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CAPÍTULO 8
Miguel
Jogo meu corpo na cama xingando baixinho, cada mínimo movimento doí, porra de cavalo xucro! Meus braços e bochechas tem arranhões dos galhos que ele lançou em mim, minha pele arde no minimo contato.
Retiro o telefone vendo que há duas ligações perdidas do meu assistente.
— Olá — resmungo, assim que atende a ligação.
— Miguel? Tudo bem? Estou atrapalhando algo? — pergunta Paulo do outro lado da linha.
— Não, estou gemendo de dor, seu idiota.
Ele ri, mas logo se controla quando bufo contra o telefone. — Posso saber o que ocorreu?
— Um cavalo xucro saiu como um maluco, quase tive um acidente sério. Não tem uma parte do meu corpo que não esteja doendo. Retiro o que disse os cavalos podem ser tão mortais quando um humano, tive a certeza hoje que cada pedido para parar ele ignorou completamente. Ainda bem que aquela outra maluca fez alguma coisa e me tirou daquele bicho descontrolado.
— Espera, Miguel Ramirez montado num cavalo? Não me diga que você também está usando botas e calça de couro? — ironiza meu amigo e assistente.
Olho imediatamente para os meus pés, chutando as botas para longe, recordando do sorrisinho insolente que Dandara me enviou ao me ver de bota mais cedo. — Continue rindo que vai perder o emprego e reze para continuar sendo meu amigo — resmungo novamente.
— Tudo bem, tudo bem. Falei com os avalistas, eles devem aparecer por esses dias.
— Ótimo! Amanhã eu vou me inteirar sobre os assuntos do Haras, quando o advogado veio ler o testamento de meu tio, deixou claro que Dandara precisa quitar as dívidas, ou seja, mais um ponto para se negociar. Você tinha que ver a cara dela quando o advogado leu as tais regras malucas que meu tio estabeleceu.
— Ela deve ser realmente interessante, nunca vi você falar tanto de uma mulher em todos esses anos, mesmo que seja para reclamar.
— Claro, ela é pior que uma mula, a mulher me atormenta, mas em breve a colocarei em seu lugar.
— Isso está cheirando outra coisa.
— Não fale besteira. Conte-me, como estão as coisas na empresa com minha ausência? — pergunto deitando a cabeça sobre o travesseiro.
Paulo passa uns bons vinte minutos discutindo comigo sobre algumas burocracias dos hotéis e sobre meu ambicioso projeto para esse Haras e fico animado que a equipe de arquitetos esteja dando tudo de si para colocar o projeto em prática, será necessário que esteja tudo alinhado quando finalmente tiver as terras para mim.
Tomo uma ducha rápida, depois de encerrar a ligação, visto roupas limpas e desço, meu estômago está dando os primeiros sinais de fome, e confesso que rezo para que aquela maluca não tenha feito nenhuma parte estranha da galinha novamente.
Quando chego na sala sinto cheiro de ovo e mesmo não sendo minha comida predileta é melhor que pé de galinha. Caminho até a cozinha encontrando Dandara se movimentando da pia para o fogão, rebolando sua bunda de um lado para o outro, enquanto prepara o omelete.
Caminho até a geladeira, pegando uma garrafa de água, eu poderia me sentar e ficar quietinho, mas vou devagar, parando atrás de, Dandara que se vira ao me sentir próximo de suas costas, o sorriso que tinha em sua boca assim que entrei na cozinha morre dando lugar para a carranca de sempre.
— O que está fazendo de bom aí? Está com cheiro gostoso.
— Nada que lhe interessa. — Acusa voltando para o fogão. Ela despeja o omelete pronto num prato, e seu olhar me faz recuar segurando o riso.— Está me espiando agora?
Vou até o banco de madeira, sentando-me de frente para ela. — Você realmente não sabe o que é ter modos com visitas.
Dandara larga o talher e o prato sobre a mesa. — Que eu saiba, você não é visita, se pode ficar arrotando por aí que é dono do Haras, alimentando a fofoca desse povo desocupado, pode fazer a própria comida. Vejo que suas mãos ainda estão no lugar.
Reviro os olhos.
— Seria gentil de sua parte fazer algo ou pelo menos oferecer.
— Oh, coitadinho do Miguelzinho, ele ainda acha que irei servi-lo? Que pena — diz levantando-se e levando o prato de omelete consigo. Ao chegar perto de mim ela para, encara meu rosto — Sabe, pensando bem, você não está acostumado com nossa vida, não entende nada do campo, não sabe como funciona as coisas por aqui.
Confirmo meio desconfiado de sua gentileza repentina. Afinal, de boas intenções o inferno está cheio. — Podemos resolver de forma amigável, como já havia dito.
— Sim, podemos. Então você vai pegar sua bunda mole e prepotente e sumir daqui, deixando meus animais e as famílias que dependem do Haras em paz?
— Não, olhe bem, Dandara...
Mal termino de falar ela vira o prato de omelete quente sobre minha cabeça, me deixando todo melecado de ovo. — Puta que pariu! Sua maluca! — Grito ficando de pé, passando a mão pelos ombros, jogando para longe a sujeira de ovo, presunto e pedaços de outros ingredientes. Sentindo os olhos lacrimejarem de dor pela comida quente que caiu em mim.
Ela sorri de maneira irônica. — Se vira, brucutu! Mas nem por cima do meu cadáver você irá tomar o Haras de mim. E se eu fosse você limparia essa bagunça, senão amanhã eu nem apareceria na frente de Maria.— diz antes de pisar no meu pé com sua bota e sair marchando para o andar de cima.
CAPÍTULO 9
Dandara
Esgotada. Hoje foi um dia realmente puxado, faço uma massagem pelo pescoço desligando as luzes do escritório. Passo pelo estábulo carregando comigo um pouco de feno e enquanto fecho as portinholas, vou dando para os cavalos, acariciando suas cabeças.
— Hora do descanço, amigo — digo fazendo carinho no Trovoada, rindo ao ver ele se curvar todo ao receber o carinho. — Amanhã é dia de banho. — ele relincha sacudindo a cabeça — É, estou preparada para não cair nas suas brincadeiras, seu moleque travesso!
Adoro esses momentos tão nossos, todos os dias tiro um momento para nós, algo que vai além de montar e irmos para os campos mais afastados. Um momento que nos conecte de alma e coração, a linguagem corporal mostra muito para eles, assim como nos expressa seus sentimentos. Acaricio sua crina novamente fechando a portinhola.
O som da viola chega alto em meus ouvidos, os funcionários têm mania de montar uma roda de viola durante as noites.
— Boa noite, pessoal. — cumprimento ao passar por eles.
— Boa noite, Dandara. Fica com a gente essa noite?
— Sinto muito Cicinho, estou tão cansada que tudo que quero é a cama.
Ele sorri e volta a cantar o modão antigo. Sigo para casa agradecendo pelas luzes estarem apagadas, sinal que o brucutu me deixará terminar a noite de maneira tranquila.
Mas no fundo me engano, respiro fundo ao escutar o piso de madeira estalar sob seu peso. Assim como não foi nenhuma surpresa que iríamos discutir, meu corpo estava aquecido, enfurecido por nossa discussão. Jogar o meu jantar em sua cabeça foi pouco para o que eu tinha vontade de fazer com esse homem petulante.
Na manhã seguinte entro no escritório com um rompante, pegando Mariana desprevinida.
— Arre égua , Dandara, quer me matar do coração?
— Estive pensando, podemos fazer um evento, algo até que grandioso, uma exposição dos cavalos ou até mesmo uma competição de hipismo, voleio... — eu estava divagando, sabia só de olhar para o rosto de Mariana tentando acompanhar minha linha de raciocínio.
— Você não dormiu nada pelo visto.
— Um pouco — digo dando de ombros.
— O evento seria interessante, mas tem as regionais daqui alguns meses, os montadores podem não querer desgastar os animais com isso.
— Ou podem adorar a ideia, treinos são o básico para eles, o que mais te deixaria pronto para uma grande competição do que outra? Seria um aquecimento, e sei que falando da forma correta eles irão aceitar.
Mariana para por um instante analisando o que acabei de dizer. — Pode ser uma coisa boa — considera por fim.
O sino em cima da porta toca, nos fazendo encerrar a conversa.
— Então é aqui que ficam os documentos do Haras?
Reviro meus olhos.
— Bom dia, Seu Miguel. — Mariana se derrete um pouco olhando de cima a baixo o corpo de Miguel.
Dou uma olhada para ela, do tipo “Sério isso?”, mas pelo visto ela está entretida demais na bunda dele, eu entendo, ele realmente tem uma bunda bem gostosinha...— O que quer aqui? — retruco.
— Preciso dar uma olhada na papelada, o advogado comentou sobre as dívidas do Haras, quero saber quanto é seu rombo.
— Meu rombo? Você não tem direito de vir aqui me falar uma asneira dessa. Eu cuido desse Haras como se fosse minha vida...
— Então já sei o motivo para ser essa baderna toda. — me interrompe.
Bufo.
— Qual é seu nome? — vira-se sorridente para Mariana.
— Mari...Mariana.
Controlo minha irritação para não mandar os dois à merda.
— Minha linda, você poderia separar os documentos para eu dar uma olhada? Apenas coisas mais triviais, e lógico, as dívidas.
— Claro!
Traidora!
Pego meu chicote sobre minha mesa e saio batendo o pé, minha vontade é colocar Miguel de joelhos e dar umas boas chicotadas no seu lombo, além do grande pé na bunda, quem sabe isso não seria suficiente para chutá-lo para longe.
Vejo um trailer cruzar as pistas parando perto de uma delas. Ando até lá vendo Matheus sair passando as mãos pelo cabelo, com toda sua pose de agroboy. 3
— Loirinha!
— Matheus, então é verdade, voltou para cidade.
— Sentiu saudades? — pergunta puxando-me pela cintura, colando nossos corpos.
Empurro seu peito com um sorriso frouxo. — Você ainda sonha com isso, que pena!
Ele me solta passando os dedos pela barba rala. — Rodrigo disse que se recusou ir até o rancho para cuidar de meu cavalo.
— Não me recusei, apenas comuniquei que estou com muito trabalho, não posso largar tudo para fazer seus caprichos.
— Então, se a melhor encantadora de cavalos não vai me ajudar, eu trouxe meu cavalo até ela.
— Ótimo, Rodrigo disse que ele não está se alimentando direito, que está arredio, o que houve entre vocês?
— No último Turfe sofremos um acidente, nada de grave, foi apenas a queda mesmo, e com a proximidade do outro campeonato, preciso que alguém dê um jeito nele. Ferroni já mordeu dois veterinários e quase deu coice em Rodrigo.
— Vamos ao trabalho. Quero ver o que ele tem para contar, não você — digo.
Seguimos até o trailer, ajudo ele abrir as portas, Ferroni se encolhe no canto oposto evitando ser tocado por Matheus.
— Deixa, eu pego ele, fique aqui.
Entro no trailer, pé ante pé, conversando com o cavalo, acalmando-o com carinho, suas orelhas se levantam e eu sei que está compreendendo o que digo. É notável que ele está magoado. Poderia ser pela queda como Matheus revelou.
— Você quebrou o elo entre vocês, Matheus. — Viro para encará-lo. — O que não está me contando?
— Ele foi teimoso, o que nos levou a queda, que papo é esse que eu quebrei o elo?
— Ser turrão não irá fazê-lo te olhar com bons olhos, ele está magoado!
Matheus cruza os braços em frente do peito. — Nunca entenderei como compreende tanto esses cavalos.
— São anos dedicados a eles, conheço-os bem.
— Retorno daqui dois dias, tenho um compromisso amanhã, espero seu retorno para buscá-lo.
— Vamos ter que fazer uma interação entre vocês. Isso se quiser competir com ele, você precisa se curvar também. Ferroni precisa ver que você está disposto a isso, não é só ele que precisa mudar.
— Claro, claro. Só me ligar.
— E Matheus, — Aguardo que ele se vire. — Não use mais chicotes nele.
— Como você... — A pergunta morre em seus lábios quando aponto para a anca do cavalo marcada pela surra do chicote.
Ele confirma, saindo sem jeito, fecha as portas do trailer e entra na sua caminhonete, sumindo dali.
Viro-me para Ferroni, estendo a mão e deixo que ele venha até mim, só então distribuo carinhos pelo seu corpo e cabeça. — Vou cuidar de você.
Levo-o comigo para a ronda nos estábulos, reponho água em algumas baias e deixo Ferroni em uma das vazias, colocando uma generosa porção de ração, feno e água fresca. Seria melhor ele descansar, amanhã começaria minha avaliação e a tarde poderia andar um pouco com ele e Trovoada, sendo um cavalo de Turfe, ele gostaria de correr livre pelo campo, e tenho certeza que adoraria cortar o riacho que fica na propriedade do Haras.
Volto para casa pouco depois das duas da tarde, meu estômago reclama de fome. Empurro a porta de madeira encarando o carro de luxo parado perto da entrada.
— Dandara, que bom que chegou, estávamos te procurando. — Maria diz de maneira afobada assim que entro.
— O que houve?
— Esses homens dizem que estão aqui para ver o Haras.
Meu sangue ferve. Como assim? O que aquele brucutu estava aprontando agora?
Tiro o chapéu da cabeça, deixando no mancebo na entrada indo até a sala, onde dois homens engravatados e metidos a besta estavam sentados, olhando tudo com olhar crítico.
— Senhores, o que posso fazer por vocês?
Eles se erguem estendendo a mão em minha direção, pego a do mais baixo primeiro e depois cumprimento o outro em silêncio.
— Somos da Avality Security, somos peritos, avaliadores judiciais — explica como se fosse lesada.
— Sim, claro.
Não precisava perguntar quem tinha os chamado, eu sabia, isso era coisa do brucutu, o que fez meu sangue borbulhar em meu corpo. Coloco um sorriso triste no rosto, fazendo os dois se entreolharem.
— Sinto muito, senhores. Acreditei que Miguel tivesse desmarcado com os senhores.
— Desmarcado? — pergunta o baixinho. — Essa reunião foi marcada pelo assistente do Sr. Ramirez, marcada com teor de urgência.
— Sim, primeiramente tínhamos muito interesse em vender a propriedade, mas Miguel sempre foi tão apegado às lembranças e todas as memórias de seu tio por aqui. É realmente uma lástima tudo que houve, o senhores entendem, estamos pensando em nos mudar definitivamente para o Haras.
— Como dissemos, senhorita, ninguém nos informou que a visita estava cancelada. — O baixinho retruca novamente.
— Sim, eu compreendo. E queríamos mesmo, mas como vimos, o assistente não está lá fazendo seu trabalho direito. Desculpem pela viagem em vão.
— A senhorita seria o que do Sr. Ramirez? — o outro pergunta mais desconfiado.
— Noiva. Miranda, muito prazer — digo com um sorriso.
— Bom, vemos que foi uma viagem à toa realmente, por favor, informe seu Miguel que o que combinamos terá que ser arcado pela empresa dele.
— Claro, eu mesma faço questão de mandar o assistente fazer os embargos todos hoje.
Eles sorriem mais satisfeitos, sabendo que ganhariam da mesma maneira. Acompanho os dois até a entrada, abrindo a porta para eles, vendo-os entrarem no carro e saírem do meu Haras.
— Menina!
Viro rindo, encarando o olhar recriminatório de Maria.
— Isso trará problemas!
— Que dê, estou louca para chutar a bunda daquele brucutu para bem longe!
E não demorou muito para que ele descobrisse o que tinha feito, estava terminando o meu descanso na sala quando ele entrou batendo o pé como um boi velho, gritando aos quatros ventos que eu iria pagar bem caro pelo que havia feito.
Continuo descascando minha tangerina, chupando o sugo doce que tranbordava da fruta, deixando que ele urrasse tudo que tinha vontade, antes de me levantar para revidar.
— Já acabou, brucutu?
Ele cruza os braços me encarando furioso.
— Primeiro: você não deve ter escutado direito quando o advogado disse que providências como essas só poderiam ser tomadas depois de cinco meses vivendo no Haras e não depois da primeira semana, que dirá dias; segundo: O haras não está à venda, contente-se com isso. Você não vai cantar de galo por aqui, porque não passa de um franguinho enviadado. Então desista!
— Olha lá como fala comigo, sua caipira! — diz vindo para cima de mim.
Ergo a sobrancelha vendo seu rosto a centímetros do meu.— Sinto muito, se não está contente, pegue suas tralhas e se manda daqui!
— Você está mexendo com fogo!
— Esse fogo todo não passa de uma brasinha, se enxergue. Brucutu! — digo caminhando até a porta, coloco meu chapéu na cabeça vendo-o praticamente espumar pela boca.
CAPÍTULO 10
Miguel
Passo na frente da porta do quarto de Dandara, tentando escutar algo, mas parece que a Diaba estava dormindo, jogo minha jaqueta nos ombros descendo a escada.
— Estou pronto, podemos ir para esse tal de bar.
Ainda estava puto pela atitude de Dandara com os avalistas, isso me causou uma dívida e dor de cabeça desnecessárias. Esse foi o principal motivo que me fez aceitar o convite para conhecer o bar que Mathias tanto comentou hoje mais cedo. Eu só queria beber e quem sabe, ter algo perto de diversão.
Mathias me olha de cima a baixo.
— Que foi?
— Desculpa, Seu Miguel, mas o senhor não vai sair assim comigo.
Olho para mim mesmo, encarando minhas roupas, o que tinha de errado com minha calça jeans, meus sapatos italianos e minha blusa social? — O que há de errado? — pergunto externando meu pensamento, mas no fundo me arrependo disso, pois Mathias estava vestido com uma calça jeans rasgada nos joelhos, as botas como sempre nos pés, a camisa xadrez aberta deixando o peito à mostra e é claro, o chapéu na cabeça.
— Pensando melhor, deixa quieto, Seu Miguel.
Entro no banco de trás da caminhonete.
— Santiago, esse é o Miguel. — Mathias nos apresenta. — Santiago é o veterinário aqui do Haras.
Santiago me cumprimenta com um gesto de cabeça, trocando um olhar com Mathias, como se confidenciassem algo entre si. Gostaria de saber qual o problema desses caipiras, não podiam ver nada diferente que pareciam crianças segurando o riso travesso.
Ao contrário do que imaginei o tal bar que Mathias disse não ficava no centro de Ajapi, que já não era lá aquelas coisas. Passamos do pequeno centro com alguns comércios abertos, a maioria botecos com velhos sentados na calçada bebendo. Seguindo para a estrada, Santiago aumenta os faróis acelerando na pista vazia, o percurso dura uns dez minutos no máximo.
A entrada do Cowboy’s bar, era como um dos celeiros do Haras, o estilo de pequeno faroeste era o que destacava aquele bar do resto nomeio do nada. Enquanto Santiago procura uma vaga no estacionamento observo as pessoasvestidas como Mathias e Santiago formando uma fila na porta do bar, aguardando sua vez de entrarem.
Mathias e Santiago saltam do carro, cumprimentando quase todo mundo pelo caminho — vantagens e desvantagens de cidade pequena. A música sertaneja estava alta, saindo pelo abre e fecha da porta de entrada, assim como a voz das pessoas cantando como um coral.
O Cowboy’s Bar era como uma casa de show, o piso de madeira e decoração rústica, o mesanino dos dois lados, os bares movimentados abaixo deles em e, bem no meio, uma enorme pista de dança, já repleta de pessoas.
Literalmente eu não me encaixava nesse lugar. Mathias para em minha frente erguendo uma garrafa de cerveja, que eu nem mesmo tinha pedido. — Ficar de garganta seca, num pode. — acrescenta piscando.
Agradeço a Mathias ainda analisando tudo que estava diante de mim.
— Muito diferente da cidade grande? — Santiago pergunta.
— Muito — digo tomando um gole da cerveja, sentindo o amargo descer pela minha garganta.
— Logo começa a parte boa. — Mathias diz — Daqui a pouco toca o modão raiz, aquele que a viola toca e desce uma lágrima pelo rosto.
— É nesse momento que ocê tem que fugir do Mathias — Santiago fala rindo, antes de virar um copinho de cachaça.
— Se prepare para sair com o coração sangrando, mas é bão demais, quem não gosta de modão é porque tem medo — Mathias disse com um sorriso. — Ela bate aqui ô — acrescenta indicando o coração.
Casais se espalhavam pela pista de dança, grupos de jovens conversavam de forma animada, aquele bar era realmente o point da cidade, devia ser a única atração de mera qualidade que eles deveriam ter. Sinto uma mão em meu ombro, viro dando de cara com uma loira ao meu lado, ela dá um beijo em Mathias e outro em Santiago. Ainda me olhando.
— Mathias, Santiago, estão com amigo novo? — pergunta com malícia, dando o seu melhor sorriso para mim.
A garota era gostosa. — Oi, o amigo novo chama Miguel e você? — questiono retribuindo o sorriso.
— Óbvio que não é da cidade, um homem tão gato como você...meu nome é Cindy.
— Toca sirene que o perigo chegou — Mathias grita, gargalhando. O que faz a tal de Cindy dar uma olhada feia em sua direção.
Ignoro o comentario dele e suas risadas, iniciando uma conversa com Cindy, e em pouco tempo descubro que ela era filha de um fazendeiro da cidade, estava se formando em agronomia. Até mesmo mordi a língua, achei que ela seria o tipo de garota fútil da cidade pequena, principalmente pelo modo como me abordou. Porém, não era apenas um corpo e rostinho bonito.
— Finalmente! — Ela diz empolgada batendo palmas quando a banda ocupou o lugar no palco, logo me puxando para a pista de dança, mesmo eu falando que não sabia dançar. — Deixe de besteira, forasteiro!
E foi sendo arrastado para a pista de danç, passando no meio de casais combinando passos, que vejo Dandara entrar sorridente na pista de dança. Ela vestia uma calça jeans agarrada no corpo, literalmente colada sob suas curvas, uma camisa branca deixando alguns centimetros de sua barriga amostra, assim como um leve decote sobre seus seios perfeitamente redondos e chamativos.
Cindy agarra minha mão, se embrenhando ainda mais no meio da multidão que dançava empolgada, me fazendo parecer um idiota ali no meio.
As meninas querem se diverti
Se o homem não dança, ele acabou
Diga-lhe seguir em frente, tirar o homem
Agora posso pegar uma coca com meu rum?
Cindy rodopiava ao meu lado rindo como uma criança, esfregando-se no meu corpo, enquanto meus olhos estavam em Dandara dançando com um peão qualquer, repetindo os mesmos passos da garota que estava comigo.
Nossos olhares se cruzaram em uma de suas voltas, fazendo-a perder o compasso da dança, como modo de provocá-la agarro na cintura de Cindy até entrando no ritmo de seu quadril, minha perna no meio das suas fazem com que ela roçasse pelo meu corpo, fazendo meu pau ficar rígido nas calças.
— Podemos fazer algo melhor que dançar se quiser, forasteiro. — Cindy diz descaradamente, encarando a protuberância em minhas calças.
— Será ótimo, quem sabe mais tarde?
Hey, senhor não vai me vender uma identidade falsa
Há uma banda no bar que eu estou morrendo de vontade de ver eu tenho o meu dinheiro e você tem o que eu preciso
Hey senhor não vai me vender uma identidade falsa
(Fake ID – Big & Rich)
Não sei em que momento tudo girou e as mulheres trocaram de parceiro, Dandara parou com as mãos sobre meu peito, logo dando um pequeno passo para trás, mas intercepto seu gesto segurando firme em sua cintura antes que tente se ver livre de mim. Reparo também nos olhares aborrecidos de Cindy enquanto dança com o outro cara, mas me concentro na Diaba em meus braços.
— O brucutu quer fingir que dança? — pergunta rindo.
Levo à boca a garrafa de cerveja, terminando de uma vez o contéudo.
— Acho melhor segurar a onda, você não sabe como as coisas funcionam por aqui! — Retruca, olhando no fundo dos meus olhos.
Puxo seu corpo mais forte contra o meu, sentindo as mãos de Dandara se agarrarem ao tecido de minha camisa, seu corpo encaixado tão bem no meu como as peças de um quebra cabeça, seu seio pressionado contra meu peitoral, minha coxa no meio de suas pernas, tocando sua intimidade por cima do jeans. Me curvo um pouco encostando a boca em seu ouvido, deixando a impressão de meus lábios gelados pela cerveja que tinha tomado em sua pele antes de falar: — Então me diga, como as coisas funcionam por aqui?
Sinto o corpo dela tremer contra o meu, me fazendo sorrir.
Deixo minha boca deslizar por seu pescoço mais uma vez, minha mão envolvendo sua cintura, segurando o corpo firme no meu, o bastante para que ela sentisse meu membro meio ereto devido as esfregadas que Cindy tinha dado em seu quadril. Seu cheiro de caipira estava ficando impregnado em minha pele, e eu só poderia estar maluco, mas até que seguir por esse caminho poderia me facilitar em dobrá-la. Seduzi-la para conseguir o que eu queria? Não parecia uma má ideia.
Ela se afasta um pouco e pude uma sombra de desejo em seus olhos, mas também a teimosia que estava me acostumando a encarar durante os dias. — Nunca provoque uma domadora se não tiver preparado, por que só preciso de poucos segundos para te enlouquecer, assim como faço com meus cavalos chucros!
E com isso me deu uma joelhada nas bolas, porra de mulher maluca, curvo meu corpo, segurando minhas partes íntimas, meu urro de dor sendo contido pela música alta e as pessoas animadas conversando e cantando. — Você enlouqueceu? — pergunto.
Ela dá de ombros.
— Meu Deus, Miguel você está bem? — Cindy se abaixa em minha altura, olhando em meu rosto, que deveria estar vermelho de tanta dor que estava sentindo. — Ocê ficou maluca?
— Dá um tempo, Cindy!
Pelo visto Dandara e Cindy se conheciam muito bem. Dandara deu uma olhada feia para nós e sai, sumindo no meio da multidão de dançarinos.
— Venha, eu levo você embora, que menina maluca, não é à toa que falam que ela morrerá sozinha, está tão selvagem quanto os animais que cuida!
Se eu tinha qualquer pretensão de transar essa noite, Dandara tinha acabado com todas as opções.
CAPÍTULO 11
Miguel
Foi o barulho dos trovões e do vento passando forte pela casa, fazendo as janelas do quarto trepidarem que me acordaram, o relincho dos cavalos estava alto o bastante para que eu os ouvisse até com toque de desespero do meu quarto. Saio da cama parando em frente a janela, virando quando os relâmpagos e trovões cruzavam o céu, não era possível ver nada.
Escuto passos afobados do lado de fora do quarto, descendo a escada. Talvez a Diaba tenha medo de alguns trovões.
Poucos minutos depois ouço a voz de um homem exaltado, e a figura de Dandara correndo no meio da chuva, ou melhor, um pequeno flashe do que seria ela, apareceu quando o trovão cortou o céu. Pego meu casaco saindo apressado do quarto, o que teria feito esse alvoroço todo?
Assim que desço encontro Santiago, Maria e Bento com expressões preocupadas no rosto.
— O que está acontecendo, por que todo o estardalhaço?
— Seu Miguel, desculpe acordar o senhor, a menina Dandara saiu em disparada em direção aos estábulos, nessa chuva, com tantos relâmpagos!
Fico com uma expressão do tipo “e dai?”
— Eu vou atrás dela, Maria, fique calma — Santiago diz antes de sumir pela escuridão e chuva forte.
— A menina tem grande apreço pelos cavalos Seu Miguel, e temos uma égua muito doente, ela conseguiu se soltar da baia e fugir em direção ao campo. — Maria explica preocupada.
— Uma chuva nesse nível faz o riacho encher, é perigoso sair para aqueles lados. — Bento complementa.
— Que Nossa Senhora proteja minha menina — Maria clama saindo em direção à cozinha.
Começo a virar as costas para voltar para meu quarto, afinal, não tinha nada que eu pudesse fazer. Santiago já tinha corrido atrás dela e o que eu tinha a ver, se a doida decidiu sair correndo justo no meio dos trovões? Mas algo me deteve e quando dei por mim estava eu correndo no meio da chuva em direção às vozes alteradas que vinham do estábulo.
— Sai da frente Santiago ou não respondo por mim!
— Dandara, pense por um minuto, é perigoso sair debaixo desses trovões.
— Não deixarei aquela égua perdida. — Dandara gritou junto com o trovão retumbando em nossas cabeças.
Eles pararam a discussão me vendo parado na porta.
— Tudo que eu queria! — A diaba exclama.
Dandara puxa uma fivela da sela do cavalo, terminando os últimos ajustes. Pega um chicote colocando enfiado no cano alto de sua bota, enquanto sussurra algo perto do ouvido do cavalo.
— Dandara, me escute, ela pode estar em qualquer lugar — Santiago tenta argumentar, mas ela o ignora. — O riacho já deve ter transbordado, é perigoso e arriscado ir com Trovoada até lá. Pensou na hipotese dele atolar?
— Escute-o, você está se colocando em risco, quando seu veterinário disse que é tempo perdido. — reclamo.
— Quem disse que você manda em alguma coisa aqui? Quem disse que entende sequer do esterco que pisa?
— Eu tenho tanto direito quanto você, pode entender dos cavalos ou como as engrenagens funcionam por aqui, mas eu tenho direito a tudo que está dentro desse Haras, inclusive esse seu cavalo.
Os olhos dela me fulminam, se pudesse, tacaria fogo em minha direção.
— Tá com medo de quê? Você não sabe o que é reciprocidade e não tenho tempo para discutir com um brucutu que mal respeita o chão que pisa. — cospi em minha direção.
— Eu não tenho medo de você, só não confio em você.Você está transformando tudo num caos desde que cheguei, eu não gosto de você — digo um tom mais alto.
Santiago que acompanhava tudo de boca fechada perto das baias. tinha sido completamente esquecido, assim como a égua perdida.
Dandara arranca o chicote das botas batendo na palma da mão, — Eu te incomodo, né? Te tiro do sério, perturbo você. — Ela passa o chicote pelo meu rosto. — Não está acostumado a ouvir um não, muito menos vindo de uma mulher, mas te conto um segredinho, Sr. Ramirez, terá que me engolir! Agora saia da minha frente! — vocifera.
— Você está merecendo uma surra de chicote isso sim. — retruco agarrando o braço que ela segura o chicote.
— Se uma surra me deixasse livre de você, eu aceitaria de bom grado. Eu tinha certeza que você me traria problemas assim que cruzou meu caminho. Como anos atrás eu te odiaria assim que vi você cruzando os limites do meu Haras, mas eu vou abaixar sua crista logo, logo.
— Eu estou pagando para ver. — Debocho, ainda agarrando seu braço com firmeza e olhando no fundo dos seus olhos.
Ela se desvincilha do meu aperto, se vira subindo com rapidez no cavalo, dando uma chicotada perto do rabo, fazendo-o arquecar nas patas traseiras e sair num galope feroz do estábulo.
Observo ela sair com a mandíbula tão travada que poderia quebrar meus dentes. — Mulherzinha dos infernos!
CAPÍTULO 12
Dandara
Era impossível saber qual caminho Archeron percorreu, a estrada de terra era um lamaçal puro, com a chuva forte todas as grandes e pequenas pistas estavam destruídas, estava difícil enxergar um palmo à frente, forço Trovoada a galopar mais forte, indo para mais longe.
— Archeron! — grito para a noite.
O vento chicoteava a chuva contra meu corpo, embaladas pelos altos trovões à minha volta. Era apenas eu e Trovoada, tentando contra a força da natureza. Meus gritos por Archeron se perdiam no meio das árvores e dos relâmpagos iluminando o céu sobre minha cabeça. Meu corpo tremia de frio, os nós dos meus dedos estavam esbranquiçados, apertando a rédea com força.
Antes de chegar no riacho, puxo as rédeas do Trovoada fazendo-o parar derrapando na poça travessa de lama pelo chão, rezando para Deus que eu pudesse encontrá-la ainda com vida. A briga com Miguel nublava meus pensamentos, fazendo a raiva percorrer meu corpo.
Trovoada relincha tirando as patas da frente alguns centímetros do chão. Dando alguns passos para trás, não querendo obedecer minhas ordens.
— Vamos meu amigo, temos que encontrá-la.
Trovoada se ergue novamente, relinchando, sacodindo a cabeça para a escuridão incerta em nossa frente. — Por favor, não me faço usar a força, amigo — sussurro engolindo o choro.
Aperto os olhos quando um trovão clareia o céu, algo não muito longe acaba chamando minha atenção, Trovoada fica ansioso e sei que isso significa que encontramos, pulo de seu lombo, correndo até lá encontrando Archeron atolada numa poça de lama, suas pernas presas até a metade impossibilitando que ela saia sozinha dali. Seu relincho baixo é um pedido desesperado por ajuda, assim como seus olhos arregalados ao encarar.
— Preciso da sua ajuda — digo para Trovoada, ele relincha abaixando um pouco a cabeça.
Retiro a corda da bolsa amarrada em sua sela, enlaçando o corpo de Archeron e na outra ponta amarrando na sela de Trovoada.
Dou uma leve chicotada na anca dele, fazendo-o começar a se afastar, mesmo ele sendo um cavalo forte e maior que os outros encontra dificuldade em tirar a égua dali, pulo para dentro do lamaçal empurrando a anca dela para fora, ignorando seus relinchos assustados.
— Vamos Archeron! Você precisa me ajudar! — grito para ela no meio da escuridão, empurrando seu corpo.
A luz do farol sobre mim me faz erguer a vista.
— Por Deus, Dandara! — Mathias grita sob a chuva vindo em minha direção acompanhado de Santiago.
— Ela está com dor, Santiago.
— Me deixei examiná-la.
Ele pula no lamaçal junto comigo, tirando o estetoscópio do pescoço. — Mathias, pega minha maleta, tem uma seringa pronta. — ordena
Mathias corre até o carro, trazendo a seringa que Santiago havia pedido.
— Ela está num estado muito grave, Dandara. — Santiago começa a dizer.
— O que você vai fazer? — pergunto.
— Vou tentar diminuir a dor, mas ela está com uma torção da alça intestinal, não tem como salvar. Já sabiamos que seria complicado, antes mesmo dela fugir e se enfiar aqui.
— Essa não é a última palavra. — grito acima dos trovões.
— Tenho que sacrificar! Não podemos deixar ela sofrer mais.
— Tem que haver outro modo de salvá-la, Santiago! — falo desesperada.
— Não tem, Dandara, se tivéssemos opções eu faria, pode ter certeza. — Santiago olha para mim. — Dandara, você fez tudo para salvá-la, infelizmente tem coisas que vão contra nossa vontade. — Ele se vira chamando por Mathias. — Solte o Trovoada da Archeron.
Trovoada fica irritadiço, não deixa Mathias chegar perto.
— Trovoada, calma! — digo
Ele para de se afastar ou de tentar morder as mãos de Mathias encarando meu rosto, sei que ele sente minha tristeza, minha aflição e isso mexe intensamente com ele.
— Dandara, preciso fazer isso. — Santiago diz.
— Tire logo esse sofrimento dela — exclamo, deixando as lágrimas rolarem ainda mais por meu rosto, se misturando com a chuva.
Santiago prepara outra seringa, injetando nela, evito olhar, aquilo corta meu coração. Me ajoelho perto de sua cabeça, puxando-a para cima do meu corpo, ela solta um relincho baixo me fazendo chorar ainda mais. Archeron não se cortorce mais com dor, vai nos deixando aos poucos, seu olhar aterrorizado me encarava enquanto a chuva caía em nós. Nossos olhares ficando presos pelos últimos segundos, me fazendo assistir o reflexo do alivio pela dor ter ido embora finalmente e da morte.
Mathias me agarra pela cintura, contendo meu choro forte, seus braços se fazendo fortes ao meu redor como uma muralha, me tirando do lamaçal com ajuda de Santiago. Ele me leva de encontro a Trovoada, fico agarro seus braços enfiando as unhas neles, querendo que essa dor que me corroi saia logo de dentro de mim. Trovoada bate com o focinho em meu rosto, me fazendo olhar para cima.
— Leve-me daqui.
Trovoada praticamente se deita, subo em suas costas abraçando seu corpo enquanto ele se levanta nos levando dali, nem me importando por não estar sentada totalmente certa sobre a sela, sei que ele nunca me deixaria cair.
CAPÍTULO 13
Miguel
Passo as mãos pelos cabelos pela décima vez. Tinha plena consciência que não deveria e nem teria porque me meter em assuntos que não eram meus. Se ela quis correr igual uma desajuizada para o meio do mato tentando salvar uma égua, quando o mundo estava caindo lá fora, isso é problema dela! Mas então, por que eu não conseguia voltar a dormir ou parar de caminhar pelo quarto como um bicho enjaulado? Por que o pequeno vislumbre de tristeza e medo nos olhos de Dandara me perturbavam?
Fiquei um bom tempo me revirando na cama, a chuva tinha diminuido um pouco, mas continuava a cair. Uma inquietação fora do normal tomava meu corpo. Tento não pensar ao lançar as cobertas para o outro lado, vestir a bota que Mathias havia me emprestado e sair em direção à luz fraca do celeiro. Mesmo antes de entrar eu podia ouvir as fungadas de alguém chorando, me esgueiro pelas pilhas de feno tentando ver quem é.
Dandara leva seu cavalo para a baia, tirando o equipamento das costas dele. Pega uma toalha pendurada perto da baia e para, olhando para mim por cima do ombro. — O que você quer aqui?
A roupa estava grudada em sua pele, a camisa branca transparente pela chuva, deixando seu sutiã à mostra, os cabelos loiros colados no rosto pingando água.
— Achou sua égua?
Ela me analisa de cima a baixo. — Isso não é da sua conta.
— Será que você não consegue agir com civilidade? — questiono chegando perto o bastante.
— Você não tem nada melhor para fazer? O que você quer de mim?
— Distância! — digo com raiva, ô mulherzinha teimosa! Vim aqui por que estava preocupado com ela, — o que hipótese nenhum revelarei —, e nem por um mísero segundo ela consegue parar de dar coice.
— Mentira! Nem mesmo um brucutu chucro como você ficaria tanto no meu pé se não quisesse algo, já falei, não irei vender o Haras, esqueça! Agradeceria se me deixasse em paz.
— Está querendo dizer o quê? Que sinto algo por você?
Ela gargalha jogando o cabelo molhada para trás, fazendo algumas gotas de água voarem em minha direção. — Você tem medo, tem algo além da disputa, algo além da raiva de ter que dividir o Haras comigo — ela dá um passo em minha direção.
— Você acha que todos os homens estão prontos para cair aos seus pés! — retruco.
— Noto como me olha, como me olhou ontem no bar, você me segue com os olhos, mesmo longe eu sinto você como um abutre em minhas costas. — Os olhos de Dandara se estreitam, enquanto um sorriso minimo brilha em sua boca.
— Você me irrita, é teimosa, complica a minha vida. Tem sorte de ter ainda alguns trouxas que lhe aturam, sendo ogra do jeito que é.
— E você acha normal alguém te irritar tanto se mal conhece? — desafia.
Dandara dá outro passo em minha direção, um sorrisinho de escárino nos lábios.
— Ódio a primeira vista — digo.
— Ou seria atração? Desejo... Diz Miguel... o que você quer comigo?
Dandara sorria para mim, convencida, gostando de me atingir. E ela estava atingindo algo dentro de mim, me fez inclinar em sua direção, selando sua boca com a minha. O fato é que ao afastar minha boca da sua vi seis olhos se dilatarem e ela permanecer parada com os lábios entre abertos. O que fiz a seguir, era por puro desejo.
Puxei seu corpo para o meu, minha boca esmagando a sua, forçando-a a abrir,dando espaço para minha língua, sentindo o gosto da chuva em sua pele. E, de repente, eu estava faminto. Ela retribui receosa, sua boca acompanhando a minha, os seios esmagados contra meu peito, fazendo minha pele se arrepiar pelo frio de suas roupas. Minha mão desce até sua bunda, naquele momento eu não queria mais saber se cai em sua lábia e provado que tinha atração por ela. Eu só queria empurrá-la até a parde mais próxima, esfregando meu corpo no seu.
E eu poderia ter feito, se ela não tivesse interrompido nosso beijo, empurrando meu peito para longe, encarando meus olhos com ódio. —Talvez, não sou eu que me sinto atraido por você — É inevitável o sorrisinho que me escapa, assim como o tapão que ela dá em meu rosto. — Ah, sua encren...
Dandara puxou meu corpo pela roupa, fazendo nossas bocas se chocarem novamente, tomando a minha com urgência, como se não quisesse que o beijo tivesse fim. Levo minha mão em seu cabelo, enfiando meus dedos entre eles, com a outra mão em sua bunda puxo seu corpo para o meu, fazendo com que nós dois caíssemos contra as pilhas de feno, Dandara montada sobre mim, um gemido sai de meus lábios ainda colados nos dela, eu sentia sua pele quente, arrepiada, minha ereção aparente esfregando-se nela.
Aperto seu quadril, deslizando as mãos por suas costas. Mas em nenhum momento interrompo nosso beijo, muito menos desacelero o ritmo. A intensidade e o fogo do beijo só aumentava, enrolo minha mão em seu cabelo escorregando minha boca por seu pescoço, sugando sua pele, deixando avermelhada por onde minha boca passea.
Rolo com ela, deixando os fragmentos de feno colarem em nossos corpos, deitando sobre ela, minhas mãos na barra de sua camiseta e um rastro de desejo se espalha em minha pele. Ergo sua camiseta chegando as taças do sutiã, abaixo, chupando um de seus mamilos com força, me sentindo a ponto de explodir ao ouvir o gemido saindo de seus lábios e suas costas arqueando. Aumento a sucção, mordendo a ponta de seu mamilo, lambendo e voltando a sugar com avidez. Doido para fazer isso em outro lugar.
— Mathias dê uma olhada no estábulo, eu vou me livrar disso. — a voz de Santiago soa baixo em meu ouvido, mas é como o despertar para Dandara. Ela me joga para o lado, ajeitando o sutiã e a camiseta, um olhar de reprovação brilha em seu semblante tomando o lugar dos olhos injetados de desejo.
— Ah, esquentadinha nem comece com o discurso. — Esse foi meu erro, assim que falei foi como se ela tivesse pronta para me matar.
Ela limpa a boca, que segundos antes estava beijando. — Nunca mais faça isso, senão eu piso em seus pertences com o solado de minha bota! — diz batendo o pé no meio de minhas coxas, perto do meu pênis.
Ela cruza com Mathias na entrada do estábulo como um trovão, passando por ele sem nem escutar o que o homem tem para dizer. Mathias olha em minha direção não entendendo nada ou se fingindo de besta. Pois meu pau duro estava marcando em meu jeans, assim como meu cabelo estava desgrenhado pelos puxões que a diaba deu.
Merda! Levanto sacudindo a camisa, retirando os fiapos de feno colados em mim.
— Seu Miguel — cumprimenta tentando ocultar o sorrisinho.
— Mathias, boa noite — respondo, passando ligeiro ao seu lado.
A chuva tinha dado uma trégua, o cheiro de terra molhada e grama fresca me atingiu assim que eu saí do estábulo, o céu começava a clarear ao longe, mas não conseguia me sentir cansado, apenas eletrizado pela adrenalina que ainda passava pelo meu corpo e com uma imensa frustração pela dopamina correndo em minhas veias e meu pênis querendo alivio.
A casa já estava em movimento, Maria ocupava a cozinha fazendo o café, Bento entrou junto comigo trazendo pão fresco e leite.
— Caiu da cama, Seu Miguel? — Bento pergunta.
— Caí quando Dandara fez aquele furdúncio todo. — respondo sentando no banco de madeira da cozinha.
— Foi uma noite difícil.
— Ô se foi — resmungo.
CAPÍTULO 14
Dandara
Passo o restante do dia trancada no quarto, mal acreditando no que poderia ter acontecido se Mathias não tivesse interrompido. Na manhã seguinte, quando saio de meu quarto, pouco falo, tomo café num silêncio sepulcral, não só pelo desânimo que corroía meus ossos por perder Archeron, mas pelo ódio que me queimava por ter aceitado o beijo aquele brucutu chucro!
E como sempre depois de uma tempestade, o sol brilhava forte no céu, enfio o chapéu na cabeça sorrindo ao ver Trovoada correndo com os outros cavalos do cercado.
— Bom dia, Dandara, como você está?
Abraço Bento rapidamente — Estou bem, muito trabalho para hoje.
— Mathias já cuidou do alazão 4 de Matheus, foi massageado e está esperando você. Deu uma de durão, mas logo deixou de lado toda a marra.
— Que bom, tenho que cuidar das crianças hoje, mas depois do almoço sou toda dele.
