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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SANTUÁRIO / Beverly Barton
SANTUÁRIO / Beverly Barton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Série Raintree - Livro 3

S A N T U Á R I O

 

 

 

São mais que humanos e sempre estiveram entre nós...

Os Raintree, três irmãos com poderes sobrenaturais, devem enfrentar os magos Ansara que,

depois de serem derrotados duzentos anos atrás, rebelaram-se de novo para vencer seus inimigos.

Mercy Raintree guarda um importante segredo,

por isso, quando este é descoberto pelo mais poderoso dos Ansara, a sua vida e a da sua filha ficam em perigo.

O que Mercy desconhece é que se avizinha uma batalha entre clãs, que decidirá o futuro de todos. 

 

Domingo, 9:00 da manhã

Aquele extraordinário dia de junho, a apenas uma semana do solstício de verão, Cael Ansara observava e esperava enquanto o conclave se reunia em sua sala de reuniões particular, em Beauport. Ele, e só ele, sabia o memorável que ia ser aquele dia para os Ansara e o futuro de seu povo.

Duzentos anos antes, seu clã tinha perdido a grande batalha com seu inimigo tenaz, e sua família tinha sido praticamente aniquilada. Os poucos que tinham conseguido sobreviver procuraram refúgio ali, na ilha de Terrebonne e, geração após geração, tinham crescido em força e número. Como a Ave Fênix, tinham renascido de suas cinzas, mais fortes e poderosos que nunca.

Um por um, os membros do conselho se reuniram aquela manhã de domingo como faziam uma vez ao mês, falando em voz baixa entre eles, comparando anotações sobre as variadas empresas da família, enquanto esperavam o Dranir Judah Ansara, o todo-poderoso cabeça do clã, respeitado e temido na mesma medida, tinha herdado aquele título de seu pai. Do pai dos dois.

O que diria o nobre conselho quando soubesse que o Dranir tinha morrido? Cael sabia que teria que agir com toda rapidez para tomar o controle e assegurar o que era seu assim que tivessem a notícia que Judah tinha sido assassinado.

Naturalmente, ele fingiria tanta dor como os outros, e faria uma grande atuação condenando o brutal homicídio de seu irmão. Inclusive juraria vingança em nome de Judah.

Cael sorriu ligeiramente. Ele mesmo tinha enviado o guerreiro adequado para que eliminasse aquele último obstáculo em seu caminho até o poder. Ele mesmo tinha outorgado um feitiço de suprema força e astúcia para aquele guerreiro, para que fosse igual, se não superior, a seu oponente. Logo, todos saberiam que Judah, o Invencível, tinha sido derrotado.

Por fim, depois de toda uma vida de ser o filho bastardo, de esperar, planejar e maquinar, ocuparia seu lugar como Dranir. Acaso não era ele o primogênito do finado Dranir Hadar? Não era ele tão poderoso quanto seu irmão menor, Judah, ou talvez mais? Não estava melhor preparado para liderar o grande clã Ansara? Não era seu destino destruir seus inimigos, eliminar todos os Raintree da face da terra?

Judah afirmava que aquele não era o momento adequado para atacar, que o clã dos Ansara ainda não estava preparado. Na última reunião do conselho, Cael tinha enfrentado ele por aquele motivo.

— Somos poderosos e fortes. Por que devemos esperar? Tem medo de enfrentar os Raintree, meu irmão? — tinha perguntado Cael. — Se for assim, me ceda seu lugar e eu conduzirei nosso povo a vitória.

No momento em que enfrentou Judah, Cael já tinha feitos seus planos, e estava preparando encargos para os Ansara que estavam sob sua direção. Tinha dotado cada um dos jovens guerreiros de um feitiço protetor. Primeiro, o mais temível de seus seguidores, Stein, mataria Judah. Depois Greynell daria um golpe letal no coração do reino dos Raintree, no Santuário, que tinha sido o lar da família durante séculos. Depois disso, Tabby eliminaria a profetisa do clã, Echo, para evitar que visse as tragédias devastadoras que iam se abater sobre eles.

Por desgraça, só um membro do conselho estava de acordo com ele. Um de doze: Alexandria, a mulher mais bela e poderosa da família real, terceira na linha de sucessão ao trono. Era prima carnal de Cael e de Judah; sempre tinha sido uma fiel aliada de Judah, mas quando Cael tinha lhe prometido que ocuparia um lugar a seu lado se ele se transformasse no Dranir, ela tinha mudado sua lealdade em segredo. O que importava que, na realidade, ele não tivesse intenção de compartilhar seu poder com ninguém, nem sequer com Alexandria? Quando ele fosse o Dranir dos Ansara, ninguém ousaria desafiá-lo.

— Não é próprio de Judah chegar tarde — disse naquele momento sua prima aos demais.

— Estou seguro de que terá um motivo — disse Claude Ansara.

Claude era outro de seus primos, o confidente de Judah desde que eram crianças. Claude era o segundo na sucessão, depois de Cael. O pai de Claude, que tinha morrido pouco tempo atrás, era um irmão menor do pai de Cael e Judah.

Os assistentes começaram a perguntar por Judah e a demonstrar certa preocupação por sua demora. O Dranir nunca tinha chegado tarde a uma reunião do conselho.

Por que não tinham recebido uma chamada de telefone? Perguntou Cael. Por que ainda não tinha se tornado pública a morte de Judah? Cael tinha dado a Stein a ordem de desaparecer assim que matasse Judah, e não reaparecer até que Cael estivesse no comando dos Ansara e pudesse lhe dar permissão para voltar e lutar contra os Raintree. Logo. No dia do solstício de verão.

De repente, as portas da casa se abriram com violência. No vão apareceu um homem de olhos cinzas, frios, escrutinadores. Usava botas negras, calças da mesma cor e uma camisa branca manchada de sangue. As janelas que davam ao oceano vibraram por causa da fúria de Judah Ansara.

Cael notou que ficava pálido, e o coração parou durante um aterrorizante momento, quando se deu conta que Judah tinha sobrevivido a sua tentativa de assassinato. Tinha sido capaz de vencer um guerreiro a quem Cael tinha dotado de um feitiço com seu incrível poder mágico, o que significava que Judah era muito mais forte do que ele pensava. Entretanto, aquilo não era o importante naquele momento. O que Cael precisava saber era se Stein tinha vivido o suficiente para trai-lo.

— Judah — disse Alexandria. — O que aconteceu? Parece que estava em uma batalha.

Ele a olhou com os olhos estreabertos, cintilantes.

— Alguém de meu próprio clã deseja a minha morte — disse, em um tom de voz intenso de um homem que mal podia controlar sua ira. — O guerreiro Stein entrou em meu quarto ao amanhecer e tentou me assassinar enquanto dormia. A mulher que compartilhava o leito comigo era sua cúmplice, e tinha querido me drogar na noite anterior. Entretanto, os dois foram estúpidos ao acreditar que não ia notar o perigo e agir em conseqüência, adicione a isto o forte feitiço mágico que protegia Stein. Troquei minha taça pela da dama, de modo que foi ela que consumiu a droga e ficou profundamente adormecida, enquanto eu estava vestido e preparado para a batalha quando Stein chegou. Por certo, entrou pela passagem secreta que leva a meu quarto, passagem cuja existência só conhecem os membros deste conselho.

Cael se deu conta de que devia falar, reagir com indignação, ou do contrário, as suspeitas recairiam imediatamente sobre ele.

— Quer dizer que...

— Não quero dizer nada — respondeu Judah, ao mesmo tempo que atravessava Cael com um olhar implacável. — Mas com o tempo, irmão, descobrirei a identidade da pessoa que enviou Stein para fazer o trabalho sujo, e em seu devido momento, vingarei-me.

Judah esfregou o ombro ferido, e em sua camisa branca apareceu uma nova mancha de sangue.

— Meu Deus, ainda está sangrando — disse Cael, e se aproximou dele, observando-o dos pés a cabeça para se certificar que não tinha mais ferimentos.

— Tenho alguns cortes, nada mais — disse Judah. — Stein foi um oponente notável. Quem o escolhesse, escolheu-o bem. Só alguns Ansara têm uma destreza similar a minha na batalha. Stein se aproximava de mim.

— Ninguém tem seu nível de habilidade — disse o conselheiro Bartholomew, enquanto outros membros do conselho rodeavam Judah. — É superior em todos os sentidos.

— Se sua luta com Stein foi ao amanhecer, por que ainda está sangrando? — perguntou-lhe Alexandria. — Não teve tempo de se curar, banhar e trocar de roupa antes da reunião?

Judah riu sem alegria.

—Quando meus homens retiraram o corpo de Stein e o de sua cúmplice, a prostituta Drusilla, tinha intenção de me banhar, mas recebi uma chamada de telefone dos Estados Unidos que me impediu. O que me disseram requer minha imediata atenção. Falei diretamente com Variam, o diretor da equipe Ansara que está dedicado a vigiar o santuário dos Raintree.

Os membros do conselho murmuraram entre si. Depois, uma das anciãs falou pelos outros.

— Nos diga, Judah, era uma ligação referente aos Raintree?

Judah assentiu e olhou fixamente para Cael.

— Seu protegido, Greynell, está na Carolina do Norte.

— Juro a você que eu não...

— Não jure em vão!

Cael se pôs a tremer de medo, odiando a si mesmo por não ser capaz de suportar a fúria de seu irmão. Ergueu os ombros e olhou Judah nos olhos para enfrentá-lo.

— Sabia que Greynell tinha ido para a Carolina do Norte? — perguntou Judah.

— Sabia — admitiu Cael. — Mas eu não o enviei. Ele agiu por conta própria.

Judah grunhiu.

— E você não sabe qual é sua missão, não é?

— Sim, Judah. Sei que alguns de seus guerreiros mais jovens estão se impacientando. Eles não querem esperar para declarar guerra aos Raintree. Alguns decidiram agir por si mesmos em vez de esperar que você lhes diga qual é o momento oportuno.

Judah emitiu uma violenta imprecação, e Claude pôs a mão no seu ombro e falou com ele em voz baixa.

Judah suspirou longamente.

— Greynell se propõe entrar no santuário Raintree.

Cael também soltou um palavrão.

— Quem é seu objetivo? — perguntou Judah.

Mentiria e juraria que ele não sabia? Ou confessaria? Cael notava que Judah estava tentando penetrar em sua mente, que procurava uma forma de atravessar a barreira que ele mal podia manter em pé. Se Cael não fosse tão poderoso, nunca teria suportado a brutal força psíquica de seu irmão.

— Mercy Raintree — disse Cael, com reverência.

Aquela mulher era uma Raintree, mas suas habilidades eram lendárias entre os Ansara, tanto como entre os de seu próprio clã. Ela era a empática mais poderosa do momento.

Judah se enfureceu.

— Mercy Raintree — disse, com a voz letalmente calma — é minha. Eu a reclamei. Corresponde a mim matá-la.

 

Capítulo 1

 

Domingo, 9:15 da manhã

  

Sidonia estava preparando o café da manhã, como todas as manhãs, movendo-se com lentidão pela enorme cozinha. Como o resto da casa, a cozinha foi construída duzentos anos antes, quando os Raintree se estabeleceram nas colinas da Carolina do Norte. Pouco depois Da Batalha. Dante e Ancelin Raintree tinham comprado um vasto imóvel em que tinham criado um lar para o clã dos Raintree, um refúgio onde pudessem se recuperar e reconstruir suas vidas depois da terrível guerra com os Ansara. Ao longo dos anos, a casa foi reformada várias vezes, mas certas coisas nunca mudariam ali, como a honra, o dever e o amor pela família.

A casa principal estava nos contrafortes de um dos montes, rodeada de bosques, com riachos, árvores centenárias e abundância de vida selvagem. No imóvel havia também uma dúzia de casas de campo, algumas ocupadas por parentes, e outras vazias durante uma boa parte do ano, mas preparadas sempre para receber os membros do clã. A família sempre era calorosamente acolhida.

Sidonia, uma parente distante da família real, tinha começado a trabalhar para eles aos dezoito anos. A tinha levado para a casa o Dranir Julian quando sua esposa, Vivienne, estava grávida de seu primeiro filho. O jovem príncipe Michael havia sido filho único vários anos, durante os quais tinha forjado um forte laço de carinho com Sidonia, que tinha se transformado em sua segunda mãe. Era natural que quando se tonasse um homem, casasse e se tornasse pai, a escolhesse como babá de seus filhos. E, quando Michael e sua amada Catherine tinham sido brutalmente assassinados, dezessete anos antes, tinha recaído sobre ela a responsabilidade de cuidar dos príncipes, Dante, Gideon e Mercy.

Dante vivia em Reno, Nevada, e era proprietário de um cassino. Estava solteiro ainda, apesar de que sabia perfeitamente que devia engendrar um herdeiro. Ele era o Dranir; devia fiscalizar o clã Raintree e dirigir as finanças. Durante os últimos dez anos, tinha multiplicado por dois a fortuna da grande família.

Seu irmão menor, Gideon, vivia em Wilmington e era detetive de homicídios. Gideon também estava solteiro, e tinha deixado bem claro que não tinha intenção de casar nem de ter filhos.

Mercy permanecia no Santuário. Era sua guardiã. Como sua tia avó Gillian, Mercy era uma poderosa empática e devia velar pela família e por todas as coisas Raintree.

Muito tempo antes, uma tríade de Raintree reais tinham estendido um véu protetor de feitiços sobre a terra do clã, e anualmente, Mercy, Gideon e Dante renovavam aqueles feitiços, no dia do equinócio vernal, no princípio da primavera. Só alguém que possuísse o mesmo poder, ou maior que o dos membros da família real dos Raintree, poderia atravessar a barreira invisível que protegia o Santuário dos intrusos.

Sidonia estremeceu ao recordar as histórias dos Ansara e a lenda de A Batalha, que tinha varrido da terra o malvado clã guerreiro. Todos, salvo alguns que tinham conseguido escapar, e dos quais nada se havia tornado a saber.

Enquanto fazia a massa dos biscoitos, Sidonia fingiu que não via a menina que entrava na ponta dos pés na cozinha. Talvez fosse a fraqueza da idade anciã, depois de tudo, Sidonia tinha oitenta e cinco anos, mas amava aquela menina com toda sua alma. A princesa Eve Raintree, uma marota preciosa e encantadora, tinha roubado o coração de Sidonia desde o primeiro momento em que a tinha visto.

A princesa Mercy, sua mãe, tinha dado a luz ali mesmo, em seu quarto, acompanhada apenas por Sidonia, tal e como desejava. O parto tinha sido longo, mas não difícil. A recém-nascida era um espécime de beleza feminina perfeita, com o cabelo dourado de sua mãe e seus traços delicados. E com os fascinantes olhos verdes dos Raintree, um traço hereditário dominante que marcava aqueles que os possuíam como verdadeiros membros da família.

Sidonia se negou a pensar naquela outra marca de nascimento que a menina possuía, uma marca que só Mercy e ela conheciam. Aquele único detalhe separava Eve de todos os outros de um modo muito especial que devia se manter em segredo, inclusive de Gideon e de Dante.

Eve se aproximou silenciosamente de Sidonia, que conteve o fôlego à espera da travessura que a menina estava preparando. De repente, o rolo de macarrão escapou de suas mãos e saiu dançando pelo ar, até que caiu no meio do chão da cozinha com um golpe seco. Sidonia deu a volta com a mão sobre o coração, fingindo que levou um bom sobressalto.

— Deu-me um susto de morte, princesinha.

Eve riu com uma gargalhada que era como uma música doce.

— É novo. Acabo de aprender. Minha mãe diz que se chama levitação. Acho que vou ser muito boa nisso, não é?

Sidonia limpou as mãos no avental e deu um pequeno aperto no nariz da menina.

— Acredito que vai ser boa em muitas coisas, mas deve aprender a controlar seus poderes e usá-los com inteligência.

— Isso é o que minha mãe diz.

— Sua mãe é uma mulher muito sábia.

Sim, Mercy era sábia. Também era boa, amável e carinhosa. E a pessoa com a capacidade de cura mais forte do mundo. Podia sentir a dor dos outros, tira-la de seu corpo e saná-los. Entretanto, o preço que pagava era muito alto: Freqüentemente, a agonia pessoal que lhe causava ao fazer isso a privava de energia durante horas, inclusive dias.

— E é muito bonita — prosseguiu Eve. — Eu também.

Sidonia riu. Não estava errado que a menina conhecesse seus pontos fortes.

— Sim, sua mãe e você são muito bonitas.

Mercy era tão bela por dentro quanto por fora, mas Sidonia tinha medo de que talvez aquilo não pudesse se dizer também da preciosa menina. Era boa e tinha um grande coração, mas algumas vezes, quando seu temperamento explodia incontrolavelmente, Sidonia e Mercy tinham sido testemunhas do incrível poder que Eve possuía.

— Onde está minha mãe? Não vai tomar o café da manhã comigo hoje? — perguntou a menina enquanto se sentava no balcão de granito que separava a cozinha da sala do café da manhã.

— Foi meditar em Amadahy Point. Voltará logo — disse Sidonia, e voltou para sua tarefa. Recolheu o rolo de macarrão, lavou-o e continuou estendendo a massa dos biscoitos.

— Aconteceu algo com ela? — perguntou Eve.

Sidonia titubeou. Depois, como sabia que Eve podia ler seu pensamento se quisesse, disse:

— Que eu saiba, não aconteceu nada. Só sentiu a necessidade de meditar.

Sidonia cortou a massa e pôs os biscoitos crus sobre uma bandeja. Depois, introduziu a bandeja no forno já quente.

—Posso tomar um copo de suco de maçã enquanto espero mamãe? — perguntou Eve, olhando para a geladeira.

— Claro que pode.

De repente, a porta do refrigerador se abriu, e a jarra de suco saiu flutuando pelo ar. Eve riu.

Sidonia agarrou a jarra na metade do vôo e a pôs sobre o balcão.

— É um pouco metida.

— Minha mãe diz que a prática leva a perfeição, e que se não praticar minhas habilidades, não conseguirei domina-las. Disse-me isso com o cenho franzido. Acho que se preocupa comigo. Pensa que tenho poderes assombrosos.

— Sim, sua mãe e eu sabemos. E nós duas nos preocupamos, porque é muito pequena, e ainda não sabe controlar seus poderes. Por isso Mercy diz que deve praticar. Com seus tios e sua mãe foi igual. Tiveram que aprender a controlar seus poderes.

— Mas eu sou diferente. Eu não sou como mamãe, nem como o tio Dante, nem como o tio Gideon.

Sidonia se sobressaltou de verdade. Era possível que a menina conhecesse o segredo de sua concepção? Não, não podia ser verdade. Talvez lesse os pensamentos dos outros, mas não tinha por que entender sempre o que ouvia.

— Claro que é diferente — disse Sidonia. — É membro da família real. Seu tio é o Dranir, e sua mãe tem a maior capacidade empática do mundo.

Eve sacudiu a cabeça.

— Eu sou mais que uma Raintree.

Sidonia estremeceu de medo. A menina pressentia a verdade, embora não soubesse qual era aquela verdade. Sidonia pegou um copo de um armário e serviu-lhe o suco de maçã. Depois pôs o copo diante Eve.

— Sim, é mais que uma Raintree. É muito, muito especial. Única.

 

Mercy Raintree estava sentada na grama, com os olhos fechados e as mãos descansando sobre o colo. Sempre que estava preocupada ia a Amadahy Point para meditar, ordenar o pensamento e renovar suas forças. O sol a cobria com seus raios, como se fossem um casaco invisível, e a envolvia em calor e luz. Mercy sentia a carícia da brisa suave. Com os olhos fechados e a alma aberta à energia positiva que obtinha daquele lugar sagrado, aquele santuário dentro do santuário, concentrou-se no mais importante para ela.

A família.

Mercy pressentia um perigo iminente. Entretanto, não sabia de quem, nem do que, podia provir. Embora seus dons mais potentes fossem os da empatia e a cura, também possuía certo poder de precognição, menos imprevisível que o de sua prima Echo, mas não tão forte. Também tinha sido amaldiçoada com a habilidade de sentir o estado emocional e físico dos outros a distancia.

Quando criança, o dom da empatia tinha pareciso exaustivo, mas com o tempo, ano após ano, tinha aprendido a controlá-lo. E naquele momento, apesar de que Dante e Gideon sabiam como bloqueá-la para que não interceptasse seus pensamentos e suas emoções, Mercy ainda era capaz de perceber algo nos limites da consciencia de seus irmãos.

Dante e Gideon tinham problemas, mas ela não sabia por que. Talvez não fora outra coisa que o estresse de suas profissões. Ou talvez fossem problemas de sua vida pessoal.

Se seus irmãos precisassem de sua ajuda, pediriam. O fato de saber aquilo era consolador. Seus irmãos eram, tal e como eles haviam dito em numerosas ocasiões, homens adultos, perfeitamente capazes de se cuidar sem a ajuda de sua irmã mais nova.

Quando seus irmãos precisavam repor sua alma, alimentar seu espírito, iam para casa, para a terra dos Raintree, nas montanhas da Califórnia do Norte. Dentro dos limites daquele enorme imóvel não podia entrar ninguém sem alertar a guardiã. Mercy Raintree era aquela guardiã, a protetora do lar da família, igual ao que tinha sido sua tia avó Gillian, e antes, a mãe de Gillian, Vesta, a primeira guardiã do Santuário.

Depois de respirar profundamente mais uma vez, Mercy abriu os olhos e olhou o vale que se estendia sob seus pés. Final da primavera no vale. Um céu azul, interminável. Árvores tão altas como torres. Multidão de flores coloridas, cheias de perfume.

Mercy não sabia com segurança o que acontecia com ela, mas tinha uma desconfortável sensação de insegurança, que talvez não tivesse nada a ver com seus irmãos nem com ninguém do clã Raintree. Não, a inquietação estava dentro de sua alma. Era um desejo que só podia controlar por quem era, por seu dever para com sua família e seu povo. Sempre que a assaltavam aquelas estranhas emoções, subia naquele pico sagrado para meditar até que a intranqüilidade desaparecia. Entretanto, aquele dia, por algum motivo desconhecido para ela, a ansiedade não cessou.

Era uma advertência?

Sete anos antes tinha permitido que aquela fome que sentia por dentro a conduzisse para territórios perigosos, para um mundo que não estava preparada, para uma relação que tinha alterado sua vida. Não podia sucumbir ao medo. E, salvo as breves visitas que fazia a seus irmãos, não voltaria a sair do Santuário dos Raintree. Jamais.

 

Domingo, 3:15 da tarde

 

O jato particular tinha aterrissado em Asheville, Carolina do Norte, meia hora antes. Um carro alugado aguardava Judah, assim se pôs a caminho imediatamente. Não sabia quanto tempo restava antes que Greynell atacasse, não estava seguro se poderia salvar Mercy Raintree. Sabia que seu primo mais novo era uma bala perdida, e que como outros guerreiros jovens do clã Ansara, estava ansioso por entrar em batalha. Entretanto, até aquele momento não se deu conta do alcance do poder de Cael sobre o garoto, e tampouco de quão desequilibrado chegava a estar Greynell.

Judah sabia que Cael tentaria entrar em contato com Greynell para avisar do que ia acontecer. Entretanto, Cael já teria se dado conta que seu poder de telepatia tinha sido bloqueado. Temporariamente, não poderia usá-lo. Teria imaginado também que tinha subestimado o poder de Judah? Cael tinha pensado que era superior a seu irmão mais novo. Idiota. Talvez o fato de saber que Judah o tinha privado de seu poder telepático lhe mostraria que estava errado.

O fato de que fossem irmãos era a única razão pela qual Judah não tinha desafiado Cael para um duelo de morte. Entretanto, quando tivesse se ocupado de Greynell, Judah teria que enfrentar seu irmão para terminar de uma vez por todas com as tentativas de Cael para destroná-lo.

Judah conduziu a toda velocidade pela auto-estrada setenta e quatro, que levava ao sul, para as colinas ocidentais das Grandes Montanhas da Fumaça. O Santuário Raintree bordeava a reserva cherokee. Vários membros do clã se casaram com índios da tribo antes do Caminho das Lágrimas, cerca de cento e setenta anos antes, e a família tinha ajudado os cherokees que tinham escapado dos soldados e se refugiaram naquelas montanhas.

Desde sua infância, Judah tinha estudado os poderosos inimigos dos Ansara, sabendo que seu destino era levar a cabo a vingança pela derrota que os inflingiram em A Batalha, dois séculos antes, e exterminar todos os Raintree. Entretanto, aquele não era o momento adequado.

Era uma pena que Mercy Raintree também tivesse que morrer junto a seus irmãos e outros de seu clã. No entanto, sabia que nenhum deles podia ficar com vida. Nem sequer Mercy.

Greynell, entretanto, não era quem tinha o direito de matá-la. Todos os membros do clã Ansara sabiam que Mercy Raintree pertencia a Judah. Ele a mataria, como a Dante Raintree. Os poderes que possuíam seu irmão e ela seriam absorvidos por Judah quando morressem. E o outro irmão, Gideon, pertencia a Claude. Cael havia ficado furioso quando Judah tinha concedido a Claude o direito de matar o terceiro príncipe Raintree.

Cael estava há muito tempo sendo um espinho no flanco de Judah. Tinha permitido muitas coisas a seu irmão, tinha perdoado seus pecados uma e outra vez, mas não podia mais continuar fazendo isso. Cael tinha se tornado alguém muito perigoso, não só para Judah, mas também para todos os Ansara. Judah já não podia postergar mais o momento de enfrentar seu irmão, que estava faminto de poder.

 

A chamada se produziu as sete e quarenta e dois minutos do sábado da noite, enquanto Mercy, Eve e Sidonia estavam sentadas no grande alpendre da parte de trás da casa, desfrutando da serenidade e a paz do entardecer.

Durante todo o dia, Mercy havia se sentido inquieta. E assim que recebeu a chamada, soube o motivo de sua preocupação. Ela quase nunca saía do imóvel. À medida que tinha crescido, seus poderes de empatia se tornaram tão grandes que era difícil estar entre as pessoas. O mero feito de caminhar pela rua em Waynesville era extenuante. Os pensamentos e as emoções de outros a bombardeavam somente ao estabelecer contato visual. E se alguém a tocava acidentalmente... ouvia seus pensamentos, sentia sua dor, experimentava sua alegria. Além disso, qualquer feitiço protetor que pudesse usar tinha seus limites e suas desvantagens, assim só os usava quando era imprescindível.

Quando era adolescente, depois que seus pais foram assassinados, ela tinha tido o desejo de ser médica, de salvar as pessoas, como tinham tentado fazer os doutores de Asheville com seus pais. Tinha acreditado, equivocadamente, que seu dom de empatia a ajudaria a ser uma melhor médica. O doutor Huxley, o médico mais velho da área, que tinha sido amigo de seu pai, havia lhe dado aulas e inclusive tinha conseguido que Mercy pudesse acompanhá-lo em suas saídas para atender emergências, nas quais o dom de Mercy freqüentemente tinha servido para salvar a vida dos pacientes. O doutor Huxley tinha crescido perto do Santuário e sabia que os Raintree eram pessoas especiais, e que Mercy tinha um dos talentos mais notáveis de todos eles. Os Raintree confiavam no médico como não confiavam em nenhum outro humano. Sabiam por instinto que não os trairia.

Mercy, depois de ter recebido aulas do médico, decidiu deixar as montanhas, aos dezoito anos, para ir para a Universidade do Tennessee. Aquilo tinha sido emocionante, mas também angustiante, devido à densidade de população. Com a ajuda de sua família, e de Dante em especial, que tinha feito que vários jovens Raintree fossem para a mesma universidade, Mercy tinha conseguido se graduar. Entretanto, viver longe do Santuário tinha lhe mostrado que não poderia terminar a carreira e se tornar médica. Sua empatia era ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição.

A partir de então, o doutor Huxley só entrava em contato com ela para lhe pedir ajuda em raras ocasiões. Aquela tarde era uma dessas ocasiões. Produziu-se um acidente de trânsito a apenas um quilômetro e meio do imóvel, e o doutor Huxley sabia que ela chegaria ao lugar antes que qualquer equipe de emergência.

Mercy subiu em seu carro e, enquanto saía para estrada desde a garagem, viu Sidonia e Eve pelo espelho retrovisor, despedindo-se dela com a mão. Concentrou-se no caminho que tinha pela frente e apertou o acelerador; a vida dos acidentados podia estar em suas mãos.

Menos de cinco minutos depois, encontrou-se com dois veículos mutilados que tinham se chocado frontalmente. Mercy estacionou no acostamento, abriu a porta e saiu correndo com o coração acelerado. O primeiro veículo era um carro esportivo vermelho que estava completamente esmagado. Não teve que tocar o corpo de seu condutor para saber que tinha morrido.

Desejou a sua alma uma viagem tranqüila para sua outra existência. Não podia fazer mais nada por ele. Entretanto, percebeu sinais de vida no outro carro. Quando se aproximou do Ford prateado ouviu gemidos e pranto. O condutor era um homem de meia idade que estava preso depois do volante. A mulher que estava a seu lado era quem gemia. Tinha a cara pálida manchada de sangue, de seu sangue e de seu marido.

Com ambas as mãos, Mercy atravessou a janela quebrada e tocou a mulher. A ferida gritou, e de repente ficou silenciosa, imóvel, enquanto Mercy se conectava com ela e começava a absorver a dor de seu corpo. Sem dizer uma palavra, Mercy se comunicou com ela, fazendo tudo o que podia para reconfortá-la.

— Meu nome é Mercy e vim ajudar você.

A mulher, finalmente, conseguiu falar.

— Sou Darlene e... Oh, Deus, meu marido... Keary...

Mercy levantou uma mão do corpo de Darlene e tocou Keary no ombro direito. Não sentiu vida. O homem tinha morrido.

Voltou para a tarefa de curar Darlene, de impedir que sangrasse até morrer. Mercy se concentrou completamente em mantê-la com vida, em liberá-la da dor canalizando-a para seu próprio corpo.

Mercy tremeu ao sentir aquela agonia. A dor era insuportável. Entretanto, devia permanecer consciente; com sua força pessoal e com todos os dons poderosos que tinha recebido ao nascer, começou a deixar fluir sua magia.

 

Judah tinha percebido a essência de Greynell a uns trinta quilômetros de distância, mas sabia onde estava no momento em que seu avião tinha aterrissado em Asheville.

Deixou seu carro a certa distancia de onde seu primo estava esperando e vigiando, e entrou no bosque em sigilo. Deixou que seu olfato de predador o guiasse até uma zona de floresta anexa a uma estrada secundária que estava a pouca distância das terras dos Raintree.

De repente, sem aviso prévio, Judah sentiu uma sacudida de reconhecimento. Foi algo tão forte que, por um momento, ficou gelado, imóvel. Aquela conexão tão forte vinha de perto, e não de um Ansara. Aquela magia toda-poderosa irradiava de sua inimiga, Mercy Raintree.

Sentia-a dentro de sua alma, como se fosse parte dele. Estava perto; tão perto como Greynell. E estava praticando uma potente cura. Mercy não era uma empática qualquer; possuía o estranho dom da cura Através da psique; e, fosse qual fosse o motivo, naquele momento estava usando-o para salvar uma vida humana. Ao fazê-lo, ia perder sua força e seu poder, e sem sabê-lo, ia ficar completamente indefesa diante Greynell. Aquele era, exatamente, o objetivo do jovem guerreiro, motivo pelo que tinha provocado o acidente que tinha feito Mercy sair da segurança do Santuário dos Raintree.

Incapaz de se omitir da energia incrível que Mercy desprendia, Judah se limitou a absorvê-la. Sentiu-se bombardeado por sua bondade e por sua ternura. Era muito mais poderosa que sete anos antes. Aos vinte e três anos, Mercy não era oponente para Judah. No presente, entretanto, talvez fosse a única pessoa do mundo que podia considerar seu igual.

Judah se envolveu em um manto de invisibilidade e bloqueou sua presença física e psíquica. Continuou avançando até que chegou a seu destino. Deteve-se o ver Pax Greynell se aproximar de Mercy e rodear seu pescoço com um cordão negro. Ela, que tinha estado em um transe de empatia, não havia sentido a proximidade de seu atacante. Agarrou-se à corda e tentou afrouxá-la, mas não conseguiu.

Judah correu para eles com sua adaga na mão. Ao chegar junto a Greynell, a afundou nas costas e o matou sem titubear. Mercy ofegou para recuperar a respiração quando a corda caiu de seu pescoço. O corpo de seu assaltante caiu a seus pés, sem vida.

Judah o reduziu A pó com uma descarga de energia. Tinha completado sua missão, e era hora de partir. Entretanto, sentiu que Mercy tinha problemas. Tinha ficado muito fraca depois da cura que acabava de levar a cabo, e lutar com Greynell a tinha privado de todas suas forças. Rapidamente, estava sumindo em um estado de inconsciência do qual talvez não saísse.

Por um instinto de posse, Judah agarrou Mercy antes de que caísse. A mulher do carro acidentado estava viva, sanada pela magia de Mercy. Dormia calmamente junto ao corpo de seu marido.

A sirene da ambulância que se aproximava avisou Judah que devia afastar-se. Entretanto, não podia deixar Mercy assim; ela podia morrer. Ele, e só ele, podia revivê-la.

 

Sidonia pensou que, se Mercy não retornasse antes da meia-noite, chamaria Dante. O doutor Huxley tinha telefonado duas horas antes para perguntar se Mercy tinha chegado sã e salva em casa.

— Sei que esteve no lugar do acidente, porque a mulher que sobreviveu me disse que Mercy salvou sua vida — tinha contado o médico. — Não entendo por que não me esperou. Ela sabe que eu me teria assegurado de que alguém a levasse para casa se estava muito fraca para conduzir.

— Está preocupada com minha mãe, não é? — perguntou Eve.

Sidonia se sobressaltou. Ao dar a volta, viu a menina no vão da porta que comunicava o vestíbulo com o salão principal.

— Achava que você tinha se deitado faz horas. Despertou por algum motivo?

— Não estava dormindo.

— São mais de onze, e é hora em que as meninas boas estejam dormindo.

— Não sou uma menina boa. Sou uma Raintree — disse Eve. — Sou mais que uma Raintree.

Sidonia estremeceu.

— Já me disse isso, e eu estou de acordo, então não falemos disso outra vez — disse, e a puxou pela mão. — Agora, vamos para seu quarto. Sua mãe se desgostará com nos duas quando chegar em casa se não estiver na cama.

— Virá para casa logo. Antes da meia-noite.

Sidonia arqueou uma sobrancelha inquisitivamente.

— E como sabe?

— Porque a vejo. Está dormindo, mas despertará logo.

— E sabe onde está? Saberia me dizer onde posso encontrá-la?

— No carro. Está estacionado em um lugar escuro, mas ela está bem. Ele está com ela, acariciando-a. Cuidando dela. Dando-lhe um pouco de sua força.

— Quem? — perguntou Sidonia com a voz trêmula. — Quem está com sua mãe? Quem está lhe dando um pouco de sua força?

Eve sorriu com um gesto de uma ao mesmo tempo doce e pícaro.

— Meu pai, claro.

 

Capítulo 2

 

Mercy Raintree era inclusive mais bela que aos vinte anos, e muito mais perigosa. Apesar de seu estado de fraqueza, Judah sentia nela uma tremenda energia. Tal e como havia suspeitado, ela era sua igual.

Era estranho que ele, que a destruiria, tivesse salvo sua vida, e que naquele momento estivesse lhe devolvendo a força, quando poderia quebrar seu pescoço com facilidade, ou absorver todo seu poder com um simples pensamento. E a mataria, quando chegasse o momento. Quando os Ansara atacassem os Raintree e aniquilassem todo o clã. Ao contrário dos Raintree, os Ansara não deixariam ninguém com vida. Entretanto, ele seria clemente com a bela Mercy e lhe tiraria a vida rapidamente, causando-lhe tão pouca dor quanto fosse possível.

Enquanto a tinha entre seus braços, inconsciente, tentou penetrar em sua mente, mas foi impossível. Ela tinha levantado uma barreira entre si e o mundo exterior, um escudo que impedia que ninguém pudesse escutar seus pensamentos. Se Judah tentasse com determinação, certamente poderia destruir a barreira, mas para que ia se incomodar? Não precisava de informação dela. Se não fosse pelas estúpidas manobras de Greynell, não estaria ali com Mercy Raintree. Durante os sete anos anteriores, Judah tinha se assegurado que seus caminhos não se cruzassem. Tinha permanecido afastado das montanhas do Norte da Carolina e do Santuário dos Raintree.

Se Greynell tivesse conseguido matá-la, teria se desencadeado um inferno. O Dranir dos Raintree e seu irmão teriam descoberto que Mercy tinha morrido pelas mãos de um Ansara, e aquilo os teria avisado do ressurgir de seus inimigos.

Judah olhou para Mercy. Estava descansando serenamente contra seu peito, sentada sobre seu colo, no assento do passageiro. Tinha a cabeça apoiada em seu ombro, e sua respiração era constante e profunda.

Ele acariciou sua face com o dorso da mão.

Então, as lembranças que ele apagou da mente por pura força de vontade anos atrás voltaram a ressurgir e o levaram para outro momento, outro lugar em que ele tinha tido aquela mulher entre seus braços. Tinha acariciado, tinha ensinado, tinha guiado...

Quando se conheceram, ele sabia quem era ela. O mero fato de saber que era uma princesa Raintree tinha avivado seu apetite por ela. Mercy não conhecia a verdadeira identidade de Judah, e o fato de que ela tivesse sucumbido com tanta facilidade a seus encantos tinha parecido divertido. Ela tinha sido um livro aberto para ele, incapaz de ocultar sua mente completamente. Suas habilidades eram imaturas e só estavam parcialmente moldadas. Ele, por outro lado, se protegeu e manteve ocultas sua identidade e sua natureza. Tinham passado menos de vinte e quatro horas juntos, mas naquele curto período de tempo, ela tinha se transformado em uma febre para ele. Por muitas vezes que a tivesse tomado, continuava desejando-a.

— Foi uma virgem cativante — disse Judah para Mercy. — Doce. Deliciosa. Amadurecida para cair entre meus braços.

Enquanto acariciava seu pescoço esbelto, deslizou os dedos pelo seu pulso.

“Judah... Judah...”.

Ao ouvir Mercy chamá-lo telepaticamente ficou assombrado. Ela sentia sua presença, e isso não era bom. Como ia explicar a ela o que estava fazendo ali, em uma estrada secundária da Carolina do Norte, exatamente no mesmo momento em que um louco tinha tentado matá-la?

Tinha que levá-la para casa e deixá-la em boas mãos antes que despertasse. Se lembrasse de algo dele, talvez acreditasse que tudo aquilo tinha sido um sonho, simplesmente.

Sonharia alguma vez com ele? Ou não era mais que uma vaga lembrança para ela?

“E por que ia me importar? Esta mulher não significa nada para mim. Não significou nada então, e agora tampouco. Só foi um entretenimento passageiro”.

Um entretenimento que o tinha obcecado durante muito tempo depois de ter passado apenas uma noite com ela. Não tinha sido capaz de esquecer o fato de despertar e encontrar a cama vazia. Zangou-se porque ela tinha fugido, e havia sentido uma intensa curiosidade. Por que tinha partido dessa forma?

Entretanto, o senso comum tinha o advertido que era melhor não segui-la. E, durante muitos meses depois daquela noite, Judah tinha se perguntado se ela não teria se dado conta de que ele era seu inimigo, e teria fugido para contar aos seus irmãos que existia um poderoso Dranir Ansara. Entretanto, nem Gideon nem Dante tinham perseguido-o depois, nem tinham procurado vingança contra ele por haver arrebatado a virgindade de sua irmã.

