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ENTRE O AMOR E A FÉ
ENTRE O AMOR E A FÉ

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

ENTRE O AMOR E A FÉ 

 

Parte II

 

 

 

 

Capítulo 20

Marien foi para casa e se jogou na cama. Ficou ali um longo tempo, tentando acalmar sua mente e seu coração, o que estava difícil. Onde seu maldito controle havia parado?

O celular tocou diversas vezes; olhou no visor e viu que era Urs.

Depois de diversas tentativas, ela atendeu, mas não disse nada, apenas segurou o celular no ouvido.

— Sei que está aí, Marien, fale comigo. — ela não respondeu, mas ficou ouvindo a voz dele. — Marien, me desculpe, eu estou arrependido de ter escondido tudo aquilo de você. Mas quero que pense sobre o nosso casamento, isso é sério para mim.

— Eu não vou desenterrar isso, Urs, eu sinto muito. Eu vou perdoá-lo pela sua mentira, pois acho que todos nós ocultamos coisas, mas o resto vai ficar como está; pelo menos até isso aqui acabar. Depois vou procurar outro lugar para trabalhar.

— Marien, não faça isso comigo.

— Desculpe, mas eu não posso lhe dar o que me pede. Eu não posso me casar com você.

Ela desligou o celular. Urs teve vontade de gritar e jogar o celular longe.

— Mas que inferno! — ele disse, esbravejando e cerrando a mão, quase desmontando o celular. Tentava respirar e voltar ao seu prumo. — Meu Deus, o que foi que eu fiz?

— Algum problema, senhor? — Harry perguntou ao vê-lo transtornado.

— Eu estraguei tudo, Harry.

— Ela não aceitou, senhor? Não deu o anel a ela?

— Não. Ela me negou, ainda por cima descobriu sobre Lorde B.

Harry ergueu as sobrancelhas.

— Isso foi um erro grave, milorde, se me permite dizer. Mas ela deve ter ficado com uma raiva momentânea, isso passa. A milady é explosiva, mas logo ela se acalma. Vocês já passaram por isso antes e depois ficaram bem de novo.

— Por que ela não me quer? Ela não me ama? Por um momento achei que ela aceitou se casar comigo de novo. Fui um idiota e estraguei tudo.

— Dê um tempo a ela. Quando a raiva passar, vocês conversam, tenha paciência. Vocês estão passando por uma crise, isso vai acalmar. A solução é ficar longe, logo isso acalma e vocês vão voltar a serem como antes, como sempre. Não adianta forçar que será pior.

— Talvez tenha razão, das outras vezes apenas caímos na cama, nunca havia a pedido em casamento.

— Um detalhe importantíssimo esse, eu diria. Acho que o senhor a assustou e de quebra ainda descobriu sua falsa identidade. Ela deve estar bem confusa e magoada.

— Então vamos esperar a poeira baixar e ver o que acontece. — disse, respirando fundo.

— Sábia decisão, senhor.

— Me traga um uísque, por favor.

— Sim, milorde. Eu acho que agora o senhor pode se assumir como o verdadeiro dono do museu, não acha? Afinal, a milady já sabe da verdade.

— Verdade, eu não tenho mais por que esconder de ninguém. Amanhã verei o que faço. Quando isso cair na imprensa, nem quero ver a balbúrdia que vai ser.

— Acho bom o senhor se preparar, eles irão servi-lo no jantar.

— Obrigado, Harry, está me deixando animado.


*


Já era tarde quando Marien foi até o acampamento da escavação.

— Chefinha, como está? — Sarah perguntou.

— Eu estou bem. Onde está o padre?

— Bem, primeiro que sua cara está péssima; segundo, o padre está no seu chalé, estudando os pergaminhos. Havia mais alguns dentro daquela tumba e disse que se você passasse por aqui, era para ir vê-lo.

— Alguma novidade?

— Encontramos isso no túmulo. — Davide disse, lhe mostrando algo sobre uma mesa.

— A roupa de templário. — Marien disse, abismada. Marien tentou tocar nela, mas sentiu-se completamente estranha e uma tristeza enorme a afligiu e ela afastou-se rapidamente.

— Estou tentando descobrir sobre estes nomes, mas até agora não encontrei nada. — Sarah disse.

— Continuem a pesquisa, eu vou falar com o padre e ver os novos pergaminhos.

Marien pegou o carro e foi até a casa do padre. Bateu na porta, ele abriu e sorriu lindamente para ela.

— Oi, padre.

— Oi, entre. Como está se sentindo?

— Estou bem, não se preocupe.

— Que bom, eu estava lendo os pergaminhos que encontramos.

— Sarah me disse. Descobriu mais alguma coisa?

— Os pergaminhos não estão datados, então fica difícil de colocá-los numa ordem. Estou lendo e tentando colocar numa ordem certa. E o interessante é que Ainan menciona o nome de Asch em um de seus manuscritos.

— Então eles se conheciam?

— Parece que sim.

Os dois foram até uma grande mesa onde estavam os pergaminhos espalhados.

— Veja, é este aqui.

A mesa estava cuidadosamente forrada e os pergaminhos espalhados. Sebastien os manuseava com uma luva e com todo cuidado para que não fossem danificados.

— Vamos ver este aqui... “Estamos chegando. Eu, Asch, e mais um grupo de guerreiros estamos a caminho de Vejle, falta pouco; tenho esperanças de encontrá-la lá. Meu coração parece que salta mais forte no peito; o pesadelo acabou, estou indo para casa. Irei direto para o clã de meu pai. Espero que estejam vivos, nunca recebi nenhuma notícia, mas se Marien não estiver lá, vou buscá-la no convento. Nossa penitência acabou, vamos começar vida nova. Eu a imagino linda como quando a conheci, seus olhos me fascinavam, não sei como consegui suportar quinze anos nesse martírio, mas tenho que agradecer porque sobrevivi. Espero que seu castigo tenha sido mais brando que o meu, que seus dias não tenham sido tão penosos”.

— Ele sobreviveu à guerra e estava voltando para casa! — o padre exclamou.

— Quinze anos? E Marien num convento?

— Agora eu fiquei confuso.

— Tudo bem que essas letras estão rebuscadas e de difícil leitura, mas a palavra convento está aqui, clara. Vejamos outro pergaminho.

Sebastien pegou outro.

— Este está meio rasgado e apagado.

— Tem uma lupa?

Sebastien pegou uma lupa e tentava ler pausando as palavras.

— “Não sei por que você foi trancada no convento pela minha acusação, você deveria ter sido poupada. Não entendo como a igreja pode ser tão cruel. Eu peço perdão todos os dias e nem sei por quê. Mas eu peço para que meu coração perdoe sua família pelo mal feito, que Deus tenha misericórdia de suas almas pecaminosas. Perdoe-me, Marien. Eu tenho que pedir perdão por mim, por você e por cada homem que tenho que matar. Minhas mãos estão calejadas e impregnadas de sangue. Quinze anos castigados por um crime que não cometemos, deve estar sendo visto por Deus. Um dia nós voltaremos a estar juntos”.

— Meu Deus! Que crime teria sido este?

— Não sei, mas parece que foram punidos injustamente.

— Que vil criatura faria algo assim, ainda mais da família?

— Tudo bem, então eles cometeram um crime, ou foram acusados de um, e foram castigados pela igreja. Ele foi mandado para Jerusalém para lutar como templário, e ela foi mandada para um convento. Naquela época, a igreja era como um tribunal e impunha diversas leis. Se foi algo ligado à moralidade, ela tinha o direito de julgar.

— Então ela não era sacerdotisa do templo pagão, ela era cristã e foi mandada à clausura de um convento? — Marien disse, agoniada.

— Quer beber alguma coisa? Eu tenho um pouco de chá. — disse o padre.

— Obrigada, eu aceito.

Ele foi à cozinha e voltou com duas canecas de chá e deu uma a ela.

— Marien, aqui ele diz que está indo encontrá-la em Vejle, isso é na Dinamarca. Como eles vieram parar em Ancona?

— Não sei. Mas estamos indo para trás, estamos descobrindo algo que vem antes de Ancona. Acho que estamos encontrando suas raízes. Que dor horrível essa de serem separados desse jeito. Eu não me conformo com isso, pelo jeito ele a amava muito.

Olharam-se nos olhos por um minuto e Marien deu alguns passos para o lado e bebeu mais alguns goles de chá.

— Mas agora sabemos que existiram dois homens que amaram esta mulher.

De repente um clarão afligiu Marien; sentiu uma dor imensa nas costas, gritou e deixou a caneca cair no chão. O padre colocou sua caneca na mesa rapidamente e foi até ela, que sentiu outra dor violenta como se estivesse sendo atingida nas costas.

Ela soltou outro grito e deixou-se cair de joelhos. Em sua visão, via a si mesma sendo subjugada. Duas freiras a seguravam e outra a chicoteava; várias outras assistiam caladas. Marien sentiu outra dor estrondosa nas costas e gritou mais. O padre entrou em pânico e tentava fazer algo, mas não sabia o que, apenas a segurava.

— Marien, volte! Olhe para mim, Marien! — disse, sacudindo-a e gritando austeramente para ver se ela saia do transe

Marien, em sua visão, sentiu a erguerem e outra moça passou pelo mesmo ritual. Pôde ouvir as palavras da madre. “— Isso vai lhes ensinar a manter o voto de silêncio”.

Ela parou de gritar, mas respirava rapidamente. Ele a ergueu do chão e a colocou no sofá.

— Marien, por Deus, o que foi isso? O que está sentindo?

Ela tentou abrir os olhos que estavam cheios de lágrimas.

— Chibatadas... — disse quase sem voz.

— O quê?

— Ela estava sendo chicoteada pelas freiras do convento, mas eu senti as dores, era como se eu estivesse no lugar dela.

— Meu Deus! — Sebastien instintivamente a virou e levantou a blusa dela e olhou suas costas. Aliviado, fechou os olhos, não havia nada. Ele a puxou para si, abraçando-a forte. — Calma, já passou.

Ele a embalava com cuidado e ela o segurou firmemente.

— Faça isso parar, padre. — disse, respirando com dificuldade.

— Marien, eu não sei como. — ele segurava sua cabeça em seu peito e acariciava seus cabelos. Ficaram ali alguns minutos, até que toda aquela sensação passasse.

Aos poucos, a respiração dela foi voltando ao normal. Mas agora o clarão foi de Sebastien, um clarão rápido. Ele viu-se naquela mesma posição, abraçado a uma mulher, e podia ver a bela vista do penhasco de Ancona.

O clarão sumiu e sentiu uma fisgada no peito. Apertou os olhos e a abraçou mais forte e respirou fundo, esfregando os olhos com os dedos, como se tentasse apagar as imagens.

— Venha, deite aqui. — ele a ajeitou no sofá, deitando-a, e arrumou as almofadas. Olhou para ela e segurou sua mão. — Estamos revivendo o que eles viveram. Isso deve continuar, teremos que ser fortes e aguentar até terminarmos isso. Quando descobrirmos tudo que temos que descobrir, isso deve parar, mas eu não gosto de ver você passar por estas coisas.

— Eu também não, mas e se for preciso?

— Eu não sei onde isso vai parar, mas eu não quero que se machuque.

Marien fechou os olhos e suspirou, cansada.

— Eu vi outra mulher. — sussurrou.

— Que mulher?

— Acho que era alguém que estava lá com ela, as duas foram castigadas. Acho que foi no convento em que estava presa, as freiras a estavam punindo.

— Por quê?

— Por terem se falado.

Sebastien respirou profundamente.

— As moças que eram enclausuradas contra a vontade tinham que seguir regras rígidas. O voto de silêncio, se quebrado, era punido severamente.

— Pude perceber isso.

— Tudo bem, fique quietinha um minuto, tente deixar isso passar, pense em outra coisa.

— Pensar no quê? Não me vem nada à cabeça.

— Tudo bem, então eu vou lhe contar uma história. Quer ouvir?

Ele segurava sua mão fortemente, sentado na beira do sofá ao seu lado.

— Sim.

— Uma vez, Davide e eu estávamos numa aventura. Ele estava comigo há pouco tempo, ainda era bem novato nas aventuras arqueológicas, então fomos atrás de uma estatueta que era de uma antiga igreja que ficava na Sicília. A igreja havia sido abandonada há muito tempo, mas o padre do local queria restaurá-la. Havia, na cidade, uma lenda que dizia que uma das estatuetas chorava. Mas só a via chorar quem comesse peixe cru naquele dia.

— Que história absurda. — disse, rindo.

— Sim, inteiramente. — disse, rindo também. — Mas Davide ficava fascinado por estas histórias miraculosas, ele achava que tudo era encantado, que todas as lendas e contos populares eram verdade. Então, quando nós chegamos à igreja, eu tinha que ver a veracidade da lenda. Eu contestei, mas Davide ainda acreditava que havia algo de milagroso ali. Então eu falei para Davide que se ele a visse chorando, eu atestaria. Disse o que ele tinha que fazer, ele acreditou e fez.

— Comeu o peixe cru?

— Sim, o pescador nos trouxe um peixe que havia acabado de tirar do mar, e Davide olhou o peixe e quis vomitar. Mas o comeu e olhava para a santa. Bom, a santa não chorou e Davide ficou vomitando o resto do dia, quem chorou de raiva foi ele, e a santa nem era do período que disseram que era, era uma imitação.

— Coitadinho! Isso quebrou as crenças dele.

— Eu ri muito dele, mas ele aprendeu que nem tudo que escutamos é verdade, mas que se você acredita em algo, faça, pois assim conhece a verdade. É preciso lutar pelas causas certas e não por algo errado. Eu adoro sushi, sashimi, e ele nunca quis provar porque lembrava aquele peixe cru, até que um dia o convenci e ele adorou. — Marien riu. — Se não provarmos, nunca saberemos o real sabor ou valor daquilo que ignoramos conhecer. Não podemos julgar nada sem conhecimento. Quando ele comeu aquele peixe, era ruim porque era o peixe errado, os sashimis são feitos com peixes especiais, por isso são tão saborosos. Então devemos optar pelas coisas certas, pois aí encontraremos seu valor. Portanto, Srta. Stewart, uma coisa ruim pode trazer duas coisas boas, basta vermos o lado bom das coisas. Não se fixe nas tristezas e, sim, nas alegrias.

— Obrigada. — Marien disse, sorrindo, e ele beijou carinhosamente sua mão.

— De nada. Está melhor?

— Sim. Mas fiquei com vontade de comer sushi! — disse, rindo, e ele soltou uma risada.

— Bom, vou ver se nesta cidade existe algum restaurante de pauzinhos e prometo levá-la para comermos. Está bem assim? — ela assentiu, sorrindo, mas estava sonolenta, como se não conseguisse manter os olhos abertos. — Vamos, acho melhor você tirar um cochilo, hã? Esta experiência foi cansativa e dolorosa para você.

Ele pegou uma manta que estava no braço do sofá e a cobriu e ela logo adormeceu. Sebastien tinha muitas coisas a fazer, mas ficou ali, segurando sua mão e a olhando.

Ele queria salvá-la, mas não estava conseguindo salvar a si mesmo.


*


Naquela noite, Urs estava com uma saudade enorme de Marien; pensar que ela estava zangada com ele o dilacerava. Tentou dormir e sonhou que estava em um campo lindo, andando ao lado de uma moça que sorria lindamente para ele; tinha os cabelos escuros e longos até a cintura, tinha olhos verdes e penetrantes. Estavam de mãos dadas e se beijavam.

A imagem mudou para o momento em que faziam amor. A mulher mudou de fisionomia e ele viu-se beijando Marien.

Daquela visão deliciosa, ele caiu em uma guerra e viu um homem gritando ao empunhar a espada para atingir as costas de um rapaz. Ele rapidamente se meteu na frente, empurrando-o, e tentando defender os golpes com sua espada, mas acabou atingido pela espada no estômago.

Urs acordou, sentou na cama num solavanco, respirando com dificuldade. Tocou seu estômago como se sentisse algo, como para ter certeza que não havia uma espada cravada ali, e soltou um gemido agoniado. Acendeu a luz e bebeu um pouco de água, respirou fundo e tentou dormir novamente, mas sem sucesso.

— Marien, você está me deixando maluco. — disse, colocando o travesseiro na cabeça.


Capítulo 21

— O que dizem os outros pergaminhos de Ainan? — Marien perguntou.

— Um momento. Vejamos este aqui. — o padre disse.

— “Hoje sonhei com você de novo. Sua imagem estava mais nítida, parece que ouço sua voz claramente na minha cabeça. Não sei por que, mas acho que não são sonhos, acho que você me visita à noite. Não ousaria dizer isso a ninguém, contei somente a Sir Asch e ele tem uma teoria, que você realmente me visita. Acho que a loucura está me abalando, mas não me importo. Se esta loucura for para vê-la, então que assim seja. Que esta mágica loucura me encante todas as noites, pois assim posso ver-te e ouvir sua voz doce”.

— Ai, parece que ela costumava fazer isso. — Marien disse e Sebastien riu.

— Marien, ele estava sonhando.

— Hum... Pelo menos era dormindo! E eu que sonho acordada?

— Sim, posso dizer o mesmo.

— Bem, aqui ele cita Asch novamente, parece que eram bem amigos para ele ter contado uma coisa dessas. Vejamos outro.

— “Encontrei meu irmão, que agora é o chefe de nosso clã, pois meu pai morreu há três anos. Fiquei enlouquecido quando soube que Marien fugiu do convento, não sei onde procurá-la. Meu irmão disse para procurar a rainha Meredith, talvez ela saiba seu paradeiro. Não acredito que isto está acontecendo; que destino cruel me abala a alma. Se não encontrá-la, morrerei de tristeza. Estamos próximos de Aalborg, chegaremos amanhã. O clima por aqui anda turbulento, estão em clima de guerra. Deus queira que não seja nada. Marien, onde você está? Fale comigo”.

— Marien fugiu do convento, isso foi péssimo! — Sarah exclamou. — Será que ele a encontrou? Ai, meu Deus! Esta história me dá nos nervos.

— Sarah, não encontrou nada?

— Não temos acesso aos livros mais específicos aqui em Ancona. Estou tentando alguns contatos na Dinamarca, vou encontrar.

— Marien não deve ter aguentado viver no convento, nem imagino o que passou lá. — Marien disse, angustiada.

— Isso é uma coisa que abomino. Como as pessoas podiam ser torturadas por quem pregava a palavra de Deus? — Davide disse.

— Davide, muitas pessoas perdem o controle de si mesmas e agem colocando suas próprias frustrações para fora ao punir os outros e, para justificar suas insanidades, falam em nome de alguém. E isso é perigoso quando detêm poder em suas mãos. Era mais um jogo de poder e força defender que somente seu lado era o correto e que a falta de humanidade lhe permitia tais maldades, tais violências tão brutais. — o padre disse.

— Sim, e os fracos acabam penando por isso. A igreja era cruel e gananciosa, e as mulheres eram as maiores vítimas, em todos os sentidos. Ser enviada ao convento era muitas vezes um castigo. — Marien disse.

— Na idade média e em outras épocas, muitas moças foram enviadas ao convento, obrigadas pelas famílias para tomarem o hábito, e isso gerava amargura nas freiras, as tornando intolerantes e duras. A infelicidade pode tornar um coração em pedra. Ser enviada para lá por causa de amor era imperdoável e visto com muita severidade por elas.

— Eu chamo isso de ser mal-amadas e invejosas. — Sarah disse.

— Usavam Deus para punir, diziam que era ele quem punia, mas na verdade eram seus próprios atos. Isso causava medo nas pessoas.

— Muitas guerras foram justificadas usando o nome de Deus.

— Verdade. Todos os anos de guerras e mortes na Terra Santa foram em nome de Deus.

— Como se Deus precisasse daquelas terras. — Sarah emendou, sarcástica, e Davide a cutucou. — Davide, pare de me cutucar cada vez que falo alguma coisa. — Sarah disse, brava.

— Então pare de falar besteiras.

— Não estou falando besteiras.

— Está, sim.

— Não estou, não.

— Ei, vocês dois! — Marien disse. Os dois olharam para Marien e ficaram quietos. — Tudo bem, quantos pergaminhos ainda faltam?

— Um. — o padre respondeu, pegando-o.

— Um só?

— Ai, meu Deus! Mas não temos todas as respostas. — Sarah disse.

— Parece que ele não escreveu um livro. — Davide disse.

— Em quinze anos escreveu só isso? — Sarah perguntou.

— Talvez ele não tivesse tempo de escrever. — Davide respondeu, fazendo careta para ela.

— Mas vocês dois parecem crianças. — o padre disse, rindo para eles, e Marien sorriu para o padre.

— Tudo bem... Se ele escreveu mais ou não, estes são o que temos, então vamos ler o último pergaminho deste homem.

— “Esta é minha última carta, não sou eu que escrevo. Minha mão não me permite. Minha jornada chegou ao fim, meu ferimento é fatal, não me resta tempo”.

— Ai, meu Deus, ele vai morrer! — Sarah gritou.

— Fique quieta! — Davide disse.

Marien continuou a ler, sentindo um imenso desconforto.

— “Marien, não poderei encontrá-la, mas Asch irá ao seu encontro em meu nome. Não se preocupe, seu esconderijo está bem guardado, eu confio nele. Sinceramente, eu não me surpreendi pela sua escolha; viva sua vida como acredita, mas esteja em segurança. Não estou com medo da morte, mas a tristeza de não vê-la nem que seja pela última vez me tortura. Eu quero que saiba que encontrei nosso filho”.

— Filho?! — Sarah gritou novamente.

— Sarah, se não ficar quieta, eu juro que vou te amordaçar! — Davide disse, cochichando nervoso para ela, e Marien continuou lendo.

— “Foi a alegria mais intensa que já senti. Ele é um rapaz forte e corajoso, mesmo com quinze anos, e não tenho resguardo de ter encontrado a morte para salvar sua vida em batalha. Ele lutou com bravura, fiquei orgulhoso. Ganhamos a guerra e o reino está salvo, mas isso me custou perder você. Ielay será um grande guerreiro. Sinto muito que nunca conseguimos ser uma família de verdade e ter me casado com você. Eu te amo do fundo de minha alma. Deixo com você minha espada, minha veste e minhas cartas. O amuleto que você me deu, deixarei com Ielay, para que nos guarde. O meu coração, você sempre teve. Eu te amo. Ainan”

Marien colocou automaticamente a mão no amuleto em seu pescoço. Deu alguns passos para trás, ficou branca como um mármore e pensou que fosse desmaiar.

— Marien, o que foi? — Sarah perguntou, indo à sua frente.

Fizeram-na sentar e ela mal conseguia respirar; lágrimas rolaram pelo seu rosto e ela começou a chorar compulsivamente.

— Calma, Marien. — o padre disse.

Ela o abraçou fortemente e chorou; chorou com todas as forças, aos soluços, enquanto Sarah puxou Davide pelo braço para se afastar e cochichou.

— Davide, você acredita em reencarnação?

— Claro que não. — ele disse, fazendo careta.

— Hum... Claro que não... Você é praticamente um padre.

— Por quê?

— Porque eu acho que Marien é a reencarnação de Marien. Ela surta cada vez que lê alguma coisa de Marien ou Ainan.

— Que absurdo está dizendo, Sarah?

— Não é absurdo, Davide.

— Acho que está errada, isso não existe.

— Tudo bem. Mas algo está acontecendo aqui, não acha?

— Acho, mas não é isso que está dizendo.

— Então, o que é?

— Não sei.

— Ei. Olhe para mim, Marien! — o padre disse, soltando-a devagar. — Viu alguma coisa?

— Sinto uma dor tão grande no meu peito que parece que vai arrebentar meu coração.

— Tudo bem, já vai passar. — ele segurou fortemente suas mãos.

— Ainan nunca a encontrou. — Marien disse tristemente e fungando.

— Pelo menos ele encontrou seu filho. Imagine a sua alegria quando o conheceu e soube que ele estava bem.

— Como que este filho estava lá? Por que Marien não ficou com ele?

— Se ela fugiu do convento, se fosse pega ou a matariam ou a jogariam na prisão, pois ela não cumpriu a penitência. Provavelmente estavam atrás dela. Não era seguro ter uma criança.

— Então, será que ela veio para cá fugida?

— É uma hipótese.

Marien, em uma agonia maior que ela, abriu a blusa e puxou o amuleto que ficava pendurado numa corrente de ouro e o padre se espantou.

— Onde conseguiu isso?

— Urs me deu. Ele comprou em um leilão de antiguidades.

— Por que o está olhando desse jeito?

— Porque este é o amuleto de Ainan, o que deu a Ielay.

Ele o olhou rapidamente, espantado.

— O quê?! — Davide interrogou, boquiaberto.

— Ai, mãe! Isso seria uma coincidência de matar. — Sarah disse.

— Marien, isso é absurdo! — o padre disse.

— Eu sei que é, eu sinto. Padre, eu sei que é, acredite em mim.

— Tudo bem... Acredito em você, afinal, nada mais que acontece aqui me surpreende. Meu Deus! — ele levantou e ficou andando, nervoso. — Vamos para casa descansar, isso acaba aqui por hoje.

— Mas, padre, nós temos muito a fazer.

— Eu sei, Davide, mas do jeito que as coisas estão, temos que ir devagar. Não quero que Marien fique tendo surtos desse jeito, isso é um desgaste sem tamanho.

— Tudo bem, eu estou bem. — Marien disse, amuada.

— Não, não está. Você vai para casa e ponto final, já é tarde. — o padre puxou Sarah num canto. — Leve-a para casa e cuide dela. — e ele abaixou o tom de voz, cochichando mais algumas palavras sem que Marien e Davide ouvissem. Sarah assentiu para ele.

— Vamos, Marien, um banho quente vai deixá-la novinha. — Sarah disse.

As duas foram embora e o padre ficou observando-as se afastarem, com as mãos na cintura e pensativo.

— Padre, isto está pior do que pensei. — Davide disse, entortando a boca, na mesma posição que Sebastien.

— Nem me diga, Davide.

— Sarah me perguntou se eu acreditava em reencarnação. — o padre o olhou rapidamente.

— Era só o que me faltava! — disse, indignado, entortando a boca e fazendo uma careta.

— Ela disse que acha que Marien é reencarnação de Marien.

— Não, Davide, isso é impossível.

— Foi o que eu disse, mas está dizendo isso como padre ou como arqueólogo?

Sebastien suspirou e ergueu as mãos para o céu, como se pedisse paciência.

— Eu sei lá o que estou dizendo, já não sei de mais nada.

— Se o senhor não sabe, imagine eu.

— Vamos, nós temos algo importante a fazer. — ele disse, mudando o assunto.

— O quê?

— Você já vai saber.


*


Marien chegou em casa e tomou um banho demorado de banheira, pois aquilo era quase uma necessidade, porque não havia sequer um músculo de seu corpo que não doesse, sem contar com sua mente cansada. Era incrível como aquilo estava cansando mais do que seus outros trabalhos, mas acreditava que era a fadiga mental que a estava cansando mais.

Ela tentou relaxar, enquanto Sarah ficou sentada no banquinho do banheiro.

— Chefinha, eu posso lhe dizer uma teoria?

— Pode.

— Tudo bem, eu vou falar tudo de uma vez.

— Como se isso me surpreendesse. — Marien disse, olhando-a com um sorriso nos lábios.

— Bem, acho que você é a reencarnação de Marien, por isso está passando por tudo isso, por isso que sente o que ela sentiu, vê estas coisas todas e esta história a ataca deste jeito.

Marien, espantada, olhou-a e ergueu as sobrancelhas.

— Sarah... — balançou a cabeça negativamente e meio confusa. — Não sei se seria isso.

— Teria outra explicação?

— Não sei, mas isso é meio estranho demais, não acha?

— Por que seria? Você está revivendo a história dela, fica aí tendo surtos e as coincidências estão uma em cima da outra. Talvez seja tudo coincidência, mas pode ser uma opção.

— Não sei. — disse, confusa. — O padre também tem visões.

— Ele poderia ser a reencarnação, ou seja lá o que for que seja isso, de Asch, pois ele não disse que o vê? Se vocês dois são escolhidos para fazer essa loucura toda, o que acontece com um, deve estar acontecendo com o outro.

— Por que ele seria a reencarnação de Asch?

— Boa pergunta, mas seria uma saída para esta loucura. Se Asch e Marien estavam lá quando isso aconteceu, então vocês dois trazem à tona isso tudo, para que essa história seja esclarecida. Não acha?

— Não sei, Sarah, estou tão confusa com tudo isso.

— Imagino que está; se fosse eu, já estaria numa camisa de forças. Mas Asch pode ter tomado as dores dela e de Ainan e a ajudado.

— Isso parece certo, mas o que me espanta é Asch ter ajudado uma sacerdotisa.

— Ainda acredita que ela foi uma sacerdotisa, Marien? Isso não bate, ela viveu num convento, era católica.

— Ela pode ter deixado de ser depois de ser torturada naquele convento; qualquer um deixaria de adorar uma igreja, não acha? E talvez ela não fosse, mas naquela época aceitar algo imposto era mais fácil e sábio do que ir contra. A religião cristã era imposta e você não tinha opção. Quando era pressionado pela igreja, era aceitar ou morrer.

— Talvez. O que não entendi é como que surgiu um filho assim?

— O castigo pode ter sido por isso. Se eles não eram casados, cometeram um grande pecado, mas algo aí está faltando, porque era simples, eles simplesmente se casariam e pronto. Ainan repararia a desonra de Marien e estaria tudo bem. Ai, isso me dá nos nervos.

Marien saiu do banho, secou-se e vestiu-se. Foi para a cozinha e Sarah a seguiu.

— O que vai fazer? — Sarah perguntou, olhando no relógio.

— Algo para comermos. — disse, fuçando na geladeira.

— Deixa para lá, vou pedir uma comida pronta.

— Está bem.

Neste momento, o celular de Sarah tocou e ela atendeu.

— Padre? Ah, sim, é mesmo? Ok, nós estamos indo para aí.

— O que foi?

— O padre disse que encontrou algo muito importante, que é para irmos para a sua casa imediatamente.

— Não disse o que era?

— Não, disse que precisamos ir, já.

Marien estava contrariada, mas foi sem reclamar.

Quando chegaram à casa do padre, Sarah abriu a porta e tudo estava escuro.

— Surpresa! — gritaram o padre, Davide, Celo e Vanna e mais duas pessoas que trabalhavam para o padre, fazendo uma balbúrdia.

— O que é isso? — Marien disse, rindo, espantada.

— Ora, hoje não é seu aniversário? Então temos festa! — o padre disse, sorridente, segurando um bolo com velinhas acesas na mão. — Vamos, faça um pedido e apague as velas.

— Isso é infantil. — ela disse, rindo sem jeito.

— Não seja rabugenta, madame, assopre aqui. — o padre disse, brincando. Ela fechou os olhos, fez um pedido e as assoprou; todos bateram palmas, abraçaram-na e lhe deram presentes.

— Você sempre me surpreende. — ela disse ao padre.

— Que bom. Pelo menos eu não sou monótono. Achou que nós não comemoraríamos seu aniversário?

Marien olhou para Sarah com cara de quem queria estrangulá-la e ela retribuiu seu olhar com um imenso sorriso malandro; Marien riu, aceitando a brincadeira e a festa. Todos conversaram animados sobre várias coisas; comeram o bolo e canapés que o padre encomendara.

— Ah! Agora o momento de cantoria. — disse o padre.

— Cantoria? — Marien perguntou, espantada.

— Ai, meu Deus! — Sarah disse, rindo.

— Ei... Não façam estas caras! O padre e eu cantamos muito bem! — Davide disse, rindo.

— Não quero nem ver, ou melhor, ouvir. — Sarah disse.

— Nem eu. — Marien disse, rindo.

Davide montou um teclado e o padre começou a tocar, fazendo um dueto com Davide. Todos se surpreenderam como eles cantavam bem. Marien olhava, encantada, para Sebastien e ele cantava e olhava para ela. Tocaram algumas músicas mais lentas e outras agitadas, fazendo graça, rindo e brincando, fazendo todos rirem deles.

— Chefinha, tem certeza de que aquilo ali é um padre? — Sarah disse, sentada ao lado dela no sofá, que não tirava os olhos dele.

— Não parece, não é?

— Em nada. Se existe um padre que é sinônimo de puro pecado, este é Sebastien Caseneuve. Senhor, que desperdício de homem preso numa batina.

— Concordo.

— Nossa! Que voz linda que o Davide tem. — ela suspirou.

— Sim, ele canta muito bem, estou impressionada.

— O padre também.

— É. — disse, olhando para ele.

— Acho que eles não são quem dizem que são.

— Por quê? Como assim?

— Acho que são músicos espiões e estão aqui para nos seduzir.

— Sarah! — Marien disse, cutucando-a e rindo.

— Ah, desculpe, fala errada.

Marien riu e olhou para Sebastien que sorria esplendorosamente enquanto cantava e se movimentava. Ele não conseguia tirar os olhos dela, era involuntário.

— Se eu fosse você, parava de olhá-lo desse jeito. — Sarah disse.

— Que jeito?

— Babando.

— Eu não estou babando.

— Não? Pode enganar aos outros, mas a mim não. E ele também está babando, o que é um pecado.

— Olhar não é pecado.

— Tudo bem... Só não deixe os outros perceberem. Vou pegar um vinho. O que mais poderia se esperar de uma festa providenciada por um padre? Vinho. — disse, rindo, e Marien riu, bebendo um gole de sua taça de vinho.

Sarah levantou e foi pegar sua bebida, e ficou mais de canto admirando Davide. Mais tarde, Celo e Vanna e seus outros dois colegas foram embora e ficaram os quatro ali, conversando e contando aventuras sobre as descobertas arqueológicas até tarde, ao som de uma música ambiente.

— Acho que estou cansada, preciso ir para casa. — Sarah disse.

— Vamos, eu a levo. — Davide disse.

— Ok, eu vou aceitar sua carona, já que vim com Marien.

— Boa noite, Marien. Feliz aniversário! — Davide disse, sorridente, beijando-a no rosto.

— Obrigada, Davide, leve a Sarah direito para casa, heim? E vejam se vocês dois não brigam no caminho.

— Pode deixar.

Marien e Sebastien ficaram sozinhos e os dois, meio sem jeito, deram uma ajeitada na sala, levando alguns copos para a cozinha.

— Acho que eu também vou. — Marien disse.

— Concede-me uma dança? — Sebastien perguntou e ela ficou meio sem jeito, sem saber o que responder. — Vamos, é só uma dança, madame. — Sebastien pegou na sua mão, abraçou-a pela cintura e começou a conduzi-la ao tom da música.

— Obrigada pela festa, eu gostei muito.

— De nada, achei que precisava se alegrar. Parece que funcionou.

— Funcionou, sim, fiquei muito feliz. — os dois ficaram mudos e ele começou a ficar embriagado com o seu perfume. — Não imaginei que você dançasse. — disse meio constrangida.

— Por quê? Acha que porque sou um padre, não sei as coisas ou não ajo como um homem normal?

— Não foi isso que quis dizer.

— Foi, sim. — disse, sorrindo.

E por um instante o rosto dela tocou o dele. Os dois ficaram anestesiados, como se tivessem meio tontos, sentindo o contato um do outro e se perderam entre um movimento e outro. O coração de Sebastien começou a bater descompassado e o de Marien também.

Os dois fecharam os olhos e ficaram ali por alguns minutos, somente se embalando.

Marien moveu-se e seus olhares fixaram-se; os dois praticamente pararam de respirar. Quase podiam se tocar pela proximidade de seus lábios. Os olhos de ambos passeavam por cada pedacinho de seus rostos.

Os lábios dele eram perfeitos e pareciam um pecaminoso convite, que Marien observou com deleite. Sua vontade de beijá-lo a estava consumindo e Sebastien sentiu o mesmo.

Eles pararam de se embalar e ficaram ali, olhando-se; era como se dois ímãs os tivessem puxando. Sebastien deu um passo para trás e sorriu meio sem jeito. Marien perdeu-se inteiramente e sorriu sem graça também.

Se não saísse dali, jogaria-se em seus braços, porque a atração era nítida e absurda. Assustador e pecaminoso. Não que Marien se importasse com estas regras com as quais não concordava e não dava muito crédito ou por estar cometendo algum pecado, mas pela atração que sentia por ele, quase incontrolável.

— É melhor eu ir. — ela pegou os presentes e foi em direção à porta e ele a acompanhou. — Boa noite e, mais uma vez, obrigada pela festa, foi maravilhoso.

— Boa noite, Marien.

Ele fechou a porta, encostou a testa nela e fechou os olhos; sentiu-se totalmente perdido e mal respirava. A cada dia que passava, estava mais perdido em seu comportamento. Como faria para combater aquela tentação? Não sabia, pois nunca tinha sido tão brutalmente tentado. Era quase mais forte que ele.

Marien entrou no carro, encostou a cabeça no volante e ficou ali alguns segundos, respirando pesadamente. Deu partida no carro e foi para casa. Jogou-se na cama e ficou olhando para o teto, pensativa; estava totalmente confusa. O que havia sido aquilo? Tinha dançado com o padre, desejara-o, queria tê-lo beijado. Estava louca.

— É que tudo já não está louco o suficiente, não é, Marien? Precisa de mais confusão. Pare já com isso! É culpa do vinho, tudo culpa do vinho! Não é porque ele é lindo e maravilhoso como um anjo caído, desgraça.

Seu celular tocou e, olhando o visor, viu que era Urs. Pensou em não atender, mas seu coração encheu-se de vontade de ouvir sua voz.

Reforçou a expressão “louca de pedra” na sua cabeça e atendeu.

— Oi, princesa. — ele falou mansamente e ela suspirou.

— Oi, Urs.

— Feliz aniversário.

— Obrigada.

— Sei que é tarde, mas eu fiquei o dia todo pensando se ligava ou não, sei que está brava comigo.

— Eu só estou confusa, Urs.

— Eu sei. Como foi seu dia?

— Foi bom, o pessoal comprou um bolo e me deu presentes, uma festinha surpresa, foi legal.

— Que bom, fico contente.

Houve um silêncio.

— Marien, eu estou com uma saudade de você que está me matando, parece que meu coração vai arrebentar.

— Urs, por favor.

Ela não queria dizer, mas também sentia uma saudade enorme, mas não queria ouvir aquilo dele, porque queria ser durona em relação a ele. O que ela sempre falhava como uma parva.

— Tudo bem, eu sei... Boa noite, Marien.

Ela queria deixá-lo desligar, mas o chamou.

— Urs...

— O quê? — ela não sabia o que dizer. Passou a mão pelo pescoço e pegou o pingente. — Diga, Marien.

— Muitas coisas estranhas estão acontecendo comigo. Coisas que eu não sei explicar.

— Eu sei, está confusa e eu acabei piorando as coisas.

— Não é sua culpa. Temos a tendência a sermos um pouco problemáticos.

— Parece que sim. Só não me odeie, por favor.

— Eu não o odeio, Urs. — ambos ficaram mudos por alguns minutos. — Sabe de quem foi este amuleto que me deu?

— Pertenceu a um grande guerreiro chamado Ielay Sucksdoff. Dizem que foi um protegido do rei da Dinamarca, mas não sei muito sobre a sua história e eu adquiri a sua espada também. Ela é hipnotizante, confesso que às vezes me pego olhando para ela, não sei por que, mas ela consome meus pensamentos.

— A espada dele? — perguntou, espantada.

— Sim, é magnífica, Marien. Você vai adorá-la.

— Acho que sim. — disse com dificuldade de falar.

— Você está bem?

— Estou bem, só um pouco cansada, é melhor eu ir dormir. Boa noite, Urs.

— Boa noite, Marien. — disse tristemente.

Ela desligou o telefone e ficou ali, jogada. Sua cabeça estava tão confusa que nem sabia mais o que pensar. Que espécie de loucura era aquela? Como ele havia adquirido tais artefatos que coincidentemente eram do que estavam estudando? Marien se perdeu naquela confusão de pensamentos e dormiu agarrada ao amuleto.


Capítulo 22

Marien tinha tentado evitar a presença atordoante do padre o dia todo e não contar a ele o que tinha falado com Urs, mas isso só serviu para fazer seus nervos explodirem quando teve problemas com a escavação.

Depois de tomar um enorme copo de café e olhar para o padre, foi obrigada a abrir a boca.

— Padre, eu confirmei. O amuleto pertenceu a Ielay Sucksdoff. Urs o arrematou num leilão e também sua espada. Urs está com a espada e eu com o amuleto do filho de Marien e Ainan.

— O quê? — ele perguntou, aturdido.

— Eu falei com ele ontem à noite, e ele me disse. Explique-me por que Urs teria conseguido estes artefatos que têm relação com esta história e justamente agora?

— Isso é uma coincidência estrondosa! — disse, perplexo.

— Estou tão confusa, minha cabeça parece que vai arrebentar. Qual é o propósito disso? Que relação nós temos com isso tudo, pois estas coincidências não me parecem naturais.

— Não sei, mas aos poucos as peças estão se encaixando, vamos descobrir isso no final. Mas temos que manter a cabeça fria.

— Como se isso fosse fácil.

— Sei que não é fácil para você e não está sendo para mim.

— Por que não está sendo para você?

— Porque também tenho meus fantasmas e tenho que aguentar isso.

— Que fantasmas tem em sua vidinha metódica, criada debaixo das barras da saia da igreja?

— Por que está falando assim comigo?

— Porque eu quero que me diga a verdade!

— Que verdade?

— Você esconde algo de mim, eu vejo nos seus olhos, eu sinto.

— Não escondo nada de você.

— Não minta para mim, eu sei que esconde.

Ele ficou extremamente nervoso e mordeu os lábios.

— Marien...

— Vê? Esconde, sim! Me conte o que esconde de mim, por favor.

— Eu não posso. — ele soltou sem querer e Marien revirou-se de nervoso.

— Padre Sebastien, eu vou lhe avisar e repetir o que já lhe disse. Conte-me tudo o que sabe ou eu juro que vai se arrepender. Eu vou descobrir por mim mesma se não me contar e vou odiá-lo por isso.

— Não sei que surto lhe deu para mencionar isso agora.

— Diga-me! — gritou.

Sebastien ficou paralisado na frente dela, assustado com aquela explosão repentina de Marien. Sua consciência estava tão pesada que tinha dificuldade de dormir e algo na sua cabeça o mandou falar a verdade de uma vez; tinha que contar seu segredo.

— Tudo bem, Marien, eu vou contar, se é o que quer. Mas saiba que isso não tem nada a ver com nossa pesquisa aqui.

— Como não? O que tem para me contar?

— É sobre seu acidente.

Marien piscou rapidamente e balançou a cabeça sem entender.

— O quê? Meu acidente?

— Sim, foi o Vaticano que mandou roubar os pergaminhos de Tiago em Jerusalém. — disse logo de uma vez.

Marien deu alguns passos para trás e arregalou os olhos; sua respiração parou e ela pensou que fosse morrer ali mesmo, porque o aperto que sentiu no coração parecia que lhe causaria uma morte súbita.

— Está me dizendo que você foi o responsável pela morte do meu filho?

— Não, Marien, não fui eu. Eu nem sabia disso, soube só há alguns dias. Eu descobri os registros e descobri que o homem que atacou você e Urs foi mandado pelo Vaticano por meio de uma Ordem secreta que eu acreditava não existir mais ou pelo menos de alguém lá de dentro. — ela se escorou na mesa para não cair. — Marien, eu juro que não tive nada a ver com isso.

Ele se aproximou dela, tentando segurá-la pelos braços para acalmá-la, mas ela se esquivou.

— Não toque em mim.

— Marien, acredite em mim, eu jamais machucaria você. Eu juro, não tive culpa.

Ela saiu da tenda, pegou o carro e saiu em alta velocidade, fazendo os pneus derraparem na terra.

— Marien, volte aqui, aonde vai? Sarah! — gritou.

— O que foi? — ela veio correndo, assustada. — Onde Marien vai com tanta pressa?

— Vá atrás de Marien, está desnorteada. Fale com ela, por favor.

Sarah pegou o carro e foi atrás dela. Conseguiu avistá-la de longe. Marien parou na praia, desceu do carro e se jogou na areia aos prantos. Sarah, que a alcançou, foi até ela e sentou-se ao seu lado.

— O que houve, Marien? Por que saiu daquele jeito e por que está chorando assim? — Marien, aos soluços, contou a Sarah. — Marien... — Sarah a abraçou fortemente. — Calma. Querida, acho que ele está falando a verdade. O padre não lhe faria mal, eu acredito nele.

— Como pode? O que é isso? Por que isso está acontecendo comigo?

— Não sei, mas essa história toda está ligada e, apesar de ser uma confusão difícil de decifrar, vamos conseguir encontrar as respostas.

— Quero ir embora daqui, não quero mais saber de nada disso, eu não aguento mais este pesadelo.

— Eu sei, mas se você for embora, não vai descobrir o propósito disso tudo. Eu sei que está difícil, mas você não pode abandonar tudo agora.

— Não sei se aguento.

— Aguenta, você é forte. Sei que o padre a abala, eu sei que gosta dele, você sabe que ele não lhe faria mal.

— Não sei se posso confiar nele.

— Seu coração vai lhe dizer isso. Venha, vamos para casa. — Sarah a levantou da areia e a levou até o carro. — Consegue dirigir? Eu a seguirei até em casa.

Marien assentiu e respirou fundo e, assim, as duas seguiram para o chalé de Marien.

Marien deitou-se na cama sentindo todo seu corpo doer. — Fique aqui, vou me encontrar com Davide, vou falar com ele e ver mais sobre isso, está bem?

Marien assentiu e Sarah foi embora.

Estava escurecendo e ela pegou no sono, chovia torridamente com trovoadas fortes. Sua casa iluminava-se com os relâmpagos e ela acordou num súbito.

Como se estivesse em transe, ela levantou da cama e foi até fora da casa. Olhou ao redor, pegou o carro e dirigiu pela estrada, desviou para a montanha que ficava próximo às escavações. Desceu do carro e, sem se importar com a chuva gelada que caia sobre seu corpo, foi até uma parte do penhasco com sua respiração saindo de controle. Ficou imóvel, olhando para uma parede de pedras brutas e várias imagens vieram em sua mente; via-se em outra época, a época em que toda aquela sórdida história ocorreu. Havia uma balbúrdia, gente correndo para todo lado e gritando, soldados da igreja agrediam a todos, matavam os inocentes sem nenhum remorço e brandiam as espadas contra os guerreiros que vinham lutar.

Ela viu Asch lutando ferozmente, tentando desvencilhar Marien das mãos dos soldados. Havia muitos guerreiros que lutavam; algumas pessoas eram presas, outras mortas pelas ruas, mulheres e crianças.

“Faça, Marien!” Asch gritou, olhando-a. Ela encostou-se à parede, fechou os olhos e levantou as mãos e começou a recitar algo em outra língua. Um vento forte começou a soprar, derrubando tudo pela vila. Asch distraiu-se ao olhar para ela e foi atingido por um soldado, caindo. Quando ele foi atingido, ela assustou-se e gritou. O vento parou, pois seu encantamento foi interrompido; ele gritou para que ela corresse e ela tentou, mas soldados a seguraram; rapidamente arrancaram um colar de seu pescoço e todas as joias que tinha.

Marien, em um solavanco, saiu de seu mundo perplexo quando ouviu seu nome. Ela se virou bruscamente e deu-se com o padre e ficou olhando para ele sem entender o que estava acontecendo e onde estava. Sebastien estava totalmente encharcado pela chuva e a olhava não muito longe dela. Sua respiração, que era ofegante, ficou mais ainda ao vê-lo.

— O que faz aqui? — ela gritou, assustada.

— Pergunto o mesmo.

— Eu... Eu não sei. Como vim parar aqui?

Sebastien se aproximou e ela, temerosa, deu passos cambaleantes para trás.

— Marien, calma, sou eu, Sebastien.

— O que está fazendo comigo?

— Não estou fazendo nada.

— Fique longe de mim! — gritou.

— Marien, eu não vou lhe fazer mal.

— Não acredito em você.

Ele andou até ela, que não conseguia mais se mover; parecia que seus pés colaram no chão. Rapidamente, Sebastien a segurou pelos braços e tentou falar calmamente, escondendo seu próprio espanto e medo.

— Calma. Eu não vou lhe fazer mal nenhum.

— Pior do que já me fez, acho que não poderá fazer.

— Eu juro que nunca faria mal a você.

— Você é um deles.

— Não, eu não sou. Não vou machucá-la, eu morreria por você.

— Morreria?

— Não sei por que, mas eu sinto que tenho que te proteger.

— Me proteger de quê? Vocês já destruíram minha vida! Por que me trouxe aqui, Sebastien?

— Não sei, Marien, mas eu sofro tanto quanto você.

— Não pode. Você não pode saber nada do que eu sofro.

— Está enganada. Eu sofro quando te olho, eu sofro quando você sorri, sofro até mesmo quando você respira.

— Por quê? — disse sem conseguir segurar as lágrimas.

— Porque eu não consigo me controlar quando estou perto de você! Eu perco o eixo de tudo que acredito quando olho nos seus olhos. Não consigo me dominar.