— Bom dia, Dandara. — Mathias me cumprimenta trazendo Trovoada consigo.
— Bom dia.
— Tirei o garotão para dar uma caminhada, ele estava irritado pela manhã.
— Obrigada, Mathias.
Passo a mão pelo corpo do Trovoada, acariciando sua pelagem e crina. Mathias me passa a cesta com cenouras o que me faz rir de sua pequena luta para que Trovoada não tente roubá-las.
Sigo com Trovoada até o redondel onde as crianças esperam animadas. Os pequenos sorrisos são a primeira coisa que vejo assim que cruzo o caminho até eles.
— Bom dia, Dandara — a fisioterapeuta me cumprimenta.
— Bom dia.
Kauã é o primeiro a vir correndo, um lindo garotinho de oito anos que sofre com autismo. Lembro do primeiro dia que ele chegou aqui no Haras, ele tinha fobia com todos os tipos de animais, somente por vê-los fazia Kauã chorar e gritar tanto que você ficava desesperado.
Hoje, após três anos de tratamento, ele não apenas tem um amor imenso por qualquer animal que cruze seu caminho, como sempre quer ser o primeiro a montar no Trovoada.
— Bom dia, Kauã. Como você está? — pergunto abaixando em sua altura.
— Muito bem, muito bem.
Sorrio lhe entregando uma cenoura, Kauã corre em direção ao cavalo mostrando o mimo que ele tem; Trovoada como já conhece o treinamento, se deita deixando que Kauã lhe dê carinho, abrace, para só depois receber o tão esperado mimo.
Auxiliamos Kauã em cima do cavalo, eu de um lado e a fisioterapeuta do outro, indo em direção a turma daquela manhã.
Ali os animais são os verdadeiros terapeutas, nós somos apenas os figurantes, somos a ponte entre as crianças, os animais e a natureza. As crianças quando chegavam para fazer suas primeiras aulas era ensinado o afeto, a estimulação de afeto entre ela e o animal Tendo como consequência que ela levasse essa interação para as pessoas do seu circulo de segurança.
Muitas vezes as crianças passavam as cinco primeiras aulas apenas auxiliando no cuidado do animal, escovando seu corpo ou sua crina, dando agrados ou se sentando ao lado deles como algumas crianças estavam fazendo nesse momento.
Tinha criança dentro do projeto que recebeu ajuda com desenvolvimento da mente ou corpo, sensibilidade tátil, visual ou auditiva, aumentando até mesmo a autconfiança. Coisas que antes a criança tinha grande dificuldade de conseguir sem esse tipo de projeto.
O projeto anjo azul, realizado aqui no Haras, contava com crianças até mesmo com problemas motores, que mal conseguiam se manter em pé sem ajuda da fisioterapeuta ou dos pais e, hoje já estavam dando os primeiros passinhos sozinhos.
E se uma pessoa não conseguia ver a beleza no que os cavalos faziam, não merecia nem mesmo chegar perto deles.
Proporcionar algo prazeroso ou uma qualidade de vida melhor para essas crianças, é tudo que eu sempre quis com esse projeto.
— Bom dia criançada, Trovoada acordou com muita fome, quem quer dar um mimo para ele? — pergunto sendo logo recebida com sorrisos, mãos erguidas e gritinhos de “me escolhe tia”.
Miguel
Depois de um banho demorado, visto minha calça jeans, uma camiseta branca e novamente aquelas botas chulezentas, só Deus sabe como couro fede quando é molhado. Mas nem mesmo esse “fedô” me faria estragar mais um de meus sapatos italianos.
Pela casa, sinto o cheiro de uma comida bem feita, dançando pelo ar. E ao dar uma espiada para dentro da cozinha, pego Maria cortando alguns tomates enquanto dança ao som de uma moda sertaneja que vem do rádio, em cima da imensa mesa de madeira. O cheiro de carne assada espalha-se pelo ambiente, fazendo meu estômago roncar.
— Boa tarde, Seu Miguel. O almoço está quase pronto. — diz jogando os tomates picados em uma saladeira e começa a descascar algumas batatas.
— Irei almoçar mais tarde, Maria. Tenho que olhar algumas coisas pelo Haras.
O sorriso fraco que ela me lança não é nada parecido com os que geralmente dava, pelo visto todo mundo pisava em ovos quando o assunto era eu e o bendito Haras! Que bela confusão você me colocou, hein titio! — penso saindo dali.
Hoje é o primeiro dia que o Haras não está cheio, ainda tem alguns montadores nas pistas de treino, até crianças correm por aqui. Desvio de algumas correndo no sentido contrário do que eu vou; paro observando Dandara rodeada de crianças, sorrindo totalmente entretida no que elas diziam.
— Seu Miguel, posso ajudar?
Viro dando de cara com Mariana, as bochechas rosadas como sempre.
— Na verdade pode sim, vou aproveitar que a esquentadinha está no meio dos cavalos e vou olhar aqueles documentos.
Mariana confirma abrindo a porta do escritório.
— Os papéis estão ali, por favor, não mexa nas coisas da Dandara, ela me mata se você tirar algo do lugar. — Mariana fala me entregando uma pilha de documentos.
Sento na cadeira que ela aponta como sendo da Dandara, colocando os pés sobre a mesa, abrindo as pastas. Para o horror de Mariana.
Depois de trinta minutos lendo todos os tipos de contrato, serviços prestados, além de toda a documentação, vejo que na verdade o Haras não tinha tantas dívidas como o advogado tinha dito; sim existiam, mas não era impossível cobrí-las. Se ela vendesse sua parte para mim, eu poderia resolver todas as pendências em poucos dias.
— Miguel, desculpe atrapalhar, mas Dandara acabou a equoterapia, por favor, se analisou tudo sente na minha mesa.
Olho para o rosto assustado de Mariana, sorrindo.
— Ela realmente bate o chicote em vocês — caçoo.
— Se de bom humor ninguém quer pisar no calo dela, imagine no dia que Dandara está mordendo a sombra?
Levanto espreguiçando-me. — Me diga, Mari... como a esquentadinha planeja pagar tudo isso? Esse projeto de equoterapia não é lá muito lucrativo.
— Esse projeto é algo pessoal para Dandara. Quando Seu Pedro deu aval para que a chefinha o planejasse, estava ciente que isso não encheria nossos bolsos de dinheiro. Mas ele e a chefinha dividiam sobre tudo, o amor pelos cavalos.
Dou de ombros, — Temos que ver o que nos dá lucro, como dizem na cidade grande: Não adianta dar murro em ponta de faca!Não podemos continuar com um projeto que está mais esvaziando nossos bolsos do que colocando uns trocados.
— Seu Pedro gostava muito de ver as crianças correndo pelo Haras, até mesmo em excursão de escola.
— Bom, meu tio-avô gostava tanto de criança que agiu como uma até mesmo depois de morto — retruco com um dar de ombros.
— Avê Maria, Seu Miguel — Mariana diz benzendo-se — Dandara tem um plano para recuperar o dinheiro, mas eu não posso nem mesmo falar sobre isso.
Dou um passo para mais perto, sorrindo para ela. — Conte, prometo que será nosso segredinho.
— Seu Miguel...
Pisco ainda sorrindo, jogando meu charme para cima de Mariana.
— Ela planeja uma atração aqui no Haras, até mesmo com uma competição para cavaleiros... — Mariana arregala os olhos — nem deveria ter dito isso, por favor, Seu Miguel, não conte para ela.
Seguro o riso, confirmando com um gesto. A pobre menina parece a ponto de desmaiar por ter me contado o segredinho de sua chefe.
Paro na varanda após o almoço, vendo Dandara dar ordens e rodear o cercado com o cavalo. Sua calça aperta seu corpo, deixando sua bunda e suas coxas em evidência, assim como a camiseta branca dá margens para relembrar a noite passada, quando estava molhada e colada no corpo. Seu cabelo loiro brilha preso em um comprido rabo de cavalo sobre o sol.
— Vejo que cê tá aproveitando bastante a vista do Haras. — Mathias diz batendo a mão em meu ombro.
Ignoro seu comentário com duplo sentido.
— Um rapaz chamado Paulo, ligou mais cedo.
Encaro seu rosto. — Ligarei de volta. — quando volto meus olhos para Dandara vejo um peão cruzar o caminho até ela, pulando o cercado. — Quem é?
— Matheus Fornalle, é campeão de Turfe. Dandara está cuidando de seu cavalo.
Pelo jeito que ele faz questão de chegar perto dela, assim como tocá-la a todo instante, me parece bem mais que apenas um dono de cavalo.
— Ocê vai ter que tomar cuidado, certos olhares podem dizer que ocê quer algo além do Haras, Seu Miguel.
Olho pelo canto dos olhos, vendo Mathias rir. — Você não tem nada para fazer? — resmungo.
— Arra , até que tenho. Mas nada envolve comer com os zoinho a amazona mais turrona que a terra já viu. Cuidado, homi , vai ser domado rapidinho. — dispara a falar, correndo para fora da varanda, indo para longe de mim.
CAPÍTULO 15
Dandara
— Muito bom, garoto. — Sorrio me aproximando de Ferroni, ele vem correspondendo bem aos comandos. Monto nele dando algumas voltas no redondel, sei que ele já está aquecido, mas mesmo assim dou algumas voltas a trote curto, para que ele faça força. Ferroni, sendo um cavalo de turfe, não tem muita paciência de trotes pequenos, ele ama a corrida. Mas é importante que ele entenda esses pequenos cortes para que diminua.
Invisto no galope no meio dos instrumentos de equitação, dando voltas, sempre repetindo, fazendo-o saltar alguns dos obstáculos mais baixos, testando o controle dele. Ferroni tenta me dar um susto mudando o lado de galope, me fazendo segurar mais firme o arreio.
— Seu danado, queria fazer gracinha, é? — pergunto sorrindo.
Ele reclama relinchando, mas sei que está tranquilo, não está agitado e nem quer me machucar, é apenas coisa de um alazão novato. Diminuo o galope, deixando que ele descanse. Desço dando uma acarinhada em sua crina, notando Matheus sentado sobre o redondel.
— Não notei você chegando.
— Como ele está?
— Está bem, vamos progredindo, é preciso ter paciência. Ele sofreu um acidente, não podemos culpá-lo. Sei que você não acredita, mas o erro do acidente pode ter sido seu.
— A pata dele está melhor? — pergunta.
— Está, com os remédios e fazendo as massagens certas para acelerar o processo de recuperação, logo estará pronto.
— Você tem que ir para os grandes Haras, sua doma pode te tornar famosa. Pode ganhar muito dinheiro, poderia ser minha domadora particular.
— Agradeço o convite, mas não largo meu Haras por nada.
— Aquele engomadinho não irá herdá-lo de qualquer maneira? — questiona, acariciando a crina de Ferroni, encontrando minha mão por vezes, mesmo que com gentileza eu desvie do seu toque.
— Ele tem direito, mas pegar é outra coisa totalmente diferente. Meu Haras tem certificados de qualidade, só estamos passando por um momento complicado desde a morte de Pedro.
Matheus faz uma cara de deboche que me faz lembrar porque eu chutei sua bunda para longe anos atrás.
— Vamos ao que interessa, quando Ferroni estará pronto? Eu tenho uma competição importante e um olheiro em cima de mim, o negócio está quase fechado, se der certo irei para os Estados Unidos.
— Uns três dias e poderá levá-lo, mas é preciso que mantenha o treinamento que foi feito aqui com ele. Ferroni precisa de certos limites quando está fora da competição, isso faz bem para ele e para o relacionamento de vocês no futuro.
— Muito bom! Onde podemos acertar? — Matheus questiona.
— Vamos até o escritório, vou pedir para que Mathias dê uma ducha nele, além do mais, tenho um pedido especial para você. — digo.
Matheus segura minha cintura, fazendo com que eu desse uma chicotada em seu joelho.
— Já vi que sexo não é. — retruca rindo.
— Deveria ter dado uma chicotada no seu lombo, eu quero que você venha para a competição que iremos fazer, preciso levantar dinheiro para o Haras. Você é um agroboy , as mulheres virão se você for posto como um peão modelo, isso e sua lábia para trazer outros competidores da região.
Ele gargalha me acompanhando até o escritório. — Então quer usar minha beleza e charme para garantir uma grana? Ô princesa, eu posso ajudar, me diga, de quanto precisa?
Me enfezo. — Não quero seu dinheiro fácil, estou pedindo uma troca de favores. Já que eu domei seu cavalo e o coloquei no eixo para continuar enchendo seu rabo de dinheiro e dando essa fama de agroboy que anda estufando o peito por aí.
Matheus entorta os lábios por um segundo, mas sorri. — Fechado, eu vou ser seu fiel mosqueteiro. Ganho um beijo e um abraço apaixonado depois? Tudo em prol do Haras, é claro.
— Não!
Ele ri mais uma vez passando o braço pelo meu ombro com intimidade, fazendo-me bufar. Se deixar esse homi se espalha mais esterco em dia de chuva.
Miguel
— Miguel, precisamos da sua presença, alguns investidores só querem fechar e assinar com sua presença. Você não voltar para os negócios, está tendo um impacto grande nesses últimos acertos dos hotéis!
— Dê um jeito nisso Paulo, preciso lhe promover para meu sócio para que tome conta? Vamos colocar assim, durante anos me dedido à minha empresa e nesse em especial, decidi tirar umas férias. Falta pouco tempo para que eu tome esse lugar e logo estarei de volta a São Paulo. — digo sentindo um gosto amargo descer pela garganta.
— Não prometo, mas vou segurar os problemas, mesmo aguentando as caras feias que eles fazem ao ver que você não está presente em mais uma reunião. — Paulo responde — Sobre os documentos que me enviou, está tudo certo com o Haras, as dívidas são gastos excessivos, é preciso analisar quantos cavalos há no Haras e o que faremos quando ele não existir mais. Vou deixar anotado para pesquisarmos algum lugar que compra esses animais ou você pode ir passear na redondeza e encontrar alguma fazenda para negociar.
— Sim, preciso analisar isso com mais calma, acredito que terei mais tempo e cabeça livre quando o advogado retornar, Dandara é osso duro de roer.
— Você analisou a planilha que enviei? Tem um cavalo, que somente ele come quase um quilo de ração? O que ela cria aí? Algum tipo de mutação genêtica?
Sorrio, — É o Trovoada, ele é de uma raça especial.
— Deve ser mesmo. Venda-o, deve valer algo.
Dandara e eu já estamos em guerra declarada, imagina se eu sequer mexesse com seu cavalo? A pergunta é, qual de nós cansará primeiro e largará a corda?
— Você deve estar gostando de tudo isso, o Miguel que eu conheço não passaria um dia no meio do mato, e já estamos quase três meses nisso.
Volto minha atenção para a conversa, negando rapidamente. — Você perdeu o juízo? Eu que me enfio no mato e você que fica maluco? Vai resolver as pendências e não me apurrinha, nos falamos depois.
Desligo o celular na cara de Paulo, contrariado pelo que me disse.
CONTINUA
CAPÍTULO 8
Miguel
Jogo meu corpo na cama xingando baixinho, cada mínimo movimento doí, porra de cavalo xucro! Meus braços e bochechas tem arranhões dos galhos que ele lançou em mim, minha pele arde no minimo contato.
Retiro o telefone vendo que há duas ligações perdidas do meu assistente.
— Olá — resmungo, assim que atende a ligação.
— Miguel? Tudo bem? Estou atrapalhando algo? — pergunta Paulo do outro lado da linha.
— Não, estou gemendo de dor, seu idiota.
Ele ri, mas logo se controla quando bufo contra o telefone. — Posso saber o que ocorreu?
— Um cavalo xucro saiu como um maluco, quase tive um acidente sério. Não tem uma parte do meu corpo que não esteja doendo. Retiro o que disse os cavalos podem ser tão mortais quando um humano, tive a certeza hoje que cada pedido para parar ele ignorou completamente. Ainda bem que aquela outra maluca fez alguma coisa e me tirou daquele bicho descontrolado.
— Espera, Miguel Ramirez montado num cavalo? Não me diga que você também está usando botas e calça de couro? — ironiza meu amigo e assistente.
Olho imediatamente para os meus pés, chutando as botas para longe, recordando do sorrisinho insolente que Dandara me enviou ao me ver de bota mais cedo. — Continue rindo que vai perder o emprego e reze para continuar sendo meu amigo — resmungo novamente.
— Tudo bem, tudo bem. Falei com os avalistas, eles devem aparecer por esses dias.
— Ótimo! Amanhã eu vou me inteirar sobre os assuntos do Haras, quando o advogado veio ler o testamento de meu tio, deixou claro que Dandara precisa quitar as dívidas, ou seja, mais um ponto para se negociar. Você tinha que ver a cara dela quando o advogado leu as tais regras malucas que meu tio estabeleceu.
— Ela deve ser realmente interessante, nunca vi você falar tanto de uma mulher em todos esses anos, mesmo que seja para reclamar.
— Claro, ela é pior que uma mula, a mulher me atormenta, mas em breve a colocarei em seu lugar.
— Isso está cheirando outra coisa.
— Não fale besteira. Conte-me, como estão as coisas na empresa com minha ausência? — pergunto deitando a cabeça sobre o travesseiro.
Paulo passa uns bons vinte minutos discutindo comigo sobre algumas burocracias dos hotéis e sobre meu ambicioso projeto para esse Haras e fico animado que a equipe de arquitetos esteja dando tudo de si para colocar o projeto em prática, será necessário que esteja tudo alinhado quando finalmente tiver as terras para mim.
Tomo uma ducha rápida, depois de encerrar a ligação, visto roupas limpas e desço, meu estômago está dando os primeiros sinais de fome, e confesso que rezo para que aquela maluca não tenha feito nenhuma parte estranha da galinha novamente.
Quando chego na sala sinto cheiro de ovo e mesmo não sendo minha comida predileta é melhor que pé de galinha. Caminho até a cozinha encontrando Dandara se movimentando da pia para o fogão, rebolando sua bunda de um lado para o outro, enquanto prepara o omelete.
Caminho até a geladeira, pegando uma garrafa de água, eu poderia me sentar e ficar quietinho, mas vou devagar, parando atrás de, Dandara que se vira ao me sentir próximo de suas costas, o sorriso que tinha em sua boca assim que entrei na cozinha morre dando lugar para a carranca de sempre.
— O que está fazendo de bom aí? Está com cheiro gostoso.
— Nada que lhe interessa. — Acusa voltando para o fogão. Ela despeja o omelete pronto num prato, e seu olhar me faz recuar segurando o riso.— Está me espiando agora?
Vou até o banco de madeira, sentando-me de frente para ela. — Você realmente não sabe o que é ter modos com visitas.
Dandara larga o talher e o prato sobre a mesa. — Que eu saiba, você não é visita, se pode ficar arrotando por aí que é dono do Haras, alimentando a fofoca desse povo desocupado, pode fazer a própria comida. Vejo que suas mãos ainda estão no lugar.
Reviro os olhos.
— Seria gentil de sua parte fazer algo ou pelo menos oferecer.
— Oh, coitadinho do Miguelzinho, ele ainda acha que irei servi-lo? Que pena — diz levantando-se e levando o prato de omelete consigo. Ao chegar perto de mim ela para, encara meu rosto — Sabe, pensando bem, você não está acostumado com nossa vida, não entende nada do campo, não sabe como funciona as coisas por aqui.
Confirmo meio desconfiado de sua gentileza repentina. Afinal, de boas intenções o inferno está cheio. — Podemos resolver de forma amigável, como já havia dito.
— Sim, podemos. Então você vai pegar sua bunda mole e prepotente e sumir daqui, deixando meus animais e as famílias que dependem do Haras em paz?
— Não, olhe bem, Dandara...
Mal termino de falar ela vira o prato de omelete quente sobre minha cabeça, me deixando todo melecado de ovo. — Puta que pariu! Sua maluca! — Grito ficando de pé, passando a mão pelos ombros, jogando para longe a sujeira de ovo, presunto e pedaços de outros ingredientes. Sentindo os olhos lacrimejarem de dor pela comida quente que caiu em mim.
Ela sorri de maneira irônica. — Se vira, brucutu! Mas nem por cima do meu cadáver você irá tomar o Haras de mim. E se eu fosse você limparia essa bagunça, senão amanhã eu nem apareceria na frente de Maria.— diz antes de pisar no meu pé com sua bota e sair marchando para o andar de cima.
CAPÍTULO 9
Dandara
Esgotada. Hoje foi um dia realmente puxado, faço uma massagem pelo pescoço desligando as luzes do escritório. Passo pelo estábulo carregando comigo um pouco de feno e enquanto fecho as portinholas, vou dando para os cavalos, acariciando suas cabeças.
— Hora do descanço, amigo — digo fazendo carinho no Trovoada, rindo ao ver ele se curvar todo ao receber o carinho. — Amanhã é dia de banho. — ele relincha sacudindo a cabeça — É, estou preparada para não cair nas suas brincadeiras, seu moleque travesso!
Adoro esses momentos tão nossos, todos os dias tiro um momento para nós, algo que vai além de montar e irmos para os campos mais afastados. Um momento que nos conecte de alma e coração, a linguagem corporal mostra muito para eles, assim como nos expressa seus sentimentos. Acaricio sua crina novamente fechando a portinhola.
O som da viola chega alto em meus ouvidos, os funcionários têm mania de montar uma roda de viola durante as noites.
— Boa noite, pessoal. — cumprimento ao passar por eles.
— Boa noite, Dandara. Fica com a gente essa noite?
— Sinto muito Cicinho, estou tão cansada que tudo que quero é a cama.
Ele sorri e volta a cantar o modão antigo. Sigo para casa agradecendo pelas luzes estarem apagadas, sinal que o brucutu me deixará terminar a noite de maneira tranquila.
Mas no fundo me engano, respiro fundo ao escutar o piso de madeira estalar sob seu peso. Assim como não foi nenhuma surpresa que iríamos discutir, meu corpo estava aquecido, enfurecido por nossa discussão. Jogar o meu jantar em sua cabeça foi pouco para o que eu tinha vontade de fazer com esse homem petulante.
Na manhã seguinte entro no escritório com um rompante, pegando Mariana desprevinida.
— Arre égua , Dandara, quer me matar do coração?
— Estive pensando, podemos fazer um evento, algo até que grandioso, uma exposição dos cavalos ou até mesmo uma competição de hipismo, voleio... — eu estava divagando, sabia só de olhar para o rosto de Mariana tentando acompanhar minha linha de raciocínio.
— Você não dormiu nada pelo visto.
— Um pouco — digo dando de ombros.
— O evento seria interessante, mas tem as regionais daqui alguns meses, os montadores podem não querer desgastar os animais com isso.
— Ou podem adorar a ideia, treinos são o básico para eles, o que mais te deixaria pronto para uma grande competição do que outra? Seria um aquecimento, e sei que falando da forma correta eles irão aceitar.
Mariana para por um instante analisando o que acabei de dizer. — Pode ser uma coisa boa — considera por fim.
O sino em cima da porta toca, nos fazendo encerrar a conversa.
— Então é aqui que ficam os documentos do Haras?
Reviro meus olhos.
— Bom dia, Seu Miguel. — Mariana se derrete um pouco olhando de cima a baixo o corpo de Miguel.
Dou uma olhada para ela, do tipo “Sério isso?”, mas pelo visto ela está entretida demais na bunda dele, eu entendo, ele realmente tem uma bunda bem gostosinha...— O que quer aqui? — retruco.
— Preciso dar uma olhada na papelada, o advogado comentou sobre as dívidas do Haras, quero saber quanto é seu rombo.
— Meu rombo? Você não tem direito de vir aqui me falar uma asneira dessa. Eu cuido desse Haras como se fosse minha vida...
— Então já sei o motivo para ser essa baderna toda. — me interrompe.
Bufo.
— Qual é seu nome? — vira-se sorridente para Mariana.
— Mari...Mariana.
Controlo minha irritação para não mandar os dois à merda.
— Minha linda, você poderia separar os documentos para eu dar uma olhada? Apenas coisas mais triviais, e lógico, as dívidas.
— Claro!
Traidora!
Pego meu chicote sobre minha mesa e saio batendo o pé, minha vontade é colocar Miguel de joelhos e dar umas boas chicotadas no seu lombo, além do grande pé na bunda, quem sabe isso não seria suficiente para chutá-lo para longe.
Vejo um trailer cruzar as pistas parando perto de uma delas. Ando até lá vendo Matheus sair passando as mãos pelo cabelo, com toda sua pose de agroboy. 3
— Loirinha!
— Matheus, então é verdade, voltou para cidade.
— Sentiu saudades? — pergunta puxando-me pela cintura, colando nossos corpos.
Empurro seu peito com um sorriso frouxo. — Você ainda sonha com isso, que pena!
Ele me solta passando os dedos pela barba rala. — Rodrigo disse que se recusou ir até o rancho para cuidar de meu cavalo.
— Não me recusei, apenas comuniquei que estou com muito trabalho, não posso largar tudo para fazer seus caprichos.
— Então, se a melhor encantadora de cavalos não vai me ajudar, eu trouxe meu cavalo até ela.
— Ótimo, Rodrigo disse que ele não está se alimentando direito, que está arredio, o que houve entre vocês?
— No último Turfe sofremos um acidente, nada de grave, foi apenas a queda mesmo, e com a proximidade do outro campeonato, preciso que alguém dê um jeito nele. Ferroni já mordeu dois veterinários e quase deu coice em Rodrigo.
— Vamos ao trabalho. Quero ver o que ele tem para contar, não você — digo.
Seguimos até o trailer, ajudo ele abrir as portas, Ferroni se encolhe no canto oposto evitando ser tocado por Matheus.
— Deixa, eu pego ele, fique aqui.
Entro no trailer, pé ante pé, conversando com o cavalo, acalmando-o com carinho, suas orelhas se levantam e eu sei que está compreendendo o que digo. É notável que ele está magoado. Poderia ser pela queda como Matheus revelou.
— Você quebrou o elo entre vocês, Matheus. — Viro para encará-lo. — O que não está me contando?
— Ele foi teimoso, o que nos levou a queda, que papo é esse que eu quebrei o elo?
— Ser turrão não irá fazê-lo te olhar com bons olhos, ele está magoado!
Matheus cruza os braços em frente do peito. — Nunca entenderei como compreende tanto esses cavalos.
— São anos dedicados a eles, conheço-os bem.
— Retorno daqui dois dias, tenho um compromisso amanhã, espero seu retorno para buscá-lo.
— Vamos ter que fazer uma interação entre vocês. Isso se quiser competir com ele, você precisa se curvar também. Ferroni precisa ver que você está disposto a isso, não é só ele que precisa mudar.
— Claro, claro. Só me ligar.
— E Matheus, — Aguardo que ele se vire. — Não use mais chicotes nele.
— Como você... — A pergunta morre em seus lábios quando aponto para a anca do cavalo marcada pela surra do chicote.
Ele confirma, saindo sem jeito, fecha as portas do trailer e entra na sua caminhonete, sumindo dali.
Viro-me para Ferroni, estendo a mão e deixo que ele venha até mim, só então distribuo carinhos pelo seu corpo e cabeça. — Vou cuidar de você.
Levo-o comigo para a ronda nos estábulos, reponho água em algumas baias e deixo Ferroni em uma das vazias, colocando uma generosa porção de ração, feno e água fresca. Seria melhor ele descansar, amanhã começaria minha avaliação e a tarde poderia andar um pouco com ele e Trovoada, sendo um cavalo de Turfe, ele gostaria de correr livre pelo campo, e tenho certeza que adoraria cortar o riacho que fica na propriedade do Haras.
Volto para casa pouco depois das duas da tarde, meu estômago reclama de fome. Empurro a porta de madeira encarando o carro de luxo parado perto da entrada.
— Dandara, que bom que chegou, estávamos te procurando. — Maria diz de maneira afobada assim que entro.
— O que houve?
— Esses homens dizem que estão aqui para ver o Haras.
Meu sangue ferve. Como assim? O que aquele brucutu estava aprontando agora?
Tiro o chapéu da cabeça, deixando no mancebo na entrada indo até a sala, onde dois homens engravatados e metidos a besta estavam sentados, olhando tudo com olhar crítico.
— Senhores, o que posso fazer por vocês?
Eles se erguem estendendo a mão em minha direção, pego a do mais baixo primeiro e depois cumprimento o outro em silêncio.
— Somos da Avality Security, somos peritos, avaliadores judiciais — explica como se fosse lesada.
— Sim, claro.
Não precisava perguntar quem tinha os chamado, eu sabia, isso era coisa do brucutu, o que fez meu sangue borbulhar em meu corpo. Coloco um sorriso triste no rosto, fazendo os dois se entreolharem.
— Sinto muito, senhores. Acreditei que Miguel tivesse desmarcado com os senhores.
— Desmarcado? — pergunta o baixinho. — Essa reunião foi marcada pelo assistente do Sr. Ramirez, marcada com teor de urgência.
— Sim, primeiramente tínhamos muito interesse em vender a propriedade, mas Miguel sempre foi tão apegado às lembranças e todas as memórias de seu tio por aqui. É realmente uma lástima tudo que houve, o senhores entendem, estamos pensando em nos mudar definitivamente para o Haras.
— Como dissemos, senhorita, ninguém nos informou que a visita estava cancelada. — O baixinho retruca novamente.
— Sim, eu compreendo. E queríamos mesmo, mas como vimos, o assistente não está lá fazendo seu trabalho direito. Desculpem pela viagem em vão.
— A senhorita seria o que do Sr. Ramirez? — o outro pergunta mais desconfiado.
— Noiva. Miranda, muito prazer — digo com um sorriso.
— Bom, vemos que foi uma viagem à toa realmente, por favor, informe seu Miguel que o que combinamos terá que ser arcado pela empresa dele.
— Claro, eu mesma faço questão de mandar o assistente fazer os embargos todos hoje.
Eles sorriem mais satisfeitos, sabendo que ganhariam da mesma maneira. Acompanho os dois até a entrada, abrindo a porta para eles, vendo-os entrarem no carro e saírem do meu Haras.
— Menina!
Viro rindo, encarando o olhar recriminatório de Maria.
— Isso trará problemas!
— Que dê, estou louca para chutar a bunda daquele brucutu para bem longe!
E não demorou muito para que ele descobrisse o que tinha feito, estava terminando o meu descanso na sala quando ele entrou batendo o pé como um boi velho, gritando aos quatros ventos que eu iria pagar bem caro pelo que havia feito.
Continuo descascando minha tangerina, chupando o sugo doce que tranbordava da fruta, deixando que ele urrasse tudo que tinha vontade, antes de me levantar para revidar.
— Já acabou, brucutu?
Ele cruza os braços me encarando furioso.
— Primeiro: você não deve ter escutado direito quando o advogado disse que providências como essas só poderiam ser tomadas depois de cinco meses vivendo no Haras e não depois da primeira semana, que dirá dias; segundo: O haras não está à venda, contente-se com isso. Você não vai cantar de galo por aqui, porque não passa de um franguinho enviadado. Então desista!
— Olha lá como fala comigo, sua caipira! — diz vindo para cima de mim.
Ergo a sobrancelha vendo seu rosto a centímetros do meu.— Sinto muito, se não está contente, pegue suas tralhas e se manda daqui!
— Você está mexendo com fogo!
— Esse fogo todo não passa de uma brasinha, se enxergue. Brucutu! — digo caminhando até a porta, coloco meu chapéu na cabeça vendo-o praticamente espumar pela boca.
CAPÍTULO 10
Miguel
Passo na frente da porta do quarto de Dandara, tentando escutar algo, mas parece que a Diaba estava dormindo, jogo minha jaqueta nos ombros descendo a escada.
— Estou pronto, podemos ir para esse tal de bar.
Ainda estava puto pela atitude de Dandara com os avalistas, isso me causou uma dívida e dor de cabeça desnecessárias. Esse foi o principal motivo que me fez aceitar o convite para conhecer o bar que Mathias tanto comentou hoje mais cedo. Eu só queria beber e quem sabe, ter algo perto de diversão.
Mathias me olha de cima a baixo.
— Que foi?
— Desculpa, Seu Miguel, mas o senhor não vai sair assim comigo.
Olho para mim mesmo, encarando minhas roupas, o que tinha de errado com minha calça jeans, meus sapatos italianos e minha blusa social? — O que há de errado? — pergunto externando meu pensamento, mas no fundo me arrependo disso, pois Mathias estava vestido com uma calça jeans rasgada nos joelhos, as botas como sempre nos pés, a camisa xadrez aberta deixando o peito à mostra e é claro, o chapéu na cabeça.
— Pensando melhor, deixa quieto, Seu Miguel.
Entro no banco de trás da caminhonete.
— Santiago, esse é o Miguel. — Mathias nos apresenta. — Santiago é o veterinário aqui do Haras.
Santiago me cumprimenta com um gesto de cabeça, trocando um olhar com Mathias, como se confidenciassem algo entre si. Gostaria de saber qual o problema desses caipiras, não podiam ver nada diferente que pareciam crianças segurando o riso travesso.
Ao contrário do que imaginei o tal bar que Mathias disse não ficava no centro de Ajapi, que já não era lá aquelas coisas. Passamos do pequeno centro com alguns comércios abertos, a maioria botecos com velhos sentados na calçada bebendo. Seguindo para a estrada, Santiago aumenta os faróis acelerando na pista vazia, o percurso dura uns dez minutos no máximo.
A entrada do Cowboy’s bar, era como um dos celeiros do Haras, o estilo de pequeno faroeste era o que destacava aquele bar do resto nomeio do nada. Enquanto Santiago procura uma vaga no estacionamento observo as pessoasvestidas como Mathias e Santiago formando uma fila na porta do bar, aguardando sua vez de entrarem.
Mathias e Santiago saltam do carro, cumprimentando quase todo mundo pelo caminho — vantagens e desvantagens de cidade pequena. A música sertaneja estava alta, saindo pelo abre e fecha da porta de entrada, assim como a voz das pessoas cantando como um coral.
O Cowboy’s Bar era como uma casa de show, o piso de madeira e decoração rústica, o mesanino dos dois lados, os bares movimentados abaixo deles em e, bem no meio, uma enorme pista de dança, já repleta de pessoas.
Literalmente eu não me encaixava nesse lugar. Mathias para em minha frente erguendo uma garrafa de cerveja, que eu nem mesmo tinha pedido. — Ficar de garganta seca, num pode. — acrescenta piscando.
Agradeço a Mathias ainda analisando tudo que estava diante de mim.
— Muito diferente da cidade grande? — Santiago pergunta.
— Muito — digo tomando um gole da cerveja, sentindo o amargo descer pela minha garganta.
— Logo começa a parte boa. — Mathias diz — Daqui a pouco toca o modão raiz, aquele que a viola toca e desce uma lágrima pelo rosto.
— É nesse momento que ocê tem que fugir do Mathias — Santiago fala rindo, antes de virar um copinho de cachaça.
— Se prepare para sair com o coração sangrando, mas é bão demais, quem não gosta de modão é porque tem medo — Mathias disse com um sorriso. — Ela bate aqui ô — acrescenta indicando o coração.
Casais se espalhavam pela pista de dança, grupos de jovens conversavam de forma animada, aquele bar era realmente o point da cidade, devia ser a única atração de mera qualidade que eles deveriam ter. Sinto uma mão em meu ombro, viro dando de cara com uma loira ao meu lado, ela dá um beijo em Mathias e outro em Santiago. Ainda me olhando.
— Mathias, Santiago, estão com amigo novo? — pergunta com malícia, dando o seu melhor sorriso para mim.
A garota era gostosa. — Oi, o amigo novo chama Miguel e você? — questiono retribuindo o sorriso.
— Óbvio que não é da cidade, um homem tão gato como você...meu nome é Cindy.
— Toca sirene que o perigo chegou — Mathias grita, gargalhando. O que faz a tal de Cindy dar uma olhada feia em sua direção.
Ignoro o comentario dele e suas risadas, iniciando uma conversa com Cindy, e em pouco tempo descubro que ela era filha de um fazendeiro da cidade, estava se formando em agronomia. Até mesmo mordi a língua, achei que ela seria o tipo de garota fútil da cidade pequena, principalmente pelo modo como me abordou. Porém, não era apenas um corpo e rostinho bonito.
— Finalmente! — Ela diz empolgada batendo palmas quando a banda ocupou o lugar no palco, logo me puxando para a pista de dança, mesmo eu falando que não sabia dançar. — Deixe de besteira, forasteiro!
E foi sendo arrastado para a pista de danç, passando no meio de casais combinando passos, que vejo Dandara entrar sorridente na pista de dança. Ela vestia uma calça jeans agarrada no corpo, literalmente colada sob suas curvas, uma camisa branca deixando alguns centimetros de sua barriga amostra, assim como um leve decote sobre seus seios perfeitamente redondos e chamativos.
Cindy agarra minha mão, se embrenhando ainda mais no meio da multidão que dançava empolgada, me fazendo parecer um idiota ali no meio.
As meninas querem se diverti
Se o homem não dança, ele acabou
Diga-lhe seguir em frente, tirar o homem
Agora posso pegar uma coca com meu rum?
Cindy rodopiava ao meu lado rindo como uma criança, esfregando-se no meu corpo, enquanto meus olhos estavam em Dandara dançando com um peão qualquer, repetindo os mesmos passos da garota que estava comigo.
Nossos olhares se cruzaram em uma de suas voltas, fazendo-a perder o compasso da dança, como modo de provocá-la agarro na cintura de Cindy até entrando no ritmo de seu quadril, minha perna no meio das suas fazem com que ela roçasse pelo meu corpo, fazendo meu pau ficar rígido nas calças.
— Podemos fazer algo melhor que dançar se quiser, forasteiro. — Cindy diz descaradamente, encarando a protuberância em minhas calças.
— Será ótimo, quem sabe mais tarde?
Hey, senhor não vai me vender uma identidade falsa
Há uma banda no bar que eu estou morrendo de vontade de ver eu tenho o meu dinheiro e você tem o que eu preciso
Hey senhor não vai me vender uma identidade falsa
(Fake ID – Big & Rich)
Não sei em que momento tudo girou e as mulheres trocaram de parceiro, Dandara parou com as mãos sobre meu peito, logo dando um pequeno passo para trás, mas intercepto seu gesto segurando firme em sua cintura antes que tente se ver livre de mim. Reparo também nos olhares aborrecidos de Cindy enquanto dança com o outro cara, mas me concentro na Diaba em meus braços.
— O brucutu quer fingir que dança? — pergunta rindo.
Levo à boca a garrafa de cerveja, terminando de uma vez o contéudo.
— Acho melhor segurar a onda, você não sabe como as coisas funcionam por aqui! — Retruca, olhando no fundo dos meus olhos.
Puxo seu corpo mais forte contra o meu, sentindo as mãos de Dandara se agarrarem ao tecido de minha camisa, seu corpo encaixado tão bem no meu como as peças de um quebra cabeça, seu seio pressionado contra meu peitoral, minha coxa no meio de suas pernas, tocando sua intimidade por cima do jeans. Me curvo um pouco encostando a boca em seu ouvido, deixando a impressão de meus lábios gelados pela cerveja que tinha tomado em sua pele antes de falar: — Então me diga, como as coisas funcionam por aqui?
Sinto o corpo dela tremer contra o meu, me fazendo sorrir.
Deixo minha boca deslizar por seu pescoço mais uma vez, minha mão envolvendo sua cintura, segurando o corpo firme no meu, o bastante para que ela sentisse meu membro meio ereto devido as esfregadas que Cindy tinha dado em seu quadril. Seu cheiro de caipira estava ficando impregnado em minha pele, e eu só poderia estar maluco, mas até que seguir por esse caminho poderia me facilitar em dobrá-la. Seduzi-la para conseguir o que eu queria? Não parecia uma má ideia.
Ela se afasta um pouco e pude uma sombra de desejo em seus olhos, mas também a teimosia que estava me acostumando a encarar durante os dias. — Nunca provoque uma domadora se não tiver preparado, por que só preciso de poucos segundos para te enlouquecer, assim como faço com meus cavalos chucros!
E com isso me deu uma joelhada nas bolas, porra de mulher maluca, curvo meu corpo, segurando minhas partes íntimas, meu urro de dor sendo contido pela música alta e as pessoas animadas conversando e cantando. — Você enlouqueceu? — pergunto.
Ela dá de ombros.
— Meu Deus, Miguel você está bem? — Cindy se abaixa em minha altura, olhando em meu rosto, que deveria estar vermelho de tanta dor que estava sentindo. — Ocê ficou maluca?
— Dá um tempo, Cindy!
Pelo visto Dandara e Cindy se conheciam muito bem. Dandara deu uma olhada feia para nós e sai, sumindo no meio da multidão de dançarinos.
— Venha, eu levo você embora, que menina maluca, não é à toa que falam que ela morrerá sozinha, está tão selvagem quanto os animais que cuida!
Se eu tinha qualquer pretensão de transar essa noite, Dandara tinha acabado com todas as opções.
CAPÍTULO 11
Miguel
Foi o barulho dos trovões e do vento passando forte pela casa, fazendo as janelas do quarto trepidarem que me acordaram, o relincho dos cavalos estava alto o bastante para que eu os ouvisse até com toque de desespero do meu quarto. Saio da cama parando em frente a janela, virando quando os relâmpagos e trovões cruzavam o céu, não era possível ver nada.
Escuto passos afobados do lado de fora do quarto, descendo a escada. Talvez a Diaba tenha medo de alguns trovões.
Poucos minutos depois ouço a voz de um homem exaltado, e a figura de Dandara correndo no meio da chuva, ou melhor, um pequeno flashe do que seria ela, apareceu quando o trovão cortou o céu. Pego meu casaco saindo apressado do quarto, o que teria feito esse alvoroço todo?
Assim que desço encontro Santiago, Maria e Bento com expressões preocupadas no rosto.
— O que está acontecendo, por que todo o estardalhaço?
— Seu Miguel, desculpe acordar o senhor, a menina Dandara saiu em disparada em direção aos estábulos, nessa chuva, com tantos relâmpagos!
Fico com uma expressão do tipo “e dai?”
— Eu vou atrás dela, Maria, fique calma — Santiago diz antes de sumir pela escuridão e chuva forte.
— A menina tem grande apreço pelos cavalos Seu Miguel, e temos uma égua muito doente, ela conseguiu se soltar da baia e fugir em direção ao campo. — Maria explica preocupada.
— Uma chuva nesse nível faz o riacho encher, é perigoso sair para aqueles lados. — Bento complementa.
— Que Nossa Senhora proteja minha menina — Maria clama saindo em direção à cozinha.
Começo a virar as costas para voltar para meu quarto, afinal, não tinha nada que eu pudesse fazer. Santiago já tinha corrido atrás dela e o que eu tinha a ver, se a doida decidiu sair correndo justo no meio dos trovões? Mas algo me deteve e quando dei por mim estava eu correndo no meio da chuva em direção às vozes alteradas que vinham do estábulo.
— Sai da frente Santiago ou não respondo por mim!
— Dandara, pense por um minuto, é perigoso sair debaixo desses trovões.
— Não deixarei aquela égua perdida. — Dandara gritou junto com o trovão retumbando em nossas cabeças.
Eles pararam a discussão me vendo parado na porta.
— Tudo que eu queria! — A diaba exclama.
Dandara puxa uma fivela da sela do cavalo, terminando os últimos ajustes. Pega um chicote colocando enfiado no cano alto de sua bota, enquanto sussurra algo perto do ouvido do cavalo.
— Dandara, me escute, ela pode estar em qualquer lugar — Santiago tenta argumentar, mas ela o ignora. — O riacho já deve ter transbordado, é perigoso e arriscado ir com Trovoada até lá. Pensou na hipotese dele atolar?
— Escute-o, você está se colocando em risco, quando seu veterinário disse que é tempo perdido. — reclamo.
— Quem disse que você manda em alguma coisa aqui? Quem disse que entende sequer do esterco que pisa?
— Eu tenho tanto direito quanto você, pode entender dos cavalos ou como as engrenagens funcionam por aqui, mas eu tenho direito a tudo que está dentro desse Haras, inclusive esse seu cavalo.
Os olhos dela me fulminam, se pudesse, tacaria fogo em minha direção.
— Tá com medo de quê? Você não sabe o que é reciprocidade e não tenho tempo para discutir com um brucutu que mal respeita o chão que pisa. — cospi em minha direção.
— Eu não tenho medo de você, só não confio em você.Você está transformando tudo num caos desde que cheguei, eu não gosto de você — digo um tom mais alto.
Santiago que acompanhava tudo de boca fechada perto das baias. tinha sido completamente esquecido, assim como a égua perdida.