“Ela não sabia quem eu era”.

Judah depositou com cuidado Mercy no assento e ele se colocou atrás do volante. Pôs em marcha o carro para levar a Mercy para sua casa. Deixaria-a ali e voltaria para Asheville. Não tinha vontade de permanecer nos Estados Unidos mais tempo que o necessário. Seu lugar era em Terrebonne, o lar dos Ansara durante os últimos duzentos anos.

Quando tivesse chegado na ilha, convocaria uma reunião extraordinária do conselho. Devia deter Cael e seus seguidores antes que sua estupidez pusesse em perigo os Ansara e destruíram os planos futuros de Judah para destruir os Raintree.

Seguindo seus instintos, Judah chegou em cinco minutos no imóvel Raintree. Apertou o botão interior do veículo que abria as enormes porteiras. Seguiu a estrada particular que levava ao topo da colina mais alta, onde se erguia a casa da família real.

As luzes acesas da casa informaram a Judah que alguém estava esperando Mercy, talvez preocupado por seu bem-estar. Um marido? Teria se casado com outro membro do clã Raintree, ou teria escolhido um mortal comum como companheiro?

Judah estacionou o carro, saiu e o rodeou. Abriu a porta de Mercy e a tomou nos braços. Instintivamente, ela se aninhou contra seu peito, como se sentisse que estava a salvo, protegida.

Judah endureceu seu coração. Não podia permitir que aquela maravilhosa criatura o tentasse. Era apenas uma mulher, uma de tantas. Ele tinha se deitado com ela como se deitou com incontáveis mulheres. Não era melhor que as demais. Não era diferente.

“Mentiroso”, sussurrou-lhe uma voz interior.

  

Cael soltou uma enxurrada de imprecações enquanto destruia o salão de sua casa na costa, em Beauport, um lugar que ele tinha chamado de lar desde que o Dranir Hadar o tinha reconhecido como seu filho. Como filho não desejado e ilegítimo. Era fruto de uma relação que o Dranir tinha tido antes de casar-se com sua adorada Dranira Seana. A mãe de Judah tinha morrido de parto, depois de sofrer vários abortos. Aqueles abortos eram resultado de uma maldição que a mãe de Cael, Nusi, uma feiticeira, havia lançado em Seana. Depois de se inteirar dos truques perversos de Nusi, Hadar condenou a morte sua antiga amante, e tinha ordenado uma execução pública.

Cael apertou os dentes cheio de raiva por sua infância e pela situação presente, que o estava consumindo. Como era possível que Judah tivesse congelado sua capacidade telepática?

Como tinha ousado fazer semelhante coisa! Seu irmão era muito mais perigoso do que Cael tinha suspeitado. Seus poderes eram muito maiores do que ele acreditava. Se Judah podia controlar os dons inatos de Cael, então Cael tinha que encontrar uma maneira de se proteger das maquinações de seu irmão menor.

Grunhindo como um urso ferido, Cael deu um murro na parede e a atravessou, destruindo o gesso como se fosse papel.

— Calma, calma — disse Alexandria em tom zombeteiro.

Cael deu a volta e lançou-lhe um olhar fulminante. Ela estava no vão da porta dupla que dava ao jardim.

— É como uma serpente, prima. Aproximou-se muito lentamente, como se eu fosse uma vítima despreparada.

Alexandria riu.

   —Você não é minha vítima, mas como está se comportando, acredito que deve ser vítima de algum feitiço que o Dranir planejou para impedir que avisasse Greynell.

Cael atravessou a sala até chegar junto de sua prima.

— O que sabe?

— Oh, querido. Judah congelou seus poderes, não foi?

— Não!

— Talvez só seu poder telepático, de modo que não pôde avisar Greynell.

— Falou com Judah?

— Não, não falei com ele, mas Claude recebeu uma mensagem telepática de nosso Dranir, e casualmente, eu estava com Claude nesse momento.

— Se espera que eu suplique a você que me dê a informação...

— Não se preocupe, não espero nada de você. Mas quando for o Dranir, espero reinar ao seu lado.

— Assim será — respondeu Cael. Aproximou-se dela, a tomou pela nuca e a aproximou o suficiente para que seus lábios se roçassem. — Será minha Dranira.

Com um suspiro de satisfação, Alexandria rodeou seu pescoço com os braços.

— Greynell morreu. Judah o matou para evitar que ele assassinasse Mercy Raintree.

— Idiota. Maldito idiota. Destruiu um dos seus para salvar uma Raintree. O conselho...

— Judah convocará ao conselho quando retornar.

— Para que? Para investigar a tentaiva de assassinato de sua pessoa? Não descobrirá nada. Não deixei pistas.

— Claude me disse que nós, os membros do conselho, devemos nos alinhar com Judah para deter as facções rebeldes do clã Ansara. Judah acredita seriamente que não estamos preparados para enfrentar os Raintree. E você, acredita com certeza que poderíamos ganhar a guerra no dia do solstício do verão?

— Judah não pode mais nos deter. Os guerreiros ocupam seus postos e estão preparados para atacar. Embora Judah tenha conseguido deter Pax Greynell, não poderá deter os outros. Nem sequer ele pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.

— Que ás tem guardado na manga? — perguntou-lhe Alexandria com o coração acelerado. Cael notou sua excitação.

— Tabby está em Wilmington para se ocupar de Echo Raintree. E depois, seguindo minhas ordens, eliminará Gideon.

— Tabby é imprevisível. E se não puder controlá-la? Ela sente um prazer perverso assassinando. Pode ser que atraia toda a atenção.

— Tabby sabe o que farei com ela se falhar.

— Nosso êxito depende do desaparecimento dos três membros da família real Raintree antes da batalha. Entretanto, os três continuam com vida.

— Mas não durante muito tempo — disse Cael com um sorriso. — Dante vai ter surpresa esta noite. E quando Judah voltar para Terrebonne e estiver ocupado com outros assuntos, eu enviarei um guerreiro para que se ocupe de Mercy.

  

Sidonia ouviu chegar o carro. Tinha deitado Eve pela segunda vez, mas não acreditava que a menina tivesse dormido. Eve estava preocupada com Mercy, igual a ela.

Saiu ao vestíbulo e abriu a porta. Para sua surpresa, viu aproximar-se um homem grande e moreno, com Mercy inconsciente nos braços. O único carro que havia à vista era o de Mercy, então, quem era aquele homem?

Sidonia deu um passo para frente e enfrentou o estranho. Ele parou como se esperasse isso, e seus olhares se chocaram. Não era um Raintree: tinha os olhos cinzas e frios, sem nenhum sinal de emoção.

— Trouxe sua senhora para casa — disse ele, com uma voz profunda e autoritária.

Sidonia se pôs a tremer. Se ele não era Raintree e não era humano...

— Exatamente — disse ele. — Sou Ansara.

— O que está fazendo com Mercy? — perguntou ela rapidamente. — Se tiver feito mal a ela, toda a ira dos Raintree cairá sobre você...

— Cale-se e me mostre onde posso deixar sua senhora para que descanse e se recupere. Esta noite curou uma mulher moribunda.

Confundida pela preocupação que aquele Ansara demonstrava por Mercy, Sidonia titubeou. Depois se separou da porta e o deixou entrar. Era um demônio muito bonito. Tinha os ombros largos e o cabelo negro recolhido em uma trança que caía pelas costas. Seus traços faciais eram marcados, como se fossem esculpidos em pedra.

— Seu quarto está lá encima, mas acredito que será melhor que você não...

Sem prestar atenção em Sidonia, o homem se encaminhou para a escada.

— Espera!

O homem não esperou. Começou a subir os degraus de dois em dois. Sidonia o seguiu tão rapidamente quanto pôde. Quando chegou ao segundo andar, ele já tinha aberto a porta do quarto de Mercy, parecia guiado pelo instinto. Sidonia o alcançou quando ele depositava Mercy sobre a cama. Da soleira, observou-o enquanto por sua vez, ele olhava para Mercy durante um minuto. Depois, o homem deu a volta e caminhou para a porta.

— Quem é? Como se chama? — perguntou Sidonia. Aquele homem não podia ser um Ansara.

— Sou Judah Ansara.

Sidonia deixou escapar uma exclamação de horror.

Ele sorriu perversamente.

— Perguntei-me uma vez se Mercy tinha suspeitado que eu era um Ansara, e se aquela foi a razão pela qual fugiu tão rapidamente do meu lado aquela manhã.

— Deixa de ler a minha mente!

Que Deus a ajudasse; tinha que impedir que aquele demônio Ansara escutasse seu pensamento. Não podia deixar que descobrisse que... fechou os olhos e começou a recitar um antigo encantamento, um que a protegesse da sondagem mental daquele homem.

— Não se preocupe, Sidonia — disse Judah. — Não me infiltrarei em seus pensamentos. Mas temo que, quando partir, devo apagar de sua mente a lembrança de minha visita de hoje.

— Não volte a tocar minha mente, besta malvada.

Judah riu.

— Pareço divertida a você, não é? Não acredita que porque tenha mais de oitenta anos minhas habilidades perderam a eficácia.

— Eu nunca a insultaria subestimando seus poderes.

— Por que está com Mercy? — perguntou Sidonia. — O que está fazendo nas terras dos Raintree? Como...

— O motivo pelo qual estou aqui não tem importância. Encontrei Mercy inconsciente e a trouxe para casa. Deveria estar agradecida a mim.

— Agradecida a uma escória Ansara como você? Nunca!

— Mercy sente o mesmo que você de mim? Odeia-me?

— É obvio. Ela é uma Raintree. Você é um Ansara. Não pode ficar. Deve ir imediatamente.

— Não tenho intenção de ficar — disse Judah, olhando Mercy. — A deixo em suas mãos.

— Sim, sim. Parta agora mesmo.

Quando Judah estava a ponto de partir, concentrado em desprender um feitiço que apagasse as lembranças daquela visita da mente de Sidonia, viu uma pequena sombra atrás da anciã. Esperou, com a suspeita de que a babá Raintree tivesse conjurado um espírito letal para que o escoltasse para fora da casa. Entretanto, a sombra rodeou Sidonia e entrou no quarto. A luz do corredor iluminou a parte de trás da figura e deu-lhe uma cor branca dourada, como a da luz da lua.

A sombra era uma menina.

Judah a olhou e se deu conta de que seus olhos eram o verde dos Raintree. Tinha o cabelo loiro, levemente encaracolado, e comprido até a cintura. Se sua vista não houvesse dito que era filha de Mercy, sua visão interna teria confirmado.

Então Mercy se casou e tinha filhos. Ao menos, aquela menina. Aquela preciosa menina que era tão parecida com sua mãe, e entretanto...

O que tinha aquela menina, que lhe causava tanta confusão? Era uma Raintree, sem dúvida. Mas era diferente.

Sidonia agarrou a menina e tentou ocultá-la atrás de si novamente, mas a pequena escapou de sua babá e se aproximou sem medo de Judah.

— Não, minha filha, não! — disse Sidonia. — Afaste-se dele. É mau.

A menina parou na frente de Judah, elevou a cabeça e o olhou diretamente nos olhos.

— Não me dá medo — disse. — Não me fará mal.

Judah sorriu, impressionado por sua valentia.

Quando Sidonia se adiantou com a intenção de agarrá-la, a menina elevou o braço e estendeu sua mão diminuta. Então, a anciã ficou imobilizada por sua magia.

Assombroso. As habilidades da menina estavam muito avançadas, para ser de alguém tão jovem.

— É muito poderosa, pequena — disse Judah. Nunca tinha conhecido um Ansara nem um Raintree que possuísse tanto poder tão tenra idade. — Não conheço nenhuma criança de cinco anos que...

— Tenho seis anos — respondeu ela, com os ombros erguidos e a cabeça alta. Uma verdadeira princesa.

— Mmm... Mas até aos seis anos, está mais adiantada que as outras crianças Raintree, não é?

Ela assentiu.

— Sim. Porque sou mais que uma Raintree.

— Sério?

— Não sabe quem eu sou, não é? — perguntou a pequena. Quando ela sorriu, o estômago de Judah encolheu. Aquele sorriso tinha algo terrivelmente familiar para ele.

— Acredito que é a filha de Mercy Raintree, não é assim?

Ela assentiu.

— E sabe quem sou eu? — perguntou ele. A precocidade daquela menina tinha despertado sua curiosidade. Percebia uma força sobrenatural nela... E um parentesco impossível.

Ela assentiu de novo, com um sorriso mais amplo.

— Sim, sei.

— Se sabe quem sou, como me chamo?

— Não conheço seu nome — admitiu ela.

Extranhamente atraído por ela, Judah ficou de joelhos para estar a sua altura.

— Meu nome é Judah.

Ela estendeu sua mãozinha.

Ele olhou aquela mão. Ao pensar que teria que matar aquela menina, a filha de Mercy, sentiu uma estranha tristeza. Asseguraria-se que sua morte fosse rápida e indolor, como a de Mercy tomou sua mão, e sentiu uma descarga elétrica que nunca tinha experimentado antes. Um poder de reconhecimento e posse insólitos para ele.

— Olá, papai. Sou sua filha, Eve.

Um grito estridente ressoou no quarto quando Mercy Raintree despertou de seu sono reparador.

 

Capítulo 3

 

O som de seu próprio grito ricocheteou pela mente de Mercy. Durante um segundo, acreditou que aquele era o pior pesadelo que havia tido em sua vida. Enquanto os ecos de seu grito de terror tremiam ao seu redor, despertou para a realidade de seu pesadelo. Abriu os olhos e rapidamente sua visão se adaptou a penumbra.

— Mamãe!

O grito de preocupação de Eve fez com que Mercy entrasse em ação. Telepáticamente chamou sua filha, e em segundos se levantou da cama e tomou sua filha entre seus braços.

— O que aconteceu, mamãe? — perguntou Eve. — Não se assuste.

Mercy sempre tinha rezado para que aquilo nunca acontecesse, mas aquele momento maldito tinha descido sobre eles como uma praga maligna do inferno. Judah Ansara, um príncipe da escuridão, estava em frente a sua filha e ela, olhando-a com os olhos cinzas, gelados, cheios de perguntas.

— Sidonia? — disse Mercy, temendo que Judah tivesse matado sua adorada babá.

— Oh! — exclamou Eve. Depois saiu do abraço de sua mãe, deu a volta e agitou a mão.

Mercy seguiu a linha de visão de sua filha e viu Sidonia ganhar vida.

— Eve, há...

— Sinto muito, mamãe, mas Sidonia não queria que conhecesse meu pai. Não me deixava que falasse com ele.

Mercy voltou a olhar para Judah. Aqueles olhos frios estavam cheios de ira.

“É minha!”.

Aquelas palavras silenciosas de Judah explodiram pelo quarto, expandindo-se, fazendo com que vibrassem as paredes e as janelas.

— Basta! — disse Mercy, escondendo Eve atrás dela. — Não conseguirá nada com sua raiva.

Judah tomou Mercy pelos ombros e afundou os dedos na sua carne. Quando Mercy gemeu de dor, Eve pôs a mão sobre o braço de Judah.

— Tem que ser bom com minha mãe. Sei que não quer machucá-la.

Judah afrouxou a pressão e desviou o olhar do rosto de Mercy ao de Eve, e depois ao de Mercy de novo.

— Não farei mal a sua mãe — disse para a menina. Girou o rosto para Sidonia, que devolveu um olhar cheio de ódio, e disse a Eve: — Vá com sua babá. Tenho que falar a sós com sua mãe.

— Mas não quero... — choramingou Eve.

“Obedeça”. Mercy ouviu a mensagem silenciosa que Judah enviou a menina, e se deu conta que ele sabia instintivamente que Eve ouviria seu pensamento.

Eve olhou para sua mãe. Mercy assentiu.

— Vá com Sidonia e se deite. Você e eu conversaremos pela manhã.

Eve deu um beijo em Mercy na bochecha.

— Boa noite, mamãe.

Então, puxou o braço de Judah para que se inclinasse para ela, coisa que ele fez depois de soltar Mercy. Eve também o beijou na bochecha.

— Boa noite, papai.

Nem Mercy nem Judah disseram uma palavra até que Sidonia levou a Eve e fechou a porta do quarto.

Assim que estiveram a sós, Judah se girou para Mercy.

— A menina é minha?

— Eve é minha. É uma Raintree.

— Sim, é uma Raintree. Mas é algo mais. Ela mesma me disse isso.

— Eve tem um poder enorme que ainda não compreende bem, porque é muito pequena. Dizer que é mais que uma Raintree a ajuda a explicar coisas para poder aceita-las com sua mente de menina.

— Nega que é minha?

— Nem nego nem confirmo.

— Reconheceu-me imediatamente.

Haveria algum modo de mentir aquele homem e convence-lo que Eve não era dele?

— O que está fazendo nas terras dos Raintree? — perguntou Mercy.

— Não se lembra?

Mercy não respondeu. Tentou recordar seu último pensamento coerente antes de desmaiar. Não era estranho que perdesse a consciência, ou que dormisse, depois de uma cura. Entretanto, naquela ocasião, seu sono tinha sido muito mais profundo do normal.

Recordou o acidente de carro, e como tinha salvo a única sobrevivente absorvendo sua terrível dor e lhe transmitindo a quantidade necessária de sua própria força e poder de cura para mantê-la com vida.

De repente, teve a lembrança de uma pressão no pescoço, uma pressão que tinha cortado a respiração. Mercy ofegou e olhou para Judah. Respirou profundamente várias vezes para recuperar a calma, e capturou aqueles momentos terríveis que tinham estado profundamente enterrados em seu inconsciente. Então, deu-se conta que alguém tinha tentado apagar aquelas lembranças.

— Não queria que recordasse que alguém tentou me matar.

Judah a olhou fixamente.

— Queria que pensasse que foi você que tentou me estrangular? Sei que não foi você.

Ele não disse nada.

— Por que não quer que me recorde de meu atacante? E o que estava fazendo tão perto do Santuário dos Raintree quando aconteceu isso?

— Coincidência.

— Não, não acredito em você. Sabia que alguém ia... Veio me salvar, não é assim? Mas... Não entendo...

— Por que não ia salvar a mãe de minha filha?

— Você não sabia que Eve existia.

— O motivo pelo qual vim aqui não tem importância neste momento. O que importa é que teve minha filha e me ocultou isso durante seis anos. Como pode fazer isso?

— Eve é minha filha. Não importa quem seja seu pai.

Oh, Deus, tomara aquilo fosse certo. Tomara...

— O feitiço com que protegeu Eve devem ser muito poderosos. Certamente, deve ser obrigada infundir uma grande parte de sua força para mantê-lo ativo.

Mercy se estremeceu.

— Eu faria qualquer coisa por Eve. Ela é...

— É uma Ansara.

— Eve é uma princesa Raintree, a neta do Dranir Michael, a filha da princesa Mercy.

— Uma menina única — disse Judah. — Não houve mistura de linhagens durante milhares de anos, desde a primeira grande batalha em que os Ansara e os Raintree se tornaram inimigos. Qualquer criança nascida de membros de ambos os clãs era imediatamente eliminado.

— Se tiver um pouco de decência, não a reclamará. O fato de ver-se obrigada a escolher entre os dois clãs poderia destrui-la. E você sabe tão bem como eu que sua gente não a aceitará. Tentariam matá-la.

O sorriso de Judah provocou um calafrio de terror em Mercy.

— Então, admite que é minha.

— Não admito nada.

Judah se aproximou e a agarrou pela nuca com força, entrelaçando os dedos com seu cabelo. Se ela quisesse, poderia lutar com ele naquele momento, ali mesmo, física e mentalmente. Entretanto, tinha aprendido desde muito jovem a escolher suas batalhas, a economizar força para os momentos em que mais necessitasse dela. Ela se manteve firme, sem aceitar nem rechaçar seu gesto, encarando com calma seu inimigo mortal.

—Quando soube que eu era um Ansara? — perguntou Judah.

— Assim que concebi sua filha — confessou ela.

Ele a atraiu para si até que só um centímetro separou seus lábios dos dela.

— Então deve ter sido na última vez que fizemos amor. Se tivesse sido antes, qualquer das vezes anteriores, teria me deixado.

“Nem sequer deixei você na última vez, quando sua semente arraigou em mim e soube que traria para este mundo uma Ansara. Fiquei contigo até que dormiu por causa de um antigo encantamento que Sidonia tinha me ensinado. Quando soube que não ia despertar durante horas, procurei e encontrei a marca dos Ansara em seu pescoço, sob seu cabelo comprido”.

Judah roçou os lábios com os seus. Ela respirou profundamente.

— Eu soube que era uma Raintree desde o primeiro momento em que vi você. E não fiz caso do senso comum, que me dizia que me afastasse de ti porque só me causaria problemas. Mas não pude resistir. Era a criatura mais bela que já tinha visto em minha vida.

“E eu não pude resistir a você. Desejava-o como nunca tinha desejado outro homem. Era um estranho, e de qualquer modo me entreguei a você. Quis você”.

Inclusive naquele momento, era difícil para Mercy admitir toda a verdade, porque era algo atroz. A simples ideia de ter se apaixonado por um Ansara era uma abominação, uma traição imperdoável para seu povo.

Se Gideon e Dante soubessem que sua adorada sobrinha era meio Ansara...

— Foi um entretenimento delicioso — disse Judah, e ela sentiu sua respiração cálida contra os lábios. — Mas não ache que tornei a pensar em você durante estes sete anos. Não foi nada para mim então, e agora tampouco. Mas Eve...

— A única maneira que terá de conseguir Eve será me matar.

— Poderia matar você tão facilmente como esmagaria um inseto com a bota.

Aquelas palavras proclamavam indiferença, mas suas ações falavam uma linguagem diferente. Judah beijou Mercy possesivamente, surpreendendo-a, e ao mesmo tempo, despertando a fome que só tinha sentido por aquele homem. Tentou resistir a ele, mas se viu impotente contra sua força masculina e também contra sua própria necessidade.

Como podia deseja-lo sabendo quem era?

Quando ambos estavam com a respiração entrecortada, quando ambos estavam excitados, ele interrompeu o beijo e elevou a cabeça.

— Ainda é minha, não é? Poderia tomar você aqui mesmo, e não protestaria.

Mercy se separou dele bruscamente, humilhada por suas próprias ações.

— Sou uma Raintree. Eve é uma Raintree. Não pode nos exigir nada de nenhuma das duas.

— Você não é importante. Não foi mais que o recipiente que acolheu minha filha. Mas Eve sim é muito importante para mim. É uma Ansara, e quando chegar o momento preciso, reclamarei-a.

Mercy notou uma verdade pavorosa quando teve um vislumbre da mente de Judah. Assim que ele se deu conta de que ela tinha invadido seu pensamento, protegeu-se e a expulsou. Entretanto, ela pôde ver sua própria morte. A morte pelas mãos do pai de sua filha.

— Se me matar, Dante e Gideon...

—Dante e Gideon são a menor de minhas preocupações neste momento.

— Se me fizer mal ou se tenta levar Eve, meus irmãos lutarão contigo até a morte.

— Não é momento para que ninguém mais saiba da existência de Eve. Tenho um inimigo que mataria Eve se soubesse que é minha filha. E muitos outros iriam querer aniquilá-la só porque é uma mistura de sangue.

— Você atravessou a barreira que protege Eve desde antes de que nascesse — disse Mercy. — Se seriamente desejar que esteja a salvo, terá que me ajudar a reforçar essa barreira. Agora que o conhece, e que você a conhece, será necessário que os dois a protejamos. Ajudará-me?

— Seriamente vai confiar em mim para que a proteja? — perguntou-lhe Judah. — Depois de tudo, os Ansara têm a obrigação de destruir as crianças como ela.

— Eu a quero com toda minha alma, apesar de que seja Ansara, e faria qualquer coisa para protegê-la.

— E por que acha que eu faria o mesmo?

— Porque os laços de sangue são muito fortes.

— Se acha que eu não faria mal a Eve, por que me ocultou sua existência durante sete anos?

— Tinha medo que me tirasse ela — respondeu Mercy. — Não podia permitir. Se tivesse tentado... Se tentasse agora... Dante e Gideon se uniriam a mim, e os três impediríamos que a levasse.

— Pode ser que tentassem, mas...

Mercy notou que Judah se deu conta de tudo. Ele sorriu lentamente, especulativamente.

— Dante e Gideon não sabem que Eve é Ansara, não é? Tinha medo de sua reação, talvez temesse que a matassem.

— Não! Meus irmãos nunca fariam mal a Eve. Os Raintree não assassinam crianças inocentes.

— Então, a quem estava protegendo ocultando a verdade?

— Queria proteger Eve da verdade. Deveria ter sabido que logo se daria conta de que era mais que uma Raintree, e que finalmente o buscaria e encontraria.

— Os laços de sangue são muito fortes — disse Judah, repetindo suas palavras.

— Então, estamos de acordo que a protegeremos?

— Nós nunca estaremos de acordo — replicou ele. — Mas no momento, sim, ajudarei você a manter o segredo. Será difícil, agora que Eve sabe que sou seu pai. Por ser tão pequena, ainda não tem domínio completo de seus poderes, e só isso a põe em perigo. Como ela é incapaz de dominar seu poder, nós devemos fazer isso por ela. Por seu próprio bem.

— Pode tentar isso. Eu tentei subjugar seu poder de vez em quando, para mantê-lo sob controle, mas... — Mercy não quis admitir a verdade diante aquele homem, aquele Ansara que podia tentar usar os insólitos dons de Eve contra os Raintree.

— Seu poder é tão grande? — perguntou ele.

Mercy não respondeu. Tinha medo de ter falado muito.

— Eve tem um poder que soma os de um Raintree e um Ansara — disse Judah com assombro. — Herdou seu poder e o meu, não é assim? Deus Santo, você se dá conta? Nossa filha possui mais poder que ninguém mais nos dois clãs.

— Mais que você e eu — disse Mercy. Depois, baixou a cabeça e, em silêncio, começou a recitar um antigo feitiço.

Imediatamente, ele a agarrou pelos braços. Ela se sobressaltou. Não tinha se dado conta que Judah, de algum modo, tinha descoberto o que pretendia.

— Não funcionará — avisou a Mercy. — Não pode usar sua magia comigo. Não permitirei.

Mercy se concentrou e lançou um forte golpe mental ao corpo de Judah, diretamente ao estômago. Ele grunhiu de dor, e depois estreitou os olhos e abrasou o escudo protetor de Mercy para vingar-se, inflingindo-lhe uma intensa dor no ventre. Ela gritou, e depois extinguiu o fogo que a queimava por dentro.

— Seriamente acredita que é tão forte como eu, que pode me vencer?— perguntou Judah.

— Sim.

Então, ele a olhou com ceticismo.

— Está diferente — disse ele. — E não é só porque tenha amadurecido e tenha desenvolvido todo o poder de empatia que possui. Esse foi sempre seu destino. Ter minha filha a mudou — prosseguiu Judah. — Dar a luz a Eve aumentou seu poder. Você também é mais que uma Raintree, não é?

— Não, eu não...

— Cale-se! — ordenou-lhe Judah. — Controla seus pensamentos e sua língua.

— Por quê? Do que tem tanto medo? Seu inimigo é tão poderoso para ameaçar sua vida?

Naquele preciso instante, Cael tinha começado a lutar contra o feitiço com que Judah tinha bloqueado sua capacidade telepática. Suas maldições estavam bombardeando Judah, que sabia que não podia enfrentar ao mesmo tempo Mercy Raintree e Cael Ansara. Os dois eram muito poderosos, e os dois eram seus inimigos.

Os pensamentos de Cael eram um caos de raiva e histeria, mas enquanto lutava contra o encantamento de Judah, revelou mais de sua mente do que teria desejado. Cael estava decidido a precipitar a guerra com os Raintree, e tinha posto em movimento uma série de ações que já não podiam parar.

Ricocheteou por toda a mente de Judah a traição de seu irmão, não só para ele, mas também para todo o clã. Os Ansara não estavam preparados para a luta final. Se Cael os obrigasse a lutar naquele momento, seriam vencidos, e naquela ocasião, Judah não contava com a benevolência dos Raintree. Duzentos anos antes, os Raintree tinham deixado com vida alguns Ansara, entre eles, a filha mais nova do velho Dranir. Através da Dranira Melisande se conservou o sangue real.

— Judah? — disse Mercy.

— Silêncio!

“Não me dê ordens”, disse ela telepaticamente.

“Se desejas que sua filha esteja a salvo, não só a proteja com as palavras, mas também com o pensamento”, advertiu Judah.

Ela o olhou fixamente, mas não disse nada. Então, notou uma barreira entre eles. Embora Mercy não soubesse nada de Cael, entendia que alguém, além de Judah, representava uma ameaça para Eve.

 

Capítulo 4

 

— Essa besta não passará a noite no Santuário — declarou Sidonia com veemência. — Não pode permitir isso.

— Vai ficar — respondeu Mercy, — até decidirmos qual é a melhor forma de proteger Eve.

Sidonia agarrou Mercy pelo braço.

— É dele de quem tem que protegê-la. Ele é um Ansara, a criatura mais vil da terra. Pura maldade.

— Cale-se — disse Mercy.

— Não me importa que me ouça — disse Sidonia.

— Eu não quero que Eve ouça você. Ela sabe que Judah é seu pai.

— Pobre criatura.

Mercy suspirou com resignação.

— Judah não vai partir tão facilmente, e temo que não possa obriga-lo a ir se Eve desejar que fique. Entende-me?

— Sim, entendo você perfeitamente. Quer dizer que se pai e filha unirem seu poder, será muito maior que o seu. E como Eve não domina seus poderes, poderia ser perigosa sem querer.

Mercy assentiu, e depois baixou a voz até um sussurro.

— Judah está preocupado com um homem que é seu inimigo, alguém que não é Raintree, um homem que poderia matar Eve se soubesse de sua existência. Eu não sei quem é esse homem, mas estou segura de que é outro Ansara.

— Deveríamos ter limpado o mundo dessa laia faz duzentos anos, quando tivemos a oportunidade. O velho Dranir Dante cometeu um engano ao permitir que alguns deles vivessem.

— Tudo isso é uma velha história.

— Certo — respondeu Sidonia, olhando com reprovação para Mercy. — E por que Judah Ansara veio aqui? E por que estava com ele esta noite?

— Não sei por que veio para a Carolina do Norte. E quanto a estar com ele, não recordo de nada. Só sei que alguém tentou me matar, e que Judah me salvou.

— E por que ia um Ansara salvar uma Raintree? — perguntou Sidonia desconfiadamente. — Não teve contato com ele desde que concebeu Eve, não é?

— Claro que não!

— Mmm... Aqui há gato escondido. Acho que deveria entrar em contato com Dante e contar a ele que um Ansara apareceu no Santuário, que conseguiu cruzar a barreira de proteção.

— Dante vai querer saber como conseguiram.

— Com certeza que sim.

— Mas não posso dizer a ele que consequiu por causa de Eve... Porque ela é meio Ansara.

— Tem que fazer o que for necessário.

— Sou eu quem deve decidir o que é necessário.

— Esse Ansara é uma ameaça para todos nós, para todos os Raintree.

— Judah só é uma ameaça para Eve. É apenas um Ansara, um só homem. Como vai fazer prejudicar todo nosso Clã?

— Telefone para Dante.

— Não.

— Já é hora de contar a seus irmãos a verdade sobre Eve.

— Não. E você tampouco vais chamar Dante, entendido?

Sidonia assentiu.

— Este homem te enganou uma vez, levou você para a cama dele e te deixou grávida. Não permita que a engane novamente. Há sete anos queria sua virgindade, mas agora quer algo muito mais valioso. Quer sua filha.

— Ela também é sua filha, por mais que lamentemos.

— Acho que sabia da Eve antes de vir aqui — disse Sidonia. — É a única explicação para que tenha vindo ver você depois de tantos anos. É possível que, inconscientemente, você...

— Não! Protegi-me de Judah como protegi Eve.

— Mas não estava protegida enquanto dava a luz a menina. Queria que ele estivesse aqui contigo. Não parava de chamá-lo.

Mercy afastou o olhar e deu as costas para Sidonia.

Sidonia se aproximou dela e passou o magro braço pelos seus ombros.

— Eu fiz todo o possível para proteger você e sua filha naquela noite, porque você não podia fazer isso. E, se por algum motivo, agora tampouco pode, deve me deixar que chame Dante.

— Por favor, vá para a cama e dorme um pouco. Preciso ficar sozinha. Preciso pensar.

Sidonia deu-lhe umas palmadinhas de afeto nas costas de Mercy.

— Farei o que você disser — disse Sidonia. — Mas tome cuidado. Não pode permitir que o coração controle a cabeça.

Sidonia partiu e deixou Mercy sozinha. Entretanto, não foi para seu quarto. Antes, passou pelo dormitório de Eve. A princesinha estava adormecida em sua cama, com os cachos loiros estendidos pelo travesseiro. Dormindo, Eve era a imagem da inocência. Acordada, era uma pequena travessa.

Ser travessa não era o mesmo que ser má, disse Sidonia a si mesma. Acariciou suavemente a bochecha da menina enquanto recordava a noite em que nasceu. Mercy tinha pedido a Sidonia que não ninguém mais estivesse presente, e tinha pedido que jurasse que nunca revelaria o segredo da paternidade de Eve antes de entrar em trabalho de parto.

Eve tinha chegado ao mundo uivando, como se quisesse proclamar alto e claro que estava ali. Era um bebê gordinho, rosado, com uma penugem loira pela cabeça e a característica hereditária de todos os Raintree: os assombrosos olhos verdes. A menina era uma perfeita Raintree, salvo pela marca de nascimento que tinha na cabeça, junto a última vértebra. Uma lua crescente de cor azul. A marca dos Ansara.

Mercy tinha agarrado a mão de Sidonia aquela noite e tinha suplicado que nunca dissesse a ninguém que seu bebê era meio Ansara.

— Como é possível? Você nunca teria se entreguado conscientemente a um desses demônios.

— Não sabia que Judah era um Ansara até que... Até que concebi sua filha.

— Chamou por ele quando estava em trabalho de parto. Inclusive sabendo o que é, continua desejando sua presença.

Mercy tinha afastado os olhos. Uns olhos cheios de lágrimas.

Foi então quando Sidonia soube que Mercy amava o pai de sua filha. Que Deus a ajudasse.

 

Mercy sentiu a presença de Judah. Não estava junto a ela, mas estava perto. Fora.

Atravessou o quarto, abriu a cortina e olhou pela janela para o jardim. Judah estava no terraço de pedra, à luz da lua, rígido como uma estátua. Era muito bonito, e irradiava um aura de força e masculinidade que nenhuma mulher poderia resistir.

Uma vez, ela tinha sido incapaz de resistir. Durante o breve período de um dia e uma noite, tinha acreditado nas suas mentiras, rendeu-se a seus encantos, entregou-se livre e completamente.

Por Eve, tinha albergado a esperança de não voltar a ver Judah. E, por si mesma, também. Por mais que o desprezasse, ela não o odiava. Odiá-lo teria sido como odiar uma parte de Eve.

Entretanto, sabia que Judah era seu inimigo, e que também era o inimigo de sua filha. Os Ansara tinham decretado muito tempo atrás que qualquer criança nascida de uma união entre membros dos dois clãs devia morrer.

Judah tinha ido até ali para matar Eve?

Não, aquilo não era possível. Ele tinha ficado verdadeiramente impressionado ao saber da existência de sua filha.

Mas, uma vez que já sabia...

Enquanto observava as costas escuras de Judah, seus ombros largos e seu cabelo negro, Mercy se perguntou em voz alta:

— Como é possível que o tenha amado alguma vez?

De repente, Judah se voltou para ela e olhou para cima, para ela. Mercy se sobressaltou, mas não se acovardou, nem fugiu de seu intenso olhar.

“Mercy”.

Ela ouviu como a chamava telepaticamente.

“Se feche para ele”, disse a si mesma. “Não o escute”.

E então, ouviu sua risada. Sua risada profunda e grave. Sua reação o tinha divertido.

“Maldito seja, Judah Ansara!”.

Sem aviso prévio, a sensação de dedos acariciando sua pele envolveu Mercy. Durante alguns instantes, aquelas carícias sedutoras a hipnotizaram.

—Recorda.

Ouvir aquela palavra dos lábios de Judah rompeu o feitiço e permitiu a Mercy levantar uma barreira protetora contra a tentação.

   Judah deu a volta para não ver Mercy e se afastou pelo pátio traseiro da residência da família real dos Raintree. Os Ansara sabiam pelo menos cem anos antes onde estava aquele Santuário, mas até que a geração de Judah tivesse chegado ao poder, os Ansara não se atreveram a provocar seus arqui-inimigos. Quando era criança, seu pai havia dito a Judah que quando se tornasse Dranir seu destino seria conduzir seu povo contra os Raintree.

Seu destino, não o de Cael.

Mas ainda não tinha chegado o momento. Faltavam cinco anos para que os Ansara estivessem preparados para se elevar contra seu inimigo e vencer. Se os Ansara se expusessem novamente a uma derrota, os Raintree não seriam tão benevolentes como no passado. Sabia porque quem era seu Dranir: Dante Raintree, um homem muito parecido com Judah em muitos sentidos. Um oponente a sua altura, alguém que podia ser tão grosseiramente brutal como o próprio Judah.

E era o irmão mais velho de Mercy.

Judah havia estabelecido seu direito de matar os dois. A Dante, porque era seu direito de Dranir lutar até a morte com o Dranir dos Raintree. A Mercy, por que...

Porque era sua, e ninguém mais tinha direito de tirar sua vida.

E Eve?

Eve era apenas uma menina de seis anos. E era sua filha.

Como Dranir, ele tinha o poder para derrogar o decreto que condenava a morte todos as crianças nascidas de um membro dos Raintree e de um dos Ansara. Entretanto, queria fazer isso?

Não seria muito mais fácil matar Eve naquele momento, antes que desenvolvesse todos seus poderes?

“Mas, como vou mata-la? É minha filha”.

Se sua morte significasse o bem dos Ansara, seria capaz de assassinar sua própria filha? Poderia fazer isso?

Eve era uma complicação que ele não esperava. E naquele momento, ele já tinha problemas suficientes tentando controlar Cael. Sabia que, sem dúvida, era seu irmão quem tinha ordenado que o matassem. Judah sabia também que devia proteger a monarquia e o clã de uma força tóxica como a de Cael.

Deveria retornar a Terrebonne na primeira hora da manhã. Quanto mais tempo permanecesse longe dali, mais caos provocaria Cael.

Mas... E Eve?

Mercy a tinha protegido durante seis anos, e continuaria protegendo-a. Além deles dois e da babá, ninguém mais sabia que Eve era meio Ansara e meio Raintree.

Eve sabia.

Quem protegeria Eve de si mesma?

Seria apenas questão de tempo até que ela pudesse atravessar as barreiras protetoras de sua mãe, se quisesse. E se Eve tentasse entrar em contato com ele? O que poderia ocorrer? Se ela começasse a enviar vibrações ao universo, não havia maneira de saber quem poderia intercepta-las...

Se Cael soubesse da existência de Eve... A usaria contra Judah.

Naquele momento, Judah se deu conta que não queria que acontecesse nada de mau para aquela menina. Ter uma filha o tinha tornado vulnerável. O mero fato de ter uma fraqueza o encolerizava, mas não podia voltar no tempo. Não podia impedir a concepção de Eve.