— Você me trouxe aqui de propósito.

— Não, não, Marien, eu estou tão perdido quanto você. Não estava querendo acreditar, mas eu sei que eu fui Asch e você foi Marien, e que eles se amaram e que nós dois estamos sentindo a mesma coisa agora. Olhe nos meus olhos e você vai ver o que eu vejo, pois eu acabei de ver o que você viu; eu vi a batalha, Asch ser ferido e Marien mover os ventos.

Sebastien segurou o rosto dela entre as mãos e a chuva teimava em cair sobre eles.

— Não! — disse, empurrando-o, e saiu correndo.

— Marien! — ele correu atrás dela, que tentou entrar no carro, mas ele a alcançou e a impediu. — Marien!

— Vai me matar? — ela perguntou completamente fora de si. — Porque se foi fácil da outra vez, pode ser agora. Você quer que eu descubra tudo e depois vai roubar e levar para aquele maldito Vaticano, e vai tentar me soterrar naquela igreja como já fizeram comigo e Urs, anos atrás.

— Não! — ele a segurou pelos braços contra o carro. — Pare com isso, não está dizendo coisa com coisa. Eu não vou fazer nada disso e não vou permitir que ninguém faça! Vou levá-la para casa, venha.

— Não! Solte-me.

— Não seja teimosa, você vai comigo e pronto.

Ele a puxou com força e a colocou no carro e entrou. Foi até a casa dela, que não ficava muito distante; tirou-a pelo braço do carro e a levou até seu quarto, tirou uma toalha da cômoda e deu a ela.

— Se seque, não quero que fique doente e depois diga que a culpa foi minha! — ele gritou, nervoso.

— Me deixe em paz. Amanhã eu vou embora daqui!

— Não quero que vá, porque esta pesquisa é sua também.

— Para quê? Isso nunca vai aparecer em lugar nenhum, vai desaparecer assim como Ancona.

— Ela não desapareceu, está aqui e graças a você.

Marien olhou para ele e colocou as mãos no rosto; deixou-se amolecer e começou a chorar.

— Por que você me deixa desse jeito?

— Que jeito?

— Perco meu raciocínio perto de você.

— Isso também acontece comigo. Por que acha que estou aqui?

— O que quer de mim, Sebastien?

— Eu não sei! — disse, desnorteado. — Eu estou nessa confusão até o pescoço. Fico tendo visões, morro de remorso pelo seu sofrimento e por coisas que eu nem tenho culpa. Quando olho para você, meu coração dói tanto que tenho vontade de arrancá-lo. Pensa que é fácil eu tentar entender como seria possível eu estar vendo um homem que amou você e que somos eu e você agora? E pensa que é fácil estar aqui tão perto de você e estar lutando contra minha batina por que não posso quebrar meus votos e abalar minha fé?

Marien o olhou com os olhos arregalados. Sebastien a olhou de uma maneira que quase a desmontou; ele estava segurando-se, estava a ponto de explodir. Seus olhos estavam marejados de lágrimas. Respirou profundamente e chegou bem perto dela e falou de todo seu coração.

— Meu coração dói quando olho para você, Marien, e eu sinto que morro a cada segundo que fico longe. Eu amo você! Jamais te faria mal; eu quero te ajudar, te proteger.

— Ama? — disse entre lágrimas e confusa.

— Amo como jamais amei ninguém na minha vida.

— Você ama...

Sebastien não a deixou terminar de falar, beijou-a. Quando seus lábios se tocaram, foi como se algo dentro deles acendesse, algo que nunca pensaram sentir. Os dois pararam de respirar e todo seu mundo ficou fora do lugar.

Marien, com toda sua confusão mental e raiva, esmoreceu com aquele beijo e nem por um segundo conseguiu afastá-lo; desejava aqueles lábios, eram doces, macios, embriagantes, amorteceu-a como uma droga.

Sebastien afastou os lábios dos dela e não sentia seu corpo; os dois se olharam intensamente nos olhos por alguns segundos enquanto segurava seu rosto entre as mãos e vagarosamente os dois fecharam os olhos e seus lábios novamente se encontraram.

Lentamente, ele empurrou o corpo dela contra a cama, deitando-a, e ela sentiu o corpo dele pesar sobre o seu. O beijo ficou mais intenso, mas ainda lento; era como se cada movimento representasse uma eternidade.

Sebastien esqueceu quem ele era, e Marien esqueceu todos seus muros.

Desde seus vinte e dois anos que não tocava em uma mulher e ele morreu nos braços dela, e Marien se entregou de um jeito que lhe parecia surreal. Era como se uma mágica amortecedora os tivesse envolvido, levando-os para fora da realidade.

Os dois entregaram-se de corpo e alma. Não tinham pressa, só queriam viver aquele momento como se fosse eterno; sentiram uma espécie de dèjá vu, como se seus corpos já se conhecessem. Sebastien perdia-se no corpo dela como se fosse uma deusa a quem beijava com adoração. Ele a amou com lágrimas nos olhos, entregou seu coração a ela por inteiro.

Fizeram amor sem medir consequências, sem nem ao menos saber onde estavam ou quem eram. Suas mentes estavam em outro mundo, em outra época.

Ele retirou sua blusa e seu sutiã e deleitou-se em sua pele, beijando cada parte dela, tomando seus seios na boca, deleitando-se com o prazer de tocá-los, de saboreá-los, de saber que aquele toque a excitava, a deixava louca por ele, desejando mais dele; ela gemeu como se visse estrelas diante de seus olhos.

E uma peça de roupa depois da outra foi abandonada e Marien só sentiu prazer ao permitir que Sebastien explorasse seu corpo como quisesse, beijando, sugando, penetrando-a com seus dedos, estimulando-a e empurrando-a ao precipício.

Ele entrou nela com desejo, com desespero, e Sebastien soube que aquilo era mais intenso do que jamais tinha conhecido na sua vida, pois a luxúria descontrolada tinha tomado posse dele. A paixão que faz as mentes e os corpos perderem o controle, o sentimento enlouquecido, exigindo prazer carnal. Forte e intenso.

Ele não teve piedade; empurrou contra ela, selvagem, enlouquecido, uma e outra vez, até que Marien gritasse em seu orgasmo, o que impulsionou o seu.

E estavam perdidos de uma vez.

Após ambos encontrarem seu intenso prazer, ficaram na cama, abraçados, jogados e cansados, suados e enroscados. Ele fechou os olhos e a abraçou forte, pois não queria que aquilo acabasse e não queria pensar em nada; se pensasse, sairia dali correndo.

Marien não sabia o que dizer nem o que iria acontecer dali por diante, mas o abraçava com força, sentindo seu peito contra o dela, buscando proteção, algum tipo de alento para sua loucura. Preferiram ficar mudos. Estavam completamente perdidos e confusos e acabaram adormecendo.


Capítulo 23

O que Sebastien e Marien não esperavam é que Davide e Sarah viessem falar com ela e sem querer os encontrassem no quarto. Davide, quando os viu abraçados e nus, cobertos pelo edredom, quis soltar um grito que foi calado pela mão de Sarah, e ela o puxou violentamente até a sala.

— Não grite! — ela disse com os dentes cerrados.

— Você viu o que eu vi? — disse quase tendo um ataque.

— Eu vi, mas eles não vão saber que nós vimos, fique quieto.

— Vai deixá-los lá?

— Davide, eles estão seguindo o destino deles. Como isso vai acabar, eu não sei, mas a única coisa que eu sei é que não podemos interferir.

— Ele é um padre! — disse, tentando respirar.

— Eu sei. Mas antes de ser um padre, é homem, com coração, e se está deitado com ela naquela cama é porque, no mínimo, gosta dela de verdade para colocar em risco seus votos.

— Sarah, eles se deixaram seduzir pela história, estão fora de si.

— Davide, amar é estar fora de si.

— Como sabe?

— Eu sei, o problema é que você não sabe.

— Não quero saber, e se isso for algo que eu não possa controlar?

— Ninguém controla o amor, Davide. Ele vem e vai quando bem entende, cabe a você ser forte e resistir a ele ou cuidar bem dele, mas isso é questão de tempo, uma hora ou outra você cai.

— Quando a gente cai, o que acontece?

— Você se entrega e, quando se entrega, roga a Deus para que a pessoa que você ama o ame tanto quanto você a ela.

— E se ela não amar?

— Então você conhecerá a mais profunda dor.

Davide fechou os olhos por um minuto; suspirou e olhou para Sarah.

— Eu nunca amei, Sarah, não sei de que dor você fala, mas eu vejo o padre orar na mais angustiante das preces, pedindo forças para que não sucumba, e eu acho que ele rogava para que não caísse por causa do amor que sente por ela.

— Ele já sucumbiu, Davide.

— E o que vai ser deles agora?

— Eu não sei.

— Não sei se quero sentir algo assim.

— Um dia vai sentir e tenha certeza de que você fará de tudo para que possa viver pelo menos um segundo de amor com esta mulher do que viver a eternidade sem nem sentir o perfume de seu corpo ou de seus cabelos. Deixe-os dormir, eles terão que se enfrentar depois disso, mas não cabe a nós julgá-los por seu amor ou por sua paixão. Talvez amanhã isso tudo acabe e eles deem um fim nisso. Eu não quero ser culpada pela infelicidade de ninguém, Davide. Você quer? Se quiser interromper isso, então o faça sozinho, porque eu não vou fazer nada.

Sarah saiu da casa e deixou Davide, que ficou sem saber o que fazer. Passou a mão pelos cabelos e saiu, deixando-os em paz. Davide encontrou Sarah no jardim; a chuva parara e os trovões já não ecoavam no céu.

— Ai, meu Deus! — Davide disse, respirando profundamente e passando a mão no rosto.

— Eu acho que preciso beber algo forte. — Sarah disse.

— Boa ideia. Vamos, eu vou levá-la a um bar que conheço.

Os dois entraram no carro e foram até um barzinho que ficava na beira da praia.

Sentaram-se lado a lado em uma das mesas que ficava do lado de fora e de frente para o mar, e Davide chamou o garçom.

— O que quer beber?

— Quero tequila, sal e limão. Preciso de algo que me amorteça as ideias, urgente.

Davide arregalou os olhos, mas pediu o que ela desejava e para ele, uma cerveja.

— Você gosta muito dela, não é?

— Gosto. Ela não é apenas minha chefe, é minha amiga.

— Se conhecem há muito tempo?

— Eu estagiei na equipe dela na escavação em Jerusalém. Depois disso, ela me contratou como sua assistente pessoal. Agora o museu paga meu salário, mas continuei como sua assistente.

— Deve ter gostado do seu trabalho.

— Sim, mas acho que ela pensa que tem uma dívida comigo.

— Por quê?

— Fui eu quem a encontrou e ao marido naquela escavação.

— Quando houve o acidente?

— Sim, estavam quase mortos. E não foi um acidente.

Davide ficou mudo por um segundo.

— É, eu sei. Deve ter sido horrível.

— Foi. Acho que ela nunca se recuperou. E você?

— Eu?

— Trabalha há muito tempo com o padre?

— Desde que tinha dezesseis anos, faz uns doze anos.

— Por que foi trabalhar com ele se não era padre?

— Ele me tirou de uma vida miserável, eu devo minha vida a ele.

— Por quê?

— Eu nunca conheci meu pai, morava com minha mãe numa tapera em Florença, não tínhamos nem o que comer. Ela morreu e eu fiquei sozinho, mendigava nas ruas por um pedaço de pão. Eu devia ter uns dez anos. Um dia, um frei se ofereceu para me levar para um mosteiro, para eu trabalhar na cozinha e fazer os serviços pesados, e eu fui; pelo menos tinha o que comer e uma cama para dormir. Eu trabalhava lá lavando chão e cozinhando; eu me sentia muito sozinho, não tinha nenhum amigo. Um dia, o padre foi visitar o mosteiro e acho que gostou de mim; ele me disse que se eu estudasse e o ajudasse no seu trabalho, ele me pagaria um salário e me levaria com ele, e eu aceitei. — Sarah sorriu, emocionada, e segurou a mão dele. — O padre é uma pessoa maravilhosa, Sarah, não machucaria ninguém. Ele não teve culpa de nada disso.

— Eu sei, Davide.

— Você deve me achar um idiota, não é?

— Não acho. Por que pensa isso?

— Não sei, você parece tão segura de si, tão moderna.

— É, eu sei, sinto muito, é meu jeito, eu acho que aprendi com a Marien.

— Eu gosto muito dela.

— Já percebi. — disse, sorrindo sem jeito.

Sarah ficou meio perturbada. Ele a olhava de um jeito que a fez tremer inteira. Ele era um rapaz irresistivelmente lindo, de cabelos claros, sempre usava um topete que o deixava com cara de garoto, tinha os olhos verdes e um sorriso que fazia derreter qualquer coração, sem contar com seu porte, com seus mais de um e noventa de altura, não passava despercebido por onde andava.

— E eu gosto muito de você também.

— Gosta? — perguntou, espantada.

— Gosto. — Sarah bebeu um gole enorme de tequila e fez careta. Tentou disfarçar o nervosismo que se abateu sobre ela. — Você vai ficar bêbada.

— Essa era minha intenção, e também acho que você é muito... Legal.

— Tudo bem, pelo menos você admitiu que eu sou legal. — disse, rindo.

Ela queria fazer uma lista enorme, como lindo, poderoso, amável, adorável, sexy, mas calou-se.

— Admiti. Mas não fique com seu ego inflado. Me faça um favor: beba comigo. Essa sua cerveja o deixa em desvantagem.

— Tudo bem. — disse, erguendo as mãos e, sorrindo, pediu uma dose ao garçom.

Ele colocou o sal na mão, bebeu quase um copo de tequila e depois chupou o limão e fez uma careta, fazendo Sarah rir dele. Houve um silêncio enorme entre os dois, enquanto ela mordia os lábios e olhava para ele, que a encarava intensamente. Ela, sem dizer nada, puxou-o pela camisa e o beijou. Davide fechou os olhos e se deixou beijar. Quando abriu os olhos, estava meio zonzo, pois jamais esperava que ela o beijasse daquele jeito.

— Por que me roubou um beijo?

— Não roubei nada! — disse, indignada com o que ele disse.

— Devolve!

Ele a puxou pela nuca e a beijou. Os dois amoleceram naquele beijo intenso, carregado de desejo e entrega. Davide a beijou com vontade, como nunca teve vontade de beijar alguém. Ele estava totalmente irracional no que se tratava de Sarah. Quando ele se afastou de seus lábios, ficou olhando para ela e sorriu.

— Prometo roubar mais beijos. — ela disse sem abrir os olhos e falando quase sem nenhum ar nos pulmões.

— Pode roubar quantos quiser. — ele a beijou novamente e, quando se soltaram, estavam amortecidos. — O que mais sabe roubar? — sussurrou, beijando seu pescoço.

— Posso roubar o que quiser.

Davide a olhou meio perdido; não podia negar que estava todo confuso, porque beijá-la tinha sido uma experiência surreal, deliciosa, única. Seu coração estava batendo descompassado no peito.

— Acho melhor irmos embora.

Sarah piscou rapidamente e ficou sem ação; não esperava que ele fizesse aquilo. Ela se ajeitou e tomou ar sério, sem saber o que fazer exatamente.

— Acho bom. Leva-me para casa? — ela perguntou sem jeito.

— Claro.

E, assim, os dois foram para o carro e seguiram mudos até o chalé de Sarah.

— Boa noite! — disse, olhando para ele, mas ele manteve-se parado no seu lugar.

— Boa noite!

Sarah, sem saber o que fazer, saiu do carro, entrou no seu chalé e fechou a porta. Ele ficou dentro do carro e esfregou as mãos no rosto.

— Davide, o que foi isso? — ele disse furioso para si mesmo. — Ela me deixa tão... tão fora de mim. Deveria ter sido mais gentil e não tê-la trazido assim. Imbecil.

Sarah encostou-se à porta de casa, atordoada.

— Que idiota! Ele é mais padre que o próprio padre. Está certo, Sarah, você está meio tonta, mas ele devia ter feito algo mais, não é? Ai, que saco! Aquele beijo, meu Deus, foi tão intenso, tão delicioso, não poderia ter parado. Será que ele não gostou de me beijar?

Ela suspirou, desiludida, e foi entrar para o quarto.

Davide saiu do carro, foi até a casa e bateu na porta. Sarah levou um susto e a abriu o mais rápido que pôde.

— Davide! O que...

Ele não a deixou terminar de falar; beijou-a intensamente, segurando-a pelo pescoço. Ofegante, olhou-a nos olhos.

— Desculpe, eu não consegui me controlar. — ele disse, respirando com dificuldade.

— Então... Não se controle...

Davide a beijou de novo e a levantou do chão como se ela fosse uma pena; deu alguns passos e os dois caíram no sofá, arrancando as roupas um do outro, sem querer parar de se beijar e entre gemidos e ofegos. Fizeram amor. Rolaram para o chão e continuaram noite adentro se amando.

Davide estava extasiado com Sarah; já havia namoricado por algum tempo, mas sua vida de peregrino acompanhando o padre nunca havia lhe permitido se apaixonar de verdade. Ele nem sabia dizer se o que sentia era paixão, amor ou somente atração, mas nunca sentira algo tão sincero e forte como nos braços dela.

Sarah se perdeu naquele corpo enorme dele; era delicioso e sexy, intenso e carinhoso e eles foram ao céu juntos.

Depois de uma sessão de sexo enlouquecido da qual pensavam que nunca mais conseguiriam de recuperar, Davide repousou a cabeça em seu peito, enquanto ela lhe acariciava os cabelos. Ambos respiravam com dificuldade, tentando sincronizar os pensamentos novamente e recuperar a respiração.

— Para quem é um pré-padre, você é muito bom! — ela disse, e Davide riu e a olhou com carinho.

— Parece que o cupido baixou em Ancona esta noite.

— Parece, mas pelo menos você não fez votos de celibato.

— Será que esta boquinha não para nunca de resmungar?

— Como se atreve, seu... — ele a beijou, interrompendo-a.

— Agora descobri como calar sua boca.

— Gostei, eu vou falar mais besteiras do que de costume. — ele riu.

— Será que você tem uma cama macia e quente ou vou ter que ficar descadeirado aqui neste chão duro e frio?

— O quarto é por ali. — disse, apontando com o dedo.

Ele se levantou e pegou-a no colo, foi até o quarto e a colocou na cama.

— Vai dormir aqui? — ela perguntou.

— Não posso?

— Tem que pedir permissão.

— Tudo bem. Sarah, minha querida... Eu posso dormir aqui?

— Não.

Ele fez uma careta e fez menção de levantar da cama quando ela riu, puxando-o pelo braço. Os dois riram, tombaram na cama e se beijaram. Aconchegaram-se e dormiram abraçados. Estavam felizes e encantados um com o outro.

Parecia mesmo que, de uma forma estranha e desconjuntada, o cupido estava pairando por Ancona, lançando os amantes aos seus leitos.


*


Sebastien acordou no meio da madrugada e moveu-se na cama, acordando Marien. Eles se olharam meio sonolentos, mas abraçaram-se forte. Sebastien puxou Marien para que deitasse em seu peito e soltou um suspiro.

— Você acredita em mim, não é? Eu não tive nada a ver com aquilo em Jerusalém. Eu jamais a machucaria. Meus sentimentos estão confusos, mas nunca a machucaria.

Sebastien disse mansamente, acariciando seu rosto. Olhou para ela como se mostrasse que se ela dissesse o contrário, ele morreria.

— Eu acredito em você.

Sebastien fechou os olhos, sentindo-se aliviado, e beijou sua testa demoradamente.

— Eu não poderia estar aqui com você.

— O que vai fazer?

— Eu não sei. Nunca estive tão perdido na minha vida.

— Eu não vou lhe cobrar nada, Sebastien. Se você não me olhar amanhã como me olha agora, eu vou entendê-lo.

— Marien, eu...

— Você é um padre. — ela sentou-se na cama, interrompendo-o.

— Por favor, eu não quero ter esta conversa com você agora.

— E vai ter com quem? Com Deus?

— Não fale assim. — ele levantou e a abraçou por trás, colocando o queixo em seu ombro. — Você vai fazer eu me sentir pior do que eu já me sinto.

Ela se virou e olhou seriamente para ele.

— Se sente mal por ter dormido comigo? — disse, indignada.

— Não, não foi isso que eu disse. Não é por você, mas eu quebrei meus votos e eu não sei o que vou fazer agora.

— Eu não entendo estes votos que vocês fazem. Deus jamais puniria o amor, Sebastien. Você prega o amor, por que você não teria o direito de amar? Deveriam ter o direito de constituir uma família.

— Eu vou embora. — disse, indo levantar da cama.

— Não! — disse, puxando-o pelo braço. — Fique aqui comigo.

— Não posso fazer isso, está errado.

Ela moveu-se e sentou-se sobre as pernas dele; encostou sua testa na dele, segurando seu rosto entre as mãos e soltou um suspiro cansado.

— Se quiser ir amanhã, eu não vou lhe impedir, mas agora fique aqui e me ame, nem que seja só hoje. Esqueçamos o que há lá fora, as pessoas, as regras. Fique aqui comigo, somente eu e você e nada mais.

Ele passou suavemente as mãos pelas suas costas nuas e a olhou intensamente. Não sabia se conseguiria sair dali, realmente. Ela o olhou profundamente e acariciou seu rosto.

— Marien...

— Não sei se isso é certo ou errado, não quero saber, não quero nem pensar nisso, mas fique aqui comigo, eu preciso de você hoje, Sebastien. Preciso de seu amor, preciso de seus abraços. Amanhã eu deixo você ir. Se quiser, eu nem sequer toco no assunto, mas hoje não. Só... fique.

Ele fechou os olhos e a beijou. Marien o abraçou e lhe deu um beijo tão intenso que ele chegou a gemer, e os dois fizeram amor de novo.

Marien o desejava intensamente naquele momento. Não o deixaria largá-la ali daquele jeito, não queria. E ele, que estava tão rendido a ela, não tinha forças para dizer não, pois estar nos seus braços era tudo o que ele queria.

Quando o dia amanheceu, Marien acordou, olhou para o lado da cama, mas Sebastien não estava mais lá. Ela fechou os olhos, cobrindo-os com a mão. Suspirou, levantou e andou pela casa. Encontrou Sebastien no outro quarto, onde havia uma cruz na parede; de joelhos, rezava com toda angústia.

Ela o olhou por alguns minutos e ficou perdida com aquela visão, pois não sabia o que fazer; se o interrompia ou se o deixava com sua fé e seus problemas particulares, suas culpas.

Respirou profundamente e sentiu que estava fazendo a coisa errada, afinal, aquilo tudo parecia errado, tudo fora do lugar, então fechou os olhos e sentiu-se a mais vil criatura.

Ela voltou ao quarto, tomou uma ducha rápida, vestiu-se e saiu rumo à escavação sem que ele a visse, porque ele ainda continuava lá, rezando, sem nem mesmo tomar conhecimento dela se movimentando pela casa. Não que ela tivesse feito algum barulho para lhe chamar a atenção, pois fora o mais silenciosa possível.

Marien foi para a tenda principal, onde Sarah e Davide estavam os esperando, já colocando os trabalhos em dia.

Os dois a olharam, sérios, enquanto ela soltava sua bolsa numa cadeira qualquer. Pegou um café da cafeteira e sentou.

— Por que vocês estão me olhando desse jeito? — Marien perguntou, séria.

— Por nada! — os dois disseram juntos e desviaram o olhar.

— Chefinha, eu tenho um material aqui.

— O que é? — disse, respirando fundo e nisso o padre chegou; os três olharam sérios para ele.

— Bom dia.

— Bom dia. — responderam e um olhou para o outro, enquanto ele se sentou e novamente os olhou.

— Preciso de um café forte.

— Eu pego para o senhor. — Davide disse, levantando e indo prepará-lo.

Ele olhou para Marien que o olhava, mas ela desviou o olhar, um tanto sem jeito.

— Hum... Continuando... — Sarah disse, sentindo aquele clima estranho. — Encontrei alguma coisa sobre eles, mas só porque Ielay foi um guerreiro muito importante na história da Dinamarca, mas há apenas alguma menção sobre seus pais. Segundo alguns livros da história dinamarquesa, Ainan Sucksdoff foi noivo de Marien Debuawski. Às vésperas do casamento deles, foram condenados pela Igreja. A acusação veio do pai dela e de um poderoso comerciante, alegando que Ainan e Marien quebraram o trato de casamento que o pai havia feito com este comerciante.

— Do pai? — Marien perguntou, espantada.

— Sim. A igreja não aceitou a defesa de Ainan, o seu desejo de ficar com Marien, pois o comerciante era muito importante e influente com a igreja. O historiador que me enviou isso acredita que tudo foi um complô para que o comerciante se casasse com ela, mas ao descobrir que ela estava grávida, não a quis mais; ele queria vingança e seu pai, dinheiro. Então condenaram Ainan a pagar uma bela soma em dinheiro ao pai dela como indenização e a ser um cruzado por quinze anos por tê-la desonrado.

— Por isso ele tinha um salvo-conduto, a ordem para sua soltura quando a pena acabasse. — o padre disse.

— Sim.

— Naquele período, os cruzados precisavam de toda a ajuda que pudessem conseguir, porque suas expedições estavam sendo abandonadas pela força maior dos templários. — Sarah disse.

— Era uma maneira de conseguirem soldados, por fim estava muito claro que a guerra era pelo poder, e não por fé ou exclusivamente motivos religiosos. — Marien disse.

— E também muitos mercadores viram nas Cruzadas uma oportunidade de ampliar seus negócios, abrindo novos mercados e obtendo lucro ao abastecer os exércitos que atravessavam a Europa a caminho do Oriente. Muitos cruzados enriqueceram ali, o que gerou um grande desconforto à igreja quando as coisas começaram a sair dos trilhos. — Sarah disse.

— A igreja começou a perder o poder sobre seu exército. — Davide disse.

— Os templários se tornaram independentes, ricos e poderosos, até mesmo mais que muitos reis. — Sarah disse com um suspiro. — O que no fim foi sua perdição.

— Ainan foi jogado neste meio para lutar por uma guerra que não era sua nem lhe interessava. Era o soldado que deveria manter os “infiéis muçulmanos” longe da terra que a igreja dizia pertencer ao seu Deus.

— Assim, Ainan expiaria seus pecados, pois além da guerra, ele estaria cumprindo sua penitência.

— Sim, muitos cruzados foram conquistados para fazer parte deste exército acreditando nesta ideia. Que lá seriam perdoados de seus pecados e alcançariam a redenção, o reino dos céus.

— Que ilusão — Sarah resmungou.

— Deve ter sido muito duro para Ainan estar preso naquela vida.

— Que inferno, e quanto a Marien? — Marien resmungou, zangada, e Sarah folheou suas anotações.

— Marien foi condenada a ser trancada num convento pelo mesmo tempo. Ela não podia receber visitas nem cartas na maioria do tempo e os dois foram excomungados pela Igreja. Marien deu à luz a um filho, Ielay, que foi arrancado de seus braços ao nascer e enviado à ala dos indigentes. — Sarah leu nas anotações.

— Deus santíssimo. — Marien resmungou, esfregando a testa que parecia despontar uma dor.

— Marien era dama de companhia da rainha Meredith que, não concordando com o veredicto, recuperou a criança e a criou como seu protegido. Só aí ele assumiu o nome de seu pai e era chamado de Ielay Sucksdoff. Foi aprendiz da guarda real e depois assumiu como capitão. Ele lutou nas mais bravas guerras em proteção ao reino da Dinamarca. E aqui diz também que Ainan morreu num ataque dos Noruegueses à Dinamarca logo que chegou de Jerusalém. Marien fugiu do convento cinco anos antes do fim da penitência, foi caçada pela igreja, mas desapareceu e nunca mais se soube dela.

Os quatro se olharam, todos estavam mudos, ouvindo Sarah.

— Eles foram excomungados!? — Davide disse, espantado.

— Que criatura sem noção esse pai da Marien, ai que ódio. Eles foram acusados injustamente. Ele vendeu a filha para o comerciante e quando viu que ficaria sem nada, entregou Ainan e Marien para a Igreja para poder receber o dinheiro. Ele provavelmente não tinha um rico dote para ela, então a vendeu. — Sarah disse, revoltada.

Marien piscou algumas vezes, aturdida, como se aquela história tivesse lhe atingido como um soco no estômago. Foi difícil engolir a saliva e respirar, então suspirou e se focou na história.

— Marien estava grávida de Ainan antes de se casar e negou-se a se casar com este tal comerciante, não podiam voltar atrás. Julgaram-nos imorais. — Marien disse, agoniada. Parecia que todo seu corpo formigava e sua garganta estava travada. — Então, a hipótese de ela ter sido impedida de se casar, como contado na lenda, realmente aconteceu.

— Agora sabemos da história deles. Que horrível! — Sarah disse, indignada.

— Mas ainda não sabemos a história aqui de Ancona. — o padre disse.

— Não descobriu nada sobre Sir Asch? — Marien perguntou.

— Ainda não.

— Vocês estão incumbidos de descobrir sobre Sir Asch e quero isso para ontem. — Marien disse, apontando para Davide e Sarah.

— Sim, pode deixar! — Davide disse e Celo entrou correndo na tenda.

— Padre, nós encontramos mais uma porta!

Eles se olharam e prepararam-se para descer na escavação. Sarah e Davide saíram da tenda, deixando-os sozinhos. Marien arrumava seu cinturão e Sebastien chegou perto dela e falou baixinho.

— Por que saiu sem falar comigo esta manhã?

— Porque você estava ocupado rezando e pedindo perdão por ter transado comigo.

Ela olhou para ele e virou as costas. Sebastien fechou os olhos por um segundo e respirou fundo, cansado, depois foi atrás dela, segurando-a pelo braço, fazendo-a olhar para ele.

— Marien...

— Sebastien, eu não posso resolver sua situação. Se você se arrepende, eu não posso fazer nada, a consciência é sua. Eu não me arrependo, não sei por que, mas não sinto nenhum remorso.

— Porque tem raiva da igreja.

— Acha que fiz isso para me vingar?

— Não acredito que seria capaz disso.

— Não fiz, ontem à noite foi... uma loucura.

— Mas sente raiva da igreja.

Ela suspirou, cansada.

— Sim, eu tenho esse sentimento que me persegue. Não sei se é certo, mas é o que sinto.

— Se foi alguém de lá que a machucou anos atrás, pode ser uma pessoa isolada. Muitas vezes há uma fruta podre no meio das frutas boas.

— Eu sei, generalizar assim pode ser cruel, mas é o que eu tenho na minha cabeça e agora... tenho você para lidar. E, francamente, não sei lidar com você. Sabe como isso confunde minha cabeça, mais do que ela já está?

— Você está me julgando pelo segredo? Pelo que a igreja fez a você? Está me colocando com as frutas podres?

— Não. Eu disse que acreditava em você, estou confiando em você. Mas se me decepcionar e aprontar algo aqui, desta vez eu irei até o fim do mundo para colocar vocês na cadeia, a não ser que me matem primeiro. Eu fiquei quieta da outra vez porque não tinha provas, mas desta vez não ficarei; armarei um escândalo tão grande que balançará os pilares da terra.

Sebastien sorriu com isso, gostava de como ela era intensa e parecia não ter medo de enfrentar as pessoas.

— Se eu prejudicá-la, você tem o direito de me colocar na cadeia. E sobre esta manhã, eu cometi um pecado, tenho que arcar com minha culpa e com minha consciência, mas prejudicar você seria a última coisa que faria na minha vida.

Marien suspirou e abaixou suas armas contra ele. Quem, afinal, conseguia ficar zangado com Sebastien? Ele era tão bom e sincero que era irritante. Seu olhar transmitia tanta doçura e coisas boas.

— Sinto muito que se sinta culpado e arrependido do que fizemos.

— Culpado, sim, mas eu nunca disse que eu não gostei. Só é um pouco complicado, certo? — ela suspirou e assentiu. — Mas... o pecado foi meu, porque as regras de celibato são minhas, e não a culpo por isso. Estava muito angustiado, sim, mas... foi porque eu, apesar de me julgar, não consigo me arrepender.

Ela o olhou, espantada.

— Não se arrepende?

— Não. Pedi perdão pelo meu pecado e por não conseguir me arrepender. Não sabia se Deus me perdoaria. Talvez sejam dois pecados.

— Desculpe, eu não quis te julgar e estou sendo egoísta.

— Sou um padre pecador por causa de uma arqueóloga linda que me deixa insano.

Ele acariciou seu rosto docemente e ela sorriu de forma tímida e inebriada.

Marien queria se jogar nos braços dele, beijá-lo e fazer amor novamente, porque o homem era miseravelmente atraente, lindo, adorável e naturalmente sexy, sem fazer nenhum mísero esforço.

Mas ela engoliu em seco, sabendo que era impossível e que talvez aquilo devesse parar por ali, pois nem deveriam estar tendo aquele tipo de conversa onde poderiam ser ouvidos por alguém.

Se eles fossem pegos, ela não perderia nada, talvez conseguisse uma má fama, o que ela não ligava nenhum pouco, mas ele tinha muito a perder, pois aquilo era sua vida. Sim, aquela loucura deveria parar.

Ela segurou a mão que tocava seu rosto e beijou seu dorso.

— Vamos, se há outra porta, precisarei de você. Quanto à ontem, eu realmente gostei de passar a noite com você, só para que saiba.

Ela saiu e ele ficou ali um minuto; estava totalmente confuso sobre a noite passada, mas seu coração ainda morria por ela. Não negava nenhum sentimento que o assolava, só não queria admitir, precisava não admitir.

Sim, ele tinha se xingado, tinha sofrido, tinha lamentado, tinha pedido perdão, tinha chorado, então aquela tempestade tinha acalmado, tudo passou e foi muito estranho, mas ele soube que no fundo não lamentava, pois ela tinha o levado ao paraíso.

Ele não tinha permissão para se apaixonar, porque era um padre e isso lhe era proibido, mas ele o tinha feito.

Afinal, era apenas um homem.

Um homem ferrado.

Ele esfregou os olhos e respirou fundo, pegou suas coisas e foi até a escavação, pois acima de toda sua carga emocional perturbada, ele tinha uma missão, uma muito importante, uma que poderia mudar muita coisa para ele e outras pessoas.

Talvez mudar muitos episódios da história.

Pelo menos da deles.


Capítulo 24

Eles demoraram um tempo até chegar ao local onde estava uma imensa porta.

— Nada de aberturas, Celo? — Marien perguntou.

— Nada, já tentamos abrir. Há uma inscrição aqui em cima.

— “Somente a escolhida passará”.

Marien respirou fundo e Sebastien chegou logo após.

— Então, vamos fazer aquilo de novo? — ele disse, olhando para a imensa porta.

— Temos outra opção? — Marien perguntou, olhando para ele.

— Acho que não.

Sebastien colocou sua mão na porta, e Marien colocou a sua sobre a dele; eles se olharam. Agora foi diferente, eles perderam-se naquele olhar e ficaram ali, paralisados, olhando intensamente um para o outro, mas a porta não se moveu.

— Não está funcionando. — Sarah disse, mas Sebastien e Marien nem a ouviram. — Ei, vocês dois! Eu disse que não está funcionando. — disse alto e eles olharam para ela e depois para a porta.

— O que fizemos de errado? — Marien perguntou.

— Não sei. — o padre respondeu.

— Fizemos a mesma coisa que das outras vezes.

— Tudo bem... Vamos de novo, vamos nos concentrar.

Eles repetiram o ritual e nada aconteceu.

— Mas que droga! — Marien esbravejou.

— Vocês dois estão fazendo algo diferente.

— Não estamos, Sarah, é a mesma coisa das outras vezes.

— Parece não ser. — Davide disse. — Ou o segredo da porta mudou ou algo em vocês mudou.

— Que ótimo! — Marien disse e ficou ali, parada, pensativa. — Somente a escolhida. Refere-se a uma só pessoa.

— Bom... Então vá em frente. — Sebastien disse, fazendo sinal com as mãos.

Marien revirou os olhos, contrariada, e colocou a mão sobre a porta, mas nada aconteceu.

— Coloque as duas.

Ela colocou as duas mãos e se concentrou com todas as forças e nada aconteceu.

— Ai, meu Deus! — disse, perdendo a paciência.

— O ritual não deveria ser o mesmo para todas as portas? Os dispositivos foram abertos com os mesmos rituais.

— Eu sei, mas esta não abre. Então me diga que outra magia é esta que faz abrir esta porta? Dou até amanhã para vocês abrirem isto, senão eu a boto abaixo com uma dinamite! — Marien olhou para eles seriamente e saiu.

— Padre? — Davide disse, pedindo uma resposta com os olhos arregalados.

— Ela está brincando, Davide, está nervosa. Nada de dinamite. Tentem mais alguma coisa, vou falar com ela, vamos achar um jeito. — o padre saiu e deixou os três. Seguiu Marien até a tenda e a encontrou andando em círculos. — Marien, calma! Nós vamos abrir aquela porta.

— Eu sei que vamos, só não sei como. Que droga de magia é esta que envolve este lugar?

— Você está nervosa, mas acredito que há um jeito, vamos achar.

Marien deu alguns passos até Sebastien, parou bem colada a ele e falou mais baixo.

— O que foi aquilo que eu vi ontem? Você disse que também viu. O que significa aquilo?

Sebastien retirou uma mecha de cabelo que lhe caia nos olhos.

— Vi Marien fazendo um encantamento, mas parece que não funcionou.

— Porque se apavorou quando feriram Asch; ela perdeu a concentração.

— Acha que ela tinha poderes, não é?

— Isto aqui está cheio de magia, quer queira ou não.

— Eu acho que sim, por mais que eu queira negar. — ele disse suavemente, tentando dar um sorriso.

— Ainan disse que sentia e via Marien em seus sonhos como se fosse real. No manuscrito de Asch, ela diz que sempre estaria com ele e ele disse que uma sombra sempre o seguiria. Em outra parte, ela disse que mesmo sem falar, ele a poderia ouvir. Acho que Marien tinha poderes que se desenvolveram quando veio para o templo. Acho que ela era uma escolhida mesmo antes disso tudo. Ela podia falar com eles em pensamento. Ela praticamente ficou dez anos muda naquele convento, talvez tenha desenvolvido uma maneira de se comunicar. É muito estranho, mas parece que é isso. E eu a vi movendo os ventos. Se você disse que viu o que eu vi, então você sabe.

— Eu vi, você está certa. Mas por que não conseguimos abrir aquela porta?

— Talvez o que fizemos ontem acabou com a magia.

— Não acredito nisso. Se tivéssemos que ter nossos corações unidos, agora estaríamos mais fortes.

— Talvez, se você não se esforçasse tanto para me negar.

— E se eu não me esforçasse, você me aceitaria? Ou fugiria de mim como foge de Urs?

— Não meta Urs nisso. — disse, afastando-se dele, ficando irritada.

— Por que não? Você ama Urs e nega seu amor por ele por medo.

Ela o olhou severamente, aquilo a tirou do prumo.

— Não o nego por medo.

— O que é então?

— Não quero que ele seja infeliz. Quero que ele tenha o que procura. Abri mão dele para que ele tenha uma família. — disse, exasperada, porque acreditava naquilo piamente e como que os outros não viam?

— Já tentou perguntar a ele o que ele quer? Ou a você mesma?

— Eu me pergunto sempre, padre! — disse, enfatizando o nome. — Não me venha com sermões moralistas, porque você não está em condições de dar nenhum.

Sebastien colou nela, rangendo os dentes e respirando com dificuldade.

— Eu entregaria meu coração a você, abriria mão de tudo se soubesse que realmente me ama, mas eu sei que ama Urs e que o nega porque tem medo de ser rejeitada por ele, então prefere o rejeitar. E assim como se nega a ele, se negaria a mim, porque acha que é uma mulher incompleta só porque não pode ser mãe.

Marien perdeu o controle e deu um tapa no rosto de Sebastien. Ele fechou os olhos fortemente, ficou paralisado com o rosto virado, sentindo-o arder.

Marien queria gritar; seus olhos encheram-se de lágrimas, porque a verdade rasgava sua alma impiedosamente.

— Se não posso mais ser mãe, se não posso ter uma família, se abri mão do homem que amei a minha vida inteira, é por culpa desta sua batina carregada de mentiras!

Sebastien a segurou pelos braços com toda a força que tinha.

— Eu lhe disse que não fui culpado por isso.

— E eu disse que acreditei em você, não me faça mudar de ideia! Mas isso não exime a culpa da sua igreja.

— Você está com raiva, quer descontar em alguém.

— Quero! — ela começou a bater em seu peito com os punhos cerrados e a chorar. — Eu quero que você sofra, quero que passe pelo que eu passei, quero que se sinta como me senti, quero que sinta o ódio que eu sinto! — ela o esmurrava com todas as forças e ele sentia seus golpes no peito.

Ele a deixou bater, mas aos poucos, foi a segurando, fazendo-a parar até que ela começou a chorar aos soluços e deixou-se cair no peito dele. Sebastien a segurou com força, abraçando-a.

— Pare, Marien, por favor. — ela caiu num choro descontrolado e o abraçou quando ele a puxou fortemente contra seu peito. — Eu sinto muito, Marien. Se eu pudesse, teria evitado tudo isso, mas eu não pude. Então você tem que aceitar e seguir em frente; esqueça isso e recomece sua vida. Eu amaria você sem lhe pedir nada. — Sebastien a abraçou mais forte, e ela deixou-se abraçar. Aos poucos, ela foi se acalmando e ele a afastou lentamente, olhou-a nos olhos e secou suas lágrimas com os polegares. — Jogar a raiva para fora ajuda, mas você tem que se livrar dela de uma vez. Esta raiva vai machucando mais e mais, até que te consome.

— Eu sei... Eu tento, mas não consigo. Ela... esta raiva parece ser tão forte agora, mas eu pensei que tinha vencido.

— Estava adormecida, Marien. Ela só está acordando.

— Como todo meu inferno. — sussurrou.

Ele suspirou e continuou a abraçando até que se acalmasse.

— Você bate forte. — disse, tentando sorrir e ela riu nervosa.

— Desculpe. Eu não quero descontar minha raiva em você, eu sei que não teve culpa, mas pare de falar nisso, por favor.

— Tudo bem, me desculpe, não vou mais falar nisso, eu prometo. Vamos esquecer isso, está bem? Se acalme. Está tudo bem, querida, está tudo bem.

Ficaram ali, abraçados, por alguns minutos. Um clarão veio à mente de Sebastien e ele sentiu-se mal. Afastou-se dela, cambaleando, e uma dor lhe afligiu, fazendo-o contorcer-se e gemer.

— O que foi? Sebastien? — ela disse, vendo-o daquele jeito.

Ele tentou falar, mas a imagem o dominou. Caiu de joelhos e, na sua mente, apareceu uma imagem tão vívida que parecia real. Viu-se em uma espécie de corte; estava muito ferido e havia vários homens da igreja ao redor; estava acorrentado e de joelhos e viu Marien num canto, com as mãos presas com grilhões e correntes.

— Vou lhe dar uma alternativa, senhora sacerdotisa. — dizia um dos homens ironicamente. — Ou você se converte ou este homem morrerá, assim como todos seus seguidores. A vida dele está em suas mãos. Se você se converter, eu te darei uma morte rápida.

Marien cerrou os dentes furiosamente e fechou os olhos. Abaixou a cabeça e recitou algumas palavras em outra língua. Asch ouviu as palavras sem entendê-las e um súbito vento abateu-se sobre todos, abrindo ferozmente as portas do templo.

Houve uma confusão. Asch foi agarrado pelos braços e carregado com violência e Marien foi agarrada por outro. A imagem mudou, e Asch apareceu em uma clareira com dois templários que o ajudaram e nevava forte. Ele tremia, congelando até os ossos, e sentia os ferimentos que haviam infligido nele arder.

Ele gritou por Marien e eles fizeram sinal negativo com a cabeça e a abaixaram, dando a entender que seus amigos não tinham conseguido tirá-la de lá também.

— Sebastien! — Marien gritou, agarrando-o pelos ombros. Ele estava caído no chão, preso na sua visão que parecia aterradora. Marien tentava segurar seu rosto para que se focasse nela e ele tremia descontroladamente.

— Marien... — ele sussurrou.

— Calma, eu estou aqui. Calma, foi uma visão. Volte, estou aqui. — disse, abraçando-o forte.

Sebastien foi voltando a si e, quando reconheceu seu rosto, abraçou-a. Marien retribuiu o abraço; sabia que ele havia visto algo ruim e que precisava de ajuda, assim como ele já havia feito por ela tantas vezes.

— Ela amaldiçoou a igreja... — ele sussurrou.

— O quê?

— Marien, ela amaldiçoou a igreja, eu vi. Ou lançou algum tipo de encantamento, ou tentou fazer algo, não sei direito. Talvez estivesse tentando fazer algo para fugirem dali. Pelo que vi, Asch conseguiu fugir... Mas ela não. Ele estava muito ferido e outros guerreiros o tiraram de lá, mas ela ficou.

Sebastien tremia como que se estivesse com muito frio; falava palavra por palavra, como se fosse uma dificuldade tremenda. Ele estava descontrolado e Marien gritou por socorro. Dois empregados da escavação vieram ver o que estava acontecendo.

— Me ajudem a colocá-lo no carro, rápido.

Eles o ergueram e o colocaram no carro e Marien o levou para sua casa. Como não era muito longe, conseguiu chegar rápido. Escorando-o, levou-o para dentro e o deitou na cama. Cobriu-o com várias cobertas, tentando aquecê-lo; deitou-se ao lado dele e o abraçou. Ele tremia como se estivesse congelado.

— Você está em casa, calma. Está seguro, foi só uma visão.

Ela o abraçava contra o peito e ele estava com o corpo rijo e tremia descontroladamente, estava muito pálido e seus lábios estavam roxos.

— Sinto muito frio.

— Tudo bem, você está a salvo, está em casa, eu estou aqui. Isso já vai passar.

Ela abriu seu casaco e sua camisa, deixando-o com o peito descoberto, depois retirou sua blusa e o abraçou, ficando pele contra pele.

— Está tudo bem, isso vai ajudar a te aquecer.

Ele ficou agarrado a ela por um tempo; nunca mais queria sair dali. Aos poucos, ele foi parando de tremer, mas sem soltá-la. Ela acariciava seus cabelos carinhosamente, esperando pacientemente que ele voltasse ao normal. Sabia que ele só precisava de tempo para que saísse do transe em que entrara.

— O que mais viu, Sebastien?

— Foi quando a igreja chegou aqui. Eles invadiram a cidade, o templo e a prenderam, ameaçaram matar Asch e seus seguidores em troca de ela se converter. Ele foi ferido e ela, presa. O encantamento que ela fez, além de amaldiçoar a igreja, foi para salvá-lo. Ele conseguiu fugir porque ela fez aquilo. Eles tentaram tirá-la, mas não conseguiram, havia muitos soldados.

— Ai, meu Deus.

— Ela era mesmo uma sacerdotisa, ele a chamou assim.

— Ela deve ter fugido para cá e entrado para o templo, talvez depois de um tempo tornou-se a sacerdotisa, mas isso aconteceria somente se ela fosse uma escolhida, se fosse predestinada para isso, e a outra sacerdotisa só passaria seu lugar a ela na sua morte.

— Eu acho que sei por que sinto tanto que tenho que proteger você. — disse mansamente, olhando-a.

— Por quê?

— Porque Asch tentou e não conseguiu. Ela foi morta por eles e ele não conseguiu impedir. Acho que, em meu coração, estou tentando fazer o que ele não conseguiu.

Marien o olhou carinhosamente e acariciou seu rosto.

— Acredita nisso?

— Não sei mais em que acreditar, mas é o que sinto, e eu amo você como ele a amou.

Marien encostou a testa na dele e ambos fecharam os olhos.

— Parece que Marien nunca conseguiu ficar com os homens que amava. O que não está muito diferente comigo agora.

Os dois se olharam e Marien o beijou docemente nos lábios.

— Precisamos voltar. — ele disse quase sem voz.

— Mais cinco minutos. Fique quietinho, ainda está gelado. Parece estar demorando para passar desta vez.

Os dois ficaram deitados na cama, um de frente para o outro, com suas testas encostadas. Sebastien acariciava o rosto dela e segurava sua mão. Tinha que voltar, mas não queria. Queria ficar ali, naquele momento de paz, em companhia de Marien; queria poder demonstrar a ela seu amor, coisa que não podia fazer quando estavam com outras pessoas.

— Vamos, senão virão atrás de nós e se alguém nos pegar aqui deste jeito, quase sem roupa, vai dar uma confusão daquelas. — ele disse.

— Você já está bem?

— Sim, estou. Marien... Eu não me arrependo de ontem à noite, mas eu estou confuso, não quis ofendê-la.

— Eu sei, Sebastien. Está tudo bem. Eu sei que deve estar sendo difícil para você lidar com isso.

— Sim, está sendo difícil. Eu estou perdendo o controle sobre mim mesmo.