Dandara arranca o chicote das botas batendo na palma da mão, — Eu te incomodo, né? Te tiro do sério, perturbo você. — Ela passa o chicote pelo meu rosto. — Não está acostumado a ouvir um não, muito menos vindo de uma mulher, mas te conto um segredinho, Sr. Ramirez, terá que me engolir! Agora saia da minha frente! — vocifera.
— Você está merecendo uma surra de chicote isso sim. — retruco agarrando o braço que ela segura o chicote.
— Se uma surra me deixasse livre de você, eu aceitaria de bom grado. Eu tinha certeza que você me traria problemas assim que cruzou meu caminho. Como anos atrás eu te odiaria assim que vi você cruzando os limites do meu Haras, mas eu vou abaixar sua crista logo, logo.
— Eu estou pagando para ver. — Debocho, ainda agarrando seu braço com firmeza e olhando no fundo dos seus olhos.
Ela se desvincilha do meu aperto, se vira subindo com rapidez no cavalo, dando uma chicotada perto do rabo, fazendo-o arquecar nas patas traseiras e sair num galope feroz do estábulo.
Observo ela sair com a mandíbula tão travada que poderia quebrar meus dentes. — Mulherzinha dos infernos!
CAPÍTULO 12
Dandara
Era impossível saber qual caminho Archeron percorreu, a estrada de terra era um lamaçal puro, com a chuva forte todas as grandes e pequenas pistas estavam destruídas, estava difícil enxergar um palmo à frente, forço Trovoada a galopar mais forte, indo para mais longe.
— Archeron! — grito para a noite.
O vento chicoteava a chuva contra meu corpo, embaladas pelos altos trovões à minha volta. Era apenas eu e Trovoada, tentando contra a força da natureza. Meus gritos por Archeron se perdiam no meio das árvores e dos relâmpagos iluminando o céu sobre minha cabeça. Meu corpo tremia de frio, os nós dos meus dedos estavam esbranquiçados, apertando a rédea com força.
Antes de chegar no riacho, puxo as rédeas do Trovoada fazendo-o parar derrapando na poça travessa de lama pelo chão, rezando para Deus que eu pudesse encontrá-la ainda com vida. A briga com Miguel nublava meus pensamentos, fazendo a raiva percorrer meu corpo.
Trovoada relincha tirando as patas da frente alguns centímetros do chão. Dando alguns passos para trás, não querendo obedecer minhas ordens.
— Vamos meu amigo, temos que encontrá-la.
Trovoada se ergue novamente, relinchando, sacodindo a cabeça para a escuridão incerta em nossa frente. — Por favor, não me faço usar a força, amigo — sussurro engolindo o choro.
Aperto os olhos quando um trovão clareia o céu, algo não muito longe acaba chamando minha atenção, Trovoada fica ansioso e sei que isso significa que encontramos, pulo de seu lombo, correndo até lá encontrando Archeron atolada numa poça de lama, suas pernas presas até a metade impossibilitando que ela saia sozinha dali. Seu relincho baixo é um pedido desesperado por ajuda, assim como seus olhos arregalados ao encarar.
— Preciso da sua ajuda — digo para Trovoada, ele relincha abaixando um pouco a cabeça.
Retiro a corda da bolsa amarrada em sua sela, enlaçando o corpo de Archeron e na outra ponta amarrando na sela de Trovoada.
Dou uma leve chicotada na anca dele, fazendo-o começar a se afastar, mesmo ele sendo um cavalo forte e maior que os outros encontra dificuldade em tirar a égua dali, pulo para dentro do lamaçal empurrando a anca dela para fora, ignorando seus relinchos assustados.
— Vamos Archeron! Você precisa me ajudar! — grito para ela no meio da escuridão, empurrando seu corpo.
A luz do farol sobre mim me faz erguer a vista.
— Por Deus, Dandara! — Mathias grita sob a chuva vindo em minha direção acompanhado de Santiago.
— Ela está com dor, Santiago.
— Me deixei examiná-la.
Ele pula no lamaçal junto comigo, tirando o estetoscópio do pescoço. — Mathias, pega minha maleta, tem uma seringa pronta. — ordena
Mathias corre até o carro, trazendo a seringa que Santiago havia pedido.
— Ela está num estado muito grave, Dandara. — Santiago começa a dizer.
— O que você vai fazer? — pergunto.
— Vou tentar diminuir a dor, mas ela está com uma torção da alça intestinal, não tem como salvar. Já sabiamos que seria complicado, antes mesmo dela fugir e se enfiar aqui.
— Essa não é a última palavra. — grito acima dos trovões.
— Tenho que sacrificar! Não podemos deixar ela sofrer mais.
— Tem que haver outro modo de salvá-la, Santiago! — falo desesperada.
— Não tem, Dandara, se tivéssemos opções eu faria, pode ter certeza. — Santiago olha para mim. — Dandara, você fez tudo para salvá-la, infelizmente tem coisas que vão contra nossa vontade. — Ele se vira chamando por Mathias. — Solte o Trovoada da Archeron.
Trovoada fica irritadiço, não deixa Mathias chegar perto.
— Trovoada, calma! — digo
Ele para de se afastar ou de tentar morder as mãos de Mathias encarando meu rosto, sei que ele sente minha tristeza, minha aflição e isso mexe intensamente com ele.
— Dandara, preciso fazer isso. — Santiago diz.
— Tire logo esse sofrimento dela — exclamo, deixando as lágrimas rolarem ainda mais por meu rosto, se misturando com a chuva.
Santiago prepara outra seringa, injetando nela, evito olhar, aquilo corta meu coração. Me ajoelho perto de sua cabeça, puxando-a para cima do meu corpo, ela solta um relincho baixo me fazendo chorar ainda mais. Archeron não se cortorce mais com dor, vai nos deixando aos poucos, seu olhar aterrorizado me encarava enquanto a chuva caía em nós. Nossos olhares ficando presos pelos últimos segundos, me fazendo assistir o reflexo do alivio pela dor ter ido embora finalmente e da morte.
Mathias me agarra pela cintura, contendo meu choro forte, seus braços se fazendo fortes ao meu redor como uma muralha, me tirando do lamaçal com ajuda de Santiago. Ele me leva de encontro a Trovoada, fico agarro seus braços enfiando as unhas neles, querendo que essa dor que me corroi saia logo de dentro de mim. Trovoada bate com o focinho em meu rosto, me fazendo olhar para cima.
— Leve-me daqui.
Trovoada praticamente se deita, subo em suas costas abraçando seu corpo enquanto ele se levanta nos levando dali, nem me importando por não estar sentada totalmente certa sobre a sela, sei que ele nunca me deixaria cair.
CAPÍTULO 13
Miguel
Passo as mãos pelos cabelos pela décima vez. Tinha plena consciência que não deveria e nem teria porque me meter em assuntos que não eram meus. Se ela quis correr igual uma desajuizada para o meio do mato tentando salvar uma égua, quando o mundo estava caindo lá fora, isso é problema dela! Mas então, por que eu não conseguia voltar a dormir ou parar de caminhar pelo quarto como um bicho enjaulado? Por que o pequeno vislumbre de tristeza e medo nos olhos de Dandara me perturbavam?
Fiquei um bom tempo me revirando na cama, a chuva tinha diminuido um pouco, mas continuava a cair. Uma inquietação fora do normal tomava meu corpo. Tento não pensar ao lançar as cobertas para o outro lado, vestir a bota que Mathias havia me emprestado e sair em direção à luz fraca do celeiro. Mesmo antes de entrar eu podia ouvir as fungadas de alguém chorando, me esgueiro pelas pilhas de feno tentando ver quem é.
Dandara leva seu cavalo para a baia, tirando o equipamento das costas dele. Pega uma toalha pendurada perto da baia e para, olhando para mim por cima do ombro. — O que você quer aqui?
A roupa estava grudada em sua pele, a camisa branca transparente pela chuva, deixando seu sutiã à mostra, os cabelos loiros colados no rosto pingando água.
— Achou sua égua?
Ela me analisa de cima a baixo. — Isso não é da sua conta.
— Será que você não consegue agir com civilidade? — questiono chegando perto o bastante.
— Você não tem nada melhor para fazer? O que você quer de mim?
— Distância! — digo com raiva, ô mulherzinha teimosa! Vim aqui por que estava preocupado com ela, — o que hipótese nenhum revelarei —, e nem por um mísero segundo ela consegue parar de dar coice.
— Mentira! Nem mesmo um brucutu chucro como você ficaria tanto no meu pé se não quisesse algo, já falei, não irei vender o Haras, esqueça! Agradeceria se me deixasse em paz.
— Está querendo dizer o quê? Que sinto algo por você?
Ela gargalha jogando o cabelo molhada para trás, fazendo algumas gotas de água voarem em minha direção. — Você tem medo, tem algo além da disputa, algo além da raiva de ter que dividir o Haras comigo — ela dá um passo em minha direção.
— Você acha que todos os homens estão prontos para cair aos seus pés! — retruco.
— Noto como me olha, como me olhou ontem no bar, você me segue com os olhos, mesmo longe eu sinto você como um abutre em minhas costas. — Os olhos de Dandara se estreitam, enquanto um sorriso minimo brilha em sua boca.
— Você me irrita, é teimosa, complica a minha vida. Tem sorte de ter ainda alguns trouxas que lhe aturam, sendo ogra do jeito que é.
— E você acha normal alguém te irritar tanto se mal conhece? — desafia.
Dandara dá outro passo em minha direção, um sorrisinho de escárino nos lábios.
— Ódio a primeira vista — digo.
— Ou seria atração? Desejo... Diz Miguel... o que você quer comigo?
Dandara sorria para mim, convencida, gostando de me atingir. E ela estava atingindo algo dentro de mim, me fez inclinar em sua direção, selando sua boca com a minha. O fato é que ao afastar minha boca da sua vi seis olhos se dilatarem e ela permanecer parada com os lábios entre abertos. O que fiz a seguir, era por puro desejo.
Puxei seu corpo para o meu, minha boca esmagando a sua, forçando-a a abrir,dando espaço para minha língua, sentindo o gosto da chuva em sua pele. E, de repente, eu estava faminto. Ela retribui receosa, sua boca acompanhando a minha, os seios esmagados contra meu peito, fazendo minha pele se arrepiar pelo frio de suas roupas. Minha mão desce até sua bunda, naquele momento eu não queria mais saber se cai em sua lábia e provado que tinha atração por ela. Eu só queria empurrá-la até a parde mais próxima, esfregando meu corpo no seu.
E eu poderia ter feito, se ela não tivesse interrompido nosso beijo, empurrando meu peito para longe, encarando meus olhos com ódio. —Talvez, não sou eu que me sinto atraido por você — É inevitável o sorrisinho que me escapa, assim como o tapão que ela dá em meu rosto. — Ah, sua encren...
Dandara puxou meu corpo pela roupa, fazendo nossas bocas se chocarem novamente, tomando a minha com urgência, como se não quisesse que o beijo tivesse fim. Levo minha mão em seu cabelo, enfiando meus dedos entre eles, com a outra mão em sua bunda puxo seu corpo para o meu, fazendo com que nós dois caíssemos contra as pilhas de feno, Dandara montada sobre mim, um gemido sai de meus lábios ainda colados nos dela, eu sentia sua pele quente, arrepiada, minha ereção aparente esfregando-se nela.
Aperto seu quadril, deslizando as mãos por suas costas. Mas em nenhum momento interrompo nosso beijo, muito menos desacelero o ritmo. A intensidade e o fogo do beijo só aumentava, enrolo minha mão em seu cabelo escorregando minha boca por seu pescoço, sugando sua pele, deixando avermelhada por onde minha boca passea.
Rolo com ela, deixando os fragmentos de feno colarem em nossos corpos, deitando sobre ela, minhas mãos na barra de sua camiseta e um rastro de desejo se espalha em minha pele. Ergo sua camiseta chegando as taças do sutiã, abaixo, chupando um de seus mamilos com força, me sentindo a ponto de explodir ao ouvir o gemido saindo de seus lábios e suas costas arqueando. Aumento a sucção, mordendo a ponta de seu mamilo, lambendo e voltando a sugar com avidez. Doido para fazer isso em outro lugar.
— Mathias dê uma olhada no estábulo, eu vou me livrar disso. — a voz de Santiago soa baixo em meu ouvido, mas é como o despertar para Dandara. Ela me joga para o lado, ajeitando o sutiã e a camiseta, um olhar de reprovação brilha em seu semblante tomando o lugar dos olhos injetados de desejo.
— Ah, esquentadinha nem comece com o discurso. — Esse foi meu erro, assim que falei foi como se ela tivesse pronta para me matar.
Ela limpa a boca, que segundos antes estava beijando. — Nunca mais faça isso, senão eu piso em seus pertences com o solado de minha bota! — diz batendo o pé no meio de minhas coxas, perto do meu pênis.
Ela cruza com Mathias na entrada do estábulo como um trovão, passando por ele sem nem escutar o que o homem tem para dizer. Mathias olha em minha direção não entendendo nada ou se fingindo de besta. Pois meu pau duro estava marcando em meu jeans, assim como meu cabelo estava desgrenhado pelos puxões que a diaba deu.
Merda! Levanto sacudindo a camisa, retirando os fiapos de feno colados em mim.
— Seu Miguel — cumprimenta tentando ocultar o sorrisinho.
— Mathias, boa noite — respondo, passando ligeiro ao seu lado.
A chuva tinha dado uma trégua, o cheiro de terra molhada e grama fresca me atingiu assim que eu saí do estábulo, o céu começava a clarear ao longe, mas não conseguia me sentir cansado, apenas eletrizado pela adrenalina que ainda passava pelo meu corpo e com uma imensa frustração pela dopamina correndo em minhas veias e meu pênis querendo alivio.
A casa já estava em movimento, Maria ocupava a cozinha fazendo o café, Bento entrou junto comigo trazendo pão fresco e leite.
— Caiu da cama, Seu Miguel? — Bento pergunta.
— Caí quando Dandara fez aquele furdúncio todo. — respondo sentando no banco de madeira da cozinha.
— Foi uma noite difícil.
— Ô se foi — resmungo.
CAPÍTULO 14
Dandara
Passo o restante do dia trancada no quarto, mal acreditando no que poderia ter acontecido se Mathias não tivesse interrompido. Na manhã seguinte, quando saio de meu quarto, pouco falo, tomo café num silêncio sepulcral, não só pelo desânimo que corroía meus ossos por perder Archeron, mas pelo ódio que me queimava por ter aceitado o beijo aquele brucutu chucro!
E como sempre depois de uma tempestade, o sol brilhava forte no céu, enfio o chapéu na cabeça sorrindo ao ver Trovoada correndo com os outros cavalos do cercado.
— Bom dia, Dandara, como você está?
Abraço Bento rapidamente — Estou bem, muito trabalho para hoje.
— Mathias já cuidou do alazão 4 de Matheus, foi massageado e está esperando você. Deu uma de durão, mas logo deixou de lado toda a marra.
— Que bom, tenho que cuidar das crianças hoje, mas depois do almoço sou toda dele.
— Bom dia, Dandara. — Mathias me cumprimenta trazendo Trovoada consigo.
— Bom dia.
— Tirei o garotão para dar uma caminhada, ele estava irritado pela manhã.
— Obrigada, Mathias.
Passo a mão pelo corpo do Trovoada, acariciando sua pelagem e crina. Mathias me passa a cesta com cenouras o que me faz rir de sua pequena luta para que Trovoada não tente roubá-las.
Sigo com Trovoada até o redondel onde as crianças esperam animadas. Os pequenos sorrisos são a primeira coisa que vejo assim que cruzo o caminho até eles.
— Bom dia, Dandara — a fisioterapeuta me cumprimenta.
— Bom dia.
Kauã é o primeiro a vir correndo, um lindo garotinho de oito anos que sofre com autismo. Lembro do primeiro dia que ele chegou aqui no Haras, ele tinha fobia com todos os tipos de animais, somente por vê-los fazia Kauã chorar e gritar tanto que você ficava desesperado.
Hoje, após três anos de tratamento, ele não apenas tem um amor imenso por qualquer animal que cruze seu caminho, como sempre quer ser o primeiro a montar no Trovoada.
— Bom dia, Kauã. Como você está? — pergunto abaixando em sua altura.
— Muito bem, muito bem.
Sorrio lhe entregando uma cenoura, Kauã corre em direção ao cavalo mostrando o mimo que ele tem; Trovoada como já conhece o treinamento, se deita deixando que Kauã lhe dê carinho, abrace, para só depois receber o tão esperado mimo.
Auxiliamos Kauã em cima do cavalo, eu de um lado e a fisioterapeuta do outro, indo em direção a turma daquela manhã.
Ali os animais são os verdadeiros terapeutas, nós somos apenas os figurantes, somos a ponte entre as crianças, os animais e a natureza. As crianças quando chegavam para fazer suas primeiras aulas era ensinado o afeto, a estimulação de afeto entre ela e o animal Tendo como consequência que ela levasse essa interação para as pessoas do seu circulo de segurança.
Muitas vezes as crianças passavam as cinco primeiras aulas apenas auxiliando no cuidado do animal, escovando seu corpo ou sua crina, dando agrados ou se sentando ao lado deles como algumas crianças estavam fazendo nesse momento.
Tinha criança dentro do projeto que recebeu ajuda com desenvolvimento da mente ou corpo, sensibilidade tátil, visual ou auditiva, aumentando até mesmo a autconfiança. Coisas que antes a criança tinha grande dificuldade de conseguir sem esse tipo de projeto.
O projeto anjo azul, realizado aqui no Haras, contava com crianças até mesmo com problemas motores, que mal conseguiam se manter em pé sem ajuda da fisioterapeuta ou dos pais e, hoje já estavam dando os primeiros passinhos sozinhos.
E se uma pessoa não conseguia ver a beleza no que os cavalos faziam, não merecia nem mesmo chegar perto deles.
Proporcionar algo prazeroso ou uma qualidade de vida melhor para essas crianças, é tudo que eu sempre quis com esse projeto.
— Bom dia criançada, Trovoada acordou com muita fome, quem quer dar um mimo para ele? — pergunto sendo logo recebida com sorrisos, mãos erguidas e gritinhos de “me escolhe tia”.
Miguel
Depois de um banho demorado, visto minha calça jeans, uma camiseta branca e novamente aquelas botas chulezentas, só Deus sabe como couro fede quando é molhado. Mas nem mesmo esse “fedô” me faria estragar mais um de meus sapatos italianos.
Pela casa, sinto o cheiro de uma comida bem feita, dançando pelo ar. E ao dar uma espiada para dentro da cozinha, pego Maria cortando alguns tomates enquanto dança ao som de uma moda sertaneja que vem do rádio, em cima da imensa mesa de madeira. O cheiro de carne assada espalha-se pelo ambiente, fazendo meu estômago roncar.
— Boa tarde, Seu Miguel. O almoço está quase pronto. — diz jogando os tomates picados em uma saladeira e começa a descascar algumas batatas.
— Irei almoçar mais tarde, Maria. Tenho que olhar algumas coisas pelo Haras.
O sorriso fraco que ela me lança não é nada parecido com os que geralmente dava, pelo visto todo mundo pisava em ovos quando o assunto era eu e o bendito Haras! Que bela confusão você me colocou, hein titio! — penso saindo dali.
Hoje é o primeiro dia que o Haras não está cheio, ainda tem alguns montadores nas pistas de treino, até crianças correm por aqui. Desvio de algumas correndo no sentido contrário do que eu vou; paro observando Dandara rodeada de crianças, sorrindo totalmente entretida no que elas diziam.
— Seu Miguel, posso ajudar?
Viro dando de cara com Mariana, as bochechas rosadas como sempre.
— Na verdade pode sim, vou aproveitar que a esquentadinha está no meio dos cavalos e vou olhar aqueles documentos.
Mariana confirma abrindo a porta do escritório.
— Os papéis estão ali, por favor, não mexa nas coisas da Dandara, ela me mata se você tirar algo do lugar. — Mariana fala me entregando uma pilha de documentos.
Sento na cadeira que ela aponta como sendo da Dandara, colocando os pés sobre a mesa, abrindo as pastas. Para o horror de Mariana.
Depois de trinta minutos lendo todos os tipos de contrato, serviços prestados, além de toda a documentação, vejo que na verdade o Haras não tinha tantas dívidas como o advogado tinha dito; sim existiam, mas não era impossível cobrí-las. Se ela vendesse sua parte para mim, eu poderia resolver todas as pendências em poucos dias.
— Miguel, desculpe atrapalhar, mas Dandara acabou a equoterapia, por favor, se analisou tudo sente na minha mesa.
Olho para o rosto assustado de Mariana, sorrindo.
— Ela realmente bate o chicote em vocês — caçoo.
— Se de bom humor ninguém quer pisar no calo dela, imagine no dia que Dandara está mordendo a sombra?
Levanto espreguiçando-me. — Me diga, Mari... como a esquentadinha planeja pagar tudo isso? Esse projeto de equoterapia não é lá muito lucrativo.
— Esse projeto é algo pessoal para Dandara. Quando Seu Pedro deu aval para que a chefinha o planejasse, estava ciente que isso não encheria nossos bolsos de dinheiro. Mas ele e a chefinha dividiam sobre tudo, o amor pelos cavalos.
Dou de ombros, — Temos que ver o que nos dá lucro, como dizem na cidade grande: Não adianta dar murro em ponta de faca!Não podemos continuar com um projeto que está mais esvaziando nossos bolsos do que colocando uns trocados.
— Seu Pedro gostava muito de ver as crianças correndo pelo Haras, até mesmo em excursão de escola.
— Bom, meu tio-avô gostava tanto de criança que agiu como uma até mesmo depois de morto — retruco com um dar de ombros.
— Avê Maria, Seu Miguel — Mariana diz benzendo-se — Dandara tem um plano para recuperar o dinheiro, mas eu não posso nem mesmo falar sobre isso.
Dou um passo para mais perto, sorrindo para ela. — Conte, prometo que será nosso segredinho.
— Seu Miguel...
Pisco ainda sorrindo, jogando meu charme para cima de Mariana.
— Ela planeja uma atração aqui no Haras, até mesmo com uma competição para cavaleiros... — Mariana arregala os olhos — nem deveria ter dito isso, por favor, Seu Miguel, não conte para ela.
Seguro o riso, confirmando com um gesto. A pobre menina parece a ponto de desmaiar por ter me contado o segredinho de sua chefe.
Paro na varanda após o almoço, vendo Dandara dar ordens e rodear o cercado com o cavalo. Sua calça aperta seu corpo, deixando sua bunda e suas coxas em evidência, assim como a camiseta branca dá margens para relembrar a noite passada, quando estava molhada e colada no corpo. Seu cabelo loiro brilha preso em um comprido rabo de cavalo sobre o sol.
— Vejo que cê tá aproveitando bastante a vista do Haras. — Mathias diz batendo a mão em meu ombro.
Ignoro seu comentário com duplo sentido.
— Um rapaz chamado Paulo, ligou mais cedo.
Encaro seu rosto. — Ligarei de volta. — quando volto meus olhos para Dandara vejo um peão cruzar o caminho até ela, pulando o cercado. — Quem é?
— Matheus Fornalle, é campeão de Turfe. Dandara está cuidando de seu cavalo.
Pelo jeito que ele faz questão de chegar perto dela, assim como tocá-la a todo instante, me parece bem mais que apenas um dono de cavalo.
— Ocê vai ter que tomar cuidado, certos olhares podem dizer que ocê quer algo além do Haras, Seu Miguel.
Olho pelo canto dos olhos, vendo Mathias rir. — Você não tem nada para fazer? — resmungo.
— Arra , até que tenho. Mas nada envolve comer com os zoinho a amazona mais turrona que a terra já viu. Cuidado, homi , vai ser domado rapidinho. — dispara a falar, correndo para fora da varanda, indo para longe de mim.
CAPÍTULO 15
Dandara
— Muito bom, garoto. — Sorrio me aproximando de Ferroni, ele vem correspondendo bem aos comandos. Monto nele dando algumas voltas no redondel, sei que ele já está aquecido, mas mesmo assim dou algumas voltas a trote curto, para que ele faça força. Ferroni, sendo um cavalo de turfe, não tem muita paciência de trotes pequenos, ele ama a corrida. Mas é importante que ele entenda esses pequenos cortes para que diminua.
Invisto no galope no meio dos instrumentos de equitação, dando voltas, sempre repetindo, fazendo-o saltar alguns dos obstáculos mais baixos, testando o controle dele. Ferroni tenta me dar um susto mudando o lado de galope, me fazendo segurar mais firme o arreio.
— Seu danado, queria fazer gracinha, é? — pergunto sorrindo.
Ele reclama relinchando, mas sei que está tranquilo, não está agitado e nem quer me machucar, é apenas coisa de um alazão novato. Diminuo o galope, deixando que ele descanse. Desço dando uma acarinhada em sua crina, notando Matheus sentado sobre o redondel.
— Não notei você chegando.
— Como ele está?
— Está bem, vamos progredindo, é preciso ter paciência. Ele sofreu um acidente, não podemos culpá-lo. Sei que você não acredita, mas o erro do acidente pode ter sido seu.
— A pata dele está melhor? — pergunta.
— Está, com os remédios e fazendo as massagens certas para acelerar o processo de recuperação, logo estará pronto.
— Você tem que ir para os grandes Haras, sua doma pode te tornar famosa. Pode ganhar muito dinheiro, poderia ser minha domadora particular.
— Agradeço o convite, mas não largo meu Haras por nada.
— Aquele engomadinho não irá herdá-lo de qualquer maneira? — questiona, acariciando a crina de Ferroni, encontrando minha mão por vezes, mesmo que com gentileza eu desvie do seu toque.
— Ele tem direito, mas pegar é outra coisa totalmente diferente. Meu Haras tem certificados de qualidade, só estamos passando por um momento complicado desde a morte de Pedro.
Matheus faz uma cara de deboche que me faz lembrar porque eu chutei sua bunda para longe anos atrás.
— Vamos ao que interessa, quando Ferroni estará pronto? Eu tenho uma competição importante e um olheiro em cima de mim, o negócio está quase fechado, se der certo irei para os Estados Unidos.
— Uns três dias e poderá levá-lo, mas é preciso que mantenha o treinamento que foi feito aqui com ele. Ferroni precisa de certos limites quando está fora da competição, isso faz bem para ele e para o relacionamento de vocês no futuro.
— Muito bom! Onde podemos acertar? — Matheus questiona.
— Vamos até o escritório, vou pedir para que Mathias dê uma ducha nele, além do mais, tenho um pedido especial para você. — digo.
Matheus segura minha cintura, fazendo com que eu desse uma chicotada em seu joelho.
— Já vi que sexo não é. — retruca rindo.
— Deveria ter dado uma chicotada no seu lombo, eu quero que você venha para a competição que iremos fazer, preciso levantar dinheiro para o Haras. Você é um agroboy , as mulheres virão se você for posto como um peão modelo, isso e sua lábia para trazer outros competidores da região.
Ele gargalha me acompanhando até o escritório. — Então quer usar minha beleza e charme para garantir uma grana? Ô princesa, eu posso ajudar, me diga, de quanto precisa?
Me enfezo. — Não quero seu dinheiro fácil, estou pedindo uma troca de favores. Já que eu domei seu cavalo e o coloquei no eixo para continuar enchendo seu rabo de dinheiro e dando essa fama de agroboy que anda estufando o peito por aí.
Matheus entorta os lábios por um segundo, mas sorri. — Fechado, eu vou ser seu fiel mosqueteiro. Ganho um beijo e um abraço apaixonado depois? Tudo em prol do Haras, é claro.
— Não!
Ele ri mais uma vez passando o braço pelo meu ombro com intimidade, fazendo-me bufar. Se deixar esse homi se espalha mais esterco em dia de chuva.
Miguel
— Miguel, precisamos da sua presença, alguns investidores só querem fechar e assinar com sua presença. Você não voltar para os negócios, está tendo um impacto grande nesses últimos acertos dos hotéis!
— Dê um jeito nisso Paulo, preciso lhe promover para meu sócio para que tome conta? Vamos colocar assim, durante anos me dedido à minha empresa e nesse em especial, decidi tirar umas férias. Falta pouco tempo para que eu tome esse lugar e logo estarei de volta a São Paulo. — digo sentindo um gosto amargo descer pela garganta.
— Não prometo, mas vou segurar os problemas, mesmo aguentando as caras feias que eles fazem ao ver que você não está presente em mais uma reunião. — Paulo responde — Sobre os documentos que me enviou, está tudo certo com o Haras, as dívidas são gastos excessivos, é preciso analisar quantos cavalos há no Haras e o que faremos quando ele não existir mais. Vou deixar anotado para pesquisarmos algum lugar que compra esses animais ou você pode ir passear na redondeza e encontrar alguma fazenda para negociar.
— Sim, preciso analisar isso com mais calma, acredito que terei mais tempo e cabeça livre quando o advogado retornar, Dandara é osso duro de roer.
— Você analisou a planilha que enviei? Tem um cavalo, que somente ele come quase um quilo de ração? O que ela cria aí? Algum tipo de mutação genêtica?
Sorrio, — É o Trovoada, ele é de uma raça especial.
— Deve ser mesmo. Venda-o, deve valer algo.
Dandara e eu já estamos em guerra declarada, imagina se eu sequer mexesse com seu cavalo? A pergunta é, qual de nós cansará primeiro e largará a corda?
— Você deve estar gostando de tudo isso, o Miguel que eu conheço não passaria um dia no meio do mato, e já estamos quase três meses nisso.
Volto minha atenção para a conversa, negando rapidamente. — Você perdeu o juízo? Eu que me enfio no mato e você que fica maluco? Vai resolver as pendências e não me apurrinha, nos falamos depois.
Desligo o celular na cara de Paulo, contrariado pelo que me disse.
CONTINUA
CAPÍTULO 8
Miguel
Jogo meu corpo na cama xingando baixinho, cada mínimo movimento doí, porra de cavalo xucro! Meus braços e bochechas tem arranhões dos galhos que ele lançou em mim, minha pele arde no minimo contato.
Retiro o telefone vendo que há duas ligações perdidas do meu assistente.
— Olá — resmungo, assim que atende a ligação.
— Miguel? Tudo bem? Estou atrapalhando algo? — pergunta Paulo do outro lado da linha.
— Não, estou gemendo de dor, seu idiota.
Ele ri, mas logo se controla quando bufo contra o telefone. — Posso saber o que ocorreu?
— Um cavalo xucro saiu como um maluco, quase tive um acidente sério. Não tem uma parte do meu corpo que não esteja doendo. Retiro o que disse os cavalos podem ser tão mortais quando um humano, tive a certeza hoje que cada pedido para parar ele ignorou completamente. Ainda bem que aquela outra maluca fez alguma coisa e me tirou daquele bicho descontrolado.
— Espera, Miguel Ramirez montado num cavalo? Não me diga que você também está usando botas e calça de couro? — ironiza meu amigo e assistente.
Olho imediatamente para os meus pés, chutando as botas para longe, recordando do sorrisinho insolente que Dandara me enviou ao me ver de bota mais cedo. — Continue rindo que vai perder o emprego e reze para continuar sendo meu amigo — resmungo novamente.
— Tudo bem, tudo bem. Falei com os avalistas, eles devem aparecer por esses dias.
— Ótimo! Amanhã eu vou me inteirar sobre os assuntos do Haras, quando o advogado veio ler o testamento de meu tio, deixou claro que Dandara precisa quitar as dívidas, ou seja, mais um ponto para se negociar. Você tinha que ver a cara dela quando o advogado leu as tais regras malucas que meu tio estabeleceu.
— Ela deve ser realmente interessante, nunca vi você falar tanto de uma mulher em todos esses anos, mesmo que seja para reclamar.
— Claro, ela é pior que uma mula, a mulher me atormenta, mas em breve a colocarei em seu lugar.
— Isso está cheirando outra coisa.
— Não fale besteira. Conte-me, como estão as coisas na empresa com minha ausência? — pergunto deitando a cabeça sobre o travesseiro.
Paulo passa uns bons vinte minutos discutindo comigo sobre algumas burocracias dos hotéis e sobre meu ambicioso projeto para esse Haras e fico animado que a equipe de arquitetos esteja dando tudo de si para colocar o projeto em prática, será necessário que esteja tudo alinhado quando finalmente tiver as terras para mim.
Tomo uma ducha rápida, depois de encerrar a ligação, visto roupas limpas e desço, meu estômago está dando os primeiros sinais de fome, e confesso que rezo para que aquela maluca não tenha feito nenhuma parte estranha da galinha novamente.
Quando chego na sala sinto cheiro de ovo e mesmo não sendo minha comida predileta é melhor que pé de galinha. Caminho até a cozinha encontrando Dandara se movimentando da pia para o fogão, rebolando sua bunda de um lado para o outro, enquanto prepara o omelete.
Caminho até a geladeira, pegando uma garrafa de água, eu poderia me sentar e ficar quietinho, mas vou devagar, parando atrás de, Dandara que se vira ao me sentir próximo de suas costas, o sorriso que tinha em sua boca assim que entrei na cozinha morre dando lugar para a carranca de sempre.
— O que está fazendo de bom aí? Está com cheiro gostoso.
— Nada que lhe interessa. — Acusa voltando para o fogão. Ela despeja o omelete pronto num prato, e seu olhar me faz recuar segurando o riso.— Está me espiando agora?
Vou até o banco de madeira, sentando-me de frente para ela. — Você realmente não sabe o que é ter modos com visitas.
Dandara larga o talher e o prato sobre a mesa. — Que eu saiba, você não é visita, se pode ficar arrotando por aí que é dono do Haras, alimentando a fofoca desse povo desocupado, pode fazer a própria comida. Vejo que suas mãos ainda estão no lugar.
Reviro os olhos.
— Seria gentil de sua parte fazer algo ou pelo menos oferecer.
— Oh, coitadinho do Miguelzinho, ele ainda acha que irei servi-lo? Que pena — diz levantando-se e levando o prato de omelete consigo. Ao chegar perto de mim ela para, encara meu rosto — Sabe, pensando bem, você não está acostumado com nossa vida, não entende nada do campo, não sabe como funciona as coisas por aqui.
Confirmo meio desconfiado de sua gentileza repentina. Afinal, de boas intenções o inferno está cheio. — Podemos resolver de forma amigável, como já havia dito.
— Sim, podemos. Então você vai pegar sua bunda mole e prepotente e sumir daqui, deixando meus animais e as famílias que dependem do Haras em paz?
— Não, olhe bem, Dandara...
Mal termino de falar ela vira o prato de omelete quente sobre minha cabeça, me deixando todo melecado de ovo. — Puta que pariu! Sua maluca! — Grito ficando de pé, passando a mão pelos ombros, jogando para longe a sujeira de ovo, presunto e pedaços de outros ingredientes. Sentindo os olhos lacrimejarem de dor pela comida quente que caiu em mim.
Ela sorri de maneira irônica. — Se vira, brucutu! Mas nem por cima do meu cadáver você irá tomar o Haras de mim. E se eu fosse você limparia essa bagunça, senão amanhã eu nem apareceria na frente de Maria.— diz antes de pisar no meu pé com sua bota e sair marchando para o andar de cima.
CAPÍTULO 9
Dandara
Esgotada. Hoje foi um dia realmente puxado, faço uma massagem pelo pescoço desligando as luzes do escritório. Passo pelo estábulo carregando comigo um pouco de feno e enquanto fecho as portinholas, vou dando para os cavalos, acariciando suas cabeças.
— Hora do descanço, amigo — digo fazendo carinho no Trovoada, rindo ao ver ele se curvar todo ao receber o carinho. — Amanhã é dia de banho. — ele relincha sacudindo a cabeça — É, estou preparada para não cair nas suas brincadeiras, seu moleque travesso!
Adoro esses momentos tão nossos, todos os dias tiro um momento para nós, algo que vai além de montar e irmos para os campos mais afastados. Um momento que nos conecte de alma e coração, a linguagem corporal mostra muito para eles, assim como nos expressa seus sentimentos. Acaricio sua crina novamente fechando a portinhola.
O som da viola chega alto em meus ouvidos, os funcionários têm mania de montar uma roda de viola durante as noites.
— Boa noite, pessoal. — cumprimento ao passar por eles.
— Boa noite, Dandara. Fica com a gente essa noite?
— Sinto muito Cicinho, estou tão cansada que tudo que quero é a cama.
Ele sorri e volta a cantar o modão antigo. Sigo para casa agradecendo pelas luzes estarem apagadas, sinal que o brucutu me deixará terminar a noite de maneira tranquila.
Mas no fundo me engano, respiro fundo ao escutar o piso de madeira estalar sob seu peso. Assim como não foi nenhuma surpresa que iríamos discutir, meu corpo estava aquecido, enfurecido por nossa discussão. Jogar o meu jantar em sua cabeça foi pouco para o que eu tinha vontade de fazer com esse homem petulante.
Na manhã seguinte entro no escritório com um rompante, pegando Mariana desprevinida.
— Arre égua , Dandara, quer me matar do coração?
— Estive pensando, podemos fazer um evento, algo até que grandioso, uma exposição dos cavalos ou até mesmo uma competição de hipismo, voleio... — eu estava divagando, sabia só de olhar para o rosto de Mariana tentando acompanhar minha linha de raciocínio.
— Você não dormiu nada pelo visto.
— Um pouco — digo dando de ombros.
— O evento seria interessante, mas tem as regionais daqui alguns meses, os montadores podem não querer desgastar os animais com isso.
— Ou podem adorar a ideia, treinos são o básico para eles, o que mais te deixaria pronto para uma grande competição do que outra? Seria um aquecimento, e sei que falando da forma correta eles irão aceitar.
Mariana para por um instante analisando o que acabei de dizer. — Pode ser uma coisa boa — considera por fim.
O sino em cima da porta toca, nos fazendo encerrar a conversa.
— Então é aqui que ficam os documentos do Haras?
Reviro meus olhos.
— Bom dia, Seu Miguel. — Mariana se derrete um pouco olhando de cima a baixo o corpo de Miguel.
Dou uma olhada para ela, do tipo “Sério isso?”, mas pelo visto ela está entretida demais na bunda dele, eu entendo, ele realmente tem uma bunda bem gostosinha...— O que quer aqui? — retruco.
— Preciso dar uma olhada na papelada, o advogado comentou sobre as dívidas do Haras, quero saber quanto é seu rombo.
— Meu rombo? Você não tem direito de vir aqui me falar uma asneira dessa. Eu cuido desse Haras como se fosse minha vida...
— Então já sei o motivo para ser essa baderna toda. — me interrompe.
Bufo.
— Qual é seu nome? — vira-se sorridente para Mariana.
— Mari...Mariana.
Controlo minha irritação para não mandar os dois à merda.
— Minha linda, você poderia separar os documentos para eu dar uma olhada? Apenas coisas mais triviais, e lógico, as dívidas.
— Claro!
Traidora!
Pego meu chicote sobre minha mesa e saio batendo o pé, minha vontade é colocar Miguel de joelhos e dar umas boas chicotadas no seu lombo, além do grande pé na bunda, quem sabe isso não seria suficiente para chutá-lo para longe.
Vejo um trailer cruzar as pistas parando perto de uma delas. Ando até lá vendo Matheus sair passando as mãos pelo cabelo, com toda sua pose de agroboy. 3
— Loirinha!
— Matheus, então é verdade, voltou para cidade.
— Sentiu saudades? — pergunta puxando-me pela cintura, colando nossos corpos.
Empurro seu peito com um sorriso frouxo. — Você ainda sonha com isso, que pena!
Ele me solta passando os dedos pela barba rala. — Rodrigo disse que se recusou ir até o rancho para cuidar de meu cavalo.
— Não me recusei, apenas comuniquei que estou com muito trabalho, não posso largar tudo para fazer seus caprichos.
— Então, se a melhor encantadora de cavalos não vai me ajudar, eu trouxe meu cavalo até ela.
— Ótimo, Rodrigo disse que ele não está se alimentando direito, que está arredio, o que houve entre vocês?
— No último Turfe sofremos um acidente, nada de grave, foi apenas a queda mesmo, e com a proximidade do outro campeonato, preciso que alguém dê um jeito nele. Ferroni já mordeu dois veterinários e quase deu coice em Rodrigo.
— Vamos ao trabalho. Quero ver o que ele tem para contar, não você — digo.
Seguimos até o trailer, ajudo ele abrir as portas, Ferroni se encolhe no canto oposto evitando ser tocado por Matheus.
— Deixa, eu pego ele, fique aqui.
Entro no trailer, pé ante pé, conversando com o cavalo, acalmando-o com carinho, suas orelhas se levantam e eu sei que está compreendendo o que digo. É notável que ele está magoado. Poderia ser pela queda como Matheus revelou.
— Você quebrou o elo entre vocês, Matheus. — Viro para encará-lo. — O que não está me contando?
— Ele foi teimoso, o que nos levou a queda, que papo é esse que eu quebrei o elo?
— Ser turrão não irá fazê-lo te olhar com bons olhos, ele está magoado!
Matheus cruza os braços em frente do peito. — Nunca entenderei como compreende tanto esses cavalos.
— São anos dedicados a eles, conheço-os bem.
— Retorno daqui dois dias, tenho um compromisso amanhã, espero seu retorno para buscá-lo.
— Vamos ter que fazer uma interação entre vocês. Isso se quiser competir com ele, você precisa se curvar também. Ferroni precisa ver que você está disposto a isso, não é só ele que precisa mudar.
— Claro, claro. Só me ligar.
— E Matheus, — Aguardo que ele se vire. — Não use mais chicotes nele.
— Como você... — A pergunta morre em seus lábios quando aponto para a anca do cavalo marcada pela surra do chicote.
Ele confirma, saindo sem jeito, fecha as portas do trailer e entra na sua caminhonete, sumindo dali.
Viro-me para Ferroni, estendo a mão e deixo que ele venha até mim, só então distribuo carinhos pelo seu corpo e cabeça. — Vou cuidar de você.
Levo-o comigo para a ronda nos estábulos, reponho água em algumas baias e deixo Ferroni em uma das vazias, colocando uma generosa porção de ração, feno e água fresca. Seria melhor ele descansar, amanhã começaria minha avaliação e a tarde poderia andar um pouco com ele e Trovoada, sendo um cavalo de Turfe, ele gostaria de correr livre pelo campo, e tenho certeza que adoraria cortar o riacho que fica na propriedade do Haras.
Volto para casa pouco depois das duas da tarde, meu estômago reclama de fome. Empurro a porta de madeira encarando o carro de luxo parado perto da entrada.
— Dandara, que bom que chegou, estávamos te procurando. — Maria diz de maneira afobada assim que entro.
— O que houve?
— Esses homens dizem que estão aqui para ver o Haras.
Meu sangue ferve. Como assim? O que aquele brucutu estava aprontando agora?
Tiro o chapéu da cabeça, deixando no mancebo na entrada indo até a sala, onde dois homens engravatados e metidos a besta estavam sentados, olhando tudo com olhar crítico.
— Senhores, o que posso fazer por vocês?
Eles se erguem estendendo a mão em minha direção, pego a do mais baixo primeiro e depois cumprimento o outro em silêncio.
— Somos da Avality Security, somos peritos, avaliadores judiciais — explica como se fosse lesada.
— Sim, claro.
Não precisava perguntar quem tinha os chamado, eu sabia, isso era coisa do brucutu, o que fez meu sangue borbulhar em meu corpo. Coloco um sorriso triste no rosto, fazendo os dois se entreolharem.
— Sinto muito, senhores. Acreditei que Miguel tivesse desmarcado com os senhores.
— Desmarcado? — pergunta o baixinho. — Essa reunião foi marcada pelo assistente do Sr. Ramirez, marcada com teor de urgência.
— Sim, primeiramente tínhamos muito interesse em vender a propriedade, mas Miguel sempre foi tão apegado às lembranças e todas as memórias de seu tio por aqui. É realmente uma lástima tudo que houve, o senhores entendem, estamos pensando em nos mudar definitivamente para o Haras.
— Como dissemos, senhorita, ninguém nos informou que a visita estava cancelada. — O baixinho retruca novamente.
— Sim, eu compreendo. E queríamos mesmo, mas como vimos, o assistente não está lá fazendo seu trabalho direito. Desculpem pela viagem em vão.
— A senhorita seria o que do Sr. Ramirez? — o outro pergunta mais desconfiado.
— Noiva. Miranda, muito prazer — digo com um sorriso.
— Bom, vemos que foi uma viagem à toa realmente, por favor, informe seu Miguel que o que combinamos terá que ser arcado pela empresa dele.