Quando chegasse o momento propício e os Raintree fossem derrotados, Eve ocuparia seu lugar de princesa Ansara. Enquanto isso, Judah a deixaria ali com Mercy. Antes de ir, no entanto, se asseguraria que estavam a salvo.

Sim, as duas. Mãe e filha. Até que ele se encarregasse de Cael e soubesse que Eve estaria a salvo com seu povo, precisava que Mercy cuidasse e protegesse da menina.

Entretanto, como poderia levar Eve sem matar Mercy e sem provocar a fúria de Gideon e Dante?

Aquela pergunta não era fácil de responder, se é que existia a resposta.

Sempre que estava intranqüilo, quando os problemas eram uma pesada carga sobre seus ombros, Judah caminhava. Algumas vezes, percorria quilômetros. Precisava mais do que nunca sentir o ar fresco da noite, clarear a cabeça e traçar um plano antes do dia seguinte.

  

Cael abriu as portas que conduziam ao terraço de sua casa de praia. A raiva que tinha sentido contra seu irmão tinha ficado reduzida a amargura. Judah era orgulhoso e arrogante, e estava muito seguro de sua posição de Dranir. O filho amado. O escolhido.

Os dias de Judah estavam contados. Cael tinha passado os últimos anos plantando pouco a pouco a semente da anarquia no clã Ansara. A metade dos guerreiros jovens estavam preparados para a batalha, ansiosos por demonstrar o que eram capazes de fazer, mas só uns poucos eram leais a Cael. Judah possuía uma grande ascendência sobre o clã. Entretanto, estava perto o dia em que Judah e ele teriam que enfrentar seu futuro. Um destino. Ganhar e perder, os lados opostos da moeda. A derrota de Judah. A vitória de Cael.

Por que seu irmão continuava na América, na Carolina do Norte, perto das terras dos Raintree? O que o mantinha ali mais tempo que o necessário?

Quando esteve se comunicando com Judah, Cael tinha captado uma visão de algo, só um brilho, antes que seu irmão tivesse estabelecido uma barreira entre eles e tivesse protegido seus pensamentos.

Não, não uma visão de algo, e sim uma visão de alguém.

Olhos verdes. Os olhos dos Raintree.

“Tenho que descobrir o que é o que Judah está me escondendo. Há algo que não quer que saiba. Um segredo. Um segredo de olhos verdes”.

 

Capítulo 5

  

Segunda-feira, 5:00 da madrugada

 

Judah parou no topo de uma pequena colina, a um quilômetro da casa Raintree, rodeado pela escuridão, tentando tomar a decisão mais acertada. De repente, seu pequeno celular vibrou. Ele o tirou do bolso e olhou a tela. Claude.

Seu primo e ele se comunicavam telepaticamente as vezes, mas aquele tipo de comunicação requeria um gasto de energia considerável, e além disso, qualquer um que tivesse as mesmas habilidades podia interceptar os pensamentos que se transmitiam. Então, era melhor telefonar. A última coisa que Judah precisava naquele momento era que Cael escutasse suas conversas particulares.

— Levantou muito cedo — disse Judah a seu primo.

— Onde está? — perguntou Claude.

— Aconteceu alguma coisa?

— Não estou certo. Talvez não seja nada. Bartholomew me telefonou faz um instante — respondeu Claude. — Cidra teve uma visão.

Aqueles dois anciões membros do conselho estavam há mais de cinqüenta anos casados. Bartholomew possuía muitos poderes em diferentes graus de intensidade, e sua mulher era uma vidente de grande talento. O estômago de Judah encolheu.

— Conte-me.

— Viu fogo e sangue. No centro do incêndio havia uma coroa de Dranir. Um Dranir Raintree. E dentro do atoleiro de sangue havia uma arma que disparava raios.

— Sabemos que Dante Raintree possui muitas das mesmas capacidades que eu, incluído o domínio do fogo.

— Sim. Por isso pensamos que a visão de Cidra estava relacionada com ele e... — Claude titubeou durante um instante. — O príncipe Gideon é detetive de homicídios, não? E acredito que seu dom está relacionado com a eletricidade e suas manifestações, como os raios.

— Acha que a visão de Cidra tem a ver com os irmãos Raintree, mas não me disse por que é importante para nós, os Ansara.

— O fogo e o sangue vinham de Cael. Cidra o viu. Antes de cair em um sono profundo, disse a Bartholomew que não era uma profecia, mas era algo que já tinha ocorrido. Acredita que Cael já atacou o Dranir dos Raintree e seu irmão.

A terra se abriu sob os pés de Judah. Sentiu uma raiva que provocou fogo nas gemas dos dedos. Apertou os punhos e extinguiu as chamas. De suas mãos saíram algumas espirais de fumaça.

—Cael tem que ser detido — disse.

— Tem um grupo de seguidores pequeno, mas leal. Também teremos que enfrenta-los.

— Precisamos nos mover com rapidez. Fale apenas com aqueles de sua confiança. Reuna informação. Eu estarei em casa esta tarde.

— E por que o atraso? Cidra acha que deveríamos contra-atacar rapidamente para mitigar o efeito do que Cael tenha conseguido fazer.

— Aqui há complicações.

— Onde está?

— No Santuário dos Raintree.

— Dentro do Santuário?

— Sim.

— Esse lugar não está rodeado por um campo de força? Como entrou sem alertar...

— Explicarei isso a você quando o vir esta tarde.

— Essas complicações de que fala têm algo a ver com Mercy Raintree?

— Como?

— Foi para a Carolina do Norte salva-a de Greynell, não foi?

— Ele não tinha direito de matá-la. Ela é minha. Pensava que você e o resto dos membros do conselho entendiam minhas razões para vir salvar sua vida.

— Não questiono seu direito de matá-la e seu irmão Dante quando chegar A Batalha, mas... Conheço você, Judah. Conheço você melhor que ninguém. Vi o interior de sua mente.

— E eu também vi o interior da sua, mas não entendo aonde quer chegar.

— Vi Mercy Raintree em sua mente em várias ocasiões, antes que fosse capaz de bloquear seus pensamentos sobre ela.

Judah não podia negar a acusação de Claude.

— Já sabe que me deitei com ela faz anos — disse Judah. — Eu tomei a virgindade da princesa Raintree.

— Então, continua ai por causa dela? — grunhiu Claude. — Não há dúvida que ela tampouco conseguiu esquecer você.

— Ela não tem importância. O que ocorre é que devo resolver algo com Mercy Raintree antes de voltar para Terrebonne.

— Muito bem — respondeu Claude. — Falarei com Benedict e Bartholomew. Convocaremos uma reunião particular para esta noite e faremos planos para deter Cael antes que faça outro movimento prematuro contra os Raintree e faça com que sua ira caia sobre nós.

— Se cuide — lhe advertiu Judah. — Não dê as costas para Cael nem um segundo. Se estiver o suficientemente crescido para enviar um assassino me matar, você tampouco está seguro. Ninguém que me guarde lealdade está seguro.

 

Segunda-feira, 5:35 da madrugada

 

Quando soou o telefone, Mercy desprendeu o auricular de sua mesinha de noite, levantou-se na cama e olhou o número de que chamavam na tela de identificação. Era Gideon.

— O que aconteceu?

— Não se assuste — disse rapidamente seu irmão. — Estou bem, e Dante também.

— Mas?

— Houve um incêndio no cassino de Dante.

— Um incêndio grave?

— Me disse que podia ser pior, mas que foi importante.

— Está seguro de que está bem?

— Sim. Telefounou-me faz algumas horas e me pediu que ligasse para você. Não queria que nenhum dos dois lessemos no jornal ou víssemos nos noticíarios.

— O incêndio deve ter sido grave se Dante acha que informarão sobre ele nos noticiários nacionais.

— Sim. Provavelmente.

— Tomara que não me ocultassem as coisas constantemente. Se...

Gideon resmungou entre dentes.

— É nossa irmã mais nova. Nós não gostamos que se meta em nossas cabeças e que se envolva em nossa vida particular.

Mercy não fez caso daquela explicação, como tantas vezes antes, e perguntou:

— Vai a Reno para se assegurar que está bem e ajudar no possível?

Se ela não tivesse aquela situação no Santuário, iria em pessoa a Reno no próximo avião. Entretanto, naquele momento não tinha mais remedeio que enfrentar Judah Ansara.

— Dante disse que não nos preocupássemos, que pode resolver as coisas por si mesmo. Mas vai estar muito ocupado durante os próximos dias, então não se preocupe se não nos telefonar durante um tempo.

— Se voltar a falar com ele, mande um beijo de minha parte. Diga a ele... Gideon?

— O que foi?

— Nada — mentiu ela. — É só que... Preocupo-me com Dante e com você.

— Somos os mais velhos. Sabemos nos cuidar. Você cuida do Santuário e de Eve.

— Muito bem.

— Tenho que desligar.

— Amo você — disse Mercy.

— Sim, eu também.

Mercy desligou o fone e suspirou. Seria capaz de cuidar realmente de Eve tendo que protegê-la de seu próprio pai? Não havia tornado ver Judah desde a noite anterior, e não tinha idéia de onde estava aquela manhã. Não percebia sua presença na casa, assim ao menos no momento, Eve estava a salvo. Entretanto, onde estava Judah, e o que estava fazendo? Provavelmente, idealizando um plano para levar Eve.

Ou algo pior.

 

7:00 da manhã

 

— Como não sabe aonde foi? — perguntou Sidonia, lançando a Mercy um olhar de aborrecimento. — Não ficou aqui ontem à noite?

Mercy estava pondo a mesa para quatro. Sabia, instintivamente, que Judah iria tomar o café da manhã com elas. Estivesse onde estivesse, não tinha saído do Santuário. Se tivesse saído, ela saberia. Mercy percebia a presença de todas as criaturas viventes que havia dentro dos limites das terras dos Raintree. Era seu domínio. Sua responsabilidade.

— Não ficou dentro da casa — respondeu Mercy. — Mas ainda está aqui.

— Certo — resmungou Sidonia.

Depois continuou preparando o café da manhã, olhando de vez em quando para Mercy para comprovar seu estado de ânimo. Enquanto tirava os ingredientes dos armários, de costas para Mercy, disse:

— Ouvi soar o telefone muito cedo esta manhã...

— Gideon telefonou. Houve um incêndio no cassino de Dante. Ele está bem, mas parece que houve danos materiais, tantos para que informem do incêndio nas notícias nacionais.

Mercy sentiu a presença de Judah assim que ele entrou na cozinha, um segundo depois que ela falou.

— Surpreende-me que nenhum dos adivinhos dos Raintree tenha sido capaz de predizer o incêndio — disse.

Mercy não respondeu. Sidonia o atravessou com um olhar venenoso, mas tampouco disse nada.

— Temos que conversar — disse Judah para Mercy. — Em particular.

— Sidonia está preparando o café da manhã. Vai tomar o café da manhã conosco? Eve descerá logo, e suponho que vai querer vê-la antes de partir.

Judah sorriu ligeiramente, como se Mercy o divertisse.

— Interessante. Uma Raintree sendo hospitaleira com um Ansara.

— Não com qualquer Ansara. Depois de tudo, você é o pai de Eve.

— Algo que você preferiria esquecer, dado que o manteve em segredo para mim e para seus irmãos durante mais de seis anos.

— Posso ser razoável se você também for.

— E o que implica ser razoável?

— Estou disposta a permitir que visite Eve. Podemos organizar...

— Não.

— Se preferir não vê-la, é...

— Prefiro levá-la

— Não.

— Não disse que vou levá-la, apenas que isso é o que preferiria fazer.

A porta da cozinha se abriu de par em par. Eve apareceu de pijama, com um leão de pelúcia em uma mão. Primeiro se aproximou de Mercy, que a tomou nos braços e lhe deu um beijo. Com Eve sobre o quadril, olhou para Judah.

— Terminaremos a conversa depois de tomar o café da manhã.

— Papai vai tomar o café da manhã conosco? — perguntou Eve.

— Sim — respondeu Mercy.

Eve se retorceu até que sua mãe a deixou no chão. Então, a menina se aproximou de Judah.

— Bom dia — disse a ele.

— Bom dia — respondeu Judah, observando sua filha.

Eve esperou. Mercy sabia que a menina queria que Judah a respondesse de algum modo paternal, acariciando seu cabelo, ou lhe dando um beijo na bochecha, ou conversando com ela. Como Judah não fez isso, Eve tomou as rédeas da situação. Mostrou-lhe o leão de pelúcia.

— Tenho muitos animais e muitas bonecas — disse a ele. — Este é meu favorito. Eu mesma o escolhi quando era pequena, não é, mamãe? — olhou para Mercy, que assentiu. — Se chama Jasper.

A expressão de Judah se endureceu como se Eve houvesse dito algo que o tinha aborrecido.

— Zangou-se comigo, papai? — perguntou Eve.

— Não.

— O que está pensando? Não posso ler sua mente, mas não importa. Mamãe tampouco me deixa que leia a dela.

— Quando era pequeno, tinha um leão como mascote. Um de verdade — disse Judah.

— E se chamava Jasper, não era? — perguntou Eve, com um sorriso de orelha a orelha, como se houvesse resolvido um quebra-cabeças muito complicado.

— Sim — respondeu Judah.

Eve elevou o braço e tomou seu pai pela mão. Durante um instante, seus olhos piscaram e sua cor variou do verde para o dourado. Depois, voltaram a ser verdes. O coração de Mercy parou durante uma fração de segundo.

“Imaginei isso”, disse a si mesma.

Entretanto, sabia que não era verdade. Tinha ocorrido algo muito poderoso entre Judah e Eve, embora nenhum dos dois tivesse se dado conta.

Mercy sabia. Sentia na alma.

Durante todo o café da manhã, Eve tagarelou como um papagaio, informando Judah de tudo o que gostava, o que não gostava, e do que fazia diariamente. Contou-lhe a história de sua vida. Mercy brincou com a comida do prato, mas Judah comeu com apetite.

— Se tiver terminado, vamos o escritório — disse Mercy a Judah enquanto se levantava da mesa.

Ele olhou para Sidonia.

— O café da manhã estava delicioso. Obrigado.

Sidonia grunhiu e lançou-lhe um olhar assassino.

Ele riu. Depois deixou o guardanapo sobre a mesa e se levantou. Cedeu a vez a Mercy com um gesto cavalheiresco e disse:

— Adiante.

Eve saltou da cadeira para o chão.

— Eu também.

— Não — disse Mercy. — Você fica aqui com Sidonia. Judah... Seu pai e eu precisamos...

— Vão falar de mim — disse Eve, com as mãos nos quadris e o cenho franzido. — Eu também tenho que estar lá para dizer o que penso.

— Não — repetiu Mercy.

— Sim — disse Eve, e deu uma patada no chão.

— Ficará com Sidonia.

Eve olhou para Judah.

— Eu também quero ir. Por favor, papai.

Antes que Judah tivesse oportunidade de responder, Mercy disse:

— Pare com isso, jovenzinha. Ficará com Sidonia.

Depois olhou para Judah fixamente, como se o estivesse desafiando que a contradissesse.

De repente, um copo vazio voou da mesa e se chocou contra a parede. Depois outro, e outro. Em um minuto, todos os pratos, os copos e as xícaras da mesa voaram pelo ar em um redemoinho frenético. Todos terminaram em pedacinhos.

Mercy se concentrou em sua filha e usou seus poderes para rebater os de Eve e terminar com aquela birra. Cada ano que passava, os poderes de sua filha eram mais fortes, e Mercy sabia que chegaria um dia em que a superariam. Desejava com todas suas forças que, então, Eve fosse amadurecida o suficiente para dominar-se.

— Fará o que diz sua mãe — ordenou Judah a Eve. — Ficará com sua babá.

Sabendo que tinha sido derrotada, Eve franziu os lábios e se preparou para deixar cair uma lágrima.

— Sidonia, que Eve limpe tudo o que quebrou — disse Mercy. — E não quero que a ajude.

— Papai! — disse Eve, olhando para Judah, para que a salvasse do castigo.

Ignorando Eve, Judah segurou o braço de Mercy e a guiou para fora da cozinha. Assim que chegaram ao corredor que conduzia ao escritório, Mercy puxou do braço para escapar dele e se deteve um instante para recuperar a compostura.

— É muito travessa, não é? — perguntou Judah.

— Parece que se orgulha disso.

— Preferia que fosse um ratinho chorão e fraco?

— Imagino que você também foi sapeca quando criança, não?

— Ainda sou — respondeu ele em tom zombador.

Aquele era o Judah que ela recordava, um homem encantador com senso de humor. Tomara tivesse sabido, todos aqueles anos atrás, que embaixo daquele encanto havia uma besta selvagem que era capaz de arrancar seu coração.

Mercy se separou dele e, sem olhar para atrás, começou a caminhar pelo corredor. Quando chegaram ao escritório, ambos se sentaram, e ela começou a falar.

— Eve é minha filha. É uma Raintree. Não permitirei que lhe faça mal, e nunca permitirei que a leve.

— Assim não podemos chegar a nenhum acordo.

— Não.

— Então digamos que, por enquanto, estou de acordo contigo. Deixarei Eve aqui com você, porque sei que continuará cuidando de minha filha como tem feito desde que nasceu.

Mercy não confiava em Judah, e tinha bons motivos. Ele havia dito que deixaria Eve com sua mãe no momento. Significava isso que tinha intenção de reclamar Eve no futuro?

— Eve ficará aqui comigo até que seja adulta — disse Mercy. Queria que Judah entendesse com clareza.

— Agora não quero discutir o quando e como — respondeu Judah. — Partirei esta tarde, e Eve ficará aqui com você.

— Mas pensa em voltar.

— Algum dia.

— Não.

— Que eu não parta? — perguntou ele em um tom zombador.

— Que não volte nunca.

— Tinha esquecido o quanto é enérgica —disse Judah, olhando-a dos pés a cabeça. — Na realidade, tinha esquecido muitas coisas deliciosas sobre você.

Mercy se obrigou a não responder suas provocações, a não mostrar nenhum sinal de emoção. Lentamente, ficou em pé.

— Não vejo necessidade que fique um minuto mais. Se parecer bem para você, posso fazer que o levem aonde quiser imediatamente.

Judah se acomodou na cadeira.

— Partirei esta tarde. E eu mesmo arrumarei o assunto de meu transporte.

— E por que quer ficar ?

— Quero passar algumas horas com minha filha.

— Não.

— Não faça disto um concurso de poderes — disse Judah. Levantou-se do sofá e enfrentou Mercy. — Não queremos que as coisas sejam desagradáveis, não é? Muito menos na frente de nossa filha.

— Se permitir a você que passe umas horas com o Eve, promete não machucá-la? E isso inclui qualquer tipo de adestramento mental ou emocional. Além disso, quero que parta daqui sem ela e não volte mais.

— Prometo a você que partirei sem ela. E não há necessidade de que eu tente debilitar a parte Raintree da natureza de Eve. Sua parte Ansara está adormecida em seu interior, mas um dia se fará dominante e Eve será uma verdadeira Ansara.

Mercy odiou Judah por pintar uma cena tão horrível no futuro de Eve, mas ele não havia dito nada sobre o que ela não tivesse pensado mil vezes desde que sua filha tinha nascido.

— Pode passar algumas horas com Eve, mas não a sós — disse. — Sidonia os acompanhará.

— Não, Sidonia não — replicou Judah. — Se não quer que esteja a sós comigo, então você pode ficar com ela. Conosco.

  

Terrebonne, segunda-feira, 10:30 da manhã

 

Cael estava desfrutando de seu café da manhã no terraço, sozinho. Embora Alexandria e ele tivessem consumado sua relação e ela acreditasse que um dia seria sua Dranira, ele não tinha intenção de ser fiel a ela, nem naquele momento, nem no futuro.

Enquanto tomava um copo de suco de laranja, olhou para o interior da casa através das portas duplas, e fixou o olhar na tela da televisão. O canal de notícias mostrava novamente imagens do incêndio do cassino de Reno. O cassino de Dante Raintree.

Cael sorriu.

Tinha enviado alguns de seus melhores guerreiros para Raintree com um objetivo: destruir os Raintree. Dante ainda estava vivo, mas tinham lhe dado um duro golpe. Tinham conseguido, em parte, completar a missão.

Além disso, Cael tinha enviado uma Ansara muito especial a Wilmington, na Carolina do Norte. Tabby era uma perversa psicopata, perfeita para o trabalho que tinha lhe dado. Antes que se deflagrasse A Batalha contra os Raintree, coisa que ocorreria em uma semana, Cael queria que todos os irmãos da família real tivessem morrido. Infelizmente, ainda estavam com vida, mas apenas no momento. Ao menos Echo, a primeira vidente dos Raintree, sim tinha morrido, graças a Tabby.

Cael tinha jogado um feitiço que cegava a visão de outros videntes e adivinhos, mas Echo era muito poderosa para ser afetada por aquele feitiço, então tinham tido que eliminá-la. Embora Cael acreditasse que os Ansara estavam bem preparados para vencer a guerra contra os Raintree, queria ter o fator surpresa de seu lado, e isso seria muito mais simples com Ecgo Raintree morta, incapaz de profetizar a aniquilação de seu clã.

Vingança contra os Raintree. Que vitória tão doce seria.

Os planos de Cael estavam se completando com precisão, embora tivesse apenas um punhado de fiéis seguidores. Era muito tarde para voltar atrás, muito tarde para que Judah pudesse deter o inevitável. Com os golpes que já tinham atingido os Raintree, seria apenas questão de tempo que se dessem conta que os Ansara eram os responsáveis. O conselho se daria conta de que era o momento perfeito para atacar, antes que os Raintree suspeitassem que os Ansara eram novamente um clã poderoso e forte. E as súplicas de Judah para esperar outros cinco anos só encontrariam ouvidos surdos. Inclusive ele, o Dranir supostamente invencível, teria que se lançar na batalha ao lado de Cael.

Judah morreria na guerra, é obvio. Cael se asseguraria disso. E as pessoas chorariam sua perda. Mas por trás daquela doce vitória, colocariam Cael no posto que lhe correspondia por direito: no trono do novo Dranir.

Não podia permitir que nada interferisse em seus planos. Estava muito perto de conseguir o que sempre tinha desejado, e não devia permitir nenhuma dúvida.

Entretanto, não podia evitar recordar o que tinha visto, por um segundo, na mente de Judah na noite anterior. Queria ter podido perceber mais antes que Judah o expulsasse e protegesse seus pensamentos. No entanto, tinha visto o suficiente para preocupar-se. Por que Judah não havia voltado para casa? O que era o que o retinha na América? Quem?

Fosse quem fosse, tinha os olhos verdes dos Raintree.

Talvez Mercy Raintree.

Faria Judah algo mais que salvar a vida da princesa?

Cael tinha intenção de descobrir qual era o segredo de Judah. Pegou o celular e discou o número de Horace, um de seus leais ajudantes. Quando Horace respondeu, disse a ele:

— Preciso que descubra todo o possível sobre Mercy Raintree e qualquer um que viva no Santuário. Sua investigação deve ser discreta. Não podemos nos arriscar que Judah saiba, entendido?

— Sim, senhor, entendo.

— Preciso dessa informação imediatamente.

Cael desligou, pegou o garfo e começou a devorar os ovos Benedict que sua cozinheira tinha preparado. Perfeitos. De acordo com suas especificações. Quando fosse o Dranir, tudo se faria de acordo com suas ordens. Não só por parte dos Ansara, mas também também por parte de todos os humanos. Tudo ser vivente adoraria ao deus em quem ia se transformar.

 

 

Capítulo 6

 

Segunda-feira, 11:00 da manhã

 

Judah sempre soube que, como Dranir dos Ansara, devia ter um filho, um sucessor que herdasse o trono. Entretanto, nunca tinha pensado na paternidade, e se o tivesse feito, teria imaginado um filho varão. As mulheres eram diferentes. Uma filha precisava de uma proteção que um filho não precisava. Proteção dos homens como o que ele mesmo tinha sido sempre.

Enquanto observava como Eve recolhia flores no campo, pensou no que representava aquela menina, não só para ele, mas também para os Raintree. Nenhuma criança que fosse uma mistura de ambos os clãs tinha nascido durante séculos, e nenhum tinha sido permitido viver fazia milhares de anos. Quando era jovem, durante seus estudos, sempre tinha pensado que as antiquísimas histórias sobre aquelas crianças não eram mais que invenções dos veneráveis escribas Ansara.

Supostamente, aquelas crianças herdavam o talento de cada um de seus pais, e se tornavam mais poderosas que eles. Entretanto, se os progenitores eram da família real, uma criança nascida de ambos os clãs possuiria a capacidade de criar um clã novo e único, que não seria Raintree nem Ansara.

“Isso é você, minha pequena Eve? A mãe de um novo clã?”.

Tolices! Chegaria o dia em que Eve seria uma Ansara, e embora ele tivesse outros filhos no futuro, ela poderia se tornar a Dranira de seu clã. Ele deveria fazer a escolha.

Entretanto, Eve iria querer o clã que tinha exterminado a família de sua mãe? Estaria disposta a unir suas forças com o homem que tinha matado sua mãe?

— Papai, olhe! — disse Eve, enquanto deixava cair o buquê de flores no chão. — Sei dar cambalhotas.

— Tome cuidado — avisou Mercy. — Não faça tolices.

Eve não fez caso de sua mãe e começou a fazer cambalhotas, cada vez mais rapidamente, até que se movia com tanta velocidade que sua imagem se transformou em um borrão branco.

Judah sorriu. A menina estava se mostrando para ele.

— Eve! Pare antes que se machuque — pediu Mercy.

— Deixe-a — disse Judah. — Está se divertindo. Eu também fazia todo tipo de coisas para chamar a atenção de meus pais.

De repente, Eve parou, mas a força que tinha usado para alcançar tanta velocidade a impulsionou para cima, e chegou a dez metros de altura.

— Oh, Meu Deus! — gritou Mercy.

Antes que Eve caísse, deteve-se a poucos centímetros do chão, onde teria baatido golpeado se não fosse pela intervenção de seus pais. Mercy olhou para Judah e ele olhou para ela, e Judah se deu conta de que os dois tinham usado seus poderes para proteger Eve.

Judah atravessou o campo enquanto com o pensamento mantinha Eve suspensa sobre o chão. Ela sorriu para ele ao ver que se aproximava. Ele a tomou nos braços.

— Mamãe está zangada — disse Eve.

— Eu falarei com ela.

Mercy se aproximou de Judah e olhou com severidade para sua filha.

— Já disse que não faça isso. Não pode controlar seus poderes, e até que saiba fazê-lo, deve restringir...

— Mas tem que praticar, não? — interveio Judah enquanto deixava Eve no chão.

Eve olhou para Judah com absoluta adoração. Mercy se encolheu por dentro.

— Há modos muito mais seguros de praticar — argumentou.

Eve tomou a mão de Judah, como se soubesse que ele a protegeria da reprovação de sua mãe.

— Papai me ensinará.

— Não.

— Por que não?— choramingou Eve.

— Porque seu pai parte hoje — disse Mercy.

— Não, por favor, papai, não parta — pediu Eve, puxando-o pela mão. — Quero que fique.

— Não posso ficar.

— Você o está obrigando a partir! — gritou Eve para Mercy. — Odeio você! Odeio você!

Eve apertou os dentes e estreitou os olhos, concentrando-se em sua mãe. Repentinamente, o céu ficou cinza e se levantou um forte vento. Vários raios caíram ao redor de Mercy.

“Basta!”, ordenou Judah a sua filha. “Sei que está zangada, mas pode machucar sua mãe. E você não quer fazer isso, não é?”.

Imediatamente, o vento amainou, embora os trovões continuassem retumbando repetidamente. Em um momento, o céu clareou e o sol voltou a brilhar.

Judah começou a compreender o verdadeiro poder de sua filha. Nunca tinha visto uma criança de seis anos fazer o que Eve acabou de fazer. E também entendia a preocupação de Mercy pela menina. Um poder como o que Eve possuía, sem a devida instrução, podia ser muito perigoso, não só para outros, mas também para ela mesma.

Com os olhos cheios de lágrimas, Eve correu para Mercy e lhe rodeou os joelhos trêmulos com os braços.

— Sinto muito, mamãe. Não queria fazer isso. Nunca faria mal a você. Amo você. Não te odeio.

Mercy tomou Eve nos braços e a apertou com força contra seu peito.

— Eu sei, eu sei — disse Mercy, acalmando sua arrependida filha com lágrimas nos olhos. — Tem que me prometer que tentará controlar seu temperamento e que não usará os poderes quando estiver zangada.

— Prometo isso a você. Prometo que tentarei — disse Eve, abraçando sua mãe.

Judah se voltou e se afastou.

— Papai!

Ele parou e olhou para trás por cima do ombro. Eve estava apoiada no quadril de sua mãe, com os olhos verdes dos Raintree brilhantes pelas lágrimas.

— Virá logo me ver?

— Virei quando chegar o momento oportuno — respondeu Judah.

 

2:00 da tarde

 

A casa estava em silêncio. Sidonia estava trabalhando na horta, e Eve estava dormindo a sesta. Mercy estava sozinha em seu escritório, pensando em sua situação. Judah tinha ido, mas, durante quanto tempo permaneceria longe? Não haviam resolvido nada entre eles. Em menos de vinte e quatro horas, tinha salvo sua vida, tinha descoberto que tinha uma filha e tinha alterado por completo seu mundo.

Quem havia tentado matá-la na noite anterior, e por quê? Como Judah podia saber? E por que se incomodou em salvar sua vida? Era possível que, como ela, não tivesse sido capaz de esquecer o breve tempo que tinham passado juntos?

Mercy suspeitava que Judah não sentia por ela tanta indiferença quanto proclamava. E talvez, se aquilo fosse verdade, Mercy pudesse usar isso em seu proveito. Entretanto, até onde estava disposta a chegar para proteger sua filha? Tão longe quanto fosse necessário, inclusive se isso significava seduzir Judah e usar seus encantos femininos com ele.

Não. Não devia se enganar. Devia ser completamente sincera consigo mesma. Só havia uma maneira segura de proteger Eve de seu pai. Embora Eve nunca a perdoasse, Mercy não tinha mais remedio que matar Judah.

Olhou para a lareira. Sobre ela pendia uma espada dourada. Era a espada da Dranira Ancelin, a que tinha usado na A Batalha contra os Ansara. Sua antepassada havia possuído também o dom da empatia, e tinha usado seus poderes de cura para fazer o bem. Entretanto, quando se fez necessário defender seu clã, tinha lutado junto a seu marido. Quando os dois chegaram às montanhas da Carolina do Norte e construíram aquele refugio para seu povo, Ancelin pendurou a espada sobre a lareira do salão de seu lar. A espada, cujo punho estava coberta de pedras preciosas, não tinha se movido dali durante dois séculos.

— Esta espada tem um grande poder — havia dito seu pai a Mercy. — Não pode usá-la com outro propósito que não seja o de defender os Raintree, e só uma descendente feminina de Ancelin pode tira-la da parede.

Ela sempre soube que a espada era dela, e tinha pressentido que um dia se veria obrigada a usá-la. Entretanto, nunca tinha pensado que a usdaria para matar o pai de sua filha.

“Judah. Oh, Judah...”.

“Mercy?”.

Ela ouviu a voz de Judah com tanta clareza como se ele estivesse do seu lado.

Tinha ouvido seus pensamentos? Como ele sabia que ela...

“Judah?”.

“Por que entrou em contato comigo?”, perguntou ele telepaticamente.

“Não fui eu a que estabeleceu o contato, e sim você”.

Silêncio.

Apressadamente, Mercy protegeu seus pensamentos, embora ela pensava que já estava a salvo da sondagem mental de qualquer um.

De repente, ouviu a risada de Judah.

“Não quero falar com você”, disse a ele. “Me deixe”.

“Faria isso se pudesse”.

“O que quer dizer?”.

“Fale com sua filha. Diga a ela que não deve nos pôr em contato nunca mais”.

“Eve fez isso?”, perguntou Mercy. “Essa menina travessa... Eve, está escutando? Corte a conexão mental agora mesmo. Seu pai e eu não queremos...”.

“Terão que conversar mais tarde ou mais cedo”, disse Eve.

Silêncio. Eve tinha cortado a comunicação com seus pais.

Mercy suspirou. Depois atravessou a sala e parou diante a lareira. Levantou a mão até a espada de Ancelin e acariciou as gemas do intrincado desenho do punho.

Quando Judah voltasse, e ela sabia que um dia voltaria atrás de Eve, faria o que qualquer mãe estaria disposta a fazer para proteger sua filha de certa maldição.

Lutaria com o diabo pela alma de sua filha.

 

Beauport, na ilha de Terrebonne. Segunda-feira a tarde, 18:15

 

Quando Judah chegou na casa de Claude, a um quilômetro de sua mansão, a esposa de Claude, Nadine, o estava esperando na porta. Deu-lhe as boas vindas e um beijo na bochecha e o acompanhou até o salão onde todo mundo o estava esperando. Ao entrar, os assistentes ficaram em pé. Claude e Nadine eram para Judah como seus irmãos. Além disso, Judah respeitava muito os conselheiros Bartholomew e Cidra. Observou com atenção os outros, Galen, Tymon, Felicia e Esther. Sua prima Alexandria não tinha recebido aviso; sem dúvida, Claude suspeitava que Alexandria se uniu a Cael.

Finalmente, Judah olhou para seu primo.

— O que descobriu?

— Como sabe, temos vários espiões em torno de Cael — respondeu Claude. — Cada um informa a um membro diferente do conselho, com a desculpa de persuadir os conselheiros que simpatizem com a causa de Cael.

— Sim, sim — respondeu Judah com impaciência.

Claude olhou para Galen, que fez uma ligeira reverência para Judah antes de se dirigir a ele.

— Soube que Cael prometeu a Alexandria que a transformará em sua Dranira quando ele for o Dranir. Não há dúvida de que ela está trabalhando com Cael contra você, senhor.

Judah assentiu. Aquilo não foi uma surpresa.

Claude se voltou para Tymon.

— Embora não temos provas irrefutáveis, sabemos que Cael enviou Stein para matá-lo, senhor — disse Tymon. — E todos estamos de acordo em que esse crime não pode ficar impune.

— Não ficará impune — prometeu Judah.

— Derrotar Cael significa submeter os outros — interveio Claude. — Seu grupo de guerreiros leais, Alexandria e os outros dois membros do conselho.

— Todos receberão seu castigo — disse Judah a seu primo.

— Quando? — perguntou Galen.

— Logo.

Galen inclinou a cabeça em sinal de respeito.

Claude olhou então para Felicia, que se adiantou e fez uma reverência.

— Senhor, seu irmão não apenas enviou Greynell para matar a grande empática Raintree, a princesa Mercy, mas também ordenou assassinar também seus dois irmãos. Além disso, ordenou acabar com Echo Raintree. Estas tentativas fracassaram. O cassino de Dante Raintree foi consumido pelas chamas, mas o Dranir está vivo. Tabby devia acabar com Echo e Gideon. Infelizmente, matou a companheira de apartamento de Echo por engano, e agora Echo está escondida.

— Malditos estúpidos — disse Judah, com a voz reverberando como um trovão. — As ações de Cael alertarão os Raintree que os Ansara ressurgiram das cinzas depois de duzentos anos, e que estão dispostos a um novo enfrentamento. Só é questão de tempo que descubram quem os atacou, se é que já não sabem.

Claude pôs a mão no ombro de Judah.

— Temo que é pior do que pensávamos. Acreditam que Cael tem intenção de atacar o Santuário muito em breve.

— Não estamos preparados — disse Judah. — Agora não poderemos ganhar uma guerra contra eles.

— Cael acredita que estamos preparados — disse Bartholomew. — Ele não quer esperar até que você diga que somos fortes o bastante para vencer. Vai atacar quando ele disser.

—E quando será isso? — perguntou Judah.

— Não sabemos, mas acham que não resta muito tempo. Talvez meses, ou semanas —respondeu Bartholomew.

— Quer me forçar a agir — disse Judah, que mal podia conter a fúria. — Meu irmão está louco, e infelizmente, contagiou outros com sua loucura.

— E o que vamos fazer? — perguntou Cidra, falando pela primeira vez. — Se prender Cael, seus seguidores se levantarão contra nós e haverá uma guerra civil. Além disso, não poderemos manter nossa existência em segredo para os Raintree. Entretanto, se decide lutar contra os Raintree quando Cael disser, vejo o fim de nosso clã.

Judah caminhou para Cidra e tomou ambas as mãos.

— Você é a sábia de nosso povo. Suas visões nos serviram durante toda sua vida. As únicas duas opções que tenho agora predizem o fim dos Ansara.

Cidra fechou os olhos e começou a tremer dos pés a cabeça. Judah tentou soltar-se, mas ela se agarrou a ele com força.

— O dia dos Ansara se acaba.

Judah escapou dela, e Cidra abriu os olhos.

— Tem que tomar uma decisão muito difícil. Diga o que diga, nós o apoiaremos.

Judah não estava seguro, mas tinha o pressentimento de que Cidra conhecia o segredo da existência de Eve.

— O Dranir está cansado depois da viagem — disse Claude aos outros. — Como Cidra disse, tem decisões muito difíceis que tomar, que presisarão de tempo e reflexão.

Em minutos, os membros do conselho partiram e Nadine se retirou para seu quarto, deixando Judah a sós com Claude.

— Acredito que precisa de um trago — disse Claude a seu primo.

— Não, obrigado.

Claude parou e se voltou para encarar Judah.

— Talvez Cidra esteja confusa, ou talvez esteja interpretando incorretamente suas visões. Não é infalível.

— Escolher entre lutar contra Cael ou lutar contra os Raintree segundo o plano de Cael não é a única decisão que tenho que tomar — disse Judah, e sondou o pensamento de Claude para saber se se atreveria a compartilhar seu segredo com seu primo.

— Tem algo a ver essa outra decisão que tem que tomar com o fato de que foi capaz de entrar no Santuário Raintree e com que ficasse ali depois de ter evitado que Greynell acabasse com Mercy Raintree?

— Mercy Raintree tem uma filha de seis anos.

Claude o olhou inquisitivamente.

— Mi... Minha aventura com Mercy ocorreu faz sete anos.

Claude entendeu.

— A menina é sua! — exclamou Claude. — É uma mistura Ansara e Raintree?

— Exatamente — disse Judah. — Minha filha possui um poder incrível. Poderia se tornar nossa arma secreta contra os Raintree.

— Ou poderia ser nossa ruína — respondeu Claude.

 

Cael recebeu Horace e o guiou para seu escritório. Contava com que levasse boas notícias, uma revelação que pudesse usar contra seu irmão. Até aquele momento, os dois primeiros dias daquela semana tão importante tinham sido muito decepcionantes. Stein não tinha conseguido assassinar Judah, Dante e Gideon Raintree continuavam com vida, e também Echo. Tabby tinha matado a mulher errada. Nada tinha saído segundo os planos.

— Agrada-me que tenha trabalhado tão rapidamente para coletar informação sobre Mercy Raintree — disse Cael a Horace quando ambos se sentaram no escritório.

— Temo que não é muito. No mundo exterior se sabe muito pouco dela. Mal sai do Santuário, salvo para atender emergências ou fazer uma visita ocasional a seus irmãos. Nossos adivinhos tentaram estudá-la, mas estabeleceu um manto protetor muito forte a seu redor, como seus irmãos. Só sabemos que é a Guardiã do Santuário e a grande empática dos Raintree.

— É a possuidora da empatia mais forte que existe, tanto dos Raintree como dos Ansara —corrigiu Cael.

— Sim, senhor.

— Saiu de suas terras este ano?