— Todos nós estamos, mas vamos acertar tudo, não se preocupe. Vamos, porque eu aposto que se nós ficarmos aqui mais cinco minutos, Davide e Sarah estarão entrando por esta porta.

— Sim, estarão.

— Nossos assistentes podem ser destrambelhados, mas não podemos negar que são muito protetores conosco.

— Devo concordar com isso.

Os dois levantaram da cama, ajeitaram suas roupas e voltaram para o acampamento.

— Padre, o senhor está bem? — Davide disse, vindo correndo até ele. — Estava preocupado, estava indo procurá-lo. Os homens não sabiam me dizer o que havia acontecido.

— Estou bem, Davide, foi só mais uma daquelas visões.

— Ah, que novidade, pelo menos descobriu alguma coisa? Está pálido, precisa de alguma coisa?

— Sim, muitas coisas e não, estou bem, obrigado.

— Um café quente, Davide, isso seria bom. — Marien disse.

— Sim, seria bom. — o padre concordou.

— Ok, vou providenciar. Descobriu como abrir a porta? — Davide perguntou.

— Isso não.

— Chefinha! — Sarah gritou e eles foram até a tenda. — Estão bem?

— Sim, Sarah, não se preocupe.

— Bom. Eu consegui mais algumas informações sobre Sir Asch. Estava nos escritos do professor e bate com outras coisas que encontrei. Ele era da Grã-Bretanha e tinha sangue nobre. Foi para Jerusalém nas cruzadas, mas antes vagou pelo oriente e sabia alquimia. Mas como ele era um nobre, não poderia ser morto pela igreja. Portanto, pelas anotações que uma colega me mandou, sua família residia ali e eram pagãos, então ele poderia saber rituais de magia, talvez fosse um druida. Sua residência está marcada pela Inglaterra e Gales, sem muitos detalhes sobre isso exatamente. Então, por algum motivo que não sabemos, se tornou um cristão e um templário. Com mais tempo, posso descobrir mais sobre ele, mas acredito que isso já seja suficiente.

— Isso explicaria a igreja estar desse jeito, cheia de magia.

— Quantos segredos as pessoas carregam, heim? — Sarah disse, sarcástica.

— Ah, que ótimo! Isso me deixa bem aliviado. — o padre zombou, olhando para Marien de canto de olho. Ela sorriu para ele; realmente, na cabeça de um padre, pensar que tinha tido algo de magia era assustador.

— Mas se ele sabia, por que não usou magia para salvá-la? — Davide perguntou.

— Talvez tenha tentado, mas não sabemos o que ele sabia, ou exatamente o que ele tentou, acho que isso nós nunca vamos saber e este tipo de magia ainda é muito impressionante para mim. Parece tão surreal.

— Sim, parece um filme de Merlin. — Sarah disse, espantada.

— Na verdade, a magia que ele deveria saber não chegava a ser como nos filmes. — Marien disse, rindo.

— Se ele assinava como Sir, era um cavaleiro. Quão nobre ele era?

O celular de Marien tocou; ela olhou no visor e era Urs. Ela se afastou do grupo para que não a ouvissem e sentou-se em uma cadeira.

— Oi.

— Oi, princesa, como está? — ele disse mansamente.

— Bem enrolada.

— Marien, eu preciso falar com você.

— Sobre o quê?

— Quem é Ainan?

Marien levantou a cabeça, espantada.

— Por quê?

— Porque estou sonhando com esta pessoa. É um templário, e também sonhei com uma mulher que tem o seu nome e ela o chama de Ainan. Então, a menos que eu esteja ficando louco, poderia me esclarecer algo, por favor?

Marien ficou de boca aberta e os olhos arregalados. Ela sentiu um frio lhe percorrer toda a extensão de sua espinha.

— Ai, meu Deus! — disse, espantada, e tão alto que todos ouviram.

— O que foi? — o padre perguntou.

— Urs, você conhece algo da história de Ielay, do qual você tem a espada?

— Li algo sobre ele, mas só o que foi apresentado no leilão, não tive tempo de fazer uma pesquisa aprofundada, mas já pensei em fazer isso, porque não consigo parar de olhar para aquela maldita espada!

Marien suspirou.

— Urs, eu sei que é muito complicado para eu lhe explicar, mas Ainan era pai de Ielay e Marien era sua mãe.

— O quê? E por que eu estaria sonhando com eles? E o que você tem a ver com isso? — Marien ficou muda. — Marien?

— Urs, a história deles está ligada à Ancona e a nós. É sobre isso que se trata toda esta escavação.

— Como assim? O que uma coisa tem a ver com a outra?

— Me dê um minuto, eu preciso confirmar algumas coisas e depois eu te explico. Ok? Eu ligo mais tarde.

Marien desligou o celular e pensou que teria um ataque. Fechou os olhos, puxando o ar com força para seus pulmões.

As coisas sempre podiam piorar.

— Marien, o que foi? — Sarah perguntou, indo até ela e a segurando pelo braço. Sebastien e Davide fizeram o mesmo. Ela olhou para eles com os olhos arregalados e nada saía de sua boca.

— Fale, Marien, pelo amor de Deus!

— Urs está sonhando com Ainan e com Marien.

— O quê?! — o padre perguntou, estupefato.

— Ah, mas isso está ficando grande demais da conta. — Sarah disse.

— O que o senhor Barker tem a ver com isso? — Davide perguntou sem entender nada.

— Acho que Urs foi Ainan Sucksdoff. — Marien disse, engasgada.

— Ai, meu Deus! — Sarah gritou. — Agora ferrou!

Sebastien a olhou completamente aturdido e, com os olhos arregalados, não conseguiu pronunciar nenhuma palavra.


Capítulo 25

No fim da tarde, Marien foi para casa e pensou em ligar para Urs, mas nem sabia o que dizer a ele. Como explicar tudo se nem ela entendia aquela confusão e todos aqueles acontecimentos sobrenaturais?

E, depois daquela noite louca, proibida e deliciosa que passara com o padre, com todos os acontecimentos do dia, estava com sua cabeça girando tão rápido que duvidava que conseguisse que uma frase completa e lógica figurasse na sua cabeça. Precisava espairecer.

Ligou para Lizza que estava jantando em um restaurante com Carlos.

— Oi, amiga, finalmente me ligou! Bem que eu queria falar com você, mas no momento tem um espanhol imensamente sexy aqui na minha frente e não posso falar. — Lizza disse e Carlos a olhou, sorrindo. — Mais tarde eu te ligo para falar sobre um assunto muito importante com você. Diga-me como estão as coisas por aí?

— Lizza, eu acho que estou apaixonada.

— Isso é maravilhoso, quem é o sortudo?

— Padre Sebastien.

— O quê?! Apaixonada por um padre?!

Lizza gritou dentro do restaurante e todos olharam para ela. Carlos chegou a se engasgar com o vinho branco que estava bebendo e tossiu. Ela se abaixou na cadeira, totalmente descompassada; olhou para os lados e tentou cochichar no celular.

— Marien, eu vou torcer seu pescoço. Está louca?

— Bom, se você soubesse um terço do que estou passando aqui, louca seria uma palavra suave para me caracterizar.

— Vou abstrair o que acabou de dizer, senão serei obrigada a interná-la.

— Obrigada. Como sempre, você ajuda muito. — disse, rindo.

— Não sei do que está rindo, sua doidivana. Ai, Jesus! Queria saber quando é que foi que você caiu do berço e afundou sua moleira. Credo! Nunca vi uma mulher tão louca desse jeito.

— Não exagere, amiga.

— Ai, está bem. — disse, bebendo alguns goles de suco. — Pelo menos ele é bonito? Não, deve ser, por Cristo.

— Ele é lindo, tem os olhos verdes mais intensos que já vi, e aquela boca dele é linda e deliciosa.

— Você dormiu com o padre? — disse, tentando cochichar, mas saiu tão alto que o casal da mesa ao lado olhou para ela com os olhos arregalados.

— Lizza! — Carlos a cutucou, chamando sua atenção.

— Dormi. — Marien respondeu.

— Ai, Jesus! — Lizza gritou. Carlos tomou o celular da mão dela para que ela parasse de gritar, pois todos estavam olhando para eles, o que o estava deixando constrangido. — Me devolve isso, Carlito. — Lizza disse, estendendo a mão para tentar pegar o celular de volta.

— Se não parar de gritar aqui dentro, vou deixá-la aqui sozinha! — disse, esbravejando.

— Eu não estou gritando! — disse, gritando.

— Oi, Marien, sua amiga está tendo um surto histérico aqui. — Carlos disse para Marien.

— Eu imagino. — Marien disse, rindo.

— Desculpe, querida, mas eu vou desligar, senão serei obrigado a amordaçar Lizza dentro do restaurante.

— Está bem, boa sorte com ela.

— Ah! Muito obrigado. Eu adoro quando você faz isso comigo.

— De nada. — respondeu, rindo da reação da amiga e Carlos.

Lizza era sempre exagerada nas suas reações, mas Marien adorava seu jeito espontâneo e descontrolado.

Os dois saíram do restaurante, e Lizza estava atordoada com a revelação de Marien.

— Carlito, minha amiga está louca.

— Para ter uma amiga louca como você só pode estar mesmo.

Ela o olhou rapidamente ao ouvir aquele comentário.

— Você bem que gosta desta louca aqui, heim?

— Gosto e não nego, mas às vezes você me faz passar umas vergonhas.

— Desculpe, mas eu fiquei em choque.

— Eu sei. Você e todo o restaurante.

— Hum... Desculpe, nem deixei você falar, me disse que tinha algo importante para me dizer.

— Acho que mudei de ideia.

— Não vai mais me falar?

— Vou, mas não agora.

— Bom... Eu tenho algo para falar e vai deixá-lo louquinho.

— O que é?

— Eu acho que estou grávida. — Carlos abriu a boca e arregalou os olhos. — Desculpe falar assim, eu nem tive tempo de ter o meu ataque por causa disso ainda, mas acho que vou para casa e ter ele lá porque se eu começar a gritar no meio da rua, eu vou ser presa.

Lizza começou a andar em direção ao carro e o deixou ali.

— Ei. — disse, puxando-a pelo braço. — O que está fazendo?

— Vou para casa.

— Você me diz uma coisa destas, assim deste jeito, vira as costas e diz que vai para casa?

— Se quiser falar comigo, então venha junto, porque eu preciso ir para casa já, antes que meu surto número dois comece.

Carlos foi com ela e entraram na casa de Lizza.

— Tudo bem. Vamos começar de novo. — ele disse e ela suspirou.

— Carlito, eu acho que estou grávida.

— Você fez um teste?

— Eu fiz o de farmácia e deu positivo. Vou ao médico para confirmar, pois não sei se isso dá certo. Mas não se preocupe, não vou te pedir nada, nem precisa surtar, pode deixar esta parte comigo.

— Do que está falando?

— Eu posso cuidar sozinha do bebê.

— Acha que eu deixaria você fazer isso?

— Bem, eu não sei, você não é o tipo de cara que se casaria. Disse que não queria passar por aquilo de novo.

— Acontece que não passaria mesmo.

— Eu sei. — Lizza o olhou tristemente e quis chorar.

— Mas por você eu abro uma exceção, eu passaria mil vezes.

— Passaria? — perguntou, espantada.

— Eu sou doido por você, sua maluquinha. Você acha que agora que terá um filho meu, eu iria te deixar?

— Não quero que fique comigo por causa do meu filho.

— Eu queria ficar com você mesmo antes de saber disso. — Carlos tirou uma caixinha do bolso e a abriu. — Eu ia te pedir em casamento, mas seu surto no restaurante quebrou o momento.

Espantada, ela olhou para o anel.

— Você ia me pedir em casamento esta noite?

— Estou pedindo agora. Não foi do jeito que imaginei, mas ainda está valendo. Lizza, você quer se casar comigo?

— Tenho outro remédio? — disse, brincando.

— Eu acho que não. Eu te amo, você me ama, acho que vamos ter um bebê, então estamos meio enrolados. — Lizza pulou em seu pescoço, abraçando-o e rindo.

— É verdade, eu também te amo, mas não sabia que me amava, Carlos, nunca me disse.

Ele colocou o anel em seu dedo e a beijou.

— Desculpe, eu acho que me esqueci deste detalhe, mas vou compensar isso, eu prometo.

Os dois abraçaram-se e beijaram-se felizes.


*


— Eu ouvi isso! — Sarah disse, encostada no batente da porta com os braços cruzados, ouvindo a conversa entre Lizza e Marien. Ela a olhou e Sarah sentou-se à sua frente. — Está mesmo apaixonada pelo padre?

Marien suspirou.

— Acho que sim. Eu me perco na frente dele, Sarah, não sei se é só uma atração, mas eu não vou negar que gosto muito dele. Parece uma daquelas loucas paixões que fazem a gente perder completamente o juízo.

— E Urs?

— Urs foi o amor da minha vida, mas não podemos ficar juntos, você sabe disso. Nossa história acabou e tenho que dar fim nisso de uma vez. Não posso mais ficar desse jeito com ele.

— Marien, se você pensar que não pode ficar com alguém por que não pode dar um filho a ele, nunca vai ficar com ninguém.

— Eu sei, mas... Ai, meu Deus, eu estou tão confusa!

— Dá para ver por ter se envolvido com um padre... Eu vi vocês dormindo juntos.

— Viu?

— Sim, eu e Davide chegamos à sua casa naquela noite e, sem querer, vimos vocês dormindo. Acho que agora você se meteu numa fria sem tamanho.

— Eu sei.

— Acha que ele largaria a batina para ficar com você?

— Não pensei nisso e também não é para tanto, é uma paixão, daqui a alguns dias passa.

— Pois deveria pensar. E não acho que um padre se deixaria levar por uma paixão assim do nada, por uma aventura inconsequente.

— Sarah, ele pode ser padre, mas é homem igual a todos os outros. Ele está deixando o desejo falar mais alto, não acho que seja para tanto estardalhaço.

— Não acho que seja assim pelo pouco que conheci dele, mas se você acha isso. E a sua paixonite vai passar daqui a alguns dias?

— Minhas paixonites sempre passam.

— Isso eu sei, o que eu não sei é o que sente por este padre. Concordo que ele é lindo de morrer, ele é apaixonante, adorável e todos os adjetivos juntos, mas isso foi demais.

— Esta história toda está me deixando louca. E agora mais essa de Urs também estar envolvido nisso. Meu Deus, eu vou enlouquecer!

— Com isso, minha teoria só se confirma. Vocês três estiveram ligados no passado e agora novamente. Parece que estão vivendo a mesma história, tudo está se repetindo.

— Sim e da outra vez, tudo acabou mal.

— Bem, não vejo muita diferença agora, mas aqui não estamos numa guerra e padres não arrancam mais as línguas das pessoas nem as queimam numa fogueira. Pelo menos não aparentemente. — Marien a olhou estranhamente. — Hum... Ta, desculpe. Vou para minha casa postiça, estou cansada e depois vou ver Davide.

— Vocês estão juntos?

— Pois é, nem te contei com esta loucura toda. Ficamos juntos.

— Estão namorando?

— Estamos ficando, namorar é uma palavra muito forte.

— Hum... Sei. Fico feliz, Sarah, gosto muito de Davide, mas não sei se ficar é uma palavra adequada a ele. Ele é diferente, é ingênuo e com princípios diferentes dos homens que está acostumada.

— Eu sei, mas estou feliz. Eu queria que você estivesse também.

— Não se preocupe comigo, eu estou bem.

— Se isso é estar bem, então seus conceitos estão muito errados.

— Já disse que estou bem, vá ver seu Davide. Eu vou tomar um banho e vou sair para comer alguma coisa.

— Não quer que eu vá com você?

— Claro que não, não seja ridícula; vá namorar e não desperdice nenhum pedacinho daquele homem lindo. — disse, sorrindo.

— Isso pode deixar comigo.

Sarah lhe deu um abraço e saiu.

Marien foi tomar banho e se arrumou, pegou o carro e ia pela estrada quando resolveu ir à casa do padre. Bateu na porta, um tanto receosa e ela parou de respirar quando o viu, pois estava lindamente perfeito, fazendo sua doce cara de espanto ao vê-la.

— Oi, tudo bem, Marien? — disse meio paralisado.

— Sim, hum... Eu estava indo para a cidade jantar e pensei em convidar você, se ainda não jantou.

— Tudo bem, eu vou pegar um casaco. — ele vestiu o casaco e foram ao restaurante japonês que Sebastien falou para ela. — Achei uns pauzinhos para você. — disse, rindo.

— Pensei que tinha esquecido.

— Promessa é dívida.

Eles sentaram e pediram o jantar. Conversavam tranquilamente e seus olhos de vez em quando se fixavam. Era impossível manter uma postura comportada ao lado um do outro.

— Acho que tem gente olhando para nós. — ela disse, cochichando.

— Não é para menos, você está linda.

— Acho que estão percebendo que estamos nos olhando demais.

— Então feche os olhos.

— Só estamos jantando, não estamos fazendo nada demais.

— Todos aqui sabem que sou um padre. Muitas pessoas prestam mais atenção do que pensamos.

— Só se eles estiverem vendo o que nossos olhos veem.

— Acho que isso não está muito difícil.

— Então pare de me olhar.

— Tudo bem, eu vou olhar só para o sushi. — ela riu e bebeu o saquê. — Isso é muito forte. Como consegue beber isso?

— Nestas conjunturas, eu beberia qualquer coisa. Quem sabe assim meu cérebro amortece e paro de pensar asneiras.

— O que está pensando?

— Não posso falar.

— Vamos, Marien, o que seria isso que não pode me falar? Seja sincera comigo. — ela moveu-se para frente e cochichou.

— Em fazer amor com você.

— Marien! — disse, espantado.

— Desculpe, mas você perguntou e disse para ser sincera.

Ele enfiou um enorme sushi na boca e ficou com as bochechas cheias; ela o olhou, rindo.

— Você está me enlouquecendo. — ele disse com a boca cheia, tentando cochichar, e ela riu mais ainda. — Pelo menos está rindo. — disse, fazendo careta. — Abra a boca. — ela abriu e ele enfiou um sushi em sua boca. — Quem sabe com a boca cheia, você para de pensar em pecados. — ela cobriu a boca com a mão e foi para frente e cochichou.

— Vai negar que pensa o mesmo quando olha para mim?

— Marien, por favor, pare com isso. — disse, nervoso.

— Tudo bem, desculpe, não falo mais nisso, mas não é minha culpa se não consigo enxergá-lo como um padre, e não minta que é pior. Eu vejo isso nos seus olhos quando me olha.

Ele suspirou e a olhou.

— Tudo bem, eu não vou mentir. Não nego, tenho vontade de te beijar cada vez que olho para você e todo o resto.

— Isso custa um degrau para o inferno. — disse, rindo, e ele riu.

— Você é impossível.

— E você é uma tentação, isto é um fato. Ninguém nunca te disse que você devia ser processado por ser um padre? Deveria ser proibido padre ser bonito deste jeito.

— Quanta besteira sai da sua boca, eu deveria lavá-la com sabão.

Eles terminaram de jantar e ficaram conversando sobre diversos assuntos e sobre arqueologia. Depois, pegaram seus casacos e saíram do restaurante, enquanto algumas pessoas os observavam. Foram para o carro e Marien dirigiu até à frente da casa dele. Sebastien ficou a olhando por alguns segundos.

— Obrigada pelo jantar, eu me diverti muito. — ela disse com um sorriso.

— Eu também me diverti muito.

Ficaram se olhando mudos por um segundo.

— Bem... então boa noite.

— Boa noite.

Marien pensou em segurá-lo, mas o deixou ir. Sebastien queria sair do carro, mas desejava beijá-la. Respirou profundamente e abriu a porta. Era como travar uma luta consigo mesmo, com suas vontades e seus deveres. Ele abriu a porta de casa e virou-se, olhando para ela. Ela ligou o carro, mas não conseguia sair dali; ambos ficaram daquele jeito por um longo tempo que parecia ser uma eternidade.

Estava frio e ele olhava para ela; nenhum dos dois conseguia se mover do lugar, ambos desejavam estar juntos. Sebastien, quando viu que ela não se movia, forçosamente entrou e se escorou na porta com os olhos fechados, respirando fora de controle. Estava perdido.

Marien continuou ali, parada, debatendo suas vontades.

— Ai, meu Deus! Primeiro eu tenho que me negar a Urs e agora a Sebastien. Que droga de vida! — Marien disse alto. — Vai, Marien, vai embora... Quer saber? Dane-se!

Marien desligou o carro e, num rompante, saiu e bateu à sua porta. Sebastien sabia que era ela e seu coração bateu descontrolado no peito, arregalou os olhos e demorou a abrir. Queria ser forte para não fazer isso, mas não era e abriu a porta.

Ela entrou e os dois ficaram se olhando, paralisados por alguns minutos. Ela foi até a frente dele, segurou-o pela lapela do casaco e lentamente o beijou no canto de seus lábios. Ele fechou os olhos e não se moveu, mas sentiu seu coração derreter.

Ela deu alguns passos para trás e, sem tirar os olhos dele, lentamente tirou o casaco, depois a blusa, ficando somente com o sutiã preto. Sebastien a olhava e seu coração, que já estava fora do compasso, perdeu-se completamente dentro dele.

Ele respirava com dificuldade e a olhou, sentindo seu coração doer, seu desejo inflar. Ele tentou lutar contra aquilo, mas com ela daquela maneira na sua frente foi impossível.

Sebastien, devagar, deu um passo para frente, passando as mãos por detrás de seu pescoço. Aproximou seus lábios dos dela, mas não os tocou, como se ainda lutasse contra seu desejo. Os dois ficaram ali alguns segundos e, então, sem mais resistir, ele a beijou.

Marien se sentiu totalmente enlouquecida com o beijo dele; apaixonado, intenso, explorando sua boca com desejo e com sabor de pecado. Ela tirou seu casaco, passou as mãos por suas costas, passando por debaixo da sua blusa, deslizando-as por sua pele e retribuindo seu beijo com a mesma intensidade.

Marien retirou a blusa dele e começou a beijar seu peito e seu pescoço, enroscando seu corpo ao dele, provocando-o, despertando sua lascívia.

Ele a tomou nos braços e levou-a no colo até o quarto; depositou-a na cama, cobrindo-a com o próprio corpo, beijando seu pescoço, seu colo, enquanto explorava sua pele com as mãos. Ele retirou o resto de suas roupas e demonstrou quão excitado e entregue estava.

Ambos exploraram seus corpos, deliciaram-se, e atingiram o céu quando ele entrou nela, tomando-a, e os dois se perderam em uma noite intensa de amor. Embrenhando-se naquela luxúria desenfreada e pecaminosa.

Sebastien não conseguia mais fugir dela, estava completamente apaixonado. E se aquilo tudo era pecado, bem, ele era um pecador.


Capítulo 26

Marien moveu-se na cama e acordou num susto, vendo que já havia amanhecido. As réstias do sol entravam através das cortinas.

— Ai, meu Deus! — ela disse, pulando da cama.

Sebastien acordou com a movimentação e a viu se vestindo.

— Que horas são? — ele perguntou, sonolento.

— Tarde.

Ele escorou-se nos cotovelos e olhou a hora no relógio sobre o criado-mudo; não era tão tarde, mas para quem não podia ser vista naquele lugar, era e muito. Ele ficou calado, somente a observando.

Ela vestiu-se e parou quando o viu totalmente paralisado, olhando-a com uma fisionomia que ela não conseguiu decifrar.

— O que foi? — perguntou e ele sorriu com um sorriso doce e um tanto tímido.

— Sempre acorda assim, nesta agitação?

— Não acordaria se não estivesse na sua cama.

— Venha aqui.

Ele sentou e se escorou no travesseiro. Ela sentou-se na frente dele e ele lentamente colocou a mão no seu pescoço e docemente lhe acariciou com os dedos.

— O que estamos fazendo, Marien?

— Eu não sei. — disse mansamente e acariciando seu rosto.

— Acho que deveríamos parar com isso.

— Eu sei que sim. Vamos nos machucar se continuarmos, não é?

— Está difícil lutar contra você, mas se eu continuar com isso, eu terei que largar a igreja e eu não sei se é isso que eu quero.

— Eu não vou pedir que faça isso, Sebastien.

— Marien... — ele a abraçou forte, como se não quisesse que ela saísse dali, e beijou-a com sofreguidão. Respiraram fundo e ficaram com as testas encostadas. — Eu estou com medo. Tenho medo de perder você e tenho medo de tomar a atitude errada.

— Eu também estou confusa.

— Estamos vivendo em pecado. — sussurrou, agoniado, e ela suspirou.

— Eu sei, eu realmente não ligo para isso, mas deve estar sendo difícil para você, não é?

Ele a olhou, acariciando seu rosto, e ela pôde ver a tormenta em seus olhos. Havia tanta confusão ali visivelmente retratada.

— Vou consertar tudo.

Ela sorriu docemente e acariciou seu rosto.

— Eu sei que vai. De todos nós, você é o mais sensato.

— Não estou sendo sensato no momento.

— Talvez eu deva concordar com isso.

Ele sorriu e a beijou docemente.

— Vá, não deixe ninguém ver que saiu daqui, por favor.

— Nos falamos depois, está bem?

Ele assentiu com a cabeça e ela deu-lhe um beijo suave nos lábios e foi embora.

Quando Marien ia chegando em casa, parou o carro, desceu e ficou paralisada ao ver o helicóptero de Urs pousado no seu jardim.

— Oh, merda... — ela sussurrou.

Seu coração quase saiu pela boca. Olhou para a casa, engoliu um enorme nó pela garganta e entrou.

Urs estava sentado no sofá com as pernas cruzadas e as mãos entrelaçadas. Olhou seriamente para ela e não disse nada. Marien o olhou e ficou totalmente sem jeito; colocou as mãos nos bolsos e ficou parada no meio da sala.

— Urs... O que faz aqui tão cedo? — perguntou sem jeito e sem quase conseguir deixar as palavras saírem de sua boca.

— Estou aqui desde ontem à noite. — disse seriamente.

— Ontem à noite?

Marien sentiu um baque no estômago, não sabia o que dizer.

— Se atendesse ao celular, eu não precisaria ter vindo. Agora estou me perguntando, onde você teria passado a noite, pois não creio que foi na escavação.

Ela quase não conseguiu responder, estava em choque, mas suspirou e tentou se focar. Afinal, não lhe devia explicações.

— Acho que este tipo de pergunta não é apropriado para me fazer, Urs.

Urs rangeu os dentes nervosamente, tentou controlar-se e esconder sua imensa dor e seu ciúme.

— Tudo bem, eu já entendi. Não precisa ser um expert para saber que passou a noite com alguém e, como você diz, não é da minha conta.

— O que faz aqui?

— Depois do que eu te falei ontem, fiquei esperando que me ligasse de volta, tentei ligar diversas vezes e nada. Achei que havia acontecido alguma coisa.

— Desculpe, eu saí para jantar e deixei o celular aqui, não vi suas ligações.

— Hum... Então vai me dizer o que está acontecendo aqui?

— Urs, isso é complicado.

— O que é complicado? — ela sentou no sofá e Urs continuou sentado no outro; escorou-se nos joelhos, olhando-a seriamente. — Sou todo ouvidos.

Marien respirou fundo, passou as mãos no rosto e começou a falar. Contou-lhe tudo sobre o que estavam estudando, o que haviam encontrado e as conclusões a que chegaram. Claro que não falou nada sobre sua súbita paixão pelo padre. Urs ficou petrificado, olhando para ela.

— Marien, isso é a coisa mais absurda que eu já ouvi.

— Eu sei que é absurdo, mas é a verdade.

— Eu acho que você não acordou ainda, você deve estar sonâmbula, não é possível.

— Urs, se você perdeu tempo vindo aqui para criticar, então vá embora. Eu disse o que está acontecendo. Se quer acreditar ou não, é problema seu.

— Não vou embora, quero saber o que está acontecendo aqui.

— Eu já disse e acredite em mim, estes seus sonhos são reais.

Ele foi até a frente dela e se ajoelhou.

— Está dizendo que eu fui este Ainan e que você foi Marien?

— Estou. Urs, parece absurdo, mas é verdade. Por que acha que você está tendo estes sonhos? Você nem sabia de nada, de nenhuma destas coisas antes. Eu nunca falei o nome de Ainan para você.

Urs passou a língua nos lábios, pensativo e confuso.

— Por que isso está acontecendo?

— Não sei. Parece que temos que trazer tudo à tona, estamos cumprindo uma profecia.

— E este padre seria o tal Asch? Nunca o vi antes, como teria uma relação assim conosco?

— Isso eu não sei, mas tivemos antes e temos agora novamente.

— É meio difícil de acreditar nisso, mas não duvido que eu tenha amado você em outra vida. — Marien fechou os olhos e sentiu uma dor no peito; balançou a cabeça meio confusa e não disse nada. — Bem... Pelo menos Ainan e Marien foram separados, não tiveram outra opção. O que não entendo é por que nós estamos separados.

— Urs, por favor, não comece com isso de novo. Nós tivemos nossos motivos, se não estamos juntos, é porque não é para ser.

— Você não quer que seja. Eu pedi uma chance e você não quer me dar. Por quê? Eu pensei que, mesmo com nossos problemas, você me amasse. Está apaixonada por outro, é esta pessoa com quem passou a noite?

— Não, isso não tem nada a ver com ninguém e, sim, comigo e você. Com quem eu passo a noite não importa.

Urs queria discordar, mas não o fez. Suspirou, cansado, e esfregou os olhos com os dedos.

— Ok, o que quer fazer, Marien?

— Quero descobrir tudo, quero acabar com isso, está demais para minha cabeça, estou perdendo o juízo. Quero que isso acabe logo para eu poder voltar para casa. Toda essa escavação e tudo o que está acontecendo aqui está mexendo muito comigo, eu ando muito confusa. Por favor, Urs, sei que ultimamente nós não estamos nos entendendo, mas agora não é um bom momento, ok? Eu não quero brigar com você, porque brigar com você me deixa muito triste.

— Eu também não quero brigar com você.

— Então não me pressione deste jeito!

Ele suspirou, cansado.

— Tudo bem, eu sei que não posso te cobrar nada. Me desculpe, fiquei com ciúmes, mas não vou fazer mais isso. Mas agora eu vou ajudar a desvendar essa história.

— O que quer dizer? — perguntou, espantada.

— Que eu vou ficar em Ancona por alguns dias.

Marien se recostou no sofá com os olhos arregalados. Agora estava perdida de vez.

— Preciso de um café. — disse, levantando-se.

Ela foi até a cozinha e arrumou a cafeteira. Urs a seguiu e encostou-se à mesa e ficou a observando se mover pela cozinha. Ela era linda, perfeita e ele a desejava como nunca. Mesmo com todos seus defeitos, ele a amava do fundo de seu coração.

Mas amar nem sempre era o suficiente.

As pessoas, às vezes, não sabiam lidar umas com as outras. Era o que acontecera com eles, como se eles tivessem se desnivelado e tivesse ficado uma brecha entre eles. Essa brecha deveria sumir, as duas partes deveriam se movimentar conjuntamente para que se nivelassem novamente.

Então eles poderiam ser felizes. Ele queria fazer isso, só não sabia como.

Urs se sentia mais estranho que nunca, estava tomado pelo descontrole, pois era sempre tão ponderado, paciente e tolerante, sempre dominando seus sentimentos.

Aquele Urs havia ido embora e este estava perdido e com o coração quebrado.

— Vou tomar um banho enquanto passa o café. — ela disse.

Ela se virou e seus olhares se fixaram. Por um longo momento, os dois ficaram se olhando, medindo-se e se torturando. Mil palavras não ditas, mil sentimentos perdidos e em conflito cruzavam naquele olhar fixo.

Marien engoliu em seco e sentiu remorso, culpa e dor ao mesmo tempo. Passou por ele para sair da cozinha e quase que automaticamente os dois moveram suas mãos e se tocaram e, por um segundo, ficaram ali; então, ela andou, deixando que seus dedos deslizassem e se soltassem dos dele e ela se foi, deixando-o sozinho.

Urs esfregou o rosto com as mãos, nem sabia se deveria fazer aquilo, mas precisava. Tentava afastar os maus pensamentos. Com muito sacrifício, empurrou o ciúme que estava corroendo-o por dentro, foi até o helicóptero e pegou sua bolsa e uma caixa de madeira e levou para a sala.

Depois do banho, ela voltou para a cozinha e ele arrumou o café nas xícaras. Marien o olhou, sem jeito, sem evitar de admirá-lo, pois estava imensamente lindo, mesmo com o rosto aparentando cansaço. Ela suspirou, afastando seus pensamentos e ele lhe deu a xícara de café.

— Obrigada. — disse docemente.

— Venha, eu quero mostrar-lhe uma coisa. — ele foi para a sala e Marien o seguiu.

Ele abriu a caixa, deixando Marien espantada, olhando a espada.

— Urs, esta é a espada de Ielay?

— É.

Ela soltou a xícara e, um tanto inebriada, pegou-a.

— É linda.

— Sim. É estranho pensar que pertenceu a um homem que foi nosso filho, como você diz.

— Neste mundo tudo é possível.

— Nem tudo.

Marien o olhou rapidamente e a uma rápida imagem surgiu. Marien no convento quando deu à luz; um bebê nu e choroso foi colocado em seus braços. Logo, alguém tirou-o de seus braços e um grito desesperado e de dor ecoaram em seus ouvidos e ela soltou a espada tão rápido que fez um estrondo e Urs a olhou, confundido, e a arrumou na caixa.

Ela deu um passo atrás, pegou a xícara de café e se afastou mais, tentando se acalmar.

— Você está bem?

— Estou bem. — ela mentiu.

— Quero ver a espada de Ainan e os manuscritos que encontraram.

Ela piscou, confundida, e tentando prestar atenção ao que ele dizia.

— Humm... Estão no chalé do padre, não podemos deixar nas tendas, não é seguro.

— Ótimo, podemos ir lá? Eu gostaria de me inteirar de tudo.

— Eu não sei se o padre vai permitir isso. Como você sabe, só eu tenho acesso a isso e...

— Pois que ele tente me impedir. Se ele ainda não conhece Urs Barker, vai conhecer. — disse seriamente e ficou a encarando, desafiando a negar seu acesso.

Marien mal respirou. Será que as coisas podiam ser piores? Sim, nunca nada estava tão ruim que não pudesse piorar.

— Tudo bem, nós passaremos na casa do padre Sebastien antes de irmos à escavação e você se entende com ele, mas primeiro preciso comer algo.

— Eu também estou com fome, não jantei ontem.

— Venha, vou preparar um café da manhã reforçado para você.

— Posso ficar hospedado aqui na sua casa?

Marien o olhou e pensou um pouco.

— Está bem, pode ficar, mas vai ficar no quarto de hóspedes e vai me prometer que vai se comportar, senão te mando embora em dois tempos.

— Tudo bem, eu prometo.

Ele não queria prometer aquilo, mas prometeu para não correr o risco de brigarem.

Tomaram um bom café da manhã e arrumaram-se para sair. Foram até a casa do padre, que estava pronto para sair. Quando ele abriu a porta, deparou-se com Marien.

Sebastien abriu um sorriso lindo, mas o fechou rapidamente quando viu Urs atrás dela, pois sentiu seu coração virar do avesso.

— Bom dia, padre! — ela disse, tentando disfarçar seu nervosismo.

— Bom dia. — disse, cuspindo as palavras. — Sr. Barker, que surpresa o senhor por aqui novamente.

— Bom dia, padre!

Urs estendeu a mão para cumprimentá-lo com um sorriso. Sebastien estava paralisado, mas deu a mão para ele e tentou sorrir.

— Urs chegou à noite. Já contei o que está acontecendo aqui em Ancona e sobre nossas descobertas. — disse, arregalando os olhos e enfatizando o nome da cidade. — E ele quer ver a espada e os manuscritos.

— Marien, por que contou a ele?

— Segundo suas teorias um tanto absurdas e fantasiosas, eu faço parte desta loucura toda, então tenho o direito de saber de tudo. — disse, analisando os dois.

— Esta história não pode vazar assim deste jeito.

— Bem, não vai sair daqui, mas Urs tem que saber, padre. — Marien disse.

— Nem perca seu tempo tentando me dissuadir nem venha com esse papo de que o Vaticano não quer, não autoriza, pois daqui não sairei.

— Está bem, mas temos que ter cautela, pois o arcebispo está me pedindo os relatórios. Eu os mandei, mas ocultei diversas coisas que estão acontecendo aqui. — Sebastien disse, nervoso.

Sebastien queria esmurrar Urs para tirá-lo de perto de Marien e de sua escavação. Deus, estava ficando louco, com pensamentos de bater no homem. Aquilo era errado, sabia, então depois de acrescentar mais este pecado para a sua lista gigantesca, tentou se acalmar e respirou fundo.

— Por que fez isso, padre? — Marien perguntou.

— Porque eu ainda não tenho as conclusões que preciso. Esta história absurda, revelada sem cautela, pode ser uma desgraça.

— Desgraça para quem? — Urs perguntou, olhando-o, sério.

— A igreja não vai admitir conclusões evasivas.

— O que vai fazer, omitir a verdade?

— Não foi isso que eu disse. Só disse que preciso de tempo para conseguir provas para embasar os relatórios e não sonhos e fantasias.

— Padre, eles farão o quê? — Urs disse. — Queimar-nos numa fogueira por estarmos vendo fantasmas ou mexendo com magia? Ou por que revelamos que na idade média a igreja era uma sanguinária, assassina de pagãos que tinham sua cultura, seus deuses e que foram obrigados a se converterem para o deus deles porque, senão, eram terrivelmente torturados e queimados vivos em fogueiras?

— O que não é nenhuma novidade para ninguém. — Marien complementou.

Sebastien gemeu e esfregou os olhos. Detestava quando citavam essa terrível trajetória da igreja, porque lhe perturbava muitíssimo; era como se esmagassem seu coração, mas isso eram fatos, história e era incontestável. Não gostava, mas era a realidade.

— Eu não disse isso, mas não está sendo fácil para eu relatar o que acontece aqui ao arcebispo. Ele não gosta de suposições e enrolação. Só estou pedindo cautela. — o padre disse.

— Ok, faremos isso por você, para não lhe causar problemas. — Marien disse.

Sebastien a olhou e agradeceu por ela aceitar seus argumentos. Todos estavam até o pescoço com aquela bagunça toda e, sim, por mais que não gostasse, Urs tinha o direito de saber de tudo.

— Certo, venham comigo.

Ele os levou para a saleta onde guardava os artefatos que encontraram.

— Esta é a espada de Ainan Sucksdoff e estes são os pergaminhos.

Urs a olhou e ficou petrificado, admirando-a. Ficou absorto em seus pensamentos, enquanto Marien puxou Sebastien para longe dele.

— Padre, eu não gostei de ouvir isso que disse. — Marien sussurrou.

— Estou fazendo o que eu posso. O arcebispo não vai gostar nada do que está acontecendo aqui, Marien.

— Eu confio em você, Sebastien. Não me decepcione.

— Onde Urs vai ficar?

— Na minha casa.

— O quê? — disse, tentando falar baixo.

— Shhhh, fique quieto.

Sebastien fechou os olhos e seu coração doeu. Pela primeira vez em sua vida, sentiu ciúmes; não entendeu exatamente que espécie de sentimento foi aquele que lhe arrebatou a alma. O sentimento era de posse, que Marien era dele e que Urs não poderia estar perto de sua mulher.

Era muito egoísmo pensar assim, mas sua mente estava turva demais para saber se estava certo ou errado. Ele tinha conceitos muito valiosos de amor e como deveria ser. Mas quem disse que seu cérebro estava funcionando corretamente quando se tratava de Marien? Então, com muita dificuldade, tentou empurrar para longe aqueles pensamentos pecaminosos.

Urs, que estava avesso àquela conversa entre o padre e Marien, pegou a espada, olhou para ela sem nem piscar e seu corpo retesou fortemente, como se tivesse levado uma descarga elétrica e tudo na sua frente clareou.

Viu-se segurando a espada e lutando ferozmente nas batalhas, com sangue em suas mãos, roupas e espada. Viu-se fincando a espada no chão, ajoelhando-se e erguendo as mãos para o céu, gritando com toda força.

Ele começou a respirar com dificuldade e cambaleou para trás; as imagens foram tão fortes que ele ia cair.

— Urs! — Marien gritou quando o viu daquele jeito; correu e o segurou pelo braço.

Sebastien agarrou a espada, retirando-a de suas mãos, e Urs caiu no chão, como se a corrente elétrica tivesse desligado. Não conseguiu sustentar suas pernas e sentia um embrulho no estômago. Após alguns minutos, começou a voltar a si, mas estava completamente zonzo, respirava ofegante e tentava abrir os olhos, mas assim como sua mente, sua visão estava turva.

— Urs, você está bem? — Marien perguntou, assustada.

— Meu Deus! O que foi isso? — disse, tentando respirar.

— Calma, já vai passar.

Ela e o padre o ajudaram a levantar-se do chão e sentá-lo no sofá. Marien se ajoelhou na frente dele e afastou os cabelos que lhe caíam no rosto.

— Oh, Deus... — ele sussurrou, respirando lentamente.

— Você teve uma visão. O que viu? — ela perguntou.

— Uma guerra e foi horrível. Foi como se eu estivesse lá, lutando com esta espada! — disse, estupefato.

— Agora você sabe o que temos visto. Ainda tem dúvidas? — disse Marien, segurando suas mãos.

— Isso é incrível, como isso pode estar acontecendo?

— Essa é uma pergunta que todos nós nos fazemos desde que chegamos aqui, Sr. Barker. Gostaria que não estivesse envolvido, mas parece que não controlamos muito bem as coisas por aqui. — Sebastien disse.

— Urs, a cada dia que passa, as visões estão ficando mais fortes e incontroláveis. Sentimos dor, sofrimento, as frases e imagens ficam mais claras a cada dia e não conseguimos controlar, elas vêm e vão quando bem entendem, quando tocamos algo, quando lemos ou simplesmente do nada.

— Sei de que sofrimento fala, senti a dor dele quando perdeu Marien, é a mesma que senti quando perdi você. — disse, olhando nos olhos de Marien.

Marien sentiu seu coração destroçar e o olhou de uma maneira triste. Por que Urs tinha que querer complicar as coisas entre eles? Marien matutou e soltou um suspiro longo.

Sua tortura era eterna, como se tivesse sentada dentro de um caldeirão do diabo e ele a cozinhava em fogo brando.

Mas que droga, ela estava sendo cozida por suas atitudes erradas com Urs por sua vida inteira e, agora, estava sendo queimada por suas atitudes erradas com Sebastien, um padre, um homem proibido de ser tocado pela igreja, uma igreja que ela odiava e ela tinha perdido o fio de seus pensamentos novamente.

Mas a culpa não era só dela. Urs tinha se agarrado nessa ideia fixa de que eram um casal novamente. Sebastien, porque deixou a paixão e o desejo carnal falar mais alto.

E ela estava entre os dois, ferrada.

Por fim, todos iam ao inferno, ao Vale dos Mortos, ou teriam um bate-papo com Hades ou sei lá mais aonde que poderiam ir depois de mortos; os celtas não tinham céu nem inferno, pois não tinham essa concepção de o que era pecado ou o que seria punido pelos deuses. Eram sábios.

Marien se xingou mentalmente, pois estava divagando como uma tonta e pensando como uma pagã. Talvez Sebastien estivesse certo sobre ela.

— Quer beber uma água, Urs?

— Não, estou bem.

Sebastien fechou os olhos e engoliu a seco. Vê-los juntos era muita tortura e ver como Urs a amava e ela correspondia, mesmo sem se dar conta, era como cravar um punhal em seu coração. Ali estava ele com ciúmes novamente. O sentimento era mais forte do que ele, mesmo sabendo que era errado. Ele não queria ter estes sentimentos, pois não eram naturais dele.

O amor deve vir livremente e ser correspondido livremente, não pode ser enquadrado dentro de uma lista de regras a serem seguidas.

Sebastien suspirou, cansado, e tentou se focar na situação que estavam vivendo. Uma que ele odiava.

Mais um pecado para sua lista, que estava ficando grande demais.

— Urs, nós estamos revivendo a vida deles, não sei por que, mas temos que ir até o fim e trazer tudo à tona. Doa a quem doer. — Marien disse e ele a olhou por um longo minuto.

— E como isso vai acabar?

— Isso eu não sei, mas não podemos parar agora. Você vai nos ajudar?

Urs respirou profundamente.

— Tenho outro remédio? — ela tentou sorrir, sem jeito e nervosa.

— Já que decidiu ficar, vai ter que entrar nisso, querendo ou não. Pelo visto não será sua escolha.

— Acho que percebi isso.

— Vamos para a escavação, temos que tentar abrir aquela porta, Marien. — o padre disse.

Quando eles chegaram às escavações, Sarah e Davide estavam analisando alguns artefatos.

— Bom dia!

— Bom dia, padre.

— Sr. Barker, que surpresa! — Sarah disse, meio desconcertada, quando o viu.

— Olá, Sarah.

— Bom dia, Sr. Barker, prazer em revê-lo. — Celo disse, lhe dando a mão e Davide fez o mesmo.

— Chefinha, nós encontramos artefatos naquele labirinto. Candelabros, coisas quebradas, pratos, tachos, enfim... Louças. Encontramos a cozinha.

— Sim, a maioria das coisas foi retirada, ficando somente as menos importantes. Claro, tirando os túmulos, pergaminhos, etc... Veja, fizemos uma caracterização digital da arquitetura, de como era antes e como está agora. Não sabemos quantas entradas há mais por aqui, pois ainda não conseguimos adentrar, mas a terra do desabamento que deixou você e o padre presos naquele dia já foi retirada e os labirintos deste lado dão a vários salões. Aqui está a cozinha, existem fornalhas, estruturas de pedras e utensílios.

— Isso o que é? — Marien perguntou, apontando para a tela.

— Na ala norte há várias saletas com pequenas janelas, todas viradas para este lado, que eu diria serem os quartos. Há muito entulho de madeira, mas está com o teto destruído, portanto quase tudo soterrado, mas dá para ver claramente do que se trata. Isso era imenso e muitas pessoas moravam aqui, provavelmente mulheres, na maioria.

— Nas minhas visões, eu nunca vi outras mulheres. — Marien disse.

— Pelo que sabemos, os templos eram repletos de mulheres que seguiam os cultos. Ancona ficou por muito tempo fora do foco da igreja, permitindo que este templo existisse até este período. Era um vilarejo muito pequeno, sem nenhum lucro para a igreja. Mas, mesmo assim, foi um milagre ele existir por tanto tempo sem ter sido destruído. Muitas famílias enviavam suas filhas ali, porque não tinham como sustentá-las e elas seguiam os rituais da sacerdotisa e, claro, devia haver homens, seus guardiões, que deviam viver aqui também. — o padre explicou.

— Isso de ter sobrevivido tanto tempo realmente é incrível, deveriam fazer um esforço muito grande para ocultá-lo. Suas atividades eram secretas, com certeza, um falso templo, talvez agissem como se fosse o castelo de um senhor. O povoado, sabendo do perigo que corria, ajudava a ocultar tudo.

— Seria uma opção bem plausível para se ocultar. Pena que ainda não conseguimos ter uma noção de como era por fora.

— O que ainda não entendi é como Marien veio parar aqui. — Marien disse. — Como se tornou uma sacerdotisa?

— Para isso nós ainda não temos a resposta, mas talvez alguém a ajudou. Ela devia ter aptidões especiais e a sacerdotisa antecessora viu isso e a preparou para substituí-la, lhe passando todos os rituais, treinando-a. Quando ela morreu, Marien assumiu. Se Marien fugiu cinco anos antes de Ainan ser libertado, deve ter vindo direto para cá. Pelo que vimos nos manuscritos, depois que Ainan morreu, Asch teria vindo atrás dela. Só nisso, já seriam uns cinco, seis anos, e ainda nem sabemos quanto tempo ele ficou aqui com ela antes que a igreja descobrisse tudo e viesse tomar posse. Mas acredito que não tenha sido pouco tempo. — Sarah disse.

— Talvez Asch tenha vindo com a intenção de só entregar as coisas que eram de Ainan, mas acabou ficando aqui, pois, pelo certo, ele deveria ter retornado à Grã-Bretanha depois que saiu das cruzadas, mas pelo jeito ele não retornou.

— Se Asch se apaixonou por ela, realmente ele não iria querer ir embora, eles ficaram juntos. — disse Sarah.

Marien perdeu a linha e o padre também; Urs observou Marien, franzindo o cenho.

— Um templo deveria ter seu local para as celebrações e adoração, um altar e com certeza deveria ter ao menos uma estátua da deusa. Onde isso seria? — Urs perguntou.

— Talvez fosse o mesmo local onde foi colocada a cruz, no salão principal. Provavelmente, se havia uma estátua da deusa ali, foi destruída. — Marien respondeu.

— Vocês vão tentar abrir aquela porta? — Davide perguntou.

— Vamos.

— Os homens arrumaram o elevador, está mais seguro, podem descer, pedi que colocassem iluminação na entrada daquela passagem.

— Obrigada, Davide.