— Claro, eu mesma faço questão de mandar o assistente fazer os embargos todos hoje.
Eles sorriem mais satisfeitos, sabendo que ganhariam da mesma maneira. Acompanho os dois até a entrada, abrindo a porta para eles, vendo-os entrarem no carro e saírem do meu Haras.
— Menina!
Viro rindo, encarando o olhar recriminatório de Maria.
— Isso trará problemas!
— Que dê, estou louca para chutar a bunda daquele brucutu para bem longe!
E não demorou muito para que ele descobrisse o que tinha feito, estava terminando o meu descanso na sala quando ele entrou batendo o pé como um boi velho, gritando aos quatros ventos que eu iria pagar bem caro pelo que havia feito.
Continuo descascando minha tangerina, chupando o sugo doce que tranbordava da fruta, deixando que ele urrasse tudo que tinha vontade, antes de me levantar para revidar.
— Já acabou, brucutu?
Ele cruza os braços me encarando furioso.
— Primeiro: você não deve ter escutado direito quando o advogado disse que providências como essas só poderiam ser tomadas depois de cinco meses vivendo no Haras e não depois da primeira semana, que dirá dias; segundo: O haras não está à venda, contente-se com isso. Você não vai cantar de galo por aqui, porque não passa de um franguinho enviadado. Então desista!
— Olha lá como fala comigo, sua caipira! — diz vindo para cima de mim.
Ergo a sobrancelha vendo seu rosto a centímetros do meu.— Sinto muito, se não está contente, pegue suas tralhas e se manda daqui!
— Você está mexendo com fogo!
— Esse fogo todo não passa de uma brasinha, se enxergue. Brucutu! — digo caminhando até a porta, coloco meu chapéu na cabeça vendo-o praticamente espumar pela boca.
CAPÍTULO 10
Miguel
Passo na frente da porta do quarto de Dandara, tentando escutar algo, mas parece que a Diaba estava dormindo, jogo minha jaqueta nos ombros descendo a escada.
— Estou pronto, podemos ir para esse tal de bar.
Ainda estava puto pela atitude de Dandara com os avalistas, isso me causou uma dívida e dor de cabeça desnecessárias. Esse foi o principal motivo que me fez aceitar o convite para conhecer o bar que Mathias tanto comentou hoje mais cedo. Eu só queria beber e quem sabe, ter algo perto de diversão.
Mathias me olha de cima a baixo.
— Que foi?
— Desculpa, Seu Miguel, mas o senhor não vai sair assim comigo.
Olho para mim mesmo, encarando minhas roupas, o que tinha de errado com minha calça jeans, meus sapatos italianos e minha blusa social? — O que há de errado? — pergunto externando meu pensamento, mas no fundo me arrependo disso, pois Mathias estava vestido com uma calça jeans rasgada nos joelhos, as botas como sempre nos pés, a camisa xadrez aberta deixando o peito à mostra e é claro, o chapéu na cabeça.
— Pensando melhor, deixa quieto, Seu Miguel.
Entro no banco de trás da caminhonete.
— Santiago, esse é o Miguel. — Mathias nos apresenta. — Santiago é o veterinário aqui do Haras.
Santiago me cumprimenta com um gesto de cabeça, trocando um olhar com Mathias, como se confidenciassem algo entre si. Gostaria de saber qual o problema desses caipiras, não podiam ver nada diferente que pareciam crianças segurando o riso travesso.
Ao contrário do que imaginei o tal bar que Mathias disse não ficava no centro de Ajapi, que já não era lá aquelas coisas. Passamos do pequeno centro com alguns comércios abertos, a maioria botecos com velhos sentados na calçada bebendo. Seguindo para a estrada, Santiago aumenta os faróis acelerando na pista vazia, o percurso dura uns dez minutos no máximo.
A entrada do Cowboy’s bar, era como um dos celeiros do Haras, o estilo de pequeno faroeste era o que destacava aquele bar do resto nomeio do nada. Enquanto Santiago procura uma vaga no estacionamento observo as pessoasvestidas como Mathias e Santiago formando uma fila na porta do bar, aguardando sua vez de entrarem.
Mathias e Santiago saltam do carro, cumprimentando quase todo mundo pelo caminho — vantagens e desvantagens de cidade pequena. A música sertaneja estava alta, saindo pelo abre e fecha da porta de entrada, assim como a voz das pessoas cantando como um coral.
O Cowboy’s Bar era como uma casa de show, o piso de madeira e decoração rústica, o mesanino dos dois lados, os bares movimentados abaixo deles em e, bem no meio, uma enorme pista de dança, já repleta de pessoas.
Literalmente eu não me encaixava nesse lugar. Mathias para em minha frente erguendo uma garrafa de cerveja, que eu nem mesmo tinha pedido. — Ficar de garganta seca, num pode. — acrescenta piscando.
Agradeço a Mathias ainda analisando tudo que estava diante de mim.
— Muito diferente da cidade grande? — Santiago pergunta.
— Muito — digo tomando um gole da cerveja, sentindo o amargo descer pela minha garganta.
— Logo começa a parte boa. — Mathias diz — Daqui a pouco toca o modão raiz, aquele que a viola toca e desce uma lágrima pelo rosto.
— É nesse momento que ocê tem que fugir do Mathias — Santiago fala rindo, antes de virar um copinho de cachaça.
— Se prepare para sair com o coração sangrando, mas é bão demais, quem não gosta de modão é porque tem medo — Mathias disse com um sorriso. — Ela bate aqui ô — acrescenta indicando o coração.
Casais se espalhavam pela pista de dança, grupos de jovens conversavam de forma animada, aquele bar era realmente o point da cidade, devia ser a única atração de mera qualidade que eles deveriam ter. Sinto uma mão em meu ombro, viro dando de cara com uma loira ao meu lado, ela dá um beijo em Mathias e outro em Santiago. Ainda me olhando.
— Mathias, Santiago, estão com amigo novo? — pergunta com malícia, dando o seu melhor sorriso para mim.
A garota era gostosa. — Oi, o amigo novo chama Miguel e você? — questiono retribuindo o sorriso.
— Óbvio que não é da cidade, um homem tão gato como você...meu nome é Cindy.
— Toca sirene que o perigo chegou — Mathias grita, gargalhando. O que faz a tal de Cindy dar uma olhada feia em sua direção.
Ignoro o comentario dele e suas risadas, iniciando uma conversa com Cindy, e em pouco tempo descubro que ela era filha de um fazendeiro da cidade, estava se formando em agronomia. Até mesmo mordi a língua, achei que ela seria o tipo de garota fútil da cidade pequena, principalmente pelo modo como me abordou. Porém, não era apenas um corpo e rostinho bonito.
— Finalmente! — Ela diz empolgada batendo palmas quando a banda ocupou o lugar no palco, logo me puxando para a pista de dança, mesmo eu falando que não sabia dançar. — Deixe de besteira, forasteiro!
E foi sendo arrastado para a pista de danç, passando no meio de casais combinando passos, que vejo Dandara entrar sorridente na pista de dança. Ela vestia uma calça jeans agarrada no corpo, literalmente colada sob suas curvas, uma camisa branca deixando alguns centimetros de sua barriga amostra, assim como um leve decote sobre seus seios perfeitamente redondos e chamativos.
Cindy agarra minha mão, se embrenhando ainda mais no meio da multidão que dançava empolgada, me fazendo parecer um idiota ali no meio.
As meninas querem se diverti
Se o homem não dança, ele acabou
Diga-lhe seguir em frente, tirar o homem
Agora posso pegar uma coca com meu rum?
Cindy rodopiava ao meu lado rindo como uma criança, esfregando-se no meu corpo, enquanto meus olhos estavam em Dandara dançando com um peão qualquer, repetindo os mesmos passos da garota que estava comigo.
Nossos olhares se cruzaram em uma de suas voltas, fazendo-a perder o compasso da dança, como modo de provocá-la agarro na cintura de Cindy até entrando no ritmo de seu quadril, minha perna no meio das suas fazem com que ela roçasse pelo meu corpo, fazendo meu pau ficar rígido nas calças.
— Podemos fazer algo melhor que dançar se quiser, forasteiro. — Cindy diz descaradamente, encarando a protuberância em minhas calças.
— Será ótimo, quem sabe mais tarde?
Hey, senhor não vai me vender uma identidade falsa
Há uma banda no bar que eu estou morrendo de vontade de ver eu tenho o meu dinheiro e você tem o que eu preciso
Hey senhor não vai me vender uma identidade falsa
(Fake ID – Big & Rich)
Não sei em que momento tudo girou e as mulheres trocaram de parceiro, Dandara parou com as mãos sobre meu peito, logo dando um pequeno passo para trás, mas intercepto seu gesto segurando firme em sua cintura antes que tente se ver livre de mim. Reparo também nos olhares aborrecidos de Cindy enquanto dança com o outro cara, mas me concentro na Diaba em meus braços.
— O brucutu quer fingir que dança? — pergunta rindo.
Levo à boca a garrafa de cerveja, terminando de uma vez o contéudo.
— Acho melhor segurar a onda, você não sabe como as coisas funcionam por aqui! — Retruca, olhando no fundo dos meus olhos.
Puxo seu corpo mais forte contra o meu, sentindo as mãos de Dandara se agarrarem ao tecido de minha camisa, seu corpo encaixado tão bem no meu como as peças de um quebra cabeça, seu seio pressionado contra meu peitoral, minha coxa no meio de suas pernas, tocando sua intimidade por cima do jeans. Me curvo um pouco encostando a boca em seu ouvido, deixando a impressão de meus lábios gelados pela cerveja que tinha tomado em sua pele antes de falar: — Então me diga, como as coisas funcionam por aqui?
Sinto o corpo dela tremer contra o meu, me fazendo sorrir.
Deixo minha boca deslizar por seu pescoço mais uma vez, minha mão envolvendo sua cintura, segurando o corpo firme no meu, o bastante para que ela sentisse meu membro meio ereto devido as esfregadas que Cindy tinha dado em seu quadril. Seu cheiro de caipira estava ficando impregnado em minha pele, e eu só poderia estar maluco, mas até que seguir por esse caminho poderia me facilitar em dobrá-la. Seduzi-la para conseguir o que eu queria? Não parecia uma má ideia.
Ela se afasta um pouco e pude uma sombra de desejo em seus olhos, mas também a teimosia que estava me acostumando a encarar durante os dias. — Nunca provoque uma domadora se não tiver preparado, por que só preciso de poucos segundos para te enlouquecer, assim como faço com meus cavalos chucros!
E com isso me deu uma joelhada nas bolas, porra de mulher maluca, curvo meu corpo, segurando minhas partes íntimas, meu urro de dor sendo contido pela música alta e as pessoas animadas conversando e cantando. — Você enlouqueceu? — pergunto.
Ela dá de ombros.
— Meu Deus, Miguel você está bem? — Cindy se abaixa em minha altura, olhando em meu rosto, que deveria estar vermelho de tanta dor que estava sentindo. — Ocê ficou maluca?
— Dá um tempo, Cindy!
Pelo visto Dandara e Cindy se conheciam muito bem. Dandara deu uma olhada feia para nós e sai, sumindo no meio da multidão de dançarinos.
— Venha, eu levo você embora, que menina maluca, não é à toa que falam que ela morrerá sozinha, está tão selvagem quanto os animais que cuida!
Se eu tinha qualquer pretensão de transar essa noite, Dandara tinha acabado com todas as opções.
CAPÍTULO 11
Miguel
Foi o barulho dos trovões e do vento passando forte pela casa, fazendo as janelas do quarto trepidarem que me acordaram, o relincho dos cavalos estava alto o bastante para que eu os ouvisse até com toque de desespero do meu quarto. Saio da cama parando em frente a janela, virando quando os relâmpagos e trovões cruzavam o céu, não era possível ver nada.
Escuto passos afobados do lado de fora do quarto, descendo a escada. Talvez a Diaba tenha medo de alguns trovões.
Poucos minutos depois ouço a voz de um homem exaltado, e a figura de Dandara correndo no meio da chuva, ou melhor, um pequeno flashe do que seria ela, apareceu quando o trovão cortou o céu. Pego meu casaco saindo apressado do quarto, o que teria feito esse alvoroço todo?
Assim que desço encontro Santiago, Maria e Bento com expressões preocupadas no rosto.
— O que está acontecendo, por que todo o estardalhaço?
— Seu Miguel, desculpe acordar o senhor, a menina Dandara saiu em disparada em direção aos estábulos, nessa chuva, com tantos relâmpagos!
Fico com uma expressão do tipo “e dai?”
— Eu vou atrás dela, Maria, fique calma — Santiago diz antes de sumir pela escuridão e chuva forte.
— A menina tem grande apreço pelos cavalos Seu Miguel, e temos uma égua muito doente, ela conseguiu se soltar da baia e fugir em direção ao campo. — Maria explica preocupada.
— Uma chuva nesse nível faz o riacho encher, é perigoso sair para aqueles lados. — Bento complementa.
— Que Nossa Senhora proteja minha menina — Maria clama saindo em direção à cozinha.
Começo a virar as costas para voltar para meu quarto, afinal, não tinha nada que eu pudesse fazer. Santiago já tinha corrido atrás dela e o que eu tinha a ver, se a doida decidiu sair correndo justo no meio dos trovões? Mas algo me deteve e quando dei por mim estava eu correndo no meio da chuva em direção às vozes alteradas que vinham do estábulo.
— Sai da frente Santiago ou não respondo por mim!
— Dandara, pense por um minuto, é perigoso sair debaixo desses trovões.
— Não deixarei aquela égua perdida. — Dandara gritou junto com o trovão retumbando em nossas cabeças.
Eles pararam a discussão me vendo parado na porta.
— Tudo que eu queria! — A diaba exclama.
Dandara puxa uma fivela da sela do cavalo, terminando os últimos ajustes. Pega um chicote colocando enfiado no cano alto de sua bota, enquanto sussurra algo perto do ouvido do cavalo.
— Dandara, me escute, ela pode estar em qualquer lugar — Santiago tenta argumentar, mas ela o ignora. — O riacho já deve ter transbordado, é perigoso e arriscado ir com Trovoada até lá. Pensou na hipotese dele atolar?
— Escute-o, você está se colocando em risco, quando seu veterinário disse que é tempo perdido. — reclamo.
— Quem disse que você manda em alguma coisa aqui? Quem disse que entende sequer do esterco que pisa?
— Eu tenho tanto direito quanto você, pode entender dos cavalos ou como as engrenagens funcionam por aqui, mas eu tenho direito a tudo que está dentro desse Haras, inclusive esse seu cavalo.
Os olhos dela me fulminam, se pudesse, tacaria fogo em minha direção.
— Tá com medo de quê? Você não sabe o que é reciprocidade e não tenho tempo para discutir com um brucutu que mal respeita o chão que pisa. — cospi em minha direção.
— Eu não tenho medo de você, só não confio em você.Você está transformando tudo num caos desde que cheguei, eu não gosto de você — digo um tom mais alto.
Santiago que acompanhava tudo de boca fechada perto das baias. tinha sido completamente esquecido, assim como a égua perdida.
Dandara arranca o chicote das botas batendo na palma da mão, — Eu te incomodo, né? Te tiro do sério, perturbo você. — Ela passa o chicote pelo meu rosto. — Não está acostumado a ouvir um não, muito menos vindo de uma mulher, mas te conto um segredinho, Sr. Ramirez, terá que me engolir! Agora saia da minha frente! — vocifera.
— Você está merecendo uma surra de chicote isso sim. — retruco agarrando o braço que ela segura o chicote.
— Se uma surra me deixasse livre de você, eu aceitaria de bom grado. Eu tinha certeza que você me traria problemas assim que cruzou meu caminho. Como anos atrás eu te odiaria assim que vi você cruzando os limites do meu Haras, mas eu vou abaixar sua crista logo, logo.
— Eu estou pagando para ver. — Debocho, ainda agarrando seu braço com firmeza e olhando no fundo dos seus olhos.
Ela se desvincilha do meu aperto, se vira subindo com rapidez no cavalo, dando uma chicotada perto do rabo, fazendo-o arquecar nas patas traseiras e sair num galope feroz do estábulo.
Observo ela sair com a mandíbula tão travada que poderia quebrar meus dentes. — Mulherzinha dos infernos!
CAPÍTULO 12
Dandara
Era impossível saber qual caminho Archeron percorreu, a estrada de terra era um lamaçal puro, com a chuva forte todas as grandes e pequenas pistas estavam destruídas, estava difícil enxergar um palmo à frente, forço Trovoada a galopar mais forte, indo para mais longe.
— Archeron! — grito para a noite.
O vento chicoteava a chuva contra meu corpo, embaladas pelos altos trovões à minha volta. Era apenas eu e Trovoada, tentando contra a força da natureza. Meus gritos por Archeron se perdiam no meio das árvores e dos relâmpagos iluminando o céu sobre minha cabeça. Meu corpo tremia de frio, os nós dos meus dedos estavam esbranquiçados, apertando a rédea com força.
Antes de chegar no riacho, puxo as rédeas do Trovoada fazendo-o parar derrapando na poça travessa de lama pelo chão, rezando para Deus que eu pudesse encontrá-la ainda com vida. A briga com Miguel nublava meus pensamentos, fazendo a raiva percorrer meu corpo.
Trovoada relincha tirando as patas da frente alguns centímetros do chão. Dando alguns passos para trás, não querendo obedecer minhas ordens.
— Vamos meu amigo, temos que encontrá-la.
Trovoada se ergue novamente, relinchando, sacodindo a cabeça para a escuridão incerta em nossa frente. — Por favor, não me faço usar a força, amigo — sussurro engolindo o choro.
Aperto os olhos quando um trovão clareia o céu, algo não muito longe acaba chamando minha atenção, Trovoada fica ansioso e sei que isso significa que encontramos, pulo de seu lombo, correndo até lá encontrando Archeron atolada numa poça de lama, suas pernas presas até a metade impossibilitando que ela saia sozinha dali. Seu relincho baixo é um pedido desesperado por ajuda, assim como seus olhos arregalados ao encarar.
— Preciso da sua ajuda — digo para Trovoada, ele relincha abaixando um pouco a cabeça.
Retiro a corda da bolsa amarrada em sua sela, enlaçando o corpo de Archeron e na outra ponta amarrando na sela de Trovoada.
Dou uma leve chicotada na anca dele, fazendo-o começar a se afastar, mesmo ele sendo um cavalo forte e maior que os outros encontra dificuldade em tirar a égua dali, pulo para dentro do lamaçal empurrando a anca dela para fora, ignorando seus relinchos assustados.
— Vamos Archeron! Você precisa me ajudar! — grito para ela no meio da escuridão, empurrando seu corpo.
A luz do farol sobre mim me faz erguer a vista.
— Por Deus, Dandara! — Mathias grita sob a chuva vindo em minha direção acompanhado de Santiago.
— Ela está com dor, Santiago.
— Me deixei examiná-la.
Ele pula no lamaçal junto comigo, tirando o estetoscópio do pescoço. — Mathias, pega minha maleta, tem uma seringa pronta. — ordena
Mathias corre até o carro, trazendo a seringa que Santiago havia pedido.
— Ela está num estado muito grave, Dandara. — Santiago começa a dizer.
— O que você vai fazer? — pergunto.
— Vou tentar diminuir a dor, mas ela está com uma torção da alça intestinal, não tem como salvar. Já sabiamos que seria complicado, antes mesmo dela fugir e se enfiar aqui.
— Essa não é a última palavra. — grito acima dos trovões.
— Tenho que sacrificar! Não podemos deixar ela sofrer mais.
— Tem que haver outro modo de salvá-la, Santiago! — falo desesperada.
— Não tem, Dandara, se tivéssemos opções eu faria, pode ter certeza. — Santiago olha para mim. — Dandara, você fez tudo para salvá-la, infelizmente tem coisas que vão contra nossa vontade. — Ele se vira chamando por Mathias. — Solte o Trovoada da Archeron.
Trovoada fica irritadiço, não deixa Mathias chegar perto.
— Trovoada, calma! — digo
Ele para de se afastar ou de tentar morder as mãos de Mathias encarando meu rosto, sei que ele sente minha tristeza, minha aflição e isso mexe intensamente com ele.
— Dandara, preciso fazer isso. — Santiago diz.
— Tire logo esse sofrimento dela — exclamo, deixando as lágrimas rolarem ainda mais por meu rosto, se misturando com a chuva.
Santiago prepara outra seringa, injetando nela, evito olhar, aquilo corta meu coração. Me ajoelho perto de sua cabeça, puxando-a para cima do meu corpo, ela solta um relincho baixo me fazendo chorar ainda mais. Archeron não se cortorce mais com dor, vai nos deixando aos poucos, seu olhar aterrorizado me encarava enquanto a chuva caía em nós. Nossos olhares ficando presos pelos últimos segundos, me fazendo assistir o reflexo do alivio pela dor ter ido embora finalmente e da morte.
Mathias me agarra pela cintura, contendo meu choro forte, seus braços se fazendo fortes ao meu redor como uma muralha, me tirando do lamaçal com ajuda de Santiago. Ele me leva de encontro a Trovoada, fico agarro seus braços enfiando as unhas neles, querendo que essa dor que me corroi saia logo de dentro de mim. Trovoada bate com o focinho em meu rosto, me fazendo olhar para cima.
— Leve-me daqui.
Trovoada praticamente se deita, subo em suas costas abraçando seu corpo enquanto ele se levanta nos levando dali, nem me importando por não estar sentada totalmente certa sobre a sela, sei que ele nunca me deixaria cair.
CAPÍTULO 13
Miguel
Passo as mãos pelos cabelos pela décima vez. Tinha plena consciência que não deveria e nem teria porque me meter em assuntos que não eram meus. Se ela quis correr igual uma desajuizada para o meio do mato tentando salvar uma égua, quando o mundo estava caindo lá fora, isso é problema dela! Mas então, por que eu não conseguia voltar a dormir ou parar de caminhar pelo quarto como um bicho enjaulado? Por que o pequeno vislumbre de tristeza e medo nos olhos de Dandara me perturbavam?
Fiquei um bom tempo me revirando na cama, a chuva tinha diminuido um pouco, mas continuava a cair. Uma inquietação fora do normal tomava meu corpo. Tento não pensar ao lançar as cobertas para o outro lado, vestir a bota que Mathias havia me emprestado e sair em direção à luz fraca do celeiro. Mesmo antes de entrar eu podia ouvir as fungadas de alguém chorando, me esgueiro pelas pilhas de feno tentando ver quem é.
Dandara leva seu cavalo para a baia, tirando o equipamento das costas dele. Pega uma toalha pendurada perto da baia e para, olhando para mim por cima do ombro. — O que você quer aqui?
A roupa estava grudada em sua pele, a camisa branca transparente pela chuva, deixando seu sutiã à mostra, os cabelos loiros colados no rosto pingando água.
— Achou sua égua?
Ela me analisa de cima a baixo. — Isso não é da sua conta.
— Será que você não consegue agir com civilidade? — questiono chegando perto o bastante.
— Você não tem nada melhor para fazer? O que você quer de mim?
— Distância! — digo com raiva, ô mulherzinha teimosa! Vim aqui por que estava preocupado com ela, — o que hipótese nenhum revelarei —, e nem por um mísero segundo ela consegue parar de dar coice.
— Mentira! Nem mesmo um brucutu chucro como você ficaria tanto no meu pé se não quisesse algo, já falei, não irei vender o Haras, esqueça! Agradeceria se me deixasse em paz.
— Está querendo dizer o quê? Que sinto algo por você?
Ela gargalha jogando o cabelo molhada para trás, fazendo algumas gotas de água voarem em minha direção. — Você tem medo, tem algo além da disputa, algo além da raiva de ter que dividir o Haras comigo — ela dá um passo em minha direção.
— Você acha que todos os homens estão prontos para cair aos seus pés! — retruco.
— Noto como me olha, como me olhou ontem no bar, você me segue com os olhos, mesmo longe eu sinto você como um abutre em minhas costas. — Os olhos de Dandara se estreitam, enquanto um sorriso minimo brilha em sua boca.
— Você me irrita, é teimosa, complica a minha vida. Tem sorte de ter ainda alguns trouxas que lhe aturam, sendo ogra do jeito que é.
— E você acha normal alguém te irritar tanto se mal conhece? — desafia.
Dandara dá outro passo em minha direção, um sorrisinho de escárino nos lábios.
— Ódio a primeira vista — digo.
— Ou seria atração? Desejo... Diz Miguel... o que você quer comigo?
Dandara sorria para mim, convencida, gostando de me atingir. E ela estava atingindo algo dentro de mim, me fez inclinar em sua direção, selando sua boca com a minha. O fato é que ao afastar minha boca da sua vi seis olhos se dilatarem e ela permanecer parada com os lábios entre abertos. O que fiz a seguir, era por puro desejo.
Puxei seu corpo para o meu, minha boca esmagando a sua, forçando-a a abrir,dando espaço para minha língua, sentindo o gosto da chuva em sua pele. E, de repente, eu estava faminto. Ela retribui receosa, sua boca acompanhando a minha, os seios esmagados contra meu peito, fazendo minha pele se arrepiar pelo frio de suas roupas. Minha mão desce até sua bunda, naquele momento eu não queria mais saber se cai em sua lábia e provado que tinha atração por ela. Eu só queria empurrá-la até a parde mais próxima, esfregando meu corpo no seu.
E eu poderia ter feito, se ela não tivesse interrompido nosso beijo, empurrando meu peito para longe, encarando meus olhos com ódio. —Talvez, não sou eu que me sinto atraido por você — É inevitável o sorrisinho que me escapa, assim como o tapão que ela dá em meu rosto. — Ah, sua encren...
Dandara puxou meu corpo pela roupa, fazendo nossas bocas se chocarem novamente, tomando a minha com urgência, como se não quisesse que o beijo tivesse fim. Levo minha mão em seu cabelo, enfiando meus dedos entre eles, com a outra mão em sua bunda puxo seu corpo para o meu, fazendo com que nós dois caíssemos contra as pilhas de feno, Dandara montada sobre mim, um gemido sai de meus lábios ainda colados nos dela, eu sentia sua pele quente, arrepiada, minha ereção aparente esfregando-se nela.
Aperto seu quadril, deslizando as mãos por suas costas. Mas em nenhum momento interrompo nosso beijo, muito menos desacelero o ritmo. A intensidade e o fogo do beijo só aumentava, enrolo minha mão em seu cabelo escorregando minha boca por seu pescoço, sugando sua pele, deixando avermelhada por onde minha boca passea.
Rolo com ela, deixando os fragmentos de feno colarem em nossos corpos, deitando sobre ela, minhas mãos na barra de sua camiseta e um rastro de desejo se espalha em minha pele. Ergo sua camiseta chegando as taças do sutiã, abaixo, chupando um de seus mamilos com força, me sentindo a ponto de explodir ao ouvir o gemido saindo de seus lábios e suas costas arqueando. Aumento a sucção, mordendo a ponta de seu mamilo, lambendo e voltando a sugar com avidez. Doido para fazer isso em outro lugar.
— Mathias dê uma olhada no estábulo, eu vou me livrar disso. — a voz de Santiago soa baixo em meu ouvido, mas é como o despertar para Dandara. Ela me joga para o lado, ajeitando o sutiã e a camiseta, um olhar de reprovação brilha em seu semblante tomando o lugar dos olhos injetados de desejo.
— Ah, esquentadinha nem comece com o discurso. — Esse foi meu erro, assim que falei foi como se ela tivesse pronta para me matar.
Ela limpa a boca, que segundos antes estava beijando. — Nunca mais faça isso, senão eu piso em seus pertences com o solado de minha bota! — diz batendo o pé no meio de minhas coxas, perto do meu pênis.
Ela cruza com Mathias na entrada do estábulo como um trovão, passando por ele sem nem escutar o que o homem tem para dizer. Mathias olha em minha direção não entendendo nada ou se fingindo de besta. Pois meu pau duro estava marcando em meu jeans, assim como meu cabelo estava desgrenhado pelos puxões que a diaba deu.
Merda! Levanto sacudindo a camisa, retirando os fiapos de feno colados em mim.
— Seu Miguel — cumprimenta tentando ocultar o sorrisinho.
— Mathias, boa noite — respondo, passando ligeiro ao seu lado.
A chuva tinha dado uma trégua, o cheiro de terra molhada e grama fresca me atingiu assim que eu saí do estábulo, o céu começava a clarear ao longe, mas não conseguia me sentir cansado, apenas eletrizado pela adrenalina que ainda passava pelo meu corpo e com uma imensa frustração pela dopamina correndo em minhas veias e meu pênis querendo alivio.
A casa já estava em movimento, Maria ocupava a cozinha fazendo o café, Bento entrou junto comigo trazendo pão fresco e leite.
— Caiu da cama, Seu Miguel? — Bento pergunta.
— Caí quando Dandara fez aquele furdúncio todo. — respondo sentando no banco de madeira da cozinha.
— Foi uma noite difícil.
— Ô se foi — resmungo.
CAPÍTULO 14
Dandara
Passo o restante do dia trancada no quarto, mal acreditando no que poderia ter acontecido se Mathias não tivesse interrompido. Na manhã seguinte, quando saio de meu quarto, pouco falo, tomo café num silêncio sepulcral, não só pelo desânimo que corroía meus ossos por perder Archeron, mas pelo ódio que me queimava por ter aceitado o beijo aquele brucutu chucro!
E como sempre depois de uma tempestade, o sol brilhava forte no céu, enfio o chapéu na cabeça sorrindo ao ver Trovoada correndo com os outros cavalos do cercado.
— Bom dia, Dandara, como você está?
Abraço Bento rapidamente — Estou bem, muito trabalho para hoje.
— Mathias já cuidou do alazão 4 de Matheus, foi massageado e está esperando você. Deu uma de durão, mas logo deixou de lado toda a marra.
— Que bom, tenho que cuidar das crianças hoje, mas depois do almoço sou toda dele.
— Bom dia, Dandara. — Mathias me cumprimenta trazendo Trovoada consigo.
— Bom dia.
— Tirei o garotão para dar uma caminhada, ele estava irritado pela manhã.
— Obrigada, Mathias.
Passo a mão pelo corpo do Trovoada, acariciando sua pelagem e crina. Mathias me passa a cesta com cenouras o que me faz rir de sua pequena luta para que Trovoada não tente roubá-las.
Sigo com Trovoada até o redondel onde as crianças esperam animadas. Os pequenos sorrisos são a primeira coisa que vejo assim que cruzo o caminho até eles.
— Bom dia, Dandara — a fisioterapeuta me cumprimenta.
— Bom dia.
Kauã é o primeiro a vir correndo, um lindo garotinho de oito anos que sofre com autismo. Lembro do primeiro dia que ele chegou aqui no Haras, ele tinha fobia com todos os tipos de animais, somente por vê-los fazia Kauã chorar e gritar tanto que você ficava desesperado.
Hoje, após três anos de tratamento, ele não apenas tem um amor imenso por qualquer animal que cruze seu caminho, como sempre quer ser o primeiro a montar no Trovoada.
— Bom dia, Kauã. Como você está? — pergunto abaixando em sua altura.
— Muito bem, muito bem.
Sorrio lhe entregando uma cenoura, Kauã corre em direção ao cavalo mostrando o mimo que ele tem; Trovoada como já conhece o treinamento, se deita deixando que Kauã lhe dê carinho, abrace, para só depois receber o tão esperado mimo.
Auxiliamos Kauã em cima do cavalo, eu de um lado e a fisioterapeuta do outro, indo em direção a turma daquela manhã.
Ali os animais são os verdadeiros terapeutas, nós somos apenas os figurantes, somos a ponte entre as crianças, os animais e a natureza. As crianças quando chegavam para fazer suas primeiras aulas era ensinado o afeto, a estimulação de afeto entre ela e o animal Tendo como consequência que ela levasse essa interação para as pessoas do seu circulo de segurança.
Muitas vezes as crianças passavam as cinco primeiras aulas apenas auxiliando no cuidado do animal, escovando seu corpo ou sua crina, dando agrados ou se sentando ao lado deles como algumas crianças estavam fazendo nesse momento.
Tinha criança dentro do projeto que recebeu ajuda com desenvolvimento da mente ou corpo, sensibilidade tátil, visual ou auditiva, aumentando até mesmo a autconfiança. Coisas que antes a criança tinha grande dificuldade de conseguir sem esse tipo de projeto.
O projeto anjo azul, realizado aqui no Haras, contava com crianças até mesmo com problemas motores, que mal conseguiam se manter em pé sem ajuda da fisioterapeuta ou dos pais e, hoje já estavam dando os primeiros passinhos sozinhos.
E se uma pessoa não conseguia ver a beleza no que os cavalos faziam, não merecia nem mesmo chegar perto deles.
Proporcionar algo prazeroso ou uma qualidade de vida melhor para essas crianças, é tudo que eu sempre quis com esse projeto.
— Bom dia criançada, Trovoada acordou com muita fome, quem quer dar um mimo para ele? — pergunto sendo logo recebida com sorrisos, mãos erguidas e gritinhos de “me escolhe tia”.
Miguel
Depois de um banho demorado, visto minha calça jeans, uma camiseta branca e novamente aquelas botas chulezentas, só Deus sabe como couro fede quando é molhado. Mas nem mesmo esse “fedô” me faria estragar mais um de meus sapatos italianos.
Pela casa, sinto o cheiro de uma comida bem feita, dançando pelo ar. E ao dar uma espiada para dentro da cozinha, pego Maria cortando alguns tomates enquanto dança ao som de uma moda sertaneja que vem do rádio, em cima da imensa mesa de madeira. O cheiro de carne assada espalha-se pelo ambiente, fazendo meu estômago roncar.
— Boa tarde, Seu Miguel. O almoço está quase pronto. — diz jogando os tomates picados em uma saladeira e começa a descascar algumas batatas.
— Irei almoçar mais tarde, Maria. Tenho que olhar algumas coisas pelo Haras.
O sorriso fraco que ela me lança não é nada parecido com os que geralmente dava, pelo visto todo mundo pisava em ovos quando o assunto era eu e o bendito Haras! Que bela confusão você me colocou, hein titio! — penso saindo dali.
Hoje é o primeiro dia que o Haras não está cheio, ainda tem alguns montadores nas pistas de treino, até crianças correm por aqui. Desvio de algumas correndo no sentido contrário do que eu vou; paro observando Dandara rodeada de crianças, sorrindo totalmente entretida no que elas diziam.
— Seu Miguel, posso ajudar?
Viro dando de cara com Mariana, as bochechas rosadas como sempre.
— Na verdade pode sim, vou aproveitar que a esquentadinha está no meio dos cavalos e vou olhar aqueles documentos.
Mariana confirma abrindo a porta do escritório.
— Os papéis estão ali, por favor, não mexa nas coisas da Dandara, ela me mata se você tirar algo do lugar. — Mariana fala me entregando uma pilha de documentos.
Sento na cadeira que ela aponta como sendo da Dandara, colocando os pés sobre a mesa, abrindo as pastas. Para o horror de Mariana.
Depois de trinta minutos lendo todos os tipos de contrato, serviços prestados, além de toda a documentação, vejo que na verdade o Haras não tinha tantas dívidas como o advogado tinha dito; sim existiam, mas não era impossível cobrí-las. Se ela vendesse sua parte para mim, eu poderia resolver todas as pendências em poucos dias.
— Miguel, desculpe atrapalhar, mas Dandara acabou a equoterapia, por favor, se analisou tudo sente na minha mesa.
Olho para o rosto assustado de Mariana, sorrindo.
— Ela realmente bate o chicote em vocês — caçoo.
— Se de bom humor ninguém quer pisar no calo dela, imagine no dia que Dandara está mordendo a sombra?
Levanto espreguiçando-me. — Me diga, Mari... como a esquentadinha planeja pagar tudo isso? Esse projeto de equoterapia não é lá muito lucrativo.
— Esse projeto é algo pessoal para Dandara. Quando Seu Pedro deu aval para que a chefinha o planejasse, estava ciente que isso não encheria nossos bolsos de dinheiro. Mas ele e a chefinha dividiam sobre tudo, o amor pelos cavalos.
Dou de ombros, — Temos que ver o que nos dá lucro, como dizem na cidade grande: Não adianta dar murro em ponta de faca!Não podemos continuar com um projeto que está mais esvaziando nossos bolsos do que colocando uns trocados.
— Seu Pedro gostava muito de ver as crianças correndo pelo Haras, até mesmo em excursão de escola.
— Bom, meu tio-avô gostava tanto de criança que agiu como uma até mesmo depois de morto — retruco com um dar de ombros.
— Avê Maria, Seu Miguel — Mariana diz benzendo-se — Dandara tem um plano para recuperar o dinheiro, mas eu não posso nem mesmo falar sobre isso.
Dou um passo para mais perto, sorrindo para ela. — Conte, prometo que será nosso segredinho.
— Seu Miguel...
Pisco ainda sorrindo, jogando meu charme para cima de Mariana.
— Ela planeja uma atração aqui no Haras, até mesmo com uma competição para cavaleiros... — Mariana arregala os olhos — nem deveria ter dito isso, por favor, Seu Miguel, não conte para ela.
Seguro o riso, confirmando com um gesto. A pobre menina parece a ponto de desmaiar por ter me contado o segredinho de sua chefe.
Paro na varanda após o almoço, vendo Dandara dar ordens e rodear o cercado com o cavalo. Sua calça aperta seu corpo, deixando sua bunda e suas coxas em evidência, assim como a camiseta branca dá margens para relembrar a noite passada, quando estava molhada e colada no corpo. Seu cabelo loiro brilha preso em um comprido rabo de cavalo sobre o sol.
— Vejo que cê tá aproveitando bastante a vista do Haras. — Mathias diz batendo a mão em meu ombro.
Ignoro seu comentário com duplo sentido.
— Um rapaz chamado Paulo, ligou mais cedo.
Encaro seu rosto. — Ligarei de volta. — quando volto meus olhos para Dandara vejo um peão cruzar o caminho até ela, pulando o cercado. — Quem é?
— Matheus Fornalle, é campeão de Turfe. Dandara está cuidando de seu cavalo.
Pelo jeito que ele faz questão de chegar perto dela, assim como tocá-la a todo instante, me parece bem mais que apenas um dono de cavalo.
— Ocê vai ter que tomar cuidado, certos olhares podem dizer que ocê quer algo além do Haras, Seu Miguel.
Olho pelo canto dos olhos, vendo Mathias rir. — Você não tem nada para fazer? — resmungo.
— Arra , até que tenho. Mas nada envolve comer com os zoinho a amazona mais turrona que a terra já viu. Cuidado, homi , vai ser domado rapidinho. — dispara a falar, correndo para fora da varanda, indo para longe de mim.
CAPÍTULO 15
Dandara
— Muito bom, garoto. — Sorrio me aproximando de Ferroni, ele vem correspondendo bem aos comandos. Monto nele dando algumas voltas no redondel, sei que ele já está aquecido, mas mesmo assim dou algumas voltas a trote curto, para que ele faça força. Ferroni, sendo um cavalo de turfe, não tem muita paciência de trotes pequenos, ele ama a corrida. Mas é importante que ele entenda esses pequenos cortes para que diminua.
Invisto no galope no meio dos instrumentos de equitação, dando voltas, sempre repetindo, fazendo-o saltar alguns dos obstáculos mais baixos, testando o controle dele. Ferroni tenta me dar um susto mudando o lado de galope, me fazendo segurar mais firme o arreio.
— Seu danado, queria fazer gracinha, é? — pergunto sorrindo.
Ele reclama relinchando, mas sei que está tranquilo, não está agitado e nem quer me machucar, é apenas coisa de um alazão novato. Diminuo o galope, deixando que ele descanse. Desço dando uma acarinhada em sua crina, notando Matheus sentado sobre o redondel.
— Não notei você chegando.
— Como ele está?
— Está bem, vamos progredindo, é preciso ter paciência. Ele sofreu um acidente, não podemos culpá-lo. Sei que você não acredita, mas o erro do acidente pode ter sido seu.
— A pata dele está melhor? — pergunta.
— Está, com os remédios e fazendo as massagens certas para acelerar o processo de recuperação, logo estará pronto.
— Você tem que ir para os grandes Haras, sua doma pode te tornar famosa. Pode ganhar muito dinheiro, poderia ser minha domadora particular.
— Agradeço o convite, mas não largo meu Haras por nada.
— Aquele engomadinho não irá herdá-lo de qualquer maneira? — questiona, acariciando a crina de Ferroni, encontrando minha mão por vezes, mesmo que com gentileza eu desvie do seu toque.
— Ele tem direito, mas pegar é outra coisa totalmente diferente. Meu Haras tem certificados de qualidade, só estamos passando por um momento complicado desde a morte de Pedro.
Matheus faz uma cara de deboche que me faz lembrar porque eu chutei sua bunda para longe anos atrás.
— Vamos ao que interessa, quando Ferroni estará pronto? Eu tenho uma competição importante e um olheiro em cima de mim, o negócio está quase fechado, se der certo irei para os Estados Unidos.
— Uns três dias e poderá levá-lo, mas é preciso que mantenha o treinamento que foi feito aqui com ele. Ferroni precisa de certos limites quando está fora da competição, isso faz bem para ele e para o relacionamento de vocês no futuro.
— Muito bom! Onde podemos acertar? — Matheus questiona.
— Vamos até o escritório, vou pedir para que Mathias dê uma ducha nele, além do mais, tenho um pedido especial para você. — digo.
Matheus segura minha cintura, fazendo com que eu desse uma chicotada em seu joelho.
— Já vi que sexo não é. — retruca rindo.
— Deveria ter dado uma chicotada no seu lombo, eu quero que você venha para a competição que iremos fazer, preciso levantar dinheiro para o Haras. Você é um agroboy , as mulheres virão se você for posto como um peão modelo, isso e sua lábia para trazer outros competidores da região.
Ele gargalha me acompanhando até o escritório. — Então quer usar minha beleza e charme para garantir uma grana? Ô princesa, eu posso ajudar, me diga, de quanto precisa?
Me enfezo. — Não quero seu dinheiro fácil, estou pedindo uma troca de favores. Já que eu domei seu cavalo e o coloquei no eixo para continuar enchendo seu rabo de dinheiro e dando essa fama de agroboy que anda estufando o peito por aí.
Matheus entorta os lábios por um segundo, mas sorri. — Fechado, eu vou ser seu fiel mosqueteiro. Ganho um beijo e um abraço apaixonado depois? Tudo em prol do Haras, é claro.
— Não!
Ele ri mais uma vez passando o braço pelo meu ombro com intimidade, fazendo-me bufar. Se deixar esse homi se espalha mais esterco em dia de chuva.
Miguel
— Miguel, precisamos da sua presença, alguns investidores só querem fechar e assinar com sua presença. Você não voltar para os negócios, está tendo um impacto grande nesses últimos acertos dos hotéis!
— Dê um jeito nisso Paulo, preciso lhe promover para meu sócio para que tome conta? Vamos colocar assim, durante anos me dedido à minha empresa e nesse em especial, decidi tirar umas férias. Falta pouco tempo para que eu tome esse lugar e logo estarei de volta a São Paulo. — digo sentindo um gosto amargo descer pela garganta.
— Não prometo, mas vou segurar os problemas, mesmo aguentando as caras feias que eles fazem ao ver que você não está presente em mais uma reunião. — Paulo responde — Sobre os documentos que me enviou, está tudo certo com o Haras, as dívidas são gastos excessivos, é preciso analisar quantos cavalos há no Haras e o que faremos quando ele não existir mais. Vou deixar anotado para pesquisarmos algum lugar que compra esses animais ou você pode ir passear na redondeza e encontrar alguma fazenda para negociar.
— Sim, preciso analisar isso com mais calma, acredito que terei mais tempo e cabeça livre quando o advogado retornar, Dandara é osso duro de roer.
— Você analisou a planilha que enviei? Tem um cavalo, que somente ele come quase um quilo de ração? O que ela cria aí? Algum tipo de mutação genêtica?
Sorrio, — É o Trovoada, ele é de uma raça especial.
— Deve ser mesmo. Venda-o, deve valer algo.
Dandara e eu já estamos em guerra declarada, imagina se eu sequer mexesse com seu cavalo? A pergunta é, qual de nós cansará primeiro e largará a corda?
— Você deve estar gostando de tudo isso, o Miguel que eu conheço não passaria um dia no meio do mato, e já estamos quase três meses nisso.
Volto minha atenção para a conversa, negando rapidamente. — Você perdeu o juízo? Eu que me enfio no mato e você que fica maluco? Vai resolver as pendências e não me apurrinha, nos falamos depois.
Desligo o celular na cara de Paulo, contrariado pelo que me disse.