— Não, senhor. O Dranir Dante e o príncipe Gideon a visitaram em março, como todos os anos, mas ela não foi vê-los desde o ano passado. Sua última viagem aconteceu quando ela e sua filha foram ver o príncipe Gideon em Wilmington.

“Sua filha?”.

— Disse sua filha?

— Sim, senhor.

— Mercy Raintree tem uma filha?

— Sim, senhor. Uma menina de seis anos.

— E seu marido?

— Não encontramos provas da existência de um marido.

— Está me dizendo que a princesa Raintree deu a luz a uma bastarda?

— Parece que sim.

— Quem é o pai?

— Não sei.

— Mmm...

— Se desejar, posso enviar um email para completar a informação — disse Horace com certo nervosismo. Cael Ansara não era conhecido precisamente por sua benevolência.

— Antes que nascesse essa menina, onde Mercy vivia? Quais eram seus amigos? E em que hospital nasceu a menina?

— Não há nenhum registro em nenhum hospital. Supomos que nasceu em sua casa, no Santuário — disse Horace, e engoliu seco. — A princesa Mercy cresceu ali, como seus irmãos. Recebeu sua formação escolar no imóvel. Quando foi a universidade, acompanharam-na vários Raintree, para protegê-la.

— Protege-la do que? Os Raintree não consideraram os Ansara uma ameaça há duzentos anos.

— É uma tradição que uma princesa menor de idade tenha acompanhantes. E como todos nossos empáticos, deve se proteger do mundo exterior com a ajuda de outros de seu clã, que possam absorver os pensamentos e os sentimentos dos humanos antes que alcancem ao possuidor da empatia e alaguem seus sentidos.

— Sim, claro. Sabe se a princesa esteve sozinha alguma vez, digamos faz sete anos, antes de se converter na Guardiã?

— Não, senhor, mas se desejar, posso seguir investigando para descobrir.

— Sim.

Horace assentiu.

— Há alguma fotografia da menina?

— Não, senhor.

— Alguma descrição?

— Não, mas posso consegui-la também, se desejar.

— Sim, faça isso.

Quando se despediu de Horace, Cael ficou em pé e saiu ao jardim. Até alguns momentos antes, tinha pensado que não existia um herdeiro Raintree, e que se todos os membros da família real morressem antes da grande batalha, haveria uma guerra entre os primos mais próximos que reclamassem o trono. Entretanto, acabava de descobrir que a princesa Mercy tinha uma filha, uma herdeira.

A menina era bastarda.

Aquele detalhe não tinha importância. Ela não seria a primeira bastarda que se convertia em monarca. Ele também era, e um dia seria o Dranir.

Cael não sabia com segurança por que a notícia da existência daquela menina o preocupava tanto... De repente ouviu uma voz. Ouviu-a com tanta clareza como se estivessem falando ao pé de seu ouvido.

“A menina... A menina... Poderia ser nossa ruína”.

De onde procediam aqueles pensamentos? Não eram seus. De quem eram os pensamentos que acabava de interceptar? Era possível que outro Ansara soubesse que Mercy Raintree tinha uma filha e que estivesse pensando nela? E, se fosse isso, por que alguém acreditaria que a menina Raintree era uma ameaça para os Ansara?

 

Capítulo 7

 

Segunda-feira, 10:30 da noite

 

Mercy olhou para baixo da janela de seu quarto, para o jardim onde a noite anterior estava Judah Ansara. Via-o olhando para ela, e recordou como seus olhos a tinham percorrido apaixonadamente dos pés a cabeça. Recordou que tinha feito com que se sentisse desejada. Saqueada. Envergonhada. Como podia sentir algo, ainda, por aquele homem? Como era possível que seu corpo traidor ainda desejasse suas carícias?

Até alguns momentos antes, quando por fim Eve adormeceu e Sidonia se retirou para seu quarto, Mercy tinha estado muito ocupada para pensar em seus sentimentos em relação a Judah. Depois que ele partiu, tinha tido que acalmar as lágrimas de Eve. Em seu coração de mãe, Mercy entendia a tristeza de sua filha por ter perdido o pai que acabava de conhecer. E Mercy não tinha forma de explicar a Eve o tipo de homem que era Judah. Como ia dizer para sua filha que seu pai era um Ansara, um membro de um clã maligno, um dos inimigos dos Raintree?

Quando tinha conseguido que Eve se tranqüilizasse, tinha tido que lidar com uma crise da família. As irmãs Lili e Lynette tinham ido ao Santuário para dizer a Mercy que tinham perdido seus poderes adivinhatórios. Mercy tinha trabalhado com elas e tinha chegado a conclusão que alguém tinha lançado um feitiço nelas para cegar sua visão do futuro. Quem podia ter feito algo assim, e com que propósito? Não tinha podido fazer mais que designar-lhes uma das casas do imóvel e prometer que no dia seguinte continuariam trabalhando para que se recuperassem.

E como se tudo aquilo não tivesse sido suficiente, Mercy tinha tido que curar um humano que tinha tentado entrar no Santuário. Ao tentar atravessar o campo de força que protegia o imóvel, tinha ficado inconsciente. Ela o tinha curado, convencido de que tinha recebido uma forte descarrega elétrica e tinha depositado em sua mente uma lembrança falsa. Não era o primeiro humano que tentava penetrar em suas terras, e provavelmente não seria o último.

Mercy estava mental, emocional e fisicamente esgotada. Entretanto, não acreditava que pudesse dormir muito naquela noite. Precisava traçar um plano para enfrentar Judah.

O telefone soou e a tirou de sua melancolia. Sobressaltada, levantou o fone e respondeu.

— Diga?

— Olá, como tal está? Tem a respiração entrecortada.

— Echo?

— Sim, sou eu.

— Eu estou bem. Mas você não, não está? — Mercy havia sentido a inquietação de sua prima. — Diga para mim qual é o problema.

— Antes de começar, só quero dizer que estou perfeitamente bem. Estou em Charlotte, na casa de um amigo. Dewey. Falei a voce sobre ele.

— O saxofonista?

— Sim, exato. De qualquer forma, Gideon sabe onde estou. De fato, foi ele quem me enviou para cá. Sabe... Ontem à noite, alguém matou minha companheira de apartamento, Sherry, e... Já sabe que Gideon pode falar com os espíritos e...

— Precisa vir ao Santuário?

— Não, não! De verdade. É só que existe a possibilidade de que mataram Sherry por engano. Sabe, ela tinha tingido o cabelo de loiro e rosa, como eu, e...

— Teve visões ultimamente nas que percebia perigo?

— Não sei. Sabe como sou. Sempre tenho essas visões tão estranhas...

— Venha para casa — disse Mercy.

— Não, não. Ficarei aqui durante alguns dias. Depois, veremos.

— Echo, tome cuidado.

— Claro.

Absorta em seus pensamentos, Mercy demorou alguns instantes para desligar depois que Echo e ela se despediram. Sua prima era um espírito livre, independente. Mercy se preocupava com ela porque seus pais não o faziam. Estavam muito ocupados viajando pelo mundo.

Quem quereria matar uma moça tão boa como Echo? Talvez tivesse tido uma visão que parecesse ameaçadora para alguém...

— Mamãe!

O coração de Mercy deu um salto ao ouvir o grito de terror de Eve. Chegou ao seu quarto em um instante, e quando abriu a porta, viu que Sidonia tentava acalmar a menina. Entretanto, Eve estava resistindo a Sidonia não só com a força física, mas também também com magia. Os livros, as bonecas e as pelucias voavam pelo quarto, girando e formando redemoinhos como se os impulsionasse a força de uma tempestade.

— Mamãe!

Mercy se concentrou em romper a energia que mantinha a levitação dos objetos. Eve não impediu, então em segundos, tudo tinha caído ao chão. Sidonia se afastou quando Mercy se sentou na borda da cama e abraçou Eve.

— Não foi nada, querida. Mamãe está aqui. Mamãe está aqui.

Eve se agarrou a Mercy tremendo incontrolavelmente.

— Teve um pesadelo?

— Não foi um pesadelo — respondeu Eve entre choramingos.

Quando Mercy tirou o cabelo do rosto de Eve, notou que a menina estava suando. Tinha o rosto úmido de transpiração

— Meu papai tem problemas. Temos que ajudá-lo.

Mercy trocou um olhar de profunda preocupação com Sidonia, e depois se concentrou em sua filha novamente.

— Deve ter sido um pesadelo. Estou certa de que seu pai está muito bem.

— Ele quer matar meu pai.

— Quem?

— O homem mau. Odeia meu pai e quer matá-lo.

— O que?

— Não deixarei que faça mal ao meu pai — insistiu Eve, e segurou a mão de Mercy. — Temos que ajudar ele.

— Está bem — disse Mercy. — Pela manhã, entraremos em contato com ele e poderá avisá-lo que alguém mau quer machucá-lo.

— E por que não podemos falar com papai agora?

Sabendo o quanto Eve era obstinada, Mercy se deu conta de que era a única forma de tranqüilizar sua filha.

— Se precisa entrar em contato com Judah agora, vá em frente.

— Não! — gritou Sidonia. — Como vai deixar que entre em contato com esse homem?

Mercy olhou para Sidonia.

— Eve já falou com seu pai. De fato, conectou minha mente com a de Judah e escutou a conversa. Não foi assim, Eve?

— Que Deus nos ajude — murmurou Sidonia.

— Vá se deitar — disse Mercy. — Eu passarei a noite com Eve.

Balbuciando entre dentes todo tipo de advertências, Sidonia sacudiu a cabeça com tristeza e saiu do dormitório de Eve.

A menina olhou para Mercy e perguntou:

— Posso falar agora com o papai?

— Sim.

Mercy não duvidava que havia alguém mais, além dela mesma, que queria ver Judah morto. Embora soubesse muito pouco dele, sabia que talvez era muito rico. Quando tinham se conhecido, sete anos antes, seu estilo de vida tinha lhe parecido o de um homem com uma enorme fortuna. Havia lhe dito que era banqueiro internacional. Entretanto, sendo Ansara, certamente tinha negócios turvos. Não podia saber quantos entendimentos ilegais teria feito nem quantos inimigos teria ganho com o passar do tempo.

Eve fechou os olhos e se concentrou.

“Papai”.

Não houve resposta.

“Papai, está me ouvindo?”.

Silêncio.

Eve abriu os olhos e olhou para Mercy.

—Não me responde.

Mercy percebeu que sua filha estava a beira de outro ataque de nervosismo. Apertou a mão do Eve e disse:

— Tentaremos juntas.

O precioso sorriso de Eve derreteu seu coração. Era o sorriso de Judah.

Depois de que Eve fechou os olhos, Mercy também o fez, e juntas chamaram o mesmo homem.

“Papai”.

“Judah”.

 

Beauport, Terrebonne, palácio real. 11:00 da noite

 

Judah estava a sós em seu quarto, incapaz de descansar, com a mente cheia de pensamentos sobre a reunião secreta do conselho que tinha acontecido aquela tarde. Face ao que se havia dito naquele conclave, tinha que haver um modo de deter Cael sem levar o clã a guerra civil...

“Papai”.

“Judah”.

Que demônios...

Ouvia a voz de Eve. E a de Mercy.

“Papai, por favor. Me responda. Tenho que avisar você de algo”.

“Parem com isso agora mesmo!”.

Judah enviou aquela mensagem mental com uma força severa, o suficientemente dura para sobressaltar Mercy sem fazer alarmar Eve.

“Se querem entrar em contato comigo, usem o celular”.

Judah recitou o número e depois, usando todo seu poder, bloqueou sua filha e Mercy completamente.

Imediatamente, seu telefone começou a vibrar. Ele respondeu imediatamente.

— Sim?

— Judah, Eve está determinada a falar com você — disse Mercy.

— Não deve permitir que ela nunca mais volte a me chamar telepaticamente, entendido?

— Não, não entendo — respondeu Mercy. — Explique isso.

Judah bufou. Ele era o Dranir dos Ansara. Não dava explicações a ninguém.

— Tenho inimigos.

— Inimigos capazes de interceptar uma mensagem telepática?

— Sim. Tenho um meio-irmão. Antes eramos sócios nos negócios. Agora somos inimigos.

— Então, ele deve ser o homem mau ao que Eve se refere. Ela acredita que tem intenção de machucar você.

Judah ouviu que Eve dizia:

— Deixa que eu conte, mamãe.

— Eve quer falar com você.

A voz seguinte era a de sua filha.

— Papai?

— Sim, Eve.

— Odeia você, papai. Quer matá-lo, mas eu não permitirei. Mamãe e eu o ajudaremos.

Apesar de sentir uma ligeira reverência para a menina que Mercy e ele tinham concebido em uma só noite de paixão, Judah não pôde evitar sorrir ao pensar em quanto Mercy devia detestar que sua filha se aliasse a ele. Com seu pai, o Dranir dos Ansara.

Entretanto, Mercy não sabia que ele era o Dranir, nem que os Ansara haviam voltado a ser o clã poderoso, nem que logo voltariam a ser tão fortes e tão numerosos como os Raintree.

— Eve, não quero que se preocupe por mim. Sei quem é esse homem, e posso lutar contra ele por mim mesmo. Não preciso que me ajude.

— Precisará, papai. Precisará.

— Coloque sua mão de novo na linha — disse Judah.

— Tenha muito cuidado — recomendou Eve.

— Judah? — perguntou Mercy. Tinha sua voz um tom de preocupação? Não era possível. Ela o odiava, não?

— Não permita que Eve volte a entrar em contato comigo.

— E se não puder impedi-la

— Convença-a.

— Talvez se telefonasse para ela de vez em quando...

— Acreditava que me queria fora de sua vida. Mudou de opinião?

— Não, não mudei de opinião, mas Eve não quer perder você, e eu não quero que esteja sempre contrariada.

Que tipo de jogo Mercy estava jogando, dando-lhe uma pá de cal e outra de areia? Pedia a ele que partisse, e depois, que voltasse. Que não voltasse a ver Eve, e depois, que telefonesse de vez em quando.

— Diga a Eve que ligarei para ela logo.

— Direi. E, Judah...

— Sim?

— Sabe o que penso de você.

Judah sorriu.

— Sei. Sou um Ansara e você é uma Raintree. Somos inimigos mortais.

— Exato. Só queria me assegurar de que nos entendemos.

— Durma bem, Mercy. E sonha comigo.

  

Terça-feira, 1:45 da tarde

 

Cael tinha sido informado que Judah tinha chegado a Terrebonne na noite do dia anterior, e que tinha passado aquela manhã trabalhando em seu escritório. De fato, ainda estava ali. Por desgraça, Cael não tinha espiões entre os empregados de seu escritório, por isso não podia saber o que ocorria atrás daquelas portas fechadas.

Cael tinha esbanjado toda a manhã fazendo esforços para descobrir a identidade da pessoa cujos pensamentos tinha interceptado na noite anterior. “A menina... A menina... Poderia ser nossa ruína”. Era uma voz masculina, e parecia-lhe ligeiramente familiar, mas não conseguia reconhecê-la.

Por que podia significar aquela menina uma ameaça para os Ansara? Que menina podia possuir poder suficiente para ameaçar seu clã?

Minha filha?, perguntou Cael.

Entretanto, ele não tinha filhos. Assegurou-se disso.

A filha de Judah?

E por que ia representar a filha do Dranir uma ameaça para os Ansara?

“Está aí, menina?”.

Cael se perguntou se Judah teria se casado em segredo e realmente tinha uma filha escondida em algum lugar. Não podia imaginar seu irmão engendrando uma herdeira bastarda.

Mercy Raintree tinha uma filha bastarda!

Poderia ser que aquela menina fosse a ameaça para os Ansara?

“Princesinha Raintree, abra sua mente, permita a minha entrada”.

Nada.

“Filha de Mercy Raintree, desejo falar com você”.

Silêncio.

Tomara soubesse o nome da menina.

“Se quer saber os nomes de seus maiores inimigos, repete estas palavras nove vezes, e nove nomes aparecerão em sua mente. O último dos nomes será o que deve temer mais”.

— Obrigado, mãe — disse Cael.

Depois, recitou o antigo feitiço que tinha ensinado quando era criança.

Esperou que aparecessem os homens. O primeiro, e depois o segundo, e o terceiro e o quarto desfilaram por sua mente. Todos eram nomes de membros do conselho, leais a Judah. Apareceu o quinto: Nadine. O sexto: Claude. O sétimo era Cidra. Não era surpreendente.

Entretanto, o oitavo nome sim o surpreendeu: Judah.

Acreditava que seu irmão era seu maior inimigo. Como era possível que existisse alguém mais perigoso para ele que Judah?

Então, apareceu o nono nome, um nome que Cael não reconheceu.

Eve.

Quem era Eve?

Aquela visão terminou, e a mente de Cael se esclareceu.

“Eve, quem é? Se me ouvir, abre sua mente”.

Uma vigorosa descarga de energia mental o atravessou e fez com que caísse de joelhos. Enquanto a dor o dobrava e se dispersava rapidamente, Cael praguejou com violência, amaldiçoando a força que o tinha atacado.

Alguém não queria que entrasse em contato Eve. Seria aquela pessoa a mesma Eve?

“Surpreendeu-me de guarda baixa”, disse Cael. “Sou mais poderoso que nenhum Ansara. Não pode ganhar uma luta contra mim. Ouve-me, Eve?”.

Cael recebeu outro golpe. Naquela ocasião, o impacto foi tão brutal que o mandou voando ao outro lado da sala e o jogou contra a parede.

“Maldita seja! Aviso-lhe isso, não me transforme em seu inimigo. Lamentará isso”.

“Não tenho medo de você”, respondeu a voz de uma menina. “Não deixarei que faça mal ao meu pai”.

O coração de Cael acelerou.

“Quem é seu pai?”.

“Eu sou Eve, e odeio você!”.

Aproveitando a ira da menina, Cael devolveu um golpe psíquico e explodiu em gargalhadas ao ouvir seus gritos de dor.

  

Gritando, Eve desabou no chão como se a tivesse golpeado um punho gigante. Sidonia, que estava sentada no alpendre, vigiando a menina, correu para ela tão rapidamente como permitiram suas velhas pernas.

Mercy, que estava no pequeno bosque recolhendo pêssegos, soube imediatamente que alguém tinha atacado sua filha. Enquanto corria com todas suas forças para ela, enviou algumas descarrega poderosas de vingança, interrompendo o fluxo que se dirigia para a menina e revertendo os golpes de modo que caíssem sobre quem os tinha enviado.

Quando Mercy chegou junto a Eve, encontrou-a nos braços de Sidonia.

Sua velha babá a olhou diretamente nos olhos e disse:

— Isto é a maldade dos Ansara.

— Mamãe — sussurrou Eve.

— Estou aqui, querida. Aqui mesmo — disse Mercy, e tomou sua filha dos braços de Sidonia.

— É um homem muito mau.

— Quem, querida? Quem atacou você?

— O homem que quer matar meu papai.

O coração de Mercy se encolheu. Não! Por favor, Deus, não. Como era possível que o meio-irmão de Judah soubesse da existência de Eve? Tinha aquilo alguma importância, em realidade? Parecia que aquele homem, fosse qual fosse seu nome, pensava que podia ferir Judah através de sua filha.

Meia hora mais tarde, quando Eve estava mais calma, Mercy lhe perguntou o que tinha ocorrido. Só havia uma maneira que alguém tivesse atravessado a barreira de proteção que Mercy mantinha ao redor de sua filha.

— Por que o deixou entrar? — perguntou Mercy para Eve.

— Não fiz, de verdade, mamãe. Só ouvi que me chamava. Disse Eve. E soube quem era. Golpei-o para que partisse, mas não foi.

Não, não era possível. Só alguém tão poderoso quanto Dante, Gideon e ela mesma poderia quebrar aquela barreira.

— Eu sabia quem era, o inimigo de papai, assim que o golpei várias vezes.

— Oh, Eve, não.

— Sim fiz, e avisei ele que não permitiria que fizesse mal ao meu pai.

— Oh, Eve, o que vou fazer com você?

— Acredita que é mais poderoso que meu pai, mas não é. Eu mostrarei pra ele.

Mercy sacudiu Eve pelos braços ligeiramente.

— Não voltará a se comunicar com esse homem, entendido?

— Sim, mamãe — disse Eve, abaixando a cabeça.

— Agora, vá para a cozinha e peça a Sidonia que lhe dê chá e bolachas.

— Vem comigo, mamãe.

— Está bem. Irei agora mesmo.

— De acordo.

Assim que Eve desapareceu pelo corredor, Mercy foi ao seu escritório. Fechou a porta e fez uma chamada com o celular.

Uma voz rouca de homem respondeu:

— Que demônios...

— Seu irmão sabe sobre Eve — disse Mercy para Judah. — Faz menos de meia hora esteve lutando mentalmente com ele.

 

Capítulo 8

 

Terça-feira, 3:00 da tarde

 

Cael tinha convocado duas profetisas leais: Natalie e Risa. Depois de explicar-lhes que precisava de certa informação que não podia conseguir pelos métodos comuns, as fez jurar que não revelariam a ninguém o que descobrissem naquela tarde.

— Quero que trabalhemos juntos para encontrar a resposta para minha pergunta. Preciso que procurem uma menina chamada Eve. Acredito que é filha de Mercy Raintree — disse a elas. Depois avisou: — A menina tem poderes, então sejam cuidadosas.

Ambas as moças assentiram sem dizer nem perguntar nada. Sabiam que qualquer mostra de curiosidade poderia ser perigosa para elas.

— Se preparem para unir suas mentes à minha.

As duas mulheres se sentaram uma em frente à outra. Risa segurou as mãos Natalie e a olhou nos olhos.

— Vão ao mais profundo e viajem através do oceano até o Santuário dos Raintree, mas não projetem seu pensamento no futuro. Quero que se concentrem somente na menina chamada Eve.

Natalie e Risa obedeceram.

— Eu limparei seu caminho para que possam alcançar a mente da menina — acrescentou Cael. Estava certo de que, se tinha conseguido contatar com Eve uma vez, poderia romper de novo a barreira protetora que havia a seu redor.

Aquela certeza lhe produziu euforia.

  

Judah estava passeando pela praia, com Claude ao seu lado, como fazia freqüentemente. Seu primo sempre tinha estado junto a ele, desde que eram crianças. Tinham compartilhado muitas coisas durante a vida; a infância, os estudos, os amores e os negócios.

— E não será algum truque? — perguntou Claude.

— Para que? Não serviria de nada para Mercy que eu acreditasse que Cael conhece a existência de Eve se não fosse verdade. E tampouco que acreditasse que meu meio-irmão esteve lutando com a menina.

— Talvez para atrai-lo de novo até a Carolina do Norte.

— Não. Essa mulher me despreza, e deixou bem claro que não quer que me aproxime de Eve.

— Perdoa que pergunte isso a você, mas, tem certeza que a menina é sua filha? Não seria possível que...

— É minha.

— Se Cael suspeitar que Eve é sua filha, tentará matá-la. E ninguém poderá detê-lo nem julgá-lo por suas ações, porque só estaria obedecendo ao antigo decreto que obriga exterminar as crianças com mistura de sangue.

— Esta noite vou convocar uma reunião do conselho, e anunciarei a revogação dessa lei.

— Mas o conselho vai querer saber por que...

— Sou o Dranir. Não sou obrigado a dar explicações, nem sequer ao conselho.

Claude pôs a mão sobre o ombro de seu primo.

— É agora o melhor momento para ganhar a inimizade dos membros do conselho, embora seja apenas com um? Cael está se preparando para a guerra com os Raintree. Quantos mais conselheiros estejam contra você, mais fácil será completar seus planos. Seu irmão não parará até que o mate, ou até que você mate a ele.

Judah se separou de seu primo.

— Está dizendo que não devo proteger minha filha?

— Estou dizendo que sua prioridade deveria ser manter Cael controlado. Só você pode evitar que nos destrua.

— E você acha que deveria estar disposto a sacrificar a vida de minha filha? Não acha que posso proteger Eve e ao mesmo tempo proteger o clã da loucura de meu irmão?

— Por que essa menina é tão importante para você? Você não queria engendrá-la. Faz dois dias nem sequer sabia que existia. E não esqueça que é uma Raintree.

Judah se enfureceu.

— Eve é Ansara!

— Não, não é. Só é meio Ansara. Sua outra metade é Raintree. E durante os seis primeiros anos de sua vida cresceu no Santuário Raintree, com a princesa Mercy. Se sua filha tivesse que escolher entre sua mãe e você, entre os Ansara e os Raintree, a quem acha que escolheria?

Da areia da praia surgiram redemoinhos que se elevaram no ar. O chão tremeu sob os pés de Judah.

— Está bem. Entendi — disse Claude. — Está zangado comigo por dizer a verdade.

Claude entendia Judah como ninguém mais podia entendê-lo, e o aceitava sem críticas. Em vez de se irritar com as reações de Judah, normalmente se divertia. Algumas vezes, Judah invejava a calma inata de Claude, a paz interior que ele não possuía.

À medida que a ira de Judah se acalmava, os redemoinhos desapareceram um por um. Depois, quando continuou caminhando pela praia, Claude o seguiu. Nenhum dos dois disse uma palavra. O sol tropical de junho os envolvia com seu calor, e ao mesmo tempo, sentiam a brisa fresca e salgada do mar. Os Ansara viviam no paraíso.

— Não posso reclamar Eve até depois de A Batalha, quando os Raintree tenham sido derrotados — disse Judah. — Se tentar levá-la antes...

—E o que fará a respeito da princesa Mercy agora que sabe que deu a luz a sua filha?

— Não mudou nada. Continua sendo meu direito acabar com Mercy Raintree no dia de A Batalha. Enquanto continue existindo um Raintree, será uma ameaça para nós.

— Não será fácil matar a mãe de sua filha.

— Meu pai condenou a morte a mãe de Cael, e nunca lamentou.

— Tio Hadar odiava Nusi pelo que fez a sua mãe. Nusi era uma feiticeira perversa, e estava louca, como está seu filho.

— E Mercy é uma Raintree. Só isso é razão suficiente para acabar com ela.

Antes que Claude pudesse responder, ambos se deram conta que um dos empregados do palácio, um jovem chamado Bru, aproximava-se correndo da escadaria que comunicava o palácio real com a praia. Enquanto chamava o Dranir, agitava os braços para se fazer ver.

Quando Bru os alcançou, fez uma apressada reverência e respirou profundamente várias vezes antes de dizer:

— Senhor, a conselheira Cidra o espera. Pediu-me que lhes dissesse que devem ir imediatamente a seu lado. Tem uma notícia muito grave a lhes comunicar.

Judah pôs-se a correr, e Claude e Bru o seguiram. Era indubitável que Cidra tinha tido outra visão, e se ela dizia que era uma notícia grave, era. Cidra nunca se deixava levar pelo pânico nem exagerava a importância de suas revelações.

Quando chegaram aos jardins do palácio, encontraram a velha vidente sentada em um dos jardins, com as mãos descansando no colo. Seu marido, Bartholomew, estava atrás dela, como sempre. Seu feroz guardião.

Judah se aproximou de Cidra, e quando ela tentou levantar-se, de maneira vacilante, ajudou-a a se sentar novamente e se ajoelhou a seus pés. Ele era o Dranir, e não tinha por que inclinar-se ante ninguém, mas Cidra não era qualquer um. Não era apenas a maior profetisa do clã, mas também tinha sido uma das acompanhantes de sua mãe, e sua grande amiga.

Cidra apertou as mãos de Judah.

— Vi a mãe de um novo clã. É a filha da luz. Tem o cabelo dourado. Os olhos dourados.

O estômago de Judah encolheu. Nunca esqueceria o momento no qual tinha visto os olhos de sua filha mudar de cor e adotar um tom dourado, durante apenas uma fração de segundo.

— O que significa a existência dessa menina para os Ansara?

— A transformação — respondeu Cidra.

Judah olhou para Bartholomew e Claude. “Transformação? Não a aniquilação, nem a ruína? Nem tampouco sua salvação”.

Cidra agarrou suas mãos de novo. Judah se concentrou nela.

— Se quer salvar nossa gente, deve proteger a menina de... — a voz de Cidra fraquejou, e as pálpebras tremeram de cansaço. — Proteja-se de Cael, de sua maldade. Deve revogar o antigo decreto... Hoje mesmo — disse Cidra. Imediatamente, caiu em um repentino e profundo sono, como sempre ocorria depois que uma visão poderosa consumia todas as suas forças.

Bartholomew pôs-lhe uma capa sobre os ombros e depois olhou para Judah.

— Sabe de que decreto está falando.

Judah ficou em pé.

— Sim, sei.

— Cidra acredita que a visão é real — disse Bartholomew. — Portanto, existe uma menina que é mistura de ambas as linhagens, meio Ansara e meio Raintree.

— Sim.

— Já conhecia a existência dessa menina? — perguntou Bartholomew.

— Sim.

— Depois do que Cidra viu, acredito que se deve proteger a menina — interveio Claude. — Redige um novo decreto e assine-o, com Bartholomew e comigo como testemunhas. Revoga o antigo.

— Claude tem razão — disse Bartholomew, olhando amorosamente sua esposa. — Cidra acredita que Cael tentará matar a menina, e não deve permitir que aconteça. Sem ela, os Ansara estão condenados a extinção.

— Juro pela honra de meu pai que não permitirei que aconteça nada a menina — disse Judah.

“Protegerei você, Eve. Está me ouvindo? Ninguém fará mal a você. Nem agora, nem nunca”.

 

Mercy percebeu que uma tríade de mentes estava tentando penetrar nos limites do Santuário. Eram mentes poderosas que se uniram para incrementar suas forças. Instintivamente, soube que aquela exploração se originava muito longe dela. Deixou o livro que estava lendo e se concentrou naquela energia hostil. Só demorou uns segundos em saber de onde provinha o perigo.

Ansara!

Uma mente dirigia as outras duas e as guiava para que entrassem em contato com Eve.

“Não permitirei isso”.

Fechou os olhos e respirou profundamente. Concentrou-se em rodear Eve e acrescentar proteção adicional aos limites mágicos que a guardavam.

“Não está acontecendo nada, mamãe. Não tenho medo. Não pode me machucar”.

“Oh, Eve, não faça isso! Seja o que for que esteja pensando fazer, não faça”.

“Mamãe, boba”.

“Será melhor que me escute, Eve Raintree!”.

“Não, sou Eve Ansara”.

Enquanto lutava por manter o segundo nível de proteção ao redor de Eve, Mercy abriu os olhos e saiu correndo do escritório, procurando sua filha. Encontrou Eve sentada em uma almofada no chão do salão, junto um grupo de animais de pelucia que andavam ordenadamente ao seu redor.

— Eve!

Eve se sobressaltou. Abriu os olhos de par em par ao girar a cara para Mercy, e de repente, o feitiço se rompeu. Os animais caíram no chão.

— Só estava praticando — disse a menina com um sorriso de picardia.

— Esse homem, o inimigo de seu pai... Disse ou tem fez algo?

— Não se preocupe — disse Eve. — Evitei ele, e as outras duas. Queriam saber quem era meu pai e...

— Não disse, não foi?

— Claro que não — respondeu Eve. — Os bloqueei. Ele se zangou.

A menina olhou sua mãe fixamente, com uma enganosa inocência nos olhos.

Eve tinha sido obstinada e difícil de controlar antes de conhecer Judah, mas sempre tinha sido a garotinha de Mercy. Embora resistisse a obedecer, terminava por fazê-lo. Mercy não era capaz de indicar com exatidão o momento em que Eve tinha deixado de estar sob seu controle. Talvez tivesse ocorrido de qualquer modo, quando Eve fosse maior, embora não tivesse conhecido seu pai. Entretanto, o fato de conhecer Judah tinha mudado a menina, e tinha alterado para sempre sua relação com Mercy.

— Eu amo você tanto quanto sempre — disse Eve a sua mãe, e rodeou a cintura com os braços.

Mercy lhe acariciou a cabeça.

— Eu também amo você.

— Sinto muito que esteja triste porque eu sou uma Ansara.

Mercy mordeu o lábio inferior para impedir a si mesma de gritar ou chorar. Com um longo suspiro, olhou para Eve.

— Eu sou Raintree. Você é minha filha. É uma Raintree.

— Mamãe, mamãe — disse Eve, sacudindo a cabeça. — Eu nasci no clã Raintree, mas nasci para os Ansara. Para meu pai.

Mercy estremeceu incontrolavelmente ao ouvir a verdade que sempre tinha temido dos lábios de sua filha. Imediatamente, Eve segurou sua a mão para acalmá-la. Quando recuperou a compostura, Mercy disse:

— O clã de seu pai, os Ansara, e nosso clã, os Raintree, foram inimigos durante séculos. Sidonia contou as histórias de nossa gente, de como derrotamos os Ansara em uma terrível batalha e como só sobreviveram uns poucos de seu clã.

— Eu adoro que Sidonia me conte essas histórias — disse Eve. — Ela sempre me diz o quanto os Ansara são maus, e o bons que são os Raintree. Isso quer dizer que eu sou boa e má ao mesmo tempo?

— Todos somos.

— Meu pai também?

— Sim, talvez.

Mercy não foi capaz de dizer a sua filha que Judah era perverso, como todos os de sua linhagem.

“Mas como sabe que isso é certo?”, perguntou-lhe uma zombeteira voz interior. “Judah é o único Ansara que conheceu”.

O conhecimento que os Raintree tinham sobre os Ansara estava recolhido em escritos históricos de duzentos anos atrás.

E de um instinto que Mercy não podia negar.

  

Terça-feira, 8:45 da noite

 

Cael estava em seu quarto, ainda furioso pelo que tinha ocorrido aquela tarde. Risa e Natalie o tinham decepcionado amargamente. Havia dito a ambas as mulheres que desaparecessem de sua vista, jogando nelas toda a culpa de seu fracasso ao não poder penetrar na mente de Eve Raintree.

Um empregado bateu na porta e, quando Cael ordenou que entrasse, anunciou-lhe temerosamente que Alexandria tinha ido visita-lo. Cael a recebeu imediatamente, com a esperança de que levasse uma informação valiosa. E assim foi.

— Soube — disse sua prima sem preâmbulos, — que o Dranir teve uma reunião secreta com três membros do conselho.

— Quando?

— Esta tarde.

— Quem se reuniu com Judah, e para que?

— Claude, Bartholomew e Cidra.

— Cidra?

— Não sei quem convocou a reunião, mas Cidra e Bartholomew apareceram no palácio e permaneceram ali várias horas.

— Certamente, essa velha bruxa teve alguma visão. Fui muito cuidadoso protegendo meus planos dos outros. Por isso só eu sei o momento exato no qual atacaremos os Raintree. Não posso me arriscar que Cidra...

— Temos uma preocupação maior que o fato de que Cidra profetize seus planos — disse Alexandria, interrompendo-o. — Judah fez algo impensável.

Cael sentiu medo e ódio de uma vez. Detestava o fato de que seu irmão pudesse lhe causar semelhante temor.

— O que fez?

— Revogou o antigo decreto que condena a morte as crianças geradas por um membro dos Raintree e outro dos Ansara. Assinou a ata de revogação com Claude e Bartholomew como testemunhas.

— E por que Judah iria...

“A menina... A menina... Poderia ser nossa ruína”.

— O que foi? — perguntou Alexandria. — O que sabe?

— Existe uma menina assim, sem dúvida. E para que Judah revogue um decreto promulgado faz milhares de anos, essa menina deve ser muito importante para ele.

— Quer dizer que Judah procriou com uma mulher dos Raintree?

Cael grunhiu.

— Não com qualquer mulher Raintree, e sim com uma princesa Raintree. Mercy Raintree tem uma filha chamada Eve, uma menina de extraordinário poder.

  

Quarta-feira, 1:49 da madrugada

 

Mercy se debatia entre várias opções: tentar controlar a situação por si mesma, chamar Dante e contar a verdade sobre a paternidade de Eve, ou confiar que Judah protegesse sua filha.

Tomara houvesse outra saída.

Entretanto, fosse qual fosse sua decisão, devia tomá-la rapidamente. Antes do dia seguinte.

Sidonia chamou antes de entrar no escritório.

— Eve enfim dormiu — disse Sidonia. — E já é hora de você se deitar também.

— Não posso descansar até decidir o que vou fazer.

— Chame Dante.

— Temo que, por mais que tenha medo de confessar a meu irmão meus pecados, não tenho outra opção.

— Zangará-se, sem dúvida. Vai querer caçar Judah Ansara e matá-lo. É isso o que detém você? Não quer que Dante mate Judah?

— Também é possível que Judah mate Dante.

— Não. Sabe tão bem como eu que Dante possui poderes individuais únicos, e além disso, possui as habilidades inerentes a um Dranir. Judah não seria um oponente perigoso para ele.

— Não sabemos que poderes Judah possui. Entretanto, devem ser grandes para que Eve tenha dons tão assombrosos.

Sidonia se aproximou do escritório e levantou o telefone.

— Chame Dante. Agora.

Mercy ficou olhando fixamente o fone, sem saber o que fazer.

A porta do estudio se abriu de repente, e Eve apareceu de pijama, com um grande sorriso. Correu para sua mãe, puxou-a pela mão e disse:

— Vamos.

— Aonde? — perguntou Mercy, atônita.

— Até a porta, receber meu pai. Vai chegar muito em breve.

 

Capítulo 9

 

— Judah?

— Vamos, está quase aqui — disse Eve, e puxou sua mãe.

— Bote esse demônio pra fora desta casa — disse Sidonia.

Ignorando a advertência de Sidonia, Mercy seguiu sua filha para o vestíbulo. A babá as seguiu, murmurando todo tipo de medos em voz alta.

No momento em que chegavam ao saguão, Eve agitou a mãozinha e a porta principal se abriu. Judah Ansara estava com a mão no alto para bater. Estava no meio da entrada.

— Papai! — gritou Eve. Soltou-se da mão de Mercy e correu diretamente para seu pai.

Judah entrou no vestíbulo, acompanhado pelo vento da noite, com o cabelo comprido ligeiramente revolto e a vista fixada em sua filha. Sem vacilação alguma, deixou cair a mala que levava no chão, tomou Eve nos braços e fechou a porta com uma batida atrás dele.

Eve rodeou o pescoço dele com os braços e lhe deu um beijo na bochecha.

— Sabia que voltaria. Sabia.

Mercy observou com uma respeitosa fascinação a saudação entre pai e filha. Inclusive sem seu dom da empatia, teria sido capaz de perceber o vínculo que estava se formando entre eles. O fato de saber que era impotente para deter o que estava acontecendo a assustava.

As palavras de Eve ressoaram em sua cabeça.

“Nasci para os Ansara”.

Incapaz de ignorar os constantes murmúrios de Sidonia, Mercy se voltou para ela e fixou um olhar fulminante enquanto lhe ordenava telepaticamente que se calasse. Sidonia devolveu o olhar e sacudiu a cabeça, embora tenha ficado em silencio antes de se voltar e começar a subir lentamente as escadas.

Mercy deu uns passos vacilantes para Judah e ele, como se acabasse de notar a presença dela, colocou Eve sobre o quadril e a olhou.

Ela não entendeu o que sentia. Desprezava Judah e rejeitava sua presença no Santuário e na vida de sua filha. Entretanto, ao mesmo tempo, o fato de que ele estivesse ali a reconfortava, e também que se preocupasse com Eve e que estivesse disposto a ajudá-a a proteger sua filha. Seus olhares ficaram presos durante alguns instantes. Então, Judah voltou a se concentrar em sua filha.

— Quero que me prometa uma coisa — disse a Eve.

— O que?