Os três se arrumaram e desceram. Urs deu uma olhada por tudo; Marien e o padre lhe explicaram diversas coisas, lhe mostrando as entradas. Quando chegaram à porta, olharam-na, admirados.

— Aqui estamos novamente.

— A inscrição diz que só a escolhida passaria. Talvez você tenha o segredo para abrir, já que, juntos, não funcionou e parece o certo, segundo a inscrição. — o padre disse.

— Ele teria feito um encantamento para que eu abrisse sozinha?

— Pode ser.

— Eu sempre precisei de sua mão, por que não precisaria agora?

— Talvez a resposta esteja dentro de você, precisa encontrá-la.

Ela abaixou os olhos e passou a língua nos lábios; mordeu-o, pensativa, e olhou para ele novamente.

— Eu não tenho a resposta. — virou-se e se encostou de costas na parede e olhou para Urs, que estava parado como uma estátua, olhando para os dois sem dizer nada. Estava sério, analisando o que os dois faziam.

— A resposta está com você, Marien. Acho que deve pensar, você vai conseguir abrir isso.

— Me deixem sozinha, por favor.

Os dois se olharam e saíram. Marien ficou ali, pensativa. Urs franziu os olhou e olhava atentamente para o padre, queria analisar seu comportamento; sua maneira de olhar Marien o deixou intrigado.

— Muito estranho um homem que faz encantamentos numa vida, ser padre na outra. — Urs disse para o padre.

— Isso também me espanta, Sr. Barker, assim como um templário usar magia. Muito mais acreditar nesse negócio de reencarnação.

— Eu sei, a igreja não acredita nisso. O senhor aceitou isso?

— Custei a aceitar. Na verdade, não entendo direito, mas sou obrigado a seguir as regras por aqui, senão não sairemos do lugar. Não posso julgar, preciso ser prático.

— O senhor é muito diferente dos padres que eu conheço.

— Já ouvi isso. — disse, tentando sorrir. — Mas isso não pode abalar minha fé e responsabilidades como padre; tenho que separar as coisas, ser um arqueólogo e padre não é fácil.

— Imagino que não e acho que o senhor não tem jeito de padre.

— Está me criticando, Sr. Barker?

— Não. Estou dizendo que é difícil para eu entender como consegue levar uma vida católica lidando com tantas coisas pagãs, seus conceitos devem confundir-se.

— Como eu disse, não é fácil. Em muitos momentos, as coisas entram em choque, mas minha função aqui é descobrir e estudar a história, seja ela católica ou não. Meus conhecimentos abrangem todas as áreas, todas as culturas, todas as religiões, então não posso interferir emocionalmente com um julgamento próprio e, sim, levantar dados e acho que me saio bem. O senhor deve concordar comigo, pois também é arqueólogo.

— Isso é verdade. Com exceção de Ancona, que parece que está interferindo no emocional de todos aqui.

O padre o olhou por alguns segundos.

— Parece que sim. Está sendo diferente de tudo que já presenciei. Mas por mais que nos pareça difícil, nós teremos que continuar; isso aqui é muito importante, eu creio.

— Vou voltar, quero ver como Marien está.

Urs deu meia volta e deixou o padre com o grupo. Sebastien fechou os olhos e respirou fundo por um segundo. Davide estava perto dele e o olhou demoradamente, sabia que ele estava sofrendo por Urs estar ali.

— O senhor está bem, padre? — Davide perguntou.

— Estou, filho, estou. Não se preocupe.

— Me sinto um menino quando o senhor me chama de filho. — disse, brincando para tirar o padre de seu nervosismo. Sebastien sorriu para ele, colocando a mão no seu ombro.

— Talvez você ainda seja um menino.

— Nossa, padre! Com todo este tamanho, podia me chamar de irmão, então.

Sebastien riu dele e Sarah, de ambos.


Capítulo 27

Marien fechou os olhos; queria ver alguma coisa, mas não controlava as visões e não conseguia ver nada. Urs veio vê-la; ela estava sentada no chão de frente para a porta. Ele a olhou pelas costas por alguns minutos sem que ela percebesse que estava ali.

Depois de um tempo, ele chegou perto e sentou-se atrás dela, colocando as pernas pelas laterais de suas coxas. Abraçou-a pela cintura, colocando seu queixo em seu ombro. Ela virou-se e viu que era ele, e se recostou nele; nem reclamou de ele ter feito aquilo.

— Não conseguiu pensar em nada? — ele disse mansamente.

— Não. Como eu sozinha posso quebrar um encanto desses, Urs? Não sei fazer isso, nem sei como consegui abrir as outras portas.

Urs pensou um pouco.

— Acho que está na sua mente, você só não está conseguindo se focar.

— Como assim?

— Você tem um poder mental muito grande, querida, use-o.

— Do que está falando?

Ele se encaixou mais nela e segurou suas mãos. Falava mansamente no seu ouvido, deixando-a meio tonta.

— Você se lembra de quando estávamos na universidade? Quando começamos a namorar?

— Lembro. Foi já no primeiro semestre.

— Sim. Eu lembro quando você entrou pela primeira vez na sala, estava atrasada, chegou correndo e interrompeu a aula de história. O professor lhe deu uma bronca e você ficou vermelha, mas sorriu para ele e disse “Bom, se eu não tivesse que ter fugido da minha mãe, eu teria chegado na hora” e toda a classe riu, até ele.

— Sim, e você fez sinal para que eu sentasse na cadeira vaga perto da sua.

— Eu me apaixonei por você naquele mesmo minuto.

Marien fechou os olhos e respirou profundamente.

— O que isso tem a ver?

— Bem, sua mãe não deixava você passar as férias em Londres, lembra? Ela sempre queria viajar e a carregava com ela.

— Sim, eu ficava furiosa porque ficava longe de você.

— E o que fazíamos?

— Você me ligava tarde da noite e ficávamos horas no telefone, e eu ficava tentando adivinhar como você estava vestido, como você estava deitado na cama. — disse, sorrindo, lembrando-se, e ele também sorriu.

— Então, você tentava adivinhar o que eu estava fazendo, dizia a cor de minha roupa de dormir, dizia que sonharia que estava fazendo amor comigo, que iria pular minha janela e dormir nos meus braços. — ela riu.

— Sim, eu imaginava aquilo tão claro na minha cabeça que parecia de verdade. Eu sentia tanta saudade, que criava uma imagem que eu estava com você e o via, o tocava.

— Você adivinhava o que eu estava fazendo.

— Não, eu quase nunca acertei. Você sempre dizia que eu tinha errado.

Urs engoliu a saliva forçosamente.

— Eu mentia.

Ela virou-se para ele e o olhou, espantada.

— O quê?

— Você sempre acertou. — Marien ficou boquiaberta. — Eu dizia que você estava errada para contrariá-la, para brincar, mas algumas vezes eu concordei. Não me dei conta do que você estava fazendo, mas algumas vezes fiquei espantado como você sempre acertava tudo, mas nunca me dei conta de quanto isso era importante.

— Está dizendo que o que eu via não era minha imaginação?

— Não, não era. Eu sentia você de verdade, às vezes podia até ouvir sua voz dentro da minha cabeça, mas eu achava que estava tão apaixonado por você que era minha ilusão e não sua.

Marien fechou os olhos por um minuto.

— Por que está me contando isso agora?

— Porque eu acho que você é especial, tem tudo aqui na sua cabecinha, só não sabe usar.

— Marien fazia isso com Ainan.

— E você fazia comigo. Se seu amor por mim era tão forte que nos fazia viver aquelas coisas, Marien, então deixe que meu amor por você agora, aqui, ajude-a a fazer de novo. — Marien estava confusa e Urs acariciava suas mãos para tranquilizá-la, para saber que ele estava ali por ela. — Feche os olhos e se concentre, busque o que está dentro de você. — disse, sussurrando no seu ouvido. Marien fechou os olhos. A voz dele em seu ouvido a deixava meio embriagada. — Você sabe abrir a porta, pense e se concentre nela. Só estamos você e eu aqui, eu sei que você consegue, acredito em você. Deixe que o poder de Marien venha através de você.

Marien tentou se concentrar; focou todos seus pensamentos e energias naquilo, ficaram ali alguns minutos. Um clarão lhe veio à mente; ela se viu com as mãos erguidas e com os olhos fechados, vestida de branco em frente a uma grande estátua, recitando algo.

Viu-se em outros momentos fazendo o mesmo; podia sentir a força dentro de si, então o clarão desapareceu.

Ela abriu os olhos e olhou para a porta. Levantou-se e ergueu um pouco os braços, fechou os olhos novamente, começou a recitar palavras em outra língua e assim ficou por alguns minutos.

Houve um barulho, poeira e alguns cascalhos soltaram-se da parede; a imensa porta começou a mover-se, fazendo mais poeira levantar-se e uma fresta enorme se abriu, fazendo um ruído estrondoso.

Ela parou de recitar, mas ficou paralisada na mesma posição. Urs sorriu, estupefato, e foi até ela, fazendo-a abaixar os braços lentamente. Ela abriu os olhos e olhou para ele.

— Você conseguiu!

Ela olhou para a fenda que se abrira e riu.

— Eu consegui! — ela pulou no pescoço dele, abraçando-o, e os dois riram alegremente. Olharam para o outro lado e viram que Sebastien estava parado na entrada, olhando-os. — Padre, eu consegui! — gritou.

— Estou vendo. — ele andou até ela e, sem pensar, pois sua alegria era tamanha, abraçou-a, rindo. — Como conseguiu fazer isso?

Urs os olhava estranhamente.

— Eu recitei um encantamento! Não me pergunte como, mas eu sabia como dizê-lo, eu recitei e a porta abriu. — disse, vibrante.

— Isso é incrível! — disse, rindo.

— Obrigada, Urs. — disse, indo até ele e abraçando-o novamente — Mas eu deveria ficar brava com você por ter mentido para mim, mas vou lhe perdoar por isso. — disse, rindo, e ele riu.

— Ainda bem, senão eu iria estar com sérios problemas com você. — disse, zombando dela.

— Ai, meu Deus! Vamos entrar, quero ver o que há aí.


*


Davide e Sarah estavam no salão e ele a olhava estranhamente.

— Por que está me olhando assim, Davide? Você está esquisito hoje.

— O que fazemos agora?

— Como assim?

— Trabalhamos juntos, estamos nos encontrando há dias e fizemos amor. Não quero fazer nada errado com você.

— Quer dizer que você não quer agir como um típico homem canalha?

— Não, eu não quero.

— Por que faria isso?

— Porque, pela primeira vez, eu tenho vontade de ver você de novo e sentir você de novo e isso está forte para mim.

Sarah nem sabia o que responder e acariciou o rosto dele.

— Você quer cair?

— Quero se você quiser cair por mim. Não quero cair sozinho. E não quero ter que pedir a Deus que você me ame de volta.

— Isso vai ser complicado.

— Não achei que fosse fácil. Você quer?

— Eu acho que já caí, Davide, mas...

— Então você quer namorar comigo? Ter um compromisso sério?

— Davide, quando isso acabar, eu vou voltar para Londres, ou sei lá para onde eu vou e você provavelmente vai com o padre para outro lugar. Não vai dar certo.

— Você podia ficar trabalhando conosco.

— Eu? Trabalhar para a igreja? Ficou doido? Nem morta, já basta que eu vim para cá.

— Nossa, Sarah! — disse, indignado.

— Davidezinho, eu gosto de você e nós podemos ficar juntos aqui. Eu estou adorando ficar com você, mas não vamos complicar as coisas, está bem? Provavelmente, depois que isso acabar, nem nos veremos mais.

— Mas podemos dar um jeito, eu quero algo sério com você.

— Davide, não complique as coisas.

— Tudo bem. Se você quer assim, eu também não quero mais namorar você! — disse, bravo, virando as costas e indo para outro salão.

— Davide, volte aqui! — ele não deu atenção e a deixou sozinha. — Mas, meu Deus, o que é isso? — disse, confusa. — O que foi que eu disse de errado? — Sarah foi atrás dele e o puxou pelo braço. — Não vire as costas para mim, nós estávamos conversando, Davide.

— Você falou bem. Nós estávamos; não estamos mais.

— Vai brigar comigo por que não aceitei namorar? Estamos juntos, isso não basta?

— Não estamos mais.

— Você disse que não queria agir como um canalha.

— Eu não agi. Você agiu.

— O que disse? Que eu fui canalha?

— Você dormiu comigo, eu pedi que fosse minha namorada e você disse não, então é melhor não ficarmos mais juntos. Não gosto das coisas deste jeito, e se você não gosta de mim, por que ficarmos juntos?

— Você é um antiquado!

— E você é uma assanhada.

— Ohh! — disse, abrindo a boca de espanto. — Sua mula, como se atreve?!

— Volte ao trabalho, é paga para trabalhar e não ficar de papo furado.

— Não é meu chefe para me mandar trabalhar.

— Se não quer trabalhar, volte para Londres.

— Pois então tente me tirar daqui, você é homem o suficiente para isso?

— Olha, Sarah, não fale assim comigo! — disse, colocando o dedo em sua face.

— E você não fale assim comigo também, e tire este dedo na minha cara! — disse, retirando a mão dele da sua frente. — Você é grande, mas não é dois.

— O que isso quer dizer?

— Haim... Você é tapado ao quadrado!

— O que está havendo aqui? — Marien disse, aproximando-se da confusão.

— Este grosso está me insultando.

— Fiquem quietos! Eu pude ouvir os gritos de vocês de longe, isso aqui faz eco, não sabiam? Vocês querem que toda Ancona escute a discussão de vocês?

— Desculpe, chefinha.

— O que deu em vocês? Estavam se dando tão bem.

— É. Nós estávamos, mas não estamos mais.

— É. Não estamos mais. — Davide concordou.

— Tudo bem, eu acho que vocês dois podem se acertar nesta discussão, mas não aqui. Davide, volte ao trabalho onde estava e você, mocinha, pegue suas coisas. Vai subir e continuar as pesquisas lá na tenda. Não quero mais ouvir um pio aqui, depois vocês conversam quando esfriarem a cabeça. Está bem assim ou tenho que desenhar?

— Sim, chefinha.

Os dois se olharam, fizeram caretas e saíram dali. Marien voltou para a passagem em que estivera.

— Por que eles estavam brigando? — o padre perguntou.

— Briga boba, daqui a pouco eles fazem as pazes.

— Sim, eles vivem às turras. — Sebastien disse, rindo.

— Sarah está com este rapaz? — perguntou Urs.

— Estão tentando se entender. — ela disse com um sorriso.

Marien entrou na abertura. Sebastien e Urs entraram logo atrás dela. Seguiram por um corredor que havia tochas enfileiradas pelas paredes. Eles iam iluminando com as lanternas e desceram olhando cada detalhe por uma escada de pedra.

— Onde isso vai dar? — Urs perguntou.

— Não faço ideia. — o padre respondeu.

Quando terminaram de descer a escada, deram em outro corredor. As lanternas começaram a falhar e Marien ouviu um sussurro; deu uma parada, sentindo um gelo no estômago e a lanterna de Urs apagou.

— Droga! — ele resmungou.

Sebastien tirou outra do cinturão e deu a ele.

— Pegue esta.

Com isso, Marien se distanciou um pouco deles e de repente ela parou, ouvindo seu nome. Virou-se bruscamente e olhou para trás; eles a olharam e uma parede de pedras rapidamente lhe cruzou a frente, fechando a passagem entre eles e Marien.

— Marien! — o padre gritou e tentou impedir a parede de fechar. Urs fez o mesmo e Marien, do outro lado, também tentou, mas foi inútil, a parede fechou, separando-os.

— Marien! — Urs gritou em pânico.

— Urs! — ela gritou, forçando a passagem.

Ela ficou com os olhos arregalados e ouviu vozes novamente. Virou-se rapidamente para o corredor, jogando a luz da lanterna, mas não viu nada. Seu coração acelerou pelo pavor.

— Padre! — ela gritou novamente, batendo na parede com a palma da mão.

— Marien, fique calma, nós vamos tirá-la daí! — ele gritou.

— Padre, pelo amor de Deus, tente abrir isso. — Urs disse, nervoso.

— Marien, está me ouvindo?

— Estou.

— Coloque as mãos na porta, vamos tentar abrir juntos! — o padre gritou.

— Ok! — gritou, tentando respirar. Ela fez o que ele disse e o padre encostou as mãos na porta; concentrou-se, mas nada aconteceu. — Não está funcionando! — gritou.

— Marien, tente recitar as palavras que você disse quando abriu a outra porta. — Urs disse.

— Ok, ok. Marien, pense. O que você fez? — disse para si mesma. Afastou-se da porta, fechou os olhos e tentou lembrar-se, mas não conseguiu, pois as recitou inconscientemente e estava deveras nervosa. — Eu não consigo lembrar.

— Concentre-se, Marien. Você consegue.

Marien tentou, mas sua concentração foi cortada quando sentiu um vento lhe vir pelas costas, seus cabelos voaram levemente; abriu os olhos e a boca, sentindo seu corpo tremer. Soltou a respiração e viu a fumaça sair de sua boca, parecia que a temperatura havia caído para zero. Sua respiração ficou ofegante e sentiu um medo terrível.

Lentamente, ela foi se virando e seus olhos se arregalaram; havia um vulto branco translúcido flutuando na sua frente. Lentamente, deu alguns passos para trás e colou na parede.

— Marien! — gritavam os dois do outro lado.

Ela olhou para o outro lado do corredor e viu mais vultos se aproximando. De repente, pôde ver rostos naquelas fumaças e todos se aproximaram dela.

Marien soltou um grito agudo que ecoou pelo labirinto de pedras. Urs e o padre, ouvindo os gritos, apavoraram-se.

— Marien! — gritaram novamente, forçando as pedras, tentando empurrar.

— Urs, peça ajuda! — o padre disse, enquanto tentava abrir a passagem. Urs correu para encontrar os outros que estavam no salão. — Marien!

Ela, gritando, jogou-se contra a parede e caiu no chão quando aquelas imagens foram em alta velocidade para cima dela e ficaram circulando ferozmente pelo corredor, formando uma grande ventania naquele estreito espaço. Ela ficou caída no chão com os braços cobrindo o rosto.

Estava em completo pânico quando, de repente, tudo ficou quieto. Marien ficou naquela posição por alguns minutos, ofegante, e foi abaixando os braços vagarosamente. Não viu mais nada e colocou a luz da lanterna na direção do corredor, que estava vazio.

Ela tentou se levantar e ouviu claramente uma voz de mulher dizer seu nome. Ficou como se estivesse em uma espécie de transe e, mesmo aterrorizada e com a respiração completamente difícil, começou a andar devagar, afastando-se da parede.

O padre continuou a chamar seu nome, mas ela não respondeu mais.

Marien andou por alguns metros e encontrou uma porta feita de madeira maciça e chapas de ferro. Escorou o corpo nela e empurrou forçosamente, abrindo-a. Ela entrou devagar, olhando em volta, iluminando-o e percebeu que era um salão. Havia alguns entulhos de madeira no chão, alguns blocos em pedra que não pôde identificar o que eram. Ela sentiu-se muito estranha ali, era como se uma onda de medo a atingisse.

Aproximou-se das paredes e passou a mão, retirando algumas teias de aranha. Havia diversas ranhuras pelas paredes e ela tentou ler, iluminando mais perto com a lanterna, cerrando os olhos.

— “Saí de uma prisão e entrei em outra. Meu juramento custará quantas vidas?”, “Foram treze hoje, o que ele irá fazer com meu filho?”

Marien começou a sentir-se mal, um embrulho lhe afligiu o estômago, mas ela tentou ler mais e foi para outra parte da parede.

— “Asch, ouça meus pensamentos”, “A besta pode arrancar minha língua, mas não arrancará meu coração e um dia a Deusa se vingará”.

Marien sentiu aquela terrível dor na boca e gritou com a mão sobre ela. Deu alguns passos, cambaleando para trás, e um clarão lhe veio. Viu Marien sendo torturada e sua língua cortada. Ela podia sentir o terror, o medo e a dor e as lágrimas escorreram de seus olhos.

As imagens foram fortes e lhe vinham seguidas, uma atrás da outra; viu diversas mulheres serem chicoteadas para serem convertidas e outras torturas horrendas, como a mesa de estiramento, afogamento pelo funil, a cadeira de inquisição que era cheia de pregos, algumas pessoas queimando em fogueiras. Seus gritos lhe entravam pelos ouvidos, quase a ensurdecendo.

Viu Marien de joelhos naquela mesma sala, toda molhada, recitando palavras como se fossem de uma oração com tal desespero que não conseguia entender.

Viu Asch ser torturado, enquanto era obrigada a assistir. A imensa dor que Marien sentia no peito foi lhe rasgando e caiu de joelhos. Pôde perceber sua barriga saliente, estava grávida. Alguns homens a seguravam e aquele homem de vermelho tocou sua barriga e gritou:

“Esta mulher espera o filho do demônio”.

Ela tentava se soltar. Sua boca estava amordaçada e os olhos, arregalados e molhados de lágrimas.

Viu uma grande luta. Viu Asch e outros templários invadirem o templo. Sentiu uma dor tão imensa em seu corpo que caiu, sem forças. Respirava com dificuldade e sentia-se completamente zonza.

Diversas outras imagens insistiam em lhe vir à mente. Reviu diversos momentos com Ainan. O encontro que teve no castelo de Meredith com seu filho Ielay. A morte de Ainan. O juramento que os dois fizeram antes de serem separados de nunca deixarem de se amar.

Viu o momento de sua própria morte, quando deu seus últimos suspiros nos braços de Asch.

Marien, caída naquele chão gelado, fechou os olhos por um minuto e os abriu com dificuldade. Viu um vulto branco ao seu lado, mas não sentiu medo; era a imagem de Marien e ouviu uma frase dentro de sua cabeça.

“A profecia se cumprirá e tudo ficará no seu lugar”.

Marien viu tudo se apagar e desmaiou.

Urs havia voltado com Davide, Sarah e vários homens que, com marretas, quebravam as pedras em uma tentativa de abrir a passagem.

O padre ficou num nervosismo tal que fechou os olhos e ficou em transe. Começou a falar em outra língua com voz forte. Todos pararam e ficaram olhando para ele, enquanto ele recitava as palavras ferozmente.

Davide arregalou os olhos e fez o sinal da cruz. Um forte vento os atingiu, e o padre falava mais alto até que o vento parou subitamente, e a passagem abriu-se. Urs o olhava com os olhos arregalados, assim como os homens, que estavam apavorados e encostados na parede.


Capítulo 28

O padre parou quando a porta abriu, sem dar importância a mais nada. Ele e Urs saíram correndo e chamando pelo nome de Marien; encontraram a porta que ela abrira, entraram no salão e a viram desmaiada no chão.

— Marien! — o padre gritou, jogando-se no chão ao seu lado e ouvindo seu coração. — Está respirando.

Ele a pegou no colo e, com toda força que tinha, carregou-a para fora. Urs, apavorado, seguiu-o, receoso por ela. Davide entrou no salão e arregalou os olhos ao ver todas aquelas escrituras nas paredes, iluminando-as com sua lanterna.

— Meu Jesus do céu! — disse, abismado.

— Que lugar é este? — Sarah disse, apavorada.

Urs e Sebastien subiram pelo elevador com Marien.

— Vamos levá-la ao hospital, você dirige! — Urs exclamou.

— Tudo bem.

Colocaram-na cuidadosamente no carro e Sebastien foi para a direção, enquanto Urs a segurava no banco de trás. Ela estava pálida e gelada como um cubo de gelo, seus lábios estavam roxos e ainda estava inconsciente.

Entraram com ela, gritando pelo hall do hospital, e enfermeiros vieram socorrê-la, levando-a para uma sala. Urs e Sebastien ficaram na sala de espera, nervosos como nunca e os dois andavam de um lado a outro. Dali um tempo, o médico apareceu e os dois saltaram na frente dele.

— Calma, ela está bem. — disse o médico, antecipando-se.

— O que ela tem? — disse Urs.

— Ela sofreu um choque muito grande. Fisicamente, está bem; ficou hipotérmica, mas sua temperatura já está normal, suas pupilas estavam imensamente dilatadas. Ela vai se recuperar, mas vai ficar aqui esta noite para observação.

— Posso vê-la? — disse Urs.

— Podem entrar, mas ela está sedada.

Os dois entraram mansamente no quarto. Urs escorou-se na cama, sentando numa cadeira e segurou sua mão com uma das suas e acariciava seu rosto com a outra.

— Você vai ficar bem, querida.

Sebastien queria fazer o mesmo, mas teve que se conter em ficar ali, ao lado da cama dela, sem tocá-la. Sentia seu coração em pedaços ao ver Urs fazer o que ele tanto queria, então, fechou os olhos e começou a rezar. Urs beijou sua mão, e os dois ficaram ali, mudos por horas.

— Preciso de um café. Você fica com ela? — Urs perguntou.

— Claro.

Urs saiu do quarto, foi ao banheiro e lavou o rosto. Pegou dois cafés e voltou ao quarto. Quando entrou, viu Sebastien beijando a mão de Marien, antes de soltá-la levemente na cama e se afastar. Urs entrou e deu o café a ele, fazendo de conta que não viu nada, mas não gostou do que viu.

— Ela deve ter visto algo que a impressionou muito, suas visões estão muito fortes. — Sebastien disse e Urs o olhou sério.

— Padre, e se tivesse acontecido algo pior?

— Sinto muito, Sr. Barker, mas nós temos que agradecer a Deus por não ter sido nada grave.

— Sim, eu estou agradecendo. — disse, sarcástico.

Urs olhou para ele estranhamente e não saiu mais do lado da cama dela e não soltava sua mão. O padre saiu do quarto e foi até a capela do hospital, ajoelhou-se e começou a orar; orou com toda força que conhecia e, sem se controlar, começou a chorar.

Sebastien não conseguia mais controlar nenhum sentimento dentro de si.

O padre e Urs passaram a noite com Marien. Nenhum dos dois quis arredar o pé dali até que ela acordasse. Sebastien dormiu sentado no sofá do quarto, e Urs deitou-se ao lado de Marien na estreita cama e adormeceu abraçado a ela.

De manhã, Davide e Sarah chegaram ao quarto e, quando viram aquela cena, olharam-se e respiraram profundamente, consternados. Davide, falando baixinho, acordou o padre, que se moveu, esfregando os olhos.

— Venha, padre, vamos tomar um café e comer alguma coisa.

— Ela ainda não acordou?

— Não. — ele não queria sair dali, mas foi com eles, pois estava exausto. — Vamos, Sarah. — disse Davide. Ela olhou para Marien com um olhar preocupado e foi com eles até a lanchonete do hospital.

— Padre? — ele o olhou. — O que foi aquilo que o senhor fez?

— Não sei, Davide. Foi mais forte do que eu.

— Todos estão comentando. Os empregados ficaram assustados e eu também. — Sebastien esfregou o rosto.

— Deve ter sido alguma magia. Eu acho que o senhor se posicionou como Asch por um momento. Foi assustador. — disse Sarah.

— Está dizendo que Asch era um bruxo, Sarah?

— Não diria um bruxo, mas tinha conhecimentos de rituais. Ele conhecia encantamentos, pois encantou aquelas portas, então conhecia magia, alquimia...

— Essa foi ótima. — disse o padre, bebendo o café.

— O senhor não está preocupado com o que isso vai causar? Os empregados não param de falar nisso. Se o Vaticano souber de uma coisa destas, o senhor vai se meter num problema sem tamanho.

— Eu sei, Davide. Mas eu não controlo mais nada aqui. Como aquela parede foi fechar daquele jeito? Para começar, Marien abriu uma delas fazendo a mesma coisa que eu fiz. E como ela foi ficar naquele estado? Ela estava com hipotermia, sabe o que isso quer dizer? Um fato completamente absurdo para quinze minutos, a não ser que ela tivesse caído no mar do Ártico, por Deus! — disse, nervoso.

— Padre, nós temos que parar com isso, está indo longe demais. — disse Sarah.

— Eu sei. — ele respirou fundo. — Vamos esperar ela acordar e nos dizer o que viu, quem sabe nos esclarece alguma coisa.

— Eu mandei fotografarem todas as mensagens nas paredes.

— Que mensagens?

— Bem, o senhor não viu, mas aquela sala estava cheia de mensagens que acredito serem de Marien. Foi escrita com uma pedra, talvez.

— Acho que ela ficou presa naquela sala, e escrever nas paredes talvez tenha sido uma forma de não enlouquecer ou tinha um objetivo, sei lá. Nem sabemos quanto tempo esteve lá e por que não foi morta de uma vez por aquele bispo.

— Ai, meu Deus! Marien pode ter tido todas as visões de uma vez, não acham?

— Pode. Talvez por isso entrou em choque. — respondeu Sarah.

— Oh, merda...


*


Marien moveu-se na cama e Urs acordou. Ela tentou abrir os olhos lentamente; estava meio zonza e, aos poucos, começou a ver o rosto de Urs. Ele sorriu e acariciou seu rosto.

— Oi. — disse mansamente. Ela não respondeu, mas levantou a mão para tocar seu rosto. — Está sentindo alguma coisa? Alguma dor?

— Não, só estou zonza.

— É o sedativo, ainda está sonolenta. Querida, me conte o que viu. O que aconteceu, por que gritou daquele jeito?

— Foi horrível! Eu vi um monte de fantasmas, depois... visões.

— Fantasmas?

— Sim, há espíritos presos lá. E as visões... Foi horrível! Aquela mulher sofreu horrores; ela estava grávida, perdeu dois bebês, foi torturada horrivelmente... — Marien começou a chorar.

— Calma. Não fique assim, isso tudo já passou. — Marien abraçou Urs.

— Como eles podiam ser tão cruéis, fazer aquelas barbaridades com as pessoas? Como puderam machucá-la daquela maneira estando grávida?

— Não sei, querida, eu sinto muito que tenha visto estas coisas.

Marien se agarrou a ele, que a abraçou forte, e ela chorou aos soluços até cansar.

— Ela conheceu o filho. — ela sussurrou, pensativa, lembrando-se de tudo o que viu.

— Ielay?

— Sim. Eu a vi com ele, acho que quando ela fugiu do convento, foi atrás de Meredith e o encontrou. Por que ela não ficou com ele?

— Se ficasse e a igreja conseguisse pegá-la de novo, o rei não poderia protegê-la, ela teve que fugir e deixá-lo, assim ele estaria seguro. Foi a maneira que ela encontrou de proteger o filho.

— Ela era tão feliz com Ainan. Por que os separaram daquele jeito? Eles não fizeram nada errado, só queriam ficar juntos, ter sua família.

— Eu sei, eles deviam se amar muito, mas naquela época as coisas do coração não eram levadas em conta. A maioria das pessoas não tinha o direito de escolher com quem queriam estar.

— Eu sei.

— Você disse que ela estava grávida de novo. De quem era o filho?

— De Asch.

Urs ergueu as sobrancelhas e respirou fundo, ele não gostou do que aquilo implicava.

Que ridículo estava sendo, tendo ciúmes de coisas que ocorreram em outra vida. Ele não sabia explicar, mas aquilo fez seu coração doer.

— Tudo bem. Não pense mais nisso. Descanse, meu amor, descanse.

Urs beijou sua testa e ela ficou abraçada a ele por algum tempo até adormecer novamente. Urs levantou e saiu do quarto, foi até o corredor e, pensativo, escorou-se na janela, abaixou a cabeça e fechou os olhos. Nada no mundo poderia ser mais difícil do que ele estava enfrentando agora. Ele seria forte, disse isso a si mesmo, uma e outra vez.

Algumas horas depois, Marien acordou e estava se sentindo bem melhor. Sarah estava ao lado dela enquanto despertava.

— Oi, Marien. Como se sente? — Sarah disse, segurando sua mão.

— Eu estou bem. Se não morri com um enfarte desta vez, não morrerei mais. — Sarah riu meio nervosa.

— Você vai ficar bem. — Marien assentiu com a cabeça, olhou para o lado e viu Davide, que cochilava na poltrona. — Este paspalho gosta de você, Marien. Ficou a noite toda na sala de espera, estava muito preocupado.

Marien sorriu. Davide acordou e, quando a viu, levantou e foi para perto da cama.

— Oi.

— Oi, Davide.

— Tudo bem? — ele pegou em sua mão e sorriu. Marien sentiu algo estranho; ficou o olhando fixamente e Davide sentiu algo estranho acontecer entre eles também; perdeu-se por alguns minutos entre imagens e sensações confusas. Sentou na cama, olhando-a, e beijou sua mão. — Você vai ficar bem, Marien.

Marien sentiu um nó na garganta; seu coração apertou e olhava para seus olhos sentindo uma imensa emoção no peito.

— Marien, o que foi? — perguntou Sarah ao vê-la naquele estado.

Ela respirou descompassadamente e piscou rapidamente, tentando manter a compostura e a racionalidade, o que estava bem difícil no momento.

— Dê-me água, por favor.

Sarah pegou um copo de água e a ajudou a beber.

— Está sentindo alguma coisa? Quer que chame o médico?

— Não.

Algumas lágrimas lhe caíram dos olhos e Davide não soltava sua mão. Ela olhou para ele de uma maneira diferente, emocionada, como se estivesse vendo algo novo nele, algo além dele.

— Por que está me olhando assim? — David perguntou e Marien não conseguiu responder, só respirava pesadamente.

— Marien, está me assustando. — Sarah disse.

— Onde estão o padre e Urs? — Marien perguntou.

— O padre está na capela e Urs foi até o chalé tomar um banho, daqui a pouco devem estar de volta. Os dois passaram a noite aqui com você.

— Chame o padre, eu preciso falar com ele.

— Ok.

Sarah foi em busca do padre, avisando-lhe que Marien acordara e queria falar com ele. Sebastien entrou no quarto, sentou na cadeira e segurou a mão de Marien carinhosamente e sorriu e, mesmo tentando disfarçar, parecia nervoso. Davide e Sarah os deixaram sozinhos para que pudessem conversar.

— Oi, querida. — ele disse, sorrindo nervosamente.

— Parece que foi você que viu fantasmas, está tão abatido. — ela disse, sentada na cama, recostada nos travesseiros.

— Você me deu um susto e tanto.

— Não maior do que eu levei.

— Imagino que o que viu deva ter sido bem ruim.

Marien respirou fundo e o olhou por alguns minutos.

— Nem consigo descrever o quanto foi ruim.

— Eu sinto muito.

Ela suspirou e tentou afastar as memórias ruins, se é que isso seria possível um dia.

— Asch ia ter um filho com Marien.

— Você viu isso? — perguntou, espantado, e ela assentiu. — E onde foi parar o filho deles?

— Ele morreu. Ela foi morta quando estava grávida dele, prestes a dar à luz.

Sebastien abaixou os olhos e suspirou.

— Esta história é muito triste.

— Triste? Isso porque você não viu tudo o que eu vi! Aqueles monstros cometeram tantas atrocidades que eu nunca, jamais seguiria tal porcaria.

— Marien...

— Aquela sala foi o cativeiro dela! Asch tentou de todas as maneiras salvá-la, mas não conseguiu; foi preso e torturado. Ele fugiu e, com a ajuda dos seus guerreiros, tentou resgatar Marien, mas ela foi ferida e morreu nos braços dele quando tentavam escapar. Depois, os templários mataram todos, inclusive o bispo. Transformar a igreja no templo novamente e fazer com que a profecia se concretizasse deve ter sido de raiva ou tristeza. Ela fez um juramento e negou-se a quebrá-lo, e ele o honrou.

— Pode ter sido. Eu nem imagino a dor que ele deve ter sentido quando a viu ser morta, ainda mais esperando um filho dele. Talvez ele tenha tentado reconstruir o que nunca deveria ter sido destruído.

— Sebastien, por que você tirou Davide do mosteiro?

— Por que me pergunta isso? — perguntou, espantado com a mudança de assunto.

— Apenas me conte.

Ele passou a língua pelos lábios, suspirou e pensou um pouco.

— Não sei, na verdade... Quando o vi pela primeira vez, gostei dele. Davide tinha uma imensa tristeza nos olhos, sentia-se rejeitado pela vida, sozinho e infeliz, mas ao mesmo tempo, insistia em sorrir e fazer brincadeiras. Parecia um menino no corpo de um adulto. Desde adolescente, sempre foi muito alto, aparentando mais idade do que tinha. Era impossível não gostar dele. Quando fui fazer uma visita ao mosteiro em Florença, onde ele morava, o conheci e não pensei duas vezes em levá-lo comigo. Eu nem sabia o que fazer com ele, só queria que ele fosse comigo. Vi nos olhos dele que estava triste quando soube que eu iria embora. Eu sabia que aquele mosteiro não era o lugar dele. Não suportei aquele olhar, então eu o levei. Apenas queria cuidar dele, queria que ele tivesse uma chance na vida. O contratei com meu próprio dinheiro e lhe dei recursos para estudar, pelo menos do nosso jeito.

— Você o ama muito, não é?

— Como se fosse meu próprio filho, apesar dele ter quase minha idade. Davide tem a inocência de um menino, é honesto, direito e amável, mas tem uma personalidade forte e é ávido para aprender. Ele se tornou um grande homem e isso me deixa muito feliz por ter tomado esta atitude naquela época. — lágrimas escorreram dos olhos dela. — Por que está chorando? — disse, secando sua lágrima.

— Você acreditaria se eu lhe dissesse que Davide foi o filho de Marien e Asch?

Sebastien, boquiaberto, arregalou os olhos para ela.

— O quê? De onde tirou isso?

— Eu sei.

— Marien... — Sebastien sentou na cama, ele mal conseguiu falar.

— Eu senti, eu sei que é ele. Depois de todas as visões e sensações que tive, quando o vi hoje, eu soube.

— Isto seria absurdo.

— Por que seria? Não percebe o que está acontecendo aqui? Estamos todos aqui, aos poucos nos encontrando.

— Qual é o objetivo disso tudo?

— Ela disse que a profecia se concretizaria e que tudo ficaria em seu lugar.

— E como isso vai ser possível? Do que ela fala exatamente?

— Isso eu não sei e também não sei como isso vai terminar, é tudo muito confuso. Mas acho que estamos tendo a chance de ficarmos juntos. De uma maneira ou outra, todos estamos aqui. Tudo está se repetindo.

— Então se o que diz é verdade, eu, você e nosso filho estamos juntos de novo?

Ela riu e lágrimas correram de seus olhos. Marien o abraçou e Sebastien não conteve seus sentimentos; seus olhos marejaram de lágrimas e retribuiu seu abraço.

Urs ouviu toda a conversa encostado do lado de fora na porta com os olhos fechados. Seu coração doeu tanto que pensou que arrebentaria no peito. Urs, com dificuldade de respirar, abriu os olhos e viu Sarah e Davide se aproximando com o médico. Afastou-se da porta, tentando disfarçar sua dor.

— Sr. Barker, eu vou examinar a paciente e ver se já poderei lhe dar alta. — disse o médico, amistoso.

Sarah adiantou-se, entrando e interrompendo aquele abraço dos dois, fazendo barulho antes que o médico, Urs e Davide entrassem.

— O médico está aqui! — disse Sarah.

Os dois soltaram-se. Sebastien ficou em pé ao lado da cama, tentando voltar a si e disfarçar. Urs entrou e deu uma olhada demorada para eles. Queria gritar, esbofetear alguém, mas conteve-se; aquilo tudo era confuso demais. Não conseguia assimilar tanta informação de uma vez. Onde, infernos, tinha se metido desta vez?

— Srta. Stewart, vamos ver como está? — o médico disse e a examinou e lhe fez algumas perguntas. — Já pode ir, vou lhe dar alta, mas recomendo repouso.

— Obrigada. — disse, sorrindo, e o médico saiu.

Marien parou seus olhos em Davide e o padre nem conseguiu tirar os olhos dele.

— Posso saber por que vocês dois estão me olhando deste jeito? Fiz alguma coisa errada? — Davide perguntou, sentindo-se desconfortável.

— Não, Davide, claro que não. — Marien disse, rindo; adorava o jeitinho atrapalhado dele.

Sebastien sorriu lindamente. Adorava quando ele ficava com aquela cara de apavorado, achando que alguém iria lhe dar uma bronca, era sua marca registrada. Apesar dos seus 1,93 de altura, Davide era pura doçura.

— Tudo bem, este clima está muito estranho. Vamos! Homens, para fora, que vou ajudar Marien a se trocar e vamos para casa. Chega de hospital que isso me dá dor de barriga. — Sarah disse, tocando-os com as mãos. Sarah fechou a porta e olhou seriamente para ela, com as mãos na cintura. — Marien, se você bateu a cabeça e está maluca, me avise! Está louca de ficar abraçando o padre assim perto das pessoas? O que querem fazer, serem pegos?

— Não pudemos evitar, Sarah.

— Sei. Esse seu fogo está a colocando numa bela enrascada. Urs quase os viu desse jeito!

— Tudo bem, mas eu não consigo ficar escondendo todas estas coisas de Urs, ele vai ficar sabendo de tudo mesmo.

— Sabendo de tudo o que, criatura? Não há nada para saber, entendeu? Faça-me um favor, não arrume confusão com Urs, você vai se arrepender depois. Eu sei que sou uma destrambelhada, mas pelo menos uma vez na vida, me escute. Fique longe do padre!

— Meu Deus! Você quer que eu fique longe de Sebastien, e Lizza, que eu fique longe de Urs. Será que eu tenho alguma amiga que me dê um apoio? Se eu não posso amar nenhum deles, a quem devo amar nesta vida miserável?

Sarah respirou, exasperada, sem saber o que responder.

— Tudo bem, Marien, espero que saiba o que está fazendo.

— Não, Sarah, eu realmente não sei o que estou fazendo, só estou tentando e é a única coisa que posso fazer no meio desta loucura toda; tentar fazer o certo e encontrar minha felicidade!

Marien levantou da cama, vestiu-se e foram para casa.


*


Passaram o dia analisando as mensagens deixadas por Marien na parede. Marien ficou o resto do dia em casa, pois ainda estava sob restrições médicas. Sarah levou alguns escritos tirados da parede para ela ler, mas ninguém a deixou sair. Urs foi para as escavações e, boquiaberto, olhou aquelas paredes. Ajudou a traduzir algumas mensagens, mas sentiu-se muito incomodado naquele lugar, seu peito parecia que arrebentava ao sentir a tristeza de Marien cravada naquelas pedras.

Ele saiu dali e foi para o chalé ficar com ela, pois estava desnorteado. Sua cabeça lhe dizia que algo estava errado ali, mas não quis acreditar em seus próprios pensamentos, negava-se a sequer imaginar tais coisas. Não quis tocar no assunto nem tinha coragem de falar com ela.

Sebastien lia as mensagens e era impossível não sentir-se triste ao imaginar por quais pesares aquela mulher e aquelas pessoas passaram. Ao mesmo tempo em que os escritos possuíam uma súplica e um desabafo, eram fortes, de quem não desiste, de quem tinha força para suportar tal penúria. Era penoso para ele ler algo daquele tipo.

Sebastien ficou sozinho ali, até que Davide chegou.

— Padre, está bem? — perguntou, vendo-o ali por horas.

— Uma vida de sofrimentos... Ela pensou que havia se livrado do cativeiro no convento e acabou deste jeito. — disse, divagando de forma triste.

— Pior é pensar que todo seu sofrimento foi causado por nada. Só para impor a vontade dos grandes e pior... pela igreja.

Sebastien abaixou a lanterna, virou-se devagar e olhou para Davide.

— Isso me deixa muito triste, Davide.

— A mim também. Ela nunca fez nada de errado e passou a vida inteira sendo julgada, presa e maltratada.

— Deus vê todas estas coisas, Davide. O sofrimento causado pela ignorância dos homens não passa despercebido por Ele. No fim, quem merece, recebe seu fardo. Deus não é injusto, os homens são.

— Quando eu vejo algo assim, penso se estou certo em defender isso.

Sebastien chegou perto dele e colocou a mão em seu ombro.

— Sempre defenda aquilo em que acredita, aquilo que ama, mas nunca fique cego a ponto de não poder ver as coisas erradas que acontecem ao seu redor. Porque senão, quando você se der conta, estará cometendo os mesmos erros, simplesmente porque cega seu coração e seu senso de análise e justiça. Os erros vêm da ignorância, da ganância e da soberba. Se alguma dessas pragas lhe afligirem o coração e sua mente, você morre. E sua mente não distingue mais o que é certo ou o que é errado. Eu sou um padre, mas não sou cego nem bitolado. Eu sigo meu coração, defendo o que é certo, não importa o lado que seja. Portanto, sempre seja vigilante.

— Está bem, padre, eu vou ser vigilante, mas posso lhe fazer uma pergunta?

— Você pode me fazer todas as perguntas que quiser.

— Se eu tivesse pais, acha que eles teriam orgulho de mim?

Sebastien respirou fundo e fechou os olhos por um minuto; olhou bem nos olhos dele e o segurou pelo pescoço com uma mão.

— Você ainda tem seus pais, aqui. — disse, batendo sobre seu coração. — Eu tenho certeza que eles teriam orgulho do homem em que se transformou. Eu não sou seu pai, mas tenho um orgulho imenso de você e sei que tudo que você fizer na sua vida será pelo bem e pela justiça. Foi para isso que eu tirei você daquele mosteiro, para que você vivesse pelo bem e fosse feliz, que pudesse ser alguém na vida e ter sua família e ser muito amado.

— O senhor é minha família.

Sebastien sentiu-se emocionado e seu coração apertou-se.

— Sim, Davide, eu sou sua família, assim como já fui outra vez.

— Não entendo...

— Marien viu que você seria o filho de Asch e Marien. Se sua teoria que eu teria sido Asch e ela, Marien, está certa, então nós iríamos ser seus pais naquele período.

Davide espremeu os olhos, abriu a boca para dizer algo, mas não conseguiu dizer absolutamente nada por alguns minutos.

— Está falando sério?

— Foi o que ela disse e não sei até onde esta história é real, pois tratar de conceitos de reencarnação foge de minhas crenças e da minha igreja. Mas se está certa ou não, no meu coração eu sinto que você é meu filho, pois eu o amo como tal.

Davide sentiu tal emoção que quis chorar; seus olhos encheram-se de lágrimas, mas estava confuso.

— Eu não entendo isso de reencarnação, isto existe mesmo?

— É complicado. Também não entendo completamente e não sei se é certo.

— Mas eu gostei da parte de pai e mãe. — Davide disse, emocionado, e riu. Sebastien sorriu lindamente para ele e os dois se abraçaram fortemente. — Nunca vou decepcionar o senhor, padre.

— Eu sei, Davide.

— Padre, eu não sei no que acreditar, a igreja diz uma coisa e estamos vivendo outra, como é isso? Estou confuso.

— Eu também estou. O que estamos vendo aqui é incontestável, mas a igreja não aprovará. Quando souber, vai ser uma balbúrdia, nem quero pensar nisso, mas o fato é que isso é real. Isso é um templo pagão que não conseguiu ser convertido. Portanto, se não abrirmos nossas mentes e irmos em frente, não conseguiremos descobrir a verdade e o objetivo disso. E eu não sou homem de desistir no meio do caminho, custe o que custar.

— E se isso custar sua batina?

— Então que assim seja, mas não vou deixar esta história sem um fim. Se estivermos cumprindo uma profecia, ela será cumprida.

— O senhor ama Marien?

Sebastien se perdeu. Virou-se de costas para ele e abaixou a cabeça, fechou os olhos, respirou fundo e demorou a responder.

— Tenho lutado contra este amor, Davide. Mas eu acho que não estou conseguindo ser forte o suficiente. Quando eu olho para ela, perco a razão, meu coração parece que arrebenta.

— O senhor não pode ficar com ela, está cometendo um grande pecado.

— Eu sei.

— O que vai fazer?

— É o que tenho me perguntado. Tenho pedido forças para tirá-la dos meus pensamentos, para não tocar nela, mas tenho falhado. Acho que eu estou sendo colocado à prova.

— Vai conseguir?

Sebastien se virou para Davide novamente e ele pôde ver a grande tristeza em seu olhar.

— Não. Eu já estou perdido.

— O senhor abandonaria a igreja para se casar com ela?

— Se ela me quiser, sim. Eu a amo, Davide.

— Isso é trair Deus.

— Trair meu coração seria trair Deus. Deus não vai querer um servo pela metade. Para que eu seria útil a Ele se meu coração morrer? Sei que tenho que ser fiel, mas amar Marien seria o trair?

— Não sei responder isso, padre. Não sei como lhe ajudar. Mas o senhor fez voto de celibato, não pode tocar nela.

— Não se preocupe, vou encontrar uma saída, tenho orado pela resposta certa. Ela ainda não veio, mas sei que Deus não vai me abandonar. Há uma única coisa que tenho certeza no momento.

— O que é?

— Eu já não me sinto feliz sendo um padre.


Capítulo 29

Era tarde da noite quando Urs levantou da cama. Havia perdido o sono e andou pela casa; olhou no quarto de Marien, viu sua cama vazia e foi até a sala, que era iluminada pela lareira acesa. Marien estava sentada no chão, escorada no sofá com algumas fotos das frases de Marien espalhadas pelo chão; estava parada, olhando para o fogo. Ele ficou ali por alguns minutos, olhando-a. Aproximou-se e sentou-se ao seu lado vagarosamente. Ela não disse nada; pegou a taça de vinho e bebeu um gole.