CONTINUA
CAPÍTULO 8
Miguel
Jogo meu corpo na cama xingando baixinho, cada mínimo movimento doí, porra de cavalo xucro! Meus braços e bochechas tem arranhões dos galhos que ele lançou em mim, minha pele arde no minimo contato.
Retiro o telefone vendo que há duas ligações perdidas do meu assistente.
— Olá — resmungo, assim que atende a ligação.
— Miguel? Tudo bem? Estou atrapalhando algo? — pergunta Paulo do outro lado da linha.
— Não, estou gemendo de dor, seu idiota.
Ele ri, mas logo se controla quando bufo contra o telefone. — Posso saber o que ocorreu?
— Um cavalo xucro saiu como um maluco, quase tive um acidente sério. Não tem uma parte do meu corpo que não esteja doendo. Retiro o que disse os cavalos podem ser tão mortais quando um humano, tive a certeza hoje que cada pedido para parar ele ignorou completamente. Ainda bem que aquela outra maluca fez alguma coisa e me tirou daquele bicho descontrolado.
— Espera, Miguel Ramirez montado num cavalo? Não me diga que você também está usando botas e calça de couro? — ironiza meu amigo e assistente.
Olho imediatamente para os meus pés, chutando as botas para longe, recordando do sorrisinho insolente que Dandara me enviou ao me ver de bota mais cedo. — Continue rindo que vai perder o emprego e reze para continuar sendo meu amigo — resmungo novamente.
— Tudo bem, tudo bem. Falei com os avalistas, eles devem aparecer por esses dias.
— Ótimo! Amanhã eu vou me inteirar sobre os assuntos do Haras, quando o advogado veio ler o testamento de meu tio, deixou claro que Dandara precisa quitar as dívidas, ou seja, mais um ponto para se negociar. Você tinha que ver a cara dela quando o advogado leu as tais regras malucas que meu tio estabeleceu.
— Ela deve ser realmente interessante, nunca vi você falar tanto de uma mulher em todos esses anos, mesmo que seja para reclamar.
— Claro, ela é pior que uma mula, a mulher me atormenta, mas em breve a colocarei em seu lugar.
— Isso está cheirando outra coisa.
— Não fale besteira. Conte-me, como estão as coisas na empresa com minha ausência? — pergunto deitando a cabeça sobre o travesseiro.
Paulo passa uns bons vinte minutos discutindo comigo sobre algumas burocracias dos hotéis e sobre meu ambicioso projeto para esse Haras e fico animado que a equipe de arquitetos esteja dando tudo de si para colocar o projeto em prática, será necessário que esteja tudo alinhado quando finalmente tiver as terras para mim.
Tomo uma ducha rápida, depois de encerrar a ligação, visto roupas limpas e desço, meu estômago está dando os primeiros sinais de fome, e confesso que rezo para que aquela maluca não tenha feito nenhuma parte estranha da galinha novamente.
Quando chego na sala sinto cheiro de ovo e mesmo não sendo minha comida predileta é melhor que pé de galinha. Caminho até a cozinha encontrando Dandara se movimentando da pia para o fogão, rebolando sua bunda de um lado para o outro, enquanto prepara o omelete.
Caminho até a geladeira, pegando uma garrafa de água, eu poderia me sentar e ficar quietinho, mas vou devagar, parando atrás de, Dandara que se vira ao me sentir próximo de suas costas, o sorriso que tinha em sua boca assim que entrei na cozinha morre dando lugar para a carranca de sempre.
— O que está fazendo de bom aí? Está com cheiro gostoso.
— Nada que lhe interessa. — Acusa voltando para o fogão. Ela despeja o omelete pronto num prato, e seu olhar me faz recuar segurando o riso.— Está me espiando agora?
Vou até o banco de madeira, sentando-me de frente para ela. — Você realmente não sabe o que é ter modos com visitas.
Dandara larga o talher e o prato sobre a mesa. — Que eu saiba, você não é visita, se pode ficar arrotando por aí que é dono do Haras, alimentando a fofoca desse povo desocupado, pode fazer a própria comida. Vejo que suas mãos ainda estão no lugar.
Reviro os olhos.
— Seria gentil de sua parte fazer algo ou pelo menos oferecer.
— Oh, coitadinho do Miguelzinho, ele ainda acha que irei servi-lo? Que pena — diz levantando-se e levando o prato de omelete consigo. Ao chegar perto de mim ela para, encara meu rosto — Sabe, pensando bem, você não está acostumado com nossa vida, não entende nada do campo, não sabe como funciona as coisas por aqui.
Confirmo meio desconfiado de sua gentileza repentina. Afinal, de boas intenções o inferno está cheio. — Podemos resolver de forma amigável, como já havia dito.
— Sim, podemos. Então você vai pegar sua bunda mole e prepotente e sumir daqui, deixando meus animais e as famílias que dependem do Haras em paz?
— Não, olhe bem, Dandara...
Mal termino de falar ela vira o prato de omelete quente sobre minha cabeça, me deixando todo melecado de ovo. — Puta que pariu! Sua maluca! — Grito ficando de pé, passando a mão pelos ombros, jogando para longe a sujeira de ovo, presunto e pedaços de outros ingredientes. Sentindo os olhos lacrimejarem de dor pela comida quente que caiu em mim.
Ela sorri de maneira irônica. — Se vira, brucutu! Mas nem por cima do meu cadáver você irá tomar o Haras de mim. E se eu fosse você limparia essa bagunça, senão amanhã eu nem apareceria na frente de Maria.— diz antes de pisar no meu pé com sua bota e sair marchando para o andar de cima.
CAPÍTULO 9
Dandara
Esgotada. Hoje foi um dia realmente puxado, faço uma massagem pelo pescoço desligando as luzes do escritório. Passo pelo estábulo carregando comigo um pouco de feno e enquanto fecho as portinholas, vou dando para os cavalos, acariciando suas cabeças.
— Hora do descanço, amigo — digo fazendo carinho no Trovoada, rindo ao ver ele se curvar todo ao receber o carinho. — Amanhã é dia de banho. — ele relincha sacudindo a cabeça — É, estou preparada para não cair nas suas brincadeiras, seu moleque travesso!
Adoro esses momentos tão nossos, todos os dias tiro um momento para nós, algo que vai além de montar e irmos para os campos mais afastados. Um momento que nos conecte de alma e coração, a linguagem corporal mostra muito para eles, assim como nos expressa seus sentimentos. Acaricio sua crina novamente fechando a portinhola.
O som da viola chega alto em meus ouvidos, os funcionários têm mania de montar uma roda de viola durante as noites.
— Boa noite, pessoal. — cumprimento ao passar por eles.
— Boa noite, Dandara. Fica com a gente essa noite?
— Sinto muito Cicinho, estou tão cansada que tudo que quero é a cama.
Ele sorri e volta a cantar o modão antigo. Sigo para casa agradecendo pelas luzes estarem apagadas, sinal que o brucutu me deixará terminar a noite de maneira tranquila.
Mas no fundo me engano, respiro fundo ao escutar o piso de madeira estalar sob seu peso. Assim como não foi nenhuma surpresa que iríamos discutir, meu corpo estava aquecido, enfurecido por nossa discussão. Jogar o meu jantar em sua cabeça foi pouco para o que eu tinha vontade de fazer com esse homem petulante.
Na manhã seguinte entro no escritório com um rompante, pegando Mariana desprevinida.
— Arre égua , Dandara, quer me matar do coração?
— Estive pensando, podemos fazer um evento, algo até que grandioso, uma exposição dos cavalos ou até mesmo uma competição de hipismo, voleio... — eu estava divagando, sabia só de olhar para o rosto de Mariana tentando acompanhar minha linha de raciocínio.
— Você não dormiu nada pelo visto.
— Um pouco — digo dando de ombros.
— O evento seria interessante, mas tem as regionais daqui alguns meses, os montadores podem não querer desgastar os animais com isso.
— Ou podem adorar a ideia, treinos são o básico para eles, o que mais te deixaria pronto para uma grande competição do que outra? Seria um aquecimento, e sei que falando da forma correta eles irão aceitar.
Mariana para por um instante analisando o que acabei de dizer. — Pode ser uma coisa boa — considera por fim.
O sino em cima da porta toca, nos fazendo encerrar a conversa.
— Então é aqui que ficam os documentos do Haras?
Reviro meus olhos.
— Bom dia, Seu Miguel. — Mariana se derrete um pouco olhando de cima a baixo o corpo de Miguel.
Dou uma olhada para ela, do tipo “Sério isso?”, mas pelo visto ela está entretida demais na bunda dele, eu entendo, ele realmente tem uma bunda bem gostosinha...— O que quer aqui? — retruco.
— Preciso dar uma olhada na papelada, o advogado comentou sobre as dívidas do Haras, quero saber quanto é seu rombo.
— Meu rombo? Você não tem direito de vir aqui me falar uma asneira dessa. Eu cuido desse Haras como se fosse minha vida...
— Então já sei o motivo para ser essa baderna toda. — me interrompe.
Bufo.
— Qual é seu nome? — vira-se sorridente para Mariana.
— Mari...Mariana.
Controlo minha irritação para não mandar os dois à merda.
— Minha linda, você poderia separar os documentos para eu dar uma olhada? Apenas coisas mais triviais, e lógico, as dívidas.
— Claro!
Traidora!
Pego meu chicote sobre minha mesa e saio batendo o pé, minha vontade é colocar Miguel de joelhos e dar umas boas chicotadas no seu lombo, além do grande pé na bunda, quem sabe isso não seria suficiente para chutá-lo para longe.
Vejo um trailer cruzar as pistas parando perto de uma delas. Ando até lá vendo Matheus sair passando as mãos pelo cabelo, com toda sua pose de agroboy. 3
— Loirinha!
— Matheus, então é verdade, voltou para cidade.
— Sentiu saudades? — pergunta puxando-me pela cintura, colando nossos corpos.
Empurro seu peito com um sorriso frouxo. — Você ainda sonha com isso, que pena!
Ele me solta passando os dedos pela barba rala. — Rodrigo disse que se recusou ir até o rancho para cuidar de meu cavalo.
— Não me recusei, apenas comuniquei que estou com muito trabalho, não posso largar tudo para fazer seus caprichos.
— Então, se a melhor encantadora de cavalos não vai me ajudar, eu trouxe meu cavalo até ela.
— Ótimo, Rodrigo disse que ele não está se alimentando direito, que está arredio, o que houve entre vocês?
— No último Turfe sofremos um acidente, nada de grave, foi apenas a queda mesmo, e com a proximidade do outro campeonato, preciso que alguém dê um jeito nele. Ferroni já mordeu dois veterinários e quase deu coice em Rodrigo.
— Vamos ao trabalho. Quero ver o que ele tem para contar, não você — digo.
Seguimos até o trailer, ajudo ele abrir as portas, Ferroni se encolhe no canto oposto evitando ser tocado por Matheus.
— Deixa, eu pego ele, fique aqui.
Entro no trailer, pé ante pé, conversando com o cavalo, acalmando-o com carinho, suas orelhas se levantam e eu sei que está compreendendo o que digo. É notável que ele está magoado. Poderia ser pela queda como Matheus revelou.
— Você quebrou o elo entre vocês, Matheus. — Viro para encará-lo. — O que não está me contando?
— Ele foi teimoso, o que nos levou a queda, que papo é esse que eu quebrei o elo?
— Ser turrão não irá fazê-lo te olhar com bons olhos, ele está magoado!
Matheus cruza os braços em frente do peito. — Nunca entenderei como compreende tanto esses cavalos.
— São anos dedicados a eles, conheço-os bem.
— Retorno daqui dois dias, tenho um compromisso amanhã, espero seu retorno para buscá-lo.
— Vamos ter que fazer uma interação entre vocês. Isso se quiser competir com ele, você precisa se curvar também. Ferroni precisa ver que você está disposto a isso, não é só ele que precisa mudar.
— Claro, claro. Só me ligar.
— E Matheus, — Aguardo que ele se vire. — Não use mais chicotes nele.
— Como você... — A pergunta morre em seus lábios quando aponto para a anca do cavalo marcada pela surra do chicote.
Ele confirma, saindo sem jeito, fecha as portas do trailer e entra na sua caminhonete, sumindo dali.
Viro-me para Ferroni, estendo a mão e deixo que ele venha até mim, só então distribuo carinhos pelo seu corpo e cabeça. — Vou cuidar de você.
Levo-o comigo para a ronda nos estábulos, reponho água em algumas baias e deixo Ferroni em uma das vazias, colocando uma generosa porção de ração, feno e água fresca. Seria melhor ele descansar, amanhã começaria minha avaliação e a tarde poderia andar um pouco com ele e Trovoada, sendo um cavalo de Turfe, ele gostaria de correr livre pelo campo, e tenho certeza que adoraria cortar o riacho que fica na propriedade do Haras.
Volto para casa pouco depois das duas da tarde, meu estômago reclama de fome. Empurro a porta de madeira encarando o carro de luxo parado perto da entrada.
— Dandara, que bom que chegou, estávamos te procurando. — Maria diz de maneira afobada assim que entro.
— O que houve?
— Esses homens dizem que estão aqui para ver o Haras.
Meu sangue ferve. Como assim? O que aquele brucutu estava aprontando agora?
Tiro o chapéu da cabeça, deixando no mancebo na entrada indo até a sala, onde dois homens engravatados e metidos a besta estavam sentados, olhando tudo com olhar crítico.
— Senhores, o que posso fazer por vocês?
Eles se erguem estendendo a mão em minha direção, pego a do mais baixo primeiro e depois cumprimento o outro em silêncio.
— Somos da Avality Security, somos peritos, avaliadores judiciais — explica como se fosse lesada.
— Sim, claro.
Não precisava perguntar quem tinha os chamado, eu sabia, isso era coisa do brucutu, o que fez meu sangue borbulhar em meu corpo. Coloco um sorriso triste no rosto, fazendo os dois se entreolharem.
— Sinto muito, senhores. Acreditei que Miguel tivesse desmarcado com os senhores.
— Desmarcado? — pergunta o baixinho. — Essa reunião foi marcada pelo assistente do Sr. Ramirez, marcada com teor de urgência.
— Sim, primeiramente tínhamos muito interesse em vender a propriedade, mas Miguel sempre foi tão apegado às lembranças e todas as memórias de seu tio por aqui. É realmente uma lástima tudo que houve, o senhores entendem, estamos pensando em nos mudar definitivamente para o Haras.
— Como dissemos, senhorita, ninguém nos informou que a visita estava cancelada. — O baixinho retruca novamente.
— Sim, eu compreendo. E queríamos mesmo, mas como vimos, o assistente não está lá fazendo seu trabalho direito. Desculpem pela viagem em vão.
— A senhorita seria o que do Sr. Ramirez? — o outro pergunta mais desconfiado.
— Noiva. Miranda, muito prazer — digo com um sorriso.
— Bom, vemos que foi uma viagem à toa realmente, por favor, informe seu Miguel que o que combinamos terá que ser arcado pela empresa dele.
— Claro, eu mesma faço questão de mandar o assistente fazer os embargos todos hoje.
Eles sorriem mais satisfeitos, sabendo que ganhariam da mesma maneira. Acompanho os dois até a entrada, abrindo a porta para eles, vendo-os entrarem no carro e saírem do meu Haras.
— Menina!
Viro rindo, encarando o olhar recriminatório de Maria.
— Isso trará problemas!
— Que dê, estou louca para chutar a bunda daquele brucutu para bem longe!
E não demorou muito para que ele descobrisse o que tinha feito, estava terminando o meu descanso na sala quando ele entrou batendo o pé como um boi velho, gritando aos quatros ventos que eu iria pagar bem caro pelo que havia feito.
Continuo descascando minha tangerina, chupando o sugo doce que tranbordava da fruta, deixando que ele urrasse tudo que tinha vontade, antes de me levantar para revidar.
— Já acabou, brucutu?
Ele cruza os braços me encarando furioso.
— Primeiro: você não deve ter escutado direito quando o advogado disse que providências como essas só poderiam ser tomadas depois de cinco meses vivendo no Haras e não depois da primeira semana, que dirá dias; segundo: O haras não está à venda, contente-se com isso. Você não vai cantar de galo por aqui, porque não passa de um franguinho enviadado. Então desista!
— Olha lá como fala comigo, sua caipira! — diz vindo para cima de mim.
Ergo a sobrancelha vendo seu rosto a centímetros do meu.— Sinto muito, se não está contente, pegue suas tralhas e se manda daqui!
— Você está mexendo com fogo!
— Esse fogo todo não passa de uma brasinha, se enxergue. Brucutu! — digo caminhando até a porta, coloco meu chapéu na cabeça vendo-o praticamente espumar pela boca.
CAPÍTULO 10
Miguel
Passo na frente da porta do quarto de Dandara, tentando escutar algo, mas parece que a Diaba estava dormindo, jogo minha jaqueta nos ombros descendo a escada.
— Estou pronto, podemos ir para esse tal de bar.
Ainda estava puto pela atitude de Dandara com os avalistas, isso me causou uma dívida e dor de cabeça desnecessárias. Esse foi o principal motivo que me fez aceitar o convite para conhecer o bar que Mathias tanto comentou hoje mais cedo. Eu só queria beber e quem sabe, ter algo perto de diversão.
Mathias me olha de cima a baixo.
— Que foi?
— Desculpa, Seu Miguel, mas o senhor não vai sair assim comigo.
Olho para mim mesmo, encarando minhas roupas, o que tinha de errado com minha calça jeans, meus sapatos italianos e minha blusa social? — O que há de errado? — pergunto externando meu pensamento, mas no fundo me arrependo disso, pois Mathias estava vestido com uma calça jeans rasgada nos joelhos, as botas como sempre nos pés, a camisa xadrez aberta deixando o peito à mostra e é claro, o chapéu na cabeça.
— Pensando melhor, deixa quieto, Seu Miguel.
Entro no banco de trás da caminhonete.
— Santiago, esse é o Miguel. — Mathias nos apresenta. — Santiago é o veterinário aqui do Haras.
Santiago me cumprimenta com um gesto de cabeça, trocando um olhar com Mathias, como se confidenciassem algo entre si. Gostaria de saber qual o problema desses caipiras, não podiam ver nada diferente que pareciam crianças segurando o riso travesso.
Ao contrário do que imaginei o tal bar que Mathias disse não ficava no centro de Ajapi, que já não era lá aquelas coisas. Passamos do pequeno centro com alguns comércios abertos, a maioria botecos com velhos sentados na calçada bebendo. Seguindo para a estrada, Santiago aumenta os faróis acelerando na pista vazia, o percurso dura uns dez minutos no máximo.
A entrada do Cowboy’s bar, era como um dos celeiros do Haras, o estilo de pequeno faroeste era o que destacava aquele bar do resto nomeio do nada. Enquanto Santiago procura uma vaga no estacionamento observo as pessoasvestidas como Mathias e Santiago formando uma fila na porta do bar, aguardando sua vez de entrarem.
Mathias e Santiago saltam do carro, cumprimentando quase todo mundo pelo caminho — vantagens e desvantagens de cidade pequena. A música sertaneja estava alta, saindo pelo abre e fecha da porta de entrada, assim como a voz das pessoas cantando como um coral.
O Cowboy’s Bar era como uma casa de show, o piso de madeira e decoração rústica, o mesanino dos dois lados, os bares movimentados abaixo deles em e, bem no meio, uma enorme pista de dança, já repleta de pessoas.
Literalmente eu não me encaixava nesse lugar. Mathias para em minha frente erguendo uma garrafa de cerveja, que eu nem mesmo tinha pedido. — Ficar de garganta seca, num pode. — acrescenta piscando.
Agradeço a Mathias ainda analisando tudo que estava diante de mim.
— Muito diferente da cidade grande? — Santiago pergunta.
— Muito — digo tomando um gole da cerveja, sentindo o amargo descer pela minha garganta.
— Logo começa a parte boa. — Mathias diz — Daqui a pouco toca o modão raiz, aquele que a viola toca e desce uma lágrima pelo rosto.
— É nesse momento que ocê tem que fugir do Mathias — Santiago fala rindo, antes de virar um copinho de cachaça.
— Se prepare para sair com o coração sangrando, mas é bão demais, quem não gosta de modão é porque tem medo — Mathias disse com um sorriso. — Ela bate aqui ô — acrescenta indicando o coração.
Casais se espalhavam pela pista de dança, grupos de jovens conversavam de forma animada, aquele bar era realmente o point da cidade, devia ser a única atração de mera qualidade que eles deveriam ter. Sinto uma mão em meu ombro, viro dando de cara com uma loira ao meu lado, ela dá um beijo em Mathias e outro em Santiago. Ainda me olhando.
— Mathias, Santiago, estão com amigo novo? — pergunta com malícia, dando o seu melhor sorriso para mim.
A garota era gostosa. — Oi, o amigo novo chama Miguel e você? — questiono retribuindo o sorriso.
— Óbvio que não é da cidade, um homem tão gato como você...meu nome é Cindy.
— Toca sirene que o perigo chegou — Mathias grita, gargalhando. O que faz a tal de Cindy dar uma olhada feia em sua direção.
Ignoro o comentario dele e suas risadas, iniciando uma conversa com Cindy, e em pouco tempo descubro que ela era filha de um fazendeiro da cidade, estava se formando em agronomia. Até mesmo mordi a língua, achei que ela seria o tipo de garota fútil da cidade pequena, principalmente pelo modo como me abordou. Porém, não era apenas um corpo e rostinho bonito.
— Finalmente! — Ela diz empolgada batendo palmas quando a banda ocupou o lugar no palco, logo me puxando para a pista de dança, mesmo eu falando que não sabia dançar. — Deixe de besteira, forasteiro!
E foi sendo arrastado para a pista de danç, passando no meio de casais combinando passos, que vejo Dandara entrar sorridente na pista de dança. Ela vestia uma calça jeans agarrada no corpo, literalmente colada sob suas curvas, uma camisa branca deixando alguns centimetros de sua barriga amostra, assim como um leve decote sobre seus seios perfeitamente redondos e chamativos.
Cindy agarra minha mão, se embrenhando ainda mais no meio da multidão que dançava empolgada, me fazendo parecer um idiota ali no meio.
As meninas querem se diverti
Se o homem não dança, ele acabou
Diga-lhe seguir em frente, tirar o homem
Agora posso pegar uma coca com meu rum?
Cindy rodopiava ao meu lado rindo como uma criança, esfregando-se no meu corpo, enquanto meus olhos estavam em Dandara dançando com um peão qualquer, repetindo os mesmos passos da garota que estava comigo.
Nossos olhares se cruzaram em uma de suas voltas, fazendo-a perder o compasso da dança, como modo de provocá-la agarro na cintura de Cindy até entrando no ritmo de seu quadril, minha perna no meio das suas fazem com que ela roçasse pelo meu corpo, fazendo meu pau ficar rígido nas calças.
— Podemos fazer algo melhor que dançar se quiser, forasteiro. — Cindy diz descaradamente, encarando a protuberância em minhas calças.
— Será ótimo, quem sabe mais tarde?
Hey, senhor não vai me vender uma identidade falsa
Há uma banda no bar que eu estou morrendo de vontade de ver eu tenho o meu dinheiro e você tem o que eu preciso
Hey senhor não vai me vender uma identidade falsa
(Fake ID – Big & Rich)
Não sei em que momento tudo girou e as mulheres trocaram de parceiro, Dandara parou com as mãos sobre meu peito, logo dando um pequeno passo para trás, mas intercepto seu gesto segurando firme em sua cintura antes que tente se ver livre de mim. Reparo também nos olhares aborrecidos de Cindy enquanto dança com o outro cara, mas me concentro na Diaba em meus braços.
— O brucutu quer fingir que dança? — pergunta rindo.
Levo à boca a garrafa de cerveja, terminando de uma vez o contéudo.
— Acho melhor segurar a onda, você não sabe como as coisas funcionam por aqui! — Retruca, olhando no fundo dos meus olhos.
Puxo seu corpo mais forte contra o meu, sentindo as mãos de Dandara se agarrarem ao tecido de minha camisa, seu corpo encaixado tão bem no meu como as peças de um quebra cabeça, seu seio pressionado contra meu peitoral, minha coxa no meio de suas pernas, tocando sua intimidade por cima do jeans. Me curvo um pouco encostando a boca em seu ouvido, deixando a impressão de meus lábios gelados pela cerveja que tinha tomado em sua pele antes de falar: — Então me diga, como as coisas funcionam por aqui?
Sinto o corpo dela tremer contra o meu, me fazendo sorrir.
Deixo minha boca deslizar por seu pescoço mais uma vez, minha mão envolvendo sua cintura, segurando o corpo firme no meu, o bastante para que ela sentisse meu membro meio ereto devido as esfregadas que Cindy tinha dado em seu quadril. Seu cheiro de caipira estava ficando impregnado em minha pele, e eu só poderia estar maluco, mas até que seguir por esse caminho poderia me facilitar em dobrá-la. Seduzi-la para conseguir o que eu queria? Não parecia uma má ideia.
Ela se afasta um pouco e pude uma sombra de desejo em seus olhos, mas também a teimosia que estava me acostumando a encarar durante os dias. — Nunca provoque uma domadora se não tiver preparado, por que só preciso de poucos segundos para te enlouquecer, assim como faço com meus cavalos chucros!
E com isso me deu uma joelhada nas bolas, porra de mulher maluca, curvo meu corpo, segurando minhas partes íntimas, meu urro de dor sendo contido pela música alta e as pessoas animadas conversando e cantando. — Você enlouqueceu? — pergunto.
Ela dá de ombros.
— Meu Deus, Miguel você está bem? — Cindy se abaixa em minha altura, olhando em meu rosto, que deveria estar vermelho de tanta dor que estava sentindo. — Ocê ficou maluca?
— Dá um tempo, Cindy!
Pelo visto Dandara e Cindy se conheciam muito bem. Dandara deu uma olhada feia para nós e sai, sumindo no meio da multidão de dançarinos.
— Venha, eu levo você embora, que menina maluca, não é à toa que falam que ela morrerá sozinha, está tão selvagem quanto os animais que cuida!
Se eu tinha qualquer pretensão de transar essa noite, Dandara tinha acabado com todas as opções.
CAPÍTULO 11
Miguel
Foi o barulho dos trovões e do vento passando forte pela casa, fazendo as janelas do quarto trepidarem que me acordaram, o relincho dos cavalos estava alto o bastante para que eu os ouvisse até com toque de desespero do meu quarto. Saio da cama parando em frente a janela, virando quando os relâmpagos e trovões cruzavam o céu, não era possível ver nada.
Escuto passos afobados do lado de fora do quarto, descendo a escada. Talvez a Diaba tenha medo de alguns trovões.
Poucos minutos depois ouço a voz de um homem exaltado, e a figura de Dandara correndo no meio da chuva, ou melhor, um pequeno flashe do que seria ela, apareceu quando o trovão cortou o céu. Pego meu casaco saindo apressado do quarto, o que teria feito esse alvoroço todo?
Assim que desço encontro Santiago, Maria e Bento com expressões preocupadas no rosto.
— O que está acontecendo, por que todo o estardalhaço?
— Seu Miguel, desculpe acordar o senhor, a menina Dandara saiu em disparada em direção aos estábulos, nessa chuva, com tantos relâmpagos!
Fico com uma expressão do tipo “e dai?”
— Eu vou atrás dela, Maria, fique calma — Santiago diz antes de sumir pela escuridão e chuva forte.
— A menina tem grande apreço pelos cavalos Seu Miguel, e temos uma égua muito doente, ela conseguiu se soltar da baia e fugir em direção ao campo. — Maria explica preocupada.
— Uma chuva nesse nível faz o riacho encher, é perigoso sair para aqueles lados. — Bento complementa.
— Que Nossa Senhora proteja minha menina — Maria clama saindo em direção à cozinha.
Começo a virar as costas para voltar para meu quarto, afinal, não tinha nada que eu pudesse fazer. Santiago já tinha corrido atrás dela e o que eu tinha a ver, se a doida decidiu sair correndo justo no meio dos trovões? Mas algo me deteve e quando dei por mim estava eu correndo no meio da chuva em direção às vozes alteradas que vinham do estábulo.
— Sai da frente Santiago ou não respondo por mim!
— Dandara, pense por um minuto, é perigoso sair debaixo desses trovões.
— Não deixarei aquela égua perdida. — Dandara gritou junto com o trovão retumbando em nossas cabeças.
Eles pararam a discussão me vendo parado na porta.
— Tudo que eu queria! — A diaba exclama.
Dandara puxa uma fivela da sela do cavalo, terminando os últimos ajustes. Pega um chicote colocando enfiado no cano alto de sua bota, enquanto sussurra algo perto do ouvido do cavalo.
— Dandara, me escute, ela pode estar em qualquer lugar — Santiago tenta argumentar, mas ela o ignora. — O riacho já deve ter transbordado, é perigoso e arriscado ir com Trovoada até lá. Pensou na hipotese dele atolar?
— Escute-o, você está se colocando em risco, quando seu veterinário disse que é tempo perdido. — reclamo.
— Quem disse que você manda em alguma coisa aqui? Quem disse que entende sequer do esterco que pisa?
— Eu tenho tanto direito quanto você, pode entender dos cavalos ou como as engrenagens funcionam por aqui, mas eu tenho direito a tudo que está dentro desse Haras, inclusive esse seu cavalo.
Os olhos dela me fulminam, se pudesse, tacaria fogo em minha direção.
— Tá com medo de quê? Você não sabe o que é reciprocidade e não tenho tempo para discutir com um brucutu que mal respeita o chão que pisa. — cospi em minha direção.
— Eu não tenho medo de você, só não confio em você.Você está transformando tudo num caos desde que cheguei, eu não gosto de você — digo um tom mais alto.
Santiago que acompanhava tudo de boca fechada perto das baias. tinha sido completamente esquecido, assim como a égua perdida.
Dandara arranca o chicote das botas batendo na palma da mão, — Eu te incomodo, né? Te tiro do sério, perturbo você. — Ela passa o chicote pelo meu rosto. — Não está acostumado a ouvir um não, muito menos vindo de uma mulher, mas te conto um segredinho, Sr. Ramirez, terá que me engolir! Agora saia da minha frente! — vocifera.
— Você está merecendo uma surra de chicote isso sim. — retruco agarrando o braço que ela segura o chicote.
— Se uma surra me deixasse livre de você, eu aceitaria de bom grado. Eu tinha certeza que você me traria problemas assim que cruzou meu caminho. Como anos atrás eu te odiaria assim que vi você cruzando os limites do meu Haras, mas eu vou abaixar sua crista logo, logo.
— Eu estou pagando para ver. — Debocho, ainda agarrando seu braço com firmeza e olhando no fundo dos seus olhos.
Ela se desvincilha do meu aperto, se vira subindo com rapidez no cavalo, dando uma chicotada perto do rabo, fazendo-o arquecar nas patas traseiras e sair num galope feroz do estábulo.
Observo ela sair com a mandíbula tão travada que poderia quebrar meus dentes. — Mulherzinha dos infernos!
CAPÍTULO 12
Dandara
Era impossível saber qual caminho Archeron percorreu, a estrada de terra era um lamaçal puro, com a chuva forte todas as grandes e pequenas pistas estavam destruídas, estava difícil enxergar um palmo à frente, forço Trovoada a galopar mais forte, indo para mais longe.
— Archeron! — grito para a noite.
O vento chicoteava a chuva contra meu corpo, embaladas pelos altos trovões à minha volta. Era apenas eu e Trovoada, tentando contra a força da natureza. Meus gritos por Archeron se perdiam no meio das árvores e dos relâmpagos iluminando o céu sobre minha cabeça. Meu corpo tremia de frio, os nós dos meus dedos estavam esbranquiçados, apertando a rédea com força.
Antes de chegar no riacho, puxo as rédeas do Trovoada fazendo-o parar derrapando na poça travessa de lama pelo chão, rezando para Deus que eu pudesse encontrá-la ainda com vida. A briga com Miguel nublava meus pensamentos, fazendo a raiva percorrer meu corpo.
Trovoada relincha tirando as patas da frente alguns centímetros do chão. Dando alguns passos para trás, não querendo obedecer minhas ordens.
— Vamos meu amigo, temos que encontrá-la.
Trovoada se ergue novamente, relinchando, sacodindo a cabeça para a escuridão incerta em nossa frente. — Por favor, não me faço usar a força, amigo — sussurro engolindo o choro.
Aperto os olhos quando um trovão clareia o céu, algo não muito longe acaba chamando minha atenção, Trovoada fica ansioso e sei que isso significa que encontramos, pulo de seu lombo, correndo até lá encontrando Archeron atolada numa poça de lama, suas pernas presas até a metade impossibilitando que ela saia sozinha dali. Seu relincho baixo é um pedido desesperado por ajuda, assim como seus olhos arregalados ao encarar.
— Preciso da sua ajuda — digo para Trovoada, ele relincha abaixando um pouco a cabeça.
Retiro a corda da bolsa amarrada em sua sela, enlaçando o corpo de Archeron e na outra ponta amarrando na sela de Trovoada.
Dou uma leve chicotada na anca dele, fazendo-o começar a se afastar, mesmo ele sendo um cavalo forte e maior que os outros encontra dificuldade em tirar a égua dali, pulo para dentro do lamaçal empurrando a anca dela para fora, ignorando seus relinchos assustados.
— Vamos Archeron! Você precisa me ajudar! — grito para ela no meio da escuridão, empurrando seu corpo.
A luz do farol sobre mim me faz erguer a vista.
— Por Deus, Dandara! — Mathias grita sob a chuva vindo em minha direção acompanhado de Santiago.
— Ela está com dor, Santiago.
— Me deixei examiná-la.
Ele pula no lamaçal junto comigo, tirando o estetoscópio do pescoço. — Mathias, pega minha maleta, tem uma seringa pronta. — ordena
Mathias corre até o carro, trazendo a seringa que Santiago havia pedido.
— Ela está num estado muito grave, Dandara. — Santiago começa a dizer.
— O que você vai fazer? — pergunto.
— Vou tentar diminuir a dor, mas ela está com uma torção da alça intestinal, não tem como salvar. Já sabiamos que seria complicado, antes mesmo dela fugir e se enfiar aqui.
— Essa não é a última palavra. — grito acima dos trovões.
— Tenho que sacrificar! Não podemos deixar ela sofrer mais.
— Tem que haver outro modo de salvá-la, Santiago! — falo desesperada.
— Não tem, Dandara, se tivéssemos opções eu faria, pode ter certeza. — Santiago olha para mim. — Dandara, você fez tudo para salvá-la, infelizmente tem coisas que vão contra nossa vontade. — Ele se vira chamando por Mathias. — Solte o Trovoada da Archeron.
Trovoada fica irritadiço, não deixa Mathias chegar perto.
— Trovoada, calma! — digo
Ele para de se afastar ou de tentar morder as mãos de Mathias encarando meu rosto, sei que ele sente minha tristeza, minha aflição e isso mexe intensamente com ele.
— Dandara, preciso fazer isso. — Santiago diz.
— Tire logo esse sofrimento dela — exclamo, deixando as lágrimas rolarem ainda mais por meu rosto, se misturando com a chuva.
Santiago prepara outra seringa, injetando nela, evito olhar, aquilo corta meu coração. Me ajoelho perto de sua cabeça, puxando-a para cima do meu corpo, ela solta um relincho baixo me fazendo chorar ainda mais. Archeron não se cortorce mais com dor, vai nos deixando aos poucos, seu olhar aterrorizado me encarava enquanto a chuva caía em nós. Nossos olhares ficando presos pelos últimos segundos, me fazendo assistir o reflexo do alivio pela dor ter ido embora finalmente e da morte.
Mathias me agarra pela cintura, contendo meu choro forte, seus braços se fazendo fortes ao meu redor como uma muralha, me tirando do lamaçal com ajuda de Santiago. Ele me leva de encontro a Trovoada, fico agarro seus braços enfiando as unhas neles, querendo que essa dor que me corroi saia logo de dentro de mim. Trovoada bate com o focinho em meu rosto, me fazendo olhar para cima.
— Leve-me daqui.
Trovoada praticamente se deita, subo em suas costas abraçando seu corpo enquanto ele se levanta nos levando dali, nem me importando por não estar sentada totalmente certa sobre a sela, sei que ele nunca me deixaria cair.
CAPÍTULO 13
Miguel
Passo as mãos pelos cabelos pela décima vez. Tinha plena consciência que não deveria e nem teria porque me meter em assuntos que não eram meus. Se ela quis correr igual uma desajuizada para o meio do mato tentando salvar uma égua, quando o mundo estava caindo lá fora, isso é problema dela! Mas então, por que eu não conseguia voltar a dormir ou parar de caminhar pelo quarto como um bicho enjaulado? Por que o pequeno vislumbre de tristeza e medo nos olhos de Dandara me perturbavam?
Fiquei um bom tempo me revirando na cama, a chuva tinha diminuido um pouco, mas continuava a cair. Uma inquietação fora do normal tomava meu corpo. Tento não pensar ao lançar as cobertas para o outro lado, vestir a bota que Mathias havia me emprestado e sair em direção à luz fraca do celeiro. Mesmo antes de entrar eu podia ouvir as fungadas de alguém chorando, me esgueiro pelas pilhas de feno tentando ver quem é.
Dandara leva seu cavalo para a baia, tirando o equipamento das costas dele. Pega uma toalha pendurada perto da baia e para, olhando para mim por cima do ombro. — O que você quer aqui?
A roupa estava grudada em sua pele, a camisa branca transparente pela chuva, deixando seu sutiã à mostra, os cabelos loiros colados no rosto pingando água.
— Achou sua égua?
Ela me analisa de cima a baixo. — Isso não é da sua conta.
— Será que você não consegue agir com civilidade? — questiono chegando perto o bastante.
— Você não tem nada melhor para fazer? O que você quer de mim?
— Distância! — digo com raiva, ô mulherzinha teimosa! Vim aqui por que estava preocupado com ela, — o que hipótese nenhum revelarei —, e nem por um mísero segundo ela consegue parar de dar coice.
— Mentira! Nem mesmo um brucutu chucro como você ficaria tanto no meu pé se não quisesse algo, já falei, não irei vender o Haras, esqueça! Agradeceria se me deixasse em paz.
— Está querendo dizer o quê? Que sinto algo por você?
Ela gargalha jogando o cabelo molhada para trás, fazendo algumas gotas de água voarem em minha direção. — Você tem medo, tem algo além da disputa, algo além da raiva de ter que dividir o Haras comigo — ela dá um passo em minha direção.
— Você acha que todos os homens estão prontos para cair aos seus pés! — retruco.
— Noto como me olha, como me olhou ontem no bar, você me segue com os olhos, mesmo longe eu sinto você como um abutre em minhas costas. — Os olhos de Dandara se estreitam, enquanto um sorriso minimo brilha em sua boca.
— Você me irrita, é teimosa, complica a minha vida. Tem sorte de ter ainda alguns trouxas que lhe aturam, sendo ogra do jeito que é.
— E você acha normal alguém te irritar tanto se mal conhece? — desafia.
Dandara dá outro passo em minha direção, um sorrisinho de escárino nos lábios.
— Ódio a primeira vista — digo.
— Ou seria atração? Desejo... Diz Miguel... o que você quer comigo?
Dandara sorria para mim, convencida, gostando de me atingir. E ela estava atingindo algo dentro de mim, me fez inclinar em sua direção, selando sua boca com a minha. O fato é que ao afastar minha boca da sua vi seis olhos se dilatarem e ela permanecer parada com os lábios entre abertos. O que fiz a seguir, era por puro desejo.
Puxei seu corpo para o meu, minha boca esmagando a sua, forçando-a a abrir,dando espaço para minha língua, sentindo o gosto da chuva em sua pele. E, de repente, eu estava faminto. Ela retribui receosa, sua boca acompanhando a minha, os seios esmagados contra meu peito, fazendo minha pele se arrepiar pelo frio de suas roupas. Minha mão desce até sua bunda, naquele momento eu não queria mais saber se cai em sua lábia e provado que tinha atração por ela. Eu só queria empurrá-la até a parde mais próxima, esfregando meu corpo no seu.
E eu poderia ter feito, se ela não tivesse interrompido nosso beijo, empurrando meu peito para longe, encarando meus olhos com ódio. —Talvez, não sou eu que me sinto atraido por você — É inevitável o sorrisinho que me escapa, assim como o tapão que ela dá em meu rosto. — Ah, sua encren...
Dandara puxou meu corpo pela roupa, fazendo nossas bocas se chocarem novamente, tomando a minha com urgência, como se não quisesse que o beijo tivesse fim. Levo minha mão em seu cabelo, enfiando meus dedos entre eles, com a outra mão em sua bunda puxo seu corpo para o meu, fazendo com que nós dois caíssemos contra as pilhas de feno, Dandara montada sobre mim, um gemido sai de meus lábios ainda colados nos dela, eu sentia sua pele quente, arrepiada, minha ereção aparente esfregando-se nela.
Aperto seu quadril, deslizando as mãos por suas costas. Mas em nenhum momento interrompo nosso beijo, muito menos desacelero o ritmo. A intensidade e o fogo do beijo só aumentava, enrolo minha mão em seu cabelo escorregando minha boca por seu pescoço, sugando sua pele, deixando avermelhada por onde minha boca passea.
Rolo com ela, deixando os fragmentos de feno colarem em nossos corpos, deitando sobre ela, minhas mãos na barra de sua camiseta e um rastro de desejo se espalha em minha pele. Ergo sua camiseta chegando as taças do sutiã, abaixo, chupando um de seus mamilos com força, me sentindo a ponto de explodir ao ouvir o gemido saindo de seus lábios e suas costas arqueando. Aumento a sucção, mordendo a ponta de seu mamilo, lambendo e voltando a sugar com avidez. Doido para fazer isso em outro lugar.
— Mathias dê uma olhada no estábulo, eu vou me livrar disso. — a voz de Santiago soa baixo em meu ouvido, mas é como o despertar para Dandara. Ela me joga para o lado, ajeitando o sutiã e a camiseta, um olhar de reprovação brilha em seu semblante tomando o lugar dos olhos injetados de desejo.
— Ah, esquentadinha nem comece com o discurso. — Esse foi meu erro, assim que falei foi como se ela tivesse pronta para me matar.
Ela limpa a boca, que segundos antes estava beijando. — Nunca mais faça isso, senão eu piso em seus pertences com o solado de minha bota! — diz batendo o pé no meio de minhas coxas, perto do meu pênis.
Ela cruza com Mathias na entrada do estábulo como um trovão, passando por ele sem nem escutar o que o homem tem para dizer. Mathias olha em minha direção não entendendo nada ou se fingindo de besta. Pois meu pau duro estava marcando em meu jeans, assim como meu cabelo estava desgrenhado pelos puxões que a diaba deu.
Merda! Levanto sacudindo a camisa, retirando os fiapos de feno colados em mim.
— Seu Miguel — cumprimenta tentando ocultar o sorrisinho.
— Mathias, boa noite — respondo, passando ligeiro ao seu lado.
A chuva tinha dado uma trégua, o cheiro de terra molhada e grama fresca me atingiu assim que eu saí do estábulo, o céu começava a clarear ao longe, mas não conseguia me sentir cansado, apenas eletrizado pela adrenalina que ainda passava pelo meu corpo e com uma imensa frustração pela dopamina correndo em minhas veias e meu pênis querendo alivio.
A casa já estava em movimento, Maria ocupava a cozinha fazendo o café, Bento entrou junto comigo trazendo pão fresco e leite.
— Caiu da cama, Seu Miguel? — Bento pergunta.
— Caí quando Dandara fez aquele furdúncio todo. — respondo sentando no banco de madeira da cozinha.
— Foi uma noite difícil.
— Ô se foi — resmungo.
CAPÍTULO 14
Dandara
Passo o restante do dia trancada no quarto, mal acreditando no que poderia ter acontecido se Mathias não tivesse interrompido. Na manhã seguinte, quando saio de meu quarto, pouco falo, tomo café num silêncio sepulcral, não só pelo desânimo que corroía meus ossos por perder Archeron, mas pelo ódio que me queimava por ter aceitado o beijo aquele brucutu chucro!
E como sempre depois de uma tempestade, o sol brilhava forte no céu, enfio o chapéu na cabeça sorrindo ao ver Trovoada correndo com os outros cavalos do cercado.
— Bom dia, Dandara, como você está?
Abraço Bento rapidamente — Estou bem, muito trabalho para hoje.
— Mathias já cuidou do alazão 4 de Matheus, foi massageado e está esperando você. Deu uma de durão, mas logo deixou de lado toda a marra.
