

Ele pôs a mão em seu pulso antes que pudesse discar.

— Nada de hospital. Nada de reforços. Só preciso que me leve para casa.

— Para casa! — Moveu sua mão e retirou de um lado uma parte de tecido, então fez uma careta ante sua ferida. — Não acho. — Pressionou sua mão surpreendentemente forte sobre a ferida. — Precisa de um médico.

Ele negou com a cabeça.

— Não posso.

— Vai ter que contar para ela — disse Lily Clark sacudindo sua cabeça ruiva.

— Não posso — respondeu ele.

— Já disse isso. — Hope levantou a cabeça ligeiramente e olhou de novo a ferida profunda em sua perna, que se podia ver através das calças rasgadas. — Não está pensando com clareza.

— Ela entenderá — disse Lily, quase amavelmente.

— Não, não irá — disse Gideon. Estava sentindo a perda de sangue, ao mesmo tempo que… algo mais. — Ninguém nunca entende.

— Entender o que? — perguntou Hope. — Raintree, não perca as estribeiras comigo.

Tentou recuperar o controle do celular para assim poder chamar o 911, mas Gideon ainda tinha força suficiente para mantê-la a distância.

Talvez Lily estivesse certa. Não tinha confiado seu segredo a ninguém fazia muito tempo. Muitíssimo tempo. Tabby sabia. Queria dizer que o segredo estava descoberto? Ou logo estaria? Olhou a um lado para estudar o rosto pálido do fantasma, um rosto que só ele podia ver.

— Talvez tenha razão — disse. — Talvez possa lhe contar a verdade.

Lily assentiu e sorriu.

— Vai pensar que estou louco — disse.

A ruiva posou uma mão na sua testa, e sentiu seu toque frio muito claramente. Via fantasmas todos os dias, falava com eles com freqüência, mas raramente o tocavam de algum modo. Nunca assim.

— Não seja como eu, Gideon — disse Lily. — Não se contenha tanto. Viva bem, e deixe um grande vazio quando o momento chegar.

Ele negou com a cabeça.

— Conte a ela.

— Não é uma boa idéia.

— Maldição seja, Raintree, está me dando um susto de morte — disse Hope suavemente, e ele pôde ouvir a preocupação em sua voz.

Gideon girou a cabeça e procurou Hope Malory. Sua cabeça deu voltas. A perna nunca tinha doído assim, e apesar da imagem nebulosa de Hope, pôde ver que estava preocupada. Pôde ver que se importava, mesmo quando não queria se preocupar com ele ou por ninguém mais. Não tinha contado a ninguém o que podia fazer fazia tempo, e a última vez… a última vez não tinha funcionado muito bem.

— Não queria assustar você — disse. — Só estava falando com o Lily Clark.

Hope se inclinou ligeiramente para ele.

— Raintree, Lily Clark está morta.

— Sim, eu sei.

Alguém finalmente, da cafeteria, se deu conta da agitação na ponte, e alguns curiosos caminhavam para ele. Não tinha muito tempo.

— Lembra quando disse que falava com os mortos?

— Sim — disse Hope.

— Era verdade.

 

***

Raintree estava tendo alucinações. Era isso.

Hope pressionou contra sua ferida com mais força. Alucinações por uma horrível mas relativamente pequena ferida de faca na coxa? Não tinha sentido.

— Isso não é possível. vou chamar o 911 agora…

— Não há tempo para discutir. Não posso ir ao hospital esta semana.

Esta semana?

— Raintree...

— Olhe isto — disse brevemente, então girou o olhar para a luz mais próxima. Imediatamente a luz explodiu em uma chuva de faíscas. As pessoas que estavam se aproximando da cafeteria vacilaram e retrocederam. — E a próxima — disse Raintree suavemente. Outra luz explodiu. — A próxima?

— Não é necessário — disse suavemente girando para as pessoas que estavam se aproximando de novo. Esboçou um sorriso para eles.

— Deveria chamar uma ambulância? — disse o homem forte que ia a frente. Parecia que estava no comando, mas este não era o encarregado com quem eles tinham falado no início da semana.

— Não, obrigado — disse Hope, soando calma. — Meu amigo aqui passou um pouco do ponto na bebida e caiu, acho que tem uma lasca ou algo na perna. Se tiver uma toalha, algumas gazes ou algo, o remendarei e levarei para casa.

Era uma explicação pouco interessante, e os outros espectadores partiram.

— Claro — disse o homem, soando desiludido. — Tenho um estojo de primeiros socorros e gazes mais que suficiente.

— Ótimo — disse Hope agradecida.

— Ótimo — repetiu Raintree quando o homem da cafeteria se afastou para trazer as ataduras. — Então acredita em mim?

— É obvio que não — disse severamente.

— Mas você...

— Acredito que algo está errado. Só que ainda não imagino o que.

— Disse a você... — de repente Raintree girou a cabeça e olhou a uma larga extensão de ar. — Sim, é bonita, mas também é uma cabeça dura sabichona.

— Falando com fantasma de Lily Clark de novo? — cortou Hope.

Gideon se inclinou para ela.

— Acha que deveria ter a mente mais aberta.

— Oh! Acha?

— Sim. — Gideon pareceu desconcertado por um momento, e então acrescentou: — não perdi sangue suficiente para me sentir tão enjoado. Ela jogou algo no meu rosto. Uma droga de algum tipo. Talvez até um veneno. Isto não está bem. Preciso sair daqui.

— Precisa de um hospital.

— Não. Lily diz que cuidará bem de mim.

— Isso não me parece uma lasca.

A cabeça de Hope se elevou de repente, e viu o homem da cafeteria olhando para baixo, com suspeita nos olhos.

— Uma grande lasca — disse Hope enquanto agarrava as ataduras.

— Tem certeza...?

Hope mostrou rapidamente o distintivo ao homem, e ele elevou as mãos em rendição.

— Não se preocupe. Não é assunto meu.

— Reporei suas ataduras assim que tiver a oportunidade — prometeu Hope.

— Não há problema — disse o homem enquanto retrocedia. — Não se preocupe por isso.

Claramente não acreditava na história, mas não ia causar um problema e talvez inclusive trazer parte desse problema para sua própria porta.

Hope rapidamente enfaixou a coxa de Raintree, acolchoando-a com camadas grosas e depois amarrou o curativo. Ele definitivamente estava alucinando, e precisava de mais cuidados do que ela podia lhe dar. Rapidamente justificou com habilidade porque as luzes tinham explodido. Tinha um aparelho secreto escondido em alguma parte, e de algum modo o tinha usado para provocar um curto-circuito na conexão elétrica. Talvez tivesse sido uma coincidência. Tinha visto as luzes piscando, jogou uma aposta arriscada, e ganhou. Certamente não tinha feito que as luzes explodissem simplesmente com o olhar. O senso comum ditava que tirasse Gideon dali, que o pusesse em seu Mustang e o levasse a uma Emergência.

— Ainda não acredita em mim — disse ele, sua voz se tornava mais espessa. Seria possível que realmente tivesse sido drogado? Deixaria que um médico descobrisse. Ela certamente não era médica. Demônios!, nem sequer era uma babá meio decente. Nos anos anteriores tinha tentado algumas vezes que nem sequer podia manter vivo um peixe colorido.

— Sinto muito, Raintree — disse enquanto o ajudava a se levantar. Não foi fácil, já que era pesado e estava cambaleante, mas conseguiram. Com seu apoio, deveriam ser capazes de chegar ao carro e daí ao hospital. Seu avanço era lento, enquanto davam um passo com cuidado e depois outro. Para o reduzido público que olhava da cafeteria, provavelmente pareceria que estava bêbado. Melhor assim. Era uma explicação mais fácil que a verdade… qualquer que fosse.

Raintree murmurou confuso algo em voz baixa.

— O que? — perguntou Hope.

— Não estava falando com você — disse asperamente.

— É obvio que não estava — respondeu.

Alguns poucos passos mais e Raintree falou de novo.

— Toque nela — ordenou ele. — Você pode, sabe disso. A maioria dos fantasmas não podem repercutir sobre o físico, mas você é diferente, Lily. Sua energia está mais presa a esta terra que a da maioria dos espíritos, e se você se concentrar e realmente, realmente tentar…

— Basta, Raintree — disse Hope com secura. — Isto não é mais engraçado.

Seus passos vacilaram quando sentiu como se um pedaço de gelo roçasse sua bochecha, apenas esfriando-a com seu toque.

Ele sorriu.

— Sua bochecha. A esquerda, logo abaixo da maçã do rosto.

O coração do Hope se descompasou tanto como seu passo o tinha feito um momento antes. O frio a tocou no estômago, como se um dedo invisível a tivesse alcançado através da roupa.

— Estômago — disse Raintree, a simples palavra curiosamente séria.

Hope lambeu os lábios.

— Não sei como está fazendo isso…

O frio se envolveu ao redor de suas orelhas. As duas.

— Orelhas — murmurou Raintree.

Caminharam sob uma luz. A lâmpada não explodiu, mas piscou umas poucas vezes e então se apagou. Raintree girou a cabeça para trás e olhou para cima.

— Não posso controlar a energia agora. Se for a um hospital, os negócios conectados aos doentes vão começar a explodir. — Soava como um pouco bebado. Não, soava muito bebado. — Leve-me para casa, parceira. Confia em mim.

Hope agora não confiava em ninguém, nunca mais. Especialmente não confiava nos truques fajutos nem em explicações incríveis. Mas depois de colocar Gideon no assento do co-piloto do Mustang e entrar na estrada, não se dirigiu ao hospital. Conduziu para Wrightsville Beach.

 

***

O que quer que fosse que Tabby tinnha jogado no seu rosto estava começando a desaparecer. Não era um veneno mortal ou estaria ficando pior em vez de melhorar. Mas era algum tipo de droga destinada a nublar seus sentidos. Perguntaria-se por que, mas ele tinha visto o corpo de Lily Clark e sabia condenadamente bem o porquê daquilo. Queria distrai-lo, e tinha conseguido.

Mais que isso, ela queria passar um tempo com ele. Queria a oportunidade de tortura-lo.

Gideon tirou o amuleto protetor de debaixo da camisa e o tocou com o dedo suavemente. Hope provavelmente diria que o amuleto não o tinha protegido absolutamente, mas ele sabia bem. A faca poderia ter acertado uma artéria. Tabby poderia ter decidido disparar nele em vez de dar uma punhalada na perna. Poderia estar perdendo um dedo agora mesmo.

Hope poderia não ter ido atrás dele, literalmente guardando suas costas.

— O que estava fazendo ali? — perguntou.

Ela murmurou uma suave maldição e manteve os olhos na estrada, que estava deserta a essa hora tão tardia. A praia estava tranqüila. As casas ao redor estavam escuras.

— Estou apenas curioso — acrescentou ele depois de um momento de silêncio.

— Essa estupidez sobre esperar até manhã antes de continuar com a investigação? Simplesmente não soava verdade.

— Então por isso que me seguiu.

— Sim. Está se queixando?

— No momento não.

Lily não estava com eles enquanto se dirigiam a sua casa da praia, mas ainda estava presa à terra; também sabia isso. Onde estava? Vendo os técnicos da Unidade Científica analisar seu quarto de hotel em busca de provas? Esperando perto enquanto o médico forense examinava seu corpo? Tabby havia feito da pobre mulher apenas um número, e convencer seu espírito que seguisse adiante não seria fácil.

— Uma vez esteja acomodado, vou chamar um médico — disse Hope enquanto entrava no caminho da entrada e acionava o controle remoto para abrir a porta da garagem.

— Não — disse ele.

— Maldição, Raintree!

— Não preciso de um médico.

— Vi a ferida — disse teimosamente enquanto estacionava o carro. — É muito profunda para que você mesmo a trate, e é muito seguro que eu não posso me ocupar dela. Não deveria ter seguido sua idéia trazendo você para casa, sei, mas…

— Já se esqueceu o que sentiu quando ela te tocou — disse. — E está esquecendo que vi onde te tocou.

— Bom truque, Raintree — disse enquanto rodeava o carro. — Um dia terá que me dizer como faz isso.

— Não é um truque — disse enquanto ela abria sua porta do carro e se inclinava para ajuda-lo a se levantar. Manteve seu braço ao redor dele enquanto se dirigiam às escadas que levavam a uma porta exterior da cozinha. A subida por essas escadas ia ser lenta, mas com a ajuda de Hope conseguiria. Odiava saber que precisava de alguém, mas no momento… no momento ela era sua parceira.

— Toda vida é elétrica — disse ele enquanto subia, um passo lento cada vez. — A eletricidade mantém pulsando seu coração, faz que seu cérebro funcione, mantém o espírito aqui, inclusive depois que o corpo esteja morto. De verdade quer uma explicação técnica? Perdoa mas não me sinto de humor para isso agora. Leva muito tempo. Elétrons, outro nível de vibrações, algo disto tem sentido para você?

— Não é plausível — disse ela sensatamente.

— A eletricidade também pode provocar que músculos e órgãos como o útero tenham convulsões, freqüentemente com interessantes e inclusive prazeirosos resultados.

— Avisei você sobre isso, Raintree…

— Gideon — disse enquanto entrava na cozinha e Hope acendia as luzes. — Se ainda não acredita em mim, estarei feliz de proporcionar a você outra demonstração.

— Não! — afastou-se dele um pouco mas não o soltou. Boa coisa, já que não estava seguro de que pudesse se sustentar ainda. — Isso não será necessário.

Sorriu para ela, mas sabia que foi uma tentativa pouco convincente. Deveria estar contente de que ainda não acreditasse nele. Se a deixasse sozinha, com o tempo descobriria um modo de explicar tudo. Todo mundo fazia isso, quando se enfrentavam com coisas que achavam inverossímeis.

— Sempre vi fantasmas — disse enquanto andava para o quarto. — Quando era pequeno, não entendia que ninguém os visse salvo eu. As descargas elétricas vieram depois. Tinha doze anos a primeira vez que fiz explodir a televisão. Daí até os quinze foram uns anos interessantes. Mas aprendi como controlar o poder, como aproveitá-lo e usá-lo. Ainda assim, as semanas próximas a um solstício ou um equinócio são imprevisíveis. O solstício do verão está quase aí. No domingo. — Olhou para baixo. — Eu inutilizei seu carro.

— Não fez…

— Fiz, e pagarei o conserto. Já fiz os acertos com o mecânico. Não posso me arriscar a ficar parado em algum lugar em um desses malditos carros com computador de bordo. Em qualquer caso de quem foi a idéia? Os computadores não têm nada a ver com um veículo.

Já no quarto, desatou-se o cinto, e tirou a arma e o distintivo. Hope acendeu a luz enquanto ele tirava a jaqueta e se sentava a um lado da cama.

— Obrigado —disse enquanto desabava de costas no colchão. — Pode ir para casa, agora.

Fechou os olhos, e o último pensamento antes de que a escuridão o reclamasse foi que Hope não ia deixa-lo. Mulher teimosa.

 

***

Tabby passou muito tempo agachada atrás da vitrine deserta antes que se atrevesse a deixar seu esconderijo. Tinha corrido e corrido até não poder mais, até que os pulmões estivessem ardendo e suas pernas não se moviam. Se Raintree e sua parceira tinham pedido ajuda, os policiais estavam procurando longe do rastro. Tudo estava silencioso e tranqüilo. Não tinha ouvido até agora nenhuma sirene.

Talvez não tivessem chamado. Depois de tudo, Gideon não queria que ninguém soubesse o que podia fazer, pois como poderia explicar o confronto? Era suficientemente extravagante, mas se seus talentos fossem de conhecimento público, nunca teria descanso. Meio mundo o taxaria como um louco; a outra metade iria querer usa-lo.

Havia lhe dado uma boa punhalada, mas sabia que não seria suficiente. Um pouco mais à esquerda e teria cortado a artéria, teria sangrado até morrer antes que sua bela companheira pudesse conseguir ajuda. Mas no último momento sua mão escorregou. Ao menos estaria, sem dúvida, tendo pesadelos neste momento. A droga com a que o tinha cegado não só tinha lhe dado uma vantagem, os efeitos durariam por um tempo. Perguntou-se que tipo de pesadelos teria um Raintree.

A companheira tinha saído de nenhuma parte, maldita, e tinha arruinado tudo. O tempo estava se esgotando. Nada mais de jogos. Nada mais de tentativas sutis. Tabby não gostava de sutileza.

No sábado a noite Gideon e Echo Raintree tinham que estar mortos. Se não estivessem, no domingo pela manhã seria Tabby a que estaria no chão… ou no rio, ou no oceano. Não acreditava que Cael tivesse o incômodo com nada que se parecesse com um funeral decente.

Umas poucas gotas de sangue Raintree mancharam sua faca e sua mão. Sentada na escuridão, Tabby levou ambos ao rosto e inalou. Fechou os olhos e imaginou o poder que ainda não podia tomar em seu próprio corpo. Este era sangue Raintree. Não era tão poderoso como um dedo ou uma orelha ou até mesmo uma pequena porção de pele, mas ainda assim… Raintree. Tinha estado tão perto, muito perto.

Era o momento de recuar, pensar na situação e conseguir um plano infalível. Não teria seu tempo a sós com Gideon, uma pena, mas estaria bem morto antes que terminasse a semana.

E não iria sozinho.

 

Capítulo 8

 

Durante um longo tempo Hope esteve sentada em uma cadeira ao lado da cama de Gideon Raintree e o observou dormir em estado de letargia. Ele se revolveu na cama, e então caiu em um sono tão intenso que parecia que estava morto. Esse silêncio imóvel a assustava muito mais que sua inquietação ou seus desvarios, ou que a facada em sua perna.

Depois de cair na cama e desmaiar, ela tinha mudado as bandagens de sua coxa, atenta se por acaso tinha que chamar alguém, mas não estava tão mal como recordava. De algum modo não estava. Era um corte feio, sem discussão, mas já não estava convencida de que necessitasse ajuda profissional. Era estranho, entretanto, ver que um corpo obviamente forte e saudável jazia tão absolutamente fragil.

Tinha tirado suas calças, limpado a ferida e voltado a enfaixar. Ao longo de toda a terrível experiência, Raintree mal se moveu. Foi um pouco mais difícil tirar a camisa e a gravata, mas tinha conseguido. Tinha deixado a roupa de baixo. Sua dedicação não chegava além desse ponto.

Com uma luva de banho úmida, limpou seu rosto do que pareciam grãos de areia. O que quer que fosse, não havia muito. Algumas bolinhas se agarraram em sua barba fechada e em sua face, mas com suavidade conseguiu tirar até um que se acomodou perto do canto de seu olho. Não pensou que houvesse bastante daquela substância para analisá-la, mas de qualquer forma guardou a luva de banho.

Na realidade nunca tinha despido um homem inconsciente, e Gideon Raintree era definitivamente muito homem. Depois de tirar o pó de seu peito e coxas, notou que suas extremidades eram robustas e muito bem formadas, atléticas. Tinha os braços firmes e musculosos sem chegar a ser excessivamente corpulentos. Havia algo nos antebraços e mãos desse homem, que podia fazer que os pensamentos de qualquer mulher fantasiassem com eles.

Além disso, não podia olhar essas mãos sem recordar o momento em que a haviam tocado. Ambos estavam completamente vestidos, e embora tivesse ocorrido rapidamente, tinha sido muito íntimo. Inesperado, mas poderosamente íntimo.

Hope, não quis pensar nesse momento, nos detalhes, nos como ou os porquês, então tentou se concentrar na saúde e bem-estar de Gideon, e deixar todo o resto para atrás. Às cinco da madrugada, uma sombra fechada crescia ao redor de sua barba e bigode, normalmente bem feitos, o fazia parecer um pouco descuidado. Era quase um alívio notar que podia ser algo menos que perfeito.

Durante toda sua assistência, tinha deixado o pingente que usava sob o traje ao redor do pescoço. Não acreditava nem em amuletos nem na sorte de qualquer tipo, não estava segura de por que deixava o adorno; Não lhe parecia bem tirar-lo dado que ele acreditava que tinha algum tipo de poder. Não obstante, tampouco podia explicar por que tinha posto ela o amuleto que ontem à noite ele tinha lhe dado. Não era típico dela acreditar em tais disparates.

Quando sua ronda inicial de “medicação” totalmente inepta, acabou, Hope se sentou em uma incômoda cadeira no canto do quarto. Não queria deixar Gideon sozinho ou estar muito longe. O que ocorreria se precisasse dela? Que pensamento mais tolo, mas apesar disso... não a deixou.

Ele não tinha nenhum relógio digital em seu quarto, mas havia um relógio despertador a corda que era provavelmente mais antigo que ele. O telefone do dormitório era de cabo terrestre. Toda sua conversa sobre a eletricidade e os fantasmas... ela não acreditou, mas obviamente ele acreditava. Tinha considerado seriamente que era corrupto; mas o que nunca lhe passou pela cabeça é que ele poderia ser mentalmente instável.

Usou o telefone situado ao lado da cama para telefonar para a sua mãe e também telefonou para o muito irado gerente do motel para lhe dizer onde tinha deixado sua caminhonete. Ele tinha um jogo de chaves reserva no escritório do hotel, graças a Deus, e um oficial que ainda estava na cena tinha aceito leva-lo de carro até seu veículo.

Hope se moveu nervosamente enquanto observava Gideon dormir. Sua história era ridícula. Não tinha nenhum sentido. Fantasmas. Que panaquice. Criando energia elétrica? Também muito fantástico para acreditar nisso. Deveria poder ser capaz de descartar completamente tudo o que ele disse como impossível ou continuar optando por essa possibilidade de que era “mentalmente instável”, mas havia algumas outras coisas a considerar.

Seu histórico como detetive de homicídios.

Os carros velhos que conduzia e que extranhamente quando ele tocou seu carro havia funcionado mau.

Sua carência de brinquedos elétricos decentes, televisões, telefones.

As luzes explodindo na beira do rio.

A forma em que ele a tirou da frente antes que a bala sequer fosse disparada.

O orgasmo inesperado.

Hope não acreditava em nada que não pudesse ver com seus olhos e tocar com suas mãos. Sua mãe era culpada em parte. Crescer com velas e incenso e salmodiando e as auras tinha envergonhado Hope em mais de uma ocasião. Esforçou-se cada dia de sua vida por permanecer firmemente ancorada à realidade.

Mas a culpa não era inteiramente de sua mãe. Jody Landers tinha sido o único que finalmente e por completo fez seu pedacinhos de seu mundo ordenado.

Tinha-o amado. O amor era, entretanto, outra coisa ilusiva que não se podia agarrar ou tocar ou cheirar. Mas seu amor por Jody tinha parecido tão real durante um tempo. Tinha enchido seu mundo e a tinha feito feliz. E tinha sido mentira. Jody a tinha escolhido fazia muito tempo. Seu encontro não tinha sido casualidade; Seu amor não tinha sido real. Era um traficante de drogas de baixo nível que queria ter um policial no bolso enquanto subia na cadeia de comando. Quando ela finalmente o apanhou e descobriu o que ele estava fazendo, afirmou que tinha chegado a amá-la. Mas não acreditou nele, nem então e nem agora, quatro anos mais tarde.

Tinha sido promovida a detetive apesar da vergonha. Jody estava preso e ficaria ali durante algum tempo, mas ainda havia pessoas em Raleigh que acreditavam que sabia ao longo de todo o tempo que tipo de homem era. Odiava admitir, mas não foi só o bem-estar de sua mãe o que a havia trazido para casa. Cansou-se dos olhares maliciosos e dos murmúrios incessantes.

Não podia se permitir ser manchada outra vez por se associar com o tipo errado de pessoa, o tipo errado de homem. Não, não ia ser uma boba ingênua outra vez. Então, que diabos estava fazendo aqui? Não devia nada a Gideon Raintree. Nem seu tempo, nem sua fé, nem sua lealdade.

Ao observa-lo dormir começou a meter-se sob sua pele de uma maneira que ela não podia justificar. Retorceu-se incômoda em sua cadeira. Esta era sua cama, sua casa, e observá-lo era tão pessoal, como se o estivesse espiando outra vez, tentando descobrir que ele fazia para marca-la dessa maneira e não ficar presa no fogo cruzado.

Gideon parecia estar dormindo bastante bem. Sua respiração calma e seus batimentos —que tinha checado uma ou duas vezes — era forte. Com isso em mente, Hope acabou sua inexplicável necessidade de fazer guarda e deixou o dormitório. Tinha sede, e fome. Também estava cansada, mas não pensou que poderia conseguir dormir um pouco esta noite. Na cozinha notou o velho fogão de gás, em vez do fogão elétrico que deveria ter. Nenhum forno microondas. Uma torradeira barata. Abriu alguns armários, procurando algo de comer, e encontrou um profundo depósito que continha outras duas torradeiras das baratas, assim como também um sortido de liquidificadores e ao menos três cafeteiras. Seu coração subiu à garganta, e se conformou com torradas com manteiga de amendoim e um copo de leite, comendo na mesa da cozinha, de onde podia ver a praia deserta. Na escuridão mal distinguia as ondas se chocando sobre a areia, mas apanhavam a luz da lua como se dançassem para a borda. Era quase hipnotizante.

Deveria ir embora agora. Ir para sua casa, dormir um pouco, amanhã viria visita-lo pela manhã, recolheria Raintree e o levaria ao médico ou faria os acertos para recolher seu Challenger do estacionamento do hotel. Ele provavelmente não poderia conduzir durante alguns dias, mas pensariam em algo para recuperar seu carro e trazê-lo para casa.

Um movimento além da janela captou sua atenção. Dado que recentemente tinham apunhalado Gideon, prestou muita atenção e se concentrou, tentando perceber o que seu olho tinha captado. Um brilho nos vidros da janela a fez passar um mal pressentimento já que não podia ver como queria, por isso apagou a luz da cozinha e focou sua atenção na praia enquanto seus olhos se ajustavam à escuridão.

A imprecisa figura de um homem caminhando para a água. Avançava lentamente, arrastando os pés. A noite esteve clara até agora, mas repentinamente um relâmpago brilhou intermitentemente ao longe. Rapidamente, muito rapidamente, as nuvens à deriva se uniram diante da lua, roubando a luz da noite que Hope precisava para ver quem estava ali fora a essa hora.

O trovão e o relâmpago se moveram aproximando-se, um fio denteado brilhou intermitentemente através do céu, emitindo a quantidade adequada de luz para que Hope visse o que precisava. O homem na praia estava nu, usava apenas um traje de banho ou talvez um short ou boxers. Seu cabelo estava ligeiramente comprido, seus ombros largos pareciam esgotados, suas pernas eram longas... e sua coxa esquerda estava enfaixada.

Hope correu primeiro ao quarto. A cama que em que tinha deixado Gideon dormindo estava vazia. As cortinas que cobriam a ampla janela da qual se divisava o oceano estavam abertas, e se deu conta de que não era simplesmente uma janela mas também uma porta, que estava aberta e dava passo a um estudado terraço.

Hope correu pelo terraço, claro que não podia ter visto, o que pensava que tinha visto. Raintree devia ser sonâmbulo, ou talves estivesse alucinando. Se desabasse sobre a areia, nunca poderia traze-lo de volta sozinha. E se se metia no oceano... Maldição!, deveria ter insistido mais em leva-lo a hospital. Correu escada abaixo encaminhando-se à passarela e quando chegou dirigiu então, seus passos ansiosos para a praia, até que alcançou a areia. Parou tirando os sapatos e os jogou a um lado quando outro raio iluminou o céu e um trovão retumbou.

Um golpe de relâmpago cintilou diretamente para baixo e golpeou Gideon, e em vez do retumbar dos trovões se ouviu um forte e perigoso estalo, Hope tropeçou na areia, seu fôlego estava entrecortado, o medo tingiu todo seu mundo em uma fração de segundo.

— Gideon! — Ela esperava que caísse ao chão, ou que explodisse violentamente em chamas, mas não fez. Ali estava com seus braços estendidos, quando outro raio o golpeou. Os trovões eram como um rangido estrondoso, e desta vez o relâmpago que encontrou Gideon pareceu ficar unido a ele, até que as faíscas geradas pela rajada dançaram sobre sua pele.

Hope não chamou Gideon pelo nome outra vez, mas continuou correndo para ele. Isto não era possível, não era? Um homem não podia caminhar pela praia e ser golpeado por um relâmpago uma e outra vez e ficar quieto ali. Quando ela observou a eletricidade dançar em sua pele, recordou o que sua mãe havia dito depois que Raintree deixasse o apartamento na noite da terça-feira. Hope ainda tremia pelo orgasmo que tinha provocado com seu toque, e sua mãe tinha filosofado com um sorriso: — Sua aura positiva cintila. Nunca vi nenhuma outra como esta.

— Pare — ordenou a ela sem se voltar para olhá-la. — Não é seguro se aproximar muito.

Hope vacilou parando vários metros atrás dele. A lua desapareceu atrás das nuvens, obscurecendo a noite, mas podia ver bastante bem. Podia vê-lo bem, porque ele atentamente estava incandescente.