— Está se embebedando? — ele perguntou mansamente.

— Sim, eu estou com vontade.

Ele sorriu, pegou a taça da mão dela, bebeu e respirou fundo.

— Deveria estar dormindo.

— Perdi o sono.

— Quer me contar alguma coisa?

Ela o olhou, mas não sabia o que dizer a ele.

— Estava me perguntando onde está o túmulo de Marien. Eu sei que existe um túmulo.

— Se ele existe, deve estar em algum lugar lá embaixo.

— Deve. — disse, divagando.

Urs a olhou demoradamente e ela não tirava os olhos do fogo. Ele bebeu mais alguns goles do vinho de uma vez só, fechou os olhos e respirou profundamente, encheu a taça e deu a ela. Ela a pegou e fez o mesmo.

— Vai tomar um porre comigo?

— Se quiser, eu lhe acompanho. — ela olhou para ele e sorriu.

— Não sei como você me aguenta, Urs.

— É. Já me fiz esta pergunta.

— O que seu cérebro lhe respondeu?

— Que sou um insano. — ela riu.

— Por isso que devia se casar com uma pessoa certa da cabeça. Assim teria alguém para colocá-lo nos eixos.

— Pois é, mas acho que aquele ditado de que os opostos se atraem é furada, porque, se não, não teria me apaixonado por você.

— Obrigada pela parte que me toca.

Ele riu e bebeu mais vinho e deu a taça a ela.

— Você não devia estar bebendo.

— Urs, depois do que eu passei, mereço um momento de descontração, meu Deus!

— Tudo bem, eu vou relevar essa e para te mostrar que sou um bom companheiro, vou te acompanhar.

Ela riu.

— Por isso que eu amo você, me apoia..

— Ama, é?

Ela olhou para ele e meio que se perdeu e sorriu.

— Como não amar? Suas costeletas estão belíssimas e seu cabelo está como eu gosto.

— Como negar isso aos olhos de uma mulher com a cara cheia de vinho?

Ela riu e bebeu um gole.

— Bem que eu desconfiei que estivesse bêbado no dia do nosso casamento.

Ele soltou uma gargalhada e ela o olhou e desviou o olhar quando ele a olhou intensamente.

— Você não tem jeito.

— Por que quer ficar aqui? — ela perguntou.

— Por que não quer que eu fique? Ainda está brava comigo por causa do museu?

— Não. Não consigo ficar brava com você por muito tempo.

— Jura? Não é o que parece.

— Por que fala isso? Se eu estivesse brava, não tinha mais falado com você e o deixado ficar aqui, hospedado na minha casa.

— Bom... Isso é verdade, mas...

Ele se virou para ela, escorando-se no sofá. Ela colocou a taça no chão e o olhou. Urs a olhava de um jeito irresistivelmente arrebatador e Marien ficou perdida. Ele passou os dedos levemente pelo seu ombro e deslizou vagarosamente pelo seu colo só com as pontas dos dedos.

Marien sentiu seu corpo tremer quando ele passou levemente pelos seus seios. Ele a olhava de forma intensa com aqueles olhos exóticos que sempre a hipnotizavam.

Ela engoliu em seco, com a respiração descompassada, e ele continuou a lhe acariciar levemente.

— Urs, não faça isso. — disse com a voz embargada, fechando os olhos.

— Tudo bem, eu paro. — sussurrou sedutoramente.

Mas ele não parou. Acariciou sua nuca com as pontas dos dedos, pois sabia que era seu ponto fraco. Marien amoleceu e ele a puxou e a beijou profundamente. Ela quis se afastar, mas ficou amortecida ao sentir seus lábios.

Tentou fugir se arrastando de costas pelo tapete, mas ele a segurou. Beijava-a intensamente e empurrou-a para o chão e ali ela perdeu a razão. Urs começou a beijar seu corpo e a tocá-la onde sabia que a enlouqueceria; a faria se perder no desejo.

Marien, com os olhos fechados, deixou-o fazer aquilo, excitá-la, levá-la à loucura.

Ele era perito nisso, conhecia-a tão bem que sabia todos os seus pontos fracos. Adorava provocá-la.

Marien não tinha aquele momento nos seus planos, mas havia bebido demais e resistir ao toque de Urs foi impossível. Aquele chão virou cama e os dois fizeram amor em frente à lareira.

Urs pegou Marien no colo e a levou para a cama; como se aquele desejo banhado pelo vinho, que os deixara atordoados, não tivesse se dissipado, amaram-se mais.

Sem medir as consequências, embriagados pelos seus corpos e pelo vinho, Urs e Marien passaram a noite juntos, porque nunca conseguiram resistir um ao outro, como se não existisse um mundo lá fora os esperando.

Marien acordou sentindo o braço de Urs sobre ela. Moveu-se lentamente, olhou para o lado e tapou os olhos com as mãos.

— Senhor! — disse, lembrando-se da noite passada. — Urs, acorde!

— Hum... O que foi? — disse, sonolento.

— Levante, você está na minha cama.

— Não... É você que está na minha.

— Urs! — disse mais forte.

Ele se escorou nos cotovelos e tentou abrir os olhos.

— O que houve?

— Você prometeu que iria se comportar e está na minha cama de novo!

— Marien, eu não fiz nada que você não quisesse.

— Ai, Urs, por favor!

— Pare de ser rabugenta, venha aqui. — ele a puxou, fazendo-a se deitar na cama.

— Você não desiste?

— Não. Eu sou teimoso como uma mula. E você gostou, do que está reclamando?

— Seu convencido de meia pataca, volte para o seu quarto.

— Agora que já dormimos juntos, você quer me mandar embora! Ontem não me negou.

Marien levantou e andou pelo quarto de um lado a outro.

— Tudo bem, Urs. Eu não neguei, minha culpa, mas ontem é ontem e hoje é hoje, então vamos, levante, saia da minha cama.

— Meu Deus, está com TPM? Nunca reclamou ou se arrependeu nas outras vezes que transamos. O que te deu hoje?

— Estou é doida de nunca conseguir me negar a você. Que droga! O que você tem aí? Mel?

— Não gosto de mel, prefiro chocolate. — disse, rindo. Ele sentou e a puxou bruscamente pelo braço, fazendo-a gritar ao cair na cama. Ele a prendeu com o corpo e segurou suas mãos sobre a cabeça. — Tudo bem, hoje você levantou histérica, então acho que precisa ser anestesiada.

Ele a beijou com um beijo arrebatador, quente e intenso. Ela nem conseguiu se mover tamanha força que ele a pressionava contra a cama; ele só a soltou quando sentiu que ela não relutava mais. Afastou seus lábios e ela tentou respirar. Então ele afrouxou suavemente as mãos em seus punhos e a beijou levemente.

— Você me paga. — disse quase sem ar e rendida.

— Por que faz isso? — disse, enquanto roçava seu nariz no dela e tocava levemente os lábios dela com os seus sem a beijar.

— Isso o quê? — disse meio adormecida.

— Nega que me ama, nega casar-se comigo, me dar uma família. Só não se nega a fazer sexo comigo.

Ela abriu os olhos como se tivesse sido arrancada de sua anestesia. Seu coração doeu; ela virou o rosto para o lado e ficou imóvel. Ele a olhou e estranhou sua atitude.

— Tudo bem, Marien. — disse, tentando manter a calma e sentou na cama. — Eu te deixo em paz se me contar a verdade. Por que faz isso? — ela se encolheu na cama e ficou muda. — Marien, fale comigo, não fique aí muda deste jeito, eu sei que tem algo errado. O que é?

— Vá embora. Não há nada, Urs.

Urs passou a mão no rosto, apertando os olhos, contendo sua raiva.

— Responda-me!

— Não quero falar nada. Vá para seu quarto, já disse.

Ele irritou-se; puxou-a e subiu em cima dela.

— Pela última vez, eu vou perguntar. Por que faz isso? Fale-me de uma vez! — disse, gritando. — Você não me ama? Está apaixonada por outra pessoa? Fale logo, acabe com este joguinho que eu já cansei.

— Pare com isso, Urs! — disse, tentando se soltar.

— Não vou soltar até que me diga a verdade! Pare de mentir para mim! Fale, Marien, ama outra pessoa?

— Amo! — gritou.

Urs a soltou com os olhos arregalados e ficou a olhando, imóvel.

— O quê? — perguntou com a garganta embargada.

— Amo outra pessoa, não quero mais ficar com você, saia da minha casa e de Ancona! — disse, ríspida.

Urs ficou petrificado, não sabia o que fazer. Sentiu a mais profunda tristeza e raiva. Soltou-a, e ela rapidamente levantou.

— Quem é ele?

— Não te interessa. Eu não devia ter ficado com você ontem à noite. Urs, por favor, vá embora e me deixe em paz!

— Eu sei quem é. Você está apaixonada por aquele padre.

— O que está dizendo? — disse com os olhos arregalados.

— Não sou burro, Marien. Eu vejo como se olham. Vi como ele ficou alterado quando você ficou presa lá embaixo. Ouvi vocês conversando quando disse que Davide foi o filho de vocês em outra vida. Como pôde se apaixonar por um padre? Ficou louca?

— Isso não é verdade.

— É verdade, sim! Desde que veio para cá, está estranha, fala absurdos e fica se desmanchando por ele. Você dormiu com ele naquela noite que eu cheguei, era com ele que foi jantar e depois transou com um maldito padre! — gritou, fora de si.

— Você não sabe o que está falando, não é ele.

— É ele, sim, o seu Asch. Você se envolveu tanto nesta história que chegou a se apaixonar por ele e, na verdade, nunca me amou! Se tivesse me amado, teria escolhido a mim, que fui Ainan, a Asch, que na verdade traiu a amizade de Ainan, porque, ao invés de proteger Marien, a deixou morrer.

— Asch não a deixou morrer, tentou salvá-la! E Ainan preferiu ir para a guerra a lutar por ela! Deixou-a naquele maldito convento sendo torturada por dez anos por aquelas loucas que batiam nela, chicoteavam-na como se fosse uma criminosa! Arrancaram seu bebê dos seus braços como se ele fosse um pedaço de pano velho!

— Do que está falando? Ele não fez isso, acatou uma sentença, coisa que ela não fez. Se tivesse cumprido a pena, teria ficado com Ainan e seu filho quando ele voltou de Jerusalém. Mas não, fugiu e meteu-se num templo pagão e caiu de novo nas mãos da igreja! Você está cega por este padre e está confundindo as coisas. Meu Deus... — ele passou a mão nos cabelos, estarrecido. — Olhe bem o que estamos discutindo, nossas vidas, como se fossem de outras pessoas.

— Não...

— Pensa que este padre vai ficar com você? Ele não vai largar a batina por sua causa. Está transando com você porque está emocionado com esta historinha e é um calhorda. Quando isso acabar, ele irá voltar para a igreja e você ficará sozinha. Eu te ofereço uma vida juntos, uma família de verdade. Quero me casar de novo com você porque eu te amo; amei minha vida toda e sei lá quantas vidas antes dessa. Meu sentimento por você é imutável, e o fato de brigarmos e muitas vezes não sabermos lidar um com o outro não diminuiu o que sinto por você. Eu só queria ter uma família com você, ter um filho com você, Marien.

— Eu não posso lhe dar filhos, Urs, eu já disse para se casar com outra pessoa! — Marien gritou sem pensar. Urs paralisou quando ouviu isso. Marien fechou os olhos ao se dar conta do que tinha feito. — Saia daqui!

— Repita o que disse.

— Não disse nada! — ele foi até ela e a puxou pelo braço.

— Repita o que disse. Por que não pode me dar filhos?! — gritou, segurando-a pelos punhos com toda a força; estava descontrolado. Ela chegou a gemer pela dor de seus pulsos.

— Eu não posso, eu não quero, pare de me atormentar com esta história, saia da minha frente!

— Por que não? Não sou homem suficiente para você? Por acaso aquele padreco é? Você vai encher ele de filhos ou vai fazer com ele o mesmo que faz comigo? Ele pode te dar algo que eu não posso?

— Isso não importa, porque eu o amo. Pare de se meter na minha vida. Nossa história acabou, Urs.

Urs sentiu seu estômago embrulhar. Ele pegou suas roupas e se vestiu enquanto Marien ficou ali, parada como uma estátua, com lágrimas escorrendo pelo seu rosto.

Ele olhou para ela com o coração estraçalhado. Pegou sua maleta e saiu do quarto sem dizer mais nada. Marien, quando viu que ele tinha saído, encolheu-se na cama e ali ficou. Urs saiu da casa e entrou no helicóptero, colocou os fones e rapidamente levantou voo, dando um rasante pela casa.

Marien chorou até cansar. Levantou e foi para o chuveiro, deixando que a água lavasse aquela dor. Esfregou-se como se quisesse tirar o cheiro dele de seu corpo e sentou no chão, agarrando as pernas, e chorou mais que podia. Sua mente estava um caos e seu coração doía terrivelmente.

Expor-se daquela maneira foi horrível, mas por mais que tentasse ter um pensamento coerente e agir de forma correta, estava estragando tudo.

Em partes, ele tinha razão: ela estava confundida e não sabia mais onde terminava o passado e começava o presente.


Capítulo 30

Urs foi até a escavação. Desceu o helicóptero na parte plana da montanha, saiu dele e foi em direção às tendas. Sarah o viu descendo furioso e arregalou os olhos.

— Oh ouh... — ela disse, avistando problemas.

Urs passou por Sarah como um tufão e entrou na tenda. Sem falar nada, avistando o padre, lhe deu um soco no rosto que o fez cair no chão. Davide segurou Urs pelos braços, puxando-o pelas costas.

— Solte-me, Davide! — Urs disse, furioso.

— Calma, Sr. Barker. O que está fazendo?

— Estou dando um corretivo neste padre miserável que não preza a batina! Como ousa dormir com Marien?!

— Pare com isso, Urs! — Sarah disse, apavorada.

Davide tentava segurá-lo para ele não agredir o padre novamente e Sarah ajudou Sebastien a levantar do chão.

— Sr. Barker, do que está falando? — Sebastien disse, gemendo, sentindo seu rosto arder como uma brasa.

— Estou falando que você está transando com Marien enquanto fica com esta cara de bom moço e padre certinho!

— Acalme-se, Sr. Barker. O senhor não sabe o que está falando, não é nada disso. — Sebastien disse, tentando desmentir.

— Não adianta fingir, Marien admitiu. Quem você pensa que é para iludi-la deste jeito? Ela está fora de si e você está se aproveitando da situação! — ele se desvencilhou dos braços de Davide. — Se vocês dois querem viver esta mentira de estarem apaixonados, como pensam que foi para Marien e Asch, podem continuar, pois eu te garanto que isso é mentira. A Marien da história nunca esqueceu Ainan e a Marien de agora me ama, só que não admite isso por medo. Então querem se enganar? Fiquem juntos, pois vocês se merecem! Se for tão bruxo como pensa, quero ver você convencê-la a lhe dar um filho ou espere até que ela lhe diga o que me disse, que não pode se casar com você e ter uma família como todo mundo.

— Não fale assim dela e não a estou iludindo. — disse, tentando se controlar.

— Eu falo como quiser! Ninguém aqui a conhece mais do que eu, e você é um cretino que se esconde atrás destes votos de castidade falsos.

— Eu não me escondo atrás de nada. Eu amo Marien! — ele disse, perdendo o controle e erguendo a voz bruscamente.

Sarah tapou a boca para não gritar e arregalou os olhos. Davide fez o mesmo.

— Ama? — Urs perguntou meio zonzo.

— Amo com todas as forças do meu coração. E se ela não puder ou não quiser ter filhos, eu não ligo. Eu casarei com ela do mesmo jeito, pois eu a amo e o amor verdadeiro não pede nada em troca, como você está fazendo.

Urs o olhou, furioso; nem sabia se batia nele novamente ou caía morto ali mesmo. Todos ficaram mudos e Urs engoliu em seco.

— E o que te faz pensar que eu peço algo em troca? Eu a amo e teria me casado com ela mil vezes mesmo que ela nunca pudesse me dar filhos ou não quisesse. Não peço a ela que fique comigo para simplesmente me dar algo, eu quero dar a ela a minha vida! Quero compartilhar uma vida, mas ela não me aceita e diz que ama você. Então espero que você largue esta igreja que diz que preza e a faça feliz, porque eu estou saindo fora disso tudo. Façam bom proveito um do outro e de Ancona! Mas se você ou sua igreja a magoar ou fizer mal a ela, eu juro que te mato!

Urs virou as costas e saiu da tenda. Foi para o helicóptero e levantou voo; fez uma curva violenta e deu um rasante. O vento causado pelas hélices balançou as tendas de um modo que eles pensaram que tudo tombaria.

Todos ficaram petrificados, olhando para o padre, sem mal conseguir respirar. Sebastien fechou os olhos e escorou-se na cadeira; pensou que fosse vomitar, tamanho o embrulho no estômago.

— Padre, está bem? — Davide perguntou, assustado.

— Estou, Davide, estou.

Sebastien esfregou o rosto com as mãos, respirou fundo e saiu dali esbaforido e nervoso.

— Padre, aonde vai?! — Davide gritou, mas ele não respondeu; pegou o carro e saiu.

— Davide, diga que tudo o que eu ouvi e vi foi um pesadelo e que vou acordar. — Sarah disse em estado de choque.

— Queria que fosse, Sarah, mas não foi. — disse, sentando, trêmulo, na cadeira.

— Ai, o que vai ser deles agora?

— Não faço ideia. E vocês, nem uma palavra. — Davide disse, apontando para Celo e Vanna que estavam petrificados e mudos no canto da tenda.

— Eu não vi nem ouvi nada. — disse Celo.

— Eu também não. — disse Vanna.

— Preciso de uma tequila dupla, urgente. — Sarah disse.

— São nove horas da manhã, Sarah!

— Estou me sentindo na terra do nunca, então não me interessa que horas são. Venha, leve-me, porque depois não poderei dirigir. — ela o puxou pelo braço e ele não recusou; estava zonzo.


*


Sebastien chegou angustiado à casa de Marien.

— Marien! — gritou, entrando na sala, mas ela não respondeu.

Ele foi até seu quarto e a viu deitada na cama de penhoar e com os cabelos molhados. Ele sentou-se ao lado dela, segurou sua mão e ficou alguns minutos em silêncio. Ela respirou profundamente como se quisesse jogar para fora tudo que estava preso dentro dela. Sebastien nem sabia como começar a conversa.

— Contou a ele sobre nós, Marien?

— Ele descobriu sobre você, eu não consegui mais negar. Desculpe-me.

— Está tudo bem. — disse, retirando o cabelo dela que lhe caía no rosto.

— Agora está tudo acabado.

— Ele não disse que não quis você porque não pode lhe dar filhos, você não contou a ele seu segredo.

— Não, e não vou contar. Eu quero esquecer que ele existe. Eu não quero mais isso, estou cansada. Não quero mais Urs na minha vida.

— Venha aqui. — ele a puxou e a abraçou. Ela aconchegou-se no seu peito e ele acariciou seus cabelos. — Calma, Marien, não fique assim. — ela olhou naqueles olhos verdes e ele lhe acariciou o rosto. — Essa sua dor vai passar.

— Vai?

— Claro que vai, o tempo vai ajudar e Deus também, pois Ele é um bálsamo para nossas dores.

— Sempre pareceu ser um bálsamo para você.

— Não é só para mim, é para todos aqueles que O rogam.

— O que houve com seu rosto?

Sebastien colocou a mão no rosto que começou a inchar e arroxear.

— Seu ex-marido tem uma mão pesada.

— Ele bateu em você? — perguntou, espantada.

— Com toda força e raiva.

Marien respirou profundamente, lamentando tudo aquilo.

— Espero que o perdoe por isso, ele estava fora de si.

— Pareceu que seus motivos eram fortes.

— Nunca tinha visto Urs fora de si. Ele é sempre tão tranquilo.

— Talvez o que disse a ele tenha lhe doído demais.

— Talvez ele encontre um bálsamo também.

— Marien... Eu vou fazer uma pergunta e quero que seja sincera. — ela assentiu com a cabeça. — Você me ama?

Ela gelou com aquela pergunta e o olhou, espantada.

— Por que me pergunta isso?

— Porque você disse isso a ele.

Ela suspirou, cansada.

— Sim, eu disse.

— Hum... E isso é verdade? Ou só disse para irritar Urs?

— Existem muitos meios de dizer coisas para irritarem as pessoas, não colocaria você em risco por besteira, Sebastien.

— Então quer dizer que me ama.

— Eu não sei... Eu sinto algo muito forte por você, mas não sei o que é, mas acho que sim. — disse, meio confusa, roçando os olhos.

— Entendo. O que vai fazer agora?

— Eu não quero mais viver no passado, quero uma vida nova, quero esquecer Urs, não posso mais ficar desse jeito. Eu preciso deixar isso para trás, Sebastien. Eu quero viver em paz, eu quero ser feliz, quero recomeçar.

— Então se me ama, se você me aceitar, eu abro mão de tudo e me caso com você. Podemos começar uma nova vida, juntos.

Marien petrificou e arregalou os olhos.

— O quê? — disse meio confusa, não acreditando no que ouvia.

— Isso que ouviu. Não me importa que não possa me dar filhos, eu te amo. Não posso mais fugir disso, não consigo mais negar.

— Vai largar a igreja?

— Vou. Por você, eu largo tudo. Quero saber se é isso que quer.

— Tem certeza?

— Eu tenho, quero saber se você tem.

— Sebastien, eu...

Ele não a deixou terminar de falar. Aproximou-se dos lábios dela e a olhou nos olhos com todo amor de seu coração, fazendo-a paralisar.

— Eu amo você com toda minha alma, Marien. — e ele a beijou levemente, acariciando seu pescoço.

Marien sentiu uma corrente elétrica lhe passar pelo corpo.

— Eu não posso negar que estou apaixonada por você, mas não sei se isso é amor. Eu estou confusa. — ele sorriu.

— Quer descobrir? Eu sei que está confusa e não te condeno por isso. Eu só estou querendo saber se o que sente por mim é o suficiente para me aceitar e me encorajar a tomar a decisão de abrir mão de tudo. Nós seremos fortes juntos. — Marien tocou o rosto dele e não conseguia negar que o adorava. — Eu faço qualquer coisa para te ver feliz. Vou fazer tudo para sermos felizes juntos. Sei que não me pediu nada, eu decidi. Vamos terminar o que viemos fazer aqui e depois eu me afastarei da igreja.

Ela via claramente o amor dele em seus olhos e sentiu-se aliviada e rendida. Queria aquilo, queria desesperadamente virar a página de sua vida e começar de novo. Queria deixar Urs para trás de uma vez por todas e amar Sebastien.

— Você me quer assim, do jeito que eu sou?

— Eu não me importo, só quero você, isso me basta. Você me quer?

Ela sorriu e acariciou o rosto dele amavelmente.

— Quero.

Os dois se beijaram suavemente e se abraçaram.

— Nós vamos ficar bem, não se preocupe. — disse suavemente, lhe acariciando os cabelos.

— O que vamos fazer?

— Temos que ficar escondidos. Até eu me desligar da igreja, não podemos ser vistos juntos. Isso já está espalhado demais, só te peço um pouco de paciência. — ela o olhava fixamente, analisando seu rosto e a expressão de seus olhos. — Você está bem?

— Sim, só não queria ver ninguém.

— Não precisa ir a lugar nenhum até se sentir bem.

— Eu estou bem, mas eu queria ficar só com você.

— Quer que eu fique aqui com você?

— Sim. Se você quer ficar comigo, então faça eu me esquecer do mundo.

Tê-la em seus braços era tudo o que ele queria e ela estava ali, pedindo que a fizesse feliz. Amava-a perdidamente. Como ele poderia lhe negar isso? Ele a beijou e ela o empurrou, fazendo-o deitar-se. Sebastien rolou-a para debaixo dele, perdido de amor. Não pensava em nada, nada mais existia; somente ela nos seus braços.

Ele acariciou seu rosto e olhava para cada centímetro dele, admirando-o; aqueles olhos verdes intensos dela lhe deixavam entregue, extasiado.

— Quer se casar comigo? — ele perguntou, olhando-a com todo amor.

— Quero.

— Então nós vamos começar uma vida nova juntos, do zero.

Sebastien sorriu e a beijou lentamente. Os dois resolveram que a partir daquele momento estariam entregues a uma vida nova, juntos; uma vida pela qual os dois ansiavam.

Era uma loucura, mas estavam decididos a recomeçar, a mudar o rumo de suas vidas.

 

*


— Sarah, vai se embebedar a esta hora? — Davide perguntou, nervoso.

— Urgh! Está bem, irei tomar um café. — respondeu rispidamente.

— Não seja grossa, senão a deixo aqui.

— Ah, cale a boca. Eu nem sei por que estou falando com você.

— Se não queria falar comigo, por que me puxou para cá?

— Porque não tinha outro tapado para eu puxar.

— Vai continuar me xingando, sua chata? Eu vou embora.

Davide levantou e Sarah o puxou pela camisa, fazendo-o sentar.

— Está bem, eu não o xingo mais, mas fique aqui comigo. Se eu tiver um enfarto, preciso de alguém grande para me tirar do chão.

— Você é chave de cadeia, assim como Marien.

— Ah, não fale mal dela. Ela é destrambelhada, mas eu a amo, entendeu? E eu pensei que gostasse dela.

— Não estou falando mal, eu a adoro, só que vocês duas estão fazendo o padre e eu perdermos as estribeiras.

— Eu não estou fazendo nada, e o padre se apaixonou por ela porque, porque... Ah, sei lá por quê!

— Como você não está fazendo nada? Bom, talvez não esteja mesmo, este é o problema.

— Que problema, Davide? Não estou vendo problema nenhum.

— Está vendo? Este é o problema. Você não enxerga o seu problema.

— Ai, não me deixe confusa.

— Acontece, Sarah, que você foge de si mesma, fica aí com este ar altivo, se achando a rainha que sabe tudo, a moderna, e não é capaz de abrir seu coração para viver a verdade ou se entregar.

— Entregar-me, Davide? Para quê? Para passar pelo que eles estão passando? Não, obrigada.

— É! Talvez tenha razão. E tem mais, talvez você não goste nada de mim porque não quer arriscar seu pescoço. Você mesma me falou de amor e agora está fugindo. Não te entendo. Pensei que o panaca aqui fosse eu; o padre tem mais peito que você. Pelo menos está lutando por Marien.

— Agora você vai começar a me xingar?

— Não estou a xingando, estou falando uma verdade. E quer saber? Não quero mais falar com você, vou ver como Marien está. Ela deve estar precisando de ajuda. — Davide foi levantar, mas Sarah o puxou de volta. — Pare de me puxar!

— Você não vai a lugar nenhum! Onde você pensa que o padre foi? Foi atrás dela. Deixe-os, que eles precisam conversar.

— Como sabe que ele foi atrás dela?

— Só você para não saber disso, não é, Davide? Por que acha que eu não fui atrás dela? Porque eu tenho certeza que ele foi.

Ela ficou o olhando estranhamente, quis dizer algo mais.

— O que foi? Por que está me olhando desse jeito?

— É que... Eu... Eu gosto de você.

— Gosta?

— Gosto mais do que devia.

Ela bateu no peito dele com força e ele fez careta. Ele se virou bem para ela, olhando-a intensamente.

— Se gostasse, teria me aceito.

— É que... que eu não quero te perder depois.

Ela o olhou com uma cara amuada e espremendo os olhos. Davide segurou o rosto dela com as mãos.

— Isso é uma coisa que podemos resolver depois, não acha?

— E se a gente não conseguir resolver?

— Você prefere jogar fora o que sente a viver? Nem que seja por um minuto a viver a eternidade sem se entregar, sem sentir o perfume dos seus cabelos ou o toque do seu corpo?

— Essa fala é minha. — disse, atordoada.

— Eu sei, eu a ouvi bem. Mas acho que você falou da boca para fora.

Sarah fechou os olhos, respirou profundamente e o olhou.

— Você ainda quer namorar comigo?

— Só se disser que me ama.

— Se eu disser, o que vai fazer?

— Vou levá-la para uma cama e mostrar quanto eu amo você.

— Assim é fácil me convencer. — disse, sorrindo, e ele sorriu.

— Diga... Com todas as letras.

Ela respirou profundamente e tomou coragem.

— Eu te amo, Davide, e eu quero namorar você.

Ele abriu um sorriso maior que ele.

— Eu também te amo, Sarah.

Os dois se beijaram tão ardentemente que quase se derreteram.

— Me leva para cama? — ela disse quase sem voz. Ele levantou e a puxou pela mão. Foram para o carro e seguiam pela estrada vazia, indo para o chalé de Davide. — Pare o carro! — ela gritou.

Davide freou bruscamente, indo para o acostamento.

— O que foi, desistiu? — disse, arregalando os olhos para ela.

— Não, mas eu não aguento esperar até chegar em casa.

Sarah sentou sobre as pernas dele, beijando-o enlouquecida.

— Você é louca! — disse quase sem conseguir soltar seus lábios.

— Achei que já tinha percebido isso. Mas eu sou louca por você, seu tapado.

— E eu sou louco por você, sua maluca.

Os dois sorriram um para outro e continuaram a se beijar e fizeram amor.


Capítulo 31

— Tudo bem, pessoal! Temos uma nova missão. — Marien disse, entrando na tenda com o padre, e todos os olharam paralisados.

— Qual é? — Sarah perguntou. — Hum... Vocês estão bem?

— Estamos, Sarah, não se preocupe. Bem, eu quero saber onde está o túmulo de Marien. Passem-me as fotos daquela sala. Revirem aquilo de cabo a rabo, revirem aquelas paredes e passagens de cima a baixo, encontrem passagens, portas, labirintos, o que for.

Sarah e Davide se olharam e ergueram as sobrancelhas.

— Tudo bem. — Davide disse, levantando. Pegou as fotos e as colocou na mesa. — Há algumas inscrições bem estranhas aqui.

— Estranhas como?

— Veja esta aqui. “Vi-me em outra vida, num lugar tão estranho, mas tão lindo. Eles estavam lá e minha paz era completa, ninguém me perseguia, e dormia numa rede embalada pelo amor”. E um pouco mais embaixo, estava escrito isso: “Foi concretizada”.

— Foi concretizada, ela poderia estar falando da profecia.

— Hum... Isso seria impossível, a não ser que ela visse o futuro.

— Quem estava lá?

— Odeio enigmas. — Sarah disse, bufando. — Por que o povo antigo adorava escrever enigmas? Uma literatura clara seria o adequado.

— Se tudo fosse claro, Shakespeare teria sido menos famoso. — Davide disse, sorrindo para ela.

— Conhece Shakespeare, Davidezinho? — Sarah disse, escorando o queixo com a mão e o olhando meio hipnotizada.

— Conheço, sim. — respondeu, sorrindo.

Marien os olhava com os olhos arregalados e, sorrindo, olhou para o padre, que também sorria.

— Parece que vocês fizeram as pazes. — Marien disse.

— Aham... — disse Sarah, sem deixar de olhar para Davide.

— Que ótimo. Mas como não estamos estudando Shakespeare, eu gostaria que nos focássemos em Marien.

Os dois ajeitaram-se nas cadeiras.

— Olhem essa aqui. “Preciso dormir sobre o ouro e rodeada de pedras preciosas para que meu túmulo esteja reluzente e forte e eles me vejam”.

— Os minerais eram muito importantes para a Deusa mãe e ela, como filha, devia acreditar e usar seus poderes. Era uma maneira de pedir proteção, força e catalisar os encantamentos. — explicou Marien.

— Isso quer dizer que elas usavam ouro e pedras preciosas para fazer encantamentos?

— Sim, é bem provável.

— Eu gostaria de encontrar alguma pedra preciosa nestes buracos fantasmagóricos.

— Isso seria meio difícil, Sarah, e seriam pedras pequenas, nada grandioso.

— Quando uma pessoa era morta por causa de bruxaria, a igreja ficava com todos seus bens. Se a igreja ficou com tudo que encontrou no templo, quem sabe Asch não recuperou tudo. Deveria estar aqui.

— Isso seria uma possibilidade.

— Bom motivo para acusar qualquer um de bruxaria, não?

— A igreja nunca precisou de motivos para acusar ninguém de nada. Mesmo que os seguidores da Deusa praticassem magia, não tinham o direito de matar ninguém.

— Direito era uma palavra que não existia na idade média, Sarah. — houve um silêncio tenebroso. — Temos que encontrar a espada de Asch e o túmulo de Marien; devem estar aqui em algum lugar. — disse Marien, mudando o assunto. — Queria saber como Asch foi parar na França.

— O professor disse que Asch era um nobre de Gales e, quando voltou à Grã-Bretanha, se casou com uma nobre francesa e se mudou para a França. Deve ter se casado por algum trato. E olhem isso. — disse, pegando a pesquisa do professor. — Não sei onde ele conseguiu isso, mas deve ser sua última carta. Aqui diz: “Tudo deve ser enterrado com minha roupa de templário e as chaves. A cruz do meu peito agora não honra a igreja, agora é a marca que protege o segredo e me guiará através dos tempos. A terra repetirá suas voltas e depois colocará as coisas no seu lugar. Seus segredos serão revelados. As pedras encobrem as cores brilhantes e eu haverei de me redimir mais de uma vez.”

— Ele podia ter dito onde foi parar sua espada. — Davide disse.

— É, podia. Ele fala da profecia, é claro, a terra repetirá suas voltas e depois colocará as coisas no lugar.

— Vocês todos se encontraram, não é? Só não sei como que vão colocar as coisas no lugar, pois, para mim, tudo está muito fora de onde deveria estar. — Sarah disse.

— O que ele quis dizer com “as pedras encobrem as cores”?

— Também não entendi. Mas será que não está se referindo a mesma coisa que ela nas mensagens? Como pedras preciosas e ouro?

— Vamos continuar vasculhando aqueles túneis. O túmulo dela deve estar em algum daquele labirinto.

— Acha mesmo que Asch a enterrou dentro do templo? Ele pode tê-la queimado no mar, como na tradição celta. Aliás, ele me parece um belo mago dos mitos de Avalon. — disse, rindo.

— Não, isso fugiria de sua lógica para as descobertas. Ele colocou tudo no templo, provavelmente ela está numa tumba. Assim, seu túmulo estaria seguro, esperando que nós a encontrássemos, assim como todos os artefatos.

— Ok, então nós vamos achá-la. Vamos, Davidezinho, vamos descer. — disse Sarah.

Eles saíram, e Marien e Sebastien ficaram olhando os escritos e as fotos.

— E se ele enterrou sua espada junto de Marien? — Marien perguntou e Sebastien sorriu para ela.

— Isso pode ser certo. Se ele a amava tanto, poderia ter deixado com ela, só assim teria se separado dela. — Marien sorriu.

— Será que ele foi infeliz no seu casamento?

— Se foi um trato, é possível. Espero que pelo menos ele tenha encontrado algum momento de felicidade.

— A vida é feita de momentos, não é?

— É. E eu espero que nossos momentos sejam assim felizes para sempre. — disse baixinho.

Ela sorriu lindamente para ele e pegou sua mão, acariciando-a.

— Vamos descer?

— Vamos.

Desceram e iam de um lado a outro, entrando pelos labirintos, procurando algo e não encontravam nada que levasse ao túmulo. Encontraram vários artefatos, mas nada que fosse significativo para eles ao seu intento. Estava anoitecendo quando saíram de lá para irem para casa.

— Acho que você tem que conversar com este pessoal. — Marien disse para o padre.

— Sim. Observam-nos o tempo todo e nos olham de canto de olho. Isso é ruim. Bem, eu tenho que ir, te vejo amanhã?

— Sim, boa noite.

Ele a seguiu até o carro e fechou a porta para ela. Quando viu que ninguém os olhava, chegou à janela e cochichou:

— Eu queria poder ficar com você.

— Eu sei, eu também. — ela disse baixinho.

— Sinta-se beijada agora mesmo. — ele piscou para ela e saiu de perto do carro, meio contrariado.

Ela sorriu, abaixou a cabeça por um minuto e foi para casa. Foi direto tomar banho, pois estava imunda e, depois, arrumou algo para comer.

Fez uma massa com molho branco e sentou sozinha na cozinha para jantar. Abriu um vinho e bebeu um gole.

Respirou fundo, pegou o prato e foi para a sala. Acendeu a lareira, colocou uma música suave, sentou e colocou as pernas em cima do sofá e comeu com o prato na mão, como gostava de fazer.

— É, Marien, você está evoluindo. Foi pedida em casamento e não pode nem beijar seu noivo! E ainda tem que ficar aqui sozinha; nem ganhou um anel, bem romântico! — dizia alto para ela mesma, enquanto devorava o macarrão.

Veio à mente de Marien quando Urs lhe pediu em casamento e ela incomodou—se no sofá.

— Pare de pensar, Marien. Você está proibida de pensar em Urs, entendeu? Seus dias de deleite com ele acabaram, chega. Seu foco agora é Sebastien. Que também eu vou te contar, heim? Tinha que ser padre! Mas tudo bem... Ele vai deixar de ser padre; nós vamos nos casar e seremos felizes. Mas agora, dona Marien, se contente em tê-lo às escondidas. Pareço uma adolescente namorando escondida da mãe. Acho que Lizza tem razão, eu devo ter caído do berço e batido a cabeça quando era pequena. Mas meu padre vale a pena, ele é um amor, é lindo, é uma delícia. — disse ela, sorrindo e divagando.

— Deveria pensar mais baixo!

Ela levou um susto; gritou e quase derrubou o prato da mão.

Virou-se rapidamente, avistando Sebastien lindamente encostado na porta da cozinha e sorrindo.

— Sebastien, o que faz aqui?

— Não aguentei, eu tive que vir vê-la.

— Como entrou?

— Pela porta dos fundos. — disse, rindo.

— Jura?

— Sim. — ela riu e ele chegou perto dela e a beijou. — Eu deixei o carro lá nos fundos. Acho que também virei adolescente.

— Isso deve ter custado um degrau para baixo. — ele riu e a beijou demoradamente, segurando seu rosto, deixando-a tonta. — Quer jantar?

— Quero, obrigado.

Ela foi até a cozinha e arrumou um prato e uma taça de vinho para ele. Fechou as cortinas da casa e os dois sentaram no chão da sala. Ficaram comendo e conversando em frente à lareira, bem à vontade. Sebastien achou o jeito dela despojado e engraçado.

— Suas divagações são engraçadas.

— É... Condiz com minha situação. — ela respondeu, rindo.

— Mas eu também ouvi quando você disse que não ganhou um anel. — ela se engasgou com o vinho e tossiu.

— Ouviu tudo? — disse, olhando-a com os olhos arregalados e ficou sem jeito.

— Ouvi.

Ele colocou a mão no bolso e tirou uma caixinha e a abriu. Havia um lindo anel dentro. Marien ficou boquiaberta.

— Ai, meu Deus!

— Foi Davide que comprou para mim na joalheria da cidade. Eu não poderia ir até lá e comprar um, não é? Mas acho que vai gostar.

Marien ficou muda. Ele colocou o anel em seu dedo e a beijou com o coração palpitando no peito.

— É lindo! — ela beijou Sebastien docemente e sorriu.

— E também lamento que não possa usá-lo em público.

— Hum... — resmungou tristemente.

— Sinto muito. Mas é só por enquanto, logo isso vai acabar. Eu só queria que o tivesse para saber que estou falando sério sobre nós.

— Eu sei. — ela acariciou seu rosto. — Você contou a Davide?

— Tive que contar a alguém em quem eu podia confiar, senão como eu iria poder lhe dar um anel?

— E como ele reagiu?

— Teve um ataque, depois ficou feliz por nós, vai nos ajudar.

— Imagino a carinha dele. — disse, rindo.

— Você... Deixa-me dormir aqui com você esta noite?

— Sim. Hoje e todas as noites.

Beijaram-se e terminaram de jantar. Ficaram horas conversando e rindo, contando histórias e fazendo planos, depois foram dormir. Tiveram uma noite tranquila de amor, como se não estivessem fugindo de ninguém.

Quando amanheceu e Marien acordou, ele não estava mais ao seu lado. Ela abraçou o travesseiro para sentir o cheiro dele. Olhou para sua mão, admirando o anel por alguns minutos com um sorriso no rosto. Tirou-o do dedo, colocou-o dentro de sua caixa de joias e vestiu-se para trabalhar.

Mas quando ia sair do quarto para tomar café, sua visão escureceu e, depois, um clarão lhe veio à mente.

Ela viu Marien vestida de branco perante um tablado de pedra com uma grande estátua atrás. Ela virou-se e olhou como se fosse direto para ela. Seu colar era a estrela de cinco pontas e, em cada ponta, reluzia uma pequena safira e claramente a voz daquela mulher lhe entrou pelos ouvidos.

— “Preciso da minha paz, a profecia tem que se concretizar. Não se perca do seu caminho, o tempo está acabando, abra seus olhos”.

Viu-a erguer uma imensa pedra verde entre as mãos e estendeu a ela. Uma dor lhe tomou o ser. Marien caiu no chão sentindo uma dor enorme no coração, como se fosse ter um enfarto. Respirou com dificuldade e o ar mal passava para seus pulmões.

Sua visão voltou-se para Ielay e Ainan, que lutavam bravamente lado a lado contra os inimigos. Viu quando Ainan jogou-se na frente da espada que atingiria seu filho, sendo perfurado.

Ela sentiu a dor da espada perfurar o corpo de Ainan como se fosse nela e Marien gritou, contorcendo-se e, então, ouviu o grito de Ainan chamando o nome de Marien.

Ela tentou respirar e, quando se deu conta, estava em seu quarto e sua dor diminuía. Ela tentou se levantar do chão lentamente, escorando-se na cama.

Ao mesmo tempo, do outro lado do mar, em Londres, Urs, que conversava com Harry e segurava uma xícara de chá na mão, deixou-a cair e espatifar-se no chão. Sentiu a mesma dor e teve a mesma visão que Marien. Ele caiu no chão sem conseguir sustentar suas pernas e foi auxiliado por Harry.

— Milorde, o senhor está bem?

— Estou. — disse quase sem respirar e Harry o fez se sentar no sofá.

— Quer que chame um médico?

— Não... Está passando. — disse, contorcendo-se e segurando o abdômen com os braços.

— Foi outra visão?

— Sim. Eu vi aquela mulher novamente e... — ele puxou o ar forçosamente. — Eu vi a luta na qual Ainan foi atingido. Ele se jogou na frente do rapaz.

— De Ielay? O que era filho dele?

— Sim.

Harry suspirou.

— O senhor saiu de Ancona, mas não se libertou disso. Não pode fugir do seu destino.

— Eu não posso ficar lá, não aguentaria vê-la com aquele padre.

— Se não lutar por ela, vai perdê-la para ele.

— Ela fez a escolha dela.

— A escolha dela está errada.

— Como faço para convencê-la? Ela o ama e me negou mais de uma vez. Não posso controlar o coração dela.

— Então vai simplesmente desistir?

— Eu nunca desisti, mas eu cansei e não vou rastejar, já fiz de tudo por ela. Se Marien não me quer, tenho que esquecê-la de uma vez por todas. Talvez tenha sido uma estupidez ter me envolvido de novo; nós devíamos ter ficado como estávamos. Pelo menos estávamos juntos, agora não tem mais jeito. Ficou num caos tamanho que é insuportável ficarmos perto.

— Aquela história é tanto sua quanto deles, tem que voltar.

— Eu não posso, Harry. Ela está aficionada por Asch e pelo padre. Talvez Asch tenha sido mais importante para Marien do que Ainan e talvez aquele padre seja mais importante do que eu.

— Se fosse para o senhor ficar fora disso, por que continua tendo estas visões?

— Boa pergunta, só que não sei a resposta. Meu Deus, quando isso vai acabar? Eu não devia tê-la mandado para lá, olha no que deu. A perdi para um padre e fico tendo estas malditas visões, agora mais fortes e ainda sinto dores. Que inferno!

— Como eu disse, não pode fugir de seu destino, milorde. Ele o perseguirá.

— Que destino? Ter que perder a mulher que eu amo e ficar tendo chiliques por todo lugar que eu vou?

— A milady sempre o amou. Não conheço nenhum casal que ficou junto depois de se divorciarem. Creio que vocês nunca deviam ter se separado.

— Ela não me quis mais e por mais que eu concordasse que nosso casamento estava falido, eu sempre soube que ela me amava, mas nunca foi o suficiente. E como você mesmo disse, amava, pois agora ela ama aquele padre que de padre não tem nada. Os sentimentos mudam, Harry. A gente pode deixar de amar.

— E é o que pretende fazer? Deixar de amá-la?

— Sim, mulher querendo se casar comigo é o que não falta.

— Ah, claro! — disse Harry, entortando a boca. — Quem não iria querer se casar com um homem bem-apessoado e rico como o milorde. — disse, enquanto juntava os cacos da xícara do chão. Urs o olhou de canto de olho e respirou fundo. — Está se sentindo melhor?

— Sim.

— Milorde, há mais coisas neste mundo do que simplesmente as que vemos. O senhor está tendo visões, revivendo outra vida; isso não é besteira e também não é em vão. E milady também sabe disso, mas está seguindo o caminho que escolheu, mas ela está tão perdida quanto o senhor.

— Está falando isso só por que quer me ver feliz, Harry?

— Sim, estou. Mas não posso ajudá-los se ficarem se negando a ver a verdade. O conheço desde que era um bebê, então vê-lo com esta cara de que morreu é triste para mim. Mas se prefere que diga que ela fez a melhor escolha e que os dois serão felizes longe um do outro, pois bem, eu direi.

— É isso mesmo que eu quero que diga.

— Tudo bem, senhor. Direi, mas eu não acredito nisso.

Harry virou as costas e saiu. Urs recostou-se no sofá com os olhos fechados e esfregou o rosto fortemente.


Capítulo 32

Marien recuperou-se do seu súbito mal-estar e das dores. Foi até o banheiro se escorando nas paredes, lavou o rosto e respirou fundo. Olhou-se no espelho e mal via sua fisionomia.

Foi à cozinha e fez um café forte; bebeu-o e saiu vestindo um casaco. Apesar de todo o incômodo que aquelas visões lhe causavam, já estava se acostumando a elas.

Não entendeu direito o que viu, mas parecia que Marien estava ávida para que a profecia se concretizasse. Só que Marien ainda não tinha entendido o que exatamente esta dita profecia, que era tão vaga, queria dizer.

Depois de chegar à escavação, pôs-se a trabalhar calada.

— Marien, você está bem? Parece meio nervosa. — Sebastien perguntou preocupado, aproximando-se.

— Estou bem, mas tive outra visão.

— O que viu?

— Vi Marien e, depois, a última luta de Ainan.

— O que quer dizer?

— Não sei, mas eu vi claramente o pentagrama dela e ela estava segurando uma enorme pedra nas mãos.

— Seria normal ela usar pedras.

— Acontece que era uma enorme esmeralda bruta, quase do tamanho da minha mão. — resmungou entre os dentes e cochichando; Sebastien, espantado, arregalou os olhos.

— Tem certeza?

— Tenho.

— Acha que esta pedra poderia estar aqui?

— Eu não sei. Depois de a igreja ter passado por aqui, eu duvido muito. — disse, irônica, e Sebastien entortou a boca. — Desculpe, mas é verdade.

— O que está fazendo?

— Vou descer. Tem algo lá que ainda não encontramos e eu quero encontrar logo.

Sebastien a segurou pelo braço.

— Por que está assim?

Ela respirou profundamente e o olhou.

— Porque ela disse que o tempo está acabando. Nós estamos esquecendo algo, não estamos vendo tudo que deveríamos.

— Você quer encontrar o túmulo dela, não é?

— Eu quero. Ela está presa aqui e temos que libertá-la. Se nós encontrarmos o seu túmulo, ela será libertada. É isso que as escrituras dizem, foi isso que eu entendi.

— Eu também entendi isso.

— Minha sensação não foi boa, aliás, foi péssima. Estamos nos esquecendo de alguma coisa ou estamos fazendo algo errado. Então, vamos, eu preciso de você para encontrar o túmulo.

Sebastien pegou suas coisas e se prepararam para descer. Quando chegaram ao salão principal, Davide veio correndo.

— Encontramos outra passagem. Vamos, eu lhes mostro!

Os três correram e foram de encontro a uma parede.

— Esta inscrição aqui diz, “Suas palavras não estão ao vento e serão escritas novamente. Sua mão é sagrada”.

O padre olhou para ela, que respirou fundo. Ela colocou a mão na parede, fechou os olhos e dali alguns segundos a parede moveu-se.

— Estou me sentindo uma bruxa dos filmes. — ela disse, espantada, e eles riram.

— Isso é incrível! Esse Asch era um bruxo e tanto! — disse Davide, rindo eufórico e os dois o olharam. — Hum... Está bem, ele era um templário conhecedor de algumas magias simplórias. — disse com cara de sério e falando grosso; Sebastien e Marien riram dele.