— Que bom, tenho que cuidar das crianças hoje, mas depois do almoço sou toda dele.
— Bom dia, Dandara. — Mathias me cumprimenta trazendo Trovoada consigo.
— Bom dia.
— Tirei o garotão para dar uma caminhada, ele estava irritado pela manhã.
— Obrigada, Mathias.
Passo a mão pelo corpo do Trovoada, acariciando sua pelagem e crina. Mathias me passa a cesta com cenouras o que me faz rir de sua pequena luta para que Trovoada não tente roubá-las.
Sigo com Trovoada até o redondel onde as crianças esperam animadas. Os pequenos sorrisos são a primeira coisa que vejo assim que cruzo o caminho até eles.
— Bom dia, Dandara — a fisioterapeuta me cumprimenta.
— Bom dia.
Kauã é o primeiro a vir correndo, um lindo garotinho de oito anos que sofre com autismo. Lembro do primeiro dia que ele chegou aqui no Haras, ele tinha fobia com todos os tipos de animais, somente por vê-los fazia Kauã chorar e gritar tanto que você ficava desesperado.
Hoje, após três anos de tratamento, ele não apenas tem um amor imenso por qualquer animal que cruze seu caminho, como sempre quer ser o primeiro a montar no Trovoada.
— Bom dia, Kauã. Como você está? — pergunto abaixando em sua altura.
— Muito bem, muito bem.
Sorrio lhe entregando uma cenoura, Kauã corre em direção ao cavalo mostrando o mimo que ele tem; Trovoada como já conhece o treinamento, se deita deixando que Kauã lhe dê carinho, abrace, para só depois receber o tão esperado mimo.
Auxiliamos Kauã em cima do cavalo, eu de um lado e a fisioterapeuta do outro, indo em direção a turma daquela manhã.
Ali os animais são os verdadeiros terapeutas, nós somos apenas os figurantes, somos a ponte entre as crianças, os animais e a natureza. As crianças quando chegavam para fazer suas primeiras aulas era ensinado o afeto, a estimulação de afeto entre ela e o animal Tendo como consequência que ela levasse essa interação para as pessoas do seu circulo de segurança.
Muitas vezes as crianças passavam as cinco primeiras aulas apenas auxiliando no cuidado do animal, escovando seu corpo ou sua crina, dando agrados ou se sentando ao lado deles como algumas crianças estavam fazendo nesse momento.
Tinha criança dentro do projeto que recebeu ajuda com desenvolvimento da mente ou corpo, sensibilidade tátil, visual ou auditiva, aumentando até mesmo a autconfiança. Coisas que antes a criança tinha grande dificuldade de conseguir sem esse tipo de projeto.
O projeto anjo azul, realizado aqui no Haras, contava com crianças até mesmo com problemas motores, que mal conseguiam se manter em pé sem ajuda da fisioterapeuta ou dos pais e, hoje já estavam dando os primeiros passinhos sozinhos.
E se uma pessoa não conseguia ver a beleza no que os cavalos faziam, não merecia nem mesmo chegar perto deles.
Proporcionar algo prazeroso ou uma qualidade de vida melhor para essas crianças, é tudo que eu sempre quis com esse projeto.
— Bom dia criançada, Trovoada acordou com muita fome, quem quer dar um mimo para ele? — pergunto sendo logo recebida com sorrisos, mãos erguidas e gritinhos de “me escolhe tia”.
Miguel
Depois de um banho demorado, visto minha calça jeans, uma camiseta branca e novamente aquelas botas chulezentas, só Deus sabe como couro fede quando é molhado. Mas nem mesmo esse “fedô” me faria estragar mais um de meus sapatos italianos.
Pela casa, sinto o cheiro de uma comida bem feita, dançando pelo ar. E ao dar uma espiada para dentro da cozinha, pego Maria cortando alguns tomates enquanto dança ao som de uma moda sertaneja que vem do rádio, em cima da imensa mesa de madeira. O cheiro de carne assada espalha-se pelo ambiente, fazendo meu estômago roncar.
— Boa tarde, Seu Miguel. O almoço está quase pronto. — diz jogando os tomates picados em uma saladeira e começa a descascar algumas batatas.
— Irei almoçar mais tarde, Maria. Tenho que olhar algumas coisas pelo Haras.
O sorriso fraco que ela me lança não é nada parecido com os que geralmente dava, pelo visto todo mundo pisava em ovos quando o assunto era eu e o bendito Haras! Que bela confusão você me colocou, hein titio! — penso saindo dali.
Hoje é o primeiro dia que o Haras não está cheio, ainda tem alguns montadores nas pistas de treino, até crianças correm por aqui. Desvio de algumas correndo no sentido contrário do que eu vou; paro observando Dandara rodeada de crianças, sorrindo totalmente entretida no que elas diziam.
— Seu Miguel, posso ajudar?
Viro dando de cara com Mariana, as bochechas rosadas como sempre.
— Na verdade pode sim, vou aproveitar que a esquentadinha está no meio dos cavalos e vou olhar aqueles documentos.
Mariana confirma abrindo a porta do escritório.
— Os papéis estão ali, por favor, não mexa nas coisas da Dandara, ela me mata se você tirar algo do lugar. — Mariana fala me entregando uma pilha de documentos.
Sento na cadeira que ela aponta como sendo da Dandara, colocando os pés sobre a mesa, abrindo as pastas. Para o horror de Mariana.
Depois de trinta minutos lendo todos os tipos de contrato, serviços prestados, além de toda a documentação, vejo que na verdade o Haras não tinha tantas dívidas como o advogado tinha dito; sim existiam, mas não era impossível cobrí-las. Se ela vendesse sua parte para mim, eu poderia resolver todas as pendências em poucos dias.
— Miguel, desculpe atrapalhar, mas Dandara acabou a equoterapia, por favor, se analisou tudo sente na minha mesa.
Olho para o rosto assustado de Mariana, sorrindo.
— Ela realmente bate o chicote em vocês — caçoo.
— Se de bom humor ninguém quer pisar no calo dela, imagine no dia que Dandara está mordendo a sombra?
Levanto espreguiçando-me. — Me diga, Mari... como a esquentadinha planeja pagar tudo isso? Esse projeto de equoterapia não é lá muito lucrativo.
— Esse projeto é algo pessoal para Dandara. Quando Seu Pedro deu aval para que a chefinha o planejasse, estava ciente que isso não encheria nossos bolsos de dinheiro. Mas ele e a chefinha dividiam sobre tudo, o amor pelos cavalos.
Dou de ombros, — Temos que ver o que nos dá lucro, como dizem na cidade grande: Não adianta dar murro em ponta de faca!Não podemos continuar com um projeto que está mais esvaziando nossos bolsos do que colocando uns trocados.
— Seu Pedro gostava muito de ver as crianças correndo pelo Haras, até mesmo em excursão de escola.
— Bom, meu tio-avô gostava tanto de criança que agiu como uma até mesmo depois de morto — retruco com um dar de ombros.
— Avê Maria, Seu Miguel — Mariana diz benzendo-se — Dandara tem um plano para recuperar o dinheiro, mas eu não posso nem mesmo falar sobre isso.
Dou um passo para mais perto, sorrindo para ela. — Conte, prometo que será nosso segredinho.
— Seu Miguel...
Pisco ainda sorrindo, jogando meu charme para cima de Mariana.
— Ela planeja uma atração aqui no Haras, até mesmo com uma competição para cavaleiros... — Mariana arregala os olhos — nem deveria ter dito isso, por favor, Seu Miguel, não conte para ela.
Seguro o riso, confirmando com um gesto. A pobre menina parece a ponto de desmaiar por ter me contado o segredinho de sua chefe.
Paro na varanda após o almoço, vendo Dandara dar ordens e rodear o cercado com o cavalo. Sua calça aperta seu corpo, deixando sua bunda e suas coxas em evidência, assim como a camiseta branca dá margens para relembrar a noite passada, quando estava molhada e colada no corpo. Seu cabelo loiro brilha preso em um comprido rabo de cavalo sobre o sol.
— Vejo que cê tá aproveitando bastante a vista do Haras. — Mathias diz batendo a mão em meu ombro.
Ignoro seu comentário com duplo sentido.
— Um rapaz chamado Paulo, ligou mais cedo.
Encaro seu rosto. — Ligarei de volta. — quando volto meus olhos para Dandara vejo um peão cruzar o caminho até ela, pulando o cercado. — Quem é?
— Matheus Fornalle, é campeão de Turfe. Dandara está cuidando de seu cavalo.
Pelo jeito que ele faz questão de chegar perto dela, assim como tocá-la a todo instante, me parece bem mais que apenas um dono de cavalo.
— Ocê vai ter que tomar cuidado, certos olhares podem dizer que ocê quer algo além do Haras, Seu Miguel.
Olho pelo canto dos olhos, vendo Mathias rir. — Você não tem nada para fazer? — resmungo.
— Arra , até que tenho. Mas nada envolve comer com os zoinho a amazona mais turrona que a terra já viu. Cuidado, homi , vai ser domado rapidinho. — dispara a falar, correndo para fora da varanda, indo para longe de mim.
CAPÍTULO 15
Dandara
— Muito bom, garoto. — Sorrio me aproximando de Ferroni, ele vem correspondendo bem aos comandos. Monto nele dando algumas voltas no redondel, sei que ele já está aquecido, mas mesmo assim dou algumas voltas a trote curto, para que ele faça força. Ferroni, sendo um cavalo de turfe, não tem muita paciência de trotes pequenos, ele ama a corrida. Mas é importante que ele entenda esses pequenos cortes para que diminua.
Invisto no galope no meio dos instrumentos de equitação, dando voltas, sempre repetindo, fazendo-o saltar alguns dos obstáculos mais baixos, testando o controle dele. Ferroni tenta me dar um susto mudando o lado de galope, me fazendo segurar mais firme o arreio.
— Seu danado, queria fazer gracinha, é? — pergunto sorrindo.
Ele reclama relinchando, mas sei que está tranquilo, não está agitado e nem quer me machucar, é apenas coisa de um alazão novato. Diminuo o galope, deixando que ele descanse. Desço dando uma acarinhada em sua crina, notando Matheus sentado sobre o redondel.
— Não notei você chegando.
— Como ele está?
— Está bem, vamos progredindo, é preciso ter paciência. Ele sofreu um acidente, não podemos culpá-lo. Sei que você não acredita, mas o erro do acidente pode ter sido seu.
— A pata dele está melhor? — pergunta.
— Está, com os remédios e fazendo as massagens certas para acelerar o processo de recuperação, logo estará pronto.
— Você tem que ir para os grandes Haras, sua doma pode te tornar famosa. Pode ganhar muito dinheiro, poderia ser minha domadora particular.
— Agradeço o convite, mas não largo meu Haras por nada.
— Aquele engomadinho não irá herdá-lo de qualquer maneira? — questiona, acariciando a crina de Ferroni, encontrando minha mão por vezes, mesmo que com gentileza eu desvie do seu toque.
— Ele tem direito, mas pegar é outra coisa totalmente diferente. Meu Haras tem certificados de qualidade, só estamos passando por um momento complicado desde a morte de Pedro.
Matheus faz uma cara de deboche que me faz lembrar porque eu chutei sua bunda para longe anos atrás.
— Vamos ao que interessa, quando Ferroni estará pronto? Eu tenho uma competição importante e um olheiro em cima de mim, o negócio está quase fechado, se der certo irei para os Estados Unidos.
— Uns três dias e poderá levá-lo, mas é preciso que mantenha o treinamento que foi feito aqui com ele. Ferroni precisa de certos limites quando está fora da competição, isso faz bem para ele e para o relacionamento de vocês no futuro.
— Muito bom! Onde podemos acertar? — Matheus questiona.
— Vamos até o escritório, vou pedir para que Mathias dê uma ducha nele, além do mais, tenho um pedido especial para você. — digo.
Matheus segura minha cintura, fazendo com que eu desse uma chicotada em seu joelho.
— Já vi que sexo não é. — retruca rindo.
— Deveria ter dado uma chicotada no seu lombo, eu quero que você venha para a competição que iremos fazer, preciso levantar dinheiro para o Haras. Você é um agroboy , as mulheres virão se você for posto como um peão modelo, isso e sua lábia para trazer outros competidores da região.
Ele gargalha me acompanhando até o escritório. — Então quer usar minha beleza e charme para garantir uma grana? Ô princesa, eu posso ajudar, me diga, de quanto precisa?
Me enfezo. — Não quero seu dinheiro fácil, estou pedindo uma troca de favores. Já que eu domei seu cavalo e o coloquei no eixo para continuar enchendo seu rabo de dinheiro e dando essa fama de agroboy que anda estufando o peito por aí.
Matheus entorta os lábios por um segundo, mas sorri. — Fechado, eu vou ser seu fiel mosqueteiro. Ganho um beijo e um abraço apaixonado depois? Tudo em prol do Haras, é claro.
— Não!
Ele ri mais uma vez passando o braço pelo meu ombro com intimidade, fazendo-me bufar. Se deixar esse homi se espalha mais esterco em dia de chuva.
Miguel
— Miguel, precisamos da sua presença, alguns investidores só querem fechar e assinar com sua presença. Você não voltar para os negócios, está tendo um impacto grande nesses últimos acertos dos hotéis!
— Dê um jeito nisso Paulo, preciso lhe promover para meu sócio para que tome conta? Vamos colocar assim, durante anos me dedido à minha empresa e nesse em especial, decidi tirar umas férias. Falta pouco tempo para que eu tome esse lugar e logo estarei de volta a São Paulo. — digo sentindo um gosto amargo descer pela garganta.
— Não prometo, mas vou segurar os problemas, mesmo aguentando as caras feias que eles fazem ao ver que você não está presente em mais uma reunião. — Paulo responde — Sobre os documentos que me enviou, está tudo certo com o Haras, as dívidas são gastos excessivos, é preciso analisar quantos cavalos há no Haras e o que faremos quando ele não existir mais. Vou deixar anotado para pesquisarmos algum lugar que compra esses animais ou você pode ir passear na redondeza e encontrar alguma fazenda para negociar.
— Sim, preciso analisar isso com mais calma, acredito que terei mais tempo e cabeça livre quando o advogado retornar, Dandara é osso duro de roer.
— Você analisou a planilha que enviei? Tem um cavalo, que somente ele come quase um quilo de ração? O que ela cria aí? Algum tipo de mutação genêtica?
Sorrio, — É o Trovoada, ele é de uma raça especial.
— Deve ser mesmo. Venda-o, deve valer algo.
Dandara e eu já estamos em guerra declarada, imagina se eu sequer mexesse com seu cavalo? A pergunta é, qual de nós cansará primeiro e largará a corda?
— Você deve estar gostando de tudo isso, o Miguel que eu conheço não passaria um dia no meio do mato, e já estamos quase três meses nisso.
Volto minha atenção para a conversa, negando rapidamente. — Você perdeu o juízo? Eu que me enfio no mato e você que fica maluco? Vai resolver as pendências e não me apurrinha, nos falamos depois.
Desligo o celular na cara de Paulo, contrariado pelo que me disse.
CONTINUA
CAPÍTULO 8
Miguel
Jogo meu corpo na cama xingando baixinho, cada mínimo movimento doí, porra de cavalo xucro! Meus braços e bochechas tem arranhões dos galhos que ele lançou em mim, minha pele arde no minimo contato.
Retiro o telefone vendo que há duas ligações perdidas do meu assistente.
— Olá — resmungo, assim que atende a ligação.
— Miguel? Tudo bem? Estou atrapalhando algo? — pergunta Paulo do outro lado da linha.
— Não, estou gemendo de dor, seu idiota.
Ele ri, mas logo se controla quando bufo contra o telefone. — Posso saber o que ocorreu?
— Um cavalo xucro saiu como um maluco, quase tive um acidente sério. Não tem uma parte do meu corpo que não esteja doendo. Retiro o que disse os cavalos podem ser tão mortais quando um humano, tive a certeza hoje que cada pedido para parar ele ignorou completamente. Ainda bem que aquela outra maluca fez alguma coisa e me tirou daquele bicho descontrolado.
— Espera, Miguel Ramirez montado num cavalo? Não me diga que você também está usando botas e calça de couro? — ironiza meu amigo e assistente.
Olho imediatamente para os meus pés, chutando as botas para longe, recordando do sorrisinho insolente que Dandara me enviou ao me ver de bota mais cedo. — Continue rindo que vai perder o emprego e reze para continuar sendo meu amigo — resmungo novamente.
— Tudo bem, tudo bem. Falei com os avalistas, eles devem aparecer por esses dias.
— Ótimo! Amanhã eu vou me inteirar sobre os assuntos do Haras, quando o advogado veio ler o testamento de meu tio, deixou claro que Dandara precisa quitar as dívidas, ou seja, mais um ponto para se negociar. Você tinha que ver a cara dela quando o advogado leu as tais regras malucas que meu tio estabeleceu.
— Ela deve ser realmente interessante, nunca vi você falar tanto de uma mulher em todos esses anos, mesmo que seja para reclamar.
— Claro, ela é pior que uma mula, a mulher me atormenta, mas em breve a colocarei em seu lugar.
— Isso está cheirando outra coisa.
— Não fale besteira. Conte-me, como estão as coisas na empresa com minha ausência? — pergunto deitando a cabeça sobre o travesseiro.
Paulo passa uns bons vinte minutos discutindo comigo sobre algumas burocracias dos hotéis e sobre meu ambicioso projeto para esse Haras e fico animado que a equipe de arquitetos esteja dando tudo de si para colocar o projeto em prática, será necessário que esteja tudo alinhado quando finalmente tiver as terras para mim.
Tomo uma ducha rápida, depois de encerrar a ligação, visto roupas limpas e desço, meu estômago está dando os primeiros sinais de fome, e confesso que rezo para que aquela maluca não tenha feito nenhuma parte estranha da galinha novamente.
Quando chego na sala sinto cheiro de ovo e mesmo não sendo minha comida predileta é melhor que pé de galinha. Caminho até a cozinha encontrando Dandara se movimentando da pia para o fogão, rebolando sua bunda de um lado para o outro, enquanto prepara o omelete.
Caminho até a geladeira, pegando uma garrafa de água, eu poderia me sentar e ficar quietinho, mas vou devagar, parando atrás de, Dandara que se vira ao me sentir próximo de suas costas, o sorriso que tinha em sua boca assim que entrei na cozinha morre dando lugar para a carranca de sempre.
— O que está fazendo de bom aí? Está com cheiro gostoso.
— Nada que lhe interessa. — Acusa voltando para o fogão. Ela despeja o omelete pronto num prato, e seu olhar me faz recuar segurando o riso.— Está me espiando agora?
Vou até o banco de madeira, sentando-me de frente para ela. — Você realmente não sabe o que é ter modos com visitas.
Dandara larga o talher e o prato sobre a mesa. — Que eu saiba, você não é visita, se pode ficar arrotando por aí que é dono do Haras, alimentando a fofoca desse povo desocupado, pode fazer a própria comida. Vejo que suas mãos ainda estão no lugar.
Reviro os olhos.
— Seria gentil de sua parte fazer algo ou pelo menos oferecer.
— Oh, coitadinho do Miguelzinho, ele ainda acha que irei servi-lo? Que pena — diz levantando-se e levando o prato de omelete consigo. Ao chegar perto de mim ela para, encara meu rosto — Sabe, pensando bem, você não está acostumado com nossa vida, não entende nada do campo, não sabe como funciona as coisas por aqui.
Confirmo meio desconfiado de sua gentileza repentina. Afinal, de boas intenções o inferno está cheio. — Podemos resolver de forma amigável, como já havia dito.
— Sim, podemos. Então você vai pegar sua bunda mole e prepotente e sumir daqui, deixando meus animais e as famílias que dependem do Haras em paz?
— Não, olhe bem, Dandara...
Mal termino de falar ela vira o prato de omelete quente sobre minha cabeça, me deixando todo melecado de ovo. — Puta que pariu! Sua maluca! — Grito ficando de pé, passando a mão pelos ombros, jogando para longe a sujeira de ovo, presunto e pedaços de outros ingredientes. Sentindo os olhos lacrimejarem de dor pela comida quente que caiu em mim.
Ela sorri de maneira irônica. — Se vira, brucutu! Mas nem por cima do meu cadáver você irá tomar o Haras de mim. E se eu fosse você limparia essa bagunça, senão amanhã eu nem apareceria na frente de Maria.— diz antes de pisar no meu pé com sua bota e sair marchando para o andar de cima.
CAPÍTULO 9
Dandara
Esgotada. Hoje foi um dia realmente puxado, faço uma massagem pelo pescoço desligando as luzes do escritório. Passo pelo estábulo carregando comigo um pouco de feno e enquanto fecho as portinholas, vou dando para os cavalos, acariciando suas cabeças.
— Hora do descanço, amigo — digo fazendo carinho no Trovoada, rindo ao ver ele se curvar todo ao receber o carinho. — Amanhã é dia de banho. — ele relincha sacudindo a cabeça — É, estou preparada para não cair nas suas brincadeiras, seu moleque travesso!
Adoro esses momentos tão nossos, todos os dias tiro um momento para nós, algo que vai além de montar e irmos para os campos mais afastados. Um momento que nos conecte de alma e coração, a linguagem corporal mostra muito para eles, assim como nos expressa seus sentimentos. Acaricio sua crina novamente fechando a portinhola.
O som da viola chega alto em meus ouvidos, os funcionários têm mania de montar uma roda de viola durante as noites.
— Boa noite, pessoal. — cumprimento ao passar por eles.
— Boa noite, Dandara. Fica com a gente essa noite?
— Sinto muito Cicinho, estou tão cansada que tudo que quero é a cama.
Ele sorri e volta a cantar o modão antigo. Sigo para casa agradecendo pelas luzes estarem apagadas, sinal que o brucutu me deixará terminar a noite de maneira tranquila.
Mas no fundo me engano, respiro fundo ao escutar o piso de madeira estalar sob seu peso. Assim como não foi nenhuma surpresa que iríamos discutir, meu corpo estava aquecido, enfurecido por nossa discussão. Jogar o meu jantar em sua cabeça foi pouco para o que eu tinha vontade de fazer com esse homem petulante.
Na manhã seguinte entro no escritório com um rompante, pegando Mariana desprevinida.
— Arre égua , Dandara, quer me matar do coração?
— Estive pensando, podemos fazer um evento, algo até que grandioso, uma exposição dos cavalos ou até mesmo uma competição de hipismo, voleio... — eu estava divagando, sabia só de olhar para o rosto de Mariana tentando acompanhar minha linha de raciocínio.
— Você não dormiu nada pelo visto.
— Um pouco — digo dando de ombros.
— O evento seria interessante, mas tem as regionais daqui alguns meses, os montadores podem não querer desgastar os animais com isso.
— Ou podem adorar a ideia, treinos são o básico para eles, o que mais te deixaria pronto para uma grande competição do que outra? Seria um aquecimento, e sei que falando da forma correta eles irão aceitar.
Mariana para por um instante analisando o que acabei de dizer. — Pode ser uma coisa boa — considera por fim.
O sino em cima da porta toca, nos fazendo encerrar a conversa.
— Então é aqui que ficam os documentos do Haras?
Reviro meus olhos.
— Bom dia, Seu Miguel. — Mariana se derrete um pouco olhando de cima a baixo o corpo de Miguel.
Dou uma olhada para ela, do tipo “Sério isso?”, mas pelo visto ela está entretida demais na bunda dele, eu entendo, ele realmente tem uma bunda bem gostosinha...— O que quer aqui? — retruco.
— Preciso dar uma olhada na papelada, o advogado comentou sobre as dívidas do Haras, quero saber quanto é seu rombo.
— Meu rombo? Você não tem direito de vir aqui me falar uma asneira dessa. Eu cuido desse Haras como se fosse minha vida...
— Então já sei o motivo para ser essa baderna toda. — me interrompe.
Bufo.
— Qual é seu nome? — vira-se sorridente para Mariana.
— Mari...Mariana.
Controlo minha irritação para não mandar os dois à merda.
— Minha linda, você poderia separar os documentos para eu dar uma olhada? Apenas coisas mais triviais, e lógico, as dívidas.
— Claro!
Traidora!
Pego meu chicote sobre minha mesa e saio batendo o pé, minha vontade é colocar Miguel de joelhos e dar umas boas chicotadas no seu lombo, além do grande pé na bunda, quem sabe isso não seria suficiente para chutá-lo para longe.
Vejo um trailer cruzar as pistas parando perto de uma delas. Ando até lá vendo Matheus sair passando as mãos pelo cabelo, com toda sua pose de agroboy. 3
— Loirinha!
— Matheus, então é verdade, voltou para cidade.
— Sentiu saudades? — pergunta puxando-me pela cintura, colando nossos corpos.
Empurro seu peito com um sorriso frouxo. — Você ainda sonha com isso, que pena!
Ele me solta passando os dedos pela barba rala. — Rodrigo disse que se recusou ir até o rancho para cuidar de meu cavalo.
— Não me recusei, apenas comuniquei que estou com muito trabalho, não posso largar tudo para fazer seus caprichos.
— Então, se a melhor encantadora de cavalos não vai me ajudar, eu trouxe meu cavalo até ela.
— Ótimo, Rodrigo disse que ele não está se alimentando direito, que está arredio, o que houve entre vocês?
— No último Turfe sofremos um acidente, nada de grave, foi apenas a queda mesmo, e com a proximidade do outro campeonato, preciso que alguém dê um jeito nele. Ferroni já mordeu dois veterinários e quase deu coice em Rodrigo.
— Vamos ao trabalho. Quero ver o que ele tem para contar, não você — digo.
Seguimos até o trailer, ajudo ele abrir as portas, Ferroni se encolhe no canto oposto evitando ser tocado por Matheus.
— Deixa, eu pego ele, fique aqui.
Entro no trailer, pé ante pé, conversando com o cavalo, acalmando-o com carinho, suas orelhas se levantam e eu sei que está compreendendo o que digo. É notável que ele está magoado. Poderia ser pela queda como Matheus revelou.
— Você quebrou o elo entre vocês, Matheus. — Viro para encará-lo. — O que não está me contando?
— Ele foi teimoso, o que nos levou a queda, que papo é esse que eu quebrei o elo?
— Ser turrão não irá fazê-lo te olhar com bons olhos, ele está magoado!
Matheus cruza os braços em frente do peito. — Nunca entenderei como compreende tanto esses cavalos.
— São anos dedicados a eles, conheço-os bem.
— Retorno daqui dois dias, tenho um compromisso amanhã, espero seu retorno para buscá-lo.
— Vamos ter que fazer uma interação entre vocês. Isso se quiser competir com ele, você precisa se curvar também. Ferroni precisa ver que você está disposto a isso, não é só ele que precisa mudar.
— Claro, claro. Só me ligar.
— E Matheus, — Aguardo que ele se vire. — Não use mais chicotes nele.
— Como você... — A pergunta morre em seus lábios quando aponto para a anca do cavalo marcada pela surra do chicote.
Ele confirma, saindo sem jeito, fecha as portas do trailer e entra na sua caminhonete, sumindo dali.
Viro-me para Ferroni, estendo a mão e deixo que ele venha até mim, só então distribuo carinhos pelo seu corpo e cabeça. — Vou cuidar de você.
Levo-o comigo para a ronda nos estábulos, reponho água em algumas baias e deixo Ferroni em uma das vazias, colocando uma generosa porção de ração, feno e água fresca. Seria melhor ele descansar, amanhã começaria minha avaliação e a tarde poderia andar um pouco com ele e Trovoada, sendo um cavalo de Turfe, ele gostaria de correr livre pelo campo, e tenho certeza que adoraria cortar o riacho que fica na propriedade do Haras.
Volto para casa pouco depois das duas da tarde, meu estômago reclama de fome. Empurro a porta de madeira encarando o carro de luxo parado perto da entrada.
— Dandara, que bom que chegou, estávamos te procurando. — Maria diz de maneira afobada assim que entro.
— O que houve?
— Esses homens dizem que estão aqui para ver o Haras.
Meu sangue ferve. Como assim? O que aquele brucutu estava aprontando agora?
Tiro o chapéu da cabeça, deixando no mancebo na entrada indo até a sala, onde dois homens engravatados e metidos a besta estavam sentados, olhando tudo com olhar crítico.
— Senhores, o que posso fazer por vocês?
Eles se erguem estendendo a mão em minha direção, pego a do mais baixo primeiro e depois cumprimento o outro em silêncio.
— Somos da Avality Security, somos peritos, avaliadores judiciais — explica como se fosse lesada.
— Sim, claro.
Não precisava perguntar quem tinha os chamado, eu sabia, isso era coisa do brucutu, o que fez meu sangue borbulhar em meu corpo. Coloco um sorriso triste no rosto, fazendo os dois se entreolharem.
— Sinto muito, senhores. Acreditei que Miguel tivesse desmarcado com os senhores.
— Desmarcado? — pergunta o baixinho. — Essa reunião foi marcada pelo assistente do Sr. Ramirez, marcada com teor de urgência.
— Sim, primeiramente tínhamos muito interesse em vender a propriedade, mas Miguel sempre foi tão apegado às lembranças e todas as memórias de seu tio por aqui. É realmente uma lástima tudo que houve, o senhores entendem, estamos pensando em nos mudar definitivamente para o Haras.
— Como dissemos, senhorita, ninguém nos informou que a visita estava cancelada. — O baixinho retruca novamente.
— Sim, eu compreendo. E queríamos mesmo, mas como vimos, o assistente não está lá fazendo seu trabalho direito. Desculpem pela viagem em vão.
— A senhorita seria o que do Sr. Ramirez? — o outro pergunta mais desconfiado.
— Noiva. Miranda, muito prazer — digo com um sorriso.
— Bom, vemos que foi uma viagem à toa realmente, por favor, informe seu Miguel que o que combinamos terá que ser arcado pela empresa dele.
— Claro, eu mesma faço questão de mandar o assistente fazer os embargos todos hoje.
Eles sorriem mais satisfeitos, sabendo que ganhariam da mesma maneira. Acompanho os dois até a entrada, abrindo a porta para eles, vendo-os entrarem no carro e saírem do meu Haras.
— Menina!
Viro rindo, encarando o olhar recriminatório de Maria.
— Isso trará problemas!
— Que dê, estou louca para chutar a bunda daquele brucutu para bem longe!
E não demorou muito para que ele descobrisse o que tinha feito, estava terminando o meu descanso na sala quando ele entrou batendo o pé como um boi velho, gritando aos quatros ventos que eu iria pagar bem caro pelo que havia feito.
Continuo descascando minha tangerina, chupando o sugo doce que tranbordava da fruta, deixando que ele urrasse tudo que tinha vontade, antes de me levantar para revidar.
— Já acabou, brucutu?
Ele cruza os braços me encarando furioso.
— Primeiro: você não deve ter escutado direito quando o advogado disse que providências como essas só poderiam ser tomadas depois de cinco meses vivendo no Haras e não depois da primeira semana, que dirá dias; segundo: O haras não está à venda, contente-se com isso. Você não vai cantar de galo por aqui, porque não passa de um franguinho enviadado. Então desista!
— Olha lá como fala comigo, sua caipira! — diz vindo para cima de mim.
Ergo a sobrancelha vendo seu rosto a centímetros do meu.— Sinto muito, se não está contente, pegue suas tralhas e se manda daqui!
— Você está mexendo com fogo!
— Esse fogo todo não passa de uma brasinha, se enxergue. Brucutu! — digo caminhando até a porta, coloco meu chapéu na cabeça vendo-o praticamente espumar pela boca.
CAPÍTULO 10
Miguel
Passo na frente da porta do quarto de Dandara, tentando escutar algo, mas parece que a Diaba estava dormindo, jogo minha jaqueta nos ombros descendo a escada.
— Estou pronto, podemos ir para esse tal de bar.
Ainda estava puto pela atitude de Dandara com os avalistas, isso me causou uma dívida e dor de cabeça desnecessárias. Esse foi o principal motivo que me fez aceitar o convite para conhecer o bar que Mathias tanto comentou hoje mais cedo. Eu só queria beber e quem sabe, ter algo perto de diversão.
Mathias me olha de cima a baixo.
— Que foi?
— Desculpa, Seu Miguel, mas o senhor não vai sair assim comigo.
Olho para mim mesmo, encarando minhas roupas, o que tinha de errado com minha calça jeans, meus sapatos italianos e minha blusa social? — O que há de errado? — pergunto externando meu pensamento, mas no fundo me arrependo disso, pois Mathias estava vestido com uma calça jeans rasgada nos joelhos, as botas como sempre nos pés, a camisa xadrez aberta deixando o peito à mostra e é claro, o chapéu na cabeça.
— Pensando melhor, deixa quieto, Seu Miguel.
Entro no banco de trás da caminhonete.
— Santiago, esse é o Miguel. — Mathias nos apresenta. — Santiago é o veterinário aqui do Haras.
Santiago me cumprimenta com um gesto de cabeça, trocando um olhar com Mathias, como se confidenciassem algo entre si. Gostaria de saber qual o problema desses caipiras, não podiam ver nada diferente que pareciam crianças segurando o riso travesso.
Ao contrário do que imaginei o tal bar que Mathias disse não ficava no centro de Ajapi, que já não era lá aquelas coisas. Passamos do pequeno centro com alguns comércios abertos, a maioria botecos com velhos sentados na calçada bebendo. Seguindo para a estrada, Santiago aumenta os faróis acelerando na pista vazia, o percurso dura uns dez minutos no máximo.
A entrada do Cowboy’s bar, era como um dos celeiros do Haras, o estilo de pequeno faroeste era o que destacava aquele bar do resto nomeio do nada. Enquanto Santiago procura uma vaga no estacionamento observo as pessoasvestidas como Mathias e Santiago formando uma fila na porta do bar, aguardando sua vez de entrarem.
Mathias e Santiago saltam do carro, cumprimentando quase todo mundo pelo caminho — vantagens e desvantagens de cidade pequena. A música sertaneja estava alta, saindo pelo abre e fecha da porta de entrada, assim como a voz das pessoas cantando como um coral.
O Cowboy’s Bar era como uma casa de show, o piso de madeira e decoração rústica, o mesanino dos dois lados, os bares movimentados abaixo deles em e, bem no meio, uma enorme pista de dança, já repleta de pessoas.
Literalmente eu não me encaixava nesse lugar. Mathias para em minha frente erguendo uma garrafa de cerveja, que eu nem mesmo tinha pedido. — Ficar de garganta seca, num pode. — acrescenta piscando.
Agradeço a Mathias ainda analisando tudo que estava diante de mim.
— Muito diferente da cidade grande? — Santiago pergunta.
— Muito — digo tomando um gole da cerveja, sentindo o amargo descer pela minha garganta.
— Logo começa a parte boa. — Mathias diz — Daqui a pouco toca o modão raiz, aquele que a viola toca e desce uma lágrima pelo rosto.
— É nesse momento que ocê tem que fugir do Mathias — Santiago fala rindo, antes de virar um copinho de cachaça.
— Se prepare para sair com o coração sangrando, mas é bão demais, quem não gosta de modão é porque tem medo — Mathias disse com um sorriso. — Ela bate aqui ô — acrescenta indicando o coração.
Casais se espalhavam pela pista de dança, grupos de jovens conversavam de forma animada, aquele bar era realmente o point da cidade, devia ser a única atração de mera qualidade que eles deveriam ter. Sinto uma mão em meu ombro, viro dando de cara com uma loira ao meu lado, ela dá um beijo em Mathias e outro em Santiago. Ainda me olhando.
— Mathias, Santiago, estão com amigo novo? — pergunta com malícia, dando o seu melhor sorriso para mim.
A garota era gostosa. — Oi, o amigo novo chama Miguel e você? — questiono retribuindo o sorriso.
— Óbvio que não é da cidade, um homem tão gato como você...meu nome é Cindy.
— Toca sirene que o perigo chegou — Mathias grita, gargalhando. O que faz a tal de Cindy dar uma olhada feia em sua direção.
Ignoro o comentario dele e suas risadas, iniciando uma conversa com Cindy, e em pouco tempo descubro que ela era filha de um fazendeiro da cidade, estava se formando em agronomia. Até mesmo mordi a língua, achei que ela seria o tipo de garota fútil da cidade pequena, principalmente pelo modo como me abordou. Porém, não era apenas um corpo e rostinho bonito.
— Finalmente! — Ela diz empolgada batendo palmas quando a banda ocupou o lugar no palco, logo me puxando para a pista de dança, mesmo eu falando que não sabia dançar. — Deixe de besteira, forasteiro!
E foi sendo arrastado para a pista de danç, passando no meio de casais combinando passos, que vejo Dandara entrar sorridente na pista de dança. Ela vestia uma calça jeans agarrada no corpo, literalmente colada sob suas curvas, uma camisa branca deixando alguns centimetros de sua barriga amostra, assim como um leve decote sobre seus seios perfeitamente redondos e chamativos.
Cindy agarra minha mão, se embrenhando ainda mais no meio da multidão que dançava empolgada, me fazendo parecer um idiota ali no meio.
As meninas querem se diverti
Se o homem não dança, ele acabou
Diga-lhe seguir em frente, tirar o homem
Agora posso pegar uma coca com meu rum?
Cindy rodopiava ao meu lado rindo como uma criança, esfregando-se no meu corpo, enquanto meus olhos estavam em Dandara dançando com um peão qualquer, repetindo os mesmos passos da garota que estava comigo.
Nossos olhares se cruzaram em uma de suas voltas, fazendo-a perder o compasso da dança, como modo de provocá-la agarro na cintura de Cindy até entrando no ritmo de seu quadril, minha perna no meio das suas fazem com que ela roçasse pelo meu corpo, fazendo meu pau ficar rígido nas calças.
— Podemos fazer algo melhor que dançar se quiser, forasteiro. — Cindy diz descaradamente, encarando a protuberância em minhas calças.
— Será ótimo, quem sabe mais tarde?
Hey, senhor não vai me vender uma identidade falsa
Há uma banda no bar que eu estou morrendo de vontade de ver eu tenho o meu dinheiro e você tem o que eu preciso
Hey senhor não vai me vender uma identidade falsa
(Fake ID – Big & Rich)
Não sei em que momento tudo girou e as mulheres trocaram de parceiro, Dandara parou com as mãos sobre meu peito, logo dando um pequeno passo para trás, mas intercepto seu gesto segurando firme em sua cintura antes que tente se ver livre de mim. Reparo também nos olhares aborrecidos de Cindy enquanto dança com o outro cara, mas me concentro na Diaba em meus braços.
— O brucutu quer fingir que dança? — pergunta rindo.
Levo à boca a garrafa de cerveja, terminando de uma vez o contéudo.
— Acho melhor segurar a onda, você não sabe como as coisas funcionam por aqui! — Retruca, olhando no fundo dos meus olhos.
Puxo seu corpo mais forte contra o meu, sentindo as mãos de Dandara se agarrarem ao tecido de minha camisa, seu corpo encaixado tão bem no meu como as peças de um quebra cabeça, seu seio pressionado contra meu peitoral, minha coxa no meio de suas pernas, tocando sua intimidade por cima do jeans. Me curvo um pouco encostando a boca em seu ouvido, deixando a impressão de meus lábios gelados pela cerveja que tinha tomado em sua pele antes de falar: — Então me diga, como as coisas funcionam por aqui?
Sinto o corpo dela tremer contra o meu, me fazendo sorrir.
Deixo minha boca deslizar por seu pescoço mais uma vez, minha mão envolvendo sua cintura, segurando o corpo firme no meu, o bastante para que ela sentisse meu membro meio ereto devido as esfregadas que Cindy tinha dado em seu quadril. Seu cheiro de caipira estava ficando impregnado em minha pele, e eu só poderia estar maluco, mas até que seguir por esse caminho poderia me facilitar em dobrá-la. Seduzi-la para conseguir o que eu queria? Não parecia uma má ideia.
Ela se afasta um pouco e pude uma sombra de desejo em seus olhos, mas também a teimosia que estava me acostumando a encarar durante os dias. — Nunca provoque uma domadora se não tiver preparado, por que só preciso de poucos segundos para te enlouquecer, assim como faço com meus cavalos chucros!
E com isso me deu uma joelhada nas bolas, porra de mulher maluca, curvo meu corpo, segurando minhas partes íntimas, meu urro de dor sendo contido pela música alta e as pessoas animadas conversando e cantando. — Você enlouqueceu? — pergunto.
Ela dá de ombros.
— Meu Deus, Miguel você está bem? — Cindy se abaixa em minha altura, olhando em meu rosto, que deveria estar vermelho de tanta dor que estava sentindo. — Ocê ficou maluca?
— Dá um tempo, Cindy!
Pelo visto Dandara e Cindy se conheciam muito bem. Dandara deu uma olhada feia para nós e sai, sumindo no meio da multidão de dançarinos.
— Venha, eu levo você embora, que menina maluca, não é à toa que falam que ela morrerá sozinha, está tão selvagem quanto os animais que cuida!
Se eu tinha qualquer pretensão de transar essa noite, Dandara tinha acabado com todas as opções.
CAPÍTULO 11
Miguel
Foi o barulho dos trovões e do vento passando forte pela casa, fazendo as janelas do quarto trepidarem que me acordaram, o relincho dos cavalos estava alto o bastante para que eu os ouvisse até com toque de desespero do meu quarto. Saio da cama parando em frente a janela, virando quando os relâmpagos e trovões cruzavam o céu, não era possível ver nada.
Escuto passos afobados do lado de fora do quarto, descendo a escada. Talvez a Diaba tenha medo de alguns trovões.
Poucos minutos depois ouço a voz de um homem exaltado, e a figura de Dandara correndo no meio da chuva, ou melhor, um pequeno flashe do que seria ela, apareceu quando o trovão cortou o céu. Pego meu casaco saindo apressado do quarto, o que teria feito esse alvoroço todo?
Assim que desço encontro Santiago, Maria e Bento com expressões preocupadas no rosto.
— O que está acontecendo, por que todo o estardalhaço?
— Seu Miguel, desculpe acordar o senhor, a menina Dandara saiu em disparada em direção aos estábulos, nessa chuva, com tantos relâmpagos!
Fico com uma expressão do tipo “e dai?”
— Eu vou atrás dela, Maria, fique calma — Santiago diz antes de sumir pela escuridão e chuva forte.
— A menina tem grande apreço pelos cavalos Seu Miguel, e temos uma égua muito doente, ela conseguiu se soltar da baia e fugir em direção ao campo. — Maria explica preocupada.
— Uma chuva nesse nível faz o riacho encher, é perigoso sair para aqueles lados. — Bento complementa.
— Que Nossa Senhora proteja minha menina — Maria clama saindo em direção à cozinha.
Começo a virar as costas para voltar para meu quarto, afinal, não tinha nada que eu pudesse fazer. Santiago já tinha corrido atrás dela e o que eu tinha a ver, se a doida decidiu sair correndo justo no meio dos trovões? Mas algo me deteve e quando dei por mim estava eu correndo no meio da chuva em direção às vozes alteradas que vinham do estábulo.
— Sai da frente Santiago ou não respondo por mim!
— Dandara, pense por um minuto, é perigoso sair debaixo desses trovões.
— Não deixarei aquela égua perdida. — Dandara gritou junto com o trovão retumbando em nossas cabeças.
Eles pararam a discussão me vendo parado na porta.
— Tudo que eu queria! — A diaba exclama.
Dandara puxa uma fivela da sela do cavalo, terminando os últimos ajustes. Pega um chicote colocando enfiado no cano alto de sua bota, enquanto sussurra algo perto do ouvido do cavalo.
— Dandara, me escute, ela pode estar em qualquer lugar — Santiago tenta argumentar, mas ela o ignora. — O riacho já deve ter transbordado, é perigoso e arriscado ir com Trovoada até lá. Pensou na hipotese dele atolar?
— Escute-o, você está se colocando em risco, quando seu veterinário disse que é tempo perdido. — reclamo.
— Quem disse que você manda em alguma coisa aqui? Quem disse que entende sequer do esterco que pisa?
— Eu tenho tanto direito quanto você, pode entender dos cavalos ou como as engrenagens funcionam por aqui, mas eu tenho direito a tudo que está dentro desse Haras, inclusive esse seu cavalo.
Os olhos dela me fulminam, se pudesse, tacaria fogo em minha direção.
— Tá com medo de quê? Você não sabe o que é reciprocidade e não tenho tempo para discutir com um brucutu que mal respeita o chão que pisa. — cospi em minha direção.
— Eu não tenho medo de você, só não confio em você.Você está transformando tudo num caos desde que cheguei, eu não gosto de você — digo um tom mais alto.
Santiago que acompanhava tudo de boca fechada perto das baias. tinha sido completamente esquecido, assim como a égua perdida.