Ele a encarou quando a tempestade que tinha surgido do nada se afastou lentamente, desaparecendo e repentinamente já não era ameaçadora. Mas Hope não tinha olhos para a tempestade; Seu olhar fixo estava cravado no homem diante dela. A eletricidade que fez estalar oscilava em sua pele com um fulgor suave irradiando dele. Ela notou que se barbeou, desfazendo-se de sua barba fechada e seu bigode. E seus olhos... resplandeciam, ou isso era um efeito óptico da luz?

Não poderia ser um truque de luz. Não havia luz exceto a que ele mesmo emitia.

Uma parte dela queria dar a volta e correr. Não era o tipo de mulher que alegre e abertamente abraçaria o impossível. Mas seus pés estavam presos na areia, e não correu.

— Vi você da janela da cozinha — disse, com uma voz mais fraca do que gostaria.

Gideon deu um passo para ela, e diminutas faíscas formaram redemoinhos onde seus pés nus se afundavam na areia.

— Sei.

Os vívidos sonhos e pesadelos a respeito de seus pais e Lily Clark e toda as pessoas que ele não tinha sido capaz de salvar tinham enviado Gideon para a água, onde tinha atraído o relâmpago para alimentar seu corpo e sua alma, e limpar os últimos vestígios da droga de seu corpo. Não tinha andado longe pela praia antes de se dar conta que Hope o olhava. Não se preocupou com isso. Talvez houvesse uma razão para que ela soubesse; talvez tinha que saber.

Ela estava a alguns metros de distância, inquieta e indecisa sobre a areia fina.

— Está bem? — perguntou ela com voz suspeitamente suave.

— Sim.

O tácito Como? permanecia entre eles, silencioso mas poderoso. Ela tinha visto as luzes explodir, como se tivessem sido tocadas pelos dedos frios de um fantasma, e apesar disso permaneceu cética. Mas não havia explicação para tudo isto.

Seu olhar desceu até sua coxa, onde a eletricidade agia sobre sua carne danificada com uma ferocidade que não podia entender.

— Você, eh, se ilumina na escuridão, Raintree. — Ela tentou conseguir um tom alegre mas soou tímido.

— Só quando acendo. — Ele deu um passo para ela, e ela se afastou de seu caminho. Não correu, mas definitivamente evitou estar muito perto.

— Muito engraçado — disse ela, enquanto voltavam caminhando para a casa.

A verdade, não era nada engraçada. O fato de ele querer esta mulher nua em sua cama não era para rir. Ela era sua parceira, e uma dessas mulheres inquebráveis que questionavam tudo sem parar. Por quê? Como? Quando? Isto tinha feito dela uma grande detetive, mas pelo que ele estava preocupado, era que tais atributos conduziam ao desastre. Sempre tinha procurado evitar contato em excesso com mulheres curiosas.

Nunca o tinham descoberto antes. Poucas vezes houve vizinhos que despertavam com as tormentas que convocava e que mais tarde, perguntavam-lhe, não te vi na praia? Ele sempre negava, e ao final sempre concordavam de que se tratava de um sonho ou um efeito óptico. Depois de tudo, o que fazia, o que ele era, era impossível de compreender.

— Caminha melhor — disse Hope quando se aproximaram dos degraus de madeira, que conduziam a seu quarto.

— Acho que a droga me afetou muito mais, que o ferimento. Já o assimilei. — O que ficou depois dos pesadelos tinha limpado passando-o pelos relâmpagos e pela água.

— Bem. — Por um momento Hope não disse nada, então se moveu nervosa e disse: — Está bem, acredito que tem algum tipo de associação estranha com a eletricidade. Estou certa que tem que haver uma explicação médica perfeitamente lógica para tudo isto.

— Por que tem que ser perfeitamente lógico?

— Porque é o lógico.

— Nada é perfeito e a lógica é subjetiva.

— A lógica não é subjetiva — discutiu ela.

Tentou levá-la escada acima pela terraço diante dele, mas ela não estava disposta a deixá-lo fora de sua vista; Não o queria atrás dela, onde não pudesse vê-lo. Assim que ele subiu primeiro, depois de observar como Hope olhava fixamente seus sapatos. Ao menos o seguiu, em vez de escapar na noite. Gideon entrou no quarto escurecido através do terraço. Resplandeceu na escuridão. Um pouco.

Hope fechou a porta de vidro atrás de si mas deixou as cortina aberta, assim poderia ver as não tão longínquas ondas. O som das ondas estava atenuado, mas apesar disso enchia o quarto como se tivesse toda a noite. Era um som reconfortante. Era o som do lar.

Gideon ficou de pé perto dos pés da cama, drenado pela tormenta assim como também rejuvenescido pela carga elétrica que tinha dançado através de seu corpo.

— A explicação lógica é que minha família é diferente. Mais diferente do que possa imaginar.

— Isso não é…

Possível, isso é o que ela ia dizer. Ele não a deixou chegar até ali.

— Meu irmão controla o fogo entre outras coisas. Ele é o Dranir, o líder da família Raintree. Minha irmã é empática e além disso tem um grande talento curativo e sua garotinha salta à vista de tão assombrosa e já é uma verdadeira promessa em uma diversidade de campos. Echo é profeta. Eu falo com fantasmas. Contínuo?

— Isso não é necessário — respondeu Hope serenamente.

— Ainda não acredita em mim.

Na proxidade do quarto escuro, viu Hope negar com a cabeça. Poderia mudar de assunto, deixar que mentisse a si mesma. Ela solicitaria sua transferência, tal como ele tinha desejado ainda ontem, e assim ele poderia continuar com seus assuntos. Não diria a ninguém o que tinha visto e ouvido aqui esta noite, porque não ia quera ficar como uma tola em nenhum caso. Certamente sabia que ninguém acreditaria.

Mas não queria deixá-la ir. Havia algo aqui que não podia explicar. Desejava Hope; é obvio que sim. Era bela, preparada e corria com saltos altos. Mas por debaixo disso, havia algo mais, embora se esforçasse em ignorá-lo. Se se deitasse com ela, ela teria que pedir transferência. Não era afeita a quebrar as regras. De fato, provavelmente fosse uma aposta segura afirmar que ela jamais tinha quebrado as regras.

Lentamente retirou a bandagem de sua coxa. Por fim, Hope se moveu para aproximar-se dele.

— Na realidade, não deveria fazer isso. Não... —sua voz se desvaneceu quando retirou o último curativo e revelou o arranhão — ainda — terminou fracamente. Estendeu a mão cautelosa e passou seus dedos pela quase curada ferida. Lambeu os lábios, levantou sua cabeça, e pronunciou uma só palavra que ele nunca tinha esperado nunca escutar dessa boca tão doce.

— Como...? — Percorreu com seus dedos a ferida e imediatamente os retirou. — O que fez...?

— Sou um Raintree — disse ele. — Se quiser uma explicação mais detalhada, vai ter que fazer um café.

Desta vez não se sentaram em frente um do outro na sala. Gideon se sentou a seu lado no sofá e cada um segurou uma grande xiícara de café quente. À luz dos abajures da sala estar, ela não podia distinguir se ele ainda estava incandescente ou não. Uma parte dela queria insistir que o que pensava que tinha visto não era a não ser fruto de sua deprimente imaginação descontrolada, mas não podia mentir a si mesma desse modo.

— Está me dizendo que tudo isso que minha mãe me repetiu durante toda minha vida é verdade?

— Isso não posso afirmar, pois não sei tudo o que ela disse. —Gideon se reclinou e pôs seus pés descalços sobre a mesinha de café. Colocou uma calça jeans, cobrindo a impossivelmente curada ferida de sua coxa. Essas calças eram tudo o que tinha posto, junto com os boxers verdes, e esse amuleto de planta que descansava sobre seu peito, preso a seu pescoço por um cordão negro de couro, e formava parte dele tanto como a cor de seus olhos, ou o escuro cabelo encaracolado atrás de suas orelhas.

— Auras — cuspiu ela. Essa era, depois de tudo, a raiz da discórdia entre ela e sua mãe.

— Não as vejo, mas existem — respondeu simplesmente. — É outra forma de energia, para as ver, tem que ser clarividente.

— A sua aparentemente cintila — disse ela a contra gosto.

Gideon somente emitiu um murmúrio meio interessado que soou quase aborrecido.

— Fantasmas.

— Desses sim posso dar testemunho, sem lugar a dúvidas — respondeu, percorrendo-a com o olhar.

Hope recostou a cabeça contra o respaldo do sofá de couro. Tirou a jaqueta e os sapatos, mas ainda parecia completamente profissional. O que daria com tal poder tirar o sutiã e usar algo cômodo...

Teria que ter saído correndo até as colinas; Deveria estar aterrorizada pelo que tinha visto e ouvido, aqui esta noite. Estava perto das quatro e quarenta e cinco da madrugada, e disse a si mesma que nenhuma mulher usava o mesmo sutiã durante vinte e duas horas.

— Vida depois da morte?

— Sim — respondeu Gideon, quase respeitosamente.

Hope fechou os olhos. Ela sempre convenceu a si mesma que a vida não podia ir além dos limites físicos que podia ver e tocar. A maioria dos dias era mais simples desse modo. Com a crença de que estávamos aqui e então um bom dia, tínhamos partido. Sem expectativas, sem decepções. Escutando as simples respostas de Gideon... acreditou nele, e se sentiu inesperadamente bem.

— Como é isso?

— Não sei.

Ela riu suavemente.

— Como que não sabe? Os fantasmas não contam nada?

— Há coisas que não estamos preparados para compreender.

Ela assentiu com a cabeça, curiosamente aceitando. Esta conversa não deveria parecer tão normal. Não deveria rir? Ou gritar? Dançar? Ou se fechar ao mundo que acabava de mudar para ela para sempre? Em lugar disso, ficou muito tranqüila, muito natural.

— Sinais de lá de cima — disse ela em seguida.

— Seja mais específica.

Hope elevou uma mão e gesticulou de maneira casual.

— Vê um coelho cruzar a estrada, em um lugar onde jamais tinha visto um coelho antes. Talvez ver um coelho, em um determinado momento do dia em um lugar em concreto, seja um sinal. De boa ou má sorte, ou uma indicação de que pode ganhar na loteria, ou de que pode ser atropelado por um ônibus.

— Em realidade não estudei muito sobre tudo isto, e você? — brincou Gideon.

— Não. Mas ainda quero uma resposta. — Ela tomou um longo gole de café e esperou uma.

— Há sinais a nosso redor todo o tempo, mas normalmente não os percebemos.

Ela se retorceu um pouco, tentando ficar mais confortável.

— Nem mesmo você?

— Nem mesmo eu. Passamos por cima de milagres, todos os dias. No entanto... — Gideon encolheu os ombros ligeiramente. — Algumas vezes um coelho é simplesmente um coelho.

A duração do dia e a queda da adrenalina faziam que as pálpebras de Hope pesassem. Venciam, mas ela ainda não estava pronta para deixá-lo. Ainda não.

— A reencarnação.

— Definitivamente, sim.

— Soa tão seguro.

— Por isso usei a palavra definitivamente.

Deu-lhe um ligeiro e muito cômodo tapa no braço.

— Não brinque comigo. Estou cansada, e tudo isto é novo, e eu ainda... — Não, não podia dizer que ainda não estava segura. Tinha visto muito mais da conta esta noite. Sua mão ficou em seu braço e parecia natural. Gideon era quente e forte, e gostava da sensação de sua carne, ao menos por agora. Era tranqüilizador e ao mesmo tempo lhe provocava formigamentos pela coluna vertebral. — Se retornamos outras vezes, e conhecemos as mesmas pessoas em repetidas ocasiões, por que não podemos recordar?

— E onde estaria a diversão?

— Diversão? — Tinha perdido o juízo? A vida não era divertida. Oh, ocasionalmente havia momentos divertidos, mas em sua maior parte, a vida era um árduo trabalho.

— Sim — disse Gideon. — Diversão. Cometemos enganos, conseguimos aprender como sobreviver, descobrimos a beleza, a emoção de correr riscos. Experimentamos novas emoções, com novos olhos que não estão embaçados ou esgotados pelo tempo. Confrontamos maravilhas com a excitação de algo novo e desconhecido, apaixonamo-nos com corações que ainda não foram arruinados e maltratados.

— Falando em se arriscar — disse ela. Ouvir Gideon falar de apaixonar-se, a fez se sentir inquieta. Inclinando-se para frente, deixou sua grande xícara na mesinha de café, e resmungando por baixo uma desculpa, deslizou a mão por trás de sua blusa, desabotoou o sutiã e o tirou deslizando-o através de sua manga esquerda.

— Se precisar de ajuda, tudo o que tem que fazer é dizer — disse Gideon.

— Estou bem — disse ela, atirando-se de volta a seu lugar no sofá. E muitíssimo mais cômoda. — Anjos?

Gideon se reclinou e se acomodou igual ela tinha feito.

— Sim.

— Fadas?

— Nunca as vi, mas isso não quer dizer que não existam em alguma parte. Não estou realmente seguro.

Ela tocou com um dedo o amuleto de prata no peito de Gideon.

— Os amuletos de boa sorte? — disse suavemente.

Ele a olhou nos olhos, e seu coração se acelerou. Gideon tinha olhos assombrosos. Se ela estivesse no mercado dos homens, no que com toda segurança não estava, ele ficaria ali absolutamente perfeito. Não apenas era bonito de uma forma completamente masculina, preocupava-se com seu trabalho. Lutava por pessoas que não podiam fazer isso por si mesmas. Ele era a justiça, a força, o sexo... E às vezes resplandecia na escuridão.

— Em algumas ocasiões — respondeu ele finalmente.

Ela retirou a mão de seu peito, e deu um golpezinho no amuleto que usava sob sua blusa. — Quando me preparava esta manhã, tive a impressão de que esta coisa fixava seus olhos em mim. Não estou ainda segura totalmente do por que uso isso.

— Me faça um favor — disse Gideon com gentileza. — Não o tire.

Hope assentiu com a cabeça, então retornou a sua posição anterior e se sentiu muito confortável. Tudo o que uma vez descartou como fantasia, era aparentemente autêntico. Deveria gritar sua negativa, mas em vez disso se sentia raramente tranqüila.

— Disse que os Raintree, estiveram por aí durante muito tempo?

— Sim.

— Quando seus antepassados se casaram com pessoas normais, por que não estava a... A...? Mierda, não sei como chamar isso. Não acredito na magia, mas na falta de uma palavra melhor, isto servirá. Se sua família tem uma espécie de magia genética, por que esta não foi desaparecendo progressivamente à medida que se reproduziram com pessoas comuns?

Algo na palavra reprodução fez a ambos se retorcerem. Desde o começo tinha havido energia sexual entre eles, inclusive quando ela não estava completamente segura de que ele era um bom sujeito. De qualquer modo era muito cedo para energia deste tipo. Ela nunca deveria ter se inclinado tão perto e não devia tocar o amuleto sobre seu peito, e ele nunca deveria ter olhado nois olhos dela assim.

— Os genes Raintree são mais poderosos que os genes recessivos — esclareceu Gideon.

— Então se tiver filhos... — Ela abriu os olhos e voltou a cabeça para olhá-lo curiosa de novo. — Tem? — perguntou. — Há um pequeno Gideon Raintree por aí em alguma parte, atraindo relâmpagos e falando com pessoas já mortas?

— Não tenho nenhuma criança — respondeu com voz mais grave que antes.

— Mas quando os tiver...

Ele negou com a cabeça antes que ela tivesse possibilidade de terminar a frase.

— Não. É muito difícil criar um filho neste mundo, sem ensinar a ela, que uma parte de quem é dever estar oculta. Não farei isso a uma criança.

— Ela — repetiu Hope, fechando seus olhos outra vez.

— O que?

— Você disse. Não ele, e sim ela.

Ele vacilou, brevemente.

— Tenho uma sobrinha. Ela é a única criança que tratei por algum tempo. Por isso disse ela.

Não acreditou nele, mas não tinha nenhuma razão autentica para suas reservas. Simples instinto. Mas não acreditava no instinto, não era? Acreditava nos fatos. Provas concretas e irrefutáveis. Isso tinha sido virtualmente ficar pasma esta noite.

— Se barbeou — disse ela encaminhando a conversa em uma direção ridiculamente normal.

— Despertei com a sensação de que as drogas que Tabby usou ainda estavam em mim e que não as tiraria me lavando.

Ela não tinha ouvido ele dar voltas pelo banheiro, mas a casa era tão grande... E estava tão distraída...

— Eu gosto.

Ele bufou e ela sorriu.

— Agora vou dormir — disse ela, seu corpo e sua mente caindo para a inconsciência. Estava muito cansada para pensar em dirigir até em casa, e se o fizesse, só chegaria a tempo para uma ducha rápida, comer um pouco e começar um novo dia. Aqui, poderia dormir uma hora ou duas. — Teremos que nos levantar em algumas horas e iniciar a investigação Clark.

— Foi Tabby — disse Gideon. — A loira que matou Sherry Bishop e me apunhalou.

— Sim — respondeu Hope, sua fala soava ligeiramente mal pronunciada. — Acredito em você. — E ela acreditava nele. Cada palavra que havia dito, era verdade. Que chute no traseiro era isso. — Amanhã temos que encontrar a maneira de provar.

 

Capítulo 9

 

Gideon deixou gentilmente Hope dormir, e ela nem se moveu. Supôs que a poderia te-la deixado no sofá, mas o couro não era agradável para dormir durante muito tempo. Em vez disso, deitou-a na cama, e imediatamente ela se virou agarrando um travesseiro e suspirou.

Podia dormir vestida, mas, igual ao sofá... Não seria muito confortável. Desabotoou-lhe as calças, esperando a cada segundo que passava que despertasse e o esbofeteasse. Mas ou tinha um sono profundo, ou os acontecimentos do dia a tinham esgotado. Continuou dormindo, apenas sem se mover enquanto tirava suas uma-vez-engomada calça cinza e as jogava a um lado.

A blusa tinha que ficar. Na realidade não seria capaz de tê-la completamente nua e em seguida dar a volta. Sem o sutiã, o qual estava atirado no sofá do salão, estaria bastante confortável.

Quando Hope ficou deitada com a blusa e a calcinha, cobriu-a com o lençol e caminhou descalço para a janela. Antes de fechar as cortinas, permaneceu ali por uns minutos e observou as ondas rompendo contra a praia.

Havia lhe contado mais do que tinha contado a alguém. Uma mulher tinha visto um indício um minúsculo indício do que podia fazer, e não tinha sido capaz de fugir rápido o suficiente. Isso tinha sido há muito tempo. Topou com ela, alguns anos depois da separação, e aparentemente tinha esquecido completamente a razão de seu término. As pessoas faziam isso. Se não podiam explicar o que viam, simplesmente esqueciam. Imaginava que era uma meia amnésia para proteger a mente das coisas que não podiam ser aceitas, não muito diferente a esquecer os detalhes de um acidente de carro ou qualquer outro acontecimento traumático. Acontecia continuamente.

Hope esqueceria todo o acontecido essa manhã? Talvez. Era uma mulher prática não dada a acreditar em coisas que pudessem estremecer seu pequeno e ordenado mundo. Definitivamente ele poderia estremecer seu mundo interior em mais de uma forma.

Finalmente fechou as cortinas e voltou para a cama, arrastando-se para o lado de Hope. Sua calidez e suavidade o chamavam para mais perto, e respondeu a esse chamado. Tudo nele sabia que se dormisse com ela, ela teria que pedir uma transferência, mas não podia fazer nada com a forma em que a desejava.

Havia uma cama dupla no quarto livre do terceiro andar, e até aí chegavam os acertos alternativos para dormir no que se referia a ele. O quarto era usado como armazém, em sua maior parte, mas Echo permanecia nele raras vezes, e Mercy o tinha visitado com Eve em poucas ocasiões, então o mantinha preparado para as visitas. Só um masoquista encheria uma casa da praia com uma seleção de confortáveis e acolhedores quartos de convidados, e já que Gideon preferia a solidão, sua falta de alojamento tinha sentido completo.

A cama pequena de hóspedes estava sem lençóis neste momento desde que Echo tinha desfeito a cama na segunda-feira antes de sair para Charlotte, e também tinha a alta pilha de arquivos que havia trazido para casa sobre assassinatos sem resolver. Não achava que devia perder tempo de fazer a cama em nome do cavalheirismo. Sua própria cama era cálida e suave, e se sentia atraído por Hope da maneira em que um homem se sentia atraído por sua mulher.

Sua mulher. Hope era muitas coisas, mas definitivamente não era sua. E ainda assim passou o braço pela sua intura e a aproximou até que adormeceu.

 

***

Tinha dormido tão profundamente que não podia lembrar muito mais que um pedaço de um sonho. Hope se encolheu no colchão suave, tentando escapar do frio. O ar condicionado devia estar no máximo. Que estranho, dado que sua mãe insistia tanto em economizar eletricidade.

O ar era frio, mas se sentia extranhamente e comodamente quente. O despertador ainda não tinha tocado, o que significava que podia dormir um pouco mais. Uns poucos e preciosos minutos mais.

Então, com uma brutalidade que a fez dar um salto, recordou onde estava. Na casa de Raintree. Adormeceu no sofá, mas não estava no sofá. Estava na cama de Raintree. Com muito cuidado deu a volta para o homem com quem tinha dormido. A razão de que estivesse tão cálida era que o corpo, em sua maior parte nu, de Gideon estava quase todo apertado contra o seu.

Ainda meio adormecida, permaneceu tão quieta como foi possível enquanto o estudava. Estavam perto, mais perto do que ela nunca tinha pensado estar deste homem do que inicialmente tinha suspeitado de possível má conduta criminal. Agora sabia que não era um policial corrupto. Só era diferente. Muito, muito diferente.

Parecia bem pela manhã, não estava tão maltratado depois de ter sido ferido e drogado na noite anterior. Dormindo era um pouco brusco, indefeso, e belo na forma especial em que somente um homem bonito podia ser. Mas se Gideon sabia que era belo, não agia assim, não como alguns homens que conhecia. Somente era.

Movendo-se com precaução para não desperta-lo, levantou o lençol que os cobria e às escondidas olhou debaixo. Sua coxa estava quase curada. A noite anterior estava profundamente ferida, e agora tudo o que restava era um desagradável arranhão. Não deveria se surpreender. Nada relacionado com este homem deveria assombrá-la de novo.

—Não se preocupe — retumbou uma voz áspera. — Não aconteceu nada.

Hope levantou a cabeça ligeiramente para ver que os olhos de Gideon estavam focados inequivocamente nela. Ainda estavam sonolentos, entreabertos, sexy e elétricos.

— Estava verificando o ferimento — disse melindrosamente.

— Acredito que estava verificando usava cueca.

Afastou rapidamente o lençol, e começou a rolar para se afastar e abandonar a cama, sobretudo para que Gideon não visse como ruborizava. Realmente as bochechas ardiam, e estava reagindo como uma criança.

Antes que pudesse se afastar, Gideon a prendeu com um forte braço e a aproximou novamente contra seu peito.

— Ainda não vai lugar nenhum — disse com a voz ainda sonolenta, áspera e sexy como o inferno. Hope sabia que podia escapar facilmente, com um suave tranco e rolar. O abraço de Gideon não era apertado; era simplesmente persuasivo. Forte, quente e cômodo. Não se afastou nem rolou. Em vez disso, apoiou a cabeça no travesseiro e afastou o olhar de Raintree enquanto a abraçava.

Hope não tinha dormido fora de seu apartamento com frequencia. Duas vezes, talvez. E ainda assim, tinha sido um engano de sua parte. Dormiu e despertou cedo pela manhã para escapar. Mas recordava com gosto esta parte. Tinha desfrutado muito ao ser presa, carne contra carne, a conexão sexual e ainda muito mais. Isto era o que perdeu ao viver sozinha, dedicando-se a sua carreira e sempre olhando a cada homem que mal tivesse lhe sorrido como se pudesse se tornar um ogro e mordê-la no instante seguinte.

Não podia acreditar que Gideon pudesse mordê-la, mas isso era uma hipótese potencialmente perigosa por sua parte. Era um homem como outro qualquer, um fato que rapidamente estava se tornando evidente enquanto a abraçava estreitamente.

Agora era o momento de abandonar a cama, se ia preparar sua fuga. Se ficasse ali, em sua cama, se não ia embora neste momento, sabia perfeitamente o que ia acontecer. Era uma mulher completamente adulta em seu são julgamento perfeito, vinte e nove anos e sem compromissos. E neste momento, com seu mundo girando fora de controle graças a tudo o que tinha aprendido ontem à noite, queria ser abraçada. E não por qualquer homem, mas sim por este. Gideon Raintree, que falava com fantasmas e tragava relâmpagos e ocasionalmente brilhava na escuridão.

Ele afastou o cabelo a um lado e apoiou a boca em seu pescoço. Um claro tremor se abriu caminho através do corpo dela. Era eletricidade ou simplesmente ele, que a fazia vibrar? Algo paranormal ou um pouco extraordinariamente normal? Não se preocuparia, no momento. sentia-se tão bem...

— Desejo você — disse a ela suavemente.

Hope lambeu os lábios. Eu sei. Eu também te desejo. As palavras dançavam em sua cabeça, mas nada saiu ao exterior.

— Não estou seguro que seja uma boa idéia, mas já que consente. — Sua mão se deslizou sob a blusa para acariciar a pele nua e ela fechou os olhos e se derreteu. O cérebro dizia que isso era uma idéia muito má. Mas seu corpo não estava de acordo. Seu corpo queria a mesma coisa que Gideon queria, entretanto seu desejo não era tão óbvio como o seu. Ao menos fisicamente.

Podia senti-la tremer? Não tinha deixado que um homem a tocasse dessa forma fazia muito tempo, tanto que isto parecia novo, excitante e poderoso.

Com os olhos fechados e o corpo tremendo, bebeu do calor de Gideon e imaginou o que poderia acontecer, se permitisse. Se quisesse. Não teve que dizer nenhuma palavra. Só se voltou em seus braços, posou a boca em cima da sua e a beijou. Essa era toda a resposta que precisava, e tudo o que ela foi capaz de ceder.

A mão acariciou seu ventre e se deteve sobre a suave carne sob o umbigo, o mesmo que fez na loja de sua mãe quando a encurralou contra o balcão e a tomou de surpresa. Sabendo o que ia fazer, agarrou-lhe o pulso e afastou sua mão ligeiramente.

Hope notou sua desilusão, notou sua resignação. Deu a volta devagar ficando frente a ele, com o pulso ainda em sua mão.

— Sem truques desta vez —sussurrou. E em seguida, o beijou.

Deveria saber que seria um grande beijador. Um toque, um domínio dos lábios sobre os seus, e desapareceu a última de suas dúvidas. Enredou os dedos no cabelo dele e o atraiu para mais perto enquanto abria mais os lábios e lhe dava um pequeno golpe na língua com a sua. Havia umas cem razões pelas quais não deveriam estar aqui. Mal o conhecia; era seu parceiro; um dia tinha desconfiado dele; era quem era.

Mas nada disso importava. Queria que a beijasse, mais tempo e mais completamente e com o abandono que sentia esclarecer em seu interior.

Desabotoou a blusa enquanto se beijavam, e juntos a deixaram de lado. Agora ela podia abraça-lo e realmente estar pele contra pele. Era uma sensação tão maravilhosa que não pôde evitar recordar o que ele havia dito na noite anterior sobre descobrir novas e maravilhosas coisas na vida. Isto era novo. A forma que o desejava, a forma em que girava em espiral fora de controle, a forma em que seu corpo era atraído para o seu... Tudo era novo e maravilhoso.

Amavelmente Gideon a colocou de costas, e ela ficou sobre o colchão, ofegante e curiosamente feliz por alguém cujo coração e sangue bombeavam tão forte que afastavam todo o resto. Ele levou um mamilo à boca e o atraiu profundamente, e ela quase saiu do colchão, o prazer era tão intenso. Interiormente, aferrou-se, disposta de uma forma que não nunca esteve antes. Agarrou-se a Gideon, apertando-o enquanto mudava seus cuidados ao outro seio. Movia-se como se tivessem todo o tempo do mundo, mas ela podia dizer que ele estava tão perto de girar fora de controle como ela estava.

Não podiam se permitir o luxo de perder completamente o controle.

— Tem uma camisinha? — perguntou-lhe com voz rouca. Se lhe dissese que não... Não podia dizer que não. Certamente diria que não.

— Sim — respondeu, e ela suspirou com alívio.

— Certo.

Gideon tinha mãos tão maravilhosas. Eram masculinas, bem formadas e fortes. Os dedos eram longos e como todo o resto nesse homem, era belo. As mãos também estavam bronzeadas, graças às horas passadas na praia. Ela não via o sol freqüentemente. Sua pele clara tinha tendência a se queimar, e além disso, se bronzear significava tempo livre, e quando foi a última vez que tirou férias de verdade? Não podia nem recordar.