— Prometa que, até que eu diga o contrário, não voltará a falar telepaticamente com ninguém mais, salvo com sua mãe e comigo.

A menina o olhou fixamente nos olhos.

— É um homem mau, não é, papai? Quer nos machucar.

— Sim, é um homem mau — respondeu Judah com o cenho franzido. — E agora, me prometa que...

— Prometo — disse Eve.

Tinha aceitado o pedido de Judah com tanta facilidade, que Mercy suspirou por dentro. Temia que Eve nunca pusesse em questão as ordens de seu pai.

Judah deixou Eve no chão. Ela o puxou pela mão. Ele baixou a vista e a olhou com um sorriso.

— É muito tarde. Deveria estar dormindo.

— Estava dormindo, mas quando ouvi que me chamava, despertei para deixar você entrar. Isso era o que queria, não?

— Sim, era o que queria — admitiu ele. — Mas agora quero que suba até seu quarto e volte a se deitar. Sua mãe e eu temos que conversar.

— Eu também quero que me prometa uma coisa: que não vão brigar — disse Eve, e olhou para seu pai e sua mãe alternadamente. — Sejam simpáticos, de acordo?

— Sim — respondeu Judah.

Eve sorriu triunfalmente e olhou a mala de Judah.

— Vai estar aqui quando despertar pela manhã, não é?

— Sim, vou estar aqui.

Eve começou a subir as escadas aos saltos, cheia de energia e felicidade.

Quando Mercy e Judah ficaram a sós, ela disse:

— Pedirei que arrumem uma das cabanas do imóvel para você.

— Não. Ficarei aqui na casa. Preciso estar perto de Eve... E de você.

O coração de Mercy acelerou. “É um encantador de serpentes”, recordou-se. Diria algo que acreditava que ela queria ouvir para conseguir o que queria. E ela não podia se permitir esquecer, nem durante um segundo, que queria Eve.

— Não pode ficar muito tempo — o advertiu. — Será impossível manter sua presença em segredo durante mais de um ou dois dias. Há outros Raintree no Santuário. Mais da metade das casas estão ocupadas. O que tiver que fazer para proteger Eve de seu irmão, faça rapidamente e parta.

— Temo que as coisas são mais complicadas do que você acredita.

— Vai tentar machucar Eve? Vai vir ao Santuário para tentar matá-la? Por isso veio, não foi? Para se assegurar que não lhe faça nada?

— Meu irmão tem os dias contados. Era inevitável que me visse forçado a matá-lo.

— Não imagino como se pode odiar tanto a um irmão para pensar em matá-lo.

— É o ódio do Cael o que me obriga a acabar com ele. Não me deixou outra alternativa.

— E seus pais? Não podem...

— Nosso pai morreu. E a mãe do Cael assassinou a minha.

—Oh.

Judah pegou sua mala.

— Leve-me a um quarto que esteja perto do de Eve.

— O quarto mais perto do da menina, além do da babá, é o meu.

— Isso é um convite? — perguntou Judah, com sorriso sugestivo.

— Talvez seja — disse Mercy, imitando ironicamente seu sorriso. — Mas se vier para a minha cama, terá que dormir com um olho aberto para me impedir que o mate.

— Por mais tentadora que seja a oferta...

— Há um quarto de hóspedes ao final do corredor. Pode ficar ali esta noite.

— E amanhã de noite?

— Terá ido embora — afirmou Mercy. — Você e eu resolveremos este assunto amanhã. Depois partirá de Santuário e não voltará.

Enquanto Judah a observava, Mercy notou que tentava ler seu pensamento.

“Nem tente”, avisou a ele.

“Se deixar você ver um pouco do meu, deixará ver um pouco do seu?”.

“Não!”.

“Não sente nenhuma ligeira curiosidade?”.

“Não!”.

“Mentirosa”.

— Vamos ao andar de cima. Mostrarei a você o quarto — disse Mercy para acabar a conversa telepática. — E quando despertar pela manhã, não se afaste da casa. Se alguém visse você, se perguntaria quem é.

— Não acha que poderia passar por um Raintree?

— Não com esses olhos cinzas tão frios.

— Boa observação — disse Judah.

Mercy o guiou pelas escadas até o segundo andar. Ele se deteve quando passavam junto ao quarto de Eve e empurrou levemente a porta para olhar sua filha adormecida.

— Por que acha que tem os olhos da cor verde dos Raintree?

— Porque é uma Raintree — respondeu Mercy.

Quando Judah entrou no quarto de Eve, Mercy o seguiu, mas não tentou detê-lo. Ele parou junto à cama. Eve estava tombada de barriga para baixo, com os braços estirados sobre o travesseiro, de ambos os lados da cabeça. Ele acariciou o cabelo comprido, loiro.

Mercy conteve o fôlego. Judah elevou o cabelo de Eve e o separou com os dedos para deixar a vista a meia lua azul de sua nuca, a que proclamava sua ascendência. A marca dos Ansara.

Judah deixou que o cabelo de Eve caísse sobre suas costas. Acariciou-lhe a cabecinha e depois se voltou, olhou Mercy e sorriu. E naquele momento, Mercy viu amor nos olhos de Judah. Amor por sua filha.

 

Quarta-feira, 8:45 da amanhã

 

O telefone do Judah começou a tocar e o despertou.

— Claude?

— Cael partiu de Terrebonne esta manhã.

Judah se levantou rapidamente na cama.

— Quando?

— Faz uma hora.

— Foi sozinho?

— Não.

— Com quantos?

— Não estamos seguros, mas Cidra diz que só vão outros três.

— Quais?

— Acreditamos que levou Risa, Aron e Travis.

— Podem chegar a Carolina do Norte esta mesma tarde.

— Mas não podem entrar no Santuário, não?

— Acredito que não. A menos que...

— A menos que o que?

— Que consigam usar Eve de algum modo.

— É possível isso?

— Não posso saber com certeza. É possível que sua presença tenha comprometido o escudo que protege o imóvel do mundo exterior.

— Quer que envie alguém para perseguir Cael e os outros? — perguntou Claude. — Ou eu mesmo poderia...

— Não. Fique ali. Preciso que esteja em Terrebonne. Não acredito que Cael apareça aqui em pessoa. Enviará Aron e Travis. Quando chegarem, estarei esperando, e se tentarem penetrar no imóvel, enviarei para Cael o que restar deles em uma caixa de presente.

— Talvez devesse ter esperado antes de revogar esse antigo decreto — disse Claude. — Quando Cael soube do que tinha feito, deve ter se dado conta que havia uma criança de ambas as linhagens por aí. Seu filho.

— Não restava escolha. Se não tivesse feito isso, muitos Ansara teriam requerido a morte de minha filha.

— Sinto ter questionado sua decisão. Se Cidra disse que a menina deve ser protegida, então devemos protegê-la.

— Mantenha Cael sob vigilância do jeito que for. E não importa que se dê conta que o estão vigiando. De fato, seria melhor.

A porta do quarto de Judah se abriu de repente, e Eve entrou como um raio de sol da manhã, alegre e brilhante.

— Bom dia, papai.

Demônios! Judah dormia sem pijama, e estava sentado na beira da cama, completamente nu. Manteve o telefone preso a orelha com uma mão, e com a outra puxou o lençol sobre o colo, cobrindo-se da cintura até os joelhos.

— Com quem está falando? — perguntou Eve, que saltou sobre a cama sonrrindo para ele.

Ele agarrou o lençol com força para mantê-lo em seu lugar enquanto ela se aproximava dele.

— Depois telefono para você — disse Judah para Claude.

— Não desligue — pediu Eve a seu pai. — Quero dizer olá para seu amigo.

Judah negou com a cabeça. Depois perguntou:

— Onde está sua mãe?

Eve ignorou a pergunta e se ergueu sobre os joelhos para alcançar o celular. Judah a olhou com severidade. Ela titubeou, e depois disse em voz alta:

— Olá, Claude. Sou Eve.

Claude riu.

— Tem um problema de disciplina? Parece que é um pouco adivinha, porque soube intuitivamente meu nome — disse.

— Quero falar com Claude — disse Eve.

— Os poderes de minha filha são bastante impressionantes — admitiu Judah. — Olhe, diga olá para ele, de acordo?

Então, estendeu o telefone para Eve.

Ela sorriu.

— Obrigado, papai.

Colocou o telefone ao ouvido e disse:

— Olá. Está ligando de muito longe, não é?

Judah seguiu telepaticamente a conversa.

— Sim, exato — disse Claude. — Como sabe?

— Sei coisas. Tenho muitos poderes, mas minha mãe não me deixa usar a maioria deles porque nem sempre consigo que me obedeçam — explicou Eve. Depois, sussurrou: — Igual ela não consegue que eu sempre a obedeça.

Riu. Claude também riu.

— Uma vez, conheci um menino como você. Tinha grandes poderes, mas quando era de sua idade, tampouco podia controlá-los, e seu pai tampouco podia controlá-lo.

Eve riu de novo.

— Era meu papai, não era? — disse, e olhou para Judah com olhos de adoração.

Malditos olhos Raintree!

Tão parecidos com os de Mercy.

— Diga adeus ao primo Claude — disse Judah para Eve.

— Adeus, primo Claude — disse Eve. — Nos veremos muito em breve.

Entregou o telefone a Judah e se aninhou contra ele, enquanto ele mantinha o lençol em seu lugar e enviava uma mensagem telepática de socorro para Mercy.

— Sua pequena Eve é muito lisonjeadora — disse Claude para Judah. — De tal pau tal lasca, não?

— Poderia ser.

— Por que pensa que vai me ver logo? Disse que vai traze-la para Terrebonne?

— Não. Esse tema não foi mencionado.

Eve deu um pequenho golpe no ombro de Judah. Ele a olhou.

— O que?

— Diga ao primo Claude que vou ve-lo logo porque ele vai vir ao Santuário.

Judah observou sua filha fixamente.

— E por que pensa que... — começou A perguntar Claude.

— Eve Raintree, venha aqui imediatamente! — disse Mercy da soleira da porta, com as mãos nos quadris e cara de poucos amigos.

Eve saltou da cama ao chão e correu para sua mãe.

— Falei com o primo Claude. Vai vir ao Santuário muito em breve, e o conheceremos.

Mercy trocou um olhar de preocupação e desconcerto com Judah.

— Conversaremos depois — disse Judah a seu primo. — Me mantenha informado sobre esse assunto de que falamos.

Não esperou uma resposta antes de desligar, e deixou o telefone sobre a mesinha de noite.

— Eve, por que não vai com sua mãe enquanto eu tomo uma ducha e me visto?

Mercy passou o olhar pelo peito e os ombros nus de Judah, admirando seu corpo musculoso, embora não fosse consciente do que estava fazendo. Ele também a olhou com deleite. Mercy era muito bonita. A primeira vez que ele a tinha visto, sete anos antes, ficou assombrado com sua beleza. Inclusive antes de ver seus impressionantes olhos verdes e saber que era uma Raintree, a tinha desejado.

Mercy pigarreou e tomou Eve pela mão.

— É má educação entrar no quarto de alguém sem ter sido convidado — disse, e olhou para Judah. — Sinto que tenha incomodado você. Não voltará a acontecer.

Quando puxou a mão de sua filha, Eve resistiu.

Judah sorriu.

Eve fez com que sua mãe se inclinasse para ela e sussurrou:

— Vou ao meu quarto brincar um momento. Papai e você têm que falar mais sobre mim.

Mercy não teve ocasião de responder a Eve antes que a menina saísse do quarto a toda velocidade e fechasse a porta.

— É um pouco mandona, não? — perguntou Judah.

— É uma princesa Raintree. Dar ordens é inato nela. Por desgraça, ainda não aprendeu a arte da diplomacia.

— A diplomacia está valorizada em excesso. Eu prefiro a ação às palavras, e espero que minha filha pense o mesmo.

— Eve gosta de conseguir o que quer. Mas é jovem, e aprenderá que nem sempre pode ter tudo o que quer.

Judah afastou o lençol que cobria o corpo e se levantou da cama. Mercy ofegou. Ele sorriu.

— Se vir algo que você goste, pode pegar. Agora mesmo.

Mercy ficou olhando-o como hipnotizada, mas conseguiu reagir.

— Algumas vezes o que queremos é mau para nós, e sabemos por experiência que devemos evitar o perigo.

Judah se aproximou dela lenta e provocativamente. Ela se manteve firme e não se retirou, sem afastar o olhar de seu rosto.

Quando Judah chegou até ela, acariciou sua bochecha com o dorso da mão, e Mercy fechou os olhos.

— Ainda me deseja — disse ele.

Ela não respondeu.

Com aquela breve carícia, ele havia sentido sua paixão.

— Eu também desejo você — ele disse.

Deslizou a mão até sua nuca e inclinou a cabeça. Ela suspirou. Suas respirações se misturaram e Mercy abriu os olhos. Durante um instante, alheia a sua vulnerabilidade, deixou cair a barreira que protegia seus pensamentos.

Ele aproveitou para apertá-la contra seu corpo, intimamente. Se Mercy estivesse tão nua quanto ele...

— Não houve ninguém mais, não é? É tão minha como foi aquela noite.

Quando ele a beijou com um apetite voraz, ela se manteve rígida e fria. Entretanto, quando o beijo se suavizou, Mercy começou a gemer suavemente. Ele saqueou sua boca com uma paixão terna, mas ela apoiou ambas as mãos em seu peito e tentou empurrá-lo para trás.

Judah a agarrou e a moveu até a cama. Tomá-la naquele momento seria como tomá-la pela primeira vez. Nenhum outro homem a havia tocado, nem ensinado: era virtualmente virgem.

Fez com que caísse de costas sobre a cama e ele se estendeu sobre ela, agarrando seus braços levantados ambos os lados da cabeça enquanto ela lutava contra sua força superior. Colocou-se sobre ela e com os joelhos manteve imóveis seus quadris. Assim, olhou seu rosto ruborizado, e percebeu tanto desejo como cólera em sua expressão.

— Acha que vou permitir que me violente? — perguntou com raiva.

— Não seria uma violação, e ambos sabemos. Deseja-me.

Com a respiração entrecortada, Mercy entreabriu os olhos e se concentrou nele.

Judah gritou de dor e rodou pela cama até cair deitado de costas. Maldição...! Ela havia lhe dado um soco mental exatamente na parte mais vulnerável de sua anatomia. Enquanto Judah tentava recuperar o fôlego e murmurava maldições, Mercy se levantou da cama e caminhou até a porta. Deteve-se um instante e olhou para trás.

— A única razão por que permito você viver é Eve — disse a ele.

Ele lançou uma chuva de flechas de fogo, cujas pontas brilhantes desenharam o espaço que rodeava o corpo de Mercy. Ela as extinguiu antes que queimassem a porta que havia atrás dela.

— Pode ser que deseje minha morte, mas não me matará — disse ele com frieza. — E eu não matarei você. Não até que a tenha tomado de novo.

 

Capítulo 10

 

Judah tinha passado a manhã inteira com Eve, sob a estrita supervisão de Mercy, é obvio. Ver pai e filha juntos tinha proporcionado uma visão de Judah que ela não queria admitir. Ele tinha brincado com Eve, tinha observado-a enquanto a menina praticava algumas de suas habilidades e a tinha instruído sobre como canalizar e usar apropiadamente seus poderes.

A amabilidade, a paciência e a capacidade de amar não eram características que ela tivesse associado alguma vez com Judah Ansara. Desde que tinha fugido de sua cama sete anos antes, tinha pensado que era um sedutor, um canalha sem sentimentos. E o tinha odiado por ser um Ansara, membro de um clã que seua antepassados a tinham ensinado a temer e detestar desde pequena.

Quando tinha se cansado de brincar, Eve tinha proposto que comessem ao ar livre; depois de encher uma cesta de sainduiches e fruta, caminharam até um campo próximo e se sentaram sob a sombra de um carvalho centenário, em uma manta estendida no chão. Não havia uma só nuvem no céu, e o sol vespertino de junho se filtrava por entre as folhas das árvores, derramando luz dourada a seu redor.

Eve tagarelou como um papagaio enquanto comia seu sanduiche de frango e suas batatas fritas. Judah interveio poucas vezes, e parecia muito divertido pela interminável conversa de sua filha. Várias vezes, durante a comida, Mercy notou que ele consultava seu relógio de pulso. E, quando Judah acreditava que ela não o estava olhando, observava-a. Mercy fingia que não notava.

Depois de comer duas bolachas de chocolate com um copo de leite do recipiente térmico, Eve ficou em pé de um salto e olhou para Judah e Mercy.

— Quero praticar um pouco mais — afirmou, e se afastou vários metros. — Olhe, mamãe. Olhe para mim, papai.

Sem pedir permissão, Eve se concentrou e, pouco a pouco, começou a se elevar sobre o chão. Alguns centímetros. Depois meio metro. Depois um metro inteiro.

— Tome cuidado — disse Mercy.

— Papai, como se chama isto? — perguntou Eve.

— Levitação — respondeu Judah, enquanto Eve continuava subindo até três metros acima do chão.

— Ah, sim. Mamãe me disse isso. Levitação.

Mercy, contendo a respiração, inclinou-se para frente, preparando-se inconscientemente para apanhar sua filha no ar se caísse. Tomara que Eve não fosse tão atrevida e tão obstinada.

— Protege-a muito — disse Judah, segurando Mercy pelo pulso. — Deixe que se divirta. Só quer que lhe demos atenção e que aprovemos o que faz.

Mercy o olhou com desdém.

— Eve tem sido o centro de minha existência desde que nasceu. Meu trabalho como mãe é aprovar o bom comportamento e reprovar o mau comportamento. E, sobre tudo, meu dever como mãe é protegê-la, embora isso signifique que tenho que protege-la de si mesma.

Judah resmungou.

— Sempre teve medo que a Ansara que há nela se manifestasse, não é? Cada vez que se comportou mau ou teve uma zanga, perguntou-se se era um sinal do mal inato que havia em sua natureza. O mal dos Ansara.

— Subi mais! — disse Eve. — Olhem para mim!

Quando Eve estava a mais de dez metros do chão, Mercy ficou em pé de um salto e correu para sua filha.

— Já é o suficiente, querida. É maravilhoso — disse, e aplaudiu várias vezes. — Agora, comece a descer.

— Tenho que fazer isso? — perguntou Eve. — É muito divertido.

— Desça e brincaremos de algo — disse Judah.

Eve desceu lentamente, com cuidado, como se quisesse demonstrar a Mercy que não tinha com que se preocupar. Assim que tocou o chão, Eve correu para Judah.

— Do que vamos brincar?

Ele olhou para Mercy, como se estivesse desafiando-a a interferir.

— Brincou alguma vez com o fogo?

— Mamãe diz que sou muito pequena para brincar com o fogo como faz o tio Dante. Diz que quando for maior...

— Se tem o domínio sobre o fogo, quanto antes aprenda a exercê-lo, melhor — argumentou Judah, olhando diretamente para Eve enquanto pousava uma mão sobre o ombro de Mercy. — Meu pai começou a me ensinar quando eu tinha sete anos.

— Oh, por favor, mamãe, por favor — pediu Eve. — Deixa que papai me ensine.

Qualquer decisão que tomasse poderia ser incorreta. Mercy não podia estar segura de que uma resposta negativa não estivesse baseada no ressentimento que professava contra Judah por se intrometer em suas vidas.

Mercy assentiu.

— Está bem. Só por hoje — disse, olhando Judah com severidade. — Tem que controlá-la com atenção. Quando tinha dois anos... — Mercy se interrompeu, sem saber se devia dividir daquela informação com ele. Entretanto, finalmente fez. — Eve incendiou a casa.

Judah abriu os olhos de par em par devido à surpresa. Depois, sorriu.

— Foi capaz de fazer isso quando tinha dois anos?

— Tenho muito poder — disse Eve. — Minha mãe diz que é porque sou muito especial.

Judah sorriu cheio de orgulho paternal.

— Sua mãe tem razão. É especial.

Tomou a mão de sua filha e disse a ela:

— Vamos, nos aproximemos do lago e lancemos foguetes. O que acha?

Eve sorriu de orelha a orelha e começou a saltar de emoção.

Apesar de sua reticência, Mercy os seguiu ao lago. Para vigiar. E para censurar, se Judah permitisse Eve fazer algo verdadeiramente perigoso...

 

Eve tinha ficado esgotada depois de praticar um talento depois do outro, todos eles sob supervisão de Judah. Ele tinha constatado, com todos aqueles jogos, que sua filha tinha o potencial para se tornar a criatura mais poderosa da Terra, mais poderosa que qualquer Ansara ou Raintree.

Olhou para Eve, que dormia profundamente aninhada sobre a colcha. Sentiu algo que nunca tinha experimentado no mais profundo de seu ser. Aquela era sua filha. Bela, pronta e cheia de talento. E ela o tinha reconhecido imediatamente como seu pai, e o tinha aceito como parte de sua vida sem uma só dúvida.

Recordou as palavras de Cidra: “Se quer salvar nosso clã, deve proteger a menina”.

Naquele momento, Judah se deu conta de que protegeria Eve para salvar os Ansara, mas sobre tudo, protegeria-a porque era sua filha e a amava.

Passeou o olhar pela pradaria enquanto tentava aceitar tudo o que estava acontecendo em tão pouco tempo. Estava absorto em seus pensamentos quando ouviu a voz de Mercy, que tinha se aproximado silenciosamente depois de dar um curto passeio.

— Judah?

Ele a olhou.

— Não conversamos sobre a razão por que que voltou para o Santuário — disse ela. — Permiti que você passasse um tempo com Eve, mas não pode ficar aqui. Não pode ser parte de sua vida.

— Eve está ameaçada por meu irmão. Até que esteja a salvo de Cael, serei parte de sua vida, com ou sem sua permissão. Não tente me obrigar que a ir embora.

— Ou o que fará?

Judah suspirou.

— Não deveríamos discutir — disse ele, tentando conciliar posturas. — Temos o mesmo objetivo: proteger Eve.

— A única diferença em nosso objetivo é que eu quero protegê-la de você, além de protegê-la de seu irmão.

— Realmente acha que sou a reencarnação do diabo, não?

— É um Ansara.

— Sim. E estou orgulhoso de ser. Mas parece que você pensa que deveria sentir vergonha por pertencer a uma linhagem antiga e nobre.

— Os Ansara, nobres? Não.

— Os Raintree não têm o monopólio da nobreza — replicou Judah.

— Se acha que os Ansara são nobres, então nossa definição dessa palavra deve ser diferente.

— É a lealdade a nossa família, amigos e clã. É o fato de usar nossas habilidades para manter e proteger pessoas que está em nossa responsabilidade. É respeitar os anciões, que possuem um grande conhecimento. E nos defender de nossos inimigos.

Mercy ficou olhando-o com desconcerto. Tinha falado muito? Ela suspeitaria que Judah era mais que um Ansara comum, com um poder igual ao de qualquer Raintree? Estava se perguntando quantos mais como ele havia no mundo?

— Os Ansara usaram seus poderes para tomar todo aquilo que queriam, tanto dos humanos como dos Raintree. Se tivessem continuado seu caminho e perseguido seus objetivos, finalmente teriam subjugado todo ser vivente da Terra, em vez de viver em harmonia com os humanos, como os Raintree tem feito durante séculos.

— Vocês os Raintree, se empenharam em ser os salvadores da raça humana. Escolheram os humanos acima daqueles de sua própria raça. Essa decisão foi a que lançou nossos clãs em uma guerra interminável.

— Os Ansara não são de nossa raça. Inclusive seus antigos Dranires entenderam isso. Por isso baixaram o decreto que condenava a morte a todo filho nascido de ambas as linhagens.

“Eu revoguei esse decreto!”, pensou Judah. Entretanto, não podia dizer a Mercy, porque aquilo revelaria a ela que ele era o Dranir Ansara.

— Está dizendo que aprova esse decreto? — perguntou para provocá-la. — Acha que essas crianças devem morrer?

— Não! Claro que não! Como pode me fazer semelhante pergunta?

— Eve é Raintree — disse Judah. — É de seu clã. Mas também é Ansara, o que significa que é de meu clã. Sua linhagem se remonta a milhares de anos atrás, aquele povo de que provêm os Ansara e os Raintree. Uma vez, fomos o mesmo povo.

— E por essa razão, o Dranir Dante e a Dranira Ancelin não exterminaram todos os Ansara depois de A Batalha há duzentos anos. Perdoou a vida dos poucos Ansara que sobreviveram, com a esperança que aprendessem a coexistir com os humanos, e encontrassem a humanidade que um dia tinham compartilhado com os Raintree. Entretanto, ao conhecer você vejo que essa esperança não se cumpriu. Seu irmão e você se odeiam. A mãe dele matou sua mãe. E ele quer matar você agora. Quer machucar Eve, e você quer afastá-la de mim e leva-la. Os Ansara continuam sendo violentos, cruéis, desumanos e...

Judah a agarrou pelos ombros. Mercy ficou em silêncio imediatamente.

— Julga-me sem me conhecer — disse ele. — Meu meio-irmão não é um exemplo de nossa raça, nem era sua mãe. Cael está louco, como ela.

Quando notou que Mercy relaxava, afrouxou a pressão das mãos, mas não a soltou. Observaram-se durante vários minutos, tentando descobrir o que o outro estava pensando.

Mercy não cedeu terreno; manteve suas barreiras defensivas em alto. Ele fez o mesmo; não se atrevia a se arriscar que ela descobrisse sua identidade verdadeira.

— Eu gostaria de acreditar em você por Eve — disse Mercy. — Eu gostaria de saber que sua parte Ansara não se tornará nunca em algo completamente desconhecido para mim. Sei que é obstinada e travessa mas... — Mercy engoliu seco. — O que me fez foi cruel e sem consideração. Vai negar isso?

Judah passou as mãos pelos braços, dos ombros até os pulsos. Depois, soltou-a.

— Naquele momento não pensei que fosse cruel. Eu a desejava, e você me desejava. Fizemos amor várias vezes. Você me deu prazer, e eu dei prazer a você. Não nos fizemos promessas. Não declarei a você meu amor eterno.

A expressão de Mercy se endureceu. Ficou pálida.

— Não, mas eu disse a você que o amava — sussurrou. Depois, baixou a cabeça, como se olhá-lo causasse dor. — Deve parecer divertido para você. Não só tinha tomado a virgindade de uma princesa Raintree, mas também além disso, disse a você que o amava.

Judah segurou seu queixo e fez com que elevasse a cabeça para olhá-lo.

— Sabia que não estava apaixonada por mim. Só estava apaixonada pelo modo em que tinha feito com que se sentisse. As boas relações sexuais podem provocar essa reação em uma pessoa que não tem experiência.

— Se soubesse que é um Ansara...

— Teria saído correndo — disse ele com aspereza. — Na realidade, isso foi o que fez quando se deu conta, não? — Judah a observou com suma atenção durante um instante, e depois perguntou: — por que não abortou? Por que não se desfez de minha filha?

— Ela também era minha filha. Eu nunca teria podido...

Mercy ficou imóvel como uma estátua. Os olhos ficaram em branco, e começou a estremecer. Judah se deu conta de que estava entrando em transe.

— Mercy?

Ele tinha visto que ocorriam coisas similares as profetisas de seu clã. Não a tocou. Limitou-se a esperar.

Tão rapidamente como ela se afundou no transe, saiu dele.

— Alguém está tentando atravessar o escudo protetor do Santuário. E não está sozinho.

— É Cael — disse Judah rapidamente.

— Seu irmão? Como tem certeza disso?

— Sei.

— Temos que detê-lo! Está tentando entrar em contato com Eve enquanto ela dorme.

— Está jogando — disse Judah. — Está tentando me demonstrar o quanto minha filha é vulnerável.

Mercy o puxou pelo braço com força.

— E até que ponto é vulnerável? Até que ponto seu irmão é poderoso?

— O suficiente para causar problemas — respondeu ele. — Fique aqui e protege Eve com qualquer método que seja necessário. Conjure o feitiço mais forte que conheça para frustrar as tentaivas de Cael para entrar em seus sonhos. Tem a capacidade de entrar telepaticamente na mente de alguém que dorme e afetar seu bem-estar.

— E você? O que vai fazer?

— Vou falar com Cael.

— Deveria ir com você.

— Não. Eu enfrentarei meu irmão. Você cuida de Eve.

— Precisa de um veículo para chegar até a entrada do imóvel. Há uma velha caminhonete estacionada na garagem. Pegue-a. As chaves estão na ignição — disse Mercy.

Compartilharam um momento de completo entendimento, unidos por uma causa comum que superava qualquer rivalidade ou antagonismo pessoal.

Mercy reforçou o campo que protegia Eve das forças externas, e depois colocou um guarda especial ao redor de seus sonhos. Finalmente, lançou um encantamento sobre sua filha, algo suave que a manteria em um sono profundo e tranqüilo durante um curto período de tempo, sem deixar nenhum efeito secundário. Não havia modo de saber o que Eve podia fazer se pensava que seus pais estavam em perigo.

Depois, com supremo cuidado, Mercy tomou sua filha nos braços e a levou até a casa.

Depois de deixá-la aos cuidados da Sidonia, Mercy voltou a sair e se encaminhou à garagem. Ali tomou seu carro e se dirigiu para a porta principal do Santuário.

Quando chegou a entrada, viu a velha caminhonete estacionada dentro das portas de ferro, mas não viu Judah. Seu coração acelerou. Freou atrás da caminhonete e estacionou. Depois desceu do veículo e ficou imóvel.

Judah tinha saído do imóvel. Estava além das portas fechadas, de costas para ela. Havia quatro estranhos, três homens e uma mulher, rodeando um homem alto, magro, loiro e com olhos tão cinzas e frios como os de Judah.

Cael. O meio-irmão assassino.

— Vejo que não está sozinho — disse Cael a Judah, que não moveu um músculo. — Sua fulana Raintree pensa que precisa de ajuda.

Judah não respondeu.

Mercy se aproximou da porta e permaneceu a esquerda de Judah. Só os separavam as portas e menos de dois metros.

— A menina não está a salvo — disse Cael. — Eu posso abrir uma brecha na tela protetora que rodeia este lugar, então isso significa que outros também podem fazê-lo. Vocês, seus pais, deveriam estar alerta. Nunca se sabe quando alguém poderia tentar machucar Eve.

— Quem tenta machucar minha filha terá que enfrentar a mim — disse Judah.

Cael esboçou um sorriso frio, calculista e sinistro. E cheia de sede de sangue, mais do que Mercy tivesse percebido em nenhuma outra pessoa. Deu-se conta que aquele homem era diferente de Judah como era de Dante ou de Gideon. Tinha o que ela tinha pensado sempre que tinha um Ansara: pura maldade.

— Suponho que não quer me convidar a entrar e me apresentar sua filha — disse Cael. Depois olhou para Mercy durante um instante. — Entendo por que se deitou com ela, irmão. É muito bela. Do que desfrutou mais, do fato de tomar a virgindade de uma princesa Raintree ou de engana-la?

— Parta — disse Judah. — Se não o fizer... podemos terminar com tudo isto agora mesmo. É isso o que quer?

Cael sorriu.

— Ainda não. Mas terminaremos logo — disse, e voltou a olhar para Mercy. — Contou que matou um dos seus para salvar sua vida?

Depois, entre gargalhadas, deu a volta e se dirigiu a uma limusine negra que estava estacionada um pouco mais à frente, na estrada. Outros o seguiram como se fossem mascotes.

Judah não se moveu nem falou até que o veículo desapareceu. Depois se voltou para Mercy. As portas do imóvel permaneciam fechadas entre eles.

— Não pergunte — disse ele.

— Como não vou perguntar? Sei que alguém tentou me matar no domingo e que você o impediu. Como sabia? Por que quis me salvar?

— Disse que não perguntasse — disse Judah, e olhou as portas fechadas. — Poderia entrar no Santuário sem sua ajuda, mas esbanjaria uma grande quantidade de energia. E não quero inquietar Eve.

Mercy abriu a porta e estendeu a mão. Judah segurou e passou através do escudo protetor que separava as terras dos Raintree do mundo exterior. Uma vez dentro, ele não a soltou. Em vez disso, atraiu-a para seu corpo e a olhou fixamente nos olhos, atravessando as barreiras que protegiam sua mente das intrusões. Ela não tentou detê-lo, porque sabia que enquanto ele trabalhava tão febrilmente para descobrir o que ela pensava, deixava sua própria mente desprotegida.

Percebeu uma grande preocupação e uma preocupação verdadeira por aqueles a quem queria. A quem queria? Judah era capaz de amar realmente?

— Surpreende-se? — perguntou ele, que tinha se dado conta de que Mercy tinha descoberto suas emoções.

De novo, ela se protegeu e acabou a conexão mental entre eles. Depois se soltou de um puxão e lhe deu as costas.

— Quero que parta em seguida. Não pode ficar. Se outros descobrirem que está aqui, será perigoso para você.

— Não pode proteger Eve sem minha ajuda.

Ela girou para ele.

— Então, persegue seu irmão e faz... faz o que tenha que fazer para proteger sua filha. Não entendo por que não o matou agora mesmo.

— Porque não estava sozinho — respondeu Judah. — Poderia ter me desfeito dos três que o acompanhavam, mas... havia outros dez, uma pequeno bando de Ansara leais a meu irmão. Estão perto, esperando que Cael os chame. Se o tivesse desafiado para uma luta de morte, eu teria estado em desvantagem.

— Eu teria pedido ajuda — disse Mercy, e exalou um suspiro de exasperação ao pensar no absurdo da situação. — Se tivesse chamado os Raintree que estão no Santuário, você também teria sido o inimigo para eles, além de seu irmão.

— Não tenho vontades de ser um homem só entre um grupo Ansara e um grupo Raintree.

— Então, o que fazemos agora?

— Manter Eve a salvo.

 

Capítulo 11

 

Cael e seus guerreiros chegaram ao imóvel particular em que estavam alojados, entre Asheville e o Santuário dos Raintree, antes do entardecer. Enquanto outros comiam, bebiam e se desafogavam sexualmente, preparando-se para a batalha para a qual só restavam dias, Cael se trancou em seus aposentos privados para pensar em seu próximo movimento. Tinha alugado aquela propriedade dois anos antes, quando tinha decidido a data em que teria lugar o assalto a terra sagrada dos Raintree. Lenta, secreta, cautelosamente, tinha procurado pelo mundo todos os Ansara renegados que estivessem dispostos a obedecê-lo e lutar ao seu lado no dia escolhido. Tinha reunido um exército de cem guerreiros, pequeno em comparação ao exército que Judah comandava, mas adequado para o ataque que Cael tinha planejado. No sábado, todos teriam chegado naquele lugar escondido, armados e preparados para a batalha.

O elemento surpresa era fundamental para que sua estratégia tivesse êxito. Cael conduziria os guerreiros Ansara contra um punhado de visitantes Raintree e contra a princesa Mercy, a Guardiã do Santuário, no dia do solstício do verão.

Antes que os demais Raintree recebessem o aviso, a notícia já teria chegado a Terrebonne, e aos outros guerreiros Ansara não restaria remedeio que unir-se a Cael para dirigir a grande batalha final entre os dois clãs. Naquela ocasião, os vencedores seriam os Ansara, e exterminariam os Raintree. Ele mataria pessoalmente Judah e sua filha, Eve. Depois se ocuparia de que todos os sobreviventes Raintree fossem executados.

Ele seria o líder supremo. Seria um herói conquistador e sua gente o adoraria. Os humanos se converteriam nos escravos dos Ansara e deveriam ajoelhar-se ante ele.

Aquelas visões eram verdadeiramente doces. Vitória. Aniquilação dos Raintree, Judah morto. A humanidade subjugada.

“Serei um deus”.

“Mas só quando Judah estiver morto”.

Que oportuna tinha sido a divina providência lhe concedendo a distração perfeita para seu irmão. A pequena Eve Raintree. Judah era possessivo e protetor. Muito nobre para o gosto de Cael. Ficaria com sua filha para protegê-la dia e noite. Concentraria-se apenas em mantê-la a salvo de Cael, e enquanto isso, se descuidava dos assuntos de Terrebonne, e Cael poderia reunir seu exército e estender a anarquia entre os Ansara.

“Assaltaremos o Santuário no Alban Heruin, quando o sol estiver em seu momento gélido e eu também esteja cheio de força. Matarei primeiro sua filha e sua mulher, para ter o prazer de ver você presenciar como morrem. E depois, eu mesmo acabarei com você”.

  

Aquele dia, ao entardecer, o céu estava colorido de rosa, laranja e ouro, e uma neblina translúcida rodeava os picos das montanhas. Judah estava no meio do jardim, com um frasco de cristal nas mãos, observando como Eve perseguia os vaga-lumes. Havia vários cativos brilhando dentro do frasco, que tinha buracos na tampa de metal.

Eve se lançou por outro dos insetos e o apanhou com as palmas das mãos presas sobre a erva.

— Peguei ele! Peguei ele! — exclamou, e correu para Judah, que abriu um pouco a tampa, o necessário para que Eve pudesse colocar seu refém na prisão de cristal.

Quando Eve sentiu a presença de sua mãe no alpendre, girou-se para ela e sorriu.

— Papai nunca tinha caçado vaga-lumes, nem sequer quando era pequeno, e tive que explicar a ele como não machuca-los. Depois que ver quantos vaga-lumes posso caçar, deixarei-os livres outra vez.

Mercy, que tinha estado na cozinha com Sidonia, ouvindo novamente todas as advertências e recriminações da anciã por permitir que Judah permanecesse no Santuário, suspirou com inquietação.

— Bem, me parece que chegou o momento de que libera-los — disse. — Passsa das oito. Tem que tomar banho antes de se deitar, minha filha.

— Não, ainda não. Por favor, só outra hora — disse Eve, e uniu as duas mãos como se dispusesse a rezar. — Papai e eu estamos nos divertindo muito — argumentou, e girou para seu pai. — Não é, papai? Diga ela que não tenho que ir para a cama agora mesmo.

Judah entregou a Eve o frasco de vaga-lumes.

— Solte-os.

Eve inclinou a cabeça e o olhou fixamente.

— Suponho que isso significa que tenho que fazer o que mamãe me disse.

Ele remexeu em seu cabelo suavemente.

— Suponho que sim.

A contra gosto, Eve destampou o frasco e o agitou levemente para que os insetos se pusessem a voar. Quando o último deles escapou, ela se aproximou do alpendre, entregou o frasco para Mercy e fez uma careta de tristeza, que sempre usava para causar pena.

Com um profundo suspiro, Eve disse dramaticamente:

— Já estou pronta para ir. Se é obrigatório...

Mercy se esforçou em conter o sorriso.

— Entre na cozinha e diga a Sidonia que ajude você a tomar banho. Eu subirei mais tarde para dar um beijo de boa noite.

— Papai também?

— Sim — disseram Judah e Mercy em uníssono.

Assim que Eve entrou na casa, Mercy deixou o frasco vazio no alpendre e desceu para a grama. Judah estava olhando o céu e as altíssimas montanhas que os rodeavam. Depois, olhou para Mercy.

— Belo anoitecer — disse. — Estas montanhas estão cheias de paz. Não se aborrece alguma vez?

— Estou ocupada — respondeu ela.

— Curando o corpo, o coração e a alma dos de seu clã?

— Sim, sempre que é possível. Meu trabalho, como Guardiã do Santuário, é usar meu dom de curadora empática para ajudar os que se dirigem a mim. De qualquer modo, você já sabia, não? Sabia, no dia que nos conhecemos, quem eu era.