— Vamos. — disse Marien.

Entraram na passagem e seguiram por um túnel que dava em outro. Iluminavam o caminho com as lanternas; desceram alguns degraus de escada e deram numa outra porta.

— Outra porta! — disse Marien, indignada, com as mãos na cintura.

— Vamos, Marien! — disse o padre, fazendo sinal.

— Por que eu abri sozinha essas portas e não precisei de sua mão?

— Talvez algumas seja sua função. — disse o padre, rindo.

— Asch devia ser um marido complicado. — ela disse, sorrindo ironicamente.

— Engraçadinha.

Marien fez a mesma coisa, mas nada aconteceu. Concentrou-se com toda força e colocou as duas mãos e a passagem se abriu. Eles se olharam, rindo, e entraram; deram em outro salão.

Deram alguns passos e Marien iluminou um canto da sala; paralisou e os dois fizeram o mesmo.

— Ai, minha mãe do céu! — Davide disse.

— É o túmulo dela? — Marien perguntou meio paralisada.

— Deve ser. — disse o padre.

Eles se aproximaram de um tablado de pedra que parecia uma caixa retangular.

— Não há nenhuma inscrição, nada. — Marien respirou fundo. — Meu Deus, eu não acredito que encontramos o túmulo dela! — ela pulou no pescoço de Sebastien, feliz, e seus olhos brilharam. — Vamos mover a tampa. — disse, movendo as mãos nervosamente.

Os três, com dificuldade, moveram a tampa, que era imensamente pesada.

— Ai, Cristo! Como podiam carregar pedras pesadas deste jeito? — Davide disse, fazendo toda força possível.

Com as lanternas, tentaram iluminar a pequena fenda que se abriu.

— Não há corpo, está vazia. — Marien disse, desapontada.

— Não é possível, isto é uma tumba, teria que estar aqui. — disse o padre, olhando mais no fundo e depois olhando ao redor.

— Vamos, empurrem isso, vamos abrir mais. — forçaram com toda a força para retirar a tampa pela metade. Respiraram, tentando tomar fôlego, e iluminaram. — Nada de corpo. — disse o padre, decepcionado.

Marien pegou alguns rolos cheios de teias de aranha.

— Mais pergaminhos. Por que ela não está aqui?

Davide pegou uma rocha e olhou, franzindo a testa.

— O que é isso?

— Parece uma pedra.

Marien pegou e a olhou com os olhos arregalados.

— É a pedra que viu? — o padre perguntou.

— Não sei.

Ela pegou um pano e a limpou e, com a lanterna, tentou iluminá-la bem.

— Jesus! É uma safira bruta.

— Você disse que viu uma verde. — o padre disse, espantado.

— Eu disse, mas não é essa.

— O quê? Isso é uma safira bruta? Deste tamanho? — Davide indagou, boquiaberto.

Os três, com cuidado, retiraram os outros pergaminhos que estavam dentro e tentaram achar algo mais.

— Não há mais nada.

Marien pegou um rolo e vagarosamente o estendeu sobre a tampa. Sebastien iluminou o pergaminho e tentaram ler.

— “Acostumei a não falar depois de dez anos amordaçada e escrever era um agrado a Ainan, pois sei que ele o fazia, por isso escrevo mesmo que ninguém leia. Eu estou feliz aqui no templo, mesmo longe do meu filho. Sei que ele está bem sob a proteção do rei. Meu coração padece e eu conto os dias para que ele volte e me encontre. A sacerdotisa disse que sou especial”. Aqui está apagado.

— Continue. — Davide pediu, curioso.

— “Quando ela chegou à baía com seu imenso barco, disse que veio me buscar. Sabia que eu estava ali e que eu era uma escolhida, então me trouxe para cá. Não relutei, pois minha vida corria perigo e a de meu filho também. Assim ele estará seguro sem mim. Estou aprendendo e aqui me sinto em casa”.

— São manuscritos de Marien. — o padre disse, boquiaberto, e Marien riu.

— Meu Deus! Vamos levar isso para cima, porque ficarei cega lendo nesta escuridão. Davide, peça aos homens que venham vasculhar tudo aqui e fique de olho neles.

— Pode deixar! — disse, rindo.

Marien e o padre levaram os manuscritos para a tenda e os abriram cuidadosamente para lê-los.

— “A sacerdotisa nos ensina muitas coisas. O poder das pedras é magnífico. Eu vi coisas que jamais imaginei ver, sinto energia em minhas mãos. Falta um ano para Ainan voltar de Jerusalém; eu tentei de todas as formas conseguir notícias dele, mas não consegui. Eu sei que ele está vivo, eu o sinto. Eu o vi esta noite, ele estava deitado no deserto e olhava as estrelas, pensava em mim. Meu coração dói, eu conto os dias para que possa vê-lo de novo e sei que ele quer o mesmo, pois consigo sentir o amor em seu coração. Como queria poder contar a ele sobre nosso filho, quão lindo e forte ele é; possui a expressão forte igual ao do pai. Meu coração sofre por ficar longe deles. Quão enorme este castigo que caiu sobre mim, mas preciso de força para sobreviver e esperar pelo dia em que o verei novamente. Quem sabe a deusa me dê a graça de poder ter minha família de volta. É o que eu peço a ela todos os dias. Hoje o nosso grupo de templários está festejando, estão felizes e dançam ao redor da fogueira. Como eu queria que você estivesse entre eles”.

— Como um amor pode sobreviver assim por tanto tempo com eles separados? Como ela conseguia vê-lo tão claramente? — Marien indagou, nervosa.

— Parece que ela tinha um poder e, incrivelmente, a sacerdotisa foi atrás dela, sabia onde ela estava. Essa sacerdotisa não era nada fraca. — disse, levantando as sobrancelhas.

— O que um grupo de templários estaria fazendo ali?

— Boa pergunta, será que estavam de passagem?

— Pode ser, mas talvez eles estivessem voltando para casa. Mas não parece o grupo de Asch.

— Não. Aqui ela ainda não sabe da morte de Ainan. Mas é impressionante ela conviver com templários, servos da igreja, não entendo. Eles deviam estar contra ela e não festejar ao seu redor.

— Realmente, isso é estranho. Talvez fossem desertores.

— Bem, acho que assim seria possível mesmo.

Marien abriu outro pergaminho, respirou fundo e leu.

— “Hoje a sacerdotisa me revelou algo. Disse que duas grandes desgraças se abateriam sobre mim novamente, que minha carne e minha alma sofreriam a brusca desgraça, mas que eu conheceria o segredo e eu teria o poder de voltar e ter uma nova chance. Eu encontraria a escolhida que, pela minha alma, colocaria todas as coisas onde deveriam estar, antes da mão da besta se abater sobre mim. Disse que uma profecia seria revelada e a verdade seria lançada ao mundo. Confesso que fiquei com medo. O que seria mais cruel do que ficar quinze anos longe do homem que amo, longe do meu filho e ter flagelos cicatrizados na minha carne?”

— Aqui ela fala da profecia. Nem imagino quantas cicatrizes ela devia ter no corpo. — Marien disse, esfregando a testa.

— A sacerdotisa a estava preparando para o que ela iria passar.

— Então a sacerdotisa sabia de tudo que iria acontecer.

— Parece que sim.

— Se sabia, por que não evitou, por que não fugiram dali?

— Da maneira que ela fala, esta profecia deve ter sido passada por anos, Marien. Uma profecia era algo sagrado, não podiam fugir dela. Era a mesma coisa que Jesus no calvário; ele sabia tudo pelo que passaria, mas foi em frente. A questão é que talvez elas não soubessem exatamente o que iria acontecer. Talvez só que algo muito ruim aconteceria para no fim ter um bem maior ou sanar o mau.

— Eu não consigo ver bem maior nisso.

— Talvez você não, mas elas viam.

— Deixe-me ler outro. “Nem sei por que eu escrevo se minhas lágrimas borram a tinta. Desejei morrer, o tiraram de mim pela segunda vez”.

— Ai, Jesus! Aqui ela descobre a morte dele.

Marien tomou ar e continuou.

— “Quando os templários chegaram, meu coração parecia que iria saltar para fora do meu corpo, mas não era ele; era um amigo que me trouxe sua espada, sua roupa e suas cartas. Esta deve ter sido a desgraça que se abateria sobre mim. Pobre de mim, e maldigo daquele vil ser que fala em nome de Deus em falso, que não tem misericórdia ou justiça. Suas últimas palavras foram para mim. Ai, dor cruel que me rasga. Sir Asch contou-me que ele morreu salvando nosso filho na batalha. Pelo menos ele teve a alegria de conhecer Ielay, fruto de nosso amor. Mas eu nunca mais verei seu rosto, seus olhos, tocarei sua pele, verei seu sorriso. Que desgraça que se abate sobre minha alma”.

Marien começou a chorar. Um clarão lhe veio à mente e viu Marien na chuva, à noite, de joelhos e chorando, olhando para o céu. A dor a dilacerava e a única coisa que fez foi gritar e gritar com toda força e dor, chamando o nome de Ainan. Seu grito foi ouvido a léguas e ela caiu na lama aos prantos, deixando que a chuva caísse sobre ela.

— Calma, Marien, não fique assim, volte. Marien, olhe para mim.

A visão passou, mas a dor estava em seu coração e ela chorou, chorou aos soluços. Sebastien a abraçou fortemente, mas nada podia fazer até aquela dor passar. Quando Marien se acalmou, ele lhe deu água.

— Calma, querida, já passou. — disse, secando suas lágrimas.

— Sinto como se eu fosse arrebentar.

— Essa dor não é sua, querida, vai passar.

— Eu quero ir para casa.

— Vamos, eu a levo.

Sebastien levou Marien para casa, ambos seguiram mudos até lá.

— Obrigada. — Marien sussurrou, triste.

— Quer que eu fique aqui com você?

— Não, eu quero ficar sozinha.

Ela desceu do carro e entrou em casa. Sebastien cobriu o rosto com as mãos e o esfregou fortemente. Respirou fundo com os olhos fechados e voltou para a escavação.

Ela foi para o quarto e se jogou na cama; parecia que aquela dor não havia passado e ela começou a chorar novamente, agarrada aos travesseiros.

A imagem de Ainan lhe vinha à cabeça e se misturava à imagem de Urs; ela apertava o travesseiro como se quisesse que aquilo sumisse. Ficou ali por um longo tempo e, depois, tomou um banho, colocou a camisola e se jogou na cama novamente, adormecendo. Acordou sobressaltada quando era tarde da noite. Olhou no relógio, levantou e colocou o casaco sobre a camisola, pegou o carro e saiu.

Foi à casa do padre e nem sequer conversou com Davide, que abriu a porta, sonolento, querendo saber o que estava acontecendo.

— Volte a dormir, Davide, só vou falar com o padre.

— Mas...

— Não diga nada, vá para a cama e esqueça que estou aqui.

Ela entrou e foi ao quarto de Sebastien e ficou parada ao lado de sua cama. Ele acordou e a viu o olhando, parada como uma estátua.

— Marien, o que houve? — perguntou, assustado.

Ela retirou o casaco, deixando-o cair no chão, ficando de camisola. Puxou o edredom e deitou-se, aninhando-se nele sem dizer uma palavra.

Sebastien a abraçou forte, beijou sua testa e ficaram em silêncio. Logo os dois adormeceram.

Estava amanhecendo, mas Sebastien e Marien perderam-se na hora, pois estavam exaustos e continuavam dormindo abraçados.

Acordaram com um susto quando alguém acendeu a luz. Sebastien abriu os olhos com dificuldade e escorou-se no braço. Parou de respirar quando avistou na porta do quarto o Arcebispo Cagliari com dois outros padres.

Os três olhavam para eles com uma cara horrível. Marien olhou para eles e um terror lhe percorreu o corpo, fazendo-a acordar no mais terrível dos momentos.

— Padre Sebastien Caseneuve, o que pensa que está fazendo? — perguntou, furioso, o arcebispo.

— Arcebispo! — foi a única coisa que saiu da boca de Sebastien, cujos olhos estavam arregalados.

Marien continuou muda. Ver aqueles homens na sua frente era a última coisa que queria ver em sua vida.

— Desculpe, padre, eu não pude evitar, eles simplesmente entraram... — Davide disse, aterrorizado.

— Tudo bem, Davide, não foi sua culpa, vá para seu quarto, tudo ficará bem.

Ele, apreensivo, assentiu e saiu do quarto.

— Se vista e saia deste ninho de pecado e vá para a sala! — o arcebispo disse, furioso.

Eles viraram as costas e saíram do quarto. Sebastien e Marien se olharam, apavorados. Ela jamais imaginara que aquilo aconteceria. Se ela estava se sentindo acuada, estava tendo um leve vislumbre do que Sebastien poderia estar sentindo naquele momento.

Ele fechou os olhos fortemente e encostou a testa na dela, acariciando seus cabelos.

— O que vamos fazer? — ela perguntou com o coração acelerado.

— Não se preocupe, vai dar tudo certo.

Eles levantaram da cama e se vestiram. Marien colocou o casaco sobre a camisola e, naquele momento, arrependeu-se amargamente de ter feito o que fizera e ter dormido ali.

Os dois foram para a sala e ficaram mudos, olhando para o homem que os olhava, furioso.

— Estou decepcionado, padre.

— Dom Cagliari, eu posso explicar.

— Explicar o quê? Que manda relatórios evasivos, provavelmente ocultando informações? O padre da cidade me informou do seu comportamento inadequado em diversos momentos com uma mulher, dos comentários sobre bruxaria que andam circulando pela cidade. Quando chego aqui, o encontro dormindo com uma meretriz!

— Meretriz? Como ousa me chamar de meretriz, seu imbecil! — ela disse, furiosa.

— Marien, por favor. — disse Sebastien para ela, assustado.

— Vai deixar ele me chamar de meretriz?

— Dom Cagliari, ela não é uma meretriz. Sei que o que estamos fazendo é errado e que quebrei meus votos, mas eu a amo e quero me casar com ela.

O arcebispo riu ironicamente ao ouvir aquilo. Ouvir algo tão estrondoso vindo do padre Sebastien foi, para Dom Cagliari, cômico. Sebastien sempre fora uma ovelha obediente à igreja.

— Padre Sebastien, muitos dos nossos caem no pecado da carne, sucumbem à tentação, mas dizer que a ama e que quer se casar com ela, é ir longe demais. Eu o mandei vir aqui para trabalhar! Estamos gastando uma fortuna para que investiguem a igreja e vocês ficam no pecado! — disse quase gritando.

— Eu sei. Eu peço perdão por isso, mas estou investigando a igreja e estou lhe mandando os relatórios, mas não terminamos a pesquisa e ainda há muito que se escavar e estudar. O senhor sabe que é um trabalho demorado, não se consegue as respostas de um dia para o outro.

— Padre, eu vou lhe dar uma chance de se redimir para que Deus perdoe seu pecado, e você vai me obedecer. A partir de hoje, se quiser terminar sua investigação, não a tocará mais, pois, se o fizer, eu tiro vocês imediatamente daqui e passo o trabalho para outra pessoa.

— O senhor não pode fazer isso! — Marien gritou.

— Fique calada, mulher.

— Não mande me calar. Quem pensa que é para falar comigo com esta grosseria?

— Sou o Arcebispo da Madre Igreja, e você é uma herege!

Sebastien estranhou a forma rusga e retrógada que ele falava com ela e cerrou os olhos. Não estava entendendo como os dois estavam se atacando daquela maneira. Nunca vira o arcebispo levantar o tom de voz e o conhecia de longa data. Sempre haviam se tratado de forma polida, apesar de Sebastien nunca ter se sentido bem ao lado dele. Algo o perturbava quando estava em sua presença.

— Pois, para mim, você não é nada e não manda em mim. — Marien disse, zangada.

— Não ofenda a igreja, Srta. Stewart.

— Não é minha igreja, eu não lhe devo respeito nenhum e não manda em mim. Eu lhe respeitaria se me respeitasse, mas me insulta dessa maneira. Não tem esse direito.

— Por favor, parem com isso! — disse Sebastien, nervoso.

— Vai fazer o que mandei, padre.

— Arcebispo, por favor, eu amo Marien de todo meu coração, eu não quero me separar dela.

— Não blasfeme; seu pecado triplica a cada palavra que diz!

— Eu quero abrir mão dos meus votos, quero me casar com ela.

— Pois eu não lhe dou permissão para abrir mão dos seus votos e não irá se casar com ela. Eu lhe dei um aviso, ficará aqui e terminará o serviço que começou e ficará longe desta mulher, ou retiro os dois daqui.

— Não! — disse ela.

— Cale-se, já disse!

Marien, furiosa, quase avançou nele, mas Sebastien a segurou pelo braço.

— Marien, por favor, se acalme. — Sebastien pediu, nervoso.

— Acalmar-me?! Como você quer que eu me acalme ouvindo este homem falar conosco desse jeito?

— Deixe que eu resolva isso. Por favor, não piore as coisas.

— Você é atrevida, Srta. Stewart, mas ponha-se no seu lugar. — o arcebispo disse.

Marien soltou uma gargalhada e seu interior gritava.

— Pois quem você pensa que é para me julgar? Ou me ofender? Ou dizer o que tenho que fazer ou com quem devo me deitar? Vamos lá, me excomungue, faça de novo, faça pela segunda vez, ou melhor, me tranque num convento por quinze anos e mande aquelas loucas me chicotearem mil vezes! Ou, se quiser, pode cortar minha língua, mas eu não me calo, jamais! E eu lhe juro que eu acabo com você, pois se eu abrir a boca e disser o que penso sobre vocês ou o que sei, você vai abaixar esta sua crista! Você não representa a palavra de Deus, pois é o próprio demônio que gosta de torturar pessoas! Eu sei de tudo, bastardo!

Sebastien a olhava com os olhos arregalados, espantado com as coisas que ela estava dizendo. Não sabia se era ela mesma quem falava ou se era a Marien do passado. Parecia que estava confundida e misturando as coisas.

O arcebispo arregalou os olhos e a olhava aterrorizado pela audácia de enfrentá-lo, de dizer coisas agressivas contra ele. Nunca ninguém o tinha enfrentado.

Marien estava com o rosto vermelho de raiva e Sebastien a segurava pelos braços, empurrando-a para trás.

— Marien, por favor. — disse Sebastien, segurando-a pelo rosto, forçando-a a olhar para ele. — Olhe para mim, Marien, olhe para mim! — disse firmemente e alto. Ela, respirando com dificuldade, olhou-o e piscou algumas vezes. — Fique calma, eu vou resolver isso. Não fale mais nada, por favor, eu te peço.

Marien fechou os olhos, tentando se controlar. Nem sabia por que ficara tão fora de si por causa daquele homem, mas estava sentindo algo muito estranho por dentro. Na verdade, olhá-lo lhe dava vontade de gritar.

— Pois bem... — ela passou a mão no rosto dele, para acalmá-lo. — Eu vou para casa, faça o que achar melhor.

— Marien! — ele a chamou, angustiado, mas ela saiu porta afora e não lhe deu atenção.

— Sebastien! — gritou o arcebispo.

Sebastien respirou fundo, virou-se e olhou para ele.

— Dom Cagliari, não pode interromper meu estudo. Estamos chegando perto de descobrir o que houve. Preciso de tempo.

— Eu já disse. Eu deixo você ficar se você se afastar dela. É melhor que ela vá embora daqui e você termine o trabalho sozinho.

— Não, isso não! Eu não toco mais nela, mas não a mande embora! Eu preciso dela para o trabalho; ela é imprescindível aqui. Sem ela, não conseguirei concluir isso. Senhor, por favor, eu me afastarei dela.

— Esta mulher é uma profana, uma herege, como ousa me desacatar desta maneira? Como ousa quebrar seus votos com esta mulher, padre Sebastien?

— Ela não é uma herege e muito menos profana, ela só ficou nervosa. E me desculpe, senhor, mas essas denominações não se usam mais, não pode ofender as pessoas assim.

Sebastien quis dizer tudo que estava engasgado na garganta, mas se o fizesse, perderia o direito de pesquisar o templo e isso não poderia acontecer. O arcebispo os mandaria embora, proibiria que terminassem o trabalho, mas seu coração gritava no peito. Havia algo muito errado acontecendo ali. Nunca se sentiu tão desconfortável com o arcebispo.

— Que história é esta de bruxarias?

Sebastien suspirou, cansado. Estava demorando para que os rumores chegassem até ele.

— Não há bruxaria nenhuma. O povo fala demais, só ficaram impressionados de a igreja ter sido um templo pagão, só isso. Não aconteceu nada demais, eu lhe garanto. Ninguém está praticando bruxaria como pensa. Estamos lidando com um templo pagão, como lhe expliquei no relatório, então existem muitos rituais que devemos seguir para conseguir abrir as portas, mas não estamos fazendo nada de errado. O senhor me conhece, sabe que não sou nenhum bruxo e Marien também não é.

Bem, não era bem verdade e sua consciência pesou ao mentir, mas um pecado a mais na sua lista, que já era enorme, era necessário para se safar daquela encrenca.

— Hum... Eu lhe dei uma escolha. Se eu não tiver o resultado que quero no fim disso, padre, eu lhe garanto que penará na igreja. Sabe que pode perder seu trabalho como arqueólogo e eu posso mandá-lo ministrar nos confins do mundo.

— Sim, meu senhor, eu sei.

— Você está confuso, está deixando que seu lado pecador fale mais alto. Peça perdão a Deus. Lave-se para tirar o cheiro dela de você e fique longe dela. Onde está sua devoção a Deus? Você está o insultando, o agredindo, mentindo para ele, o envergonha com esta atitude. Você fez um juramento de entregar sua vida a Deus e deve cumpri-lo. Você sempre foi um dos meus mais perfeitos padres, portanto escute bem o que vou dizer, pois é para seu bem. Está proibido de tocar nela, entendeu bem? Seu pedido de se liberar de seus votos está negado. Você é um dos meus e continuará sendo. Eu quero todas as descobertas sobre este tal templo pagão de que fala, entendeu bem? Eu disse todos.

— Eu entendi, Dom Cagliari.

— Ótimo. Vou lhe dar um voto de confiança, pois sei que está confuso e que não deve ser fácil ficar todos os dias ao lado de uma mulher que o seduz e que o enreda de pecados. Eu vou voltar ao Vaticano, pois hoje à noite temos uma recepção importante, só quis ver com meus próprios olhos o que me relataram. E olha que nem bem cheguei e já o peguei no pecado, mas não mencionarei este ocorrido a ninguém. Será nosso segredo, contanto que cumpra o que prometeu e se arrependa dos seus pecados. E ache o que procuro, Sebastien.

— Não sei exatamente o que procura, meu senhor.

— Apenas explore este templo pagão e me obedeça!

— Está bem, eu farei tudo como pede. Eu confesso que pequei e me iludi, mas entendi tudo. Eu me redimirei dos meus pecados, seguirei o trabalho, ficarei longe dela, e não abrirei mão dos meus votos. — disse com os olhos fechados e a cabeça baixa.

— Ótimo. Amanhã eu quero outro relatório, detalhado e não evasivo como tem me mandado. Sei que está me ocultando coisas, pois não sou estúpido. Vou embora, mas se me decepcionar novamente, os dois serão punidos pela ira de Deus e a minha.

O arcebispo deu sua mão para que ele beijasse seu anel e assim Sebastien o fez, e os três saíram. Sebastien, que nem sentia suas pernas, sentou no sofá e uma avalanche de sentimentos lhe encheu o peito. Ajoelhou-se e chorou com toda força que conhecia. Seu coração conheceu um terror que jamais havia sentido.

Lutara tanto para evitar aquele amor, mas falhara e agora estava encurralado e ameaçado de perder Marien e seu trabalho com a escavação. Nunca ouvira tais barbaridades de alguém da igreja; aquilo o chocou imensamente. Teria que obedecer para não perder tudo. Teria que evitar Marien, mas aquilo era algo que seu coração não admitia.

Amava-a de todo coração e não conseguia ver nenhum pecado naquele amor que, para ele, era puro. Seu único pecado era ter quebrado seus votos para com a igreja. Mas será que Deus não via o que ele via? Será que seria punido por Ele?


Capítulo 33

Marien entrou em sua casa e se escorou na porta por alguns minutos. Sentou no sofá e ficou tentando colocar as ideias no lugar, tentando se acalmar.

Não acreditava que havia passado por aquilo. Estava tão nervosa que suas mãos tremiam e seu coração palpitava acelerado no peito. Sentia uma raiva borbulhando como água fervente dentro dela.

Melhor seria tomar um banho, tomar um café forte e ir trabalhar, assim se sentiria melhor.

Ela ouviu uma batida forte na porta, assustando-se. Sem imaginar quem seria, foi atender e quase caiu quando avistou o arcebispo, que entrou sem ser convidado. Marien fechou a porta e o olhou, muda, com os olhos arregalados; o pesadelo iria recomeçar.

Aquele homem era inacreditável, tinha muita audácia de ir confrontá-la novamente.

— O que faz aqui? — perguntou, zangada.

— Marien Stewart... Eu sei que talvez esteja fantasiando sobre uma vida junto com o padre Sebastien; ele é uma riqueza para os olhos das mulheres de espírito fraco, mas aconselho a não fazer tal coisa. Pare de seduzi-lo e de enraizá-lo nas suas tentações. Será melhor para vocês dois, pois, se não, a responsabilidade irá cair totalmente sobre a sua pessoa. Será responsável pela perdição do padre e ele perderá o perdão de Deus, pois ele respondeu a um chamado Dele, foi escolhido, portanto se afaste dele. E eu não gosto de perder meu rebanho.

Marien piscou, aturdida, até atinar as colocações dele. Foi difícil de se controlar.

— Ele fez a escolha dele, eu não o obriguei a nada. Sebastien é bem grandinho para tomar suas próprias decisões.

— Uma mulher não precisa abrir a boca ou obrigar um homem a render-se; sua libido salta pelos poros.

Ele foi se aproximando dela e falando com um olhar que parecia que a atravessava, ameaçador e até assustador, e ela foi andando para trás, até encostar-se à parede.

— É melhor ir embora.

— A senhorita foi contratada para trabalhar para mim, então faça seu trabalho, senão eu serei obrigado a mandá-la de volta a Londres. Ah! E tem mais uma coisa. Como trabalha para mim, o que acontece aqui não sai daqui, tudo pertence à igreja, nada será publicado, escrito, nem sequer comentado sobre esta história. Entendeu bem? Neste momento, eu a obrigo a um voto de silêncio.

— Voto de silêncio? Está louco?! Eu não sou uma de suas servas para fazer voto de silêncio! E, para que deixe de ser ignorante, seria confidencialidade e não de silêncio.

Bruscamente, ele colocou a mão em seu pescoço, apertando-o, e a pressionou contra a parede, sufocando seu grito de susto.

Marien viu um flash rápido em sua mente; era uma cena semelhante com Marien, na qual o clérigo medieval lhe apertava o pescoço fortemente, empurrando-a contra uma parede de pedras frias e estava com os olhos que pareciam arder em fogo.

Seu corpo todo gelou e suas pernas amoleceram. Arregalou os olhos e sentiu a mão dele continuar a sufocá-la. Um pânico completo lhe tomou o ser, pois Marien não conseguia respirar pelo aperto no pescoço e pela visão que teve.

— Eu vou lhe dar um aviso generoso. Eu recomendo que acate ao meu conselho para que a senhorita não tenha mais consequências negativas na sua vida pecadora. Eu perdoo seus pecados contanto que se arrependa deles e lembre-se que o pecado leva à decadência do homem, pois, que eu saiba, é uma ovelha perdida, desgarrada do rebanho de Deus. Sei que se divorciou de seu marido e caiu no pecado da carne com toda fúria depois disso, inclusive com seu próprio ex-marido. Para seu próprio bem, fique longe do padre Sebastien com seus pensamentos impuros.

— Solte-me! — disse, sufocada, tentando respirar.

— Você pode pensar que é mais forte do que nós, mas não é. Portanto, fique resignada e contida na posição de uma serva humilde. Se converta novamente à sua origem e aos desígnios de Deus, pois Ele é seu mestre, e eu sou Sua palavra. Ouça-a, senão o inferno lhe cairá como fogo e eu não terei piedade. Uma mulher deve ser submissa e obediente. Sei também que se salvou uma vez da ira de Deus; me pergunto quantas vezes terá esta sorte. E, além do mais, Sebastien não lhe quer mais, me confessou que estava iludido e que não vai largar a igreja nem se casar com você. Ele está usando seu corpo por que é só para isso que serve.

— Está mentindo. Solte-me! — disse, ainda sufocada, e tentando soltar seus dedos de seu pescoço.

— Não, eu não estou. Ele não a ama, só sente desejo pelo seu corpo. — ele deslizou levemente sua mão do pescoço para seu colo com um olhar malicioso. Marien mal respirava tamanho seu terror. — Não posso culpar o padre pela sua fraqueza, pois você tem cheiro de pecado, e veja como está vestida, como uma meretriz pagã.

Ele passou a mão no amuleto pendurado em seu pescoço e o segurou, olhando-o com os olhos fixos. Marien deu-lhe um tapa no rosto, fazendo-o virar-se e soltá-la. Protegeu o amuleto com a mão; saiu dali e deu alguns passos, fugindo dele.

— Tire suas mãos de cima de mim, seu porco!

Ele engoliu a raiva e olhou para ela.

— Meu aviso está dado. Prometi a Sebastien que não lhe mandaria embora, não me faça mudar de ideia! Eu vou estar de olho em vocês e, desta vez, não me farão de tolo. Achem o que procuram e, depois isso, tudo virá para minhas mãos e esta história morrerá aqui. Lembre-se de que a ira de Deus pode cair sobre você, sem piedade desta vez. Eu garantirei isso.

Ele virou as costas e saiu. Marien ficou observando-o sair e quis gritar. Não conseguiu balbuciar mais nenhuma palavra, tamanha foi sua revolta. Aquele homem falava como se fosse séculos atrás. Sua garganta ficou travada, dolorida; tentou respirar e colocar o ar de volta aos seus pulmões, que pareciam ter parado quando ele entrou porta adentro.

Marien tremia inteira; sua raiva e revolta a devoravam de todas as maneiras possíveis. Muito injuriada, foi à cozinha, pegou um uísque e bebeu alguns goles de uma vez, engolindo como se fosse fogo, que mal passou na sua garganta, queimando impiedosamente.

Foi para o quarto, acendeu o abajur, pois o dia estava ainda despontando e seu quarto estava escuro, e, respirando ofegante, desnorteada, com a mente tão atordoada que não conseguia se acalmar, andava de um lado a outro.

— Maldito, miserável! Como fala comigo deste jeito? Como fala com ele desse jeito? Ai, que ódio! Que vontade de enforcar aquele homem! Depois do que fizeram comigo, eu ainda tenho que engolir isso... Ai, meu Deus! O que foi que eu fiz para merecer isso? Será que foi ele que mandou me matar em Jerusalém? Maldito, maldito!

Ela gritou com toda força, batendo no abajur, fazendo-o estilhaçar-se no chão, e assim fez com todos os objetos que havia na cômoda e na penteadeira; seu ódio pulsava no peito.

As imagens vieram como um raio em sua mente, fazendo-a cambalear. Ela via o sofrimento de Marien com a imagem do bispo que a torturou. Suas dores foram latentes em seu corpo, fazendo-a gritar involuntariamente e, contorcendo-se, caiu no chão.

As visões a torturaram por alguns minutos; todo seu sofrimento, suas torturas e o rosto daquele homem sobre ela. Pôde sentir o bispo lhe perfurar o corpo com a espada e ouviu o grito desesperado de Asch.

Seus gritos ecoaram altamente pela casa, como se tudo fosse real, até que tudo começou a se dissipar e ela ficou ali, caída no chão, mal respirando.

Tudo parecia estar misturado e vivo na sua mente novamente. Ela tremia e via sangue em suas mãos e no seu corpo, como se tudo fosse verdade.

Marien cerrou os olhos fortemente, pedindo que aquilo passasse logo, enquanto lágrimas escorriam sem controle.

Tomando alguma consciência, arrastou-se até o celular que estava no chão e, com dificuldade, com as mãos trementes e sem pensar direito no que estava fazendo, tentou ligar para Urs, mas ele não atendeu. Chamou diversas vezes, sem resultado.

— Urs, atenda, por favor, me tire daqui.

Ela chorava aos soluços. Insistiu, mas ele não atendeu. Não que ele não estivesse ouvindo o celular tocar, ouvia-o e via o nome de Marien no visor. Ele cerrou os dentes e a mão, fechou os olhos, mas não atendeu.

Marien jogou o celular longe e ficou caída no chão até que toda aquela sensação horrenda passasse. Quando tudo sumiu, com dificuldade, sentou no chão, escorando-se na cama. Abraçou os joelhos e tentou se acalmar, mas suas lágrimas foram impiedosas, nem sabia se chorava pelo passado ou pelo presente.

Não sabia mais se o que vivia era real ou imaginário.

A raiva e revolta que sentia eram dolorosas.


*


Sebastien, após recuperar seu bom senso e conseguir se acalmar depois do arcebispo ter ido embora, pegou o casaco e foi até a casa de Marien. Entrou quase correndo pela casa, chamando-a, sem obter resposta.

Foi até o quarto e a viu sentada no chão, com a testa encostada nos joelhos, abraçada às pernas.

Olhou o quarto, que estava uma bagunça, com as coisas espalhadas e quebradas, e sentiu-se o pior dos homens. Ele sentou ao lado dela e a abraçou mansamente.

— Marien...

— Vá embora! — disse, desvencilhando-se dos braços dele, com a voz engasgada.

— Por favor, olhe para mim. — disse, levantando seu queixo lentamente. — Desculpe-me por isso.

— Por que isso não me passou pela cabeça? Por que não pensei que aquele homem iria fazer algo assim?

— Eu sinto muito por você ter passado por isso.

— Quem ele pensa que é para me ameaçar desse jeito? Vou processar aquele infame!

— Eu também confesso que fiquei surpreso e sem ação.

— Ele veio aqui. Ameaçou-me mais.

— Ele veio aqui?! — perguntou, espantado.

— Veio, aquele miserável. O que disse a ele?

— Disse o que ele queria ouvir, que faria o que ele quer.

Marien teve vontade de gritar. Não acreditou no que ouviu; cobriu os olhos com as mãos e recomeçou a chorar.

— Então vá embora, volte para sua igreja e me deixe em paz!

— Querida, me escute, olhe para mim. — ela demorou a olhar, mas, com dificuldade, o fez. — O que foi que eu dei para você usar em sua mão?

— Me deu um anel que eu não posso usar.

— Mas eu lhe disse que não poderia usar por enquanto, que precisávamos esperar isso acabar. Foi isso que eu disse a ele, que faria o que ele queria. Eu devo obediência à igreja, Marien. Eu disse que vou fazer o que ele quer, mas, quando isso acabar, ele não terá mais domínio sobre mim e eu continuo mantendo o meu pedido. Eu a pedi em casamento e não vou voltar a trás.

— Ele me disse que você havia desistido de mim. Você disse isso?

— Disse. Mas eu não poderia perder tudo que conquistamos aqui e não posso deixar esta história pela metade. Nós estamos aqui não porque a igreja quis, mas o destino e uma força bem maior que isso o fez. Então, eu direi qualquer coisa para que possamos continuar e encontrar o túmulo de Marien. Depois, como eu te prometi, vou largar a igreja e não importa o que ele diga, não pode me impedir.

— Eu não quero ser responsável por isso. Eu não quero passar por isso de novo.

— Marien, eu amo você, eu já te disse que eu fiz esta escolha e eu não vou desistir. A única coisa que me fará desistir é se você não quiser ficar comigo, se não me amar ou pelo menos tentar ter uma vida comigo, mas você aceitou meu pedido de casamento, não foi? Nós concordamos que começaríamos juntos uma vida nova. Não foi?

Sebastien acariciava suavemente seu rosto e falava mansamente para que ela o escutasse claramente.

— Foi.

— Você quer desistir de se casar comigo?

Ela olhou para a profundidade esverdeada que eram os olhos dele e ali enxergou todo o amor do mundo.

— Não.

Ele sorriu levemente, aliviado.

— Então, nós estamos juntos nisso, temos que ir até o fim. Estou disposto a ir se você também estiver, mas você precisa confiar em mim e não podemos nos separar, senão eles vão nos derrubar e não conseguiremos encontrar o túmulo de Marien nem a espada de Asch. Temos que cumprir a profecia. — ela o abraçou e chorou em seu peito. — Meu amor, me desculpe.

— Ele disse coisas horríveis. Parece que eu via aquele clérigo do passado, Sebastien, era ele.

— O que está dizendo?

— Ele foi o bispo que matou Marien. Eu vi; eu me senti como ela na frente dele.

— Eu sei, e por um momento eu pensei que era Marien falando naquela briga; você me assustou e confesso que ele também. Eu tive a mesma sensação. Nunca entendi por que eu me sentia incomodado perto dele, nunca me senti bem quando estávamos no mesmo ambiente. Acho que agora eu descobri o porquê. Mas ele nunca fez nenhuma colocação que me deixasse constrangido desse jeito.

— Tudo está se repetindo.

— Eu sei, mas a profecia disse que isso iria acontecer.

— E o que mais vai se repetir? Marien foi morta, Sebastien. Como isso vai acabar? Quer dizer que no fim eu vou morrer também? Sua igreja, esta que você defende, vai me matar?

Sebastien sentiu um pânico lhe atingir o coração.

— Não, meu amor, isso não vai acontecer, eu não vou permitir isso jamais, eu juro.

— Asch não conseguiu impedir a morte dela. Por que você conseguiria impedir a minha?

— Mas a profecia diz que no fim tudo ficará em seu lugar, então acho que tudo ficará bem.

— Como sabe? Esta profecia é confusa, eu não consigo entender o que ela quer dizer.

— Não tenho certeza, mas meu coração me diz que tudo ficará bem, que nós ficaremos bem. Eu te prometo isso, entendeu? E eles não conseguiram te matar antes nessa vida; você sobreviveu àquele assalto à escavação. Você é mais forte do que pensa e tenho orgulho de você e é por isso que eu te amo. — Sebastien a abraçou fortemente. Marien estava em completo pânico. — Está amanhecendo. Deite aqui, você está gelada, ainda está cedo e pode descansar um pouco. — ele a puxou e a colocou na cama, cobrindo-a com as cobertas. Eles ficaram deitados um tempo até apaziguarem seus corações completamente descompassados. — Eu preciso ir. — disse mansamente, lhe acariciando os cabelos.

— Não vá embora. Fique aqui, por favor. — disse, segurando-o.

— Se nos pegarem aqui, estaremos com mais problemas, querida, eu não posso ficar.

— Mande-os para o inferno.

Ele sorriu, nervoso, pois não deveria estar ali, mas não queria soltar-se dela. A luta de ficar longe de seus braços era maior que ele e estava se sentindo péssimo por tudo aquilo. A corda estava em seus pescoços, prestes a ser puxada; a condenação fora inevitável.

— Tudo bem, eu vou ficar mais um pouquinho, mas temos que manter as aparências, fingir que não estamos juntos. Não pode haver mais comentários sobre isso, está bem? Sei que mentir é errado, mas na nossa situação, terá que ser feito. Temos que terminar esta escavação e para isso teremos que nos ocultar.

— Está bem.

— O que é isso no seu pescoço? — disse, passando os dedos nas evidentes marcas vermelhas.

— Ele me segurou pelo pescoço, contra a parede.

Sebastien ficou abismado e a abraçou forte.

— O quê? Meu Deus, isso é demais! Tudo vai ficar bem, eu te prometo. Se Asch não conseguiu proteger Marien, eu prometo que o farei, eu juro. Não vou deixar nada lhe acontecer. Eu prometi me casar com você e assim vai ser. Ninguém vai nos separar, meu amor. Dom Cagliari perdeu o discernimento e passou dos limites, isso é imperdoável.

Marien estava entregue àqueles braços que forçosamente queriam protegê-la e, por mais que sentisse ódio, não sentia nenhum ódio de Sebastien, confiava nele.

— Eu acredito em você. Mas você não pode mais me tocar.

Ele respirou fundo, olhando-a ternamente.

— Como se eu conseguisse fazer isso. Você parece um imã, uma droga que me deixa tonto. — ele beijou levemente sua boca e se afastou, olhando-a nos olhos e secou suas lágrimas. — Eu tenho que ir, não posso ficar aqui mais tempo.

— Eu não quero perdê-lo, Sebastien.

— Não vai me perder. Nós nos veremos daqui a pouco, está bem? Vai ficar bem?

Marien assentiu e ele a beijou amorosamente, levantou e saiu.

Marien cobriu a cabeça com o travesseiro por alguns minutos. Aquilo tudo era um pesadelo. Levantou e pegou o anel que estava na pequena caixa de joias, colocando-o no dedo. Ficou o olhando por alguns instantes. Não sabia o que fazer direito, estava confusa, mas não podia deixar que arruinassem sua vida desse jeito, teria que lutar.

— Srta. Stewart? — veio a voz atrás dela.

Marien levou um imenso susto e se virou rapidamente, dando de cara com Gina.

— Gina, o que faz aqui? Por Deus, você me assustou!

— Hoje é dia de limpar a casa. O que houve aqui? — disse, vendo tudo quebrado no chão. — Eu vi o padre Sebastien sair daqui agora mesmo. O que ele fazia aqui tão cedo?

Marien ficou com os olhos arregalados e não sabia o que dizer. Teria que inventar uma mentira rapidamente.

— Eu o chamei. Alguém entrou aqui e roubou algumas coisas.

— Alguém a agrediu? Está com marcas no pescoço. Oh, Deus, está bem?

Marien colocou a mão no pescoço e esqueceu que estava com o anel no dedo.

— Estou bem, foi só um susto.

— A senhorita está usando um anel de noivado? — Marien gelou e olhou para sua mão. Engoliu em seco e não gostou do tom de voz e do jeito que Gina a olhava com desconfiança. Ela, supostamente, fora uma das que espalhara boatos sobre eles.

— Sim, hum, é o anel de Urs. — respondeu rapidamente, foi a primeira coisa que lhe veio à mente. Marien ia tirá-lo, mas Gina veio e a abraçou, impedindo-a.

— Vai se casar com senhor Barker, que maravilha. Parabéns!

— Gina, não é...

— Ah, deixe-me ver, é lindo. Tenho certeza que será muito feliz, ele é apaixonado pela senhorita, pude ver isso nos olhos dele quando esteve aqui. Ele a olha com olhos de peixe, assim meio estático. Agora vamos, vá tomar seu banho e já vou lhe preparar o café. Depois deste susto, precisa de um café bem reforçado para retomar as forças.

Gina saiu dando as costas para ela e Marien ficou ali de boca aberta. Essa mulher era louca? Olhou para sua mão, fechou os olhos e respirou fundo.

— Meu Deus! Eu só me meto em enrascada. E agora o que eu faço? Esta linguaruda vai espalhar para todo mundo. Se bem que se pensarem que estou noiva de Urs, não pensarão que estou com Sebastien. Talvez seja uma boa mentira, Urs não vai voltar aqui, nem saberá disso. Aliás, nem quer falar comigo. Desculpe-me, Sebastien, mas você quer mentir, então vai ter que engolir essa.

Marien tomou um banho demorado, estava se sentindo exaurida, tomou um café e se arrumou para ir trabalhar. Antes de sair de casa, olhou para a mão; não sabia se ficava com o anel ou não. Melhor seria falar com Sebastien primeiro, então pegou o celular e ligou para ele.

— Oi. Aconteceu uma coisa que eu preciso lhe contar.

— O que foi, você está bem?

— Estou sim, eu estou indo para a escavação, mas preciso lhe contar algo antes de chegar lá.

— Marien, eu vou entrar no túnel, o celular fica sem sinal. Já estou chegando, me encontre lá.

Antes que Marien pudesse falar mais alguma coisa, o celular ficou sem sinal e desligou. Marien, furiosa, olhou-o.

— Ai, meu Deus! Por que sempre que tenho que falar nesta porcaria ele não funciona?

Marien, nervosa, deu umas voltas pela sala, pensando no que faria. Retirou o anel e o ficou olhando por alguns minutos. Foi interrompida em seus devaneios por Gina, que chegou por detrás dela.

— Senhorita? Minha filha veio trazer o leite e eu contei a ela que está noiva e ela colheu umas flores, são para dar boa sorte.

Marien ficou paralisada, olhando para Gina e pegou o pequeno ramalhete de flores do campo.

Nada era tão ruim que não podia piorar.

— Por que contou a ela, Gina?

— Por quê? Não podia contar? Isso é razão de festa. Aqui na Itália, quando alguém fica noiva, é motivo de alegria e coloque o anel de volta no dedo, pois senão dá má sorte. Não se pode tirar o anel.

— Obrigada, Gina. — disse, tentando sorrir.

— Está atrasada.

— Eu sei, coloque na água e agradeça a sua filha por mim, são lindas. — Marien colocou o anel de volta no dedo, saiu e entrou no carro. Bateu a testa no volante e ficou ali alguns minutos. — Marien, você é uma ferrada. Agora vai ter que ir em frente com isso. Sebastien vai ficar uma fera, ai, meu Deus.

Aquela estrada nunca pareceu tão comprida. Marien chegou à escavação, entrou na tenda e olhou para todos, que a olharam, sérios.

— Bom dia.

— Bom dia. — responderam todos.

— Chefinha... Você está com uma cara horrível.

— Dormi mal, Sarah.

Davide viu o anel na mão dela e ficou apavorado.

— Mas o que você está fazendo com o anel? — disse, cochichando entre os dentes e se aproximando mais dela.

— Tudo bem, pode surtar, mas estou noiva e não é dele, portanto fique quieto.

— O quê? — Davide perguntou sem entender nada.

— Posso saber de quem está noiva? — Sarah disse, nervosa, indo até ela.

— De Urs, para todos os efeitos, pelo menos aparentemente.

— Está noiva de Urs?! — Sarah gritou com os olhos arregalados.

Todo mundo ao redor olhou para ela. Marien fechou os olhos, sentindo que aquilo iria ser pior que imaginara.

— Por que não gritou mais alto, Sarah, acredito que em Londres não puderam ouvir.

Sebastien entrou na tenda e, ouvindo aquilo, parou como uma estátua.

— O quê? — disse, espantado, sentindo um baque em seu coração.

— Sim, padre, a senhorita ficou noiva do Sr. Barker. Isso vai dar notícia de jornal, casar com o ex-marido. — Celo disse, rindo.

— Cale a boca, Celo! — Davide disse, nervoso, e ele paralisou.

— Eu me caso com quem quiser, portanto, calem-se e voltem ao trabalho se não quiserem ser demitidos! Depois preciso falar com você. — disse, olhando para Sebastien.

Ela saiu da tenda e foi para as ruínas. Sebastien olhou, perplexo, para Davide e Sarah, nem sabia o que dizer. Todo mundo ficou mudo e com os olhos arregalados, começaram a mexer nos seus apetrechos para disfarçar.

Marien estava em um dos salões das ruínas e Sebastien, disfarçando, foi até ela quando não tinha ninguém por perto e a puxou pelo braço.

— Que história é essa?

— Desculpe, eu tentei falar hoje cedo pelo telefone, mas não deu, mas foi a única coisa que me veio à cabeça para me livrar de Gina.

Ele pegou a mão dela e a olhou.

— Esse foi o anel que eu te dei.

— Shhh, fale baixo. É, sim. Gina me viu com ele então tive que mentir que estava noiva de Urs.

— Por que inventou uma mentira dessas? Era isso que queria?

— Não faça isso, Sebastien. Eu fiz isso para encobrir nosso caso. Ou quer que saibam que sou sua noiva com anel e tudo? Gina o viu sair da minha casa hoje de manhã, tive que inventar uma história, ela quase o pegou na minha cama. Corri o risco de ser enforcada duas vezes no mesmo dia.

— Este anel não devia estar na sua mão. Combinamos que não o usaria.

— Não devia, mas está. Agora é tarde, então vamos prosseguir com a mentira. Se pensarem que sou noiva dele, nos deixarão em paz.

— Por que fez isso?

— Porque você é um padre, por Deus! Porque estou com marcas no pescoço que tenho que cobrir com este lenço e não posso dormir com você por que sua igreja ameaçou me matar. Então ser noiva de outro homem me parece menos ridículo do que ser enforcada por um maldito louco de batina. E eu só o coloquei porque queria sentir que era sua noiva de verdade, mas parece que tem olhos por todos os lados. Agora me deixe trabalhar, conversamos depois, por favor, aqui alguém pode nos ouvir.

Ela virou as costas e saiu dali. Sebastien ficou furioso, cerrando os dentes e passando as mãos no rosto. Marien foi para a sala cujas paredes tinham sido inscritas por Marien.

Sua cabeça estava embaralhada; apesar disso, tentou se concentrar, mas a leitura daqueles escritos e o frio mórbido dentro daquela sala a deixavam desorientada e angustiada e não conseguia se concentrar.

Respirou fundo e fechou os olhos por alguns segundos, sentando numa pedra.