A mão beijada pelo sol de Gideon passou roçando sobre a pele pálida, e ela o observou, fascinada e excitada por tão simples visão. Tocava-a como se fosse feita de porcelana, aprendendo suas curvas, aprendendo o tato da pele e inflamando seus sentidos até que se sentiu flutuando sobre a cama, elevando-se e agarrando-se e envolvendo-se na magia.

Ele pegou a calcinha e rapidamente a empurrou para baixo e a tirou. Assim, sem mais, ficou nua salvo pelo amuleto protetor que ele tinha feito e insistido em que usasse. Ela deslizou seus dedos trêmulos na bainha dos boxers e os baixou. Até tira-lo finalmente, deixando-o usando nada mais que ela.

Antes que o cobrisse, queria tocá-lo. Queria senti-lo em sua mão, e o fez. Não era tímida, e ele tampouco. Não nisto.

Beijaram-se de novo, e desta vez Gideon separou suas coxas e a acariciou enquanto suas bocas se encontravam e dançavam. Um profundo estremecimento se apodereu de seu corpo, e nada podia detê-lo a não ser o final desta dança. Havia só um final possível, uma só conclusão aceitável, e essa era Gideon dentro dela e a liberação que ambos necessitavam. Suas mãos descansaram cômoda mas insistentemente nos quadris nus dele, os dedos balançando-se suavemente da mesma forma em que faziam seus quadris.

Ele afastou a boca da dela e estendeu a mão para a mesinha de cabeceira, procurando as cegas e finalmente fuçando dentro da desordenada gaveta da mesinha para agarrar uma camisinha. Era uma demora irritante mas necessária, como uma parada para gasolina quando estava a só oito quilômetros de seu destino. Mas em seguida estava de volta, tocando-a de novo, escorregando os dedos dentro dela e fazendo círculos com o polegar de um modo que a fez ofegar e sacudir. Nunca tinha desejado nada tanto como a ele em seu interior. Agora. E então ele estava ali, empurrando dentro dela, estirando-a lentamente até que se acostumou a seu tamanho. Quase ficou sem fôlego com a sensação. Nunca havia se sentido nada tão bom; em toda sua vida, nunca tinha desejado chorar pela beleza de um momento.

Gideon fazia amor da mesma forma como fazia todo o resto: com completa dedicação e com um nível extraordinário de perícia. Hope fechou os olhos e o deixou amá-la. Ele encheu seu corpo e a levou a esse lugar no borda, mantendo-a ali. Pedaços de prazer dançavam em seu interior, fortes, prometedores e exigentes. Quando ela estava a ponto de gozar, ele deu marcha a ré e diminuiu o ritmo, em seguida começou de novo.

Ela abriu os olhos e sussurrou:

— Está me torturando.

— Só um pouco.

O quarto estava às escuras, graças as grossas cortinas que cobriam a janela e as portas francesas. Se não estivesse tão escuro, nunca teria se dado conta do indício de um resplendor que bordeaba a íris verde dos olhos de Gideon.

— Está brilhando outra vez. — Por estranho que pareça, não achou o fato tão desconcertante.

— Sim?

— É bonito. — Moveu as pernas a fim de que se envolvessem ao redor de seus quadris, elevou o corpo para ele e o aproximou, até que esteve completamente enterrado em seu interior. Desta vez não se tornou atrás mas se afundou mais profundo, mais forte, mais rápido e completamente, até que ela gozou com um grito. A liberação sacudiu seu corpo e continou ainda depois de estar certa de que acabaria, diferente a algo que ela tivesse conhecido com antecedência. Gritou outra vez e garrou aos ombros de Gideon. Gozou com ela, estremecendo-se sobre e dentro dela.

Finalmente ele reduziu a marcha, e ela também, e em seguida tombou em cima dela e continuou abraçando-a estreitamente enquanto permanecia se balançando em seu interior. Quando finalmente levantou a cabeça para olhá-la, ela se sobressaltou um pouco pela surpresa.

— Você dá um novo significado à palavra resplendor, Gideon.

De fato estava brilhando um pouco. Os olhos reluziam com essa luz verde antinatural, e havia um indício de cintilante luminescência ao redor de seu corpo.

— Isso é... normal?

Ele se afastou, física e mentalmente, começou a se afastar dela.

— Aconteceu uma vez ou duas. Exatamente não chamaria normal.

Estendeu a mão para tocá-lo, para detê-lo, para dizer que não estava se queixando. Justamente o contrário. Mas se moveu mais rápido que ela e abandonou a cama antes que pudesse tocá-lo, se encaminhando ao banheiro.

De coração, corpo e alma. Gideon não lembrava com exatidão como sabia que as três coisas estavam envolvidas para que acontecesse a luminescência real, mas sabia. Tomou um minuto extra no banheiro para lavar o rosto, outra vez, e escovar os dentes de novo. Normalmente teria feito estas coisas antes, não depois, mas nada nessa manhã tinha sido normal.

Mal conhecia Hope Malory. Era tão deliciosa, era tão ardente, tinha visto o que podia fazer e não tinha fugido como se um monstro estivesse pisando nos seus calcanhares. Ainda. Além disso... Merda, não podia haver nada mais além disso.  

Foi uma diversão interessante, isso foi tudo, e dormir com ela acabaria com a indesejada associação. Ela pediria a transferência, gostasse ou não, e isso era o que ele queria mais que nada. Então por que o maldito resplendor?

Uma aberração, essa era a resposta. A próxima vez, se houvesse uma próxima vez, nada fora do normal aconteceria, e finalmente Hope se convenceria de que o que tinha visto tinha sido um truque da luz ou o simples efeito secundário de gozar tão forte que temporariamente sua visão falhou.

E ela tinha gozado com força. O que fazia só uma mulher assim? Estava só igual a ele. Sabia, da mesma forma que sabia que seu coração, corpo e alma tinham estado implicados no que tinha acontecido.

Não era nada extraordinário. Anteriormente tinha acreditado apaixonado. A mulher em questão tinha visto um pequeno indício do que era realmente, e isso tinha sido o fim. Essa curta relação realmente tinha arruinado suas idéias de ter algo normal em sua vida. Ao final, tinha superado bastante bem e também conseguiria se sobrepor a Hope.

— Isso é Emma que me sacudiu a cabeça — resmungou no espelho, estudando seu queixo também nu. — Dante e sua maldita turquesa.

De repente viu o reflexo de Emma no espelho e instintivamente agarrou a toalha para se enrolar antes de dar a volta. Aparecendo hoje, talvez com cinco anos, flutuava sobre a banheira, vestida toda de branco outra vez. O cabelo escuro e um pouco encaracolado, penteado em dois longos rabos de cavalo.

— Olá, Papai. Me Chamou?

— Não, não chamei.

— Ouvi que disse meu nome — protestou, com toda a inocência e persistência de uma teimosa garotinha. Um horrível pensamento cruzou sua mente. — Estava aqui?

— Não — disse, com os olhos completamente abertos e crescendo mais e mais substancial enquanto observava. — Estava esperando, e logo ouvi que me chamou.

— Esperando para que?

Emma sorriu.

— Tome cuidado, Papai — disse enquanto começava a desaparecer. — Ela é muito má. Muito, muito má.

— Quem é muito...? — antes que pudesse acabar a pergunta, Emma tinha desaparecido. Certamente estava lhe advertindo sobre Tabby. Um aviso ontem à noite antes de cruzar a borda teria sido bom. Não é que isso o tivesse impedido de ir…

Quando voltou para o quarto, Hope tinha ido. Ouviu-a mover-se no banheiro de hóspedes do final do corredor. Depois de uns poucos minutos a porta do banheiro se abriu e gritou:

— Raintree, por acaso não teria uma escova de dentes extra, não?

— Segunda gaveta à esquerda — respondeu.

Gideon se repreendeu enquanto tirava a roupa para o dia do armário. Ao menos Hope não estava sendo sentimental sobre isto. Reconhecia esta manhã pelo que tinha sido: diversão, em um mundo onde quase não havia diversão. Alivio para dois corpos adultos, aparentemente desatendidos, que tinham necessidades. Só outro dia em uma longa sucessão de dias.

Sim, Hope era ardente; era deliciosa; era valente. Mas não podia amá-la, e não podia durar.

— Tem que ter roupa por aqui que possam me servir. Prefiro usar algo seu a isto!

— Minha roupa é muito grande para você — disse Gideon com sensatez. — A de Echo ficam bem em você.

— É questão de opinião — se queixou Hope enquanto estirava a bainha da camiseta que mostrava seu umbigo. Ela era uns bons oito centímetros mais alta que Echo Raintree, por isso era um milagre que algo que a outra mulher tivesse deixado ficasse bem nela.

Tomaram banho e trocaram de roupa, mas logo esteve no dilema de escolher entre a enrugada blusa com a que tinha dormido e as ainda mais enrugadas calças que Raintree tinha atirado ao chão ontem à noite, ou algo das gavetas de roupa que sua prima tinha deixado ali em uma de suas raras visitas.

O homem não tinha uma tábua de passar, ou isso é o que disse. Todo mundo tinha uma prancha! Pensou Hope enquanto atirava para cima o cinto da calça jeans de cintura baixa. Gideon afirmava que na tinturaria se ocupariam de engomar sua roupa.

Selecionou dois biquinis, duas camisetas com a bainha cortada para mostrar um piercing no umbigo que Hope não tinha, e por outro lado tinha um short que deixava partes de seu traseiro ao ar ou um apertado par de calças descoloridas e rasgadas que normalmente teria atirado ao lixo. Por hoje os jeans eram o menor dos dois maus. Deviam ter sido arrastados pelo chão enquanto Echo os usava, desfiando as bordas, mas estavam melhor que o short.

E não apenas usar as mesmas roupas que tinha usado ontem seria inapropriado e seu estado completamente enrugado levantaria perguntas que não queria responder, esta manhã tinha descoberto mais de uma mancha de sangue na manga de sua blusa e nas calças. Não teria uma explicação apropriada para isso, tampouco tinha verdadeira escolha se não ficar com as roupas de Echo.

Ao menos Gideon se vestiu informal, liberando-a de se sentir completamente tola. Os jeans realmente ficavam bem nele, assim como a camiseta que lhe cobria completamente o umbigo.

— Pararemos em sua casa mais tarde e poderá trocar de roupa — disse lhe dando as costas para servir uma xícara de café.

— Pararemos em primeiro lugar — disse ela.

— Pode ser que não — disse Gideon pensativamente. — Alguém pode ter visto Tabby rondando pelo clube onde tocava a banda de Echo, ou no café, ou revistando o edifício de apartamentos. Não é invisível. Os trajes dissuadem a algumas pessoas. As pessoas ficam na defensiva e querem se livrar de nós o mais breve possível, então terminamos sem nada. Hoje iremos mais relaxados, só fazendo um seguimento com umas poucas perguntas mais.

A julgar pela forma que Gideon estava agindo, um observador ocasional teria pensado que nada fora do normal tinha acontecido esta manhã. Não estava distante, mas não era exatamente quente nem carinhoso, tampouco. Era todo trabalho, e não a havia tocado desde que se levantou da cama esta manhã.

Talvez fazer incrível sexo ocasional com uma parceira que mal conhecia não era nada fora do comum para Gideon. Certamente era algo fora do normal para ela, mas não queria que ele soubesse obrigatoriamente isso. Não se pensava que o que tinha ocorrido era casual e insignificante.

O plano do dia era ter um dos outros detetive — provavelmente Charlie Newson — ocupado reunindo fotografias das fichas que se encaixavam com a descrição geral de Tabby, enquanto ela e Gideon entrevistavam os amigos de Sherry Bishop, colegas de trabalho e vizinhos outra vez. Talvez um deles tenham visto Tabby nos dias anteriores à morte de Sherry. Talvez um deles conhecesse seu último nome. A menos que tivessem muita sorte, não chegariam muito longe, mas “Tabby” seguiria adiante. Esta tarde Gideon tinha um encontro com um desenhista de retratos falado. Não estava segura da explicação que ele daria de como conhecia o aspecto do assassino, mas de alguma forma conseguiria. Também tinha o pano que tinha usado para se secar do que quer que fosse que Tabby tinha usado para drogá-lo. Duvidava que desse resultado, mas planejava levar o pano ao laboratório estatal. Desgraçadamente levaria semanas obter os resultados, e não tinham semanas.

— Minha irmã virá mais tarde hoje — disse. — Faz jóias para uma loja, e tem que entregar novas peças.

Gideon levantou a cabeça e a olhou.

— Tem uma irmã?

Uma prova mais de que não se conheciam o suficiente um ao outro para o que tinha acontecido esta manhã.

— Sim.

— Se quer tirar um tempo livre e estar com ela enquanto estiver na cidade, não me importa.

É obvio que não se importava. Provavelmente se sentiria aliviado se livrasse dela.

— Não. Vemos-nos freqüentemente. — E, além disso, sou a exceção sem par quando Mom e Sunny se reúnem.

— Ela se parece com você? — perguntou, meio brincando, meio curioso.

— Não. É dois anos mais velha que eu, tem três filhos, e é quase tão estranha como minha mãe.

— Então você sempre foi a “normal”?

Por um momento pensou que isso era o certo. Tinha estado tão segura de que não era apenas normal como também certa em seu cepticismo. Gideon tinha derrubado de um sopro essa teoria.

— A normalidade é relativa.

Não continuou com a conversa.

— Vamos. Chegaremos tarde.

Hope agarrou a bolsa e seguiu Gideon para as escadas que se dirigiam à garagem. Deu-se conta do que estava fazendo; só que não sabia por que. Estava ignorando o acontecido com a esperança de que desaparecesse. Transformou-se de novo no profissional Gideon Raintree, a mente posta completamente no caso.

Talvez se seguisse a corrente e fingisse que nada tinha mudado, seriam capazes de trabalhar juntos. Poderiam ser parceiros e até, talvez, amigos. Era um bom tira, e ela podia aprender muito trabalhando com ele.

Pensando bem, Hope não estava segura de poder conseguir. A mudança entre eles era muito profunda para ignorá-la. Deveria se arriscar e dizer a Gideon que seria apenas sua parceira e amiga? Era uma mulher que queria tudo ou nada, e tinha decidido fazia alguns anos que a única opção era nada. Talvez seria melhor se jogasse no seguro, deixar Gideon partir e fingir que nada tinha acontecido.

Felizmente para ambos, não tinha que tomar essa decisão esta manhã. Tabby estava ali fora, e o instinto de Hope disse que a mulher não estava acabada nem de longe.

 

Capítulo 10

 

Se Tabby era da área, nunca tinha sido presa. Não como Tabby ou Tabitha, pelo menos. É obvio que não havia maneira de estar seguro que esse fosse seu nome real. Podia ser um pseudônimo. Talvez seu nome fosse Catherine e havia sido cortado a Cat, e logo alguém começou a chamá-la Tabby e ficou com ele. Este devia ser um pseudônimo, sem conexão com o nome real, em cujo caso não lhes servia de nada. Fosse qual fosse a razão, a busca inicial por Tabby e sua descrição física não tinha descoberto nada. Gideon não levou mais de quinze minutos estudar cuidadosamente tudo o que Charlie havia trazido com ele. Alguns detetives novos estavam checando os hotéis da área, se por acaso Tabby era visitante e não residente. Charlie e outro detetive estavam checando nesse momento a base de dados federais, e isso provavelmente levaria um tempo. Hope tinha insistido em enviar as partículas da droga que Tabby usou nele ao laboratório estatal, insistindo em que se fosse identificada, poderiam explicar os detalhes de como encontraram a droga depois.

Não havia maneira que pudesse explicar oficialmente o que tinha ocorrido na noite anterior. Não havia sinais da ferida na coxa, e não podia revelar como soube que devia estar nesse lugar a essa hora sem revelar que tinha falado com o fantasma de Lily Clark. De alguma maneira não acreditava que o novo chefe ou seus colaboradores fossem engolir essa explicação tão facilmente como Hope, não é que ele quisesse que eles soubessem o que podia fazer. Não apenas seria pouco inteligente fazer públicos seus talentos, é que estava proibido.

Sua atual parceira poderia se sentir desconfortável com a roupa de Echo, mas parecia genial. Elegante e lasciva ao mesmo tempo. Os saltos que mal se notavam entre as franjas da calça só faziam que parecesse mais atraente. Quando tinham entrevistado os amigos de Sherry Bishop, os homens havia se aberto com Hope de uma maneira que não tinham feito na primeira rodada de entrevistas. Infelizmente, nenhum deles tinha nada extraordinário ou útil que oferecer.

Nesse momento Hope estava fazendo café para ambos — idéia dela, não sua — e Gideon estava tirando um bem merecido descanso no escritório que compartilhavam na estação de polícia na rua Red Cross. Agora o que? Tabby — na falta de um nome melhor, esse teria que servir — tinha matado Sherry Bishop. Por quê? Azar? Má sorte de Bishop? Não. Não podia ser coincidência que todas as vítimas fossem solteiras. Ninguém ia chegar em casa no momento inoportuno para interromper Tabby enquanto trabalhava. Tabby tinha torturado e matado Lily Clark apenas para lhe mandar uma mensagem, e depois tratou de adicioná-lo à lista de vítimas.

Tinha telefonado ao delegado que conduziu o caso de Marcia Cordell, e tinham uma reunião amanhã pela tarde. Odiava a idéia de deixar Wilmintong mesmo por umas horas enquanto Tabby andava solta, mas se o fantasma de Marcia Cordell estava vagando pela casa, não só devia tratar de mandá-la mais à frente, era possível que fosse capaz de adicionar algo novo ao pouco que já sabia sobre Tabby.

De algum jeito tinha que encontrar a forma de deixar Hope para trás. Ela não gostaria se soubesse em que andava. Havia aceitado o que havia dito a noite anterior, mas o que pensaria quando de fato começasse a usar seus dons? Espantaria-se? Provavelmente. Não queria deixá-la desprotegida, mas poderia chegar a sentir-se muito cômodo com sua nova companheira, e para aí estavam se dirigindo as coisas. Cômodo. O que significava que, muito no fundo, estava mais preocupado porque ela o aceitasse que pelo que ele poderia fazer.

Não podiam dormir juntos e trabalhar juntos; isso simplesmente era procurar problemas.

Para falar a verdade, ele preferia dormir com Hope de forma regular que aceitá-la como parceira, mas não era provável que ela aprazível e obedientemente se transferisse a outra divisão. Era alguma vez aprazível e obediente? Não que ele soubesse.

Hope entrou no escritório com dois copos descartáveis de café fumegante. Vê-la foi muito mais que um alívio, como se tivesse saído fazia horas, não minutos. E esse era o problema. Envolver-se com ela simplesmente não ia funcionar. Ia complicar tudo. O problema era, que já estavam envolvidos, as coisas já eram complicadas, e não estava preparado para deixar que isto terminasse.

Alguém tinha disparado em um deles, e se estevisse certo, ela corria perigo só porque estava perto dele. Era muito tarde para desfazer a conexão. Tentar se separar agora seria como fechar a porta do estábulo uma vez que o cavalo já tinha saído.

Ela pôs ambos os copos na mesa.

— Um idiota de uniforme acaba de me pasar uma cantada. Juro a você, acho que esta roupa grita festeira e libera algum tipo de hormônio estranho. Pensaria que estou protagonizando um vídeo de Policiais Selvagens. Não posso esperar para tirar a roupa de sua prima e vestir algo meu.

Uma indeseada fúria surgiu em Gideon.

— Tocou em você?

— O que? — Olhou-o com estranheza, como se não entendesse uma pergunta tão simples.

— O uniformizado que te passou uma cantada. Tocou em você?

Suspirou.

— Não. Só deu uma olhada luxuriosa a meu umbigo e me perguntou o que ia fazer depois de que terminasse meu turno.

— Sabe o nome dele?

Seus olhos se arregalaram, e em seguida sacudiu a cabeça.

— Oh não, Raintree. Não vamos por aí.

— Não vamos aonde?

— Sabe malditamente bem aonde não iremos.

— Me ilumine.

Recostou-se contra sua própria mesa, que estava muito mais limpa que a dele. É obvio não tinha estado o suficiente para deixá-la de pernas para o ar.

— Certo, está bem. Se formos ser… o que for, e ainda não estou segura se somos ou não somos, mas se somos, haverá limites.

— Limites — repetiu Gideon, meio sentado em sua própria mesa.

— Quero ser sua parceira, e acredito que posso ser. Entendo e aceito o que pode fazer, e posso contribuir. Posso ser uma boa parceira para você, Raintree, mas algumas coisas têm que ficar separadas. Não deve haver perseguições porque um grosseiro me passe uma cantada, não registará sua reclamação como um homem das cavernas marcando seu território, nem sexo no escritório ou beijos roubados junto ao bebedouro. Quando estiver em sua cama, se alguma vez estiver em sua cama outra vez, as coisas podem ser diferentes. Mas aqui neste escritório, tenho que ser sua parceira e nada mais. Podemos fazer isso? — perguntou, como se não estivesse muito segura.

— Não sei — disse ele honestamente. — Seria mais fácil se trabalhasse com mais alguém.

Retorceu-se um pouco, embora estava seguro que o pensamento devia haver cruzado por sua mente em algum momento do dia.

— Não quero trabalhar com ninguém mais. Quero trabalhar em homicídios e sei que posso aprender muito com você. Talvez devamos considerar esta manhã como um engano e esquecer todo o assunto.

Esquecer. Literalmente? Um relâmpago de ira surgiu em Gideon, quente e elétrico. As luzes em cima de suas cabeças piscaram mas não se apagaram.

— Vá em frente esqueça. Não creio que eu possa.

Hope tragou saliva com força. Ele se perguntou se ela pensava que ele não entenderia essa resposta.

— Quase terminamos aqui. Podemos ir ao hotel e recolherei o Challenger, e depois irei para casa e…

— Não — disse ele.

— Não? — disse arqueando levemente as sobrancelhas.

— Não posso estar certo de que estará a salvo lá.

— Está vendo? — apontou-o com um dedo — Esta é exatamente o tipo postura de macho que estava tentando evitar. Trataria León desta maneira?

— Nunca me deitei com León.

Seu rosto enrubesceu e depois ficou pálida, afastou-se da mesa e saiu do escritório com passo majestoso. Queria segui-la, agarrá-la e arrasta-la de volta ao escritório para terminar com isto, mas outros estavam olhando. E tinha que admitir, que a idéia de ter um parceiro que soubesse o que podia fazer e não se assustasse por isso, era momentânea e locamente tentadora. Alguém com quem contar para ajudá-lo com a investigação, inclusive se tinham que trabalhar para trás, cabeça abaixo e dar voltas nas coisas ao avesso para apanhar o cara mau.

E até ali chegava sua decisão de afastá-la.

Seguiu-a, mas a certa distância. Ficou bem atrás de Hope até que estivessem no estacionamento, e depois a alcançou com facilidade.

— Se está aqui para se desculpar… — começou tensamente.

— Não estou — disse ele honestamente.

Olhou-o fixamente, surpresa e furiosa.

— Não estou me desculpando pelo que aconteceu, e não vou me desculpar por dizer a verdade agora. Não é um dos rapazes, Hope, e nunca será o mesmo tipo de parceiro que León foi. — Deteve-se quando abriu a porta do acompanhante e esperou que ela entrasse no carro.

Finalmente subiu do lado do acompanhante, ainda zangada, mas um poquinho menos.

Gideon entrou pelo lado do condutor mas não ligou o motor.

— Não pode ir para sua casa esta noite, você goste ou não, está marcada. Se Tabby não pode chegar a mim, pode tentar chegar a você. Sua mãe e sua irmã estarão bem no meio do fogo cruzado.

— Isso tem sentido, suponho — disse com tensão. — Ainda assim eu gostaria de ir ao apartamento e pegar algumas coisas.

— Claro — disse, saindo do estacionamento e dirigindo-se para O Cálice de Prata. O Challenger podia esperar; não estava disposto a perder Hope de vista.

Quando saíram da rua Red Cross disse:

— Nada de sexo no escritório, eh? Que desilusão.

 

***

Sunny Malory Staton era a filha perfeita de Rainbow. Tinha o cabelo loiro escuro, como o de seu pai, mas além disso, era Rainbow acima de tudo. Grande sorriso, maior coração. Cômodas sandálias, saia larga, brincos de argolas. Sem sutiã.

Sunny sorriu quando Hope e Gideon entraram pela porta. Nem sequer se deu conta que o traje de sua irmã menor era completamente atípico nela.

Se Sunny se vestisse com um blazer, Hope certamente o notaria.

Sua mãe e irmã estavam reorganizando a disposição das novas jóias. Estavam se divertindo, conversando sobre o neto, a quem tinham deixado em casa com seu pai. Faria muito bem a Rainbow passar um pouco de tempo com sua filha mais velha.

Agora, a justificar os próximos dias que ia passar na casa de praia de Gideon. Hope esteve tentando inventar uma boa explicação desde que tinham deixado a estação, embora sabia que sua mãe não pediria nenhuma explicação. Ela imaginaria que sua filha mais jovem por fim tinha decidido abraçar o antigo conceito de amor livre, e como Rainbow já gostava de Gideon...

Não foi necessária nenhuma explicação. Rainbow Malory olhou Hope de cima abaixo, rapidamente olhou a vestimenta informal de Gideon, e sussurrou:

— Disfarçados? — como se houvesse uma dúzia de pessoas ao redor para ouvir.

Quando Gideon abriu a boca, provavelmente para dizer “Não”, Hope deu um passo à frente e disse:

—Sim. — O suficientemente alto para cobrir a resposta. — Só preciso recolher umas poucas coisas, e depois temos que ir. — Não gostava de pensar que sua família poderia estar em perigo simplesmente porque ela estava perto, por isso quanto mais rápido saísse dali, melhor estariam todos.

Odiava deixar Gideon sozinho com sua família, mas não podia convidá-lo a subir para que a ajudasse a fazer a mala. Então o deixou estudando atentamente a mercadoria enquanto corria ao apartamento de cima, com a intenção de fazer a mala o mais rápido possível.

Não é que pudesse ser o suficientemente rápida, é obvio. Recolheu objetos de vestir, roupa íntima, escova e pasta de dente, maquiagem. Todas as coisas que poderia precisar para se sentir confortável na casa de Gideon.

Hope desceu as escadas para encontrar os três com as cabeças juntas, rindo como se alguém tivesse uma antiga fotografia dela nua quando era bebê e a estivesse mostrando. Rindo como se Sunny acabasse de lhe dizer algum de seus vergonhosos —Lembra quando? — histórias a respeito de sua irmã mais nova.

— Já podemos ir — disse Hope, com a voz quase áspera.

Os três se voltaram para olhá-la, e teve o pressentimento de que sabiam algo que ela não. Havia se sentido assim toda a vida, como se estivesse vivendo fora e olhando para dentro, como se se tivesse perdido alguma verdade universal que estava escondida para ela e para ninguém mais.

— Sim, certo — disse Gideon, caminhando para ela, percorrendo-a com olhos famintos.

Tinha vinte e nove anos. Tinha se envolvido com homens antes. Romanticamente, sexualmente, emocionalmente. E nenhum deles nunca a tinha olhado dessa maneira. Nenhum deles a tinha olhado com olhos que faziam que lhe tremessem os joelhos.

Nenhum deles havia sido Gideon Raintree.

— Cozinho no sábado de noite — gritou Sunny. — Se já tiverem acabado com a coisinha desfarçada, podem vir depois de fechar a loja. Farei sangria com pedacinhos de pêssego.

Despediram-se e deixaram a loja no momento que três turistas — mãe e filhas a julgar pela semelhança de seus rostos — entraram, atraídas pelo colorido desdobramento de pedras que havia na vidraça.

Hope jogou a mala no assento traseiro do Mustang de Gideon. Não pôde evitar recordar quando o levou para casa na noite anterior. Estava tão mal que pensou que estaria na cama por dias. Estava segura de que precisava ir a um hospital. E aqui estava, parecendo como se nada fora do normal tivesse acontecido.

— Estão a salvo aqui? — perguntou antes que Gideon tivesse oportunidade de ligar o motor. Tinha visto o que Tabby podia fazer, e mesmo quando não tinha medo por ela, a idéia de que uma mulher como essa estivesse perto de sua família fazia com que o estômago e o coração dessem um salto.

— Se não achasse, não estariam aí — respondeu Gideon. — Estão sob constante vigilância, apenas no caso de precisar.

— Como conseguiu fazer isso sem dizer ao chefe tudo o que sabe? — E como ele podia saber que isso era o que ela precisava ouvir para manter a paz mental? Rainbow e Sunny podiam ser excêntricas, mas eram suas excêntricas.

— Não disse nada ao chefe. — Indicou a loja do outro lado da rua, não ao o ruidoso café e sim à janela do andar de acima. — Contratei uma equipe particular para manter sua família vigiada, pelo menos até que Tabby seja presa. Embora não acredito que seja necessário — adicionou sucintamente. — Tabby quer a mim, e poderia querer você. Não acredito que sua família apareça em seu radar.