— Assim que vi seus olhos soube que era uma Raintree. Consegui penetrar em sua mente o suficiente para saber que era uma princesa e que estava destinada a se tornar em uma espécie de guardiã — admitiu Judah. — Só percebi alguns fragmentos de seu pensamento antes que me desse conta de que a maior parte de sua mente estava protegida.

— Você também usou um escudo. Um muito poderoso. Eu não me dei conta nesse momento — disse ela. — Me pareceu estranho o fato de não poder perceber o que pensava, e que quando o acariciei, só senti que podia confiar em você. Bloqueou-me completamente e me enviou uma mensagem enganosa.

— Fiz o necessário para conseguir o que desejava.

— E me desejava.

— Muito.

Por que Judah fazia com que sua resposta soasse como se estivesse falando do presente e não do passado? Embora ele a desejasse naquele momento, só desejava usar seu corpo, como aquela noite de sete anos atrás.

— Por que não usou nenhum método anticoncepcional aquela noite? — perguntou Mercy.

Ele sorriu ironicamente.

— E por que você não usou?

— Poderia dizer que foi porque era inexperiente e estúpida, e me deixei levar por uns sentimentos que nunca tinha experimentado. Mas a verdade é que, quando soube que ia passar a noite com você tentei conjurar um feitiço de proteção temporário. Parece que não funcionou.

— Parece.

— E qual é sua desculpa?

— Eu achava que você usava proteção — admitiu ele.

Mercy abriu os olhos de par em par.

— Você também tinha um feitiço de proteção?

Judah assentiu.

— Uma espécie de feitiço. É um presente que nos fazíamos meu primo Claude e eu quando éramos adolescentes. Funcionou perfeitamente com as mulheres humanas, e com as Ansara.

— Se os dois estávamos protegidos, então... Oh, meu Deus! Os feitiços e os presentes mágicos de proteção não devem funcionar quando um Raintree se relaciona com um Ansara.

— Ao menos, em nosso caso não.

— Não entendo. Deveriam ter funcionado.

— A única explicação que me ocorre é que Eve estava destinada a nascer.

— Está me dizendo que acredita que um poder superior ordenou a concepção de Eve?

— É possível. Talevez nascesse com um objetivo concreto.

— Acaso alguém disse a você que Eve está destinada a...

— Ninguém sabia nada sobre a paternidade de Eve, salvo Sidonia e você, até há três dias. Como ia alguém ter me falado dela?

— Sim, claro.

— Nossa pequena Eve é uma menina assombrosa.

Mercy afastou o olhar dele.

— Se, por acaso, encontrar outros Raintree enquanto está no Santuário, diga a ele que se chama Judah Blackstone e que é um velho meu amigo da universidade. Recebemos outras visitas antes, amigos da família que precisavam de paz e tranqüilidade. Ninguém fará mais perguntas.

— E se Eve diz a alguém que sou seu pai?

— Falarei com ela e explicarei que no momento devemos guardar o segredo.

— Judah Blackstone, né?

— É um nome tão bom como outro qualquer — disse Mercy. Voltou-se para os degraus do alpendre e disse: — vou desejar boa noite a Eve, vem comigo?

— Sim, vou com você — respondeu ele. Seguiu-a ao interior da casa e, uma vez dentro do vestíbulo, perguntou: — Teve um namorado que se chavama Blackstone? Tenho que ficar ciumento?

Aquela pergunta a tomou de surpresa. Deu a volta e o olhou com o cenho franzido.

Judah riu.

— Os Raintree não têm senso de humor?

— Não vejo nada engraçado em nossa relação. Você e eu somos inimigos que estamos temporáriamente unidos por uma causa comum: salvar nossa filha. Mas uma vez que não esteja mais em perigo... — Mercy não terminou a frase. Afastou-se dele e começou a subir as escadas.

Ele a alcançou e a agarrou pelo cotovelo. Inclinou a cabeça e sussurrou:

— Sabe muito bem que, quando Eve não estivem mais em perigo, não poderemos mais compartilhá-la. Ela será Raintree ou Ansara, e o resultado decidirá aquele de nós dois que vai ficar com vida. Isso é o que estava pensando, não é?

— Se jurar que irá e nos deixará em paz, que nunca tentará entrar em contato com Eve, as coisas não terão que terminar dessa maneira. A menina não terá que crescer sabendo que sua mãe matou seu pai.

— Ou que seu pai matou sua mãe — disse ele.

Então, Mercy fechou os olhos e respirou profundamente. Judah não teria nenhum escrúpulo em matá-la para obter a custódia de sua filha. Tomara ela fosse tão desumana. Tomara ela pudesse matar Judah sem lamenter também.

Angustiada, Mercy deu a volta e continuou subindo as escadas para o quarto de Eve.

  

Mais tarde, em seu quarto, Mercy era incapaz de conciliar o sono. Não deixava de dar voltas a conversa que tinha tido com Judah. O fato de que tivessem concebido Eve durante uma breve noite de relações sexuais era virtualmente um milagre, tendo em conta, além disso, que ela estava usando um feitiço temporário de proteção sexual e que ele também contava com a proteção que seu primo tinha dado quando eram adolescentes. Com aquelas medidas, a gravidez deveria ter sido impossível.

Uma proteção que seu primo tinha dado? Presenteado!

Como era possível que Mercy não notasse imediatamente do que implicava aquela afirmação de Judah?

No clã dos Raintree, só os membros da família real tinham o poder de dar de presente dons ou amuletos. Por que ia ser diferente com os Ansara? Aquela capacidade era muito antiga, provinha do tempo em que seus ancestrais formavam parte de uma grande família A que pertenciam ambos os clãs.

Era Judah um membro da família real Ansara?

Se era, Mercy tinha muitas mais coisas que temer, além de que um homem daquele clã estivesse reclamando sua filha. Se Judah era um príncipe...

Não, não podia ser. Os Ansara não eram mais uma grande linhagem com um Dranir e uma Dranira, com uma família real formada por filhos, irmãos, tios, tias e primos. Talvez Judah tivesse sangue real, se os Ansara tivessem vencido na batalha que havia acontecido duzentos anos antes, seria um poderoso príncipe no presente. Isso explicaria por que tinha a capacidade de dar de presente encantamentos e talismãs ou trocá-los com seu primo.

Mas ela não tinha intenção de deixar nenhum detalhe ao azar. No dia seguinte, o enfrentaria e pediria uma explicação.

Pelo bem de Eve, devia descobrir a verdade.

 

Capítulo 12

 

Mercy esperou até depois do café da manhã antes de pedir a Judah que falasse com ela em particular. Para manter Eve ocupada e afastada da casa, Mercy enviou sua filha com Sidonia para levar pão-doces e bolachas recém assados aos Raintree que ocupavam as casas do imóvel. Semelhante novidade foi algo muito interessante para Eve, que aceitou encantada a sugestão.

Quando ficou a sós com Judah em seu escritório, Mercy se preparou para resistir ao magnetismo que ele exercia sobre ela. Não podia negar a atração sexual que havia entre os dois; aquela extraordinária química que ainda a debilitava e a punha em uma posição vulnerável, duas coisas que um Raintree nunca desejaria que ocorressem quando um Ansara estava perto.

— Adiante — disse Judah. — Sobre o que queria falar comigo?

— Como é possível que seu primo e você possam trocar feitiços ou amuletos?

— Como? Ah. Está falando da proteção sexual que Claude me deu de presente quando...

— Exato. Só os membros da família real têm essa capacidade. Tem sangue real? Se for isso, isso significa que existe uma família real Ansara, não é?

Ele não respondeu imediatamente, o que incomodou Mercy. Judah estava pensando muito em sua resposta. Estaria tentando dar uma resposta plausível?

— Deve saber que sempre houve uma família real Ansara. Uma das filhas do velho Dranir, a princesa Melisande, sobreviveu À Batalha, casou-se e teve filhos, netos, etc.. Para responder a seu outra pergunta, sim, Claude e eu temos sangue real, ou isso nos disseram nossos pais.

— É príncipe?

— Não.

— Onde vive?

— E por que esse repentino interesse por minha vida pessoal? Se está perguntando por causa de Eve, então posso dizer que sou forte, sadio física e mentalmente e que possuo todos os poderes de um membro da família real.

— Por que não quer me dizer onde vive?

— Vivo por todo mundo. Sou um homem de negócios internacional, um banqueiro que tem interesses em muitos países.

— E quantos Ansara mais há? Onde vivem seu Dranir e sua Dranira? Seu povo está disperso pelo mundo, como os Raintree?

— Somos poucos, e mantemos uma existência discreta. Não estamos preparados para enfrentar os Raintree, e nunca faríamos nada para chamar a atenção.

— Mas você sim fez. Faz sete anos seduziu deliberadamente uma princesa Raintree. Eu diria que isso é chamar a atenção.

— Nesse momento, você não sabia que eu era um Ansara. E se não tivesse concebido minha filha, não saberia agora.

— E seu Dranir? — insistiu Mercy.

— Muitas perguntas — disse Judah, aproximando-se dela.

Mercy não se moveu de lugar. Negava-se a se acovardar ante ele.

— O Dranir Ansara é solteiro — explicou Judah. — Alguns o consideram um mulherengo. Tem uma vila no Caribe e outra na Itália, além de casas e apartamentos em outros lugares do mundo. Possui um iate e um avião particular, e as mulheres caem aos seus pés.

— Parece um tipo encantador — respondeu Mercy com sarcasmo. — E você é parente dele. Pelo que disse dele, vejo que há uma forte semelhança entre os dois.

— Somos como duas gotas de água — disse Judah com um sorriso petulante. — Eu também administro sua fortuna, mas... Não poderíamos investir o tempo que passamos juntos em outra coisa que não seja falar? — perguntou. Estava tão perto dela que suas bocas quase se roçavam. —Pelo que me lembro, nenhum dos dois precisava de palavras para expressar o que sente.

Estremecendo por dentro, ela mal pôde evitar que seu corpo também tremesse. Sua respiração acelerou, e sentiu uma forte excitação.

— Por que seu irmão o odeia tanto para querer te matar?

Aquela pergunta foi um dissuasivo muito efetivo. Judah elevou a cabeça e se afastou dela, ao menos o suficiente como para que Mercy pudesse respirar com liberdade.

— Disse a você que a mãe de Cael matou minha mãe. Sempre tivemos uma má relação.

— Se a mãe dele matou a sua, então você deveria ser quem odiasse ele, que quisesse matá-lo. Por que é o inverso?

— Eu sou o filho legítimo de meu pai. Cael não é. É tão simples como isso. Uma mente doente não precisa de motivos para agir irracionalmente.

— Quantos anos tinha quando sua mãe morreu?

Judah apertou a mandíbula.

— Minha mãe foi assassinada.

Sem fazer caso de sua vontade, a mão de Mercy voou até o peito de Judah e se estendeu sobre seu coração. Durante uma minima fração de segundo, enquanto a emoção o fazia vulnerável, Mercy absorveu seus pensamentos mais íntimos. Ele era um menino muito pequeno quando sua mãe tinha morrido. Muito pequeno para recordar seu rosto ou o som de sua voz. Dentro de Judah havia tristeza e fome do amor de uma mãe. Também, uma forte negativa a aceitar que precisasse do amor de alguém.

— Sinto muito pela morte de sua mãe — disse Mercy. — Nenhuma criança deveria crescer sem uma mãe que o ame incondicionalmente.

Judah apertou os lábios e, com a tensão refletida no semblante, agarrou-lhe com força a mão que Mercy tinha pousado no peito.

— Não preciso nem quero sua compaixão.

Mercy sentiu o bombardeio de sua ira e seu ressentimento, e teve que ofegar para poder tomar ar. A raiva que fervia dentro de Judah se derramou sobre ela, envolveu-a, afogou-a com sua intensidade. Aquilo era culpa sua e não dele, pensou. Deveria ter sabido que não serviria de nada lhe oferecer compreensão e amabilidade, quando ele não entendia nenhuma das duas coisas.

E não deveria tê-lo tocado.

Mercy lutou para sair do caos perigoso que a fúria de Judah tinha criado em seu interior. Sem saber como, tinha se conectado por empatia com ele, e não era capaz de cortar o vínculo. Sentiu uma entristecedora opressão no peito, um peso que lhe cortou o fôlego. Continuou ofegando para recuperar o ritmo da respiração, para poder dizer a ele que a soltasse.

Judah a agarrou pelos ombros.

— O que está acontecendo?

Mercy gemeu.

— Mercy!

Judah a agitou.

Ela se sentia mais e mais fraca a cada segundo que passava, devido à falta de oxigênio.

“Me ajude, Judah, por favor”.

“Diga-me o que tenho que fazer”.

A beira da perda dos sentidos, Mercy desabou contra ele.

“Não continue zangado comigo. Não me odeie”.

“Eu fiz isto a você?”.

Então, Judah teve que segurá-la, porque seus joelhos falharam. Ele a tomou nos braços.

— Minha doce Mercy.

Ela se inundou em um nível abaixo da consciencia, com os olhos fechados. Judah baixou a cabeça e apertou a bochecha contra a dela enquanto a segurava. Tão rapidamente como sua energia negativa tinha invadido a mente e o corpo de Mercy, dissipou-se de ambos. Ela sentiu uma rajada de preocupação e de arrependimento antes que Judah erigisse rapidamente uma barreira protetora entre eles.

Mercy, fraca por causa da experiência, abriu os olhos e se encontrou com o olhar de inquietação de Judah.

— Não queria que acontecesse isto — disse ele.

— Foi minha culpa — respondeu. — Baixei a guarda.

— Isso é perigoso, sobre tudo perto de mim.

Mercy assentiu.

— Importaria se me deixar no chão? Estou bem.

— Tem certeza? Posso...

— Não, obrigado. Deixe-me no chão.

Ele obedeceu. Quando a soltou, ela cambaleou, e teve que agarrá-la pelos braços para que não perdesse o equilíbrio.

— Quer que avise a Sidonia?

— Não, não. Ficarei bem. Por favor... — Mercy se retorceu para que ele a soltasse.

E ele o fez.

— Preciso ficar a sós durante um momento — disse a ele.

Depois se virou. Tinha medo de sucumbir a sua fraqueza por um homem que não só era perigoso para ela, mas também também para sua filha. Segundos depois, a porta de seu escritório se fechou, e Mercy soube que Judah tinha saído da sala.

  

Depois de passar meia hora ao telefone com Claude, falando sobre o fato de Cael não ter retornado ainda a Terrebonne e que tivesse escapado da vigilância dos Ansara, Judah tinha ido em busca de sua filha. Precisava construir laços fortes com Eve tão rapidamente quanto fosse possível. Só se a menina se sentisse unida a ele, se confiasse em seu pai plenamente, poderia convencê-la para que deixasse Santuário e partisse com ele. Assim passou horas com ela naquela quinta-feira, pela manhã e pela tarde, todo o tempo sob o atento olhar de Sidonia.

Aquela mulher o vigiava como um falcão, como se esperasse que em qualquer momento fossem sair dele chifres e rabo. E não ficaria em estado de choque se acontecesse?, pensou Judah. Ele podia fazer aquele truque. Ao menos, podia criar em Sidonia a ilusão de que via chifres e um rabo, e daquele modo, espantaria-a. Seria bem feito para ela.

Entretanto, podia assustar Eve, e dar uma impressão errônea de seu pai. Judah estava seguro que a velha babá já tinha falado mal sobre ele a Eve e tinha contado histórias impossíveis sobre os perversos Ansara.

Eve o puxou pela mão, enquanto Sidonia chamava a menina em um tom agitado.

— Depressa, papai, ou nos alcançará — disse Eve, para que caminhassem mais rapidamente e conseguissem escapar da babá com a desculpa de estar brincando de esconde-esconde.

Judah tomou Eve nos braços.

— Se segure — disse ele.

Quando o rodeou o pescoço com os braços, Judah correu e levou sua filha para longe de uma supervisão que nenhum dos dois desejava. Quando estavam longe das ameaças de Sidonia, deixou-a no chão.

— Escapamos! — exclamou Eve com um enorme sorriso, e aplaudiu. — Ela não sabe onde estamos, e não pode nos encontrar.

— E o que quer fazer agora que estamos sozinhos?

— Mmm — Eve pensou em suas preferências durante alguns instantes, e depois riu com emoção. — Quero mostrar a você uma coisa muito especial que sei fazer — disse, e o olhou com os olhos muito verdes e muito brilhantes. Como os de Mercy.

— Algo novo? — perguntou ele. — Já me mostou o quanto é habilidosa.

— É algo que nunca tentei, mas que sei que posso fazer.

Judah olhou a seu redor e constatou que não estavam perto da casa principal nem de nenhuma das outras casas do imóvel. Ao norte e ao leste se estendia um prado verde, ao sul corria um riacho e ao oeste havia uma zona boscosa. Se Eve tentasse provar uma nova habilidade e falhasse, não faria muito dano a ninguém. Além disso, ele estava com ela e poderia rebater qualquer efeito secundário.

— Adiante, princesa Eve. Teste seus poderes. Mostre-me o que sabe fazer.

Eve sorriu novamente. Depois ficou imóvel e se concentrou. Passaram os segundos, e enquanto reunia todo seu poder, o solo começou a tremer sob seus pés.

Estendeu a mão, e seus dedos começaram a se mover cada vez com mais rapidez. Na palma começou a formar um pequeno círculo de energia, uma esfera de luz dourada e brilhante, que aumentou de tamanho até que lhe encheu a mão.

Eve tinha criado uma bola de energia, a mais poderosa e mortal que ele já viu em sua vida.

— Eve, tome cuidado.

— Não acha ela bonita?

— É muito bonita, mas é muito perigosa.

— Oh — sussurrou Eve, com os olhos totalmente abertos e com uma expressão de curiosidade. — O que faz?

Judah pensou no que podia fazer. Provavelmente, podia dissolver a bola, mas se fizesse isso, talvez danificasse a mão de Eve. Também podia pedir que lhe entregasse a bola, e se desfazer dela. Ou podia permitir que descobrisse por si mesma, sob sua estrita supervisão, o que podia fazer com semelhante poder.

— Se vire para aquelas árvores — disse Judah. Ela obedeceu. — Agora, escolhe uma árvore.

— Aquela — disse a menina, indicando uma muito alta.

— Aponta com a bola de energia para ela e lance-a.

Eve levantou o braço direito sobre sua cabeça e lançou a bola de energia mental em direção à árvore. Judah e ela contemplaram como errava o tiro e explodia contra um grupo de pinheiros de oito metros de altura. Como pouco, uma dúzia deles ficaram reduzidos a estilhaços.

— Errei, papai, errei — disse Eve com uma careta de desgosto.

Ele se ajoelhou diante ela e fez com que o olhasse no rosto.

— Não acertou o tiro, mas olhe que explosão provocou. Só o que tem que fazer é praticar, e será capaz de acertar todos os alvos.

Eve tinha os olhos cheios de lágrimas, mas sorriu e abraçou Judah.

— Amo você , papai.

Judah tragou saliva.

“Eu também amo você”.

Ela o abraçou com mais força.

— Mamãe está vindo.

— Era de se esperar.

— O quê?

— Nada.

Pouco a pouco, Judah fez com que Eve afrouxasse o abraço e ficou em pé.

— Deixe que eu arrume as coisas, de acordo? Quando sua mãe nos encontrar não vai estar contente, então diremos a ela que fui eu quem disparou a bola de energia. Assim não se zangará contigo.

— Mas isso é mentir, papai, e mentir é errado.

Judah grunhiu. Lógica Raintree.

— Na realidade, será uma mentira muito pequena para que não tenha problemas.

— Mamãe saberá que eu fiz. Ela sabe tudo.

Judah não pôde reprimir um sorriso.

— Por que não checamos?

Quando Eve o olhou, ele piscou um olho.

Ela o imitou.

— De acordo.

Cinco minutos depois, Judah sentiu que Mercy se aproximava deles. Estavam sentados na borda do riacho, com os pés metidos na água fresca. Ele olhou para trás e a viu vinte metros de distância.

Quando se voltou para Eve, ela disse:

— Mamãe está muito zangada.

— Lembre, deixe que eu fale.

— Acho que minha mãe é que vai dizer tudo.

Mercy chegou até eles, e os dois se voltaram para olhá-la simultaneamente.

— Olá, mamãe. Papai e eu estamos nos refrescando. Hoje faz muito calor.

Mercy lançou um olhar fulminante para Judah.

— O que deixou ela fazer?

Judah encolheu os ombros.

— Eve não fez nada. Eu fiz. Estava me exibindo um pouco diante de minha filha.

— Isso é verdade? — perguntou Mercy a Eve com severidade.

Eve ruborizou intensamente.

— Sim...

Mercy olhou em todas as direções. Quando divisou o claro que tinha deixado no bosque a explosão causada por Eve, sobressaltou-se.

— Quero que me diga a verdade, jovenzinha. Quem fez isso?

— O que? — perguntou Eve.

Mercy voltou a atravessar Judah com o olhar.

— Não só lhe permitiu fazer algo muito perigoso, mas também a ensinou a mentir.

— Não, mamãe, por favor. Não se zangue com papai — Rogou Eve. Ficou em pé e se aproximou dela. — Eu fiz. Liquidei umas árvores. Só queria romper uma, mas não acertei. Minha bola de energia enlouqueceu e se desviou.

— Oh, meu Deus — murmurou Mercy, e se girou para Judah. — A ajudou a criar uma esfera de energia?

Judah ficou em pé.

— Nossa filha não precisou de ajuda. É perfeitamente capaz de criar uma bola de energia por si mesma. E se por acaso não tenha se dado conta, levou seis árvores de repente.

— Ela... Há...? Claro que sim — disse Mercy, que se aproximou de Judah encolerizada. — E você está orgulhoso, não?

— É obvio que sim. E você também deveria estar.

— Eu estou orgulhosa de Eve, mas... Poderia ter se ferido, ou ter ferido alguém.

— Eu não teria permitido que acontecesse isso.

— Mercy! — gritou Sidonia, enquanto se aproximava pelo campo próximo ao riacho, seguida de três pessoas. — Eve está bem? Esse demônio...

— Está bem — gritou Mercy em resposta.

— Estou me fartando que me chame de demônio — murmurou Judah.

— Oh, estupendo. Magnífico — disse Mercy com um suspiro de exasperação. — Avisou Brenna, Geol e Hugh.

— Um grupo de linchamento Raintree, sem dúvida — disse Judah, e se voltou para olhar A seus algozes.

— Você fique em silêncio — disse Mercy, e olhou para Judah e Eve com severidade. — Os dois. Eu falarei.

Soprando e com a respiração entrecortada, Sidonia se deteve a meio metro de Mercy.

— Me virei dois segundos, e ele escapou com ela.

— Não aconteceu nada — disse Mercy. — Não voltará a acontecer. Não é? — perguntouo pai e filha.

Eve negou com a cabeça, e depois a desceu em sinal de arrependimento. Um arrependimento falso, é obvio. Judah não respondeu.

— O que ocorreu aí? — perguntou Hugh, um Raintree robusto de cabelo cinza, que indicou a clareira causada pela esfera de energia de Eve. — Não está cortando lenha, não é, Mercy?

— Foi um acidente psíquico — respondeu Mercy. — Foi minha culpa.

Hugh deu um passo adiante, olhou para Judah e tendeu a mão.

— Sou Hugh Sullivan. E você é...

— Judah Blackstone — respondeu Mercy. — É um antigo companheiro de universidade que veio me visitar.

Hugh estudou Judah com seus olhos verdes do Raintree.

— Certo, você é um demônio muito bonito — disse entre risadas. — Não entendia por que Sidonia não deixava de chamá-lo de demônio.

— Temo que Sidonia e eu começamos com o pé esquerdo desde que cheguei — disse Judah, e depois olhou para a babá. — Sinto que a brincadeira de esconde-esconde a tenha preocupado. Eve e eu estávamos nos divertindo tanto que não reparei em que você poderia assustar-se.

— Sei — respondeu Sidonia, com um olhar de condenação.

Judah olhou os demais, um homem e uma mulher que pareciam muito intrigados por sua presença. Ele assentiu a modo de saudação.

— Olá — disse a mulher. — Sou Brenna Drummond, uma prima longínqua de Mercy.

O homem elevou a mão.

— Olá, eu sou Geol Raintree, um primo não tão distante.

— Nos perdoe, senhor Blackstone, por ser tão curiosos, mas que Mercy receba a visita de um antigo namorado é uma novidade — disse Brenna, olhando com cumplicidade para Mercy.

— Judah não era me... — antes que Mercy pudesse terminar a frase, Judah rodeou sua cintura com o braço. Ela ficou rígida como uma tabua.

E Eve aproveitou a oportunidade para colocar-se ao outro lado de Judah.

— Bem, parece que a nossa pequena Eve gosta de você, senhor Blackstone —observou Hugh. — Sempre é um bom sinal que o filho de uma mulher goste dele.

— Hugh vai assar trutas esta noite, e eu farei sorvete — disse Brenna a Mercy. — Por que não vêm todos a minha cabana para jantar?

— Obrigado, mas temo...

De novo, Judah interrompeu Mercy na metade da frase.

— Nós adoraríamos, não é?

—Yupi! — gritou Eve. — Brenna faz o melhor sorvete do mundo.

Mercy sorriu forçadamente. Depois que o grupo seguiu seu caminho, e ela enviou Eve para casa com Sidonia, enfrentou Judah.

— O que pensa que está fazendo ao aceitar um convite de meus parentes?

— Estava fazendo um esforço por ser amável para que não suspeitassem que sou um lobo entre as ovelhas. Não era isso o que queria que fizesse?

— O que quero que faça é desaparecer de minha vida e não voltar nunca.

— Se partisse, sentiria minha falta.

— Sim, como da peste bubônica.

— Partirei logo.

“Voltarei para casa para lutar com meu irmão e matá-lo”, pensou.

— Quando tiver terminado com Cael, por favor, não volte aqui. Nos deixe em paz. É um mau exemplo para Eve. Deve ter se dado conta.

— Entendo que, ao ser uma princesa Raintree, esteja acostumada a dar ordens e que lhe obedeçam, mas eu não sou um de seus súditos. Entre nós, sou o amo. E você é minha escrava obediente.

— É uma merda!

 

Capítulo 13

 

Sexta-feira pela tarde,

No enconderijo de Cael Ansara, Carolina do Norte

 

Cael tinha tentado, sem êxito, romper o escudo que protegia a mente de Eve Raintree. Todos os feitiços podiam ser anulados. Todos os encantamentos podiam se enfraquecer, e todos os poderes podiam se invalidar. Com o tempo suficiente, encontraria a forma de penetrar no pensamento de Eve e influenciá-la.

Cael projetou sua mente para um só objetivo.

“Ouve-me, pequena Eve? Está escutando? Sou seu tio Cael. Não quer falar comigo?”.

Silêncio.

“Fale comigo, menina. Diga-me por que não deveria matar seu pai. Escutarei o que tenha a me dizer. Talvez consiga que mude de opinião”.

Não houve resposta.

“Quer ajudar Judah, não é? Se falar comigo, escutarei você”.

Um golpe de energia psíquica golpeou a mente de Cael. O som foi ensurdecedor, e as vibrações atravessaram o corpo e fizeram com que caísse ao chão de joelhos. Enquanto estava dobrado de dor em seu quarto, a voz cheia de indignação e fúria de Judah o advertiu:

“Afaste-se de minha filha. Está fora de seu alcance. Não tente entrar em contato com ela outra vez”.

A dor acabou tão rapidamente como tinha chegado. Cael ficou em pé, brandiu um punho e amaldiçoou seu irmão.

“Prepare-se. Vou pegá-lo. Está me ouvindo, Judah? E quando morrer, nosso povo se alegrará por ter um dirigente de verdade, um que consiga que, como nos velhos tempos, governem o mundo”.

 

Judah ouviu as ameaças de Cael como um eco longínquo. O que captou toda sua atenção foi a suave voz de Eve.

“Papai?”.

“Não, Eve. Não fale comigo através do pensamento”.

“Sinto muito. É que esse homem mau tentou...”.

“Shh. Vou vê-la”.

Sem dúvida, sua filha tinha ouvido o discurso de Cael. Maldito fosse seu irmão! Judah desceu a toda pressa as escadas e encontrou Eve a sós no salão, sentada no chão, entre uma multidão de lápis de cera, com um bloco de papel de desenho entre as mãos.

— Eu o vi, papai — disse Eve. — Desenhei ele quando tentava falar comigo. Olhe.

Judah atravessou a sala em duas pernadas e olhou o desenho de Eve. Todos os músculos de seu corpo se tensionaram ao ver a considerável semelhança com Cael, a quem Eve tinha retratado em pé, com o punho no alto e uma expressão de loucura no rosto, que obscurecia a perfeição de seus traços.

— Assombroso — disse Judah, impressionado pelo talento artístico de sua filha. — É uma magnífica pintora.

Eve o olhou com um sorriso.

— De verdade? Mamãe diz o mesmo. Mas ela me disse que não sabe de onde tirei a facilidade para pintar, porque os tios Dante e Gideon não sabem desenhar tão bem, e ela tampouco.

— Minha mãe era uma artista — disse Judah. — O palac... Minha casa está cheia de pinturas delas.

— Ela não era a mãe de seu irmão — comentou Eve com segurança. — A mãe dele era má, como ele.

— Sim, Nusi era uma mulher muito má.

Eve ficou em pé junto a Judah.

— Não se preocupe. Eu não permitirei que ele faça mal a minha mãe como Nusi fez mal a minha avó Seana.

Judah olhou com assombro para sua filha, novamente assombrado com sua capacidade.

— Como sabe o que aconteceu com minha mãe?

Eve colocou uma mão sobre o coração.

— Sei aqui dentro. Isso é tudo. Sei.

— O que sabe? — perguntou Mercy, que acabava de entrar no salão.

Eve correu até sua mãe-

— Sabe de uma coisa? Já sei de onde tirei a facilidade para desenhar. É de minha avó Seana.

Mercy olhou para Judah inquisitivamente.

— Minha mãe era uma grande artista — explicou ele.

— E desenhou algo para o papai? — perguntou então Mercy para sua filha.

— Sim, desenhei o irmão de papai.

Eve tomou seu desenho e o mostrou a Mercy.

— Quando viu este homem tão mau? — perguntou Mercy, observando a incrível semelhança do retrato com o modelo. Judah se deu conta de que estava fazendo um grande esforço por não deixar Eve ver o quanto estava aborrecida.

— Tentou falar comigo outra vez — disse Eve. — Não para de me chamar e de me dizer que se falar com ele, me escutará. Mas eu não falei com ele, e meu pai lhe disse que não voltasse a me incomodar. Não foi, papai?

Judah pigarreou.

— Não há forma de que Cael possa invadir o pensamento de Eve a menos que ela permita. O escudo com o que a protegeu é muito forte.

— Sim, sei — respondeu Mercy. Depois disse a Eve: — Vamos, querida. Vá para a cozinha. Sidonia preparou a comida. É seu prato favorito: macarrão com queijo. De sobremesa há pêssegos com creme.

Eve titubeou. Olhou para seus pais alternadamente e depois disse:

— Não vão brigar outra vez, não é?

— Não — disse Mercy.

— Isso espero — respondeu a menina. Com um suspiro, saiu da sala.

Judah não esperou que Mercy atacasse.

— Vai vir atrás de mim. Logo.

— Sei. Suponho que Eve ouviu como lhe dizia isso.

— Ela não disse o que ouviu, mas acredito que sim.

— Quando vier, não pode lutar contra ele no Santuário. Eve perceberá sua presença, e vai querer fazer algo para ajudar você.

— Não podemos permitir que se aproxime de Cael. Temos que conseguir que entenda que a luta deve ser entre meu irmão e eu.

— Ela escutará o que lhe dissermos, mas obedecer é outro assunto diferente. Tem que conseguir que entenda que não pode interferir.

— Encontrarei um modo de explicar-lhe. Posso ficar um momento a sós com ela, sem a vigilância do seu cão de guarda?

— Sim. Direi a Sidonia que permiti você levá-la para dar um passeio enquanto eu estou trabalhando.

Judah se deu conta que Mercy tinha o aspecto de estar cansada.

— Esteve fora toda a manhã. Sidonia não quis me dizer onde estava, mas Eve me disse que estava curando uma pessoa doente.

— Não é nenhum secreto que sou curadora. Esta manhã estive com dois videntes Raintree que perderam a capacidade de ver o futuro.

— E conseguiu restabelecer seu poder?

— Ainda não. Isso acontece às vezes, sobretudo quando se usa muito um dom ou... Acredito que, com meditação e descanso, o recuperarão.

— E o que vai fazer esta tarde?

— Ontem chegou uma nova visitante. É uma mulher que perdeu seu marido e seus dois filhos em um acidente de trânsito faz seis meses, e está agonizando de dor emocional.

— E você vai absorver sua dor. Como pode suportar isso? Por que se expõe a semelhante tortura, se não tem por que fazê-lo?

— Porque é errado não usar o dom que alguém possui para ajudar os outros. Eu sou uma curadora empática. Não é só o que faço; é o que sou.

— Sim, tem razão. É o que é. Entendo.

Judah se perguntou se Mercy entenderia que sua filha tinha nascido para salvar seu clã.

  

Depois de jantar com sua filha e com Sidonia, Judah disse a Eve que ia dar um passeio e que voltaria para dar boa noite antes que se deitasse. Tinham passado muitas horas juntos aquele dia, e ele tinha a impressão de que tinha conseguido convence-la que não interferisse em sua batalha com Cael se percebesse a situação. Judah queria procurar Mercy e dizer que Eve o tinha escutado, e que chegado o momento, obedeceria suas ordens.

Enquanto se dirigia para a porta, Eve disse:

— Tomara que fosse ver minha mãe. Ela sempre vem jantar, e hoje não veio. Meta deve estar muito doente para que mamãe ficasse tanto tempo com ela.

— Sua mãe está bem — disse Sidonia, olhando com aversão para Judah. — Ela não precisa de nada dele. Quando tiver terminado o trabalho, voltará para casa.

— Não se preocupe por sua mãe — disse também Judah. — Estou seguro que Sidonia tem razão.

— Não, papai. Eu acho que mamãe precisa de você.

Uma vez fora da casa, Judah pensou na preocupação que Eve sentia com Mercy. Ele tinha se perguntado por que não tinha ido para casa jantar com sua filha, e suspeitava que o que Eve pensava era certo; sem dúvida, aquela mulher chamada Meta estava muito doente. Acaso Mercy se empenhou tanto em eliminar a dor daquela mulher que tinha absorvido muita de sua agonia e estava tão debilitada que não tinha podido voltar para casa? Teria razão Eve e Mercy precisava dele?

Demônios, e o que importava? Por que ia importar a ele que Mercy estivesse retorcendo-se de dor, ou talvez inconsciente e sofrendo por outra pessoa?

Judah afastou Mercy da cabeça, dizendo a si mesmo que devia pensar no Cael.

Uma hora depois, durante a qual Judah tinha estado passeando a sós, encontrou-se com a Brenna e Geol, que também estavam caminhando pelo imóvel. Depois de conversar alguns instantes com o agradável casal, perguntou-lhes onde ficava a cabana de Meta, e lhes explicou que tinha pensado em ir buscar Mercy para acompanha-la de volta para casa.

Brenna explicou como chegar até casa da doente, e depois se despediram. Brenna e Geol desapareceram, de braços dados, envoltos na suave luz do entardecer.

A casa de Meta ficava a duzentos metros; era uma das três moradias que havia na ladeira de uma montanha, com vista para uma pequena catarata. Quando Judah se aproximou da casinha, notou que as janelas e as portas estavam abertas, e que uma luz verde escapava por elas. Deteve-se para observar aquela estranha visão e tentou recordar se alguma vez tinha presenciado algo similar. Não. Embora houvesse alguns Ansara que possuíam o dom da empatia, só um ou dois cultivavam o aspecto curador de sua personalidade. Era preciso muita generosidade para dedicar a vida para curar os outros.

Judah se aproximou silenciosamente da porta principal, que estava totalmente aberta, mas se deteve em seco ao ver Mercy em pé sobre uma mulher que estava sentada no chão. As duas tinham os braços estirados e abertos. A estranha luz verde provinha de Mercy. Rodeava-a, envolvia-a, emanava dela como a água emanava de uma fonte da montanha. Meta, a mulher de cabelo negro, tinha os olhos fechados e as bochechas cheias de lágrimas.

Mercy falava suavemente, em um idioma antigo. Judah entendia aquela língua porque possuía o dom de falar e compreender todos os idiomas do homem. Escutou a voz calmante de Mercy enquanto atraía a dor insuportável de Meta, para que abandonasse seu coração e sua mente, e entrasse no corpo de Mercy. Dos dedos da mulher saíram espirais de vapor verde que flutuaram até Mercy e entraram nela por seus dedos.

Quando Mercy gritou e amaldiçoou aquele sofrimento, Judah ficou rígido. E quando ela gemeu, estremeceu e retorceu de dor, Judah teve que fazer um esforço imenso para não entrar na sala e detê-la. Mas o momento passou, e a luz verde saiu de Mercy e se dissipou com um brilho turquesa. Judah suspirou de alívio.

Mercy segurou as mãos de Meta e a ajudou a ficar de pé. Falando aquela antiga língua de novo, Mercy desejou tranqüilidade para a mente de Meta, serenidade a seu coração e paz a sua alma.

Judah observou e esperou.

Finalmente, Mercy soltou as mãos de Meta e disse:

— Agora descanse. Amanhã se preparará para começar a próxima fase de sua vida.

— Obrigado — disse Meta, enxugando as lágrimas das bochechas. — Se não houvesse... Nunca poderei pagar o que fez por mim.

— Me pague vivendo uma vida longa e completa.

Judah se deu conta, pelo sussurro em que se trnsformou a voz de Mercy, que ela estava exausta. Quando Mercy se voltou e caminhou para a porta, movia-se lentamente, como se os pés lhe pesassem. Judah a esperou do lado de fora. Ao sair para o ar fresco, Mercy cambaleou e teve que se agarrar ao marco da porta para manter o equilíbrio. Quando passou aquele instante de fraqueza, fechou a porta. Então viu Judah.

— O que está fazendo aqui?

— Esperando você para acompanhá-la até em casa.

Ela o olhou com cara de poucos amigos.

— É impressionante o que fez aí — disse ele.

— Há quanto tempo está aqui fora?

— Só alguns minutos, mas o suficiente para ver o que estava fazendo. Ela vai ficar bem, não é?

— Sim. Agora preciso voltar para casa para descansar. Estou muito cansada. Se queria me falar sobre algo, terá que esperar algumas horas até que tenha me recuperado.

— Só vim para acompanhar você até em casa.

Ela o olhou desconfiadamente, e começou a andar. Judah ficou ao seu lado sem dizer mais nada. Caminharam durante alguns metros em silêncio, mas de repente, Mercy parou.

— Judah?

— Sim?

— Eu... Não acho...

Ela cambaleou ligeiramente e depois caiu no chão. Judah a chamou enquanto ela desabava a seus pés como um anjo sereno que tinha perdido a última fibra de energia. Judah se ajoelhou e a tomou nos braços. Depois olhou para a montanha, para uma das cabanas que havia em sua ladeira.

  

Mercy despertou repentinamente e se levantou de um golpe, ofegando, desorientada e assustada. Onde estava? Não estava em casa. Apalpou a superfície em que estava sentada. Era uma cama, mas não a sua.

— Como se encontra?

— Judah? Onde estamos?

— Em uma das casas que há junto à cascata.

— O que aconteceu? — perguntou Mercy. Depois elevou a mão. — Não, não me diga. Lembro-me. Fiquei tonta e... Por que me trouxe aqui em vez de me levar para casa?