Dandara arranca o chicote das botas batendo na palma da mão, — Eu te incomodo, né? Te tiro do sério, perturbo você. — Ela passa o chicote pelo meu rosto. — Não está acostumado a ouvir um não, muito menos vindo de uma mulher, mas te conto um segredinho, Sr. Ramirez, terá que me engolir! Agora saia da minha frente! — vocifera.
— Você está merecendo uma surra de chicote isso sim. — retruco agarrando o braço que ela segura o chicote.
— Se uma surra me deixasse livre de você, eu aceitaria de bom grado. Eu tinha certeza que você me traria problemas assim que cruzou meu caminho. Como anos atrás eu te odiaria assim que vi você cruzando os limites do meu Haras, mas eu vou abaixar sua crista logo, logo.
— Eu estou pagando para ver. — Debocho, ainda agarrando seu braço com firmeza e olhando no fundo dos seus olhos.
Ela se desvincilha do meu aperto, se vira subindo com rapidez no cavalo, dando uma chicotada perto do rabo, fazendo-o arquecar nas patas traseiras e sair num galope feroz do estábulo.
Observo ela sair com a mandíbula tão travada que poderia quebrar meus dentes. — Mulherzinha dos infernos!
CAPÍTULO 12
Dandara
Era impossível saber qual caminho Archeron percorreu, a estrada de terra era um lamaçal puro, com a chuva forte todas as grandes e pequenas pistas estavam destruídas, estava difícil enxergar um palmo à frente, forço Trovoada a galopar mais forte, indo para mais longe.
— Archeron! — grito para a noite.
O vento chicoteava a chuva contra meu corpo, embaladas pelos altos trovões à minha volta. Era apenas eu e Trovoada, tentando contra a força da natureza. Meus gritos por Archeron se perdiam no meio das árvores e dos relâmpagos iluminando o céu sobre minha cabeça. Meu corpo tremia de frio, os nós dos meus dedos estavam esbranquiçados, apertando a rédea com força.
Antes de chegar no riacho, puxo as rédeas do Trovoada fazendo-o parar derrapando na poça travessa de lama pelo chão, rezando para Deus que eu pudesse encontrá-la ainda com vida. A briga com Miguel nublava meus pensamentos, fazendo a raiva percorrer meu corpo.
Trovoada relincha tirando as patas da frente alguns centímetros do chão. Dando alguns passos para trás, não querendo obedecer minhas ordens.
— Vamos meu amigo, temos que encontrá-la.
Trovoada se ergue novamente, relinchando, sacodindo a cabeça para a escuridão incerta em nossa frente. — Por favor, não me faço usar a força, amigo — sussurro engolindo o choro.
Aperto os olhos quando um trovão clareia o céu, algo não muito longe acaba chamando minha atenção, Trovoada fica ansioso e sei que isso significa que encontramos, pulo de seu lombo, correndo até lá encontrando Archeron atolada numa poça de lama, suas pernas presas até a metade impossibilitando que ela saia sozinha dali. Seu relincho baixo é um pedido desesperado por ajuda, assim como seus olhos arregalados ao encarar.
— Preciso da sua ajuda — digo para Trovoada, ele relincha abaixando um pouco a cabeça.
Retiro a corda da bolsa amarrada em sua sela, enlaçando o corpo de Archeron e na outra ponta amarrando na sela de Trovoada.
Dou uma leve chicotada na anca dele, fazendo-o começar a se afastar, mesmo ele sendo um cavalo forte e maior que os outros encontra dificuldade em tirar a égua dali, pulo para dentro do lamaçal empurrando a anca dela para fora, ignorando seus relinchos assustados.
— Vamos Archeron! Você precisa me ajudar! — grito para ela no meio da escuridão, empurrando seu corpo.
A luz do farol sobre mim me faz erguer a vista.
— Por Deus, Dandara! — Mathias grita sob a chuva vindo em minha direção acompanhado de Santiago.
— Ela está com dor, Santiago.
— Me deixei examiná-la.
Ele pula no lamaçal junto comigo, tirando o estetoscópio do pescoço. — Mathias, pega minha maleta, tem uma seringa pronta. — ordena
Mathias corre até o carro, trazendo a seringa que Santiago havia pedido.
— Ela está num estado muito grave, Dandara. — Santiago começa a dizer.
— O que você vai fazer? — pergunto.
— Vou tentar diminuir a dor, mas ela está com uma torção da alça intestinal, não tem como salvar. Já sabiamos que seria complicado, antes mesmo dela fugir e se enfiar aqui.
— Essa não é a última palavra. — grito acima dos trovões.
— Tenho que sacrificar! Não podemos deixar ela sofrer mais.
— Tem que haver outro modo de salvá-la, Santiago! — falo desesperada.
— Não tem, Dandara, se tivéssemos opções eu faria, pode ter certeza. — Santiago olha para mim. — Dandara, você fez tudo para salvá-la, infelizmente tem coisas que vão contra nossa vontade. — Ele se vira chamando por Mathias. — Solte o Trovoada da Archeron.
Trovoada fica irritadiço, não deixa Mathias chegar perto.
— Trovoada, calma! — digo
Ele para de se afastar ou de tentar morder as mãos de Mathias encarando meu rosto, sei que ele sente minha tristeza, minha aflição e isso mexe intensamente com ele.
— Dandara, preciso fazer isso. — Santiago diz.
— Tire logo esse sofrimento dela — exclamo, deixando as lágrimas rolarem ainda mais por meu rosto, se misturando com a chuva.
Santiago prepara outra seringa, injetando nela, evito olhar, aquilo corta meu coração. Me ajoelho perto de sua cabeça, puxando-a para cima do meu corpo, ela solta um relincho baixo me fazendo chorar ainda mais. Archeron não se cortorce mais com dor, vai nos deixando aos poucos, seu olhar aterrorizado me encarava enquanto a chuva caía em nós. Nossos olhares ficando presos pelos últimos segundos, me fazendo assistir o reflexo do alivio pela dor ter ido embora finalmente e da morte.
Mathias me agarra pela cintura, contendo meu choro forte, seus braços se fazendo fortes ao meu redor como uma muralha, me tirando do lamaçal com ajuda de Santiago. Ele me leva de encontro a Trovoada, fico agarro seus braços enfiando as unhas neles, querendo que essa dor que me corroi saia logo de dentro de mim. Trovoada bate com o focinho em meu rosto, me fazendo olhar para cima.
— Leve-me daqui.
Trovoada praticamente se deita, subo em suas costas abraçando seu corpo enquanto ele se levanta nos levando dali, nem me importando por não estar sentada totalmente certa sobre a sela, sei que ele nunca me deixaria cair.
CAPÍTULO 13
Miguel
Passo as mãos pelos cabelos pela décima vez. Tinha plena consciência que não deveria e nem teria porque me meter em assuntos que não eram meus. Se ela quis correr igual uma desajuizada para o meio do mato tentando salvar uma égua, quando o mundo estava caindo lá fora, isso é problema dela! Mas então, por que eu não conseguia voltar a dormir ou parar de caminhar pelo quarto como um bicho enjaulado? Por que o pequeno vislumbre de tristeza e medo nos olhos de Dandara me perturbavam?
Fiquei um bom tempo me revirando na cama, a chuva tinha diminuido um pouco, mas continuava a cair. Uma inquietação fora do normal tomava meu corpo. Tento não pensar ao lançar as cobertas para o outro lado, vestir a bota que Mathias havia me emprestado e sair em direção à luz fraca do celeiro. Mesmo antes de entrar eu podia ouvir as fungadas de alguém chorando, me esgueiro pelas pilhas de feno tentando ver quem é.
Dandara leva seu cavalo para a baia, tirando o equipamento das costas dele. Pega uma toalha pendurada perto da baia e para, olhando para mim por cima do ombro. — O que você quer aqui?
A roupa estava grudada em sua pele, a camisa branca transparente pela chuva, deixando seu sutiã à mostra, os cabelos loiros colados no rosto pingando água.
— Achou sua égua?
Ela me analisa de cima a baixo. — Isso não é da sua conta.
— Será que você não consegue agir com civilidade? — questiono chegando perto o bastante.
— Você não tem nada melhor para fazer? O que você quer de mim?
— Distância! — digo com raiva, ô mulherzinha teimosa! Vim aqui por que estava preocupado com ela, — o que hipótese nenhum revelarei —, e nem por um mísero segundo ela consegue parar de dar coice.
— Mentira! Nem mesmo um brucutu chucro como você ficaria tanto no meu pé se não quisesse algo, já falei, não irei vender o Haras, esqueça! Agradeceria se me deixasse em paz.
— Está querendo dizer o quê? Que sinto algo por você?
Ela gargalha jogando o cabelo molhada para trás, fazendo algumas gotas de água voarem em minha direção. — Você tem medo, tem algo além da disputa, algo além da raiva de ter que dividir o Haras comigo — ela dá um passo em minha direção.
— Você acha que todos os homens estão prontos para cair aos seus pés! — retruco.
— Noto como me olha, como me olhou ontem no bar, você me segue com os olhos, mesmo longe eu sinto você como um abutre em minhas costas. — Os olhos de Dandara se estreitam, enquanto um sorriso minimo brilha em sua boca.
— Você me irrita, é teimosa, complica a minha vida. Tem sorte de ter ainda alguns trouxas que lhe aturam, sendo ogra do jeito que é.
— E você acha normal alguém te irritar tanto se mal conhece? — desafia.
Dandara dá outro passo em minha direção, um sorrisinho de escárino nos lábios.
— Ódio a primeira vista — digo.
— Ou seria atração? Desejo... Diz Miguel... o que você quer comigo?
Dandara sorria para mim, convencida, gostando de me atingir. E ela estava atingindo algo dentro de mim, me fez inclinar em sua direção, selando sua boca com a minha. O fato é que ao afastar minha boca da sua vi seis olhos se dilatarem e ela permanecer parada com os lábios entre abertos. O que fiz a seguir, era por puro desejo.
Puxei seu corpo para o meu, minha boca esmagando a sua, forçando-a a abrir,dando espaço para minha língua, sentindo o gosto da chuva em sua pele. E, de repente, eu estava faminto. Ela retribui receosa, sua boca acompanhando a minha, os seios esmagados contra meu peito, fazendo minha pele se arrepiar pelo frio de suas roupas. Minha mão desce até sua bunda, naquele momento eu não queria mais saber se cai em sua lábia e provado que tinha atração por ela. Eu só queria empurrá-la até a parde mais próxima, esfregando meu corpo no seu.
E eu poderia ter feito, se ela não tivesse interrompido nosso beijo, empurrando meu peito para longe, encarando meus olhos com ódio. —Talvez, não sou eu que me sinto atraido por você — É inevitável o sorrisinho que me escapa, assim como o tapão que ela dá em meu rosto. — Ah, sua encren...
Dandara puxou meu corpo pela roupa, fazendo nossas bocas se chocarem novamente, tomando a minha com urgência, como se não quisesse que o beijo tivesse fim. Levo minha mão em seu cabelo, enfiando meus dedos entre eles, com a outra mão em sua bunda puxo seu corpo para o meu, fazendo com que nós dois caíssemos contra as pilhas de feno, Dandara montada sobre mim, um gemido sai de meus lábios ainda colados nos dela, eu sentia sua pele quente, arrepiada, minha ereção aparente esfregando-se nela.
Aperto seu quadril, deslizando as mãos por suas costas. Mas em nenhum momento interrompo nosso beijo, muito menos desacelero o ritmo. A intensidade e o fogo do beijo só aumentava, enrolo minha mão em seu cabelo escorregando minha boca por seu pescoço, sugando sua pele, deixando avermelhada por onde minha boca passea.
Rolo com ela, deixando os fragmentos de feno colarem em nossos corpos, deitando sobre ela, minhas mãos na barra de sua camiseta e um rastro de desejo se espalha em minha pele. Ergo sua camiseta chegando as taças do sutiã, abaixo, chupando um de seus mamilos com força, me sentindo a ponto de explodir ao ouvir o gemido saindo de seus lábios e suas costas arqueando. Aumento a sucção, mordendo a ponta de seu mamilo, lambendo e voltando a sugar com avidez. Doido para fazer isso em outro lugar.
— Mathias dê uma olhada no estábulo, eu vou me livrar disso. — a voz de Santiago soa baixo em meu ouvido, mas é como o despertar para Dandara. Ela me joga para o lado, ajeitando o sutiã e a camiseta, um olhar de reprovação brilha em seu semblante tomando o lugar dos olhos injetados de desejo.
— Ah, esquentadinha nem comece com o discurso. — Esse foi meu erro, assim que falei foi como se ela tivesse pronta para me matar.
Ela limpa a boca, que segundos antes estava beijando. — Nunca mais faça isso, senão eu piso em seus pertences com o solado de minha bota! — diz batendo o pé no meio de minhas coxas, perto do meu pênis.
Ela cruza com Mathias na entrada do estábulo como um trovão, passando por ele sem nem escutar o que o homem tem para dizer. Mathias olha em minha direção não entendendo nada ou se fingindo de besta. Pois meu pau duro estava marcando em meu jeans, assim como meu cabelo estava desgrenhado pelos puxões que a diaba deu.
Merda! Levanto sacudindo a camisa, retirando os fiapos de feno colados em mim.
— Seu Miguel — cumprimenta tentando ocultar o sorrisinho.
— Mathias, boa noite — respondo, passando ligeiro ao seu lado.
A chuva tinha dado uma trégua, o cheiro de terra molhada e grama fresca me atingiu assim que eu saí do estábulo, o céu começava a clarear ao longe, mas não conseguia me sentir cansado, apenas eletrizado pela adrenalina que ainda passava pelo meu corpo e com uma imensa frustração pela dopamina correndo em minhas veias e meu pênis querendo alivio.
A casa já estava em movimento, Maria ocupava a cozinha fazendo o café, Bento entrou junto comigo trazendo pão fresco e leite.
— Caiu da cama, Seu Miguel? — Bento pergunta.
— Caí quando Dandara fez aquele furdúncio todo. — respondo sentando no banco de madeira da cozinha.
— Foi uma noite difícil.
— Ô se foi — resmungo.
CAPÍTULO 14
Dandara
Passo o restante do dia trancada no quarto, mal acreditando no que poderia ter acontecido se Mathias não tivesse interrompido. Na manhã seguinte, quando saio de meu quarto, pouco falo, tomo café num silêncio sepulcral, não só pelo desânimo que corroía meus ossos por perder Archeron, mas pelo ódio que me queimava por ter aceitado o beijo aquele brucutu chucro!
E como sempre depois de uma tempestade, o sol brilhava forte no céu, enfio o chapéu na cabeça sorrindo ao ver Trovoada correndo com os outros cavalos do cercado.
— Bom dia, Dandara, como você está?
Abraço Bento rapidamente — Estou bem, muito trabalho para hoje.
— Mathias já cuidou do alazão 4 de Matheus, foi massageado e está esperando você. Deu uma de durão, mas logo deixou de lado toda a marra.
— Que bom, tenho que cuidar das crianças hoje, mas depois do almoço sou toda dele.
— Bom dia, Dandara. — Mathias me cumprimenta trazendo Trovoada consigo.
— Bom dia.
— Tirei o garotão para dar uma caminhada, ele estava irritado pela manhã.
— Obrigada, Mathias.
Passo a mão pelo corpo do Trovoada, acariciando sua pelagem e crina. Mathias me passa a cesta com cenouras o que me faz rir de sua pequena luta para que Trovoada não tente roubá-las.
Sigo com Trovoada até o redondel onde as crianças esperam animadas. Os pequenos sorrisos são a primeira coisa que vejo assim que cruzo o caminho até eles.
— Bom dia, Dandara — a fisioterapeuta me cumprimenta.
— Bom dia.
Kauã é o primeiro a vir correndo, um lindo garotinho de oito anos que sofre com autismo. Lembro do primeiro dia que ele chegou aqui no Haras, ele tinha fobia com todos os tipos de animais, somente por vê-los fazia Kauã chorar e gritar tanto que você ficava desesperado.
Hoje, após três anos de tratamento, ele não apenas tem um amor imenso por qualquer animal que cruze seu caminho, como sempre quer ser o primeiro a montar no Trovoada.
— Bom dia, Kauã. Como você está? — pergunto abaixando em sua altura.
— Muito bem, muito bem.
Sorrio lhe entregando uma cenoura, Kauã corre em direção ao cavalo mostrando o mimo que ele tem; Trovoada como já conhece o treinamento, se deita deixando que Kauã lhe dê carinho, abrace, para só depois receber o tão esperado mimo.
Auxiliamos Kauã em cima do cavalo, eu de um lado e a fisioterapeuta do outro, indo em direção a turma daquela manhã.
Ali os animais são os verdadeiros terapeutas, nós somos apenas os figurantes, somos a ponte entre as crianças, os animais e a natureza. As crianças quando chegavam para fazer suas primeiras aulas era ensinado o afeto, a estimulação de afeto entre ela e o animal Tendo como consequência que ela levasse essa interação para as pessoas do seu circulo de segurança.
Muitas vezes as crianças passavam as cinco primeiras aulas apenas auxiliando no cuidado do animal, escovando seu corpo ou sua crina, dando agrados ou se sentando ao lado deles como algumas crianças estavam fazendo nesse momento.
Tinha criança dentro do projeto que recebeu ajuda com desenvolvimento da mente ou corpo, sensibilidade tátil, visual ou auditiva, aumentando até mesmo a autconfiança. Coisas que antes a criança tinha grande dificuldade de conseguir sem esse tipo de projeto.
O projeto anjo azul, realizado aqui no Haras, contava com crianças até mesmo com problemas motores, que mal conseguiam se manter em pé sem ajuda da fisioterapeuta ou dos pais e, hoje já estavam dando os primeiros passinhos sozinhos.
E se uma pessoa não conseguia ver a beleza no que os cavalos faziam, não merecia nem mesmo chegar perto deles.
Proporcionar algo prazeroso ou uma qualidade de vida melhor para essas crianças, é tudo que eu sempre quis com esse projeto.
— Bom dia criançada, Trovoada acordou com muita fome, quem quer dar um mimo para ele? — pergunto sendo logo recebida com sorrisos, mãos erguidas e gritinhos de “me escolhe tia”.
Miguel
Depois de um banho demorado, visto minha calça jeans, uma camiseta branca e novamente aquelas botas chulezentas, só Deus sabe como couro fede quando é molhado. Mas nem mesmo esse “fedô” me faria estragar mais um de meus sapatos italianos.
Pela casa, sinto o cheiro de uma comida bem feita, dançando pelo ar. E ao dar uma espiada para dentro da cozinha, pego Maria cortando alguns tomates enquanto dança ao som de uma moda sertaneja que vem do rádio, em cima da imensa mesa de madeira. O cheiro de carne assada espalha-se pelo ambiente, fazendo meu estômago roncar.
— Boa tarde, Seu Miguel. O almoço está quase pronto. — diz jogando os tomates picados em uma saladeira e começa a descascar algumas batatas.
— Irei almoçar mais tarde, Maria. Tenho que olhar algumas coisas pelo Haras.
O sorriso fraco que ela me lança não é nada parecido com os que geralmente dava, pelo visto todo mundo pisava em ovos quando o assunto era eu e o bendito Haras! Que bela confusão você me colocou, hein titio! — penso saindo dali.
Hoje é o primeiro dia que o Haras não está cheio, ainda tem alguns montadores nas pistas de treino, até crianças correm por aqui. Desvio de algumas correndo no sentido contrário do que eu vou; paro observando Dandara rodeada de crianças, sorrindo totalmente entretida no que elas diziam.
— Seu Miguel, posso ajudar?
Viro dando de cara com Mariana, as bochechas rosadas como sempre.
— Na verdade pode sim, vou aproveitar que a esquentadinha está no meio dos cavalos e vou olhar aqueles documentos.
Mariana confirma abrindo a porta do escritório.
— Os papéis estão ali, por favor, não mexa nas coisas da Dandara, ela me mata se você tirar algo do lugar. — Mariana fala me entregando uma pilha de documentos.
Sento na cadeira que ela aponta como sendo da Dandara, colocando os pés sobre a mesa, abrindo as pastas. Para o horror de Mariana.
Depois de trinta minutos lendo todos os tipos de contrato, serviços prestados, além de toda a documentação, vejo que na verdade o Haras não tinha tantas dívidas como o advogado tinha dito; sim existiam, mas não era impossível cobrí-las. Se ela vendesse sua parte para mim, eu poderia resolver todas as pendências em poucos dias.
— Miguel, desculpe atrapalhar, mas Dandara acabou a equoterapia, por favor, se analisou tudo sente na minha mesa.
Olho para o rosto assustado de Mariana, sorrindo.
— Ela realmente bate o chicote em vocês — caçoo.
— Se de bom humor ninguém quer pisar no calo dela, imagine no dia que Dandara está mordendo a sombra?
Levanto espreguiçando-me. — Me diga, Mari... como a esquentadinha planeja pagar tudo isso? Esse projeto de equoterapia não é lá muito lucrativo.
— Esse projeto é algo pessoal para Dandara. Quando Seu Pedro deu aval para que a chefinha o planejasse, estava ciente que isso não encheria nossos bolsos de dinheiro. Mas ele e a chefinha dividiam sobre tudo, o amor pelos cavalos.
Dou de ombros, — Temos que ver o que nos dá lucro, como dizem na cidade grande: Não adianta dar murro em ponta de faca!Não podemos continuar com um projeto que está mais esvaziando nossos bolsos do que colocando uns trocados.
— Seu Pedro gostava muito de ver as crianças correndo pelo Haras, até mesmo em excursão de escola.
— Bom, meu tio-avô gostava tanto de criança que agiu como uma até mesmo depois de morto — retruco com um dar de ombros.
— Avê Maria, Seu Miguel — Mariana diz benzendo-se — Dandara tem um plano para recuperar o dinheiro, mas eu não posso nem mesmo falar sobre isso.
Dou um passo para mais perto, sorrindo para ela. — Conte, prometo que será nosso segredinho.
— Seu Miguel...
Pisco ainda sorrindo, jogando meu charme para cima de Mariana.
— Ela planeja uma atração aqui no Haras, até mesmo com uma competição para cavaleiros... — Mariana arregala os olhos — nem deveria ter dito isso, por favor, Seu Miguel, não conte para ela.
Seguro o riso, confirmando com um gesto. A pobre menina parece a ponto de desmaiar por ter me contado o segredinho de sua chefe.
Paro na varanda após o almoço, vendo Dandara dar ordens e rodear o cercado com o cavalo. Sua calça aperta seu corpo, deixando sua bunda e suas coxas em evidência, assim como a camiseta branca dá margens para relembrar a noite passada, quando estava molhada e colada no corpo. Seu cabelo loiro brilha preso em um comprido rabo de cavalo sobre o sol.
— Vejo que cê tá aproveitando bastante a vista do Haras. — Mathias diz batendo a mão em meu ombro.
Ignoro seu comentário com duplo sentido.
— Um rapaz chamado Paulo, ligou mais cedo.
Encaro seu rosto. — Ligarei de volta. — quando volto meus olhos para Dandara vejo um peão cruzar o caminho até ela, pulando o cercado. — Quem é?
— Matheus Fornalle, é campeão de Turfe. Dandara está cuidando de seu cavalo.
Pelo jeito que ele faz questão de chegar perto dela, assim como tocá-la a todo instante, me parece bem mais que apenas um dono de cavalo.
— Ocê vai ter que tomar cuidado, certos olhares podem dizer que ocê quer algo além do Haras, Seu Miguel.
Olho pelo canto dos olhos, vendo Mathias rir. — Você não tem nada para fazer? — resmungo.
— Arra , até que tenho. Mas nada envolve comer com os zoinho a amazona mais turrona que a terra já viu. Cuidado, homi , vai ser domado rapidinho. — dispara a falar, correndo para fora da varanda, indo para longe de mim.
CAPÍTULO 15
Dandara
— Muito bom, garoto. — Sorrio me aproximando de Ferroni, ele vem correspondendo bem aos comandos. Monto nele dando algumas voltas no redondel, sei que ele já está aquecido, mas mesmo assim dou algumas voltas a trote curto, para que ele faça força. Ferroni, sendo um cavalo de turfe, não tem muita paciência de trotes pequenos, ele ama a corrida. Mas é importante que ele entenda esses pequenos cortes para que diminua.
Invisto no galope no meio dos instrumentos de equitação, dando voltas, sempre repetindo, fazendo-o saltar alguns dos obstáculos mais baixos, testando o controle dele. Ferroni tenta me dar um susto mudando o lado de galope, me fazendo segurar mais firme o arreio.
— Seu danado, queria fazer gracinha, é? — pergunto sorrindo.
Ele reclama relinchando, mas sei que está tranquilo, não está agitado e nem quer me machucar, é apenas coisa de um alazão novato. Diminuo o galope, deixando que ele descanse. Desço dando uma acarinhada em sua crina, notando Matheus sentado sobre o redondel.
— Não notei você chegando.
— Como ele está?
— Está bem, vamos progredindo, é preciso ter paciência. Ele sofreu um acidente, não podemos culpá-lo. Sei que você não acredita, mas o erro do acidente pode ter sido seu.
— A pata dele está melhor? — pergunta.
— Está, com os remédios e fazendo as massagens certas para acelerar o processo de recuperação, logo estará pronto.
— Você tem que ir para os grandes Haras, sua doma pode te tornar famosa. Pode ganhar muito dinheiro, poderia ser minha domadora particular.
— Agradeço o convite, mas não largo meu Haras por nada.
— Aquele engomadinho não irá herdá-lo de qualquer maneira? — questiona, acariciando a crina de Ferroni, encontrando minha mão por vezes, mesmo que com gentileza eu desvie do seu toque.
— Ele tem direito, mas pegar é outra coisa totalmente diferente. Meu Haras tem certificados de qualidade, só estamos passando por um momento complicado desde a morte de Pedro.
Matheus faz uma cara de deboche que me faz lembrar porque eu chutei sua bunda para longe anos atrás.
— Vamos ao que interessa, quando Ferroni estará pronto? Eu tenho uma competição importante e um olheiro em cima de mim, o negócio está quase fechado, se der certo irei para os Estados Unidos.
— Uns três dias e poderá levá-lo, mas é preciso que mantenha o treinamento que foi feito aqui com ele. Ferroni precisa de certos limites quando está fora da competição, isso faz bem para ele e para o relacionamento de vocês no futuro.
— Muito bom! Onde podemos acertar? — Matheus questiona.
— Vamos até o escritório, vou pedir para que Mathias dê uma ducha nele, além do mais, tenho um pedido especial para você. — digo.
Matheus segura minha cintura, fazendo com que eu desse uma chicotada em seu joelho.
— Já vi que sexo não é. — retruca rindo.
— Deveria ter dado uma chicotada no seu lombo, eu quero que você venha para a competição que iremos fazer, preciso levantar dinheiro para o Haras. Você é um agroboy , as mulheres virão se você for posto como um peão modelo, isso e sua lábia para trazer outros competidores da região.
Ele gargalha me acompanhando até o escritório. — Então quer usar minha beleza e charme para garantir uma grana? Ô princesa, eu posso ajudar, me diga, de quanto precisa?
Me enfezo. — Não quero seu dinheiro fácil, estou pedindo uma troca de favores. Já que eu domei seu cavalo e o coloquei no eixo para continuar enchendo seu rabo de dinheiro e dando essa fama de agroboy que anda estufando o peito por aí.
Matheus entorta os lábios por um segundo, mas sorri. — Fechado, eu vou ser seu fiel mosqueteiro. Ganho um beijo e um abraço apaixonado depois? Tudo em prol do Haras, é claro.
— Não!
Ele ri mais uma vez passando o braço pelo meu ombro com intimidade, fazendo-me bufar. Se deixar esse homi se espalha mais esterco em dia de chuva.
Miguel
— Miguel, precisamos da sua presença, alguns investidores só querem fechar e assinar com sua presença. Você não voltar para os negócios, está tendo um impacto grande nesses últimos acertos dos hotéis!
— Dê um jeito nisso Paulo, preciso lhe promover para meu sócio para que tome conta? Vamos colocar assim, durante anos me dedido à minha empresa e nesse em especial, decidi tirar umas férias. Falta pouco tempo para que eu tome esse lugar e logo estarei de volta a São Paulo. — digo sentindo um gosto amargo descer pela garganta.
— Não prometo, mas vou segurar os problemas, mesmo aguentando as caras feias que eles fazem ao ver que você não está presente em mais uma reunião. — Paulo responde — Sobre os documentos que me enviou, está tudo certo com o Haras, as dívidas são gastos excessivos, é preciso analisar quantos cavalos há no Haras e o que faremos quando ele não existir mais. Vou deixar anotado para pesquisarmos algum lugar que compra esses animais ou você pode ir passear na redondeza e encontrar alguma fazenda para negociar.
— Sim, preciso analisar isso com mais calma, acredito que terei mais tempo e cabeça livre quando o advogado retornar, Dandara é osso duro de roer.
— Você analisou a planilha que enviei? Tem um cavalo, que somente ele come quase um quilo de ração? O que ela cria aí? Algum tipo de mutação genêtica?
Sorrio, — É o Trovoada, ele é de uma raça especial.
— Deve ser mesmo. Venda-o, deve valer algo.
Dandara e eu já estamos em guerra declarada, imagina se eu sequer mexesse com seu cavalo? A pergunta é, qual de nós cansará primeiro e largará a corda?
— Você deve estar gostando de tudo isso, o Miguel que eu conheço não passaria um dia no meio do mato, e já estamos quase três meses nisso.
Volto minha atenção para a conversa, negando rapidamente. — Você perdeu o juízo? Eu que me enfio no mato e você que fica maluco? Vai resolver as pendências e não me apurrinha, nos falamos depois.
Desligo o celular na cara de Paulo, contrariado pelo que me disse.
CONTINUA
CAPÍTULO 8
Miguel
Jogo meu corpo na cama xingando baixinho, cada mínimo movimento doí, porra de cavalo xucro! Meus braços e bochechas tem arranhões dos galhos que ele lançou em mim, minha pele arde no minimo contato.
Retiro o telefone vendo que há duas ligações perdidas do meu assistente.
— Olá — resmungo, assim que atende a ligação.
— Miguel? Tudo bem? Estou atrapalhando algo? — pergunta Paulo do outro lado da linha.
— Não, estou gemendo de dor, seu idiota.
Ele ri, mas logo se controla quando bufo contra o telefone. — Posso saber o que ocorreu?
— Um cavalo xucro saiu como um maluco, quase tive um acidente sério. Não tem uma parte do meu corpo que não esteja doendo. Retiro o que disse os cavalos podem ser tão mortais quando um humano, tive a certeza hoje que cada pedido para parar ele ignorou completamente. Ainda bem que aquela outra maluca fez alguma coisa e me tirou daquele bicho descontrolado.
— Espera, Miguel Ramirez montado num cavalo? Não me diga que você também está usando botas e calça de couro? — ironiza meu amigo e assistente.
Olho imediatamente para os meus pés, chutando as botas para longe, recordando do sorrisinho insolente que Dandara me enviou ao me ver de bota mais cedo. — Continue rindo que vai perder o emprego e reze para continuar sendo meu amigo — resmungo novamente.
— Tudo bem, tudo bem. Falei com os avalistas, eles devem aparecer por esses dias.
— Ótimo! Amanhã eu vou me inteirar sobre os assuntos do Haras, quando o advogado veio ler o testamento de meu tio, deixou claro que Dandara precisa quitar as dívidas, ou seja, mais um ponto para se negociar. Você tinha que ver a cara dela quando o advogado leu as tais regras malucas que meu tio estabeleceu.
— Ela deve ser realmente interessante, nunca vi você falar tanto de uma mulher em todos esses anos, mesmo que seja para reclamar.
— Claro, ela é pior que uma mula, a mulher me atormenta, mas em breve a colocarei em seu lugar.
— Isso está cheirando outra coisa.
— Não fale besteira. Conte-me, como estão as coisas na empresa com minha ausência? — pergunto deitando a cabeça sobre o travesseiro.
Paulo passa uns bons vinte minutos discutindo comigo sobre algumas burocracias dos hotéis e sobre meu ambicioso projeto para esse Haras e fico animado que a equipe de arquitetos esteja dando tudo de si para colocar o projeto em prática, será necessário que esteja tudo alinhado quando finalmente tiver as terras para mim.
Tomo uma ducha rápida, depois de encerrar a ligação, visto roupas limpas e desço, meu estômago está dando os primeiros sinais de fome, e confesso que rezo para que aquela maluca não tenha feito nenhuma parte estranha da galinha novamente.
Quando chego na sala sinto cheiro de ovo e mesmo não sendo minha comida predileta é melhor que pé de galinha. Caminho até a cozinha encontrando Dandara se movimentando da pia para o fogão, rebolando sua bunda de um lado para o outro, enquanto prepara o omelete.
Caminho até a geladeira, pegando uma garrafa de água, eu poderia me sentar e ficar quietinho, mas vou devagar, parando atrás de, Dandara que se vira ao me sentir próximo de suas costas, o sorriso que tinha em sua boca assim que entrei na cozinha morre dando lugar para a carranca de sempre.
— O que está fazendo de bom aí? Está com cheiro gostoso.
— Nada que lhe interessa. — Acusa voltando para o fogão. Ela despeja o omelete pronto num prato, e seu olhar me faz recuar segurando o riso.— Está me espiando agora?
Vou até o banco de madeira, sentando-me de frente para ela. — Você realmente não sabe o que é ter modos com visitas.
Dandara larga o talher e o prato sobre a mesa. — Que eu saiba, você não é visita, se pode ficar arrotando por aí que é dono do Haras, alimentando a fofoca desse povo desocupado, pode fazer a própria comida. Vejo que suas mãos ainda estão no lugar.
Reviro os olhos.
— Seria gentil de sua parte fazer algo ou pelo menos oferecer.
— Oh, coitadinho do Miguelzinho, ele ainda acha que irei servi-lo? Que pena — diz levantando-se e levando o prato de omelete consigo. Ao chegar perto de mim ela para, encara meu rosto — Sabe, pensando bem, você não está acostumado com nossa vida, não entende nada do campo, não sabe como funciona as coisas por aqui.
Confirmo meio desconfiado de sua gentileza repentina. Afinal, de boas intenções o inferno está cheio. — Podemos resolver de forma amigável, como já havia dito.
— Sim, podemos. Então você vai pegar sua bunda mole e prepotente e sumir daqui, deixando meus animais e as famílias que dependem do Haras em paz?
— Não, olhe bem, Dandara...
Mal termino de falar ela vira o prato de omelete quente sobre minha cabeça, me deixando todo melecado de ovo. — Puta que pariu! Sua maluca! — Grito ficando de pé, passando a mão pelos ombros, jogando para longe a sujeira de ovo, presunto e pedaços de outros ingredientes. Sentindo os olhos lacrimejarem de dor pela comida quente que caiu em mim.
Ela sorri de maneira irônica. — Se vira, brucutu! Mas nem por cima do meu cadáver você irá tomar o Haras de mim. E se eu fosse você limparia essa bagunça, senão amanhã eu nem apareceria na frente de Maria.— diz antes de pisar no meu pé com sua bota e sair marchando para o andar de cima.
CAPÍTULO 9
Dandara
Esgotada. Hoje foi um dia realmente puxado, faço uma massagem pelo pescoço desligando as luzes do escritório. Passo pelo estábulo carregando comigo um pouco de feno e enquanto fecho as portinholas, vou dando para os cavalos, acariciando suas cabeças.
— Hora do descanço, amigo — digo fazendo carinho no Trovoada, rindo ao ver ele se curvar todo ao receber o carinho. — Amanhã é dia de banho. — ele relincha sacudindo a cabeça — É, estou preparada para não cair nas suas brincadeiras, seu moleque travesso!
Adoro esses momentos tão nossos, todos os dias tiro um momento para nós, algo que vai além de montar e irmos para os campos mais afastados. Um momento que nos conecte de alma e coração, a linguagem corporal mostra muito para eles, assim como nos expressa seus sentimentos. Acaricio sua crina novamente fechando a portinhola.
O som da viola chega alto em meus ouvidos, os funcionários têm mania de montar uma roda de viola durante as noites.
— Boa noite, pessoal. — cumprimento ao passar por eles.
— Boa noite, Dandara. Fica com a gente essa noite?
— Sinto muito Cicinho, estou tão cansada que tudo que quero é a cama.
Ele sorri e volta a cantar o modão antigo. Sigo para casa agradecendo pelas luzes estarem apagadas, sinal que o brucutu me deixará terminar a noite de maneira tranquila.
Mas no fundo me engano, respiro fundo ao escutar o piso de madeira estalar sob seu peso. Assim como não foi nenhuma surpresa que iríamos discutir, meu corpo estava aquecido, enfurecido por nossa discussão. Jogar o meu jantar em sua cabeça foi pouco para o que eu tinha vontade de fazer com esse homem petulante.
Na manhã seguinte entro no escritório com um rompante, pegando Mariana desprevinida.
— Arre égua , Dandara, quer me matar do coração?
— Estive pensando, podemos fazer um evento, algo até que grandioso, uma exposição dos cavalos ou até mesmo uma competição de hipismo, voleio... — eu estava divagando, sabia só de olhar para o rosto de Mariana tentando acompanhar minha linha de raciocínio.
— Você não dormiu nada pelo visto.
— Um pouco — digo dando de ombros.
— O evento seria interessante, mas tem as regionais daqui alguns meses, os montadores podem não querer desgastar os animais com isso.
— Ou podem adorar a ideia, treinos são o básico para eles, o que mais te deixaria pronto para uma grande competição do que outra? Seria um aquecimento, e sei que falando da forma correta eles irão aceitar.
Mariana para por um instante analisando o que acabei de dizer. — Pode ser uma coisa boa — considera por fim.
O sino em cima da porta toca, nos fazendo encerrar a conversa.
— Então é aqui que ficam os documentos do Haras?
Reviro meus olhos.
— Bom dia, Seu Miguel. — Mariana se derrete um pouco olhando de cima a baixo o corpo de Miguel.
Dou uma olhada para ela, do tipo “Sério isso?”, mas pelo visto ela está entretida demais na bunda dele, eu entendo, ele realmente tem uma bunda bem gostosinha...— O que quer aqui? — retruco.
— Preciso dar uma olhada na papelada, o advogado comentou sobre as dívidas do Haras, quero saber quanto é seu rombo.
— Meu rombo? Você não tem direito de vir aqui me falar uma asneira dessa. Eu cuido desse Haras como se fosse minha vida...
— Então já sei o motivo para ser essa baderna toda. — me interrompe.
Bufo.
— Qual é seu nome? — vira-se sorridente para Mariana.
— Mari...Mariana.
Controlo minha irritação para não mandar os dois à merda.
— Minha linda, você poderia separar os documentos para eu dar uma olhada? Apenas coisas mais triviais, e lógico, as dívidas.
— Claro!
Traidora!
Pego meu chicote sobre minha mesa e saio batendo o pé, minha vontade é colocar Miguel de joelhos e dar umas boas chicotadas no seu lombo, além do grande pé na bunda, quem sabe isso não seria suficiente para chutá-lo para longe.
Vejo um trailer cruzar as pistas parando perto de uma delas. Ando até lá vendo Matheus sair passando as mãos pelo cabelo, com toda sua pose de agroboy. 3
— Loirinha!
— Matheus, então é verdade, voltou para cidade.
— Sentiu saudades? — pergunta puxando-me pela cintura, colando nossos corpos.
Empurro seu peito com um sorriso frouxo. — Você ainda sonha com isso, que pena!
Ele me solta passando os dedos pela barba rala. — Rodrigo disse que se recusou ir até o rancho para cuidar de meu cavalo.
— Não me recusei, apenas comuniquei que estou com muito trabalho, não posso largar tudo para fazer seus caprichos.
— Então, se a melhor encantadora de cavalos não vai me ajudar, eu trouxe meu cavalo até ela.
— Ótimo, Rodrigo disse que ele não está se alimentando direito, que está arredio, o que houve entre vocês?
— No último Turfe sofremos um acidente, nada de grave, foi apenas a queda mesmo, e com a proximidade do outro campeonato, preciso que alguém dê um jeito nele. Ferroni já mordeu dois veterinários e quase deu coice em Rodrigo.
— Vamos ao trabalho. Quero ver o que ele tem para contar, não você — digo.
Seguimos até o trailer, ajudo ele abrir as portas, Ferroni se encolhe no canto oposto evitando ser tocado por Matheus.
— Deixa, eu pego ele, fique aqui.
Entro no trailer, pé ante pé, conversando com o cavalo, acalmando-o com carinho, suas orelhas se levantam e eu sei que está compreendendo o que digo. É notável que ele está magoado. Poderia ser pela queda como Matheus revelou.
— Você quebrou o elo entre vocês, Matheus. — Viro para encará-lo. — O que não está me contando?
— Ele foi teimoso, o que nos levou a queda, que papo é esse que eu quebrei o elo?
— Ser turrão não irá fazê-lo te olhar com bons olhos, ele está magoado!
Matheus cruza os braços em frente do peito. — Nunca entenderei como compreende tanto esses cavalos.
— São anos dedicados a eles, conheço-os bem.
— Retorno daqui dois dias, tenho um compromisso amanhã, espero seu retorno para buscá-lo.
— Vamos ter que fazer uma interação entre vocês. Isso se quiser competir com ele, você precisa se curvar também. Ferroni precisa ver que você está disposto a isso, não é só ele que precisa mudar.
— Claro, claro. Só me ligar.
— E Matheus, — Aguardo que ele se vire. — Não use mais chicotes nele.
— Como você... — A pergunta morre em seus lábios quando aponto para a anca do cavalo marcada pela surra do chicote.
Ele confirma, saindo sem jeito, fecha as portas do trailer e entra na sua caminhonete, sumindo dali.
Viro-me para Ferroni, estendo a mão e deixo que ele venha até mim, só então distribuo carinhos pelo seu corpo e cabeça. — Vou cuidar de você.
Levo-o comigo para a ronda nos estábulos, reponho água em algumas baias e deixo Ferroni em uma das vazias, colocando uma generosa porção de ração, feno e água fresca. Seria melhor ele descansar, amanhã começaria minha avaliação e a tarde poderia andar um pouco com ele e Trovoada, sendo um cavalo de Turfe, ele gostaria de correr livre pelo campo, e tenho certeza que adoraria cortar o riacho que fica na propriedade do Haras.
Volto para casa pouco depois das duas da tarde, meu estômago reclama de fome. Empurro a porta de madeira encarando o carro de luxo parado perto da entrada.
— Dandara, que bom que chegou, estávamos te procurando. — Maria diz de maneira afobada assim que entro.
— O que houve?
— Esses homens dizem que estão aqui para ver o Haras.
Meu sangue ferve. Como assim? O que aquele brucutu estava aprontando agora?
Tiro o chapéu da cabeça, deixando no mancebo na entrada indo até a sala, onde dois homens engravatados e metidos a besta estavam sentados, olhando tudo com olhar crítico.
— Senhores, o que posso fazer por vocês?
Eles se erguem estendendo a mão em minha direção, pego a do mais baixo primeiro e depois cumprimento o outro em silêncio.
— Somos da Avality Security, somos peritos, avaliadores judiciais — explica como se fosse lesada.
— Sim, claro.
Não precisava perguntar quem tinha os chamado, eu sabia, isso era coisa do brucutu, o que fez meu sangue borbulhar em meu corpo. Coloco um sorriso triste no rosto, fazendo os dois se entreolharem.
— Sinto muito, senhores. Acreditei que Miguel tivesse desmarcado com os senhores.
— Desmarcado? — pergunta o baixinho. — Essa reunião foi marcada pelo assistente do Sr. Ramirez, marcada com teor de urgência.
— Sim, primeiramente tínhamos muito interesse em vender a propriedade, mas Miguel sempre foi tão apegado às lembranças e todas as memórias de seu tio por aqui. É realmente uma lástima tudo que houve, o senhores entendem, estamos pensando em nos mudar definitivamente para o Haras.
— Como dissemos, senhorita, ninguém nos informou que a visita estava cancelada. — O baixinho retruca novamente.
— Sim, eu compreendo. E queríamos mesmo, mas como vimos, o assistente não está lá fazendo seu trabalho direito. Desculpem pela viagem em vão.
— A senhorita seria o que do Sr. Ramirez? — o outro pergunta mais desconfiado.
— Noiva. Miranda, muito prazer — digo com um sorriso.
— Bom, vemos que foi uma viagem à toa realmente, por favor, informe seu Miguel que o que combinamos terá que ser arcado pela empresa dele.