Vinte e quatro horas de vigilância não saía barato; sabia. Podia se queixar de que seu novo parceiro tivesse feito tal movimento sem consultá-la primeiro, e poderia oferecer-se a paga-lo, já que era, depois de tudo, sua família de que estavam falando. Mas em vez disso apenas disse:

— Obrigado.

E o dizia a sério.

 

***

Quinta-feira — 8:37 p.m.

Não estava surpreso que o traje de banho de Hope fosse de um peça e de uma modesta cor negra. Estava maravilhosa com ele, mas o que não daria para vê-la em um pequeno biquíni como os que Echo usava quando estava ali. Algo muito pequeno, insubstancial, e talvez vermelho. Debaixo dos conservadores blazers que vestia para o trabalho, Hope Malory tinha um corpo genial.

Estudaram os arquivos entre sanduíches e refrescos, mas finalmente ambos começaram a perder a energia que restava, depois da noite anterior. As palavras se tornaram imprecisas. Começaram a cometer enganos. A resposta de Gideon para este tipo de fadiga sempre era a água.

As ondas eram ferozes, e estava caindo a noite, por isso não se afastaram muito da borda. A revolta água salgada golpeou a ambos. Não permaneceram juntos. Não se deram as mãos nem riram com a onda. Como podiam? Ainda não sabiam o que eram. Parceiros sim, mas provavelmente não por muito tempo. Amigos? Não, Hope Malory era muitas coisas, mas não era sua amiga. Amantes? Talvez. Era muito cedo para saber. Um encontro não transformava você em amante.

Quando a escuridão se estendeu sobre eles, deixaram o oceano e caminharam para casa, uns poucos metros de areia e um ar de incerteza os separava.

— Olá, Gideon!

Honey, a vizinha loira do lado, estava inclinada sobre o balcão saudando-o com a mão. Nunca a tinha visto no oceano. Perguntou a ela uma vez a respeito disso, e lhe disse que não queria arruinar o cabelo. Com o cabelo alisado para trás e água gotejando pelo nariz, Hope parecia mais bonita que qualquer outra mulher que já viu. Esse era um pensamento que poderia ter evitado.

— Olá — respondeu, com voz decididamente menos entusiasmada que a dela.

— Não se esqueça da festa de sábado a noite. — Os olhos passaram rapidamente para Hope. — Estará pelos arredores?

Ele negou com a cabeça.

— Sinto muito, não.

— Que tal se jantarmos amanhã a noite? Podemos cozinhar.

— Tenho que sair da cidade todo o dia. Não estou certo de quando voltarei.

Hope o olhou e arqueou as sobrancelhas levemente. Provavelmente estava se perguntando se ele estava fugindo dela ou contando a Honey uma vil mentira.

— Bom, se tiver oportunidade no sábado, passa por aqui.

— Claro — disse esquivo e menos que entusiasta na resposta.

Hope e ele chegaram até a torneira que estava ao pé da escada que levava até o quarto ao mesmo tempo. Enxaguaram a areia dos pés.

— Então aonde vamos amanhã?

— Condado de Hale. A cena do assassinato de Cordell.

Roçou nele com o pé e instintivamente recuou.

— Acha que conseguirá algo bom?

— Não sei. Talvez o fantasma ainda esteja na cena e possa ajudar de algum jeito.

— Depois de todo este tempo? — A pergunta lembrou que não sabia quase nada do que ele fazia.

— Alguns fantasmas ficam pelos arredores durante centenas de anos, emperrados onde não pertencem porque estão tão traumatizados por sua vida ou morte que não podem avançar. Quatro meses não são nada.

— Faz o que faz para apanhar os assassinos, ou faz para tentar mandar os fantasmas das vitima aonde se supõe que devem estar?

— Ambos — confessou.

Fechou a água, e subiram as escadas, Hope na frente, ele atrás uns passos. Agora o que? Desejava-a, mas sabia que não devia tê-la. Não era que não pudesse, mas que não devia.

Ao final, ela fez o primeiro movimento. No alto da escada o esperou, e quando chegou, pôs a mão no seu braço, ficou na ponta dos pés e o beijou. Não foi um beijo sexual… ao menos, não abertamente. Foi um simples roçar de boca com boca, um indeciso e comovemente beijo.

— É um bom homem, Gideon. Sinto ter pensado que era desonesto.

— Está bem — murmurou.

— Não, não está. Esconde tanto de você, e não há forma em que possa dizer às pessoas o que é que faz. E ainda assim faz de todas as maneiras, nunca levando o mérito, nunca pedindo dinheiro, nem fama nem sequer obrigado.

— Estou um pouco surpreso que aceite tão facilmente — disse, inclinando-se por outro beijo, porque ela estava aí e podia.

— Sim — sussurrou pouco antes que os lábios se tocassem novamente. — Eu também estou.

 

***

O oceano levou as preocupações de Hope, ao menos no momento, e uma vez que deixou ir tudo não pôde deixar de pensar em Gideon e no que tinha acontecido essa manhã. Juntos tiraram os trajes de banho molhados e foram para o banheiro principal. Estava cheia de areia e salgada, e tinha o sabor de Gideon na boca. O trabalho estava feito, ao menos por agora, e no momento não estava preocupada com nada que não fosse se meter na cama e ficar ali por um momento. Sentia-se quase libertina, o que não era habitual nela.

Hope Malory era cautelosa quando se tratava de homens, e embora sempre tentasse ser como os homens em sua profissão, nunca tinha sido agressiva no quarto. Era o único lugar onde era verdadeiramente tímida, onde às vezes se sentia retraída até o ponto de ser afetada. Não se sentia nada afetada agora, enquanto empurrava gentilmente Gideon para a ducha e o seguia, colocando-se sob o quente jato de água e deixando que lavasse os restos de água salgada da pele e do cabelo.

— Alguma vez se cansa de viver aqui? — perguntou.

Ele passou a mão pelo peito molhado, de forma casual e definitivamente familiar. Havia muita calidez nessa mão, e queria mais. Tinha o pressentimento de que nunca teria suficiente desse homem.

— Só quando tenho muita companhia — respondeu ele. — Quando isso acontece, simplesmente jogo um pouco de areia nas camas cada noite, e finalmente vão embora da casa.

Aproximou seu corpo do dele, incapaz de deter a si mesma, não desejando parar.

— Se ficar muito tempo, jogará areia em minha cama? — brincou.

— Não me parece provável — disse, com voz suave e insegura.

Queria perguntar, o que somos, Raintree? Um casal? Colegas de trabalho que fazem sexo de maneira extra-oficial? Amigos? Mas não queria fazer perguntas para a quais sabia que ele não tinha respostas. Beijou-a sob o jato da ducha, e suas mãos a percorreram. Também as dela. Desejava-o aqui e agora, mas não havia camisinhas perto, e não estava disposta a deixá-lo ir, não ainda. Isto parecia muito bom, o jato de água, a boca e mãos de Gideon, e a forma em que seu corpo respondia a ambos. Não importava como se denominassem, não ainda. Talvez algum dia importasse, mas por agora isto era suficiente.

Fechou os olhos enquanto Gideon separava suas pernas e a tocava intimamente. Poderia ter jurado que uma faísca tinha entrado em seu corpo, provocando-a, excitando-a, revoando através dela como um pequeno raio relampejante. Talvez fosse assim. A estas alturas, nada parecia impossível.

Seu corpo começou tremer, desejava tanto Gideon.

Em lvez de tira-la da ducha, pressionou seu ventre com a palma da mão, abaixo, onde se sentia vazia e palpitante.

— Vou fazer truques — sussurrou-lhe ao ouvido.

— Está bem — sussurrou Hope sem fôlego, com os olhos fechados enquanto tudo o que fazia era focar no contato, e unicamente no contato.

Gritou quando o orgasmo a percorreu com inesperada intensidade, e se Gideon não a tivesse segurado, provavelmente teria caído no chão da ducha. Mas a sustentou. Segurou o úmido e escorregadio corpo contra o seu, enquanto a liberação a atravessava como um relâmpago.

Quando o orgasmo terminou, Gideon sussurrou:

— Abre os olhos.

Fez, lentamente. Havia uma estranha incandescência na ducha, e não vinha de Gideon. Vinha dela. Sua aura, literalmente um resplendor crepuscular, dançava ao longo de sua pele com pequenas faíscas de eletricidade. Os olhos de Gideon brilhavam com um toque de luz verde, só um toque. O resto do brilho vinha dela.

Ele sorriu.

— A água é um grande condutor.

 

***

Esteve tentado a tomar Hope na ducha, com camisinha ou sem camisinha, mas as freqüentes aparições de Emma, e a promessa de que viria logo tinham feito com que optasse por outro método, ao menos por agora.

Além disso, não era como se tivessem terminado.

Secaram-se um ao outro com uma grande toalha cinza, em seguida caminharam para o quarto e a cama que os esperava. A pele de Hope ainda brilhava, mas a luminescência estava se desvanecendo rapidamente. Não tinha o poder de manter a eletricidade alimentada, como ele.

Jogou-a sobre a cama, e ela riu quando ele engatinhou pelo colchão para se unir a ela. Se estendeu contra ele, nua, úmida e tocada pela magia.

— Então — disse, estirando a mão para acariciar seu rosto com dedos gentis. — O que dizem normalmente as garotas quando as transformar em suas próprias lanternas pessoais?

Acariciou-a na garganta com o dorso da mão.

— Não sei. Nunca tinha feito isso antes.

O sorriso se desvaneceu.

— Geralmente tenho que esconder tudo, recorda? — Não disse que o brilho era especial, que ela era diferente, que era tão diferente das outras mulheres que o aturdia.

Hope moveu o corpo, acomodando-se contra ele. Havia algo definitivamente muito diferente na maneira em que sua carne nua e a dela se juntavam, algo no que não queria pensar. Não queria pensar nela. Queria sexo. Umas poucas risadas, talvez.

— Não me esconda nada — disse ela.

Foi um pensamento tão inesperado e surpreendente, que alguma mulher pudesse saber tudo a respeito dele e ficar, que Gideon quase se acovardou. Não podia desnudar a si mesmo em todos os sentidos frente a ninguém. Corpos nus, sim. Almas nuas? Nunca.

Não queria falar de nada além do físico, então separou as coxas de Hope e a acariciou. Ela suspirou e envolveu seus dedos ao redor dele, delicadamente, mas não muito delicadamente. Acariciou-o, e ele fechou os olhos e deixou tudo para trás para se perder na sensação. Isto era sexo. Era bom, correto e poderoso, mas continuava sendo só sexo.

No momento em que ele se estirou para alcançar a gaveta junto à cama, nenhum dos dois estava pensando em explicações a respeito de que era isto. Apenas era.

Às vezes um coelho era apenas um coelho.

 

Capítulo 11

Ela deveria ter sido capaz de dormir como um bebê, mas isso não tinha acontecido. Ainda não. Sua mente girava vertiginosa com centenas de perguntas. Quando Hope chegou a estar tão inquieta que começou a se preocupar em despertar Gideon, deixou-o dormindo na cama enquanto silenciosamente perambulava pelo quarto na penumbra.

A luz da lua da janela descoberta e um indício de iluminação de um abajur de noite no banheiro fazia com que fosse possível ver com bastante facilidade. Gideon era um pouco minimalista, sem muitas coisas desnecessárias em sua casa. Havia fotos de sua família nas paredes aqui e ali, mas nenhum arranjo floral nem enfeites nas mesas. Percorreu com as mãos a cômoda de seu quarto. Despreocupadamente descartado na superfície havia um prato de cerâmica para as moedas, uma gravata de seda que tinha deixado em uma pilha e uma pequena peça de turquesa que reconheceu como outro amuleto protetor. Passou os dedos sobre o pequeno amuleto de prata preso ao fino cordão de couro. Uma semana antes, se alguém lhe dissesse que algo tão inocente e sem importância como um pedaço de prata pudesse levar o poder de proteger, nunca teria acreditado. Agora sabia que muitas das coisas nas que nunca tinha acreditado estavam erradas. Levantou o amuleto e o colocou ao redor do pescoço, onde descansou perto do que Gideon tinha lhe dado. Tabby estava aí fora em alguma parte, e por outro lado, seu coração precisava de toda a proteção que pudesse conseguir neste momento. Era até possível esse tipo de proteção? Ou era muito tarde para ela?

Agarrou uma camiseta que Gideon tinha deixado cair em uma cadeira próxima ao armário, a pôs pela cabeça e muito silenciosamente caminhou até o terraço que dava para o Atlântico. O som das ondas, junto com a suave luz da lua, a tranqüilizou, e definitivamente precisava de tranqüilidade esta noite.

Não era como se ela se envolvesse profundamente com algo ou alguém rapidamente. Estudava todas as novas ocasiões de cada ângulo antes de se comprometer de qualquer modo. Sempre permanecia fria e totalmente objetiva ante qualquer situação até que sabia sem dúvida nenhuma que um movimento era o correto. Tinha sido desse modo desde os onze anos, talvez inclusive mais. Não tomava decisões precipitadas. Nunca.

E aqui estava, profundamente envolvida com Gideon Raintree. Através do sexo, os segredos e o caso no que estavam trabalhando juntos, estava envolvida até o mais profundo da alma.

Escutou a porta de trás se abrir mas não se virou para olhar Gideon. Seus pés nus caminharam para ela, e um momento depois seus braços a rodearam. Esses braços eram tão quentes e fortes e maravilhosamente envolventes. Era um bom sentimento, ser abraçada deste modo. Gostava. Talvez muito.

— Não queria despertar você — sussurrou.

— Duas noites juntos, e acordo porque não está onde se supõe que deve — respondeu com um toque de desgosto na voz.

Inclinou a cabeça para trás e se relaxou contra ele.

— Não estou precisamente acostumada a precisar de alguém, tampouco.

Ele deslizou as mãos sob a enorme camiseta que ela usava, roçou as palmas das mãos contra a pele nua e cobriu os seios com familiaridade. Seus dedos brincaram com os sensíveis mamilos até que ela fechou os olhos e se balançou contra ele, seu corpo respondendo rápida e completamente. Não deveria deseja-lo agora. Definitivamente não deveria precisar dele deste modo, com uma intensidade que afastava qualquer outra coisa. Mas o fazia.

As palmas passaram ligeiramente sobre seus seios. Era um toque de antinatural eletricidade o que se filtrava através de sua pele e se disparava até seu mesmíssimo centro? Ou isso que sentia tão intenso era simplesmente a resposta de uma mulher a um homem? Gideon tinha umas mãos tão boas, carregadas ou não, e a tocava como se a possuísse, como se soubesse exatamente como fazê-la sua em cada maneira. Inclinou-se e a beijou de um lado do pescoço, familiar e suavemente e surpreendentemente excitado. Seu corpo tremeu.

Girou-se nos braços de Gideon, levantou o rosto e o beijou. Sua boca contra a dele, deslizou as mãos ao redor de sua cintura. Ele tinha entrado no terraço nu — não que alguém estivesse na praia para vê-los esta hora da noite, nesta próxima escuridão — e audazmente percorreu suas costas com os dedos, o quadril, a coxa. Se era verdade que podia fazê-la sua, então também era verdade que ela possuía parte dele, ao menos esta noite.

Beijou-a profundamente, excitando-a e demandando mais com os quadris e a língua e as mãos. Seu corpo se apertou e relaxou, tremeu, em rápidas espirais fora de controle. Assim fazia Gideon. Sentia-o em cada carícia de suas mãos; provava-o em cada beijo. Gemendo baixo no que soava como frustração ou talvez impaciência. Facilmente a levantou de seus pés. As pernas dela se envolveram ao redor de sua cintura. Estava tão perto, tão perto.

— Não precisa de uma...? — começou sem fôlego.

— Já pensei nisso — disse ele com voz rouca.

Moveu-se aproximando-o, ou guiando-o dentro dela.

— Saiu até aqui usando uma camisinha? Bastante seguro de si mesmo, não? —brincou.

— Estava dominado pelo otimismo.

A ponta de sua ereção tentou sua entrada, e começou a descer sobre ele, ansiosa e desejando-o de um modo que ainda a surpreendia. Tinha tido mais sexo nas últimas vinte e quatro horas que o que tinha tido nos últimos cinco anos. E nunca tinha tido sexo como este antes, consumindo tudo e poderoso e formoso, sem covardia ou desilusão. Nunca havia sentido um momento de desilusão entre os braços de Gideon.

— Estou agradecida de que despertou — sussurrou com a boca descansando contra sua orelha. — Nunca tinha feito o amor à luz da lua antes.

Gideon se paralisou. Seu corpo completo se tensionou com os músculos apertados.

— Luz da lua.

Afastou-a do corrimão em que estava se balançando parcialmente, e a levou para dentro das profundas sombras contra a casa. Nenhum raio de lua os tocava ali, e não havia nenhum corrimão em que se apoiar. Gideon a segurava; ele o sustentava. O muro estava contra suas costas, e se sentiu encalhada e a flutuando ao mesmo tempo.

Estavam perdidos na completa e total escuridão quando empurrou dentro dela, profundo e duro. Hope não se importava onde estivessem. À luz da lua ou do dia, na escuridão ou ao sol. Cobertos ou sob nada salvo a lua e as estrelas. Enquanto Gideon estivesse com ela, enquanto a segurasse, não se importava onde estivessem. Instintivamente lhe chamava, mas havia mais que instinto aqui, mais que uma intensa necessidade física.

Não se lançava ao amor fazia muito tempo. Sua mãe, sua irmã, seus sobrinhos, esse tipo de amor era em tudo que se atrevia a acreditar. O amor romântico estava cheio de obstáculos. Não apenas não desejava essa emoção, fazia tudo o que podia por evitá-lo. O amor era uma armadilha, uma dor de coração esperando para acontecer. Esta inesperada corrente de emoção que sentia por Gideon agora mesmo, enquanto a segurava e a enchia e a levava mais perto da liberação, certamente era só o poder do sexo.

Mas enquanto fazia amor, com as costas apoiada no muro e os braços e as pernas enlaçados completamente ao redor dele, não podia imaginar nenhum outro homem salvo Gideon fazendo-a se sentir deste modo. Poderia amá-lo. Poderia envolver sua vida ao redor deste homem e mudar quem e o que era, em quem se transformou. Fantasmas, espetáculos luminosos e tudo, poderia amá-lo. Dava medo.

Gozaram juntos com um grito e um gemido que se perderam em um profundo beijo. Com o som das ondas nos ouvidos e a luz da lua a uns centímetros de distância, com o corpo trêmulo, houve um momento de perfeição quando aquelas palavras cruzaram sua mente de novo. Poderia ama-lo. Perdido na escuridão, o suave resplendor do Gideon a fez sorrir. Te Amo puxava de seus lábios, mas engoliu as palavras. Era muito cedo para tal confissão. Era também muito arriscado.

Levou-a para dentro da casa e a pôs suavemente na cama. Depois de tirar a camisinha, voltou para a cama para se deitar junto a ela. Manteve sua camiseta posta. Gostava do modo em que a sentia contra sua pele, esse algodão gasto que ainda cheirava vagamente a Gideon.

— Quando me levantar pela manhã irei à cena de crime de Cordell e darei uma olhada — disse ele com a voz como cascalho e seda.

— Quer dizer nós, não é?

Ele hesitou.

— Quero que fique aqui.

Levantou-se ligeiramente. Se não estivesse completamente exausta e satisfeita, se o eu te amo não estivesse ainda inquietantemente na borda de seu cérebro, suas palavras poderiam tê-la feito se zangar. Em troca sorriu.

— Não.

— Há outros arquivos de casos que precisam ser examinados. Preciso de você aqui.

— Ponha-os na parte de cima e lerei os arquivos no carro.

Ele enlaçou um braço ao redor de sua cintura e atraiu seu corpo contra o seu.

— Podemos discutir sobre isto manhã?

— Claro. — Os olhos dela se fecharam lentamente. Talvez agora pudesse dormir. — Gosto de discutir com você — disse em voz baixa. — Fica muito fofo quando se zanga.

Gideon soprou, e depois riu.

— É um caso único, Hope Malory.

— Você também, Gideon Raintree. — Estavam tão perto de te amo como nenhum deles estava desejoso de chegar.

 

***

Gideon despertou não muito depois do amanhecer, o que era normal para ele. Despertar com os braços ao redor de uma bela mulher não era tão normal.

Suas relações sexuais no passado tinham sido breves. Inclusive naquelas que duraram umas poucas semanas ou até uns poucos meses, manteve uma certa distância. Não tinha passado a noite em outro lugar ou pedido às mulheres que passassem a noite aqui. Era muito perigoso.

Dormir com Hope não parecia absolutamente perigoso. Parecia correto e bom e natural, como se estivessem dormindo juntos por milhares de anos. E isso era verdadeiramente perigoso. Era tão perigoso que na noite anterior quase tinha esquecido as palavras de Emma e tinha tomado Hope justo ali, à luz da lua. Usou uma camisinha, mas nenhum tipo de proteção era cem por cem segura. Mover-se para as sombras antes de ter se enterrado nela tinha sido simplesmente uma precaução.

Levantou sua camiseta, a dele, e pôs a boca no estômago liso. Maldição, parecia bem. Sentia-a bem, tão quente e sedosa. Beijou-a ali, extraindo sua essência com a boca, arrastando a ponta da língua acima e abaixo, aspirando contra sua pele até que sentiu a mão posar em seu cabelo.

— Bom dia — murmurou ela com voz sonolenta e satisfeita.

Respondeu subindo a camiseta um pouco mais acima e empurrando a mão sob o suave algodão. O frescor do amuleto protetor roçou contra a palma da mão enquanto cobria um seio e tomava o mamilo profundamente na boca. Os dedos de Hope se enredaram mais a fundo em seu cabelo, e ele a chupou mais profundamente. Provou-a e saboreou até que um daqueles gemidos ficou preso em sua garganta.

Esta manhã não ia com pressa. Faria-a gozar uma vez ou duas, faria-lhe amor muito tempo e arduamente e então a deixaria dormindo profundamente. Quando despertasse encontraria que ele já estava a caminho para a cena do crime de Cordell, ficaria chateada por um tempo, mas o perdoaria. Sabia exatamente como fazer para que o perdoasse.

Separou suas pernas e passou um dedo ao longo da tenra pele do interior da coxa. Sua pele era suave, o músculo de sua coxa suavemente formado e completamente feminino.

—Tem as pernas muito longas — disse enquanto levantava uma e apoiava a boca atrás do joelho. Ela estremeceu e enlaçou essa perna a seu redor enquanto a boca dele se movia mais acima. A perna não tinha visto muito o sol. Era tão clara e cremosa como nenhuma pele que tivesse visto, e isso o fascinava. Passou um dedo desde o joelho, permitindo que um pouco de eletricidade escapasse. Hope riu e se moveu nervosamente.

— Isso faz cócegas.

— Sério?

— Sim — disse com um suspiro.

Não estava em modo algum próximo a acabar com esta mulher. Estaria alguma vez? Enquanto a manhã despertava, provou-a por toda parte. A fez tremer e sacudir-se, a fez gemer. Depois ela gozou contra sua boca. Quase o jogou de costas, determinada a ter sua oportunidade com ele, também. Determinada a fazê-lo gemer. E o fez. Com a boca e as mãos, estudou cada centímetro dele.

Sabendo que estava tão preparado como qualquer homem talvez pudesse chegar a estar, Hope se soltou e tirou a camiseta pela cabeça. Gideon alcançou a gaveta onde guardava as camisinhas. Teria que parar em uma farmácia a caminho de casa essa noite. Estava quase sem nada. E não importava quanto gostava de Hope, não importava que bem e perto e verdadeira a sentia, não importava que lhe fizesse resplandecer na escuridão. Não estava preparado para ir mais longe que isto. Tinham um sexo fantástico, mas não havia nenhuma garantia que fosse durar. Não havia muito neste mundo que fosse verdadeiramente duradouro.

Hope se sentou na cama, sorridente e ruborizada e respirando pesadamente outra vez. O cabelo negro estava revolto ao redor de seu rosto. A perfeita Hope, que tão cuidadosamente se penteava, estava absolutamente preciosa desarrumada.

Desarrumada e nua...e usando dois amuletos ao redor do pescoço.

Gideon deixou cair a camisinha enrolada na cama. Esqueceu-se de empurrar dentro de Hope e acabar com a tortura. Esqueceu-se de todo o resto salvo daquelas peças de prata.

— Onde conseguiu isto? — perguntou enquanto elevava um dos amuletos. Que não tinha lhe dado.

Ela levantou o amuleto e o estudou distraídamente.

— Quase me esqueci deste. Encontrei-o em sua cômoda a noite passada.

Gideon saltou da cama e se voltou para a cômoda em questão. Bastante seguro de que o amuleto de fertilidade de Dante se perdeu. Não, não perdido. Hope o usava ao redor de seu precioso pescoço.

— Usava-o ontem à noite quando estivemos no terraço?

— Acredito que sim. — Jogou o cabelo para trás, penteando-o com compridos, claros dedos. — Sim, acredito. Agarrei-o e o coloquei antes de sair.

Girou-se e a olhou.

— Por quê?

—Não sei. É bonito. — Tirou o amuleto que não tinha sido feito para ela, tirando o cordão pela cabeça e despenteando mais seu desarrumado cabelo no processo. Não é que isso importasse. Era muito tarde. Muito tarde. — Acho que senti a necessidade de um pouco de proteção extra na noite passada. — Estendeu-lhe o talismã com uma mão estendida. Ele não tomou. — Sinto se parece que não devia tocá-lo. Pegue-o e volta para a cama.

— Toda a proteção do mundo não irá desfazer … — Parou. Uma vez, isso era tudo, e tinha usado camisinha e não estava à luz da lua. Talvez, só talvez … Se precipitou ao banheiro e fechou a porta de uma portada.

— Gideon? — chamou Hope através da porta fechada. — Está bem?

Nem sequer um pouco.

— Bem — respondeu lacónicamente.

Bem? Que mentira. Tinha estado assim tão perto de outro momento de perfeição absoluta dentro de Hope Malory, e então tinha visto o amuleto descansando contra seu seio. Querer alguém com quem se distrair fisicamente era uma coisa. Fazer um bebê juntos, era outra coisa completamente diferente.

Talvez tudo estava bem. Havia pensando com suficiente clareza para deslocar Hope fora da luz da lua na noite passada antes de fazer sexo com ela. Esse único feito deveria ter mudado tudo. Emma não poderia vir a ele em um raio de lua se não havia raio de lua pelo qual viajar.

— Emma — sussurrou. — Apareça.

Esperou que o espírito que reclamava ser sua filha aparecesse e dissesse olá. Depois de tudo, tinha lhe aparecido antes quando havia dito seu nome. Mas o banheiro permaneceu silencioso e livre de espíritos de todo tipo.

— Tem certeza que está bem? — disse Hope. Estava mais perto agora, de pé bem do outro lado da porta.

— Estou bem! — respondeu Gideon bruscamente.

Ela se afastou, e um momento depois escutou água correr no banheiro de convidados. Por um momento se apoiou sobre o lavabo e estudou o reflexo amargurado, de suas faces com barba crescida. Não parecia um pai; não se sentia como um pai.

— Vamos, Emma — disse, um pouco mais alto que antes. — Isto não é engraçado. Não está certo brincar. Vai dar na papai um ataque do coração se não aparecer.

O banheiro permaneceu em silêncio salvo por sua esforçada respiração.

Hope era especial, não podia negar. Aí estava o contínuo e irritante resplendor que lhe dizia que seu coração e alma estavam tão envolvidos como seu corpo. Talvez, alguns anos depois, se continuavam tendo um sexo genial e terminassem com o assunto de parceiros, então talvez poderia considerar a possibilidade de que Hope estivesse permanentemente instalada em sua vida.

Mas agora?

— Vamos, Emma. Querida — acrescentou. — Não há necessidade de se precipitar sobre isto. Alguns anos, talvez dez, e então poderia estar preparado para ter filhos. —Era uma mentira, e Emma provavelmente soubesse. O mundo não era apto para a inocência de uma criança; via isso por si mesmo todos os dias.

Ela tinha tirado sarro de sua cara. Depois de tudo, tinha afastado Hope dos precoces raios de lua, e tinha usado uma camisinha fielmente.

E Hope estava usando esse maldito amuleto de fertilidade, que muito bem poderia ter podido contudo.

Gideon tomou uma ducha rápida, sacudindo o sentimento de iminente perdição enquanto se secava com uma toalha e depois a enlaçava ao redor de sua cintura. Encontrou Hope na cozinha, fazendo café e buscando ao redor da despensa procurando um café da manhã de qualquer tipo.

Dirigiu-lhe um olhar cauteloso.

— Tem certeza que está bem?

— Sim. — Olhou-a. Mais especificamente, olhou sua barriga. — Venha, Emma — sussurrou enquanto Hope voltava sua atenção ao frigorífico. — Fale comigo.