Ele se aproximou dela, e Mercy se sentou na beira da cama e ficou em pé.

— Pensei que precisávamos ficar um momento a sós. Sem Sidonia. Sem Eve.

— Eve deve estar preocupada por não termos chegado em casa ainda.

— Avisei-a que está bem e que estamos juntos. Agora está dormindo.

— Não vou ficar aqui — sentenciou Mercy. Deu alguns passos e depois, vacilou.

Judah a agarrou antes que caísse e a rodeou com seus braços para que se mantivesse em pé.

— Por que lutar contra o inevitável? Eu desejo você, e você me deseja.

Quando ela tentou escapar de seu abraço, ele não permitiu.

— Você é um Ansara — disse a ele. — Eu sou Raintree. Odiamo-nos. Quando tiver matado seu irmão, então você e eu lutaremos por Eve, e matarei você.

— E se incomodará por ter se deitado comigo e depois tentar me matar. Que ingênua é ainda, doce Mercy.

— Me solte. Não faça isto. Não me obrigue a lutar com você esta noite.

— Não quero lutar.

Ela se retorceu contra seu poder físico superior, e não pôde fazer nada.

— Então tem a intenção de me forçar?

Como resposta, ele afrouxou os braços e a libertou. Então, Mercy conseguiu chegar até a saída antes que seus joelhos falhassem. Teve que se apoiar na porta para não cair. Judah se aproximou dela por trás e apertou seu corpo, suavemente, contra o dela, prendendo-a entre si e a madeira. Quando Mercy sentiu sua respiração cálida no pescoço, pôs-se a tremer.

— Nem sequer a toquei e já está desmoronando — disse ele, com uma voz sensual.

— Odeio você.

— Odeie-me o quanto quiser.

Judah passou a mão pelo seu ombro e pela cintura, até chegar aseu traseiro. Inclusive através do vestido e da roupa íntima, ela sentiu o calor de sua carícia. E o desejava. Por completo.

Quando ele chegou abaixo, agarrou a barra de sua saia e lentamente agarrou um punhado de tecido. Ela fechou os olhos e gemeu. Ele colocou a mão sob o vestido e por cima de sua calcinha.

Mercy só pôde dizer uma palavra:

— Não.

— Shhh... — sussurrou ele, enquanto encontrava com as pontas dos dedos o suave oco de suas costas, sob a cintura, um ponto muito sensível que havia sobre suas nádegas. — Relaxe, Mercy. Deixe-me que faça você sentir prazer.

“Judah, por favor... Por favor...”.

Ele passou o dedo indicador pela base de sua coluna, mais e mais depressa, com mais força cada vez. Mercy conteve a respiração enquanto sentia como as sensações se intensificavam em seu corpo. De repente, Judah emitiu uma descarga elétrica com os dedos, diretamente para a vértebra de Mercy.

Tremendo incontrolavelmente, ela gritou enquanto alcançava o clímax.

 

 

Capítulo 14

 

Como podia ter permitido que aquilo acontecesse? Podia ter escapado. Podia tê-lo detido. Por que não tinha feito?

“Porque deseja isso. Porque deseja Judah”.

Judah tirou a mão de baixo de seu vestido e deixou que a saia voltasse a deslizar por suas pernas. Entretanto, não a soltou; manteve-a presa entre a porta e seu peito, permitindo que seu membro ereto pulsasse contra suas nádegas.

À medida que as manifestações do orgasmo se dissiparam, no interior de Mercy teve lugar uma batalha: o coração contra a mente. Seu coração sussurrava desejos apaixonados, e seu pensamento racional ordenava que fugisse.

Mas não fez isso. Não fugiu. Não resistiu quando ele colocou o joelho esquerdo entre suas coxas e deslizou a perna ao redor das dela, para fazê-la perder o equilíbrio. Ambos caíram no chão, Mercy de costas, e Judah sobre ela, amortecendo o golpe com as mãos. Depois, ele colocou a mão entre suas pernas e começou a tirar a roupa íntima. Enquanto a tirava, Mercy arqueou o corpo inadvertidamente, e ele aproveitou aquele momento para introduzir dois dedos em suas dobras femininas e acariciar com o polegar a zona mais sensível.

Ela gemeu suavemente enquanto os redemoinhos de pura sensação percorriam seu corpo.

Judah abriu seu vestido e tirou o sutiã para deixar a vista seus seios, e imediatamente cobriu com a boca seu mamilo esquerdo, lambendo-o com a ponta da língua. Aquela ação provocou mais gemidos de satisfação em Mercy; enquanto continuava acariciando-a com o polegar e explorando seu corpo com os dedos, sugava faminto seu seio.

Mercy elevou o braço direito e rodeou seu pescoço, segurando sua cabeça com a mão para que não a separasse de seu seio. Depois baixou a mão esquerda e a colocou entre os dois corpos para acariciar, com a palma da mão, a ereção.

Judah emitiu um grunhido de excitação. Afastou-lhe a mão e desabotoou as calças para liberar seu sexo. Quando retirou a mão de entre as coxas de Mercy e elevou a cabeça, ela protestou entre murmúrios.

Judah a olhou. Seus olhares ficaram presos. A paixão que ardia entre eles causava faíscas de energia em seus corpos. Quando ela tirou a camisa de sua calça, ele segurou ambos os quadris e a elevou para que acolhesse sua penetração rápida e forte. Tomou-a com dureza, investindo repetidamente, completamente fora de controle. Ela se agarrou a seu corpo e aceitou tudo o que ele dava, tão grosseiramente faminta dele como ele estava dela. Mercy respondeu a cada movimento, a cada beijo profundo, a cada palavra erótica e primitiva que ele pronunciou.

Uma paixão tão intensa devia queimar rapidamente, porque do contrário, os teria destruído. Mercy chegou primeiro ao clímax, desfazendo-se, abandonando-se a um prazer que quase foi doloroso, uma sensação que ela teria desejado ter sempre. Enquanto ela se estremecia embaixo dele, ofegando e gemendo, ele teve um orgasmo tão feroz que provocou um tremor de terra abaixo deles. Judah desabou sobre ela. Seu corpo longo e magro a manteve perto, desejando capturar aquele momento perfeito enquanto ainda eram um e seus corpos estavam unidos.

Ele elevou a cabeça e a olhou.

— Minha doce, doce Mercy.

Ela acariciou sua face.

Então, Judah rodou e se deitou no chão, a seu lado. Quando ela o olhou, se deu conta de que estava observando o teto da cabana. Ela não soube o que dizer, nem como se comportar. Tinha significado algo para ele o que acabava de acontecer, ou era apenas outra conquista sexual? Uma vez que já a tinha conseguido, voltaria a desejá-la?

— Judah?

Ele não respondeu.

Mercy ficou imóvel durante alguns minutos. Depois se levantou e começou a arrumar o vestido. Levantou-se, olhou para Judah e saiu da cabana, sem se preocupar com a direção que tomava.

Quando chegou a cascata, tomou um caminho que levava para a pequena caverna que havia atrás da cortina de água. Tirou o vestido e se meteu sob o jorro fresco para lavar a essência que Judah Ansara tinha lhe deixado no corpo.

Amar um homem deveria causar alegria em uma mulher, não tristeza. Os momentos posteriores a uma relação sexual deveriam ser para estar juntos. Como era possível que ela amasse Judah com tanta intensidade e desespero, se ele era um Ansara? E como podia desejar estar com ele, ser sua mulher para sempre, quando ela não significava nada para ele?

Onde estava seu orgulho? Sua força? Seu senso comum?

De repente, Judah apareceu na cascata. Totalmente nu, meteu-se com ela sob a água e, sob a luz da lua, a tomou entre seus braços. Ela não resistiu, e ele a beijou para dizer que a desejava de novo, que não tinha terminado nem de longe com ela. O beijo se fez cada vez mais profundo à medida que o desejo se avivava. Ele a levantou, agarrando ambas as nádegas com as mãos. Ela se agarrou a seus quadris enquanto ele saía da cascata e se dirigia a caverna que havia atrás. Apoiou Mercy em uma rocha e se afundou em seu corpo. Ela ofegou ao sentir o puro prazer de estar completamente cheia.

   Judah voltou a investir uma e outra vez enquanto Mercy se agarrava a seu corpo, e em poucos momentos chegaram ao clímax novamente. Então, Judah a pousou no chão, deixando que seu corpo se deslizasse sobre o dele com lentidão, sem separar a boca de seus lábios, de suas faces, de seu cabelo, de seu pescoço. Sem deixar de devorá-la.

— Não posso conseguir o suficiente de você — disse com um grunhido cheio de ressentimento.

— Sei — respondeu ela, incapaz de separar-se dele. — Eu me sinto igual. O que vamos fazer?

Segurou seu rosto com as mãos.

— Durante o resto da noite, vamos esquecer quem somos. Você não é a princesa Mercy Raintree, e eu não sou Judah Ansara. Só somos um homem e uma mulher, sem passado e sem futuro.

— E amanhã?

Ele não respondeu, mas ela conhecia a resposta a sua pergunta.

Pela manhã voltariam a ser inimigos, guerreiros imersos em uma batalha eterna, clã contra clã, Raintree contra Ansara.

  

Judah despertou ao amanhecer ao ouvir o som da voz de seu primo Claude em sua mente. Rodou pela cama e notou um corpo suave e nu estendido ao seu lado. Mercy. Tinham passado a noite fazendo amor uma e outra vez até que tinham ficado esgotados. E apenas vê-la de novo, voltava a se sentir excitado.

“Judah, me responda”, insistiu Claude.

“O que foi?”.

“Por favor, atenda o telefone”.

Sem esperar um instante, com cuidado de não despertar Mercy, Judah se levantou e procurou suas calças. Estavam no chão, onde os tinha atirado quando Mercy e ele tinham voltado para a cabana depois de seu encontro na catarata. Recolheu-as e as colocou. Depois, tirou o celular de um dos bolsos e, enquanto discava o número de seu primo, saiu da cabana ao sol da manhã.

— Claude?

— Já era hora que atendesse.

— O que foi?

— Temos um problema muito grave em Terrebonne. Os capangas de Cael estiveram muito ocupados fazendo correr o rumor que o Dranir Judah teve uma filha com uma Raintree.

— Desgraçado — murmurou Judah. — Até que ponto está estendido esse rumor?

— Está correndo como o fogo. Na hora do almoço toda a ilha saberá. Cael espera que isto incite todos à rebelião.

— Devemos rebater o efeito desta notícia rapidamente. Convoque uma reunião de emergência do conselho. Diga a Cidra que precisarei que se dirija às pessoas esta noite, e que lhes fale de sua profecia.

— Tem que voltar para casa, Judah. Tem que estar junto a Cidra quando confirmar o rumor que tem uma filha mestiça.

— Não posso deixar Eve — disse ele. — Cael espera que eu retorne para casa correndo quando souber deste rumor. Uma das razões pelas quais fez isso foi que eu deixe Eve desprotegida.

— Não sei como as pessoas receberão a profecia de Cidra. Disse que Eve será a mãe de um novo clã, que ela transformará os Ansara.

— As pessoas sabem que, durante seus noventa anos de idade, Cidra só profetizou grandes verdades sobre o futuro. Os Ansara a reverenciam e acreditam em suas profecias.

Claude permaneceu em silencio durante alguns instantes.

— Se acha que deve ficar aí e proteger sua filha, então, eu estarei junto a Cidra esta noite quando falar com o povo Ansara — disse por fim. — E já que você não pode voltar para Terrebonne no momento, posso dar uma sugestão?

— Quer que estabeleça conexão psíquica com você e fale através de ti com o povo.

— Eu entrarei em contato mais tarde com você, quando nossos planos estejam terminados e for o momento da intervenção de Cidra. Este é um momento muito perigoso para os Ansara. Não seria inteligente que baixasse a guarda, sobretudo com alguém dos Raintree.

Claude desligou, e Judah ficou tentando decifrar aquela mensagem cifrada. Podia referir-se a Eve, que era meio Raintree. Entretanto, o mais certo era que Claude estivesse se refirindo a princesa Mercy. Sem dúvida, pensava que aquela era a Raintree que Judah podia achar mais suscetível.

 

Quando Mercy despertou e se encontrou sozinha na cabana, considerou isso uma bênção. Como ia enfrentar Judah à luz do dia e aceitar o fato de que não eram mais amantes, mas sim outra vez eram inimigos mortais? Levantou da cama e se envolveu em um dos lençóis para entrar no banheiro. Ali lavou o rosto com água fresca e se olhou ao espelho. Tinha a cara de uma mulher que acabava de passar toda a noite fazendo amor.

Não podia deixar de pensar em Judah, nas horas de prazer que tinham compartilhado, no muito que o amava.

Poucos instantes depois, ouviu passos do outro lado da porta do banheiro. Judah? Abriu a porta e o viu no meio do quarto. Olharam-se durante um instante. Depois ele se aproximou dela sem titubear. Quando esteve em frente a Mercy, agarrou a borda do lençol em que ela se envolveu e de um forte puxão, o tirou.

— Amanheceu — disse ela.

— Então, será melhor que não esperemos.

Tomou-a nos braços e a levou de volta para a cama. Depois tirou as calças e se estendeu junto a ela. Fizeram amor com a mesma exaltação que a primeira vez, aquela noite.

Seria aquela a última ocasião?, perguntou-se Mercy.

Alguma vez voltaria a estar entre seus braços, a se pertencer, a possui-lo e ser posuída com tanta paixão?

  

Quando chegaram em casa, Mercy insistiu para que entrassem pela porta traseira sem que ninguém notasse. Tomou banho e se vestiu antes que Sidonia se levantasse, e começou o dia com normalidade. Embora Sidonia não tivesse perguntado nada por que não tinha voltado para casa no dia anterior, lançou-lhe vários olhares de reprovação durante o dia, sobretudo, quando Judah estava perto.

E para complicar mais as coisas, parecia que Eve pensava que seus pais se tornaram um casal. Era muito pequena para entender as relações sexuais, mas era intuitiva e se deu conta que as coisas tinham mudado entre eles.

Aquela noite, Judah saiu da casa sem dar nenhuma explicação. Escolheu uma zona isolada a dois quilômetros da casa e afastada do resto das cabanas. A sós, afastado de tudo o que era Raintree, conectou-se telepaticamente com Claude. Ouvia o que ouvia seu primo, e via o que ele via. Escutou como Cidra falava com o conselho, aos oficiais de maior importância, os nobres e a todos os congregados no grande vestíbulo do palácio. Através de um circuito fechado de televisão, sua mensagem chegava também a todos os lares de Terrebonne.

— Vi uma menina de cabelo e olhos dourados. Nasceu para o clã de seu pai, para levar os Ansara da escuridão para a luz. Sete mil anos de sangue nobre Ansara e Raintree correm por suas veias.

Dos pressentes surgiram grunhidos e gritos de indignação.

Judah falou através do Claude.

— Acaso se atrevem a pôr em questão as visões de Cidra? Duvidam de seu amor por nosso povo? A loucura de meu irmão contagiou a todos?

A maioria dos congregados ficou em pé. Seus gritos de fé em Cidra e de lealdade a Judah afogaram os daqueles que discordavam.

Cidra falou de novo. Suas palavras de sabedoria asseguraram aos Ansara que a filha de Judah era mais prodigiosa que qualquer outro ser.

— Eve é a filha de nossos ancestrais, a semente de um povo unido. É mais que uma Ansara, mais que uma Raintree. Nosso destino está em suas mãos. Sua vida é mais valiosa para mim que a minha.

A assembléia escutou com respeito, e através de Claude, Judah sentiu suas dúvidas e preocupações, mas também sua aceitação e sua esperança.

De numerosos Ansara surgiu uma só petição. Queriam saber se, quando Judah voltasse para Terrebonne, levaria consigo a princesa Eve.

— A princesa Eve irá a Terrebonne quando chegar o momento de assumir seu papel de Dranira — respondeu Judah através do Claude.

Quando as palmas acabaram, uma mulher solitária saiu de entre a multidão e fez outra pergunta.

— E a mãe da menina? — perguntou Alexandria Ansara. — Podemos acreditar que a princesa Mercy entregará sua filha aos Ansara?

Um silêncio ensurdecedor se apropriou do vestíbulo. Todos esperavam a resposta de Judah.

“Deve responder, Judah”, urgiu-lhe Claude.

Enquanto pensava na resposta, Judah sentiu a mão de Cidra no braço de Claude, e soube que queria falar com ele através de sua primo.

“Seu destino está atado ao dela. O futuro dela é seu futuro, a vida dela, sua vida. Se você morrer, ela morrerá. Se ela morrer, você morrerá”.

Judah sentiu uma entristecedora tensão. Todos os nervos de seu corpo se carregaram de energia elétrica. Entendeu que se Cidra tivesse podido lhe explicar algo mais, o teria feito. Sua profecia estava aberta a uma interpretação, mas Judah soube que falava de Mercy, não de Eve, e que se Judah e Mercy lutassem pela posse de sua filha, quem sobrevivesse morreria mil vezes durante sua existência.

— Quando chegar o momento, farei o que deve ser feito — disse Judah a seu povo.

 

O entardecer tingia o céu de cores enquanto Mercy procurava Judah. Ele tinha saído da casa pouco depois do jantar e não havia voltado. Enquanto ela estava banhando Eve, a menina tinha deixado de brinacar com seus brinquedos de banho e tinha tomado a mão de sua mãe.

— Está acontecendo algo com papai. Está muito triste. Vá vê-lo, mamãe. Precisa de você.

Mercy o encontrou a sós em uma clareira isolada do bosque, sentado em uma pedra e absorto em seus pensamentos.

— Judah?

Ele se voltou para olhá-la, mas não disse nada.

Mercy deu vários passos para ele.

— Está bem?

— Por que veio? — perguntou ele.

— Eve me enviou para buscar você. Está preocupada. Disse que está muito triste.

— Volte para a casa. Diga a Eve que estou bem.

— Mas não é verdade. Eve tem razão. Aconteceu algo com você e ...

De um golpe mental, Judah empurrou Mercy para trás com foraça suficiente para advertir que não se aproximasse, mas não para derrubá-la. Ela cambaleou durante um instante.

— Entendi a mensagem — disse a ele.

— Então, me deixe sozinho.

— É por causa de Cael? Aconteceu algo? Se me disser, poderei ajudar.

— Me deixe! — gritou Judah. Levantou-se da pedra e a olhou com os olhos cheios de fúria.

— Não desejo você — resmungou, mas se aproximou dela e a agarrou pelos ombros com força. — Não preciso de você. Maldita seja, Mercy Raintree!

Começou a sacudi-la com frustração, com ira, com paixão.

Ela sentiu o que ele sentia, e notou que a odiava por ter conseguido faze-lo se importar.

— Meu pobre Judah.

Ele tomou seu rosto entre as mãos e lhe deu um beijo profundo, de posse. Uma paixão insuportável se apropriou deles, e Mercy se rendeu de corpo e alma.

 

Capítulo 15

 

Domingo, 11:08 da manhã. Solstício de verão

  

Eve saltou aos pés da cama de Mercy e disse em voz alta:

— Estou há horas acordada, Mamãe. Papai e você vão ficar dormindo todo o dia?

Mercy abriu os olhos. Sobressaltada pela alegre saudação de sua filha, despertou de um sono profundo.

— Eve?

A menina engatinhou e se colocou entre Mercy e Judah. Depois disse:

— Sidonia me disse que não incomodasse você, mas me cansei de esperar, então escapei e subi quando ela não olhava.

— Que demônios... — Judah abriu um olho e depois o outro. — Eve?

Levantou-se instantaneamente na cama e deixou a vista seu torso nu.

Quando Mercy se sentou também, o lençol que a cobria deslizou para baixo e de repente, ela recordou que estava tão nua como Judah. Agarrou a borda do lençol e cobriu o seio.

— Olá, papai.

— Olá, Eve — respondeu Judah, e olhou para Mercy, perguntando em silêncio como iam sair daquela situação tão incômoda.

— Não vão ficar na cama todo o dia, não é?

— Não, nós... Eh... — gaguejou Mercy. — Por que não vai para o seu quarto, ou desce com Sidonia, e papai e eu...

Sidonia se aproximava pelas escadas, gritando:

— Eve Raintree, acreditava que havia dito a você que não incomodasse sua mãe. Venha aqui neste mesmo instante...

Sidonia se deteve em seco na porta, com os olhos abertos como pratos, olhando ao trio que havia sobre a cama de Mercy.

— Isto não vai ficar bem — murmurou. — Não vai ficar bem — disse, e sacudiu a cabeça em sinal de desaprovação.

— Eve, vá com Sidonia — disse Mercy.

Eve olhou o cabelo revolto e os ombros nus de sua mãe.

— Por que não está usando camisola? — depois se voltou também para Judah. — Papai, por que você também está nu?

Judah pigarreou, mas não pôde reprimir um ligeiro sorriso.

Como se atrevia a achar divertida aquela situação? Mercy lançou um olhar fulminante. Ele sorriu.

— Vamos, menina — disse Sidonia, e estendeu a mão. — Está começando o verão, e faz calor. Sua mãe tirou a camisola ontem à noite para dormir mais fresca.

Se olhares pudessem matar, Sidonia teria reduzido Judah a cinzas naquele momento. Graças a Deus que a velha babá não tinha a capacidade de enviar descargas psíquicas.

Eve não fez sinal de se separar de seus pais.

— Você também tinha calor ontem à noite, papai?

— Eh... Sim... Algo assim — respondeu Judah.

— Eve, vá com Sidonia — insistiu Mercy. — Agora.

Por fim, Eve obedeceu. Voltou para os pés da cama e desceu ao chão.

— Está bem, vou. Mas antes, posso fazer uma pergunta, papai?

— Claro.

— O tio Dante não tem coroa, embora seja o Dranir — perguntou a menina com os olhos brilhantes de espera. — Esta me perguntando se você tem coroa.

Como? A que se referia Eve? Mercy não entendia o que sua filha estava perguntando.

Por que Judah teria uma coroa?

— Na verdade, o que quero saber é se, como sou uma princesa Raintree e uma princesa Ansara — continuou Eve, — vou ter duas coroas. Talvez posso ter uma de ouro e outra de diamantes. Ou só uma coroa muito grande.

Mercy girou para Judah, que se tinha ficado em completo silêncio.

— Do que está falando?

Judah ignorou Mercy e respondeu sua filha.

— Não, eu não tenho coroa. Mas se você quiser uma coroa, ou duas coroas, ou meia dúzia de coroas, eu darei a você.

Eve sorriu como um gato que acabava de comer um canário. Depois se voltou para Sidonia e acompanhou ao corredor a atônita babá.

Mercy saltou da cama, encontrou seu robe no chão e o pôs. Olhou para Judah, que também se levantou e estava vestindo as calças. Aproximou-se dele e o olhou diretamente nos olhos.

— Por que Eve acha que precisa de uma coroa? E por que acredita que é uma princesa Ansara?

Ele encolheu os ombros.

— Quem sabe as idéias que pode ter uma menina?

— Não, senhor. Isso não vai servir de nada comigo.

— Morro de fome. Você não? Depois da noite tão ocupada que tivemos... — disse Judah, tentando desviar a questão com um sorriso muito sexy. — Preciso recuperar as forças.

Mercy o agarrou pelo braço.

— Responda-me. E será melhor que me diga a verdade.

Ele não tentou ocultar seus pensamentos completamente. Permitiu a Mercy que usasse sua habilidade empática durante um instante.

Então, ela retirou a mão bruscamente.

— Mentiu para mim. É o Dranir Ansara.

— Sim, sou, e Eve é uma princesa Ansara. A herdeira do trono. Segundo nossa profetisa, Cidra Ansara, Eve nasceu para meu clã. Por isso revoguei o antigo decreto que ordenava a morte de qualquer criança das duas linhagens. Para proteger minha filha.

— Não! Eve é minha filha. É uma Raintree.

Mercy ouviu as palavras de Eve ressonando em sua cabeça.

“Nasci para os Ansara”.

— Só sobreviveram alguns Ansara depois de A Batalha. Quantos Ansara há agora? Milhares? Centenas de milhares?

— Não continue — disse Judah. — Não serve de nada, não muda nada.

— Meu Deus, como pode dizer isso? Os Raintree acreditam que os Ansara estão dispersos pelo mundo e... Não! Não! Cael quer ser o Dranir — disse Mercy. — Por isso quer te matar. E a Eve. Não pode permitir que sua filha continue com vida, porque ameaça seu caminho ao trono. Meu Deus, agora tudo faz sentido. Minha filha está no centro da guerra civil dos Ansara.

— Não cometa um equívoco — pediu Judah. — Juro a você que proteger Eve é minha prioridade. Não permitirei que Cael lhe faça mal.

— Você nos trouxe esse demônio! — gritou Mercy. — Se não tivesse vindo ao Santuário...

— Você estaria morta — disse Judah. — Greynell a teria matado.

— E por que o impediu que fizesse isso?

Judah titubeou. Tinha um olhar de angústia.

— Nenhum outro Ansara tem direito de matar você.

A respiração de Mercy parou. Durante um instante, pensou que ia desmaiar.

— Entendo. O Dranir Judah me reclamou como vítima.

Os grunidos de Sidonia chegaram ao quarto do andar de baixo.

— Eve! — gritou Mercy, e saiu correndo do quarto.

Judah a seguiu escada abaixo. Quando entraram na cozinha, viram imediatamente o que era que tinha assustado tanto a Sidonia. Eve estava suspensa no ar, com a boca aberta e o corpo rígido, rodando lentamente.

Seu cabelo comprido revoava ao seu redor, e se separava na nuca, deixando a vista a lua azul, a marca dos Ansara. A cor de seus olhos mudava do verde Raintree para um dourado amarelado, e depois, ao verde de novo. De cada uma das pontas de seus dedos emanava uma luz suave e dourada.

Mercy correu para sua filha, mas não pôde tocá-la. Eve estava protegida por uma barreira que a selava completamente de tudo o que a rodeava.

Judah afastou Mercy e tentou também romper aquele escudo.

— É impenetrável — disse.

— Isto nunca tinha acontecido — sussurrou Mercy. — O que você está fazendo?

Judah negou com a cabeça.

— Cidra diz que Eve é uma menina de luz, nascida para os Ansara. Eu nunca lhe faria mal. Como pai, morreria para protegê-la. Como Dranir, devo protegê-la pelo bem de meu povo.

Mercy não sabia se podia acreditar nele.

— Temos que fazer algo para deter isto —disse com angústia.

— Não acredito que seja necessário — respondeu Judah, com o olhar fixo em Eve. — Olhe para ela. Parece que está voltando ao normal.

Eve desceu lentamente ao chão e aterrissou com facilidade. Tinha o cabelo sobre os ombros, e a luz de seus dedos tinha desaparecido. Olhou para Judah e Mercy, com os olhos completamente verdes de novo.

— Eve? Eve, está bem? — perguntou Mercy, contendo as lágrimas Com muita dificuldade.

A menina correu para Mercy. Mercy a tomou em braços e a abraçou possessivamente. Eve se agarrou a sua mãe e apoiou a cabeça em seu ombro. Quando Judah se aproximou, Mercy lhe lançou um olhar de advertência

De repente, Eve elevou a cabeça e ofegou.

— Oh, merda!

— O que? — perguntaram Mercy e Judah em uníssono.

— Quem ensinou a você essa palavra tão feia? — perguntou Sidonia com aborrecimento.

Eve olhou para sua babá.

— Ouvi o tio Dante dizê-la. E o tio Gideon.

Mercy segurou Eve pelo queixo para ganhar sua atenção.

— Quando ouviu seus tios...

— Faz um minuto — respondeu Eve. — Os dois disseram. O tio Dante disse quando descobriu que um Ansara mau provocou o incêndio de seu cassino. E o tio Gideon disse quando descobriu que quem matou a amiga de Echo era uma Ansara muito má.

— Como sabe sobre o incêndio? — perguntou-lhe Mercy. — E sobre a amiga de Echo?

Não havia contado a sua filha nenhuma das duas coisas.

— Ouvi o que estavam pensando o tio Gideon e o tio Dante e ouvi que diziam “Oh, merda”, pouco antes que eu.

Se Eve tinha ouvido corretamente o que pensavam seus tios, aquilo só podia significar uma coisa.

— Estão tentando nos matar — disse Mercy a se dar conta da horrível realidade. — Os Ansara foram atrás de nós, de Dante, de Gideon, de mim... Oh, Deus! Echo! — exclamou com espanto, e olhou para Judah. — Você sabia o que estava acontecendo, não era? Tudo foi uma mentira? São aliados seu irmão e você?

— Não tire conclusões precipitadas. Tudo o que contei sobre meu irmão é verdade.

Judah deu vários passos para ela.

— Alto! — gritou Mercy. — Estou dizendo a sério. Não se aproxime de Eve nem de mim.

— Mamãe, não se zangue com papai — pediu Eve.

De repente, soou o telefone.

— Atenda, Sidonia — disse Mercy.

Sidonia se apressou a tirar o telefone do gancho.

— Diga? Graças a Deus, é você. Sim, está aqui — disse, e estendeu o telefone para Mercy. — É Dante.

— Dante? —disse Mercy ao colocar o fone no ouvido.

— Não fale, só escute — disse seu irmão. — Os Ansara estão nos atacando. Não me pergunte os detalhes. Só é questão de tempo que assaltem o Santuário. Será logo. Acho que é que hoje, porque é o solstício do verão.

— Alban Heruin — disse ela. — O ponto de poder mais intenso do sol.

— Acabo de pegar o avião, e estamos saindo de Reno. Vou para casa. Gideon também saiu de Wilmington. Nós dois chegaremos esta tarde.

— Bem...

— Deve resistir e controlar a situação até que cheguemos.

— Entendido.

— E se uma mulher chamada Lorna tentar entrar em contato com você... É minha.

A comunicação foi cortou.

— Dante?

Mercy deu um golpe com o fone sobre o balcão da cozinha e se voltou para enfrentar Judah.

— Papai se foi — disse Eve.

Mercy olhou por toda a sala. Judah tinha partido. Quando tinha saído e aonde tinha ido?

 

Enquanto Dante falava com Mercy, Judah tinha ouvido a chamada telepática de seu primo e tinha subido ao quarto atrás de seu celular.

— O que está acontecendo? — perguntou a Claude assim que ele respondeu.

— Soubemos que Cael está em algum lugar da Carolina do Norte.

— Não me surpreende.

— Acreditam que tem cem guerreiros ao seu dispor, e que estão em algum ponto entre Asheville e o Santuário dos Raintree.

— Cem guerreiros! Como demônios... Esteve recrutando gente durante muito tempo!

— Provavelmente. Mas o pior de tudo é que, segundo nosso informante, tem intenção de atacar o Santuário durante as próximas doze horas.

— Maldição! O que diz Cidra? Por que não profetizou isto?

— Não está certa, mas suspeita que Cael protegeu os detalhes de seu plano para que nenhum vidente Ansara pudesse prevê-los. Certamente, também fez o mesmo com os Raintree.

— Não podemos permitir que aconteça — disse Judah.

— Não é possível evitar.

— Tentaremos. Avise a Guarda Seleta. Traga todos para a Carolina do Norte no jato particular. Aterrissem em Asheville. Entre em contato comigo quando estiver chegando nas portas do Santuário e eu os esperarei ali. Enquanto isso, quando estiver seguro de que Mercy pode proteger Eve durante a batalha, farei meus próprios planos.

— Sei que sua prioridade é proteger a princesa Eve, mas quando ela não estiver mais em perigo, não haverá volta. Terá explodido a guerra entre os Ansara e os Raintree. Cael não nos deixou outra opção que lutar.

— Então, lutaremos — respondeu Judah.

  

— Onde está meu papai? — perguntou Eve enquanto Mercy se ajoelhava em frente a ela. — Aonde foi?

— Não sei — mentiu Mercy. Suspeitava que Judah tinha ido se unir a Cael. — Mas você não deve se preocupar com seu pai. Escute-me, querida, e faça exatamente o que eu disser.

— De acordo — respondeu Eve com a voz trêmula. — Vai acontecer algo muito mau, não é?

— Sim. O irmão de seu pai vai vir com outros homens muito maus, filha. Por isso que eu vou enviar você com Sidonia para as cavernas de Awenasa, e vou invocar um feitiço para esconder as duas e protege-las.

— Mas eu tenho que estar aqui — disse Eve. — Com você e com papai. Você precisa de mim.

Mercy tinha um nó de emoção na garganta.

— Não pode ficar. Seu pai e eu não poderemos fazer o que temos que fazer se você estiver aqui. Estaríamos muito preocupados com você. Por favor, Eve, vá com Sidonia e fique com ela até que o tio Dante, ou o tio Gideon, ou eu, formos buscá-la.

Eve olhou fixamente para Mercy, com uma expressão comovente.

— Diga para mim que me entendeu e que vai fazer o que eu pedi.

Eve rodeou o pescoço de sua mãe e a abraçou com força.

— Irei com Sidonia para as Cavernas. Você conjura o feitiço. Eu não impedirei isso.

Mercy suspirou de alívio.

— Obrigado, meu amor.

Depois, devolveu o abraço de Eve com a força de uma guerreira que sabia que talvez enfrentasse a morte, que talvez não voltasse a ver sua filha.

Quando, finalmente, Mercy soltou Eve, ficou em pé e se voltou para Sidonia.

— Confio a você o bem mais precioso que tenho.

— Sabe que a protegerei com minha vida.

Eve tomou a mão de sua babá. As duas esperaram enquanto Mercy recitava um antigo encantamento, o feitiço de ocultação mais forte que conhecia e que faria impossível que alguém encontrasse Sidonia e Eve.

Mercy ficou junto à porta da cozinha, vendo como Sidonia e Eve se afastavam pelo campo para as montanhas. As Cavernas de Awenasa ficavam a três quilômetros de distância, ocultas no bosque que cobria a ladeira oeste das colinas. Em poucos minutos, as duas desapareceram, envoltas pelo encantamento que as protegeria de qualquer mal.

Com a segurança de que Eve estava a salvo, Mercy subiu apressadamente as escadas para seu quarto. Devia se preparar para a batalha que se aproximava.

Quinze minutos mais tarde, vestida de negro, desceu as escadas e se encaminhou para seu escritório. Dali telefonou para a cabana de Hugh, que respondeu ao terceiro toque do telefone. Pediu a ele que reunisse todos os Raintree que estavam visitando o Santuário naquele momento e que os levasse para a casa principal tão rapidamente quanto possível.

Depois desligou.

E então só pôde se perguntar por que Judah não estava ali com ela, lhe dando explicações.

“Maldito seja, Judah! Maldito seja!”.

 

Rena, Nevada, 9:15 da manhã

 

Lorna não tinha tido tempo de fazer nenhuma ligação enquanto tinha estado na casa de Dante. Em vez disso, tinha pego sua agenda pessoal e tinha procurado os telefones de Mercy e de Gideon antes de sair correndo para seu carro. Enquanto estava no caminho para o aeroporto, chamou o chefe de segurança do cassino de Dante.

Ele respondeu com a voz sonolenta.

— Sou Lorna Clay! — disse gritando. — Dante se foi... Há problemas no Santuário! Tenho que chegar até lá. Como posso alugar um avião de pequeno porte?

— Ei! Espera, o que disse?

— Que há problemas no Santuário. Preciso de um avião de pequeno porte!

— Vá para o aeroporto — disse Al rapidamente. — Dante tem dois aviões. Ele terá levado o maior, o mais rápido. Eu telefonarei para que preparem o pequeno para você. Demorará mais, mas só sairá uma hora atrás dele.

— Obrigado — disse ela, quase soluçando de alívio. — Não acreditava que...

— Não acreditava que ajudaria você? — perguntou Al, consciente de que, desde o começo, sua relação não tinha sido fácil. — Você disse a palavra mágica.

— Por favor? — perguntou Lorna. Não acreditava que tivesse pronunciado aquela palavra, embora tivesse lhe agradecido.

— Santuário — respondeu ele.

 

Wilmington, Carolina do Norte, 1:00 da tarde

 

Hope Malory estava percorrendo a cozinha de um lado a outro, nervosamente, enquanto esperava que o telefone tocasse. Gideon tinha saído apenas uma hora antes, então ela não pensava que ligasse tão rapidamente, mas de qualquer jeito... Estava ansiosa. Ele devia uma explicação séria.

Quando, por fim, o telefone tocou, lançou-se atender.

— Diga?

Ao ouvir uma voz de mulher, a alma de Hope caiu aos pés.

— É a residência de Gideon Raintree?

— Sim, mas ele não...

— Sei, não está neste momento — a interrompeu sua interlocutora. — Me chamo Lorna Clay. Dante e Gideon precisam de nós. Vou em um jato que aterrissará no aeroporto de Fairmont, a oeste de Asheville, as seis da tarde de hoje. Se você puder ir ali e me apanhar, contarei a você o que sei a caminho do imóvel dos Raintree.

Hope olhou o relógio da cozinha e fez uns rápidos cálculos mentais, tendo em conta a potência do carro de Gideon.

— Estarei lá.

 

No início daquela tarde, Mercy falou com os dezoito Raintree que se encontravam no Santuário de visita, e juntos começaram os preparativos para a batalha. Um pouco depois, chegaram outros dez Raintree que viviam perto do Santuário, incluindo Echo, que tinha chegado derrapando com o carro e tocando a buzina. Suas habilidades de clarividência eram muito fortes, mas ainda não tinha conseguido domina-las, e suas predições eram freqüentemente um caos de visões, sons e sentimentos. Mercy sabia que muito em breve Echo se tornaria a grande profetisa que estava destinada a ser. Também possuía uma empatia latente.

Assim que Echo entrou na casa, começou a chamar Mercy. Quando chegou ao escritório e a viu, agarrou-se a sua mão.

— No caminho até aqui estava ficando louca. Vi coisas, ouvi coisas... Me ajude, por favor — pediu. — Tive que parar duas vezes no acostamento.

Mercy agarrou as mãos trêmulas de Echo.

— Acalme-se. Precisamos de você. Quero que se concentre. Pode fazer isso?

Echo se tranqüilizou.

— Posso... Posso tentar.

— Boa garota. Concentre-se nos Ansara, pensa em quantos guerreiros vão atacar o Santuário. Tente encontrá-los. Concentre suas visões em Cael Ansara. Ele é o irmão do Dranir dos Ansara.

Echo assentiu e fechou os olhos.

Mercy seguiu mentalmente Echo. Echo afundou-se lentamente em si mesma, enquanto Mercy a acompanhava e a guiava com delicadeza por um caminho marcado.

“Um comboio de caminhões cheios de homens e mulheres, acompanhados de jipes, circulavam pela auto-estrada. Cael Ansara, vestido de negro, vai no primeiro carro”.

O ódio entristecedor e a sede de sangue que Echo percebeu naqueles Ansara a assustou, e Mercy não conseguiu que continuasse concentrada. Ao se dar conta de que não podia forçá-la mais, ajudou Echo a sair de si mesma enquanto absorvia as emoções de sua prima.

— Meu Deus! — exclamou Echo enquanto abria os olhos. — Há cem, no mínimo. E todos estavam pensando em chegar aqui e matar todos os Raintree que encontrassem em seu caminho.

Mercy vacilou ligeiramente enquanto lutava para expulsar as emoções malignas que tinha apanhado. Ouvia Echo falando com ela, sentia que a agitava pelos ombros, mas não podia responder até que se desfez de todas aquelas partículas de energia negativa.

Vários minutos depois reagiu, muito fraca por causa da batalha interna que acabava de libertar. Echo a agarrou antes de que caísse ao chão.