Capítulo 34

— O que está fazendo, Marien?

Ela se virou e olhou para Sarah, que lhe trouxe um copo de café numa mão e uma lanterna na outra.

— Obrigada, Sarah. Estou tentando achar alguma pista. — disse, desanimada, pegando o café que ela lhe deu.

— Temos as fotos desta sala na tenda, não precisa ficar aqui embaixo.

— Eu sei, mas ficar aqui parece melhor que lá em cima.

— O que houve? Que história é essa de estar noiva de Urs? Pode falar, não há ninguém aqui por perto, estão do outro lado.

— Nesta manhã, um arcebispo do Vaticano me pegou dormindo com o padre. Ele me ameaçou de todas as formas possíveis e fez isso.

Ela abaixou o lenço e Sarah abriu a boca de espanto ao ver seu pescoço cheio de marcas quando o iluminou com a lanterna.

— O que, ele fez isso? Mas que absurdo! Devia denunciá-lo! Apesar de que você ter dormido com o padre também não ser nada saudável.

— Shhh... Aquele homem é perigoso, Sarah. Precisa ver o modo como ele falou. Tenho que fingir que não estou mais com Sebastien para evitar mais problemas do que já tenho.

— Mas eu sabia que essa gente estava muito quieta, estavam demorando em aprontar alguma.

— Não me diga.

— Sebastien não ficou nada feliz com isso, ele está morrendo de ciúmes.

— Foi uma mentira que tive que inventar de última hora, agora não tem jeito, vai ficar assim até isso acabar.

— Ótimo. Se Urs souber de uma coisa dessas, te decepa a cabeça com as hélices do helicóptero dele! — disse, irônica.

— Ele não vai saber.

— Espero que não e espero que você não acredite nesta mentira que inventou, porque se inventar que está noiva dele foi a primeira coisa que lhe ocorreu para se safar, é porque, na sua cabeça, isso é uma coisa plausível.

— Não diga besteiras, Sarah.

— Não estou dizendo besteiras. Você se mete em cada uma, heim? Sua cabeça parece estar com a fúria da natureza.

— Fúria da natureza? O que isso quer dizer?

— Era uma frase que usávamos da faculdade. Dizíamos que quando estávamos de ressaca ou confusos, nossa cabeça estava com a fúria da natureza. Lembra-se das palavras da lenda de Seth? “Quando os quatro elementos se rebelarem, haverá o caos e, depois, a luz mostrará minhas riquezas”. Para ele, eram os sinais que levariam ao seu tesouro e, para nós, era que depois da ressaca, nossos cérebros voltariam a funcionar.

Marien riu.

— É... Parece que estou com a fúria da natureza na cabeça mesmo.

— Tudo bem, amiga, tome seu café. Como sempre, depois dele, a sua fúria passa. Vou pegar outra lanterna e a ajudarei a ler, já que prefere ficar aqui.

— Está bem, obrigada.

— Só espero que depois disso tudo, eu não tenha que interná-la. Com certeza terei ajuda de Lizza. — Sarah disse, indo até a porta e pegando uma lanterna maior em uma bolsa que estava no chão. Elas também colocaram os óculos de proteção.

— Devo estar louca mesmo. Decifrou mais alguma coisa daqui?

— Não, nada significativo. Muitas coisas estão soltas; ela escrevia aleatoriamente em seus delírios. A única coisa que me chamou a atenção foi quando ela falou das pedras, pelo menos foi o que mais fez sentido. Falta uma parte desta parede que ainda não li. Davide está me ajudando, mas ainda não lemos tudo. Mas eu acho que as pedras que ela fala podem existir. Ela usava os Elementais, então devem estar em algum lugar.

— Sim, deveriam estar. Como eu disse, se a igreja não sumiu com eles, deveriam estar aqui em algum lugar. O problema é que parece que não há mais nada aqui.

— Tem que haver, Marien.

— Bem, por certo o túmulo dela deveria estar escondido aqui.

— Por que tem tanta certeza? Pode estar em qualquer lugar.

— Acha que Asch teria tido todo este trabalho para encobrir isso se não estivesse aqui? Havia um túmulo para as coisas de Ainan, um para os pergaminhos dela, deve ter um túmulo com seu corpo. E tenho certeza que a espada de Asch está junto.

Marien pegou a lanterna e foi até a parede que Sarah falou que não havia lido ainda. Passou a lanterna por ela e viu rabiscos diversos; as duas foram seguindo a parede, lendo ranhura por ranhura. Uma das frases lhe chamou a atenção e ela chegou mais perto.

— Sarah, ilumine aqui para mim.

Sarah segurou as duas lanternas. Marien retirou o pincel do seu cinturão e limpou a parede, tentando ler. Os traços estavam bem fracos e ela cerrou os olhos para conseguir ler.

— “Deusa Isis, mostre-me sua fúria”. — Marien traduziu.

— Ai, mãe! — Sarah disse, espantada. — Ok, eu acho que ela estava muito brava aqui.

— Uma adoradora de Isis! — Marien disse, espantada.

— Pensei que seria uma celta.

Marien sentiu uma fisgada na cabeça e uma imagem lhe veio à mente; Marien usando o pentagrama no pescoço e dois braceletes que reluziam, um em cada pulso e ela recitava palavras com as mãos para o alto.

Marien cambaleou para trás, quase caindo, e Sarah a amparou.

— Está bem, Marien?

— Sim. — disse, erguendo-se e tentando respirar, puxando o ar com dificuldade e piscando diversas vezes.

— Ai, Jesus, o que viu?

— Marien usando dois braceletes.

— Podiam ser apenas joias, sacerdotisas eram acostumadas a usar tal adorno.

— Sim, mas não eram braceletes comuns.

— Como você sabe?

— Não pude vê-los claramente, mas eu senti.

Marien olhou para os lados e ficou meio tonta. Andou pela sala e Sarah a olhou, estranhando seu jeito. Foi até um canto e passou a mão pela parede.

— O que está fazendo, Marien?

Marien não respondeu e continuou tateando. Ela passou o pincel sobre uma pedra, ficou estática diante dela, enquanto Sarah a iluminava.

— A Cruz Pátea! Isso é um símbolo templário! — ela colocou a mão na pedra, fechou os olhos e repetiu a frase. — “Deusa Isis, mostre-me sua fúria”.

Apertou a pedra e ela foi para o fundo, abrindo um buraco na parede. Marien, devagar, foi enfiando a mão dentro dele.

— Cuidado, Marien.

— Está tudo bem.

Ela levou seu braço até o fundo e agarrou algo; trouxe-o devagar e, quando retirou a mão da parede, segurava um bracelete.

— Ai, meu Deus! — Sarah disse, espantada.

— Um dos braceletes! — Marien disse, extasiada.

— Chefinha, estas suas visões estão ficando boas, heim? Por que não tem uma delas para achar o túmulo de Marien?

— Não controlo as visões, Sarah, mas isso é maravilhoso.

— Você disse que ela usava dois braceletes, onde está o outro?

Marien colocou a mão novamente no buraco e tateou, mas estava vazio.

— Não há mais nada aqui.

— Onde está o outro?

Marien olhou atentamente para o bracelete, muda por alguns segundos, e olhou para a parede.

— Não está aqui. Deve estar em outro cômodo. Vamos.

As duas saíram daquela sala e foram para o salão principal.


*


— Padre! — Marien gritou e, com mais luz, tentava ver melhor o bracelete.

O padre e Davide vieram até o salão; correram ao ouvir o chamado de Marien.

— O que foi?

— Olhe isso, é de ouro e pedras preciosas.

— Minha nossa!

— É um dos braceletes que Marien usava! Eu tive uma visão, padre, e ela o estava usando.

— Isso é incrível! — disse Davide.

— Onde estava?

— Encontrei uma pedra com a marca dos templários, empurrei-a e um buraco se abriu, estava dentro.

— Incrível. Você disse um deles?

— Sim, eu a vi usando dois, mas ali só havia um.

— Deve haver outro esconderijo onde o outro está.

— Padre! — gritou um dos homens que vinha correndo.

— O que foi?

— É melhor sairmos daqui, está vindo uma tempestade grande, é muito perigoso ficarmos.

— Vamos. Avise a todos para se retirarem.

De dois em dois, subiram pelo elevador. Marien colocou a joia enrolada num pano e dentro da bolsa. Quando chegaram à superfície, olharam para o céu e viram as nuvens negras se aproximando e que os raios reluziam nas montanhas.

— Nossa! Vai ser uma tempestade e tanto, é melhor protegerem as tendas e cobrirem o que puderem. Vamos, eu quero examinar isso. Vou levar para casa, vamos lá?

— Primeiro tenho que fazer algo para o Vaticano. Se não mandar um relatório, estarei frito em azeite.

Marien sorriu.

— Está bem. Eu o espero mais tarde.

Davide e Sarah se abraçaram, felizes pelo achado, e se beijaram.

— Davide, eu vou com a chefinha, você vem também?

— Sim. Quero ver com mais detalhes este bracelete, vou pegar alguns materiais para o limparmos.

— Está bem, eu vou com você.

— Eu queria falar com você. — Sebastien disse baixinho sem olhar para Marien, colocando suas coisas dentro da mochila.

— Eu sei. Estaremos bem lá em casa e poderemos falar. Você vai para lá?

— Vou. Só vou enviar o relatório e encontro vocês lá, está bem? Só me responda uma coisa.

— Diga! — disse sem o olhar.

— Quando você olha para este anel, pensa em mim ou no Urs? — Marien o olhou rapidamente e não respondeu. Ele pegou a mochila, colocou—a no ombro e olhou para ela, encarando-a muito sério. — Não vai responder, Marien?

— Fiz isso por nós.

— Não foi isso que eu perguntei.

Ele virou as costas e a deixou ali. Marien abaixou a cabeça e respirou fundo.

— Droga! — ela resmungou entre os dentes. — Vamos, Sarah!

— Estamos prontos.

Os três entraram no carro e seguiram para a casa de Marien. Ela dirigia quieta e pensativa.

— O padre está com ciúmes, Marien. — Davide disse.

— Foi uma estupidez o que fez. — Sarah disse.

— Eu sei. — disse Marien.

— Mas concordo que é um bom disfarce. — Davide disse.

— Eu sei. — Marien disse.

— É. O problema vai ser convencê-lo a concordar com isso, o Vaticano de que é verdade, e a Urs de que foi um mal-entendido. — Sarah disse.

— Eu sei. — disse Marien.

— Você só vai dizer “eu sei”? Não tem mais nada a dizer?

— Vou! E eu também sei que, no estado em que eu estava e pelo flagra daquele maledeto, que quase me enforcou, e depois o da Gina, me espanta que eu não tenha dito que era noiva do Elvis Presley, então, me deixem em paz!

— Desculpe. Eu só queria ajudar. — Davide disse e Marien respirou fundo.

— Tudo bem, Davide. Desculpe-me, eu estou nervosa.

— Ele quisnforcaá-la? — Davide perguntou, espantado, sem acreditar no que ouviu. Marien puxou o lenço e ele viu as marcas no seu pescoço. — Jesus! Eu não acredito que ele fez algo assim!

— Davide, você é muito ingênuo. — Sarah disse. — A mim, isso não espanta em nada.

— Nunca imaginei algo assim.

— Sabemos que alguém lá de dentro mandou me matar e a Urs uma vez, Davide, só não sei se foi este homem.

— Eu sei, Marien, fico muito triste com isso. Às vezes fico com medo disso tudo.

— Você devia se afastar deles, Davide. Isso não é para você.

— Eu já pensei nisso, mas não vou abandonar o padre.

— E se ele sair da igreja? Quando isso acabar, ele vai embora e o que você vai fazer?

— Não sei, não pensei nisso. — disse, meio triste.

— Mas com certeza você pode continuar trabalhando com ele. Ele é arqueólogo, vai encontrar outro trabalho. Quem sabe, você pode ficar ao seu lado, continuar como seu assistente.

— Eu quero isso.

— Chefinha, eu tenho uma pergunta.

— Diga, Sarah.

— Se você se casar com o padre, terá que sair do museu. Urs não vai querer você lá, nem no centro de pesquisas.

— Provavelmente não.

— Eu sou sua assistente particular, mas nos últimos meses quem me paga é o museu, então quer dizer que eu vou ficar desempregada? — Marien olhou para Sarah e não soube o que responder, nem havia pensado nisso. Ficou muda e continuou dirigindo. — Parece que Urs não aceitou bem o fato de você gostar do padre e ter recusado o pedido de casamento dele. Apesar de sempre terem falado que seriam amigos mesmo se um de vocês se casasse, ele está bravo com você por causa do Sebastien e nem fala com você. Com certeza, quando isso acabar, seremos quatro desempregados.

Davide e Sarah se olharam e não disseram mais nada. Marien sentiu-se angustiada com aquela situação, parecia que haveriam muitos prejudicados pela união dela com Sebastien.

Quando chegaram à casa de Marien, desceram do carro e ela olhou para o céu; estava negro e o vento começava a mover-se com mais intensidade.

— Eu não estou gostando desta tempestade. Talvez fosse melhor vocês irem para casa.

— Não, ficaremos um pouco e depois vamos. Eu acho que vai demorar um pouco para a chuva chegar aqui.

Davide começou a limpar o bracelete com alguns produtos, pincel e palitos especiais, revelando a beleza de suas pedras, seus símbolos e o brilho dourado do ouro.

— É esplêndido!

— Isso é uma relíquia e tanto.

— Veja, mesmo com os entalhes bruscos, é perfeito.

— Nossa! De onde tiraram estas pedras? Este bracelete vale uma fortuna.

— É um bracelete egípcio! — Marien disse, espantada. — Já vi isso antes, mas onde?

— Eu estou confusa. Como que uma sacerdotisa, que penso ser celta, na era medieval, cultuava Amirtati, que era um culto antigo hebreu, vivia em Ancona e usava um bracelete egípcio?

— Bem, sobre ser celta, estive pensando que não seria condizente, pois os celtas dificilmente teriam um templo como aquele. Seus rituais eram em meio a natureza, só se tinham outros intuitos por trás.

Todos ficaram mudos e pensativos, sem entender nada.

O padre bateu na porta e entrou, soltando o casaco no sofá.

— Padre, veja isso.

Sebastien pegou o bracelete e o olhou meio embasbacado.

— Minha nossa! O que ela fazia com um bracelete egípcio?

Marin suspirou.

— Boa pergunta. Na inscrição da parede, ela fez menção à deusa Isis; estas inscrições aqui são referentes à deusa e esta aqui ao Elemental da terra. — disse Marien, especificando com o dedo no bracelete.

— Está dizendo que ela o usava para um ritual à deusa Isis?

— Seus rituais sempre deviam ser para a deusa da vida. Mas os rituais que praticavam, pelo que eu vi, são característicos de alguns rituais egípcios. Isto aqui é uma prova. Acontece que Isis era deusa da vida para os egípcios e era responsável pelo renascimento. Osíris, seu esposo, era o deus da fertilidade.

— Ei, espere aí! — disse Sarah. — Hoje eu falei para você sobre a lenda de Seth, a fúria da natureza.

— Sim, Sarah, estranha coincidência, não acha?

— Sim, até demais! — disse com os olhos arregalados.

— Na hora eu não me toquei, mas agora encontrei uma relação. A lenda de Seth, sobre a fúria, foi que ele escondeu uma parte de seu tesouro, na realidade o que roubou de Isis. E só aquele que tivesse o poder de mover os quatro elementos encontraria o tesouro.

— Espera aí, está dizendo que isso tem a ver com a profecia e o templo da deusa mãe?

— Faz sentido porque ela citou Isis. Seu marido, Osíris, foi morto e quando Isis deixou seu reino para procurá-lo, ainda sem saber que estava morto, Seth conseguiu roubar parte do seu tesouro e o escondeu. As seguidoras de Amirtati idolatravam Isis e Néfti como guias, usavam muitos dos seus rituais de encantamentos, principalmente com os braceletes mágicos e os Elementais. Isis foi poderosa; ela detinha poder nos quatro cantos do Egito.

— E seu templo também foi destruído pelos cristãos. — o padre complementou, pensativo.

— Sim. No Egito, o pentagrama, que é a estrela de cinco pontas, era conhecido como a estrela de Isis e Néfti, e Marien o usava. A deusa Néfti era irmã de Isis; ela rege as artes mágicas, os oráculos e as profecias. Essa deusa regia a morte, a magia escura, a intuição e sonhos. Néfti, apesar de seu aspecto obscuro, representava o amor sem fronteiras. Ela era representada como uma bela mulher de olhos verdes; Néfti era chamada de a irmã obscura de Isis, que também tinha olhos verdes. — explicava Marien, entusiasmada.

— Néfti designa o que está embaixo da terra e que não se vê, seu poder é de reprodução, e Isis representa o que está sobre a terra e é visível, a natureza física e o renascimento. — disse o padre.

— Sim, padre. Enquanto Isis representava a força da vida e do renascimento, Néfti era a deusa da morte e guardiã. Seus respectivos cônjuges também representavam energias opostas. Osíris, o marido de Isis, era o deus da fertilidade. Seth, que era o marido de Néfti, representando a esterilidade e a maldade, foi o assassino de Osíris. Isis foi uma das deusas que mais foi perpetuada através dos tempos, seu culto sobreviveu à extinção da civilização egípcia pelo menos até o século V. Seu culto espalhou-se por todos os países do mediterrâneo e além. Inclusive aqui na Europa. Como sabem, temos várias ruínas de templos dela na Itália. Isis foi uma temível concorrente ao cristianismo.

— Isso faria muito sentido e, se isso tudo for verdade, realmente tudo está se repetindo aqui. — Davide disse.

— Sim. No mundo judaico-cristão, Eva era mal vista por causa de seu dito pecado e então todas as mulheres, por consequência, também. Na cultura egípcia isso não acontece, pois a mulher não era fonte de nenhum mal. Isis era uma figura grandiosa e descobriu o segredo da ressurreição. Era modelo das rainhas, das esposas e das mães. Sua figura também era relacionada à fidelidade, era corajosa e conhecia bem os mistérios da magia.

— Mas antes falávamos da mãe da vida, a estatueta de Amirtati não é a de Isis.

— Acontece, Davide, que Amirtati era o nome dado à deusa pelos hebreus. Como os antigos israelitas fundiram-se com a cultura egípcia, isso ficou meio embaralhado, mas na realidade é a mesma deusa com nomes diferentes. Não sei se você percebeu, mas a estátua de Amirtati que encontramos no templo possui a forma dos cabelos egípcios. Eu é que não fiz esta relação antes, apenas achei que era influência, como era normal naquela época, por causa das conquistas e miscigenação. Eles devem ter modificado a sua forma nas estatuetas. É o mesmo caso dos deuses greco-romanos.

— Como assim?

— Davide, os deuses romanos são os mesmos dos gregos em sua divindade, só com nomes diferentes. Alguns deles chegam a ter quatro a cinco nomes como, por exemplo, Afrodite. Ela era conhecida como Afrodite pelos gregos, Vênus pelos romanos, Ishtar pelos babilônios e Astartéia pelos fenícios. Vê? Parecem quatro deusas completamente distintas, mas na realidade não são, pois tem a mesma função e divindade. O mesmo aconteceu aqui; a diferença de alguns detalhes me confundiu, mas acredito que seja exatamente isso.

— Mas a estatueta não tem asas. Nos desenhos egípcios, Isis sempre aparece com asas.

— Não em todas, pois ela também aparece sem elas. Acontece que as asas eram uma simbologia de seu lado animal, assim como todos os deuses egípcios, e eram presas por quatro braceletes de ouro e pedras preciosas que continham as inscrições sagradas que abriam os portões dos Elementais. Cada bracelete representa um dos quatro elementos.

— Terra, Fogo, Ar e Água.

— Isso! — Marien disse, rindo.

— Os mesmos elementos cultuados aqui pela deusa da vida.

— Mas hoje muitos falam de cinco elementos. — Davide disse.

— Isso é correto também; alguns consideram os quatro e outros, os cinco, os minérios. Por isso que Marien usava as pedras; era como se fossem o quinto bracelete, o quinto elemento da natureza, então ela tinha todo o controle.

— Está dizendo que ela podia dominar os elementos?

— Era para isso que ela estava sendo preparada, uma sacerdotisa tinha que dominar todos para ter todo seu poder ativo.

— Não entendo. Se ela tinha este poder, por que não se salvou da igreja?

— Isis também não se salvou, pois seu templo também foi destruído pelos cristãos e esquecido por muitos, e o poder de Marien sem os braceletes era fraco. Com certeza, quando a igreja chegou aqui, confiscou suas joias. Mas acho que ela não usava os quatro sempre, pois a vi com dois. E talvez ela ainda não dominasse completamente o grande poder deles. Talvez a sacerdotisa antecessora a ela morreu antes de lhe passar tudo.

— Isso é tão louco. — Sarah resmungou.

— O que me deixa espantada é como conseguiram manter um templo até a idade média. Incrível. Mesmo ele não tendo uma característica externa como os outros, boatos deveriam ter sido espalhados.

— Uma camuflagem bem feita.

— Sim, e este é um dos braceletes de Isis. Precisamos encontrar os outros.

A tempestade estava ficando pior e as luzes começaram a piscar, interrompendo-os.

— Vamos ficar sem luz. Acho melhor irem para casa antes que a tempestade piore.

— Vamos, padre? — Davide disse, levantando do sofá.

O padre levantou do sofá e pegou seu casaco. Marien o olhou e, vendo que iria embora, segurou-o gentilmente pelo braço.

— Não vai ficar e falar comigo?

— Acho melhor não.

— Nós temos que conversar.

— Você esteve fabulosa hoje, eu estou impressionado. Mas quanto ao seu noivado com Sr. Barker, acho melhor falarmos outra hora, agora não estou com cabeça e tenho que levar Sarah e Davide embora, antes que a tempestade piore.

Marien abriu a boca para falar algo, mas ficou quieta. Sebastien ficou olhando-a por alguns minutos, lhe deu um beijo e foi embora.

A chuva e o vento caiam com toda fúria e Marien ficou olhando pela janela os relâmpagos acenderem o céu. Sentiu uma profunda tristeza e lágrimas correram de seus olhos.

As luzes se apagaram e ela acendeu diversas velas pela casa; ficou tentando ler alguns de seus livros, olhava encantada para o bracelete, mas não conseguia parar de pensar na confusão que estava sua vida. Não sabia o que fazer e como resolver seus problemas e, para piorar, parecia que cada decisão que tomava só a afundava mais naquela areia movediça.

Ela suspirou, cansada e triste, colocou a camisola e foi para a cama.

Os trovões e a chuva continuaram noite adentro. Colocou a coberta sobre a cabeça e tentou dormir, mas adormeceu após algum tempo revirando-se na cama. Não percebeu que havia alguém no quarto e quando puxou a coberta. Só acordou quando viu o vulto em cima de si e quis gritar, mas uma mão cobriu sua boca, impedindo-a.

— Shhh... Sou eu. — Sebastien disse, tirando a mão da sua boca.

— Sebastien, o que faz aqui desse jeito? Quase me mata de susto!

— Desculpe.

— Está todo molhado. O que faz aqui? — disse, sentando-se na cama e tentando recuperar o ar pelo susto.

— Eu vim falar com você.

— Não quis falar comigo antes. Por que veio no meio desta tempestade, ainda mais desse jeito, parecendo uma assombração?

— Porque se eu não viesse, ia passar a noite toda andando pela casa como um zumbi e estou cansado de ter estas malditas visões.

— Seb...

Ele a interrompeu ao beijá-la intensamente e empurrou-a com o corpo, fazendo-a deitar-se, deixando-a sem ação. Marien não entendeu nada, mas não negou. Eles abraçaram-se e beijaram-se com sofreguidão.

Sebastien estava enlouquecido e a beijava tão intensamente que Marien ficou como se estivesse dormente e se rendeu à sua paixão sem reclamar ou evitar.

Havia algo entre eles naquele momento que ela não entendeu, mas não questionou.

Sebastien perdeu as palavras em seus lábios e sentia a mão suave dela percorrer sua pele que, do gelo, passou ao fogo.

Desfizeram-se de suas roupas e ele perdeu o juízo que lhe restava.

Se alguma parte de seu cérebro dizia para sair dali e deixá-la, seu coração e desejo bloquearam.

Ele a amou com uma dor que lhe cobria o peito, não conseguiu impedir que as lágrimas rolassem. Amava-a desesperadamente, uma paixão desenfreada, sem explicação, sem sentido.

Sebastien não queria perdê-la, tudo nele estava rendido a ela. Naquele momento, perderam a noção do perigo que os rondava.

Marien o sentia enchê-la de amor de uma forma intensa e queria tudo aquilo que ele lhe dava, queria-o livre para amá-la, e ele a ela, mesmo que tudo fosse errado.

Ela sabia que cada toque que ele lhe dava era sincero, não era promíscuo ou indecente, era puro e de um jeito que era só dele e isso a alucinava.

Eles não haviam sentido tanto prazer um com o outro como naquele momento; o sexo foi intenso e os dois amaram-se por um tempo interminável até cansarem, até sentirem todo o prazer a que tinham direito.

Os dois enlouqueceram nos braços um do outro, embalados pelos ferozes rojos de água que caíam do céu, que pareciam não ser percebidos por eles.

Os relâmpagos iluminavam o quarto pela janela e eles, exaustos, ficaram jogados, abraçados na cama, mudos. Marien, deitada em seu peito, sentia-o lhe acariciar suavemente o braço, tentando fazer a respiração voltar ao normal, acalmar as sensações espalhadas pelos seus corpos e suas mentes embaralhadas.

— Senti algo diferente desta vez. — ele disse mansamente, olhando para o teto.

— Eu também, você estava diferente. Esta é sua maneira de fazer as pazes?

— Se não pudermos ficar juntos, se algo acontecer, eu quero que saiba que eu a amo muito e vou te amar para sempre.

Marien levantou a cabeça e o olhou subitamente.

— Por que está dizendo isso?

— Só estou dizendo.

— O que aconteceu, Sebastien?

— Nada, é só que... hoje foi um dia difícil. E sinto muito por ter ficado bravo com você por causa do anel.

— Eu sei. Desculpe-me por isso, eu fui uma estúpida, não devia tê-lo colocado.

— Tudo bem, eu entendi o que fez. Às vezes não controlamos nosso destino. Sei que deve ser duro para você não poder usá-lo como toda noiva normal.

— É. Sinto-me um E.T. — ele riu.

— Desculpe, eu não queria que passasse por isso.

— Mas você está estranho, diferente. Diga-me o que houve.

— Nada, meu amor, eu só fiquei com medo de te perder, só isso.

— Eu estou aqui e você não vai me perder, mas eu pensei que você não queria mais ficar comigo.

Ele sorriu e a beijou.

— Nossa situação é complicada, mas é claro que eu quero ficar com você, senão não estaria aqui.

— Você não devia estar aqui.

— Eu sei. Mas eu não podia ficar sem ter você nos meus braços, nem que seja pela última vez.

— Você está me assustando, Sebastien.

— Não fique assustada. Eu só estou dizendo que vamos acatar sua mentira de ser noiva de Urs até o fim e não correremos mais riscos até isso tudo terminar, está bem?

— Foi você que veio para minha cama.

Ele sorriu.

— É, foi minha culpa. Eu não aguentei, tinha que vir, mas vou me controlar, eu prometo.

— Não queria que se controlasse.

— Claro que não. — disse, sorrindo. — Mas estamos no fim disso e nossas descobertas estão abrindo asas, Marien, acho que vamos conseguir e eu acho que isso é bem maior do que pensamos.

— Eu sei que vamos. Só não me agrada em nada isso tudo ir parar nas mãos da igreja.

— Eu confesso que a mim também não, pois eu estou decepcionado. Mas quanto a isso, não há nada que nós possamos fazer.

— Sinto muito por você ter que se decepcionar assim, depois de tanto tempo na igreja.

— Isso já vem acontecendo há tempos, de grão em grão, mas eu acho que agora tudo passou dos limites e eu não consigo controlar meu coração, pois perdi as rédeas dele quando a conheci.

— E do seu juízo também.

— Também. — ambos riram, nervosos. — Mas amar você esta noite foi maravilhoso. Jamais em minha vida vou me arrepender disso.

— Sim, foi maravilhoso. Mas todo mundo está contra nós, ninguém concorda que fiquemos juntos. Estamos tão errados assim?

— Talvez sim.

— Isso é injusto.

— Não me importa o que os outros digam, estou seguindo meu coração e sei que também está, mas acho que estamos seguindo o caminho errado, talvez este não seja nosso destino.

— E qual é, então?

Ele ficou mudo e mordeu os lábios por alguns instantes, debatendo consigo mesmo.

— Eu não sei. Quem sabe um dia a gente descubra.

— Eu escolhi ficar com você, não desista de mim.

Sebastien sentiu um nó na garganta e acariciou o rosto dela delicadamente.

— Eu não vou desistir de você, eu só quero que sejamos felizes.

— Vamos ser. É só isso acabar e seremos livres, poderemos viver nossa vida em paz, sem dever explicação a ninguém, longe daqui.

— Assim espero.

— Eu não quero mais ter medo de dormir com você, eu quero que acorde comigo sem pensar que alguém vai entrar e nos arrancar daqui como se fôssemos dois criminosos. Quero poder andar com você de mãos dadas na rua e não falar com você olhando para o chão ou me espreitando pelos cantos. E quero dizer a todo mundo que este anel que eu uso me foi dado por você, quero que você seja meu por inteiro.

Sebastien quase morreu bem ali, seu coração quase explodiu e seus olhos marejaram de lágrimas.

— Eu sou seu por inteiro, Marien, não há uma parte de mim que não ame você.

Ele a puxou, fazendo com que seus lábios encontrassem os dele e beijaram-se demoradamente, entregues um ao outro.

Marien estava entregue a ele, mas sabia que havia alguma coisa errada. Algo que Sebastien não estava contando. Só não insistiu em saber por que, na verdade, não queria saber.

Havia coisas que fugir era mais prático.


Capítulo 35

Quando o dia chegou, já com a tempestade dissipada, Marien se levantou; Sebastien havia ido embora e com certeza fora antes de amanhecer. Marien tomou café e foi para a escavação. Podia ver os estragos que a tempestade havia feito.

Chegando ao seu destino, já pôde ver uma movimentação com ares nada agradáveis; havia terra demais, as coisas não pareciam como antes, a montanha estava revirada, tanto que seu carro nem chegou perto das tendas que, por um milagre, estavam em pé.

Ela desceu do carro e avistou o padre, Davide e Sarah conversando; alguns corriam de um lado a outro. Marien se aproximou e já foi se adiantando.

— O que aconteceu?

— Chefinha, tudo foi soterrado. — Sarah disse, desolada.

— O quê?!

— O templo foi soterrado. Houve um imenso desmoronamento, a entrada está toda coberta.

— Meu Deus, não é possível! — disse quase tendo um ataque.

— Nosso trabalho foi por terra abaixo! — Sarah exclamou, revoltada.

— Vamos demorar um tempão para tirar tudo daí de novo. — Davide disse, desanimado.

Marien olhou para Sebastien, que estava com o semblante abatido. Ela foi para uma das tendas e começou a andar de um lado a outro. Sebastien foi até ela e ficou parado, olhando-a.

— Sebastien... Diga que eu estou tendo um pesadelo, que ainda estou dormindo, que vou acordar e isso não aconteceu.

— Eu também gostaria que fosse e eu pudesse acordar.

— Isso é muito ruim.

Marien deixou-se cair na cadeira e escorou-se na mesa. Sebastien sentou do outro lado e segurou suas mãos sobre a mesa.

— Calma. Não adianta ficar assim, nós teremos que recomeçar.

— É normal ter tantas tempestades assim por aqui?

— Não. Pelo que alguns empregados me relataram, estas tempestades constantes e assustadoras começaram a acontecer depois que a igreja foi descoberta. Um fenômeno, pelo que percebo.

— Sebastien, você não percebe? Isso vai atrasar nossos planos. — dizia ela, baixinho. — Eu estava com esperanças de sair logo daqui; isso parece uma maldição.

— Eu sei, Marien, eu sinto o mesmo que você. Mas a mãe natureza de revoltou e pôs tudo abaixo, teremos que continuar.

Marien cobriu o rosto com as mãos e respirou profundamente.

— Logo agora que encontrei um bracelete, mas precisamos dos outros três. Meu Deus, quando vamos conseguir entrar novamente para procurar?

Marien colocou a testa na mesa. Sebastien ficou mudo, aquilo parecia mesmo um pesadelo. Parecia que as coisas não andavam muito a favor deles. Marien levantou a cabeça rapidamente e, pensativa, olhou para ele.

— Sebastien...

— O que foi?

— Um fenômeno, disseram... A mãe natureza está nos dando sinais. A terra poderia significar o templo soterrado, a terra encobriu todo o templo pela segunda vez. Não foi uma simples tempestade, foi o poder do bracelete. Quando eu o encontrei, tudo desabou. Eu encontrei o bracelete com o símbolo da terra e o templo foi soterrado no mesmo dia.

— Quer dizer que a busca ali acabou?

— Acho que sim.

— Como assim? Onde estão os outros três braceletes? E o túmulo dela? Tem que estar ali.

— Quando eu tirei o bracelete de lá, eu tive a clara certeza de que não havia mais nada. Foi como se um vazio tomasse conta, eu só achei que eles estariam em outro cômodo, mas não. Eles não estão no templo e o túmulo de Marien também não.

— Tem certeza?

— Absoluta.

— Então vamos achar os outros.

— Mas onde estariam se não estão no templo?

— Asch os escondeu em outro lugar, talvez separados. Cada um em um esconderijo. Acredito que quando encontrarmos todos os braceletes, então encontraremos o túmulo de Marien.

— Você sabe o que significa se o túmulo e os braceletes não estiverem no perímetro reportado pela igreja?

— Sei. Pertence a nós. — disse, cochichando e dando um imenso sorriso para ela, que retribuiu. — Ok. O que falta? — disse, entusiasmado.

— Fogo, água e ar.

— Tudo bem, pensaremos por partes. Fogo, onde poderíamos encontrar? — os dois ficaram calados e pensativos. — As piras! — ele disse e Marien franziu o cenho sem se lembrar.

— Piras?

— No centro da cidade, existem quatro enormes piras de pedras. Foram construídas na baixa idade média e na época eram rodeadas de floresta, um local sagrado, onde faziam rituais para os deuses abençoarem as colheitas.

— Tipo os círculos de pedra como o Stonehenge. Acha que Marien e seus seguidores as usavam?

— Sim.

— Ok, e o que mais?

— Depois que a antiga Ancona foi destruída, a nova cidade foi construída ao redor deste antigo monumento ritualístico e sagrado. São acesas no período das festas e eles celebram antigos festejos pagãos.

— Então, elas possuem o símbolo do fogo.

— Exatamente. Quer mais pista do que isso?

— Mas seria um lugar muito perigoso e óbvio.

— Acontece que ninguém se aproxima das piras, são sagradas e elas são cercadas por correntes; é patrimônio da cidade. Só é permitido acesso às autoridades no período das festas e só para acendê-las.

— Temos que ir até lá.

Eles pegaram o carro e foram para o centro da cidade. Chegaram às quatro imensas piras no centro da praça. Estacionaram em uma rua abaixo da praça e seguiram a pé.

— Tudo bem, e que devemos procurar? — ela perguntou.

— Um símbolo templário, igual ao que estava na parede do templo.

— Com toda esta gente aqui?

— Seja uma turista, Srta. Marien. Disfarce e veja se encontra alguma marca, acredito que pode estar debaixo de alguma delas.

— Tudo bem.

Os dois, disfarçadamente, caminhavam ao redor da corrente e olhavam atentamente para as pedras. Marien parou e deu um passo atrás, tentando olhar bem abaixo. No pé da pira, havia um pequeno círculo cravado no canto de um dos quadrados pesados de pedra e continha a cruz, igual a do templo. Sebastien foi até ela e olhou na direção que ela olhava.

— Está ali. — disse ela, baixinho, sentindo um frio no estômago.

— Com certeza está, basta saber como entraremos ali para abrir um buraco no chão da pira sagrada. — Sebastien disse, disfarçando.

— Bem... Esperaremos a madrugada e viremos.

— Contanto que não sejamos presos, me basta.

— Sebastien, por acaso aqui os policiais andam à paisana?

— Que eu saiba não. Por quê?

— Porque tem um homem atrás de você que não para de nos olhar.

Sebastien disfarçadamente virou-se e viu o homem de óculos escuros, todo vestido de preto, parado ao longe, olhando-os.

— Não gostei disso.

— Eu também não. Vamos, nós voltaremos à noite.


*


Era madrugada e a cidade toda dormia. Sebastien e Marien foram à praça, olharam ao redor e estava tudo parado, silencioso; ninguém se movia pela rua. Pularam a cerca de corrente e foram até a pedra.

— Tudo bem, o que fazemos agora? — ela perguntou.

— O que fez lá nas ruínas?

— Pressionei a pedra e disse uma frase que estava escrita na parede.

— Então faça o mesmo. — ela fez, mas nada aconteceu. — Não é isso. — disse o padre, pensativo.

— Achei que não. Se fosse isso, seria muito fácil. E como ninguém nunca viu isso? Pelo que eu imagino, na idade média, meu amor, não havia estas correntes evitando turistas.

— Engraçadinha, mas também não tinha você agindo como uma bruxa e cumprindo uma profecia. — Ela riu. — Deve haver algo mais. Por que você não coloca o bracelete e pensa em algumas palavras mágicas?

Ela o olhou, estreitando os olhos.

— Hum... Dê-me aqui.

Sebastien carregava uma bolsa de couro cruzada pelos ombros; abriu-a e lhe deu o bracelete. Ela colocou no seu punho direito, posicionou a mão sobre a pedra, fechou os olhos e se concentrou. Instintivamente, recitou algumas palavras usadas em um antigo ritual de adoração ao fogo e uma luz brilhou debaixo da sua mão.

Sebastien arregalou os olhos e olhou ao redor para ver se havia alguém. A pedra moveu-se um pouco para baixo e um buraco quadrado na parte vertical da pira se abriu.

Marien abriu os olhos, viu o buraco e olhou para Sebastien. Foi até lá e colocou a mão dentro, trazendo algo enrolado num velho e destroçado pano. Desenrolando-o, encontrou o bracelete dentro.

Os dois começaram a rir entusiasmados e se abraçaram.

A pira inesperadamente soltou uma explosão fumegante. Os dois se assustaram e caíram de costas no chão com os olhos arregalados. A pira acendeu-se em chamas com uma lavareda imensa e depois, uma a uma, as quatro foram se acendendo e os estrondos foram ecoando pelas ruas de Ancona.

— Merda! — ela gritou.

— Vamos, Marien! — o padre gritou, puxando-a pelo braço, e os dois saíram correndo pelas ruas.

Chegaram no carro, entraram rapidamente e saíram a toda velocidade pelas vielas até chegarem à saída da cidade. As explosões e o fogo alto continuavam a acordar a cidade.

— Jesus do céu! — Marien disse, tentando respirar e olhando para trás com os olhos arregalados.

— Poderia ter sido menos barulhento. — Sebastien disse, olhando pelo retrovisor.

— Será que alguém nos viu?

— Aquele mesmo homem que vimos hoje a tarde estava lá, eu o vi quando caímos.

— Ai, Seb, eu não estou gostando disso.

— Eu também não, mas gostei de você me chamar de Seb.

Ela riu.

— E se as autoridades baterem na nossa porta amanhã?

— Então teremos um problema. Mas o que é um problema a mais para quem está atolado neles?

Ela sorriu e pegou o bracelete, olhando-o.

— As marcas do fogo. — ela riu. — É lindo! Ai, meu Deus, olhe estes rubis!

— Acha que, quando encontrarmos os quatro, nós encontraremos o túmulo dela? Como se fosse uma busca ao tesouro de Seth?

— Acho que sim. Asch deixou tudo bem complicado, parece mesmo que ele quis dar esta ilusão do tesouro, mas está dando certo.

— Parece que o túmulo dela era um tesouro para Asch. — ele disse, olhando-a.

Marien sorriu e acariciou seu rosto docemente.

— Eu sei.

Chegando a frente ao chalé de Marien, Sebastien parou o carro e respirou por um segundo, olhando-a.

— É melhor entrar e tranque bem a casa, não gostei daquele homem nos olhando.

— Acha que é do Vaticano?

— Não sei, mas se for, nem posso pensar em ficar aqui. — Marien o beijou nos lábios. — Guarde-os bem.

— Vou guardar.

Ela entrou e trancou a porta. Respirou profundamente, retirou o embrulho da bolsa e olhou para os braceletes. Foi para o quarto, embrulhando-os novamente. Devolveu-os dentro da bolsa e colocou debaixo do colchão.

Estava cansada, pois era alta madrugada e, apesar de aquela empreitada ter valido a pena, seu corpo pedia uma cama. Jogou-se nela e seu coração estava repleto de ansiedade. Queria falar com alguém; pegou o celular meio involuntariamente e mandou uma mensagem para Urs.


“Encontrei algo incrível. Dois dos braceletes de Isis que pertenceram à Marien e um deles não estava na escavação. Perdoe-me, mas eu queria compartilhar com você”.


Marien desligou e deitou-se novamente. Fechou os olhos e pegou no sono de roupa e tudo, sobre as cobertas; estava exausta.

Seu sono estava agitado e, em um sonho, viu o imenso penhasco, o mar e a parede de pedras na qual se encontrara com Sebastien na noite da tempestade, quando fizeram amor pela primeira vez. Viu um salão escuro e um túmulo, várias imagens confusas lhe vieram à cabeça e acordou num salto com um barulho que parecia um tiro, um estouro.

Estava amanhecendo e ela escorou-se nos cotovelos e olhou ao redor. Seu coração estava disparado.

Levantou devagar, olhou pelo quarto e espiou pelo corredor; a casa ainda estava meio escura, mas não acendeu as luzes. Andando na ponta dos pés e espiando cautelosamente, foi à sala, mas não viu nada.

Quando se virou, deu de cara com um imenso homem à sua frente que, com a mão, tapou sua boca e a prensou na parede com toda força, fazendo-a bater a cabeça. Ela espremeu os olhos, mas seu grito foi sufocado pela imensa mão.

— Onde estão os braceletes?

— Não sei do que está falando. — disse, sufocada.

Ela arregalou os olhos e balançou a cabeça negativamente. O pânico tomou conta de seu ser e não sabia o que fazer ou quem seria aquele homem que conseguira entrar na sua casa e muito menos como sabia dos braceletes. Devia ser o homem que estava os espionando na praça.

— Não se faça de idiota. Onde estão os braceletes?

Marien deu uma joelhada no homem desconhecido. Ele contorceu-se pela dor e a soltou, cambaleando, dando alguns passos para trás.

Marien correu para o quarto e fechou a porta. Pegou a bolsa debaixo do colchão, onde estavam os braceletes, e olhou ao redor, procurando uma saída e sua única chance de escapar era pela janela.

Ela a abriu com um solavanco e tentou pular, mas o homem arrombou a porta e agarrou-a antes que conseguisse seu intento e, com toda força, puxou-a e jogou-a no chão.

Ele foi pegar a bolsa que caíra de sua mão, mas ela o puxou pelo pé, derrubando-o. Ela foi para cima dele, tentando o impedir de pegá-la e os dois travaram uma luta.

Marien foi feroz e valente ao lutar com ele, distribuindo socos e pontapés, mas o homem era grande e forte. Ele a agarrou, virando-a violentamente contra o chão, subiu em cima dela e começou a lhe apertar o pescoço. Ela começou a sufocar, tentou bater nele e tirar suas mãos de seu pescoço, mas estava difícil.

Ela olhou para o lado, de canto de olho, e viu o abajur no chão. Puxou o fio forçosamente, tentando alcançar e o pegou. Chocou-o com toda força contra a cabeça dele, deixando-o tonto e fazendo-o cair ao seu lado.

Tossiu algumas vezes, recuperando o ar, pegou a bolsa e, cambaleando, saiu correndo da casa, indo até seu carro.

Entrou e começou a dirigir a toda velocidade. Olhou para trás e viu o homem sair correndo da casa, entrar no carro e começar a segui-la. Ela ia correndo pela estrada, sem saber exatamente para onde ir e, com as mãos trementes, pegou o celular e tentou ligar para Sebastien, mas ele não atendeu o celular, assim como Sarah, cujo celular estava desligado.

— Merda...

Sua outra tentativa foi para Urs. Chamou diversas vezes e ele não atendeu. Marien olhou pelo retrovisor e o homem se aproximava mais dela a toda velocidade, o que a deixou mais em pânico ainda.

— Urs, atenda ao telefone! — gritou completamente apavorada, mas caiu na caixa postal. — Merda! Urs, por favor, me escute... Pegue o mapa! O museu precisa tomar posse das terras uns dois quilômetros a direita das escavações, descendo a montanha, onde há uma muralha de pedras. Por favor, o túmulo de Marien está lá, impeça o Vaticano de tomar posse!

Marien gritou ao ouvir um tiro estilhaçar o vidro traseiro. Derrubou o celular no chão, que permaneceu ligado, e ela tentou manter o controle do carro. Ele atirou diversas vezes, atingindo o carro, e ela gritou novamente, saindo da estrada.

Foi pela mata, desviando das árvores, tentando chegar a algum lugar que ela nem sabia onde daria.

A van preta a seguia e ia em alta velocidade e o homem atirou novamente, acertando o vidro lateral de seu carro, estilhaçando-o. Marien gritou, assustada, encolhendo-se no banco. Ao girar a direção violentamente, perdeu o controle e freou, mas bateu numa árvore.

Marien bateu com a cabeça no volante e sangue lhe escorreu pela testa. O airbag não abrira e sua sorte é que o chão irregular havia feito a velocidade diminuir.

Ela tentou abrir os olhos, sentindo-se tonta. Gemeu, colocando a mão na cabeça, piscando diversas vezes. Assustada, olhou para trás e viu o carro se aproximando, sua única solução era correr.

Pegou a bolsa e a colocou sobre os ombros, cruzando o corpo. Com toda força, tentou abrir a porta do carro, mas ela não abriu e, com um xingamento, abriu a janela e saiu por ela. O carro estava próximo e Marien saiu correndo por entre as árvores, mas ele continuou atirando, seguindo-a com o carro e desviando entre as árvores.

Marien corria o mais rápido que podia e saiu do meio das árvores, entrando em uma planície. Corria em zig zague para que ele não conseguisse acertá-la com os tiros.

Ela não havia se dado conta, mas estava perto das escavações e corria em direção ao penhasco. Parou perto da borda, dando uma imensa freada, e arregalou os olhos. Tentou correr para voltar, mas o carro vinha em sua direção e atirou nela novamente, fazendo as balas passarem perto. Ela correu novamente e parou quando, debaixo do penhasco, um helicóptero subiu, assustando-a, e ficou pairando sobre ela.

— Marien! — Urs gritou da porta aberta.

Ela olhou para o helicóptero com os olhos arregalados e, vendo que era Urs, sentiu uma ponta de esperança, mas o homem pela janela do carro lhe acertou com um tiro no braço, que a fez girar com o impacto e cair, gritando pela dor.

— Atire, Harry! — Urs gritou, sentindo um grande terror ao vê-la ser atingida.

Com os olhos arregalados, ele sentia seu coração bater descompassado.

Harry, que portava uma pistola automática, mirou e disparou diversos tiros contra o carro, que acelerou e veio a toda velocidade em direção a Marien, que estava caída no chão. O homem foi atingido, mas o carro continuou a correr sem controle.

Marien, vendo o carro vir em sua direção, levantou-se cambaleando e correu em direção ao penhasco. Harry acertou o homem novamente e seu pé afundou mais no acelerador, ia atingi-la.

Ela, sem pensar nem ter para onde fugir, saltou do penhasco. O carro sem controle voou atrás, quase a atingindo, e os dois despencaram penhasco abaixo, caindo no mar.

— Não! — Urs gritou, aterrorizado.


Capítulo 36

Urs rapidamente passou a mão em uma corda com cinturão de escalar; prendeu-o num gancho numa roldana presa ao fundo do helicóptero e o vestiu.

— Quando eu subir, me puxe. — ele gritou para Harry, enquanto o piloto virava o helicóptero para voltar e descer mais próximo ao mar.

Urs saltou, caindo na água, e mergulhou, tentando encontrá-la. Marien foi ao fundo e estava zonza pelo impacto da altura, que era grande e que a fez bater no chão de areia. Estava atordoada e sem ar, mas sabia que tinha que nadar para se salvar, mesmo sentindo uma dor agoniante.

Marien abriu os olhos e olhou para o fundo e viu, através da água límpida, uma quantidade imensurável de esqueletos cravados no chão. Ela arregalou os olhos, assustou-se e tentou nadar para se afastar e não tocar neles, mas seu braço, que havia sido atingido pela bala, não permitia, e não conseguia sair do lugar; não tinha mais ar nos pulmões e então parou de se debater.

Ela ficou ali, esperando a morte.