— O que disse? — perguntou Hope enquanto saía com meia caixa de leite.

— Nada.

— Oh, acrhei que tinha dito Emma. — Posou o leite na bancada, ao lado da caixa de cereais — Esse é o nome de minha bisavó.

Ele quase gemeu mas se conteve a tempo.

Hope se estirou para as terrinas. Já sabia mover-se pela cozinha muito bem.

— Minha mãe tem fé no coração em uma neta que se chame Emma — disse, — mas Sunny tem três meninos, e eu não planejo ter filhos no momento, assim não tem sorte.

— Quer apostar? — perguntou Gideon em voz baixa.

Hope deixou tudo o que tinha acumulado na bancada e se girou para olha-lo.

— Talvez devesse chamar você Rainman em vez de Raintree. Não está fazendo nenhum sentido durante toda a manhã.

Gideon indicou o amuleto de fertilidade que Hope colocou ao redor do pescoço outra vez, depois de se recusou a toma-lo de sua mão. Estava destinado para Dante, uma brincadeira fraternal, um empurrão para manter o Dranir ocupado reproduzindo-se, mas poderia ser igualmente efetivo em Hope.

— Esse amuleto que pegou da cômoda na outra noite — disse, enquanto continuava indicando com dedo, — é um amuleto de fertilidade.

— Um o quê? — Hope se afastou um passo dele e tirou a coisa ao redor de seu pescoço como se queimasse. — Que tipo de pessoa doente faria um amuleto de fertilidade e o deixaria por aí!

Gideon levantou a mão.

— Esta pessoa doente. Estava destinado a meu irmão, não a você.

Hope lhe atirou o amuleto, aplicando todos seus músculos nisso.

—Realmente está doente —disse com aspereza enquanto ele agarrava o amuleto no ar. — O que é que fez seu irmão para merecer isso? — Olhou a seu redor próximo procurando algo mais que atirar. Não encontrou nada à mão e finalmente se sentou à mesa da cozinha. — Não funcionou — disse sensatamente. — Estou certa que isto não funcionou. Este amuleto não foi feito para mim, e tomamos cuidado. Sempre tomamos cuidado. Não parece que você tenha uma espécie de Super esperma.

— Sim — assentiu Gideon, esperando que estivesse certo. Se os amuletos de fertilidade funcionassem sem falhas, Dante já teria povoado seu próprio povo. — Inclusive tirei você da luz da lua.

— O que tem isso a ver? — disse bruscamente.

Imaginou que também deveria contar-lhe tudo.

— Durante os últimos três meses estive sonhando sobre esta pequena menina. Graças a Dante — acrescentou. — Assim não se sinta muito compassiva com ele só porque ocasionalmente o envio algo que não quer.

— Enviou a você algum tipo de sonho?

— Houve algumas vezes que vi Emma fora de um sonho. Foi quem me disse que nos agachássemos quando Tabby nos disparou.

— O que tem isso a ver com a luz da lua, Raintree? —Hope estava frustrada e irritada e talvez até um pouco assustada. Tentou alisar seu cabelo com dedos trêmulos.

— Emma disse que viria para mim em um raio de lua.

Hope ficou pálida. Mortal, terroríficamente, branca. Tão branca como o leite que tinha pego do frigorífico.

— Deveria ter me dito isso antes. — Agarrou o saleiro da mesa e o atirou, mas não havia tanta ira no movimento como antes, e ele o agarrou facilmente. Um pouco de sal escapou e caiu ao chão. Por costume, agarrou uma pitada e a lançou sobre seu ombro esquerdo.

— Por quê? — perguntou Gideon enquanto deixava o saleiro a um lado. — Não acreditei. Fazemos nossas próprias escolhas na vida, e eu escolhi não ter filhos. Por outro lado, é um pouco de tipo poético sem sentido. E não estávamos em um raio de lua a noite passada…

— Cale a boca, Raintree. — Hope parou e olhou desejosa para o pimenteiro, mas se afastou sem atira-lo — Estava em um raio de lua a noite passada — disse sem se voltar para olhá-lo. — Esteve mais que definitivamente em um raio de lua.

— Aonde vai?

Ela levantou a mão.

— Volto logo. Não vá a lugar nenhum.

Poucos segundos depois Hope estava na cozinha de novo, bolsa em mãos, cara não menos pálida. Sentou-se à mesa, tomou uma fina carteira negra de sua bolsa, deslizou a carteira de motorista do compartimento correspondente e a atirou a Gideon. Voou entre eles como um frisbee, golpeou-lhe no peito e aterrissou no chão a seus pés.

— Leia e sue — disse fracamente.

Gideon agarrou a carteira de motorista do chão. A fotografia era menos que favorecedora, como todas as fotos desse tipo, e ainda assim… não muito má. Foi o nome na licença o que prendeu e manteve sua atenção. Agarrou a carteira com mais força e disse uma palavra não apta para os ouvidos da pequena Emma enquanto lia o nome uma e outra vez.

Moonbeam Hope Malory .

 

Capítulo 12

 

Tinha pensado em mudar o nome legalmente milhares de vezes, mas cada vez que mencionava isso a sua mãe havia graves conseqüências. Sunshine Faith e Moonbeam Hope , essas eram as filhas de Rainbow. Tinham sido Sunny e Moonie   durante anos, até que Hope tinha crescido o suficiente para insistir que a chamassem por seu segundo nome.

Gideon dirigia muito depressa, mas Hope não disse uma palavra sobre a velocidade. Como tinha posto a capota do conversível, era capaz de folhear entre os arquivos dos casos. Desse modo não tinham que falar. Ou olhar um para o outro.

Muitos dos arquivos eram de crimes sem resolver que provavelmente não estivessem conectados com os últimos assassinatos. A maioria eram horripilantes mas sem a conexão dos membros desaparecidos. Reunir toda essa informação não tinha sido fácil. Havia um grande número de jurisdições diferentes e investigadores envolvidos. Ainda assim, viu semelhanças suficientes em um número de casos que a deixaram intranquila.

Se Tabby era uma assassina em série, e isso era definitivamente possível, então por que tinha fixado como objetivo Gideon? Isso não enquadrava em muitos sentidos. A diferença de seus outros crimes, tinha tentado em um lugar público, e Gideon era diferente de suas outras vítimas. Ou não? Tinha estado sozinho antes de se juntar a ela. Ainda era emocionalmente um solitário? É obvio que era. O que tinham era só sexo, o que não lhes qualificava para ser um casal feliz… deixando à parte o estranho desenrolar da manhã.

Hope tentou por todos os meios não pensar sobre esses acontecimentos. Estudar os inquietantes casos na frente dela era muito mais fácil para seu coração, tão horripilantes como eram.

O arquivo da vítima no Condado de Hale era fino mas estava longe de ser uma porcaria. Não era a falta de preocupação o que causava que o arquivo fosse fino. De acordo com Gideon, o xerife estava ansioso por falar com qualquer um que pudesse ser capaz de jogar uma luz sobre o assassinato da professora de escola, e tinha parecido aliviado que alguém se interessou no caso.

— Por que este? — perguntou quando estavam na estrada mais de uma hora. — Há outros que se ajustam ao perfil, e ao menos um que está perto.

— Está a menos de três horas, e o mais importante, a cena do crime está intacta — respondeu Gideon em tom formal.

— Como pode estar intacta depois de quatro meses?

— A limparam — explicou, — mas ninguém se mudou para a casa. Esta é minha melhor oportunidade para falar com a vítima e talvez inclusive descobrir uma verdadeira pista neste caso.

Ele não queria que viesse hoje, mas não tinha discutido muito quando ela insistiu. Era por isso que estava tão infeliz, ou estava ferido profundamente por razões mais pessoais? Tão seguro como o inferno que ele não queria que estivesse grávida. Nunca tinha visto nenhum homem reagir tão fortemente ante essa mera perspectiva. Não é que ela tivesse abraçado a idéia da maternidade com uma onda de alegria e risinhos.

Parecia muito seguro que Emma era coisa feita. Hope não estava, embora todo o bate-papo sobre os raios da lua e aquele maldito amuleto de fertilidade, tinham lhe proporcionado mais de um momento de vacilação. Gideon a fez olhar o impossível de um modo completamente diferente. Fez ela querer abrir os olhos e o coração de uma maneira que tinha evitado fazer no passado. Mas, sério, um amuleto de fertilidade?

Olhou fora pela janela do co-piloto e viu a imagem verde imprecisa da paisagem. Não era seu estilo conhecer um homem na segunda-feira e terminar em sua cama na quarta-feira. Obviamente a tinha golpeado um invisível e inesperado pico de sexualidade de algum tipo, porque no referente a Gideon, não tinha sido capaz de controlar a si mesma. Esse tampouco era muito seu estilo. Controle era seu segundo nome. É obvio, Hope Controle Malory era preferível a Moonbeam Hope Malory em qualquer caso.

Poderia ter sido pior. Sua mãe poderia tê-la chamado Moonbeam Chastity . Então onde se encontraria?

Esteve outra hora na estrada, talvez faltasse meia hora de seu destino, quando Gideon disse:

— Sinto muito se reagi exageradamente.

— Um homem adulto arrancando os cabelos, amaldiçoando e gritando com minha barriga, chama isso reagir exageradamente?

Gideon moveu os ombros largos, movendo-se nervosamente como se o carro de repente se tornasse muito pequeno para cabê-lo.

— Ao menos não atirei nada em você.

— Não fui eu a que fez um amuleto de fertilidade e o deixou jogado por aí no quarto para que qualquer um o pegasse.

— Disse que sentia muito.

Realmente não queria discutir agora. De fato, não queria pensar sobre as possibilidades que Gideon a tinha apresentado.

— Por que não esperamos um tempo e vemos se realmente há algo pelo que se lamentar?

Outro momento incômodo passou, e ele disse:

— Se quer pedir outro parceiro, entenderei.

Hope quase bufou.

— É sobre isto? — espetou ela. — Não quer um parceiro, então vai ao mais extremo para se assegurar…

— Não — interrompeu, depois de uma pausa que durou alguns segundos acrescentou: — Tá certo. Não quero um parceiro.

— Então va até o chefe e o conte que não me quer como parceira. Não espere que o abandone. Eu não abandono, Raintree. Jamais.

— Atribuiria-me outro parceira — resmungou Gideon.

Nunca o admitiria em voz alto, mas lhe doía que Gideon não queria trabalhar com ela. Não porque tivessem dormido juntos e sentisse que podia haver muito mais, mas sim porque tinha trabalhado muito duro para chegar onde estava, e estava condenadamente cansada de ser rejeitada pelos homens que pensavam que não podia fazer seu trabalho. Não pôde reprimir a ira.

— Poderia ser difícil fazer como que está destroçado porque pensar que deixou prenhe Mike ou Charlie.

Gideon não respondeu, então olhou em sua direção. Estava quase sorrindo.

— Não acredito que esteja grávida — disse ela sensatamente enquanto sua ira diminuía. — Fomos cuidadosos. Um pedaço de prata e um sonho não desfazem isso. — Super esperma à parte.

— Talvez esteja certa — disse, embora não parecia acreditar que houvesse alguma oportunidade que não estivesse.

— Mesmo se estiver... Grávida... — Maldição, era difícil dizer essa palavra em voz alta. — Isso não significa que vamos nos casar nem nada do tipo. — A palavra com C era inclusive mais difícil que grávida. — Não tem que se preocupar com o que seja que aconteça comigo.

Disse as palavras, mas seu coração deu um pequeno tombo. Solteira e grávida, criar uma criança sozinha, pretendendo não haver dito por pouco amo você a este homem que estava aterrorizado por ver-se atado a ela por uma criança.

— Emma é uma Raintree — disse Gideon. — Definitivamente estarei mais que preocupado.

— De fato, Emma é uma Malory — respondeu. — Se houver uma Emma — acrescentou.

—Uma mulher que dá a luz a um Raintree se transforma em Raintree, em muitos sentidos — disse Gideon laconicamente.

—Não acredito nisso — respondeu, perguntando-se sobre sua afirmação mas temerosa de indagar...

— Viu o que posso fazer — disse Gideon em voz baixa, como se alguém mais no meio do nada pudesse ouvi-los. — Emma ter seus próprios dons, e de maneira nenhuma posso me afastar e não me preocupar com o que aconteça com ela.

Não se conheciam o suficiente para que Hope se sentisse ferida porque nenhuma de suas preocupações fosse por ela.

— Talvez desta vez seja diferente. Talvez os genes Raintree não sejam dominantes neste caso. — Merda, estava falando deste bebê como se fosse coisa feita. — Se estivesse grávida. O que não estou.

— Está grávida — disse severamente.

— Se estivesse grávida — disse de novo, — seria realmente um desastre tão grande? — O coração lhe deu um tombo novamente. O estômago, também. É obvio que seria um desastre! Talvez acreditasse estar apaixonada por Gideon, mas acabavam de se conhecer, e tinha planos para sua carreira, e estava bastante segura que ele não correspondia seu amor.

— Sim!

Hope voltou o olhar à paisagem em movimento novamente, assim Gideon não veria sua cara. Não tinha nenhum direito a estar destroçada porque não quisesse que estivesse grávida. Era uma reação tão pueril, encher o os olhos de lágrimas pela reação de um homem que mal conhecia.

Pode ser que crescer de um modo diferente tivesse sido tão difícil que não pudesse suportar ver uma criança passar pelas mesmas dificuldades. Mas ele tinha se saído bem. Tinha uma boa vida, ajudava às pessoas (as vivas e as mortas) e tinha tirado todo o partido de suas habilidades. Talvez tinha que esconder muito de si mesmo ao mundo, mas não se escondeu dela.

Cruzou repentinamente o Mustang da beira da grama da estrada, alarmando Hope tanto que girou bruscamente a cabeça para olhá-lo.

— O que está fazendo?

Gideon estacionou o carro, e com o motor ligado, estirou-se para seu colo e agarrou um arquivo.

— Qual é este? — perguntou ele, folheando entre as páginas e as fotos. — Não importa, não é? — Ao azar agarrou uma foto e a segurou no alto. A mulher na foto estava estendida meio corpo dentro, meio fora de um descolorido sofá, o sangue banhava a parte dianteira de seu vestido e sua cabeça completamente. — Há pessoas no mundo que faz coisas como esta — disse em voz baixa. — Se fossem só um punhado de bastardos, talvez não me sentiria doente diante a ideia de expor um bebê inocente a uma vida onde isto acontece a cada dia. Cada dia, Hope. E se Emma for como eu e se enfrentar com os horrores da morte cada dia de sua vida? E se for como Echo e sonhar com desastres diante os que não pode fazer nada? E se…? —Seus lábios se fecharam bruscamente. Nem sequer pôde terminar o último pensamento.

Como podia permanecer zangada com ele? Não estava sendo mesquinho ou egoísta. Seu pânico estava enraizado no medo e a preocupação pelo bebê que dizia não querer. Hope levantou a mão e tocou a face de Gideon. O polegar roçou contra seu suave queixo. Não se afastou dela, como tinha pensado que ele faria.

— Esteve fazendo isto por muito tempo.

— Que escolha tenho? Tenho uma habilidade que me permite preder os caras maus. Se não fizesse, alguns continuariam com isso. Algumas das vítimas estariam emperradas aqui, presas entre a vida e a morte. — Olhou-a nos olhos. — O que diz quando uma garotinha pergunta se há monstros no mundo? Sim é aterrador. Não é uma mentira.

Acariciou sua face.

— Quando foi a última vez que tirou férias, Raintree?

— Não lembro.

— Quando apanharmos Tabby e a prendermos por muito tempo, vamos tirar umas longas férias. Eu gosto das montanhas.

Gideon não estava de acordo que umas férias fossem boa idéia, mas não se opôs, tampouco. Pôs uma mão em seu ventre, e essa mão foi suave.

— Eu não gosto da idéia de ter algo tão importante que perder — disse suavemente.

— Emma? — sussurrou.

Elevou a cabeça e a olhou nos olhos.

— E você, Moonbeam Hope. Maldição, de onde saiu?

Ela sorriu diante seu desconcerto.

— Me chame de Moonbeam de novo e atiro em você.

Ele sorriu pela primeira vez nesse dia, e então se inclinou e a beijou rapidamente.

— Acabemos com isto. O xerife está nos esperando.

 

***

A sala onde Marcia Cordell tinha sido assassinada parecia o salão de uma antiga dama. Havia toalhas nas mesas, arranjos florais de seda cobertos de pó que tinham sido desprezados durante quatro meses, desde sua morte, mobiliário antigo que não combinava e ainda assim de algum modo o fazia. Também havia uma grande mancha de sangue ressecado no centro do tapete no meio da sala.

Gideon se agachou perto do sangue, enquanto Hope e um ansioso xerife rondavam por aí. O xerife manuseava a aba de seu chapéu com mãos carnudas, nervosas.

— Realmente espero que possam nos ajudar aqui — disse o homem. — A senhorita Cordell era uma professora muito popular. Todo mundo gostava dela. Bom, pensávamos que todo mundo gostava. É preciso muito ódio para fazer o que fizeram. Viram as fotos? Uma cena realmente terrível. Nunca esquecerei.

O homem continuou uma e outra vez, falando sem cessar. O xerife estava nervoso, e queria ajudar desesperadamente neste caso. Queria-o encerrado. Queria provas de que alguém de fora da comunidade tinha feito esta coisa terrível, assim não teria que imaginar que um homem ou mulher que conhecia fosse capaz deste tipo de violência.

O fantasma de Marcia Cordell estava na sala, mas rondava em um canto, vigilante e assustada. Ainda assustada.

— Que tipo de homem faria tal coisa? — continuou o xerife. — Vi… violentar e matar a uma mulher tão doce…

A cabeça de Gideon girou lentamente. Violentar?

— Foi agredida sexualmente?

O xerife assentiu e manuseou com mais dureza a aba de seu chapéu.

Muito para a conexão com Tabby. Não tinha havido nenhum sinal de atividade sexual de nenhum tipo nas outras cenas.

— Teria sido bom que a informação tivesse sido incluída no relatório que me enviou.

— A senhorita Cordell era uma mulher decente. Não havia razão para divulgar algo tão desagradável sobre ela depois de ter morrido. Por outro lado, mantivemos essa parte da investigação em segredo. Não há necessidade de divulgar todos os detalhes ao mundo.

— DNA? — perguntou Hope secamente.

O xerife meneou a cabeça.

— Não. O homem que fez isso usava preservativo, disse o forense.

— Detetive Malory — disse Gideon com uma mesurada e calma voz. — Acompanha o xerife Webster até lá fora e veja se ele pode encher algum dos vazios do arquivo Cordell?

— Excelente ideia — disse Hope.

O xerife não queria ir, mas quando Hope agarrou seu braço e se encaminhou para a porta dianteira, acompanhou-a como um cachorrinho bem treinado.

Sozinho na horripilante sala, Gideon voltou os olhos até o canto mais afastado, onde o fantasma de Marcia Cordell esperava em uma bola de luz disforme. Não estava muito zangado com o xerife, mesmo embora esta viagem significasse um dia afastado da investigação atual e tempo perdido na perseguição de Tabby. Se estava aqui, era por uma razão.

— Fale comigo, Marcia — disse suavemete. — Conte-me o que aconteceu.

A bola de luz piscante tomou forma gradualmente, a cor e a forma crescendo mais em definição. Marcia Cordell tinha sido uma gordinha e bonita mulher. Escassamente media 1.50, e usava seu comprido cabelo castanho recolhido em um coque. Encaixava com esta sala de estilo antigo.

— Você me vê — disse com voz trêmula.

—Sim, vejo. — Gideon permaneceu calmo e quieto para não assustá-la. — Marcia, sabe que está morta?

Ela assentiu com a cabeça.

— Vi-os e levar meu corpo. Gritei-lhes para que me ajudassem, mas ninguém me escutou.

— Eu a ouço.

Marcia se moveu para ele, lenta e abertamente receosa. Um movimento em falso e desapareceria. Não estava furiosa como Sherry ou Lily. Estava aterrorizada.

— Contará-me que aconteceu aqui? — perguntou Gideon suavemente.

— Deixei ele entrar, sem saber o que pretendia.

Ele. Não era Tabby, simplesmente como tinha suspeitado quando escutou que tinha sido violentada. Ainda assim, podia descobrir quem a violentou e assassinou, e depois poderia enviar seu espírito a um lugar melhor.

O espírito de Marcia Cordell assentiu e vagou até sentar-se em um sofá floreado com uma pose formal.

— Dennis sempre foi um menino muito estranho, mas…

— Dennis. O conhecia?

A senhorita Cordell lhe dirigiu um olhar fulminante. Era um olhar com que sem dúvida tinha silenciado a seus estudantes através dos anos.

— Jovem, pediu-me que dissesse o que aconteceu, e estou tentando fazer isso.

Não indicou que só era alguns anos mais jovem do que ela tinha sido no momento de morrer, dificilmente um rapaz. Tinha o espírito de uma anciã, como se tivesse carregado nesta vida com algo muito pesado, proveniente de outra.

— Perdoe, senhora — disse corretamente. — Por favor, continue.

Assentiu com a cabeça.

— Dennis Floyd é um vizinho. A família Floyd esteve vivendo nessa casa cerca de vinte anos. Dennis ia ao colégio quando se mudaram, e era estudante em minha classe de inglês faz vários anos. Não era um bom estudante — disse com recriminação. — Passou durante a noite e me pediu para usar o telefone. Disse que seu telefone estava quebrado. É obvio disse que sim. — Sua boca se esticou. — Não vi o perigo vindo até que me agarrou e me jogou no chão como uma… como alguém… — Se deteve, e ruborizou. Inclusive morta, podia ruborizar.

— Vou fazer com que pague pelo que fez — disse Gideon. — Será castigado, nesta vida e na próxima.

Ela assentiu, obviamente aliviada.

— Dennis precisa ser castigado pelo que fez. Ela também.

Os cabelos da nuca de Gideon se arrepiaram.

— Ela?

— A mulher que estava com o Dennis, a que o animava. Não a vi, não no princípio. Teria tido reservas em permitir que um estranho entrasse em minha casa tão tarde. Dennis me derrubou. Atou meus os braços e as pernas com fita adesiva, e me deixou tombada no chão enquanto ia à porta para convidá-la a entrar. — Parecia indignada por ter tido um estranho em casa enquanto a estavam assassinando.

— Não conhecia essa mulher.

A senhorita Cordell negou com a cabeça.

— Não. Dennis a chamou… — Enrugou o nariz ao pensar. — Kitty, acredito, ou…

— Tabby — disse Gideon suavemente.

— Isso. — Marcia Cordell assinalou com um murcho e trêmulo dedo. — Se sentou na cadeira ali e olhou enquanto Dennis fazia-me coisas inenarráveis. Sorriu, e quando gritei pedindo ajuda disse que ninguém me ouviria fora daqui, tão afastada de todos e todo o resto. — Sua figura tremeu, e quase desapareceu, como se quisesse se de contar sua morte. — Quando gritei, perguntou se eu gostava. Perguntou se sempre tinha fantasiado a respeito de ter um jovem estudante aparecendo diante minha porta e fazendo de mim uma mulher de verdade.

— Ela vai pagar, também — disse Gideon. — Me encarregarei disso.

A senhorita Cordell assentiu com a cabeça.

— Foi ela que me matou.

— Sei.

— Pensei que finalmente tinha terminado, e então essa horrível mulher se inclinou sobre meu corpo e pôs uma faca em minha cintura. Ela…ela me cortou, e desfrutou disso. Quando se cansou de cortar, começou a me apunhalar e…

Gideon escutou, enquanto Marcia Cordell lhe contava até o último detalhe do modo em que Dennis e Tabby a torturaram e finalmente a mataram. Não queria escutar os detalhes, mas a senhorita Cordell precisava contar sua história a alguém que pudesse ouvi-la.

Escutou, e em seguida perguntou:

— Há algo que possa me contar sobre a mulher? Disse que Dennis a chamou Tabby. Alguma vez usou seu sobrenome? Viu que tipo de veículo dirigia? Há algo que recorde que possa me ajudar a encontrá-la?

A senhorita Cordell negou com a cabeça.

— Dennis e essa horrível mulher se foram juntos.

O que significava que provavelmente Dennis estaria morto, também. Não podia imaginar Tabby deixando uma testemunha para trás.

— Hora de ir, senhorita Cordell — disse Gideon enquanto se levantava e a olhava. — Prometo a você, me assegurarei que paguem pelo que fizeram. Ocuparei-me dos dois. Vá para a próxima fase de sua existência e encontre a paz. A merece.

— Você também —sussurrou a senhorita Cordell antes de desvanecer em um nada.

Gideon deixou a cena do crime para atrás. Se Dennis estava ainda com vida —improvável, mas não impossível, — talvez tivesse a chave para encontrar Tabby. Se jamais houve uma prova concreta de que este mundo não estava feito para uma criança, esta era uma.

O xerife Webster estava de pé junto ao carro patrulha ainda manuseando a aba do maltratado chapéu. Gideon olhou ao redor do jardim coberto de vegetação.

— Onde está a detetive Malory?

— Decidiu entrevistar a alguns dos vizinhos enquanto o esperávamos. — Indicou uma pequena casa branca estrada abaixo. Estava há quase meio quilômetro mas ainda assim era a casa mais próxima a de Marcia Cordell. — A detetive Malory parecia acreditar que talvez pudessem ter visto algo naquela noite. Entrevistamos a todos e não conseguimos nada, mas…

Um nó de inquietação se assentou nas vísceras de Gideon.

— …Dennis Floyd chegou de carro enquanto estávamos conversando…

O xerife não chegou mais longe. Gideon se girou para a pequena casa branca e correu.

 

***

Hope olhou para trás para a casa Cordell. O xerife continuava recostado contra o carro patrulha, obedecendo suas instruções de não interromper Raintree. Não havia modo de dizer quanto tempo estaria dentro, falando com o fantasma. Estranho, com que naturalidade aquelas palavras vieram a sua mente. Falando com o fantasma.

Se pudesse encontrar algo, algum pequeno detalhe, para acrescentar ao que ele descobrisse, poderia ajudar. Talvez um vizinho tinha visto um carro essa noite. Esse tipo de informação deveria estar no relatório, mas algumas vezes os fatos importantes eram esquecidos em um primeiro momento. Inclusive se Gideon descobriri quem tinha matado à mulher, precisariam de provas a fim de conseguir uma condenação.

— Entre e prepararemos um chá.

Dennis Floyd estava com uns vinte anos, supôs. Era um jovem muito magro, com um cabelo loiro fino e curto, claros olhos azuis. Seu carro e roupa tinham visto anos melhores, mas a casa em si mesmo parecia estar bem mantida. O alpendre dianteiro estava limpo, e um número de plantas florescentes em vasos de argila melhorava o lugar consideravelmente.

— Meus velhos estão no trabalho — disse enquanto abria a porta com grade metálica para ela. — Costumo ter minha própria casa — acrescentou, aparentemente tentando impressioná-la. — Mas quando estava entre trabalhos, me mudei para cá. Agora sou um trabalhador fixo, mas os velhos precisam de um pouco de ajuda com o jardim e isso, é porque que estou lhes fazendo um favor ficando.

Hope entrou no frio e escuro salão. Estava limpo mas com umidades, como se anos de aromas rançosos se filtrassem nas paredes e nunca saissem. Havia muita desordem para seu gosto. A sala albergava muitos adornos e cinzeiros e poeirentos arranjos florais.

— Está investigando o assassinato da senhorita Cordell, não é? — perguntou Dennis enquanto a adiantava.

— Sim.

Dirigiu-se à cozinha, e Hope o seguiu. As janelas da cozinha estavam cobertas, deixando passar luz suficiente para fazer do aposento mais alegre que o lúgubre salão.

— O xerife disse que o assassino era algum pervertido de fora do povoado.

— Verdade? Como ele sabe disso?

Dennis se manteve ocupado, trazendo copos do armário, enchendo-os com gelo, depois agarrou uma jarra de chá da geladeira.

— Ninguém por aqui poderia fazer algo tão terrível — disse baixando a voz enquanto enchia dois copos grandes de chá gelado. — Ora, todos nós gostávamos da senhorita Cordell.

— Viu algo incomum aquela noite?

Dennis lhe estendeu um copo de chá, então se apoiou contra a bancada com seu próprio copo na mão.

— Não, acho que não. O xerife perguntou, é obvio, mas não lembro de nada que possa ajudar. Ainda não, temo.

— Um carro desconhecido, talvez, ou um estranho na estrada? — Dennis negou com a cabeça, e Hope posou o chá sem tocar na mesa da cozinha. Não havia nada de interessante aqui, e ainda assim o pêlo de sua nuca se arrepiou. — Obrigado por seu tempo, senhor Floyd. Se lembrar de algo…

— Sabe — disse Dennis, endireitando-se bruscamente e deixando o chá de um lado. — Talvez havia um carro, agora que penso nisso. Passou por aqui, oh, por volta das onze ou algo assim. Movia-se realmente devagar.