— Demônios, me assustou muito — disse Echo. — Já tinha tinha visto você fazer isso antes, mas não é nada fácil.

Mercy sorriu.

— Estou bem.

— Viu o mesmo eu, não foi? São muitos, e estão vindo para cá.

— Sei. Temos que estar preparados. Dante e Gideon estão a caminho. Espero que cheguem entre as cinco e as seis.

— Quantos Raintree há no Santuário? — perguntou Echo.

— Não o suficiente — respondeu Mercy. — Muito poucos para tantos Ansara.

 

5:40 da tarde

 

No final da tarde do dia do solstício de verão, os Raintree estavam preparados para defender o Santuário.

O céu claro e azul foi escurecendo com nuvens de chuva que ocultaram o sol. Entretanto, Mercy sabia que não era a Mãe Natureza a que tinha provocado aquela iminente tempestade. As forças de Cael Ansara tinham quebrado o escudo protetor que rodeava as terras dos Raintree e, naquele mesmo momento, dirigiam-se para eles.

   Mercy tinha enviado Helen e Frederick como exploradores, porque possuíam a força telepática mais intensa dos Raintree presentes no Santuário, e poderiam enviar relatórios instantâneos sobre a posição e os movimentos das tropas de Cael.

Até que chegassem Dante e Gideon, ela era quem devia dirigir seu povo gente contra os Ansara. Depois, deveria lutar junto a seus irmãos, combinando seus poderes.

Finalmente, os reforços das cidades e povos próximos ao Santuário se uniram ao grupo do Santuário e, em total, somavam quarenta e cinco guerreiros para fazer frente aos Ansara.

Mercy estava sozinha em seu escritório, preparando-se mental e espiritualmente para a luta, concentrando-se no desafio que devia enfrentar. Não só o Santuário estava ameaçado; também a vida de sua filha.

Aproximou-se da lareira e passou a mão pela espada da Dranira Ancelin. Só uma mulher da família real com o poder da empatia podia empunhar aquela arma tão poderosa, e somente para combater o mal. Com ambas as mãos, levantou a espada de seu lugar de descanso enquanto recitava as palavras de honra que Gillian tinha lhe ensinado. Uma vez em seu poder, a espada aliviou seu peso imediatamente, e Mercy foi capaz de segurá-la com facilidade em ambas as mãos.

Sabendo que Eve estava a salvo nas Cavernas de Awenasa, protegida pelo encantamento e por Sidonia, Mercy se concentrou apenas em guiar seu povo para a vitória.

Uma vez que esteve preparada, saiu para encontrar-se com suas tropas.

Ia se iniciar a grande batalha.

 

 

 

Capítulo 16

 

O fragor da batalha reverberava pelas colinas. A força física e a força psíquica dos combatentes tinham deixado corpos mutilados e mortos, e mente aturdidas e destruídas. As cinzas dos Raintree e Ansara desintegrados cobriam o chão. Menos de uma hora depois que Cael e seus guerreiros tivessem entrado no Santuário, Mercy tinha perdido quatro dos seus na batalha. Seu único consolo era saber que os Ansara tinham tido igual número de baixas.

Na luta, ela não tinha visto Cael Ansara, nem tampouco Judah. Acaso os irmãos teriam enviado suas tropas para lutar enquanto esperavam que se unissem a eles mais Ansara? Não imaginava Judah olhando a batalha de longe enquanto seus guerreiros morriam. Pensava que agiria como ela: dirigindo os seus na luta.

Então, onde estava?

Mercy não deveria estar se preocupando com Judah. Ele era o inimigo.

Durante a batalha, Mercy tinha empregado apenas alguns golpes psíquicos, porque sabia que requeriam uma grande quantidade de energia e queria conservá-la. Por sorte, só tinha cruzado com dois Ansara com aquela habilidade, e tinha evitado seus golpes com a espada de Ancelin. Uma das propriedades mágicas mais fortes da arma era proteger a mulher que a usasse de todos os ataques e fazê-la virtualmente invencível.

Enquanto dois guerreiros Ansara se aproximavam, ela se concentrou em lhes enviar uma descarga de energia paralisante para incapacitá-los permanentemente. Uma vez que se livrou deles, voltou-se para uma mulher que se aproximava pela direita. Mercy girou, brandiu a espada e atirou um golpe mortal em seu atacante, uma rastreadora com agudos sentidos animais. De cinzas a cinzas. Pó ao pó. Como ocorria freqüentemente com aqueles que morriam na terra sagrada dos Raintree, seu corpo ficou pulverizado e voltou para a terra.

Mercy elevou a cabeça de repente e olhou para o leste. Seus irmãos estavam perto. Sentia sua aproximação. Pela primeira vez desde que eram crianças, além das ocasiões em que se reuniam para reforçar o feitiço que protegia o Santuário, Dante e Gideon tinham aberto suas mentes para conectar-se com ela e compartilhar sua força e seu poder. A tríade real Raintree possuía uma energia combinada insólita. Juntos podiam conguir o impossível. Tinha que consegui-lo. A alternativa era muito insuportável para pensar nela.

Mais de vinte minutos depois, enquanto a batalha se agravava, Mercy viu pela primeira vez Dante, e depois vislumbrou Gideon. Uma hora depois da chegada de seus irmãos, uniram-se a eles mais Raintree. Os Ansara continavam sendo superiores em número, mas os Raintree resistiam usando qualquer recurso disponível.

E então, naquele momento, chegou quem mais tinha temido. Cael Ansara apareceu do nada, e seus olhos cinzas e frios recordaram que era o irmão de Judah. Seus olhares se cruzaram no campo de batalha, e ela percebeu seu grito de guerra.

“Morte ao Dranir Dante. Morte ao príncipe Gideon. Morte a princesa Mercy. Morte a todos os Raintree!”.

Gideon disparou um fino raio azul ao mais ameaçador dos Ansara que o rodeavam.

A eletricidade dançava em sua pele, colorindo seu corpo e tudo o que estava perto dele, e desviando quase todos os ataques que recebia. Na mão direita tinha uma espada, e a esquerda a usava para evitar as descargas de energia letais.

Ao menos, nenhum daqueles três era capaz de enviar golpes psíquicos, de modo que Gideon conservava a maior parte de sua energia mental. Com a eletricidade era mais que suficiente para defender-se de seus atacantes.

Eram três: dois homens e uma mulher. Eles tinham planejado separa-lo de seus irmãos, pensando, evidentemente, que ele obtinha força deles. O que não sabiam era que juntos ou separados fisicamente, a força de seu irmão e sua irmã continuaria alimentando-o até o final da luta.

A mulher Ansara tinha a habilidade de dissipar o calor do ar. Tentou congelá-lo com todo seu poder, mas Gideon estava gerando tanta energia que foi impossível para ela. O homem ruivo que estava ao seu lado tinha algum tipo de poder mental. Usava uma espada em uma mão e uma faca pequena na outra, mas não tinha exibido sua habilidade mágica. Aquele era o menos ameaçador, por isso Gideon se concentrou na mulher e lançou um raio mortal, o mais forte que conseguiu criar, na testa dela. Imediatamente caiu fulminada.

O terceiro companheiro, que parecia acovardado, levantou a espada contra Gideon, e Gideon fez o mesmo. Precisava de um momento para se recarregar e poder usar de novo a eletricidade. Quando ia lançar um golpe contra seu inimigo, alguém gritou seu nome com uma voz assustada, familiar. Hope.

Gideon se afastou de seu oponente e voltou a cabeça para a voz. Hope apareceu correndo pelo topo de uma colina, pistola em mãos, com os olhos muito abertos e cheios de horror por causa do que tinha visto.

Pela extremidade do olho, Gideon percebeu um movimento do Ansara ruivo, que gritou ao que esteve lutando com Gideon:

— Mate-a! É dele.

Sem titubear, Gideon acabou com o homem ruivo com uma navalhada no estômago. Devia ser um adivinho, porque soube identificar Hope. Gideon retirou a espada ensangüentada de seu corpo e, ao girar, viu o outro guerreiro correr para ela. Gideon estava muito longe para poder reduzi-lo com uma descarga elétrica, e começou a correr com todas suas forças para a colina.

— Atire nele! — gritou para Hope. — Vamos, Hope, agora!

Para chegar aquele ponto, Hope tinha visto o suficiente para saber que aquela ordem era a sério. Antes que o Ansara a alcançasse, apontou e disparou duas vezes.

As balas não detiveram o guerreiro, mas desaceleraram seu passo. Gideon continuou correndo até que esteve o suficientemente perto para lançar um golpe psíquico que reduziu o Ansara a cinzas.

Hope correu para Gideon. Ele neutralizou o escudo elétrico com que se protegia e ela se lançou em seus braços.

— Que... — começou a dizer, sem fôlego, com o coração pulsando rapidamente. — Isto não é... Meu Deus... Ele... — Hope tentou respirar profundamente e recuperar a compostura, e então disse: — Etá sangrando outra vez, maldição.

Não houve tempo de explicações, porque dois Ansara se aproximaram deles. Um usava uma espada, e o outro mantinha uma chama acesa na palma da mão. Gideon pensou que primeiro devia lançar raios de luz.

— Fique comigo — ordenou para Hope, enquanto a colocava a suas costas.

Quando ele elevou sua própria espada e ergueu uma barreira de eletricidade que rodeou os dois, ela murmurou:

— Não vou a lugar nenhum.

  

Dante esquivou um golpe de energia mental que transformou em lascas a árvore que havia atrás dele. Enquanto corria, lançou em seu oponente uma descarga de vingança, com a esperança que o Ansara se visse obrigado a se cobrir enquanto ele encontrava um penhasco no qual refugiar-se.

Antes que conseguisse, uma mulher saiu de trás de uma árvore e lançou-lhe uma corrente nos tornozelos, com a intenção de fazê-lo cair. Dante disparou na mulher, mas ela foi muito rápida e conseguiu esconder-se novamente.

Alguns metros a sua esquerda, outros três Ansara saíram de seu esconderijo e rapidamente, Dante lançou ao homem no meio uma rajada de energia que o desintegrou. Entretanto, os outros dois continuaram correndo para ele, e Dante não tinha tempo de recuperar energia suficiente para despachar os dois.

Sentiu-se alarmado. Não parou para pensar, não se perguntou o que havia atrás dele. Instintivamente, jogou-se no chão e rodou para a direita, e ficou em pé enquanto uma espada de dois metros cortava o ar que ele acabava de ocupar. Uma mulher muito alta brandia a arma como se fosse um palito de dentes. Ele saltou para trás uma vez mais, mas a ponta do fio cortou diagonalmente as costelas, passando pelo abdômen, até o quadril.

O corte causou uma grande dor, mas não era mortal. Desesperadamente, Dante tentou erger barreiras mentais que contiveram o fogo e enviou a ela uma longa chama que a tocou. Ela caiu para trás em sua tentativa de escapar da faminta besta vermelha. Dante voltou a cabeça para a direita e para a esquerda para detectar seus outros dois atacantes, que se dirigiam para ele por ambos os lados, embora a uma distância cautelosa.

O fogo era algo muito perigoso para usar em uma batalha. Controlá-lo requeria grande dose de energia, e cabia a possibilidade que as chamas se descontrolassem e acabassem por consumir sua própria gente. Ninguém usava o fogo em uma batalha.

A mulher ficou lentamente em pé com um frio sorriso. Segurando a espada com ambas as mãos, uniu-se aos outros dois guerreiros e começaram a rodear Dante.

Ele pensou que havia chegado sua hora; mas, ao menos, levaria aqueles três consigo.

Não queria deixar Lorna. Aquele pensamento o atravessou como uma lança. Lamentou não haver dito a ela outra vez que a amava, não ter explicado o que devia fazer no caso que ele não voltasse. Talvez estivesse grávida; a possibilidade era pequena, mas existia. Ele nunca saberia. Recordou o som de sua voz, cheia de indignação, gritando a ele:

— Aonde vai?

Desejou com todas suas forças poder voltar a ouvi-la. E a ouvia, na realidade. Estava gritando de verdade.

— Que demônios está fazendo?

Todos os pelos de seu corpo se arrepiaram. Apavorado, olhou a seu redor e esteve a ponto de desmaiar de medo. Lorna corria através do campo, para ele, sem olhar para a esquerda nem a direita; seu cabelo flutuava no ar como uma chama vermelha.

— Frite o traseiro dele! — gritou a ele. Devia estar se perguntando por que não estava usando o mais poderoso de seus dons.

Ele tinha recuperado energia suficiente para descarregar outro golpe mental, e sem aviso prévio, o lançou na mulher alta. Ela gritou de dor e caiu de joelhos, morta. Dante nem sequer a olhou; continuou movendo-se em círculo, tentando conservar Lorna atrás dele, fora da zona letal, sem perder de vista os dois Ansara que o rodeavam. Se pudesse mantê-los afastados enquanto recuperava a energia...

Subitamente, um deles lançou uma descarga psíquica que o alcançou em um momento de fraqueza.

Sem parar, Lorna se agachou para pegar uma pedra do tamanho de um punho.

— Fogo! — gritava com fúria. — Usa o fogo!

Estava a poucos metros de distância, aproximando-se cada vez mais do círculo de morte. O sangue dele gelou nas veias.

— Sim, Raintree, use seu fogo — disse um dos Ansara para provocá-lo, sabendo que não o faria. Então, voltou-se e lançou um raio em Lorna.

Entretanto, fez mal os cálculos, porque não teve em conta sua velocidade. Ela emitiu um som de raiva e jogou a pedra no Ansara, fazendo com que se agachasse e errasse o tiro.

— Amateur — murmurou Dante, tentando lançar uma rajada no Ansara. Entretanto, estava muito cansado e não teve forças.

Os lobos Ansara fecharam o círculo, sorrindo, desfrutando de seu desamparo enquanto esperavam recarregar suas próprias energias. Tinham usado muito menos poder que ele, e não demorariam muito em se recuperar.

— Conecte-se comigo! — gritou Lorna. — Conecte-se comigo!

O coração de Dante esteve a ponto de parar. Ela sabia a dor que isso podia causar...

Não houve tempo para preparações, nem para misturar gradualmente psique e energia. Dante só teve tempo para penetrar como um furacão em sua mente e alimentar-se da imensa reserva de força que Lorna guardava. O fluxo de energia que o atravessou encontrou saída por suas mãos em forma de raios simultâneos. Gideon e Mercy, que também estavam vinculados com ele, sentiram a intensa corrente e se nutriram dela.

Dante disparou furiosamente descarrega após descarga. As lágrimas queimavam seus olhos, mas nunca chegaram cair; a umidade evaporava devido à cascata de energia que o percorria.

Lorna! Via-a no chão, imóvel, mas seu poder continuava fluindo para ele como se não tivesse limite. Dante não precisava de tempo para se recuperar; a energia era imediata e saía de seus dedos em forma de rajadas de calor branco.

Ao notar que se tornou em uma máquina de matar, os Ansara se retiraram para se reagrupar. Dante cortou o vínculo com Lorna e correu para o lugar onde ela estava caida imóvel, branca como papel. Ajoelhou-se a seu lado e a tomou em braços.

— Lorna!

Ela não respondeu. Retorceu ligeiramente em seus braços, golpeando-o com uma mão flácida, e ele se deu conta de que a estava esmagando contra seu peito. Seu coração subiu até a garganta e esteve a ponto de sufocá-lo. Com delicadeza, voltou a pousa-la no chão e observou como ela engolia seco e tentava falar várias vezes.

— Está bem? — perguntou ele, mas Lorna continuou em silêncio.

Segurou sua mão e a posou em sua face, desejando que falasse. Se a ouvisse falar, saberia que seu cérebro estava se recuperando.

— Lorna, sabe quem sou?

Ela assentiu.

— Pode falar?

Ela elevou a mão como se fosse um guarda de trânsito para indicar que não a pressionasse. Lenta, forçosamente, rodou até colocar-se de lado e apoiou ambas as mãos no chão para levantar. Ele a ajudou, em silêncio, até que por fim ela conseguiu sentar. Dante esfregou suas costas e os braços e voltou a perguntar:

— Pode falar?

Lorna piscou e voltou a assentir. Sentia como se a cabeça pesasse vinte quilos.

Ele esperou uma frase, uma palavra, algo, mas ela continuou calada.

Depois de uns minutos, Lorna ficou em pé, de maneira vacilante. A seu redor havia um massacre, e Dante queria ter feito algo por poupa-la daquela visão de corpos mutilados.

— Querida, por favor — pediu ele suavemente. — Se puder, fale algo.

Ela piscou um pouco mais e franziu o cenho. Depois passou o olhar pelos cadáveres que os rodeavam. Tomou ar, soltou-o e sentenciou:

— Isto é como Jonestown, mas sem o cianureto.

 

Durante a luta, Mercy tinha perdido a pista de Cael e temeu que tivesse ido em busca de Gideon ou de Dante, os quais não tinha visto em bastante tempo. Sabendo que Dante estava no comando dos Raintree desde que tinha chegado, ela se concentrou em lutar mas também em curar, que era sua principal tarefa.

Percebeu a presença próxima de Geol, ferido gravemente e agonizante. Se o encontrasse, podia salvá-lo. Seguindo o fraco sinal de energia que emitia, Mercy procurou pelo prado coberto de cinzas onde os corpos ensangüentados dos Ansara e dos Raintree se misturavam, unidos de novo, embora na morte e não na vida.

Um grande e musculoso Ansara de cabelo prateado levantou sua espada com ambas as mãos para descarregar um golpe mortal contra Geol, que jazia no chão. Mercy criou imediatamente uma rajada de poder mental e o lançou nas costas do guerreiro, que explodiu e se dispersou em fragmentos de pó. Ela correu para Geol, ajoelhou-se e posou as mãos em seu corpo, absorvendo seu poder e curando suas feridas. Entretanto, como com cada cura, Mercy pagou um preço muito alto. Quando o processo de experimentar a dor do outro e de transformá-la em energia positiva terminou, deixou escapar aquela energia ao universo novamente.

Levantou-se, fraca mas revitalizada, para continuar sua busca de feridos, mas de repente notou que alguém estava tentando se conectar com ela. Então, sem prévio aviso, escutou a voz de Eve.

“Papai vai chegar”.

“Eve?”.

Um rugido ensurdecedor sacudiu o chão quando centenas de soldados uniformizados de azul apareceram no prado, tomando o campo de batalha. Mercy deixou escapar um ofego de horror quando viu o homem que dirigia aquela força enorme: Judah Ansara. Tinha levado reforços. Centenas de homens e mulheres Ansara, preparados para entrar em combate. Não havia nenhuma possibilidade que os Raintree que estavam reunidos no Santuário pudessem fazer frente aquele exército.

Entretanto, deveriam tentar resistir o maior tempo possível, até que chegassem mais Raintree para continuar a luta. Aquela noite. Amanhã. Lutariam até o último fôlego para defender sua terra sagrada.

A briga diminuiu, e finalmente parou por completo. Cael reapareceu, e seus soldados o elevaram sobre os ombros. Com o braço em alto em sinal de vitória, braniu a espada, manchada com sangue dos Raintree.

As tropas de Judah formaram um semicírculo ao redor de seu Dranir. Então, uma mulher anciã, ao menos da mesma idade que Sidonia, apareceu junto a Judah. Mercy sentiu imediatamente uma onda de respeito e reverência para aquela mulher, e soube que era Cidra, a grande profetisa Ansara.

Os esgotados Raintree seguiram Dante e Gideon e se reuniram do outro lado do campo. Para esperar, vigiar, preparar-se. Mercy se dirigiu para seus irmãos o mais rapidamente que pôde. Mentalmente, assegurou-lhes que Eve estava a salvo.

Um silêncio letal se apoderou do vale quando os Ansara enfrentaram os Raintree no campo de batalha.

Mercy se colocou entre Dante e Gideon. As duas mulheres que estavam com seus irmãos, Lorna e Hope, conforme tinha lido em suas mentes, estavam a cinco metros atrás. Mercy não podia negar que sentia medo. Podia morrer naquele dia, mas sentia mais medo por Eve que por si mesma. Se seus irmãos e ela não sobrevieriam aquela batalha...

Dante não fez gesto de começar a luta. Os Raintree continuaram esperando e vigiando, ganhando tempo para se recuperar mentalmente e poder confrontar o que se aproximava.

Cael fez um sinal a seus homens que o depositassem no chão. Então partiu para seu irmão como um galo de briga e parou frente a ele.

— Saúdo a você, Dranir Judah — gritou a ele.

Os capangas de Cael repetiram seu grito. Os guerreiros de Judah permaneceram em silêncio.

— Hoje lutaremos, irmão — disse Cael, — para vingar nossos antepassados.

Cidra pôs a mão no braço de Judah, pedindo com o olhar permissão para falar. Judah assentiu.

— Escolham neste dia a quem servirão no futuro — disse Cidra, cuja voz se ouviu por todo o vale e chegou para ouvidos de todos os Ansara e Raintree. — Escolhem a Cael, o filho da maligna feiticeira Nusi? Se for assim, seguirão-o ao inferno.

Quando Cael se lançou para Cidra, Judah elevou a mão como advertência. Cael parou.

— Ou escolhem ao Dranir Judah, filho de Seana e pai de Eve, a menina de luz, nascida de uma princesa Raintree, mas nascida para outorgar ao clã Ansara o presente da transformação?

Embora Cael começasse a renegar violentamente, Mercy mal o ouviu por cima dos batimentos de seu próprio coração. Cidra acabava de compartilhar seu segredo com todos os Ansara e Raintree que havia no Santuário, com Dante e com Gideon. Seus irmãos a olharam; Gideon, atônito, e Dante, furioso.

— Me diga que não é verdade — ordenou-lhe Dante.

— Não posso — respondeu Mercy.

— Eve é meio Ansara? É a filha do Dranir? — perguntou-lhe Gideon.

— Sim — respondeu Mercy. — Quando o conheci não sabia quem era.

— Desde quando sabe? — inquiriu Dante.

— Que é um Ansara? Desde que concebi sua filha.

— E por que não nos disse isso?

O som de Cidra reverberou pelo vale e se estendeu com o vento, capturando a atenção de todos os presentes.

— É sua escolha: viver e morrer com honra ao lado de seu Dranir, ou ser destruídos com este louco que reclama um trono alheio.

Ressoaram gritos de lealdade enquanto os Ansara escolhiam um lado. Nenhum dos soldados rompeu a formação, e apenas alguns capangas de Cael o abandonaram para passar ao grupo de Judah.

— O que acontece com a profetisa Ansara? — perguntou Dante. — É como se estivesse instigando um irmão contra o outro — disse, e olhou para Mercy. — Não se surpreende, o que me faz acreditar que sabe o que está acontecendo, o motivo pelo qual os Ansara pararam a batalha para cuidar de assuntos familiares.

Mercy se deu conta de que sabia, ao menos até certo ponto, o que estava ocorrendo.

— Os irmãos e seus guerreiros vão lutar até morte.

— E como sabe?

— Isso não importa. O que importa é que devemos estar preparados para enfrentar o vencedor.

 

Em um minuto, Mercy se deu conta que tinha subestimado a loucura de Cael. Tinha esperado ver uma luta fratricida entre Judah e Cael, entre os guerreiros de um e de outro; entretanto, o que ela tinha esperado se alterou dramaticamente quando Cael ordenou a seus capangas que atacasse os Raintree.

Depois da surpresa inicial, Dante se recuperou rapidamente e começou a dar ordens, primeiro a Mercy e depois a seus guerreiros. Disse a Mercy que procurasse e curasse todos os feridos Raintree que pudesse e que os enviasse de novo para lutar.

— Para poder resistir e conservar o Santuário até que cheguem reforços, precisaremos de todos os lutadores fiquem com vida.

Enquanto a batalha continuava a seu redor, Mercy, que teve que usar ocasionalmente sua espada para se defender, rastreou o campo de batalha em busca de seus familiares feridos. Encontrou nove, incluindo Echo, que tinha sido congelada, e Meta, a quem tinha cortado um braço. Com o calor de suas mãos, derreteu o gelo que mantinha Echo presa. Antes que Mercy se recuperasse da cura, Echo já tinha saído correndo para continuar com a luta.

Mais tarde, Mercy conseguiu reimplantar o braço de Meta; entretanto, recomendou-lhe que não o usasse para lutar, posto que não curaria por completo antes de vinte e quatro horas.

Depois de ter investido energia em fazer nove curas, Mercy não tinha forças. Mal podia manter-se em pé. Precisava descansar a todo custo, necessitava horas de sono reparador; mas não tinha tempo.

Enquanto continuava com a busca de feridos, as pernas começaram a fraquejar, teve tremores nas mãos e não pôde continuar com sua tarefa. Cambaleou e caiu de joelhos. Agarrou-se com força a espada, mas notou que o punho escorregava de sua mão.

“Não perca a espada de Ancelin!”.

Por mais que tentasse, não conseguiu manter os olhos abertos, não pôde lutar contra a imperiosa necessidade de descansar.

Desabou de cara no chão e a espada deslizou de entre os dedos. Ouvia o fragor da batalha e percebia o aroma da morte que a rodeava naquele estado de semi-inconsciencia, mas não podia reagir. Estava esgotada e indefesa.

Tinha que encontrar um lugar onde se esconder até que recuperasse a energia. Obrigou-se a abrir os olhos, mas quando o fez, encontrou um olhar cinza, gelado.

Cael Ansara.

Soube imediatamente que não podia lutar com ele, então enviou um grito mental de socorro. Era tudo o que podia fazer.

Ele se deitou sobre ela e pôs uma adaga na sua garganta. Depois pousou sua bochecha sobre a de Mercy e riu.

— A bela princesa Raintree de Judah — disse, e lambeu seu pescoço.

Mercy se encolheu de repugnância.

— É uma pena que não tenhamos tempo para que demonstre a você que supero meu irmão em todos os aspectos — acrescentou ele.

Tomara Mercy pudesse reunir forças e agarrar a espada de Ancelin. Então, poderia...

— Solte-a! — disse uma voz autoritária atrás dele.

Antes que Cael pudesse dar a volta, a mão com que segurava a adaga se abriu, e a faca caiu no chão. Assombrado pela aparição de um homem que não estava ali um segundo antes, Cael se concentrou momentaneamente nele, e não em Mercy. Enquanto Cael estava distraído, ela dirigiu seu núcleo de força interna em um só objetivo: libertar-se dele.

Justo quando ela tinha conseguido, Judah agarrou Mercy pelo braço e a atraiu para si. Cael grunhiu de raiva enquanto Judah a colocava a suas costas. De onde Judah tinha saído? Como tinha chegado tão rapidamente até ali? Perguntou ela.

Enquanto Judah enfrentava Cael, falou telepaticamente com Mercy.

“Não foi Dante quem chamou pedindo socorro”, explicou ele. “Foi a mim”.

Realmente tinha pedido auxílio a Judah, e não a Dante?

“E como chegou...”.

“Eve me teletransportou”, disse Judah. “Ela ouviu seus gritos de socorro e me enviou para você”.

— Que comovente — interveio Cael com um sorriso depreciativo. — Chamou meu irmão para que a salvasse. Deve ser uma idiota, princesa Mercy. Não sabe que a única razão pela qual veio lutar contra mim é que não quer que eu tenha o prazer de matar você? É um gosto reserva para si.

Judah não negou a acusação de seu irmão. De fato, ignorou. Em vez disso, disse a Mercy que apoiasse a mão em seu ombro. Quando ela vacilou, ele disse:

— Confie em seu instinto.

Mercy fez isso, e pôs a mão sobre o ombro de Judah. Imediatamente, notou um fluxo de energia para seu corpo, proveniente de Judah. Não era muito, mas o suficiente para que ela pudesse recolher a espada de Ancelin e permanecer em pé.

Cael enviou um primeiro bmbardeio de golpes mentais muito potentes para Judah, mas ele os esquivou sem problemas e os devolveu. Mercy se retirou, e Judah entendeu que podia proteger a si mesma e que ele podia se concentrar no duelo de morte que ia travar com seu irmão.

Cael usou todas as armas de seu arsenal, e sua magia negra, para neutralizar as habilidades superiores de Judah. Mercy observou a luta dos irmãos, os golpes e as descargas que destruíam a vegetação e as árvores vizinhas. E depois, investiram um contra o outro em um combate físico mortal, espada contra espada, mente contra mente.

Mercy conteve o fôlego quando Cael esfaqueou o flanco de Judah, rasgando sua camisa e a carne. Judah amaldiçoou, mas a ferida não afetou a agilidade de suas manobras. Continuou lutando até que conseguiu fazer Cael recuar mais e mais, até que conseguiu cortar a mão com ele segurava a espada. Uivando de dor enquanto sua espada caía no chão junto com a mão, Cael deu alguns passos para trás e, reunindo todo seu poder, lançou um forte golpe psíquico. Judah o desviou e o devolveu a Cael, que conseguiu com muita dificuldade escapar. Quando ele caiu no chão e rodou, Judah se aproximou, e sem lhe dar oportunidade de levantar, afundou-lhe a espada no coração. Cael chiou como uma arpía. Depois, Judah tirou a espada do peito de seu meio-irmão e, com rapidez, decapitou-o.

O corpo de Cael estremeceu e ficou reduzido a pó. Judah se manteve em silêncio, imóvel. O sangue de seu irmão cobria a lâmina da espada. Mercy correu para ele para reconfortá-lo e curá-lo. Com a espada de Ancelin na mão esquerda, passou os dedos da mão direita pela ferida, mas se deu conta de que seu corpo já tinha começado a se regenerar.

Judah atraiu Mercy para si e passou o braço pela cintura dela. Cada um deles segurava no ar sua espada de batalha.

— Judah Ansara! — gritou Dante Raintree.

Angustiada, Mercy elevou a vista até que a cruzou com a de seu irmão.

— Solte-a disse Dante a Judah. — Esta luta é entre nós.

Judah agarrou Mercy com mais força.

— Pensa que quero matá-la?

Naquele momento, Mercy entendeu que Judah não tinha intenção de machucá-la. Não teria dado a força suficiente para tomar a espada de Ancelin se não quisesse que sobrevivesse.

— Salvou-me de Cael quando eu estava muito fraca para lutar — disse Mercy.

— Só porque ele queria matar você — disse Dante. — Esqueceu que estamos em guerra com os Ansara?

— Só com os guerreiros de Cael — precisou Judah. — Ou estava tão ocupado lutando que não coseguiu notar que meu exército estava matando mais soldados de Cael que os Raintree? Trouxe meu exército aqui para vencer Cael e defender minha filha... E a mãe dela.

Mercy e Judah se olharam, e suas mentes se fundiram em uma durante um breve momento, o suficientemente prolongado para que ela se desse conta que Judah dizia a verdade.

Dante o olhou com os olhos semicerrados.

— Está mentindo.

Mercy notou que seu irmão não ia se retirar daquela luta, que tinha a intenção de enfrentar Judah até a morte. Quando deu um passo adiante com a espada no alto, Judah afastou Mercy e ele próprio levantou sua espada.

— Não, Dante! Eu... O amo! — gritou Mercy. Seu irmão ignorou, então se dirigiu a Judah. — Por favor, não faça isto. É meu irmão.

Ambos a ignoraram. Tomara não tivesse gasto todas suas forças, do contrário, ela mesma poderia ter se metido naquele enfrentamento, mas...

Tão repentina e misteriosamente como Judah tinha aparecido do nada para salvar Mercy de Cael, uma luz brilhante se materializou entre Judah e Dante. Os dois ficaram imóveis, paralisados por aquela visão.

Quando a luz diminuiu, Eve se revelou nela, levitando a vários centímetros do chão, com o corpo brilhante e o cabelo flutuando a seu redor. Tinha os olhos brilhantes como topázios, e sua marca de nascimento Ansara tinha desaparecido.

— Meu Deus! — exclamou Dante ao ver sua sobrinha.

— Sou Eve, filha de Mercy e Judah, nascida no clã de minha mãe, mas nascida para o povo de meu pai. Sou Rainsara.

Um murmúrio estranho se estendeu por todo o prado, o último campo de batalha de uma velha era de guerras. Raintree e Ansara jogaram as armas e cessaram a luta, e todos se dirigiram para Eve, que os esperava.

Quando os guerreiros se reuniram, os Raintree atrás de Dante, e os Ansara atrás de Judah, Eve estendeu os braços de ambos os lados do corpo e fez levitar seus pais junto a ela.

Judah e Mercy se olharam e reconheceram a verdade. Judah já não era Ansara. Seus olhos tinham tomado a mesma cor dourada que os de sua filha. Mercy já não era uma Raintree. Seus olhos, também, eram cor de ouro.

O olhar de Eve percorreu o campo e iluminou os guerreiros com sua luz. Passou primeiro pelos Ansara, e ao menos vinte deles se desintegraram e se transformaram em pó. Outros se transformaram e seus olhos se tornaram como os de seu Dranir: dourados. E igual a ele não era mais Ansara, não eram eles tampouco. Quando Eve fixou sua atenção nos Raintree, um punhado deles, incluindo Sidonia, Meta e Hugh, também se transformaram. Já não eram Raintree.

— Os Ansara não existem mais — sentenciou Eve. — E desde este dia, os Rainsara e os Raintree serão aliados.

Dante e Judah lançaram olhares fulminantes. Nenhum dos dois estava disposto a assinar um tratado de paz, mas os dois eram suficientemente inteligentes para saber que a decisão não estava em suas mãos.

— Meu pai é agora o Dranir dos Rainsara e minha mãe sua Dranira — prosseguiu Eve. — Iremos para casa, em Terrebonne, e construiremos uma nova nação.

Depois se voltou para seus tios.

— Tio Dante, você regerá os Raintree durante muitos anos, e seu filho o fará depois. E tio Gideon, você nunca terá que ser o Dranir.

Eve deixou seus pais no chão e se uniu a eles. Depois conduziu seu pai para seu tio e disse:

— A guerra terminou para sempre.

Nenhum dos dois homens se moveu nem falou.

Simultaneamente, Mercy tomou a mão de Judah e se colocou a seu lado, enquanto Lorna se adiantou e tomou a mão de Dante.

Judah estendeu a outra mão. Com certa tensão, Dante o olhou a contra gosto. Durante um minuto vacilou, mas finalmente estreitou a mão de seu antigo inimigo.

E por todo o campo se ouviu um sussurro respeitoso.

“Envie nosso povo para casa”, disse telepaticamente Judah para sua primo. “Peça a Cidra e aos demais do conselho que permaneçam aqui no momento. Teremos que nos reunir com o Dranir Dante e seu irmão. Em poucos dias, levarei minha Dranira e minha filha para Terrebonne. Mercy e Eve precisam de tempo para se despedir, mas nossa gente também precisará da família real Rainsara para que os guie no período de transição, para o futuro”.

Claude seguiu suas instruções. O novo clã Rainsara começou seu êxodo do Santuário, todos com a cabeça alta, enquanto os Raintree se reuniam ao redor de Dante, Lorna, Gideon e Hope.

Judah tomou Eve nos braços e a colocou no quadril. Depois agarrou Mercy pela cintura.

— Se precisarem de mais tempo... — disse Judah.

— Não — respondeu Mercy. — Ouvi o que disse a Claude. Tem razão. Nossa gente precisa de nós. De você, de mim, e de Eve.

 

 

Epílogo

 

Eve se aproximou de Hope e pôs a mãozinha sobre seu ventre.

— Olá, Emma. Sou sua prima, Eve. Vai gostar de ser a princesinha do tio Gideon.

Os adultos observaram com fascinação como Eve se comunicava com a menina nonata de Gideon e Hope. Apenas ouvindo a parte de Eve, notaram de que as duas meninas estavam mantendo toda uma conversa.

Mercy tinha aceito o fato que sua filha de seis anos era a criatura mais poderosa do mundo, e também sabia que Judah e ela tinham uma grande responsabilidade com ela. Mas teriam Sidonia e Cidra para ajudá-los; as duas anciãs já estavam comportando-se como avós rivais.

Eve olhou para Gideon, e tio e sobrinha sorriram.

— Me alegro de ter podido praticar com você — disse Gideon. — Espero que Emma não seja nem a metade travessa do que você foi.

— Não será. Prometo isso. Emma será a Guardiã do Santuário — anunciou Eve, e depois olhou para Echo. — Mas, até que ela esteja preparada, você ocupará esse lugar.

— Quem, eu? — perguntou Echo com os olhos totalmente abertos.

Eve riu.

— Vai ter que praticar muito com seu dom — disse a Echo. — Deveria ter adivinhado qual seria seu novo posto.

— Não consigo profetizar meu destino.

Cidra pôs sua mão sobre o ombro de Echo.

— Nem tampouco eu, querida. E considero que isso é uma bênção.

Durante os dois dias seguintes a batalha final, Judah e seu conselho se reuniram com Dante, Gideon, Mercy e os membros mais proeminentes do clã Raintree. Todos sabiam já que os Ansara se transformaram em um novo clã, os Rainsara, e que seriam aliados dos Raintree.

Também houve outra reunião, a de Mercy com suas futuras cunhadas. No mesmo instante que as conheceu, Mercy soube que Lorna era perfeita para Dante, e que Hope o era para Gideon. Sabia também que deixava seus irmãos em mãos de mulheres que os amavam, e a quem eles adoravam. E o Santuário ficaria sob a responsabilidade de Echo, de cuja capacidade Mercy não tinha nenhuma dúvida. Portanto, sentia-se livre para partir com Judah e empreender uma nova vida.

— Passará um tempo antes que volte a ver meus irmãos — disse Mercy a Lorna e Hope. — Por agora, Dante e Gideon mal toleram Judah, e ele a eles. Não sei se chegarão a ser amigos, mas... — Mercy pigarreou. — Nossos filhos serão amigos além de primos, e então, os Raintree e os Rainsara estarão verdadeiramente unidos.

Ao final do dia, pouco antes de partir do Santuário, Mercy tentou deixar a espada de batalha em seu lugar de honra, sobre a lareira, mas a arma permaneceu em sua mão.

— Tornou-se sua espada — disse Gideon a sua irmã.

— Leve-a — acrescentou Dante. — E reze para não ter que usá-la nunca mais.

Lorna pôs a mão sobre o ombro de Dante. Não disse nada. Não teve que fazê-lo. Mercy percebeu a mudança imediata em seu irmão, percebeu como seu espírito se suavizava.

Judah passou o braço pelos ombros de Mercy.

— Está pronta para partirmos?

Com os olhos cheios de lágrimas, Mercy assentiu.

Quando deram a volta para partir, Dante disse:

— Cuide bem delas.

Sem se voltar para ele, Judah respondeu:

— Tem minha solene promessa.

 

Horas depois, enquanto o jato particular de Judah conduzia a família real Rainsara a Beauport, Eve dormia placidamente, e Sidonia estava roncando a seu lado. Naquela tranqüilidade, a tanta distancia sobre a Terra, Judah tomou Mercy entre seus braços e a beijou.

— Sabe que o amo — disse ela. — Amei você desde que nos conhecemos. Durante todos estes anos, e apesar de tudo que aconteceu... Nunca deixei de te amar.

Ele acariciou seus lábios com os dedos com um olhar de adoração. Entretanto, não falou. Mercy pousou a mão sobre seu coração e se conectou com ele.

“Não permitirei que você leia meus pensamento, e tampouco quero ler o seu”, disse ele. “Mas olhe dentro de mim e descubra o que sinto”.

Então, ela se aninhou entre seus braços e ele a abraçou.

“É minha. Eu sou teu, agora e para sempre. Necessito de você como do ar que respiro. Amo você, minha doce Mercy”.

 

 

                                                                                 Beverly Barton  

 

 

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