— Claro, eu mesma faço questão de mandar o assistente fazer os embargos todos hoje.
Eles sorriem mais satisfeitos, sabendo que ganhariam da mesma maneira. Acompanho os dois até a entrada, abrindo a porta para eles, vendo-os entrarem no carro e saírem do meu Haras.
— Menina!
Viro rindo, encarando o olhar recriminatório de Maria.
— Isso trará problemas!
— Que dê, estou louca para chutar a bunda daquele brucutu para bem longe!
E não demorou muito para que ele descobrisse o que tinha feito, estava terminando o meu descanso na sala quando ele entrou batendo o pé como um boi velho, gritando aos quatros ventos que eu iria pagar bem caro pelo que havia feito.
Continuo descascando minha tangerina, chupando o sugo doce que tranbordava da fruta, deixando que ele urrasse tudo que tinha vontade, antes de me levantar para revidar.
— Já acabou, brucutu?
Ele cruza os braços me encarando furioso.
— Primeiro: você não deve ter escutado direito quando o advogado disse que providências como essas só poderiam ser tomadas depois de cinco meses vivendo no Haras e não depois da primeira semana, que dirá dias; segundo: O haras não está à venda, contente-se com isso. Você não vai cantar de galo por aqui, porque não passa de um franguinho enviadado. Então desista!
— Olha lá como fala comigo, sua caipira! — diz vindo para cima de mim.
Ergo a sobrancelha vendo seu rosto a centímetros do meu.— Sinto muito, se não está contente, pegue suas tralhas e se manda daqui!
— Você está mexendo com fogo!
— Esse fogo todo não passa de uma brasinha, se enxergue. Brucutu! — digo caminhando até a porta, coloco meu chapéu na cabeça vendo-o praticamente espumar pela boca.
CAPÍTULO 10
Miguel
Passo na frente da porta do quarto de Dandara, tentando escutar algo, mas parece que a Diaba estava dormindo, jogo minha jaqueta nos ombros descendo a escada.
— Estou pronto, podemos ir para esse tal de bar.
Ainda estava puto pela atitude de Dandara com os avalistas, isso me causou uma dívida e dor de cabeça desnecessárias. Esse foi o principal motivo que me fez aceitar o convite para conhecer o bar que Mathias tanto comentou hoje mais cedo. Eu só queria beber e quem sabe, ter algo perto de diversão.
Mathias me olha de cima a baixo.
— Que foi?
— Desculpa, Seu Miguel, mas o senhor não vai sair assim comigo.
Olho para mim mesmo, encarando minhas roupas, o que tinha de errado com minha calça jeans, meus sapatos italianos e minha blusa social? — O que há de errado? — pergunto externando meu pensamento, mas no fundo me arrependo disso, pois Mathias estava vestido com uma calça jeans rasgada nos joelhos, as botas como sempre nos pés, a camisa xadrez aberta deixando o peito à mostra e é claro, o chapéu na cabeça.
— Pensando melhor, deixa quieto, Seu Miguel.
Entro no banco de trás da caminhonete.
— Santiago, esse é o Miguel. — Mathias nos apresenta. — Santiago é o veterinário aqui do Haras.
Santiago me cumprimenta com um gesto de cabeça, trocando um olhar com Mathias, como se confidenciassem algo entre si. Gostaria de saber qual o problema desses caipiras, não podiam ver nada diferente que pareciam crianças segurando o riso travesso.
Ao contrário do que imaginei o tal bar que Mathias disse não ficava no centro de Ajapi, que já não era lá aquelas coisas. Passamos do pequeno centro com alguns comércios abertos, a maioria botecos com velhos sentados na calçada bebendo. Seguindo para a estrada, Santiago aumenta os faróis acelerando na pista vazia, o percurso dura uns dez minutos no máximo.
A entrada do Cowboy’s bar, era como um dos celeiros do Haras, o estilo de pequeno faroeste era o que destacava aquele bar do resto nomeio do nada. Enquanto Santiago procura uma vaga no estacionamento observo as pessoasvestidas como Mathias e Santiago formando uma fila na porta do bar, aguardando sua vez de entrarem.
Mathias e Santiago saltam do carro, cumprimentando quase todo mundo pelo caminho — vantagens e desvantagens de cidade pequena. A música sertaneja estava alta, saindo pelo abre e fecha da porta de entrada, assim como a voz das pessoas cantando como um coral.
O Cowboy’s Bar era como uma casa de show, o piso de madeira e decoração rústica, o mesanino dos dois lados, os bares movimentados abaixo deles em e, bem no meio, uma enorme pista de dança, já repleta de pessoas.
Literalmente eu não me encaixava nesse lugar. Mathias para em minha frente erguendo uma garrafa de cerveja, que eu nem mesmo tinha pedido. — Ficar de garganta seca, num pode. — acrescenta piscando.
Agradeço a Mathias ainda analisando tudo que estava diante de mim.
— Muito diferente da cidade grande? — Santiago pergunta.
— Muito — digo tomando um gole da cerveja, sentindo o amargo descer pela minha garganta.
— Logo começa a parte boa. — Mathias diz — Daqui a pouco toca o modão raiz, aquele que a viola toca e desce uma lágrima pelo rosto.
— É nesse momento que ocê tem que fugir do Mathias — Santiago fala rindo, antes de virar um copinho de cachaça.
— Se prepare para sair com o coração sangrando, mas é bão demais, quem não gosta de modão é porque tem medo — Mathias disse com um sorriso. — Ela bate aqui ô — acrescenta indicando o coração.
Casais se espalhavam pela pista de dança, grupos de jovens conversavam de forma animada, aquele bar era realmente o point da cidade, devia ser a única atração de mera qualidade que eles deveriam ter. Sinto uma mão em meu ombro, viro dando de cara com uma loira ao meu lado, ela dá um beijo em Mathias e outro em Santiago. Ainda me olhando.
— Mathias, Santiago, estão com amigo novo? — pergunta com malícia, dando o seu melhor sorriso para mim.
A garota era gostosa. — Oi, o amigo novo chama Miguel e você? — questiono retribuindo o sorriso.
— Óbvio que não é da cidade, um homem tão gato como você...meu nome é Cindy.
— Toca sirene que o perigo chegou — Mathias grita, gargalhando. O que faz a tal de Cindy dar uma olhada feia em sua direção.
Ignoro o comentario dele e suas risadas, iniciando uma conversa com Cindy, e em pouco tempo descubro que ela era filha de um fazendeiro da cidade, estava se formando em agronomia. Até mesmo mordi a língua, achei que ela seria o tipo de garota fútil da cidade pequena, principalmente pelo modo como me abordou. Porém, não era apenas um corpo e rostinho bonito.
— Finalmente! — Ela diz empolgada batendo palmas quando a banda ocupou o lugar no palco, logo me puxando para a pista de dança, mesmo eu falando que não sabia dançar. — Deixe de besteira, forasteiro!
E foi sendo arrastado para a pista de danç, passando no meio de casais combinando passos, que vejo Dandara entrar sorridente na pista de dança. Ela vestia uma calça jeans agarrada no corpo, literalmente colada sob suas curvas, uma camisa branca deixando alguns centimetros de sua barriga amostra, assim como um leve decote sobre seus seios perfeitamente redondos e chamativos.
Cindy agarra minha mão, se embrenhando ainda mais no meio da multidão que dançava empolgada, me fazendo parecer um idiota ali no meio.
As meninas querem se diverti
Se o homem não dança, ele acabou
Diga-lhe seguir em frente, tirar o homem
Agora posso pegar uma coca com meu rum?
Cindy rodopiava ao meu lado rindo como uma criança, esfregando-se no meu corpo, enquanto meus olhos estavam em Dandara dançando com um peão qualquer, repetindo os mesmos passos da garota que estava comigo.
Nossos olhares se cruzaram em uma de suas voltas, fazendo-a perder o compasso da dança, como modo de provocá-la agarro na cintura de Cindy até entrando no ritmo de seu quadril, minha perna no meio das suas fazem com que ela roçasse pelo meu corpo, fazendo meu pau ficar rígido nas calças.
— Podemos fazer algo melhor que dançar se quiser, forasteiro. — Cindy diz descaradamente, encarando a protuberância em minhas calças.
— Será ótimo, quem sabe mais tarde?
Hey, senhor não vai me vender uma identidade falsa
Há uma banda no bar que eu estou morrendo de vontade de ver eu tenho o meu dinheiro e você tem o que eu preciso
Hey senhor não vai me vender uma identidade falsa
(Fake ID – Big & Rich)
Não sei em que momento tudo girou e as mulheres trocaram de parceiro, Dandara parou com as mãos sobre meu peito, logo dando um pequeno passo para trás, mas intercepto seu gesto segurando firme em sua cintura antes que tente se ver livre de mim. Reparo também nos olhares aborrecidos de Cindy enquanto dança com o outro cara, mas me concentro na Diaba em meus braços.
— O brucutu quer fingir que dança? — pergunta rindo.
Levo à boca a garrafa de cerveja, terminando de uma vez o contéudo.
— Acho melhor segurar a onda, você não sabe como as coisas funcionam por aqui! — Retruca, olhando no fundo dos meus olhos.
Puxo seu corpo mais forte contra o meu, sentindo as mãos de Dandara se agarrarem ao tecido de minha camisa, seu corpo encaixado tão bem no meu como as peças de um quebra cabeça, seu seio pressionado contra meu peitoral, minha coxa no meio de suas pernas, tocando sua intimidade por cima do jeans. Me curvo um pouco encostando a boca em seu ouvido, deixando a impressão de meus lábios gelados pela cerveja que tinha tomado em sua pele antes de falar: — Então me diga, como as coisas funcionam por aqui?
Sinto o corpo dela tremer contra o meu, me fazendo sorrir.
Deixo minha boca deslizar por seu pescoço mais uma vez, minha mão envolvendo sua cintura, segurando o corpo firme no meu, o bastante para que ela sentisse meu membro meio ereto devido as esfregadas que Cindy tinha dado em seu quadril. Seu cheiro de caipira estava ficando impregnado em minha pele, e eu só poderia estar maluco, mas até que seguir por esse caminho poderia me facilitar em dobrá-la. Seduzi-la para conseguir o que eu queria? Não parecia uma má ideia.
Ela se afasta um pouco e pude uma sombra de desejo em seus olhos, mas também a teimosia que estava me acostumando a encarar durante os dias. — Nunca provoque uma domadora se não tiver preparado, por que só preciso de poucos segundos para te enlouquecer, assim como faço com meus cavalos chucros!
E com isso me deu uma joelhada nas bolas, porra de mulher maluca, curvo meu corpo, segurando minhas partes íntimas, meu urro de dor sendo contido pela música alta e as pessoas animadas conversando e cantando. — Você enlouqueceu? — pergunto.
Ela dá de ombros.
— Meu Deus, Miguel você está bem? — Cindy se abaixa em minha altura, olhando em meu rosto, que deveria estar vermelho de tanta dor que estava sentindo. — Ocê ficou maluca?
— Dá um tempo, Cindy!
Pelo visto Dandara e Cindy se conheciam muito bem. Dandara deu uma olhada feia para nós e sai, sumindo no meio da multidão de dançarinos.
— Venha, eu levo você embora, que menina maluca, não é à toa que falam que ela morrerá sozinha, está tão selvagem quanto os animais que cuida!
Se eu tinha qualquer pretensão de transar essa noite, Dandara tinha acabado com todas as opções.
CAPÍTULO 11
Miguel
Foi o barulho dos trovões e do vento passando forte pela casa, fazendo as janelas do quarto trepidarem que me acordaram, o relincho dos cavalos estava alto o bastante para que eu os ouvisse até com toque de desespero do meu quarto. Saio da cama parando em frente a janela, virando quando os relâmpagos e trovões cruzavam o céu, não era possível ver nada.
Escuto passos afobados do lado de fora do quarto, descendo a escada. Talvez a Diaba tenha medo de alguns trovões.
Poucos minutos depois ouço a voz de um homem exaltado, e a figura de Dandara correndo no meio da chuva, ou melhor, um pequeno flashe do que seria ela, apareceu quando o trovão cortou o céu. Pego meu casaco saindo apressado do quarto, o que teria feito esse alvoroço todo?
Assim que desço encontro Santiago, Maria e Bento com expressões preocupadas no rosto.
— O que está acontecendo, por que todo o estardalhaço?
— Seu Miguel, desculpe acordar o senhor, a menina Dandara saiu em disparada em direção aos estábulos, nessa chuva, com tantos relâmpagos!
Fico com uma expressão do tipo “e dai?”
— Eu vou atrás dela, Maria, fique calma — Santiago diz antes de sumir pela escuridão e chuva forte.
— A menina tem grande apreço pelos cavalos Seu Miguel, e temos uma égua muito doente, ela conseguiu se soltar da baia e fugir em direção ao campo. — Maria explica preocupada.
— Uma chuva nesse nível faz o riacho encher, é perigoso sair para aqueles lados. — Bento complementa.
— Que Nossa Senhora proteja minha menina — Maria clama saindo em direção à cozinha.
Começo a virar as costas para voltar para meu quarto, afinal, não tinha nada que eu pudesse fazer. Santiago já tinha corrido atrás dela e o que eu tinha a ver, se a doida decidiu sair correndo justo no meio dos trovões? Mas algo me deteve e quando dei por mim estava eu correndo no meio da chuva em direção às vozes alteradas que vinham do estábulo.
— Sai da frente Santiago ou não respondo por mim!
— Dandara, pense por um minuto, é perigoso sair debaixo desses trovões.
— Não deixarei aquela égua perdida. — Dandara gritou junto com o trovão retumbando em nossas cabeças.
Eles pararam a discussão me vendo parado na porta.
— Tudo que eu queria! — A diaba exclama.
Dandara puxa uma fivela da sela do cavalo, terminando os últimos ajustes. Pega um chicote colocando enfiado no cano alto de sua bota, enquanto sussurra algo perto do ouvido do cavalo.
— Dandara, me escute, ela pode estar em qualquer lugar — Santiago tenta argumentar, mas ela o ignora. — O riacho já deve ter transbordado, é perigoso e arriscado ir com Trovoada até lá. Pensou na hipotese dele atolar?
— Escute-o, você está se colocando em risco, quando seu veterinário disse que é tempo perdido. — reclamo.
— Quem disse que você manda em alguma coisa aqui? Quem disse que entende sequer do esterco que pisa?
— Eu tenho tanto direito quanto você, pode entender dos cavalos ou como as engrenagens funcionam por aqui, mas eu tenho direito a tudo que está dentro desse Haras, inclusive esse seu cavalo.
Os olhos dela me fulminam, se pudesse, tacaria fogo em minha direção.
— Tá com medo de quê? Você não sabe o que é reciprocidade e não tenho tempo para discutir com um brucutu que mal respeita o chão que pisa. — cospi em minha direção.
— Eu não tenho medo de você, só não confio em você.Você está transformando tudo num caos desde que cheguei, eu não gosto de você — digo um tom mais alto.
Santiago que acompanhava tudo de boca fechada perto das baias. tinha sido completamente esquecido, assim como a égua perdida.
Dandara arranca o chicote das botas batendo na palma da mão, — Eu te incomodo, né? Te tiro do sério, perturbo você. — Ela passa o chicote pelo meu rosto. — Não está acostumado a ouvir um não, muito menos vindo de uma mulher, mas te conto um segredinho, Sr. Ramirez, terá que me engolir! Agora saia da minha frente! — vocifera.
— Você está merecendo uma surra de chicote isso sim. — retruco agarrando o braço que ela segura o chicote.
— Se uma surra me deixasse livre de você, eu aceitaria de bom grado. Eu tinha certeza que você me traria problemas assim que cruzou meu caminho. Como anos atrás eu te odiaria assim que vi você cruzando os limites do meu Haras, mas eu vou abaixar sua crista logo, logo.
— Eu estou pagando para ver. — Debocho, ainda agarrando seu braço com firmeza e olhando no fundo dos seus olhos.
Ela se desvincilha do meu aperto, se vira subindo com rapidez no cavalo, dando uma chicotada perto do rabo, fazendo-o arquecar nas patas traseiras e sair num galope feroz do estábulo.
Observo ela sair com a mandíbula tão travada que poderia quebrar meus dentes. — Mulherzinha dos infernos!
CAPÍTULO 12
Dandara
Era impossível saber qual caminho Archeron percorreu, a estrada de terra era um lamaçal puro, com a chuva forte todas as grandes e pequenas pistas estavam destruídas, estava difícil enxergar um palmo à frente, forço Trovoada a galopar mais forte, indo para mais longe.
— Archeron! — grito para a noite.
O vento chicoteava a chuva contra meu corpo, embaladas pelos altos trovões à minha volta. Era apenas eu e Trovoada, tentando contra a força da natureza. Meus gritos por Archeron se perdiam no meio das árvores e dos relâmpagos iluminando o céu sobre minha cabeça. Meu corpo tremia de frio, os nós dos meus dedos estavam esbranquiçados, apertando a rédea com força.
Antes de chegar no riacho, puxo as rédeas do Trovoada fazendo-o parar derrapando na poça travessa de lama pelo chão, rezando para Deus que eu pudesse encontrá-la ainda com vida. A briga com Miguel nublava meus pensamentos, fazendo a raiva percorrer meu corpo.
Trovoada relincha tirando as patas da frente alguns centímetros do chão. Dando alguns passos para trás, não querendo obedecer minhas ordens.
— Vamos meu amigo, temos que encontrá-la.
Trovoada se ergue novamente, relinchando, sacodindo a cabeça para a escuridão incerta em nossa frente. — Por favor, não me faço usar a força, amigo — sussurro engolindo o choro.
Aperto os olhos quando um trovão clareia o céu, algo não muito longe acaba chamando minha atenção, Trovoada fica ansioso e sei que isso significa que encontramos, pulo de seu lombo, correndo até lá encontrando Archeron atolada numa poça de lama, suas pernas presas até a metade impossibilitando que ela saia sozinha dali. Seu relincho baixo é um pedido desesperado por ajuda, assim como seus olhos arregalados ao encarar.
— Preciso da sua ajuda — digo para Trovoada, ele relincha abaixando um pouco a cabeça.
Retiro a corda da bolsa amarrada em sua sela, enlaçando o corpo de Archeron e na outra ponta amarrando na sela de Trovoada.
Dou uma leve chicotada na anca dele, fazendo-o começar a se afastar, mesmo ele sendo um cavalo forte e maior que os outros encontra dificuldade em tirar a égua dali, pulo para dentro do lamaçal empurrando a anca dela para fora, ignorando seus relinchos assustados.
— Vamos Archeron! Você precisa me ajudar! — grito para ela no meio da escuridão, empurrando seu corpo.
A luz do farol sobre mim me faz erguer a vista.
— Por Deus, Dandara! — Mathias grita sob a chuva vindo em minha direção acompanhado de Santiago.
— Ela está com dor, Santiago.
— Me deixei examiná-la.
Ele pula no lamaçal junto comigo, tirando o estetoscópio do pescoço. — Mathias, pega minha maleta, tem uma seringa pronta. — ordena
Mathias corre até o carro, trazendo a seringa que Santiago havia pedido.
— Ela está num estado muito grave, Dandara. — Santiago começa a dizer.
— O que você vai fazer? — pergunto.
— Vou tentar diminuir a dor, mas ela está com uma torção da alça intestinal, não tem como salvar. Já sabiamos que seria complicado, antes mesmo dela fugir e se enfiar aqui.
— Essa não é a última palavra. — grito acima dos trovões.
— Tenho que sacrificar! Não podemos deixar ela sofrer mais.
— Tem que haver outro modo de salvá-la, Santiago! — falo desesperada.
— Não tem, Dandara, se tivéssemos opções eu faria, pode ter certeza. — Santiago olha para mim. — Dandara, você fez tudo para salvá-la, infelizmente tem coisas que vão contra nossa vontade. — Ele se vira chamando por Mathias. — Solte o Trovoada da Archeron.
Trovoada fica irritadiço, não deixa Mathias chegar perto.
— Trovoada, calma! — digo
Ele para de se afastar ou de tentar morder as mãos de Mathias encarando meu rosto, sei que ele sente minha tristeza, minha aflição e isso mexe intensamente com ele.
— Dandara, preciso fazer isso. — Santiago diz.
— Tire logo esse sofrimento dela — exclamo, deixando as lágrimas rolarem ainda mais por meu rosto, se misturando com a chuva.
Santiago prepara outra seringa, injetando nela, evito olhar, aquilo corta meu coração. Me ajoelho perto de sua cabeça, puxando-a para cima do meu corpo, ela solta um relincho baixo me fazendo chorar ainda mais. Archeron não se cortorce mais com dor, vai nos deixando aos poucos, seu olhar aterrorizado me encarava enquanto a chuva caía em nós. Nossos olhares ficando presos pelos últimos segundos, me fazendo assistir o reflexo do alivio pela dor ter ido embora finalmente e da morte.
Mathias me agarra pela cintura, contendo meu choro forte, seus braços se fazendo fortes ao meu redor como uma muralha, me tirando do lamaçal com ajuda de Santiago. Ele me leva de encontro a Trovoada, fico agarro seus braços enfiando as unhas neles, querendo que essa dor que me corroi saia logo de dentro de mim. Trovoada bate com o focinho em meu rosto, me fazendo olhar para cima.
— Leve-me daqui.
Trovoada praticamente se deita, subo em suas costas abraçando seu corpo enquanto ele se levanta nos levando dali, nem me importando por não estar sentada totalmente certa sobre a sela, sei que ele nunca me deixaria cair.
CAPÍTULO 13
Miguel
Passo as mãos pelos cabelos pela décima vez. Tinha plena consciência que não deveria e nem teria porque me meter em assuntos que não eram meus. Se ela quis correr igual uma desajuizada para o meio do mato tentando salvar uma égua, quando o mundo estava caindo lá fora, isso é problema dela! Mas então, por que eu não conseguia voltar a dormir ou parar de caminhar pelo quarto como um bicho enjaulado? Por que o pequeno vislumbre de tristeza e medo nos olhos de Dandara me perturbavam?
Fiquei um bom tempo me revirando na cama, a chuva tinha diminuido um pouco, mas continuava a cair. Uma inquietação fora do normal tomava meu corpo. Tento não pensar ao lançar as cobertas para o outro lado, vestir a bota que Mathias havia me emprestado e sair em direção à luz fraca do celeiro. Mesmo antes de entrar eu podia ouvir as fungadas de alguém chorando, me esgueiro pelas pilhas de feno tentando ver quem é.
Dandara leva seu cavalo para a baia, tirando o equipamento das costas dele. Pega uma toalha pendurada perto da baia e para, olhando para mim por cima do ombro. — O que você quer aqui?
A roupa estava grudada em sua pele, a camisa branca transparente pela chuva, deixando seu sutiã à mostra, os cabelos loiros colados no rosto pingando água.
— Achou sua égua?
Ela me analisa de cima a baixo. — Isso não é da sua conta.
— Será que você não consegue agir com civilidade? — questiono chegando perto o bastante.
— Você não tem nada melhor para fazer? O que você quer de mim?
— Distância! — digo com raiva, ô mulherzinha teimosa! Vim aqui por que estava preocupado com ela, — o que hipótese nenhum revelarei —, e nem por um mísero segundo ela consegue parar de dar coice.
— Mentira! Nem mesmo um brucutu chucro como você ficaria tanto no meu pé se não quisesse algo, já falei, não irei vender o Haras, esqueça! Agradeceria se me deixasse em paz.
— Está querendo dizer o quê? Que sinto algo por você?
Ela gargalha jogando o cabelo molhada para trás, fazendo algumas gotas de água voarem em minha direção. — Você tem medo, tem algo além da disputa, algo além da raiva de ter que dividir o Haras comigo — ela dá um passo em minha direção.
— Você acha que todos os homens estão prontos para cair aos seus pés! — retruco.
— Noto como me olha, como me olhou ontem no bar, você me segue com os olhos, mesmo longe eu sinto você como um abutre em minhas costas. — Os olhos de Dandara se estreitam, enquanto um sorriso minimo brilha em sua boca.
— Você me irrita, é teimosa, complica a minha vida. Tem sorte de ter ainda alguns trouxas que lhe aturam, sendo ogra do jeito que é.
— E você acha normal alguém te irritar tanto se mal conhece? — desafia.
Dandara dá outro passo em minha direção, um sorrisinho de escárino nos lábios.
— Ódio a primeira vista — digo.
— Ou seria atração? Desejo... Diz Miguel... o que você quer comigo?
Dandara sorria para mim, convencida, gostando de me atingir. E ela estava atingindo algo dentro de mim, me fez inclinar em sua direção, selando sua boca com a minha. O fato é que ao afastar minha boca da sua vi seis olhos se dilatarem e ela permanecer parada com os lábios entre abertos. O que fiz a seguir, era por puro desejo.
Puxei seu corpo para o meu, minha boca esmagando a sua, forçando-a a abrir,dando espaço para minha língua, sentindo o gosto da chuva em sua pele. E, de repente, eu estava faminto. Ela retribui receosa, sua boca acompanhando a minha, os seios esmagados contra meu peito, fazendo minha pele se arrepiar pelo frio de suas roupas. Minha mão desce até sua bunda, naquele momento eu não queria mais saber se cai em sua lábia e provado que tinha atração por ela. Eu só queria empurrá-la até a parde mais próxima, esfregando meu corpo no seu.
E eu poderia ter feito, se ela não tivesse interrompido nosso beijo, empurrando meu peito para longe, encarando meus olhos com ódio. —Talvez, não sou eu que me sinto atraido por você — É inevitável o sorrisinho que me escapa, assim como o tapão que ela dá em meu rosto. — Ah, sua encren...
Dandara puxou meu corpo pela roupa, fazendo nossas bocas se chocarem novamente, tomando a minha com urgência, como se não quisesse que o beijo tivesse fim. Levo minha mão em seu cabelo, enfiando meus dedos entre eles, com a outra mão em sua bunda puxo seu corpo para o meu, fazendo com que nós dois caíssemos contra as pilhas de feno, Dandara montada sobre mim, um gemido sai de meus lábios ainda colados nos dela, eu sentia sua pele quente, arrepiada, minha ereção aparente esfregando-se nela.
Aperto seu quadril, deslizando as mãos por suas costas. Mas em nenhum momento interrompo nosso beijo, muito menos desacelero o ritmo. A intensidade e o fogo do beijo só aumentava, enrolo minha mão em seu cabelo escorregando minha boca por seu pescoço, sugando sua pele, deixando avermelhada por onde minha boca passea.
Rolo com ela, deixando os fragmentos de feno colarem em nossos corpos, deitando sobre ela, minhas mãos na barra de sua camiseta e um rastro de desejo se espalha em minha pele. Ergo sua camiseta chegando as taças do sutiã, abaixo, chupando um de seus mamilos com força, me sentindo a ponto de explodir ao ouvir o gemido saindo de seus lábios e suas costas arqueando. Aumento a sucção, mordendo a ponta de seu mamilo, lambendo e voltando a sugar com avidez. Doido para fazer isso em outro lugar.
— Mathias dê uma olhada no estábulo, eu vou me livrar disso. — a voz de Santiago soa baixo em meu ouvido, mas é como o despertar para Dandara. Ela me joga para o lado, ajeitando o sutiã e a camiseta, um olhar de reprovação brilha em seu semblante tomando o lugar dos olhos injetados de desejo.
— Ah, esquentadinha nem comece com o discurso. — Esse foi meu erro, assim que falei foi como se ela tivesse pronta para me matar.
Ela limpa a boca, que segundos antes estava beijando. — Nunca mais faça isso, senão eu piso em seus pertences com o solado de minha bota! — diz batendo o pé no meio de minhas coxas, perto do meu pênis.
Ela cruza com Mathias na entrada do estábulo como um trovão, passando por ele sem nem escutar o que o homem tem para dizer. Mathias olha em minha direção não entendendo nada ou se fingindo de besta. Pois meu pau duro estava marcando em meu jeans, assim como meu cabelo estava desgrenhado pelos puxões que a diaba deu.
Merda! Levanto sacudindo a camisa, retirando os fiapos de feno colados em mim.
— Seu Miguel — cumprimenta tentando ocultar o sorrisinho.
— Mathias, boa noite — respondo, passando ligeiro ao seu lado.
A chuva tinha dado uma trégua, o cheiro de terra molhada e grama fresca me atingiu assim que eu saí do estábulo, o céu começava a clarear ao longe, mas não conseguia me sentir cansado, apenas eletrizado pela adrenalina que ainda passava pelo meu corpo e com uma imensa frustração pela dopamina correndo em minhas veias e meu pênis querendo alivio.
A casa já estava em movimento, Maria ocupava a cozinha fazendo o café, Bento entrou junto comigo trazendo pão fresco e leite.
— Caiu da cama, Seu Miguel? — Bento pergunta.
— Caí quando Dandara fez aquele furdúncio todo. — respondo sentando no banco de madeira da cozinha.
— Foi uma noite difícil.
— Ô se foi — resmungo.
CAPÍTULO 14
Dandara
Passo o restante do dia trancada no quarto, mal acreditando no que poderia ter acontecido se Mathias não tivesse interrompido. Na manhã seguinte, quando saio de meu quarto, pouco falo, tomo café num silêncio sepulcral, não só pelo desânimo que corroía meus ossos por perder Archeron, mas pelo ódio que me queimava por ter aceitado o beijo aquele brucutu chucro!
E como sempre depois de uma tempestade, o sol brilhava forte no céu, enfio o chapéu na cabeça sorrindo ao ver Trovoada correndo com os outros cavalos do cercado.
— Bom dia, Dandara, como você está?
Abraço Bento rapidamente — Estou bem, muito trabalho para hoje.
— Mathias já cuidou do alazão 4 de Matheus, foi massageado e está esperando você. Deu uma de durão, mas logo deixou de lado toda a marra.
— Que bom, tenho que cuidar das crianças hoje, mas depois do almoço sou toda dele.
— Bom dia, Dandara. — Mathias me cumprimenta trazendo Trovoada consigo.
— Bom dia.
— Tirei o garotão para dar uma caminhada, ele estava irritado pela manhã.
— Obrigada, Mathias.
Passo a mão pelo corpo do Trovoada, acariciando sua pelagem e crina. Mathias me passa a cesta com cenouras o que me faz rir de sua pequena luta para que Trovoada não tente roubá-las.
Sigo com Trovoada até o redondel onde as crianças esperam animadas. Os pequenos sorrisos são a primeira coisa que vejo assim que cruzo o caminho até eles.
— Bom dia, Dandara — a fisioterapeuta me cumprimenta.
— Bom dia.
Kauã é o primeiro a vir correndo, um lindo garotinho de oito anos que sofre com autismo. Lembro do primeiro dia que ele chegou aqui no Haras, ele tinha fobia com todos os tipos de animais, somente por vê-los fazia Kauã chorar e gritar tanto que você ficava desesperado.
Hoje, após três anos de tratamento, ele não apenas tem um amor imenso por qualquer animal que cruze seu caminho, como sempre quer ser o primeiro a montar no Trovoada.
— Bom dia, Kauã. Como você está? — pergunto abaixando em sua altura.
— Muito bem, muito bem.
Sorrio lhe entregando uma cenoura, Kauã corre em direção ao cavalo mostrando o mimo que ele tem; Trovoada como já conhece o treinamento, se deita deixando que Kauã lhe dê carinho, abrace, para só depois receber o tão esperado mimo.
Auxiliamos Kauã em cima do cavalo, eu de um lado e a fisioterapeuta do outro, indo em direção a turma daquela manhã.
Ali os animais são os verdadeiros terapeutas, nós somos apenas os figurantes, somos a ponte entre as crianças, os animais e a natureza. As crianças quando chegavam para fazer suas primeiras aulas era ensinado o afeto, a estimulação de afeto entre ela e o animal Tendo como consequência que ela levasse essa interação para as pessoas do seu circulo de segurança.
Muitas vezes as crianças passavam as cinco primeiras aulas apenas auxiliando no cuidado do animal, escovando seu corpo ou sua crina, dando agrados ou se sentando ao lado deles como algumas crianças estavam fazendo nesse momento.
Tinha criança dentro do projeto que recebeu ajuda com desenvolvimento da mente ou corpo, sensibilidade tátil, visual ou auditiva, aumentando até mesmo a autconfiança. Coisas que antes a criança tinha grande dificuldade de conseguir sem esse tipo de projeto.
O projeto anjo azul, realizado aqui no Haras, contava com crianças até mesmo com problemas motores, que mal conseguiam se manter em pé sem ajuda da fisioterapeuta ou dos pais e, hoje já estavam dando os primeiros passinhos sozinhos.
E se uma pessoa não conseguia ver a beleza no que os cavalos faziam, não merecia nem mesmo chegar perto deles.
Proporcionar algo prazeroso ou uma qualidade de vida melhor para essas crianças, é tudo que eu sempre quis com esse projeto.
— Bom dia criançada, Trovoada acordou com muita fome, quem quer dar um mimo para ele? — pergunto sendo logo recebida com sorrisos, mãos erguidas e gritinhos de “me escolhe tia”.
Miguel
Depois de um banho demorado, visto minha calça jeans, uma camiseta branca e novamente aquelas botas chulezentas, só Deus sabe como couro fede quando é molhado. Mas nem mesmo esse “fedô” me faria estragar mais um de meus sapatos italianos.
Pela casa, sinto o cheiro de uma comida bem feita, dançando pelo ar. E ao dar uma espiada para dentro da cozinha, pego Maria cortando alguns tomates enquanto dança ao som de uma moda sertaneja que vem do rádio, em cima da imensa mesa de madeira. O cheiro de carne assada espalha-se pelo ambiente, fazendo meu estômago roncar.
— Boa tarde, Seu Miguel. O almoço está quase pronto. — diz jogando os tomates picados em uma saladeira e começa a descascar algumas batatas.
— Irei almoçar mais tarde, Maria. Tenho que olhar algumas coisas pelo Haras.
O sorriso fraco que ela me lança não é nada parecido com os que geralmente dava, pelo visto todo mundo pisava em ovos quando o assunto era eu e o bendito Haras! Que bela confusão você me colocou, hein titio! — penso saindo dali.
Hoje é o primeiro dia que o Haras não está cheio, ainda tem alguns montadores nas pistas de treino, até crianças correm por aqui. Desvio de algumas correndo no sentido contrário do que eu vou; paro observando Dandara rodeada de crianças, sorrindo totalmente entretida no que elas diziam.
— Seu Miguel, posso ajudar?
Viro dando de cara com Mariana, as bochechas rosadas como sempre.
— Na verdade pode sim, vou aproveitar que a esquentadinha está no meio dos cavalos e vou olhar aqueles documentos.
Mariana confirma abrindo a porta do escritório.
— Os papéis estão ali, por favor, não mexa nas coisas da Dandara, ela me mata se você tirar algo do lugar. — Mariana fala me entregando uma pilha de documentos.
Sento na cadeira que ela aponta como sendo da Dandara, colocando os pés sobre a mesa, abrindo as pastas. Para o horror de Mariana.
Depois de trinta minutos lendo todos os tipos de contrato, serviços prestados, além de toda a documentação, vejo que na verdade o Haras não tinha tantas dívidas como o advogado tinha dito; sim existiam, mas não era impossível cobrí-las. Se ela vendesse sua parte para mim, eu poderia resolver todas as pendências em poucos dias.
— Miguel, desculpe atrapalhar, mas Dandara acabou a equoterapia, por favor, se analisou tudo sente na minha mesa.
Olho para o rosto assustado de Mariana, sorrindo.
— Ela realmente bate o chicote em vocês — caçoo.
— Se de bom humor ninguém quer pisar no calo dela, imagine no dia que Dandara está mordendo a sombra?
Levanto espreguiçando-me. — Me diga, Mari... como a esquentadinha planeja pagar tudo isso? Esse projeto de equoterapia não é lá muito lucrativo.
— Esse projeto é algo pessoal para Dandara. Quando Seu Pedro deu aval para que a chefinha o planejasse, estava ciente que isso não encheria nossos bolsos de dinheiro. Mas ele e a chefinha dividiam sobre tudo, o amor pelos cavalos.
Dou de ombros, — Temos que ver o que nos dá lucro, como dizem na cidade grande: Não adianta dar murro em ponta de faca!Não podemos continuar com um projeto que está mais esvaziando nossos bolsos do que colocando uns trocados.
— Seu Pedro gostava muito de ver as crianças correndo pelo Haras, até mesmo em excursão de escola.
— Bom, meu tio-avô gostava tanto de criança que agiu como uma até mesmo depois de morto — retruco com um dar de ombros.
— Avê Maria, Seu Miguel — Mariana diz benzendo-se — Dandara tem um plano para recuperar o dinheiro, mas eu não posso nem mesmo falar sobre isso.
Dou um passo para mais perto, sorrindo para ela. — Conte, prometo que será nosso segredinho.
— Seu Miguel...
Pisco ainda sorrindo, jogando meu charme para cima de Mariana.
— Ela planeja uma atração aqui no Haras, até mesmo com uma competição para cavaleiros... — Mariana arregala os olhos — nem deveria ter dito isso, por favor, Seu Miguel, não conte para ela.
Seguro o riso, confirmando com um gesto. A pobre menina parece a ponto de desmaiar por ter me contado o segredinho de sua chefe.
Paro na varanda após o almoço, vendo Dandara dar ordens e rodear o cercado com o cavalo. Sua calça aperta seu corpo, deixando sua bunda e suas coxas em evidência, assim como a camiseta branca dá margens para relembrar a noite passada, quando estava molhada e colada no corpo. Seu cabelo loiro brilha preso em um comprido rabo de cavalo sobre o sol.
— Vejo que cê tá aproveitando bastante a vista do Haras. — Mathias diz batendo a mão em meu ombro.
Ignoro seu comentário com duplo sentido.
— Um rapaz chamado Paulo, ligou mais cedo.
Encaro seu rosto. — Ligarei de volta. — quando volto meus olhos para Dandara vejo um peão cruzar o caminho até ela, pulando o cercado. — Quem é?
— Matheus Fornalle, é campeão de Turfe. Dandara está cuidando de seu cavalo.
Pelo jeito que ele faz questão de chegar perto dela, assim como tocá-la a todo instante, me parece bem mais que apenas um dono de cavalo.
— Ocê vai ter que tomar cuidado, certos olhares podem dizer que ocê quer algo além do Haras, Seu Miguel.
Olho pelo canto dos olhos, vendo Mathias rir. — Você não tem nada para fazer? — resmungo.
— Arra , até que tenho. Mas nada envolve comer com os zoinho a amazona mais turrona que a terra já viu. Cuidado, homi , vai ser domado rapidinho. — dispara a falar, correndo para fora da varanda, indo para longe de mim.
CAPÍTULO 15
Dandara
— Muito bom, garoto. — Sorrio me aproximando de Ferroni, ele vem correspondendo bem aos comandos. Monto nele dando algumas voltas no redondel, sei que ele já está aquecido, mas mesmo assim dou algumas voltas a trote curto, para que ele faça força. Ferroni, sendo um cavalo de turfe, não tem muita paciência de trotes pequenos, ele ama a corrida. Mas é importante que ele entenda esses pequenos cortes para que diminua.
Invisto no galope no meio dos instrumentos de equitação, dando voltas, sempre repetindo, fazendo-o saltar alguns dos obstáculos mais baixos, testando o controle dele. Ferroni tenta me dar um susto mudando o lado de galope, me fazendo segurar mais firme o arreio.
— Seu danado, queria fazer gracinha, é? — pergunto sorrindo.
Ele reclama relinchando, mas sei que está tranquilo, não está agitado e nem quer me machucar, é apenas coisa de um alazão novato. Diminuo o galope, deixando que ele descanse. Desço dando uma acarinhada em sua crina, notando Matheus sentado sobre o redondel.
— Não notei você chegando.
— Como ele está?
— Está bem, vamos progredindo, é preciso ter paciência. Ele sofreu um acidente, não podemos culpá-lo. Sei que você não acredita, mas o erro do acidente pode ter sido seu.
— A pata dele está melhor? — pergunta.
— Está, com os remédios e fazendo as massagens certas para acelerar o processo de recuperação, logo estará pronto.
— Você tem que ir para os grandes Haras, sua doma pode te tornar famosa. Pode ganhar muito dinheiro, poderia ser minha domadora particular.
— Agradeço o convite, mas não largo meu Haras por nada.
— Aquele engomadinho não irá herdá-lo de qualquer maneira? — questiona, acariciando a crina de Ferroni, encontrando minha mão por vezes, mesmo que com gentileza eu desvie do seu toque.
— Ele tem direito, mas pegar é outra coisa totalmente diferente. Meu Haras tem certificados de qualidade, só estamos passando por um momento complicado desde a morte de Pedro.
Matheus faz uma cara de deboche que me faz lembrar porque eu chutei sua bunda para longe anos atrás.
— Vamos ao que interessa, quando Ferroni estará pronto? Eu tenho uma competição importante e um olheiro em cima de mim, o negócio está quase fechado, se der certo irei para os Estados Unidos.
— Uns três dias e poderá levá-lo, mas é preciso que mantenha o treinamento que foi feito aqui com ele. Ferroni precisa de certos limites quando está fora da competição, isso faz bem para ele e para o relacionamento de vocês no futuro.
— Muito bom! Onde podemos acertar? — Matheus questiona.
— Vamos até o escritório, vou pedir para que Mathias dê uma ducha nele, além do mais, tenho um pedido especial para você. — digo.
Matheus segura minha cintura, fazendo com que eu desse uma chicotada em seu joelho.
— Já vi que sexo não é. — retruca rindo.
— Deveria ter dado uma chicotada no seu lombo, eu quero que você venha para a competição que iremos fazer, preciso levantar dinheiro para o Haras. Você é um agroboy , as mulheres virão se você for posto como um peão modelo, isso e sua lábia para trazer outros competidores da região.
Ele gargalha me acompanhando até o escritório. — Então quer usar minha beleza e charme para garantir uma grana? Ô princesa, eu posso ajudar, me diga, de quanto precisa?
Me enfezo. — Não quero seu dinheiro fácil, estou pedindo uma troca de favores. Já que eu domei seu cavalo e o coloquei no eixo para continuar enchendo seu rabo de dinheiro e dando essa fama de agroboy que anda estufando o peito por aí.
Matheus entorta os lábios por um segundo, mas sorri. — Fechado, eu vou ser seu fiel mosqueteiro. Ganho um beijo e um abraço apaixonado depois? Tudo em prol do Haras, é claro.
— Não!
Ele ri mais uma vez passando o braço pelo meu ombro com intimidade, fazendo-me bufar. Se deixar esse homi se espalha mais esterco em dia de chuva.
Miguel
— Miguel, precisamos da sua presença, alguns investidores só querem fechar e assinar com sua presença. Você não voltar para os negócios, está tendo um impacto grande nesses últimos acertos dos hotéis!
— Dê um jeito nisso Paulo, preciso lhe promover para meu sócio para que tome conta? Vamos colocar assim, durante anos me dedido à minha empresa e nesse em especial, decidi tirar umas férias. Falta pouco tempo para que eu tome esse lugar e logo estarei de volta a São Paulo. — digo sentindo um gosto amargo descer pela garganta.
— Não prometo, mas vou segurar os problemas, mesmo aguentando as caras feias que eles fazem ao ver que você não está presente em mais uma reunião. — Paulo responde — Sobre os documentos que me enviou, está tudo certo com o Haras, as dívidas são gastos excessivos, é preciso analisar quantos cavalos há no Haras e o que faremos quando ele não existir mais. Vou deixar anotado para pesquisarmos algum lugar que compra esses animais ou você pode ir passear na redondeza e encontrar alguma fazenda para negociar.
— Sim, preciso analisar isso com mais calma, acredito que terei mais tempo e cabeça livre quando o advogado retornar, Dandara é osso duro de roer.
— Você analisou a planilha que enviei? Tem um cavalo, que somente ele come quase um quilo de ração? O que ela cria aí? Algum tipo de mutação genêtica?
Sorrio, — É o Trovoada, ele é de uma raça especial.
— Deve ser mesmo. Venda-o, deve valer algo.
Dandara e eu já estamos em guerra declarada, imagina se eu sequer mexesse com seu cavalo? A pergunta é, qual de nós cansará primeiro e largará a corda?
— Você deve estar gostando de tudo isso, o Miguel que eu conheço não passaria um dia no meio do mato, e já estamos quase três meses nisso.
Volto minha atenção para a conversa, negando rapidamente. — Você perdeu o juízo? Eu que me enfio no mato e você que fica maluco? Vai resolver as pendências e não me apurrinha, nos falamos depois.
Desligo o celular na cara de Paulo, contrariado pelo que me disse.