— Que tipo de carro?

— Pelo que eu me lembre um carro caro. Um desses carros esportivos. Era verde.

Hope sorriu. Dennis estava mentindo. Para que assim ficasse mais tempo? A esteve olhando lascivamente, mas por que mentir? Ansiava atenção? Ou tinha curiosidade por descobrir o que sabia?

Esta informação não só era completamente nova. Sem luzes na estrada estreita, como tinha sido capaz de distinguir a cor às onze da noite?

— Onde você estava quando viu o carro na estrada? — perguntou.

Dennis teve que tomar um momento para pensar, e para a mente de Hope isso provava que estava mentindo.

— Tinha saído para fumar um cigarro — disse.

Pensava que não tinha notado os cinzeiros do salão? Não era necessário sair para fumar, e ela sabia. Mas jogou um pouco.

— Estava no jardim dianteiro? — perguntou.

— Sim — assentiu. — Estava no jardim dianteiro fumando um cigarro.

— Então se o carro esportivo verde tivesse entrado no caminho da senhorita Cordell, o teria visto.

Engoliu seco com força.

— Talvez girou em sua entrada. Não posso lembrar corretamente.

— Uma mulher foi brutalmente assassinada, e na manhã seguinte não lembra que talvez viu um carro entrar em seu caminho de entrada? — disse Hope bruscamente.

— Foi uma experiência traumática — explicou Dennis. — Ouvir que uma de minhas professoras favoritas do colégio, uma vizinha, tinha sido violentada e rachada por um desconhecido.

Hope moveu muito sutilmente a mão para a pistola. O xerife Webster nem sequer tinha contado a Gideon que Marcia Cordell tinha sido sexualmente agredida até que estivessem ali. Não tinha posto esse detalhe no relatório oficial nem o tinha contado aos jornais, e dado quão protetor era com a memória da mulher, era improvável que tivesse mexericado essa noite, tampouco.

Com um sobressalto, Dennis se deu conta do que tinha feito. Amaldiçoou, então agarrou seu copo de chá e o atirou na cabeça de Hope. Simultaneamente ela se agachou e tirou a arma. O copo voou além de sua cabeça e se fez em pedaços contra o portal atrás dela. Pedaços de vidro quebrado, chá gelado e cubos de gelo explodiram a seu redor.

Em vez de correr para a porta traseira para escapar, que era o que esperava que fizesse, Dennis se jogou contra ela, golpeando a mão da pistola para um lado no momento em que disparava. Agarrou-a, e ambos escorregaram sobre o chá e o copo quebrado.

Hope aterrissou duramente no chão, com um forcejante Dennis sobre ela. Tentou levantar a pistola e girá-la, mas ele agarrou seu pulso e a afastou a um lado. Lutavam pelo controle da arma, e ele estava ganhando a briga. Para ser um homem fraco, Dennis era forte. Havia músculos naqueles braços fracotes, e estava desesperado. Só um homem desesperado e perigoso teria podido fazer o que fez a Marcia Cordell.

Pensou no amuleto protetor que usava sob a blusa, e enquanto lutava pelo controle, se perguntou se a faria algum bem nesta situação em particular.

— Ela enviou você contra mim? — perguntou Dennis sem fôlego enquanto tentava agarrar a pistola.

Era possível que Dennis soubesse o que Gideon podia fazer? Pensava que o fantasma de Marcia Cordell tinha lhes dado seu nome?

Dennis segurou Hope no chão com o joelho e tirou-lhe a pistola da mão. Uma palavra surgiu em sua mente, inesperada e poderosa.

Emma.

 

Capítulo 13

Gideon estava Na metade de caminho da casa branca, correndo tão rápido como podia, quando escutou o disparo. Seu coração subiu à garganta.

Era suficientemente duro falar com os fantasmas de completos desconhecidos, gente que nunca havia vista com vida, nunca havia tocado, por quem nunca se preocupou. Tão difícil como era ser visitado pelas cascas das vítimas de assassinatos, nunca tinha tido que se enfrentar o espírito maltratado e caído de um amigo ou uma amante. Na noite passada e esta manhã Hope tinha sido sua de uma forma que tinha acreditado impossível. Sabia o que ele era, e ainda assim ficou. Provavelmente levava a sua filha. Provavelmente, infernos. O “presente” de Dante tinha funcionado muito bem; era impossível descartar Emma como uma imaginação.

Não queria ser atormentado por Hope; era muito cedo para perdê-la.

Atormentaria-lhe Emma, também?

Saltou dentro do alpendre e irrompeu através da porta dianteira, pistola na mão. Os sons de uma luta na parte traseira da casa o conduziram ali, e ainda correndo, deu uma olhada na cozinha para ver um homem sobre Hope. Sua pistola estava na mão dele, e estava fazendo todo o possível para girá-la para ela.

Gideon tinha a pistola preparada, mas sem um alvo limpo. Hope estava segurando a sua, mas isso significava que o alvo não era estável. Ele estava se precipitando até Floyd para golpear a pistola afastando-a e tira-lo de cima de Hope, quando ela executou um bem planejado e impressionante movimento que simultaneamente afastou o homem e arrancou a pistola de suas mãos enquanto que o cotovelo o golpeava no rosto. A manobra inteira levou uns poucos segundos, não mais. Com um “sshshsp” de ar e um grunhido, Dennis Floyd terminou sobre as costas, desarmado e com o nariz sangrando. Uma ofegante Hope com a cara vermelha o reteve no chão com um joelho.

Levantou a cabeça e olhou para Gideon com o peito exalando em profundas e rápidas respirações, o cabelo não tão arrumado como era habitual, os olhos duros e furiosos mas também assustados. Fora, o carro do xerife entrava no jardim, e os pesados passos soaram enquanto o homem da lei fazia sua entrada na cena.

Gideon não podia apartar os olhos do rosto de Hope, e seu coração ainda não havia se reduzido a um passo e ritmo saudável. Tinha estado um passo de perder ela e Emma. Tinha estado a um passo de ver-se obrigado a enterrá-las.

Estava a um passo de perguntar a Hope que se casasse com ele e não se separasse de sua vista nunca novamente, quando o torpe xerife entrou aos tropicões na casa.

Hope se levantou, e Gideon com muito gosto se encarregou de Dennis. Puxou o pequeno homem até pô-lo de pé e embutiu o bastardo magricela contra a parede.

— Ohh. Tome cuidado com meu nariz — disse o homem, retorcendo-se. — Acredito que ela quebrou meu nariz.

Custou todo o auto-controle que Gideon possuía, ler seus direitos a Dennis. Posto que estava bastante fora de sua jurisdição, pediu ao xerife que repetisse o processo. Até este momento Dennis não tinha sido acusado de nada, mas Gideon não ia brincar deixando que este pequeno homem — este pequeno monstro — pudesse se livrar por algo técnico.

— Sei o que fez — disse Gideon em voz baixa.

— Eu... eu não fiz nada — vociferou Dennis.

— Não me importa você, seu merdinha. —Gideon pressionou Dennis com mais força contra a parede. — O xerife cuidará bem de você depois de que eu tiver ido. Quero Tabby.

Dennis engoliu seco com força algumas vezes antes de responder.

— Não conheço ninguém chamado Tabby. — Era um péssimo mentiroso.

— Bem. Não fale. Quando ela descubrir que estive aqui, e descobrirá, imagino que fará uma visita a você. Viu seu trabalho, assim sabe o que esperar quando puser as mãos em cima de você. — Inclinou-se até que sua boca esteve perto da orelha de Dennis, e sussurrou: — Gosta da faca dela, não é? Encontrei-me com muitos assassinos que preferem uma faca a uma pistola, mas não acredito que tenha conhecido jamais um que desfrute do que faz tanto como Tabby. Pergunto-me que tipo de lembrança tirará de você, homenzinho? Que parte do corpo agarrará para lembrar de você?

— Encontrei-me com ela nesse dia — disse Dennis com voz alta e rápida. — Estava no posto de gasolina, enchendo o tanque e pegando algo frio para beber, e essa mulher se aproxima de mim e me diz que sabe o que estou pensando. Não tinha estado pensando em nada — disse Dennis. — Então pôs idéias em minha cabeça.

— Idéias más — disse Gideon enquanto ele retrocedia ligeiramente.

Dennis assentiu.

— É verdade, sempre achei que a senhorita Cordell era muito presunçosa, que pensava que era melhor que qualquer...

— Queria pô-la em seu lugar, não é? — Gideon pressionou Dennis mais forte contra a parede de novo. — Queria mostrar a ela quem era o chefe.

Dennis tentou assentir, mas com o braço de Gideon contra a garganta, não era fácil. Queria matar este homem com as próprias mãos, e podia. Com Hope e o xerife olhando, podia disparar no bastardo ou quebrar-lhe o pescoço ou, melhor ainda, fritar seu traseiro até que não ficasse nada exceto pó. Tudo o que tinha que fazer era permitir sua ira se manifestar em uma poderosa sacudida de eletricidade. Era sempre tão cuidadoso escondendo o que podia fazer, contendo a si mesmo quando alguém estava olhando. Essa precaução o tinha impedido de deter Tabby quando tinha podido, e o tinha impedido de usar seus dons em mais de um assassino quando estavam finalmente em suas mãos. Agora mesmo, com o coração ainda golpeando fortemente e as possibilidades impensáveis ainda muito reais na mente, não se sentia nada cauteloso. Gideon permitiu que um pequeno golpe de eletricidade escapasse e disparasse através do corpo de Dennis.

— Au! O que foi...?

Fez de novo, e Dennis começou a tremer. Tão tenso como estava Gideon, poderia facilmente fazer fumaça deste inútil desperdício de espaço e ar. Por Marcia Cordell. Por Hope e Emma. Mas não fez. Tentadora como era a idéia neste momento, evitou deixar que sua ira o transformasse no tipo de homem que durante toda sua vida de adulto se passou caçando. O xerife e o sistema se encarregariam de Dennis. E se não o faziam, sempre poderia retornar.

— Me conte tudo o que lembra sobre Tabby — ordenou.

 

***

A volta para casa foi tranqüila exceto por umas poucas chamadas telefônicas. Gideon tinha uma horrorosa cobertura em seu celular, graças à combinação de um sinal fraco aqui no quinto pinheiro e suas imprevisíveis descargas elétricas, então finalmente estendeu o telefone a Hope, e ela fez as ligações. Charlie ia tramitar uma inspeção sobre a placa do carro que Dennis disse que Tabby estava conduzindo. Ainda não tinham seu sobrenome, mas talvez poderiam encontrá-la através do veículo.

Hope tinha começado a aceitar que talvez, só talvez, realmente estava grávida. Nesse momento, quando tinha pensado que morreria, quando tinha esperado ser atingida com sua própria pistola, o bebê — ou ao menos a possibilidade do bebê — tinha lhe parecido muito real. Deu-se conta de que faria qualquer coisa para proteger Emma. Que balde de água fria tinha sido. Hope Malory não tinha nem um osso materrnal em seu corpo! Gostava muito de ser tia, porque podia visitar seus sobrinhos e depois ir embora quando ficavam muito escandalosos ou chorões. Mas ser uma mãe… não tinha pensado que estivesse em absoluto preparada, mas talvez estava. Talvez.

Foi depois de escurecer que chegaram à casa de Gideon. Não tinha havido nenhuma notícia de Charlie sobre o carro de Tabby, mas já que tudo o que tinham era uma marca e um nome que poderia ou não ser real, ia levar um tempo. Gideon estacionou na garagem e desligou o motor enquanto a porta da garagem se fechava lentamente detrás ales. Não desceu do Mustang imediatamente e sim se sentou ali com o olhar fixo à frente e as mãos descansando no volante.

Hope permaneceu em seu lugar, também.

— Quer que recolha minhas coisas e vá embora? Sei que não é uma boa idéia para mim voltar para o apartamento de mamãe agora mesmo, mas poderia…

Gideon soltou a alavanca de câmbio, agarrou-a pela nuca e a atraiu para um beijo. Não a beijou como um homem que queria que ela se fosse. De fato, estava bastante segura de que nunca a tinha beijado deste modo, como se quisesse consumi-la suavemente mas por completo. Quando afastou sua boca, não retirou a mão.

— Marcia Cordell me contou todas as coisas vis que o bastardo lhe fez. Ao princípio não queria falar sobre como tinha morrido, mas uma vez que começou, parecia que lhe fazia bem soltar. Contou-me tudo, cada mórbido detalhe, e então saí e o xerife diz, “Oh, a Detetive Malory está lá abaixo, falando com Dennis Floyd”.

Gideon disse isso em um profundo, e não de todo inexato, falar arrastado imitando o xerife, e Hope riu suavemente. Mas não riu muito tempo.

— E não podia correr rápido o suficiente — disse com voz profunda e baixa.

— Não estou ferida. — Uns poucos machucados, muito medo, mas não estava realmente ferida.

— Não desta vez — disse. O polegar acariciou sua face. — Mas haverá uma próxima vez. Haverá outro Dennis, outra briga, outro disparo que faça meu coração sair do peito. A proteção dos amuletos ajudará, lhe darão uma margem, e posso me assegurar de que sempre tenha um recém feito ao redor de seu precioso pescoço. Mas não são barreiras a prova de balas, e não fazem com que os caras maus como Dennis Floyd desapareçam. Maldição, Hope, desejaria que ficasse contente ficando em casa e fazer biscoitinhos e se deitar no terraço sob o sol e ter filhos e…

— Filhos? — interrompeu. — Como em mais de um?

— Se vamos casar também poderíamos…

— O que aconteceu com o mundo é muito horrível para trazer uma criança a ele? — perguntou, apenas ligeiramente aterrorizada pela imagem que Gideon estava pintando.

— Não podemos retroceder e desfazer o que já está feito. Poderíamos também dar a Emma irmãos e irmãs.

— Espera só um minuto…

— Não perguntei a você se quer casar comigo, não? — O polegar continuava acariciando-lhe a bochecha.

— Não, não perguntou — sussurrou.

— Casa comigo.

Hope molhou os lábios.

— Isso não é exatamente uma pergunta. Soa mais como uma ordem.

Um pequeno gemido frustrado escapo do fundo da garganta de Gideon. Sabia que isto não era fácil para ele, mas tampouco era fácil para ela. Estava falando de casamento e filhos e de para sempre. E não o conhecia nem fazia uma semana.

— Bem — disse. — Faremos do seu modo. Deseja se casar comigo?

— Posso ter um pouco de tempo para pensar? — perguntou, aterrorizada e excitada e aturdida. — Isto é muito rápido para mim.

— Não. Também pode saber agora que posso ser muito impaciente. Quero uma resposta agora.

Seria muito fácil ficar presa nisto, na maneira em que Gideon a fazia sentir, por dentro e por fora. Nos beijos e as carícias e a promessa de mais por vir. Na idéia dele e Emma e bebês (no plural).

— Sabe, realmente nunca planejei sentar a cabeça e ter filhos e fazer toda a coisa maternal.

— Faça planos novos.

Se o que havia dito sobre sua transformação em Raintree era certa — e não tinha nenhuma razão para pensar que não era — definitivamente ia precisar de um novo plano.

Ele não se afastou e sim ficou perto. Muito perto. Essa mão na parte traseira da cabeça era cálida e forte e reconfortante, mas não podia evitar lembrar que tão somente há algumas horas tinha estado horrorizado diante a idéia de uma vida que agora ele estava apresentando como uma coisa feita.

— Se agora mesmo dissesse que sim, provavelmente teria um ataque de pânico.

— Se me disser que sim, vou fazer amor com você aqui mesmo e agora.

— No carro.

— Sim.

— Com assentos envolventes.

Ele murmurou afirmativamente.

Hope enlaçou os braços ao redor do pescoço de Gideon e apenas roçou os lábios com os seus.

— Isto eu tenho que ver.

 

***

— Acho que quebrei algo — disse Gideon, enquanto roçava no pescoço de Hope. Riu dele. Adorava quando ria dele.

— Faze no meio dos assentos envolventes foi idéia sua, não minha

— Isto está melhor. — Isto era sua cama, sua mulher e nenhuma roupa. Era suavidade e paixão, umas explorações audazes e comedidas. Era um tremor e um grito sufocado. Era o modo em que Hope se balançava e gemia quando a tocava. Era o modo em que o tocava, o modo em que o desejava.

Separou as coxas de Hope e a encheu suavemente. Mas não muito suavemente.

— Nada parece estar quebrado — disse ela sonhadoramente, com os olhos fechados e as costas arqueadas.

Como estava convencido que Hope já estava grávida, não tinham tido a moléstia de usar uma camisinha. Nem no carro, nem agora. Estavam nus, coração, alma e corpo, e estavam conectados de um modo que nunca tinha esperado. Hope queria ser sua parceira, e era. Em mais de um sentido. Em todos os sentidos. Em sentidos que nunca sonhou conhecer.

Emma havia dito que era sempre sua, em cada vida. Talvez o mesmo se poderia dizer de Hope. Era isso porque havia sentido um inegável e imediato impulso para ela? Era isso porque não a sentia nova ou desconhecida de todo para ele?

Gozaram juntos, e Hope o atraiu mais profundamente. As contrações de seu corpo o drenaram, espremendo-lhe e enquanto tudo se acalmava, ela continuou balançando os quadris contra os seus e o abraçou fortemente.

— Te amo — disse, sua voz soava exausta e confusa, também com um carinho que não tinha esperado.

As palavras estavam em seus lábios, mas as reteve. Podia ama-la deste modo; podia protege-la o melhor que pudesse e dar-lhe bebês e assegurar-se que nunca quisesse nada mais. Sim, era inegavelmente sua, mas isso não significava que estivesse preparado para dizer toda a verdade. Nem sequer estava seguro de que soubesse o que o amor não era algo mais, mas sabia que isto estava bem. Que era suficiente. Por enquanto.

Enquanto ainda procurava algo pouco semi-apropriado que dizer, escutou um gorjeio de etérea risada infantil. Um risinho tolo de menina, seguida de um suspiro e um suave “disse a você, Papai”. Se Hope o escutou, não reagiu.

Deveria estar indignado, ou pelo menos um pouco surpreso. Mas não estava.

— Acredito que fomos enganados por nossa filha — disse, afastando uma mecha de cabelo negro do rosto de Hope.

Seus olhos se abriram lentamente.

— Enganados como?

— Não ficou grávida na outra noite — disse, sentindo-se curiosamente indulgente com Emma nesse momento. Talvez porque ele ainda estava dentro de Hope, satisfeito e agradecido e feliz.

— Não fiquei?

— Não. Ficou grávida agora. Agora mesmo. Bem, em seguida. A concepção não ocorre imediatamente...

Hope penetrou os dedos por seu cabelo e o atraiu para baixo para um profundo e longo beijo. Aparentemente também estava se sentindo indulgente nesse momento.

— Sei como funciona, Raintree.

— Ainda quer se casar comigo?

Sem hesitações, respondeu:

— Sim, quero.

Ainda me ama? Não fez a pergunta em voz alta. Certamente deveria lhe dizer que também a amava, ou ao menos lançar um casual “o mesmo”. Mas não fez. Logo chegaria o momento em que as palavras fossem certas.

Hope acariciou seu cabelo e enganchou uma longa perna ao redor da sua, entrelaçando os membros tanto quanto tinham estado anteriormente. Acariciou com o pé sua perna de cima a baixo.

Ele se incorporou e a olhou.

— Não quero que nos incomodemos com isto.

Ela fechou os olhos e o abraçou fortemente.

—Então não o façamos. Por favor.

Não havia muito que dizer, então ficaram ali deitados, acoplados e se tocando e satisfeitos. Ele era feliz tão poucas vezes.

— O que disse hoje cedo — disse Hope com voz aguda e um pouco tímida. — Estive pensando sobre isso.

— O que disse? — Muito... Não o suficiente...

Arrastou os dedos ao longo de seu pescoço.

— Monstros.

— Oh. — Não era do que queria falar nesse momento.

— Se houver monstros no mundo...

— Existem, e sabe — interrompeu ele.

— Se houver — disse de novo.

Gideon roçou em sua garganta e a beijou. Agora não era momento de discutir.

— Minha mãe está sempre falando sobre o equilíbrio. O equilíbrio da natureza, do masculino e feminino, inclusive do bom e o mau.

— O que é tão bom?

— Você — respondeu sem hesitações. — Nós. Emma. O amor. Acho que merece a pena lutar por isso. Acho que talvez valha a pena a esporádica batalha com um monstro.

Lutava contra monstros porque era sua profissão. Seu destino. Não queria que sua família tivesse que lutar com ele, mas aparentemente era o preço que teria que pagar a fim de retê-los.

 

***

Tabby sentada no apartamento estudava cuidadosamente o pacote sobre a bancada da pequena cozinha. Tinha aversão às bombas. Não só eram imprevisíveis, faziam impossível estar perto o suficiente se embeber com o medo de suas vítimas. Um minuto estavam vivos, no seguinte se foram. Sem poder, sem lembranças.

Mas não podia ser melindrosa nesse momento. O tempo voava.

Não podia falhar. Talvez tinha falhado com Echo, mas Gideon era o único a quem Cael considerava como o mais importante de sua missão. Era o seguinte na linha sucessória a Dranir, um membro da família real. Era um poderoso Raintree, e sua execução era necessária. Echo seria sua muito em breve.

Esta bomba não mataria Raintree, mas o traria para um espaço aberto. E Ela estaria esperando.

Era possível que Cael ainda considerasse a missão um fracasso, já que não tinha matado Echo primeiro, segundo o previsto. Se seu primo fosse qualquer outra pessoa no mundo, simplesmente fugiria dele quando chegasse o momento. Mudaria de aparência, de nome e continuaria de onde tinha parado. Treinar para seu encargo tinha sido mais prazeiroso do que tinha imaginado. Era um país grande, cheio de pessoas solitárias às quais não se sentiria falta de e de pequenos homens sádicos que nunca se atreveram a agir por vontade própria mas que eram maravilhosamente violentos quando os perfurava.

Tornou-se boa nisso de perfurar. Se Cael não a matasse por perder Echo, continuaria com o trabalho depois de que a batalha terminasse. Talvez estaria tão agradecido pelo ato que estava a ponto de cometer, que inclusive a perdoaria.

Contanto que enviasse a cabeça de Gideon Raintree a Cael — figuradamente falando, por desgraça, — tudo ficaria bem.

 

***

Quando despertou na cama de Gideon sozinha, Hope pensou por um momento que tudo tinha sido um sonho. Emma, Dennis, os assentos envolventes e lançar o louco te amo. Nada foi real.

Mas logo se deu conta que nada disso tinha sido um sonho. As cortinas estavam abertas, o que significava que Gideon estava no terraço ou na praia.

Foi ao banheiro, escovou os dentes e colocou uma das velhas camisetas de Gideon. Pendiam-lhe quase até os joelhos. Já tinha feito café — um quarto da cafeteira não existia mais — então se serviu de uma xícara e se uniu a ele no terraço. Algumas pessoas já estavam na praia, andando pela areia e molhando os pés nas suaves ondas.

Gideon estava parado junto a grade, olhando o oceano como se extraísse força dele. Talvez o fizesse. Havia tantas coisas que não sabia sobre o homem que se apaixonou. Na noite passada na cama riram e tinham feito amor, mas esta manhã Gideon estava sério de novo. Sua cara parecia como se fosse feita de pedra, tão dura e implacável.

Conhecia o coração de debaixo desse duro exterior. Duro? Algumas vezes. Implacável? Sim, quando o perdão não era apropriado. Inexistente? Nunca.

— O que está errado? — perguntou, inclinando-se na grade a seu lado.

Ele não se afastou do assunto.

— Quero que deixe o trabalho, e não acho que fará isso.

— Está certo — disse. — Ao menos, não em um futuro próximo. Preciso de um pouco de tempo para me ajustar a isto. As coisas aconteceram muito depressa.

— Isso é insuficiente.

Ela apoiou a cabeça contra seu braço e descasou ali, com o olhos no oceano.

— Sou um policial, como você, Gideon. Não vou deixar isso para ter bebês e bordar e fazendo biscoitinhos e esperar em casa enquanto faz o que tem que fazer. Os policiais têm filhos iguais ao outros. Faremos com que funcione.

— Irá me distrair.

— Aprenda a lutar com isso.

— Por que deveria aprender a lutar com isso, quando tenho dinheiro mais que suficiente para que você o deixe?

— Se o dinheiro tivesse algo a ver, você tampouco estaria fazendo o trabalho. O que fazemos é por algo mais que por um pagamento.

Seus lábios se apertaram ligeiramente, e então disse:

— Sei que pensa que é como qualquer policial, mas não é. É minha, e não quero perder você.

— Sou forte — disse.

— É frágil.

— Não sou — argumentou.

— As coisas preciosas sempre são.

Não teve uma resposta imediata, porque tinha lhe roubado o fôlego com essa declaração. Preciosa não era uma palavra que pensasse que ele pudesse jamais dizer, e ainda assim a tinha usado, embora relutantemente.

E acrescentou como se afastando sua mente do tema:

— Ao princípio, me deitei com você para que assim pedisse uma transferência.

— Sei — disse sem rancor.

— Só adiantamos os fatos, Moonbeam. Não pode ser minha parceira mais tempo, e não confio em ninguém mais.

Hope tomou um gole de seu café.

— Não briguemos, hoje não.

Sua expressão glacial relaxou só um poquinho.

— Pensava que havia dito que fico muito fofo quando me zango.

Ela riu.

— Está. Ainda assim não quero brigar hoje com você.

— Por que não?

A verdade. Nada como a verdade.

— Agora mesmo me sinto bem, e não quero botar isso a perder.

Enlaçou um braço ao seu redor.

— Há dons que vêm por dar a luz a um bebê Raintree, dons que são parte de ser um Raintree. Se Curará mais rápido, viverá mais, estará mais sã. Você e qualquer filho que façamos terão amuletos protetores, assegurarei-me disso. E ainda assim, se pudesse, prenderia você em um lugar onde sempre estivesse segura. Um lugar onde ninguém pudesse jamais machucar você ou Emma.

— Exatamente onde está esse lugar, Gideon?

Não respondeu, porque não havia nenhuma resposta. Não havia tal lugar.

— Por outro lado — disse ela—, tenho que ajudar você a prender Frank Stiles. Saber disso é bom, mas precisamos de uma prova.

Pareceu absolutamente desejoso de mudar a conversa para sua profissão. A profissão de deter monstros.

— Não há nenhuma. Queimou a casa depois de matar Johnny Ray Black. Não obtivemos nenhuma prova.

— Então precisamos de uma confissão ou uma testemunha.

— Tampouco fomos capazes de encontrá-lo.

Sorriu-lhe.

— Não me deu a oportunidade de tentar. Sou muito boa conseguindo confissões.

Quase sorriu.

— Aposto que sim.

Olhou o oceano, embebendo-se em sua beleza como se ela também pudesse absorver seu poder através da pele. Como podia sentir este lugar como seu lar? Não a casa, não a praia. Gideon. Gideon Raintree era o lar.

Era um pensamento curiosamente reconfortante e aterrador, muito parecido à perspectiva da maternidade e tudo o que suportaria.

 

Capítulo 14

 

Sábado, meio-dia

 

Não estavam avançando nada com a informação do veículo que Tabby tinha conduzido fazia quatro meses. Gideon tinha deixado Charlie atrás dessa informação, tentando tirar algo útil dela, e depois se dirigiu ali.

O quarto do motel onde tinham assassinado Lily Clark tinha sido lacrado. Ninguém salvo os investigadores da unidade científica tinha estado ali desde o assassinato. Seu espírito estava em um canto do quarto, sólido e zangado.

Hope insistia em que não tinha nenhum tipo de poderes sobrenaturais, mas ainda assim ficou atrás e esfregou os braços, como se estivesse evitando um calafrio neste dia quente. Sentiu a ira e a tristeza ali; ainda sentia a violência.

— Disse que ia prendê-la — disse Lily, tão furiosa que sua imagem piscou.

— Estou trabalhando nisso — disse Gideon suavemente.

Hope estava parada atrás dele, a uns poucos passos, escutando. Tinha que admitir que era agradável não ter que ocultar o que podia fazer. Era agradável poder falar com Lily sem enganar sua parceira para que deixasse o quarto, ou fingir que falava consigo mesmo.

— Tabby esteve neste quarto durante muito tempo — disse Hope com gentileza. — Saber que matou Lily Clark é uma coisa, mas precisamos de uma evidência física. Tem que haver algo. Deve ter deixado algum tipo de pista para trás.

— É cuidadosa — disse Gideon enquanto caminhava para o extremo da cama.