Mesmo atordoada e amortecida, piscou lentamente e levantou um pouco os olhos, vendo algo dourado reluzir fortemente nas pedras da encosta, antes de desmaiar.

Urs mergulhava, procurando-a de um lado a outro, e, quando a viu, nadou rapidamente e a agarrou pela cintura. Subiu o mais rápido que pôde e, quando emergiu com ela, tossiu e tentou recuperar o ar.

— Marien! — gritou, recuperando mais ar, tentando ficar fora dos golpes da água, mas ela estava desacordada. — Marien, meu amor, por favor, respire.

Ele a virou de frente e cruzou as pernas por seu quadril, segurando-a, abraçando-a com os braços pelas costas e fez sinal para o helicóptero.

O piloto levantou o helicóptero, tirando-os da água e a bobina começou a rebobinar o cabo e puxá-los até o aparelho, enquanto sobrevoavam o mar.

Urs a segurava inconsciente, caída em seu ombro, e quando chegaram ao helicóptero, Harry os ajudou a subir no aparelho e Urs fez respiração boca a boca nela diversas vezes, alternando com os impulsos de suas mãos em seu peito.

Logo desceram em uma ilha próxima, num pequeno heliporto no jardim de uma bela casa, enquanto ele continuava tentando trazê-la de volta.

— Marien, respire, por favor.

Ela finalmente reagiu; tossiu, jogando a água para fora, e voltou um pouco a si. Seu braço e sua testa sangravam e ela forçosamente tentou abrir os olhos e, com a visão embaralhada, pôde reconhecer o rosto de Urs.

— Urs...

Ela o abraçou e ele retribuiu fortemente, sentindo seu coração apertar de desespero, mas, ao mesmo tempo, de alívio por ela estar viva.

— Marien... Graças a Deus! O que foi tudo isso?

— Os braceletes... — disse ainda tonta, tentando tatear a bolsa.

— Que braceletes?

Urs pegou a bolsa e a retirou de seus ombros. Abriu e retirou os dois braceletes; deu a Harry sem nem mesmo prestar atenção neles.

— Você me salvou. Como sabia que eu estava aqui? Como... Você estava aqui, Urs?

— Eu estou sempre por perto, você é que não me vê.

Ela olhou-o, confusa e tonta, e gemeu pela dor no braço.

— Não entendo, do que está falando? Pensei que estava em Londres.

— Marien, isso não importa agora. Quem era aquele homem?

— Eu não sei, mas estava atrás dos braceletes.

— Venha, eu vou ver o seu ferimento e você me conta esta história absurda. Dependendo da gravidade, precisaremos de um médico.

— Ferimento à bala deve ser reportado à polícia, não pode fazer isso.

— Não posso? O que infernos pensa que isso é? Um faroeste onde todo mundo pode sair por aí atirando nas pessoas, tentando atropelá-las com o carro?

— Urs, eles podem embargar tudo, parar a escavação e isso não pode acontecer.

— Por que infernos não?

— Porque eu não quero e isso acaba aqui. Nada de polícia.

— Deus santo, como é cabeça dura esta mulher.

— Só quero que isso acabe para eu encerrar esta loucura toda e para que eu possa ir para casa, ok?

Ele a olhou e entendeu seu ponto. Quanto mais cedo acabasse com tudo aquilo, quem sabe mais cedo ele teria paz na sua vida novamente. Urs suspirou, cansado, e estremeceu de frio. Ficou apreensivo com a fisionomia dela, pálida e com os lábios roxos pelo frio e perda de sangue e seus dentes estavam tilintando de frio.

— Droga, está hipotérmica. Vamos entrar e nos aquecer. — ele resmungou, também sentindo seu corpo congelado.

Ele a retirou do helicóptero, levando-a no colo, o que estava difícil por sentir seu corpo rijo, mas entrou na casa e a colocou na cama, apoiada em alguns travesseiros. Logo regulou o botão da calefação para aquecer o quarto rapidamente.

— Onde estamos?

— Eu aluguei esta casa, estamos numa ilha próxima à costa.

— Alugou? Por quê?

— Só queria ter certeza que estava bem. — Ele disse, retirando sua blusa e sua calça, deixando-a somente de lingerie. Ela tentou se cobrir com os braços. — Desde quando tem vergonha de mim, Marien? Acha que já não te vi nua o suficiente por duas vidas?

— Urs! Só... só estou com frio.

— Certo, fingirei que acredito, já vai se aquecer.

Que imbecil, desde quando se sentia constrangida na frente dele? Marien suspirou e gemeu ao mesmo tempo. Tudo sempre podia piorar.

Ele colocou uma toalha em sua cabeça para secar seus cabelos e a cobriu com as cobertas. Rapidamente retirou sua própria roupa molhada, saiu do quarto e, quando voltou, estava usando um roupão grosso. Pegou uma caixa de primeiros socorros, sentou-se ao seu lado na cama e limpou o sangue, examinando o ferimento.

— Estava me espionando? — ela perguntou. Ele a olhou de canto de olho e não respondeu. — Urs!

— Só queria ver se estava segura, Marien. Não é fácil ficar tendo pesadelos de que você está em perigo ou lendo suas mensagens loucas. E acho que meus pesadelos se concretizaram, não é? — Marien estava confusa e gritou quando ele colocou remédio para desinfetar seu ferimento. — Foi de raspão, teve sorte, assim como cair daquele penhasco. Deus santo, eu não sei como ainda não sofri um enfarte com você.

— Por favor, pare com os sermões. Não tive culpa, ok?

— Ok, claro que não teve culpa. É que estou nervoso.

— Desculpe, não quero que fique nervoso e realmente agradeço por salvar minha vida. — disse, acariciando seu rosto e falando com carinho. Urs se acalmou prontamente. — Você é meu herói.

Ela sorriu e conseguiu arrancar um sorrido dele, então ela suspirou, fechou os olhos e deixou sua cabeça recostada nos travesseiros. Tentou colocar seu cérebro para funcionar novamente, o que estava bem difícil. Gemeu quando ele voltou a passar remédio.

— Isso dói.

— Já tomará um remédio para dor.

— Eles estão lá...

— Quem?

— Os esqueletos, há diversos deles embaixo d’água.

Urs franziu o cenho sem entender do que falava.

— Que esqueletos?

— Os moradores de Ancona, os seguidores de Marien, as pessoas que viviam no templo, jogadas do penhasco depois de suas torturas. Seus esqueletos jazem no fundo naquela encosta.

— Isso não é possível.

— Eu vi.

Urs ergueu as sobrancelhas, olhando-a seriamente e não quis acreditar no que ela dizia.

— Todo esse tempo seria impossível; a maré os teria levado.

— Alguns, talvez, mas há muitos lá.

— O sal do mar teria os dissolvido.

— Talvez a deusa quisesse que eles estivessem lá, intactos.

— Oh, claro... — disse, descrente.

— E eu vi uma luz dourada. Acho que é o outro bracelete.

— Tudo bem... Explique-me que negócio é este de braceletes.

Ela explicou tudo, e ele a ouviu enquanto fazia o curativo no braço e, depois, o de sua testa. Harry entrou no quarto com um ar sério, carregando uma bandeja nas mãos.

— Milady, como está se sentindo?

— Viva.

— Teve sorte de estarmos por perto.

— Parece que isso não é novidade, não é?

— Creio que não. — disse, erguendo as sobrancelhas, colocando a bandeja de chá na mesinha. Ele lhe entregou uma xícara e dois comprimidos. — Beba isso. Vai lhe aquecer e estes comprimidos cortarão a dor e evitarão uma infecção.

Urs arregalou os olhos quando ela levantou a mão e pegou a xícara. Ele pensou que seu coração fosse partir em milhões de pedaços ao ver o anel de noivado no seu dedo. Ele quis gritar, mas não disse nada e Marien não percebeu que ele havia visto.

— Urs, você ouviu minha mensagem? Tem que tomar posse daquelas terras.

— Marien, como eu posso fazer isso?

— Eu sei que o túmulo dela está lá, por favor, impeça que o Vaticano coloque as mãos nela.

— Como sabe?

— Foi uma visão.

— Marien, eu não posso fazer isso baseado na sua visão. Para isso tenho que ter diversas autorizações e comprovações. Eu sinto muito, mas para agora é impossível.

— Eu vou encontrar o túmulo dela e se você não fizer nada, o Vaticano fará. — disse, nervosa.

— Desculpe, eu vou tentar, mas precisa me dar algo mais que uma visão para isso. Eu preciso de uma autorização, reportar ao departamento histórico da cidade, aos órgãos competentes, é um raio de burocracia para que o museu se apodere daquelas terras para exploração. O Vaticano fez isso, é o que preciso fazer. São regras, senão qualquer um pode entrar lá e se apoderar do que encontrar. Não sei se percebeu, mas creio que era isso que aquele homem estava tentando fazer, já que o bracelete não estava no templo.

Ele deu as costas a ela e ia sair do quarto.

— Urs, por favor, tem que me ajudar nisso.

— Eu sinto muito, mas eu não posso. E se você gosta de ficar se atirando de penhascos e levando tiros, talvez da próxima vez eu não esteja por perto para te ajudar.

— Isso, fuja... É bem mais fácil para você expor as suas relíquias arrematadas num leilão do que saber como elas foram achadas. Se for isso que pensa sobre arqueologia, então não sabe o significado de ser um arqueólogo! — gritou, furiosa.

Urs ficou vermelho de raiva. Deu alguns passos em direção a ela, rangendo os dentes.

— Não fale comigo desse jeito, entendo mais de arqueologia do que você! E se acha que se matar é ótimo para o seu currículo, então talvez esteja com o homem certo, porque, pelo que eu sei, aqueles homens não eram simples ladrões de túmulos, Marien, e você também sabe. Você me disse que achava que o Vaticano tinha mandado nos matar e roubar os pergaminhos de Tiago! Você sempre culpou a igreja pela morte do nosso filho e agora se envolve com um padre! E eu te garanto que aqueles homens eram do Vaticano e agora nem sei como vou explicar que há um defunto no meio do mar!

— Podia explicar que ele tentou me matar, e Sebastien não está do lado deles.

— Ótimo! Seu senso de mulher deve saber distinguir, não é?

— E como explica de ficar me espionando?

— Não estava espionando!

— Ah, não? Ficar numa ilha aqui do lado, saber de tudo que acontece comigo não é espionar?

— Tudo bem, eu admito. Estava de olho em você, apesar de querer te enforcar. Porque por mais que eu tente odiá-la, eu não consigo! — gritou fora de controle e ela ficou atordoada.

— Por que quer me odiar?

— Porque talvez eu tenha cansado de amar você, Marien, assim como você cansou.

— Eu não cansei, Urs. Só acho que não podemos ficar juntos, mas isso não quer dizer que tenhamos que nos odiar. E se quer me odiar, tudo bem, vá em frente, mas temos trabalho aqui para fazer e você, queira ou não, faz parte disso. Parece estar mais preocupado com sua dor de cotovelo que com o trabalho.

— E você sempre foi mais preocupada com o trabalho que com todo o resto.

— Urs, por favor, isso é muito importante. Como não vê isso? Não posso permitir que eles encontrem o túmulo dela, não depois de tudo que eles fizeram a ela e a nós. E se isso está fora do perímetro cercado, então temos uma chance, mas eu preciso da sua ajuda. Eu te imploro, faça alguma coisa! Depois, se quiser me pendurar numa forca, eu mesma coloco a corda.

— Você me deixa doido! — disse entre os dentes e gesticulando.

Seus nervos estavam explodindo, nem sabia o que fazer com ela.

— Urs, o bracelete de Marien está lá embaixo, no mar.

— O que quer que eu faça?

— Você é mergulhador.

— Nem pensar!

— Urs, por favor.

— Você também mergulha, mocinha.

— Nunca mergulhei sem você.

Urs fechou os olhos e esfregou as mãos no rosto. Não falou mais nada e saiu do quarto, foi até a sala e voltou. Jogou o celular em cima da cama e Marien ficou o olhando.

— Talvez queira ligar para seu noivo avisando que está aqui.

Urs saiu novamente e Marien olhou para sua mão. Obviamente Urs tinha visto o anel e por isso tinham entrado naquela briga horrorosa.

Ela suspirou e ficou na cama, tentando colocar seu cérebro no lugar. Estava atordoada demais e sua cabeça parecia que ia explodir pela dor. Aquele remédio parecia não estar adiantando muito para a dor e brigar com Urs só piorou seu mal-estar.

Por isso ele estava revoltado daquela maneira; soube daquela maneira torta que estava noiva de um padre. Afinal, como queria que ele reagisse? Ela também não estava ajudando a facilitar as coisas para nenhum dos dois.

Ela tentou lembrar os números do padre de cabeça, mas não lembrou, então, ligou para Sarah.

— Oi, sou eu, Sarah.

— Marien, onde está?! — disse praticamente gritando. — Você não apareceu aqui e passei com Davide na sua casa e não gostei do que vi. O que houve? E por que está ligando do celular de Urs? Ele está aqui? Onde você está?

— Acabaram as perguntas?

— Não. Sim. Desculpe, estou nervosa.

— Eu estou bem, não fique preocupada. Estou numa ilha aqui perto, é difícil explicar. Mas vocês estão bem? Sebastien está bem?

— Estamos bem, sim, só que o padre está uma pilha de nervos, não para de andar de um lado a outro. Encontramos seu carro baleado e engolindo uma árvore! E alguém invadiu a casa do padre e roubou os pergaminhos e a espada de Ainan!

— O quê?!

— Sim, mas estamos bem.

— Merda!

— Você está bem, mesmo?

— Eu estou bem, Sarah. Escute-me, eu creio que encontrei o terceiro bracelete e preciso pegá-lo, mas Urs vai me ajudar.

— Urs está aqui? Ai, meu Deus, o negócio vai pegar fogo. E quem atirou em você, por Deus?

— O que acha? Sei lá, para mim eram do Vaticano, queriam os braceletes. Escute, Sebastien está por aí?

— Está, espere um minuto.

— Marien! Meu Deus, onde está? — Sebastien disse, angustiado.

— Sebastien, eu tenho que ser breve. Eu estou bem, fique calmo. Eu acho que encontrei o terceiro bracelete, eu vou tentar pegá-lo, então me espere que eu mando notícias, está bem?

— Onde você está?

— Estou numa ilha aqui perto. Sebastien, fique calmo, eu estou bem, eu volto com o outro bracelete e tome cuidado, pois há homens atrás de nós. Alguém tentou pegar os braceletes e me matar.

— Acha que são eles?

— Acho.

— Devem ter sido os mesmos que roubaram tudo por aqui.

— Isso não faz sentido. Se eles são do Vaticano, por que estão roubando a si mesmos? Não temos que entregar tudo que encontramos para eles?

— Talvez, como tudo está desmoronado e saímos do perímetro deles, achem que estão perdendo o controle. E também acho que não confiam nada em nós, não é? Com quem está?

Marien mordeu os lábios, não sabia se dizia ou não.

— Estou com Urs.

— Urs? Então era dele o helicóptero?

— Por favor, não tenha um ataque, pois ele salvou minha vida. Eu levei um tiro, cai do penhasco e ele me tirou da água, mas estou bem. Agora eu vou pegar o terceiro bracelete e voltarei para você. Está bem assim? — houve um silêncio do outro lado. — Sebastien!

— Não está nada bem, Marien, mas eu vou tentar não ter um ataque e confiar em você. Tome cuidado, por favor. Está muito ferida? Deveria ir ao hospital.

— Vou tomar cuidado e eu estou bem, não preciso do hospital e sinto sua falta.

— Eu também. Promete que vai voltar?

— Mas é claro que eu vou voltar, nós temos uma profecia para cumprir, esqueceu?

— Não, não esqueci. Diga-me onde está que vou me encontrar com você.

— Não se preocupe, eu pego o bracelete. Fique aí e tente achar pistas para encontrarmos o quarto bracelete. Deve ser do ar. E eu tenho algo mais, mas preciso de tempo, quando eu voltar eu lhe digo.

— Marien, eu te amo. — disse, nervoso.

— Eu também... Eu ficarei bem, não se preocupe.

Marien desligou o telefone e quis sumir. Fechou os olhos e ficou perdida nos seus pensamentos por um tempo. Estava ficando meio amortecida pelos analgésicos até que Urs entrou no quarto.

— Trouxe uma roupa seca para você usar até que Harry possa lavar e secar as suas. Vai ficar um pouco grande, mas deve quebrar um galho.

— Obrigada.

Urs ia sair, mas parou, mordeu os lábios e virou-se. Não estava segurando sua curiosidade sobre o anel que vira em seu dedo.

— Marien, você está realmente noiva do padre?

Marien ficou muda por alguns instantes, não queria responder aquilo. Sabia que coisa boa não iria sair daquela conversa. Levantou da cama e o olhou, tentando tomar coragem, então suspirou.

— Tecnicamente, sim.

— O que isso quer dizer?

Ela fez uma careta e não sabia o que dizer.

— Urs, eu estou noiva dele, mas sou sua noiva também.

Ele cerrou os olhos, olhando-a, e não entendeu.

— Como é?

— Sou noiva dele, mas todos pensam que sou sua noiva.

Urs pensou que ia ter um ataque. Fechou os olhos por um minuto, tentando dizer a si mesmo que não havia ouvido tal coisa. Tentou controlar seus nervos, o que estava bem difícil e falou pausadamente.

— Marien, você espalhou para todo mundo que é minha noiva enquanto usa um anel de noivado dado pelo padreco?

— Desculpe, mas eu tive que mentir.

— E por que diabos fez algo assim?! — gritou muito zangado.

Urs deixou a sua raiva explodir. Olhava-a com os olhos arregalados e bufando, enquanto deu alguns passos, aproximando-se dela.

— Urs, me perdoe, mas ninguém pode saber que sou noiva dele até isso acabar e ele sair da igreja.

— Está me usando, pelas minhas costas.

— Eu não fiz isso por maldade, fiz por pânico, foi sem querer e depois não consegui mais desmentir.

— Isso não é certo, agir assim pelas minhas costas e ainda mais com um assunto desses.

— Não me fale em agir pelas costas, porque você é perito nisso.

Urs chegou bem perto dela, olhou-a profundamente nos olhos e dos seus, quase saiam faíscas.

— Por que disse que era minha noiva para encobrir suas loucuras?

— Foi a primeira coisa que me veio à cabeça, por favor, me desculpe.

Ela praticamente havia parado de respirar e ficou paralisada, olhando-o. Urs passou a língua pelos lábios e Marien sentiu um gelo lhe passar pela espinha, odiava quando ele fazia aquilo. Ele quase não conseguiu pronunciar as palavras, sua raiva e dor latejavam no peito e falou palavra por palavra com uma dificuldade imensa.

— Marien... Você sabe ser... Terrivelmente desagradável quando quer e sabe apunhalar bem no coração.

Urs virou as costas e saiu do quarto. Marien pensou que fosse cair; sentou-se na cama e não pôde conter as lágrimas que vieram aos olhos impiedosamente.

Estava se sentindo muito mal. Não queria ter causado aquela dor a Urs, pois isso a matava, mas estava feito e a única coisa que podia fazer naquele momento era chorar e fez isso por um longo tempo. Sim, ela sabia bem estragar as coisas. Ela não queria magoar Urs, mas sempre acabava fazendo isso.

Sua cabeça girava; tentou recompor-se e vestiu a roupa, saiu do quarto e andou pela casa. Precisava de um pouco de ar porque se sentia sufocada.

Ela pensou que já tinha passado por tudo na sua vida, que já tinha feito burradas o suficiente, mas estava enganada. Sempre havia a chance de cometer mais um deslize e penar mais um pouco. A única maneira seria se afastar de uma vez. Talvez ir embora para a França com Sebastien, assim Urs e ela não se veriam e ficariam bem.

Marien suspirou, cansada, e, ao olhar pela varanda, avistou a ilha em que estava; logo mais à frente, estava o helicóptero parado no jardim e, à sua esquerda, podia ver um trapiche onde estava uma enorme lancha.

O dia estava lindamente azul e ela, por um minuto, admirou aquele céu. Fechou os olhos, respirando o ar gélido.

— Precisa de algo, milady?

Ela virou-se e olhou para Harry.

— Que tal um coração e uma cabeça novos? Eu quero jogar estes fora.

— Ah! Se isso fosse fácil.

— É. — respondeu, meio divagando.

— Servirei o almoço daqui a pouco, eu trouxe um licor.

— Obrigada. — disse, pegando o pequeno cálice.

— Não se preocupe, milady. No fim, tudo ficará bem.

— Acha mesmo?

— Acho. Se a milady realmente souber o que está fazendo, não tem por que pensar que não dará certo.

— Estou tentando fazer a coisa certa.

— Acredito que sim, mas eu acho que perdeu seu caminho, se me permite dizer.

— Talvez, o problema é que não consigo mais distinguir qual é o meu caminho.

— Vai conseguir, milady.

— Por que ainda me chama de milady, Harry?

— Porque, para mim, sempre será. — ele foi sair e virou-se. — E posso lhe afirmar que para milorde também.

Marien fechou os olhos, pois não queria ouvir aquilo.

Eles foram almoçar na varanda onde a paisagem era espetacular, mas passaram quase todo o almoço calados.

— Vou mergulhar à tarde. Se não quiser vir comigo, irei sozinha.

Urs respirou profundamente.

— Não vou deixar você descer sozinha.

— Não precisa fazer nada obrigado, me leve de volta a Ancona e arrumo um mergulhador para me acompanhar.

— Eu vou.

— Por que faz isso? Está bravo comigo e fica me espionando, me zelando e fazendo as coisas por mim. Está aí se mordendo de raiva e não larga este ar de lorde almofadinha. Diga logo o que está engasgado.

Urs soltou os talheres e bateu na mesa com os punhos.

— Quer saber o que eu penso, Marien?

— Por favor!

— Acho que está cega, acho que é uma fraca que foge de mim. Você diz que não me ama, que não me quer, mas se derrete quando eu chego perto de você, quando eu a toco. Eu não sou cego e a conheço mais que qualquer um. Sei exatamente quando muda a respiração, quando me deseja. E por mais que diga que não me ama, eu sei que ama. Diga-me, por que foge de mim desse jeito? Quem esconde as coisas aqui é você, não eu. Está me dizendo que ama o padre, que é noiva dele, mas ousa dizer que é minha noiva nas suas farsas, para se safar? Se você tivesse coragem, revelaria ao mundo inteiro que o ama e é sua noiva, que vão se casar e pronto, a igreja que se dane.

— Não é simples assim...

— Pois para mim é bem simples.

Marien levantou da mesa.

— Pare de dizer asneira, você não sabe de nada.

Urs levantou e foi à frente dela.

— Não sei o quê? O que me esconde? Fale a verdade, vejo nos seus olhos que me esconde alguma coisa. Pelo menos uma vez na vida me diga a verdade! — disse quase gritando e olhava-a, enfurecido.

Marien ficou muda, olhando-o nos olhos. Sua garganta travou e nada passou por ela, nem mesmo o ar. Queria poder dizer por que não o queria, mas não conseguia.

Ele tinha razão, ela era uma fraca, não conseguia lhe dizer a verdade. Por mais que tentasse, seu medo a impedia.

Ela tinha erguido aquele muro e até mesmo ela não conseguia mais baixá-lo.

Urs não pensou; envolveu-a pela nuca com as duas mãos e a beijou furiosamente. Ela tentou se afastar dele, empurrá-lo, mas ele a segurou e a beijou intensamente. Ele a beijou com raiva, dor e amor misturados como ele nunca havia feito antes, e ela nunca havia visto Urs fazer algo assim.

Marien não conseguiu fugir e acabou o beijando de volta. Beijaram-se enlouquecidamente; os dois subiram um degrau do chão, perdidos, envolvidos naquele ato insano.

Urs desceu as mãos de seu pescoço para seu corpo para abraçá-la, mas passou a mão no seu braço ferido. Ela gritou, sentindo a dor lhe fisgar com toda a força e afastou-se dele bruscamente.

Urs voltou à razão naquele momento e a soltou. Ela se virou de costas para ele, sentindo a dor imensa no braço, segurando-o e curvando-se, mas a dor no seu coração ficou latente.

Urs a olhou com os olhos arregalados e com a respiração ofegante. Fez uma careta de dor e se afastou dela, dando alguns passos para trás.

— Desculpe. — disse, atordoado. Foi a única coisa que conseguiu dizer.

Ele virou as costas e saiu da varanda, entrando na casa. Marien foi até a cadeira, sentou e começou a chorar aos soluços. Negava aquele amor por ele com todas as forças. Olhou para seu anel e chorou mais.

Queria ter uma vida nova com Sebastien, mas as situações em que se metia eram deveras embrulhadas. Perdia-se no meio daquela confusão toda e, pela insistência de Urs, não sabia mais o que estava fazendo ou quem amava. Seus sentimentos nunca estiveram tão confusos.

Seu braço latejada pela dor, assim como sua cabeça e seu coração.

— Milady, eu trouxe um café.

— Eu não quero nada, Harry. — ela disse, secando as lágrimas e tentando parar de chorar.

— Sei que adora um café. — disse mansamente. Marien foi à beira da varanda e tentou respirar. — Tome o café, fiz especialmente para a senhora. Sabe que tentei aprender a fazê-lo como gosta, apesar de não saborear como um belo chá.

Ela o olhou com carinho pela gentileza e tentou sorrir. Ela o adorava e não queria ser rude com ele, então pegou a xícara e bebeu um gole.

— Está ótimo, Harry. Obrigada.

— Sabe que milorde não desmanchou o quarto do seu bebê?

Marien derrubou a xícara, que se estilhaçou no chão, e olhou para Harry com os olhos arregalados.

— O quê?

— Ele o mantém trancado e só eu tenho a chave. Não é só a senhora que sofre pelo passado. — ele se abaixou e catou os cacos da xícara. Levantou-se e a olhou. — Não se pode fugir quando se está atado, apenas se debate e finge estar livre. É como um pássaro na gaiola. Todos têm uma segunda chance, milady, basta agarrá-la. Pense bem no que está fazendo.

Harry virou-se e saiu. Ela não sabia se conseguiria sustentar suas pernas; escorou-se na cerca e ficou olhando o mar, tentando não gritar.

Do jeito que as coisas estavam andando, ela já duvidava de sua sanidade.


Capítulo 37

À tarde pegaram a lancha, as roupas de mergulho, os tanques de oxigênio e foram até a encosta do penhasco. Urs e Marien mergulharam e, quando chegaram ao fundo, Urs arregalou os olhos ao ver os esqueletos, como Marien havia dito, e ele não acreditou.

Ela fez sinal e mostrou a ele a ponta brilhante na pedra. Eles se aproximaram e viram que ele estava encravado na pedra. Urs analisou o local e viu que precisariam de material para retirar. Ele fez sinal para que ela o seguisse, mas ela fez sinal que não e voltou à pedra.

Ela abriu uma bolsa e colocou os dois braceletes, um em cada pulso, e colocou as duas mãos nas pedras e fechou os olhos.

Ele a olhou sem entender por alguns minutos; de repente, sentiram algo tremer e algumas pedras soltaram-se do penhasco, despencando na água. As águas ficaram violentas, balançando a lancha, e Harry, que havia ficado a bordo dela, esperando-os, arregalou os olhos, olhando ao redor.

Marien ficou naquela posição e recitava um encantamento de adoração à água. As pedras começaram a mover-se. Urs olhou ao redor e foi até ela para que saíssem dali, mas ela não saiu e tudo ficou mais violento.

Ela forçosamente tentou ficar com as mãos na parede e o bloco de pedra no qual o bracelete estava encravado partiu-se em dois e o bracelete se soltou da pedra. Ela o agarrou, extasiada.

Uma espécie de redemoinho os afligiu e os dois rodopiaram pela água. Urs a segurou pelo braço e tentou puxá-la para cima, mas a mão dele escorregou e ele a segurou pela mão. O tanque de ar de Marien rompeu-se e ela soltou sua mão, debatendo-se, e a água a puxou para longe dele.

Urs voltou e tentou segurá-la e soltou o tanque de suas costas. Ele colocou o seu tubo de ar na boca dela para que pudesse respirar. Nadaram para cima com dificuldade, chegando ao topo praticamente sufocados.

As águas estavam turbulentas e os atingiam violentamente, jogando-os de um lado para o outro. Harry ligou o motor e tentou chegar mais perto e ajudou-os a subir. Os dois caíram no barco, exauridos e tossindo.

Harry tentou tirar a lancha dali, mas as ondas batiam violentamente contra eles quase a virando. Com dificuldade, ele conseguiu seguir e as águas foram acalmando até que saíram da encosta e voltaram para a ilha.

Marien não conseguiu sair do barco, estava zonza, mas segurava o bracelete com tanta força que seus nódulos estavam brancos. Urs a pegou no colo, levou-a para dentro e tirou a roupa de mergulho rapidamente.

— Marien, você está bem?

— Eu estou... Tonta. — disse, pensando que ia vomitar.

— Calma, venha e sente-se. Ficou sem ar, já vai passar. Dê-me isso. — disse, tentando soltar os dedos dela do bracelete. — Você o retirou da pedra.

— Foi, não é? — ela tentou sorrir, mas tremia involuntariamente de nervoso e de frio.

— Acho melhor retirar estes aqui. — ele retirou os braceletes de seus pulsos, ajudou a retirar a roupa de mergulho e a envolveu numa toalha. — Calma, você conseguiu, está tudo bem.

Ele a abraçou e ela retribuiu e ficaram assim demoradamente.

— Urs, eu consegui, movi as pedras, é incrível. E você viu a água?

— Eu vi, querida, eu vi. — disse, espantado.

Marien o soltou e o olhou. Ela estava espantada com ela mesma.

— Você viu os esqueletos?

— Sim, eu vi e devo dizer que é incrível. Jamais imaginei isso.

— Urs, isso é muito importante para mim. Sei que talvez não entenda, mas eu tenho que ir até o fim disso.

— Eu sei que é, por isso é que eu ajudo você, pois é importante para mim também, só não quero que se machuque, só isso. — ele disse mansamente, mas meio nervoso.

— Eu sei, obrigada por ajudar. Eu preciso voltar.

Urs tentou conter seu desapontamento e olhou para seu braço.

— Você está sangrando. Precisa de um banho quente e fazer outro curativo, venha.

Ele a ajudou a se levantar e a levou para a suíte. Ligou o chuveiro e Marien enfiou-se debaixo da água quente, que começou a esquentar seu corpo gelado. Urs a ajudou, colocando xampu na sua mão e ela tentou lavar os cabelos, mas não conseguia erguer o braço, pois estava doendo.

Urs entrou debaixo do chuveiro e começou a lavar seus cabelos. Marien fechou os olhos e deixou que ele fizesse aquilo, pois mal conseguia segurar seu corpo.

— Se está bravo comigo, por que está me dando banho? — disse, olhando-o e falando mansamente; ele respondeu no mesmo tom.

— Porque sou um cavalheiro.

— E quando é que deixa de ser um?

— Quando você me tira do sério.

— Isso é o tempo todo.

— Acho que sim.

— Não posso estar aqui desse jeito com você.

— Por que não? Precisa de ajuda para se lavar.

— Urs, sabe do que estou falando.

— Sei. Acha que está traindo seu padre.

— Não fale assim.

— Não se preocupe, não vou te agarrar e fazer amor com você.

— Trair é só quando se faz amor com alguém?

— Quando se trai, acho que não se faz amor, Marien, se faz sexo. Você sabe disso.

— Não sei. Nunca te traí.

Urs parou repentinamente de enxaguar seus cabelos e a olhou, espantado. Ele tinha certeza de que ela o traíra, pelo menos imaginava.

— Você nunca me traía quando ficava meses longe de mim?

— Nunca. Responda-me. Quando me traiu, só fez sexo?

Ele a olhou por alguns minutos.

— Nunca teve importância, meu coração não estava envolvido, nunca traí meu amor por você. Sexo é só sexo.

— Então quem traía quando fazia sexo comigo?

Urs demorou a responder. Respirou e tentou tomar coragem para continuar aquela conversa. Sim, aquela fora uma grande merda na sua vida, algo de que se arrependia do fundo de seu coração, porque traíra seus princípios, mas raiva era uma praga que envenenava a mente.

— Nunca foi só sexo com você, sua tola. Nunca percebeu a diferença de quando ficava com seus caras malhados de academia?

— E o que via de diferente nas suas mulheres ocas e burras?

Ele sorriu de canto de boca, o que ressaltou sua covinha na bochecha. Olhou-a, sentindo seu coração estrangular no peito.

— A diferença é que nunca tive um momento como este aqui, no qual eu quisesse lavar os cabelos delas ou me meter em alguma confusão, como mergulhar em águas geladas no inverno, atravessar um país para salvar a mocinha de bandidos, ou me jogar de um helicóptero para tirá-la do mar, ou simplesmente tomar uma xícara de chá e ler Shakespeare.

Aquilo fez o coração de Marien esmigalhar.

— Eu adorava quando você lia Shakespeare para mim.

— E eu adorava ler para você.

— Adoro ouvir sua voz.

— Quem sabe eu possa ler para você por telefone.

Marien quis chorar. Sentiu uma imensa tristeza lhe invadir, abaixou o rosto e fechou os olhos.

— Isso seria bom.

Urs a abraçou lentamente e Marien deixou-se abraçar. Aconchegando-se em seu peito, ele respirou profundamente e fechou os olhos.

— Espero que ele a faça feliz.

— Não vai me odiar, Urs?

— Não, Marien, não vou. Eu te amo e quero te ver feliz, se é com ele que vai ser feliz, então que seja. Eu sempre tentei e nunca consegui. Você tem um lado que não me deixa chegar perto e outro que não me deixa ficar longe. Eu não consigo te entender. Você quer seguir em frente, então que seja. Mas vou te pedir uma coisa: fique longe de mim, pois eu não quero mais conviver com você. Tenha sua família com o padre, mas não fique perto de mim.

Lágrimas escorreram dos olhos dela. Parecia que o fim com Urs, que tanto desejara, estava mesmo se aproximando. Devia estar feliz, mas não estava.

— Por que ainda está com o quarto do bebê?

Urs apertou os olhos, sentiu sua garganta travar mais ainda. Não esperava que ela lhe perguntasse isso.

— Porque eu sempre quis que você voltasse para mim e que nós pudéssemos ter nosso bebê de novo. Sempre deixei as coisas no lugar em que as deixou, sempre esperei que voltasse para casa, que um dia iria dizer novamente que me amava, assim como eu te amo. Porque nunca, em nenhum momento, deixei de amá-la, porque isso é o mesmo que respirar. Quando você pediu o divórcio, alegou que era porque eu te traía. Eu aceitei por que eu o fiz, mas nunca consegui entender por que você me deixou, por que se afastou de mim. Quando eu te conheci, tive certeza de que você era a mulher da minha vida, que teríamos uma vida inteira juntos, teríamos nossa família e que sempre seríamos companheiros. Eu queria saber onde foi que eu errei para você me deixar, pois eu faria qualquer coisa para me redimir e ter você de volta.

Marien ouvia tudo com a testa encostada em seu peito e com os olhos fechados. Não aguentou segurar as lágrimas ao ouvi-lo dizer tudo aquilo e o abraçou fortemente.

Ficaram ali por um tempo e ela o olhou; ela queria dizer mil coisas, mas não sabia nem em que planeta estava.

Ele acariciou docemente seu rosto e a olhou de uma maneira que a deixou tonta. Lentamente, aproximou seus lábios dos dela e a beijou; suas mãos deslizaram por suas costas, abraçando-a mais. A água quente que molhava aquele beijo parecia álcool que os estava embriagando, e Marien quase se perdeu ali, nos braços de Urs.

A língua dele tocando a sua docemente quase a fez perder o rumo. Ele não a beijava com raiva, como havia feito antes, e, sim, com amor; Marien pôde sentir e estava a um passo de se entregar a ele, mas se afastou lentamente. Olhou-o e, com um esforço maior que ela, disse com a voz embargada:

— Eu não posso fazer isso.

Marien saiu do banheiro e Urs ficou debaixo da água. Ele queria gritar, sacudi-la para ver se ela mudava de ideia e o aceitava, pois não queria deixá-la ir; queria abraçá-la, beijá-la, fazer amor com ela, tê-la de volta.

Ele escorou-se na parede e chorou aos soluços; percebera que a havia perdido de vez. E aquilo doía demais.

Ele pensou que podia consertar as coisas, tinha tentado e falhado. Como viveria sem ela agora? Vislumbrar seu futuro sem Marien era doloroso e vazio.

Marien vestiu o roupão e foi para o quarto, deitando-se na cama. Seu corpo todo doía e seu braço sangrava, mas ela nem se deu conta; estava doída por inteiro, por dentro e por fora e, caída na cama, chorou tudo que pôde.

Deixar Urs no chuveiro a querendo depois de beijá-lo era uma coisa que ela jamais teria imaginado fazer, mas tinha Sebastien e não podia fazer aquilo com ele, não podia mais perder-se com Urs nem aceitar o que ele lhe oferecia, pois não podia dar o que ele queria.

Aquilo tinha que parar. Entregou sua vida a Sebastien e teria que fazer o que Urs dissera: afastar-se dele de uma vez por todas, para que ele buscasse sua família em outro lugar, que a esquecesse. Marien tomou mais alguns analgésicos e ficou na cama com os olhos fechados, tentando apagar a mente, mas algumas perguntas começaram a martelar na sua cabeça, uma e outra vez.

“E se eu contasse tudo?”

“Ele me aceitaria?”

“Urs abriria mão de seu sonho por mim?”

Marie por fim dormiu profundamente, pois seu esgotamento mental e físico a derrubou.

Marien acordou no outro dia e viu que estava coberta e deitada direito na cama. Provavelmente Urs tinha a movido sem que acordasse. Ficou espantada por ter dormido por tantas horas seguidas. Levantou, fez outro curativo no braço, vestiu-se e foi para fora. Avistou Urs tomando café da manhã e foi até ele, sentando-se à mesa. Ele a olhou rapidamente e ficou calado; ela também não disse uma palavra.

Isso lhe deu um embrulho no estômago, pois se lembrava de seu casamento em crise, quando não trocavam palavras nas refeições. Marien nunca se sentiu tão deprimida na vida, era como se estivesse dentro de um buraco negro. Eles a tinham tirado do buraco em Jerusalém, mas sua alma tinha ficado presa lá. Foi então que ela resolveu ficar mais fora de casa, para evitar aquilo. E tudo estava se repetindo...

— Tome seu café, depois eu vou levá-la a Ancona.

— Obrigada. — sussurrou.

Ela serviu-se e não disse mais nada; mal podia olhá-lo, pois, se o fizesse, talvez desmoronasse de uma vez.

Foram de helicóptero de volta à costa e Urs desceu o aparelho perto da escavação, em uma parte plana.

— Eu vou tentar ver sobre as terras, Marien, mas eu já adianto que, sem algo concreto, é praticamente impossível conseguir autorização para exploração. Se conseguir algum indício ou prova disso, me ligue.

Ela assentiu com a cabeça; afastou-se do helicóptero e ele levantou voo.

Marien desceu a montanha e avistou Sebastien de longe. Quando ele a viu, pensou que seu coração ia saltar do peito. Ele foi ao seu encontro e Marien se jogou em seus braços, abraçando-o fortemente.

— Marien! Meu Deus, que bom que voltou, eu não aguentava mais de angústia! — ela não soltou do seu pescoço e ele percebeu algo estranho e a abraçou mais forte. — Você está bem? Por que está assim?

— Nada, eu só senti sua falta.

— Por que não ligou? Tentei ligar diversas vezes, mas o celular de Urs estava desligado. O que houve?

— Desculpe. — disse, soltando-se dele. — Eu dormi e apaguei, estava exausta.

— E seu ferimento? Foi grave? Como se sente? Precisamos ir ao hospital. Sua testa está roxa.

— Ei, fique calmo, ok? Foi só um arranhão. Urs e Harry cuidaram de mim e estou bem. A testa foi que bati no volante do carro, mas também não é nada. O que importa é que eu consegui o bracelete da água.

— Onde o encontrou?

— No fundo do mar, cravado nas pedras junto dos cadáveres de Ancona.

— Aqui no penhasco? — perguntou, espantado.

— Sim.

— Como isso é possível?

— Eu não sei, mas estava lá, e eu usei os dois braceletes e o arranquei da pedra. É incrível, parece que a força aumentou. Acho que quanto mais unirmos os braceletes, mais força haverá na magia. Agora nos falta um e tem mais... Eu sei onde o túmulo dela está.

— Sabe? Como?

— Eu sonhei, eu vi, ou o que seja, sei onde está.

— Mas se falta um bracelete...?

— Eu não sei, mas acredite, sei onde Marien está enterrada. E acho que o bracelete pode estar lá também.

— E onde seria?

— Na montanha, onde tem o paredão de pedras, onde você me encontrou naquela noite de chuva. Lembra-se?

— Nunca vou esquecer aquela noite, eu sabia que você estava lá, mas não lembro como cheguei lá. Você estava com medo de mim.

— Aquela noite foi muito estranha. Isso aconteceu comigo também, não me lembro de como cheguei lá.

— Está dizendo que ela está ali?

— Com toda certeza.

— Fomos levados até lá e não nos demos conta.

— Bem, estávamos mais focados nos nossos próprios problemas que deixamos aquilo passar, mas se ela está lá ou não, só há uma maneira de saber e nós vamos descobrir.

— Marien! — gritaram Sarah e Davide, que vinham correndo; ela a abraçou. — Você está bem?

— Estou, Sarah.

— Você nos deu um susto e tanto! — Davide disse, abraçando-a, e ela sorriu e acariciou o rosto dele.

— Vamos, temos que encontrar o túmulo de Marien.

— Nossa, isso é uma reviravolta.

— Conte como conseguiu o bracelete.

Eles foram para a tenda e Marien relatou tudo detalhadamente desde a agressão na casa, a perseguição, o penhasco, e todo o resto. Claro que omitiu as suas discussões horrendas com Urs.

— Bem, então agora o que nos resta é ir lá neste paredão e tentar conseguir uma pista.

— Não acha que deveríamos esperar para ver se Urs consegue a autorização? — Sarah disse.

— E se ele não conseguir? Não consigo ficar aqui sentada esperando, temos que ir lá e resolver isso de uma vez. — Marien disse.

— Mas e se estiver errada?

— Eu sei que está lá e, se for preciso, coloco tudo aquilo abaixo. Então, vamos ou irei sozinha?

— Bem, eu vou com você. — o padre disse.

Davide e Sarah os seguiram e foram para as montanhas. Chegando em frente à parede de pedras, ficaram abismados. Era um imenso rochedo cravado na montanha. Marien chegou à frente dele e tocou as pedras com as mãos, olhando para cada detalhe delas.

— Não há nada aqui, é um rochedo. — o padre disse.

— Há, eu sei que há. — disse, vasculhando e arrastando as mãos pedra por pedra. Marien encontrou uma pequena marca circular talhada em uma das pedras. — Veja, é o símbolo templário.

— Verdade! — Sebastien disse, rindo. Ele percorreu as pedras e encontrou outra marca encoberta por um mato. — Achei outra marca.

— É uma porta.

— Então tem que abri-la.

— Ok, eu já estou perita nisso. O que falta é o ar, então...

Marien retirou os braceletes da bolsa; colocou um em cada pulso e o terceiro no antebraço. Fechou os olhos, concentrou-se com todas suas forças e, com as duas mãos levantadas, começou a recitar palavras em adoração ao ar.

Um vento muito forte começou a soprar e a imensa pedra cravada na montanha foi movendo-se, dando espaço a uma passagem.

Os três, petrificados, olhavam para Marien, que continuou até a rocha mover-se o suficiente para eles passarem. Ela abriu os olhos e abaixou as mãos.

— Funcionou, Marien! — o padre gritou e eles se abraçaram. — Parece que não precisa mais da minha mão. — disse, sorrindo.

— Eu sempre vou precisar da sua mão. — disse, sorrindo de volta.

Davide e Sarah se abraçaram, espantados e rindo. Eles entraram pela passagem e a iluminavam com as lanternas. Ao longo do caminho, havia tochas nas paredes e as foram acendendo, iluminando o local, até chegarem a um espaço aberto que parecia um fosso.

— O que é isso? — Sarah perguntou, olhando no imenso buraco.

— Parece uma escada em espiral.

— Nossa, que sinistro. — Sarah sussurrou.

— Vamos descer.

Desceram vagarosamente pelas escadas até chegarem a um enorme salão e o iluminaram com as lanternas. Sebastien, com fósforos, tentou acender uma pira. Marien viu uma torrente de pedra e jogou um fósforo acesso nele; o fogo acendeu, correndo por ele como se fosse um caminho, fazendo alguns desenhos no espaço escuro e foi iluminando o local. O espaço era gigantesco.

— Ai, meu Deus! Nós finalmente encontramos o túmulo de Marien! — Marien disse, emocionada, arregalando os olhos.

Podiam-se ver quatro túmulos; um mais à frente e uma imensa estátua da deusa à frente deles.

— Vejam, é uma estátua da deusa. — disse Sebastien quase sem respirar e com um sorriso nos lábios.

— Este lugar é magnífico. Ninguém sabia deste lugar, a igreja não suspeitou, por isso não o reclamou. — ela disse, rindo.

— Nós encontramos. — ele disse, olhando para ela.

Eles se aproximaram dos túmulos que eram ricamente talhados em pedra com imagens, símbolos e arabescos e possuíam uma altura de mais de um metro e meio do chão.

— Quatro túmulos? — Sarah perguntou.

— Devem ser das outras sacerdotisas. Elas eram enterradas aqui, é um lugar sagrado. — o padre disse.

Marien olhou um a um e foi ao que ficava mais à frente; sobre o bloco, havia um corpo de mulher talhado, sobressaindo-se à pedra.

— Isso é magnífico! Esta deve ser a imagem dela. Olhem os detalhes dos cabelos, do rosto. Ela é... Perfeita.

Marien parecia estar em êxtase ao ver aquilo; passou vagarosamente a mão sobre ela e sentiu uma emoção enorme. Na verdade, ela não sabia o que estava sentindo, pois seu coração batia completamente descompassado no peito.

— Era isso que a ordem dos templários protegia, por isso é que Asch ficou aqui tanto tempo depois que ela morreu; ele estava protegendo seus túmulos. As marcas dos templários eram cravadas para sinais e para proteção. E uma pista para nós. — Marien disse.

— Mas tanto trabalho por um túmulo?

— Talvez ele não estivesse escondendo somente um túmulo, Sarah.

— Então o que seria? — Sarah perguntou.

— O que diz aquela mensagem na parede, Marien?

— Ela disse que queria dormir em cima do ouro e rodeada de pedras preciosas, e Asch fala das cores.

— Ajudem-me a abrir.

Os quatro fizeram uma força tremenda para conseguir abrir uma fresta da tampa do túmulo e, quando iluminaram dentro, viram o esqueleto de Marien. Marien, estupefata, deu um passo atrás.

— Ai, meu Deus, a encontramos!

Sebastien colocou a mão dentro e pegou a espada que estava sobre suas pernas.

— A espada de Asch. Eu sabia que estaria com ela. Marien, olhe isso, é fantástica!

Eles abriram mais a tampa para ver melhor. Ele iluminou o caixão e, ao redor dela, havia enormes pedras brutas, verdes, vermelhas, cristais e diamantes. Algumas eram pequenas, outras surpreendentemente enormes.

— As pedras sagradas, ela foi enterrada com elas.

— Meu Cristo, isto é incrível! — Davide disse, pegando uma delas que tinha quase o tamanho de sua mão.

Marien pegou lentamente o pentagrama que estava no seu pescoço e o olhou, respirando profundamente.

— O seu pentagrama. — disse Sebastien.

— Agora entendi o que queria dizer esta sua frase. O túmulo dela está encantado, todas estas pedras catalisam a magia que a faz se comunicar conosco. Asch conhecia a profecia e ele fez tudo para que ela se concretizasse. Tudo isso é um ritual para que nós a encontrássemos através de todas as pistas que ele deixou. Através da magia, pudemos ver tudo que aconteceu com eles e descobri-la. — disse Marien, espantada.

— Olhe estes sinais no chão; é um círculo, o túmulo dela está dentro de um círculo sagrado. Você tem razão, Marien, ele planejou tudo. Ela esperou o momento certo para que nós encontrássemos e fizéssemos tudo o que esperavam para ela ser revelada.

— Nossa! Mas demorou tantos séculos. — disse Sarah.

— Talvez antes não fosse o momento certo.

— Por que os símbolos templários não apareceram antes?

— Asch fez pistas crescentes. Quanto mais nós adentrássemos nos segredos, mais as pistas evoluíam.

— A igreja nunca as achou porque eles não sabiam que este lugar existia.

— Talvez eles desconfiassem, e por isso o bispo não a matou de pronto. Talvez quisesse descobrir onde estavam as pedras.

— Pode ser, mas elas estavam salvas aqui.

— Agora não estão mais. — disse uma voz atrás deles, que se viraram rapidamente e avistaram um homem apontando uma arma. — Sinto muito, mas este lugar pertence a nós.

 

 


C  O  N  T  I  N  U  A