— Deixou um cabelo na cena de Sherry Bishop. Deixou uma testemunha na casa de Marcia Cordell, e isso é completamente incompetente. Também tem que haver algo aqui. —Hope caminhou entrando mais no quarto. — Tudo o que os da científica encontraram foram umas poucas fibras que poderiam estar há dias aqui. Inclusive semanas. Este não é exatamente o motel mais limpo da cidade. Tabby deve haver tocado uma superfície que esqueceu de limpar, ou deixou algo para trás, ou…

— Tomou banho depois de me matar — disse Lily gentilmente, seu aborrecimento estava desaparecendo. — Teve que fazer isso, porque tinha meu sangue por toda parte. Em sua cara, e no cabelo, e nas roupas… acredito que gostou…

— O que fez com as roupas ensangüentadas? — perguntou Gideon.

— Não sei.

Gideon fez um gesto com a cabeça para Hope.

— Meu celular está virtualmente inútil hoje. — Amanhã era o solstício do verão, e suas ondas elétricas vinham mais freqüentemente do que o normal. — Telefone para o Charlie para que faça com que venham os da científica, para voltar a checar o deságüe da ducha. Hoje —acrescentou energéticamente.

Hope tirou seu próprio celular e fez a chamada, e Gideon se aproximou mais da imagem muito sólida de Lily Clark.

— Pode encontrar essas roupas por nós — disse. — Seu sangue, uma parte de você, está ali, e se você se concentrar, pode encontra-las. Não posso garantir que as roupas nos levem a mulher que a matou, mas é uma possibilidade.

— Não sei como fazer isso — suspirou o fantasma.

— Agora pode ver muito mais, se tentar. Pensa sobre essa noite. Recorda o que aconteceu depois. Viu Tabby sair por essa porta.

— Sim — sussurrou Lily. — Gritei com ela, mas não me ouviu. Tentei detê-la, mas não pude fazer nada.

— Levava as roupas com ela? Estavam em uma pilha ou guardadas em uma bolsa ou…?

— Usava meu vestido favorito — se queixou Clark. Pareceu ver isso como outra indignidade. — Que descaramento!

— E o que aconteceu com as roupas que usava quando te matou? Tinha-as consigo quando se foi?

Lily inclinou a cabeça e voltou sua mente a essa noite, embora sem dúvida não queria nada mais que esquecer. Talvez quando isto terminasse e ela seguisse adiante, esquecesse. Ninguém deveria levar lembranças tão dolorosas durante a eternidade.

— Não — disse pensativamente. — Tudo o que levava era sua bolsa. A faca estava nela, recém lavada e envolta em uma de minhas camisolas, e não havia mais lugar nessa bolsa para suas roupas. Adorava essa faca — acrescentou o espírito. — A tocava como se estivesse viva.

Gideon girou para Hope, que acabava de terminar sua chamada.

— As roupas estão aqui, em alguma parte.

— O quarto foi revistado — disse ela.

Gideon entrou no banheiro.

— Lily, em algum momento Tabby tirou as roupas ensangüentadas deste banheiro? Depois de tomaar banho, jogou as roupas fora?

O fantasma negou com a cabeça, e Gideon levantou a vista para as placas do teto.

Levaria alguns poucos dias obter uma evidência sólida das roupas e a toalha que Gideon tinha encontrado escondidas em cima das placas do teto, mas era um passo. Não esperavam que Tabby tivesse seu nome e endereço costurado nas roupas que usava, mas pelo menos tinham algo concreto, e obtivessem DNA recuperável. Tudo o que precisavam era de Tabby em custódia para poder fazer uma comparação.

Chegaram a um beco sem saída com o veículo, que foi tudo o que obtiveram de Dennis Floyd, que estava preso na prisão de Hale County, ainda aterrorizado de que Tabby o encontrasse, de algum jeito. Não havia nenhum Taurus azul no Norte da Carolina que estivesse registrado em nome de alguma Tabby ou Tabitha, e nenhuma das Catherine encaixava. Agora começaria a procurar todas as mulheres, mas maldição, era uma lista longa.

Hope não acreditava que tivessem um pouco de tempo antes que Tabby agisse de novo.

Gideon deslizou o Mustang até o meio-fio em frente do Cálice de Prata e Hope se inclinou para beijá-lo brevemente.

— Venha aqui às sete, se puder — disse ela, e em seguida sorriu. — Sunny é melhor cozinheira que eu, assim vai ter que aprender a conseguir uma boa comida quando tiver oportunidade.

— Vamos contar a elas as notícias sobre o bolo de pêssego? — perguntou Gideon.

— Ainda não. —Hope não estava segura de como dizer a sua mãe e irmã que ia se casar com este homem que tinha conhecido na segunda-feira. E respeito de Emma, não havia explicação lógica. Embora não é que sua mãe precisasse de lógica para nada.

Gideon assentiu, visivelmente aliviado. Talvez tampouco estava preparado para explicações.

— Voltarei as sete. — Ia à estação ajudar Charlie com a busca do veículo, incapaz de abandonar isso ainda. Incapaz de descansar. Ela supunha que era algo com o que teria que aprender a viver.

— Tem certeza que não quer que te acompanhe?

— É sábado, e precisa de um pouco de tempo para visitar sua irmã antes que volte para casa.

— Sim, parceiros ou não, não é como se estivéssemos unidos pelos quadris, ou algo assim. — Então, por que odiava a idéia de vê-lo partir? Tabby tinha estado quieta durante alguns dias. Era possível, inclusive provável, que tivesse deixado a cidade depois de apunhalar Gideon. Se tivesse cérebro na cabeça, escaparia essa mesma noite. Gideon a tinha visto, e Hope também. Esta não estava muito segura que o cérebro de Tabby funcionasse de algums forma lógica; entretanto, tudo era possível.

Inclusive se Tabby ainda estava por ali, Raintree podia cuidar de si mesmo. Igual a ela. Ambos tinham amuletos de proteção, armas e melhores instintos que os da média. Seus olhos revoaram para o edifício do outro lado da rua.

— Ainda estão aí — disse Gideon.

— Até quando?

— Até que agarremos Tabby ou tenhamos provas de que partiu.

— Prefiro agarrá-la.

— Eu também.

Ele voltou a beija-la, e ela saiu do Mustang. O Cálice de Prata estava cheio, como era normal em um sábado pela tarde. Turistas e clientes habituais examinavam atentamente os artigos em venda, e havia uma sala de algum tipo em um quarto dos fundos. Meditação, cura por vibrações… coisas que Hope sempre tinha descartado como tolices.

Esse dia foi capaz de olhar às pessoas na loja de sua mãe com novos olhos. Talvez sabiam algo que ela desconhecia. Talvez viam, ouviam ou tocavam coisas que sempre tinham sido invisíveis para ela, da forma em que Gideon fazia.

Um mundo do avesso não era tão inquietante como imaginou que seria. De fato, o estava achando mais reconfortante do que teria acreditado possível.

 

***

Tabby tirou a bolsa grande do ombro e a colocou trás de uma variedade de sinos de bronze, parcialmente oculta depois de uma prateleira de livros. O canto da loja estava cheia de mercadorias, e também desocupada nesse momento.

Normalmente não passaria um segundo além do necessário nesse lugar. As pessoas ali soltavam energia positiva e eram, em sua maioria, pacíficos e calmos. Não havia poder para Tabby estando em sua companhia. Ela não gostava deste lugar, e de fato, inquietava-a um pouco. Ainda assim, não podia entrar correndo na loja, soltar a bomba e partir de novo correndo, por isso fingiu estar interessada nas mercadorias.

Levantou a vista quando a porta se abriu com o tinido de uma campainha e sorriu quando viu entrar a mulher de Raintree. Bem, isto podia ser uma bela gratificação.

Embora a policial a tivesse perseguido até a beira do rio, Tabby não temia que a descobrisse hoje aqui. Usava uma peruca curta negra e um amplo vestido que ocultava sua figura. Andava encurvada para dissimular sua altura. Não pareceria nada familiar embora a policial se fixasse nela. Em qualquer caso, a mulher nem sequer suspeitava. Nesse momento a detetive estava feliz, até o ponto de estar distraída.

Tabby sentia essa felicidade da mesma maneira que era capaz de sentir o medo e o horror, mas não lhe trazia prazer ou força. Entretanto, proporcionava-lhe prazer saber que essa felicidade seria breve.

Partiu, deixando detrás de si sua bolsa muito grande.

Era difícil ajudar quando não era sábio se aproximar muito do computador, mas Gideon tentou. Olhou os registros de veículos que Charlie tinha impresso, e repassou as fotos das carteiras de motorista até que as caras começaram a ficar imprecisas. Talvez o nome de Tabby não era Tabby depois de tudo. Talvez o carro tinha sido roubado em outro estado e as placas trocadas, e já tinha sido recuperado ou queimado. Qualquer que fosse a razão, não estava chegando a nenhuma parte.

Enviou Charlie para casa depois lhe agradecer e com a promessa de reunir-se na casa da praia, e se sentou com os arquivos de assassinatos sem resolver que pudessem ser ou não trabalho de Tabby. Alguns casos tomavam forma rapidamente. Os assassinos normalmente não eram as cores mais brilhantes da caixa, e deixavam uma enorme quantidade de evidências para trás. Tabby, se realmente esse era seu nome, não fazia isso. Limpava as maçanetas das portas; limpava tudo antes de partir. Dennis Floyd e as roupas ensangüentadas do hotel e um par de cabelos era tudo o que tinham. E nada disso valeria a menos que — até que — a agarrassem. Quando a apanhassem, todas as evidências seriam suficientes para prendê-la para sempre.

Seu celular tocou, e já que não havia ninguém ao redor para responder em seu lugar, fez ele mesmo. O identificador de chamadas mostrava um número de Charlotte, o que queria dizer que certamente era Echo. Provavelmente queria saber se era seguro voltar para casa. Ia dar um ataque quando lhe dissesse que não.

Havia tanto ruído estático na linha que mal podia ouvi-la. Estava frenética, pelo menos isso estava claro, e escutou uma palavra claramente. Sonho. Disse a ela que o ligasse outra vez pela linha fixa de seu escritório. Obviamente tinha tido um sonho profético que a tinha alarmado. A Tinha acalmado centenas de vezes, depois de perturbadoras profecias.

Não pôde evitar sentir pena por ela. Ao menos ele podia fazer algo com suas habilidades. Havia muitas vezes em que parecia que nunca seria suficiente, mas havia uma diferença. Echo não podia, não sem fazer público o que era. Os Raintree nunca tornavam públicas suas habilidades. Além disso, como detinha um desastre quando o aviso vinha sempre tão próximo ao acontecimento? Às vezes, minutos antes. Não mais de uma hora na maioria dos casos. Talvez, se trabalhasse em aperfeiçoar suas habilidades, os avisos viriam com mais tempo pela frente, mas Echo estava decidida a não aperfeiçoar suas habilidades.

Se os dons da Emma tomassem um rumo tão triste, ele iria querer que praticasse para que cada sonho estivesse cheio de horror?

O telefone de seu escritório soou, e ele respondeu:

— Raintree.

— Tirei uma sesta — disse Echo sem preâmbulos. — Simplesmente… adormeci no sofá, já sabe, e tive este sonho. Não o entendo, Gideon. Não é como os outros.

— Me fale sobre ele — disse, permanecendo calmo.

— Houve uma explosão. Não pude ver onde era, mas havia gente — disse em uma voz baixa e trêmula. — Várias pessoas. Não sabiam o que lhes vinha em cima. Um minuto estavam felizes e rindo, e logo… havia tanto sangue, e fogo, e gente gritando…

O mais provável é que já fosse muito tarde para ajudar alguém, mas tinha que tentar.

— Se acalme e volta a pensar nisso. Tem que haver alguma pista no sonho para saber onde acontecia esta explosão. Aspira profundamente e olhe ali, Echo. Pode fazer isso. — Queria ou não, podia fazer.

Escutou-a tomar fôlego.

— Não tem sentido — disse, só um pouco mais calma. — Não era apenas uma pessoa, Gideon. Quero dizer, havia muita gente, e tinham cortes e queimaduras. Mas o sol explodiu, um grande e brilhante arco íris foi se desvanecendo e desapareceu, e a lua se rompeu em um milhão de pedacinhos…

— Sei o que significa! — Gideon desligou de repente o telefone, voltou a levanta-lo e discou para O Cálice de Prata. Normalmente chamaria a caminho, mas seu condenado celular não serviria para esta chamada. Não esse dia. Não se arriscaria a que se cortasse a chamada, ou que Hope não fosse capaz de entendê-lo. Rainbow respondeu, e seu coração quase recuperou um ritmo normal. Não tinha chegado muito tarde.

— É Gideon. Preciso falar com Hope.

— Hope está por aqui, em alguma parte — disse Rainbow Malory despreocupadamente. — Acabo de vê-la olhando um novo…

— É uma emergência — a interrompeu Gideon. — Quero que tire todo mundo da loja.

— Mas…

— Agora.

Odiava fazer isto, mas não tinha opção.

— Há uma bomba em sua loja. — Então desligou com força o telefone e saiu correndo do escritório. Tinha que fazer outras chamadas, mas teria que se arranjar com o celular, com ou sem interferências.

 

***

De seu lugar na cafeteria do outro lado da rua onde estava O Cálice de Prata, Tabby balbuciou uma silenciosa maldição quando as pessoas começaram a sair em turba da loja. Inclusive dali, podia dizer que estavam temerosos e confusos. Viu isso e sentiu. Alguém tinha encontrado a bomba.

Isso não queria dizer que não fosse explodir, ou que ainda não teria Gideon Raintree justo onde queria, mas teria sido bonito desfrutar de alguns foguetes antes que as coisas começassem. O pânico sempre era muito agradável de desfrutar, e o terror de escutar bomba, em contraposição com o terror que se originava de experimentá-la realmente, eram sensações muito diferentes.

Estudou as pessoas que saiam em turba da loja, esperando que saísse ao ar livre a mulher policial. A multidão de gente se tornou um pingo, e a mulher não estava entre eles. Tabby escutou sirenes a uma distância próxima. Gideon Raintree sem dúvida estava por trás dos veículos de emergência que tinham respondido. Talvez chegasse antes que eles.

Tabby tirou mais dinheiro que o necessário para pagar o café, do profundo bolso de seu amplo vestido, e o colocou na mesa. Depois, com o tabuleiro da mesa ocultando suas mãos da vista, tirou a faca da bainha de couro em sua coxa e a deslizou em seu bolso, onde a teria à mão. Não é que fosse muito provável que precisasse dela. Por mais que gostasse de trabalhar com sua faca, tinha uma arma muito mais eficiente colocada na escada dos fundos do edifício do outro lado da rua.

Pronta de novo para Raintree, decidida a completar sua tarefa aqui e agora, Tabby se levantou e se dirigiu ao exterior.

A mulher proprietária do Cálice de Prata estava nas pontas dos pés procurando entre a multidão, sem dúvida procurando sua filha. Tabby sorriu. Talvez depois de tudo teria essa gratificação.

 

***

Hope só tinha tido a intenção de trocar de roupa, mas sua cama tinha um aspecto tão bom que se deitou para uma rápida sesta. Depois de tudo, não tinha dormido realmente muito esta semana. Adormeceu facilmente, confortável em sua cama conhecida, quantinha até os ossos como não o tinha estado desde fazia muito tempo.

Sonhou com Gideon e a praia, e com uma pequena menina de cabelo negro com um grande sorriso. Eram sonhos agradáveis, não afetados pelo estresse de seu trabalho e sem nenhuma incerteza sobre o futuro. Aí não havia monstros, não da variedade humana, nem de nenhuma variedade.

Preciosa. Gideon achava que era preciosa. Dissesse ou não, isso era amor.

Uma porta se fechou com força, interrompendo seu aprazível sonho de areia e risada, e escutou Gideon gritando seu nome. Sua voz era desnecesariamente aguda, e levou um momento para se dar conta de que o que tinha escutado não era parte do sonho.

Hope abriu os olhos enquanto ele se precipitava no quarto.

— Já são sete horas? — perguntou ela enquanto se sentava e estirava os braços por cima de sua cabeça.

— Acredito que há uma bomba no andar de baixo — disse secamente. — Vamos. — Não esperou que ela respondesse mas meio que a levantou, meio arrastou da cama.

— Preciso dos meus sapatos — protestou ela, ainda confusa pelo sonho.

— Não há tempo — respondeu, levando-a para a porta que conduzia às escadas da loja.

Estava meio adormecida, ainda com o cérebro confuso, e desorientada, e queria recolher seus sapatos e sua bolsa e talvez uma ou duas respostas.

— O que quer dizer com acredita que há uma bomba? — Isso não tinha nenhum sentido. Ou havia uma bomba ou não a havia.

— Echo teve um sonho. — Gideon apertou a mandíbula, e um músculo saltou aí.

— Perguntava-me como tinha sido informado tão rápido sobre a bomba.

Ambos giraram rapidamente para encarar à mulher que estava na porta da cozinha. Segurava uma pistola semiautomática na mão, e com a outra tirou uma peruca escura e sacudiu as longas mechas loiras de seu cabelo. Hoje Tabby estava armada de forma distinta, e não parecia nada inclinada a fugir.

Gideon tinha uma mão no pomo da porta do vão da escada, e com a outra agarrava o braço de Hope. Suavemente pôs seu corpo diante do dela.

— Gideon Raintree — disse Tabby com um sorriso torcido. — Isto não é exatamente o que tinha planejado, mas não posso dizer que esteja decepcionada. Quando vi chegar à unidade anti-bombas me senti decepcionada, porque tinha esperado passar algum tempo com sua namorada antes que aparecesse. Ainda assim, suponho que isto servirá.

Gideon soltou o braço de Hope e a afastou a um lado enquanto tirava suavemente sua arma. A arma dela estava no outro quarto, na mesinha de noite. Nunca tinha pensado que precisaria dela aqui, e em um instante entendeu a violação que Sherry Bishop e Marcia Cordell e o resto das vítimas haviam sentido quando Tabby entrou em suas casas.

Tabby não titubeou enquanto apontava. Seu sorriso apenas fraquejou quando olhou à arma de Gideon.

— Atire em mim e nunca saberá onde se encontra a segunda bomba, ou para quando está programada para explodir.

 

Capítulo 15

 

— O que quer? — Gideon tentou conduzir Hope para a porta, tentando colocar-se melhor entre as duas mulheres.

— Primeiro, quero você e a sua namorada longe dessa porta.

— Ela é minha parceira, não minha namorada — disse Gideon, sabendo que uma conexão estreita era uma má idéia neste momento em particular.

— Mentiroso — disse Tabby. — Posso sentir a conexão fluindo entre vocês dois como a maré fora de sua janela.

Ao que parecia, a loira tinha visto Hope e ele juntos. Sabia onde vivia, o que era também pouco mais que inquietante.

— Não precisa dela — disse Gideon dando um passo para Tabby.

— Você não sabe do que preciso, Raintree — replicou Tabby. — Se sua garota tentar sair antes que eu diga que pode, não vou apenas disparar em nela, assegurarei-me que não saiba onde se encontra a segunda bomba até que seja muito tarde.

Ele deu outro passo para a mulher com a arma.

— Perguntarei mais uma vez. O que quer?

— Quero a ambos mortos ao final do dia, e quero Echo. Onde diabos está?

— Quer Echo? — disse Gideon tranqüilamente. — Isso é tudo? Me dê a localização da segunda bomba e conversaremos.

Tabby segurava a arma com se sentisse confortável com ela, como se tivesse estado nesta posição muitas vezes antes.

— Renunciaria a sua prima tão facilmente?

Precisava que acreditasse que podia comercializar com a vida de sua prima a fim de salvar as de muitos outros, por isso se manteve calmo quando respondeu:

— Sim. Pode tê-la, pela bomba e por Hope.

— É friou — disse Tabby. — Sensato e previsivelmente nobre, mas frio. Pare aí mesmo, e com muito cuidado deixe a arma no chão.

Lily Clark tomou forma junto a Tabby e atirou em vão um golpe à mulher que a tinha matado.

— Não há outra bomba. Não a escute, Gideon! Ela está tentando enganar você. Enganou-me, e enganou outras pessoas, também. Agora sei. Não deixe que te engane.

Lily sabia de algo que ele não, ou era uma hipótese? Talvez não houvesse outra bomba, mas ele não podia estar seguro.

— Nada disto faria nenhuma diferença a menos que nos apressemos — assinalou Gideon agachando-se para deixar a pistola no chão. — Quanto tempo temos antes que a bomba de baixo exploda?

Queria saber de quanto tempo dispunha para tirar Hope dali, se por acaso os técnicos não conseguissem neutralizar o dispositivo. Estavam no edifício trabalhando na bomba nesse mesmo instante: Ouvia as vozes masculinas e o zumbido da equipe motorizada no andar inferior.

— Temos alguns minutos — explicou Tabby, atirando de seu cabelo em uma paródia de ingenuidade. — O suficiente para terminar nosso assunto. Por muito que eu adoraria passar um pouco de tempo com você e sua garota, tenho que me apressar. Tenho uma festa para ir esta noite, e quero aparecer super mega bonita.

Gideon sabia que havia uma escada traseira que raramente era usada que se mantinha fechada, exceto quando Rainbow jogava o lixo no contêiner do beco. Obviamente Tabby tinha entrado no edifício dessa forma. Ela poderia haver disparado nos dois pelas costas quando tivessem saído da cozinha. Não teriam sabido que estava ali até que fosse muito tarde. Por que não fez isso? Por que estava tão empenhada em propiciar um enfrentamento? E onde demônios estava a equipe que tinha contratado para vigiar este lugar? Maldição, alguém deveria saber que Tabby se encontrava aqui. Deveriam ter estado vigiando todas as entradas do edifício, fechadas ou não.

O fato era: se Tabby simplesmente o quisesse morto, já estaria morto.

— Então, acabemos nosso assunto. — Ele poderia derrubar Tabby com um movimento; só precisava que movesse a arma a um lado, assim Hope não receberia a bala se a arma automática que a loira segurava disparasse quando ela caísse.

A psicopata colocou a mão no bolso folgado de seu vestido e tirou a faca que tinha usado para matar Sherry Bishop e Lily Clark e a tantos outros.

Então esse era o procedimento. Queria-o morto, mas não rapidamente nem a distância. Poderia usar isto para conseguir se aproximar, para se assegurar que Hope não fosse machucada de nenhum modo.

— Me diga por quê? — disse Gideon dando um passo a frente. Posto que estava desarmado e ela tinha duas armas, Tabby não se sentiu ameaçada, e não disse que recuasse ou que deixasse de avançar.

— A quem importa o por quê? — disse Lily Clark freneticamente, saltando para cima e para baixo. — Só mate-a! Não permita que se safe.

Gideon girou para olhar o fantasma. Lily era forte. Tinha o poder de influir nesta realidade se esforçasse o suficiente. Se tentasse com energia.

— Preciso que mova essa arma a um lado.

— Não estou movendo nada — disse Tabby, sem se dar conta que Gideon não estava falando com ela. Lily não se deu conta, tampouco.

— Preciso de você para que afaste o cano dessa arma de mim e de Hope.

Os olhos de Clark se aumentaram e sua figura resplandeceu.

— Eu?

— Sim, você.

Tabby finalmente somou dois e dois.

— Não está falando comigo, não é? Bem, boa sorte. Matei muita gente. Inclusive senti como se talvez seus fantasmas estivessem me vigiando. Mas nenhum deles colocou as mãos em mim nenhuma vez. Sabe por quê? Não podem. Estão mortos. Tudo o que fica quando acabei com eles é um resto lamentável de energia que não pode fazer nada salvo gemer e chorar. São patéticos.

A mão difusa de Lily alcançou a arma de Tabby e ondulou através dela sem criar nada mais que um cambaleio.

— Não sinto que alguém esteja tentando me tirar a pistola — disse Tabby, brandindo a arma quase como louca. — Está vendo? Estou no comando. Nenhum fantasma vai me tocar ou a minha arma. — Deixou de sacudir a pistola e apontou para Hope. — Quero sentir você morrer entre minhas mãos, Raintree. Ela não me interessa. Pode morrer aqui e agora.

Gideon se colocou entre Hope e a pistola, no mesmo momento que Lily finalmente fez contato. A mão difusa do fantasma agarrou o cano e o dirigiu para cima. Tabby surpresa perdeu o controle da arma. Esta se balançou violentamente até em cima e depois para um lado, uma bala disparou inofensivamente e com força contra o teto antes que Lily conseguisse derrubar a arma da mão de Tabby.

A pistola golpeou o chão e deslizou para longe, detendo-se pela metade debaixo do sofá. Hope correu para a arma para recuperá-la, enquanto Gideon levantava sua mão e dirigia como um raio uma descarga de eletricidade a Tabby antes de que ela pudesse alcançar a pistola que tinha perdido. Podia fritar seu coração a essa distância, não a queria morta. Ainda não.

Havia uma segunda bomba ou não? Tinha que saber. A descarga que soltou golpeou Tabby mandando-a ao chão onde aterrissou com força. Ainda mantinha agarrada a faca.

— Que demônios foi isso? — perguntou sem fôlego enquanto olhava para Gideon. — Não me disseram que podia fazer isso.

— Quem são eles, Tabby? — Se não trabalhava sozinha, então, isto ainda não tinha terminado.

— Você não gostaria de saber?

Gideon arrastou à loira pondo-a de pé e arrebatou-lhe a faca da mão, atirando-a longe. Ela tentou lutar, mas estava debilitada pela eletricidade que tinha convocado para detê-la. Hope segurou a arma de Tabby e brandiu sua própria pistola. Manteve-se mais a seu lado que atrás dele, sua própria pistola apontava firmemente para Tabby.

— Onde está a outra bomba? — perguntou ele.

Tabby simplesmente sorriu, e deu-lhe uma pequena descarga recordando-lhe o que podia fazer.

— Posso parar seu coração com uma descarga — disse tranqüilamente. — Posso fazer você explodir com mais eletricidade que seu cérebro pode conduzir. Não ache que não farei.

— Vá em frente. Tenho algo pior me esperando se sair daqui e deixar você vivo. Além disso, vamos voar ruidosamente a qualquer momento. Tick tac, Tick tac — sorriu para ele. — Assustado? — Fechou os olhos tomando uma longa e funda respiração, inalando profundamente e mantendo-a.

— Hope, consulte os técnicos — disse Gideon sem se girar para olhá-la. — Se não tiverem o dispositivo neutralizado, saia do edifício.

Ela se dirigiu para a porta.

— Informarei-me da situação, mas não sairei daqui sem você.

— Não seja estúpida.

Hope deixou a sala sem responder, deixando Gideon a sós com Tabby.

— Que comovedor — sussurrou ela, abrindo os olhos de novo. — O que planejou fazer, Raintree? Casar e fazer alguns pequenos monstrinhos? Assentar-se e fingir que é somente um velho policial? Boa sorte. Inclusive embora, simplesmente digamos que isso não vai acontecer nunca, ambos sabemos.

Ignorou a tentativa de distrai-lo.

— Onde está a outra bomba?

— Você não gostaria de saber?

— Seria melhor para você cooperar, Tabby. Esse é seu verdadeiro nome? — perguntou de forma quase casual. — Tabby?

A mulher não respondeu. Ela torceu sua boca de uma maneira estranha, e antes que Gideon se desse conta do que estava tramando, ela mordeu algo que tinha tido escondido em sua boca. Imediatamente seu corpo se convulsionou e seus olhos ficaram brancos. Segundos mais tarde, desmaiou.

Gideon balbuciou cada palavrão que conhecia enquanto arrastava o corpo de Tabby para fora da sala. Hope o encontrou na escada.

— A bomba tinha um mecanismo simples, e já foi desativada. O que aconteceu?

— Tabby tinha escondido algum tipo de veneno na boca, e quando se deu conta que não ia escapar, mordeu-o. Maldição! — Considerando os pós quase paralizantes que tinha-lhe atirado no rosto, deveria ter esperado. Precisava saber sobre a outra bomba. Também queria saber o que tinha querido dizer quando se referiu a “eles”. Haveria outros por aí que saberiam o que ele podia fazer? Por tudo o que sabia, havia alguém próximo esperando para ocupar o lugar dela.

— Está morta?

— Ainda não. — Se estivesse morta, seu espírito estaria aqui, ainda acossando-o.

— Disse a você onde estava a segunda bomba?

— Não, não sei quando nem onde, ou até se a bomba é real.

Uma ambulância já estava na cena, e os paramédicos correram com rapidez enquanto os três se apressavam a sair do edifício. Gideon não sabia o que Tabby tinha tomado, assim não podia ser de muita ajuda. Ele avisou os do SAMU para que a mantivessem controlada, no caso que ela voltasse em si. Qualquer pessoa que atravessasse em seu caminho poderia terminar morto se despertasse.

Gideon vislumbrou um dos guardas de segurança privada que tinha contratado para vigiar o Cálice de Prata e o apartamento de cima. Abriu caminho a empurrões através da multidão de policiais e espectadores, e agarrou o homem pelo pescoço, pressionando-o contra a parede.

— Onde diabos estava?

O rapaz não ofereceu briga.

— Quando todo mundo fugia da loja, roubaram a bolsa de uma mulher. Gritava, e toda as pessoas estavam correndo e falando sobre uma bomba. Foi uma loucura, e estava distraído. Sinto muito.

— Onde está o outro guarda? — perguntou Gideon. — Pedi especificamente que duas pessoas estivessem de serviço todo o tempo.

O rapaz — e realmente era apenas um rapaz — empalideceu.

— Joe foi ao hospital na primeira ambulância. Estava checando o perímetro do edifício e uma mulher o apunhalou no estômago pelas costas. Estava ferido mas foi capaz de dizer aos oficiais o que aconteceu antes que a ambulância o levasse. Os paramédicos disseram que ficará bem.

Gideon soltou o garoto e sacudiu a ira, passando os dedos nervosamente pelo cabelo e se afastando. Hope falava com sua mãe, talvez dando explicações ou dando palavras de apoio, que a acalmassem. Quando seus olhares se encontraram, pôs uma mão no braço de sua mãe, e o acariciou brandamente e em seguida se afastou, dirigindo-se para Gideon.

Ele enlaçou os braços ao redor dela e a segurou com força quando se encontraram, sem se preocupar quem estava olhando ou o que pensavam.

— Te amo — murmurou.

— Eu também te amo — disse ela com facilidade, como se já tivesse aceito tudo. Seu amor, Emma, quem e o que era, e no que se converteria. Alucinante, para uma mulher que fazia apenas alguns dias tinha admitido sem reservas que não acreditava em nada que não podia ver ou tocar.

— Vamos para casa — disse ela enquanto alisava uma mecha de cabelo de sua bochecha. — Podemos deixar um aviso no hospital para que nos avisem se por acaso Tabby acordar. Ou si não. Só quero ir para casa.

Havia tal desejo em sua voz quando ela disse a palavra. Casa. Sua casa. A casa de ambos.

— Sim. Só tenho que fazer algo antes.

Soltou-a e deu a volta para olhar o que restava do fantasma de Lily Clark. Que se desvanecia enfim.

— Obrigado. — O espírito sorriu-lhe, quase timidamente.

— Ajudei, não é?

— Não poderia ter conseguido feito sem você.

A justiça que exigia tinha sido executada, mas Lily ainda não estava pronta para partir. Seu sorriso desapareceu.

— Se ela morrer, estará lá? Aonde vou? Terei que enfrentá-la depois de tudo?

Gideon não teve que perguntar a que se referia.

— Não. Tabby vai para outro lugar. — Não sabia aonde nem como, e não queria saber, mas com segurança Lily não voltaria a ver sua assassina de novo.

Lily olhou para cima e começou a desvanecer-se.

— Estão tão orgulhosos de você — assinalou com sua voz cada vez mais distante.

— Quem?

— Sua mamãe e seu papai. Estão tão… —Lily Clark não desvaneceu. Simplesmente desapareceu com um pequeno e distante pop que só Gideon ouviu.

 

***

Que estranho, que esta casa fosse sua casa. Não o apartamento de sua mãe, nem a casa onde tinha crescido, nem seu apartamento em Raleigh, onde tinha vivido durante anos. Aqui.

Tinham telefonado do hospital apenas cinco minutos depois de ter entrado em casa. Tabby estava morta. Sabiam pelos restos da cápsula de sua boca e a forma que tinha morrido que era um veneno de algum tipo o que a tinha matado, mas ainda não tinham identificado a toxina. Poderiam passar dias antes de saber com exatidão o que era.

Hope planejava telefonar ao laboratório na segunda-feira pela manhã e acossá-los até saber sobre o pó que Tabby tinha atirado no rosto de Gideon. Talvez as duas drogas estivessem relacionadas de algum modo.

Gideon estava ensimesmado. Despiu-se lentamente e tinha feito o amor com ela sem dizer uma palavra. Essa noite não brincou. Não a excitou com coloridas carícias com raios ou a fez gozar com um toque de sua mão. Somente penetrou em seu corpo e investiu até que culminou com força, então ele pôde procurar sua própria liberação nela. Mas ele ainda resplandecia um pouco na escuridão, sua própria lanterna pessoal.

Finalmente o quente resplendor desvaneceu, e puxou o corpo dela contra o seu abraçando-a fortemente. Se não fosse por sua respiração e a forma em que sua mão a acariciava de vez em quando, teria pensado que adormeceu. Mas não dormiu. Não estava próximo a dormir. Sentia; Sabia por que o conhecia.

— Pode me contar qualquer coisa, Gideon — sussurrou. — No que está pensando neste momento?

Ao princípio pensou que ia ignorá-la, mas então respondeu:

— Nunca vi meus pais.

— O que quer…?

— Depois de morrer. Nunca vi seus fantasmas. Por toda parte por aonde eu ia, havia espíritos, mas não os seus. Nunca os seus. Estive tão zangado com eles por não voltar. Durante um tempo estive zangado com todo mundo.

Ela acariciou-lhe o rosto com a ponta dos dedos.

— Comecei a me meter em problemas não muito depois que eles foram assassinados. —Levantou as mãos, estudando-as como se não fossem suas absolutamente e sim as de um estranho, mãos que não conhecia ou entendia. — Pensa sobre isso. Nenhum sistema de segurança ou fechadura vai me deter do que quero. Nenhuma cadeia me manterá preso. Com apenas um raio posso explodir qualquer fechadura. Seria um bom ladrão, e por um tempo estive tão furioso com o mundo que quase fui por aí.

Ele não podia saber que tal coisa nunca tivesse lhe ocorrido, mas ela sim. Gideon era um dos meninos bons. De coração e alma.

— O que o deteve?

— Meu irmão. Minha irmã. Saber que talvez, só talvez, embora não pudesse ver meus pais, eles ainda poderiam me ver.

— Tomou essa decisão faz muito tempo, Gideon. Por que está pensando nisso agora?

— Por algo que Lily Clark disse antes de seguir adiante, sobre que meus pais estavam orgulhosos de mim, como se… como se tivesse falado com eles. Talvez o fez. E você. Tive pensando sobre coisas que não confrontei ainda. Emma... nem sequer sei por onde começar.

Hope levou-lhe a mão até seu estômago nu, onde a apoiou comodamente.

— Você vai ensinar a nossa filha tudo o que seus pais lhe ensinaram. O que quer que possa fazer, quaisquer que sejam seus dons, sempre saberá a maneira correta de ensiná-la. —Ela sorriu. — E eu vou lhe ensinar como disparar uma arma, junto com um vasto repertório de movimentos de defesa pessoal.

Gideon a beijou. No profundo silêncio, a música deslizou no quarto. Honey e a garota morena do lado tinham uma festa esta noite, e tinham seu equipamento de música a todo volume. Também puderam ouvir os estalos de risadas, quando a festa chegou a seu máximo apogeu.

Gideon separou sua boca da dela e se sentou rapidamente.

— A festa. Tabby disse que iria a uma festa esta noite. Não acha…

— É sábado à noite, Gideon. Há muitas festas acontecendo. — Até o momento não tinham ouvido uma palavra de outra explosão. Talvez não existisse outra bomba e Tabby tinha estado brincando.

Gideon deslizou da cama e alcançou sua roupa.

— Vou andar por aí e dar uma olhada, no caso. Ela mencionou as ondas fora de minha janela, assim tenho que considerar que sabia desde o começo onde vivo. Se Tabby colocou uma bomba ali pela manhã cedo, estará provavelmente sob a casa.

— Irei com você.

— Não. — inclinou-se e a beijou. — Fique aqui. Estarei de volta em seguida. — Saiu pela porta do quarto, caminhando sobre o terraço e à luz da lua.

Hope caiu de volta sobre os travesseiros e fechou os olhos, mas não havia maneira de que pudesse dormir. Depois de alguns minutos desceu da cama e colocou uma das camisetas de Gideon, em seguida saiu para o terraço. Apoiando-se contra a grade, olhou através do caminho para o terraço lotado da porta do lado, que estava bem iluminado pelo sol tênue e os farois multicoloridos que as mulheres tinham pendurado ao longo do terraço. Eram muito alegres, e exóticos. Hope nunca tinha sido uma garota de festas. Tinha sido sempre muito séria, muito preocupada com o apropriado e correto.

Jovens e belos membros de ambos os sexos, a maioria deles com trajes de banho embora não parecia que fossem se aproximar da água, bebiam cerveja e dançavam e riam no lotado terraço. Hope não podia ver Gideon daqui, mas por outro lado, somente podia ver uma pequena parte da casa desta vantajosa posição. Não podia ver a frente da casa, ou a entrada do local de debaixo onde Gideon procuraria em busca da bomba…só no caso de Tabby não tivesse estado brincando.

Honey tinha um braço envolto ao redor de um magro jovem com comprido cabelo loiro e um bronzeado matador. A garota morena se encontrava de maneira semelhante. Ela e o homem jovem estavam dançando. Estavam bronzeados e vestidos com cores brilhantes, e provavelmente tinham gasto horas em seus penteados aparentemente casuais.

A vida que aquelas mulheres levavam era completamente alheia a Hope. Tinha sido alguma vez jovem? Tinha sorrido alguma vez desse modo, sem um pensamento exceto que CD tocaria a seguir? Não. Nunca. A maioria das pessoas no terraço se achava do mesmo modo. Dançavam e se tocavam, beijavam-se e riam.

Ela nunca tinha tido isso antes, mas de maneira inesperada tinha agora. Talvez sua festa era só uma festa de dois — ou talvez três — mas Gideon Raintree a fazia rir. Havia momentos em que a fazia sentir-se absolutamente frívola. A fazia feliz de verdade, pela primeira vez em sua vida adulta.

Hope estudou os farristas enquanto esperava que Gideon voltasse. Uma mulher loira, que usava um vestido curto, vistoso muito apropriado para a praia, mantinha-se a sós junto a grade, como Hope fazia, e girou para a casa de Gideon como se soubesse que estava sendo observada. Olhando para Hope, a mulher elevou a mão e saudou, agitando os dedos. O coração do Hope vacilou, e os joelhos fraquejaram.

Tabby.

 

Capítulo 16

 

Se havia uma bomba colocada na casa de Honey, estaria provavelmente sob a casa — talvez sob o terraço — ou na garagem. Gideon caminhou ao redor da casa, checou a garagem, então abriu a portinhola que levava até embaixo da casa através de uma porta dividida . Não levou nem quinze minutos ver que não havia nada fora do normal ali. Talvez Lily Clark estivesse certa e o comentário de Tabby de uma segunda bomba não tinha sido nada exceto um farol.

Não se encaminhou diretamente para casa mas se caminhou para o oceano. O pôr-do-sol e o breve período de penumbra que se seguiam era um belo momento do dia, tranqüilo e poderoso. Se não fosse pelas trinta ou mais pessoas que estavam no terraço de Honey, recarregaria-se aqui e agora. Conseguiria o poder que era unicamente dele e se embeberia dele. Mesmo quando muitos dos farristas já estavam bêbados, era um risco que não ia correr. Alguém poderia vê-lo, e isso era arriscado.

Talvez um dia comprasse uma ilha e construiria uma casa para sua família, uma casa tão afastada que poderia recarregar-se quando sentisse necessidade, e nenhum monstro se atreveria a aproximar-se dele, de Hope ou de Emma. De muitas maneiras esta era uma idéia reconfortante, mas poderia fazê-lo? Poderia, literalmente, esconder-se longe?

Não, não poderia, e Hope tampouco. De algum modo iam fazer funcionar no mundo real, com os caras maus, um coração quebrado e incerteza.

Voltou-se para a casa, e Honey vestida com a parte superior de um biquíni e um lenço usado a modo de uma saia o saudou.

— Se aproxime! — chamou-o.

Gideon sacudiu a cabeça negando.

— Não posso. Sinto muito.

Fez um exagerado biquinho, e alguém mais no terraço abarrotado começou a sauda-lo. Outra loira. O fantasma de Tabby.

Merda parecia tão sólida e real. Queria isso dizer que ia ficar perto por um tempo? Significava que ela ia estar ali cada vez que ele se virasse? Tinha estado enviando espíritos tristes durante anos, mas nunca tinha chegado a persegui-lo um fantasma malévolo.

O fantasma deixou de saudar, voltou-se e caminhou para as escadas. De fato saudou os convidados da festa, como se estivesse assustada de se chocar contra eles Tabby pensava que ainda estava viva? Gideon parou, os pés se afundaram na areia, e a esperou. De algum modo ia ter que se livrar dela de uma vez por todas, mas não tinha nem idéia de como mandar de volta um espírito escuro que não queria ir.

Foi até ele, sorrindo com esse doente, sorriso confiante. Se Lily Clark tinha sido capaz de influir neste mundo, o que poderia fazer um espírito como o de Tabby? Sabia como encaminhar os espíritos tristes e os monstruosos caras maus, mas esta era uma nova situação, uma que não sabia como controlar.

Enquanto se aproximava, teve um mau pressentimento no estômago. Tabby parecia muito real, muito sólida. Seus pés deixavam rastros na praia.

Isto não era um fantasma.

Ela tirou um pequeno revolver do bolso. A faca que preferia estava guardada sob chave como prova, mas parecia familiarizada com a pistola.

— Surpreso de me ver?

— Sim. Ouvi que estava morta.

— Não realmente. Dei a impressão de estar só por um tempo. Imagina a surpresa do forense quando vai ao necrotério para fazer uma autópsia e descobre que o corpo desapareceu.

— Onde está a bomba?

Tabby indicou o terraço.

— Justo aí acima com os bailarinos. Esperando.

Não pensou que estivesse brincando. Ela obtinha muito prazer da dor de outros para perder a oportunidade.

— Esperando por quanto tempo?

— Não muito.

Ele tinha deixado sua arma na cômoda, assim era basicamente uma presa fácil. Não a levava quando andava pela praia, ou quando se sentava no terraço no final do dia e escutava as ondas, ou quando se encontrava com as tempestades noturnas e trocavam energia.

— Suponho que poderia me eletrocutar de novo — disse. — Mas como explicaria às pessoas que está olhando? E estão olhando, Raintree. São curiosos e estão aborrecidos, e essa loira, realmente quer transar com você. Se decidirá por qualquer outro homem que se aproxime, enquanto isso, mas ela realmente deseja você. Está triste porque sua nova parceira fique rondando tanto tempo. Triste e ciumenta, despeitada e invejosa.

— O que quer?

Tabby elevou a cabeça.

— Quero a mesma coisa que quer sua vizinha, mas de uma maneira muito diferente. Levantou a arma e disparou. Gideon viu vir o movimento e saltou para um lado. Uma bala lhe roçou o ombro antes de aterrissar com força e girar pela areia. O ombro ardia, mas foi capaz de ficar de pé e correr. Não correu afastando-se de Tabby e sim para ela. Apontou-lhe com a arma de novo.

Tinha que se aproximar o suficiente para eletrocutá-la e incapacitá-la sem criar um claro espetáculo que faria que todos na praia e no terraço de Honey percebessem. Era um risco não receber imediatamente um disparo, mas tinha que acreditar que o amuleto protetor lhe daria uma margem, como sempre fazia. Uns poucos metros mais perto e seria capaz de pará-la sem revelar sua habilidade aqueles que estivessem olhando. Outro passo ou dois...

— Gideon!

Ele e Tabby giraram bruscamente para o som. Hope estava saltando do tablado da passarela para a areia, suas pernas longas estavam nuas debaixo de uma das camisetas dele. A pistola estava firme em sua mão.

— Atire nela! — ordenou ele.

Tabby girou, apontou e atirou com ira. Não em Gideon desta vez, e sim em Hope. Hope não caiu; disparou em resposta. Duas vezes. Foi Tabby quem caiu na areia, um disparo na testa, o outro no centro de seu peito. Gideon correu para ela e retirou o revolver que Tabby tinha deixado cair quando desabou, lançando-o longe do corpo enquanto Hope os alcançava.

— Retorna disso, puta — disse Hope suavemente. Então olhou para Gideon e com menos veneno murmurou. — Está sangrando.

Ele se voltou e correu.

— A bomba está no terraço de Honey.

Hope estava logo atrás dele.

— Chamarei à unidade anti-bombas.

— Não há tempo.

Gideon subiu correndo as escadas do terraço que levavam a festa. A música ainda estava alta, mas já não havia risadas ou dança. Os convidados estavam sombrios; nenhum deles tinha visto disparar em alguém antes.

— Chamei os tiras — disse um rapaz jovem.

— Certo — replicou Gideon. Encontrou Honey entre a multidão. — Essa mulher, deixou algo aqui em cima?

— Como o que? Disse que era uma amiga sua, e que você ia vir mais tarde. O que estava...?

— Deixou algo aqui? — repetiu Gideon mais secamente.

Honey olhou ao redor do terraço.

— Usava uma bolsa grande. Acredito que deve ter deixado... — Levantou a mão e indicou. — Está ali, bem ali junto à cerveja.

Gideon se precipitou além dos apagados farristas, agarrou a bolsa e correu do terraço.

— Hey! — gritou Honey. — Está sangrando!

Gideon correu para a água com a bolsa pesada pendendo de uma mão. Hope ainda estava de pé perto do corpo de Tabby, olhando para, seus olhos alternavam entre ele e a bolsa.

— Volte para casa! — gritou ele.

— De maneira nenhuma, Raintree.

Viu a morte em seus olhos, enquanto passava as carreiras.

— Por Emma, não por mim.

Hope a contra gosto fez o que lhe pediu, afastando-se depressa pela areia enquanto ele corria pela água. Enquanto as ondas chocavam ao redor de suas panturrilhas lançou a bolsa com uma força tremenda. Voou através do ar, girando e flutuando. Rezou para que a bomba não fosse mais poderosa ou complicada do que a que Tabby tinha planejado para o Cálice de Prata. Se esse fosse o caso, então ele estava o suficientemente afastado. Hope e as pessoas de Honey estavam mais que longe. Se não...

Não podia deixar que uma bomba ativa flutuasse pelo oceano ou que talvez chegasse até a beira em algum lugar, à mãos inocentes. Com seu corpo servindo de escudo tudo o que foi possível, Gideon deixou fluir um jorro de eletricidade enquanto a bomba aterrissava na água. Explodiu quando a faísca golpeou a bolsa. A força da explosão jogou Gideon de costas, fora da água e dentro da areia molhada. Em um instante tinha acabado, e tudo o que restava eram partes e pedaços de restos flutuando nas ondas. Menos de um minuto depois, Hope estava ali. Não o ajudou a ficar de pé mas em vez se sentou a seu lado na areia.

— É boa atirando — disse ele e pôs o braço a seu redor.

— Não pareça surpreso.

— Isso é alívio, não surpresa.

Hope descansou a cabeça no ombro ferido. Na distância, as sirenes se aproximavam.

— Por um segundo esta noite, só por um segundo, pensei que estava vendo fantasmas. — Ela se aproximou mais. — Não é uma grande diversão.

— Não.

— Acreditava que meu coração ia sair do peito.

Enredou os dedos entre o cabelo dela.

— Não se apavorou.

— Não. Só me apavoro quando encontro inesperados amuletos de fertilidade pendendo de meu pescoço — brincou. — Chamei, agarrei minha pistola e saí a tempo para vê-la seguindo você pela praia.

A noite estava caindo rapidamente, mas as luzinhas do terraço de Honey iluminavam a praia o suficiente.

— Vai ser uma grande parceira.

— Estive tentando lhe dizer isso todo o tempo.

— O chefe tentará nos separar uma vez que estejamos casados. Regras chatas e tudo isso.

— As regras são feitas para ser quebradas. Encontraremos um modo. — Hope se levantou e lhe estendeu a mão, enquanto os paramédicos e dois uniformizados corriam pela praia.

— Vamos, Raintree. Vamos para dentro e vamos dar uma olhada nesse ombro antes que faça explodir a equipe dos paramédicos.

  

A polícia, os paramédicos e o absolutamente cadáver de Tabby se foram, deram as explicações aos vizinhos… o que não foi fácil, inclusive um casal de homens jovens tinha assegurado ver um raio saltar através dos dedos de Gideon antes que a bomba explodisse. Felizmente estiveram bebendo muito, e ninguém tinha dado a seus testemunhos muito crédito.

Hope ainda estremecia um pouco. Nunca tinha disparado uma arma em qualquer situação que não estivesse controlada. Práticas de tiro ao alvo, treinamentos e provas. Mas quando tinha visto Tabby disparar em Gideon, não tinha tido nenhuma escolha. Não havia pensando em Emma ou no casamento ou em dons especiais… ou em noites no terraço, fazendo o amor à luz da lua.

Essa psicopata ia matar seu parceiro.

Todos os oficiais se foram, e a festa de Honey terminou. Hope fechou as portas e guiou Gideon ao banheiro, despindo a ele e a si mesma enquanto iam. Deixou que os dedos se arrastassem sobre o curativo de seu ombro. Só era um arranhão. Curaria-o de qualquer modo, com o roçar de um raio ou com uma onda de eletricidade? Ou o deixaria em paz e que se curasse por si mesmo?

— Alguns desses pirralhos me viram, não é? — perguntou, soando despreocupado.

— Sim. Convenci-os que estavam muito bêbados para ver algo claramente, e penso que assim acreditavam no momento em que terminei.

— É muito convincente.

— Obrigado.

Estavam quase despidos quando se inclinou para o peito nu de Gideon e elevou a cabeça para olhá-lo nos olhos.

— Tenho um encontro para entrevistar Frank Stiles na segunda-feira a tarde.

— Vai fazê-lo confessar?

Hope assentiu.

— Sim. Você fez sua parte, agora eu farei a minha.

Era boa fazendo que os criminosos confessassem. Eles não estavam trabalhando juntos o suficiente para que a conhecesse, mas aprenderia. Logo.

— O que faz você tão boa conseguindo confissões? — brincou enquanto afastava uma mecha de cabelo que tinha caído ao longo da face. — Pensa que porque é mais bonita que todos os outros detetives, os caras maus vão soltar tudo por você?

— Não. De fato sou uma excelente jogadora de pôquer, Raintree. Sou muito boa jogando blefes a minha maneira em uma confissão. Deu-me informação suficiente assim posso marcar bons blefes, e usarei meu encanto para tirar uma confissão de Stiles.

— O pobre rapaz não vai ter nenhuma chance.

— Sim, bem, a vida não é justa.

Gideon a abraçou, e se fundiu contra ele. Parecia bom ser abraçado com amor, paixão e inesperada ternura. Nunca tinha sabido que seria tão bom ter um lugar para descansar ao final do dia, uma pessoa especial.

— Estava tão preocupada com você — confessou. — Quando vi Tabby dirigir essa pistola para você e disparar, você caiu…

— Estou bem — disse.

— Sei, mas… — As palavras engasgaram em sua garganta. Com o bem vinha o mal. Com a felicidade, a preocupação.

Gideon inclinou Hope um pouco para trás e beijou sua garganta.

— Já que está se sentindo vulnerável, parceira, talvez deveríamos renegociar essa proibição de sexo sobre a mesa …

 

***

Domingo, 11:36 a.m.

 

— Ao menos não se levantou e fugiu de nós desta vez — disse o forense enquanto andava ao redor do corpo coberto de Tabby.

Gideon tinha tentado convencer Hope que ficasse em casa esta manhã, mas não conseguiu. Tinha insistido em vir com ele. Um destes dias ia ter que deixar de protegê-la tão solícitamente. Ela não gostava muito.

Mas não ia deixar isso hoje.

— Foi o disparo na cabeça o que a matou — disse o forense sem emoção. — A bala que acertou no torso atravessou o coração e se alojou na coluna. Essa só não a teria matado. A teria parado em seco, acredito.

Hope, que nunca tinha matado ninguém antes de ontem à noite, empalideceu um pouco. Tinha sido a única em apertar o gatilho e parar Tabby; fazia o que tinha que fazer. Nenhum deles sentia um pingo de culpa. Tabby era uma das pessoas mais malvadas que ele já tinha conhecido, e não merecia um lugar nesta terra.

— O que é o que queria que visse? — perguntou Gideon. Odiava este lugar. Poderia viver aqui embaixo durante anos e não encontrar jamais um modo de enviar a todos os espíritos a um lugar cheio de paz.

Com a ajuda de um assistente, o forense descobriu o corpo na mesa e suavemente o girou.

— Nunca vi nada parecido a isto. A princípio achei que era uma tatuagem, mas é na realidade uma marca de nascimento. Sei que algumas marcas de nascimento são de uma forma que se parecem com outras coisas, mas esta lua crescente na omoplata do cadáver é absolutamente perfeita. E é de uma cor bastante incomum. Pensei que poderia ser útil para identificá-la.

Gideon olhou a marca de nascimento azul de uma lua crescente. Era, como o forense já tinha observado, perfeita na forma e a cor.

— Oh, merda — disse suavemente.

— O que é? — perguntou Hope.

Gideon correu para a porta enquanto lançava mão do celular, e Hope o seguia.

— Tabby disse eles — sussurrou. — E estava apavorada por sua própria vida se falhava ao me matar. É obvio que estava apavorada. Também queria Echo. Disse isso no apartamento de sua mãe.

— Raintree. — Hope o seguiu escada acima correndo. — Do que está falando?

Não conseguiu sinal, assim amaldiçoou o telefone enquanto saíam como um furacão do edifício e caminhavam sob o sol.

— Seu nome é Tabby Ansara. Achávamos que tinham caído. Derrotados e sem poder e... maldição. Isto muda tudo.

Enquanto se movia afastando-se da canto do edifício em uma tentativa de conseguir um sinal decente, o telefone soou. Em vez de dar o telefone a Hope, como normalmente tinha feito nos dias anteriores, respondeu ele mesmo e lhe encheram os ouvidos de estática.

Era Dante. Gideon não pôde distinguir todas as palavras, mas muito claramente ouviu as duas que mais precisava ouvir.

Ansara.

Lar.

Girou-se para Hope. Amava-a, e embora ela não gostasse muito quando tentava protegê-la, não podia colocá-la no meio do que se aproximava. Não o faria e não poderia.

— Tenho que ir para casa. Ao lar Raintree.

A preocupação estava clara em seu rosto, alarmante nos brilhantes olhos azuis dela. Havia dito ele alguma vez que amava seus olhos? Ainda não. Quando voltasse, se asseguraria de contar-lhe. Tinha tanto que lhe dizer.

— Vou com você — insistiu.

— Não.

Seus olhos aumentaram.

— O que quer dizer com não?

— Há um problema no lar, ou logo haverá. — Um problema de um tipo inimaginável. Um problema que não entenderia inclusive se tentasse explicara você. — Quero você e Emma seguras.

— Tenho uma pistola — disse. — Sei como usá-la.

Como poderia lhe explicar que uma pistola reluzente em cada mão não seria suficiente na batalha que se aproximava?

— Fique aqui — insistiu, — por favor.

Hope suspirou e aceitou sua ordem, mas não se resignou facilmente. Faria isso alguma vez?

— Me ligue quando chegar.

— Farei. — Se puder pensou.

— Ainda não vejo por que não posso ir com você — resmungou. — Já sei coisas sobre sua família, assim não é como se houvesse algo esquecido que esconder. — Viu o implícito. Há? Em seus olhos.

Tomou o rosto de Hope entre as mãos.

— Te amo. Te amo tanto que me aterroriza. Não esperava me preocupar tanto por alguém do modo que me preocupo com você, e aconteceu tão depressa que minha cabeça ainda está dando voltas. É importante, e quero que nós tenhamos uma oportunidade de verdade. Um dia levarei você ao lar, prometo — disse. — Mas não hoje.

— Não entendo — disse suavemente.

— Sei, e sinto muito.

Beijou-a, longamente, mas não tanto como ele queria, e então saltou dentro do Mustang.

— Chama o Charlie e peça que a leve para casa. Ligarei para você assim que puder.

Gideon deixou uma confusa Hope de pé no estacionamento. Não era uma mulher acostumada a esperar, sabia, mas o esperaria. Não tinha nenhuma dúvida em sua mente.

Hoje era o solstício de verão; não era uma coincidência. As tentativas de Tabby para matar ele e Echo nos dias anteriores, tampouco eram uma coincidência. Os Ansara queria o lar, queriam o santuário e o poder que suportava, e que sempre tinham tido.

Não iam consegui-lo.

Um dia sua esposa e sua filha descobririam a beleza e o poder da terra que os Raintree tinham chamado sempre santuário. Era o dever de Gideon proteger o santuário Raintree, do mesmo modo que era seu dever proteger Hope e Emma e a qualquer dos outros pequenos Raintree que viessem ao longo dos anos. Era seu dever e sua honra proteger o que era seu, e se esse privilégio vinha com fantasmas, ondas de eletricidade e ocasionais batalhas, então que assim fosse.

Gideon conduziu tão rápido como o Mustang lhe permitia uma vez alcançada a auto-estrada. O vento açoitava seu cabelo, e o lar se aproximava mais com cada segundo que passava, quando uma inesperada tempestade se aproximou do sul e se reuniu nos céus obscurecidos sobre o carro, não houve ninguém em quilômetros ao redor para vê-lo.

 

                                                                                 Linda Winstead Jones; 

 

 

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